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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: SUA APLICABILIDADE EM CASOS CONCRETOS NO TJ/RJ Paola Carvalho Gomes da Silva Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: SUA

APLICABILIDADE EM CASOS CONCRETOS NO TJ/RJ

Paola Carvalho Gomes da Silva

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: SUA

APLICABILIDADE EM CASOS CONCRETOS NO TJ/RJ

OBJETIVOS:

Esta monografia atende ao requisito para formação

na pós-graduação do Curso de Direito nas

Relações de Consumo, e tem como principal

objetivo discutir a aplicação do instituto da inversão

do ônus da prova nos casos concretos, e ainda,

analisar se os operadores do direito estão

observando os requisitos do CDC, quando da

aplicação desse instituto.

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AGRADECIMENTOS

Ao querido professor e orientador Willian Rocha,

que dedicou sua atenção e ajudou-me a realizar

essa monografia.

Aos meus pais e à minha irmã, que caminharam ao

meu lado para que eu pudesse chegar até aqui, e

por toda a paciência, amor e compreensão que

sempre tiveram comigo.

Aos amigos, que de alguma forma me incentivaram.

Enfim, a todos, muito obrigada.

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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo o estudo da inversão do ônus da

prova no Código de Defesa do Consumidor. Este instituto consumerista que

trouxe para o direito brasileiro uma mudança no eixo da responsabilidade -

princípio norteador da responsabilidade objetiva.

A Lei nº 8.078/90 criou esse mecanismo para que, sendo o consumidor

hipossuficiente em relação aos conhecimentos técnicos do produto ou da

prestação de serviço, e possuindo ele alegações verossímeis,, o magistrado

possa determinar a inversão.

A inversão ope judicis, prevista no Código de Defesa do Consumidor,

não se atém às hipóteses taxativas verificadas por força de lei. O Código de

Defesa do Consumidor prevê a possibilidade do Juiz inverter o ônus da prova,

quando julgar cabível, desde que presentes os pressupostos necessários para

a aplicação dessa medida.

No presente trabalho, encontra-se a explanação sobre o momento ideal

para a inversão do ônus da prova praticado pelo magistrado, quando cabível ou

necessária tal medida, principalmente nos casos julgados no Estado do Rio de

Janeiro.

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METODOLOGIA

A metodologia empregada foi a pesquisa em livros que abordam o

tema, bem como as decisões proferidas por Magistrados e Desembargadores

do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Foram utilizadas obras literárias que são tidas como de referência de

acordo com o assunto em enfoque, e também pesquisa de campo, ao serem

coletadas decisões que se adequam ao referido tema, e que foram proferidas

no Estado do Rio de Janeiro, além da experiência adquirida no próprio

mercado de trabalho.

A proposta dessa monografia foi buscar uma discussão acadêmica

sobre o assunto, que tanto movimentou o Poder Judiciário e a sociedade como

um todo nos últimos anos, portando-se simplesmente como um início de estudo

científico sobre o tema.

Ao final da monografia, como anexos, são fornecidos vários exemplos

de casos concretos que foram julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro, como forma de melhor ilustrar o trabalho ora apresentado.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01

CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PROCESSUAL 05

CAPÍTULO II: O ÔNUS DA PROVA E SUAS PECULIARIDADES 09

CAPÍTULO III: A INVERSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

NO CDC 28

CONCLUSÃO 42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45

ANEXOS - EXEMPLOS DE CASOS CONCRETOS NO TRIBUNAL DE

JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo a análise da inversão do ônus

da prova, sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor, principalmente

em relação aos casos julgados no Estado do Rio de Janeiro. Tudo isto porque,

dentre as diversas situações probatórias na relação consumerista, cumpre

distinguir e examinar como se opera a medida da inversão do ônus probatório

em cada hipótese específica, ou seja, em cada caso concreto.

Nos termos da determinação constitucional, a expedição do Código de

Defesa do Consumidor responde a antiga exigência da economia de mercado,

que se ressentia de instrumento adequado para contrabalançar os

desequilíbrios existentes entre as grandes empresas e os consumidores em

geral, na aquisição e na fruição de bens e serviços, para a satisfação de

necessidades humanas primárias.

Aparelhada na relação de defesa da concorrência com sistema jurídico

próprio, não se encontrava, no entanto, a legislação brasileira, sob o outro polo

da relação de consumo, posicionada em condições compatíveis com a

magnitude dos valores nela envolvidos e exatamente com respeito à parte

economicamente mais fraca.

Completa-se, assim, o binômio em que repousa o regime jurídico da

economia do mundo liberal, a saber, a defesa da concorrência e a proteção do

consumidor, permitindo-se, de um lado, o respeito aos direitos dos

competidores e, de outro, o do adquirente de bens e de serviços colocados no

mercado.

Integra-se, desse modo, na regência da matéria, os princípios

fundamentais da lealdade com o concorrente e o da honestidade com o

consumidor, erigidos, desde tempos antigos, em vigas mestras do direito

negocial.

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Nesse sentido, e inseto na linha de proteção dos valores fundamentais

da pessoa humana, o ingresso do Código na realidade jurídica encontra-se

preparado, graças à reestruturação constitucional havida em 1988, para a sua

efetiva aplicação, com a sagração de inúmeras novas medidas assecuratórias

desses direitos e a nível coletivo, dentro da evolução operada nessa área.

De fato, coerente com o espírito que presidiu a Carta Constitucional de

1988, em que a dignidade da pessoa humana e a preservação de seus direitos

de personalidade são os pilares, o Código de Defesa do Consumidor veio

suprir lacunas existentes em nosso direito positivo, acompanhando o progresso

legislativo processado na matéria, especialmente em alguns países da Europa

e nos Estados Unidos.

Informado por princípios próprios, e estratificados sob a forma de normas

de ordem pública, o Código busca o equilíbrio na relação de consumo,

conferindo aos consumidores o instrumental de defesa compatível com as

necessidades do mundo presente.

Com efeito, tendo no universo contratual do setor poderosas empresas,

detentoras de tecnologias próprias, ao lado de pessoas normais, além de

profissionais e de outras empresas, também consumidoras, o Código arma a

parte mais fraca com mecanismos de proteção, públicos e privados, que lhe

permitirão a consecução de justiça na contratação denominada de massa.

Destacam-se, em seu contexto a proteção do consumidor e o

reconhecimento explícito de vários direitos básicos do mesmo, bem como a

modificação de conceitos e de institutos processuais para efeito de defesa de

interesse de consumidores, como a inversão do ônus da prova.

O Código de Defesa do Consumidor constitui-se num sistema autônomo

e próprio, sendo fonte primária. Dessa forma, no que respeita à questão da

produção das provas no processo civil, o CDC é o ponto de partida, aplicando-

se a seguir, de forma complementar, as regras do Código de Processo Civil.

Entender, então, a produção das provas em casos que envolvam as

relações de consumo é compreender toda a principiologia da Lei n. 8.078/90,

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que pressupõe, entre outros, a vulnerabilidade do consumidor, sua

hipossuficiência, especialmente técnica e de informação, mas também

econômica, o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de

natureza objetiva etc.

Assim, têm-se, na lei consumerista, as determinações próprias que

tratam da questão da prova. Na realidade é a vulnerabilidade reconhecida no

inciso I do art. 4º do CDC que justifica a proteção do consumidor na questão

das provas.

A primeira situação envolvendo provas na lei consumerista é a

relacionada à responsabilidade civil objetiva do fornecedor pelo fato do produto

e do serviço, bem como a responsabilidade pelo vício do produto e do serviço,

e que se estende por todo sistema normativo da Lei n°. 8.078/90. Haverá

necessidade que o consumidor prove o nexo de causalidade entre o produto, o

evento danoso e o dano, para pleitear a indenização por acidente de consumo.

E a produção dessa prova preliminar necessária se fará pelas regras do Código

de Processo Civil, a partir dos princípios e regras estabelecidas no CDC.

Todavia, também essa prova, como qualquer outra que tiver de ser

produzida, deverá guiar-se pelo que está estabelecido no art.6º, VIII, do CDC.

Rompe-se, assim, com a regra tradicional do artigo 333 do Código de

Processo Civil, em que se estabelece o princípio de caber ao autor à prova do

fato constitutivo do seu direito, e, ao réu, a do fato impeditivo, modificativo ou

extintivo, do direito do autor.

Ocorre, no entanto, que, depois da perplexidade dos primeiros tempos

de vigência do Código do Consumidor, em que se notava uma acentuada

timidez dos órgãos judiciais para aplicar os novos princípios tutelares das

relações de consumo, passou-se a certa euforia, na concessão de favores

indiscriminados nas ações em que os consumidores figuram como parte.

Infelizmente, o que se observa, na praxe forense, em incontáveis feitos,

é que a inversão do ônus da prova vem sendo deferida, imotivadamente, de

forma automática, sem a necessária cautela, da parte dos magistrados, na

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aferição da presença, no caso concreto, dos requisitos autorizadores, num

preocupante quadro, que vem se transformando numa verdadeira cruzada

contra as empresas, em gritante prejuízo de garantias processuais tradicionais,

como, por exemplo, a ampla defesa e o contraditório.

Passou a proliferar em torrencial jurisprudência, algumas anomalias,

que vieram a desvirtuar, por completo, o escopo do legislador, quando

disciplinou a possibilidade de inversão do onus probandi.

O que é por deveras grave, visto que de um modo geral, ao impor a

uma das partes o ônus da prova, o juiz determina a vitória da outra.

Visando o exame de todos esses aspectos, tratará esta monografia da

medida de inversão do ônus da prova precipuamente com relação aos

consumidores, por vista no Código de Defesa do Consumidor.

Nesse quadro, a presente monografia terá como base o estudo dos

requisitos exigidos para a inversão do ônus da prova; dos momentos

procedimentais em que a mesma se revela cabível; destacando a necessidade

da efetiva motivação das decisões judiciais que decretem a inversão do onus

probandi; além de grifar o risco de ofensa à segurança jurídico-processual,

principalmente no tocante aos casos que ocorrem no Rio de Janeiro.

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CAPÍTULO I

A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PROCESSUAL

1.1. A evolução do Direito Processual Civil

O intuito da História do Direito é oferecer ao Direito atual a

compreensão de sua retrospectiva, esclarecendo as suas dúvidas e

levantando, passo a passo, a estrutura do seu ordenamento, seus institutos

mais perenes, suas bases e suas características de forma, até chegar à razão

de ser de seu significado e conteúdo.

A importância deste estudo no âmbito do ônus da prova no Direito

Processual permite avaliar o desenvolvimento de princípios, alguns até hoje

adotados, e outros já em desuso e sem fundamento cabível no cenário atual.

O direito processual civil brasileiro está vivenciando nas últimas décadas

mais uma etapa de sua renovação. Muito longe do primeiro passo que

proporcionou sua autonomia do direito material, hoje, o processo se volta aos

seus consumidores e à qualidade de seus resultados.

Se de início, o processo era mera tradução formal de prerrogativas

também formais do cidadão, atualmente se afigura muito mais como

instrumento efetivo de garantias fundadas no devido processo legal e no

sistema político constitucional, afastando-se de qualquer possibilidade de

denegação da Justiça ou violação de direito fundamental.

Vencidas as primeiras ondas renovatórias do processo, as quais foram

destinadas a garantir a assistência judiciária e o reconhecimento e tutela dos

interesses difusos, vive-se atualmente o desejo de alcançar a universalidade da

jurisdição.

Pretende-se, deste modo, questionar a qualidade do serviço jurisdicional,

inventariando as carências e obstáculos do atual sistema, para confrontá-las

com as alternativas que viabilizam soluções adequadas.

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O processo se traduz como instrumento a serviço da espiral progressiva

e coletiva dos direitos, partindo-se do individual para o trans individual. Sua

tendência é tutelar a quarta geração dos direitos – após a tutela das liberdades

públicas, dos direitos econômicos e sociais, e dos direitos meta-individuais,

através de sua projeção mundial.

A atual metamorfose da ciência processual exige um repensar de seus

institutos, redimencionando-os sob uma ótica macroscópica. Justifica-se esta

postura a partir do momento em que há a violação em massa de direitos e não

se admite mais a postura de fragmentação das demandas, amparada pela

leitura clássica do art. 6º do CDC.

O processo pretende, então, valorizar sua qualidade de efetivo, pois se

mostra como canal apto para atingir a educação, a paz social, o bem comum,

além de oferecer um provimento justo e legítimo; de instrumental, porque

inequívoco seu grau de utilidade e eficiência.

A reavaliação dos institutos processuais poderá aplacar os óbices que

impedem a realização da efetividade e da instrumentalidade. Com o

oferecimento de tutela jurisdicional adequada, eficaz e célere, é possível atingir

a justiça acessível e participativa, ideal para aqueles que estão comprometidos

e sintonizados com a nova ordem processual.

Esta renovação do processo se reflete na necessidade em se proteger

direito indivisíveis de um número indeterminado de pessoas, relativos,

principalmente, aos consumidores e ao meio ambiente.

É neste contexto revolucionário de expansão da tutela jurisdicional que

se insere o Código de Defesa do Consumidor. Este pretende não resolver

somente o maior número de conflitos, como também jurisdicionalizar a imensa

gama de litígios pelo Estado e que não são levados para apreciação do mesmo

e que, por isto, guardam alto grau de litigiosidade contida, que rege a imperiosa

necessidade de reestruturação.

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A nova tendência do direito processual civil é questionar o binômio

direito-processo e sua relativização frente ao conceito de tutela jurisdicional,

enquanto meio para a efetiva satisfação das pretensões.

São estas as bases que projetam a análise do Código de Defesa do

Consumidor e, em especial, do momento processual da inversão do ônus da

prova.

1.2. Características e inovações do Código de Defesa do

Consumidor

É neste passo que, após ser instituído como direito fundamental pela

Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. XXXII) e a partir de experiências

estrangeiras, foi elaborado o nosso Código de Defesa do Consumidor.

Caracteriza-se o CDC como sistema funcional de normas, de aspecto

multidisciplinar, cujo intuito é a proteção do consumidor, sabidamente a parte

vulnerável da desequilibrada relação de consumo, conferindo-lhe paridade de

armas frente ao fornecedor.

São escopos do processo, tendo como base às relações de consumo: a)

ampliar a forma de representação dos consumidores, de acordo com a

tendência associativa; b) garantir a informação aos consumidores, de modo

que tenham ciência de seus direitos, pois consumidor informado é consumidor

exigente e com poder; c) viabilizar o acesso dos consumidores a diferentes

mercados, estimulando o aprimoramento da produção e consciência do

fornecedor em oferecer melhores produtos; e d) estipular um sistema de

proteção contra produtos nocivos e defeituosos que possam gerar prejuízo à

vida e à saúde do consumidor.

Além de garantir a proteção do direito individual do consumidor,, buscou-

se permitir a tutela coletiva dos direitos, sejam eles individuais homogêneos,

coletivos ou difusos, prevendo a coisa julgada secundum eventum litis.

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Tipificaram-se infrações penais e administrativas, com a inscrição de

regras de responsabilidade objetiva do fornecedor, prevendo a inversão do

ônus da prova, sem que isto signifique interferência na livre iniciativa e na

política de mercado, com a clara intenção de viabilizar a defesa do consumidor

em juízo.

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CAPÍTULO II

O ÔNUS DA PROVA E SUAS PECULIARIDADES

2.1. Conceito de ônus da prova

A palavra ônus vem do latim, que significa carga, fardo, peso, gravame.

Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não

atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para

obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma

prescrita em lei, é ônus da parte.

Para se compreender a extensão da aplicabilidade da inversão das

regras de distribuição do ônus da prova, como previsto no art. 6º, inc. VIII do

CDC é necessário fixar o ônus da prova.

Proposta a demanda, a atividade probatória deve se desenvolver de

acordo com o interesse em oferecer ao julgador as provas possíveis para a

prolação de um provimento legítimo, capaz de solucionar o conflito de

interesses.

Para formar a convicção do julgador, o demandante tem o encargo de

comprovar as alegações que amparam seu direito, sob o risco de, assim não

agindo, sofrer um julgamento desfavorável. O demandado, por seu turno, tem o

ônus de oferecer prova que modifique, extinga ou impeça o reconhecimento da

pretensão de seu adversário.

Ônus é o agir de determinado modo para a satisfação de interesse

próprio, evitando-se uma situação de desvantagem. No caso do ônus da prova,

a parte que não quiser ser atingida pelas consequências do estado de dúvida

do julgador deve provar suas afirmações, pois ônus probatório é, antes de tudo,

interesse em oferecer as provas.

2.2. Principais teorias sobre a repartição do ônus da prova

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Entende-se que a grande questão sobre o ônus da prova não é o que se

prova ou quem prova, mas quem sofre as consequências pela falta de prova.

O pensamento de Micheli sobre o ônus da prova adotado pelo Código de

Processo Civil, em seu art. 333 e seus incisos, contrariou os fundamentos da

teoria de Rosenberg, em especial a bipartição do ônus da prova em subjetivo e

ônus objetivo.

Isto porque, a atividade probatória das partes pode ser insuficiente para

produzir no espírito do julgador o convencimento sobre a realidade dos fatos.

Então, independentemente de ser processo regido pelo princípio inquisitivo ou

pelo dispositivo, é lícito permitir que o juiz desenvolva seus poderes

instrutórios, completando a atividade probatória, não para auxiliar uma ou outra

parte, mas para esclarecer suas próprias dúvidas.

Porém, finda a instrução probatória e ainda que utilizados os poderes

instrutórios do juiz e apreciada a prova segundo o sistema da persuasão

racional, a certeza não poderá se firmar se o juiz permanecer em dúvida.

Não poderá ele proclamar o non liquet, deixando de julgar com o

argumento de que não formou sua convicção. Deve, então, socorrer-se das

regras do ônus da prova, para determinar qual parte sofrerá a desvantagem por

seu estado de dúvida, julgando procedente ou improcedente o pedido.

Entre as principais teorias que se destacam para justificar uma repartição

do ônus da prova encontram-se aquelas formuladas por Rosenberg e Micheli.

Segundo Rosemberg, cada parte deve comprovar o estado de coisas do

qual externam os pressupostos do preceito jurídico aplicável à espécie. Ao

demandante cabe provar os elementos da aplicação da norma constitutiva do

direito que ampara, enquanto que o demandado deve demonstrar os elementos

da aplicação de norma impeditiva, modificativa ou extintiva.

Ao ônus de afirmar, conferido às partes, correlaciona-se o ônus subjetivo

da prova, assim entendido como o encargo de subministrar a prova (qual

litigante deve provar os fatos para se desincumbir de seu encargo) e o ônus

objetivo da prova, isto é, a aplicação do direito ao caso concreto (onde se

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dispensa qualquer análise sobre a atividade das partes, apreciando o julgador

o quanto demonstrado para, em caso de dúvida, emitir seu julgamento e impor

o ônus objetivo a uma das partes).

Para Micheli, é necessário apreciar a hipótese normativa de forma

concreta, de acordo com a posição assumida pelas partes na relação jurídica

processual e qual é o efeito processual pretendido. É preciso definir a posição

real das partes, de acordo com o direito material (que disciplina a hipótese

legal) e com o direito processual (que traduz o efeito jurídico pretendido pela

parte).

2.3. O ônus da prova e o Código de Processo Civil

A disciplina do onus probandi, como já afirmava o genial processualista

italiano Giuseppe Chiovenda, "se situa entre os problemas vitais do processo".

O ônus da prova não reflete em mera faculdade, traduzindo-se no

interesse de provar, não consubstanciando, entretanto, uma obrigação - que é

exigível -, nem mesmo um dever jurídico - cujo descumprimento gera uma

sanção.

Trata-se do interesse, da necessidade, da parte produzir a prova, dos

fatos que alega, para que não venha a sucumbir, em sede judicial.

O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa

posição, como consequência processual negativa, para a obtenção do ganho

da causa.

Sobre a importância das normas sobre a distribuição do ônus da prova,

é tamanha, que o aclamado processualista alemão Leo Rosemberg sustentava

constituir ela "a coluna vertebral do processo civil".

A análise do ônus da prova pode ser cindida em duas partes: uma, que

enfoca o denominado ônus subjetivo da prova, que, em essência, o distribui

entre as partes do processo, externando "quem deve provar o que".

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Outra que enfoca o chamado ônus objetivo da prova, que traça regras

que serão observadas pelo juiz, no momento em que proferir sua sentença.

Em sentido objetivo, então, ônus da prova é uma regra de julgamento.

Em sentido subjetivo, o ônus da prova é o repartido entre as partes,

sucumbindo, via de regra, aquela que dele não se desincumbe.

As regras do ônus da prova destinam-se aos litigantes do ponto de vista

de como eles devem se comportar, à luz das expectativas que o processo lhes

enseja, por causa da atividade probatória.

De acordo com tal distribuição, o fato deve ser provado por essa ou por

aquela parte, de forma que ao julgador não deixe nenhuma dúvida, que se

interpreta sempre contra quem tem o encargo probatório.

Assim, o ônus da prova recai, tradicionalmente, sobre aquele a quem

aproveita o reconhecimento do fato.

A regra que impera, no Processo Civil, na distribuição do ônus da

prova, é a de que, aquele que alega o fato, deve prová-lo, o que se funda na

lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito que alega,

mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição,

determinam a sua modificação ou a sua extinção.

Dissertando sobre esses fundamentos, o mestre Luiz Guilherme

Marinoni salienta que:

“Não há racionalidade em exigir que alguém que afirma um

direito seja obrigado a se referir a fatos que impedem o seu

reconhecimento. Isso deve ser feito é por aquele que

pretende que o direito não seja declarado judicialmente,

isto é, pelo réu”.

O que se almeja com tal disciplina é obstar o uso do processo para a

obtenção de um fim indevido.

Argumenta-se que a parte que pretende ser beneficiada pelos efeitos

de uma norma deve provar os pressupostos fáticos para a sua aplicação.

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Se, para a incidência de uma norma, se tornam relevantes os fatos

constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos da relação jurídica, aquele

que deseja a produção de seus efeitos, deve provar, apenas, os exigidos para

a sua aplicação.

Os incisos I e II, do artigo 333 do Código de Processo Civil consagram

essa disciplina, estabelecendo a distribuição do ônus da prova da seguinte

maneira:

a. Ao autor, incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito;

b. Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do

direito do autor.

Relevante, a esta altura, tecer algumas considerações, breves, todavia,

no tocante a noção e classificação dos fatos jurídicos.

Por fato jurídico se denominam os acontecimentos que produzem,

modificam ou extinguem as relações de direito, como afirma Chiovenda

reproduzido por Amaral Santos.

Emílio Betti, em Teoria Geral do Negócio Jurídico, expressa que os fatos

jurídicos são os frutos a quem o direito atribui transcendência para trocar as

situações preexistentes a eles e estabelecer novas, a que correspondam novas

classificações jurídicas.

Continua o referido autor, traçando um esquema lógico do fato jurídico,

para sustentar que se trata de um fato dotado de alguns requisitos,

pressupostos pela norma que incide em situação nova, de tal sorte que

constitua, modifique ou extinga, poderes e vínculos de qualificações e posições

jurídicas.

A eficácia do fato jurídico em constitutiva, modificativa ou extintiva que se

atribui reside exatamente em relação à situação em que se enquadra,

enquanto que forma com ela (a situação como suposto de fato) objeto da

previsão e de estimação jurídica por parte da norma que declara aquela

eficácia.

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Os fatos constitutivos são aqueles que fazem nascer à relação jurídica.

Os extintivos fazem cessar a relação jurídica. A seu turno, os impeditivos

obstaculizam que um fato produza o efeito que lhe é próprio.

Os modificativos, de outro lado, sem impedir ou excluir a relação jurídica,

à qual é anterior, produzem um efeito de modificá-la.

Fato extintivo é todo aquele que detém a aptidão de fazer cessar a

relação jurídica.

O julgador, na sentença, somente vai lançar mão das regras relativas ao

ônus da prova se houver o non liquet quanto à prova, isto é, se o fato não se

encontrar provado.

Na realidade, como já assinalava José Frederico Marques, "a questão

do ônus da prova surge, principalmente, quando se verifica, a final, a ausência

ou precariedade de provas".

Tanto que se afirma que a regra do ônus da prova se destina a iluminar

o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os

fatos se passaram, servindo-lhe de firme indicativo para se libertar do estado

de dúvida e definir o mérito da causa.

Tal dúvida deve ser paga pela parte que tem o ônus da prova: se pairar

sobre o fato constitutivo, deve ser suportada pelo autor, ocorrendo o contrário,

em relação aos demais fatos.

Quanto ao ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, incumbe,

então, ao autor (inciso I, artigo 333 do Código de Processo Civil).

Quanto aos fatos impeditivos, modificativos, ou extintivos do direito do

autor, o ônus de prová-los incumbe ao réu, conforme disposto no inciso II,

artigo 333 do CPC.

Finalmente, não se poderia encerrar qualquer exposição sobre ônus da

prova, em relações regidas pelo Código de Processo Civil, sem que se reporte

à possibilidade soerguida pelo legislador, de convenção, entre as partes, que o

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venha a distribuir de maneira diversa da já esposada, sem que essas possam

orientar o processo ao seu talante, já que o dominus processi é o juiz.

Apenas se considerará nula essa convenção, quando recair sobre

direito indisponível da parte - artigos 333, parágrafo único, inciso I, combinado

com o artigo 351, ambos do CPC e com o artigo 841 do CC de 2002; ou

quando tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito - artigo

333, parágrafo único, inciso II, do CPC.

Ensinava o ilustre processualista Francisco Cavalcanti Pontes de

Miranda, que o parágrafo único, do artigo 333 do CPC é uma regra jurídica

heterotópica, referindo-se a elementos probatórios de direito material.

2.4. O ônus da prova e o Código de Defesa do Consumidor

Há algumas preliminares que necessitam de resolução para que

possamos compreender adequadamente a temática relativa à distribuição do

ônus da prova e as disposições pertinentes no Código de Defesa do

Consumidor.

É bom relembrarmos, que o Código de Defesa do Consumidor é um

sistema jurídico autônomo, a regular as relações de consumo.

Aliás, é bom relembrar que o surgimento do CDC resultou da

necessidade imperiosa de regulamentar uma relação jurídica caracterizada por

fenômenos essencialmente de massa, ou seja, pela produção em massa e pelo

consumo em massa.

Os instrumentos jurídicos postos à disposição dos membros da

sociedade mostraram-se ineficientes, pois cada vez mais era flagrante um

profundo vácuo econômico entre os diversos escalões da sociedade. De um

lado, os economicamente mais bem aquinhoados e, de outro, a classe média.

As diversas reclamações dos consumidores não encontravam eco, e o

Poder Judiciário não se mostrava adequadamente instrumentalizado, com a

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existência de regras claras e definidas para a boa prestação jurisdicional

nesses casos.

Juízes atentos aos reclamos da sociedade eram obrigados a aplicar as

regras contratuais inscritas no Código Civil ou no Código Comercial, onde o

liberalismo imperava.

Tornou-se necessário surgir uma legislação própria para as relações de

consumo, já que os instrumentos até então existentes, não continham regras

ajustadas a essa nova faceta da ciência jurídica.

Daí porque a preocupação do legislador nacional em pôr à disposição da

sociedade normas que protegessem a saúde, os negócios jurídicos em sua

órbita contratual ou pós e pré-contratual, bem como seus prolongamentos

processual e penal.

Assim, buscando equilibrar as forças entre os fornecedores e os

consumidores, almejando extirpar do mercado práticas e condutas lesivas, o

CDC soergueu um vasto leque de normas e de princípios jurídicos que devem

nortear as relações de consumo.

Todo esse esforço, no âmbito do direito material, veio acompanhado de

normas que viabilizam sua efetivação em juízo.

O legislador, em mais de um momento, se preocupou, especificamente,

com a tutela jurisdicional dos direitos dos consumidores, assentando, no rol em

que averbou os direitos básicos, no inciso VIII, do artigo 6º, como instrumento

de facilitação da defesa dos seus interesses, a possibilidade de inversão ope

iudicies do ônus da prova, quando presentes os requisitos autorizadores, que

serão, um pouco mais adiante, enfrentados.

Se a relação jurídica de direito material levada à apreciação do

Judiciário comportar submissão às normas do Código de Defesa do

Consumidor, caberá ao juiz, apreciar ser devida ou não a aplicabilidade da

disposição contida no artigo 6º, do inciso VIII.

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17

E a possibilidade de inversão do ônus da prova, em sede de demandas

que versem sobre relações de consumo, funda-se na constatação de que o

consumidor, na atual sociedade massificada, na grande maioria das vezes,

quando ameaçado ou lesado em seus direitos, não possui condição técnica ou

material de provar os fatos que lhe incumbe demonstrar em juízo.

O desequilíbrio de forças econômicas e negociais existente nas

relações de consumo guarda reflexos na seara processual.

É nesse quadro, desfavorável ao consumidor, que o CDC, através da

possibilidade de inversão do ônus da prova, pretende viabilizar o equilíbrio de

forças no plano processual, atento à circunstância de que o fornecedor está em

melhores condições para realizar a prova de fato ligado à sua atividade.

E, com o ato de inversão, os fatos veiculados pelo consumidor passam

a desfrutar de uma presunção relativa de veracidade que apenas será afastada

por eventual prova negativa produzida pelo fornecedor.

Mas, não se trata de uma hipótese de inversão ope legis do ônus da

prova, e, sim, sujeita ao crivo judicial, que aferirá, caso a caso, a presença dos

requisitos autorizadores, devendo neste momento estar presente o bom senso

do magistrado.

Quando não restarem presentes os requisitos legais, admoesta o

mestre Humberto Theodoro Júnior, "a faculdade judicial não pode ser

manejada em favor do consumidor, sob pena de configurar-se ato abusivo, com

quebra do devido processo legal".

Desta feita, quando ausentes os requisitos exigidos para que se

proceda à inversão do ônus da prova, incidirão as regras ordinárias do Código

de Processo Civil.

Haverá, por exemplo, necessidade de o consumidor provar o nexo de

causalidade entre o produto, o evento danoso e o dano, para pleitear qualquer

indenização por acidente de consumo.

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Ademais, vale trazer à baila a advertência do processualista Cândido

Rangel Dinamarco, segundo o qual:

“Nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido.

Evidente que somente aquelas provas que estejam no

âmbito técnico do fornecedor poderão ser atribuídas a ele”.

Em relação aos fatos cujas provas não se insiram no âmbito técnico do

fornecedor, de acordo com o entendimento aqui esposado, não há lugar para a

inversão do onus probandi.

Sendo assim, a inversão também não se justifica em causas cujo objeto

probatório esteja desligado de circunstâncias técnicas, científicas ou

operacionais do produto ou serviço, como nos casos dos planos econômicos,

por exemplo, onde a prova dos fatos alegados podem ser trazidas a baila

facilmente pelo consumidor, que poderá fazê-lo anexando a declaração do

imposto de renda do respectivo ano, ou algum extrato, ou ainda, alguma

documentação que comprove haver saldo em sua poupança na referida época.

Ocorre, no entanto, que mesmo às vésperas de completar 20 (vinte)

anos de vigência, muitas controvérsias ainda reinam em torno da disciplina

deitada no inciso VIII, de seu artigo 6º do CDC, tanto em ambiente forense,

quanto em ambiente acadêmico.

Então, tendo por escopo a boa utilização desse importante instrumento,

de facilitação da defesa dos direitos do consumidor em juízo, imperativo que

sejam estudados todos os seus contornos, o que se passará a fazer, sem,

todavia, esquecer que o tema apesar de não ser novo, ainda guarda muita

divergência a respeito.

2.5. Regras de experiências e presunções

Com intuito de esclarecer suas dúvidas é certo que o julgador, no

momento de apreciação das provas e para alcançar a certeza, poderá utilizar-

se de regras de experiência e de presunção.

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19

A presunção é um raciocínio lógico utilizado para que, de um fato

conhecido seja possível chegar a um fato também desconhecido. A regra de

experiência é também um processo lógico, baseado em fatos comuns,

preexistentes, genéricos e abstratos do conhecimento humano, de uso

corriqueiro pelo juiz.

Assim, analisando as provas do processo, aplicará o julgador às

presunções e regras de experiência, onde poderá presumir a verossimilhança

da existência de um direito alegado não provado, a partir do seu indício.

Através do raciocínio lógico, o juiz poderá entender que um fato, apesar

de não comprovado, reveste-se de alta dose de probabilidade, se inexistir

qualquer prova do adversário que contrarie a presunção.

Na apreciação da prova, é permitido ao julgador a utilização de regra de

experiência, tanto relativa à matéria probatória quanto pertinente à função

integrativa do conceito em branco. Se reconhecida no momento da valoração,

sua aplicação favorece uma das partes, que é beneficiada pela presunção

originada da regra de experiência, liberando-a de sofrer a desvantagem pela

incerteza, transferindo o encargo ao adversário.

Com isto, pretende-se afirmar que, ao se utilizar às regras de

experiência, o juiz poderá aplicar de modo diverso as regras do ônus da prova:

as alegações do demandante não foram por ele provadas, porém, segundo as

regras de experiência, são verossímeis e não foram contrariadas pelo

adversário. Apesar de não se desvencilhar de seu encargo em provar, o

demandante não sofrerá a desvantagem da incerteza do julgador, pois a seu

favor milita uma regra de experiência.

Frise-se, novamente, que as regras de experiência e as presunções

somente são utilizadas se o juiz estiver em dúvida sobre a realidade dos

acontecimentos. O julgador, no instante da sentença, tendo aplicado regra de

experiência, dispensa uma das partes de sofrer as consequências a ela

desfavorável.

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A verossimilhança é um patamar na escala do convencimento dos fatos

e o julgador, após analisar as provas, pode formar três estados de

conhecimento: de certeza, de ignorância e de dúvida.

Constatada a dúvida, o juiz deverá analisar se as provas fundamentam

uma alegação verossímil daquele a quem a presunção, se existente, favoreça,

dispensando-o do encargo da prova.

2.6. Critério do juiz

Em matéria de produção de prova, o legislador, ao dispor que é um

direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova, o fez para que, no

processo civil concretamente instaurado, o juiz observasse a regra.

E a observância de tal regra ficou destinada à decisão do juiz, segundo

seu critério e sempre que se verificasse a verossimilhança das alegações do

consumidor ou sua hipossuficiência.

Para entender o sentido pretendido pela lei consumerista é preciso

primeiramente compreender o significado do substantivo "critério", bem como o

do uso da conjunção alternativa "ou".

O substantivo "critério" há de ser avaliado pelo valor semântico comum,

que já permite a compreensão de sua amplitude.

Diga-se inicialmente, que agir com critério não tem nada de subjetivo.

"Critério" é aquilo que serve de base de comparação, julgamento ou

apreciação, é o princípio que permite distinguir o erro da verdade ou, em última

instância, aquilo que permite medir o discernimento ou a prudência de quem

age sob esse parâmetro.

No processo civil, como é sabido, o juiz não age com discricionariedade

(que é medida pela conveniência e oportunidade da decisão). Age sempre

dentro da legalidade, fundando sua decisão em bases objetivas.

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O que a lei processual lhe outorga são certas concessões, como

acontece, na fixação de prazos judiciais na hipótese do art. 13 ou do art. 491,

ambos do Código de Processo Civil.

Assim, também, na hipótese do art. 6º, VIII, do CDC, cabe ao juiz decidir

pela inversão do ônus da prova se for verossímil a alegação ou hipossuficiente

o consumidor.

Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão. E esta se dará

pela decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou

hipossuficiência. Presente uma das duas está o magistrado obrigado a inverter

o ônus da prova.

2.7. Verossimilhança das alegações

É fato que o conceito de "verossímil" é indeterminado, mas isso não

impede que da análise do caso concreto não se possa aferir verossimilhança,

só porque que se trata de um conceito jurídico indeterminado.

O vocábulo verossímil significa o que é semelhante à verdade, o que tem

aparência de verdade, o que não repugna a verdade, enfim, o provável.

Para a avaliação da verossimilhança das alegações não basta, é

verdade, a boa redação da petição inicial ou qualquer outra. Não se trata

apenas do bom uso da técnica de argumentação que muitos profissionais têm.

Isto é, não basta relatar fatos e conecta-los logicamente ao direito, de modo a

produzir uma boa peça exordial.

Depende, pois, de avaliação objetiva, caso a caso, combinada com a

aplicação de regras e máximas de experiência, para o pronunciamento judicial.

É necessário que da narrativa decorra verossimilhança tal que naquele

momento da leitura, desde logo, possa-se aferir forte conteúdo persuasivo. E,

já que se trata de medida extrema, deve o juiz aguardar a peça de defesa para

verificar o grau de verossimilhança na relação com os elementos trazidos pela

contestação. E é essa a teleologia da norma, uma vez que o final da

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22

proposição reforça, ao estabelecer que as bases são "as regras ordinárias de

experiência". Ou, em outros termos, terá o magistrado de se servir dos

elementos apresentados na composição do que usualmente é aceito como

verossímil.

É fato que a narrativa interpretativa que se faz da norma é um tanto

abstrata, mas não há alternativa, porquanto o legislador utilizou de termos

vagos e imprecisos. Cai-se então no aspecto da razoabilidade e do bom senso

que deve ter todo juiz.

Nessa marcha, já se manifestou o Colendo Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro:

“É necessário que o autor leve ao magistrado um mínimo

de demonstração no sentido de que sua alegação é

verossímil. Que ofereça elementos, ou dados, ou indícios

quaisquer que, em confronto com a narração das

circunstâncias de que dá conta a inicial, que, em cotejo

com a descrição dos fatos que consubstanciam o direito

controvertido, possam, a priori, indiciar, apontar, sugerir,

induzir um quê de verdade”.

A verossimilhança das alegações diz respeito, então, ao convencimento

do magistrado a ser elaborado em conformidade com os fatos invocados em

petição inicial.

O juízo da verossimilhança ou não da alegação passa necessariamente

pelo exame que o magistrado faz da afirmação, segundo a ótica filtrada pelas

regras gerais e ordinárias da experiência comum.

Na lição de José Eduardo Carreira Alvim, a "verossimilhança somente

se configurará quando a prova apontar para uma probabilidade muito grande

de que sejam verdadeiras as alegações do litigante".

Não obstante essa noção ser absolutamente exata, para fins de análise

de preenchimento dos requisitos necessários para o deferimento de uma tutela

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23

antecipada, contexto em que foi defendida, pelo mencionado processualista,

parece-nos ser extremada para fins de inversão do ônus da prova.

Uma alegação torna-se verossímil, para fins de apreciação da questão

da inversão do onus probandi, sempre que venha a adquirir contornos de

veracidade, por se tornar aceitável diante da modalidade de relação de

consumo posta em juízo, não ensejando o convencimento de que possa ser

descabida, em sede de cognição sumária.

Primando pela técnica, Luis Guilherme Marinoni disseca a questão, nos

termos que se passa a expor:

“Essa convicção de verossimilhança é claro, não se

confunde com a convicção de verossimilhança da tutela

antecipatória, pois não é uma convicção fundada em

parcela das provas que ainda podem ser feitas no

processo, mas, sim, uma convicção fundada nas provas

que puderam ser realizadas no processo, e que, diante da

natureza da relação de direito material, devem ser

consideradas suficientes para fazer crer que o direito

pertença ao consumidor”.

Em verdade, essa convicção de verossimilhança nada mais é do que a

convicção derivada da redução das exigências de prova.

Afirma, o supracitado autor, com brilhantismo, que o julgador, "com a

ajuda de máximas de experiência e de regras da vida, considera produzida a

prova que incumbe a uma das partes, que "apenas poderá ser derrubada se a

outra demonstrar o contrário", pelo que sequer haveria, aqui, uma verdadeira

inversão do ônus da prova.

Assim, pela verossimilhança se extrai o que se pode chamar de

verdade provável, que, tendo em mente a redução das exigências de prova, em

favor do consumidor, haja vista as características das relações de consumo,

que passa a ser considerada como uma verdade suficientemente provada, que

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apenas poderá ser derrubada por eventual prova que seja produzida, no

processo, como matéria de defesa, pelo fornecedor.

Permissível se concluir, então, com apoio no afamado mestre de nosso

processo civil, que "a verossimilhança é o juízo de probabilidade extraída de

material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de

ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor".

2.8. Hipossuficiência

O significado de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC

não é econômico. É técnico. Trata-se da impotência do consumidor para apurar

e demonstrar a causa do dano cuja responsabilidade é imputada ao

fornecedor.

Inicialmente, é preciso se afirmar que a mesma não é jurídica, não sendo

presumida, como se existente em toda e qualquer relação de consumo.

Não se confunde com a vulnerabilidade do consumidor, que é

presumida no artigo 4º, inciso I, do CDC, mas não autoriza a inversão do ônus

da prova.

Para que a mesma seja considerada configurada, é necessário que

haja um plus, pois decorre de uma característica pessoal da parte,

necessitando de análise em cada caso concreto, dependendo de comprovação.

A hipossuficiência, para fins de possibilidade de inversão do ônus da

prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do

serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos

modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente

de consumo e o dano, das características do vício etc.

Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins

de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao

mais "pobre". Ou, em outras palavras, não é por ser "pobre" que deve ser

beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da

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25

produção da prova é processual, e a condição do consumidor diz respeito ao

direito material.

Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria

necessária a inversão. Bastaria a determinação judicial de que o fornecedor

arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais

como as perícias (o que, diga-se, não é ônus para fins de aferição de prova).

Determinar-se-ia a inversão do pagamento, ou seja, o consumidor produz a

prova e o fornecedor a paga, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o

economicamente fraco.

Não se pode olvidar que, para os "pobres" na acepção jurídica do termo,

existe a justiça gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do pagamento

das custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu

direito.

E o inverso também é verdadeiro: existem consumidores

economicamente poderosos, o que não implica na sua não hipossuficiência

técnica. Mesmo nesse caso, a inversão do ônus da prova deve ser feita na

constatação de sua hipossuficiência (técnica e de informação).

Por outro lado, existem os consumidores, que dependendo do caso

específico, não poderão ser considerados hipossuficientes. Por exemplo, no

caso dos planos econômicos, um bancário que mantinha poupança à época,

era saber que seu dever era guardar os documentos e os respectivos extratos

que comprovassem tal relação jurídica, até porque tal relação faz parte do seu

cotidiano, do seu trabalho.

Assim sendo, sem razão, ao nosso sentir, aqueles que, em doutrina,

defendem que o consumidor já chegue ao processo desfrutando da qualidade

de hipossuficiente que apenas poderia ser elidida por eventual prova em

contrário produzida pelo fornecedor, em matéria de defesa.

Esse requisito pressupõe uma situação em que, concretamente, se

estabeleça uma dificuldade muito grande para o consumidor de desincumbir-se

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26

de seu natural onus probandi, estando o fornecedor em melhores condições

para esclarecer o evento danoso.

Quanto ao significado da expressão hipossuficência, mesmo na

doutrina mais autorizada vozes se levantam para defender que lhe seja

aplicável o conceito constante no artigo 2º da Lei 1.060/1950, como chegou a

sustentar, v.g., o insigne professor Kazuo Watanabe.

Pretende-se emprestar uma conotação econômica à expressão ora

enfrentada. Mas, no nosso entendimento, com as devidas vênias, tal posição

afigura-se completamente equivocada.

A expressão deve merecer interpretação restritiva e puramente técnica

nitidamente ligada ao aspecto cultural (lato sensu), sem qualquer significação

econômica. O legislador, claramente, se referiu à impotência do consumidor

num contexto atrelado ao monopólio de informação, isto é, a impotência do

consumidor, no caso concreto, diante de uma assimetria de informações.

O que se perquire é se existe ou não o desconhecimento técnico e

informativo, sobre o produto e o serviço, quanto aos aspectos que podem ter

gerado o acidente de consumo, as características do vício etc.

Não em outro sentido, vem decidindo o E. Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, nos seguintes termos:

“A inversão prevista no CODECON não diz respeito a

hipossuficiência econômica, mas sim à probatória, porque

casos há em que isso se afigura muito difícil para o

consumidor, sendo mais fácil para o fornecedor a sua

produção... “

Trata-se, em essência, da invencível dificuldade que impede o acesso à

obtenção de informações nas quais estaria consubstanciada a prova do direito

alegado, o que porventura, não acontece também nos casos referentes aos

expurgos inflacionários, já que a documentação comprobatória do direito

alegado sempre foi comum às partes.

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27

Aqui, segundo doutrina, e com absoluta razão, deve-se vislumbrar uma

hipótese de impotência técnica apenas quando restar configurada "a

impossibilidade de prova ou de esclarecimento da relação de causalidade

trazida ao consumidor pela violação de uma norma que lhe dá proteção, por

parte do fabricante".

Sempre que o consumidor for uma pessoa esclarecida e bem

informada, ciente do defeito do produto ou da causa do seu prejuízo, inclusive

com acesso aos meios de provas necessários à demonstração dos fatos que

alega, não há lugar para a inversão do ônus da prova, sob pena de quebra do

devido processo legal.

Assim, o excerto de jurisprudência que ora se traz a baila:

“... Mesmo caracterizada a relação de consumo, o ônus da

prova só é de ser invertido quando a parte requerente tiver

dificuldades para a demonstração de seu direito dentro do

que estabelecem as regras processuais comuns, ditadas

pelo artigo 333... “

Apenas será legítima a inversão do onus probandi, quando os polos da

relação processual se encontrarem em posições que não sejam isonômicas.

Ressalte-se, no entanto, que a inversão, com fundamento na

impotência técnica do consumidor, apenas poderá ocorrer quando existir reall

possibilidade probatória de parte do fornecedor.

Vale dizer, não se justifica o decreto de inversão do ônus da prova,

quando se queira imputar ao fornecedor, com o mesmo, a prova de um ou mais

fatos que, de per si, sejam impossíveis de se provar, sob o risco de lhe impor a

sucumbência, o que colidiria com o dogma constitucional da ampla defesa.

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CAPÍTULO III

A INVERSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1. Introdução

Colocadas às circunstâncias favoráveis ao aparecimento do Direito do

Consumidor e as noções sobre o ônus da prova, volta-se à questão da

inversão do ônus da prova enquanto forma de tornar efetiva a tutela

jurisdicional.

Prevê o Código de Defesa do Consumidor a inversão ope legis e ope

judicis.

Neste caso, permite-se ao julgador abandonar as regras de distribuição

do ônus da prova, previstas no art. 333 do CPC para inverter as regras de

distribuição do ônus da prova em demandas civis, de acordo com os requisitos:

a) subjetivo: da verossimilhança das alegações segundo as regras de

experiência; e b) objetivo: hipossuficiência do consumidor.

A primeira observação a ser feita diz respeito ao fato de que somente se

admite a inversão do ônus da prova a favor do consumidor, reconhecida a sua

vulnerabilidade - artigo 4º, inciso I -, não sendo possível, em consequência,

determiná-la para beneficiar o fornecedor.

Absolutamente coerente, no particular, foi o legislador, ao apenas

admitir a possibilidade de inversão do ônus da prova, em favor do consumidor.

Ao se partir do pressuposto da fraqueza manifesta do consumidor no

mercado, justificando lhe serem conferidos instrumentos processuais para

melhor se defender, seria um completo absurdo até mesmo se cogitar da

possibilidade de se proceder à inversão do onus probandi em favor do

fornecedor.

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A preocupação do legislador foi tamanha que veio a considerar no

inciso VI, do artigo 51, nula qualquer cláusula contratual que estabeleça a

inversão desse ônus em prejuízo do consumidor.

Sobre este aspecto, torna-se necessário compreender o conceito de

hipossuficiência como diminuição da capacidade do consumidor, não apenas

sob a ótica econômica, mas também sob o prisma do acesso à informação,

educação, associação e posição social.

A inversão do ônus da prova é direito do consumidor e com isto não se

pretende afirmar que sempre deva o juiz dispensar o consumidor de provar ou

então que, com a inversão, a procedência do pedido do consumidor seja

automática. Ao contrário, haverá inversão se presente um dos requisitos

mencionados, que ensejará a dispensa da prova das alegações do consumidor.

Como já vimos acima, a inversão do ônus da prova não é automática,

uma vez que o código deixa a critério do juiz – quando houver uma das duas

hipóteses legais – aplicar tal inversão.

Então qual é o momento processual no qual o magistrado deverá decidir

a respeito da inversão do ônus da prova?

Eis um tema polêmico. Tanto a doutrina, quanto à jurisprudência ainda

não se pacificaram, sendo certo que há doutrinadores entendendo que o

momento de aplicação da regra de inversão do ônus da prova é o do

julgamento da causa e há também, quem entenda que o momento adequado é

o compreendido da inicial até o despacho saneador .

Temos que, no que tange ao momento da aplicação da regra prevista no

art. 6º. VIII, CDC, haveria duas possibilidades de ocorrência, quais sejam:

1. Quando do julgamento da causa (regra de julgamento), quando se tratar

de responsabilidade civil pelo fato do produto e,

2. Do recebimento da inicial até o despacho saneador, quando se tratar de

outro objeto que não reparação por danos decorrentes de acidente de

consumo.

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Na primeira hipótese, ou seja, quando se tratar de ação cujo objeto for

responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, acreditamos que é possível a

manifestação do juiz acerca da aplicação ou não do art. 6º. VIII da lei

consumerista até o momento da sentença.

É que, nesse caso específico – acidente de consumo – a única defesa do

fornecedor é alegar – e provar – uma das excludentes do nexo de causalidade,

previstas no art. 12, §3°, inciso II, CDC.

Entendemos que tais causas eximentes previstas no Código de Defesa

do Consumidor nada mais são do que os fatos extintivos (não colocou o

produto no mercado); impeditivos (embora tenha colocado no mercado o

produto, o defeito inexiste) e, modificativos (culpa exclusiva do consumidor ou

terceiros) previstos no Código de Processo Civil (art. 333, inciso II). Porém,

nada impede que o consumidor, em seu pedido inicial, já proclame pela

inversão. O que ensejará a obrigatoriedade do juiz se manifestar desde o início,

garantindo assim uma maior segurança processual.

Mas qual é o motivo para a inversão? Já afirmamos que o consumidor é

a parte vulnerável da relação de consumo, que não dispõe de informação ou de

acesso aos elementos técnicos do produto. O fornecedor, de outro lado, é à

parte detentora dos dados da produção do bem e que se encontra em uma

melhor posição para fornecê-las ao magistrado.

E qual seria, então, a função do art. 6º. VIII, no caso de responsabilidade

pelo fato do produto ou serviço?

A nosso ver, a função do mencionado artigo é justamente equilibrar a

relação jurídica estabelecida entre consumidor e fornecedor, colocando-os em

pé de igualdade.

Dessa forma, sustentamos a opinião que, o art. 6º. VIII visa, tão

somente, proteger ainda mais aquele consumidor que se encontra em situação

de desvantagem no processo, desincumbindo-o de provar o fato danoso

alegado. Na verdade, no caso de acidente de consumo, o que o consumidor

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tem é a facilitação da comprovação do nexo causal, com a dispensa do ônus a

seu favor.

Em sendo assim, opinamos que o juiz possa decidir-se, apenas nesses

casos, acerca da aplicação ou não do art. 6º, VIII, até o momento de julgar a

demanda. Isso porque, em decidindo pela incidência do mencionado preceito, o

juiz apenas estará isentando o consumidor de comprovar o fato constitutivo, o

que não irá prejudicar em nada o fornecedor que, sempre terá o ônus de provar

o contrário. Não haverá, assim, qualquer surpresa, posto que o fornecedor

sabe que, por força de lei, lhe compete o ônus de produzir as provas dos fatos

extintivos, impeditivos e modificativos do direito do consumidor.

Entretanto, melhor seria que o magistrado sempre se manifestasse até o

despacho saneador, trazendo maior segurança jurídica para ambas as partes

da relação de consumo.

Há que se salientar também, que o juiz deverá deixar eventuais posturas

tradicionais e se armar de sensibilidade para apurar os fatos, sob pena de

denegar a prestação jurisdicional imprescindível à parte vulnerável.

Iniciada a instrução probatória, as partes, tanto o consumidor como o

fornecedor, devem apresentar todas as provas possíveis para fundamentar

suas pretensões ou embasar uma posição jurídica que seja favorável.

Após a colheita de provas, constatada a incerteza pela insuficiência do

material probatório oferecido, o juiz determinará a realização de provas que

entenda necessárias para o esclarecimento de suas dúvidas, analisando a

possibilidade de aplicação das regras de experiência.

Ainda que o consumidor não ofereça nenhuma prova, o fornecedor

poderá rechaçar a pretensão inicial, trazendo toda prova pertinente a

fundamentar suas alegações e formar a convicção do julgador. Neste caso,

pela ausência de dúvidas, não há que se falar em aplicação das regras de ônus

da prova ou sua inversão.

Havendo dúvida e constatando que as afirmações do consumidor são

verossímeis e que o fornecedor não fez prova que as contrariasse ou as provas

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produzidas não ilidiram a presunção, o juiz avaliará o grau de probabilidade dos

fatos verossímeis não provados, podendo onerar o fornecedor por sua omissão

ou desinteresse em realizar a prova.

Caso contrário, se entender que as alegações do consumidor não são

verossímeis, não deve o magistrado inverter as regras do ônus probatório,

atribuindo, assim, as conseqüências de sua incerteza ao consumidor.

Idêntica à conclusão no caso de constatação de hipossuficiência do

consumidor, onde é impossível produzir as provas que embasam sua

pretensão, ainda que suas ilações não sejam verossímeis. De nada adiantaria

garantir o acesso formal à Justiça se o demandante não dispõe de meios de

produzir a prova.

3.2. Regra de julgamento

Em princípio, não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua

inversão, porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da prova é

regra de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir

julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se

desincumbiu.

O nosso sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim

quem assume o risco caso não a produza. Nesse sentido: TJSP – RT 706/67;

Micheli, L’onere, 32,216.

Assim sendo, entendemos que a regra legal que possibilita a inversão

do ônus é dirigida ao juiz, não porque ele seja destinatário da prova, mas

porque é ele quem dirige o processo, conforme preceitua o art. 125 do CPC,

cabendo-lhe, portanto, decidir se a regra do art. 6º, inciso VIII, do Código de

Defesa do Consumidor, deve ou não ser aplicada.

Trata-se, em nossa opinião, de "poder de direção" que a lei lhe confere,

a fim de assegurar às partes a igualdade de tratamento.

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33

Resta-nos ainda, esclarecer que em ocorrendo à inversão pela

aplicação da norma citada (art. 6º, VIII), esta será dentro das normas e

princípios constitucionais; pois no dizer do professor Nelson Nery Junior, a

inversão do ônus da prova "é a manifestação inequívoca do princípio da

isonomia”.

3.3. Fase processual para a inversão

A necessidade de prévio anúncio, pelo juiz, às partes, da inversão do

onus probandi constitui questão controvertida, que tem provocado valorosos

debates.

Existem, claramente, três grandes correntes de pensamento, sobre o

tema.

A corrente majoritária, liderada pelos mestres paulistas Nelson Nery

Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, partindo da premissa de que não haja

momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua inversão, por não se tratar de

regra de procedimento e, sim, de regra de juízo, defendem que a sentença, e

não antes, seja o momento adequado para a aplicação da regra.

E isso por que, argumentam esses, que somente após a instrução do

feito, ou seja, no momento da valoração da prova, estaria o juiz habilitado a

afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não,

consequentemente, de inversão do ônus da prova.

Sustenta-se, que o fornecedor não poderá alegar cerceamento de

defesa por já saber, de antemão, desde o início da demanda de consumo,

quais são as regras aplicáveis, tendo consciência que terá que provar tudo o

que estiver ao seu alcance e for de seu interesse.

O ilustre professor BARBOSA MOREIRA é da mesma opinião,

esclarecendo que "as regras sobre distribuição do ônus da prova são aplicadas

pelo órgão judicial no momento em que julga".

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34

Mas, essa interpretação recebe forte resistência de alguns dos maiores

processualistas brasileiros, que não admitem que o momento próprio para o

juiz proceder à inversão do ônus da prova seja a sentença.

Ao nosso sentir, a inversão quando procedida em sentença, surpreende

a defesa, e ofende o princípio do contraditório, e, ainda que de forma reflexa, à

ampla defesa, não se sustentando, pois.

O devido processo legal exige que as regras do processo a ser julgado

sejam previamente conhecidas pelas partes, não podendo ser alteradas no

curso do procedimento, em prejuízo para qualquer uma delas.

Uma segunda corrente admite a inversão do ônus da prova ab initio,

quando o juiz analisa a petição inicial, sob o argumento central de que, assim,

o réu, ao ser citado, será, igualmente, intimado da inversão, que poderá

inclusive ser alvejada pelo recurso de agravo, sem qualquer violência aos

princípios da ampla defesa e do contraditório.

Nesse sentido, merece destaque o magistério do professor João Batista

de Almeida.

Entendimento esse que enfrenta a dura oposição de Humberto

Theodoro Júnior, segundo o qual, "antes da contestação, nem mesmo se sabe

quais fatos serão controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova",

tornando-se, "então, prematuro o expediente do artigo 6º, inciso VIII, do CDC".

Ao nosso ver, no entanto, os argumentos contrários não se revelam

suficientemente fortes para elidir a viabilidade da inversão do ônus probandi

nesse momento processual, visto que, v.g., as medidas de urgência que

exigem, no mínimo, a fumaça do bom direito, podendo ser deferidas ab initio,

sem que tais providências se revelem abusivas.

O que se deve aferir, caso a caso, é se os requisitos autorizadores se

fazem presentes em concreto.

Sempre que a resposta for positiva, nenhum óbice há para que a

inversão seja decretada, com acerto, pelo julgador.

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35

Finalmente, uma terceira corrente, que tem em suas fileiras, v.g.,

nomes como o de Voltaire de Lima Moraes, e que vem ganhando força,

defende que o momento adequado para a inversão do ônus da prova seja por

ocasião do saneamento do processo, quando serão fixados, pelo juiz, quais

sejam os pontos controvertidos.

Sustenta-se que, nesse momento, já foi instaurado o contraditório, já

tendo o juiz elementos suficientes para aferir a presença dos requisitos legais,

sem que se venha, ademais, se surpreender à defesa.

Reconhecemos ser esse o melhor momento para a inversão do ônus da

prova, visto o feito já estar maduro, sem que, com isso, enxerguemos óbice,

como já averbado, para a sua efetivação, ab initio, apenas quando a peça

vestibular vier acompanhada de material probatório de feitio indiciário, além de

permitir ao juízo aferir eventual impotência técnica do consumidor, o que, na

praxe forense, não é algo assim tão raro.

Concluímos então, considerando ser cabível, a inversão do ônus da

prova, entre o momento em que o juiz aprecia a peça vestibular e o despacho

saneador.

Mas, em sede de feitos que tramitem perante aos Juizados Especiais

Cíveis, tendo em vista a disciplina deitada nos artigos 28 e 33, ambos da Lei

9.099/1995, que consagram o princípio da concentração dos atos processuais,

as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, momento

procedimental em que a atividade de saneamento ocorrerá.

Pelo que, nessa sede, a inversão do ônus da prova, acaso não seja

deferida ab initio, quando o juiz estiver a analisar a inicial, deverá ser feita, com

fundamento no artigo 29 da Lei 9.099/1995, em sede de audiência de instrução

e julgamento, a qual deverá ser fracionada, para prosseguimento em data

próxima, facultando-se ao fornecedor a possibilidade de produzir as provas

decorrentes desse seu novo ônus, sob pena de se revelar abusiva.

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36

3.4. O ônus probandi

Há muita polêmica em torno do momento processual no qual o

magistrado deverá decidir a respeito da inversão do ônus da prova, mas, em

nossa opinião, isso acontece porque, as partes acostumadas a litigarem no

processo civil, fora da relação de consumo, têm clareza da distribuição do ônus

porbatório.

Ou, melhor dizendo, os advogados das partes sabem de antemão a

quem compete o ônus da produção da prova. Vejamos o art. 333 da lei

adjetiva:

"Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – o autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor".

É, portanto distribuição legal do ônus que se faz, sem sombra de dúvida.

E, claro, nesse caso não precisa o juiz fazer qualquer declaração a respeito da

distribuição do gravame. Basta leva-lo em consideração no momento de julgar

a demanda. Não haverá, na hipótese, qualquer surpresa para as partes,

porquanto elas sempre souberam a quem competia a desincumbência da

produção da prova.

Ora, não é essa certeza que se verifica no sistema da lei consumerista.

Não teríamos dúvida em afirmar que nas relações de consumo o

momento seria o mesmo se a Lei nº. 8078/90 dissesse: "está invertido o ônus

da prova", mas não é isso que determina o CDC, pois a inversão não é

automática.

Como vimos antes, a inversão se dá por decisão do juiz diante de

alternativas postas pela norma: ele inverterá o ônus se for verossímil a

alegação, ou se for hipossuficiente o consumidor.

É que pode acontecer de nenhuma das hipóteses estar presente: nem

verossímeis as alegações, nem hipossuficiente o consumidor.

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Como já retratamos acima, verossimilhança é conceito jurídico

indeterminado. Depende de avaliação objetiva do caso concreto e da aplicação

de regras e máximas da experiência para o pronunciamento.

Logo, o raciocínio é de lógica básica: é preciso que o juiz se manifeste

no processo para saber se o elemento da verossimilhança está presente.

Da mesma maneira a hipossuficiência depende de reconhecimento

expresso do magistrado no caso concreto. É que o desconhecimento técnico e

de informação capaz de gerar inversão tem de estar colocado no feito sub

judice. São as circunstâncias do problema aventado e em torno do qual o

objeto da ação gira que determinarão se há ou não hipossuficiência (que, em

regra geral, atinge a maior parte dos consumidores). Pode muito bem ser caso

de consumidor engenheiro que tinha claras condições de conhecer o

funcionamento, de modo a ilidir sua presumida hipossuficiência. Como pode

também ser engenheiro e ainda assim, para o caso, constatar-se sua

hipossuficiência.

Então, novamente o raciocínio é de singela lógica: é preciso que o juiz se

manifeste no processo para saber se a hipossuficiência foi reconhecida ou não

no caso concreto.

E, já que diante da norma do CDC, que não gera inversão automática,

entendemos ser, o momento processual mais adequado para a decisão sobre a

inversão do ônus da prova, aquele até o despacho saneador.

Há, também, a importante questão do destinatário da norma estatuída no

inciso VIII do art. 6º do CDC.

Entende-se que, muito embora essa norma trate da distribuição do ônus

processual de provar dirigido às partes, ela é mista no sentido de determinar

que o juiz expressamente decida e declare de qual das partes é o ônus.

Como a lei não estipula a priori quem está obrigado a se desonerar, e a

fixação do ônus depende da constatação da verossimilhança ou

hipossuficiência, o magistrado deve se manifestar também quanto à

Page 44: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

38

desincumbência, porquanto é ela que dirá se é o consumidor ou o fornecedor

que custeará a perícia, caso esta seja necessária.

3.5. Motivação da decisão de inversão do ônus da prova

Por não se tratar de um mero despacho, a decretação da inversão do

onus probandi, que constitui decisão judicial, deve ser fundamentada, sob pena

de nulidade, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Carta Política de 1988.

Fundamentar, segundo leciona o mestre Nelson Nery Junior, "significa o

magistrado das as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a

questão daquela maneira".

Vale dizer, que o magistrado ao proferir uma decisão, num processo,

tem que externar a sua base fundamental. Ainda que de forma sucinta, deve

indicar o critério de julgamento posto como base da decisão.

A motivação das decisões judiciais é encarada, tradicionalmente, como

garantia das partes, e, mais modernamente, como garantia política, que

permite a possibilidade de se aferir a imparcialidade do juiz e a legalidade de

suas decisões.

Trata-se de uma garantia de segundo grau, garantia de garantias, por

servir de instrumento pelo qual se assegura o controle sobre a efetividade das

demais garantias processuais.

Interessante observar que, a Constituição Federal normalmente não

contém normas sancionadoras, mas a falta de motivação é vício de tamanha

gravidade que o legislador constituinte cominou, no próprio texto legal, a pena

de nulidade.

Nulidade essa que, por sua própria natureza, é absoluta, porque a falta

ou a insuficiência de fundamentação mutila a integridade do ato judicial, sendo

ostensiva a preocupação do legislador constituinte, de evitar o arbítrio, ao exigir

a motivação dos atos decisórios.

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39

Ocorre, no entanto, que vem se observando, na praxe forense, que

muitos juízes, infelizmente, vem invertendo o ônus da prova, em incontáveis

feitos, sem qualquer preocupação de externarem com que elementos de fato,

com que provas, formou-se a convicção de restarem presentes os requisitos

autorizadores.

Assim, data maxima venia, dizer que, se inverte o ônus da prova, por

estarem presentes os elementos autorizadores, consubstancia um autêntico

arbítrio judicial, um escárnio à garantia deitada no inciso IX, do artigo 93, da

Carta Republicana de 1988.

Portanto, para que haja o decreto de inversão do ônus da prova, e

ainda, para que este seja legítimo, o magistrado deverá revelar, mesmo que de

forma sucinta, quais os elementos formadores de sua convicção, e se estão

presentes os requisitos legais autorizadores.

Assim, devemos sempre entender a inversão do ônus probatório como

medida extraordinária e não como norma geral, automaticamente observável,

em todo e qualquer processo que verse sobre relação de consumo.

Isso, antes tudo, por que a inversão do onus probandi se revela

absolutamente dispensável sempre que o julgador formar sua convicção, ao

valorar as provas que sejam produzidas no processo.

Ademais, a simples leitura do dispositivo legal em tela, externa, e com

solar clareza, que, apenas quando presentes os requisitos autorizadores, há

lugar para a inversão do ônus da prova.

Assim, já veio a se manifestar o Egrégio Superior Tribunal de Justiça,

nos seguintes termos:

“A chamada inversão do ônus da prova, no Código de

Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da

defesa dos direitos do consumidor... Isso quer dizer que

não é automática a inversão do ônus da prova. Ela

depende de circunstâncias concretas que serão apuradas

Page 46: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

40

pelo juiz no contexto da facilitação dos direitos do

consumidor”.

Deve-se ter plena consciência se tratar, o instituto em cerne, de uma

das mais notáveis mudanças do Direito em nosso tempo, na linha da crescente

atribuição de poderes ao juiz.

O mecanismo da inversão do ônus da prova apenas deverá ser

aplicado quando seja necessário para soerguer, concretamente, um idealizado

equilíbrio processual entre consumidor e fornecedor.

Não deve ser sumariamente aplicado, gerando um novo desequilíbrio

na relação entre as partes, a tal ponto de atribuir ao fornecedor um encargo

absurdo e insuscetível de desempenho, ou seja, sob pretexto algum, poderá

ser um mecanismo de impor um ônus impossível de se provar.

Até mesmo por que, a própria Lei 8.078/1990, em seu artigo 4º, inciso

III, lança o ideal de equilíbrio, nas relações negociais entre os consumidores e

os fornecedores, não sendo seu escopo consagrar um execrável privilégio.

Pensar de forma diferente representaria gritante violência ao princípio

da paridade de armas, que se enlaça com o vetor constitucional da igualdade

das partes perante a lei, que brota do caput do artigo 5º, da Carta Republicana

de 1988.

Não se desconhece a moderna concepção de isonomia, que nos

remete à noção de igualar os iguais e desigualar os desiguais, na proporção

dessa desigualdade.

Tanto assim, que não se ousa, nessa despretensiosa monografia,

questionar a constitucionalidade da possibilidade de inversão do ônus da

prova, sempre que presentes os requisitos autorizadores, que revelam, no caso

concreto, um desequilíbrio processual entre as partes.

Reconhece-se que essa constitucionalidade veio a se pacificar em

nossa melhor doutrina, sendo inclusive referendada, com razão, por mestres de

inquestionável autoridade intelectual, como Nelson Nery Junior.

Page 47: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

41

O que se afirma no presente trabalho, é que a inversão não se legitima

quando, no caso concreto, já existir um equilíbrio processual entre as partes.

A proteção ao consumidor não pode se transformar numa empreitada

contra as empresas, em que, mesmo em demandas absurdas, a resolução se

opere à luz da inversão do onus probandi, empregada de maneira a inviabilizar

a defesa do fornecedor.

Por mais que se concorde com a urgente necessidade de se extirpar do

mercado de consumo todo tipo de conduta lesiva e abusiva que inúmeras

empresas praticam, tal não pode servir de paliativo para se atropelar a garantia

da ampla defesa, sem a qual afigura-se impossível sequer se cogitar, a

segurança jurídico-processual.

Dissertando sobre a finalidade da norma que prevê a inversão do onus

probandi, valioso o magistério do professor Carlos Roberto Barbosa Moreira,

nos seguintes termos:

A finalidade da norma é de facilitar a defesa dos direitos

do consumidor e não a de assegurar-lhe a vitória, ao

preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao

fornecedor se deve proporcionar.

O que não se pode, data máxima venia, é se tolerar a proliferação de

decisões judiciais nas quais, os julgadores, logo após reconhecerem que o

consumidor nada provou, julgam procedentes suas ações, afirmando que,

tendo em vista a inversão, o ônus da prova passa a ser dos fornecedores,

mesmo em hipóteses em que flagrantemente estejam ausentes os requisitos

autorizadores.

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42

CONCLUSÃO

Ao versar sobre a inversão do ônus a prova, em sede de relações de

consumo, com fundamento no inciso VIII, do artigo 6º, da Lei nº. 8.078/1990, o

artigo que ora se conclui demarca importantes observações.

A primeira, que a medida apenas pode ser efetivada, no processo civil,

em favor do consumidor, pólo mais frágil da relação de consumo, dela não se

cogitando para favorecimento do fornecedor.

A própria ratio legis explica a questão, visto que, com a possibilidade de

inversão, partindo-se da presunção de vulnerabilidade do consumidor, o que se

busca é dar efetividade, no processo, ao princípio da paridade de armas, que

se enlaça com o dogma constitucional da igualdade de partes.

A segunda delas, que a inversão do ônus da prova por ser providência

excepcional, não pode ser automaticamente aplicável em qualquer relação de

consumo.

Não se trata de uma hipótese de inversão ope legis do ônus da prova,

mas, sim, sujeita ao crivo judicial, de uma inversão ope iudicies, condicionada

ao preenchimento dos requisitos legais, sob pena de configurar ato abusivo,

com ofensa ao devido processo legal.

A terceira, que nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido,

sendo um corolário lógico que somente as que estejam no âmbito técnico do

fornecedor lhe poderão ser atribuídas.

Quando do enfrentamento do melhor significado que se possa atribuir

aos requisitos legais autorizadores da inversão do fardo probatório, se concluiu,

primeiramente, que a verossimilhança é a convicção que se extraí de material

probatório de feitio indiciário, de ser aceitável a versão do consumidor, diante

da modalidade de relação de consumo posta em juízo.

Não sendo necessário, para a sua caracterização, que a prova aponte

para uma probabilidade muito grande de que sejam verdadeiras as alegações

Page 49: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

43

do litigante, sem que seja suficiente, no entanto, a boa redação da petição

inicial, por não se confundir com o uso da técnica de argumentação que muitos

profissionais desfrutam.

Quando do estudo do requisito da hipossuficiência, observou-se que a

mesma não é jurídica, não se presumindo, exigindo, para a sua caracterização,

um plus, que apenas restará presente quando configurada a impotência técnica

do consumidor, num contexto atrelado ao monopólio de informação, sem que

guarde vínculo com a sua situação econômica.

Ressaltou-se, ainda, que a inversão do ônus probante, com fundamento

na impotência técnica do consumidor, apenas poderá ocorrer quando existir

real possibilidade probatória de parte do fornecedor, sob o risco de lhe impor a

certeza da sucumbência, o que colide com a ampla defesa.

Ao se deparar com o debate que se trava sobre a necessidade de que

sejam preenchidos ambos os requisitos autorizadores, deixamos averbado que

a interpretação literal do texto legal, em si, não é suficiente para preservar a

adequação sistêmica do instituto da inversão do ônus da prova ao

ordenamento jurídico em que se insere.

Nesse sentido, defendeu-se que, quando as alegações do consumidor

forem verossímeis, não será necessária a presença cumulativa do segundo

requisito legal.

Mas, mesmo quando configurada a impotência técnica do consumidor,

frente ao fornecedor, deverá ser aferida a idoneidade das alegações daquele,

visto que, se suas alegações forem, prima facie, temerárias, eventual inversão

se revelará abusiva.

Concluímos, então, afirmando que apenas o caso concreto irá revelar,

ao julgador, a necessidade de preenchimento cumulativo ou alternativo dos

requisitos legais autorizadores.

Versando sobre os momentos procedimentais em que seja cabível a

transferência do fardo probatório, refutou-se a sua possibilidade em sentença,

por surpreender o fornecedor, mitigando o contraditório e a ampla defesa.

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44

Admitiu-se a legitimidade do decreto judicial de inversão ab initio, no

primeiro contato do magistrado com os autos, desde que a petição inicial esteja

instruída com elementos que permitam a aferição da presença dos requisitos

autorizadores.

Concluiu-se, reconhecendo que o melhor momento para essa inversão

seja, no entanto, o do despacho saneador, quando serão fixados, pelo juiz, os

pontos controvertidos, a serem provados.

Finalizou-se salientando que a inversão do onus probandi, constituindo

uma decisão judicial, deve ser fundamentada, sob pena de nulidade absoluta,

defendendo o argumento de que o magistrado não poderá cingir-se a repetir,

ritualisticamente, as palavras da lei, para justificá-la.

Reconheceu-se, ainda, que a prática forense tem demonstrado que a

regra da inversão do ônus da prova muitas vezes não tem sido aplicada com a

isenção necessária.

Crê-se assim que, em alguns anos, será possível avaliar com maior rigor

a inversão do ônus da prova e a posição aqui defendida representa a

expectativa de que o cerceamento de defesa do fornecedor não supere os

reais benefícios advindos da efetiva proteção dos direitos do consumidor.

Encerrando esse despretensioso trabalho, pode-se afirmar ser

plenamente possível a harmonização do instituto da inversão do ônus probante

com o respeito das garantias processuais constitucionais, como o devido

processo legal, a ampla defesa e o contraditório, desde que sejam observadas

as diretrizes anteriormente delineadas.

Page 51: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

45

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Page 54: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

48

ANEXOS - EXEMPLOS DE CASOS CONCRETOS NO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

“(...) Saneador a fls.72/73, rejeitando-se as preliminares, refutando-se a

prescrição e indeferindo-se a denunciação da lide e a inversão do ônus da

prova. A ré noticiou a interposição de Agravo de Instrumento a fls.76/87,

provido parcialmente pela decisão de fls.71/75 do apenso. Outras peças a

fls.79, 81/84, 86/87, 88 95/98, 100/101 e 103. É o relatório. Decido. O ônus da

prova do fato constitutivo do direito compete ao autor, nos termos do artigo

333, I, Código de Processo Civil, descabida a imputação da obrigação à parte

ré. Os documentos acostados a fls.25/30 são relativos a período diverso,

inócuo ao julgamento da querela, inviabilizando a aplicação da regra

estampada no artigo 359, Código de Processo Civil. Nesta esteira,

considerando que a parte autora não logrou demonstrar o fato constitutivo de

seu direito, qual seja a existência da conta de poupança com data de

aniversário nos quinze primeiros dias dos meses referidos e correlatos saldos,

a rejeição da pretensão reveste-se da aplicação do direito à espécie. Pelo

exposto, julgo improcedente o pedido, na forma do artigo 269, I, Código de

Processo Civil, condenando a parte autora ao pagamento das despesas

processuais e verba honorária em dez por cento sobre o valor da causa,

observado o artigo 12, Lei 1.060/50. P.R.I.” (TJ/RJ - 2ª Vara Cível da Comarca

de Barra Mansa, Processo nº 2007.007.004939-0)

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49

“(...) Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor começou a vigorar em

março de 1991, após a abertura da mencionada conta poupança da agravada.

Nota-se que há flagrante intenção do agravo de se beneficiar de duas leis

distintas: o Código Civil de 1916, que tem a prescrição vintenária, e do Código

de Defesa do Consumidor, que possibilita a inversão do ônus da prova em seu

favor, o que não pode ser tolerado, pois a lei não pode retroagir, conforme a

conveniência da agravada.

(...) Assim, com o devido respeito a entendimentos outros, tenho que a

legislação que deve reger a espécie é o Código Civil, e não o Código de

Defesa do Consumidor. E se não é caso de aplicação do CDC, não há que se

falar em inversão do ônus da prova, impondo a observância da regra da

distribuição da carga da prova, prevista no art. 333, I, do Código de Processo

Civil.

Ademais, não se têm notícias de que a relação contratual foi continuada,

perdurando até após a entrada em vigor do CDC, caso contrário tempus regit

actum. Por outro lado, importante se mencionar que eventual aplicação da

legislação consumerista obrigar-nos-ia a reconhecer a ocorrência da

prescrição, já que aquele diploma prevê o prazo prescricional de cinco anos.

Diante destas considerações, considerando que a decisão agravada não se

alinhou à jurisprudência do STJ, com base no § 1º - A, do art. 557 do CPC, dou

provimento ao recurso para cassar a decisão que aplicou o Código de Defesa

do Consumidor, cassando, consequentemente, a inversão do ônus da prova.

Comunique-se ao Juiz da causa.” (TJRJ-16ª Câmara Cível, Agravo de

Instrumento n.º 2009.002.25391)

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50

“DECISÃO.Trata-se de agravo de instrumento manifestado contra decisão do

MM. Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda, proferida na ação de

cobrança proposta pela agravada contra o agravante, que indeferiu

requerimento de denunciação da lide e, aplicando o Código de Proteção e

Defesa do Consumidor, determinou que o recorrente, apresentasse, em 10

dias, os extratos bancários do período indicado na inicial (fls. 92). Alega o

recorrente descaber tal inversão, uma vez que a parte autora não comprovou

a existência das contas na época dos planos e que a decisão não tem

fundamento legal. Decisão à fls. 103, concedendo antecipação dos efeitos

recursais. Contraminuta às fls. 105/10, em prestígio da decisão recorrida. É o

relatório. Em primeiro lugar, a lei consumerista ainda não vigia quando

ocorreram os fatos narrados na exordial, sendo, pois, impossível a eles aplicar-

se lei que somente depois veio a lume. Em segundo lugar, se entende aplicável

a legislação consumerista, por ter havido falha da prestação do serviço, o

direito do agravado à ação estaria prescrita, pois aquele diploma legal

estabelece em cinco anos o prazo prescricional. Além disso, na forma do que

dispõe o art. 333, I, do Código de Processo Civil, ao autor da ação compete

demonstrar o fato constitutivo do seu direito e, dessa forma, é ao agravado que

cabe comprovar, nos autos, que mantinha, na data que refere em sua exordial,

caderneta de poupança no agravante e que não foi por ela remunerado na

forma da lei. Que mantinha a agravada conta no agravado à época dos fatos,

com saldo, e a existência de diferença de correção monetária, são os fatos

constitutivos do direito da autora da ação e, portanto, a ela caberia prová-los,

apresentando o que para tanto fosse necessário. A decisão recorrida foge ao

princípio da razoabilidade, eis que não há qualquer norma legal que obrigue o

agravante a guardar extratos por tão longo tempo. Esses documentos, se um

dia existiram, embora até possa tê-los o agravante, o que é muito difícil, diante

do tempo decorrido, deveria ter o recorrido, pois, se era correntista, recebia

disso comprovantes. Se não os guardou, sendo ele o interessado, como pode

querer exigir que o Banco os tenha guardado? Aliás, não se pode compreender

qual seria o procedimento do juiz, caso o Banco não exiba os extratos,

Page 57: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

51

parecendo não estar havendo uma medição das consequências disso que vêm

alguns magistrados deferindo.A situação é grave e pode gerar uma enxurrada

de fraudes contra as instituições financeiras (não se está insinuando que isso

exista aqui, ressalte-se), pois, pelo raciocínio do magistrado de primeiro grau,

basta alegar que mantinha a conta, para que já seja o Banco condenado.Por

estas razões, com fulcro no artigo 557, § 1° - A, do Código de Processo Civil e

diante das reiteradas decisões desta Câmara nesse sentido, DOU

PROVIMENTO ao recurso,para cassar a decisão recorrida. Rio de Janeiro, 15

de outubro de 2008. Desembargador Sergio Lucio de Oliveira e Cruz - Relator”

(TJ/RJ – 15ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 2008.002.31114)

“Trata-se de ação pelo rito ordinário com pedido de cobrança proposta por

AILTON JOSÉ LINO em face de BANCO ITAÚ S.A. Sustenta a parte autora

que possuía junto ao réu uma conta poupança de nº 121.3.1505-3; que não

recebeu a correção devida nos Planos Bresser, Verão e Collor I, alegando que

o valor recebido a títulos de correção monetária não corresponde com o que

deveria ter sido pago. Assim, pretende o recebimento dos expurgos

inflacionários referente aos mencionados Planos. Inicial às fls. 02/05, instruída

pelos documentos de fls. 06/12. Contestação às fls. 16/49 alegando em

preliminar a ilegitimidade passiva e em prejudicial ao mérito a prescrição. No

mérito, que a correção dos valores depositados na conta do autor obedeceu à

legislação pertinente a época. Assim, requer que sejam acolhidas as

preliminares ou pronunciada a prescrição e, no mérito pugna pela

improcedência. Réplica ás fls. 56/62. Decisão saneadora á fl. 68/69 rejeitando a

preliminar e, afastando a prescrição. É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR.

Com efeito, não se discute a hipossuficiência da parte autora em relação à ré

no tocante a apresentação de extratos bancários pleiteados. Todavia, a parte

autora em sua peça inaugural apenas informa o número da conta poupança,

sem, contudo, indicar a data de aniversário e, tampouco traz aos autos o

mínimo de lastro probatório sobre a existência e da titularidade da conta

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52

poupança. O documento de fl. 08 é imprestável para provar que a parte autora

mantinha conta poupança na instituição ré durante os períodos indicados na

prefacial, portanto, o pedido não pode ser acolhido, eis que a autora não logrou

êxito em provar o fato constitutivo de seu direito, na forma do artigo 333, I do

CPC. Ademais, nos termos do art. 283 do CPC, a petição inicial deve ser

instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, sendo

certo que tais documentos devem comprovam a existência da relação jurídica

entre as partes, a permitir a análise da pertinência subjetiva da ação. Diante

disto, ante a inexistência de qualquer início de prova ou elemento de convicção

de existência de relação jurídica entre as partes, não se pode inverter o ônus

da prova, sob pena de aplicar-se uma situação perigosa, de conferir efeito

probatório pela simples recusa da instituição financeira sobre a existência da

conta poupança (prova negativa). Sendo assim, não se pode aplicar ao caso o

disposto no artigo 359 do CPC, visto que caberia a parte autora, trazer aos

autos o mínimo da prova do fato constitutivo de seu direito capaz de possibilitar

este juízo admitir como verdadeiros os fatos que, por meio dos documentos

(extratos), pretendia se provar. Outro não foi o entendimento esposado nas

decisões abaixo: 2008.001.23293 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES.

LUISA BOTTREL SOUZA - Julgamento: 19/06/2008 - DECIMA SETIMA

CAMARA CIVEL CADERNETA DE POUPANÇA. PRETENSÃO DE

COBRANÇA DAS DIFERENÇAS HAVIDAS NOS SALDOS DE CONTAS DE

POUPANÇA, EM RAZÃO DOS DIVERSOS PLANOS ECONÔMICOS, QUE

DETERMINARAM O EXPURGO DE ÍNDICES DE INFLAÇÃO. ÔNUS QUE SE

IMPÕE AO AUTOR DA AÇÃO DE TRAZER AOS AUTOS PROVA DO FATO

CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO. AINDA QUE NÃO SE EXIJA PARA A

PROPOSITURA DA AÇÃO A APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS DA CONTA

DE POUPANÇA, TEM O AUTOR QUE COMPROVAR PELO MENOS A

EXISTÊNCIA DA MESMA, BEM COMO A DATA DE SEU ANIVERSÁRIO, NA

MEDIDA EM QUE SOMENTE AQUELAS ABERTAS OU RENOVADAS EM

DATA ANTERIOR A 15 DE JANEIRO DE 1989 FAZIAM JUS AO ÍNDICE

PLENO DO IPC. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO DEPOSITÁRIO PARA

RESPONDER PELAS DIFERENÇAS DITADAS PELO PLANO COLLOR.

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53

PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO PROVIDO.

2008.001.37325 - APELACAO CIVEL - DES. SUIMEI MEIRA CAVALIERI -

Julgamento: 08/09/2008 - SEXTA CAMARA CIVEL EXPURGOS

INFLACIONÁRIOS. PLANOS ECONÔMICOS. AUSÊNCIA DE PROVA DO

FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO. Competia a parte autora, e não a ré,

demonstrar a existência da caderneta de poupança à época dos indigitados

planos econômicos, pois tal se revela o próprio fato constitutivo de seu alegado

direito. A inexistência de prova, mínima que seja, nesse sentido, acarreta

irremediavelmente a improcedência do pedido (art. 333, inciso I, do CPC).

Aplicação do art. 557 caput, do CPC. Sentença de improcedência que se

mantém. 2008.001.03111 - APELACAO CIVEL - 2ª Ementa DES. ORLANDO

SECCO - Julgamento: 10/06/2008 - OITAVA CAMARA CIVEL Agravo

Inominado em Apelação Cível. Processual Civil. Consumidor. Inversão do Ônus

da Prova. Requisitos. // Ação de Cobrança. Expurgos inflacionários. Inicial que,

ao sustentar a existência de conta-poupança junto à instituição financeira ré,

não produz qualquer início de prova ou elemento de convicção que faça

pressupor a existência de relação jurídica entre as partes, cingindo-se a juntar

requerimento de extrato bancário (fls.14). Insubsistência. // Se a demandante

não fornece ao juízo qualquer elemento de convicção no sentido de que haja a

alegada relação jurídica entre as partes, não se há de deferir-lhe a inversão do

ônus da prova, sob pena de alcançar-se situação esdrúxula, se não perigosa,

de conferir-se efeitos probatórios à simples negativa da instituição financeira

quanto a existência da alegada conta-popuança (prova negativa).

Jurisprudência pacífica do STJ no sentido de que a apresentação de extratos

bancários não é documento essencial à propositura da ação, desde que haja

prova da titularidade pelo demandante no período impugnado. Inversão do

ônus incabível. Inteligência do Art.333, I, CPC. Ônus processual não

desempenhado. Firmes Precedentes da Corte. Manutenção da sentença de

improcedência. Recurso improcedente. Improvimento do Agravo Inominado.

Por fim, a Resolução nº 2078/94, do Conselho Monetário Nacional do Banco

Central estabelece a obrigatoriedade de guarda de documentação pelas

instituições bancárias até 5 anos após o encerramento da conta, apenas

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54

estaria obrigada a parte ré se a hipótese se enquadrasse nesta previsão. Por

tais razões, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO e EXTINGO o processo com

resolução do mérito na forma do Art. 269, I, do CPC. Condeno o autor as

custas e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa conforme

Art. 20, § 3º, do CPC, observando-se a isenção concedida. P.R.I. Ao trânsito,

dê-se baixa e arquivem-se.” (TJ/RJ – 3ª Vara Cível da Comarca de Volta

Redonda – Processo nº 2007.066.006880-4)

“DECISÃO SINGULAR. Ação de Cobrança. Caderneta de poupança. Expurgos

Inflacionários. Planos Bresser e Verão. Decisão do Juízo a quo que determina

a demonstração, na forma do art. 333, II, do Código de Processo Civil, da

correta aplicação dos índices de correção monetária sobre conta poupança,

cuja existência não restou comprovada. Intimação do Agravante para exibição

dos extratos da alegada conta poupança, na forma dos art. 355 e 359 do

mesmo Diploma Legal. Inaplicabilidade, na hipótese, da inversão do ônus da

prova fundada no Código de Defesa do Consumidor. Norma legal inexistente à

época dos fatos. Documentos determinados exibir comuns às duas partes

litigantes, não sendo ilegítima a impossibilidade do Agravante em fazê-lo, em

virtude o lapso do tempo decorrido, não ensejando a aplicação da pena inscrita

no art. 359 do Código de Processo Civil. Precedentes nesta Corte de Justiça e

nos Tribunais Superiores. Decisão que se reforma. Provimento do recurso com

fulcro no art. 557, § 1º-A da Lei Adjetiva Civil. Trata-se de Agravo de

Instrumento manejado por Banco Itaú S/A, insurgindo-se contra decisão por

cópia às fls. 91, que, dentre outras coisas, determinou ao Agravante juntar aos

autos da Ação de Cobrança de expurgos inflacionários, os extratos relativos ao

período de junho de 1987, janeiro e fevereiro de 1989, na forma do art. 355 e

359 do Código de Processo Civil, sob a fundamentação de caber ao

depositário, por dever legal, tal demonstração, consoante dispõe o art. 333, II,

do mesmo Diploma Legal. Em suas razões, afirma que a inversão desta

incumbência está prevista no art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor,

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55

norma legal não aplicável à hipótese. Aduz, ainda, que o poupador não pode

ser considerado hipossuficiente técnica ou juridicamente no que se refere à

apresentação de seus extratos, salientando que deve ser observado o que

dispõe o art. 333, inciso I, do CPC. Acrescenta inexistir lei que obrigue as

instituições financeiras a guardarem os documentos relativos às contas

bancárias por tempo indeterminado e, por fim, que referidos documentos são

comuns às partes, de forma que o Autor/Agravado sempre os teve em seu

poder. Efeito suspensivo concedido às fls. 103. Não houve resposta ao recurso.

Este, o breve relatório. Conheço do recurso por presentes os pressupostos de

admissibilidade. Assim está lançada a parte impugnada da decisão ora em

exame: “... Fixo o ponto controvertido na demonstração de que a entidade ré

procedeu a correção dos depósitos de titularidade do Autor, com base no IPC,

índice de 26,06%, relativo ao mês de junho de 1987 e com base no IPC, índice

de 42,72%, relativo ao mês de janeiro de 1989,mantidos os ônus específicos,

cabendo ao depositário, por dever legal, tal demonstração na forma do art. 333,

II do CPC. Intime-se o réu para, querendo, apresentar os extratos de

depósito,consoante documento de fls. 64, na forma dos artigos 355 e 359 do

CPC...” Data venia do ilustre prolator da decisão de primeiro grau, entendo

assistir razão ao banco recorrente.O ônus de trazer os extratos bancários da

alegada conta poupança, os depósitos efetuados e os saldos porventura

existentes às épocas reclamadas são do Autor, haja vista tratar-se de fato

constitutivo do próprio direito alegado. Conforme preceitua o art. 283 do Código

de Processo Civil, a petição inicial deverá ser instruída com os documentos

indispensáveis à propositura da ação. Também o art. 396 do mesmo Diploma

Legal estabelece que compete à parte instruir a petição inicial com os

documentos destinados a provar-lhe as alegações. Entretanto, o Autor, ora

Agravado, em sua petição inicial, simplesmente alega que possuía conta de

depósito em caderneta de poupança sem sequer indicar o número, somente o

fazendo no documento endereçado ao banco Agravante (cópia às fls. 23), onde

indica 04 números relacionados a três números de CPF. Inexiste, portanto, um

mínimo de prova a respeito da existência de poupança e de saldo na época da

edição dos planos econômicos. Assim, não se pode imputar ao réu o dever

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56

legal de exibir tais documentos, na forma do art. 333, II do CPC. A

jurisprudência pacificada nesta Corte de Justiça, bem assim no Superior

Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a prova da existência e

titularidade das contas de poupança é ônus do autor. Por outro lado, comungo

com o entendimento da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à

presente hipótese. Com efeito, este Diploma Legal não se encontrava em vigor

à época dos fatos narrados na inicial. E nem se diga que por se tratar de

relação jurídica de trato sucessivo, possível seria sua aplicação, pois o que

importa é que os fatos que ensejaram a propositura da demanda ocorreram

antes de sua vigência. Aliás, não se sabe sequer se a relação jurídica existente

entre as partes ainda perdurava quando da entrada em vigor do referido

Diploma. Da mesma forma, inexiste em nosso ordenamento jurídico norma

legal que obrigue a instituição financeira depositária a manter extratos de

contas poupança de 20 anos passados. Pode-se afirmar com absoluta certeza

que os extratos das alegadas poupanças foram remetidos ao Autor no

momento oportuno, caso contrário o poupador teria reclamado naquele

momento e não 20 anos depois. Assim, se os documentos pretendidos

(extratos dos meses referidos) são comuns às partes, porque o Autor/Agravado

não os trouxe com a inicial? Note-se, inclusive, que na inicial (cópia às fls.

11/12) o Autor afirma que “mantinha” contas de depósito em caderneta de

poupança nos meses junho de 1987 e fevereiro de 1989, subentendendo-se,

portanto, que não mais sub-existe. Desta forma, à presente hipótese, entendo

não se aplicar a pena inscrita no artigo 359 do Código de Processo Civil, eis

que não se pode considerar ilegítima a impossibilidade do banco Agravante em

apresentar documentos que não mais possui e que não estaria obrigado a

manter por tão longo período. Este é o entendimento consolidado nesta Corte

de Justiça, bem assim nos Tribunal Superiores. Vejamos: 2008.001.40861 –

APELACAO. DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO - Julgamento:

12/08/2008 – DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL. COBRANÇA.

PRECARIEDADE DA PROVA. REFORMA DA SENTENÇA. Nos termos dos

artigos 283 c/c 396 do Código de Processo Civil, era um ônus dos

Demandantes a prova de suas assertivas. No entanto, alegaram a titularidade

Page 63: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

57

de contas de poupança à época dos expurgos inflacionários cobrados sem

colacionar qualquer prova da sua existência. Ademais, é bom lembrar o

Apelante não estava obrigado exibir dos extratos, porque certamente já os

havia remetido outrora. Portanto, não estava obrigado a fazer prova contra si. E

mais, não há porque se falar em aplicação do CDC, com inversão do ônus da

prova, se o citado Diploma Legal sequer existia àquela época. O novo diploma

legal não tem o efeito de retroagir para atingir relação jurídica que produziu

efeitos sob a esfera de outro ordenamento. O Magistrado deve julgar de acordo

com o contexto probante e o que foi colacionado aos autos não se mostra hábil

a lastrear a conclusão a que chegou o Sentenciante. Cabia aos Apelados a

demonstração do fato constitutivo do seu direito, o que não foi feito. Recurso

provido monocraticamente, nos termos da decisão do Desembargador Relator.

2008.001.11285 - APELACAO CIVEL. DES. SERGIO LUCIO CRUZ -

Julgamento: 17/06/2008 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL. AÇÃO DE

COBRANÇA COM PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS.

REMUNERAÇÃO DE CADERNETAS DE POUPANÇA. PLANOS BRESSER E

VERÃO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

AUTOR DA AÇÃO QUE NÃO PROVA A EXISTÊNCIA DE CONTAS

MANTIDAS NO APELADO, À ÉPOCA EM QUE SE DERAM OS EXPURGOS,

FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO, QUE NÃO PODE SER ATINGIDO

POR INVERSÃO DE ÔNUS PROBATÓRIO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR, TENDO EM VISTA QUE O MESMO É

MUITO POSTERIOR. DECISÃO MONOCRÁTICA COM FULCRO NO ARTIGO

557, CAPUT,DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NEGANDO SEGUIMENTO

AO RECURSO. (grifo nosso). DES. JOSE GERALDO ANTONIO -

Julgamento: 11/06/2008 - SETIMA CAMARA CIVEL. AÇÃO DE COBRANÇA -

CADERNETA DE POUPANÇA EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - PLANOS

ECONÔMICOS - PROVA DA EXISTÊNCIA E TITULARIDADE DAS CONTAS

DE POUPANÇA NO PERÍODO RECLAMADO - ÔNUS DO AUTOR

ENTENDIMENTOS CONSOLIDADOS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA. A jurisprudência pacificada do STJ consolidou o entendimento

de que a prova da existência e titularidade das contas de poupança é

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ônus do autor, porquanto, embora a inversão do ônus da prova seja

prevista na lei consumerista, não exime àquele de provar o fato em que

baseia o seu pleito. Improvimento do recurso. Note-se que o E. Superior

Tribunal de Justiça, ainda que tratando de hipótese diversa, já se pronunciou

sobre a impossibilidade de aplicação do CDC a contratos anteriores à sua

vigência, valendo transcrever o seguinte precedente: “CIVIL E PROCESSUAL.

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. RECURSO

ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO DEFICIENTE. INADIMPLÊNCIA

RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PERDA PARCIAL DOS

VALORES PAGOS. CDC. INAPLICABILIDADE AOS CONTRATOS

ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA. RETENÇÃO DE PARTE DAS

PRESTAÇÕES. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE FATO E

EXAMECONTRATUAL. SÚMULAS N. 5 E 7-STJ. FUNDAMENTAÇÃO

DEFICIENTE. SÚMULA N. 283-STF.I. ...II.II. O Código de Defesa do

Consumidor é inaplicável aos contratos firmados anteriormente à sua vigência.

Precedentes do STJ(...).(REsp 96988/SP; Rel. Min. ALDIR PASSARINHO

JUNIOR, JUL. 06/09/2005). Também o Supremo Tribunal Federal já se

posicionou a respeito: “... IV. Código de Defesa do Consumidor: contrato

firmado entre instituição financeira e seus clientes referentes à caderneta de

poupança: não obstante as normas veiculadas pelo Código de Defesa do

Consumidor alcancem as instituições financeiras (cf. ADIn 2.591, 7.6.2006,

Pleno, Eros Grau), não é possível a sua aplicação retroativa, sob pena de

violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Precedente ‘(RE

205.999,16.11.99, Moreira, RTJ 173/263)’. - RE-ED 395384 / PR – PARANÁ;

Emb. Decl. em Rec.Ext. - Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento

26/042007 - Primeira Turma”. Assim, amparado no art. 557, § 1º-A do Código

de Processo Civil, dou provimento ao recurso, para reformar a decisão ora

recorrida, por se apresentar em manifesto confronto com jurisprudência tanto

deste Tribunal de Justiça quanto do Superior Tribunal de Justiça. Rio de

Janeiro, 09 de março de 2009.GALDINO SIQUEIRA NETTO. Desembargador

Relator.” (TJ/RJ – 15ª Câmara Cível, Agravo nº 2008.002.29789).

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59

“A análise mais detida dos autos demonstra que, embora a Autora tenha

comprovado a titularidade da conta poupança descritas na inicial, não

demonstrou a existência de saldo nos respectivos períodos dos planos

econômicos reclamados com relação a conta 4500-1. O documento de fls. 15

que menciona saldo na conta poupança é anterior ao período reclamado.

Ademais, considerando que a caderneta de poupança, por sua natureza, é um

investimento sem prazo fixo, não há como presumir a existência de saldo no

ano de 1989. Outrossim, no que tange a conta poupança 126.3.03304-8 deve o

demonstrar o saldo no período do Plano Verão. Frise-se que, embora este

Julgador entenda cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e

consequentemente da inversão do ônus da prova no caso em comento, tal

hipótese não exime o autor do ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu

direito, devendo a referida norma ser interpretada e aplicada em sintonia com a

regra do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Vale dizer, a

aplicação de uma norma não aniquila a outra. Diante de tal quadro, entendo

que a inversão do ônus da prova somente deve ser aplicada para

demonstração dos juros aplicados pela Instituição Financeira e não para

comprovação de depósito e eventual saldo nos períodos dos Planos

Econômicos. Se assim fosse, acabaria por ensejar ao réu o ônus de provar fato

negativo. Neste sentido, decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro: APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. EXPURGOS

INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. PLANOS BRESSER,

VERÃO E COLLOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, POR NÃO

COMPROVADA PELA AUTORA A EXISTÊNCIA DA CADERNETA DE

POUPANÇA À ÉPOCA DOS PLANOS ECONÔMICOS, FATO CONSTITUTIVO

DO DIREITO ALEGADO, CONFORME LHE CABERIA, NOS TERMOS DO

ART. 333, I, DO CPC. DOCUMENTO JUNTADO AOS AUTOS

DEMONSTRANDO A RESPOSTA DO BANCO DE INEXISTÊNCIA DE CONTA

POUPANÇA COM O NOME E CPF DA AUTORA. EXTRATOS BANCÁRIOS

JUNTADOS PELA AUTORA RELATIVOS A PERÍODOS POSTERIORES AOS

Page 66: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO …

60

DOS PLANOS ECONÔMICOS E ENTITULADAS COMO CONTA CORRENTE,

COM RESGATE DE FUNDOS E PAGAMENTO DE CHEQUES.

IMPOSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO AOS DITAMES DA INVERSÃO DA

PROVA DEFERIDA, POR ENSEJAR AO RÉU O ÔNUS DE PROVAR FATO

NEGATIVO, QUAL SEJA, A INEXISTÊNCIA DA CONTA BANCÁRIA.

SENTENÇA QUE SE MANTÉM, EM CONFORMIDADE COM O

ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DESTE E. TRIBUNAL DE

JUSTIÇA.APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 557 DO CPC C/C ART. 31,

VIII, DO REGIMENTO INTERNO DESTE E. TRIBUNAL.RECURSO A QUE SE

NEGA SEGUIMENTO, POR MANIFESTAMENTE

IMPROCEDENTE.SENTENÇA MANTIDA. (2009.001.28419 - APELACAO - 1ª

Ementa DES. BINATO DE CASTRO - Julgamento: 10/09/2009 - DECIMA

SEGUNDA CAMARA CIVEL) APELAÇÃO CÍVEL. CADERNETA DE

POUPANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DOS PLANOS ECONÔMICOS.

1. Cuida-se de ação de cobrança de expurgos inflacionários referentes a

planos econômicos.2. A competência para processar e julgar a ação de

cobrança é da Justiça Estadual, travando-se o litígio exclusivamente entre o

consumidor e a instituição financeira. Verbete sumular nº 179 do STJ. 3. Não

há nos autos prova no sentido de que, por ocasião da edição dos Planos

Econômicos o apelante possuía saldo na conta poupança indicada na petição

inicial. 4. O instituto da inversão do ônus da prova possui somente a finalidade

de possibilitar a tutela efetiva ao direito da parte que, diante da sua condição,

encontra dificuldades em produzir a prova que estaria ao seu encargo pela

regra geral, não a eximindo, entretanto, de provar os fatos constitutivos de seu

direito. 5. Ausência de prova da existência da relação jurídica entabulada entre

as partes nos períodos pretendidos. Entendimento jurisprudencial no sentido de

que a petição inicial não precisa estar instruída com os extratos da caderneta

de poupança, mas deve haver a comprovação da titularidade daquelas contas.

7. Recurso ao qual se nega seguimento com fundamento no art. 557, Caput do

CPC. (2009.001.51908 - APELACAO - 1ª Ementa DES. MONICA COSTA DI

PIERO - Julgamento: 09/09/2009 - OITAVA CAMARA CIVEL). PLANOS

ECONÔMICOS. Direito adquirido do poupador desde o momento do transcurso

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61

do período mensal de correção. Ônus da prova relativo à existência de conta

de poupança e saldo à época dos expurgos atribuído ao autor. Ausência de

prova quanto ao Plano Bresser. Art. 359, do CPC. Presunção relativa. Fixação

do índice de 19,75%. Incidência do índice sobre o menor saldo do período.

Descabimento. Correção monetária. Recurso provido em parte.

(2009.001.32104 - APELACAO - 1ª Ementa DES. CARLOS EDUARDO

PASSOS - Julgamento: 15/06/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL). Ante a tudo

o que foi acima exposto, determino a intimação do Autor para que traga aos

autos prova da existência de saldo na respectiva caderneta de poupança no

período reclamado na inicial . Prazo: 10 dias.” (TJ/RJ – 1ª Vara Cível da

Comarca de Resende, Processo nº 2008.045.011985-8).

“Ação de cobrança de diferenças de correção monetária em caderneta de

poupança. Determinação de exibição de extratos bancários. Ausência de

indicação pelos correntistas, do número da conta mantida no banco requerido.

Inversão do ônus da prova que somente se revelaria possível diante da

demonstração, ainda que mínima, da relação contratual com o banco

agravante. Sistema probatório brasileiro que não admite a produção de prova

negativa por parte do demandado, se a parte autora não apresenta qualquer

elemento, mesmo que precário, que ofereça plausibilidade ou verossimilhança

aos fatos narrados inicial com referência à causa de pedir. Agravo

provido.ACÓR D Ã O. Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de

Instrumento nº 2009.002.11722, alvejando a decisão de fls. 98, prolatada pelo

Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda, em que é agravante o

Banco Itaú S.A., sendo agravados José Ailton de França e Outra. 10ª Câmara

Cível – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.2. ACORDAM,

os Desembargadores da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, em votação unânime, DAR PROVIMENTO ao

recurso, nos termos do voto do Relator.RELATÓRIO. 1. Recorre

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62

tempestivamente, o Banco Itaú S.A., atacando a decisão de fls.98 (fls. 86 dos

autos originais), proferida pelo Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Volta

Redonda, em ação de cobrança de diferenças de correção monetária em

caderneta de poupança ajuizada por José Ailton de França e Outra, que

determinou a apresentação, pelo apelante, dos extratos das cadernetas de

poupança indicadas na peça inicial. 2. Alega, em síntese, não existir

fundamento legal que o obrigue a juntar os extratos requeridos, não sendo

possível aplicar-se o CDC ao presente caso, diante da irretroatividade dos seus

efeitos às situações jurídicas pretéritas, bem como por inexistir hipossuficiência

técnica ou jurídica que possa beneficiar os agravados. 3. Aduz não estar

obrigado a produzir prova constitutiva do direito dos agravados e igualmente

sustenta que não se pode admitir a transferência do ônus da prova 10ª Câmara

Cível – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.3. 4. Esclarece

que a Resolução nº 2.025 do Banco Central do Brasil estabelece o prazo de

cinco (05) anos para as instituições financeiras guardarem os documentos

relativos à abertura de contas, inexistindo regra legal que o obrigue a manter tal

documentação por tempo indeterminado. Requer o afastamento da obrigação

imposta ou, alternativamente, o reconhecimento da impossibilidade com

referência ao cumprimento da obrigação em relação às contas que tenham sido

abertas há mais de cinco (05) anos. É O RELATÓRIO.V O T O.5. Dispenso

informações do Juízo de origem e qualquer manifestação da parte agravada,

por constatar que a hipótese dos autos revela controvérsia unicamente de

direito, exigindo apenas adequada interpretação dos preceitos ordinários.6. De

início, observa-se que os autores não indicam em sua petição inicial a

numeração da conta de caderneta de poupança que mantiveram no banco

agravante e sequer apresentaram requerimento administrativo para obtenção

dos competentes extratos bancários. 10ª Câmara Cível – AGRAVO DE

INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.4. 7. A inversão do ônus da prova

está intimamente ligada à possibilidade da existência da relação jurídica

alegada na inicial. No caso dos autos, os agravados não informaram o número

da conta de poupança mantida junto à instituição financeira agravante, o que

forneceria indício probatório mínimo às alegações constantes da inicial. Neste

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sentido, veja-se o seguinte aresto: “AÇÃO DE COBRANÇA DE EXPURGOS

INFLACIONÁRIOS AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS NOS AUTOS

INEXISTÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES INVERSÃO DO

ÔNUS DA PROVA - DESCABIMENTO. Ausência de demonstração da

titularidade de conta-poupança à época pretendida, a retirar a verossimilhança

das alegações autorais. Inexistência dos requisitos que autorizam a aplicação

da inversão do ônus da prova. Manifesta improcedência. Correta a decisão

atacada. Recurso conhecido, a que se nega provimento, a teor do art. 557, do

Código de Processo Civil. 2008.001.35142 - Apelação Cível - Des. Ricardo

Couto - 07/08/2008 – 7ª Câmara Cível.” “APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE

EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DE CADERNETA DE POUPANÇA.

LEGITIMIDADE DO BANCO DEPOSITÁRIO DOS VALORES DA CADERNETA

DE POUPANÇA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA, NA FORMA DO DISPOSTO

NO ART. 177 DO CODÍGO CIVIL DE 1916 C.C. ART. 2.028 DO CÓDIGO

CIVIL DE 2002. AUTOR QUE NÃO DEMONSTRAR OS FATOS

CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO. ART. 333, INCISO I DO CPC.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE NÃO SE MOSTROU CABÍVEL.

SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA INCORRETA. REFORMA DA SENTENÇA,

PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO. INVERSÃO DOS ÔNUS DA

SUCUMBÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO. 2008.001.41220. - Apelação

Cível - Des. Paulo Sergio Prestes - 05/08/2008 – 2ª Câmara Cível.” 10ª Câmara

Cível – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.002.11722 – Fls.5. 8. Ademais

o sistema probatório brasileiro não admite a produção de prova negativa, não

se mostrando viável a obrigação do agravante apresentar extratos de contas

que os autores mencionam existir e sequer identificam o número, não havendo

fornecido qualquer outro documento capaz de oferecer plausibilidade às suas

alegações. 9. Assim sendo, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, no sentido de

isentar-se o banco agravante quanto ao ônus da apresentação dos extratos

bancários mencionados na decisão recorrida, devendo tal prova ser produzida

pelos agravados com a exibição de elementos indicativos que possam oferecer

certeza no que concerne à existência da alegada conta de poupança. É o voto.

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Desembargador CELSO LUIZ DE MATOS PERES. Relator.” (TJ/RJ 10ª

Câmara Cível, Agravo nº 2009.002.11722)

“Conheço dos embargos de declaração opostos a fls. 85 para sanar a omissão

ali apontada. Em decorrência, passo a analisar o requerimento para inversão

do ônus da prova. O Autor pleitea na inicial os expurgos econômicos referentes

aos meses de janeiro e fevereiro de 1989, março, abril, maio e junho de 1990 e

fevereiro e março de 1991, com relação às contas poupanças nº 05592-4,

05824-1, 05931-4, 05976-9, 06923-0, 07410-7 e 10726-1 da agência 0320 do

Banco Itaú S/A. Com efeito, a análise mais detida dos autos demonstra que,

embora o Autor tenha juntado aos autos extratos de conta poupança a fls.

17/24, verifica-se que somente aqueles juntados a fls. 21e 24 comprovam a

existência de saldo nos períodos de janeiro e fevereiro de 1989 e fevereiro de

1991. Isto é, não há a mínima comprovação da existência de saldo ou

depósitos efetuados nos demais períodos reclamados, notadamente, como

relação ao Plano Collor I. Por outro lado, verifico que embora o Autor tenha

pleiteado expurgos econômicos referentes à sete contas poupança, todas

descritas no item III de fls. 03, não há nos autos a mínima prova de toda a sua

existência. Frise-se que os mencionados extratos juntados a fls. 21 e 24,

embora comprove a existência de saldo em nome do Autor, não especifica em

qual conta poupança está depositado. Os documentos de fls. 17/20 e 21/23 faz

referência a saldo em período anterior ao reclamado, não se prestando, pois,

para comprovar o fato constitutivo do direito autoral. Embora este Julgador

entenda cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e

consequentemente da inversão do ônus da prova no caso em comento, tal

hipótese não exime o autor do ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu

direito, devendo a referida norma ser interpretada e aplicada em sintonia com a

regra do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Vale dizer, a

aplicação de uma norma não aniquila a outra. Diante de tal quadro, entendo

que a inversão do ônus da prova somente deve ser aplicada para

demonstração dos juros aplicados pela Instituição Financeira e não para

comprovação de depósito e eventual saldo nos períodos dos Planos

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65

Econômicos. Se assim fosse, acabaria por ensejar ao réu o ônus de provar fato

negativo. Neste sentido, decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro: APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. EXPURGOS

INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. PLANOS BRESSER,

VERÃO E COLLOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, POR NÃO

COMPROVADA PELA AUTORA A EXISTÊNCIA DA CADERNETA DE

POUPANÇA À ÉPOCA DOS PLANOS ECONÔMICOS, FATO CONSTITUTIVO

DO DIREITO ALEGADO, CONFORME LHE CABERIA, NOS TERMOS DO

ART. 333, I, DO CPC. DOCUMENTO JUNTADO AOS AUTOS

DEMONSTRANDO A RESPOSTA DO BANCO DE INEXISTÊNCIA DE CONTA

POUPANÇA COM O NOME E CPF DA AUTORA. EXTRATOS BANCÁRIOS

JUNTADOS PELA AUTORA RELATIVOS A PERÍODOS POSTERIORES AOS

DOS PLANOS ECONÔMICOS E ENTITULADAS COMO CONTA CORRENTE,

COM RESGATE DE FUNDOS E PAGAMENTO DE CHEQUES.

IMPOSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO AOS DITAMES DA INVERSÃO DA

PROVA DEFERIDA, POR ENSEJAR AO RÉU O ÔNUS DE PROVAR FATO

NEGATIVO, QUAL SEJA, A INEXISTÊNCIA DA CONTA BANCÁRIA.

SENTENÇA QUE SE MANTÉM, EM CONFORMIDADE COM O

ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 557 DO CPC C/C ART. 31, VIII, DO

REGIMENTO INTERNO DESTE E. TRIBUNAL.RECURSO A QUE SE NEGA

SEGUIMENTO, POR MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE.SENTENÇA

MANTIDA. (2009.001.28419 - APELACAO - 1ª Ementa DES. BINATO DE

CASTRO - Julgamento: 10/09/2009 - DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL)

APELAÇÃO CÍVEL. CADERNETA DE POUPANÇA. EXPURGOS

INFLACIONÁRIOS DOS PLANOS ECONÔMICOS. 1. Cuida-se de ação de

cobrança de expurgos inflacionários referentes a planos econômicos.2. A

competência para processar e julgar a ação de cobrança é da Justiça Estadual,

travando-se o litígio exclusivamente entre o consumidor e a instituição

financeira. Verbete sumular nº 179 do STJ. 3. Não há nos autos prova no

sentido de que, por ocasião da edição dos Planos Econômicos o apelante

possuía saldo na conta poupança indicada na petição inicial. 4. O instituto da

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66

inversão do ônus da prova possui somente a finalidade de possibilitar a tutela

efetiva ao direito da parte que, diante da sua condição, encontra dificuldades

em produzir a prova que estaria ao seu encargo pela regra geral, não a

eximindo, entretanto, de provar os fatos constitutivos de seu direito. 5.

Ausência de prova da existência da relação jurídica entabulada entre as partes

nos períodos pretendidos. Entendimento jurisprudencial no sentido de que a

petição inicial não precisa estar instruída com os extratos da caderneta de

poupança, mas deve haver a comprovação da titularidade daquelas contas. 7.

Recurso ao qual se nega seguimento com fundamento no art. 557, Caput do

CPC. (2009.001.51908 - APELACAO - 1ª Ementa DES. MONICA COSTA DI

PIERO - Julgamento: 09/09/2009 - OITAVA CAMARA CIVEL). PLANOS

ECONÔMICOS. Direito adquirido do poupador desde o momento do transcurso

do período mensal de correção. Ônus da prova relativo à existência de conta

de poupança e saldo à época dos expurgos atribuído ao autor. Ausência de

prova quanto ao Plano Bresser. Art. 359, do CPC. Presunção relativa. Fixação

do índice de 19,75%. Incidência do índice sobre o menor saldo do período.

Descabimento. Correção monetária. Recurso provido em parte.

(2009.001.32104 - APELACAO - 1ª Ementa DES. CARLOS EDUARDO

PASSOS - Julgamento: 15/06/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL). Ante a tudo

o que foi acima exposto, determino a intimação do Autor para que traga aos

autos prova da abertura das cadernetas de poupanças descritas no item III de

fls. 3, bem como da existência de saldo no período reclamado na inicial (janeiro

e fevereiro de 1989, março, abril maio e junho de 1990 e janeiro, fevereiro e

março de 1991). Prazo: 10 dias. Após, logrando o Autor êxito na constituição

do seu direito, analisarei a necessidade de inversão do ônus da prova para que

o Réu demonstre os juros aplicados no período dos Planos Econômicos

referidos na inicial.” (TJ/RJ – 1ª Vara Cível da Comarca de Resende, Processo

nº 2008.045.010085-0).