condicionalidade em educaÇÃo do programa bolsa...

19
Trabalho de Conclusão de Curso CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: A INCLUSÃO À ESCOLA É GARANTIA DE QUE JOVENS ROMPAM COM O CICLO DE POBREZA NA FASE ADULTA? 1 Laura Rosiane Monteiro de Assunção 2 Resumo: O Programa Bolsa Família (PBF) objetiva a transferência direta e condicionada de renda às famílias brasileiras em situação de pobreza e de extrema pobreza, de modo que consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. O presente artigo analisa os efeitos dessa condicionalidade na vida dos ex-beneficiários do PBF e de que forma os jovens dão continuidade à sua formação escolar e profissional após serem desligados do programa. A preocupação principal está em apresentar os possíveis efeitos do programa na superação da situação de vulnerabilidade social das pessoas beneficiadas. Ao final, são apresentadas as principais dificuldades encontradas para a consolidação do objetivo proposto pelo programa em longo prazo: combater o ciclo de pobreza através das condicionalidades na educação. Palavras-chave: Programa de Transferência de Renda. Condicionalidade. Formação Profissional. Introdução No Brasil, a pobreza 3 e a desigualdade social 4 são caracterizadas como fenômenos estruturantes ligados à nova forma de organização da sociedade. A raiz dos problemas sociais está na questão social (no desemprego, na fome, na miséria, etc) decorrente da relação entre capital e trabalho. Como uma alternativa de intervenção, as políticas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família (PBF), são mecanismos garantidores da renda mínima, presente na Constituição Federal, que propicia resultados a curto e longo prazo em relação à pobreza. Aos pobres são privados os direitos sociais mais básicos, como uma alimentação adequada, uma moradia digna, renda e trabalho, os quais são de responsabilidade do Estado garantir. O 1 Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a orientação do Prof. Me. Divino Marcos de Sena. 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Anhanguera Uniderp. E-mail: [email protected]. 3 Pobreza é definida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como “a ausência de escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento da vida humana, o fenômeno é constituído por três eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual e a pobreza social” ( ONUBR Nações Unidas no Brasil, 2016). 4 Desigualdade social ocorre quando não há um equilíbrio no padrão de vida na sociedade, seja no âmbito econômico, escolar, profissional, gênero, dentre outros.

Upload: duongnhan

Post on 16-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: A

INCLUSÃO À ESCOLA É GARANTIA DE QUE JOVENS ROMPAM COM O

CICLO DE POBREZA NA FASE ADULTA?1

Laura Rosiane Monteiro de Assunção2

Resumo:

O Programa Bolsa Família (PBF) objetiva a transferência direta e condicionada de renda às

famílias brasileiras em situação de pobreza e de extrema pobreza, de modo que consigam

superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. O presente artigo analisa os efeitos dessa

condicionalidade na vida dos ex-beneficiários do PBF e de que forma os jovens dão

continuidade à sua formação escolar e profissional após serem desligados do programa. A

preocupação principal está em apresentar os possíveis efeitos do programa na superação da

situação de vulnerabilidade social das pessoas beneficiadas. Ao final, são apresentadas as

principais dificuldades encontradas para a consolidação do objetivo proposto pelo programa

em longo prazo: combater o ciclo de pobreza através das condicionalidades na educação.

Palavras-chave: Programa de Transferência de Renda. Condicionalidade. Formação

Profissional.

Introdução

No Brasil, a pobreza3 e a desigualdade social4 são caracterizadas como fenômenos

estruturantes ligados à nova forma de organização da sociedade. A raiz dos problemas sociais

está na questão social (no desemprego, na fome, na miséria, etc) decorrente da relação entre

capital e trabalho.

Como uma alternativa de intervenção, as políticas de transferência de renda, como o

Programa Bolsa Família (PBF), são mecanismos garantidores da renda mínima, presente na

Constituição Federal, que propicia resultados a curto e longo prazo em relação à pobreza. Aos

pobres são privados os direitos sociais mais básicos, como uma alimentação adequada, uma

moradia digna, renda e trabalho, os quais são de responsabilidade do Estado garantir. O

1 Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Especialização Educação, Pobreza e

Desigualdade Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a orientação do Prof. Me. Divino

Marcos de Sena. 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Anhanguera Uniderp. E-mail: [email protected]. 3 Pobreza é definida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como “a ausência de

escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento da vida humana, o fenômeno é constituído por três

eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual e a pobreza social” (ONUBR – Nações Unidas no

Brasil, 2016).

4 Desigualdade social ocorre quando não há um equilíbrio no padrão de vida na sociedade, seja no âmbito

econômico, escolar, profissional, gênero, dentre outros.

Page 2: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

reconhecimento dessas questões deve conduzir à estruturação das políticas públicas, através

de programas que de fato possam mudar essa realidade.

Para o acesso ao PBF tem-se como critérios o corte da renda mínima. O PBF,

programa de transferência de renda condicionada do governo federal, foi firmado com o

objetivo de enfrentar a pobreza, sendo as ações desenvolvidas em dois períodos de tempos.

Em curto prazo, o programa através da transferência de dinheiro às famílias beneficiárias,

oferece alívio aos problemas imediatos e urgentes da pobreza, propiciando assim a aquisição

de bens e serviços básicos de subsistência. Em longo prazo, as condicionalidades5 existentes

na área da educação teriam como propósito romper com o ciclo vicioso da pobreza,

influenciando no aprimoramento do status educacional, promovendo assim melhores

oportunidades de qualificação profissional e a inserção futura no mercado de trabalho.

A lei nº 10.836/2004 dispõe sobre as regras de implantação, valores dos benefícios,

famílias que serão contempladas e as condicionalidades do PBF. Com efeito, o PBF atende

famílias consideradas na extrema pobreza e o critério adotado, desde 2009, é a renda per

capita mensal igual ou inferior a R$ 70,00. O benefício a ser recebido varia de acordo com o

número de crianças e adolescentes com até 17 anos e a presença de gestantes e nutrizes,

variando de R$ 32,00 a R$ 306,00.

As famílias beneficiadas também devem cumprir certas condicionalidades,

especialmente nas áreas da saúde, da educação e da assistência social. As condicionalidades

ligadas à área da educação são: “todas as crianças e adolescentes de 6 e 15 anos devem estar

devidamente matriculados e com frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária.

Já os estudantes de 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%” (BRASIL, 2013).

Ainda informar sempre que ocorrer mudança de escola e de série dos dependentes de 6 a 15

anos.

O objetivo deste artigo é discutir se o PBF de fato está atingindo os seus objetivos

propostos, tais como a não transmissão intergeracional da pobreza e a garantia de

continuidade na qualificação profissional dos ex-beneficiários.

5 As condicionalidades do Programa Bolsa Família são compromissos assumidos pelo poder público e pelas

famílias beneficiárias nas áreas da saúde e da educação (BRASIL. Programa Bolsa Família – Gestão de

condicionalidades).

Page 3: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

1. Política social: Os programas sociais de combate à pobreza

Os direitos sociais são fruto de reivindicações dos movimentos dos trabalhadores, mas

também representam a busca de legitimidade das classes dominantes, como mostra a

expansão das políticas sociais no Brasil nos períodos ditatoriais: 1937-1945 e 1964-1984

(BHERING; BOSCHETT, 2006).

Antes de 1988, a política social brasileira se caracterizou por oferecer cobertura aos

que se encontravam no mercado de trabalho. Aos não pertencentes a esse “grupo” só havia a

caridade privativa ou alguma esmola pública precária na forma de auxílios (OLIVEIRA,

2003).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 as políticas sociais passaram a

ser responsabilidade do Estado. Nesse marco, a Constituição cidadã, retira a família do

espaço privado, colocando-a como alvo de políticas públicas e afirma direitos da população

infanto-juvenil, compreende-os como sujeitos portadores de direitos, em condição peculiar de

desenvolvimento e, por isso, possuindo absoluta prioridade. O Estatuto da Criança e do

Adolescente, aprovado em 1990, detalhou essa questão ao defender a concepção de proteção

integral às crianças e aos adolescentes.

As políticas de proteção social surgem como estratégia institucionalizada por parte do

Estado como alternativa de proteger o conjunto da população. O Estado passa a intervir

diretamente, gerindo e organizando a prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de

enfrentamento da questão social.

Segundo Iamamoto e Carvalho (2013, p. 84),

a questão social não é senão as expressões do processo de formação e

desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da

sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do

empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da

contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros

tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão.

Com a redemocratização do Estado brasileiro, o país pôde reescrever os seus

instrumentos legais. A aprovação da Constituição Federal em vigor afirmou em seu bojo os

direitos de cidadania da população e a defesa do Estado como gestor das políticas públicas.

Os programas que foram criados a partir dos anos de 1990 no Brasil foram influenciados pelo

Page 4: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

neoliberalismo, possuindo um caráter seletivo, focalizado com valores reduzidos e com

compensação que são as condicionalidades. Com o avanço do neoliberalismo, evidencia o

fracasso de um Estado responsável pelas políticas de proteção social. Sob o argumento da

crise fiscal o Estado utilizou como tendência a redução dos direitos, transformando as

políticas sociais em ações pontuais e compensatórias (Sales; Matos; Leal, 2010, p.13).

A política social tem por centralidade a transferência de recursos através do Estado,

podendo ocorrer sob a forma de segurança socioeconômica, sob a forma de trabalho, sob a

forma de bens ou de recurso monetário. Desse modo, os serviços sociais surgem para dar

respostas às dificuldades individuais e/ou coletivas, visando garantir a sobrevivência da

sociedade na luta contra a pobreza.

Entretanto, apesar dessas tendências, pode-se dizer que não há propriamente uma

política social no Brasil, se por política entender-se um conjunto de ações deliberadas,

coerentes e confiáveis, assumidas pelos poderes públicos como dever de cidadania, para

produzirem impactos positivos sobre os recursos e a estrutura da sociedade.

Com o reconhecimento da questão social como responsabilidade do Estado, iniciaram

discussões de alternativas e/ou programas que poderiam ser implementados para reduzir as

desigualdades sociais e a pobreza. Ações previstas em períodos curtos, médio e em longo

prazo, com o objetivo de romper com o ciclo da pobreza e assim parar de se reproduzir a cada

geração.

O Programa Bolsa Família surgiu em 2003 a partir da união dos programas nacionais:

de Acesso à Alimentação (PNAA), de renda mínima vinculada à Educação (Bolsa Escola), do

Auxílio-Gás e do programa de renda mínima vinculado à saúde (Bolsa Alimentação). É

importante evidenciar que os programas federais anteriores ao PBF constituíam em

transferência de rendas específicas para a aquisição de produtos essenciais (PNAA, Bolsa

Alimentação e Auxílio Gás), e para estimular a permanência de crianças e adolescentes em

instituições de ensino, evitando a evasão escolar e o trabalho infantil (Bolsa Escola).

A junção desses programas sociais ocorreu devido a coincidências que existiam entre

as famílias beneficiárias. As que eram beneficiadas em um programa, também tinham perfil

para os demais, e assim não fazia sentido serem realizado cadastros diferentes para cada

programa. Essa incorporação em um modelo único e advindo do governo federal parece-nos

que tinha o objetivo de facilitar o acesso das famílias na condição de extrema pobreza, uma

vez que precisariam efetuar um único cadastro para serem beneficiadas pelo programa. Outra

Page 5: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

justificativa para essa reunião de programas sociais seria a melhoria nos mecanismos de

fiscalização e transparência.

O Bolsa Família possui três eixos principais: a transferência de renda que promove o

alívio imediato da pobreza; as condicionalidades que reforçam o acesso a direitos sociais

básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas

complementares que objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários

consigam superar a situação de vulnerabilidade. (GUIMARÃES; COSTANZI; ANSILIERO,

2013, p. 87).

O Programa Bolsa Família objetiva a transferência direta e condicionada de renda às

famílias brasileiras em situação de pobreza e de extrema pobreza, de modo que consigam

superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Após a conclusão do ensino básico ou

passando a faixa etária exigida, os jovens são desligados e o benefício de transferência de

renda recebido pela família sofre alterações como, por exemplo, a diminuição do valor ou o

cancelamento do benefício. Iniciando, assim, uma nova fase para esses jovens, a busca pelo

primeiro emprego. As condicionalidades na educação foram criadas no intuito de propiciar

aos beneficiários o desenvolvimento de suas habilidades/competências e, assim aumentar as

possibilidades de ingressar no mercado de trabalho, gerar renda e sair da condição de pobreza

na fase adulta.

A problemática investigada neste estudo foi identificar a trajetória dos ex-

beneficiários do PBF, depois que eles saem da escola, analisar se as condicionalidades foram

efetivas e de que forma esses jovens prosseguem na sua formação profissional e na busca do

tão sonhado primeiro emprego. Nesse sentido, partiremos de alguns pressupostos como: as

capabilidades, as oportunidades/concorrência no mercado de trabalho e a qualificação

profissional. Buscamos respostas que indiquem ter o PBF contribuído ou não para a formação

profissional.

Trata-se de um estudo descritivo e de abordagem qualitativa, com entrevistas

realizadas no período de outubro a novembro de 2016. O sigilo e o anonimato dos

entrevistados foram garantidos através de um “Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido”, fornecido e assinado pelos participantes no dia da entrevista.

As etapas desenvolvidas iniciaram-se pelo levantamento sobre a realidade dos

possíveis entrevistados. A partir do resultado desse procedimento, elegemos os participantes.

As pessoas escolhidas possuem história de vidas similares, mas situação atual diversificada.

Page 6: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

Os sujeitos entrevistados foram os ex-beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF). Os

participantes foram selecionados com base em sua situação social e econômica atual. Foram

entrevistados 5 sujeitos, sendo todas as entrevistas realizadas no domicílio dos pesquisados.

Quanto ao instrumento de pesquisa, optamos pela entrevista semiestruturada, por

permitir flexibilidade diante dos imprevistos. O discurso foi livre orientado por algumas

perguntas-chaves. Para Manzini (1990/1991, p. 154), a entrevista semi-estruturada está

focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais,

complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista.

Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as

respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas. A construção do

instrumento orientou-se pelos objetivos da pesquisa e pelas questões mais gerais propostas

para a mesma, como: “O que o Programa Bolsa Família mudou em sua vida, após o

cancelamento do benefício?”.

Ao coletar os dados, houve a preocupação em seguir um padrão rigoroso em relação

às opiniões dos integrantes da pesquisa. As entrevistas foram gravadas com auxílio de

telefone celular (que tem a função de gravador digital) e transcritas na íntegra para

possibilitar uma análise adequada e aprofundada. A etapa seguinte foi composta pela

ordenação e classificação das informações de acordo com os objetivos do tema proposto.

Confrontamos o material obtido nas entrevistas com o referencial teórico da pesquisa,

na intenção de analisar a visão que possuem os ex-beneficiários sobre a maneira que o

Programa Bolsa Família tem contribuído para a formação profissional da classe menos

favorecida.

2. Um retrato do resultado do Programa Bolsa Família

O aumento da pauperização e a progressiva entrada da chamada classe média na

disputa pelo uso dos serviços públicos, em que a educação é um caso patente, mostram a

importância e sobretudo, a necessidade da defesa de políticas públicas como responsabilidade

do Estado. A política de transferência de renda implantado no Brasil caracteriza como

principal estratégia do eixo da política de Assistência Social do sistema brasileiro de Proteção

Social nos tempos atuais. Fundamentado em critérios de acesso dos mais pobres entre os em

Page 7: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

extrema pobreza e de cumprimento de condicionalidades, colocando em cheque o princípio

constitucional da universalidade, quando se exige elegibilidade na forma de acesso.

A fim de traçar um retrato das principais características dos ex-beneficiários do

Programa Bolsa Família, apresentamos aqui aspectos relevantes encontrados na pesquisa

realizada. Atualmente 2 (dois) dos pesquisados relatam ter um companheiro, sendo que 3

(três) se declararam sem parceiro. A entrevistada B tem uma filha (3 anos) e o companheiro

trabalha como garçom, já o entrevistado D tem uma filha (2 anos) e sua companheira não

exerce atividade remunerada.

Dos 5 (cinco) sujeitos entrevistados verificou-se que a totalidade deixou de ser

beneficiado pelo PBF após completarem 17(dezessete) anos de idade. Esta situação atende ao

Art. 2, inciso II da Lei No 10.836 que diz: O benefício variável, vinculado ao adolescente,

destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza

e que tenham em sua composição adolescentes com idade entre 16 (dezesseis) e 17

(dezessete) anos, sendo pago até o limite de 2 (dois) benefícios por família.

Acredita-se que após completar a idade máxima e ser desligado do programa, o

beneficiário já teria atingido o objetivo proposto, que é promover a emancipação dos

participantes. Segundo SOUZA (2009, p.11),

A crença fundamental do economicismo é a percepção da sociedade como

sendo composta por um conjunto de homo economicus, ou seja, agentes

racionais que calculam suas chances relativas na luta social por recursos

escassos, com as mesmas disposições de comportamento e as mesmas

capacidades de disciplina, autocontrole e auto responsabilidade. Nessa visão

distorcida do mundo, o marginalizado social é percebido como se fosse

alguém com as mesmas capacidades e disposições de comportamento do

indivíduo da classe média. Por conta disso, o miserável e sua miséria são

sempre percebidos como contingentes e fortuitos, um mero acaso do

destino, sendo a sua situação de absoluta privação facilmente reversível,

bastando para isso uma ajuda passageira e tópica do Estado para que ele

possa “andar com as próprias pernas”. Essa é a lógica, por exemplo, de

todas as políticas assistenciais entre nós.

O desligamento dos indivíduos ocorreu sem os mesmos terem concluído o ensino

básico e/ou sem estarem exercendo atividade remunerada, reforçando assim que o objetivo

proposto em longo prazo não está sendo atingido através das condicionalidades presentes no

PBF, uma vez que a maioria dos entrevistados encontra-se em semelhança situação

socioeconômica dos seus pais.

Page 8: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

A baixa escolaridade é a causa principal para a diferença entre ricos e pobres, a maior

preocupação é que esta pobreza é passada de pai para filhos, ocorrendo uma reprodução de

geração em geração. Isso quer dizer que os filhos de pais pobres têm mais possibilidades de

se tornarem adultos pobres e quando tiverem seus filhos, terão grandes chances de serem

pobres também.

A faixa etária dos entrevistados varia de 20 (vinte) a 26 (vinte e seis) anos. Quanto ao

grau de escolaridade, 4 (quatro) concluíram o ensino médio (em escolas públicas) e apenas 1

(um) destes ingressou no ensino superior. Entre os ex-beneficiários apenas 1 (um) concluiu a

etapa final da Educação Básica na idade considerada adequada, conforme o Art. 4 inciso I da

Lei no 9.394: Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de

idade [...]. No que diz respeito à educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma

que, para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, é preciso uma educação que

garanta o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho.

O sociólogo e cientista político Jessé Souza salienta que, em sociedades com alto

nível de desigualdade, o processo de transmissão de saber e de conhecimento superiores

permanece restrito às elites. Enquanto as crianças de famílias pobres recebem, na escola, uma

educação limitada ao tipo de conhecimento básico exigido para sua futura vida profissional –

são alfabetizadas, aprendem habilidades técnicas rudimentares suficientes para desempenhar

trabalhos não especializados ou com baixo nível de especialização –, as crianças de classe

média e alta recebem na própria família (não na escola) o tipo de educação que as distinguirá

de seus (suas) colegas mais pobres: é na família que são estimuladas a ler os livros

pertencentes ao “cânone” – isto é, à lista de textos que se espera que sejam conhecidos pelas

pessoas “bem-educadas” –, que se confrontam com obras de arte, que aprendem a apreciar

arte e cultura, e a saber como comportar-se nas diferentes circunstâncias, mostrando que

pertencem ao tipo “certo” de pessoas (SOUZA, 2009).

Frequentar a escola é uma condição necessária, mas não suficiente para garantir a

formação educacional. Sem escola de qualidade, sem boas condições de estudo em casa, sem

apoio de pais e professores, as crianças de famílias pobres muito dificilmente conseguem

obter bons resultados e alcançar um nível de instrução suficiente para ter mais chances

profissionais na vida (PINZANI; REGO, 2014, p. 25).

Page 9: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

Como dito anteriormente, as famílias que possuem renda entre R$ 85,01 e R$ 170,00

podem ser contempladas pelo programa desde que tenham em sua composição familiar

crianças e/ou adolescentes até 17 anos que frequentem a escola regularmente.

Quando fui beneficiária na minha casa moravam 12 (doze) pessoas na casa,

sendo 4 (quatro) beneficiados, hoje moram 14 (quatorze) pessoas, sendo 6

(seis) beneficiados (Entrevistado-A).

No período que recebia o dinheiro do programa, moravam na minha

residência 5 (cinco) pessoas, sendo que o meu pai que administrava o

benefício (Entrevistado-D).

O Brasil é um país onde as carências sociais são alarmantes, e o Estado não possui

condições adequadas para atender a todos que possuem direitos. Segundo Grassi (2001), no

acesso da saúde e da educação “a renda das famílias aparece como uma variável de seleção

fazendo com que os mais pobres nem mesmo procurem fazer valer os seus direitos”. Diante

do pressuposto podemos verificar que após o neoliberalismo as diversas políticas sociais

existentes se caracterizaram como focalizadoras, de seleção e de elegibilidade, como é o caso

do PBF.

Silva (2007) reconhece que, a partir da insuficiência dos serviços em atender toda à

população com qualidade, as condicionalidades não deveriam ser impostas às famílias, mas,

sim, ao Estado, visto que implicam e demandam a expansão e a democratização de serviços

sociais básicos de boa qualidade, que, uma vez disponíveis, seriam utilizados por todos, sem

necessidade de imposição e obrigatoriedade.

É possível verificar que as políticas sociais são voltadas para as pessoas em situação

de pobreza e/ou em extrema pobreza, em que a ideia de focalização envolve os direitos

sociais e assume que os recursos não são suficientes para atender a todos. A política de

transferência de renda tem um elevado custo para o Estado, pois como já diz transfere

recursos. No caso do Brasil este custo é ainda maior, pois a maior parcela da população pobre

é a que recebe assistência desses programas (SILVA, 2007).

Para Cohn (1995), deve-se entender que as políticas sociais que são voltadas para o

alívio da pobreza, são aquelas que têm ação e resultado de imediato, voltadas para as pessoas

em situações mais críticas, buscando a superação da pobreza, e possibilitando um

crescimento sustentável destes indivíduos. Cohn sugere que as políticas sociais devem

buscar:

Page 10: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

A articulação entre aquelas (ações) de curto prazo, de caráter mais

imediatista, focalizada naqueles grupos identificados como os mais

despossuídos, e aquelas de longo prazo, de caráter permanente,

universalizastes, voltadas para a equidade do acesso dos cidadãos aos

direitos sociais, independentemente do nível de renda e da inserção no

mercado de trabalho (COHN, 1995, p. 6).

Para que se tenha acesso aos programas assistenciais existentes atualmente, é

necessária para os indivíduos a comprovação da pobreza. Vale salientar que o Art. 5 da

Constituição Federal de 1988 garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Exigir critérios para a participação das políticas sociais é inconstitucional, pois deixam de

cumprir com o princípio da universalidade de acesso.

Entretanto, escolher ou eleger apenas um grupo beneficiário não é tarefa fácil, diante

do contingente populacional em situação de pobreza existente no Brasil e devido os direitos

sociais estarem garantidos constitucionalmente a todos os indivíduos. Por esse motivo o

Estado através das políticas sociais tem a responsabilidade de proporcionar atendimento sem

discriminação, deve ainda, garantir – além de uma porta de entrada- chances de saída com

possibilidades reais de autonomia e igualdade de possibilidades de oportunidades.

O PBF é pago mensalmente às famílias beneficiárias desde que estejam cumprindo as

condicionalidades exigidas pelo programa. O PBF através da transferência de dinheiro às

famílias beneficiárias representa uma importante fonte de renda para aquisição de alimentos,

porém, outras necessidades são supridas com este recurso, resgatando a cidadania destes

sujeitos. Esta questão emerge de forma evidente nas falas dos ex-beneficiários ao serem

questionados de que forma o benefício era utilizado pela família:

Podia comprar roupas e sapatos de forma parcelada que era pago assim que

a minha tia recebia o benefício (Entrevistado-A).

Contribuía na aquisição de material escolar e roupas, e ainda ajudava nas

despesas da casa (Entrevistado-B).

Os Programas de Transferência de Renda são capazes de estabelecer resultados e

impactos positivos na política social brasileira devido à sua transferência monetária direto às

Page 11: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

famílias beneficiárias, permitindo maior liberdade para a aquisição de bens e serviços que

melhor atendam as necessidades da família (SILVA, 2007).

A transferência condicionada de renda do PBF com a disponibilidade de um cartão

para acesso direto ao benefício é um ponto positivo do Programa que favorece a autonomia

das famílias no uso desses recursos, na escolha dos alimentos e, portanto, na adequação a sua

realidade e cultura (BURLANDY, 2007).

A renda mensal garantida pelo PBF garante com que as famílias beneficiadas honrem

com os seus compromissos financeiros. Conforme os relatos, o dinheiro recebido

possibilitava compras parceladas, pois poderiam aderir ao crediário, pagavam suas contas e

conseguiam planejar investimentos futuros, além de garantir a alimentação da família,

independente de exercerem ou não atividades remuneradas. A leitura e análise das entrevistas

revelam que a aquisição de alguns produtos seria impossível sem o recurso financeiro

fornecido pelo PBF. É importante destacar que um dos objetivos do PBF é proporcionar a

autonomia familiar, ou seja, garantir uma atividade remunerada à família beneficiária com o

intuito de que a mesma possa sair da condição de pobreza ou de pobreza extrema (BRASIL,

2016).

Os objetivos do Programa Bolsa Família, explicitados anteriormente, são

desconhecidos pelos entrevistados. Os depoimentos demonstraram a restrição de

conhecimento sobre a proposta do benefício de transferência de renda:

Ajudar na renda da família naquilo que ela precisa, na compra de alimentos

e roupas, suprir a falta de alguma coisa, mesmo que tenham pessoas da

família trabalhando, e assim não passar fome (Entrevistado-E).

Auxiliar os pais que não possuem renda e tem muitos filhos, mas o dinheiro

não é suficiente para comprar muitas coisas (Entrevistado-A).

Senna (2007) relata que segundo os idealizadores do Programa é necessário criar

mecanismos que estimulem a participação das famílias pobres e extremamente pobres nos

serviços de educação e saúde com o intuito de quebrar o ciclo reprodutivo da pobreza.

Verifica-se que não se trata de uma política universal, posto que os critérios principais de

acesso é a faixa etária e a renda para conseguir ser participante.

Diante das limitações e potencialidades, observa-se a importância da criação de

espaços e/ou momentos que propiciem as informações referentes ao PBF, em especial em

relação às condicionalidades. Também se faz necessário a capacitação dos profissionais

Page 12: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

envolvidos para que eles tenham mais segurança no repasse das informações às famílias

atendidas, que por sua vez, ficariam cientes quanto aos seus direitos e deveres em relação ao

Programa. Magalhães avalia “a necessidade de investimento em educação e acesso à

informação sobre o PBF, tanto por parte das famílias como dos profissionais envolvidos com

o programa” (2008, p.43).

As condicionalidades existentes na área da educação teriam como propósito romper

com o ciclo vicioso da pobreza, influenciando no aprimoramento do status educacional,

promovendo assim melhores oportunidades de qualificação profissional e a inserção futura no

mercado de trabalho. Diante das falas foi perceptível a discordância em relação às

condicionalidades propostas pelo programa:

O aluno está na escola só de corpo, mas o espírito está em outro lugar

(Entrevistado-A).

Minha tia sempre me falava que não podia faltar, pois iria perder o dinheiro.

Não avaliam se o aluno está aprendendo e sim se está frequentando a escola

(Entrevistado-B).

Minha mãe falava para não faltar à escola, pois podia perder a bolsa. Acho

certo ter essas cobranças, pois temos que nos esforçar para termos direitos

(Entrevistado-C).

Tem que ir à escola mesmo, porque se não quer estudar tem que passar o

benefício para outra pessoa (Entrevistado-E).

Deve-se salientar a disparidade existente entre direitos garantidos constitucionalmente

e as reais possibilidades de acesso às políticas públicas, uma vez que para o acesso à

educação, à saúde e à assistência social são estabelecidas condicionalidades que são

mascaradas em forma de “compromisso” a serem cumpridas pelos beneficiados.

Zimmermann salienta que:

O Bolsa Família impõe determinadas condicionalidades para o provimento

do benefício, [...]. O Programa deve reconsiderar suas concepções acerca da

imposição de condicionalidades e de obrigações aos beneficiários, pois a

titularidade de um direito jamais deve ser condicionada. O Estado não deve

punir e, em hipótese alguma, excluir os beneficiários do Programa, quando

do não cumprimento das condicionalidades estabelecidas e/ou impostas.

Dever-se-ia responsabilizar os municípios, estados e outros organismos

governamentais pelo não cumprimento de sua obrigação em garantir o

acesso aos direitos atualmente impostos com condicionalidades

(ZIMMERMANN, 2006, p. 53).

Page 13: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

Considerando a proposta principal do Programa Bolsa Família e as condições de

desigualdades educacionais existentes no Brasil, as crianças e adolescentes procedentes de

famílias pobres, na grande maioria, não possuem circunstâncias favoráveis para dar

continuidade à sua formação profissional.

Através do dinheiro recebido a minha tia comprava materiais e até hoje eu

de dependo de programa do governo (Vale Universidade)6 e devido a casa

ter muitas pessoas auxiliava para comprar materiais e assim dar

continuidade ao meus estudos, mas não auxiliou totalmente para a minha

formação, pois no momento do cancelamento ainda estava cursando o

ensino médio e se não fosse a minha força de vontade não iria conseguir

terminar meus estudos e assim dar continuidade a minha formação

(Entrevistado- A).

[O dinheiro recebido] apenas no sustento da casa, o restante foi meu esforço

(Entrevistado- C).

Se [o benefício] não fosse o cancelado pela idade, poderia ajudar nas

despesas de cursos e assim eu poderia dar continuidade na minha formação

profissional (Entrevistado-D).

Os indivíduos deixam de ser beneficiados assim que atingem a idade limite prevista

no programa e não há uma avaliação se o aluno concluiu ou não o ensino básico, além de não

oportunizar a permanência no PBF como forma de garantir a participação com igualdade de

oportunidades, sem que precisem ser obrigados a deixar a escola para contribuir com a renda

familiar. Portanto, verificamos que o acesso das crianças e adolescentes na escola não é

suficiente para que sua formação educacional propicie o romper do ciclo vicioso da pobreza.

Ao responder a pergunta central sobre as mudanças que ocorreram em suas vidas (e de

suas famílias) foi possível verificar uma divergência de opiniões, conforme demonstrado nas

seguintes falas:

A mudança é a reserva de dinheiro para aquisição de materiais. Houve uma

mudança em minha vida por minha força de vontade e não por pertencer ao

programa. Penso na possibilidade de se criar cotas para ex-beneficiários do

PBF (Entrevistado-A).

Mudou no sentido que consegui finalizar o ensino básico e meus pais não

(Entrevistado-B).

6 O Programa Vale Universidade (PVU) é um programa do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul que

oferta bolsas para que alunos de baixa renda e indígenas possam realizar estágios em instituições e órgãos

conveniados (MATO GROSSO DO SUL. Programa Vale Universidade).

Page 14: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

Não percebo tantas mudanças, pois o benefício não me acompanhou até o

encerramento do ensino médio, não completando o meu ciclo de formação,

foi a minha força de vontade em querer continuar (Entrevistado-C).

Me auxiliou na compra de matérias, meus pais não tiveram a mesma sorte

(Entrevistado-E).

A política de transferência de renda é insuficiente para alterar o quadro de

desigualdade social no país. Mas, através da criação de estratégias e a articulação dos

programas de transferência de renda ao acesso a serviços sociais básicos, a programas sociais

e, principalmente, a junção de uma política econômica que garanta o emprego e renda

mínima, poderia sim proporcionar autonomia às famílias que se encontram na pobreza.

Silva (2007) apontou o descrédito na capacidade do programa em ir além da

manutenção de certo nível de pobreza, podendo servir, inclusive, para controlar e regular os

níveis de indigência e pobreza determinados pelos critérios de acesso ao PBF. Segundo o

autor, uma estratégia plausível para a redução do quadro de pobreza seria a redistribuição da

renda entre a população brasileira, de modo a modificar a concentração de riqueza

socialmente produzida. Rios e colaboradores (2011) reforçaram o pressuposto de que o PBF

prioriza a transferência de renda, não possibilitando a saída da pobreza e da exclusão social,

que só podem ser enfrentadas mediante medidas articuladas de geração de renda, capacitação

e formação profissional.

A inclusão à escola não é garantia de que jovens consigam romper com o ciclo da

pobreza na fase adulta. Para se superar a pobreza é necessário a defesa de políticas públicas

sérias, contínuas e de qualidade.

Se o aluno é beneficiário, mesmo reprovando ele continua recebendo o

benefício até completarem 17 (dezessete) ano, não avalia a aprendizagem do

aluno, não se importam com isso, preocupam com a frequência. Muitos pais

não acompanham os filhos na escola, em minha opinião deveria ser cobrado

as notas e não frequência, pois seria uma forma dos alunos estudarem e

assim dar continuidade a sua formação profissional (Entrevistado-A).

Se o aluno está com notas baixas, não se procura saber o motivo, acho muito

falho o monitoramento de como as famílias utilizam o dinheiro recebido,

deveria incentivar o estudo, só assim deixam de ser pobres através do estudo

(Entrevistado-C).

Os participantes do programa vão na escola por obrigação, não recebem

orientações nem em casa nem na escola sobre a importância de concluir os

estudos (Entrevistado-E).

Page 15: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

Fica evidenciado através das entrevistas que os ex-beneficiários não percebem

mudança e/ou não associam essa mudança ao fato de terem sido contemplados com a política

de transferência de renda. A maioria dos participantes não deu continuidade à sua formação

educacional e/ou profissional, e uma pequena parcela que prosseguiu os estudos não assimila

tal questão ter ocorrido pela circunstância de serem ex-participantes do PBF.

Aguiar diz ser possível afirmar que programas de garantia de renda mínima, aplicados

de maneira independente, não são capazes de atuar efetivamente no rompimento dos ciclos

geracionais de pobreza e de desigualdade social. Essas variáveis não representam somente

uma questão de renda. “Nenhuma renda distribuída aos pobres poderia garantir o mínimo de

bens e acesso a serviços básicos de qualidade necessários, nos padrões modernos, para sair da

condição de pobreza e mesmo da exclusão social” (AGUIAR, 2002, p. 32). A renda mínima

para se tornar um meio de combate à pobreza e à desigualdade, precisaria estar vinculada a

outras políticas sociais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação pensada isoladamente é um abstrato. Ao analisar a pobreza, devem-se

levar em consideração os conflitos sociais mais profundos e fundamentais como as condições

sociais, emocionais, morais e culturais, que não constituem em fatores econômicos e sim em

fatores não econômicos que também refletem nas desigualdades sociais.

De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, as

condicionalidades são acordos que devem ser efetivados pela família, na área da assistência

social, educação e saúde para que possa permanecer recebendo o benefício. Assim, essas

condicionalidades aparecem como um retrocesso em relação aos direitos sociais, quando

transfere as responsabilidades do Estado para o indivíduo, ocasionando suspensão, bloqueio e

até exclusão para os mesmos em caso de não cumprirem com as condicionalidades impostas.

As políticas sociais separadas não são autossuficientes e sozinhas não conseguem a

superação da pobreza. A política de transferência de renda deve estar ligada às demais

políticas existentes, de forma que estrategicamente sejam pensadas para romper com o ciclo

da pobreza e que não apenas tenham a função de suavizar as condições de vida dos pobres.

Os fatores que criam e reproduzem a pobreza continuam inalterados e, possivelmente, a

população de que venham a precisar ser atendidas pelo PBF pode aumentar. Em virtude do

Page 16: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

que foi apresentado, não há como defender que o programa isolado possa ser considerado um

instrumento para a superação da pobreza, visto que todos os ex-beneficiários não

conseguiram entrar em uma universidade pública e/ou não conseguiram empregos com

melhores salários.

Não basta que as crianças e adolescentes estejam frequentando as escolas, é preciso

garantir uma educação de qualidade até que os alunos possam concluir os seus estudos, com

reais possibilidades de subsidiar o seu sucesso na “escola” e na “vida”, com igualdade de

oportunidades.

Acreditamos que o Programa Bolsa Família atua de forma significativa no sustento de

muitas famílias brasileiras, através da transferência de dinheiro aos beneficiários, oferecendo

alívio aos problemas imediatos e urgentes da pobreza, mas ainda não conseguiu promover a

emancipação de seus beneficiários.

Concluímos que o PBF apenas melhora a situação dos seus ex-beneficiários,

entretanto não os retira da situação de pobreza em que se encontram. As melhorias são de

necessidades imediatas, a política não é contínua e os resultados não são os esperados. Muitas

já foram as conquista em relação às políticas públicas, mas muito ainda precisa ser feito para

que de fato os indivíduos tenham os seus direitos efetivados.

Com este trabalho não tivemos a pretensão de finalizar os estudos sobre o tema, mas

evidenciar algumas pistas que devem ser perseguidas para que o Programa Bolsa Família

garanta a autonomia das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, assim

como proporcione o combate à pobreza por meio da formação educacional.

Ao concluir este estudo, percebemos a carência de trabalhos referentes ao tema

apresentado. Pouco se sabe sobre as condições atuais dos ex-beneficiários. Acreditamos que

uma análise nesse sentido permite analisar se o PBF está atingindo o objetivo principal que é

romper com a chamada transmissão intergeracional da pobreza. Acreditamos que para mudar

essa realidade é necessária a criação de políticas públicas contínuas, eficazes, de qualidade e

que sejam monitoradas com uma fiscalização eficiente e que busque de fato a emancipação

social dos indivíduos em situação de pobreza.

4. REFERÊNCIAS

AGUIAR, Marcelo. Bolsa-escola: educação para enfrentar a pobreza. Brasília: UNESCO,

2002.

Page 17: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história.

São Paulo: Cortez, 2006.

BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

http://www.senado.gov.br/SF/legislacao/const/. Acesso em: 13 de out. 2016.

BRASIL. Lei n 12.852, de 05 de agosto de 2013. Dispõe sobre os direitos dos jovens os

princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude

- SINAJUVE. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso:

9 ago. 2016.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 9 de ago. 2016.

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDS). Perguntas e respostas

sobre o Programa Bolsa Família. 2016. Disponível em: http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-

familia/gestao-doprograma/condicionalidades. Acesso em: 02 de Nov. de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei 10.836 de 9 de janeiro de 2004. Instituem o

Programa Bolsa Família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2004/lei/l10.836.htm. Acesso em: 2 de jun. 2016.

BRASIL. Programa Bolsa Família – Gestão de condicionalidades. Disponível em:

http://nutricao.saude.gov.br/docs/geral/apresentacaoEventosSaude.pdf. Acesso: outubro de

2016.

BURLANDY L. Transferência condicionada de renda e segurança alimentar e

nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, 2007.

COHN, A. Políticas sociais e pobreza no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, Juiz de

Fora, nº 12.

ENTREVISTADO A (depoimento oral). Entrevistadora: Laura Rosiane Monteiro de

Assunção. Corumbá: UFMS, 2016. Gravação digital (110 minutos).

ENTREVISTADO B (depoimento oral). Entrevistadora: Laura Rosiane Monteiro de

Assunção. Corumbá: UFMS, 2016. Gravação digital (67 minutos).

ENTREVISTADO C (depoimento oral). Entrevistadora: Laura Rosiane Monteiro de

Assunção. Corumbá: UFMS, 2016. Gravação digital (129 minutos).

Page 18: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

ENTREVISTADO D (depoimento oral). Entrevistadora: Laura Rosiane Monteiro de

Assunção. Corumbá: UFMS, 2016. Gravação digital (50 minutos).

ENTREVISTADO E (depoimento oral). Entrevistadora: Laura Rosiane Monteiro de

Assunção. Corumbá: UFMS, 2016. Gravação digital (50 minutos).

GUIMARÃES, Leonardo José Rolim; COSTANZI, Rogério Nagamine; ANSILIERO

Graziela. Possibilidades e limites para a expansão da Proteção Social pela via contributiva

clássica: notas sobre a inclusão previdenciária da população ocupada. In: ______ (Org.).

Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013, p.

65-92.

IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no

Brasil. 38. ed. São Paulo: Cortez, 2013.

MAGALHÃES, K. A. Programa Bolsa Família: operacionalização, integração e desafios à

emancipação de famílias em situação de vulnerabilidade social. 2008. Dissertação (Mestrado

em Ciências da Nutrição) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.

MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, p. 149-158,

1990/1991.

MATO GROSSO DO SUL. Programa Vale Universidade. Disponível em:

http://preg.sites.ufms.br/estagios/programa-vale-universidade/. Acesso em: novembro de

2016.

OLIVEIRA, Íris Maria de. Política Social, Assistência Social e Cidadania: algumas

aproximações acerca do seu significado na realidade brasileira. Natal: Editora da UFRN,

2003.

PINZANI, Alessandro; REGO, Walquiria Leão. Pobreza e cidadania, módulo I. Curso de

especialização educação, pobreza e desigualdade social. SECADI, 2014.

ONUBR – Nações Unidas no Brasil. PNUD, 2016. Disponível em: <

https://nacoesunidas.org/pnud-erradicacao-da-pobreza-garante-desenvolvimento-e-inclusao-

social-no-brasil/>. Acesso em: 20 de Nov. de 2016.

RIOS, D. F. F. et al. O Programa Bolsa-Família em um contexto de cidades rurais: o caso de

Bambuí – MG. Oikos: Revista Brasileira de Economia Doméstica, Viçosa, v. 22, n. 2, p.

150-170, 2011.

SALES, Mione Apolinario; MATOS Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina

(organizadores). Política social, família e juventude: uma questão de direitos. 6 ed. São

Paulo: Cortez, 2010.

Page 19: CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA…epds.ufms.br/wp-content/uploads/anaisencontroiepds/pdfs/... · eixos fundamentais: a pobreza material, a pobreza intelectual

Trabalho de Conclusão de Curso

SENNA M. C. M.; BURLANDY, L.; MONNERAT, G. L.; SCHOTTZ, V.; MAGALHÃES,

R. Programa Bolsa Família: nova institucionalidade no campo da política social brasileira?

Rev. Katál. Florianópolis, 2007.

SILVA, M. O. S. O Bolsa Família: problematizando questões centrais na política de

transferência de renda no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 6, p.

1429-1439, 2007.

SOUZA, Jessé (Org.). A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: EDUFMG,

2009.

ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Os programas sociais sob a ótica dos direitos humanos: o

caso do Bolsa Família do governo Lula no Brasil. Sur, Rev. int. direitos humanos. vol. 3, n.

4, p. 144-159, 2006.