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Boletim Orcamento Socioambiental 21

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Page 1: Boletim Orcamento Socioambiental 21
Page 2: Boletim Orcamento Socioambiental 21

2 junho de 2007

As demandasindígenas por

acesso à informaçãoe por participação

na gestão daspolíticas públicas de

seu direito einteresse não são

novidade no Brasil

Orçamento & Política Socioambiental: uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a FundaçãoHeinrich Boll. Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, bl B-50 - sala 435 - Ed. Venâncio 2000 – CEP 70.333-970 Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 – Fax: (61) 3212 0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br. ConselhoDiretor: Armando Raggio, Caetano Araújo, Eva Faleiros, Guacira Cesar, Iliana Canoff, Jean Pierre, Jurema Werneck, Padre Virgílio Uchoa,Pastor Ervino Schmidt. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores/as: Alessandra Cardoso,Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Luciana Costa, Ricardo Verdum. Assistentes: Álvaro Gerin, Ana PaulaFelipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED, Embaixada do Canadá - Fundo Canadá,Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, KNH, Norwegian Church Aid, Novib, Oxfam, Save the ChildrenFund e Wemos Fundation. Jornalista responsável: Jair Barbosa Jr (DF 0976JP).

to indígena e das entidades de apoio no complexomundo do planejamento federal. Visa familiarizá-los com conceitos e procedimentos relacionadosao chamado “ciclo de gestão” das ações governa-mentais e do orçamento federal, complementadocom uma breve avaliação político-orçamentária deprogramas e ações do governo federal destinadosaos povos indígenas. Ao final, se fará um brevebalanço do período 2003/2006 e do ano de 2007,no tocante às questõesfundiária e de gestãoambiental.

As demandas indígenaspor acesso à informação epor participação na gestãodas políticas públicas deseu direito e interesse nãosão novidade no Brasil.Aparecem há pelo menosvinte anos, ora numa pers-pectiva reivindicativa, ora de forma propositiva,focando em políticas específicas ou em ações de in-teresse geral.

Nossa expectativa é de que este documento pos-sa ser útil à finalidade a que se propõe: informar econtribuir com o fortalecimento do protagonismoindígena no processo de gestão das políticas públi-cas. Entendemos ser a elaboração do PlanoPlurianual 2008/2011 um bom momento para isso.

Introdução aos sistemas federais deplanejamento e orçamento

A noção moderna de plano plurianual foi in-corporada à administração pública brasileira pormeio da Lei Federal nº 4.320, de 17 de março

de 1964. Com essa lei, o governo federal pre-tendia articular, sob uma mesma lógica, a elabo-ração e o controle dos orçamentos da União, dosestados e municípios e do Distrito Federal. Asmudanças modernizantes então introduzidas se-guiam recomendações da Organização das Na-ções Unidas (ONU), que propunha uma maior“harmonia” entre os planos de governo e os res-pectivos orçamentos.

Esse esforço de harmonização e homogeneizaçãoconceitual e lógica visava, entre outras coisas, facili-tar o acompanhamento e a avaliação comparativaentre países, além do aprimoramento da gestão in-terna nos países. Nesse mesmo ano (1964), foi cria-do o Instituto de Pesquisas Econômicas e SociaisAplicadas (Ipea), com a atribuição de elaborar es-tudos e pesquisas nas áreas econômica e social e re-alizar análise de políticas públicas brasileiras.

A Constituição Federal de 1988 levou em con-sideração esse modelo e estabeleceu, nos artigos165 a 169, o arcabouço legal básico do processode planejamento e de orçamento em uso no Bra-sil. Neles, foi definido que o chamado PlanoPlurianual (com a sigla PPA) é o principal instru-mento de planejamento em médio prazo do go-verno federal, e que esse Plano deve conter, emgrandes números, a alocação dos recursos finan-ceiros do orçamento da União, englobando as des-pesas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

A Constituição de 1988 estabeleceu comple-mentarmente três instrumentos básicos do denomi-nado ciclo de gestão das políticas públicas. São eles:

1. O Plano Plurianual (PPA)2. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)3. A Lei Orçamentária Anual (LOA)

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3junho de 2007

O PPA, a LDO e aLOA são

instrumentosarticulados que

integram odenominado ciclo de

gestão das açõesgovernamentais e do

orçamento federal

O processo de formulação de políticas públicas éaquele por meio do qual o governo — consideradasas demandas e os objetivos do conjunto da sociedadeou do grupo social alvo — estabelece os programas eas ações adequados para obter os resultados e as mu-danças desejadas. Com vigência de quatro anos, oPPA tem a função de estabelecer as diretrizes, os ob-jetivos e as metas da Administração Pública para operíodo, materializados em programas e ações.

Cada programa é,idealmente, um conjun-to articulado de ações ori-entadas por um objetivo.O programa seria, por-tanto, o instrumento deorganização das ações go-vernamentais, definindoobjetivos e metas a seremalcançados para solucio-nar o problema que o ori-ginou. Os programas podem ser setoriais, quandoarticulam ações de um único ministério, ou multi-setoriais, quando envolvem ações de mais de um mi-nistério. Os dois programas indigenistas do gover-no federal são multisetoriais (ver tabela 2).

As ações são aquilo que os programas realizamna prática e que devem visar um objetivo previa-mente estabelecido. Exemplos de ações voltadas paraa promoção do bem-estar da população indígena:demarcação e proteção das terras indígenas (Funai);apoio à gestão ambiental sustentável nas terras in-dígenas (MMA); atenção à saúde indígena(Funasa); publicação e distribuição de material di-dático e para-didático adequado às escolas indíge-nas (MEC), entre outras.

No PPA, o governo consolida o seu plano deação. Esse plano é elaborado inicialmente pelo Po-der Executivo, que o encaminha ao Congresso Na-cional, na forma de Projeto de Lei (PL), até o dia 31de agosto do primeiro ano de cada mandato presi-dencial. No Congresso Nacional, o PPA é debati-do, sofre emendas, e deve ser aprovado até o finaldo ano legislativo. O Plano Plurianual 2004/2007,por exemplo, foi elaborado no primeiro ano do

Governo Lula, em 2003, e sua execução estará con-cluída no final de 2007, ano em que o novo gover-no federal deverá elaborar e aprovar no CongressoNacional um novo Plano, o de 2008/2011.

Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO ),também encaminhada ao Congresso Nacional naforma de PL (Projeto de Lei), o governo apresentaas suas prioridades e estabelece os limites de recei-ta e despesa para cada ano. Para a elaboração des-sa Lei, toma como referência programas e açõescontidos no PPA. A LDO é elaborada ano a ano edetermina o que deverá constar na Lei Orçamen-tária Anual (LOA). Nela, devem estar previstas asprojeções de receitas para o ano e os limites dedespesas. Na LDO devem estar previstas tambémas metas físicas do governo para os três anos se-guintes, como por exemplo, o número de terras aserem identificadas e demarcadas; o número deprojetos indígenas a serem apoiados; o número depessoas atendidas pelo subsistema de saúde indí-gena; o número de agentes de saúde formados ecapacitados; entre outras.

O terceiro instrumento, a Lei Orçamentária Anual(LOA), também é encaminhada ao Congresso Naci-onal para pronunciamento. Nela, o governo explicitasuas prioridades e prevê a programação das despesascom programas e ações ao longo do ano seguinte.Constitucionalmente, o Congresso Nacional tem atéo último dia de trabalho do ano para aprovar o orça-mento do ano subsequente, o que nem sempre temse mostrado factível por razões várias. 1

Assim, o PPA, a LDO e a LOA são instrumentosarticulados que integram o denominado ciclo degestão das ações governamentais e do orçamentofederal. Esse ciclo de gestão inclui atividades de pla-nejamento, monitoramento, avaliação e revisão dosprogramas e do Plano Plurianual. A metodologiadesenvolvida e aplicada a partir desses marcos le-gais e definições básicas gerou quatro PlanosPlurianuais: o de 1991/1995; o de 1996-1999 (de-nominado de “Brasil em Ação”); o de 2000/2003(o “Avança Brasil”) e o de 2004/2007 (“Brasil deTodos”). Essa metodologia também estará na basedo PPA 2008/2011.

1 Ver o Artigo 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

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4 junho de 2007

Até 31 de agosto, oPlano Plurianual

(PPA), consolidadona forma de Projeto

de Lei (PL), deve serencaminhado pelo

Executivo Federal aoCongresso Nacional

para análise eaprovação

Resumindo, temos o seguinte quadro: A cada quatro anos, os ministérios e órgãossetoriais (exemplo: Funai, Funasa e MMA)formulam e reformulam seu plano de traba-lho, definindo objetivos, metas e respectivosorçamentos. Isto ocorre no primeiro semes-tre do primeiro ano de cada mandato presi-dencial. Até 31 de agosto, o Plano Plurianual(PPA), consolidado na forma de Projeto deLei (PL), deve ser en-caminhado peloExecutivo Federal aoCongresso Nacionalpara análise e apro-vação. O Congressotem até o último diade trabalho desseprimeiro ano paramodificá-lo por meiode emendas. Sendoaprovado, o Con-gresso Nacional deve encaminhar o Plano mo-dificado ao Presidente da República, para asanção. Só então o PPA passa a ser uma Lei.

No primeiro semestre de cada ano, os minis-térios e órgão setoriais elaboram seu plano detrabalho e o orçamento para o ano seguinte.Isso ocorre geralmente nos primeiros mesesdo ano. O produto gerado por cada ministé-rio e órgão é encaminhado ao Ministério doPlanejamento, que tem até o dia 31 de agos-to para reunir todas as propostas, realizar osajustes necessários e encaminhar o produtofinal para o Congresso Nacional. Lá, o entãoProjeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA)é analisado, emendado, aprovado e devolvi-do à Presidência para sanção.

O Decreto nº 2.829, de outubro de 1998, deua base legal para o PPA 2000/2003: estabeleceuas regras de gestão; as normas para a elaboração eexecução do Plano Plurianual e do Orçamento daUnião; a obrigatoriedade e os princípios de avali-ação anual do Plano e dos programas.

As normas para a gestão do Plano Plurianual2004/2007 foram estabelecidas no Decreto nº5.233, de 6 de outubro de 2004. Nesse decreto,no artigo 1º, ficou estabelecido que a noção de“gestão estratégica do PPA” compreende omonitoramento, a avaliação e a revisão dos desafi-os e programas prioritários, cabendo ao Ministé-rio do Planejamento, em conjunto com a Subchefiade Articulação e Monitoramento da Casa Civil daPresidência da República, e em articulação comos demais órgãos do Poder Executivo, a responsa-bilidade pela sua realização.

Para o desenvolvimento das ações demonitoramento, avaliação e revisão dos programas,a Secretaria de Planejamento e Investimento Es-tratégico (SPI) do Ministério do Planejamentoconta com um grupo de analistas setoriais. No casodos dois principais programas da políticaindigenista do governo federal, o programa Iden-tidade Étnica e Patrimônio Cultural dos PovosIndígenas e o programa Proteção de Terras Indí-genas, Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento,há um analista específico na SPI/MP, EugênioAndrade Vilela dos Santos. 2

No âmbito do Ministério da Justiça, a quemcabe a responsabilidade sobre a execução dessesdois programas, foi instituído, em 23 de setembrode 2005, por intermédio da Portaria nº 1.849, afigura do “Comitê de Coordenação dos Progra-mas do Ministério”. Esse Comitê tem como finali-dade coordenar os processos de gestão “para o al-cance dos objetivos setoriais da Pasta”. Entre seusobjetivos, está o de “reorganizar e fortalecer o siste-ma nacional de política indigenista, a fim de coor-denar e fortalecer políticas de promoção social espe-cíficas e adequadas aos povos indígenas e promovero monitoramento e a proteção ambiental de terrasindígenas”.

No que diz respeito aos programas multi-setoriais, como é o caso dos dois principais pro-gramas indigenistas do governo federal, foi criadoum Comitê Gestor específico. Esse comitê é inte-grado pelo gerente do programa e pelos coorde-nadores das ações. Os Comitês Gestores dos dois

2 E-mail: [email protected].

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5junho de 2007

Durante a execuçãode programas e

ações ao longo doano, é fundamental

acompanhar e exigiro acesso à

informação junto aosgestores e às

instâncias colegiadassetoriais e

intersetoriais

programas indigenistas mencionados são integra-dos pelo presidente da Fundação Nacional do Ín-dio (Funai), na qualidade de Gerente de Progra-ma, e pelos coordenadores das ações na Funai e nosMinistérios envolvidos. A Funai é, portanto, aomenos em nível formal, a responsável pela gestãode ambos os programas, incluídos seus resultados eimpactos. 3

Segundo o Manual de Avaliação do PPA 2004/2007, a avaliação do de-sempenho dos programasem 2006 se daria no pe-ríodo de 12 de fevereiroa 9 de março de 2007 e aavaliação setorial, de 12 a23 de março. A partir de7 de março de 2007, se-ria dado início, no âmbi-to do Poder Executivo, àelaboração do PPA2008/2011. 4

Como, quando e onde é possível influir?Mas quando e onde os beneficiários de progra-

mas e ações voltados para povos e organizações in-dígenas podem e devem intervir, buscando corrigirpossíveis distorções ou ampliar as projeções físicas efinanceiras anuais e quadrianuais? De fato, a pri-meira indicação de “quando” é a seguinte: cotidia-namente. Mas, considerando a ritualística do ciclode gestão do PPA, já apresentada, a incidência devese dar em basicamente dois momentos:

no primeiro semestre do ano (em particular,nos meses de abril, maio e junho), quando ostécnicos e dirigentes dos Ministérios e órgãosestão elaborando e revisando os respectivosplanos de trabalho e orçamentos;

e no segundo semestre do ano, no CongressoNacional, pressionando e propondo aos par-lamentares emendas ao orçamento, modifica-ções necessárias nas metas e nos valores, etc.

No período em que o PL (Projeto de Lei) doPPA está tramitando no Congresso Nacional, aComissão Mista de Orçamento (CMO) estabe-lece o período para apresentação de emendaspelos parlamentares. Também é possível a qual-quer organização da sociedade civil (uma associ-ação indígena, por exemplo) apresentar, no pra-zo estabelecido, emendas ao PPA e ao PLOA, di-retamente na Comissão de LegislaçãoParticipativa (CLP) da Câmara dos Deputados.

Mas o resultado das iniciativas, seja junto aum determinado parlamentar ou junto à Comis-são de Legislação Participativa, vai dependerprincipalmente de uma convergência de fato-res: uma proposta tecnicamente bem elaboradae muita pressão política. É necessário acompa-nhar o trâmite da emenda e incidir junto aosparlamentares que participam do processo deavaliação das propostas de emendas – em parti-cular, o relator da matéria.

Durante a execução de programas e ações aolongo do ano, é fundamental acompanhar e exi-gir o acesso à informação junto aos gestores e àsinstâncias colegiadas setoriais e intersetoriais (con-selhos, comissões e grupos de trabalho).

Segundo o Artigo 10 da Lei nº 11.318, de 5de julho de 2006, que altera a Lei nº 10.933, de11 de agosto de 2004, que dispõe sobre o PlanoPlurianual para o período 2004/2007, o ÓrgãoCentral do Sistema de Planejamento e Orçamen-to Federal deverá elaborar e divulgar, até o dia15 de setembro de cada exercício, pela internet,o relatório de avaliação da implementação doPlano. Além disso, no mesmo artigo, fica estabe-lecido que os órgãos do Poder Executivo respon-sáveis por programas deverão “adotar mecanismosde participação da sociedade e das unidadessubnacionais na avaliação dos programas”.

Por intermédio das páginas eletrônicas (internet)da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br/orcamentobrasil/fiscalize) e do Senado Federal

3 A Portaria pode ser lida na sua integralidade no seguinte endereço na internet: www.mj.gov.br/Transparencia/servicos/legislacao/Legisla%C3%A7%C3%A3o%20de%20transpar%C3%AAncia/PORT%201849-09-2005.pdf. Em 18 de julho de 2006, foi publicada no D.O.U. 136, Seção1, uma alteração nos Anexos I, II e III da Portaria 1.894/2005. Ver Informe do Serviço de Informação Indígena (SEII) nº 136/2006, na página da Funai na internet.

4 Ver: www.planejamento.gov.br/arquivos_down/spi/Manual_Avaliacao_base2006.pdf. O Manual de Elaboração do Plano Plurianual 2008/2011 está disponívelno seguinte endereço: www.sigplan.gov.br.

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6 junho de 2007

O vício tutelarpermeou e

conduziusignificativamente o

processo deplanejamento e a

implementação daação indigenista do

Estado brasileiro

(www.senado.gov.br/siga), é possível acompanharno dia-a-dia as despesas realizadas com cada ação ecom cada um dos programas que integram o PPA.O Ministério da Justiça também mantém na suapágina informações orçamentárias e financeiras daFundação Nacional do Índio (Funai), e para acessá-las o endereço é o seguinte: www.mj.gov.br/Transparencia/execucao/execucao_2006.htm.

No campo da sociedade civil, o andamento do or-çamento público federal éacompanhado e avaliadoperiodicamente peloFórum Brasil do Orçamen-to (www.forumfbo.org.br)e pelo Instituto de EstudosS o c i o e c o n ô m i c o s(www.inesc.org.br).

Nesse sentido, percebe-se a necessidade de um for-talecimento político eorganizacional do movimento indígena, qualifica-do e com um número adequado de pessoas paraatuar nas diferentes esferas governamentais, parti-cularmente junto aos gestores das políticas e aosparlamentares do Congresso Nacional. Sem isso, osalto de qualidade que se faz necessário hoje noprotagonismo indígena dificilmente acontecerá.

Os programas e o orçamento indigenistaDesnecessário dizer que os povos indígenas foram

contemplados com ações e recursos financeiros nosquatro ciclos de gestão (de ações e do orçamento fe-deral) implementados no período pós-1988. Mas issose deu sempre na qualidade de beneficiários de polí-ticas, não como resultado de um efetivo protagonismodo movimento indígena e suas entidades representa-tivas - como a Coordenação das Organizações Indí-genas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articula-ção dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Geraise Espírito Santo (Apoinme). O vício tutelar permeoue conduziu significativamente o processo de planeja-mento e a implementação da ação indigenista doEstado brasileiro.

Da mesma forma como no PPA relativo ao perí-odo 2000/2003, as ações que beneficiam os povos

indígenas no PPA 2004/2007 foram concentradasem dois programas:

Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dosPovos Indígenas - com o ambicioso objetivode “garantir o pleno exercício dos direitos soci-ais dos índios e a preservação do patrimôniocultural das sociedades indígenas”;

Proteção de Terras Indígenas, Gestão Territoriale Etnodesenvolvimento - com o não menos am-bicioso objetivo de “garantir e proteger a inte-gridade do patrimônio territorial e ambientaldas sociedades indígenas”.

No primeiro programa, estão localizadas as açõesdos setores saúde indígena (Fundação Nacional deSaúde/Ministério da Saúde); educação escolar indí-gena (Ministério da Educação); assistência e valoriza-ção cultural (Fundação Nacional do Índio/Ministérioda Justiça e Ministério do Desenvolvimento Agrário).No ano de 2005, foi incluída nesse programa a ação“Realização dos Jogos dos Povos Indígenas”, sob a res-ponsabilidade do Ministério dos Esportes.

No segundo programa, estão as ações de demar-cação, proteção e regularização fundiária dos terri-tórios indígenas (Ministério da Justiça); as voltadaspara a promoção da gestão sustentável dos territó-rios e recursos naturais aí existentes e aquelas que sedestinam à geração de alternativas econômicas paraas comunidades locais (Ministério da Justiça e Mi-nistério do Meio Ambiente).

Além desses dois programas, em 2007 temosações específicas para os povos indígenas sendo exe-cutadas em três outros programas:

Saneamento Rural - sob a responsabilidade daFundação Nacional de Saúde/Ministério daSaúde (MS), no qual está a ação “Ampliaçãode ações de saneamento básico em aldeias in-dígenas”;

Gestão da Política de Desenvolvimento Agrá-rio - sob a responsabilidade do Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA), no qual estáa ação “Promoção da igualdade de raça, gêne-ro e etnia no desenvolvimento agrário”.

Identidade e Diversidade Cultural (Brasil Plu-ral) - sob a responsabilidade do Ministério

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7junho de 2007

Ministério / Ano 2003 2004 2005 2006 TOTAL

Ministério da Saúde 162.467.984 220.438.919 257.583.177 331.840.735 972.330.815

Ministério da Justiça 85.289.771 85.255.180 84.989.944 68.713.541 324.248.436

Ministério do Meio Ambiente 2.547.322 1.719.920 1.018.468 1.595.963 6.881.673

Ministério da Educação 381.130 2.124.610 2.961.665 5.435.345 10.902.750

Ministério do Desenvolvimento Agrário 1.647.838 1.517.756 2.438.155 5.603.749

Ministério dos Esportes 833.468 602.966 1.436.434TOTAL 250.686.207 311.186.467 348.904.478 410.626.705 1.321.403.857

* Valores “corrigidos” para 2006 pelo IPCA. Índices utilizados: 1,18685836 (2003), 1,11340497 (2004) e 1,04183568 (2005).

abela 1T

Balanço do gasto 2003-2006*

da Cultura (MINC), no qual está a ação “Fo-mento a projetos direcionados à cultura dospovos indígenas”.

Os indígenas também aparecem comobeneficiários (ou público-alvo) em pelo menos noveoutros programas da esfera federal. São eles: Ali-mentação Saudável; Amazônia Sustentável; ÁreasProtegidas do Brasil; Conservação e Uso Sustentá-vel da Biodiversidade; Paz no Campo; Proambiente;Proteção Social Básica; Educação para a Diversida-de e Cidadania; e Segurança Pública nas Rodovias.Este último se deve aos inúmeros acampamentosindígenas localizados na beira de estradas, em par-ticular na Região Centro-Sul do país.

Além dos recursos previstos nos programas doPPA, há ainda recursos denominados não-orçamen-tários que estão em fundos públicos setoriais e quesão repassados diretamente para projetos de orga-nizações indígenas e ONGs indigenistas ou paraprefeituras e órgãos estaduais. Para as ações de saú-de, unidades hospitalares e ambulatoriaisconveniadas com o Sistema Único de Saúde tam-bém recebem recursos diretamente do governo fe-deral. Os valores repassados aos estados e aos muni-cípios para as ações de atenção à saúde indígena; deeducação escolar; de assistência e outras podem seracessados nos seguintes endereços na internet:

www.fns.saude.gov.br/consultafundoafundo.asp

www.portaldatransparencia.gov.br/index3.asp

www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/transferencias_constitucionais.asp

Em 2006, as ações indigenistas do governo fe-deral somaram uma despesa total de R$ 410,62milhões; chegando a R$ 1,32 bilhão entre 2003e 2006.

Com base na tabela 1, é possível verificar que,ao longo dos quatro anos do primeiro mandatodo governo Lula, houve um aumento substantivonos números globais da despesa indigenista dogoverno federal. E observa-se também que, ao ladodo crescimento da despesa com os serviços de saú-de, sob a responsabilidade da Fundação Nacionalde Saúde (Funasa), a Fundação Nacional do Ín-dio foi tendo um desempenho financeiro decres-cente, chegando, em 2006, a um valor 19,44%menor que o de 2003.

Neste ano de 2007, todos os ministérios têm umorçamento superior ao gasto em 2006. Se tam-bém chegarão a superar o ano anterior em termosde execução do gasto, isso só saberemos ao térmi-no do ano. Em 2007, temos ainda uma novidadeem termos de Ministério com ação específica parapovos indígenas: trata-se do Ministério da Cultu-ra, com a ação “fomento a projetos direcionados àcultura dos povos indígenas”, com uma dotaçãoorçamentária aprovada pelo Congresso Nacionalde R$ 500 mil (ver tabela 2).

No tocante ao reconhecimento oficial dos terri-tórios indígenas, o governo Lula chega ao final doseu primeiro mandato de quatro anos (2003/2006)com 30 Terras Indígenas declaradas e 67 homolo-gadas. Esse desempenho poderia ter sido bem me-lhor, mas não foi porque houve uma sensível dimi-nuição nos investimentos financeiros na áreafundiária da Funai, impactando diretamente nas jáprecárias condições de trabalho do setor (Diretoria

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8 junho de 2007

PROGRAMAS, MINISTÉRIOS E AÇÕES Autorizado Liquidado % Exec.

150 - Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas 346.521.800 131.156.081 37,85%

Ministério da Educação 5.600.000 - 0,00%

Apoio ao Ensino Fundamental Escolar Indígena 4.100.000 - 0,00%

Capacitação de Professores para a Educação Fundamental Indígena 1.500.000 - 0,00%

Ministério da Justiça 24.757.800 4.759.460 19,22%

Atendimento Social aos Povos Indígenas 9.000.000 3.009.199 33,44%

Atendimento aos Adolescentes e Jovens Indígenas em Situação de Risco Social 950.000 75.345 7,93%

Capacitação de Indígenas e Técnicos de Campo p/ o Desenv. de Atividades Auto-Sustentáveis em Terras Indígenas 600.000 20.789 3,46%

Capacitação de Professores e Técnicos em Educação Indígena 1.000.000 129.290 12,93%

Garantia dos Direitos e Afirmação dos Povos Indígenas 500.000 54.767 10,95%

Comunidade Escolar nas Aldeias 1.800.000 273.428 15,19%

Pesquisa sobre Populações Indígenas 380.000 40.028 10,53%

Funcionamento do Museu do Índio 900.000 131.932 14,66%

Promoção das Atividades Tradicionais das Mulheres Indígenas 500.000 92.743 18,55%

Implantação do Centro Cultural dos Povos Indígenas no DF 100.000 1.892 1,89%

Construção da Casa do Artesanato Indígena - Município de Porto Velho (RO) 200.000 - 0,00%

Construção de Moradia para Comunidade Indígena 1.100.000 63.853 5,80%

Construção de Moradia para Comunidade Indígena - Município de Itacajá (TO) 160.000 - 0,00%

Capacitação de Servidores Públicos Federais em Processo de Qualificação e Requalificação 1.000.000 342.423 34,24%

Assistência a Estudantes Indígenas fora de suas Aldeias 2.760.000 422.127 15,29%

Organização, Preservação e Divulgação dos Acervos Documentais sobre Índios e a Política Indigenista 500.000 13.894 2,78%

Acompanhamento da Execução e Apoio Técnico às Ações de Saúde Indígena 250.000 17.979 7,19%

Implantação de Casas de Cultura em Aldeias Indígenas - Memorial do Patrimônio Cultural 1.290.000 27.780 2,15%

Sistema Cencitário das Populações Indígenas 100.000 - 0,00%

Gestão e Disseminação das Informações acerca da Temática Indígena 647.800 - 0,00%

Manutenção de Casas de Cultura em Aldeias Indígenas - Memorial do Patrimônio Cultural 1.020.000 41.991 4,12%

Ministério da Saúde 314.714.000 126.396.621 40,16%

Gestão e Administração do Programa 15.000.000 7.517.779 50,12%

Estruturação de Unidades de Saúde para Atendimento à População Indígena 12.225.000 153.571 1,26%

Publicidade de Utilidade Pública 1.500.000 416.400 27,76%

Vigilancia e Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas 4.889.000 295.839 6,05%

Promoção da Educação em Saúde dos Povos Indígenas 1.100.000 115.928 10,54%

Atenção à Saúde dos Povos Indígenas 280.000.000 117.897.104 42,11%

Ministério dos Esportes 1.000.000 - 0,00%

Realizações dos Jogos dos Povos Indígenas 1.000.000 - 0,00%

Ministério do Desenvolvimento Agrário 450.000 - 0,00%

Assistência Técnica e Extensão Rural em Áreas Indígenas 450.000 - 0,00%

151 - Proteção de Terras Indígenas, Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento 60.243.935 2.314.425 3,84%

Ministério da Justiça 55.637.400 2.282.645 4,10%

Fomento a Projetos Especiais Implementados em Terras Indígenas 100.000 - 0,00%

Estudos dos Impacto Ambientais e Culturais de Empreendimentos em Terras Indigenas 500.000 62.227 12,45%

Conservação e Recuperação da Biodiversidade em Terras Indígenas 1.050.000 15.598 1,49%

Fiscalização de Terras Indígenas 6.838.000 241.236 3,53%

Fomento às Atividades Produtivas em Terras Indígenas (Nacional) 12.004.400 361.593 3,01%

Fomento às Atividades Produtivas em Terras Indígenas - Município de São Gabriel da Cachoeira (AM) 200.000 - 0,00%

Fomento às Atividades Produtivas em Terras Indígenas - Estado do Ceará 250.000 - 0,00%

Fomento às Atividades Produtivas em Terras Indígenas - Aldeias Xavante (MT) 150.000 - 0,00%

Fomento às Atividades Produtivas em Terras Indígenas - Guajajara e Timbira (MA) 120.000 - 0,00%

abela 2T

Orçamento Indigenista Federal - LOA 2007

Page 9: Boletim Orcamento Socioambiental 21

9junho de 2007

PROGRAMAS, MINISTÉRIOS E AÇÕES Autorizado Liquidado % Exec.

Funcionamento de Postos Indígenas 5.935.000 235.231 3,96%

Demarcação e Regularização de Terras Indígenas 20.100.000 765.087 3,81%

Localização e Proteção Etno-ambiental Índios Isolada e de Recente Contato 1.250.000 86.986 6,96%

Regularização e Proteção de Terras Indígenas na Amazônia Legal - PPTAL (Programa-Piloto) 7.140.000 514.687 7,21%

Ministério do Meio Ambiente 4.606.535 31.780 0,69%

Conservação e Recuperação da Biodiversidade em Terras Indígenas 200.000 -

Fomento a Projetos de Gestão Ambiental dos Povos Indígenas da Amazônia (Programa-Piloto) 3.254.821 - 0,00%

Fomento à Gestão Ambiental em Terras Indígenas (FNMA) 1.151.714 31.780 2,76%

1287 - Saneamento Rural 42.600.000 1.062.892 2,50%

Ministério da Saúde 42.600.000 1.062.892 2,50%

Saneamento Básica em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos 42.600.000 1.062.892 2,50%

139 - Gestão da Política de Desenvolvimento Agrário 2.000.000 22.491 1,12%

Ministério do Desenvolvimento Agrário 2.000.000 22.491 1,12%

Promoção da Igualdade de Raça, Gênero e Etnia no Desenvolvimento Agrário 2.000.000 22.491 1,12%

1355 - Identidade e Diversidade Cultural - Brasil Plural 500.000 -

Ministério da Cultura 500.000 -

Fomento a Projetos Direcionados a Cultura dos Povos Indígenas 500.000 -

TOTAL 451.865.735 134.555.889 29,78%

abela 2 (Continuação)T

de Assuntos Fundiários - DAF), e também porquefaltou maior disposição do governo federal de en-frentar as pressões contrárias e garantir o direitoindígena à terra.

A recente polêmica em torno das terras Guaranide Araça’i, Toldo Imbu, Toldo Pinhal e Chapecó,todas localizadas em Santa Catarina, e que tiveramsuas Portarias Declaratórias (assinadas pelo minis-tro Tarso Genro, em 19 de abril passado) contesta-das inclusive por setores da base aliada do governofederal naquele estado, dá uma boa medida do graude dificuldade e da pressão enfrentada no trato daquestão fundiária.

A ação de “demarcação e regularização de ter-ras indígenas” teve, em 2006, um orçamento au-torizado de R$ 19,05 milhões, tendo liquidadoaté 23 de março de 2007 cerca de R$ 17,15milhões (90,02%). Deixaram de ser investidosnessa ação cerca de R$ 1,9 milhão. A ação “re-gularização e proteção de terras indígenas naAmazônia Legal (PPTAL)” teve, em 2006, umorçamento autorizado de R$ 10,41 milhões, ten-do liquidado até 23 de março de 2007 cerca deR$ 5,70 milhões (54,76%).

Se considerarmos o conjunto das ações relacio-nadas com a proteção de Terras Indígenas (fiscali-zação de terras indígenas; funcionamento de pos-

tos indígenas; demarcação e regularização de terrasindígenas; localização e proteção etno-ambiental deíndios isolados e de recente contato; e regulariza-ção e proteção de terras indígenas na AmazôniaLegal), o recurso financeiro autorizado em 2006foi de R$ 43,76 milhões e o montante liquidadofoi de R$ 35,29 milhões (80,63%). Deixaram deser investidos cerca de R$ 8,47 milhões.

Para 2007, foram autorizados cerca de R$ 41,26milhões, dos quais somente R$ 1,84 milhão (4,46%)havia sido gasto até 18 de maio. Nesse ritmo, o riscode chegarmos ao final do ano com um gasto inferi-or ao registrado em 2006 é grande. Na ação “de-marcação e regularização de Terras Indígenas”, ogasto alcançado não ultrapassou a casa dos 3,81%do orçado para o ano.

Esses números dão uma boa medida do que dei-xou de ser feito ou poderia ter sido feito, como porexemplo: formar mais grupos técnicos (GTs) respon-sáveis pelo início do processo de regularização deterras; agregar maior eficiência à análise de relató-rios circunstanciados referentes aos estudos de iden-tificação, revisão, eleição e delimitação de terras in-dígenas e dos seus respectivos resumos; e ampliar acapacidade de defesa dos relatórios circunstancia-dos diante de eventuais contestações aos limites iden-tificados das terras indígenas.

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10 junho de 2007

O gráfico 1 mostra que, no período 2003/2006,houve um decréscimo no gasto da Funai com asações de regularização fundiária, passando de R$32,18 milhões, em 2003, para R$ 23,59 milhõesem 2006.

No tocante à chamada gestão ambiental em ter-ras indígenas, o Ministério do Meio Ambiente(MMA) vem deixando a desejar. Em relação aoorçamento 2006, foi gasto o equivalente a 30,69%do orçado para esse fim, que foi a quantia de R$

5,20 milhões (foi gasto cerca de R$ 1,59 milhãoaté 23/03/2007). Nas ações do orçamentoindigenista, parece reproduzir-se o baixo desem-penho verificado no MMA nos últimos anos, nes-se e em outros programas, alimentando a hipótesede que deve haver problemas no planejamento ouna execução das ações.

Em 2007, o MMA havia gasto, até 18 de maio,R$ 31.780 mil o equivalente a 0,69% do orçamentoautorizado de R$ 4,6 milhões.

Os dois instrumentos responsáveis pelaimplementação da política de apoio e promoçãoda chamada gestão ambiental sustentável no âm-bito desse ministério - a Carteira Indígena (CI) eo componente Projetos Demonstrativos dos PovosIndígenas (PDPI) – encontraram sérias dificulda-des de operação no último ano. O primeiro, devi-do a dificuldades de internalizar novos recursospara projetos indígenas já aprovados nas instânci-as colegiadas; o segundo, pelo excesso de burocra-

cia e pela falta de decisões claras das instâncias su-periores no tocante ao tratamento da questão in-dígena no âmbito do MMA.

A proposta de reestruturação organizacional doMMA — publicada no Diário Oficial (DOU) noúltimo dia 27 de abril — trouxe algumas mudan-ças no que se refere às competências de secretarias edepartamentos criados ou transformados. Se issoimplicará em medidas claras no tocante à promo-ção e gestão sustentável dos territórios e recursosnaturais indígenas, ainda é uma incógnita.

Foi criado um Departamento de Extrativismo, vin-culado à Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimen-to Rural Sustentável, a quem compete promover agestão ambiental e o desenvolvimento sustentáveljunto aos povos indígenas e às comunidades tradici-onais. Ao Departamento de Políticas para o Contro-le ao Desmatamento, ligado à Secretaria Executiva,foi atribuído o apoio à criação de UCs e à demarca-ção de terras indígenas como ferramentas de com-bate ao desmatamento. À Secretaria deBiodiversidade e Florestas cabe, entre outras funções,a competência de propor políticas e normas e deci-dir estratégias relativas à proteção, valorização e con-servação do conhecimento tradicional associado àbiodiversidade e ao patrimônio genético (competên-cia do Departamento de Conservação daBiodiversidade); a promoção da conservação e do usosustentável da biodiversidade em terras indígenas eem comunidades quilombolas; e a repartição (“justae eqüitativa”) dos benefícios derivados do seu uso.

Importa destacar que os povos indígenas aindanão contam, de fato e na prática, com mecanismospara articular e garantir o controle (social e políti-co) dos indígenas sobre seus territórios e sobre osprocessos de gestão ambiental neles desenvolvidos.Os governos que se sucederam foram incompeten-tes, incapazes ou deliberadamente coniventes comessa situação. Os territórios indígenas e os recursosnaturais neles existentes ainda são vistos e tratadoscomo fonte ou reserva de capital a ser explorada eintegrada à economia nacional – ao aceleramentodo crescimento da economia nacional.

Isso torna ainda mais complexo o cenário e a pos-sibilidade de um único ministério, como é o caso do

0

5.000.000

10.000.000

15.000.000

20.000.000

25.000.000

30.000.000

35.000.000

2003 2004 2005 2006**

ráfico 1G

Gasto do governo federalcom regularização fundiária

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11junho de 2007 11

É necessário estarpresente nos

processos, levantandoe analisando

informações e asdivulgando para redes

mais amplas domovimento indígena e

de instituições deapoio

MMA, conseguir prover as condições para que secaminhe no sentido da superação dos problemas.Vários outros órgãos do governo federal estão se in-serindo e promovendo ações de gestão de recursosnaturais em territórios indígenas. Temos, por exem-plo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA) apoiando projetos em Terras Indígenas des-de 2004, o que soma um investimento total de apro-ximadamente R$ 4,02 milhões; a Secretaria Especi-al de Aqüicultura e Pesca(SEAP), da Presidência daRepública (PR), firmandoconvênio com a Funai(dez/2006) para desenvol-ver 12 projetos-piloto deaqüicultura em Terras In-dígenas; a Secretaria Na-cional de Economia Soli-dária (Senaes), do Minis-tério do Trabalho e Em-prego (MTE), inserindoindígenas nos seus cursos de formação e decapacitação de agentes de desenvolvimento comuni-tário; o Ministério da Saúde apoiando pequenos pro-jetos de comunidades e organizações indígenas comrecursos do Banco Mundial; e o Ministério de Ciên-cia e Tecnologia (MCT) apoiando projetos de exten-são e disponibilização de tecnologias sociais para co-munidades indígenas e tradicionais, por meio de pro-jetos desenvolvidos por instituições de ensino superi-or públicas, comunitárias e confessionais, instituiçõespúblicas de pesquisa e extensão, e organizações dochamado Terceiro Setor.

Considerando que a linha de açãodesenvolvimentista incorporada pelo governo dopresidente Lula da Silva deverá ganhar mais espaçonesse segundo mandato, essas e novas iniciativasdeverão ser incentivadas e articuladas à estratégiamais ampla de “aceleração do crescimento”.

Considerações finaisLidar com as ações governamentais de interesse

público, as chamadas políticas públicas, é lidar como orçamento e com o jogo político e os interessesrelacionados. A aplicação dos recursos financeiros

arrecadados pelo Estado brasileiro (por meio deimpostos, taxas e contribuições) é, em última ins-tância, o resultado de um processo de disputa entreos mais variados setores e grupos sociais que com-põem e integram a sociedade brasileira. Essa dispu-ta influi tanto na elaboração do orçamento públicoquanto na sua execução ao longo do ano.

Acompanhar o desempenho orçamentário deum Ministério ou órgão vinculado, ou de um ór-gão de estado ou municipal que tenha recebido re-curso financeiro público para ser aplicado em de-terminada política de interesse dos povos indígenas(exemplo: de saúde, de meio ambiente ou de edu-cação), é uma prática importante e necessária.

Como podemos ver, já é possível exercer algumtipo de controle, ao menos no que se refere ao mon-tante de recursos financeiros aplicados e repassadospelo governo federal. Mas os números em si são in-suficientes para revelar o que está acontecendo defato; o que o gestor desses recursos está fazendo comeles e onde; quais resultados e impactos estão sendogerados; bem como quais benefícios concretos es-tão sendo gerados para as populações.

Recordemos os objetivos gerais dos dois progra-mas indigenistas: um tem o objetivo de “garantir opleno exercício dos direitos sociais dos índios e a pre-servação do patrimônio cultural das sociedades in-dígenas”; o outro quer “garantir e proteger a inte-gridade do patrimônio territorial e ambiental dassociedades indígenas”. Fica a pergunta: os númerosfinanceiros nos informam efetivamente se essesobjetivos estão sendo alcançados? A resposta é, in-discutivelmente, não.

É necessário estar presente nos processos, levan-tando e analisando informações e as divulgandopara redes mais amplas do movimento indígena ede instituições de apoio; é necessário pressionar osgovernos (local, estadual e federal) para que assu-mam, planejem e implementem políticas compatí-veis com os direitos assegurados aos indígenas naConstituição de 1988 e na Convenção 169 da OIT.

Ricardo VerdumAssessor de Política Socioambiental e Indígena

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12 junho de 2007

Introduzir na pautado Abril Indígena

um tema tãocomplexo como o

Programa deAceleração do

Crescimento (PAC),foi uma

manifestação deamadurecimento

O Abril Indígena – Acampamento Terra Livre 2007,realizado em Brasília, entre os dias 16 e 19 de março, che-gou à sua quarta edição consolidando-se como o mais im-portante e representativo encontro nacional de lideranças erepresentantes de organizações indígenas do Brasil. A forçasimbólica do Abril Indígena, particularmente no campopolítico, ficou evidente ao levar o governo, em meio àreforma ministerial, a realizar uma cerimônia de instalaçãoda Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), noPalácio do Planalto, com a presença do presidente Lula daSilva, que reconheceu de pú-blico a dívida que ficava do seuprimeiro mandato com ospovos indígenas.

Foram objeto de avaliaçãoas políticas e ações de promo-ção da saúde indígena; o sis-tema de educação escolar in-dígena e a política de acessoao nível superior de ensino; aregularização e proteção dosterritórios indígenas; a capa-cidade de controle indígenasobre seus territórios e sobre os recursos naturais nelesexistentes; a modernização da legislação relativa aos direi-tos dos povos indígenas; os meios de superação do esta-do de desarticulação da ação indigenista do Estado brasi-leiro; o fortalecimento do protagonismo indígena nagestão das políticas públicas; o controle social e a partici-pação indígena nas políticas setoriais e intersetoriais doEstado; e as estratégias de fortalecimento político eorganizacional do movimento indígena em âmbitos lo-cal, regional e nacional.

As mulheres indígenas também se reuniram com oobjetivo de avaliar a situação do movimento de mulhe-res indígenas no Brasil e as políticas públicas destinadas aelas e aos povos indígenas de um modo geral, além dedefinirem estratégias de articulação e fortalecimento domovimento indígena de mulheres.

O Abril Indígena 2007 foi também uma importanteoportunidade para o movimento indígena - articuladoem torno das três principais organizações regionais indí-genas (Coiab, Apoinme e Arpin-Sul) - fazer uma auto-avaliação da sua capacidade organizativa e do nível de

O futuro do “Abril Indígena” 5

5 Ricardo Verdum, Assessor de Políticas Indígena e Socioambiental. [email protected]

interlocução possível com o atual governo federal.Introduzir na pauta do Abril Indígena um tema tão

complexo como o Programa de Aceleração do Cresci-mento (PAC), versão nacional da denominada Iniciativade Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana(IIRSA), foi uma manifestação de amadurecimento. Edemonstra o reconhecimento da necessidade de qualifi-car o debate interno, qualificação sobre uma agenda queimpactará direta e indiretamente os povos indígenas eseus territórios. As mudanças político-institucionais nosentido da modernização do Estado devem ser vistas comcuidado e numa perspectiva de médio prazo, particular-mente considerando o anunciado objetivo de aceleraçãodo crescimento econômico-financeiro.

Questões que estiveram presentes e permearam prati-camente todo o evento foram: a necessidade de estabele-cer e implementar estratégias de fortalecimento políticoe de articulação organizacional vertical e horizontal; departicipar da CNPI com autonomia em relação ao go-verno e garantir o desejado controle social do movimen-to sobre esse processo; e de se qualificar para enfrentar asdemandas e os embates postos pela agenda do crescimentonos âmbitos local, regional e nacional.

Atento a esse contexto, o grupo de trabalho que tra-tou da questão do controle social e da participação in-dígena nas políticas públicas, em particular da CNPI,aportou importantes subsídios nesse sentido. Chamoua atenção, por exemplo, para a necessidade deimplementação de uma estratégia de capacitação e for-mação permanente dos representantes indígenas: que asorganizações regionais proporcionem condições paraque seus representantes participem das reuniões e as-sembléias do movimento indígena, acompanhando osdebates e discutindo propostas e demandas com os pre-sentes; que as organizações indígenas e as entidades deapoio criem redes de comunicação interna, garantindoo fluxo de informação dos trabalhos da CNPI para asbases e desta para os representantes e para as organiza-ções indígenas ali representadas.

Se essas questões forem implementadas ao longo dospróximos 12 meses, cremos que estarão criadas as basespara um grande salto de qualidade e amadurecimento domovimento, com reflexos no processo democrático bra-sileiro e no futuro Abril Indígena (2008).