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0 FACULDADE DE DIREITO LETÍCIA BORGES DAS NEVES LEI 12.694/2012: O COLEGIADO DE JUÍZES E A VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS . CANOAS 2014/1

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FACULDADE DE DIREITO

LETÍCIA BORGES DAS NEVES

LEI 12.694/2012: O COLEGIADO DE JUÍZES E A VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS

PROCESSUAIS PENAIS

.

CANOAS

2014/1

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LETÍCIA BORGES DAS NEVES

LEI 12.694/2012: O COLEGIADO DE JUÍZES E A VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS

PROCESSUAIS PENAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof.ª Ms. Simone Schroeder

.

CANOAS

2014/1

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LETÍCIA BORGES DAS NEVES

LEI 12.694/2012: O COLEGIADO DE JUÍZES E A VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS

PROCESSUAIS PENAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Banca Examinadora

constituída por:

_________________________________

Simone Schroeder

_________________________________

Nome do Professor

_________________________________

Nome do Professor

Canoas

2014/1

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Dedico este trabalho

especialmente a minha mãe, por todo esforço empreendido em me propiciar a herança mais preciosa que poderia oferecer: o estudo.

Mãe é por ti que tenho me dedicado estes anos de graduação. Orgulho-me da mulher batalhadora que me ensina pelo exemplo todos os dias.

Este sonho não teria se concretizado sem teu apoio, sempre.

Eu te amo Mãe.

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Agradeço primeiramente a Deus por não me deixar desistir nunca e guiar-me pelo caminho certo.

À minha família, meus amados pais Geraldo e Neuza e à minha irmã Natália, por todo incentivo e compreensão nos momentos difíceis. Vocês são o meu alicerce e o exemplo de caráter que me espelho cada dia.

A ele, pela compreensão nos momentos em que estive ausente durante a graduação; obrigado pelo companheirismo e pelos momentos de conforto; foi tão mais fácil estando contigo.

Ao Eneri e a Nilza, pela hospitalidade e toda generosidade. Exemplos de humildade e bondade, vocês são incríveis.

À minha querida orientadora Profª. Simone Schroeder, por todos os ensinamentos compartilhados ao longo da elaboração deste trabalho. Sinto-me honrada em ter sido sua aluna, e agora, orientanda. Tu és uma pessoa iluminada, que ensina pelos princípios de uma justiça igualitária, sem distinção de partes. Um exemplo a ser seguido por todos atuantes na esfera jurídica, especialmente na área criminal.

E por fim, e não menos importante, agradeço aos amigos que conquistei durante a graduação, os quais foram verdadeiros presentes que vou levar para sempre comigo, Matheus Veeck, Vinícius Reis, Clarice Giacomini, Nadine Terra, Isadora Fraga, Felipe Severo, e as colegas, e agora amigas muito especiais, Sulie Andriotti, Tamara Augustin, Vanessa Fernandes, que tornaram minhas noites mais alegres, e com quem pude dividir as angustias do trabalho acadêmico.

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“Se as coisas são inatingíveis – ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas”

MÁRIO QUINTANA

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a controvérsia acerca da composição

de colegiados de juízes, em primeiro grau de jurisdição, para a prática de qualquer

ato processual, quer seja em processos ou procedimentos, que tenham por objeto

crimes praticados por organização criminosa, com o advento da Lei nº 12.694, de 24

de Julho de 2012, frente a (in)observância de princípios processuais penais. Para

tanto, no primeiro capítulo serão analisados os componentes de organização

criminosa e sua extensão, inclusive, com a conceituação da organização instituída

pela Lei nº 12.694/12, e posteriormente, com a nova redação dada pela lei nº

12.850/13. Além disso, no segundo capítulo, são verificadas as implicações na

instauração de um colegiado em primeiro grau de jurisdição e seus reflexos

processuais penais, face à vedação da publicação do voto divergente e o sigilo das

reuniões do colegiado. Ato contínuo analisar-se-á os fundamentos que balizam a

formação do colegiado e as críticas a respeito desse novo sistema. Por fim,

discorrer-se-á sobre a observância das garantias constitucionais do devido processo

legal e suas restrições junto à Lei 12.694/12, quais sejam: ampla defesa e

contraditório, juiz natural, imparcialidade, identidade física do juiz, publicidade e

motivação das decisões judiciais.

Palavras chave: Lei 12.694/12. Composição de colegiado. Crime organizado. Princípios processuais penais. Garantias Constitucionais. Devido processo penal.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................. 8

2 O CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E SUA EXTENSÃO

COM O ADVENTO DAS LEIS N.º 12.694/12 e 12.850/13..........................

11

3 IMPLICAÇÕES NA INSTAURAÇÃO DE COLEGIADO PARA JULGAR

CRIMES PRATICADOS POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E SEUS

REFLEXOS PROCESSUAIS E

CONSTITUCIONAIS....................................................................................

26

3.1 Vedação da publicação do voto divergente................................................. 32

3.2 Sigilo das reuniões do colegiado.................................................................. 40

3.3 Fundamentos que balizam a formação do colegiado e as críticas a respeito desse novo sistema........................................................................

45

4 OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E SUAS RESTRIÇÕES JUNTO À LEI 12.694/12.....

53

4.1 Princípio da Ampla Defesa e Contraditório.................................................. 55

4.2 Princípio do Juiz Natural.............................................................................. 60

4.3 Princípio da Imparcialidade.......................................................................... 66

4.4 Princípio da Identidade Física do Juiz.......................................................... 72

4.5 Princípio da Identidade Física do Juiz.......................................................... 76

5 CONCLUSÃO.............................................................................................. 81

REFERÊNCIAS............................................................................................ 84

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1 INTRODUÇÃO

Publicada em 24 de julho de 2012, sob a vacatio legis de 90 dias, a Lei n.

12.694/12, instituiu a possibilidade de instauração de colegiado de juízes no primeiro

grau de jurisdição, em processos ou procedimentos, que tenham por objeto crimes

praticados por organização criminosa. Com efeito, as inovações previstas nesta lei

estão gerando grande discussão doutrinária, e consequentemente acarretará

intensos debates jurisprudenciais, acerca da possibilidade de formação de colegiado

de juízes, em primeiro grau de jurisdição, composto para a prática de qualquer ato

processual.

O colegiado será convocado pelo juiz competente para processar e julgar a

demanda, que deverá fundamentar sua decisão, indicando os motivos e as

circunstâncias que acarretem risco à sua integridade física, e inclusive, deverá

comunicar o órgão correicional, a fim de evitar abusos na sua composição. Este

colegiado então será composto, como já mencionado, pelo juiz competente,

igualmente denominado de juiz natural, e por mais dois juízes escolhidos por meio

de sorteio eletrônico, que devem ter jurisdição criminal para investidura.

As questões que recaem maior controvérsia se cingem nas decisões do

colegiado, as quais poderão: a) ser sigilosas, no que se refere às reuniões e, b) não

fazer referência a voto divergente, se houver. A decisão tomada pelos magistrados,

necessariamente, deverá constar a assinatura de todos os integrantes do colegiado,

ainda que não seja unânime o entendimento acerca de determinado ato processual

para o qual foi convocado.

Ante as inovações da lei 12.694/12, mormente pela vedação da publicidade

do voto divergente, se houver, alguns doutrinadores passaram a compará-la com

leis estrangeiras, como da Colômbia e Peru, que instituíram a figura do “juiz sem

rosto”.

A lei 12.694/12 resultou da aprovação do Projeto de Lei n. 2.057/2007,

decorrente da Sugestão n. 258/2006, apresentada pela Associação dos Juízes

Federais do Brasil (AJUFE) à Câmara dos Deputados, com o intuito de garantir

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maior segurança no exercício da função institucional de magistrados, e, em alguns

casos, membros do Ministério Público.

Como fundamento, a referida lei tem por objetivo proporcionar maior

segurança aos atuantes na jurisdição criminal, a fim de dar uma resposta efetiva à

sociedade quanto aos crimes praticados contra a vida de juízes, envolvendo

organizações criminosas, por vezes, de grande potencial econômico e vasta

influência no meio criminal.

Além de prever a possibilidade de composição do colegiado, a lei 12.694/12

trouxe a definição de organização criminosa, haja vista que a Lei n. 9.034, de 03 de

maio de 1995, regulava tão somente os meios de prova e procedimentos

investigatórios. No que pertine, a organização criminosa, carecia de conceito legal e

definição dos seus requisitos, pressupostos e limites legais.

Contudo, no que concerne a conceituação de organização criminosa, cabe

esclarecer que a novel Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, revogou a Lei n.

9.034, de 03 de maio de 1995, e trouxe nova definição de organização criminosa,

dispondo sobre os meios de obtenção de provas, sem que tenha alterado a lei

12.694/12. Nesse contexto, estão vigentes quanto à organização criminosa as duas

leis supracitadas, ainda que haja evidentes divergências entre ambas, tendo em

vista que a lei 12.694/12, considera a organização criminosa a associação de 3

(três) ou mais pessoas, e a nova lei 12.850/13, estabelece como organização

criminosa, a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenadas

pela divisão de tarefas, a fim de obter vantagem ilícita de qualquer natureza.

Em que pese o fundamento para a redação da Lei 12.694/12, leva em conta o

risco enfrentado por magistrados e promotores públicos da área criminal, ao

constituir no caso concreto o colegiado de juízes previsto nesta lei, poderá estar

acarretando ofensa a princípios processuais penais, como será demonstrado no

decorrer do presente trabalho.

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Nessa linha, com as inovações advindas da lei 12.694/12, far-se-á a

verificação da sua compatibilidade com as garantias do devido processo legal,

especialmente os princípios processuais penais.

O presente trabalho acadêmico não pretende exaurir todas as inovações

advindas pela lei 12.694/12, restringir-se-á aos aspectos processuais relativos ao

processo e julgamento de feitos que tenham por objeto organização criminosa,

objetivando analisar os reflexos na defesa plena do acusado, ante a adoção do novo

sistema aplicado.

Inicialmente, analisar-se-á a conceituação de organização criminosa e sua

extensão, confrontando a definição dada pela nova lei 12.850/13, que aumenta o

número de associados na organização para 4 (quatro) ou mais pessoas.

Após, observar-se-á as implicações na instauração de um colegiado e seus

reflexos processuais penais, face à vedação da publicação do voto divergente e o

sigilo das reuniões do colegiado, verificando os fundamentos que balizam a sua

aplicação e as críticas a respeito desse novo sistema, frente aos limites estatais e à

articulação com o devido processo legal.

Por derradeiro, abordar-se-á as garantias constitucionais do devido processo

legal e suas restrições junto à lei 12.694/12, discorrendo sobre os princípios

processuais penais, quais sejam: ampla defesa e contraditório, juiz natural,

imparcialidade, identidade física do juiz, publicidade e motivação, com enfoque na

observância da (in)existência de paridade de armas dos atores processuais penais.

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2 O CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E SUA EXTENSÃO COM O

ADVENTO DAS LEIS N.º 12.694/12 E 12.850/13

Inicialmente, antes de aprofundar-se nas inovações advindas com a lei

12.694/12 e seu reflexo no ordenamento processual penal, mostra-se imprescindível

a contextualização do momento em que o projeto de lei foi apresentado à Câmara

de Deputados, até a sua aprovação como Lei Federal.

A Sugestão n. 258/20061 apresentada pela Associação dos Juízes Federais

do Brasil (AJUFE) à Câmara dos Deputados, deliberava sobre a sobre a

necessidade de medida que diminuísse a pessoalização do processo, conferindo

maior segurança a magistrados vítimas de retaliações, em decorrência da

individualização do julgador.

Para a AJUFE a segurança dos juízes está atrelada, de igual modo, à

faculdade de o juiz tomar medidas eficazes a fim de combater o crime organizado,

sem o qual, permaneceria sujeito a pressões e ameaças.2

A Sugestão restou acolhida pela Câmara de Deputados, vindo a se tornar o

projeto de Lei n. 2057/20073, que, após a devida tramitação legislativa, sendo objeto

de emendas, foi aprovado, e com o decreto do Congresso Nacional e a sanção da

Presidente Dilma Roussef, tornou-se a Lei n. 12.694/12.4

Antecedendo a lei, e como um de seus fundamentos, noticiou-se as

circunstâncias da morte da juíza Patrícia Lourival Acioli, titular da 4ª vara criminal de

São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, RJ, ocorrido em 2011. A

1 ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL. Sugestão n. 285. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=425521&filename=SUG+258/2006+CLP>. Acesso em: 12 mar. 2014. 2 ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL. Sugestão n. 285. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=425521&filename=SUG+258/2006+CLP>. Acesso em: 12 mar. 2014. 3 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2057 de 2007. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=505298&filename=PL+2057/2007>. Acesso em: 10 mar. 2014. 4 BRASIL. Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012.

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magistrada que foi assassinada por razões funcionais, atuava em diversos

processos que analisavam o envolvimento de policiais militares em casos

registrados como autos de resistência.5

Anteriormente, veiculou-se nos meios de comunicação o assassinato de

outros juízes, como Antônio José Machado Dias, ocorrido em 13 de março de 2003,

na cidade de Presidente Prudente, SP6, e Alexandre Martins de Castro Filho,

ocorrido em 24 de março de 2003, na cidade de Itapuã, ES.7

Em decorrência das circunstâncias dos crimes supramencionados, e a

concomitante revelação de inúmeros magistrados ameaçados, mostrou-se

imprescindível à adoção de medidas que conferissem maior segurança àqueles

atuantes na área criminal8. Nesse contexto, a lei 12.694/12 trouxe medidas

protetivas de segurança pessoal, como o controle de acesso com identificação,

especialmente nas varas criminais; instalação de câmeras de vigilância nos prédios

da Justiça; instalação de aparelhos detectores de metais nos prédios, principalmente

nas varas criminais ou salas de audiência; uso de placas especiais em veículos

utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que tenham

atribuição criminal; porte de arma por servidores que estejam no exercício de

funções de segurança, e no que se refere ao processo e julgamento, os quais

tenham por objeto crimes praticados por organização criminosa, a possibilidade de

composição de um colegiado de juízes para prática de qualquer ato processual.

Sobre o tema, questionou Hugo Barbosa Torquato Ferreira, indagando se “a

nova lei protege magistrados em detrimentos de jurisdicionados?”.9

5 ASSASSINATO de Juíza Patrícia Acioli foi planejado um mês antes. Folha de São Paulo. São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2011/09/977238-assassinato-de-juiza-patricia-acioli-foi-planejado-um-mes-antes.shtml>. Acesso em: 06 mar. 2014. 6 POLÍCIA abre investigações do assassinato de juiz. Terra, São Paulo, 2003. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI93970-EI306,00-Policia+abre+investigacoes+do+assassinato+de+juiz.html>. Acesso em: 08 mar. 2014. 7 JUIZ do ES morto por combater o crime organizado dá nome a rua. G1 Globo. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2013/03/eventos-marcam-os-10-anos-da-morte-do-juiz-alexandre-martins-no-es.html>. Acesso em: 17 mar. 2014. 8 LOPES, José Fernando da Silva. Os juízes sem rosto. JCNET. Bauru, 2012. Disponível em: <http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=224333>. Acesso em: 20 mar. de 2014. 9 FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em: 17 mar. 2014.

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Em análise à lei, Odilon Oliveira, afirmara que a lei no geral é ‘boa’, pois

viáveis as medidas assecuratórias previstas no novo sistema, vez que “a segurança

não atrapalha em nada, pelo contrário, dá tranquilidade”. Entretanto faz ressalvas

quanto ao colegiado, ao referir que outras medidas podem ser mais eficazes, como

a reforma do judiciário; o fortalecimento do instituto de proteção a testemunhas; a

estruturação da polícia; concluindo que “o crime organizado só é ousado porque não

encontra resistência.”10

A lei 12.697 publicada no Diário Oficial da União em 25 de julho de 2012, sob

a vacatio legis de 90 dias, trouxe inovações que estão gerando grandes discussões

no âmbito doutrinário acerca da (in)observância de garantias processuais penais,

mormente por instituir a faculdade de composição de colegiado de juízes, em

primeiro grau de jurisdição, em processos ou procedimentos, para a prática de

qualquer ato processual, que tenham por objeto, crimes envolvendo organização

criminosa.

De início, a questão de grande relevância em face da lei 12.692/12, se dá na

conceituação de organização criminosa, tendo em vista que esta carecia de

definição legal. Até a edição da referida lei, não havia no ordenamento jurídico

definição de organização criminosa, isso porque, a Lei n. 9.034, de 03 de maio de

199511 – revogada com a publicação da novel lei 12.850/1312, regulava tão somente

os meios de provas e procedimentos investigatórios. Porquanto, em que pese à lei

9.034/95 tratar de organização criminosa, o seu conceito restava indefinido.13

Sobre a definição de organização criminosa prevista na lei 9.034/95, se

manifestou Luiz Flávio Gomes:

10 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax. Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: <http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014. 11 BRASIL. Lei n. 9.034, de 03 de maio de 1995. 12 BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. 13 ANDRADE, Osvaldo Lucas. A lei 12694: Definição de organização criminosa e a formação dos colegiados em primeiro grau. Diário da Jurisprudência. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://diariodajrurisprudencia.blogspot.com.br/2012/08/a-lei-12694-definicao-de-organizacao.html> Acesso: em 06 mar. 2014.

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14

Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade).14

No mesmo sentido, Eugênio Raul Zaffaroni afirmara que crime organizado

tratava-se de “uma categoria frustrada, ou seja, de uma tentativa de categorização

que acaba em uma noção difusa.”15

Segundo o autor, na perspectiva jurídico-penal prático, a definição de

organização criminosa é desnecessária, pois não constitui nada que não está

compreendido no conceito de bando ou quadrilha16, tipo de crime contra a paz

pública, previsto em legislações penais.17

Nesta ótica, Juarez Cirino dos Santos pontua que

[...] as referidas associações de pessoas podem significar formação de bandos ou quadrilhas criminosas, assim como os fatos praticados por tais bandos ou quadrilhas podem constituir crimes, mas não são incapazes de provar a existência de crime organizado, porque conceitos sem validade científica não podem ser demonstrados.18

Diante do impasse acerca da ausência de definição de organização

criminosa, recomendou-se adotar o conceito da Convenção de Palermo, que foi

14 GOMES, Luiz Flávio. Que se entende por crime organizado (Parte 1). LFG. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100301093925108>. Acesso em: 17 mar. 2014. 15 ZAFFARONI, 1996 apud SANCTIS, Fausto Martin de. Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.9. 16 Com a alteração promovida pela lei n. 12.850, de 02 de agosto de 2013, o art. 288 do Código Penal, passou a vigorar com a seguinte redação: “Associação Criminosa - Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.” BRASIL. Lei n. 12.850 de 02 de agosto de 2013. 17 ZAFFARONI, 1996 apud SANCTIS, Fausto Martin de. Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.9. 18 BONATO, Gilson (Org.) Direito Penal e Processual Penal: uma visão garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p.147.

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15

ratificada pelo Decreto Legislativo n. 231 e promulgada pelo Decreto n.

5.015/200419, do qual surgiram controvérsias.20

A Convenção entende crime organizado por:

“Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material21.

A adoção do conceito estabelecido na Convenção de Palermo, foi tema

abordado pelo Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação n. 3, de 30

de maio de 200622, que no item 2, discorre que “Para os fins desta recomendação,

sugere-se: a) a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção

das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de

2000 [...]”.

A favor da aplicação da definição contida na Convenção de Palermo, para fins

da lei 9.034/95, se posicionou Fernando Capez, no sentido de que se acabariam as

restrições quanto à incidência da lei do crime organizado em face do argumento de

que não foram definidas em lei, e inclusive, concordou que o conceito é um pouco

vago, posto que a convenção exige que a organização esteja formada há “algum

tempo”, sem definir quanto.23

De outro lado, manifestou-se Luiz Flávio Gomes, contra, ao afirmar que a

Convenção de Palermo é muito genérica, violando a garantia da taxatividade

19 BRASIL. Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 29 mar. 2014. 20 ANDRADE, Osvaldo Lucas. A lei 12694: Definição de organização criminosa e formação dos colegiados em primeiro grau. Diário da Jurisprudência. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://diariodajrurisprudencia.blogspot.com.br/2012/08/a-lei-12694-definicao-de-organizacao.html>. Acesso em: 06 mar. 2014. 21 BRASIL. Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 29 mar. 2014. 22 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, Recomendação nº 3, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12083-recomenda-no-3>. Acesso em: 12 mar. 2014. 23 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 2008. p.240. v.4.

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emanada pelo princípio da legalidade. Assentou ainda, que a Convenção exige a

natureza transnacional, não sendo qualquer criminalidade organizada que se

encaixa na definição.24

Desse modo, a lei 9.034/95, com redação dada pela lei 10.217/0125, tratou

somente dos mecanismos operacionais na repressão das ações praticadas por

organização criminosas, concluindo-se que haveria conceitos diversos.26

A esse respeito, em que pese tenha instituído a organização criminosa, à lei

(9.034/95) não tratou do seu sentido jurídico, logo, ausente de definição legal.

Portanto, estava a organização criminosa enunciada na lei, mas não tipificada no

nosso ordenamento jurídico.27

Por não haver definição mínima, o crime organizado, sob os mecanismos da

lei 9.034/95, não proporcionava o conhecimento do proibido, dispondo tão somente

de um enunciado absolutamente indeterminado.28

A lei penal deve ser certa e determinada, logo, taxativa. Nesse sentido,

Beatriz Rizzo Castanheira, afirmara que “A taxatividade da lei é uma imposição que

num primeiro momento obriga o legislador, ao definir o campo do punível e, num

momento posterior, impõe-se ao juiz, proibindo-o de usar analogia e de criar o

campo punível.”29

24 GOMES, Luiz Flávio. Que se entende por crime organizado (Parte 1). LFG. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100301093925108>. Acesso em: 17 mar. 2014. 25 BRASIL. Lei 10.217, de 11 de abril de 2011. 26 SANCTIS, Fausto Martin de. Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.9. 27 GOMES, Luiz Flávio. Que se entende por crime organizado (Parte 1). LFG. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100301093925108>. Acesso em: 17 mar. 2014. 28 CASTANHEIRA, Beatriz Rizzo. Organizações Criminosas no Direito Penal Brasileiro: o estado de Prevenção e o Princípio da Legalidade Estrita. Revisa Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n.24, out./dez. 1998. p.114. 29 CASTANHEIRA, Beatriz Rizzo. Organizações Criminosas no Direito Penal Brasileiro: o estado de Prevenção e o Princípio da Legalidade Estrita. Revisa Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n.24, out./dez. 1998. p.112.

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Por assim dizer, e em razão do princípio da legalidade, o delito deve estar

previamente escrito, de forma certa e previamente estrita na lei penal.30

Nesse sentido, Francisco de Assis Toledo assevera que a tipicidade pode ser

compreendida como “um juízo formal de subsunção que decorre da “função de

garantia” do tipo, para que se observe o princípio da anterioridade de lei penal.”31

Para Zaffaroni,

[...] quando o legislador encontra-se diante de um ente e tem interesse em tutelá-lo, é porque o valora. Sua valoração do ente traduz-se em uma norma, que eleva o ente à categoria de bem jurídico. Quando quer dar uma tutela penal a esse bem jurídico, com base na norma elabora um tipo penal e o bem jurídico passa a ser penalmente tutelado.32

Logo, segundo Renata Almeida da Costa, para determinação típica do crime

organizado, “dever-se-ia partir da identificação do “ente”, ou do bem jurídico que se

quer proteger, passando pela norma, chegando, então, ao tipo.”33

Sob a visão garantista, a lei 9.034/95 só podia ser considerada “letra morta”,

tendo em vista que a entidade por ausência de definição normativa, não possibilitava

que os meios propostos pela lei fossem utilizados, pois inexistia o conceito que a

definia.34

Com efeito, ante a imprecisão conceitual de organização criminosa, Heloísa

Estellita e Luís Greco mencionaram existir inúmeras propostas de definição, dentre

elas: da Europol 161-REV-3, que instituía como a reunião de mais de duas pessoas,

sobre as quais recaísse a suspeita de cometimento de um crime grave, com ânimo

de lucro; da Decisão-quadro 2008/841/JAI do Conselho da União Europeia, que a 30 COSTA, Renata Almeida da. A Sociedade Complexa e o Crime Organizado: a contemporaneidade e o risco nas organizações criminosas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.142. 31 TOLEDO, Francisco de Assis. p. 125. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p.125. 32 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1999. p.455. 33 COSTA, Renata Almeida da. A Sociedade Complexa e o Crime Organizado: a contemporaneidade e o risco nas organizações criminosas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.143-144. 34 CASTANHEIRA, Beatriz Rizzo. Organizações Criminosas no Direito Penal Brasileiro: o estado de Prevenção e o Princípio da Legalidade Estrita. Revisa Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n.24, out./dez. 1998. p.116.

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definia como grupo formado por mais de duas pessoas, associadas de forma

estruturada, com ânimo de permanência e finalidade de combater crimes graves,

com o intuito de obter benefícios financeiros e materiais; da Convenção de Palermo,

anteriormente referida, que utiliza a expressão de ‘grupo criminoso organizado’, que

prevê a reunião de três ou mais pessoas, com atuação há algum tempo e com o

objetivo de obter benefício econômico ou material, cometendo infrações definidas na

Convenção;

Não obstante tais definições, os autores assentaram que a definição de

organização criminosa não se encontrava prevista em lei, tampouco na chamada Lei

de Organizações Criminosas.35

Para José Paulo Baltazar Jr., a organização criminosa possui características

que podem contribuir para uma definição legal, quais sejam: pluralidade de agentes,

organizados, que se traduz em uma coletividade; com estabilidade ou permanência,

cuja pretensão é cometer uma série de crimes; com o objetivo de lucro, de modo

que a organização é marcada pela presença de indivíduos de diversas classes

sociais, não estando atrelada somente a ideia de classes baixas, as quais procuram

uma ascensão social. O autor ainda refere como características a divisão de

trabalho, com funções definidas; estrutura empresarial, com planejamento e objetivo

de lucros; hierarquia, como decorrência da própria organização da empresa;

disciplina, mais comum às estruturas empresariais, não sendo traço característico de

qualquer organização; e conexão com o Estado, através de corrupção; clientelismo,

traduzido em uma relação recíproca, em que ambas as partes se beneficiam;

violência, entrelaçamento com outras organizações; flexibilidade e mobilidade de

agentes, para “adequar-se às relações sociais modernas”; mercado ilícito ou

exploração ilícita de mercados lícitos, vez que as organizações atuam em mercados

proibidos como drogas, armas, prostituição e jogos de azar, os quais possuem alta

demanda social, afirmando-se de tal modo no mercado, que por consequência, a

margem de lucro é determinada pelo próprio Estado; monopólio ou cartel ou a

divisão de mercado; controle territorial; uso de meios tecnológicos sofisticados;

transnacionalidade ligada a facilitação do transporte de bens e pessoas, com a

35 ESTELLITA, Heloísa; GRECO, Luís. Empresa, Quadrilha (Art. 288 do CP) e Organização Criminosa. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo. ano 19, n.91. jul./ago. 2011. p.394.

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ruptura de fronteiras, que intensificam o comércio internacional; embaraço do curso

processual, que dificultam a produção de provas, quer seja antecipadamente, pela

imposição de silêncio dos seus integrantes, ou no curso do processo, por meio de

ameaça a testemunhas e uso de violência; e a compartimentalização que está

intimamente ligada a ideia de hierarquia, pela qual, o executor dos crimes não

recebe as ordens dos líderes da organização, os quais não praticam por mãos

próprias e nem determinam diretamente.36

Face à imprecisão conceitual, Renata Almeida da Costa sugeriu a tipificação

de crime organizado como:

Associarem-se mais de três pessoas, de forma estável e permanente, organizando-se hierarquicamente, para a prática de crimes voltados à obtenção de vantagens econômicas ou ilícitas, a partir do estabelecimento de conexões locais, nacionais ou internacionais com outras organizações criminosas.37

A autora ainda assevera que os meios de combate a criminalidade organizada

extrapolam os limites do próprio Estado de Direto, pelo que, violam-se as garantias

constitucionais, tais como o aumento dos marcos penais, criam-se novos tipos

penais, bem como limitam-se a presunção de inocência, “em nome do popularesco

bem público”, e conclui, que a solução para a criminalidade, a qual afeta a

coletividade, centra-se em políticas criminais a longo prazo, “que extrapolam os

limites de atuação do Direito Penal”, devendo-se utilizar de outros mecanismos de

controle social.38

Sob outro enfoque, Fausto Martin de Sanctis, aduziu que o conceito de crime

“Não se cuida, pois, de identidade de conceitos, porquanto inconfundíveis, uma vez

que o conceito de crime organizado sempre envolve uma estrutura complexa e, de

certa forma, profissionalizada”. Assim, não era possível uma conceituação

formalmente rígida, pois não se trata apenas de organização internacional.

36 BALTAZAR JR, José Paulo. Crimes Federais. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p.505-512. 37 COSTA, Renata Almeida da. A Sociedade Complexa e o Crime Organizado: a contemporaneidade e o risco nas organizações criminosas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.145. 38 COSTA, Renata Almeida da. A Sociedade Complexa e o Crime Organizado: a contemporaneidade e o risco nas organizações criminosas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.138-139.

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Caracteriza-se pela ausência de vítimas individuais, e por um modus operandi com

divisão de tarefas, por vezes, em meio a um sistema sofisticado, com alto poder de

intimidação.39

Com a instituição da Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012, que “Dispõe sobre

o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes

praticados por organizações criminosas”, em seu art. 2º, trouxe a definição de

organização criminosa, assim entendida:

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.40

A lei 12.694/12 não só conceituou organização criminosa, visto que

anteriormente, apesar de existir no nosso ordenamento sua previsão - lei 9.034/95,

esta se fundava em controvérsias e divergências quanto à definição. A lei em

enfoque, possibilita a composição de colegiado de juízes, em primeiro grau de

jurisdição, em processos ou procedimentos, os quais envolvam organização

criminosa, para a prática de qualquer ato processual, especialmente os elencados

nos incisos do artigo 1º da lei.41

A referida lei também disciplina sobre métodos que visem à segurança de

magistrados e membros do Ministério Público, autorizando os tribunais a tomar

medidas para reforçar a segurança de seus prédios, com controle de acesso e

instalação de câmeras de vigilância.

Ainda no sentido de conferir maior segurança àqueles que atuam em

processos envolvendo organização criminosa, o Código de Trânsito Brasileiro 39 SANCTIS, Fausto Martin de. Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.8. 40 BRASIL.Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012. 41 “Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente: I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias; II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão; III - sentença; IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena; V - concessão de liberdade condicional; VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.” BRASIL. Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012.

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também foi alterado, passando a vigorar acrescido do §7º, do artigo 115, o qual

prevê, excepcionalmente, que mediante autorização motivada das respectivas

corregedorias e comunicação ao órgão de trânsito competente, os veículos

utilizados por membros do Poder Judiciário e Ministério Público, atuantes no

exercício criminal, poderão ter temporariamente placas distintas, com o objetivo de

impedir a identificação dos seus usuários.42

Em seu artigo 7º, a lei (12.694), dispõe que os agentes de segurança dos

tribunais, por expressa permissão prevista na Lei 10.826/2003, poderão portar arma

de fogo43, sendo estas, de responsabilidade e guarda das instituições, podendo ser

utilizadas somente quando em exercício.

A lei versa ainda sobre a perda de bens e alienação antecipada para

preservação do valor dos bens, conforme arts. 4º e 5º44, no entanto, cumpre

esclarecer que o presente trabalho não tratará dos efeitos e restrições acerca do

crime e/ou organização criminosa conceituada na nova lei 12.850/13, analisada a

seguir.

No que pertine a conceituação de organização criminosa, recentemente foi

publicada a lei n. 12.850, de 02 de agosto de 2013, que também define organização

criminosa e “dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova,

infrações penais correlatas e o procedimento criminal.”45

No artigo1º, § 1º, a lei 12.850/13 traz a conceituação de organização

criminosa, exigindo, em evidente divergência à lei 12.694/12, a associação de 4

(quatro) ou mais pessoas. Ambas as leis se identificam, no que diz à estrutura

ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, tendo por objetivo vantagem de

42 ANDRADE, Osvaldo Lucas. A lei 12694: Definição de organização criminosa e formação dos colegiados em primeiro grau. Diário da Jurisprudência. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://diariodajrurisprudencia.blogspot.com.br/2012/08/a-lei-12694-definicao-de-organizacao.html> Acesso em: 06 mar. 2014. 43 ANDRADE, Osvaldo Lucas. A lei 12694: Definição de organização criminosa e formação dos colegiados em primeiro grau. Diário da Jurisprudência. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://diariodajrurisprudencia.blogspot.com.br/2012/08/a-lei-12694-definicao-de-organizacao.html>. Acesso em: 06 mar. 2014. 44 BRASIL. Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012. 45 BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013.

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qualquer natureza, mediante a prática de crimes, cuja pena máxima seja igual ou

superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

A novel lei alterou o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código

Penal), e revogou a lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995, dando outras providências.

Como se verifica, a lei 12.850/13, não revogou a lei 12.694/12, logo, quanto à

organização criminosa, estão vigentes ambas as leis, ainda que haja evidentes

divergências na sua estrutura, pois, a primeira (12.694/12), instituiu a associação de

3 (três) ou mais pessoas, e a segunda (12.850/13), dispõe sobre a associação de 4

(quatro) ou mais pessoas, sendo esta última, mais benéfica ao réu, pois aumenta o

número de agentes para compor e definir a organização.

Há, portanto, um problema na aplicação do conceito de organização

criminosa, visto que, apesar da edição da nova lei 12.850/13, esta não alterou a lei

anterior (lei 12.694/12).

De acordo com o artigo 5º, XL, da Constituição Federal, “A lei penal não

retroagirá, salvo para beneficiar o réu” 46. Por ser assim, considerando que a lei mais

benigna deve ser aplicada, na vigência das leis 12.694/12 e 12.850/13, sendo a

segunda mais favorável, deve esta ser adotada no caso concreto, sem prescindir de

maiores discussões.

As normas processuais penais, assim entendidas como aquelas que, de

alguma forma, ampliam as garantias fundamentais dos acusados, devem obedecer

ao princípio da imediatidade, previsto no artigo 2º47 do Código de Processo Penal. 48

Daí o entendimento de que as demais normas penais, restritivas de direitos

que, de algum modo, diminuem as garantias processuais, tem aplicação somente

após sua vigência e não retroagem a prejudicar o jurisdicionado.49

46 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 47 “Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.” BRASIL. Código de Processo Penal. 48 QUEIROZ, Paulo; VIEIRA, Antonio. Retroatividade da lei processual penal e garantismo. Boletim IBCCRIM, n. 143, 2004. p.14-17.

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Acerca da retroatividade da lei mais benéfica, Cezar Roberto Bitencourt,

ensina que:

Toda lei penal, seja de natureza processual, seja de natureza material, que, de alguma forma, amplie as garantias de liberdade do indivíduo, reduza as proibições e, por extensão, as consequências negativas do crime, seja ampliando o campo da licitude penal, seja abolindo tipos penais, seja refletindo nas excludentes de criminalidade ou mesmo nas dirimentes de culpabilidade, é considerada lei mais benigna, digna de receber, quando for o caso, os atributos da retroatividade e da própria ultratividade penal50.

No mesmo sentido, já se manifestou o Ministro Celso de Mello, ao afirmar

que:

As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe, à lex mitior, uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata.51

Desse modo, as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem

ser compreendidas dentro de uma lógica sistêmica, qual seja, a retroatividade da lei

penal ou processual penal mais benigna e vedação de efeitos retroativos da lei mais

gravosa ao réu.52

Além da nova definição de organização criminosa, uma das inovações

advindas com a lei 12.850/13, é a tipificação da conduta de participação em

organização criminosa, que no seu art. 2º53, prevê pena de reclusão de 3 (três) a 8

49 QUEIROZ, Paulo; VIEIRA, Antonio. Retroatividade da lei processual penal e garantismo. Boletim IBCCRIM, n. 143, 2004. p.14-17. 50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - parte geral. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 207. 51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ n.162, p.483-484, Inquérito n. 1.055 - AM. Autor: Ministério Público Federal. Indiciado: Luiz Fernando Nicolau. Relator: Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. Brasília, 1997. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/162_2.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014. 52 LOPES JR., Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.6. 53 “Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.” BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013.

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(oito) anos e multa, para quem promover, constituir, financiar ou integrar,

pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.54

Conforme dispõe o §1º do referido artigo, “Nas mesmas penas incorre quem

impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que

envolva organização criminosa”55. Nos §§ 2º, 3º e 4º56, e respectivos incisos, estão

disciplinados também as causas de aumento e agravamento da pena.

Dada à análise da extensão das leis 12.694/12 e 12.850/12, conclui-se que a

organização criminosa é, portanto, um instituto que foi incorporado ao direito penal,

o qual sofreu constantes alterações no seu sentido jurídico, visto que carecia de

definição legal, e inclusive, recaía em divergências doutrinárias e legislativas quanto

a sua aplicação. Nesse aspecto, as leis 12.694/12 e 12.850/13, finalmente definiram

o conceito da organização, ainda que divergentes quanto a sua estrutura, bem como

deliberaram sobre a forma de atuação estatal para julgar demandas envolvendo tais

organizações, tendo à última lei tipificado a conduta de participação em organização

criminosa, o que agrava tal modalidade de prática de crimes, pois comina pena para

quem promove, constitui, financia ou integra, pessoalmente ou por interposta

pessoa, organização criminosa.

Sob a ótica legalista, a lei 12.850/13 deve ser aplicada para definir a

organização, pois estabeleceu número de agentes em maior número para constituir

a organização, 4 (quatro) ou mais pessoas, desse modo, sendo mais benéfica para

os acusados.

54 BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. 55 BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. 56 “§ 2o As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo. § 3o A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. § 4o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): I - se há participação de criança ou adolescente; II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.” BRASIL. Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013.

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Em suma, a lei 12.850/13 alterou a lei 12.694/12 apenas no que concerne ao

número de agentes, passando de três para quatro pessoas, e tipificou a organização

criminosa, cominando pena para quem constitui de qualquer forma a organização,

não tendo alterado os demais dispositivos da Lei n. 12.694/12.

Na sequência, abordar-se-á as implicações na instauração de colegiados de

juízes para julgar processos ou procedimentos, que tenham por objeto crimes

praticados por organização criminosa, com enfoque na vedação da publicação do

voto divergente e quanto ao sigilo das reuniões do colegiado.

Ato contínuo, analisar-se-á os fundamentos que balizam a formação do

colegiado e as críticas a esse novo sistema, em face das garantias processuais

penais.

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3 IMPLICAÇÕES NA INSTAURAÇÃO DE COLEGIADO PARA JULGAR CRIMES

PRATICADOS POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E SEUS REFLEXOS

PROCESSUAIS E CONSTITUCIONAIS

No Brasil, anteriormente à Sugestão n. 258/200657 apresentada pela AJUFE à

Câmara dos Deputados, que originou o Projeto de Lei n. 2057/200758, e

consequentemente a aprovação e promulgação da Lei n. 12.694/201259, em 2003,

através do Projeto de Lei 87/200360, de autoria do Senador Hélio Costa, tentou-se

instituir a figura do ‘juiz sem rosto’, qual seja, juiz anônimo, que foi veemente

rechaçado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por violar os

princípios do juiz natural, da publicidade dos atos, da ampla defesa, e da

imparcialidade61. Inclusive entendeu a Comissão à época, que não poderia a

legislação ordinária atribuir aos tribunais no âmbito de suas competências a

regulamentação da matéria compreendida no então Projeto de Lei 87/2003, pois no

que cerne ao ‘juiz anônimo’, a matéria envolveria alteração da organização e da

divisão judiciária, cuja competência pertence exclusivamente ao Supremo Tribunal

Federal, demais Tribunais Superiores, e Tribunais de Justiça, conforme dispõe o art.

96, II, alínea “d”, da Constituição Federal. Levantou-se ainda a argumentação de

que, a competência para disciplinar a matéria, por ser de Direito Processual, seria

privativa da União, nos termos do art. 22 da Constituição Federal.

O autor do projeto sustentava que a preservação da identidade do juiz não

violaria o princípio da publicidade, sob o fundamento de que estaria sendo

57 ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL. Sugestão n. 285. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=425521&filename=SUG+258/2006+CLP>. Acesso em: 12 mar. 2014. 58 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2057 de 2007. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=505298&filename=PL+2057/2007>. Acesso em: 10 mar. 2014. 59 BRASIL. Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012. 60 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 87 de 2003. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça, e Cidadania. Brasília, DF, 14 out. 2009 Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=56007&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0>. Acesso em: 12 mar. 2014. 61 Os referidos princípios serão trazidos e analisados no capítulo posterior de maneira aprofundada.

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resguardada a pessoa do julgador e não o ato por ele praticado, sendo rejeitada a

proposta pelo Congresso, face à sua inconstitucionalidade.62

Em meio à repercussão dos assassinatos de juízes atuantes na área criminal,

ocorridos no ano da apresentação do mencionado PL 87/2003, bem como do

assassinato da juíza Patrícia Acioli, ocorrido em 11 de agosto de 2011, como já

referido no capítulo anterior, um ano após esta última fatalidade, foi publicada no

Diário Oficial da União a Lei n. 12.694 de 25 de julho de 2012.

Embora a proposta do Projeto de Lei 87/2003 tenha tentado instituir a figura

do ‘juiz sem rosto’ no ordenamento brasileiro, a lei 12.694/12 não incorporou tal

modalidade de julgamento, que foi rechaçada pelo Congresso, tendo em vista que

“O acusado condenado deve ter conhecimento daquele [o juiz] que o impõem a

pena” 63, e a CFFB/88, veda de forma expressa o anonimato, em face da garantia da

livre manifestação do pensamento, em seu art. 5º, IV: “[...] é livre a manifestação do

pensamento, sendo vedado o anonimato.”64

É parte intrínseca ao papel do magistrado e de seu caráter julgador a

exposição de seus motivos aos acusados.65

[...] o sistema do “juiz sem rosto” é o sistema da sentença sem assinatura, ou seja, da não sentença, da sentença inexistente, que não pode produzir efeitos. Se todo aquele que esteja investido em cargos como o de juiz, promotor, delegado, defensor ou outro qualquer que seja como operador do direito, se sentir intimidado a ponto de se esconder atrás de recursos escusos, ocultando o próprio rosto e a sua identidade, deve repensar o seu verdadeiro papel, pois certamente não é vocacionado para a atividade que exerce.66

62 SILVA, Ronaldo Lastres. Sistema de ‘juiz sem rosto’ é sentença sem assinatura. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012.Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-05/ronaldo-lastres-silva-juiz-rosto-sentenca-assinatura>. Acesso em: 18 mar. 2014. 63 MELLO, Marco Aurélio de. Para STF, país não pode ter “juiz sem rosto”. Folha de São Paulo. São Paulo, 2003. Entrevista concedida à Silvana de Freitas e Pedro Soares. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u71386.shtml>. Acesso em: 14 mar. 2014. 64 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 65 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n. 7. set./dez. 2012. P.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 66 SILVA, Ronaldo Lastres. Sistema de ‘juiz sem rosto’ é sentença sem assinatura. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-05/ronaldo-lastres-silva-juiz-rosto-sentenca-assinatura>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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Ainda não se pode comparar a atual situação do Brasil com aquelas vividas

em sistemas judiciários como da Colômbia e Peru, que no passado instituíram a

figura do juiz mascarado67. “Não chegamos ainda a um estágio que exija uma

tomada de providências com essa envergadura” 68, pois “[...] nos moldes políticos

que o consagram o regime democrático, não há espaço para o mistério” 69.

Segundo Aury Lopes Jr., o sistema acusatório predomina em países que

respeitam as liberdades dos indivíduos, e que possuam uma sólida base

democrática, ao passo que o sistema inquisitório predomina em países de maior

repressão, através de sistemas autoritários ou totalitários, em que se fortalece a

hegemonia do Estado em detrimento dos direitos individuais.70

O autor assevera que “o sistema acusatório é um imperativo do moderno

processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado”, pelo qual

assegura a imparcialidade e tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar o

feito, com vistas a um tratamento respeitoso e digno com o acusado, “que deixa de

ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do

processo penal.”71

No sistema acusatório, adotado pelo nosso ordenamento processual penal,

demanda-se plenitude de defesa e contraditório, com vistas a um processo justo. 72

Geraldo Prado referenciando Giovanni Leone aponta como característica do

sistema acusatório, “o poder de decisão da causa entregue a um órgão estatal, por

sua vez distinto daquele que dispõe do poder exclusivo de iniciativa do processo.”73

67 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n. 7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 68 MELLO FILHO, José Celso de. Para STF, país não pode ter “juiz sem rosto”. Folha de São Paulo. São Paulo, 2003. Entrevista concedida à Silvana de Freitas e Pedro Soares. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u71386.shtml>. Acesso em: 14 mar. 2014. 69 MELLO FILHO, José Celso de. Para STF, país não pode ter “juiz sem rosto”. Folha de São Paulo. São Paulo, 2003. Entrevista concedida à Silvana de Freitas e Pedro Soares. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u71386.shtml>. Acesso em: 14 mar. 2014. 70 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.106. 71 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.109. 72 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.182.

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Evitam-se assim, abusos preponderantemente estatal, que pode-se dar na

“figura do juiz ‘apaixonado’ pelo resultado de seu labor investigador e que, ao

sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como

condenado desde o início da investigação.”74

Geraldo Prado refere que as “regras do jogo”, ou seja, do processo penal,

distinguem o processo acusatório do inquisitório. Este último se satisfaz com a

obtenção do resultado efetivado de qualquer modo, prevalecendo à finalidade de

realizar o direito material. Enquanto no processo acusatório, tem-se por objetivo a

defesa dos direitos fundamentais do acusado contra a possibilidade de arbítrio do

poder de punir.75

No sistema inquisitório “o juiz atua como parte, investiga, dirige, acusa e julga.

Com relação ao procedimento, sói ser escrito, secreto e não contraditório”, ao passo

que na inquisição são afastadas a acusação e a publicidade, atuando o juiz

inquisidor de ofício e em segredo.76

Na visão de Aury Lopes Jr. o sistema inquisitório foi engenhosamente

construído a partir de um conjunto de instrumentos e conceitos, que ele denomina

falaciosos, com o propósito de buscar a “verdade real ou absoluta”.77

Concluindo, o autor assevera que “o sistema inquisitório foi desacreditado –

principalmente – por incidir em um erro psicológico: crer que uma mesma pessoa

possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar.”78

Ante a observância de ambos os sistemas, tem-se que, nos moldes do

sistema acusatório, não cabe instituir a figurado juiz sem rosto, pois afronta

73 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.102. 74 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.110. 75 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.104. 76 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.112. 77 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.116. 78 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.117.

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diretamente as garantias do acusado de defender-se plenamente, sem o arbítrio

estatal. “A transparência preside os atos do Estado na Democracia.”79

Inclusive, Jacinto Coutinho enfatiza que

O sistema acusatório não é e nunca foi sinônimo da impunidade, algo que por sinal, por que se reclama tanto do sistema atual. Trata-se isso sim de um sistema que realça o papel das partes a começar por aquele do juiz não só por compatibilizá-los com os ditames constitucionais mas, sobretudo, em razão de permitir que se caminhe na direção de uma maior democracia processual.80

Neste capítulo serão analisadas as implicações na vedação da publicação do

voto divergente tomada por membro do colegiado, face à(in)observância das

garantias processuais penais e a (im)possibilidade de defesa plena, tendo em vista

que embora a lei 12.694/12 não tenha instituído a figura do juiz sem rosto, suprimiu

garantias dos acusados, pelo qual estes não terão acesso a eventual voto

divergente, de relevância, especialmente à sua defesa.

Negar o conhecimento do voto divergente das decisões do colegiado, de certa

forma, é o mesmo que ocultar a identidade física do juiz, o que resultaria em total

afronta ao direito do acusado de ter conhecimento daquele que o está julgando e

poder defender-se assegurada todas as garantias constitucionais.

Para o Gilmar Ferreira Mendes, “os direitos de caráter penal, processual, e

processual penal cumprem um papel fundamental na concretização do moderno

Estado Democrático de Direito.”81

Segundo o autor, a correta aplicação das garantias constitucionais, como o

devido processo legal, direito ao contraditório e ampla defesa, motivação das

decisões judiciais, revelam-se como elemento essencial de concretização do

79 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n. 7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 80 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa. Brasília. ano 46. n.183. jul./set. 2009. p.115. 81 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.434.

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princípio da dignidade da pessoa humana na ordem jurídica, pelo qual “impede que

o homem seja convertido em objeto dos processos estatais.”82

Na concepção de Antonio Scarance Fernandes, na relação indivíduo e

Estado,

[...] houve necessidade de normas que garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal intervencionista. Para isso, os países inseriram em duas Constituições regras de cunho garantista, que impõe ao Estado e à própria sociedade o respeito aos direitos individuais [...].83

Nesse sentido, Jorge Miranda refere que “no ocidente, a Constituição,

destina-se essencialmente a garantir os direitos fundamentais dos cidadãos e limitar

o poder do Estado.”84

Na sequência serão verificadas as circunstâncias do sigilo das reuniões do

colegiado, contrapondo-se ao princípio da ampla defesa que não pode ser suprimida

em detrimento de atos judiciais proferidos por um colegiado de juízes constituído

para este fim, realizado de forma sigilosa, eis que afronta diretamente a publicidade

das decisões judiciais e implica evidentes prejuízos ao acusado na sua defesa.

efetiva

O sigilo das reuniões do colegiado impossibilita ao acusado o conhecimento

das motivações singulares dos juízes que o estão julgando, tendo em vista que as

decisões judiciais proferidas pelo colegiado não expressam se estas foram tomadas

por unanimidade ou maioria de votos, o que necessitaria, em havendo divergência

dos membros, o teor do voto divergente.85

82 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.433-435. 83 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.11. 84 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 6.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p.113. 85 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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Posteriormente, serão analisados os fundamentos que balizam a formação de

colegiados de juízes em primeiro grau de jurisdição, em processos ou

procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações

criminosas e as críticas a respeito desse novo sistema. Neste sentido, é necessário

ponderar as medidas de proteção aos membros do Poder Judiciário e do Ministério

Público, que tenham atribuição na área criminal, frente às constantes ameaças e

retaliações de grupos criminosos, denominados no direito penal de Organizações

Criminosas.

Dessa forma, face à insegurança de juízes e promotores com atribuição na

área criminal, mostra-se necessário a instituição de medidas que visem à segurança

daqueles que estejam diretamente ligados a processos ou procedimentos que

envolvam organização criminosa, que por vezes, geram intimidação em decorrência

de ameaças e retaliações, sofridas especialmente por magistrados e promotores de

justiça. Todavia, há que verificar se as medidas impostas à segurança daqueles

atuantes na área criminal, efetivamente os protegem em detrimento dos

jurisdicionados. 86

Diante das inovações desse novo sistema, evidencia-se, a supressão das

garantias fundamentais que o processo devido legal, obrigatoriamente, deve

respeitar, incluindo a motivação das decisões judiciais e a publicidade dos atos

processuais, os quais contrapõem-se à vedação da publicação do voto divergente e

o sigilo das reuniões do colegiado, como será visto a seguir.

3.1 Vedação da publicação do voto divergente

Como já mencionado no capítulo anterior, uma das principais inovações

advindas da lei 12.694/12 é a possibilidade de formação de um colegiado de juízes,

em primeiro grau de jurisdição, em processos ou procedimentos, que tenham objeto

crimes praticados por organizações criminosas.87

86 FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012.Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em: 17 mar. 2014. 87 BRASIL. Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012.

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A composição do colegiado poderá ocorrer para a prática de qualquer ato

processual, especialmente, nas situações previstas nos incisos do art. 1º da lei 88,

desde que em decisão motivada pelo magistrado, nos termos do §1º 89, que indique

os fundamentos e circunstâncias que acarretam risco a sua integridade física.90

No §3º do art. 1º, a lei estabelece que “A competência do colegiado limita-se

ao ato para o qual foi convocado”. Portanto, na decisão do magistrado que requerer

a formação do colegiado, deverá constar expressamente o ato para o qual está

sendo convocado.91

Sendo composto o colegiado, este poderá realizar-se desde a fase instrutória

do processo até a fase executória, e fundamenta-se em razão de medo do

magistrado natural em subscrever sozinho as decisões judiciais, desse modo,

recaindo para o colegiado a responsabilidade dos atos que individualmente não teve

coragem de decidir o magistrado.92

O colegiado será formado, segundo determina o §2º do art. 1º da lei, “pelo juiz

do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre

aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.”93

88 “Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;III - sentença;IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;V - concessão de liberdade condicional;VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.” BRASIL.Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012. 89 “§ 1o O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.” BRASIL. Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012. 90 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 91 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 de mar. 2014. 92 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7.set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em 18 de mar. 2014. 93 BRASIL.Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012.

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A competência criminal em exercício é “requisito de investidura e uma das

garantias de que o procedimento de definição da competência se realize com

respeito à garantia do juiz natural, como também o sorteio de seus nomes.”94

Trata-se de um incidente processual, no qual o magistrado declina da sua

competência singular e atribui a um órgão colegiado em primeiro grau.95

A reunião dos três juízes dar-se-á em virtude do ambiente de perigo ou de

sensação de insegurança pelo delito cometido anteriormente à composição do órgão

colegiado, “estando o imaginário de seus componentes impregnado com este

cenário, o que traz para o colegiado um ânimo de prevenção íntima relativamente

aos fatos, comprometendo-se a análise imparcial dos mesmos.”96

Objetivamente, a formação do colegiado fundada no “medo” do magistrado de

julgar a causa, pode refletir um desequilíbrio emocional, e neste caso, havendo

insegurança ou medo, estes podem resultar na forma de conduzir o processo ou

procedimento.97

Segundo André Nicolitt, o sorteio eletrônico para escolha dos juízes, previsto

no art. 1º, §2º, soluciona o problema da violação do princípio do juiz natural, no

94 FILHO, Vicente Greco, Considerações processuais da lei de julgamento de crimes envolvendo organização criminosa, Boletim do IBCCRIM, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4718-Consideracoes-processuais-da-lei-de-julgamento-de-crimes-envolvendo-organizacao-criminosa>. Acesso em: 07 out. 2013. 95 FILHO, Vicente Greco, Considerações processuais da lei de julgamento de crimes envolvendo organização criminosa, Boletim do IBCCRIM, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239. out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4718-Consideracoes-processuais-da-lei-de-julgamento-de-crimes-envolvendo-organizacao-criminosa>. Acesso em: 07 out. 2013. 96 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 97 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax. Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: < http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014.

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entanto, não impede a violação do princípio em sua dimensão que proíbe a

formação de tribunais de exceção (ex post facto).98

Apesar de criticado sob a argumentação de que criaria um juízo de exceção,

vedado pela Constituição Federal de 1988, a previsão de composição de colegiados

em primeiro grau de jurisdição já foi declarado constitucional na ADI nº 4414, em

julgamento concluído em 31 de maio de 2012, cujo objeto foi a Lei Estadual nº

6.806/2007, que criou a17ª Vara Criminal de Alagoas, com competência exclusiva

para processar e julgar delitos envolvendo organizações criminosas dentro do

território alagoano.99

A favor da formação do colegiado e no que concerne a motivação do juiz,

Márcio André Lopes Cavalcante, afirma que “seria irrazoável exigir que o juiz

primeiro recebesse ameaças para que só então decidisse pela instauração do

colegiado (...)”.100

Entretanto, aduz que deve haver cautela nas expressões empregadas ao

motivar o requerimento para formação do colegiado, de modo a não tornar-se

suspeito o juiz, face ao excesso de linguagem nas expressões utilizadas, também

denominada de “eloquência acusatória”, terminologia adotada pelo ex-ministro do

STF Sepúlveda Pertence, para reprovar o excesso verbal do magistrado na

sentença de pronúncia do júri, o que acarretaria prejulgamento dos envolvidos, não

sendo mais isento o juiz para conduzir a causa.101

98 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 99 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4414/AL. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requeridos: Governo do Estado de Alagoas; Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas. Brasília, 31 maio 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=114&dataPublicacaoDj=13/06/2012&incidente=3886018&codCapitulo=2&numMateria=17&codMateria=4>. Acesso em: 12 mar. 2014. 100 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 101 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. Disponível em:

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Como medida a fim de proteger os julgadores ameaçados por organizações

criminosas, a lei 12.694/12 além de instituir a possibilidade de composição de

colegiado, concedeu também a garantia de que, havendo voto divergente, este não

será revelado, uma vez que não será publicado (art. 1º, §6º).102

Art. 1o [...] § 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.103

Ante a vedação da publicação do voto divergente é que recaem as principais

críticas a esse novo sistema, mormente sob a prerrogativa de que viola princípios

constitucionais do ordenamento jurídico.104

Essa nova lei, advirta-se, mexe com dogmas e interfere com princípios e regras tradicionais em nossa ordem constitucional como o do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), da ampla defesa (art. 5º, LV), da impessoalidade (art. 37) e publicidade (art. 93, VIII) e com toda certeza será objeto de contenciosos constitucionais que deverão ser dirimidos na sede própria, o Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição (CF, art. 102).105

A identificação do magistrado tem como uma de suas finalidades o

conhecimento daquele que julgará o feito, podendo o réu apontar possível suspeição

ou impedimento do julgador, uma vez que oportuniza ao jurisdicionado questionar a

sua imparcialidade, pois toda pessoa tem direito a ser julgada por um tribunal

independente e imparcial, conforme dispõe o art. X da Declaração Universal dos

Direitos Humanos106, cuja prerrogativa é inerente ao devido processo legal.107

<http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 102 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 103 BRASIL. Lei n. 12.694 de 24 de julho de 2012. 104 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em 18 de março de 2014. 105 LOPES, José Fernando da Silva. Os juízes sem rosto. JCNET. Bauru, 2012. Disponível em: <http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=224333>. Acesso em: 20 mar. 2014. 106 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 01 maio 2014. 107 FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em: 17 mar. 2014.

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Segundo Pierpaolo Bottini, em entrevista concedida ao Consultor Jurídico, a

medida que veda a publicação do voto divergente viola direito do réu e contraria a

política de transparência adotada pelo governo federal, especialmente com a

promulgação da Lei de Acesso à Informação.108

O réu tem o direito de saber quais os argumentos expostos, seu teor, e os fundamentos das decisões, em especial daquela que divergiu dos demais. Em tempos de transmissão ao vivo das sessões do STF, do CNJ, e de aprovação da lei de transparência, parece um despropósito a criação de decisões ocultas, que não são expostas ou juntadas aos autos.109

Para o Ministro Marco Aurélio, o condenado deve ter conhecimento daquele

que atua em prol da sociedade condenando-o, mas também conhecimento daquele

que o julga, impondo à pena.110

No mesmo sentido, Ali Mazloum aduz que:

A formação do colegiado para a análise e eventual julgamento de crimes praticados por organizações criminosas é salutar, merecendo maior reflexão a omissão quanto ao voto divergente, quando houver, tendo em vista o primado constitucional da necessária publicidade e fundamentação das decisões judiciais. 111

Paulo Sergio Leite Fernandes afirma que: “A personalização faz parte do uso

da toga [...]”, e assenta que tal medida pode prejudicar as possibilidades de defesa

plena do acusado.112

O conhecimento do voto divergente é inerente à ampla defesa do

jurisdicionado, que servirá de fundamento a seu recurso, não podendo se admitir

108 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em 10 mar. 2014. 109 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em: 10 mar. 2014. 110 SOARES, Pedro; FREITAS, Silvana de. Para STF, país não pode ter “juiz sem rosto”. Folha de São Paulo. São Paulo, 2003. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u71386.shtml>. Acesso em: 14 mar. 2014. 111 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em: 10 mar. 2014. 112 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em: 10 mar. 2014.

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que apenas uma das partes tenha acesso a todos os fundamentos que motivam a

decisão.113

Por outro aspecto, também é necessária a paridade de armas, devendo o

Estado proporcionar equilíbrio entre as partes, sem qualquer distinção, quer seja da

parte acusadora ou acusada, o que não ocorre com a ocultação do voto

divergente114, conforme ilustra Odilon de Oliveira.

Vamos supor que você seja réu, o voto do juiz que optou pela absolvição não aparecerá. Nesse caso, o condenado teria interesse em saber qual foi o voto favorável para saber qual o teor do voto e fundamentar algum recurso. A questão fere o princípio da ampla defesa e do livre convencimento do juiz que é obrigado a ir contra seu entendimento em relação ao voto divergente.115

Por ser assim, as decisões do colegiado que não revelam se foram tomadas

por unanimidade ou maioria, impossibilitam a defesa aferir qual dos integrantes

discordou dos demais. Quisera a lei neste sentido preservar a segurança e

independência dos julgadores, a fim de evitar que o réu penalizado se volte contra o

magistrado individual.116

Osvaldo Lucas Andrade afirma que a instauração do órgão colegiado, por si

só, não viola qualquer regra constitucional, sendo esta a posição do STF no que se

refere a 17ª Vara Criminal de Alagoas, criada por meio da Lei Estadual n.

6.806/2007117, mencionada anteriormente, que possui competência exclusiva para

113 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 114 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 115 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax. Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: <http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014. 116 FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em: 17 mar. 2014. 117 ALAGOAS. Lei n. 6806, de 22 de março de 2007.

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processar e julgar delitos envolvendo organizações criminosas dentro do território

alagoano.118

A lei n. 6.806 de 22 de março de 2007, que prevê a titularidade coletiva,

formada por 5 (cinco) magistrados igualmente competentes para julgamento de

delitos praticados pela organização, foi objeto de ADI proposta pelo Conselho

Federal da OAB. No entanto, o STF apesar de ter declarado a inconstitucionalidade

de diversos dispositivos da lei, considerou ser constitucional a sistemática do

julgamento colegiado em 1º grau de jurisdição. Tal decisão foi tomada pelo Plenário

da Corte na ADI 4414/AL119, tendo como relator o Ministro Luiz Fux, julgado em 30 e

31 de maio de 2012.120

De igual modo, Vladimir Passos de Freitas, sustenta não haver nenhuma

inconstitucionalidade na formação do colegiado, vez que não há violação dos

princípios constitucionais do juiz natural e da ampla defesa, argumentando inclusive,

que a decisão apenas será tomada por três e não mais um juiz. Por ser assim,

concluiu que “a decisão será mais discutida, o que é mais vantajoso para o

infrator.”121

Em contrapartida, Rafael Fecury Nogueira assenta que o novo diploma legal

adotou uma prática meramente retórica e sem nenhuma efetividade, o qual se serve

de um expediente que apenas distribuiu as responsabilidades por um provimento

jurisdicional contrário aos jurisdicionados, pois “[...] nos termos da nova lei, os três

juízes serão conhecidos, não se tratando propriamente dos juízes sem rosto 118 ANDRADE, Osvaldo Lucas. A lei 12694: Definição de organização criminosa e formação dos colegiados em primeiro grau. Diário da Jurisprudência. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://diariodajrurisprudencia.blogspot.com.br/2012/08/a-lei-12694-definicao-de-organizacao.html> Acesso em: 06 mar. 2014. 119 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4414/AL. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requeridos: Governo do Estado de Alagoas; Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas. Brasília, 31 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=114&dataPublicacaoDj=13/06/2012&incidente=3886018&codCapitulo=2&numMateria=17&codMateria=4>. Acesso em: 12 mar. 2014. 120 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 121 FREITAS, Vladimir Passos de. A Silenciosa Reforma Processual da Lei 12.694/12. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-05/segunda-leitura-silenciosa-reforma-processual-lei-1269412>. Acesso em: 17 mar. 2014.

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semelhantes aos modelos previstos em legislações como a da Itália, Colômbia e

Peru”, e, referenciando os ensinamentos de Lia Verônica de Toledo Piza, conclui

que inexiste “previsão de omissão da identidade dos magistrados, o que leva ao

conhecimento público dos mesmos.”122

A omissão do voto divergente acaba por transgredir a motivação das decisões

judiciais na medida em que veda a publicação do voto divergente, impossibilitando o

acusado de conhecer o teor dos argumentos contra e a favor de sua defesa, os

quais são fundamentais a ampla defesa, e que poderá servir de fundamento a

eventual recurso.

A omissão do voto divergente tem ligação direta com o sigilo das reuniões do

colegiado, como será visto no próximo item, isso porque, é impossível a defesa aferir

todos os argumentos utilizados nas decisões, que por vezes, são tomadas em

reuniões sigilosas, as quais não referem se foram unânimes ou houve divergência a

qualquer questão da lide, sendo que o magistrado que houver levantado a

divergência acaba obrigado a assinar o ato, juntamente com os demais membros do

colegiado, como se tivesse decido da mesma forma.

3.2 Sigilo das reuniões do colegiado

O art. 1º, §4º, da lei 12.694/12, estabelece que “As reuniões do colegiado

poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em

prejuízo à eficácia da decisão judicial.”123

A previsão do sigilo das reuniões do colegiado possui amparo constitucional

em caso de risco de prejuízo à eficácia da decisão judicial, possibilitando restrição

da publicidade de atos processuais (art. 93, IX, da CF)124, no entanto, “não existe

122 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 123 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012. 124 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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sigilo para acusado que deverá ter acesso às reuniões do colegiado por meio de seu

defensor.”125

De início, cabe frisar que a decisão do magistrado que convoca a formação

do colegiado não pode ser secreta para a defesa e os atos devem ser

documentalizados, mormente por se tratar de providência relevante como a

definição de competência, face aos princípios do juiz natural e do devido processo

legal.126

A esse respeito, Vicente Greco Filho ainda refere que “A decisão poderá

permanecer temporariamente em sigilo, mas depois deverá ser trazida aos autos

para que possa, inclusive, ser impugnada ou questionada.”127

Nesta ótica, é de se dar maior atenção à inovação trazida pela Lei 12.694/12,

isso porque, é cediço que em julgamentos proferidos por colegiados de juízes, deve-

se “reproduzir o inteiro teor da reunião colegiada com a obrigatória exposição dos

votos proferidos, incluindo o voto divergente.”128

A par disso, o sigilo das reuniões do colegiado impossibilita ao acusado o

conhecimento das motivações singulares dos juízes que o estão julgando, tendo em

vista que as decisões judiciais proferidas pelo colegiado no contexto da lei

12.694/12, não expressam se foram tomadas por unanimidade ou maioria de votos,

125 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano. 20. n.240. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 126 FILHO, Vicente Greco, Considerações processuais da lei de julgamento de crimes envolvendo organização criminosa, Boletim do IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4718-Consideracoes-processuais-da-lei-de-julgamento-de-crimes-envolvendo-organizacao-criminosa>. Acesso em: 07 out. 2013. 127 FILHO, Vicente Greco, Considerações processuais da lei de julgamento de crimes envolvendo organização criminosa, Boletim do IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4718-Consideracoes-processuais-da-lei-de-julgamento-de-crimes-envolvendo-organizacao-criminosa>. Acesso em: 07 out. 2013. 128 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013.

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o que necessitaria em havendo divergência dos membros, o teor do voto

divergente.129

A reunião sigilosa não pode permitir a omissão do voto divergente, tendo em

vista que “essa possibilidade sucumbe em face do texto constitucional e da praxe

forense da corte máxima do país, que jamais omite os votos de seus Ministros.”130

Conforme dispõe o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF,

nos seus artigos 96 e 98, de forma expressa, há previsão do conteúdo de um

acórdão, o qual deverá conter o voto de todos os Ministros, não sendo omitido nem

mesmo a motivação do voto divergente do acórdão realizado em julgamento

secreto.131

Art. 96 - Em cada julgamento as notas taquigráficas registrarão o relatório, a discussão, os votos fundamentados, bem como as perguntas feitas aos advogados e suas respostas, e serão juntas aos autos, com o acórdão, depois de revistas e rubricadas.132 .......................................................................................................................... Art. 98 - O acórdão de julgamento em sessão secreta será lavrado pelo autor do primeiro voto vencedor, que não se mencionará, e conterá, de forma sucinta, a exposição da controvérsia, a fundamentação adotada e o dispositivo, bem como o enunciado da conclusão de voto divergente, se houver. Parágrafo único. O acórdão será assinado pelo Presidente, que lhe rubricará todas as folhas, e pelos Ministros que houverem participado do julgamento, na ordem decrescente de antiguidade.133

129 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 130 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 131 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 132 BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=legislacaoRegimentoInterno>. Acesso em: 05 out. 2013. 133 BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=legislacaoRegimentoInterno>. Acesso em: 05 out. 2013.

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Por ser assim, as partes devem ter acesso a todos os atos do processo já

documentalizados, inclusive para que possam impugná-los, tendo em vista que as

decisões dos colegiados instaurados para fins específicos.134

Em processos sigilosos o que deve verificar-se é a omissão da identidade

física das partes e não do juiz.135 Suprimir o voto divergente dificulta a defesa plena

do acusado e fere as garantias constitucionais do devido processo legal, isso

porque, o jurisdicionado não tem conhecimento daquele que o está julgando. Neste

caso, há desigualdade no tratamento entre as partes, o que resulta na ausência de

paridade de armas e viola diretamente as garantias asseguradas no devido processo

legal.

Ainda sobre o tema, não obstante à lei 12.694/12 prever no seu art. 1º, §4º,

que as reuniões poderão ser sigilosas, leva a entender por sigilo absoluto, não se

pode confundir a possibilidade de decretação do sigilo das reuniões do colegiado

com a ocultação da identidade de seus membros componentes, pois a própria

Constituição Federal de 1988, assegura expressamente a possibilidade de restrição

da publicidade de atos processuais, “assegurando, contudo, a presença das próprias

partes e de seus advogados (art. 93, IX).”136

Art.93 - [...] IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;137

Nesse sentido, Rafael Fecury Nogueira ainda menciona que:

134 FILHO, Vicente Greco, Considerações processuais da lei de julgamento de crimes envolvendo organização criminosa. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4718-Consideracoes-processuais-da-lei-de-julgamento-de-crimes-envolvendo-organizacao-criminosa>. Acesso em: 07 out. 2013. 135 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 136 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 137 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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[...] embora a “nova” lei leve à tentação de decretação de sigilo absoluto da reunião do colegiado e da omissão de identidade dos juízes componentes, essa hipótese não resistiria ao texto constitucional que assim não permite, mesmo porque, em processos sigilosos o que se omite é a identidade das partes, e não a do(s) magistrado(s).138

Segundo o supracitado autor, a ocultação do voto divergente ainda que

resulte evidente violação ao princípio constitucional da ampla defesa e do

contraditório, não caracteriza a figura do juiz sem rosto, previsto em modelos

semelhantes como nas legislações da Colômbia, Peru e Itália, eis que

necessariamente há de constar o nome de todos os membros do colegiado no

processo.139

Neste contexto, o art. 5º, LX, da CF, juntamente com o citado art. 93, IX,

dispõe que poderá haver restrição, sendo certo que “a lei só poderá restringir a

publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse

social o exigirem;”

Destaca-se portanto, a palavra “restrição”, a qual, todavia, não se confunde com extinção. A publicidade constitucional pode ser restringida a ponto de terceiros, não envolvidos no procedimento, não terem acesso ao processo e, em hipótese alguma, aos sujeitos da relação processual – leia-se juiz, acusação e defesa -. Outrossim, ao acusado e seu defensor não se pode negar o direito à informação processual, neste inerente, o de identificação do magistrado, como forma de possibilitar a arguição de impedimento, incompatibilidade e suspeição – remédios contra a imparcialidade do julgador.140

Assim, conclui-se que o colegiado de juízes constituído para o fim de julgar

delitos que tenham por objeto organização criminosa, realizado de forma sigilosa,

138 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 139 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 140 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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afronta diretamente a publicidade das decisões judiciais, e implica evidentes

prejuízos ao acusado na sua defesa.

Em suma, o sigilo das reuniões do colegiado prejudica a defesa plena do

acusado, visto que este não terá conhecimento das discussões e motivações

singulares dos juízes que o estão julgando, necessitando neste caso,

obrigatoriamente que constar o teor do voto divergente, se houver, o qual será de

grande relevância a eventual recurso da defesa, se for de interesse do réu.

No contexto do sigilo das reuniões do órgão colegiado, evidencia-se a

inobservância da ampla defesa e contraditório, sendo que, o primeiro, assegura o

direito à utilização de todos os meios de defesa “legalmente e moralmente

admitidos”, e o segundo, entendido pela possibilidade de contraditar todos os atos

do processo.141

Não obstante às implicações do colegiado que afrontam diretamente às

garantias dos jurisdicionados, como já analisado nestes últimos itens - vedação da

publicação do voto divergente e o sigilo das reuniões do colegiado, na sequência,

serão observados os fundamentos que sustentam a aplicação do colegiado nos

moldes delineados pela lei, e as críticas desse novo sistema.

3.3 Fundamentos que balizam a formação do colegiado e as críticas a respeito

desse novo sistema

As medidas adotadas pela lei 12.694/12 visam à segurança dos magistrados

e membros do Ministério Público que tenham atribuição na área criminal, tendo

origem na Sugestão nº 258/2006, anteprojeto de lei, proposta pela AJUFE

(Associação dos Juízes Federais do Brasil) à Câmara dos Deputados, que propôs a

instauração de um colegiado em primeiro grau de jurisdição, faculdade do juiz do

141 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em 18 mar. 2014.

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processo, a fim de diminuir a “pessoalização do processo, o risco de pressões ou

retaliações contra o juiz individual.” 142

A Sugestão nº 258/2006, entendera que a segurança dos juízes relaciona-se

com a possibilidade daqueles de “tomar medidas eficazes contra o crime

organizado, sob pena de, sem o desmantelamento ou enfraquecimento da

organização criminosa, permanecer sujeito a pressões ou retaliações.”143

De igual modo, a Recomendação nº 3/2006144, do Conselho Nacional de

Justiça, teve como escopo a especialização de varas criminais para processar e

julgar delitos praticados por organizações criminosas, e no item “e)” recomendou-se:

[...] que as varas especializadas em crime organizado contem com mais de um juiz, bem como com estrutura material e de pessoal especializado compatível com a sua atividade, garantindo-se aos magistrados e servidores segurança e proteção para o exercício de suas atribuições.145

A lei 12.694/12 além de instituir o julgamento colegiado, composto pelo juiz do

processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico (art.1º, §2º),

trouxe a previsão no seu art. 3º e incisos, de que “Os tribunais, no âmbito de suas

competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos seus

prédios com varas criminais [...]”, e especialmente, controlar o acesso de pessoas

com identificação; instalar câmeras de vigilância e, instalar detectores de metais.

No art. 6º, a lei traz a previsão de que o art. 115 da lei nº 9.503, de 23 de

setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), passa a vigorar acrescido do §7º,

que autoriza, excepcionalmente, aos membros do Poder Judiciário e do Ministério

142 ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL. Sugestão n. 285. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=425521&filename=SUG+258/2006+CLP>. Acesso em: 12 mar. 2014. 143 ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL. Sugestão n. 285. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=425521&filename=SUG+258/2006+CLP>. Acesso em: 12 mar. 2014. 144 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, Recomendação nº 3, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12083-recomenda-no-3>. Acesso em: 12 mar. 2014. 145 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, Recomendação nº 3, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12083-recomenda-no-3>. Acesso em: 12 mar. 2014.

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Público, o uso de placas especiais, desde que fundamentado pela respectiva

corregedoria, com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes.146

A lei estabelece ainda que o CNJ, o CNMP e o CONTRAN (Conselho

Nacional de Trânsito), deverão expedir regulamento disciplinando esse tema.

Segundo Márcio André Lopes Cavalcante, as providências adotadas quanto

ao uso de placas especiais são de pouca ou nenhuma eficácia, sob o argumento de

que a organização criminosa não identifica o veículo do juiz ou membro do Ministério

Público pela placa do veículo utilizado por eles.147

O autor refere que ao se tratar de organização criminosa, esta tem

conhecimento de onde o magistrado ou membro do Ministério Público reside, onde

seus filhos estudam, bem como onde sua esposa trabalha.148

A lei alterou ainda, o Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826/2003,

permitindo que os servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público, que

estejam no efetivo exercício das funções de segurança, possam portar arma de

fogo, quando se encontrarem em exercício.

As armas serão de propriedade, responsabilidade e guarda da instituição

(Poder Judiciário e Ministério Público), e o certificado de registro, bem como a

autorização de porte, serão expedidos pela Polícia Federal em nome da respectiva

instituição. Cabe somente a 50% do número de servidores do PJ ou do MP, que

exerçam função de segurança, o porte de arma de fogo.149

146 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012. 147 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 148 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 149 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012.

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Quanto à segurança pessoal prestada aos magistrados ou membros do

Ministério Público, a lei prevê que havendo situação de risco, o fato deverá ser

comunicado à Polícia, que avaliará a adoção de providências no sentido de proteção

ou não do membro ameaçado.

Art. 9º Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.150

Nesse passo, Márcio André Lopes Cavalcante assenta que houve um

retrocesso no sistema de proteção aos magistrados e membros do Ministério

Público, pois anteriormente à lei, em caso de risco envolvendo um juiz ou membro

do MP, o presidente do Tribunal ou Chefe do Ministério Público requisitava proteção

policial para o membro ameaçado. Em atendimento a tal requisição, a autoridade

policial reunia-se com a instituição e com o juiz ou promotor em situação de risco e,

em conjunto, definia-se a melhor medida a ser tomada quanto à efetividade da

proteção.151

Com a nova lei, sustenta o aludido juiz que a polícia é comunicada sobre a

situação de risco, e cabe a esta avaliar a necessidade da proteção pessoal do

magistrado ou membro do MP, retirando-se do judiciário a decisão sobre a

necessidade da medida protetiva. Conclui ainda, que esse novo dispositivo, lançado

como uma preocupação estatal com os atuantes na área criminal não traz qualquer

avanço, e que de certa forma, não tão clara, acaba com o poder de requisição do

judiciário e do Ministério Público quanto à proteção pessoal de seus membros.152

De outra parte, Ali Mazloum, juiz federal da 7ª Vara Federal Criminal de São

Paulo, diz ver pontos positivos na lei no que se refere às medidas de proteção à

disposição do juiz criminal, “que vão desde melhor controle de acesso às

150 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012. 151 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 152 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014.

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dependências de onde trabalha como o porte de arma por órgãos de segurança

institucional.” Porém, faz ressalvas no que concerne à ocultação do voto divergente

nas decisões do colegiado, pois, segundo ele, “contraria o primado constitucional da

necessária publicidade e fundamentação das decisões judiciais.”153

Outrossim, embora o fundamento para a lei seja evitar riscos à integridade

física dos juízes, a instituição de leis cujo objeto sejam impor medidas que suprima

os direitos fundamentais dos indivíduos em detrimento das falhas do Estado no que

no que diz à segurança pública, resulta na elaboração de leis como esta, sem

eficácia alguma, que carece que efetividade plena e contraria dispositivos

constitucionais. “É o estado covarde que se apequena e declara a sua própria

impotência diante do que se convencionou chamar de poder paralelo.”154

Um Estado forte e democrático deve mostrar-se competente e superior às organizações criminosas, de maneira que não atropele os direitos humanos fundamentais de seus cidadãos em ato desesperado contra aqueles que se negam a colaborar com o sistema e com a justiça.155

O Estado deve ter por objetivo implantar políticas criminais para a adoção de

medidas que afastem a criminalidade, não simplesmente responsabilizando os

criminosos, mas desarticulando-os com o aumento do poder regulatório e

controlador do Estado, de maneira que “permita alcançar todo o universo de

situações com as quais a organização está direta ou indiretamente relacionada”,

para que o ente estatal não se torne refém da criminalidade organizada.156

[...] a expressão “crime organizado” não está a designar somente uma modalidade criminosa, a exigir uma tipologia penal adequada e uma resposta proporcional, mas é sim a

153 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em: 10 mar. 2014. 154 SILVA, Ronaldo Lastres. Sistema de ‘juiz sem rosto’ é sentença sem assinatura. Revista Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-05/ronaldo-lastres-silva-juiz-rosto-sentenca-assinatura >. Acesso em: 18 mar. 2014. 155 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 156 BECHARA, Fábio Ramazzini. O Estado e o Crime Organizado: quebrando paradigmas. Boletim do IBCCRIM, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4719-O-Estado-e-o-Crime-Organizado:-quebrando-paradigmas>. Acesso em: 07 out. 2013.

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referência a um fenômeno social, politicamente e economicamente influente, que acarreta conseqüências para além da segurança pública, comprometendo, inclusive, a estrutura do próprio regime político. Onde não houver Estado ou houver Estado fraco, tais grupos criminosos prosperam.157

Segundo Rafael Fecury Nogueira, as medidas previstas na lei 12.694/12, não

afasta os riscos relacionados à integridade física dos magistrados, pois o texto legal

procura dar solução a uma questão que deve ser tratada através de políticas

criminais, as quais protejam os cidadãos da criminalidade preventivamente, e não

resulte violação às garantias constitucionais dos jurisdicionados, asseguradas no

devido processo legal.158

André Nicolitt argumenta que a questão acerca da segurança dos

magistrados é indispensável, e lembrou que esta preocupação esteve presente

inclusive no parecer da Comissão de Constituição e Justiça sobre o projeto que deu

origem a lei. No entanto, o autor ressalva que:

[...] não será com o sacrifício de garantias fundamentais que iremos alcançar a almejada segurança. Ao contrário, acreditar em medidas superficiais como o instituto em exame é permanecer em situação de insegurança e agregar a esta violações de princípios que são fundamentais para o Estado Democrático de Direito.159

Procura-se solucionar o problema da segurança pública servindo-se de

processo penal, “instrumento axiológica e teleologicamente inservível para tanto.”160

[...] pensando-se em colegiado apenas como instrumento de segurança, a lei é claramente natimorta por ser desprovida de eficácia e efetividade no

157 BECHARA, Fábio Ramazzini. O Estado e o Crime Organizado: quebrando paradigmas. Boletim do IBCCRIM, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4719-O-Estado-e-o-Crime-Organizado:-quebrando-paradigmas>. Acesso em: 07 out. 2013. 158 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 159 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 160 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013.

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intento de proteger os juízes de ações deletérias de quem atente contra esses agentes políticos do Judiciário.161

A nova lei, diante de um quadro social marcado por preocupante violência,

traz implicações jurídico-processuais de grande relevância, as quais, possivelmente,

serão objeto de contenciosos constitucionais levados ao Supremo Tribunal Federal,

enquanto guardião da Constituição (CF, art. 102).162

No que concerne à adoção das medidas que a lei trata, Odilon de Oliveira,

destacou que de maneira geral são viáveis, pois a segurança nos prédios,

especialmente nas varas criminais não atrapalha em nada. Porém, aponta que a lei

peca na formação do colegiado, demonstrando que o Estado está se “ajoelhando

diante do crime organizado”, quando ele deveria mostrar força perante a sociedade.

Nesta esteira, sugere que o sistema prisional deve ser fortalecido, bem como o

instituto de proteção a testemunhas, e conclui que a reforma do judiciário é

crucial.163

Questionado sobre sua participação no projeto, o referido juiz assenta que fez

parte da comissão composta por 10 (dez) juízes federais para discutir o projeto de lei

em 2007, mas que foi contra as propostas aprovadas e saiu da comissão.164

Sobre o assunto, Hugo Barbosa Torquato, indagado se a nova lei protege

magistrados em detrimento de jurisdicionados, afirmou seguramente que não, no

entanto, mostrou-se favorável ao novo sistema, aduzindo que

[...] um diferente caminho está sendo trilhado em direção à verdadeira concreção dos direitos fundamentais, distanciando o ordenamento brasileiro

161 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 162 LOPES, José Fernando da Silva. Os juízes sem rosto. JCNET. Bauru, 2012. Disponível em: <http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=224333>. Acesso em: 20 mar. 2014. 163 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax. Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: <http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014. 164 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax. Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: <http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014.

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do pseudogarantismo que vinha favorecendo, ingênua ou intencionalmente, o crime organizado.165

De igual modo, Vladimir Passos de Freitas, mostrou-se favorável à lei

12.694/12, referindo que “se algumas leis tornam-se conhecias por um nome (v.g.,

Lei da Ficha Limpa), a Lei 12.694/12 poderia ser denominada: Lei do fim da

inocência.”166

Porém, como bem ressaltou Fabio Ramazzini Bechara, o desafio do Brasil

ainda persiste no que se refere à postura do Estado diante de grupos criminosos

organizados, cuja estabilidade é estimulada pela inexistência de “mentalidade e

cultura estatal com vistas a uma atuação mais abrangente e hábil a permitir a sua

desarticulação, e não simplesmente a penalização dos seus membros.”167

165 FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em: 17 mar. 2014. 166 FREITAS, Vladimir Passos de. A Silenciosa Reforma Processual da Lei 12.694/12. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-05/segunda-leitura-silenciosa-reforma-processual-lei-1269412>. Acesso em: 17 mar. 2014. 167 BECHARA, Fábio Ramazzini. O Estado e o Crime Organizado: quebrando paradigmas. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.239, out./2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4719-O-Estado-e-o-Crime-Organizado:-quebrando-paradigmas>. Acesso em: 07 out. 2013.

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4 A OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO

PROCESSO LEGAL E SUAS RESTRIÇÕES JUNTO À LEI 12.694/12

Como lei suprema do ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988,

traz uma série de princípios que sustentam e servem de base do nosso

ordenamento.

Segundo Humberto Ávila, os princípios são normas finalísticas, que

estabelecem uma finalidade a ser alcançada. Pode ser entendido como uma ideia

que expressa uma orientação prática, ou seja, uma função diretiva. “Daí se dizer que

o fim estabelece um estado ideal de coisas a ser atingido, como forma geral para

enquadrar os vários conteúdos de um fim.”168

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primeiramente prospectivas e com pretensão de complementariedade e da parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação entre o estado de coisas a promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.169

Celso Antônio Bandeira de Mello refere que um princípio pode ser entendido

como um comando central do ordenamento jurídico, base de sustentação do sistema

jurídico que proporciona uma visão harmônica e coerente do ordenamento. Segundo

o autor, ao se violar um princípio, estar-se-á transgredindo todo o conjunto

normativo, não somente ofendendo uma norma170

Nesse diapasão, Adelino Marcon aduz que princípios são verdadeiras

exigências e não meras orientações, de modo que ao serem violados, coloca-se em

risco a validade, eficácia e efetividade das normas jurídicas. Por ser assim,

desrespeitar um princípio traduz-se na ausência de efetividade das garantias obtidas

duramente pela sociedade.171

168 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.79. 169ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.78. 170 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo, São Paulo: RT, 1986. p.230. 171 MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal, Curitiba: Juruá, 2004. passim.

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Nesta perspectiva, pode-se compreender que os princípios são verdadeiras

garantias dos jurisdicionados no processo penal, incluindo-se juízes, promotores de

justiça, assim entendido como a sociedade, contexto de um todo. Por ser assim, “os

preceitos constitucionais com relevância processual têm a natureza de normas de

garantia, ou seja, de normas colocadas pela Constituição como garantia das partes

e do próprio processo.”172

Inclusive, tendo os princípios função de garantia, sempre que houver violação

a um princípio ou norma constitucional, ocorrerá à ineficácia do ato praticado que

infringiu a Lei Suprema, consequência que surgirá da própria Constituição ou dos

princípios gerais do direito.173

Nesta senda, os princípios constitucionais da Ampla Defesa e Contraditório

(Art. 5º, LV), do Juiz Natural (Art. 5º, XXXVII e LIII), do Devido Processo Legal (Art.

5º, LIV), da Publicidade dos Atos (Art. 5º, LX), são alguns exemplos de garantias

asseguradas constitucionalmente e indispensáveis ao justo e legítimo processo

penal

Por serem de extrema importância, no decorrer deste capítulo, analisar-se-á

os princípios constitucionais que colidem com as inovações trazidas pela Lei

12.694/12, mormente no que se refere à instauração de um colegiado de juízes em

primeiro grau de jurisdição, bem como quanto à vedação da publicação do voto

divergente e o sigilo das reuniões do colegiado.

Nesta ótica, diante das diversas garantias no que dizem à jurisdição penal,

consolidadas na legislação pátria, cinco princípios ganham ênfase para a análise

que se propõe, quais sejam: Princípio da Ampla Defesa e Contraditório, Princípio do

Juiz Natural, Princípio da Imparcialidade, Princípio da Identidade Física do Juiz, e

Princípio da Publicidade dos Atos Processuais.

172 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2006. p.25. 173 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2006. p.26.

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4.1 Princípio da Ampla Defesa e Contraditório

O Estado brasileiro é Signatário da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica174, no qual, as

garantias dos jurisdicionados estão previstas no art. 8º da Convenção.175

Art. 8º Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, de trabalho, fiscal ou de qualquer outra natureza.176

A competência para fiscalização do cumprimento das obrigações assumidas

pelos Estados signatários do pacto é da Comissão e da Corte Interamericana de

Direitos Humanos. No art. 25º, os direitos processuais são desenvolvidos,

estabelecendo que:

Art. 25 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou qualquer outro recurso efetivo, perante juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem os seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam a atuar no exercício das suas funções oficiais.177.

Nesse contexto, e em razão da influência pela comunidade internacional,

“muitos dos direitos processuais foram erigidos à qualidade de princípios

constitucionais de natureza fundamental, evidenciando, no campo do direito

processual, por normas auto aplicáveis de defesa plena.”178

174 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014. 175 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá Editora, 2010. p.39. 176 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014. 177 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014. 178 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá, 2010. p.39.

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É intrínseca à defesa plena, a garantia do devido processo legal, assegurado

na Constituição de 1988, que prescreve que “ninguém será privado da sua liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legal” 179, sendo este, tido como o processo

justo.180

Com efeito, quando se fala em processo justo, está se falando em processo

igualitário, o qual deve ter um juiz independente e imparcial, que dará as partes o

mesmo tratamento e oportunidades181, é portanto, “a garantia de proteção material,

direito de liberdade e formal, assegurando igualdade de condições com o Estado e

plenitude de defesa.”182

Nesta esteira, “o devido processo legal é mais que exigência de um

procedimento prévio previsto em lei, aliás, o procedimento previsto em lei decorre do

próprio Estado de Direito, no qual a lei é a bússola de todo o agir do Estado.”183

O devido processo legal vai além, exige que o procedimento regulado seja

justo, e atenda as garantias da ampla defesa e contraditório, que serão analisadas

na sequência.

De acordo com a Súmula 523 do STF:“No processo penal, falta de defesa

constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova do

prejuízo para o réu.”184

Já o Código de Processo Penal, em seu art. 261, caput, prevê que “nenhum

acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem

defensor.”185

179 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 180 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.32. 181 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.33. 182 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em 18 de março de 2014. 183 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.33. 184 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 523. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_501_600>. Acesso em: 12 maio 2014. 185 BRASIL. Código de Processo Penal.

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A não observância desse preceito acarreta a nulidade do processo. O

defensor é imprescindível, e se o acusado não o tiver, o juiz lhe nomeará um,

“ressalvado o seu direito de, a todo o tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si

mesmo defender-se, caso tenha habilitação”186 (art. 564, II, c, do CPP187).

Por assim dizer, na ótica do direito positivo, a previsão da ampla defesa e

contraditório está no art. 5º, LV, da Constituição Federal, inserido no tópico que trata

dos direitos fundamentais e das garantias individuais, erigido à condição de princípio

constitucional,188 o qual dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com meios e recursos a ela inerentes.”189

A ampla defesa e o contraditório equivalem-se e possuem diferença

semântica, pois a ampla defesa consiste na possibilidade de defender-se

assegurado todos os meios previstos em lei, em igualdade de condições, e o

contraditório tem por referencial o direito de expor as razões e contrarrazões,

apresentar provas, bem como prova em contrário.190

Segundo Helena de Toledo Coelho Gonçalves, a definição de ampla defesa

precede uma acepção material, ou seja, trata-se de direito subjetivo inerente ao

indivíduo, corolário dos dois princípios fundamentais consagrados pela filosofia

iluminista, quais sejam: liberdade e igualdade.191

A ampla defesa segundo Celso Ribeiro Bastos é “o asseguramento que é feito

ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos

tendentes a esclarecer a verdade.”192 Por ser assim, do conceito, compreende-se

186 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.564. v.2. 187 BRASIL. Código de Processo Penal. 188 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá, 2010. p.43. 189 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 190 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá, 2010. p.43. 191 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá, 2010. p.43. 192 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.287. v.2.

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que “a ampla defesa se perfaz mediante o contraditório, isto é, a possibilidade de

debate sobre as questões postas em busca da verdade.”193

O interrogatório é um meio de defesa, denominada de autodefesa em que o

réu tem possibilidade de defender-se, pois, conforme o já mencionado art. 8º do

Pacto de San José da Costa Rica, o acusado tem verdadeiro direito de ser ouvido

pelo juiz da causa. Entretanto, é indispensável à presença de defensor público ou

constituído, que consiste em realizar a defesa técnica, impondo sua participação

efetiva, sob pena de nulidade quando prejudicial ao réu.194

No que diz o contraditório, o sentido é predominantemente formal, que traduz-

se no meio garantido por lei de o indivíduo defender-se. “O contraditório resolve-se

com a oportunização do interessado em se manifestar.”195

Nesse sentido, Arthur César de Souza afirma que o contraditório traduz “a

efetiva intervenção dos sujeitos processuais no exercício do poder jurisdicional”, e

que a inclusão deste princípio pela doutrina no âmbito dos princípios é decorrência

de um aprofundado trabalho histórico.196

Em síntese, o contraditório desenvolve-se de forma bilateral, propiciando as

partes se manifestar sobre cada ato do processo.197

Embora possuam traços que os ligam, a ampla defesa e o contraditório não

se confundem, posto que a ampla defesa é voltada ao sujeito passivo da relação

processual , enquanto o contraditório se refere às pastes.198

No contexto da lei 12.694/12, a vedação à publicação do voto divergente fere

especialmente o princípio da ampla defesa e contraditório, pois inexiste paridade de

193 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá, 2010. p.44. 194 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p.45. 195 GONÇALVES, Helena de Toledo Coelho. Contraditório e Ampla Defesa, Curitiba: Juruá, 2010. p.43-44. 196 SOUZA, Artur César de. Contraditório e Revelia. São Paulo: RT, 2003. p.136. 197 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.41. 198 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.40.

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armas entre as partes do procedimento estabelecido. Não há igualdade entre os

atores penais, visto que não há igualdade de condições entre acusação e defesa.

A Constituição Federal de 1988 consagra em seu art. 5º, caput, o princípio da

igualdade, e sobre o tema, André Nicolitt refere que “o alcance do princípio não se

restringe a nivelar os cidadãos diante da normal legal, mas a própria lei não pode ser

editada em desconformidade com a isonomia.”199

O autor, referenciado Jorge Miranda, assenta que a igualdade por ser vista

sob duas óticas, quais sejam:

[...] no sentido negativo, quando proscreve privilégios, benefícios, discriminações; no sentido positivo, quando exige tratamento igual para os iguais e tratamento desigual a situações substancial e objetivamente desiguais, ou seja, o tratamento das situações não como elas existem, mas como elas devem existir.200

Nesta senda, a ausência de igualdade de condições entre acusação e defesa,

resulta na transgressão do direito à ampla defesa e contraditório, pois o réu, sob à

ótica da lei 12.694/12 não tem acesso a todos os atos do processo, mormente no

que se refere ao conhecimento do voto divergente.

Por ser assim, objetivamente, no que concerne ao contraditório, evidencia-se

que o réu não tem possibilidade de contraditar todos os argumentos dos membros

do colegiado desfavoráveis à sua defesa, consubstanciado em eventual voto

divergente, o qual pode ser benéfico, visto anteriormente que o contraditório é a

oportunidade do interessado em se manifestar.

De igual modo, a vedação do voto divergente viola diretamente à ampla

defesa, em sentido semelhante ao contraditório, eis que o jurisdicionado, não tendo

conhecimento das razões que divergem dos demais membros do órgão colegiado,

prejudica a amplamente à sua defesa plena. Inclusive, sendo favorável o voto

divergente, poderia este legitimar recurso fundado nos mesmos argumentos

utilizados pelo membro divergente, que notoriamente, é de grande interesse à

199 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.36. 200 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.36.

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defesa. O acesso ao voto divergente é inerente à ampla defesa das partes, que

servirá como fundamento ao seu recurso.201

4.2 Princípio do Juiz Natural

A garantia de que ninguém será processado e julgado, senão por autoridade

competente, por meio de um tribunal independente e imparcial, e que não haverá

juízo ou tribunal exceção, são as diretrizes do princípio do Juiz Natural.

Notadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) das

Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, traz a garantia de um julgamento

imparcial, com observância à dignidade da pessoa humana, a qual é questão crucial

da compreensão de justiça.

O Art. X da DUDH é exemplo de preocupação com a preservação das

garantias de um processo penal justo, com igualdade de condições e plenitude de

defesa, realizado através de um tribunal independente e imparcial.

Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou de fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.202

Ratificando as disposições contidas na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos203, aprovado pela

Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, em 16 de dezembro de 1966, e inserido

ao nosso ordenamento pátrio pelo Decreto 592, de 6 de julho de 1992, traz em seus

arts. 9.3 e 14, a previsão de que:

201 ROSA, Alexandre de Morais da; CONOLLY, Ricardo. Democracia e juiz sem rosto: problemas da lei 12.694/2012. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n.7. set./dez. 2012. p.7-32. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/539076-Revista-da-Defensoria-Publica-Ano-III-N-7/>. Acesso em: 18 mar. 2014. 202 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014 203 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional sobre Direitos Civis Políticos, de 16 de dezembro de1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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ARTIGO 9.3 Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. ................................................................................................................. ARTIGO 14Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.204 [grifo nosso]

De igual modo dispôs a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de

1969205, conhecida também por Pacto de São José da Costa Rica, sendo tal

regramento incorporado ao direito nacional através do Decreto 678, de 6 de

novembro de 1992, no qual, em seu art. 8ª, n. 1, prevê, que:

[...] toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.206

O princípio do Juiz Natural foi positivado na Constituição Federal de 1988, no

art. 5º, incisos XXXVII e LIII, do título II, que trata dos direitos e garantias

fundamentais, o qual estabelece que não haverá juízo ou tribunal de exceção e, que

ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente.

204 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional sobre Direitos Civis Políticos, de 16 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014. 205 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014. 206 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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O juiz natural é garantia fundamental do cidadão intimamente ligada à noção

do devido processo legal, sob a ótica de que não se pode admitir, em Estados

Democráticos de Direitos, a previsão de juízos ou tribunais de exceção, instaurados

para julgamento de casos específicos, sem a obedecer à ordem constitucional.207

A par disso, Jorge de Figueiredo Dias refere que o princípio tem um tríplice

significado, quais sejam, primeiro, ele coloca em eminência o plano da fonte, que

consiste que a lei só pode definir o juiz e estabelecera competência; segundo, ele

busca apresentar um ponto de referência temporal, o qual respalda-se na

irretroatividade, porquanto a fixação do juiz e da competência tem que ser realizada

sob a vigência de lei ao tempo em que foi praticado o delito objeto do processo;

terceiro, ele procura vincular a um comando taxativo de competência, que afaste

qualquer possibilidade de decidir arbitraria e discricionariamente. Neste último, o

entendimento da proibição dos tribunais de exceção, ad hoc, criados para decidir um

caso pontual, ou determinado grupo de casos, quebram as regras gerais de

competência.208

Nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, o juiz

natural, investido constitucionalmente

[...] traduz significativa conquista do processo liberal, essencialmente fundado em bases democráticas – atua como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado e representa importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais.209

Como se vê, a previsão do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, deve

ser vista como garantia da própria jurisdição, como elemento essencial do exercício

da função, pelo qual, sem ele, “a própria relação processual não pode nascer [...]”,

207 MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal, Curitiba: Juruá, 2004. p.85-86. 208 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, 1.ed. Coimbra, 1974. p.322-323. 209 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma - HC nº 69.601/SP. Paciente: Paulo César dos Reis. Impetrante: Adauto Alonso. S. Suannes. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 1992. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=71855>. Acesso em: 19 de abr. 2014. p.425.

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sendo inquestionável ser o juiz natural um “verdadeiro pressuposto de existência do

processo.”210

No contexto da lei 12.694/12, o princípio do juiz natural ganha ênfase e é alvo

de controvérsias, especialmente no que se refere à possibilidade de instauração um

colegiado de juízes, em primeiro grau de jurisdição, para processar e julgar crimes

envolvendo organização criminosa.

No art. 1º da aludida lei, tem-se a previsão de que ao julgador é facultado

decidir pela formação do colegiado para a prática de qualquer ato processual, e nos

incisos do referido artigo, são elencados alguns atos para qual o colegiado pode ser

convocado.211

A primeira controvérsia que surge na instauração do colegiado é a

competência dos magistrados que o integrarão. Dispõe o §2º, do art. 1 da lei em

comento, que o colegiado será composto pelo juiz do processo e por dois outros

escolhidos por meio de sorteio eletrônico, dentre aqueles de competência criminal

em exercício no primeiro grau de jurisdição.212

Nesta esteira, André Nicolitt esclarece que

[...] a previsão do sorteio eletrônico (art. 1º, §2º) soluciona a violação do princípio do juiz natural relativamente à dimensão que proíbe a escolha de juízes, mas não impede a violação do princípio na sua dimensão que veda a formação de tribunais ex post facto.213

Outro ponto pertinente recai no §3º do art. 1º, da lei, pelo qual estabelece que

“a competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.”214 Nesse

210 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2006. p.50. 211 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012. 212 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012. 213 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 214 BRASIL. Lei n. 12.694, de 25 de julho de 2012.

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sentido, tem-se que a limitação imposta fere a regra da prevenção, prevista no art.

83 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa215

Da leitura do §3º supracitado, verifica-se que a lei não trata de possível

prevenção do magistrado que atuou em alguma fase do processo ou procedimento,

quer seja na fase do inquérito policial, quer na fase de conhecimento ou execução

da pena, pelo qual, estaria àquele prevento a possíveis convocações futuras pelo

magistrado natural da causa.

Neste sentido, depreende-se que o magistrado sorteado estará vinculado tão

somente ao ato para o qual foi convocado, o que fere diretamente o princípio da

identidade física do juiz, que será visto a seguir.

A respeito do tema, vale lembrar que o propósito de instaurar um órgão

colegiado, em primeiro grau de jurisdição, para julgar crimes envolvendo

organização criminosa já foi abordado pelo Conselho Nacional de Justiça, através da

Recomendação n. 3, de 30 de maio de 2006216, que entre outras disposições,

recomendou, no item 2, alínea ‘e’, a composição de varas especializadas em crime

organizado, constituídas com mais de um juiz, bem com estrutura material e de

pessoal especializado, compatível com atividade desenvolvida, a fim de garantir aos

magistrados e servidores da justiça, segurança e proteção para o exercício de suas

atribuições.

Aliás, no que pertine a instituição de colegiados em primeiro grau, cabe

mencionar que no Estado de Alagoas, foi criada a 17ª Vara Criminal da Capital, cuja

competência é exclusiva para processar e julgar crimes envolvendo organização

criminosa. A modalidade coletiva, se dá pela composição de 05 (cinco) magistrados,

215 BRASIL. Código de Processo Penal. 216 BRASIL.Conselho Nacional de Justiça, Recomendação nº 3, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12083-recomenda-no-3>. Acesso em: 12 mar. 2014.

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igualmente competentes, com o intuito de promover maior proteção à integridade

física de magistrados com investidura criminal.

Ademais, a lei alagoana foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade –

ADI, 4414/AL217, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, perante o

Supremo Tribunal Federal, requerendo que fosse reconhecida a

inconstitucionalidade de diversos dispositivos da lei.

Ocorre que, o Plenário da Corte, embora tenha declarado a

inconstitucionalidade de diversos dispositivos da lei 6.806/2007218, manteve a

possibilidade de instituir, em primeiro grau de jurisdição, um colegiado de juízes,

como forma de protegê-los das ameaças de grupos criminosos, posto que, se

tornaria mais difícil identificar um magistrado singularmente, vez que a decisão não

se concentraria apenas em um. Desse modo, entendeu o Plenário, que a segurança

e independência dos magistrados estariam preservadas, podendo aqueles atuar em

processos à frente de organizações criminosas.

Vladimir Passos de Freitas acredita não haver nenhuma inconstitucionalidade

na lei, ao afirmar que o princípio do juiz natural não será violado, sob o fundamento

de que a formação do colegiado não terá por objeto afastar o juiz da causa, “ao

contrário, dele será a iniciativa.”219

No entanto, é de ressaltar, como bem assentado por André Nicolitt, “o

julgamento colegiado tal qual delineado pela Lei 12.694/2012 não passa pelo crivo

do princípio do juiz natural” 220, vez que, o colegiado é instaurado posteriormente ao

217 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4414/AL. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requeridos: Governo do Estado de Alagoas; Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas. Brasília, 31 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=114&dataPublicacaoDj=13/06/2012&incidente=3886018&codCapitulo=2&numMateria=17&codMateria=4>. Acesso em: 12 mar. 2014. 218 ALAGOAS. Lei n. 6806, de 22 de março de 2007. 219 FREITAS, Vladimir Passos de. A Silenciosa Reforma Processual da Lei 12.694/12.Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-05/segunda-leitura-silenciosa-reforma-processual-lei-1269412>. Acesso em: 17 mar. 2014. 220 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-

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cometimento do delito, afrontando diretamente o princípio em foco, na medida em

que veda tribunais de exceção, com exigência de que a competência seja

estabelecida anteriormente ao fato delituoso.

Por assim dizer, os juízes escolhidos por meio de sorteio eletrônico não

podem ser considerados juízes naturais da causa, posto que a garantia emanada do

princípio surge no momento da prática do delito, e não do início do processo ou

procedimento.221

Estando em dissonância ao disposto no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da

Constituição Federal, o colegiado instituído nos moldes da lei 12.694/12 acaba por

violar também a imparcialidade do magistrado, como será analisado na sequência.

4.3 Princípio da Imparcialidade

A imparcialidade equivale-se a não tomar partido, ou seja, ao juiz não se

posicionar nem contra ou a favor do jurisdicionado no processo criminal.222 Pode ser

compreendida como a falta de interesse pessoal no feito, como qualidade de quem

não é parte. Sob essa perspectiva, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho assevera

que o magistrado “está para além de seus interesses individuais, encarnando o

próprio Estado.”223

Objetivamente, segundo Ana Paula Oliveira Ávila, a imparcialidade exige que

quaisquer decisões sejam pautadas em fundamentos legítimos, assim entendidas

como aquelas que encontram base legal, e tenham relação às circunstâncias posta

aos autos, que se colocam no plano decisório do juiz. Trata-se, de um pressuposto

intrínseco ao processo, sem o qual, “todas as garantias que nele incidem ficam

inócuas.”224

em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 221 MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal, Curitiba: Juruá, 2004. p.47. 222 MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal, Curitiba: Juruá, 2004. p.95. 223 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.11. 224 ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O Postulado da Imparcialidade e a Independência do Magistrado no Civil Law. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito

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Segundo a autora, a imparcialidade tem dever funcional e resulta de duas

regras: “Nemo iudex in causa propria e audi et altera parte.” A primeira, consiste na

proibição do exercício de poderes funcionais por quem detenha algum interesse

“pessoal, direto ou indireto” na questão controvertida, o que daria margem à

arguição de impedimentos e suspeições. A segunda, no que se refere ao

contraditório e o envolvimento de todos os interessados na causa, resultando para o

magistrado o dever de “oferecer oportunidade às manifestações a quem sua decisão

venha afetar, e de ponderar todos os interesses juridicamente relevantes no

processo.”225

A imparcialidade não está a significar a neutralidade do magistrado, o que é

impossível de alcançar, vez que a anulação dos aspectos subjetivos à pessoa do

julgador, como a formação social e cultural, racionalidade, ideologias, capacidade de

interpretar as normas, bem como emoções e sentimentos, os quais traduzidos nas

experiências vividas pelo magistrado, são inviáveis à função que desempenha.226

A Constituição Federal proporciona condições que propiciam uma postura

imparcial do magistrado através de garantias, quais sejam: independência,

vitaliciedade, e aposentadoria com proventos integrais.227

Segundo Alberto M. Binder, a garantia da independência pode ser observada

sob múltiplos enfoques, quais sejam: independência da instituição judicial e

independência pessoal do juiz.228

A independência judicial na perspectiva do autor está intimamente

relacionada à independência pessoal do juiz, pelo qual este não está subordinado a

Público, n.27, jul./ago./set. 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-27-SETEMBRO-2011-ANA-PAULA-OLIVEIRA-AVILA.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2014. 225 ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O Postulado da Imparcialidade e a Independência do Magistrado no Civil Law. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n.27, jul./ago./set. 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-27-SETEMBRO-2011-ANA-PAULA-OLIVEIRA-AVILA.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2014. 226 MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal, Curitiba: Juruá, 2004. p.96. 227 ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O Postulado da Imparcialidade e a Independência do Magistrado no Civil Law. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n.27, jul./ago./set. 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-27-SETEMBRO-2011-ANA-PAULA-OLIVEIRA-AVILA.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2014. 228 BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.109

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instâncias externas de poder – Executivo, Legislativo, e inclusive Judiciário.229 A

proteção da independência externa está disciplinada no art. 2º, da Constituição

Federal230, que assim dispõe: “São Poderes da União, independentes e harmônicos

entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Binder refere ainda, que existe uma terceira forma de independência que

poderia se chamar de “burocrática” ou “administrativa”, pelo quando entende-se que

o juiz deve ser imparcial quanto a organização burocrática que o cerca, vez que, em

muitos casos o juiz delega funções que lhe cabiam, sendo estas realizadas por seus

subordinados.231

Em um sentido mais amplo, o magistrado deve ser imparcial inclusive

relativamente à opinião pública, posto que “o Judiciário como um todo e cada juiz em

particular é independente não só em relação a outros poderes, como diante do

próprio poder e da opinião pública.”232

Com vistas a garantir a imparcialidade dos juízes, a Constituição Federal, em

seu art. 95 e incisos, trouxe verdadeiras garantias: vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de subsídios.

A vitaliciedade, conforme se depreende do inciso I, do art. 95, assegura que,

no biênio inicial, o magistrado somente poder perder seu cargo por deliberação de

Tribunal a ele vinculado, através de processo, com sentença com trânsito em

julgado. Pode se dizer assim, que “a perda do cargo apenas ocorrerá por fato muito

grave.”233

No que concerne à inamovibilidade, a Constituição Federal, nos arts. 95, II, e

93, VIII, garante que o magistrado não será removido senão por interesse público

229 BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.109. 230 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 231 BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.110. 232 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.79. 233 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.41. v.1.

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fundado em decisão, sendo obrigatória a maioria absoluta do respectivo tribunal ou

do Conselho Nacional de Justiça.234

Quanto à irredutibilidade de subsídios inserida no inciso III, do art. 95, da CF,

torna intangível, ressalvado os casos previstos em lei, a redução da remuneração

dos magistrados.235

Igualmente corroborando a preservação da imparcialidade, a aposentadoria

com proventos integrais ou proporcionais, é a garantia dos magistrados, que diante

de uma situação financeira incerta e escassa, se não pudesse contar com seus

proventos durante a aposentadoria, poderia se tornar vulnerável às possibilidades de

favorecimento, afastando desse modo, a sua atuação independente, isenta e

imparcial.236

No código de processo penal a ruptura da imparcialidade, por circunstâncias

subjetivas, pode ser afastada através das hipóteses de impedimento e suspeição,

previstas respectivamente nos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal, que

retira do juiz a jurisdição para julgamento do processo penal.237

Segundo dispõe o art. 252 do CPP, o juiz não poderá exercer jurisdição no

processo em que: tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim,

em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado,

órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; ele

próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como

testemunha; tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato

ou de direito, sobre a questão; ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo

ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou

diretamente interessado no feito.238

234 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 235 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 236 ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O Postulado da Imparcialidade e a Independência do Magistrado no Civil Law. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n.27, jul./ago./set. 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-27-SETEMBRO-2011-ANA-PAULA-OLIVEIRA-AVILA.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2014. 237 BRASIL. Código de Processo Penal. 238 BRASIL. Código de Processo Penal.

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Nas hipóteses de impedimento, o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer,

poderá ser recusado por qualquer das partes quando: for amigo íntimo ou inimigo

capital de qualquer deles; se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver

respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja

controvérsia; se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro

grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser

julgado por qualquer das partes; se tiver aconselhado qualquer das partes; se for

credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; se for sócio, acionista

ou administrador de sociedade interessada no processo.239

Por ser assim, “nenhum processo pode se desenvolver validamente sem a

presença de um juiz imparcial.” Verificando-se a parcialidade do juiz, quer porque

ocorre uma hipótese de impedimento ou de suspeição, é possível o reconhecimento

da nulidade de todos os atos praticados perante aquele juiz parcial.240

A imparcialidade se torna verdadeira garantia do sujeito passivo da relação

processual penal de que o julgador não possui interesse algum na causa. “Essa

imparcialidade proporciona uma indissimulada conotação ética ao processo.”241

No momento em que o juiz natural decide por instaurar o colegiado previsto

na lei 12.694/12, acaba por expor a sua imparcialidade e dos demais juízes

sorteados, pois a “sensação de insegurança” para julgar o delito ocorrido

anteriormente à formação do colegiado traz um “ânimo de prevenção íntima

relativamente aos fatos, comprometendo-se a análise imparcial dos mesmos”, vez

que o imaginário dos membros está comprometido com as circunstâncias do

colegiado.242

239 BRASIL. Código de Processo Penal. 240 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito a um julgamento por juiz imparcial: como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que não há a função do juiz de garantias. Badaró Advogados. [s.l.]. Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/?p=331>. Acesso em: 06 mar. 2014. 241 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.41. v.1. 242 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014.

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Pode-se dizer, portanto, que a justificação para a composição do colegiado,

que tem por fundamento “medo” ou “insegurança”, reflete na forma de conduzir as

decisões proferidas por seus componentes, acarretando inegável prejuízo ao

deslinde do processo, vez que há verdadeiro rompimento da independência do

julgador, influenciando no livre convencimento dos juízes, tendo em vista que existirá

uma pré-disposição do colegiado para condenar.

Para Geraldo Prado, a imparcialidade é garantia, “no sentido estrito de

estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma

das alternativas de explicação que autor e réu reciprocamente contrapõem durante o

processo.”243

Por ser assim, não haverá como alcançar um processo justo, que proporcione

paridade de armas entre acusação e defesa, vez que, possivelmente o colegiado

acolherá a tese de acusação.

Contudo, estando o magistrado inseguro para atuar no processo, pode ele

utilizar-se do instituto da incompatibilidade para atestar que não é apto a atuar em

determinado feito, tendo em vista que as hipóteses de suspeição e impedimento,

como já analisadas anteriormente, não podem ser opostas, pois nos arts. 252 e 254

do CPP, não há previsão de medo do julgador para afastar sua jurisdição.

Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira, as razões intrínsecas ao julgador, de

foro íntimo, podem ser compreendidas nas hipóteses de incompatibilidade244, ao

passo que, reconhece o magistrado a sua impossibilidade de operar no processo

imparcialmente, face à influência no seu livre convencimento, nos termos do art. 112

do CPP.245

243 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.109. 244 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p.453. 245 “Art. 112 O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.” BRASIL. Código de Processo Penal.

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Para o autor, a incompatibilidade, assim como a suspeição e o impedimento

acarretam a nulidade absoluta de todos os atos praticados, ao referir que em se

tratando de imparcialidade, o vício é de “índole constitucional”, pouco importando o

conteúdo das decisões judiciais, os quais afetam toda a atividade jurisdicional, não

se aproveitando qualquer ato processual.246

Na perspectiva do órgão colegiado tal como delineado pela Lei n. 12.694/12,

constata-se o rompimento da imparcialidade do juiz natural da causa, estendendo-se

aos demais membros do colegiado, sorteados por meio eletrônico, visto que estarão

contaminados com o “ânimo de prevenção íntima relativamente aos fatos” 247, não

podendo, portanto, atuar no processo ou procedimento.

A formação do colegiado além de transgredir o princípio da imparcialidade,

rompe com o princípio da identidade física do juiz, como será demonstrado no

próximo item deste trabalho.

4.4 Princípio da Identidade Física do Juiz

O princípio da identidade física do juiz tem origem em normas processuais

civis (caput do art. 132 do Código de Processo Civil248) e foi instituído no

ordenamento processual penal – art. 399, §2, do CPP, através da Lei n. 11.719, de

2008, que assim dispõe: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a

sentença.”249

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró menciona que a identidade física do

juiz é consequência da oralidade, pois sua instituição isolada, sem que preveja um

procedimento concentrado, com instrução em audiência una ou em poucas

246 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.478. 247 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 248 “Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.” BRASIL. Código de Processo Civil. 249 BRASIL. Código de Processo Penal.

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audiências, sucedidas em momentos próximos, que visa a imediatidade da prova,

será de pouca ou nenhuma aplicação.250

Como se percebe, a identidade física do juiz se dá por corolário dos princípios

da oralidade e imediatidade dos atos processuais, tendo em vista que a oralidade

simplifica o processo penal, ao passo que, conforme ilustra Geraldo Prado, demanda

as seguintes características: predominância da palavra falada; a imediatidade da

relação do juiz com as partes e com os meios de prova; a identidade física do órgão

judicante em todo o decorrer do processo; a concentração da causa no tempo.251

Com relação à imediatidade, o aludido autor refere que constitui em

“exigência de que uma causa não seja decidida por um juiz que não haja tido

contato direto com as provas e com os argumentos das partes, em um ambiente

capaz de proporcionar condições ideais de diálogo.”252

Assim, somadas, a oralidade e imediatidade atuam como recursos de controle

da atuação do juiz, a fim de evitar que ocorra a troca dos papéis, desempenhando o

magistrado o papel de acusador, atribuição que não lhe pertence.253

No que concerne à identidade física do juiz, Gustavo Henrique Righi Ivahy

Badaró, menciona que a expressão “juiz que presidiu a instrução”, prevista no §2º,

do art. 399, do CPP, deve ser compreendida como a “previsão de que toda a

instrução deve se desenvolver perante um único juiz, que deverá ser o mesmo que

sentenciará o feito.”254

250 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A regra da identidade física do juiz na reforma do Código de Processo Penal. Badaró Advogados, [s.l.]. Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/?p=323>. Acesso em 06 de março de 2014. 251 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.154. 252 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.156. 253 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.158. 254 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A regra da identidade física do juiz na reforma do Código de Processo Penal. Badaró Advogados, [s.l.]. Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/?p=323>. Acesso em: 06 mar. 2014.

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Nesse contexto, pode-se perceber que a redação do artigo §2º, do art. 399,

do CPP, tem por finalidade

[...] evitar que, no momento culminante do processo, isto é, de sentenciar o feito, possa haver substituição do juiz, em razão de critérios aleatórios para não se dizer discricionários ou abusivos, colocando em risco o direito ao julgamento por juiz imparcial.255

Neste sentido, há que se observar o art. 1º, §3º, da Lei n. 12.694/12, que

limita a competência do colegiado para o ato para o qual foi convocado.

Dá análise do referido artigo, pode-se verificar que além do juiz natural, outros

dois juízes integrarão o colegiado, e poderão sentenciar sem mesmo ter participado

das fases anteriores do processo, assim como a produção de provas, interrogatório

do réu e oitiva de testemunhas, e audiências. Segundo Pierpaolo Botitini, “Quisesse

a lei ser coerente com a identidade física, estabeleceria um colegiado que

participasse também dos atos probatórios, da instrução do processo.”256

Quanto à aplicação do princípio em comento, Márcio Andre Lopes Cavalcante

menciona que identidade física do juiz não tem exigência constitucional e somente

foi inserido no ordenamento processual penal por meio da Lei n. 11.719/2008, pois,

antes da alteração, não existia tal previsão “e nem por isso os feitos sentenciados

por outro juiz que não o da instrução foram considerados nulos por violação à ampla

defesa.”257

Refere o mencionado autor, que o magistrado que presidiu a instrução, que

também irá compor o colegiado, poderá passar aos demais componentes, suas

impressões pessoais sobre as provas produzidas, em inclusive a testemunhal.258

255 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A regra da identidade física do juiz na reforma do Código de Processo Penal. Badaró Advogados, [s.l.]. Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/?p=323>. Acesso em: 06 mar. 2014. 256 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em: 10 mar. 2014. 257 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 258 CAVALCANTE, Márcio Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. [s.l.]. Disponível em:

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Em contrapartida, André Nicolitt, afirma que o princípio da identidade física do

juiz é corolário do juiz natural, de tal modo que a formação do colegiado não poderá

ocorrer somente para a prolação da sentença, eis que viola diretamente a identidade

física do juiz “(juiz natural substancial)”, exigindo-se que a convocação do colegiado

também para a instrução processual.259

Não obstante aos posicionamentos supracitados,, a Lei n. 12.694/12 não

esclarece se os juízes que participaram de fases anteriores do processo ou

procedimento, serão preventos para integrar o colegiado no que concerne a

prolação da sentença, razão pela qual, pode-se entender que não há prevenção.

Partindo-se dessa premissa, a composição do colegiado poderá ocorrer para

decidir diversas questões no processo/procedimento, conforme exemplifica o art. 1º,

e incisos da lei, concluindo-se daí, que a formação do colegiado poderá ocorrer

sempre com a composição de magistrados distintos daquele instaurado

anteriormente.

Nesta ótica, cumpre esclarecer a Lei n. 12.694/12, difere da Lei Estadual n.

6806/2007260, já mencionada nos itens anteriores deste trabalho, pelo fato que a lei

alagoana prevê a titularidade coletiva da 17ª Vara Criminal da Capital, que tem

competência exclusiva para processar e julgar delitos que envolvam organização

criminosa, composta por cinco magistrados, os quais participarão de toda a

tramitação processual, com o intuito de garantir-lhes segurança e independência

para atuar perante organizações criminosas.

O ponto que versa sobre a segurança dos magistrados, também recai

diretamente sobre o princípio da publicidade e motivação, como veremos neste

próximo tópico.

<http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. 259 NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as dimensões do princípio do juiz natural. Boletim do IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20, n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4761-Julgamento-colegiado-em-primeiro-grau-(Lei-12.694-2012)-e-as-dimensoes-do-principio-do-juiz-natural>. Acesso em: 17 mar. 2014. 260 ALAGOAS. Lei n. 6806, de 22 de março de 2007.

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4.5 Princípio da Publicidade e Motivação

A publicidade dos atos judiciais e de igual modo o julgamento público é

garantia insculpida na Constituição Federal de 1988, respectivamente nos arts. 5º,

inciso LX261, e art. 93, inciso IX262, que possibilita aferir a observância das demais

garantias constitucionais asseguradas aos jurisdicionados, já elencadas nos itens

anteriores do presente trabalho.

Para Geraldo Prado, “A publicidade também se insinua como característica do

sistema acusatório, na medida em que o segredo, [...] é compatível, como regra

geral, exclusivamente com regimes autoritários e processos penais inquisitórios.”263

Natalie Pletsch Ribeiro, assevera que o controle de toda atividade processual,

seja externa ou interna, é viabilizado pela publicidade, inclusive oportunizando a

contradição entre as teses das partes, pelo que,

[...] a igualdade de condições na participação no jogo passa, necessariamente pela publicização dos atos processuais, pois é o acesso às teses defendidas, aos documentos juntados, às provas produzidas, aos pedidos formulados e os despachos proferidos, que permite a definição das estratégias.264

A publicidade torna-se importante no processo penal na medida em que

possibilita, não só os sujeitos da relação processual, mas também a terceiros, na

qualidade de público, exercer controle da atividade jurisdicional estatal.265

261 “Art. 5º [...] LX - a lei só poderá restringir a publicidades dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou de interesse social o exigir”; BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 262 “Art.93 [...] IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.” BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 263 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.158. 264 PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal: o atuar dos sujeitos e a construção da sentença. São Paulo: IBCCRIM, 2007. p.56. 265 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.45.

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Para o autor, a publicidade “tanto é regra como a exceção, a diferença reside

na intensidade da publicidade (publicidade restrita ou ampla)”, porém, ressalva que

jamais poderá ser suprimida, restringindo tão somente na preservação da intimidade

e interesse social.266

Luigi Ferrajoli refere que a publicidade trata-se de requisito elementar do

sistema acusatório, ao passo que “os procedimentos de formulação de hipóteses e

de averiguação da responsabilidade penal devem desenvolver-se à luz do sol, sob o

controle da opinião pública e sobretudo do imputado e seu defensor.”267

Através da publicidade podem os cidadãos averiguar se os fundamentos

básicos estão sendo observados, possibilita aferir inclusive a moralidade e

impessoalidade da jurisdição estatal.

A publicidade tem como elemento comum o contraditório, pelo qual consiste

que todos os atos deverão ser conhecidos na integralidade e tempestivamente pelas

partes, especialmente pela defesa, a fim de possibilitar o amplo exercício do

contraditório. Suprimida a publicidade, “os atos processuais não estarão aptos a

produzir efeitos jurídicos, sendo, por isso, inválidos.”268

A publicidade dos atos processuais é, portanto, a regra no processo penal, de

modo que a exceção deve ser tratada com atenção, pois não pode prejudicar o

direito à defesa à ponto de inviabilizá-lo. A previsão de que “em casos nos quais a

preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o

interesse público à informação”, deve ser interpretada com ponderação dos

interesses à restrição, tendo em vista a primazia do interesse público à

informação.269

266 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.45. 267 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.567. 268 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.159. 269 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.161.

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Intimamente ligada à publicidade dos atos processuais, a motivação das

decisões judiciais é garantia prevista no inciso IX do art.93 da CF, pelo qual prevê

que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”270.

A fundamentação consiste na exposição das razões de fato e de direito,

pautadas nas provas constantes dos autos, que levaram a decisão pelo

magistrado.271

Nesta esteira, a motivação se faz necessária no sistema do livre

convencimento, tendo em vista que o magistrado tem liberdade para valorar a prova

ao proferir sua decisão, justificando dessa forma, as razões que o levaram a decidir

de determinado modo.

A motivação é também “garantia fundamental da administração da justiça em

um Estado de Direito [...]”272. A ideia da motivação como garantia pode ser vista sob

três pontos básicos

primeiro, aparece como garantia de uma atuação equilibrada e imparcial do magistrado, pois só pela motivação será possível verificar se ele realmente agiu com a necessária imparcialidade; num segundo aspecto, manifesta-se a motivação como garantia de controle da legalidade das decisões judiciárias: só a aferição das razões constantes da sentença permitirá dizer se esta deriva da lei ou do arbítrio do julgador, finalmente, a motivação é garantia das partes, pois permite que elas possam constatar se o juiz levou em conta os argumentos e a prova que produziram: como visto, o direito à prova não se configura só como direito a produzir a prova, mas também como direito à valoração da prova pelo juiz.273

Conforme elucida Antônio Magalhães Gomes Filho, “não seria razoável

admitir pudesse o juiz, ignorando os resultados de todas aquelas atividades, proferir

decisões que constituam produto de simples vontade pessoal.”274

270 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 271 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.45. 272 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2006. p.237. 273 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2006. p.237. 274 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.97.

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Nesta ótica, a motivação como exigência nas decisões judiciais, integra e

completa um sistema de garantias penais cuja observância constitui condição de

legitimidade da imposição de qualquer medida punitiva do Estado de Direito.275

A motivação é inerente ao princípio do devido processo legal, buscando-se

que o magistrado exteriorize as suas razões ao decidir, posto que diante de um

“sistema de fundo inquisitório como o nosso, pode muito bem o juiz prejulgar e

depois ir atrás da prova, para fundar seu convencimento, coroando tudo com uma

“boa” sentença.”276

Em suma, a motivação dos atos decisórios revela o respeito ao acusado e

sua dignidade, dando-lhe inclusive, oportunidade de exercer amplamente sua

defesa, ao interpor eventual recurso, em caso de decisão desfavorável.277

Por ser assim, na perspectiva do colegiado instituído pela Lei n. 12.694/12, o

conhecimento do voto divergente é inerente à garantia da motivação, posto que o

acusado tem o direito de saber quais os argumentos expostos, seu teor, e os

fundamentos da decisão278, de modo que, havendo voto favorável, este é de

relevante interesse para defesa, que poderá utilizar-se da divergência para

fundamentar algum recurso.279

No que concerne a publicidade, Ronaldo Lastres Silva afirma que o sistema

do colegiado viola tal garantia na medida em que

[...] todo e qualquer acusado, em um Estado de Direito, tem de saber quem o acusa e quem o julgará, condenando-o ou absolvendo-o, pois a

275 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.97-98. 276 BONATO, Gilson (Org.) Direito Penal e Processual Penal: uma visão garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p.133. 277 BONATO, Gilson (Org.) Direito Penal e Processual Penal: uma visão garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p.134. 278 BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>. Acesso em: 10 mar. 2014. 279 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax, Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: < http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014.

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publicidade dos atos processuais pode ser restringida, mas não excluída (art. 5º, LX e artigo 93, IX, todos da CRFB).280

Rafael Fecury Nogueira refere que a possibilidade do sigilo das reuniões do

colegiado não pode ser confundida com a omissão da identidade dos magistrados

que o compõem, pois embora a restrição da publicidade dos atos judiciais esteja

prevista na Constituição Federal, o acusado deverá ter acesso as reuniões por meio

do seu defensor.281

O autor ainda lembra que nem mesmo as reuniões sigilosas do Supremo

Tribunal Federal obstam a omissão do voto divergente de seus Ministros, vez que no

Regimento Interno da Suprema Corte, há expressa previsão do conteúdo do voto

divergente.282

Por ser assim, a publicação e motivação dos atos processuais são garantias

indispensáveis ao devido processo legal, que possibilitam ao acusado exercer

plenamente sua defesa, face ao acesso a todos os atos do processo, e inclusive

conhecimento do voto divergente e seus fundamentos, os quais dão respaldo a

eventual recurso no seu interesse.283

280 SILVA, Ronaldo Lastres. Sistema de ‘juiz sem rosto’ é sentença sem assinatura. Consultor Jurídico. [s.l.], 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-05/ronaldo-lastres-silva-juiz-rosto-sentenca-assinatura>. Acesso em: 18 mar. 2014. 281 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 282 NOGUEIRA, Rafael Fecury. Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiado de organizações criminosas: há vantagens nisso?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. ano 20. n.240. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4764-Nova-Lei-12. 694-2012-e-o-julgamento-colegiado-de-organiza%E7%F5es-criminosas:-h%E1-vantagens-nisso?>. Acesso em: 07 out. 2013. 283 OLIVEIRA, Odilon de. Juiz Odilon diz ser contra lei “juiz sem face” e aponta benefício ao crime organizado. MidiaMax. Mato Grosso do Sul, 2012. Entrevista concedida à Carlos Eduardo Orácio. Disponível em: <http://www.midiamax.com.br/noticias/809479#.UysYCKhdVc0>. Acesso em: 20 mar. 2014.

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5 CONCLUSÃO

Em vista dos argumentos apresentados, evidencia-se que lei 12.694/2012

trouxe implicações relevantes, e que acarretam sérias consequências na forma de

conduzir o processo ou procedimento penal, que tenham por objeto organizações

criminosas, ao passo que, refletem diretamente nas garantias constitucionais dos

jurisdicionados, especialmente do réu/acusado, o qual não dispõe de todos os meios

inerentes a sua defesa efetiva, vez que as garantias processuais penais analisadas

neste trabalho, relativas à ampla defesa e contraditório, de ser julgado por um juiz

natural, independente e imparcial, o qual teve contato com as fases anteriores ao

julgamento, mormente a produção de provas e, que seja assegurado o direito da

defesa de ter acesso a todos os atos processuais, sendo estes públicos e todas as

decisões devidamente motivadas, possibilitando assim, o jurisdicionado exercer

plenamente o seu direito a defesa plena, através de uma justiça igualitária, logo,

sem distinção de partes.

Ao vedar a publicação do voto divergente nas decisões do colegiado, a lei

12.694/2012 acaba por violar diretamente o princípio da publicidade e da motivação,

pelo qual, o réu não terá conhecimento do teor dos argumentos de possível membro

do colegiado que tenha divergido dos demais integrantes.

O conhecimento do voto divergente, sendo favorável ou não à defesa, é

direito do réu, ligado intimamente a ampla defesa e o contraditório, que justifica e

possibilita fundamentar eventual recurso baseado na divergência suscitada, ainda

que seja desfavorável. Por ser assim, no que se refere às reuniões do colegiado,

sendo estas sigilosas, como faculta a lei, possibilita que os membros do colegiado,

convocados especialmente para determinado ato, tomem as decisões não pautadas

na imparcialidade, vez que a formação do colegiado dar-se-á por prevenção íntima

do juiz natural de julgar determinado feito, que inegavelmente, acaba por transmitir

aos demais membros sorteados o ânimo de insegurança quanto aos acusados.

Neste aspecto, não é de surpreender que um colegiado composto para julgar

indivíduos determinados, neste caso, integrantes de organização criminosa, sendo

esta elegida e denominada por alguns autores como a inimiga do Estado, que por

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sua vez, serão submetidos a julgamento por um órgão colegiado composto

posteriormente ao cometimento dos delitos, fere assim, diretamente o princípio do

juiz natural. Tal princípio está inserido na Constituição Federal, e veda

expressamente juízos ou tribunais de exceção, como ocorre no caso do colegiado,

formado após o fato delituoso já ter se consumado.

O sistema do colegiado previsto na lei viola ainda o princípio da

imparcialidade, na medida em que, como já assentado, o órgão será composto em

virtude da sensação de insegurança do juiz natural de subscrever sozinho as

decisões judiciais, transferindo para os demais membros o ânimo preventivo para

julgar determinado caso.

Ademais, é inconcebível que juízes que não tenham contato com o processo

ou procedimento em fases anteriores, como a instrução processual, possam vir a

integrar o colegiado tão somente para prolatar sentença, conforme prevê a lei, o que

por sua vez transgride, o princípio da identidade física do juiz.

Não é possível admitir-se que um juiz, sorteado por meio eletrônico, tenha

sido convocado a integrar o colegiado para proferir a sentença, por exemplo, sem ao

menos ter contato com a produção de provas, dessa forma, não podendo o fazer

(decidir) imparcialmente. É imprescindível que o magistrado tenha participado da

oitiva do(s) réu(s), da inquirição das testemunhas, e demais provas produzidas, sob

pena de, o juiz natural, que requereu a convocação do colegiado porque está se

sentindo intimidado, transmitir suas impressões sobre processo, especialmente

sobre o réu, para os demais membros, que não tiveram contato algum nas fases

anteriores. Por ser assim, possivelmente, dado a todo contexto fático, os

argumentos para a composição do colegiado, e a sua sistemática serão negativos

ao jurisdicionado, e possivelmente tendenciosas a uma condenação.

É possível ser imparcial diante de tantos elementos que colocam o réu na

posição de inimiga do Estado e de todos que este “tenta” proteger? Obviamente, no

atual contexto da criminalidade em que nos encontramos, é mais fácil para o Estado

editar leis emergenciais como esta analisada, dado a sua falta de estrutura para

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propor políticas públicas sérias, que diminuam a criminalidade, sem suprimir as

garantias constitucionais e sem transgredir os direitos individuais.

Face ao momento vivido, cuja população clama por penas mais duras e maior

punitivismo, a adoção de leis como esta, acaba sendo uma resposta mais rápida do

Estado frente à criminalidade, sem sopesar as consequências que a instituição das

medidas previstas nesta lei podem acarretar ao sistema penal, que resultam na

violação de garantias fundamentais dos indivíduos.

A lei 12.694/2012 pode ser vista como a solução imediata do Estado a um

problema de políticas públicas, que deve ser tratado com seriedade, por meio de

medidas a médio e longo prazo, pensadas em prol da redução da criminalidade, e

não na supressão das garantias de todos, conquistadas duramente ao longo de

décadas.

É de repensar qual o verdadeiro papel do processo penal, quando instituídas

leis como esta, que não conferem maior segurança aos atuantes na área criminal

em detrimentos dos jurisdicionados.

A segurança dos membros do Poder Judiciário e Ministério Público não

podem estar atrelados à supressão das garantias constitucionais. Isto porque, a lei

não outorga maior segurança aos magistrados quando as decisões forem subscritas

por três e não mais um, sem fazer qualquer referência a voto divergente.

As organizações criminosas, como verdadeiras inimigas do Estado, sendo

elas de maior ou menor potencial econômico, maior ou menor influência nos meios

ilícitos, podem facilmente corromper, intimidar ou até mesmo atentar contra a vida de

um ou três magistrados e membros do Ministério Público. Assim, a lei 12.694/2012,

especialmente na sistemática do colegiado, que não revela se as decisões foram

tomadas por unanimidade ou maioria, sem fazer qualquer referência a eventual voto

divergente, torna-se sem eficácia efetiva quanto à proteção e segurança daqueles

atuantes na área criminal, resultando, diretamente, em afronta às garantias

processuais penais dos jurisdicionados.

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REFERÊNCIAS

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