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Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc • Ano III • nº 5 • dezembro de 2004 Descompasso Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA 2005 - que o governo enviou ao Congresso, e que tem prazo até o dia 23 de dezembro de 2004 para ser apreciado, mostra como o governo pretende aplicar, no ano que vem, o orçamento público federal. Mais que isso, revela as prioridades e os rumos políticos que estão sendo adotados no mandato do presidente Lula. São opções que têm forte impacto sobre as políticas públicas, e certamente contribuirão para construir a marca do governo petista. Sem dúvida, já se pode afirmar que há um preocupante descompasso no processo orçamentário. O Plano Plurianual, por exemplo, que deveria ser a referência orientadora do PLOA, estabelecendo as metas físicas, está sendo radicalmente revisto e alterado concomitantemente à discussão do PLOA. A partir da observação do orçamento para 2005, nota-se a influência significativa das instituições financeiras multilaterais no Brasil. Além desse aspecto, esta publicação também aborda as políticas públicas selecionadas pelo Inesc, como fiscal e orçamentária, de reforma agrária, de segurança alimentar, indigenista, socioambiental, de crianças e adolescentes e de direitos humanos. A análise dessas políticas demonstra alguns avanços pontuais, mas, na perspectiva macro, percebe-se que o orçamento, e a forma como ele vem sendo planejado e executado, não parece corresponder à demanda da sociedade para a prioridade ao enfrentamento dos grandes problemas sociais. O E D I T O R I A L 5 Planejamento zero Encontra-se em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA - para 2005, o PL 51/2004, cuja análise permite conhecer o montante de recursos que o governo federal pretende aplicar nas políticas públicas no próximo ano. São R$ 681,3 bilhões em despesas 1 , 6,1% a mais que em 2004. Ou R$ 502,3 bilhões, se desconsiderarmos ainda o pagamento de amortizações não refinanciadas, juros e encargos da dívida pública. No que se refere a políticas públicas, as realizações dependem não só de recursos, mas do modo como se constróem e se executam os programas para atin- gir os resultados. Não é a tôa que a Constituição Fe- deral prevê três peças no ciclo orçamentário - o Pla- no Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamen- tárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA, cada uma delas com funções bem definidas. O PPA, por exemplo, deveria dar materialidade ao programa de governo por meio de objetivos e diretri- zes que pudessem ser quantificados, monitorados e con- trolados através de indicadores e de metas físicas. Pare- ce óbvio que a elaboração do PPA deveria ser precedi-

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Boletim Orcamento 5

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Page 1: Boletim Orcamento 5

Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc • Ano III • nº 5 • dezembro de 2004

Descompasso

Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA2005 - que o governo enviou ao Congresso, eque tem prazo até o dia 23 de dezembro de2004 para ser apreciado, mostra como ogoverno pretende aplicar, no ano que vem, oorçamento público federal. Mais que isso,revela as prioridades e os rumos políticos queestão sendo adotados no mandato do presidenteLula. São opções que têm forte impacto sobreas políticas públicas, e certamente contribuirãopara construir a marca do governo petista.

Sem dúvida, já se pode afirmar que há umpreocupante descompasso no processoorçamentário. O Plano Plurianual, porexemplo, que deveria ser a referênciaorientadora do PLOA, estabelecendo as metasfísicas, está sendo radicalmente revisto e alteradoconcomitantemente à discussão do PLOA.

A partir da observação do orçamento para2005, nota-se a influência significativa dasinstituições financeiras multilaterais no Brasil.Além desse aspecto, esta publicação também abordaas políticas públicas selecionadas pelo Inesc, comofiscal e orçamentária, de reforma agrária, desegurança alimentar, indigenista, socioambiental,de crianças e adolescentes e de direitos humanos.

A análise dessas políticas demonstra algunsavanços pontuais, mas, na perspectiva macro,percebe-se que o orçamento, e a forma comoele vem sendo planejado e executado, nãoparece corresponder à demanda da sociedadepara a prioridade ao enfrentamento dos

grandes problemas sociais.

O

E D I T O R I A L

5

Planejamento zeroEncontra-se em discussão no Congresso Nacional

o Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA - para2005, o PL 51/2004, cuja análise permite conhecer omontante de recursos que o governo federal pretendeaplicar nas políticas públicas no próximo ano. São R$681,3 bilhões em despesas1 , 6,1% a mais que em 2004.Ou R$ 502,3 bilhões, se desconsiderarmos ainda opagamento de amortizações não refinanciadas, juros eencargos da dívida pública.

No que se refere a políticas públicas, as realizaçõesdependem não só de recursos, mas do modo comose constróem e se executam os programas para atin-gir os resultados. Não é a tôa que a Constituição Fe-deral prevê três peças no ciclo orçamentário - o Pla-no Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamen-tárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA,cada uma delas com funções bem definidas.

O PPA, por exemplo, deveria dar materialidade aoprograma de governo por meio de objetivos e diretri-zes que pudessem ser quantificados, monitorados e con-trolados através de indicadores e de metas físicas. Pare-ce óbvio que a elaboração do PPA deveria ser precedi-

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Orçamento uma publicação do INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos com a parceria de Fundação Avina. Tiragem: 1.500exemplares - End: SCS - Qd, 08, Bl B-50 - Salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 - CEP. 70.333-970 - Brasília/DF - Brasil - Fone: (61) 212 0200- Fax: (61) 212 0216 - E-mail: [email protected] - Site: www.inesc.org.br - Conselho Diretor: Eva Faleiros, Gisela de Alencar,Iliana Canoff, Juraci de Souza, Mariza Veloso, Nathalie Beghin, Neide Castanha, Paulo Calmon, Pe Virgílio Uchoa. Colegiado de Gestão:Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alex Jobim, Edélcio Vigna, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Jussara de Goiás,Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum, Selene Nunes. Assistentes: Álvaro Gerin, Caio Varela, Lucídio Bicalho. Instituições queapóiam o Inesc: Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED, Esplar, Fastenoffer, Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação HeinrichBoll,KNH, Norwegian Church Aid, Novib, Oxfam, Solidaridad. Jornalista responsável: Luciana Costa (DRT 258/82)

Esta publicação utiliza papel reciclado

da por um desenho bastante nítido das políticas pú-blicas setoriais que se pretende empreender. É o quese denomina de “projeto de desenvolvimento” que,longe de abarcar apenas aspectos macroeconômicos,deveria incluir a definição das políticas setoriais, espe-cificando os objetivos e como serão atingidos. Isso é,além de um diagnóstico geral do governo, convém terindicações claras sobre os problemas das áreas especí-ficas, onde estão suas causas e como enfrentá-las, apon-tando prioridades, prazos e recursos.

A obviedade teórica, todavia, nem sempre tem sidoacompanhada pela prática. O PPA 2004-20072 foiconcebido sem que houvesse a definição prévia daspolíticas setoriais. Enquanto os programas do PPAeram elaborados, a sociedade civil era consultada, nosFóruns Estaduais de Participação, quanto ao diag-nóstico que deveria tê-lo precedido. Sem definiçãode como consolidar as propostas, selecionar as prio-ridades e, especialmente, sem discussão efetiva sobreos programas e sem materialização dos resultados daconsulta pública no projeto do PPA, concebeu-se umplanejamento que, em grande medida, fazia umaagregação de programas já conhecidos, com altera-ção de nomenclatura e de subordinação institucional.

Evidentemente, é fundamental a participação ati-va da sociedade civil na concepção das políticas. Noentanto, o Estado tem uma função própria, inalienável,que é a de viabilizar institucionalmente essa participa-ção e materializá-la, de forma transparente, com obje-tivos e caminhos operacionais claros, no desenho daspolíticas públicas e no processo orçamentário. Nessecampo, o que se observa é a desarticulação da máqui-na do governo. Por um lado, há a Secretaria Geral da

Presidência, falando de participação; por outro, osMinistérios setoriais, de onde deveriam nascer as pro-postas das políticas a serem discutidas pela sociedade.Há, ainda, a área de planejamento, que não compar-tilha da concepção das políticas, e tenta reuni-las numPPA, muitas vezes sem sucesso, até porque é impossí-vel juntar o que não existe. E, por fim, há o Ministérioda Fazenda, decidindo os recursos como se essa deci-são fosse completamente estanque, como se a decisãopolítica sobre os recursos pudesse ser separada da de-cisão sobre os objetivos de sua aplicação.

O ano de 2005 será o terceiro do Governo Lula eo segundo em que há a oportunidade de trabalharcom o seu próprio planejamento. É um momentopropício para confrontar as expectativas do início domandato com as realizações. Até aqui, caminhamoscom esse quadro de desarticulação institucional,indefinição e baixa execução orçamentária das polí-ticas. Apenas recentemente, depois de já terem sidoaprovados o PPA 2004-2007 e a LDO 2005, algu-mas políticas setoriais foram apresentadas, como sãoos casos do Plano Nacional de Reforma Agrária e daPolítica de Assistência Social. Algumas políticas, ain-da em discussão ou já definidas, não guardam qual-quer relação com os programas do PPA aprovado,nem com o Projeto de Revisão do PPA recém-enca-minhado ao Congresso Nacional.

O governo parece ter chegado à conclusão de queo trabalho do PPA teria que ser refeito. Para que setenha uma idéia da abrangência da revisão, está sen-do proposta3 a exclusão de 17 programas, a inclusãode 18 e a alteração de 347 dos 382 do PPA. Issopraticamente reconduz a discussão sobre planejamen-

1 Já desconsiderado o refinanciamento da dívida pública, equivalente a R$ 935,3 bilhões, que é meramente contábil. A amortização não refinanciada é de R$ 68,2 bilhões.2 Lei n°. 10.933, de agosto de 2004.3 De acordo com a Justificativa da Proposta de Revisão do PPA 2004-2007.

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Orçamento

A boa técnica mandaque as peças do ciclo

orçamentáriotrabalhem de forma

integrada entre si,com o desenho daspolíticas setoriais e

com a execuçãofinanceira (...) não é o

que se vê

to ao marco zero. O problema é que, à aprovação doProjeto de Revisão do PPA, deverão necessariamenteseguir-se as alterações correspondentes na LDO e naLOA. Ou, como bem alertam as Consultorias de Or-çamento da Câmara e do Senado4 , “as emendas par-lamentares ao orçamento e toda a discussão legislativarelativa à inclusão de projetos e obras se perderão”, poiso PLOA para 2005 prevê orçamento para apenas23 das 674 ações novascriadas no PPA aprovado.

A boa técnica mandaque as peças do ciclo or-çamentário trabalhem deforma integrada entre si,com o desenho das políti-cas setoriais e com a exe-cução financeira. Parecenatural que, uma vezaprovado o PPA, a LDOeleja prioridades, dimen-sionadas por um ajusteconjuntural que, a cada ano, reflita o tamanho doorçamento possível. Só depois, então, a LOA deta-lharia as despesas e suas respectivas fontes de receita,de modo a cumprir, na execução, as metas físicas doPPA e as metas fiscais da LDO.

Não é o que se vê. O PLOA 2005 não segue as pri-oridades elencadas no Anexo de Metas e Prioridades daLDO para 2005, conforme se constata em tabela dis-ponível no site do Inesc5 , tomando como ponto de re-ferência as metas físicas e financeiras relativas às priori-dades do Anexo de Metas e Prioridades da LDO para2005 e comparando com o PPA 2004-2007, o PLOA2005 e a execução de 2004 até o dia 12 de novembro.Das 452 ações prioritárias, apenas 324 têm recursosprevistos no PLOA 2005. Convivem, nada pacificamen-te, políticas ainda em discussão ou já definidas com umPPA aprovado e outro em tramitação (para o mesmoperíodo) e as prioridades da LDO e do PLOA.

Se a tarefa do Congresso Nacional ao analisar oPLOA 2005 será difícil, preocupa ainda mais que oPPA 2004-2007 continue a ser revisado (ou

reelaborado) anualmente até 2006, sem a necessáriaconsistência e coerência com os demais instrumen-tos, ampliando o desarranjo institucional e fazendocom que se perca o horizonte de planejamento quese desejava alargar. De fato, a temática orçamentáriasempre foi árida, mas nunca tão confusa. Não é de seestranhar que, paralelamente, surjam, na imprensa,questionamentos sobre os critérios de alocação emonitoramento de um dos principais programas dogoverno, o bolsa família.

O quadro torna-se mais dramático quando se con-fronta com o orçamento e a execução orçamentária de2004. Das ações prioritárias previstas no PLOA 2005,somente 140 têm aumento de meta física relativamen-te ao orçamento de 2004, sendo que, a menos de doismeses do final do exercício de 20046 , apenas 53,20%do orçamento autorizado para essas ações prioritáriasfoi executado. É lamentável que tais descaminhos te-nham lugar num governo que chegou ao poder pro-metendo imprimir sua marca ao planejamento.

Reforma AgráriaDentre os programas do PPA 2004-2007 que pro-

movem a reforma agrária, há dois, em particular, commaior impacto na vida dos trabalhadores rurais sem-terra ou com pouca terra. Embora suas denomina-ções sejam semelhantes, são profundamente diferen-tes em seus objetivos. Estamos nos referindo aos pro-gramas “Desenvolvimento Sustentável na ReformaAgrária” e “Assentamentos Sustentáveis para Traba-lhadores Rurais”. Em síntese, o primeiro programatrata de proporcionar à população assentada acapacitação e os meios para a gestão e estruturaçãodos processos organizativos e produtivos, objetivandosua inserção social, econômica, cultural e política. Osegundo tem como objetivo promover a democrati-zação do acesso à terra, garantindo a soberania ali-mentar e a geração de empregos e renda.

Todos os programas que tratam do homem e damulher rural e da questão do acesso à terra são im-portantes, pois cada um tem sua função específicano processo temporal da reforma agrária. Para efeito

4 Nota Técnica Conjunta nº. 16/2004.5 Ver www.inesc.org.br6 Dados da execução orçamentária até 12/11/2004.

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de análise, selecionamos os dois programas citados eo programa “Desenvolvimento Integrado e Susten-tável do Semi-Árido” - Conviver, que busca reduzir avulnerabilidade socioeconômica da população dasáreas do semi-árido com incidência de seca.

Dentre as ações do programa “DesenvolvimentoSustentável na Reforma Agrária”, uma nos parecemais relevante porque expressa os objetivos do pro-grama: a “Recuperação, qualificação e emancipaçãode projetos de assentamento rural”. Para a execuçãodesta ação, em 2004, foram destinados R$ 37 mi-lhões para beneficiar 37 mil famílias assentadas, ouseja, 17,7% do total de R$ 209,1 milhões destina-dos a todas as ações do programa. No PLOA 2005, ameta física aumentou de 37 mil para 71 mil famílias,o que significa um aumento de 54%. Os recursosdestinados a esta ação também aumentaram 50%,ou seja, de R$ 37 milhões para R$ 74 milhões. Ameta de recuperar em todos os níveis (solo, recursosnaturais, capacitação, financeiro e social) os assenta-mentos deteriorados constitui um grande avanço eimplica em um elevado investimento de recursos hu-manos e financeiros pois, dos cerca de cinco mil as-sentamentos ou 650 mil famílias assentadas, em umaestatística otimista, 390 mil (60%) necessitam de re-cuperação e há um índice de reabilitação de 9,5%ao ano. Se somarmos a meta de famílias que forambeneficiadas em 2004 (37 mil) com as que serão be-neficiadas em 2005 (71 mil), temos 108 mil, o quecorresponde a 27,7% do total da demanda estimadade 390 mil famílias. Esse índice é preocupante pois,prosseguindo nesse ritmo, o governo somente recu-perará os assentamentos abandonados pelos gover-nos anteriores em julho de 2008, ou seja, no primei-ro ano do segundo mandato, caso venha a ser reeleito.

No programa “Assentamentos Sustentáveis para Tra-balhadores Rurais”, das seis ações, consideramos a maisimportante a de “Obtenção de imóveis rurais para re-forma agrária”, que se destina à compra de terra pararealização dos projetos de assentamentos rurais. NaLOA 2004, o governo havia previsto a compra de 416mil hectares e, no PLOA 2005, a meta é adquirir 1,3milhão de hectares, o que se traduz em um salto de320%. Para obter 416 mil hectares, em 2004, foramdestinados R$ 400 milhões, enquanto que em 2005

estão orçados R$ 755 milhões, representando umacréscimo de recursos da ordem de 89%.

Nos primeiros oito meses de 2004, o Ministériodo Desenvolvimento Agrário havia decretado a de-sapropriação de 205 imóveis, que somavam 522 milhectares. Desde a posse do ministro Miguel Rossetto,em janeiro de 2003, já são mais de 930 mil hectarescom desapropriação decretada para a reforma agrá-ria. Apesar do avanço, os índices de aquisição e as-sentamento permanecem baixos diante da demandade cerca de quatro milhões de famílias de trabalha-dores rurais sem-terra ou com pouca terra. A metade assentar 460 mil famílias em quatro anos, que se-tores conservadores da sociedade brasileira conside-ram ousada, representa apenas 11,5% da demandaacumulada em cinco séculos de domínio do latifún-dio. Além disso, para o segundo semestre de 2004,embora esteja programado o assentamento de 78 milfamílias, há problemas de estoque de terras, pois es-tão sub judice 130 imóveis (ou 224 mil hectares) quepoderiam beneficiar cerca de 8.500 famílias. Essesobstáculos poderão inviabilizar a meta de assentar 115mil famílias neste ano.

O programa “Desenvolvimento Integrado e Sus-tentável do Semi-Árido” – Conviver - foi composto,em 2004, por 39 ações, a maior parte de âmbito esta-dual, como por exemplo, a ampliação de sistemas deabastecimento de água do subsistema da adutora doFeijão/Bahia ou a implantação do sistema adutor deCatunda/Ceará. No PLOA 2005, somente duas açõesserão executadas pelo Ministério do Desenvolvimen-to Agrário: “Desenvolvimento sustentável para os as-sentamentos da reforma agrária no semi-árido do Nor-deste” e “Apoio a projetos de inovação tecnológica daagricultura familiar no semi-árido”. As demais serãodesenvolvidas pelos Ministérios da Integração, do MeioAmbiente, das Cidades e de Minas e Energia.

A ação “Desenvolvimento sustentável para os as-sentamentos da reforma agrária no semi-árido doNordeste” tem como meta beneficiar 1.700 famíliasem 2004, enquanto no PLOA 2005 pretende-seatingir 9.000 famílias, o que representa um aumen-to de 429%. O montante de recursos destinados, porsua vez, saltou de R$ 9 milhões para R$ 15 milhões,o que significa um aumento de 67%. Na ação “Apoio

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Orçamento

Diante dosproblemas

socioeconômicos dapopulação do semi-

árido, que representaquase um terço da

população do país, asmetas e os recursosdestinados a ambas

as ações do programasão insuficientes

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a projetos de inovação tecnológica da agricultura fa-miliar no semi-árido”, a meta física foi ampliada deseis para nove projetos, o que é muito tímido. Ressal-te-se, ainda, a coerência discutível, que beira a mági-ca, pois o governo propõe aumentar o número deprojetos atendidos mantendo o mesmo montante derecursos: R$ 2,5 milhões.

Diante dos problemas socioeconômicos da popu-lação do semi-árido, querepresenta quase um terçoda população do país, asmetas e os recursos destina-dos a ambas as ações doprograma são insuficientes.Essa região do país deveriater uma atenção especialdo governo, pois nela seencontra o maior bolsão demiséria nacional.

Segurança AlimentarAs organizações da so-

ciedade civil ainda não chegaram a um consenso so-bre quais programas e ações devem compor um or-çamento de segurança alimentar. Essa temática, porseu escopo amplo, não permite definir sem maioresquestionamentos um corpo de programas que pode-ria expressar um orçamento público, por isso as or-ganizações que compõem o Fórum Brasileiro pela Se-gurança Alimentar e Nutricional ainda se defrontamcom esse desafio.

Não há dúvida de que esse orçamento teria queabrigar em seu bojo ações de peso do programaPronaf, como as de “Apoio a projetos municipais deinfra-estrutura” e de “Serviços em agricultura famili-ar”, além de ações do programa de AbastecimentoAgroalimentar, como as de “Garantia e sustentaçãode preços na comercialização de produtosagropecuários”, de “Equalização de juros e outros en-cargos financeiros em operações de investimento ru-ral e agroindustrial”, de “Financiamento e equalizaçãode juros nas operações de custeio agropecuário” oude “Financiamento e equalização de juros em opera-ções de empréstimos do governo”. Para termos umaidéia aproximada do porte dessas quatro ações, elas

somam cerca de R$ 4 bilhões, o que supera em mui-tas vezes o orçamento de vários ministérios.

Porém, o enfoque prioritário aqui será em relaçãoa algumas atividades que não têm um peso orçamen-tário significativo, mas que por seus impactos podemser classificadas como estruturais, emergenciais e dedireitos. Selecionamos, entre outras, seis ações, umadelas de direito: o direito ao salário-maternidade dastrabalhadoras rurais. Esse direito foi uma pauta deluta durante duas legislaturas no Congresso Nacio-nal, liderada pela deputada Luci Choinaki (PT-SC)e sustentada pela força da articulação nacional dasmulheres trabalhadoras rurais. Tornou-se lei dianteda cristalina reivindicação que vinha do campo e exi-gia a igualdade entre todas as mulheres perante a lei,assegurada como princípio constitucional. Para essaação, o programa de Previdência Social Básica prevêum gasto de R$ 637,7 milhões, que poderá benefi-ciar cerca de 113 mil mulheres rurais, entre 2004 e2007. Em 2004, o Executivo dispôs no orçamentoda União R$ 138 milhões e executou todo o recursodisponível. Para 2005, o valor disponível no Projetode Lei Orçamentária Anual – PLOA - é de R$ 69,1milhões, ou seja, foram reduzidos à metade os recur-sos anteriormente atribuídos a essa ação.

O último Censo Agropecuário Brasileiro demons-tra que as mulheres representam cerca de 50% dapopulação rural, correspondente a 36% da popula-ção econômica que desenvolve atividades agrícolas enão-agrícolas. Diante desses índices, a meta do go-verno ainda é tímida, pois 50% das mulheres ruraisestão em idade produtiva (15 a 55 anos), ou seja,aptas a receber o salário-maternidade. O reconheci-mento desse direito foi uma vitória para as trabalha-doras rurais; agora é importante garanti-lo.

Entre as ações consideradas emergenciais ouassistenciais, selecionamos a de “Apoio à instalação deBanco de Alimentos”. A meta é instalar cerca de 186Bancos, e para isso o governo dispôs R$ 9,1 milhõespara os quatro anos. Para 2004, os recursos disponí-veis foram de R$ 4,3 milhões, mas foram gastos até 12de novembro somente R$ 656,3 mil, ou seja, 15,2%do total disponível. Ao buscarmos explicação para essabaixa execução orçamentária, chegamos a algumas con-clusões: ou o governo não conseguiu identificar par-

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ceiros dispostos a servir de meio para essa ação chegarà ponta, aos usuários, ou as organizações não estão dis-postas a ser um mero instrumento do assistencialismogovernamental. As propostas do Banco Mundial dealiviar a pobreza, e conseqüentemente a fome, não es-tão tendo uma recepção entusiástica por parte da so-ciedade civil, que começa a se tornar crítica em rela-ção às suas próprias deficiências.

Entre várias ações estruturais, selecionamos qua-tro. A ação “Apoio a projetos de melhoria das condi-ções socioeconômicas das famílias (programa Acessoà Alimentação)” tem como objetivo beneficiar cercade seis mil famílias em quatro anos. Para isso, o go-verno reservou R$ 679,7 milhões. Para 2004, foramdisponibilizados R$ 153,4 milhões e executados R$94,9 milhões, cerca de 61,8% dos recursos. Esse éum projeto que está na linha divisória entre a classifi-cação estrutural e assistencial. Poderá ser estrutural,se promover a cidadania das famílias, ou seráassistencial, se somente ofertar as condições de so-brevivência sem capacitar a família para uma vidadigna. Talvez seja essa mistura de estrutural/assistencialque tenha proporcionado a essa ação uma execuçãomais elevada que as outras desse bloco.

A ação “Apoio ao monitoramento da situaçãonutricional da população brasileira (programa Alimen-tação saudável)” recebeu recursos para quatro anos,de 2004 a 2007, da ordem de R$ 21,7 milhões, paraatender a pouco mais de 7,2 mil famílias. Para 2004,recebeu R$ 4,8 milhões e não executou, até 12 denovembro, nenhum centavo. Em outras palavras, aação não saiu da boa intenção. Para 2005, foram man-tidos os recursos atuais. Esperamos que no próximoano os recursos sejam executados e que escapem davala comum do superávit primário. Essa é uma açãoimportante pois possibilita aferir o estado de nutriçãoou desnutrição da população, fornecendo parâmetrosfundamentais para a construção de novas políticaspúblicas destinadas a enfrentar essa problemática.

A ação “Concessão de crédito-instalação das fa-mílias assentadas - implantação (programa Assenta-mentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais)” é,talvez, o programa mais estrutural. Trata-se dos cré-ditos que as famílias assentadas recebem para iniciarou reiniciar suas vidas. Por isso, ele foi dotado de um

orçamento de R$1,8 bilhão para os quatro anos, e ameta é beneficiar cerca de 258 mil famílias. Para2004, o Executivo dispôs R$ 200 milhões, mas gas-tou apenas R$ 62,6 milhões, ou seja, executou so-mente 31,1% dos recursos aprovados pelo Congres-so Nacional. Essa execução tão parca nãocorresponde aos quatro milhões de famílias sem-ter-ra que lutam pela reforma agrária. Não estamos la-mentando que um governo eleito para mudar con-serve intacta a força retrógrada da oligarquia rural;estamos constatando que nenhum segmento sensívelda população vai alterar a sua condição sem organi-zação e pressão política.

A ação “Apoio ao desenvolvimento das atividadesfamiliares sustentáveis em microbacias do semi-árido(programa Proambiente)” tem como meta benefici-ar cerca de mil famílias com um orçamento de R$556,3 mil para quatro anos. Para 2004, a atividaderecebeu R$ 100 mil e o governo não executou ne-nhum real. As famílias de trabalhadores e trabalha-doras rurais que residem no semi-árido estão entre asmais sofridas do país, pois convivem com a seca, comterrenos desertificados e com o estigma do analfabe-tismo. Essas famílias que, por força da luta organiza-da, ocuparam muitas terras dos senhores dos enge-nhos e das oligarquias sertanejas, estão agora, em vá-rios lugares, como no alto sertão paraibano, demons-trando que a reforma agrária é possível no semi-ári-do brasileiro. Estão construindo formas novas nãoapenas de sobrevivência, mas de vida digna. O Esta-do, além do Executivo, deveria contribuir para queessas famílias e suas organizações saiam de vez, nãodo semi-árido, mas do estado de indignidade a queestão submetidas e que foi construído sob a chibatade várias gerações de coronéis.

A sociedade civil não está longe de construir o or-çamento da segurança alimentar. Já se propôs a cons-truí-lo. Logo vai chegar lá.

Criança e AdolescenteO exercício do controle social no Brasil vem se

transformando em importante prática para assegu-rar a implementação de políticas sociais que respon-dam às demandas da sociedade. Essa afirmação temcomo base a análise da execução orçamentária de pro-

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Orçamento

Hoje, nos pareceainda mais claro que

o monitoramento e ocontrole social têm

efeitos positivos edevem ser objeto deações permanentes.E o melhor exemplo

continua sendo o Peti

gramas destinados à garantia dos direitos de criançase adolescentes e uma comparação entre a propostaaprovada da LOA 2004 ainda em execução, a LDO2005 já aprovada e o PLOA 2005 do governo fede-ral, que nos mostram um novo quadro de alocaçãoorçamentária e umaredefinição de prioridades.

O Programa deErradicação do Trabalho In-fantil – Peti - merece especi-al atenção porque implicana maior ação de Estado jádesenvolvida no país comesse objetivo. Iniciado no fi-nal dos anos 90, o progra-ma é resultado de uma lon-ga luta da sociedade civil or-ganizada, em especial no Fórum Nacional dos Direi-tos da Criança e do Adolescente que, em 1993,priorizou o tema e iniciou a campanha “Lugar de cri-ança é na escola, na família e na comunidade”. Essacampanha foi absorvida pelo Conselho Nacional dosDireitos da Criança e do Adolescente – Conanda - e otrabalho infantil entrou definitivamente na agendapolítica nacional. A partir daí, foi criado o FórumNacional pela Erradicação do Trabalho Infantil, com-posto por organizações da sociedade civil, do governofederal, bem como organizações internacionais e em-presariais. O Fórum permanece atuante e se organi-zou nos estados, desencadeando a formação de Comi-tês gestores do Peti para a concessão da bolsa escola acrianças e adolescentes explorados, de modo a possibi-litar seu retorno à escola.

Organizações brasileiras aderiram também à Mar-cha Global contra o Trabalho Infantil, que reuniu or-ganizações de mais de 100 países e realizou duas gran-des marchas mundiais, em 1997 e 1998, influencian-do a elaboração da Convenção 182 (Contra as pioresformas de trabalho infantil) da Organização Interna-cional do Trabalho - OIT - e sua ratificação pelo go-verno brasileiro, além da conversão, tanto desta quan-to da Convenção 138/OIT, que define a idade míni-ma para ingresso no trabalho, em legislação interna.Essas duas Convenções são instrumentos importantespois se transformaram em compromissos do Estado

brasileiro. Um compromisso que exigiu a criação deum programa, no orçamento federal, com a inclusãode ações específicas e a definição de metas físicas e fi-nanceiras para o seu cumprimento.

A sociedade organizada conseguia, assim, trans-formar uma questão, até então objeto de denúnciase debates, em política pública. Mas a luta social epolítica deve estar sempre se renovando. Quando daaprovação do PPA 2004-2007, o Peti sofreu perdasgraves em função da retirada de ações importantescomo “Promoção para sensibilização da sociedadequanto ao trabalho infantil”; “Edição e distribuiçãode publicações sobre o trabalho infantil”; “Geraçãode ocupações produtivas para famílias de criançasatendidas pelo Peti” e “Serviços de processamentode dados de benefícios do Peti”.

A ação “Concessão da bolsa criança cidadã” tam-bém foi retirada do Peti e os recursos a ela destinadosforam realocados junto a outros programas de paga-mento de benefícios quando o novo governo criou oprograma 1335, de “Transferência de Renda comCondicionalidades”. Muito embora não tenha havi-do problema de continuidade, o monitoramento dasmetas e da execução orçamentária passou a ser mui-to difícil. Esse problema continuou quando da apro-vação da LDO 2005 porque o Peti teve apenas umaação inserida no Anexo de Prioridades: “Atendimen-to à criança e ao adolescente em jornada ampliada”,agora denominada “Atendimento à criança e ao ado-lescente em ações socioeducativas e de convivência”.Isso, apesar da pressão social feita pelo Fórum Nacio-nal dos Direitos da Criança e do Adolescente - DCA,o Fórum Nacional pela Erradicação do Trabalho In-fantil e o Conanda que, articulados com a Frente Par-lamentar pelos Direitos da Criança, apresentaramemendas para a inclusão de outras ações nesse e emoutros programas, como, por exemplo, o combate àexploração sexual de crianças e adolescentes e o aten-dimento ao adolescente em conflito com a lei.

Hoje, nos parece ainda mais claro que omonitoramento e o controle social têm efeitos positi-vos e devem ser objeto de ações permanentes. E omelhor exemplo continua sendo o Peti. No PLOA2005, o programa foi resgatado com maior amplitu-de. O principal ganho foi o retorno da ação conhe-

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cida como Peti e que agora passou a ser denominada“Concessão de bolsa a crianças e adolescentes em si-tuação de trabalho”.

No PPA 2004-2007 aprovado, a meta financeirada ação é de R$ 369,9 milhões para quatro anos.Para 2004, a dotação inicial foi de R$ 98,1 milhões,mas o Congresso aprovou crédito adicional de R$87,5 milhões, ficando o programa com R$ 185,7milhões. A execução orçamentária, até 12 de novem-bro, foi de 71,03%. O Peti ganha fôlego no PLOA2005, com a meta física de 1 milhão de crianças eadolescentes atendidos, e meta financeira de R$204,6 milhões somente para a ação “Atendimento àcriança em ações socioeducativas de convivência”. OPeti possui outras seis ações e o total de recursos é deR$ 541,6 milhões.

Em relação à ação “Atendimento à criança e ao ado-lescente em ações socioeducativas e de convivência”, ogoverno duplicou a meta financeira prevista no PPA.E a meta física para quatro anos, que a princípio erade 1.712.971 crianças e adolescentes atendidos, atin-girá 84,9% em apenas dois anos, caso seja aprovado eexecutado o que está contido no PLOA 2005. Semdúvida, um saldo positivo, considerando que o gover-no está muito perto de cumprir, em dois anos, umameta que foi colocada para quatro anos. É necessário,portanto, redimensionar as metas para os próximos doisanos, tendo em vista que podemos estar muito próxi-mos da inclusão, no Programa de Erradicação do Tra-balho Infantil, de todas as crianças e adolescentes de 6a 16 anos explorados no mundo do trabalho. Segun-do o IBGE, há 3,1 milhões de crianças e adolescentesde 5 a 17 anos ainda explorados.

Executar o orçamento aprovado a cada ano re-presenta uma vitória histórica. E essa é verdadeira-mente uma possibilidade que está colocada para ogoverno Lula. Podemos afirmar que a garantia deefetividade da ação Bolsa Escola está diretamente re-lacionada à execução e à continuidade de outras açõesque venham a estruturar adolescentes quando osmesmos se desligarem do programa ao completar 16anos. Isso significa investimento em ações junto àsfamílias, como garantia de qualificação profissional,acesso à pequena propriedade rural, melhoria dascondições de moradia, educação, saúde, cultura e

lazer. É fundamental implementar uma política na-cional para a juventude, que integre todos esses as-pectos, visando à colocação dos jovens no mundo dotrabalho, com qualificação para os desafiostecnológicos e humanos.

Política IndigenistaAs ações orçamentárias do governo federal em fa-

vor dos povos indígenas no Brasil, que somam umapopulação de 411 mil pessoas, estão concentradasem dois programas do PPA 2004/2007: “Identida-de Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indíge-nas” e “Proteção de Terras Indígenas, GestãoTerritorial e Etnodesenvolvimento”. Há, ainda, umaação no programa “Desenvolvimento Sustentável doPantanal”, de responsabilidade do Ministério doMeio Ambiente; uma no programa “SaneamentoRural”, de responsabilidade do Ministério da Saú-de; e uma no programa “Gestão da Política de De-senvolvimento Agrário”, do Ministério do Desenvol-vimento Agrário.

O programa “Identidade Étnica e Patrimônio Cul-tural dos Povos Indígenas” é de responsabilidade doMinistério da Justiça/Fundação Nacional do Índio -Funai, que compartilha sua execução com os Ministé-rios da Educação, da Saúde e do DesenvolvimentoAgrário. Para o período de 2004 a 2007, estão previs-tos cerca de R$ 880,7 milhões, sendo que R$ 752,5milhões são destinados às ações de atenção à saúde in-dígena. Para o ano de 2004, foram liquidados, até 12de novembro, cerca de R$ 124,3 milhões, sendo R$111,51 milhões somente para ações de saúde.

Em termos de geração de informações, ao mesmotempo em que se prevê no PLOA 2005 a criação deum Sistema Censitário das Populações Indígenas soba responsabilidade da Funai, anuncia-se o términoda ação destinada à criação do Sistema de Informa-ção da Atenção à Saúde Indígena – Siasi – pela Fun-dação Nacional da Saúde - Funasa. A expectativa é ade que a Funasa cumpra com o compromisso assu-mido de assegurar a qualquer cidadão o acesso per-manente ao banco de dados, disponibilizando seuacesso na internet, de forma a dar maior transparên-cia às ações de saúde desenvolvidas no âmbito dosDistritos Sanitários.

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Orçamento

Estaria o governoquerendo compensaro baixo desempenhono reconhecimentodas terras indígenas

com pequenosprojetos de cunho

compensatório eassistencial?

No programa “Proteção de Terras Indígenas, Ges-tão Territorial e Etnodesenvolvimento”, estão concen-tradas as ações relacionadas à demarcação e proteçãodos territórios indígenas, e aquelas destinadas a apoi-ar os projetos locais de gestão ambiental e produção,visando à auto-sustentação e à geração de renda paraas comunidades indígenas. O ministério responsávelpelas ações é o da Justiça, em parceria com o do MeioAmbiente. O programa conta com uma previsão or-çamentária para o período 2004-2007 de R$ 346,58milhões, sendo R$ 312,3 milhões para as questõesterritoriais e produtivas.Para as ações de gestãoambiental nos territóriosindígenas, mais de 95%dos recursos previstos sãodestinados para os povos eas comunidades indígenasda Amazônia Legal. Aosdemais, lamentavelmente,sobram os 5% restantes e,quem sabe, algumas “bol-sas família”.

O PLOA 2005 não provocou mudanças na finali-dade do programa “Proteção de Terras Indígenas,Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento”. O quechama a atenção é que em 2005 está sendo propostauma redução nos recursos destinados à identificação eregularização das terras indígenas, ao mesmo tempoque um aumento substancial dos recursos destinadosà gestão ambiental nas terras indígenas, o que, emmuitos casos, significa o apoio a projetos de manejo derecursos naturais com objetivo econômico. Estaria ogoverno querendo compensar o baixo desempenhono reconhecimento das terras indígenas com peque-nos projetos de cunho compensatório e assistencial?

No PLOA 2005, deve haver algo muito errado nonúmero de alunos indígenas beneficiados no ensinofundamental, pois o mesmo cai de 32.500, em 2004,para 27 indígenas apoiados em 2005. Quanto à ação“Atendimento emergencial aos povos indígenas”, o to-tal de 12 mil indígenas atendidos em 2004 é reduzi-do para 5.625 em 2005. Em relação à ação“Capacitação de indígenas e técnicos de campo”, ameta de 1.284 pessoas capacitadas em 2004 cai para

1.029 em 2005, totalizando nos dois anos 2.313 pes-soas capacitadas. Ações voltadas para o fortalecimentoda capacidade de gestão e auto-sustentação indígenanos seus territórios são, em tese, sempre bem-vindas.Mas cadê a avaliação do conteúdo dessas “capacitações”e de seus resultados para as comunidades?

No conjunto, o orçamento da política indigenistado governo federal, proposto no PLOA 2005, é18,14% maior que o de 2004, o que não significaum ganho real tendo em vista a elevação dos custosde vários itens de despesa, especialmente na RegiãoAmazônica, para onde se destina uma parte conside-rável da atenção e dos recursos financeiros.

Analisados o PLOA 2005 e o Projeto de Revisãodo PPA 2004-2007 encaminhados ao CongressoNacional, à luz das articulações interministeriais emtorno do acordo de cooperação técnica, vê-se que sedesenha um fortalecimento do papel da Funai nagestão da política indigenista governamental, que pas-saria a assumir, senão de fato, pelo menos no discur-so, o papel de agência articuladora das ações dos doisprogramas. No referido acordo de cooperação, a co-ordenação das ações fica a cargo da Funai, juntamen-te com uma comissão formada por um representan-te de cada um dos demais órgãos governamentaisparticipantes - Ministérios do Desenvolvimento Agrá-rio, do Desenvolvimento Social, da Agricultura, doMeio Ambiente, da Saúde, da Educação e da Funasa- e por quatro “representantes indígenas escolhidos pe-las organizações indígenas de caráter regional e nacio-nal”. Como se vê, poucas serão as novidades no cam-po político-institucional no governo Lula.

A Política SocioambientalA proposta orçamentária para 2005 encaminha-

da ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo pre-vê um aumento de mais de R$ 344 milhões no orça-mento do Ministério do Meio Ambiente - MMA.Em 2004, cerca de R$ 1,57 bilhão foi autorizado,enquanto que, para 2005, está sendo proposto umorçamento de aproximadamente R$ 1,91 bilhão.

O que esses números não dizem é que, de fato, oque aumentou não foi o orçamento para as açõesfinalísticas, mas o orçamento das despesas com a “pre-vidência de inativos e pensionistas da União”, a “ges-

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tão da participação em organismos internacionais”,o “apoio administrativo”, o “cumprimento de sen-tenças judiciais” e os “juros e amortizações da dívidaexterna”. Em 2004, o valor autorizado para essasações foi de R$ 697,56 milhões, enquanto, em 2005,o orçamento proposto salta para R$ 876,17 milhões;ou seja, um aumento superior a 20%. Além disso, achamada reserva de contingência passa de R$ 443,55milhões, em 2004, para R$ 566,57 milhões em2005, totalizando um aumento orçamentário de27,73%. Constata-se, então, que o orçamento pro-posto para o MMA no Projeto de Lei OrçamentáriaAnual - PLOA 2005, considerando somente as açõesfinalísticas, é R$ 7,22 milhões menor que o de 2004.

Para os que acreditam que contar, em 2005, comuma reserva de contingência maior que a de 2004em R$ 123 milhões significa um fortalecimento dapolítica ambiental, vai uma informação: até 12 denovembro deste ano, o MMA havia liquidado so-mente 58,27% do total de recursos autorizados para2004, excluída a reserva de contingência, e nada maisque 0% dos recursos desta reserva.

O programa “Amazônia Sustentável”, que em2004 teve um orçamento autorizado de R$ 51,22milhões, terá, de acordo com o PLOA, um orçamen-to de R$ 59,39 milhões em 2005. As açõespriorizadas neste programa são duas: “Fomento aprojetos demonstrativos de desenvolvimento susten-tável e conservação na Amazônia, que passa da metade cinco projetos apoiados em 2004 para 30 proje-tos em 2005, e do orçamento de R$ 13,13 milhões,em 2004, para uma previsão orçamentária de R$16,99 milhões em 2005; e “Fomento ao manejo flo-restal na Amazônia”, que tem por meta, em 2004,manejar uma área total de 15.000 ha e, em 2005,mais 50.000 ha, com um orçamento de R$ 5,28milhões, em 2004, e R$ 4,07 milhões em 2005. Ob-serve-se que, neste último caso, a meta física aumen-tou enquanto, estranhamente, os recursos diminuí-ram. Também está previsto um orçamento de R$28,44 milhões para a ação “Apoio à estruturação dosistema de gestão de recursos naturais na Amazônia”.As três ações mencionadas fazem parte do denomi-nado “Programa Piloto para Proteção das FlorestasTropicais do Brasil”.

O programa “Conservação e Recuperação dosBiomas Brasileiros”, que em 2004 teve um orçamen-to autorizado de R$ 1,52 milhão, tem proposto parao ano de 2005 um orçamento de R$ 17,57 milhões,portanto 11 vezes maior. A ação priorizada em 2005é a denominada “Recuperação de áreas degradadas”,que tem um orçamento de R$ 100 mil para 2005.Para a ação “Implantação de corredores ecológicos”está previsto um orçamento de R$ 14,96 milhões emais R$ 1,9 milhão para apoio a projetos na Amazô-nia e demais biomas. Enquanto a Amazônia e a MataAtlântica recebem uma atenção privilegiada da Se-cretaria de Biodiversidade e Florestas - SBF/MMA,o Cerrado continua sem um orçamento específico.

O programa “Desenvolvimento Integrado e Sus-tentável do Semi-Árido – Conviver”, que, em 2004,teve autorizado para o MMA um orçamento de apro-ximadamente R$ 15,16 milhões, tem proposto para2005 um orçamento de R$ 14,64 milhões. Para2005, não está previsto orçamento para a constru-ção de cisternas e as oito ações consideradas prioritáriassão de implantação de adutores e poços públicos.

Na mesma linha de cortes orçamentários, o pro-grama “Prevenção e Combate ao Desmatamento,Queimadas e Incêndios Florestais”, que teve, em 2004,um orçamento autorizado para o MMA de R$ 48,01milhões, tem proposto para o ano de 2005 um orça-mento 13,97% menor, ou seja, R$ 41,30 milhões. Asações de “Fiscalização de atividades de desmatamentoe queimada” e “Prevenção e controle de desmatamentose incêndios florestais” são aquelas para as quais se pre-vê a maior parte do orçamento, aproximadamente R$39,88 milhões. O programa tem, como metasprioritárias em 2005, a manutenção de 900 brigadasde combate e prevenção de incêndios, a fiscalizaçãode 9.350 propriedades rurais e o monitoramento deuma área de 2.173.075 hectares.

Direitos humanosNa Secretaria Especial de Promoção da Igualdade

Racial - Sepir, há três programas no PLOA 2005: “Pre-vidência de Inativos e Pensionistas da União”, com R$1.000; “Gestão da Política de Promoção da IgualdadeRacial, com R$ 12, milhões; e “Brasil Quilombola”,com R$ 4,5 milhões previstos. O programa destinado

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Orçamento

à previdência de inativos e pensionistas e quase a me-tade do programa de gestão estão voltados para a ma-nutenção da máquina administrativa. O programadirigido aos quilombolas apresenta como prioridadeapenas duas ações: “Fomento ao desenvolvimento lo-cal para comunidades remanescentes de Quilombo”e “Capacitação de agentes representativos das comu-nidades remanescentes de Quilombo”.

O programa “Brasil Quilombola” é composto por9 ações relevantes, com R$ 25,24 milhões previstosno PLOA 2005. Menos de 20% deste programaconstituem ações específicas da Sepir, o que dificultaa mudança da realidade dessa tão excluída e quasedizimada comunidade. Analisando a execução orça-mentária de 2004, dos R$ 17,27 milhões destina-dos à Sepir, foram gastos apenas R$ 7,86 milhões até12 de novembro, ou 45,53% do total autorizado. Aação “Fomento ao desenvolvimento local para comu-nidades remanescentes”, que pela proposta de revi-são do PPA 2004-2007 que tramita no CongressoNacional se tornará um programa, aparece como pri-oridade para 2005, embora só tenha executado40,88% dos R$ 3 milhões autorizados em 2004. Issoabre margem para o questionamento sobre o real em-penho da Sepir na execução dessa política.

Na Secretaria Especial de Políticas para as Mulhe-res, embora todos os programas sejam prioridade, têmprevisão orçamentária menor em 2005, comparati-vamente à LOA 2004. Ao programa “Prevenção eCombate à Violência Contra as Mulheres” foram des-tinados R$ 10,76 milhões em 2004 e há uma previ-são de R$ 8,22 milhões para 2005. O programa “In-centivo à Autonomia Econômica das Mulheres noMundo do Trabalho” contou com R$ 3,81 milhõesem 2004 e tem previstos R$ 3,08 milhões para 2005.O movimento organizado de mulheres tem se arti-culado cada dia mais e vem reivindicando mais emelhores políticas públicas e, no entanto, além daredução de cerca de 25% dos recursos para 2005, aexecução orçamentária, até 12/11/04, era de ape-nas 37,09% do total de R$ 26,19 milhões. O gover-no precisa esclarecer a razão da diminuição de re-cursos para essas políticas.

Várias ações de programas da Secretaria Especialde Direitos Humanos são encontradas como priorida-

de no PLOA 2005. Há um significativo aumento deorçamento para as políticas de direitos humanos, pois,em 2004, os recursos destinados eram de R$ 58,57milhões e a proposta do PLOA 2005 é de R$ 72,97milhões. Os programas “Erradicação do Trabalho Es-cravo”, “Direitos Humanos – Direitos de todos”,“Apoio administrativo” e “Acessibilidade e Assistênciaa Vítimas e Testemunhas Ameaçadas” têm aumentossubstanciais propostos, sendo que ao programa “Di-reitos Humanos - Direitos de todos”, o que conta commaior aumento, foram destinados R$ 6,17 milhõesem 2004 e a proposta para 2005 é de R$ 16,94 mi-lhões. Contudo, a execução deste programa, até 12de novembro de 2004, era de 12,87% e quase a me-tade dos recursos propostos para 2005, ou seja, R$8,25 milhões, destina-se à ação “Assistência técnica paraouvidoria de polícia e policiamento comunitário”. Sen-do assim, o aumento de recursos para o programacomo um todo não é tão grande, pois ações como“Apoio a centros de referência em direitos humanos”não têm qualquer acréscimo e, ainda, a ação “Apoio aConselhos Estaduais e Municipais de Direitos Huma-nos” tem menos recursos previstos para 2005 do queos destinados em 2004. Ressaltamos que os conselhostêm papel fundamental na participação da sociedadecivil na definição, no controle social e no incrementodas políticas públicas para os direitos humanos nas trêsesferas de governo.

Já os programas “Gestão da Política de DireitosHumanos”, “Promoção e Defesa dos Direitos de Pes-soas com Deficiência” e “Proteção Social ao Idoso”apresentam menos recursos para 2005. Resta saberqual é, na prática, o resultado dessas políticas; qual oimpacto de haver mais policiais capacitados e menosrecursos para apoio a serviços integrados de preven-ção à violência e maus tratos contra idosos. Será quea proposta de corte nos recursos para os idosos sedeve ao simples fato de que essa ação só executou16,01% do orçamento até 12 de novembro de 2004?Seria esse o critério de corte?

Participaram desta edição os assessoresEdélcio Vigna, Jussara de Goiás, Márcio Pontual,

Ricardo Verdum e Selene Nunes;e os assistentes

Álvaro Gerin e Caio Varela.

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Torna-se crucialrevisar o

relacionamento dogoverno com as IFMspara assegurar que as

políticas reflitam osinteresses da

sociedade e que osrecursos sejam

aplicados de formacorreta, universal e

sustentável

A influência dasInstituições Financeiras Multilaterais

Fica claro na proposta de orçamento para o exercí-cio de 2005 o aumento da influência das InstituiçõesFinanceiras Multilaterais – IFMs - no Brasil. Nos últi-mos anos, as IFMs foram fundamentais paraimplementar no país uma agenda que envolve políticade superávites, diminuição do papel do Estado, abertu-ra do mercado nacional e liberalização de fluxo de capi-tais, dentre outras medidas que impactam negativamen-te a vida de milhões de pessoas.

O aprofundamento dainfluência das IFMs noBrasil pode ser creditado àatmosfera propícia criadapelo governo Lula. Sob aégide da necessidade de ga-nhar a “confiança do mer-cado”, o país não só inten-sificou o diálogo com essasinstituições, abrindo novosespaços para sua participa-ção, como ultrapassou ascondicionalidades por elasimpostas. Alguns setores dasociedade civil questionam se os recursos emprestadospelos bancos estão sendo utilizados na íntegra em suafinalidade original ou se estão sendo utilizados para ge-rar sobras de caixa que eventualmente servirão para co-brir os serviços da dívida. Essa preocupação é fruto dapolítica de superávites primários imposta pelo FundoMonetário Internacional – FMI - e voluntariamenteaprofundada pelo governo do presidente Lula por duasvezes consecutivas.

Como organizações financiadoras, as IFMs devematender os interesses dos governos mas, para alcançarseus objetivos de desenvolvimento e garantir o cumpri-mento de suas políticas, se valem de condicionalidades.O problema é que, em um relacionamento tão próxi-mo, fica difícil perceber o que é o interesse genuíno dogoverno e o que é a agenda das IFMs. O fato é que, noBrasil, os interesses das IFMs e do governo vêm conver-gindo cada vez mais. Assim, não é surpresa que o Plano

Plurianual - PPA 2004-2007 - e as estratégias de assis-tência dos Bancos possuam semelhanças: tanto o BancoIntermericano de Desenvolvimento – BID - quanto oBanco Mundial – Bird - trabalham com o horizonte2004-2007 para garantir a sintonia do processo.

Os recursos oriundos de empréstimos do Bird e doBID no Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA2005 - aumentaram sobremaneira em relação aosregistrados no PLOA 2004. No caso do BID, observa-se um aumento de aproximadamente 30%, de R$316,05 milhões para R$ 411,22 milhões; e do Bird,um aumento superior a 1000%, de R$ 575,97 mi-lhões para R$ 5,97 bilhões. Esses recursos são destina-dos, principalmente, à manutenção e ampliação da infra-estrutura; às reformas políticas, econômicas e judiciári-as; à preservação indígena e ambiental; à gestão políticae comercial; à saúde e às questões agrárias.

O estreitamento do relacionamento permite às IFMsparticipar de diversas esferas de discussão e assim, even-tualmente, influenciar o processo decisório, como é ocaso da participação do Bird como membro do Conse-lho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –Consea, instância de participação da sociedade civil res-ponsável pela proposição da política de segurança ali-mentar. Não por acaso, destacamos que aproximada-mente 90% da expressiva soma do financiamento doBird em 2005 serão destinados ao programa “Transfe-rência de Renda Diretamente às Famílias em Condiçãode Pobreza e Extrema Pobreza com Condicionalidades- Bolsa Família”. Observa-se uma aplicação dos recursosde forma não universal, e ainda pior, em um programaque, destarte os resultados imediatos, tem umasustentabilidade duvidosa.

Em vista disso, torna-se crucial revisar o relaciona-mento do governo com as IFMs para assegurar que aspolíticas reflitam os interesses da sociedade e que os re-cursos sejam aplicados de forma correta, universal e sus-tentável. Afinal, ao contrário do que alguns acreditam,os recursos dessas instituições não são doações e caberá atodos os brasileiros, beneficiados ou não, pagar os em-préstimos no futuro.