a arte como mecanismo transformador: uma abordagem social...
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Trabalho de Conclusão de Curso
A ARTE COMO MECANISMO TRANSFORMADOR: UMA ABORDAGEM
SOCIAL NO SESC LAGEADO-MS.
Rita de Cássia Ribeiro Benites1
RESUMO
Esta pesquisa procurou compreender como a arte torna-se um meio de transformação social
para crianças e adolescente em vulnerabilidade. O objeto de estudo centralizou-se nos alunos
da Unidade SESC Lageado em Campo Grande- MS, que possui gratuidade no acesso a cursos
de música e dança e que fazem parte diretamente de ações culturais. O objetivo do estudo foi
analisar as vivências culturais como transformadoras do modo de vida dos alunos do SESC
Lageado para desenvolver estratégias no combate a pobreza e a desigualdade social. Conclui-
se que a participação ativa em um ambiente cultural traz autonomia ao educando,
provocando-o e instigando-o ao conhecimento amplo e de sua própria realidade social e,
logo, transformando-a.
Palavras-chave: Arte. Desigualdade. Transformação.
1 INTRODUÇÃO
A formação em arte educação habilita observar os benefícios das manifestações
artísticas para os seres humanos, os quais passam a exercer uma vida mais aprazível seja
através do teatro, da música, da dança, da pintura, etc.
As pessoas que, eventualmente, se dedicam aos projetos culturais têm mais
percepção artística do que as pessoas que não se envolvem nas diferentes formas de
expressão cultural, e é este o foco da pesquisa: nas vivências que as pessoas de baixa renda
têm ao participarem ativamente de cursos de invento cultural e, sobretudo se este processo
possibilitou o reconhecimento ou uma transformação social.
A delimitação espacial da pesquisa são as ações culturais oferecidas pelo Serviço
Social do Comércio – SESC, especificamente a Unidade de Assistência Cultural SESC
Lageado, localizado na cidade de Campo Grande/MS, com representativa participação da
população e por suas propostas de ensino e aprendizagem, apoio a formação cultural,
metodologias, além da região e clientela. A análise será norteada pelas experiências que os
alunos em vulnerabilidade social possuem ao frequentarem uma escola cultural. Localizado
na cidade de Campo Grande/MS, com representativa participação da população. A instituição
1 Graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pós- Graduanda em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
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oferece possibilidades de aprendizagem e conhecimento artístico nos diversos âmbitos da
arte.
O SESC Lageado se destaca, sobretudo, por ser um centro cultural de apoio à
comunidade carente e oferece curso de dança e educação musical. É importante observar que
esse tipo de curso, a princípio, não desperta interesse da população de baixo poder aquisitivo,
porém, como forma de experiência, o SESC implantou os cursos e, surpreendentemente,
houve significativa receptividade por parte da comunidade.
O contraste entre a expectativa de baixa por parte dos alunos e a realidade pós-
inscrições, com número superior ao esperado pelos administradores, caracteriza-se como um
objetivo de estudo que instiga a compreender como as vivências culturais beneficiam o
educando na construção de identidade, no crescimento pessoal e no seu empoderamento.
O objetivo geral do artigo é “Analisar as vivências culturais como transformadoras
do modo de vida dos alunos do SESC Lageado”. Os objetivos específicos caracterizam-se por
entender como a formação cultural se desenvolve; buscar experiências positivas que
evidenciem a transformação do indivíduo atuante nos meios culturais.
A metodologia de aplicação da pesquisa está referenciada em revisão bibliográfica
sobre os benefícios das vivências artísticas e sobre a história do SESC Lageado e entrevistas
com os profissionais da unidade. Depois deste primeiro contato para levantamento de dados,
foram realizadas entrevistas com os alunos da unidade que relataram suas próprias
experiências com o curso.
As reflexões sobre a importância de se fomentar a arte como meio cultural e como
forma de conhecimento serão retiradas do livro “A Necessidade da Arte” de Ernst Fischer e
do livro “Psicologia da Arte” de Lev Vigostki, e também para auxiliar nos esclarecimentos
sobre o conceito de arte e cultura.
Elliot Eisner em seu livro “Estrutura e mágica no ensino da arte” ajuda a entender
sobre a contribuição da arte na vida das pessoas, e a forma positiva como ela se manifesta. E
os autores Izabel Marques e Fábio Brazil em seu livro “Arte em questões” trazem
posicionamentos sobre a arte dentro de um contexto social e sua funcionalidade nele
entrelaçando o meio transformador da arte e da educação também salientada por Paulo Freire.
Basicamente, esta pesquisa busca através de referenciais teóricos, análises e
discussões não só refletir sobre arte e cultura, mas também perceber como ela se manifesta
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em um espaço de vulnerabilidade social ao entender o seu papel como um meio
transformador de realidades.
2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SESC
O SESC é uma das Instituições do Sistema “S” com serviços destinados ao
comerciário2. O Sistema S é o termo pelo qual as entidades de apoio a diversas categorias
profissionais são conhecidas. Estas recebem recursos do governo federal que são
administradas pela iniciativa privada.
As corporações do Sistemas S são mantidas pelas empresas que contribuem com um
percentual variável sobre um valor total de 5,8% instituído pelo decreto lei nº 3.048/99
destinado à estas corporações, tomando como base de cálculo a folha de pagamento das
empresas, onde o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS se incumbe de arrecadar e
repassar os valores para estas entidades. Atualmente compõe o Sistema S:
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.
SESC – Serviço Social do Comércio.
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
SESI – Serviço Social da Indústria.
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural.
SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte.
SEST – Serviço Social do Transporte.
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo.
O SESC surgiu em meados do século XX, entre um contexto pós-guerra e queda do
estado novo de Getúlio Vargas, em meio a reformas trabalhistas. Ele é fundado inicialmente
para conter tensões entre trabalhadores e empregadores, através do decreto-lei nº 9.853 de 13
de setembro de 1946 que atribui a Confederação Nacional do Comércio a criar o Serviço
Social do Comércio – SESC, oferecendo serviços de assistência ao trabalhador.
A implantação do SESC em Mato Grosso do Sul o SESC ampliou a oferta de
serviços, considerando a demanda do público em diferentes segmentos, tais como: saúde,
educação, lazer, etc. A empresa oferece inúmeros serviços ao público, que se estende por
2 Comerciário: trabalhador do comércio; Vendedor.
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ordem de prioridade: ao comerciário, ao funcionário, aos dependentes (filho, cônjuge, pai e
mãe) e ao usuário (população em geral). A forma de organização e proposta de serviços varia
de acordo com cada município e estado.
Em Campo Grande, capital do estado, foi criada a primeira unidade em 1947 e hoje se
destaca na promoção de diversos serviços como saúde, esporte, lazer, cultura e assistência
social, este último de arrecadação de alimentos como o Programa Mesa Brasil e ações
culturais oferecidos à população como, por exemplo, balé, pintura, educação musical, etc.
Atualmente, estes serviços estão distribuídos por unidades físicas espalhadas pela cidade e
por setor: Na unidade SESC Horto funcionam a escola, o restaurante, a cafeteria e a
biblioteca. No SESC Camilo Boni são prestados serviços destinados ao lazer, recreação,
nutrição, restaurante e também esporte e academia. No SESC Saúde tem serviços
odontológicos e o SESC Lageado conta exclusivamente com cursos de assistência cultural.
Dentro do setor cultural, o indivíduo pode usufruir dos serviços, além de participar
dos eventos culturais e apresentações artísticas como dança, teatro, exposições, etc. Alguns
serviços oferecidos possuem gratuidade, outros seguem uma linha de desconto que obedecem
uma ordem de prioridade onde inicia-se pelo comerciário, mas alcança também o cidadão
comum. Os preços dos serviços se destacam por terem menores custos comparados com o
que se é comumente ofertado. Ou seja, a população em geral também usufrui dos serviços do
SESC, desde que se enquadre em valores diferenciados e se atente ao número de vagas
oferecidas. Para ter acesso a esses serviços e tabela de descontos, o cidadão ou comerciário
deve se dirigir a uma unidade do Sesc e solicitar a criação do seu cartão.
O SESC é uma empresa que mescla o serviço privado como utilidade pública, sendo
uma das poucas instituições que oferecem cursos voltados para a cultura de forma gratuita
para a população mais carente além de fomentar a arte e a cultura nas suas diversas
instâncias. As apresentações artísticas e exposições geralmente são abertas ao público, sem
necessidade de cadastramento para participar.
Em 2010, de um acordo entre o SESC e governo estadual, implantou-se em Campo
Grande a Unidade SESC Lageado, com o objetivo de oferecer assistência cultural e social
para a região do Bairro Lageado e dar suporte ao estado na oferta de serviço. A região do
Lageado fica ao sul de Campo Grande e abriga 4,5 mil casas sendo 87% da população com
renda familiar de até três salários mínimos (Dados SESC, 2010). De acordo com o gerente da
unidade, atualmente a unidade atende pouco mais de trezentos e cinquenta alunos.
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A figura abaixo apresenta a fachada da Unidade SESC Lageado.
Figura 1: Fachada do SESC Lageado 1
Fonte: BENITES, R. C. R.
Esta unidade foi fundada em 29 de Setembro de 2010 e funciona em um prédio
cedido pelo governo do estado através de um acordo, nele o SESC comprometia-se a
desenvolver ali ações voltadas para cursos de valorização social. A priori os cursos eram
destinados aos adultos, e cobravam-se preços irrisórios. Os cursos tinham como o objetivo
auxiliar a renda de seus participantes, e voltava-se para o corte e costura, pintura em tecido,
crochê, etc., ou seja, proporcionavam principalmente aos desempregados, um meio
profissional. Até 2013 a unidade seguiu neste formato, mas necessitou por uma readequação,
pois havia muita dificuldade em manter a frequência desses alunos, pois uma vez que
conseguiam emprego fixo, evadiam ou abandonavam os cursos.
Através de uma pesquisa realizada no entorno descobriu-se que a região conta com
aproximadamente 17 mil pessoas, sendo um terço delas, crianças de zero a 18 anos. Foi então
que o SESC resolveu oferecer cursos destinados a crianças e adolescentes, pois era uma
demanda da população local.
Em 2014, depois de uma adaptação, os cursos direcionaram-se para uma linguagem
mais cultural, oferecendo aulas de violão, flauta, percussão e balé, e somente em 2015
agregou-se o canto, estabelecendo o coral. Hoje, a unidade atende crianças de 5 a 18 anos, em
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diferentes níveis de aperfeiçoamento, sendo que ao entrarem, independentemente de sua
idade, passam por um processo de reconhecimento musical e de iniciação a música, que
compreende uma sensibilização do aluno ao instrumento. Este processo dura
aproximadamente um ano. O aluno evolui a sua maneira, finalizando o curso já na orquestra,
quando o aluno evolui para as apresentações externas.
Os alunos da unidade participam do Programa de Comprometimento e Gratuidade, o
PCG, que garante 100% de gratuidade no curso, desde que eles entrem em todos os requisitos
seguintes: ser oriundo de escola pública, ou bolsista em rede privada e que pertença uma
família com renda de até três salários mínimos. Dentro desse perfil, as matrículas são
distribuídas através de uma análise, dando-se preferência pela maior vulnerabilidade de cada
aluno. As matrículas são divulgadas pelo site do SESC em forma de edital previsto uma vez
por ano, não havendo outra forma de ingressar nos cursos da unidade se não por esta. Os
responsáveis respondem um questionário socioeconômico e de responsabilidade, fazem a
entregas de documentos para que então os inscritos passem pelo processo de seleção.
Atualmente a unidade oferece 460 vagas, sendo 416 matrículas distribuídas em 338 alunos,
com alguns matriculados em mais de um curso.
A unidade conta com uma própria programação que não segue necessariamente o
calendário escolar dos alunos. Os cursos ofertados são nos turnos matutino e vespertino,
atendendo alunos no contra turno. As aulas são divididas por linguagens: a dança e a música.
Na primeira estão os cursos de balé clássico e baby class (para o infantil), que já é referência
há mais de dez anos no balé educacional de Campo Grande. Já na música, o SESC Lageado
conta com aulas de violão, de instrumentos clássicos como violoncelo, violinos, flauta, baixo-
acústico e também aulas de percussão e canto. Somente esta unidade oferece esses cursos.
Os profissionais da unidade se resumem em quatro professores: um de dança e
outros três da área musical, todos com curso superior na aérea de atuação em licenciatura. Os
materiais necessários para a realização dos cursos, como os instrumentos e roupas de balé são
doados aos alunos matriculados, de forma totalmente gratuita, podendo e devendo o aluno
levá-lo para a sua residência a fim de que aperfeiçoe suas habilidades. Em caso de desistência
ou abandono do curso, é solicitado ao aluno que devolva o instrumento. Estima-se que apenas
6% dos instrumentos doados são danificados ou perdidos. Alguns instrumentos mais onerosos
e delicados como violoncelo, violinos, baixo-acústico permanecem na unidade, porém estão a
total disposição do aluno.
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Há uma grande preocupação da gerência em aproximar os pais e responsáveis das
propostas da unidade, dando a eles atenção e voz. A entidade prioriza um diálogo aberto aos
pais e salienta que a unidade não seja um “depósito de crianças” ou uma alternativa para o
ócio, muito menos uma alternativa ao desespero dos pais em “com quem deixar seus filhos”.
Há uma longa conversa em dignificar a importância de se estar ali e entender o espaço como
uma escola cultural.
Os alunos geralmente se apresentam na própria unidade em forma de concertos,
agendados para o final de cada ciclo, estes destinados aos pais e responsáveis. Mas há
também apresentações externas, como por exemplo, em escolas, centros culturais e
educacionais diversos, e eventos em geral, desde que o pedido tenha concordância com a
proposta da unidade e da empresa.
Faz parte da proposta do SESC salientar a importância da educação para os alunos
não só de instrumentalização, mas também à apreciação, tanto musical como a de plateia. É
importante que esses alunos não foquem apenas em tocar um instrumento, mas que se
sensibilizem diante da música e de qualquer manifestação cultural, sabendo como conduzir e
se posicionar nas mais diversas apresentações artísticas, que aprendam a “degustar a cultura”
como diz em entrevista o gerente da unidade Luciano Campos.
Fica claro que o desempenho tanto da unidade quanto dos alunos é proporcionar
experiências sensíveis diante das ações culturais fomentadas ali, e que dentro ou fora das
paredes do SESC esse aluno possa frutificar suas experiências ao demonstrar seu
desenvolvimento artístico e cultural.
3 ARTE-CONHECIMENTO: A NECESSIDADE DA FORMAÇÃO CULTURAL DO
INDIVÍDUO
Gerar e participar ativamente de meios culturais são ações comumente indicadas, por
promover maior relação entre as pessoas e suas identidades, mas também como modo de
unificação, respeito e conhecimento entre os povos, além do sentido de pertencer a algum
lugar e de enriquecimento pessoal.
A sensação de pertencimento por intermédio das relações culturais são uma das raízes
da arte na construção da sensibilidade dos indivíduos. Entende-se então que arte é um
mecanismo de aproximação das pessoas e uma forma de expressão própria do ser humano,
sendo ela capaz de romper barreiras sociais, principalmente, relacionadas à cultura. Para
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compreender a forma de enriquecimento, por intermédio das diversas manifestações artísticas
na formação das pessoas, é importante entender o real significado da “arte” e seus meandros,
como a necessidade e a função vital da arte e, sobretudo, sua relação com a cultura.
Em conseguinte, de acordo com Marcia Tiburi (2009), cultura é “um tipo de recorte
para definir práticas relacionadas às artes e às chamadas ciências humanas voltadas à
pesquisa de cunho antropológico e social”. Logo, pode-se definir, no âmbito deste artigo, que
cultura está relacionada às práticas artísticas em diferentes linguagens: cênica, musical, visual
ou plástica. Já a arte é a manifestação sensível do ser humano ao expressar-se, ao modificar
a realidade, através de materiais e ferramentas, tidas como a pintura, a música e o teatro por
exemplo.
O autor Ernest Fischer (1983), no livro “A necessidade de arte”, procura responder
ou, pelo menos, nortear duas perguntas fundamentais: Qual a função da arte na vida das
pessoas? Teria a arte uma função específica? No âmbito deste estudo, amplia-se as
indagações: Por que ensinar arte? O que se deve entender sobre arte e cultura? Obviamente,
são questões muito complexas, sem respostas absolutas, porém, com subsídios para refletir
sobre o tema.
Segundo Fisher (1983) a arte tem sido e sempre será necessária, pois instiga as
pessoas a transformarem a sociedade e traz sensibilidade ao homem. O ser humano precisa
“[...] relacionar-se com algo mais do que o << Eu>> alguma coisa exterior a si mesmo, mas
que lhe é essencial” (FISHER, 1983, p.10).
Já Elliot Eisner (2011) em seu artigo “Estrutura e Mágica dentro do ensino de arte”,
direciona posicionamentos dentro do ensino de arte e insiste em falar sobre a mágica que
surge a partir dela:
O que a arte proporciona é uma contribuição ampla no desenvolvimento às
experiências humanas. Primeiramente a arte, isto é, as imagens e eventos
cujas propriedades fazem brotar formas estéticas de sentimento, é um dos
importantes meios pelo quais as potencialidades da mente humana são
trazidas à tona (...). Longe de ser uma atividade negligente, nosso
compromisso com a arte nos faz empregar nossas mais sutis formas de
percepção e contribui para o desenvolvimento de algumas de nossas mais
complexas habilidades cognitivas (EISNER, 2011, p.90).
É importante salientar que a arte e os meios culturais devem ser vistos e entendidos
como um conhecimento específico e como tal, necessita de seu próprio espaço dentro de um
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ambiente de ensino. Vigotski (1999) complementa: “A arte é trabalho do pensamento, mas de
um pensamento emocional inteiramente específico” (Vigotski, 1999, p. 57). E, ainda mais,
especificamente, sobre a arte como conhecimento afirma:
Verifica-se, pois, que a poesia ou a arte são um modo específico de
pensamento, que acaba acarretando o mesmo que o conhecimento científico
acarreta, só que o faz por outras vias. A arte difere das ciências apenas pelos
seus métodos, ou seja, pelo modo de vivenciar, vale dizer, psicologicamente
(VIGOTSKI, 1999, p. 34).
A arte configura-se como um conhecimento específico, uma parte da ciência ligada ao
pensamento e poder reflexivo, visando um apontamento estético e uma sobreposição da
percepção refletida na expressão do indivíduo. Desta maneira, presume que perpetuar a
cultura e os meios culturais seja essencial para a estruturação das novas gerações através do
ensino. Precisa-se encarar a arte e cultura como forma de conhecimento e oportuniza-la às
crianças para que elas próprias construam sua experiência cultural e artística.
Neste quesito a unidade do SESC Lageado promove-se adequadamente, os alunos
encontram ali um espaço destinado a prática artística (a musicalidade e a dança com
ferramentas e metodologias apropriadas).
Há uma distinção clara entre o espaço de aprendizagem do SESC Lageado, a
realidade escolar a qual estão habituados e a compreensão disto por parte dos alunos. Tais
ações são fundamentais para que meninos, meninas, moças, rapazes e professores não
reproduzam ali os modismos que são enraizados em um espaço escolar.
4 A FORMAÇÃO CULTURAL NO ESPAÇO DA POBREZA: A ARTE COMO
MECANISMO TRANSFORMADOR
O SESC em sua estrutura não se preocupa apenas em proporcionar experiências
artísticas e culturais à população de seu entorno, mas também em formar cidadãos
conscientes do que fazem ao desenvolver o gosto pela arte, na dedicação em formar
indivíduos que sabem consumir cultura e, sobretudo, apreciá-la. Os alunos quando
matriculados nos cursos do SESC Lageado passam, primeiramente, por um processo de
sensibilização à musica - chamado de musicalização - para então escolherem um instrumento
que mais se identificam. A gestão entende que um jovem ou uma criança não devem ser
apresentados ao instrumento sem que seja identificada uma sensibilidade artístico musical no
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aluno. Por esse motivo é importante não entender o processo de ensino e aprendizagem como
um mero reprodutor, mas sim como provocador, ao desenvolver o gosto pelo que faz, como
Eisner (2011) complementa: “(...) é primordial fornecer experiências que ajudem as crianças
a refletir sobre a arte” (Eisner, 2011, p.84).
Mais do que um mecanismo transformador, a arte é um meio de aprendizagem e
conhecimento. Quando entendemos que arte traz em si vários questionamentos, o apreciador
passa a exercer um estado de consciência sobre sua realidade ao refletir sobre a sociedade que
o cerca. Sendo assim, a arte torna-se um mecanismo social e transformador. Em entrevista a
arte-educadora Ana Mae Barbosa (2011) afirma preferir ligar a arte ao termo conscientização:
“A arte abre caminhos para a conscientização social,” e ainda “para a descoberta dos direitos,
das obrigações de cada um (Reportagem Caminhos para Conscientização, 2011)”.
Izabel Marques e Fábio Brazil (2012) são firmes em suas críticas quando defendem
que a arte como meio transformador não deve se ater a “tirar a criança da miséria por
algumas horas” para lhe dar um certo momento lúdico e contemplativo, mas que deveria
estimular a consciência crítica dessa criança, a compreender e ver o mundo sob outros
prismas.
É possível observar uma espécie de transformação cultural entre as pessoas que
participam dos cursos do SESC Lageado, tais como: maturidade e entendimento ao observar
uma intervenção artística sejam por intermédio da música, do cinema, das artes plásticas, do
teatro e da dança. Em entrevista, o gerente da Unidade garante que é notória a evolução do
aluno cursista na unidade, principalmente na relação com o inesperado, com o novo e como
que a experiência cultural transforma a autonomia, a expressão e a postura, diante de si
próprio e com os outros, segundo ele: “Há uma devolução social, a unidade faz com que esse
aluno se empodere sob sua própria postura e desenvolvimento social”.
Para refletir sobre o assunto foram entrevistados 16 meninas e 9 meninos,
totalizando 25 alunos, a faixa etária está entre 10 e 16 anos, frequentadores dos projetos
culturais da unidade SESC Lageado há pelo menos 1 ano, todos oriundos de escola pública.
Dentre os entrevistados, apenas 20% dos alunos tiveram contato com
instrumento musical ou com dança antes de entrarem no SESC Lageado. Destes, 60%
fizeram cursos na escola pública que frequentam e os outros 40% em outras instituições
sociais, tais como: igrejas e de associação de bairros. Do total, apenas sete alunos já
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assistiram alguma apresentação artística antes do SESC ou visitaram uma exposição ou
museu. Dos 20%, 15% já haviam feito cursos culturais anteriormente.
Esses fatores levam a interpretação de que a população tem mais acesso as
apresentações quando envoltas em um ambiente cultural específico. Sendo assim o governo
não provém acessibilidade suficiente à cultura, restando à escola e instituições específicas
suprir essa deficiência, o que torna a condição insatisfatória, conforme Figura 2.
Figura 2
Gráfico de alunos entrevistados na unidade SESC Lageado
Por unanimidade, os alunos disseram ter melhorado o comportamento, a
concentração, diminuído a ansiedade e melhorado aprendizagem. Os alunos acima de 14 anos
disseram que ao frequentarem os cursos no SESC Lageado, passaram a ser mais responsáveis
e amadureceram, principalmente pela postura determinada pela instituição, com regras pré-
estabelecidas que diferem muito de uma escola regular.
As regras de convivência dentro da unidade estabelecem nos alunos princípios de
comportamento e constroem a formação do aluno, não só em nível cultural, mas em sua
pessoalidade, o que reflete, também, no amadurecimento pessoal.
Dois alunos disseram sentir-se “mais sensíveis” na percepção de mundo e da
aprendizagem que desenvolveram no SESC. Este fato dá-se por terem maior contato e
aprendizagem com os professores. Ao fazer o curso o aluno aprende a ouvir com maior
80%
5%
15% 0; 0%
Alunos entrevistados
Não frequentavam
apresentações artísticas
Não Frequentavam cursos
culturais anteriormente
Frequentavam cursos
culturais anteriormente
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atenção, gesticular com melhor precisão, evolui sua concentração, ou seja, possui uma maior
percepção para com as manifestações artísticas que estão ao seu redor.
Dois alunos citaram os professores e a própria instituição como “exemplo de carreira
e de futuro, como algo a se espelhar” e disseram ainda que o SESC “abriu seus olhos para
enxergar uma realidade na qual não fazia parte e nem ao menos vislumbrava”. Outro dois
alunos disseram que a vivência no SESC Lageado “Abriu sua mente” para o conhecimento e
visão de mundo.
Neste sentido deduzimos que a convivência com os professores traz uma grande
influência na vida destas crianças e adolescentes pelo simples fato de verem neles uma
profissão, ou seja, eles enxergam o resultado de esforço e conhecimento, tornando assim seus
planos e objetivos mais palpáveis, dando–lhes incentivo para continuar estudando e
aprendendo.
Dois professores concederam entrevistas, ambos trabalham na instituição há mais de
2 anos e concordam ao dizer que o primeiro contato do aluno com o SESC Lageado é muito
difícil, pois o aluno tem dificuldade em adaptar-se às regras do local. De acordo com eles os
alunos chegam pouco estimulados a criar, retraídos; é como se eles viessem “podados a
pensar” diz um dos professores. Eles não conseguem desenvolver a escrita nem as ideias, não
tem conhecimento de mundo e de cultura, apenas o que chega até eles através da cultura de
massa. Mas quando há aprendizagem, eles se aprimoram e vislumbram um fim em sua
aprendizagem.
Uma das professoras comenta que mais do que ensinar a música ou a dança sob a
parte técnica, o SESC ajuda a construir uma educação nestas crianças, pois é nítida a
mudança comportamental por parte delas. É muito relevante também o fato dessas
experiências trazerem uma realidade na qual eles não estão habituados, não só na parte
cultural, mas como na própria construção social, como por exemplo, hábitos de convivência e
sua própria relação interpessoal “É um grande incentivo para que eles ampliem seus
horizontes” finaliza a professora. Conclui-se que o trabalho da instituição está além das
fronteiras da aprendizagem musical ou corporal, os professores oferecem aos alunos
oportunidades que, ou não possuem ou as têm de forma reduzida. Uma vez que os alunos
criam autonomia e dão continuidade aos estudos há uma quebra na desigualdade social. Por
menor que seja o número de inscritos nos cursos, comparado à população do entorno, por
exemplo, é possível prever que, para os 338 alunos inscritos nos cursos, as vivências
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artísticas experimentadas na unidade SESC Lageado, será um diferencial na vida pessoal e
social dessas pessoas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o trabalho de campo realizado com os profissionais do SESC Lageado e
com os alunos, foi possível perceber que a Unidade abre caminhos para crianças e
adolescentes em vulnerabilidade social sonharem, vislumbrarem e traçarem um futuro
profissional com a experiência que lhes é proporcionada. Nesse ponto se fundamenta a
qualidade transformadora da vivência cultural expressa em cada um dos alunos que
frequentam a unidade.
Percebe-se, através das entrevistas, que a arte tem sim um papel transformador na
vida dos alunos, pois amplia o conhecimento pessoal, intelectual e de mundo, auxilia na
construção da identidade e, consequentemente, reflete em uma maior autonomia sobre a
própria vida.
Cabe às autoridades ampliar a oferta de ações culturais à população de baixa renda,
proporcionando maior inserção, desafogando a escola do cumprimento destas ações,
tornando-a não a única, mas uma parceira no provimento de arte e cultura.
É fato que a arte não é redentora de todo o processo de desigualdade social, porém
ao compreender e ampliar a sua visão de mundo, o aluno detém autonomia, passa então de
um estado inativo para um indivíduo ativo perante si e perante a sociedade. Ao entender o seu
papel social, busca caminhos, respostas e estrutura novos horizontes, ou seja, sai de seu
estado de inércia e passa a exercer representatividade e este é um grande passo para frearmos
ou atenuarmos a pobreza e desigualdade social no Brasil.
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