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FACULDADE DE DIREITO JUSTIÇA RESTAURATIVA: uma alternativa ao sistema penal (?) CÁSSIO GOMES PEREIRA ORIENTADOR(A): LETICIA SINATORA DAS NEVES Canoas 2014

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FACULDADE DE DIREITO

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

uma alternativa ao sistema penal (?)

CÁSSIO GOMES PEREIRA

ORIENTADOR(A): LETICIA SINATORA DAS NEVES

Canoas

2014

CÁSSIO GOMES PEREIRA

JUSTIÇA RESTAURATIVA: uma alternativa ao sistema penal (?)

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Ritter dos Reis como requisito para elaboração da monografia de conclusão do curso de Bacharel em Direito.

Orientador: Profª. Letícia Sinatora das Neves.

Canoas

2014

CÁSSIO GOMES PEREIRA

JUSTIÇA RESTAURATIVA: uma alternativa ao sistema penal (?).

Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial a obtenção do

título de Bacharel em Direito pela banca examinadora constituída por:

____________________________________

Orientadora: Prof. Letícia Sinatora das Neves

______________________________________

1º Examinador(a):

______________________________________

2º Examinador(a):

Canoas

2014

Dedico este trabalho aos meus pais, Teófilo e Janete, que sempre me apoiam e me dão força de forma incondicional, a meus irmãos, Priscila, Pedro e Stephanie, por servirem de exemplo e por toda a parceria que sempre existiu e existirá, para minha namorada, Michella, que esteve ao meu lado em todos os momentos, inclusive, nas madrugadas que passei em claro, e por último mas não menos importante ao PARTIDO.

É quase impossível limitar com palavras todo o apoio recebido por parte de minha orientadora, Leticia, que me manteve tranquilo e livre para pensar, contudo, sempre bem guiado, a quem agradeço, com sinceridade, por toda atenção, carinho e dedicação.

Esqueça os males que te apoquentam, desculpa as ofensas de criaturas que te não compreendem, foge aos desânimos destrutivos e enche-te de simpatia e entendimento para com todos que te cercam. (EMMANUEL). Em uma sociedade mantida pela mentira, qualquer expressão de liberdade é vista como loucura. (GOLDMAN, EMMA)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar os benefícios da aplicação da Justiça Restaurativa, demonstrando como ela se difere do modelo atual de sistema penal. Tratando, em uma esfera pessoal, os conflitos ocorridos, transportando do Estado para os pólos da contenda, com o auxílio da comunidade, a formulação das decisões para serem tomadas. Em um segundo momento, demonstrar as práticas desta Justiça Restaurativa, fazendo referência aos Projetos-Piloto que se espalham pelo Brasil, culminando com a Lei Municipal de Caxias do Sul-RS, que desempenha em larga escala o Paradigma Restaurativo. A Justiça Restaurativa, convida a sociedade a enxergar todas as impressões com novas lentes, trazendo, quem sabe, um sopro de humanidade, sem mais estas estruturas de poder que distingue os homens e marginaliza alguns.

Palavras chave: Sistema penal; diálogo; justiça restaurativa

ABSTRACT

This paper aims to examine the benefits of the application of Restorative Justice, showing how it differs from the current model of the criminal justice system. Dealing with, on a personal level, the conflicts occurred, carrying the State for the poles of contention, with the help of the community, the formulation of decisions to be taken . In a second step, demonstrating the practices of this Restorative Justice , referring to the Pilot Project will spread across Brazil , culminating with the Caxias do Sul - RS, which plays largely the Restorative Paradigm . Restorative Justice invites society to see all impressions with new lenses, bringing perhaps a breath of humanity, without further these power structures that distinguish men and marginalizes some Keywords: Penal system; dialogue; restorative justice

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

CPP – Código de Processo Penal

FASE - Fundação de Atendimento Sócio-Educativo

MP - Ministério Público

ONU - Organização das Nações Unidas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA ALTERNATIVA AO SISTEMA PENAL(?) ...... 12

1.1 SISTEMA PENAL, UMA NECESSIDADE DE RELEITURA ................................ 12

1.2 ORIGEM DA JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM NOVO OLHAR DA JUSTIÇA

CRIMINAL ................................................................................................................. 16

1.2.1 Apontamentos acerca do Abolicionismo ................................................................... 17

1.2.2 Apontamento acerca da Vitimologia ........................................................................... 22

1.2.3 Justiça Restaurativa ..................................................................................................... 24

1.3 PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA ..................................................... 29

1.4 CRÍTICA AO PROJETO DE LEI 7006 DE 2006 .................................................. 33

2 ASPECTOS PRÁTICOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA ..................................... 37

2.1 EXPERIÊNCIAS OCORRIDAS NO BRASIL ....................................................... 38

2.2 IMPLEMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA E SEUS BENEFÍCIOS .............. 41

2.3 CRÍTICA À IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA ........................ 45

2.4 ANÁLISE FORMAL DA LEI 7.754/2014 A PARTIR DA RESOLUÇÃO 2002/12 . 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 53

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55

ANEXO A – LEI MUNICIPAL n° 7.754 ..................................................................... 60

11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como proposito a inclusão de um questionamento

quanto ao assunto tratado, o sistema penal. O enfoque dado, nas páginas que

seguem, é um paralelo entre o atual sistema penal e como a Justiça Restaurativa

versa sobre os mesmos eventos.

Na senda da história, muitas foram os homens e escolas, com suas doutrinas,

que se opuseram às mazelas impostas pelo Estado, traçando novo olhar do que era

referido como crime, ou como deveria ser tratado os atos delituosos, de como eram

contundentes as respostas a alguns atos banais.

Este trabalho foi dividido em dois capítulos:

O 1° tratará do aspecto formador da Justiça Restaurativa, como o Estado

escolheu para resolver os conflitos, até chegar no modo que ocorre hoje, sendo o

legitimado para julgar. Traçando paralelo da justiça retributiva e a restaurativa.

Fazendo referência acerca de duas escolas que auxiliaram na formação dos ideias da

Justiça Restaurativa. Expondo, ainda, o formato das terapêuticas restaurativas e seus

princípios elencados pela Resolução da ONU.

No final deste capitulo, lança-se luz sobre o Projeto de Lei 7006/06, que tem

como escopo, instituir a adoção da Justiça Restaurativa em todo território nacional.

Na 2° parte deste trabalho, será mostrado as práticas restaurativas que são

utilizadas em território brasileiro. Também, se busca elencar quais são os benefícios

que uma justiça assim traria ao Estado, fazendo, também, críticas ao modelo

estudado.

Ao final da 2°, será elaborada uma análise da Lei Municipal 7754/14, do

Município de Caxias do Sul – RS, em comparativo com a Resolução 2002/12,

verificando quais as aproximações com o modelo “desenhado” pela ONU.

12

1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA ALTERNATIVA AO SISTEMA PENAL(?)

As resoluções dos conflitos no âmbito penal, como um todo, se processam a

partir de uma ação penal, que, com sua sucessão de atos, aplica a lei ao caso

concreto, isto é, havendo dano ocasionado, se instaura o devido processo, que

apurará os fatos, aplicando uma pena, caso necessário. Ocorre que o tempo nem as

angústias das partes são amparadas neste “interim”, da distribuição da peça

acusatória até a sentença, seja ela acusatória ou absolutória, não existe reconforto às

partes envolvidas no delito.

A Justiça Restaurativa, a seu turno, se apresenta como uma alternativa menos

estigmatizante ao processo penal vigente.

1.1 SISTEMA PENAL, UMA NECESSIDADE DE RELEITURA

O crime é uma referência social complexa, e desta forma, ele sempre existiu

como uma parte integrante de qualquer sociedade sã1. Acontece que, ao passar do

tempo, se iniciou uma caça ao crime, referindo a ele como problema social, e aos que

o praticam dizendo que são os causadores da ruptura do Estado. A partir disso,

ocorreram modificações na persecução do crime, isto é, com a forma com que o crime

e a aplicação da pena escapam a esfera ofensor e ofendido e passa para a guarida

Estatal.

No princípio, as resoluções dos conflitos se davam por autotutela, ou seja, a

aplicação da força para resolver conflitos diretos2, impondo sua vontade nos casos,

sendo por muitas vezes “egoísta e perigosa”3, pois, quando aplicada, poderia trazer

prejuízo “nesta imposição de uma parte à outra4”, caracterizando grande impunidade.

1 DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. Martin Fontes. 2007. p. 11. 2 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21 3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 31.ed. São Paulo: Saraiva. 2009. v. 01. p. 43. 4 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 225.

13

Ainda, seguindo pela esteira do tempo, surge uma forma mais humanizada

para solucionar conflitos, maneira esta denominada de autocomposição que, por meio

de concórdia5, os litigantes resolvem seus conflitos chegando a um fim colimado.

Contudo, o Estado adotou para a persecução penal o instituto da Jurisdição,

que é, o monopólio da administração da justiça6, sendo transportado das partes para

o Estado a decisão dos conflitos7, fazendo a aplicação do ordenamento jurídico em

todos os casos em questão8. Somente permitindo que o indivíduo, que se achar

atingido por alguém, procure o judiciário para resolver o litígio9. Com o Estado

capitaneando o direito e os indivíduos, fica a ele a responsabilidade de propor, julgar

e sentenciar o litígio, no caso concreto, ficando somente aos indivíduos, todas as

normas, devendo segui-las indistintamente10.

É notório que, sendo o Estado o único legitimado para processar e julgar as

partes, este é revestido de poder punitivo, que aplica esse poder na forma de pena.

Nossa evolução não se dá com um desenvolvimento, mas como uma negação da

vingança privada11, isto é, retira a vingança mas mantém o poder de punir. Contudo

como o Estado procede para julgar?

O legislador, a fim de facilitar o processamento dos delitos, no artigo 394 do

Código de Processo Penal12, busca dividir o processo em “atos destinados à solução

da questão penal, informando, pois, por esta finalidade, e a ser realizado por meio de

procedimentos e ritos diferentes, dependendo da natureza do delito ou da respectiva

apenação13. Logo, em um manancial de tipos penais que é o ordenamento jurídico

brasileiro, o legislador encaixa-o em um dos procedimentos, a partir do delito

5 LOPES JR, 2014, p.23. 6 TOURINHO FILHO, op. cit., p.45. 7 RANGEL, op. cit., p. 225. 8 Ibid., p. 226. 9 RANGEL, loc. cit. 10 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 169. 11 FERRAJOLLI, Luigi. Derecho y razón. Vallodalid: Editorial Trotta, 1995. p.107 12 CPP, Art. 394. O procedimento será comum ou especial. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689/1941 de 3 de outubro de 1941. Código de processo penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm.> Acesso em: 10 out. 2014. 13 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 14 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. p. 45.

14

cometido, ao qual já vem estipulado a quantidade de pena máxima e mínima, e define

o caminho a seguir.

O Estado cria tudo ao entorno do indivíduo, fazendo com que não perceba

que está mergulhado em um coletivo, que foi pensado muito antes de sua existência,

algo com padrões tão definidos que desde a infância é marcado por um controle social,

“uma resposta necessária à sociedade para sentir-se protegida, sem a pretensão de

plena eficácia no impedimento da prática de fatos delituosos”14.

A atual estrutura processual teve sua maturação com o Código de Processo

Penal, “Inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de

1930, em pleno regime fascista, o CPP brasileiro foi elaborado em bases notoriamente

autoritárias”15. O Código datado de 1940, evidencia que, ao nosso turno, tornaram-se

meros repetidores dos erros anteriores, não vislumbrando qualquer terapêutica à

situação, como nos preceitua Achutti16.

Então, o Estado que não consegue adiantar-se, prefere se manter inerte,

contudo, avanço é preciso. Para abandonarmos antigas práticas e não pensarmos

mais em repeti-las17, parar de ver o sujeito passivo de um processo penal como

estranho18, e sim como um igual. Deixar de lado a forma e entendimento do “eu” e

passar a compreender o “nós” como componente de um mesmo mundo, onde todos

estamos conectados19.

As prisões podem ser vistas como fábricas20 de delinquentes, em razão ao

que submete o apenado. A prisão não é lugar de ressocialização, ou seja, o Estado,

quando apoderado do ofensor em suas prisões, este indivíduo não tem nada a

depurar, para que possa voltar a um convívio pacífico em sociedade. No entanto,

torna-se presa do Estado, sofrendo violência, tornando-se normal o acometimento de

14 REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.11. 15 OLIVEIRA, op. cit., p.45. 16 ACHUTTI, Daniel. Modelos contemporâneos de justiça criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 72. 17 MARTINS, Sérgio Mazina. Justiça e transição. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 215, out, 2010. p.2. 18 AMARAL, Augusto Jobim do. Violência e processo penal: critica transdisciplinar sobre a limitação do poder punitivo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 37. 19 ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008. p. 189. 20 FACOULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p. 64.

15

delitos entre os aprisionados21, que deveriam estar sobre a tutela e vigilância Estatal.

O ofensor terá a certeza de como se portar, vivenciando nos anos de pena, o modo

de como se afirmar, se transformando em violento. O que foi criado com o intuito de

exercer uma única finalidade, separar os que não seguem, isto é, cárcere22.

Sistema penal é “controle social punitivo institucionalizado”23, ainda, cabem

nesses sistemas atos de ilegalidade, sendo caracterizados por abusos quaisquer,

ficando evidenciado a arrogância24 e a busca a qualquer preço da verdade real em um

processo penal.

O mal que nos acomete é o horror25, fazendo com que exista uma ruptura

social, e apareçam figuras estereotipadas “salvando-se os bons e condenando-se os

maus”26, tomando uma busca anômala por novos tipos penais, aumentando a malha

repressora do direito penal27 tornando-o mais sofrível, injusto e desnecessário.

Assim, uma alternativa para o fracassado método utilizado é a resolução dos

conflitos pelo diálogo. A sociedade se afastou tanto, que o único modo de tratamento

seria um psicodrama28, modo, onde ofensor e vítima, de forma conjunta resolvem a

“situação problemática”29, possibilitando que cada um retire sua lição desta vivencia,

ou como percebeu Hulsman, “falar do prejuízo sofrido, simplesmente com a esperança

de fazer cessar a situação que as incomoda e recuperar seu dinheiro, se for o caso.

O que querem essas vítimas é obter reparação e reencontrar paz”30.

E para isso, nosso sistema penal não está preparado, pois o ofensor não

restituirá o dano ocasionado. Ao contrário, agora, sofrera algo muito maior, algo que

o rotulará para todo o sempre, não produzindo “justiça”31.

21 ZEHR, op. cit., p. 39. 22 KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Niterói: Luam Editora, 1991. p. 189. 23 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Sistemas penales y derechos humanos en américa latina. Buenos Aires: Depalma, 1984. p. 08. 24 THUMS, 2006, p. 25 ROSA, Alexandre de Morais da. Horror e ostentação no crime. Estado de Direito – Edição 42, VIII, ano 2014. 26 ROSA, loc. cit. 27 ACHUTTI, 2009, p. 55-56. 28 MORENO, Jacob Levy. Psicodrama. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2006. p.78. 29 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993. p. 64. 30 Ibid., p.65 31 ROLIM, Marcos. Justiça restaurativa. Disponível em <http://rolim.com.br/2006/index.php?optio n=com_content&task=view&id=290&Itemid=3> Acesso em: 12 ago. 2014.

16

Neste momento, se abre uma “janela” para uma nova compreensão, algo que

No mundo inteiro, experiências com um modelo alternativo à Justiça Criminal - que se convencionou chamar “Justiça Restaurativa” - têm sido realizadas com resultados cada vez mais animadores. Os princípios desta Justiça estão situados para além da punição e suas metas fundamentais são a reparação do mal e a sua prevenção. Uma abordagem que encerra uma promessa tão revolucionária quanto generosa32.

A Justiça Restaurativa, se apresenta como uma alternativa à justiça criminal

tradicional, podendo resultar em uma experiência muito proveitosa para todos os

envolvidos33, como será apresentado nos próximos itens.

1.2 ORIGEM DA JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM NOVO OLHAR DA JUSTIÇA CRIMINAL

Será possível apontar em qual momento histórico existiu uma quebra

paradigmática que nos faz pensar no novo? Ou simplesmente fomos tomados por um

impulso de nobreza no momento que paramos de nos ver como o homem de rapina34,

possuidores de força para destroçar o diferente, e passamos a nos ver como iguais?

Quem sabe, pode ter sido, quando percebemos que somos todos parte da mesma

sociedade35, e que todos, indistintamente, somos ligados a ela.

Então, o que fica evidente é que aplica-se como retribuição aos delitos, o que

deveria ser o último recurso a ser utilizado, o encarceramento36, isto é, o Estado

mostra sua pior e mais cruel faceta, e espera que o encarcerado retorne à vida em

sociedade como se renascido, ele esteja regenerado, diga-se, não tenha mais vontade

de delinquir.

Impossível tratar de Justiça Restaurativa e não abordar o ideário que permeou

sua constituição, por assim dizer. Após um totalitarismo do meio puniendi37, o

indivíduo começa a retomar sua autodeterminação. Passa a refletir que deixou suas

32 ROLIM, loc. cit. 33 ACHUTTI, Daniel. Direito Penal e Justiça Restaurativa: do monólogo ao diálogo na justiça criminal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 17, n. 210, p. 09-10, mai., 2010. 34 NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 208. 35 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 30. 36 ZERH, 2008, p. 34. 37 FACOULT, 2004, p.

17

vontades a mercê de um Estado, que instituiu que a busca pela verdade e felicidade

eram o caminho38 para alguma segurança, tolhendo, desta forma, a autonomia dos

indivíduos39.

1.2.1 Apontamentos acerca do Abolicionismo

A busca por algo novo sempre se inicia na insatisfação, ainda mais quando

se busca alternativas menos exacerbadas do poder punitivo, desta forma, a Justiça

Restaurativa não foi diferente, havendo um paralelo bastante estreito entre os tipos

de justiças não punitivas.

A perspectiva abolicionista, em sua construção, tinha como veia principal, a

afastabilidade de penas capitais40, que ao passar dos anos, foi incorporando a sua

unidade intelectual teorias, que, culminaram com ideias de abolição do cárcere e

posterior negação, total, ao sistema penal41.

Tal teoria é composta com a multidisciplinariedade de ideias, e dentre estas

as de expoentes como Christie e Hulsman, os quais, foram alguns dos autores que

contribuíram para a construção desta escola, contudo, é bom lembrarmos que por ser

fruto de diferentes pensamentos, não podemos dizer que esta doutrina é fruto deste

ou daquele jurista, e sim que esta ideia permeou grande número de mentes

inquietas.42

Christie entendia que o sistema penal é repositório de dor e, tendo como norte

o fim das penas cruéis, descreve-as como obsoletas e vacilantes, não chegando ao

fim para que foram criadas, isto é, ressocializar43.

38 PANDOLFO, Alexandre Costi; LAITANO, Gregorio Elias e SCAPINI, Carco Antônio de Abreu. A perspectiva trágica e o processo penal. p.83 39 FREUD, Sigmund. Obras completas: o mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 33. 40 RIVERA BEIRAS, Iñaki. Princípios orientadores del constitucionalismo social. Espanha: Anthropos, 2005. p. 159. 41 PALLAMOLLA, Rafaella da Porcincula. Justiça restaurativa: da teoria à prática. 1. ed. São Paulo: IBCCRIM, 2009. p. 39. 42 ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas memórias e sistema penal: a prova testemunhal em xeque. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 226. 43 Ibid., p.

18

A dor que Christie, retrata em sua obra intitulada Los Limites del Dolor, é

profunda e em nada engrandece a pessoa que dela sofre, pois como refere, “dirão

que as pessoas crescem com a dor; que as faz mais madura, fazem-nas nascer

novamente, terem um discernimento mais profundo, experimentam maiores prazeres

ao experimentar a dor”44 [tradução nossa]. Entretanto, ele mesmo responde aos que

desta maneira comungam, refratando qualquer ideologia que adotem esta prática

“contudo, também iremos experimentar ao contrário: a dor que impede o crescimento, a dor que retarda, a dor estigmatiza as pessoas [tradução nossa]

Para Christie, o diálogo é a porta de entrada para um verdadeiro sistema

social, e não um sistema social que “percebam muitos atos como crime”45, quer dizer,

não é necessário que o sistema penal seja repressor para que exista concórdia entre

habitantes de um mesmo local, pelo contrário, quanto mais diálogo existir, melhor será

o convívio.

Mesmo sendo um abolicionista, Christie, suportava a ideia de uma dor

justificável, mas de maneira nenhuma deverá ser física, ou como nos ensina o autor,

“Se é necessário infringir dor, a dor não deve ter um proposito manipulativo, e que

tenha uma forma social semelhante a que é normal quando sentimos grande aflição”46

[tradução nossa]. Contudo, o aumento de da dor infligida em uma pessoa em situação

carcerária é inaceitável, pois as angústias já são demasiadas47.

Na obra intitulada Falsas Memorias e Sistema Penal, Gustavo Noronha de

Ávila, nos narra a “teia social”, segundo Christie, que expõe que a sociedade pode ser

mais ou menos próxima, dependendo dela mesma. Neste trecho de sua obra, o autor,

traz o ensinamento retirado das páginas de Christie, onde exemplifica a sociedade

como dois prédios. O primeiro deles, que por mazelas do destino não foi acabado,

44 “me dirán que el dolor hace crecer a la gente; que la hace más madura, la hace nacer de nuevo, tener un discernimiento más profundo, experimentar más gozo si se desvanece el dolor” (CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Econômica,1988. p. 14) 45 Ibid., p. 15. 46 “Si se ha de infligir dolor, debe ser un dolor sin un propósito manipulativo, y que tenga una forma social semejante a la que es normal cuando la gente tiene una honda aflicción” (CHRISTIE, 1988, p. 08). 47 ÁVILA, op. cit., p.

19

tiveram os moradores que finalizá-lo, fazendo com que os “condôminos” soubessem

e convivessem com maior proximidade, compartilhando de suas vivencias. A este

prédio deu o nome de casa da turbulência.

O outro prédio, vizinho deste primeiro, foi entregue acabado, ocasionando um

afastamento entre os moradores, onde um não sabia do outro, não houve

compartilhamento qualquer, apenas conhecia o andar onde residia, a este edifício deu

o nome de a casa da perfeição.

Então, relata a seguinte cena: um homem ingere bebida em um parque, e em

seguida, é seguido por crianças até os arbustos, onde abre sua braguilha. A partir

deste momento o que se segue somente pode ser interpretado no íntimo de cada uma

das testemunhas oculares. A casa da turbulência, por saber quem era o homem que

lá se encontrava, sabia que o mesmo tinha problemas com bebida e, possivelmente,

iriam acudí-lo; já os da casa da perfeição, por nada saberem um do outro, ligam para

as autoridades a fim de impedir qualquer crime que viesse a ser praticado.

Christie, finaliza sua narração, declarando que “atos não são; eles se tornam.

Pessoa não são; elas se tornam”48, fundamentando que o contexto de crime e

criminoso está nos olhos que encaramos os momentos, e o quanto de informação

temos acerca dos fatos.

O abolicionismo de Christie, em muito se parece com ideologia restaurativa,

pois evidencia que o cárcere não é medida plausível para ressocializar, na verdade

somente demostrarmos o “repudio”49 incrustrados na sociedade. Christie caracteriza

que somente uma justiça mais “democrática” e com uma participação uníssona da

sociedade, culminara com reparação e composição do conflito50.

Outro autor que trouxe visibilidade à doutrina foi Hulsman, que entendia, da

mesma forma, que o sistema penal, como um todo, somente causa um sofrimento

48 CHRISTIE, 1988, p. 25. 49 ÁVILA, 2013, p. 260. 50 CARVALHO, Salo. Antimanual de Criminologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

20

desnecessário, que não causa qualquer efeito sobre as pessoas que os enfrentam51,

na medida que o encarceramento “produz efeitos opostos aos objetivos originais”52.

O pensamento positivo53 de Hulsman, a todo o momento, nos convida a refletir

a pena, nos refletir sobre o “direito do direito penal”54 [tradução nossa], sobre qual o

papel do Estado em tudo isso? Em sua obra intitulado Sistema Penal y Seguridad

Ciudadana, Hulsman reflete sobre possível fim do sistema penal:

“Com a abolição do sistema penal, qualquer resolução de conflito, deveria ser repensada de forma diferente, se transformando intimamente. O fim deste sistema não suprimiria, é claro, a situação problemática, mas a ausência dos fatores chave que reduzem a interpretação e soluções estereotipadas este sistema imposta a partir de cima e longe seria, em todos os níveis da vida social a irrupção de uma multiplicidade de abordagens e soluções que mal podemos imaginar hoje. Se retirar de meu jardim os obstáculos ao sol e água para fertilizar, nele irá surgir plantas cuja existência eu não tinha ideia. Assim, o desaparecimento do sistema punitivo do Estado abre em uma saudável e mais dinâmicos caminhos para uma nova justiça.”55 [tradução nossa]

Hulsman, ao exemplificar o sistema penal como um jardim, não faz menção

somente a ele, mas de todos que o compõe, ou seja, a “máquina” toda, dos órgãos

que a compõem e, principalmente, da cultura punitivista que estamos acostumados, e

desta forma traria sobrevida à sociedade ou nas palavras do autor “a abolição do

sistema penal significaria a reanimação das comunidades, das instituições e dos

homens”56 [tradução nossa].

51 ZAFFARONI, Eugenio Raul. En busca de lás penas perdidas: deslegitimacion y dogmatica juridico-pemal. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anónima, 1998. p. 16. 52 ÁVILA, op. cit.,. 53 Ibid., p. 249. 54 “el derecho del derecho penal” (HULSMAN, Louk; CELIS, Jaqueline Bernat de. Sistema Penal y Seguridad Ciudadana: hacia una alternativa. Barcelona: Ariel, 1984. p. 12). 55 “Con la abolición del sistema penal, cualquier asunto de arreglo de conflictos, vuelto a pensar con un lenguaje nuevo y retomado con otra lógica, se vería transformado desde el interior. El fin de este sistema no suprimiría, por supuesto, la situación problemática, pero la ausencia de las claves que reducen la interpretación y de las soluciones estereotipadas que este sistema impone desde lo alto y desde lejos permitiría, en todos los planos de la vida social, la irrupción de una multitud de enfoques y soluciones que hoy apenas podemos imaginar. Si en mi jardín aparto los obstáculos que impiden al sol y al agua fertilizar la tierra, en él surgirán plantas cuya existencia yo no sospechaba. Así, la desaparición del sistema punitivo estatal abre, en una convivencia más sana y más dinámica, los caminos para una nueva justicia” (HULSMAN e CELIS, 1984, p. 60) 56 “la abolición del sistema penal significaría la reanimación de las comunidades, de las instituciones y de los hombres “ (Ibid., p. 80).

21

Em nome da “ordem pública”, o que parece A Hulsman é que sociedade tem

medo da palavra “descriminalização”, pois fica perplexa que um Estado abolicionista

aceitaria a conduta não aceita, de modo que, para o autor não seria isso que ocorreria:

Algumas pessoas se assustam quando ouvem a palavra descriminalização, como se de remover a criminalidade fez sua necessariamente colocar um choque social, insuportável. Bem, o que acontece quando os comportamentos são descriminalizar? Alguns ainda estão enfrentando problemas e tentar resolvê-los por meios que não envolvam ir à polícia repressiva, tribunais criminais e prisão. Quando vadiagem na Noruega, por exemplo, as pessoas estavam bêbadas em parques e soluções foram buscadas para evitar isso é descriminalizado. O fato de que descriminalizou o aborto em França no início levou à necessidade de fornecer informações consistentes para o público, em particular os jovens, sobre a contracepção (publicidade, no passado recente, foi igualmente punível) e desenvolvimento a ideia de planejamento familiar e da paternidade responsável. Isto é ruim? Alguns outros tipos de descriminalização não representam um problema especial. Comportamentos que incriminados já se enquadram na categoria dos atos da vida social manipulados livremente por pessoas interessadas que não estão sujeitos ao poder soberano de punir57 [tradução nossa]

O Estado, neste momento, ao indicar o que é repreensível, se mostra

“seletivo”58, mostrando sua natureza recriminadora, traçando diretrizes para o “bem”

da sociedade, fazendo como se fosse uma limpeza do diferente e não aceitável. De

outra forma, o abolicionismo, acredita que outro pensamento é possível, basta a

vontade do Estado, em permitir que os afetados com a “situação problema” procurem

uma saída para suas vontades e não mais somente o ideal Estatal59.

Os pensamentos de Christie e Hulsman em todo o momento se aproximam,

ainda mais no tocante ao fim das penas, em uma ausência Estatal na resolução de

57 “Hay quienes se asustan al oír la palavra ”descriminalización”, como si quitarle la punibilidad a un hecho su pusiera necesariamente un shock social insoportable. Pues bien, ¿qué acontece cuando se descriminalizan los comportamientos? Algunos siguen produciendo problemas y entonces se trata de resolver éstos por medios que ya no consisten en acudir a la policía represiva, al juez penal y a la cárcel. Cuando se descriminalizó la vagancia en Noruega, por ejemplo, se vieron personas ebrias en los parques y se buscaron soluciones para evitar esto. El hecho de haber descriminalizado en Francia la interrupción precoz del embarazo condujo a la necesidad de dar una información sistemática a la población, particularmente a los jóvenes, sobre los anticonceptivos (publicidad que, en un pasado reciente, era igualmente punible), y al desarrollo de la idea de la planificación de la familia y la paternidad responsable. ¿Es éste un mal? Algunos otros tipos de descriminalización no plantean ningún problema especial. Los comportamientos que dejan de ser incriminados entran en la categoría de los actos de la vida social libremente manejados por las personas interesadas, no sometidos al poder de castigar del soberano.” ( HULSMAN e CELIS, 1984, p. 86-87). 58 ÁVILA, 2013, p. 266 59 Ibid., p. 262.

22

conflitos, possibilitando respostas mais equânimes, mais comunitaristas60, trazendo

maior equidade às decisões enfrentadas.

Logo, o abolicionismo, trata, em poucas palavras, do “deslocamento do eixo61”

do Estado para a comunidade, “de uma organização cultural punitiva, burocratizada,

hierarquizada, autoritária, abstrata, ritualística e estigmatizante para uma organização

cultural horizontal, dialogal, democrática e local de resposta não-violenta a conflitos

que passa por uma comunicação não-violenta62”, sempre pensando no melhor para a

comunidade, onde ela será liberta e pensará de forma não assistida coercitivamente,

e tendo por base ao pensar de forma coletiva com o intuito de agregador, estará

pensando de um modo novo, ultrapassando63 o modelo punitivo atual.

1.2.2 Apontamento acerca da Vitimologia

Entre o Estado punitivista e o ofensor estigmatizado, existe um ser invisível,

um ser que não é assistido pelo sistema penal, alguém que não é questionado de

como gostaria de direcionar a ação. Quem sabe, ouvindo esta parte não ouvida,

pudessem chegar há algum denominador comum.

O estudo da vítima passou por dois momentos distintos na história, onde, em

um primeiro, a vítima foi tratada como um ser biologicamente propenso a sofrer

danos64, chegando em um segundo, que com estudos aprofundados acerca das

reinvindicações, se inicia o estudo denominado Vitimologia.

No primeiro momento, foi dado a alcunha de “vítima nata” às vítimas,

procurando se encontrar as propensões e atitudes que enquadrava-os65 nesta

situação. Vítima, neste momento, era qualquer indivíduo que sofresse alguma

consequência66, ou seja, aquele que recebe a causa de um efeito seja ele advindo de

60 HULSMAN e CELIS, op. cit., p. 81. 61 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Minimalismo, Abolicionismo e Eficienticismo: a crise do sistema penal entre a deslegitimação e a expansão. Florianópolis: Revista Sequência, 2006. p. 173. 62 ANDRADE, 2006, p. 173. 63 Ibid., p. 174. 64 PALLAMOLLA, 2009, p. 48. 65 COLORADO, Fernando Diaz. Una mirada desde las victimas: el surgimiento de la victimología. Ensayo. In Revista Umbral Científico. Colombia: Umbral Científico, n. 9, p. 141-149, mai., 2006. p. 144. 66 BAAMONDE, Xulio Ferreira. La Victima En El Processo Penal. Madrid: La Ley, 2005. p. 53.

23

qualquer natureza. Contudo, esta primeira fase, não faz a escuta de suas

reinvindicações, que são matéria para o aperfeiçoamento da segunda fase desta

doutrina.

O apogeu da Vitimologia ocorreu no I Simpósio Internacional, ocorrido na data

de 1973, na cidade de Jerusalém, posteriormente a isto, em 1980, criou-se a

Sociedade Internacional de Vitimologia. Os estudos sobre a Vitimologia abriram

campo para os movimentos sociais, que tem como finalidade, a recuperação do status

quo desse indivíduo67, dando voz a ele, respondendo a seus questionamentos e

dando vazão a seus sentimentos68. Também, graças aos movimentos, foi evidenciado

que as vítimas “não tinham interesse no processo penal e no castigo, procurando

somente a resolução do conflito, algumas indenização e proteção imediata69”.

As vozes advindas dos movimentos não são uníssonas70, pois os delitos não

são todos iguais, nem atingem as partes da mesma forma, contudo os

questionamentos emergidos destas situações são sempre os mesmos:

1. O que aconteceu? 2. Por que aconteceu comigo? 3. Por que agi da forma como agi na ocasião? 4. Por que tenho agido da forma como tenho desde aquela ocasião? 5. E se ocorrer de novo? 6. O que isso significa para mim e minhas expectativas? 71

Questionamentos que não serão tratados em um processo judicial, que não

retirara “uma experiência positiva da justiça”72 para a vítima. Contudo, o sistema penal

ao perceber que não assistia à figura passiva dos conflitos, passou a ouvir a sociedade

e seus movimentos conjuntos, eclodindo, em diversos locais do Planeta, leis esparsas

que tem como princípio o não cometimento de delitos, preservando a integridade física

e moral das possíveis vítimas73.

67 PALLAMOLLA, 2009, p. 68 ZERH, 2008, p.26. 69 PALLAMOLLA, op. cit., p. 49. 70 PALLAMOLLA, loc. cit. 71 ZERH, op. cit., p. 26. 72 ZERH, 2008, p. 27. 73 BAAMONDE, 2005, p. 67.

24

Por fim, é importante que, mesmo tecendo considerações entre a vítima e

justiça, possibilitando que haja diálogo entre elas, e “inspirado” princípios da Justiça

Restaurativa, é necessário frisar que a comunhão entre estas duas doutrinas não é

total74, visto que a dogmática central da Justiça Restaurativa é a reintegração do

ofensor à sociedade.

1.2.3 Justiça Restaurativa

O desenvolvimento de uma ideia nova, com os princípios humanísticos

oriundos de movimentos descriminalizatórios, iniciam a fase embrionária “para uma

justiça diferente”75, uma justiça onde os artífices dela são as partes envolvidas nas

situações problemáticas, e não mais os especialistas do direito76.

Notadamente, a sociedade encontra-se em uma era onde a esperança

depositada no sistema penal para separar os desiguais está em descredito. Já não

existe, se é que algum dia existiu, medida educativa neste molde de justiça retributiva

que foi adotada pelo Estado. Mesmo que esse modo de retribuição encerrasse o seu

propósito77, que delito bastante grave os apenados teriam que ter cometido para

merecerem as atuais “acomodações” onde são guardados?

O sistema penal é disposto de uma forma para que seja assegurado ao

cidadão as garantias constitucionais e sua proteção contra qualquer ato arbitrário

estatal78, contudo, são lentos os processos e estigmatizantes os resultados. O método

Estatal não coloca, frente-à-frente, os pólos da contenda fim de dirimir problemas

“cicatrizar” emoções, ou quaisquer rusgas que podem ter conduzido aos delitos

praticados79. Pelo contrário, o Estado vira dono da contenda, tal qual máquina bem

azeitada, simplesmente parando quando ao final chegar.

74 PALLAMOLLA, 2009, p. 52. 75 JACCOUD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a justiça restaurativa. In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 165. 76 PALLAMOLLA, op. cit., p.52. 77 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. P 64. 78 RANGEL, 2013, p.20. 79 PALLAMOLLA, 2009, p.49.

25

Mas afinal, qual a origem e do que se trata esta Justiça Restaurativa?

A resposta para este questionamento está nos elementos abarcados neste

formato, que vão sendo descortinado, demonstrando seu caráter humanístico, que a

fez eclodir de diversos pontos do globo80. O paradigma deste modelo encontra-se na

voluntariedade dos atos, na escolha desta “justiça participativa81” como método eficaz

de resolução de conflitos82, onde resgata o “relacionamento dilacerado83” perante a

sociedade, não havendo mais o ambiente hostil criado no momento do delito.

Esta terapêutica restaurativa, serve-se das escolas anteriores para se fundar.

Retira de uma base abolicionista o não punitivismo84, e do movimento vitimista

incorpora a voz ativa da vítima, unindo-se a tudo isso a busca à reconciliação,

alicerçada em formato diferente para a solução de conflitos.

Assim, em meados da década de 1970, de inspiração anglo-saxônica,

iniciam-se estudos acerca da “restauração” dos conflitos, onde, todos estes estudos

têm como figura central a inclusão dos “personagens” para “dentro” da discussão,

referenciado a importância vital de todos para ressocialização deste ofensor, vítima e

comunidade85.

Contudo, foi na década de 1990, que a Justiça Restaurativa atingiu sua

maturação, evidenciando a ineficiência do sistema penal, demonstrando os altos

custos para mantê-lo e a perda de finalidade ao responsabilizar significativamente os

infratores86.

Deste modo, a Justiça Restaurativa trabalha onde o sistema tradicional falhou,

quer dizer, tem por diretriz a restauração do dano que pode ter ocorrido a partir de um

80 JACCOUD, 2005, p. 171. 81 Ibid., p. 164. 82 PINTO, Renato Socrátes Gomes. Justiça Restaurativa. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 2005. p. 20. 83 ZEHR, 2008, p. . 84 HULSMAN e CELIS, 1993, p. 82. 85 JACCOUD, 2005, p. 166. 86 MORIS, Alisson. Criticando os críticos: uma breve resposta aos críticos da justiça restaurativa. In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 2005. p. 440.

26

evento danoso, não somente aplicando pena a um caso concreto sem perguntar às

partes quais necessidades possuem87. Diálogo em um lugar onde somente havia dor.

Ao contrário da prática retributiva, às práticas restaurativas, se iniciam antes

mesmo do delito ser praticado, isto é, desde o modo que entende-se o crime. O que

deveria ser visto como uma “violação pessoal”, ou seja, um crime contra alguém, e

não como sendo praticado contra a figura do Estado88. Assim, o delito fere uma esfera

pessoal, e não uma esfera estatal.

Quem deveria se “reconciliar” após a prática delitiva, seriam as partes89, e não

mediante processo que averiguará a existência ou não de crime. Logo, o objeto de

reparação é a lesão que o crime cometeu, responsabilizando este indivíduo90,

possibilitando que de forma conjunta façam o enfrentamento, possibilitando que

reparem quaisquer desdobramentos que tenham se criado a partir da situação

conflitante.

Havendo o cometimento do delito, isto é, a criação do evento conflitante, dar-

se-á o início da reparação. Em um ambiente democrático, com intermédio de um

“mediador ou facilitador91” com participação da comunidade, as partes assumem uma

postura ativa, decidindo o que será feito para corrigir o mal que possa ter sido

infringido do ofensor à vítima92.

O modelo penal habitual, oferece o positivado aos infratores e o nada para as

vítimas. Ao contrário do modo processual clássico, o modelo restaurativo, a vítima

recebe “a segurança, o auto-respeito, a dignidade e, mais importante, o senso de

controle93”, sendo também dado tratamento digno aos ofensores, que não serão

rotulados por seus delitos e que será dada a oportunidade de “corrigir aquilo que

87 ACHUTTI, 2009, p. 82. 88 ZEHR, 2008, p. 47 89 JACCOUD, 2005, p. 169. 90 PARKER, L. Lynette. Justiça restaurativa: um veículo para a reforma? In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 2005. p. 248. 91 PINTO, 2005, p. 37. 92 MORIS, 2005, p. 441. 93 MORIS, loc. cit.

27

fizeram e restaurar a crença de que o processo e seus resultados foram leais e

justos94”

Havendo ocorrido o cometimento de um delito, os momentos para o

encaminhamento para os núcleos restaurativos podem ocorrer em ocasiões

diferentes, variando entre procedimentos dentro ou fora de um processo penal. As

etapas podem ser:

a) em uma fase policial ou Ministerial. Momento que a polícia indicaria os

casos que seriam mandados para os núcleos restaurativos, ou no momento em que o

MP receba o inquérito e, acreditando ser caso para à terapêutica, envie para os

núcleos preparados para mediar os conflitos, ou repassando para os Magistrados,

estes poderiam fazer tal função de envio aos núcleos. Os críticos desta hipótese,

apontam que seria muito poder dado à polícia, que não saberia trabalhar com esta

possibilidade, ou poderia fazer com que a instituição policial avançasse para um

“policiamento preventivo95”.

b) antes do processo, sendo feito pelo MP.

c) em juízo, anterior a sentença, sendo enviado pelos Tribunais

d) pós sentença, que seria alternativa ao aprisionamento ou juntamente a ela.

Neste caso a terapêutica ocorreria com o contato entre vítima e ofensor, mesmo após

um possível apenamento do ofensor, teriam um porquê de recuperação à vítima.

Contudo, poderia tornar-se oneroso ao ofensor, que sofreria bis in idem, pois após

paga a pena decorrente de um processo penal, ocorreria mais uma medida

restaurativa96.

Dentre as conferências restaurativas existentes, se destacam:

a) Mediação entre vítima e ofensor, que é o momento em que se inicia a

reunião entre as partes envolvidas no conflito. Instante este que a vítima poderá expor

o impacto sofrido, ocasionado pela experiência traumática. Também é este o

momento que o ofensor responderá seu proceder e quaisquer dúvidas da vítima97.

94 MORIS, 2005, p. 441. 95 ACHUTTI, 2009, p.. 96 PALLAMOLLA, 2009, p. 102. 97 Parker, 2005, p. 248.

28

Nesta terapêutica o mediador tem o papel de fazer a inclusão dos pólos, dirimir

dúvidas que possam surgir e fazer com que o encontro seja equânime.

Ainda, neste tipo de mediação, existem variações ao modelo clássico, que

ocorrem a partir de uma mediação indireta, ou seja, quando o mediador se encontra

com vítima e ofensor de forma separada.

Outra variante são as mediações em grupo, onde se encontram diversos

ofensores e diversas vítimas, onde não necessariamente vítima-ofensor sejam os que

participaram do mesmo evento delituoso, tudo com o intuito de viabilizar diálogos entre

as partes98.

b) Conferências de família, que além das partes envolvidas em uma

mediação, quais sejam, vítima, ofensor e mediador, neste caso participam a família

dos envolvidos ou pessoas do seu círculo de convivência. Esta modalidade é mais

utilizada com jovens, tendo em mente que a exposição do delito em seu núcleo familiar

influencia positivamente em sua formação, fazendo com que deixe de delinquir99.

Os desdobramentos desta terapêutica em muito se assemelha com o caso

anterior, onde chega-se em um denominador comum entre os envolvidos, discutindo-

se como se dará a restituição do delito ou fim do conflito.

c) Por fim, o círculo restaurativo ou círculo de sentença, são chamados desta

forma, pois, é o momento que as partes do conflito e pessoas ligadas a elas se juntam

para atenderem as necessidades que podem ter surgido com a ocorrência delitiva.

Também ocorrem para de forma conjunta, recomendarem ao judiciário a adoção de

práticas restaurativas em casos que assim forem formulados100.

O benefício mais latente destas temáticas, são a maior inclusão judiciária das

partes, colocando-as ao alcance da população de maneira mais rápida, evidenciado

que a maior proximidade das partes à discussão somente tem a beneficiá-las, pois

quando os atores da terapêutica passam por medidas restaurativas, tem maior

98 Pallamolla, op. cit., p. 108. 99 CARVALHO, Luiza Maria S. dos Santos. Notas sobre a promoção da equidade no acesso e intervenção da Justiça Brasileira. In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 2005. p. 212. 100 JACCOUD, 2005, p. 171.

29

satisfação e vivencia da justiça, propiciando uma verdadeira “democracia participativa

na área da Justiça Criminal101”, ao invés daqueles que passam por um processo

criminal clássico102.

1.3 PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Havendo entendimento acerca do que rege a base da Justiça Restaurativa,

que é o enfrentamento das situações conflitantes, com reconciliação das partes

envolvidas no conflito103, donde se originam os basilares da construção restaurativa.

Como já exposto anteriormente, a Justiça Restaurativa não é engessada104, sendo

algo fluido para resolução de conflitos de forma não estigmatizante, desta forma, os

princípios comungam com o diálogo aberto, fazendo seguir por um caminho seguro e,

norteando, mostrando que não podería ter encontrado outro resultado senão o

alcançado105.

Quanto à Justiça Restaurativa “fala” em aproximação106, ela visa mostrar que

as ações praticadas poderiam ter sido evitadas, e de mesmo modo, após terem sido

cometidas, que existe outra saída fora o já conhecido e “falido sistema criminal”107. No

entanto, como se trata de nova tendência sistêmica108, far-se-á necessário algo de

novo para orientar os aplicadores deste.

A ONU, em sua resolução 2002/12, de um modo conceitual nos apresenta a

Justiça Restaurativa, traça os princípios básicos. É bom ressaltar, que esses

princípios destacados pela ONU, não tem o condão de demonstrar o proceder que os

países dever ter ao adotarem essa justiça, mas sim um guia para o Estado se pautar

101 PINTO, 2005, p. 21. 102 Pallamolla, op. cit., p. 85 103 ACHUTTI, 2009, p. 76 104 Ibid., p. 56. 105 CRETELLA JUNIOR, Jose. Curso de filosofia do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 52. 106 ACHUTTI, op. cit., p. 71. 107 ACHUTTI, 2009, p 71. 108 Ibid., p. 71.

30

para implementá-las109, deixando o Estado livre em suas decisões de como utilizar

este novo instrumento, contudo, de que tal seja pautado no respeito as partes110.

Logo em seu preâmbulo, a ONU, já destaca, ser importante as partes

“compartilharem abertamente seus sentimentos e experiências111”, ainda, “assumir

responsabilidades”, o que demonstra a voluntariedade dos envolvidos nesta incursão

restaurativa.

Em seu artigo primeiro, a Resolução, a define como “qualquer programa que

use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos”, ficando

evidenciado a atenção dada ao assunto, se aproximando muito da construção

executada por autores como Marshall112, que define os métodos restaurativos como

“um processo através do qual todas as partes interessadas em um crime específico

se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado do crime e suas

implicações para o futuro”, acolhendo tanto vitima quanto ofensor.

Em seu artigo segundo, processo chega desvelando algo impossível para a

justiça retributiva, tratar todos envolvidos de forma igual “a vítima e o ofensor, e,

quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados

por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime”,

onde a ninguém mais sua voz abafada, não podendo retratar sua verdade nem expor

sua lesão. Ainda trata da figura do “facilitador”, que é o indivíduo que irá ajudar a

solucionar o conflito e equilibrar qualquer discrepância encontrada113.

A Resolução aponta, em seu terceiro artigo, que o resultado é “construído no

processo restaurativo”, sendo o seu resultado final “a reintegração da vítima e

ofensor”, não possibilitando entendimento diverso ao apresentado. Ainda, demonstra

quais são as respostas que o ofensor poderá dar para restaurar o que foi violado,

quais sejam, “reparação “, “restituição e serviço comunitário”.

109 PALLAMOLLA, 2009, p. 87. 110 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Princípios Básicos para Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal, 24 julho 2002. Disponível em: < http://justica21.org.br/j21.php?id=366&pg=0#.VFt4HvnF_6c > Acesso em: 31 out de 2014. 111 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, loc. cit. 112 MARSHALL, Tony. Restorative Justice: an overview home office. Reino Unido: Desenvolvimento, 1999. Disponível em: <http://www.restorativejustice.org/articlesdb/articles/83> Acesso em: 18 set. 2014. 113 PALLAMOLLA, 2009, p. 89.

31

Continuando, nos artigos 4° e 5°, são dispostos o que se entende por “vitima”,

“ofensor” e comunidade, sendo estes os polos que são afetados pelos conflitos e

eventos delituosos. Fazendo, também, referência o que é o papel do “facilitador”,

referenciado que sua participação deverá ser “justa e imparcial”.

Na segunda parte da presente Resolução, a ONU traz como a Justiça

Restaurativa deve ser empregada. Acerca disso, o artigo 6° preceitua que “os

programas de Justiça Restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do sistema

de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional”, ou seja, em determinados

casos a Justiça Restaurativa pode ser utilizada, até mesmo, após sentenci amento,

que neste momento a terapêutica estará relacionada com a recuperação da vítima114.

O artigo 7° leciona que os métodos restaurativos somente devem ser

aplicados quando “houver prova suficiente de autoria para denuncia o ofensor”, ainda,

traz em seu texto que a aceitação desta terapêutica deve se dar de forma voluntaria,

ensejando que somente deste modo os usuários dela aceitarão os acordos, que

deverão ser “razoáveis e proporcionais”.

O artigo 8° de maneira importante, faz referência que ao aderirem ao processo

restaurativo, os polos da terapêutica deverão concordar acerca dos fatos, contudo, de

maneira nenhuma o ofensor que aceitar tal método poderá ser tratado como culpado,

assim, a presunção de inocência do processo penal deve continuar115. Aliás, tal artigo

se mostra fundamental ao modo que deverá ser dirigida a seção, pois demonstra o

risco de utilizar um juiz como mediador, que poderá julgar posteriormente o litigio,

utilizando-se do que foi dito nesta seção116.

Existem alguns fatores que podem fazer com que o processo restaurador não

funcione, quando não são conhecidas a totalidade de partes do conflito ou alguma

delas não quer participar. Além disso os desequilíbrios encontrados podem ser muito

grandes que uma pratica restauradora se faz desaconselhável. Os artigos 9°, 10° e

114 VAN NESS, Daniel. Proposed UM basic Principles on restorative justice. Disponível em <http://www.restorativejustice.org/10fulltext/vanness7> Acesso em: 18 out 2014. 115 VAN NESS, Daniel. Proposed UM basic Principles on restorative justice. 116 PALLAMOLLA, 2009, p. 92.

32

11° tratam acerca desta “segurança” que deve haver para que sejam benéficos os

tramites restaurativos117.

Na terceira parte da Resolução, é o momento em que faz-se referência ao

modo de utilização e os cuidados ao implemento deste programa, traçando 11

diretrizes para um bom uso desta terapêutica. Ainda, demonstra quais os cuidados

que o Estado deve ter para a adoção e bom funcionamento da implementação dos

programas restaurativos, no tocante a elas, assim preceitua a Resolução: a) As

condições para encaminhamento de casos para os programas de justiça restaurativos;

b) O procedimento posterior ao processo restaurativo; c) A qualificação, o treinamento

e a avaliação dos facilitadores; d) O gerenciamento dos programas de Justiça

Restaurativa; e) Padrões de competência e códigos de conduta regulamentando a

operação dos programas de Justiça Restaurativa.

A proteção as garantias processuais são tratadas no 13° artigo: a) A vítima e

o ofensor devem ter o direito à assistência jurídica sobre o processo restaurativo.

Menores deverão ter a assistência dos responsáveis legais. b) Antes de concordarem

em participar do processo restaurativo, as partes deverão ser plenamente informadas

sobre seus direitos, a natureza do processo e as possíveis consequências de sua

decisão; c) Nem a vítima nem o ofensor deverão ser coagidos ou induzidos por meios

ilícitos a participar do processo restaurativo ou a aceitar os resultados do processo.

A troca de informações em um processo devem guardar sigilo, exceto “se

consentirem as partes ou se determinado pela legislação nacional118”, desta forma, a

Justiça Restaurativa não se assemelha com a publicidade de uma ação penal119

(artigo 14).

No 15° artigo, estabelece que “às decisões ou julgamentos” têm o mesmo

“status de qualquer decisão ou julgamento judicial, precluindo ulterior ação penal em

relação aos mesmos fatos”, ou seja, as decisões que forem tomadas a partir do

processo restaurativo, fazem coisa julgada, devendo impedir acusação posterior em

relação ao mesmo fato120 (non bis in idem). No artigo seguinte a este, as Nações

117 VAN NESS, Daniel. Proposed UM basic Principles on restorative justice. 118 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Acesso em: 31 out de 2014 119 PALLAMOLLA, 2009, p. 94. 120 VAN NESS, Daniel. Proposed UM basic Principles on restorative justice.

33

Unidas, estipulam que se não houver acordo entre as partes, o caso deverá retornar

a justiça criminal, que deverá julgar de forma rápida a contenda.

Quando os acordos da Justiça Restaurativa não forem implementados, estes

deverão retornar aos programas terapêuticos, ou seu envio à justiça criminal para que

decida no caso concreto, contudo, não poderá ser julgado com maior severidade por

não ter chegado a um fim restaurativo, e sim o simples fato de solucionar algo que

pode ter sido infrutífero121.

Os artigos 18 e 19 tratam sobre a figura do facilitador, que devem atuar de

forma imparcial, devendo zelar pelo respeito das partes envolvidas e dele para com

todos. Ainda, o facilitador, deve assumir uma postura imparcial, mas que corrija

quaisquer desequilíbrios que possam haver na tentativa de resolução de conflitos.

Nos artigos seguintes, ficam evidente a preocupação perante a postura do

Estado, para fomentar as práticas restaurativas, criando uma cultura favorável para

sua disponibilidade (artigo 20). A importância de criação de órgão competente que

faça pesquisa com o intuito de perceber a eficácia dos processos terapêuticos, para

averiguar quais as melhoras no panorama total da justiça criminal (artigo 21). Por fim,

a necessidade de avaliações constantes para demonstrar a eficácia do modelo

restaurativo, podendo passar por modificação a fim de aumentar a eficácia da

terapêutica, sendo de vital importância, sempre, demonstrar e comprovar sua eficácia

para que não cometam os mesmos erros que o processo penal comete122 (artigo 22).

Desta forma, a ONU ao apresentar tal Resolução, demonstra o zelo que a

matéria restaurativa exige, pois lida com pessoas e sentimentos despedaçados, a

forma diferenciada que os conflitos podem ser solucionados, ante a escuta ativa de

todos os polos da contenda, e possibilitando um final restaurativo.

1.4 CRÍTICA AO PROJETO DE LEI 7006 DE 2006

Após fazer a apresentação deste novo horizonte trazido pela Justiça

Restaurativa, frente aos problemas do sistema criminal atual, mostra-se importante

121 VAN NESS, Daniel. Proposed UM basic Principles on restorative justice 122 VAN NESS, Daniel. Proposed UM basic Principles on restorative justice.

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falar sobre o projeto de lei que tem a finalidade de incluí-la no ordenamento brasileiro.

O Projeto de Lei prevê a adoção desta terapêutica no ordenamento brasileiro e tem

como idealizadores o Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília, que

propôs sua votação e a fim de colocá-la em prática nos tribunais.

Contudo, o modo utilizado para adotar as medidas restaurativas, não foi

semelhante aos utilizados em outros países, onde há experimentação de sua

funcionalidade para após fixa-lo em suas realidades, pois se tratar de uma justiça

multifacetada, um modelo eclodido123, um modelo com muitas respostas a partir de

uma mesma pergunta, contudo, no Brasil tal expediente não foi utilizado124. O

aproveitamento desta Justiça Restaurativa que permite maior flexibilidade nas

tomadas de decisões, foi pouco utilizada pelo judiciário brasileiro, ou ficando em

círculos restritos denominados “projetos piloto”, destinados, em sua maioria, a Varas

da Infância e Juventude.

Ainda, este método “dialogador”, passa por um impacto mais sinistro em seu

implemento, que seria a eficácia de sua pratica. Mas, como já foi dito “a Justiça

Humana (...) pode variar à medida que se torne necessária ou útil à sociedade”125, não

devendo ficar presa a antigos e funestos dogmas, como refere Sica:

“Já para os movimentos repressivos de “lei e ordem”, a eficácia do direito penal depende da resposta sancionatória forte, da severidade máxima, as quais não podem aceitar uma “justiça doce”, sem pena e sem castigo, como ocorre com a mediação. Se movimentos ideologicamente antagônicos utilizam o mesmo argumento, mas distorcem-no conforme seus propósitos para criticar uma mesma idéia, algo está errado.

Essas críticas não procedem, pois partem de premissas equivocadas: de um lado, não é verdade que a Justiça Restaurativa se insira dentro de uma lógica de celeridade e obtenção de resultado a qualquer custo, pelo contrário, o fator tempo não importa e a solução consensual ou o eventual acordo não são metas da mediação penal. De outro, já está demonstrado à exaustão a falácia da panacéia da repressão penal, pois a eficácia do direito penal não aumenta proporcionalmente ao aumento da severidade da pena, assim como não diminui com a redução dos graus de aflição impostos.

Contudo, essa é uma barreira difícil de ser removida, uma vez que a dramatização do crime, a ritualização da violência e a manipulação do medo pressionam uma sociedade insegura no sentido único da crença na repressão penal. O fracasso ou a inexistência de outras políticas públicas de reforço do sentimento de segurança resulta, inevitavelmente, no discurso contra a

123 JACCOUD, 2005, p. 163. 124 PALLAMOLLA, 2009, p. 192. 125 BECCARIA, 1996, p..

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impunidade, situando-a como único e principal fator responsável por uma série de problemas que, somados, aumentam aquela sensação de insegurança. Além disso, a potencializar o obstáculo, há que se considerar que as necessidades reais de segurança são sabidamente inferiores àquele sentimento de insegurança.

A única maneira de enfrentar esse óbice é assumindo um discurso radicalmente pragmático, pois, infelizmente, a sociedade contemporânea está brutalizada (em grande parte pela reação institucional aos conflitos) e não aceita sequer ponderar argumentos de cunho humanista. O pragmatismo, então, apontaria para os resultados de cada um dos sistemas (mediação e punição), procurando responder à seguinte indagação: se a eficiência almejada consiste na redução da criminalidade e da violência, quais os êxitos do modelo vigente de justiça penal? Vale dizer, se a opção é eficientista, isto significa que o que importa são os resultados”126.

Com base nisso, fica evidente que antes de elaborar um Projeto de Lei, o qual

busca institucionalizar práticas restaurativas, importante para sua difusão positiva, na

sociedade, seria debates prévios acerca de sua realidade127 e experimentação ampla

de suas “ferramentas”, para moldar sua operacionalidade em âmbito nacional,

“aprender com as falhas para, num segundo momento, pensar-se em legislar a

matéria128”. Neste sentido, Pallamolla evidencia que qualquer regulamentação não

deve antecipar o momento das discussões, pois regulá-la burocratizaria seus atos129.

No Projeto de Lei n° 7006/06, não fica evidenciado quais serão os critérios

para a adoção desta terapêutica, e ainda, conforme alerta Pallamolla existem

inadequações logo no primeiro artigo130 do Projeto de Lei:

O termo “facultativo” parece ser problemático se somado ao fato de que o artigo não refere a quais contravenções ou quais crimes a justiça restaurativa possa ser aplicada. Ao não fazer esta referência, cria-se o risco de que sejam encaminhados à justiça restaurativa apenas casos de bagatela, visto que, como ensinam inúmeras experiências, quando não existem regras claras sobre quais casos são passiveis de encaminhamento, a tendência é que juízes, promotores públicos e a polícia encaminhem apenas casos de pouca relevância, buscando não reduzir de seu campo de atuação131”

126 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa: críticas e contra críticas. Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre, vol. 8, n. 47, dez. 2007/jan. 2008. p. 174-175. 127 PALLAMOLLA, 2009, p. 178. 128 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão de crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007. p. 100. 129 PALLAMOLLA, 2009, p. 130 Art. 1° do Projeto de Lei 7006/06 - Esta lei regula o uso facultativo e complementar de procedimentos de justiça restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. 131 PALLAMOLLA, op. cit., p. 179.

36

Assim, não referindo os tipos penais que a Justiça Restaurativa trabalhará, o

Estado mostra, novamente, sua “onipotência”, pois não permite que novas ideologias

surjam para “oxigenar” o sistema penal, que segue sua marcha para “criação continua

de leis e tipos penais132” cada vez mais severos.

Com este ensinamento, pergunta-se: qual o tipo de crime que será enviado

para os núcleos de Justiça Restaurativa?

A reflexão quanto à maneira que os crimes serão destinados, a esta

terapêutica, é de suma importância para a eficiência desta justiça, pois é preciso um

judiciário pronto para aceitar sua utilização133, e não vendo nela algum “afrouxamento”

do sistema penal.

Acontece, que a maneira que o Projeto de Lei se desenha, as partes não

poderão por conta própria optarem pelo modelo restaurativo, pois, ele terá que passar

pela decisão do juiz, que ai sim, destinara ou não para os núcleos restaurativos134,

contrariando a autonomia das partes, que são os personagens principais deste tipo

de modelo.

Logo, o Projeto proposto não alcançará os propósitos do sistema restaurativo,

pois como preceitua Achutti:

podendo-se resumir em três os principais aspectos das críticas ao projeto de lei em questão: (a) a forma como foi redigido o projeto prevê um excesso de controle por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público, o que poderia resultar em redução significativa da autonomia das partes e da forma como o mecanismo restaurativo é oferecido e aplicado; (b) a ausência de referência aos crimes ou contravenções que poderiam ser encaminhados ao procedimento restaurativo não é benéfica, pois pode limitar os encaminhamentos apenas aos crimes menores; e (c) há uma considerável semelhança estrutural e de linguagem dos artigos referentes à justiça restaurativa em relação à linguagem do direito penal, potencializando o risco de colonização imediata do sistema restaurativo pelas tradições e práticas (inquisitoriais) do sistema de justiça criminal135.

132 BUENO, Marisa e GARCIA, Rogerio Maia. A crise do sistema punitivo: entre a hipercriminalização e a prisão preventiva como antecipação de pena. Porto Alegre: Notadez, 2006. p. 01. 133 PALLAMOLLA 2009, p. 133. 134 ACHUTTI, Daniel. Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/5/TDE-2012-09-28T135742Z-4085/Publico/441970.pdf> Acesso em: 17 out 2014. 135 ACHUTTI, loc. cit.

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Deste modo, parece que o Brasil ao decidir institucionalizar a Justiça

Restaurativa, pensando-a de forma sistêmica, deixa de lado o melhor que ela tem a

oferecer, que é o diálogo agregador, mais próximo da comunidade, com uma estrutura

menos burocratizada. “O uso da mediação e da conciliação entre as partes, antes do

que a investigação de um culpado136”, tudo isso culminada com uma maior

importância a alternativas não coativas.

Continuando, é importante que o Brasil, ao dar passo importante a fim de

implementar esta política restaurativa, leve em consideração as diretrizes da ONU

para institucionalizar esta terapêutica, para modificar o sistema criminal atual,

possibilitando a participação ativa no processo, tanto dos infratores, quanto das

vitimas137

Por fim, que a utilização desta doutrina acabe por fomentar melhorias em todo

o processo penal, possibilitando que os maus hábitos se depurem com os bons

exemplos que serão construídos com a vivencia de suas reconstruções.

2 ASPECTOS PRÁTICOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Após apresentar a Justiça Restaurativa como uma possibilidade ao sistema

penal atual, onde ela seria mais do que uma simples mudança e inclusão de artigos

no vasto arcabouço processual brasileiro, mas sim uma mudança de pensamento

quanto aos “atores” do processo, quais sejam, a vítima, o ofensor e a comunidade.

Para demonstrar a aplicabilidade da Justiça Restaurativa, far-se-á uma

apresentação desta terapêutica, evidenciando que sendo um tipo aberto, quando se

fala de sua composição, ela segue a particularidade de cada indivíduo que assim

escolher passar por suas terapêuticas.

136 ACHUTTI, Acesso em: 17 out 2014. 137 TOEWS, Barb; ZEHR, Howard. Maneiras de conhecer para uma visão restaurativa de mundo. SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. P.424

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2.1 EXPERIÊNCIAS OCORRIDAS NO BRASIL

No Brasil, quando se fala de sistema penal, invariavelmente retomamos a

figura “severa” de um presídio, ou da figura dos que fazem a justiça como sendo

pertencentes a uma sociedade distinta dos que cometem crimes ou são encarcerados.

A Justiça Restaurativa, de outro modo, tem por convicção elementar de que todos

pertencem à mesma comunidade e somente com um estreitamento de relações serão

evitados novos delitos138, não “retroalimentando a violência”139.

No ano de 1999 iniciaram-se os primeiros estudos das práticas restaurativas

em âmbito nacional, ainda inspirando a criação da Secretaria da Reforma do

Judiciário, voltada a “democratização do acesso ao judiciário”140, e firmando,

conjuntamente, com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

viabilizando o surgimento de projetos-piloto.

No Estado do Rio Grande do Sul, os primeiros contatos com a Justiça

Restaurativa se deram a partir do ano de 2005, junto a 3° Vara da Infância e Juventude

de Porto Alegre, com a criação do projeto denominado “justiça para o Século 21141”.

Este projeto tem o intuito de, a partir das “lentes restaurativas, entender o porquê o

jovem delinque e, após a obtenção destes dados, aplicar as ideias restaurativos.

Quando o nascimento deste Projeto foi pensado, vislumbrava-se que todos os

momentos o processo penal se tornava falho com quem participava de sua

“construção”, ainda mais àqueles que são destinadas as medidas coercitivas. Ao

aplicar uma sanção a uma criança ou jovem, o Estado não se vinga somente do

infrator, mas de toda a comunidade que ele está inserido, ou seja, a medida sócio-

educativa “foge” da pessoalidade do acusado, não existindo qualquer vislumbre

138 PALLAMOLLA, Rafaella da Porcincula. Justiça restaurativa no sistema espanhol: limites e perspectivas de aplicação no Brasil. Porto Alegre: Notadez, 2006. p. 201. 139 PENIDO, Egberto de Almeida. Justiça Restaurativa. Juízes para a democracia. São Paulo, v. 10. n. 36. 2006. 140 Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/reforma/main.asp?ViewID=%7BDA9EC2A8-2D0D-4473-A4DD-DF9D33C8DE5D%7D&params=itemID=%7B640776D8-01FE-4982-BE54-5F62739DB986%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D> em 16 out de 2014. 141 Disponível em <http://www.justica21.org.br/j21.php?id=91&pg=0#.VFCWiPnF_6c> Acesso em 18 out 2014.

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pedagógico às sanções aplicadas142. As “soluções” aplicadas aos jovens são

estigmatizantes, gerando uma exclusão social, deste modo, ampliando a violência.

Ao aderir as práticas restaurativas, o sistema deixa de “versar sobre

transgressões e culpados” e passa a considerar “danos, responsáveis e prejudicados

pela infração”143, sobretudo, de forma conjunta para solucionar os conflitos

encontrados, conforme nos ensina Brancher, que “se deixar as pessoas se exporem,

você consegue um acerto mais poderoso que a sentença de um juiz”144.

O modelo de terapêutica restaurativa utilizado pelo Justiça 21 é o círculo

restaurativo, onde vítima, ofensor e comunidade juntam-se para discutir sobre o que

ocorreu, como estão se sentindo desde o ocorrido e quais as necessidades que

nasceram deste conflito e, de forma conjunta, encontram solução para seu caso, ou

como a Justiça 21 exemplifica: a) foco nas necessidades atuais; b) foco nas

necessidades ao tempo dos fatos; c) foco em atender as necessidades145, fazendo

com que o jovem entenda o que está acontecendo com ele, mas que todos saibam o

porquê procedeu de uma forma determinada.

No método utilizado em Porto Alegre, os procedimentos restaurativos se

iniciam assim que os novos casos ingressam no sistema judicial, refletindo

significativamente em toda a continuidade das terapêuticas.

Outros Projetos Restaurativos ocorridos no Brasil foram: o de Brasília-DF e

São Caetano do Sul, onde ao seu modo diferenciam-se em seus métodos, sendo

todos os Projetos aplicados diferentes e guardando particularidades.

Em São Caetano do Sul-SP, a Justiça Restaurativa foi aplicada na Vara da

Infância e da Juventude, por intermédio do projeto-piloto, denominando esta pratica

de “Justiça e Educação: parceria para a cidadania”. Este projeto se iniciou diretamente

nas escolas, devido ao grande número de conflitos advindos de colégios e os

142 BRANCHER, Leoberto e AGUINSKY, Beatriz. Projeto justiça para o século 21. Disponível em <http://www.justica21.org.br/j21.php?id=244&pg=0#.VFCYffnF_6c > acessado em 18 out 2014. 143 BRANCHER e AGUINSKY, loc. cit. 144 BRANCHER, Leoberto Narciso. Disponível em <http://www.fase.rs.gov.br/exibir.php> Acesso em 20 out 2014. 145 Disponível em <http://www.justica21.org.br/arquivos/bib_343.pdf> Acesso em 18 out 2014.

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desdobramentos que ocorriam a partir de um Boletim de Ocorrência, onde o estudante

era tratado de forma diferente, isto é, rotulados por acometimento de algum delito146.

Este projeto, em sua constituição, propunha uma teia comunitária, formada

por professores, membros da comunidade e agentes governamentais, que

entenderiam, com maior profundidade, a necessidade dos jovens e de suas famílias.

Este método foi implementado nas três primeiras escolas, denominadas, “pioneiras”,

passando a aplicar “Circulos Restaurativos” para chegar a um fim construído de forma

conjunta147.

Os “Círculos” tinham o propósito de, administrativamente, “tratar” as

desavenças que poderiam culminar com um afastamento do jovem do convívio

escolar ou até mais grave como expulsão, antes mesmo de ocorrem. No primeiro ano

de implemento, o projeto se mostrou bastante eficaz, fazendo com que as escolas que

aplicavam os “círculos”, passassem de três para dez, preparando, ainda, diversas

pessoas capacitadas para operar os encontros148.

O aprimoramento da pratica restaurativa, levou São Caetano do Sul a formar

os “Atores Sociais”, que são os agentes ou mediadores, que disseminarão a

aprendizagem para outros círculos, a fim de, pelo diálogo, levar a concórdia para as

comunidades em que convivem149.

A metodologia implementada no Estado de São Paulo, demonstra que

existem formas diversas ao modelo judicial para resolução de conflitos “ao manter

jovens distantes das Cortes e prevenir estigmatizações”150, sendo seus reflexos

percebidos com a total adesão das escolas da rede pública estadual ao final de

2006151.

Em Brasília, por sua vez, ao fazer o implemento de práticas restaurativas,

instituiu junto ao Juizado Especial de Competência Geral do Fórum do Núcleo

Bandeirante, que atua diretamente na aplicação à crimes e infrações de menor

146 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Projeto-piloto São Caetano - SP <http://www.tjsp.jus.br/Download/CoordenadoriaInfanciaJuventude/JusticaRestaurativa/SaoCaetanoSul/Publicacoes/jr_sao-caetano_090209_bx.pdf > p.12 147 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Projeto-piloto São Caetano - SP, p. 13. 148 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Projeto-piloto São Caetano - SP. p. 15. 149 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Projeto-piloto São Caetano - SP. p. 99. 150 Ibid., p. 58. 151Ibid., p. 20.

41

potencial ofensivo152. Onde, após o implemento das práticas restaurativas,

perceberam a diminuição do impacto dos crimes na vida dos envolvidos153.

Os projetos postos em prática no Brasil, de modo experimental, evidenciam

maneiras diferentes de terapêutica, evidenciando aos envolvidos nos delitos que a

comunidade se mantem ativa e preocupada, contudo, fazendo o seu papel para evitar

com que ocorram novos atos delituosos154.

Ainda, estes métodos apresentados, demonstram que existe um pensamento

entorno do método “legalista” normal de julgar, sendo hoje um processo com padrões

mistos, contudo, o avanço desta doutrina é ritmado mas sempre em direção ao

processo restaurativo155.

2.2 IMPLEMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA E SEUS BENEFÍCIOS

No cenário brasileiro, com o engrandecimento de demandas e tipos penais

cada vez mais punitivos, esta justiça aparece como novo despertar. Colocá-la ao

alcance das comunidades, traçando novo linear entre a justiça e o povo, pois “quanto

maior for o número dos que entendem e tiverem nas mãos o sagrado código das leis,

tanto menos frequente serão os delitos”156, isto é, aproximando dos que somente foi

dado o obedecer, retirando o estigma negativo que o judiciário recebeu como um

fazedor de rotulados, afastando-os do jogo como cartas fora do baralho157, integrando

pouco-à-pouco àqueles que dela foram renegados.

“No direito penal percebe-se uma desenfreada busca da segurança através

da edição de inúmeras leis penais, do aumento das penas em abstrato já existentes e

da criação de novos tipos penais inseridos em leis atualmente em vigor”158, contudo,

152 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.tjdft.jus.br/institucional/2a-vice-presidencia/nupecon/justica-restaurativa/o-que-e-a-justica-restaurativa > Acesso em: 22 out 2014. 153 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.tjdft.jus.br/institucional/2a-vice-presidencia/nupecon/justica-restaurativa/o-que-e-a-justica-restaurativa > Acesso em: 22 out 2014. 154ZERH,2008, p. 211. 155 Ibid., p. 260. 156 BECCARIA, 1996, p. 35. 157 AMARAL, 2008, p.. 158 ACHUTTI, 2009, p.

42

é emergencialmente necessário frear o desenfreado para não acabar em uma imensa

colisão.

Desta forma, para uma construção de justiça, necessita-se abordagem

diversa da que vem sendo mostrada, algo não abordado em tipificações para trazer

segurança, mas sim algo que ajude na construção de confiança nas instituições que

já existem, algo que reformule, incluindo a participação da comunidade fazendo com

que esta perceba a criação da justiça159.

A Justiça Restaurativa, ao se mostrar diferente ao modo retributivo

apresentado hodiernamente, traça parâmetros distintos aos contidos em um processo

penal, visto que o processo “presentifica o passado”160 e, deste modo, podem haver

diversas dissonâncias com a realidade, podendo as lembranças que “abastecem” o

processo não serem verdadeiras161. Assim, a Justiça Restaurativa, se apresenta

voltada para o futuro, notadamente na restauração do que ocorreu e na preocupação

que não voltem a ocorrer delitos de qualquer ordem, visto que se preocupa com a

condição dos envolvidos162.

Quanto aos benefícios, o mais básico deles, é diretamente ligado aos valores

gastos em demandas judiciais, pois, a Justiça Restaurativa se mostrar menos custosa

ao erário e às partes, visto que, as práticas restaurativas podem ser feitas por

mediação. Desta forma não “esbarrando” no “enorme abismo social”163 que é o acesso

à justiça no Brasil.

Deste modo, aplicando-se a Justiça Restaurativa, o processo não adquirirá as

proporções costumeiramente conhecidas que englobam todo o gigantesco sistema

159 OXHORN, Philip e SLAKMON, Catherine. Micro-justiça, desigualdade e cidadania democrática a construção da sociedade civil através da justiça restaurativa no Brasil. In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 2005. p. 187. 160 LOPES JR, Aury. Processo penal e democracia: em busca das garantias perdidas [13:27]. Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=OooeUM0gIVA > acessado em 14 out 2014. 161 ÁVILA, 2013, p. 103 162 Howard, 2008, p. 199. 163 DE VITTO, Renato Campos Pinto; CASTRO, André Luis Machado. A Defensoria Pública como instrumento de consolidação da democracia. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p. 230.

43

judicial, com todos seus cartórios, gabinetes, tribunais, câmaras e quaisquer que

façam parte disso164.

As demandas se tornam, então, problemas que buscam solução, sendo o

judiciário o lugar para acabar com elas, mas isso tem seu preço. No ano de 2013, o

Brasil gastou com o judiciário R$ 57 bilhões165, equivale a dizer, que cada brasileiro,

ingressando ou não com demanda processual, gastou pouco mais de R$ 306 com o

judiciário. Contudo, em se falando demandas penais, com possíveis aprisionamentos,

este valor pode se elevar166.

Em um ambiente onde se empregue a Justiça Restaurativa, por tratarem dos

conflitos, com a proximidade da comunidade, o panorama é que as demandas

processuais não aumentem167, se tornando menos onerosa ao erário168. Além disso,

havendo a possibilidade de utilizar a Justiça Restaurativa a qualquer tempo, inclusive

na própria ação penal, faz com que o andamento processual diminua, não precisando

utilizar de tantas “horas” para serem processadas e julgadas.

Ainda, quanto ao tempo e sua economia, o processo se prende em uma

dicotomia, isto é, tem que encontrar equilíbrio “entre o razoável e o abusivo”169, não

podendo ser demasiadamente dilatado ao ponto de submeter martírio, nem exíguo

impossibilitando defesa. Sendo está uma grande problemática hodierna, contudo, as

práticas restaurativas ao adotar um conceito assimétrico170, incorporaram as suas

ferramentas o princípio da oralidade171, já utilizado no Judiciário, facilitando o

julgamento.

164 Ibid., p. 230 165 Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/09/23/brasileiro-gastou-r-306-com-judiciario-em-2013-aponta-relatorio-do-cnj.htm > Acesso em 21 out 2014. 166 Disponível em: < http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-08-01/preso-federal-custa-5-salarios-ao-mes-dobro-do-que-se-gasta-com-preso-estadual.html> Acesso em 21 out 2014. 167 NETO, op. cit., p. 233 168 Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/18991-justica-restaurativa-previne-violencia-entre-detentos > Acesso em 21 out 2014. 169 THUMS, 2006. P.37 170 SICA, Leonardo. Bases para o modelo brasileiro de justiça restaurativa. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p. 456. 171 SADEK, Maria Tereza. Juizados Especiais: o processo inexorável da mudança. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p. 251.

44

No entanto, o grande “trabalho” que a Justiça Restaurativa tem por

desenvolver, é diretamente no sistema penal, este “desastre institucional”172, que não

se preocupa com o resultado do processo após sentença173, não se preocupa com o

que será do infrator, somente preocupando-se, quando ele vier a ser solto.

A partir de um olhar restaurativo, o ofensor após aceitar passar pelas

terapêuticas, assumi responsabilidade de seus atos, demonstrando o mal que

ocasionou às vítimas, assim, os ofensores “absorvem as coisas negativas que

fizeram”174, tomando consciência de seus atos e possibilitando uma chance de deixar

a vida criminosa. Passando, deste modo, da responsabilidade passiva, que é algo que

foi cometido no passado, para a responsabilidade ativa, que é ter a certeza que será

feito coisa diferente no futuro175.

Desta forma, é preciso um envolvimento amplo dos afetados pelo dano176, que

serão parte importante para chegar em uma decisão colimada, sendo imprescindível

a participação ampla das partes envolvidas, resultando destes encontros algo

“razoável, justo e imparcial ou seja, com a sensação de justiça amplamente

atendida”177.

Outro ponto importante para a Justiça Restaurativa, diferentemente do

sistema penal, é os modos que trabalham na prevenção de delitos. Enquanto o

sistema “clássico” trabalha com um policiamento repressivo, especialistas em

criminalidade, donde surgem “estereótipos de criminalidade e de criminosos

(perigosos) e do medo e do sentimento de insegurança”178 para evitar os delitos,

172 BRAITHWAITE, John. Entre a proporcionalidade e a impunidade: Confrontação Verdade Prevenção. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p.386 173 DE VITO, Renato Campos Pinto. Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p. 41. 174 ZERH, Howard. Avaliação e princípios da justiça restaurativa. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p.413. 175 BRAITHWAITE, 2006. p. 378-379 176 BAZEMORE, Gordon. Os jovens, os problemas e o crime: justiça restaurativa como teoria normativa de controle social informal e apoio social. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006 P. 603. 177 BRAITHWAITE, 2006. p. 383. 178 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A mudança do paradigma repressivo em segurança pública: reflexões criminológicas críticas em torno da proposta da 1º Conferência Nacional Brasileira

45

por sua vez, a Justiça Restaurativa, procura o diálogo como base, onde buscam a

formação de grupos em comunidades que, pautadas na confiança,

respeitosamente passam os valores aprendidos, desaparecendo os elementos

deletereis da sociedade179, não ocorrendo a propagação do medo, ódio e sede de

justiça com as próprias mãos, ao contrário disso, os pensamentos propagam-se,

surgindo uma rede de entendimento positivo180.

2.3 CRÍTICA À IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Toda a constituição do “novo” tem oposições. As críticas ao implemento da

Justiça Restaurativa, recaem sobre sua eficácia, pois os críticos alegam que o

processo penal aplicado hoje é eficiente e a pena necessária. Da mesma forma,

alegam, que ao aplicar o processo, ao acusado são fornecidos todos os princípios e

fundamentos. Declaram, também, que até mesmo o tempo, tão duramente

questionado, é necessário ao passo que traz certeza as decisões tomadas. Entendem,

os críticos, que somente com um endurecimento do sistema penal, trar-se-á a “tão

almejada segurança”181 que a sociedade tanto exige, resolvendo qualquer

problemática. Assim, as críticas incidem sobre o entendimento que o sistema penal,

como um todo, até o presente momento, comprovou sua eficácia, não tendo o porquê

mudar.

Os críticos da Justiça Restaurativa, acreditam que o modo de aplicação desta

terapêutica dialogadora não produz mudanças, com base nisso, questionam-se qual

a “restauração” que este modelo proporcionaria em um processo pena, visto que

torna-se necessário punir para pagar os crimes cometidos182, isto é, ainda está incluso

o pensamento retrogrado que, onde a punição recebe a alcunha de “necessária”, ao

de Segurança Pública. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2177-70552013000200013&script=sci_arttext > Acesso em: 30 out 2014. 179 WALGRAVE, lode. Imposição da restauração no lugar da dor: reflexões sobre a reação judicial ao crime. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p. 439. 180 BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social: reflexões sobre a implementação da justiça restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. p. 687. 181 KARAM, 1991, p. 201. 182 SICA, 2007/2009, p. 172.

46

ponto de recomendar que seja aplicada “sem trégua”183 ao máximo de suas forças.

Contudo, este não deve ser o foco da justiça184, ao modo que punição é destrutiva185.

A Justiça Restaurativa é extremamente, moderna em comparação com o

sistema penal, e não causa o medo186 que o segundo impõe aos seus participantes,

o que se torna causa primaria de crítica, pois alegam que a Justiça Restaurativa

banalizaria o cometimento de conflitos187, ao passo que, elegeu o diálogo a ferramenta

transformadora, onde o consenso é imperativo servindo de aproximação para as

partes envolvidas188. O argumento que menosprezado por partes dos críticos, é que,

ao ocorrer um fato delituoso, a terapêutica é sempre combinada por todos que

participaram da situação, ocasionando que o ofensor saberá, diretamente, o que

ocasionou a vítima, havendo de reparar, trazendo decisão aos envolvidos189.

Neste ponto, após o conflito e a decisão das partes tomada, alegam os críticos

que nada é restaurado, ao passo que a confiança não retorna190. No entanto, as partes

que passam pela Justiça Restaurativa, tomam posse de suas decisões, vivenciando

a justiça muito mais profundamente que alguém que tem sua vida anotada em um

processo191, o que diminui a sensação de insegurança192.

Por fim, a crítica mais contundente que se faz ao implemento da Justiça

Restaurativa, é que ela é discriminatória, ao passo que não atende a todas as

comunidades, distinguindo-as afirmando que nem todas estão prontas para receber

uma terapêutica desta magnitude. Fazendo com que as que não recebem este tipo de

Justiça sejam esquecidas na sua totalidade, não recebendo assistência alguma193.

183 PIRES, Álvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos. Disponível em < http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/121354/mod_resource/content/1/Pires_A%20racio nalidade%20penal%20moderna.pdf > Acesso em 18 out 2014. 184 HOWARD, 2008, p. 197 185 Ibid., p. 198. 186 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERAGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Volume I: parte geral. 9 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2011. p.105 187 MORRIS, 2005, p. 447. 188 PORTO, Rosane T. C. Porto; CASSOL, Sabrina; TERRA, Rosane. Justiça Restaurativa, Capital Social E Comunidade: Do Conflito À Cooperação Uma Perspectiva No Espaço. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/rosane_teresinha_carvalho_porto2.pdf P.5470> Acesso em 30 out 2014. 189 MORRIS, op. cit., p. 448. 190 MORRIS, loc. cit. 191 Ibid., p 449. 192 SICA, 2007/2008, p.180 193 MORRIS, Alisson. P 451

47

O contexto que esta critica se apresenta, não leva em consideração que a

implementação destas terapêuticas em regiões diferentes, ou em comunidades

diversas, “não se esgota no terreno das aplicações operacionais”194, fazendo com que

a expansão social se estenda, não se limitando as áreas geográficas que se delimitam.

Deste modo, os Centros de Práticas Restaurativas servem de ambientes formadores

de profissionais, que serão enviados para todas as áreas de um Município, e não como

sendo locais únicos de Justiça Restaurativa.

Quando os críticos alegam que a Justiça Restaurativa não atende a todos

dentro de uma comunidade, eles se equivocam, pois, o que ocorre é que a Justiça

Restaurativa abrange diferentes núcleos em etapas diversas, isto é, em momentos o

núcleo principal são as crianças e os conflitos que são pertinentes a este grupo, ao

passo que, após vivencia à comunidade, inicia-se outra abordagem que incluirá os

demais membros195. Contudo, esta abordagem restaurativa não é obrigatória, não

admite coerção, ou seja, somente adere aos ideais terapêuticos quem se sentir

encorajado, respeitando a voluntariedade que esta Justiça necessita196.

Desta forma, o implemento das terapêuticas restaurativas não é instantâneo,

eles são gradativos e pensados, não se resumindo a simples construção de uma sede

onde ocorrerão os núcleos restaurativos. O aprendizado é gradativo, ao passo que,

com as experiências realizadas, iniciam o desvelamento dos grupos atendidos197,

formando-se, assim, um entendimento melhor e mais coeso do que poderá ser feito

para agregar certa comunidade, e a partir deste momento, trazer novos horizontes

revigorantes198. O tempo para recepcionar essa ideia de Justiça Restaurativa é

particular do indivíduo e da comunidade que está imerso, pois, sendo de natureza

espontânea, as “experiências traumáticas” serão depuradas aos poucos, dando lugar

aos valores “construtivos” e agregadores.

As críticas sobre o modelo restaurativo recaem, sobre tudo, como esta

terapêutica expõe ser possível “uma nova maneira de pensar o crime”199,

194 BRANCHER, Leoberto. 2006. p. 675. 195 BRANCHER, 2006. p. 678-679. 196 BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: um desafio à práxis jurídica. Campinas: Servanda Editora. 2012. p. 118-119. 197 MORRIS. 2005. P 452. 198 BRANCHER. 2006. p. 684. 199 MORRIS, 2005. P.457.

48

demonstrando que os acordos firmados, alicerçados neste ideário, são mais

satisfatórios, pois, fazem a inclusão dos ligados aos conflitos, possibilitando uma

possibilidade de diálogo entre os pólos, onde há uma reparação, mesmo que

simbólica, do ato praticado200. Demonstrar que a prática de certos delitos, podem ser

recepcionados em seu modo alternativo de lidar com conflitos, e não

descriminalizando os atos, como criticam, mas sim diminuindo a estigmatizarão que o

sistema penal impõe201, algo que os sistemas processuais atuais não conseguiram

fazer202.

Desta forma, a Justiça Restaurativa, demonstra que de maneira pode lidar

com a construção de um justo-meio, inclusa nas comunidades de forma ampla,

trabalhando na construção de ideais para que corroborem com a diminuições das

ocorrências delitivas, “sendo algo vivencial”203, trabalhando para que não ocorram

delitos. No entanto, se ocorrerem delitos, a Justiça Restaurativa trata-os com a mesma

terapêutica os agentes do delito, responsabilizando os infratores e reconfortando as

vítimas, tratando-os de modo “justo e respeitoso”204, fazendo com que o ofensor

assuma suas “responsabilidades voluntarias”205, conseguindo afastá-lo de novos

delitos, diminuindo a reincidência206.

2.4 ANÁLISE FORMAL DA LEI 7.754/2014 A PARTIR DA RESOLUÇÃO 2002/12

No ano de 2014, o Município de Caxias do Sul-RS, instituiu o “Programa

Municipal de Pacificação Restaurativa”, que compreende, a partir de círculos

restaurativos, a aplicação de terapêuticas não punitivas.

O programa que hoje é aplicado no Município de Caxias do Sul, iniciou-se a

partir de uma proximidade com o Justiça para o Século 21, que é o núcleo que aplica

as práticas restaurativas na Cidade de Porto Alegre. No ano de 2010, em palestra

200 SICA, 2007/2008. P. 180. 201 SICA, 2007/2008. P. 179. 202 MORRIS, 2005. P. 452. 203 BRANCHER, 2006. p. 684. 204 MORRIS, 2005. P. 450. 205 ZERH, 2008. P. 186. 206 MORRIS, 2005. P. 451.

49

ocorrida na Universidade de Caxias do Sul, disseminaram-se o ideário restaurativo207.

No mesmo ano, o Município foi local para ciclo de palestras com representantes

provenientes do Centro de Justiça Restaurativa do Departamento de Criminologia da

Simon Fraser University, de Vancouver, Canáda, que trouxeram importantes

ensinamentos acerca dos Círculos de Construção de Paz208.

O programa restaurativo de Caxias do Sul, conta com a participação da

Prefeitura do Município, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, da

Universidade de Caxias do Sul e da Fundação Caxias, fazendo uma mescla entre a

comunidade e o Estado209, demonstrando a existência de outra forma de resolução

de conflitos, algo pautado na diminuição de violência, introduzindo, assim, uma

mentalidade mais pacífica na comunidade, algo transformador, ou como Caxias do

Sul explica: “construção de uma cultura de paz”210, assim, bem aplicando o contido no

preambulo da Resolução 2002/12 da ONU que, dispõe, o delito deve ser

compreendido pela sociedade para se construa harmonia entre os membros dela211.

A Lei n° 7.754212, sancionada na data de 29 de abril de 2014, em seu artigo

1°, trata acerca da abrangência desta Lei, destacando sua aplicação à uma

“pedagogia social”, ainda, os incisos tratam: I) das políticas públicas; II) solução de

conflitos; III) abordagem dialogal, não persecutória; IV) participação direta dos

envolvidos, com auxílio de mediadores; V) quanto ao modo de diálogo que será

seguido; VI) voluntariedade de participação e auto-responsabilização; VII) resultado

através do participação de todos e com um final colimado; VIII) empoderamento das

partes, o conflito retomado pelas partes; IX) interrupção da propagação da violência.

207 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. A paz que nasce de uma nova justiça. Disponível em: <ttps://www.tjrs.jus.br/export/processos/conciliacao/doc/A_Paz_que_Nasce _de_uma_Nova_Justica_BAIXA.pdf > Acesso em: 31 out de 2014 208 RIO GRANDE DO SUL. A paz que nasce de uma nova justiça. Tribunal de Justiça. Disponível em: <ttps://www.tjrs.jus.br/export/processos/conciliacao/doc/A_Paz_que_Nasce _de_uma_Nova_Justica_BAIXA.pdf > Acesso em: 31 out de 2014 209 RIO GRANDE DO SUL. A paz que nasce de uma nova justiça. Tribunal de Justiça. Disponível em: <ttps://www.tjrs.jus.br/export/processos/conciliacao/doc/A_Paz_que_Nasce _de_uma_Nova_Justica_BAIXA.pdf > Acesso em: 31 out de 2014 210RIO GRANDE DO SUL. A paz que nasce de uma nova justiça. Tribunal de Justiça. Disponível em: <ttps://www.tjrs.jus.br/export/processos/conciliacao/doc/A_Paz_que_Nasce _de_uma_Nova_Justica_BAIXA.pdf > Acesso em: 31 out de 2014 211ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2002. 212 CAXIAS DO SUL. Lei n° 7.754, de 29 de abril de 2014. Disponível em: < http://hamurabi.camaracaxias.rs.gov.br/Hamurabi-faces/externo/exibicao.jsf?leiId=8947&from=resultados > Acesso em: 31 out de 2014.

50

Este primeiro artigo, ao subdividir o “tratamento restaurativo”, faz referência direta aos

artigos 1° ao 5° da Resolução 2002/12213 da ONU, também referência o

desenvolvimento constante que deve ocorrer a partir do implemento desta terapeutiva.

Em seu artigo 2º214, o Município de Caxias do Sul, evidencia a

multidisciplinariedade desta Lei, ao referir a “integração de diferentes políticas”, que

tem o propósito de incluir todos os membros da sociedade, equiparando-os,

diminuindo quaisquer diferenças que venham à diferencia-los. Ao elaborar este

segundo artigo, Caxias do Sul, amplia o entendimento trazido na Resolução da

ONU215, quanto a assunção de responsabilidades, possibilitando melhor

entendimento quanto a prevenção de crimes.

Os artigos 3°, 4° e 5°216, de forma conjunta, explicam como ocorrerá a

implementação da terapêutica restaurativa, dando funções especificas aos diferentes

órgãos que auxiliarão na execução, estando em consonância com o 12° artigo217 das

normas entabuladas pela ONU, que oferece grande liberdade ao Estado para fixar a

Justiça Restaurativa, contudo, devendo cuidar certos aspectos para uma boa

resolução dos conflitos, como boa gerencia e procedimentos a serem seguidos.

Já os artigos 6° e 7°218, referem-se ao 12° da Resolução 2002/12219, ao

estabelecer como ocorrerá a efetivação dos Núcleos de Justiça Restaurativa, e

também, versar sobre “representante dos voluntários” que orientará estas reuniões.

De suma importância esta parte da Lei que faz referência ao “facilitador”, por tal

elemento exercer função de “otimizar” e mediar os conflitos220.

213 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, loc. cit. 214 CAXIAS DO SUL. Lei n° 7.754, de 29 de abril de 2014. Disponível em: < http://hamurabi.camaracaxias.rs.gov.br/ Hamurabi-faces/externo/exibicao.jsf?leiId=8947&from=resultados > Acesso em: 31 out de 2014. 215 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002. 216 CAXIAS DO SUL. op. cit. 217 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. op. cit. 218 CAXIAS DO SUL. op. cit. 219 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2002. 220 AZEVEDO, André Gomma. O componente de mediação vítma-ofensor na justiça restaurativa: uma breve apresentação de uma inovação epistemologica da autocomposição penal. In: SLAKMON, Catherine; DE VITO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. (org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 2005. p. 145

51

De forma subdividida, o artigo 8° da Lei Municipal 7.754/2014221, trata da

criação dos espaços onde serão difundidas as práticas restaurativas à comunidade, e

também onde ocorrerá a aplicação das alternativas pacificadoras. Os centros criados

para abrigar os Núcleos restaurativos receberão público distinto, isto é, o parágrafo

primeiro trata de qualquer conflito de âmbito social, no parágrafo segundo trata-se

somente da Infância e Juventude, e no terceiro aos moradores da Zona Norte do

Munícipio, que dispôs da forma que segue:

I - Central Judicial de Pacificação Restaurativa: destinada a atender casos encaminhados pela justiça local. Visa a oferecer atendimento restaurativo a situações de conflitos, litígios, crimes ou atos infracionais que aportam na esfera judicial;

II - Central de Pacificação Restaurativa da Infância e da Juventude: destinada a atender situações encaminhadas pela rede socioassistencial, envolvendo crianças, adolescentes e seu entorno familiar e comunitário. Visa a oferecer atendimento restaurativo a situações de conflitos, litígios, crimes ou atos infracionais de menor potencial ofensivo, em situações cuja menor relevância jurídica desaconselhe ou torne desnecessária sua judicialização; e

III - Central de Pacificação Restaurativa Comunitária: destinada a atender situações oriundas da comunidade da Zona Norte da cidade, atuando tanto de maneira preventiva como na busca de pacificação de conflitos já instaurados. Visa a oferecer atendimento restaurativo a situações de conflitos e potenciais litígios, crimes ou atos infracionais em situações cuja menor relevância jurídica desaconselhe sua judicialização.

Cabe salientar que o modo de trabalho referido, havendo divisões entre os

Núcleos, evidencia-se o cuidado do Município, focando e, sobretudo, compreendendo

que podem ocorrer dificuldades e necessidades diversas de comunidade para

comunidade222.

Por fim, os artigos 9°, 10° e 11°223, instruem que, as “Comissões de Paz”, são

locais para “pacificação de conflitos”, sendo estes locais “supervisionados” por

“Voluntários da Paz”, que são membros da comunidade com habilidade para mediar

e instruir nos Núcleos de Justiça Restaurativa, sendo o todos os esforços

capitaneados pelas foças conjuntas do Município.

221 CAXIAS DO SUL. Lei n° 7.754. 222 AZEVEDO, 2005, p. 149 223 CAXIAS DO SUL.

52

Desta forma, a Lei 7.754 de 2014, parece ter seguido com bastante

proximidade a Resolução 2002/12, vez que versam sobre o mesmo panorama

restaurativo em todos os momentos, referindo que com a participação ativa e direta

dos envolvidos, se percebe uma experiência democrática da Justiça, “ultrapassando

a superficialidade e buscando o aprofundamento”224, ou por que não, “olhos nos olhos,

sem dar sermão”225, onde os artífices desta terapêutica são os próprios atores226, isto

é, as pessoas diretamente ligadas ao conflito, mediadas pelos membros da

comunidade previamente treinados.

Assim, haverá melhor entendimento acerca da justiça e qual o papel de cada

indivíduo na sociedade, vivendo o hoje não olhando para o ontem, como um processo,

mas sim vivendo o hoje, pensando no amanhã, possibilitando o crescimento da

sociedade, racionalmente, fazendo um elo entre “direito, ética e justiça, sob um

enfoque transformador”227.

224 ACHUTTI, 2009, p. 74. 225 CRIOLO. Convoque seu Buda. [0:16] Casa de papelão. 226 OXHORN, Philip e SLAKMON, Catherine. 2006 P.32 227 FALSARELLI-FOLEY, Gláucia. Justiça comunitária.Uma justiça para a emancipação. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. (org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça 2006. P.108

53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar o sistema penal falho vislumbramos que ele não atende mais

as necessidades de uma sociedade como a nossa. Se o sistema penal que utilizamos

até hoje estava precisando de tempo para se acomodar, já se passaram por ele anos,

leis, vidas sem mostrar qualquer serventia.

Conflitos sempre existiram, o importante é saber dar novo olhar sobre estes

conflitos. Superar o que já demonstrou que não soluciona, aprender com os erros que

já cometemos, saber o que podemos continuar utilizando e o que deve virar peça de

museu. Retirar essa visão verticalista do processo e instaurar um ambiente mais

democrático, onde a linguagem e os métodos sejam mais próximos das comunidades.

Criar uma saída onde a pena não seja coercitiva, ou melhor, que a medida encontrada

seja pensada caso a caso, e não pré-estipulada, somente esperando a quem quer que

seja para tomar o peso de sua aplicação.

Evidencia-se que, é necessária a construção de novos métodos de

julgamento, alicerçado em métodos não estigmatizante. Construir o novo a partir das

vivências positivas que outras escolas reuniram em suas temáticas. Um processo

onde erros são extirpados e somente as boas práticas vingam, tal qual o jardim de

Hulsmann, que aduz que somente as práticas que forem adubadas crescem, onde

devemos esperar que elas floreiam para vermos quão frondosas são.

A Justiça Restaurativa, de maneira mais humana, tem por premissa o diálogo,

o respeito e a união de todas as políticas não estigmatizantes, a fim de construir novos

métodos de julgamento. Os adeptos deste método têm ciência que o caminho até a

aceitação desta doutrina será árduo, vez que se torna mais fácil julgar sem esperar

restauração dos conflitos, simplesmente satisfazendo o processo maquinal que se

tornou o sistema penal.

A mudança se torna emergencial, tendo que a ONU tecer em Resolução, a

importância da adoção da Justiça Restaurativa, ainda faz referência que os Estados

façam proveito de suas experimentações para que implementem em todo seu sistema

criminal.

54

Naturalmente, que no Brasil um assunto como este ganhou diversos adeptos,

ao passo que, eclodiram em todo o território projetos-piloto, todos sendo muito bem

recepcionados pelas comunidades, devolvendo aos projetos e aos que neles

trabalham, muito entusiasmo.

O entusiasmo foi de maneira vivificada pelo Estado, que existem Projetos de

Lei em todo o país para sua implementação, contudo, nem todos foram bem aceitos,

tal como o de abrangência nacional o Projeto de Lei 7006/06, que utiliza a

nomenclatura da Justiça Restaurativa, mas, não a aplica de fato.

Este entusiasmo, parece-me que, “contamina” aqueles que ainda são

contrários a esta ideia, passando a aceita-las pouco-a-pouco, ao fato que demonstram

através de exemplos a sua eficácia, tal como no caso que atua diretamente com à

FASE, no Município de Porto Alegre, onde os menores, após passarem por esta

terapêutica, não voltam a delinquir.

De fato, dar voz aos pólos de uma ação criminal, fazer escuta do porquê

delinquiram ou como ficaram após o conflito, ajuda a reestabelecer o que foi quebrado.

Deste modo, a sociedade tem nas mãos nova “chave”, onde poderá fazer parte de

uma ressocialização, algo transformador, saber e pensar o direito, e não

simplesmente transformar-se em uma fazedora de justiça com as próprias mãos.

Deste modo, concluo, que a Justiça Restaurativa, tem pela frente vasto

campo para “trabalhar”, demonstrar realmente o que um sistema penal deve fazer com

quem dele precisar, dando real valor aos atores destas contendas. Entretanto, o maior

trabalho que ela terá que desempenhar, é acalmar os críticos, demonstrar que

quantos mais tipos penais, quantas mais prisões e apenados, quantas mais grades e

muros altos não fazem uma sociedade mais segura, e sim a aproximação dos

distantes, digo, diminuindo a distância do “marginais” para os do centro.

55

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ANEXO A – LEI MUNICIPAL n° 7.754

LEI Nº 7.754, de 29 de abril de 2014.

Institui o Programa Municipal de Pacificação Restaurativa e dá outras providências.

O PREFEITO MUNICIPAL DE CAXIAS DO SUL. Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei. Art. 1º O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa consiste num conjunto articulado de estratégias inspiradas nos princípios da Justiça Restaurativa, abrangendo atividades de pedagogia social promotoras da Cultura de Paz e do Diálogo, e implementadas mediante a oferta de serviços de solução autocompositiva de conflitos.

§ 1º O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa será regido pelos seguintes princípios e objetivos:

I - integração interinstitucional e transversalidade com relação ao conjunto das políticas públicas;

II - foco na solução autocompositiva de conflitos e problemas concretos;

III - abordagem metodológica dialogal, empática, não persecutória, responsabilizante sem culpabilização, capaz de assegurar espaços seguros e protegidos que permitam o enfrentamento de questões difíceis;

IV - participação direta dos envolvidos, mediante a articulação e das micro-redes de pertencimento familiar e comunitário em conjunto com as redes profissionalizadas;

V - experiência democrática de participação ativa e da Justiça como Direito à Palavra;

VI - engajamento voluntário, adesão, auto-responsabilização;

VII - deliberação por consenso;

VIII - empoderamento das partes, fortalecimento dos vínculos, coesionamento do tecido social e construção do senso de pertencimento e de comunidade; e

IX - interrupção das espirais conflitivas como forma de prevenir e reverter as cadeias de propagação da violência.

§ 2º Para efeitos de divulgação, o Programa e os serviços de solução autocompositiva de conflitos de que trata esta Lei serão denominados, de forma abreviada, respectivamente, de Caxias da Paz e de Centrais da Paz.

Art. 2º O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa será promovido mediante a mobilização e integração de diferentes políticas setoriais, notadamente as de segurança, assistência social, educação, saúde e justiça, e em colaboração entre diferentes setores institucionais, com ênfase no âmbito da Administração Municipal, do sistema de justiça e da sociedade civil organizada.

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Art. 3º O processo de articulação e mobilização intersetorial e interinstitucional de que trata o art. 2º, no âmbito da Administração Municipal, será referenciado junto à Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social.

Art. 4º O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa será executado pelos seguintes órgãos e instâncias de colaboração:

I - Conselho Gestor;

II - Comissão Executiva;

III - Núcleo de Justiça Restaurativa;

IV - Centrais de Pacificação Restaurativa;

V - Comissões de Paz; e

VI - Voluntariado.

Art. 5º O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa será regido por um Conselho Gestor nomeado pelo Prefeito, através de Decreto, como órgão consultivo e controlador das respectivas ações, o qual será composto por representações dos órgãos municipais e dos demais segmentos envolvidos mediante convite e na forma do respectivo Regimento Interno.

§ 1º O Conselho Gestor tem por objetivos:

I - promover a integração entre as instituições mantenedoras, executoras e apoiadoras do Programa de Pacificação Restaurativa;

II - subsidiar o planejamento e supervisionar a execução do Programa de Pacificação Restaurativa;

III - atuar no acompanhamento, fiscalização e avaliação do atendimento prestado no âmbito dos órgãos a que se encontre afeta a execução do Programa Pacificação Restaurativa;

IV - estimular amplo processo de construção e mobilização social, abrangendo de forma integrada as políticas de justiça, segurança, assistência, educação e saúde, sem exclusão de outras relacionadas, e das instituições da sociedade civil organizada, em torno dos objetivos do Programa de Pacificação Restaurativa;

V - atuar junto aos órgãos públicos, a iniciativa privada e a população em geral, no sentido de buscar a participação e contribuição para incrementar o Programa de Pacificação Restaurativa; e

VI - desenvolver pesquisas operacionais, formações de recursos humanos e campanhas de esclarecimentos visando à promoção da paz e prevenção da violência e da criminalidade com fundamento nos princípios e práticas da Justiça Restaurativa.

§ 2º Compete ao Conselho Gestor:

I - participar do planejamento e supervisionar a execução do Programa de Pacificação Restaurativa do Município de Caxias do Sul;

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II - acompanhar e promover estudos sobre as condições da promoção da paz e prevenção da violência e criminalidade;

III - solicitar e ter acesso às informações de caráter técnico administrativo, econômico, financeiro e operacional, relativas ao funcionamento dos órgãos encarregados da execução do Programa de Pacificação Restaurativa do Município de Caxias do Sul, e participar da elaboração e do controle da execução orçamentária;

IV - acompanhar, fiscalizar e avaliar as atividades de gestão e assessoramento técnico desenvolvidas pela equipe executiva do Núcleo Municipal de Justiça Restaurativa de Caxias do Sul, bem como o atendimento prestado à comunidade pelas Centrais de Pacificação Restaurativa;

V - participar do desenvolvimento da política de recursos humanos para atuarem na pacificação de conflitos, crimes, violências e promoção da paz;

VI - propor medidas para o aprimoramento da organização e funcionamento do Núcleo e das Centrais de Pacificação; e

VII - elaborar o seu Regimento Interno, definindo os componentes da Comissão Executiva.

Art. 6º O Conselho Gestor designará entre seus membros uma Comissão Executiva, representativa dos parceiros institucionais que se encontram envolvidos direta e efetivamente na execução do Programa Municipal de Pacificação Restaurativa.

Parágrafo único. Compete à Comissão Executiva implementar as decisões e dar os encaminhamentos necessários para o bom exercício das demais atribuições do Conselho Gestor, representando-o e assegurando sua continuidade no intervalo entre suas reuniões ordinárias.

Art. 7º O Núcleo de Justiça Restaurativa será integrado pelos Coordenadores das Centrais de Pacificação Restaurativa, 1 (um) representante das Comissões da Paz e 1 (um) representante dos Voluntários da Paz, bem como por uma assessoria técnica.

Parágrafo único. O Núcleo consistirá num espaço técnico e de gestão, destinado a sediar e referenciar a convergência das contribuições, recursos humanos, materiais, acadêmicos e demais esforços investidos pelo conjunto das instituições parceiras.

Art. 8º As Centrais de Pacificação Restaurativa são os espaços de serviço destinados ao atendimento da população mediante a aplicação dos métodos de solução autocompositiva de conflitos, bem como à difusão dos princípios e das alternativas metodológicas pacificadoras para aplicações em outros âmbitos de convivência social.

§ 1º Ficam criadas as seguintes Centrais de Pacificação Restaurativa:

I - Central Judicial de Pacificação Restaurativa: destinada a atender casos encaminhados pela justiça local. Visa a oferecer atendimento restaurativo a situações de conflitos, litígios, crimes ou atos infracionais que aportam na esfera judicial;

II - Central de Pacificação Restaurativa da Infância e da Juventude: destinada a atender situações encaminhadas pela rede socioassistencial, envolvendo crianças, adolescentes e seu entorno familiar e comunitário. Visa a oferecer atendimento

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restaurativo a situações de conflitos, litígios, crimes ou atos infracionais de menor potencial ofensivo, em situações cuja menor relevância jurídica desaconselhe ou torne desnecessária sua judicialização; e

III - Central de Pacificação Restaurativa Comunitária: destinada a atender situações oriundas da comunidade da Zona Norte da cidade, atuando tanto de maneira preventiva como na busca de pacificação de conflitos já instaurados. Visa a oferecer atendimento restaurativo a situações de conflitos e potenciais litígios, crimes ou atos infracionais em situações cuja menor relevância jurídica desaconselhe sua judicialização.

§ 2º Fica autorizado o Poder Executivo a criar outras Centrais de Pacificação Restaurativa destinadas a atender outras áreas territoriais ou segmentos da população, ouvido o Conselho Gestor, independentemente de aprovação legislativa.

Art. 9º As Comissões de Paz constituem espaços informais de estudos e de aplicação das práticas autocompositivas de pacificação de conflitos em atuação no âmbito das instituições públicas, religiosas, organizações da sociedade civil em geral, empresas e comunidades, cuja criação será estimulada mediante a oferta de formações e supervisão técnica do Núcleo de Justiça Restaurativa.

Art. 10. Os Voluntários da Paz são as pessoas físicas formadas, cadastradas e supervisionadas tecnicamente pelo Núcleo de Justiça Restaurativa, dedicadas a atuar voluntariamente na pacificação de conflitos.

Art. 11. O Poder Executivo Municipal, através da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social, de forma compartilhada com suas congêneres no âmbito municipal, e mediante ações compartilhadas e/ou sob conveniamento com as demais instituições parceiras, fica encarregado de viabilizar o Programa Municipal de Pacificação Restaurativa, bem como sua regulamentação.

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Caxias do Sul, 29 de abril de 2014; 139º da Colonização e 124º da Emancipação Política.