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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO UMA ANÁLISE DA DESIGUALDADE SOCIAL E DA POBREZA NO CASO BRASILEIRO Felipe Lobel Araújo Castro Matrícula nº 105044733 ORIENTADORA: Professora Beatriz Azeredo DEZEMBRO 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

UMA ANÁLISE DA DESIGUALDADE SOCIAL EDA POBREZA NO CASO BRASILEIRO

Felipe Lobel Araújo CastroMatrícula nº 105044733

ORIENTADORA: Professora Beatriz Azeredo

DEZEMBRO 2009

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

UMA ANÁLISE DA DESIGUALDADE SOCIAL EDA POBREZA NO CASO BRASILEIRO

Felipe Lobel Araújo CastroMatrícula nº 105044733

ORIENTADORA: Professora Beatriz Azeredo

DEZEMBRO 2009

As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a)

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................6CAPÍTULO I – O PROBLEMA DA DESIGUALDADE............................................................. 9I.1 – OS DETERMINANTES DA DESIGUALDADE NO BRASIL.................................................10I.2 – DESIGUALDADE REGIONAL ...............................................................................................20CAPÍTULO II - POBREZA: ESCASSEZ DE RECURSOS OU DESIGUALDADE NADISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS?...............................................................................................23II.1 - DESIGUALDADE NA DISTRIBUICAO DE RENDA BRASILEIRA COMO PRINCIPALDETERMINANTE DA POBREZA ...................................................................................................24II.2 – VISAO HISTORICA E ANALISE DA POBREZA NO BRASIL ATE O FIM DA DECADA DE90 ........................................................................................................................................................30II.3 - DECADA DE 2000: MUDANCA NO PARADIGMA DISTRIBUTIVOBRASILEIRO.....................................................................................................................................34CAPÍTULO III - PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA .........................................................38III.1 – LIMITACOES DO BOLSA FAMILIA NO SENTIDO DE ERRADICAR A POBREZA NOPAIS..................................................................................................................................................41III.2 – RESULTADOS RECENTES DO COMBATE A DESIGUALDADE E A POBREZA NOBRASIL..............................................................................................................................................44

CONCLUSÃO.................................................................................................................................49REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................51

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

TABELA 1 – RENDIMENTOS DO TRABALHO E RENTABILIDADE EMPRESARIAL..............15TABELA 2 – EVOLUCAO DA RENDA EM MULTIPLOS DAS LINHAS DE INDIGENCIA E DEPOBREZA NO BRASIL.......................................................................................................................27TABELA 3 – EVOLUCAO TEMPORAL DA INDIGENCIA E DA POBREZA NO BRASIL...........32TABELA 4 – MAGNITUDE DA POBREZA E EXTREMA POBREZA E RECURSOSNECESSARIOS PARA SUA ERRADICACAO NO BRASIL DE 2001 A 2005.................................46

GRÁFICO 1 – BRASIL: CARGA TRIBUTARIA SEGUNDO FAIXAS DO RENDIMENTOFAMILIAR EM 2003 EM (%) .............................................................................................................18

GRÁFICO 2 – PERCENTAGEM DE POBRES NO BRASIL COM A RENDA MEDIA MANTIDACONSTANTE E A DESIGUALDADE DE RENDA IGUAL A VERIFICADA EM CADA UM DOSPAISES.................................................................................................................................................25GRÁFICO 3 – BRASIL – PERSPECTIVA POSSIVEL PARA A POBREZA E DESIGUALDADE EM2016......................................................................................................................................................35GRÁFICO 4 – BRASIL – EVOLUCAO DA QUEDA NO INDICE DE GINI DE DESIGUALDADEDE RENDA E NA TAXA NACIONAL DE POBREZA ABSOLUTA E EXTREMA (EM%).................36GRÁFICO 5 –EVOLUCAO REAL DO SALARIO MINIMO NO BRASIL DE 1995 A 2009 ...........37GRÁFICO 6 – EVOLUÇÃO DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIAENTRE 2003 E 2008 POR REGIÃO.................................................................................................. 47

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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INTRODUÇÃO

Este estudo pretende mostrar o papel da distribuição de renda extremamente

desigual no Brasil, como principal causa dos elevados índices de pobreza

apresentados no país. Como objetivos secundários, o trabalho ainda busca colocar em

evidência outra conseqüência da desigualdade social existente no Brasil que é a

limitação do mercado interno. Outro objetivo secundário é demonstrar através de

análises do programas federais de transferência de renda, que tal tipo de programa não

são adequados para erradicar a pobreza no país, apesar do país ter renda suficiente

para tal façanha. Também é tratada a questão da desigualdade regional, com o

objetivo de demonstrar que esta desigualdade entre as regiões do país é um entrave

estrutural à redução da desigualdade social.

A relevância do tema é clara, tendo em vista que o Brasil é um dos países com

maior desigualdade social no mundo. E a solução do problema da desigualdade é um

determinante central para a redução da pobreza. Tenta-se mostrar neste trabalho, com

base em dados estatísticos e estudos econométricos, que apesar da elevada

desigualdade social, e do alto nível de pobreza, o Brasil não é um país pobre, e sim

um país com muitos pobres. A contraposição desta afirmativa ficará mais evidente no

decorrer do trabalho.

A metodologia adotada baseando as conclusões do estudo em dados

estatísticos e estudos econométricos, que estão expressos em tabelas e gráficos ao

longo do trabalho, foi considerada adequada, pois deixa de forma bem explícita qual é

o principal determinante da pobreza no Brasil. Além disso, utilizou-se de análises

históricas, dados da economia recente e diversos outros artigos sobre o tema para se

chegar às conclusões apresentadas sobre os programas de transferência de renda, e

pela possível expansão do mercado interno com a redução das desigualdades no país.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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Esta monografia se divide em cinco seções principais, organizadas da seguinte

forma: a presente introdução, seguida de três capítulos mais densos e uma conclusão

ao final do trabalho.

No primeiro capítulo, busca-se mostrar como, apesar de toda a concentração

na distribuição de renda observada no Brasil, o país obteve um extraordinário

crescimento econômico. Porém, neste mesmo capítulo, questiona-se, se com uma

distribuição mais igualitária e um mercado interno mais aquecido, não seria possível

obter índices de crescimento ainda mais elevados.

No capitulo seguinte tenta-se demonstrar que apesar de nas décadas recentes o

Brasil ter obtido importante crescimento econômico, tornando- se uma potência

industrial, o quadro de desigualdade social pouco se alterou, e o nível de pobreza

também sofreu pouca modificação. Procura-se mostrar que a política de “crescer o

bolo para depois reparti-lo” não é eficaz do ponto de vista da distribuição de renda.

Procura-se mostrar que o Brasil sem dúvidas cresceu o bolo, com crescimento

acentuado do PIB, e do PIB per capita. Porém, mesmo com um PIB per capita

bastante razoável (maior que o de países pobres e menor do que o de países

desenvolvidos), sem uma distribuição igualitária da renda, o Brasil ainda se encontra

em situação crítica quanto aos níveis de pobreza. O capítulo aborda a questão da

desigualdade regional no Brasil. Esta desigualdade no nível de renda entre as regiões

acaba sendo um entrave estrutural para a redução das desigualdades sociais e dos

níveis de pobreza no país.

O terceiro e último capítulo discorre sobre os programas federais de

transferência de renda. Trata-se de políticas usadas de forma cada vez mais

recorrentes pelos governos recentes. São políticas de cunho distributivo, mas que não

são suficientes para resolver a questão da pobreza e da indigência no Brasil. A

importância deste capítulo é ressaltar mais uma vez que, a pobreza no Brasil é

determinada pela desigualdade na distribuição de renda e não pela escassez de

recursos, pois há o risco de o leitor achar que, simplesmente, com programas de

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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transferência de renda poder-se-ia erradicar a pobreza no Brasil, o que, absolutamente,

não é verdade. O capítulo mostra, então, o caráter paliativo e as limitações destes

programas de transferência de renda na solução dos problemas sociais discutidos nesta

monografia.

Por fim, na última seção apresentamos uma conclusão de todo o conteúdo

abordado, com o objetivo de consolidar algumas idéias que podem ser úteis nas

tomadas de decisões das políticas públicas futuras, no sentido de obter-se um

crescimento e desenvolvimento mais igualitário, erradicando, definitivamente e de

forma duradoura, a pobreza no país.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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Capítulo I - O Problema da Desigualdade

Tanto o desenvolvimento quanto a miséria são de responsabilidade coletiva,

não só pelo fator estritamente social, como também pelos aspectos políticos e

econômicos. Não há dúvidas de que em uma sociedade com elevado nível de

desigualdade, o problema social de se ter alguns agentes com renda elevada e outros

com renda várias vezes menor gera problemas sérios de integração e convívio pacífico

entre essas partes. Em sociedades com esta característica de desigualdade acentuada

na distribuição de renda, observam- se graves problemas sociais.

Esta situação faz com que não apenas a parte menos favorecida da

sociedade sofra com o problema. Para a classe mais alta da sociedade não é agradável

conviver com uma população ao seu lado que vive em condições de vida precárias.

Passa a existir certo constrangimento e desconforto, por parte destes mais

privilegiados. Para os menos privilegiados, os problemas decorrentes da desigualdade

são mais evidentes ainda, pois a melhor distribuição de renda juntamente com um

sistema de proteção social mais justo e eficiente poderia proporcionar a estes,

melhores condições de habitação, de saneamento, de educação, de assistência social, e

obviamente maior poder aquisitivo.

O Brasil, entretanto, vem apresentando um modelo de crescimento

econômico que prioriza os interesses das classes mais ricas, perpetuando uma

distribuição de renda extremamente concentrada. Apesar de todos os problemas

evidenciados por esta distribuição desigual da renda, não podemos afirmar que esta

desigualdade social é um entrave ao crescimento econômico. É complicado se fazer

qualquer tipo de afirmação neste sentido, relacionando diretamente o problema da

desigualdade social com o crescimento econômico. Porque é um fato que o Brasil vem

apresentando nas últimas décadas um ritmo de crescimento acelerado, se comparado

com a média mundial, e ao mesmo tempo uma das distribuições de renda com maior

desigualdade no mundo.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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Portanto, nosso objetivo nesta próxima seção é apresentar argumentos,

que expliquem porque o modelo de crescimento brasileiro, teve como conseqüência

uma distribuição de renda tão desigual.

I.1 – Os determinantes da desigualdade no Brasil

Tânia Araújo (2000) aponta quatro principais causas que explicam porque o

Brasil apresenta uma sociedade tão fraturada. Além destas causas apresentadas por

Tânia pode-se acrescentar também o sistema tributário brasileiro, extremamente

regressivo, o qual iremos abordar com mais detalhes ao fim desta secção, como sendo

a quinta causa.

Em primeiro lugar a própria forma como a população tem acesso aos

meios de produção é uma causa para este perfil. A concentração da riqueza e a

dificuldade de acesso aos meios de produção são um traço histórico na formação do

Brasil. A terra, por exemplo, que é um meio de produção importante, tem uma história

de concentração muito forte e uma fantástica resistência posterior à desconcentração.

Passando da agricultura para a indústria, verifica-se também que o perfil de acesso aos

meios de produção necessários à atividade industrial também é muito concentrado. O

Brasil está entre os países onde o padrão oligopolizado no setor secundário é um dos

mais fortes (Tânia, 2000). No setor da construção civil, quantas empresas respondem

por 80% da produção? Na produção de cimento, por exemplo, duas empresas geram

75% da produção (Belluzo, 2002). Também na produção de bens simples, como pasta

de dentes, apenas duas empresas dominam a produção. Dos bens mais simples aos

mais complexos, a concentração dos meios de produção é uma marca do perfil

produtivo brasileiro. Logo, se a forma de organizar a produção é concentrada,

conseqüentemente, a apropriação da renda também será concentrada.

A segunda explicação é a orientação da produção, resultado do modelo

de desenvolvimento seguido pelo país e que, no essencial, continua em vigor. Tem

sido um modelo orientado para dois grandes mercados: o das elites e classe média alta

brasileira; e o das exportações. O país é capaz de apresentar grande dinamismo

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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econômico, tem uma enorme capacidade de dar respostas aos desafios, mas o governo

insiste em dar preferência a determinados mercados que são vistos com mais interesse

pelas elites nacionais. O parque industrial foi montado para esses mercados, que são

muito dinâmicos e, por isso, estimulam respostas tão eficientes. O mesmo país que é

capaz de ter uma economia e uma indústria tão dinâmica não consegue ter padrões de

consumo semelhantes a outros países com renda e dinamismo muito menores. Por

exemplo, o consumo médio de tecidos (metros por pessoa/ ano), um bem de consumo

simples, é muito pequeno no Brasil, se comparado a países de nível equivalente de

renda; o mesmo também ocorre no caso do consumo de alimentos, sapatos, etc. O

significado disto é que conforme foi mencionado na primeira seção deste trabalho,

ainda há um enorme espaço a ser construído, visando o consumo de massa, que não

foi priorizado na trajetória recente da economia brasileira.

A terceira explicação está, certamente, no papel do Estado. Na realidade, foi

ele o grande agente promotor desse tipo de orientação. Quem patrocinou a

oligopolização foi o próprio Estado brasileiro. Foi ele quem patrocinou esta orientação

para a demanda das classes de renda alta e para o exterior. Em geral, ele não atua

contestando as tendências naturais de uma economia capitalista. Atua consolidando,

reforçando estas tendências. Lídia Goldenstein, 1994, faz duas observações muito

importantes para compreender o papel do Estado brasileiro na montagem desse

modelo de desenvolvimento. Ela diz, inicialmente, que aqui atuou um Estado

desenvolvimentista, o que é inegável. Ele foi o grande patrocinador da expansão da

atividade econômica no Brasil nos anos recentes. O Estado do Bem-Estar Social se

desenvolvia em outras regiões do planeta, principalmente após a Segunda Guerra. Não

foi esta a opção brasileira. O Brasil nunca teve um Estado essencialmente provedor de

saúde, educação, saneamento básico, etc. Teve um Estado que construía estradas,

montava sistemas de comunicação, estatizava empresas para modernizá-las e ofertar

insumos básicos a preços competitivos, muitas vezes a preços menores do que o custo

de produção para alavancar a atividade industrial no país. O Estado era o grande

condutor do que os marxistas chamariam de “desenvolvimento das forças produtivas”.

Foi essa a tarefa básica que o Estado atribuiu a si próprio. Ela, aliás, aparece nos

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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diversos slogans de vários governos brasileiros do passado recente: “Fazer cinqüenta

anos em cinco”, de Juscelino Kubitschek, ou “Construir o Brasil Grande”, do governo

militar. Estes são os grandes lemas que orientaram as políticas econômicas. Por isso

mesmo, tem-se um Estado muito ausente no campo social. Todos os meios, toda a

energia do Estado estavam concentrados na tarefa de construir a oitava economia

industrial do planeta, ou o Brasil, grande potência econômica.

Goldenstein diz que o Estado desenvolvimentista brasileiro tem outra

característica: é um Estado desenvolvimentista conservador. Mesmo no mundo

capitalista, existiriam outros Estados contemporâneos que foram transformadores. Ela

dá dois exemplos, em seu livro: o Japão, que não é produto das livres forças do

mercado, mas de uma articulação exitosa entre o Estado e a sociedade japonesa, que

tinham um grande projeto conjunto a realizar. A grande tarefa do Estado Japonês foi

disseminar o acesso à educação. Não foi o setor privado que fez isso, foi o Estado.

Hoje, o acesso generalizado a esse bem básico – o conhecimento – dá suporte à

trajetória futura do Japão. Lá, foi o Estado que implementou essa decisão estratégica.

Foi ele que apoiou o modelo futuro de desenvolvimento baseado nessa vantagem

competitiva, que é a mão de obra japonesa mais bem qualificada. Assim, como Lídia

deixa claro em sua análise, o Estado japonês penetrou na sociedade e democratizou o

acesso a um bem estratégico que é o conhecimento. O Estado brasileiro nunca fez

isso. A revolução educacional está por ser feita no Brasil, em pleno século XXI. As

elites não têm essa sensibilidade, e o Estado brasileiro sempre se negou a fazer isso.

Ele faz estradas, produz energia, concede subsídios, financia investimentos, mas não

faz a revolução educacional que o Estado capitalista japonês promoveu. O segundo

exemplo que Lídia Goldenstein nos apresenta é o da Coréia, onde o Estado fez a

reforma agrária, que serviu de base para o desenvolvimento industrial. O Estado

interferiu nas relações de propriedade da terra, fez a distribuição e, a partir da reforma

agrária estimulou a montagem do parque industrial, que depois se internacionalizou.

Mas, antes da internacionalização intensa da base produtiva sul-coreana, o Estado

promoveu o acesso a esse meio de produção básico, a terra. No Brasil, o Estado

desenvolvimentista sempre fez o contrário: evitou enfrentar a questão fundiária,

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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herdada da própria formação colonial do país. Em todos os aspectos políticos

dominantes, os oligarcas estavam presentes e sempre cobravam tal manutenção da

concentração fundiária. Não é à toa que no Brasil se monta uma fantástica rede

industrial e urbana, não se faz uma reforma agrária, mas também não se tem uma crise

agrícola. O Brasil é um país que consegue colocar mais de 70% da população nas

cidades em cerca de meio século e ser um grande produtor de alimentos, sem fazer

reforma agrária. É que a base agropecuária transbordou para o Centro-Oeste. Nessa

região, foi preciso construir cidades, levar estradas, montar sistemas inteiros de

comunicação e de armazenagem – tudo isso a um custo elevado – para não mexer com

a estrutura de propriedade nas áreas de ocupação já consolidadas. Eis aí uma marca do

Estado brasileiro, que Lídia Goldenstein, percebeu muito bem.

A quarta grande explicação não é econômica, mas sim cultural: trata-se da

mentalidade da elite brasileira. Por que a remuneração ao trabalho, principalmente aos

trabalhos das classes mais desfavorecidas é tão baixa? Por que um país tão dinâmico

como o Brasil tem um salário mínimo tão vergonhoso? Não seria possível ter um

salário mínimo maior? Do ponto de vista econômico, não há dúvidas que sim. Nas

fases de expansão a produtividade cresceu muito e certamente comportaria um salário

mínimo muito maior. O problema é que o salário mínimo no Brasil é indexador de

diversas outras remunerações, e não apenas de trabalhadores de baixa renda. Por

exemplo, alguns profissionais, das classes média e alta, como engenheiros, médicos

ou economistas, podem ter seus salários indexados a um determinado múltiplo do

salário mínimo. É muito comum ver empresas que determinam os salários de seus

funcionários, inclusive os de alto escalão, a uma quantidade fixa de salários mínimos.

Logo um aumento do mínimo não terá um efeito redistributivo pleno. Porque além

dos trabalhadores das classes menos favorecidas, as classes média e alta da sociedade

também terão reajustes em suas remunerações. A previdência também é indexada ao

salário mínimo, o que provoca grande ônus ao Estado em caso de elevação do salário

mínimo. Ou seja, caso o Estado opte por uma política de redução da desigualdade

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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social através de uma elevação do mínimo, incorrerá num aumento dos gastos

previdenciários, o que limitaria a política fiscal do governo, logo não é desejável.

Outro fator que dificulta o aumento da remuneração aos trabalhos das classes

mais pobres é a própria visão da elite brasileira. Parece que a visão desta elite é ainda

a da escravidão, na qual o trabalhador é visto apenas como alguém que existe para

produzir. Esta não é a visão dos países capitalistas mais avançados. Nestes países

ricos, os trabalhadores são vistos também como consumidores, além de produtores.

Percebe-se que é bom para o dinamismo econômico se o trabalhador tiver renda para

consumir, porque isso amplia a economia de mercado.

Para as elites brasileiras, não. Dificilmente existirá, no mundo, outro país onde

as margens de lucro sejam tão fantásticas. Porque a economia do Brasil cresce tanto,

mesmo adotando este modelo de crescimento com renda tão concentrada? Em parte

porque as margens de lucro são elevadíssimas aqui e por isso acabam atraindo capital.

Para ilustrar estas elevadas margens obtidas no Brasil, vale observar o gráfico abaixo

e o exemplo que se segue.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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Tabela 1: Rendimentos do trabalho e rentabilidade empresarialPaís Massa salarial (%) RentabilidadeAlemanha 50 27Estados Unidos 41 32Dinamarca 56 22Espanha 46 23Portugal 42 22África do Sul 55 16Turquia 34 30Bangladesh 33 32Hong-Kong 52 19Coréia do Sul 30 30México 37 35Chile 19 60Colômbia 19 54Brasil 17 52

Índices de massa salarial (em percentagem do valor da produção) e da rentabilidade (estimada segundotaxa de mark up, ou seja, a margem de lucro arbitrada sobre os custos) das indústrias de paísesselecionados. Note-se a posição peculiar do Brasil.

Fonte: Adaptado de um estudo de Tânia Bacelar de Araujo, 2000.

Recentemente um turista que esteve no Recife, hospedado em um hotel quatro

estrelas que tinha quase cem leitos e diária de US$ 120, perguntou a telefonista quanto

ganhava. A resposta foi: R$ 470 por mês. Na outra semana ele foi à Europa e,

coincidentemente, hospedou-se num hotel semelhante, com aproximadamente a

mesma quantidade de leitos e diária também de US$ 120. A renda total auferida

aproximadamente nos dois empreendimentos a plena capacidade, era, portanto a

mesma. Porém no hotel localizado na Europa, a telefonista ganhava US$ 1800 por

mês. A mesma lógica é aplicável aos demais custos do empreendimento no Brasil, e

ao europeu, que tem custos muito mais elevados. Pode-se observar a partir deste

simples exemplo que a diferença associada às margens de lucro é enorme, mesmo que

se considere a existência de diferenças nos impostos, e na taxa média de ocupação. As

elevadas margens de lucro estão impregnadas em nossa mentalidade empresarial.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

16

O foco dessa diferença é muito mais profundo: está também na visão de

mundo, na percepção do que grande parte do empresariado tem de si mesmo e do

resto da sociedade. Tal diferença não encontra explicação apenas econômica. Esta

mentalidade está impregnada no tecido social e é muito difícil de mudá-la.

Uma das formas de mudar esta mentalidade seria através de uma reforma

educacional, semelhante à japonesa, citada anteriormente. A partir de uma reforma

deste tipo, a população mais instruída, e com melhor qualificação para o mercado de

trabalho, teria maior poder de barganha nas negociações por salários, o que

fortaleceria a tendência de redução das desigualdades.

E, finalmente, a quinta grande causa para explicar a distribuição de renda

desigual no país, o sistema tributário brasileiro. O sistema tributário, apesar das

reformas da década de 60 e pós-constituição de 88, nunca perdeu sua característica

marcante de regressividade. Na década de 60, a reforma tornou o sistema mais

moderno e centralizado. Moderno pela utilização de imposto sobre o valor agregado,

em maior proporção do que impostos cumulativos, isto fez com que o sistema se

tornasse mais neutro com relação à cadeia produtiva, na medida em que não favorecia

cadeias de produção mais verticalizadas, o que nem sempre é o mais eficiente do

ponto de vista produtivo para as empresas. E centralizado por concentrar na União

mais a arrecadação tributária e gastos. Já na reforma de 88, a principal mudança foi a

descentralização tributária, o que gerou algum problema orçamentário para União, à

medida que descentralizou a arrecadação, mas o ônus dos gastos não foram

transferidos aos estados e municípios na mesma proporção. Ou seja, apesar de o

sistema tributário ter sido mais ou menos centralizado em alguns períodos, o caráter

regressivo do sistema tributário brasileiro não sofreu alterações significativas ao longo

dos últimos anos. Os agentes econômicos com grandes diferenças de renda não sofrem

na mesma medida uma grande diferença na tributação. Um sistema não regressivo (ou

progressivo) é aquele que cobra alíquotas maiores daqueles que têm maior capacidade

de pagamento. Para isso, a tributação deve se basear mais na renda e no patrimônio,

pois estas duas bases de incidência refletem mais a capacidade de pagamento das

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

17

pessoas. A maior tributação sobre a renda das pessoas físicas tornaria o sistema mais

progressivo também, pois os impostos pessoais podem ser dosados conforme a renda

do contribuinte, sendo que a possibilidade de transferência da carga para outros

contribuintes é menor do que no caso de impostos sobre produtos e empresas. Estes

últimos à medida que tendem a ser transferidos para os consumidores, tendem a ser

mais regressivos. O nível de tributação de pessoas físicas no Brasil tende a ser baixo

em comparação com os padrões internacionais. Sendo assim, a participação da

tributação sobre pessoa física na arrecadação do imposto de renda, ainda que maior do

que a de países latino americanos é muito inferior a de países desenvolvidos. Outro

aspecto relevante do sistema tributário brasileiro é a excessiva participação dos

tributos sobre bens e serviços na arrecadação. Este tipo de tributação indireta traz um

alto grau de regressividade à carga tributária, à medida que acaba onerando as pessoas

de menor rendimento, no mesmo montante que a pequena parcela da população cuja

renda apresenta uma alta participação no PIB. Estes tributos indiretos, ao tributarem o

consumo, não levam em conta a capacidade de pagamento dos agentes, logo não

permitem que através desta forma de tributação sejam cobradas diferentes alíquotas

dos mais ricos e mais pobres. Além do problema, claro, que esta tributação é não

neutra, ou seja, reduz a competitividade dos produtos nacionais, tanto domesticamente

como internacionalmente, uma vez que o insumo sofre tributações, cada etapa da

cadeia produtiva é tributada, o que torna o produto final mais caro. Mas, esta questão

de competitividade das empresas não é foco deste trabalho, portanto não iremos

explorar aqui.

O sistema tributário brasileiro por ser extremamente regressivo, acaba

assentando a arrecadação tributária fundamentalmente sobre a base da pirâmide social

do país, o que significa dizer que os segmentos de menor rendimento terminam

contribuindo relativamente mais para a formação do fundo que sustenta o conjunto

das políticas públicas brasileiras

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

18

Gráfico 1Brasil: carga tributária segundo faixas do rendimento familiar em 2003 (em %)

Fonte: IBGE/POF/Fipe Texto para Discussão nº3/2007 (elaboração Ipea)

Os entraves da tributação podem ser superados com uma reforma que busque a

progressividade dos atuais impostos e taxas. Isso significa necessariamente o alívio da

carga tributária indireta sobre os segmentos de menor renda, bem como a introdução

de novos tributos sobre os estratos sociais ricos, o que permitiria ao País avançar nas

políticas de caráter mais redistributivo.

O fato é que para reduzir, ou pelo menos não aumentar ainda mais o grau de

concentração de renda, observado hoje no Brasil, seria necessário uma estrutura

tributária mais progressiva, que incida muito mais sobre a renda e o patrimônio do que

sobre o consumo, taxando com alíquotas mais elevadas os que têm maior capacidade

de contribuição. Portanto, é recomendável que o Imposto de Renda de Pessoa Física

(IRPF) seja utilizado de forma mais intensa e progressiva como forma de atenuar o

problema da desigualdade social no Brasil.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

19

Os problemas da desigualdade analisados até aqui, estão explícitos também no

desenvolvimento extremamente desigual entre as regiões do país. A desigualdade

regional é um problema estrutural da desigualdade social no Brasil. Analisaremos

mais profundamente esta questão no capítulo seguinte.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

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I.2 - Desigualdade regional

Entre 1940 e 2000, a população brasileira se multiplicou por quatro, subindo

de 41 para 170 milhões de habitantes, embora a taxa de crescimento demográfico

tenha caído expressivamente nas últimas décadas deste período destacado.

Por sua vez, o crescimento demográfico brasileiro não se fez de maneira

uniforme entre as regiões, em função não só das diferenças regionais de fecundidade,

mas, principalmente, pelos movimentos migratórios. O resultado foi a continuação do

processo distorcido de distribuição populacional entre as regiões brasileiras. Além

disso, o crescimento demográfico foi acompanhado de um rápido processo de

urbanização, principalmente a partir do desenvolvimento industrial, e de seus

impactos na renda e nos serviços urbanos. Entre 1940 e 2000, o grau de urbanização

(percentual da população vivendo em cidades) subiu de 30% para 80% (Diniz, 2002).

De fato, a urbanização foi um fenômeno mundial que ocorreu ao longo do século XX.

De forma similar ao crescimento demográfico, segundo Diniz mostra em sua análise,

o processo de urbanização ocorreu com forte diferenciação entre os estados e as

regiões brasileiras, sendo que em alguns estados o grau de urbanização superava os

95% (São Paulo e Rio de Janeiro), enquanto em outros ainda era de 50% (Maranhão e

Pará).

O crescimento demográfico, conjugado com o processo de urbanização,

implicou o aumento da rede urbana das cidades com população acima de 50.000

habitantes. De 38 cidades em 1950, para 124 em 1970, e 409 em 2000, sendo 202 com

população superior a 100.000 habitantes. Como muitas dessas cidades têm suas áreas

urbanas contíguas a outras, amplia-se o tamanho das concentrações urbanas. Este é

um dos aspectos dramáticos da urbanização brasileira. Existem hoje no Brasil 16

aglomerações urbanas com mais de um milhão de habitantes cada, lideradas pelas

megametrópoles São Paulo e Rio de Janeiro, mas seguidas por várias outras. Esta

concentração urbana, sem o correspondente crescimento da oferta de moradias,

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

21

saneamento, emprego e renda, leva parte da população a viver em condições

subumanas, em favelas ou outras formas precárias, onde proliferam a miséria, a

degradação humana e o crime organizado.

A reconfiguração da rede urbana é resultado e, ao mesmo tempo, determinante

da nova geografia econômica do país. Como se observa, a rede urbana das regiões

Sudeste e Sul e o desenvolvimento do sistema de transportes e comunicações

fortalecem a integração econômica desta macrorregião, e reforça o padrão macro

espacial de concentração industrial e de serviços (Cano, 2002). Em segundo lugar,

observa-se o crescimento das cidades médias nas regiões agrícolas mais

desenvolvidas, seja nas áreas consolidadas das regiões Sudeste e Sul, a exemplo dos

oestes de São Paulo e Paraná, seja na fronteira agropecuária extensiva. Ao contrário,

na região Nordeste, não se desenvolve uma rede de cidades de porte de médio.

Prevalece a alta concentração urbana nas principais capitais (Salvador, Recife,

Fortaleza) e, secundariamente, nas demais (Cano, 2002). Além de não se formar uma

rede urbano-industrial e de serviços integrada, a grande concentração da população em

poucas cidades agrava os problemas sociais de emprego e habitação.

Dois dados são interessantes nesta análise da desigualdade regional no Brasil,

estes são: a concentração de computadores nas regiões Sul e Sudeste e a evolução

recente dos coeficientes de Gini nas diferentes regiões do país.

As regiões Sul e Sudeste concentram cerca de 80% dos computadores

existentes no Brasil. Os números da PNAD sobre computador nos domicílios embora

mostrem algum avanço em relação aos dados de 2007, ainda revelam desigualdade no

acesso a essa tecnologia. Pelo menos três em cada dez domicílios brasileiros tinham

computador em 2008, totalizando 18 milhões de residências. Além disso, apenas dois

em cada dez eram conectados à internet, somando quase 14 milhões. Mais da metade

dos domicílios do país que têm computador está localizada no Sudeste (10 milhões),

região que também concentra a maior proporção de domicílios conectados à internet

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

22

(31,5%). Em seguida vêm o Sul (28,6%) e o Centro-Oeste (23,5%). Nos últimos

lugares aparecem as regiões Norte (10,6%) e Nordeste (11,6%).

A evolução do indice de Gini mostra uma queda desigual desse indicador, de

2007 para 2008, entre as regiões do país. Nas regiões Norte (de 0,494 para 0,479),

Sudeste (de 0,505 para 0,496) e Sul (de 0,494 para 0,486). Manteve o mesmo índice

de concentração de rendimentos a Região Nordeste (de 0,547 para 0,546) e o

Centro-Oeste (0,552), que continuou liderando o ranking de desigualdade. Este último

dado preocupa, à medida que o Centro-Oeste é a região brasileira em que mais cresce

o PIB e a população, fortemente puxada pela expansão do agronegócio e da

agro-indústria. Tal dado deve piorar para 2009, pois as atividades agrícolas foram

severamente prejudicados com a queda das exportações de commodities provocadas

com crise econômica mundial.

A desigualdade regional é um dificultador para qualquer plano do governo que

procure promover o desenvolvimento de uma região mais atrasada para reduzir as

desigualdades na distribuição de renda entre as regiões do país. A desigualdade

regional é um entrave estrutural para que se obtenha no país um grau de desigualdade

menor, com uma distribuição de renda mais igualitária na sociedade. O

desenvolvimento regional é uma questão central neste trabalho, pois é uma forma de

reduzir-se as desigualdades entre as regiões, o que facilita uma redução das

desigualdades na sociedade como um todo.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

23

Capítulo II - Pobreza: Escassez de Recursos ou Desigualdadena Distribuição de Recursos?

A pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e

universal, contudo, podemos afirmar que a pobreza refere-se a situações de carência

em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente

com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. Desse modo

a abordagem conceitual de pobreza absoluta requer que possamos, inicialmente,

construir uma medida invariante no tempo das condições de vida dos indivíduos em

uma sociedade. A noção de linha de pobreza equivale a esta medida (Barros;

Henriques; e Mendonça, 2001). Em última instância, uma linha de pobreza pretende

ser o parâmetro que permite a uma sociedade específica considerar como pobres todos

aqueles indivíduos que se encontrem abaixo do seu valor. Portanto, iremos considerar

neste trabalho, que há pobreza apenas na medida em que existem famílias vivendo

com renda familiar per capita inferior ao nível mínimo necessário para que possam

satisfazer suas necessidades mais básicas. A magnitude da pobreza está diretamente

relacionada ao número de pessoas vivendo em famílias com renda per capita abaixo

da linha de pobreza e à distância entre a renda per capita de cada família pobre e a

linha de pobreza. A definição de linha de pobreza que será utilizada neste trabalho é

baseado na definição do IPEA, que define como pobre o indivíduo com renda mensal

abaixo de ½ salário mínimo. E individuo indigente aquele com renda mensal abaixo

de ¼ de salário mínimo.

Uma vez explicado o conceito de pobreza, vale dar ênfase agora, aos

determinantes imediatos da pobreza. Dentre estes, destacam-se dois fatores: a escassez

de recursos e a desigualdade na distribuição dos recursos. A seguir, faremos uma

análise do caso brasileiro, discutimos a partir de dados estatísticos, pesquisas, e

análises do quadro brasileiro, qual destes dois fatores têm maior peso na determinação

da pobreza no país.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

24

II.1 - Desigualdade na Distribuição de Renda Brasileira Como PrincipalDeterminante da Pobreza

O Brasil é uma sociedade enormemente fraturada. Segundo o relatório recente

do Banco Mundial, é o país com mais elevado grau de concentração de renda. Os 10%

mais ricos têm quase a metade da renda (48%), e os 20% mais pobres têm apenas 2%.

Existe um enorme hiato entre os mais ricos e os mais pobres. Se considerarmos os

países com nível médio de renda por habitante, como é o caso do Brasil, não existe

hiato semelhante no mundo. O perfil da nossa distribuição de renda é igual ao da

Guatemala, de Serra Leoa ou de Honduras, que são países pequenos. Entre países

médios, importantes no cenário mundial, não há exemplo de tamanha fratura

econômica, social e regional, como a que existe no Brasil. Conforme enunciado

acima, iremos fazer nesta seção uma análise de quais fatores determinantes da pobreza

mais se aplicam ao caso brasileiro. Para chegar a esta conclusão iremos utilizar alguns

dados da Tabela 2, que nos mostra a evolução da renda em múltiplos da linha de

indigência e de pobreza no Brasil. E utilizaremos também os dados do Gráfico 2, que

nos fornece uma comparação da porcentagem de pobres no Brasil, caso tivéssemos

uma desigualdade de renda igual a de outros países da América Latina.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

25

Gráfico 2 - Percentagem de pobres no Brasil com a renda média mantida constante e a

desigualdade de renda igual à verificada em cada um dos países

Fonte: BID, 2001

Conforme se observa no gráfico, se o Brasil tivesse uma distribuição de renda

semelhante a do Uruguai, país com distribuição mais igualitária na América Latina, e

mantendo a mesma renda per capita média observada no Brasil, o nível de pobreza

brasileiro se reduziria em mais de 20%. A partir deste exercício, podemos sugerir que

quase dois terços da pobreza no Brasil podem estar associados ao diferencial no grau

de desigualdade da distribuição de renda existente entre o Brasil e o Uruguai. Este

exercício estático e comparativo pretende simplesmente tornar evidente o peso da

estrutura da distribuição de renda brasileira na explicação da existência de um enorme

contingente de pobres no país. Pode-se notar que apesar de termos um nível de renda

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

26

per capita mais elevado do que as demais nações latino americanas, temos um dos

maiores índices de pobreza.

O Brasil, por mais que se encontre em uma situação extremamente crítica em

todos os rankings que relacionam os países com maiores índices de pobreza, com

cerca de 40% de sua população abaixo da linha da pobreza, não pode ser qualificado

como um país pobre. Porque conforme nos é apresentado na Tabela 2, o Brasil dispõe

de renda familiar per capita e PIB per capita cerca de cinco a oito vezes superior à

linha de indigência e três a quatro vezes à linha de pobreza. Estes dados nos ajudam a

responder nossa questão, pois demonstram que no Brasil não há escassez de recursos,

na medida em que os recursos do país são comprovadamente mais do que suficientes

para erradicar toda a pobreza no país. Ou seja, podemos concluir que o problema não

está na quantidade de renda, ou pobreza absoluta do país, mas sim na pobreza relativa.

O Brasil precisa se preocupar em formas de distribuir a renda de forma mais

equitativa, mudando o paradigma de que a equidade das classes será alcançada através

de crescimento econômico.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

27

Tabela 2Evolução da renda em múltiplos das linhas de indigência e de pobreza no Brasil

Indigência PobrezaAno PIB per

capita emmúltiplos da

linha deindigência*

Renda familiar per capita emmúltiplos da

linha deindigência

Volume deRecursos

necessáriospara erradicar aindigência ( embilhões R$) **

PIB percapita emmúltiplos

da linha depobreza*

Rendafamiliar per

capita emmúltiplos da

linha depobreza

Volume deRecursos

necessáriospara erradicar apobreza ( em

bilhões R$) **1977 6,6 4,7 3,8 3,3 2,3 22,7

1978 6,8 3,9 6,6 6,6 1,9 28,7

1979 7,1 4,3 3,9 3,9 2,1 23,6

1981 7,1 4,2 5,4 5,4 2,1 29,4

1982 7 4,3 5,8 5,8 2,1 30,6

1983 6,7 3,6 7,7 7,7 1,8 38,7

1984 6,9 3,6 7,1 7,1 1,8 38,1

1985 7,3 4,3 6 6 2,1 33

1986 7,7 5,6 2,9 2,9 2,8 19,4

1987 7,8 4,3 6,3 6,3 2,2 32,6

1988 7,6 4,4 8,1 8,1 2,2 38,7

1989 7,7 4,9 7,7 7,7 2,5 37,3

1990 7,3 4,9 8,2 8,2 2,5 39

1992 7,1 3,9 7,8 7,8 2 35,5

1993 7,3 4,1 7,8 7,8 2 36,3

1995 7,8 5,5 5,7 5,7 2,7 29,1

1996 7,9 5,7 6,3 6,3 2,8 30

1997 8,1 5,7 6,2 6,2 2,8 30,1

1998 8,7 5,5 5,7 5,7 2,8 28,9

(*) As linhas de indigência e pobreza utilizadas foram as da Região Metropolitana de São Paulo.(**) Valores deflacionados para setembro de 1998. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

28

Para corroborar ainda mais a validade da hipótese de que a variável prioritária

que precisamos tratar para reduzir a pobreza no Brasil é a desigualdade, dispomos de

outro estudo empírico (Datt e Ravallion, 1992), onde os autores analisam que o índice

de pobreza brasileiro teria caído cerca de 5% com o crescimento dos anos 80, caso a

distribuição de renda fosse neutra, o que reforça ainda mais a importância da melhor

distribuição para se erradicar a pobreza.

Fica claro então, o problema da desigualdade pela ótica da linha de pobreza,

ou seja, fica evidente como o Brasil poderia reduzir seu percentual de famílias abaixo

da linha de pobreza, caso tivesse uma distribuição mais igualitária. Porém, podemos

confirmar tal fato por uma outra ótica, que são as próprias estatísticas de distribuição

de renda, como o coeficiente de Gini e a razão 10/40 (este indicador mostra quantas

vezes a renda dos 10% mais ricos da sociedade é maior do que a dos 40% mais

pobres).

A comparação internacional entre os coeficientes de Gini revela que apenas a

África do Sul e Malawi têm um grau de desigualdade maior que o do Brasil. O

coeficiente de Gini do Brasil, com valor próximo de 0,60, representa, no conjunto de

92 países com informações disponíveis, um padrão alcançado apenas pelos quatro

países com maior grau de desigualdade: Guatemala, Brasil, África do Sul e Malawi.

Na realidade, 40 de 92 países analisados dispõem de um coeficiente de Gini no

intervalo entre 0,30 e 0,40, sendo que a maioria dos países sul-americanos apresenta

valores mais elevados, no intervalo entre 0,45 e 0,60 (Barros; Henriques; e Mendonça,

2001).

Iremos analisar também, a razão entre a renda média dos 10% mais ricos e a

renda média dos 40% mais pobres para cerca de 50 países, segundo estudo elaborado

por (Hoffman, 1999). Devemos lembrar que quanto menor for a razão entre essas

rendas médias, mais equânime será a estrutura distributiva, com os mais ricos retendo

uma renda média de valor relativamente próxima a dos mais pobres. Esta medida da

estrutura de concentração da renda revela, para a grande maioria dos países, uma

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

29

razão com valor inferior a 10, sendo que somente em seis países essa razão é superior

a 20. De fato, podemos identificar um certo padrão na distribuição internacional, com

alguns países, como os Estados Unidos, gravitando em torno do valor 5, outros, como

a Argentina, em torno de 10 e, finalmente, alguns, como a Colômbia, em torno do

valor 15. O Brasil, por sua vez, é o país com o maior grau de desigualdade dentre os

que dispomos de informações, com a renda média dos 10% mais ricos representando

28 vezes a renda média dos 40% mais pobres. Um valor que coloca o Brasil como um

país distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário internacional, como

razoável em termos de justiça distributiva.

Os valores contundentes reportados nesta seção não deixam dúvidas quanto à

posição singular do Brasil, com o seu grau de desigualdade figurando entre os mais

elevados do mundo. Desta constatação podemos deduzir, com grande segurança, que

o extraordinário grau de desigualdade de renda brasileiro encontra-se no núcleo da

explicação do fato de o grau de pobreza no Brasil ser significativamente mais elevado

que o de outros países com renda per capita similar. Ou seja, como a renda está

extremamente concentrada, mesmo tendo um montante de renda no país que seria

suficiente para erradicar a pobreza por completa no país, a concentração acaba

gerando escassez de renda para uma parcela significativa da população.

Diante destes fatos existe um consenso no Brasil, dentre os especialistas no

assunto, de que há um excesso de desigualdade no país. Há necessidade de inflexão

dos mecanismos geradores e mantenedores da desigualdade, para se pavimentar um

caminho para o desenvolvimento, onde a redução das desigualdades seja prioritária.

Contudo não há consenso sobre quais seriam os instrumentos e os investimentos

sociais adequados a esta inflexão, em outras palavras, não há consenso sobre o

delineamento desta via de desenvolvimento.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

30

II.2 - Visão histórica e análise da pobreza no Brasil até o fim da décadade 90

O Brasil desde o início de sua industrialização, e mais acentuadamente durante

as décadas de 70 e 80, priorizou o crescimento econômico, sem maiores preocupações

com a distribuição da renda. A filosofia sempre foi a de “crescer o bolo para depois

reparti-lo”, mas esta repartição nunca ocorreu de fato. O grande problema de um país

adotar este tipo de postura é que apesar destas políticas de crescimento do PIB terem

um efeito nítido favorável à redução da pobreza absoluta do país, o mesmo efeito não

é notado sobre a pobreza relativa, devido à má distribuição da renda.

Em estudo empírico, Sainz e Fuente (2001), mostram que nas duas últimas

décadas o crescimento na América Latina, além de baixo foi fortemente desigual. A

importância do estudo destes autores é a constatação de que nos anos de crise da

década de 80, as famílias mais pobres tiveram um crescimento de suas rendas, abaixo

da média nacional. E na década seguinte, quando algumas nações esboçaram uma

recuperação da economia, como foi o caso da economia brasileira, estas famílias mais

pobres não conseguiram obter ganhos que compensassem a perda da década anterior.

Para corroborar de forma ainda mais enfática com a situação da pobreza no

Brasil no período mencionado, utilizamos e analisamos os resultados das PNADs

(PNAD é a abreviação para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, realizada

pelo IBGE) de 1977 a 1998. Os resultados revelam que em 1998, cerca de 14% da

população brasileira vivia em famílias com renda inferior à linha de indigência e 33%

em famílias com renda inferior à linha de pobreza. Estas linhas são determinadas pelo

IBGE como a renda mínima necessária para atender às necessidades básicas dos

indivíduos. Ou seja, os indivíduos que se encontram abaixo da linha de pobreza não

têm poder aquisitivo para suprir as suas necessidades básicas, enquanto que os

indivíduos abaixo da linha de indigência são aqueles que vivem na miséria. Deste

modo, como vemos na Tabela 2, cerca de 21 milhões de brasileiros podem ser

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

31

classificados como indigentes e 50 milhões como pobres, representando 47% da

população.

Ao longo das últimas duas décadas, como observamos nesta tabela, a

intensidade da pobreza manteve um comportamento de relativa estabilidade, com

apenas duas pequenas contrações, concentradas nos momentos de implantação dos

planos Cruzado e Real. O comportamento estável da pobreza no Brasil, com a

porcentagem de pobres oscilando entre 40% e 50% da população, apresenta flutuações

associadas, sobretudo, à instável dinâmica macroeconômica do período. O grau de

pobreza atingiu seus valores máximos durante a recessão do início dos anos 80, em

1983 e 1984, quando a porcentagem de pobres ultrapassou a barreira dos 50%. As

maiores quedas resultaram, como dissemos, dos impactos dos planos Cruzado e Real,

fazendo a porcentagem de pobres cair abaixo dos 30% e 35%, respectivamente.

Considerando o período em análise como um todo, constatamos que a

porcentagem de pobres declinou de cerca de 39% em 1977 para cerca de 33% em

1998. Este valor ao final da série histórica analisada, apesar de ainda ser

extremamente alto, aparentemente representa um novo patamar do nível de pobreza

nacional. A velocidade da queda na magnitude da pobreza ocorrida entre 1993 e 1995

foi menor do que em 1986. No entanto, a queda de 1986 não gerou resultados

sustentados, com o valor da pobreza retornando no ano seguinte ao patamar vigente

antes do Plano Cruzado. Entre 1995 e 1998 a porcentagem de pobres permaneceu

estável em torno do patamar de 34%, indicando a manutenção dos impactos do Plano

Real. Apesar da pequena queda observada no grau de pobreza, o número de pobres no

Brasil, em decorrência do processo de crescimento populacional, aumentou em cerca

de 10 milhões no período, passando de 40 milhões em 1977 para 50 milhões em 1998.

A combinação entre as flutuações macroeconômicas e o crescimento populacional fez

com que o número de pobres chegasse a quase 64 milhões na crise de 1984 e a menos

de 38 milhões em 1986.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

32

Tabela 3 Evolução temporal da indigência e da pobreza no Brasil*

Ano% de

IndigentesIndigência Hiato Médio

da renda

Número deindigentes

(em milhões)

% de pobre

sPobreza Hiato Médio

da renda

Número depobres

(em milhões)

1977 16,3 5,8 16,8 39,6 17,2 40,71978 20,7 9,7 22 42,6 21 45,21979 15,9 5,7 17,3 38,8 16,9 421981 18,8 7,2 22 43,1 19,5 50,61982 19,4 7,4 23,4 43,1 19,8 51,91983 25 9,8 30,7 51 24,5 62,71984 23,6 8,8 29,8 50,4 23,5 63,51985 19,2 7,1 25,1 43,5 19,7 56,91986 9,8 3,4 13,1 28,2 11,3 37,61987 18,5 7,2 25,1 40,8 18,7 55,41988 22,1 9,1 30,5 45,3 21,8 62,51989 20,7 8,5 29,3 42,9 20,6 60,61990 21,3 8,8 30,8 43,8 21,1 63,11992 19,3 8,6 27,1 40,8 19,7 57,31993 19,5 8,5 27,8 41,7 19,8 59,41995 14,6 6 21,6 33,9 15,3 50,21996 15 6,6 22,4 33,5 15,6 50,11997 14,8 6,3 22,5 33,9 15,4 51,51998 13,9 5,8 21,4 32,7 14,7 50,1

(*) As linhas de indigência e pobreza utilizadas foram as da Região Metropolitana de São Paulo.Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - IBGE

No final dos anos 80, registra-se uma aceleração no contingente da população

pobre e, no período recente, após a implantação do Plano Real, cerca de 10 milhões de

brasileiros deixaram de ser pobres. Ao fim do século XX, as 50 milhões de pessoas

pobres, por sua vez, encontram-se heterogeneamente distribuídas abaixo da linha de

pobreza e sua renda média encontra-se cerca de 55% abaixo do valor da linha de

pobreza. Os 21 milhões de pessoas indigentes, que correspondem a um subconjunto

da população pobre, estão igualmente distribuídos de forma heterogênea e

encontram-se mais próximos de seu valor de referência, com sua renda média

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

33

mantendo- se cerca de 60% abaixo da linha de indigência, segundo análise de (Barros;

Henriques; e Mendonça, 2001).

Portanto, a magnitude da pobreza, mensurada tanto em termos do volume e da

porcentagem da população como do hiato de renda, apresenta, na segunda metade da

década de 90, a tendência de manutenção de um novo patamar, inferior ao observado

desde o final dos anos 70. Isto indica, sem dúvida alguma, uma melhoria

aparentemente estável no padrão da pobreza, mas este valor continua moralmente

inaceitável, se comparado com o padrão de pobreza no resto do mundo, no mesmo

período.

Isto porque a redução na pobreza obtida pelo Brasil se deve apenas ao

crescimento econômico, ou seja, à redução da escassez de recursos, o que não é a

forma mais adequada para o Brasil reduzir seus níveis de pobreza, uma vez que o

maior determinante da pobreza no país é a desigualdade na distribuição.

O que se conclui desta análise, é que a redução dos níveis de pobreza

observada no Brasil nas últimas décadas se deve ao dinamismo e crescimento da

economia, e não a uma distribuição mais igualitária.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

34

II.3 - Década 2000: mudança no paradigma distributivo brasileiro

A partir do inicio da década atual, a combinação entre a continuidade da

estabilidade monetária, a maior expansão econômica e o reforço das políticas

públicas, como a elevação real do salário mínimo, a ampliação do crédito popular,

reformulação e alargamento dos programas de transferências de renda aos estratos de

menor rendimento, entre outras, se mostrou decisiva para a generalizada melhora

social no Brasil. Segundo o Comunicado da Presidência 38 do IPEA de 12/01/2010,

se o Brasil mantiver o mesmo ritmo de diminuição da pobreza extrema e da

desigualdade de renda observados nos últimos cinco anos (2003 a 2008) poderá obter

indicadores sociais próximos aos de países desenvolvidos em 2016. Da mesma forma,

poderá alcançar uma taxa de pobreza absoluta de 4%. Entre 1995 e 2008, por

exemplo, a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário

mínimo per capita) foi de -0,9%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼

de salário mínimo per capita) foi de -0,8% a.a. Para o período mais recente (2003/08),

a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário mínimo

per capita) foi de –3,1%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de

salário mínimo per capita) foi de -2,1% a.a. Em todos os períodos de tempo

considerados, a taxa de pobreza cai mais rapidamente que a diminuição na medida de

desigualdade. O que significa dizer que o combate à pobreza parece ser menos

complexo que o enfrentamento da desigualdade de renda. Se projetados os melhores

desempenhos brasileiros alcançados recentemente em termos de diminuição da

pobreza e da desigualdade (período 2003-2008) para o ano de 2016, o resultado seria

um quadro social muito positivo. O Brasil pode praticamente superar o problema de

pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa nacional de pobreza absoluta de

apenas 4%, o que significa quase sua erradicação. Já o índice de Gini poderá ser de

0,488, um pouco abaixo do verificado em 1960 (0,499), ano da primeira pesquisa

sobre desigualdade de renda no Brasil pelo IBGE (gráfico 2). Ou seja, mantendo o

mesmo ritmo de diminuição da pobreza e da desigualdade de renda observado nos

último cinco anos, o Brasil poderia alcançar o ano de 2016 com indicadores sociais

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

35

próximos aos dos países desenvolvidos. Enquanto a pobreza extrema poderia ser

praticamente superada, a desigualdade da renda do trabalho tenderia a estar abaixo de

0,5 do índice de Gini.

Gráfico 3Brasil – perspectiva possível para a pobreza e a desigualdade em 2016

Nos países desenvolvidos, o problema da pobreza absoluta encontra-se

praticamente resolvida, embora persistam indicadores importantes de medida de

pobreza relativa (o quanto se é pobre relativamente à riqueza existente). Ademais, o

índice de Gini encontra-se, em geral, abaixo de 0,4, conforme os casos de países como

a Itália (0,33), Espanha (0,32), França (0,28), Holanda (0,27), Alemanha (0,26),

Dinamarca (0,24), entre outros, no ano de 2005. A situação dos Estados Unidos,

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

36

contudo, distancia-se desta realidade nas economias avançadas (0,46) para o mesmo

ano.

É importante observar neste estudo a evolução da desigualdade de renda, da

pobreza relativa e da pobreza absoluta, conforme mostrado no gráfico 3.

Gráfico 4Brasil: Evolução da queda no índice de Gini de desigualdade de renda e na taxa

nacional de pobreza absoluta e extrema (em %)

Além de corroborar a idéia central desta monografia, de que os níveis de

pobreza acompanham a evolução das desigualdades na distribuição de renda, principal

determinante da pobreza. Ele também deixa evidente à melhora significativa na

distribuição de renda no Brasil, na década atual.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

37

O aumento real do salário mínimo de forma acentuada durante todo o governo

Lula, é uma medida estrutural que contribui para a redução das desigualdades sociais

e dos níveis de pobreza. Umas das marcas principais do governo é exatamente esta

melhora na distribuição de renda. O salário mínimo por exemplo, quando Lula

assumiu, era de R$ 200,00 e hoje ao fim do Governo Lula já está no patamar de R$

510,00. Corrigindo pela inflação no período, teve-se um aumento real do salário

mínimo neste governo, de mais de 50%. O gráfico 4, mostra essa evolução do salário

mínimo nos últimos anos.

Gráfico 5Evolução real do salário mínimo no Brasil de 1995 a 2009

Fonte: http://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

38

Capítulo III - Programas de transferência de renda

Os últimos governos brasileiros, FHC e Lula, principalmente este último vem

mostrando preocupações crescentes com a questão da desigualdade de renda no país.

Neste período a forma mais utilizada para combater tal problema, foram os programas

federais de transferência de renda, como o Bolsa-Escola, o Bolsa-Educação e o

Auxílio-Gás (em FHC); e o Bolsa-Família e o Fome-Zero (no governo Lula). Cabe

lembrar que um programa federal de transferência de renda para populações pobres

específicas existe no Brasil desde a década de setenta. É o caso da Renda Mensal

Vitalícia para o atendimento de idosos e portadores de deficiência, cujo modelo de

financiamento e gestão foi alterado pela LOAS, após a Constituição de 88 que

estipulou também outros mecanismos de transferência de renda, como o aumento de

cobertura da previdência para trabalhadores rurais e trabalhadores não formais.

Vale lembrar que em todos estes programas, inclusive nos do governo Lula

que tiveram um orçamento bem maior, são todos programas de cunho apenas

paliativos no combate à desigualdade e a pobreza no Brasil. Estes programas, ao

colocarem renda na mão dos mais pobres, visam apenas amenizar a pobreza no curto

prazo.

Caso estes programas não sejam mantidos no longo prazo juntamente com

políticas que favoreçam uma melhor distribuição da renda, não serão observados

efeitos duradouros sobre a redução da pobreza no país. Não é tão simples assim

erradicar a pobreza no país, através de programas de transferência de renda, apesar de

o país ter renda suficiente para tal façanha. Há um elevado custo administrativo para

colocar em prática tais programas de transferência de renda, além dos problemas de

focalização que dificultam muito a eficácia máxima destes programas sociais. O

problema da focalização se dá pelo fato de que é muito difícil o governo identificar

exatamente as famílias que se encaixam nos padrões de pobreza estabelecidos para

receber as verbas do programa. Além de ser muito custoso, este processo de

focalização das famílias, dificilmente, fará com que todas as famílias que estão no

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

39

foco dos programas de transferência de renda, sejam beneficiadas, de fato, pelos

programas. Até porque as famílias que estão abaixo da linha de indigência, são tão

marginalizadas da sociedade que muitas vezes têm grande dificuldade de se

informarem a respeito dos benefícios a que têm direito com os programas de

transferência de renda. Mesmo quando informadas, muitas vezes não possuem os

documentos exigidos, o que dificulta a tentativa do governo de colocar renda na mão

dessas pessoas.

Estes programas de transferência de renda para combater a desigualdade de

renda no país, têm que fazer parte de políticas federais, pois os municípios, por

exemplo, não têm capacidade financeira para garantir o funcionamento de tais

programas.

Dentre os programas de transferência de renda criados no governo FHC,

destacam-se o Bolsa-Alimentação e o Bolsa-Escola. Estes programas foram

focalizados nas famílias pobres com crianças, pois a idéia do governo era de que estes

programas reduzissem não somente as questões imediatas da pobreza, como também

melhorassem as perspectivas de redução da pobreza no futuro, através de melhoria na

educação. Estes programas atenderam a mais de nove milhões de famílias, atingindo

desta forma mais de dezesseis milhões de beneficiados.

Os principais programas de transferência de renda do Governo Lula, foram o

Fome-Zero e o Bolsa-Família. O Bolsa-Família surgiu em Outubro de 2003, baseado

nas dificuldades operacionais e parâmetros inadequados do Fome-Zero, que foi

lançado em Janeiro do mesmo ano, logo no inicio do Governo.

Estes programas apresentam um impacto potencial significativamente mais

elevado do que os programas FHC, por duas razões básicas. Primeiro pelo caráter

universal, isto é, beneficia todas as famílias com renda per capita abaixo de meio

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

40

salário mínimo, independentemente da composição da família (se tem ou não

crianças). E segundo, pelo valor mais elevado dos benefícios.

As transferências do Fome-Zero permitiram não só a diminuição do número de

pobres brasileiros, como também o declínio na intensidade de pobreza, daqueles

indivíduos que não conseguiram superar a linha de pobreza após os benefícios. O

programa retirou 4,94 milhões de brasileiros da pobreza, e 4,89 milhões da indigência

(PNAD 2004).

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda

com condicionalidades criado pelo Governo Lula em 2003 para integrar e unificar ao

Fome Zero os antigos programas criados no Governo FHC: o "Bolsa Escola", o

"Auxílio Gás" e o "Cartão Alimentação". O PBF é tecnicamente chamado de

mecanismo condicional de transferência de recursos. Consiste-se na ajuda financeira

às famílias pobres, definidas como aquelas que possuem renda per capita de R$ 70,01

até 140,00 e extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00. A contrapartida

é que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com

frequência na escola e vacinados.Os benefícios do Bolsa Família foram reajustados

em 10%, a fim de preservar o poder de compra das famílias diante da alta dos preços

dos produtos alimentares. Assim, o Benefício Básico, voltado às famílias em situação

de extrema pobreza, passou de R$ 62,00 para R$ 68,00; o Benefício Variável, voltado

a famílias em situação de pobreza com crianças e adolescentes de até 15 anos, passou

de R$ 20,00 para R$ 22,00, e o Benefício Variável Vinculado ao Jovem (BVJ),

voltado a famílias em situação de pobreza com adolescentes de 16 e 17 anos de idade,

passou de R$ 30,00 para R$ 33,00.

De 2008 para 2009 o programa sofreu ampliações. Desta forma cerca de 1,8

milhões de famílias antes consideradas não pobres o suficiente, passarão a fazer parte

do programa. Com isso o programa que atendia cerca de 11,1 milhões de famílias,

passa a ter capacidade de atender até 12,9 milhões de famílias. O desembolso médio

do programa por família é de R$ 85, com esta ampliação recente do programa, o

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

41

orçamento do programa tende a aumentar R$ 1,8 bilhão por ano. Em 2009, o

orçamento do programa foi 10% maior do que em 2008.

Até novembro de 2009, o PBF já atendeu a 12,4 milhões de famílias, de

acordo com o previsto. O desembolso total com o PBF, até novembro de 2009, foi da

ordem de R$ 11,28 bilhões, ou aproximadamente 0,39% do Produto Interno Bruto

(PIB) de 2008, o que demonstra que o Programa tem um custo relativamente baixo,

considerando seu impacto positivo na redução da pobreza e da concentração de renda.

O repasse médio do benefício por família que era de R$ 85,51, passou para R$ 94,24 a

partir de agosto de 2009. Estima-se, em 2010, desembolsar R$ 13,11 bilhões para

transferência de renda direta às famílias brasileiras.

Neste sentido o Bolsa-Família combina de forma mais sensata o conjunto de

programas pré-existentes, reintroduzindo a focalização diferenciada dentre as famílias

mais pobres. O Bolsa-Família, que substitui os mecanismos de transferência de renda

criados no escopo do Fome Zero, melhora a focalização das transferências,

beneficiando, na linha do que era feito nos programas criados no governo FHC, as

famílias com crianças.

III.1 Limitações do Bolsa Família no sentido de erradicar a pobreza nopaís

Apesar dos aperfeiçoamentos introduzidos em relação ao desenho inicial da

política de transferências anunciadas no âmbito do Fome Zero, o Bolsa-Família, como

os programas que o precederam, enfrenta as dificuldades clássicas de políticas de

transferência de renda em países com grande clientela potencial, a saber:

a) dificuldades associadas à focalização, isto é, as famílias selecionadas e

beneficiadas devem se constituir de fato na clientela-alvo do programa. Trata-se de

garantir que os beneficiários tenham nível de vida compatível com a renda abaixo do

patamar per capita estabelecido pelo programa.

b) dificuldades de cadastramento e acompanhamento das famílias

beneficiadas, normalmente complexas em programas de transferência de renda, e

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

42

ainda mais complexo no caso de um programa com características de universalidade,

como o Bolsa-Família, não vinculado a uma rede provedora de um serviço público

específico, como era o Bolsa-Escola, ancorada na rede escolar e o Bolsa-Alimentação,

ancorada na rede de postos de saúde. A implantação do programa demanda uma rede

nova de assistência social, com características de “guarda-chuva”, unificando

cadastros diversos e coordenando os diferentes programas de transferências de renda

voltados para clientelas específicas, que podem, eventualmente, atender

cumulativamente a mesma família, como visto nas simulações apresentadas em

relação aos programas criados no governo FHC.

c) dificuldade em não perder de vista que a transferência de renda não pode ser

entendida como panacéia, já que nem o desenho do programa, nem os recursos

disponíveis para as transferências teriam potencial para eliminar nem a indigência e

muito menos a pobreza. Os mecanismos de transferência de renda, que são

indispensáveis em países com as características de incidência de pobreza e

desigualdade de renda do Brasil, têm que ser entendidos apenas como um dentre os

muitos componentes de uma política ampla de combate à pobreza como síndrome de

carências diversas. Na verdade, o atendimento de outras carências não vinculadas

diretamente à renda, tais como acesso a saneamento básico, atendimento de saúde,

educação, transporte, informação, direitos de cidadania, são tão urgentes, e em muitos

casos, mais urgentes que o aumento da renda e do consumo privado das famílias.

Neste sentido, garantir a complementaridade das ações e a sua continuidade no tempo

é um enorme desafio.

d) dificuldades para garantir os recursos orçamentários necessários, já que as

ações integradas de combate à pobreza envolvem custos muitos mais elevados do que

os da transferência de renda em si. Na verdade, dependem não só de recursos

financeiros, mas de pessoal e de capacidade gerencial, já que se trata de garantir a

eficiência dos programas e dos gastos com eles realizados. Organização e coordenação

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

43

demandam tempo e persistência de esforços, o que nem sempre atende às

necessidades políticas de obter resultados rápidos e espetaculares.

Em função destas dificuldades, é sensato priorizar na implementação de

programas as situações mais críticas. Por um lado, nos bolsões de pobreza extrema do

Norte e do Nordeste, onde a maioria da população é pobre e as carências não se

limitam à insuficiência de renda, mas, também, ao acesso a serviços essenciais

(saneamento, educação, saúde, comunicação, etc.). Neste caso, devido à insuficiência

crítica de recursos de toda natureza, a ação federal e estadual tem que ser claramente

preponderante, já que não há recursos locais – financeiros e outros – compatíveis com

o atendimento das necessidades. Por outro lado, trata-se de bolsões de pobreza na

periferia de cidades ricas, das metrópoles especificamente, onde a insuficiência de

renda está vinculada às questões de desigualdade, exclusão social e marginalidade.

Nestes casos, a política anti-pobreza, e os programas de transferência de renda

em particular, têm de ser implementados de forma integrada pelos três níveis de

governo e pela sociedade civil. No que concerne aos programas de transferência de

renda, a complementaridade é essencial, já que o valor dos benefícios fixados em

nível nacional tende a ser relativamente baixo, face ao custo de vida e ao valor da

renda nas áreas mais ricas do país. Há que se entender, finalmente, que os programas

de transferência de renda se constituem necessariamente em um paliativo que, em si,

não atacam as causas da pobreza, apenas tornam menos adversas as condições de vida

dos mais pobres, reduzindo também, em alguma medida, os explosivos níveis

brasileiros de desigualdade de renda. Devido à enorme dívida social, da qual a

desigualdade de educação é proxy, o recurso a programas de transferência de renda

deverá ser uma necessidade de política social por um período longo. A duração e

intensidade das transferências minimamente necessárias para garantir estabilidade

social neste período de transição vão depender tanto da evolução econômica, como do

grau de eficácia dos programas sociais voltados especificamente para o combate das

causas estruturais da pobreza brasileira.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

44

As condicionalidades do programa também sofrem algumas críticas.

Conforme enunciado no início deste capítulo, existem contrapartidas que as famílias

devem cumprir para receber os benefícios do Bolsa-Família. A contrapartida é que as

famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com freqüência na

escola e vacinados. Isto seria importante, porque, a médio prazo, as transferências de

dinheiro deveriam fazer com que as pessoas deixassem de depender destes recursos.

Não há evidência, no entanto, que estas condicionalidades estejam de

fato sendo implementadas, e nem há razões para crer que políticas que busquem

alterar o comportamento quotidiano das pessoas possam ser dirigidas e comandadas a

partir do governo federal, em uma relação direta com as famílias. De uma maneira

geral, chama a atenção que as análises macroeconômicas que buscam estimar o

impacto destes programas deixam de tomar em conta as questões relacionadas ao

sistema federativo e os problemas associados aos diferentes níveis de implementação

dos programas sociais. O governo federal tem condições de redistribuir recursos e

estabelecer sistemas genéricos de incentivo, mas muito pouca capacidade de gerenciar

ações de nível local. De fato, as evidências mostram que se trata de um programa

muito pouco efetivo do ponto de vista educacional, não só pela má focalização, como

também pela impossibilidade de controlar efetivamente sua condicionalidade mínima,

que é o controle de freqüência à escola. Os recursos a ele destinados teriam tido maior

impacto se fossem utilizados para fortalecer as escolas e seus vínculos locais e diretos

com as comunidades das quais participam.

III.2 Resultados recentes do combate à desigualdade e a pobreza noBrasil

Apesar de não serem adequados para erradicar a pobreza no país, os programas

de transferência de renda, juntamente com todas as medidas estruturais adotadas pelo

atual governo brasileiro, têm promovido melhoras significativas no quadro social

brasileiro.

O governo vem aumentando o alcance de seus programas de transferência de

renda, mas o resultado positivo que tem obtido não decorre unicamente deste

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

45

aumento, mas, sim, da combinação com outras medidas estruturais de combate à

desigualdade e a pobreza de forma duradoura, como o aumento do salário mínimo e

melhora na educação com aumento dos índices de escolaridade. Como já mencionado

neste trabalho, os programas de transferência são bastante úteis no sentido de

amenizar a pobreza no curto prazo, a um custo relativamente baixo (menos de 1% do

PIB), porém, o relativo sucesso alcançado pelo governo na redução da desigualdade e

a pobreza nos últimos anos não se deve apenas a estes programas, mas, sim, ao

conjunto das medidas estruturais adotadas pelo governo no longo prazo.

Em decorrência da acentuada redução nos graus de pobreza e de

extrema pobreza, tem-se que, a despeito do crescimento populacional, declinaram

também o número de pobres e de extremamente pobres, e o volume mínimo de

recursos necessários para aliviar a pobreza e a extrema pobreza (tabela 4). O número

de extremamente pobres caiu em 5,6 milhões, e o de pobres em 3,8 milhões, enquanto

o volume de recursos necessários para aliviar toda a pobreza diminuía de R$ 58

bilhões ao ano para R$ 50 bilhões ao ano. Como conseqüência do crescimento da

renda nacional e da redução no volume de recursos necessários, o alívio completo da

pobreza tornou-se ainda mais viável. Enquanto, em 2001, eram necessários no

mínimo 7% da renda das famílias para aliviar toda a pobreza no País, em 2005, eram

precisos apenas 5%.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

46

Tabela 4 - Magnitude da pobreza e extrema pobreza e recursos necessários parasua erradicação no Brasil de 2001 a 2005

Além de ampliados em sua abrangência, os programas de transferência vêm

reduzindo as desigualdades regionais. O gráfico 6 traz a evolução do número absoluto

de famílias beneficiárias e permite observar que o Nordeste é o grande beneficiário do

Programa Bolsa Família. Naquela região se encontram atualmente 50,7% do total de

benefícios concedidos. De 2003 a 2008, o número de benefícios do PBF no Nordeste

passou de 2,1 milhões para 5,6 milhões de famílias, o que sugere que a focalização do

programa foi um sucesso, pelo menos em termos regionais. Se esse crescimento de 3,5

milhões no Nordeste foi grande, também o foi no Sudeste, com a cobertura de outros

2 milhões de famílias carentes, o que faz todo sentido, uma vez que esta é a região

mais populosa do Brasil e segunda em quantidade de pessoas pobres e extremamente

pobres (Sátyro, N; e Soares, S; 2009).

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

47

Gráfico 6 - Evolução de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família entre

2003 e 2008 por região

Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho e Samuel Franco fazem uma

análise interessante, de quais foram os principais fatores responsáveis pela melhora no

quadro social observada recentemente. Avaliam que 20% da redução da desigualdade

se deve aos programas de transferência de renda do governo, e que outros 12% se

devem à redução das desigualdades de renda devidas à educação (Barros, Carvalho et

al., 2006). Outros fatores que teriam contribuído para este resultado seriam o aumento

do salário mínimo (8%), com repercussão nos valores das aposentadorias e a redução

no desemprego (2%). Somados, estes fatores dariam conta de 42% da redução da

desigualdade, ficando mais da metade, portanto, por ser explicada por outros fatores

não identificados. Segundo Sônia Rocha, "apesar de o rendimento médio do trabalho

ter ficado praticamente estável, a forte expansão da ocupação aliada ao aumento dos

rendimentos na base da distribuição foram os principais determinantes para a redução

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

48

da pobreza e da indigência entre 2003 e 2004. Embora o sistema de previdência e de

assistência social, assim como os novos programas de transferência de renda no

âmbito do Bolsa-Família tenham contribuído neste sentido, foi o comportamento do

mercado de trabalho, como é desejável, o fator fundamental para o aumento da renda

das famílias, levando à redução da pobreza e da indigência no período em questão".

Esta mudança na distribuição renda ocorreu apesar de o rendimento do trabalho ter

decrescido nos últimos anos, após um aumento significativo ocorrido na ocasião do

Plano Real.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

49

CONCLUSÃO

O principal objetivo do trabalho foi mostrar o papel da distribuição de renda

extremamente desigual no Brasil como importante fator causador dos elevados índices

de pobreza apresentados no país. A partir das análises feitas ao longo do trabalho

verificou-se que a desigualdade na distribuição de renda no Brasil gera um sério

problema com relação ao nível de pobreza no Brasil. Demonstra-se que o percentual

de pobres e indigentes no país é extremamente elevado se comparado com as demais

nações do planeta, principalmente com países de renda per capita similares à

brasileira.

Outro objetivo do trabalho foi tratar das políticas públicas de transferência de

renda, ressaltando que apesar de o país ter renda suficiente para erradicar toda a

pobreza se esta fosse mais bem distribuída, o trabalho refuta a idéia de que a pobreza

deve ser combatida no Brasil apenas por meio de programas de transferência de renda.

Poderia parecer que esta monografia sugere tais tipos de programa como mecanismo

viável de combate à pobreza, dado que esta tem causa essencialmente distributiva.

Porém, o capítulo que trata dos programas de transferência de renda, além de fazer

uma análise dos principais programas mais recentes de transferência de renda, ressalta

o caráter paliativo de tais programas no combate à pobreza e ao final mostra como o

atual governo brasileiro vem obtendo sucesso na melhora do quadro social brasileiro,

a partir da combinação de políticas de transferência de renda e de medidas que

combatem de forma duradoura as causas do problema distributivo brasileiro.

Entre 2003 e 2008, 32 milhões de brasileiros, ou seja, metade da população da

França ingressou no conjunto das classes A, B e C. O principal fator dessa ascensão

não foram os programas assistenciais, mas a renda do trabalho que também neste

período aumento assombrosamente, o número de postos no mercado correspondem a

oito milhões de vagas entre 2003 e 2009 (Sátyro, N; e Soares, S; 2009).

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

50

Outro objetivo deste trabalho é reconhecer que para reduzir as desigualdades

sociais é preciso pensar, também, nas desigualdades regionais como sendo um entrave

estrutural à redução das desigualdades na distribuição de renda no Brasil.

Ao final do trabalho é importante destacar que a questão da desigualdade de

renda é fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Pela própria definição de país

desenvolvido, que é país com baixa dependência econômica e reduzida desigualdade

social. Neste primeiro aspecto, o Brasil tem demonstrado nas últimas décadas um

desempenho espetacular, tanto que hoje é credor externo líquido, revertendo a posição

desfavorável com a qual conviveu por várias décadas, conjugados com alguns outros

fatores conjunturais que deixam o Brasil em posição bem mais favorável com relação

ao cenário externo. A síntese desta monografia é que o problema da distribuição de

renda no Brasil deve continuar sendo tratada com extrema prioridade pelos gestores

de política econômica no Brasil, e que as políticas de transferência de renda são

importantes, porém, devem ser aplicadas em conjunto com outras medidas estruturais

e duradouras de combate às desigualdades sociais, conforme começou a ocorrer, de

forma mais significativa, nesta década de 2000.

Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro

51

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