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FACULDADE DE DIREITO RENATA LADWIG A (IN)EXISTÊNCIA DE ATO DISCRIMINATÓRIO NA DESPEDIDA DO EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV E DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (SIDA/AIDS) Porto Alegre 2013

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FACULDADE DE DIREITO

RENATA LADWIG

A (IN)EXISTÊNCIA DE ATO DISCRIMINATÓRIO NA DESPEDIDA DO EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV E DA SÍNDROME DA

IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (SIDA/AIDS)

Porto Alegre 2013

RENATA LADWIG

A (IN)EXISTÊNCIA DE ATO DISCRIMINATÓRIO NA DESPEDIDA DO

EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV E DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (SIDA/AIDS)

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis como requisito para conclusão do curso de especialização Lato Sensu em Direito do Trabalho e Previdenciário. Orientadora: Professora Carolina Hostyn Gralha Beck.

Porto Alegre 2013

Dedico este trabalho à minha família: meus pais Nádia e Eduardo, meu irmão Rafael, minha avó Petronilha e meu namorado Felippe.

Agradeço a todos aqueles que contribuem ou, de alguma forma, já contribuíram para a minha formação acadêmica e profissional, principalmente ao meu pai Eduardo. Meu agradecimento especial à professora Carolina Hostyn Gralha Beck, minha orientadora na feitura deste trabalho e também meu exemplo de profissional do Direito, sempre extremamente dedicada ao que faz.

“A maior recompensa para o trabalho do homem não é o que ele ganha com isso, mas o que ele se torna com isso.” (RUSKIN, JOHN. 1819-1900)

RESUMO

O presente estudo busca definir os elementos norteadores que deverão ser

utilizados para a apuração da efetiva ocorrência de discriminação praticada

pelo empregador no ato da despedida imotivada do empregado portador do

vírus HIV e da SIDA/AIDS, bem como elucidar quais as consequências

decorrentes desta constatação. Para tanto, serão analisadas as hipóteses de

despedida discriminatória e as atitudes previstas no ordenamento jurídico pátrio

para reparar o ato da discriminação do empregado, bem como as

características clínicas da referida moléstia e a origem da discriminação em

face de seus portadores. A partir da constatação de que o empregado portador

do vírus HIV e da SIDA/AIDS é alvo de discriminação dentro e fora do ambiente

laboral, serão analisadas as hipóteses de ocorrência e de inocorrência de ato

discriminatório no ato da despedida deste, bem como as conseqüências

jurídicas daí decorrentes. Por fim, será explanado o atual posicionamento da

jurisprudência acerca da problemática trazida a cotejo.

Palavras-chave: Discriminação do empregado. Despedida discriminatória.

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. SIDA. HIV. AIDS. Reintegração no

emprego.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 7

2 A DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA POR ATO DO EMPREGADOR E A

REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO ...................................................................................... 10

2.1 DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA POR ATO DO EMPREGADOR .......................... 10

2.1.1 Conceito e legislação aplicável............................................................................. 11

2.1.2 Situações de práticas discriminatórias legalmente previstas ............................ 16

2.1.3 Sanções previstas na legislação ao empregador que comete ato discriminatório

ao despedir o empregado ................................................................................................. 19

2.2 REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO ........................................................................... 22

2.2.1 A reintegração do empregado vítima de prática discriminatória no ato da

despedida........................................................................................................................... 25

2.2.2 A indenização como alternativa à reintegração................................................... 28

3 A (IN)EXISTÊNCIA DE ATO DISCRIMINATÓRIO NA DESPEDIDA DO EMPREGADO

PORTADOR DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA................................ 32

3.1 A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA – SIDA/AIDS........................ 32

3.1.1 Principais características clínicas ........................................................................ 33

3.1.2 A questão da discriminação do portador do vírus HIV........................................ 36

3.2 A PROVA DA DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA DO EMPREGADO PORTADOR DE

HIV e SIDA/AIDS................................................................................................................. 43

3.2.1 A caracterização da existência de ato discriminatório do empregador na

despedida e as conseqüências decorrentes ................................................................... 46

3.2.2 A caracterização da inexistência de ato discriminatório do empregador na

despedida e as conseqüências decorrentes ................................................................... 54

3.3 EXPOSIÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA MATÉRIA ... 56

3.3.1 Os Tribunais Regionais do Trabalho .................................................................... 58

3.3.2 O Tribunal Superior do Trabalho .......................................................................... 62

4 CONCLUSÃO................................................................................................................ 65

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 70

7

1 INTRODUÇÃO A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS) é uma patologia

adquirida pela pessoa contaminada pelo vírus HIV, o Vírus da Imunodeficiência

Humana, que, em vista de suas características clínicas, é capaz de causar grande

impacto à saúde e às condições físicas da pessoa do trabalhador, notadamente por

se tratar de doença com um histórico de preconceito e de forte discriminação em

face de seus portadores.

Especificamente no âmbito das relações de emprego, uma das formas de

discriminação do empregado soropositivo é a despedida discriminatória praticada

por ato de seu empregador – tema abordado por esta pesquisa.

Em que pese a discriminação do portador de HIV venha sendo rechaçada e

gradativamente combatida em nosso Estado Democrático de Direito, na busca pela

tutela do Princípio Constitucional da Igualdade, a questão da despedida

discriminatória do portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS ainda se mostra delicada

em razão da prova da efetiva existência de ato com esse conteúdo ser fato de difícil

elucidação.

À míngua de uma legislação específica que ampare o empregado soropositivo

no tocante à proteção em face das práticas discriminatórias, inclusive quanto à

proteção em face da despedida arbitrária ou abusiva, a doutrina e a jurisprudência

vêm exercendo importante papel ao tratar de um tema sobre o qual paira, ainda,

grande controvérsia jurídica, inclusive no que diz respeito aos critérios que serão

utilizados para a feitura da prova do ato discriminatório.

Assim, tendo que vista que a legislação que ampara a política de combate à

discriminação nas relações de trabalho, qual seja, a Lei 9.029/95, não trata

especificamente do portador de HIV e também não traz critérios objetivos para a

constatação da ocorrência da efetiva discriminação em face dele, mormente no que

diz respeito ao tema ora abordado, somado ao fato de que a prova da ocorrência de

discriminação no âmbito da relação de emprego é fato de difícil elucidação, serão

analisados neste estudo os elementos que servirão de norte para a apuração e a

constatação da efetiva ocorrência de discriminação no ato da despedida do

empregado portador de SIDA/AIDS e do vírus HIV. Serão abordadas também as

consequências jurídicas da constatação da efetiva ocorrência de discriminação e, a

8

contrario sensu, da inexistência de ato discriminatório do empregador ao despedir

imotivadamente o empregado soropositivo.

Nesse contexto, duas são as hipóteses trazidas a cotejo nesta oportunidade,

capazes de sanar a celeuma existente.

Caracterizada a ocorrência de discriminação no ato da despedida do

empregado soropositivo, por força da possibilidade de aplicação analógica do artigo

4º da Lei 9.029/95, terá este direito a ser reintegrado no emprego, podendo, ainda,

optar pelo recebimento de indenização substitutiva como alternativa à reintegração.

Do contrário, evidenciada a inocorrência de discriminação do empregador no

ato da despedida, este ato será considerado válido para todos os efeitos legais, sem

qualquer ônus para o empregador, tento em vista que a denúncia vazia do contrato

de trabalho, por meio da despedida imotivada ou sem justa causa, é direito

potestativo seu.

A partir da explanação destas duas hipóteses de solução da problemática

exposta, serão trazidas, neste estudo, as justificativas doutrinárias e jurisprudenciais

para a aplicação de uma ou de outra ou, ainda, de parte de cada uma delas, ao caso

tratado nesta pesquisa.

Para tanto, a presente monografia foi dividida em quatro capítulos, a saber:

(1) Introdução; (2) A despedida discriminatória por ato do empregador e a

reintegração no emprego; (3) A (in)existência de ato discriminatório na despedida do

empregado portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; (4) Conclusão.

O capítulo referente à despedida discriminatória por ato do empregador e a

reintegração no emprego apresenta tópicos relativos aos principais conceitos

necessários ao entendimento do tema proposto, como a definição de despedida

arbitrária ou discriminatória e das formas de discriminação atualmente previstas na

legislação brasileira, bem como das sanções previstas ao empregador que comete

ato discriminatório e de que forma se dá a reintegração no emprego do empregado

que sofreu a discriminação no ato da despedida, além de abordar a questão relativa

à substituição da reintegração por indenização pecuniária correspondente.

Seguindo-se a linha desta pesquisa, no terceiro capítulo buscou-se a

abordagem da questão específica da despedida discriminatória em face do

empregado portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS, apontando-se, de início, a

questão das características clínicas da doença e do efeito social dela decorrente,

com ênfase na questão da discriminação, e, a seguir, os elementos que possibilitam

9

a constatação da efetiva ocorrência, ou não, no caso concreto, de ato discriminatório

do empregador ao despedir, bem como as consequências jurídicas daí decorrentes,

com a análise da problemática trazida a estudo sob a ótica da doutrina e da

jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do

Trabalho.

10

2 A DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA POR ATO DO EMPREGADOR E A REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO

O Direito do Trabalho é um ramo do Direito que, desde os primórdios de sua

construção e de seu desenvolvimento no Brasil, possui forte cunho protetivo em

relação aos sujeitos da relação de emprego, em especial no que pertine à figura do

empregado, que foi identificado como sujeito hipossuficiente da relação de

emprego1.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico trabalhista vem sendo construído, ao

longo de sua evolução, de forma a rechaçar qualquer tipo de prática discriminatória

nas relações empregatícias, dentre as quais está o ato da despedida realizada por

motivo de cunho discriminatório da pessoa do empregado pelo seu empregador.

Ocorre que, nos casos em que constatada a ocorrência de prática

discriminatória nas relações de emprego, o ordenamento jurídico trabalhista, com

base na atual legislação e amparado pela doutrina e pela jurisprudência, tem

admitido como solução a reintegração do empregado no emprego, com seu retorno

ao posto de trabalho como se a despedida – considerada abusiva em razão da

prática discriminatória – jamais tivesse ocorrido.

O presente estudo busca abordar, neste capítulo, a questão da ocorrência da

despedida discriminatória e a solução encontrada pelo ordenamento pátrio para

amenizar, ou, ainda, extinguir, esta prática tão combatida no âmbito das relações de

emprego.

2.1 DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA POR ATO DO EMPREGADOR

Em que pese a tentativa de amparo total do empregado em face de práticas

discriminatórias ocorridas durante a prestação do trabalho, mormente no que tange

à despedida com tal cunho, essa situação é frequentemente constatada no âmbito

das relações de emprego.

1 Para Maurício Godinho Delgado, a noção de hipossuficiência do empregado e de necessidade de tutela obreira nada mais é do que conseqüência da reconhecida desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego. DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 198.

11

Não se pode negar que, considerando-se o empregado como parte

hipossuficiente da relação de emprego, como já mencionado, ele está sujeito aos

abusos de poder que eventualmente possam ser praticados pelo seu empregador,

dentre os quais está a prática de ato que interfira diretamente na relação de

emprego em razão de motivo discriminatório.

A discriminação do obreiro pelo seu empregador trata-se de prática ainda

mais grave contra a pessoa humana, em razão da posição em que os referidos

sujeitos – discriminador e discriminado – encontram-se na relação de emprego,

posto que um - o empregador - está em posição de superioridade hierárquica e

econômica em relação ao outro - o empregado.

Por tal razão, o legislador se preocupou em tutelar de forma específica o

empregado no tocante aos casos de discriminação ocorrida no ato da admissão,

durante ou ao término da relação de emprego, contando o empregado, assim, além

da proteção à sua dignidade como pessoa humana2, constitucionalmente

assegurada a todos, com um aparato específico de princípios e normas criadas

especialmente com o objetivo de tutelar a sua dignidade em tal condição,

protegendo-o de qualquer prática discriminatória que possa vir a sofrer nesse âmbito

o que será adiante exposto.

2.1.1 Conceito e legislação aplicável

A Constituição Federal de 1988, no caput do seu artigo 5º, positivou o

Princípio da Igualdade, ressaltando que “todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza”.

Ressalta-se, contudo, que o intuito da norma não consiste em, no sentido

literal da interpretação do referido artigo, tratar a todos exatamente da mesma forma.

Atualmente, já se consolidou o entendimento de que todos deverão ser tratados de

forma igual, porém consideradas, para o seu tratamento, as suas desigualdades.3

2 A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental constante no rol do art. 1º da Constituição Federal de 1988, in verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. [...]” (grifou-se) 3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 3a ed., 1993.

12

A efetiva discriminação ocorrerá quando constatada uma conduta, comissiva

ou omissiva, que enseje no estabelecimento de diferenças que violem os direitos da

pessoa humana levando-se em conta critérios injustificados ou injustos, tais como

raça, sexo, idade, opção religiosa, entre outros4.

Alice Monteiro de Barros elenca com propriedade as principais razões que

ensejam no ato de discriminar:

Para se conhecer bem a discriminação, não basta identificar suas manifestações, mas principalmente as razões que a ensejam, as quais poderão ser arroladas da seguinte forma: o ódio, a “superioridade racial”, a antipatia, os preconceitos, a ignorância, o temor, a intolerância e a política meditada e estabelecida. [...] Conclui-se, portanto, que a discriminação funda-se em fatores de cunho psicossocial, educacional ou econômico, daí a dificuldade de eliminá-la.5

Ocorrerá discriminação, portanto, quando uma pessoa violar a dignidade de

outra, desconsiderando o conteúdo do princípio da igualdade, tratando, pois, de

forma desigual alguém a quem não se justifica este tipo de tratamento na ocasião e

por razão que não possua qualquer fundamento razoável quando posta em

contraponto com o tratamento justo e digno garantido à pessoa humana.

No que diz respeito à discriminação nas relações de trabalho, a Convenção

nº. 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de junho de 1958, que

entrou em vigor no plano internacional em 15 de junho de 1960 e foi ratificada pelo

Brasil em 26 de novembro de 19656, conceituou-a da seguinte forma em seu artigo

1º:

Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Estado Membro interessado depois de

4 MALTA, Elisa Maria Brant de Carvalho; CARLOS, Vera Lucia. A discriminação do trabalhador portador do vírus HIV/AIDS no emprego e seu direito à reintegração. Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria Geral do Trabalho – Ano 1, n. 1 (mar. 1991) – Brasília: Procuradoria Geral do Trabalho, 1991 – v. Semestral, p. 49. 5 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2007, p. 1100. 6 As convenções são um ato-condição, o que significa que da adesão de um país a um ato legislativo preexistente, decorrem obrigações de cumprir os tratados. MORELLET, Jean. Un type original de Traités: Lês Conventions Internationales du Travail. Revue critique de droit international privé (janvier-mars, n. 1), 1938, p. 20. Apud BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2007, p. 90.

13

consultadas as organizações representativas de patrões e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

A referida Convenção, entretanto, excluiu das hipóteses de discriminação, no

inciso segundo do artigo 1º, “as distinções, exclusões ou preferências fundadas em

qualificações exigidas para determinado emprego” e, ainda, em seu artigo 4º, “as

medidas tomadas contra uma pessoa que, individualmente, seja objeto da suspeita

legítima de se entregar a uma atividade prejudicial à segurança do Estado”.

Acerca da importância da tutela do empregado contra as práticas

discriminatórias, veja-se o que refere Amauri Mascaro Nascimento:

O direito de não ser discriminado é um dos principais direitos fundamentais do trabalhador. Discriminação é toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, estado civil, opinião política, origem social ou nacional que tenha por finalidade anular a igualdade de oportunidades, de tratamento e de resultados no emprego.7

Ademais, não se pode esquecer que o trabalho digno é um direito social

constitucionalmente assegurado, na forma do que prescreve o art. 6º, caput, da

Constituição Federal, além do que a valorização do trabalho humano também é um

direito assegurado pelo art. 170, caput, da Carta Magna.

Ressalta-se, ainda no âmbito constitucional, a existência de garantias

específicas à pessoa do trabalhador, na forma do que dispõe o art. 7º, da

Constituição de 1988, dentre as quais se encontra a proibição de discriminar.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, “a Constituição de 1988 surgiu

como o documento juspolítico mais significativo já elaborado na história do país

acerca dos mecanismos vedatórios a discriminações no contexto da relação de

emprego”.8

Já no âmbito infraconstitucional, a Consolidação das Leis do Trabalho trouxe

uma gama ainda maior de proteção ao trabalhador contra a discriminação.

O parágrafo único do artigo 3º da norma consolidada, por exemplo, proíbe as

distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, bem como a

distinção entre o trabalho intelectual, técnico e manual. No mesmo sentido, os

7 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho; relações individuais e coletivas de trabalho. 20 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 457. 8 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 778.

14

artigos 5º e 461, ambos da CLT, proíbem a discriminação por meio da diferenciação

de salários a empregados com trabalho considerado de igual valor.

Ademais, com o advento da Lei nº. 9.029, de 13 de abril de 1995, foi efetivada

mais uma medida de proteção do empregado contra a discriminação nas relações

de trabalho, uma vez que se regulamentou a proibição da exigência de atestados de

gravidez e esterilização, além de proibir, de forma mais ampla, outras práticas

discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de

trabalho.

A referida Lei trouxe também um aparato jurídico para punição do

empregador que venha a praticar qualquer ato discriminatório em face do

empregado, prevendo, além das eventuais sanções sofridas por este na esfera

trabalhista, sanções de cunho civil e penal, inclusive acerca de indenização

pecuniária por eventual dano moral sofrido pelo empregado.

Buscou-se, sobretudo, com a publicação desta lei, dar fim às práticas

discriminatórias corriqueiramente realizadas pelos empregadores em face de seus

subordinados, tanto na admissão, quanto na manutenção dos seus contratos de

trabalho e, constatada sua ocorrência, trazer diversas medidas para amenizar os

danos sofridos pelo empregado, inclusive a reintegração no emprego para os casos

de discriminação no ato da despedida.

Nas palavras de Elisa Maria Brant de Carvalho Malta e Vera Lucia Carlos,

“essa lei não apenas protege a pessoa no seu direito ao trabalho, como resguarda a

sua manutenção e viabiliza a readmissão no caso da relação de emprego se romper

por ato discriminatório nela previsto”.9

Nota-se, a partir do exposto, que o ordenamento jurídico trabalhista vem

combatendo a discriminação no âmbito das relações de trabalho severamente, pois,

além de trazer uma gama de dispositivos inibidores da discriminação nas relações

de emprego, estabelece punições para aqueles que a praticarem e diversas formas

de reparar os danos sofridos pelo empregado vitimado pelo ato discriminatório.

9 MALTA, Elisa Maria Brant de Carvalho; CARLOS, Vera Lucia. A discriminação do trabalhador portador do vírus HIV/AIDS no emprego e seu direito à reintegração. Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria Geral do Trabalho – Ano 1, n. 1 (mar. 1991) – Brasília: Procuradoria Geral do Trabalho, 1991 – v. Semestral, p. 51.

15

Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado concluiu, inclusive, que “a

relevância, no Direito atual, do combate antidiscriminatório erigiu ao status de

princípio a idéia de não discriminação”.10

Qualquer forma de discriminação contra o trabalhador, portanto, estará

violando aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais, amparados ainda pela

Organização Internacional do Trabalho, que asseguram à sociedade e,

principalmente, à pessoa do trabalhador, a ocorrência da prestação de um trabalho

digno.

A despedida discriminatória, por sua vez, ocorrerá nos casos em que o

empregador exercer seu direito à denúncia vazia do contrato de trabalho de forma

abusiva, em razão da prática de ato eivado de alguma forma de discriminação em

face da pessoa do empregado, violando, por conseguinte, aos princípios acima

elencados de proteção à dignidade e à igualdade da pessoa, em especial no

exercício do labor, ou ainda, de acordo com o ilustre entendimento doutrinário acima

trazido a cotejo, ao próprio “princípio da não discriminação”.

Acerca do assunto, Arion Sayão Romita conceitua a despedida abusiva nos

seguintes temos:

Configura-se a despedida abusiva apenas quando a resilição contratual de iniciativa do empregador não se limita ao término do contrato, mas produz um dano ilícito adicional derivado não do ato resilitório em si, porém da carga de antijuricidade complementar que o envolve.11

A despedida discriminatória, portanto, nada mais é do que uma espécie de

despedida abusiva praticada pelo empregador, sendo que a “carga de

antijuridicidade” referida pelo mencionado autor consiste na violação às fortes

proteções existentes atualmente em face da discriminação, nos termos do acima

exposto.

Vale lembrar que, com o advento da Constituição Federal de 1988, em razão

da previsão do inciso I do artigo 7º12, foi assegurado ao empregado o pagamento de

uma indenização compensatória em razão da despedida imotivada ou sem justa

causa, autorizando-se ao empregador a prática desta modalidade de despedida, na

10 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3 ed. – São Paulo: LTr, 2004, p. 774. 11 ROMITA, Arion Sayão. Despedida arbitrária e discriminatória. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 99. 12 Artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; [...]”.

16

forma do que estabelece o artigo 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias.13

A despedida abusiva ocorre justamente quando o empregador exerce de

forma descomedida o direito à despedida sem justa causa de seu empregado, como

é o caso do empregador que dispensa o empregado por razões de cunho

discriminatório.

Trata-se, de fato, de uma linha tênue entre o exercício regular de um direito

potestativo do empregador e a violação dos direitos e garantias individuais da

pessoa do empregado.

A despedida discriminatória, portanto, pode ser definida como uma espécie

de despedida abusiva, oriunda de ato discriminatório da pessoa do empregado pelo

empregador, o qual viola aos preceitos do ordenamento jurídico que protegem a

pessoa do obreiro pregando pelo seu tratamento digno e igualitário, sem distinções

desfundamentadas.

2.1.2 Situações de práticas discriminatórias legalmente previstas

Conforme acima exposto, o ordenamento jurídico brasileiro se desenvolveu

de forma a garantir como princípios básicos da República Federativa do Brasil a

dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os pares, repugnando e punindo

com rigidez a prática de atos de cunho discriminatório.

No âmbito da legislação justrabalhista, o processo evoluiu significativamente

após a ratificação da Convenção nº. 111 da OIT e com a criação das proteções

constitucionalmente previstas, dentre as quais podemos citar os já referidos

princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana (previstos nos artigos 1º e

5º da Constituição de 1988), além da proibição de qualquer discriminação do

trabalhador (artigo 7º, incisos XXX, XXXI e XXXII, do mesmo diploma legal), do

incentivo à valorização do trabalho humano e da redução das desigualdades sociais

e regionais no tocante à organização da ordem econômica do Estado (artigo 173 da

Lei Maior), protegendo-se, inclusive, ao trabalhador estrangeiro residente no país,

13 O artigo 10º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), dispõe o seguinte: “Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o Art. 7º, I, da Constituição: I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no Art. 6º, caput e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966”.

17

incluído no rol de garantias fundamentais previstas no caput do artigo 5º da

Constituição Federal.

Ademais, a Consolidação das Leis do Trabalho, de igual modo, trouxe uma

gama de proibições que ensejam na proteção contra a discriminação do empregado,

conforme exemplificado anteriormente, mormente no que tange ao pagamento de

salários e ao tratamento dado pelo empregador aos seus empregados, nos quais foi

taxativamente vedada qualquer tipo de conduta de caráter discriminatório, podendo

o empregado que se sentir discriminado em relação à prestação do labor, pleitear,

por exemplo, a equiparação de salários, com base no artigo 461 da CLT.14

Na redação da Lei nº. 9.029/95 o legislador se preocupou em elencar diversas

formas de discriminação que podem ocorrer no âmbito da relação de emprego, a fim

de chamar a atenção para a importância de combatê-las, além de implantar diversas

medidas para auxiliar nesse combate, reduzindo o direito potestativo do empregador

no que tange à despedida imotivada em contraponto com o direito do trabalhador à

manutenção de sua dignidade como pessoa e ao “princípio da não discriminação”.

No artigo 1º, a referida Lei proíbe imperativamente “a adoção de qualquer

prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou

sua manutenção” elencando as espécies de discriminação do trabalhador como

aquelas ocorridas “por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação

familiar ou idade”. Ressalvou, contudo, as hipóteses de proteção ao menor,

constitucionalmente previstas, o que se mostra pertinente em razão de que o menor

está em situação diferenciada em relação aos demais trabalhadores, tanto no que

diz respeito às condições físicas, quanto no que tange ao seu estado e

desenvolvimento psicológico.

Tem-se, no mencionado artigo, então, a previsão de discriminação da pessoa

do empregado em razão de gênero ou opção sexual, origem, raça, cor ou estado

civil, além da situação familiar ou da idade.

14 Art. 461, da CLT, in verbis: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. § 1º - Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos. § 2º - Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento. § 3º - No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antingüidade, dentro de cada categoria profissional. § 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial”.

18

As situações elencadas acima se tratam de formas de discriminação

corriqueiramente constatadas, tanto em relação ao empregado e ao empregador,

quanto às demais pessoas entre si, razão pela qual se percebe que o legislador

buscou estabelecer, de início, a proteção do empregado contra as principais formas

de discriminação.

Ocorre que existem situações específicas, às quais os empregados são

corriqueiramente submetidos, que fogem desta gama prevista logo de início pela

referida Lei. Por essa razão, no artigo 2º, o legislador se preocupou em destacá-las,

conferindo a estas situações o status de crime. Veja-se a redação do mencionado

artigo:

Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez; II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem; a) indução ou instigamento à esterilização genética; b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS). [...]

Em suma, estão legalmente previstas situações de prática discriminatória em

razão de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, idade, além da

exigência de teste, exame, perícia, laudo, declaração ou qualquer outro

procedimento relativo à esterilização ou estado de gravidez, bem como a adoção de

medida em face do empregado com intuito de instigar ou induzir à esterilização

genética ou promoção do controle de natalidade.

Destaca-se que o rol trazido pela Lei 9.029/95 é exemplificativo, uma vez que

o próprio caput do seu artigo 1º veda a adoção de qualquer prática discriminatória. A

par das constantes mudanças sociais pelas quais se passa, o legislador deixou

aberta à discussão a questão da tipificação de uma conduta discriminatória, de

modo que a doutrina e a jurisprudência se tornaram importantes meios de

interpretação e de efetivo reconhecimento das práticas discriminatórias em face dos

empregados.

Por fim, frisa-se que a Lei 9.029/95 trata de casos de discriminação ocorridos

em relação a critérios e admissão e também de manutenção do emprego, razão pela

qual se mostra oportuna a sua análise em relação ao ato da despedida

19

discriminatória do empregado, visto que as suas previsões podem se enquadrar

também nesta modalidade de conduta discriminatória.

Nesse sentido, o artigo 4º da lei trata especificamente dos casos de

rompimento da relação de emprego por ato discriminatório, elencando os direitos do

empregado e os deveres legais do empregador nos casos em que ocorrida a

despedida discriminatória, o que será detalhadamente abordado nos tópicos

seguintes do presente estudo.

2.1.3 Sanções previstas na legislação ao empregador que comete ato discriminatório ao despedir o empregado

Constatada a ocorrência de discriminação do empregado no ato da

despedida, ou seja, constatando-se que o empregador despediu seu empregado

tomado por razões de cunho discriminatório, agindo assim com o já referido abuso

de seu direito potestativo à denúncia vazia do contrato de trabalho, incidem sobre

esta situação as sanções previstas na legislação.

A Lei nº. 9.029/95 trouxe a previsão da reintegração do empregado vítima de

ato discriminatório ao emprego, ou, alternativamente, o pagamento pelo empregador

de uma indenização no valor equivalente ao dobro da remuneração referente ao

período de afastamento do empregado, na forma do que dispõe o seu artigo 4º, in

verbis:

O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Da breve análise do caput do supracitado artigo, é possível se constatar que a

incidência de uma ou de outra penalidade é faculdade dada ao empregado, que

poderá escolher o que melhor lhe convier: a reintegração ao emprego, ou, ainda, o

pagamento de indenização pecuniária.

A faculdade da manutenção do contrato de trabalho é dada ao empregado

que foi vítima do ato discriminatório, e não ao empregador que o cometeu, tendo em

20

vista o evidente objetivo de reparação do dano sofrido à dignidade do empregado

que, muitas vezes, pode continuar sendo reiteradamente cometido caso seja este

recolocado em seu posto de trabalho.

Ademais, a referida lei se preocupou em esclarecer que a fixação de tal

penalidade em face do empregador não afasta o direito do empregado de buscar a

reparação por eventuais danos morais sofridos em razão da discriminação.

Aplicáveis à espécie, portanto, também as disposições dos artigos 186 e 927 do

Código Civil Brasileiro.15

A reparação moral se justifica, sobretudo, pelo fato de que o ato

discriminatório que culmina com a fraude de uma dispensa imotivada do trabalhador

atinge diretamente aos direitos de personalidade deste.16

Além de todo o acima exposto, a Lei 9.029/95 tipificou como crime as

condutas discriminatórias previstas no seu artigo 2º, acima transcrito, impondo pena

de um a dois anos e multa para aqueles que venham a praticar qualquer delas em

face do empregado.

O dispositivo elencou como possíveis sujeitos ativos dos referidos crimes,

além da pessoa física empregadora, o representante legal do empregador e o

dirigente de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta

e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios, na forma do parágrafo único do referido diploma legal.

Por fim, no artigo 3º da Lei 9029/9517, o legislador concedeu, ainda, sem

prejuízo das penalidades previstas no artigo 2º ou na legislação em geral - que

tipifica os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça ou cor -, a possibilidade

de cominação das penalidades de multa administrativa (que poderá ser aumentada

em caso de reincidência) e a proibição do empregador de obter empréstimo ou

financiamento junto a instituições financeiras oficiais.

15 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [...] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. [...] 16 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada do portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p. 87. 17 Lei 9029/95, art. 3º. “Sem prejuízo do prescrito no art. 2o e nos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça ou cor, as infrações do disposto nesta Lei são passíveis das seguintes cominações: I - multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência; II - proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais”.

21

Constata-se, por todo o exposto, uma gama de sanções aplicáveis ao

empregador que comete ato discriminatório, sobretudo quando incorre em abuso de

direito na dispensa imotivada do empregado em razão de discriminação.

A legislação trabalhista garante ao empregado a reintegração ou uma

indenização equivalente aos salários do período de afastamento, sem prejuízo,

entretanto, da responsabilização civil e penal do empregador pela prática do ato

discriminatório.

Trata-se, em verdade, de muito mais do que uma reparação ao empregado

lesado, mas também de uma forma punitivo-pedagógica de advertir o empregador

quanto à prática da conduta discriminatória.

Nesse sentido, destaca-se a atuação do Ministério Público do Trabalho, que

possui a atribuição, na forma do que dispõem os artigos 83 e 84 da Lei

Complementar nº. 75, de 1993, de zelar e de intervir para que seja assegurada a

observância dos direitos sociais dos trabalhadores.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a atuação do Parquet

laboral como órgão agente ganhou destaque, mormente no que diz respeito à

defesa dos interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos, dentre os quais

está o combate à discriminação da pessoa do trabalhador, sendo o ajuizamento da

Ação Civil Pública o meio utilizado para a proteção dos interesses dos trabalhadores

no âmbito das relações trabalhistas18.

Além disso, a atuação do Órgão Ministerial também poderá ocorrer no âmbito

extrajudicial, por meio da instauração de procedimentos investigatórios e inquéritos

civis, que possuem a finalidade de averiguar condutas irregulares cometidas em

prejuízo dos trabalhadores, podendo celebrar Termos de Ajustamento de Conduta –

os TAC´s, que possuem força de título executivo extrajudicial perante a Justiça do

Trabalho – nos quais os infratores se comprometem a cessar eventuais condutas

danosas praticadas em face da categoria obreira. Usualmente, os referidos Termos

possuem a cominação de altas multas para o caso de descumprimento das

obrigações nele ajustadas, como forma de tentar coibir a reincidência do

empregador infrator nas mesmas penalidades, as quais serão revertidas para o

Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

18 SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. 5. ed. São Paulo: Método, 2009, p. 83.

22

Nota-se, desse modo, a comunicação ocorrida entre os diferentes ramos do

Direito na situação em análise, a fim de garantir ao empregado a tutela de seus

direitos de todas as formas legalmente previstas, sem prejuízo de qualquer delas,

além de assegurar a aplicação da sanção adequada ao empregador que comete o

ato abusivo a fim de desencorajar a prática do ato de natureza discriminatória.

2.2 REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO

A reintegração do empregado ao emprego é a forma atualmente prevista no

ordenamento jurídico trabalhista para sanar a violação às normas legais no que

tange à irregularidade da despedida imotivada por ato do empregador.

Tendo em vista que a lei prevê as hipóteses em que poderá ocorrer a

extinção do contrato de trabalho por ato do empregador, ocorrendo esta extinção de

forma irregular ou ilegal, a reintegração é medida que se impõe ao empregador

como forma de sanar o vício ocorrido no aspecto.

Pode-se citar como exemplo de casos de limitação à dispensa imotivada

(também chamada sem justa causa) por ato do empregador, conforme os

ensinamentos de Maurício Godinho Delgado, as situações de estabilidade, de

garantias provisórias de emprego e as situações de suspensão ou interrupção do

contrato de trabalho19.

As situações de estabilidade no emprego são aquelas advindas das seguintes

circunstâncias fático-jurídicas: a estabilidade celetista, na forma do artigo 492, da

CLT20, alcançada após dez anos de serviço, hoje superada pelas disposições da

Constituição de 1988, que revogou o referido artigo com a implementação

obrigatória do regime do FGTS para todos os empregados; a prevista no artigo 19

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)21, que concedeu a

estabilidade aos servidores públicos civis em exercício há pelos menos cinco anos

19 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3 ed. – São Paulo: LTr, 2004, p. 1156-1160. 20 CLT, art. 492, caput - O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. 21 ADCT, art. 19 - Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no Art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público

23

quando da promulgação da Constituição; a estabilidade prevista no artigo 41 da

Constituição de 198822, sob a qual paira grande controvérsia acerca de sua

extensão, ou não, aos empregados públicos (concursados, mas que mantém relação

de emprego com a administração pública na forma da CLT), citada aqui apenas para

fins exemplificativos; e, por fim, a estabilidade decorrente de ato empresarial, que,

para Maurício Godinho Delgado, é considerada válida, do mesmo modo que aquelas

estabilidades deferidas por normas estatais.23

Já as situações de garantia no emprego, também chamadas de “estabilidades

provisórias”, são aquelas que decorrem de circunstâncias transitórias e que

asseguram a manutenção do empregado no emprego em razão delas.

Podemos elencar as seguintes situações de estabilidade provisória: a

concedida ao dirigente sindical, na forma do artigo 8º, da Constituição Federal e do

artigo 543, da CLT (a partir do registro de sua candidatura até um ano após o final

do mandato); as concedidas pelo artigo 10, II, “a”, do ADCT, ao empregado eleito

para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes (do registro

de sua candidatura até um ano após o término do se mandato) e à empregada

gestante (a partir da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto); ao

empregado acidentado, na forma da legislação previdenciária, nos termos do artigo

118 da Lei 8213/91 (por doze meses, após a cessação do auxílio-doença

acidentário); a do trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado (que só poderá

ser despedido após a contratação de substituto em condição semelhante), na forma

do artigo 93, §1º, da Lei 8213/91; aos empregados representantes dos trabalhadores

no Conselho Nacional da Previdência Social (desde a nomeação até um ano após o

término da representação), conforme inteligência do artigo 295, II, “b” do Decreto

30.048/99; aos empregados de empresas eleitos diretores de sociedades

cooperativas, na forma do artigo 55 da Lei 5764/71 e da OJ nº. 253 da SDI-I; e, por

fim, os representantes dos empregados nas Comissões de Conciliação Prévia, na

forma do artigo 625-B, da CLT, conforme redação da Lei 9958/00.

22 CF/88, Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. 23 A justificativa apresentada pelo Ilustre Jurista mencionado é a seguinte: “[...] não se pode considerar inválida, em princípio, estabilidade concedida pela estrita vontade unilateral do empregador, ou ajustada por acordo bilateral [...] Afinal, o Direito do Trabalho admite estipulações mais favoráveis ao obreiro, quer oriundas de ajustes bilaterais, quer decorrentes de simples atos unilaterais do empregador [...]” DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3 ed. – São Paulo: LTr, 2004, p. 1246.

24

No tocante à suspensão e interrupção do contrato de trabalho, estas vedam o

direito do empregador à denúncia vazia do contrato (dispensa imotivada ou sem

justa causa) porquanto são situações em que os efeitos contratuais estão sustados

por certo período de tempo, tendo em vista situação particular a determinado

contrato de trabalho, sendo proibida a resilição do contrato enquanto a referida

situação perdurar.

Enquanto na suspensão do contrato de trabalho não há prestação de labor e

nem pagamento de salários, como é o caso do afastamento do obreiro para

prestação de serviço militar, por exemplo; na interrupção do contrato de trabalho, a

contrario sensu, o empregado continua a ser remunerado, como é exemplo o típico

caso da concessão de férias e do repouso semanal remunerado.

O importante é que, em ambos os casos, é vedado ao empregador proceder

na despedida imotivada ou sem justa causa, porquanto os efeitos do contrato de

trabalho se encontram temporariamente suspensos ou interrompidos.

Nas palavras de Arnaldo Süssekind24, “a estabilidade tem por finalidade a

sobrevivência do contrato de trabalho, assegurando ao trabalhador o direito ao

emprego, ainda que em caráter transitório sujeito a condição resolutiva”. Nesse

sentido, o referido autor conclui que, nesses casos, “o vínculo contratual deverá ser

restabelecido sempre que rescindido com desatenção às normas legais pertinentes”,

sendo que a forma para que se efetive este restabelecimento é por meio da

reintegração ao emprego.

Na reintegração ao emprego é assegurado ao empregado o seu retorno ao

posto de trabalho, com o cômputo do período de afastamento e o pagamento de

todas as vantagens relativas ao período, como se efetivo serviço tivesse ocorrido,

inclusive com o pagamento dos salários correspondentes ao período.

Na maioria das vezes, o reconhecimento da nulidade da despedida ocorrida

em situações como as acima referidas ocorre via ação judicial, que é interposta pelo

empregado lesado em face do empregador que cometeu o ato abusivo ou ilegal,

sendo a reintegração ao emprego determinada pelo julgador, como é o caso do

julgado cuja ementa está a seguir citada.

24 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2ª. ed. rev. e atualiz. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 397.

25

Dispensa ilegal. Reintegração ao emprego. Verbas de todo período de afastamento. Constatada a dispensa ilegal do empregado, com a determinação de reintegração ao emprego, são devidas todas as verbas trabalhistas desde o afastamento do trabalhador, eis que a ilegalidade não se consumou com a formação do litígio em torno do tema, mas da ilegalidade da dispensa do reclamante.25

Ademais, a fim de garantir a efetivação da reintegração do empregado, o

artigo 729, da CLT, prevê a aplicação de multa ao empregador que descumprir a

ordem judicial de reintegração no emprego.

A norma consolidada previu, ainda, no artigo 496, a conversão da

reintegração em indenização em dobro nos casos em que o retorno do empregado

ao posto de trabalho for desaconselhado “dado o grau de incompatibilidade

resultante do dissídio”, especialmente se for o empregador pessoa física.

Os dispositivos referidos acima vieram, mais uma vez, a resguardar a pessoa

do empregado que, além de já ter sido alvo de ato ilegal por parte do empregador,

pode ainda encontrar resistência em ser restabelecido em seu posto de trabalho ou,

mais ainda, sentir-se colocado em uma situação constrangedora e humilhante, que

certamente quebraria a confiança necessária ao exercício do labor em proveito de

outrem, no caso de tornar-se insustentável seu retorno ao emprego sem que

houvesses prejuízos à sua dignidade como trabalhador.

Além das situações acima mencionadas de estabilidade, garantias provisórias

de emprego e suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, a reintegração no

emprego tem sido adotada como solução também nos casos de nulidade do ato da

despedida em razão de discriminação do empregador em face do empregado, na

forma como dispõe a legislação, a doutrina e também a jurisprudência, o que será

abordado nos tópicos adiante expostos.

2.2.1 A reintegração do empregado vítima de prática discriminatória no ato da despedida

Em que pese no ordenamento jurídico pátrio atual não haja previsão de

estabilidade ou garantia provisória no emprego ao empregado vítima de prática

discriminatória no ato da despedida, o direito do trabalho, por meio de sua doutrina e

25 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Recurso Ordinário. Processo 01296-2010-678-09-00-8. Acórdão 35647. 2ª Turma, Relator Márcio Dionísio Gapski. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 02/09/2011.

26

jurisprudência, tem garantido a reintegração do empregado no emprego nos casos

em que ocorrida esta prática abusiva por parte do empregador.

Conforme abordado anteriormente, o empregador que despede seu

empregado por razões de cunho discriminatório afronta aos princípios e regras

basilares da República Federativa do Brasil, uma vez que a discriminação da pessoa

do trabalhador vem sendo fortemente rechaçada por todos os ramos do Direito.

Desse modo, com a evolução legislativa indo ao encontro de todo o acima

abordado no tocante à proteção contra a discriminação, a Lei 9.029/95 positivou a

previsão de reintegração ao emprego do trabalhador despedido por razão de cunho

discriminatório, na forma do que dispõe o inciso I de seu artigo 4º, que prevê a

reintegração ao emprego com “ressarcimento integral de todo o período de

afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas

monetariamente, acrescidas dos juros legais”.

Inicialmente, ressalta-se que esta previsão não decorre apenas da proteção

contra a discriminação do trabalhador, mas também é uma vertente defensiva do

princípio da continuidade da relação de emprego, segundo o qual “é de interesse do

Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do

trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais”26, pois apenas desse modo o

ordenamento justrabalhista pode assegurar satisfatoriamente melhores condições ao

obreiro, objetivo principal deste nobre ramo do Direito.

Ainda que exista o direito potestativo do empregador em proceder na

despedida imotivada ou sem justa causa, aquele que despede seu empregado por

motivo de cunho discriminatório viola aos direitos fundamentais deste, mormente ao

direito fundamental de igualdade, ou, na nomenclatura utilizada por Maurício

Godinho Delgado, ao próprio “princípio da não discriminação”.

Sendo assim, a referida despedida se torna abusiva, devendo ser

considerada um ato nulo, tendo o empregado, por conseguinte, direito à repreensão

do empregador pelo ato que ocasionou a despedida e também de retorno ao “status

quo ante” da relação jurídica de emprego, qual seja: a reversão da própria

despedida com a sua reintegração no emprego.

De acordo com Arion Sayão Romita, que aborda o tema da despedida

discriminatória:

26 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3 ed. – São Paulo: LTr, 2004, p. 209.

27

A reintegração, no caso, não depende da existência de estabilidade no emprego. [...] O direito de reintegração reconhecido ao empregado encontra apoio não na estabilidade, instituto banido do direito do trabalho brasileiro pela Constituição de 5 de outubro de 1988, mas sim no reconhecimento do direito fundamental de não sofrer discriminação.27

Sendo assim, justifica-se a utilização da reintegração no emprego como forma

de reverter os danos causados ao trabalhador que é demitido por discriminação do

empregador, pois se trata da maneira mais efetiva de solucionar o dano causado ao

obreiro e de assegurar a efetividade das disposições legais existentes contra a

prática de atos discriminatórios e a favor da continuidade das relações de emprego.

Nesse sentido, a busca pela solução do dissídio junto à Justiça do Trabalho

mostra-se o meio mais eficaz de efetivar o direito do empregado discriminado de

retornar ao posto de trabalho, uma que vez a reintegração, na maioria das vezes, só

será efetivada pelo empregador após determinação judicial, sendo feita em juízo a

prova acerca da efetiva ocorrência do ato discriminatório em face do empregado.

Sendo assim, restando provada a efetiva ocorrência da discriminação pelo

empregador no ato da despedida, o empregado deverá ser reintegrado ao emprego,

sendo-lhe assegurado o pagamento, com juros e correção monetária, dos salários

relativos ao período em que ficou afastado em virtude do ato abusivo do empregador

– a despedida.

Ademais, conforme anteriormente mencionado, a Consolidação das Leis do

Trabalho prevê, inclusive, a cominação de multa em caso de descumprimento da

ordem de reintegração no emprego, na forma do artigo 729.

Por fim, ressalta-se que, no tocante ao ônus probatório, na forma do que

prevê o artigo 818 da norma consolidada, “a prova das alegações incumbe à parte

que as fizer”, razão pela qual, via de regra, a discriminação deverá ser comprovada

pelo empregado que ajuizar a demanda pleiteando sua reintegração no emprego.

A referida regra acerca da distribuição do ônus probatório, entretanto, tem

sido relativizada por alguns julgadores singulares, pelos Tribunais do Trabalho e

pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, que, com base nos princípios da

proteção do empregado e do “in dubio pro operario”, tem admitido a inversão do

ônus probatório nos casos de despedida discriminatória, o que será tratado em

27 ROMITA, Arion Sayão. Despedida arbitrária e discriminatória. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 107.

28

maior profundidade adiante, quando da análise detalhada da prova e das decisões

judiciais acerca da temática ora exposta.

2.2.2 A indenização como alternativa à reintegração

Em que pese seja a reintegração admitida como forma de solucionar os

prejuízos causados ao empregado despedido em razão de ato de discriminação por

parte de seu empregador, em algumas situações esta não se mostra adequada.

Nesse sentido, já previa a CLT, para os casos de reintegração de empregado

estável, a possibilidade da conversão do direito à reintegração em indenização

compensatória em pecúnia, nos moldes dos artigos 496 e 497, os quais que se

transcreve a seguir.

Art. 496. Quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em indenização devida nos termos do artigo seguinte. Art. 497 - Extinguindo-se a empresa, sem a ocorrência de motivo de força maior, ao empregado estável despedido é garantida a indenização por rescisão do contrato por prazo indeterminado, paga em dobro.

Assim sendo, quando percebido, ao longo do julgamento da controvérsia, que

a reintegração causaria situação de desconforto entre as partes, em especial à

figura do empregado, a norma consolidada garantiu ao julgador a faculdade de

converter a obrigação de reintegração no emprego em indenização equivalente, a

fim de evitar maiores transtornos e prejuízos à dignidade do empregado, o qual já se

encontra, apenas pelo fato de ter de buscar em juízo a sua pretensão - negada pelo

empregador - em situação delicada, que poderia ser agravada com o comando

imperativo direcionado ao empregador de recolocá-lo no posto de trabalho.

Acerca do assunto, tem-se o comentário do ilustre jurista Clóvis Beviláqua ao

artigo 880 do Código Civil Brasileiro de 191628, no qual ressaltou que “a obrigação

de fazer não pode ser cumprida, violentando-se a vontade do indivíduo, ‘manu

28 Previa o art. 880 do Código Civil Brasileiro de 1916, in verbis: “Art. 880. Incorre também na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor, que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.”

29

militari’ a praticar ato prometido. Se ele se recusa a executar a prestação [...] sua

obrigação resolve-se, então, em perdas e danos”.29

Sendo assim, a conversão da reintegração em indenização pecuniária, na

forma do que já previa a CLT para os casos de “incompatibilidade resultante do

dissídio”, torna-se adequada aos casos em que o empregador se mostra relutante

em reintegrar o empregado, ou, ainda, que o próprio empregado se sinta

constrangido e humilhado em retornar ao posto de trabalho, dada a situação criada

pela instauração de dissídio perante a Justiça do Trabalho.

Em contrapartida, Arnaldo Sussekind ressaltou, acerca do comando do

referido artigo 496 da CLT, que a norma, como mencionado, visou os casos dos

empregados com direito à estabilidade decenal, referindo que “nos casos de

estabilidade provisória, os salários são devidos até o implemento da condição

resolutiva”.30

Em outras palavras, isso significa que a previsão do pagamento de

indenização em dobro aplicava-se apenas aos casos de estabilidade decenal, a qual

não é mais adquirida após a promulgação da Constituição de 1988, que extinguiu

este direito. Para os casos de estabilidade provisória ou garantia temporária do

emprego, a conversão do direito à reintegração no emprego em indenização será

calculada considerando-se os salários devidos até o término do período de garantia

no emprego.

Assim, por exemplo, o empregado eleito para cargo de direção na CIPA

(Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), tem direito, no caso de conversão

do direito à reintegração em indenização, não à indenização do período de garantia

em dobro, mas, sim, ao pagamento de salários e demais vantagens do o período em

que cessou a relação de emprego por meio da despedida abusiva do empregador

até um ano após o término do mandato, na forma da previsão do artigo 10, II, “a”, do

ADCT.

Existem ainda os casos em que o período de estabilidade ou garantia

provisória no emprego já estiver exaurido à época do julgamento do caso, nos quais

igualmente o direito à reintegração deverá ser convertido em indenização, desta vez 29 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil Comentado. vol. XI. São Paulo: Freitas Alves, 1934, p. 25. Apud MAGANO, Octavio Bueno. Estabilidade Provisória: reintegração ou indenização. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região/Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Serviço de Biblioteca e Jurisprudência. v. 1, n. 1, 1976. Curitiba, 1976, p. 79. 30 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2ª. ed. rev. e atualiz. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 398.

30

na forma do que dispõe da Súmula nº. 396 do Colendo Tribunal Superior do

Trabalho, a qual abaixo se transcreve.

Súmula nº 396 - TST - Res. 129/2005 - DJ 20, 22 e 25.04.2005 - Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 106 e 116 da SDI-1 Estabilidade Provisória - Pedido de Reintegração - Concessão do Salário Relativo ao Período de Estabilidade já Exaurido - Inexistência de Julgamento "Extra Petita" I - Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego. (ex-OJ nº 116 - Inserida em 01.10.1997) II - Não há nulidade por julgamento "extra petita" da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT. (ex-OJ nº 106 - Inserida em 20.11.1997)

Dados os referidos precedentes legislativos e jurisprudenciais, no que pertine

especificamente aos casos de despedida discriminatória por ato do empregador em

face do empregado, o legislador, inspirado nas previsões acima referidas,

acrescentou o inciso II ao artigo 4º da Lei 9029/95, no qual previu e já definiu os

moldes de cálculo nos casos da conversão do direito à reintegração em indenização

em pecúnia nestes casos como sendo “a percepção, em dobro, da remuneração do

período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais”.

A única diferença trazida pela Lei 9.029/95 em relação às demais previsões

do ordenamento justrabalhista no tocante ao aspecto ora abordado, qual seja, a

conversão do direito à reintegração em indenização, é de que, nestes casos, o

legislador especificou que a reintegração no emprego ou a conversão dela em

pagamento de indenização é uma faculdade do empregado vítima da prática

discriminatória, sendo este o único requisito estabelecido pela lei para sua

concessão: a escolha do empregado.

Nada se mostra mais justo do que o próprio obreiro, vítima do ato

discriminatório comprovadamente praticado pelo seu então empregador, optar entre

o seu direito de retorno ao emprego – que lhe foi tomado em circunstâncias injustas

e indignas – ou o pagamento de indenização que compense pecuniariamente os

prejuízos sofridos em razão da despedida abusiva praticada pelo empregador e lhe

oportunize ter um suporte financeiro razoável para que possa buscar sua

recolocação no mercado de trabalho sem o risco de ser novamente exposto a

situações vexatórias e humilhantes, resultantes da evidente discriminação que o

empregador alimenta em face de sua pessoa.

31

A doutrina, entretanto, mostra-se controversa no que diz respeito à natureza

desta indenização.

Como ressaltado por Renato Khamis31, a título de exemplo, “Rodolfo

Pamplona Filho entende que essa indenização tarifada diz respeito aos prejuízos de

ordem material com a despedida discriminatória”, em contrapartida, observa a

divergência com João de Lima Teixeira Filho, “que entende ser a indenização

prevista no art. 4º da referida lei o exemplo único de compensação pré-fixada de

dano moral”.

A verdade é que tal controvérsia se mostra irrelevante, tendo em vista o fato

de que a própria Lei 9.029/95, no caput do próprio artigo 4º, que prevê a

possibilidade do empregado em optar entre a reintegração e a indenização, destaca

que a opção da conversão da reintegração em indenização ocorrerá sem prejuízo do

direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo empregado. Tratam-se,

evidentemente, de indenizações com natureza jurídica distinta aquela originada pela

opção do empregado em não ser reintegrado e a decorrente de eventual dano moral

sofrido pelo empregado que venha a ser pleiteada posteriormente.

Certo é que o empregado vítima de prática discriminatória no ato da

despedida efetivamente poderá optar entre o direito à reintegração no emprego ou

ao pagamento de indenização pecuniária como alternativa à reintegração, na forma

do que lhe assegura a previsão da Lei 9.029/95.

31KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada do portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p. 92.

32

3 A (IN)EXISTÊNCIA DE ATO DISCRIMINATÓRIO NA DESPEDIDA DO EMPREGADO PORTADOR DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

Após a análise pormenorizada dos aspetos ensejadores da despedida

discriminatória realizada pelo empregador em face de seu empregado e da

consequência jurídica que decorre da efetiva constatação de sua ocorrência – a

possibilidade de reintegração no emprego – necessário ao estudo da temática

trazida a cotejo neste trabalho a abordagem dos aspectos de maior relevância no

que tange ao contágio pelo vírus HIV e ao desenvolvimento da Síndrome da

Imunodeficiência Adquirida, inclusive no que diz respeito ao surgimento e evolução

da discriminação em face da pessoa do trabalhador.

A partir da referida análise, será possível a abordagem da questão da prova

da ocorrência de discriminação em face do empregado portador de HIV/AIDS, bem

como das conseqüências jurídicas da constatação de sua ocorrência, ou não, no ato

da despedida imotivada ou sem justa causa realizada pelo empregador em face do

empregado soropositivo.

Os referidos temas serão adiante expostos, ressaltando-se a pluralidade de

interpretações dadas às questões decorrentes da problemática trazida a estudo,

bem como se analisando, ainda, a atuação da jurisprudência como forma de

resolução destas questões abordadas, tanto sob a ótica dos Tribunais Regionais do

Trabalho quanto da ótica do Tribunal Superior do Trabalho.

3.1 A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA – SIDA/AIDS

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, conhecida pelas siglas SIDA ou

AIDS32, é uma virose desenvolvida pela pessoa que contrai o vírus conhecido pela

sigla HIV, o “Human Immunodeficiency Virus”, ou, em português, Vírus da

Imunodeficiência Humana.

Trata-se de uma patologia que, em vista de suas características clínicas, é

capaz de causar grande impacto à saúde e às condições físicas da pessoa do

32 “AIDS” é a sigla americana e a mais conhecida para se fazer referência à doença, oriunda da expressão “Acquired Immune Deficiency Syndrome”.

33

trabalhador, além de se tratar de doença com um histórico de preconceito e de forte

discriminação em face de seus portadores.

A seguir, serão abordadas as principais características clínicas e as

consequências sociais decorrentes da manifestação desta doença na pessoa, em

especial no tocante à ocorrência de discriminação no trabalho.

3.1.1 Principais características clínicas

A SIDA/AIDS trata-se de uma espécie de virose que se manifesta no indivíduo

que contrai o vírus HIV e que possui como principal conseqüência o fato de fazer

com que o organismo da pessoa infectada se torne incapaz de produzir os

anticorpos necessários ao combate das potenciais infecções que o corpo humano

pode adquirir ao longo da vida.

João Hilário Valentim33, em sua obra acerca do assunto, remete-nos ao

conceito da doença contido no artigo 3º da Portaria nº. 12, DGS, de 25 de janeiro de

1989, que regulamenta as atividades de perícia médica relacionadas à SIDA/AIDS

no âmbito do Exército brasileiro e que dispõe o a seguir exposto:

É uma síndrome de imunodeficiência secundária causada pelo vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que ocorre usualmente em indivíduos pertencentes a grupos de risco bem definidos, resultando em infecções oportunistas, malignidades e lesões neurológicas.

O referido autor, entretanto, faz uma crítica ao artigo acima exposto que,

muito embora discorra com propriedade acerca do conceito da doença, menciona

“grupos de risco” de transmissão da doença quando, atualmente, já é sabido que o

que efetivamente existem são “comportamentos de risco” de transmissão do vírus

HIV34, como adiante será esclarecido.

No tocante ao vírus HIV, responsável pelo desenvolvimento e evolução da

SIDA/AIDS, encontramos uma boa definição acerca da forma de atuação deste no

organismo humano nos estudos de Clara Pechmann Mendonça:

33 VALENTIM, João Hilário. AIDS e relações de trabalho subordinado: o efetivo direito ao trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. 34 Ibidem, p. 28.

34

[...] atua sobre o sistema imunológico destruindo sua capacidade de defesa, permitindo assim que bactérias, outros vírus, parasitos como fungos e protozoários passem a ser invasores, pela situação orgânica oferecida, provocando o aparecimento de numerosas manifestações que, infalível e implacavelmente, levam à morte.35

Há quatro principais formas de transmissão e de contágio por este tipo de

vírus, quais sejam: por meio da relação sexual; pela transfusão de sangue ou dos

chamados hemoderivados (derivados do sangue); pelo uso compartilhado de

agulhas, seringas ou outros materiais nos quais haja contato com o sangue

contaminado pelo vírus; e, por fim, de mãe para filho, durante o período da gestação

ou da amamentação. A estas formas pode-se acrescentar, ainda, qualquer tipo de

contato com o sangue de pessoas contaminadas através de mucosas ou lacerações

existentes no corpo da pessoa em potencial processo de contaminação. Estas

formas são as chamadas situações ou comportamentos de risco, acima

mencionadas, consolidadas atualmente pela medicina.

A principal preocupação médica quanto à prevenção em relação ao contágio

do vírus HIV, responsável pelo desenvolvimento da SIDA/HIV, é a existência da

chamada “janela imunológica”, que é como é denominado o período pelo qual não

se pode detectar com certeza a existência do vírus HIV no organismo da pessoa,

período este em que os testes anti-HIV apresentarão resultado negativo, mas em

que o vírus pode já estar presente no corpo do indivíduo e já é passível de

transmissão a terceiros.

Acerca do período da “janela imunológica” e da possibilidade de contágio,

Ruth de Gouvêa Duarte esclarece o adiante exposto:

[...] os testes de rotina não indicam diretamente a presença do vírus e sim a presença de anticorpos no sangue. Sendo assim, somente quando houver um nível suficiente de anticorpos é que o teste acusará a presença do vírus. Em algumas pessoas os anticorpos aparecem duas semanas após a penetração do vírus, mas, em média, surgem após seis meses. Alguns estudos indicam que, em certos casos, o vírus teria permanecido até dez anos sem provocar sintomas notáveis e sem ser diagnosticado pelos testes. Ocorre que nesse período é grande o risco de infectar muitas pessoas [...].36

35 MENDONÇA, Clara Pechmann. AIDS: boa informação, melhor proteção. Araraquara: FUNDUNESP, 1992, p. 13. Apud MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006, p. 20. 36 DUARTE, Rute de Gouvêa. Sexo, sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1995, p. 93.

35

Latente é, portanto, a incerteza quanto à ocorrência, ou não, da contaminação

do vírus HIV pela pessoa no período acima referido, o que, consequentemente,

aumenta o risco de exposição e contágio de terceiros pelo vírus, mormente no que

diz respeito aos casos de transfusões de sangue, pois, nos demais casos, existem

outras formas de prevenção eficazes como, por exemplo, o uso de preservativos,

seringas e agulhas descartáveis, esterilização de materiais não descartáveis e etc.

Em vista disso, muitos médicos estão desaconselhando a utilização de bancos de

sangue para os casos de cirurgias programadas, sugerindo a doação autóloga de

sangue37, também chamada de autodoação, como forma de prevenção de

exposição da pessoa a este tipo de risco.

Conforme acima exposto, a SIDA/AIDS é uma virose decorrente da infecção

da pessoa pelo vírus HIV. Ocorre, no entanto, que uma pessoa pode ter contraído e

ser portador do vírus HIV sem que necessariamente esteja acometido de AIDS, e

isso se dá em virtude do período de incubação do vírus, que é variável em relação a

cada pessoa que desenvolve a doença.

Como elucida Regiane Margonar, “a relação entre o vírus HIV e a AIDS é de

causa e conseqüência, ou seja, o vírus HIV é o responsável pelo aparecimento da

doença AIDS”.38

Desse modo, pode-se concluir que uma pessoa pode viver meses, e, em

casos raros, até por anos sem que haja qualquer manifestação da doença

SIDA/AIDS em seu organismo, ainda que esteja contaminada pelo vírus HIV.

Instaurada, entretanto, a SIDA/AIDS no organismo da pessoa, esta passa a

sofrer das suas conseqüências, sendo que a SIDA/AIDS é denominada de síndrome

em razão de ser uma moléstia que pode desencadear várias doenças sucessivas no

organismo da pessoa, uma vez que age enfraquecendo as defesas do organismo e

criando uma verdadeira porta de entrada para o surgimento de infecções e outras

doenças consideradas graves pela medicina contemporânea, podendo levar o

indivíduo contaminado à morte com maior facilidade do que levaria aos indivíduos.

37 De acordo com informações do site da Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas, a autodoção é a coleta prévia do sangue de uma pessoa para uso próprio em uma cirurgia programada, sendo necessária uma solicitação por escrito do cirurgião do paciente, definindo qual a quantidade de sangue necessário, o tipo e data do procedimento cirúrgico. Com esse tipo de doação sangüínea podem ser obtidos concentrados de hemácias e plasma fresco. O volume coletado por unidade é de aproximadamente 450 ml, e todo o material utilizado é estéril, de uso único e descartável. Informação disponível em < http://www.saude.al.gov.br/hemoal/doacaoautologa > Acesso em 10 fev 2013. 38 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006, p. 20.

36

A AIDS atualmente é uma doença sem cura, entretanto, no que tange ao seu

tratamento, a medicina em muito evoluiu e, ainda que não haja até o presente

momento qualquer vacina preventiva para a doença, existe um grupo de

medicamentos que ajuda a amenizar os sintomas da síndrome e que vem

estendendo em muitos anos a sobrevida dos portadores da doença.

De acordo com o que relata José Cabral Pereira Fagundes Junior39, trata-se

de duas classes de drogas, denominadas “inibidores da transcriptase reversa” e

“inibidores da protease”, na adoção de uma chamada “terapia combinada”, que se

popularizou com o nome de “coquetel”.

Os referidos medicamentos são fornecidos de forma gratuita pelo Ministério

da Saúde no Brasil, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a

prescrição do artigo 1º, da Lei nº. 9313/96, sendo os recursos para o custeio desta

medida oriundos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios.

Ademais, tratando especificamente sobre a condição do trabalhador

soropositivo que venha a manifestar a SIDA/AIDS, importante referir que o artigo 1º

da Lei nº. 7670 de 1988 garante o acesso deste ao Sistema Nacional de Seguridade

Social, visto que autoriza a concessão de licença para tratamento de saúde, de

auxílio-doença ou aposentadoria ao segurado filiado à Previdência Social,

independentemente de período de carência, além de garantir a pensão por morte

aos seus dependentes e a possibilidade de levantamento dos valores do Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço independentemente da rescisão do contrato de

trabalho ou de comunicação ao seu empregador.

3.1.2 A questão da discriminação do portador do vírus HIV

A discriminação da pessoa portadora do vírus HIV e da SIDA/AIDS se

disseminou na década de 1980, juntamente com o aparecimento e com a

propagação da doença, principalmente em razão de que os primeiros casos de

pessoas contaminadas pelo vírus HIV – de origem desconhecida - estavam

39 FAGUNDES JUNIOR, José Cabral Pereira. Direito à vida privada e à intimidade do portador do HIV: aspectos constitucionais, Dissertação de mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2001, p. 36. Apud MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006, p. 26.

37

diretamente relacionados a situações como a prática de relações sexuais de cunho

homossexual.

Isso ocorreu desta forma porque os primeiros casos de AIDS - que foram

detectados nos Estados Unidos e na França no início da década de 1980 -

ocorreram em homossexuais do sexo masculino, os quais estavam sendo

acometidos por doenças como pneumonia e tipos de câncer raros, o que

posteriormente foi associado à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

O primeiro caso relatado da doença ocorreu nos Estados Unidos, em 1981,

pelo “Center for Disease Control” de Atlanta, no estado da Geórgia.40

Ademais, além dos homossexuais, outras pessoas foram incluídas nos

chamados “grupos de risco”, que era a denominação dada naquela época às

pessoas do mesmo grupo que se expunham às situações de risco de contágio do

vírus HIV: aquelas que praticavam constante troca de parceiros sexuais e as que

faziam uso de drogas injetáveis, ambas atitudes consideradas grandes tabus sociais

até os dias atuais nos círculos sociais mais conservadores.

A transmissão do HIV e, por conseguinte, o desenvolvimento da AIDS, foi,

portanto, associado às pessoas pertencentes a estes chamados “grupos de risco”,

sendo estas pessoas fortemente discriminadas a partir de então. Tal discriminação

agravou-se pela falta de conhecimento acerca das formas que efetivamente levavam

à transmissão do vírus, ainda muito incertas à época de seu surgimento, e que

fizeram com que a população se afastasse ainda mais dos grupos de pessoas acima

apontados, nos quais a transmissão do vírus e o surgimento da doença ocorreram

pela primeira vez, pois se disseminou a idéia de que tais fatos estavam diretamente

relacionados à convivência nestes grupos.

A doutrina justrabalhista vai ao encontro deste raciocínio, conforme nos

demonstram as palavras de Vera Lúcia Carlos:

O preconceito decorrente da identificação da AIDS como doença associada ao homossexualismo e a desinformação do público em geral sobre a doença fizeram surgir uma forte discriminação contra as pessoas infectadas.41

No mesmo sentido nos expõe Renato Mehanna Khamis:

40 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 97. 41 Ibidem, p. 97.

38

A desinformação é a principal causa do preconceito, mesmo que velado, em relação à pessoa soropositiva e ao doente que já desenvolveu a doença. De início, por volta de 1980, diante das causas desconhecidas que faziam desenvolver a doença, informava-se que ela era relativamente restrita aos chamados “grupos de risco”: homossexuais e usuários de drogas injetáveis. A estigmatização do doente vinha aliada a uma idéia de “castigo divino” que estaria sendo aplicado aos desafortunados, tal qual na Idade Média.42

Atualmente, ainda que tenha sido quebrado o tabu acerca da existência dos

chamados “grupos de risco”, consolidando-se que o que existem são verdadeiras

“situações de risco” às quais qualquer pessoa pode se expor - e não apenas

determinados grupos da sociedade - a discriminação permanece em torno das

pessoas portadoras do vírus HIV.

Como referencia Clara Pechmann Mendonça43, “não há evidência de

transmissão do vírus através do aperto de mão, abraço, beijo social, reuniões,

transporte coletivo, banheiro, trabalho, maçaneta de porta, piscinas, uso de telefone

público, talheres, picadas de insetos, animais domésticos, etc” razão pela qual se

mostra infundada a discriminação ou qualquer forma de exclusão do soropositivo

destas formas de convívio em sociedade.

Ainda assim, mesmo que a medicina hoje afirme com segurança que não há

risco de contrair o vírus por meio do convívio social ou profissional com portadores

do vírus ou da doença já manifesta, grande ainda é a discriminação da pessoa

portadora da doença de modo geral.

Nesse sentido, a discriminação da pessoa portadora do vírus HIV e da

SIDA/AIDS vem sendo combatida, ainda que a passos lentos, em nosso Estado

Democrático de Direito que vem tentando garantir que a tutela do Princípio

Constitucional da Igualdade, expresso no artigo 5º, caput, da Constituição da

República Federativa do Brasil, seja efetivamente garantida aos portadores do vírus

e da doença.

Ainda que o Programa Brasileiro de Prevenção contra a AIDS seja citado

pelos demais países como um exemplo para o continente americano44,

especificamente no âmbito das relações de trabalho, como já mencionado neste

42 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada de portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p.69. 43 MENDONÇA, Clara Pechmann. AIDS: boa informação, melhor proteção. Araraquara: FUDUNESP, 1992, p. 24 Apud MARGONAR, Regiane. O empregador portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006, p. 24. 44 Informação do Jornal Estado de São Paulo, em 09.11.2000 Apud KHAMIS, Renato Mehanna. Dano Moral – dispensa imotivada de portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p. 76.

39

estudo, o Brasil não possui legislação específica no tocante ao combate à

discriminação da pessoa do trabalhador portador de HIV e SIDA/AIDS, utilizando-se

analogicamente e a fim de garantir a tutela deste trabalhador, no que tange à

proibição de discriminar nas relações de trabalho, a proposta da Lei nº. 9.029/95.

Contudo, no ano de 2001, houve a criação do Repertório de Recomendações

Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho, pela Organização

Internacional do Trabalho (OIT), que deve ser observado por todos os países que

têm a OIT como referência e norte para condução dos atos atinentes às relações de

trabalho, como é o caso do Brasil, que já ratificou inúmeras Convenções do Órgão e

as incluiu em seu ordenamento jurídico na busca de relações de trabalho mais justas

e dignas.

O referido repertório, que traz recomendações acerca de como proceder em

relação à ocorrência de HIV e SIDA/AIDS no ambiente de trabalho, possui diversos

princípios-chave, conforme exposto na obra de Magno Luiz Barbosa45, dentre os

quais se destaca o princípio da não discriminação.

Veja-se o que traz o conteúdo do Repertório acerca disso:

No espírito de trabalho decente e em respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa infectada ou afetada pelo HIV/Aids, não deve haver discriminação de trabalhadores com base em situação real ou presumida de HIV. A discriminação e a estigmatização de pessoas que vivem com HIV/Aids inibem os esforços para a promoção da prevenção contra o HIV/Aids.46

Além deste princípio, o Repertório da OIT trata de temas como a

responsabilidade do governo, dos empregadores e dos próprios trabalhadores em

relação à prevenção e ao trato com a presença do vírus e da doença nas relações

de trabalho, tratando-se, portanto, de publicação de vasta importância para o

combate à discriminação do trabalhador soropositivo no ambiente laboral.

Acerca desta publicação, o já mencionado autor Magno Luiz Barbosa

ressalta, em seus comentários, que se trata de documento “avançado, abrangente,

45 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS. Curitiba: Juruá, 2007, p. 110-122. 46 O conteúdo do Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho está disponível no site da OIT em < http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/hiv_aids/pub/repertorio_hivaids_2010_278.pdf > Acesso em 10 fev. 2013.

40

que alcança o cerne do problema instalado na relação empresa/trabalhador portador

de HIV, tão comum nos dias atuais e de difícil equacionamento”.47

A referida publicação está disponível para consulta no site da OIT no Brasil e

serve, portanto, de referência no controle e na evolução das relações de trabalho no

que tange ao empregado soropositivo, inclusive no que diz respeito à questão da

não discriminação.

Não se pode ignorar, porém, a realidade atual do trabalhador brasileiro

acometido pelo HIV e pela SIDA/AIDS.

Quando a realidade do trabalhador brasileiro já se mostra difícil em razão de

existência de um mercado de trabalho extremamente competitivo, no qual apenas os

mais qualificados conseguem se destacar o obter o tão almejado sucesso

profissional, a do trabalhador soropositivo se mostra ainda mais difícil em razão dos

inúmeros percalços adicionais que a doença traz ao seu cotidiano.

Inicialmente, no que tange à própria colocação no mercado de trabalho, o

trabalhador soropositivo poderá enfrentar a discriminação no ato da admissão,

quando da exigência da realização de exames admissionais invasivos e que

exponham a sua condição de portador do HIV perante terceiros.

Acerca disso, ressalta-se a existência da Portaria Interministerial nº. 796 de

1992, editada pelos Ministérios da Saúde e da Educação que proíbe

especificamente a exigência de realização de testes anti-HIV admissionais ou nos

períodos de exames periódicos das empresas, além da já mencionada previsão

genérica existente na Lei nº. 9029/95 no mesmo sentido em relação a adoção de

qualquer prática discriminatória e limitativa do acesso ao emprego.

Nesse sentido, portanto, o médico do trabalho que realizar o exame

admissional deverá se limitar a atestar a aptidão ou inaptidão para o trabalho, sem

que possa exigir do candidato ao emprego a realização de exames a fim de

averiguar a existência de contaminação pelo vírus HIV. Este médico, inclusive, está

proibido pela própria ética médica de praticar tal conduta, uma vez que o artigo 9º da

Resolução CFM 1665/200348, do Conselho Federal de Medicina, proíbe, em razão

do sigilo profissional entre médico e paciente, a transmissão de informações sobre a

47 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS. Curitiba: Juruá, 2007, p. 122. 48 Disponível em < http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2003/1665_2003.htm > Acesso em 11 fev. 2013.

41

condição do portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS, mesmo quando submetido a

normas de empresas públicas ou privadas.

Não está, do mesmo modo, o empregado obrigado, em qualquer hipótese, a

revelar a sua condição de portador de HIV ou da SIDA/AIDS, uma vez que a

Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso X49, garante a todos o direito à

intimidade e à vida privada.

Superada a questão da admissão do soropositivo, temos ainda a questão da

discriminação no próprio ambiente de trabalho. Esta se mostra ainda mais complexa

do que aquela ocorrida na admissão do trabalhador, uma vez que, diferentemente

do primeiro caso, ela poderá ocorrer em relação ao empregador e também em

relação aos colegas de trabalho.

Além da proibição já mencionada de realização de exames a fim de apurar o

HIV durante a realização dos exames periódicos dos trabalhadores da empresa, o

trabalhador poderá enfrentar o preconceito dos próprios colegas de trabalho, caso a

sua condição de soropositivo seja pública ou venha a ser revelada, dificultando o

convívio social e a adaptação e desempenho funcional deste trabalhador.

De encontro ao acima referido, Vera Lúcia Carlos menciona o seguinte:

Os empregados e os próprios colegas dos portadores do HIV mostram-se avessos à idéia de convívio, o que leva à rescisão de muitos contratos de trabalho das pessoas portadoras do vírus. Quando não são despedidas de forma imediata, sofrem a segregação social, a discriminação. Isso faz com que o rendimento e a produtividade dessas pessoas caiam, em decorrência dessa situação a que são submetidas, e elas acabam sendo demitidas.50

Em relação aos colegas de trabalho, na maioria das vezes a discriminação se

dá em razão da ignorância das pessoas acerca das formas de contágio, por não

saberem que o convívio social e o compartilhamento de um local de trabalho em

nada ensejam em risco.

Nesse sentido, Alice Monteiro de Barros refere que, da Declaração da

Reunião Consultiva sobre AIDS no Local de Trabalho, editada pela Organização

Mundial de Saúde (OMS) em parceria com a OIT, na seção II, §4º, pode-se concluir

que “o trabalho não acarreta nenhum risco de contaminação ou transmissão do vírus

49 Artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” 50 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 97.

42

HIV, seja de um empregado para outro, seja de um empregado para um cliente ou

de um cliente para um empregado”.51

Já Magno Luiz Barbosa associa a discriminação dos colegas no ambiente de

trabalho também a fatores diversos, como adiante exposto.

A discriminação do portador de HIV/AIDS no ambiente de trabalho talvez possa ser atribuída à forma deprimente como as primeiras gerações de pessoas infectadas morreram ou pelo fato de ser uma doença transmissível por meio de um vírus, ainda em fase de intenso estudo, que no início se manifestou em grande escala em grupos de pessoas já vítimas de discriminação, quais sejam: os homossexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis.52

Além de todas estas formas de discriminação que o trabalhador soropositivo

pode sofrer ao longo de sua vida laboral, há ainda a questão da despedida

discriminatória, que se dá quando o empregador despede o empregado portador do

vírus HIV e da SIDA/AIDS simplesmente em razão da doença.

Nesses casos, o empregador, ciente da condição do empregado, opta pela

rescisão imotivada do contrato de trabalho (dispensa sem justa causa) para justificar

a despedida e o seu ato discriminatório de não querer mais que o trabalhador lhe

preste serviços simplesmente em razão da doença que sofre, desconsiderados

todos os outros fatores decorrentes do trabalho como, por exemplo, a produtividade

do empregado e a inexistência de faltas disciplinares.

Ocorre que esta é, atualmente, a forma mais complexa de discriminação do

empregado, mormente em razão da falta de amparo legislativo para o

estabelecimento de critérios de prova da ocorrência efetiva do ato discriminatório.

A prova deste ato, pois, é muito mais difícil de ser feita do que, por exemplo, a

exigência de exames admissionais ou periódicos anti-HIV, pois há dificuldades em

comprovar que efetivamente existiu um ato discriminatório por trás do ato da

despedida imotivada ou sem justa causa que, em tese, trata-se de direito potestativo

do empregador.

Constata-se, portanto, que a questão da discriminação do empregado

portador do HIV e da SIDA/AIDS é muito presente no ambiente de trabalho, desde a

admissão até a rescisão do contrato de trabalho, podendo ser praticada tanto pelo

empregador quanto pelos demais trabalhadores, colegas de trabalho do empregado

51 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo:LTr, 2012, p. 939. 52 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS. Curitiba: Juruá, 2007, p. 128.

43

soropositivo, tratando-se de um problema social enfrentado diariamente pelos

referidos empregados que, além de se preocuparem com o tratamento e a evolução

de sua doença, ainda são atingidos pela conduta discriminatória existente na

sociedade atual.

3.2 A PROVA DA DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA DO EMPREGADO PORTADOR DE HIV e SIDA/AIDS

Conforme mencionado, atualmente uma das formas mais complexas de

discriminação em face do empregado portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS é

aquela ocorrida no ato da despedida.

Nesse sentido, verificou-se, a partir do presente estudo, que o ordenamento

jurídico brasileiro, em que pese eleve o direito de não ser discriminado ao “status” de

garantia fundamental da pessoa humana assegurando-o constitucionalmente, ainda

é tímido no que diz respeito ao enfrentamento da questão por meio da legislação,

ante a ausência de normas específicas destinadas ao combate de condutas

discriminatórias em face de pessoas portadoras do vírus HIV e da SIDA/AIDS,

mormente no que tange ao tratamento destes no mercado de trabalho.

Quando o empregador despede o empregado soropositivo imotivadamente

(despedida imotivada ou sem justa causa) é preciso se averiguar com cautela se o

caso não se trata, em verdade, de uma despedida discriminatória da pessoa deste

empregado em razão de estar acometido da doença SIDA/AIDS e ser portador do

vírus HIV.

Ocorre que o empregado soropositivo que é despedido em razão de sua

condição de saúde e busca o judiciário como amparo à preservação de seus direitos

e garantias fundamentais deve enfrentar a delicada questão do ônus probatório

acerca da efetiva ocorrência de discriminação por parte de seu empregador quando

da ocorrência da despedida.

Acerca do ônus da prova, deve-se considerar inicialmente a prescrição do

artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe que a prova das

alegações incumbe à parte que as fizer.

44

Sobre o referido dispositivo, Renato Saraiva53 destaca que, tendo em vista

que boa parte da doutrina o considera insuficiente para tratar do assunto, aplica-se à

questão do ônus da prova no processo do trabalho, por força da permissão

concedida pelo artigo 769 da CLT54, a prescrição do artigo 333 do Código de

Processo Civil. De acordo com a prescrição do mencionado dispositivo, ao autor da

ação cabe a prova dos fatos constitutivos do direito pleiteado, sendo ônus do réu a

prova dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos deste.55

Sob este raciocínio, verifica-se que, no caso ora abordado, é do empregado

que foi despedido sem justa causa o ônus de provar que tal despedida ocorreu, em

verdade, em virtude de ato discriminatório, por tratar-se de fato constitutivo de seu

direito de não ser discriminado.

Ocorre que a doutrina justrabalhista acenou no sentido de que a regra da

distribuição do ônus da prova não pode ser absoluta, devendo ser consideradas as

circunstâncias especiais que possam ocorrer no curso do processo, como a

verossimilhança da alegação da parte a quem incumbe o ônus ou a sua

hipossuficiência no que tange à possibilidade de produção da prova necessária ao

deslinde do feito.

Nesse sentido, é latente a hipossuficiência deste empregado em relação ao

seu empregador, razão pela qual se criou uma forte corrente, doutrinária e

jurisprudencial, que defende a inversão do ônus probatório neste caso.

Alice Monteiro de Barros defende a inversão do ônus da prova ressaltando

que a dispensa do empregado portador de HIV deve presumir-se discriminatória,

quando não comprovado motivo justificável, e traz como principal motivo para seu

posicionamento a dificuldade de se comprovar o tratamento diferenciado ao

empregado soropositivo.56

Já Wagner Gusmão Reis Júnior defende o mesmo posicionamento, em sua

obra, sob os seguintes argumentos:

53 SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. 5. ed. São Paulo: Método, 2009, p. 177-178. 54 Artigo 796 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.” 55 Código de Processo Civil, artigo 333, incisos I e II: “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” 56 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 951.

45

A presunção é um mecanismo facilmente encontrado, no Direito pátrio, quando se está a disciplinar relação jurídica essencialmente desequilibrada. [...] Já em nosso ramo de estudo da ciência jurídica – o Direito do Trabalho – a presunção é muito mais corriqueiramente encontrada, haja vista a nítida desvantagem econômica do empregado em relação ao empregador. Essa desvantagem é – e deve ser – mitigada através de vantagens jurídicas, que é o caso em que funciona a preseunção. [...] Assim, em se tratando de dispensa de empregado soropositivo, a presunção se justifica em virtude da quase impossibilidade de se comprovar, em Juízo, o ato discriminatório perpetrado.57

Do mesmo modo, José Claudio Monteiro de Brito Filho58 afirma que a medida

mais eficaz para que se permita a efetiva proteção contra os atos discriminatórios,

na solução jurisdicional, é a inversão do ônus da prova.

Quanto à jurisprudência, confirmando sua já manifesta tendência à defesa da

inversão do ônus da prova nos casos de discussão acerca da ocorrência de

despedida discriminatória, presente em inúmeros julgados59, o Tribunal Superior do

Trabalho editou recentemente a Súmula nº. 443, que sedimentou o referido

entendimento. Veja-se o seu teor:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

Conclui-se, portanto, que, em razão da dificuldade da realização da prova da

ocorrência de discriminação, a moderna doutrina e a jurisprudência, amparadas no

princípio da tutela do empregado e da proteção do hipossuficiente, estão admitindo a

inversão da regra do ônus da prova nos casos em que se leva ao judiciário a

discussão acerca do caráter discriminatório da despedida imotivada ou sem justa

causa do portador de HIV/AIDS, criando a presunção de discriminação para este tipo

57 REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de Emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 58-59. 58 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Discriminação no trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 85. 59 Cita-se o seguinte precedente a título exemplificativo: RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário. Processo 497920 RJ 04979-20, Órgão Julgador: 6ª Turma. Relator: JUIZ JOSÉ CARLOS NOVIS CESAR. Publicação: DORJ DE 15/03/2012. EMENTA: AIDS - DISPENSA - NULIDADE. REINTEGRAÇÃO. EMBORASEJA CERTO QUE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE (ARTS. 1º, III, 3º, IV, E 5º, CAPUT), BEM COMO A LEI N. 9.029/95, IMPEDEM QUE O EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV SEJA DESPEDIDO ARBITRARIAMENTE, É INDISPENSÁVEL PARA O PLEITO DE REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO QUE FIQUE DEMONSTRADA A INTENÇÃO DISCRIMINATÓRIA DO EMPREGADOR.

46

de ato, cabendo ao empregador a comprovação de que a dispensa deste

empregado ocorreu por motivos justificáveis, alheios à sua condição de saúde, que

afastem, assim, a hipótese de discriminação.

Assim sendo, o cerne para a resolução da problemática trazida à cotejo será

a prova da ocorrência, ou não, de discriminação do empregador que despede sem

justa causa o empregado soropositivo.

A seguir serão tratadas as consequências jurídicas decorrentes de cada uma

destas hipóteses.

3.2.1 A caracterização da existência de ato discriminatório do empregador na despedida e as conseqüências decorrentes

Superada a questão acerca da possibilidade de inversão do ônus probatório

no caso abordado por este estudo, impende analisar a caracterização da ocorrência

da despedida discriminatória do empregado soropositivo.

A ocorrência de conduta discriminatória pelo empregador ao despedir é, como

já mencionado, fato de difícil elucidação, razão pela qual deverá ser o caso concreto

analisado com cautela na busca de indícios que possam levar à sua efetiva

constatação.

De início, mostra-se de extrema relevância apurar se o empregador tinha

conhecimento, à época da despedida, da condição de portador de HIV e SIDA/AIDS

que acometia o empregado, pois evidente que só poderá ser considerada a

existência ato discriminatório em razão da condição de soropositivo do empregado

se o seu empregador efetivamente tinha ciência desta condição. A partir da análise

deste relevante aspecto é que se pode dar o passo inicial no sentido de apontar para

a efetiva ocorrência da discriminação ao despedir.

Alguns doutrinadores, inclusive, acreditam que este fator, isoladamente, pode

ser considerado suficiente para a apuração da ocorrência de discriminação, como

conclui Edésio Passos em sua obra, no sentido de que “o despedimento em

decorrência da constatação de que o empregado é portador do vírus HIV deve ser

entendido como ato discriminatório”.60

60 PASSOS, Edésio. Práticas Discriminatórias Contra Trabalhadores. Revista LTr, vol. 59, n. 7, p. 900-901.

47

Veja-se que apenas a ciência do empregador acerca do referido fato já é, por

vezes, suficiente à constatação da ocorrência de discriminação no ato da despedida,

de acordo com o posicionamento de alguns juristas e da própria jurisprudência,

como visto anteriormente, uma vez que se tem adotado a presunção da ocorrência

do ato discriminatório nos casos em que há conhecimento pelo empregador acerca

da condição de saúde do empregado soropositivo, inclusive com a edição da

Súmula n. 443 nesse sentido pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Ocorre que, por vezes, afirmar que o empregador tinha conhecimento do fato

pode não ser suficiente para a constatação da despedida discriminatória.

Isso se justifica pelo fato de que, em se tratando de despedida imotivada ou

sem justa causa, há que se lembrar que, a priori, não há necessidade de justificativa

para o ato de demitir. Desse modo, ainda que admitida a inversão do ônus

probatório com a presunção da ocorrência da discriminação, é preciso constatar-se

de forma efetiva que, no caso em análise, não havia nenhuma outra justificativa

plausível para despedir-se o empregado portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS.

De acordo com os preceitos justrabalhistas, a despedida imotivada ou sem

justa causa é direito potestativo do empregador, podendo este, portanto, dispensar

sem justo motivo seus empregados, obedecendo aos preceitos legais aplicáveis à

espécie e já mencionados neste estudo. Entretanto, quando se está a apurar a

ocorrência de discriminação de um determinado empregado, deverá ser analisado

se havia, ou não, alguma outra motivação plausível para que o empregador

procedesse no ato da despedida, pois, não havendo, estar-se-á diante de mais um

forte indício de ocorrência do ato discriminatório.

Nesse sentido, mencionam-se como justificativas plausíveis para a despedida

os casos de fechamento de filial da empresa na cidade, de despedida em massa

para contenção de despesas com recursos humanos, entre outros a serem

buscados quando da apuração da prova. Pode-se utilizar, analogicamente, o

conceito de despedida arbitrária do artigo 165 da CLT a fim de apontar que será

arbitrária a despedida do empregado portador de HIV que não se fundar em motivo

disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.61

Em suma, em vista da ausência de preceitos legislativos que apontem

elementos objetivos a serem buscados para a apreciação de casos como este,

61 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada de portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p.83.

48

somada à dificuldade da realização da prova da efetiva ocorrência da discriminação,

os operadores do Direito vêm trabalhando com estes indícios de prova – o

conhecimento do fato e a ausência de motivos justificáveis para a despedida – a fim

de elucidar a ocorrência, ou não, da despedida discriminatória do soropositivo.

A partir de tais considerações, constatada a ocorrência da conduta

discriminatória do empregador ao despedir o empregado portador do vírus HIV e da

SIDA/AIDS, deve-se analisar as consequências jurídicas que incidirão sobre a

situação.

A maior parte da doutrina e da jurisprudência62 é no sentido de considerar

nulo o ato da despedida nestes casos, na forma do que prescreve o artigo 9º da

Consolidação das Leis do Trabalho63, uma vez que a discriminação da pessoa do

empregado, por qualquer motivo, fere aos princípios da não discriminação, da

dignidade da pessoa humana e, especialmente no caso da despedida

discriminatória, também o direito ao trabalho.

Nesse sentido, João Hilário Valentim defende o direito do portador de HIV e

SIDA/AIDS ao trabalho:

[...] o fato de o trabalhador estar infectado pelo vírus HIV, seja na condição de portador assintomático ou tenha a doença manifesta, não o incapacita ou impede-o de trabalhar. Tem o portador do vírus seu direito ao trabalho assegurado, como qualquer outro trabalhador, não podendo ser preterido ou discriminado, quando de sua candidatura a um posto de trabalho ou, mesmo, quando na vigência do contrato de trabalho, ser dispensado por ser portador do vírus HIV.64

Desse modo, excede-se o empregador que, por razões de preconceito e

discriminação, priva o empregado soropositivo de seu direito fundamental ao

trabalho, incorrendo no abuso do poder de despedir, conforme argumenta, em sua

obra, Renato Mehana Khamis:

62 No que diz respeito à doutrina, podemos mencionar, a título exemplificativo, o entendimento de Arion Sayão Romita. ROMITA, Arion Sayão. Despedida Arbitrária e Discriminatória. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 107. O posicionamento da jurisprudência acerca da temática do presente estudo será abordado adiante em tópico específico. 63 Artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” 64 VALENTIM, João Hilário. AIDS e relações de trabalho subordinado: o efetivo direito ao trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 99.

49

A despedida do portador do vírus HIV, em razão de discriminação, pode ser considerada como arbitrária, configurando-se como verdadeiro abuso de direito de despedir.65

Rechaçada é, portanto, a conduta discriminatória da despedida imotivada do

portador de HIV e SIDA/AIDS praticada pelo empregador, devendo, por conseguinte,

ser coibida através dos meios fornecidos pelo Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, a reintegração deste empregado despedido de forma

discriminatória ao emprego, ou o pagamento de uma indenização substitutiva66, é

medida admitida no ordenamento jurídico brasileiro, tanto pela doutrina como pela

majoritária jurisprudência trabalhista, na forma do que dispõe o artigo 4º da Lei

9029/95, aplicado analogicamente ao caso da despedida do portador de HIV e

SIDA/AIDS por também se tratar de forma de discriminação no ambiente de

trabalho.

Veja-se a justificativa trazida por Renato Mehanna Khamis, favorável a esta

aplicação analógica:

Embora não faça, explicitamente, referência aos trabalhadores portadores do vírus HIV, considera-se que o elenco não se esgota nas hipóteses enunciadas na lei, posto que são enumerações meramente exemplificativas e não taxativas, uma vez que o objetivo principal do documento legal é a proibição da discriminação.67

Já Alice Monteiro de Barros, ainda que seja contrária à aplicação analógica da

Lei 9029/95 ao caso68, manifesta-se favorável à manutenção do emprego neste caso

sob os fundamentos a seguir expostos:

[...] Assim, a dispensa do empregado portador do HIV, quando não comprovado motivo justificável, presume-se discriminatória e arbitrária, devendo ser coibida, pois a permanência do trabalhador no emprego, além do caráter de laborterapia, irá propiciar-lhe a aquisição dos benefícios previdenciários que receberá quando estiver impossibilitado de continuar

65 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada de portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p.83. 66 De acordo com os ditames da Lei 9029/95 é faculdade do empregado optar pela reintegração ou pelo pagamento da referida indenização, o que ocorre, a toda evidência, a fim de evitar o desconforto daquele empregado que possivelmente se sentirá incomodado em voltar a conviver numa situação de subordinação com aquele sujeito que praticou contra ele o ato discriminatório: o empregador. 67 Ibidem, p.92. 68 De acordo com a jurista, tendo em vista que a Lei 9029/95 não incluiu o estado de saúde entre as proibições de práticas discriminatórias, “não se pode aplicar a Lei n. 9029 aos portadores do HIV, uma vez que ela contém preceito de natureza penal, insuscetível de interpretação analógica ou extensiva”. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 949.

50

trabalhando, o que, certamente, ocorrerá, considerando tratar-se de doença letal.69

Ressalta-se, contudo, que a proteção do empregado soropositivo se dá em

face da despedida imotivada ou sem justa causa, o que não impede o empregador

de proceder na despedida a qualquer tempo caso haja razão justificável como, por

exemplo, a ocorrência de falta grave na forma do que preceitua o artigo 482 da CLT.

Paira sobre a hipótese de reintegração no emprego, entretanto, uma relevante

controvérsia, qual seja, o entendimento de que a ausência de previsão legal de

estabilidade ou garantia no emprego ao empregado soropositivo/aidético ensejaria

na impossibilidade da reintegração.

Considerando-se este argumento, parte da jurisprudência vem reconhecendo

a impossibilidade de reintegração no emprego para os casos do portador de HIV,

conforme se constata da leitura do voto da lavra do Excelentíssimo Desembargador

Federal do Trabalho da 4ª Região Pedro Luiz Serafino, parte do qual abaixo se

transcreve.

[...] por mais que mereça resguardo pela sociedade o tipo de situação trazida a lume nos autos, isto é, o amparo àquele que, dificilmente, encontrará colocação no mercado de trabalho, por mais que a matéria instigue a sensibilidade do julgador, inexiste qualquer apoio legal à pretensão. De outra parte, não cabe ao julgador "preencher a lacuna legal" no caso sub examine, uma vez que a lei é clara no sentido de que as garantias de emprego devem, necessariamente, ter expressa previsão legal. A par disso, não seria lógico, também, sob o fundamento de "preencher" tal omissão, impor ao empregador a responsabilidade que, em princípio, deveria ser assumida pela sociedade como um todo, seja pelo Órgão Previdenciário Oficial, ou por qualquer outro meio. Demais disso, é sabido que, muitas vezes, passam-se vários anos até que a doença manifeste seus efeitos físicos nefastos, não sendo viável impor a obrigação a termo que pode ser distante e incerto.70

O referido raciocínio transfere ao Estado o dever de amparo ao empregado

que, por um infortúnio, venha a contrair o vírus HIV e a SIDA/AIDS, desonerando o

empregador de qualquer obrigação quanto à manutenção do contrato de trabalho

deste empregado, sob o forte argumento de que a lei a ele não previu esta

obrigação – uma vez que inexiste previsão legal que conceda estabilidade ou

garantia de emprego ao portador de HIV/AIDS - e que o raciocínio em sentido

69 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 950. 70 Trecho do acórdão do processo 0132000-41.1999.5.04.0008. PORTO ALEGRE. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário. Acórdão 01320008992. Processo 0132000-41.1999.5.04.0008. 3ª Turma. Relator Pedro Luiz Serafino. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 12/11/2001.

51

contrário ensejaria na afronta, inclusive, ao princípio constitucional da legalidade, na

forma do que dispõe o artigo 5º, II, da Constituição Federal, segundo o qual

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei”.

Outro argumento trazido à discussão, nesse sentido, é o fato de que a Lei n.

7.670/88 garante o acesso do soropositivo ao Sistema de Seguridade Social, não

sendo a despedida imotivada um obstáculo à concessão dos benefícios que o

soropositivo venha a necessitar em razão de sua condição de saúde.

A fim de rebater tais argumentos, aqueles que são favoráveis à reintegração

do empregado nestes casos referem que a medida não decorre da existência de

estabilidade ou de garantia no emprego, mas sim do reconhecimento do direito

fundamental de não ser discriminado.71

Regiane Margonar aborda o tema trazendo os seguintes esclarecimentos:

A origem da reintegração do empregado portador do vírus HIV está em dois princípios constitucionais: o princípio de não discriminação (art. 3º, IV, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). [...] A reintegração, portanto, é o remédio que se encontrou para fazer valer estes princípios constitucionais fundamentais. Como vimos, os princípios possuem, sim, efetividade, e decidir tendo-os por base é nada mais que atuar de acordo com o ordenamento jurídico. Ignorá-los e não aplicá-los é transgredir a própria ordem jurídica.72

Tendo em vista todos estes argumentos trazidos à baila, constata-se que, no

ordenamento jurídico pátrio, o tema ora abordado está sendo tratado de sob dois

aspectos.

Constatada a ocorrência da despedida discriminatória em face do empregado

portador do HIV e da SIDA/AIDS, há o entendimento, atualmente majoritário, de que

o empregado vítima de discriminação deverá ser reintegrado ao emprego, com o

pagamento de todas as verbas devidas no período de afastamento, ou indenizado,

na forma do que dispõe o artigo 4º da Lei nº. 9029/95, aplicada analogicamente por

tratar-se de norma de proteção em face da discriminação no trabalho.

Entretanto, o referido entendimento não está sedimentado e confronta com a

outra corrente doutrinária e jurisprudencial que não admite a reintegração do

empregado nestes casos, posto que ausente qualquer previsão legal de estabilidade

71 ROMITA, Arion Sayão. Despedida arbitrária e discriminatória. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 107. 72 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006, p. 161.

52

ou garantia no emprego ao portador de HIV, sendo que, a partir desta constatação, a

imposição de reintegração ao emprego afrontaria ao princípio constitucional da

legalidade.

Há ainda uma terceira questão a ser tratada sobre o assunto: o período pelo

qual deverá perdurar a permanência do empregado no emprego, caso admitida a

reintegração.

Nesse sentido, pertinente a colocação de Magno Luiz Barbosa em sua obra,

senão vejamos:

Parece-nos que o mais coerente é considerarmos que, se o indivíduo é apenas portador do vírus HIV, chamado de portador assintomático, sem nenhuma interferência na capacidade laborativa, deve ter direito ao emprego por tempo indeterminado, como qualquer outro trabalhador. [...] Em contrapartida, quando aos portadores do HIV que já manifestaram a AIDS e tenham comprovadamente sua capacidade laborativa afetada, parece-nos sensato que o tempo de direito à estabilidade seja durante o interstício entre o início da doença e sua aposentadoria por invalidez pelo sistema previdenciário, prevista no art. 151 da Lei 8213/91.73

Desse modo, ao admitir-se a reintegração, o empregado ficará protegido em

face da despedida sem justa causa discriminatória, tendo direito de permanecer no

emprego pelo interregno de tempo em que se encontrar capacitado para o labor,

como qualquer outro empregado, ressaltando-se novamente que a referida proteção

se dá em face da despedida imotivada, não havendo qualquer óbice à despedida

deste empregado nos casos de haver justo motivo.

Atualmente, tendo em vista que todos os posicionamentos acima elencados

trazem argumentos válidos e substanciais do ponto de vista jurídico e social, a

celeuma está sendo decidida através da jurisprudência dos Tribunais do Trabalho,

por meio da ponderação e da análise do caso concreto, o que será abordado em

ponto específico deste estudo.

Ocorre que, além da hipótese abordada de reintegração no emprego, pode

ocorrer, no ato discriminatório praticado pelo empregador que despede o empregado

soropositivo, uma afronta à própria moral do empregado, por meio de danos à

imagem, à dignidade, à intimidade e à honra deste, cabendo, na espécie, ainda, o

pleito de pagamento de indenização por danos morais.

73 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS. Curitiba: Juruá, 2007, p. 143.

53

Arnaldo Sussekind74 menciona que o próprio cotidiano da execução do

contrato de trabalho, com o relacionamento pessoal entre empregado e empregador,

ou aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita e, muitas vezes,

enseja o desrespeito aos direitos de personalidade dos contratantes, especialmente

no que diz respeito ao empregador em face do empregado, ante a sua situação de

hipossuficiência e subordinação.

Nesse diapasão, de acordo com a prescrição dos artigos 186 e 927, do

Código Civil Brasileiro75, aquele que violar direito e causar dano a outrem comete ato

ilícito e tem o dever de indenizá-lo. No mesmo sentido, o caput do artigo 4º da Lei

9029/95, prevê a indenização por dano moral decorrente da despedida em razão de

ato discriminatório.

No caso objeto deste estudo, o dano à moral do empregado justifica-se pela

afronta aos preceitos acima mencionados, sendo que, nestes casos, além de

admitir-se a reintegração no emprego com o pagamento dos salários referentes ao

período, cabível ainda o pleito indenizatório baseado na afronta e nos danos

causados à moral deste empregado.

A reparação por danos morais através de indenização pecuniária se trata de

uma compensação financeira com a função punitivo-pedagógica em face do

empregador, a fim de evitar a repetição de sua conduta reprovável, mas também

uma forma de minimizar o sofrimento enfrentado pelo empregado que,

“estigmatizado e desempregado, sofre profunda lesão em seus direitos morais e de

personalidade em razão do ato ilegal praticado pelo empregador, motivado,

exclusivamente, pelo preconceito e discriminação”.76

Por fim, caso admitida a aplicação analógica da Lei 9029/95 ao caso, incidirão

também as penalidades aplicáveis na esfera criminal, administrativa e trabalhista

mencionadas pela referida Lei e já abordadas anteriormente pelo presente estudo.

74 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2ª. ed. rev. e atualiz. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 366. 75 Art. 186 do Código Civil Brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Art. 927, caput, do Código Civil Brasileiro: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” 76 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada de portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p. 85.

54

3.2.2 A caracterização da inexistência de ato discriminatório do empregador na despedida e as conseqüências decorrentes

Em que pese a proteção do ordenamento jurídico trabalhista pátrio contra a

discriminação do empregado portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS, não se pode

esquecer que existem casos em que o empregador age de boa-fé no que tange à

despedida imotivada.

Isso ocorre principalmente nos casos em que à época da despedida do

soropositivo o empregador sequer tinha ciência de seu estado de saúde, ou em

casos, por exemplo, em que o empregador está reduzindo gastos com recursos

humanos e utiliza-se da despedida sem justa causa para reduzir o número de

empregados, ou, ainda, no caso de fechamento de empresa ou de alguma de suas

filiais.

De fato, inúmeras são as situações que, se apuradas, tem o condão de

afastar o caráter discriminatório da despedida do empregado soropositivo.

Assim, ainda que o empregador tenha conhecimento do fato de seu

empregado ser portador de HIV/AIDS, caso seja inequívoco que houve motivo

justificável para a despedida, não podendo, assim, considerá-la abusiva, arbitrária

ou obstativa de direitos, estar-se-á diante de uma despedida juridicamente válida e

legal, situação na qual o ato surtirá todos os seus efeitos.

Nos casos em que o empregador desconhecia a condição de soropositivo do

empregado, a doutrina refere que “se o empregador despede um empregado sem

que tenha qualquer conhecimento do fato de ser ele portador do vírus, o

despedimento é absolutamente regular”.77

Ressalta-se apenas que, de acordo com o entendimento majoritário da

doutrina e também da jurisprudência, inclusive de acordo com os ditames da nova

Súmula nº. 443 do Colendo TST, será do empregador o ônus de comprovar o

desconhecimento deste fato, invertendo-se o ônus probatório.

Já nos casos de conhecimento do fato, de igual modo existe a possibilidade

de reputar-se válida a despedida através da comprovação do justo motivo, situação

na qual Magno Luiz Barbosa destaca o que abaixo se transcreve.

77 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral – dispensa imotivada de portador do vírus HIV. São Paulo: LTr, 2002, p. 83.

55

[...] se a empresa comprovar sua necessidade de “exugamento” no quadro de funcionários para uma melhor adaptação econômica das suas atividades, poderá demitir qualquer empregado, desde que não haja comprovação de discriminação, visto o poder de direção do empregador.78

Não de pode esquecer que a ocorrência ou não do ato discriminatório é fato

que envolve uma grande subjetividade, o que, a toda evidência, ensejará na

necessidade de produção de uma prova robusta a fim de evitar a tomada de

decisões equivocadas quando da análise do caso concreto.

Nesse sentido, cita-se trecho de sentença da lavra do Juiz do Trabalho

Leandro Krebs Gonçalves, na qual se afastou a alegação de despedida

discriminatória do empregado soropositivo, porquanto comprovado nos autos que o

empregador procedeu na despedida em razão de motivos disciplinares, diante de

um desentendimento do reclamante, soropositivo, com outro empregado, que não

possuía a doença, sendo que ambos os envolvidos foram tratados de igual maneira

e despedidos, não havendo que se falar em conduta discriminatória no ato do

empregador, diante da existência de motivo justificável para a rescisão do contrato

de trabalho:

[...] Na hipótese dos autos, o reclamante não logrou demonstrar, mediante qualquer meio de prova, que sua despedida tenha sido motivada por razões discriminatórias, relativas ao estado de saúde ou à opção sexual do obreiro. Aliás, o próprio reclamante admite, em seu depoimento pessoal, que ninguém na empresa tinha conhecimento de que ele era soropositivo e que o obreiro nunca apresentou qualquer exame relativo à moléstia aos prepostos da reclamada. O trabalhador refere, ainda, que não percebeu qualquer alteração no tratamento dispensado à sua pessoa, mesmo após a Sra. Nelita, cozinheira da reclamada, ter comentado na empresa sobre a doença do obreiro. [...] A despedida do reclamante, ao que tudo indica, deu-se em razão do desentendimento pessoal ocorrido entre o obreiro e seu cunhado, Sr. Clodoaldo, que também era empregado da reclamada, pois tal fato resultou na abertura de boletim de ocorrência policial, em que ficou estabelecido que o Sr. Clodoaldo não poderia permanecer a menos de duzentos metros de distância do reclamante. Tal circunstância, por óbvio, impediu que os trabalhadores continuassem sendo colegas de trabalho. De qualquer sorte, a despedida do reclamante não apresenta caráter discriminatório, na medida em que a reclamada, acertadamente, despediu ambos os envolvidos no fato. Não há falar, portanto, na prática de discriminatório pela reclamada, nos moldes acima mencionados, que ensejasse a nulidade da despedida ou o pagamento da indenização pleiteada. Indefiro os pedidos.79

78 BARBOSA, Magno Luiz. AIDS. Curitiba: Juruá, 2007, p. 146. 79 CANOAS, RIO GRANDE DO SUL. Justiça do Trabalho de Canoas. Sentença Proferida pelo Exmo. Juiz Leandro Krebs Gonçalves. Processo 0000129-28.2012.5.04.0202. Publicada em 27/07/2012.

56

Diante do exposto, comprovada a inexistência de discriminação do

empregador em face do empregado soropositivo no ato da despedida imotivada,

esta será plenamente válida e produzirá todos os efeitos legais dela decorrentes,

com o pagamento das verbas rescisórias devidas nesta espécie de resilição

contratual e sem qualquer ônus adicional para o empregador, uma vez que este se

encontra amparado em seu direito potestativo à denúncia vazia do contrato de

trabalho.

Sendo assim, o empregado terá direito apenas ao pagamento das verbas

rescisórias devidas para esta modalidade de despedida, quais sejam: saldo de

salário, aviso prévio, liberação do FGTS acrescido de multa de 40%, 13º salário

proporcional, férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3 e a liberação das

guias CD/SD, referentes ao programa do seguro-desemprego.

Por fim, frisa-se que, nas hipóteses de dispensa por justa causa, não há falar

em ocorrência de discriminação, se comprovada a incidência de alguma das

hipóteses de falta grave previstas no artigo 482 da CLT, pois, nestes casos, o motivo

para a ocorrência da dispensa do empregado estará amplamente justificado, diante

da incidência do poder disciplinar do empregador.

3.3 EXPOSIÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA MATÉRIA

A temática trazida a cotejo neste estudo, como se pôde constatar, é passível

de grande divergência por parte dos operadores jurídico-trabalhistas, uma vez que

existe uma série de argumentos, todos ricos em fundamentação, para a análise e

solução da questão.

Do que visto até então, podemos determinar a existência de duas correntes

defendidas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, para o enfrentamento da

questão da despedida imotivada do empregado portador de HIV e SIDA/AIDS.

A primeira corrente defende a presunção da ocorrência da discriminação do

empregado, sendo ônus do empregador a prova em contrário, e aponta como

solução jurídica para a celeuma a reintegração do empregado no emprego ou,

alternativamente, o pagamento de indenização compensatória e substitutiva,

podendo o empregado pleitear, ainda, o pagamento de uma indenização pelos

danos morais decorrentes do ato discriminatório sofrido, tudo isso tendo por base a

57

prescrição do artigo 4º da Lei 9029/95, aplicada analogicamente ao caso da

discriminação do portador do HIV e da SIDA/AIDS.

A segunda corrente, contrária à reintegração do empregado soropositivo

dispensado imotivadamente, defende a ausência de qualquer prescrição legal no

sentido de garantir ao empregado nesta situação a estabilidade ou a garantia

provisória no emprego, de forma que reintegrá-lo ao emprego seria considerado uma

medida que afronta ao princípio da legalidade, o que não pode ser admitido. O

mencionado posicionamento defende, sobretudo, que o empregado soropositivo

dispensado por justa causa não está socialmente desamparado, uma vez que as

políticas públicas atuais de saúde garantem a ele o tratamento adequado e o acesso

ao Sistema de Seguridade Social independentemente da existência de relação de

emprego.

Estes dois posicionamentos estão sendo utilizados para embasar as decisões

proferidas pelos Tribunais do Trabalho de todo o país, uma vez que ausente

qualquer prescrição legal específica aplicável ao tema abordado.

A jurisprudência possui importante papel na sistemática jurídica, uma vez que

traduz a reiterada interpretação conferida pelos tribunais, a partir dos casos

concretos, às suas normas.80

Lembre-se, todavia, que a ausência de normatividade específica incidente

para o caso concreto em questão não afasta a atuação da jurisprudência, pois,

conforme aduz o jurista Wagner Gusmão Reis Jr., “a denominada ‘falta de amparo

legal’ jamais foi circunstância que atribuísse ao Poder Judiciário a possibilidade de

rejeitar uma pretensão”81 devendo, pois, o juiz e os tribunais trabalhistas enfrentarem

a questão de forma a encontrar a decisão que melhor se coadune com as

prescrições, princípios e preceitos fundamentais do Direito do Trabalho.

Nesse sentido, prevê o artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Veja-

se:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse

80 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 169. 81 REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de Emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 51.

58

público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Diante disso, serão abordadas adiante as principais decisões da

jurisprudência atual acerca da temática analisada, sob a ótica dos Tribunais

Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho.

3.3.1 Os Tribunais Regionais do Trabalho

Em que pese a prevalência do posicionamento relativo aos argumentos da

primeira corrente no que tange à despedida discriminatória do portador do vírus HIV

e da SIDA/AIDS, mormente em razão da sedimentação do posicionamento nesse

sentido pela Egrégia Corte Superior Trabalhista, a jurisprudência apresentada pelos

Tribunais Regionais do Trabalho ainda demonstra muita divergência em suas

decisões acerca da temática ora exposta, inclusive entre decisões oriundas do

mesmo Tribunal Regional.

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – Rio de Janeiro – é um dos

quais evidencia a divergência de posicionamentos.

O acórdão resultante do julgamento do processo n.º 0000458-

43.2011.5.01.0013 considerou prevalente o argumento acerca da ausência de

previsão legal para o pleito de reintegração no emprego, considerando, assim, a

ocorrência de impossibilidade jurídica do referido pedido, com a prevalência do

rompimento do contrato como direito potestativo assegurado ao empregador:

Portador do vírus HIV. Reintegração. Impossibilidade jurídica. Empregado portador de vírus HIV não tem direito à garantia no emprego por ausência de amparo legal, razão pela qual o rompimento do contrato de trabalho constitui direito potestativo do empregador.82

O mesmo Tribunal Regional, entretanto, julgou a celeuma em outro

oportunidade com base em fundamentação em sentido contrário, nos autos do

processo nº. 0055800-61.2007.5.01.0245, considerando a prevalência da presunção

de ato discriminatório na ocorrência da despedida sem justa causa do empregado

portador do HIV. Veja-se a ementa do referido julgado: 82 RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário. Acórdão do Processo 0000458-43.2011.5.01.0013. 2ª Turma. Relator José Geraldo da Fonseca. Publicado no Diário Oficial do RJ em 13/12/2012.

59

EMPREGADO PORTADOR DO HIV. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. REINTEGRAÇÃO. A jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho evoluiu na direção de se presumir discriminatória a dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é portador do HIV, quando não demonstrado que o ato foi orientado por outra causa, seja administrativo, financeiro ou técnico.83

Do mesmo modo ocorreu no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região –

Rio Grande do Sul – no qual a divergência entre os posicionamentos dentro do

próprio Regional também estão presentes.

No julgamento do Recurso Ordinário interposto no processo nº. 0104900-

64.2002.5.04.0022 o posicionamento resultou no sentido da prevalência do princípio

da legalidade, em detrimento do pleito de reintegração no emprego e da presunção

do ato discriminatório. Veja-se a ementa do julgado:

NULIDADE DA DESPEDIDA E DA REINTEGRAÇÃO – EMPREGADA PORTADORA DO VÍRUS DA AIDS. Inexiste previsão legal que garanta o emprego ao portador do vírus HIV, não sendo possível impor à empregadora sua reintegração, sob pena de ofensa ao princípio insculpido no inciso II do artigo 5º da Carta Maior. Inexistência de demonstração da alegada discriminação por parte da reclamada, tampouco configurada a despedida obstativa da aquisição de direitos de natureza previdenciária, porquanto a Lei nº 7.670/88 assegura, em qualquer caso, o acesso ao Sistema Nacional da Seguridade Social. Recurso provido.84

Posteriormente, contudo, o posicionamento manifestado foi em sentido

oposto, sob a justificativa da prevalência valorização do trabalho humano e do

princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de emprego. Cita-se, abaixo,

a ementa.

EMPREGADO PORTADOR DE SIDA (HIV). DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. O ordenamento jurídico prevê como princípios da ordem econômica a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade. Além disso, o art. 1º da Lei 9.029/95 confere concretude ao preceito constitucional da isonomia (Art. 7º, XXX, da CF/88) ao proibir qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção. Assim, não é válida a dispensa sem justa causa do empregado se verificados motivos discriminatórios, fazendo jus o empregado à reintegração no emprego. Recurso não provido no item.85

83 RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário. Acórdão do Processo 0055800-61.2007.5.01.0245. 1ª Turma. Relator José Nascimento Araujo Netto. Publicado no Diário Oficial do RJ em 03/03/2010. 84 PORTO ALEGRE, Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário. Acórdão do Processo 0104900-64.2002.5.04.0022. Relatora Tânia Maciel de Souza. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 14/04/2005. 85 PORTO ALEGRE, Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário. Acórdão do Processo 0242300-18.2009.5.04.0203. Relator José Felipe Ledur. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 18/06/2012.

60

Em que pese o segundo posicionamento seja mais recente que o primeiro,

ainda não é possível afirmar que houve a sedimentação do entendimento neste

Regional, uma vez que há diversos outros julgados em sentido contrário ao ora

exposto.86

Já o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região - Paraná - apresenta

divergência de julgamento principalmente sob o aspecto da prova da ocorrência do

ato discriminatório em face do empregado soropositivo. Em que pese, em alguns

julgados, decida de acordo com o preceito da inversão do ônus probatório e da

presunção do ato discriminatório87, em outros, aponta a necessidade de prova

robusta da ocorrência efetiva da discriminação e aceita indícios como a necessidade

de redução de pessoal alegada pelo empregador para justificar a ocorrência da

despedida e afastar a alegação da discriminação em face do soropositivo no ato da

despedida imotivada.

A ementa abaixo trata de acórdão em que constatado um destes casos.

EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV (AIDS) - NECESSIDADE DE PROVA DE ATO DISCRIMINATÓRIO DA EMPREGADORA PARA INVALIDAR A RESCISÃO CONTRATUAL - A rescisão contratual de empregado portador de AIDS, em razão da necessidade de redução de pessoal, não constitui ato discriminatório praticado pelo empregador. Sentença que se mantém.88

Por fim, no que diz respeito às decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho

acerca da problemática trazida a cotejo neste estudo, menciona-se o

posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio de dois

86 A título exemplificativo, menciona-se o seguinte julgado: PORTO ALEGRE. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário. Acórdão 01320008992. Processo 0132000-41.1999.5.04.0008. 3ª Turma. Relator Pedro Luiz Serafino. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 12/11/2001. 87 O referido posicionamento é apresentado no acórdão que segue: EMENTA: DISPENSA. PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISCRIMINAÇÃO PRESUMIDA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. É discriminatória a dispensa de empregado portador do vírus HIV por empregador que tem ciência dessa circunstância quando comunicado da rescisão. Não se exige prova de qualquer outra atitude discriminatória, pois a possibilidade de rever a intenção de rescindir o contrato cria a presunção de que houve discriminação no ato da dispensa. O reconhecimento de que a atitude provocou abalo moral é medida que se impõe como forma de assegurar o respeito à dignidade humana e ao valor social do trabalho, fundamentos do Estado Democrático de Direito e princípios constitucionais de observância obrigatória. Recurso provido para reconhecer a ocorrência de dano moral e condenar a ré ao pagamento de indenização.PARANÁ, Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Recurso Ordinário. Processo 99512-2006-025-09-00-6, 2ª Turma, Relator Marlene T. Fuverki Suguimatsu. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 09/09/2008. 88 PARANÁ, Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Recurso Ordinário. Processo 28420-2009-029-09-00-0, 4ª Turma, Relator Sergio Murilo Rodrigues Lemos. Publicado no Diário da Justiça do Trabalho em 28/01/2011.

61

julgados, cujas ementas seguem transcritas, nos quais é possível notar a existência

de um conflito de posicionamentos no qual o primeiro defende os princípios de

proteção ao empregado, que devem prevalecer como forma de impor limites ao

direito de resilição contratual que possui o empregador, e o segundo, por sua vez,

exalta a necessidade de efetiva comprovação do ato discriminatório.

REINTEGRAÇAO. DISPENSA IMOTIVADA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DIREITO POTESTATIVO DE RESILIÇAO CONTRATUAL ENCONTRA LIMITES NOS PRINCÍPIOS DA FUNÇAO SOCIAL DO CONTRATO E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O que se verifica, modernamente,é uma autêntica mitigação do direito potestativo de resilição contratual, em homenagem ao princípio da função social do contrato e à própria moralização das relações jurídicas no Estado Democrático de Direito, que privilegia a dignidade do ser humano. Devida a reintegração,pois ao mais fraco deve ser assegurado um "standard" mínimo de direitos e de proteção jurídica, que possibilite uma vida digna. Há que se observar que a propriedade tem função social, nos termos do comando constitucional.89

Estabilidade. Reintegração no emprego. Portador de HIV. O ordenamento jurídico pátrio não contempla estabilidade ao empregado com síndrome da imunodeficiência adquirida. Não restando comprovada a dispensa arbitrária ou discriminatória,insere-se no poder potestativo do empregador - que desconhecia a enfermidade - a dispensa imotivada de trabalhador portador do vírus HIV. Recurso a que se nega provimento.90

No primeiro julgado, o Regional refere o princípio da função social do contrato

que, somado ao da dignidade da pessoa humana, ensejam na necessidade de tutela

do empregado que se sobrepõe ao direito potestativo do empregador no que tange à

rescisão contratual imotivada.

No segundo, defende-se a necessidade da intenção de discriminar por parte

do empregador que efetuou a despedida, em detrimento da presunção de ato

discriminatório defendida por diversos outros julgados e pela jurisprudência

pacificada do TST.

Diante da análise da jurisprudência de alguns dos Tribunais Regionais do

Trabalho é possível constatar que se está longe, ainda, de uma pacificação acerca

da temática ora apresentada, pois, diante da abundância de argumentos jurídicos

relevantes a serem considerados na análise do caso concreto, bem como da real

89 SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário. Processo 02172-2004-066-02-00-0, Relator Marta Casadei Momezzo, 10ª Turma. Publicado no Diário da Justiça em 15/01/2008. 90 SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário. Processo 02216-2004-015-02-00-0. 7ª Turma. Relator Sonia Maria de Barros. Publicado no Diário da Justiça em 30/11/2007.

62

importância de todos os princípios e preceitos jurídicos em conflito, não há como

considerar-se um ou outro posicionamento inválidos ou impertinentes, razão pela

qual permanecem surgindo decisões em todos estes sentidos, defendendo cada um

destes aspectos, o que enseja a necessidade de uma análise pontual de cada caso

para que se possa efetivar os pleitos levados pelas partes ao Poder Judiciário de

forma satisfatória.

Observa-se, contudo, que esta divergência está sendo pacificada no Tribunal

Superior do Trabalho, que está sedimentando seu entendimento no sentido da

argumentação apresentada pela primeira corrente de posicionamento exposta

anteriormente, o que será abordado em maior profundidade no tópico a seguir.

3.3.2 O Tribunal Superior do Trabalho

Após a edição da Súmula nº. 443, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho

(TST) sedimentou o entendimento que há muito já havia manifestado no sentido de

que, no caso da despedida imotivada do empregado portador de HIV e SIDA/AIDS,

quando conhecida a condição de saúde do obreiro, a discriminação do empregador

é presumida, porém esta presunção é relativa, sendo possível a produção de prova

em sentido contrário, sendo este ônus do empregador.

Nesse sentido, podemos mencionar o seguinte julgado:

RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE. PORTADOR DO VÍRUS HIV. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o empregado, portador do vírus HIV, em face das garantias constitucionais que vedam a prática discriminatória e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem direito à reintegração, não obstante a inexistência de legislação que assegure a estabilidade ou a garantia no emprego, presumindo-se discriminatória a sua dispensa imotivada. Recurso de revista a que se dá provimento. 91

Além da questão da presunção do ato discriminatório nos casos em que

conhecida pelo empregador a condição de saúde do empregado soropositivo, o

Egrégio Tribunal Superior reconhece o efetivo direito à reintegração no emprego em

seu posicionamento, em que pese a inexistência de previsão legal que garanta

estabilidade ou garantia provisória no emprego ao portador de HIV/AIDS. A

91 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. Acórdão do Processo 112900-36.2005.5.02.0432. Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda. 5ª Turma. Publicação no Diário da Justiça do Trabalho em 06/05/2011.

63

justificativa apresentada pelo Colendo Tribunal é no sentido de assegurar ao

empregado as garantias constitucionais que recriminam a discriminação em face da

pessoa e exaltam a dignidade da pessoa humana como valores supremos de nosso

Estado Democrático de Direito.

No mesmo sentido é o julgado cuja ementa se transcreve a seguir, que com

propriedade trabalha o conflito entre o direito do empregador à denúncia vazia do

contrato de trabalho e os valores constitucionalmente assegurados à pessoa do

empregado, acima mencionados.

RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO HIV. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. REINTEGRAÇÃO. A ordem jurídica pátria repudia o sentimento discriminatório, cuja presença na voluntas que precede o ato da dispensa implica a sua ilicitude, ensejando a sua nulidade. O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho encontra limites na hipótese de ato discriminatório, assim em função do princípio da função social da propriedade (art. 170, III, da CF), bem como da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF), por incompatibilidade dessa prática com a prevalência e a realização desses princípios. A jurisprudência desta Corte Superior evoluiu na direção de se presumir discriminatória a dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é portador do HIV, e não demonstrou que o ato foi orientado por outra causa. [...] DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. No direito trabalhista brasileiro, em regra, a análise dos pleitos relativos à indenização por danos morais e materiais se dá à luz da responsabilidade subjetiva, sendo imprescindível não só a comprovação do dano, mas também da culpa do empregador e do nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido. Assim, ao contrário do item anterior, em que consagrado o uso da presunção de dispensa discriminatória, para fins de reintegração, a configuração do dano moral exige a prova cabal da culpa ou dolo da reclamada. Registrado no acórdão regional que não comprovada a conduta discriminatória, não há como entender caracterizada a culpa da reclamada, tampouco o sofrimento ocasionado ao autor, segundo exige a teoria da responsabilidade subjetiva, nos termos do art. 186 do Código Civil. Precedentes deste Tribunal. Revista conhecida e não-provida, na matéria.92

O julgado acima referido trata, ainda, da questão do direito de pleitear-se a

indenização por danos morais em face do empregador que discrimina, porém, nesse

sentido, tem-se que a responsabilidade do empregador será subjetiva, devendo

haver prova inequívoca acerca dos danos morais sofridos para que seja deferida

indenização a este título.

92 BRASÍLIA, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. Acórdão do Processo 94300-38.2006.5.24.0005, Órgão Julgador: 3ª Turma, Relator(a): Rosa Maria Weber Candiota da Rosa. Publicação no Diário da Justiça do Trabalho em: 27/03/2009.

64

Após a sedimentação do entendimento do Egrégio Tribunal Superior do

Trabalho por meio da edição da Súmula nº. 443, as decisões permaneceram no

mesmo sentido, conforme se constata do julgado cuja ementa segue abaixo.

RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA IMOTIVADA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. CIÊNCIA NO MOMENTO DA DESPEDIDA. PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO. A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o empregado soropositivo, em razão das garantias constitucionais que proíbem práticas discriminatórias e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem direito à reintegração, mesmo não havendo legislação que garanta a estabilidade no emprego, quando caracterizada a dispensa arbitrária e discriminatória, ainda que presumida. A jurisprudência da Corte firmou-se nesse sentido, conforme definido pelo Tribunal Pleno, em relação a edição de sumula que trata da matéria, ainda pendente de publicação. Recurso de revista conhecido e provido.93

Constatada, portanto, a força atual do posicionamento referente à primeira

corrente doutrinária e jurisprudencial apontada, uma vez que as decisões unânimes

do Tribunal Superior do Trabalho, somadas à Súmula editada recentemente,

convergem no mesmo sentido, ressaltando-se apenas que deverá ser constatada,

ainda que de forma presumida, a ocorrência de discriminação no ato da despedida

imotivada do soropositivo para que se reconheça o efetivo direito do empregado à

reintegração no emprego. Do contrário, ou seja, em não se constatando a ocorrência

de discriminação, a despedida imotivada será considerada válida e produzirá todos

os seus efeitos jurídicos.

93 BRASÍLIA, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista Processo 1229-93.2010.5.04.0232 Data de Julgamento: 26/09/2012, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação no Diário da Justiça do Trabalho em: 28/09/2012.

65

4 CONCLUSÃO

O presente estudo buscou compreender a problemática acerca da existência

ou inexistência de ato discriminatório na despedida imotivada do empregado

portador do vírus HIV e da SIDA/AIDS.

Para tanto, foi abordado o conceito de despedida discriminatória, concluindo-

se ser aquela que ocorre quando o empregador exerce abusivamente seu direito à

denúncia vazia do contrato de trabalho, em razão da pratica de ato de discriminação

em face da pessoa do empregado, violando especialmente aos princípios da

dignidade da pessoa humana e da igualdade, constitucionalmente assegurados, ou,

ainda, ao chamado “princípio da não discriminação”.

Após a constatação do que efetivamente vem a ser a despedida

discriminatória, foi exposta a gama de hipóteses dela legalmente previstas,

especialmente as constantes da Lei 9.029/95, de rol exemplificativo e não taxativo,

quais sejam, a discriminação da pessoa do empregado em razão de gênero ou

opção sexual, origem, raça, cor ou estado civil, além da situação familiar ou da

idade. Ademais, ressaltou-se que algumas situações específicas de discriminação

foram tipificadas como crime pelo art. 2º da já mencionada lei, como a exigência de

testes ou exames relacionados à gravidez ou à promoção do controle à natalidade

ou ao planejamento familiar do empregado.

Em decorrência destas práticas discriminatórias, foram expostas as sanções

previstas ao empregador que comete qualquer destes atos, concluindo-se que a

reintegração no emprego ou o pagamento de uma indenização substitutiva, caso

seja esta a escolha do empregado, são alternativas dadas pela Lei 9029/95 para os

casos de despedida discriminatória, sem, contudo, afastar o direito do empregado à

reparação de danos morais eventualmente sofridos por ele em decorrência do ato

discriminatório. Foi constatado, de igual modo, que o ordenamento jurídico previu

ainda sanções penais e administrativas ao empregador que comete o ato

discriminatório, tipificando as condutas acima referidas como crime, cominando

penas equivalentes, bem como arbitrando multas administrativas em face do mau

empregador e prevendo a possibilidade de, em âmbito coletivo, ser ajuizada Ação

Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho para os casos de defesa do

66

interesse coletivo da classe trabalhadora também no tocante às práticas

discriminatórias.

Abordou-se, ainda, a questão da reintegração no emprego, concluindo-se ser

esta uma forma de tutela do empregado em decorrência do reconhecimento da

prática da despedida discriminatória em seu prejuízo, ou seja, um meio de

efetivamente sanar-se a violação às normas legais no que tange à irregularidade da

despedida imotivada por ato do empregador, ainda que inexista previsão legal de

estabilidade ou garantia de emprego nestes casos, posto que a Lei 9029/95

positivou a previsão de reintegração ao emprego do trabalhador despedido por

razão de cunho discriminatório, na forma do que dispõe o inciso I de seu artigo 4º.

A conclusão é no sentido de que, em vista da violação aos princípios da

igualdade e da dignidade da pessoa do trabalhador, a despedida se torna abusiva,

devendo ser considerada um ato nulo, tendo o empregado o direito ao retorno ao

“status quo ante” da relação de emprego vivenciada, daí a justificativa da

reintegração como forma mais eficaz de resolver-se a problemática envolvida na

despedida discriminatória do empregado por ato do seu empregador. Nesse sentido,

a indenização como alternativa à reintegração é trazida como opção ao empregado

que se sinta demasiadamente desconfortável com o retorno ao posto de trabalho.

A partir de todas estas constatações, o presente estudo passou a abordar

especificamente da questão da apuração da existência, ou não, de discriminação no

ato da despedida imotivada por iniciativa do empregador em relação ao empregado

soropositivo.

Constatou-se, primeiramente, que a transmissão do vírus HIV e o

desenvolvimento da SIDA/AIDS afetam o trabalhador tanto no que diz respeito à sua

saúde, ainda que possa demorar anos até que a doença efetivamente atinja o

organismo do indivíduo, quanto no que diz respeito à sua dignidade, em razão da

disseminação da discriminação em face da pessoa soropositiva, uma questão

histórica que se desenvolveu em razão da forma inicial de aparecimento da doença

– em homossexuais do sexo masculino e em usuários de drogas injetáveis.

Concluiu-se que, mesmo que a medicina tenha evoluído no sentido de poder afirmar

com segurança que não há risco de contrair o vírus por meio do convívio social ou

profissional com portadores do vírus ou da doença já manifestada, grande ainda é a

discriminação da pessoa portadora da doença de modo geral e também em relação

ao ambiente de trabalho.

67

No ambiente laboral, foram apontadas as formas de discriminação que podem

ocorrer: na admissão, como a exigência de testes capazes de averiguar a condição

de soropositivo do empregado; no decorrer do contrato de trabalho, por atos

discriminatórios de superior hierárquicos e dos próprios colegas de trabalho, em

razão do desconhecimento de que o convívio social não é capaz de propagar ou

transmitir a doença; e, por fim, a discriminação como causa do término da relação de

emprego, por meio de ato discriminatório do empregador que, sob a justificativa do

direito de proceder na despedida imotivada ou sem justa causa, despede seu

empregado por razões de cunho discriminatório de sua condição de soropositivo.

Quanto à última forma acima elencada, constatou-se que a prova da

despedida discriminatória, inicialmente ônus do empregado, é fato de difícil

elucidação, razão pela qual a doutrina e a jurisprudência estão admitindo a inversão

do ônus probatório nestes casos, amparados na condição de hipossuficiência do

empregado em relação ao empregador e também na verossimilhança da alegação

da conduta discriminatória, o que resultou na edição da Súmula 443 do Colendo

Tribunal Superior do Trabalho, que sedimentou o entendimento nesse sentido.

Nesse sentido, concluiu-se que estão sendo admitidos para elucidar e apurar

a ocorrência da efetiva discriminação alguns indícios de prova, partindo-se da

conclusão de que a inversão do ônus probatório enseja na presunção de que o ato

do empregador foi efetivamente discriminatório ao despedir se ele tinha

conhecimento da condição de saúde do empregado, cabendo-lhe afastar esta

presunção com indícios de que houve justa motivação para a despedida. Como

exemplos, mencionou-se os de fechamento de filial da empresa, de despedida em

massa para contenção de despesas com recursos humanos, entre outros. Apontou-

se a utilização analógica do conceito de despedida arbitrária do artigo 165 da CLT,

de cuja interpretação se infere, portanto, que não será arbitrária a despedida do

empregado portador de HIV que se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico

ou financeiro.

Acerca da temática central de estudo deste trabalho, concluiu-se que existem

duas formas de resolução da problemática trazida a cotejo, sendo primordial,

entretanto, que seja constatada a ocorrência, ou não, de ato discriminatório por parte

do empregador ao despedir.

Sendo assim, constatada a efetiva ocorrência da conduta discriminatória do

empregador ao despedir o empregado soropositivo, a conseqüência jurídica que tem

68

se mostrado mais adequada é a decretação de nulidade do ato da despedida, na

forma do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, com a conseqüente

reintegração do empregado no emprego – se pela indenização substitutiva ele não

optar – uma vez que efetivamente constatado o abuso no poder de despedir, sem

prejuízo do direito do empregado de pleitear indenização pelos danos morais que

entender ter sofrido em decorrência do ato. A aplicação analógica do artigo 4º da Lei

9.029/95, que é nesse sentido, é admitida pela doutrina e pela jurisprudência

majoritária atualmente.

Prima-se pela proteção à dignidade da pessoa do empregado, ao princípio da

não discriminação e pelo próprio direito ao trabalho, todos estes constitucionalmente

assegurados em nosso Estado Democrático de Direito.

Quanto à solução proposta acima, entretanto, constatou a existência de uma

corrente doutrinária e jurisprudencial que defende a impossibilidade de proceder-se

na reintegração do empregado soropositivo no emprego, em razão da ausência de

previsão legal de estabilidade ou garantia no emprego a este trabalhador, o que

ensejaria em afronta ao princípio da legalidade.

Em contrapartida, não se pode esquecer dos casos em que não é possível

constatar-se a ocorrência de discriminação na conduta do empregador, outro sujeito

de direitos da relação empregatícia, razão pela qual a conclusão que se chega é a

de que, caso seja inequívoco que houve motivo justificável para a despedida, não

haverá como considerá-la abusiva, arbitrária ou, ainda, obstativa de direitos,

estando-se diante de uma despedida juridicamente válida e legal, cujos efeitos

deverão ser mantidos.

Por fim, chegou-se à conclusão de que a ocorrência, ou não, do ato

discriminatório é fato que envolve uma grande subjetividade, o que, a toda

evidência, ensejará na necessidade de produção de uma prova robusta a fim de

evitar a tomada de decisões equivocadas quando da análise do caso concreto, o

que amplia, em muito, o papel da jurisprudência para a efetivação da prestação da

tutela necessária a ambas as partes nos casos que envolvem a temática deste

estudo.

Por tal razão, o presente estudo procedeu, ainda, na análise pormenorizada

das decisões judiciais acerca do tema proposto a estudo, constatando-se a enorme

divergência entre turmas dos mesmos Tribunais Regionais sobre a matéria, com

decisões tanto no sentido de admitir-se a reintegração no emprego quanto de

69

considerar a impossibilidade jurídica de fazê-lo, ante a ausência de previsão de

estabilidade ou garantia de emprego ao empregado soropositivo.

Em relação ao Tribunal Superior do Trabalho, constatou-se a tendência de se

firmar o posicionamento no sentido de que, com a presunção da prática de ato

discriminatório na despedida do empregado soropositivo, na forma da recente

Súmula 443, do próprio TST, não afastada tal presunção, o direito à reintegração no

emprego é medida que se impõe como forma de efetivar os direitos

constitucionalmente assegurados aos empregados, quais sejam, os já mencionados

princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e não discriminação, que

deverão prevalecer perante aos argumentos no sentido da ausência de previsão

legal de estabilidade ou de garantia de emprego ao empregado soropositivo.

70

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