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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
UMA ANÁLISE DA DESIGUALDADE SOCIAL EDA POBREZA NO CASO BRASILEIRO
Felipe Lobel Araújo CastroMatrícula nº 105044733
ORIENTADORA: Professora Beatriz Azeredo
DEZEMBRO 2009
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
UMA ANÁLISE DA DESIGUALDADE SOCIAL EDA POBREZA NO CASO BRASILEIRO
Felipe Lobel Araújo CastroMatrícula nº 105044733
ORIENTADORA: Professora Beatriz Azeredo
DEZEMBRO 2009
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................6CAPÍTULO I – O PROBLEMA DA DESIGUALDADE............................................................. 9I.1 – OS DETERMINANTES DA DESIGUALDADE NO BRASIL.................................................10I.2 – DESIGUALDADE REGIONAL ...............................................................................................20CAPÍTULO II - POBREZA: ESCASSEZ DE RECURSOS OU DESIGUALDADE NADISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS?...............................................................................................23II.1 - DESIGUALDADE NA DISTRIBUICAO DE RENDA BRASILEIRA COMO PRINCIPALDETERMINANTE DA POBREZA ...................................................................................................24II.2 – VISAO HISTORICA E ANALISE DA POBREZA NO BRASIL ATE O FIM DA DECADA DE90 ........................................................................................................................................................30II.3 - DECADA DE 2000: MUDANCA NO PARADIGMA DISTRIBUTIVOBRASILEIRO.....................................................................................................................................34CAPÍTULO III - PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA .........................................................38III.1 – LIMITACOES DO BOLSA FAMILIA NO SENTIDO DE ERRADICAR A POBREZA NOPAIS..................................................................................................................................................41III.2 – RESULTADOS RECENTES DO COMBATE A DESIGUALDADE E A POBREZA NOBRASIL..............................................................................................................................................44
CONCLUSÃO.................................................................................................................................49REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................51
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
TABELA 1 – RENDIMENTOS DO TRABALHO E RENTABILIDADE EMPRESARIAL..............15TABELA 2 – EVOLUCAO DA RENDA EM MULTIPLOS DAS LINHAS DE INDIGENCIA E DEPOBREZA NO BRASIL.......................................................................................................................27TABELA 3 – EVOLUCAO TEMPORAL DA INDIGENCIA E DA POBREZA NO BRASIL...........32TABELA 4 – MAGNITUDE DA POBREZA E EXTREMA POBREZA E RECURSOSNECESSARIOS PARA SUA ERRADICACAO NO BRASIL DE 2001 A 2005.................................46
GRÁFICO 1 – BRASIL: CARGA TRIBUTARIA SEGUNDO FAIXAS DO RENDIMENTOFAMILIAR EM 2003 EM (%) .............................................................................................................18
GRÁFICO 2 – PERCENTAGEM DE POBRES NO BRASIL COM A RENDA MEDIA MANTIDACONSTANTE E A DESIGUALDADE DE RENDA IGUAL A VERIFICADA EM CADA UM DOSPAISES.................................................................................................................................................25GRÁFICO 3 – BRASIL – PERSPECTIVA POSSIVEL PARA A POBREZA E DESIGUALDADE EM2016......................................................................................................................................................35GRÁFICO 4 – BRASIL – EVOLUCAO DA QUEDA NO INDICE DE GINI DE DESIGUALDADEDE RENDA E NA TAXA NACIONAL DE POBREZA ABSOLUTA E EXTREMA (EM%).................36GRÁFICO 5 –EVOLUCAO REAL DO SALARIO MINIMO NO BRASIL DE 1995 A 2009 ...........37GRÁFICO 6 – EVOLUÇÃO DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIAENTRE 2003 E 2008 POR REGIÃO.................................................................................................. 47
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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INTRODUÇÃO
Este estudo pretende mostrar o papel da distribuição de renda extremamente
desigual no Brasil, como principal causa dos elevados índices de pobreza
apresentados no país. Como objetivos secundários, o trabalho ainda busca colocar em
evidência outra conseqüência da desigualdade social existente no Brasil que é a
limitação do mercado interno. Outro objetivo secundário é demonstrar através de
análises do programas federais de transferência de renda, que tal tipo de programa não
são adequados para erradicar a pobreza no país, apesar do país ter renda suficiente
para tal façanha. Também é tratada a questão da desigualdade regional, com o
objetivo de demonstrar que esta desigualdade entre as regiões do país é um entrave
estrutural à redução da desigualdade social.
A relevância do tema é clara, tendo em vista que o Brasil é um dos países com
maior desigualdade social no mundo. E a solução do problema da desigualdade é um
determinante central para a redução da pobreza. Tenta-se mostrar neste trabalho, com
base em dados estatísticos e estudos econométricos, que apesar da elevada
desigualdade social, e do alto nível de pobreza, o Brasil não é um país pobre, e sim
um país com muitos pobres. A contraposição desta afirmativa ficará mais evidente no
decorrer do trabalho.
A metodologia adotada baseando as conclusões do estudo em dados
estatísticos e estudos econométricos, que estão expressos em tabelas e gráficos ao
longo do trabalho, foi considerada adequada, pois deixa de forma bem explícita qual é
o principal determinante da pobreza no Brasil. Além disso, utilizou-se de análises
históricas, dados da economia recente e diversos outros artigos sobre o tema para se
chegar às conclusões apresentadas sobre os programas de transferência de renda, e
pela possível expansão do mercado interno com a redução das desigualdades no país.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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Esta monografia se divide em cinco seções principais, organizadas da seguinte
forma: a presente introdução, seguida de três capítulos mais densos e uma conclusão
ao final do trabalho.
No primeiro capítulo, busca-se mostrar como, apesar de toda a concentração
na distribuição de renda observada no Brasil, o país obteve um extraordinário
crescimento econômico. Porém, neste mesmo capítulo, questiona-se, se com uma
distribuição mais igualitária e um mercado interno mais aquecido, não seria possível
obter índices de crescimento ainda mais elevados.
No capitulo seguinte tenta-se demonstrar que apesar de nas décadas recentes o
Brasil ter obtido importante crescimento econômico, tornando- se uma potência
industrial, o quadro de desigualdade social pouco se alterou, e o nível de pobreza
também sofreu pouca modificação. Procura-se mostrar que a política de “crescer o
bolo para depois reparti-lo” não é eficaz do ponto de vista da distribuição de renda.
Procura-se mostrar que o Brasil sem dúvidas cresceu o bolo, com crescimento
acentuado do PIB, e do PIB per capita. Porém, mesmo com um PIB per capita
bastante razoável (maior que o de países pobres e menor do que o de países
desenvolvidos), sem uma distribuição igualitária da renda, o Brasil ainda se encontra
em situação crítica quanto aos níveis de pobreza. O capítulo aborda a questão da
desigualdade regional no Brasil. Esta desigualdade no nível de renda entre as regiões
acaba sendo um entrave estrutural para a redução das desigualdades sociais e dos
níveis de pobreza no país.
O terceiro e último capítulo discorre sobre os programas federais de
transferência de renda. Trata-se de políticas usadas de forma cada vez mais
recorrentes pelos governos recentes. São políticas de cunho distributivo, mas que não
são suficientes para resolver a questão da pobreza e da indigência no Brasil. A
importância deste capítulo é ressaltar mais uma vez que, a pobreza no Brasil é
determinada pela desigualdade na distribuição de renda e não pela escassez de
recursos, pois há o risco de o leitor achar que, simplesmente, com programas de
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transferência de renda poder-se-ia erradicar a pobreza no Brasil, o que, absolutamente,
não é verdade. O capítulo mostra, então, o caráter paliativo e as limitações destes
programas de transferência de renda na solução dos problemas sociais discutidos nesta
monografia.
Por fim, na última seção apresentamos uma conclusão de todo o conteúdo
abordado, com o objetivo de consolidar algumas idéias que podem ser úteis nas
tomadas de decisões das políticas públicas futuras, no sentido de obter-se um
crescimento e desenvolvimento mais igualitário, erradicando, definitivamente e de
forma duradoura, a pobreza no país.
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Capítulo I - O Problema da Desigualdade
Tanto o desenvolvimento quanto a miséria são de responsabilidade coletiva,
não só pelo fator estritamente social, como também pelos aspectos políticos e
econômicos. Não há dúvidas de que em uma sociedade com elevado nível de
desigualdade, o problema social de se ter alguns agentes com renda elevada e outros
com renda várias vezes menor gera problemas sérios de integração e convívio pacífico
entre essas partes. Em sociedades com esta característica de desigualdade acentuada
na distribuição de renda, observam- se graves problemas sociais.
Esta situação faz com que não apenas a parte menos favorecida da
sociedade sofra com o problema. Para a classe mais alta da sociedade não é agradável
conviver com uma população ao seu lado que vive em condições de vida precárias.
Passa a existir certo constrangimento e desconforto, por parte destes mais
privilegiados. Para os menos privilegiados, os problemas decorrentes da desigualdade
são mais evidentes ainda, pois a melhor distribuição de renda juntamente com um
sistema de proteção social mais justo e eficiente poderia proporcionar a estes,
melhores condições de habitação, de saneamento, de educação, de assistência social, e
obviamente maior poder aquisitivo.
O Brasil, entretanto, vem apresentando um modelo de crescimento
econômico que prioriza os interesses das classes mais ricas, perpetuando uma
distribuição de renda extremamente concentrada. Apesar de todos os problemas
evidenciados por esta distribuição desigual da renda, não podemos afirmar que esta
desigualdade social é um entrave ao crescimento econômico. É complicado se fazer
qualquer tipo de afirmação neste sentido, relacionando diretamente o problema da
desigualdade social com o crescimento econômico. Porque é um fato que o Brasil vem
apresentando nas últimas décadas um ritmo de crescimento acelerado, se comparado
com a média mundial, e ao mesmo tempo uma das distribuições de renda com maior
desigualdade no mundo.
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Portanto, nosso objetivo nesta próxima seção é apresentar argumentos,
que expliquem porque o modelo de crescimento brasileiro, teve como conseqüência
uma distribuição de renda tão desigual.
I.1 – Os determinantes da desigualdade no Brasil
Tânia Araújo (2000) aponta quatro principais causas que explicam porque o
Brasil apresenta uma sociedade tão fraturada. Além destas causas apresentadas por
Tânia pode-se acrescentar também o sistema tributário brasileiro, extremamente
regressivo, o qual iremos abordar com mais detalhes ao fim desta secção, como sendo
a quinta causa.
Em primeiro lugar a própria forma como a população tem acesso aos
meios de produção é uma causa para este perfil. A concentração da riqueza e a
dificuldade de acesso aos meios de produção são um traço histórico na formação do
Brasil. A terra, por exemplo, que é um meio de produção importante, tem uma história
de concentração muito forte e uma fantástica resistência posterior à desconcentração.
Passando da agricultura para a indústria, verifica-se também que o perfil de acesso aos
meios de produção necessários à atividade industrial também é muito concentrado. O
Brasil está entre os países onde o padrão oligopolizado no setor secundário é um dos
mais fortes (Tânia, 2000). No setor da construção civil, quantas empresas respondem
por 80% da produção? Na produção de cimento, por exemplo, duas empresas geram
75% da produção (Belluzo, 2002). Também na produção de bens simples, como pasta
de dentes, apenas duas empresas dominam a produção. Dos bens mais simples aos
mais complexos, a concentração dos meios de produção é uma marca do perfil
produtivo brasileiro. Logo, se a forma de organizar a produção é concentrada,
conseqüentemente, a apropriação da renda também será concentrada.
A segunda explicação é a orientação da produção, resultado do modelo
de desenvolvimento seguido pelo país e que, no essencial, continua em vigor. Tem
sido um modelo orientado para dois grandes mercados: o das elites e classe média alta
brasileira; e o das exportações. O país é capaz de apresentar grande dinamismo
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econômico, tem uma enorme capacidade de dar respostas aos desafios, mas o governo
insiste em dar preferência a determinados mercados que são vistos com mais interesse
pelas elites nacionais. O parque industrial foi montado para esses mercados, que são
muito dinâmicos e, por isso, estimulam respostas tão eficientes. O mesmo país que é
capaz de ter uma economia e uma indústria tão dinâmica não consegue ter padrões de
consumo semelhantes a outros países com renda e dinamismo muito menores. Por
exemplo, o consumo médio de tecidos (metros por pessoa/ ano), um bem de consumo
simples, é muito pequeno no Brasil, se comparado a países de nível equivalente de
renda; o mesmo também ocorre no caso do consumo de alimentos, sapatos, etc. O
significado disto é que conforme foi mencionado na primeira seção deste trabalho,
ainda há um enorme espaço a ser construído, visando o consumo de massa, que não
foi priorizado na trajetória recente da economia brasileira.
A terceira explicação está, certamente, no papel do Estado. Na realidade, foi
ele o grande agente promotor desse tipo de orientação. Quem patrocinou a
oligopolização foi o próprio Estado brasileiro. Foi ele quem patrocinou esta orientação
para a demanda das classes de renda alta e para o exterior. Em geral, ele não atua
contestando as tendências naturais de uma economia capitalista. Atua consolidando,
reforçando estas tendências. Lídia Goldenstein, 1994, faz duas observações muito
importantes para compreender o papel do Estado brasileiro na montagem desse
modelo de desenvolvimento. Ela diz, inicialmente, que aqui atuou um Estado
desenvolvimentista, o que é inegável. Ele foi o grande patrocinador da expansão da
atividade econômica no Brasil nos anos recentes. O Estado do Bem-Estar Social se
desenvolvia em outras regiões do planeta, principalmente após a Segunda Guerra. Não
foi esta a opção brasileira. O Brasil nunca teve um Estado essencialmente provedor de
saúde, educação, saneamento básico, etc. Teve um Estado que construía estradas,
montava sistemas de comunicação, estatizava empresas para modernizá-las e ofertar
insumos básicos a preços competitivos, muitas vezes a preços menores do que o custo
de produção para alavancar a atividade industrial no país. O Estado era o grande
condutor do que os marxistas chamariam de “desenvolvimento das forças produtivas”.
Foi essa a tarefa básica que o Estado atribuiu a si próprio. Ela, aliás, aparece nos
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diversos slogans de vários governos brasileiros do passado recente: “Fazer cinqüenta
anos em cinco”, de Juscelino Kubitschek, ou “Construir o Brasil Grande”, do governo
militar. Estes são os grandes lemas que orientaram as políticas econômicas. Por isso
mesmo, tem-se um Estado muito ausente no campo social. Todos os meios, toda a
energia do Estado estavam concentrados na tarefa de construir a oitava economia
industrial do planeta, ou o Brasil, grande potência econômica.
Goldenstein diz que o Estado desenvolvimentista brasileiro tem outra
característica: é um Estado desenvolvimentista conservador. Mesmo no mundo
capitalista, existiriam outros Estados contemporâneos que foram transformadores. Ela
dá dois exemplos, em seu livro: o Japão, que não é produto das livres forças do
mercado, mas de uma articulação exitosa entre o Estado e a sociedade japonesa, que
tinham um grande projeto conjunto a realizar. A grande tarefa do Estado Japonês foi
disseminar o acesso à educação. Não foi o setor privado que fez isso, foi o Estado.
Hoje, o acesso generalizado a esse bem básico – o conhecimento – dá suporte à
trajetória futura do Japão. Lá, foi o Estado que implementou essa decisão estratégica.
Foi ele que apoiou o modelo futuro de desenvolvimento baseado nessa vantagem
competitiva, que é a mão de obra japonesa mais bem qualificada. Assim, como Lídia
deixa claro em sua análise, o Estado japonês penetrou na sociedade e democratizou o
acesso a um bem estratégico que é o conhecimento. O Estado brasileiro nunca fez
isso. A revolução educacional está por ser feita no Brasil, em pleno século XXI. As
elites não têm essa sensibilidade, e o Estado brasileiro sempre se negou a fazer isso.
Ele faz estradas, produz energia, concede subsídios, financia investimentos, mas não
faz a revolução educacional que o Estado capitalista japonês promoveu. O segundo
exemplo que Lídia Goldenstein nos apresenta é o da Coréia, onde o Estado fez a
reforma agrária, que serviu de base para o desenvolvimento industrial. O Estado
interferiu nas relações de propriedade da terra, fez a distribuição e, a partir da reforma
agrária estimulou a montagem do parque industrial, que depois se internacionalizou.
Mas, antes da internacionalização intensa da base produtiva sul-coreana, o Estado
promoveu o acesso a esse meio de produção básico, a terra. No Brasil, o Estado
desenvolvimentista sempre fez o contrário: evitou enfrentar a questão fundiária,
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herdada da própria formação colonial do país. Em todos os aspectos políticos
dominantes, os oligarcas estavam presentes e sempre cobravam tal manutenção da
concentração fundiária. Não é à toa que no Brasil se monta uma fantástica rede
industrial e urbana, não se faz uma reforma agrária, mas também não se tem uma crise
agrícola. O Brasil é um país que consegue colocar mais de 70% da população nas
cidades em cerca de meio século e ser um grande produtor de alimentos, sem fazer
reforma agrária. É que a base agropecuária transbordou para o Centro-Oeste. Nessa
região, foi preciso construir cidades, levar estradas, montar sistemas inteiros de
comunicação e de armazenagem – tudo isso a um custo elevado – para não mexer com
a estrutura de propriedade nas áreas de ocupação já consolidadas. Eis aí uma marca do
Estado brasileiro, que Lídia Goldenstein, percebeu muito bem.
A quarta grande explicação não é econômica, mas sim cultural: trata-se da
mentalidade da elite brasileira. Por que a remuneração ao trabalho, principalmente aos
trabalhos das classes mais desfavorecidas é tão baixa? Por que um país tão dinâmico
como o Brasil tem um salário mínimo tão vergonhoso? Não seria possível ter um
salário mínimo maior? Do ponto de vista econômico, não há dúvidas que sim. Nas
fases de expansão a produtividade cresceu muito e certamente comportaria um salário
mínimo muito maior. O problema é que o salário mínimo no Brasil é indexador de
diversas outras remunerações, e não apenas de trabalhadores de baixa renda. Por
exemplo, alguns profissionais, das classes média e alta, como engenheiros, médicos
ou economistas, podem ter seus salários indexados a um determinado múltiplo do
salário mínimo. É muito comum ver empresas que determinam os salários de seus
funcionários, inclusive os de alto escalão, a uma quantidade fixa de salários mínimos.
Logo um aumento do mínimo não terá um efeito redistributivo pleno. Porque além
dos trabalhadores das classes menos favorecidas, as classes média e alta da sociedade
também terão reajustes em suas remunerações. A previdência também é indexada ao
salário mínimo, o que provoca grande ônus ao Estado em caso de elevação do salário
mínimo. Ou seja, caso o Estado opte por uma política de redução da desigualdade
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social através de uma elevação do mínimo, incorrerá num aumento dos gastos
previdenciários, o que limitaria a política fiscal do governo, logo não é desejável.
Outro fator que dificulta o aumento da remuneração aos trabalhos das classes
mais pobres é a própria visão da elite brasileira. Parece que a visão desta elite é ainda
a da escravidão, na qual o trabalhador é visto apenas como alguém que existe para
produzir. Esta não é a visão dos países capitalistas mais avançados. Nestes países
ricos, os trabalhadores são vistos também como consumidores, além de produtores.
Percebe-se que é bom para o dinamismo econômico se o trabalhador tiver renda para
consumir, porque isso amplia a economia de mercado.
Para as elites brasileiras, não. Dificilmente existirá, no mundo, outro país onde
as margens de lucro sejam tão fantásticas. Porque a economia do Brasil cresce tanto,
mesmo adotando este modelo de crescimento com renda tão concentrada? Em parte
porque as margens de lucro são elevadíssimas aqui e por isso acabam atraindo capital.
Para ilustrar estas elevadas margens obtidas no Brasil, vale observar o gráfico abaixo
e o exemplo que se segue.
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Tabela 1: Rendimentos do trabalho e rentabilidade empresarialPaís Massa salarial (%) RentabilidadeAlemanha 50 27Estados Unidos 41 32Dinamarca 56 22Espanha 46 23Portugal 42 22África do Sul 55 16Turquia 34 30Bangladesh 33 32Hong-Kong 52 19Coréia do Sul 30 30México 37 35Chile 19 60Colômbia 19 54Brasil 17 52
Índices de massa salarial (em percentagem do valor da produção) e da rentabilidade (estimada segundotaxa de mark up, ou seja, a margem de lucro arbitrada sobre os custos) das indústrias de paísesselecionados. Note-se a posição peculiar do Brasil.
Fonte: Adaptado de um estudo de Tânia Bacelar de Araujo, 2000.
Recentemente um turista que esteve no Recife, hospedado em um hotel quatro
estrelas que tinha quase cem leitos e diária de US$ 120, perguntou a telefonista quanto
ganhava. A resposta foi: R$ 470 por mês. Na outra semana ele foi à Europa e,
coincidentemente, hospedou-se num hotel semelhante, com aproximadamente a
mesma quantidade de leitos e diária também de US$ 120. A renda total auferida
aproximadamente nos dois empreendimentos a plena capacidade, era, portanto a
mesma. Porém no hotel localizado na Europa, a telefonista ganhava US$ 1800 por
mês. A mesma lógica é aplicável aos demais custos do empreendimento no Brasil, e
ao europeu, que tem custos muito mais elevados. Pode-se observar a partir deste
simples exemplo que a diferença associada às margens de lucro é enorme, mesmo que
se considere a existência de diferenças nos impostos, e na taxa média de ocupação. As
elevadas margens de lucro estão impregnadas em nossa mentalidade empresarial.
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O foco dessa diferença é muito mais profundo: está também na visão de
mundo, na percepção do que grande parte do empresariado tem de si mesmo e do
resto da sociedade. Tal diferença não encontra explicação apenas econômica. Esta
mentalidade está impregnada no tecido social e é muito difícil de mudá-la.
Uma das formas de mudar esta mentalidade seria através de uma reforma
educacional, semelhante à japonesa, citada anteriormente. A partir de uma reforma
deste tipo, a população mais instruída, e com melhor qualificação para o mercado de
trabalho, teria maior poder de barganha nas negociações por salários, o que
fortaleceria a tendência de redução das desigualdades.
E, finalmente, a quinta grande causa para explicar a distribuição de renda
desigual no país, o sistema tributário brasileiro. O sistema tributário, apesar das
reformas da década de 60 e pós-constituição de 88, nunca perdeu sua característica
marcante de regressividade. Na década de 60, a reforma tornou o sistema mais
moderno e centralizado. Moderno pela utilização de imposto sobre o valor agregado,
em maior proporção do que impostos cumulativos, isto fez com que o sistema se
tornasse mais neutro com relação à cadeia produtiva, na medida em que não favorecia
cadeias de produção mais verticalizadas, o que nem sempre é o mais eficiente do
ponto de vista produtivo para as empresas. E centralizado por concentrar na União
mais a arrecadação tributária e gastos. Já na reforma de 88, a principal mudança foi a
descentralização tributária, o que gerou algum problema orçamentário para União, à
medida que descentralizou a arrecadação, mas o ônus dos gastos não foram
transferidos aos estados e municípios na mesma proporção. Ou seja, apesar de o
sistema tributário ter sido mais ou menos centralizado em alguns períodos, o caráter
regressivo do sistema tributário brasileiro não sofreu alterações significativas ao longo
dos últimos anos. Os agentes econômicos com grandes diferenças de renda não sofrem
na mesma medida uma grande diferença na tributação. Um sistema não regressivo (ou
progressivo) é aquele que cobra alíquotas maiores daqueles que têm maior capacidade
de pagamento. Para isso, a tributação deve se basear mais na renda e no patrimônio,
pois estas duas bases de incidência refletem mais a capacidade de pagamento das
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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pessoas. A maior tributação sobre a renda das pessoas físicas tornaria o sistema mais
progressivo também, pois os impostos pessoais podem ser dosados conforme a renda
do contribuinte, sendo que a possibilidade de transferência da carga para outros
contribuintes é menor do que no caso de impostos sobre produtos e empresas. Estes
últimos à medida que tendem a ser transferidos para os consumidores, tendem a ser
mais regressivos. O nível de tributação de pessoas físicas no Brasil tende a ser baixo
em comparação com os padrões internacionais. Sendo assim, a participação da
tributação sobre pessoa física na arrecadação do imposto de renda, ainda que maior do
que a de países latino americanos é muito inferior a de países desenvolvidos. Outro
aspecto relevante do sistema tributário brasileiro é a excessiva participação dos
tributos sobre bens e serviços na arrecadação. Este tipo de tributação indireta traz um
alto grau de regressividade à carga tributária, à medida que acaba onerando as pessoas
de menor rendimento, no mesmo montante que a pequena parcela da população cuja
renda apresenta uma alta participação no PIB. Estes tributos indiretos, ao tributarem o
consumo, não levam em conta a capacidade de pagamento dos agentes, logo não
permitem que através desta forma de tributação sejam cobradas diferentes alíquotas
dos mais ricos e mais pobres. Além do problema, claro, que esta tributação é não
neutra, ou seja, reduz a competitividade dos produtos nacionais, tanto domesticamente
como internacionalmente, uma vez que o insumo sofre tributações, cada etapa da
cadeia produtiva é tributada, o que torna o produto final mais caro. Mas, esta questão
de competitividade das empresas não é foco deste trabalho, portanto não iremos
explorar aqui.
O sistema tributário brasileiro por ser extremamente regressivo, acaba
assentando a arrecadação tributária fundamentalmente sobre a base da pirâmide social
do país, o que significa dizer que os segmentos de menor rendimento terminam
contribuindo relativamente mais para a formação do fundo que sustenta o conjunto
das políticas públicas brasileiras
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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Gráfico 1Brasil: carga tributária segundo faixas do rendimento familiar em 2003 (em %)
Fonte: IBGE/POF/Fipe Texto para Discussão nº3/2007 (elaboração Ipea)
Os entraves da tributação podem ser superados com uma reforma que busque a
progressividade dos atuais impostos e taxas. Isso significa necessariamente o alívio da
carga tributária indireta sobre os segmentos de menor renda, bem como a introdução
de novos tributos sobre os estratos sociais ricos, o que permitiria ao País avançar nas
políticas de caráter mais redistributivo.
O fato é que para reduzir, ou pelo menos não aumentar ainda mais o grau de
concentração de renda, observado hoje no Brasil, seria necessário uma estrutura
tributária mais progressiva, que incida muito mais sobre a renda e o patrimônio do que
sobre o consumo, taxando com alíquotas mais elevadas os que têm maior capacidade
de contribuição. Portanto, é recomendável que o Imposto de Renda de Pessoa Física
(IRPF) seja utilizado de forma mais intensa e progressiva como forma de atenuar o
problema da desigualdade social no Brasil.
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Os problemas da desigualdade analisados até aqui, estão explícitos também no
desenvolvimento extremamente desigual entre as regiões do país. A desigualdade
regional é um problema estrutural da desigualdade social no Brasil. Analisaremos
mais profundamente esta questão no capítulo seguinte.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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I.2 - Desigualdade regional
Entre 1940 e 2000, a população brasileira se multiplicou por quatro, subindo
de 41 para 170 milhões de habitantes, embora a taxa de crescimento demográfico
tenha caído expressivamente nas últimas décadas deste período destacado.
Por sua vez, o crescimento demográfico brasileiro não se fez de maneira
uniforme entre as regiões, em função não só das diferenças regionais de fecundidade,
mas, principalmente, pelos movimentos migratórios. O resultado foi a continuação do
processo distorcido de distribuição populacional entre as regiões brasileiras. Além
disso, o crescimento demográfico foi acompanhado de um rápido processo de
urbanização, principalmente a partir do desenvolvimento industrial, e de seus
impactos na renda e nos serviços urbanos. Entre 1940 e 2000, o grau de urbanização
(percentual da população vivendo em cidades) subiu de 30% para 80% (Diniz, 2002).
De fato, a urbanização foi um fenômeno mundial que ocorreu ao longo do século XX.
De forma similar ao crescimento demográfico, segundo Diniz mostra em sua análise,
o processo de urbanização ocorreu com forte diferenciação entre os estados e as
regiões brasileiras, sendo que em alguns estados o grau de urbanização superava os
95% (São Paulo e Rio de Janeiro), enquanto em outros ainda era de 50% (Maranhão e
Pará).
O crescimento demográfico, conjugado com o processo de urbanização,
implicou o aumento da rede urbana das cidades com população acima de 50.000
habitantes. De 38 cidades em 1950, para 124 em 1970, e 409 em 2000, sendo 202 com
população superior a 100.000 habitantes. Como muitas dessas cidades têm suas áreas
urbanas contíguas a outras, amplia-se o tamanho das concentrações urbanas. Este é
um dos aspectos dramáticos da urbanização brasileira. Existem hoje no Brasil 16
aglomerações urbanas com mais de um milhão de habitantes cada, lideradas pelas
megametrópoles São Paulo e Rio de Janeiro, mas seguidas por várias outras. Esta
concentração urbana, sem o correspondente crescimento da oferta de moradias,
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saneamento, emprego e renda, leva parte da população a viver em condições
subumanas, em favelas ou outras formas precárias, onde proliferam a miséria, a
degradação humana e o crime organizado.
A reconfiguração da rede urbana é resultado e, ao mesmo tempo, determinante
da nova geografia econômica do país. Como se observa, a rede urbana das regiões
Sudeste e Sul e o desenvolvimento do sistema de transportes e comunicações
fortalecem a integração econômica desta macrorregião, e reforça o padrão macro
espacial de concentração industrial e de serviços (Cano, 2002). Em segundo lugar,
observa-se o crescimento das cidades médias nas regiões agrícolas mais
desenvolvidas, seja nas áreas consolidadas das regiões Sudeste e Sul, a exemplo dos
oestes de São Paulo e Paraná, seja na fronteira agropecuária extensiva. Ao contrário,
na região Nordeste, não se desenvolve uma rede de cidades de porte de médio.
Prevalece a alta concentração urbana nas principais capitais (Salvador, Recife,
Fortaleza) e, secundariamente, nas demais (Cano, 2002). Além de não se formar uma
rede urbano-industrial e de serviços integrada, a grande concentração da população em
poucas cidades agrava os problemas sociais de emprego e habitação.
Dois dados são interessantes nesta análise da desigualdade regional no Brasil,
estes são: a concentração de computadores nas regiões Sul e Sudeste e a evolução
recente dos coeficientes de Gini nas diferentes regiões do país.
As regiões Sul e Sudeste concentram cerca de 80% dos computadores
existentes no Brasil. Os números da PNAD sobre computador nos domicílios embora
mostrem algum avanço em relação aos dados de 2007, ainda revelam desigualdade no
acesso a essa tecnologia. Pelo menos três em cada dez domicílios brasileiros tinham
computador em 2008, totalizando 18 milhões de residências. Além disso, apenas dois
em cada dez eram conectados à internet, somando quase 14 milhões. Mais da metade
dos domicílios do país que têm computador está localizada no Sudeste (10 milhões),
região que também concentra a maior proporção de domicílios conectados à internet
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
22
(31,5%). Em seguida vêm o Sul (28,6%) e o Centro-Oeste (23,5%). Nos últimos
lugares aparecem as regiões Norte (10,6%) e Nordeste (11,6%).
A evolução do indice de Gini mostra uma queda desigual desse indicador, de
2007 para 2008, entre as regiões do país. Nas regiões Norte (de 0,494 para 0,479),
Sudeste (de 0,505 para 0,496) e Sul (de 0,494 para 0,486). Manteve o mesmo índice
de concentração de rendimentos a Região Nordeste (de 0,547 para 0,546) e o
Centro-Oeste (0,552), que continuou liderando o ranking de desigualdade. Este último
dado preocupa, à medida que o Centro-Oeste é a região brasileira em que mais cresce
o PIB e a população, fortemente puxada pela expansão do agronegócio e da
agro-indústria. Tal dado deve piorar para 2009, pois as atividades agrícolas foram
severamente prejudicados com a queda das exportações de commodities provocadas
com crise econômica mundial.
A desigualdade regional é um dificultador para qualquer plano do governo que
procure promover o desenvolvimento de uma região mais atrasada para reduzir as
desigualdades na distribuição de renda entre as regiões do país. A desigualdade
regional é um entrave estrutural para que se obtenha no país um grau de desigualdade
menor, com uma distribuição de renda mais igualitária na sociedade. O
desenvolvimento regional é uma questão central neste trabalho, pois é uma forma de
reduzir-se as desigualdades entre as regiões, o que facilita uma redução das
desigualdades na sociedade como um todo.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
23
Capítulo II - Pobreza: Escassez de Recursos ou Desigualdadena Distribuição de Recursos?
A pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e
universal, contudo, podemos afirmar que a pobreza refere-se a situações de carência
em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente
com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. Desse modo
a abordagem conceitual de pobreza absoluta requer que possamos, inicialmente,
construir uma medida invariante no tempo das condições de vida dos indivíduos em
uma sociedade. A noção de linha de pobreza equivale a esta medida (Barros;
Henriques; e Mendonça, 2001). Em última instância, uma linha de pobreza pretende
ser o parâmetro que permite a uma sociedade específica considerar como pobres todos
aqueles indivíduos que se encontrem abaixo do seu valor. Portanto, iremos considerar
neste trabalho, que há pobreza apenas na medida em que existem famílias vivendo
com renda familiar per capita inferior ao nível mínimo necessário para que possam
satisfazer suas necessidades mais básicas. A magnitude da pobreza está diretamente
relacionada ao número de pessoas vivendo em famílias com renda per capita abaixo
da linha de pobreza e à distância entre a renda per capita de cada família pobre e a
linha de pobreza. A definição de linha de pobreza que será utilizada neste trabalho é
baseado na definição do IPEA, que define como pobre o indivíduo com renda mensal
abaixo de ½ salário mínimo. E individuo indigente aquele com renda mensal abaixo
de ¼ de salário mínimo.
Uma vez explicado o conceito de pobreza, vale dar ênfase agora, aos
determinantes imediatos da pobreza. Dentre estes, destacam-se dois fatores: a escassez
de recursos e a desigualdade na distribuição dos recursos. A seguir, faremos uma
análise do caso brasileiro, discutimos a partir de dados estatísticos, pesquisas, e
análises do quadro brasileiro, qual destes dois fatores têm maior peso na determinação
da pobreza no país.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
24
II.1 - Desigualdade na Distribuição de Renda Brasileira Como PrincipalDeterminante da Pobreza
O Brasil é uma sociedade enormemente fraturada. Segundo o relatório recente
do Banco Mundial, é o país com mais elevado grau de concentração de renda. Os 10%
mais ricos têm quase a metade da renda (48%), e os 20% mais pobres têm apenas 2%.
Existe um enorme hiato entre os mais ricos e os mais pobres. Se considerarmos os
países com nível médio de renda por habitante, como é o caso do Brasil, não existe
hiato semelhante no mundo. O perfil da nossa distribuição de renda é igual ao da
Guatemala, de Serra Leoa ou de Honduras, que são países pequenos. Entre países
médios, importantes no cenário mundial, não há exemplo de tamanha fratura
econômica, social e regional, como a que existe no Brasil. Conforme enunciado
acima, iremos fazer nesta seção uma análise de quais fatores determinantes da pobreza
mais se aplicam ao caso brasileiro. Para chegar a esta conclusão iremos utilizar alguns
dados da Tabela 2, que nos mostra a evolução da renda em múltiplos da linha de
indigência e de pobreza no Brasil. E utilizaremos também os dados do Gráfico 2, que
nos fornece uma comparação da porcentagem de pobres no Brasil, caso tivéssemos
uma desigualdade de renda igual a de outros países da América Latina.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
25
Gráfico 2 - Percentagem de pobres no Brasil com a renda média mantida constante e a
desigualdade de renda igual à verificada em cada um dos países
Fonte: BID, 2001
Conforme se observa no gráfico, se o Brasil tivesse uma distribuição de renda
semelhante a do Uruguai, país com distribuição mais igualitária na América Latina, e
mantendo a mesma renda per capita média observada no Brasil, o nível de pobreza
brasileiro se reduziria em mais de 20%. A partir deste exercício, podemos sugerir que
quase dois terços da pobreza no Brasil podem estar associados ao diferencial no grau
de desigualdade da distribuição de renda existente entre o Brasil e o Uruguai. Este
exercício estático e comparativo pretende simplesmente tornar evidente o peso da
estrutura da distribuição de renda brasileira na explicação da existência de um enorme
contingente de pobres no país. Pode-se notar que apesar de termos um nível de renda
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
26
per capita mais elevado do que as demais nações latino americanas, temos um dos
maiores índices de pobreza.
O Brasil, por mais que se encontre em uma situação extremamente crítica em
todos os rankings que relacionam os países com maiores índices de pobreza, com
cerca de 40% de sua população abaixo da linha da pobreza, não pode ser qualificado
como um país pobre. Porque conforme nos é apresentado na Tabela 2, o Brasil dispõe
de renda familiar per capita e PIB per capita cerca de cinco a oito vezes superior à
linha de indigência e três a quatro vezes à linha de pobreza. Estes dados nos ajudam a
responder nossa questão, pois demonstram que no Brasil não há escassez de recursos,
na medida em que os recursos do país são comprovadamente mais do que suficientes
para erradicar toda a pobreza no país. Ou seja, podemos concluir que o problema não
está na quantidade de renda, ou pobreza absoluta do país, mas sim na pobreza relativa.
O Brasil precisa se preocupar em formas de distribuir a renda de forma mais
equitativa, mudando o paradigma de que a equidade das classes será alcançada através
de crescimento econômico.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
27
Tabela 2Evolução da renda em múltiplos das linhas de indigência e de pobreza no Brasil
Indigência PobrezaAno PIB per
capita emmúltiplos da
linha deindigência*
Renda familiar per capita emmúltiplos da
linha deindigência
Volume deRecursos
necessáriospara erradicar aindigência ( embilhões R$) **
PIB percapita emmúltiplos
da linha depobreza*
Rendafamiliar per
capita emmúltiplos da
linha depobreza
Volume deRecursos
necessáriospara erradicar apobreza ( em
bilhões R$) **1977 6,6 4,7 3,8 3,3 2,3 22,7
1978 6,8 3,9 6,6 6,6 1,9 28,7
1979 7,1 4,3 3,9 3,9 2,1 23,6
1981 7,1 4,2 5,4 5,4 2,1 29,4
1982 7 4,3 5,8 5,8 2,1 30,6
1983 6,7 3,6 7,7 7,7 1,8 38,7
1984 6,9 3,6 7,1 7,1 1,8 38,1
1985 7,3 4,3 6 6 2,1 33
1986 7,7 5,6 2,9 2,9 2,8 19,4
1987 7,8 4,3 6,3 6,3 2,2 32,6
1988 7,6 4,4 8,1 8,1 2,2 38,7
1989 7,7 4,9 7,7 7,7 2,5 37,3
1990 7,3 4,9 8,2 8,2 2,5 39
1992 7,1 3,9 7,8 7,8 2 35,5
1993 7,3 4,1 7,8 7,8 2 36,3
1995 7,8 5,5 5,7 5,7 2,7 29,1
1996 7,9 5,7 6,3 6,3 2,8 30
1997 8,1 5,7 6,2 6,2 2,8 30,1
1998 8,7 5,5 5,7 5,7 2,8 28,9
(*) As linhas de indigência e pobreza utilizadas foram as da Região Metropolitana de São Paulo.(**) Valores deflacionados para setembro de 1998. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
28
Para corroborar ainda mais a validade da hipótese de que a variável prioritária
que precisamos tratar para reduzir a pobreza no Brasil é a desigualdade, dispomos de
outro estudo empírico (Datt e Ravallion, 1992), onde os autores analisam que o índice
de pobreza brasileiro teria caído cerca de 5% com o crescimento dos anos 80, caso a
distribuição de renda fosse neutra, o que reforça ainda mais a importância da melhor
distribuição para se erradicar a pobreza.
Fica claro então, o problema da desigualdade pela ótica da linha de pobreza,
ou seja, fica evidente como o Brasil poderia reduzir seu percentual de famílias abaixo
da linha de pobreza, caso tivesse uma distribuição mais igualitária. Porém, podemos
confirmar tal fato por uma outra ótica, que são as próprias estatísticas de distribuição
de renda, como o coeficiente de Gini e a razão 10/40 (este indicador mostra quantas
vezes a renda dos 10% mais ricos da sociedade é maior do que a dos 40% mais
pobres).
A comparação internacional entre os coeficientes de Gini revela que apenas a
África do Sul e Malawi têm um grau de desigualdade maior que o do Brasil. O
coeficiente de Gini do Brasil, com valor próximo de 0,60, representa, no conjunto de
92 países com informações disponíveis, um padrão alcançado apenas pelos quatro
países com maior grau de desigualdade: Guatemala, Brasil, África do Sul e Malawi.
Na realidade, 40 de 92 países analisados dispõem de um coeficiente de Gini no
intervalo entre 0,30 e 0,40, sendo que a maioria dos países sul-americanos apresenta
valores mais elevados, no intervalo entre 0,45 e 0,60 (Barros; Henriques; e Mendonça,
2001).
Iremos analisar também, a razão entre a renda média dos 10% mais ricos e a
renda média dos 40% mais pobres para cerca de 50 países, segundo estudo elaborado
por (Hoffman, 1999). Devemos lembrar que quanto menor for a razão entre essas
rendas médias, mais equânime será a estrutura distributiva, com os mais ricos retendo
uma renda média de valor relativamente próxima a dos mais pobres. Esta medida da
estrutura de concentração da renda revela, para a grande maioria dos países, uma
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
29
razão com valor inferior a 10, sendo que somente em seis países essa razão é superior
a 20. De fato, podemos identificar um certo padrão na distribuição internacional, com
alguns países, como os Estados Unidos, gravitando em torno do valor 5, outros, como
a Argentina, em torno de 10 e, finalmente, alguns, como a Colômbia, em torno do
valor 15. O Brasil, por sua vez, é o país com o maior grau de desigualdade dentre os
que dispomos de informações, com a renda média dos 10% mais ricos representando
28 vezes a renda média dos 40% mais pobres. Um valor que coloca o Brasil como um
país distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário internacional, como
razoável em termos de justiça distributiva.
Os valores contundentes reportados nesta seção não deixam dúvidas quanto à
posição singular do Brasil, com o seu grau de desigualdade figurando entre os mais
elevados do mundo. Desta constatação podemos deduzir, com grande segurança, que
o extraordinário grau de desigualdade de renda brasileiro encontra-se no núcleo da
explicação do fato de o grau de pobreza no Brasil ser significativamente mais elevado
que o de outros países com renda per capita similar. Ou seja, como a renda está
extremamente concentrada, mesmo tendo um montante de renda no país que seria
suficiente para erradicar a pobreza por completa no país, a concentração acaba
gerando escassez de renda para uma parcela significativa da população.
Diante destes fatos existe um consenso no Brasil, dentre os especialistas no
assunto, de que há um excesso de desigualdade no país. Há necessidade de inflexão
dos mecanismos geradores e mantenedores da desigualdade, para se pavimentar um
caminho para o desenvolvimento, onde a redução das desigualdades seja prioritária.
Contudo não há consenso sobre quais seriam os instrumentos e os investimentos
sociais adequados a esta inflexão, em outras palavras, não há consenso sobre o
delineamento desta via de desenvolvimento.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
30
II.2 - Visão histórica e análise da pobreza no Brasil até o fim da décadade 90
O Brasil desde o início de sua industrialização, e mais acentuadamente durante
as décadas de 70 e 80, priorizou o crescimento econômico, sem maiores preocupações
com a distribuição da renda. A filosofia sempre foi a de “crescer o bolo para depois
reparti-lo”, mas esta repartição nunca ocorreu de fato. O grande problema de um país
adotar este tipo de postura é que apesar destas políticas de crescimento do PIB terem
um efeito nítido favorável à redução da pobreza absoluta do país, o mesmo efeito não
é notado sobre a pobreza relativa, devido à má distribuição da renda.
Em estudo empírico, Sainz e Fuente (2001), mostram que nas duas últimas
décadas o crescimento na América Latina, além de baixo foi fortemente desigual. A
importância do estudo destes autores é a constatação de que nos anos de crise da
década de 80, as famílias mais pobres tiveram um crescimento de suas rendas, abaixo
da média nacional. E na década seguinte, quando algumas nações esboçaram uma
recuperação da economia, como foi o caso da economia brasileira, estas famílias mais
pobres não conseguiram obter ganhos que compensassem a perda da década anterior.
Para corroborar de forma ainda mais enfática com a situação da pobreza no
Brasil no período mencionado, utilizamos e analisamos os resultados das PNADs
(PNAD é a abreviação para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, realizada
pelo IBGE) de 1977 a 1998. Os resultados revelam que em 1998, cerca de 14% da
população brasileira vivia em famílias com renda inferior à linha de indigência e 33%
em famílias com renda inferior à linha de pobreza. Estas linhas são determinadas pelo
IBGE como a renda mínima necessária para atender às necessidades básicas dos
indivíduos. Ou seja, os indivíduos que se encontram abaixo da linha de pobreza não
têm poder aquisitivo para suprir as suas necessidades básicas, enquanto que os
indivíduos abaixo da linha de indigência são aqueles que vivem na miséria. Deste
modo, como vemos na Tabela 2, cerca de 21 milhões de brasileiros podem ser
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
31
classificados como indigentes e 50 milhões como pobres, representando 47% da
população.
Ao longo das últimas duas décadas, como observamos nesta tabela, a
intensidade da pobreza manteve um comportamento de relativa estabilidade, com
apenas duas pequenas contrações, concentradas nos momentos de implantação dos
planos Cruzado e Real. O comportamento estável da pobreza no Brasil, com a
porcentagem de pobres oscilando entre 40% e 50% da população, apresenta flutuações
associadas, sobretudo, à instável dinâmica macroeconômica do período. O grau de
pobreza atingiu seus valores máximos durante a recessão do início dos anos 80, em
1983 e 1984, quando a porcentagem de pobres ultrapassou a barreira dos 50%. As
maiores quedas resultaram, como dissemos, dos impactos dos planos Cruzado e Real,
fazendo a porcentagem de pobres cair abaixo dos 30% e 35%, respectivamente.
Considerando o período em análise como um todo, constatamos que a
porcentagem de pobres declinou de cerca de 39% em 1977 para cerca de 33% em
1998. Este valor ao final da série histórica analisada, apesar de ainda ser
extremamente alto, aparentemente representa um novo patamar do nível de pobreza
nacional. A velocidade da queda na magnitude da pobreza ocorrida entre 1993 e 1995
foi menor do que em 1986. No entanto, a queda de 1986 não gerou resultados
sustentados, com o valor da pobreza retornando no ano seguinte ao patamar vigente
antes do Plano Cruzado. Entre 1995 e 1998 a porcentagem de pobres permaneceu
estável em torno do patamar de 34%, indicando a manutenção dos impactos do Plano
Real. Apesar da pequena queda observada no grau de pobreza, o número de pobres no
Brasil, em decorrência do processo de crescimento populacional, aumentou em cerca
de 10 milhões no período, passando de 40 milhões em 1977 para 50 milhões em 1998.
A combinação entre as flutuações macroeconômicas e o crescimento populacional fez
com que o número de pobres chegasse a quase 64 milhões na crise de 1984 e a menos
de 38 milhões em 1986.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
32
Tabela 3 Evolução temporal da indigência e da pobreza no Brasil*
Ano% de
IndigentesIndigência Hiato Médio
da renda
Número deindigentes
(em milhões)
% de pobre
sPobreza Hiato Médio
da renda
Número depobres
(em milhões)
1977 16,3 5,8 16,8 39,6 17,2 40,71978 20,7 9,7 22 42,6 21 45,21979 15,9 5,7 17,3 38,8 16,9 421981 18,8 7,2 22 43,1 19,5 50,61982 19,4 7,4 23,4 43,1 19,8 51,91983 25 9,8 30,7 51 24,5 62,71984 23,6 8,8 29,8 50,4 23,5 63,51985 19,2 7,1 25,1 43,5 19,7 56,91986 9,8 3,4 13,1 28,2 11,3 37,61987 18,5 7,2 25,1 40,8 18,7 55,41988 22,1 9,1 30,5 45,3 21,8 62,51989 20,7 8,5 29,3 42,9 20,6 60,61990 21,3 8,8 30,8 43,8 21,1 63,11992 19,3 8,6 27,1 40,8 19,7 57,31993 19,5 8,5 27,8 41,7 19,8 59,41995 14,6 6 21,6 33,9 15,3 50,21996 15 6,6 22,4 33,5 15,6 50,11997 14,8 6,3 22,5 33,9 15,4 51,51998 13,9 5,8 21,4 32,7 14,7 50,1
(*) As linhas de indigência e pobreza utilizadas foram as da Região Metropolitana de São Paulo.Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - IBGE
No final dos anos 80, registra-se uma aceleração no contingente da população
pobre e, no período recente, após a implantação do Plano Real, cerca de 10 milhões de
brasileiros deixaram de ser pobres. Ao fim do século XX, as 50 milhões de pessoas
pobres, por sua vez, encontram-se heterogeneamente distribuídas abaixo da linha de
pobreza e sua renda média encontra-se cerca de 55% abaixo do valor da linha de
pobreza. Os 21 milhões de pessoas indigentes, que correspondem a um subconjunto
da população pobre, estão igualmente distribuídos de forma heterogênea e
encontram-se mais próximos de seu valor de referência, com sua renda média
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
33
mantendo- se cerca de 60% abaixo da linha de indigência, segundo análise de (Barros;
Henriques; e Mendonça, 2001).
Portanto, a magnitude da pobreza, mensurada tanto em termos do volume e da
porcentagem da população como do hiato de renda, apresenta, na segunda metade da
década de 90, a tendência de manutenção de um novo patamar, inferior ao observado
desde o final dos anos 70. Isto indica, sem dúvida alguma, uma melhoria
aparentemente estável no padrão da pobreza, mas este valor continua moralmente
inaceitável, se comparado com o padrão de pobreza no resto do mundo, no mesmo
período.
Isto porque a redução na pobreza obtida pelo Brasil se deve apenas ao
crescimento econômico, ou seja, à redução da escassez de recursos, o que não é a
forma mais adequada para o Brasil reduzir seus níveis de pobreza, uma vez que o
maior determinante da pobreza no país é a desigualdade na distribuição.
O que se conclui desta análise, é que a redução dos níveis de pobreza
observada no Brasil nas últimas décadas se deve ao dinamismo e crescimento da
economia, e não a uma distribuição mais igualitária.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
34
II.3 - Década 2000: mudança no paradigma distributivo brasileiro
A partir do inicio da década atual, a combinação entre a continuidade da
estabilidade monetária, a maior expansão econômica e o reforço das políticas
públicas, como a elevação real do salário mínimo, a ampliação do crédito popular,
reformulação e alargamento dos programas de transferências de renda aos estratos de
menor rendimento, entre outras, se mostrou decisiva para a generalizada melhora
social no Brasil. Segundo o Comunicado da Presidência 38 do IPEA de 12/01/2010,
se o Brasil mantiver o mesmo ritmo de diminuição da pobreza extrema e da
desigualdade de renda observados nos últimos cinco anos (2003 a 2008) poderá obter
indicadores sociais próximos aos de países desenvolvidos em 2016. Da mesma forma,
poderá alcançar uma taxa de pobreza absoluta de 4%. Entre 1995 e 2008, por
exemplo, a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário
mínimo per capita) foi de -0,9%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼
de salário mínimo per capita) foi de -0,8% a.a. Para o período mais recente (2003/08),
a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário mínimo
per capita) foi de –3,1%, enquanto na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de
salário mínimo per capita) foi de -2,1% a.a. Em todos os períodos de tempo
considerados, a taxa de pobreza cai mais rapidamente que a diminuição na medida de
desigualdade. O que significa dizer que o combate à pobreza parece ser menos
complexo que o enfrentamento da desigualdade de renda. Se projetados os melhores
desempenhos brasileiros alcançados recentemente em termos de diminuição da
pobreza e da desigualdade (período 2003-2008) para o ano de 2016, o resultado seria
um quadro social muito positivo. O Brasil pode praticamente superar o problema de
pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa nacional de pobreza absoluta de
apenas 4%, o que significa quase sua erradicação. Já o índice de Gini poderá ser de
0,488, um pouco abaixo do verificado em 1960 (0,499), ano da primeira pesquisa
sobre desigualdade de renda no Brasil pelo IBGE (gráfico 2). Ou seja, mantendo o
mesmo ritmo de diminuição da pobreza e da desigualdade de renda observado nos
último cinco anos, o Brasil poderia alcançar o ano de 2016 com indicadores sociais
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
35
próximos aos dos países desenvolvidos. Enquanto a pobreza extrema poderia ser
praticamente superada, a desigualdade da renda do trabalho tenderia a estar abaixo de
0,5 do índice de Gini.
Gráfico 3Brasil – perspectiva possível para a pobreza e a desigualdade em 2016
Nos países desenvolvidos, o problema da pobreza absoluta encontra-se
praticamente resolvida, embora persistam indicadores importantes de medida de
pobreza relativa (o quanto se é pobre relativamente à riqueza existente). Ademais, o
índice de Gini encontra-se, em geral, abaixo de 0,4, conforme os casos de países como
a Itália (0,33), Espanha (0,32), França (0,28), Holanda (0,27), Alemanha (0,26),
Dinamarca (0,24), entre outros, no ano de 2005. A situação dos Estados Unidos,
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
36
contudo, distancia-se desta realidade nas economias avançadas (0,46) para o mesmo
ano.
É importante observar neste estudo a evolução da desigualdade de renda, da
pobreza relativa e da pobreza absoluta, conforme mostrado no gráfico 3.
Gráfico 4Brasil: Evolução da queda no índice de Gini de desigualdade de renda e na taxa
nacional de pobreza absoluta e extrema (em %)
Além de corroborar a idéia central desta monografia, de que os níveis de
pobreza acompanham a evolução das desigualdades na distribuição de renda, principal
determinante da pobreza. Ele também deixa evidente à melhora significativa na
distribuição de renda no Brasil, na década atual.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
37
O aumento real do salário mínimo de forma acentuada durante todo o governo
Lula, é uma medida estrutural que contribui para a redução das desigualdades sociais
e dos níveis de pobreza. Umas das marcas principais do governo é exatamente esta
melhora na distribuição de renda. O salário mínimo por exemplo, quando Lula
assumiu, era de R$ 200,00 e hoje ao fim do Governo Lula já está no patamar de R$
510,00. Corrigindo pela inflação no período, teve-se um aumento real do salário
mínimo neste governo, de mais de 50%. O gráfico 4, mostra essa evolução do salário
mínimo nos últimos anos.
Gráfico 5Evolução real do salário mínimo no Brasil de 1995 a 2009
Fonte: http://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
38
Capítulo III - Programas de transferência de renda
Os últimos governos brasileiros, FHC e Lula, principalmente este último vem
mostrando preocupações crescentes com a questão da desigualdade de renda no país.
Neste período a forma mais utilizada para combater tal problema, foram os programas
federais de transferência de renda, como o Bolsa-Escola, o Bolsa-Educação e o
Auxílio-Gás (em FHC); e o Bolsa-Família e o Fome-Zero (no governo Lula). Cabe
lembrar que um programa federal de transferência de renda para populações pobres
específicas existe no Brasil desde a década de setenta. É o caso da Renda Mensal
Vitalícia para o atendimento de idosos e portadores de deficiência, cujo modelo de
financiamento e gestão foi alterado pela LOAS, após a Constituição de 88 que
estipulou também outros mecanismos de transferência de renda, como o aumento de
cobertura da previdência para trabalhadores rurais e trabalhadores não formais.
Vale lembrar que em todos estes programas, inclusive nos do governo Lula
que tiveram um orçamento bem maior, são todos programas de cunho apenas
paliativos no combate à desigualdade e a pobreza no Brasil. Estes programas, ao
colocarem renda na mão dos mais pobres, visam apenas amenizar a pobreza no curto
prazo.
Caso estes programas não sejam mantidos no longo prazo juntamente com
políticas que favoreçam uma melhor distribuição da renda, não serão observados
efeitos duradouros sobre a redução da pobreza no país. Não é tão simples assim
erradicar a pobreza no país, através de programas de transferência de renda, apesar de
o país ter renda suficiente para tal façanha. Há um elevado custo administrativo para
colocar em prática tais programas de transferência de renda, além dos problemas de
focalização que dificultam muito a eficácia máxima destes programas sociais. O
problema da focalização se dá pelo fato de que é muito difícil o governo identificar
exatamente as famílias que se encaixam nos padrões de pobreza estabelecidos para
receber as verbas do programa. Além de ser muito custoso, este processo de
focalização das famílias, dificilmente, fará com que todas as famílias que estão no
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
39
foco dos programas de transferência de renda, sejam beneficiadas, de fato, pelos
programas. Até porque as famílias que estão abaixo da linha de indigência, são tão
marginalizadas da sociedade que muitas vezes têm grande dificuldade de se
informarem a respeito dos benefícios a que têm direito com os programas de
transferência de renda. Mesmo quando informadas, muitas vezes não possuem os
documentos exigidos, o que dificulta a tentativa do governo de colocar renda na mão
dessas pessoas.
Estes programas de transferência de renda para combater a desigualdade de
renda no país, têm que fazer parte de políticas federais, pois os municípios, por
exemplo, não têm capacidade financeira para garantir o funcionamento de tais
programas.
Dentre os programas de transferência de renda criados no governo FHC,
destacam-se o Bolsa-Alimentação e o Bolsa-Escola. Estes programas foram
focalizados nas famílias pobres com crianças, pois a idéia do governo era de que estes
programas reduzissem não somente as questões imediatas da pobreza, como também
melhorassem as perspectivas de redução da pobreza no futuro, através de melhoria na
educação. Estes programas atenderam a mais de nove milhões de famílias, atingindo
desta forma mais de dezesseis milhões de beneficiados.
Os principais programas de transferência de renda do Governo Lula, foram o
Fome-Zero e o Bolsa-Família. O Bolsa-Família surgiu em Outubro de 2003, baseado
nas dificuldades operacionais e parâmetros inadequados do Fome-Zero, que foi
lançado em Janeiro do mesmo ano, logo no inicio do Governo.
Estes programas apresentam um impacto potencial significativamente mais
elevado do que os programas FHC, por duas razões básicas. Primeiro pelo caráter
universal, isto é, beneficia todas as famílias com renda per capita abaixo de meio
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
40
salário mínimo, independentemente da composição da família (se tem ou não
crianças). E segundo, pelo valor mais elevado dos benefícios.
As transferências do Fome-Zero permitiram não só a diminuição do número de
pobres brasileiros, como também o declínio na intensidade de pobreza, daqueles
indivíduos que não conseguiram superar a linha de pobreza após os benefícios. O
programa retirou 4,94 milhões de brasileiros da pobreza, e 4,89 milhões da indigência
(PNAD 2004).
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda
com condicionalidades criado pelo Governo Lula em 2003 para integrar e unificar ao
Fome Zero os antigos programas criados no Governo FHC: o "Bolsa Escola", o
"Auxílio Gás" e o "Cartão Alimentação". O PBF é tecnicamente chamado de
mecanismo condicional de transferência de recursos. Consiste-se na ajuda financeira
às famílias pobres, definidas como aquelas que possuem renda per capita de R$ 70,01
até 140,00 e extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00. A contrapartida
é que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com
frequência na escola e vacinados.Os benefícios do Bolsa Família foram reajustados
em 10%, a fim de preservar o poder de compra das famílias diante da alta dos preços
dos produtos alimentares. Assim, o Benefício Básico, voltado às famílias em situação
de extrema pobreza, passou de R$ 62,00 para R$ 68,00; o Benefício Variável, voltado
a famílias em situação de pobreza com crianças e adolescentes de até 15 anos, passou
de R$ 20,00 para R$ 22,00, e o Benefício Variável Vinculado ao Jovem (BVJ),
voltado a famílias em situação de pobreza com adolescentes de 16 e 17 anos de idade,
passou de R$ 30,00 para R$ 33,00.
De 2008 para 2009 o programa sofreu ampliações. Desta forma cerca de 1,8
milhões de famílias antes consideradas não pobres o suficiente, passarão a fazer parte
do programa. Com isso o programa que atendia cerca de 11,1 milhões de famílias,
passa a ter capacidade de atender até 12,9 milhões de famílias. O desembolso médio
do programa por família é de R$ 85, com esta ampliação recente do programa, o
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
41
orçamento do programa tende a aumentar R$ 1,8 bilhão por ano. Em 2009, o
orçamento do programa foi 10% maior do que em 2008.
Até novembro de 2009, o PBF já atendeu a 12,4 milhões de famílias, de
acordo com o previsto. O desembolso total com o PBF, até novembro de 2009, foi da
ordem de R$ 11,28 bilhões, ou aproximadamente 0,39% do Produto Interno Bruto
(PIB) de 2008, o que demonstra que o Programa tem um custo relativamente baixo,
considerando seu impacto positivo na redução da pobreza e da concentração de renda.
O repasse médio do benefício por família que era de R$ 85,51, passou para R$ 94,24 a
partir de agosto de 2009. Estima-se, em 2010, desembolsar R$ 13,11 bilhões para
transferência de renda direta às famílias brasileiras.
Neste sentido o Bolsa-Família combina de forma mais sensata o conjunto de
programas pré-existentes, reintroduzindo a focalização diferenciada dentre as famílias
mais pobres. O Bolsa-Família, que substitui os mecanismos de transferência de renda
criados no escopo do Fome Zero, melhora a focalização das transferências,
beneficiando, na linha do que era feito nos programas criados no governo FHC, as
famílias com crianças.
III.1 Limitações do Bolsa Família no sentido de erradicar a pobreza nopaís
Apesar dos aperfeiçoamentos introduzidos em relação ao desenho inicial da
política de transferências anunciadas no âmbito do Fome Zero, o Bolsa-Família, como
os programas que o precederam, enfrenta as dificuldades clássicas de políticas de
transferência de renda em países com grande clientela potencial, a saber:
a) dificuldades associadas à focalização, isto é, as famílias selecionadas e
beneficiadas devem se constituir de fato na clientela-alvo do programa. Trata-se de
garantir que os beneficiários tenham nível de vida compatível com a renda abaixo do
patamar per capita estabelecido pelo programa.
b) dificuldades de cadastramento e acompanhamento das famílias
beneficiadas, normalmente complexas em programas de transferência de renda, e
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
42
ainda mais complexo no caso de um programa com características de universalidade,
como o Bolsa-Família, não vinculado a uma rede provedora de um serviço público
específico, como era o Bolsa-Escola, ancorada na rede escolar e o Bolsa-Alimentação,
ancorada na rede de postos de saúde. A implantação do programa demanda uma rede
nova de assistência social, com características de “guarda-chuva”, unificando
cadastros diversos e coordenando os diferentes programas de transferências de renda
voltados para clientelas específicas, que podem, eventualmente, atender
cumulativamente a mesma família, como visto nas simulações apresentadas em
relação aos programas criados no governo FHC.
c) dificuldade em não perder de vista que a transferência de renda não pode ser
entendida como panacéia, já que nem o desenho do programa, nem os recursos
disponíveis para as transferências teriam potencial para eliminar nem a indigência e
muito menos a pobreza. Os mecanismos de transferência de renda, que são
indispensáveis em países com as características de incidência de pobreza e
desigualdade de renda do Brasil, têm que ser entendidos apenas como um dentre os
muitos componentes de uma política ampla de combate à pobreza como síndrome de
carências diversas. Na verdade, o atendimento de outras carências não vinculadas
diretamente à renda, tais como acesso a saneamento básico, atendimento de saúde,
educação, transporte, informação, direitos de cidadania, são tão urgentes, e em muitos
casos, mais urgentes que o aumento da renda e do consumo privado das famílias.
Neste sentido, garantir a complementaridade das ações e a sua continuidade no tempo
é um enorme desafio.
d) dificuldades para garantir os recursos orçamentários necessários, já que as
ações integradas de combate à pobreza envolvem custos muitos mais elevados do que
os da transferência de renda em si. Na verdade, dependem não só de recursos
financeiros, mas de pessoal e de capacidade gerencial, já que se trata de garantir a
eficiência dos programas e dos gastos com eles realizados. Organização e coordenação
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
43
demandam tempo e persistência de esforços, o que nem sempre atende às
necessidades políticas de obter resultados rápidos e espetaculares.
Em função destas dificuldades, é sensato priorizar na implementação de
programas as situações mais críticas. Por um lado, nos bolsões de pobreza extrema do
Norte e do Nordeste, onde a maioria da população é pobre e as carências não se
limitam à insuficiência de renda, mas, também, ao acesso a serviços essenciais
(saneamento, educação, saúde, comunicação, etc.). Neste caso, devido à insuficiência
crítica de recursos de toda natureza, a ação federal e estadual tem que ser claramente
preponderante, já que não há recursos locais – financeiros e outros – compatíveis com
o atendimento das necessidades. Por outro lado, trata-se de bolsões de pobreza na
periferia de cidades ricas, das metrópoles especificamente, onde a insuficiência de
renda está vinculada às questões de desigualdade, exclusão social e marginalidade.
Nestes casos, a política anti-pobreza, e os programas de transferência de renda
em particular, têm de ser implementados de forma integrada pelos três níveis de
governo e pela sociedade civil. No que concerne aos programas de transferência de
renda, a complementaridade é essencial, já que o valor dos benefícios fixados em
nível nacional tende a ser relativamente baixo, face ao custo de vida e ao valor da
renda nas áreas mais ricas do país. Há que se entender, finalmente, que os programas
de transferência de renda se constituem necessariamente em um paliativo que, em si,
não atacam as causas da pobreza, apenas tornam menos adversas as condições de vida
dos mais pobres, reduzindo também, em alguma medida, os explosivos níveis
brasileiros de desigualdade de renda. Devido à enorme dívida social, da qual a
desigualdade de educação é proxy, o recurso a programas de transferência de renda
deverá ser uma necessidade de política social por um período longo. A duração e
intensidade das transferências minimamente necessárias para garantir estabilidade
social neste período de transição vão depender tanto da evolução econômica, como do
grau de eficácia dos programas sociais voltados especificamente para o combate das
causas estruturais da pobreza brasileira.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
44
As condicionalidades do programa também sofrem algumas críticas.
Conforme enunciado no início deste capítulo, existem contrapartidas que as famílias
devem cumprir para receber os benefícios do Bolsa-Família. A contrapartida é que as
famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com freqüência na
escola e vacinados. Isto seria importante, porque, a médio prazo, as transferências de
dinheiro deveriam fazer com que as pessoas deixassem de depender destes recursos.
Não há evidência, no entanto, que estas condicionalidades estejam de
fato sendo implementadas, e nem há razões para crer que políticas que busquem
alterar o comportamento quotidiano das pessoas possam ser dirigidas e comandadas a
partir do governo federal, em uma relação direta com as famílias. De uma maneira
geral, chama a atenção que as análises macroeconômicas que buscam estimar o
impacto destes programas deixam de tomar em conta as questões relacionadas ao
sistema federativo e os problemas associados aos diferentes níveis de implementação
dos programas sociais. O governo federal tem condições de redistribuir recursos e
estabelecer sistemas genéricos de incentivo, mas muito pouca capacidade de gerenciar
ações de nível local. De fato, as evidências mostram que se trata de um programa
muito pouco efetivo do ponto de vista educacional, não só pela má focalização, como
também pela impossibilidade de controlar efetivamente sua condicionalidade mínima,
que é o controle de freqüência à escola. Os recursos a ele destinados teriam tido maior
impacto se fossem utilizados para fortalecer as escolas e seus vínculos locais e diretos
com as comunidades das quais participam.
III.2 Resultados recentes do combate à desigualdade e a pobreza noBrasil
Apesar de não serem adequados para erradicar a pobreza no país, os programas
de transferência de renda, juntamente com todas as medidas estruturais adotadas pelo
atual governo brasileiro, têm promovido melhoras significativas no quadro social
brasileiro.
O governo vem aumentando o alcance de seus programas de transferência de
renda, mas o resultado positivo que tem obtido não decorre unicamente deste
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
45
aumento, mas, sim, da combinação com outras medidas estruturais de combate à
desigualdade e a pobreza de forma duradoura, como o aumento do salário mínimo e
melhora na educação com aumento dos índices de escolaridade. Como já mencionado
neste trabalho, os programas de transferência são bastante úteis no sentido de
amenizar a pobreza no curto prazo, a um custo relativamente baixo (menos de 1% do
PIB), porém, o relativo sucesso alcançado pelo governo na redução da desigualdade e
a pobreza nos últimos anos não se deve apenas a estes programas, mas, sim, ao
conjunto das medidas estruturais adotadas pelo governo no longo prazo.
Em decorrência da acentuada redução nos graus de pobreza e de
extrema pobreza, tem-se que, a despeito do crescimento populacional, declinaram
também o número de pobres e de extremamente pobres, e o volume mínimo de
recursos necessários para aliviar a pobreza e a extrema pobreza (tabela 4). O número
de extremamente pobres caiu em 5,6 milhões, e o de pobres em 3,8 milhões, enquanto
o volume de recursos necessários para aliviar toda a pobreza diminuía de R$ 58
bilhões ao ano para R$ 50 bilhões ao ano. Como conseqüência do crescimento da
renda nacional e da redução no volume de recursos necessários, o alívio completo da
pobreza tornou-se ainda mais viável. Enquanto, em 2001, eram necessários no
mínimo 7% da renda das famílias para aliviar toda a pobreza no País, em 2005, eram
precisos apenas 5%.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
46
Tabela 4 - Magnitude da pobreza e extrema pobreza e recursos necessários parasua erradicação no Brasil de 2001 a 2005
Além de ampliados em sua abrangência, os programas de transferência vêm
reduzindo as desigualdades regionais. O gráfico 6 traz a evolução do número absoluto
de famílias beneficiárias e permite observar que o Nordeste é o grande beneficiário do
Programa Bolsa Família. Naquela região se encontram atualmente 50,7% do total de
benefícios concedidos. De 2003 a 2008, o número de benefícios do PBF no Nordeste
passou de 2,1 milhões para 5,6 milhões de famílias, o que sugere que a focalização do
programa foi um sucesso, pelo menos em termos regionais. Se esse crescimento de 3,5
milhões no Nordeste foi grande, também o foi no Sudeste, com a cobertura de outros
2 milhões de famílias carentes, o que faz todo sentido, uma vez que esta é a região
mais populosa do Brasil e segunda em quantidade de pessoas pobres e extremamente
pobres (Sátyro, N; e Soares, S; 2009).
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
47
Gráfico 6 - Evolução de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família entre
2003 e 2008 por região
Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho e Samuel Franco fazem uma
análise interessante, de quais foram os principais fatores responsáveis pela melhora no
quadro social observada recentemente. Avaliam que 20% da redução da desigualdade
se deve aos programas de transferência de renda do governo, e que outros 12% se
devem à redução das desigualdades de renda devidas à educação (Barros, Carvalho et
al., 2006). Outros fatores que teriam contribuído para este resultado seriam o aumento
do salário mínimo (8%), com repercussão nos valores das aposentadorias e a redução
no desemprego (2%). Somados, estes fatores dariam conta de 42% da redução da
desigualdade, ficando mais da metade, portanto, por ser explicada por outros fatores
não identificados. Segundo Sônia Rocha, "apesar de o rendimento médio do trabalho
ter ficado praticamente estável, a forte expansão da ocupação aliada ao aumento dos
rendimentos na base da distribuição foram os principais determinantes para a redução
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
48
da pobreza e da indigência entre 2003 e 2004. Embora o sistema de previdência e de
assistência social, assim como os novos programas de transferência de renda no
âmbito do Bolsa-Família tenham contribuído neste sentido, foi o comportamento do
mercado de trabalho, como é desejável, o fator fundamental para o aumento da renda
das famílias, levando à redução da pobreza e da indigência no período em questão".
Esta mudança na distribuição renda ocorreu apesar de o rendimento do trabalho ter
decrescido nos últimos anos, após um aumento significativo ocorrido na ocasião do
Plano Real.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
49
CONCLUSÃO
O principal objetivo do trabalho foi mostrar o papel da distribuição de renda
extremamente desigual no Brasil como importante fator causador dos elevados índices
de pobreza apresentados no país. A partir das análises feitas ao longo do trabalho
verificou-se que a desigualdade na distribuição de renda no Brasil gera um sério
problema com relação ao nível de pobreza no Brasil. Demonstra-se que o percentual
de pobres e indigentes no país é extremamente elevado se comparado com as demais
nações do planeta, principalmente com países de renda per capita similares à
brasileira.
Outro objetivo do trabalho foi tratar das políticas públicas de transferência de
renda, ressaltando que apesar de o país ter renda suficiente para erradicar toda a
pobreza se esta fosse mais bem distribuída, o trabalho refuta a idéia de que a pobreza
deve ser combatida no Brasil apenas por meio de programas de transferência de renda.
Poderia parecer que esta monografia sugere tais tipos de programa como mecanismo
viável de combate à pobreza, dado que esta tem causa essencialmente distributiva.
Porém, o capítulo que trata dos programas de transferência de renda, além de fazer
uma análise dos principais programas mais recentes de transferência de renda, ressalta
o caráter paliativo de tais programas no combate à pobreza e ao final mostra como o
atual governo brasileiro vem obtendo sucesso na melhora do quadro social brasileiro,
a partir da combinação de políticas de transferência de renda e de medidas que
combatem de forma duradoura as causas do problema distributivo brasileiro.
Entre 2003 e 2008, 32 milhões de brasileiros, ou seja, metade da população da
França ingressou no conjunto das classes A, B e C. O principal fator dessa ascensão
não foram os programas assistenciais, mas a renda do trabalho que também neste
período aumento assombrosamente, o número de postos no mercado correspondem a
oito milhões de vagas entre 2003 e 2009 (Sátyro, N; e Soares, S; 2009).
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
50
Outro objetivo deste trabalho é reconhecer que para reduzir as desigualdades
sociais é preciso pensar, também, nas desigualdades regionais como sendo um entrave
estrutural à redução das desigualdades na distribuição de renda no Brasil.
Ao final do trabalho é importante destacar que a questão da desigualdade de
renda é fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Pela própria definição de país
desenvolvido, que é país com baixa dependência econômica e reduzida desigualdade
social. Neste primeiro aspecto, o Brasil tem demonstrado nas últimas décadas um
desempenho espetacular, tanto que hoje é credor externo líquido, revertendo a posição
desfavorável com a qual conviveu por várias décadas, conjugados com alguns outros
fatores conjunturais que deixam o Brasil em posição bem mais favorável com relação
ao cenário externo. A síntese desta monografia é que o problema da distribuição de
renda no Brasil deve continuar sendo tratada com extrema prioridade pelos gestores
de política econômica no Brasil, e que as políticas de transferência de renda são
importantes, porém, devem ser aplicadas em conjunto com outras medidas estruturais
e duradouras de combate às desigualdades sociais, conforme começou a ocorrer, de
forma mais significativa, nesta década de 2000.
Uma Análise da Desigualdade Social e da Pobreza no Caso Brasileiro
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