boletim orcamento socioambiental 23

12
sociedade, a economia, o fazer política e o ambiente na região sul-americana estão passando por profundas transformações. Algumas ainda pouco percebidas, por desconhecimento, omissão ou conivência. A Amazônia sul-americana e os recursos naturais ai disponíveis estão em meio a uma disputa acirrada. A constituição do que identificamos como modelo neo-extrativista progressista reproduz sobre outras bases políticas certas convergências perversas, reconduzindo a região sul-americana para a posição de provedora de recursos naturais. Isso nos coloca diante de novos desafios, de análise e de ação política em diferentes níveis, inclusive o regional. Entre esses desafios identificamos o como agir diante de governos que agem, não obstante estarem legitima- dos por processos sociais e políticos emancipatórios, imbricados com conglomerados empresariais nacionais e transnacionais, e financiam, com recursos públicos, a instalação de infraestrutura produtiva e a exploração de recursos naturais, causando grande impacto social e ambiental negativo. Nesta publicação, o INESC analisa essas e outras questões. Ricardo Verdum 1 Embora a dimensão e os efeitos da recente cri- se financeira internacional sejam ainda uma incógnita, ao que tudo indica, ela não deverá trazer mudanças estruturais na estratégia de inserção dos países da América do Sul (suas economias, territórios e recur- sos naturais) no sistema capitalista internacional de geração e circulação de mercadorias. Ao que parece, a região continuará sendo um território estratégico para a economia política mundial. Entretanto, e cada vez mais, esta importância residirá no seu potencial de provedora de commodities dirigidas aos centros manufatureiros mais dinâmicos, localizados em sua maioria fora do subcontinente sul- americano. Também como uma comportada impor- tadora de tecnologias que modernizem os processos de extração e beneficiamento primário de recursos naturais. Quando muito, será fortalecida a posição política, econômica e financeira de países como o Brasil, que vem 1 R. Verdum é assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), em Brasília, Brasil ([email protected]). Um agradecimento especial para Alessandra Cardoso pela revisão do manuscrito. A E D I T O R I A L 23 www.inesc.org.br Os riscos do neo-extrativismo progressista

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Boletim Orcamento Socioambiental 23

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sociedade, a economia, o fazer política e o ambiente na região sul-americana estão passando por profundas transformações. Algumas ainda pouco percebidas, por desconhecimento, omissão ou conivência. A Amazônia sul-americana e os recursos naturais ai disponíveis estão em meio a uma disputa acirrada. A constituição do que identificamos como modelo neo-extrativista progressista reproduz sobre outras bases políticas certas convergências perversas, reconduzindo a região sul-americana para a posição de provedora de recursos naturais. Isso nos coloca diante de novos desafios, de análise e de ação política em diferentes níveis, inclusive o regional. Entre esses desafios identificamos o como agir diante de governos que agem, não obstante estarem legitima-dos por processos sociais e políticos emancipatórios, imbricados com conglomerados empresariais nacionais e transnacionais, e financiam, com recursos públicos, a instalação de infraestrutura produtiva e a exploração de recursos naturais, causando grande impacto social e ambiental negativo.Nesta publicação, o INESC analisa essas e outras questões.

Ricardo Verdum1

Embora a dimensão e os efeitos da recente cri-

se financeira internacional sejam ainda uma incógnita,

ao que tudo indica, ela não deverá trazer mudanças

estruturais na estratégia de inserção dos países da

América do Sul (suas economias, territórios e recur-

sos naturais) no sistema capitalista internacional de

geração e circulação de mercadorias.

Ao que parece, a região continuará sendo

um território estratégico para a economia política

mundial. Entretanto, e cada vez mais, esta importância

residirá no seu potencial de provedora de commodities dirigidas aos centros manufatureiros mais dinâmicos,

localizados em sua maioria fora do subcontinente sul-

americano. Também como uma comportada impor-

tadora de tecnologias que modernizem os processos

de extração e beneficiamento primário de recursos

naturais.

Quando muito, será fortalecida a posição política,

econômica e financeira de países como o Brasil, que vem

1 R. Verdum é assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), em Brasília, Brasil ([email protected]). Um agradecimento especial para Alessandra Cardoso pela revisão do manuscrito.

AE D I T O R I A L

23

www.inesc.org.br

Os riscos do neo-extrativismo progressista

2 dezembro de 2009

agindo e sendo incentivado a ser a nova força indutora do

processo de reestruturação, modernização e expan-

são do modelo capitalista de desenvolvimento na

região.

Esse é um dos principais riscos que percebemos

na Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional

Sul-Americana (IIRSA): a de ser nada mais e nada menos

do que a provedora das condições materiais gerais de

produção (entenda-se infraestrutura) para potencializar

um dos “modelos de desenvolvimento” que tem carac-

terizado a trajetória histórica da região na economia

mundial (a de extrativista-exportadora), ampliando a

escala das exportações (dos países) com um mínimo

de agregação de valor.

Colabora para isso o crescimento da demanda

mundial por minerais e hidrocarbonetos (petróleo, gás e

derivados). Além disso, são recorrentes as avaliações de

agencias como BID e BIRD de que o Brasil e os demais

países da região devem investir em infra-estrutura para

reduzir os custos e o tempo de transporte. A geografia

e a precariedade ou inexistência da infraestrutura de

conexão dificultam a logística e aumentam o custo não-

tarifário da circulação e comercialização de produtos

na região. 2

2 Ver Carvalho, G. A Integração Sul-americana e o Brasil: O protagonismo brasileiro na implementação da IIRSA, Belém, Pará: Fase, 2004; Verdum, R. O insustentável ambiente da integração, Boletim Orçamento & Política Socioambiental, Ano V, n. 19, dezembro de 2006, 12p.; Verdum. R. (org.) Financiamento e Megaprojetos. Uma interpretação da dinâmica regional sul-americana. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2008.

Isso nos faz lembrar a tese enunciada recentemen-

te pelos presidentes do Banco Interamericano de Desen-

volvimento (BID) e da Corporación Andina de Fomento

(CAF) a respeito da atual condição dos países latino-ameri-

canos no contexto da globalização econômico-financeira:

“a vantagem comparativa atual dos países

latino-americanos no quadro mundial é sua

dotação de recursos naturais. Por um lado, os

países asiáticos se têm convertido na grande

fábrica mundial de manufaturas de consumo

massivo. Por outro, Estados Unidos e a Europa

se consolidam como provedores de manufatu-

ras especializadas, tecnologia e serviços. África

e América Latina têm sido relegadas ao papel

de provedores de matérias primas. No entanto,

este papel de provedores de bens de menor

valor agregado tem hoje em dia uma conota-

ção de fortaleza, dado a escassez relativa de

matérias primas. Ásia, Europa e Estados Unidos

carecem dos recursos naturais para alimentar

o vigoroso crescimento de suas economias, o

que tem impulsionado os preços das matérias

primas de forma sustentável para níveis nunca

antes observados ao largo da última década”. 3

Estabelecida como estratégia regional em

uma cúpula presidencial realizada no ano de 2000,

3 Ver Castilla, L. M. et al (eds.) Hacia la Integración Energética Hemisféri-ca: Retos y Oportunidades, Caracas: BID, CAF, 2008. p.3.

Orçamento & Política Ambiental: uma publicação trimestral do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos –, em parceria com a Fundação Heinrich Böll e Charles Stewart Mott Foundation. Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, Bl B-50 - Salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 – CEP. 70.333-970 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212.0200 – Fax: (61) 3212.0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br – Charles Stewart Mott Foundation Conselho Diretor: Analuce Rojas, Armando Raggio, David Fleisher, Eva Faleiros, Fernando Paulino, Jurema Werneck, Taciana Gouveia, Luiz Gonzaga, Osvaldo Braga. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum. Assistentes: Ana Paula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, Christian Aid, Conanda, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Instituto Heinrich Boll, IBP, KNH (KinderNotHilfe), Norwegian Church Aid, Oxfam, Oxfam Novib, Charles Stewart Mott Foundation, Unifem, Embaixada Britânica e Unicef.

dezembro de 2009 3

Analistas atentos à dinâmica econômico-

política na região postulam que já

existem elementos suficientes para se

afirmar a constituição de um modelo

“neo-extrativista progressista”

de crescimento econômico.

em Brasília, a IIRSA inclui um conjunto de ro-

dovias interoceânicas, hidrovias, portos, pontes,

centrais hidrelétricas, aeroportos entre itens de

infraestrutura produtiva destinados a integrar (mas

também abrir) o continente aos investimentos e às

empresas que atuam nos setores de infraestrutura

e exploração de recursos naturais. Nesse sentido,

é visível a associação do que chamaremos aqui de

neo-extrativismo com os objetivos dessa Iniciativa.4

Neo-extrativismo desenvolvimentista

Mas o que tem chamado a atenção de alguns

analistas é que a posição de região provedora de re-

cursos naturais está sendo

fortalecida exatamente pe-

los governos progressistas

e de esquerda, eleitos

com plataformas políticas

contrárias a esse modelo

(se auto-intitulando pós-

neoliberais), que admi-

nistram hoje aproximada-

mente quatro quintos da

população e cerca de três

quartos da superfície do

território sul-americano.

É na exportação de minerais, petróleo e pro-

dutos derivados da agropecuária industrial onde esses

governos estão vislumbrando estar o motor do “cresci-

mento econômico” dos países. Incluímos aqui também

os agro-combustíveis baseados na cana-de-açúcar

(etanol) e soja (biodiesel), que na última década têm

4 Durante a próxima reunião anual do BID, que acontecerá em março de 2010, em Cancun, no México, o banco estará divulgando o livro The Age of Productivity: Transforming Economies from the Bottom Up. Focado princi-palmente no item transporte, o livro trás entre as suas conclusões a de que a redução dos custos do transporte requer não só melhor infraestrutura, mas também um marco regulatório que promova investimentos e concorrência; aumentar a eficiência de portos e aeroportos e melhorar a regulação deve ser prioridade máxima dos governos da região, diz o BID. Fonte: ASCOM / BID (28/11/2009).

recebido crescente incentivo financeiro nas áreas da

pesquisa e produção, especialmente em países como

Brasil e Argentina.

Assim como já se fala de uma “financeirização

de esquerda” 5, analistas atentos à dinâmica econômico-

política na região postulam que já existem elementos

suficientes para se afirmar a constituição de um modelo

“neo-extrativista progressista” de crescimento econô-

mico. 6

Nele, se mantém o estilo de desenvolvimento

baseado na apropriação da Natureza, que por sua vez

alimenta uma trama produtiva escassamente diversifica-

da e concentrada em alguns poucos grupos empresarias.

Uma economia muito dependente da capacidade de

inserção internacional dos países (leia-se empresas)

como provedores de matérias primas.

Nesse novo extrativismo, os Estados desempe-

nham um papel mais ativo, nacionalizando empresas

(como em Bolívia e Venezuela, por exemplo) e/ ou

estabelecendo parcerias público-privadas, com carac-

terísticas que variam de situação para situação e de país

para país (como no Brasil).

Há uma forte imbricação entre governos, em

seus diferentes níveis, com empresas transnacionais e/ou

empresas privadas controladas por elites nacionais. Em

alguns casos, os governos provêem substantivo suporte

financeiro ou incentivos economicamente sedutores,

na forma de isenção de impostos etc., facilitando a

instalação, modernização e expansão de empresas e

conglomerados empresarias nos países.

São exemplo dessa imbricação público-privado

a participação de bancos públicos como o BNDES

5 Para o caso brasileiro ver Grün, R. Escândalos, marolas e finanças: para uma sociologia da transformação do ambiente econômico, Dados, v.51: 313-352. 2008

6 Ver Gudynas, E. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contex-tos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual, In: Varios autores, Extractivismo, política y sociedad, Quito, Equador: CAAP / CLAES, 2009. p. 187-225.

4 dezembro de 2009

Há claros sinais de que está em curso uma nova

convergência perversa em torno da relação

infraestrutura de produção,

extrativismo e as novas formas de

governança na região.

e o Banco do Brasil (BB) no financiamento e como

acionistas de empresas e conglomerados empresariais

que atuam nos setores infraestrutura e extrativismo,

tanto no Brasil quanto nos demais países da região sul-

americana. 7

Os governos progressistas desempenham este

papel legitimados pelo processo social e político que os

levou a ocupar os principais postos na administração

pública dos países; pela adoção de políticas redistribu-

tivas de parte dos rendimentos e tributos gerados nessa

economia; e por terem viabilizado o desenvolvimento

de alguns projetos democrático-participativos na gestão

pública.

Como o novo extrativismo passa a ser uma im-

portante fonte de recursos para financiar os programas

sociais (veja o caso do

anunciado Fundo Social,

que usará parte dos recur-

sos do petróleo do pré-sal

para projetos sociais),

os governos legitimam-

se politicamente como

progressistas enquanto

reforçam a posição dos

países como economias

preponderantemente ex-

trativistas-exportadoras.

Mas isso não tem impedido, no entanto, a

repetição de impactos e danos sociais e ambientais

negativos, semelhantes aos verificados em períodos

anteriores ou que estão ocorrendo nos países com

governos politicamente conservadores ou de direita

em Sul-América, com Peru e Colômbia. Também não

tem impedido o surgimento de movimentos de resis-

7 No final de abril de 2009 a carteira de projetos do Programa de Acelera-ção do Crescimento (PAC) dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) somava 257 projetos, grande parte executado pelo setor privado, e incluía grandes hidrelétricas, concessões de rodovias e ferrovias. Desse total, R$ 57,5 bilhões já estavam contratados e R$ 44 bilhões estavam enquadrados. A isso se somariam mais R$ 25 bilhões de 34 projetos em perspectiva, que elevariam para 291 o número de projetos do PAC no BN-DES, com financiamento potencial de R$ 125 bilhões. Fonte: Agencia Brasil.

tência social, assim como ações desde os governos e

empresas para deslegitimar, reprimir, criminalizar e

cooptar parcelas das populações locais impactadas e

organizações da sociedade civil com elas solidárias. 8

Novas convergências

Hoje nos encontramos diante da exigência de

fazer um novo esforço de análise do que Evelina Dagnino

(2004) chamou de “confluência perversa” entre, de um

lado, o projeto neoliberal que se instala em nossos países

ao longo das últimas décadas e, de outro, um projeto

democratizante, participatório, que emerge a partir das

crises dos regimes autoritários e dos diferentes esforços

nacionais de aprofundamento democrático. 9

Os últimos oito anos provocaram uma nova crise

discursiva, decorrente de deslocamentos de sentido por

que vêm passando noções como participação, sociedade

civil, cidadania e desenvolvimento. Há claros sinais de

que está em curso uma nova convergência perversa em

torno da relação infraestrutura de produção, extrativis-

mo e as novas formas de governança na região.

No tocante a cena financeira, a região sul-ameri-

cana está passando por profundas transformações. Ainda

que agentes como o Banco Mundial (BM) e o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID) continuem

tendo um papel relevante no desenvolvimento da infraes-

trutura produtiva e na exploração de recursos naturais,

outros atores e processos econômico-financeiros estão

sendo potencializados, inclusive com apoio técnico e

respaldo político dessas duas instituições.

8 Ver Echave, J. et. Minería y Territorio en el Perú. Conflictos, resistencias y propuestas en tiempo de globalización, Lima, Perú: Programa Democracia y Transformación Global, 2009; Svampa, M. e Antonelli, M. A. (eds.) Mine-ría transnacional, narrativas del desarrollo y resistencias sociales, Buenos Aires: Biblos, 2009; Pereira, A. R, et. A exploração minerária e suas con-sequências na Amazônia brasileira, Conflitos no Campo Brasil, Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2009.

9 Ver Dagnino, E. Confluencia perversa, deslocamentos de sentido, crise discursiva. In: Grimson, A. (ed.) La cultura en las crisis latinoamericanas, Buenos Aires: CLACSO, 2004.

dezembro de 2009 5

A CEF movimenta recursos do FGTS,

por intermédio de um Fundo de

Investimentos em infraestrutura (FI-

FGTS); entre os empreendimentos

na carteira do fundo está a Hidrelétrica

Santo Antônio, no Rio Madeira (RO)

Além de instituições financeiras regionais (IFR)

como a Corporação Andina de Fomento (CAF), do

Fundo Financeiro para o Desenvolvimento dos Países

da Bacia do Prata (FONPLATA), do Banco Latino-ame-

ricano de Exportações (BLANDEX), do Fundo para a

Convergência Estrutural

e Fortalecimento da Es-

trutura Institucional do

MERCOSUL (FOCEM) e

do Banco do Sul, insti-

tuições financeiras que

têm a particularidade

de estarem nas mãos

dos próprios governos

sul-americanos vêm ad-

quirindo uma crescente

participação na promo-

ção e no financiamento

de projetos de infraestrutura física (como estradas,

hidrovias, ferrovias, gasodutos e usinas hidrelétricas)

e na exploração de recursos naturais.

Ai está, por exemplo, o BANDES venezuelano (hoje com menos força, devido à baixa havida no preço do

petróleo) e as instituições financeiras brasileiras BNDES,

Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF).

A CEF movimenta recursos do FGTS, por inter-

médio de um Fundo de Investimentos em infraestrutura

(FI-FGTS); entre os empreendimentos na carteira do

fundo está a Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira

(RO) e já está em estudo sua participação na construção

da Central Hidrelétrica de Belo Monte (Pará). O Banco

do Brasil operacionaliza o Programa de Financiamento

às Exportações (PROEX), um mecanismo de financia-

mento que apóia às exportações de bens e serviços

bancadas com recursos do Tesouro Nacional, previsto

anualmente no orçamento da União.

O BNDES não só empresta atualmente o

equivalente a pouco mais do que oito vezes do total

combinado das IFIs por ano, como também concede

empréstimos fora do Brasil, algo que deverá se ampliar

com a recente abertura de um escritório na cidade de

Montevidéu, no Uruguai. 10

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimen-

to, Indústria e Comércio (MDIC), entre os anos de 2000

e 2008 o BNDES liberou cerca de US$ 3,096 bilhões

em créditos para exportação de bens e serviços para

17 países na América Latina e Caribe. Desse total, US$

992,636 milhões foram para a Argentina; US$ 421,280

milhões ao Equador e US$ 356,846 milhões à Venezuela

(ver Tabela 1).

Com a crescente internacionalização das em-

presas brasileiras e o aumento da concorrência dos

asiáticos nos países vizinhos, especialmente a China, a

linha do programa BNDES-Exim de apoio a exportação

de bens e serviços de empresas brasileiras saltou de US$

42 milhões em 2002 para uma estimativa de US$ 1,26

bilhão em 2009, dos quais US$ 957 milhões haviam sido

liberados até agosto passado. Segundo levantamento da

consultoria Valora, o Brasil teria exportado cerca de

US$ 5,673 bilhões em serviços de engenharia para os

países latino-americanos em 2008, representando uma

participação de 50% a 60% do mercado regional11.

Brasil - Bolívia

Um exemplo dessa convergência de interesses

em torno da relação infraestrutura e exploração de

recursos naturais é a construção do denominado “Cor-

10 Por intermédio do BNDES Exportação (BNDES-Exim), esse banco apóia o financiamento à exportação de bens e serviços brasileiros para projetos de infra-estrutura, visando contribuir para a “redução de barreiras econômicas e geográficas no continente”. As principais fontes de recursos do BNDES são: rendimentos de aplicações financeiras; pagamentos dos empréstimos que o banco fez às empresas e outros beneficiários; Tesouro Nacional; Fundo Na-cional de Desenvolvimento (FND); Fundo de Garantia para a Promoção da Competitividade (FGPC); Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); PIS e PASEP; Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); Bancos Multilaterais (BID e BIRD); Bancos Regionais (CAF e Banco Europeu de Investimentos); outros bancos, como KfW (Alemanha), JBIC (Japan Bank International Cor-poration), CDB (China Development Bank), NIB (Nordic Investment Bank), entre outros.

11 Rodrigues, E. “Brasil faz obras nos visinhos temendo China” Folha de São Paulo, 27 de setembro de 2009.

6 dezembro de 2009

A expansão de empresas brasileiras

da construção civil (estradas, pontes, hidrelétricas etc.) e extrativistas (de

minério e petróleo, principalmente)

para os países vizinhos e outros

continentes é outro aspecto que vem

chamando a atenção na última década,

especialmente.

redor Norte”, localizado no noroeste da Bolívia, um dos

projetos âncora do Eixo Peru – Bolívia - Brasil da IIRSA.

Esse projeto abarca três departamentos bolivia-

nos: parte de La Paz, parte de Beni e todo o departamento

de Pando. Com esse corredor se logrará a construção e

o melhoramento da rodovia que conecta as localidades

de La Paz (capital da Bolívia), Guayaramerín, Cobija e

Rio Brando (capital do estado do Acre).

Entre os objetivos que orientam essa obra es-

tão: conectar através da Bolívia a rede de estradas do

estado de Rondônia no Brasil com a rede de estradas

do Peru e Chile; vincular regiões onde a intervenção

humana é escassa, mas as oportunidades de apro-

veitamento econômico de recursos são significativas

(petróleo, minério, madeira etc.) e viabilizar uma

maior integração da zona

central da denominada

Região MAP - formada

pelo departamento Madre

de Dios (Peru), o depar-

tamento Pando (Bolívia) e

o estado do Acre (Brasil).

O BID é o princi-

pal financiador da rodovia

(com US$ 307 milhões

para estudos e reconstru-

ção, reabilitação e cons-

trução de vários trechos

da rodovia), seguido do

Banco de Desarrollo Eco-

nómico y Social de Venezuela (BANDES), que aparece

como segundo maior financiador (com US$ 300 mi-

lhões destinados à construção de 324 km) e do BNDES,

com US$ 230 milhões para a construção de 210 km

da rodovia. 12

12 Três outras entidades financeiras estão envolvidas no financiamento da construção da rodovia: a CAF (US$ 47 milhões); o Governo da Bolívia (US$ 8,3 milhões) e o Banco Mundial (US$ 3,4 milhões). Ver: Vários, El Norte Amazónico de Bolivia y el Complejo del río Madera, Bolívia: Fobomade, CGIAB, 2007.

A expansão de empresas brasileiras da cons-

trução civil (estradas, pontes, hidrelétricas etc.) e

extrativistas (de minério e petróleo, principalmente)

para os países vizinhos e outros continentes é outro

aspecto que vem chamando a atenção na última década,

especialmente. 13

Essa tem sido uma das principais caracterís-

ticas do processo de transnacionalização do capital

brasileiro, ocorrida a partir de meados dos anos 1990,

conjuntamente com a abertura da economia e do se-

tor financeiro brasileiro para investimentos externos

diretos (IED).

Segundo Edson Pinto de Almeida, do Valor

Econômico,

Historicamente, a entrada de IED no Brasil

ocorre de forma bastante diversificada, com

destaque para os setores de extração de

minérios, de petróleo e gás natural, bem

como para agricultura e pecuária. O setor de

infraestrutura, por exemplo, acolheu cerca de

9% do total aportado em 2008, o que cor-

responde ao valor recebido em 2007. Desde

1996, quando começaram as privatizações,

o setor já recebeu US$ 80 bilhões, valor que

representa 24% de todo o volume que ingres-

sou no Brasil nesse período. 14

Em agosto passado, o presidente Lula da Silva

e o presidente Evo Morales assinaram a concessão de

um financiamento de US$ 332 milhões do BNDES (o

equivalente a 80% do custo da obra) para a construção

e pavimentação da estrada de 306 km que ligará Villa

13 Ver Instituto Rosa Luxemburg Stiftung et. Empresas Transnacionais Bra-sileiras na América Latina: um debate necessário, São Paulo: Expressão Po-pular, 2009. Outras fontes: Sobeet / Valor Multinacionais Brasileiras, Valor Econômico, outubro de 2009; Ranking Transnacionais Brasileiras 2009, do-cumento elaborado pela Fundação Dom Cabral (FDC), 2009;

14 Almeida, E. P. “Abundância de dinheiro também traz desafios. Com R$ 288 bilhões de capital estrangeiro, o Brasil está à frente da Rússia, Índia e China”, Valor Especial, novembro 2009.

dezembro de 2009 7

Tunari (departamento de Cochabamba) a San Ignacio

de Moxos, no departamento de Beni, no norte do país,

uma área isolada dos centros econômicos e do comércio

do país.

Essa estrada é parte da estrada Bioceânica (acor-

do assinado por Bolívia, Brasil e Chile em 2007), com o

objetivo de conectar o Pacífico ao Atlântico e desenvolver

o comércio regional. No

seu percurso a via corta o

Parque Natural de Isiboro-

Secura e vários territórios

indígenas. 15

Os serviços de en-

genharia serão prestados

pela construtora brasileira

OAS e faz parte de um acor-

do firmado entre os países

para evitar a expulsão de

outra construtora brasilei-

ra, a Queiróz Galvão (QG),

devido ao péssimo serviço

de pavimentação em duas estradas situadas no sul do

país e à suspeita de superfaturamento e corrupção. Essa

obra contou com o financiamento do Banco do Brasil

(que operacionaliza o Programa de Financiamento à Exportação - PROEX, mecanismo de financiamento

bancado por recursos do orçamento federal), no valor

de US$ 120 milhões. 16

Na ocasião, também foi incluída na pauta de

negociação bilateral a intenção brasileira de apoiar a

realização de estudos para processar lítio, minério extra-

ído da região do Salar de Uyuni, em Potosí, no sudoeste

15 Vaz, V. Linhas cruzadas. Correio Brasiliense. 22 de agosto de 2009.

16 A operação de financiamento para a realização das obras pela OAS foi aprovada recentemente pelo Comitê de Financiamento e Garantia das Ex-portações (Cofig), que é ligado à Câmara de Comércio Exterior (Camex), e encaminhada ao BNDES. O Cofig é integrado por representantes dos ministé-rios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Fazenda; Relações Exteriores; Casa Civil; Agricultura; e Planejamento. Também participam, mas sem direito a voto, representantes de Banco do Brasil, BNDES, IRB-Brasil e Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE).

boliviano, próximo a fronteira com o Chile. Atualmente a

empresa brasileira OAS realiza a construção e pavimen-

tação da rodovia Potosí-Uyuni, com 200 km de extensão,

e Potosi-Tarija, com 415 km.

O Salar é um gigantesco deserto de sais, onde

se estima concentrar-se cerca de 50% das reservas

mundiais desse minério, considerada substância es-

tratégica da indústria de telefonia celular, de laptops e

outros eletroeletrônicos. Matéria prima de baterias de

alto rendimento, já é alvo da indústria automobilística

que investe no mercado futuro de carros elétricos. Em

2008, o governo boliviano aprovou um projeto-piloto

para produção de carbono de lítio e negociava parce-

ria com as empresas privadas Sumimoto e Mitsubishi.

Brasil - Peru

A região transfronteiriça Brasil-Peru, na porção

sudoeste da Amazônia sul-americana, é um caso exem-

plar do processo de expansão empresarial brasileira

para os países vizinhos e sua vinculação com a estratégia

neo-extrativista.

Ali estão presentes (ocupando e disputando espa-

ço territorial e recursos) os principais grupos empresa-

riais brasileiros e internacionais envolvidos com as obras

das rodovias Interoceânicas Norte e Sul (que partem da

fronteira brasileira e cortam a Bolívia e o Peru), numa

estreita relação com o extrativismo mineral, petroleiro,

madeireiro e o agronegócio. Os principais conglomera-

dos empresariais brasileiros ali presentes são: Gerdau,

Votorantim, Odebrecht, OAS, Queiróz Galvão, Camargo

Corrêa, Petrobrás, Vale, entre outras.

A BR-364 é hoje parte da contrapartida brasileira

para a criação desse corredor de comunicação, trans-

porte, acesso e conexão entre o Pacífico e as regiões

Centro-oeste e Sudeste do Brasil. Essa rodovia tem o

objetivo de viabilizar a ocupação da fronteira econômica

e política do Brasil com o Peru e a Bolívia.

A região transfronteiriça Brasil-Peru, na

porção sudoeste da Amazônia sul-americana, é um

caso exemplar do processo de

expansão empresarial brasileira para os países vizinhos e

sua vinculação com a estratégia neo-

extrativista.

8 dezembro de 2009

Em articulação com a obra de pavimentação da

BR-364, o governo do estado do Acre está fomentado no

seu entorno, com recursos

do BID e do BNDES, ativi-

dades agroflorestais, agrí-

colas, pecuária e múltiplos

extrativismos. Também

estão sendo realizados

estudos prospectivos sobre

o potencial de produção

de petróleo e derivados,

inclusive em territórios

indígenas e unidades de

conservação.

Os governos no Brasil e do Peru têm vários

projetos de desenvolvimento econômico previstos na

região da fronteira do estado do Acre (Brasil) com

os departamentos de Ucayali e Madre de Dios (Peru);

projetos que estão provocando grandes impactos so-

ciais, psicológicos e ambientais para povos indígenas e

comunidades locais.

Um exemplo é a Estrada Interoceânica (“Estrada

do Pacífico”), ligando Rio Branco ao Peru, passando

por Assis Brasil. Esta obra já está concluída do lado

brasileiro, e as obras do lado peruano estão em curso.

Ainda no estado do Acre, à noroeste, na continu-

ação da BR-364, está em construção o chamado “eixo

norte” (ou Interoceânica Norte), ligando Cruzeiro do

Sul (Acre) e a cidade de Pucallpa (Peru). Essa rodovia é

planejada para ser um segundo caminho para o Oceano

Pacífico. Se construída como projetado, atravessará o

território do Parque Nacional da Serra do Divisor, do lado

brasileiro, e a Reserva Territorial Isconahua, do lado peru-

ano, com significativo impacto social e ambiental negativo.

Planos para sua pavimentação têm sido discutidos pelos

governos do Acre e do Ucayali desde 2004.

Também está prevista a interligação energética

(um “linhão”) entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, como

parte dos acordos de conexão e integração energética

entre os sistemas elétricos do Brasil e Peru. Se cons-

truído, esse linhão de energia cortará a mesma região

da Interoceânica Norte, rica em biodiversidade e com

territórios tradicionais de povos indígenas.

Para completar o estrago, os Congressos do Bra-

sil e Peru aprovaram em 2008, sem qualquer consulta,

projetos para construir uma ferrovia ligando Cruzeiro

do Sul e Pucallpa, também incidindo sobre o território

do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e da

Reserva Territorial Isconahua. Entre outros objetivos,

é mencionado que a ferrovia servirá para transportar

a produção de soja da região centro-oeste brasileira

até portos situados no litoral peruano e daí para os

mercados asiáticos.

Na avaliação Grupo de Trabalho (GTT) para a Proteção Transfronteiriça do Alto Juruá e Serra do Divisor (formado por organizações indígenas de repre-

sentação, associações indígenas e organizações do mo-

vimento social), além do impacto direto gerado pela re-

alização dessas obras de infraestrutura, quando prontas

facilitarão a exploração de recursos naturais na região,

promovendo grande impacto para os territórios indíge-

nas e comunidades locais. 17

Uma dessas atividades é a exploração de gás e

petróleo no lado peruano. O governo do Peru tem auto-

rizado grandes empresas do setor a procurar e explorar

gás e petróleo em lotes bem próximos da fronteira com o

Brasil, inclusive dentro de áreas de Comunidades Nativas

e de Reservas Territoriais, criadas para os índios isolados.

Essas concessões foram feitas sem qualquer con-

sulta às comunidades indígenas, em total desrespeito ao

estabelecido da Convenção 169 da OIT e na Declaração

dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas (ONU). Uma

das empresas beneficiadas é a Petrobrás.

17 Ver Informativo Dinâmicas Transfronteiriças Brasil-Peru, Ano I, 1ª edi-ção, de junho de 2009. Esse informativo foi lançado no XI Encontro do Gru-po de Trabalho (GTT) para a Proteção Transfronteiriça do Alto Juruá e Serra do Divisor, realizado entre os dias 30 de junho e 03 de julho de 2009, na Esco-la Saberes da Floresta Yorenka Ãtame, em Marechal Thaumaturgo, no Acre.

Entre outros objetivos, é

mencionado que a ferrovia servirá

para transportar a produção de soja da região centro-oeste brasileira até portos

situados no litoral peruano e daí para os

mercados asiáticos.

dezembro de 2009 9

Tab

ela

4

Para se ter uma idéia da aposta política do go-

verno peruano no petróleo e gás como fatores de “cres-

cimento econômico”, em 2004 aproximadamente 14%

da Amazônia peruana estava concessionada, cinco anos

depois, em 2009, esse percentual chega a mais de 75%.

A seguir, apresentamos um quadro de situação

da distribuição de lotes situados na fronteira do Peru

com o estado do Acre18:

• Lotes 111 e 113 – foram concedidos para a

empresa chinesa SAPET Development Peru Inc.,

com área de 2,7 milhões de hectares de área. Se

sobrepõem a várias áreas indígenas (Reservas Ter-

ritoriais e Comunidades Nativas) do lado peruano

e estão muito próximos do território brasileiro,

especialmente das TIs Mamoadate e Cabeceira do

Rio Acre e da Estação Ecológica Rio Acre.

• Lote 110 – foi con-

cedido à Petrobrás,

com uma área de 1,4

milhão de hectares

e sobreposição com

a Reserva Territorial

Murunahua e Comuni-

dades Nativas. 19

• Lote 126 – área próxima da TI Kampa do Rio

Amônia, que foi concedida às empresas canadenses

True Energy e North American Vanadium. No início

de junho de 2009 tiveram o Estudo de Impacto

Ambiental (EIA) aprovado e estava previsto iniciar

ainda esse ano a prospecção sísmica e a perfuração

de quatro poços de petróleo nos territórios não-

titulados de comunidades Ashaninka no rio Tamaya.

18 Ibdem.

19 Em 2005, a Petrobras transformou-se na segunda maior produtora de pe-tróleo no Peru e a empresa que detém a maior extensão de área “concedida” à exploração. Juntas, Odebrecht e a Petrobras detêm, respectivamente, 60% e 40% da maior petroquímica da América Latina, a Braskem, também presente no Peru.

• Lote 138 – foi concedido à empresa canadense

Pacific Stratus Energy, e na mesma área tem tam-

bém uma concessão de extração de ouro, dentro

da Reserva Territorial Isconahua, vizinha do Parque

Nacional da Serra do Divisor, no Acre.

No Brasil, a Agência Nacional do Petróleo (ANP)

autorizou em 2007 empresas a procurar gás e petróleo

no vale do Juruá. No ano seguinte, em 2008, foram fei-

tos vários sobrevôos e as coletas de amostras de terra

em 2000 pontos no alto rio Juruá. Desses pontos, 530

estão situados a menos de dez quilômetros dos limites

das Terras Indígenas Nukini, Poyanawa, Jaminawa do

Igarapé Preto e Campinas/Katukina. Outros 84 pontos

estão no limite e na zona de amortecimento do Parque

Nacional da Serra do Divisor. 20

Como no Peru, essas pesquisas foram feitas sem

qualquer consulta ou conversa com os povos indígenas

e comunidades locais do Juruá, e sem ter sido tornado

público a contratação das empresas e as pesquisas feitas

na floresta.

Segundo informa o GTT, no início de junho de

2009 circulou pelos jornais do sul do país que o governo

federal estaria para anunciar a descoberta de petróleo

e gás no Acre, como parte de estratégia para melhorar

a imagem pública da Petrobrás. No dia seguinte a Pe-

trobrás disse que não tinha nenhum anúncio a fazer.

Atualmente há 21 blocos de exploração concedidos para

pesquisa na Bacia de Solimões, na Região Amazônica. 21

Além disso, existe no Peru a exploração legal e

ilegal de madeira. O governo peruano faz concessões

para empresas explorarem madeira, inclusive nos

territórios tradicionais de indígenas e camponeses ainda

não regularizados. A exploração em áreas vizinhas de

Unidades de Conservação, Reservas Territoriais (para

20 Ver Iglesias, M. P et. Os riscos da IIRSA e do PAC para a Amazônia, Boletim Orçamento & Política Socioambiental, ano VI, n. 20, maio de 2007, Brasília, INESC. 12p.

21 Ver Rosa, B. “Ex-executivo da Petrobras cria empresa de exploração de petróleo”, O Globo, 05 de novembro de 2009.

Atualmente há 21 blocos de exploração

concedidos para pesquisa na Bacia de Solimões, na Região

Amazônica.

10 dezembro de 2009

índios isolados) e Reservas de Comunidades Nativas já

reconhecidas tem resultado em invasões, destruição de

recursos naturais, contaminação das águas, diminuição

da caça e outros problemas.

No Brasil, há o caso da empresa Florestal Venao,

que tem o selo de “madeira certificada”, mas que já

cometeu uma série de ilegalidades: invadiu várias vezes

a TI Kampa do Rio Amônia, do lado brasileiro; abriu

uma estrada ligando o povoado de Nueva Itália, no rio

Ucayali, à região do alto Juruá onde explora madeira; e

atualmente está ampliando a estrada até as Comunidades

Nativas de Santa Rosa, Nue-

va Victoria e El Dorado.

Segundo informa

o GTT, a exploração ma-

deireira será forte este ano

(2009) na comunidade

de Santa Rosa, que fica na

margem esquerda do rio

Breu e próxima à RESEX

Alto Juruá.

Várias famílias

Ashaninka da selva cen-

tral se mudaram para o rio

Breu e montaram duas aldeias (Oori e Coshirene), em

frente à TI Kaxinawá-Ashaninka do rio Breu e da RESEX

do Alto Juruá. Estas famílias estão ocupando áreas antes

utilizadas pelos Huni Kui e Ashaninka brasileiros, que

temem que os recém chegados iniciem a exploração

de madeira.

Brasil e Peru também vêm desenvolvendo planos

conjuntos no campo da energia hidroelétrica. Durante

a visita dos presidentes Lula da Silva (Brasil) e Alan

García (Peru) ao Acre em abril de 2009, foi assinado

um acordo de cooperação na área de energia. Este

acordo prevê, entre outras medidas, a construção de

seis centrais hidrelétricas em território peruano, com

grande impacto socioambiental inclusive em territórios

onde vivem povos indígenas.22

Os estudos iniciais de viabilidade econômica e

de engenharia estão sendo feitos pelo consórcio Empresa

de Generación Eléctrica Amazonas Sur (EGASUR), do

qual fazem parte as empresas brasileiras OAS, Eletrobrás

e Furnas.

O financiamento das obras, estimadas entre

12 bilhões e 15 bilhões de dólares, também ficará por

conta do consórcio das construtoras e de empréstimos

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES). 23

Uma destas centrais hidrelétricas, a Paquitza-

pango, está sendo criticada pela Central Ashaninka do

Rio Ene (CARE), pois sua construção ameaça inundar as

terras de sete comunidades Ashaninka que vivem neste

rio, indo de encontro a Constituição do país, que define

os territórios indígenas como imprescritíveis.

A Central Hidrelétrica de Inambari é outra cen-

tral que está mobilizando indígenas, campesinos e am-

bientalistas, com protestos nos departamentos de Cuzco,

Puno e Madre de Dios. É considerada a maior central

já construída no Peru. Prevê-se a inundação de 45.000

hectares, deixando sob as águas zonas agrícolas, áreas

ocupadas por camponeses (cerca de oito mil pessoas)

e extensas áreas de floresta nativa (incluindo o Parque

Nacional Bahuaja Sonene). Além disso, o lago permitirá

acessar áreas hoje inacessíveis.

Se levada a termo como hoje é projetado, inclu-

sive a rodovia Interoceânica deverá sofrer modificações,

pois uma parte dela, nos departamentos de Cuzso e

Puno, ficará sob as águas do lago a ser formado. Outro

ponto criticado é o fato de que 75% do total da energia

22 Inambari (2,000 MW), Sumabeni (1,074MW), Paquitzapango (2,000 MW), Urubamba (940 MW), Vizcatán (750 MW) y Cuquipampa (800 MW) são as seis grandes centrais hidrelétricas que o Brasil construirá em território peruano, além de um linhão que as conectará com o sistema de energia brasileiro.

23 Ver Felismino, R. “Peru ficará com 20% da energia de usinas construídas pelo Brasil”, Agência Reuters, 8/08/2009; García, Elias, “Brack objeta cons-trucción de dos hidroeléctricas en la selva”, Gestión, 26/08/2009.

Este acordo prevê, entre

outras medidas, a construção

de seis centrais hidrelétricas em

território peruano, com grande impacto

socioambiental inclusive em

territórios onde vivem povos

indígenas.

dezembro de 2009 11

ali gerada (2.000 MW) serão transferidos para Brasil. 24

Em Inambai parece estar se reproduzindo o

mesmo grau de incerteza dos custos da obra e dos im-

pactos sociais e ambientais que vemos acontecer, hoje,

em relação às Centrais Hidrelétricas de Belo Monte

(PA) e do Madeira (RO). Também o mesmo jogo de

desinformação e contra-informação e o mesmo risco

derivado da omissão e irresponsabilidade social e am-

biental do governo peruano. Mas as coincidências não

param por ai, isso porque são praticamente os mesmos

atores financeiros e empresas envolvidas, só que em

território peruano.

Outros novos desafios

Não podíamos concluir este artigo deixando de

fora um ator político-financeiro cada vez mais impor-

tante, os fundos de pensão, e uma problemática muito

pouco visualizado: sua crescentemente participação no

financiamento de atividades produtivas e em empreen-

dimentos de infraestrutura.

Estima-se que os fundos movimentem hoje um

valor equivalente a 16% do PIB brasileiro. Num cenário

de baixos juros, o que implica na redução do retorno dos

títulos públicos, os fundos de pensão estão diversificando

seus investimentos. Uma das alternativas vislumbrada é

o investimento nos setores de infraestrutura, em especial

nas áreas de energia e transportes, e na exploração de

recursos naturais.

O PREVI e o FUNCEF aportaram recurso signi-

ficativo no Complexo do Rio Madeira (RO). Projetos

como a Central Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio

Xingu (PA) e o trem-bala, ligando São Paulo e Rio de

Janeiro, estão entre os focos de atenção desses e outros

fundos. A PETRUS também anunciou a possibilidade de

24 Um interessante documentário, intitulado Inambari: La Represa de La Discórdia pode ser visto em: http://www.flatina.com/www/videos_flv/FLV-Player/flvplayer.php?id=286

destinar de R$ 1 bilhão a R$ 1 bilhão e meio para o setor

elétrico, caso se concretize sua participação no projeto

de Belo Monte, em parceria com a CPFL Energia, maior

companhia privada do setor elétrico brasileiro

PETRUS e FUNDEF também estão investindo na

criação de uma empresa de reflorestamento de eucalip-

tos para fins comerciais, a Florestal Brasil, juntamente

com a holding J&F, controladora do grupo JBS-Friboi,

e a MCL Empreendimentos.

O PREVI tem participação acionária na Braskem,

Eletrobrás, Gerdau, Petrobrás, Votorantim, entre outras.

Essas empresas têm atuação para além da fronteira

geopolítica brasileira, exportando produtos e serviços,

comprando empresas, consorciando-se com empresas

nacionais nos países ou com outros grupos internacio-

nais etc., gerando vários passivos sociais e ambientais

no plano local.

Isso impõe uma renovação geral da perspectiva

de análise da chamada integração regional. Para isso,

a sustentabilidade e a equidade devem estar entre os

fundamentos primeiros; os aspectos sociais e ambientais

devem ser tratados de maneira integrada; e uma atenção

especial deve ser dada ao como as relações assimétricas

de poder se renovam e ampliam no seio da sociedade,

viabilizando o modelo neo-extrativista.

É urgente desencadear uma ação que consiga

ampliar o debate público sobre as questões aqui aponta-

das, envolvendo inclusive setores do movimento sindical

(do campo, das florestas e das cidades) que vislumbram

os equívocos e conseqüências perversas desse modelo.

Deve ser retomada a discussão sobre a participa-

ção da sociedade civil na concepção e planejamento das

políticas públicas, mas sobre novas bases, aproveitando-

se dos aprendizados extraídos na última década de re-

lacionamento com governos e organismos multilaterais.

12 dezembro de 2009

País do Importador 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Total

América do Sul 283,770 184,412 176,224 115,890 207,510 391,088 157,693 433,122 442,862 2,392,571

Argentina 112,265 56,218 14,716 392 1,164 216,325 5,435 310,115 276,006 992,636

Bolivia 11,837 2,470 13,534 1,635 131 882 30,489

Chile 9,648 2,241 2,556 26,113 23,271 30,367 66,757 31,732 120,270 312,955

Colômbia 1,188 19,564 5,992 560 27,304

Equador 100,474 37,782 39,427 404 112,331 57,031 55,813 17,374 644 421,280

Paraguai 129 14,367 17,593 26,145 17,223 8,009 83,466

Peru 9,895 10,714 3,492 5,020 9,000 55,653 845 383 381 95,383

Uruguai 36,432 23,962 3,323 307 2,633 3,203 2,352 72,212

Venezuela 1,902 17,094 75,591 55,621 44,083 23,703 25,328 70,315 43,209 356,846

América Central e Caribe 42,679 10,041 19,582 106,477 88,073 104,490 114,823 56,900 160,943 704,008

Bahamas 217 217

Costa Rica 1,714 481 2,195

Cuba 20,065 8,375 6,414 3,249 10,779 30,312 15,220 94,414

Honduras 62 62

Jamaica 6,233 510 4,997 783 580 22 781 13,906

México 7,364 476 1,011 1,781 1,039 919 478 295 13,363

Panama 792 792

Republica Dominicana 6,511 199 12,157 96,450 75,255 72,679 99,581 55,641 160,586 579,059

Africa 1,902 401 0 0 0 105 0 148,952 548,253 699,613

Africa do Sul 288 288

Angola 1,654 113 105 148,952 539,490 690,314

Guine Equatorial 8,763 8,763

Zimbabue 248 248

União Européia 2,126 9,956 2,958 62 0 0 0 0 0 15,102

Alemanha 186 2,958 62 3,206

Noruega 9,770 9,770

Portugal 2,126 2,126

América do Norte 284 17,744 70,765 35,838 15,802 40,597 4,726 659 0 186,415

Canadá 284 202 10,637 37,509 2,315 50,947

Estados Unidos 17,542 60,128 35,838 15,802 3,088 2,411 659 135,468

Ásia 2,920 1,460 36,960 14,427 9,792 1,204 0 0 0 66,763

China 2,920 1,460 36,960 14,427 9,792 1,204 66,763

TOTAL 333,681 224,014 306,489 272,694 321,177 537,484 277,242 639,633 1,152,058 4,064,472

BNDES e o Financiamento de Exportação de Bens e ServiçosUS$ MIL

Fonte: MDIC, BNDES (março/2009) Elaboração: Ricardo Verdum, Inesc

Tabela 1