boletim orcamento socioambiental 18

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Ano V • nº 18 • novembro de 2006 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc 18 A dívida com a cidadania indígena Apesar de passados quase 20 anos desde a aprovação da atual Constituição da República Federativa do Brasil (1988), que incluiu um capítulo específico sobre os direi- tos dos povos indígenas (Capítulo VIII – Dos Índios), nenhum dos governos que se sucederam aceitou promo- ver as mudanças necessárias nas estruturas e práticas polí- tico-administrativas do aparato do Estado nacional, ade- quando-as ao entendimento então alcançado sobre a rea- lidade multicultural efetivamen- te existente no Brasil. O Es- tado brasileiro ainda está em dívida com o reconhecimen- to da chama- da cidadania multicultural. Autonomia exercício pleno da cidadania indígena, sem o qual não se pode falar em regime demo- crático e pluralista, é ainda uma conquista a ser feita no Brasil. No primeiro mandato do governo Lula, frustraram-se as pessoas que apostaram em mudanças no sentido de garantir autonomia aos povos indígenas. A concepção de uma política tutelar e assistencialista ainda prevalece, a despeito de al- guns avanços verificados nos últimos anos, especi- almente nas áreas de saúde e educação. De forma geral, há de se comemorar o aumento nos números do orçamento indigenista federal, embora ainda sejam insuficientes os recursos destinados às políti- cas voltadas para esse segmento da população. Para o próximo mandato do presidente Lula, permanece uma incógnita em relação ao futuro dos povos indígenas. Preocupa a possibilidade de manutenção do baixo desempenho do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, no qual estão alocados projetos destinados ao desenvolvimento sustentável nos territórios indígenas. Se para o Estado brasileiro está mantido o desafio de mudar a postura em relação aos povos indígenas, para estes está em pauta o enfrentamento de questões primordiais para a sua autonomia. Isso passa pelo fortalecimento organizacional do movimento indígena e sua maior articulação com os diversos setores do movi- mento social brasileiro, que hoje apontam, entre outras questões, para a necessidade urgente de re- formar o sistema político do país. E D I T O R I A L O www.inesc.org.br

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Page 1: Boletim Orcamento Socioambiental 18

Ano V • nº 18 • novembro de 2006Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

18

A dívida com acidadania indígena

Apesar de passados quase 20 anos desde a aprovaçãoda atual Constituição da República Federativa do Brasil(1988), que incluiu um capítulo específico sobre os direi-tos dos povos indígenas (Capítulo VIII – Dos Índios),nenhum dos governos que se sucederam aceitou promo-ver as mudanças necessárias nas estruturas e práticas polí-tico-administrativas do aparato do Estado nacional, ade-quando-as ao entendimento então alcançado sobre a rea-lidade multicultural efetivamen-te existente no Brasil. O Es-tado brasileiro ainda estáem dívida com oreconhecimen-to da chama-da cidadaniamulticultural.

Autonomia

exercício pleno da cidadania indígena, sem

o qual não se pode falar em regime demo-

crático e pluralista, é ainda uma conquista

a ser feita no Brasil. No primeiro mandato

do governo Lula, frustraram-se as pessoas

que apostaram em mudanças no sentido de

garantir autonomia aos povos indígenas.

A concepção de uma política tutelar e

assistencialista ainda prevalece, a despeito de al-

guns avanços verificados nos últimos anos, especi-

almente nas áreas de saúde e educação. De forma

geral, há de se comemorar o aumento nos números

do orçamento indigenista federal, embora ainda

sejam insuficientes os recursos destinados às políti-

cas voltadas para esse segmento da população.

Para o próximo mandato do presidente Lula,

permanece uma incógnita em relação ao futuro

dos povos indígenas. Preocupa a possibilidade de

manutenção do baixo desempenho do Ministério

do Meio Ambiente, por exemplo, no qual estão

alocados projetos destinados ao desenvolvimento

sustentável nos territórios indígenas.

Se para o Estado brasileiro está mantido o

desafio de mudar a postura em relação aos povos

indígenas, para estes está em pauta o

enfrentamento de questões primordiais para a sua

autonomia. Isso passa pelo fortalecimento

organizacional do movimento indígena e sua

maior articulação com os diversos setores do movi-

mento social brasileiro, que hoje apontam, entre

outras questões, para a necessidade urgente de re-

formar o sistema político do país.

E D I T O R I A L

O

www.inesc.org.br

Page 2: Boletim Orcamento Socioambiental 18

2 novembro de 2006

Não é muito difícilconstatar o quanto

ainda estamosdistantes, no Brasil,

de um regimeefetivamente

democrático epluralista, no qual

seja garantida acidadania indígena

na sua plenitude

Se partirmos do pressuposto de que cidada-nia multicultural significa o reconhecimento ju-rídico de direitos políticos e sociais, no caso dospovos indígenas os mesmos se traduzem em di-reitos como autonomia de decisão e autogovernosobre seus territórios e recursos naturais nelesexistentes; em direito à representação políticanas instâncias de poder legislativo do Estado na-cional; e em protagonis-mo na formulação e nocontrole das chamadaspolíticas públicas de seuinteresse e sua necessida-de. Diante desse pressu-posto, não é muito difí-cil constatar o quantoainda estamos distantes,no Brasil, de um regimeefetivamente democráti-co e pluralista, no qualseja garantida a cidada-nia indígena na sua plenitude. Se esse regimeainda é, na prática, uma utopia para a grandemaioria da população brasileira, o que dizer en-tão da situação dos indígenas, na condição deminoria étnica e demográfica pulverizada em umterritório com as dimensões do Brasil?

Os povos indígenas representam no Brasil umadiversidade lingüística que ultrapassa o númerode 180 línguas classificadas em 35 famílias lin-güísticas. São 225 povos. As terras indígenas re-conhecidas pelo Estado nacional brasileiro, até

este momento, são em número de 580, num to-tal de 108.473.642 hectares, cobrindo 12,74%da extensão do território nacional. Segundo ocenso demográfico realizado em 2000 pelo Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), a população indígena somaria o equiva-lente a 0,4% da população total do país; mas, seconsiderarmos as limitações metodológicas e deaplicação desse e de outros censos, somadas aopreconceito e à discriminação a que tem sido sub-metida historicamente e ao processo migratóriopara áreas urbanas e capitais, o número da po-pulação indígena deve ser maior.

Países como a Colômbia, com um percentualde população indígena bastante próximo ao ve-rificado no Brasil e acrescido dos problemas de-correntes dos conflitos militares e para-milita-res que assolam aquele país há décadas, demons-tram que é poss ível avançar pol í t ica einstitucionalmente, tanto no que se refere à ges-tão territorial quanto à representação política. 1

As mudanças morfológicas e gerenciaisdesencadeadas após a promulgação do textoconstitucional, em outubro de 1988, ampliaramas responsabilidades que até então estavam acargo exclusivo da Fundação Nacional do Índio(Funai) para os ministérios da Saúde, da Edu-cação, do Meio Ambiente e da Agricultura. Essainiciativa, se, de um lado, implicou num maioracesso aos “serviços” prestados pelo Estado nosdistintos “setores” ou “políticas” governamentais(saúde, educação escolar, assistência social, etc.),

Orçamento & Política Socioambiental: uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a Oxfam.Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, bl B-50 - sala 435 - Ed. Venâncio 2000 – CEP 70.333-970 Brasília/DF – Brasil– Tel: (61) 3212 0200 – Fax: (61) 3212 0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor:Armando Raggio, Caetano Araújo, Eva Faleiros, Guacira Cesar, Iliana Canoff, Jean Pierre, Jurema Werneck, Padre Virgílio Uchoa, PastorErvino Schmidt. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores/as: Alessandra Cardoso, CaioVarela, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Luciana Costa, Ricardo Verdum. Assistentes: Álvaro Gerin, AnaPaula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED, Embaixada do Canadá - FundoCanadá , Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, KNH, Norwegian Church Aid, Novib, Oxfam, Save theChildren Fund e Wemos Fundation. Jornalista responsável: Luciana Costa (DRT 258/82)

1 Ver Índios e Parlamentos. Luciana Costa e Ricardo Verdum (org.). Brasília: Inesc. 2004. www.inesc.org.br.

Page 3: Boletim Orcamento Socioambiental 18

3novembro de 2006

Sob a retórica dorelativismo cultural,

da tolerância e dainclusão, se reproduz

uma práxis políticaque caminha no

sentido inverso, istoé, no sentido da

manutenção dos/asindígenas na condição

de tutelados doEstado nacional

de outro muito pouco contribuiu para a cons-trução de uma cidadania indígena plena. Emrelação aos territórios indígenas, mesmo quan-do reconhecidos formalmente pelo Estado bra-sileiro, persiste a idéia de que são, antes de tudo,reservas de recursos naturais a serem incorpo-radas - em nome do chamado “interesse nacio-nal” - ao circuito econômico nacionalglobalizado, e, em últi-ma instância, constitu-em um assunto de segu-rança nacional.

A partir dos anos1990, em meio ao de-bate internacional so-bre a viabilidade de“crescimento econômi-co” com “sustentabili-dade ambiental” (queteve na ConferênciaRio 92 seu principalpalco), houve uma re-novação do discurso do “desenvolvimento dospovos indígenas” como meio para solucionar “osproblemas indígenas”. É desse contexto queemergiu, em 2001, o componente Projetos De-monstrativos dos Povos Indígenas (PDPI), doPrograma Piloto para Proteção das Florestas Tro-picais do Brasil (PPG7), com recursos financei-ros dos governos Brasileiro, Alemão e Britâni-co. Nos anos 2000, e com mais ênfase no atualgoverno federal, a “inclusão social” dos indíge-nas nas políticas de assistência social, de educa-ção escolar e de apoio à produção e geração derenda (entre outras) aparece como idéia-forçado novo discurso indigenista.

Nesse contexto, ao chamado “etnodesen-volvimento” (ou “desenvolvimento com identi-dade étnica e cultural”) é atribuído o poder de

“romper com o ciclo vicioso de dependência derecursos [financeiros do Estado] para novos pro-jetos” e de representar uma estratégia de “de-senvolvimento sócio-econômico-cultural dessaspopulações segundo suas especificidades própri-as”2. Lógica semelhante se observa reproduzidano âmbito estadual, onde passaram a ser cria-dos órgãos indigenistas estaduais eimplementadas políticas setoriais com recursospróprios e também recursos do governo federale da chamada “cooperação internacional ao de-senvolvimento” - Banco Mundial (BIRD), Ban-co Interamericano de Desenvolvimento (BID)e agências governamentais de outros países -,entre outros.

A crítica a esse processo se refere ao fato deque, sob a retórica do relativismo cultural, datolerância e da inclusão, se reproduz uma práxispolítica que caminha no sentido inverso, isto é,no sentido da manutenção dos/as indígenas nacondição de tutelados do Estado nacional. Emúltima instância, esse processo vai, de fato, con-tribuindo progressivamente para a integração deterritórios, recursos naturais e culturas indíge-nas nos circuitos econômicos de produção ecomercialização regional, nacional e internaci-onal de mercadorias.3

Priorizando a assistênciaPassados quase quatro anos desde que o pre-

sidente Luis Inácio Lula da Silva assumiu seu pri-meiro mandato, frustraram-se os que acredita-ram que o Governo Lula jogaria a última pá decal sobre a cova do moribundo indigenismo.Uma demonstração recente dessa sobrevida doindigenismo integracionista foi o Decreto nº4.645, de 25 de março de 2003, que aprovou oestatuto da Fundação Nacional do Índio e atri-buiu a esse órgão a responsabilidade de garan-

2 Ver o Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial de Política Indigenista. Presidência da República. Brasília, dezembro de 2005 (Anexo 7-A:Documento do Subgrupo sobre Etnodesenvolvimento - mimeo).

3 Ver “Mineração nas Terras Indígenas: inclusão social ou expropriação organizada?”. Nota Técnica, número 112. www.inesc.org.br.

Page 4: Boletim Orcamento Socioambiental 18

4 novembro de 2006

Tanto os“compromissos” eas “propostas” das

últimas duascampanhas dacoligação Lula

Presidente quanto apráxis político-

administrativa doprimeiro mandato

não foram além detentativas de

modernização dapolítica tutelar (ou

indigenista) doEstado brasileiro

tir a “aculturação espontânea”, a “evoluçãosocioeconômica” e a “progressiva integração”dos/as indígenas à sociedade nacional.

Tanto os “compromissos” e as “propostas” dasúltimas duas campanhas da coligação Lula Pre-sidente quanto a práxis político-administrativado primeiro mandato não foram além de tenta-tivas de modernização da política tutelar (ouindigenista) do Estadobrasi le iro. Noçõesoperativas do tipo “inclu-são produtiva” e “prote-ção social básica” - comocontraponto a outra no-ção não menos proble-mática quando aplicadapara interpretar a condi-ção dos povos indígenasno Brasil: a noção de“pobreza” – passaram ainformar e formatar po-líticas e ações, em dife-rentes “setores” doindigenismo oficial, comum forte perfil assisten-cial. De uma perspectiva mais libertária, é qua-se impossível não se frustrar ao constatar a forçaque a cultura política assistencialista tem namáquina administrativa do Estado brasileiro emesmo no âmbito da chamada “sociedade civil”brasileira.

Isto não significa de maneira alguma desva-lorizar as ações executadas e o aumento signifi-cativo dos recursos financeiros federais para ossetores de saúde e segurança alimentar enutricional indígena nas “políticas públicas” aolongo dos últimos cinco anos, que passaram deR$ 165 milhões, em 2002, para R$ 248 mi-lhões em 2006.4 Há de se aplaudir as açõesemergenciais implementadas pelo governo fede-

ral e em parceria com organizações indígenas enão-governamentais; assim como a inclusão dos/as indígenas no sistema de previdência social(aposentadorias) e a expansão do Bolsa Famíliae outras ações de responsabilidade do Ministé-rio do Desenvolvimento Social (MDS), como éo caso do Programa de Atenção Integral à Fa-mília (PAIF), o Benefício de Prestação Conti-nuada (BPC), o Programa de Erradicação doTrabalho Infantil (Peti), o Projeto Agente Joveme o Programa Combate ao Abuso e à Explora-ção Sexual de Crianças e Adolescentes.

A mesma impressão positiva pode e deve sermanifestada em relação à Carteira Indígena doMinistério do Meio Ambiente; ao projeto Inici-ativas Comunitárias da Fundação Nacional deSaúde/Ministério da Saúde; aos editais de proje-tos lançados nos últimos dois anos pelos Ministé-rios da Cultura e do Desenvolvimento Agrário; eàs ações de ampliação do acesso indígena ao sis-tema de ensino formal nos três âmbitos.

O fato é que o uso da polissêmica noção de“pobreza” tende a distorcer a realidade das cau-sas e a induzir a elaboração e implementação deações social e politicamente questionáveis quan-do aplicadas isoladamente. A grande maioria dospovos indígenas no Brasil continua tendo queviver sob a ameaça ou com a efetiva invasão tem-porária ou permanente dos seus territórios, comtodas as implicações socioculturais, ambientais,econômicas e políticas decorrentes. Essa situa-ção ocorre mesmo quando seus territórios sãolegal e juridicamente reconhecidos pelo Estadonacional.

No estado do Mato Grosso e nos estados daregião Sul, por exemplo, vem se reproduzindoa prática das “parcerias” com sojicultores, e noCongresso Nacional tramitam projetos de lei(PL) que visam regular essa prática. Mais do queuma incapacidade operacional e financeira,

4 Ver “Mulheres Indígenas: o desafio é ‘sair do círculo de giz’”. Orçamento & Política Socioambiental (2006), número 16. www.inesc.org.br.

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5novembro de 2006 5

O valor autorizadopara o que estamos

chamando de“orçamento

indigenista federal”,que totaliza 51 ações

distribuídas em seisministérios, foi de R$

384,48 milhões, em2006, reproduzindo

a tendênciaascendente

verificada nosúltimos cinco anos

no orçamentoindigenista federal

entendemos que falta aos operadores governamen-tais (os com efetivo poder de decisão) a disposiçãopolítica necessária para cumprir com uma das suasprincipais e prioritárias competências constituci-onais: demarcar, proteger e fazer respeitar o direi-to originário dos/as indígenas sobre as terras quetradicionalmente ocupam. A capacidadeoperacional e financeira é uma conseqüência dadisposição política, enão o inverso.

No tocante ao reco-nhecimento oficial dosterritórios indígenasnos últimos 21 anos, oGoverno Lula chega aopenúltimo mês do seuprimeiro mandato dequatro anos como aque-le que apresentou omais baixo desempenhoem termos de Terras In-dígenas “declaradas”(18) e “homologadas”(63). Além disso, con-forme pudemos mostrarno boletim publicadoem junho passado5, ocorreu uma sensível dimi-nuição nos investimentos financeiros e no ritmodos trabalhos de regularização e proteção dosterritórios indígenas, no período 2000/2005.Uma tendência que se mantém em 2006: até31 de outubro passado, de um total autorizadode R$ 41,19 milhões, foram empenhados cercade R$ 23,49 milhões (57,02%) e efetivamentegastos R$ 18,32 milhões (44,48%).

Como pode ser visto na tabela 1 (p. 10 e 11),o valor autorizado para o que estamos chaman-do de “orçamento indigenista federal”, quetotaliza 51 ações distribuídas em seis ministéri-os, foi de R$ 384,48 milhões, em 2006, repro-duzindo a tendência ascendente verificada nos

últimos cinco anos no orçamento indigenista fe-deral. Deste total, foi gasto até 31 de outubropassado cerca de R$ 270,09 milhões, o equiva-lente a 70,25%.

No programa Identidade Étnica e PatrimônioCultural dos Povos Indígenas estão concentra-dos cerca de 72,67% do total dos recursos au-torizados em 2006 para o orçamentoindigenista, caracterizando a maior prioridadedada pelo governo federal às chamadas “políti-cas sociais”, especialmente de educação, saúdee assistência social. De acordo com os valores dis-postos na coluna “liquidado” da tabela 1, cons-tata-se o quão dependente é o desempenho or-çamentário federal – em termos quantitativos -do gasto efetuado pelo Ministério da Saúde. Issoporque as ações de saúde correspondem a77,10% do orçamento total autorizado peloCongresso Nacional e 84,88% do total liquida-do até 31 de outubro. Na eventualidade do va-lor liquidado com a saúde ser baixo, seu impac-to nos números do orçamento será inversamen-te grande, isso é, será facilmente percebido. Omesmo não ocorre no caso da ação de “Garan-tia dos Direitos e Afirmações dos Povos Indíge-nas”, cujo orçamento representa apenas 0,45%do orçamento indigenista federal. Se não for gas-to, seu impacto - em termos numéricos - passaráfacilmente despercebido.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é,dentre os ministérios com ações específicas parapovos indígenas, o que apresenta o pior desem-penho: o valor liquidado até 31 de outubro de2006 não vai além de 15,90% do orçamentoautorizado. No “orçamento indigenista”, repro-duz-se o baixo desempenho verificado no MMAnos últimos anos, nesse e noutros programas, ali-mentando a hipótese de que deve haver algumproblema no planejamento ou na execução dasações. Essa é uma situação que preocupa, parti-cularmente porque é nesse ministério onde es-

5 Ver o boletim Orçamento & Política Socioambiental (2006), número 16. www.inesc.org.br.

Page 6: Boletim Orcamento Socioambiental 18

6 novembro de 2006

No programaProteção de Terras

Indígenas, GestãoTerritorial e

Etnodesenvolvimento,estão disponíveis R$840 mil destinados aprojetos de fomento

às atividadesprodutivas nos

estados doAmazonas, de

Roraima, Rondônia ePernambuco, quenão foram gastos

tão sendo concentradas as ações de gestãoambiental em terras indígenas. Além da Cartei-ra Indígena e do Projetos Demonstrativos dosPovos Indígenas (PDPI), ambos sob a coorde-nação da Secretaria de Políticas de Desenvolvi-mento Sustentável (SDS/MMA), ao MMA estásendo atribuída - no âmbito governamental - acoordenação do processo de elaboração e exe-cução do denominadoPrograma Nacional deProteção, Conservação,Recuperação e Uso Sus-tentável da Biodiversi-dade das Terras Indíge-nas (conhecido comoProjeto GEF Indígena).

No programa Prote-ção de Terras Indígenas,Gestão Terri toria l eEtnodesenvolvimento,estão disponíveis R$ 840mil destinados a projetosde fomento às atividadesprodutivas nos estadosdo Amazonas, de Roraima, Rondônia ePernambuco, que não foram gastos. As ações eo respectivo orçamento aparecem na tabela 1com o título “não informado”. Ao que consta,esse recurso tem origem nas emendas parlamen-tares e ainda não foram liberados pelo governofederal. Para as ações de saúde, também há umrecurso “carimbado” para o estado de SantaCatarina que igualmente não foi liberado.

Atualmente, o maior desafio do ponto de vistado monitoramento e do controle social dos re-cursos destinados à população indígena está emmapear o que chega aos/às indígenas por meiode outras políticas e outros programas e projetosdo governo federal. Conforme mencionado emboletim anterior 6, há o registro de ações voltadas

para indígenas em mais de 15 ministérios, secre-tarias especiais e órgãos vinculados. Além disso,com a criação de unidades administrativas volta-das para as populações indígenas nos estados (se-cretarias, assessorias e coordenações), mais atores,além do governo federal, passaram a incidir polí-tica e financeiramente com ações específicasdirigidas a essas populações, complexificando ain-da mais o cenário.

Velhas e novas promessasNos dois últimos pleitos presidenciais, a cam-

panha da coligação partidária que dá sustenta-ção ao presidente Lula abordou a questão dosdireitos indígenas de duas maneiras: em 2002,apresentou documento específico contendo os“compromissos com os povos indígenas”; em2006, apresentou suas “propostas” incorpora-das, em grande parte, no documento denomi-nado “Programa Setorial de Igualdade Racial”.

O documento de 2002 não ultrapassou os li-mitados marcos político-institucionais doindigenismo clássico. Voltou-se basicamente pararecuperar o papel protagônico da Fundação Na-cional do Índio (Funai) como “o órgãoindigenista federal”, acenando com a criação dodenominado Conselho Superior de PolíticaIndigenista, instância responsável pela supervi-são ativa da eficácia e coerência das ações depolítica indigenista oficial e de articulaçãointersetorial. O documento também projetou aampliação do espectro de políticas específicas ea inclusão dos/as indígenas como beneficiários/as de programas federais em outros setores de“políticas públicas”, sempre em coordenaçãocom o “órgão indigenista oficial” e sob a super-visão do Conselho Superior de Polít icaIndigenista.

Em 2006, não foi divulgado um documento es-pecífico de campanha destinado à problemática

6 Ver o boletim Orçamento & Política Socioambiental (2006), número 16. www.inesc.org.br.

Page 7: Boletim Orcamento Socioambiental 18

7novembro de 2006

No tocante àpopulação indígena,

esse programasetorial

(desenvolvimentosocial) prevê ampliar a

rede de pagamentosde benefícios doPrograma Bolsa

Família, levando emconsideração as

especificidades dessapopulação

indígena no Brasil, apesar de ter sido elaboradauma proposta de programa com esse fim. No pro-grama geral de governo da Campanha Lula Pre-sidente, os povos indígenas foram contempladoscom três “compromissos”:

(i) a implementação do Conselho Nacional dePolítica Indigenista;

(ii) a concentração de esforços na regulariza-ção de terras indígenase na promoção do deno-minado etnodesen-volvimento; e

(iii) a garantia de aces-so dos/as indígenas ao en-sino superior por meio doPrograma Universidadepara Todos (Prouni) e deoutros programas de per-manência nas universida-des públicas.

No Programa Seto-rial de Igualdade Raci-al, os/as “indígenas” sãotratados /as conjuntamente com outros segmen-tos historicamente discriminados, em particu-lar a população afro-descendente, para os quaisse destinariam políticas de promoção da igual-dade racial, com foco nas “ações afirmativas”como principal instrumento para a “consolida-ção do Estado Republicano”. Ao Conselho Na-cional de Promoção da Igualdade Racial é atri-buído o papel de instância de promoção do di-álogo entre o governo e a sociedade civil, visan-do garantir o “controle social das políticas depromoção da igualdade racial”. Nesse progra-ma setorial, nenhuma menção é feita seja à Co-missão Nacional de Política Indigenista seja aoConselho Nacional de Política Indigenista.

As propostas foram apresentadas por temas -direito a moradia; diversidade cultural; educa-ção; saúde e qualidade de vida; segurança ali-mentar e nutricional; segurança pública; rela-ções internacionais; e gestão e administração

pública –, com ações específicas voltadas, prin-cipalmente, aos/às afro-descendentes, indígenase ciganos/as, como “segmentos historicamentediscriminados”.

No “Programa Setorial de DesenvolvimentoSocial”, sob responsabilidade do Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome(MDS), que tem como foco o “combate à po-breza”, é informado que se pretende ampliar eaprofundar, no período de 2007 a 2010, a po-lítica nacional de Segurança Alimentar eNutricional (SAN), sustentada por uma rede pú-blica de bens e serviços, articulada com as polí-ticas setoriais de transferência de renda (Progra-ma Bolsa Família) e de assistência social (Siste-ma Único de Assistência Social).

No tocante à população indígena, esse progra-ma setorial prevê ampliar a rede de pagamentosde benefícios do Programa Bolsa Família, levan-do em consideração as especificidades dessa po-pulação, mas não entra nos detalhes político-operacionais relacionados aos recorrentes proble-mas com o cadastramento, com a discriminaçãoexistente localmente e com o uso clientelar do ins-trumento de “distribuição de renda” pelos pode-res públicos locais e por comerciantes ávidos porcontrolar o destino do recurso financeiro repas-sado pelo governo. Também prevê a ampliaçãoda participação de comunidades indígenas noPrograma de Atenção Integral à Família (Paif ),implementado por meio dos chamados Centrosde Referência de Assistência Social (Cras).

A falta de um “programa setorial”, ou melhor,de um programa menos setorial e mais deintegração, que articule e dê sentido às ações depromoção dos direitos indígenas no período2007/2010; que considere a diversidade e acomplexidade da condição indígena no Brasilna contemporaneidade, incorporando a dimen-são política e superando a “cidadania parcial”herdada do primeiro mandato do Governo Lula,projeta uma sombra de preocupação sobre o fu-turo dos povos indígenas no segundo mandato.

Page 8: Boletim Orcamento Socioambiental 18

8 novembro de 2006

Essa preocupação(com o futuro dos

povos indígenas) seprojeta com mais

força quandocolocada nocontexto do

processo em cursode integração das

infra-estruturasnacionais dos paísesda América do Sul;

isto é, dadenominadaIniciativa de

Integração da Infra-Estrutura Regional

Sul-Americana(IIRSA)

Essa preocupação se projeta com mais forçaquando colocada no contexto do processo emcurso de integração das infra-estruturas nacio-nais dos países da América do Sul; isto é, da de-nominada Iniciativa de Integração da Infra-Es-trutura Regional Sul-Americana (IIRSA), quetem no governo brasileiro um dos seus princi-pais promotores. Incluídas nessa Iniciativa es-tão, por exemplo, oComplexo Rio Madeira,o asfaltamento da BR-163 l igando Cuiabá(MT) a Santarém (PA) ea rodovia Interoceânica(Brasil-Peru), com im-pacto direto nas condi-ções de vida das popula-ções indígenas. 7

Mudançainterrompida

Semelhante ao ocorri-do no ano de 2002, em2006 foi constituída uma“comissão técnica” com aresponsabilidade de ela-borar o “programasetorial” para os povos in-dígenas do Programa de Governo Lula Presiden-te. Depois de quase dois meses de trabalho - queenvolveu integrantes das principais organizaçõesindígenas e assessores governamentais e não-gover-namentais não-indígenas de diferentes áreas -, epara espanto dos principais envolvidos no proces-so, a proposta de “programa setorial” foi conside-rada pela coordenação de campanha como umprograma que cheirava a “oposição” e que, em al-guns pontos, apresentava propostas muito radicaisque poderiam gerar mal-estar entre os “aliados po-líticos”. O que se pode dizer disso é que, mais uma

vez, houve, da parte do governo federal, uma opor-tunidade desperdiçada, e que assumir umaautocrítica em relação ao fato faria muito bem aoprocesso de democratização do Brasil.

Mas o que continha de tão problemático o tal“programa setorial”? Definia, por exemplo, três di-retrizes para uma agenda de mudanças afirmati-vas: (i) o abandono da herança tutelar, paternalistae integracionista, por meio do estabelecimento deum novo cenário jurídico, político e administrati-vo na relação Estado e povos indígenas; (ii) a ga-rantia de demarcação, proteção e de ações orien-tadas para a promoção de “desenvolvimento sus-tentável” nos territórios indígenas de todo o país;e (iii) o fortalecimento da gestão intersetorial daspolíticas públicas destinadas aos povos indígenascom transparência e mecanismos de controle soci-al indígena sobre o planejamento e a execuçãodessas políticas e respectivos orçamentos.

Em termos de “propostas”, foram incluídas, noreferido programa setorial: (i) a criação eimplementação do Conselho Nacional de PolíticaIndigenista (CNPI), com função deliberativa,normativa, articuladora e supervisora das ações epolíticas voltadas aos povos indígenas como umtodo; (ii) a criação e implementação de uma secre-taria especial (“de promoção dos direitos indíge-nas”), como órgão executivo vinculado ao CNPI;(iii) a criação e implementação dos denominados“distritos especiais indígenas”, como unidades ad-ministrativas vinculadas à secretaria especial, comautonomia de gestão orçamentária e de planeja-mento no seu nível de atuação; (iv) a criação eimplementação de “conselhos distritais” paritáriose respectivas secretarias executivas; (v) a redefiniçãodas competências e redistribuição das ações e ati-vidades na esfera pública e nos três níveis; (vi) aaprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, pre-cedida de sua adequação ao novo cenário político,jurídico e administrativo que se quer estabelecer

7 Ver “IIRSA: Os riscos da integração”. Orçamento & Política Socioambiental (2006), número 17. www.inesc.org.br.

Page 9: Boletim Orcamento Socioambiental 18

9novembro de 2006

No ritmo como vãoas coisas, até mesmoa Comissão Nacional

de PolíticaIndigenista, criada

por DecretoPresidencial em

março de 2006, eainda não instalada,

deixará em breve defazer sentido – aomenos para os/as

indígenas

na relação Estado e povos indígenas; (vii) ofavorecimento das condições para oaprofundamento do debate sobre a criação do Par-lamento Indígena, como instância qualificada derepresentação dos povos indígenas no Brasil e (viii)o favorecimento das condições políticas e legaispara a criação de vagas de representantes indíge-nas no Congresso Nacional.

Além dessas propos-tas, constam medidasvoltadas para as políticassetoriais - regularização eproteção das terras indí-genas; etnodesenvolvi-mento; saúde indígena eeducação escolar indíge-na - e para o fortaleci-mento do controle soci-al indígena sobre essaspolíticas.

Por fim, o documentoapresenta como estratégi-as necessárias para aefetividade do Programa Setorial de Governo a cria-ção de uma “comissão de transição”, logo após as elei-ções, para elaborar um plano de trabalho; a incorpo-ração, no Plano Plurianual 2008/2011, de mudan-ças e ajustes conforme o novo cenário político, jurí-dico e administrativo desejado; e a garantia que omovimento indígena continuará com interlocução ediálogo aberto e plural com o governo.

Em linhas gerais, essa foi a proposta, que de“oposição” tinha muito pouco. Na “oposição”, defato, ou não existiu uma formulação madura so-bre o tema ou os/as indígenas estiveram invisíveisou foram tratados/as como um estorvo ao “desen-volvimento”.

Considerações finaisA crise política e administrativa por que pas-

sam órgãos como a Fundação Nacional do Ín-dio (Funai) e Fundação Nacional de Saúde(Funasa), e a rotatividade de pessoas nesses e

noutros órgãos do indigenismo oficial nos últi-mos anos, são apenas a ponta de uma crise bemmaior e mais profunda do Estado brasileiro ede como suas instituições se relacionam com ospovos indígenas. Algo que não será resolvido,no nosso entendimento, com polít icasindigenistas parciais e ações paliativas.

No ritmo como vão as coisas, até mesmo aComissão Nacional de Política Indigenista, cri-ada por Decreto Presidencial em março de2006, e ainda não instalada, deixará em brevede fazer sentido – ao menos para os/as indíge-nas. A Comissão tem como objetivos promo-ver a articulação das políticas setoriais, gestaro Conselho Nacional de Política Indigenista eser um mecanismo de governança e controlesocial compartilhado entre governo, organiza-ções indígenas e entidades não-indígenas. Noâmbito governamental, avaliamos ser urgentesolucionar a “embrulhada” promovida peloatual presidente da Fundação Nacional do Ín-dio, Mércio Gomes, que atropelou os procedi-mentos estabelecidos no Decreto e promoveu,de forma extemporânea, a escolha de represen-tantes indígenas durante a conferência nacio-nal organizada pelo órgão no mês de abril pas-sado. Passados oito meses, o governo não to-mou medidas concretas para sanar o problemapor ele mesmo gerado.

Fica cada vez mais evidente a necessidade deuma transformação integral e profunda do Es-tado brasileiro, uma transformação política einstitucional que se traduza na garantia do exer-cício pleno do direito de autonomia de decisãoe de autogoverno indígena sobre seus territóri-os e os recursos naturais neles existentes. O di-reito à representação política indígena nas ins-tâncias de poder legislativo do Estado e o efeti-vo protagonismo na formulação e no controledas “políticas públicas” são outros desafios quenecessitam ser urgentemente incluídos na agen-da política nacional e, particularmente, no mo-vimento indígena organizado.

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10 novembro de 2006

PROGRAMAS, MINISTÉRIOS E AÇÕES Autorizado Liquidado % Exec.

150 - Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas 279.405.303 237.534.688 85,01%

Ministério da Educação 5.600.000 1.354.529 24,19%

Apoio ao Ensino Fundamental Escolar Indígena 4.100.000 151.405 3,69%

Capacitação de Professores para a Educação Fundamental Indígena 1.500.000 1.203.124 80,21%

Ministério da Justiça 23.698.303 14.777.561 62,36%

Não informado 100.000 - 0,00%

Atendimento Social aos Povos Indígenas 7.461.947 5.971.285 80,02%

Atendimento aos Adolescentes e Jovens Indígenas em Situação de Risco Social 850.000 439.333 51,69%

Capacitação de Indígenas e Técnicos de Campo

para o Desenvolvimento de Atividades Auto-Sustentáveis em Terras Indígenas 350.000 172.263 49,22%

Capacitação de Professores e Técnicos em Educação Indígena 850.000 369.856 43,51%

Garantia dos Direitos e Afirmação dos Povos Indígenas 1.740.868 1.617.474 92,91%

Comunidade Escolar nas Aldeias 1.742.510 1.136.597 65,23%

Pesquisa sobre Populações Indígenas 280.000 212.860 76,02%

Funcionamento do Museu do Índio 817.000 408.238 49,97%

Promoção das Atividades Tradicionais das Mulheres Indígenas 325.315 161.881 49,76%

Implantação do Centro Cultural dos Povos Indígenas no DF 500.000 3.000 0,60%

Sintomaticamente, como que demonstrandoque a crise do Estado brasileiro é efetivamentebem mais ampla e profunda, anunciam-se, para2007, intensas mobilizações na sociedade brasi-leira e nas instâncias de governo em torno da“reforma política”. No campo da sociedade ci-vil, por exemplo, está em curso a elaboração da“Plataforma para a Reforma do Sistema Políti-co”. Essa atividade é o resultado da articulaçãodas principais redes e fóruns sociais brasileiros,tendo como objetivo geral promover mudançasna cultura política nacional, ampliando e demo-cratizando o processo de participação política,inclusive a efetiva participação da sociedade ci-vil no processo orçamentário nacional. 8

8 O documento preliminar sobre o debate da Plataforma está disponível na página do Inesc: www.inesc.org.br

O movimento indígena e seus aliados não po-dem ficar à margem do debate de emerge. Docontrário, continuarão à reboque de outros se-tores sociais, numa posição ainda mais subordi-nada no processo de definição das políticas eco-nômicas consideradas mais rentáveis aos opera-dores do Estado e do Capital (articulados emtorno do agronegócio, da mineração,biotecnologia e outros), constrangidos por agen-tes públicos e privados interessados na “ocupa-ção produtiva” de seus territórios e dependen-tes de ações emergenciais de assistência social.

Ricardo Verdum

Assessor de Políticas Indígena e Socioambiental

abela 1T

Orçamento Indigenista FederalLei Orçamentária Anual 2006

Page 11: Boletim Orcamento Socioambiental 18

11novembro de 2006

Não informado 200.000 - 0,00%

Construção de Moradia para Comunidade Indígena 1.100.000 456.118 41,47%

Capacitação de Servidores Públicos Federais em Processo de Qualificação e Requalificação 967.149 577.613 59,72%

Assistência a Estudantes Indígenas fora de suas Aldeias 2.332.646 1.539.733 66,01%

Organização, Preservação e Divulgação dos Acervos Documentais sobre Índios e a Política Indigenista 250.000 45.180 18,07%

Acompanhamento da Execução e Apoio Técnico às Ações de Saúde Indígena 250.000 57.402 22,96%

Instalação de Casas de Cultura em Aldeias Indígenas - Memorial do Patrimônio Cultural 1.050.000 173.567 16,53%

Sistema Cencitário das Populações Indígenas 1.940.868 1.105.186 56,94%

Gestão e Disseminação das Informações acerca da Temática Indígena 250.000 250.000 100,00%

Manutenção de Casas de Cultura em Aldeias Indígenas - Memorial do Patrimônio Cultural 340.000 79.975 23,52%

Ministério da Saúde 248.827.000 221.239.644 88,91%

Não informado (transferência para “entidade sem fins lucrativos” em Santa Catarina) 27.000 - 0,00%

Gestão e Administração do Programa 12.000.000 11.179.319 93,16%

Estruturação de Unidades de Saúde para Atendimento à População Indígena 10.000.000 6.136.779 61,37%

Publicidade de Utilidade Pública 900.000 436.121 48,46%

Vigilância e Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas 4.800.000 1.733.859 36,12%

Promoção da Educação em Saúde dos Povos Indígenas 1.100.000 636.742 57,89%

Atenção à Saúde dos Povos Indígenas 220.000.000 201.116.824 91,42%

Ministério dos Esportes 800.000 82.954 10,37%

Realização dos Jogos dos Povos Indígenas 800.000 82.954 10,37%

Ministério do Desenvolvimento Agrário 480.000 80.000 16,67%

Assistência Técnica e Extensão Rural em Áreas Indígenas 480.000 80.000 16,67%

151 - Proteção de Terras Indígenas, Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento 56.494.885 24.212.697 42,86%

Ministério da Justiça 51.294.754 23.385.962 45,59%

Não informado (Amazonas) 100.000 - 0,00%

Não Informado (Roraima) 400.000 - 0,00%

Não Informado (Rondônia) 100.000 - 0,00%

Não Informado (Pernambuco) 100.000 - 0,00%

Não Informado (Pernambuco) 140.000 - 0,00%

Fomento a Projetos Especiais Implementados em Terras Indígenas 100.000 7.865 7,87%

Estudos dos Impactos Ambientais e Culturais de Empreendimentos em Terras Indigenas 250.000 133.067 53,23%

Conservação e Recuperação da Biodiversidade em Terras Indígenas 800.000 285.666 35,71%

Fiscalização de Terras Indígenas 6.219.387 4.486.131 72,13%

Fomento às Atividades Produtivas em Terras Indígenas 8.104.907 4.632.451 57,16%

Funcionamento de Postos Indígenas 4.750.493 2.451.597 51,61%

Demarcação e Regularização de Terras Indígenas 19.059.982 7.806.901 40,96%

Localização e Proteção Etno-ambiental Índios Isolados e de Recente Contato 750.000 381.223 50,83%

Regularização e Proteção de Terras Indígenas na Amazônia Legal - PPTAL (Programa-Piloto) 10.419.985 3.201.061 30,72%

Ministério do Meio Ambiente 5.200.131 826.735 15,90%

Conservação e Recuperação da Biodiversidade em Terras Indígenas 100.000 99.999 100,00%

Fomento a Projetos de Gestão Ambiental dos Povos Indígenas da Amazônia (Programa-Piloto) 2.606.723 452.754 17,37%

Fomento à Gestão Ambiental em Terras Indígenas (FNMA) 2.493.408 273.982 10,99%

1287 - Saneamento Rural 47.616.103 8.023.043 16,85%

Ministério da Saúde 47.616.103 8.023.043 16,85%

Saneamento Básico em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos 47.616.103 8.023.043 16,85%

139 - Gestão da Política de Desenvolvimento Agrário 967.149 324.524 33,55%

Ministério do Desenvolvimento Agrário 1.000.000 324.524 32,45%

Promoção da Igualdade de Raça, Gênero e Etnia no Desenvolvimento Agrário 967.149 324.524 33,55%

TOTAL 384.483.440 270.094.952 70,25%Fonte: Senado Federal/Siga Brasil - situação em 31 de outubro de 2006.

abela 1 (continuação)T

PROGRAMAS, MINISTÉRIOS E AÇÕES Autorizado Liquidado % Exec.

Page 12: Boletim Orcamento Socioambiental 18

12 novembro de 2006

Os povos indígenas na reforma política

O debate sobre a reforma do sistema políticobrasileiro está na ordem do dia. Mas, ao contráriodo que ocorre no âmbito do Congresso Nacional,na sociedade civil ganha corpo a percepção de queé necessário ultrapassar os marcos do debate con-servador, que restringe a questão às temáticas elei-toral e partidária.

Essa é a perspectiva da “plataforma dos movimen-tos sociais” para a reforma do sistema político noBrasil1, iniciativa desencadeada no final de 2005,no seminário organizado pelo Fórum Nacional deParticipação Popular (FNPP) em Recife, e que vemagregando um amplo conjunto de redes, fóruns,movimentos e articulações sociais.

A criação e ampliação de meios para o exercíciodo protagonismo social e do controle direto da so-ciedade civil sobre as ações do Estado, além da su-peração da atual “arquitetura da participação”, queem muitos casos tem contribuído para alimentar ailusão da participação e fortalecido uma percepçãofragmentada dos direitos individuais e coletivos, sãopontos que têm mobilizado a atenção e fomentadoacalorados debates entre os/as participantes.

No entanto, talvez como fruto do peso que oindigenismo (tutelar e assistencial) tem no imaginá-rio social brasileiro - seja como ideologia seja comoprática política “mais adequada” ao relacionamen-to do Estado, e, em geral, da sociedade civil com ospovos indígenas -, registra-se ainda uma relativa fra-gilidade nos debates e nos encaminhamentos rela-cionados com o lugar dos povos indígenas na alme-jada “reforma política”. Carecemos no Brasil de umdebate renovado sobre essa questão, em sintoniacom o debate que se desenvolve em vários países daAmérica Latina (México, Bolívia, Equador, Colôm-bia, entre outros) e nos fóruns internacionais, comona Organização das Nações Unidas (ONU) e naOrganização dos Estados Americanos (OEA).

Considerando o que vem sendo discutido nos en-contros do movimento indígena no Brasil, ao menos

nos últimos anos, arriscaríamos listar quatro pontos so-bre os quais parece haver um bom nível de consenso:

1. A instalação imediata da Comissão Nacional dePolítica Indigenista (CNPI), paritária edeliberativa, como primeiro passo para se avan-çar no sentido da superação da situação de frag-mentação e relativa anomia verificada tanto noprocesso de planejamento quanto na atuaçãodo Estado brasileiro junto aos povos indígenas;

2. O estabelecimento de cotas específicas pararepresentantes indígenas nos legislativos fede-ral, estadual e municipal;

3. A criação de um sistema ou subsistema especí-fico de eleição dos representantes indígenas aoslegislativos, com regras próprias, adequadas àrealidade sociocultural dos/as indígenas no Bra-sil, pelas quais somente eles/as participariam doprocesso de escolha de seus representantes;

4. E a instalação de um “parlamento ou conse-lho indígena”, vinculado ao Congresso Nacio-nal, com a atribuição de debater e deliberarsobre os projetos de futuro e de desenvolvi-mento dos povos indígenas. Esse “parlamen-to” funcionaria também como órgão assessore de controle social sobre os/as parlamentaresindígenas eleitos/as para o Congresso Nacio-nal brasileiro.

Para a efetivação dessas demandas, é bom lem-brar, inclusive para que não sejam criadas falsas ex-pectativas, serão necessários “ajustes” numa série deregras e procedimentos do atual sistema políticobrasileiro. Por exemplo, na Constituição Federal, naLei Eleitoral brasileira e no regimento interno doslegislativos. Não se trata de uma mudança fácil, masserá menos ainda se o movimento indígena tentarrealizar isso internamente, desarticulado e de for-ma isolada de outros setores e movimentos sociais.

Ricardo VerdumAssessor de Políticas Indígena e Socioambiental do Inesc

1 Ver documento disponível no sítio do Inesc: www.inesc.org.br