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0 FACULDADE DE DIREITO DÉBORA MINOZZO LEITE A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS UTILIZADOS NA ALIMENTAÇÃO CANOAS 2014

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FACULDADE DE DIREITO

DÉBORA MINOZZO LEITE

A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS UTILIZADOS NA ALIMENTAÇÃO

CANOAS

2014

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DÉBORA MINOZZO LEITE

A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS UTILIZADOS NA ALIMENTAÇÃO

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Professora Orientadora: Susanna Schwantes

CANOAS

2014

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DÉBORA MINOZZO LEITE

A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS UTILIZADOS NA ALIMENTAÇÃO

Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial a obtenção do título de Bacharel em Direito pela banca examinadora constituída por:

____________________________________

(Nome do Professor)

____________________________________

(Nome do Professor)

____________________________________

(Nome do Professor)

CANOAS

2014

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Dedico este trabalho a Deus, que por seu infinito amor, sustenta-me a cada dia.

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Ao Jônatas, pelo apoio e incentivo constante; aos meus pais Batista e Sônia por todo amor e pelos esforços para que eu pudesse chegar até aqui; e à minha professora orientadora Susanna Schwantes, por toda ajuda e orientação.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo verificar se a norma constitucional prevista

Artigo 225, Parágrafo 1º, Inciso VII, que proíbe a crueldade com os animais é eficaz,

abordando a questão da crueldade contra os animais utilizados na alimentação.

Através de pesquisas em livros, artigos, revistas especializadas e jurisprudência, foi

possível constatar que os animais criados para o abate vivem de forma miserável e

sofrida, e esse fato não condiz com mandamento constitucional de não submetê-los

à crueldade. O Artigo 225, Parágrafo 1º, Inciso VII não define o que é crueldade,

dizendo que ela será vedada na forma da lei. A doutrina e a jurisprudência entendem

que crueldade é submeter um animal a um sofrimento além do necessário e existem

leis que protegem determinados animais, porém essas leis não abrangem os

animais de criação. E essa ausência de lei compromete a eficácia da Constituição,

gerando uma inconstitucionalidade por omissão. As normas infraconstitucionais que

regulamentam a criação e abate de animais não são suficientes para garantir o bem-

estar deles e é necessária uma lei específica que determine padrões de criação e

abate que garantam o bem-estar animal, além de uma fiscalização adequada dessas

atividades e atuação do Ministério Público e Poder Judiciário visando cumprir a

norma constitucional.

Palavras-chave: Proteção constitucional dos animais. Crueldade. Abate e criação de

animais.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ ...... 08

2 HISTÓRICO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS ...................................... ................. 10

2.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO ANIMAL NO MUNDO ........................................... 10

2.2 O INÍCIO DA DISCUSSÃO ACADÊMICA SOBRE O DIREITO ANIMAL ..... ...... 14

2.3 A EVOLUÇÃO DO DIREITO ANIMAL NO BRASIL ........................... ................. 16

3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DE 1988 ...................................... ................. 22

3.1 O PROGRESSO ATÉ A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988 ................................................................................................................... ...... 22

3.2 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL E

DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA OS ANIMAIS ............................................. ...... 26

3.3 A DEFINIÇÃO DE CRUELDADE ................................................................. ...... 29

3.3.1 O entendimento doutrinário ................................................................... ...... 30

3.3.2 O posicionamento dos tribunais ............................................................ ...... 33

4 A CRIAÇÃO E ABATE DE ANIMAIS PARA CONSUMO ............................... ...... 36

4.1 EVOLUÇÃO DO AGRONEGÓCIO ............................................................... ...... 36

4.2 A CRIAÇÃO DE AVES ................................................................................. ...... 37

4.3 A CRIAÇÃO DE BOVINOS .......................................................................... ...... 39

4.4 A CRIAÇÃO DE SUÍNOS ............................................................................. ...... 39

4.5 CRUELDADE CONTRA OS “ANIMAIS DE CRIAÇÃO” E A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL ........................................................................................................... ...... 40

5 A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL SOBRE CRIAÇÃO E ABATE DE

ANIMAIS PARA CONSUMO ............................................................................. ...... 44

5.1 A IMPORTÂNCIA DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS ................... ...... 44

5.2 DECRETO Nº 30.691/195 ............................................................................ ...... 45

5.3 PORTARIA Nº 711/1995 .............................................................................. ...... 46

5.4 PORTARIA Nº 210/1998 .............................................................................. ...... 46

5.5 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 3/2000 ......................................................... ...... 47

5.6 INSTRUÇÃO NORMATIVA 56/2008 ............................................................ ...... 49

5.7 INSTRUÇÃO NORMATIVA 64/2008 ............................................................ ...... 50

5.8 O PROGRESSO DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E ONDE

DEVEMOS CHEGAR ........................................................................ ....................... 51

6 A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS ........ ...... 53

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6.1 FALTA DE PENALIDADES NAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS..... ...... 54

6.2 FISCALIZAÇÃO IRREGULAR NAS ATIVIDADES DE CRIAÇÃO E ABETE DE

ANIMAIS............................................................................................................. ...... 54

6.3 ABATE CLANDESTINO ............................................................................... ...... 55

6.4 NECESSIDADE DE UMA LEI FEDERAL ESPECÍFICA PARA OS ANIMAIS DE

CRIAÇÃO E A INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO ........................... ...... 56

6.5 DECISÃO DO TJ/RS – APELAÇÃO CÍVEL Nº 70039307459 E O PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE.................................................................................... ...... 60

7 CONCLUSÃO ................................................................................................. ...... 66

REFERÊNCIAS .................................................................................................. ...... 68

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1 INTRODUÇÃO

Com o advento da crise ecológica em razão mudanças climáticas, extinção

das espécies, desertificação e poluição das águas, a população mundial passou a se

preocupar com a sua relação com o meio ambiente. Junto com essa preocupação,

se fez necessária uma reflexão sobre a relação do homem com os demais seres

vivos que fazem parte do ecossistema1 resultando numa discussão acerca dos

direitos dos animais, sendo cada vez maior o número de pessoas que se importam

com a aplicação desses direitos. Essa discussão no Brasil foi evoluindo até

chegarmos à proteção constitucional que temos hoje.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 19882 no seu Artigo 225,

Parágrafo 1º, Inciso VII dispõe que:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Parágrafo 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

Inciso VII - Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Essa proteção constitucional aos animais, vedando a crueldade, é uma das

mais avançadas do mundo, porém existe um grande grupo de animais no Brasil que

sofre com atos cruéis diariamente. São os chamados “animais de criação”, ou seja,

animais criados para o abate com a finalidade de alimentar o ser humano. Esses

animais têm os seus dias de vida abreviados, vivem em ambientes superlotados e

estressantes e os frangos, por exemplo, sofrem mutilações, pois os seus bicos são

cortados para evitar o canibalismo entre eles, dentre outras práticas atrozes. A

norma constitucional encontra dois obstáculos para a proteção desse grupo de

animais: o primeiro é a ausência de uma lei específica, que defina normas de criação

1 SANTANA, Luciano Rocha. Por uma releitura ética da atuação do Ministério Público em prol dos animais: estudo de casos da Primeira Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Salvador (Bahia). In: MOLINARO, Carlos Alberto et al (Org.). A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais Para Além dos Humanos: Uma Discussão Necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p.362-364. 2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 10 Abr. 2014.

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e bem-estar no agronegócio e o segundo é a interpretação antropocêntrica da

Constituição, onde os interesses econômicos do homem são colocados acima do

direito dos animais de não serem submetidos à crueldade. Porém, uma vez que a

proteção dos animais já está presente na nossa Constituição ela deve ser aplicada.

Este trabalho se justifica por colaborar com a discussão acerca dos direitos

dos animais, abordando um problema de extrema relevância jurídica e ética. Existe

relevância jurídica, pois se trata da efetividade da norma constitucional e uma

possível inconstitucionalidade por omissão em razão da ausência de uma lei que

proteja os animais de criação, além da necessidade de ponderação dos direitos

constitucionais envolvidos (direito dos animais e direito à livre iniciativa). Também

existe relevância ética, pois está relacionado ao respeito por outras espécies

capazes de sentir dor e sofrer. Nesta monografia iremos analisar a eficácia da

Constituição Federal quanto à proteção aos animais utilizados na nossa alimentação

e para isso iremos verificar algumas questões importantes ao longo deste estudo.

No primeiro capítulo trataremos da evolução do direito dos animais no mundo

e no Brasil, abordando o surgimento da discussão acadêmica sobre o direito dos

animais e suas correntes. No segundo capítulo abordaremos o significado da

proteção aos animais na Constituição Federal e qual o seu alcance. Já no terceiro

capítulo, veremos como os animais utilizados para alimentação são criados e

abatidos e no quarto capítulo será feita uma análise das normas infraconstitucionais

que tratam do agronegócio. Por último, analisaremos a eficácia da Constituição

Federal, buscando meios para cumprir com a ordem estabelecida no Artigo 225,

Parágrafo 1º, Inciso VII.

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2 HISTÓRICO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS

2.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO ANIMAL NO MUNDO

O homem sempre teve o pensamento de que tudo que existe na terra foi feito

para servi-lo, e essa visão antropocêntrica resultou em tratar os animais como se

fossem coisas que estão à sua disposição para servir de alimento, roupa,

entretenimento e etc. Desde o período paleolítico, o homem desenvolveu técnicas

de caça com o manuseio de metais e acabou se impondo sobre as demais espécies.

Com o passar dos anos e a organização da vida em sociedade, surgiram a

agricultura, a criação doméstica de alguns animais e a ideia de que os animais são

seres inferiores foi se firmando cada vez mais. No período da Grécia Antiga, dos

filósofos naturalistas, pensava-se que o homem era originário do animal e que tudo

estava em constante transformação, incentivando assim, uma saudável relação do

homem com a natureza e demais seres vivos.3

No entanto, com o surgimento dos sofistas, foi estabelecido o entendimento

de que o homem está no centro do universo e que ele é a medida de todas as

coisas, afastando os questionamentos e estudos sobre a ordem cósmica.

Aristóteles4 afirmava que a única finalidade do animal é servir ao homem e que a

filosofia deveria estudar unicamente o ser humano. Contra esse pensamento

estavam Pitágoras, Plutarco e Porfírio, que demonstravam sentir compaixão pelos

animais, não compactuando com a exploração feita pelo homem. 5

Em Roma, onde se desenvolveu o estudo do direito, os juristas entendiam

que os animais não possuíam direitos, sendo considerados coisas, concepção que

está até hoje no nosso ordenamento jurídico6. Na Idade Média, época do

Cristianismo, predominava o pensamento de que o homem tinha autorização para

matar os animais por causa da hierarquia necessária entre os seres vivos. São

3 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.17-18. 4 ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p.19. 5 LEVAI, op. cit., p.18. 6 Conforme Artigo 82 do Código Civil Brasileiro: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 08 Abr. 2014.

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Tomás de Aquino7 e Santo Agostinho8 difundiram a crença de que não é pecado

utilizar os animais para o bem do homem, pois essa é a finalidade deles.9 O

infortúnio dos animais se tornou ainda maior quando Thomas Hobbes10 e John

Locke11, influentes filósofos, espalharam a crença de que a razão está associada à

sabedoria, justificando assim o domínio do homem sobre as demais espécies, e

excluíram os animais do contrato social com a justificativa de que para firmar o

contrato social é necessário um pacto, e por não haver comunicação entre homens e

animais esse pacto não seria possível.12 Segundo Laerte Fernando Levai13 nessa

mesma época surgiu René Descartes, um filósofo que defendia o uso experimental

de animais com sua teoria chamada de “animal-máquina” e sua famosa frase “cogito

ergo sum (penso, logo existo)”, separando o homem da natureza e justificando

práticas cruéis com animais.14

Porém, existiram homens como Voltaire, Leonardo da Vinci, Montaigne,

Jeremy Benthan, Arthur Schopenhauer e Alexander Von Humboldt que se

mostraram contra essa ideia absurda de comparar animais, vidas que sentem prazer

e dor, com meras máquinas e contribuíram com a causa do direito animal. A

publicação de “Origem das espécies” em 1859, feita por Charles Darwin, afirmando

que a evolução dos seres vivos se deu por um ancestral comum através da seleção

natural, foi um marco para a reflexão acerca dos direitos dos animas.15 De acordo

com Edna Cardozo Dias, por causa de toda exploração feita aos animais no decorrer

dos anos, surgiu a necessidade de reflexão e elaboração de normas de proteção a

eles e ao meio ambiente no plano internacional. Essa legislação foi progredindo e

7 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Volume II, Parte I, Questões 44-119. São Paulo: Loyola, 2002. p. 662-664. 8 AGOSTINHO. A Cidade de Deus, Volume I: (livro I a VIII) 2ªed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p.158. 9 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.151. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 10 HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p.53. 11 LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 297. 12 DIAS, op. cit., p.152. 13 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.20. 14 DESCARTES, René. Discurso do Método. As Paixões da Alma. Meditações. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 80-83. 15 LEVAI, op. cit., p.20-21.

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sendo substituída por novas leis, cada vez mais adequadas à evolução do saber

científico e evolução moral e ética do ser humano.16

De fato, os movimentos de proteção aos animais começaram em 1822

quando a Inglaterra apresentou as primeiras normas contra a crueldade no “British

Cruelty to Animal Act”. Logo após, em 1838 a Alemanha editou normas gerais sobre

o assunto e em 1848 a Itália também se manifestou contra os maus tratos a animais.

Em 1911 a Inglaterra se mostrou novamente inovadora ao instituir o “Protection

Animal Act”, para averiguar a efetiva proteção dos animais.17 Já em 1940 a União

Pan-Americana celebrou em Washington a promulgação da Convenção Americana

para a Proteção da Fauna e da Flora e em 1966 ocorreu a edição do “Welfare

Animal Act” nos Estados Unidos.18

Em 1973, em Washington, foi assinado um acordo chamado “A Convenção

sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo

de Extinção” para assegurar que o comércio de animais e plantas não os coloque

em risco de extermínio. Foi aprovado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 54/75 e

promulgada pelo Decreto nº 76.623/75 e as alterações de Gaborone em 1983

aprovadas pelo Decreto Legislativo 35/85 e promulgadas pelo Decreto 92.466/86.

Em 1992 o Rio de Janeiro sediou a “Convenção da Biodiversidade”, que foi um

tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) e é um dos acordos mais

importantes relacionados ao meio ambiente. Foi aprovada pelo Decreto Legislativo

nº 2/94 e promulgada pelo Decreto nº 2.519/98. Já a Agenda 21 surgiu como

resultado da conferência Rio-92 e é um instrumento de planejamento internacional

16 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.155. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.17 FREITAS, Renata Duarte de Oliveira. Proteção Jurídico-Constitucional do Animal Não Humano. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 7. Volume 10 – jan/jun 2012. p. 328. Disponível em <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/viewFile/8405/6024> Acesso em 19 Mai. 2014.18 CADAVEZ, Lília Maria Vidal De Abreu Pinheiro. Crueldade Contra os Animais: Uma Leitura Transdisciplinar à Luz do Sistema Jurídico Brasileiro. Direito e Justiça, Porto Alegre, v.34, n. 1, jan-jun 2008. p. 97. Disponível em <http://revistaseletronicas.pucrs.br/fo/ojs/index.php/fadir/article/view/5161/3785> Acesso em 06 Abr. 2014.

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para a construção de sociedades sustentáveis, com recomendações no sentido de

melhorar a conservação do meio ambiente.19

Durante as assembleias da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) realizadas na Europa em 1978 surgiu a

“Declaração Universal dos Direitos do Animal”, lida solenemente em Bruxelas. Essa

declaração foi proposta pelo cientista Georges Heuse, secretário geral do Centro

Internacional de Experimentação de Biologia Humana e elaborada após muitas

reuniões internacionais com representantes de associações protetoras dos animais e

profissionais no meio científico, jurídico e filosófico.20 Dentre os 14 artigos dessa

Declaração, podemos destacar os seguintes:

Artigo 1º

Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm o mesmo direito à existência. .......................................................................................................................... Artigo 3º

a) Nenhum animal será submetido a maus tratos ou a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, que seja instantânea, indolor e sem angústia. .......................................................................................................................... Artigo 9º

Quando um animal é criado para a alimentação humana, deve ser devidamente nutrido, alojado, transportado e morto, sem que isso acarrete nele ansiedade ou dor.

Infelizmente essa Declaração não foi ratificada pelo Poder Legislativo

brasileiro, não possui forma de tratado e nem estabelece sansões para quem

infringir as normas nele estabelecidas, mas é uma carta de princípios e fonte indireta

para aplicação da lei.21 Da mesma forma, essa Declaração nos leva a uma reflexão

sobre os fundamentos para dar titularidade de direito aos animais e a reflexão sobre

a existência de outros seres, que também tem interesses e são fins de si mesmo e

19 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.155. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 20 Idem. Leis e Animais: Direitos ou Deveres. Revista Brasileira de Direito Animal. Volume. 6, Número 8 – jan/jun 2011. p. 303. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol8_2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.21 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.47.

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não meios para a nossa sobrevivência.22 Ainda sobre a legislação internacional

acerca dos direitos dos animais, é possível destacar a Declaração Sobre Ética

Experimental de Geneva de 1981, a Declaração de Vancouver Sobre a

Sobrevivência do Século XXI de 1979, o Apelo de Sevilha Contra a Violência de

1986, a Declaração Por Um Contrato de Solidariedade de 1989, Nossa Própria

Agenda de 1990 e Nosso Futuro Comum de 1991.23

2.2 O INÍCIO DA DISCUSSÃO ACADÊMICA SOBRE O DIREITO ANIMAL

Em 1776 Humphry Primatt publicou um texto de filosofia moral, chamado

“Uma Dissertação Sobre a Compaixão e o Pecado da Crueldade Contra Animais

Brutos” que refletia sobre novos conceitos em relação ao valor da vida e do

sofrimento dos animais.24 Mais tarde, em 1892 Henry S. Salt publicou o livro Animal

Rights (Direito dos Animais), propondo um debate, ainda inédito sobre a

possibilidade de tratar os animais como sujeitos de direitos.25 E desse debate sobre

direitos dos animais surgiram duas correntes de pensamento: a teoria do bem-estar

animal (welfare) e a teoria do abolicionismo animal.26

Segundo Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, “a teoria do bem-estar

animal diz respeito a uma ética acerca de uma possível qualidade de vida para os

animais não humanos”.27 Os defensores do bem-estar animal entendem que os

animais podem ser utilizados em benefício do homem em alguns casos, mas

22 FARIAS, Paulo José Leite (Org). Seminários Novas Gerações de Direitos Fundamentais.Proteção dos Animais e Novos Direitos: O Aumento dos Titulares de Direitos em uma Ética Ecocêntrica Ambiental. Brasília: IDP, 2013. p.14. Disponível em <http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/1261/SEMIN%c3%81RIOS_NOVAS_GERA%c3%87%c3%95ES_DE_DIREITOS_FUNDAMENTAIS.pdf?sequence=1> Acesso em 01 Mai. 2014. 23 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.156. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.24 FELIPE, Sônia T. Dos Direitos Morais aos Direitos Constitucionais Para Além do Especismo Elitista e Eletivo. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – Jan/Jun 2007. p. 169-170. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 25 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Introdução ao Direito dos Animais. Revista de Direito Ambiental. Ano 16. Vol. 62. Abr-Jun 2011. p. 145. 26 Ibdem. p. 146. 27 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 149.

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repudiam o sofrimento desnecessário imposto a eles.28 O filósofo Peter Singer está

filiado a essa ideia e seu livro “Libertação Animal”, publicado em 1975, trata sobre

essa temática. Ele fala sobre uma igualdade de consideração de interesses a partir

da premissa de que se um ser (animal) é “senciente” (capaz de sofrer, sentir dor,

prazer ou felicidade), ele tem interesses. E esses interesses (não sentir dor e

sofrimento) devem ser respeitados pelo homem da mesma forma que respeitamos

os interesses dos demais seres humanos. O desrespeito a esses interesses dos

animais é chamado de “especismo”, um preconceito contra outras espécies, que é

errado da mesma forma como os racistas conferem mais importância aos interesses

dos membros de sua própria espécie e como os sexistas dão mais valor aos

interesses das pessoas de seu próprio sexo.29

Já a teoria dos direitos dos animais ou abolicionista, de Gary Francione e Tom

Regan, entende que todas as formas de utilização animal devem ser abolidas a

partir de um reconhecimento de que animais possuem direitos morais básicos.30

Tom Regan, em seu livro “Jaulas Vazias”, considera que não há uma distinção

relativa entre homem e animal pois todos são “sujeitos-de-uma-vida”. O conceito de

“sujeitos-de-uma-vida” parte da ideia de que os animais são conscientes do que lhes

acontece e que isso é importante para eles, independente de nos importarmos com

isso ou não.31 O fato de os animais serem criaturas psicológicas complexas, com

desejos e necessidades, assim como os humanos, os torna possuidores de direitos

e consequentemente, toda forma de exploração animal deve ser eliminada. Regan

ao se referir aos mamíferos e pássaros afirma que

O reconhecimento dos direitos desses animais tem consequências de longo alcance. As grandes indústrias que usam animais os exploram aos bilhões. Esses são os animais cujas vidas são tiradas, cujos corpos são feridos e cuja liberdade é negada pela indústria de peles e de carne, por exemplo. Tudo isso emerge como moralmente errado, uma vez que tomamos conhecimento de seus direitos morais. Tudo isso emerge como algo que precisa parar e não ficar mais “humanitário”. A tarefa que os DDAs (defensores dos direitos dos animais) tem diante de si é assombrosa: temos de esvaziar as jaulas, não deixá-las maiores.32

28 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Introdução ao Direito dos Animais. Revista de Direito Ambiental. Ano 16. Vol. 62. Abr-Jun 2011. p. 147. 29 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 9-11. 30 SILVA, op. cit., p. 146. 31 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: Encarando o Desafio dos Direitos dos Animais. Porto Alegre, RS, Lugano, 2006. p. 65-66. 32 Ibdem. p. 75.

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Esse debate acerca dos direitos dos animais é de extrema relevância, pois

apesar do homem se aproveitar de outras espécies há séculos33, nunca se explorou

tanto os animais como atualmente em razão de interesses econômicos. Essa busca

constante pelo lucro, aliados à uma evolução científica e industrial, fez com que

milhares de animais fossem atingidos pela crueldade humana. Como exemplo disso

temos a exploração de animais que são aprisionados e torturados para servirem de

alimento ao homem, assim como os que servem de cobaia para dolorosas

experiências científicas e didáticas e mais recentemente surgiu a clonagem de

animais. Na clonagem, o homem interfere no mecanismo biológico da natureza e

desconsidera a dor e sofrimento causado à outros seres vivos.34 Animais clonados

apresentam problemas como envelhecimento precoce, disfunções cardíacas e

imunológicas, alto índice de abortos, dentre outras consequências graves.35 Mas

todas essas práticas se justificam pelos benefícios concedidos ao homem.

2.3 A EVOLUÇÃO DO DIREITO ANIMAL NO BRASIL

Segundo os ensinamentos de Laerte Fernando Levai, durante a época das

grandes navegações, quando uma terra era invadida e conquistada, a natureza

sofria um processo de devastação com a caça e aprisionamento de muitos animais

silvestres. Esses animais eram levados nas caravelas, trancados nos porões em

péssimas condições e muitos morriam no caminho. Quando conseguiam sobreviver,

eram vendidos como se fossem objetos de exibição. No início do período colonial

(século XVI), foram trazidos para o Brasil os primeiros animais domésticos e o gado

vacum oriundo da Ilha de Cabo Verde. A colonização brasileira deve muito aos

animais, que já eram muito explorados naquela época: o boi arrastava o arado e

movia os engenhos, os jumentos transportavam mantimentos e galinhas, vacas e

porcos serviam de sustento para a população. Nessa época não existiam normas de

33 LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade Consentida – Crítica à Razão Antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 1 – Número 1 – Jun/Dez 2006. p. 172. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol1.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 34 LOPES, Fernanda Ravazzano Azevedo. Experiência Genética Com Animais: Uma Análise à Luz do Princípio do Desenvolvimento Sustentável. Revista Brasileira de Direito Animal. Vol. 3, N. 4 (jan./dez. 2008.) p. 153-154. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol4.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 35 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.71.

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proteção aos animais, só existia o interesse em explorar cada vez mais as riquezas

do Brasil, sem importar os danos causados à natureza.36

Em 1971 o governador da Capitania de Goiás conseguiu uma Carta Régia

condenando à morte mulas, burros e jumentos a fim de favorecer os criadores e

vendedores de cavalos, colocando o dinheiro acima de seres vivos. E o desrespeito

com o meio ambiente continuou com a caça que fez os veados, onças-pintadas,

antas e jacutingas entrarem em extinção junto com a exploração das vacas para

fornecerem leite e carne, aves para serem comercializadas, cães para vigia de

propriedades e cavalos como meio de transporte. Também é de se destacar que

durante três séculos aconteceu o massacre das baleias no ritual do arpoamento,

onde elas eram capturadas e esquartejadas, ás vezes com vida, para

aproveitamento da carne, óleo, barbatanas, ossos e tripas.37

Com a proclamação da Independência do Brasil, era necessário se organizar

como nação e criar suas próprias leis de proteção ao meio ambiente, mas mesmo

independentes, os brasileiros continuavam a explorar a natureza. Foi na mesma

época em que se assinaram as leis para abolição da escravidão que o município de

São Paulo inseriu no seu Código de Posturas em 1886 o seguinte dispositivo:

Artigo 220 É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa d’água, etc., maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. Esta disposição é igualmente aplicada aos ferradores. Os infratores sofrerão a multa de 10$, de cada vez que se der a infração.

Após mais de quatro séculos sofrendo dos mais variados abusos pelo

homem, surgia uma lei de proteção aos animais.38 Mas só duas décadas após a

proclamação da República é que começaram a surgir normas efetivas de proteção

aos animais. O Decreto nº 16.590/24, que foi a primeira delas no plano federal, no

seu Artigo 5º proibia a concessão de licenças para corridas de touros, novilhos,

brigas de galo e canários e quaisquer outras diversões desse gênero que

causassem sofrimento aos animais.

36 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.24-25. 37 Ibdem. p.26-27. 38 Ibdem. p.29-30.

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Entretanto, o grande avanço aconteceu dez anos depois, durante o governo

de Getúlio Vargas, com a expedição do Decreto 24.645/34, proibindo maus tratos, e

dos seus 31 artigos, podemos destacar:

Artigo 1º - Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;

Artigo 2º - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; .......................................................................................................................... Artigo 6º - Não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não;

Artigo 7º - Abater para consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; ........................................................................................................................ Artigo 17º - Conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento [...]; ......................................................................................................................... Artigo 25 - Engordar aves mecanicamente;

Artigo 26 – Despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos a alimentação de outros.

Esse decreto foi promulgado por iniciativa da União Internacional de

Protetora aos Animais (UIPA), primeira ONG do Brasil, através do político Ignácio

Wallace de Gama Cochrane, que importou a legislação vigente na Europa.39 Na

década de 40 surgiu Decreto-lei nº 3.688/41, a chamada Lei das Contravenções

Penais, que tipificava as seguintes condutas:

Artigo 64 - Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples, de 10 dias a 1 mês, ou multa.

Parágrafo 1º - Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

Crueldade, trabalho excessivo e experiência dolorosa e cruel não foram

definidos por essa lei, necessitando de análise no caso prático e embora tenha tido

grande utilidade durante o tempo que ficou vigente, hoje o Artigo 64 está revogado

39 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.157. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.

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pelo Artigo 32 da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais)40. Na evolução do

direito animal no Brasil, também podemos apontar a publicação das seguintes leis:

Lei de proteção à Fauna, nº 5.197/67, que fez com que os animais deixassem de ser

produtos dos caçadores e contassem com a tutela do Estado; Lei nº 6.638/79 que

estabeleceu normas para vivissecção de animais (em 2008 foi revogada pela Lei nº

11.794/08 que regulamentou o inciso VII do parágrafo 1º do Art. 225 da CF/88,

estabelecendo procedimentos para uso científicos de animais); Lei nº 7.173/83 que

regula os zoológicos; Lei nº 7.679/88, que proibiu a pesca de espécies em períodos

de reprodução (em 2009 foi revogado pela Lei nº 11.959/09 - Lei da Política Nacional

de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca); Lei nº 6.938/81, a

Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei nº 7.347/85, a Lei da Ação Civil

Pública.41

Em 1983 foi fundada a Liga de Prevenção da Crueldade Contra o Animal

(LPCA)42 que lutou pela modernização da legislação sobre o direito dos animas.

Nessa época a crueldade era uma contravenção, ficando sem punição na prática.

Então a LPCA realizou um trabalho com autoridades, mídia e Câmara dos

Deputados, elaborando um boletim com a proposta de um projeto de lei para

criminalização dos crimes contra animais e um livro chamado “Liberticídio dos

Animais”, que foi distribuído à comissão de juristas que elaborou a lei de crimes

ambientais e aos deputados e senadores que votariam no projeto de lei.43 E assim

surgiu o Artigo 32 da Lei nº 9.605/98 – Lei dos Crimes Ambientais:

Artigo 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Parágrafo 1º - Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

40 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p.91-93. 41 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.31-32 42 Segundo informações no site da ONG. Disponível em <http://www.oocities.org/sos_animal/quemsomos/lpca.htm> Acesso em 09 Abr. 2014. 43 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.157-159. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.

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Parágrafo 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Como aconteceu com o Artigo 64 da Lei das Contravenções Penais, não

temos a definição legal do que é crueldade, abuso e maus tratos, devendo a norma

ser interpretada no caso concreto44, como veremos adiante. A criação da Lei dos

Crimes Ambientais foi de extrema importância para uniformizar a proteção aos

animais. Antes dessa lei, a crueldade contra animais silvestres era crime e contra os

animais domésticos era contravenção. Essa nova lei englobou todos os animais e

para efeitos jurídicos, de acordo com Laerte Fernando Levai, “animais são todos os

seres vivos multicelulares, heterotróficos e dotados de movimento”45. A fauna que é

protegida por essa lei foi dividida por critérios técnicos em: silvestre, doméstica,

domesticada, nativa, exótica ou migratória, não devendo ocorrer discriminação entre

as espécies em razão de sua classificação. Outra inovação foi o Artigo 3º da lei, que

trouxe a possibilidade de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica. Porém,

mesmo com toda a evolução que essa lei trouxe ao direito animal brasileiro, as

penas para quem comete atos de maus tratos são classificadas como crime de

menor potencial ofensivo, ou seja, se o autor do crime for primário, poderá se livrar

do processo com a transação penal. 46

Importante salientar que no Rio Grande do Sul existe a Lei nº 11.915/03, que

instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, visando compatibilizar o

desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental. Esse Código foi

redigido, impresso e distribuído pela LPCA entre Organizações Não

Governamentais, autoridades e deputados de todo país, até que se transformou em

lei no Rio Grande do Sul.47 É um grande avanço no direito ambiental, pois

demonstra preocupação com o bem estar dos animais e em fazer cumprir o que

determina a Constituição Federal de 1988. Cabe destacar os seguintes artigos

desse Código:

44 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p.92-93. 45 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.33. 46 Ibdem. p.33-37. 47 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.162-163. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.

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Artigo 2 - É vedado:

I - Ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; II - Manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade; .......................................................................................................................... IV - Não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo; .......................................................................................................................... Artigo 16 - Todo frigorifico, matadouro e abatedouro no Estado do Rio Grande do Sul tem a obrigatoriedade do uso de métodos científicos e modernos de insensibilização, aplicados antes da sangria, por instrumentos de percussão mecânica, processamento químico, elétrico ou decorrentes do desenvolvimento tecnológico.

E esse mesmo movimento da LPCA, que lutou para a criminalização da

crueldade contra os animais e desenvolveu o Código de Proteção aos Animais,

impulsionou, juntamente com outras instituições, a inclusão da proteção desses

direitos na Constituição Federal de 1988. Atualmente, a proteção dos animais contra

a crueldade é uma garantia constitucional, como veremos a seguir.

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3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DE 1988

3.1 O PROGRESSO ATÉ A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988

As primeiras Constituições tinham como principal finalidade proteger o

cidadão contra abusos dos governantes, penas degradantes e cruéis e a

apropriação da propriedade privada sem justa causa ou indenização. Com a

conquista desses direitos e o advento da crise ambiental global (podemos citar o

aquecimento global, a contaminação das águas, ar e alimentos e o desrespeito do

homem para com as demais espécies de seres vivos, dentre outros problemas)

surgiu a necessidade de se proteger o meio ambiente.48

Na primeira constituição brasileira, a Constituição Política do Império do

Brasil de 1824 não havia nenhuma referência de proteção à natureza. Somente em

1891 com a instituição da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

que houve a primeira citação da natureza, porém a preocupação do legislador era

apenas proteger as terras e as minas (bens ambientais), ou seja, legitimar a

exploração que beneficiava apenas a burguesia e o Estado. Com a Constituição de

1934, além das terras e minas, adicionou-se como bem ambiental as águas, as

florestas, a caça e a pesca. Quem tinha competência a respeito desses bens era a

União e o cuidado com a natureza tinha como finalidade proteger interesses

econômicos. Ainda assim, essa Constituição de 1934 teve alguns avanços:

determinava que era competência concorrente da União e Estados a proteção das

belezas naturais e que os lagos, correntes, ilhas e margens de rios seriam

destinados ao uso do público.49

A Constituição de 1937 não trouxe mudanças significativas em relação ao

meio ambiente e designava como competência da União o poder de legislar sobre

recursos naturais. E as Constituições de 1946 e 1967 seguiram pelo mesmo

48 BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 78-80. 49 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 46-47.

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caminho, sem grandes avanços e sem a preocupação de preservar o meio

ambiente, demonstrando interesses mais econômicos do que ecológicos.50 Em

relação aos direitos dos animais, todas essas Constituições passadas foram

omissas, fazendo com que as leis ordinárias delas derivadas tratassem os animais

domésticos como objeto de propriedade particular, e animais silvestres como

propriedade da União ou coisas sem dono.51

Todavia, todas essas as constituições abriram caminho e geraram uma

reflexão para que pudéssemos evoluir e chegar à ampla proteção constitucional que

temos hoje, através de uma orientação de proteção ligada à existência de uma

divisão de competências legislativas e administrativas entre os membros da

federação que viabilizou a criação do Código Florestal, de Pesca, Água, dentre

outros.52 Na Constituição atual, a competência legislativa sobre os assuntos do meio

ambiente é concorrente da União, Estados e Distrito Federal, conforme Artigo 24,

inciso V, VI e VII e aos Municípios cabe a competência legislativa complementar,

conforme Artigo 30,II, ambos da Constituição Federal. Já a competência material é

comum a todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios) conforme Artigo 23, inciso VI e VII da Constituição Federal. Essa divisão

de competências tem como objetivo atender da melhor forma os interesses da

coletividade e proporcionar uma proteção mais efetiva ao meio ambiente. 53

De acordo com Edna Cardozo Dias, assim que a Assembleia Nacional

Constituinte de 1987-1988 foi formada, os protetores dos animais se mobilizaram

para a inclusão dos direitos dos animais na nova Constituição Federal. Essa causa

foi acolhida pelo Deputado Federal Fábio Feldman, que foi um dos principais

responsáveis pela elaboração do Artigo 225, que dispõe sobre o meio ambiente na

Constituição Federal de 1988. Ficou à cargo da LPCA, da União dos Defensores da

50 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 48-49. 51 LEVAI, Laerte Fernando. Promotoria de Defesa Animal. 11º Congresso de Meio Ambiente e 5º Congresso de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo. São Roque/SP, 25 a 28 de Outubro de 2007.p.4. Disponível em <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/biblioteca_virtual/bv_teses_congressos/L%20F%20Levai%20-%20PROM%20DE%20DEFESA%20ANIMAL.htm> Acesso em 31 Mar. 2014. 52 MEDEIROS, op.cit., p. 49-50. 53 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 61-62.

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Terra (OIKOS) e da Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis

(APASFA), iniciar um abaixo-assinado, com o objetivo de conseguir 30.000

assinaturas em favor da inclusão da proteção animal na Constituição. Foram

recolhidas 11.000 assinaturas, e mesmo assim, a proteção animal foi acolhida pela

Constituição de 1988 com a seguinte redação:54

Capítulo VI – Do Meio Ambiente

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Parágrafo 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

Inciso VII - Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

A promulgação desse artigo na Constituição trouxe novas esperanças e

fortaleceu o movimento de defesa dos animais com a incorporação do texto do Art.

225 na maioria das Constituições Estaduais55. Tais garantias constitucionais (evitar a

extinção de espécies, impedir práticas que coloquem em risco suas funções

ecológicas e vedar a crueldade) visam proteger os animais de forma direta,

garantindo o direito à vida e a integridade, ampliando a qualidade de vida para além

dos homens.56 Essa ampla proteção, conforme ensina Erika Bechara, é

consequência do reconhecimento da importância fauna no equilíbrio ambiental57. O

conceito de fauna e espécies é bem abrangente, englobando todos os animais. Ela

exerce um importante papel no ecossistema, no sentido de mantê-lo estruturado e

funcionando perfeitamente. Uma espécie animal é responsável pela vida de outros

animais e a extinção de uma determinada espécie traz prejuízos para o meio

54 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2 – jan/jun 2007. p.160. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 55 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.32. 56 CARDOSO, Waleska Mendes; TRINDADE, Gabriel Garmendia da. A Necessidade de Revisão dos Status Moral e Jurídico dos Animais Não Humanos Para sua Efetiva Proteção Legal. p.3. In: XV SIMPÓSIO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO. 05 a 07 de Out. 2011. Santa Maria. Anais...Santa Maria: 2011, UNIFRA. Disponível em <http://www.unifra.br/eventos/sepe2011/trabalhos/sociais_aplicadas/completo/1201.pdf> Acesso em 04 Mar. 2014. 57 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p.45.

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ambiente. Por exemplo: a extinção de uma espécie animal que serve de alimento a

outra espécie animal geraria a extinção destes por faltar a base do seu sustento58.

Tagore Trajano de Almeida Silva afirma que, quando o constituinte incluiu a

proteção animal sob a tutela constitucional, foi um marco para a existência de uma

nova dimensão do direito fundamental à vida. E que é dever de toda a sociedade,

mas principalmente dos operadores de direito, trabalhar para que essa norma

ultrapasse os limites da formalidade e de fato alcance e proteja os animais59. A

legislação brasileira em favor dos animais é uma das mais avançadas do mundo,

junto com o sistema suíço, austríaco e alemão. A Suíça foi o primeiro país Europeu a

tratar da questão da proteção animal em sua Constituição, que desde 1983 proíbe o

abate de animais sem anestesia e delegou ao Parlamento o dever de fazer uma

legislação de proteção animais. Desde 1992, no Artigo 120, nº 2 da Constituição da

Suíça consta a “dignidade das criaturas”, estendendo direitos a todos os seres vivos

não-humanos. Em 2002, a Alemanha foi o primeiro país da União Européia a

garantir proteção aos animais na sua Constituição. A Áustria também evoluiu nesse

sentido, inserindo na Constituição um artigo determinando a criação de normas de

proteção aos animais e em 2004 aprovou uma lei de Proteção Animal60.

Embora o caput do Artigo 225 da CF/88 represente um progresso para o

direito ambiental, ele possui uma base totalmente antropocêntrica, pois coloca a

natureza como um bem e um direito de todos os homens, devendo a natureza ser

protegida por ser um bem do ser humano e não por causa dela mesma. O homem é

posto acima do meio ambiente, como se não fosse parte dele.61 Na Constituição

Federal de 1988 o meio ambiente é definido como bem de interesse comum à todos

e a conservação e proteção dele necessita de uma responsabilidade compartilhada

entre o Estado e a Coletividade.62

58 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p.45-47. 59 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Fundamentos do Direito Animal Constitucional. p.15. Disponível em <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/Fundamentos.pdf> Acesso em 09 Mar. 2014. 60 Ibdem, p.15-16. 61 GOMES, Ariel Koch. Natureza, Direito e Homem: Sobre a Fundamentação do Direito do Meio Ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 24. 62 LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato, (Org.) Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2011. p.158-162.

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3.2 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL E

DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA OS ANIMAIS

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225 da CF),

mesmo não constando no rol do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (dos

direitos fundamentais), é considerado um direito fundamental de terceira dimensão

de titularidade coletiva63, sendo os direitos fundamentais aqueles que dizem respeito

aos valores e princípios básicos do ordenamento jurídico de cada Estado.64

Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros entende que quando o meio ambiente foi

colocado como um bem jurídico suscetível de proteção, foi delimitada a existência de

uma nova dimensão do direito fundamental à vida e do princípio da dignidade de

pessoa humana.65

Por conseguinte, os animais, assim como os homens, também possuem

direitos fundamentais, pois o constituinte delegou ao Poder Público e à sociedade o

dever de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, estando

os animais incluídos nessa proteção, conforme ensina Edna Cardozo Dias66. Eles

possuem o direito a uma vida digna e plena, sem submissão à crueldade e os

direitos e liberdades do ser humano não podem ultrapassar os limites desses direitos

fundamentais dos animais, pois eles estão protegidos pela Constituição, que por si

só tem eficácia jurídica, devendo todas as demais normas estarem em conformidade

com o previsto na Lei Maior.67 Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer alegam

que, com a vedação de atos cruéis contra os animais ficou clara a preocupação do

constituinte com o bem-estar dos animais e a reprovação de uma visão instrumental

da vida deles, reconhecendo o seu valor intrínseco68. Como demonstração disso

eles citam a proteção das espécies em extinção (o que não traz nenhum benefício

63 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 74. 64 DIAS, Edna Cardozo. Leis e Animais: Direitos ou Deveres. Revista Brasileira de Direito Animal.Volume. 6, Número 8 – jan/jun 2011. p. 304. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol8_2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.65 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 50. 66 DIAS, op. cit., p. 307-308. 67 Ibdem. p. 307-308.68 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas Notas Sobre a Dimensão Ecológica da Dignidade da Pessoa Humana e Sobre a Dignidade da Vida em Geral. In: MOLINARO, Carlos Alberto et al (Org.). A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais Para Além dos Humanos:Uma Discussão Necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 196-197.

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direto ao homem, logo, essa proteção se dá pela dignidade e pelo valor inerente à

vida do animal).69

Portanto, em que pese o caput do Artigo 225 da CF/88 tenha uma base

antropocêntrica, o parágrafo 1º, inciso VII desse dispositivo se mostrou um avanço e

uma fuga ao antropocentrismo quando reconheceu que o animal não é uma coisa e

é capaz de sentir dor e sofrer.70 Essa proteção constitucional torna os animais

sujeitos de direitos. Assim como as pessoas jurídicas são detentoras de direito de

personalidade e podem comparecer em juízo para pleitear seus interesses, os

animais também podem, mesmo que não tenham capacidade para comparecer em

juízo, pois o Ministério Público recebeu a competência legal expressa para

representá-los quando houver violação de direitos. Embora os direitos dos animais

tenham que ser requeridos por representatividade, acontece o mesmo com as

pessoas incapazes e relativamente incapazes e isso não é um obstáculo para serem

reconhecidas como pessoas e terem seus direitos defendidos.71

Nesse sentido, tivemos o Habeas Corpus nº 833085-3/200572 impetrado por

dois Promotores de Justiça do Meio Ambiente juntamente com professores,

estudantes e defensores do direito animal em favor de “Suíça”, uma chimpanzé que

se encontrava numa jaula do Jardim Zoológico de Salvador. Os impetrantes

alegaram que a estrutura do zoológico não era adequada e que o aprisionamento

causava estresse ao animal, que necessitava de contato com outros da sua espécie

para se desenvolver adequadamente. O juiz Edmundo Lúcio da Cruz, da 9ª Vara

Criminal de Salvador, recebeu o pedido e intimou a parte coatora para prestar 69 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas Notas Sobre a Dimensão Ecológica da Dignidade da Pessoa Humana e Sobre a Dignidade da Vida em Geral. In: MOLINARO, Carlos Alberto et al (Org.). A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais Para Além dos Humanos:Uma Discussão Necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 198. 70 LEVAI, Laerte Fernando. Promotoria de Defesa Animal. 11º Congresso de Meio Ambiente e 5º Congresso de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo. São Roque/SP, 25 a 28 de Outubro de 2007. Disponível em <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/biblioteca_virtual/bv_teses_congressos/L%20F%20Levai%20-%20PROM%20DE%20DEFESA%20ANIMAL.htm> Acesso em 31 Mar. 2014. p. 9-10. 71 DIAS, Edna Cardozo. Os Animais Como Sujeito de Direitos. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 1 – Número 1 – Jun/Dez 2006. p. 120. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol1.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 72 HABEAS Corpus nº 833085-3/2005: Impetrantes: Drs. Heron José de Santana e Luciano Rocha Santana: Promotores de justiça do meio ambiente e outros: Paciente: Chimpanzé “Suiça”. In: MOLINARO, Carlos Alberto et al (Org.). A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais Para Além dos Humanos: Uma Discussão Necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 525-531.

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informações. Infelizmente, “Suíça” faleceu oito dias depois de impetrado o habeas

corpus, e o processo foi extinto e arquivado, pois com a morte da chimpanzé, o

habeas corpus perdeu seu objeto. Porém com o recebimento do pedido foi aberto

um debate acerca dos direitos dos animais e foi um marco, pois admitiu os animais

no rol de sujeitos de direitos.73

Entretanto, alguns autores entendem de forma diversa, alegando que os

animais não possuem direitos fundamentais. Erika Bechara afirma que a natureza

(onde se inclui os animais) merece proteção, mas não é necessariamente titular

desse direito, e sim objeto de direitos, atendendo aos interesses do ser humano.74

Nessa mesma linha de pensamento, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, afirma que

Os animais são bens sobre os quais incide a ação do homem. Com isso, deve-se frisar que animais e vegetais não são sujeitos de direitos, porquanto a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente por via reflexa para proteger as demais espécies.75

E segundo Annelise Varanda Dante Abdalla

Embora no campo moral e ético, possamos ter uma relação de igualdade com os animais, tratando-os como “pessoas”, juridicamente isso não é possível. Não podemos considerar os animais como sujeitos de direito, pois tal entendimento não se coaduna com a legislação de proteção da fauna existente em nosso ordenamento jurídico, onde a preocupação com os animais tem como objetivo maior o alcance da sadia qualidade de vida do homem.76

De acordo com a Constituição Federal, esse último posicionamento não é o

mais adequado, pois ela já reconheceu o direito do animal de não ser submetido a

tratamentos cruéis. Segundo Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, em razão desse

reconhecimento constata-se um dever moral e jurídico dos homens para com os

animais concluindo que

73 LIMA, Fernando Bezerra de Oliveira. Habeas Corpus Para Animais: Admissibilidade do HC “Suíça”. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007. p. 227. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 74 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 72. 75 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 95. 76 ABDALLA, Annelise Varanda Dante. A Proteção da Fauna e o Tráfico de Animais Silvestres.2007. 235 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo. 2007. p. 43. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp055586.pdf> Acesso em 08 Abr. 2014.

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Os deveres fundamentais, e em especial, o dever fundamental de proteção aos animais não humanos se consubstanciam na necessidade de limitação e contenção da liberdade de atuação dos animais humanos, quando suas práticas não estiverem pautadas pelo respeito à vida e à dignidade de todos os membros da cadeia da vida.77

3.3 A DEFINIÇÃO DE CRUELDADE

De acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa78, cruel é

aquele que se compraz em fazer mal, em atormentar ou prejudicar; ou, ainda, o ato

duro, insensível, desumano, cruento. Além do redentor Artigo 225, parágrafo 1º,

inciso VII da Constituição Federal que proíbe a crueldade contra os animais,

podemos destacar o Artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais, que veio para

regulamentar79 a norma constitucional. Ele estabelece que qualquer animal, seja ele

silvestre, doméstico, domesticado, nativo ou exótico, pode ser sofredor da crueldade

humana através dos atos de abuso, maus tratos, ferimento ou mutilação. A pena

para esses atos é de três meses a um ano de detenção, além de multa, e conforme

parágrafos 1º e 2º incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou

cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem

recursos alternativos, aumentando-se a pena de um sexto a um terço se ocorrer a

morte do animal.

Esse Artigo 32 trata-se de um tipo penal de conteúdo misto ou variado80 pois

a sua ocorrência se dá por inúmeras condutas: abusar, que é um mau uso, como por

exemplo, cavalos sendo obrigados a puxar carroças muito pesadas; maltratar, que é

a submissão de um animal ao sofrimento, que pode ser psicológico ou físico como o

confinamento constante e em lugares sem as mínimas condições de higiene; ferir,

que é o ato de machucar um animal violando sua integridade física; e mutilar, que é

o ato de cortar qualquer parte do corpo do animal. Porém, todas essas ações

77 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 114. 78 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 4ª ed. Curitiba: Editora Positivo; 2009. p. 581. 79 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 1ª ed. (ano 2003),5ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2008. p. 65. 80 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.38.

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descritas no Artigo 32 podem ser sintetizadas em uma única expressão, que é a

crueldade.81

3.3.1 O entendimento doutrinário

Não existe um conceito do termo ‘crueldade’ determinado pela Constituição82

e isso gera diversas reflexões doutrinárias. Helita Barreira Custódio entende que

crueldade é

Toda a ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva (profissional, amadorista, esportiva, recreativa ou turística), por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos, como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra do boi ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus-tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angustias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal.83

Já Paulo Affonso Leme Machado afirma que

Uma das concepções sobre a crueldade mostra-a como a insensibilidade que enseja ter indiferença ou até prazer com o sofrimento alheio. A Constituição Federal, ao impedir que os animais sejam alvo de atos cruéis, supõe que esses animais tenham sua vida respeitada. O texto constitucional não disse expressamente que os animais têm direito à vida, mas é lógico interpretar que os animais a serem protegidos da crueldade devem estar vivos, e não mortos. A preservação da vida do animal é tarefa constitucional do Poder Público, não se podendo causar sua morte sem uma justificativa explicitada e aceitável.84

81 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.40. 82 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17. 83 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Crueldade Contra Animais e a Proteção Destes Como Relevante Questão Jurídico-Ambiental e Constitucional. Revista de Direito Ambiental. Nº 7, Ano 2 – Julho-Setembro de 1997. p. 60-61. 84 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 844.

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Assim como existe a discussão doutrinária sobre os animais serem ou não

sujeitos de direito, existem duas correntes de pensamento quanto à razão de existir

a vedação de atos cruéis contra os animais na nossa Carta Magna. A primeira

entende que o Artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII tem como objetivo proteger o

homem, ou seja, possui um cunho antropocêntrico pois a saúde psíquica do ser

humano não lhe permite ver um animal sofrendo em decorrência de atos cruéis85.

Nessa mesma linha de compreensão, Erika Bechara acredita que a crueldade contra

os animais é proibida por causa do sentimento de piedade e compaixão que os

homens sentem pelos demais seres vivos juntamente com a necessidade de repúdio

à violência, pois as práticas violentas não podem ser incentivadas como se

saudáveis fossem. Esse pensamento faz parte dos valores éticos e morais da

coletividade.86

Já a segunda corrente entende que a proibição da crueldade não se limita a

proteger a vida do animal em razão de valores morais, bons costumes, sentimento

de piedade em relação aos bichos e sadia qualidade de vida do ser humano. De

acordo com Laerte Fernando Levai, a noção de crueldade é universal e é mais

antiga que o próprio direito positivo. Quando os atos cruéis foram proibidos pelo

constituinte, foi instituída uma norma de caráter moral voltada para o bem-estar do

animal num primeiro plano e que consequentemente beneficia a sociedade.87 O fato

é que a Constituição, quando proibiu atos cruéis contra os animais, não se referia a

todos os tipos de atos cruéis no sentido literal da palavra, pois ela mesma permite,

mesmo que implicitamente, a prática de algumas atividades que se enquadrariam no

conceito de crueldade, mas que para garantir a saúde, bem-estar e qualidade de

vida dos seres humanos são permitidas, não violando o regime jurídico-

constitucional.88 Celso Antonio Pacheco Fiorillo afirma que:

A crueldade só estará caracterizada se a prática contra o animal não tiver por finalidade proporcionar ao homem uma sadia qualidade de vida ou, na

85 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 100. 86 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 82. 87 LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade Consentida – Crítica à Razão Antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 1 – Número 1 – Jun/Dez 2006. p. 178. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol1.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 88 BECHARA, op. cit., p. 69.

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hipótese de estar presente esse propósito, os meios empregados não forem os absolutamente necessários à atividade.89

Considerando que todo ato que atente contra a integridade física/psíquica do

animal em benefício da saúde e bem-estar do homem é aceito pelo nosso

ordenamento jurídico, Erika Bechara entende que crueldade, segundo a Constituição

Federal de 1988, deve ser interpretada como a sujeição do animal a um sofrimento

além do absolutamente necessário. Para ilustrar, ela cita o Artigo 32, parágrafo 1º da

Leis dos Crimes Ambientais, que diz que “pratica um crime quem realiza experiência

dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos,

quando existirem recursos alternativos”. Ora, experimentos didáticos e científicos

são de fato cruéis, mas são permitidos pela lei em benefício do homem quando não

existem outros meios para a pesquisa, afastando uma possível infração

constitucional. Porém, se existirem outros meios para realização desses

experimentos e mesmo assim os animais forem submetidos à essas práticas, a

crueldade estará configurada, pois esse ato ultrapassa os limites da necessidade.90

Erika Bechara ressalta ainda que o próprio conceito de necessidade é instável, pois

o que é necessário ao homem hoje pode não ser amanhã em razão de diversos

fatores. E quando a definição do que é realmente necessário evoluir, uma prática

que hoje é aceita pela Constituição, no futuro não será mais.91

Além das dolorosas experiências realizadas com bichos nos laboratórios

científicos, podemos apontar outras atividades cruentas praticadas contra os animais

e consentidas pelo Poder Público e pela coletividade: as atrocidades cometidas nos

frigoríficos e matadouros com animais utilizados para a alimentação humana, a

matança generalizada e injustificada nos Centros de Controle de Zoonoses,

utilização de animais em circos, rodeios, zoológicos, a clonagem, a caça esportiva,

dentre outras práticas. Essas ações cruéis aceitas pelo Estado e pela sociedade são

tidas como um mal necessário92 e no presente trabalho abordaremos com mais

89 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 100. 90 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 82-84. 91 Ibidem, 82-84. 92 LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade Consentida – Crítica à Razão Antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 1 – Número 1 – Jun/Dez 2006. p. 177. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol1.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.

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profundidade a questão da crueldade com os animais criados e abatidos de formas

perversas com a finalidade de alimentar o homem. As pessoas demonstram

indignação quando presenciam alguma agressão ou abandono a um cachorro, por

exemplo, e classificam tais práticas como crueldade, mas quando as atrocidades

ocorrem dentro de um matadouro não chamam a atenção, pois são práticas tão

corriqueiras que acabam sendo legitimadas93 .

3.3.2 O posicionamento dos tribunais

Os tribunais estão coibindo práticas “culturais” que envolvam a crueldade

contra os animais, como as “brigas de galo” e a “farra do boi”. As “brigas de galo”

são eventos onde apostadores promovem uma competição mortal entre aves,

alegando que se trata de um esporte já incorporado aos costumes brasileiros.94 Já a

“farra do boi” é uma prática comum no Estado de Santa Catarina que se resume em

diversas pessoas perseguindo um boi, chutando-o, ferindo-o e maltratando-o para

lembrar a malhação de Judas, sob a alegação de ser um patrimônio cultural

brasileiro que identifica uma parcela da população.95

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.856

(RJ)96, proposta pelo Procurador-Geral da República para questionar a validade

jurídico-constitucional da Lei Estadual nº 2.895 do Rio de Janeiro, que foi editada

com o objetivo de legitimar a realização de exposições e de competições entre aves

não pertencentes à fauna silvestre (briga de galo), julgou por unanimidade a

procedência da ação. No voto do Ministro Celso de Mello podemos destacar o

reconhecimento da proteção ao animal pelo seu valor intrínseco e não apenas pelo

beneficio ao homem, quando declara que

A cláusula inscrita no inciso VII do parágrafo 1º do Art. 225 da Constituição da República, além de veicular conteúdo impregnado do alto significado ético-jurídico, justifica-se em função de sua própria razão de ser, motivada

93 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 82. 94 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.59. 95 BECHARA, op. cit., p. 131. 96 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.856. Partes: Procurador-Geral da República x Governador do Estado do Rio de Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Celso de Mello. 26 Maio. 2011. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628634> Acesso em 06 Abr. 2014.

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pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais. [...] Nem se diga que a “briga de galos” qualificar-se-ia como atividade desportiva ou prática cultural ou, ainda, como expressão folclórica, numa patética tentativa de fraudar a aplicação da regra constitucional de proteção da fauna, vocacionada, dentre outros nobres objetivos, a impedir a prática criminosa de atos de crueldade contra animais.

Também no sentido de proteger os animais contra a crueldade, o Supremo

Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 153.531 (SC)97 , por maioria de votos,

reconheceu que a farra do boi é inconstitucional. Do voto do Ministro Francisco

Rezek (relator) salientamos o seguinte entendimento contra práticas cruéis aos

animais:

Não posso ver como juridicamente correta a idéia de que em prática dessa natureza (farra do boi) a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural com abusos avulsos; há uma prática abertamente violenta e cruel para com animais, e a Constituição não deseja isso. Bem disse o advogado da tribuna: manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público, mas de pano, de madeira, de “papier maché”; não seres vivos, dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra esse gênero de comportamento.

O Superior Tribunal de Justiça também vem firmando o entendimento de

coibir práticas cruéis. No Recurso Especial nº 1.115.916 (MG)98, que trata sobre a

possibilidade de uso de gás asfixiante para sacrifício de animais nos centros de

controle de zoonose, o STJ negou provimento ao recurso interposto pelo Município

de Belo Horizonte, entendendo que o sacrifício de animais deve ocorrer da forma

menos cruel possível e quando for extremamente necessário para a preservação da

saúde humana.

97 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 153.531. Partes: APANDE – Associação Amigos de Petrópolis Patrimônio Proteção aos Animais e Defesa da Ecologia e Outros x Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Francisco Rezek. 03 Jun. 1997. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=211500> Acesso em 06 Abr. 2014. 98 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.115.916. Partes: Município de Belo Horizonte x Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator: Ministro Humberto Martins. 01 Set. 2009. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=908412&sReg=200900053852&sData=20090918&formato=PDF> Acesso em 06 Abr. 2014.

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E outra prática de cunho “cultural”, as “carreiras de boi cangado”, comuns no

Vale do Jacuí no Estado do Rio Grande do Sul, também foram proibidas por decisão

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.99 O Ministério Público ajuizou uma

ação civil pública objetivando que fossem vedadas as “carreiras de boi cangado” nos

Municípios de General Câmara e Vale Verde e o pedido foi julgado procedente. Essa

prática consiste em uma disputa de forças dos animais, onde os donos os espetam

com lanças e aguilhoadas, gerando danos físicos e psicológicos. A Associação de

Gado de Força de Vale Verde e outros apelaram dessa decisão, porém o Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul manteve o entendimento que essa prática é cruel,

devendo ser proibida. Segundo o Desembargador Francisco José Moesch

Não há dúvida que a “Carreira de Boi Cangado”, em que pese fazer parte da cultura local, revela a agressão a valores mínimos, como o respeito à vida, inclusive à de animais. Não se pode permitir que seres dóceis, indefesos, que muitas vezes são utilizados como força de trabalho, sejam submetidos a tratamento cruel, para “diversão” da comunidade [...].

Essas decisões mostram um grande avanço para o direito animal, pois

entendem que práticas culturais não podem justificar a crueldade contra animais.

Embora ainda existam outras atividades cruéis aceitas pelo Poder Público e pela

coletividade como experiências científicas em animais e o abate para consumo, isso

demonstra uma evolução no pensamento e uma reflexão no conceito de

necessidade.

99 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do RS. Apelação Cível nº 70049939663. Partes: Associação de Gado de Força de Vale Verde e Outros x Ministério Público. Relator: Desembargador Francisco José Moesch. 24 Abr. 2013. Disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70049939663&num_processo=70049939663&codEmenta=5233517&temIntTeor=true> Acesso em 06 Abr. 2014.

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4 A CRIAÇÃO E ABATE DE ANIMAIS PARA CONSUMO

4.1 EVOLUÇÃO DO AGRONEGÓCIO

Os animais são vistos como presas naturais do homem na cadeia alimentar,

justificando assim, o abate deles para consumo100. Começamos a nos alimentar de

carne animal há milhares de anos e especialistas afirmam que esse hábito de ingerir

proteína animal contribuiu para o desenvolvimento do nosso cérebro e permitiu que

nosso corpo investisse mais recursos no sistema nervoso.101 Todas as civilizações

utilizam animais como alimento, variando de insetos e larvas até a utilização de

gatos e cachorros102 e na nossa cultura é comum nos alimentarmos de aves,

bovinos e suínos. Até meados do século XX, vacas e bois ficavam soltos no pasto e

galinhas e porcos ficavam no quintal do produtor, mas após a Segunda Guerra

Mundial, com avanços tecnológicos ocorridos nesse período, aconteceu a

industrialização das atividades agropecuárias.103 Mas a maioria das pessoas ainda

tem a ideia que a criação de animais para consumo ocorre em fazendas, que são

lugares agradáveis, com uma casa, um celeiro e animais no pasto. Só que esse

pensamento não condiz com a realidade moderna.104

Hoje, os abatedouros não são mais controlados por pessoas do interior, mas

sim por grandes empresas que viram no agronegócio uma forma de ganhar muito

dinheiro. E essas empresas não estão preocupadas com o bem-estar animal, mas

sim em reduzir custos e aumentar a produção.105 Peter Singer afirma que a “a

criação de animais, agora, virou a ‘criação industrial de animais’”.106 Além do

processo de industrialização, o crescimento da população e o aumento da

100 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 95. 101 BURGIERMAN, Denis Russo; NUNES, Alceu. Deveríamos parar de comer de comer carne? Revista Superinteressante. Abril de 2002. Disponível em <http://super.abril.com.br/mundo-animal/deveriamos-parar-comer-carne-442851.shtml> Acesso em 11 Abr. 2014. 102 VIDAL, Samuel Santana. Sacrifício Animal em Rituais Religiosos: Liberdade de Culto Versus Direito Animal. Revista Brasileira de Direito Animal. Vol. 1, n. 1 (jan.2006). p. 300. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.103 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.73. 104 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 109. 105 Ibdem, p. 110. 106 Ibdem, p. 110.

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expectativa de vida contribuíram para que a procura por produtos de origem animal

aumentasse, incentivando ainda mais o agronegócio.107

O Brasil é um dos maiores produtores de carne do mundo e com o setor

pecuário em expansão, os números de animais criados e abatidos só aumentam.108

A cada ano a participação brasileira no comércio internacional vem crescendo e o

destaque fica para a produção de carne bovina, suína e de frango. Segundo dados

do Ministério da Agricultura, até 2020, a expectativa é que a produção nacional de

carnes represente 44,5% do mercado mundial.109 Dados do IBGE mostram que no

3º trimestre de 2013 o abate de bovinos atingiu pela 2ª vez consecutiva um novo

recorde histórico, com a marca de 8,913 milhões de animais abatidos. Também

registraram-se 9,351 milhões de abates de suínos e 1,444 bilhão de frangos.110 E

visando cada vez mais o aumento da produção e a rentabilidade, os animais não

são tratados como “vidas”, mas sim como “cabeças”111, resultando num sofrimento

enorme a um grande número de animais.

4.2 A CRIAÇÃO DE AVES

As galinhas são utilizadas pelo homem para obtenção de carne e ovos e

sofrem muito durante suas vidas. Elas são confinadas em galinheiros fechados, sem

janelas e em alguns casos são colocadas em gaiolas empilhadas para agrupar o

maior número de galinhas possíveis. O normal é que uma granja tenha capacidade

de criar quatorze frangos por metro quadrado, onde elas mal conseguem se

mexer.112 E a atmosfera nas granjas é um risco para a saúde delas, pois apesar da

ventilação mecânica, o ar é contaminado por amoníaco, poeira e micro-organismos,

causando efeitos nocivos aos seus pulmões.113 Nesse ambiente de confinamento

107 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.73 108 Ibdem, p.73 109 Dados coletados no site do Ministério da Agricultura. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/animal/exportacao> Acesso em 09 Abr. 2014. 110 BRASIL, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores IBGE. Estatística da Produção Pecuária. Dezembro de 2013. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/producaoagropecuaria/abate-leite-couro-ovos_201303_publ_completa.pdf> Acesso em 09 Abr. 2014. 111 LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade Consentida – Crítica à Razão Antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 1 – Número 1 – Jun/Dez 2006. p. 177. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol1.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 112 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.76. 113 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 119.

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tudo contribui para que elas cresçam rápido e com menos alimento: a ração e água

são supridas e a iluminação é controlada de acordo com as semanas de vida das

galinhas. Nas duas primeiras semanas a iluminação é bem clara o tempo inteiro,

para incentivar o ganho de peso. Nas próximas semanas a luz é desligada a cada

duas horas e nas últimas semanas de vida do animal (por volta da sexta semana) a

luz é mantida bem fraca para reduzir a agressividade causada pelo estresse da

superlotação.114

Mesmo com a luz reduzida, as aves ficam irritadas em razão da ausência de

luz natural e do espaço minúsculo e acabam ficando agressivas, bicando as penas

umas das outras e até comendo umas as outras, num comportamento que de forma

alguma é normal. Mas em vez de proporcionar um ambiente mais saudável a esses

animais, os produtores encontraram uma solução mais rentável: a ‘”debicagem”,

onde os bicos dos pintinhos são inseridos numa máquina semelhante a uma

guilhotina para serem cortados. Cerca de quinze pintinhos são debicados por minuto

e esse procedimento geralmente causa lesões e ferimentos nas aves.115 Os

pintinhos machos, que nascem nas granjas de ovos e não são confinados e

debicados, também tem um destino terrível: são triturados vivos para virarem

ração.116 Já as aves que são utilizadas para o abate, em razão do cruzamento

seletivo, pesam quase o dobro do que seus antepassados, mas os seus esqueletos

continuam os mesmos, o que causa ossos quebrados, vértebras machucadas e

juntas inflamadas.117 Segundo Tom Regan

Em média, os frangos de corte machos vivem seis semanas e as fêmeas, sete, até serem transportados para o abate. Dada a duração natural da sua vida (galinhas podem viver com saúde de doze a quinze anos, e às vezes mais), os frangos de corte são simples bebês, no momento do abate. É pequena a proporção de vida que eles têm – e é inteiramente caracterizada por privação crônica e intenso sofrimento.

114 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 112-113. 115 Ibdem, p. 114-115. 116 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.76. 117 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: Encarando o Desafio dos Direitos dos Animais. Porto Alegre, RS, Lugano, 2006. p. 115.

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Outro ponto problemático na criação de aves é o método de apanha, pois a

principal maneira de pegar as aves é pelas pernas e isso causa hematomas e

fraturas no animal.118

4.3 A CRIAÇÃO DE BOVINOS

Assim como as aves, os bois de criação também têm uma vida sofrida. Em

comparação com os demais animais de criação, eles ainda vivem de forma mais

livre, porém o tempo que lhes resta para aproveitar esse espaço vem diminuindo.119

Logo após o nascimento, os bezerros são separados das mães e submetidos à uma

incisão a quente para que não desenvolvam chifres, são marcados à ferro e

castrados sem anestesia.120 Recebem alimentação artificial, injeções de hormônios,

aplicação de antibióticos e vacinas121 e vivem expostos aos elementos da natureza,

sem lugar para deitar (deitam somente em terra seca, lama e esterco).122 Quando os

animais estão gordos o suficiente, chega a hora da morte e eles são transportados

de caminhão, num trajeto cansativo, em pé o tempo todo (e se por acaso deitarem,

sofrem choques elétricos e espancamentos), até chegarem aos matadouros onde

são abatidos.123 Além disso, vivem com medo durante todo o tempo de produção,

pois são animais herbívoros e de presa e por isso estão em constante vigilância, já

que o ambiente não é natural.124

4.4 A CRIAÇÃO DE SUÍNOS

Antigamente os porcos ficavam soltos, se afundando na lama. Hoje, eles

crescem presos em pocilgas e recebem altas doses de hormônios.125 Segundo Tom

Regan, a maioria deles passa a vida (que dura de quatro a seis meses) em

superfícies de tela de arame e barras de metal ou de concreto com espaços vazios

118 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 156. 119 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 157. 120 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: Encarando o Desafio dos Direitos dos Animais. Porto Alegre, RS, Lugano, 2006. p. 117. 121 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.77. 122 REGAN, op. cit., p. 117 123 LEVAI, op. cit., p.77. 124 MEDEIROS, op. cit., p. 157. 125 LEVAI, op. cit., p.75.

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entre elas.126 Os porcos são mantidos em lugares fechados, pois é mais econômico

e assim eles não queimam calorias, contribuindo para a engorda. Como acontece

com as aves, a atmosfera também é contaminada por amoníaco, causando sérios

problemas pulmonares nos porcos.127 As leitoas são submetidas à inseminação

artificial e passam a vida toda acorrentadas em uma única posição (deitadas de

lado), para amamentarem os filhotes.128 A maioria dos criadores de porcos permitem

que as leitoas fiquem com seus porquinhos por uma semana e após isso ocorre a

separação. Em mamíferos essa separação antecipada causa aflição e ansiedade

tanto na mãe quanto no filhote.129 Essas mães emprenham novamente enquanto o

filhote segue para o confinamento, onde sofrerão com uma vida miserável até o

abate.

4.5 CRUELDADE CONTRA OS “ANIMAIS DE CRIAÇÃO” E A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

Hoje é natural o consumo de carne, faz parte da nossa cultura, tanto que a

morte de animais para alimentação humana é permitida pela Lei dos Crimes

Ambientais, no seu Artigo 37, inciso I, que diz: “não é crime o abate de animal,

quando realizado em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de

sua família”.130 Porém os métodos de criação e abate se tornaram cada vez mais

cruéis com o passar dos anos, aglomerando o maior número de animais possíveis

sem qualquer preocupação com o bem-estar deles, visando o lucro. Conforme

analisamos acima, os “animais de criação” (aves, bois e porcos) vivem de forma

miserável e milhares deles são submetidos à crueldade diariamente. A Constituição

Federal de 1988 quando proibiu a crueldade não restringiu essa proteção a uma

determinada espécie animal, mas tinha como objetivo proteger todos eles. Animais

amontoados, sem espaço para se movimentarem, mutilados, com uma alimentação

forçada a base de hormônios e estressados, não levam uma vida digna, mas

126 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: Encarando o Desafio dos Direitos dos Animais. Porto Alegre, RS, Lugano, 2006. p. 117 127 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 157. 128 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. São Paulo: Mantiqueira, 2004. p.75. 129 SINGER, op. cit., p.142. 130 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm> Acesso em 12 Abr. 2014.

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completamente cruel. E isso não pode ser aceito pela sociedade e nem pelo Estado,

pois ambos possuem o dever de preservação do meio ambiente, onde os animais

estão incluídos, conforme Artigo 225 da Constituição.131

Como já vimos, o termo “crueldade” que está na nossa Constituição, significa

submeter o animal a um mal além do absolutamente necessário. Matar animais para

alimentar o homem é necessário, mas os métodos para isso devem ser os menos

violentos possíveis, minimizando assim, o sofrimento deles. Esse pensamento é

pacífico na doutrina. Celso Antonio Pacheco Fiorillo ensina que não se pode permitir

“que se abata um animal destinado ao consumo humano por um método que,

comprovadamente, seja mais doloroso para ele.”132 Seguindo a mesma linha de

pensamento, Erika Bechara alega que

Não é pelo fato de que cedo ou tarde, os animais serão sacrificados, que o curto período de vida que efetivamente gozarão poderá ser o pior possível, da mesma forma que o homem, embora tenha morte certa, não prescinde de uma vida digna e sadia.133

E Paulo Affonso Leme Machado afirma que

A Constituição Federal não proibiu que a alimentação humana seja carnívora. Ao não proibir a alimentação carnívora, faz-se uma pressuposição de que tal hábito seja ditado por uma implícita necessidade. É um posicionamento que tem sofrido críticas, mas o sistema vegetariano não tem acolhimento constitucional. Entretanto, mesmo os animais sejam abatidos para fins alimentícios não podem ficar sujeitos a crueldade.134

Essa visão de que devemos proporcionar o mínimo de sofrimento possível

aos animais tem o apoio da teoria do bem-estar animal. As leis brasileiras são bem-

estaristas, pois protegem os animais dos maus-tratos e proíbem a crueldade, mas

permitem o abate para consumo, desde que o sofrimento causado à eles seja

131 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 225 Caput – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 10 Abr. 2014. 132 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17. 133 BECHARA, Erika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 96. 134 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 844.

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minimizado.135 E essa legislação bem-estarista que temos é alvo de críticas por

alguns defensores do direito animal (ou abolicionistas), que entendem que todas as

formas de uso de animais devem ser eliminadas e que leis que promovam o bem-

estar só contribuem cada vez mais para a exploração, pois com a redução do

sofrimento do animal, as pessoas se sentiriam mais à vontade com a utilização de

animais como objetos.136 Porém não há como obrigar o homem a se alimentar de

forma vegetariana, isso seria um absurdo137 e segundo Carlos Naconecy

Propor medidas bem-estaristas que tratem os animais de forma “humanitária” não implica, de modo algum, que o proponente esteja concordando com o uso de animais. Significa apenas reconhecer que a conjuntura social e política atual não é suficiente para que a abolição do uso de animais seja instaurada legalmente.138

Portanto, seria uma ilusão pensar que evoluiríamos para uma sociedade que

não trata animais como objetos sem passar por uma fase que reconhece ao menos

o seu direito de não ser submetido à crueldade desnecessária. 139 É nesse estágio

intermediário que estamos hoje, onde a Constituição reconhece direitos aos animais

pelo seu valor intrínseco, mas esses direitos não são absolutos, pois podem ser

violados em alguns casos de necessidade. Cabe a nós, verificar o que é realmente

necessário e se as ações do ser humano não ultrapassam esse limite do aceitável

previsto na lei.

Cabe ressaltar que existe uma concepção de que devemos promover o bem-

estar dos animais utilizados na alimentação pelos benefícios reflexos ao ser

humano. Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, se um animal sofre antes do

abate ele libera toxinas que contaminam sua carne podendo causar mal ao ser

humano, devendo esta ser a razão pelo qual não devemos submeter um animal a

135 TINOCO, Isis Alexandra Pincella; CORREIA, Mary Lúcia Andrade. Análise Crítica Sobre a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 5. Volume 7. Jul-Dez 2010. p. 181. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol7.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.136 NACONECY, Carlos. Bem-estar Animal ou Libertação Animal? Uma Análise Crítica da Argumentação Antibem-estarista de Gary Francione. Revista Brasileira de Direito Animal. Vol. 4, n. 5 (jan/dez. 2009) p. 242. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol5.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014. 137 MIGLIORE. Alfredo Domingues Barbosa. Direito Deles ou Nosso Dever? O Sofrimento Animal Sob a Perspectiva da Bioética. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 5, Vol. 6 (jan/jun. 2010) p. 117. Disponível em <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol6.pdf> Acesso em 19 Mai. 2014.138 NACONECY, op. cit., p. 249.139 Ibdem, p. 251.

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atos cruéis (visão antropocêntrica)140. Esse pensamento não está de acordo com a

Constituição, que reconheceu o valor do animal por si só e não pelos benefícios que

essa proteção traz ao homem. Porém, ao analisarmos as normas que

regulamentam o agronegócio, veremos que a maior parte delas realmente se

preocupa mais com o animal em razão da saúde do homem. O objetivo é deixar os

animais livres de doenças para que nossa alimentação seja saudável, o que está

correto, porém o bem-estar dos animais também deve ser tratado com relevância,

independentemente dos benefícios que esse tratamento nos traz.

140 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17

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5 A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL SOBRE CRIAÇÃO E ABATE DE

ANIMAIS PARA CONSUMO

5.1 A IMPORTÂNCIA DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS

Para que o mandamento constitucional de proibição da crueldade contra

animais seja cumprido, necessitamos de normas infraconstitucionais que

regulamentem o agronegócio e estipulem regras para o bem-estar animal, pois a

Constituição Federal não trata sobre esse assunto especificamente. Essas normas

devem estipular regras gerais não só para o abate, mas também para a criação.

Numa primeira análise, a crueldade consiste no modo como a vida do animal é

tirada, mas ela também se manifesta na criação onde as liberdades do animal não

são respeitadas. Para que o bem-estar animal seja alcançado, é necessário que se

ponha em prática o conceito de cinco liberdades básicas: 1) que os animais vivam

livres de fome e sede; 2) livres de desconforto; 3) livres de dor, ferimentos e

doenças; 4) livres de medo e angústia e 5) livres para expressar seu comportamento

natural.141

A seguir, iremos analisar quais são as principais normas atuais sobre criação

e abate de animais e verificar se seus conteúdos estão de acordo com a

Constituição Federal, proibindo o sofrimento desnecessário e tornando obrigatório

práticas que tragam bem-estar aos animais em todas as fases de suas vidas. É

fundamental que as normas infraconstitucionais estejam de acordo com a Lei Maior,

pois segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho ela é a “base da ordem jurídica e a

fonte de sua validade. Por isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode

contra ela dispor”.142 A primeira norma sobre o bem-estar animal foi o Decreto nº

24.645/34 e desde então tivemos muitos avanços legislativos.

141 ALVES, Richard Daniel Soares; CAVAGNI, Gabriela Maura. Bem-Estar Animal. Informativo Técnico do Departamento de Defesa Agropecuária/RS nº 7/Ano 04 – julho de 2013. Disponível em <http://www.dda.agricultura.rs.gov.br/conteudo/4471/?Bem_estar_animal> Acesso em 14 Abr. 2014. 142 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37. Ed., rev e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. p.46.

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5.2 DECRETO Nº 30.691/1952143

É o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem

Animal. Ele estabelece as normas que regula, em todo o território nacional, a

inspeção e a fiscalização industrial e sanitária de produtos de origem animal,

destinadas a preservar a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos

produtos e a saúde e os interesses do consumidor, executadas pelo Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento nos estabelecimentos registrados ou

relacionados no Serviço de Inspeção Federal. Trata-se de um decreto bem

antropocêntrico, pois dos 952 artigos, poucos tratam da questão do bem-estar

animal e determina questões mais técnicas como registro e funcionamento dos

estabelecimentos, normas de higiene e inspeção nos animais antes e após o abate

visando preservar a saúde humana.

No que diz respeito a normas sobre criação de animais, esse Decreto diz que

a administração dos estabelecimentos fica obrigada a tomar as medidas mais

adequadas, no sentido de serem evitados maus tratos aos animais pelo quais são

responsáveis. Observe-se que dizer que maus tratos devam ser evitados não é o

mesmo que proibi-los. Maus tratos contra animais é crueldade, e isso é vedado pela

nossa Constituição, no Artigo 225, 1º, VII. Entretanto, proíbe que no momento do

desembarque ou movimentação de animais sejam utilizados instrumentos

pontiagudos ou de quaisquer outros que possam lesar o couro ou a musculatura. Já

no que diz respeito ao abate, só é permitido o sacrifício de animais de açougue por

métodos humanitários144, utilizando-se de prévia insensibilização baseada em

princípios científicos, seguida de imediata sangria. Quem infringir as normas desse

regulamento é punido administrativamente e quando for o caso, mediante

responsabilidade criminal, porém não há previsão de punição para quem descumprir

especificamente os artigos que tratam sobre o bem-estar animal.

143 BRASIL, Decreto nº 30.691, de 29 de Março de 1952. Aprova o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D30691.htm> Acesso em 14 Abr. 2014. 144 Essa previsão sobre o abate humanitário veio através do Decreto nº 2.244 de 1997.

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5.3 PORTARIA Nº 711/1995145

Determina as normas técnicas de instalações e equipamentos para abate e

industrialização de suínos e regula as inspeções realizadas antes e depois do abate

e sua higiene. Recomenda a instalação de choque elétrico para conduzir o

desembarque de suínos e proíbe o uso de varas e objetos contundentes. Prevê que

deve ser realizada uma inspeção por um veterinário antes do abate, no mínimo duas

vezes para cada lote, uma no momento do desembarque dos suínos e a segunda

momentos antes do abate. A insensibilização antes do abate deve ocorrer com um

choque elétrico atrás da orelha do animal e o tempo entre a insensibilização até a

sangria não pode ultrapassar 30 segundos.

5.4 PORTARIA Nº 210/1998146

É o Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária de

Carnes de Aves. Trata sobre as instalações e equipamentos relacionados com a

técnica de inspeção realizada antes e após o abate das aves. Essa portaria

determina que a insensibilização deverá ocorrer preferentemente por eletronarcose

sob imersão em líquido, cujo equipamento deve dispor de registros de voltagem e

amperagem e deve ser proporcional à espécie, tamanho e peso das aves,

considerando-se ainda a extensão a ser percorrida sob imersão, não devendo

promover em hipótese alguma a morte das aves e deve ser seguida de sangria no

prazo máximo de 12 segundos.

Há ainda a previsão de adoção de outros métodos para a insensibilização

como gás, mas devem ser previamente aprovados pelo DIPOA (departamento de

inspeção de produtos de origem animal), sendo permitido o abate sem prévia

insensibilização apenas para atendimento de preceitos religiosos ou de requisitos de

países importadores. De acordo com essa portaria, a operação de sangria deverá

ocorrer com as aves contidas pelos pés, em ganchos de material inoxidável, 145 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO ABASTECIMENTO E DA REFORMA AGRÁRIA. Portaria n. 711, de 1º de novembro de 1995. Disponível em <http://www3.servicos.ms.gov.br/iagro_ged/pdf/714_GED.pdf> Acesso em 20 Abr. 2014. 146 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO. Portaria n. 210, de 10 de novembro de 1998. Disponível em <http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Repositorio/Portaria-210_000h19kjcan02wx7ha0e2uuw60rmjy11.pdf> Acesso em 14 Abr. 2014.

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apoiados em trilhagem aérea mecanizada, tendo um tempo mínimo de 3 minutos

para uma sangria completa e durante esse período não é permitida qualquer outra

operação. Deverá ser levado em conta, também, o tempo que as aves deverão

permanecer dependuradas pelos pés, antes da sangria, para que haja fluxo de

sangue à cabeça. Esse regulamento ainda prevê uma inspeção a ser realizada

antes do abate por um médico veterinário para verificar a saúda das aves, para

evitar o abate de aves doentes e que possam causar algum mal ao ser humano.

5.5 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 3/2000147

É o regulamento técnico de métodos de insensibilização para o abate

humanitário de animais de açougue. São os requisitos mínimos para a proteção

desses animais antes e durante o abate, a fim de evitar a dor e o sofrimento. O

objetivo dessa instrução normativa é estabelecer, padronizar e modernizar os

métodos humanitários de insensibilização dos animais para o abate, assim como o

manejo destes nas instalações dos estabelecimentos aprovados para essa

finalidade, sendo o abate humanitário o conjunto de diretrizes técnicas e científicas

que garantem o bem-estar dos animais desde a recepção até a operação de

sangria.

Essa instrução normativa estabelece que o manejo dos animais deve ser

realizado com o mínimo de excitação e desconforto, proibindo-se qualquer ato ou

uso de instrumentos agressivos a integridade física dos animais ou que provoque

reações de aflição. No abate os animais devem ser descarregados o mais

rapidamente possível após a chegada e se for inevitável uma espera, os animais

devem ser protegidos contra condições climáticas extremas e beneficiar-se de uma

ventilação adequada. Os animais que corram o risco de se ferirem mutuamente

devido à sua espécie, sexo, idade ou origem devem ser mantidos em locais

adequados e separados e os que sofrerem acidente durante o transporte ou na

chegada ao estabelecimento de abate e estiverem em estado de sofrimento devem

ser submetidos à matança de emergência. Para tal, os animais não devem ser

147 MINISTÉRIO DA AGRIGULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Instrução Normativa n. 3 de 17 de janeiro de 2000. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Desenvolvimento_Sustentavel/Producao-Integrada-Pecuaria/IN%2003%20de%202000.pdf> Acesso em 15 Abr. 2014.

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arrastados e sim transportados para o local do abate de emergência por meio

apropriado, sem acarretar sofrimento inútil.

A norma diz que não é permitido espancar os animais ou agredi-los, erguê-los

pelas patas, pelos, orelhas ou cauda, ocasionando dores ou sofrimento e os bretes e

corredores por onde os animais são encaminhados devem ser concebidos de modo

a reduzir ao mínimo os riscos de ferimentos e estresse. Os instrumentos destinados

a conduzir os animais devem ser utilizados apenas para esse fim e unicamente por

instantes. Os dispositivos produtores de descargas elétricas apenas poderão ser

utilizados em caráter excepcional nos animais que se recusem mover, desde que

essas descargas não durem mais de dois segundos e haja espaço suficiente para

que os animais avancem. Os animais mantidos nos currais, pocilgas ou apriscos

devem ter livre acesso a água limpa e abundante e, se mantidos por mais de 24

horas, devem ser alimentados em quantidades moderadas a intervalos adequados.

Nas espécies que apresentarem acentuada natureza gregária, não deve haver

reagrupamento ou mistura de animais de diferentes origens, evitado assim que

corram o risco de ferirem-se mutuamente.

Os métodos de insensibilização para o abate humanitário dos animais

segundo essa Instrução Normativa são: mecânico (“percussivo penetrativo”

utilizando pistola com dardo cativo e “percussivo não penetrativo” utilizando pistola

que provoque um golpe no crânio), elétrico ou por exposição à atmosfera controlada.

De acordo com as normas dessa portaria, qualquer que seja o método adotado,

deve-se assegurar o bem-estar do animal, com a certeza de que o animal fique

insensibilizado até o momento da sangria. A sangria deve ser iniciada em até um

minuto após a insensibilização do animal, de modo a provocar um rápido e completo

escoamento de sangue antes que o animal recupere a sensibilidade. Não é

permitido mutilações nos animais até que o sangue escoe por completo e no caso

das aves é necessária a supervisão de um operador, em caso de falha do

equipamento, para que o animal não vá para a escaldagem sem a devida morte pela

sangria.

O Serviço de Inspeção Federal é o responsável por fiscalizar o cumprimento

dessa Instrução Normativa através da observação em caráter aleatório das

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operações de insensibilização e sangria nos estabelecimentos, revisão dos registros

de monitoramento e comparação do resultado das observações e da inspeção

efetuadas com o registro correspondentes ao monitoramento realizado pelo controle

de qualidade do estabelecimento. Porém, não há nenhuma previsão de penalidades

para quem descumpre essa norma.

5.6 INSTRUÇÃO NORMATIVA 56/2008148

Estabelece os procedimentos gerais de Recomendações de Boas Práticas de

Bem-Estar para Animais de Produção e de Interesse Econômico, abrangendo os

sistemas de produção e transporte. Determina em seu Artigo 3º:

Artigo 3º - Para fins dessa Instrução Normativa, deverão ser observados os seguintes princípios para a garantia do bem-estar animal, sem prejuízo do cumprimento, pelo interessado, de outras normas específicas:

I – proceder ao manejo cuidadoso e responsável nas várias etapas da vida do animal, desde o nascimento, criação e transporte;

II – possuir conhecimentos básicos de comportamento animal a fim de proceder ao adequado manejo;

III – proporcionar dieta satisfatória, apropriada e segura, adequada às diferentes fases da vida do animal;

IV – assegurar que as instalações sejam projetadas apropriadamente aos sistemas de produção das diferentes espécies de forma a garantir a proteção, a possibilidade de descanso e o bem-estar animal;

V – manejar e transportar os animais de forma adequada para reduzir o estresse e evitar contusões e o sofrimento desnecessário;

VI – manter o ambiente de criação em condições higiênicas.

Porém essa instrução normativa não determina normas de bem-estar para

cada espécie animal, dizendo que os Manuais de Boas Práticas de Bem-Estar

publicados pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo que

deverão fazer essas recomendações específicas. Não existe previsão de sanção

para quem descumpre esses manuais, pois são somente “recomendações”.

148 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Instrução Normativa n. 56 de 6 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Desenvolvimento_Sustentavel/Producao-Integrada-Pecuaria/IN%2056%20de%202008.pdf> Acesso em 04 Mai. 2014.

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5.7 INSTRUÇÃO NORMATIVA 64/2008149

É o Regulamento Técnico para os Sistemas Orgânicos de Produção Animal e

Vegetal, que visa estabelecer as normas técnicas a serem seguidas por toda pessoa

física ou jurídica responsável por unidades de produção em conversão ou por

sistemas orgânicos de produção. Essa Instrução Normativa aborda muitos itens que

dizem respeito ao bem-estar animal e podemos destacar

Artigo 17 – Os sistemas orgânicos de produção animal devem buscar:

I – seguir os princípios do bem-estar animal em todas as fases do processo produtivo;

II – manter a higiene e saúde em todo o processo criatório, compatível com a legislação sanitária vigente e com o emprego de produtos permitidos para uso na produção orgânica;

III – a adoção de técnicas sanitárias preventivas;

IV – a oferta de alimentação nutritiva, saudável, de qualidade e em quantidade adequada de acordo com as exigências nutricionais de cada espécie;

V – a oferta de água de qualidade e em quantidade adequada, isenta de agentes químicos e biológicos que possam comprometer sua saúde e vigor, a qualidade dos produtos e os recursos naturais, de acordo com os parâmetros especificados pela legislação vigente;

VI – utilizar instalações higiênicas, funcionais e adequadas a cada espécie animal e local de criação; e

VII – destinar de forma ambientalmente adequada os resíduos da produção. .................................................................................................................

Artigo 21 – O corte de dentes e de ponta de chifres, a castração, o mochamento e as macacões, quando realmente necessários, deverão ser efetuados na idade apropriada visando reduzir processos dolorosos e acelerar o tempo de recuperação.

Também não permite a debicagem, corte da cauda dos suínos e outras

mutilações, não permite a iluminação artificial o tempo todo (os animais tem que

passar pelo menos 8 horas no escuro), é vedado o uso de estímulos elétricos no

manejo de animais, devendo o manejo ser realizado de maneira tranquila e sem

agitações. O contato entre tratadores e os animais deve ser estimulado dentro de

uma frequência que permita que os animais se habituem à presença de pessoas e é 149 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Instrução Normativa n. 64 de 18 de dezembro de 2008. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Desenvolvimento_Sustentavel/Producao-Integrada-Pecuaria/IN%2064%20de%202008.pdf> Acesso em 15 Abr. 2014.

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proibida a retenção permanente dos animais em gaiolas, correntes, cordas ou

qualquer outro método restritivo. É interessante também que durante o transporte

dos animais não é permitido conduzi-los de cabeça para baixo, de membros atados

ou outro modo que lhes traga sofrimento. Conjuntamente é proibida a alimentação

forçada dos animais, as cinco liberdades são respeitadas e entre os bovinos deve

ser respeitada a necessidade de pastoreio, onde tenha sombreamento necessário

para o bem-estar dos animais.

5.8 O PROGRESSO DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E ONDE

DEVEMOS CHEGAR

Dentre as normas acima, podemos concluir que a legislação brasileira acerca

dos animais de produção está em evolução. O Decreto 30.691 de 1952

(Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal)

quase não trata sobre os animais de produção, apenas proíbe o abate que não seja

por métodos humanitários e diz que maus tratos devem ser “evitados”. Cabe

ressaltar que o “abate humanitário” é definido como um conjunto de procedimentos

que garantem o mínimo de estresse desde o manejo de embarque na propriedade

rural até a operação de sangria no frigorífico, evitando sofrimento.150 Já as Portarias

nº 711 de 1995 e nº 210 de 1998 que tratam sobre suínos e aves, respectivamente,

reafirmam que o abate deve ser realizado por métodos humanitários, com prévia

insensibilização do animal antes da sangria, mas nada falam sobre o modo de

criação.

No ano 2000 foi criada a Instrução Normativa nº 3, que estipula normas para o

abate humanitário e manejo dos animais e é a primeira norma sobre o abate de

animais que demonstra maior preocupação com o bem-estar deles, pois prevê que

eles sejam tratados com cuidado, proibindo agressões e separando as espécies que

possam se ferir mutualmente, reduzindo assim, o estresse anterior ao momento do

abate. Já a Instrução Normativa 56 de 2008 trata sobre os sistemas de produção e

transporte dos animais e possui poucas orientações no que se refere ao bem-estar

animal na fase de criação e são normas gerais, sem especificar o modo de criação

150 Disponível em <http://abatehumanitario.org/perguntas-frequentes/Default.aspx?area=perguntas_frequentes> Acesso em 23 Abr. 2014.

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para diferentes espécies. Por último analisamos a Instrução Normativa 64 de 2008,

que trata de normas para a produção orgânica de carne animal, e, portanto não se

aplica a todos os casos de criação, já que a grande maioria dos animais é abatida

por métodos de pecuária intensiva e não por métodos orgânicos151. Entretanto, seria

a norma ideal para criação e abate de animais, pois é a que mais demonstra

preocupação com o bem-estar e com a minimização do sofrimento deles, além de

comprovar que mesmo com custos mais elevados, é possível criar animais para o

abate com uma grande redução do sofrimento.

Ao analisarmos as normas infraconstitucionais, podemos afirmar que a

legislação infraconstitucional brasileira não é a ideal para o bem-estar animal, pois

pouco trata sobre a criação, o foco está no abate. O pouco que temos está em

conformidade com a Constituição Federal, pois prevê regras para o abate

humanitário e bem-estar animal, porém não é o suficiente. O ideal seria a criação de

mais normas a respeito da criação, determinando padrões de bem-estar a serem

seguidos por todos os produtores e que se apliquem a todos os animais, garantindo

assim, o cumprimento efetivo da norma constitucional.

151 Disponível em http://redeglobo.globo.com/globoecologia/noticia/2012/09/pecuaria-organica-faz-10-anos-em-2013-bem-estar-do-animal-e-premissa.html Acesso em 23 Abr. 2014.

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6 A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS

A norma constitucional é hierarquicamente superior a todas as outras normas

do ordenamento jurídico e todos os atos do poder político devem estar em

conformidade com a Constituição152. Segundo Luis Roberto Barroso, a efetividade

de uma norma é definida pela materialização dos mandamentos legais no mundo

dos fatos, ou seja, é a realização do direito.153 Todas as normas constitucionais

possuem eficácia, mas nem todas produzem efeitos jurídicos da mesma forma. As

normas constitucionais podem ser dividas em normas de eficácia plena, normas de

eficácia contida e normas de eficácia limitada. As normas de eficácia plena são

aquelas que por si só já produzem efeitos e não necessitam de uma norma

integrativa infraconstitucional, sendo autoaplicáveis. Já as normas de eficácia

contida podem sofrer limitações na sua aplicabilidade e eficácia por normas

infraconstitucionais. E por último as normas de eficácia limitada são aquelas que

necessitam de uma lei integrativa infraconstitucional para produzirem efeitos.154 O

Art. 225, parágrafo 1º, Inciso VII, da Constituição, quando determina que é vedada,

na forma da lei, as práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e da

flora e que provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade,

se enquadra nessa última classificação, de eficácia limitada. É uma norma não auto-

aplicável e incompleta, pois dependente de complementação legislativa, embora

seja dotada de eficácia e obrigatoriedade.155 A seguir, veremos se a norma

constitucional de proteção aos animais é aplicada aos animais de criação, ou seja,

se ela é efetiva e quais são os problemas encontrados na aplicação dessa norma.

Existem grandes problemas a serem enfrentados para que a norma

constitucional tenha eficácia, são eles: a inexistência de penalidades nas normas

infraconstitucionais, a fiscalização irregular nas atividades de criação e abate, os

abates clandestinos, a fala de uma lei federal específica sobre o bem-estar animal e

152 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 75-76. 153 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5.ed. ampl.e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.85. 154 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 81-82. 155 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. por Juliana Campos Horta. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 243.

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decisões judiciais que favorecem a atividade econômica e desprezam o direito dos

animais. Veremos cada um desses problemas nos pontos seguintes.

6.1 FALTA DE PENALIDADES NAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS

O primeiro problema quanto à aplicabilidade da Constituição Federal

encontra-se na falta de punição para quem descumpre as normas

infraconstitucionais sobre criação e abate de animais, pois conforme analisamos

acima, não existe nenhuma espécie de multa pecuniária ou interrupção das

atividades dos abatedouros em caso de crueldade com os animais por exemplo. O

fato de não existirem penalidades administrativas para quem comete atos cruéis e

não respeita o bem-estar animal de certa forma contribui para que essas normas

sejam descumpridas. Na maioria das vezes, até mesmo sanções administrativas ou

civis não são suficientes para conter os abusos do homem e se faz necessária uma

sansão penal em determinados casos, para que a proteção prevista em lei seja mais

eficaz.156 Logo, o mínimo que deveria existir para proteger esses animais seriam as

sansões administrativas. E quem tem competência constitucional para estabelecer

normas gerais em matéria de meio ambiente e é a União, conforme Artigo 24,

Parágrafo 1º da Constituição Federal, cabendo aos Estados a competência

complementar, conforme Parágrafo 2º.157

6.2 FISCALIZAÇÃO IRREGULAR NAS ATIVIDADES DE CRIAÇÃO E ABETE DE

ANIMAIS

O segundo problema relacionado à aplicabilidade da Lei Maior é a falta de

fiscalização adequada. De acordo com uma pesquisa158 realizada pela Organização

Amigos da Terra, a fiscalização dos frigoríficos e abatedouros não ocorre como

deveria. A Constituição Federal de 1988 descentralizou o trabalho de fiscalização

das condições sanitárias e tecnológicas dos matadouros e frigoríficos, atribuindo

156 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza: (de acordo com a Lei 9.605/98). 8.ed.rev.,atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.31-32. 157 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 329. 158 Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. Radiografia da Carne no Brasil. 2013. Disponível em <http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2013/04/cartilha_radiografia.pdf> Acesso em 29 Abr. 2014.

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competência para os Estados (Serviço de Inspeção Estadual - SIE) e Municípios

(Serviço de Inspeção Municipal - SIM). O objetivo dessa descentralização era

melhorar a fiscalização, mas na prática, o rigor técnico do SIE e SIM é menor que o

do Serviço de Inspeção Federal (SIF) e os estabelecimentos passaram a funcionar

de acordo com os interesses econômicos de cada local. Dos 29 milhões de bovinos

abatidos em 2012, 7 milhões passaram pelo SIE e SIM, e desses 7 milhões, 80%

não tiveram uma inspeção adequada. Ora, se as inspeções quanto à qualidade da

carne e sua aptidão para consumo humano não são realizadas corretamente

(principal objetivo dessas inspeções), muito menos irá ocorrer uma inspeção

adequada quanto ao bem-estar animal, para verificar se as normas de proteção aos

interesses do animal são cumpridas.

6.3 ABATE CLANDESTINO

Já o terceiro problema é a existência de abatedouros clandestinos. Ainda de

acordo com o relatório da Organização Amigos da Terra, em 2012 houve um registro

de 34 milhões de couros nos curtumes, ou seja, 5 milhões a mais do que o abate

oficial. Portanto, houve no mínimo 5 milhões de abates clandestinos. Somando os

abates oficiais que não são fiscalizados e o abate clandestino, aproximadamente um

terço da carne que chega às mesas dos brasileiros não é fiscalizada. Segundo o

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento159, o abate clandestino é

realizado em estabelecimentos extremamente precários e despreparados, sem a

presença de um médico veterinário, causando muito sofrimento aos animais. E

notícias de estabelecimentos clandestinos são cada vez mais constantes nos

jornais160, demonstrando o tamanho e a gravidade do problema.

159 Disponível em <http://www.agricultura.gov.br/animal/dipoa/dipoa-consumidor/olho-vivo> Acesso em 30 Abr. 2014. 160 “Abatedouro clandestino é interditado em Arantina, MG” - Notícia publicada em 30 Jan. 2014. Disponível em <http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2014/01/abatedouro-clandestino-e-interditado-em-arantina-mg.html> Acesso em 30 Abr. 2014, “Abatedouro clandestino é fechado em Jaraguá do Sul” - Notícia publicada em 25 Fev. 2014. Disponível em <http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/geral/an-jaragua/noticia/2014/02/abatedouro-clandestino-e-fechado-em-jaragua-do-sul-4429964.html> Acesso em 30 Abr. 2014, “Polícia apreende carne de abate clandestino após denúncias no ES” - Notícia publicada em 29 Mar. 2014. Disponível em <http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/03/policia-apreende-carne-de-abate-clandestino-apos-denuncias-no-es.html> Acesso em 30 Abr. 2014, “Polícia Civil Descobre abatedouro clandestino em Uberlândia” - Notícia publicada em 9 Abr. 2014. Disponível em <http://uipi.com.br/destaques/destaque-1/2014/04/09/pc-deflagra-abate-clandestino-em-uberlandia/> Acesso em 30 Abr. 2014.

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6.4 NECESSIDADE DE UMA LEI FEDERAL ESPECÍFICA PARA OS ANIMAIS DE

CRIAÇÃO E A INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Conforme vimos no capítulo anterior, com exceção do Decreto Nº

30.691/1952, as demais normas que tratam dos animais de criação são normas

administrativas. A portaria é um ato administrativo criado por um ministro de Estado

ou autoridade diversa161 e a instrução normativa é uma ordem que instrui o modo de

proceder quanto aos assuntos dependentes de resolução em determinada área e

que passa a vigorar em caráter obrigatório.162 Segundo Marçal Justen Filho, ao

analisarmos a Constituição, ela demonstra que a lei prevalece sobre os atos

administrativos163 e necessitamos de uma lei federal que estabeleça uma proteção

eficaz para os animais de criação, com suas devidas penalidades para quem

descumprir essa lei.

Quando a Constituição Federal, no seu Artigo 225, Parágrafo 1º, Inciso VII,

fala em proteger a fauna, vedadas na forma na lei, práticas que submetam os

animais a crueldade, o entendimento164 é que essa lei a qual a Constituição se

refere é a Lei dos Crimes Ambientais, porém os animais utilizados na alimentação

humana foram excluídos de qualquer proteção nessa referida lei. Os animais

utilizados para experiências científicas são protegidos pela Lei 11.794/2008, os

animais de zoológico são protegidos pela Lei nº 7.173/83 e os animais silvestres,

domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos são protegidos pela Lei

9.605/1998, que englobou o Código de Caça (Lei 5.197/67, alterado pela Lei

7.653/88) e o Código de Pesca (Lei 7.643/87).165 É necessária a criação de uma lei

específica e moderna, que determine normas de bem-estar para os animais de

criação, alcançando assim, o sistema agropecuário.

161 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Acquaviva. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2013. p.683. 162 SIDOU, José Maria Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 463. 163 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 113. 164 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 1ª ed. (ano 2003),5ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2008. p. 65. 165 Ibdem, p. 66.

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Desde 15/02/2007 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei

215/2007166, proposto pelo deputado Ricardo Tripoli, que tem como objetivo instituir

o Código Federal de Bem-Estar Animal. Esse projeto de lei estabelece diretrizes e

normas para a garantia de atendimento aos princípios de bem-estar animal nas

atividades de controle animal, experimentação animal e produção animal e define

que os objetivos básicos das ações de proteção aos animais são: a prevenção, a

redução e a eliminação das causas de sofrimentos físicos e mentais dos animais, a

defesa dos direitos dos animais e o bem-estar animal. Esse projeto de lei traz boas

normas para o bem-estar dos animais de criação e podemos destacar os seguintes

artigos:

Art. 85 - A suinocultura brasileira deverá adequar os sistemas intensivos de produção de suínos às normas de bem-estar animal, no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da publicação desta Lei. ........................................................................................................................ Art. 86 - A criação de suínos deverá atender as seguintes exigências, observando-se o prazo estabelecido no art. 85:

I - Os animais deverão ser criados em baias coletivas;

II - Os animais poderão ser mantidos em celas individuais somente para tratamento terapêutico e pelo tempo necessário a sua realização;

III - Não serão utilizados sistemas ou equipamentos de contenção, nas diferentes fases do desenvolvimento, principalmente na gestação e maternidade;

IV - Os animais deverão ser criados sobre palha, cuja manutenção deve atender as normas e orientações técnicas preconizadas;

V - Em atendimento aos preceitos de bem-estar animal e padrões zootécnicos, serão mantidos: a) 1 (um) comedouro para cada 4 (quatro) animais; b) 1 (um) bebedouro para cada 10 (dez) animais; c) Lotação mínima de 1m² (um metro quadrado) por animal. .......................................................................................................................... Art. 88 - É vedada a utilização de argola no focinho dos suínos. .......................................................................................................................... Art. 91 - Os leitões não podem ser desmamados antes de atingirem 3 (três) semanas de idade. .......................................................................................................................... Art. 100 - A utilização de gaiolas e sistema de bateria de gaiolas para criação de aves poedeiras será vedada no prazo de 5 (cinco) anos a partir da publicação desta Lei.

Parágrafo 1º - O processo de debicagem fica vedado a partir do cumprimento da vedação elencada no caput desse artigo.

166 BRASIL. Projeto de Lei n. 215 de 2007. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=67C104FC30A623E38F8D544E327B95F1.proposicoesWeb1?codteor=436891&filename=PL+215/2007> Acesso em 09 Mai. 2014.

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Parágrafo 2º - O processo de debicagem, durante o período de carência estabelecido no caput deste artigo, atenderá as normas técnicas específicas para o procedimento e será realizado por profissional habilitado, observadas as normas de bem-estar animal.

Ainda há outros diversos artigos que tratam sobre a criação de animais,

formas de manejo e alojamento, limites de animais por metro quadrado, regras para

o bem-estar no transporte e abate, dentre outras normas importantes. O projeto

ainda estabelece penalidades, tais quais:

Art. 128 - As instituições públicas e privadas que executem atividades reguladas pela presente lei estão sujeitas, em caso de transgressão as suas disposições e ao seu regulamento, às penalidades administrativas de:

I - advertência;

II - multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);

III - apreensão do animal ou lote;

IV - apreensão de instrumentos, aparelhos ou produtos, cujas utilizações estejam vedadas pela presente lei;

V - apreensão de veículo, que esteja em desconformidade com as especificações da presente lei;

VI - perda definitiva da guarda, posse ou propriedade do animal;

VII - perda definitiva do lote de animais;

VIII - suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais de crédito e fomento;

IX - suspensão temporária da atividade;

X - interdição temporária;

XI – interdição definitiva.

Ainda que sejam penalidades administrativas e não penais, a promulgação

desse Código Federal de Bem-Estar Animal representaria um enorme avanço para o

cumprimento da norma constitucional que veda a crueldade e solucionaria o

problema da ausência de penalidades nas portarias e instruções normativas.

O fato de ainda não existir uma lei que regulamente o Artigo 225, Parágrafo

1º, Inciso VII, caracteriza uma inconstitucionalidade por omissão. A Constituição

trata sobre preceitos obrigatórios a todos (Estado e cidadãos) e está sujeita a ser

violada, tanto por ação quanto por omissão. Quando há uma ação que viola a

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Constituição, existem mecanismos para fazer cessar esse ato, mas quando a

inconstitucionalidade se encontra numa omissão de um órgão legislativo que deveria

editar uma lei que complementasse a Lei Maior, a ordem jurídica ainda encontra

dificuldade para remediar essa omissão.167 A omissão que temos em relação ao

Artigo 225, Parágrafo 1º, Inciso VII é uma omissão parcial, pois já existem leis que

regulamentam o assunto, porém elas não abrangem os animais de criação, ou seja,

atende de modo insuficiente a vontade constitucional168. Nesses casos, o Poder

Judiciário deve sempre fazer prevalecer a Constituição suprindo as omissões

legislativas que dificultem sua aplicação.

Mas a Constituição ainda dispõe de dois institutos para lidar com o problema

da omissão legislativa: o mandado de injunção e a ação direita de

inconstitucionalidade por omissão.169 O mandado de injunção está previsto no Art.

5º, inciso LXXI e teria a função de fazer valer uma norma constitucional pendente de

regulamentação, porém, por interpretação do Supremo Tribunal Federal, tornou-se

uma forma de declaração da inconstitucionalidade por omissão.170 Já a ação direta

de inconstitucionalidade por omissão está prevista no Art. 103, parágrafo 2º com a

seguinte redação

Art.103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para adoção das providencias necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Esse tipo de controle de constitucionalidade é exercido de forma concentrada

pelo Supremo Tribunal Federal171 e quem tem legitimidade para propor a ação de

inconstitucionalidade por omissão são os mencionados nos incisos do Art. 103: o

Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos

Deputados, a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito

Federal, O Governador de Estado ou do Distrito Federal, O Procurador-Geral da

República, O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político 167 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5.ed. ampl.e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.159-160. 168 LERCHE, Peter apud MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1085. 169 BARROSO, op. cit., p.170-172. 170 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 165-166. 171 BARROSO, op. cit., p.174.

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com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional.

Essa ação de inconstitucionalidade por omissão tem como objetivo tornar

aplicáveis as normas constitucionais que dependem de regulamentação, porém,

segundo José Afonso da Silva, a Constituição foi tímida em estabelecer as

consequências do seu reconhecimento, pois “a mera ciência ao Poder Legislativo –

poder competente tratando-se de omissão de lei – pode ser ineficaz, já que ele não

pode ser obrigado a legislar, embora um dever moral de legislar possa impulsioná-lo

a atender ao julgado”172 Isso ocorre para preservar o princípio da discricionariedade

do legislador, porém nada impediria que uma sentença que reconhecesse a omissão

já pudesse dispor sobre a matéria até que o Poder Legislativo editasse lei sobre o

assunto.173 Infelizmente, o Projeto de Lei 215/2007 tramita há sete anos e essa

demora acontece em decorrência de interesses econômicos envolvidos, pois o

mercado da carne é muito lucrativo e movimenta muito dinheiro174. No caso de

aprovação desse projeto, todas as empresas terão de se adequar à nova legislação,

devendo promover o bem-estar animal em todas das fases do processo e isso

depende de investimentos por parte das empresas. A aprovação desse projeto seria

de extrema importância, pois solucionaria a inconstitucionalidade por omissão.

6.5 DECISÃO DO TJ/RS – APELAÇÃO CÍVEL Nº 70039307459 E O PRINCÍPIO

DA PROPORCIONALIDADE

Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na apelação cível nº

70039307459175 a norma constitucional que proíbe a crueldade contra os animais

não é aplicada em razão de interesses econômicos. O Ministério Público apelou de

172 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 166. 173 Idem. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 48-19. 174 “Com Seara, JBS atinge receita de R$ 100 bi e só perde para a Petrobrás”. Notícia publicada em 10 Jun. 2013. Disponível em <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,com-a-seara-jbs-atinge-receita-de-r-100-bi-e-so-perde-para-a-petrobras,156133,0.htm> Acesso em 15 Mai. 2014. 175 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do RS. Apelação Cível nº 70039307459. Partes: Airton Knorst x Ministério Público. Relator: Desembargador Genaro José Baroni Borges. Disponível em 18 Mai. 2011. Disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70039307459&num_processo=70039307459&codEmenta=4175929&temIntTeor=true> Acesso em 02 Mai. 2014.

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uma sentença de improcedência de uma ação civil pública proposta contra um

avicultor. Essa ação teve como objetivo obrigar o avicultor a não submeter as aves

de postura ao sistema de criação em baterias de gaiolas, ou a qualquer outro meio

que lhes impedisse o exercício de seu comportamento natural e não realizar a

debicagem e muda forçada. Na inicial, o Ministério Público juntou fotografias que

demonstravam a forma de vida miserável em que viviam as galinhas, alegando ser

uma exploração desumana e que de forma alguma é imprescindível para a

exploração dessa atividade econômica. Com a improcedência da ação, o Ministério

Público então apelou e também teve o recurso julgado improcedente. Nessa decisão

fica clara a visão antropocêntrica do Poder Judiciário, conforme abaixo:

A concepção antropocêntrica fez ou faz do homem o centro do universo, referência máxima e absoluta de valores de sorte que a seu redor gravitem todos os demais seres. Afinal, “crescei e multiplicai-vos e enchei a Terra, e subjugai, e dominai”, a missão que lhe foi dada por Deus (Versículo 28 do capítulo 2º do Gênesis). Para Aristóteles (348-322 a.C), encampado por Santo Tomas de Aquino (1225-1274), o homem está no vértice de uma pirâmide natural, em que os minerais (na base) servem aos vegetais, os vegetais servem aos animais que, por sua vez, e em conjunto com os demais seres, servem ao homem.

Verdade, de tempos para cá a visão monista vem cedendo espaço para a proteção do ecossistema e, ficando no caso, para o reconhecimento da dignidade dos animais, com exageros, por suposto.

A presente demanda pública se volta para uma das atividades da maior importância – a produção de aves -, posto figure entre os itens de relevo na balança comercial brasileira.

Critica e condena métodos e práticas criativas e de exploração da atividade avícola que diz cruéis, o que não se compraz com a prova.

[...]

Ocorre que, como bem colocado na sentença de fls. 269-270, não se vislumbra ilegalidade e abuso na exploração da atividade econômica ou mesmo situação de maus-tratos às aves poedeiras, como referido na inicial e, após, reiterado em apelo do Ministério Público de Primeiro Grau.

Vejamos.

O requerido, ora apelado, é produtor avícola. Assim, desenvolve a atividade de criação de galinhas poedeiras comerciais geneticamente modificadas, estando, devidamente autorizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para desenvolver e explorar tal atividade econômica (art. 170 da CF/88), fl. 141.

E, pelo que se depreende dos autos, fls. 140 e ss., utiliza métodos e manejos indicados pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), estabelecimento legitimado pelo governo federal para conferir diretrizes concernentes à agropecuária. Ainda, segue orientações do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) sobre descarte e aproveitamento econômico das aves e matrizes poedeiras, bem como acerca da regionalização sanitária da avicultura brasileira.

Ademais, a produção do requerido, em batarias de gaiolas, fulcra-se em diretrizes do Protocolo de Bem-Estar das Aves Poedeiras da UBA (União Brasileira de Avicultura), de junho de 2008, como também em orientações

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conferidas pelo Responsável Técnico pela Granja, Sr. Henrique Thiesen, Médico Veterinário Nutricionista.

No mais, não há qualquer comprovação de que a atividade desenvolvida pelo requerido está em desacordo com as normas ambientais, precipuamente, quanto ao tratamento dos dejetos, bem como no que toca às licenças necessárias à atividade (abate das aves e/ou condicionamento dos ovos). Há, inclusive, juntada de atestado sanitário em fl. 140, que comprova que o estabelecimento do requerido cumpre os programas sanitários determinados à atividade.

Então, a atividade econômica desenvolvida pelo requerido, ora apelado, ao que tudo indica, é lícita e segue padrões legais determinados para tanto.

Importante salientar, ainda, que, no caso, tem-se produção agroindustrial de aves, a qual segue métodos para melhorar a produtividade e, como colocou a sentença, trazer alimento à mesa da população.

Os métodos utilizados pelo requerido, saliente-se, mais uma vez, não são ilegais e nem abusivos. O demandado realiza, sim, o confinamento de aves, mas não permite, como frisado nos autos, que as aves biquem umas às outras até a morte por mero deleite (como é o caso daqueles que criavam galos de rinha). O confinamento, saliente-se, mostra-se necessário, tendo em vista os altos índices populacionais.

Ademais, como coloca a decisão recorrida, embora haja estudos sobre outros métodos de debicagem menos agressivos, o autor da ação não logrou demonstrar qual é aquele efetivamente utilizado pelo requerido.

No mais, a produção em larga escala do alimento, através de métodos indolores aos animais, mostra-se, ainda, um desafio tecnológico.

Frise-se que a legislação ambiental surgiu para proteger os animais e impedir abusos praticados pelo ser humano. Contudo, tal legislação não diferencia casos, como o da produção agroindustrial em análise.

Por fim, importante grifar que o Ministério Público e o Poder Judiciário, cada qual na sua área de atribuição, possuem o dever de intervir nas negociações privadas para coibir possíveis abusividades. Portanto, somente se demonstrado, de forma inequívoca, a prática de atos ilegais ou abusivos, é que cabe ao Estado intervir na ordem econômica, situação excepcional que deve ser circunscrita a casos específicos, o que não se vislumbra na situação posta em exame.

A leitura da decisão judicial acima evidencia como a norma constitucional é

interpretada em favor do homem, permitindo a crueldade em benefício da economia.

Os interesses econômicos (produção agroindustrial) ficaram acima do direito dos

animais de não serem submetidos à crueldade. A exploração de atividade

econômica é protegida pela Constituição Federal, porém existem limites, conforme o

Artigo 170, VI:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

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A preservação do meio ambiente acaba sendo um obstáculo para as grandes

empresas conseguirem o seu objetivo (lucro), pois demanda uma busca por novas

tecnologias menos degradantes à natureza.176 No caso de criação e abate de

animais para consumo, o maior problema está na criação em massa, pois para

obtenção do lucro, as empresas aprisionam o maior número possível de animais por

metro quadrado e os tratam como máquinas, que, segundo Peter Singer “convertem

forragem de baixo preço em carne de preço elevado”.177 E o intérprete da

Constituição deve ponderar os valores quanto à preservação do meio ambiente e os

valores da iniciativa privada, para que ambos os objetivos sejam atingidos.178 Celso

Antonio Pacheco Fiorillo afirma que a nossa Constituição busca uma coexistência

desses valores, sem que a ordem econômica inviabilize um meio ambiente

ecologicamente equilibrado e sem que este impeça o desenvolvimento econômico.

O objetivo do Inciso VI do Art. 170 da CF não é dificultar esse desenvolvimento, e

sim fazer com que as empresas utilizem dos meios menos degradantes possíveis,

pois muitas praticam atividades que representam uma devastação ao meio

ambiente.179

Sendo assim, deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade para resolver

os conflitos entre os interesses econômicos e o direito dos animais de criação de

não serem submetidos à crueldade. Esse princípio deve ser aplicado sempre que

houver colisão entre normas, devendo ser feita uma ponderação acerca da melhor

forma de aplicação do direito.180 Segundo Humberto Àvila, o princípio da

proporcionalidade

Se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade

176 PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; BASTOS, Juliana Cardoso Ribeiro. Uma Interpretação Constitucional Sobre a Relação Entre Economia e Direito Ambiental. Revista Direito Mackenzie. V.5, n. 1, p. 39. Disponível em <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/4742> Acesso em 03 Mai. 2014. 177 SINGER, Peter. Libertação Animal. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p. 110. 178 PAGLIARINI; BASTOS, op. cit., p. 42. 179 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 26-27. 180 CAMPOS, Helena Nunes. Princípio da Proporcionalidade: a Ponderação dos Direitos Fundamentais. Cadernos de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico. v.4, n.1. São Paulo: Editora Mackenzie, 2004. p. 28. Disponível em <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Direito_Politico_e_Economico/Cadernos_Direito/Volume_4/02.pdf> Acesso em 15 Mai. 2014.

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em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?).181

O princípio da proporcionalidade situa-se no âmbito dos direitos

fundamentais182 e no caso da proteção dos animais de criação temos dois direitos

protegidos pela Constituição Federal em colisão: o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado (onde os animais estão inseridos), previsto no Artigo 225

e o direito de livre iniciativa, previsto no Artigo 1º, Inciso IV e Artigo 170.

No caso dos animais de criação, devemos analisar os seguintes pontos: o

modo como os animais são criados atualmente é o mais adequado? Ou seja, existe

uma relação adequada (idônea) entre o modo criação e o fim pretendido (lucro)?

Também há de se analisar se a criação de animais em grande escala, com animais

sofrendo abusos, é necessária e realmente indispensável para a preservação da

ordem econômica. Se existe outra forma de se obter esse resultado, esse método

que deve ser o utilizado. Por último deve-se analisar a proporcionalidade em sentido

estrito, que implica em fazer uma ponderação entre os danos causados e os

resultados a serem obtidos.183 Acerca dessa ponderação, Robert Alexy ensina que

A lei da ponderação mostra que a ponderação deixa decompor-se em três passos. Em um primeiro passo deve ser comprovado o grau do não-cumprimento ou prejuízo de um princípio. A isso deve seguir, em um segundo passo, a comprovação da importância do cumprimento do princípio em sentido contrário. Em um terceiro passo deve, finalmente, ser comprovado, se a importância do cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o prejuízo ou não-cumprimento do outro. 184

A criação de animais em condições degradantes fere o direito dos animais de

não serem submetidos à crueldade, e conforme analisamos, os direitos dos animais

são de grande relevância e merecem notoriedade. O lucro e interesses financeiros

181 ÀVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.163-164. 182 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 252.183 CAMPOS, Helena Nunes. Princípio da Proporcionalidade: a Ponderação dos Direitos Fundamentais. Cadernos de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico. v.4, n.1. São Paulo: Editora Mackenzie, 2004. p. 28. Disponível em <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Direito_Politico_e_Economico/Cadernos_Direito/Volume_4/02.pdf> Acesso em 15 Mai. 2014. 184 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 2. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 111.

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não podem sobressair diante da vida de um ser que sente dor e já teve seus direitos

reconhecidos pela Constituição Federal.

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7 CONCLUSÃO

Com o passar dos anos, a discussão acerca dos direitos dos animais evoluiu

consideravelmente, passando de uma situação onde não possuíam direito algum até

chegar à proteção concedida pela Constituição Federal, norma superior do Brasil.

Essa proteção engloba todos os animais, pois o constituinte não fez diferença entre

animais domésticos, silvestres e de criação. Portanto, todos sem exceção, possuem

o direito de não serem submetidos à crueldade.

Os animais de criação sofrem diariamente em benefício da economia e do

lucro de grandes empresas, contrariando o mandamento constitucional e esse

problema deve ser enfrentado pelos profissionais do direito. Sabemos que a

atividade econômica de criação e abate de animais não pode ser proibida, tanto pela

necessidade das pessoas em consumir carne animal, tanto pelos grandes interesses

econômicos envolvidos, já que essa atividade movimenta milhões de reais e está em

constante crescimento. Porém, não há como fecharmos os olhos para o sofrimento

de milhares de animais, que merecem e possuem o direito de terem uma vida digna

e com bem-estar, ainda que seja no curto espaço de tempo que vivem.

Levando em conta o que foi observado, é possível que a atividade de criação

e abate de animais esteja em conformidade com a Constituição, desde que sejam

criadas e aplicadas normas de bem-estar para esse grupo de animais, já que a

crueldade pode ser definida como um sofrimento desnecessário e tudo que for feito

dentro dos limites de necessidade e respeitando o bem-estar animal pode ser

considerado de acordo com a Constituição.

As normas infraconstitucionais que regulamentem essa atividade pouco

tratam sobre o bem-estar animal e possuem problemas na fiscalização, que não

ocorre como deveria. Sendo assim, para que a Constituição Federal tenha eficácia

na proteção dos animais de criação, deve existir uma lei federal que determine

padrões de bem-estar, já que ela mesma diz que a vedação da crueldade seria na

forma da lei e a ausência dessa lei causa uma inconstitucionalidade por omissão. Já

existe um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados, que estipula normas

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de bem-estar, e se for aprovado, resolverá o problema da inconstitucionalidade por

omissão e protegerá os animais de criação de forma eficaz.

Enquanto esse projeto de lei não é aprovado, o Ministério Público deve

fiscalizar os criadouros e abatedouros e propor ações que visem proteger os animais

da crueldade, o e Poder Judiciário, em suas decisões, deve fazer uma ponderação

entre o direito dos produtores de exercer a atividade econômica de criação e abate

de animais e o direito destes animais de não serem submetidos a atos cruéis. O

reconhecimento de direitos para animais demorou muitos anos para acontecer, e foi

graças ao esforço de muitas pessoas que lutaram por essa causa. Porém, no nosso

ordenamento jurídico, os animais de criação carecem de proteção e não é correto

concordar com essa omissão. Devemos proteger esses seres vivos que se

encontram vulneráveis aos atos do homem e vencer mais uma etapa no que se

refere às conquistas dos direitos dos animais.

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REFERÊNCIAS

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