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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E A FAZENDA PÚBLICA
Por: Renato Alves de Oliveira
Orientador
Prof. Dr. Jean Alves Pereira Almeida
Rio de Janeiro
2006
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E A FAZENDA PÚBLICA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito
Processual Civil.
Por: Renato Alves de Oliveira
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os colegas e ao
corpo docente pela convivência
agradável e proveitosa durante este
ano de estudos. Ao pessoal da
Secretaria do IVM, especialmente a
Rosane, sempre tão atenciosa com
todos. Agradeço ainda aos funcionários
da biblioteca da Justiça Federal, onde
foi desenvolvida a maior parte das
pesquisas bibliográficas que
possibilitaram a confecção desta
monografia.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meus pais, Nilo
Alves de Oliveira (in memoriam) e
Catarina Maria de Faria Alves,
eternamente em meu coração.
5
RESUMO
Com a entrada em vigor da lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que,
dando nova redação aos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil (Lei
5.869, de 11-01-1973) introduziu de forma genérica em nosso ordenamento
jurídico a antecipação da tutela, iniciou-se um acalorado debate doutrinário
acerca do cabimento do novel instituto quando no pólo passivo da demanda
estivesse presente um dos entes que compõem o conceito de Fazenda
Pública.
Avulta a importância do tema proposto, uma vez que a Fazenda Pública,
da União, Estados e Municípios, responde por parte vultosa das demandas
judiciais que abarrotam e atravancam os Tribunais do país, com reflexos na
qualidade da prestação final entregue ao jurisdicionado.
Após anos de sedimentação doutrinária, legislativa e jurisprudencial,
parece oportuno e apropriada a tomada de posição a respeito, uma vez que,
embora muito se tenha escrito sobre o assunto, ainda hoje persiste a
controvérsia em sede doutrinária e jurisprudencial.
Assim, o presente trabalho tem por escopo a análise do instituto da
antecipação da tutela sob uma ótica bem definida e específica, qual seja, nas
ações em que a Fazenda Pública é parte ré, enfocando os óbices doutrinários
e legais que tem sido levantados à sua aplicação, para concluirmos que,
contrariamente ao proposto por parte da doutrina nacional, o instituto da
antecipação da tutela nas ações em que figure como parte a Fazenda Pública,
antes de ser rejeitado, deve ser prestigiado como importante instrumento de
resguardo do indivíduo em face das indevidas ingerências do Estado na sua
esfera de atuação.
6
METODOLOGIA
O presente trabalho foi desenvolvido a partir da leitura de farto material
bibliográfico, livros, artigos publicados em revistas e periódicos especializados,
análise da legislação de regência e pesquisa jurisprudencial, culminando em
um somatório de conhecimentos acerca do tema proposto que possibilitaram
chegar ao resultado final pretendido.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - O instituto da antecipação da tutela 13
CAPÍTULO II - A antecipação da tutela e a Fazenda Pública
36
CONCLUSÕES 60
BIBLIOGRAFIA 65
ÍNDICE 67
FOLHA DE AVALIAÇÃO 69
8
INTRODUÇÃO
Na fase inicial de sua estruturação como disciplina jurídica com
autonomia didática, a ciência processual baseou-se na elaboração de todo um
sistema próprio de conceitos e princípios, com destacada atenção ao
desenvolvimento de estruturas dogmáticas sólidas que dessem suporte a essa
pretensão de autonomia científica. Reinou absoluto, neste estágio de
desenvolvimento jurídico-científico, o conceptualismo.
Nesta fase, de construção de toda uma gama de instigantes conceitos
teóricos, acabou-se, todavia, por relegar a plano secundário a função do
processo como instrumento de concretização do direito material, verificando-se
uma dissociação, um distanciamento entre as formulações teóricas e a
realidade material.
Com o evoluir da ciência processual, e dada a nítida insatisfação com o
rendimento da atividade jurisdicional, passou-se a reconhecer, de forma cada
vez mais acentuada, a função instrumental do processo e a necessidade de
fazê-lo desempenhar de forma efetiva esta função. Foi-se percebendo, com o
passar do tempo, que mais importante que conceituar a ação como um direito
à sentença favorável (teoria da ação como direito autônomo e concreto) ou
como um direito a uma sentença de qualquer teor (teoria da ação como direito
autônomo e abstrato), é garantir o exercício efetivo e tempestivo deste direito
de ação. Ou que, por exemplo, mais relevante que toda a conceituação teórica
da legitimidade de agir, com suas várias categorias abstratas, é cuidar da
expansão da tímida concepção tradicional e individualista desta legitimidade
para agir.
Este estágio de conceptualismo da ciência processual levou a um
distanciamento entre o direito processual e o direito material. Era necessária
9
uma reaproximação que colocasse o processo como instrumento de
concretização do direito material.
A busca por meios capazes de propiciar uma simplificação do
procedimento, de modo a tornar mais célere a prestação jurisdicional, tornou-
se um imperativo para os teóricos da ciência processual.
José Carlos Barbosa Moreira1, analisando as transformações pelas
quais vem passando o direito processual, assevera que as mudanças
abrangem três aspectos principais: o aspecto da efetividade, isto é, de um
direito processual conceitual, ou abstrato, vive-se o momento de um direito
processual efetivo, concreto, no sentido de se buscar uma maior aproximação
com o direito material, do qual o direito processual é apenas instrumento; o
aspecto da coletivização, isto é, de um direito processual individual, centrado
no liberalismo individualista, busca-se um processo cada vez mais preocupado
com os interesses difusos e transindividuais; e o aspecto da
internacionalização, isto é, em decorrência do impacto originado pela
diminuição da importância das fronteiras nacionais, constata-se a presença
cada vez mais intensa de elementos internacionais no processo,
transformando-o, de um fenômeno exclusivamente nacional, em um processo
cada vez mais permeável à influência do direito estrangeiro.
O primeiro, e talvez o mais importante destes aspectos, qual seja, a
mudança no enfoque do fenômeno processual de uma ótica conceitual para
uma ótica do chamado processo de resultados, possibilitou uma notável
evolução dos institutos do sistema processual civil brasileiro.
Esta evolução traduziu-se na introdução, em nosso ordenamento
jurídico, no plano legislativo, de instrumentos voltados à tutela dos direitos de
natureza metaindividual, rompendo com o traço eminentemente individualista
1 Barbosa Moreira, Tendências contemporâneas do direito processual civil, Revista de Processo, v. 31, pp. 199-209.
10
de nosso direito processual civil. São desta fase importantes diplomas legais: a
Lei 4.717/65, que instituiu a Ação Popular; a Lei 7.347/85, que regulou a Ação
Civil Pública; e a Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor),
que conceituou e disciplinou os direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos.
Em um segundo momento, esta evolução traduziu-se na denominada
“Reforma do Código de Processo Civil”, na qual se buscou aperfeiçoar o
sistema processual, tendo em mira a instrumentalidade e a efetividade do
processo, com vistas a acompanhar a evolução da sociedade brasileira e seus
avanços tecnológicos.
Nesta fase, por meio de intensa produção legislativa, foram inseridas
mudanças expressivas no Código de Processo Civil, principalmente no Livro I,
que cuida do processo de conhecimento, e também no Livro II, que cuida do
Processo de Execução.
Dentre as várias leis que se propuseram a modernizar o processo civil
brasileiro, pode-se destacar a Lei 8.455, de 24.08.1992, que deu nova
disciplina ao procedimento da prova pericial; a Lei 8.710, de 24.09.1993, que
regulou as formas de citação e intimação, de forma menos formalista,
privilegiando a forma postal; a Lei 8.898, de 29.06.1994, que introduziu
profundas alterações no capítulo da liquidação de sentença, entre as quais a
eliminação da liquidação por cálculo do contador; a Lei 8.950, de 13.12.1994,
que modificou profundamente o sistema recursal; a Lei 8.951, de 13.12.1994,
que modificou a maneira como disciplinado os procedimentos da ação de
usucapião e da ação de consignação em pagamento; a Lei 8.952, de
13.12.1994, que introduziu mudanças expressivas no processo de
conhecimento e também no processo cautelar; a Lei 8.953, de 13.12.1994, que
modificou as normas para a execução forçada; a Lei 9.079, de 14.07.1995, que
introduziu em nosso ordenamento jurídico o procedimento monitório; a Lei
9.139, de 30.11.1995, que deu nova regulamentação ao recurso de agravo; a
11
Lei 9.245, de 26.12.1995, que modificou os dispositivos relacionados ao
procedimento sumário; a Lei 9.756, de 17.12.1998, que modernizou o
procedimento dos recursos no âmbito dos tribunais; a Lei 10.352, de
26.12.2001, que alterou dispositivos referentes a recursos e ao reexame
necessário; a Lei 10.358, de 27.12.2001, que modificou inúmeros dispositivos
relativos ao processo de conhecimento; a Lei 10.444, de 07.05.2002, que
introduziu modificações no processo de conhecimento e no processo de
execução; e, mais recentemente, a Lei 11.187, de 19.10.2005, que conferiu
nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento, e a Lei
11.232, de 22.12.2005, que alterou o Código de Processo Civil para
estabelecer a fase de cumprimento das sentenças no processo de
conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título
judicial, rompendo profundamente com o arcabouço original do Código,
fundado na tripartição processo de conhecimento, processo de execução e
processo cautelar.
Dentre todas as inovações trazidas ao ordenamento processual civil,
muitas de indiscutível utilidade, destaca-se em importância aquela trazida pela
Lei 8.952/94, que modificou a redação dos artigos 273 e 461 do Código de
Processo Civil, introduzindo de forma genérica e universal o instituto da
antecipação da tutela no direito brasileiro.
Com base no novel instituto, o juiz poderá, antes da prolação da
sentença, e portanto antes do julgamento definitivo da lide, antecipar ao autor
da ação ( e também ao réu, nas ações dúplices, ou ao réu-reconvinte) os
efeitos da prestação jurisdicional final, em decisão proferida em cognição
sumária, não exauriente. Ou seja, o juiz antecipa para momento anterior ao
que seria próprio (sentença – pedido imediato), a entrega do bem da vida
perseguido pela parte (pedido mediato).
Dessa forma, a introdução no ordenamento processual civil da tutela
antecipada do artigo 273, para as obrigações em geral, e a do artigo 461, par.
12
3º, para as obrigações de fazer e não fazer, acena para a possibilidade de
concretização do direito à efetividade da jurisdição, pela superação do fator
tempo como obstáculo à realização da justiça, e pela outorga da tutela
jurisdicional tempestiva a todos os direitos, em prol da tão desejada efetividade
do processo.
No presente trabalho analisamos o instituto da tutela antecipada de
uma perspectiva específica, qual seja, nas ações em que for parte demandada
a Fazenda Pública, procurando analisar os óbices legais e doutrinários que
tem sido invocados à aplicação do instituto referido em tais ações.
Para tal fim, o trabalho foi dividido em duas partes principais. A
primeira parte, composta pelo capítulo 1, onde fazemos uma abordagem
genérica, porém necessária, acerca dos aspectos principais do instituto da
antecipação da tutela, examinando tópicos genéricos indispensáveis a
compreensão específica do tema, como a natureza jurídica da antecipação da
tutela, seus pressupostos e características principais.
No capítulo 2, passamos ao estudo específico do tema do trabalho, a
antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. Inicialmente buscamos definir
o conceito de “Fazenda Pública” e a questão de suas prerrogativas em juízo.
A seguir, desenvolvemos o tema central do trabalho, com a análise dos
principais obstáculos, legais e doutrinários, que tem sido opostos à aceitação
do instituto da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, e procedemos a
uma pesquisa da jurisprudência sobre o tema.
CAPÍTULO I
13
O INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
1.1 - Generalidades
A antecipação, parcial ou total, dos efeitos práticos pretendidos no
pedido inicial, prevista nos artigos 273 e 461, par. 3º, do Código de Processo
Civil, e que vem recebendo da doutrina diferentes denominações, como “tutela
antecipada”, “tutela antecipatória”, “antecipação de tutela”2, apesar da inegável
contribuição que trouxe em prol da efetividade do processo, não é instituto
desconhecido em nosso ordenamento, uma vez que já era previsto nas
liminares proferidas em mandados de segurança, em ações cautelares, em
ações civis públicas, em ações possessórias (destinadas a coibir ameaça à
posse ou a repelir esbulho quando praticado a menos de ano e dia – ações
com força nova), em determinadas medidas constitucionais (como o habeas
corpus, a ação direta de inconstitucionalidade, etc.), e em algumas outras
medidas de natureza assemelhada, como os alimentos provisionais nas ações
de família, nas ações relativas à locação, entre outros casos.
Todas essas hipóteses referem-se, todavia, a situações determinadas e
específicas. Com a introdução do instituto da antecipação da tutela nos artigos
273 e 461, par. 3º, do Código de Processo Civil, a grande inovação foi sua
generalização, uma vez que, presentes os requisitos estabelecidos na lei,
torna-se possível a aplicação do instituto da antecipação da tutela em qualquer
processo de conhecimento. A antecipação da tutela se processa mediante um
juízo de cognição sumária não exauriente, no que se diferencia da tutela
jurídica tradicional, onde a atividade cognitiva exercida pelo órgão jurisdicional
é plena e exauriente.
Conforme assevera Luiz Guilherme Marinoni:
2 O próprio art. 273 emprega a expressão “antecipação de tutela”, em seu par. 5º, embora denomine o instituto de “tutela antecipada”.
14
“A técnica antecipatória permite que se dê tratamento
diferenciado aos direitos evidentes e aos direitos que correm risco
de lesão. O direito que pode ser evidenciado de plano exige uma
tutela imediata e o legislador responde a tal necessidade tornando
viável a antecipação quando, evidenciado o direito, a defesa é
exercida de modo abusivo. No caso de risco de lesão, a tutela
antecipatória funda-se na probabilidade da existência do direito e
no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.”3
Esta decisão, proferida em uma sistemática mais célere, corresponde a
uma das principais respostas idealizadas para amenizar os males da demora
na tramitação dos processos, mal que não é exclusividade do ordenamento
jurídico brasileiro.
Nosso direito pertence, como é de comum sabença, à família da civil
law, de origem romano-germânica, onde se valoriza, de forma extremada, a
segurança jurídica, constituindo um de seus pilares.
Dessa forma, nosso sistema processual sempre foi, tradicionalmente,
extremamente preocupado em proteger o direito de defesa do litigante
demandado, o que, salvo raras exceções, resultou na disciplina de solução
dos litígios através do procedimento comum – em especial o procedimento
ordinário – no qual a atividade cognitiva exercida pelo órgão jurisdicional é
plena e exauriente. Como regra geral, contra a sentença proferida após tal
cognição, há a possibilidade de interposição de recurso dotado de efeito
suspensivo, o que subtrai do provimento judicial toda sua força executiva
imediata. E mesmo após o julgamento do recurso, quando a sentença
proferida for de natureza condenatória, ainda há necessidade dessa sentença
ser efetivada (executada) mediante um novo processo (somente as sentenças
3 A Antecipação da Tutela, p. 35
15
meramente declaratórias e as sentenças constitutivas se exaurem na própria
sentença, não havendo processo de execução, exceto pelas verbas
acessórias). Assim era até o advento da já referida Lei 11.232, de 22.12.2005,
que alterou o Código de Processo Civil para estabelecer a fase de
cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogar
dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, rompendo com o
arcabouço tripartite original do Código, inovação importantíssima que por certo
trará resultados concretos na busca por uma real efetividade do processo.
Todavia, com os novos valores advindos com o mundo contemporâneo,
onde a velocidade com que os homens se relacionam revoluciona todo o modo
de pensar tradicional, em uma sociedade na qual as decisões são tomadas em
tempo real, com a informática unindo a todos em uma teia global, já não mais
havia lugar para tal estrutura, excessivamente protetora de direitos do
demandado, extremamente patrimonialista e extraordinariamente lenta. Neste
contexto, tornou-se urgente a transformação e agilização da prestação
jurisdicional, de forma a compatibilizá-la com a velocidade e as demandas do
nosso tempo.
Neste sentido, ao valorizar a posição do autor da ação em relação ao
demandado, o instituto da antecipação da tutela pode ser entendido como
uma das soluções de ordem técnico-legislativa formuladas em função do
crescimento verificado na demanda pela prestação jurisdicional.
Com efeito, com a redemocratização do país em 1985 e a promulgação
da Constituição de 1988, que lançou as bases para um novo pacto social
brasileiro e prestigiou o acesso à justiça como princípio e garantia fundamental
de um Estado Democrático de Direito, verificou-se uma verdadeira explosão de
demandas judiciais, deixando à mostra a incapacidade do Estado de
responder satisfatoriamente a essa crescente demanda pela prestação
jurisdicional com as velhas estruturas processuais.
16
Neste contexto foi idealizada a “Reforma do Código de Processo Civil”.
No bojo das modificações que vêm sendo adotadas, a inovação trazida pela
antecipação da tutela denota uma mudança de perspectiva, passando-se a
valorizar a situação do autor, que tem, afinal, direito à prestação jurisdicional
célere e efetiva.
Destarte, naqueles casos em que a espera pela efetivação do
provimento jurisdicional cause ao autor dano irreparável ou de difícil reparação,
ou ainda quando a parte demandada abuse de seu direito de defesa, ou
demonstre manifesto propósito protelatório, abre-se a possibilidade, desde que
presentes os demais pressupostos legais, de antecipação dos efeitos da
sentença final.
1.2 - Conceito e Natureza Jurídica da Tutela Antecipada
Sendo construção doutrinária, o conceito de antecipação de tutela
varia de acordo com o posicionamento dos autores sobre o tema. Dentre as
várias definições, vale destacar a de Luiz Guilherme Marinoni, para quem a
antecipação da tutela é uma técnica de distribuição do fator tempo no
processo, eliminando uma das vantagens de que dispõe o réu contra o autor,
consistente no próprio tempo de solução do litígio. Afirma Marinoni:
“A tutela antecipatória, agora expressamente prevista no
Código de Processo Civil (art. 273), é fruto da visão da doutrina
processual moderníssima, que foi capaz de enxergar o equívoco
de um procedimento destituído de uma técnica de distribuição do
ônus do tempo no processo. Preserva-se, assim, o princípio de
que a demora no processo não pode prejudicar o autor que tem
razão e, mais do que isso, restaura-se a idéia – que foi apagada
pelo cientificismo de uma teoria distante do direito material – de
17
que o tempo do processo não pode ser um ônus suportado
unicamente pelo autor.” 4
De fato, não é justo que o ônus do fator tempo no processo recaia
somente sobre o autor, máxime quando se sabe que ao autor da demanda
interessa sempre uma alteração no status quo, ao passo que ao réu interessa
a manutenção da situação existente, daí que o fator tempo opera em desfavor
do autor, sendo a antecipação da tutela uma técnica para distribuir de forma
mais eqüitativa o ônus do tempo no processo, constituindo instrumento de
grande importância para a efetividade do processo.
Quanto à natureza jurídica do instituto da antecipação de tutela, a
doutrina, de forma praticamente unânime, tem afirmado sua natureza
satisfativa, no sentido de antecipação do resultado final do processo,
rejeitando, em regra, qualquer cogitação quanto a caracterizar-se como tutela
cautelar.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni a tutela antecipada não é tutela
cautelar, porque esta tem por escopo assegurar a viabilidade da realização do
direito afirmado, enquanto na tutela antecipada é o próprio provimento final
que é antecipado5.
Nelson Nery Jr. explicita esta diferença entre a tutela cautelar e a
antecipação de tutela:
“(...) tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito
é providência que tem natureza jurídica de execução latu sensu,
com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a
própria pretensão deduzida em Juízo ou os seus efeitos. É tutela
satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao
4 A Antecipação da Tutela, pp. 22-23
18
requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de
conhecimento. Com a instituição da tutela antecipatória dos
efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma
ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente
impropriamente denominado de ‘cautelares satisfativas’, que
constitui em si um contradictio in terminis, pois as cautelares não
satisfazem; se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é
cautelar.”6
Cândido Rangel Dinamarco igualmente sustenta a natureza não
cautelar do instituto, uma vez que não é medida que vise impedir o
perecimento de direito, ou que assegure ao titular exercê-lo no futuro7.
Assim, como se vê, a tutela cautelar significa, para a doutrina
majoritária, apenas conservar, jamais antecipar.
Todavia, cabe observar, que este posicionamento da doutrina pátria,
que rejeita natureza cautelar à antecipação da tutela, apesar de amplamente
majoritário, não é pacífico. Galeno Lacerda, ao classificar as cautelares
segundo a finalidade de tornar útil a prestação jurisdicional, vislumbra que a
antecipação dos efeitos do provimento final atende a esta finalidade, seguindo
a doutrina de Calamandrei8. Da mesma forma posiciona-se Carlos Alberto
Álvaro de Oliveira, para quem a tutela antecipada insere-se no âmbito das
tutelas cautelares por ser medida ontológica e estruturalmente provisória e
instrumental9.
5 Novidades sobre a tutela antecipatória, Revista de Processo, v. 69, p. 106.6 Nelson Nery Jr., Atualidades sobre o processo civil, p. 52.7 Cândido Rangel Dinarmarco, A Reforma do CPC, p. 1398 Comentários ao Código de Processo Civil, pp.15-17.9 “Alcance e natureza da tutela antecipatória”, in Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães, p. 119.
19
1.3 – Pressupostos para a concessão da Tutela Antecipada
Dispõe o artigo 273 do CPC, verbis:
“Art.273. O juiz poderá, a requerimento da parte,
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença
da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.
Par. 1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará,
de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento.
Par. 2º. Não se concederá a antecipação de tutela quando
houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Par. 3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no
que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos
arts. 588, 461, par. 4º e 5º , e 461-A.
Par. 4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou
modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
Par. 5º. Concedida ou não a antecipação da tutela,
prosseguirá o processo até final julgamento.
Par. 6º. A tutela antecipada também poderá ser concedida
quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles,
mostrar-se incontroverso.
Par. 7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela,
requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando
presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar
em caráter incidental do processo ajuizado”
20
Assim, para qualquer hipótese de tutela antecipada, o legislador
estabeleceu como pressupostos genéricos de natureza probatória
indispensáveis: a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação.
Quanto à existência de prova inequívoca, suficiente para convencer o
juiz da verossimilhança da alegação, predomina em doutrina a posição de que
o legislador exigiu mais do que a aparência do bom direito (o fumus boni iuris),
quando se referiu à “prova inequívoca da verossimilhança”.
Cândido Rangel Dinamarco critica o texto legal, afirmando que:
“a dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil
interpretá-lo satisfatoriamente porque ‘prova inequívoca’ é prova
tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no
espírito do juiz o sentimento de certeza e não de verossimilhança
(...) aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias
contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova
inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao
conceito de probabilidade, portador de maior segurança que a
verossimilhança.”10
Teori Albino Zavascki afirma que a lei não está a exigir prova de
verdade absoluta, mas uma prova segura, que, em cognição sumária,
aproxime o juízo de probabilidade do juízo de verdade:
“Dir-se-á que é um paradoxo a exigência de fato certo e
juízo de verossimilhança do direito: se o fato é certo, o direito
existe ou não existe, cabendo ao juiz desde logo declará-lo, em
razão de que jura novit curia, ou seja, da mihi factum, dabo tibi
10 A Reforma do Código de Processo Civil, p. 143.
21
jus. Na verdade, todavia, a referência a “prova inequívoca” deve
ser interpretada no contexto do relativismo próprio do sistema de
provas. Como observou Calamandrei, (...). Assim, o que a lei
exige não é, certamente, prova de verdade absoluta – que sempre
será relativa, mesmo quando concluída a instrução –, mas uma
prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária,
aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de
verdade.”11
Athos Gusmão Carneiro foi preciso ao manifestar-se sobre os
pressupostos para a concessão da tutela antecipada:
“Vale aditar que o ‘juízo de verossimilhança’ supõe não
apenas a constatação pelo juiz relativamente à matéria de fato
exposta pelo demandante, como igualmente supõe a
plausibilidade na subsunção dos fatos à norma de lei invocada –
‘ex facto oritur ius’ –, conducente, pois, às conseqüências jurídicas
postuladas pelo autor. Em suma: o juízo de verossimilhança
repousa na forte convicção de que tanto as ‘quaestiones facti’
como as ‘quaestiones iuris’ induzem a que o autor, requerente da
AT, merecerá prestação jurisdicional em seu favor.”12 (negritos no
original)
De fato, a exigência de “prova inequívoca da verossimilhança”, embora
pareça conter uma contradição em termos, visa, a nosso sentir, chamar a
atenção do aplicador do direito para a necessidade de uma forte probabilidade
de que os fatos narrados sejam verdadeiros, pois se “prova inequívoca” fosse
entendido como prova inequívoca da existência do direito, não haveria
11 Antecipação da Tutela, pp. 77-78.12 Da Antecipação de Tutela, p.28.
22
qualquer necessidade de se antecipar a tutela, mas sim, seria o caso de se
proferir sentença definitiva.
Caso não ocorra qualquer controvérsia fática, quando, por exemplo, a
controvérsia versar apenas em torno de questões de direito, não há que se
falar em antecipação de tutela, mas sim em julgamento antecipado da lide.
A concessão da tutela antecipada está ainda condicionada à presença,
alternativa, de outros dois pressupostos ou requisitos, elencados nos incisos I
e II do art. 273 do Código de Processo Civil. Assim, podem ser considerados
pressupostos alternativos para o deferimento da antecipação da tutela: o
“receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (inc. I) ou o “abuso de
direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu” (inc. II).
Teori Albino Zavascki assevera que:
“O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que
enseja a antecipação assecuratória é o risco concreto (e não o
hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta
iminente no curso do processo) e grave (vale dizer, o
potencialmente apto a fazer perecer ou prejudicar o direito
afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é iminente,
não se justifica a antecipação da tutela. É conseqüência lógica do
princípio da necessidade, antes mencionado.13
Vale aditar que não é um simples inconveniente da demora processual
que justificaria a antecipação da tutela, mas sim um dano que não seja
representado exclusivamente pelo transcurso do tempo.
13 Antecipação da Tutela, p. 78.
23
O outro pressuposto alternativo diz respeito ao “abuso de direito de
defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”, que não está vinculado à
existência de perigo de dano, mas constitui medida de natureza sancionatória.
Tem-se entendido, majoritariamente, que a constatação do propósito
protelatório ou do abuso de direito de defesa do réu só deve ocorrer no curso
do processo, pois a presunção initio litis de propósito protelatório não seria
admitida em nosso ordenamento jurídico. Com efeito, só se pode cogitar de
um provimento jurisdicional antecipatório que puna determinada conduta do
réu após o mesmo ter se manifestado no processo.
Além desses pressupostos ou requisitos genéricos de natureza
probatória, o parágrafo 2º do art. 273 estatui um outro, qual seja a
reversibilidade do provimento antecipado.
Dispõe o art. 273, par. 2º do CPC que: “não se concederá a
antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento
antecipado”.
Tendo em vista a provisoriedade do provimento que concede a
antecipação da tutela, o legislador buscou preservar a parte que sofre as
conseqüências da antecipação, não a concedendo, em regra, quando não
possa ocorrer a reversibilidade do provimento antecipado.
A regra que condiciona o provimento antecipado à sua reversibilidade,
que constitui um pressuposto genérico para a concessão da antecipação da
tutela, harmoniza o princípio da efetividade da jurisdição com o princípio da
segurança jurídica.
Para Luiz Guilherme Marinoni, não há confundir “irreversibilidade do
provimento” com “irreversibilidade dos efeitos fático do provimento”, dado que o
provimento nunca é irreversível, enquanto podem ser irreversíveis os efeitos
24
fáticos dele decorrentes. Ainda segundo Marinoni, não há razão para não se
admitir a possibilidade de uma tutela antecipatória que possa produzir efeitos
fáticos irreversíveis, pois a solução poderá ser faticamente irreversível tanto
para o requerente como para o requerido, devendo prevalecer o direito que
tem maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido, aplicando-se o
princípio da proporcionalidade.14
Marinoni, com fulcro na lição de Ferrusio Tommaseo, afirma:
“Admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a
antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível
ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador
obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao
direito que justamente lhe parece mais provável. A tutela sumária
funda-se no princípio da probabilidade. Não só a lógica mas
também o direito à adequada tutela jurisdicional exigem a
possibilidade de sacrifício, ainda que de forma irreversível, de um
direito que pareça improvável em benefício de outro que pareça
provável. Caso contrário, o direito que tem a maior probabilidade
de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivelmente
lesado. Como corretamente conclui Tommaseo, “sacrificare
l’improbabile al probabile, in questo consiste l’etica della
giurisdizione d’urgenza”.15
Realmente, a antecipação dos efeitos do provimento final, consoante o
art. 273, caput, do Código de Processo Civil, situa-se no plano fático, e não no
plano jurídico, pois todo provimento judicial provisório é reversível no plano
jurídico. A conclusão é que a regra que prevê a irreversibilidade fática
comporta atenuações, não devendo ser interpretada de modo rígido.
14 A Antecipação da Tutela, pp. 171-176.15 A Antecipação da Tutela, p. 177.
25
De fato, não poderia, e não faria sentido, que a lei interditasse ao juiz o
conhecimento das nuances e particularidades inerentes a cada caso concreto,
para, com base nestas peculiaridades, adotar a decisão que lhe parecesse
mais adequada com os bens jurídicos em conflito, considerado o princípio da
proporcionalidade.
Dessa forma, desde que observados os demais requisitos do art. 273
do Código de Processo Civil, a antecipação da tutela poderá ser concedida,
mesmo com o risco da irreversibilidade dos efeitos do provimento, naqueles
casos em que o juiz, sopesando os bens ou direitos jurídicos em jogo no caso
concreto, assim entender.
1.4 – Efeitos antecipáveis na antecipação da tutela
A lei, ao regular a antecipação da tutela, não se referiu à antecipação
do próprio provimento final, mas sim à antecipação dos efeitos deste
provimento final, consoante o disposto no caput do art. 273 do Código de
Processo Civil : “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial (...)”.
Luiz Guilherme Marinoni afirma que:
“A tutela antecipatória produz o efeito que somente
poderia ser produzido ao final. Um efeito que, por óbvio, não
descende de uma eficácia que tem a mesma qualidade da eficácia
da sentença. A tutela antecipatória permite que sejam realizadas
antecipadamente as conseqüências concretas da sentença de
mérito. Essas conseqüências concretas podem se identificadas
com os efeitos externos da sentença, ou seja, com aqueles efeitos
26
que operam fora do processo e no âmbito das relações de direito
material.”16
Todo ato jurídico é, em princípio, apto a produzir efeitos no mundo do
direito. Como cada ato jurídico possui efeitos a ele correspondentes, próprios,
é natural que se estabeleça uma íntima relação entre o conteúdo e os efeitos
do ato jurídico. O efeito é algo distinto daquilo que o produz, pertence a uma
realidade distinta, e não integra o conteúdo do ato, segundo magistério de
Barbosa Moreira.17
No caso das sentenças, seus efeitos variam de acordo com o conteúdo
das mesmas, sendo óbvia, em determinados casos, a distinção entre os efeitos
e o conteúdo das sentenças, como nas sentenças condenatórias, cujo efeito
principal é ensejar a execução.
A distinção entre o conteúdo e os efeitos, todavia, nem sempre se
manifesta com tanta nitidez, como no caso das ações meramente declaratórias
e ações constitutivas. Apesar da sutileza da distinção entre efeitos e conteúdo
das sentenças, nestes tipos de ações, deve-se sempre ter presente a distinção
entre as diferentes realidades.
No caso das sentenças declaratórias, o efeito principal delas
decorrente é a força vinculativa da declaração contida na sentença, e que não
se confunde com a própria declaração, que compõe o conteúdo.
No caso das sentenças constitutivas, que objetivam a modificação de
determinada situação jurídica, a distinção entre o conteúdo e os efeitos da
sentença também é sutil, tendo em vista a ambigüidade da palavra
“modificação”, que tanto pode representar o ato através do qual se opera a
16 A Antecipação da Tutela, p. 36.17 José Carlos Barbosa Moreira, Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema, in Temas de direito processual, 3ª série, pp. 175-179.
27
modificação jurídica, quanto o próprio estado que se segue a este ato. De
qualquer sorte, o efeito principal das sentenças constitutivas (a modificação
enquanto efeito) é distinto do conteúdo das mesmas (a modificação enquanto
ato), conforme abalizado ensinamento de Barbosa Moreira.18
Discute-se na doutrina se o instituto da antecipação da tutela seria
compatível com todas as ações de conhecimento. Como a técnica antecipatória
se identifica com a tutela que antecipa os efeitos próprios das tutelas
condenatória, executiva e mandamental, parte da doutrina, partindo desta
premissa, entende que a tutela antecipada seria incabível em ações
declaratórias e constitutivas, uma vez que estas não comportam execução em
sentido estrito.
Neste sentido, João Batista Lopes argumenta que a antecipação de
tutela “não se harmoniza com a finalidade da ação declaratória e não se ajusta
à natureza da ação constitutiva”.19 Mais adiante, o mesmo autor indaga:
“Como, então, antecipar a declaração de existência ou inexistência da relação
jurídica? Como declarar provisoriamente que uma relação jurídica existe (ou
inexiste)?”20, e assevera que “a constituição ou desconstituição não pode ser
provisória (v.g., não posso anular provisoriamente uma escritura ou um
casamento)”21.
Teori Albino Zavascki analisa a questão sob o prisma do princípio da
necessidade, para concluir que, embora não se possa antecipar a própria
declaração ou constituição pretendidos no pedido inicial, a antecipação é
possível quando a tutela comportar alguma forma de execução, entendida de
forma mais ampla possível, afirmando:
18 José Carlos Barbosa Moreira, Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema, in Temas de direito processual, 3ª série, pp. 175-179.
19 Tutela antecipada e o art. 273 do CPC. In: Aspectos Polêmicos da tutela antecipada (obra coletiva), p.210.20 Idem, p. 211.21 Idem, ibidem.
28
“O princípio da necessidade impõe se observe a
adequação da medida antecipatória ao fim a que se destina a
antecipação, e que outro não é senão o de assegurar a efetividade
da função jurisdicional. Assim, nos casos em que a tutela somente
poderá servir ao demandante quando concedida em forma
definitiva, não haverá utilidade alguma em antecipá-la
provisoriamente. É o caso da eficácia meramente declaratória ou
da meramente constitutiva que, pela própria natureza de cada
uma, não se compatibilizam com deferimento em caráter
provisório e, por isso mesmo, sua antecipação é medida
absolutamente neutra em relação ao desiderato do legislador de
alcançar utilidade e celeridade da prestação da tutela definitiva.
Assim, é incabível antecipar simplesmente efeitos declaratórios
ou constitutivos.
A antecipação de efeitos da tutela somente contribuirá
para a efetividade do processo quando, pela sua natureza, se
tratar de efeitos (a) que provoquem mudanças ou (b) que impeçam
mudanças no plano da realidade fática, ou seja, quando a tutela
comportar, de alguma forma, execução. Execução em sentido o
mais amplo possível: pela via executiva lato sensu, pela via
mandamental ou pela ação de execução propriamente dita.
Somente nesses casos a antecipação de efeitos será compatível
com o princípio da necessidade. Aliás, também em se tratando de
tutela condenatória, o que se antecipa não é a condenação
propriamente (que não comporta provisoriedade), e sim os efeitos
executivos que dela decorrem.
Conforme se fez ver anteriormente (Capítulo III, 4),
antecipar efeitos da tutela significa satisfazer, no plano dos fatos,
o pedido formulado na inicial. O que se antecipa não é
propriamente a certificação do direito, nem a constituição e
29
tampouco a condenação porventura postulada como tutela
definitiva. Antecipam-se, isto sim, os efeitos executivos da futura
sentença de procedência, assim entendidos os efeitos que a futura
sentença tem aptidão para produzir no plano da realidade. Em
outras palavras: antecipa-se a eficácia social da sentença, não a
eficácia jurídico-formal.
Efeitos executivos podem ser identificados não apenas
nas sentenças condenatórias, mas igualmente nas constitutivas e
mesmo nas puramente declarativas.”22
De fato, não parece ser possível a antecipação da própria declaração,
ou a declaração provisória da existência ou inexistência de uma relação
jurídica, conferindo-se, antecipadamente, o bem da certeza jurídica, ou ainda,
a constituição ou desconstituição provisória de determinada situação jurídica.
Como bem afirma Marinoni “a cognição inerente ao juízo antecipatório é por
natureza completamente inidônea para atribuir ao autor a declaração – ou a
certeza jurídica por ele objetivada”23.
É possível, no entanto, a antecipação dos efeitos decorrentes das
tutelas declaratória e constitutiva, quando houver necessidade de se tutelar
um direito que dependa de uma sentença declaratória ou de uma sentença
constitutiva.
A confusão é estabelecida porque a tutela antecipada não tem por
objeto a antecipação da própria sentença final, mas os efeitos desta, como
bem esclareceu Teori Zavascki, antes citado. Sabe-se que o pedido oferece
dois aspectos: uma provisão jurisdicional – sentença meramente declaratória,
constitutiva, condenatória ou mandamental – e tal será o pedido imediato –
que tutele um bem jurídico – e tal será o pedido mediato. Ora, não se
22 Antecipação da Tutela, p. 84-85.23 A tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva. In: Aspectos polêmicos da tutela antecipada (obra coletiva), p. 273.
30
pretende a antecipação do próprio provimento jurisdicional (o pedido imediato),
mas sim a antecipação dos efeitos deste provimento no plano dos fatos (o
pedido mediato).
Por óbvio, nos casos de antecipação dos efeitos da sentença
declaratória, somente se concebe tal hipótese quando desta antecipação se
puder extrair algum efeito mandamental, o que se dá nas hipóteses de
cumulação de pedidos, sendo o primeiro pedido de natureza declaratória, uma
vez que a tutela declaratória não atua sobre a vontade do réu. Neste sentir,
afirma Marinoni:
“Pensamos, porém, que embora não seja possível
antecipar-se a eficácia constitutiva da sentença (da mesma forma
que não se pode conceber a antecipação da eficácia declaratória),
nada pode impedir uma constituição fundada em cognição
sumária, nem mesmo a alegação de que a sentença constitutiva
produz efeitos ex nunc.
(...)
A temática da tutela antecipatória em face das ações
declaratória e constitutiva deve considerar, além dos pontos da
antecipação das eficácias declaratória e constitutiva e da
declaração e constituição sumárias, as questões da cumulação de
pedidos e da necessidade de se tutelar, em face de fundado
receio de dano, um direito que dependa de uma sentença
declaratória ou de uma sentença constitutiva.
No caso de cumulação sucessiva de pedidos – hipótese
em que o segundo pedido somente será apreciado se procedente
o primeiro – é possível, por exemplo, que o primeiro pedido seja
de natureza constitutiva (ou declaratória) e o segundo de natureza
condenatória (ou executiva ou mandamental). Seria viável, no
caso de uma ação de resolução de contrato cumulada com
31
reintegração de posse, a antecipação do efeito executivo que abre
oportunidade para a reintegração imediata? Para a execução
imediata da reintegração basta a probabilidade do êxito da
demanda constitutiva, já que o fim visado pelo autor, neste caso, é
o de obter um resultado que pressupõe a desconstituição. A
valoração, em termos de probabilidade, do êxito da demanda
constitutiva, sempre admite a antecipação do efeito executivo ou
do efeito mandamental próprio da demanda cumulada.”24
De fato, embora não se afigure possível antecipar a própria eficácia
constitutiva da sentença, não se pode impedir a antecipação dos efeitos da
constituição, fundada em cognição sumária. Se o efeito de operar a
modificação jurídica requer uma sentença constitutiva, e se o tempo necessário
para a prolação desta sentença puder causar prejuízo à parte, não se pode
afastar a possibilidade de antecipaçao dos efeitos desta sentença constitutiva,
desde que satisfeitos os requisitos legais para a antecipação.
Assim, nas ações constitutivas, é possível ao autor requerer que o réu
se abstenha de praticar determinados atos que possam impedir o exercício de
faculdades que estão contidas no direito a ser constituído. De igual modo, com
relação às ações desconstitutivas, pode ser requerida a tutela antecipada para
a suspensão da eficácia do ato cuja legalidade se questiona.
1.5 – A antecipação da tutela harmoniza os princípios da
efetividade da jurisdição e da segurança jurídica
24 A Antecipação da Tutela, pp. 46-47.
32
A Constituição Federal arrola uma série de princípios processuais, que
podem ser abarcados pelo princípio-síntese do “devido processo legal”. Destes
princípios, nos interessa analisar, pois, sob determinado aspecto, contrapõem-
se: o princípio da efetividade da jurisdição e o princípio da segurança jurídica.
Ao princípio da efetividade da jurisdição corresponde um conjunto de
direitos e garantias que asseguram ao indivíduo meios eficazes ( no sentido de
propiciar ao demandante vitorioso a concretização fática de sua vitória) e
expeditos ( no sentido de que o resultado se dê em prazo razoável) para o
exame da demanda submetida à apreciação do Estado, sendo corolário direto
do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no art. 5º ,
inc. XXXV, da Constituição Federal.
Uma vez que o Estado veda a autotutela, deve, por conseqüência,
tutelar de forma efetiva os conflitos trazidos ao seu conhecimento. Assim,
quando a Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, o que se assegura não é meramente
um acesso formal à Justiça, mas sim um acesso que proporcione uma tutela
efetiva, adequada e tempestiva de direitos.
Sobre o tema, escreveu Teori Zavascki:
“Sob a denominação de direito à efetividade da jurisdição
queremos aqui designar o conjunto de direitos e garantias que a
Constituição atribuiu ao indivíduo que, impedido de fazer justiça
por mão própria, provoca a atividade jurisdicional para vindicar
bem da vida de que se considera titular. A este indivíduo devem
ser, e são, assegurados meios expeditos e, ademais, eficazes, de
exame da demanda trazida à apreciação do Estado. Eficazes, no
sentido de que devem ter aptidão de propiciar ao litigante vitorioso
a concretização fática da sua vitória. O Estado, monopolizador do
33
poder jurisdicional, deve impulsionar sua atividade com
mecanismos processuais adequados a impedir – tanto quanto seja
possível – a ocorrência de vitórias de Pirro. Em outras palavras: o
dever imposto ao indivíduo de submeter-se obrigatoriamente à
jurisdição estatal não pode representar um castigo. Pelo contrário:
deve ter como contrapartida necessária o dever do Estado de
garantir a utilidade da sentença, a aptidão dela de garantir, em
caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela.
E não basta à prestação jurisdicional do Estado ser eficaz.
Impõe-se seja também expedita, pois é inerente ao princípio da
efetividade da jurisdição que o julgamento da demanda se dê em
prazo razoável, sem dilações indevidas.
O direito fundamental à efetividade do processo – que se
denomina também, genericamente, direito de acesso à justiça ou
direito à ordem jurídica justa – compreende, em suma, não apenas
o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e
principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa
e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.”25
Quanto ao princípio da segurança jurídica, o mesmo possui previsão
expressa no art. 5º , inc. LIV, da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”. Em outras palavras, o litigante demandado somente poderá ver-se
privado de sua liberdade, ou de seus bens, caso observados o contraditório e
a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes.
Embora possa parecer que a introdução da tutela antecipada no
ordenamento jurídico brasileiro tenha privilegiado o princípio da efetividade da
jurisdição, em detrimento do princípio da segurança jurídica, o entendimento
mais consentâneo com a convivência dos princípios fundamentais é aquele
34
que identifica na tutela antecipatória um instrumento de compatibilização ou
harmonização entre os princípios da efetividade da jurisdição e da segurança
jurídica, uma vez que os princípios e garantias fundamentais não podem ser
entendidos de forma absoluta, já que, não raro, apresentam tensão entre si,
em razão da natural restrição que se impõem reciprocamente, decorrente da
convivência das liberdades.
Segundo Teori Albino Zavascki:
“Em nosso sistema, como em muitos outros, a fórmula para
viabilizar a convivência entre segurança jurídica e efetividade da
jurisdição é a outorga de medidas de caráter provisório, que sejam
aptas a superar as situações de risco de perecimento de qualquer
um desses direitos.”26
Constata-se, portanto, que em nosso sistema, antes que a prevalência
do princípio da efetividade da jurisdição frente ao princípio da segurança
jurídica, o que se observa é que, na tentativa de harmonizar tais princípios, nas
situações em que o risco da demora na prestação jurisdicional possa acarretar
prejuízos e injustiças, a fórmula encontrada foi a via das medidas de caráter
provisório, onde não ocorre a supressão do princípio da segurança jurídica,
mas sua relativização, com o objetivo de tornar possível a tutela que o Estado
solenemente prometeu prestar (CF, art. 5º , inc. XXXV), que se não fosse
antecipada pereceria.
25 Antecipaçao da Tutela, p. 65.26 Antecipação da Tutela, p. 67.
35
CAPÍTULO II
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E A FAZENDA PÚBLICA
2.1 – A Fazenda Pública: conceito e prerrogativas
O termo “Fazenda Pública” é equivoco, possuindo diversos sentidos,
daí que cabe distinguir o sentido técnico processual, aqui utilizado, do sentido
administrativo do termo.
Como ensina Cândido Rangel Dinamarco27, o significado administrativo
do termo “Fazenda Pública” está relacionado à administração financeira do
Estado, mais especificamente, ao órgão responsável por esta administração
financeira, sendo o termo identificado com expressões como “Ministério da
Fazenda” e “Secretária da Fazenda”.
Já o sentido técnico processual de “Fazenda Pública” é mais amplo,
significando as próprias pessoas jurídicas de direito público interno em Juízo.
No magistério de Odete Medauar, quando a Administração atua na qualidade
de parte em ações judiciais, recebe a denominação de Fazenda Pública, “sob
27 Fundamentos do Processo Civil Moderno, p. 136.
36
o enfoque dos ônus patrimoniais da ação”28. Em igual sentido leciona Hely
Lopes Meirelles, para quem a Administração Pública, quando atua em juízo
através de suas entidades estatais, recebe a designação de Fazenda Pública,
“porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda”29.
Assim, em sentido técnico processual, a expressão “Fazenda Pública”,
refere-se à União, Estados, Municípios e ao Distrito Federal. A estes entes, a
doutrina acrescenta as autarquias, que também são pessoas jurídicas de
direito público, consideradas como uma continuidade (longa manus) do próprio
ente estatal que a criou. Também as fundações públicas, para aqueles que
admitem a existência de fundações com personalidade pública, incluem-se no
conceito de “Fazenda Pública”, dado seu caráter autárquico.
O motivo para determinar-se o alcance da expressão “Fazenda
Pública” está na identificação dos legitimados a gozar das prerrogativas
processuais conferidas aos seus entes integrantes. Embora exista em doutrina
entendimento (minoritário) de que as normas regradoras das prerrogativas da
Fazenda Pública seriam infringentes do princípio constitucional da isonomia, o
posicionamento mais consentâneo com o conceito de igualdade material
aponta para a legitimidade destas prerrogativas.
Sendo o Estado uma organização burocrática de alta complexidade,
que cuida, de forma simultânea, de interesses voltados às mais variadas áreas,
o tratamento processual diferenciado destinado à Fazenda Pública não
compromete o princípio constitucional da isonomia.
Dessa forma, quando é parte em ação judicial, a Fazenda Pública
desfruta de tratamento especial, que se traduz em determinadas prerrogativas,
não reconhecidas aos particulares. Estas prerrogativas, embora causem um
28 Direito Administrativo Moderno, p. 420.29 Direito Administrativo Brasileiro, p. 647.
37
desnivelamento entre as partes dentro do processo, têm sido consideradas
legítimas pela doutrina e jurisprudência dominantes.
Destarte, a Fazenda Pública goza de várias prerrogativas no campo
processual, como, por exemplo, o juízo privativo (no âmbito federal este juízo
privativo beneficia não apenas a União e as entidades autárquicas, mas
também as empresas públicas, a teor do art. 109, inc. I, da Constituição
Federal); prazos (que em favor da Fazenda Pública são mais dilatados,
conforme arts. 188 e 277 do Código de Processo Civil); pagamento de
despesas processuais (a teor do art. 27 do CPC, as despesas decorrentes de
atos processuais efetuados a requerimento da Fazenda Pública serão pagas
apenas ao final, pelo vencido, ficando também dispensada de preparo dos
recursos, conforme art. 511 do Código de Processo Civil; procedimento próprio
para a execução de seus créditos (Lei nº 6.830/80); possibilidade de obtenção
de medida liminar na ação de arresto sem justificação prévia (art. 816, inc. I, do
Código de Processo Civil).
Além destas, podem ainda ser citadas como prerrogativas processuais
da Fazenda Pública: o procedimento próprio para execução das condenações
da Fazenda Pública em pagamento de quantia certa (art. 100 da Constituição
Federal e art. 730 do Código de Processo Civil); o reexame necessário ou
duplo grau de jurisdição obrigatório das sentenças proferidas contra a
Fazenda Pública (art. 475, inc. II, do CPC); e o regime próprio quanto às
decisões proferidas contra si em caráter provisório (liminares e antecipações de
tutela).
Estas três últimas prerrogativas citadas têm sido apontadas como os
principais óbices à admissão do instituto da antecipaçao da tutela em face da
Fazenda Pública.
38
2.2 – Obstáculos legais e doutrinários opostos à antecipação
da tutela contra a Fazenda Pública
Com a introdução da antecipação da tutela, de forma genérica, no
ordenamento brasileiro, houve dúvidas e vacilações da doutrina no que se
refere à aplicabilidade do novel instituto quando demandada a Fazenda
Pública.
A tendência inicial entre os autores apontava para a não aceitação da
antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, e baseava-se,
essencialmente, em três argumentos principais: as disposições legais contidas
na Lei 8.437/92 (posteriormente abarcadas pela Lei 9.494/97); a exigência do
reexame necessário como condição de eficácia da decisão proferida contra a
Fazenda Pública (art. 475, inc. II, do CPC); e o regime próprio estabelecido
para o pagamento das condenações impostas à Fazenda Pública (art. 100 da
Constituição Federal e art. 730 do Código de Processo Civil).
Todavia, a doutrina mais moderna tem demonstrado que tais óbices
são superáveis, uma vez que a antecipação da tutela, como instituto
prestigiador do princípio da efetividade do processo, não deve sofrer tamanha
restrição.
Uma vez que o Estado é parte demandada em parcela expressiva dos
processos levados à apreciação dos órgãos jurisdicionais (basta verificar-se o
número de feitos que tramitam perante as Varas de Fazenda Pública, em nível
estadual, e também perante a Justiça Federal), defender a impossibilidade da
aplicação da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, significa, em
outros termos, negar a possibilidade de uma tutela célere e adequada quando
a Fazenda Pública figurar no pólo passivo da relação processual, ainda
quando presentes os pressupostos legais para a antecipação. Além do que, se
a antecipação de tutela é utilizável em face do particular, o próprio princípio
39
constitucional da isonomia não permite que, aprioristicamente, seja interditado
o seu uso quando demandada for a Fazenda Pública.
Afirma Marinoni:
“Ora, se o legislador infraconstitucional está obrigado, em
nome do direito constitucional à adequada tutela jurisdicional, a
prever tutelas que, atuando internamente no procedimento,
permitam uma efetiva e tempestiva tutela jurisdicional, ele não
pode decidir, em contradição com o próprio princípio da
efetividade, que o cidadão somente tem direito à tutela efetiva e
tempestiva contra o particular.
Dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a
Fazenda Pública em caso de “fundado receio de dano” é o mesmo
que afirmar que o direito do cidadão pode ser lesado quando a
Fazenda Pública é ré.”30
2.2.1 – As normas limitativas à efetividade dos provimentos
jurisdicionais contra a Fazenda Pública
Não é recente a tentativa de limitar-se legalmente a efetividade dos
provimentos jurisdicionais proferidos contra a Fazenda Pública. Antes da Lei
9.494/97, que teve origem na Medida Provisória nº 1.570, de 26 de março de
1997, pode-se identificar a existência de normas restritivas às liminares em
sede de mandado de segurança e ação cautelar nas Leis 2.770/56, 4.348/64,
5.021/66, 7.969/89, 8.076/90 e 8.437/92.
Tais restrições sempre estiveram, invariavelmente, ligadas a
determinada conjuntura econômica, como nos atesta Francisco Barros Dias.31
30 A Antecipação da Tutela, p. 218.31 Inconstitucionalidade de normas impeditivas de liminares. Revista de Processo, nº 59, p. 126.
40
A própria Lei 9.494/97, que procurou regular a antecipação da tutela contra a
Fazenda Pública, estendendo a ela determinadas restrições à concessão de
liminares, foi motivada pela discussão acerca de um reajuste concedido no ano
de 1993, no percentual de 28,86%, apenas aos servidores militares da União.
Com o advento do instituto da antecipação da tutela, houve quem
defendesse a impossibilidade da concessão da tutela antecipatória contra a
Fazenda Pública em função das vedações previstas na Lei 8.437/92.
Estas vedações contidas na Lei 8.437/92, que dizem respeito à
“medida liminar”, eram consideradas por parte da doutrina como não
extensíveis ao âmbito da tutela antecipada, uma vez que o significado mais
aceito do termo “liminar” é aquele que leva em conta exclusivamente o critério
topográfico, isto é, aquela decisão judicial proferida quando o demandante
ainda não teve oportunidade de defesa.32
Tal raciocínio, no entanto, não é suficiente para afastar a aplicação do
referido regramento no âmbito da antecipaçao da tutela, uma vez que o
significado do termo “liminar” – que apenas considera o momento da decisão –
não leva em conta o seu conteúdo. A decisão liminar é mais do que uma
decisão proferida initio litis, pois consiste em um provimento, de caráter
geralmente provisório, que possui o conteúdo, total ou parcial, da sentença
que decide a causa de forma defintiva.
Destarte, o sentido técnico mais adequado ao termo “liminar” é aquele
que leva em conta não apenas o critério topográfico, mas também seu
conteúdo, não devendo, portanto, ser limitado o conceito de “liminares”
àqueles provimentos judiciais proferidos quando o demandado ainda não teve
oportunidade de defesa, mas a qualquer provimento que tenha conteúdo
antecipatório do provimento final que neles está contido. Dessa forma, o
32 Neste sentido, Eduardo Talamini, Nota sobre as recentes limitações legais à antecipação da tutela. In: Aspectos Polêmicos da tutela antecipada (obra coletiva), p. 126.
41
conceito de liminar deve ser o de provimento jurisdicional proferido no curso do
processo, no qual se antecipam os efeitos da tutela postulada pelo
demandante, independente do momento em que venha se manifestar o
demandado.
Neste sentido é que devem ser interpretados os dispositivos da Lei
8.437/92, que buscou restringir a eficácia das liminares não por serem
provimentos proferidos em determinado momento do processo, mas sim por
serem provimentos que antecipam o conteúdo do provimento jurisdicional
definitivo.
Essa discussão que então se travava, quanto à aplicação ou não das
restrições contidas na Lei 8.437/92 à antecipação da tutela, restou superada
com o advento da Medida Provisória 1.570, de 26 de março de 1997,
posteriormente convertida na Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997, que veio
disciplinar a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, ocasião
em que o legislador expressamente estendeu à tutela antecipada as restrições
previstas para as medidas liminares na Lei 8.437/92.
O art. 1º , da Lei 9.494/97, parte que interessa a esse estudo, está
assim redigido:
“Art. 1º . Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts.
273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e
seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no
art. 1º e seu par. 4º da Lei 5.021, de 9 de junho 1966, e nos arts.
1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992.”
Para uma análise mais pormenorizada, faz-se mister o estudo dos
dispositivos legais citados no art. 1º da Lei 9.494/97. Assim, o art. 5º , caput, da
Lei 4.348/64 e o art. 1º , par. 4º, da Lei 5.021/66, rezam que é vedada a
42
concessão de medida liminar visando à reclassificação ou equiparação dos
servidores públicos, ou a concessão de aumento ou extensão de vantagens.
O art. 5º, par. único, da Lei 4.348/64 dispõe, sinteticamente, que a
execução do provimento final de procedência de pedidos acerca destas
matérias só pode ocorrer depois do trânsito em julgado.
O art. 7º da Lei 4.348/64, afirma que o recurso voluntário ou o reexame
necessário da decisão que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda
reclassificação funcional terá efeito suspensivo.
O art. 1º, caput, da Lei 5.021/66, dispõe que o pagamento de
vencimentos ou vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença final, a
servidor público federal, da administração direta e autárquica, e a servidor
público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às
prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.
Dispõe o art. 1º da Lei 8.437/92 que “não será cabível medida liminar
contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer
outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência
semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança,
em virtude de vedação legal” (art. 1º ). Estabelece ainda que, salvo em se
tratando de ação popular e ação civil pública (art. 1º, par. 2º ), “não será
cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou sua liminar,
quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via do mandado de
segurança, à competência originária do Tribunal” (art. 1º , par. 1º ). Nos termos
do par. 3º do art. 1º , “não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou
em parte, o objeto da ação”. O art. 2º trata da concessão de liminar em
mandado de segurança coletivo e em ação civil pública, dispondo que, se
cabível a medida, somente poderá ela ser concedida ”após a audiência do
representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se
pronunciar no prazo de setenta e duas horas”. O art. 3º estabelece que “o
43
recurso voluntário ou ‘ex officio’, interposto contra sentença em processo
cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes,
que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação
funcional, terá efeito suspensivo”. E, finalmente, o art. 4º trata dos casos e das
condições em que, por decisão do presidente do tribunal, é possível
suspender “a execução da liminar nas ações movidas contra o poder público
ou seus agentes”, bem como da sentença “proferida em processo de ação
cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública,
enquanto não transitada em julgado” (art. 4º e par. 1º ).
Antes de adentrar à análise da constitucionalidade destas normas
limitativas da eficácia do provimento jurisdicional em face da Administração,
convém algumas observações específicas sobre alguns destes dispositivos
legais.
Um dos dispositivos citados que carece de viabilidade lógica para
aplicação no âmbito da antecipaçao de tutela é o dispositivo previsto no art. 1º,
caput, da Lei 5.021/66. De fato, sendo dispositivo previsto para aplicação no
restrito âmbito do mandado de segurança, carece de sentido quando se tenta
transplantá-lo para o processo comum de conhecimento. Ora, quando se
estabelece que as vantagens pecuniárias de servidores só abrangerão os
valores que se vencerem a partir do ajuizamento da inicial, apenas se está
limitando o âmbito de aplicação do mandado de segurança, que não se presta
como substitutivo de ação de cobrança de valores pretéritos, nos termos da
Súmula 271 do STF. Assim, os valores anteriores ao ajuizamento do mandado
de segurança deverão ser pleiteados pela ação judicial apropriada, que, no
caso, é ação de conhecimento condenatória.
Como a antecipaçao da tutela ocorre exatamente no âmbito do
processo de conhecimento de rito comum, a aplicação desse dispositivo
quanto à antecipação da tutela inviabiliza totalmente a cobrança destas
vantagens pecuniárias de servidores públicos anteriores ao ajuizamento da
44
ação de conhecimento. Tais parcelas, caso esta regra seja aplicada em sede
de processo de conhecimento, tornar-se-iam incobráveis.
Ora, como a aplicação de uma regra jurídica não pode levar a
conclusões absurdas, somos levados a concluir pela total inaplicabilidade do
art. 1º, caput, da Lei 5.021/66, em sede de antecipaçao de tutela.
Também se demonstra inviável a aplicação do art. 5º, par. único, da Lei
4.348/64, que condiciona a execução da sentença ao trânsito em julgado
quando a decisão tiver por objeto as matérias mencionadas na referida lei. Em
princípio, esse dispositivo não guarda nenhuma relação com a decisão
concessiva de antecipaçao da tutela, mas sim com o provimento final. Tal
regra, que parece vedar a execução provisória da sentença final de
procedência, incluída entre as hipóteses previstas na referida lei, quando
aplicada à antecipação de tutela, causa o questionamento sobre a
possibilidade de execução provisória naqueles casos em que não for
concedida a antecipaçao. A conclusão é que a concessão (ou não) da
antecipação da tutela não constitui um parâmetro que condicione a eficácia da
sentença final, pelo que este dispositivo também carece de viabilidade lógica,
conforme bem argumentado por Eduardo Talamini.33
Entre as restrições impostas pela Lei 8.437/92 relacionadas à tutela de
urgência contra o Poder Público, está o novo regime jurídico do pedido de
suspensão de liminares proferidas em face da Fazenda Pública, disciplinado
no art. 4º e parágrafos da lei referida.
Não resta qualquer dúvida que estes novos dispositivos prevendo a
suspensão da execução de liminares, tutelas antecipadas e também
sentenças, conferem aos legitimados (em especial a Fazenda Pública) a
possibilidade de socorrer-se dos tribunais superiores sem as dificuldades
decorrentes da interposição de um recurso especial ou extraordinário,
33 Nota sobre as recentes limitações legais à antecipação da tutela. In: Aspectos Polêmicos da tutela antecipada (obra coletiva), pp. 129-130.
45
significando a criação, por vias transversas, de verdadeiros recursos a estes
tribunais sem qualquer previsão constitucional, uma vez que os arts. 102 e 105
da Constituição Federal, que regularam de forma exaustiva a matéria, não
previram qualquer recurso ou revisão de atos monocráticos de membros de
tribunais de segundo grau de jurisdição.
Destarte, tais suspensões significam evidentes óbices à tutela de
urgência em face da Fazenda Pública, uma vez que as decisões concessivas
de tutela de urgência, mesmo presentes os requisitos para sua concessão,
poderão ser questionadas não apenas através de agravos, mas também
através de pedidos de suspensão decididos monocraticamente por
presidentes de tribunais de segundo grau e presidentes de tribunais
superiores, em afronta ao princípio do juiz natural, e multiplicando a
possibilidade de reforma da decisão concessiva da tutela antecipada, não
apenas pelo maior número de “recursos” a esta decisão, mas também porque
a presidência de tribunal (superior ou de segundo grau de jurisdição) confere
necessariamente atribuições políticas inerentes à própria condição de
representante do Poder Judiciário, o que implica a adição de um componente
político absolutamente indesejável na apreciação das medidas de urgência
proferidas contra o Poder Público.
2.2.2 – A questão da constitucionalidade das limitações
infraconstitucionais à antecipação da tutela e a Ação
Declaratória de Constitucionalidade nº 4
No que diz respeito à constitucionalidade das normas restritivas à
concessão de liminares, muitos doutrinadores sustentam que tais vedações
são inconstitucionais, quer sob o aspecto formal (uma vez que a restrição à
concessão de liminares se deu, inicialmente, por meio de medidas provisórias,
que não conteria os requisitos de urgência e relevância), quer sob o aspecto
material (tendo em vista que tais limitações impedem o amplo acesso à
46
justiça, ferindo o princípio constitucional da inafastabilidade do controle
jurisdicional, previsto no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal, onde se
busca proteger não apenas a lesão a direito, mas também a “ameaça a direito”,
demonstrando que as tutelas de urgência também estão garantidas
constitucionalmente).
Há também o posicionamento doutrinário que defende a
constitucionalidade de tais restrições, desde que observados certos
parâmetros. A razão, a nosso ver, está com estes.
Teori Albino Zavascki argumenta que, da mesma forma que é
constitucional que o legislador possibilite a concessão de tutela provisória,
baseada em cognição sumária, sem esgotar o direito ao contraditório e a ampla
defesa, também seria constitucional que o legislador ordinário restringisse o
poder do juiz em deferir medidas liminares, considerando que os direitos dos
litigantes não são absolutos. Afirma o autor:
“Os direitos dos litigantes, acima enunciativamente
indicados, apesar de considerados fundamentais pela
Constituição, não são, todavia, direitos absolutos. Em
determinadas circunstâncias e sob certas condições, podem vir
sofrer restrição, seja pelo juiz que os aplica, seja pelo legislador
que regulamenta o seu exercício. A relatividade desses direitos
decorre, basicamente, da necessidade de propiciar, no campo
prático, a convivência harmônica e simultânea de todos eles.”34
E prossegue afirmando:
“Ao disciplinar os mecanismos jurisdicionais de outorga de
tutela provisória, está o legislador ordinário submetido à tração
34 Antecipação da Tutela, p. 186.
47
de duas forças com direção oposta: de um lado, a da preservação
da efetividade da jurisdição e de outro, a do resguardo da
segurança jurídica. A ampliação dos mecanismos de tutela
provisória importa dar prevalência à primeira destas forças, em
prejuízo da segunda; sua restrição opera fenômeno inverso.
Manter o equilíbrio entre elas e operar restrições dentro de limites
razoáveis, eis o desafio que é posto ao legislador ordinário.
Para se desincumbir legitimamente dessa missão, a
norma restritiva há de atentar para três princípios, já estudados e
agora relembrados:
a) o princípio da necessidade, segundo o qual a limitação
somente será legítima quando for efetivamente necessária, ou
seja, quando operar em situação de real conflito entre direitos
fundamentais de mesma hierarquia;
b) o princípio da menor restrição possível, segundo o qual
a restrição imposta há de se operar em limites razoáveis, não
mais extensos que os necessários à formulação de regra
solucionadora do conflito;
c) princípio da salvaguarda do núcleo essencial, segundo
o qual a regra de solução do conflito não será legítima quando, a
pretexto de harmonizar direitos conflitantes, acabar eliminando um
deles ou retirando dele a sua substância elementar.
É, pois, à luz desses parâmetros que deve ser encontrada
resposta para a primeira das questões formuladas: em princípio,
não é inconstitucional a restrição, firmada em lei ordinária, à
48
concessão de medidas liminares antecipatórias, desde que na
formulação da regra limitativa sejam observados os princípios
acima enunciados. Juízos definitivos sobre a legitimidade da
concessão ou da restrição à concessão de liminares certamente
não dispensam o exame particular da colisão de direitos
fundamentais concretamente verificada.” 35(grifos nossos)
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem se posicionado, ainda
que em cognição sumária, pela constitucionalidade das restrições à
antecipaçao da tutela. Em sessão plenária realizada em 16-04-1997, o Pretório
Excelso concedeu liminar na ADIn nº 1.576-1, exclusivamente para suspender
a eficácia do preceito da Medida Provisória nº 1.570 que impunha a prestação
de caução para a concessão de medidas de urgência que pudessem gerar
danos às pessoas jurídicas de direito público (art. 2º ), tendo sido indeferido o
pedido de suspensão cautelar dos demais dispositivos restritivos à concessão
da tutela antecipada.
Posteriormente, com a conversão da Medida Provisória nº 1.570 na Lei
9.494/97, o Presidente da República e as mesas diretoras da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal ingressaram com a Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) nº 4, com o objetivo de obter provimento
jurisdicional, junto ao Supremo Tribunal Federal, que impedisse a concessão,
pelos demais órgãos do Poder Judiciário, de tutela antecipada nos casos
disciplinados pela referida lei, uma vez que a decisão proferida em ação
declaratória de constitucionalidade possui efeito vinculante erga omnes.
Em 11-02-1998, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu em
parte o pedido de medida cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade
nº 4, suspendendo, com efeito vinculante e eficácia ex nunc, até final
julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela
35 Antecipação da Tutela, pp. 187-188.
49
antecipada contra a Fazenda Pública que tenha por pressuposto a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97. O
argumento utilizado pelo relator foi de que a Lei 9.494/97 não viola o princípio
do acesso ao Judiciário.
Por conseqüência, tendo a Ação Declaratória de Constitucionalidade
nº4, ainda que em cognição sumária, decidido pela constitucionalidade do art.
1º, da Lei 9.494/97, tornou-se impossível a concessão de tutela antecipada
contra a Fazenda Pública que tenha por pressuposto a inconstitucionalidade
do referido art. 1º da Lei 9.494/97.
Cabe, portanto, aos aplicadores do direito, buscarem outras soluções,
no campo da hermenêutica jurídica, tendo sempre em vista o princípio
constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV),
como direito à prestação jurisdicional efetiva e adequada, que é corolário de
um Estado Democrático de Direito.
Uma solução alvitrada é a que prega que estas normas limitadoras de
concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública não deveriam ser
aplicadas, necessariamente, em todo e qualquer litígio, pois em se tratando de
tensão entre valores jurídicos igualmente relevantes, como o direito à
prestação jurisdicional efetiva e adequada, de um lado, e, a segurança jurídica
e o risco de danos ao interesse público, de outro, esta aferição apenas poderia
ser realizada em concreto, e não em abstrato, de acordo com as
peculiaridades inerentes a cada caso submetido à apreciação do Poder
Judiciário.
Assim, é plenamente defensável que o magistrado pode deixar de
aplicar a norma declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal,
desde que o fundamento não seja o de sua inconstitucionalidade, como é o
caso de sua não aplicação ao caso concreto, em vista das peculiaridades
50
inerentes a este, que não se subsumiriam ao comando da norma declarada
constitucional.
Daí que pode ser dada a liminar antecipatória mesmo nos casos
regrados pelo Lei 9.494.97, dando-se a declaração incidenter tantum de
inconstitucionalidade, desde que por motivo diverso do princípio da
inafastabilidade da prestação jurisdicional.
Assim é que é possível a tutela antecipada contra a Fazenda Pública
sempre que não se trate de hipóteses reprimidas pela Lei 9.494/97, e, mesmo
nelas, desde que sua inconstitucionalidade não diga respeito aos mesmos
fundamentos da ADC 4.
E tais situações não são difíceis de ocorrer. Muito ao contrário, uma
vez que as limitações, em sua maior parte, adstringem-se ao tema servidores
públicos e seus rendimentos e vantagens pecuniárias. Esta exegese não pode
ser estendida (porque normas restritivas devem ser interpretadas
restritivamente, como bem sabido) para outros temas.
Certo é que, tendo a Lei 9.494/97 previsto as hipóteses em que a
antecipação de tutela não poderia ser deferida, acabou por reconhecer, a
contrario sensu, o cabimento da antecipação da tutela contra a Fazenda
Pública nas hipóteses não vedadas no texto legal.
Acabou por, indiretamente, superar as limitações genéricas a toda
espécie de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, como o óbice
do reexame necessário, pois se este impedisse a concessão da tutela
antecipada, não haveria necessidade alguma de se editar um diploma
específico para restringir a incidência da antecipação de tutela em face da
Fazenda Pública.
51
2.2.3 – O óbice do reexame necessário
Parte expressiva da doutrina opõe como obstáculo à aceitação da
tutela antecipada contra a Fazenda Pública a questão da eficácia da decisão,
em função do disposto no art. 475, inc. II, do Código de Processo Civil, que
prevê o reexame necessário das sentenças proferidas contra a Fazenda
Pública.
Para superar o obstáculo do art. 475, inc. II, do CPC, João Batista
Lopes36 apresenta como argumento o fato de que este dispositivo legal refere-
se, de maneira expressa, à sentença, e não à decisão interlocutória. Tal
argumento, no entanto, é frágil e insuficiente, e, mais grave, pode levar a
errôneas conclusões.
Como demonstra Luiz Guilherme Marinoni, este argumento poderia
levar ao raciocínio, equivocado, de que o art. 475, inc. II, do Código de
Processo Civil, impediria a execução imediata de sentença contra a Fazenda
Pública, mas não impediria esta execução imediata em sede de tutela
antecipada. Afirma Marinoni:
“Não parece ser adequado o argumento contrário que
lembra que o artigo 475 fala em sentença e não em decisão e que,
portanto, é somente a sentença que não pode produzir efeitos
antes de confirmada pelo Tribunal. Tal linha de raciocínio levaria à
conclusão, absolutamente absurda, de que o artigo 475 poderia
impedir – em um sistema que tem como regra a execução
imediata da sentença – a execução imediata contra a Fazenda,
mas não a tutela antecipada.”37
36 Tutela antecipada e o art. 273 do CPC. In: Aspectos Polêmicos da Tutela Antecipada (obra coletiva), pp. 214/215.37 A Antecipação da Tutela, p. 219.
52
De fato, entender-se que o reexame necessário das sentenças
proferidas contra a Fazenda Pública, após o advento do instituto da
antecipação da tutela, impediria a sua imediata execução, não condiz com a
interpretação sistemática de nosso ordenamento jurídico, pelo mesmo motivo
de que não se pode falar em impossibilidade de antecipação de tutela
proferida contra o particular de sentença final possa ser interposta apelação
recebida no duplo efeito.
Por outro lado, seria absolutamente iníquo se o sistema processual
impedisse a efetivação imediata de uma sentença de procedência em face da
Fazenda Pública, originada de cognição plena e exauriente, fundada em juízo
de certeza (ainda que sujeita a reexame pelo tribunal), e permitisse esta
efetivação imediata através de medida liminar, proferida em sede de
antecipação de tutela, originada de cognição sumária, fundada em mero juízo
de verossimilhança.
Assim, não basta afastar o art. 475, inc. II, do CPC através de uma
simplista interpretação restritiva do dispositivo legal, pois isto poderia levar à
conclusão equivocada e absurda de que o menos (cognição sumária em juízo
de verossimilhança) seria mais efetivo que o mais (cognição plena e exauriente
em juízo de certeza).
Vale lembrar que os efeitos da sentença ainda não recorrida, proferida
contra a Fazenda Pública, igualam-se aos efeitos da sentença proferida contra
particular na qual foi interposta apelação com efeito suspensivo. Embora o
recebimento da apelação com o duplo efeito, em nossa sistemática processual,
seja a regra, tal fato não pode impedir a aplicação da tutela antecipada, sob
pena de se tornar o instituto inócuo.
Ao criar o instituto da antecipação da tutela, o legislador, como antes já
referido, procurou harmonizar os princípios da efetividade da jurisdição e da
segurança jurídica. Destarte, os arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil
53
não são criações isoladas, mas integram-se ao sistema jurídico, obrigando a
uma releitura de todo o sistema processual.
Como o recebimento da apelação, em seu duplo efeito, não impede a
antecipação da tutela e a execução imediata de sentença proferida contra o
particular, da mesma forma, a sentença proferida contra a Fazenda Pública
não pode afastar a possibilidade de antecipação da tutela, pois seus efeitos
são exatamente os mesmos.
Aceitar-se o contrário significa inviabilizar o instituto da antecipação da
tutela. Não se pode admitir que a possibilidade de submissão ao reexame
necessário impeça a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional, sob
pena de perecimento de direitos.
Outro argumento para afastar o reexame necessário como óbice à
tutela antecipada contra a Fazenda Púbica é o que estabelece uma
comparação com as medidas liminares em mandado de segurança. De fato, é
nítida a natureza antecipatória das liminares concedidas em mandado de
segurança, onde são antecipados os efeitos do julgamento do mérito da
segurança. A tutela antecipada em face da Fazenda Pública, nas ações de
conhecimento, é muito semelhante à liminar em mandado de segurança.
Não obstante, jamais se contestou a eficácia das medidas liminares em
mandado de segurança, sob o argumento de que estas deveriam sujeitar-se
ao reexame necessário – previsto especificamente na Lei 1.533/51, em seu art.
12 – e serem confirmadas pelo tribunal. Não há, portanto, que se confundir
reexame necessário com óbice ao cumprimento provisório da sentença ou com
obstáculo à efetivação da tutela antecipada.
Vejamos o afirmado por Teori Albino Zavascki:
54
“É que nestes casos, conforme anotamos anteriormente
(Capítulo V, 7), o reexame necessário há de ser compatibilizado
com a decisão antecipatória, devendo ser realizado sem prejuízo
da execução das providências dela decorrentes. Aliás, é
exatamente isso o que ocorre na ação de mandado de segurança,
na qual, além da ampla viabilidade de concessão de medidas
liminares – cuja natureza é evidentemente antecipatória – o
reexame necessário não impede a execução provisória da
sentença de procedência (parágrafo único do art. 12, da Lei n.
1.533, de 31-12-1951)”.38
2.2.4 – A antecipação da tutela em face da Fazenda Pública e
o óbice constitucional do art. 100 da Constituição Federal
Superados os obstáculos infraconstitucionais, pode-se vislumbrar
inúmeras hipóteses de cabimento da concessão de tutela antecipada em face
da Fazenda Pública, como a antecipação da tutela declaratória ou dos efeitos
dela decorrentes; a antecipação da tutela condenatória de entrega de coisa
certa ou incerta; e quanto às, obrigações de fazer e não fazer, a antecipação
da tutela mandamental.
No entanto, resta ainda o argumento de que a antecipação dos efeitos
da tutela das condenações em pagar quantia, proferidas em face da Fazenda
Pública, apenas poderia ocorrer através do instituto dos precatórios
requisitórios de pagamento, óbice de matriz constitucional (art. 100 da
CF/88), cujo procedimento é regulado pelos arts. 730 e 731 do Código de
Processo Civil.
Teori Albino Zavascki afirma que:
38 Antecipação da Tutela, p.178.
55
“Igualmente não constitui empecilho à concessão da
medida antecipatória a disposição do art. 100 da Constituição, que
condiciona ao trânsito em julgado o pagamento dos créditos
contra a Fazenda Pública, decorrentes de “sentença judiciária”,
sejam o s sujeitos a regime de precatório (par. 1º), sejam os
demais, de pequeno valor, dispensados desse regime (par. 3º). É
que o modo de execução ali estabelecido diz respeito
exclusivamente às obrigações de pagar quantia certa objeto de
condenação (portanto, já vencidas). Relativamente a todas a
demais obrigações e deveres (fazer, não fazer, entregar coisa), a
Fazenda Pública sujeita-se ao regime executivo comum aplicável
às pessoas e instituições de direito privado, inclusive no que se
refere à execução provisória.”39
Destarte, a posição doutrinária majoritária é aquela que não dispensa o
regime dos precatórios quanto à antecipação da tutela em face da Fazenda
Pública, quando esta é condenada ao pagamento de determinada quantia,
exceto nos casos de condenação em pequeno valor, nos termos do parágrafo
3º do art. 100 da Constituição Federal, regulamentado pelo art. 17 da Lei
10.259/01, caso em que a efetivação da tutela antecipada deferida deverá
observar o procedimento ali estatuído.
2.3 – O posicionamento jurisprudencial com relação à
antecipação da tutela em face da Fazenda Pública
A controvérsia jurídica quanto ao cabimento da tutela antecipada em
face da Fazenda Pública pode ser aferida através de decisões prolatadas,
tanto em primeiro grau de jurisdição, como nos tribunais, sendo que há
decisões tanto no sentido de sua concessão, quanto no sentido da negativa.
39 Antecipação da Tutela, p. 178.
56
Analisando-se a evolução das decisões dos tribunais federais sobre a
antecipaçao de tutela em face da Fazenda Pública, pode-se observar inúmeros
precedentes no sentido de admitir-se a antecipação, entendendo que o óbice
do reexame necessário das sentenças pelos tribunais não constitui obstáculo
para sua concessão, desde que presentes os requisitos ou pressupostos
previstos no art. 273 do Código de Processo Civil
Observa-se também que grande parte das antecipações concedidas
referem-se à compensação de tributos. Vejamos:
“Processual civil – Agravo de Instrumento – Pedido de
antecipação de tutela para compensação de crédito de valores
recolhidos a título do PIS, por força dos Decretos-leis 2.445/88 e
2.449/88, no pagamento de outros tributos da mesma espécie –
agravo conhecido e provido.
I – A extinção de crédito tributário, por meio de compensação, é
direito reconhecido pelo Código Tributário Nacional. Assim, desde
que compatível, poderá a agravante realizar a operação.
II – A Fazenda Nacional dispõe de meios coercitivos próprios para
coibir qualquer compensação indevida, não sendo, por isso,
prejudicado o erário com o deferimento da antecipaçÀo de tutela.
III – Agravo conhecido e provido.”40
“Processo Civil. Antecipação de tutela. Reexame necessário.
Dispensa. Concessão contra ente de direito público.
Irreversibilidade. Princípio da proporcionalidade.
40 TRF 2ª Região, Agravo de Instrumento 0208071, 1ª Turma, Juiz Relator Ney Fonseca, decisão de 04-06-96, DJU de 14-08-97.
57
1 – A eficácia da decisão de antecipação dos efeitos da tutela
pretendida não está sujeita ao reexame necessário pela instância
superior.
2 – Malgrada a possibilidade de irreversibilidade dos efeitos
deferidos no provimento antecipatório, à luz do princípio da
proporcionalidade, mesmo contra a Fazenda Pública, podem se
antecipados os efeitos da tutela se dentre os valores jurídicos
colidentes no caso in concreto, avultar que mal maior se produzirá
pelo seu indeferimento. Ademais, no cso se encontra superada a
impossibilidade de retorno ao status quo ante pela caução
determinada na decisão concessiva da antecipação de tutela.”41
“Processual Civil e tributário. Antecipação da tutela contra a
Fazenda Pública. Financiamento por plano de seguridade social
dos servidores públicos federais. Liminar do STF na ADC 04/98.
1 – O instituto da antecipação da tutela (art. 273, CPC) deve ser
homenageado pelo juiz quando os pressupostos essenciais
exigidos para a sua concessão se tornarem presentes.
2 – Tutela antecipada concedida para suspender contribuições
previdenciárias que se revoga, face o pronunciamento do
Supremo Tribunal Federal na medida liminar da ação declaratória
de constitucionalidade (ADC 4), em sessão plenária do dia 11-02-
98, impedindo a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda
Pública.
3 – Recurso provido.”42
“Administrativo e Processual Civil. Unidade Real de Valor. Ação
Declaratória de Constitucionalidade. Efeito vinculante.
41 TRF 4ª Região, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 0425636, 6ª Turma, Juiz relator Carlos Sobrinho, decisão de 26-08-97, DJU de 10-09-97.
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1 – A despeito de entender presente a verossimilhança do direito,
o fato do Egrégio Supremo Tribunal Federal ter decidido, em Ação
Declaratória de Constitucionalidade, pela impossibilidade da
concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando
a ação versar acerca de pagamento de vantagens a servidores,
impede a concessão de tal medida, face ao efeito vinculante
expresso no art. 102, par. 2, da CF-88.
2 – Agravo improvido.”43
“Agravo de Instrumento. Decisão que, em ação ordinária movida
por portadores de AIDS contra o Estado, defere tutela antecipada
aos autores, para que recebam os medicamentos necessários.
Não viola o art. 1º da Lei 9.494/97, nem se rebela contra o
decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória
nº 4, a decisão que, em tal caso, concede a tutela antecipada.
Direito à vida. Art. 196 da Constituição Federal e 284 da
Constituição Estadual. Alcance da decisão da Excelsa Corte.
Sustação de tutelas antecipatórias de benefícios e vantagens
pleiteados por funcionários públicos, de indenizações e de outras
postulações que possam acarretar imediato prejuízo a Fazenda
Pública. Agravo desprovido. Voto vencido. Vencido o Dês. Miguel
Ângelo Barros.”44
Verifica-se, destarte, que o posicionamento jurisprudencial com relação
à antecipação da tutela em face da Fazenda Publica – refletindo as vacilações
da doutrina quanto ao tema – está longe de ser pacificado.
42 Superior Tribunal de Justiça, Resp 165880/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, decisão de 05-05-98, DJU de 03-08-98.43 TRF 4ª Região, Agravo de Instrumento 0404604-0, 3ª Turma, Juíza Relatora Marga Inge Barth Tessler, decisão de 16-04-98, DJU de 06-05-98.44 TJRJ, Agravo de Instrumento 1998.002.1849, 17ª Câmara Civil, Desembargador Relator Fabrício Bandeira, v.m. decisão em 20-05-1998.
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CONCLUSÕES
1) No seu estágio inicial de desenvolvimento, a ciência processual
acabou se distanciando da realidade fática, principalmente no que concerne a
uma prestação jurisdicional efetiva e tempestiva, o que gerou a necessidade
de novos institutos jurídicos, que respondessem aos reclamos da sociedade
contemporânea por uma justiça mais célere.
2) A transformação da ciência processual, para se adequar às
demandas do mundo contemporâneo, abrange três aspectos principais: o
aspecto da busca da efetividade; o aspecto da coletivização, com o processo
proporcionando resposta aos interesses metaindividuais; e o aspecto da
internacionalização, com a presença cada vez mais intensa de elementos
internacionais no processo, cada vez mais permeável à influência do direito
estrangeiro.
3) Do ponto de vista da efetividade, avulta em importância a criação do
instituto da antecipação da tutela, pela Lei 8.952/94, que alterou a redação dos
arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil.
4) Nosso sistema processual, tradicionalmente, sempre foi
extremamente protetor do direito de defesa do litigante demandado, o que
implicava que a disciplina da solução dos litígios ocorresse apenas após
realizada a cognição plena e exauriente.
5) Com o advento da antecipação da tutela (e das chamadas “tutelas
diferenciadas”) há uma mudança de perspectiva na ciência processual, com
maior equidade na distribuição do ônus do tempo no processo, onde passa a
se valorizar também a situação do autor, que não mais necessita esperar a
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sentença definitiva para obter os efeitos da tutela final, ainda que
provisoriamente, quando presentes os pressupostos legais.
6) A antecipação da tutela tem natureza jurídica satisfativa, uma vez
que antecipa os efeitos próprios da futura sentença de mérito.
7) A antecipação de tutela possui pressupostos genéricos
indispensáveis: a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, que
devem ser interpretados não como prova de verdade absoluta, mas como
prova segura, que aproxime o juízo de probabilidade da cognição sumária ao
juízo de verdade da cognição exauriente.
8) A antecipação da tutela também possui pressupostos alternativos: o
“receio de dano irreparável ou de difícil reparação” ou o “abuso de direito de
defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”, representando o primeiro o
periculum in mora, e traduzindo o segundo a utilidade da pretensão a ser
assegurada no processo através de medida de natureza sancionatória.
9) A interpretação que deve ser dada à regra da reversibilidade fática
da antecipação da tutela comporta atenuações, não devendo ser interpretada
de modo rígido.
10) A lei, ao regular a antecipação da tutela, não se refere à
antecipação do próprio provimento final, mas sim à antecipação dos efeitos
deste provimento final.
11) É possível a antecipação dos efeitos decorrentes das tutelas
declaratória e constitutiva, quando houver necessidade de se tutelar um direito
que dependa de uma sentença declaratória ou de uma sentença constitutiva,
uma vez que não se antecipa o próprio provimento jurisdicional em si, isto é, a
própria sentença declaratória ou condenatória (o pedido imediato), mas sim os
efeitos destas sentenças no plano dos fatos (o pedido mediato).
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12) A tutela antecipada possibilita a harmonização entre os princípios
da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica, que apresentam, com
freqüência, aspectos de colisão, que necessitam ser compatibilizados.
13) Assim como o princípio da segurança jurídica não pode ser
privilegiado em relação ao princípio da efetividade da jurisdição, a efetividade,
por outra parte, não pode afastar a segurança na prestação do serviço
jurisdicional. O dispositivo legal que proíbe a irreversibilidade do provimento
antecipado contribui sobremaneira para a compatibilização entre estes
princípios.
14) O sentido técnico-processual de “Fazenda Pública” se traduz
como as próprias pessoas jurídicas de direito público interno em Juízo, e inclui
a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias e
fundações públicas.
15) A Fazenda Pública em Juízo desfruta de tratamento especial
diferenciado, em princípio legítimo, explicável pela natureza dos interesses que
defende e pela complexidade de sua estrutura burocrática.
16) Entre as prerrogativas processuais da Fazenda Pública destacam-
se: o juízo privativo; prazos mais dilatados; procedimento próprio para
execução de seus débitos; entre outras, sendo que três destas prerrogativas
têm sido apontadas como óbices à admissão do instituto da tutela antecipada
em face da Fazenda Pública: o procedimento próprio para execução das
condenações da Fazenda Pública em pagamento de quantia certa, o reexame
necessário das sentenças contra ela proferidas, e o regime legal próprio a que
se submetem as decisões proferidas contra a Fazenda Pública em caráter
provisório.
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17) A tentativa de se limitar legalmente a efetividade dos provimentos
jurisdicionais proferidos contra a Fazenda Pública é uma constante em nossa
história, e sempre esteve ligada a determinada conjuntura econômica.
18) As normas limitativas de uma efetividade maior às decisões
proferidas contra o Poder Público, embora possam ser consideradas
constitucionais, não devem ser aplicadas, necessariamente, em todos os
casos, pois em se tratando de conflito de valores jurídicos igualmente
relevantes, como a prestação jurisdicional efetiva e adequada, e a segurança
jurídica e o risco de danos ao interesse público, esta aferição apenas poderia
ser realizada em concreto, e não em abstrato, de acordo com as
peculiaridades inerentes a cada caso submetido à apreciação do Poder
Judiciário.
19) A Fazenda Pública sujeita-se, em princípio, ao regime comum da
antecipaçao da tutela, todavia, são-lhe aplicáveis as restrições à concessão de
liminares previstas na Lei 8.347/92, por força do art. 1º da Lei 9.494/97, de
modo que é vedado antecipar tutela em procedimento comum nos casos em
que, por disposição de lei, for vedado o deferimento de liminar em mandado de
segurança; é vedado conceder antecipação de tutela para suspender ato de
autoridade sujeita, na via do mandado de segurança, à competência originária
do tribunal.
20) Com a concessão de medida liminar na ADC 4 pelo E. Supremo
Tribunal Federal, ficou impossibilitado o deferimento de tutela antecipada
contra a Fazenda Pública que tenha por pressuposto a inconstitucionalidade
do art. 1º da Lei 9.494/97, sob o fundamento de afronta ao princípio do acesso
à justiça.
21) A Lei 9.494/97, no intuito de determinar as hipóteses em que a
tutela antecipada contra a Fazenda Pública não pode ser deferida, acabou por
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reconhecer, a contrario sensu, o cabimento da antecipação da tutela nas
hipóteses não vedadas pelo texto legal.
22) Assim como o recebimento da apelação em seu duplo efeito não
impede a tutela antecipada concedida em face do particular, da mesma forma,
o reexame necessário não pode impedir a execução da tutela antecipada em
face da Fazenda Pública, pois seus efeitos são absolutamente os mesmos.
23) Jamais foi contestada a eficácia das medidas liminares em
mandado de segurança, sob o argumento de que estas deveriam se sujeitar
ao reexame necessário, embora, tal qual a tutela antecipada, seja patente a
natureza antecipatória das liminares concedidas em mandado de segurança.
24) Observa-se o regime dos precatórios quanto à antecipação da
tutela em face da Fazenda Pública, quando esta é condenada ao pagamento
de determinada quantia, exceto nos casos de condenação em pequeno valor,
nos termos do parágrafo 3º do art. 100 da Constituição Federal,
regulamentado pelo art. 17 da Lei 10.259/01, caso em que a efetivação da
tutela antecipada deferida deverá observar o procedimento ali estatuído.
25) Pode-se vislumbrar inúmeras hipóteses de cabimento de
concessão de tutela antecipada em face da Fazenda Pública, como a
antecipação da tutela declaratória ou efeitos dela decorrentes; a antecipação
da tutela constitutiva ou dos efeitos dela decorrentes; a antecipação da tutela
condenatória de entrega de coisa certa ou incerta; a antecipação da tutela
mandamental.
26) A decisão que antecipa tutela contra pessoa jurídica de direito
público pode ter sua execução suspensa pelo presidente do tribunal ao qual
couber o conhecimento do respectivo recurso, desde que presentes dois
requisitos: primeiro, o manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade da
decisão e, segundo, ameaça de lesão grave à ordem, à saúde, à segurança ou
à economia pública.
64
BIBLIOGRAFIA
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Forense, 2004.
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Rio de Janeiro: Forense, v. VIII.
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WAMBIER, Teresa Alvim (coord). Aspectos polêmicos da antecipação de
tutela. São Paulo: RT, 1997.
6. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed. rev. amp.
São Paulo: Malheiros, 1999.
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WAMBIER, Teresa Alvim (coord). Aspectos polêmicos da antecipação de
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Paulo: RT, 1998.
8. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 24ª ed. São
Paulo: Malheiros, 1999.
65
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variações sobre o tema”, in Temas de Direito Processual. 3ª série. São
Paulo: Saraiva.
- “Tendências contemporâneas do direito processual civil”. Revista de
Processo número 31.
10. NERY JUNIOR, Nelson. Atualidades sobre o processo civil – A reforma
do Código de Processo Civil de 1994. 2ª ed. São Paulo: RT, 1995.
11.OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de . “Alcance e natureza da tutela
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de direito processual em homenagem de Luiz Machado Guimarães. Rio
de Janeiro: Forense, 1997.
TALAMINI, Eduardo. “Nota sobre as recentes limitações legais à
antecipação de tutela”. In: WAMBIER, Teresa Alvim (coord). Aspectos
polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: RT, 1997.
12. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 4ª ed. rev. amp. São
Paulo: Saraiva, 2005.
ÍNDICE
66
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
O INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA 13
1.1 - Generalidades 13
1.2 - Conceito e natureza jurídica da tutela antecipada 16
1.3 - Pressupostos para a concessão da tutela antecipada 19
1.4 - Efeitos antecipáveis na antecipação da tutela 25
1.5 – A antecipação harmoniza os princípios da efetiividade da jurisdição e da
segurança jurídica 32
CAPÍTULO II
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E A FAZENDA PÚBLICA 36
2.1 - A Fazenda Pública: conceito e prerrogativas 36
2.2 – Obstáculos legais e doutrinários opostos à antecipação da tutela contra a
Fazenda Pública 38
2.2.1 – As normas limitativas à efetividade dos provimentos jurisdicionais contra
a Fazenda Pública 40
2.2.2 – A questão da constitucionalidade das limitações infraconstitucionais à
antecipação da tutela e a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4
46
2.2.3 – O óbice do reexame necessário 51
2.2.4 – A antecipação da tutela em face da Fazenda Pública e o óbice
constitucional do art. 100 da Constituição Federal 55
2.3 – O posicionamento jurisprudencial em relação a antecipação da tutela em
face da Fazenda Pública 56
67
CONCLUSÕES 60
BIBLIOGRAFIA 65
ÍNDICE 67
68
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição:
Título da Monografia:
Autor:
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito: