boletim orcamento socioambiental 10

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Ano III • nº 10 • setembro de 2004 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc 10 A agroecologia no governo Lula O tema da agroecologia para a promoção do de- senvolvimento da agricultura familiar ganhou dimen- são política nacional durante a última campanha elei- toral, quando foi realizado, em agosto de 2002, no Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Agroeco- logia. O ENA reuniu cerca de 1500 participantes, metade deles constituída de produtores e produtoras rurais - agricultores, extrativistas, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco etc. Também par- ticiparam técnicos de entidades de promoção do de- senvolvimento (estatais e ONGs), pesquisadores, pro- fessores, estudantes etc. O orçamento pró-agroecologia análise de programas e ações constantes do Pla- no Plurianual 2004/2007 deixa visível a op- ção política do governo federal pelo maior apoio ao agronegócio exportador, em contraposição à promoção da agroecologia e do desenvolvi- mento sustentável da agricultura familiar. O agronegócio tem força e peso no governo Lula, sendo o desempenho das exportações agrícolas na balança comercial brasileira um fator fundamental para a atual políti- ca macroeconômica. Não por acaso o go- verno editou medida provisória para au- torizar a comercialização de soja transgênica contrabandeada da Argentina, contemplando, assim, interesses de repre- sentantes do agronegócio e deixando de lado os argumentos da sociedade civil. No PPA do governo Lula, as poucas ações que poderiam ser relacionadas às práticas agroecológicas são poucas e fragmentadas, embora já possam compor o que chamamos de “orçamento pró-agroecologia”. Criada há dois anos, a Articulação Nacional de Agroecologia – ANA – tem buscado o diálo- go com o governo para influenciar as políti- cas públicas e ampliar a prática da agroecologia no país. Uma das sugestões da ANA é criar um Fundo de Promoção do Desenvolvimento da Agroecologia. E D I T O R I A L A www.inesc.org.br

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Ano III • nº 10 • setembro de 2004Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

10

A agroecologia nogoverno Lula

O tema da agroecologia para a promoção do de-senvolvimento da agricultura familiar ganhou dimen-são política nacional durante a última campanha elei-toral, quando foi realizado, em agosto de 2002, noRio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Agroeco-logia. O ENA reuniu cerca de 1500 participantes,metade deles constituída de produtores e produtorasrurais - agricultores, extrativistas, indígenas,quilombolas, quebradeiras de coco etc. Também par-ticiparam técnicos de entidades de promoção do de-senvolvimento (estatais e ONGs), pesquisadores, pro-fessores, estudantes etc.

O orçamentopró-agroecologia

análise de programas e ações constantes do Pla-

no Plurianual 2004/2007 deixa visível a op-

ção política do governo federal pelo maior apoio

ao agronegócio exportador, em contraposição

à promoção da agroecologia e do desenvolvi-

mento sustentável da agricultura familiar.

O agronegócio tem força e peso no governo

Lula, sendo o desempenho das exportações

agrícolas na balança comercial brasileira

um fator fundamental para a atual políti-

ca macroeconômica. Não por acaso o go-

verno editou medida provisória para au-

torizar a comercialização de soja

transgênica contrabandeada da Argentina,

contemplando, assim, interesses de repre-

sentantes do agronegócio e deixando de lado

os argumentos da sociedade civil.

No PPA do governo Lula, as poucas ações

que poderiam ser relacionadas às práticas

agroecológicas são poucas e fragmentadas,

embora já possam compor o que chamamos

de “orçamento pró-agroecologia”. Criada há

dois anos, a Articulação Nacional de

Agroecologia – ANA – tem buscado o diálo-

go com o governo para influenciar as políti-

cas públicas e ampliar a prática da

agroecologia no país. Uma das sugestões da

ANA é criar um Fundo de Promoção do

Desenvolvimento da Agroecologia.

E D I T O R I A L

A

www.inesc.org.br

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2 setembro de 2004

A opção ortodoxa dogoverno Lula no

campo econômicosurpreendeu petistas

e antipetistas. Aconseqüência

imediata dessa opçãofoi a

supervalorização doagronegócioexportador

O ENA teve um efeito de demonstração dagrande diversidade e potencialidade das práti-cas da agroecologia para a promoção eficientedo desenvolvimento sustentável da produçãofamiliar. A Carta Política aprovada na plenáriafinal de Encontro enumerou uma série de pro-postas de medidas a serem tomadas pelo novogoverno federal para generalizar a agroecologiano Brasil. Essas propostas foram submetidas arepresentantes dos can-didatos à presidência daRepública ainda duran-te o evento e suas respos-tas debatidas com os par-ticipantes.

O PT foi representa-do pelo professor JoséGraziano, consideradona época como o virtualministro da Agriculturaou do DesenvolvimentoAgrário, no caso de vitó-ria da candidatura Lula. As considerações deGraziano não agradaram aos participantes doENA, muito embora o professor, a partir de al-gumas contestações de lideranças dos agriculto-res, passasse a ler as propostas de governo conti-das nos Planos para a Agricultura, Meio Ambi-ente, Reforma Agrária etc. As propostas dos Pla-nos, em muitos pontos, incorporavam as medi-das defendidas no ENA, mas o público sentiuque o representante do candidato a presidentenão as defendia com convicção.

Se o professor Graziano não convenceu ospraticantes e defensores da agroecologia (que in-cluíam lideranças da Contag, MST, Federação

dos Trabalhadores na Agricultura Familiar -Fetraf, Coordenação das Organizaçãoes Indíge-nas da Amazônia Brasileira - Coiab, União Na-cional de Escolas Famílias Agrícolas do Brasil -Unefab etc), a escolha do empresário doagronegócio Roberto Rodrigues para ministroda Agricultura do governo Lula foi uma duchade água fria nos entusiasmados militantes dosmovimentos rurais que fizeram campanha e vo-taram maciçamente em Lula para presidente.

Frente a essa nomeação de um “estranho noninho” petista, os nomes de Marina Silva eMiguel Rossetto para os Ministérios do MeioAmbiente e Desenvolvimento Agrário, respec-tivamente, soaram como compensação. Dese-nhava-se, desde a composição do Ministério daAgricultura, uma dicotomia entre uma políticapara o agronegócio e outra para a agriculturafamiliar. A questão a definir era qual a ênfasedo novo governo e como conciliar as políticas,em particular as do meio ambiente e as da agri-cultura patronal, sabidamente insustentável soba ótica de uma análise ambiental e de uma ava-liação econômica de longo prazo.

1. O agronegócio e a agricultura familiarA opção ortodoxa do governo Lula no campo

econômico surpreendeu petistas e antipetistas. Apolítica de garantir o superávit primário e o dabalança comercial e pagar pontualmente as dívi-das interna e externa não estava no horizonte dasexpectativas de uns e de outros. A conseqüênciaimediata dessa opção foi a supervalorização doagronegócio exportador e o fortalecimento dosministros Rodrigues, da Agricultura, e Furlan, doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,

Orçamento & Política Socioambiental: uma publicação trimestral do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria coma Fundação Heinrich Böll. Tiragem: 3 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, Bl B-50 - Sala 435 Ed. Venâncio 2000 – CEP. 70.333-970 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 212 0200 – Fax: (61) 212 0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br - ConselhoDiretor: Eva Faleiros, Gisela Santos de Alencar, Iliana Alves Canoff, Juraci de Souza, Mariza Veloso M. Santos, Nathalie Beghin, NeideCastanha, Paulo du Pim Calmon, Pe. Virgílio Leite Uchoa, Paulo Calmon - Colegiado de Gestão: Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni- Assessoria: Denise Rocha, Edélcio Vigna, Jair Barbosa Júnior, Jussara de Goiás, Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum, SeleneNunes - Jornalista responsável: Luciana Costa (DRT 258/82) - Impressão: Athalaia.

Esta publicação utiliza papel reciclado

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setembro de 2004 3

Na safra 2003/2004,foram alocados

recursos da ordemde R$ 4,39 bilhões

para dez empresasmultinacionais do

agronegócio,praticamente o

mesmo montantedestinado para toda a

agricultura familiar

expressões deste setor. O peso das exportaçõesagrícolas na geração de excedentes na balança co-mercial foi e continua sendo crucial para a polí-tica macroeconômica do governo Lula e a forçaderivada dessa posição coloca os representantesdo agronegócio em vantagem nas negociaçõescom o governo.

O primeiro sinal dessa relação de forças apre-sentou-se já no mês de março de 2003 com aedição da Medida Provi-sória 113 liberando acomercialização da safrade soja contaminada porcultivos clandestinos desementes de variedadestransgênicas contraban-deadas da Argentina. Ogoverno escutou os argu-mentos e cedeu às pres-sões dos representantesdo agronegócio, mas nãorecebeu nem quis ouviros argumentos dos que criticavam a medida. Adecisão implicava na criação de uma aberraçãojurídica, “legalizando” o produto do contraban-do, mas o governo não deu atenção às objeções,inclusive da Advocacia Geral da União. Assim,já nos seus primeiros atos, o novo governo fezuma opção pelo agronegócio, contra seus alia-dos históricos nos movimentos de agricultoresfamiliares e ambientalistas. E o fez de forma ain-da mais brutal porque desnecessária, no caso dostransgênicos.

O governo Lula não fez uma revisão de suasposições em função de novos “dados científicos”,como disse o presidente, mas simplesmente“comprou” o ponto de vista do agronegócio porrazões políticas baseadas na sua nova posturasobre os rumos da economia. Não havia nadaque indicasse que a liberação dos transgênicostraria qualquer vantagem competitiva para osprodutos agrícolas brasileiros nos mercados in-ternacionais. Ao contrário, muitas evidênciasmostravam que não somente ficaríamos menoscompetitivos como também o fato de que esses

produtos eram rejeitados em mercados da mai-or importância para o Brasil. A posição a priorido governo, de simpatia pelo agronegócio, o fezdar “um tiro no pé” nos interesses agroex-portadores do país.

A MP 113 foi engolida por muitos dos críti-cos dos transgênicos como uma “solução”, in-correta mas inevitável, para uma “herança mal-dita” do governo FHC: o cultivo ilegal em gran-de escala, no Rio Grande do Sul, de sojatransgênica da empresa Monsanto. A postura dogoverno, desde então, mostrou que, não fosse apostura da ministra Marina Silva, o chamado“núcleo duro” já teria sido muito mais ofensivoem cumprir a agenda do agronegócio no casodos transgênicos. Mas o prestígio da ministra nãose encontra no lugar certo, na acepção do setoreconômico do governo. Ela é respeitada porambientalistas e militantes históricos do PT eodiada pelos representantes dos negócios emgeral, agrícolas ou não, como “um empecilho aodesenvolvimento”. A impaciência com a bravaministra vai se acentuando nos setores do go-verno e do Congresso que cederam às pressõesda “realpolitik” e teme-se, entre os ambientalistasque a apóiam, que ela continue sendo paulati-namente escanteada no governo até acabartransformada de heroína em vitima.

A postura de liberação de fato da sojatransgênica não foi a principal medida pró-agronegócio do governo; longe disso. Ela inte-ressa apenas às empresas multinacionais dabiotecnologia e aos agricultores do Rio Grandedo Sul, pelo menos na percepção destes últimos.Outras medidas de muito maior envergaduraforam dirigidas ao crédito e aos impostos e ou-tras ainda se voltam, embora tardiamente, paraas necessárias melhorias nas infra-estruturas deescoamento das “superssafras”.

A opção pelo agronegócio fica mais evidentena distribuição do crédito para a agricultura fa-miliar e para a agricultura patronal. Na safra2003/2004, foram alocados recursos da ordemde R$ 4,39 bi lhões para dez empresasmultinacionais do agronegócio, praticamente o

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4 setembro de 2004

As propostasformuladas no

Encontro Nacional deAgroecologia para

favorecer aampliação da prática

da agroecologia naagricultura familiarse voltaram para ostemas de pesquisa,

extensão rural,crédito e

comercialização

mesmo montante destinado para toda a agricul-tura familiar. O montante de recursos de crédi-to para a agricultura familiar elevou-se de R$4,19 bilhões em 2002/2003 (última safra finan-ciada no governo FHC) para R$ 5,4 bilhões eR$ 7 bilhões em 2003/2004 e 2004/2005, res-pectivamente, nas duas primeiras safras finan-ciadas no governo Lula. Esse aumento foi bas-tante significativo, mas inferior ao aumento ofe-recido para a agricultu-ra patronal: de R$ 25,86bilhões para R$ 32,5 eR$ 39,4 bilhões nas trêssafras anteriormentemencionadas. A porcen-tagem do crédito desti-nado para a agriculturafamiliar sobe ligeiramen-te no primeiro ano dogoverno Lula (de 16,2%para 16,5%) e cai no se-gundo ano para 15%.

As condições ofereci-das para a agricultura fa-miliar acessar o Programa Nacional de Fortale-cimento da Agricultura Familiar - Pronaf foramfortemente facilitadas no governo Lula, mas épreciso lembrar que esse setor se encontra his-toricamente descapitalizado e suas necessidades,para que possa viabilizar-se de forma sustentá-vel , são bem maiores que os recursosdisponibilizados.

2. As políticas de apoio à produçãoagroecológica

Os defensores da agroecologia viram comgrande expectativa a incorporação de muitos deseus pares em vários níveis dos Ministérios doDesenvolvimento Agrário e do Meio Ambien-te. A postura dos responsáveis destes Ministéri-os foi de significativa abertura para o diálogocom a sociedade civil na formulação de suaspolíticas. Por outro lado, alguns organismos doMinistério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento, em particular a Embrapa e a Compa-

nhia Nacional de Abastecimento - Conab, tam-bém se posicionaram favoravelmente ao apoio àagroecologia e à agricultura familiar.

As propostas formuladas no Encontro Nacio-nal de Agroecologia – ENA - para favorecer aampliação da prática da agroecologia na agricul-tura familiar se voltaram para os temas de pes-quisa, extensão rural, crédito e comercialização eestas políticas foram negociadas separadamentecom vários organismos de vários ministérios donovo governo. Desde logo, a fragmentação daformulação e da execução dessas políticas foicriticada por lideranças vinculadas à ArticulaçãoNacional de Agroecologia -ANA. Essa fragmen-tação não se origina no governo Lula – ela é amarca de todos os governos que tentaram pro-mover a agricultura familiar –, mas não houvequalquer movimento que visasse integrar as polí-ticas de apoio em uma lógica comum. De certaforma, a fragmentação se acentuou no novo go-verno, com a retirada do controle dos recursosde infra-estrutura do Pronaf da Secretaria deAgricultura Familiar – SAF - para a de Desen-volvimento Territorial – SDT, no MDA. Igual-mente, os recursos de Assistência técnica e Ex-tensão Rural – Ater - ficaram divididos entre oIncra, a SAF e a SDT.

2.1. A política de créditoRepresentantes da Articulação Nacional de

Agroecologia - ANA - participaram de várias reu-niões com os técnicos do Pronaf buscando doisobjetivos centrais: “esverdear” as modalidadesA,B,C, D e E do Pronaf e criar uma modalidadeespecífica para os agricultores em transição paraa agricultura ecológica.

A primeira proposta visava garantir a eliminaçãode regulamentos que inibiam o acesso de agriculto-res agroecológicos ou em transição aos recursos dasmodalidades correntes do Pronaf. Em particular, osprodutores agroecológicos tinham dificuldades emadequar-se ao sistema vigente até a safra 2003/2004,que dirigia os pedidos de crédito para produtos es-pecíficos (feijão, café, milho etc), já que naagroecologia trabalha-se com sistemas diversificados

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setembro de 2004 5

A agroecologia nãodepende de créditospermanentes para o

custeio de seussistemas produtivos.

A agroecologia seapóia essencialmente

no uso de recursosdisponíveis na

propriedade e nãoexige a compra, ano

a ano, de insumosprodutivos

5

envolvendo vários produtos tanto de mercado comode consumo na propriedade (pelas famílias ou pe-los animais). Por outro lado, o sistema convencionalimpunha o uso de pacotes tecnológicos geradospelos sistemas de pesquisa e voltados para o uso deinsumos tais como sementes certificadas, adubosquímicos e agrotóxicos. Os sistemas agroecológicosprivilegiam o uso de sementes tradicionais melho-radas pelos próprios produtores, adubos orgânicosou formas de manejo dafertilidade através de adu-bos verdes ou reciclagemde nutrientes e controlesnão-químicos de pragas,doenças e invasoras.Ambas as reivindicaçõesforam incorporadas peloPronaf e as regras de aces-so facilitadas.

A segunda proposta vi-sava criar condições faci-litadas para os agriculto-res incorporarem as pro-postas agroecológicas.Das negociações com o Pronaf surgiram duas mo-dalidades novas: o Pronaf Agroecologia e o PronafSemi-Árido. Uma terceira modalidade, Pró-Am-biente, já existia em forma experimental na regiãoNorte, e era apoiada pelo MMA. Nesse caso, o quese buscava era um apoio da Secretaria de Agricul-tura Familiar – SAF- para ampliar a disponibili-dade de recursos para esta modalidade.

O Pronaf Agroecologia foi formulado com baseem experiências de algumas ONGs que constata-vam as dificuldades dos agricultores em incorporaras práticas agroecológicas, não porque estas impli-cassem em investimentos significativos, mas porqueos agricultores estavam de tal forma descapitalizadosque a mera adoção destas práticas era limitada pelafalta de equipamentos básicos. Por exemplo: semarados, semeadeiras, roçadeiras e animais de tração,os agricultores tinham dificuldades em adotar aspráticas de adubação verde e o controle mecânicode invasoras. É claro que agricultores convencio-nais também têm as mesmas dificuldades oriundas

da descapitalização e que o custo específico das prá-ticas da agroecologia é uma parte diminuta do in-vestimento necessário para a viabilização do empre-endimento do agricultor, mas o Pronaf Agroecologiavinculou os investimentos estruturais (equipamen-tos, infra-estrutura etc) com o custeio das práticasagroecológicas. Esta modalidade do Pronaf permi-tiu que os agricultores financiassem seus investimen-tos estruturais com juros de 3,5% e um sobretetode 50% sobre os valores permitidos pelas modali-dades convencionais (A, C e D).

O Pronaf Semi-Árido foi ainda mais facilita-do, com juros de apenas 1% e o mesmo sobretetode 50%, com prazos de pagamento de até 10anos, com três anos de carência.

A grande vantagem dessas duas modalidadesnovas do Pronaf, para o governo e para os agri-cultores, é o fato de que a agroecologia não de-pende de créditos permanentes para o custeio deseus sistemas produtivos. A agroecologia se apóiaessencialmente no uso de recursos disponíveis napropriedade e não exige a compra, ano a ano, deinsumos produtivos. Sendo assim, uma vez reali-zados os investimentos estruturantes na proprie-dade e adquiridos alguns insumos iniciais (taiscomo sementes de adubos verdes, por exemplo),as propriedades agroecológicas não carecem denovos recursos recorrentes e, portanto, de crédi-to sistemático para custeio.

Os negociadores da Articulação Nacional deAgroecologia - ANA - buscaram um acordo coma SAF/Pronaf para garantir recursos “carimbados”para as agências do Banco do Brasil e do Banco doNordeste onde as entidades do campoagroecológico podiam garantir uma demanda sig-nificativa de projetos de crédito nessas modalida-des. Essa fórmula permitiria uma operação dirigidade pedidos de crédito com uma intervenção dasinstâncias superiores dos bancos e dos próprios téc-nicos do Pronaf, já que havia uma expectativa deresistência dos gerentes a essas modalidades ino-vadoras de crédito. Essa reivindicação não foi acei-ta pelos bancos, com conseqüências desastrosaspara a tomada de crédito pelos agricultores quebuscavam a transição para a agroecologia.

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6 setembro de 2004

O presidente Lulamencionou a

necessidade de segarantir a assistência

técnica para osagricultores comouma pré-condição

para o sucesso dosesforços de

ampliação do créditopara a agricultura

familiar. No entanto,as iniciativas dogoverno federal

nesse campo forambastante modestas

Se as negociações com o Pronaf foram muitobem sucedidas, o mesmo não se pode dizer daoperacionalização dessas novas modalidades. Porum lado, o Banco do Nordeste do Brasil – BNB -só disponibilizou os recursos do Pronaf Semi-Ári-do em maio de 2004, devido a dificuldades na for-mulação de um sistema informatizado com estefim. Por outro lado, apenas pouco mais de 500pedidos de crédito foram liberados na modalida-de Pronaf Agroecologia.Esse número diminuto deprojetos tem uma duplaexplicação: o desconheci-mento dos agricultores ea resistência (já esperada)dos gerentes dos bancos.Essa baixa resposta às no-vas oportunidades não foiespecífica para essas duasmodalidades, mas para to-das as inovações intro-duzidas pelo novo gover-no (Pronaf florestal, jo-vens, mulheres, pesca etc).

Os resultados do esfor-ço de criação dessas novasmodalidades do Pronaf in-dicam que serão necessárias mais medidas governa-mentais para que as decisões progressistas do MDAnão se tornem letra morta na operacionalização docrédito. A resistência dos gerentes tem como base asua insegurança e desconfiança na viabilidade eco-nômica das novas propostas, após muitos anos deoperação com sistemas convencionais de produçãovinculados às práticas da revolução verde. Por ou-tro lado, em muitos casos, os gerentes estabelece-ram uma verdadeira aliança informal com as em-presas e lojas de venda de insumos químicos e se-mentes certificadas, chegando a ponto de não en-tregar os recursos para os agricultores, mas abrir cré-ditos nas lojas e empresas de insumos para comprapelos agricultores beneficiados pelo Pronaf.

Finalmente, o Pró-Ambiente não recebeu re-cursos da Secretaria de Agricultura Familiar –SAF - e manteve-se nas modestas dimensões ex-

perimentais permitidas pelos parcos recursos doMMA. O Pró-Ambiente é, na verdade, mais doque um programa de crédito e sim um programade financiamento do desenvolvimentoagroecológico em um dado local. Essa modalida-de envolve recursos de crédito combinados comrecursos de assistência técnica e o pagamento dosserviços ambientais propiciados pela práticaagroecológica (extrativista, agroflorestal e flores-tal, no caso da região norte). Nesse caso, a pro-posta vai na direção das preocupações das repre-sentações da ANA que buscam a integração daspolíticas de desenvolvimento em fluxos de recur-sos e de atividades articulados.

2.2. As políticas de assistência técnica eextensão rural

O presidente Lula, por ocasião do lançamentodos planos de safra 2003/2004 e 2004/2005, men-cionou a necessidade de se garantir a assistência téc-nica para os agricultores como uma pré-condiçãopara o sucesso dos esforços de ampliação do créditopara a agricultura familiar. No entanto, as iniciati-vas do governo federal nesse campo foram bastantemodestas. É preciso lembrar que a Assistência Téc-nica e Extensão Rural – Ater - é de responsabilida-de dos governos estaduais ou de entidades não-go-vernamentais, que não recebem recursos regularesdo governo federal. Embora notoriamentesubfinanciadas para responder à demanda de assis-tência técnica da agricultura familiar, essas entida-des concentram a quase totalidade dos investimen-tos em Ater do país. Segundo dados do CensoAgropecuário de 1996, apenas cerca de 900 milde um total de quase cinco milhões de agriculto-res de todas as categorias, familiar e patronal, re-ceberam algum tipo de assistência técnica naque-le ano e boa parte desta foi vinculada (principal-mente no caso da agricultura familiar) à formula-ção de projetos de crédito. Como a formulação deprojetos de crédito exige a assinatura (senão a par-ticipação real) de técnicos com formação de nívelsuperior, o número de agricultores “assistidos” deveter subido para pelo menos 1,4 milhão em 2004,no caso da agricultura familiar.

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setembro de 2004 7

As necessidades derecursos financeiros

para garantir umaextensão rural de

qualidade são muitomaiores do que os

recursos oferecidosaté agora

Essa assistência técnica colada a atividades deacesso ao crédito, no entanto, é totalmente in-suficiente para promover o desenvolvimento daagricultura familiar. Via de regra, ela não é maisdo que uma ajuda pontual para cumprir umaformalidade do processo. No entanto, como osextencionistas credenciados pelos bancos ofici-ais são poucos e o número de projetos de crédi-to sobe significativamente nos últimos anos, essaatividade consome boaparte do tempo dos téc-nicos nos três meses queantecedem o início dasafra. Por outro lado, aformulação ou mera as-sinatura de projetos decrédito tem um custopara o agricultor: a re-muneração do técnico de até (quase sempre é ovalor máximo) 3% do valor do projeto. Essaremuneração direta provoca uma distorção fre-qüente nos projetos, pois o interesse do assessoré o de elevar o valor do crédito demandado paraaumentar a sua parte. A falta de recursos parauma extensão rural mais qualificada, no entan-to, empurra técnicos e entidades de assistênciatécnica para essas atividades de baixa eficiência,mas com alguma remuneração para complemen-tar salários aviltados.

O que o governo Lula fez em termos de ex-tensão rural até agora foi quase nada, no “frigirdos ovos”. Cerca de R$ 40 milhões foram dis-tribuídos no primeiro e segundo anos de gover-no, a título de apoio a processos de capacitaçãode agricultores, e essa atividade, na prática, foiassumida por organizações de extensão rural namaior parte dos casos. A metade dos recursosfoi dirigida para as Emater e o restante paraentidades não-governamentais, através de sele-ção por concurso. A agroecologia foi um dostemas favorecidos nesses editais, muito emboranão se saiba quanto dos recursos dirigidos paraas Emater tenha sido utilizado nesta rubrica. Nocampo das entidades da sociedade civil, ONGse movimentos sociais, a agroecologia foi o tema

predominante. Outros R$ 40 milhões foramdistribuídos em apoio a projetos de Ater com omesmo perfil de distribuição dos projetos decapacitação.

As necessidades de recursos financeiros paragarantir uma extensão rural de qualidade sãomuito maiores do que os recursos oferecidos atéagora ou mesmo aventados para um futuro pró-ximo pelo governo federal. Segundo cálculos daAsbraer, entidade que congrega as Emater detodo o país, o custo médio da assistência técnicapor agricultor assistido deve estar por volta deR$ 1 mil por ano (valores corrigidos e aproxi-mados pelo autor, com base em estudo divulga-do em 2002). Já os cálculos da organização não-governamental AS-PTA apontam para um cus-to médio (entre as regiões sul e nordeste ape-nas) de R$ 150. Se considerarmos que o públi-co de agricultores familiares é de 4,5 milhões,as necessidades em recursos para a assistênciatécnica variarão entre R$ 4,5 bilhões, pelos cál-culos da Asbraer, e R$ 650 milhões pelos cálcu-los da AS-PTA. O projeto de assistência técnicaformulado pelo Incra menciona um custo idên-tico ao da AS-PTA, mas esse projeto é fortemen-te subavaliado, pois só financia técnicos e diári-as dos técnicos, esquecendo todos os outros cus-tos de um esforço de extensão rural.

A diferença entre os cálculos da AS-PTA edas Emater se explica pela metodologia adota-da por cada um. A metodologia da AS-PTA seapóia essencialmente na participação dos agri-cultores no processo conhecido como “produ-ção part ic ipativa de conhecimentoagroecológico”, enquanto a das Emater se apóiana difusão, pelos técnicos, dos conhecimentosproduzidos pela pesquisa científica convencio-nal. Por outro lado, é preciso lembrar que oscustos da AS-PTA são o resultado de 10 anos detrabalho de extensão (ou, melhor dizendo, depromoção do desenvolvimento local) com gru-pos bem definidos de agricultores, tanto no nor-deste como no sul. Os custos no início dos pro-jetos eram mais altos e foram se reduzindo namedida em que o número de agricultores incor-

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8 setembro de 2004

O programa decompra antecipada

da produção foiimplementado com

parcos recursos masteve um dos mais

positivos impactosentre as políticas de

apoio à agriculturafamiliar

porados às dinâmicas locais de desenvolvimen-to foi se ampliando. A diferença entre asmetodologias se exprime no número de agricul-tores assistidos por técnico: um para 1.400 naAS-PTA (média sul/nordeste); um para 100 noprojeto do Incra e um para 500 no cálculo dasEmater (médias nacionais).

A outra iniciativa do governo Lula em rela-ção à política de Assistência Técnica e ExtensãoRural – Ater - foi a or-ganização de uma amplaconsulta nacional a enti-dades governamentais enão-governamentais, queculminou em um semi-nário nacional de gran-de representatividade,realizado em Brasília, emagosto de 2003. Nesseseminário, definiu-seuma proposta de Aterque incluiu como eixos norteadores aagroecologia e as metodologias participativaspara a extensão rural. Foi uma significativa vi-tória do campo agroecológico da sociedade ci-vil, muito bem secundado pelos técnicos quevieram a compor o Departamento de Ater daSAF.

Com a criação do Conselho Nacional de De-senvolvimento da Agricultura Familiar –Condraf, em março deste ano, o debate sobreAter passou a ser articulado pelo Comitê de Aterdo Conselho, curiosamente o único espaço dediscussão de política para a agricultura famili-ar, já que os outros Comitês tratam de créditofundiário e desenvolvimento territorial. Não háum espaço específico para a discussão de crédi-to, pesquisa ou comercialização. Esse foco pri-vilegiado na Ater foi justificado pelo secretárioda SAF, Walter Bianchini, pela importância atri-buída a esse tema tanto pelo presidente Lulacomo pelo ministro Rossetto. Na acepção do se-cretário, endossada (sem maiores discussões)pela plenária do Condraf, o tema de Ater pola-rizaria os outros temas relativos ao desenvolvi-

mento da agricultura familiar. Para alguns re-presentantes da sociedade civil, essa relação de-pende da concepção de Ater de cada um.

O debate no Condraf sobre aoperacionalização da política nacional de Aterrevelou diferenças importantes entre as concep-ções dos técnicos do Departamento de Ater evários representantes da sociedade civil, em par-ticular aqueles vinculados à Articulação Nacio-nal de Agroecologia - ANA. O governo vê aagroecologia e os métodos participativos em Atercomo conhecimentos que serão universalizadosatravés de processos de formação de formado-res (todos técnicos) que se incumbiriam de le-var a agroecologia para os agricultores. A con-cepção dos praticantes da agroecologia apontoupara outra visão, centrada na geração e dissemi-nação participativas de tecnologia agroecológicaonde o papel dos agricultores é tão essencialquanto o dos técnicos. Essas abordagens dife-renciadas ainda não foram digeridas e uma po-sição final ainda não foi definida pelo Condraf.

2.3. As políticas de comercialização ou deacesso a mercados

O principal esforço do governo neste campofoi de responsabilidade da Companhia Nacio-nal de Abastecimento – Conab, com o progra-ma de compra antecipada da produção. Esseprograma foi implementado com parcos recur-sos (R$ 80 milhões e R$ 100 milhões nos doisprimeiros anos do governo), mas teve um dosmais positivos impactos entre as políticas deapoio à agricultura familiar. Ele deu segurançade escoamento das safras a preços compensató-rios e favoreceu o abastecimento em gêneros ali-mentares de programas do Fome Zero nos mu-nicípios onde foram implantados. Apesar dosucesso, o programa quase não conseguiu obterrecursos no seu segundo ano de existência, en-contrando pouca ressonância no Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa,onde se localiza a Conab e alguma dificuldadeinicial de compreensão no Ministério do Desen-volvimento Social - MDS, que o apoiou no pri-

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A produtividadeobtida pela

agroecologia é capazde competir com os

sistemasconvencionais e

transgênicos, masnão é valorizada

como alternativatecnológica pela

Embrapa

meiro ano quando ainda era Ministério Extra-ordinário de Segurança Alimentar - Mesa. OMDA argumentou que não deveria ser a SAF oagente financiador desse programa, já que o mes-mo está vinculado a outro ministério; mas esseproblema acabou superado. O programa, noentanto, foi concebido na Conab para ter umadimensão dez vezes maior. Por outro lado, em-bora ele tenha favorecido particularmente a pro-dução agroecológica,esta última não tem ain-da a amplitude necessá-ria para utilizar todo opotencial programadoidealmente.

2.4. A política depesquisa

Na posse do atual pre-sidente da Embrapa,Clayton Campagnola,seu discurso poderia fa-cilmente ser assinado por qualquer dos defen-sores da agroecologia e ele despertou grandesexpectativas entre estes últimos. Entretanto, asresistências internas dos pesquisadores às novasorientações de foco na agricultura familiar, naabordagem agroecológica e na relação com osmovimentos sociais no campo logo travaram asiniciativas do novo presidente que esteve amea-çado de demissão em mais de uma oportunida-de. A posição do presidente da Embrapa sobreo princípio da precaução na questão dostransgênicos também o colocou em rota de co-lisão com o ministro Rodrigues e os represen-tantes do agronegócio. De fato, a Embrapa pou-co realizou das promessas contidas no discursode posse de seu presidente. Negociações sobre acriação de um programa de pesquisa sobre me-lhoramento participativo de variedades tradici-onais ou crioulas foram descontinuadas e os re-cursos destinados a pesquisa para a agriculturafamiliar se mantiveram no grau de formalismoe nas dimensões de sempre. Os termos de refe-rência para projetos de pesquisa para a agricul-

tura familiar praticamente impedem a realiza-ção de pesquisas em agroecologia.

Em termos concretos, a Embrapa só fez darprosseguimento ao programa de pesquisa emagricultura orgânica, já formulado no governoFHC e que tem características muito diferentesdas desejáveis para uma concepçãoagroecológica. Esse programa busca a geraçãode “pacotes tecnológicos” orgânicos do tipo “pro-dução orgânica de batata”, enquanto aagroecologia pesquisa sistemas de produção di-versificados. A Embrapa está gastando cada vezmais recursos em pesquisa de transgênicos, apos-tando em uma tecnologia no mínimo controversaem termos de segurança al imentar,sustentabi l idade, soberania nacional ecompetitividade. Como podemos demonstrar aquem interessar possa, a produtividade obtidapela agroecologia é capaz de competir com ossistemas convencionais e transgênicos, mas nãoé valorizada como alternativa tecnológica pelaEmbrapa.

Apesar da mesmice da política de pesquisa daEmbrapa, o “clima” político do novo governopermitiu uma maior aproximação entre algunspesquisadores e centros de pesquisa, e as experi-ências de pesquisa participativa inspiradas poralgumas ONGs e esSas relações podem dar mar-gem a um processo de transformação na insti-tuição, se essas iniciativas receberem algum su-porte concreto do governo.

Jean Marc von der WeidCoordenador do programa de políticas públicas

da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa- AS-PTA - e membro do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentável - Condraf

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As ações (depromoção de

práticasagroecológicas) são

pontuais e marginais,dispersas e

fragmentadas emmeio à

predominância dasações voltadas para a

promoção doagronegócio

exportador e dosinteresses dos

setores financeirosnacional e

internacional

quisas Ecológicas – IPÊ - e o segundo pelo Cen-tro de Desenvolvimento Agroecológico do ex-tremo sul da Bahia - Terra Viva.

Na região do bioma Cerrado, foi apoiada peloPDA a importante iniciativa de articulação deagricultores familiares, indígenas e técnicos doCentro de Trabalho Indigenista – CTI - e doCentro de Educação e Cultura do TrabalhadorRural - Centru, para defender as áreas rema-nescentes de cerrado e floresta nativa existentesno sul do Maranhão e norte de Tocantins - for-temente press ionadas pela expansão damonocultura da soja - que redundou na forma-ção da chamada Rede Frutos do Cerrado.

No estado do Acre, foi apoiado o projeto deformação de agentes agroflorestais indígenas, deresponsabilidade da Comissão Pró-Índio do Acre- CPI/AC, que toma como base de referência osrecursos naturais locais e os saberes ecológicos evalores próprios das comunidades e povos indí-genas envolvidos.

Num olhar mais atento sobre as ações queconstam de alguns programas do PPA 2004/2007, é possível identificar afinidades e possi-bilidades de articulação de algumas delas comas concepções mais correntes sobre o que sejaagroecologia e suas práticas, especialmente noMinistério do Meio Ambiente. Além disso, numesforço mais aprofundado de pesquisa, certa-mente poderíamos identificar em outros minis-térios alguma preocupação e interesse na pro-moção de práticas agroecológicas. Mas, infeliz-mente, o que se constata é que são de fato açõespontuais e marginais, dispersas e fragmentadasem meio à predominância das ações voltadaspara a promoção do agronegócio exportador edos interesses dos setores financeiros nacional einternacional. Até quando vai persistir essa si-tuação é uma pergunta que deixamos para o lei-tor refletir e responder.

A tentativa de construir o que poderíamos cha-mar de um “orçamento pró-agroecologia” para apolítica do governo federal não é uma tarefa fá-cil. Além da persistência do atual governo na frag-mentação dos temas pesquisa, extensão rural, cré-dito e comercialização por vários organismos e mi-nistérios, não foi constituída ainda uma instân-cia interinstitucional que garanta um mínimo dearticulação e coordenação das ações. A tabela 1apresenta alguns dados orçamentários de 2004,relativos a programasmencionados no textoprincipal desta edição.

É importante destacarque existem outros progra-mas e ações não menciona-dos que, em alguma medi-da, fomentam e apóiam ini-ciativas no campo daagroecologia entre agricul-tores familiares. Esse é ocaso, por exemplo, doSubprograma Projetos De-monstrativos - PDA, noMinistério do Meio Ambi-ente, que conta com recur-sos financeiros de mais deum programa do PPA2004/2007 e da coopera-ção internacional alemã.

Ao longo dos nove anos de existência, o PDAapoiou experiências como o projeto assessoradopelo Centro Ecológico do Rio Grande do Sul,de diversificação dos bananais dos agricultoresfamiliares no litoral norte do estado, com a pre-servação de rebrotas e a reintrodução de espé-cies frutíferas e madeireiras nativas; e os proje-tos de proteção e recuperação ambiental comsistemas agroflorestais em áreas de assentamen-to de reforma agrária no Pontal doParanapanema (SP) e no sul do Estado da Bahia.O primeiro coordenado pelo Instituto de Pes-

O orçamento pró-agroecologia

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Orçamento pró-agroecologiaT abela 1

2004Programas/Ações autorizado liquidado %

05/09/2004 05/09/2004 exec.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA 9.411.493 1.179.056 12,53%

Agricultura Familiar - Pronaf 2.897.493 20.000 0,69%

Fomento a Projetos de Assistência Técnica e Extensão para Agricultura Familiar 2.897.493 20.000 0,69%

Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido - Conviver 1.170.000 - 0,00%

Construção de Cisternas 1.170.000 - 0,00%

Proambiente 5.344.000 1.159.056 21,69%

Apoio ao Desenvolvimento de Atividades Familiares Sustentáveis em Microbacias do Semi-Árido 100.000 - 0,00%

Apoio à Implantação de Pólos Pioneiros do Proambiente na Amazônia Legal 1.000.000 320.000 32,00%

Remuneração por Prestação de Serviços Ambientais Certificados 140.000 - 0,00%

Gestão e Administração do Programa 954.000 606.106 63,53%

Certificação de Serviços Ambientais 100.000 - 0,00%

Fomento a Projetos de Preparação e Execução dos Pólos do Proambiente 1.880.000 - 0,00%

Avaliação e Validação Científica das Iniciativas de Proteção Rural 990.000 52.950 5,35%

Implantação de Unidades de Gestão Ambiental Rural (GESTAR) 180.000 180.000 100,00%

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - MDA 137.732.544 20.483.849 14,87%

Assent. Sustentáveis para Trabalhadores Rurais 28.516.046 1.758.389 6,17%

Assist. Técnica e Capacitação de Assentados 28.516.046 1.758.389 6,17%

Desenvolvimento Sustentável na Reforma Agrária 36.821.498 5.686.594 15,44%

Assist. Técnica e Capacitação de Assentados 36.821.498 5.686.594 15,44%

Gestão da Política de Desenvolvimento Agrário 1.000.000 70.341 7,03%

Promoção da Igualdade de Raça, Gênero e Etnia no Desenvolvimento Rural 1.000.000 70.341 7,03%

Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas 480.000 - 0,00%

Assistência Técnica e Extensão Rural em Áreas Indígenas 480.000 - 0,00%

Agricultura Familiar - Pronaf 59.815.000 10.768.525 18,00%

Fomento à Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultura Familiar 47.540.000 10.738.525 22,59%

Capacitação de Agricultores Familiares 11.275.000 30.000 0,27%

Apoio ao Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Quilombolas 1.000.000 - 0,00%

Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido - Conviver 11.100.000 2.200.000 19,82%

Apoio a Projetos de Inovação Tecnológica da Agricultura Familiar no Semi-Árido 2.100.000 200.000 9,52%

Desenvolvimento Sustentável para os Assentamentos da Reforma Agrária no Semi-Árido do Nordeste 9.000.000 2.000.000 22,22%Fonte: SIAFI/STN - Base de Dados: Consultoria de Orçamento/ CD e ProdasenElaboração: INESCNotação das colunas:% Execução - Obtido através da divisão da despesa autorizada pela despesa liquidada.Nota: A liquidação da despesa constitui a verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

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As propostas da Articulação Nacional deAgroecologia - ANA

Os defensores da agroecologia estão vendodificuldades nas suas relações com o Es-tado, apesar da boa vontade de vários

interlocutores nas Secretarias de Agricultura Fami-liar e de Desenvolvimento Territorial – SAF e SDT- do Ministério do Desenvolvimento Agrário, daConab e do Ministério da Agricultura. Essas difi-culdades não dizem respeito apenas a questões deentendimento sobre a prioridade da agroecologiana promoção do desenvolvimento daagricultura familiar, mas também aquestões estruturais da forma de atua-ção deste e de qualquer governo. Háinércias culturais a serem vencidas paraa adoção de um novo paradigma de de-senvolvimento e inúmeras questões detipos legal e administrativo.

Um dos problemas mais graves estános ritmos desencontrados do governoe da sociedade civil nos esforços de pro-moção da agroecologia. O governoquer respostas muito rápidas e organi-za o fluxo de seus recursos em prazos muito curtos.Esse ritmo não é viável quando se busca promoverprocessos participativos de geração e disseminaçãodo conhecimento. Por outro lado, a fragmentaçãodas políticas do governo relativas ao desenvolvimentoda agricultura familiar dificulta o sucesso de cadauma delas, em particular quando buscam apoiar ouso da agroecologia.

O Departamento de Ater, por exemplo, se pro-põe a garantir a assistência técnica para quase doismilhões de agricultores nos próximos dois anos eprioriza a agroecologia como alternativa tecnológicasustentável. Na nossa avaliação, esse objetivo éinalcançável nesse prazo. Processos de desenvolvi-mento participativo e agroecológico se constróempaulatinamente e, se podem crescer vertiginosamen-te após alguns anos, não são aceleráveis pela merainjeção de recursos.

Pensando no longo prazo, vários dos participan-tes da ANA propõem que o governo trace umapolítica de fortalecimento das experiências em cur-so em agroecologia, propiciando o aumento de es-cala daquelas mais bem sucedidas e que poderãoservir de modelo para novas iniciativas em outrasbases de agricultores. Para isso, o melhor seria que ogoverno adotasse um sistema de financiamento deprojetos agroecológicos que incorporassem as vári-

as dimensões dos processos de desen-volvimento (pesquisa, extensão, crédi-to, comercialização, beneficiamento,capacitação etc) e que operassem comrecursos garantidos por prazos mais lon-gos (três anos renováveis por quatro ve-zes, por exemplo, mediante avaliaçõesperiódicas) tal como operam os finan-ciamentos das ONGs mais bem suce-didas. Esses recursos poderiam ser co-locados em um Fundo de Promoção doDesenvolvimento da Agroecologia, quepoderia ser acessado através de concur-

so por consórcios de entidades de agricultores, pes-quisadores e “extensionistas”.

Essa proposta está em discussão no Condraf, ten-do sido aprovada em um Grupo de Trabalho quepretende agora negociá-la com os secretários doMDA e com o próprio ministro Rossetto. A criaçãode um fundo dessa natureza seria um sinal impor-tante do governo para um futuro diferenciado daagricultura familiar brasileira, sustentável eambientalmente saudável.

Jean Marc von der Weid

Coordenador do programa de políticas públicas

da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura

Alternativa - AS-PTA - e membro do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Rural Sustentável - Condraf

A fragmentação daspolíticas do governo

relativas aodesenvolvimento daagricultura familiardificulta o sucessode cada uma delas,

em particularquando buscamapoiar o uso daagroecologia

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