o enfrentamento À pobreza dentro das salas de...
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Trabalho de Conclusão de Curso
O ENFRENTAMENTO À POBREZA DENTRO DAS SALAS DE AULA: ESTUDO
DE CASO DE ESCOLA MUNICIPAL DE SELVÍRIA/MS
Ana Paula Nogueira1
Maria do Socorro Sales Felipe Bezerra2
Resumo
O presente estudo analisa a visão dos professores sobre o enfrentamento da pobreza na sala de
aula da Escola Municipal Professor Nelson Duarte Rocha (Selvíria/MS). O objetivo principal
consiste em analisar a configuração dos documentos da política educacional, escolar e contexto
social do município, conhecer o perfil dos estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família
e a percepção dos professores sobre o enfrentamento da pobreza. Como metodologia,
considera-se a análise documental e a realização de entrevistas, buscando verificar quais as
dificuldades e anseios dos professores no desafio da pobreza dos estudantes beneficiários. O
estudo evidenciou que a falta de informação sobre o PBF por parte dos professores, que se
contradiz com a necessidade de conhecimento sobre a realidade dos beneficiários. Há uma
perspectiva utópica de que a cobrança pela frequência como condição não seja relevante, pois
acreditam que somente o conhecimento escolar pode constituir instrumento de superação das
condições sociais precárias.
Palavras-chave: Bolsa Família, Professor; Escola; Pobreza.
1 INTRODUÇÃO
O cotidiano escolar é composto por adversidades entre as quais estão os problemas
sociais dos estudantes e de suas famílias. Neste sentido, o presente artigo busca compreender
a concepção dos professores do ensino fundamental I da Escola Municipal Professor Nelson
Duarte Rocha (Selvíria/MS) no processo de enfrentamento da pobreza dos estudantes
beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF).
Considera-se o contexto social do município e o perfil dos estudantes beneficiários,
as dificuldades dos professores no cotidiano escolar e como enfrentam os desafios no processo
de aprendizagem dos estudantes beneficiários, partindo da percepção de que os professores se
veem na condição de acolhimento destes estudantes beneficiários no ambiente escolar sem uma
formação pedagógica específica ou complementar para lhe dar com as diversas situações. Em
um olhar mais aproximado sobre esta questão, percebe-se que os estudantes na faixa etária de
1 Pedagoga pela Faculdade de Ilha Solteira (FAISA). 2 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
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4 a 11 anos são encaminhados à escola para cumprimento das condicionalidades do PBF,
afastando o próprio objetivo educativo que o PBF possui.
Desde o início dos anos 2000 o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
(MDSA) atuou no sentido de superar as dificuldades para ampliar o acesso à escola. Neste
sentido, o PBF foi aprimorado buscando garantir não apenas a renda, mas o direito à educação
e sua permanência na escola, buscando romper com o ciclo da pobreza que no passado marcou
gerações de famílias.
O PBF foi criado em outubro de 2003 visando o combate à pobreza e à desigualdade
social no Brasil. É uma iniciativa reconhecida como o maior programa de transferência de
renda do mundo, com investimento anual do governo é de R$ 24 bilhões até 2013, o equivalente
a 0,46% da economia nacional, visando instituir rede de proteção mínima aos brasileiros em
situação de miséria. (BRASIL, 2013). Em setembro de 2016 o PBF atendeu mais de 13 milhões
famílias, que receberam benefícios com valor médio de R$ 182,03. O valor total transferido
pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas alcançou 2 bilhões no mês. (BRASIL,
2016).
As situações de desigualdade e pobreza se refletem na aprendizagem dos estudantes.
As famílias, por falta de informação ou condição social, muitas vezes transferem toda a
responsabilidade de educação para as escolas, que se veem sobrecarregadas das tarefas. Os
professores se tornam educadores, formadores de cidadãos e também responsáveis pelo
enfrentamento dos problemas-reflexos da pobreza e a sala de aula se torna um ambiente
propício para o acolhimento dessas crianças, de forma que desenvolvam conhecimentos
básicos necessários para a formação humana prevista na Constituição Federal de 1988.
O direito a educação se assegura na concepção de democracia e, como tal, alicerça o
percurso formativo e o exercício da cidadania (CURY, 2002). Com base neste pensamento, a
escola se torna fundamental para a vivência democrática, exercendo um importante papel na
vida das crianças em situação de pobreza e extrema pobreza.
A metodologia está baseada na pesquisa empírica por meio de entrevistas estruturadas
com doze (12) professores (5 no matutino e 7 no vespertino) do Ensino Fundamental I os turnos
matutino e vespertino, que recebem estudantes beneficiários do PBF, buscando identificar: o
entendimento destes professores sobre a percepção da pobreza e extrema pobreza presente na
escola e conhecer as dificuldades dos professores e seu enfrentamento no cotidiano escolar
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perante o desafio de ensino e aprendizagem. A referência temporal são os dados relativos a
2016.
Foram cinco (5) perguntas que buscaram compreender o trabalho do professor no
enfrentamento da pobreza, que refletiram sobre a formação escolar e a função da escola perante
este desafio, os quais destacam-se: o conhecimento dos alunos beneficiários do PBF pelos
professores; a relevância das informações sobre os beneficiários para o processo educativo; a
necessidade de cursos de formação para compreender a realidade dos estudantes beneficiários;
e, a relação entre a frequência escolar e o enfrentamento da pobreza.
Embora o processo educativo envolva várias dimensões da sociedade principalmente
da política educacional para manutenção da escola, para a promoção das políticas de formação
de professor, financiamento, também resguarda importante relação com configuração social-
histórica e política da relação professor e aluno, pois, como afirma Connell (1995), o professor
é quem melhor lida com o poder da transformação, pois está em contato direto com os sujeitos
deste movimento.
1 CONTEXTUALIAZAÇAO SOCIAL E EDUCACIONAL DAS POLITÍCAS
PÚBLICAS NO BRASIL
Ao longo da história do Brasil as políticas sociais tiveram um caráter assistencialista,
que supriram de certa forma as necessidades da população pobre. Tais políticas eram
remediadas com medidas paliativas e fragmentadas visando a manutenção da ordem social.
As garantias fundamentais do cidadão estão dispostos no art. 3º da Constituição
Federal de 1988 (CF/1988), quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e redução
das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, independentemente da
origem, raça, sexo, cor, idade sem discriminação. (BRASIL, 1988). Com base nestas garantias,
a população possui direitos sociais a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,
transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e
assistência aos desamparados, que devem ser promovidos em função da melhoria da condição
social e protegidos por programas de garantia de renda como requisitos para a igualdade e
justiça social.
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A CF/1988 não garantiu por si só a melhoria dos índices de pobreza no país. Conforme
a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)3 entre 2000 e 2002
9% da população estava abaixo da linha da pobreza e em 2014 esta porcentagem caiu para
menos de 5%, atingindo a meta estabelecida pela ONU (FAO, 2015), que indicou a redução
pela metade o número absoluto de pessoas subalimentadas. (BRASIL, 2014).
A definição da linha da pobreza no âmbito do PBF considera o valor que o Banco
Mundial utiliza como linha de renda de US$ 1,25 por dia, bem como estudos nacionais e
internacionais que tratam dessa temática, e linhas regionais de extrema pobreza calculadas a
partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Considerando que a extrema pobreza se manifesta de múltiplas formas além
da insuficiência de renda, o Plano foi estruturado em três eixos: garantia de renda, inclusão
produtiva e acesso a serviços.
O principal instrumento de acompanhamento do PBF é o Cadastro Único4, atualizado
a cada dois anos, e dispõe de informações sobre os brasileiros com renda familiar de até meio
salário mínimo per capita, relativas ao perfil de cada membro, local onde moram e
características dos domicílios. Visando sistematizar, dar continuidade, aperfeiçoar e a articular
estas informações, foi criado em 2011 o Plano Brasil sem Miséria (PBM). O PBM possui três
eixos principais: complemento da renda; acesso aos direitos; articulação com ações produtivas.
O PBF atua no PBM buscando associar a política de transferência de renda ao desenvolvimento
educacional dos beneficiários.
Compreende-se, portanto, que o PBF não seria eficiente se não tivesse caminhando
lado a lado com a educação. Entre as condicionalidades, determina-se que cada família
beneficiada tenha seus os filhos entre 6 e 15 anos matriculados na escola. Contudo, esta
condição foi se tornando obsoleta para o desafio de associar matrícula à frequência e não tornar
o Programa essencialmente assistencialista. Veio a necessidade da manutenção da criança na
escola e determinar a frequência mínima de 85% da carga horária, acima do exigido pelo
sistema de ensino que é 75%. (BRASIL, 2013).
3 A FAO atua no combate e erradicação da pobreza no mundo, sendo integrada por 189 países mais a Comunidade
Europeia, tendendo especialmente às áreas rurais onde vivem 70% das pessoas de baixa renda. (BRASIL, 2016). 4 O Cadastro Único para os Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um instrumento que
identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça a realidade socioeconômica
dessa população. Nele são registradas informações como: características da residência, identificação de cada
pessoa, escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras. (BRASIL, 2015).
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Esse acompanhamento constante da frequência e as condições colocadas às famílias
explicam os indicadores positivos alcançados nos últimos anos no Brasil, segundo Relatório
do PBF de 2012 (BRASIL, 2013). Por exemplo, os estudantes do PBF do ensino fundamental
tiveram taxa de aprovação igual e taxa de abandono menor que a média nacional. A defasagem
idade-série também foi menor do que a média registrada pelas crianças não beneficiadas pelo
programa. Portanto, os resultados indicam que a taxa de aprovação dos “filhos do Bolsa
Família” (famílias beneficiárias do programa) vem crescendo de maneira constante, que passou
de 80,5%, em 2008, para 83,9%, em 2011, e a taxa de abandono em 2011 foi de 2,9%, enquanto
a média nacional foi de 3,2%. (BRASIL, 2013).
Os dados mostram que o PBF tem resultados positivos na educação, pois a criança
melhor alimentada e com mais estrutura, rende mais na escola e tem melhor desenvolvimento
em sala de aula. A escola pública possui o papel importante na produção material da sociedade.
Segundo Alves (2001, p. 146) cada vez mais a escola pública vem assumindo um protagonismo
próprio de sua natureza e de reprodução das relações sociais. Até então a função da escola era
suplementar e preparatória para o exercício de profissões.
A escola se torna instrumento de transformação social e o professor assume a missão
de decidir e promover ações pedagógicas para suprir as necessidades educacionais dos
estudantes carentes, sobre o prisma da qualidade, portanto um instrumento dinâmico onde o
estudante adquire a capacidade de compreender sua realidade e modificá-la. Este entendimento
lembra Durkheim (1973, p. 52) que afirma que a “[...] educação não é um elemento para a
mudança social, e sim pelo contrário, é um elemento fundamental para a conservação e
funcionamento do sistema social”.
Arroyo (2015) compreende que enquanto a educação for pensada como uma questão
moral continuará a responder às necessidades para a parcela da população que tem acesso ao
conhecimento e aos resultados que deve proporcionar. Para o autor, o currículo é importante
para investir e repensar a questão moral, pois não são pensados como instrumento de superação
das condições sociais, são repletos de conselhos disciplinares, de orientação para o trabalho
sem informações dos direitos do cidadão.
1.1 CONFIGURAÇÃO DA POBREZA NO MUNICÍPIO DE SELVÍRIA/MS
A pobreza como processo social atribui-se ao caráter econômico que identifica a
família como pertencente a um grupo da população caracterizada como de baixa renda.
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Algumas situações de vida em que essas famílias são submetidas podem contribuir para a
identificação de pobreza no Brasil, o vínculo com as políticas de proteção social, local de
moradia e a vulnerabilidade. (ROSA, 2012).
Especificamente o Cadastro Único no município Selvíria/MS relativo a maio de 2016
do PBF possui 1.130 famílias registradas: 221 com renda per capita familiar menor que
R$77,00; 223 com renda per capita familiar entre R$77,00 e R$ 154,00; 439 com renda per
capita familiar entre R$ 154,00 e meio salário mínimo; e, 247 com renda per capita acima de
meio salário mínimo. (BRASIL, 2016).
No mês de julho na cidade de Selvíria foram beneficiadas 343 famílias, representando
uma cobertura de 71,5% da estimativa de famílias pobres no município. As famílias recebem
valor médio de R$ 142,25 sendo o valor total transferido pelo governo federal de R$ 48.792,00
no referido mês. (BRASIL, 2015).
Em relação às condicionalidades, o acompanhamento da frequência escolar, com base
no bimestre de março de 2016, atingiu o percentual de 69,1%, para crianças e adolescentes
entre 6 e 15 anos, o que equivale a 226 estudantes acompanhados em relação ao público relativo
a 327. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual foi de 51,7%, resultando em 31 jovens
acompanhados de um total de 60. (BRASIL, 2015).
Durante a história do município de Selvíria/MS a fonte de renda ficou reservada aos
serviços assistenciais, sem associar ao princípio educativo. Desde a emancipação, a população
não tinha opção diversificada de trabalho, concentrando-se nos serviços da prefeitura ou
dependiam de serviços nas cidades vizinhas. Mais tarde em dezembro de 2012, com a vinda da
usina de celulose5, ocorreram mudanças econômicas e de acesso à saúde, educação e demais
serviços públicos com maior dimensão social, melhorando a qualidade de vida dos
trabalhadores e famílias.
Mas culturalmente a população de Selvíria diante de pouca escolaridade e por um
legado cultural de privilégios políticos perpassou por dificuldades para sua emancipação
econômica, social e política. Em 2003, segundo dados do IBGE, a incidência da pobreza no
município foi de 42,94% e a taxa de analfabetos com 15 anos ou mais de idade foi de 16,2%.
Conforme dados do Educacenso (MEC) de 2015, o município possui 45 crianças matriculadas
5 Eldorado Brasil é uma empresa brasileira, com atuação global, que exporta celulose. Seu complexo industrial e
áreas de plantio estão localizados no Mato Grosso do Sul e produz em média de 1,7 milhão de toneladas de
celulose por ano. (ELDORADO BRASIL, 2015).
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na creche, 224 na pré-escola, 529 nos anos iniciais, 256 nos anos finais e 38 no ensino médio
(INEP 2015). Dentre os 79 municípios sul-mato-grossenses, 7 deles (8,97%) já atingiram a
meta de 100% proposta para o ano de 2016, no atendimento a crianças da pré-escola, e o
município de Selvíria está entre eles. (MATO GROSSO DO SUL, 2015)
A escola inserida no contexto da pobreza reflete nos índices do IDEB uma variação
entre os anos de 2009 a 2015, foi à única escola do município que obteve meta alcançada.
Observe a tabela:
TABELA 1 – IDEB da EEIEF Prof. Nelson Duarte Rocha
Com esses resultados, diretor, professores, secretários de educação, pais perceberam
a importância da participação de todos nesse processo, pois cada um deve procurar por soluções
para uma melhoria de ensino.
Selvíria possui quatro escolas - três municipais e uma estadual6, esta localiza-se em
bairro afastado da cidade e oferece o ensino fundamental II e a municipal se encontra em área
rural atendendo desde a educação infantil ao ensino médio e as demais na área urbana da
cidade.
A Escola de Educação Infantil e Fundamental Prof. Nelson Duarte Rocha7 localizada
na região central do município de Selvíria/MS. A escola produz parte do seu material didático
apostilado que complementa as necessidades do professor em sala de aula. A escola ficou neste
ano de 2016 sem recursos do FNDE destinados a compra de produtos escolares ou adequações
no âmbito escolar devido a uma má administração dos prazos de postagem, bloqueando os
recursos implicando no desenvolvimento dos projetos. Como saída para as dificuldades, a
6 A escola estadual não atende alunos de 1º ao 5º ano em acordo com o município de assumir a responsabilidade
sobre o ensino fundamental I e a estadual teria a responsabilidade dos alunos do ensino fundamental II e ensino
médio, conforme a organização da educação nacional na LDB. (BRASIL, 1996). 7 A escola recebeu esta denominação em homenagem ao professor Nelson Duarte Rocha um dos pioneiros na área
educacional de Selvíria, que desenvolveu atividades educacionais na década de 70, junto aos primeiros moradores
deste município. Escola foi criada pelo decreto municipal n° 016/92 de 23 de junho de 1992, cumprindo as demais
etapas do Conselho Estadual de Educação nos anos seguintes. Atualmente a escola possui 370 estudantes
matriculados.
Município 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Selvíria 3,1 4,0 3,8 - 3,2 4,8
Fonte: MEC/INEP.
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escola desenvolve projetos em parceria com empresas privadas ligadas com a finalidade de
recuperação do prédio escolar prevista para fevereiro de 2017.
31% dos 370 estudantes são beneficiários do PBF e se encontram em um contexto de
classe social agrava por uma política educacional comprometida com interesses da classe
dominante, explica Amaro (1997). A escola não está sintonizada com a realidade social de seus
estudantes, consequentemente de suas famílias, causando desestímulo por parte do aluno e
relações frias entre educador e educando.
O perfil dos beneficiários do município é de crianças marcadas pela fome e pela
desestrutura familiar, violência doméstica envolvida por drogas e bebidas alcoólica, fatores
presentes no cotidiano do ambiente escolar. As crianças trazem consigo a violência, que reflete
no comportamento agressivo, introvertido, inseguro e sem interesse para aprender e, muitas
vezes, veem para a escola devido ao cumprimento das condicionalidades, pois a sua frequência
escolar depende para recebimento do valor do Bolsa Família, que muitas vezes é o único
recurso que a família possui.
Esta realidade pode provocar um estranhamento ao ambiente escolar por parte dos
estudantes beneficiários, principalmente aqueles que vem de contextos sociais e familiares
conturbados. Diante disso, o desafio do professor é de compreender os problemas de seus
estudantes orientando-os e ajudando-os, sem excluí-los do convívio social, nem privando-os
das oportunidades, mostrando à criança que seus direitos e deveres são igualmente constituídos
e garantidos.
2 OS BENEFICIÁRIOS DO PBF NO CONTEXTO ESCOLAR
Para identificar as dificuldades docentes no cotidiano escolar foram realizados
questionários com 12 professores8 de uma escola municipal da cidade de Selvíria/MS,
respondidos a tempo e disponibilidade específica da cada sujeito9. Durante o convite para
participação desta pesquisa foi possível perceber determinada inquietude quanto à abordagem
ao assunto, contudo todos se propuseram escrever seu ponto de vista. Os questionários foram
divididos em dois blocos: 1- relação professor e PBF; 2- relação professor e beneficiário.
8 10 professoras e 2 professores. 9 Os professores serão identificados pela letra “E” seguido de uma numeração de acordo com a quantidade de
professores analisados (E1, E2, E3 e etc.).
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Segundo Barreto (2010), a instituição escolar se tornou um endereço seguro para as
políticas públicas, porque se transformou num lócus privilegiado da implementação de
programas de transferência de renda, de combate a violência e uso de drogas, de
complementação alimentar, de aulas no período integral e outros, oferecendo espaço de cultura
e lazer. Para a população de menor acesso aos bens sociais, é uma medida para se evitar o
abandono da escola, que muitas vezes só se torna possível “[...] com auxílios de pressões
externas, com a da família, da manutenção dos benefícios dos programas de complementação
de renda, ou pela imposição do conselho tutela”. (BARRETO, 2010, p. 300).
Conforme a concepção de Barreto (2010) a escola é fundamental para que os
programas tenham êxito. Desta maneira, é necessário que os profissionais da educação tenham
conhecimento dos programas que atuam na escola para que compreendam o próprio trabalho
que executam junto aos beneficiários. Neste sentido, foi perguntado sobre o conhecimento do
programa e a relevância para o processo educativo.
Conforme E1, o programa é de extrema relevância em termos educacionais para as
famílias beneficiárias, pois reduz parcialmente as faltas escolares, mas também não produz mas
não atinge seu objetivo educacional, porque muitas vezes o aluno está presente em sala de aula,
não abandona os estudos, mas não produz. Percebe-se a existência de dois lados contraditórios:
contribui para a frequência escolar, mas não contribui para a aprendizagem.
Na escola estudada, observa-se que os professores não têm acesso a identificação dos
estudantes beneficiários, mas sabem que eles estão presentes. Cinco (5) dos doze (12)
entrevistados afirmam não saber quem são e sua condição. Parece ser uma orientação do
próprio programa que busca evitar medidas discriminatórias quanto aos estudantes
beneficiários.
Leciono no 2º ano do EF, em minha sala tenho estudantes
beneficiários deste programa, mas não tenho nenhuma
informação do assunto. Apenas a presença deles. (E7).
Leciono no 1º ano do EF, na minha sala tenho estudantes
beneficiários do PBF, mas não tenho nenhuma informação
desses bolsistas, a não ser preencher a ficha de presença. Não
sei o valor, e se realmente esse dinheiro é usado para o aluno.
(E8).
Atualmente, o acompanhamento da frequência escolar se dá entre os estudantes de 6
a 17 anos de idade beneficiários de famílias do PBF. Trata-se de uma ação que envolve a coleta,
o processamento e o acompanhamento bimestral da frequência escolar, agregando a atuação
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articulada entre o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), bem como a participação efetiva de todas as Unidades da Federação
e municípios brasileiros. (IPEA, 2013, p. 110).
Saviani (1999) alerta que, muitas vezes, o fracasso escolar é reflexo de fatores
externos, tais como saúde, nutrição, fatores psicológicos e cognitivos, bem como de ordem
familiar, e esses elementos contribuem negativamente para a absorção dos conteúdos. Porém,
é importante que o estudante compreenda a função da educação para a sua vida, fazendo-os
encará-la como agente transformador, em um âmbito maior, na comunidade onde vive. Mas é
importante também que haja a participação da família conforme prevê a Constituição Federal
de 1988 em sintonia com a escola. Conforme o depoimento da E2 há um dever comum a ser
cumprido por ambas as partes: família e escola, que se restringe a um procedimento de
fiscalização propriamente dita, que é a observação contínua da frequência escolar. Enquanto
medida punitiva, a comunicação a coordenação pedagógica é acionada para que providencie
medidas de checagem diretamente à família.
Entende-se a importância dos profissionais da educação terem conhecimento dos
objetivos, função, dados do PBF referente à escola em trabalha, para que se desenvolvam
instrumentos de pesquisa e estudos para entendimento da realidade das condições das famílias
beneficiárias, compreendendo suas carências e dificuldades.
Os entrevistados E3, E9 e E10 acreditam que saber quais os estudantes beneficiários
ajudaria a melhorar o desempenho, proporcionaria o estímulo ao estudo e à melhoria do
comportamento, como veremos os depoimentos a seguir:
Sim, essas informações são importantes para que o professor
possa identificar cada aluno, dentro da sala de aula, e para que
ele crie métodos de ensino, onde possa ser trabalhado os
aspectos sociais, políticos e pedagógicos, contribuindo assim
para o processo de aprendizagem de cada um. (E3).
Sim as informações são bastante persistentes, pois com base
nesses dados podemos executar aulas que venha de encontro
com o nosso aluno, podendo assim ajuda-los, e incentiva-los a
superação necessária para cada situação vivenciadas por eles.
(E10).
Arroyo (2003) reforça o pensamento dos entrevistados, na medida em que afirma que
“Todo processo educativo, formal ou informal tanto pode ignorar como incorporar as formas
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concretas de socialização, de aprendizado, de formação e deformação a que estão submetidos
os educandos.”.
Compreendendo a exigência quanto à frequência na escola pela dimensão didática,
por um lado tende a responder as expectativas dos cumprimentos das metas educacionais,
propostas pelas avaliações e programas, por outro, existe uma expectativa de combate à evasão
escolar que proporciona a participação da criança com maior efetividade das atividades
escolares. Três (3) em cada doze (12) entrevistados enfatizaram esta importância:
Sim, por ser um programa em que está envolvida a frequência escolar, então
se beneficia a relevância de evasão escolar, e com isso desenvolvemos melhor
as atividades proposta com esses alunos. (E4).
Sim, eles têm que ter um percentual satisfatório de presença, evitando que o
aluno falte nas aulas. (E6).
Para estes professores a frequência escolar é de extrema importância e o programa
garante que haja essa frequência, que consequentemente ocorre à diminuição na evasão escolar.
Mas frequentar a escola não é a única solução, pois as crianças são condicionadas a ter 80% da
frequência devem naturalmente ter interesse em aprender. Neste sentido, é necessário que os
professores pensem numa ação pedagógica concreta e articulada com o contexto social que
vivem estas crianças e jovens.
A educação exerce, certamente, papel fundamental no rompimento deste ciclo à
medida que consegue assegurar aos sujeitos de direitos uma educação de qualidade social com
aprendizagens significativas. Para a conquista desta qualidade socialmente referenciada, a
assiduidade nas atividades escolares são condições fundamentais, como indicou dois
entrevistados, pelo qual o desenvolvimento educacional depende das relações família e escola
(E11), que deve ser protegida com base em padrões de proteção social (E12).
A menção da família cercada por proteção social para as crianças, nesta fase
importante na vida, indica a necessidade de cuidados para que seja tratada com respeito.
2.1 DIFICULDADE E AVANÇOS PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR
As duas questões neste tópico referem-se às dificuldades e avanços escolares dos
alunos beneficiários e à necessidade de cursos de formação dentro da expectativa do
atendimento aos beneficiários do PBF.
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Dos doze (12) professores somente três (3) acham que, somente pelo motivo de serem
do PBF é algo que traz desinteresse para as salas de aula, parecem estigmatizar a visão ao
beneficiário pelo qual o respeito e a educação deveria ter sido transmitida em casa, aparenta
que a família não esta preocupada com a aprendizagem.
Os alunos são totalmente desinteressados pelo próprio contexto
social em que esta inserido, se faz necessárias reuniões
periódicas com as famílias beneficiarias. (E1).
Alguns possui grande dificuldade em se adequar as regras
dentro da sala de aula, e por isso o comportamento deixa a
desejar, contudo observo que seja uma falta de
acompanhamento e incentivo dos próprios pais em relação ao
desempenho escolar do filho, pois estes estão somente
interessados na presença do filho a escola e não na qualidade
que ele possa apresentar na escola. (E10).
A falta de acompanhamento da escola e da família revela que as condições da
frequência para o PDF podem indicar o interesse adverso ao verdadeiro objetivo do programa,
visto que as famílias tendem a cumprir a frequência sem compreender o significado dela. Um
movimento diferente consideram que, mesmo tendo algumas dificuldades com estes alunos,
eles são esforçados, indicando que não estão ali somente para receber benefício, mas sim para
aprender. Arroyo (2003) salienta a importância do aprendizado como base material da
sociedade, compreendendo os mecanismos de direito de luta com base em sua humanização.
Para o autor, os movimentos sociais representam a luta que superam a simples expectativa de
discursiva e de lições conscientizadoras, e compreende os processos de formação humanística
do indivíduo. Assim, Arroyo (2003) a luta pela vida se torna uma batalha travada diariamente,
que embora sofrida, educa, por ser direito mais radical das condições humana.
Todos os professores entrevistados consideraram que os cursos de formação deveriam
ter também para os pais, e não somente informar, mas compreender o benefício para o
desenvolvimento social, enfatizando a utilização em prol da família, do para o desenvolvimento
escolar, para os profissionais da educação saber como lidar com estudantes beneficiários sem
exclui-los, desprovidos de preconceitos, discriminação. Um professor não quis citar sobre o
comportamento e dificuldade de seus estudantes, mas deixou claro o desejo de curso de
formação, pois conforme E8 é importante para saber como a família vem usando esse recurso
para o aluno.
Trabalho de Conclusão de Curso
Para seis (6) dos entrevistados não há diferença entre estudantes beneficiários aos
demais. Todos são iguais. Mas reforça-se a necessidade para melhoria do desempenho escolar
seja em notas e conceitos, e não somente frequência. Contudo, seis afirmaram ser necessário
cursos de formação de professores:
[...] As famílias deveriam sim receber formação e
acompanhamento dos órgãos responsáveis por esse programa
para orientá-las no uso consciente do beneficio, como por
exemplo, a compra de material escolar para essas crianças e
todos os suprimentos que ela precisar. (E2).
[...] Em relação ao aluno de baixa renda não sinto ne-cessidade
de formação para lidar com os mesmos. (E5).
[...] Seria necessário para melhor esclarecimento e
conhecimento do conteúdo. (E6).
[...] Muito provável o curso de formação. (E7).
O comportamento é como os demais, não somos preparados e
todos são tratados da mesma forma e suas dificuldades são
trabalhadas de acordo com suas necessidades. (E9).
[...] Não vejo necessidade de cursos para tal situação porque
ser educador já requer essa habilidade. (E11).
A instituição escolar nos dias atuais passou a ter uma forte importância no social para
muitas crianças, os profissionais de educação não conseguem ser somente professores, e isso
atribui a sobrecarga das horas de trabalho. Segundo Amaro (1997), educadores e assistentes
sociais compartilham desafios semelhantes, e têm a escola como ponto de encontro do trabalho
educativo e social. Observa-se que os ambientes educacionais e sociais convivem em uma
simbiose, nos quais os problemas sociais repercutem e implicam no desempenho do aluno e
leva o educador pedagógico a recorrer ao assistente social e vice-versa.
Demonstrar seus medos e fraquezas é natural de todo ser humano. Mais da metade dos
professores entrevistados (7) responderam que têm dificuldades de lhe dar com estes estudantes
beneficiários em sala de aula, entre os quais destacam-se: lidar com o rendimento escola e a
frequência; com o medo iminente de perder o benefício, que força ao cumprimento das
condicionalidades mecanicamente e que não representam em si estímulo ao estudo; de
estabelecer parceria efetiva com a família; de compreender o comportamento dos beneficiários
na relação com a pobreza, a proposta da escola e a sociedade. Destaca-se:
Trabalho de Conclusão de Curso
As inúmeras dificuldades enquanto educadora são: Faltas
sucessivas, desinteresse pelos estudos, a única preocupação
apresentada pelos responsáveis constantemente é, retirar as
faltas, pois necessitam do dinheiro para sobreviver. (E1).
Como educadora a minha dificuldade é mostrar para eles que a
escola é importante, fazer eles perceber que eles precisam
estudar na escola, e em casa, ter uma parceria com a família,
porque muitas vezes ficamos na mão, sem o apoio dos pais,
porque criamos estratégias, novas metodologias, mas sozinhos
não conseguimos só com o comprometimento de todos é que
iremos ter uma aprendizagem satisfatória. (E3).
Demonstrar que a educação é importante, fazer com que eles
percebam que tem que estudar tanto na escola, quanto em casa,
porque só assim poderemos ter um ensino de qualidade que
realmente faça a diferença na vida dele. (E10)
Dificuldade em lidar com comportamento e interesse do
próprio aluno, atitudes comuns entre beneficiários e não
beneficiários. (E5).
A constante leitura sobre assuntos da atualidade pode deixar o professor mais ciente
de como proceder em casos de dificuldade em sala. O aperfeiçoamento desses profissionais é
de suma importância para o enfrentamento da pobreza, que possuem problemas como a
exclusão social. Dentre os doze (12) professores somente quatro (4) afirmaram não ter
dificuldade quanto a frequência devido a sua obrigatoriedade. O E9, reconhece que a “[...]
carência não interfere no comportamento e aprendizado” (E9), indicando que as dificuldades
sociais não interferem no aprendizado e nem no comportamento dos estudantes.
Tardif (2002) exemplifica que o professor pode viver conflito de valores e estar diante
de escolhas difíceis sem solução lógica, como fazer a turma avançar rapidamente, ou cuidar
dos estudantes com dificuldades de aprendizagem ou retirar estudantes perturbadores da sala
de aula. Esses são os dilemas inerentes ao ensino no cotidiano das interações escolares.
3 DESAFIOS DOS PROFESSORES PARA O ENFRENTAMENTO DA POBREZA
Naturalmente, os professores enfrentam alguma dificuldade na relação
professor/aprendizagem/aluno beneficiários do PBF, seja em relação ao comportamento, às
tensões relativas à pobreza e a miséria, como a fome, a falta de estrutura familiar, ao
cumprimento das condicionalidades e etc. Portanto, compreendeu-se a importância de saber o
ponto de vista dos professores a respeito da importância do PBF como forma de enfrentar a
Trabalho de Conclusão de Curso
pobreza. As questões finais dessas entrevistas são: 4) a relação entre o programa à frequência
escolar; a interferência da pobreza no seu cotidiano escolar; e 5) a importância da participação
do aluno do PBF para o enfrentamento da pobreza.
A obrigação de frequência escolar para que a família não perca o benefício dos
programas constitui o principal entrave, pois algumas famílias não enxergam a escola como
instrumento de melhoria. Percebe-se, diante dos depoimentos dos professores, que muitas
famílias não se preocupam com os resultados educacionais dos seus filhos, as condições de
estudo e pelo desenvolvimento do desejo pela escola. E o que vereemos nas respostas dos
professores é exatamente como enfrentar essas dificuldades, se essa relação do programa com
a frequência é visível e se a pobreza interfere.
A visão dessa educadora é bastante pertinente, pois trás uma ideia, um pensamento
comum que outras pessoas também se indagam.
Enquanto educadora, deparo com situações conflituosas, e os
principais desafios estão em vencer os problemas na área
educacional, que vem recebendo tímidos avanços. E certamente, não
será um programa social de transferência de renda que isoladamente
resolvera os problemas relacionados á educação em nosso país. (E1).
Há situações na nossa sociedade que não se resolverá apenas em dar uma renda às
famílias em condições de pobreza ou pobreza extrema, pois, os direitos fundamentais a todo
ser humano ainda são garantidos mas não são efetivamente usufruídos, que às vezes nem os
conhecem. Informar e mostrar o caminho digno a estas famílias pobres é fundamental para a
articulação dos direitos sociais.
Ribeiro (2010) esclarece que a formação histórica e cultural da sociedade brasileira
tem contribuído para a formação de estratos sociais. Pertencer aos grupos sociais representado
pelo rendimento cujo valor como base nacional é o salário mínimo, que é a renda basilar da
maior parte da população marginalizada e excluída socialmente.
De 12 entrevistados 9 consideram que o método utilizado pelo programa não
proporciona somente à frequência escolar, mas a permanência dela na escola, diminuindo a
evasão escolar, como também contribuindo para o desenvolvimento escolar. Estudantes que
antes não frequentavam a escola ou faltavam sempre, hoje seus responsáveis se sentem
obrigados a mandarem para as instituições escolares.
[...] quando fala-se em frequência escolar, dá a entender o “Gostar”
de estar na escola, e que se vê é justamente o oposto, que são
Trabalho de Conclusão de Curso
estudantes vindo a escola só pela obrigação e pior os pais fazendo
isso, obrigando – os a frequentar sem saber o verdadeiro significado
do valor dos estudos para seus filhos, sem incentivar e nem ajudar
seus filhos com uma simples tarefa, a intenção deles não são
frequentar a escola para aprender, mas sim para não perder o
benefício. A pobreza interfere na questão dessas pessoas não ter a real
visão do que é educação, o quanto isso é necessário para a vida futura
do seu filho, e que nos professores, instituições escolares precisamos
do apoio deles, para que esse ensino seja de fato recebido com
qualidade, porém para que isso aconteça é necessário que eles ajudem
em casa, cobre de seu filho, converse como foi seu dia na escola e
converse, dialogue com ele, pois isso fará uma grande diferença na
nossa educação. (E10).
Manter o aluno na escola não quer dizer que ele aprenderá. A dinâmica e os métodos
que o professor utiliza trará o desejo pelo estudo, pois qualquer aluno independente de classe
social pode demonstrar desinteresse na aprendizagem, mas a questão de falta de materiais e do
apoio familiar pode influenciar muito nesse processo.
Segundo Castel (2008), embora inseridos em programas de proteção social, a maioria
dos beneficiários permanecem sem mudança da zona social. As políticas sociais focalizam e
delimitam locais de atuação ou atividades de reparação que não permitem a mudança e a
ascensão dos seus protegidos. Castel explica que as características da “populações-alvo”
precisamente a partir de seu déficit, se cristalizam tornando cada vez mais numerosa a
população pertencente a este “regime especial”, por exemplo: inválidos, deficientes, idosos,
economicamente frágeis, crianças em dificuldades, famílias monoparentais, desempregados,
dentre outros. (CASTEL, 2008, p. 33).
A última questão a ser tratada neste estudo buscou saber o ponto de vista dos
professores, conforme sua experiência ou opinião formada, se a participação do aluno do
Programa Bolsa Família é importante para o enfrentamento da pobreza. Ressalta-se, que há
uma necessidade de uma formação conjunta de profissionais em educação e familiares para
compreender a verdadeira razão do benefício versus frequência.
[...] Penso que além dos benefícios, os pais teriam que fazer cursos,
onde esses demonstrariam que esse dinheiro teria que ser gasto com
a educação de seus filhos, ter uma educação de qualidade e para isso
acontecer, teriam que participar da vida escolar do filho, tanto dentro
da instituição, quanto em casa e parar de cobrar só a presença escolar,
mas também o desempenho do aluno. (E10).
Foi possível separar concordâncias e discordâncias. Os professores que discordaram
afirmam que a cobrança pela frequência escolar não influencia a criança beneficiária do PBF a
Trabalho de Conclusão de Curso
enfrentar os problemas da pobreza foram minoria, quatro (4) desses profissionais consideram
que frequentar a escola para receber benefícios não ajuda essas crianças a sair da pobreza.
Consideram que esse processo social vai além de um simples incentivo e que as famílias
recebem esses benefícios estão ainda propensos em continuar no ciclo da pobreza.
Já oito (8) desses professores afirmaram que concordam que a participação do aluno
no PBF é importante para o enfrentamento da pobreza, pois mesmo com baixos valores dos
benefícios, conseguem garantir sustento básico que essas famílias com baixa renda. Valor que
para quem tem condições pode ser pouco, mas para estas famílias é de importante ajuda. Sem
dúvidas, o que evidencia-se nas falas dos entrevistados, é que o PBF surge como uma
oportunidade de superar as dificuldades seja no campo escolar como social, como se destaca
dois depoimentos seguintes:
[...] O aluno beneficiado com o Programa Bolsa Família tem a
oportunidade de superar as dificuldades que antes, quando não era
cadastrado. Os recursos que recebem são justamente para ajudar essa
família com alimentos, vestuários e material escolar. Outro fator
fundamental é a participação de uma família atuante e engajada na
vida escolar dessa criança, talvez esse seja o mais importante
beneficio que esse aluno pode ter na vida. (E2).
Sim, porque o BF ameniza em partes a dificuldade de cada família,
pois através desses benefícios essas crianças carentes estarão dentro
da escola, são tiradas das ruas, são asseguradas a elas alimentação,
material escolar, roupas e calçados, condições para obter um melhor
rendimento na escola mas também teria que ter dentro do programa
Bolsa Família, algo para os pais se conscientizarem que seus filhos
precisam de apoio familiar, de ajudar seu filho em casa, tendo mais
comprometimento na vida escolar deles, para que seja obtido um bom
desempenho desses alunos, com rendimentos escolares satisfatórios.
(E3).
A perspectiva do PBF para com essas famílias é que não fiquem acomodadas, que
procurem por melhorias na qualidade de vida, de forma a proporcionar a visão de um mundo
que ainda lhe parece distante, mas que é perfeitamente possível.
O entendimento da pobreza não se restringe às condições financeiras. Como mostra
Arroyo (2015) é necessário o olhar especial e consciente para sua própria condição. Desta
maneira a visão da pobreza se desmistifica e poderá constituir um movimento concreto para
sair das condições.
A pobreza na sala de aula com mais de 15 estudantes com realidades distintas
representa um obstáculo pois os profissionais se deparam com a necessidade de serem
professores e psicólogos para atender todos sem discriminação.
Trabalho de Conclusão de Curso
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa analisou o ponto de vista dos professores em relação ao Programa Bolsa
Família (PBF) como forma de enfrentamento da pobreza por meio da exigência da frequência
mínima escolar. A análise foi relevante, pois o professor tem o papel de suma importância na
instituição escolar, onde são cumpridas parte das condicionalidades do programa.
O PBF surgiu com o objetivo de romper com a pobreza. Contudo, está inserido num
contexto contraditório que, por um lado, proporciona a melhoria de vida às famílias
beneficiárias e por outro ocorre determinada acomodação que não permite que o beneficiário
saia das condições precárias de sobrevivência.
Naturalmente, o ambiente escolar acaba sendo responsável imediato pela permanência
do beneficiário na escola uma vez em que precisa observar e fiscalizar o cumprimento das
condicionalidades, buscando acompanhar situação das porcentagens de frequências, visando à
garantia do recebimento dos benefícios.
O comportamento é a problemática mais comum enfrentada pelos professores, que se
contrapõe ao entendimento da escola como espaço para a mudança da realidade social do
beneficiário. Tal desafio indica a necessidade de orientar as famílias para a importância de
frequentar as escolas não somente para cumprir as condicionalidades, mas para aprender. Desta
maneira, a frequência escolar não deve ser levada só pelo lado do benefício, e sim conscientizar
os pais num aprendizado que trará a essas crianças uma cultura que nenhuma classe social vai
tirar.
As entrevistas evidenciaram a falta de preparação dos profissionais em educação para
lidar com o enfretamento da pobreza em salas de aula. Situação comum nos sistemas públicos
de educação, indicando a necessidade de formação específica para lhe dar com as situações.
Embora a cobrança pela frequência seja um mecanismo válido, demonstra certa viabilidade ao
funcionamento do PBF devido à complexidade do envolvimento de diversas instituições
governamentais: escola, secretaria municipal e/ou estadual, Centro de Referência da
Assistência Social (CRAS) e MDSA.
Assim, entende-se que há uma perspectiva utópica de que chegar um dia em que não
seja necessário cobrar pela frequência como condição para recebimento de um valor mensal,
porém reconhece-se que o conhecimento é um instrumento de superação das condições sociais
Trabalho de Conclusão de Curso
precárias. Acredita-se que o caminho a ser percorrido pelos professores e comunidade escolar
se estabelece no olhar mais humano para a realidade dos beneficiários, obter conhecimento e
estudo sobre o contexto escolar de modo que promova o entendimento profissional necessário
para compreender a realidade dos beneficiários do PBF no âmbito escolar.
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