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ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE VITÓRIA EMESCAM ANA LÚCIA DOS SANTOS FREITAS BIANCA PEIXOTO SANTOS ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO ESPÍRITO SANTO: UM OLHAR SOBRE A GESTÃO VITÓRIA 2017

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ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE

VITÓRIA – EMESCAM

ANA LÚCIA DOS SANTOS FREITAS

BIANCA PEIXOTO SANTOS

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO ESPÍRITO SANTO:

UM OLHAR SOBRE A GESTÃO

VITÓRIA

2017

ANA LÚCIA DOS SANTOS FREITAS

BIANCA PEIXOTO SANTOS

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO ESPÍRITO SANTO:

UM OLHAR SOBRE A GESTÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de

Misericórdia de Vitória – EMESCAM, como requisito

para obtenção do grau de Bacharel em Serviço

Social.

Orientador (a): profª Ma. Celia Marcia Birchler

VITÓRIA

2017

FOLHA DE APROVAÇÃO

ANA LUCIA DOS SANTOS FREITAS

BIANCA PEIXOTO SANTOS

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO ESPÍRITO SANTO:

UM OLHAR SOBRE A GESTÃO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Escola Superior de

Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

Aprovada em 28 de julho de 2017.

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________________

Prof.ª Ma. Célia Márcia Birchler

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória

Orientadora

__________________________________________

Prof.ª Ma. Eliana Moreira Nunes Garcia

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória

Avaliadora

__________________________________________

Ma. Fabrícia Pavesi Helmer

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória

Avaliadora

Quando eu tiver setenta anos

Então vai acabar esta minha adolescência

Vou largar da vida louca

E terminar minha livre docência

Vou fazer o que meu pai quer

Começar a vida com passo perfeito

Vou fazer o que minha mãe deseja

Aproveitar as oportunidades

De virar um pilar da sociedade

E terminar meu curso de direito

Então ver tudo em sã consciência

Quando acabar esta adolescência

(Paulo Leminski)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter sido meu alicerce e fortaleza, por ter me dado saúde

e força para superar as dificuldades, se tornando o guia sobre qual caminho seguir.

Dedico este trabalho a minha avó Eunicia dos Santos Freitas, por seu amor

incondicional e carinho, a qual hoje posso dizer que me orgulho de mim.

Agradeço a minha filha Brenda Freitas Pereira, por seu amor e carinho, por

ter me incentivado, se tornado o combustível da minha vida, e que nos momentos

difíceis, de desânimo e cansaço fez com que eu não desistisse.

Agradeço às minhas amigas de faculdade Christiane Dias Caetano

Nascimento e Sabrina Klein Degen, que guardarei a amizade para toda vida.

Agradeço aos meus familiares pelas mensagens de incentivo e pelo carinho

de todos.

Agradeço a minha companheira de TCC Bianca Peixoto, que escolheu passar

por esse processo de aprendizado comigo, para finalizar o curso.

Agradeço à minha orientadora, Célia, que com sua bagagem profissional e

dedicação nos ajudou desde princípio com muita agilidade e prontidão.

Agradeço à Instituição por proporcionar um ensino de qualidade, baseado nos

princípios da ética e da moral.

Agradeço a todos os professores por me proporcionarem o conhecimento, e a

dedicação a mim, não somente por terem ensinado, mas também por terem me feito

aprender.

Agradeço as Assistentes Sociais que me orientaram em meu campo de

estágio, Cristiane Sily e Haretuza de Paula Pereira, por me proporcionarem um

ambiente acolhedor e de aprendizado de qualidade.

Ana Lúcia dos Santos Freitas

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por sua infinita bondade e fidelidade para

comigo em toda a minha vida e em especialmente em minha caminhada acadêmica.

Sou eternamente grata ao meu Deus por todas as maravilhas que Ele fez por mim

neste tempo e por seu infinito amor para comigo ontem, hoje e sempre. Sem Ti eu

jamais conseguiria!

Agradeço ao meu maior incentivador, meu esposo Mateus, pelo apoio e pela

compreensão em todo esse tempo, por abrir mão dos seus sonhos para sonhar os

meus e por ter entendido o tempo em que precisei deixar de dar atenção a ele e

focar em meus estudos. Ele me ajudou de todas as formas e hoje eu não chegaria

aqui se não contasse com a sua compreensão e ajuda. Essa vitória é nossa!

Agradeço aos meus pais Vera Maria e Martinho pelo amor incondicional e por

todos os ensinamentos que me tornaram o que sou.

Agradeço aos familiares e amigos que sempre torcem por mim e me animam

nos momentos de desânimo.

Agradeço aos professores e supervisores pela paciência e dedicação com a

qual transmitiram seus conhecimentos da melhor maneira possível para que nos

tornássemos.

Agradeço à minha orientadora, Célia, que com sua bagagem profissional e

dedicação e nos ajudou desde princípio com muita agilidade e prontidão.

Agradeço a minha companheira de TCC, Ana Lúcia, que escolheu passar

esses meses comigo para finalizar seu curso.

E novamente agradeço a Deus, por proporcionar motivos de agradecimentos

a tantas pessoas que marcaram minha vida nestes quatro anos e, por ter me dado

força todos os dias.

Bianca Peixoto Santos

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 7

2. METODO..................................................................................................... 9

3. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA INFÂNCIA NO BRASIL............................ 9

4. O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL: UM OLHAR PARA A

LEGISLAÇÃO VIGENTE..........................................................................

12

5. O IASES E SUA RELAÇAO COM O QUE PRECONIZA A LEI................... 16

6. CONCLUSÃO............................................................................................... 21

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 23

Ana Lúcia dos Santos Freitas1

Bianca Peixoto Santos2

Célia Márcia Birchler3

RESUMO

O estudo se propõe a apresentar, de uma forma sistematizada, como o

Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (IASES) define sua

atuação frente a política de atendimento ao adolescente em conflito com a lei sujeito

às medidas socioeducativas. A análise se deu a partir do estudo dos instrumentos

de gestão disponibilizados no site institucional e como estas se relacionam com a

política de proteção estabelecida pelos instrumentos legais: Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECRIAD) e Sistema de Informação do Atendimento Socioeducativo do

Espírito Santo (SINASE). A relevância do estudo está na necessidade de ampliação

das pesquisas sobre quais estratégias vêm sendo desenvolvidas para esse público,

do ponto de vista do poder público, enquanto órgão responsável pela execução na

política a nível estadual. O presente trabalho tem como objetivos analisar os

instrumentos de gestão voltados para o atendimento socioeducativo no Espírito

Santo, conhecer o referencial histórico dos direitos da criança e adolescente no país

e identificar a execução das legislações existentes sobre o atendimento aos

adolescentes em conflito com a lei no Espírito Santo.

PALAVRAS CHAVES: Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito

Santo (IASES); medidas socioeducativas; adolescentes em conflito com a lei

1 Graduanda do Curso de Serviço Social da Escola de Ciências da Santa Casa de

Misericórdia – EMESCAM. Vitória/ES, Brasil, 2017. 2 Graduanda do Curso de Serviço Social da Escola de Ciências da Santa Casa de

Misericórdia – EMESCAM. Vitória/ES, Brasil, 2017. 3 Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora

Orientadora da Emescam.

7

1. INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo surgiu da indagação se houve mudanças na política

voltada para as medidas socioeducativas de adolescentes em conflito com a lei no

Espírito Santo, surgida durante o curso de graduação em Serviço Social e a

experiência de trabalho no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito

Santo (IASES).

Segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECRIAD), Lei nº 8.069, de 13

de julho de 1990, a medida socioeducativa decorre de uma decisão judicial, logo

precisa ser aplicada e cumprida com o estrito respeito às leis. Diante dessa

concepção abordaremos essas indagações sobre as medidas socioeducativas com

base na Doutrina de Proteção Integral4 estabelecidas no ECRIAD focando o

adolescente como sujeito de direitos em contraposição à velha Doutrina de Situação

Irregular5 contida no Código de Menores conforme a Lei nº 6.697, de 10 de outubro

de 1979 (BRASIL, 1979).

O ECRIAD privilegia o aspecto pedagógico das medidas socioeducativas em

detrimento do caráter correcional, discriminatório e opressor.

Segundo o SINASE (2009):

A realidade dos adolescentes brasileiros [...] no contexto socioeducativo, exige atenção do Estado e evidencia a necessidade de uma agenda de urgências no sentido de se efetivar políticas públicas e sociais e, sobretudo, ampliar os desafios da implementação da política de atendimento socioeducativo.

O artigo 86 do ECRIAD determina que a política de atendimento dos direitos

da criança e do adolescente seja feita por meio de um conjunto articulado de ações

governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios.

Segundo Varalda (n.d.) muitos adolescentes acabam cometendo atos

infracionais, visto que:

4 A doutrina de proteção integral ressalta necessidades próprias e especificas dos jovens, que, na

condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada. (HOLANDA, n.d) 5 A doutrina da situação irregular foi adotada antes do estabelecimento do atual Estatuto da Criança e

do Adolescente. Ela foi sustentada pelo antigo Código de Menores (Lei 6697/79), que admitia situações absurdas de não proteção à criança e ao adolescente. Naquele ínterim, os menores infratores eram afastados da sociedade, sendo segregados, de forma generalizada, em estabelecimentos como a FEBEM, desrespeitada a dignidade da pessoa humana e o termo “menor”, inclusive, passando a ser usado pejorativamente. (HOLANDA, n.d)

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Diariamente, milhares de crianças e adolescentes [...] em especial, do Brasil, são privadas do exercício da cidadania e vêem seus direitos fundamentais sendo ameaçados ou violados justamente pela omissão ou ação inadequada do Poder Público em implantar as políticas públicas destinadas à concretização desses direitos. Dados estatísticos apontam que o Brasil é um país repleto de contradições e de uma intensa desigualdade social, já que 1% da população rica detém 13,5% da renda nacional, contra os 50% mais pobres, que detêm 14,4% desta (IBGE 2004). Essa desigualdade social traz consequências sérias nas condições de vida da população infanto-juvenil. (VARALDA, n.d.)

Conforme Oliveira e Assis (2006) entender e lidar com a violência que envolve

crianças e adolescentes é um desafio no Brasil e no mundo. Em relação às infrações

cometidas por adolescentes, estudos apontam que adolescentes de 12 a 18 anos

representam 15% de toda a população brasileira e que o número desses jovens que

cometem atos infracionais é bem menor do que a quantidade de crianças e

adolescentes que são vítimas de violência.

Sugerimos este estudo a partir do pressuposto de que é dever do Estado, da

sociedade e da família zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, visto sua

situação de pessoa em desenvolvimento.

Segundo o IASES entidade vinculada à gestão e da política pública no

atendimento socioeducativo na esfera estadual no Estado do Espírito Santo, o

número de entradas de adolescentes de 2003 a 2011 subiu de 3,1% para 17,6%,

chegando a 2995 atendimentos iniciais no ano de 2011. Cresce o número de

adolescentes em conflito com a lei no Espírito Santo, principalmente na região

metropolitana, logo é preciso à criação e implementação de políticas públicas

voltadas a esse público (ESPÍRITO SANTO, 2012).

O estudo considera a importância de ampliação das pesquisas sobre

estratégias voltadas para esse público, buscando conhecer qual a proposta de

trabalho que vem sendo adotada com os adolescentes que entram no IASES e

como estas se relacionam com a política de proteção estabelecida pelos

instrumentos legais: ECRIAD e SINASE.

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar os instrumentos de

gestão voltados para o atendimento socioeducativo no Espírito Santo e como

objetivos específicos conhecer o referencial histórico dos direitos da criança e

adolescente no país e identificar a execução das legislações existentes sobre o

atendimento aos adolescentes em conflito com a lei no Espírito Santo.

9

2. METODO

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental com abordagem

qualitativa. Para Gerhardt e Silveira (2009) qualquer trabalho científico inicia-se com

uma pesquisa bibliográfica, pois ela permite que o pesquisador conheça o que já se

estudou sobre o assunto. Essa pesquisa científica se baseará na pesquisa

bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o intuito de recolher

informações e/ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se

procura a resposta.

Também utilizamos a técnica pesquisa documental que segundo Santos

(2000) é uma técnica decisiva para a pesquisa em ciências sociais e humanas já

que a análise documental é indispensável porque a maior parte das fontes escritas

[...] são quase sempre a base do trabalho de investigação; é aquela realizada a

partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados

cientificamente autênticos.

A instituição pesquisada foi o IASES, órgão do Governo do Estado

responsável por executar e gerir a política pública de atendimento aos adolescentes

em processo judicial de apuração do ato infracional ou ao que cumpre medida

socioeducativa.

A escolha dessa instituição deve-se ao fato de que o IASES também é

responsável por promover, juntamente com as demais instituições que atendem a

esses adolescentes, a articulação da rede de atendimentos visando favorecer a

responsabilização e a inclusão social. Logo, para a abordagem do objeto proposto

nesse estudo foi necessária a verificação das ações desenvolvidas por esse órgão

conforme preconiza as legislações.

3. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA INFÂNCIA NO BRASIL

O fato mais constante na história da sociedade brasileira, é que às crianças e

adolescentes que não se enquadram nos determinantes acima sempre “se reservou

a piedade e a solidariedade de uns; a indiferença, a hipocrisia ou a crueldade de

10

outros” (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p. 16).

Os mesmos autores acima ainda destacam que:

No que se refere ao caso específico das políticas dirigidas à infância, prevaleceu, no Brasil até o presente, a necessidade do controle da população pobre, vista como perigosa. Manteve-se, pois, o abismo infranqueável entre infâncias privilegiadas e menores marginalizados. Impuseram-se reiteradamente propostas assistenciais, destinadas a compensar a ausência de uma política social efetiva, capaz de proporcionar condições equitativas de desenvolvimento para crianças e adolescentes de qualquer natureza (Ibidem, pp. 16 e 17).

Neste contexto, destaca-se que no Brasil, desde a chegada dos Jesuítas,

aproximadamente cinquenta anos após a chegada dos primeiros portugueses

(LEITE, 2009, p. 11), deu-se início ao processo de abandono de crianças e

adolescentes. “Elas eram denominadas de desvalidas”, nome que quer dizer

“desprotegido” ou “sem valor.” O nome dado aos abandonados já é revelador da

situação pela qual passaram as crianças. Faleiros (2011) chama atenção para a

compreensão da assistência à criança e ao adolescente no contexto do Brasil

Colônia. Desta forma, é preciso considerar que as relações socioeconômicas

daquela época demandavam mão de obra em grande número e admitiam a

escravização do negro.

Em 1551, conforme Arantes (2011), fora aberta uma casa para meninos

(mestiços, negros, índios e filhos de colonos) e outra para as índias. Os meninos

eram educados sob severos castigos e instigados a deixar os costumes dos pais e

as índias eram dadas em casamento aos colonos, porque já haviam assimilado o

comportamento e as ideias católicas. De acordo Coelho (2000, p. 3) a fundação

dessa casa representa o: “marco do início do recolhimento de crianças “desvalidas”,

por parte da igreja no Brasil”.

Ao mesmo tempo em que os jesuítas desenvolviam um trabalho voltado para

a educação e assistência, existiam também as Casas de Misericórdia. Essas

instituições eram normalmente de caráter laico. A primeira surgiu em Lisboa no ano

de 1498 e foi fundada por um frade, juntamente com um grupo de leigos. Os custos

da assistência às crianças abandonadas e enjeitadas eram prestados pela

Misericórdia, embora a responsabilidade fosse do governo: “Essas Misericórdias não

tinham obrigação de assistir enjeitados. No caso dos enjeitados, a Câmara, sim,

11

tinha responsabilidade legal” (FALEIROS, 2011, p. 211).

Para receber os enjeitados criou-se a Roda dos Expostos. O adjetivo

exposto é a definição do que está à vista. Este termo era aplicado para as crianças

abandonadas nas ruas por suas famílias e às crianças órfãs. Roda dos expostos era

sinônimo de lugar de abandonado, desvalido ou rejeitado. A primeira Roda dos

Expostos foi fundada na Bahia em 1726, após reivindicação dirigida ao rei de

Portugal. Foi então estabelecida nos mesmos moldes daquelas que foram criadas

em Portugal. Esta Roda foi estabelecida junto à Casa de Misericórdia. A importância

dessa instituição pode ser comprovada com o texto a seguir:

A Roda dos Expostos foi uma das instituições brasileiras demais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. Criada na Colônia perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950. Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da roda dos rejeitados (MARCÍLIO,1997, p. 51)

Conforme Venâncio (1999), observa que na época inicial de instalação das

Rodas hospitalares coloniais não era possível saber se os recursos da Misericórdia

estavam sendo integrados às estratégias de sobrevivência das camadas populares e

se a criança voltava a ter contato com os familiares pois não haviam encarregados

ou fiscalizadores. Em 1811 toda e qualquer criança pobre só era socorrida se

entrasse obrigatoriamente no circuito do abandono. Nos Séculos XVIII e XIX todas

as crianças enviadas ao auxílio hospitalar eram considerados enjeitados, sujeitos à

proteção pública por falta de responsabilidade dos pais.

Segundo Rizzini, (2011 apud MORCOVO, 1926) a história da proteção à

infância divide-se em três períodos: Período antigo - de 1500 a 1874; Período Médio

- de 1874 a 1889 e Período Moderno - de 1889 a 1922. Havia uma multidão de

pobres e desqualificados sem projeto de futuro e o apelo era pela necessidade de

mudança, evocando-se a intervenção do Poder público como já havia consolidado

nos países civilizados.

Ainda conforme Rizzini (2011), pela influência de Locke e dos poetas

românticos, por volta de 1700 teria ocorrido uma profunda sensibilização em relação

à infância, fato, descrito como uma novidade, pois, passava-se a perceber que a

infância não seria apenas um estágio do ciclo de vida mas a mais importante das

12

etapas. Porém, mais tarde, a ideia de infância estava ligada a desordem e ameaça

de descontrole então a criança deveria o mais cedo possível ser adaptada ao

trabalho e sua inserção precoce no mundo do trabalho era vantajosa no século XIX.

A figura do discernimento foi questionada pelo meio jurídico no século XIX mas

mantida na prática, porém no início do século XX com a formulação de uma

legislação específica para os menores, a noção de discernimento foi ridicularizada e

erradicada pelo Código de Menores em 1927.Com os novos rumos sobre a história

da legislação para a infância. Entra em destaque a necessidade de “salvar as

crianças”, tendo como partida um vasto campo jurista. Embora o destaque

ultrapasse os limites da justiça, sendo necessário outras áreas de conhecimento, o

que ocorreu foi a liderança dos juristas (RIZZINI; PILOTTI, 2011).

Consta que no ano de 1906, Alcindo Guanabara, em sessão de 31 de outubro, “vem sujeitar à consideração da Câmara um projeto de lei regulando a situação da infância moralmente abandonada e delinquente”. Entre os responsáveis pela elaboração do projeto, está o nome de Mello Mattos, no que parece ser a sua primeira contribuição pública no processo que culminará na aprovação do Código de Menores. (RIZZINI; PILOTTI, 2011).

O Decreto de 1926 instituiu o Código de Menores e, em 1927, o Decreto

n.17.943-A consolidava as leis de assistência e proteção de menores. “O objetivo de

legitimar e manter a ordem almejada, à medida que, ao zelar pela infância

abandonada e criminosa, prometia extirpar o mal pela raiz, livrando a nação de

elementos vadios e desordeiros, que em nada contribuíam para o progresso do país”

(RIZZINI; PILOTTI, 2011), mais tarde, em 1990 seria criado o Estatuto da Criança e

adolescente (ECRIAD), que veremos a seguir.

4. O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL: UM OLHAR PARA A

LEGISLAÇÃO VIGENTE

Segundo Gallina (n.d.), no Brasil o segmento populacional mais afetado com

a violência é a população infanto-juvenil. Para a autora, as crianças e adolescentes

também convivem com os diferentes tipos de violência, seja física, psicológica,

sexual e/ou moral. É percebido então um aumento do número de adolescentes que

cometem atos infracionais, seja por razões objetivas, como necessidade de renda,

ou subjetivas, como a busca da construção da subjetividade.

13

Os impactos que são produzidos no processo de desenvolvimento do adolescente são perceptíveis em sua jovem trajetória, para que o regresso aos institutos de internação se torne cada vez mais frequente, pois suas vidas foram marcadas pela banalização da violência e da vida, onde foram crianças que precisaram de uma família que pudesse oferecer segurança, afeto e limite e o que encontraram foi um ambiente de exploração, abandono, negligência, violência, ausência do pai. Foram criados com presença/ ausência da mãe que “precisava trabalhar para sustentar a casa”, fragilizada em função de abandono material e afetivo, ou criados por avó, pessoa cada vez mais importante nos arranjos familiares (GALLINA, n.d.)

Ainda Segundo Gallina (n.d.):

No caso do adolescente em conflito com a lei, isso não se traduz por desresponsabiliza-lo por seus atos ou deixá-lo impune. Significa, sim, atuar de tal forma que a privação ou restrição da liberdade, como ação sancionatória, tenha, principalmente, um caráter educativo, em que seus atos sejam confrontados com as consequências para sua vida e para a sociedade.

A transformação no atendimento destinado a crianças e adolescentes

envolvidos em prática infracional se deu com a formulação da Doutrina da Proteção

Integral. No âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião das

discussões para adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Foi no âmbito normativo que se observaram os avanços mais significativos no

enfrentamento da prática do ato infracional cometida pelos adolescentes, pois com a

mudança de paradigma sobre o atendimento, o adolescente que comete ato

infracional, ao invés de ser punido e privado de direitos é submetido a medidas

socioeducativas, que objetivam ressignificar as atitudes que o levaram àquela

prática e promover sua reinserção na sociedade (BRASIL, 2012).

A legislação brasileira absorveu o entendimento mundial de que o

adolescente, independentemente de sua eventual condição de autor de ato

infracional, é merecedor de proteção integral por parte do Estado, da sociedade e da

família e que estes setores devem proteger e promover seus direitos além de

priorizar políticas públicas e sociais que façam o mesmo. Mudar a lei com base no

senso comum e no clamor público pode significar grandes retrocessos. (BRASIL,

2012).

A Constituição Federal em seu artigo 227 diz:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

14

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988)

Sendo assim a Constituição Federal afirma o compromisso da família, da

sociedade e do Estado em assegurar com prioridade a proteção e os direitos da

criança e do adolescente.

Visando atender os anseios dos que buscavam respostas mais efetivas por

parte do poder público para a temática, em 1990 é aprovado no Congresso Nacional

e publicado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD): o marco legal que

reuniu reivindicações de movimentos sociais que trabalhavam em defesa da ideia de

que crianças e adolescentes são também sujeitos de direitos e merecem acesso à

cidadania e proteção.

O ECRIAD se contrapõe a um passado de exclusão e controle quando se

sustenta na Doutrina da Proteção Integral que afirma o valor dos adolescentes

autores de ato infracional como seres humanos possuidores de direito visto sua

condição de pessoa em desenvolvimento que os tornam merecedores de proteção

por parte da família, da sociedade e do Estado que deve atuar com políticas públicas

e sociais na promoção e defesa dos direitos dessa classe. (SINASE, 2006).

Outro ponto a ser ressaltado é a importância da estruturação de um sistema

capaz de cumprir o que determina a lei (Art.123 do ECRIAD) onde é fundamental

implantar regulamento de funcionamento das unidades e as regras (direitos e

deveres) para os adolescentes, além de evitar a ociosidade e criar um ambiente

propício à cooperação e ao respeito mútuo (SINASE, 2006).

Em fevereiro de 2004 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH),

por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente

(SPDCA), juntamente com o CONANDA e com o apoio do Fundo das Nações

Unidas para a Infância (UNICEF) criaram o Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo - SINASE cuja implementação objetiva o desenvolvimento de uma

ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos.

Outro grande avanço na esfera normativa foi a recente promulgação da lei 12.594, instituindo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Estruturado no âmbito do Executivo, a partir de resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), o SINASE regula o processo de apuração de ato infracional e execução de medidas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei. (BRASIL, 2012).

15

Nesta rede construída a partir de instrumentos legais, o Conselho Nacional de

Direitos da Criança e Adolescentes (CONANDA) é o órgão responsável por deliberar

sobre a política à infância e adolescência sendo pautado no princípio da democracia

participativa.

Segundo a Secretaria de Justiça do Espírito Santo (SEJUS), a entidade de

atendimento que administra as políticas voltadas a adolescentes autores de ato

infracional é o Instituto de Atendimento Socioeducativo (IASES), que é uma

autarquia pública, com personalidade jurídica de direito público interno, com

autonomia administrativa, técnica e financeira, vinculada à Secretaria de Estado da

Justiça, que tem por finalidade formular, implementar e manter o sistema de

atendimento responsável pela execução das medidas socioeducativas no Estado do

Espírito Santo. (ESPÍRITO SANTO, 2005).

Algumas das competências específicas do IASES, definidas no artigo 4º do

Decreto 1.583-R de 18 de novembro de 2005, que aprova o Regulamento do

Instituto são:

I - formular a política estadual de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, em consonância com a legislação pertinente e orientada pelos princípios do respeito à dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos, à equidade e à justiça social; II - planejar, implantar, implementar, assessorar, coordenar e articular a execução das medidas socioeducativas, assim como promover a defesa dos direitos do adolescente em conflito com a lei, conforme as diretrizes fixadas na Lei Federal nº 8.069, de 13/07/1990; III - definir diretrizes, políticas e técnicas de atendimento, supervisão e acompanhamento das ações de medidas socioeducativas em meio aberto; IV - manter estreita articulação com as instituições do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente para promover ações conjuntas em áreas de interesse comum, bem como estabelecer áreas prioritárias para traçar políticas governamentais destinadas à atenção aos adolescentes em conflito com a lei, em parceria com as Secretarias de Estado, e outros órgãos, se necessário. (SEJUS, 2014).

O IASES passou por um reordenamento, conceitual, operacional e

administrativo, para incorporar os novos paradigmas advindos da Doutrina da

Proteção Integral estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente das

Organizações das Nações Unidas e a Lei do SINASE, pois a antiga estrutura

institucional estava dentro do contexto da Doutrina da Situação Irregular. (SEJUS,

2014)

ESPÍRITO SANTO (2016) diz que, O IASES estava vinculado a SEJUS que

tem a sua gestão voltada especialmente para as unidades prisionais mas em 2016 o

Estado deu um importante passo em direção à garantia de direitos humanos: foi

16

sancionada a lei que cria a Secretaria de Direitos Humanos (SEDH). A novidade

repercutiu diretamente no IASES, que passou a fazer parte da pasta. Essa

secretaria terá a oportunidade de fortalecer políticas de promoção, proteção e

defesa dos direitos humanos, atuando na mediação entre a sociedade civil, as

demandas de movimentos sociais e as demais áreas do governo. A razão do IASES

passar a fazer parte da SEDH é focar na reinserção social e nas ações que visam à

recuperação dos jovens e adolescentes, fugindo do encarceramento puro e simples.

Essa mudança é enxergada como um novo avanço.

5. O IASES E SUA RELAÇAO COM O QUE PRECONIZA A LEI

Visando atender aos objetivos propostos neste trabalho, realizamos a coleta e

análise de dados a partir dos documentos disponibilizados no site do IASES, sendo

eles: O Projeto Político-Pedagógico do IASES (PPPI), o Plano Estadual de

Atendimento Socioeducativo do Estado Do Espírito Santo 2015-2024, Planejamento

Estratégico 2015 – 2020, o Programa Institucional de Atendimento Inicial e o

Programa Institucional de Abordagem Familiar e Comunitária.

Buscando identificar elementos comuns que possibilitasse a construção da

análise documental, elegemos alguns tópicos, a saber: objetivos; público-alvo;

recursos; marco legal; eixo/diretrizes; ações; período; resultados esperados e

dificuldades.

Ao analisar os objetivos, identificamos que todos os instrumentos buscam a

qualificação do atendimento socioeducativo e a garantia do acesso à direitos e

oportunidades dos adolescentes e inclusão social dos mesmos. Buscam também a

articulação e integração do IASES com outros órgãos, tais como Ministério Público,

Judiciário, etc. além de alguns objetivarem a melhoria da estrutura física do IASES.

Um dos instrumentos analisados, o Planejamento Estratégico 2015 – 2020

cita como um de seus objetivos “promover e articular, junto ao Sistema de Garantia

de Direitos (SGD), a regionalização, ampliação e melhoria da rede de atendimento

ao adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional”. (p. 04)

É também objetivo do PPPI “garantir ao adolescente o acesso a direitos e às

oportunidades de superação de sua situação de vulnerabilidade/exclusão e a

ressignificação de valores”. (p.31)

Segundo o ECRIAD (1990):

17

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se- lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Sendo assim, os objetivos dos documentos analisados condizem com o

ECRIAD, visto que o mesmo visa a proteção e desenvolvimento do adolescente na

sua integralidade.

O público alvo dos instrumentos analisados é o adolescente autor de ato

infracional cumprindo medida socioeducativa e sua família, a comunidade e os

órgãos com os quais o IASES busca articulação (Ministério Público, Defensoria,

etc.), a exemplo do PPPI em que está contido “proposta de articulação da sociedade

civil organizada, do poder público e da família, como parceiros na execução das

políticas públicas de atendimento às crianças e adolescentes”. (p. 34)

O ECRIAD responsabiliza também a família e a sociedade sobre a

importância de sua participação na garantia dos direitos dos adolescentes.

Segundo o ECRIAD (1990):

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Assim, conforme SINASE (2009), o ECRIAD se baseia na Doutrina da

Proteção Integral que considera a condição de pessoa em desenvolvimento dos

adolescentes, a qual os torna merecedores de proteção por parte da família, da

sociedade e do Estado que deve atuar de forma a garantir a proteção e o

desenvolvimento integral dos adolescentes.

Os jovens oriundos de classes menos favorecidas, chegam ao mundo adulto

com várias dificuldades e poucas condições para refletir sobre as condições a que

se encontra, assim como seus conflitos familiares e com a sociedade como um todo,

tendo que por muitas vezes preocupar-se primordialmente em conseguir o básico:

roupa, comida e quem sabe algumas vezes conseguir a diversão. (FERRONATO,

2015, p. 06).

Os recursos disponibilizados para o IASES são financiados pelas três esferas

de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) visto que a Lei do

SINASE prevê em seu artigo 30 e 31 que o Sistema Socioeducativo será

18

cofinanciado com recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social, além de

outras fontes e que os Conselhos de Direitos, nas 3 (três) esferas de governo, são

responsáveis de definir anualmente, o percentual de recursos dos Fundos dos

Direitos da Criança e do Adolescente que serão aplicados no financiamento das

ações previstas na Lei, em especial para capacitação, sistemas de informação e de

avaliação.

Os instrumentos analisados apontam como Marco Legal: ECRIAD, SINASE,

Constituição Federal de 1988, Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Lei

Orgânica da Assistência Social (LOAS) e outros relacionados à assistência e

proteção da infância/adolescência, conforme legislação preconizada.

Os principais eixos/diretrizes norteadores dos documentos são: o Projeto

Pedagógico como ordenador de ação e gestão do atendimento socioeducativo, pois

segundo o PPPI os programas devem ter, obrigatoriamente, projeto pedagógico

claro e escrito em consonância com os princípios do SINASE. Este projeto

pedagógico conterá: objetivos, público-alvo, capacidade, fundamentos teórico-

metodológicos, ações/atividades, recursos humanos e financeiros, monitoramento e

avaliação de domínio de toda a equipe. Este projeto orientará a elaboração dos

demais documentos institucionais e a sua efetiva e consequente operacionalização

estará condicionada à elaboração do planejamento das ações e consequente

monitoramento e avaliação dos processos, impactos e resultados a serem

desenvolvidos de modo compartilhado entre a equipe institucional, os adolescentes

e as famílias.

Outra diretriz é a participação dos adolescentes na construção, no

monitoramento e na avaliação das ações socioeducativas vista no SINASE como

fundamental para que o adolescente ultrapasse a esfera espontânea de apreensão

da realidade e chegue na esfera crítica da realidade, assumindo conscientemente

seu papel de sujeito. As ações socioeducativas devem propiciar concretamente a

participação crítica dos adolescentes na elaboração, monitoramento e avaliação das

práticas sociais desenvolvidas, possibilitando, assim, o exercício enquanto sujeitos

sociais.

Diversidade étnico-racial também é uma diretriz presente nos instrumentos

analisados, gênero e orientação sexual norteadora da prática pedagógica, visto que

o SINASE (2006), as questões da diversidade cultural, da igualdade étnico-racial, de

gênero, de orientação sexual deverão compor os fundamentos teórico-

19

metodológicos do projeto pedagógico dos programas de atendimento

socioeducativo. Portanto é necessário “discutir, conceituar e desenvolver

metodologias que promovam a inclusão desses temas, interligando-os às ações de

promoção de saúde, educação, cultura, profissionalização e cidadania na execução

das medidas socioeducativas” viabilizando práticas mais tolerantes e inclusivas.

A participação ativa da família e comunidade na experiência socioeducativa a

participação desses atores é fundamental, sendo um dos eixos norteadores dos

documentos analisados nesta pesquisa.

Segundo o SINASE (2006):

Tudo que é objetivo na formação do adolescente é extensivo à sua família. Portanto, o protagonismo do adolescente não se dá fora das relações mais íntimas. Sua cidadania não acontece plenamente se ele estiver integrado à comunidade e compartilhando suas conquistas com a sua família (p.55-56).

Quanto a formação continuada dos atores sociais, diretriz presente na maioria

dos instrumentos,

A formação continuada dos atores sociais envolvidos no atendimento socioeducativo é fundamental para a evolução e aperfeiçoamento de práticas sociais ainda muito marcadas por condutas assistencialistas e repressoras. Ademais, a periódica discussão, elaboração interna e coletiva dos vários aspectos que cercam a vida dos adolescentes, bem como o estabelecimento de formas de superação dos entraves que se colocam na prática socioeducativa exigem capacitação técnica e humana permanente e contínua considerando, sobretudo o conteúdo relacionado aos direitos humanos. A capacitação e a atualização continuada sobre a temática “Criança e Adolescente” devem ser fomentadas em todas as esferas de governo e pelos três Poderes, em especial às equipes dos programas de atendimento socioeducativo, de órgãos responsáveis pelas políticas públicas e sociais que tenham interface com o SINASE, especialmente a política de saúde, de educação, esporte, cultura e lazer, e de segurança pública (SINASE; 2006, p. 56).

As diretrizes norteadoras dos instrumentos analisados estão em

conformidade com as legislações vigentes sobre a infância e adolescência em

especial o SINASE. Todas buscam o melhor atendimento ao adolescente autor de

ato infracional cumprindo medida socioeducativa, assim como sua ressocialização.

O Projeto Político-Pedagógico do IASES organiza as ações em eixos, a

saber: Eixo do Direito à Vida e à Saúde; Eixo do Direito à Liberdade, ao Respeito e à

Dignidade; Eixo do Direito à Convivência Familiar e Comunitária; Eixo do Direito à

Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer e o Eixo do Direito à Profissionalização

e à Proteção no Trabalho.

20

Ao analisar os objetivos das ações foi constatado que os pontos relevantes

nos eixos dos direitos são à criança e ao adolescente como sujeitos de direitos

conforme descreve o ECRIAD (1990).

Identifica-se nos instrumentos que as ações consistem na sistematização das

atividades para os adolescentes que valorizem o cuidado e o zelo pessoal, social, do

meio ambiente e dos espaços que ocupam, garantindo-lhe a integridade física e

mental, complementando o aprendizado das aulas nas unidades socioeducativas do

IASES, com a modalidade de Ensino para Jovens e Adultos (EJA), modalidade

específica da educação básica que atende jovens e adultos que não deram

continuidade aos seus estudos na idade apropriada, possuindo duração reduzida em

relação ao ensino regular, garantindo ações pedagógicas a partir de oficinas

educativas junto aos adolescentes e familiares que valorizem a questão da

dignidade em todos os seus aspectos visto que a falta de escolarização é uma

grande dificuldade encontrada na maioria dos instrumentos.

A ações executadas visam a possibilidade de construção de um projeto de

vida que promova os valores e princípios da emancipação humana, pessoal, social,

econômica, comunitária, cultural, religiosa e afetiva; propiciando ao adolescente o

devido atendimento biopsicossocial e jurídico especializados; promover a saúde , a

consciência crítica frente aos direitos deveres expressos no ECRIAD e do

Regimento Interno das unidades socioeducativas e a liberdade, garantindo a livre

expressão e opinião do adolescente e a sua participação na proposta técnica de

atendimento.

As ações presentes nos instrumentos, visam ainda a promoção do

acompanhamento e da participação da família e comunidade no processo

socioeducativo do adolescente, contribuindo para a organização das assembleias

familiares. Para isso é feito o mapeamento da rede de garantia de direitos, parceiros

e potencialidades dos territórios, realizando o diagnóstico da situação

socioeconômica e das potencialidades da família para o convívio social e

comunitário, articulando com os programas de geração de renda e sua inclusão

produtiva.

Outras ações descritas visam a garantia das várias manifestações culturais

da subjetividade e da liberdade de criação, promovendo a inclusão de princípios de

tolerância e respeitando às diferenças de raça, etnia, crença religiosa, gênero e de

orientação sexual; articulação junto às secretarias específicas a promoção do

21

acesso à cultura e suas várias formas de manifestação, através de convênios e da

rede de atendimento integral; propiciar atividades esportivas, de expressão,

consciência e valorização corporal, promovendo a qualidade de vida integral, a

saúde, a expressão afetiva e o desempenho individual, grupal e coletivo frente a

essas abordagens, disponibilizando diversas vivências de modalidades esportivas, a

fim de realizar um diagnóstico das aptidões e interesses dos adolescentes,

garantindo espaço físico, aparelhagem e material adequado; oportunizar aos

adolescentes vivências de lazer, favorecendo a expressão afetiva, lúdica e

integrativa nas atividades; propiciar a formação no âmbito da educação profissional,

a profissionalização técnica deve ser promovida por meios dos conteúdos de ordem

procedimental, promovendo o aprendizado do fazer. Não se trata apenas de

conclusão de cursos profissionalizantes, mas o desenvolvimento de aptidões para a

vida produtiva e o desenvolvimento de atividades que possibilitem as vivências das

habilidades básicas, específicas e de gestão.

Segundo o IASES as ações relativas à espiritualidade numa unidade

socioeducativa devem possibilitar a formação de valores como a misericórdia, o

perdão, a solidariedade, o amor, a tolerância, dentre outros. Nesse sentido, o IASES

promove o Programa de Assistência Espiritual (PAES), com o objetivo de facultar ao

adolescente o seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade em

dignidade, conforme apregoa o artigo 3° do ECRIAD.

O PAES deve promover a coparticipação dos adolescentes, seus familiares,

servidores, da comunidade, das instituições religiosas e da sociedade de uma forma

geral, respeitando a pluralidade religiosa e o princípio da dignidade da pessoa

humana e propondo ações formativas de alinhamento entre os grupos religiosos

cadastrados e autorizados a realizarem visitas às unidades socioeducativas.

Observa-se que o principal resultado esperado presente em todos os

documentos é a ressocialização e inclusão social do adolescente cumprindo medida

socioeducativa, a redução da reincidência e o acesso dele e da família à rede

socioassistencial para que haja menos internações.

Busca-se também a implementação coletiva de uma política pública

socioeducativa, além de ser referência nacional até 2020 na gestão de atendimento

socioeducativo.

6. CONCLUSÃO

22

O presente artigo apresenta um breve recorte histórico que resgatou as

principais características do aparato administrativo e legislativo relativo à

constituição da emergência e o desenvolvimento das políticas sociais de

atendimento infanto-juvenil concomitante ao processo de desenvolvimento do

sistema de proteção social nacional.

Identifica-se nos instrumentos que as ações consistem na sistematização das

atividades para os adolescentes que valorizem o cuidado e o zelo pessoal, social, do

meio ambiente e dos espaços que ocupam, ações executadas que visam a

possibilidade de construção de um projeto de vida que promova os valores e

princípios da emancipação humana, pessoal, social, econômica, comunitária,

cultural, religiosa e afetiva.

Para tanto, torna-se necessária a articulação com a rede socioassistencial

objetivando a consolidação de parcerias com programas projetos/ políticas públicas

visando a inclusão social das famílias em programas de transferência de renda,

benefícios e promoção social, o atendimento no tocante às condições de

sobrevivência e às relações afetivas estabelecidas, a conscientização das famílias

sobre os seus direitos e deveres; a integração e a mediação de conflitos entre

adolescentes e familiares, dentre outras ações.

Os familiares devem também ser orientados com relação às políticas públicas

as quais podem lhes beneficiar. É nesse contexto social que as ações apresentam

sustentabilidade social, pois é de grande importância para o adolescente e toda a

sociedade que tenha a efetivação de políticas públicas voltadas para a reinserção do

adolescente na comunidade, fazendo com que a família e o adolescente se sintam

sujeitos de direitos, e cidadãos com potencialidades e autoconfiança, agindo

democraticamente e fortalecendo o vínculo familiar.

Identificamos que todos os instrumentos veem como dificuldade a articulação

e integração dos demais atores envolvidos no processo socioeducativo, apesar do

que está escrito no artigo 86 do ECRIAD que diz que a “incompletude institucional

revela a lógica presente no ECRIAD quanto à concepção de um conjunto articulado

de ações governamentais e não-governamentais para a organização das políticas de

atenção à infância e à juventude”.

Dessa forma, concluímos que o presente trabalho respondeu aos objetivos

propostos, ao analisar os objetivos identificamos que todos os instrumentos buscam

a qualificação do atendimento socioeducativo, a garantia do acesso à direitos e

23

oportunidades dos adolescentes e inclusão social dos mesmos. Buscam também a

articulação e integração do IASES com outros órgãos, tais como Ministério Público,

Judiciário, etc. e alguns documentos também objetivam a melhoria da estrutura

física do IASES para um melhor atendimento ao adolescente autor de ato

infracional.

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