pobreza e desigualdade social: a visÃo docente...

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Trabalho de Conclusão de Curso POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: A VISÃO DOCENTE SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS SUAS CONDICIONALIDADES NA EDUCAÇÃO Josiane Barbosa Matos Solange de Andrade Ribeiro RESUMO Este artigo tem o objetivo de apresentar uma análise da visão dos docentes da Escola Estadual Padre Mário Blandino sobre pobreza, desigualdade social e especialmente sobre o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades de educação, identificando a presença de estigmas, preconceitos e ideologias que podem vir a ser reproduzidos no ambiente escolar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, que contou com um levantamento bibliográfico no qual buscou-se produções acadêmicas que abordassem os temas. Na pesquisa de campo aplicou-se questionários e realizou-se entrevistas. Os sujeitos desta pesquisa são docentes da Escola Estadual Padre Mário Blandino, localizada no bairro Aero Rancho em Campo Grande/ MS. Os dados levantados na pesquisa de campo sinalizam que as temáticas a respeito da pobreza e das desigualdades sociais não são adequadamente abordadas, que a visão arraigada na prática pedagógica destes docentes é a da exclusão, haja vista que muitos deles veem o Programa Bolsa Família como uma política partidária, uma ferramenta obsoleta para a garantia do direito à educação, pois alguns professores pontuam que os alunos só estão na escola para receber o benefício, e não pelo direito de aprender e, a partir da condicionalidade socioeconômica percorrer trajetórias escolares diferentes de seus pais quebrando com o ciclo da pobreza. Palavraschave: Pobreza. Desigualdade Social. Docência. Programa Bolsa Família. 1. INTRODUÇÃO Este artigo tem como tema: “Pobreza e desigualdade social: a visão docente sobre o programa bolsa família”. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, com a aplicação de questionários e entrevistas aos professores da Escola Estadual Padre Mário Blandino, o artigo é resultado dos estudos desenvolvidos durante o curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Aluna do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E- mail: [email protected] Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, professora na Secretaria Estadual de Educação, professora-orientadora do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E- mail:[email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/4974759114175732

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Trabalho de Conclusão de Curso

POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: A VISÃO DOCENTE SOBRE O

PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS SUAS CONDICIONALIDADES NA

EDUCAÇÃO

Josiane Barbosa Matos

Solange de Andrade Ribeiro

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de apresentar uma análise da visão dos docentes da Escola

Estadual Padre Mário Blandino sobre pobreza, desigualdade social e especialmente sobre

o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades de educação, identificando a presença

de estigmas, preconceitos e ideologias que podem vir a ser reproduzidos no ambiente

escolar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, que contou com um

levantamento bibliográfico no qual buscou-se produções acadêmicas que abordassem os

temas. Na pesquisa de campo aplicou-se questionários e realizou-se entrevistas. Os

sujeitos desta pesquisa são docentes da Escola Estadual Padre Mário Blandino, localizada

no bairro Aero Rancho – em Campo Grande/ MS. Os dados levantados na pesquisa de

campo sinalizam que as temáticas a respeito da pobreza e das desigualdades sociais não

são adequadamente abordadas, que a visão arraigada na prática pedagógica destes

docentes é a da exclusão, haja vista que muitos deles veem o Programa Bolsa Família

como uma política partidária, uma ferramenta obsoleta para a garantia do direito à

educação, pois alguns professores pontuam que os alunos só estão na escola para receber

o benefício, e não pelo direito de aprender e, a partir da condicionalidade socioeconômica

percorrer trajetórias escolares diferentes de seus pais quebrando com o ciclo da pobreza.

Palavras–chave: Pobreza. Desigualdade Social. Docência. Programa Bolsa Família.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema: “Pobreza e desigualdade social: a visão docente sobre

o programa bolsa família”. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso,

com a aplicação de questionários e entrevistas aos professores da Escola Estadual Padre

Mário Blandino, o artigo é resultado dos estudos desenvolvidos durante o curso de

Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social.

Aluna do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal

de Mato Grosso do Sul. E- mail: [email protected] Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, professora na

Secretaria Estadual de Educação, professora-orientadora do Curso de Especialização em Educação, Pobreza

e Desigualdade Social. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E- mail:[email protected] Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4974759114175732

Trabalho de Conclusão de Curso

O conceito de pobreza abordado parte do entendimento da mesma como um

fenômeno multidimensional1 tendo impactos tanto sociais quanto econômicos atingindo

a sociedade de diversas maneiras entendendo que a pobreza não se trata apenas de

ausência de dinheiro, no entanto o que se pretende com essa proposta é contribuir para o

entendimento de como este fenômeno é visto pelos docentes que atuam em uma escola

pública da periferia de Campo Grande.

Objetiva-se apresentar uma análise da visão dos docentes sobre pobreza,

desigualdade social e especialmente sobre o Programa Bolsa Família e suas

condicionalidades de educação, identificando a presença de estigmas, preconceitos e

ideologias que podem vir a ser reproduzidos no ambiente escolar.

Este tema se justifica pela importância desse profissional no contexto da sociedade

atual, em que a conscientização e a conquista dos Direitos Sociais, tem se mostrado vital

para o desenvolvimento econômico e político da sociedade, e a conscientização e o

empoderamento dos grupos marginalizados a estes direitos passam pelas práticas

educativas, outrossim, passa pelo crivo da visão docente.

Partindo do entendimento que o professor é um agente de transformação social, à

medida que, suas práticas educativas emergem de um engajamento político, e podem

alterar significativamente a visão de mundo dos seus alunos, considera-se que o professor

pode atribuir diferentes significados aos conceitos de pobreza, desigualdade social e aos

efeitos e as condicionalidades do Programa Bolsa Família.

Esta pesquisa é movida pela busca do entendimento das percepções dos docentes

sobre pobreza e desigualdade social, como eles acreditam que estes fenômenos sociais

impactam na sua atuação prática e especificamente como eles vêm a condicionalidade

(frequência) do Programa Bolsa Família. Partindo da vivência desses docentes da escola

pública enquanto um extrato da sociedade, portanto refletindo como um nicho dela se

comporta em relação aos problemas sociais.

A metodologia desta pesquisa consiste em uma pesquisa de abordagem

qualitativa, a saber, um estudo de caso, que contou com duas etapas: na primeira etapa

1Este conceito se baseia no artigo de Antônio Pedro Albernaz Crespo – Elaine Gurovitz

intitulado A POBREZA COMO UM FENÔMENO MULTIDIMENSIONAL, onde a

abordagem trazida neste momento tem por referência um conceito de pobreza que

abrange as concepções de Amatya Sen e Deepa Narayan.

Trabalho de Conclusão de Curso

foi realizado um levantamento bibliográfico em busca de produções acadêmicas que

abordem o tema. A pesquisa bibliográfica é considerada uma etapa importante para o

desenvolvimento das investigações, pois a partir dela é possível encontrar subsídios

teóricos que orientam as análises dos dados coletados. A segunda etapa configurou-se no

levantamento dos dados por meio da análise dos documentos da escola, e aplicação de

questionários e entrevistas aos professores da Escola Estadual Padre Mário Blandino.

Como aporte teórico recorreu-se aos estudos de: Arroyo, (2010); Crespo;

Gurovitz, (2002); Duarte, (2012); Yannoulas; Duarte, (2013), dentre outros que dão

subsídios para a reflexão entre pobreza, desigualdades sociais, condicionalidades em

educação, e papel do professor e prática educativa.

A partir do levantamento realizado, a estrutura da pesquisa apresentada está organizada

em três partes. Na primeira parte da proposta aborda-se, a realidade social a qual a escola

e os docentes entrevistados estão inseridos. Na segunda parte é apresentada como se

constitui o programa estudado, as condicionalidades de educação e os conceitos de

pobreza e desigualdade social considerados neste artigo.

Na terceira parte serão apresentadas as respostas obtidas. Analisando os impactos de tais

visões nas relações pedagógicas, e com base no referencial teórico adotado são

construídas análises. Na conclusão, apresentamos os resultados encontrados, e novas

possibilidades de pesquisas a partir deste estudo.

2. O CONTEXTO DA PESQUISA

Contextualizando a comunidade onde se insere os atores entrevistados nesta

pesquisa, o município de Campo Grande é a capital do Estado de Mato Grosso do Sul

possui 787.204 habitantes segundo dados do IBGE (Censo 2010). Possui o total de

125.021 famílias inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal,

dados de setembro de 2016.

A escola pesquisada está inserida numa das regiões mais populosas da cidade, o

bairro Aero Rancho, é o maior bairro de Campo Grande em termos populacionais, com

36.057 habitantes, segundo o Censo (2010) realizado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística. Por sua densidade demográfica incide nessa região vários

problemas sociais (tráfico de drogas, violência, entre outros).

Trabalho de Conclusão de Curso

A Escola Estadual Padre Mário Blandino, de acordo com o Censo Escolar (2015)

possui 763 alunos matriculados, sendo 370 do ensino fundamental e 393 do Ensino médio.

Nos anos iniciais do ensino fundamental atende 177 alunos e nos anos finais 193 alunos

são atendidos.

No período matutino oferece os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino

Médio, no período vespertino o ensino fundamental inicial e final até o 8ºano, e no

período noturno oferece o Ensino Médio. Para atendimento da comunidade conta com 38

funcionários e 37 docentes.

3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM CAMPO GRANDE

Em Campo Grande, o Programa Bolsa Família beneficiou, no mês de setembro de

2016, 28.159 famílias, representando uma cobertura de 95,4 % da estimativa de famílias

pobres no município, segundo dados do Relatório de Informações Sociais, do Ministério

do Desenvolvimento Social e Agrário2.

Refletindo sobre o objeto desta pesquisa convém explicitar que, o Programa Bolsa

Família é um programa nacional de transferência direta de renda às famílias em situação

de pobreza (aquelas com renda familiar per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00) e extrema

pobreza (aquelas com renda familiar igual ou inferior a R$ 77,00 por pessoa), com

condicionalidades nas áreas de saúde e educação 3.

Conforme consta no Sumário Executivo do Programa,

seu objetivo geral é “reduzir a pobreza e a extrema pobreza por meio da transferência de

renda às famílias e do acesso a serviços básicos de saúde e educação” (BRASIL, 2015 p.

01). E seus objetivos específicos são aliviar imediatamente a pobreza por meio da

transferência de renda; promover a inclusão social e a melhoria das condições de vida das

famílias em situação de pobreza e extrema pobreza; reforçar o acesso aos direitos sociais

2Relatório de informações sociais do município de Campo Grande. Disponível em:

http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio_form.php?p_ibge=500270&area=

0&ano_pesquisa=&mes_pesquisa=&saida=pdf&relatorio=153&ms=585,460,587,589,4

50,448,464,601.

3 Informações retiradas da Ficha Técnica/Sumário Executivo do Programa disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/simulacao/sum_executivo/pdf/fichatecnica_12.pdf

Trabalho de Conclusão de Curso

nas áreas de saúde, educação e assistência social a fim de interromper o ciclo de

reprodução da pobreza entre gerações; desenvolver ações complementares voltadas à

geração de trabalho e renda4.

Este programa teve seu início em 2003, e foi criado por Medida Provisória (nº

132) em outubro de 2003 (transformado na Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004) e

regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004 com o objetivo de

unificar os seguintes programas de transferência de renda: Bolsa Escola, Cartão

Alimentação, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás. Estes programas possuíam diferentes

cadastros o que dificultava a coordenação das ações, tornando-os ineficazes e não garantia

o acesso, a universalização dos programas sem o cruzamento de dados dos diversos

públicos. A unificação desses programas garantiu maior eficiência, ampliação do

atendimento às famílias pobres e do acesso aos serviços públicos. Uma família que era

acompanhada apenas na dimensão educacional passou a ser acompanhada nas áreas de

saúde e assistência social5.

As condicionalidades são “mecanismos de reforço ao exercício de direitos básicos

de cidadania nas áreas de educação e saúde pelos brasileiros em situação de pobreza e

extrema pobreza”6 (BRASIL, 2015 p. 01).Através delas, as famílias beneficiárias pelo

programa são condicionadas a utilizar os serviços de saúde e educação. Com isso, o

governo federal monitora o acesso e o uso desses serviços.

A condicionalidade de educação significa que toda criança ou adolescente, na

faixa etária de 6 a 17 anos, de uma família beneficiária do Programa, deve estar

matriculada (o) na rede regular de ensino e possuir frequência escolar mensal mínima de

75% ou 85% da carga horária, de acordo com a faixa etária do estudante7.

De acordo com Craveiro e Ximenes (2013, p.115) o principal objetivo desta

condicionalidade para a educação é apoiar a inclusão, permanência e progressão escolar

4 Ibidem 5 Informações retiradas da Ficha Técnica/Sumário Executivo do Programa disponível em:

http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/simulacao/sum_executivo/pdf/fichatecnica_12.pdf 6 Ficha de Programa- Programa Bolsa Família disponível em:

http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/simulacao/sum_executivo/pdf/fichadescritiva_12.pdf 7 Ibidem.

Trabalho de Conclusão de Curso

de crianças de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza.8Ela busca contribuir

para a redução das desigualdades educacionais, garantindo o acesso e pressupõe uma

ruptura no ciclo de pobreza Inter geracional desta população no longo prazo.

3.1. AS CONDICIONALIDADES DE EDUCAÇÃO E O DESEMPENHO

ESCOLAR

Segundo dados do Relatório de Informações Sociais do município de Campo

Grande, do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário9, no tocante às

condicionalidades, o acompanhamento da frequência escolar, com base no bimestre de

março de 2016, atingiu o percentual de 86,1%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15

anos, o que significa 27.095 alunos acompanhados em relação ao público no perfil

equivalente a 31.479. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual atingido foi de

67,8%.

Porém apesar da garantia de acesso, a condicionalidade de educação do Programa

Bolsa Família não garante que estas crianças terão bom desempenho, portanto alcancem

o “sucesso escolar” no que tange a sua trajetória de escolaridade.

Partindo desta constatação é relevante tratar como esta condicionalidade é

compreendida pelos atores envolvidos na escola, neste caso especificamente os docentes.

Discutir estas percepções dos docentes possibilita refletir as interações entre professores

e alunos e como isso pode vir afetar a atuação docente.

Conforme OLIVEIRA (2015, p. 13785):

Pensando no nosso público, as características das famílias beneficiárias sugerem

um cotidiano familiar frágil, que redunda num ambiente de incertezas que compromete

uma rotina ordenada diante das condições econômicas específicas destas. O que vai influir

8CRAVEIRO, C.; XIMENES, D. Dez anos do Programa Bolsa Família: desafios e perspectivas

para a universalização da educação básica no Brasil. In: CAMPELO, T. e NERI, M. C. Programa

Bolsa Família: uma década de inclusão e desafios. IPEA, Brasília, 2013.

9Relatório de informações sociais do município de Campo Grande. Disponível em:

http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio_form.php?p_ibge=500270&area=0&ano_

pesquisa=&mes_pesquisa=&saida=pdf&relatorio=153&ms=585,460,587,589,450,448,464,601

Trabalho de Conclusão de Curso

na forma como esta família vai se organizar frente ao próprio investimento escolar de

seus filhos.

No Programa Bolsa Família, o acompanhamento do desempenho escolar não está

diretamente ligado à condicionalidade, o que muitas vezes é compreendido pelos docentes

como um “dever ser” um comportamento esperado, um condicionamento dos alunos em

função do benefício recebido por sua família.

O desempenho escolar muitas vezes é visto como um mérito individual, e ao

refletir sobre esse ponto de vista é preciso considerar que os pobres não apresentam as

mesmas condições de acesso à educação e permanência nas instituições de ensino, são

vistos como alheios ao sistema, o sistema de ensino não foi pensado historicamente para

seu atendimento, e hoje ainda reproduz a estrutura hegemônica do passado.

Nesses termos fica subentendida a ilusão de que se o aluno pobre trabalhar muito

e se esforçar muito ele merecerá e terá riqueza, ele conquistará o mesmo patamar de um

aluno com suportes sociais e econômicos totalmente desiguais.

Conforme CRESPO e GUROVITZ, (2002, p.8)

Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de

educação, saúde, etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver

melhor. Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada (como,

por exemplo, levar uma vida saudável, livrando-se da morbidez evitável e da morte

prematura), mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e

políticas.

Portanto, se o ensino não é oportunizado de forma que o pobre se reconheça como

pobre, e se conscientize que sua condição não é fruto de sua incompetência ou inabilidade,

mas de determinantes sociais que historicamente levaram a sociedade a apresentar esta

estrutura, ele tende a ser um ensino que reproduz e acirra as desigualdades.

Pensar as relações de ensino-aprendizagem, o acesso e a permanência sob uma

perspectiva meritocrática numa sociedade onde não são dadas as mesmas oportunidades

e condições a todos, não é pensar a educação de uma forma justa.

4 PROFESSOR EM CAMPO GRANDE

Trabalho de Conclusão de Curso

São inúmeras as questões que permeiam as relações intraescolares.O professor

tem que lidar cotidianamente com uma realidade que existia e sempre existiu, porém foi

por vezes negligenciada em sua formação docente. Aos acadêmicos de licenciaturas,

futuros docentes, normalmente são fornecidas bases pedagógicas para o exercício de sua

atividade, mas as condições e relações econômico-sociais não estão inseridas nas

discussões acadêmicas de sua formação.

Os docentes pesquisados lecionam nas escolas públicas da capital. Não se trata de

um município pobre, porém com muitas necessidades de investimento em educação.

Como bem pontua Duarte (2012), a riqueza do estado e do município não chega até a

escola O estado de Mato Grosso do Sul arrecadou em 2015 aproximadamente

R$18.852.281.071,60 e o município de Campo Grande R$862.630.681,4310. Assim

segundo o artigo 212 da Constituição Federal de 1988, o percentual que deve ser investido

em educação pelos estados e municípios é de 25% dos impostos e transferências

constitucionais. Conforme aponta Duarte (2012,p.156):

Destaca-se que o fato da riqueza do município ou do estado não alcançar a escola

reflete um financiamento que assegura uma frágil prestação de serviços educacionais,

mas não as condições suficientemente estruturadas capazes de romper com a

reprodutividade da escola e o determinismo socioeconômico dos indicadores

educacionais. Como interpretação dos estudos quantitativos é fundamental, afirma-se

aqui que a pobreza alcança a escola porque ela constitui materialidade a partir da

população no território municipal e estadual ou do que a riqueza que circula nos

territórios. A escola, assim como todas as políticas universais, tem que lidar com uma

população que não pode aportar os meios necessários complementares ao exercício do

direito à educação. E estes não são cumpridos pelo financiamento que impõe um

funcionamento precário às escolas.

Em relação ao vencimento dos profissionais, o valor mínimo que pode ser pago a

um professor em todo país foi instituído em 16 de julho de 2008 (pela Lei n° 11.738,

regulamentando uma disposição já prevista na Constituição Federal) e na Lei de

Diretrizes e Base da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96).Trata-se do piso salarial

10 Valores referentes à arrecadação de impostos disponíveis no site https://impostometro.com.br/

Trabalho de Conclusão de Curso

profissional para os profissionais do magistério público da educação básica, portanto é o

valor mínimo que os professores em início de carreira devem receber11.

Esses profissionais devem ter formação em magistério em nível médio (ou antigo

curso normal) e carga horária de trabalho de 40h semanais, e atuar em estabelecimentos

públicos de ensino na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, em

todo o país.

Em 2016, segundo dados do Ministério da Educação, o vencimento inicial dos

professores passou de R$ 1.917,78 para R$ 2.135,64. Como os docentes que foram

entrevistados nesta pesquisa são professores da rede estadual de ensino, de acordo com a

Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul atualmente o salário

base dos professores na rede estadual de ensino para 20 horas/aula é de R$1.575,89 e para

40 horas/aula R$ 3.151,78.

De acordo com os dados acima, o Estado de Mato Grosso do Sul cumpre a lei do

piso salarial nacional para o magistério público da educação básica. Uma conquista fruto

de muitas reivindicações. Segundo a Secretaria de Estado Educação (SED) são

atualmente 9.112 professores efetivos no estado. Porém cabe salientar que tão importante

quanto o atendimento da legislação no tocante ao piso nacional é a valorização destes

profissionais. Dando–lhes condições adequadas de trabalho e viabilizando a capacitação

dentro do seu horário de trabalho e principalmente considerando suas perspectivas na

elaboração e implementação das políticas das quais ele participa.

4.1 OS PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL PADRE MÁRIO BLANDINO.

Tendo em vista a complexidade existente no contexto educacional, foi delimitada

nessa pesquisa o interesse em analisar e conhecer a visão do professor em relação a

pobreza, a desigualdade e o Programa Bolsa Família. Os docentes entrevistados,

colaboradores desta pesquisa, são os professores regentes dos anos iniciais do ensino

fundamental que lecionam na Escola Estadual Padre Mário Blandino.

11 Informações retiradas do site: http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/02/tire-suas-duvidas-sobre-o-piso-salarial-dos-professores.

Trabalho de Conclusão de Curso

Dado o universo pesquisado e o tamanho da amostra os resultados aqui

apresentados dizem mais sobre esse grupo específico de professores, não cabendo

generalizações, e as análises aqui apresentadas são pertinentes a esse pequeno grupo.

Devido à dinâmica do dia a dia da comunidade escolar não foi possível realização

de entrevistas, portanto o instrumento de coleta de dados foi um questionário. Dos cinco

docentes das turmas dos anos iniciais do ensino fundamental, apenas quatro responderam

os questionários, e destes apenas dois se identificaram. Assim, desenhar uma trajetória

destes profissionais do ponto de vista de formação acadêmica e anos de experiência na

atividade docente não se tornou possível tendo em vista a ausência de dados.

5. A VISÃO DOS DOCENTES DA ESCOLA ESTADUAL PADRE MARIO

BLANDINO SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA, A POBREZA E A

DESIGUALDADE SOCIAL

Conforme exposto anteriormente, o instrumento de pesquisa foi um questionário

com seis questões abertas12. As perguntas tiveram caráter subjetivo, no intuito de verificar

quais são as perspectivas pessoais de cada docente em relação ao programa, e também

verificar como elas se construíram, com que qualidade de informações, uma vez que

inevitavelmente cada docente em sua prática explicita a sua visão de mundo, e sua

perspectiva recai sobre sua didática e essa relação que se pretendeu analisar.

As respostas obtidas para a primeira pergunta, sobre a finalidade do Programa

Bolsa Família, estão demonstradas no quadro 1 abaixo:

Quadro 1 - Finalidade do Programa Bolsa Família

12 O instrumento foi composto pelas seguintes questões: 1) Qual a sua opinião sobre a finalidade

do Programa Bolsa Família? 2) Em sua visão quais são os aspectos positivos e negativos da

condicionalidade da frequência escolar do Programa Bolsa Família? 3) Quais as dificuldades você

percebeu na sua atividade, decorrentes da inclusão nas escolas de alunos de famílias beneficiárias?

4) Quais as dificuldades você percebeu na sua atividade, decorrentes da inclusão nas escolas de

alunos de famílias beneficiárias? 5) Quais seriam as causas, em sua opinião, da desigualdade

social no Brasil? Em sua opinião o Programa Bolsa Família contribui para reduzi-la? 6) Como

você acredita que sua atividade pode contribuir para reduzi-la?

Trabalho de Conclusão de Curso

Docente 1 “Acho que é mais um dos programas da política

brasileira. Acredito que se o governo investir em

educação, saúde e criar oportunidades de trabalho

seria melhor para a população. ”

Docente 2 “Importante fonte de receita para as famílias de

baixa renda”.

Docente 3 “Quando os pais recebem o bolsa família e

mandam os filhos para a escola porque se

preocupam com os estudos, com o seu futuro acho

que é uma boa ajuda para a família, devido ao

baixo salário e a crise econômica que o país se

encontra”.

Docente 4 “Quando esse programa foi criado acredito que

pensavam nas famílias necessitadas, mas agora a

mídia está mostrando seu verdadeiro propósito. ”

Organização: Matos, 2016.

Em relação à primeira pergunta, o que se pretendia era verificar o quanto os

docentes conheciam sobre o programa e sua finalidade.

Conforme consta no Sumário Executivo do Programa, o objetivo geral é “Reduzir

a pobreza e a extrema pobreza por meio da transferência de renda às famílias e do acesso

a serviços básicos de saúde e educação”.

Entre as respostas obtidas apenas o docente 2 entende o programa como

transferência de renda, em suas palavras “fonte de receita” para famílias de baixa renda.

O que foi possível verificar é que os demais não tinham claramente a finalidade, apenas

o público beneficiado e já nesta primeira pergunta foi possível identificar na resposta do

docente 4 os estigmas que mídia propaga, esse ator social que exerce grande influência

pelo alcance de sua presença em todas as camadas sociais.

É visto como um “programa da política partidária brasileira” pelo docente 1. Esse

mito, na concepção da ex-ministra do Desenvolvimento Social já estava superado uma

vez que, conforme CAMPELLO (2013, p.13)

O mito de que o Bolsa Família seria um programa de natureza populista também

foi derrubado. O programa se consolidou como uma política de Estado e hoje figura como

um dos elementos centrais das políticas sociais brasileiras, em um patamar incontornável

dentro da proteção social.

Trabalho de Conclusão de Curso

O Brasil não é o único país da América Latina a adotar um programa de

transferência de renda, mas em virtude de resultados exitosos o Programa Bolsa Família

é um exemplo principalmente no tocante a sua operacionalização13.

Foi possível verificar entre as respostas, que os docentes não reconhecem o caráter

intersetorial do programa, reproduzindo os mitos e ditames do senso comum.

Em relação à condicionalidade da frequência escolar, com a segunda pergunta

pretendeu-se verificar quais seriam os impactos observados diretamente na atividade do

docente, no tocante a frequência dos alunos oriundos de famílias beneficiadas pelo

programa, uma vez que essa condicionalidade é muitas vezes encarada pelos beneficiários

como uma obrigatoriedade e seu descumprimento alude um caráter punitivo. As respostas

obtidas estão demonstradas no Quadro 2, a seguir:

Quadro 1 - Aspectos Positivos e Negativos da Condicionalidade Frequência

Escolar na visão docente

Respondente Aspectos Positivos Aspectos Negativos

Docente 1 “Criança na escola.

Responsáveis cumprem com

o compromisso de o aluno

estar dentro da sala (escola).

Combater o trabalho

infantil”.

“Aumenta a dependência dos

responsáveis em vez de

encorajar para um futuro

melhor”.

Docente 2 “Frequência dos alunos na

escola”

“Preocupação com a

frequência dá-se o

encaminhamento das crianças

ainda que enfermas”

Docente 3 “Uma renda a mais para

ajudar nas despesas

familiares”

“Os pais mandam os filhos

para a escola apenas com o

intuito de receber o bolsa

família, não se preocupando

com o rendimento escolar do

filho. Famílias que recebem o

benefício sem realmente

precisar. ”

Docente 4 “Realmente não ajudam as

famílias que necessitam”

“Não generalizando, mas há

famílias que mandam seus

13 O Programa Bolsa Família, foi citado como um bom exemplo de política pública na área de assistência

social, em 2011, no Relatório sobre Erradicação da Pobreza do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban

Ki-moon, para o Conselho Econômico Social. Além de ser apontado pelos resultados na redução da pobreza

e melhoria das condições sociais de brasileiros, o Bolsa Família foi citado como referência de política

“acessível” em termos econômicos para países em desenvolvimento. Disponível: https://documents-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/591/01/PDF/N1159101.pdf?OpenElement

Trabalho de Conclusão de Curso

filhos para a escola, visando o

que irá receber do P. Bolsa

Família e não interessada no

aprendizado do estudante

Organização: Matos, 2016.

Esta visão de que o beneficiário é acomodado pelo valor transferido também é

uma fala recorrente e disseminada na sociedade, uma fala construída pelas informações

dispersas na mídia que por muitas vezes divulga casos isolados como se fossem comuns

no programa, como se fossem regra e não exceção. Como relata a ex-ministra

CAMPELLO ,2013(P.13):

Um terceiro, e talvez o mais propagado mito, é que o Bolsa Família atuaria de

modo a acomodar as famílias, gerando dependência e desincentivando o trabalho entre os

beneficiários adultos. Tal tese não foi comprovada pelos dados empíricos. Ao contrário,

ela tem sido amplamente contestada. Como mostram Jannuzzi e Pinto, seja em termos de

ocupação, procura de emprego ou jornada de trabalho, os indicadores são muito próximos

entre beneficiários e não beneficiários do programa. O capítulo de Barbosa e Corseuil

confirma tais conclusões, indicando a ausência de evidências tanto de desincentivo ao

trabalho quanto de incentivo à informalidade.14

Esse mito ainda existente e arraigado entre os docentes se constitui numa barreira

para a superação desta visão distorcida sobre o programa e consequentemente sobre os

beneficiários.

Fica evidenciado com as respostas que o desconhecimento sobre o programa causa

além da reprodução dos mitos sobre ele e seu público, uma ideia que ele deveria

demonstrar resultados no campo educacional que não são e não estão entre seus objetivos

específicos. Conforme PAIVA, FALCÃO E BARTOLO, (2013, p.26)

Obviamente, não se quer, aqui, sugerir que o Bolsa Família assuma a

responsabilidade de ser a principal iniciativa no sentido de superar os desafios

educacionais brasileiros. Estes desafios estão sendo enfrentados pelas políticas

14 Vide JANNUZZI, Paulo M; PINTO, Alexandro R. BOLSA FAMÍLIA E SEUS IMPACTOS NAS

CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA: UMA SÍNTESE DOS PRINCIPAIS

ACHADOS DA PESQUISA DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO DO BOLSA FAMÍLIA. In: CAMPELLO,

Tereza; NERI, Marcelo Côrtes (Org.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania.

Brasília: Ipea, 2013.p. 179-192.

Trabalho de Conclusão de Curso

educacionais capitaneadas pelo Ministério da Educação (MEC). Trata-se, apenas, de

ressaltar seus impactos, que são significativos e voltados para um público que,

historicamente, teve dificuldades de acesso à educação de qualidade no país.

Vale lembrar que a garantia de acesso é o principal objetivo do programa no

campo educacional. O acesso à educação busca quebrar o ciclo geracional da pobreza,

proporcionando educação aqueles que historicamente não foram atendidos e assim os

filhos dos beneficiários podem através da educação buscar acessar direitos que foram

negligenciados aos seus pais.

Quando não é levada em consideração essa questão, como percebemos na resposta

do docente 3 “não se preocupando com o rendimento escolar do filho” como afirmar uma

ausência de preocupação se muitos beneficiários não tiveram acesso à educação no tempo

próprio e, portanto, entende-se a condicionalidade como um avanço sob o ponto de vista

do acesso.

Outra questão que foi levantada é com a “preocupação com a frequência dá-se o

encaminhamento das crianças ainda que enfermas” o fato de que a condicionalidade

muitas vezes é vista dentro de um caráter punitivo, o que se pode observar aqui não se

trata de uma ausência de responsabilidade em relação a saúde da criança, mas uma

preocupação excessiva de agir corretamente para não sofrer a “punição” de suspensão do

benefício.

Essa perspectiva muitas vezes não é entendida pelo professor. A condicionalidade

não é vista como uma forma de garantia do direito ao acesso à educação, mas como uma

contrapartida pequena em virtude da transferência de recursos proporcionada pelo

programa.

Quadro 3 – As percepções sobre as mudanças ocorridas na prática docente com a

inserção dos alunos de famílias beneficiárias

Docente 1 “Sem resposta”

Docente 2 “Nenhuma”

Docente 3 “Alunos que frequentam a escola apenas para

ter presença e receber o bolsa família. O pai

não se preocupa com o rendimento escolar do

filho

Docente 4 Falta compromisso das famílias com as

tarefas e o aprendizado dos estudantes,

visando só a presença do mesmo para não

cortar o benefício.

Trabalho de Conclusão de Curso

Organização: Matos, 2016.

A inclusão dessas crianças pressionou o poder público para atendimento desta

nova demanda, tanto em saúde quanto em educação, no entanto é possível observar que

as mudanças nas práticas pedagógicas ainda não ocorreram.

É preocupante como a mudança sensível na demanda não foi percebida em relação

à educação, porém como não foi respondido no questionário o tempo de exercício na

atividade docente não é possível afirmar que essa ausência de entendimento se dá pela

ausência da experiência em sala de aula ou pelo fato de que a escola ainda é encarada

como uma instituição descolada das mudanças que ocorrem na sociedade.

Quadro 4 – A percepção sobre a pobreza no Brasil

Docente 1 “Primeiramente ser pobre é não ter um

trabalho digno. É ganhar um salário mínimo

ou menos é não ter o que é necessário para

sobreviver.

Docente 2 “Não ter renda suficiente para atender as

necessidades básicas no Brasil”.

Docente 3 “Ganhar um salário baixo, ter muitos filhos

para sustentar mal dando para a alimentação e

as necessidades básicas. ”

Docente 4 “São famílias que ganham o salário mínimo e

que tem muitos filhos e o mesmo não dá nem

para suprir as necessidades básicas”.

Organização: Matos, 2016.

Aqui pode-se perceber a relação com o salário mínimo como parâmetro, o

estereótipo do pobre com muitos filhos, outras questões que se levantam aqui que não são

objeto de estudo desta pesquisa.

Mas fica evidente o entendimento de pobreza como ausência de renda para “suprir

necessidades básicas”, e assim quais seria essas necessidades, ainda é possível questionar

se culturalmente eles não tiveram acesso a serviços, teriam eles, “os pobres”, condições

de exigir seus direitos a saúde e educação?

Quadro 5. As contribuições do Programa Bolsa Família na redução da pobreza.

Docente 1 “A distribuição de renda é feita de forma

injusta, uns com muito outros com tão pouco,

a falta de caráter dos políticos brasileiros... a

desigualdade é muito grande...haja bolsas...”

Trabalho de Conclusão de Curso

Docente 2 “Não. Tem que ter geração de emprego. ”

Docente 3 “O dinheiro público mal empregado, a

falcatrua dos políticos vindo acarretar mais

ainda a desigualdade social. O programa

Bolsa Família não contribui para reduzir a

desigualdade social (em nada) ”.

Docente 4 “Dinheiro público mal aplicado. Corrupção.

O Bolsa Família não reduz em nada a

desigualdade social no Brasil”

Organização: Matos, 2016.

Conforme constatado na opinião dos docentes, há uma condenação da política,

dos políticos e do Estado. Constata-se assim conforme Arroyo et al (2010, p.78) que “no

pensamento educacional é frequente condenar o Estado oligárquico como antiliberal,

excludente e incapaz de equacionar as demandas de participação política das camadas

populares”, mas a tarefa de incentivar esta participação política e social, provocando o

interesse nos assuntos políticos e de Estado deve nascer na escola, inseridas nas práticas

dos docentes principalmente daqueles que lecionam em escolas públicas.

Estudos reconhecidos internacionalmente comprovaram que o Bolsa Família,

entre outros programas inseridos nas políticas sociais brasileiras dos últimos anos,

contribuiu para a redução da pobreza e da desigualdade conforme demonstra Jannuzzi,

201615. Porém tal realidade não foi percebida pelos docentes. Chama a atenção a

responsabilização do Estado e dos políticos. Conforme aponta ARROYO et al (2010,

p.70):

O pensamento pedagógico não se tem caracterizado apenas pelo irrealismo

político quando coloca a questão da cidadania, por vezes tem chegado a uma visão

negativa do político e do poder. O poder corrompe. O mundo da política é visto como um

jogo de egoísmo e falsidades. O ideal seria um mundo sem poder, em que cada um

aceitasse o convívio social guiado apenas pela disciplina interior do conhecimento e da

obrigação moral, do amor ao bem-comum.

Pelas respostas obtidas é possível perceber que a desigualdade é vista como um

problema de governos e políticos e não se coloca uma relação entre ela, a desigualdade,

15 JANNUZZI, Paulo M. Pobreza e Desigualdade no Brasil: os riscos de voltar a 25 aos atrás. Revista de

Conjuntura. ANO XV.n.58. Maio/Agosto 2016. Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito

Federal.

Trabalho de Conclusão de Curso

e o modo de produção em que o país se desenvolveu, essa ótica distanciada da realidade

demonstra uma leitura de mundo baseada na indiferença por parte destes profissionais

especificamente.

Para o especialista em educação Carlos Roberto Jamil Cury (2002, p.179),

[...] essa desigualdade, hoje medida por vários instrumentos de análise

(como o índice de desenvolvimento humano IDH), faz com que haja

problemas na escola – que não são da escola. Por isso, não é desprezível

o impacto desta situação fática sobre o conjunto do sistema educacional

em matéria de acesso, permanência e sucesso. É de se perguntar se é

possível desconsiderar a desigualdade socioeconômica como uma

geradora remota das dificuldades próximas que afetam o desempenho

intraescolar dos alunos.

Quando não é questionada a essência da desigualdade, se exclui da dinâmica

escolar a reflexão sobre a sociedade e como se constrói esses “coletivos feitos desiguais”,

e por que essa construção social acontece.

Quadro 6 - Contribuições da prática docente em relação à diminuição da pobreza e

das desigualdades sociais

Docente 1 “Conscientizar as crianças desde do início

que ser honesto, respeitar e estudar sempre

será uma saída de um futuro melhor”

Docente 2 “Socialização. ”

Docente 3 “Posso orientar, mas a minha atividade não

contribui para redução das desigualdades

sociais”.

Docente 4 “Meu trabalho é desenvolvido de acordo com

o referencial curricular do estado. ”

Organização: Matos, 2016.

Com esta pergunta objetivou-se perceber como o professor se coloca frente ao

papel que exerce dentro da sociedade, enquanto profissional da educação pública. Tentou-

se assim obter uma visão dele enquanto agente de transformação social, e nesta pergunta

específica em relação ao enfrentamento da desigualdade social.

De acordo com as respostas obtidas verifica-se a educação, sob o ponto de vista

destes profissionais, numa perspectiva moralizante, integradora a sociedade, como se os

“desiguais” não fizessem parte da sociedade assim:

Em síntese, o pensamento pedagógico, continuando a insistir na preparação da

criança para o convívio social harmônico, não entende que a questão da cidadania se

Trabalho de Conclusão de Curso

insere em uma temática mais conflitiva, qual seja a temática da possibilidade ou não da

democracia, da participação no poder e da igualdade política numa sociedade capitalista,

baseada na desigualdade social e econômica. Após vários séculos de proclamação da

soberania popular, o que constatamos é que a realização e a sobrevivência da participação

e da igualdade política continuam constituindo uma constante interrogação e vem sendo

umas das tarefas mais conflitivas, como demonstram a permanência das formas

autoritárias e as constantes tentativas de avançar para além das experiências formais de

participação até as formas de democracia política que conduzem a integral socialização

do poder. (BOBBIO apud ARROYO et.al 2010.p.69).

Uma das respostas obtidas traz a sistematização do ensino, como a educação deve

funcionar de acordo com a curricularização e normatização da educação escolar. É claro

que em seu trabalho o professor é cobrado no sentido de cumprir os referenciais teóricos

colocados como parâmetros, bem como as legislações, mas o que se questiona nesse

momento é se não seria na escola que deveriam nascer as discussões sobre a sociedade e

sobre a vivência destes alunos como aponta BRASIL (2015,p.31):

Nessa perspectiva, uma escola que se comprometa com a transformação social

precisa se posicionar diante das desigualdades sociais lutando para combate-las e

buscando, junto com os movimentos sociais, construir uma sociedade mais justa e

democrática. Para isso, é preciso ser repensada suas práticas, sua cultura e sua relação

com a sociedade.16

Assim elucida Arroyo et. al (2010, p.64)

Nesta direção, a prática educativa moderna reflete uma concepção do convívio

social, das relações indivíduo-sociedade e da cidadania que contém elementos do

romantismo e da sociologia positivista que tanto enfatizaram a educação, ora como

elemento de defesa do indivíduo no social, ora como elemento de integração do indivíduo

no social, reduzindo à unidade moral, à coesão, à integração e à cooperação.

16 BRASIL. Modulo III. Escola: Espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza. Educação

Pobreza e Desigualdade Social. SECADI- MEC.

Trabalho de Conclusão de Curso

Diante disso há uma grande possibilidade que o aluno realize um percurso escolar

sem questionar sua realidade e condição. É reflexo de uma prática voltada a educação

bancária e ao ensino minimalista que reproduz e reforça as condições sociais existentes.17

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as respostas obtidas, fora identificada a presença de estigmas e

mitos em relação aos pobres e beneficiários do programa, a presença de pré-conceitos que

são reproduzidos no ambiente escolar, e potencialmente na prática destes profissionais

entrevistados.

Os dados levantados na pesquisa de campo sinalizam que as temáticas a respeito

da pobreza e das desigualdades sociais não são abordadas, que a visão arraigada na prática

pedagógica destes docentes é a da exclusão, haja vista que muitos deles veem o Programa

Bolsa Família como uma política partidária, uma ferramenta obsoleta para a garantia do

direito à educação, pois alguns professores pontuam que os alunos só estão na escola para

receber o benefício, e não pelo direito de aprender e a partir da condicionalidade percorrer

trajetórias escolares diferentes de seus pais quebrando com o ciclo da pobreza.

Observou-se que os docentes entrevistados percebem o Programa Bolsa Família,

a pobreza e a desigualdade social como questões descoladas da sua realidade e que não

interferem nem são atingidos por suas práticas. Se em sua prática o docente coloca suas

perspectivas em relação à sociedade é admissível que os alunos atendidos por estes

docentes venham a internalizar essas perspectivas como conceitos aceitáveis, e isso é

realmente preocupante.

É evidente que não se pode colocar em uma classe especifica a responsabilidade

pela redenção de preconceitos existentes na sociedade, porém como a escola atinge uma

quantidade de pessoas considerável, e que a escola pública “educa os pobres”, não há

como se eximir da seriedade de rever tais problemas sociais e como a escola pode agir,

uma vez que estão entranhados na realidade da escola.

Conclui-se então que no caso do Programa Bolsa Família, especificamente, apesar

de ter 12 anos de existência, o desconhecimento sobre o programa pelos executores é a

principal causa de mitificação desta política ou programa.

17 Ibidem.

Trabalho de Conclusão de Curso

Não é possível responsabilizar o professor pelo sucesso ou fracasso de uma

política ou programa, apenas pode-se atentar que devido à importância que este

profissional tem, o seu comprometimento com as políticas públicas é o diferencial neste

sistema tão desigual.

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significados. Campinas, v. 31, n. 113, p. 1381-1416, out.-dez. 2010

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