o centro - n.º 49 – 23.04.2008

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DIRECTOR JORGE CASTILHO | Taxa Paga | Devesas – 4400 V. N. Gaia | Autorizado a circular em invólucro de plástico fechado (DE53742006MPC) ANO III N.º 49 (II série) De 23 de Abril a 6 de Maio de 2008 1 euro (iva incluído) Telef.: 239 854 150 Rua da Sofia, 95 - 3.º - 3000-390 COIMBRA Mulheres de Moçambique em Coimbra MULTICULTURALISMO SAÚDE PÁG. 14 FIGUEIRA DA FOZ DESDE A RTP ÚNICA PÁG. 12 e 13 PÁG. 4 As mudanças na televisão portuguesa Imagens inéditas da Revolução Movimento contra pão salgado PÁG. 16 PÁG. 3 PÁG. 2 Em primeiro plano a grade de ferro que significou, para muitos, a prisão. Ao fundo, o antigo edifício-sede da PIDE em Coimbra, onde tantos foram presos, interrogados e espancados, apenas porque a polícia política suspeitava que discordavam do regime! O 25 de Abril de 1974 pôs termo a essa prepotência e restituiu aos portugueses a Liberdade. Muitos dos que lêem este jornal nasceram, felizmente, sem conhecer o que era a ditadura. Outros já terão esquecido... Para todos, e para assinalar os 34 anos da “Revolução dos Cravos”, esta edição evoca alguns dos aspectos tenebrosos do regime, entre os quais a censura. Para que se não esqueça como era a “liberdade” de expressão em Portugal... “25 de Abril” faz 34 anos ESTE JORNAL NÃO FOI VISADO PELA CENSURA

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Page 1: O Centro - n.º 49 – 23.04.2008

DIRECTOR JORGE CASTILHO

| Taxa Paga | Devesas – 4400 V. N. Gaia |Autorizado a circular em invólucrode plástico fechado (DE53742006MPC)

ANO III N.º 49 (II série) De 23 de Abril a 6 de Maio de 2008 � 1 euro (iva incluído)

Telef.: 239 854 150Rua da Sofia, 95 - 3.º - 3000-390 COIMBRA

MulheresdeMoçambiqueem Coimbra

MULTICULTURALISMO SAÚDE

PÁG. 14

FIGUEIRA DA FOZ DESDE A RTP ÚNICA

PÁG. 12 e 13PÁG. 4

Asmudançasna televisãoportuguesa

ImagensinéditasdaRevolução

Movimentocontrapãosalgado

PÁG. 16

PÁG. 3

PÁG. 2

Em primeiro plano a grade de ferro que significou, para muitos, a prisão. Ao fundo, o antigo edifício-sede da PIDE em Coimbra,onde tantos foram presos, interrogados e espancados, apenas porque a polícia política suspeitava que discordavam do regime!O 25 de Abril de 1974 pôs termo a essa prepotência e restituiu aos portugueses a Liberdade. Muitos dos que lêem este jornalnasceram, felizmente, sem conhecer o que era a ditadura. Outros já terão esquecido... Para todos, e para assinalar os 34 anosda “Revolução dos Cravos”, esta edição evoca alguns dos aspectos tenebrosos do regime, entre os quais a censura.Para que se não esqueça como era a “liberdade” de expressão em Portugal...

“25 de Abril” faz 34 anosESTE JORNAL

NÃO FOI VISADOPELA CENSURA

Page 2: O Centro - n.º 49 – 23.04.2008

2 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 200825 DE ABRIL

Jorge [email protected]

Director: Jorge Castilho(Carteira Profissional n.º 99)

Propriedade: AudimprensaNif: 501 863 109

Sócios: Jorge Castilho e Irene Castilho

Inscrito na DGCS sob o n.º 120 930

Composição e montagem: AudimprensaRua da Sofia, 95, 3.º - 3000-390 CoimbraTelefone: 239 854 150 - Fax: 239 854 154

e-mail: [email protected]

Impressão: CIC - CORAZEOliveira de AzeméisDepósito legal n.º 250930/06

Tiragem: 10.000 exemplares

É já depois de amanhã (sexta-fei-ra) que se completam 34 anos sobrea chamada “Revolução dos Cravos”.

Não vou aqui evocar o que se pas-sou nessa madrugada, quando o cha-mado “Movimento das Forças Arma-das” desencadeou uma revolta quederrubou uma das mais velhas dita-duras do Mundo, que durante quasemeio século governou Portugal.

Uma ditadura perfeitamente assu-mida e que recorria aos processos con-denáveis de todas as ditaduras: opri-mir o povo, recorrendo aos métodosmais violentos, cercear todas as liber-dades, de molde a impedir qualquercontestação.

O nosso País era então, no início dosanos 70, o último Império Colonial, paratanto travando uma guerra contra os po-

O supremo valor da Liberdadevos das nações africanas colonizadas –guerra essa que sacrificou a juventudeportuguesa e provocou a reprovaçãogeneralizada do Mundo, nomeadamen-te com sucessivas condenações naONU.

Aliás, Salazar gostava de afirmarque Portugal era um País “orgulhosa-mente só”!...

Quando Salazar abandonou o Go-verno (por ter caído de uma cadeira,o que lhe provocou lesões cerebraisirreversíveis), houve alguma esperan-ça de que o seu sucessor, MarceloCaetano, modificasse esta situação.

Mas a chamada “Primavera marce-lista” teve sol de pouca dura e depres-sa se retomaram os mesmos métodos,ainda que atribuindo aos seus princi-pais instrumentos nomes diferentes.

Assim, por exemplo, a despótica etodo-poderosa polícia política deixoude ser PIDE (Polícia Internacional deDefesa do Estado) para se transfor-

mar em DGS (Direcção-Geral de Se-gurança); e a obscurantista Comisãode Censura passou a chamar-se “Exa-me Prévio”.

Mas só os nomes mudaram!Hoje, os mais novos, que vivem em

plena liberdade, têm dificuldade ementender o que foram essas décadasde opressão, em que as pessoas erampresas, torturadas e até assassinadas(veja-se, como exemplo, o caso do ge-neral Humberto Delgado) apenas por-que discordavam do regime.

Milhares de pessoas foram interro-gadas pela tenebrosa polícia política,que contava com a colaboração de in-formadores dissimulados por toda asociedade portuguesa.

Nas ruas e nos cafés não se podiafalar à vontade. Em casa não se po-diam ouvir estações de rádio estran-geiras, sob pena de prisão.

Os jornais só podiam dizer banalida-des, e às vezes até mesmo essas eram

alvo de proibição por parte da censura,sem que se soubessem as razões.

O mesmo se passava com a rádio,com as televisões, com o teatro e ocinema.

Neste último caso, os filmes eramesquartejados de tal modo que muitasvezes, por causa de tantas cenas cor-tadas, os espectadores saíam sem per-ceber o enredo da obra.

Mas também os livros eram alvo des-sa censura obscurantista, com muitosescritores e editores a serem presos emilhares de obras apreendidas.

Por tudo isto, é aconselhável quepelo menos uma vez por ano, quandose celebra mais um aniversário da “Re-volução dos Cravos”, os mais velhos,que ainta têm a memória desses “tem-pos de chumbo”, recordem, para osmais novos, a dura realidade que en-tão se viveu durante quase 50 anos,para que eles saibam dar o devido valorà liberdade que hoje respiram.

Alguns exemplos da Censura à imprensa,durante o regime ditatorial de Salazare de Marcelo Caetano,em imagens retiradas da Galeria Virtualdo Museu de Imprensa,cuja consulta vivamente se recomenda.Para que os mais velhos não esqueçame os mais novos não ignorem...

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3DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 25 DE ABRIL

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Cada um destes distritos é repre-sentado por um elemento (remeten-do para o respectivo património his-tórico, arquitectónico ou natural).

A flor, assim composta desta for-

ma tão original, está a desabrochar,simbolizando o crescente desenvolvi-mento desta Região Centro de Portu-gal, tão rica de potencialidades, de His-tória, de Cultura, de património arqui-tectónico, de deslumbrantes paisagens(desde as praias magníficas até às ser-ras imponentes) e, ainda, de gente hos-pitaleira e trabalhadora.

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Comemorações em Coimbrado 34.º aniversário do “25 de Abril”

Um colóquio sobre “Abril e os livros”,um jantar-convívio e um espectáculo, sãoalguns dos aspectos do programa come-morativo dos 34 anos do “25 de Abril”organizado para Coimbra para o próxi-mo dia 29 (terça-feira da próxima sema-na).

Trata-se de uma iniciativa conjunta doINATEL/Delegação de Coimbra, daAssociação 25 de Abril/Delegação doCentro e do Instituto Português da Ju-ventude/Subdelegação de Coimbra.

O colóquio decorre na Casa Munici-pal da Cultura (das 10H00/12H30 e das14H30/17H30), com a participação deAbílio Hernandez, Anabela Monteiro,Armando Azevedo, Augusto Monteiro,Eduarda Dionísio, Isabel Melo e MarcoGomes. Será moderado por ManuelaCruzeiro (investigadora do Centro deDocumentação 25 de Abril) e José Dias(Presidente do Conselho da Cidade deCoimbra).

Sobre este colóquio referem os orga-nizadores:

“25 de Abril… tão próximo e tão dis-tante! Para alguns a revolução é aindauma memória íntima e calorosa. Paraoutros uma bruma histórica que só per-tence às gerações mais velhas. Porém,entre o princípio do prazer que é a revo-lução sonhada e o princípio da realidadeque é a revolução efectiva, algo de radi-calmente novo aconteceu que, não sen-do historiável ou sequer comemorável,permanece na memória de um povo,como narrativa exaltante e inspiradoradas mais fundas expectativas de felici-dade colectiva.

Ao propormos um regresso aos livrosque os nossos convidados escolheramcomo mais fiéis companheiros dessa fa-bulosa aventura, não o fazemos por pas-sadismo ou nostalgia. Antes por um de-safio a uma memória activa, a um re-gresso ao futuro. Um encontro num tem-

po e num lugar em que todos, à seme-lhança de Sophia, acreditámos num pro-jecto ‘racional, limpo e poético’”.

Nessa mesma terça-feira, pelas19H00, no Restaurante Universitário daSereia, decorre um Jantar convívio do 25de Abril.

Por último, às 21H30, no auditório doInstituto Português da Juventude, reali-za-se um espectáculo comemorativo do25 de Abril, com entrada livre. Está anun-ciada a actuação dos seguintes grupos:“Grupo Quatro Elementos”, “Dança Con-temporânea” e “Sax Ensemble”.

SENSIBILIZAÇÃONAS ESCOLAS

Entretanto, a Delegação do Centro daAssociação 25 de Abril, está a levar aefeito acções de sensibilização sobre o25 de Abril junto das escolas Básicas 2+ 3 e Secundárias da Região Centro, no

âmbito de um protocolo celebrado entreo Ministério da Educação e a Associa-ção 25 de Abril.

Assim, elementos da A25A (militarese civis) estiveram já em diversas esco-las escolas da Região, estando anuncia-dos mais os seguintes encontros:

Dia 24 de Abril: Escola Secundária deJosé Falcão, em Coimbra; Escola B 2 +3 de Arazede.

Dia 9 de Maio: Escola SecundáriaMarques de Castilho, em Águeda.

NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA, DIA 29

Há 34 anos os jornais, finalmente semcensura, anunciavam a revolução

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4 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 200825 DE ABRIL

Imagens inéditas da RevoluçãoTROPAS DA FIGUEIRA DA FOZ RUMARAM A LISBOA

Estas são alguams imagens inéditas,uma vez que nos foram gentilmente ce-didas por um dos protagonistas do 25 deAbril de 1974, o reputado fotógrafo Jor-ge Dias, que então prestava serviço mi-litar, como miliciano, na Escola Práticado Serviço de Transportes, na Figueirada Foz.

Daquela unidade saiu uma coluna mi-litar que iria ter papel importante na Re-volução, comandada por um dos oficiaisque mais se destacaram no agitado perío-do das mudanças que se seguiram ao 25de Abril: Dinis de Almeida.

Na foto acima vemos o referido ofi-cial, de megafone, dando instruções naparada do quartel para a formação dacoluna (imagem ao lado), depois de te-rem sido distribuídas aos soldados ar-mas e munições (foto acima, à direita).

Nas imagens abaixo vemos a colunaa sair do quartel da Figueira da Foz e aseguir rumo a Lisboa.

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5DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 COIMBRA

Gomes Canotilho, jurista e profes-sor catedrático na Faculdade de Direi-to da Universidade de Coimbra, vaiabordar amanhã (quinta-feira, dia 24de Abril), num almoço-debate, na Quin-ta das Lágrimas, uma recente afirma-ção sua, em que classificava a Univer-sidade de Coimbra, de “provinciana”.A declaração suscitou um vendaval dereacções na cidade e nos meios aca-démicos.

Convidado pela Fundação Inês deCastro como orador da segunda con-ferência do ciclo “Quintas na Quin-ta”, o actual mandatário do FórumNovas Fronteiras apresenta comotema da sua intervenção, “Coimbri-

TEMA DO DEBATE COM GOMES CANOTILHO AMANHÃ NA QUINTA DAS LÁGRIMAS

“Coimbrinhas e Coimbrões:do desencanto local à cidade global”

nhas e Coimbrões: do desencanto lo-cal à cidade global”.

Prevê-se que o constitucionalista falesobre o ensino superior, sobre a agorachamada, pelo actual Presidente da Câ-mara, “cidade do conhecimento”, pelaimportância de Coimbra no panoramanacional e também sobre o da sua Uni-versidade no contexto da crescenteglobalização.

A avaliar pelo título que anuncioupara a sua intervenção, Gomes Cano-tilho, cujo nome tem sido dado comocerto para ocupar o lugar de JorgeCoelho no Conselho de Estado, deve-rá abordar estas e outras questões com

a frontalidade que o caracteriza.A sessão tem início às 12.45 horas.Recorde-se que José Joaquim Go-

mes Canotilho recebeu em 2003 o Pré-mio Pessoa, sendo-lhe igualmente atri-buído em 2004 a Comenda da Ordemde Liberdade.

No primeiro desta série de almoços-debate (que têm o apoio do Hotel Quin-ta das Lágrimas) participou LeonorBeleza.

Para o almoço-debate do próximomês (dia 29 de Maio) está já anunciadoDiogo Freitas do Amaral, professor uni-versitário e ex-Ministro dos NegóciosEstrangeiros.Gomes Canotilho

“Frátria” é o sugestivo título do novolivro de poemas de Carlos Carranca, queno próximo sábado vai ser lançado emCoimbra..

A apresentação está a cargo dos es-critores António Arnaut e José Fernan-do Tavares, em sessão pública que de-corre a partir das 16,30 horas na CasaMunicipal da Cultura (Rua Pedro Mon-teiro).

A sesão inclui aunda um momentomusical de canto e guitarra de Coimbra,com peças inéditas.

Sobre este seu novo livro, editado pela“Mar da Palavra”, diz Carlos Carranca:

“O que a Vida tem de melhor é o fac-to de ser breve na eternidade que deixa-mos nos outros. Nela há qualquer coisaque nos escapa, desde o nosso corpo

LANÇAMENTO NO PRÓXIMO SÁBADO EM COIMBRA

“Frátria”: novo livro de poemas de Carlos Carrancacomo objecto da nossa representação,até ele se tornar vontade e através deleestarmos em relação com a Natureza.O meu corpo passa a ser a Natureza emmim.

Mas nós somos sempre mais do queconhecemos e os nossos versos vão paraalém daquilo que sabemos, daquilo queescrevemos. (...)

A Poesia tenta, pela palavra, libertar-nos do ruído que aprisiona e, em funçãodo outro, libertá-lo, religando-o à palavraperdida no aperfeiçoamento do mundo.

No princípio era o Verbo.Todas as coisas foram feitas pela pa-

lavra, a palavra desocultadora do mun-do, da Vida, da beleza.

Sabemos que a Morte é a mentira e averdade é a Vida, mas também sabemos

que a única verdade objectiva é a Mor-te, porque a Vida é um conjunto de men-tiras que nos serve de consolo; mas oPoeta sabe, também, que a palavra ven-ce a Morte e que é a palavra poética amais humana das obras”.

Numa organização conjunta da Ar-cádia – Associação para a Organiza-ção da Feira do Livro de Coimbra e daCâmara Municipal de Coimbra, está adecorrer, até 3 de Maio, na Praça daRepública, a 31.ª Edição da Feira doLivro de Coimbra, evento que foi inau-gurado no passado dia 18.

Ali, onde a fantasia se tornará reali-dade durante 16 dias, não só a popula-ção de Coimbra, mas também a dosconcelhos limítrofes, tem a oportunida-de de viver intensamente o mundo doslivros e abraçar o sonho e a verdadecontida em cada um dos milhares detítulos expostos durante o evento.

A Feira do Livro tem o seguinte ho-rário: dias da semana, das 15 às 23 ho-

ras; às sextas, sábados e véspera deferiados encerrará às 24 horas.

A organização espera receber mui-tos milhares de visitantes, entre os quaisalunos das escolas do Ensino Básicodas 31 freguesias do concelho, a quemforam dirigidos convites, seduzindo as-sim estudantes e professores para nãodescurarem esta oportunidade de con-tacto e conhecimento numa visita aomundo dos livros.

Participam na Feira 16 livrarias oueditoras de Coimbra – sócios da Arcá-dia – com estabelecimento ou repre-sentação na cidade, tendo em conta ostermos dos Estatutos da Associaçãoque representam um número superiora 180 Editoras devidamente identifica-

das e muitas outras estrangeiras nãoespecificadas.

Deste modo, o público terá à sua dis-posição, a preços mais acessíveis, mi-lhares de livros de todos os géneros.

Como em edições anteriores, a Fei-ra do Livro decorre numa tenda comuma área de ocupação de dois mil me-tros quadrados, onde estão instaladosos 36 módulos que acolhem as referi-das empresas expositoras.

A Organização dispõe de um espa-ço para o Secretariado, onde promovea realização de Quatro Encontros te-máticos, designados “Noites com aPalavra”, às 21 horas, numa parceriacom a Rádio Regional do Centro.

No passado dia 21, o tema foi o Pa-

trimónio, e teve como oradores o Prof.António Pimentel e o dr. Pedro Ma-chado, estando a moderação a cargodo jornalista Soares Rebelo. Hoje, dia23, a Cultura, que contará com a parti-cipação do Prof. Amadeu CarvalhoHomem, dr.ª Helena Rainho Coelho edr. Mário Nunes, sendo moderador odr. Sansão Coelho. Dia 28, a Cidada-nia, com o Prof. Barbosa de Melo e odr. António Arnaut, sendo moderadoro dr. Lino Vinhal. Dia 29, dedicado aotema Ciência, contará com a presençados Profs. Carlos Fiolhais e PauloGama Mota.

De assinalar a iniciativa “Contadoresde Histórias” que decorrerá dias 24, 25 e29 de Abril, sempre pelas 17h30.

“Feira do Livro” já abriu em Coimbra

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6 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008NACIONAL

No juramento de posse, cada mem-bro de governo (e no tempo da outrasenhora, também os altos funcionários eas chefias do Estado) afirma pela suahonra que cumprirá com lealdade as fun-ções que lhe são confiadas. Para unstantos, no dia seguinte a lealdade passaa ser metáfora que dá cobertura a fide-lidades partidárias e à obrigação de cru-zar armas pela eternização na cadeirado poder.

E quando o ‘interesse nacional’ e odever de ‘serviço público’não têm igualleitura para todos os que juraram lealda-de às funções que lhe são confiadas, abota passa a não dar com a perdigota, ea coisa resvala para contornos de peri-gosidade para o próprio regime. O mi-nistro das Finanças disse que as entida-des públicas devem ter igual acesso àsoffshores, tal como as privadas, e zigue-zagueou sobre a lista das que praticamessa ‘igualdade’; Vieira da Silva discor-dou sem papas na língua, e José Sócra-tes teve que vir emendar a mão ao mi-nistro prometendo para dentro de diasessa divulgação. Luís Amado diz à bocapequena que nas relações interministe-riais não há solidariedade e que andacada um a puxar a mesma brasa à suasardinha, e Isabel Pires de Lima confir-ma; ninguém os desmente. Jorge Coe-lho assevera não haver conflito de inte-resses no desempenho de altas funçõesem empresas que já foram por si tutela-das, e onde há anos por sinal já colaboraactivamente um dos seus ex-secretári-os de Estado e um ex-ministro social-democrata, ambos a seu tempo servido-

ponto . por . ponto

Por Sertório Pinho MartinsOs meios e os fins

res da mesma tutela; João Cravinho dei-xa sorrisos rasgados de entrelinha, An-tónio Vitorino alerta para as sequelas aprazo desses mal-entendidos, ManuelAlegre recorda princípios que já foramsagrados na relação do poder instaladocom o país, e José Sócrates concede aoassunto honras de debate parlamentar.Pina Moura desapareceu debaixo domanto diáfano da maior empresa ibéricado sector da energia, ao clamar contrita-mente que ‘o que é legal é ético’ – eninguém mais o incomodou, ficando afrase como deixa oportuna para outros aquem no futuro lhes passe à porta o ca-valo do poder.

Mas esta ligeireza atravessa todo oespectro político nacional, muito em es-pecial desde que Cavaco Silva abando-nou S. Bento. Olhe-se o Casino de Lis-boa, a presidência da Lusoponte, os so-breiros abatidos aos milhares, os terre-nos do Parque Mayer e da Feira Popu-lar, as Universidades Moderna e Inde-pendente, a Fundação da SegurançaRodoviária, a quase privatização da Com-panhia das Lezírias com decreto-lei jáfeito a regra e esquadro, o terramoto le-vantado pela localização do novo aero-porto de Lisboa ou a nova ponte Chelas-Barreiro.

Mas a memória é curta, e o que saltaaos olhos do homem da rua é a procis-são que vai no adro : é o PS que hojesegura as rédeas da galera, e os focosestão naturalmente todos apontados nes-se sentido. Por isso a mulher de Césartem de ser e parecer! E quando AntónioVitorino, Jorge Coelho e outros pesos-pesados do PS, sempre olhados como

reserva de batalha, optam por sair docaldeirão e ir tratar da vidinha, nada vol-tará a ser como era. E se nos debruçar-mos sobre a qualidade política das ban-cadas parlamentares de há duas déca-das, e nos fixarmos na fornada de indi-ferenciados que hoje enche maioritaria-mente as galerias e ocupa os espalda-res, a nossa esperança treme até aosossos.

A par destes sinais, há outras nuvensa pairar sobre a democracia ainda im-berbe em que vivemos. Os partidos es-tão claramente em crise (de crescimen-to ou de esvaziamento?), e a aparên-cia mascara a realidade doméstica den-tro de cada um deles: o PS já não con-segue esconder as suas tendências defundo e o timoneiro começa a ter difi-culdade em impedir que venham ao decima discordâncias perigosas para a boagovernação do país; o PSD é um bar-co onde o comandante não tem cartade patrão de costa, quanto mais a dealto mar, os oficiais subalternos já seacotovelam para chegar aos botes – ecom Ângelo Correia a fazer reparossérios à navegação de cabotagem,Menezes já arreou o escaler e vamoster aí o saco de gatos no seu melhor; oCDS-PP é cada vez mais uma mão-cheia de nada, já sem militantes quecheguem para construir uma simples‘tendência’; o Bloco de Esquerda vivena ilusão de vir a ser poder dependu-rado num PS que precise de uma mai-oria que não volte a passar pelo ‘quei-jo limiano’; o PCP não tem outras am-bições que não seja ir mantendo o cal-do da contestação social em banho-

maria, e nisso é exímio. E na socieda-de civil, a coisa não é diferente: mani-fs concertadas por todo o país contraas políticas de saúde, de educação edo que mais se verá; professores emdesfile gigantesco contra o modelo dasavaliações e a ministra a ter que tor-cer para não quebrar; estatísticas so-bre agressões nas escolas e armas naposse de alunos menores; clubes en-volvidos em processos de corrupção…que vão prescrever; o escândalo daCasa Pia a caminho do seu milésimoepisódio; 50.000 PMEs a fechar por-tas em 2007 e a deixar milhares no re-gaço do fundo de desemprego; previ-sões de recessão económica a pairarsobre o planeta, que apenas merecemum sobrolho patético e um cansado en-colher de ombros das entidades de re-gulação, nitidamente incapazes de de-monstrar a quadratura do círculo, e como governo em queda de credibilidade,a dar mais um dito-por-não-dito sobreo crescimento económico e sobre osimpostos do nosso descontentamento.

Começa a crescer uma enevoada econfrangedora indiferença, a par de umaausência de valores e de princípios quedeveriam ser bitola de quem escolheu apolítica como modo de vida. Se nesta faseos partidos entrarem em processo deimplosão, o regime colapsa e o sistemaentra em rotura – e, numa situação de‘salve-se quem puder’, os fins justifica-rão todos os meios. E só restará queCavaco Silva passe as noites em claro,com um olho no burro e outro no cigano,esperando que a ‘palavra presidencial’seja ouvida como deve e por quem deve!

O presidente demissionário do PSD,Luís Filipe Menezes, disse ontem (ter-ça-feira) esperar que o seu sucessor“não seja um estorvo” para uma cor-recta relação entre o Presidente daRepública, Cavaco Silva, e as institui-ções do Estado.

No final de um encontro de cercade meia hora com o Presidente da Re-pública para lhe apresentar “cumpri-mentos de despedida”, Luís Filipe Me-nezes considerou que a sua relaçãocom Cavaco Silva nos últimos seismeses “foi perfeita”.

“Espero que o futuro líder do PSDtenha condições para poder ser não sóum bom líder mas também alguém quenão seja um estorvo do ponto de vista

Menezes espera que o seu sucessor“não seja um estorvo” para relaçãoentre Cavaco e instituições

da afirmação desta escorreiteza debom relacionamento do Presidente daRepública com todas as instituições doEstado”, declarou aos jornalistas, noPalácio de Belém.

O presidente demissionário do PSDnão quis responder a perguntas e dei-xou em seguida o Palácio de Belém.

Na sua curta declaração, Luís Fili-pe Menezes disse ter agradecido aoPresidente da República “as atençõesinexcedíveis que teve com o líder opo-sição ao longo destes sete meses, aten-ções de ordem pessoa mas tambémuma irrepreensível conduta de respeitoinstitucional”.

“Da nossa parte procurámos respon-der exactamente nos mesmos tempos.

Julgo que o senhor Presidente da Re-pública também tem todas razões paraconsiderar que enquanto líder do PSDtudo fiz para que tivesse o máximo deliberdade e de possibilidade de afirmaro seu magistério de influência com todaa independência, nunca o pressionan-do, nunca o procurando condicionar”.

“Portanto considero que foi uma re-lação que eu considero que foi per-feita e para mim é uma relação quedeixa boas recordações”, concluiu.

Entretanto, depois de Pedro PassosCoelho e Patinha Antão terem anuncia-do a intenção de candidatar-se, estão emaberto outros nomes: Manuela FerreiraLeite, Aguiar Branco, Neto da Silva eSantana Lopes são alguns deles.

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7DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 INTERNACIONAL

EXPLICAÇÕESDE MATEMÁTICALicenciada em Matemática

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Os resultados da cimeira da NATO,que decorreu de 2 a 4 de Abril em Buca-reste, ainda continuam a merecer nume-rosos comentários. Há quem fale numavitória da Rússia (a Ucrânia e a Geórgianão foram convidadas para entrar no pla-no de pré-adesão à Aliança). Outros exal-tam o apoio unânimo dado ao sistema dedefesa antimíssil norte-americano a ins-talar na Europa de Leste.

Mas as palavras que são uma chavepara compreender o que realmente acon-teceu na capital romena, foram pronun-ciadas na véspera da cimeira. O primei-ro-ministro francês, François Fillon, de-clarou que Paris estava contra a adesãoda Geórgia e da Ucrânia, pois consideraque um procedimento assim seria «umaresposta errada para o equilíbrio das for-ças na Europa, assim como entre a Eu-ropa e a Rússia».

REGRESSO À POLÍTICACLÁSSICA?

Esta declaração tem dois pontos im-portantes. Em primeiro lugar, a posiçãode Moscovo é de modo inequívoco apon-tada como a causa da anulação de umadecisão pré-programada. Nos últimos 15anos os protestos da Rússia nunca fo-ram ouvidos ou levados em conta.

Em segundo lugar, um líder europeucomeçou a falar sobre «equilíbrio dasforças na Europa». Uma terminologiaausente da Europa actual. O Velho Mun-do não pára de repetir que não pensamais em categorias de «política real». Aonível oficial, afirma-se que hoje em dia omundo se baseia noutros princípios. Nainterdependência, por exemplo, quandoo progresso é resultado de compromis-sos das partes envolvidas.

Mas de que equilíbrio de forças falouFrançois Fillon? Sem dúvida, não se tratado equilíbrio das forças com a Rússia, poiso poderio militar, económico e político destanão é comparável com o da NATO.

François Fillon teve em vista algo di-ferente. Nos últimos dois decénios mu-dou a «divisão de trabalho» na NATO.Enquanto os EUA «defendiam a EuropaOcidental de uma ameaça real», não ha-via concorrência dentro da comunidade

Quem venceu na Cimeira de Bucareste?

Putin e Bush numa recepção no passado dia 3, durante a cimeira de Bucaresteoferecida pelo Presidente da Roménia, Traian Basescu (cuja Mulher, Maria,está no centro da imagem, com os tradutores a ladeá-la, um pouco mais atrás)

euroatlântica. Mas com o desapareci-mento da ameaça surge uma divergên-cia dos interesses e das abordagens en-tre as duas margens do Atlântico.

Na altura, os EUA, que carregam o ónusde governar sozinhos o mundo, decidiramque a Europa devia saldar a dívida pelascondições ideais de integração que o NovoMundo proporcionou ao Velho Mundo nos40 anos da guerra fria. Mas os EUA nãoreceberam – do ponto de vista de Washing-ton – uma resposta adequada. Como re-sultado, o habitual equilíbrio dentro daNATO sofreu um abalo.

A NATO perdeu a sua missão estra-tégica. A situação piorou ainda mais de-pois de 11 de Setembro de 2001. Wa-shington desistiu de se apoiar na estrutu-ra da NATO na luta contra o terrorismointernacional e preferiu agir independen-temente, recorrendo de vez em quandoa alguns aliados mais fiéis.

Em Washington chegaram à conclu-são de que não precisavam da compo-nente militar da NATO, dado o baixo ní-vel da capacidade militar da maioria dosEstados europeus. Em contrapartida,cresceu o interesse pela componentepolítica, já que a Casa Branca contavater um apoio confortável às suas iniciati-

vas globais. Mas mesmo neste aspectoa NATO falhou: em 2003 os maiorespaíses do continente europeu recusaram-se a apoiar a intervenção norte-ameri-cana no Iraque.

OS NEÓFITOSE OS VETERANOS DA NATO

Desde então, a função de alargamentoda NATO ao Leste tornou-se um reforçodas posições dos EUA. O valor militardos novos membros da Aliança é insigni-ficante, mas a sua influência política im-pressiona. Nas questões da segurança osnovos membros da NATO (e os mais pro-váveis candidatos) confiam unicamentenos EUA. Com o alargamento da NATOsalta à vista que na prepração da agendaos neófitos têm maior papel que os paísesveteranos. Em Bucareste, os veteranospassaram ao contra-ataque na esperançade quebrar a tendência para a sua margi-nalização na Aliança.

Nicolas Sarkozy tem por objectivodevolver à França a liderança na Euro-pa. Paris conta reforçar também as po-sições europeias na tomada de decisõesna sede da NATO. Por outras palavras,restabelecer o equilíbrio mencionado pelo

primeiro-ministro francês. Em Bucares-te, as vítimas desta situação foram aUcrânia e a Geórgia.

Compreende-se que o alargamento daNATO, apoiado pelos EUA e pelos neó-fitos da Aliança, não corresponde aosinteresses de Paris. Os futuros membros– que são todos pró-EUA – apenas irãoconsolidar o desequilíbrio político, que osveteranos procuram corrigir. A tentativafrancesa de levar uma nova lufada de arà NATO é uma iniciativa corajosa, mastem pouca garantia de êxito.

Em primeiro lugar, as pretenções a umpapel de peso devem ser apoiadas pormaiores sacrifícios. Mas essa ideia é pou-co popular junto da maioria dos francesese dos europeus em geral que se recusama ir combater nos confins do mundo.

Em segundo lugar, o reforço da com-ponente militar europeia exige mais des-pesas com a defesa. À luz do baixo cres-cimento económico na UE e da instabili-dade financeira no mundo isto não pro-voca muito entusiasmo.

Em terceiro lugar, Nicolas Sarkozy émuito vulnerável. O seu estilo hiperacti-vo e o desejo de fazer tudo ao mesmotempo provocam uma resistência tantodentro do país, como fora.

Finalmente, o presidente francês,considerado agora amigo de Washing-ton, arrisca entrar em conflito com osEUA. Se os esforços de Paris comvista à reanimação militar da Europa(a França pretende meter ombros aesta tarefa durante a sua presidênciana UE no segundo semestre de 2008)começarem a dar frutos, não tarda-rão acções norte-americanas com vis-ta a repor o «status quo».

Numa palavra, no seio da NATO éinevitável um debate sobre a essência dasua «nova missão estratégica». À luzdesta situação, a Moscovo cabe multi-plicar as suas forças como factor de in-fluência, e agir de modo a retirar argu-mentos àqueles que gostariam de ver anova missão da NATO resumir-se à ve-lha: opor-se à ameaça do Leste.

Fiodor Lukyanovin revista A Rússia na Política Global

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8 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008OPINIÃO

O INQUEBRANTÁVELSENTIMENTO DO SR. SILVA

É verdade o que José Miguel Júdicedisse esta semana na SIC Notícias so-bre Jardim: há décadas que os respon-sáveis políticos portugueses o tratamcomo se tratam os doidos, fazendo deconta que não o ouvem e nunca o con-trariando. Aliás, não são só os responsá-veis políticos. Basta não se ser madei-rense ou, sendo, não viver na Madeira,para poder ignorar Jardim. E se um ma-deirense que vive na Madeira se queixa,a resposta está na ponta da língua: “Vo-tam nele, não votam?”Certo que votam,há décadas, e sempre com maioria ab-soluta, não havendo notícia de quem acu-se Jardim de manipular resultados. Te-rão pois o que merecem e nós, os outrosportugueses, só damos por eles e porJardim quando ele se lembra de insultaralguém “do Continente” ou desata numberreiro porque quer mais dinheiro ouameaça não cumprir leis da República.Como alguns pedopsiquiatras dizem damá educação das crianças, será a formade Jardim dizer “estou aqui”. (...)

Fernanda Câncio (jornalista)DN 18/Abril/08

OS GRANDES PROBLEMASDO PAÍS

Como toda a gente sabe, os grandesproblemas do País são a desigualdadesocial, a crise económica e a vida profis-sional de Fernanda Câncio. O PSD, jus-tificadamente, tem dado mais atenção aoúltimo: não só é o mais grave, como é oúnico que pode ser discutido, com igualproveito, tanto no hemiciclo como napadaria. (...)

Diz que a Fernanda é uma jornalistado Diário de Notícias que namora, vejabem, com o Sócrates. (...) Eu não soude intrigas, mas quando a RTP convidauma boa jornalista para fazer jornalismo,todos percebemos que houve marosca,e da grossa. Não é assim tão frequentea RTP contratar bons profissionais. Es-cuso de lembrar ao leitor que eles mecontrataram durante dois anos. Aquilo égente que não faz questão nenhuma noprofissionalismo. (...)

Ricardo Araújo Pereira(humorista)

Visão 17/Abril/08

JULGAMENTO

A questão que John Kennedy coloca-va aos americanos no início dos anos 60(“não perguntes o que é que a Américapode fazer por ti, mas antes o que é quepodes fazer pela América”) é a questãoque os europeus normalmente não secolocam sobre a Europa. Provavelmen-te não o fazem por diversas e, até nal-guns casos, boas razões.

Mas em certa medida essa omissãocorresponde à certeza de que se a UniãoEuropeia existe é decerto porque ela temalgo a dar aos europeus.

De forma mais explícita ou mais im-plícita, directa ou indirectamente, nestes50 anos, os europeus foram integrando aconstrução política europeia numa nar-rativa que fazia apelo aos valores da paz,da consolidação da democracia e da pro-moção da prosperidade. Estes três valo-res genéticos explicam a continuidade doprojecto europeu e a sua originalidade,que continua a ser um quebra-cabeçaspara os teóricos dos modelos políticosconsolidados, bem como a sua forçaatractiva, consumada ao longo de suces-sivos alargamentos. (...)

António Vitorino (jurista)DN 18/Abril/08

BOA E MÁ IMPRENSA

Ontem Mota Amaral abandonou oIPSD, um instituto de reflexão do PSD queaté aqui liderava. Não explicou porquê, masfacilmente tudo se percebe. Mota Amaralé mais uma sumidade do PSD que querdistância face ao fiasco em que se trans-formou a liderança de Luís Filipe Mene-zes. Para desgraça dele, Menezes é hojepresa fácil de críticos internos e externosque já se mexem em cenáculos e colóqui-os a ver se arranjam alternativa. Os “cola-boradores” de Menezes como Ribau Es-teves ou Rui Gomes da Silva também nãoajudam, como o miserável episódio à voltada jornalista Fernanda Câncio demonstra.Entretanto, Menezes só se queixa: das in-trigas de dentro, do Governo, da RTP e daimprensa em geral. (...)

Pedro Lomba (jurista)DN 17/Abril/08

LIBERTEM A LÍNGUA

(...) Em 1911, o acordo [ortográfico]teve lugar entre dois países em que a lín-gua portuguesa era a língua natural. Nocaso português, o colonialismo proibiaque as línguas nacionais faladas nas co-lónias fossem um problema linguístico, nocaso do Brasil, o colonialismo internoimpedia que as línguas indígenas existis-sem. Portugal considerava-se o dono dalíngua portuguesa, mas porque não o erade facto, o acordo só começou a ser im-plementado em 1931. Hoje são oito ospaíses de língua oficial portuguesa, e emseis deles a língua portuguesa coexistecom outras línguas nacionais, algumasdelas mais faladas que o português. Nes-

tes países, o contexto da política da lín-gua é muito mais complexo. Mexer noportuguês só faz sentido se se mexer naslínguas nacionais, e mexer nestas, em pa-íses que há pouco saíram de uma guerracivil, pode ter consequências bem maisgraves que as do drama bufo luso-brasi-leiro. Por estas razões, deviam ser estespaíses a decidir o desacordo, mas pelasmesmas razões é pouco provável queaceitassem tal magnanimidade.

Neste contexto, a língua portuguesadeve ser deixada em paz, entregue à tur-bulência da diversidade que torna possí-vel que nos entendamos todos em portu-guês. Revejo-me, pois, no comentário iró-nico e contraditório de Fernando Pessoaaos acordos ortográficos, escrito em1931, ano em que se implementava oacordo de 1911: “Odeio... não quem es-creve em orthographia simplificada, masa pagina mal escrita, como pessoa pro-pria, a syntaxe errada, como gente emque se bata, a orthographia sem ipsilon,como o escarro directo que me enoja in-dependentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também égente. A palavra é completa vista e ou-vida. E a gala da translitteração greco-romana veste-m’a do seu vero mantoregio, pelo qual é senhora e rainha”.

Apesar de transcrito na ortografia dePessoa, foi difícil entender este passo?

Boaventura Sousa SantosVisão 17/Abril/08

A VITÓRIA DOS PORCOS

Não é surpreendente a vitória de Ber-lusconi. Ele representa o que há de piorna política: grosseria, ignorância, menti-ra, má-fé, soberba e desprezo. Mas o seuopositor mais bem colocado, o pusilâni-me Veltroni, não é carne, nem peixe, nemarenque vermelho. Além do que, comnotória ausência de ideias e de ideais,contrabandeou como suas algumas daspromessas eleitorais de Il Cavaliere. Ocaso italiano reflecte a crise ideológicana Europa, tanto à esquerda como à di-reita. Ambas demonstram ser incapazesPalmiro Togliatti: “Que faz a cultura pelohomem que sofre? Procura consolá-lo.”As frases possuem uma actualidade ex-cruciante: consolar é o contrário de re-solver. Se convoco Vittorini para o textoé porque o grande escritor foi o chefe deorquestra de um pensamento aberto aodinamismo das ideias, e a Itália intelec-tual o palco no qual se dirimiram ques-tões fundamentais para o futuro da liber-dade e da democracia. (...)

Silvio Berlusconi reaparece por im-possibilidade de uma esquerda cuja deri-va ultrapassa qualquer capacidade decálculo, e de uma direita doente de do-mínio e defensora de doutrinas obsole-tas. O que nos remete para o problemada democracia. Que está em perigo, nãosó em Itália. Basta que olhemos em vol-ta: a grosseria espezinha qualquer tipo

Fernando Pessoa

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9DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 OPINIÃO

de civilidade. É a vitória dos porcos, comoescreveu Orwell.

Baptista-Bastos(escritor e jornalista)

DN 16/Abril/08

PARTES DE ÁFRICA

Diziam os docentes do Departamen-to de Linguística da Faculdade de Le-tras de Lisboa na posição que toma-ram em 1986 e que já citei aqui pormais de uma vez: “Estranha-se que,sendo este um acordo de unificaçãoortográfica entre países da África, daAmérica e da Europa que usam o por-tuguês, não tenham sido previstas re-gras de adaptação para a ortografia depalavras provenientes de línguas afri-canas que já se tenham integrado ouvenham a integrar-se no português.”

Isto, que se aplicava ao Acordo Or-tográfico de 1986, aplica-se inteiramen-te ao actual...

Quer-se uma demonstração deveraspicante? Pois o Novo Dicionário Uni-versal da Língua Portuguesa (TextoEditores), o tal que se proclama “con-forme o Acordo Ortográfico”, registanada menos de três grafias, três, paraa unidade monetária de Angola: “cu-anza”, “kuanza” e “kwanza”...

Na verdade, os negociadores doAcordo agiram com a sobranceria dedonos da língua, esquecendo-se deque os países africanos que a falam sãotão condóminos dela como nós ou osbrasileiros e arrogando-se uma pers-pectiva do mais puro neocolonialismo.

O Acordo só cura de arrumar aquestão entre Portugal e o Brasil. Osoutros que se curvem docilmente antea decisão. (...)

Vasco Graça Moura (escritor)DN 16/Abril/08

O FOSSO CONSIDERÁVEL

O actual secretário-geral da ONU, odiplomata Ban Ki-moon, em pouco alte-rou as perspectivas assumidas e as ur-gências proclamadas pelo seu notávelantecessor.

Talvez porque, se os conflitos se agra-varem, os agentes e vítimas não muda-ram sensivelmente. Se algum novo alar-me se encontra na intervenção do se-cretário, é a afirmação de que existe um“fosso considerável” entre a retórica querodeia a prevenção e o emprego de me-didas para o efeito, concluindo que o“principal desafio para a comunidade in-ternacional continua a ser a elaboraçãode estratégias mais eficazes para preve-nir conflitos”.

Infelizmente, a prudente insistênciaapenas na necessidade de melhorar aorganização, sem claramente enfrentaro facto de que, sem melhoria considerá-vel da compreensão e relação dos go-vernos com os interesses gerais da hu-manidade, não haverá melhoria possível

da ONU, tudo contribui para que seja aconfiança, de que esta necessita, o valorprogressivamente em deterioração.

Reconhecer que, especialmente emÁfrica, o custo dos conflitos armados éigual ou superior ao montante da ajudainternacional que recebe não pode serseparado da condenação do desenfrea-do comércio de armas que são forneci-das por economias avançadas.

Economias cujos governos estão re-presentados na ONU, recebem os rela-tórios, mas não mostram que decidamcontribuir para a melhorar a ONU re-freando decisivamente as exportações.

Adriano Moreira(professor universitário)

DN 15/Abril/08

A POLÍTICA E OS NEGÓCIOS

Na semana passada, a imprensa defim-de-semana – e as televisões e rádi-os – deu bastante destaque à questão daseparação – óbvia – entre a política e osnegócios. Chamou a atenção para o en-riquecimento ilícito, de certos políticos,considerado crime de corrupção, pelaConvenção da ONU, que o Parlamentoportuguês ratificou, por unanimidade, emJulho de 2007. Lembraram a actualida-de das propostas do ex-deputado JoãoCravinho, contra a corrupção, as quais,por razões jurídicas, quanto ao ónus daprova, não foram por diante, até agora,reclamando a necessidade de uma mai-or transparência, quando certos políticosdeixam postos governamentais e saltampara as administrações de empresas,dependentes de subsídios estatais.

Trata-se de um problema de ética po-lítica e também jurídico, de um ilícito cri-minal, se assim for definido pela lei, deprimeira importância para o bom funcio-namento das instituições democráticas.Já os romanos diziam “que à mulher deCésar, não basta ser séria: é preciso tam-bém parecê-lo”...

Com efeito, em sociedades de opiniãolivre, nada faz pior ao prestígio das insti-tuições do que os rumores correntes deque os políticos querem ocupar os luga-res “para se encherem”, tratar dos seusinteresses e enriquecerem. (...)

Mário SoaresDN 15/Abril/08

DIVÓRCIO À PRESSA

O Partido Socialista é uma das gran-des instituições da democracia portugue-sa. O País deve-lhe, entre outras, a opo-sição ao marcelismo, a luta contra o gon-çalvismo, os programas de estabilizaçãocom o FMI em 1977 e 1983 e a reformada Segurança Social em 2007. Mas, so-bretudo quando orientado por personali-dades de segunda categoria, ele tambémé capaz de enormes disparates e gravesatentados. A recente decisão de mudara lei do divórcio é um caso destes.

Pode perguntar-se o que é que acon-teceu de tão grave que justifique uma

reforma em legislação tão central e sen-sível. A única resposta válida é que setrata de um capricho do partido do Go-verno. Houve uma iniciativa do Bloco deEsquerda, um grupinho de exaltados semrepresentatividade, a que se junta a có-pia às tolices que a Espanha tem vindo afazer ultimamente. Sobre este tema de-cisivo, o Partido Socialista vai legislar areboque e à pressa. (...)

João César das Neves(professor universitário)

DN 14/Abril/08

A PROA DO PSD

(...) O PSD meteu a proa no maels-tröm dos improvisos. O leme já não co-manda a rota. Fala para o cosmos, parao mundo, para a História, como se osportugueses de hoje veraneassem em taissítios. A cada sondagem – aquelas coi-sas que, ainda em Março, demonstravam“consistentemente” como a barca já“cheirava a poder” – a desorientação émaior. As mesmas ideias vão e vêm, ten-do apenas o cuidado de ir mudar de nomee de roupa. É o caso dos “roteiros”, asvoltas do chefe pelo País, baptizadas emimitação das de Cavaco e concebidaspara ofuscar aquelas com que o líderparlamentar queria ofuscar o chefe. É ocaso da “nova Constituição”, um propó-sito reafirmado para apaziguar a condi-cionalidade crescente do apoio de Jar-dim. O PSD local terá gostado. Mas oPSD nacional não consegue explicar nocontinente o que fazer com os limitesmateriais de revisão da actual Constitui-ção, nem como vai arranjar os dois ter-ços de votos no Parlamento (a menosque já não queira só ganhar, nem só amaioria absoluta, mas aponte, sim, paraa homérica cabazada de obter 67% dosvotos nas legislativas). (...)

Nuno Brederode Santos (jurista)DN 13/Abril/08

QUEM QUER SER POLÍTICO?

Não me querendo, obviamente, imis-cuir com uma visão do exterior em as-sunto do foro partidário interno, é-meimpossível ignorar o tema com que to-dos fomos confrontados na parte final dasemana quando o líder do maior partidoda Oposição literalmente “bateu com aporta” em reacção ao coro de críticas eprovocações que, praticamente desde odia da sua eleição, se faziam ouvir a par-tir de diversos protagonistas do próprioPSD.

A maioria dos comentários que sobreo tema se podem fazer, designadamentea propósito do que se lhe poderá seguir,não passarão hoje de meras banalidadesse a liderança de Menezes vai renascerreforçada ou se o seu afastamento re-presentará algo de menos estratégico emais profundo só se poderá saber maistarde. De todo o modo, continuo a consi-derar importante uma oposição compe-tente, forte e organizada, sobretudo na

medida em que tal conduz, normalmen-te, a melhorias substanciais da governa-ção.

Neste momento, e sem pretender fa-zer juízos de valor acerca das virtualida-des ou defeitos do referido protagonista,realçaria apenas que a eleição de umaliderança que se destrói em seis mesesparece ter deixado mais uma vez ilustra-da essa estranha característica humana,tantas vezes testemunhada na históriainternacional ou nacional, de contestar naprática, e a partir do primeiro momentopossível, o resultado das regras que so-lenemente se construíram e cuja regên-cia é teoricamente aceite! (...)

Elisa Ferreira (eurodeputada)JN 19/Abril/08

RELAÇÕESIGREJA(S)-ESTADO

A declaração do arcebispo de Braga,D. Jorge Ortiga, reeleito presidente daConferência Episcopal Portuguesa – “oEstado democrático não pode ser mili-tantemente ateu” – só pode entender-secomo manifestação de profundo desa-grado face ao Governo actual. Mas éincorrecta e infeliz. De facto, vive-se, emPortugal – e bem – num Estado laico,portanto, com separação da(s) Igreja(s)e do Estado, de tal modo que este nãopode ser militantemente ateu nem mili-tantemente católico ou muçulmano, porexemplo. No domínio religioso, é sua fun-ção salvaguardar e defender a liberdadereligiosa de todos. (...)

Anselmo Borges(padre eprofessor de Filosofia)

DN 12/Abril/08

CAPITALISMO SOCIAL

No momento em que o capitalismo fi-nanceiro é objecto de uma espiral dedescredibilidade e de suspeita até há pou-co inimagináveis, é reconfortante olharpara os resultados do capitalismo socialimpulsionado pelo prémio Nobel Muham-mad Yunus, o inventor do micro crédito.Ele lembra que 94% do rendimento mun-dial está nas mãos de cerca de 40%, eque metade da população mundial vivecom 2 dólares por dia. O seu objectivo áalterar esta situação. Para o conseguirprocura, com o “Gremeen Bank”, esti-mular um capitalismo que obedeça a ou-tros objectivos, não o do lucro máximopara os accionistas ou o da máxima re-muneração para os seus gestores, mas oda criação de empresas e de empregos,sem perdas nem lucros. O seu sucessoimpressiona: parece que finalmente apa-receu alguém que contraria a observa-ção de Mark Twain, que definiu o ban-queiro como alguém que empresta umchapéu-de-chuva quando o sol brilha, eo tira mal começa a chover!

Manuel Maria Carrilho(professor universitário)

DN 12/Abril/08

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10 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008REPORTAGEM arte em café

Organização da Mulher Moçambicanacelebrou 35 anos em Coimbra

Decorreu no passado dia 12 em Coimbra, no Centro Cultural D. Dinis, uma ses-são comemorativa dos 35 anos da Organização da Mulher Moçambicana (OMM).

Presente, entre outras entidades, o Embaixador de Moçambique em Lisboa, Mi-guel Mkaima, que elogiou o trabalho da mulher moçambicana.

A acção da OMM, e o importante papel da mulher daquele País, foram tambémobjecto de intervenções por parte da embaixatriz Glória Mkaima, da Secretária da

OMM, Ivone Bila, da professora da Universidade de Coimbra Paula Menezes, dapsicóloga brasileira Norma Carvalho e de Paula Machava, Editora da revista “Afro”.

Seguiu-se a parte festiva, com declamação de poemas, momentos de teatro, dan-ças tradicionais por um grupo guineense e canções africanas por Mamadu.

A animada e participada sessão terminou com um jantar de convívio constituídopor especialidades da gastronomia moçambicana.

Fotos de José Barretowww.josebarreto.com

O Embaixador de Moçambique, Miguel Mkaima, ladeado por algumasdas mulheres que organizaram esta celebração

A psicóloga brasileira Norma Carvalho à conversa com Ivone Bila,secretária da OMM e principal obreira desta celebração

Um momento do espectáculo de danças tradicionais a cargo de um grupode estudantes guineenses

O papel sacrificado da mulher e a sua luta pela emancipaçãoforam objecto de alguns momentos teatrais

O Embaixador Miguel Mkaima dialogando com Jair, um dos elementos da Mocimbra -Casa de Moçambique em Coimbra

A embaixatriz e o embaixador de Moçambique,com a adida comercial da Embaixada e Paula Machava, Editora da revista “Afro”

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11DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 CRÓNICA

A OUTRA FACEDO ESPELHO

José Henrique Dias*

[email protected]

* Professor universitário

LOUSÃ - Nelson Fernandes

Dou comigo a pensar no dia em que chegaste. Era ocomeço da noite em fins de Setembro. Não, princípiosde Outubro. Apesar do tempo que passou, tanto tem-po!, sei que seria por essa altura porque tem a ver como início das aulas. Ou será que… Naquelas terras,mesmo em Outubro nascente, arrefece ao anoitecer.Basta uma leve brisa vinda lá dos montes de Espanhapara que nos passe um arrepio. Que poentes roxos naserra em frente! Manchas de urze e rosmaninho. E abola de fogo rasante vinda de longe, onde talvez o mar.

Lembro…, talvez uma canção de que já não sei onome, dum filme que esqueci, cantada por… Deixa.

Começo a esquecer coisas que me foram essenciaise teimo em dizer-me que não estou velho. Isto sim,coisas de velho. Mas eu ia dizer que me lembrava doteu acontecer naquela noite que começava a ser fria enão te esperava, como podia espera-te, se não sabiaque eras, mas tu entraste e o Café como que parou derespirar, todos os olhos na tua direcção, sufocado pelamajestade dos teus passos e mais pelo movimento len-to de teus cabelos, esse tu a que depois me prendi comose mais nada houvesse no mundo, e na verdade nãohavia…deixou de ser, ai de mim!

Só tinha olhos para ti, diziam, e eu sabia que foraocupado, totalmente invadido, um estranho deslumbra-mento… o teu casaco a que depois chamava lar, por-que me recolhia e me tomava num abraço, mas isso foimuito depois e custou-me a separação da Francisca,dolorosa como todas, mas a Francisca era uma vida eos filhos, por isso rejeitado pelas famílias e amigos quenos acolhiam.

Círculo de afinal não amigos que eu julgava que oeram e logo me viraram a cara e até no consultório seressentiu. Perdi pacientes. Então não querem ver queo doutor Vasconcelos deixou a mulher por causa deuma professoreca que veio aí para o liceu…O homemdeve estar parvo, trocar uma senhora como aquela por

…era Outubro, tenho a certezauma raparigota que veio láde não se sabe donde nemonde pendura o pote.

Quando começou a cons-tar, tiveste problemas com oreitor. Já tinhas tido, e o pri-meiro foi por usares calças.Foste chamada e o reitor adizer-te eu pessoalmente nãotenho nada a ver com a se-nhora usar calças, mas istoé um meio pequeno e a se-nhora está a dar escândalo.Depois o nosso “caso”. Aameaça concretizou-se, nãofoste proposta no ano se-guinte, foste parar ao Algar-ve. O reitor encontrou-me e disse-me sibilino, tenhopena que aquela sua amiga não tenha sido nomeada.Sacana!

Estávamos, deixa ver, nos anos sessenta. Vieras deParis e trouxeste para mim o livrinho vermelho dos mi-tos, les murs ont la parole, e líamos excitados il estinterdit d’interdire. A palavra nas paredes de Paris eser proibido proibir. Era de nós que falavam. Não esta-va longe aquela noite em que ficámos a ver a chegada

do homem à Lua e no dia seguinte as gentes que dizi-am que era tudo uma macacada, era lá possível, quan-do o foguetão chegasse já a lua não estava no mesmosítio, como é que podia acertar, eram os americanos agozar connosco…

Não admira, uns anos antes, talvez em cinquenta esete, um ilustre catedrático de astronomia do Técnicotambém disse, quando do lançamento do primeiro Spu-tnik, que era propaganda soviética, pois tecnicamentenão era possível. Depois subiu o outro e foi a histeria,coitadinha da cadelinha, parece impossível, como quemreza. Laika. Só mesmo nós, dizias-me exasperada, nemmulheres de calças nem pé na lua, onde eu vim parar.

Mas eu estava a lembrar-me do teu casaco, desse, a

que chamava lar, que soletrou uma a uma as mesas doCafé quando entraste naquele começo da noite eraOutubro, agora tenho a certeza que era Outubro, sen-taste-te e pediste um chá, de cidreira não temos minhasenhora, temos tília, dizia meio estonteado o criado demesa, era assim que se dizia, temos tília pode ser?, pode,se faz favor, disseste, e o homem ficou especado aolhar para ti. Foi preciso o patrão chamar lá de trás dobalcão, ficas aí feito pamonha ó quê? Tu sorriste e foinessa altura que os nossos olhos se encontraram. Ain-da hoje não consigo compreender.

Nem tu, creio, mas tu não estás para podermos falardisto, de resto sempre que falámos dizíamos que nãosabíamos o que aconteceu, eu lembro vagamente, mui-to vagamente, como dos ventos gélidos nos vidros docarro, quando das primeiras saídas clandestinas, quesorriste, ou sorrimos ambos no mesmo instante e euacenei um leve baixar de olhos e tu altiva até ao pri-meiro boa noite, chamo-me Luiz Vasconcelos, já agoraluis com zê , tu gracejaste: vasconcelos com dois eles?…por acaso não, mas o meu pai tinha, respondi, foi ofuncionário do registo que me roubou um ele.

Já então toda a cidade sabia que eras professora deFrancês e os rapazes andavam malucos por causa datua beleza, mas nisso não me ganhavam, pois eu ficarafascinado desde aquele instante dos olhos no começoda noite em Outubro, tenho a certeza que era Outubro,e tu Maria da Luz, não podias ter outro nome, foi o quepensei quando me disseste Maria da Luz muito gosto ea mim se escapou aquele muito prazer de tão mau gos-to que nem parecia meu, que sempre me ensinaramque não se dizia, só os arrivistas sem classe, enfimcoisas que hoje nem quero pensar.

Marcas que ficam da infância, como os braços cola-dos ao corpo às refeições e os movimentos de levar ostalheres à boca, fecha as asas dizia o meu pai ou entãoponho-te um dicionário debaixo dos braços e ai de ti secaírem, nunca mais esqueci até um dia em que resolvivou mesmo comer de asas abertas, então ele apenasmemória em homenagem da minha rebeldia.

Sabes porque te falo disto?, porque quando ficastegrávida e tivemos mesmo que ir embora foi uma tragé-dia, então não querem saber que o doutor Vasconcelosfugiu com a serigaita da professora, e nós não fugimos,apenas fomos cuidar de nós, do amor que construímoscom gestos lentos, palavras que já não sei dizer, não asesqueci apenas te eram destinadas e contigo ficaramcomo me ficou o Duarte que ainda há dias pegou nafotografia sobre o fogão da sala e me disse

tenho tanta pena de não ter conhecido a Mãe…

... Depois subiu o outro e foi a histeria, coitadinha da cadelinha, parece impossível, como quem reza.Laika. Só mesmo nós...

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12 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008TELEVISÃO

“Os primeiros passos da televisão sãodados esta noite. Os portugueses pode-rão ver os programas em vários pontosda cidade (...) Os seus (da Televisão)primeiros passos serão talvez hesitan-tes, mas não poderão restar dúvidas deque a TV vai triunfar em pouco tempode forma avassaladora. Milhares de pes-soas, dezenas de milhares, depois mui-tas centenas e até milhões vão consa-grar as suas horas livres ao mágico sor-tilégio do Mundo aos nossos olhos edentro de nossa casa...”. Isto lia-se noDiário Popular a 4 de Setembro de 1956.E o DP tinha razão. Também Portugalnunca mais foi o mesmo depois do iní-cio das emissões da RTP.

A televisão portuguesa fez a suaaprendizagem em plena ditadura. Che-gou à maioridade quando se deu o Movi-mento Libertador do 25 de Abril. O gran-de entusiasta do seu lançamento foi, nosanos 50, Marcelo Caetano, ministro daPresidência. Ele tinha a certeza de quenada melhor do que a televisão “para le-

var a palavra de quem governa àqueleque é governado”. Salazar nunca seapercebeu disso (ou ter-se-á apercebidotarde demais), mas quando o rendeu àfrente do Governo, anos depois, Marce-lo Caetano mantinha intactas as suasconvicções e as “Conversas em Famí-lia” provam-no. O empenho com quelevava até ao ecrã da RTP os seus mi-nistros e outros homens da sua confian-ça política, só o confirmam.

A “nossa” televisão, antes do 25 deAbril, por muito que reflectisse a socie-

PÚBLICA FRACÇÃO

Francisco [email protected]

dade limitada e controlada em que vivía-mos, conseguiu, mesmo assim, trazer umanova imagem do mundo que até aí seencontrava muito longe da generalidadeda população. Contribuiu para uma novasocialização e, embora numa fase inicialmuito mitigadamente, as trocas de ideiassobre o que nos rodeava passaram a fa-zer-se muito à custa daquilo que a “cai-xa mágica” mostrava. É certo que elasó mostrava o que o poder da altura jul-gava que se devia mostrar. E isso foimuito rapidamente entendido. Em Julhode 1957 dá-se o encontro do generalíssi-mo Franco com Oliveira Salazar, em Ciu-

dad Rodrigo. Hélder Mendes foi o envi-ado especial da RTP e documentou com

a sua câmara o que lhe foi possível, nes-se encontro de muita porta fechada. Ocomunicado final, por ser suficientemen-te lacónico, era, também, um óbvio sinalde que o desejo dos dois ditadores eraque nada se soubesse. A informação daRTP conhecia assim, logo no seu início,os limites com que tinha de se defrontar.

Mas, para mim, há algo de inquietantequando olho para a RTP de agora e a daditadura. Qual o tempo dedicado à Cul-tura? Quem ia e quem vai à televisão?Quantos nomes marcantes ajudaram a,subtilmente, abrir alguns horizontes nes-sas décadas difíceis? Villaret, AntónioPedro (com as suas conversas dos anos50 e 60). Vitorino Nemésio e o seu imen-so saber. David Mourão Ferreira e RaulMachado (debatendo, ensinando a nos-sa língua, muito antes de Edite Estrela).

Almada Negreiros chegou à RTP só em1969, e pela mão dos criadores (RaulSolnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia)do mítico programa Zip-Zip, o verdadei-ro sinal de que dificilmente o País nãoiria mudar.

Claro que também havia muitos fadose touros. Festivais da Canção. Que co-meçaram mal, muito mal, com o pior do

chamado nacional-cançonetismo, e ondeCalvário foi corrido a zero pontos e as-sobios na Dinamarca, mas que acaboupor ser aproveitado por autores e intér-pretes que vieram a marcar a músicaportuguesa. Depois do 25 de Abril, len-tamente, o Festival da Canção foi cain-do de importância e regressou ao pontoem que tinha começado. Isto é, ao zero.

A programação infantil teve sempreum espaço importante na RTP. E se

ampliou a sua qualidade depois do 25 deAbril, certo é que antes já tinha havidoexperiências muito interessantes. Domágico programa com José Viana dese-nhando para as crianças, passando peloCarrossel Mágico, com Vasco Granjaveio a chegar mais tarde à adaptação

Marcelo Caetano:“Conversas em Família”

As “Charlas Linguísticas”do Padre Raúl Machado

Edite Estrela

João Coito

Almada Negreiros com Raúl Solnadono programa “Zip Zip”

portuguesa da Rua Sésamo, a primeiragrande produção interna.

Não falando dos meios técnicos, ascoberturas de eventos desportivos nãose distanciam assim tanto. Do Benficaeuropeu dos anos 60 ao FCPorto ganha-dor dos últimos tempos, o percurso mede-se mais pela panóplia de recursos do quepela qualidade dos comentadores. Docélebre Alves dos Santos pela sua habi-

lidosa utilização das palavras, até ao ac-tual Rui Santos que não deixa de ter queas pensar a todas.

Claro que o regime deposto a 25 deAbril sempre teve os seus comentado-res políticos residentes na televisão. Maisou menos óbvios. João Coito e ArturAnselmo, foram dois exemplos. E ago-ra? Guardando a enorme distância depoderem ser interpelados, quando aque-les falavam sozinhos, não existem tam-bém os comentadores do regime institu-ído? Marcelo Rebelo de Sousa e Antó-nio Vitorino o que são?

António Calvário: zero pontos...

O actor José Viana desenhavapara as crianças

Carrossel Mágico

Vasco Granja

Alves dos Santos

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13DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 TELEVISÃO

A seguir ao 25 de Abril, a RTP entrounuma fase de grande entusiasmo, de di-rectos quase permanentes, mas tambémde muita crispação. “A política é de to-dos”, título de um programa e ideia-basepara vários meses agitados.

O humor, que antes era muito contro-lado, parecia ter desaparecido dos écrans.Regressou com o “Sr. Feliz e o Sr. Con-tente”, a primeira aparição forte de Her-man José. Herman que veio a mudar porcompleto o panorama do humor televisi-vo em Portugal.

Concursos Touradas David Mourão Ferreira e Literatura João Villaret: um genial declamador

António Pedro falava de TeatroCarlos Cruz, Raúl Solnado e FialhoGouveia fizeram do “Zip ZIp” o maispopular dos programas da RTP

Mário Viegas: outro espantoso actore declamador que a tv mostrou ao PaísE os concursos? Haverá grandes dife-

renças entres os pioneiros, com ArturAgostinho a ter que ouvir, em directo, osprotestos do concorrente que não aceita-va que os Lusíadas tivessem mais do que“quatro cantos” e os actuais que não sa-bem qual o nome do rio que desagua naFigueira da Foz?

As óbvias diferenças estão no deba-te político. É evidente que não o havia,mas aquele que existe no actual pano-rama nem sempre é o mais equilibrado.

Herman José revolucionou o humor

Soares e Cunhal no mais célebredos debates políticos da televisãoportuguesa

O programa “Contra-Informação”continua a satirizar a vida nacional

“Íntima Fracção”, um dos mais antigos e emblemáticos programas da rádioportuguesa, acaba de se transferir para o site do semanário “Expresso”, no diaem que completou 24 anos.

É a primeira vez que um jornal português tem um programa de música próprioe completamente gratuito.

Recorde-se que “Íntima Fracção” foi criado por Francisco Amaral a 8 deAbril de 1984 na Antena 1, onde se manteve até 1989, estando depois 14 anosininterruptos na TSF (até Setembro de 2003). Depois passou na Rádio Univer-sidade de Coimbra (RUC) até Abril de 2007, sendo emitido pelo Rádio ClubePortuguês (RCP) desde Maio a Dezembro de 2007.

Com o seu carismático lema “Pouco para dizer, muito para escutar, tudo parasentir”, “Íntima Fracção” é um autêntico programa de culto da rádio portugue-sa, companhia de madrugadas de muitas gerações de ouvintes, onde FranciscoAmaral mistura, com raro engenho e muita arte, raridades dos anos 50 e 60 comnovidades absolutas da música alternativa.

Francisco Amaral considera que esta estreia no “Expresso” confirma que“estamos a caminhar para a convergência entre os meios” e “é também umsinal, para quem gosta de música, de que há um espaço alternativo à rádiotradicional, onde existe cada vez menos lugar para programas de autor”.

O programa manterá uma regularidade semanal e a duração de cerca de umahora. Nele Francisco Amaral partilha também com os leitores e ouvintes do“Expresso” sugestões de vídeos, comentários sobre a música que põe e refle-xões pessoais.

No respectivo blogue inclui um arquivo de 30 horas de música, transferidosdo blogue pessoal que o autor criou em 2002 (intima.blogspot.com). Gradual-mente, o “Expresso” vai reconstituir um arquivo com os mais de 100 programasrealizados nos últimos anos e que fizeram do podcast “Íntima Fracção” um dosmais requisitados em Portugal.

Este é mais um reconhecimento do valor de Francisco Amaral (colaboradordo “Centro” desde a primeira hora com a “Pública Fracção”, apreciada crónicade análise de televisão), que desenvolve também intensa actividade docente emcursos superiores de comunicação social.

“Íntima Fracção”no “Expresso”

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14 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008EDUCAÇÃO/ENSINO

A mulher d’aldeia, mais quemuitas outras, era diminutiva, maspassava o tempo a rezar o terço.Era firmemente religiosa e “ama-va a Deus sobre todas as coi-sas”, mas, no fundo, insociável.Na aldeia, as outras mulheres iame vinham para a/da missa emgrupos, natural, obviamente gre-gárias, mas ela ia e vinha sozi-nha. Quando lhe faziam ver que“amar a Deus sobre todas ascoisas”, mas não amar ao próxi-mo era um absurdo, exaspera-va-se. As suas origens sócio-cul-turais ressumavam limitaçõesd’antanho, vero desafio paraqualquer digno para quem a vi-sualização do futuro é um irre-nunciável imperativo.

Em suma: tratava-se, ademais,de uma insuperável paranóia.

Quando, do denominado Mi-nistério da Educação, sai o ter-mo “professorzecos”, as grosse-rias de Valter Lemos são umdado adquirido e a atitude, há diastomada por este, em Viseu, fren-te a dezenas de professores queo vaiavam, não merece qualifi-cação, ao que acrescem afirma-ções contraditórias da que passapor ser ministra, etc., etc., etc.,somos levados a algumas pergun-tas – não sem antes declarar queos Correos de España, no anotransacto, ao menos para o cor-

A Maria de Lurdes Reis RodriguesJ.A. Alves Ambrósio

OPINIÃO

reio intra-UE, emitiram um selo,aliás artístico, que era uma Ho-menaje al Maestro. Não semantes declarar, ainda mais, que éconsabida a afirmação, por par-te da que passa por ser ministra,de “perdi os professores, masganhei a população”.

O que está em jogo, nesta tra-gédia que é a actividade do taldito ministério que passa por serda Educação, é incomparabilis-simamente mais que o futuro dePortugal. Sim, sim, o leitor nãotenha quaisquer dúvidas. O em-bondeiro não se dará na Finlân-dia; e a árvore da taiga russanão medrará na savana africa-na. Quero, simplesmente, dizerque a Educação em Portugalserá uma concreção da nossaidiossincrasia, lato sensu, vira-da para o futuro.

Lato sensu porque a grande-za do Egipto, da Grécia, das Hu-manidades, da Espiritualidade tra-dicional e do viril esforço cientí-fico ao longo dos séculos, comtudo o que isso representa de te-sura, de mérito é que têm queenformar um lídimo Ministério.

... Somos levados a algumasperguntas. Quais são as origenssócio-culturais de Maria de Lur-des Reis Rodrigues? Antes deser “ministra”, era uma figuraconhecida na área do Huma-

nismo? Que obras publicou quea creditassem? A sua posturaalguma vez foi a de uma aris-tocrata (etimologicamente fa-lando)? (Esta pergunta passaao lado da tautologia, porque éo sentido da Vida, do ser-se hu-mano, que está em causa; equem “alguma vez foi rei ja-mais perderá a majestade”).Quem a indicou para ser minis-tra? Que conhecimentos tinha estepara ser influente? Dir-me-ão queum dado crucial para conhecerSócrates – não o filósofo, claro –é ler o que ele, em tempos, escre-veu no conspícuo “Jornal do Fun-dão” atacando Carlos Pinto, Pre-sidente da Câmara da Covilhã; eque uma mulher tão respeitávelcomo Helena Matos, demonstra,

no “Público”, que não passa deum pobre-diabo impostor. EntãoSócrates – não o que “sabia quenão sabia”, claro – é... que di-mensões tem?

Ao lutarem virilmente contraesta afronta que certo tipo decidadão julga ser uma avalia-ção, os professores afirmam-secomo seres egrégios em quema Pátria (sou genuinamente cos-mopolita) pode e deve confiar.São os prospectivos por exce-lência. Que o professor de Edu-cação Física que escreve a lá-pis ou outros lacaios (?) políti-cos que não alcançam a nobre-za da sua missão (a Frenprofdizia, há dias, serem 45 os queintegram a bancada “socialis-ta”) estejam do outro lado...

sem comentários.E, há que dizê-lo à que passa

por ser ministra, eu não fui a Lis-boa juntar-me aos 100 000, por-que tinha três turmas de pontospara corrigir. Prudência, portan-to, na boca da senhora.

Mais. No seu rosto está umaperplexidade insolúvel. E faz-me lembrar não só a mulherd’aldeia acima referida, comoo pai ufano que, em Mafra, numdia de juramento de bandeira,ao ver o filho cadete desfilar,disse para a mulher: “É espan-toso! O nosso filho é o únicoque leva o passo certo”.

E como pode um General,pelas suas tropas desprezado,ir onde quer que seja? E queentende por Educação? E qualo seu paradigma? Perdoe-meo plebeísmo da expressão,Exma. Senhora: eu estava-meabsolutamente nas tintas paraquaisquer apoios que tivesse seo que suscitasse fosse umaaversão profunda.

“A grandes males, grandesremédios”. Por mim, estou se-guro que a perplexidade do seurosto se transmutaria em vitó-ria. Naturalmente que lhe de-sejo as maiores felicidades pes-soais.

Guarda, 2-IV-08

A presidente do Conselho Científicopara a Avaliação de Professores(CCAP), que tomou posse anteontem(segunda-feira), pediu tempo para queeste órgão consultivo possa definir a suaestratégia, num apelo essencialmentedirigido aos docentes.

“O conselho precisa de tempo parater um pensamento estratégico de ac-ção. Não significa descurar o curto pra-zo, mas não pode cingir-se ao imedia-to”, afirmou Conceição Castro Ramoslogo após a tomada de posse de todosos membros do Conselho Científico, quetem como missão acompanhar e moni-torizar o novo modelo de avaliação dosprofessores.

No final da cerimónia, a presidente doCCAP justificou este pedido com “asexpectativas criadas nas escolas” e nosprofessores de que o conselho apresen-tasse um documento logo após a suasegunda reunião, que decorreu anteon-tem.

“O conselho precisa de tempo paraconceber o seu próprio quadro teórico.Não tenho pouco nem muito tempo, mas

EMPOSSADO CONSELHO CIENTÍFICO PARA A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES (CCAP)

Presidente pede tempo para definir estratégiapreciso de tempo”, disse aos jornalistas.

Conceição Castro Ramos sublinhouainda que o conselho não foi criado paraintervir directamente no processo de ava-liação, tendo antes como missão a suamonitorização e acompanhamento.

“O conselho tem autonomia científicae técnica para formular orientações, re-comendações e pareceres sobre a avali-ação de professores”, resumiu.

Confrontada com a demora na cons-tituição do Conselho Científico, a minis-tra da Educação, Maria de Lurdes Ro-drigues, disse aos jornalistas que “nuncaé tarde” para este órgão começar a tra-balhar, frisando que “nada ficou parado”.

“Os membros do conselho tiveram asua primeira reunião há um mês e hojetiveram a segunda reunião”, especificouMaria de Lurdes Rodrigues, adiantandoque as escolas estão desde Janeiro a tra-balhar no novo modelo de avaliação dosdocentes.

Durante o seu discurso na cerimóniade tomada de posse do CCAP, a gover-nante vincou ainda o carácter “totalmenteindependente” deste órgão consultivo,

que “não tem [representado] um únicomembro da administração”.

O CCAP é composto por 20 pessoas,que deverão trabalhar no conselho porum período de três anos renováveis, en-tre as quais Arsélio Martins, vencedor doprémio Professor do Ano, e LudgeroLeote, professor da Escola Secundáriade Almada que tem criticado publicamen-te o modelo de avaliação dos professo-res.

O órgão empossado é constituído portrês representantes do Conselho das Es-colas, sete professores e individualidadesde reconhecido mérito no domínio da edu-cação, cinco representantes das associ-ações pedagógicas e científicas de do-centes e cinco professores titulares emexercício de funções.

A ministra Maria de Lurdes Rodriguesaproveitou a tomada de posse do Conse-lho para justificar as razões das tensõese polémicas geradas pelo novo modelode avaliação dos docentes.

“Este modelo introduz uma rupturacom aquilo que era a tradição de profis-são docente e com aquilo que era a vida

da escola. É a mudança de um paradig-ma de uma profissão homogeneizadapara uma profissão diferenciada e diver-sificada, o que causa enormes perplexi-dades nos professores”, disse.

A segunda causa apontada pela mi-nistra é a mudança do centralismo parauma maior autonomia das escolas.

“Compreendo as tensões, mas reafir-mo os objectivos que organizam o mo-delo de avaliação, que não é contra osprofessores, é um modelo que dignifica-rá, a prazo, a função docente”, afirmouainda Maria de Lurdes Rodrigues que naquinta-feira assinou um acordo sobre omodelo de avaliação com a plataformasindical que representa os professores.

O Ministério da Educação divulgou a3 de Março a constituição do CCAP, umórgão cujas competências estavam atéesse dia delegadas na sua presidente, oque levou os sindicatos a interpor provi-dências cautelares.

Das cinco providências cautelares in-terpostas pelos sindicatos, quatro foramjá rejeitadas pelos tribunais, estando ape-nas uma por decidir.

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15DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 EDUCAÇÃO/ENSINO

Na passada quinta-feira, pela primei-ra vez, em três anos, sindicatos de pro-fessores e Ministério da Educação, porvia do diálogo e da negociação, chega-ram a uma posição de entendimento; foiassinada uma Declaração Conjunta, con-tendo o “Memorando de Entendimento”entre a Plataforma Sindical e o Ministé-rio da Educação, que procurou aliviar apressão sobre os docentes e devolver àsescolas alguma serenidade neste final deano lectivo.

Se para alguns movimentos de profes-sores, a assinatura desta Declaração foiinterpretada como uma “cedência preo-cupante”, como “um recuo dos sindica-tos” e até como uma derrota, que meperdoem estes movimentos mas não pos-so partilhar de uma visão tão obtusa...

Para a grande maioria dos professo-res, dos meios de comunicação social edos partidos da oposição, tratou-se deuma importante vitória dos professorese de uma derrota do Governo.

Numa época em que vivemos gover-nados por uma maioria absoluta, que nun-ca recuou nem cedeu um milímetro nosobjectivos das suas políticas governati-vas, seria utópico pensar que com a gran-de manifestação de professores de 8 deMarço se conseguiria, num estalar dededos, a suspensão do modelo de avalia-ção do ME.

Nelson Delgado * Afinal, basta que se lute...

* Professor e Dirigente do SPRC/FENPROF

OPINIÃO

Para mim, esta grandiosa iniciativa éuma vitória dos professores que obri-gou a Ministra a recuar na sua linhapolítica, a sentar-se, a dialogar e a ne-gociar com os legítimos representantesdos professores. Ficou assim aberta aporta para a estratégia de alteração pro-

funda do modelo de avaliação, que nosfoi imposto e que não serve a escolanem os professores.

É certo que este entendimento nãoresolve, tal como esses movimentos afir-mam, as questões de fundo, como a re-visão do Estatuto da Carreira Docente,no que diz respeito à divisão da carreiraem duas categorias, à prova de ingresso,aos horários de trabalho, ao novo mode-lo de gestão escolar, à legislação sobre o

Ensino Especial e ao encerramento cegode escolas... Daí falarmos em entendi-mento entre as partes envolvidas e nãoem acordo: o ME não abre mão das suaspolíticas de ataque à escola pública, asquais continuarão a merecer o nossomais vivo repúdio.

Tal como disse, se não ficam resolvi-das as questões de fundo com a assina-tura deste entendimento, se daí não seobteve tudo aquilo o que os professoresambicionavam, o que se ganharia entãocom a sua não assinatura? Absolutamentenada, a meu ver...

Tudo ficaria a funcionar como esta-va, sem haver qualquer processo nego-cial por parte do ME. Assim, consegui-mos assegurar a hipótese de desenvol-ver negociações sobre matérias que, deoutra forma, nunca seriam discutidas enegociadas.

Se os professores continuarem aachar que a política educativa do gover-no é prejudicial ao exercício da sua pro-fissão e às aprendizagens dos seus alu-nos deverão manter a sua determinaçãoem continuar a lutar contra tal política etais práticas.

Afinal, conseguimos provar que po-demos mudar as coisas, basta é quese lute...

Se para alguns movimen-tos de professores, a assina-tura desta Declaração foi in-terpretada como uma “ce-dência preocupante”, como“um recuo dos sindicatos” eaté como uma derrota, queme perdoem estes movimen-tos mas não posso partilharde uma visão tão obtusa...

Por ocasião da abertura em 2008/09da Licenciatura e do Mestrado em De-sign e Multimédia, – os primeiros cursosnesta área a serem leccionados na Uni-versidade de Coimbra (UC) - , coorde-nadores e futuros docentes promovemna Almedina várias conferências em quevão dar a conhecer ao público em geralos objectivos e conteúdos do novo currí-culo, mas irão também contextualizar osdesafios actuais do design de comunica-ção. A primeira sessão do novo ciclo, in-titulado “Design + Multimédia”, decorreamanhã (quinta-feira, 24 de Abril), pelas

Tertúlias assinalam criação de novocurso na Universidade de Coimbra

18 horas, na livraria do Estádio, em Co-imbra, e reúne José António Bandeirinha,Pró-Reitor da Universidade de Coimbra,o antropólogo Nuno Porto e João Bicker,director criativo do atelier de design FBA.

“O design de comunicação compre-ende a concepção, o planeamento e aexecução de objectos que comunicammensagens a audiências específicas”,esclarece João Bicker. “Este arranjo pla-neado de elementos visuais, organizadose hierarquizados na forma de mensagensvisuais depende, sobretudo, da compre-ensão das relações entre conteúdo e for-

ma – o que queremos dizer e a maneiracomo escolhemos fazê-lo”, lança ainda,em jeito de introdução à apresentaçãodo novo curso de Design.

O “valor do desenho enquanto veícu-lo do pensamento transformador” é tam-bém um elemento-chave para José An-tónio Bandeirinha. Arquitecto de forma-ção, pretende também sublinhar, na apre-sentação do Curso de Design e Multi-média, o “significado da abertura de umatal frente pedagógica no seio do Depar-tamento de Arquitectura da Universida-de de Coimbra”.

HOJE NA ESCOLA DE HOTELARIA E TURISMO DE COIMBRA

Psicólogos na cozinha...No sentido de melhor dar a conhecer

as profissões da hotelaria e da restau-ração, bem como a forma como minis-tra a respectiva formação e as instala-ções e materiais técnicos que possui, aEscola de Hotelaria e Turismo de Co-imbra (EHTC) convidou os PsicólogosEscolares e outros profissionais de ori-entação vocacional de jovens, a assisti-rem, como “alunos especiais”, a umasessão de formação prática em cozinha,

restaurante e bar (em simultâneo e eminteracção com os próprios alunos daescola). A seessão decorre hoje (quar-ta-feira) e nela estão inscritos cerca de30 participantes.

Aqueles profissionais que nas esco-las do Ministério da Educação, esco-las privadas e outras instituições têm opapel fundamental de orientar os alu-nos e os jovens na escolha dos seuscursos profissionais e da profissão que

querem abraçar no futuro, estarão as-sim na posse de informação e experi-ência concretas para melhor poderemdesenvolver a sua actividade, pois vi-verão por dentro um dia numa Escolade Hotelaria e Turismo.

O programa da actividade “Psicólo-gos na Cozinha…” inclui também umalmoço, confeccionado e servido por alu-nos da escola… desta vez com o apoiodos Psicólogos Escolares.

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16 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008SAÚDE

A redução do teor do sal presenteno pão para metade, num período dedez anos, é o objectivo de um projec-to, apresentado ontem (terça-feira) emCoimbra, em curso em várias cente-nas de padarias da Região Centro.

“Tem como objectivo a redução gra-dual do sal no pão ao longo de dezanos. Queremos reduzir o sal parametade”, disse à agência Lusa Poly-bio Serra e Silva, Presidente da Dele-gação Centro da Fundação Portugue-sa de Cardiologia (FPC), parceira noprojecto.

Segundo o especialista, no início doprojecto os promotores foram confron-tados com a existência de pão com umteor de sal de cerca de dez por cento.

“Tínhamos o pão mais salgado daEuropa, senão o mais salgado do Mun-do. O objectivo é reduzir para cincopor cento”, disse.

A iniciativa, denominada pão.come,é promovida pela Administração Re-

INICIATIVA APRESENTADA ONTEM EM COIMBRA

Reduzir o sal no pãopara melhorar a saúde

gional de Saúde do Centro (ARSC) emcolaboração com a FPC e Associa-ção do Comércio e Industria de Pani-ficação e decorre em seis distritos daRegião Centro.

Destacando o “sucesso” do projec-to, Polybio Serra e Silva argumentacom o resultado das análises aleatóri-as feitas às padarias nos últimos me-ses: “Pretendemos saber se estava ounão a ser feita a redução [da percen-tagem de sal] proposta e os resulta-dos mostram que a redução até foimaior do que aquela que pretendía-mos”, disse.

“Ultrapassam de longe o que julgá-vamos possível”, acrescentou.

Polybio Serra e Silva considerou ainiciativa “absolutamente irreversível”,manifestando-se convicto de que o pro-jecto será estendido a nível nacional.

Frisando que a redução de sal estáa ser feita “de forma controlada, paraque o freguês não diga que o pão é in-

sosso e não presta”, o responsável daFPC explicou que as padarias aderen-tes possuem um certificado de partici-

pação, de modo a informar os clientes.Lembrou que a Federação Portu-

guesa de Cardiologia tem em cursooutra iniciativa, esta em parceria como Museu do Pão, em Seia, onde é pro-duzido o chamado “pão são”, comapenas 0,2 por cento de sal.

“Praticamente não tem sal e tem sidoum sucesso de vendas, usa ómega 3 esementes de girassol e até parece pãosalgado. Mas com este projecto [opão.come] as pessoas passam a habi-tuar-se a comer menos sal no pão, semnecessidade de aditivos”, disse.

O especialista lembra que o sal con-tribui para a hipertensão arterial que,por sua vez, agrava o risco de aciden-tes vasculares cerebrais. “Cada por-tuguês ingere em média 12 gramas desal por dia, mais do dobro dos 5 gra-mas que a Organização Mundial acon-selha. Come-se muito pão, e aindabem, mas é necessário reduzir o con-sumo de sal”, alertou.

Polybio Serra e Silva quer que o pãopasse a ter menos sal para nãoafectar a saúde dos consumidores

Os problemas causados pela con-gestão nasal foram debatidos por duascentenas de otorrinolaringologistas,cem portugueses e cem espanhóis,que analisaram também os resulta-dos de estudos nesta área, já que setrata de um problema incapacitante.

Na I Reunião Ibérica de Inflama-ção e Congestão Nasal, que decor-reu no passado sábado em Lisboa, osclínicos destacaram o facto de as pa-tologias do nariz afectarem o rendi-mento laboral dos adultos e o rendi-mento escolar das crianças.

“Este tipo de problemas afecta osritmos de sono, fazendo com que umtrabalhador ou um estudante tenha di-ficuldades de concentração no dia se-guinte”, explicou à agência Lusa opresidente da Sociedade Portuguesade Otorrinolaringologia, João MartaPimentel.

De acordo com o especialista emdoenças dos ouvidos, nariz e gargan-

CONGRESSO IBÉRICO DE OTORRINOLARINGOLOGIA EM LISBOA

Congestão nasal afectarendimento laboral e escolar

ta, “o que leva mais frequentementeo doente à consulta é a congestão na-sal”, sendo a rinite um dos problemasmais comuns.

“A rinite pode ser alérgica ou nãoalérgica mas a rinite alérgica afectaactualmente 20 a 25 por cento da po-pulação portuguesa”, afirmou o mé-dico.

Na opinião do clínico, “faltam emPortugal estudos sobre esta matéria,como os desenvolvidos nos EstadosUnidos, onde a rinite alérgica causaseis milhões de dias de absentismo en-tre os adultos activos e dois milhõesde faltas nos estudantes, além de cus-tar ao governo 1,5 mil milhões de dó-lares em tratamentos”.

ESTUDO ORIENTADOPOR MASSANO CARDOSO

De acordo com um estudo elabora-do em finais de 2007 pela Sociedade

Portuguesa de Alergologia e Imuno-logia Clínica em parceria com a Soci-edade Portuguesa de Otorrinolaringo-logia, “mais de 450 mil portuguesescom idade superior a 15 anos sofrede congestão nasal grave, com maiorincidência nas mulheres”.

Orientado pelo Prof. Salvador Mas-sano Cardoso (Professor da Faculdadede Medicina da Universidade de Coim-bra) o estudo inquiriu cinco mil portu-gueses e concluiu que 18,5 por centodos portugueses vive com o nariz en-tupido, 12,2 por cento tem os ouvidosobstruídos ou tapados e 12,2 por cen-to regista dificuldade em ter cheiro.

A investigação permitiu ainda apu-rar que “16 por cento dos portugue-ses respira pela boca porque não con-segue respirar pelo nariz, 13,2 porcento tem dificuldade em desconges-tionar o nariz mesmo depois de se as-soar várias vezes, 16 por cento tempingo no nariz, outros 16 por cento

acorda de manhã com o nariz tapadoou obstruído, 18 por cento acorda coma boca seca e 17 por cento ressona”.

Além de João Marta Pimentel, na IReunião Ibérica de Inflamação e Con-gestão Nasal participaram otorrinola-ringologistas dos hospitais de São Josée Dona Estefânia, de Lisboa, dos Hos-pitais da Universidade de Coimbra, doHospital de São João (Porto) e do Hos-pital Pedro Hispano (Matosinhos), en-tre outros.

Em representação de Espanha es-tiveram em Lisboa, entre outros clíni-cos, Adolfo Sarandeses García, pre-sidente da Comissão de Rinologia daSociedade Espanhola de Otorrinologia,Joaquim Mullol, ex-presidente da Sec-ção de Otorrinologia da Academia Eu-ropeia de Alergologia e Imunologia Clí-nica, e António Valero, coordenadorda Comissão de Rinoconjuntivite daSociedade Espanhola de Alergologiae Imunologia Clínica.

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17DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 SAÚDE

MassanoCardoso

A natureza “sabe” fazer as coisas.Como os machos de diferentes espéci-es são mais frágeis do que as fêmeas –os seres humanos seguem a mesma re-gra –, a “Mãe” faculta uma maior pro-dução dos primeiros a fim de conse-guir algum equilíbrio com as segundas.Mesmo assim, ao fim de algum tempo,o fiel da balança pende sempre para olado feminino. Imaginem, falando danossa espécie, se nascessem tantosrapazes como raparigas. Seria uma tra-gédia! Vá lá, os 105/106 rapazes quenascem por 100 meninas, apesar de nãoserem suficientes, sempre vão minimi-zando alguma coisita.

A fragilidade biológica dos fetos dosexo masculino, aliada às agressõesambientais, a que são muito mais sen-síveis, estão na base de um desequilí-brio prematuro que é bastante preo-cupante, ao ponto de, nalguns lugares,nascerem mais meninas do que meni-nos. Mas se é preocupante este fenó-

meno, o mesmo poderemos afirmarquando nascem muito mais meninosdo que meninas, como acontece naChina, Ilha de Guam ou Coreia do Sul,só para dar alguns exemplos, em quepor 100 meninas nascem 115 meninos!As razões são fáceis de compreen-der, atendendo ao “menor” valor das

A Natureza é “sábia”!E o Homem?

gue, pagar cerca de 100 euros por umteste e abortar química ou mecanica-mente, nesta fase do desenvolvimen-to fetal, é uma nova realidade norte-americana, traduzindo a perpetuaçãogeracional de comportamentos socio-lógicos de origem. Este achado sur-preendeu as autoridades norte-ame-ricanas. Sendo assim, as facilidadestecnológicas permitem, facilmente, di-agnosticar o sexo da criança mesmoàs cinco semanas de gestação, con-tribuindo para facilitar a selecção se-xual através de condutas reprováveispara as quais não se evidenciam gran-des soluções. Mesmo o factor de in-tegração sociológica, imposto pelassociedades de acolhimento, parece nãoter força suficiente para eliminar cer-tas condutas que são mais do que con-denáveis. Lá vai o tempo, em que sóno momento do parto é que se sabiase era menino ou menina...

Custa a aceitar que nos tempos ac-tuais, e não obstante o reconhecimentoda maior resistência biológica do sexofeminino, muitas meninas acabem porsucumbir à fraqueza de muitos pro-genitores...

meninas naquelas bandas. Para o efei-to, as ecografias contribuíram paraeste fenómeno. Agora, graças a téc-nicas muito simples, recorrendo a umapequena amostra de sangue de umagrávida, durante a sétima ou oitava se-mana de gestação, é possível saber osexo do bebé. Tais facilidades podemoriginar comportamentos condenáveisem termos de selecção sexual. E nãoé preciso ir para a China ou Índia paraconstatarmos as consequências. NosEstados Unidos, a razão meninos emeninas à nascença mantém-se cons-tante nos brancos independentemen-te do número de filhos. No entanto,nos descendentes de origem asiática,a razão, no caso do primeiro filho, é ohabitual, 105 para 100, mas, caso a pri-meira criança seja do sexo feminino,ao segundo filho a razão de masculi-nidade aumenta para 117/100, e se osdois primeiros filhos forem meninas arazão de masculinidade ao terceiro fi-lho aumenta para 150/100! Este au-mento de 50% em nascimentos mas-culinos diverge, substancialmente, do

verificado nos brancos, em que semantém constante seja qual for o nú-mero de filhos. Sob o ponto de vistaprobabilístico é impossível que estefenómeno seja natural, evidenciandouma “selecção sexual” para a qual nãosão estranhas as novas tecnologias.De facto, enviar umas gotas de san-

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18 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008A PÁGINA DO MÁ[email protected]

Mário Martins

MENEZES E... SIMÕES

Luís Filipe Menezes acaba de demonstrar, em entrevista à SIC Notícias,as razões que o impedem de algum dia ser primeiro-ministro.

A forma como, rosto crispado, “disparou” sobre diversos militantes do PSD(Pacheco Pereira, Rui Rio, Paula Teixeira da Cruz, António Borges, Aguiar-Branco... e não sei se me esqueço de mais algum) mostra que ele não temaquele “plus” que faz os grandes líderes.

Uma coisa é combater politicamente os adversários internos, outra é fazê-lo publicamente em frente de todo o país.

Luís Filipe Menezes reforçou, aliás, a ideia que tenho dele: é um bom co-mentador político. Domina bem as “querelas” político-partidárias, mas issonão chega - normalmente - para governar um país.

Por outro lado, Menezes mostrou a mesma incapacidade de Santana Lo-pes para compreender o que lhe aconteceu, preferindo lançar as culpas paracima de outros; os “críticos” internos, neste caso.

Curiosamente, a entrevista de Luís Filipe Menezes a Mário Crespo fez-melembrar o... presidente da Académica. José Eduardo Simões, que já ganhouduas eleições, apresentou-se agora com o lema “Unir a Académica”, masapós ser conhecido o resultado eleitoral esqueceu-se de dirigir uma palavraque fosse aos candidatos derrotados.

Embora possa ganhar muitas mais eleições, nunca atingirá o estatuto deJorge Anjinho ou de João Moreno, para só referir dois dos grandes presiden-tes da Briosa que conheci.

Os líderes que perduram na memória colectiva têm “qualquer coisa” maisdo que o simples facto de serem esforçados.

E isso é algo que notoriamente falta tanto a Luís Filipe Menezes como aJosé Eduardo Simões.

(publicado em 18/4)

Num restaurante perto de si...

ACTUALIZAÇÃO EM 17.04.2008 (17h50) – Os bilhetes (25) esgota-ram em 24 horas. Hoje de manhã já estavam todos atribuídos.

(publicado em 15/4)

PROMOÇÕES DA SEMANA

E OLÉ!«Uma centena de promotores imobi-

liários espanhóis da Catalunha coloca-ram no mercado cerca de duas mil ca-sas novas a preço de custo, de forma apoderem pagar aos bancos e continua-rem em actividade, noticiou a agênciaEfe» (in “Jornal de Negócios”).

Confirma-se: Espanha está cadavez mais longe de Portugal.

(publicado em 22/4)

A (FALTA DE) MEMÓRIADE SÓCRATES

Já passa da meia-noite, o computa-dor já estava desligado, mas não re-sisti a voltar aqui.

E porquê?Porque acabo de ver na televisão

José Sócrates, na qualidade de secre-tário-geral do PS, a discursar numareunião partidária. E a dizer esta coi-sa extraordinária (cito de memória):«Nunca nenhum líder abandonou onosso partido devido às dificuldades!».

Pasmei.Então o que era António Guterres?(Lembram-se da “história do pân-

tano”?)Guterres não abandonou só o parti-

do. Abandonou também o Governo dePortugal.

COMENTÁRIO BREVE - Se istonão é o “grau zero” da Política nãosei o que será.

(publicado em 19/4)

AGUIAR-BRANCOGostei de ler a entrevista de Aguiar-

Branco à “Visão”.Finalmente surge alguém disposto

a lutar por ideias, contrariando a “ló-gica aparelhística”.

Gostei, sobretudo, de o ver afirmar--se como social-democrata.

(Não me recordo de José Sócratesse afirmar socialista; e se o fizesse, areacção seria uma enorme gargalha-da nacional).

Esta política que vamos tendo, emque todos são diferentes mas afinal sãoiguais, é a principal razão para o des-crédito generalizado e o desinteressedos cidadãos.

Se Aguiar-Branco conseguir assu-mir um PSD novo, jovem, determina-do, a lutar por ideias e por ideais, po-derá terá sucesso.

Para já, agitou as “águas” deste“mar Morto” em que se vive.

A luta, contra os instalados da polí-tica, será difícil.

Mas é daquelas batalhas que só eno-brecerá quem a travar.

NOTA - Alberto João Jardim aindaontem disse aos jornalistas que só volta-ria a falar após a visita de Cavaco Silvaà Madeira. Hoje, porém, não resistiu.Veio dizer que o PSD é do Povo e nãoda alta burguesia do Porto. Não percebi.Afinal, quem era... Francisco ManuelLumbrales de Sá Carneiro? Jardim temesta característica: fala muito. E, porvezes, mais valia que ficasse em silên-cio. Hoje, por exemplo, perdeu uma boaoportunidade de estar calado.

(Alberto João Jardim, que já admi-rei em tempos recuados, é um daque-les políticos cujo “prazo de validade”está ultrapassado. Entrou na políticano “25 de Abril” e nunca mais saiu;ficou, ficou, ficou, ficou, ficou, ficou...Até parece que, no Portugal de 10milhões de habitantes, há uma “cas-ta” minoritária de predestinados e umaesmagadora maioria de incapazes.Felizmente, a tendência será parahaver cada vez menos políticos comoele...)

ACTUALIZAÇÃO (às 0h30 de 18/04/2008) - Acabo de chegar a casa e tomoconhecimento da notícia de “demissão”de Luís Filipe Menezes. Afinal, pareceque houve quem não gostasse da entre-vista à “Visão”.

(publicado em 17/4)

JOGO *****Acabo de assistir ao jogo (Sporting-

Benfica) mais espectacular desta épo-ca; um jogo “5 estrelas”.

Assim vale a pena gastar tempo como futebol!

Foi uma bela noite – pelos lances, pe-los golos, pelo desportivismo, pelas mu-danças no marcador, pela emoção e...por não estar a pensar se o árbitro foitomar café a casa de algum dos presi-dentes!

(publicado em 16/4)

PERGUNTA PREVIDENTE-ACTUAL-PERTINENTE

Quando noto que um puto pega no te-lemóvel pergunto-lhe se trabalha para oYoutube. Faço bem?

(lido na blogosfera;publicado em 16/4)

TELEFONEMA SUSPEITOToca o telemóvel.Alguém do outro lado pergunta se

pode fazer umas perguntas sobre umclube. É uma sondagem.

Responde-se pedindo o nome daempresa responsável pelo estudo e deque modo teve acesso ao número detelemóvel.

Do outro lado, as informações sãonegadas, a conversa começa a ficar“enrolada” e... o telefonema terminaabruptamente.

Passou-se em Coimbra, no mês deAbril de 2008. Ontem.

(publicado em 13/4)

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19DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 MÚSICA

Distorções

José Miguel [email protected]

O espectáculo “20 Canções para Zeca Afonso”,concebido pelo músico Rafael Fraga, vai assinalaro 25 de Abril no Centro Cultural de Belém (CCB)com a música e as palavras de Zeca Afonso, numahomenagem ao cantautor.

O concerto – integrado no conjunto de espectá-culos que comemoram os 15 anos do CCB – temconcepção, direccção musical e arranjos de RafaelFraga, e conta também com arranjos de João PauloEsteves da Silva e assistência de direcção musicalde Augusto Macedo.

Concebido no ano passado e já apresentado emCastelo Branco e em Tondela, o espectáculo “20Canções para Zeca Afonso” conjuga músicas mui-to populares e outras menos conhecidas desta figu-ra emblemática da resistência anti-fascista, inter-pretadas por músicos de jazz e o quarteto de cor-das Tempus.

Fundindo vários instrumentos e estilos musicais,o concerto “20 Canções para Zeca Afonso” reúneainda as vozes de Alexandra Ávila e João DavidAlmeida, e a interpretação musical, além do quar-teto Tempus, também de Jorge Reis (saxofones),Rafael Fraga (guitarras), Augusto Macedo (baixo),Bruno Pedroso (bateria e percussões), e João Pau-lo Esteves da Silva (piano).

CONCERTO ASSINALA 25 DE ABRIL NO CENTRO CULTURAL DE BELÉM

“20 Canções para Zeca Afonso”

Está de volta às edições discográ-ficas um dos grandes nomes da músi-ca dança, Moby de seu nome, que re-gressa com “Last Night” dois anos vol-vidos sobre a edição de “Hotel”, queficou conhecido, sobretudo, pelo “sin-gle” “Lift Me Up”. O novíssimo “LastNight” é um disco em que as batidasda pista de dança surgem sem qual-quer cruzamento com outras sonori-dades, mas, que se apresentam numavertente bem mais “soft” do queacontecia nos primórdios da carreiradeste dj norte-americano, como acon-tecia em “I Like To Score” (1997) –que inclui uma excelente remistura dotema genérico do agente secreto doMi7, James Bond.

Apesar de Moby ser um artista mui-to vocacionado para as pistas de dan-ça, foi no cruzamento de sonoridadesdançáveis com o rock, nomeadamen-te em “Bodyrock”, ou, na concepçãode grandes “baladas” como “WhyDoes My Heart Feel So Bad” que setornou reconhecido em todo o mundo,apesar de já ser uma das grandes fi-

guras da noite nova-iorquina. “Play”(1999) foi, sem margem para dúvidas,o disco que lhe deu maior notoriedade.

O repertório do concerto inclui canções original-mente editadas entre 1962 e 1987, representandoestética e cronologicamente uma parte significati-va da obra de Zeca Afonso, criador de temas como“Os Vampiros” e “Trova do Vento que Passa”.

Fascinado pela música de Zeca Afonso desde oinício da sua aprendizagem musical, Rafael Fragaconsidera a obra do cantautor “rica e inspiradora,um veículo poético e ideológico que marcou pro-fundamente a cultura portuguesa do século XX”,refere, numa nota explicativa sobre o espectáculo.

Depois de se ter apercebido, em 2006, que noano seguinte se cumpririam os vinte anos da mortede Zeca Afonso, decidiu montar um projecto dedi-cado à sua música com a fusão de vários universosmusicais.

Rafael Fraga tem participado como compositore intérprete em vários projectos nas áreas da músi-ca popular portuguesa, o jazz, o fado ou a ópera,enquanto João Paulo Esteves da Silva, tem traba-lhado com Sérgio Godinho, Vitorino, José MárioBranco, Fausto, Filipa Pais e Mário Laginha.

Na imagem, José Afonso com o cravo vermelhosímbolo da Revolução de Abril e da liberdadepela qual tanto lutou, usando a canção como arma,ao longo da sua curta vida

Acima de tudo Moby é um artistaque se diferencia dos restantes por-que é ele quem toca todos os instru-

mentos nos seus discos, assim comoassume as funções, quer de produtor,quer de engenheiro de som. É inegá-vel que Moby é uma das figuras dopanorama musical do momento. A pri-meira amostra de “Last Night”, “Dis-co Lies” assume-se como um grandetema, que pode muito bem ser umgrande êxito nas pistas de dança.

Por fim, a curiosidade de que “Dis-co Lies” foi “single” de apresentaçãoem toda a Europa, ao passo que nocontinente americano “Alice” assumiuas mesmas funções. Além de “LastNight” ser um disco a ouvir atenta-mente, Moby é indubitavelmente umartista a acompanhar.

PARA SABER MAIS:

www.moby.com/

Moby “Play” (V2)Moby “Hotel” (V2)Moby “Last Night” (V2)

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20 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008OPINIÃO

A igreja era a única construção sólida daaldeia. Os meus pais viriam a erguer umacasa de raiz para poupar os filhos ao frioque entrava pelas frinchas das paredes eaos pedaços de telha-vã que acontecia sol-tarem-se em noites de vendaval na casa queconseguiram. Eram poucas as janelas e osvidros que se partiam eram supridos por tá-buas ou cartolina até chegar um novo, comtamanho aproximado, que acertasse no cai-xilho.

A escola viria a cair um dia, durante anoite, por milagre do Senhor, que soía colheros louros das desgraças que podiam ser pi-ores. Se o milagre ocorresse durante as aulasera tragédia e caber-me-ia a perda precoceda mãe e do irmão mais novo, acompanha-dos de meia centena de crianças que ocu-pavam o espaço para onde desabaram trêsparedes e o telhado.

A Junta de Freguesia reduzia-se a umcarimbo e um livro onde a professora es-crevia e assinava a rogo de quem devia enão o sabia fazer. Pode dizer-se que a au-tarquia funcionava nas escadas das casasdo Sr. António Bernardo e do Sr. José Si-mão, quando necessário; fora disso jazia em

[email protected]

CarlosEsperança

ponte europa A igreja da minha aldeiaalguma gaveta, misturada com garfos e co-lheres de ferro ou de alumínio – já que otalher, com inclusão da faca para cada co-mensal, era uma coisa desconhecida e su-pérflua nesses anos e nesses sítios –, ousobre a mesa por entre malgas e outra lou-ça de barro. Julgava eu, então, que a Juntade Freguesia era o sítio onde se guardavamos boletins de voto dos vivos e mortos queno dia das eleições eram metidos na urnapelos eleitores que apareciam ou pelo Sr.António Bernardo quando faltavam, sobre-tudo os mortos, cujo exercício da vontadecabia ao presidente da mesa, sem surpresanem reclamações.

A pobreza da aldeia só é imaginável, hoje,percorrendo países do terceiro mundo. Osventres dilatados de várias crianças eramfruto de carências proteicas; e os olhos, queameaçavam saltar das órbitas quando viamcomida, denunciavam a fome que as con-sumia. Valeu a Cáritas, em meados do sé-culo XX, ter começado a distribuir leite empó, farinha, queijo e marmelada. Só voltei aver uma tal fome, sem apoio de qualquerorganização humanitária ou instituição go-vernamental, em finais dos anos sessentado século passado, em Moçambique.

Mas era da igreja que ia falar, da sua tor-re de dois sinos que tangiam desde a ma-nhãzinha até às trindades, sempre aptos aanunciar as cerimónias litúrgicas e as ora-ções que faziam correr aflitos os paroquia-nos, não fosse o atraso fazer perigar o des-tino da alma ou atrair a recriminação dopadre, ou mesmo do sacristão ou de algum

zelador mais beato, por se sentirem investi-dos do prolongamento da autoridade sacer-dotal e se anteciparem ao padre na admo-estação.

A igreja era assaz grande para nela ca-ber a população da paróquia e sobrar espa-ço. Podia proceder-se ao recenseamentodurante a missa se lhe acrescentassem omeu pai e o Sr. Morgado, cujas ausênciasme intrigavam e algumas vezes me afligi-ram quando o Sr. padre verberava ateus,mações, comunistas e judeus e os condena-va às perpétuas penas do Inferno, onde sóhavia choro, ranger de dentes e azeite fer-vente onde frigiam as almas.

Durante a catequese, que era ministradaà noite, aprendia-se a doutrina da única reli-gião verdadeira, a que conduzia à salvaçãoda alma, e decoravam-se as orações ensi-nadas num autêntico curso de terrorismoreligioso que induzia terrores nocturnos eintensa xenofobia nas crianças mais sensí-veis. É difícil perceber como duas catequis-tas tão doces e analfabetas tinham uma ima-ginação tão fértil e perversa.

A Igreja era varrida uma vez por sema-na e lavada de longe em longe por mulheresque mudavam as toalhas do altar e a farpe-la aos santos, esfregavam as pedras ondeos devotos se ajoelhavam e limpavam asparedes com um pano húmido na ponta deum enorme varapau. A pia de água bentaera lavada com água vulgar da fonte demergulho e sabão, depois de acesas discus-sões teológicas para tentar concluir se a água

benta que nela restava podia deitar-se forasem cometimento de pecado ou se o uso dosabão não seria sacrilégio perante a bênçãodessa água, que até a alma lavava. Valia adecisão da senhora Deolinda, que, sem con-versas, alheia a preocupações metafísicas,encharcava um pano seco e o torcia na ruaa escorrer água negra do lodo depositado eque a bendição não lograra tornar alvo, atéenxugar a pia e proceder, depois, à limpezacom água e sabão azul.

As festas canónicas eram no Verão. Tal-vez o frio não desse saúde aos santos quesaíam em passeio a ver a aldeia e a arejarao som de cânticos, embora sem música,que a banda ia de graça mas era precisoalimentar os músicos e matar-lhes a sede.Vinha um pregador de fora, pago a peso deouro, para exaltar a santidade do bem-aven-turado que servia de pretexto à festa e, sóisso, era um sério encargo para os mordo-mos e paroquianos.

Assisti a sermões empulgantes. Não,não eram empolgantes, como já pensa oleitor, imaginando-me um prevaricador or-tográfico que deixou escorrer a nódoa parao pano da prosa. Os sermões, as missas, oterço e as novenas eram deveras empul-gantes por causa do calor e dos animaiscom que as pessoas conviviam. A fé eraretribuída com pulgas cujas picadas espa-lhavam o prurido, independentemente do arempolgado dos devotos enquanto ouviam aspalavras rebarbativas do pregador, justifica-tivas dos honorários, possuídos do mesmoêxtase místico com que ouviam o latim damissa, que sempre os maravilhava.

Talvez, quem sabe, esse deslumbramen-to tenha guiado Bento XVI no regresso aolatim.

Salvador St.AubynMascarenhasMédico Veteriná[email protected]

Com a onda de frio que ocorreu recente-mente, alguns cães começaram a ter inten-sos ataques de tosse e por vezes a vomitar.A queixa dos donos quase invariavelmentenão é da tosse, mas sim do vómito, ou têm aimpressão de que o cão ficou com um ossode frango preso na garganta (apesar de eudizer para nunca darem ossos).

Por estes dias tem-se verificado um surtode “tosse do canil” na zona de Coimbra. A“tosse do canil” é uma traqueobronquite in-fecciosa, ou seja, uma inflamação da traqueiae dos brônquios causada por variados agen-tes infecciosos, nomeadamente diversos ví-rus como o vírus da parainfluenza, o reoviruse o adenovírus tipo 2 e a bactéria Bordetellabronchiseptica. Existem alguns estudos queindicam que esta bactéria pode causar doen-ça nas pessoas imunodeprimidas e crianças,por isso não é aconselhável a essas pessoasestarem em contacto com cães que tenhamsintomas de “tosse do canil”.

A “tosse do canil” é uma doença alta-mente contagiosa entre os cães, ocorrendomuitas vezes em ambientes fechados ondehaja uma grande concentração de caníde-

Tosse do Canilos, daí a origem do seu nome: “Tosse doCanil”. A doença encontra-se espalhada emquase todo o mundo e afecta muitos cãesao longo da sua vida.

A “tosse do canil” pode aparecer emqualquer época do ano, mas há uma maiorpredisposição nos meses frios, devido à bai-xa temperatura.

Alguns factores ambientais podem afec-tar as vias respiratórias e por isso fragilizaros cães perante a “tosse do canil”, como osprodutos de limpeza à base de formol, poei-ras, alterações bruscas da temperatura ealergia a ácaros ou ao pólen.

O tempo de incubação da doença cau-sada pela bactéria Bordetella bronchisep-tica varia entre 3 a 4 dias após a exposiçãoao agente, e se não houver infecções se-cundárias que compliquem a doença ela duracerca de 10 dias. No entanto, quando a bac-téria e o vírus da parainfluenza se encon-tram juntos a doença dura cerca de 14 a 20dias. Contudo, após o animal ficar clinica-mente curado, ele vai eliminando a bactériapor 6 a 10 semanas.

O sintoma mais comum é uma tosse seca,por vezes seguida de um vómito incompletoem que o animal parece engasgado. Umadescarga nasal aquosa também pode apa-recer. Nos casos menos graves os cãescontinuam a comer e mantêm-se alertas e

activos. Em muitas situações há história derecentes viagens ou de terem estado emcontacto com outros cães. Tenho um clien-te cujos cães fugiram atrás de uma cadelaque andava no cio e 3 dias depois estavamtodos a vomitar (foi como ele me disse aotelefone quando solicitou um domicílio): ti-nham todos contraído “tosse do canil” (Aquiestá um caso que mostra a vantagem óbviada castração dos animais!).

Nos casos mais graves os sintomas po-dem progredir para letargia, febre, falta deapetite, pneumonia e em último caso, podeconduzir à morte. A maioria dos casos gra-ves ocorre em cachorros não vacinados ouanimais debilitados por doenças ou idadeavançada.

O diagnóstico usualmente baseia-se nossintomas e na história de terem estado re-centemente expostos a outros cães.

O tratamento normalmente consiste naadministração de antibióticos para a preven-ção de infecções secundárias e, nos casosem que a tosse é muito intensa, na adminis-tração de antitússicos e de broncodilatado-res

A melhor prevenção baseia-se na nãoexposição do seu cão a outros cães, princi-palmente se for um cachorro. Não sendoisso viável, a segunda melhor opção é ter oanimal correctamente vacinado. Apesar de

a vacina não proteger o animal totalmentede apanhar a doença, se ele a contrair ficamuito menos afectado. É muito importantefazer o programa completo de vacinaçãodos cachorros a partir das 8 semanas deidade e fazer o reforço anual, ou mesmosemestral, nos animais adultos nas situaçõesde epidemia. Também por motivos de segu-rança deve vacinar o seu cão contra estadoença sempre que ele vá para um canil ouse vai estar em contacto com outros ani-mais (vacinar no mínimo 7 dias antes). Masmuito importante também é dar uma boaalimentação ao seu animal, bem como man-tê-lo desparasitado, porque só assim o seusistema imunitário estará preparado paraenfrentar as doenças. Não há nenhum be-nefício em vacinar um animal debilitado por-que o organismo será incapaz de produziros anticorpos contra as doenças que a vaci-na tinha por função induzir.

Além disso, convém não sujeitar o cão avariações bruscas de temperatura no Inver-no e em determinadas raças não expô-las atemperaturas muito baixas. Igualmente nãobanhar o cão com frequência no Invernoporque, para além de lhe retirar a camadade gordura protectora, pode provocar-lheum arrefecimento brusco de temperatura nocorpo, por isso mesmo nos poucos banhosinvernais convém secá-lo muito bem e, senecessário deixá-lo envolto numa manta.

É caso para dizer que a “tosse do canil”não mata mas mói - e mais vale vacinar doque remediar.

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21DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 OPINIÃO

Renato Ávila

POIS...POIS...POIS...POIS...POIS...

João PauloSimões

FILATELICAMENTE1926 – Independênciade Portugal – 2.ª emissão

Pela Internet recebemos hoje tudo e tudo vei-culamos, de modo que, como já escrevi, pelaInternet poderemos fazer a revolução. E glo-balizamo-nos, porque, de um momento para ooutro, todos estamos a receber as mesmas in-formações.

Assim, o leitor amigo terá recebido cópia deum artigo assinado, ao que parece (não confir-mei), por António Barreto no jornal Público,acerca de recente despacho normativo do se-nhor secretário de Estado da Educação. Co-meça assim o despacho:

«O Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Mar-ço, rectificado pela Declaração de Rectifica-ção n.º 44/2004, de 25 de Maio, com as altera-ções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 24/2006,de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaraçãode Rectificação nº 23/2006, de 7 de Abril, e peloDecreto-Lei n.º 272/2007, de 26 de Julho, as-senta num princípio estruturante que se traduzna flexibilidade de escolha do percurso forma-tivo do aluno e que se consubstancia na possi-bilidade de organizar de forma diversificada opercurso individual de formação em cada cur-so e na possibilidade de o aluno reorientar opróprio trajecto formativo entre os diferentescursos de nível secundário.»

Com a morte de D. Fernando, a independência dePortugal estava em risco, pois este monarca não ti-nha filho varão que lhe sucedesse na governação doPaís. Tinha sim uma filha, casada com um soberanode Castela, pondo em perigo a nossa soberania. D.Leonor Teles, viúva de D. Fernando I, assumiu osdestinos do País. O povo não gostava dela por terligações com um nobre galego, o Conde Andeiro.

Elementos da pequena nobreza, apoiados pelo Mes-tre de Aviz, revoltados com a situação matam o Con-de Andeiro. D. Leonor foge de Portugal e o Mestrede Aviz é aclamado rei de Portugal, como D. João I.

D. Nuno Álvares Pereira, também apoiante doMestre de Aviz, foi reconhecido nas cortes pelos seusactos.

Estes dois homens preparam uma estratégia paradefender Portugal de uma invasão de Castela.

De facto, os Castelhanos invadem o nosso país evão sendo derrotados ao longo do seu percurso, em-bora saqueassem igrejas, mosteiros, casas, tudo o quelhes aparecesse à frente.

Finalmente, chegados a Aljubarrota, encontraram

(continuação da edição anterior)

Já sobre a madrugada, houve fumobranco na Cinco de Outubro. Governo esindicatos tinham chegado, finalmente, aacordo.

A avaliação dos docentes fora aligei-rada. Como pretendiam os sindicatos.Com o Governo a safar-se duma com-plicada encrenca.

O certo é que toda a gente cantou vi-tória. Os sindicalistas e, na cavalgada,as costumeiras vozes da oposição.

O executivo ficou-se pelo “entendi-mento”.

Todos, estrondosamente, se apressa-ram a atribuir-lhe a derrota.

Ao fim e ao cabo, no nosso modestoentender, vencedores e vencidos todosse limparam à mesma toalha desbotada,encardida. A toalha negra que lhes ven-da os olhos da razão e do bom senso.

Houve aqui, de facto, um derrotado,maltratado, escorraçado. O único quenão esteve no gabinete da Ministra. Essefoi, sem sombra de dúvida, a escola.

Os sindicatos ter-se-ão contentadocom os pontuais, provisórios e enfatiza-dos entendimentos num intrincado pro-cesso de avaliação cuja filosofia e orien-

A noite “N”tação metodológica lá terão ficado depedra e cal.

E os grandes problemas da organiza-ção da escola que todo o professor co-nhece e bem sente na pele? E a reestru-turação curricular com todas as inúme-ras questões associadas: horários, pro-gramas, actividades de aprendizagem,avaliação dos alunos? E a mobilizaçãodos recursos humanos para uma séria eeficaz luta contra o insucesso e abando-no escolares e contra a indisciplina? E aviolência sobre os professores?

O Governo cedeu muito pouco por-que pouco lhe propuseram os sindicatospara que cedesse. Para bom entende-dor, terá havido assim como uma espé-cie de pacto para ambos salvarem a face.Os sindicatos, sem grande margem demanobra para manterem elevadas amotivação e a mobilização das massas,dada a pobreza do caderno reivindicati-vo que exibiram como móbil para a luta.O Governo para apagar uma fogueiraque, em rota de eleições, se estava a tor-nar demasiado incómoda.

Nesta revoada de expedientes tãomedíocres, a oposição. Indecorosa, maisuma vez. Que fizeram os partidos daoposição, quando foram poder, relativa-mente à avaliação dos docentes? Queprojectos têm para a escola? Será so-

mente privatizar, privatizar? E, mesmoprivatizando, acham que nada terão afazer quanto à orientação da política edu-cativa? Será que alijam a quota parte daresponsabilidade que lhes cabe no des-calabro a que chegou o ensino em Por-tugal?

Podemos discutir a bondade das polí-ticas educativas do actual executivo; fal-ta, todavia, à oposição autoridade morale técnica para o condenar, para o apon-tar como perdedor. Nem um projecto defundo. Apenas ideias mirabolantes e pe-regrinas. Um sepulcral silêncio quandoa escola e os professores são descredi-bilizados e acossados pela indisciplina epela violência.

A instituição escolar é, de facto, ogrande derrotado em todo este proces-so. E os professores. Por que não dizê-lo?

A escola, porque continuará imersanas desencontradas leis que, quase dia-riamente, a vão manietando em funçõesburocráticas, de intervenção e apoio so-cial, em detrimento do seu múnus espe-cífico – ensinar, formar – e da qualidadeda sua prestação educativa. Porque con-tinuará a pactuar com as políticas que,privilegiando as estatísticas, conduzem àfraude pedagógica.

Os professores, dado que, marginali-

zados pelo governo na discussão daspolíticas educativas e de orientação es-colar; por ele denegridos na especifici-dade e delicadeza do seu magistério;desprotegidos quando, quase diariamen-te, são agredidos física e psicologicamen-te; desapoiados enquanto lhes são exigi-das as mais díspares e inusitadas inter-venções, algumas contra a integridade ejusteza da sua consciência profissional,não encontram a necessária clarividên-cia nos negociadores quanto ao equaci-onamento dos seus problemas que são,em última análise, os reais problemasda escola.

Essa noite foi negra. Porque houve umlogro numa comprometida assinaturaaposta num documento cínico e medío-cre. Para tudo ficar na mesma. Para to-dos lavarem o rosto.

Essa madrugada continuará longa,muito longa, já que, nem agora nem logo,os políticos que se propõem governareste país jamais entenderão o verdadei-ro lugar, o verdadeiro múnus, os verda-deiros fundamentos e fins da escola.

O sol tardará a raiar enquanto os re-presentantes dos professores não fize-rem uma profunda reflexão sobre os re-ais problemas do ensino e de toda a classedocente e os assumirem como razão úni-ca da sua luta.

Joséd’Encarnação

forte oposição por parte do nosso exército, tendo sidoderrotados. A Batalha de Aljubarrota foi a demons-tração da força com que os nossos antepassados de-fenderam a independência de Portugal.

Perante este facto, D. João I mandou construirum sumptuoso mosteiro no local da batalha, numapromessa que tinha feito à Virgem Santíssima. O Mos-teiro de Santa Maria da Vitória começou a ser edifi-cado em 1385, tendo sido concebido pelo arquitectoAfonso Domingues.

Este mosteiro serviu de base para a 2ª emissão deselos da Independência de Portugal, com uma foto-grafia directa do mosteiro e desenho de Roque Ga-meiro representando D. João I, gravura a talhe docede George Harrisan e Norman Broad. Foram emiti-dos 181.800 selos de $03 azul, 491.800 selos de $05sépia, 301.800 selos de $15verde cinzento, e 126.800selos de $46 carmim.

De notar que estes selos venderam-se quase natotalidade, tendo havido um segundo período de cir-culação com sobretaxa em caracteres góticos, con-forme mostram as figuras.

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22 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008OPINIÃO

Por Luís Miguel Pato*

[email protected]

Este título, que parece tirado de umCalendário Chinês, está relacionado como facto de que agora, quando se está naiminência do arranque do concurso paraas licenças da TDT (Televisão Digital Ter-restre) e também já se fala da disponibili-zação de um quinto canal generalista paradifusão pública, assistimos a uma colisãodas ideologias massificadas industriais comas características de uma nova economiacada vez mais baseada na personalização.Aqui, no caso da televisão, podemos refe-rir que a luta está, como sempre esteve,no poder de escolha que é dado ao utiliza-dor. Obviamente que em termos práticosa fórmula para ver esta falta de variedadeestá nas grelhas de TV e no timing emque passam conteúdos similares. Chega-mos rapidamente à triste conclusão que atelevisão está cada vez mais banalizada eque em cinquenta anos de história poucoou nada mudou. Aliás, se pensarmos emquestões relacionadas com o tipo de pro-gramação e de conteúdos chegamos rapi-damente aos formatos que se seguem, In-formação, Jogos e Entretenimento. À fal-ta de escolha que o utilizador tem, LuísaCoelho Ribeiro chama “o bem social”.Aqui, segundo esta autora, está a base derealidades como a TV Cabo, Aluguer deVídeos, Cinema etc. Aliada a esta carac-terística está uma crescente vontade de“do it yourself” (fá-lo tu mesmo), porparte dos consumidores, que se baseia em

Começou o “Anodo Nomadismo Televisivo”– Do telecomando ao touchscreen...

factores educacionais, numa maior ofertade equipamentos e num desejo de ter umaparticipação activa nos programas que con-somem. Aqui também se pode observaruma das principais motivações da existên-cia de uma produção “low cost” (de baixocusto) fundamentada, inicialmente, por mo-tivos económicos, e posteriormente por ca-racterísticas estéticas. Neste tipo de nar-rativas incluem-se programas como: “GatoFedorento – versão RTP”, “Maxmen TV”,“A Liga dos Últimos”, “Sempre em Pé, “Le-vanta-te e Ri”, “Câmara Café” etc. No en-tanto, independentemente de questões rela-cionadas com os estilos das narrativas, averdade é que a produção audiovisual nun-ca foi tão acessível como a que aconteceactualmente. Poder-se-á dizer que, à partedos negócios televisivos multi-milionários,vivemos numa fase de Indie TV – onde umageração esclarecida tem um papel cada vezmais activo na realidade audiovisual. Aqui,a título de exemplo, proponho um parêntesispara lembrar a realidade empresarial pro-veniente de industrias ligadas às novas tec-nologias da informação, conhecida por “ho-tfrogs”, que é fundamentada nas premis-sas que se seguem:

– Um pouco de espaço;– Um Portátil ou um Desktop com ca-

pacidades aceitáveis de disco rígido e dememória ram;

– Possibilidades de acesso a Internet debanda larga.

É perante estes grandes paradigmas que

se vai colocar a implementação da TDT, acriação de um novo canal e as questõesem torno da realidade audiovisual das mul-ti-plataformas.

Conclui-se que se confirma a destrui-ção progressiva das ideias sobre uma tele-

visão massificada que funcionava comoresposta para as necessidades de um pú-blico maioritariamente iletrado e facilmen-te manipulável – aspectos defendidos porKarl Popper e John Condry no livro “Te-levisão: Um Perigo para a Democracia”.Aliás, basta fazer um pequeno esforçopara lembrarmos a quantidade de mo-mentos publicitários àcerca desta reali-dade que foram difundidos na RTP du-rante as comemorações dos cinquentaanos da estação pública. Ali proclama-va-se o slogan: “RTP – A sua televisãoem multi-plataforma!”. Um momento

intenso de marketing sem precedentesde um espaço público, que contraria tudoo que Philip Kotler e Alan R. Andreasenreferem, relativamente a estes procedi-mentos em instituições estatais, no livro“Marketing Estratégico para Organiza-ções sem fins lucrativos”. É que convémnão esquecer que se está a falar do ca-nal do Estado a competir com canais pri-vados! Enfim, contas de outro rosário...

Em suma, no que se refere ao futuro,para além do facto de até 2012 ser obri-gatório haver uma difusão feita totalmen-te em rede digital, haverá com toda a cer-teza uma aposta progressiva nas ques-tões multi-plataformas – onde se desta-ca a realidade da Mobile TV. Aqui, talcomo sucede com a TDT, não há con-sensos. As reuniões sucedem-se a umritmo quase diário porque se está a falarde uma televisão móvel que é distribuídapor uma percentagem ilimitada de utili-zadores. No entanto, a sensibilidade emtorno desta realidade é muito grande por-que, por exemplo, em termos empresari-ais os consensos são quase nulos. Numaprimeira fase, podemos afirmar que háuma necessidade de entendimento e ino-vação entre quem produz, quem distribuie quem consome. Porque só assim sepode conseguir a comercialização de umnovo produto – a base para o sucesso deuma nova realidade...

* Docente do ensino superiorhttp://videoonscreen.blogspot.com

Varela Pècurto

Os motivos porque choramos são incon-táveis. Há quem chore por motivos fúteis.Parece que têm as lágrimas prontas a rolarao menor sinal de aviso interno. Mas aosmais empedernidos nada os comove.

A reacção às emoções são tão diferen-ciadas que ante uma tragédia sempre háquem chore desabaladamente tendo ao ladoos que não vertem uma só lágrima, impávi-dos e serenos. As gotas salgadas tanto cor-rem por alegria como por desgosto. São fa-ses por que todos passamos.

Chorar de raiva já é menos frequente.Ficou-me na memória um choro destes,

nada espectacular, sem imprecações, incon-tido mas silencioso, reagindo ao grande in-fortúnio que me atingiu. Mais uma vez esta-va na ilha do Pico, 1977, no tempo em queos açoreanos caçavam baleias, fotografan-do para uma exposição que viria a ser itine-

Lágrimasrante, 478 fotografias, algumas dasquais de colaboradores amigos.

(Hoje as baleias que passam noCanal são atracção turística).

Os intrépidos trancadores picaro-tos, oficiais de vigoroso pulso, emfrágeis canoas com seis remadores,arpoavam os cetáceos, fazendo-lhesdepois à lançada um buraco no foci-nho por onde passavam o estropoque ligava o animal à lancha de re-boque. A variante era rebocá-lo pu-xado pela cauda.

Já na fábrica, um dos baleeirosconfidenciou-me que a fêmea a es-quartejar devia estar prenha.

Fora uma captura rara pois sem-pre que era possível distinguir umanimal neste estado o arpoamento não eraconsumado.

Logo deduzi tratar-se de um momentoespecial que me permitiria espectaculares eraras fotografias. Excitado preparei-me para

Foi então que chorei, mas não co-movido pela patética cena. Centenasde momentos comoventes já vividostreinaram-me para enfrentar estescasos, mantendo a calma.

Eu chorei sim, mas de raiva, inten-sa raiva, porque a máquina encravara,recusando os disparos nesses instan-tes de possível “glória”, tão ingloria-mente perdidos.

tão importantes disparos.Com o golpe final o feto ficou à vista,

soltou-se do ventre e jazeu ao lado do cadá-ver da mãe.

AÇORES

Ilhas amadasMas não possuídasPrisioneiro vosso quisera serComo filho pobreJamais daí saídoParaVoluntariamenteQuando chegasse a minha horaNelas repousarEternamente

Page 23: O Centro - n.º 49 – 23.04.2008

23DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008 INTERNET

IDEIAS DIGITAIS

Inês AmaralDocente do Instituto Superior Miguel Torga

QUEIMA DAS FITAS

WIKIFM

CIBERESCRITAS

SAPOCVILLYPADS

AVIARY

A festa anual dos estudantes da cidade de Coim-bra está a chegar e o site já está online. Para sabertudo sobre a Queima das Fitas 2008 basta digitaro endereço e aceder a um completo espaço infor-mativo sobre a semana mais intensa dos estudan-tes universitários coimbrinhas.

E porque este ano a Queima é diferente em ter-mos de calendário, vale a pena ler com toda a aten-ção as várias secções deste site. Há informaçãosobre as Noites do Parque e os eventos tradicio-nais habituais, concursos e iniciativas de solidarie-dade, desporto e os bailes. O site é actualizado re-gularmente.

QUEIMA DAS FITAS

endereço: http://2008.queimadasfitas.org/categoria: lazer

A mistura entre a Wikipedia e a LastFM resultana WikiFM. O projecto foi desenvolvido por umjovem de 17 anos, James Thewlis, e permite pes-quisar e ouvir música tendo como fonte a LastFMe a Wikipedia.

A utilização da WikiFM é muito simples e o fe-edback tem sido muito positivo. Combinando os re-sultados das pesquisas, o utilizador recebe infor-mação sobre o artista ou a música que está a pes-quisar, assim como tem também acesso às músicasvia LastFM.

WIKIFM

Endereço: http://james.nerdiphythesoul.com/wikifm/categoria: música

O Illypads é um site para os amantes da ilustra-ção. Para quem gosta desta arte, este é segura-mente um ponto de paragem obrigatório no panora-ma actual.

O site é recente mas conta já com muitos traba-lhos enviados pelos utilizadores. Mediante um re-gisto, qualquer pessoa pode adicionar comentáriosàs ilustrações que o Illypads vai publicando comregularidade.

ILLYPADS

endereço: http://illypads.com/

categoria: arte

Está online o Aviary, um site que fornece um pa-cote de ferramentas de criação, edição e partilhade imagem com base no browser. Uma aplicaçãomuito interessante para quem pretende criar e tra-tar imagens.

Por enquanto ainda só está disponível o editor deimagem (Phoenix) e o site está ainda fechado a betatesters convidados. Quem quiser experimentar podeinscrever-se no site para receber um convite. Valea pena adicionar o site aos favoritos e esperar pelaabertura oficial.

AVIARY

endereço: http://a.viary.com/categoria: web

O portal Sapo chegou a Cabo Verde. O Sapo CVestá online e é um importante passo na internaciona-lização do portal, assim como um passo em frentena rede dos PALOP.

Há notícias sobre o arquipélago, alojamento deweblogs, destaques de sites, uma secção de vídeos,email. São serviços direccionados para os “dez grão-zinhos de terra”, que prometem permitir uma maiorinteracção entre os vários países de língua portu-guesa, especialmente os africanos, e Portugal.

SAPOCV

endereço: http://www.sapo.cv/

categoria: web

Isabel Coutinho já escrevia as suas Ciberescri-tas, mas em papel. Agora as Ciberescritas ganha-ram vida na web e em modo hipertextual. Trata-sede um (mais um) blog convidado do jornal Público.

A crónica semanal do Público já contava com 12anos. No online não há periodicidade, mas os te-mas mantêm-se. Ciberescritas é um blog «sobreo futuro dos livros, a presença de escritores naInternet e a relação entre as novas tecnologiase a literatura». E uma visita é absolutamente im-prescindível.

CIBERESCRITAS

endereço: http://blogs.publico.pt/ciberescritas/categoria: crónicas

Page 24: O Centro - n.º 49 – 23.04.2008

24 DE 23 DE ABRIL A 6 DE MAIO DE 2008CRÓNICA

Façaumaassinaturado “Centro”e recebavaliosaobra de arteAPENAS 20 euros POR ANO- LEIA NA PÁG. 3

Esta é a reprodução da obra de ZéPenicheiro que será sua gratuitamente

A MINHA ESTANTE

Maria Pinto*[email protected]

Há livros que nos tocam. Que ficam parasempre. Porque vêm para ficar. Se peloconteúdo? Se pelo momento em que os le-mos? Não consigo responder. Tocam-nos...simplesmente.

Editado em 1986, “Um Amor Feliz”, deDavid Mourão-Ferreira, tornou-se, para mim,imprescindível. Li-o. Reli-o. Folheio-o sem-pre que a saudade aperta. Quando necessi-to de reaprender a vida. Quando procuro oequilíbrio, envolvendo-me em pedaços deuma linguagem rica, ritmada e cuidada. Porvezes melódica. Uma melodia e uma dançaque me conduzem ao sonho, mas que tam-bém me fazem entender todo o sentido darealidade.

“Um Amor Feliz” molda com requinte esensualidade a história amorosa de um es-cultor de meia-idade com uma mulher aquem o autor dá o nome de Y. Quem leu ouvier a ler este belo momento de prosa poé-tica perceberá a metáfora que encerra estenome.

Pelos meandros desta história perpassamvárias mulheres-outras, todas elas envoltasnuma espécie de incógnitas matemáticas: aXô, a Y, a Zu. Para além da mulher-casa-mento. De um casamento sólido e não des-provido de amor.

Mas é Y quem domina esta viagem peloamor, num processo de mútua sedução, inti-mismo e confidencialidade.

“Ao longo de todo o jantar (...) sei queestive constantemente a olhá-la, quase nãopodia sequer fazer outra coisa, e com talinsistência que seria desaforo se não se des-se a própria circunstância da sua beleza. (...)Os olhos, enormes, inexcedivelmente bemtalhados, mais que verdes, mais que azuis,na zona do inverosímil, já à beira do impos-sível. (...).

Beleza; simplicidade; sensibilidade; sen-sualidade; inteligência. (...) O certo é quenenhuma outra mulher, antes de eu conhe-cer a Y, se me afigurou simultaneamente

tão bela e tão simples, nem tão sensível nasua inteligência, nem tão inteligente na suasensualidade.

Acompanhando tudo isto, como fun-do sonoro de tudo isto: o volume, o tim-bre, a altura da sua voz, com aquele ir-resistível pendor para o sussurro, o mur-múrio, o segredo, a confidência, situan-do-se muitas vezes na fronteira indecisaentre o silêncio e a palavra”.

Uma leitura pouco atenta desta pérolade David Mourão-Ferreira e a tendênciavoyeurista do ser humano, poderiam levar-nos a cometer o erro de associar “Um AmorFeliz” a uma obra puramente erótica.

Sem dúvida que o seu carácter intimistae a mágica linguagem do autor nos envol-vem numa série de descrições onde impe-ram os sentidos. Aí encontramos cheiros,sabores, o cetim da pele, olhares hipnotizan-tes. Numa palavra, a existência de dois se-res que vivem sofregamente a necessidadede realizarem os seus corpos.

No entanto, este festival de sensaçõesfunde-se numa vivência de almas, em ritu-ais idealizados que quase roçam uma exis-tência divina e sacralizada, num ambientede atelier de escultor. Num ambiente de forado mundo, que contrasta vivamente com ahipocrisia do mundo de fora, onde tudo sevulgariza e se vai apagando, fatalmente, navoragem dos dias. Onde a chama e a genu-inidade do amor vão dando lugar a merasconvenções e conveniências. Ao viver semconviver. À prática do aparecer, do pare-cer, mas não do ser.

São estes cambiantes que tornam “UmAmor Feliz” uma obra simultaneamentecomplexa, pela mensagem que encerra, masde leitura absorvente. Trata-se de um ro-mance pungentemente real e humano, ela-borado em tom de desabafo pelo homem-escritor, pelo escultor-personagem, que ele-gem e cultivam o Amor como forma supre-ma de vida.

Talvez por isso David Mourão-Ferreiranos apresente neste livro a história de umaligação amorosa aparentemente proibida, aqual se dilata no tempo mas que se não pe-reniza ou que, pelo menos, o autor preferedeixar em suspenso.

“O prolongado contacto com o papel dosobrescrito dava-me agora a certeza de queY voltaria. E talvez muito em breve: chegar,deitar-se...

Certeza? Que certezas podia eu ter?Tanto era possível que estivesse ali dentro apromessa de um recomeço como o adeusde uma definitiva ruptura. Nem eu chegavaa saber o que seria melhor para manter vivaa ilusão de um amor feliz”.

Se este afecto se perdeu, não ficamos asaber. Mas a verdade é que ele funcionacomo uma espécie de metáfora para umoutro tipo de amor, amor esse perene e quese traduz na maravilha de escrever um li-

vro. Sem dúvida um outro elo de ligação aofeminino da palavra, que também se entre-ga e se esquiva. Da palavra que se perse-gue, seduz e ama. Desse amor tão bemdescrito por David quando questiona: “Comose pode interpretar de outro modo essevelho lugar-comum de ter um filho, plan-tar uma árvore e escrever um livro? Sóse em todos os casos se tratar de gran-des e inevitáveis actos de amor. Com aMulher, com a Terra, com a Língua. Masde plantar árvores e ter filhos haverásempre muita gente que se encarregue.De destruir árvores também; de estragarfilhos igualmente. Em compensação, umlivro, um livro que viva, multiplicado,durante alguns anos ou alguns séculos,e que depois vá morrendo, sem ninguémdar por isso, mas nunca de uma só vez,até ser enterrado (...), inesperadamenteressuscitado, um livro com semelhantedestino – luminoso por mais obscuro,obscuro por mais luminoso - , isso é quefoi sempre o que me empolgou”.

Voltando a “Um Amor Feliz”, David dei-xa o seu escultor com a carta de Y fechadaentre as mãos. Assim termina a história.Assim fiquei sempre que li e reli este livro.Com ele bem fechado, como um tesouro,por entre as minhas mãos.

Um amor feliz

* Docente do ensino superior