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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO PENAL TRIBUTÁRIA Por: Kleber Pedro da Silva Orientador Prof. Francis Rajzam Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO PENAL TRIBUTÁRIA

Por: Kleber Pedro da Silva

Orientador

Prof. Francis Rajzam

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO PENAL TRIBUTÁRIA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito e

Processo Penal.

Por: Kleber Pedro da Silva

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AGRADECIMENTOS

Com muita satisfação tive a honra de

participar dessas etapas que serviram

como requisitos para obter o título de

Especialista “Lato Sensu” em Direito e

Processo Penal.

Não posso deixar de agradecer o

carinho que os professores e amigos

de sala de aula respondendo as

dúvidas surgidas, por terem me

mostrado outras visões antes não

percebidas no decorrer desse período.

E finalmente a minha família pela

paciência que tiveram nos dias em que

tive que ficar ausente para assistir as

aulas.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus familiares

que com seus esforços e determinação

me ajudaram a alcançar a verdadeira

realidade de sentir-me gente e também

aos meus amigos que foram ao longo da

vida o meu esteio longe de casa.

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RESUMO

A pesquisa diz respeitos acerca da eficácia dos crimes tributários

tipificados na Lei 8137/90, analisando seus aspectos práticos, com posições de

renomados doutrinadores e a sua tendência jurisprudencial.

Foi discutido neste trabalho importante classificações acerca dos delitos

tributários, bem como a incidência de princípio em face da Lei 8137/90, breve

histórico acerca de tributo e um sucinto comentário acerca da despenalização

dos crimes fiscais tendo em vistas inúmeras legislações que surgem

extinguindo a punibilidade do crime ou suspendendo a persecução penal.

Todavia a incriminação dos suspeitos em tese de terem praticado os

delitos fiscais, é hoje em dia muito difícil, pois, nota-se que a verdadeira

finalidade dos instrumentos investigatórios e da ação penal é obrigar o

contribuinte, sujeito ativo do delito praticado, a pagar o que deve constatado no

procedimento administrativo fiscal.

Diante de tudo analisado, pode-se enfocar que a legislação penal

tributária é simbólica, servindo somente para intimidar o contribuinte

inadimplente com o fisco, haja vista o legislador preocupar-se

demasiadamente com pagamento do tributo devido.

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METODOLOGIA

A presente monografia baseou-se no método de abordagem dedutivo,

ou seja, buscar através de levantamento e estudos dados e informações, que

visem compreender a problemática, vivida pelo Estado e sociedade.

Neste árduo e gratificante trabalho realizado para concluir este curso de

Especialista “Lato Sensu” em Direito e Processo Penal, foram necessárias

horas e mais horas de leitura de livros, jornais, revistas, legislações

atualizadas, doutrinas pertinentes e demais manuscritos que pudessem

enriquecer a obra, bem como pesquisas em internet de artigos e

jurisprudências.

Inicialmente, selecionei a literatura pertinente, para posteriormente

juntar os conhecimentos adquiridos ao longo do meu bacharelado. Após,

passo a passo, compilei e transcrevi o que era correlacionado ao título

escolhido.

Não deixando de mencionar que durante esse período de aulas

presenciais, também aprendi muito, fato este que robusteceu a presente

monografia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Os Crimes Tributários

1.1 Breve histórico sobre tributo 09

1.2 A origem dos crimes tributários 11

1.3 Definição dos crimes da Lei 8137/90 13

CAPÍTULO II - Aspectos procedimentais dos crimes fiscais

2.1 Procedimento administrativo como condição de procedibilidade 18

2.1 A extinção da punibilidade nos delitos fiscais 23

CAPÍTULO III – A finalidade do direito penal tributário

3.1 Princípios e garantias do direito penal 30

3.2 A responsabilização criminal 32

3.3 A eficiência da criminalização fiscal 36

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

ÍNDICE 47

FOLHA DE AVALIAÇÃO 48

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INTRODUÇÃO

Este estudo se propõe, sem maiores pretensões, a tecer comentários

sobre os crimes tributários e sua relevância no direito penal, com ênfase em

sua real aplicação na prática.

A questão central deste trabalho é se os crimes tributários são

efetivamente aproveitados ou se o ente estatal interessa, apenas, em receber

o tributo devido, com seus acessórios e não punir o contribuinte com pena

privativa de liberdade, que é a essência da sanção penal. .

O tema sugerido tem relevância, pois para que seja desenvolvida

persecução penal nos crimes tributários é necessário que o procedimento

administrativo a respeito do lançamento do tributo esteja encerrado, conforme

entendimento do Supremo Tribunal Federal, ou seja, para dar início uma ação

penal é necessária o esgotamento na esfera administrativa.

Atualmente no ordenamento jurídico brasileiro fica quase

impossível condenar alguém pelo crime tributário, pois existem várias formas

de encerrar o procedimento administrativo que dará ensejo a uma futura ação

penal e, caso esta venha a ser instaurada, haverá outras possibilidades para

afastar a punibilidade do agente.

Essa opção legislativa, como será amplamente demonstrada,

além de vulnerar vários princípios constitucionais, contraria a moderna

criminologia que preconiza a adoção de medidas diversas da sanção penal,

quando suficientes para o restabelecimento da ordem jurídica violada.

Ademais, a relevância do tema decorre da natureza e importância dos

interesses em confronto: de um lado a liberdade do contribuinte devedor do

tributo ou contribuição social; de outro, o interesse do Estado no aumento da

arrecadação. Além disso, é sempre atual e relevante rever a utilidade e a

eficiência da pena privativa da liberdade como instrumento de política criminal,

visando ao aperfeiçoamento do sistema jurídico vigente.

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CAPÍTULO I

OS CRIMES TRIBUTÁRIOS

1. 1 Breve histórico sobre o tributo

O tributo é o mais poderoso instrumento de dominação do

Estado. Sem ele não haveria como sustentar-se. O elemento bélico há de ser

decisivo apenas como fator de sua afirmação e salvaguarda contra ameaças

externas.

Desde a sua origem, o tributo significou a opressão do Estado em face

do particular, e continuou com esse caráter de submissão ainda quando sua

aprovação estava confiada aos conselhos do reino, representações

corporativas e até parlamentos integrados por representantes populares.

Sequer se podia falar de garantias dos súditos quando a aprovação era

outorgada de forma genérica e sem normas expressas e fixas que

contemplasse os casos individuais1.

Nas vetustas tributações absolutistas, o único fundamento para se

exercer o poder de imposição era à força do senhor que o exigia, e, portanto,

uma exação arbitrária a que o “contribuinte” devia submeter-se assim como o

vencido se submete ao vencedor.

Na atualidade, a expansão e a intensidade do fenômeno da tributação,

em alguns casos, já deixaram de ser uma ameaça aos direitos individuais do

contribuinte para se configurar em verdadeiro confisco. O desgastado

argumento do “bem comum”, frequentemente aplicado para se sobrepor ao

bem individual, sem nada acrescentar ao bem de todos, perde, a cada dia,

credibilidade diante do vazio de seu conteúdo.

Numa análise realista, a verdade é que, embora oscilando de forma e

de intensidade, a figura do contribuinte em todas as épocas e lugares, tem

servido para simular os seus verdadeiros objetivos: a apropriação do

patrimônio de uns em proveito de outros (detentores do poder).

1 VILLEGAS, Hector.B. Curso de Finanzas, Derecho Financiero y Tributário, 5ª Ed. Depalma, B. Aires, 1995, p. 185

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Todas as revoluções da história da humanidade, se bem observadas,

forma reações contra a carga tributária. Desde a revolução dos barões contra

João Sem Terra, em 1215, que deu origem à célere Carta Magna Baronarum,

e introduziu o princípio da anualidade na tributação, permitiu ao súdito

contribuinte com certa previsibilidade, antever o montante do tributo.

De igual sorte, a revolução norte-americana que resultou na sua

independência, em 1776, teve origem no aumento dos tributos provocado

pelas leis Towed. A própria revolução francesa de 1789 teve como causa

principal o excesso de tributos e os desperdícios da monarquia absolutista de

Luis XVI2.

Entre nós, a Inconfidência Mineira, marco histórico na luta pela

independência de nosso país, também teve origem na excessiva carga

tributária exigida pela Coroa portuguesa, que culminou no conhecido episódico

da DERRAMA.

O exame dos fatos históricos nos revela, portanto, que as grandes

revoluções antecedidas pela opressão do povo e pelo crescimento da

corrupção, tiveram como causa comum o excesso de carga tributária.

Assim também, a experiência já demonstrou que quando a carga

tributária é baixa, a corrupção decresce e aumenta o desenvolvimento

econômico. Ao revés, quando a carga tributária é elevada, a corrupção

aumenta juntamente com a sonegação, gerando graves problemas para a

arrecadação.

Nessa linha de pensamento podemos citar Ives Granda Martins:

“Mais do que isso, é o tributo o grande gerador de

corrupção, pois os superfaturamentos, nas

contratações públicas, a integração ao serviço

público de pessoas não cursadas, amiga do rei: a

proliferação de Ministérios e Secretarias; as

mordomias multiplicadas e a criação de serviços

inúteis e desnecessário, com o objetivo de beneficiar

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aliados, são pagos com os recursos do Erário,

dentre os quais, os mais relevantes, obtidos da

sociedade, são os tributos3.”

Por outro lado, é importante assinalar que é a economia que move as

sociedades humanas, sendo o Direito instrumento de ordenação e

estabilidade. Nesse contexto, não se pode ignorar a importância da tributação

como fator de distribuição de riquezas e estímulo ao desenvolvimento.

Com efeito, a tributação deve atender a diversas finalidades, não

apenas as financeiras. Aliás, é consensual que a repartição da carga tributária

deve atender a justa repartição dos encargos decorrentes da atividade

financeira do governo; a estabilização interna da economia através do combate

ao desemprego e à inflação, e externa, mediante a busca do equilíbrio do

balanço de pagamentos das contas internacionais e a formação de reservas

monetárias; programar o desenvolvimento econômico respeitando os direitos

do contribuinte e otimizando a eficiência administrativa.

1. 2 A origem dos Crimes Tributários

Tendo em vista a noção de que a tutela penal da ordem tributária

estaria justificada pela natureza supra-individual do bem jurídico a ser

protegido, a preocupação em reprimir a utilização de meios fraudulentos e

ilícitos para evitar o pagamento de tributos devidos vem de longa data. Nesse

sentido, já o Código Criminal do Império, de 1830, tipificou como crime as

condutas de contrabando e descaminho. Em 1890, o Código Penal

Republicano reafirmou em sua redação o conteúdo do Código Criminal do

Império no que concerne a tais crimes.

O Código Penal de 1940, contudo, foi influenciado por uma forte

corrente individualista. Diante disso, tratou da questão da evasão fiscal sob o

ponto de vista do patrimônio individual, como se observa na figura de seu art.

334.

2 MICHELET, Jules. História da Revolução Francesa, edição Companhia das Letras, São Paulo, 1989, pp. 153-168; CARLYLE, Thomas Historia da Revolução Francesa, edição Melhoramentos, S. Paulo, 1961; WELLS, H. G., História Universal, vol. III, edição Livros do Brasil, Lisboa, pp. 99-100. 3 I.Granda Martins, Uma Teoria do Tributo, ed. Quartier Latin, 2005, p. 252.

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O advento do Estado Social de Direito, em que a visão essencialmente

individualista do Código Penal começou a ser superada, trouxe o

fortalecimento do poder público, que passou a intervir em setores antes

dominados por particulares. Neste contexto, a preocupação com a evasão

fiscal fez-se muito presente e deu origem à Lei nº. 4.357/65.

A Lei referida trazia a previsão do crime de apropriação indébita. Os

crimes de sonegação fiscal propriamente só surgiram com a Lei nº. 4.729,

também promulgada em 1965. Contudo, foi somente na década de 1990, com

a Lei nº. 8.137, que foram definidos os crimes contra a ordem tributária e

fixadas as penas aplicadas a estes.

A Lei nº. 8.137/90 foi promulgada em um momento de crise do

Governo Sarney, momento este em que a inflação mostrava-se descontrolada.

O art. 14 da referida lei revogou parcialmente a Lei nº. 4.729/65, passando a

determinar que a extinção da punibilidade pelo pagamento se dava quando

este era anterior à denúncia (e não mais à ação fiscal).

A partir da Lei nº. 8.137/90, as mudanças legislativas se sucederam de

forma frenética. Já em 1991, com a Lei nº. 8.383 (art. 98), o art. 14, da Lei nº.

8.137/90, foi revogado, voltando a ser aplicada a Lei nº. 4.729/65. Poucos anos

mais tarde, a Lei nº. 9.249/95, em seu art. 34, repristinou o art. 14, da Lei nº.

8.137/90. Por fim, em 1996, a Lei nº. 9.430 determinou, em seu art. 83, que a

autoridade administrativa não poderia enviar informações ao Ministério Público

antes do fim do procedimento administrativo, dando origem às discussões

acerca da relação entre as instâncias administrativa e penal nos crimes contra

a ordem tributária.

O resultado de tantas alterações legislativas, que ainda continuam

ocorrendo, é a confusão quanto à aplicação de normas legais quando se trata

de crimes contra a Ordem Tributária, confusão esta que tende a uma grande

insegurança jurídica.

A transgressão da norma tributária pode ensejar duas formas de

reação do ordenamento jurídico: a condenação do infrator ao mero

ressarcimento do dano, ou pôr uma sanção de caráter repressivo dirigido a sua

punição pessoal. No primeiro caso, trata-se de um simples ilícito civil, na

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medida em que pressupõe o descumprimento de uma obrigação. Somente no

segundo caso se pode falar de uma infração tributária em sentido estrito, cujas

características essenciais são a aplicação de uma sanção de natureza penal. A

sanção tributária stricto sensu pode ter diferentes conteúdos, porém, a sua

finalidade definitivamente não visa assegurar os direitos patrimoniais que o

fisco é o credor referente a uma relação jurídica concreta, senão intimidar o

contribuinte, tanto o infrator atual como qualquer outro em potencial. A sanção

é então essencialmente repressiva ou punitiva.

O injusto penal, constitutivamente, é idêntico ao injusto penal tributário.

Simplesmente sucede que neste último movemos em uma órbita radical de

especialidade jurídica, cuja necessidade nasce de uma ordem de exigências

práticas e teóricas que encerram, por fim, um conjunto adequado e próprio de

princípio do direito penal.

1.3 Definição dos crimes da Lei 8137/90

Os crimes contra a ordem tributária, previsto na Lei 8137/90, tendo em

vista o sujeito que os pratica, distinguem-se em duas ordens: dos crimes

praticados por particulares e dos crimes praticados por funcionário público. Os

crimes praticados pelo particular são tipificados nos artigos 1° e 2°. Os

praticados por funcionários públicos, no art. 3°. Os primeiros subdividem-se em

crimes materiais, de resultado, cujo crime-meio é a falsidade material ou

ideológica (art.1°), e crimes formais (art. 2°); aqueles podem ser denominados

de sonegação em sentido próprio; estes, mistos, envolvem crime de

sonegação (presença da falsidade e desvio de incentivos) e impróprios, cujo

conteúdo nada teria com a definição legal de crimes de sonegação fiscal

(inciso II). Os segundos, os crimes praticados por funcionários, subdividem-se

em crimes diretamente relacionados com a sua função pública na área

fazendária e crimes relacionados com a atividade de funcionário público, em

geral, perante outra repartição (Fazenda Pública).

Importante, pois, é não perder de vista, em todas as modalidades de

condutas definidas como crimes contra a ordem tributária, que os incisos do

artigo 1° não podem ser analisados ou transpostos para o fato, sem que,

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neste, haja o dolo de reduzir ou suprimir tributo. Necessariamente o caput

integra os incisos do artigo 1° da Lei 8137/90. Desvinculá-los do caput pode

ensejar conceituação, como crime, de fato que caracterize somente ilícito

tributário ou mesmo, aspecto mais grave, de fato que nem mesmo ilícito

tributário é.

Necessário é ser capaz a conduta descrito no inciso de reduzir ou de

suprimir o tributo. Se a conduta, embora plenamente descrita no inciso, não

possuir a elementar que é o poder de reduzir ou suprimir tributo, inexiste fato

tipificado como crime contra a ordem tributária do artigo 1°. Em síntese, as

elementares são:

a) A primeira elementar para a configuração do delito é de a ação do

agente reduzir ou suprimir tributo e acessórios. Por meio da falsidade material

ou ideológica, presente(s) nas condutas específicas, o agente reduz ou

suprime o tributo, ou seja, se não produz resultado algum em palavras,

necessário é a conduta praticada ser capaz de reduzir ou de suprimir tributo.

Assim, em relação ao ICMS, o não fornecimento de nota fiscal, por si só,

quando a operação é isenta, não significa que ou outro delito, mas em relação

ao tributo ICMS inexiste possibilidade de o imposto ser reduzido ou suprimido;

b) a segunda elementar diz respeito ao tributo ou contribuição social e

qualquer acessório;

b.1) Os tributos

De acordo com o prof. Luciano Amaro a Constituição não se

preocupou em definir as espécies de tributos nem em classificá-las, limitando-

se a arrolar:

• Impostos, instituíveis pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios,

conforme a partilha constante dos artigos 153 e 154 (União), 155 (Estados

e Distrito Federal) e 156 (Municípios e também o Distrito Federal, ex vi do

art.147);

• Taxas, instituíveis por essas mesmas pessoas políticas, em razão do

exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de

serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou

postos à sua disposição (art.145, II);

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• Contribuição de melhoria, decorrente de obra pública, também instituível

pelas mesmas pessoas políticas (art. 145, III);

• Pedágio, instituível igualmente pelas pessoas políticas mencionas, em

razão da utilização de vias por elas conservadas (art. 150, V)

• Empréstimos compulsórios, instituíveis pela União, nas hipóteses arroladas

no art.148;

• Contribuições sociais, instituível pela União (art.149);

• Contribuições de intervenção no domínio econômico, também instituível

pela União;

• Contribuições de interesses das categorias profissionais ou econômicas,

instituíveis pela União;

• Contribuição para custeio do regime previdenciário de que trata artigo 40 da

Constituição, em benefício dos servidores dos Estados, Distrito Federal e

Municípios, instituível por essas pessoas políticas, e cobrável dos

respectivos funcionários (art. 149,§ 1°)

• Contribuição para custeio do serviço de iluminação pública, instituível pelos

Municípios e pelo Distrito Federal (art.149-A)

Há necessidade essencial de que a situação fática seja de incidência

do tributo. Se o tributo não incide, se for caso de isenção ou de imunidade, a

falsidade ínsita na conduta pode caracterizar delito do Código Penal ou outro

delito, menos crime contra a ordem tributária. Portanto, em primeiro lugar, deve

haver uma situação fática perfeitamente tipificada na lei como suscetível de

tributação. Se não for suscetível de tributação, impossível é a redução ou a

supressão do tributo. A não-incidência, a isenção e a imunidade, existentes

numa situação concreta, fazem com que o fato seja atípico em relação à lei

contra a ordem tributária.

Portanto, se for caso de não-incidência, em razão do princípio da

legalidade, ou se for caso de imunidade, pela vedação constitucional ao poder

de tributar, de forma alguma se pode cogitar de tipicidade penal contra a

ordem tributária pela impossibilidade fática de haver redução ou supressão de

tributo. Se houver, contudo, a incidência do tributo, há de se ver se, no caso

não há isenção. Havendo isenção, também não se configura o crime contra a

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ordem tributária. Mas, se não se configurar nenhuma situação anterior, sendo

caso de incidência do tributo, deve-se analisar as elementares genéricas e as

específicas das condutas: estando subsumido o fato em todas as elementares,

tipificado está o delito.

b.2) Contribuição Social

Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, Contribuição Social é um

tributo, logo, a sua inserção no art.1° desta Lei foi inútil. Como ensina Paulo de

Barros Carvalho, “as contribuições sociais são tributos que, como tais, podem

assumir a feição de impostos ou de taxas (Curso de direito tributário, p. 44).

Quando da edição da Lei 8137/90, objetiva-se a inclusão punitiva dos

fatos delituosos contra a previdência social, hoje, em relação a contribuição

social previdenciária, há norma específica na Lei 9983/00, que introduziu os

artigos 168-A e 337-A no Código Penal, não mais subsistindo a Lei 8212/91.

As contribuições sociais, de intervenção de domínio econômico e de

interesse das categorias profissionais ou econômicas, são de competência

exclusiva da União. Menciona-se, atualmente em vigor, o FGTS (Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço), as contribuições para as entidades

profissionais (CREA, CRM, ...), a CONFINS, o PIS e o FINSCOCIAL.

b.3) Acessório

Relativamente aos acessórios (qualquer acessório), a norma busca

coibir a ocorrência de falsidade tanto no tributo como na conduta pela qual se

evita o acessório na área tributária. Não se confunde com obrigação acessória,

mas diz respeito aos acessórios da obrigação principal (pagar), o ônus

decorrente da mora como os juros e a correção monetária devida pelo atraso

do pagamento do tributo. Na época de inflação acentuada, a falsificação em

relação ao acessório podia e/ou poderá significar elevado valor.

Nos termos do art.113 do Código Tributário Nacional, “a

obrigação tributária é principal ou acessória. § 1° A obrigação principal surge

com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou

penalidade pecuniária e extingue-se juntamente como o crédito dela

decorrente. § 2°. A obrigação tributária acessória decorre da legislação

tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas

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no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3°. A obrigação

acessória, pelo simples fato da sua observância, converte-se em obrigação

principal relativamente a penalidade pecuniária.” Exemplificando obrigação

acessória, diz Luiz Alberto Gurgel de Faria: “a emissão de notas fiscais, tolerar

exames da escrituração contábil pela fiscalização, como também vistorias em

mercadorias (o que é muito comum nos postos de fiscalização instalados em

rodovias) e bagagens (nas alfândegas), apresentar declaração de imposto de

renda, não transportar mercadorias desacompanhada de documento legal etc.)

Portanto, não havendo cumprimento da obrigação acessória,

converte-se ela em principal, como ocorre, para ilustração com o contribuinte

que deixa de apresentar, no prazo legal, a sua declaração de imposto de

renda, acarretando-lhe a imposição de uma multa. Esta será exigida nos

mesmos termos e condições que os tributos em geral.

Os crimes definidos no artigo 2° tipificam condutas menos graves das

do artigo 1°. Neles, afasta-se a vinculação da conduta com a vontade de

reduzir ou suprimir tributo. Igualmente, a falsidade pode não estar presente,

sendo predominantemente crimes formais.

Já os crimes definidos no artigo 3° caracterizam os delitos praticados

por funcionário público relativamente a tributo. São delitos previstos no Código

Penal, que, pela elementar de serem praticados perante a ordem tributária,

contra a administração da Fazenda Pública, são apenado mais severamente.

Aliás, se o contribuinte, ao cometer delito contra a ordem tributária, é apenado,

com maior razão e maior gravidade, deve ser apenado quem tem o dever legal

de zelar pelos tributos.

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CAPÍTULO II

ASPECTOS PROCEDIMENTAIS DOS CRIMES

TRIBUTÁRIOS

2.1 Procedimento administrativo como condição de

procedibilidade

Deve-se ter em mente que os tipos que protegem a ordem tributária são

crimes que refletem valores econômicos, tais como os previdenciários, os

delitos financeiros, dentre outros. No entanto, cabe perquirir se o objeto de

proteção dos crimes tributários tem sido exclusivamente o de garantir os cofres

públicos, o que poderia equivaler em última instância à possibilidade de prisão

por dívidas.

É bem de ver que o que irá nortear sempre o intérprete será a

prevenção geral do delito, sempre em consentaneidade com as garantias

consagradas no Estado Democrático de Direito, a caracterizar a legitimação do

Direito Penal Moderno que leva em conta o bem jurídico que se espera tutelar.

Desta feita, o Direito Penal Tributário, entendido como um ramo do

Direito Penal Econômico tem, dada a abstração e porosidade do bem jurídico a

ser protegido, estabelecido a responsabilidade objetiva (punição mesmo no

caso de erro sobre a ilicitude do fato) por crimes de perigo abstrato ou de mera

conduta (ausência de um resultado material de lesão, bastando a sua

probabilidade), recebendo, por isso, várias críticas, e com razão.

Então, maior razão assiste à CERNICCHIARO, para quem a natureza

do bem jurídico nos delitos em questão é bifronte, pois:

"de um lado, compreende os interesse público de o

Estado obter meios para a realização de suas

atividades; de outro avulta o interesse do Tesouro,

patrimonial, relacionado com a receita do Estado.

Assim, o bem jurídico não traduz apenas interesse

patrimonial. Alcança também os limites da política

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econômica, o que faz aumentar o significado do

delito tributário4”.

Uma vez que os crimes contra a ordem tributária estão diretamente

ligados ao não pagamento de um tributo devido, o papel do procedimento

administrativo de lançamento do débito tributário deve ser discutido. De fato,

há uma relação entre a ação fiscal promovida pelo Fisco em sede

administrativa e a ação penal proposta pelo Ministério Público no âmbito do

Poder Judiciário. A questão a ser debatida diz respeito ao modo como tal

relação deve se dar.

Como já ressaltado, as inúmeras mudanças legislativas no que tange

aos crimes contra a ordem tributária têm causado problemas acerca da

aplicação de normas. Não é diferente quanto à relação entre a ação fiscal e a

ação penal tributária. Desde a década de 1960, não apenas as mudanças

legislativas, mas também os diferentes entendimentos a respeito da natureza

dos crimes tributários têm fomentado discussões a respeito de relação entre

ação fiscal e ação penal.

O ponto principal da questão da relação entre ação fiscal e ação penal

é se o término da primeira seria condição de procedibilidade da segunda. Na

medida em que os crimes contra a ordem tributária são entendidos como

crimes formais, em que não há a exigência de produção de efeitos para sua

consumação, não há de se falar em uma necessidade de término da ação

fiscal para iniciar a ação penal. O Ministério Público, portanto, estaria

autorizado a colher elementos para oferecer denúncia de outras formas, não

havendo uma relação de condição de procedibilidade entre a ação fiscal e a

ação penal.

Por outro lado, se os crimes contra a ordem tributária são entendidos

como crimes de resultado, em que só há a consumação dos delitos quando se

atinge um fim de natureza material, há a necessidade de uma demonstração

real do dano causado. Ora, o término do procedimento administrativo, com a

configuração cabal da dívida tributária, assim, se torna imprescindível para que

4 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal Tributário - Observações de Aspectos da Teoria Geral do Direito Penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. 17: 175-183, janeiro-março. 1997

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se possa falar em um processo-crime. A ação fiscal, portanto, passa a ser

condição de procedibilidade da ação penal.

Analisando a estrutura dos tipos penais relativos à ordem tributária o

professor Antonio Carlos Martins Soares entende ser mais acertado o segundo

entendimento:

“De fato, os crimes contra a ordem tributária são

crimes de resultado, em que é necessária a

configuração efetiva de um dano para que possa

haver a consumação do delito. Além disso, a

comprovada existência de uma relação de obrigação

jurídico-tributária entre contribuinte e Estado é

pressuposto para a caracterização de crime

tributário. Ora, como comprovar efetivamente a

existência da obrigação de pagar tributo e o não

pagamento deste senão pelo procedimento

administrativo cabível? Só mediante a ação fiscal

finda, na qual se discute a procedência ou não do

lançamento tributário, é que se constata, de um

lado, a existência da obrigação tributária, ou seja, do

tributo, e por via de conseqüência a ocorrência, em

vista de uma ação fraudulenta, do resultado:

supressão ou redução do tributo devido".

Dessa forma, o término do procedimento administrativo é sim

necessário para que, uma vez caracterizada a existência de obrigação

tributária não cumprida, haja o interesse de agir do Ministério Público e,

consequentemente, a justa causa da ação penal.

É justamente neste sentido que tem entendido a jurisprudência

brasileira. Em especial quanto ao Habeas Corpus n.º 81611-DF, que é o

leading case da matéria, cuja ementa é a seguinte:

“Crime material contra a ordem tributária (Lei

8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de

decisão definitiva do processo administrativo: falta

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de justa causa para a ação penal, suspenso, porém,

o curso da prescrição enquanto obstada a sua

propositura pela falta do lançamento definitivo”.

Nesse sentido citamos decisão do STF:

“EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário, ou crime

contra a ordem tributária. Art. 1º, I e II, da Lei nº

8.137/90. Delito material. Tributo. Processo

administrativo. Suspensão por decisão do Conselho

de Contribuintes. Crédito tributário juridicamente

inexistente. Falta irremediável de elemento

normativo do tipo. Crime que se não tipificou.

Condenação. Inadmissibilidade. Absolvição

decretada. HC concedido para esse fim.

Precedentes. Não se tipificando crime tributário sem

o lançamento fiscal definitivo, não se justifica

pendência de ação penal, nem a fortiori condenação

a esse título, quando está suspenso o procedimento

administrativo por decisão do Conselho de

Contribuintes(STF, HC 86236/PR, 2ª Turma, rel.

Min. Cezar Peluso, j. 02.06.2009, DJe-118,

26.06.2009).

Nesse julgamento, o relator, Min. Cezar Peluso, destacou em seu voto

que a "Corte firmou entendimento de que a existência de crédito tributário

exigível, predefinido mediante conclusão de procedimento administrativo, é

imprescindível para realizar o tipo do delito de sonegação".

O Superior Tribunal de Justiça também já decide no mesmo sentido:

“Consoante orientação jurisprudencial do Supremo

Tribunal Federal, seguida por esta Corte, eventual

crime contra a ordem tributária depende, para sua

caracterização, do lançamento definitivo do tributo

devido pela autoridade administrativa (STJ, HC

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102853/TO, 6ª Turma, rel. Min. Jane Silva, j.

07.08.2008, DJ, 25.08.2008)”.

Do voto da relatora, Min. Jane Silva, no HC 102853, enfatizamos: “O

direito penal é a ultima ratio dos ramos do direito, rege-se pelo princípio da

subsidiariedade e fragmentariedade, por isso, não pode ser chamado a dirimir

conflitos que podem se resolver em outras esferas estaduais, aptas a imporem

a sanção devida, sem o excessivo gravame de uma condenação penal”. Resta

claro que o término do procedimento administrativo constitui-se em elemento

essencial para a exigibilidade da obrigação tributária.

Devido a diversas decisões no mesmo sentido, o Supremo

Tribunal Federal em dezembro de 2009 editou a Súmula Vinculante n° 24, com

o seguinte teor:

“Não se tipifica crime material contra a ordem

tributária, previsto no art.1°, incisos I a IV, da Lei

8137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”

O inquérito policial que apura crime contra a ordem tributária pode ser

suspenso se houver decisão administrativa pendente, ou ainda ação cível

questionando a cobrança. Com esse entendimento, o desembargador Adalto

Dias Tristão, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, aceitou o pedido de

liminar de uma mineradora e paralisou o inquérito que acusava a empresa e o

diretor de sonegação fiscal. Ao conceder a liminar, o desembargador entendeu

que o inquérito foi precipitado:

“Nos casos dos crimes de sonegação fiscal, se a

Fazenda Pública não tiver a certeza da existência de

um tributo devido e não pago, em razão de

interposição de recurso administrativo, não reunirá

também o Ministério Público condições para propor

Ação Penal, em razão da inexistência do ilícito

fiscal.”

De acordo com os autos, a empresa acusada já questiona na Justiça o

ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Circulação de Serviços)

calculado sobre o Encargo de Capacidade Emergencial. A cobrança desse

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encargo foi criada após o apagão no governo do ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso. Em sua decisão, o desembargador diz haver a presença do

fumus boni iuris:

“Vislumbro a presença de tal requisito, haja vista

ilegalidade do lançamento tributário em questão, na

medida em que pendente de apreciação do Poder

Judiciário.”

Ele sustenta que não há presença de requisitos necessários para

manter o procedimento, que intimou o empresário para uma oitiva. Com a tese

do periculum in mora, isentou o diretor de comparecer no depoimento. Dias

Tristão também observou que a empresa já havia contratado uma carta fiança,

garantia de que se fosse considerado devido em decisão judicial, o pagamento

seria feito. “Assim, a carta assegura o pagamento, portanto, não resta qualquer

possibilidade de lesão ao bem jurídico”, afirma o advogado do caso David

Rechulski.

O desembargador suspendeu o inquérito até o julgamento do mérito do

Habeas Corpus, na qual pede o trancamento da ação criminal. E remeteu os

autos para a Procuradoria Geral de Justiça para emissão de parecer.

2.2 A extinção da punibilidade nos delitos fiscais

O Estado exerce o seu direito de punir, mas, para evitar um exercício

interminável deste ius puniendi, ele próprio limita seu direito, fixando um lapso

temporal, dentro do qual pode aplicar a pena. Ultrapassado o prazo, não

exercido o ius puniendi, extingue-se a punibilidade. Igualmente, se condenado

o agente, não pode a pena ficar indefinidamente para ser cumprida. Fixa a

norma uma limitação, cujo termo ad quem implementado, faz com que a

execução da pena seja extinta. Assim, a forma mais relevante e comum de

extinção da punibilidade nos crimes comuns é a decorrente do transcurso do

lapso temporal.

O Código Penal, em seu art.107, prevê não só as causa temporais,

como outras causas extintivas da punibilidade. Tais causas se aplicam não só

aos crimes em geral, como a todos os crimes, mesmo aqueles previstos em

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normas especiais, desde que haja compatibilidade (não se concebe aplicar

causa extintiva dependente da vontade da vítima para crimes de ação pública),

bem como aos crimes contra a ordem tributária.

As hipóteses como causas gerais de extinção da punibilidade estão

previstas no Código Penal. Além delas, existe causa específica prevista na

legislação relativa aos crimes fiscais e outros conexos com a ordem tributária,

consistente ela no pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia.

Na evolução da legislação penal tributária a regra da extinção da

punibilidade pelo pagamento integral do tributo veio à lúmen inicialmente com

a Lei 4.729/651, o mesmo ocorrendo com a redação originária da Lei 8.137/90,

em seu art. 14, revogado pela Lei 8.383/91. Surgiu o artigo 34 da Lei 9.249/95,

que restabeleceu a possibilidade de extinção da punibilidade quando o agente

promovesse o recolhimento do tributo e seus acessórios (multa, correção

monetária e juros), o mesmo dispositivo possibilitou à extinção da punibilidade

pelo parcelamento em decorrência de construção jurisprudencial.

Na linha evolutiva surgiram as regras do art. 15 da Lei 9.964/00

(REFIS), esta passou a dispor expressamente dos efeitos penais no caso de

parcelamento, contudo o problema já era questão de debate nos tribunais. A

Lei 10.684/03, no seu artigo 9° reconheceu novos efeitos no parcelamento.

Cabe destacar que da Lei 10.684/03 (PAES ou REFIS II) foi veiculada por meio

de medida provisória, o que é vedado pela alínea b, do inciso I do parágrafo 1°

artigo 62 da Constituição Federal, a sua inconstitucionalidade foi afastada pela

jurisprudência, que entendeu pela aplicação da norma mais favorável aos

acusados.

Entretanto, com o advento da Lei n° 11.941/2009 a extinção da

punibilidade retornou ao critério vigente antes da Lei n° 10.684/2003. De fato,

essa lei, que introduziu novo regime de parcelamento, conhecido como Refis

IV, dispôs em seus arts. 67 a 69:

"Art. 67. Na hipótese de parcelamento do crédito

tributário antes do oferecimento da denúncia, essa

somente poderá ser aceita na superveniência de

inadimplemento da obrigação objeto da denúncia.

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Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do

Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e

2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e

nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de

7 de dezembro de 1940 - Código Penal, limitada a

suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de

concessão de parcelamento, enquanto não forem

rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts.

1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69

desta Lei.

Parágrafo único. A prescrição criminal não corre

durante o período de suspensão da pretensão

punitiva.

Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes

referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica

relacionada com o agente efetuar o pagamento

integral dos débitos oriundos de tributos e

contribuições sociais, inclusive acessórios, que

tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

Parágrafo único. Na hipótese de pagamento

efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art.

1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá

com o pagamento integral dos valores

correspondentes à ação penal".

A extinção da punibilidade nos Crimes contra a Ordem Tributária tem

causas específicas que é o pagamento integral, e ainda, causas gerais da

extinção da punibilidade, previstas no art. 107 do CP. É neste momento que

surgem as divergências, pois uns defendem que o reconhecimento de regras

específicas de extinção da punibilidade nos crimes tributários evidencia-se o

mero caráter arrecadatório, destituído de maior carga de ofensividade, o que

por fim desviaria dos fins almejados pelo direito penal, como também, o

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pagamento não poderia ser causa de extinção da punibilidade, pois a pena

deve ter fundamento ético, e não simples instrumento de arrecadação de

tributo.

Há quem entenda ser a reparação do dano um objetivo perseguido

pelo direito penal, tanto que nos arts. 15, 16, 65, III, b, e 143 do Código Penal

reconhecem a possibilidade de abrandamento da pena nos casos de

reparação dos danos pelo agente. Ademais, atualmente é a vítima que

ostentada papel principal no direito penal, o que ocasionou uma mudança no

paradigma, representando um caráter mais restaurador, tanto que temos a

composição dos danos civis (arts. 69 a 75 da Lei 9.099/95), e de penas que

revertem em favor da vítima (art. 45, § 1o, do CP e art. 297 do CTB).

A respeito da extinção da punibilidade com o advento do art. 9° da Lei

10.684/0310, esta regulou amplamente o tema nos crimes contra a ordem

tributária, revogando o art. 34 da Lei n° 9.249/95. Aquele diploma legal

determinou que à extinção da punibilidade se opera com o pagamento integral.

Ao regime do parcelamento, conforme o artigo 9° da Lei 10.684/03 e da

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a norma é aplicável de forma

retroativa, pois mais favorável, afastando a norma revogada (REsp.

701848/RS, Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 03.10.06).

Pela regra anterior, do artigo 34 da Lei 9.249/95, por construção

jurisprudencial o efeito da extinção da punibilidade foi estendido para os casos

de parcelamento. Com o advento da Lei 10.684/03 não se tem mais a

possibilidade de extinção da punibilidade pelo simples parcelamento, mas de

suspender a ação penal enquanto o agente estiver adimplente com o

pagamento, só extinguindo a punibilidade se o agente pagar integralmente o

débito, sendo reafirmada tal posição com o advento da Lei 11941/09.

Assim, cessando os pagamentos do parcelamento, a ação penal será

retomada. Devido às regras atuais do art. 68 da Lei 11941/09, é com o

pagamento integral, incluindo o principal, multa e juros que extingue a

punibilidade para os crimes contra a ordem tributária (arts. 1° e 2°, Lei

8.137/90) e os contra a previdência (CP, arts. 168-A e 337-A).

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27

Já o parcelamento, em regra pode ser feito a qualquer tempo, o que

determina a suspensão da punibilidade e da eventual ação penal, mas

somente se o agente estiver honrando o parcelamento. Tal regra abrange os

crimes contra a ordem tributária (arts.1° e 2°, Lei 8.137/90), a sonegação de

contribuição previdenciária (art. 337-A do CP). É o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal no RHC 89.152/SC julgado em 29.9.06, pelo Min,

Ricardo Lewandowski.

Concluindo, a dúvida permanece, pois não se sabe, ao certo, se o

pagamento do crédito tributário, a qualquer tempo, extingue ou não a

punibilidade à luz da jurisprudência do STF.

O entendimento do professor Luiz Flávio Gomes é no sentido de que

extingue a qualquer tempo, principalmente tendo em vista o disposto no

parágrafo único do art. 69, da Lei nº 11.941/2009, que, de certa forma,

confirma a vigência do § 2º, do art. 9º, da Lei nº 10.864/2003, ao dispor que se

extingue a punibilidade na hipótese de a pessoa física responsabilizada pelo

não pagamento do tributo efetuar o pagamento integral dos valores

correspondentes à ação penal. Pela lógica, na hipótese de pagamento do

tributo pela pessoa jurídica deve extinguir a punibilidade da pessoa física

penalmente responsabilizada.

Contudo, afirma ainda o ilustre jurista, é certo que o resultado da r.

decisão monocrática proferida na citada ADI n° 3002-7, embora não se

referindo aos parágrafos do art. 9° da Lei n° 10.684/2003 acentuou a dúvida ao

afirmar que a superveniência do art. 68 da Lei n° 11.941/2009 prejudica o

exame da constitucionalidade ou não do art. 9° da lei anterior, considerando

que tanto a inicial quanto a r. decisão da Corte Suprema transcrevem o art. 9º

com os seus parágrafos.

A admissão da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito

fiscal para o professor, solução adotada pela Lei 11941/09, privilegia

puramente o pagamento da exação sonegada. Com isso, utiliza a ameaça do

processo e a pena como expedientes para compelir o agente ao pagamento da

dívida. Para ele, a punibilidade estatal deveria ser tal a modo de não

possibilitar a reprodução da conduta censurada, criando a solução atual um

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"vício mental do sonegador" no sentido de que seu insucesso na prática

delitiva apenas resulta na necessidade de pagamento do tributo ou

contribuição social.

Então a admissão da extinção da punibilidade pelo pagamento atende

apenas aos interesses de uma minoria, detentora do poder econômico,

estando dissociada do interesse da maioria da população, perante a qual

apenas cresce a noção e o sentimento de impunidade, num antagonismo que

apenas separa o "povo em geral" da "elite dominante que controla ou mais

influência o Estado". Como solução para essa crise na repressão dos delitos

fiscais, que o autor afirma quase nunca restarem punidos, conclama os

operadores do direito a uma "descanonização dos cânones" e um retorno à

regra geral do art. 16 do Código Penal.

Observa-se, pois, que a opinião dessa corrente coaduna-se ao

entendimento de que o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é mais

do que a mera proteção à arrecadação do Fisco (o que legitima plenamente a

extinção da punibilidade pelo pagamento do devido, uma vez que seria esse

mesmo o objetivo da repressão penal a esses crimes). Tudo leva a crer que ele

seja adepto à corrente, ainda minoritária no sentido de que o bem jurídico

protegido pelos crimes tributários é também a fidedignidade das informações

prestadas ao Erário, o que impede que a punibilidade seja concebida como

plenamente extinta com o mero pagamento da dívida. Vale notar, porém, que

esse entendimento vem ganhando força, mas ainda não se pode afirmar que

prevalece, todavia demonstra quão complexa é a temática dos crimes

tributários e quantas questões controvertidas estão envolvidas na sua

aplicação.

Por fim, nota-se que, a extinção da punibilidade pelo pagamento do

tributo induz ao cumprimento da obrigação tributária, atingindo o objetivo

tutelado pela norma penal, ao mesmo tempo em que cumpre a função

intimidatória do preceito penal.

Se a razão da extinção da punibilidade está fundada no pagamento

integral do tributo devido, não há como deixar de reconhecer a incidência do

princípio da retroatividade da lei penal, para extinguir a punibilidade em todos

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os casos em que houver pagamento integral do tributo, independentemente do

momento e das condições desse pagamento.

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CAPÍTULO III

A FINALIDADE DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

3.1 Princípios e garantias do direito penal

Na doutrina penal, considera-se que a tarefa imediata do direito

resume-se na proteção de bens jurídicos. Distingue-se o Direito Penal dos

demais ramos jurídicos por atuar como ultima ratio, ou seja, somente se

justifica a proteção penal quando os outros ramos do direito forem

insuficientes. Logo, a proteção penal é subsidiária.

O Direito Penal também somente deve atuar quando a lesão (ou

ameaça de lesão) ao bem jurídico apresentar gravidade (significado penal),

não formando, portanto, um sistema fechado de condutas, mas fragmentário.

Desse caráter limitado da proteção penal (subsidiariedade e

fragmentariedade) deduz-se um princípio fundamental do direito penal

moderno (clássico). Trata-se do princípio da intervenção mínima: o direito

penal somente tem legitimidade para atuar nos casos de grave lesão (ou

ameaça de lesão) a bens jurídicos fundamentais para as relações sociais.

O princípio da intervenção mínima recomenda que, onde bastem

outros meios menos rigorosos para êxito da proteção que o direito busca, a

pena criminal não deve ser aplicada. E esse princípio não deve ser descurado,

sobretudo no campo fiscal onde deve ser também sopesado outros interesses,

inclusive do próprio Estado, sendo certo que diante de determinadas infrações

tributarias afigura-se suficiente e ate aconselhável a sanção administrativa.

Nessa ordem de idéias, vimos que o direito penal proteger os valores

mais fundamentais da sociedade. E o respeito a este caráter fragmentário,

constitui um pressuposto imprescindível para a proteção penal de determinado

bem jurídico. Porém, ao mesmo tempo, o direito criminal deve reagir

unicamente ante aquelas modalidades de ataque que sejam especialmente

ofensivas aos bens jurídicos relevantes. Com isso se afirma o caráter

duplamente fragmentário do direito penal: não proteger todos os bens jurídicos,

senão os mais fundamentais. Posto isto, e com base nesse caráter

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fragmentário, o direito penal impede a conversão indiscriminada de todas as

infrações tributarias em delitos.

Como se tem afirmado, pois, somente aquelas infrações, que por

circunstancia de diversa natureza (qualidade do autor, meios empregados,

especial fim agir), atentam gravemente aos interesses do erário devem ser

levadas à categoria de ilícitos criminais. No que concerne às outras, devem ser

aplicadas as sanções de natureza administrativa.

Dessa característica da proteção penal (mínima intervenção) se junta

uma outra: o garantismo. O direito penal, desde o século XVIII, busca a

limitação do poder punitivo do Estado face ao cidadão. Pelos séculos

passados, constatou-se que o poder punitivo do Estado sempre serviu à

opressão. Daí, o direito penal moderno (liberal) ter sido construído a partir de

um discurso garantista, caracterizando o direito penal da Escola Clássica como

um instrumento de proteção do indivíduo contra o Estado.

Na década de 80, a tese abolicionista (o crime não tem realidade

sociológica e os conflitos sociais que realmente existem só podem ser

solucionados com a participação efetiva dos sujeitos envolvidos) perde a

importância que teve nas duas décadas anteriores. Ressurge o discurso do

controle social da pena, mas, em respostas às duras críticas anteriores, com

maior ênfase nas características do direito penal acima apontadas.

Essa revitalização do princípio da intervenção mínima e do garantismo

penal passou a ser denominada de direito penal mínimo ou minimalismo penal,

e tem como proposta central a mínima intervenção do Estado, com a máxima

garantia do direito de liberdade do cidadão. Em outras palavras, a prisão

somente deve ser aplicada para se evitar um mal maior para a sociedade, em

decorrência da sua falência (alto custo, ineficácia e injustiça), bem como a

conhecida seletividade do sistema penal deve ser combatida pelas garantias

individuais.

Esse conjunto de mudanças que constitui uma nova visão humanística

esta embasado no moderno conceito de direito penal mínimo, já aplicada em

países como Alemanha, Suíça, Suécia, Inglaterra, além de outros da America

Latina.

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Em resumo, o direito penal mínimo, reconhecendo certa utilidade social

no controle penal, aponta para a descriminalização (abolição de vários tipos

penais, tendo como critério a fragmentariedade e subsidiariedade),

despenalização (criação de vias alternativas que solucionam o conflito penal

sem aplicação de pena) e desinstitucionalização (diversificação da resposta

penal, transferindo o conflito para os sujeitos envolvidos).

Na legislação brasileira, a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais

Criminais) tem sido apontada como o principal diploma legal de inspiração

minimalista. Contudo, essa não é a característica da nossa política criminal. Ao

contrário, desde o início da década de 90, o movimento da lei e ordem tem

conseguido ampliar a abrangência do sistema punitivo, apesar da sua

ineficácia, criando novos tipos penais, aumentando as penas e restringindo

garantias individuais. Tudo em nome de uma suposta e interminável guerra

contra o crime que enriquece as empresas de comunicação de massa e elege

políticos demagógicos.

3.2 A responsabilização criminal

O rigoroso discurso punitivo da década de 90 desvincula a pena da

função protetora de bens jurídicos, na medida em que define o crime não como

uma lesão (ou ameaça de lesão), mas como uma falta de lealdade à ordem

social, uma opção de maus cidadãos que devem ser duramente castigados.

Criando, assim, um direito penal simbólico, incapaz de promover a paz social

que proclama, mas perfeitamente capaz de contribuir para a manutenção da

ordem social.

A problemática até agora apontada na aplicação da legislação

brasileira quanto aos crimes tributários demonstra que a criminalização dessas

condutas, afora o caso da má redação e ambigüidade dos tipos penais

tributários, bem como a penalização de condutas que consistiriam meras

infrações administrativas (temas de extrema relevância, mas que excederiam

aos limites deste trabalho), é um exemplo das conseqüências desse

movimento da lei e ordem da década de 90. Todas as incongruências

demonstradas quanto à aplicação dessa legislação especial geram a

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indagação se o Direito Penal é a melhor via para a correção dos delitos em

questão.

No que tange à temática dos crimes tributários, cabe, portanto, discutir

se a sanção penal será sempre a melhor via a ser tomada, ou se é possível

uma outra via mais eficaz. Sempre se deverá ter em conta a questão do bem

jurídico, que, na esfera da Política Legislativa, exerce importantíssima função

ao orientar o legislador na decisão de qual conduta será reprimida com a

sanção penal e qual será pela sanção administrativa. Para além, auxilia o bem

jurídico a delimitar dentre as múltiplas formas que a conduta possa apresentar,

qual aquela que, dadas suas idiossincrasias, exige-se que seja reprimida com

mais eficácia, seja por uma via seja pela outra.

Em países como França e Itália foi possível observar um relativo

processo de despenalização, a provar que em realidade a escolha da via penal

ou administrativa não se relaciona diretamente com a importância do bem

jurídico em si, sendo mais uma questão de escolhas de conveniência política,

com escopo de alcançar os fins preventivos e retributivo, no sentido de que se

trata mais de uma questão de eficácia social do que de diversidade axiológica.

A questão deve ser analisada sob o seguinte prisma: se há a defesa do bem

jurídico fundamental, pouco importa que seja utilizada a via administrativa ou

penal, posto que sempre, diante da importância do bem jurídico a sociedade

restará protegida em última análise.

O penalista espanhol GONZALO RODRIGUEZ MOURULLO, ao

comentar o assunto, diz que:

"a pretendida diferença qualitativa entre os ilícitos

fiscais e criminais está ligada à questão mais ampla

da diferença entre os ilícitos administrativos e

penais. Não podemos nesta sede aprofundar esta

discussão doutrinária. Em que pese a todos os

esforços, entendo que não existe uma diferença

substancial, ontológica, entre o ilícito administrativo

e o ilícito criminal. O constante fluxo e refluxo que, a

nível de direitos positivos, se estabelece entre uma e

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outra esfera de ilicitude vem confirmar essa

afirmação. A conversão de infrações administrativas

em criminais (penalização) e a reconversão de

infrações criminais em meros ilícitos administrativos

(despenalização) não afetam substancialmente o

conteúdo de injustiça dos fatos. A ilicitude dos

respectivos fatos continua sendo a mesma. O único

elemento que varia é a natureza da sanção. Tais

conversões e reconversões - das quais temos

freqüentes exemplos na Itália e na Alemanha -

obedecem a razões de política criminal, e constituem

verdadeiras tentativas do legislador em busca da

solução mais justa e eficaz5."

Em semelhante giro valorativo MIGUEL REALE JR.6 apregoa que

"estas lições indicam não haver uma diferença de natureza substancial entre

ilícito penal e administrativo retributivo, como também preleciona Daniele

Propato, para a qual sanções administrativas retributivas são idênticas em

suas funções penais, 'perseguendo entrambe uma finalità di prevenzione

generale e speciale'. Em assim, a escolha pela qualificação de uma conduta

como ilícito penal ou administrativo não é senão de Política Legislativa, tendo

em vista, primordialmente, a busca de maior eficácia social."

MIGUEL REALE JR. entende que "a formulação de uma 'terceira via',

caminho a percorrer-se entre a trilha rígida do direito penal e a maior fluidez do

direito administrativo está na mente de autores de peso de Hassemer que

preconiza ser preciso pensar um novo campo do direito que 'não aplique as

pesadas sanções do Direito Penal, sobretudo as sanções de privação de

liberdade e que, ao mesmo tempo possa ter garantias menores'. (...)" A seu ver

- em perspectiva que endossamos - o Direito Penal deveria ter por fulcro a

proteção de bens individuais, como a vida, a liberdade, a integridade física e a

5 MOURULLO, Gonzalo Rodriguez. Presente y Futuro del Delito Fiscal. Ed. Civitas, Madrid, 1974, p. 20. 6 REALE JÚNIOR, Miguel. Despenalização no Direito Penal Econômico: uma terceira via entre o crime e a infração administrativa? In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, número 28, out/dez 1999, p. 123

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propriedade, sem se voltar para o campo da moderna criminalidade. Do

contrário, a seu ver, arrebentar-se-á o Direito Penal, que se transforma em um

instrumento ineficiente.

Uma importante mudança no que tange aos crimes tributários seria

que tais infrações fossem julgadas por tribunais administrativos (in casu pelo

TITE ou Conselho de Contribuintes ou ainda uma entidade nova, sempre

assegurando-se a imparcialidade e a independência), revestidos, porém, de

algumas garantias e limitações inerentes ao Direito Penal. É dizer, trata-se de

uma simbiose entre a infração penal e administrativa, se bem que vai ser

sublinhado mais o aspecto administrativo, por isso se dirá um Direito

Administrativo Penal, distinto do Direito Administrativo disciplinar, que já

pressupõe sempre uma relação de subordinação (questão de puissance

publique).

Deve-se dar um primeiro passo para essa construção, de modo que o

ordenamento como um todo seja dotado de um instrumental mais célere, sem

deixar de atender aos princípios garantistas do Direito Penal (como o princípio

da legalidade), para superar as barreiras que atualmente o tornaram ineficente

e esquizofrênico (a profusão legislativa foi tamanha que se perdeu o conceito

sistêmico). Crê-se possível fazer atuar a lei penal por outro meio mais eficaz,

com fins de prevenção e retribuição na defesa dos bens jurídicos essenciais.

Sem contar que, ao se permitir a responsabilização criminal pela

ofensa à ordem tributária, é ato consectário desejar a ressocialização de

pessoas que de fato não são culpadas por agressões insuportáveis a valores

consagrados, até porque é sabido com que resistência historicamente o

homem se insurgiu contra os tributos, e mesmo porque é possível afirmar sem

medo de errar que grande percentagem da população brasileira comete tais

crimes.

Como afirma FAUSTO DE SANCTIS:

"O bem jurídico dos delitos aludidos deve ser visto

sob diversos ângulos, aí residindo as dificuldades

principais deste setor do Direito Penal, que convive,

sobretudo, como bem alerta Franciso Munõz Conde,

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com a 'imprecisão e a indeterminação de seu objeto

jurídico, que alguns reconduzem a um vago

interesse no equilíbrio do sistema econômico: a uma

genérica ordem pública econômica'. Assim, o objeto

de proteção é uma determinada forma de

intervenção do Estado na Economia, bem

recolhendo seus impostos, não para concorrer com

a iniciativa privada, mas para assegurar uma

redistribuição de riquezas por meio de uma política

fiscal que possa obter recursos para o atendimento

das necessidades sociais. Essa intervenção busca,

então, regular a iniciativa privada, corrigindo seus

excessos, e permitir que se atinjam aqueles

objetivos7."

O Estado vale-se do Direito Penal para imobilizar as condutas que de

alguma forma inibem a realização das atividades econômicas (há um bem de

caráter mais supraindividual, qual seja a so-called ordem econômica), uma vez

que se entende que os delitos que atentam contra esta ordem são uma

ameaça à sociedade, a afetar não somente vítimas determinadas, mas

também o funcionamento eficaz e planejado das políticas públicas de

redistribuição da riqueza nacional.

3.3 A eficiência da criminalização fiscal

Segundo Sainz de Bujanda8, as razões pelas quais se poderiam

explicar a não criminalização das infrações tributárias são as seguintes: 1ª-

porque dentro de determinado nível de cultura e de educação social, estima-se

que a infração de natureza tributaria não alcança o grau de antijuricidade que

se requer necessário para que uma determinada conduta, transgressora de

normas, se tipifique como ilícito penal; 2ª – porque se considera que o combate

a sonegação deve ordena-se como função administrativa de conteúdo

7 SANCTIS, Fausto Marin de. Direito Penal Tributário: Aspectos Relevantes. Campinas : Bookselller, 2005, p. 19

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repressivo, e como função jurisdicional confiada por lei autoridade judicial.

Além disso, não existe na realidade uma clara fronteira entre as infrações

fiscais que ensejam a aplicação de multas e entre as infrações tributarias que

dão lugar à imposição de penas privativas de liberdade. A essas razões

ponderáveis que o próprio autor esclarece, de um lado esconde uma

subestimação política-social do caráter antijurídico da infração tributaria, e do

outro, um critério pragmático de poderes e competências, acrescenta outras

que, a rigor, derivam daqueles já mencionadas.

O problema envolve também questões de natureza sociológica de

índole dogmática. No que concerne à primeira ordem delas, se afirma que não

existe uma consciência fiscal que sirva de substrato para vida ao delito

tributário. Isso é verdade, principalmente nos países como o nosso, em que

não se da a devida importância ao que é publico, ou seja, a tudo aquilo que

pertence ao patrimônio do Estado. Dito de outra forma, pouca ou nenhuma

credibilidade se da ao destino das verbas públicas. Teme-se que isso, com a

implantação de delito fiscal ou com a sua generalização, contribua para

aumentar o já alarmante processo inflacionário a que esta submetido o direito

penal, com sensíveis prejuízos para o ordenamento jurídico. Afinal, a pena de

ser a ultima ratio do sistema jurídico, sendo o seu uso freqüente e

indiscriminado um desgaste e correlativa perda de sua eficácia. Além disso, a

aplicação desse recurso a condutas não suficientemente consideradas

reprováveis no seio da população, poderia acarretar ainda mais perda daquele

saudável temor e prestigio que o delito e a pena devem inspirar.

Finalmente, embora se reconheça que existe uma necessidade social

digna de se protegida em relação ao fenômeno da sonegação fiscal, pouco crê

na eficiência da criminalização da infração fiscal. Nesse sentido se afirma, e

com a inteira razão, que o direito penal esta em crise, porque não existe uma

correspondência entre o sentimento comunitário de proteger determinados

bens e a eficácia do instrumento jurídico punitivo.

O eterno e grave problema da sonegação fiscal no Brasil, gerado em

grande parte pela voracidade incontrolável de administradores incompetentes,

8 BUJANDA, Sainz. En torno al concepto y al contenido del Derecho Penal Tributário, in ADPCP, 1968.

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combinado com a penúria dos Estados da Federação, desde sempre

esmagados pela União – cujo Poder Executivo se comporta impunemente

como se regesse um Estado unitário, acumpliciado com Congresso e STF – e

mais do que nunca estrangulados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, levou

quase todos os entes federados, municípios inclusive, a apostarem todas as

fichas nos famigerados programas de refinanciamento de débitos tributários,

que ano a ano concedem parcelamentos a perder de vista, benefícios,

facilidades e perdões inesgotáveis aos sonegadores que se disponham a

depositar qualquer quantia no tesouro público.

Por outro lado, a partir da Lei 9.249/95 (art. 34) não só a doutrina e a

jurisprudência se consolidaram no sentido de ver no parcelamento do débito

uma causa de extinção de punibilidade, já que supostamente significaria

"promover o pagamento do tributo", como também o surgimento da Lei

10.684/03 (art. 9º, § 2º) e posteriormente a Lei 11941/09 rapidamente viu

seguir irrefreável exegese no mesmo sentido causa extintiva da punibilidade

decorrente do pagamento do débito tributário a qualquer tempo, até depois do

trânsito em julgado da condenação. Com isso, escancarou-se de vez que a

única e exclusiva finalidade do direito penal tributário brasileiro é e sempre foi

compelir o contribuinte com a sombra temível da espada do processo criminal.

Ruiu por completo o que restava da força moral do Fisco e do discurso do

incentivo à solidariedade social, ao espírito cívico.

Nessa realidade, tão patética quanto trágica, diferente estudos têm-se

aprofundado no problema, trazendo à tona incoerências que em tese poderiam

pôr a perder todo o sistema. Entre elas, talvez a mais recente sejam alguns

representantes do Ministério Público que têm recusado denunciar crimes

contra a ordem tributária nas circunstâncias dos refinanciamentos do débito

tributário, com fundamento principalmente em três premissas conjugadas: 1) a

teoria da imputação objetiva; 2) o processo-penal não pode ser manipulado

pelo Poder Executivo a seu bel-prazer; 3) a inutilidade do procedimento. Ao

argumento – tão conhecido dos doutrinadores contemporâneos – de que a

teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non está

superada, uma vez que ampliaria demasiadamente o campo da

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responsabilização criminal, e que a teoria da causalidade adequada não é

suficiente, porque se centra em aspectos subjetivos, nem seguros do ponto de

vista normativos, abraça-se com entusiasmo a teoria da imputabilidade

objetiva, cujo grande sistematizador, Claus Roxin, arrolou a autocolocação

dolosa em perigo entre os casos em que há exclusão da imputação, em razão

da falta de alcance do tipo no crime doloso.

Antes disso, aliás, lembre-se que pela teoria da imputação objetiva não

poderá ser objetivamente imputado o resultado quando o risco estiver nos

limites do socialmente permitido ou tolerado. Com suporte nesses aspectos, já

ocorreu de certos crimes contra a ordem tributária de pouca monta, ou ainda

de menor potencial ofensivo, não serem denunciados pelo Ministério Público,

em razão do verdadeiro estímulo ao não-recolhimento de tributos causado pela

expectativa – no mais das vezes, certeira – de que virá logo adiante uma nova

oportunidade de parcelamento, incremento transitório de caixa que é nada

mais nada menos que explícita renúncia de receita tributária. Não há dúvida de

que ao reprisar incessantemente leis concessivas de parcelamentos o Estado

estimula a sonegação e desestimula o pagamento pontual do tributo. Não raro

é muito mais vantajoso apostar que a sonegação não será pega e, se for,

aguardar o parcelamento, freqüentemente acompanhado do perdão de multas

e redução de juros (quando não do principal), do que adimplir em dia a

obrigação tributária.

Em que pese essa situação de absurda desordem tributária, no

entanto, é sabido que a teoria da imputação objetiva não pretende a princípio

suprimir a teoria do nexo causal, apenas complementá-la. Diz Luiz Flávio

Gomes que a teoria da imputação objetiva "não é propriamente uma teoria,

senão um conjunto de princípios elaborado para cumprir a função de delimitar

e corrigir o nexo de causalidade". A teoria do nexo causal está expressamente

confortada em nosso ordenamento jurídico pelo art. 13 do Código Penal:

"Art. 13. O resultado, de que depende a existência

do crime, somente é imputável a quem lhe deu

causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem

a qual o resultado não teria ocorrido".

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Desse modo, por exemplo, aquele que não efetua o pagamento dos

débitos tributários devidos dá causa a princípio a um crime contra a ordem

tributária, presente o nexo causal entre ação e resultado. O fato de existir um

ou vários programas de refinanciamento dos tributos, muito embora denote

incompetência e falta de coerência administrativa, não quer dizer

necessariamente que o não-pagamento do tributo, algo universalmente

compreendido em qualquer sociedade humana atual, possa ser a priori

entendido como "risco socialmente permitido", ou qualquer outra categoria, ao

ponto de evitar até mesmo a própria instauração da ação penal que há de

apurar as reais circunstâncias do fato. A legislação brasileira coíbe essa

conduta, que é considerada criminosa.

Não bastasse o parcelamento dos débitos não é compulsório, mas

uma oportunidade ao que não age de acordo com a lei, pois o correto

obviamente é que os tributos sejam pagos na forma e no prazo estipulados.

Nos crimes contra a ordem tributária, como de resto em qualquer crime, há de

ser apurada a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade como pressupostos de

aplicação da pena. Assim como a reparação dos danos em regra não proíbe a

persecução penal, não se pode aceitar, em novo exemplo, que um

parcelamento frustrado evite que o agente sofra sequer a instauração da ação

penal, e em primeiro lugar porque é clamoroso que lhe foi assegurado o prazo

para pagar os tributos, posteriormente foi beneficiado pelo refinanciamento e

acabou deixando novamente de cumprir com suas obrigações.

Ademais, ao supostamente violar a norma penal, o agente fere a

ordem jurídica, que reage na forma da lei. Castrar essa reação mediante

interpretação social do risco é absurdo e arbitrário, seja porque nenhum órgão

do aparelho repressor tem esse poder, seja porque suas premissas são falsas.

Não é porque o Estado possibilitou ao sonegador parcelar sua dívida, dando-

lhe uma segunda chance, que renunciará ao seu direito de propor a ação penal

diante da violação novamente consumada.

Vale lembrar que durante a instrução é que será verificada

definitivamente a culpabilidade ou não do agente, não sendo correto fazer um

juízo valorativo antes da ação penal. Caso a renúncia ao direito de ação passe

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a ser usual no processo penal, a impunidade – e todas as suas nefastas

conseqüências – se somará à incompetência administrativa a que o Poder

Executivo vem sendo sistematicamente submetido por seus titulares.

Acima de tudo, aliás, fica a certeza de que o entendimento contrário

(absolutamente respeitável em tese) se encaixa com perfeição numa

discussão de mérito, jamais como exame para propositura da ação penal. A

Administração Pública possibilitar ao infrator o refinanciamento dos débitos não

significa necessariamente que a vítima está incentivando a inadimplência, uma

vez que é lícito ao Executivo (embora, é verdade, não com tanta demonstração

de inaptidão administrativa) a tentativa de receber os tributos. Isso não pode

retirar do Judiciário o poder-dever de repreender a conduta criminosa.

A polêmica legislação penal-tributária em vigor até aceita que o autor

do delito acabe não submetido a sanções penais desde que efetue o

pagamento do débito. Não ocorrendo, é somente após o término do processo-

crime, que visa à busca da certeza enquanto reflexo da verdade, que o

veredicto estabelecerá se houve infração à norma e se haverá punição penal.

Em síntese, o elemento fundamental para a construção do tipo de

delito fiscal, assim como poderíamos dizer em relação a qualquer delito, é a

existência de uma necessidade social digna de proteger-se. E essa

necessidade social pressupõe uma condição imprescindível para possibilitar a

intervenção do direito penal. Caso contrario, se nos encontrarmos diante de

um bem jurídico que não satisfaça esta exigência, o resultado será a criação

de delitos de estrutura artificial que tornarão ineficazes em sua aplicação.

Ao lado da pena criminal, além de outras penas alternativas, o

ordenamento jurídico dispõe de outros meios para reprimir o ilícito tributário.

Os interesses sociais que se estima necessário proteger podem e devem

receber, num primeiro combate, tutela eficiente com outros mecanismos

distintos dos meios penais, e menos lesivos que estes para o contribuinte, e

com freqüência mais eficazes para a proteção da sociedade. Referi-mo-nos

aos efeitos perniciosos que a pena criminal produz em certos bens jurídicos

individuais afetados.

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Em resumo, a criminalização da infração tributaria deve ser adotada

desde que se trate de condutas de ofensividade relevante à ordem tributaria,

que se respeite em todos os casos o dogma que garanta o principio da ultima

ratio do direito penal, e, sobretudo, que o processo penal tributário esteja

investido de todas as garantias consagradas nos tratados sobre os direitos

humanos e a sanção penal tributária reservada somente às condutas dolosas.

Sob outra perspectiva, compete observar que a implantação do delito

fiscal não deve ser concebida como instrumento arrecadatório, senão com

instrumento de justiça penal tributaria. Tampouco seria idôneo reconstruir as

bases da persecução penal tributaria com a implantação do terror entre o fisco

e o contribuinte.

Cumpre, pois, a necessidade de conciliar uma concepção retributiva

que permita vincular a pena à idéia de justiça, impedindo sua conversão em

puro instrumento utilitarista. Seria não apenas injusto, senão também

prejudicial, à vista das atuais e alarmantes proporções da fraude fiscal,

desprezar o critério retributivo, em nome da intimidação e até do terror com a

generalização indiscriminada das infrações em delitos.

Por fim, não se pode olvidar que a incriminação de determinadas

infrações tributarias deve sempre ser levada a cabo do pronto de vista penal.

Ou seja, a criminalização deve adequar-se à teoria jurídica do delito e

submeter-se aos princípios e garantias próprias do direito penal.

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CONCLUSÃO

Os crimes contra ordem tributária previstos na Lei 8137/90 trouxe

grande discussão doutrinária, acadêmica e jurisprudencial. Nesse trabalho

tivemos a oportunidade de trazer parte desses questionamentos.

Entre infrações e sanções tributárias, e infrações e sanções penais,

existe uma identidade substancial. O único critério valido para discernir ilícito

tributário e ilícito penal repousa na natureza das sanções aplicadas; a

diferença se situa, pois no terreno formal.

Do exposto, podemos extrair ainda que a conversão das infrações

tributárias em delitos é um problema de política criminal. E mais, inserida na

temática politico-criminal a convolação de certas infrações tributarias em

delitos deve submeter-se, em qualquer caso, a aplicação dos princípios

básicos do direito penal.

Todavia, qualquer que seja o ângulo pelo qual se aborde o tema, há

um ponto comum e fundamental, inafastável e persistente, que está na raiz de

todo o problema. Neste terreno, tudo se deve, tudo passa, pela fraude fiscal e

pelas desastrosas conseqüências que ela acarreta para o fisco e, em ultimo

ratio, para a própria sociedade.

Enfrentamos o tema trazendo a lume a definição dos delitos, a sua

aplicação ou não em alguns casos, as constantes leis editadas pelo Congresso

com o fim de mitigar a aplicação da lei e as posições dos Tribunais Superiores

acerca do tema.

Diante de tudo exposto, não nos resta outra conclusão a não ser que a

Lei 8137/90 nada mais é que um instrumento para coagir o contribuinte a

pagar o tributo, ou seja, o legislador ao criminalizar a conduta do contribuinte

inadimplente, fê-lo como indisfarçável instrumento de coação fiscal com vistas

ao aumento da arrecadação. Deste modo, com o pagamento do tributo devido

a ordem jurídica é por inteiro restabelecida fazendo desaparecer a

antijuridicidade da conduta do contribuinte, tornando prescindível e inútil a

atuação do direito penal.

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Por fim, pode-se completar que a complexidade na aplicação dos

crimes tributários pode jazer justamente na forma encontrada pelo legislador

nacional para a punição dos mesmos: a via penal (sendo que, conforme visto,

isso resulta de mera decisão política) e a via administrativa que é a mais

aconselhável para a responsabilização de certas condutas hoje tipificadas

como ilícitos penais tributários. E em busca de se evitar um direito penal

emblemático, apenas as condutas mais graves deveriam ser penalizadas.

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47

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Os Crimes Tributários

1.1 Breve histórico sobre tributo 09

1.2 A origem dos crimes tributários 11

1.3 Definição dos crimes da Lei 8137/90 13

CAPÍTULO II - Aspectos procedimentais dos crimes fiscais

2.1 Procedimento administrativo como condição de procedibilidade 18

2.1 A extinção da punibilidade nos delitos fiscais 23

CAPÍTULO III – A finalidade do direito penal tributário

3.1 Princípios e garantias do direito penal 30

3.2 A responsabilização criminal 32

3.3 A eficiência da criminalização fiscal 36

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

ÍNDICE 47

FOLHA DE AVALIAÇÃO 48

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: