pobreza e desigualdade social: a visÃo docente...
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Trabalho de Conclusão de Curso
POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: A VISÃO DOCENTE SOBRE O
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS SUAS CONDICIONALIDADES NA
EDUCAÇÃO
Josiane Barbosa Matos
Solange de Andrade Ribeiro
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de apresentar uma análise da visão dos docentes da Escola
Estadual Padre Mário Blandino sobre pobreza, desigualdade social e especialmente sobre
o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades de educação, identificando a presença
de estigmas, preconceitos e ideologias que podem vir a ser reproduzidos no ambiente
escolar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, que contou com um
levantamento bibliográfico no qual buscou-se produções acadêmicas que abordassem os
temas. Na pesquisa de campo aplicou-se questionários e realizou-se entrevistas. Os
sujeitos desta pesquisa são docentes da Escola Estadual Padre Mário Blandino, localizada
no bairro Aero Rancho – em Campo Grande/ MS. Os dados levantados na pesquisa de
campo sinalizam que as temáticas a respeito da pobreza e das desigualdades sociais não
são adequadamente abordadas, que a visão arraigada na prática pedagógica destes
docentes é a da exclusão, haja vista que muitos deles veem o Programa Bolsa Família
como uma política partidária, uma ferramenta obsoleta para a garantia do direito à
educação, pois alguns professores pontuam que os alunos só estão na escola para receber
o benefício, e não pelo direito de aprender e, a partir da condicionalidade socioeconômica
percorrer trajetórias escolares diferentes de seus pais quebrando com o ciclo da pobreza.
Palavras–chave: Pobreza. Desigualdade Social. Docência. Programa Bolsa Família.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema: “Pobreza e desigualdade social: a visão docente sobre
o programa bolsa família”. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso,
com a aplicação de questionários e entrevistas aos professores da Escola Estadual Padre
Mário Blandino, o artigo é resultado dos estudos desenvolvidos durante o curso de
Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social.
Aluna do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul. E- mail: [email protected] Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, professora na
Secretaria Estadual de Educação, professora-orientadora do Curso de Especialização em Educação, Pobreza
e Desigualdade Social. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E- mail:[email protected] Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4974759114175732
Trabalho de Conclusão de Curso
O conceito de pobreza abordado parte do entendimento da mesma como um
fenômeno multidimensional1 tendo impactos tanto sociais quanto econômicos atingindo
a sociedade de diversas maneiras entendendo que a pobreza não se trata apenas de
ausência de dinheiro, no entanto o que se pretende com essa proposta é contribuir para o
entendimento de como este fenômeno é visto pelos docentes que atuam em uma escola
pública da periferia de Campo Grande.
Objetiva-se apresentar uma análise da visão dos docentes sobre pobreza,
desigualdade social e especialmente sobre o Programa Bolsa Família e suas
condicionalidades de educação, identificando a presença de estigmas, preconceitos e
ideologias que podem vir a ser reproduzidos no ambiente escolar.
Este tema se justifica pela importância desse profissional no contexto da sociedade
atual, em que a conscientização e a conquista dos Direitos Sociais, tem se mostrado vital
para o desenvolvimento econômico e político da sociedade, e a conscientização e o
empoderamento dos grupos marginalizados a estes direitos passam pelas práticas
educativas, outrossim, passa pelo crivo da visão docente.
Partindo do entendimento que o professor é um agente de transformação social, à
medida que, suas práticas educativas emergem de um engajamento político, e podem
alterar significativamente a visão de mundo dos seus alunos, considera-se que o professor
pode atribuir diferentes significados aos conceitos de pobreza, desigualdade social e aos
efeitos e as condicionalidades do Programa Bolsa Família.
Esta pesquisa é movida pela busca do entendimento das percepções dos docentes
sobre pobreza e desigualdade social, como eles acreditam que estes fenômenos sociais
impactam na sua atuação prática e especificamente como eles vêm a condicionalidade
(frequência) do Programa Bolsa Família. Partindo da vivência desses docentes da escola
pública enquanto um extrato da sociedade, portanto refletindo como um nicho dela se
comporta em relação aos problemas sociais.
A metodologia desta pesquisa consiste em uma pesquisa de abordagem
qualitativa, a saber, um estudo de caso, que contou com duas etapas: na primeira etapa
1Este conceito se baseia no artigo de Antônio Pedro Albernaz Crespo – Elaine Gurovitz
intitulado A POBREZA COMO UM FENÔMENO MULTIDIMENSIONAL, onde a
abordagem trazida neste momento tem por referência um conceito de pobreza que
abrange as concepções de Amatya Sen e Deepa Narayan.
Trabalho de Conclusão de Curso
foi realizado um levantamento bibliográfico em busca de produções acadêmicas que
abordem o tema. A pesquisa bibliográfica é considerada uma etapa importante para o
desenvolvimento das investigações, pois a partir dela é possível encontrar subsídios
teóricos que orientam as análises dos dados coletados. A segunda etapa configurou-se no
levantamento dos dados por meio da análise dos documentos da escola, e aplicação de
questionários e entrevistas aos professores da Escola Estadual Padre Mário Blandino.
Como aporte teórico recorreu-se aos estudos de: Arroyo, (2010); Crespo;
Gurovitz, (2002); Duarte, (2012); Yannoulas; Duarte, (2013), dentre outros que dão
subsídios para a reflexão entre pobreza, desigualdades sociais, condicionalidades em
educação, e papel do professor e prática educativa.
A partir do levantamento realizado, a estrutura da pesquisa apresentada está organizada
em três partes. Na primeira parte da proposta aborda-se, a realidade social a qual a escola
e os docentes entrevistados estão inseridos. Na segunda parte é apresentada como se
constitui o programa estudado, as condicionalidades de educação e os conceitos de
pobreza e desigualdade social considerados neste artigo.
Na terceira parte serão apresentadas as respostas obtidas. Analisando os impactos de tais
visões nas relações pedagógicas, e com base no referencial teórico adotado são
construídas análises. Na conclusão, apresentamos os resultados encontrados, e novas
possibilidades de pesquisas a partir deste estudo.
2. O CONTEXTO DA PESQUISA
Contextualizando a comunidade onde se insere os atores entrevistados nesta
pesquisa, o município de Campo Grande é a capital do Estado de Mato Grosso do Sul
possui 787.204 habitantes segundo dados do IBGE (Censo 2010). Possui o total de
125.021 famílias inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal,
dados de setembro de 2016.
A escola pesquisada está inserida numa das regiões mais populosas da cidade, o
bairro Aero Rancho, é o maior bairro de Campo Grande em termos populacionais, com
36.057 habitantes, segundo o Censo (2010) realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. Por sua densidade demográfica incide nessa região vários
problemas sociais (tráfico de drogas, violência, entre outros).
Trabalho de Conclusão de Curso
A Escola Estadual Padre Mário Blandino, de acordo com o Censo Escolar (2015)
possui 763 alunos matriculados, sendo 370 do ensino fundamental e 393 do Ensino médio.
Nos anos iniciais do ensino fundamental atende 177 alunos e nos anos finais 193 alunos
são atendidos.
No período matutino oferece os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino
Médio, no período vespertino o ensino fundamental inicial e final até o 8ºano, e no
período noturno oferece o Ensino Médio. Para atendimento da comunidade conta com 38
funcionários e 37 docentes.
3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM CAMPO GRANDE
Em Campo Grande, o Programa Bolsa Família beneficiou, no mês de setembro de
2016, 28.159 famílias, representando uma cobertura de 95,4 % da estimativa de famílias
pobres no município, segundo dados do Relatório de Informações Sociais, do Ministério
do Desenvolvimento Social e Agrário2.
Refletindo sobre o objeto desta pesquisa convém explicitar que, o Programa Bolsa
Família é um programa nacional de transferência direta de renda às famílias em situação
de pobreza (aquelas com renda familiar per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00) e extrema
pobreza (aquelas com renda familiar igual ou inferior a R$ 77,00 por pessoa), com
condicionalidades nas áreas de saúde e educação 3.
Conforme consta no Sumário Executivo do Programa,
seu objetivo geral é “reduzir a pobreza e a extrema pobreza por meio da transferência de
renda às famílias e do acesso a serviços básicos de saúde e educação” (BRASIL, 2015 p.
01). E seus objetivos específicos são aliviar imediatamente a pobreza por meio da
transferência de renda; promover a inclusão social e a melhoria das condições de vida das
famílias em situação de pobreza e extrema pobreza; reforçar o acesso aos direitos sociais
2Relatório de informações sociais do município de Campo Grande. Disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio_form.php?p_ibge=500270&area=
0&ano_pesquisa=&mes_pesquisa=&saida=pdf&relatorio=153&ms=585,460,587,589,4
50,448,464,601.
3 Informações retiradas da Ficha Técnica/Sumário Executivo do Programa disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/simulacao/sum_executivo/pdf/fichatecnica_12.pdf
Trabalho de Conclusão de Curso
nas áreas de saúde, educação e assistência social a fim de interromper o ciclo de
reprodução da pobreza entre gerações; desenvolver ações complementares voltadas à
geração de trabalho e renda4.
Este programa teve seu início em 2003, e foi criado por Medida Provisória (nº
132) em outubro de 2003 (transformado na Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004) e
regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004 com o objetivo de
unificar os seguintes programas de transferência de renda: Bolsa Escola, Cartão
Alimentação, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás. Estes programas possuíam diferentes
cadastros o que dificultava a coordenação das ações, tornando-os ineficazes e não garantia
o acesso, a universalização dos programas sem o cruzamento de dados dos diversos
públicos. A unificação desses programas garantiu maior eficiência, ampliação do
atendimento às famílias pobres e do acesso aos serviços públicos. Uma família que era
acompanhada apenas na dimensão educacional passou a ser acompanhada nas áreas de
saúde e assistência social5.
As condicionalidades são “mecanismos de reforço ao exercício de direitos básicos
de cidadania nas áreas de educação e saúde pelos brasileiros em situação de pobreza e
extrema pobreza”6 (BRASIL, 2015 p. 01).Através delas, as famílias beneficiárias pelo
programa são condicionadas a utilizar os serviços de saúde e educação. Com isso, o
governo federal monitora o acesso e o uso desses serviços.
A condicionalidade de educação significa que toda criança ou adolescente, na
faixa etária de 6 a 17 anos, de uma família beneficiária do Programa, deve estar
matriculada (o) na rede regular de ensino e possuir frequência escolar mensal mínima de
75% ou 85% da carga horária, de acordo com a faixa etária do estudante7.
De acordo com Craveiro e Ximenes (2013, p.115) o principal objetivo desta
condicionalidade para a educação é apoiar a inclusão, permanência e progressão escolar
4 Ibidem 5 Informações retiradas da Ficha Técnica/Sumário Executivo do Programa disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/simulacao/sum_executivo/pdf/fichatecnica_12.pdf 6 Ficha de Programa- Programa Bolsa Família disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/simulacao/sum_executivo/pdf/fichadescritiva_12.pdf 7 Ibidem.
Trabalho de Conclusão de Curso
de crianças de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza.8Ela busca contribuir
para a redução das desigualdades educacionais, garantindo o acesso e pressupõe uma
ruptura no ciclo de pobreza Inter geracional desta população no longo prazo.
3.1. AS CONDICIONALIDADES DE EDUCAÇÃO E O DESEMPENHO
ESCOLAR
Segundo dados do Relatório de Informações Sociais do município de Campo
Grande, do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário9, no tocante às
condicionalidades, o acompanhamento da frequência escolar, com base no bimestre de
março de 2016, atingiu o percentual de 86,1%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15
anos, o que significa 27.095 alunos acompanhados em relação ao público no perfil
equivalente a 31.479. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual atingido foi de
67,8%.
Porém apesar da garantia de acesso, a condicionalidade de educação do Programa
Bolsa Família não garante que estas crianças terão bom desempenho, portanto alcancem
o “sucesso escolar” no que tange a sua trajetória de escolaridade.
Partindo desta constatação é relevante tratar como esta condicionalidade é
compreendida pelos atores envolvidos na escola, neste caso especificamente os docentes.
Discutir estas percepções dos docentes possibilita refletir as interações entre professores
e alunos e como isso pode vir afetar a atuação docente.
Conforme OLIVEIRA (2015, p. 13785):
Pensando no nosso público, as características das famílias beneficiárias sugerem
um cotidiano familiar frágil, que redunda num ambiente de incertezas que compromete
uma rotina ordenada diante das condições econômicas específicas destas. O que vai influir
8CRAVEIRO, C.; XIMENES, D. Dez anos do Programa Bolsa Família: desafios e perspectivas
para a universalização da educação básica no Brasil. In: CAMPELO, T. e NERI, M. C. Programa
Bolsa Família: uma década de inclusão e desafios. IPEA, Brasília, 2013.
9Relatório de informações sociais do município de Campo Grande. Disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio_form.php?p_ibge=500270&area=0&ano_
pesquisa=&mes_pesquisa=&saida=pdf&relatorio=153&ms=585,460,587,589,450,448,464,601
Trabalho de Conclusão de Curso
na forma como esta família vai se organizar frente ao próprio investimento escolar de
seus filhos.
No Programa Bolsa Família, o acompanhamento do desempenho escolar não está
diretamente ligado à condicionalidade, o que muitas vezes é compreendido pelos docentes
como um “dever ser” um comportamento esperado, um condicionamento dos alunos em
função do benefício recebido por sua família.
O desempenho escolar muitas vezes é visto como um mérito individual, e ao
refletir sobre esse ponto de vista é preciso considerar que os pobres não apresentam as
mesmas condições de acesso à educação e permanência nas instituições de ensino, são
vistos como alheios ao sistema, o sistema de ensino não foi pensado historicamente para
seu atendimento, e hoje ainda reproduz a estrutura hegemônica do passado.
Nesses termos fica subentendida a ilusão de que se o aluno pobre trabalhar muito
e se esforçar muito ele merecerá e terá riqueza, ele conquistará o mesmo patamar de um
aluno com suportes sociais e econômicos totalmente desiguais.
Conforme CRESPO e GUROVITZ, (2002, p.8)
Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de
educação, saúde, etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver
melhor. Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada (como,
por exemplo, levar uma vida saudável, livrando-se da morbidez evitável e da morte
prematura), mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e
políticas.
Portanto, se o ensino não é oportunizado de forma que o pobre se reconheça como
pobre, e se conscientize que sua condição não é fruto de sua incompetência ou inabilidade,
mas de determinantes sociais que historicamente levaram a sociedade a apresentar esta
estrutura, ele tende a ser um ensino que reproduz e acirra as desigualdades.
Pensar as relações de ensino-aprendizagem, o acesso e a permanência sob uma
perspectiva meritocrática numa sociedade onde não são dadas as mesmas oportunidades
e condições a todos, não é pensar a educação de uma forma justa.
4 PROFESSOR EM CAMPO GRANDE
Trabalho de Conclusão de Curso
São inúmeras as questões que permeiam as relações intraescolares.O professor
tem que lidar cotidianamente com uma realidade que existia e sempre existiu, porém foi
por vezes negligenciada em sua formação docente. Aos acadêmicos de licenciaturas,
futuros docentes, normalmente são fornecidas bases pedagógicas para o exercício de sua
atividade, mas as condições e relações econômico-sociais não estão inseridas nas
discussões acadêmicas de sua formação.
Os docentes pesquisados lecionam nas escolas públicas da capital. Não se trata de
um município pobre, porém com muitas necessidades de investimento em educação.
Como bem pontua Duarte (2012), a riqueza do estado e do município não chega até a
escola O estado de Mato Grosso do Sul arrecadou em 2015 aproximadamente
R$18.852.281.071,60 e o município de Campo Grande R$862.630.681,4310. Assim
segundo o artigo 212 da Constituição Federal de 1988, o percentual que deve ser investido
em educação pelos estados e municípios é de 25% dos impostos e transferências
constitucionais. Conforme aponta Duarte (2012,p.156):
Destaca-se que o fato da riqueza do município ou do estado não alcançar a escola
reflete um financiamento que assegura uma frágil prestação de serviços educacionais,
mas não as condições suficientemente estruturadas capazes de romper com a
reprodutividade da escola e o determinismo socioeconômico dos indicadores
educacionais. Como interpretação dos estudos quantitativos é fundamental, afirma-se
aqui que a pobreza alcança a escola porque ela constitui materialidade a partir da
população no território municipal e estadual ou do que a riqueza que circula nos
territórios. A escola, assim como todas as políticas universais, tem que lidar com uma
população que não pode aportar os meios necessários complementares ao exercício do
direito à educação. E estes não são cumpridos pelo financiamento que impõe um
funcionamento precário às escolas.
Em relação ao vencimento dos profissionais, o valor mínimo que pode ser pago a
um professor em todo país foi instituído em 16 de julho de 2008 (pela Lei n° 11.738,
regulamentando uma disposição já prevista na Constituição Federal) e na Lei de
Diretrizes e Base da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96).Trata-se do piso salarial
10 Valores referentes à arrecadação de impostos disponíveis no site https://impostometro.com.br/
Trabalho de Conclusão de Curso
profissional para os profissionais do magistério público da educação básica, portanto é o
valor mínimo que os professores em início de carreira devem receber11.
Esses profissionais devem ter formação em magistério em nível médio (ou antigo
curso normal) e carga horária de trabalho de 40h semanais, e atuar em estabelecimentos
públicos de ensino na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, em
todo o país.
Em 2016, segundo dados do Ministério da Educação, o vencimento inicial dos
professores passou de R$ 1.917,78 para R$ 2.135,64. Como os docentes que foram
entrevistados nesta pesquisa são professores da rede estadual de ensino, de acordo com a
Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul atualmente o salário
base dos professores na rede estadual de ensino para 20 horas/aula é de R$1.575,89 e para
40 horas/aula R$ 3.151,78.
De acordo com os dados acima, o Estado de Mato Grosso do Sul cumpre a lei do
piso salarial nacional para o magistério público da educação básica. Uma conquista fruto
de muitas reivindicações. Segundo a Secretaria de Estado Educação (SED) são
atualmente 9.112 professores efetivos no estado. Porém cabe salientar que tão importante
quanto o atendimento da legislação no tocante ao piso nacional é a valorização destes
profissionais. Dando–lhes condições adequadas de trabalho e viabilizando a capacitação
dentro do seu horário de trabalho e principalmente considerando suas perspectivas na
elaboração e implementação das políticas das quais ele participa.
4.1 OS PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL PADRE MÁRIO BLANDINO.
Tendo em vista a complexidade existente no contexto educacional, foi delimitada
nessa pesquisa o interesse em analisar e conhecer a visão do professor em relação a
pobreza, a desigualdade e o Programa Bolsa Família. Os docentes entrevistados,
colaboradores desta pesquisa, são os professores regentes dos anos iniciais do ensino
fundamental que lecionam na Escola Estadual Padre Mário Blandino.
11 Informações retiradas do site: http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/02/tire-suas-duvidas-sobre-o-piso-salarial-dos-professores.
Trabalho de Conclusão de Curso
Dado o universo pesquisado e o tamanho da amostra os resultados aqui
apresentados dizem mais sobre esse grupo específico de professores, não cabendo
generalizações, e as análises aqui apresentadas são pertinentes a esse pequeno grupo.
Devido à dinâmica do dia a dia da comunidade escolar não foi possível realização
de entrevistas, portanto o instrumento de coleta de dados foi um questionário. Dos cinco
docentes das turmas dos anos iniciais do ensino fundamental, apenas quatro responderam
os questionários, e destes apenas dois se identificaram. Assim, desenhar uma trajetória
destes profissionais do ponto de vista de formação acadêmica e anos de experiência na
atividade docente não se tornou possível tendo em vista a ausência de dados.
5. A VISÃO DOS DOCENTES DA ESCOLA ESTADUAL PADRE MARIO
BLANDINO SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA, A POBREZA E A
DESIGUALDADE SOCIAL
Conforme exposto anteriormente, o instrumento de pesquisa foi um questionário
com seis questões abertas12. As perguntas tiveram caráter subjetivo, no intuito de verificar
quais são as perspectivas pessoais de cada docente em relação ao programa, e também
verificar como elas se construíram, com que qualidade de informações, uma vez que
inevitavelmente cada docente em sua prática explicita a sua visão de mundo, e sua
perspectiva recai sobre sua didática e essa relação que se pretendeu analisar.
As respostas obtidas para a primeira pergunta, sobre a finalidade do Programa
Bolsa Família, estão demonstradas no quadro 1 abaixo:
Quadro 1 - Finalidade do Programa Bolsa Família
12 O instrumento foi composto pelas seguintes questões: 1) Qual a sua opinião sobre a finalidade
do Programa Bolsa Família? 2) Em sua visão quais são os aspectos positivos e negativos da
condicionalidade da frequência escolar do Programa Bolsa Família? 3) Quais as dificuldades você
percebeu na sua atividade, decorrentes da inclusão nas escolas de alunos de famílias beneficiárias?
4) Quais as dificuldades você percebeu na sua atividade, decorrentes da inclusão nas escolas de
alunos de famílias beneficiárias? 5) Quais seriam as causas, em sua opinião, da desigualdade
social no Brasil? Em sua opinião o Programa Bolsa Família contribui para reduzi-la? 6) Como
você acredita que sua atividade pode contribuir para reduzi-la?
Trabalho de Conclusão de Curso
Docente 1 “Acho que é mais um dos programas da política
brasileira. Acredito que se o governo investir em
educação, saúde e criar oportunidades de trabalho
seria melhor para a população. ”
Docente 2 “Importante fonte de receita para as famílias de
baixa renda”.
Docente 3 “Quando os pais recebem o bolsa família e
mandam os filhos para a escola porque se
preocupam com os estudos, com o seu futuro acho
que é uma boa ajuda para a família, devido ao
baixo salário e a crise econômica que o país se
encontra”.
Docente 4 “Quando esse programa foi criado acredito que
pensavam nas famílias necessitadas, mas agora a
mídia está mostrando seu verdadeiro propósito. ”
Organização: Matos, 2016.
Em relação à primeira pergunta, o que se pretendia era verificar o quanto os
docentes conheciam sobre o programa e sua finalidade.
Conforme consta no Sumário Executivo do Programa, o objetivo geral é “Reduzir
a pobreza e a extrema pobreza por meio da transferência de renda às famílias e do acesso
a serviços básicos de saúde e educação”.
Entre as respostas obtidas apenas o docente 2 entende o programa como
transferência de renda, em suas palavras “fonte de receita” para famílias de baixa renda.
O que foi possível verificar é que os demais não tinham claramente a finalidade, apenas
o público beneficiado e já nesta primeira pergunta foi possível identificar na resposta do
docente 4 os estigmas que mídia propaga, esse ator social que exerce grande influência
pelo alcance de sua presença em todas as camadas sociais.
É visto como um “programa da política partidária brasileira” pelo docente 1. Esse
mito, na concepção da ex-ministra do Desenvolvimento Social já estava superado uma
vez que, conforme CAMPELLO (2013, p.13)
O mito de que o Bolsa Família seria um programa de natureza populista também
foi derrubado. O programa se consolidou como uma política de Estado e hoje figura como
um dos elementos centrais das políticas sociais brasileiras, em um patamar incontornável
dentro da proteção social.
Trabalho de Conclusão de Curso
O Brasil não é o único país da América Latina a adotar um programa de
transferência de renda, mas em virtude de resultados exitosos o Programa Bolsa Família
é um exemplo principalmente no tocante a sua operacionalização13.
Foi possível verificar entre as respostas, que os docentes não reconhecem o caráter
intersetorial do programa, reproduzindo os mitos e ditames do senso comum.
Em relação à condicionalidade da frequência escolar, com a segunda pergunta
pretendeu-se verificar quais seriam os impactos observados diretamente na atividade do
docente, no tocante a frequência dos alunos oriundos de famílias beneficiadas pelo
programa, uma vez que essa condicionalidade é muitas vezes encarada pelos beneficiários
como uma obrigatoriedade e seu descumprimento alude um caráter punitivo. As respostas
obtidas estão demonstradas no Quadro 2, a seguir:
Quadro 1 - Aspectos Positivos e Negativos da Condicionalidade Frequência
Escolar na visão docente
Respondente Aspectos Positivos Aspectos Negativos
Docente 1 “Criança na escola.
Responsáveis cumprem com
o compromisso de o aluno
estar dentro da sala (escola).
Combater o trabalho
infantil”.
“Aumenta a dependência dos
responsáveis em vez de
encorajar para um futuro
melhor”.
Docente 2 “Frequência dos alunos na
escola”
“Preocupação com a
frequência dá-se o
encaminhamento das crianças
ainda que enfermas”
Docente 3 “Uma renda a mais para
ajudar nas despesas
familiares”
“Os pais mandam os filhos
para a escola apenas com o
intuito de receber o bolsa
família, não se preocupando
com o rendimento escolar do
filho. Famílias que recebem o
benefício sem realmente
precisar. ”
Docente 4 “Realmente não ajudam as
famílias que necessitam”
“Não generalizando, mas há
famílias que mandam seus
13 O Programa Bolsa Família, foi citado como um bom exemplo de política pública na área de assistência
social, em 2011, no Relatório sobre Erradicação da Pobreza do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban
Ki-moon, para o Conselho Econômico Social. Além de ser apontado pelos resultados na redução da pobreza
e melhoria das condições sociais de brasileiros, o Bolsa Família foi citado como referência de política
“acessível” em termos econômicos para países em desenvolvimento. Disponível: https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/591/01/PDF/N1159101.pdf?OpenElement
Trabalho de Conclusão de Curso
filhos para a escola, visando o
que irá receber do P. Bolsa
Família e não interessada no
aprendizado do estudante
Organização: Matos, 2016.
Esta visão de que o beneficiário é acomodado pelo valor transferido também é
uma fala recorrente e disseminada na sociedade, uma fala construída pelas informações
dispersas na mídia que por muitas vezes divulga casos isolados como se fossem comuns
no programa, como se fossem regra e não exceção. Como relata a ex-ministra
CAMPELLO ,2013(P.13):
Um terceiro, e talvez o mais propagado mito, é que o Bolsa Família atuaria de
modo a acomodar as famílias, gerando dependência e desincentivando o trabalho entre os
beneficiários adultos. Tal tese não foi comprovada pelos dados empíricos. Ao contrário,
ela tem sido amplamente contestada. Como mostram Jannuzzi e Pinto, seja em termos de
ocupação, procura de emprego ou jornada de trabalho, os indicadores são muito próximos
entre beneficiários e não beneficiários do programa. O capítulo de Barbosa e Corseuil
confirma tais conclusões, indicando a ausência de evidências tanto de desincentivo ao
trabalho quanto de incentivo à informalidade.14
Esse mito ainda existente e arraigado entre os docentes se constitui numa barreira
para a superação desta visão distorcida sobre o programa e consequentemente sobre os
beneficiários.
Fica evidenciado com as respostas que o desconhecimento sobre o programa causa
além da reprodução dos mitos sobre ele e seu público, uma ideia que ele deveria
demonstrar resultados no campo educacional que não são e não estão entre seus objetivos
específicos. Conforme PAIVA, FALCÃO E BARTOLO, (2013, p.26)
Obviamente, não se quer, aqui, sugerir que o Bolsa Família assuma a
responsabilidade de ser a principal iniciativa no sentido de superar os desafios
educacionais brasileiros. Estes desafios estão sendo enfrentados pelas políticas
14 Vide JANNUZZI, Paulo M; PINTO, Alexandro R. BOLSA FAMÍLIA E SEUS IMPACTOS NAS
CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA: UMA SÍNTESE DOS PRINCIPAIS
ACHADOS DA PESQUISA DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO DO BOLSA FAMÍLIA. In: CAMPELLO,
Tereza; NERI, Marcelo Côrtes (Org.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania.
Brasília: Ipea, 2013.p. 179-192.
Trabalho de Conclusão de Curso
educacionais capitaneadas pelo Ministério da Educação (MEC). Trata-se, apenas, de
ressaltar seus impactos, que são significativos e voltados para um público que,
historicamente, teve dificuldades de acesso à educação de qualidade no país.
Vale lembrar que a garantia de acesso é o principal objetivo do programa no
campo educacional. O acesso à educação busca quebrar o ciclo geracional da pobreza,
proporcionando educação aqueles que historicamente não foram atendidos e assim os
filhos dos beneficiários podem através da educação buscar acessar direitos que foram
negligenciados aos seus pais.
Quando não é levada em consideração essa questão, como percebemos na resposta
do docente 3 “não se preocupando com o rendimento escolar do filho” como afirmar uma
ausência de preocupação se muitos beneficiários não tiveram acesso à educação no tempo
próprio e, portanto, entende-se a condicionalidade como um avanço sob o ponto de vista
do acesso.
Outra questão que foi levantada é com a “preocupação com a frequência dá-se o
encaminhamento das crianças ainda que enfermas” o fato de que a condicionalidade
muitas vezes é vista dentro de um caráter punitivo, o que se pode observar aqui não se
trata de uma ausência de responsabilidade em relação a saúde da criança, mas uma
preocupação excessiva de agir corretamente para não sofrer a “punição” de suspensão do
benefício.
Essa perspectiva muitas vezes não é entendida pelo professor. A condicionalidade
não é vista como uma forma de garantia do direito ao acesso à educação, mas como uma
contrapartida pequena em virtude da transferência de recursos proporcionada pelo
programa.
Quadro 3 – As percepções sobre as mudanças ocorridas na prática docente com a
inserção dos alunos de famílias beneficiárias
Docente 1 “Sem resposta”
Docente 2 “Nenhuma”
Docente 3 “Alunos que frequentam a escola apenas para
ter presença e receber o bolsa família. O pai
não se preocupa com o rendimento escolar do
filho
Docente 4 Falta compromisso das famílias com as
tarefas e o aprendizado dos estudantes,
visando só a presença do mesmo para não
cortar o benefício.
Trabalho de Conclusão de Curso
Organização: Matos, 2016.
A inclusão dessas crianças pressionou o poder público para atendimento desta
nova demanda, tanto em saúde quanto em educação, no entanto é possível observar que
as mudanças nas práticas pedagógicas ainda não ocorreram.
É preocupante como a mudança sensível na demanda não foi percebida em relação
à educação, porém como não foi respondido no questionário o tempo de exercício na
atividade docente não é possível afirmar que essa ausência de entendimento se dá pela
ausência da experiência em sala de aula ou pelo fato de que a escola ainda é encarada
como uma instituição descolada das mudanças que ocorrem na sociedade.
Quadro 4 – A percepção sobre a pobreza no Brasil
Docente 1 “Primeiramente ser pobre é não ter um
trabalho digno. É ganhar um salário mínimo
ou menos é não ter o que é necessário para
sobreviver.
Docente 2 “Não ter renda suficiente para atender as
necessidades básicas no Brasil”.
Docente 3 “Ganhar um salário baixo, ter muitos filhos
para sustentar mal dando para a alimentação e
as necessidades básicas. ”
Docente 4 “São famílias que ganham o salário mínimo e
que tem muitos filhos e o mesmo não dá nem
para suprir as necessidades básicas”.
Organização: Matos, 2016.
Aqui pode-se perceber a relação com o salário mínimo como parâmetro, o
estereótipo do pobre com muitos filhos, outras questões que se levantam aqui que não são
objeto de estudo desta pesquisa.
Mas fica evidente o entendimento de pobreza como ausência de renda para “suprir
necessidades básicas”, e assim quais seria essas necessidades, ainda é possível questionar
se culturalmente eles não tiveram acesso a serviços, teriam eles, “os pobres”, condições
de exigir seus direitos a saúde e educação?
Quadro 5. As contribuições do Programa Bolsa Família na redução da pobreza.
Docente 1 “A distribuição de renda é feita de forma
injusta, uns com muito outros com tão pouco,
a falta de caráter dos políticos brasileiros... a
desigualdade é muito grande...haja bolsas...”
Trabalho de Conclusão de Curso
Docente 2 “Não. Tem que ter geração de emprego. ”
Docente 3 “O dinheiro público mal empregado, a
falcatrua dos políticos vindo acarretar mais
ainda a desigualdade social. O programa
Bolsa Família não contribui para reduzir a
desigualdade social (em nada) ”.
Docente 4 “Dinheiro público mal aplicado. Corrupção.
O Bolsa Família não reduz em nada a
desigualdade social no Brasil”
Organização: Matos, 2016.
Conforme constatado na opinião dos docentes, há uma condenação da política,
dos políticos e do Estado. Constata-se assim conforme Arroyo et al (2010, p.78) que “no
pensamento educacional é frequente condenar o Estado oligárquico como antiliberal,
excludente e incapaz de equacionar as demandas de participação política das camadas
populares”, mas a tarefa de incentivar esta participação política e social, provocando o
interesse nos assuntos políticos e de Estado deve nascer na escola, inseridas nas práticas
dos docentes principalmente daqueles que lecionam em escolas públicas.
Estudos reconhecidos internacionalmente comprovaram que o Bolsa Família,
entre outros programas inseridos nas políticas sociais brasileiras dos últimos anos,
contribuiu para a redução da pobreza e da desigualdade conforme demonstra Jannuzzi,
201615. Porém tal realidade não foi percebida pelos docentes. Chama a atenção a
responsabilização do Estado e dos políticos. Conforme aponta ARROYO et al (2010,
p.70):
O pensamento pedagógico não se tem caracterizado apenas pelo irrealismo
político quando coloca a questão da cidadania, por vezes tem chegado a uma visão
negativa do político e do poder. O poder corrompe. O mundo da política é visto como um
jogo de egoísmo e falsidades. O ideal seria um mundo sem poder, em que cada um
aceitasse o convívio social guiado apenas pela disciplina interior do conhecimento e da
obrigação moral, do amor ao bem-comum.
Pelas respostas obtidas é possível perceber que a desigualdade é vista como um
problema de governos e políticos e não se coloca uma relação entre ela, a desigualdade,
15 JANNUZZI, Paulo M. Pobreza e Desigualdade no Brasil: os riscos de voltar a 25 aos atrás. Revista de
Conjuntura. ANO XV.n.58. Maio/Agosto 2016. Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito
Federal.
Trabalho de Conclusão de Curso
e o modo de produção em que o país se desenvolveu, essa ótica distanciada da realidade
demonstra uma leitura de mundo baseada na indiferença por parte destes profissionais
especificamente.
Para o especialista em educação Carlos Roberto Jamil Cury (2002, p.179),
[...] essa desigualdade, hoje medida por vários instrumentos de análise
(como o índice de desenvolvimento humano IDH), faz com que haja
problemas na escola – que não são da escola. Por isso, não é desprezível
o impacto desta situação fática sobre o conjunto do sistema educacional
em matéria de acesso, permanência e sucesso. É de se perguntar se é
possível desconsiderar a desigualdade socioeconômica como uma
geradora remota das dificuldades próximas que afetam o desempenho
intraescolar dos alunos.
Quando não é questionada a essência da desigualdade, se exclui da dinâmica
escolar a reflexão sobre a sociedade e como se constrói esses “coletivos feitos desiguais”,
e por que essa construção social acontece.
Quadro 6 - Contribuições da prática docente em relação à diminuição da pobreza e
das desigualdades sociais
Docente 1 “Conscientizar as crianças desde do início
que ser honesto, respeitar e estudar sempre
será uma saída de um futuro melhor”
Docente 2 “Socialização. ”
Docente 3 “Posso orientar, mas a minha atividade não
contribui para redução das desigualdades
sociais”.
Docente 4 “Meu trabalho é desenvolvido de acordo com
o referencial curricular do estado. ”
Organização: Matos, 2016.
Com esta pergunta objetivou-se perceber como o professor se coloca frente ao
papel que exerce dentro da sociedade, enquanto profissional da educação pública. Tentou-
se assim obter uma visão dele enquanto agente de transformação social, e nesta pergunta
específica em relação ao enfrentamento da desigualdade social.
De acordo com as respostas obtidas verifica-se a educação, sob o ponto de vista
destes profissionais, numa perspectiva moralizante, integradora a sociedade, como se os
“desiguais” não fizessem parte da sociedade assim:
Em síntese, o pensamento pedagógico, continuando a insistir na preparação da
criança para o convívio social harmônico, não entende que a questão da cidadania se
Trabalho de Conclusão de Curso
insere em uma temática mais conflitiva, qual seja a temática da possibilidade ou não da
democracia, da participação no poder e da igualdade política numa sociedade capitalista,
baseada na desigualdade social e econômica. Após vários séculos de proclamação da
soberania popular, o que constatamos é que a realização e a sobrevivência da participação
e da igualdade política continuam constituindo uma constante interrogação e vem sendo
umas das tarefas mais conflitivas, como demonstram a permanência das formas
autoritárias e as constantes tentativas de avançar para além das experiências formais de
participação até as formas de democracia política que conduzem a integral socialização
do poder. (BOBBIO apud ARROYO et.al 2010.p.69).
Uma das respostas obtidas traz a sistematização do ensino, como a educação deve
funcionar de acordo com a curricularização e normatização da educação escolar. É claro
que em seu trabalho o professor é cobrado no sentido de cumprir os referenciais teóricos
colocados como parâmetros, bem como as legislações, mas o que se questiona nesse
momento é se não seria na escola que deveriam nascer as discussões sobre a sociedade e
sobre a vivência destes alunos como aponta BRASIL (2015,p.31):
Nessa perspectiva, uma escola que se comprometa com a transformação social
precisa se posicionar diante das desigualdades sociais lutando para combate-las e
buscando, junto com os movimentos sociais, construir uma sociedade mais justa e
democrática. Para isso, é preciso ser repensada suas práticas, sua cultura e sua relação
com a sociedade.16
Assim elucida Arroyo et. al (2010, p.64)
Nesta direção, a prática educativa moderna reflete uma concepção do convívio
social, das relações indivíduo-sociedade e da cidadania que contém elementos do
romantismo e da sociologia positivista que tanto enfatizaram a educação, ora como
elemento de defesa do indivíduo no social, ora como elemento de integração do indivíduo
no social, reduzindo à unidade moral, à coesão, à integração e à cooperação.
16 BRASIL. Modulo III. Escola: Espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza. Educação
Pobreza e Desigualdade Social. SECADI- MEC.
Trabalho de Conclusão de Curso
Diante disso há uma grande possibilidade que o aluno realize um percurso escolar
sem questionar sua realidade e condição. É reflexo de uma prática voltada a educação
bancária e ao ensino minimalista que reproduz e reforça as condições sociais existentes.17
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as respostas obtidas, fora identificada a presença de estigmas e
mitos em relação aos pobres e beneficiários do programa, a presença de pré-conceitos que
são reproduzidos no ambiente escolar, e potencialmente na prática destes profissionais
entrevistados.
Os dados levantados na pesquisa de campo sinalizam que as temáticas a respeito
da pobreza e das desigualdades sociais não são abordadas, que a visão arraigada na prática
pedagógica destes docentes é a da exclusão, haja vista que muitos deles veem o Programa
Bolsa Família como uma política partidária, uma ferramenta obsoleta para a garantia do
direito à educação, pois alguns professores pontuam que os alunos só estão na escola para
receber o benefício, e não pelo direito de aprender e a partir da condicionalidade percorrer
trajetórias escolares diferentes de seus pais quebrando com o ciclo da pobreza.
Observou-se que os docentes entrevistados percebem o Programa Bolsa Família,
a pobreza e a desigualdade social como questões descoladas da sua realidade e que não
interferem nem são atingidos por suas práticas. Se em sua prática o docente coloca suas
perspectivas em relação à sociedade é admissível que os alunos atendidos por estes
docentes venham a internalizar essas perspectivas como conceitos aceitáveis, e isso é
realmente preocupante.
É evidente que não se pode colocar em uma classe especifica a responsabilidade
pela redenção de preconceitos existentes na sociedade, porém como a escola atinge uma
quantidade de pessoas considerável, e que a escola pública “educa os pobres”, não há
como se eximir da seriedade de rever tais problemas sociais e como a escola pode agir,
uma vez que estão entranhados na realidade da escola.
Conclui-se então que no caso do Programa Bolsa Família, especificamente, apesar
de ter 12 anos de existência, o desconhecimento sobre o programa pelos executores é a
principal causa de mitificação desta política ou programa.
17 Ibidem.
Trabalho de Conclusão de Curso
Não é possível responsabilizar o professor pelo sucesso ou fracasso de uma
política ou programa, apenas pode-se atentar que devido à importância que este
profissional tem, o seu comprometimento com as políticas públicas é o diferencial neste
sistema tão desigual.
REFERÊNCIAS
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significados. Campinas, v. 31, n. 113, p. 1381-1416, out.-dez. 2010
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http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio_form.php?p_ibge=500270&area=
0&ano_pesquisa=&mes_pesquisa=&saida=pdf&relatorio=153&ms=585,460,587,589,4
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