boletim orcamento socioambiental 19

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Ano V • nº 19 • dezembro de 2006 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc 19 O insustentável ambiente da integração Se levarmos a sério o que está escrito no documento da campanha Lula Presidente (2007/2010) sobre a “política energética e mineral”, o que se viu e ouviu ao longo do mês de novembro a respeito dos “entraves” e “empecilhos” ao desenvolvimento do país não causa grande estranheza. Causa, sim, preocupação e temo- res em relação à verdadeira profundidade, extensão e gravidade do seu significado. Mais ainda quando ve- mos essas questões no contexto dos planos e projetos de modernização conservadora da infra-estrutura re- gional, que tem na Iniciativa de Integração da Infra- IIRSA Brasil odovias, hidrovias, gasodutos, hidrelétri- cas e usinas nucleares são obras de grande porte que compõem o pacote de projetos de infra-estrutura que o governo Lula preten- de implementar no segundo mandato. Es- sas obras fazem parte da estratégia defini- da pela Iniciativa de Integração da Infra- Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). O governo Lula já deixou claro que vai seguir à risca o modelo almejado pela IIRSA, que se baseia na velha idéia do “desenvolvi- mento” ancorado por grandes obras de infra- estrutura. Para isso, estuda a possibilidade de elevar os recursos para essas obras de 0,2% para 0,5% do Produto Interno Bru- to. As repercussões dessa estratégia, no en- tanto, preocupam pelos impactos ambiental e social, uma vez que as populações locais serão severamente afetadas. A IIRSA representa a expansão das fron- teiras do capitalismo. Prevê a destruição de vastas áreas da América do Sul para a insta- lação de atividades econômicas, e a implan- tação de infra-estrutura para facilitar o con- trole dos recursos naturais e a incorporação dos mesmos ao fluxo global de mercadorias. Com questões tão importantes em jogo, o tema da integração regional vai exigir da sociedade uma ação política contundente em 2007, para impedir que o projeto de integração resulte na violação de direitos e na degradação ambiental. E D I T O R I A L R www.inesc.org.br

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Boletim Orcamento Socioambiental 19

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Ano V • nº 19 • dezembro de 2006Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

19

O insustentávelambiente da integração

Se levarmos a sério o que está escrito no documentoda campanha Lula Presidente (2007/2010) sobre a“política energética e mineral”, o que se viu e ouviu aolongo do mês de novembro a respeito dos “entraves” e“empecilhos” ao desenvolvimento do país não causagrande estranheza. Causa, sim, preocupação e temo-res em relação à verdadeira profundidade, extensão egravidade do seu significado. Mais ainda quando ve-mos essas questões no contexto dos planos e projetosde modernização conservadora da infra-estrutura re-gional, que tem na Iniciativa de Integração da Infra-

IIRSA Brasil

odovias, hidrovias, gasodutos, hidrelétri-

cas e usinas nucleares são obras de grande

porte que compõem o pacote de projetos de

infra-estrutura que o governo Lula preten-

de implementar no segundo mandato. Es-

sas obras fazem parte da estratégia defini-

da pela Iniciativa de Integração da Infra-

Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

O governo Lula já deixou claro que vai

seguir à risca o modelo almejado pela IIRSA,

que se baseia na velha idéia do “desenvolvi-

mento” ancorado por grandes obras de infra-

estrutura. Para isso, estuda a possibilidade

de elevar os recursos para essas obras de

0,2% para 0,5% do Produto Interno Bru-

to. As repercussões dessa estratégia, no en-

tanto, preocupam pelos impactos ambiental

e social, uma vez que as populações locais

serão severamente afetadas.

A IIRSA representa a expansão das fron-

teiras do capitalismo. Prevê a destruição de

vastas áreas da América do Sul para a insta-

lação de atividades econômicas, e a implan-

tação de infra-estrutura para facilitar o con-

trole dos recursos naturais e a incorporação

dos mesmos ao fluxo global de mercadorias.

Com questões tão importantes em jogo,

o tema da integração regional vai exigir da

sociedade uma ação política contundente

em 2007, para impedir que o projeto de

integração resulte na violação de direitos e

na degradação ambiental.

E D I T O R I A L

R

www.inesc.org.br

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2 dezembro de 2006

O presidente Lulaanunciou que obras

de infra-estrutura degrande envergadura

sairão definitivamentedo papel e serão

retomados osinvestimentos no

setor nuclear

Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) seumodelo mais acabado. É a estratégia regional semanifestando no plano nacional: a IIRSA-Brasil.1

A volta dos gigantesNa noite do dia 29 de outubro de 2006, ainda

sob o impacto do resultado das urnas, o presiden-te Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, via rede detelevisão, no primeiro dis-curso público como pre-sidente reeleito, que noseu segundo mandato asobras de aproveitamentohidroelétrico (AHE) doRio Madeira, emRondônia, e a Usina Hi-drelétrica de Belo Monte,no rio Xingu (no Pará),entre outras obras de infra-estrutura de grande en-vergadura, sairão definitivamente do papel e se-rão retomados os investimentos no setor nuclear,inclusive para ampliação do número de usinasnucleares (Angra 3 e outras).

O presidente informou também que, no seu se-gundo mandato, o país continuará investindo polí-tica e financeiramente na “integração regional” eserá dada uma atenção especial aos países “maispobres”, pois é de interesse do Brasil que eles tam-bém se “desenvolvam”. Como força econômica re-gionalmente poderosa, com pretensões de

hegemonia, o Brasil parece reproduzir no plano dapolítica externa regional - a exemplo do que fize-ram outros países com uma trajetória colonial maisantiga, como a Inglaterra, a França e os EstadosUnidos - a chamada “doutrina de boas intenções”.A atuação brasileira no Equador e na Bolívia emtorno do petróleo e do gás, particularmente daempresa Petrobrás; e no Paraguai, relacionada aosrecursos hidroelétricos (Itaipu Binacional), dão umaboa medida dos limites de “boas intenções” e daalmejada “ajuda” ao desenvolvimento econômico eà redução da pobreza nas nações vizinhas.2

O ouvinte atento e minimamente informado,com um olhar voltado para as implicações sociaise ambientais que esse discurso significa para a his-tória recente do país, particularmente para as po-pulações direta e indiretamente impactadas pelosgrandes projetos de engenharia de infra-estrutu-ra, certamente deve ter percebido que havia al-gum “ruído” estranho na fala presidencial. A for-ma fragmentada e a pobreza de conteúdo em quese deu o “debate político eleitoral”, acrescidas dosinteresses eleitoreiros, mercadológicos e financei-ros que tumultuaram o processo de eleição presi-dencial, alimentaram uma espessa e inebriante ne-blina, que não permitiu ver o quão relativa eramas diferenças entre Lula e Alckmin nesse setor.

Eleito e tendo que dar uma satisfação à sua “basede apoio” política, empresarial e financeira, o pre-sidente Lula não tardou em “ordenar” aos seus su-

Orçamento & Política Socioambiental: uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a FundaçãoHeinrich Boll. Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, bl B-50 - sala 435 - Ed. Venâncio 2000 – CEP 70.333-970 Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 – Fax: (61) 3212 0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br. ConselhoDiretor: Armando Raggio, Caetano Araújo, Eva Faleiros, Guacira Cesar, Iliana Canoff, Jean Pierre, Jurema Werneck, Padre Virgílio Uchoa,Pastor Ervino Schmidt. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores/as: Alessandra Cardoso,Caio Varela, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Luciana Costa, Ricardo Verdum. Assistentes: ÁlvaroGerin, Ana Paula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED, Embaixada do Canadá- Fundo Canadá , Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, KNH, Norwegian Church Aid, Novib, Oxfam,Save the Children Fund e Wemos Fundation. Jornalista responsável: Luciana Costa (DRT 258)

1 Ver “IIRSA: os riscos da integração”. Boletim Orçamento & Política Socioambiental, número 17. www.inesc.org.br.2 Ver: Leroy, J.P. & Malerba, J. 2005. Petrobras: integración o explotación? Rio de Janeiro: Fase; e Canese, M. 2006. Recursos hidroelétricos y geopolítica en

Paraguay: los casos Itaipú y Yacyretá. (mimeo).

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3dezembro de 2006

Se as coisas andaremno rumo acenado pelopresidente, em breve

terá ido por terra oesforço feito pelo

setor ambientalistapara que o setor de

infra-estruturaincorporasse na sua

visão e metodologia deplanejamento valores

e instrumentosadequados

bordinados diretos, em reuniões ministeriais emmeados de novembro, agilidade para “destravar”as mais de 100 obras e projetos de infra-estruturahoje paralisados por problemas na Justiça e no Mi-nistério do Meio Ambiente.

Se as coisas andarem no rumo acenado pelo pre-sidente, em breve terá ido por terra o esforço feitopelo setor ambientalista (governamental e não-go-vernamental) para que osetor de infra-estruturaincorporasse na sua visãoe metodologia de plane-jamento valores e instru-mentos adequados,como por exemplo, aAvaliação Ambiental Es-tratégica (AAE).

Aos Ministérios da Fa-zenda (ministro GuidoMantega) e do Planeja-mento (ministro PauloBernardo), o presidenteLula solicitou que descubram um meio de “destra-var” a economia com o menor risco possível de des-controle fiscal. Para isso, está em estudo a possibilida-de de elevar os recursos destinados aos projetos deinfra-estrutura considerados prioritários para o go-verno, incluídos no Projeto-Piloto de Investimentos(PPI). A proposta em análise prevê elevar de 0,2%para 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) o valorde projetos prioritários que não entram na definiçãodo superávit primário. O volume total de recursosdo PPI é estimado na proposta de lei orçamentáriapara 2007 em R$ 4,6 bilhões (cerca de 50% a maisdo que no primeiro ano do projeto), podendo che-gar a R$ 10 bilhões se aprovada a proposta defendi-da pelo presidente Lula e pelos setores de infra-es-trutura do governo.

Sob a coordenação da Casa Civil e dos Ministé-rios do Planejamento e da Fazenda, a

implementação do PPI teve início no final de 2004,após acordo com o Fundo Monetário Internacio-nal (FMI). Pelo acordo, os recursos do PPI ficamfora do cálculo do superávit primário; não estão su-jeitos a contingenciamento e têm fluxo financeirogarantido para a execução física das obras. O mon-tante previsto para o projeto foi o equivalente a0,15% do PIB, com estimativa de cerca de R$ 10bilhões para o período 2005/2007. Inicialmente,foram selecionados 104 projetos, principalmente nosetor de transporte, mas em 2005 o número foiampliado para 132 empreendimentos.

Entre as obras “travadas”, estão as seguintes: osgasodutos Urucu-Manaus, Urucu-Porto Velho e oGasene (Gasoduto do Nordeste); as hidrelétricasdo Rio Madeira e de Belo Monte; a ferroviaTransnordestina; a hidrovia do Rio Paraná; e asrodovias BR-101 (nas regiões Sul e Nordeste), BR-163 (Cuiabá-Santarém), BR-158 (Mato Grosso),BR-392 (Rio Grande do Sul) e BR-319 (Porto Ve-lho-Careiro/Manaus). Na reunião ministerial, se-gundo informação do Ministério do Meio Ambi-ente, também foi definido um cronograma para15 gasodutos e foram acertados os Termos de Ajus-te de Conduta referentes à exploração e perfura-ção de petróleo e gás nas bacias de Campos, San-tos e do Espírito Santo.

Aos promotores do agronegócio na Amazônia,principalmente os ligados ao setor produtor desoja, o presidente Lula declara que os povos indí-genas, os quilombolas, os ambientalistas, a legis-lação ambiental e o Ministério Público não po-derão ser mais um entrave ao “desenvolvimento”do país. “Eu estou me dedicando, em novembroe dezembro, a ver se eu pego todos os entravesque eu tenho com o meio ambiente, todos os en-traves com o Ministério Público, todos os entra-ves com a questão dos quilombolas, com a ques-tão dos índios brasileiros, todos os entraves que agente tem no Tribunal de Contas”, disse o presi-

3 Folha de São Paulo, 19/11/06

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4 dezembro de 2006

Há quem diga queestamos na

iminência ou noinício de um novo

“ciclo de expansãoeconômica”, a

exemplo doocorrido no Brasil

nos anos 1970 e1980

dente Lula 3. O objetivo de “destravar” a econo-mia se deve à meta, estabelecida tecnicamentepelo governo federal, de alcançar, no segundomandato, uma taxa de crescimento anual de 5%do Produto Interno Bruto (PIB).

Vetores do desenvolvimentoParece que estamos vivenciando a reprodu-

ção de idéias e práticas -recauchutadas - do velhomodelo de “desenvolvi-mento”, no qual as gran-des obras de engenhariade infra-estrutura são oprincipal vetor de pro-moção e indução: (1) daexpansão das fronteiraspolíticas e econômicas docapitalismo para regiõesaté então relativamente isoladas, e (2) daredefinição de formas de ocupação e explora-ção de regiões (e recursos naturais) que foramobjetos de projetos de “integração” no passado.

Há quem diga que estamos na iminência ou noinício de um novo “ciclo de expansão econômica”,a exemplo do ocorrido no Brasil nos anos 1970 e1980. Rodovias, hidrovias, pontes, hidrelétricas,gasodutos, bem como mineração e monoculturaextensiva foram e são, por natureza, atividadesambientalmente insustentáveis. Provocam tanto adegradação ambiental direta, por meio da modi-ficação do ambiente natural durante a construçãoe operação do empreendimento de engenharia,quanto a indireta, pelo incentivo e pela facilitaçãodo acesso de madeireiras, da grilagem de terra, dodesmatamento, da exploração insustentável da ter-ra e dos recursos naturais (fauna e flora) e do com-prometimento de áreas ambientalmente vulnerá-veis. No plano social, impactam diretamente aspopulações locais (indígenas, seringueiros/as,quilombolas, comunidades agroextrativistas e pes-

cadores/as artesanais, entre outras), que, no casoda Amazônia, dependem substancialmente dos re-cursos hídricos e das florestas para seu sustento ebem-estar.

A constituição da região conhecida como “arcodo desmatamento” – que inclui o sul e sudeste doPará, o estado do Tocantins, o norte do Mato Gros-so, o estado de Rondônia, e hoje se expande parao Acre e sul do estado do Amazonas - é um exem-plo desse processo. Também são exemplos, do pon-to de vista local, as conseqüências sociais,ambientais e econômicas da abertura das rodoviasTransamazônica e Perimetral Norte; a construçãoda hidrelétrica (UHE) de Tucuruí e do complexoGrande Carajás. Há uma vasta literatura e relatosde vida a respeito, que deveriam ser consideradosnos planos de expansão e integração da infra-es-trutura física. O Plano BR-163 Sustentável é umaexperiência que vai nesse sentido, mas que aindacarece de avaliações de maior profundidade, paraalém dos aspectos técnicos e financeiros.

Considerando a convergência de interesses e devisão de desenvolvimento de parcelas importantesdo governo e do setor privado, é possível que te-nhamos pela frente notícias de favorecimentos go-vernamentais às grandes empreiteiras e subsidiári-as fornecedoras de serviços, insumos (cimento, fer-ro, areia, etc.) e maquinário para as obras. Depois,virão o deslocamento e a mobilização de mão-de-obra barata submetida a péssimas condições detrabalho e de vida; a sujeição de trabalhadores/asa regras de conduta que beiram a disciplina mili-tarista; a desestruturação de famílias e comunida-des locais; a desqualificação e a cooptação de lide-ranças comunitárias e regionais em troca de algu-mas “vantagens” e “benefícios”; a formação debolsões de miséria e de focos de prostituição paraatender a “peãozada”, sem falar em velhos víciosconhecidos : o superfaturamento; a corrupção; ouso clientelar; a apropriação privada do dinheiropúblico; e o uso político, partidário e eleitoreiro

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5dezembro de 2006

O mais grave de tudoisso parece ser o fato

de que a ilusãodesenvolvimentistaestá carregando, a

reboque, váriossetores da sociedade

civil que há bempouco tempo eramativistas do campo

socioambiental

das obras. Ou será que estão superadas, no Brasil,essas questões? Se não estão, será preciso exigirações específicas para garantir que não ocorram.

Muito em breve, também, deveremos ter o“desengavetamento” de propostas legislativas demudança da legislação ambiental e introduçãode dispositivos de “compensação” por danos cau-sados, ao ambiente, por empreendimentos deinfra-estrutura. Algo se-melhante ao lucrativonegócio – para os seto-res financeiro e empre-sarial – dos “créditos decarbono”, que permitemaos poluidores continu-arem poluindo e degra-dando o ambiente emtroca de investimentos du-vidosos, do ponto dasustentabilidade ambientalglobal, em proteção e plantio de florestas. Tam-bém pode ser prevista a regulamentação da ex-ploração de recursos minerais e hídricos em ter-ras indígenas e a regulamentação das “parceriasagrícolas”, envolvendo comunidades indígenas eprodutores de soja, que permitirão a assinaturade contratos de concessão do uso dos territóriosindígenas para plantio de soja, em troca de com-pensações financeiras.

O mais grave de tudo isso parece ser o fato de quea ilusão desenvolvimentista está carregando, a rebo-que, vários setores da sociedade civil que há bem pou-co tempo eram ativistas do campo socioambiental, eque hoje, por fidelidade, crenças ou ambição políti-co-partidária, correm o risco - estejam eles/as inte-ressados e conscientes disso ou não – de se transfor-marem em correia de transmissão de interesses mer-cantis sobre os recursos naturais brasileiros.

A situação é realmente complexa e polêmica.Não permite posições nem sectárias nem simplistas,sob pena de o debate não avançar para além dadiscussão ideológica, com risco de cairmos nas “ar-madilhas” traçadas pelo paradigma liberal (eneoliberal) e pelo pragmatismo economicistahegemônico nas esquerdas – ambos fundados nalógica da acumulação e reprodução ampliada docapital –, que limitam nossa percepção e capaci-dade de formular perspectivas de mudança. 4

Política energéticaA política energética brasileira, nos próximos

quatro anos, será focada em três áreas prioritárias:(i) energia elétrica; (ii) petróleo, gás ebiocombustíveis; e (ii) geologia e mineração. Issose justifica pelas características atuais da matrizenergética brasileira e pelo peso que alguns seto-res têm na definição da política. Segundo dadosoficiais do Ministério das Minas e Energia5, a ma-triz do país está calcada nos derivados de petróleo(38,4%), na hidroeletricidade (15%), na cana-de-açúcar (13,9%) e na madeira e outras biomassas(13,1%). O gás natural alcança o percentual de9,3% e o carvão mineral cerca de 6,4%. Em ter-mos de “fontes renováveis”, 44,7% da matrizenergética do país derivam dessas fontes.

A fonte hidráulica para geração de energia elé-trica é considerada a principal vantagem compe-titiva do Brasil e com potencial de expansão. Ahidroenergia contribui hoje com 85,4% da ener-gia elétrica produzida no Brasil e tem um potenci-al estimado de gerar 260 GW (gigawatt). Dessepotencial estimado, segundo dados oficiais do Mi-nistério das Minas e Energia6 só são aproveitadoshoje cerca de 28%.

O documento setorial da “política energética emineral”7, constante do programa de governo di-

4 Sobre a idéia de “sair do circulo de giz”, ver o boletim Orçamento & Política Socioambiental número 16. www.inesc.org.br.5 Documento “Panorama Energético Nacional: Condicionantes para os investimentos e perspectivas de atendimento do mercado”, apresentado no II Seminário

Energia e Meio Ambiente. Manaus, junho de 2006.6 Idem7 Ver www.lulapresidente.org.br

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6 dezembro de 2006

No segundomandato, os

programas Luz paraTodos e Biodiesel

deverãopermanecer como

grandes vetores de“inclusão social no

meio rural”, pormeio da geração de

emprego e renda

vulgado durante a campanha Lula Presidente, par-te do pressuposto de que o “desenvolvimento, cres-cimento econômico e distribuição de renda”, lemado segundo mandato do governo Lula, dependefundamentalmente da garantia da infra-estruturanecessária para ampliar a oferta de energia elétri-ca; das linhas de transmissão; das áreas deprospecção e produção de petróleo e gás natural;e das áreas plantadas paraa obtenção da denomina-da bioenergia. Para a exe-cução dessas atividades, ogoverno anuncia que “de-verá ser priorizada a par-ticipação da indústria lo-cal”, o que resultará, espe-ra-se, na ampliação daoferta de empregos.

No segundo mandato,os programas Luz paraTodos e Biodiesel deverão permanecer como gran-des vetores de “inclusão social no meio rural”, pormeio da geração de emprego e renda.

O programa Luz para Todos tem como metapara 2008 dar acesso à energia elétrica a 10 mi-lhões de pessoas no meio rural, sendo cinco mi-lhões ainda no atual mandato, encerrando o pro-cesso de eletrificação rural do país. Há uma gran-de expectativa no governo em relação ao potenci-al do setor elétrico na geração de postos de traba-lho, diretos e indiretos: a contratação de pessoalpelas concessionárias e cooperativas para a cons-trução das redes de transmissão, e, também, emfunção da reativação e ampliação de fábricas depostes e do reaquecimento da indústria de materi-ais elétricos. Há de se considerar também a cria-ção de novos mercados, antes inviáveis, que emer-gem dessa expansão da eletrificação. Esse é o casodos produtos eletrodomésticos, que passam a sercobiçados sob as novas condições de acesso a ener-gia elétrica. O documento é entusiasta nesse sen-

tido, observando que, com a chegada do progra-ma Luz para Todos nas comunidades, 43% dasfamílias adquiriram televisores e 37% compraramrefrigeradores.

No caso da energia elétrica, um dos esforços cen-trais do governo federal no primeiro mandato, dizo documento sobre a “política energética e mine-ral” para 2007/2010, foi dotar o setor de um“marco regulatório que fornecesse estabilidade (...),garantisse a expansão do suprimento e tarifas módi-cas para o consumidor”. Também se investiu na re-dução das amarras “ao investimento das estatais e[em] criar as condições para o capital privado”. Entreoutras iniciativas, foi facilitado o processo de novaconcessão por meio da redução “drástica” do va-lor do Uso do Bem Público (UBP), o ágio a serpago pelo/a empreendedor/a privado/a para aobtenção de uma concessão nova.

Para a compra de energia pelos distribuidores,foi implantado o sistema de leilões públicos. O do-cumento informa que, nos leilões realizados, paraentrega em 2009, “o grande vencedor foi o capitalprivado: 73% da energia vendida pertence a em-presas privadas, e apenas 27% a uma empresa esta-tal”. A presença e a ampliação da participação dosetor privado são anunciadas pelo governo comoalgo altamente positivo e desejável. Por outro lado,o documento não explica como pretende garantirmaior transparência e o controle social sobre esseprocesso.

Buscando mostrar as diferenças entre o atualgoverno e o “governo FHC”, o documento decla-ra que:

“apesar do discurso em prol de um mercado livre,o governo passado pouco fez para efetivamente criarum setor de consumidores livres e comercializadorasfortes no Brasil. Em 2004, o mercado livre repre-sentava apenas cerca de 6% do mercado total. Atu-almente, o mercado livre corresponde a 26%”.

Isso significa um crescimento de cinco vezes, emapenas dois anos e meio. Com o fortalecimento

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7dezembro de 2006

Na perspectiva de“garantir o

abastecimento deenergia elétrica no

país”, a expansão dahidroeletricidade é

anunciada como umdos eixos centrais da

atuação do governofederal no período

2007/2010

das empresas privadas e do grupo Eletrobrás nosleilões de Linhas de Transmissão, um “novo ciclode abertura para o mercado” teve início, o que temgerado e atraído investimentos de longo prazo. Aconsolidação do processo de abertura e facilitaçãodo “mercado livre” parece ser uma das “portas desaída” para a “inclusão social” no segundo man-dato do presidente Lula.

Eletricidade emeio ambiente

É de se aplaudir osavanços importantes naárea ambiental, como aexigência de LicençaPrévia (LP) para a parti-cipação de empreendi-mentos nos leilões e a cri-ação de um Comitê deGestão Integrada deEmpreendimentos de Geração do Setor Elétrico(CGISE), coordenado pela Casa Civil da Presidên-cia da República, formado pelos ministérios deMinas e Energia e do Meio Ambiente.

A instalação de um “grupo de trabalho” com aincumbência de ouvir e encaminhar as demandasda sociedade civil também é algo positivo, emborainsuficiente como instância que proporcione efe-tivamente o protagonismo e o controle social dasociedade sobre essas políticas setoriais. É necessá-rio investir em outras ações com maior eficácia,como no processo de avaliação e licenciamento deempreendimentos, na capacidade de fiscalização,e em mecanismos adequados para as “consultasprévias informadas” das populações locais.

Na perspectiva de “garantir o abastecimento deenergia elétrica no país”, a expansão dahidroeletricidade é anunciada como um dos eixoscentrais da atuação do governo federal no perío-do 2007/2010. Entre as ações prioritárias, o do-cumento aponta a resolução dos entraves que

inviabilizam as hidrelétricas do Rio Madeira e deBelo Monte (no rio Xingu/PA); a integração dosaspectos sociais e ambientais nos estudos de inven-tário das bacias hidrográficas; e a intenção de pro-mover a articulação da área energética com ou-tros órgãos (Ministério do Meio Ambiente, Ibama,Funai, Incra, Instituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional - IPHAN, entre outros), o Mi-nistério Público e a sociedade civil.

A continuação da política de integração do sis-tema elétrico, de forma a reduzir progressivamen-te o tamanho do sistema isolado, e a substituiçãode combustíveis líquidos por gás natural colocamna ordem do dia a necessidade de uma visão estra-tégica coordenada, tanto da parte do governo fe-deral quanto das entidades que compõem o “cam-po socioambiental” da sociedade civil. Em parti-cular, as redes e os fóruns que articulam ativistas eentidades dos principais biomas brasileiros (MataAtlântica, Cerrado, Caatinga, Amazônia, Panta-nal e Campos Sulinos) e o Fórum Brasileiro deONGs e Movimentos Sociais (FBOMS).

Fontes de combustívelNo período 2007/2010, o governo pretende

investir no desenvolvimento de tecnologias paraproduzir petróleo e gás em águas profundas, in-tensificar a realização de estudos daspotencialidades das bacias sedimentares disponí-veis e criar novas oportunidades para exploração eprodução de gás natural. Os leilões para áreasexploratórias foram realizados em ao longo do pri-meiro mandato e deverão ocorrer no segundo man-dato, atraindo tanto os/as investidores/as tradicio-nais da indústria petroleira quanto novos/as inves-tidores/as, “permitindo a entrada de pequenas emédias empresas no setor” como meio de promo-ção de oportunidades e oferta de empregos.

No setor de biocombustíveis, pretende-se in-centivar sua expansão e diversificação, consideran-do as “potencialidades regionais” de produção de

Page 8: Boletim Orcamento Socioambiental 19

8 dezembro de 2006

Como mecanismode fomento e

incentivo, prevê-sea antecipação da

mistura de 5% debiodiesel no diesel

mineral,inicialmente para2013, atendendoaos interesses dogrande capital do

agronegócio

diesel a partir de óleos vegetais. Como mecanismode fomento e incentivo, prevê-se a antecipação damistura de 5% de biodiesel no diesel mineral, ini-cialmente para 2013, atendendo aos interesses dogrande capital do agronegócio, particularmentedos produtores e processadores de soja, para pro-dução do combustível. Até outubro deste ano (Fo-lha de S. Paulo, 19/11/06), o Banco Nacional deDesenvolvimento Econô-mico e Social (BNDES) jáhavia contratado quatroprojetos e aceito mais qua-tro como participantes doprograma de biodiesel,com um total de investi-mentos previstos de R$464 milhões. A expectati-va da indústria de soja éde que, inicialmente, essacultura responda por90% do fornecimento dematéria-prima para produção de biodiesel.

Avaliações recentes dão conta de que a pressãopara a abertura de novas áreas de floresta e cerra-do para plantio de soja deverá continuar, caso nãoaumente, podendo colocar em risco os comemo-rados índices decrescentes de desmatamento veri-ficados na Amazônia nos últimos anos. Na avalia-ção do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi(Folha de S. Paulo, 19/11), o biodiesel será im-portante estímulo para a sustentação dos pre-ços da soja: “parte do óleo que é exportado vai serconsumida na produção de biodiesel. Com menos óleono mercado, o preço sobe e arrasta o preço do grão.Isso tem um reflexo no mercado mundial”. Ou seja,será necessário um esforço redobrado do Ministé-rio do Meio Ambiente para monitorar e refrear opotencial aumento do desmatamento nas áreas de“fronteira agrícola”.

Mineração em áreas protegidasNo tocante ao setor de mineração, outro pilar

do processo de crescimento econômico almejadopara o segundo mandato (2007/2010), prevê-seo fortalecimento de programas e ações voltadospara o aumento da produção de minérios; o in-vestimento em ações destinadas à agregação devalor ao produto mineral; e a elevação do conhe-cimento das riquezas do subsolo brasileiro.

A regularização do artigo 231 da Constitui-ção Federal, permitindo a atividade de minera-ção empresarial em “áreas protegidas”, como sãoas Terras Indígenas, está sendo incluída na agen-da do segundo mandato como uma açãoprioritária, caracterizada como de “inclusão so-cial” junto a essa população específica. Atualmen-te, está em elaboração, no âmbito do Poder Exe-cutivo, um anteprojeto de lei sobre o tema, a serencaminhado ao Congresso Nacional ainda noprimeiro semestre de 2007.

O tema é polêmico, inclusive entre os/as indíge-nas e organizações não-indígenas de apoio e defesados direitos indígenas. Mas o maior problema serefere à estratégia setorialista adotada pelo governofederal, que assim repete, como o governo anterior(Fernando Henrique Cardoso), a estratégia de des-viar o debate sobre o Estatuto dos Povos Indígenas,paralisado no Congresso Nacional há mais de 12anos, acenando com possíveis ganhos financeiros ecompensações às comunidades locais.8

O orçamento IIRSA-BrasilNo tocante ao orçamento federal para o setor

infra-estrutura, que comporta ações de três minis-térios - de Minas e Energia, dos Transportes e dasComunicações -, o valor autorizado pelo Congres-so Nacional até 10 de novembro foi de R$ 17,88bilhões, sendo R$ 7,84 bilhões para atividades-fim. Do total de R$ 17,88 bilhões, cerca de 52%estão nas mãos do Ministério dos Transportes.

8 Ver “Mineração nas terras indígenas: inclusão social ou expropriação organizada?”. Nota Técnica número 112. www.inesc.org.br.

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9dezembro de 2006

O Ministério dosTransportes foi o

único a ter recursosprevistos no

orçamento de 2006para obras na

Amazônia brasileiraincluídas na Carteira

Brasileira deprojetos IIRSA

Além de ser o ministério com maior orçamen-to, cerca de 52% do total autorizado até 10/11, oMinistério dos Transportes foi o único a ter recur-sos previstos no orçamento de 2006 para obras naAmazônia brasileira incluídas na Carteira Brasi-leira de projetos IIRSA. No total, foram R$ 82,36milhões, dos quais somente R$ 15 milhões havi-am sido liquidados. Ou seja, menos de 18,21%.Relacionados com esse“baixo desempenho” es-tão a pouca atenção àsexigências da legislaçãoambiental; o contingen-ciamento dos recursospor parte do próprio go-verno federal; e o apa-rente desinteresse do se-tor privado em investirnum cenário de insegu-rança gerado pelos doispontos anteriores.

Como mencionado em boletim anterior9, a Car-teira de Projetos IIRSA-Brasil é composta de 63projetos, sendo que somente 25 estão localizadosna região Amazônica. Entre os projetos da Cartei-ra IIRSA-Brasil localizados fora da Amazônia, es-tão, por exemplo:

• as obras de acesso ao Porto de Sepetiba (RJ);• a adequação do trecho rodoviário

Navegantes-Rio do Sul (SC);

• as obras de duplicação da BR-101 entre Pa-lhoça (SC) e Osório (RS), que contam comrecursos do Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID);

• a duplicação do trecho rodoviário entre SãoPaulo e Curitiba, que conta com recursos doBID;

• a melhoria da infra-estrutura do Porto deItajaí (SC);

• a ampliação dos aeroportos de Guarulhos eCampinas (SP);

• e a implantação do Gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre (RS)

Para as obras de duplicação da BR-101 (Ro-dovia Mercosul), entre Palhoça (SC) e Osório(RS), o Projeto de Lei Orçamentária Anual(PLOA) 2007 prevê um orçamento total de R$1,04 bilhão, sendo R$ 600 milhões para o tre-cho entre Palhoça, em Santa Catarina, e a fron-teira deste estado com o Rio Grande do Sul; ecerca de R$ 446 milhões para o trecho locali-zado entre a fronteira SC/RS e a cidade deOsório, no Rio Grande do Sul. Das sete obrasda Carteira IIRSA-Brasil localizadas fora daAmazônia, esta é a única com recursos previs-tos no PLOA 2007.

Como se vê na tabela 1, somente as obras de ade-quação da Rodovia BR-156, trecho Macapá-Oiapoque, tiveram recursos liquidados até a data da

9 Ver “IIRSA: os riscos da integração”. Boletim Orçamento & Política Socioambiental, número 17, 2006. Disponível em www.inesc.org.br.

Nome do projeto Valor autorizado (R$) Valor Liquidado (R$)

Adequação da Rodovia BR-156 (trecho Oiapoque-Macapá) 42.500.000 15.000.000

Ponte binacional sobre o Rio Oiapoque (AP) 1.800.000 0

Interconexão Viária Pucallpa – Cruzeiro do Sul (AC) 11.300.000 0

Ponte sobre o Rio Itacutu na fronteira Brasil-Guiana (RR) 6.000.000 0

Rodovia Bonfim-Normandia (RR) 4.200.000 0

Rodovia Cuiabá-Santarém (MT e PA) 21.960.306 0

TOTAL 82.360.306 15.000.000Fonte: Siga Brasil/Senado Federal. Consulta realizada em 10/11/2006.* Lei Orçamentária Anual

abela 1T

Situação dos projetos IIRSA na Amazônia (LOA 2006*)

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10 dezembro de 2006

A promoção daintegração

energética regional,um dos eixos básicos

da Iniciativa deIntegração da Infra-Estrutura Regional

Sul-Americana(IIRSA), anuncia-se

como prioridade parao governo federal, no

setor energético

consulta (10/11). As demais obras de infra-estruturanão tiveram despesas registradas até essa data.

No tocante à BR-163 (trecho Cuiabá-Santarém), as obras de pavimentação praticamen-te não foram iniciadas por falta de liberação derecursos orçamentários. Objeto de grandes polê-micas ao longo do primeiro mandato do presiden-te Lula – devido aos possíveis desdobramentos emtermos de impactosambientais e à resistênciade fazendeiros, madeirei-ros e grileiros para que nãohouvesse qualquer açãofiscalizadora e reguladorada situação fundiária pelogoverno federal –, esseempreendimento foi obje-to do denominado PlanoBR-163 Sustentável. Paraessa obra, até 10 de no-vembro, houve somente o“empenho” de recursos no valor de R$ 2,05 mi-lhões. O recurso foi destinado à construção de umtrecho rodoviário no estado do Pará, próximo àfronteira com o estado do Mato Grosso.

No Projeto de Lei Orçamentária Anual(PLOA) 2007, está previsto, para o trechoCuiabá-Santarém da BR-163, um orçamento deR$ 216,66 milhões, sendo R$ 28,1 milhõespara a construção de pontes entre a divisa MatoGrosso/Pará e o município de Santarém (PA).O restante do recurso se destina às obras deasfaltamento da rodovia.

Para a rodovia BR-156, no Amapá, o PLOA2007 prevê, para o trecho Oiapoque-Ferreira Go-mes, um orçamento total de R$ 30 milhões, maisR$ 10 milhões para estudos e projetos para aconstrução da ponte binacional sobre o rioOiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa.

Integração energética regionalA promoção da integração energética regional, um

dos eixos básicos da Iniciativa de Integração da Infra-Es-trutura Regional Sul-Americana (IIRSA), anuncia-secomo prioridade para o governo federal, no setorenergético, no período 2007/2010. Para tanto, se prevêa manutenção e ampliação de acordos regionais deinterligação e compartilhamento de infra-estruturasenergéticas; a realização de estudos para integração dasinfra-estruturas de gasodutos e de linhas de transmissão;bem como a implementação e ampliação da cooperaçãotécnica entre os países, com o objetivo de “transferir co-nhecimento e tecnologia na produção de energia”.

Segundo informação divulgada na página do Ban-co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES), no último dia 30 de novembro, o banco seconsolida como importante financiador das exporta-ções brasileiras de bens e serviços de engenharia e cons-trução civil para a América do Sul. A carteira de pro-jetos de financiamento a exportações para a regiãosoma, em 2006, US$ 5,8 bilhões entre operações con-tratadas, aprovadas e em análise. Desse total, a quantiade US$ 1,2 bilhão é para projetos já contratados, en-volvendo exportações para praticamente todos os paí-ses sul-americanos, destinadas a obras de infra-estru-tura física para a integração hemisférica.10

Em relação ao gás boliviano, Patrícia Molina , doForo Boliviano sobre Meio Ambiente y Desarrollo(Fobomade), observa que, para o governo brasileiro,“a integração energética com a Bolívia é estratégica etem o objetivo de formar um imenso mercado consumi-dor que comparta infra-estrutura entre Argentina, Bra-sil e Chile”11. Além disso, destacamos, a Bolívia estánuma posição geopolítica estratégica para os objetivosde conexão dos portos marítimos dos oceanos Atlânti-co e Pacífico e de “integração” das bacias hidrográficasdo Madeira e do Rio da Prata

O processo de expansão da malha de gasodutos e aconstrução de terminais de re-gaseificação fazem parte

10 Ver: www.bndes.gov.br/noticias/not230_06.asp11 Ver: Leroy, J.P. & Malerba, J. 2005, p. 82.

Page 11: Boletim Orcamento Socioambiental 19

11dezembro de 2006 11

de outra área de infra-estrutura energética que vai seconstituindo numa prioridade do governo, como alter-nativa à dependência que o Brasil tem hoje do gás boli-viano. Treze novos gasodutos estão em preparação e emconstrução, o que viabilizará a concretização da deno-minada “rede nordestina de gasodutos” e sua integraçãocom as redes do sul e sudeste. Também está em estudosa conexão da rede nordestina com um gasoduto vindoda Venezuela. A experiên-cia recente de construção emanutenção do gasodutoBolívia-Brasil - que contoucom o apoio dos BancosInteramericano de Desen-volvimento (BID) e Mun-dial (BM) e da CorporaçãoAndina de Fomento (CAF)- e os inúmeros problemasde ordens social e ambientalgerados nas comunidadeslocais afetadas naquele país dão uma boa medida doque poderá acontecer entre nós. 12

Iniciativas da sociedade civilAo longo do ano de 2006, se fortaleceram duas

importantes iniciativas de articulação transfronteiriça- envolvendo entidades, redes e fóruns da “sociedadecivil” – orientadas para a questão das políticas deintegração das infra-estruturas nacionais na Américado Sul e os potenciais impactos socioambientais:

• GT Integração - criado no final de 2005, tem afrente três importantes redes de organizaçõesnão-governamentais e movimentos sociais bra-sileiros: a Rede Brasil sobre Instituições Finan-ceiras Multilaterais (Rede Brasil), a Rede Brasi-leira pela Integração dos Povos (Rebrip) e oFórum Brasileiro de ONGs e Movimentos So-ciais (FBOMS);

• Articulación Frente a IIRSA – constituída em ju-lho de 2005, em uma reunião realizada em Lima

Treze novosgasodutos estão em

preparação e emconstrução, o que

viabilizará aconcretização da

denominada “redenordestina de

gasodutos” e suaintegração com as

redes do sul e sudeste

(Peru), é formada pelas seguintes organizações:Alianza Sistema Paraguay-Paraná de Humedades,Red Pantanal, Rede Aqüífero Guarani, M’Biguá,Fundación Proteger, Centro de Derechos Hu-manos y Ambiente (CEDHA), Núcleo Amigosda Terra/Brasil, Ecologia e Ação (Ecoa), VitaeCivilis, Environment and Development Service(Both ENDS), Bank Information Center (BIC)e o Instituto Latinoamericano de Servicios LegalesAlternativos (ILSA).

Essas duas importantes iniciativas da sociedadecivil sul-americana incidem sobre obras de infra-es-trutura integradas da carteira IIRSA e outras, comoas obras de transposição do Rio São Francisco. A in-cidência se dá nas instâncias governamentais vincu-ladas com essas iniciativas; no fortalecimento da ca-pacidade de organização, entendimento e resistên-cia das populações locais; e junto ao conjunto de ato-res envolvidos no financiamento dessas obras: o Ban-co Mundial (BIRD), o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID), o Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES) e aCorporação Andina de Fomento (CAF).

Para 2007, a previsão é de muito trabalho deinformação, sensibilização e envolvimento do“novo” Congresso Nacional brasileiro junto aostomadores de decisão no Poder Executivo Federale junto às instâncias internacionais de financia-mento e governança regional da IIRSA. Dar con-ta dessa complexa, multicentrada e dinâmica rea-lidade só mesmo com um trabalho em rede bemestruturado e afinado.

Além disso, em 2007 estará em debate, no âm-bito dos Poderes Executivo e Legislativo, o novoPlano Plurianual (PPA 2008/2011), que inclui,entre outros aspectos, a definição da estratégia dedesenvolvimento a ser implementada no período,seus objetivos e metas e as prioridades de investi-mento interno e nos países vizinhos.

12 Ver: Leroy, J.P. & Malerba, J. 2005.

Page 12: Boletim Orcamento Socioambiental 19

12 dezembro de 2006

Há necessidade deserem feitos

esforços no sentidoda criação de

instância departicipação e

controle socialsobre as estratégias

de ampliação eintegração da infra-

estrutura física daAmérica do Sul

Agenda desenvolvimentistaUm indicativo de que o processo de integração

das infra-estruturas nacionais na América do Sul seráacelerado nos próximos quatro anos foi dado pelopresidente Luís Inácio Lula da Silva, no seu primeiropronunciamento público como candidato vitoriosodas eleições presidenciais de 2006, transmitido pelasprincipais redes de televisão do Brasil, no dia 29 deoutubro passado. Na ocasião, o presidente reeleitodisse que a agenda desenvolvimentista está na ordemdo dia; que serão implementadas as obras de infra-estrutura consideradas prioritárias no território na-cional (Belo Monte, Com-plexo Madeira, expansãoda rede de gasodutos, en-tre outras); que será ampli-ado o “apoio” brasileiro aospaíses vizinhos; e que a ini-ciativa privada (por meiodas Parcerias Público-Priva-das) será um parceiro mui-to bem-vindo para com-plementar os investimentosnecessários no setor.

De um modo geral, odebate sobre a integraçãodas infra-estruturas nacionais e suas repercussões emtermos de sustentabilidade ambiental e direitos hu-manos, e particularmente a IIRSA, são questões queainda passam distante do campo de preocupaçãoparlamentar. Ainda predomina ou a ignorância emrelação à existência dessa macroestratégia ou umavisão fragmentada. Ou seja, há um grande espaço aser ocupado e mobilizado no Congresso Nacional eas organizações da sociedade civil, em particular docampo socioambiental, devem usar do seu capitalsocial e simbólico para protagonizar ações afirmati-vas em 2007: disseminando informações, articulan-do parlamentares e assessores/as e propondo a rea-lização de audiências públicas. A idéia é trazer dosbastidores para o centro do palco os/as principais

envolvidos/as e interessados/as na implementaçãoda IIRSA: ministérios setoriais, movimentos sociaise ONGs, financiadores, empreendedores, entre ou-tros.

Uma visão compartilhada por outros parceirosintegrantes de duas redes nas quais o Inesc atua –Articulación Frente a IIRSA e GT Integração - dizrespeito à necessidade de serem feitos esforços nosentido da criação de instância de participação econtrole social sobre as estratégias (setoriais e glo-bais) de ampliação e integração da infra-estruturafísica da América do Sul - principalmente de ener-gia e transporte, ainda que seja garantido acesso li-vre a informações qualificadas e definidos canaisinstitucionais claros para apresentação e julgamen-to de denúncias de risco e desrespeito aos direitoshumanos e socioambientais.

Essas e outras questões necessitam ser evidenci-adas e transformadas em objeto de articulação eincidência política em 2007, sob o risco de o es-paço ser ocupado por atores voltados pura e ex-clusivamente para a reprodução das formas auto-ritárias de poder e de expropriação e acumulaçãodas riquezas geradas. Isso implica priorizar, no pró-ximo ano, a geração e disseminação de informa-ções dirigidas aos fóruns e às redes, além de suasensibilização para que atuem de forma organiza-da nos espaços de decisão existentes e na criaçãode novos espaços de governança (nacional etransfronteiriços) efetivamente democráticos. Parao Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc),além de fortalecer as duas redes de ONGs e movi-mentos sociais já constituídas ( Articulación Fren-te a IIRSA e GT Integração), é preciso perceber oCongresso Nacional brasileiro como um espaçoprioritário de ação.

Ricardo Verdum

Assessor de Políticas Indígena e Socioambiental do Inesc