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MARISTELA RABAIOLLI INDÍCIOS DE AUTORIA E MARCAS IDENTITÁRIAS EM TEXTOS NOTA MIL DO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM) PORTO ALEGRE 2016

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MARISTELA RABAIOLLI

INDÍCIOS DE AUTORIA E MARCAS IDENTITÁRIAS EM TEXTOS NOTA MIL DO

EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM)

PORTO ALEGRE

2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS - UNIRITTER

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

Maristela Rabaiolli

INDÍCIOS DE AUTORIA E MARCAS IDENTITÁRIAS EM TEXTOS NOTA MIL DO

EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM)

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Letras da UniRitter/Laureate International Universities como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientação: Profa. Dra. Valéria Silveira Brisolara

Porto Alegre

2016

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MARISTELA RABAIOLLI

INDÍCIOS DE AUTORIA E MARCAS IDENTITÁRIAS EM TEXTOS NOTA MIL DO

EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM)

Trabalho de concusão defendido e aprovado como requisito parcial à obtenção do

título de Mestre em Letras pela banca examinadora constituída por:

_______________________________________

Profa. Dra. Valéria Brisolara

UniRitter

Professora orientadora

______________________________________

Profa. Dra. Neiva Maria Tebaldi Gomes

UniRitter

Professora convidada

________________________________________

Profa. Dra. Graziela Frainer Knoll

UNIFRA

Professora convidada

Porto Alegre

2016

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Aos meus pais, pelo amor e incentivo.

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Agradeço, primeiramente, à minha orientadora, Profa. Dra.

Valéria Brisolara, por ter me mostrado os meandros da autoria

e as possíveis relações desta com as identidades presentes

em cada um de nós.

Às professoras da banca do exame de qualificação pela

prestimosa ajuda.

Às professoras da banca examinadora pelas valiosas

contribuições.

À equipe de professoras do PPGL pela humildade

demonstrada e pelo elevado nível das aulas.

Aos (às) colegas de mestrado pelos divertidos encontros.

Às funcionárias do PPGL pela colaboração prestada.

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“A única coisa de que tenho certeza é a da singularidade do

indivíduo.”

Albert Einstein

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RESUMO

Desde 1998, ano de sua primeira versão, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem se consolidado como um dos principais instrumentos não só de avaliação da educação básica, como também de ingresso à universidade. Avaliar a aprendizagem não é uma preocupação apenas dos professores, mas também do Ministério da Educação que, de posse dos dados, pode construir estratégias para superar os desafios relativos à qualidade da educação. Uma dessas avaliações diz respeito ao nível de proficiência dos estudantes em leitura e escrita, habilidades que o Enem também avalia quando solicita a escrita de uma redação. Um dos critérios contemplados na matriz de avaliação do exame refere-se ao investimento autoral do candidato no momento da escritura do texto. Logo, a capacidade do estudante de exercer uma autoria na redação, posicionando-se frente ao tema proposto, é avaliada. Afinal, o texto instancia o lugar de dizer do candidato e reflete suas convicções a respeito do mundo, da cultura e da historicidade, num espaço enunciativo no qual, ainda que pese o caráter artificial do contexto de produção, ele se pretende autor. Diante desse contexto, a presente dissertação objetiva investigar traços de autoria e marcas identitárias presentes em cinco redações que obtiveram nota mil no concurso 2014, cujo tema foi A publicidade infantil no Brasil. As referidas redações foram disponibilizadas na Internet pelos próprios autores-candidatos, o que favoreceu sobremaneira esta pesquisa. Para embasar este trabalho, buscam-se os conceitos de autoria elucidados por teóricos como Michel Foucault, Roland Barthes, Mikhail Bakhtin e por estudiosos brasileiros que se debruçam sobre o tema, como é o caso do professor, linguista e consultor do Enem, Sírio Possenti. Suas noções de indícios de autoria contribuem para a construção de uma matriz de avaliação específica, cujos critérios servem para investigar marcas autorais e identitárias deixadas no texto pelo candidato. Com relação às questões que envolvem identidade, são essenciais os conceitos de Stuart Hall, de Kanavillil Rajagopalan e de Eni Orlandi. Pelos estudos realizados neste trabalho, é possível constatar que os conceitos de autoria e de identidade não são uniformemente empregados nem objetivamente definidos devido à heterogeneidade de abordagens que envolvem o tema e às filiações teórico-metodológicas dos estudiosos. Com relação às análises, percebe-se que os textos possuem tanto marcas identitárias quanto autorais. Palavras-chave: Autoria. Identidade. Avaliação. Enem. Redações.

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ABSTRACT

Since 1998, the year when it was first applied, the National Secondary Education Examination (Enem) has been a major instrument not only for the evaluation of primary education, both also for the admission to the university. Assessing and evaluating learning is not a concern only of teachers, but also of the Ministry of Education, which, having the results, can build strategies to overcome the challenges concerning the quality of education. One of these evaluations is related to the students’ proficiency level in reading and writing, skills that Enem also evaluates by asking students to write a composition. One of the criteria considered in the evaluation matrix refers to the applicant's authorial investment at the time of writing the text, that is, the student's ability to exert an authorship, positioning himself or herself in face of the proposed theme. After all, the text shows the applicant’s position and reflects his or her beliefs about the world, culture and historicity, in a declarative space in which, even despite the artificial character of the production context. In this context, this master’s thesis aims to investigate authorial traces and identity marks present in five essays that obtained the highest grade (a thousand) in the 2014 examination. The theme was children advertising in Brazil. These essays were made available on the Internet by the authors, that is, the applicants themselves, which greatly favored this research. To support this study, the concepts of authorship elucidated by theoreticians such as Michel Foucault, Roland Barthes, and Mikhail Bakhtin, and Brazilian scholars, such as linguist and professor Sírio Possenti, who acts as a consultant for Enem, were used. His notions of traces of authorship contributed to the construction of a specific matrix, whose criteria are used to investigate authorial and identitary traces left by the applicants in their texts. Regarding identity, Stuart Hall, Kanavillil Rajagopalan and Eni Orlandi’s concepts are essential. Based on the studies conducted, it is possible to conclude that the concepts of authorship and identity neither are used in the same way nor objectively defined, due to the heterogeneity of the approaches adopted. As for the analyses of the texts, it was evidenced that the texts have both identitary and authorial traces, as show in the study. Keywords: Authorship. Identity. Evaluation. Enem. Composition.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

CEBRASPE – Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de

Promoção de Eventos.

EJA – Educação de jovens e adultos

ENCEEJA – Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e

Adultos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil

ICFES – Instituto Colombiano para Avaliação da Educação

IFES – Instituições de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira.

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº

9.394/1996).

MEC – Ministério da Educação.

PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

PNE Plano Nacional de Educação.

PROUNI – Programa Universidade Para Todos.

SISU – Sistema de Seleção Unificada.

TCT – Teoria Clássica dos Testes

TRI – Teoria da Resposta ao Item

UCS – Universidade de Caxias do Sul

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

2 AUTORIA E IDENTIDADE .................................................................................... 17

2.1 CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS CONCEITOS DE AUTORIA ............ 17

2.2 INDÍCIOS DE AUTORIA .................................................................................... 27

2.3 IDENTIDADE E MARCAS IDENTITÁRIAS......................................................... 30

2.4 IDENTIDADE E ESCRITA .................................................................................. 33

3 O ENEM E AS REDAÇÕES ................................................................................. 37

3.1ENEM: ASPECTOS HISTÓRICOS ..................................................................... 37

3.2 AS MUDANÇAS ................................................................................................. 38

3.3 VANTAGENS ..................................................................................................... 41

3.4 OS RESULTADOS ............................................................................................. 43

3.5 AS PROVAS ...................................................................................................... 44

3.6 EIXOS COGNITIVOS, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DA ÁREA DE

LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS .............................................. 46

3.7 A PROVA DE REDAÇÃO NO CONTEXTO DO ENEM ...................................... 51

3.8 A PROVA DE REDAÇÃO DO ENEM 2014 E SUAS POSSÍVEIS ABORDAGENS

................................................................................................................................. 56

3.9 METOLOGOGIA E MATRIZ DE AVALIAÇÃO DA PROVA DE REDAÇÃO ........ 57

4 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 64

4.1 MATRIZ ESPECÍFICA........................................................................................ 64

4.2 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS AUTORAIS E IDENTITÁRIOS ......................... 66

4.3 NÍVEIS DE AUTORIA......................................................................................... 68

4.4. CORPUS ........................................................................................................... 69

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ...................................................................... 70

5 ANÁLISE DO CORPUS ........................................................................................ 72

5.1 REDAÇÃO 1 ...................................................................................................... 72

5.2 REDAÇÃO 2 ...................................................................................................... 75

5.3 REDAÇÃO 3 ...................................................................................................... 78

5.4 REDAÇÃO 4 ...................................................................................................... 81

5.5 REDAÇÃO 5 ...................................................................................................... 84

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 88

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 92

ANEXOS.................................................................................................................... 96

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1 INTRODUÇÃO

Tudo o que dizemos tem um “antes” e um “depois” – uma “margem” na qual outras pessoas podem escrever.

Stuart Hall

Quando tive o primeiro contato com os textos produzidos pelos candidatos ao

Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e com a matriz de avaliação das redações

que norteia o exame, imediatamente comecei a pensar em, um dia, realizar uma

pesquisa que envolvesse corpus tão singular. Era o ano de 2007, e o tema que a

banca elaboradora do exame propôs para a escrita da redação foi O desafio de se

conviver com a diferença. Para desenvolver o tema, o candidato deveria produzir um

texto do tipo dissertativo-argumentativo, obedecendo às instruções estabelecidas na

prova de Redação e aos critérios da matriz de avaliação dos textos.

Apesar de existir desde 1998, o Enem pouco havia se transformado até 2009,

ocasião em que houve o furto da prova e o exame precisou ser repensado, inclusive

quanto às questões de segurança que envolviam o processo. Até então, o candidato

era solicitado a fazer uma prova contendo 63 questões objetivas de múltipla escolha

e a escrever uma redação. Atualmente o exame é bastante diferente, tanto com

relação às questões objetivas, que são interdisciplinares, quanto com relação à

matriz de referência para a correção dos textos, pois a metodologia de correção da

redação foi sendo aperfeiçoada ao longo do processo, com reflexos nas práticas de

sala de aula. Essa matriz é bastante abrangente e contempla critérios de autoria, o

que trouxe ainda mais motivação para a minha investigação.

Além da mudança do processo em si, mudaram também, ao longo dos anos,

os perfis dos candidatos e a situação social, política e econômica do Brasil. Com

isso, e com meu ingresso no curso de Mestrado, propus-me a estudar mais

detidamente os textos produzidos pelos candidatos ao Enem. Num primeiro

momento, a tarefa parecia impossível, pois o Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão responsável pela elaboração

do exame, não costuma disponibilizar os textos dos participantes. Contudo, uma

busca na Internet me possibilitou encontrar textos nota mil – justamente os que eu

procurava – publicados em sites por seus próprios autores.

Tendo em vista essas publicações, propus-me a investigar as marcas autorais

e identitárias presentes nos textos dos candidatos, o que constitui o objetivo desta

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pesquisa. Escolhi analisar as redações que obtiveram nota máxima porque acredito

que a probabilidade de encontrar indícios de autoria e de identidade nessas

redações é muito maior do que em textos com notas inferiores, o que não significa

que nestes não possa haver tais indícios. Afinal, se as redações que compõem o

corpus atingiram mil pontos, significa que os candidatos obtiveram nota máxima em

todas as competências, inclusive na que contempla os aspectos referentes à autoria

previstos na matriz de avaliação, mais especificamente na competência III.

É importante mencionar que o Enem existe há dezesseis anos e tem se

consolidado como um dos principais instrumentos de avaliação da educação

brasileira e um dos mais importantes meios de acesso às universidades públicas do

Brasil. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a maioria das Instituições Federais

de Ensino Superior (IFES) adota o exame, atualmente, como único meio de ingresso

por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU), e as demais instituições que

ainda não aderiram a essa modalidade deverão fazê-lo em breve.

Devido à sua importância, todos os anos o Enem conta com milhões de

candidatos que almejam uma vaga na universidade, seja esta pública ou privada, ou

que buscam obter a certificação do Ensino Médio. O exame é elaborado pelo MEC

em parceria com o Inep e com o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e

Seleção e de Promoção de Eventos (CEBRASPE).

Dados do Inep mostram que, em 2014, o exame registrou um recorde de

inscritos com mais de 8,7 milhões de participantes1. Esse número é 21,6% maior em

relação ao ano anterior. As provas foram realizadas em dois dias. No primeiro, os

candidatos tinham de responder, em quatro horas e meia, a 45 questões de Ciências

da Natureza e suas Tecnologias e a 45 de Ciências Humanas e suas Tecnologias,

totalizando 90 questões. No segundo dia, foram aplicadas as provas de Linguagens,

Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias e Redação. Nesse dia,

devido à escrita da redação, os candidatos tinham cinco horas e trinta minutos –

uma hora a mais que no dia anterior – para fazer a prova.

Como se pode verificar, não há, no Brasil, exame que se equipare ao Enem,

tamanha é sua abrangência. Os participantes concorrem a mais de um milhão de

vagas em instituições públicas e privadas por meio do Sisu, do Programa

Universidade para Todos (PROUNI) e do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).

1 Dados disponíveis em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2014/06/enem-2014-tem-mais-de-8-7-milhoes-de-participantse-confirmados>.

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Por ser um exame de tamanha envergadura, existe a possibilidade de haver

problemas na sua realização, como vazamentos de questões, erros nas impressões

dos cadernos e nos cartões-resposta, por isso, a segurança é feita pelos Centros

Integrados de Segurança (criados para a Copa do Mundo 2014), com auxílio das

Polícias Militar, Civil, Federal, Polícia Rodoviária Federal e Exército Brasileiro.

Contudo, pela sua dimensão, os problemas que costumam ocorrer são mínimos,

salvo o ocorrido em 2009, quando houve o furto da prova e o exame precisou ser

reagendado. A importância do Enem para os jovens aspirantes a uma vaga na

universidade é incontestável, tendo em vista que, para muitos, o exame é a única

forma de obtenção do diploma de curso superior.

No ano de 2014, o tema solicitado para a escrita da redação foi A publicidade

infantil em questão no Brasil, e o problema extraído desse assunto poderia ser o

seguinte: como o Brasil e os brasileiros devem lidar com a veiculação de publicidade

voltada a crianças? Ao escrever sobre esse tema, de cunho social e político, o

candidato deveria também elaborar uma proposta de intervenção que não ferisse os

direitos humanos para solucionar ou minimizar o problema apresentado.

Nesse contexto de leitura e escrita, é preciso considerar que, durante o

processo de escrita, o autor-candidato deixa, no texto, vestígios referentes à sua

individualidade e à sua identidade. Além disso, ele faz referência à sociedade, à

cultura e ao momento histórico nos quais se insere. Como não existe neutralidade

na escrita nem texto sem ideologia, é possível ao investigador seguir as pistas

deixadas pelo autor da redação a fim de revelar esses vestígios autorais e

identitários. Essas marcas funcionam como uma espécie de impressão digital do

autor do texto. Para atingir esse objetivo, contudo, o pesquisador precisa utilizar

instrumentos adequados. Tais instrumentos podem ser traduzidos em uma matriz de

referência de avaliação contendo critérios específicos para esse fim.

Afora isso, observo que no meio acadêmico não há, praticamente, trabalhos

que estabeleçam relações entre autoria e identidade em textos de candidatos ao

Enem. Pesquisas realizadas no banco de teses da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em periódicos e no Goggle

Acadêmico revelaram que há um número restrito de pesquisas dedicadas à prova de

Redação do Enem. Há trabalhos que se dedicam ao estudo da Função-autor e os

indícios de autoria (SANTOS, 2009); que investigam Identidade e autoria em na

escrita jornalística (NAVARRO, 2007); que abordam os Processos de autoria

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mediados pelas tecnologias informatizadas (ZART, 2014); que tratam dos Indícios

de autoria em textos de estudantes (CAVALCANTI, 2014); que fazem Um estudo

sobre a coerência em redações do Enem produzidas no Paraná (ARAUJO, 2004);

que abordam as Redações do Enem/2012: réplicas ativas nas múltiplas vozes

(POLACHINI, 2014); e muitos outros, mas não foi encontrado nenhum que analise a

relação entre autoria e identidade em redações de candidatos ao Enem.

Por conta disso, penso que é necessário promover uma reflexão acerca dos

textos produzidos pelos candidatos aspirantes a uma vaga na universidade no que

tange aos aspectos autorais e identitários, porque o Enem, assim como a maioria

dos concursos de seleção de estudantes, se realiza sob grande tensão e é, em

geral, bastante competitivo. Logo, não basta ao candidato fazer boas provas

objetivas, é necessário que ele tenha um bom desempenho na escrita do texto para

se classificar e conseguir a tão almejada vaga.

A esse respeito, o desempenho do candidato na redação é avaliado conforme

a matriz de referência do Enem por meio das seguintes competências2:a):

Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa; b):

Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de

conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto

dissertativo-argumentativo em prosa; c): Selecionar, relacionar, organizar e

interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de

vista; d): Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a

construção da argumentação; e): Elaborar proposta de intervenção para o problema

abordado, respeitando os direitos humanos.

Cada competência possui níveis de habilidades3 que vão de 0 a 5, com

exceção da competência II que não possui o nível 0, pois esse nível caracterizaria a

Fuga ao tema. As minúcias dessa matriz de avaliação são abordadas no capítulo

dois deste trabalho. Como se pode verificar, apesar de essa ser uma matriz que

contempla também a questão autoral, dá pouca ênfase a ela. Dessa forma, nada

2 As competências gerais que são avaliadas no Enem estão estruturadas com base nas competências descritas nas operações formais da teoria de Piaget, tais como a capacidade de considerar todas as possibilidades para resolver um problema; a capacidade de formular hipóteses; de combinar todas as possibilidades e separar variáveis para testar a influência de diferentes fatores; o uso do raciocínio hipotético-dedutivo, da interpretação, análise, comparação e argumentação, e a generalização dessas operações a diversos conteúdos. (Enem. Relatório Pedagógico, 2007, p. 41). 3 As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências. (Enem. Documento básico, 2002, p.11).

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impede que o texto seja avaliado mais detidamente nesse quesito, o que também é

proposto no escopo deste trabalho.

Nesse cenário, o objetivo deste trabalho é investigar marcas autorais e

identitárias presentes em cinco textos nota mil produzidos pelos candidatos ao Enem

2014. A fim de atingir esse propósito, torna-se necessário refletir sobre questões

assim formuladas: O que vem a ser autoria? Que posições discursivas o candidato

ocupa ao escrever? Que marcas linguístico-discursivas podem ser identificadoras de

indícios de autoria no texto escrito? Quem é esse autor que escreve a redação e

como ele “joga” com as expectativas que cria no seu interlocutor? Como a

identidade do candidato se presentifica no texto? Todos esses questionamentos já

seriam suficientes para justificar a relevância desta pesquisa, mas há outras razões

que serão expostas ao longo dela.

Sabe-se que nenhuma estrutura se sustenta sem alicerces, por isso, para a

realização da presente pesquisa são primordiais os conceitos de autoria elucidados

por pensadores como Michel Foucault (2011), Roland Barthes (2004) e Mikhail

Bakhtin (1986). Também são relevantes os estudos de pesquisadores brasileiros

como Maria José Coracini (2010) e Sírio Possenti (2002). Da mesma forma, para

tratar das questões que envolvem identidade, são essenciais os conceitos de Stuart

Hall (2010), de Rajagopalan (2003) e de Eni Orlandi (2012).

A fim de atingir os objetivos propostos, esta dissertação estrutura-se em

quatro capítulos. O primeiro evidencia a diversidade de conceitos de autor, autoria e

identidade concebidos ao longo da história; apresenta uma revisão teórica desses

conceitos; elucida como o candidato ao Enem se relaciona com o mundo por meio

da linguagem verbal escrita, através dos gêneros discursivos, e de como ele se

constitui identitariamente à medida que escreve; aponta quais marcas podem ser

consideradas indicativas de autoria e, além disso, mostra as relações entre autoria e

identidade.

O capítulo seguinte é dedicado ao Enem e às suas respectivas redações.

Após oferecer um histórico do exame, analisa mais detidamente os Eixos Cognitivos

da área das Linguagens e suas Tecnologias, a Prova de Redação e a sua Matriz de

Avaliação, cujas competências – sobretudo a competência III – contemplam critérios

relativos à autoria.

O terceiro capítulo trata da metodologia utilizada nesta pesquisa e apresenta

uma matriz de avaliação específica que contempla critérios indicativos de indícios de

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autoria e de marcas identitárias. Essa matriz foi criada com base no referencial

teórico estudado, e, também, nas Diretrizes da Prova de Redação, nos Relatórios

Pedagógicos, nos Textos Teóricos e Metodológicos, nos Guias do participante, no

Documento Básico e nos Editais, todos do Enem. A referida matriz pode contribuir

tanto com a matriz atual do Enem quanto com os professores que queiram optar por

uma avaliação mais específica que contemple critérios envolvendo os indícios de

autoria. No último capítulo, os textos que compõem o corpus são analisados a partir

da matriz específica e discute-se a relação dos indícios de autoria com os conceitos

de autoria e de identidade.

Esta dissertação busca contribuir com os professores de língua portuguesa

oferecendo-lhes subsídios para a avaliação de textos, pois mostra que é possível

avaliá-los tendo como base outros critérios que não os comumente utilizados pelos

professores-avaliadores no dia a dia da sala de aula, por universidades e seus

concursos vestibulares. A análise do corpus procura ultrapassar o nível de avaliação

meramente linguístico/gramatical, presente na superfície do texto, buscando

expandir as perspectivas para níveis pragmático-discursivos de língua, isto é, da

língua em uso.

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2 AUTORIA E IDENTIDADE

Há muitos anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias dos subúrbios aos jogos com o tempo e o infinito, mas estes jogos pertencem a Borges agora e tenho que inventar outras coisas. Desta forma, minha vida é uma fuga e perco tudo, e tudo pertence ao esquecimento, ou ao outro. Não sei qual dos dois escreve esta página.

Jorge Luis Borges

As questões identitárias e autorais têm sido objeto de estudo há muito tempo,

mas os estudiosos, ainda que eventualmente concordem entre si, não chegam a um

consenso quanto às definições de termos como autor, autoria e identidade. Diante

desse contexto, o presente capítulo apresenta aspectos do percurso sócio-histórico

dos conceitos de autor e de autoria e faz uma revisão teórica desses conceitos,

evidenciando as mudanças que tais noções sofreram ao longo do tempo. O que se

pode perceber de antemão é que ambos estão relacionados entre si e, muitas

vezes, se complementam. O capítulo também mostra a forma como o autor vai se

constituindo identitariamente à medida que escreve, aponta quais marcas podem ser

consideradas como indicativas de autoria e discute as relações entre os conceitos

de autor, autoria e identidade.

2.1 CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS CONCEITOS DE AUTORIA

Vivemos em um sistema de autoria bastante complexo, pois ele é social,

histórico e culturalmente construído. Se voltarmos no tempo, podemos verificar que

da Antiguidade (4000 a.C. a 476 d.C.) até o início da Idade Média (476 d.C. a 1453

d.C.), não havia a preocupação em saber quem era o autor de uma tragédia, de uma

epopeia ou de uma comédia, pois o anonimato não era empecilho para fazer com

que uma obra circulasse e fosse valorizada. Na Antiguidade, as obras eram

consideradas mais “abertas”, pois os prosadores podiam modificá-las à medida que

iam contando suas histórias. A garantia de autenticidade de uma obra era a sua

antiguidade, não o nome do autor, pois este era considerado secundário.

Na Modernidade, contudo, principalmente a partir da Renascença (1453 d.C.

a 1789 d.C.), a exaltação ao indivíduo passou a ter grande relevância devido a

fatores sociais, políticos e econômicos. Nas artes, esse sujeito que produzia obras

artísticas e literárias passou a ser chamado de autor. No texto “A morte do autor”,

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publicado por Barthes em 1968, Barthes (1984) afirma que os primeiros movimentos

para se responsabilizar um autor pelo que ele havia escrito começaram na Idade

Média. Nesse período, as autoridades religiosas buscavam os responsáveis pelos

livros “heréticos” com dois objetivos: punir seus autores e queimar as obras que

contrariavam a doutrina estabelecida.

No final do século XVIII e no início do século XIX, estabeleceu-se um regime

de propriedade dos textos, isto é, criaram-se regras sobre os direitos do autor e

sobre os direitos de reprodução das obras. Isso, segundo Foucault (2011), em seu

texto “O que é o autor”, de 1969, com o objetivo de impedir a apropriação, por

terceiros, da propriedade intelectual de um determinado autor. O mesmo se verifica

hoje na Lei brasileira nº 9610, de 19 de fevereiro de 1998, que trata dos Direitos

Autorais.

No referido texto, Barthes (1984) chama a atenção para o seguinte trecho da

novela Sarrasine, de Balzac:

Era a mulher, com os seus medos súbitos, os seus caprichos sem razão, as suas perturbações instintivas, as suas audácias sem causa, as suas bravatas e a sua deliciosa delicadeza de sentimentos. (BARTHES, 1984, p. 49)

Citando como exemplo a passagem acima, o filósofo questiona:

Quem fala assim? Será o herói da novela, interessado em ignorar o castrado que se esconde sob a mulher? Será o indivíduo Balzac, provido pela sua experiência pessoal de uma filosofia da mulher? Será o autor Balzac, professando ideias “literárias” sobre a feminilidade? Será a sabedoria universal? A psicologia romântica? (BARTHES, 1984, p. 49)

E depois responde:

Será para sempre impossível sabê-lo, pela boa razão de que a escrita é destruição de toda a voz, de toda a origem. A escrita é esse neutro, esse compósito, esse oblíquo para onde foge o nosso sujeito, o preto-e-branco aonde vem perder-se toda a identidade, a começar precisamente pela do corpo que escreve. (BARTHES, 1984, p. 49)

Neste fragmento, Barthes chama atenção para a dificuldade de se identificar

quem é a pessoa a falar por detrás das linhas de uma obra. Ele salienta o quão

difícil é estabelecer de quem é a voz que escreve e de como é impossível saber

quem fala o quê num determinado texto devido à multiplicidade de vozes presentes

em uma obra, sobretudo a literária. Na visão do autor, a mão que escreve orquestra

essas vozes, mas há várias outras vozes presentes no texto além da do autor.

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Assim, pode-se afirmar que ele relaciona autoria a uma maneira singular de

orquestrar vozes.

Barthes, embora tenha sido acusado de matar o autor empírico,

evidentemente não faz isso – nem poderia fazê-lo – apenas explica que “o texto é

um tecido de citações” e que a autoria vai além da mão que o escreveu. Barthes via

o texto como “um tecido de citações saídas dos mil focos da cultura” cabendo ao

escritor

Imitar um gesto sempre anterior, jamais original; seu único poder está em mesclar estruturas (...) a ‘coisa’ interior que tem a pretensão de traduzir não é senão um dicionário todo composto, cujas palavras só se podem explicar através de outras palavras. (BARTHES, 1984, p.69)

O filósofo também considera que a autoria de um texto depende muito mais

do leitor do que do autor, pois só o leitor lê cada palavra na sua duplicidade. Ele

defende a tese de que a obra deve ser analisada independentemente de quem a

escreve. O texto, segundo Barthes, é desvendado na leitura, não na escritura, pois

para ele, “o verdadeiro lugar da escritura é a leitura” (BARTHES, 1984, p. 70).

Da mesma forma, e antes dele, Kristeva (2005), ao definir o termo

intertextualidade, afirma que

a palavra (o texto) é um cruzamento de palavras (de textos) onde se lê, pelo menos, uma outra palavra (texto). Um texto é um conjunto de enunciados, tomados de outros textos, que se cruzam e se relacionam ou que todo o texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um em outro texto. (KRISTEVA, 2005, p. 67-68).

A esse respeito, Barthes (1988) assim se pronuncia:

O interdisciplinar de que tanto se fala não está em confrontar disciplinas já construídas das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar-se. Para se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um “assunto” (um tema) e convocar em torno duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém. O texto é, creio eu, um desses objetos (BARTHES, 1988, p. 99)

Essa importância do leitor, a que Barthes se refere, também é referida por

Umberto Eco. Nos ensaios “A poética da obra aberta”, “O leitor modelo” e “Entre

autor e texto”, o filósofo (2012) distingue, no primeiro, obra aberta de obra fechada.

Ele argumenta que uma obra aberta é aquela que permite uma infinidade de leituras,

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isto é, que suscita múltiplas interpretações e, para exemplificar, cita Kafka, Mallarmé

e James Joyce como grandes autores de obras abertas. Essa infinidade de leituras,

como se pode observar, tem relação com a duplicidade da palavra mencionada por

Barthes. A obra fechada, por sua vez, é lida no seu sentido literal. Assim, pode-se

inferir que, dependendo do gênero discursivo, para usar um termo bakhtiniano, é

necessário que um texto seja mais aberto ou mais fechado para que cumpra sua

função. Um texto científico, por exemplo, não deve ser encarado como uma obra

aberta.

No segundo ensaio – “O Leitor modelo” –, Eco chama a atenção para a

necessidade de o autor prever um leitor e observa que é preciso haver movimentos

de cooperação entre ambos. Tal cooperação está também implícita no princípio da

coerência. Já no texto “Entre autor e texto”, o filósofo italiano ressalta a importância

do leitor na construção do texto e enfatiza que aquilo que o autor empírico quis dizer

ao escrever não costuma ter muita importância, pois o que importa, de fato, é o que

diz o texto e não o que diz o autor. A esse respeito, Eco assim se refere:

É desnecessário conhecer a intenção do autor empírico: a intenção do texto é patente e, se as palavras têm um significado convencional, o texto não diz o que o/a leitor/a – em obediência a algum impulso idiossincrático – acreditou ter lido. Entre a intenção inacessível do autor e a intenção discutível do leitor está a intenção transparente do texto, que invalida uma interpretação sustentável. (ECO, 2012, p.49)

Como se depreende do recorte acima, as palavras podem “trair” o autor

empírico, pois elas nem sempre traduzem o que, de fato, este quis dizer, nem,

tampouco, podem significar o que o leitor leu. Eis aí um contraponto entre Barthes e

Eco, pois este defende a supremacia do texto; e, aquele, a do leitor. Todavia, em

ambos os casos, os filósofos reforçam a importância do leitor, ainda que de

diferentes maneiras, porque, afinal, o texto precisa do leitor, pois se não houver

quem o leia, o texto não cumpre a sua função.

Com relação ao romance, Bakhtin (2011) no ensaio “O autor e a

personagem”, defende a tese segundo a qual “o artista nada tem a dizer sobre o

processo de sua criação, todo situado no produto criado, restando a ele apenas nos

indicar a sua obra; e é de fato, só aí que iremos procurá-lo.” (BAKHTIN, 2011, p. 5).

Essa afirmação pode ser estendida para outros gêneros discursivos que não

somente os literários, pois ela aponta para as marcas pessoais que aquele que

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escreve costuma deixar em seu texto. Nesse mesmo ensaio, Bakhtin chama a

atenção para a confusão que comumente se faz entre autor-pessoa e autor-criador.

O filósofo sustenta que o primeiro é componente da vida e o segundo é

componente da obra, sendo o autor-pessoa o que comumente chamamos de autor

empírico, ou seja, a pessoa de carne e osso que escreve. Dizendo de outro modo, o

autor-pessoa seria o escritor, o artista; já o autor-criador seria uma função estético-

formal engendradora da obra. Hoje, parece um tanto óbvio que não se deve

confundir um com outro, mas em 1929, ocasião em que o filósofo fez essa

afirmação, ela chamou a atenção dos estudiosos para essa questão. E, mesmo

agora, no século XXI, ainda há quem os confunda, pois é bastante frequente se

tomar um pelo outro. Sobre isso, Bakhtin assim se pronuncia:

O autor-criador nos ajuda a compreender também o autor-pessoa, e já depois suas declarações sobre sua obra ganharão significado elucidativo e complementar. As personagens criadas se desligam do processo que as criou e começam a levar uma vida autônoma no mundo, e de igual maneira o mesmo se dá com o seu real criador-autor. (BAKHTIN, 2011, p. 6).

Como se pode verificar pelo excerto acima, o autor-criador é parte inseparável

da obra, mas ele não é o autor real, e sim uma entidade, uma espécie de

consciência. Para Bakhtin, “o autor, em seu estado criador, deve situar-se na

fronteira do mundo que está criando, porque sua introdução nesse mundo

comprometeria a estabilidade estética deste”. (BAKHTIN, 2000, p.205).

Nesse sentido, o autor-criador é uma posição discursiva, e o autor-pessoa,

por sua vez, faz um exercício de exotopia, ou seja, de distanciamento em relação ao

texto. Isso porque, ao colocar-se fora do texto, o autor-pessoa cria a condição para

que o autor-criador (posição discursiva) se coloque no texto/na obra. O princípio da

exotopia é “o fato de uma consciência estar fora de outra, de uma consciência ver a

outra como um todo acabado, o que ela não pode fazer consigo mesma” (TEZZA,

2001, p.282). Tal princípio implica um distanciamento do autor-pessoa em relação

àquilo que escreve; esse distanciamento, contudo, pode ser maior ou menor,

dependendo do gênero discursivo adotado. Em manifestos e em textos científicos,

por exemplo, o autor-criador se aproxima mais do autor-pessoa, já no texto literário o

distanciamento costuma ser maior. Nesse caso, “o discurso do autor-criador não é a

voz direta do escritor, mas um ato de apropriação refratada de uma voz social

qualquer de modo a ordenar um todo estético” (FARACO, 2005, p.40). O discurso do

sujeito falante no romance é resultante de um conjunto múltiplo e heterogêneo de

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vozes ou de línguas sociais. Ele é representado artisticamente pelo próprio discurso

do autor-pessoa, ou seja, daquele que tem a fala refratada.

Com relação aos gêneros discursivos, a noção de gênero não é tão nova

quanto parece. Por volta de 400 a.C. Aristóteles dividiu os gêneros literários em

épicos, líricos e dramáticos, e esses ainda possuíam subgêneros. Por exemplo: ao

épico relacionavam-se a epopeia, o poema épico, etc.; ao lírico, a ode, o soneto e

outros; e ao dramático, a comédia, o drama, a tragédia, etc. Vale ressaltar que essa

divisão é válida até hoje para os estudos da literatura.

Foi com o advento da Linguística, sobretudo com surgimento da Linguística

Textual, que, na metade do século passado, começaram-se a discutir questões

referentes aos tipos e gêneros discursivos. Nesse período, o texto passou a ser visto

como elemento discursivo, dialogal, interacional e não mais como um elemento

meramente formal. Foi preciso considerar também as condições de produção, os

processos mentais e sociais envolvidos na produção de textos escritos assim como

os mecanismos de funcionamento da língua.

Nessa perspectiva, Bakhtin (2011) ampliou essa noção quando a aprofundou

no ensaio “Os gêneros do discurso”. Nesse ensaio, o filósofo argumenta que os

textos têm uma função, e todo e qualquer campo de atividade elabora certos “tipos

de enunciados” que são “relativamente estáveis”, isto é, apresentam recorrência

quanto ao assunto, à forma, ao estilo, à função. Assim, o que se fala (ou se

escreve), o modo como se fala (ou se escreve) e a forma que se dá à fala ou à

escrita, tudo isso está diretamente ligado aos gêneros discursivos. Estes são

infinitos, assim como infinitas são as situações de comunicação.

Sobre os gêneros discursivos, Bakhtin assim esclarece:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 2011, p. 261).

Como se pode verificar, os gêneros refletem o caráter multiforme da língua.

Eles também evoluem, modificam-se sócio-historicamente e se diferenciam pelas

especificidades dos diversos campos da atividade humana. Dessa forma, os

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enunciados são construídos conforme os interesses e objetivos específicos de cada

esfera comunicativa.

Apesar de haver semelhanças entre as formulações teóricas de Barthes e de

Bakhtin, especialmente no “tecido de citações” referido por Barthes na definição de

texto, há diferença entre ambos os autores. Bakhtin introduz o conceito de

enunciado, para ele, em cada enunciado há a intenção discursiva do falante, isto é,

a vontade discursiva, “que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas

fronteiras” (BAKHTIN, 2011, p.281).

Frequentemente associa-se a figura do autor apenas à do autor literário, mas

não se costuma levar em conta a autoria em outras esferas discursivas como, por

exemplo, em uma redação escolar, pois não há como o autor do texto não se

manifestar e não deixar suas marcas enquanto escreve. Entretanto, o eu que

enuncia no texto não é necessariamente o autor-pessoa, e sim um autor-criador, e

este pode se manifestar de diferentes formas em diferentes gêneros. Uma dessas

formas de manifestação pode se dar, por exemplo, por meio do discurso de outrem.

Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, mais especificamente no

capítulo 9, em “O Discurso de outrem”, Bakhtin (1986) trata dessa questão. A esse

respeito, o filósofo assim se pronuncia com relação ao discurso citado e ao discurso

do outro:

O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação (...). Mas o discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso; ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática, por assim dizer, “em pessoa”, como uma unidade integral da construção. Assim, o discurso citado conserva sua autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama linguística do contexto que o integrou. (BAKHTIN, 1986, p. 144)

A incorporação do discurso de outrem ajuda (o narrador) não só na

formulação do próprio posicionamento social, como também abre possibilidades

para novos posicionamentos, permitindo, assim, ao narrador, abordar os eventos

narrados a partir de diferentes perspectivas.

No entanto, por vezes, “o discurso citado é visto pelo falante como a

enunciação de uma outra pessoa, completamente independente na origem, dotada

de uma construção completa, e situada fora do contexto narrativo” (BAKHTIN, 1986,

p. 144). Esta modalidade de utilização do discurso de outrem é a mais próxima do

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que se entende por citação. E ela normalmente é assinalada por marcas linguísticas

como aspas, travessões e recursos gráficos.

Também Ponzio (2008) a respeito da palavra alheia assim se manifesta:

Falamos sempre através da palavra dos outros, seja por meio de uma simples imitação, como uma pura citação, seja em uma tradução literal ou, ainda, seja através de diferentes formas de transposição, que comportam diferentes níveis de distanciamento da palavra alheia: a palavra entre aspas, o comentário, a crítica, o repúdio, etc. (PONZIO, 2008, P. 101)

As formulações de Bakhtin remetem a Foucault e à função-autor. No texto O

que é o autor?, conferência proferida em 1969, que, na verdade, foi escrita como

uma resposta ao texto de Barthes, o filósofo diferencia o autor de uma obra do autor

de uma discursividade e também distingue o autor na literatura do autor na ciência.

Sobre isso, Foucault afirma:

(...) poder-se-ia dizer que há, em uma civilização como a nossa, um certo número de discursos que são providos da função “autor”, enquanto que outros são dela desprovidos. Uma carta particular pode ter um signatário, ela não tem autor; um contrato pode ter um fiador, ele não tem autor. Um texto anônimo que se lê na rua em uma parede terá um redator, não terá um autor. A função autor é, portanto, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade. (FOUCAULT, 1969, p.274)

Nota-se que autoria para Foucault não é, como diria Guimarães Rosa, algo

trivial, uma linguagem “de em dia de semana”. Ao contrário, para haver autoria é

preciso escrever com certa singularidade e, para isso, dentre outras ações, é

necessário reagrupar certos textos e relacioná-los entre si, pois “um discurso

associado ao nome do autor não é uma palavra cotidiana, indiferente (...) que passa,

imediatamente consumível” (FOUCAULT, 1969, p. 276).

Se para Foucault a função-autor está atrelada à obra, e esta, por sua vez, só

existe quando publicada ou reconhecida por um grupo de pessoas, para Bakhtin

(1986), a função autor está intimamente associada à assinatura do autor em textos

que se inserem em um gênero discursivo específico dentro de uma esfera de

circulação também específica. É importante mencionar que o gênero, segundo

Bakhtin (2011) contém o tema, o modo composicional e o estilo e, ao elaborá-lo, o

autor espera ser lido/questionado/interpelado por alguém. Percebe-se, assim, que

cada estudioso oferece uma parcela de contribuição ao assunto aqui discutido.

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Ainda sobre a questão da autoria, Foucault revela sua preocupação a respeito

dela, e sobre isso ele afirma:

a escrita está atualmente ligada ao sacrifício, ao próprio sacrifício da vida; apagamento voluntário que não é para ser representado nos livros, pois ele é consumado na própria existência do escritor. A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do seu autor. Vejam Flaubert, Proust, Kafka. Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita. (FOUCAULT, 2001, p.270)

Nota-se, a partir da citação acima, que Foucault também compartilha da ideia

de que não importa quem fala, mas o que se fala. Ele defende a tese segundo a qual

o autor empírico vai “morrendo” à medida que escreve, pois, uma vez escrito, o texto

passa a falar por si mesmo, independentemente da intenção do autor ou do leitor.

Para Foucault, a função-autor é compreendida como uma posição discursiva. Na

leitura de Cavalheiro (2008), a partir da obra de Foucault, um texto pode ter vários

eus simultâneos: um é o eu que fala em um prefácio; o outro é o eu que argumenta

no corpo de um livro; e o terceiro é o eu que avalia a recepção da obra publicada ou

a esclarece (CAVALHEIRO, 2008, p. 74).

Também, para Orlandi (2012), na perspectiva da Análise do Discurso, a

autoria é uma posição discursiva. A autora chama a atenção para a reflexão que

Foucault faz no texto “A ordem do discurso”, de 1975, quando define o autor como “o

princípio de agrupamento do discurso, unidade e origem de suas significações. ”

(ORLANDI, 2012, p.68). Isso significa dizer que o autor é o “responsável pelo texto

que produz”. Assim, ser autor, na concepção foucaultiana, é tomar certa posição

discursiva, isto é, certa posição em relação às palavras que enuncia.

Orlandi (2012) assim define autoria:

Finalmente, toda essa questão tem a ver com a maneira como se concebe a autoria. É a noção de autor que está em questão nas formas de interpretação. O que caracteriza a autoria é a produção de um gesto de interpretação, ou seja, na função-autor o sujeito é responsável pelo sentido do que diz, em outras palavras, ele é responsável por uma formulação que faz sentido. O modo como ele faz isso é que caracteriza a sua autoria. Como, naquilo que lhe faz sentido, ele faz sentido. Como ele interpreta o que interpreta. (ORLANDI, 2012, p. 97).

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Nota-se, nesse recorte, que, para Orlandi, autoria e interpretação estão

estritamente relacionadas, pois dizem respeito à forma como o autor produz sentido

a partir daquilo que para ele faz sentido. Da mesma forma, o mesmo acontece com

o leitor ao produzir sentidos a partir do que lê. É relevante pontuar que pensamento

e linguagem estão interligados, logo o sujeito também é efeito de seus enunciados,

pois ao falar e/ou ao escrever ele se constrói através da linguagem pelas vozes que

o constituem.

Na obra Políticas de Autoria de Abreu (2013), também na perspectiva da

Análise do Discurso, percebe-se a autora compartilha das ideias de Orlandi, mas faz

a sua própria definição do termo. É bastante interessante sua afirmação de que a

autoria é

movimento de sentidos, movimento de significantes marcado na e pela história, um movimento que nos toma, na ousadia de um percurso de produção, cujo resultado nos é desconhecido de antemão, mas que significa, como nos lembra Duras. (ABREU, 2013, p. 1)

Essa definição indica que a autoria é não só um construto que envolve risco,

mas também um processo de interpretação que implica uma tomada de posição. É,

além disso, um processo marcado pela história e pelas condições de produção nas

quais o sujeito está inscrito.

De igual orientação, na obra Escritura de si e alteridade no espaço papel-tela,

Coracini (2010), retomando Derrida e Foucault, comenta que escrever é para eles

cortar a folha (papel que é também vegetal...), levantar a pele das palavras, fazer incisões, cortes, enxertos, in-serções de si no corpo estranho do outro – palavra, texto, que é sempre do outro e sempre meu ou de quem escreve, de quem assina – transformando, deformando, degradando, com legitimidade – afinal, o autor se sente “dono” da língua – o corpo ou o corpus (defunto, morto). (CORACINI, 2010, p. 31).

Percebe-se que Coracini (2010) concebe a autoria como um processo (ou um

acontecimento) vinculado à escrita. Essa escrita é, para a autora, um processo de

escrever(-se) ou, como ressalta, um processo de inscrever(-se). Tal inscrição

poderia, talvez, se assemelhar à inscrição I.N.R.I. entalhada na cruz de Jesus Cristo

e tatuada nos braços de judeus enviados aos campos de concentração, tamanha é a

relação da escrita com o processo de identificação daquele que escreve ou daquilo

que é atribuído a quem escreve. Assim como Coracini, para Galli (2010), “o processo

de escrita se configura como um trabalho de incertezas, de conflitos, de tensões,

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que tende a se abrir, deslizar, (des)locar, num movimento de (re)construção das

muitas vozes e dos muitos sentidos.” (GALLI, 2010, p. 51). Nota-se que a autora, ao

referir-se ao processo de autoria, estabelece uma relação entre escrita e autoria,

isso porque uma carrega traços da outra. A autora ainda se refere à reconstrução de

vozes, numa clara referência a Barthes. Nesse sentido, é relevante destacar as

questões que Possenti (2002) levanta sobre a autoria e seus indícios, que são

essenciais para este trabalho.

2.2 INDÍCIOS DE AUTORIA

Embora se refira às duas noções de autor de Foucault, quais sejam a) a de

que a noção de autor se constitui a partir de um correlato autor-obra, e b) a noção de

autor como “fundador de discursividade”, na acepção Foucaultiana do termo, isto é,

alguém que dá origem a regras para formação de novos textos, Possenti (2002)

ressalta que estas não costumam se adequar a um escolar, pois este não tem uma

obra nem fundou uma discursividade. Logo, o pesquisador propõe que, para se

verificar a autoria em textos de estudantes em idade escolar, ou de vestibular, é

preciso introduzir uma nova noção de autoria que remeta ao que ele chama de

indícios de autoria.

Possenti (2013), no texto “Notas sobre a questão da autoria”, pontua que há

uma diferença nítida na concepção de autoria em Foucault e na de alguns

estudiosos brasileiros. Para o filósofo francês, a autoria corresponde a uma obra,

isto é, não há obra sem autor, assim como não há autor sem obra. Já para alguns

estudiosos brasileiros a autoria é definida por uma certa relação de quem escreve

(ou fala) textos que Possenti chama de comuns, como, por exemplo, uma redação

escolar. O autor argumenta, também, que a maioria dos pesquisadores brasileiros

considera autor aquele que escreve um texto adequado. Esse entendimento dos

autores brasileiros difere muito do de Foucault, que assim resume as características

da função-autor:

a função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que contém, determina, articula o universo dos discursos; ela não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização; ela não é definida pela atribuição espontânea de um discurso a seu produtor, mas por uma série de operações específicas e complexas; ela não remete pura e simplesmente a

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um indivíduo real, ela pode dar lugar simultaneamente a vários egos, a várias posições-sujeito que classes diferentes de indivíduos podem vir a ocupar (FOUCAULT, 2001, p. 283)

Ao que parece, para ser autor é preciso possuir tais características, as quais

dificilmente são perceptíveis em autores de textos cotidianos que escrevem notícias

de jornal, receitas culinárias, artigos de opinião ou redações escolares. O que os

autores desses textos revelariam, segundo Possenti (2013) seriam indícios de

autoria, e não a autoria a que Foucault se refere, contudo não há dúvida de que

ambas estão relacionadas.

Com relação a esses indícios de autoria presentes nos textos, Caramagnani

(2010) investigou, em trechos de introdução de trabalhos acadêmicos, mais

precisamente em dissertações e teses, em que medida os mestrandos e

doutorandos forneciam o que ela chama de indícios dos movimentos do autor. Os

indícios a que a autora se refere são abordados por Possenti (2002) quando ele

propõe que a noção de autoria seja redefinida. Essa redefinição diz respeito ao fato

de que a autoria seria “um efeito simultâneo de um jogo estilístico e de uma posição

enunciativa”. (POSSENTI, 2002, p. 107).

Sobre tais indícios, Possenti (2013) relata que, numa determinada época,

quando era coordenador de uma banca de correção de redações de vestibular, o

que chamava, especialmente, a sua atenção, e a de alguns corretores, eram os

traços de autoria presentes nos textos. Esses traços faziam com que os textos

deixassem de ser “simples redações” para se tornar redações com indícios de

autoria. Segundo Possenti, os traços eram predominantemente de estilo, e as

marcas mais empregadas pelos vestibulandos eram as aspas, a ironia, as citações

singulares, os jogos com o leitor.

A propósito do estilo, Possenti (2001) afirma que para se verificar indícios de

autoria em um texto do gênero redação escolar, a noção de estilo precisa ser

reinterpretada e retirada do domínio do romantismo. A esse respeito, o autor assim

argumenta:

A noção de estilo mais corrente é, a rigor, romântica, e só fez sentido na medida em que foi compreendida como a expressão de uma subjetividade (unitária, psicológica). Tanto a estratégia do desvio quanto a da escolha, categorias alternativamente utilizadas na tradição da estilística, tanto para descrever um fato de língua (ou de texto) quanto para descrever uma atividade psicológica, confirmam basicamente essa inscrição romântica. (POSSENTI, 2001, p. 15).

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Possenti defende que é preciso repensar o conceito de estilo quando se

pretende verificar os indícios de autoria em redações de estudantes. Para o autor,

estilo deve ser entendido, grosso modo, como “um certo modo de organizar uma

sequencia (de qualquer extensão)” de sorte que esta produza efeitos de sentido.

Nessa perspectiva, a concepção de língua não pode ser uma concepção típica,

modelar, uniforme para todos os falantes.

Com relação à autoria, Possenti (2013), retomando Orlandi, afirma que, para

a autora, o que se exige do autor é

coerência; respeito aos padrões estabelecidos, tanto quanto à forma do discurso como às regras gramaticais; explicitação; clareza; conhecimento das regras textuais; originalidade; relevância e, entre outras coisas, “unidade”, “não contradição”, “progressão” e “duração” de seu discurso. É, entre outras coisas, nesse “jogo” que o aluno entra quando começa a escrever (POSSENTI, 2013, p. 240).

Ao trazer para a discussão essa afirmação de Orlandi, Possenti diz considerar

as características apontadas pela autora como um aspecto do que ele chama

“controle da deriva do texto”, ou “controle da dispersão” ou, ainda, o que se

denomina coerência textual. Entretanto, segundo o autor, o domínio de um texto

banal, simples, não necessariamente implica autoria. É pertinente destacar que

autoria e identidade são conceitos que podem ser compatibilizados entre si de forma

bastante produtiva, ainda que quase não os vejamos relacionados. Referindo-se à

questão autoral, Possenti (2001) defende a tese de que autoria é um conceito que

não deve ser aplicado apenas a personalidades, isto é, em determinada relação

autor-obra, nem, tampouco, concebido como uma particularidade de uma pessoa

específica. A autoria, para ele, tem forte relação com estilo, isto é, com aquele “traço

pessoal” que alguns estudiosos chamam de singularidade.

O autor sublinha que um texto escolar considerado mal-acabado por alguns

professores pode conter, além dos indícios de autoria, estilo. Segundo Possenti, se

os alunos escrevem textos mal-acabados, muito se deve à escola, pois ela é “uma

maquinaria destinada a excluir”. Para que os estudantes passem a escrever melhor,

ele afirma que é preciso “desescolarizar” a escola, reorganizar as atividades

segundo critérios de relevância, com prioridade absoluta para as atividades de

linguagem significativas, especialmente a leitura e a escrita, com especial destaque

para as atividades de escrita. Ele defende que trabalhar a escrita a partir dos textos

dos alunos em vez de ensinar regras descontextualizadas que não fazem sentido

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algum é muito mais produtivo. Aulas nas quais os alunos possam reescrever seus

textos ajudam a combater a reprovação, pois, além de fazer mais sentido,

promovem a autorreflexão e a construção de uma autoria.

Nota-se, assim, que não existe uma única definição para os termos autor e

autoria. As concepções variam conforme a corrente teórica adotada pelo estudioso

em face de sua formação acadêmica e ideológica. Isso significa dizer que os

conceitos são situados e relacionados ao momento social e histórico em que são

produzidos. É relevante pontuar, todavia, que ambos os termos são construções

históricas e sociais e estão atrelados às condições de produção, pois são processos

que variam no tempo e no espaço.

Como se pode observar, os termos passaram (e provavelmente ainda

passarão) por muitas instâncias. Elas vão do autor-criador, em Bakhtin; passam pelo

escritor, em Barthes e vão até a função-autor, em Foucault. Essa diversidade de

conceitos é, talvez, o que se poderia chamar de pontos de divergência entre os

autores, pois eles descrevem e explicam os termos a partir de uma determinada

perspectiva e num determinado contexto histórico-social. Contudo, não se pode

negar que cada um, a seu modo, traz sua contribuição para as questões relativas ao

autor e à autoria.

Com relação a essas questões, convém lembrar que tanto Bakhtin, quanto

Barthes e Foucault, cada um a seu modo, fazem reflexões quanto ao papel do

indivíduo como autor dos discursos e questionam, assim como Hall (2010), a

unicidade do sujeito. E, a partir disso, desenvolvem sua noção de autor e autoria.

Vale ressaltar que ambos os termos envolvem conceitos amplos e complexos. É

natural, portanto, que todo estudioso, em face da sua formação acadêmica e do seu

interesse de pesquisa se filie a alguma corrente teórica e adote uma determinada

perspectiva para descrever e explicar a realidade. Saussure (1916) no Cours de

Linguistique Générale já ensinava que “é o ponto de vista que cria o objeto”. Logo,

dependendo da perspectiva adotada tem-se uma determinada concepção em

relação ao objeto em análise.

2.3 IDENTIDADE E MARCAS IDENTITÁRIAS

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para

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alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro.

Mikhail Bakhtin

As concepções, quaisquer que sejam, são sócio-historicamente construídas.

Na perspectiva sociológica dos Estudos Culturais, isso também ocorreu com a

concepção de sujeito, que passou de uno a multifacetado. Nesse contexto, Hall

(2004) defende a tese de que a identidade é formada ao longo do tempo por meio de

processos inconscientes. Dessa forma, ela não é inata, isto é, não existe na

consciência no momento do nascimento, ao contrário, é formada na interação entre

sujeito e sociedade. Esse sujeito a que Hall se refere tem um núcleo, que é o eu

real, mas também é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos

culturais exteriores e com as identidades que esses mundos oferecem.

O termo identidades culturais, criado por Hall, diz respeito àqueles aspectos

de nossas identidades que surgem de nosso “pertencimento” a culturas étnicas,

raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. Contudo, essa identidade

é provisória, uma vez que não está impressa em nossos genes, pois é construída

social e historicamente.

A definição do termo identidade é bastante antiga e divide opiniões. O

conceito é, segundo Hall (2004) complexo, ambíguo, pouco desenvolvido e pouco

compreendido, pois a comunidade sociológica ainda está profundamente dividida

quanto a esse assunto. Sabe-se, no entanto, que até um determinado período da

história, o indivíduo era visto como um sujeito inteiro, unificado, isto é, um sujeito

cartesiano. Contudo, com a chegada da pós-modernidade, na segunda metade do

século XX, quando se disseminaram movimentos culturais e migratórios, e quando

se difundiram pelo globo as Tecnologias de Informação e Comunicação, também

chamadas TICs, o indivíduo passou a ser visto como um sujeito fragmentado e

multifacetado. A palavra identidade e seu significado estão sendo extensamente

discutidos, pois, o homem pós-moderno passou, segundo Hall, por uma crise de

identidade, e são vários os fatores que provocam essa crise.

Retomando Laclau, Hall (2004) afirma que as sociedades da modernidade

tardia produzem uma variedade de “posições sujeito”, isto é, de identidades. Pode-

se perceber a mesma concepção em Foucault (2001) quando este se refere à

função-autor e ao seu “deslocamento”. Nessa perspectiva, é possível relacionar

autoria e identidade, pois se as sociedades modernas, devido às suas

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transformações, fazem surgir novas posições-sujeito, ou novas identidades, como

afirma Laclau (1990), o mesmo acontece com a escritura, pois, segundo Foucault

(2001), o autor não é um autor, mas uma função-autor, ou seja, dependendo da

posição que ocupa, ele se desloca discursivamente.

Hall (2004) sustenta ainda que as identidades modernas se tornaram

“descentradas”, isto é, deslocadas e fragmentadas. Isso ocorre, segundo ele, porque

as mudanças estruturais na sociedade contemporânea do século XX passaram a

tratar questões de classe, de gênero, de sexualidade, de etnia, de raça e de

nacionalidade de outra forma. Essas transformações mudaram nossas identidades

pessoais, abalando a ideia que tínhamos de nós próprios como sujeitos integrados.

O sociólogo distingue ainda três concepções de identidade. A primeira diz

respeito ao sujeito do Iluminismo; a segunda ao sujeito sociológico; e a terceira ao

sujeito pós-moderno. Com relação ao sujeito do Iluminismo, o autor postula que

naquele momento histórico o sujeito era visto como alguém centrado, unificado e

dotado de razão. O “centro” desse eu era a sua identidade. Sobre a noção de sujeito

sociológico, Hall destaca que a identidade desse sujeito passou a se formar na

interação entre o eu e a sociedade. Nesse momento histórico, o sujeito começa a

passar por um processo de mudança de identidade, ou seja, passou a ter várias

identidades, fragmentando-se, e, assim, o processo de identificação tornou-se

provisório, variável e problemático. Com relação ao sujeito pós-moderno, ele

ressalta que esse sujeito não tem uma identidade fixa, permanente, pois passa a

assumir identidades diferentes em momentos diferentes. Essas identidades não são

unificadas ao redor de um eu coerente. A identidade plenamente unificada, completa

e segura é, na atualidade, uma fantasia.

Para Ghilardi-Lucena (2008), durante muito tempo os indivíduos ficaram sem

passar por crises de identidade, que era considerada fixa, sólida e estável. Também

não havia problema com relação aos papéis sociais, pois estes não estavam sujeitos

à reflexão ou a discussões. Com o passar do tempo, no entanto, mais precisamente

na sociedade pós-moderna, isso mudou. Ainda de acordo com a autora, a identidade

tornou-se móvel, múltipla, pessoal, reflexiva e sujeita a mudanças e inovações.

Hall (2004) sublinha que cinco grandes avanços nas ciências humanas foram

responsáveis para o “descentramento” definitivo do sujeito cartesiano na segunda

metade do século XX. O primeiro ocorreu com Marx, quando afirmou que “os

homens fazem a história, mas apenas sob as condições que lhe são dadas”, ou seja,

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33

para seus intérpretes, os sujeitos não seriam agentes individuais da história, mas

peças de uma engrenagem social. O segundo avanço que descentrou o sujeito vem

da descoberta do inconsciente por Freud. Com sua teoria, o pai da psicanálise

contrariou o conceito de sujeito racional provido de uma identidade fixa e unificada.

O terceiro avanço está associado ao Estruturalismo, pois Saussure argumentava

que não somos autores das afirmações que fazemos ou dos significados que

expressamos na língua, já que só podemos utilizá-la nos posicionando no interior de

suas regras, porque ela preexiste a nós. O quarto avanço ocorreu com os estudos

de Foucault sobre o que ele chamou de poder disciplinar. O objetivo desse poder

consistia em manter a vida, as atividades, o trabalho, as infelicidades e os prazeres

do indivíduo sob estrito controle e disciplina para produzir um ser humano dócil. E,

por fim, o último avanço diz respeito ao impacto do Feminismo e de todos os demais

movimentos sociais associados com o ano de 1968. Tais movimentos contribuíram

sobremaneira para os novos conceitos de família, de sexualidade e de trabalho

doméstico e politizaram a subjetividade, a identidade e o processo de identificação

entre homens e mulheres, mães e pais, filhos e filhas, expandindo, assim, a

formação de identidades sexuais e de gênero. E os descentramentos continuam,

afinal a pós-modernidade é um processo sem fim de rupturas.

Semelhante concepção é adotada por Rajagopalan (2003) quando afirma que

a identidade de um indivíduo se constrói na língua e por meio dela. Isso significa,

segundo o autor, que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da

língua. Nessa perspectiva, os sujeitos não têm identidades fixas ou permanentes,

mas várias identidades provisórias e variáveis. Também Ricento (2005) postula que

a identidade é constituída na e pela linguagem. Assim, não haveria identidade, mas

sim identidades ou identificações, ou seja, a identidade não existiria no interior dos

sujeitos, pois é uma construção, sempre em processo, a partir da interação.

2.4 IDENTIDADE E ESCRITA

Existe uma relação bastante estreita entre identidade e escrita. No ensaio “A

Celebração do outro na constituição da identidade”, Coracini (2003), certamente

apoiada na teoria bakhtiniana, defende a tese de que o outro é determinante na

construção da nossa identidade, seja ela subjetiva, social ou nacional, pois esse

outro nos constitui e ao nosso discurso também. Ao analisar artigos publicados em

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jornais e revistas de grande circulação sobre como o brasileiro vê o estrangeiro e a

si mesmo, e como o estrangeiro vê o Brasil e o brasileiro, a autora constatou que os

estrangeiros colocam o Brasil e os brasileiros em posições subalternas, e que o

brasileiro vê o estrangeiro como alguém que lhe é superior tanto pela questão da

colonização (os europeus) quanto pela questão do poderio econômico (americanos).

A autora evidencia que o que somos, o que vemos e o que pensamos está

carregado do dizer alheio. Isso vale tanto para a identidade social ou nacional

quanto para a identidade subjetiva. Segundo a autora, “é na medida em que se

internaliza um traço que ele se faz corpo no corpo do sujeito. ” (CORACINI, 2003, p.

202). Logo, o outro, normalmente a quem se atribui maior poder, quando fala de (ou

sobre) nós, sabe mais sobre nós do que nós mesmos. Isso porque, “se nomear é dar

realidade a um objeto, falar de um povo, de uma nação ou de um indivíduo é dar-

lhes existência, é fazê-los ser ou acreditar que são ou que existem.” (CORACINI,

2003, p. 201).

Coracini e Eckert-Hoff (2010) e seus colaboradores vêm, há muito tempo, se

debruçando sobre a questão da subjetividade e da identidade na escrita, seja esta

em papel ou virtual. Para as autoras, não há texto neutro, imparcial, pois toda escrita

é inscrição de si. Escrever, segundo elas, “é sempre uma ação que se dá, ao

mesmo tempo, em dois sentidos: de fora para dentro e de dentro para fora.”

(CORACINI E ECKERT-HOFF, 2010, p. 9-10). Quando escrevemos, dirigimo-nos a

um leitor virtual (possível, mas não real), e quando lemos, imaginamos o autor e

suas intenções ao percorrermos as pistas por ele deixadas no texto. Isso porque

“todo texto carrega em si traços daquele que escreve” e que, portanto, se inscreve

naquilo que escreve. Logo, não há texto sem envolvimento.

Essas marcas de inscrição, assim como os indícios de autoria, são muitas e

existem em todas as composições, até mesmo nas ditas científicas, as quais

buscam efeito de objetividade. Enunciados assertivos, modalidades lógicas, o uso

da terceira pessoa, as formas passivas, o uso de adjetivos, dentre outros recursos,

ainda que pretendam camuflar o envolvimento do pesquisador, fogem ao controle

dele, revelando sua subjetividade e construindo uma identidade. Nos textos

chamados criativos (contos, romances, poemas, etc.) quem escreve não tem a

intenção de se ocultar, ao contrário, busca expor sua subjetividade e seu

envolvimento naquilo que escreve.

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Nesse contexto, é possível afirmar que a relação do sujeito com a escrita é

bastante complexa, tanto que, ao escrever, ele vai construindo para si uma

identidade, embora esta possa lhe ser atribuída por quem tem mais poder. Foucault

(1984) cita o exemplo de Pierre Revière, um pequeno pastor francês,

semialfabetizado que, de desconhecido que era, tornou-se um dos maiores

criminosos de sua época ao degolar a mãe, a irmã e o irmão. Ao ser preso e

obrigado a escrever sua versão dos fatos, confessa que tinha a intenção de escrever

sobre o crime antes de cometê-lo. Matou a mãe para salvar o pai das garras dela, a

irmã porque era cúmplice da mãe, e o irmãozinho para que o pai ficasse com raiva

dele (de Pierre) e não viesse a sofrer com sua prisão. À medida que vai escrevendo,

o jovem vai construindo para si uma identidade diferente da que lhe foi atribuída

pelas autoridades policiais.

Ao analisar esse caso, Foucault defende a tese de que se o jovem tivesse

escrito a história dos crimes antes de cometê-los, ele não chegaria às vias de fato,

pois lançaria sua revolta e sua raiva no texto. No caso em tela, as autoridades

fabricaram uma identidade para Pierre diferente da que ele julgava possuir, pois à

medida que iam escrevendo no processo adjetivos como criminoso, culpado, etc. as

autoridades iam atribuindo ao jovem uma identidade que talvez ele não tivesse.

O motivo que levou Pierre a escrever foi a “solicitação” das autoridades

policiais envolvidas no caso. No entanto, não escrevemos apenas quando somos

obrigados, mas o fazemos por muitos outros motivos. Escrevemos, segundo Faraco

e Tezza (2004) para dar ordens, para avisar alguém, para receitar, para advertir,

para pedir, para tirar uma boa nota, para não esquecer, para dizer um pouco do que

sentimos, para contar uma história, para resolver problemas e por inúmeras outras

razoes.

Uma das utilidades da escrita é que ela serve como refúgio para a solidão,

para a depressão, para a pressão sufocante a que somos expostos. Ela é

pharmakon, como salienta Derrida, isto é, é remédio e veneno ao mesmo tempo. É

remédio porque ajuda a curar os males da alma, mas é também veneno porque, por

meio dela, as verdades mais santas podem ser corrompidas e apresentadas como

anedotas vulgares e sem sentido. Por meio dela, discussões infrutíferas podem ser

estabelecidas, intrigas podem ser tecidas e os desentendimentos prolongados.

Segundo Faraco e Tezza (2004), a escrita foi inventada há milhares de anos

com o objetivo de suprir necessidades que a fala não conseguia suprir. Ela

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atravessa o tempo e o espaço porque, por meio dela, podemos saber o que

aconteceu nos séculos passados e projetar o futuro. Isso não acontece com a fala,

pois, por mais alto que gritemos, nossa voz não consegue ir muito longe. Não

bastasse isso, dominar a escrita foi (e continua sendo) uma arma poderosíssima,

pois quem não a domina sempre vai depender dos outros para manter viva sua

cultura, e, quiçá, sua espécie. Tudo o que ouvimos ou falamos não permanece muito

tempo guardado na memória, se quisermos guardar, precisamos fazê-lo por escrito.

Assim, parece razoável aceitar a ideia de que não existe autoria sem sujeito,

assim como não existe sujeito sem identidade e ambas – autoria e identidade – têm

uma relação íntima com a cultura e com a ideologia daquele que escreve. O sujeito

está dentro de uma cultura, e toda cultura – assim como todo o sujeito – é

ideológica. Logo, não existe sujeito sem ideologia. E são essas marcas ideológico-

autorais que o autor deixa em seu texto no momento da escritura.

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3 O ENEM E AS REDAÇÕES

Escrever é um colocar-se no vazio.

Clarice Lispector

Um exame que promova a inclusão e o acesso à universidade é sempre muito

bem-vindo, sobretudo para aqueles candidatos que, oriundos de escolas públicas e

provenientes de famílias mais humildes, necessitam ingressar no ensino superior

para conquistar um padrão de vida superior. Para melhor explicitar como é esse

exame, este capítulo aborda sucintamente a história do Enem e mostra como é a

prova de Redação e sua matriz de avaliação.

3.1ENEM: ASPECTOS HISTÓRICOS

O exame foi criado em 1998 pelo Ministério da Educação do Brasil (MEC) e é

utilizado para avaliar a qualidade do Ensino Médio no país. Seu resultado promove o

acesso dos estudantes ao ensino superior em universidades públicas brasileiras,

através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), assim como em algumas

universidades públicas portuguesas. O Enem é o maior exame do Brasil e o

segundo maior do mundo, atrás somente do exame de admissão do ensino superior

chinês, e conta com milhões de inscritos todos os anos.

A prova também é feita por candidatos com interesse em ganhar bolsa

integral ou parcial em universidades particulares, através do Programa Universidade

para Todos (ProUni), ou para obter financiamento através do Fundo de

Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Além disso, desde 2009, o

exame serve como certificação de conclusão do Ensino Médio em cursos de

Educação de Jovens e Adultos (EJA), antigo supletivo, substituindo o Exame

Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

Inicialmente o exame foi criado para avaliar a qualidade da educação

nacional. Posteriormente, em 2009, teve sua segunda versão: o aumento do número

de questões e a utilização da prova em substituição ao antigo vestibular em algumas

universidades públicas do Brasil. O exame é realizado uma vez ao ano e tem

duração de dois dias. Contém 180 questões objetivas, divididas em quatro grandes

áreas do conhecimento, e uma prova de redação.

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Criado durante a gestão do ministro da educação Paulo Renato Souza, no

governo Fernando Henrique Cardoso, o Enem teve por objetivo precípuo avaliar o

aprendizado dos alunos do Ensino Médio em todo o país. Isso para auxiliar o MEC

na elaboração de políticas de melhoria do ensino brasileiro através dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNEM) do Ensino Médio e Fundamental, promovendo,

dessa forma, alterações em ambos os níveis de ensino conforme indicasse o

cruzamento de dados e as pesquisas com os resultados obtidos.

Essa foi a primeira iniciativa de avaliação geral do sistema de ensino

implantado no Brasil. O primeiro modelo de prova do Enem, utilizado entre 1998 e

2008, tinha 63 questões aplicadas em um único dia. Esta servia, na época, para

ingresso em cursos superiores no caso de candidatos que, com a nota do exame, se

inscrevessem para conseguir uma bolsa de estudos em faculdades particulares pelo

ProUni.

Em 2009, foi introduzido um novo modelo de prova, com a proposta de

unificar o concurso vestibular das universidades federais brasileiras. O novo Enem

passou a ser realizado em dois dias e a conter 180 questões objetivas e uma

questão de Redação. Além disso, foram adotados métodos estatísticos e

psicométricos para a análise dos itens que compõem as provas. Essas análises

baseiam-se na Teoria Clássica dos Testes (TCT) e na Teoria da Resposta ao Item

(TRI) e levam em consideração, por exemplo, a distribuição das respostas dos

participantes entre as alternativas, o grau de dificuldade de cada item e o acerto

casual. O cálculo das proficiências dos participantes do exame com base na TRI foi

implementado para estabelecer a escala de proficiência do Enem, com média

correspondente a 500 e desvio-padrão de 100.

Nesse mesmo ano o Enem começou a ser utilizado como exame de acesso

ao ensino superior em universidades públicas brasileiras através do Sisu. Por meio

dessa seleção, os alunos poderiam se inscrever para as vagas disponíveis nas

universidades brasileiras participantes do sistema. Como a utilização do Enem e do

Sisu é opcional, algumas instituições ainda utilizam concursos vestibulares próprios

para seleção dos candidatos às vagas, como é o caso da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo.

3.2 AS MUDANÇAS

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Por razões de ordem social e política, e devido às demandas e exigências da

sociedade brasileira, o Enem precisou ser revisto e modificado. A primeira mudança

significativa ocorreu seis anos atrás quando foi introduzido um novo modelo de

prova com o objetivo de unificar os vestibulares das universidades federais. De lá

para cá, novas alterações são implantadas a cada ano para o aprimoramento do

exame. A seguir segue uma retrospectiva do Enem de 2009 a 2014.

Em 2009, devido ao vazamento da prova, que teve cadernos furtados em uma

das gráficas que a produziu, o exame, que estava planejado para ser realizado em

outubro, foi adiado para os dias 5 e 6 de dezembro do mesmo ano. Segundo dados

do Inep4, dos 4.148.721milhões de inscritos, 41,5% abstiveram-se de realizar as

provas, provavelmente devido ao furto da prova. Posteriormente, o gabarito foi

divulgado com erros.

No ano seguinte (2010), vazaram, na Internet, informações sigilosas e

pessoais de inscritos. Após a realização do exame, uma série de erros em um dos

cadernos de provas fez com que a Justiça do Estado do Ceará suspendesse o

exame em todo o território nacional. Com o Ministério da Educação querendo

reaplicar a prova para todos os prejudicados, a Justiça alegou que novas provas

apenas para os que usaram os cadernos incorretos poderiam prejudicar todos os

outros inscritos.

Por conta disso, algumas instituições de ensino desistiram de usar o Enem

como parte de sua nota. O Ministério da Educação decidiu então aplicar uma

segunda prova aos alunos prejudicados pelos erros de impressão verificados em

0,3% das 10 milhões de provas impressas – erros que foram admitidos pela gráfica

responsável. Dos 33 mil cadernos com erros, 21 mil foram efetivamente distribuídos.

A gráfica responsável considerou, na época, que esse índice de falha estava dentro

da margem de erro admitida para esse tipo de processo industrial. As novas provas

do Enem foram aplicadas na primeira quinzena de dezembro aos alunos

prejudicados.

A edição do Enem 2011 foi marcada pela constatação de que alunos de um

colégio particular de Fortaleza/CE, tiveram acesso antecipado a cerca de 14

questões cobradas no exame. O vazamento dessas questões pode ter ocorrido

durante um pré-teste do Inep, realizado por alguns alunos daquela instituição no ano

4 Disponível em:< http://portal.inep.gov.br/web/enem/edicoes-anteriores/relatorios-pedagogicos>

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40

de 2010, ou no próprio Instituto. Somente as provas dos 639 alunos do colégio em

questão foram canceladas, tendo sido refeitas posteriormente pelos mesmos

estudantes.

Houve também notícias de que o tema da redação, referente ao mundo digital

e às redes sociais, havia sido vazado às 13h59 de domingo por um repórter do jornal

O Globo. Na segunda-feira, dia 24, o Inep afirmou que abriria uma investigação para

apurar o ocorrido. Porém, o vazamento ocorreu uma hora após o início da prova, ou

seja, antes que os participantes pudessem deixar as salas de aplicação da prova,

que é após duas horas.

As notas da prova do Enem desse mesmo ano foram disponibilizadas pelo

Inep no dia 21 de dezembro, antecipadamente à data prevista, que era só em

janeiro. Nesse mesmo mês, o Ministério Público Federal no Ceará entrou com ação

contra o exame alegando falta de transparência. Em São Paulo, um estudante

também conseguiu na Justiça a revisão da nota obtida na redação. A prova do aluno

tinha sido anulada, mas depois que a Justiça concedeu uma liminar para que ele

pudesse ter acesso à correção, a nota passou de zero para 880 pontos (em uma

escala que vai de zero a mil). Em janeiro de 2012, três estudantes do Rio de Janeiro

também conseguiram na Justiça o direito de saber como tinha sido a correção de

suas redações. As decisões ainda garantiram direito de revisão da nota, caso fosse

comprovado erro. Os três, todos candidatos ao curso de Medicina, discordaram da

avaliação que tiveram.

Na edição de 2012, houve um número recorde inscritos, com 5.791.065

candidatos, segundo dados do Inep5. As provas foram realizadas em 3 e 4 de

novembro, o gabarito divulgado no dia 7 do mesmo mês, e o resultado final em 28

de dezembro. O esquema de segurança foi reforçado e lacres eletrônicos foram

usados nas maletas contendo as provas.

Em janeiro de 2013, a Justiça Federal no Rio Grande do Sul suspendeu o

Sisu. Diversas divergências na correção das redações desta edição fizeram gerar

desconfiança na forma como as avaliações foram realizadas. Também houve o caso

do candidato que escreveu uma receita de “Miojo” na redação e recebeu 560 pontos.

Isso gerou desconfiança por parte dos estudantes que alegarem ter redigido uma

boa redação obtendo uma nota igual ou inferior a esta.

5 Disponível em: < http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/1401>

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Na edição de 2013, o Inep registrou 7.173.574 candidatos inscritos6. Na

justiça, houve o pedido de uma liminar que garantia aos estudantes acesso ao

espelho da redação. Logo em seguida, essa liminar foi derrubada, pois, segundo o

procurador responsável, seria impossível, logisticamente, mostrar o espelho das

redações a todos os candidatos que quisessem ter acesso a sua redação. Em se

tratando de segurança, assim como no ano anterior, malotes com lacre eletrônico

foram usados. Eles foram guardados em um quartel do Exército em São Paulo. Nos

dias das provas não foram registrados incidentes graves, mas o Ministério da

Educação registrou diversos casos de estudantes que publicaram fotos e

comentários em redes sociais de dentro dos locais de prova, o que é proibido. De

acordo com o MEC, que estava monitorando as redes sociais no momento das

provas, 36 candidatos foram excluídos automaticamente do exame por esse motivo.

No Enem 2014, segundo o Ministério da Educação, houve marca recorde no

número de inscritos7, totalizando 8.721.946 estudantes, correspondendo a um

aumento de 21,6% em relação ao ano anterior.

3.3 VANTAGENS

Os benefícios para quem faz o Enem são muitos. Para os estudantes, por

exemplo, a nota pode ser utilizada como acesso ao ensino superior em

universidades brasileiras que aderirem ao exame como forma única ou parcial de

seleção. Cada universidade tem autonomia para aderir ao Enem conforme julgue

melhor. Muitas faculdades e universidades usam a nota do Enem em seus

processos seletivos. Isso tem feito com que cada vez mais alunos participem

anualmente da prova. Em Portugal, a Universidade de Coimbra e a Universidade da

Beira Interior, na Covilhã, aceitam a nota do Enem para seriar os candidatos.

A nota também é utilizada por candidatos com interesse em ganhar pontos

para o ProUni. Tanto esse programa quanto o Sisu são online e permitem ao

estudante escolher cursos e vagas entre as instituições de ensino superior

participantes que utilizarão o Enem como forma de ingresso. A participação no

6 Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/rss_enem/-/asset_publisher/oV0H/content/id/112749> 7 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2014/06/enem-2014-tem-mais-de-8-7-milhoes-de-participantse-confirmados>

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Enem também serve como certificação de conclusão do ensino médio para

estudantes maiores de 18 anos de idade.

Para o governo, a vantagem é que os resultados são utilizados como

instrumento para avaliar a qualidade geral do ensino médio, orientando as políticas

públicas educacionais do Brasil. Os dados apontados por essas avaliações têm

mostrado, por exemplo, certa distância entre o nível do ensino público e o particular.

Apesar de ser uma prova que avalia habilidades e competências, em detrimento da

memorização de conteúdos, a diferença de notas entre alunos de um e de outro

sistema de ensino ainda é significativa.

O Enem se diferencia dos vestibulares tradicionais, pois tem como

característica avaliar o aluno por meio de competências e habilidades e por ser uma

prova que privilegia a interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade consiste em

formular questões que dependem do uso de duas ou mais disciplinas aprendidas

para obter uma resposta, isto é, as disciplinas que compõem o currículo escolar de

cada área do conhecimento precisam se articular conjuntamente para que o

conhecimento seja construído. Mas os fenômenos que ocorrem fora do âmbito

escolar também precisam ser considerados, pois eles contribuem, e muito, para a

construção do conhecimento.

Com relação à estrutura, o Enem divide as provas em cinco áreas do

conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e suas

Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas

Tecnologias e Redação. No total, são 180 questões, 45 para cada área. O exame é

realizado em dois dias: no primeiro, o candidato conta com 90 questões e a prova

tem duração de 4h e 30min; no segundo dia, além de a prova conter também 90

questões, o candidato precisa escrever a redação. Para isso, ele terá o tempo de 5h

e 30min. Isso dá uma média de 3 minutos para os alunos responderem às questões

e preencherem os gabaritos. As provas são sempre realizadas no final de semana, e

as questões são de múltipla escolha, contendo cinco alternativas que vão da A à E.

Para evitar fraudes, a prova é realizada em quatro versões identificadas por

cores (amarela, branca, rosa e azul). O que difere uma prova da outra é a ordem das

questões e as alternativas, mas, as questões e os textos são os mesmos. Por

objetivar avaliar competências e não a memorização de conteúdos, as provas não

são divididas em disciplinas, também não é indicada a competência a ser avaliada

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em cada questão. Dessa forma, as questões são colocadas em uma sequência, sem

qualquer tipo de agrupamento.

O Enem mantém a exigência de compreensão dos enunciados, cobra domínio

sobre os conteúdos aprendidos no Ensino Médio e valoriza o aspecto lógico e de

interpretação do aluno, em um método diferente daqueles que os vestibulares

geralmente utilizam ao fazer com que o aluno, muitas vezes, decore fórmulas e

datas e tenha que recorrer a elas. O Enem visa a avaliar a capacidade de raciocínio

e as ideias do candidato e não a simples memorização de conteúdos.

3.4 OS RESULTADOS

De acordo com a Portaria nº 807, de 18 de junho de 2010, que institui o

exame, os resultados do Enem possibilitam: (i) a constituição de parâmetros para

autoavaliação do participante, com vistas à continuidade de sua formação e à sua

inserção no mercado de trabalho; (ii) a certificação no nível de conclusão do Ensino

Médio, pelo sistema estadual e federal de ensino, de acordo com a legislação

vigente; (iii) a criação de referência nacional para o aperfeiçoamento dos currículos

do Ensino Médio; (iv) o estabelecimento de critérios de participação e acesso do

examinando a programas governamentais; (v) a sua utilização como mecanismo

único, alternativo ou complementar aos exames de acesso à educação superior ou

processos de seleção nos diferentes setores do mundo do trabalho; e (vi) o

desenvolvimento de estudos e indicadores sobre a educação brasileira.

A certificação para conclusão no Ensino Médio pelo Enem obedece às

exigências previstas na LDB para a Educação de Jovens e Adultos e destina-se às

pessoas que não concluíram o Ensino Médio em idade apropriada, conforme o

parágrafo primeiro do art. 38 dessa lei. Fazem parte desse universo inclusive as

pessoas privadas de liberdade e que estão fora do sistema escolar regular. As

Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal e os Institutos Federais

de Educação, Ciência e Tecnologia, mediante adesão ao Enem, são as Unidades

Certificadoras responsáveis por emitir os documentos referentes ao processo de

certificação dos participantes aprovados no exame, bem como por definir os

procedimentos complementares para certificação no nível de conclusão do Ensino

Médio. O Inep disponibiliza às Unidades Certificadoras as notas e os dados

cadastrais dos interessados.

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3.5 AS PROVAS

Como exposto acima, o exame é dividido em cinco provas, incluída a escrita

de redação. Cada uma das provas visa a avaliar determinadas competências e

habilidades do candidato. Na prova de Ciências da natureza e suas tecnologias, por

exemplo, a avaliação diz respeito aos conhecimentos adquiridos em Biologia, Física

e Química. Nessa prova, o exame busca temas capazes de unir diferentes

disciplinas em uma mesma pergunta para testar se o aluno tem domínio de

conceitos das três matérias para responder um único enunciado. Um exemplo é a

energia, presente nestas três áreas científicas, além de temas atuais, propagados

pela mídia, como lei seca, etilômetro, petróleo, biotecnologia, dentre outros.

A prova de Ciências humanas e suas tecnologias busca avaliar os

conhecimentos do candidato em História, Geografia, Filosofia e Sociologia. Nessa

prova, assim como na de Ciências da Natureza, uma mesma questão pode

contemplar um tema que é comum às quatro disciplinas. Nessa prova, o Enem

costuma utilizar gravuras históricas, documentos, cartas e trechos de livros para

realizar perguntas concernentes à identidade, à cultura, ao território, ao Estado, ao

direito, à evolução tecnológica, à revolução comportamental, à cidadania, dentre

outros temas comuns às disciplinas.

Quanto à prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, esta costuma

abordar questões relacionadas à Língua portuguesa, à Literatura, a uma Língua

estrangeira (inglês ou espanhol), às Artes e à Educação Física; nessa prova, é

anexada a prova de Redação. As questões de Literatura costumam concentrar-se

nas leituras obrigatórias indicadas pelos processos seletivos. Elas se dividem entre

os principais autores e movimentos da literatura brasileira e da literatura portuguesa.

As questões da disciplina de Educação Física costumam abordar temas

relacionados a esportes, à qualidade de vida, à cultura folclórica, à dança, etc.,

sendo assim destacada a aplicação cotidiana da atividade física, levando em

consideração a fisiologia do exercício e seus benefícios, além dos seus aspectos

sociais e culturais. Outro quesito considerado relevante nessa prova é a articulação

da Educação Física com a linguagem, as artes e a expressão corporal.

Com relação à prova de Matemática e suas Tecnologias, esta normalmente

apresenta questões relacionadas à Matemática propriamente dita e pode abordar

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tópicos como a aritmética, a geometria, etc. em enunciados relacionados ao

cotidiano.

A prova de Redação, por sua vez, exige que o candidato escreva um texto

dissertativo-argumentativo contendo, no mínimo, 8 linhas, e, no máximo, 30. Essa

prova dá especial importância ao raciocínio, à reflexão e à análise crítica do

candidato. São comuns as escolhas de grandes temas de cunho político, social,

científico ou cultural, veiculados na mídia, como o de 2009, por exemplo, que

abordou a ética em face da ampla divulgação, pela imprensa, de diversos

escândalos de corrupção na política brasileira.

Na prova, há um espaço para o rascunho, e entre suas instruções está a de

que não será avaliada nenhuma produção-rascunho ou plano de texto fora do

espaço destinado à redação. É comum as instruções virem acompanhadas de textos

motivadores, sugerindo o tema; de questões passíveis de desdobramentos; de

desenhos produzidos por artistas nacionais e/ou de antologias de textos que

auxiliem no reconhecimento do tema a ser abordado.

Apresentada a situação-problema, pede-se que o candidato reflita, argumente

e escreva o texto apresentando uma solução para o problema proposto sem ferir os

direitos humanos. Daí a importância do posicionamento do candidato frente ao tema

abordado. Tal posicionamento é indicado não só através do conhecimento teórico,

mas também de um repertório que pode incluir leitura de jornais, livros, revistas,

além da escuta de noticiários televisivos, a fim de construir uma argumentação

convincente a favor de seu ponto de vista. Assim a prova exige que o aluno se

posicione frente ao tema.

Com relação à avaliação propriamente dita, cada redação, corrigida por meio

de um sistema web, passa, primeiramente por dois avaliadores. Um não sabe a nota

que o outro atribuiu ao texto; a nota final, que vai até mil pontos, corresponde à

média aritmética simples das notas dos dois corretores. Caso ocorra discrepância na

nota dos avaliadores de 100 ou mais pontos no total, ou de 80 ou mais pontos em

qualquer uma das competências, a redação é recorrigida por um terceiro avaliador.

Se a nota do terceiro avaliador for novamente discrepante, a redação é avaliada por

uma banca composta por três avaliadores que corrige a redação e lhe atribui a nota

final. A matriz de avaliação utilizada na correção do texto é apresentada na seção

que trata da avaliação da prova de Redação.

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3.6 EIXOS COGNITIVOS, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DA ÁREA DE

LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS

Conforme o Relatório Pedagógico do Enem 2009, o Inep, com a finalidade de

ampliar e tornar mais claros os objetos de conhecimento do novo Enem, reformulou

as Matrizes de Referência para o Enem estruturando-as em quatro áreas do

conhecimento. As novas matrizes apresentam eixos cognitivos comuns a todas as

áreas. Tais eixos correspondem a domínios da estrutura mental e funcionam de

forma orgânica e integrada às competências de área. São eles:

a) Dominar linguagens (DL) – dominar a norma culta da Língua Portuguesa e

fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas

espanhola e inglesa;

b) Compreender fenômenos (CF) – construir e aplicar conceitos das várias

áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de

processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das

manifestações artísticas;

c) Enfrentar situações-problema (SP) – selecionar, organizar, relacionar,

interpretar dados e informações, representados de diferentes formas, para

tomar decisões e enfrentar situações problema;

d) Construir argumentação (CA) – relacionar informações, representadas em

diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas,

para construir argumentação consistente;

e) Elaborar propostas (EP) – recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na

escola para a elaboração de propostas de intervenção solidária na

realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural.

Além desses eixos cognitivos, as Matrizes do Enem passaram a ser

estruturadas por Competências de área. Assim, a Matriz de Referência de Ciências

Humanas e suas Tecnologias é constituída por seis Competências; a de Ciências da

Natureza e suas Tecnologias é formada por oito Competências; a de Matemática e

suas Tecnologias é composta por sete e a de Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias apresenta nove. Em cada área do conhecimento, as competências

estão distribuídas em trinta habilidades.

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A matriz da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias é constituída de

nove competências. Cada competência possui suas respectivas habilidades. Estas

abordam diferentes aspectos do saber referentes ao desenvolvimento das

linguagens. As referidas competências e habilidades são:

Competência de área 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da

informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

Essa competência concentra-se no reconhecimento e na caracterização dos

gêneros discursivos, bem como nas relações estabelecidas a respeito dos usos

desses gêneros. Os itens dessa competência primam pela diversidade de gêneros

discursivos para análise, levando em conta seus suportes, suas funcionalidades e

seus recursos expressivos. Compõem essa competência as seguintes habilidades:

H1 – Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como

elementos de caracterização dos sistemas de comunicação;

H2 – Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de

comunicação e informação para resolver problemas sociais;

H3 – Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e

informação, considerando a função social desses sistemas;

H4 – Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das

linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.

Competência de área 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s)

moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos

sociais. Concerne às línguas estrangeiras e cabe ao participante optar por Inglês ou

Espanhol. Os itens dessa competência buscam associar a língua estrangeira aos

seus contextos de uso, relacionando estruturas linguísticas a funções específicas de

situações de uso real da língua. Isso implica utilizar a língua estrangeira em

situações específicas para acessar informações, tecnologias e culturas,

reconhecendo temas, finalidades e funções sociais dos textos.

O estudo das línguas estrangeiras no Enem prevê os seguintes conteúdos:

compreensão de textos de gêneros diversos, orais e escritos, em língua inglesa ou

espanhola; identificação temática, léxico, estruturas sintático-semânticas, função e

contexto comunicativo; aplicação do conhecimento das línguas inglesa ou espanhola

em situações comunicativas relacionadas às suas manifestações culturais;

reconhecimento de aspectos culturais associados às manifestações linguísticas.

Estão relacionadas a esta competência as seguintes habilidades:

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H5 – Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema;

H6 – Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de

ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas;

H7 – Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e

seu uso social;

H8 – Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como

representação da diversidade cultural e linguística.

Competência de área 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como

relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. Essa

competência contempla a Educação Física no que concerne à aquisição de

conhecimentos e experiências para a vida, à formação das identidades dos

indivíduos, à promoção do respeito às diferenças físicas, ao próprio corpo e ao corpo

do outro. Ressalta-se que a consciência corporal, um dos pressupostos para o

exercício da cidadania, deve considerar as práticas corporais históricas e cotidianas.

Compõem essa competência as seguintes habilidades:

H9 – Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias

de necessidades cotidianas de um grupo social;

H10 – Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em

função das necessidades cinestésicas;

H11 – Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social,

considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para

diferentes indivíduos.

Competência de área 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético

gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria

identidade. Essa competência, relativa à Arte, possibilita a exploração do

conhecimento sobre a diversidade cultural e os diferentes padrões de beleza, bem

como promove o reconhecimento sobre os procedimentos de construção artística e

representação da sociedade ao longo da história, considerando seu contexto de

produção e recepção. Compõem essa competência as seguintes habilidades:

H12 – Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos

artistas em seus meios culturais;

H13 – Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar

diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos;

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H14 – Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de

elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.

Competência de área 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos

das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza,

função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de

produção e recepção. Essa competência agrega habilidades que têm como foco a

análise do texto literário e, por meio dele, o estabelecimento de relações entre texto

e contexto, entre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto

literário, ou entre valores humanos e sociais e patrimônio literário nacional. Para

abordar essas relações, contempla-se a diversidade de gêneros literários, autores e

obras, de modo que a relação entre texto e contexto abarque tanto a tradição quanto

a produção literária contemporânea. Ocorre, ainda, a junção, ao texto literário, de

fragmentos de história e de crítica literárias, a fim de articular a referida relação.

Os itens referentes a essa competência compreendem textos literários de

diferentes épocas e autores, de modo que permitam a abordagem das Habilidades

solicitadas, e não informações esquematizadas ou previamente decoradas por

estudantes na leitura de obras indicadas para cada edição do Exame. Dessa forma,

os estudantes são incentivados a desenvolver Habilidades de leitura que não se

restrinjam a uma determinada época, autor, região ou escola literária. O Enem,

portanto, não se baseia em indicações bibliográficas, já que a abordagem dos itens

procura aferir a capacidade de leitura do texto literário em suas diferentes

realizações. A essa competência estão relacionadas às seguintes habilidades:

H15 – Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua

produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político;

H16 – Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos

de construção do texto literário;

H17 – Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e

permanentes no patrimônio literário nacional.

Competência de área 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das

diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela

constituição de significados, expressão, comunicação e informação. Essa

competência trata de três aspectos linguísticos: a identificação dos elementos

coesivos que atuam no desenvolvimento e na configuração de um gênero ou tipo

textual; a análise da função predominante da linguagem e a constituição da língua

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como forma de identidade e registro do patrimônio cultural. Compõem essa

competência as seguintes habilidades:

H18 – Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e

para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos;

H19 – Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações

específicas de interlocução;

H20 – Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação

da memória e da identidade nacional.

Competência de área 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as

diferentes linguagens e suas manifestações específicas. Essa competência de área

explora a diversidade de gêneros discursivos, em sua natureza argumentativa, para

aferir se o participante percebe que tanto os signos verbais quanto os não verbais

são escolhidos intencionalmente pelo produtor para persuadir o leitor. Há também o

trabalho de identificação da relação de opiniões, temas, assuntos e recursos

linguísticos em textos. Essa competência privilegia os diferentes pontos de vista e

opiniões em diversas situações comunicativas, requerendo do participante a

capacidade de captar informações para além do que está escrito, de inferir o objetivo

e o público-alvo do texto, analisando as estratégias argumentativas utilizadas pelos

autores. Compõem essa competência as seguintes habilidades:

H21 – Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não

verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos;

H22 – Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos

linguísticos;

H23 – Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é

seu público-alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados;

H24 – Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o

convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem,

entre outras.

Competência de área 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como

língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e

da própria identidade. Essa competência refere-se à compreensão e análise de

produções orais ou escritas em textos de gêneros diversos, com ênfase no

reconhecimento de marcas linguísticas, considerando sua adequação a usos sociais

específicos. Compõem essa competência as seguintes habilidades:

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H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que

singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro;

H26 – Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso

social;

H27 – Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas

diferentes situações de comunicação.

Competência de área 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o

impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e

social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos

científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos

processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. Essa

competência abrange os conhecimentos tecnológicos, científicos e os impactos

sociais relacionados às tecnologias de comunicação e informação. Explora-se a

percepção de que o domínio dessas tecnologias tem relação direta com a produção

do conhecimento, principalmente no que se refere às realizações das linguagens.

Estão relacionadas a essa competência as seguintes habilidades:

H28 – Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da

comunicação e informação;

H29 – Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da

comunicação e informação;

H30 – Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao

desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem.

3.7 A PROVA DE REDAÇÃO NO CONTEXTO DO ENEM

A prova de Redação, conforme orienta o Guia do participante, visa à

avaliação dos conhecimentos na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,

ao fim da escolaridade básica. Quanto à proposta apresentada, esta é elaborada de

forma a possibilitar que os candidatos, a partir de uma situação-problema e de

subsídios oferecidos, realizem uma reflexão escrita sobre um determinado tema,

produzindo um texto dissertativo-argumentativo em prosa. Normalmente esse tema é

de ordem social, científica, cultural ou política. O exame é constituído de uma

redação e de quatro provas objetivas que abrangem as várias áreas de

conhecimento. Os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCNEM) sugerem que

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as atividades pedagógicas desse nível de ensino assim se organizem: Linguagens e

Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática.

Com relação às propostas de redação apresentadas aos candidatos ao longo

desses dezesseis anos, percebe-se que muitos foram os temas de cunho social,

político, cultural e científico solicitados na prova de redação do Enem. Ao analisá-

los, verifica-se que o que há em comum entre eles é que sempre há uma pergunta

implícita nas proposições, e os candidatos, por sua vez, são convidados a assumir

uma posição discursiva contrária ou favorável ao que é proposto. Os temas

abordados até agora são os que seguem na tabela abaixo:

Tabela 1 – Temas solicitados para a escrita da redação de 1998 a 2015

Ano Tema

1998 Viver e aprender

1999 Cidadania e participação social.

2000 Direitos da criança e do adolescente: como enfrentar esse desafio nacional?

2001 Desenvolvimento e preservação ambiental: como conciliar os interesses em

conflito?

2002 O direito de votar: como fazer dessa conquista um meio para promover as

transformações sociais que o Brasil necessita?

2003 A violência na sociedade brasileira: como mudar as regras desse jogo.

2004 Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de

comunicação.

2005 O trabalho infantil na sociedade brasileira.

2006 O poder de transformação da leitura.

2007 O desafio de se conviver com as diferenças.

2008 A preservação da floresta Amazônica.

2009 O indivíduo frente à ética nacional.

2010 O trabalho na construção da dignidade humana.

2011 Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado.

2012 Movimento imigratório para o Brasil no século XXI.

2013 Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil.

2014 Publicidade infantil em questão no Brasil.

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2015 A permanência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.

Fonte: g1. globo.com.

Nota-se, na tabela acima, a importância que o Enem costuma dar a temas

que, em alguma medida, afetam a vida social e política dos brasileiros. Esses temas

facilitam a escrita da redação, pois se referem ao cotidiano dos estudantes.

Com relação à concepção de linguagem, a que norteia o Enem é a que

concebe a língua como um processo de interação entre sujeitos sócio-

historicamente situados e não fora do seu contexto como um sistema de regras

estáveis. Os PCNEM (2000) assim definem linguagem:

Capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. (PCNEM, 2000, p. 05).

Pode-se verificar pelo excerto acima que o Enem pauta sua concepção nas

orientações dos PCNEM e estes, por sua vez, pautam-se em Bakhtin, cujas trocas

linguísticas decorrem da relação de forças entre os interlocutores. A linguagem,

nessa concepção, é entendida como produto e produção cultural, nascida nas

práticas sociais. Ela, assim como o homem, destaca-se por seu caráter criativo,

contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular a um só tempo.

Em relação à variante linguística, a proposta de redação do Enem solicita ao

candidato que escreva um texto em prosa na modalidade escrita formal da língua

portuguesa, isto é, conforme a língua urbana de prestígio, o que equivale à também

chamada norma culta. Essa modalidade de língua está contemplada na primeira

competência da matriz de avaliação.

Essa variante é exigida porque, apesar de representar um determinado grupo

social, o valor que lhe é atribuído no contexto das legitimações sociais é inegável.

Ela é o consenso do que está nos documentos oficiais, nas leis, nos livros de

qualidade, nos jornais e revistas de grande circulação. Tal modalidade procura

assegurar a unidade linguística imaginária do país, uma vez que essa se sobrepõe

às variedades regionais e individuais, sem eliminá-las.

A modalidade escrita da língua, diferentemente da oral, não dispõe de

recursos contextuais como gestos, entonação, expressões faciais, etc., por isso é

preciso seguir mais rigorosamente as suas exigências, afinal o interlocutor está

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distante e é necessário garantir a compreensão daquilo que está sendo dito/escrito,

e espera-se que o candidato tenha conhecimento disso.

Convém lembrar que essa modalidade é bastante diferente da fala, sobretudo

porque não é a sua mera transcrição. A escrita possui traços diferentes da fala. Por

exemplo: a) interação a distância (tanto no espaço quanto no tempo); b)

planejamento anterior à execução; c) impossibilidade de resposta imediata; d) a

modificação do texto pelo escritor a partir das possíveis reações do leitor, etc. A fala,

por sua vez, apresenta características entre as quais se destacam: a) interação face

a face (os interlocutores estão no mesmo espaço físico e tempo); b) planejamento

simultâneo ou quase simultâneo à execução; c) acesso imediato à reação do

ouvinte; d) possibilidade de redirecionar o texto, etc.

Como exemplos de texto oral têm-se a conversação espontânea, a

conversação telefônica, a entrevista pessoal, a entrevista no rádio ou na TV, o

debate, o noticiário de rádio ao vivo, o noticiário de TV ao vivo, a aula, a exposição

acadêmica, a conferência etc. Em relação aos textos escritos, podem-se citar: o

bilhete, a carta familiar, a carta ao leitor, a entrevista escrita, o volante de rua, a

notícia de jornal, o telegrama, a ata de reunião, a carta comercial, a narrativa, o

editorial de jornal, os manuais escolares, a bula, as receitas em geral, o artigo

científico, as leis, o relatório técnico, os textos acadêmicos, etc. Desses traços,

decorrem os aspectos específicos de cada modalidade textual conforme o gênero a

ser produzido e exige-se que o aluno conheça essas diferenças.

No que tange à textualidade, a matriz de avaliação orienta para que se leve

em conta o desempenho linguístico do candidato quanto às habilidades de

demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para selecionar,

organizar, relacionar e interpretar informações, fatos e opiniões. É na tessitura

textual que se percebe a intrínseca relação entre linguagem, mundo e práticas

sociais. Logo, é importante verificar como o candidato usa a linguagem para ler e

interpretar o mundo no qual está inserido, posicionando-se frente a ele.

São exemplos de mecanismos linguísticos necessários para se tecer

adequadamente um texto a coesão e a coerência textual. Tais mecanismos são

importantes na tessitura do texto porque é necessário que as ideias se articulem de

modo a formar um todo significativo. Há uma infinidade de recursos que o candidato

pode utilizar na escrita de seu texto que garantam a tessitura textual. O tema é um

deles, mas a manutenção do tema não é suficiente. É preciso observar a ordem das

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frases, as marcas de gênero e de número, as preposições, os pronomes pessoais,

os tempos verbais, os conectores textuais que funcionam como elos coesivos, etc.

Cada um desses elementos estabelece articulações que concatenam ideias e

permite a progressão textual em direção à comprovação da tese que o candidato

visa a defender, uma vez que se exige que defenda uma.

No que diz respeito à coerência textual, o que se espera do candidato é que

ele escreva um texto que, sobretudo, faça sentido. A coerência depende da ativação

de conhecimentos linguísticos, enciclopédicos, textuais, interacionais e de raciocínio

lógico-semântico. Dessa forma, ela não está localizada em elementos explicitados

na superfície textual, já que é um princípio de textualidade que se apoia na

organização de informações que o autor propõe no texto.

Em um texto do tipo dissertativo-argumentativo, a coerência sustenta a

veracidade da tese e se evidencia por meio de duas qualidades básicas: a não

contradição e a informatividade. Para garantir a não contradição, todos os

argumentos necessitam articular-se de modo a deixar clara a proposição defendida,

já a informatividade garante a progressão textual, na qual se agregam novas

informações ao já dito, e a não tautologia, isto é, o pensamento circular, ou seja, a

mesma ideia repetida várias vezes de formas diferentes.

Quanto à tipologia textual, a prova de redação do Enem solicita que o

candidato escreva um texto dissertativo-argumentativo em prosa. Esse tipo de texto,

grosso modo, caracteriza-se por apresentar uma ideia central sobre um determinado

assunto, defender um ponto de vista, e, a partir da retomada da tese principal,

apresentar proposta para solucionar o problema discutido. Assim, o texto é

argumentativo porque, por meio de argumentos convincentes, o autor procura

defender uma opinião; e é dissertativo porque se estrutura sob a forma dissertativa

apresentando proposição, argumentação e conclusão. A proposição (ou tese) é a

ideia que se defende e constitui o eixo central do texto. Tal ideia pode se opor a

outras, divergentes, posto que a argumentação prevê essa possibilidade. Os

argumentos, por sua vez, podem ser configurados na forma de fatos comprováveis,

exemplos, dados estatísticos, evidências, testemunhos, citações, etc.

Muitas são as estratégias argumentativas que o candidato pode utilizar para

envolver, convencer e impressionar o leitor, basta, para isso, que ele saiba manejar

a língua, o que também é um indício de autoria. A coerência de uma argumentação

depende da proposição a ser comprovada, da escolha adequada de argumentos e

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das marcas textuais que devem conduzir o leitor à conclusão pretendida. A

veracidade da tese precisa estar fundamentada nos argumentos e corresponder à

materialização de uma intenção. Essa intenção constitui indícios de autoria na

medida em que o autor evita fazer afirmações restritas ao senso comum. Outro

indício de autoria é o emprego da intertextualidade. Este fator permite que o autor

estabeleça variados diálogos entre os textos e se distancie do lugar-comum.

Com relação à apresentação de uma proposta para solucionar ou minimizar o

problema discutido, esta não precisa, necessariamente vir no final do texto, mas é

uma exigência a que o candidato deve estar atendo sob pena de ter sua nota

reduzida caso não a apresente.

É bastante comum, sobretudo na escola e em cursos pré-vestibular, quando

se ensina o aluno a produzir um texto dissertativo-argumentativo, pedir que ele, na

condição de autor, escreva distanciando-se ou desaparecendo quase

completamente do seu texto para tornar a informação neutra, imparcial, objetiva,

deixando a realidade falar por si mesma, sem as impressões dele. O objetivo parece

ser o de mostrar a veracidade da proposição defendida, evitando-se que as ideias

sejam vinculadas pessoal ou subjetivamente ao autor, como se elas pertencessem a

todos. Muitas vezes, pede-se que o aluno-autor adote uma posição impessoal, que

oculte o agente das ações. Esse distanciamento, no entanto, é um princípio que

afasta cada vez mais o autor da autoria.

3.8 A PROVA DE REDAÇÃO DO ENEM 2014 E SUAS POSSÍVEIS ABORDAGENS

Como se pode verificar, o tema proposto na prova de Redação do Enem

20148 foi A publicidade infantil em questão no Brasil. O aspecto social envolvido no

tema é bastante relevante, pois todos os candidatos, em alguma medida, foram ou

são expostos nesse contexto publicitário: na condição de cidadãos; individualmente,

na infância; ou socialmente, ao conviver com outras crianças.

A discussão que envolve a abordagem diz respeito à veiculação da

publicidade infantil no Brasil. Considerando os textos motivadores e as palavras-

chave, o candidato precisaria considerar o seguinte problema: como o Brasil deve

8 A prova consta nos anexos.

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57

lidar com a veiculação de publicidade voltada a crianças? O problema é exposto no

texto I, que trata da resolução do Conanda.

O Texto II busca ampliar a reflexão na medida em que evidencia, através de

um mapa, como a publicidade infantil é tratada em outros países. Países como a

Noruega e a província de Quebec, no Canadá, por exemplo, proíbem totalmente a

publicidade voltada às crianças, já no Brasil, é o mercado que a autorregulamenta.

O texto III, por sua vez, traz o excerto de um livro que discute a influência do

marketing sobre a criança apontando a vulnerabilidade dela. Também salienta o

papel da educação para a conscientização do consumo.

Apresentadas as informações, esperava-se, segundo o Relatório Pedagógico

2014, que os candidatos pudessem direcionar o texto para os seguintes contextos e

abordagens:

a) Contexto de proteção às crianças: com base no pressuposto de que ela é

vulnerável e influenciável, uma vez que ainda está em formação. Nesse

contexto, o candidato poderia assumir duas posições: (i) a de que o Estado

deve regulamentar a publicidade infantil (proibindo-a ou restringindo-a); ou (ii)

a de que esse papel caberia à família e à escola.

b) Contexto legal: nessa abordagem, o candidato poderia discutir e comparar a

legislação brasileira com a de outros países e propor mudanças na lei.

c) Contexto educacional: adotando essa perspectiva, o candidato poderia fazer a

defesa da publicidade institucional ou educativa.

d) Contexto da defesa da liberdade de expressão: nessa perspectiva, o

candidato poderia defender a tese de que não caberia ao Estado fazer a

autorregulamentação, pois isso caberia ao mercado. Também poderia

defender a livre veiculação da publicidade infantil no Brasil.

e) Contexto pragmático: o candidato aqui poderia analisar como ocorre a

publicidade infantil no Brasil e, a partir da análise, propor mudanças ou a

manutenção do cenário atual.

3.9 METOLOGOGIA E MATRIZ DE AVALIAÇÃO DA PROVA DE REDAÇÃO

Quanto à metodologia de avaliação da redação do Enem, importa ressaltar

que os textos são corrigidos eletronicamente por meio de um sistema web. As

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redações são avaliadas com base em cinco competências expressas na matriz de

avaliação, conforme se verifica na tabela 2 abaixo.

As competências e seus respectivos níveis de habilidades presentes na

matriz do Enem são as seguintes:

Tabela 2 – Matriz de referência para a redação do Enem.

Competência Notas Nível de habilidade

I – Demonstrar domínio da

modalidade escrita formal da

língua portuguesa.

0 Demonstra desconhecimento da

modalidade escrita formal da língua

portuguesa.

1 Demonstra domínio precário da

modalidade escrita formal da língua

portuguesa, de forma sistemática, com

diversificados e frequentes desvios

gramaticais, de escolha de registro e de

convenções da escrita.

2 Demonstra domínio insuficiente da

modalidade escrita formal da língua

portuguesa, com muitos desvios

gramaticais, de escolha de registro e de

convenções da escrita.

3 Demonstra domínio mediano da

modalidade escrita formal da língua

portuguesa e de escolha de registro,

com alguns desvios gramaticais e de

convenções da escrita.

4 Demonstra bom domínio da modalidade

escrita formal da língua portuguesa e de

escolha de registro, com poucos desvios

gramaticais e de convenções da escrita.

5 Demonstra excelente domínio da

modalidade escrita formal da língua

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portuguesa e de escolha de registros.

Desvios gramaticais ou de convenções

da escrita serão aceitos como

excepcionalidade e quando não

caracterizam reincidência.

II – Compreender a proposta de

redação e aplicar conceitos das

várias áreas de conhecimento

para desenvolver o tema, dentro

dos limites estruturais do texto

dissertativo-argumentativo em

prosa.

0 Fuga ao tema/não atendimento à

estrutura dissertativo-argumentativa

1 Apresenta o assunto, tangenciando o

tema, ou demonstra domínio precário do

texto dissertativo-argumentativo, com

traços constantes de outros tipos

textuais.

2 Desenvolve o tema recorrendo à cópia

de trechos dos textos motivadores ou

apresenta domínio insuficiente do texto

dissertativo-argumentativo, não

atendendo à estrutura com proposição,

argumentação e conclusão.

3 Desenvolve o tema por meio de

argumentação previsível e apresenta

domínio mediano do texto dissertativo-

argumentativo, com proposição,

argumentação e conclusão.

4 Desenvolve o tema por meio de

argumentação consistente e apresenta

bom domínio do texto dissertativo-

argumentativo, com proposição,

argumentação e conclusão.

5 Desenvolve o tema por meio de

argumentação consistente, a partir de

um repertório sociocultural produtivo e

apresenta excelente domínio do texto

dissertativo-argumentativo.

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III – Selecionar, relacionar,

organizar e interpretar

informações, fatos, opiniões e

argumentos em defesa de um

ponto de vista.

0 Apresenta informações, fatos e opiniões

não relacionados ao tema e sem defesa

de um ponto de vista.

1 Apresenta informações, fatos e opiniões

pouco relacionados ao tema ou

incoerentes e sem defesa de um ponto

de vista.

2 Apresenta informações, fatos e opiniões

relacionados ao tema, mas

desorganizados ou contraditórios e

limitados aos argumentos dos textos

motivadores em defesa de um ponto de

vista.

3 Apresenta informações, fatos e opiniões

relacionados ao tema, limitados aos

argumentos dos textos motivadores e

pouco organizados em defesa de um

ponto de vista.

4 Apresenta informações, fatos e opiniões

relacionados ao tema, de forma

organizada, com indícios de autoria,

em defesa de um ponto de vista.

5 Apresenta informações, fatos e opiniões

relacionados ao tema, de forma

consistente, configurando autoria, em

defesa de um ponto de vista.

IV – Demonstrar conhecimento

dos mecanismos linguísticos

necessários para a construção da

argumentação

0 Não articula as informações.

1 Articula as partes do texto de forma

precária.

2 Articula as partes do texto de forma

insuficiente, com muitas inadequações e

apresenta repertório limitado de recursos

coesivos.

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61

3 Articula as partes do texto de forma

mediana, com inadequações e

apresenta repertório pouco diversificado

de recursos coesivos.

4 Articula as partes do texto com poucas

inadequações e apresenta repertório

diversificado de recursos coesivos.

5 Articula bem as partes do texto e

apresenta repertório diversificado de

recursos coesivos.

V – Elaborar proposta de

intervenção para o problema

abordado, respeitando os direitos

humanos

0 Não apresenta proposta de intervenção

ou apresenta proposta não relacionada

ao tema ou ao assunto.

1 Apresenta proposta de intervenção vaga,

precária ou relacionada apenas ao

assunto.

2 Elabora, de forma insuficiente, proposta

de intervenção relacionada ao tema ou

não articulada com a discussão

desenvolvida no texto.

3 Elabora, de forma mediana, proposta de

intervenção relacionada ao tema e

articulada à discussão desenvolvida no

texto.

4 Elabora bem proposta de intervenção

relacionada ao tema e articulada à

discussão desenvolvida no texto.

5 Elabora muito bem proposta de

intervenção, detalhada, relacionada ao

tema e articulada à discussão

desenvolvida no texto.

Fonte: Inep edital Enem 2014 anexo IV9.

9 A matriz de avaliação do Enem está digitada nesta tabela para favorecer a leitura. Nos anexos, consta uma versão digitalizada dessa matriz.

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Com relação às situações que levam à nota zero, receberão essa nota os

textos: a) em branco; b) com menos de oito linhas escritas; c) que fogem ao

tema/assunto; d) que não atendam ao tipo textual; e) que contenham impropérios,

desenhos ou outra forma proposital de anulação; f) que desrespeitem os direitos

humanos; g) que apresentem parte do texto deliberadamente desconectada com o

tema proposto; e h) com cópia literal dos textos motivadores.

Cada competência possui seis níveis de habilidades (com exceção da

competência II que possui cinco apenas10). Os níveis variam de zero (0) a seis (6) e

cada nível equivale a 40 pontos, totalizando 200 pontos. Por exemplo: se na

competência I o candidato atender completamente (grifo meu) aos critérios

estabelecidos, demonstrando excelente domínio (grifo meu) da modalidade escrita

formal da língua portuguesa e de escolha de registro, cometendo, de forma

excepcional (grifo meu), desvios gramaticais ou de convenções da escrita, sem

reincidir no erro, ele receberá 200 pontos nessa competência; mas se o candidato

atender apenas parcialmente (grifo meu) aos critérios estabelecidos, demonstrando

bom domínio (grifo meu) da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de

escolha de registro, ele receberá 160 pontos e assim por diante até chegar a zero

numa escala descendente. Assim, se o candidato atingir 200 pontos em cada

competência receberá nota máxima, isto é, mil (1000) pontos.

Cada redação é avaliada por dois avaliadores, de forma independente, sem

que um conheça a pontuação dada pelo outro. Caso haja discrepância de mais de

80 pontos entre uma competência e outra, ou de 100 pontos na soma total da nota,

a redação passa por uma terceira avaliação. Esse terceiro avaliador tem acesso à

nota que cada um dos avaliadores que o antecedeu atribuiu ao texto e pode

concordar com um ou com outro ou, ainda, atribuir uma terceira nota que será

somada e dividida com a nota do avaliador que mais se aproximou do terceiro

avaliador. Se, ainda assim, houver discrepância, o texto é avaliado por uma banca

composta por três avaliadores que atribuirão a nota final ao texto, sendo

descartadas as notas anteriores. A nota final da redação é dada pela média

aritmética simples das notas atribuídas a cada uma das cinco competências por dois

corretores.

10 A nota zero nessa competência equivale à fuga ao tema e, por isso, a redação deverá ser zerada e

não avaliada normalmente.

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Essa forma de correção obedece aos princípios da equidade e da isonomia,

pois todos os textos são avaliados com a mesma matriz (exceção para os surdos,

disléxicos, deficientes visuais e demais candidatos que informaram possuir algum

tipo de deficiência), e sem qualquer juízo de valor por parte do avaliador, ainda que

a subjetividade faça parte do processo, pois não há como não a considerar. Na

correção da redação dos participantes surdos ou com deficiência auditiva, são

adotados mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado da língua

portuguesa como segunda língua, de acordo com o Decreto nº 5.626, de 22 de

dezembro de 2005. Já na correção das redações dos participantes com dislexia, são

adotados mecanismos de avaliação que considerem as características linguísticas

desse transtorno específico.

Para os leigos, a correção em larga escala pode parecer uma forma pouco

séria de avaliar um texto, mas não é. Essa modalidade de correção é uma forma

moderna de operacionalização do processo e se configura segura, dinâmica, justa e

democrática. Além disso, os idealizadores do exame buscam incessantemente o

aperfeiçoamento do processo, com a inclusão sistemática de mecanismos que

afinem cada vez mais os critérios, e o aperfeiçoamento e monitoramento constante

dos avaliadores.

De tudo o que foi exposto até aqui em relação à matriz de avaliação do Enem,

o mais relevante para esta pesquisa são os aspectos que envolvem a competência

III, sobretudo quanto aos níveis de habilidades quatro (4) e cinco (5). Isso ocorre

porque essa competência está estritamente relacionada à investigação aqui

pretendida, qual seja, a de encontrar, nas redações produzidas pelos candidatos,

marcas identitárias e autorais deixadas por eles durante a escritura do texto.

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4 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo trata da metodologia que será utilizada nesta pesquisa para

proceder à análise dos textos selecionados a fim de identificar neles indícios de

autoria e marcas identitárias. Para a análise do corpus, construiu-se uma matriz

específica que contempla os referidos critérios. A matriz é explicada e justificada a

seguir.

Conforme se verifica na matriz de avaliação do Enem, a competência III,

sobretudo nos níveis 4 e 5, contempla aspectos referentes à autoria. Eles estão

assim descritos: (4) [o candidato] apresenta informações, fatos e opiniões

relacionados ao tema, de forma organizada, com indícios de autoria, em defesa de

um ponto de vista e (5) [o candidato] apresenta informações, fatos e opiniões

relacionados ao tema, de forma consistente, configurando autoria, em defesa de

um ponto de vista.

Afora essa descrição, não consta no material pesquisado explicações

detalhadas do que seriam esses indícios de autoria, nem, tampouco, que elementos

configurariam a autoria. Essa falta de explicação pode acarretar dificuldades para os

corretores, pois nem todos têm domínio desses conceitos.

Dessa forma, a matriz específica vem tentar complementar tais critérios,

tratando especificamente dessa questão.

4.1 MATRIZ ESPECÍFICA

A construção de uma matriz específica que contemple critérios autorais e

identitários surgiu da necessidade de se verificar com mais precisão os vestígios

deixados pelo candidato no momento da escritura no texto. Ela busca, assim como a

matriz do Enem, avaliar o candidato por meio de competências e habilidades que

são assim definidas pelo Documento Básico 2002:

Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências. (ENEM DOCUMENTO BÁSICO, 2002, p. 11)

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As ações e operações relativas às competências e habilidades explicitadas no

excerto acima são necessárias ao indivíduo na medida em que favorecem sua

atuação não só na vida acadêmica, como também na vida social. No entanto, para

desenvolvê-las, o aluno necessita de uma sólida aquisição dos conteúdos

tradicionais das ciências e das artes. Tal aquisição, no entanto, deve estar

associada ao desenvolvimento de estruturas mentais capazes de operacionalizar

esses conteúdos para o enfrentamento de problemas apresentados pela realidade

social cada vez mais complexa e numa dinâmica de tempo progressivamente

acelerada.

Essa matriz específica difere de outras matrizes utilizadas por instituições de

ensino superior, públicas e privadas, pois estas normalmente não consideram esses

aspectos, ou os consideram apenas superficialmente. Os critérios aqui adotados

podem, futuramente, caso seja do interesse dos órgãos competentes, serem

integrados à matriz de avaliação do Enem, ou podem ser usados por professores em

sala de aula, caso queiram valer-se de uma matriz de avaliação que não contemple

apenas critérios linguístico-gramaticais de avaliação de textos.

Além da matriz de avaliação do Enem, foram analisadas as planilhas de

avaliação utilizadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela

UniRitter/Laureate International Universities, ambas de Porto Alegre, e pela

Universidade de Caxias do Sul (UCS)11. A primeira é da rede federal de ensino, e

outras duas são da rede particular. A matriz aqui proposta é pautada por conceitos e

está baseada nas diretrizes da prova de Redação do Enem e na planilha da UFRGS,

já que as planilhas das outras duas universidades não mencionam o investimento

autoral.

Como se pode verificar na tabela abaixo, os referidos conceitos perfazem seis

possibilidades que permitem ao avaliador diferenciar entre textos excelentes (E+ e

E-); satisfatórios (S+ e S-) e não satisfatórios (N+ e N-). É importante salientar

que a matriz que serve à análise e discussão dos textos focaliza alguns critérios

autorais e identitários, e não todos, pois eles são inúmeros. Na tabela 3, abaixo, são

apresentados os critérios, e, em seguida eles são detalhados.

11 As planilhas das universidades citadas constam nos anexos.

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66

Tabela 3 – Matriz específica contendo critérios de avaliação autorais e

identitários

01 02 03 04 05 06

Item/nível de

Esc

ore

Den

sida

de t

extu

al

Tom

ada

de

posi

ção

do a

utor

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prox

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Excelente 5 E+ E+ E+ E+ E+ E+

4 E- E- E- E- E- E-

Satisfatório 3 S+ S+ S+ S+ S+ S+

2 S- S- S- S- S- S-

Não Satisfatório 1 N+ N+ N+ N+ N+ N+

0 N- N- N- N- N- N-

Escore

NOTA: Tabela elaborada pela autora.

4.2 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS AUTORAIS E IDENTITÁRIOS

Os critérios abaixo descritos referem-se à matriz de avaliação criada

especificamente com o objetivo de investigar mais acuradamente os traços autorais

e identitários deixados pelos candidatos nos textos. São eles:

1 Densidade textual – Este critério busca verificar se o candidato caracteriza

minimamente objetos e lugares; se o texto faz relação com elementos da cultura e

com outros discursos. Verifica, ainda, se há domínio da escrita por parte do

candidato, isto é, se a conexão entre as frases é complexa, se há precisão

vocabular, fundamentação argumentativa e capacidade lógica de produzir sentido.

Pontuação, frases com sentido completo, clareza, objetividade, concisão,

vocabulário variado e preciso também colaboram para a densidade textual. O

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registro formal da língua portuguesa moderna e a obediência às regras gramaticais

vigentes também contribuem para tornar o texto mais denso.

2 Tomada de posição do autor – Este quesito refere-se ao grau de

aproximação e de afastamento do autor do texto em relação à posição adotada.

Espera-se que o candidato dê voz a outros enunciadores e, ao mesmo tempo,

mantenha distância em relação ao próprio texto. Trata-se, portanto, de verificar a

forma como o autor se presentifica e se distancia no texto. O uso de citações diretas

e indiretas empregadas também é verificado nesse quesito. O afastamento do autor

e a tentativa de apagamento das suas características individuais são contemplados

nesta competência, assim como a forma como o candidato toma a palavra e a

concede a outrem.

3 Estilo criatividade/originalidade (capacidade de ressignificar sentidos) – A

capacidade de articular de modo diferente a linguagem já empregada por alguém em

um texto/discurso anterior, dando coerência a esse novo texto/discurso, é avaliada

neste quesito. Da mesma forma, a capacidade de desarranjar as palavras do seu

lugar comum dando novos sentidos a elas para surpreender, desestabilizar,

encantar, seduzir o leitor são aspectos referentes ao estilo. O jogo entre os já-ditos;

o jogo de imagens, o uso de figuras de linguagem e o modo inovador de dizer o que

já foi dito antes são também analisados nesta competência. A elegância, a não

banalidade e a habilidade de manipular as palavras para projetar os efeitos

pretendidos estão, da mesma forma, contemplados neste quesito. Léxico, sintaxe,

operadores discursivo-argumentativos, sinônimos, retomadas lexicais e a alternância

entre termos também são constitutivos do estilo.

4. Controle da dispersão (coesão e coerência textual) – A ordem das frases

no período, as marcas de gênero e de número, as preposições, os pronomes

pessoais, os tempos verbais e os conectores textuais funcionam como elos

coesivos. Cada um desses elementos estabelece articulações que concatenam

ideias e permite a progressão textual em direção à comprovação da tese que o

candidato visa a defender. No que diz respeito à coerência, é necessário verificar a

relação que o candidato estabelece entre o texto e o conhecimento dos

interlocutores, garantindo a construção de sentido de acordo com as expectativas do

leitor. Este quesito está ligado ao controle da deriva do texto, uma vez que a

coerência está ligada à compreensão e à possibilidade de interpretação dos

sentidos. Em sentido amplo, a coerência é um princípio de interpretabilidade e supõe

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relações sociodiscursivas de produção e de uso, ultrapassando os significados das

formas da língua e de suas ligações lógico-semânticas. Para haver coerência é

necessário que elementos formais e funcionais atuem para constituírem uma

unidade, levando-se em conta o contexto em que o texto é produzido.

5. Filiação ao tipo dissertativo-argumentativo – O modelo prototípico da

dissertação é o que contém introdução, desenvolvimento e conclusão. O texto é

considerado argumentativo, grosso modo, porque defende uma tese, e é dissertativo

porque se utiliza de explicações para justificá-la. Esse tipo de texto é composto da

seguinte tríade: tese, argumentos e estratégias argumentativas. Essas estratégias

podem ser apresentadas em forma de exemplos, dados estatísticos, pesquisas,

fatos comprováveis, alusões, comparações, etc. Da mesma forma, aspectos como o

tema, o modo composicional e o domínio linguístico são contemplados nesta

competência.

6. Assunção de responsabilidade – Este quesito relaciona-se à posição

foucaultiana de que há alguém que assume a responsabilidade pelo enunciado.

Esse alguém (autor), ao escrever, assume uma posição ideológica no discurso,

publica o que escreve, é reconhecido/lido pela sociedade, goza de certo status pelo

resultado de seu trabalho e tem direitos sobre o seu texto/discurso. A assunção de

responsabilidade do candidato ao Enem presume quatro eus distintos, segundo

Lima (2014): o eu pessoa em sua individualidade, que possui sonhos, desejos,

expectativas e frustrações; o eu estudante que precisa demonstrar em um raciocínio

de trinta linhas que apreendeu os conhecimentos compartilhados ao longo de sua

formação escolar de doze anos; o eu candidato que precisa basear-se na coletânea

da prova de redação para construir sua argumentação; e, finalmente, o eu cidadão

que, especialmente na conclusão, deve apresentar uma proposta clara e inovadora

para resolver os problemas que ele criou. Logo, precisar de quem é a voz que

escreve torna-se difícil, pois, no texto, pode haver uma diversidade de eus.

4.3 NÍVEIS DE AUTORIA

Cada critério da matriz contém exigências que devem ser observadas pelo

candidato no momento da escrita do texto. A aproximação ou o distanciamento em

relação aos critérios o aproximam o afastam das exigências a serem atendidas na

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matriz de referência, que é pautada também por conceitos. Tais conceitos são assim

descritos:

4.3.1 Nível excelente – o conceito E+ equivale ao nível excelente. Os

candidatos que satisfizerem plenamente a exigência focalizada receberiam esse

conceito. Está no nível excelente o participante que obtiver nota máxima em todos

os critérios exigidos, demonstrando total habilidade na manipulação deles. Nesse

nível, a redação alcançaria 1000 pontos. O E- também equivale ao nível excelente,

porém a habilidade demonstrada pelo candidato, em um ou mais critérios, oscila; por

isso, a redação obteria uma nota que alcançaria entre 800 e 900 pontos.

4.3.2 Nível satisfatório – a redação que está no nível S+ é considerada uma

redação mediana. A qualidade do texto cai consideravelmente em relação ao nível

excelente, mas, ainda assim, é considerada uma boa redação, possibilitando ao

candidato conseguir a vaga na universidade, dependendo da pontuação exigida pelo

curso no qual o candidato deseja ingressar. Dessa forma, o texto receberia uma nota

entre 600 e 700 pontos. O conceito S-, também em nível satisfatório, situa-se numa

escala inferior ao S+, pois, neste caso, o candidato tende a se distanciar da

exigência solicitada na matriz. A nota obtida giraria em torno dos 500 pontos, pois a

exigência é parcialmente satisfeita. Mesmo assim, essa nota possibilitaria ao a

conquista da certificação do ensino médio.

4.3.3 nível não satisfatório – está no nível N+ a redação do candidato que

observar apenas minimamente o que é exigido na matriz de referência. Este texto

situa-se abaixo dos 500 pontos. No nível N- o candidato se afasta ainda mais das

exigências, o que significa que não houve a observância dos critérios exigidos. Em

ambos os casos, o candidato seria desclassificado, pois a pontuação obtida ficaria

aquém do exigido.

4.4. CORPUS

Os cinco (5) textos que compõem o corpus desta pesquisa foram

encaminhados pelos próprios autores-candidatos ao site Globo.com12, mais

conhecido como G1, e publicados na Internet em 21 de maio de 2015. Ao acessar o

site, é possível verificar que há um recorte do espelho da redação com foto e

12 Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/ENEM/2015/noticia/2015/05/leia-redacoes-do-ENEM-que-tiraram-nota-maxima-no-exame-de-2014. html> Acesso em: 23 de maio de 2015.

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caligrafia próprias do autor. Também há uma reportagem sobre cada um deles e,

nela, os jovens contam seus segredos sobre como escrever um bom texto. Alguns

dos candidatos também enviaram ao site o boletim de desempenho com as notas

obtidas no exame para comprovar que, de fato, a nota atribuída à redação foi

aquela.

Os textos pertencem a candidatos de várias cidades do Brasil. São eles:

Antônio Ivan Araujo Monteiro Júnior, 18 anos, de Fortaleza (CE), aspira a uma vaga

em Medicina; Dandara Luíza, 22 anos, de Recife (PE), também almeja uma vaga em

Medicina; Giovana Lazzareti Segati, 18 anos, de Caxias do Sul (RS), pretende

cursar Letras; Júlia Neves Silva Dutra, 16 anos, de Uberaba (MG), busca uma vaga

também em Medicina; Lucas Almeida Francisco, 17 anos, de Sergipe (SE), espera

ser selecionado para o curso de Engenharia da Computação na Universidade

Federal de Sergipe (UFS).

Além desses jovens, há outros (250 no total) que obtiveram a nota máxima no

Enem 2014, mas esta pesquisa não selecionou todos os textos, o que fez com que a

escolha fosse aleatória. As redações estão identificadas e foram digitadas na

íntegra, sem qualquer alteração da ordem do conteúdo, da expressão, ou qualquer

outra. Antes de se fazer a análise dos textos, convém lembrar que todos os

candidatos satisfizeram plenamente as exigências expressas na matriz de referência

do Enem 2014 inclusive as que correspondem aos critérios de autoria, tendo, assim,

atingido a nota 1000. Além disso, o tema da redação, A publicidade infantil em

questão no Brasil, é um tema de cunho social e político que exige que o candidato

se posicione com relação a ele.

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

A fim de analisar os textos que compõem o corpus da pesquisa, foram

utilizados os seguintes procedimentos: a) foram realizadas diversas e atentas

leituras com o objetivo de identificar, nos textos, cada uma das competências

expressas na matriz específica elabora pela autora; b) os textos foram analisados

individualmente por diversas vezes; c) após a identificação dos traços autorais e

identitários presentes nos textos, a partir das leituras, eles foram anotados na

planilha conforme o respectivo nível (E+, E-, S+, S-, N+ e N-); d) identificadas as

marcas identitárias e os indícios de autoria que poderiam levar cada texto a atingir a

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nota máxima, ou seja, o equivalente ao nível 5 da competência III da matriz do

Enem, as análises foram descritas.

Como os critérios possuem o mesmo valor, isto é, nenhum tem peso maior ou

menor que outro, a sua abordagem, durante as análises, não necessariamente

seguem a ordem da matriz específica. As referidas análises encontram-se no

capítulo subsequente.

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5 ANÁLISE DO CORPUS

Este capítulo, além de trazer as redações dos candidatos na íntegra, faz a

análise e a discussão dos textos em relação às marcas autorais e identitárias

deixadas pelos candidatos. A análise tem como suporte a matriz específica, criada

especialmente para isso, contendo critérios de avaliação que contemplam os

indícios de autoria e as marcas identitárias presentes nas redações.

5.1 REDAÇÃO 1

Antônio Ivan Araujo Monteiro – CE

(sem título)

A publicidade infantil movimenta bilhões de dólares e é responsável por 1

considerável aumento no número de vendas de produtos e serviços direcionados às 2

crianças. No Brasil, o debate sobre a publicidade infantil representa uma questão 3

que envolve interesses diversos. Nesse contexto, o governo deve regulamentar a 4

veiculação e o conteúdo de campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do 5

contrário, elas podem ser prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos, 6

psicológicos e emocionais. 7

Em primeiro lugar, nota-se que as propagandas voltadas ao público mais 8

jovem podem influir nos hábitos alimentares, podendo alterar, consequentemente, o 9

desenvolvimento físico e a saúde das crianças. Os brindes que acompanham as 10

refeições infantis ofertados pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo, 11

aumentam o consumo de alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas 12

crianças, interessadas nos prêmios. Esse aumento da ingestão de alimentos pouco 13

saudáveis pode acarretar o surgimento precoce de doenças como a obesidade. 14

Em segundo lugar, observa-se que a publicidade infantil é um estímulo ao 15

consumismo desde a mais tenra idade. O consumo de brinquedos e aparelhos 16

eletrônicos modifica os hábitos comportamentais de muitas crianças que, para 17

conseguir acompanhar as novas brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada 18

vez mais caros aos pais. Quando esses não podem compra-los, as crianças podem 19

ser vítimas de piadas maldosas por parte dos outros, podendo também ser excluídas 20

de determinados círculos de amizade, o que prejudica o desenvolvimento emocional 21

e psicológico dela. 22

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Em decorrência disso, cabe ao Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa 23

de reverter esse quadro. O terceiro setor – composto por associações que buscam 24

se organizar para conseguir melhorias na sociedade – deve conscientizar, por meio 25

de palestras e grupos de discussão, os pais e os familiares das crianças para que 26

discutam com elas a respeito do consumismo e dos males disso. Por fim, o Estado 27

deve regular os conteúdos veiculados nas campanhas publicitárias, para que essas 28

não tentem convencer pessoas que ainda não têm o senso crítico desenvolvido. 29

Além disso, ele deve multar as empresas publicitárias que não respeitarem suas 30

determinações. Com esses atos, a publicidade infantil deixará de ser tão prejudicial 31

e as crianças brasileiras poderão crescer e se desenvolver de forma mais saudável. 32

33

Análise da redação 1

Percebe-se, ao analisar o texto acima, que o candidato, em relação ao critério

densidade textual, além de apresentar excelente domínio linguístico, caracteriza

bem o lugar e o relaciona com elementos da cultura, afirmando que a publicidade

infantil no Brasil envolve interesses diversos e que, aqui, não há regulamentação

sobre a veiculação e sobre o conteúdo das propagandas. O candidato, além disso,

demonstra amplo conhecimento das regras gramaticais vigentes: não comete

desvios gramaticais, o vocabulário é variado e o texto é claro, conciso e objetivo.

Quanto ao segundo critério, tomada de posição, o candidato se posiciona

frente ao tema sem usar adjetivações, porém emprega os verbos modais poder e

dever diversas vezes (l.4, l.6, l.9, l.14, l.19, l.20, l.25, l.28, l.30 e l.32), e o verbo

caber uma vez (l.23), numa clara demonstração de posicionamento. Tais verbos, na

sua forma imperativa, têm, na maioria das vezes, sentido de obrigatoriedade. O

candidato assume como seus os pontos de vista adotados, porém eles retomam

opiniões correntes. A tese não é nova, mas faz apelo à memória do

interlocutor/avaliador. Isso indica que o candidato pressupõe um leitor culto,

respeita-o e valoriza-o, pois parte do pressuposto de que o leitor não é qualquer um,

mas alguém engajado na cultura comum. Não aparecem no texto citações diretas,

mas percebem-se discursos de outros enunciadores, sobretudo com relação às

opiniões correntes a respeito do Brasil e dos brasileiros que, sem controle dos

órgãos competentes, se deixam manipular pela mídia, deixando implícito que os

brasileiros, sozinhos, não conseguem se defender dessa manipulação. Esse aspecto

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pode ser analisado como uma marca identitária, pois está no inconsciente coletivo a

ideia de que os brasileiros são manipuláveis. Com isso, o candidato também busca a

adesão do leitor/avaliador em relação às suas ideias, na tentativa de persuadi-lo,

buscando seu engajamento.

No que tange ao estilo, criatividade e originalidade, o candidato é bastante

habilidoso ao usar a língua. Embora não escreva utilizando vocabulário incomum

nem figuras retóricas, mostra capacidade de articular, de modo bastante particular, a

linguagem já empregada por alguém antes dele. O candidato consegue manipular as

palavras (no bom sentido do termo) para projetar no leitor os efeitos pretendidos. O

texto não é banal, ao contrário, é bem escrito e tem estilo. A respeito do estilo,

Possenti (2013), comparando o estilo de um autor com o de um jogador de futebol

ou de basquete, com relação à maneira como este joga, assim afirma:

(...) assumindo uma posição que é histórica, que representa uma ideologia, um sujeito pode não obstante ser ele mesmo, ou seja, não ser igual a outro que esteja na mesma posição – sendo que o que os distingue é exatamente da ordem do como. Ou seja, um certo estilo não é incompatível com a assunção – a necessária – de que o sujeito sempre enuncia de posições historicamente dadas num aparelho discursivo institucionalizado e prévio (POSSENTI, 2013, p. 109).

Quanto ao critério controle da dispersão, o candidato não se perde em

divagações, demonstrando total controle do texto. Consegue estabelecer relações

entre o texto e os conhecimentos do interlocutor, garantindo a construção de

sentidos de acordo com as expectativas criadas no leitor. Sobre essa questão,

Possenti (2013) assim se pronuncia:

(...) ele põe em cena pontos de vista contraditórios sem “se perder”. Controla as diversas vozes, e, pode-se dizer, joga com o leitor. Seu texto dá voz a mais de um discurso, sem que perca o controle das ações. Brevemente, trata-se, para mim, de um texto com indícios de autoria. (POSSENTI, 2013, p. 242).

Também é possível perceber que o candidato demonstra, em relação ao

quinto critério, excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo. Apresenta

uma tese, a de que se o governo não regulamentar a veiculação e o conteúdo de

campanhas publicitárias voltadas às crianças, essas podem se prejudicar física e

emocionalmente, e a desdobra em dois argumentos: a) que as propagandas

voltadas ao público infantil influenciam as crianças física e emocionalmente e b) que

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a publicidade infantil estimula o consumismo. Na conclusão, o candidato apresenta a

proposta de intervenção exigida na prova, já indicada na introdução, afirmando que

cabe ao Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa de reverter o quadro, e revela

sua opinião sobre o que cada órgão deve fazer para frear os malefícios das

propagandas voltadas ao público infantil.

Quanto à assunção de responsabilidade, o autor do texto assume e parece

não temer o que diz, pois na medida em que autorizou a publicação de seu texto

tomou para si a responsabilidade do que diz, embora a tese pertença a opiniões

correntes. Além disso, pode-se perceber o imbricamento dos vários eus que

constituem o autor do texto, pois emerge o eu-pessoa (sua assinatura no documento

e a reportagem vinculada ao jovem), o eu-estudante, que visa a demonstrar seus

conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação, o eu-candidato, que se baseia

na coletânea de textos da prova, e o eu-cidadão, que apresenta uma proposta de

intervenção para o problema explicitado.

Contudo, independentemente do eu que se manifesta no processo de

produção do texto, a redação acima analisada contém tanto indícios de autoria

quanto marcas identitárias. E essas marcas nos permitem associar a obra a quem a

produziu, sem o fazer de maneira direta.

5.2 REDAÇÃO 2

Dandara Luíza da Costa

Por um bem viver

“O ornamento da vida está na forma como um país trata suas crianças”. A 1

frase do sociólogo Gilberto Freyre deixa nítida a relação de cuidado que uma nação 2

deve ter com as questões referentes à infância. Dessa forma, é válido analisar a 3

maneira como o excesso de publicidade infantil pode contribuir negativamente para 4

o desenvolvimento dos pequenos e do Brasil. 5

É importante pontuar, de início, que a abusiva publicidade na infância muda o 6

foco das crianças do que realmente é necessário para sua faixa etária. Tal situação 7

torna essas crianças pequenos consumidores compulsivos de bens materiais, muitas 8

vezes desapropriados para determinada idade, e acabam por desvalorizar a cultura 9

imaterial, passada através das gerações, como as brincadeiras de rua e as cantigas. 10

Prova disso são os dados da UNESCO afirmarem que cerca de 85% das crianças 11

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preferem se divertir com os objetos divulgados nas propagandas, tornando notório que 12

a relação entre ser humano e consumo está “nascendo” desde a infância. 13

É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo 14

que infância que está sendo construída na atualidade. Essa relação existe porque um 15

país precisa de futuros adultos conscientes, tanto no que se refere ao consumo, como 16

às questões políticas e sociais, pois a atenção excessiva dada à publicidade infantil 17

vai gerar adultos alienados e somente preocupados em comprar. Assim, a ideia do 18

líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece fazer 19

alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne 20

abusiva, pois as crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo. 21

Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva 22

influencia de maneira negativa tanto a infância em si como também o Brasil. É 23

preciso que o governo atue iminentemente nesse problema através da aplicação de 24

multas nas empresas de publicidade que ultrapassarem os limites das faixas etárias 25

estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Infância e da Juventude. Além disso, 26

é preciso que essas crianças sejam estimuladas pelos pais e pelas escolas a terem 27

um maior hábito de ler, através de concessões fiscais às famílias mais carentes, em 28

livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a fim de que o 29

Brasil garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão: 30

“o importante não é viver, mas viver bem”. 31

Análise da redação 2

O texto acima é uma redação com densidade textual. Nele, a autora

demonstra ter não só domínio linguístico, como também precisão vocabular. O texto

é claro, objetivo e conciso. A conexão entre as frases é complexa e elas têm sentido

completo. Há fundamentação argumentativa e as regras gramaticais vigentes são

obedecidas. Além disso, a candidata faz relação com elementos da cultura brasileira

e estrangeira, comparando-as, e com outros discursos. Com relação aos elementos

culturais, a autora aborda o consumo de bens materiais em detrimento da cultura

imaterial passada através das gerações como as brincadeiras de rua e as cantigas.

Com relação ao segundo critério, tomada de posição do autor, o que chama a

atenção é o número de citações, ou de discursos de outrem, empregados pela

autora da redação durante o processo de escrita. São duas citações diretas e

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algumas indiretas. A primeira citação direta é um enunciado atribuído a Gilberto

Freyre que, supostamente, teria afirmado que “o ornamento da vida está na forma

como um país trata suas crianças”. A segunda, que encerra o texto, é atribuída a

Platão: “o importante não é viver, mas viver bem”.

No que diz respeito às citações indiretas, a autora traz dados da UNESCO

que afirmam que cerca de 85% das crianças preferem se divertir com os objetos

divulgados nas propagandas; do líder Gandhi, que, supostamente, teria afirmado

que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente; e, por último, do Ministério

da Infância de da Juventude que teria aplicado multas às empresas de publicidade

que tivessem ultrapassado os limites para as faixas etárias das crianças.

Nota-se que, tanto em relação às citações diretas quanto em relação às

indiretas, a autora procura integrar o discurso de outrem ao seu. Ela também utiliza

argumentos de autoridade para dar força e consistência argumentativa ao seu texto.

Vale lembrar que o argumento de autoridade gera um efeito de verdade, assim a

candidata manipula (no bom sentido do termo) o discurso do outro em beneficio

próprio, ainda que ele tenha sido produzido em outro contexto. Segundo Ponzio

(2008),

Falamos sempre através da palavra dos outros, seja por meio de uma simples imitação, como uma pura citação, seja em uma tradução literal ou, ainda, seja através de diferentes formas de transposição, que comportam diferentes níveis de distanciamento da palavra alheia: a palavra entre aspas, o comentário, a critica o repudio, etc. (PONZIO, 2008, p. 101).

Com relação ao terceiro critério, estilo, criatividade, originalidade, o texto,

numa análise superficial, o texto parece parafrasear os textos motivadores, todavia

numa observação mais acurada, percebe-se o modo inovador da autora da redação

de dizer o que já foi dito antes por alguém. A candidata sabe manipular as palavras

(no bom sentido do termo) para projetar no leitor os efeitos pretendidos e sabe,

também, alternar os termos, como se vê, por exemplo, em infância/infantil/dos

pequenos/crianças (l.3, l.4, l.5, l.7 respectivamente), numa clara intenção de não os

repetir. Aprendemos com Bakhtin que todo enunciado situa-se sobre um já-dito,

trazendo em si enunciados anteriormente produzidos. A unicidade do sujeito, a

singularidade, está no fato de que ele reelabora, parafraseia, parodia, concorda,

discorda, contrapõe, subverte, reforça, reafirma dizeres dos outros. Porém, a

posição discursiva que o sujeito ocupa ao fazer isso é sua. Dessa forma, ninguém

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pode ocupar o seu lugar, assim como ninguém pode ocupar o lugar da autora dessa

redação. A subjetividade está na seleção de autores citados, na combinação entre

eles e no uso que a autora faz das citações deles. E o uso que faz é só seu, o que

também configura autoria.

Com relação à quarta competência controle da dispersão, a candidata é

exímia em não deixar o texto à deriva. O texto é bem construído e os conectores são

variados e bem aplicados, o que favorece a progressão textual. Além disso, a

candidata sabe estabelecer relações entre o texto e o conhecimento de mundo do

seu interlocutor (o avaliador) garantindo a construção de sentido entre ambos.

Quanto ao quinto quesito domínio do texto dissertativo-argumentativo, o texto

em análise segue o cânone: apresenta introdução, desenvolvimento e conclusão. A

tese segundo a qual o excesso de publicidade infantil pode contribuir negativamente

para o desenvolvimento dos pequenos no Brasil, é apresentada logo no início. Em

seguida, a candidata apresenta os argumentos que a sustentam e, na conclusão,

apresenta a proposta de intervenção exigida nos comandos da prova de redação.

Vale lembrar que para dar força argumentativa ao seu texto a candidata se vale dos

discursos de outrem e de argumentos de autoridade.

No que diz respeito à Assunção de responsabilidade, ao utilizar citações e

paráfrases, a impressão que se tem é a de que a candidata faz uma tentativa de

apagar suas características individuais, já que a utilização do discurso de outrem

costuma tornar o texto mais impessoal, mas o discurso de outrem não deixa de ser

seu próprio discurso. A esse respeito, Ponzio (2008) afirma:

As palavras que usamos não estão capturadas do vocabulário: provêm do discurso alheio e não são palavras isoladas, mas sim peças que formam parte de enunciações completas, de textos. Não são palavras neutras, vazias de valoração, mas já alheias e com uma determinada direção ideológica, ou seja, expressam um projeto concreto, um determinado nexo com a práxis. (PONZIO, 2008, p. 101).

Dito isso, ainda que, por vezes, a autora do texto pareça tentar apagar sua

voz em prol da neutralidade científica, ela não obtém êxito, pois ao incorporar o

discurso de outrem ao seu, deixa claro seu posicionamento. Assim, há, no texto,

significativas marcas tanto autorais como identitárias.

5.3 REDAÇÃO 3

Giovana Lazzaretti Segati – RS

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Criança: futuro consumidor

A propaganda é a principal arma das grandes empresas. Disseminada em 1

todos os meios de comunicação, a ampla visibilidade publicitária atinge seu principal 2

objetivo: expor um produto e explicar sua respectiva função. No entanto, essa 3

mesma função é distorcida por anúncios apelativos, que transformam em sinônimos 4

o prazer e a compra, atingindo principalmente as crianças. 5

As habilidades publicitárias são poderosas. O uso de ídolos infantis, desenhos 6

animados e trilhas sonoras induzem a criança a relacionar seus gostos a vários 7

produtos. Dessa maneira, as indústrias acabam compartilhando seus espaços; como 8

exemplo as bonecas Monster High fazendo propaganda para o fast food Mc 9

Donalds. A falta de discussão sobre o assunto é evidenciada pelas opiniões distintas 10

dos países. Conforme a OMS, no Reino Unido há leis que limitam a publicidade para 11

crianças como a que proíbe parcialmente – em que comerciais são proibidos em 12

certos horários -, e a que personagens famosos não podem aparecer em 13

propagandas de alimentos infantis. Já no Brasil há a autorregulamentação, na qual o 14

setor publicitário cria normas e as acorda com o governo, sem legislação específica. 15

A relação entre pais, filhos e seu consumo se torna conflituosa. As crianças 16

perdem a noção do limite, que lhes é tirada pela mídia quando a mesma reproduz 17

que tudo é possível. Como forma de solucionar esse conflito, o governo federal pode 18

criar leis rígidas que restrinjam a publicidade de bens não duráveis para crianças. 19

Além disso, as escolas poderiam proporcionar oficinas chamadas de “Consumidor 20

Consciente” em que diferenciam consumo e consumismo, ressaltando a real 21

utilidade e a durabilidade dos produtos, com a distribuição de cartilhas didáticas 22

introduzindo os direitos do consumidor. Esse trabalho seria efetivo aliado ao diálogo 23

com os pais. 24

Sérgio Buarque de Hollanda constatou que o brasileiro é suscetível a 25

influências estrangeiras, e a publicidade atual é a consequência direta da 26

globalização. Por conseguinte, é preciso que as crianças, desde pequenas, saibam 27

diferenciar o útil do fútil, sendo preparados para analisar informações advindas do 28

exterior no momento em que observarem as propagandas. 29

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Análise da redação 3

Que o texto acima possui densidade textual é indiscutível, pois a candidata,

além de fazer relação com elementos da cultura, demonstra excelente domínio

linguístico. Em seu texto há precisão vocabular, a conexão entre as frases é

complexa, há fundamentação argumentativa, as frases têm sentido completo, a

pontuação é bem empregada e a redação apresenta clareza, objetividade e

concisão.

No que tange ao segundo critério, tomada de posição do autor, a autora traz,

além da voz de Sérgio Buarque de Hollanda, atribuindo a ele o enunciado de que o

brasileiro é suscetível a influências estrangeiras; a voz da Organização Mundial da

Saúde (OMS), utilizada como fonte dos textos motivadores (texto II), quando informa

que no Reino Unido há leis que limitam a publicidade para crianças (...), e que no

Brasil há a autorregulamentação.

Ao trazer essas vozes para dentro do seu texto, a autora sabe se “colocar”

nele, aproximando-se e distanciando-se. Ela se apropria da palavra alheia,

reelaborando-a, e, assim, a faz ressoar de maneira diferente. Dessa forma, a autora

concede à voz alheia, que foi produzida em outro contexto, uma nova perspectiva,

pois, ao parafraseá-la, a faz expressar um ponto de vista diferente.

A respeito da palavra alheia, ou das vozes que aparecem no texto, Ponzio

(2008), assim esclarece:

A apropriação linguística é um processo que vai desde mera repetição da palavra alheia à sua reelaboração, capaz de fazê-la ressoar de forma diferente, de conceder-lhe uma nova perspectiva, de fazer-lhe expressar um ponto de vista diferente. Porém, permanece semi-alheia, em qualquer caso. A propriedade sobre a palavra não é exclusiva e total. (PONZIO, 2008, p. 101)

A candidata também demonstra Controle da dispersão do texto, pois

apresenta pontos de vista sem se perder, controla as diversas vozes e sabe “jogar”,

com o leitor. Seu texto dá voz a mais de um discurso sem perder o controle das

ações. Os elementos coesivos e as substituições lexicais são variados e bem

empregados, favorecendo a coesão e a progressão textual. O conector coesivo já

(l.14) é usado na comparação entre o Reino Unido e o Brasil, no entanto, ele carrega

um sentido depreciativo em relação ao Brasil. Mostrando, assim, não só um traço da

identidade brasileira de que, aqui, não há legislação específica, apenas a

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autorregulamentação que é acordada entre o setor publicitário e o governo, como

também um posicionamento da candidata que, parece, criticar essa postura

brasileira.

Com relação ao terceiro critério, estilo, criatividade e originalidade, a

candidata sabe desarranjar as palavras dando-lhes novos sentidos a fim de

surpreender o leitor. Dessa forma, mostra um modo inovador de dizer o que já foi

dito antes. Segundo Possenti (2002),

Para haver autoria “não basta que um texto satisfaça exigências de ordem gramatical. Também não basta que ele satisfaça exigências de ordem textual. As verdadeiras marcas de autoria são da ordem do discurso, não do texto ou da gramática” (POSSENTI, 2002, p.110)

Quanto à competência filiação ao tipo dissertativo-argumentativo, o texto

segue o modelo prototípico, com introdução, desenvolvimento e conclusão. Na

introdução, a candidata apresenta uma tese, a de que a propaganda é uma arma

poderosa das grandes empresas de publicidade; no desenvolvimento estão os

argumentos que sustentam a tese, quais sejam: o de que as empresas publicitárias

colocam prazer e compra como sinônimos; e o de que as empresas publicitárias

distorcem as funções de um determinado produto, com anúncios apelativos,

induzindo os consumidores (as crianças) a comprar. Na conclusão, há a proposta de

intervenção solicitada na prova de redação.

No que tange à assunção de responsabilidade, a candidata, apesar de trazer

outras vozes sociais para o seu texto, tenta, consciente ou inconscientemente,

apagar suas marcas individuais, mesmo assim, se responsabiliza pelo que diz e

sabe posicionar-se frente à questão proposta. Para marcar seu posicionamento, a

candidata utiliza palavras e expressões valorativas como, por exemplo, arma (l.1);

anúncios apelativos (l.4); poderosa (l.6); induzem (l.7); já (l.14); relação conflituosa

(l.16); perdem a noção do limite (l. 16); e assim por diante.

Nota-se, assim, com base na análise feita, que a redação acima contém tanto

indícios de autoria quanto marcas identitárias.

5.4 REDAÇÃO 4

Júlia Neves Silva Dutra – MG

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(sem título)

A Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra durante o século 1

XVIII, trouxe a necessidade de um mercado consumidor cada vez maior em função 2

do aumento de produção. Para isso, o investimento em publicidade tornou-se um 3

fator essencial para ampliar as vendas das mercadorias produzidas. Na sociedade 4

atual, percebe-se as crianças como um dos focos de publicidade. Tal prática deve 5

ser restringida pelo Estado para garantir que as crianças não sejam persuadidas a 6

comprar determinado produto. 7

A partir da mecanização da produção, o estímulo ao consumo tornou-se um 8

fator primordial para a manutenção do sistema capitalista. De acordo com Karl Marx, 9

filósofo alemão do século XIX, para que esse incentivo ocorresse, criou-se o fetiche 10

sobre a mercadoria: constrói-se a ilusão de que a felicidade seria alcançada a partir 11

da compra do produto. Assim, as crianças tornaram-se um grande foco das 12

empresas por não possuírem elevado grau de esclarecimento e por serem 13

facilmente persuadidas a realizarem determinada ação. 14

Para atingir esse objetivo, as empresas utilizam da linguagem infantil, de 15

personagens de desenhos animados e de vários outros meios para atrair as 16

crianças. O Conselho Nacional de Direitos de Criança e do Adolescente aprovou 17

uma resolução que considera a publicidade infantil abusiva, porém não há um 18

direcionamento concreto sobre como isso vai ocorrer. É imprescindível uma maior 19

rigidez do Estado sobre as campanhas publicitárias infantis, pois as crianças farão 20

parte do mercado consumidor e devem ser educadas para se tornarem 21

consumidores conscientes. 22

Logo, o Estado deve estabelecer um limite para os comerciais voltados ao 23

público infantil por meio da proibição parcial, que estabelece horários de transmissão 24

e faixas etárias. Além disso, o uso de personagens de desenhos animados em 25

campanhas publicitárias infantis deve ser proibido. Para efetivar as ações estatais, 26

instituições como a família e a escola devem educar as crianças para consumirem 27

apenas o que é necessário. Apenas assim o consumo consciente poderá se realizar 28

a médio prazo. 29

Análise da redação 4

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No texto em análise, no que tange à densidade textual, percebe-se a relação

que a candidata faz com elementos da cultura não só brasileira quanto estrangeira,

sobretudo no que se refere à Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. A candidata

sustenta a tese de que a referida revolução ocasionou o aumento da produção e,

com isso, houve a necessidade de um mercado consumidor cada vez maior. Assim,

para alavancar as vendas dos produtos, surgiram as empresas de publicidade.

Além das relações com elementos culturais, a candidata faz relação com

outros discursos como o de Marx e o do Conselho Nacional de Direitos da Criança e

do adolescente (Conanda). O texto, além de bem construído, é objetivo, claro e

conciso. As normas gramaticais vigentes são obedecidas, embora com alguns

pequenos desvios de ordem gramatical e semântica, mas isso não afeta a qualidade

do texto, nem, tampouco o investimento autoral da candidata.

Com relação ao segundo critério, tomada de posição do autor, além das

vozes de Marx e do Conanda, que são integradas ao próprio discurso da candidata,

a autora utiliza palavras e expressões como o verbo dever (l. 5; l. 21; l. 23; l. 26 e l.

27), o conectivo porém (l.18), o fragmento é imprescindível que (l.19), etc. Essas são

estratégias que marcam o posicionamento da autora no texto. Isso também diz

respeito à forma como a candidata se presentifica nele, ora distanciando-se, ora

aproximando-se. Não há, no texto, citações diretas, mas há paráfrases em relação à

Marx, ao Conanda e a opiniões correntes.

A respeito da tomada de posição, Possenti (2002) afirma:

Penso que um texto bom só pode ser avaliado em termos discursivos. Isso quer dizer que a questão da qualidade do texto passa necessariamente pela questão da subjetividade e sua inserção num quando histórico – ou seja, num discurso – que lhe dê sentido. O que se poderia interpretar assim: trata-se tanto de singularidade quanto de tomada de posição (POSSENTI, 2002, p. 109).

No quesito estilo, criatividade, originalidade, o modo como a candidata

manipula (no bom sentido do termo) a linguagem já empregada por alguém antes

dela demonstra seu estilo, sobretudo no que tange ao desarranjo das palavras do

seu lugar comum para causar efeitos de sentido e surpreender o leitor. A candidata

domina bem o léxico, utiliza, igualmente, os operadores discursivo-argumentativos e

saber alternar termos, tornando o texto singular, o que também é constitutivo do

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estilo. A esse respeito, Possenti (2002) defende a tese de que o que diferencia um

texto banal de um singular, isto é, de um texto com estilo, é o jeito, o como o autor

faz isso, e compara um texto singular com um jogador de futebol como Garrincha,

por exemplo, que sabia improvisar, ou seja, sabia jogar de um jeito diferente, não

obstante seguisse um esquema de jogo preestabelecido.

Quanto ao critério controle da dispersão, o texto é coeso e coerente. A

candidata demonstra total controle das ações sem deixar o texto à deriva. Os

conectores textuais e as retomadas lexicais são variados e bem empregados, o que

favorece a progressão textual e a construção de sentido. Há esforço da candidata

em estabelecer um diálogo entre o texto e seu interlocutor (o avaliador), para que o

conhecimento entre ambos seja compartilhado. Assim, a autora da redação

pressupõe um leitor-modelo, capaz de compreender e interpretar os sentidos do

texto.

Sobre o quinto critério, filiação ao tipo dissertativo-argumentativo, a candidata

não foge ao modelo prototípico de texto, apresentando introdução, desenvolvimento

e conclusão. Como era esperado, na introdução, a candidata apresenta sua tese e,

em seguida, os argumentos que a sustentam. Para dar consistência ao seu texto,

ela apresenta a voz de Marx e do Conanda. Na conclusão, obedece às exigências

da prova de redação apresentando a proposta de intervenção sem ferir os direitos

humanos.

Em relação à sexta competência, assunção de responsabilidade, percebe-se

que, intencionalmente ou não, a candidata tem responsabilidade sobre o que diz,

pois assume uma posição axiológica em seu texto/discurso, sobretudo quando

compartilha as ideias de Marx como se fossem suas. Os vários eus (o eu pessoa, o

eu estudante, o eu candidata e o eu cidadã) são perceptíveis no texto, logo, apesar

de ser difícil precisar de quem é a voz que fala no texto, ela é concretizada na voz

da candidata que é quem organiza as outras vozes e, consciente ou

inconscientemente, as assume como suas.

5.5 REDAÇÃO 5

Lucas Almeida Francisco – SE

(sem título)

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A publicidade infantil tem sido pauta de discussões acerca dos abusos 1

cometidos no processo de disseminação de valores que objetivam ao consumismo, 2

uma vez que a criança, ao passar pelo processo de construção da sua cidadania, 3

apropria-se de elementos ao seu redor, que podem ser indesejáveis à manutenção 4

da qualidade de vida. 5

O sociólogo Michel Foucault afirma que “nada é político, tudo é politizável, 6

tudo pode tornar-se político”. A publicidade politiza o que é imprescindível ao 7

consumidor à medida que abarca a função apelativa associada à linguagem 8

empregada na disseminação da imagem de um produto, persuadindo o público-alvo 9

a adquiri-lo. 10

Ao focar no público infantil, os meios publicitários elencam os códigos e as 11

características do cotidiano da criança, isto é, assumem o habitus – conceito de 12

Pierre Bourdieu, definido como “princípios geradores de práticas distintas e 13

distintivas” – típico dessa faixa etária: o desenho animado da moda, o jogo eletrônico 14

socialmente compartilhado, o brinquedo de um famoso personagem da mídia, etc. 15

Por outro lado, a criança necessita de um espaço que a permita crescer de 16

modo saudável, ou seja, com qualidade de vida. Os abusos publicitários afetam essa 17

prerrogativa: ao promoverem o consumo exacerbado, causam dependência material, 18

submetendo crianças a um círculo vicioso de compras, no qual, muitas vezes, os 19

pais não podem sustentar. A felicidade é orientada para um produto, em detrimento 20

de um convívio social saudável e menos materialista. 21

De modo a garantir o desenvolvimento adequado da criança e diminuir os 22

abusos da publicidade, algumas medidas devem ser tomadas. O governo deve 23

investir em políticas públicas que atuem como construtoras de uma 'consciência 24

mirim', através de meios didáticos a fomentar a imaginação da criança, orientando-a 25

na recepção de informações que a cercam. Em adição, os pais devem estar atentos 26

aos elementos apropriados pelos seus filhos em propagandas, estimulando o 27

espírito crítico deles, a contribuir para a futura cidadania que os espera. 28

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Análise da redação 5

O texto acima, quando à densidade textual, apresenta relação não só com

elementos da cultura, mas também com outros discursos, haja vista as relações que

o candidato estabelece com os discursos de Michel Foucault, de Pierre Bourdieu e,

indiretamente, com o de Roman Jakobson e suas funções da linguagem. Além

disso, o candidato, apesar de cometer alguns deslizes, sobretudo no que tange à

estrutura dos parágrafos (a introdução possui apenas uma frase), demonstra

domínio linguístico e capacidade lógica de produzir sentidos, o vocabulário é

preciso, a pontuação é relativamente bem empregada e o texto é objetivo, conciso e

claro. O candidato não se perde em divagações, indo direto ao ponto. A tese

defendida é a de que a publicidade se vale da função apelativa da linguagem para

disseminar a imagem de um produto com a finalidade de persuadir o consumidor a

adquiri-lo. Há, além disso, obediência às regras gramaticais vigentes relativamente

ao registro formal da língua portuguesa.

Quanto ao critério tomada de posição, apesar de se valer de discursos de

outrem, com a finalidade, talvez, de apagar suas marcas individuais e de dar

credibilidade ao seu texto, o candidato traz para o seu discurso as vozes de

pensadores como Foucault e Bourdieu. Como marcas linguísticas para citar o

discurso de outrem, o candidato utiliza aspas nas citações diretas. Ele atribui a

Foucault a citação “nada é político, tudo é politizável, tudo pode tornar-se político”; e

a Bourdieu o conceito de habitus, definido como “princípios geradores de práticas

distintas e distintivas”.

Contudo, assim como dá voz a outros enunciadores, o candidato deixa, no

texto, vestígios da sua voz, da sua concepção de mundo. Isso é perceptível no

emprego dos verbos necessitar (l. 16), usado uma vez, e do verbo dever, usado três

vezes (l. 23, e l. 26). Além desses verbos, o candidato utiliza adjetivações, como se

percebe nas expressões: elementos indesejáveis (l. 4), abusos publicitários (l.17),

consumo exacerbado (l. 18), círculo vicioso (l.19), etc. Essas palavras e expressões

de cunho valorativo deixam claro seu posicionamento frente ao tema proposto.

Quanto ao critério estilo, criatividade, originalidade, o candidato demonstra

habilidade em articular de modo diferente a linguagem empregada por alguém antes

dele, trazendo coerência para esse novo texto/discurso. O candidato sabe

desarranjar as palavras do seu lugar comum e estabelecer com elas novos sentidos.

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O léxico e os operadores argumentativos são variados e bem empregados. O autor

da redação não utiliza figuras de linguagem nem vocabulário incomum, porém sabe

empregar a linguagem em benefício próprio para projetar no leitor os efeitos

pretendidos.

No que se refere ao controle da dispersão, o candidato demonstra

conhecimento quanto ao uso dos elementos coesivos, pois há articulação de ideias

e o repertório de recursos é diversificado, o que favorece não só a progressão

textual em direção à comprovação da tese que o candidato visa a defender, mas

também a coerência. O candidato estabelece relação entre o texto e o

conhecimento do interlocutor (o avaliador), garantindo a construção de sentido de

acordo com as expectativas do leitor. Há total controle das ações, sem deixar o texto

à deriva. Os elementos formais e funcionais atuam na construção de uma unidade

textual.

Há filiação ao tipo dissertativo-argumentativo. A redação apresenta

introdução, desenvolvimento e conclusão, seguindo o modelo prototípico do texto

dissertativo-argumentativo. Na introdução, o candidato apresenta um panorama

sobre a publicidade infantil e, em seguida, a tese, qual seja, a de que a publicidade

se vale da função apelativa da linguagem para disseminar a imagem de um produto

com a finalidade de persuadir o consumidor a adquiri-lo. No desenvolvimento, o

candidato apresenta os argumentos e os explicita, trazendo, inclusive, argumentos

de autoridade como os de Foucault e de Bourdieu. Na conclusão, a proposta de

intervenção é elaborada sem ferir os direitos humanos.

Com relação à assunção de responsabilidade, embora o candidato traga para

dentro de seu texto outros textos/discursos, na tentativa, provável, de apagar suas

marcas individuais, ele não obtém êxito, pois na medida em que imbrica os

discursos de outrem ao seu, supõe-se que com eles concorde, logo, o candidato

assume uma posição ideológica e a responsabilidade pelo que é dito. Além disso,

percebem-se no texto os vários eu que compõem o autor: o eu pessoa, o eu

estudante, o eu candidato e o eu cidadão.

Assim, pela análise feita, percebe-se que esse texto, assim como os

anteriormente analisados, possui tanto marcas identitárias quanto autorais, o que

poderia justificar a nota máxima obtida na competência 3 no nível V.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A afirmação de Hall que inicia este trabalho diz muito a respeito da autoria,

pois num texto ou discurso raramente podemos colocar ponto final, visto que sempre

haverá alguém que com ele concorde ou discorde, ou seja, que dialogue com ele.

Outra questão importante de se colocar aqui é que um discurso nunca é original, ele

sempre faz referência a outros discursos/textos.

A linguagem, sobretudo na perspectiva bakhtiniana, é (inter)ação e não um

mero instrumento de comunicação. Para Bakhtin, a palavra comporta duas faces: ela

procede de alguém e se dirige a alguém. Assim, ela constitui o produto da interação

entre o locutor e o ouvinte (ou entre o autor e o leitor), pois serve de expressão de

um em relação ao outro. Assim é que se instaura o dialogismo, que é um princípio

constitutivo da linguagem e condição de sentido do discurso.

Nesse contexto de linguagem, é possível constatar, pelos estudos realizados

neste trabalho, que os conceitos de autoria e de identidade não são uniformemente

empregados nem, tampouco, objetivamente definidos, logo, não são noções óbvias.

E nem poderiam ser, devido à heterogeneidade de abordagens que envolvem o

tema e às filiações teórico-metodológicas dos estudiosos que se debruçam a estudá-

lo. Talvez, por isso, a questão não foi, e, provavelmente, não será resolvida.

Entre os teóricos analisados, frequentemente encontram-se traços que se

superpõem, porém, mais amiúde, notam-se diferenças, e mesmo divergências que,

ao serem contrastadas, não se revelam nem melhores nem piores. Apenas mostram

diferentes aportes teóricos com seus limites, propósitos e possibilidades.

A Linguística textual e as outras áreas dos estudos da linguagem ainda não

dispõem de todas as respostas para as questões que envolvem o conceito de autor,

de autoria e de identidade. E é justamente essa falta de respostas que faz com que

os estudos proliferem na área. Afinal, cada teórico, dependendo de sua filiação

teórico-metodológica abordará o tema sob uma determinada perspectiva, isto é,

olhará para o objeto de um ângulo específico.

Afora as questões teóricas, que possuem uma diversidade de pontos de vista

e de abordagens, o que se percebe nos textos analisados, em relação às

regularidades observadas, isto é, em relação àquilo que se mostrou recorrente nos

textos, é que todos eles, em alguma medida, apresentam tanto marcas de

identidade quanto de autoria. Embora as marcas identitárias apareçam mais

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89

sutilmente. Conquanto sejam textos canônicos, isto é, não fogem ao modelo

prototípico do tipo dissertativo-argumentativo, com introdução, desenvolvimento e

conclusão, há, neles, um nível considerável de investimento autoral. Os candidatos,

embora cumpram as regras impostas na prova de redação do Enem, que, por si só,

já são limitadoras, o fazem de forma singular, o que também configura autoria.

Parece, por vezes, que os candidatos não têm consciência dos vários eus que

os compõem durante o processo de escrita do texto, provavelmente porque esses

vários eus vão se constituindo autoral e identitariamente à medida que ele escreve.

Essa falta de consciência autoral pode ocorrer porque, no dia a dia, a maioria dos

alunos não produz textos com o objetivo de aplicá-los nas mais variadas funções

sociocomunicativas. Eles o fazem para tirar nota na escola e passar de ano, para

conseguir uma vaga na universidade, para passar num concurso, para ganhar uma

bolsa de estudos, etc. Percebe-se, igualmente, que os candidatos tentam se afastar

da sua escrita, dando voz aos outros, na tentativa de apagar suas características

individuais. Porém, de uma forma ou de outra, o texto sempre pode ser associado a

quem o produziu.

Mas como é por escrito que o candidato deve se expressar na prova de

redação do Enem, quanto mais singular for sua escrita, mais autoral ele será

considerado, embora a matriz de avaliação do exame não esmiúce esse critério,

dificultando, assim, para o candidato, o entendimento a respeito do que seria autoria.

Também se espera que o candidato, ao escrever a redação, produza um texto bem

estruturado e que a linguagem seja construída com cuidado. Contudo, essa relação

do autor com a escrita é bastante peculiar. No exame, o candidato precisa

comprovar essa relação da maneira mais singular possível, na medida em que utiliza

a linguagem verbal escrita para constituir-se autor, afinal, a autoria implica uma

tomada de posição.

Conforme se verifica na matriz de avaliação, uma das habilidades exigidas é,

justamente, a que envolve a autoria, embora esta não seja muito bem definida nem

muito bem explicada no material pesquisado. Contudo, a autoria é posta em

evidência quando, ao escrever um texto do tipo dissertativo-argumentativo, o que é

obrigatório a todos, o candidato, para ser bem avaliado, precisa mostrar que, dentre

outras habilidades, tem estilo. Ainda que a fôrma (o tipo de texto), os ingredientes (a

linguagem verbal escrita) e o tema da redação sejam os mesmos para todos os

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candidatos, a “mão” que escreve será sempre única, particular, daí porque as

abordagens do tema são sempre diversas.

Nessa perspectiva, convém trazer novamente as palavras de Borges, pois

talvez ninguém tenha melhor definido autoria como ele. No texto Borges Y e Yo13,

um miniconto clássico sobre a divisão autor/escritor, de um lado; e, de outro, a

pessoa, Borges assim escreve:

Ao outro, a Borges, é a quem ocorrem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e me demoro, talvez já mecanicamente, para olhar o arco de uma entrada e sua contraporta; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo seu nome em um trio de professores ou em um dicionário biográfico. Eu gosto dos relógios de areia, dos mapas, da tipografia do século XVIII, das etimologias, do sabor do café e da prosa de Stevenson. O outro compartilha dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um ator. Seria exagerado afirmar que nossa relação é hostil; eu vivo, eu me deixo viver, para que Borges possa tramar sua literatura e essa literatura me justifica. Nada me custa confessar que tenha alcançado algumas páginas de valor, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não é de ninguém, nem sequer do outro, senão da linguagem ou da tradição. Ademais, eu estou destinado a perder-me, definitivamente, e apenas algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou cedendo a ele completamente, ainda que eu saiba seu perverso costume de distorcer e de exagerar. Spinoza entendeu que todas as coisas querem perseverar em seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra e o tigre um tigre. Eu hei de permanecer em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas me reconheço menos em seus livros que em muitos outros ou que no trabalhoso dedilhar de uma guitarra. Faz anos que tratei me livrar dele e passei das mitologias da periferia aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos são de Borges agora e deverei inventar outras coisas. Assim minha vida é uma fuga e perco tudo, e tudo pertence ao esquecimento, ou ao outro. Não sei qual dos dois escreve esta página.

13 No original: Al otro, a Borges, es a quien le ocurren las cosas. Yo camino por Buenos Aires y me demoro, acaso ya mecánicamente, para mirar el arco de un zaguán y la puerta cancel; de Borges tengo noticias por el correo y veo su nombre en una terna de profesores o en un diccionario biográfico. Me gustan los relojes de arena, los mapas, la tipografía del siglo XVIII, las etimologías, el sabor del café y la prosa de Stevenson; el otro comparte esas preferencias, pero de un modo vanidoso que las convierte en atributos de un actor. Sería exagerado afirmar que nuestra relación es hostil; yo vivo, yo me dejo vivir, para que Borges pueda tramar su literatura y esa literatura me justifica. Nada me cuesta confesar que ha logrado ciertas páginas válidas, pero esas páginas no me pueden salvar, quizá porque lo bueno ya no es de nadie, ni siquiera del otro, sino del lenguaje o la tradición. Por lo demás, yo estoy destinado a perderme, definitivamente, y sólo algún instante de mí podrá sobrevivir en el otro. Poco a poco voy cediéndole todo, aunque me consta su perversa costumbre de falsear y magnificar. Spinoza entendió que todas las cosas quieren perseverar en su ser; la piedra eternamente quiere ser piedra y el tigre un tigre. Yo he de quedar en Borges, no en mí (si es que alguien soy), pero me reconozco menos en sus libros que en muchos otros o que en el laborioso rasgueo de una guitarra. Hace años yo traté de librarme de él y pase de las mitologías del arrabal a los juegos con el tiempo y con el infinito, pero esos juegos son de Borges ahora y tendré que idear otras cosas. Así mi vida es una fuga y todo lo pierdo y todo es del olvido, o del otro. No sé cuál de los dos escribe esta página.

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Também este trabalho, assim como o miniconto de Borges e os textos

analisados, é composto de vários eus: o eu Maristela, na sua individualidade, com

sentimentos, inseguranças, preocupações, incertezas, tristezas e alegrias; o eu

mestranda, que, depois de passar noites em claro estudando e de ficar diante do

computador por dias e horas a fio, sacrificando finais de semana, dias de sol, praia,

férias, viagens, visitas aos pais, e tantos outros prazeres, objetiva fazer uma

dissertação que seja útil; o eu professora-avaliadora, que, certamente, depois deste

trabalho mudará não só a maneira de ministrar aulas, mas também a forma de olhar

para as redações dos alunos; e o eu cidadã, que depois de ter recebido uma bolsa

de estudos, quer retribuir, contribuindo com a sociedade, especialmente melhorando

a educação do país como forma de retorno do capital investido. Nessa diversidade

de eus, precisar de quem é a voz que escreve esta dissertação pode ser difícil, mas

uma coisa é certa: há uma voz que orquestra todas as outras vozes, e esta voz não

quer se calar tão cedo.

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ANEXOS

Anexo 1 – Redação 1

Antônio Ivan Araujo Monteiro – CE

(sem título)

A publicidade infantil movimenta bilhões de dólares e é responsável por 1

considerável aumento no número de vendas de produtos e serviços direcionados às 2

crianças. No Brasil, o debate sobre a publicidade infantil representa uma questão 3

que envolve interesses diversos. Nesse contexto, o governo deve regulamentar a 4

veiculação e o conteúdo de campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do 5

contrário, elas podem ser prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos, 6

psicológicos e emocionais. 7

Em primeiro lugar, nota-se que as propagandas voltadas ao público mais 8

jovem podem influir nos hábitos alimentares, podendo alterar, consequentemente, o 9

desenvolvimento físico e a saúde das crianças. Os brindes que acompanham as 10

refeições infantis ofertados pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo, 11

aumentam o consumo de alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas 12

crianças, interessadas nos prêmios. Esse aumento da ingestão de alimentos pouco 13

saudáveis pode acarretar o surgimento precoce de doenças como a obesidade. 14

Em segundo lugar, observa-se que a publicidade infantil é um estímulo ao 15

consumismo desde a mais tenra idade. O consumo de brinquedos e aparelhos 16

eletrônicos modifica os hábitos comportamentais de muitas crianças que, para 17

conseguir acompanhar as novas brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada 18

vez mais caros aos pais. Quando esses não podem compra-los, as crianças podem 19

ser vítimas de piadas maldosas por parte dos outros, podendo também ser excluídas 20

de determinados círculos de amizade, o que prejudica o desenvolvimento emocional 21

e psicológico dela. 22

Em decorrência disso, cabe ao Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa 23

de reverter esse quadro. O terceiro setor – composto por associações que buscam 24

se organizar para conseguir melhorias na sociedade – deve conscientizar, por meio 25

de palestras e grupos de discussão, os pais e os familiares das crianças para que 26

discutam com elas a respeito do consumismo e dos males disso. Por fim, o Estado 27

deve regular os conteúdos veiculados nas campanhas publicitárias, para que essas 28

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não tentem convencer pessoas que ainda não têm o senso crítico desenvolvido. 29

Além disso, ele deve multar as empresas publicitárias que não respeitarem suas 30

determinações. Com esses atos, a publicidade infantil deixará de ser tão prejudicial 31

e as crianças brasileiras poderão crescer e se desenvolver de forma mais saudável. 32

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Anexo 2 – Redação 2

Dandara Luíza da Costa

Por um bem viver

O ornamento da vida está na forma como um país trata suas crianças'. A 1

frase do sociólogo Gilberto Freyre deixa nítida a relação de cuidado que uma nação 2

deve ter com as questões referentes à infância. Dessa forma, é válido analisar a 3

maneira como o excesso de publicidade infantil pode contribuir negativamente para 4

o desenvolvimento dos pequenos e do Brasil. 5

É importante pontuar, de início, que a abusiva publicidade na infância muda o 6

foco das crianças do que realmente é necessário para sua faixa etária. Tal situação 7

torna essas crianças pequenos consumidores compulsivos de bens materiais, muitas 8

vezes desapropriados para determinada idade, e acabam por desvalorizar a cultura 9

imaterial, passada através das gerações, como as brincadeiras de rua e as cantigas. 10

Prova disso são os dados da UNESCO afirmarem que cerca de 85% das crianças 11

preferirem se divertir com os objetos divulgados nas propagandas, tornando notório 12

que a relação entre ser humano e consumo está “nascendo” desde a infância. 13

É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo 14

que infância que está sendo construída na atualidade. Essa relação existe porque um 15

país precisa de futuros adultos conscientes, tanto no que se refere ao consumo, como 16

às questões políticas e sociais, pois a atenção excessiva dada à publicidade infantil 17

vai gerar adultos alienados e somente preocupados em comprar. Assim, a ideia do 18

líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece fazer 19

alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne 20

abusiva, pois as crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo. 21

Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva 22

influencia de maneira negativa tanto a infância em si como também o Brasil. É 23

preciso que o governo atue iminentemente nesse problema através da aplicação de 24

multas nas empresas de publicidade que ultrapassarem os limites das faixas etárias 25

estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Infância e da Juventude. Além disso, 26

é preciso que essas crianças sejam estimuladas pelos pais e pelas escolas a terem 27

um maior hábito de ler, através de concessões fiscais às famílias mais carentes, em 28

livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a fim de que o 29

Brasil garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão: 30

“o importante não é viver, mas viver bem”. 31

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Anexo 3 – Redação 3

Giovana Lazzaretti Segati – RS

Criança: futuro consumidor

A propaganda é a principal arma das grandes empresas. Disseminada em 1

todos os meios de comunicação, a ampla visibilidade publicitária atinge seu principal 2

objetivo: expor um produto e explicar sua respectiva função. No entanto, essa 3

mesma função é distorcida por anúncios apelativos, que transformam em sinônimos 4

o prazer e a compra, atingindo principalmente as crianças. 5

As habilidades publicitárias são poderosas. O uso de ídolos infantis, desenhos 6

animados e trilhas sonoras induzem a criança a relacionar seus gostos a vários 7

produtos. Dessa maneira, as indústrias acabam compartilhando seus espaços; como 8

exemplo as bonecas Monster High fazendo propaganda para o fast food Mc 9

Donalds. A falta de discussão sobre o assunto é evidenciada pelas opiniões distintas 10

dos países. Conforme a OMS, no Reino Unido há leis que limitam a publicidade para 11

crianças como a que proíbe parcialmente – em que comerciais são proibidos em 12

certos horários -, e a que personagens famosos não podem aparecer em 13

propagandas de alimentos infantis. Já no Brasil há a autorregulamentação, na qual o 14

setor publicitário cria normas e as acorda com o governo, sem legislação específica. 15

A relação entre pais, filhos e seu consumo se torna conflituosa. As crianças 16

perdem a noção do limite, que lhes é tirada pela mídia quando a mesma reproduz 17

que tudo é possível. Como forma de solucionar esse conflito, o governo federal pode 18

criar leis rígidas que restrinjam a publicidade de bens não duráveis para crianças. 19

Além disso, as escolas poderiam proporcionar oficinas chamadas de “Consumidor 20

Consciente” em que diferenciam consumo e consumismo, ressaltando a real 21

utilidade e a durabilidade dos produtos, com a distribuição de cartilhas didáticas 22

introduzindo os direitos do consumidor. Esse trabalho seria efetivo aliado ao diálogo 23

com os pais. 24

Sérgio Buarque de Hollanda constatou que o brasileiro é suscetível a 25

influências estrangeiras, e a publicidade atual é a consequência direta da 26

globalização. Por conseguinte é preciso que as crianças, desde pequenas, saibam 27

diferenciar o útil do fútil, sendo preparados para analisar informações advindas do 28

exterior no momento em que observarem as propagandas. 29

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Anexo 4 – Redação 4

Júlia Neves Silva Dutra – MG

(sem título)

A Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra durante o século 1

XVIII, trouxe a necessidade de um mercado consumidor cada vez maior em função 2

do aumento de produção. Para isso, o investimento em publicidade tornou-se um 3

fator essencial para ampliar as vendas das mercadorias produzidas. Na sociedade 4

atual, percebe-se as crianças como um dos focos de publicidade. Tal prática deve 5

ser restringida pelo Estado para garantir que as crianças não sejam persuadidas a 6

comprar determinado produto. 7

A partir da mecanização da produção, o estímulo ao consumo tornou-se um 8

fator primordial para a manutenção do sistema capitalista. De acordo com Karl Marx, 9

filósofo alemão do século XIX, para que esse incentivo ocorresse, criou-se o fetiche 10

sobre a mercadoria: constroi-se a ilusão de que a felicidade seria alcançada a partir 11

da compra do produto. Assim, as crianças tornaram-se um grande foco das 12

empresas por não possuírem elevado grau de esclarecimento e por serem 13

facilmente persuadidas a realizarem determinada ação. 14

Para atingir esse objetivo, as empresas utilizam da linguagem infantil, de 15

personagens de desenhos animados e de vários outros meios para atrair as 16

crianças. O Conselho Nacional de Direitos de Criança e do Adolescente aprovou 17

uma resolução que considera a publicidade infantil abusiva, porém não há um 18

direcionamento concreto sobre como isso vai ocorrer. É imprescindível uma maior 19

rigidez do Estado sobre as campanhas publicitárias infantis, pois as crianças farão 20

parte do mercado consumidor e devem ser educadas para se tornarem 21

consumidores conscientes. 22

Logo, o Estado deve estabelecer um limite para os comerciais voltados ao 23

público infantil por meio da proibição parcial, que estabelece horários de transmissão 24

e faixas etárias. Além disso, o uso de personagens de desenhos animados em 25

campanhas publicitárias infantis deve ser proibido. Para efetivar as ações estatais, 26

instituições como a família e a escola devem educar as crianças para consumirem 27

apenas o que é necessário. Apenas assim o consumo consciente poderá se realizar 28

a médio prazo. 29

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Anexo 5 – Redação 5

Lucas Almeida Francisco – SE

(sem título)

A publicidade infantil tem sido pauta de discussões acerca dos abusos 1

cometidos no processo de disseminação de valores que objetivam ao consumismo, 2

uma vez que a criança, ao passar pelo processo de construção da sua cidadania, 3

apropria-se de elementos ao seu redor, que podem ser indesejáveis à manutenção 4

da qualidade de vida. 5

O sociólogo Michel Foucault afirma que 'nada é político, tudo é politizável, 6

tudo pode tornar-se político'. A publicidade politiza o que é imprescindível ao 7

consumidor à medida que abarca a função apelativa associada à linguagem 8

empregada na disseminação da imagem de um produto, persuadindo o público-alvo 9

a adquiri-lo. 10

Ao focar no público infantil, os meios publicitários elencam os códigos e as 11

características do cotidiano da criança, isto é, assumem o habitus – conceito de 12

Pierre Bourdieu, definido como 'princípios geradores de práticas distintas e 13

distintivas' – típico dessa faixa etária: o desenho animado da moda, o jogo eletrônico 14

socialmente compartilhado, o brinquedo de um famoso personagem da mídia, etc. 15

Por outro lado, a criança necessita de um espaço que a permita crescer de 16

modo saudável, ou seja, com qualidade de vida. Os abusos publicitários afetam essa 17

prerrogativa: ao promoverem o consumo exarcebado, causam dependência material, 18

submetendo crianças a um círculo vicioso de compras, no qual, muitas vezes, os 19

pais não podem sustentar. A felicidade é orientada para um produto, em detrimento 20

de um convívio social saudável e menos materialista. 21

De modo a garantir o desenvolvimento adequado da criança e diminuir os 22

abusos da publicidade, algumas medidas devem ser tomadas. O governo deve 23

investir em políticas públicas que atuem como construtoras de uma 'consciência 24

mirim', através de meios didáticos a fomentar a imaginação da criança, orientando-a 25

na recepção de informações que a cercam. Em adição, os pais devem estar atentos 26

aos elementos apropriados pelos seus filhos em propagandas, estimulando o 27

espírito crítico deles, a contribuir para a futura cidadania que os espera. 28

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Anexo 6 – Proposta de Redação Enem 2014

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Anexo 7 – Matriz de referência para a redação do Enem

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Anexo 8 – Planilha de avaliação da UFRGS

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Anexo 9 – Planilha de correção da Universidade de Caxias do Sul

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DA UCS

INDICADORES

PARTE 1 – ELIMINATÓRIA 1.1 O texto produzido é uma dissertação? SIM

NÃO

PARTE 2 – ELIMINATÓRIA 2.1 O tema proposto foi observado? SIM

NÃO

PARTE 3 - CLASSIFICATÓRIA

3.1 CONSISTÊNCIA / COERÊNCIA TEXTUAIS (Pontos ganhos sobre 100) Observação: esta arte compreende, também, a avaliação dos mecanismos/elementos de articulação, nos níveis macro e microtextuais (sequenciação, paragrafação, coordenação/subordinação, definitivização, pronominalização, nominalização, uso de operadores argumentativos, seleção lexical, grau de informatividade, seleção e hierarquização dos argumentos) 3.1.1 TESE: EPRESSÃO DE POSICIONAMENTO CRÍTICO

10 15

3.1.2 ARGUMENTO(S): PRESENÇA

ZERO 10 25 40

3.1.3 EVIDÊNCIA (S): DEMONSTRAÇÃO/ILUSTRAÇÃO

_____ BAIXA MÉDIA ALTA

ZERO 10 20 30

3.1.4 NOVA TESE: COMO RATIFICAÇÃO/REELABORAÇÃO DO POSICIONAMENTO DESENVOLVIDO

ZERO 05 10

3.2 TÍTULO COMO ELEMENTO CONTEXTUALIZADOR EM RELAÇÃO AO TEXTO PRODUZIDO

ZERO 03 05

SUBTOTAL – ITEM 3.1 MAIS ITEM 3.2 (máximo de 100 pontos) 3.3 MECANISMOS MORFOSSINTÁTICOS E CONVENÇÕES ORTOGRÁFICAS – PONTOS PERDIDOS SOBRE 15 3.3.1 REGÊNCIA NOMINAL E VERBAL, CRASE, CONCORDÂNCIA NOMINAL E VERBAL, FLEXÃO NOMINAL E VERBAL, PONTUAÇÃO, PARALELISMO, COLOCAÇÃO PRONOMINAL, AMBIGUIDADE SINTÁTICA.

- NÃO HÁ ERROS ZERO - 1 A 6 ERROS 03

- 7 A 10 ERROS 05 - 11 A 15 ERROS 07 - + DE 16 ERROS 10

3.3.2 GRAFIA DAS PALAVRAS, ACENTUAÇÃO GRÁFICA E OUTRAS MARCAÇÕES

- NÃO HÁ ERROS ZERO - 1 A 4 ERROS 01 - 5 A 8 ERROS 02

- 9 A 10 ERROS 03 - + DE 10 ERROS 05

SUBTOTAL – ITEM 3.3.1 MAIS ITEM 3.3.2 TOTAL: ITEM 3.1 MAIS ITEM 3.2 MENOS ITEM 3.3 NOTA FINAL: (Nº DE PONTOS ÷ 10 COM ARREDONDAMENTO

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Anexo 10 – Planilha de correção da UniRitter/Laureate International Universities

1 Adequação ao

tipo de texto e

tema

2 Uso da norma culta 3 Coesão e

coerência textual

4 Autonomia,

criticidade e

originalidade

TOT

AL

Nº DO

CANDID

ATO

0 0,

25

0,

5

0,

75

1 1,

25

0 0,

25

0,

5

0,

75

1 1,

25

0 0,

25

0,

5

0,

75

1 1,

25

0 0,

25

0,

5

0,

75

1 1,

25