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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
LIMITAÇÕES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA
AUTOR
MARISA BARBOSA LEAL
ORIENTADOR
PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCÁDIO
RIO DE JANEIRO
2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
LIMITAÇÕES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes - AVM Faculdade Integrada, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito e Processo do Trabalho.
Por: Marisa Barbosa Leal
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Agradeço a Deus, inicialmente,pelo dom da vida e pela oportunidade de aprendizado. Agradeço a meus pais por terem se disponibilizado como veículos carnais, facultando-me o caminho do conhecimento e do crescimento espiritual. Por fim, agradeço à eterna amiga e Mestra Claudia Adriana Alves Caldeira por suas palavras de incentivo e sua presença constante em minha vida.
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RESUMO
As transformações ocorridas na virada do milênio, marcado pelo avanço tecnológico e as novas relações econômicas mundiais contribuíram para as transformações que vem ocorrendo no ramo do Direito do Trabalho. Assim, a flexibilização passa a ser cada vez mais admitida e em meio a essa problemática, lança-se mão de instrumentos de flexibilização das leis trabalhistas para a obtenção da autocomposição através das negociações coletivas. Recurso,este, utilizado pelo sindicato patronal e pelas centrais sindicais de trabalhadores, em virtude da morosidade do legislador na adequação da legislação trabalhista à atual realidade. Deste modo a negociação coletiva tem sido importante ferramenta na prevenção de conflitos, além de possibilitar aos atores sociais o estabelecimento direto de normas e condições de trabalho específicas para as suas categorias. A partir daí surgem os questionamentos relativos às limitações, possibilidades e impossibilidades concernentes aos instrumentos normativos de negociação
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METODOLOGIA
O presente estudo baseou-se no método de pesquisa
bibliográfica: livros, artigos em revistas, internet, periódicos especializados,
publicações oficiais da legislação e da jurisprudência.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................7
CAPÍTULO I
DIREITO COLETIVO .................................................................................................9
1.1 CONCEITO...........................................................................................................9
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA.....................................................................................9
1.3 FUNÇÃO DO DIREITO COLETIVO......... ..........................................................12
1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO COLETIVO ................................12
1.5 SINDICATOS .....................................................................................................15
CAPÍTULO II
A NEGOCIAÇÃO COLETIVA................................................................................. 18
2.1 FUNÇÕES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ...................................................... 19
2.2 INSTRUMENTOS NORMATIVOS NEGOCIAIS.................................................20
2.3 CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO.................................. 21
2.4 CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO E SUAS
DEFINIÇÕES......................................................................................................22
2.5 REQUISITOS DE VALIDADE DO INSTRUMENTO NORMATIVO....................22
2.6 HIERARQUIA DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS NEGOCIADOS............23
CAPÍTULO III
LIMITAÇÕES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA.............................................................25
3.1 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO.........................................25
3.2 O CONFLITO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E SUAS .......CONSEQÜENCIAS...........................................................................................29
3.3 DA FLEXIBILIZAÇÃO.........................................................................................31
3.4- DISCUSSÕES SOBRE A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O ..........LEGISLADO ..................................................................................................35
3.5- ALGUNS JULGADOS E VERBETES JURISPRUDENCIAIS QUE REGULAM
.......AS IMPOSSIBILIDADES E POSSIBILIDADES DE FLEXIBILIZAÇÃO.............39
CONCLUSÃO...........................................................................................................46
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................48
ÍNDICE......................................................................................................................50
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema as limitações à negociação
coletiva; recurso do Direito Coletivo que viabiliza a flexibilização das normas
heterônomas e autônomas. Tal escolha justifica-se por sua relevância social,
em virtude das transformações nas relações de trabalho na virada do
milênio, ocasionadas pelo excesso de competição, avanços tecnológicos,
globalização econômica e a tão decantada crise mundial que ocasioram a
necessidade de reflexão no campo jurídico na tentativa de adaptar-se ao
novo contexto que se delineava, visando à proteção do direito do
trabalhador, pois os avanços tecnológicos acarretaram efeitos colaterais
apresentando ao mundo seu lado cruel, ou seja, uma sociedade que produz
mais com pouca mão de obra e baixos salários. A busca das empresas por
redução de custos, repercutiu diretamente no mercado de trabalho,
causando perdas de condições e benefícios trabalhistas; uma violação muito
grave aos direitos sociais, ocasionado pelo pagamento de salários muito
baixos, por parte de alguns Estados, utilizando como recurso a redução de
custos e, conseqüentemente, com isso, causando o aumento da
competitividade internacional
O campo doutrinário já há algum tempo, vem se manifestando
com o objetivo de esclarecer e orientar os operadores do direito e aqueles
que procuram soluções para suas dúvidas relativas a esse limite para a
negociação. O tema, em questão, tem sido alvo de diversos artigos em todos
os campos da mídia em razão do interesse social e da necessidade
imperiosa de se chegar a uma autocomposição de forma democrática.
A pesquisa teve como ponto de partida, o pressuposto de que
algumas correntes doutrinárias defendem essa limitação, mas que alguns
tribunais já vêm se manifestando de maneira contrária a essas idéias. Para
tanto, o trabalho em questão, baseou-se em doutrinadores como Mauricio
Godinho Delgado, Alice Monteiro de Barros, Sergio Pinto Martins, Cairo
Junior, entre outros estudiosos do Direito Coletivo do Trabalho.
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O primeiro capítulo faz um breve passeio no tempo, mostrando a
evolução histórica do Direito Coletivo no Brasil, seus princípios, funções e as
diversas mudanças que se processaram no campo da legislação. Para
melhor entendimento, a pesquisa apresentou a origem dos sindicatos, o
surgimento das primeiras reuniões semelhantes a essas instituições, como
as chamadas corporações de ofício, conceituando, definindo suas funções e
natureza jurídica, avaliando a importância da atuação sindical como
personagem imprescindível na negociação coletiva.
Já o segundo capítulo apresenta o conceito de negociação
coletiva, sua importância e autonomia para flexibilizar os direitos trabalhistas.
Suas funções, características e os instrumentos normativos negociados
originados da própria negociação e suas distinções. Discorre, ainda, sobre o
conteúdo dos instrumentos normativos e as cláusulas que os compõem,
gerando normas, obrigações e ferramentas capazes de estabelecer prazo de
vigência, orientando e fornecendo as fórmulas de solucionar os conflitos
derivados da interpretação da norma coletiva; sinalizando a hierarquia e os
princípios que regem os mesmos instrumentos.
O terceiro capítulo assinala as mudanças tecnológicas ocorridas
nas últimas décadas do século XX e seus efeitos no mundo do trabalho. Os
diferentes modelos criados, através dos tempos, para administrar a
produção industrial, objetivando-se evitar prejuízos e atingindo o maior lucro
possível, mas conseqüentemente, com isso, acarretando em perdas
desastrosas de direitos sociais. Surge, então, a necessidade de buscar
soluções para os novos conflitos aí surgidos, destacando-se a negociação
coletiva como importante ferramenta na resolução dos mesmos, enquanto
não ocorrer uma adequação da legislação trabalhista a esta nova realidade.
Apresenta, também, as diversas definições de flexibilização, por parte de
alguns doutrinadores, para melhor compreensão do assunto em debate.
Recorreu-se, ainda, neste capítulo, a exemplos de julgados e diferentes
opiniões de doutrinadores sobre as possibilidades e impossibilidades de
flexibilização de normas em sede de negociação coletiva e os limites a ela
impostos pela própria lei e por decisões dos tribunais.
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CAPÍTULO I
DIREITO COLETIVO
1.1- CONCEITO
O presente capítulo objetiva conceituar o Direito Coletivo e fazer
uma breve viagem no tempo, demonstrando a sua evolução histórica e
determinando a sua função e os princípios que o regem. Essa digressão se
faz necessária para melhor compreensão da questão, inicialmente, proposta
(das limitações à negociação coletiva), servindo de suporte e embasamento
à pesquisa mais adiante
O Direito coletivo é a ferramenta utilizada para a melhoria das
condições laborais do empregado. É o segmento do Direito do Trabalho que
trata da organização sindical, da negociação coletiva dos contratos coletivos,
da representação dos trabalhadores e da greve. Em relação aos demais
ramos do Direito do Trabalho, não apresenta diferenças específicas, estando
inserido na CLT como os demais e não possuindo autonomia (MARTINS,
2011, p. 714).
Para o doutrinador Amauri Mascaro Nascimento o Direito Sindical
é o ramo do direito do trabalho que tem por objetivo o estudo das normas e
das relações jurídicas que dão forma ao modelo sindical (NASCIMENTO
apud CAIRO JUNIOR, 2008, p.564).
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O nascimento do Direito Coletivo se deu com a formação de
entidades coletivas representativas do direito dos trabalhadores, com a
união dos operários em torno de interesses comuns relativos ao trabalho,
podendo ser situado, historicamente, no período posterior à Revolução
Industrial (século XVIII), a partir do reconhecimento do direito de negociação
dos operários (CAIRO JUNIOR, 2008,p.566).
Algumas reuniões promovidas por trabalhadores eram
semelhantes ao sindicato, como as corporações. Estas eram formadas por
artesãos que executavam o mesmo ofício ou profissão, objetivando
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melhores condições de vida. Pode-se afirmar que as crises que importaram
no desaparecimento das corporações de ofício acabaram propiciando o
surgimento dos sindicatos (MARTINS, 2011, p.714). As corporações de
ofício eram formadas por um mestre, companheiros e aprendizes,
executando o mesmo ofício. O primeiro assemelhava-se à figura do
empregador, por ser ele o responsável pelo comando de todos os membros
da associação. Este tipo de funcionamento provocou desentendimentos
internos, culminado com o seu desaparecimento, proporcionando, assim, o
surgimento dos sindicatos.
O sindicato passou a ser tolerado por volta do século XIX (1824),
o mesmo não acontecendo com o direito à greve.
Na Inglaterra o reconhecimento do direito de livre sindicalização,
sem intervenção estatal, foi instituído pelo Trade Union Act (1871), seguido
pela França com a Lei Waldek-Rousseau (1884) e mais tarde pelos Estados
Unidos com o Clayton Act (1914). Na Alemanha e na América Latina o
direito à livre associação foi elevado a nível constitucional, no primeiro, em
1919, na Constituição de Weimar e no segundo, em 1917, na Constituição
de Querétaro (México).
A declaração Universal dos Direitos do Homem, escrita em 1948,
previu, em seu artigo XXIII, que todo homem tem direito de organizar
sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses. Neste mesmo
ano, também foi aprovada a Convenção nº 87, pela OIT, defendendo a
liberdade sindical (CAIRO, JUNIOR, 2008, p.570).
No Brasil, observa-se inicialmente a inexistência da luta entre as
classes trabalhadora e patronal em razão de predominarem, ainda, as
atividades agrícola e agropecuária. Inicialmente os profissionais
organizavam-se nas chamadas corporações de ofícios que foram abolidas
no país pela Constituição de 1824. Segundo Cairo Junior, nascia, ainda no
século XIX, no país, às primeiras organizações de trabalhadores sob a forma
de ligas operárias e sociedades de auxílio mútuo (CAIRO JUNIOR, 2008, p.
569-570).
Agrupamentos de trabalhadores, sob a designação de sindicato,
no Brasil, surgiram somente no início do século XX, sendo estes legalizados
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pela instituição de dois decretos. O primeiro, de nº 979/1903, responsável
por regular o associativismo laboral na área rural e o segundo, de nº
1637/1907, regulamentava o sindicalismo na área urbana. Com a
Constituição Federal de 1934 o Brasil passou a adotar o princípio da
pluralidade sindical e, nesta vigência, foi editado o Decreto Legislativo nº
24.694 regulando esse mesmo sistema. Ainda na década de trinta, iniciou-se
a fase da intervenção estatal, que impôs mudanças na estrutura sindical,
passando a controlar a criação, extinção, direção e toda e qualquer mudança
ocorrida nos sindicatos, ficando o recém-criado Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio com a incumbência da condução deste processo.
Como parte desta política de intervenção observa-se a criação do
Decreto nº 19.770 de 19/03/1931 que estabeleceu critérios para a
concessão das chamadas cartas sindicais, observando o princípio da
unicidade sindical. Foi instituído o regime confederativo, permitindo a criação
de federações estaduais e de uma confederação para representar os
trabalhadores. O Decreto nº 22.132 de 25 de novembro de 1932 instituiu e
regulou as juntas de Conciliação e Julgamento, conhecendo e dirimindo,
apenas, os conflitos trabalhistas dos empregados sindicalizados, de modo
que não afetassem a coletividade. Sob a influência da Constituição de 1937
foi editado o Decreto-lei nº 1.402 de 1939 regulando a associação em
sindicato, sendo vedada a greve e o lockout. Em 1º de maio de 1943 por
meio do Decreto-lei n.º 5.452 foi aprovada a CLT (CAIRO JUNIOR, 2008, p.
571-572).
Na Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho foi incluída como
órgão do poder Judiciário. O direito de greve foi, novamente, reconhecido
sendo mantida a estrutura da organização sindical brasileira.
As Constituições de 1967 e 1969 proibiam a greve nos serviços
públicos e nas atividades essenciais. A liberdade de associação manteve-se
nos mesmos moldes da Carta anterior e entre as funções delegadas foi
incluída a de arrecadar contribuições para custear as atividades dos órgãos
sindicais e profissionais, objetivando o cumprimento de programas de
interesse das categorias representativas.
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Na Constituição de 1988, permaneceu o modelo de sindicato
único sustentado pelas contribuições sindicais obrigatórias, ficando impedida
a ratificação da Convenção nº 87 da OIT, aprovando-se, assim, um texto
onde a liberdade sindical é limitada.
1.3 FUNÇÃO DO DIREITO COLETIVO
O Direito Coletivo ou Direito Sindical desempenha a função de
regular a criação de normas de conduta e normas definidoras de produção
de outras normas, quais sejam, as normas profissionais além de prevenir
conflitos e objetivar a conquista da paz social (CAIRO JUNIOR, 2008,
p.577).
1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO COLETIVO
1.4.1 Princípio da Liberdade Associativa Sindical
Este princípio está previsto no art. 8º,V, da CRFB:
Art.8º É livre a associação profissional ou sindical, observando o seguinte (...) V- ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado ao sindicato (...)
É o direito que todo cidadão tem de se filiar, permanecer filiado ou
se desligar de qualquer sindicato, sendo, também, vedado ao Estado
restrições para criação, funcionamento, desmembramento ou extinção de
uma organização sindical, não podendo ser criado qualquer tipo de
embaraço ao seu funcionamento (CAIRO JUNIOR, 2008, p. 579).
1.4.2 Princípio da Autonomia Sindical
O art. 8º, I da Constituição Federal apresenta o princípio da
autonomia sindical:
Art. 8º (...)
I- a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão
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competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
Neste princípio encontra-se a garantia do sindicato à liberdade de
se auto-organizar, refletindo na criação, elaboração de estatutos e na
autonomia administrativa para eleger seus dirigentes conduzindo suas
atribuições e administrando seus recursos financeiros na forma que achar
apropriada.
1.4.3 Princípio da Interveniência Sindical na Normatização Coletiva
Este princípio encontra-se previsto no art.8º, VI, da Constituição e
retrata a obrigatoriedade da participação do sindicato dos trabalhadores nas
negociações coletivas; na ausência deste, a negociação será considerada
inválida.
Art. 8º (...)
VI- é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
1.4.4 Princípio da Equivalência dos Contratos
Considera em pé de igualdade empregados e empregadores,
porque ambos são seres coletivos. As forças são semelhantes; por um
lado,o sindicato laboral possui instrumentos eficazes de pressão como o
direito de greve e , do outro, a empresa que, por, natureza, já é um ser
coletivo.
1.4.5 Princípio da Lealdade e Transparência nas Negociações Coletivas
Refere-se a transparência que deve existir evitando os atos
desleais e obscuros na seara do direito do trabalho, sendo estes
considerados inválidos. Em qualquer negócio é imperativo a observância da
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lealdade é da boa-fé objetiva por parte dos contratantes, principalmente em
sede de negociação coletiva a qual dará origem a normas jurídicas.
1.4.6 Princípio da Criatividade Jurídica da Negociação Coletiva
É com base neste princípio que se originam da negociação
coletiva, as normas jurídicas. Fontes formais do Direito do trabalho que
geram direitos e obrigações, com suas peculiaridades e conseqüências daí
decorrentes.
1.4.7 Princípio da Adequação Setorial Negociada
Princípio que estabelece limites à negociação coletiva e esclarece
as possibilidades de flexibilizar a legislação trabalhista pela via da
negociação coletiva.
Segundo o Ministro Mauricio Godinho Delgado estes limites
podem ser resumidos de duas formas (DELGADO apud RESENDE, 2011,
p.954)
a) que a norma coletiva estabeleça padrão superior ao estabelecido pela norma heterônoma estatal; ou
b) que a norma coletiva transacione apenas setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade relativa.
As parcelas de indisponibilidade relativa seriam aquelas passíveis
de negociação e estão expressas na Constituição Federal no art. 7°, incs. VI,
XIII, XIV. Em oposição a essas, estão as de indisponibilidade absoluta, as
normas heterônomas que não podem ser suprimidas ou reduzidas mediante
negociação coletiva. Classificado por Godinho como patamar civilizatório
mínimo, como autor ensina (DELGADO apud RESENDE, 2011, p.955).
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1.5 SINDICATOS
Para melhor entendimento e fortalecimento do fio condutor da
pesquisa faz-se mister esclarecer o papel imprescindível do sindicato na
negociação coletiva.
1.5.1 CONCEITO
Considera-se sindicato, a associação permanente e organizada
de pessoas físicas ou jurídicas de atividades econômicas ou profissionais,
objetivando defender os interesses coletivos e individuais de seus membros
na busca de melhores condições de labor e vida.
1.5.2 NATUREZA JURÍDICA
Trata-se de pessoa jurídica de direito privado. Sua classificação
decorre da natureza da associação, amparada pelo princípio da autonomia
sindical e livre da interferência estatal. Possui características próprias, dotado de organização permanente, autônoma, sem fins lucrativos e de
prerrogativas sindicais.
1.5.3 FUNÇÃO
O art. 8º, III da Constituição Federal prevê que ao sindicato cabe
a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas. Neste dispositivo estão as
funções do sindicato que objetivam a defesa, manutenção e o
desenvolvimento de melhores condições de vida e trabalho para o
empregado seja em face do empregador ou do próprio Estado. As funções
sindicais podem se dividir em: reivindicativa, negociais, institucionais,
políticas e assistenciais; sendo que as funções sindicais podem ser
reivindicativas e negociais. São de exercício exclusivo das entidades
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sindicais enquanto que as demais podem ser executadas por outras
associações de classe.
a) Função Reivindicativa
O sindicato tem a faculdade de promover a defesa dos interesses
de seus filiados, visando obter melhores condições de vida e de trabalho. A
defesa e manutenção desses interesses coletivos podem ser por via judicial
ou extrajudicial. As entidades sindicais possuem a capacidade de ajuizar
ações coletivas em seu próprio nome para defender todos aqueles que
representa na qualidade de substituto processual.Gozam da prerrogativa de
ajuizar dissídios coletivos de natureza econômica ou jurídica quando
fracassam os recursos de solução de conflitos pelo método extrajudicial.
b) Função Negocial
Faculdade de conduzir a negociação coletiva no sentido de
solucionar conflitos ou, até mesmo, evitá-los. É uma das incumbências do
sindicato, além de propor soluções através da conciliação em sede de
Direito Coletivo. É prerrogativa das organizações sindicais celebrar os
contratos coletivos de trabalho, que são os acordos e as convenções
coletivas de trabalho. Por meio desta função ocorre o diálogo com os
empregadores ou sindicatos patronais visando a celebração dos diplomas
negociais coletivos; regras jurídicas que irão reger os contratos de trabalho.
c) Função Institucional
Mesmo não existindo a interferência do Estado no funcionamento
e na constituição das organizações sindicais, estas são convocadas para
indicarem aqueles que devem compor a administração dos órgãos públicos
ligados às atividades laborais. Esta participação objetiva a luta por melhores
condições de vida e de trabalho para todos os trabalhadores representados
pelo sindicalismo de classe, um sindicato geral detentor de poder para
pressionar empregadores e o próprio governo. Os órgãos públicos
diretamente ligados a essa participação são: O Conselho Deliberativo do
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Conselho Curador do FGTS e o
Conselho Nacional de Providência Social.
d)Função Assistencial
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Trata-se da prestação de serviços a seus associados e em alguns
casos a todos os membros da categoria. Consiste em serviços educacionais
(bibliotecas, creches, congressos e conferências, colônias de férias, centros
de recreação, formação profissional (bolsas de estudos), serviços médicos
(assistência médica, dentária, hospitalar, farmacêuticos, assistência à
maternidade) e jurídicos. Estas atividades são mantidas com a receita
oriunda da contribuição sindical, conforme o previsto no art. 592 da CLT.
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CAPÍTULO II
A NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Este capítulo tem por finalidade desenvolver a temática da
negociação coletiva, ferramenta essencial para o desenvolvimento desta
pesquisa. Diante disso, segue-se a apresentação de seu conceito, suas
funções, seus instrumentos normativos, suas distinções hierárquicas entre
outros, a fim de contribuir para melhor compreensão da importância deste
instrumento no quadro do trabalho aqui desenvolvido.
A negociação coletiva, para Maurício Godinho Delgado, é um dos
mais importantes métodos de solução de conflitos existentes na sociedade
contemporânea (DELGADO, 2011, p.1301).
Na visão do doutrinador Sergio Pinto Martins, ela é uma forma de
ajuste de interesse entre as partes, visando encontrar uma solução capaz de
compor suas posições (MARTINS, 2011, p. 813). O autor chama, ainda,
atenção para a Recomendação 91 da OIT, de 1951, que define a convenção
coletiva como (MARTINS, 2011, p. 813):
Todo acordo escrito relativo a condição de trabalho e de emprego, celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou várias organizações representativas de trabalhadores ou na ausência de tais organizações, por representantes dos trabalhadores interessados, devidamente eleitos e autorizados pelos últimos de acordo com a legislação nacional.
A solução dos conflitos na negociação coletiva, dá-se pelo
instrumento da autocomposição, quando os próprios interessados na
solução do problema, chegam ao fim do impasse através de cessões de
interesses sem a interferência de agentes externos.
Não sem razão, Resende destaca a importância da negociação
coletiva como principal método de solução de conflitos e de pacificação
social disponível no âmbito do Direito de Trabalho, notadamente porque
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encerra a participação direta dos indivíduos interessados no conflito
(RESENDE, 2011, p. 975).
2.1 FUNÇÕES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
A negociação coletiva possui várias funções como a jurídica (que
se divide em normativa, obrigacional, compositiva), econômica, política,
ordenadora e social como veremos abaixo.
2.1.1 Função Jurídica
a) Normativa
Cria e aplica normas às relações individuais de trabalho, muitas das
vezes, até mesmo para pior quando das crises econômicas, estabelecendo
regras diferentes das previstas em lei.
b) Obrigacional
Estabelece obrigações e direitos para os atores sociais.
c) Compositiva
Objetiva a solução do conflito entre as partes mediante um
instrumento negociado com a finalidade de trazer equilíbrio aos interesses
antagônicos.
2.1.2 Função Política
Esta incentiva o diálogo entre as partes, buscando solucionar as
divergências existentes.
2.1.3 Função Econômica
Trata da distribuição de riqueza.
2.1.4 Função Ordenadora
Estas são acionadas em momentos de crise e de recomposição
de salários.
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2.1.5 Função Social
Tem por objetivo possibilitar aos trabalhadores a participação nas
decisões empresariais.
Ainda, sobre a negociação coletiva, deve-se ressaltar que esta se
caracteriza pela autonomia, bilateralidade e transnacionalidade. É um
mecanismo no qual os trabalhadores e empregadores, ajustam novas
condições de trabalho que serão incorporados automaticamente aos
contratos de trabalho, fazendo concessões, transacionando interesses e
chegando a um consenso através do acordo ou da convenção coletiva de
trabalho (CAIRO JUNIOR, 2008, p.704).
2.2 INSTRUMENTOS NORMATIVOS NEGOCIAIS
Negócio jurídico, oriundo da negociação coletiva entre entidades
sindicais de empregados e empregadores por tempo determinado que, por
meio dessa negociação, gera cláusulas de natureza normativa,
estabelecendo condições de trabalho para aqueles que representa. Possui
requisitos de validade como: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou
não defesa em lei.
Os instrumentos normativos compõem-se de cláusulas
obrigacionais, normativas e instrumentais.
2.2.1 Cláusulas Normativas
Nascem de um acordo de vontades, mas possuem espírito de
norma. Instituem as condições de trabalho para as partes, facultando ao
trabalhador o ingresso em juízo, pleiteando o cumprimento de determinada
cláusula que tenha sido desobedecida pelo empregador.
2.2.2 Cláusulas Obrigacionais
São disposições que obrigam diretamente aqueles que celebram
o negócio jurídico, podendo resultar em obrigações de fazer, não fazer e dar,
gerando benefícios para os obreiros, mas sem afastar sua natureza
obrigacional.
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2.2.3- Cláusulas Instrumentais
São aquelas inseridas com o objetivo de facilitar a execução do
que foi pactuado no convênio normativo. As cláusulas instrumentais são
aquelas que: a) estabelecem o prazo de vigência, b) orientam as formas de
se evitar conflitos durante a vigência de norma coletiva, c) fornecem as
formas para solucionar os conflitos derivados da interpretação das normas
coletivas, d) criam regras para a prorrogação e revisão da norma pactuada.
2.3 CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO
2.3.1 Convenção Coletiva
A CLT, em seu artigo 611, define convenção coletiva de trabalho:
Art. 611. Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, as relações individuais de trabalho.
Para Cairo Junior, a convenção coletiva é responsável pela
definição das condições de trabalho que serão aplicadas a todos os
integrantes da categoria profissional e econômica que firmaram o ajuste
coletivo e não só aos filiados (CAIO JUNIOR, 2011, p. 741).
Sobre a convenção coletiva, o mestre Mauricio Godinho Delgado,
ensina ser ela resultante de negociação coletiva desencadeada por
entidades sindicais, quer de empregados, quer a dos respectivos
empregadores (DELGADO, 2001, p. 1308).
Em seu sentido formal, produzem acordo de vontades entre seus
pactuantes e embora de origem privada criam regras jurídicas, normas
autônomas que passarão a regular seus atores sociais a partir de sua
criação.
2.2.3 Acordo Coletivo
Decorrente de negociação coletiva, constitui instrumento
normativo originário de uma negociação entre sindicato da categoria
profissional e uma ou algumas empresas. Também visa prever condições de
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trabalho diversas das previstas pela legislação estatal e, geralmente, em
benefício dos trabalhadores.
A definição de acordo coletivo pode ser encontrada no art. 611,§ 1
da CLT:
Art. 611 (...) § 1º. É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho.
2.4 CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO E SUAS
DEFINIÇÕES
Ambos são instrumentos decorrentes da negociação coletiva. A
distinção entre essas duas figuras está na legitimidade das partes. No
acordo coletivo de trabalho, se faz representar sozinho ou, quando muito,
acompanhado de outros empregadores; seu raio de abrangência é mais
limitado que o da convenção coletiva de trabalho.
Já na convenção coletiva ocorre a negociação entre sindicatos, o
sindicato representativo da categoria profissional e o da categoria
econômica.
2.5 REQUISITOS DE VALIDADE DO INSTRUMENTO NORMATIVO
NEGOCIADO
2.5.1 Capacidade
É exigido que seja formado pelo sindicato dos trabalhadores, com
estatuto depositado no Ministro do Trabalho e Emprego, para verificação do
requisito da unicidade sindical.
2.5.2 Conteúdo
Tanto o ACT quanto a CCT contêm regras jurídicas e cláusulas
contratuais. As regras jurídicas são aquelas que irão gerar direitos e
obrigações, além do contrato de trabalho em sua base territorial. As
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cláusulas contratuais são aquelas que criam direitos e obrigações para as
partes convenentes e não para os trabalhadores. Cabe ressaltar que os
instrumentos normativos não poderão conter cláusulas que ofendam as
normas mínimas positivas de trabalho, ressalvadas as hipóteses previstas
em lei que admitem ser objeto de negociação.
2.5.3 Forma
Devem ser celebradas por escrito, sem emendas ou rasuras, como
prevê o art. 613 § único da CLT:
Art. 613 (...) Parágrafo único. As convenções e os acordos serão celebrados por escrito, sem emendas nem rasuras, em tantas vias quantas forem os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes, além de uma destinada a registro.
2.6 HIERARQUIA DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS NEGOCIADOS
O ordenamento jurídico é organizado de maneira que a norma de
grau inferior não possa sobrepor-se à norma de grau superior. Segundo
Hans Kelsen, a pirâmide representativa do ordenamento jurídico constitui-se
da seguinte forma: Constituição Federal (ocupando o seu ápice); em seguida
as leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, os decretos
regulamentadores e, por fim, os contratos, ocupando a base dessa pirâmide
Entretanto, o Direito do Trabalho não seguiu a teoria tradicional do
escalonamento jurídico das normas de forma absoluta. A norma a ser
aplicada será a mais favorável ao trabalhador em razão de sua
hipossuficiência e, também, em decorrência da aplicação do princípio
protetivo. É em razão desse princípio que o art. 620 da CLT prevê que: As
condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis,
prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.
Com o objetivo de estabelecer qual a norma mais favorável, a
doutrina trabalhista criou duas teorias que são: a teoria da acumulação e do
conglobamento.
24
2.6.1 Teoria do Conglobamento
Para esta teoria, as melhores condições de trabalho devem ser
analisadas de forma conjunta, observando o instrumento normativo
negociado na sua totalidade, aplicando a norma por inteiro no caso concreto.
2.6.2 Teoria da Acumulação
A teoria da acumulação fragmenta o texto de cada uma das
normas, extraindo de cada instrumento normativo as disposições mais
favoráveis para os trabalhadores e aplicando-as ao caso concreto.
25
CAPITULO III
LIMITAÇÕES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA
O presente capítulo apresenta, inicialmente, um breve passeio
histórico pelas diversas modificações que ocorreram no campo laboral ao
longo do tempo, definindo os processos tecnológicos e seus reflexos,
objetivando resposta acerca da questão principal, amparando-se na opinião
de diversos juristas renomados e demonstrando, sob a ótica de cada um
deles, a definição e as possibilidades de flexibilização via negociação
coletiva. Essas limitações e possibilidades foram exemplificadas, valendo-se,
também, de julgados, verbetes e a própria legislação.
3.1 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
Há décadas as relações de trabalho vêm passando por
transformações, sofrendo os efeitos da globalização da economia,
terceirização, automação, controle de qualidade, robotização, just in time
(recurso utilizado para administrar a produção industrial e seus
materiais,evitando o desperdício, onde a matéria-prima e os estoques
necessários à confecção do produto são supridos no tempo certo e na
quantidade e qualidade exata), kanban (quadro de avisos, cartão,
bilhete,onde o objetivo é eliminar estoques – estoque zero- os materiais e
componentes chegam no momento exato de sua produção/execução, no
momento certo para o processo de manufatura), kaizen( nos anos 50, os
japoneses retomaram as idéias da administração clássica de Taylor para
renovar sua indústria e criaram o conceito Kaizen que significa
aprimoramento contínuo, seja ele pessoal, familiar, social ou no trabalho.) e
flexibilização, obrigando a doutrina trabalhista a analisar as relações de
trabalho sob uma nova ótica.
Este novo cenário marcou o declínio do modelo de produção
fordista que predominou até o fim dos anos 1960. Nele a linha de montagem
26
era acoplada a uma esteira rolante, evitando, assim, o deslocamento dos
trabalhadores e mantendo o fluxo contínuo das peças. Este trabalho
imprimia um ritmo e velocidade independente da vontade do trabalhador,
sendo repetitivo e monótono, aumentando a produtividade pela
estandardização dos produtos, acarretando a verticalização da cadeia
produtiva e uma nova organização do trabalho com ênfase na
especialização do operário.
Atualmente o sistema predominante é o modelo japonês
¨toyotista¨, caracterizado pela flexibilidade, pela subordinação à distância,
eliminando gerentes intermediários criando-se outros tipos de mecanismos
de controle. É o que nos ensina Carlos Eduardo Oliveira Dias, quando
esclarece que (FRANZOI apud DIAS, 2009, P.55):
Esse novo modelo ganhou grande destaque na década de 80, chegando a ser considerado uma verdadeira filosofia gerencial por parte da doutrina econômica, que tradicionalmente passou a chamá-lo de toyotismo. Sua implantação excedeu os limites territoriais japoneses e atingiu inúmeras empresas em solo estrangeiro (...) com a redução da necessidade de estocagem de matéria-prima, o capital anteriormente investido em estoques e espaço físico das unidades fabris foi transformado em capital investido no mercado financeiro, aproveitando a natural alta nas taxas de juros que ele também provoca.
Além da mudança ocorrida na organização da produção, importa
ressaltar o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social, que teve como
conseqüência a redução da intervenção dos investimentos do Estado no
mercado. Em seu livro Direito e Cidadania na Pós-Modernidade, Dorothee
Susanne Rüdiger afirma que (RÜDIGER, 2002, p. 179):
Seja por uma crise de superacumulação, seja pelas crises do petróleo de 1973 a 1979, seja pela incapacidade de muitos Estados de controlar o déficit público e a inflação, a organização da sociedade vai mudar. Seguindo as concepções de economistas como Milton Friedman e Frederich August Von Hayek, o Estado deve se limitar a garantir a ordem política e econômica, retirando-se do papel de investidor e interventor no mercado. Para a retomada da prosperidade, segundo o chamado neoliberalismo, devem ser garantidas a liberdade de atuação das empresas privadas e a livre expansão do mercado em escala mundial. Desregramento, liberalização e privatização das atividades estatais são as palavras de ordem dessa política.
27
Neste sentido corrobora, ainda, a observação de Antonio Carlos
Aguiar, afirmando que: (AGUIAR, 2011, p.17).
(...) A partir de agora, contudo, desde o final do século XX e o início do século XXI, o que se vê é (...) a pujança e concretização da sociedade de informação e comunicação, com a completa descentralização física (autonomia) das empresas (as grandes corporações transnacionais transitam de um lugar para outro do planeta), com a descentralização produtiva (cada vez mais as empresas utilizam-se de terceiros, subcontratações e diversos tipos de mão de obra) e com o Estado, em geral, passando a uma condição de neoliberal.
Segundo Rüdiger, durante a fase do Estado de Bem Estar Social,
cabia ao Estado a regulamentação da sociedade capitalista, promovendo o
incentivo por meio de políticas fiscais e monetárias de investimentos
públicos, acarretando em crescimento de produção, em reconstrução
econômica nos setores de produção de transportes, de automóveis, na
construção civil, na indústria petroquímica e, também, na de
eletrodomésticos.
Com o término do Well Fair State passamos, então, à idéia de
Estado Mínimo, onde se pressupunha um deslocamento das atribuições do
Estado perante a economia e a sociedade, promovendo um afastamento em
prol da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos.
Seria a não intervenção, cabendo garantir ao Estado: a ordem, a legalidade
e concentrar seu papel executivo nos serviços mínimos necessários como o
policiamento, forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciário
Nesta virada de milênio, marcada pela globalização econômica,
pelo excesso de competição e pela escassez de solidariedade, destaca-se o
estigma da desigualdade. A tecnologia mostra ao mundo o seu lado cruel: as
transformações das relações de trabalho em uma sociedade que produz
mais com pouca mão de obra e baixos salários.
Esse panorama social causa preocupações à OIT em face à
problemática que se apresenta. Ari Possidonio Beltran qualifica esta situação
de dumping social. Empresas buscando redução de seus custos,
repercutindo diretamente na mão de obra, causando perdas de condições e
benefícios trabalhistas. Uma violação muito grave aos direitos sociais,
28
ocasionado pelo pagamento de salários muito baixos, por parte de alguns
Estados, utilizando como recurso a redução de custos e, conseqüentemente,
com isso, acarretando o aumento da competitividade internacional. O
dumping social pode caracterizar-se pelas seguintes práticas (BELTRAN
apud AGUIAR,2011, p.17 e 18):
a) política institucionalizada por alguns Estados-membros na fixação de baixos salários e de baixa proteção social(com redução de encargos), como forma de atrair empresas de outros estados;
b) a mesma estratégia (...) como já ocorreu pela ação de países então chamados de Tigres Asiáticos, com precaríssimos níveis de proteção social;
c) conseqüente ímpeto de empresas se transferirem de um Estado para outro, atraídas pelos menores custos de mão de obra, encargos sociais, encargos tributários etc;
d) a tendência de trabalhadores, em contrapartida, procurarem a migração para Estados que ofereçam melhores salários e maiores proteções sociais;
e) o desequilíbrio competitivo, econômico e social acarretado entre os Estados, como conseqüência dos efeitos anteriormente descritos.
Vemos isso no cotidiano, onde trabalhadores de diversas partes
do mundo aceitam a oferta de emprego em troca de salários baixíssimos
devido à necessidade de sobrevivência. Segundo Antonio Carlos Aguiar
(AGUIAR, 2011, p.18):
A preocupação da OIT é justa e coerente, (...) porque a sua atuação encontra entraves legais e operacionais, quando dela espera-se uma materialização severa e efetiva de controle e inibição desse saque social de benefícios. A instituição tem sérias restrições funcionais de atuação. É um ente, na verdade, apenas, promocional.
Aguiar ressalta, também, que essa preocupação da OIT se deve
ao fato de que muitos países, mesmo ratificando as convenções, podem,
efetivamente, deixar de cumpri-las sem qualquer tipo de punição (AGUIAR,
2011, p. 18):
(...) a) os países não estão obrigados a ratificar suas convenções; b) mesmo ratificando-as, elas valerão apenas internamente (para o país); e c) se não cumpridas, pelo país que as ratificou, as sanções revelam-se somente morais.
29
Não são poucas as convenções criadas por essa Instituição com
o intuito de proteger e orientar os trabalhadores diante da perda de
benefícios sociais. Em algumas delas, citadas no texto abaixo, transparece o
combate a práticas condenáveis que denunciam a exploração desumana da
força de trabalho. Para facilitar o entendimento desta limitação é importante
exemplificar as convenções ligadas a essa temática (AGUIAR, 2011, p.19):
(a)Liberdade sindical: convenção 87 (143 países a ratificaram) e Convenção 98 (154 países a ratificaram); (b) Abolição do trabalho forçado: Convenção 29 (165 países a ratificaram) e Convenção 105 (163 países a ratificaram); (c) Igualdade: Convenção 111 (161 países a ratificaram) e Convenção 100 (161 países a ratificaram); e (d) Eliminação trabalho infantil: Convenção 138 (133 países a ratificaram) e Convenção 182 (153 países a ratificaram).
Para Arturo Bronstein (Conselheiro principal da OIT para
políticas de legislação do trabalho e Secretário-geral da SIDTSS – Société
Internationale de Droit Du Travail Et Sécurit Social), a saída para a OIT
transita pela concretização das normas supranacionais como aquelas
existentes na União Européia: Tratado de Roma, Carta de direitos sociais
fundamentais dos trabalhadores, de 1999 e a Carta de Amsterdã, de 1996
que incorpora os tratados sociais (BRONSTEIN apud AGUIAR, 2011, p. 17 e
18).
3.2 O CONFLITO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E SUAS
CONSEQÜENCIAS
A palavra conflito tem sua origem no latim Conflictus, cujo
significado é lutar, combater indicando a existência de posições antagônicas
(MARTINS, 2011, p. 796).
O avanço tecnológico e as novas relações econômicas mundiais
contribuíram para as transformações que vem ocorrendo no ramo do Direito
do Trabalho, como assinala Vivian Quimelli Rosa (ROSA, 2003, p.2):
As novas tecnologias trazem a necessidade de acompanhamento tecnológico das empresas, para que não se extingam, em contraposição com o trabalho humano. (...) As empresas se voltam contra tudo que signifique gastos, prejuízos, ou barreira ao lucro e à competitividade, o
30
que faz com que procure se investir capitais onde exista maior liberdade nas relações com os trabalhadores.
Assim, a flexibilização passa a ser cada vez mais admitida. E em
meio a essa problemática, lança-se mão de instrumentos de flexibilização
das leis trabalhistas para a obtenção da autocomposição através das
negociações coletivas. Recurso utilizado pelo sindicato patronal e pelas
centrais sindicais de trabalhadores. Em artigo para a Editora Decisório
Trabalhista, Amauri Mascaro Nascimento observa a importância da
negociação coletiva diante das mudanças ocorridas no mundo do trabalho
(NASCIMENTO, 2004):
(...) Assiste-se à redução geral dos empregos, a criação de novos setores produtivos que ad-vieram das tecnologias modernas e do crescimento do setor de serviços, a descentralização das atividades da empresa para empreendedores periféricos por meio das sub-contratações, a informalização do trabalho da pessoa física com o crescimento do trabalho autônomo e de formas para-subordinadas de contratação do trabalho e o lado cruel da tecnologia, fatores que não podem ser desconsiderados na avaliação do problema das relações entre o negociado e o legislado, além de outros não menos importantes. A função da negociação coletiva no atual contexto é obter melhores condições de trabalho, cobrir os espaços que a lei deixa em branco e administrar crises da empresa como mostram os acordos e convenções coletivas que acumulam todas essas funções (...).
Em virtude da morosidade do legislador na adequação da
legislação trabalhista à atual realidade, a negociação coletiva tem sido
importante ferramenta na prevenção de conflitos, além de possibilitar aos
atores sociais o estabelecimento direto de normas e condições de trabalho
específicas para as suas categorias. Para Ives Gandra da Silva Martins Filho
o fracasso da reforma trabalhista e a incapacidade do Judiciário para
solucionar todos os conflitos respondem pela posição de destaque
alcançada pela negociação coletiva no Brasil (MARTINS FILHO, 2006).
Sobre a flexibilização vale acrescentar que, em sua obra
Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e
flexibilização das normas trabalhistas, a Juíza Vólia Bomfim Cassar ensina,
em conformidade, com Süssekind (SÜSSEKIND apud CASSAR, 2010,
P.57):
31
(...) na flexibilização os sistemas legais prevêem fórmulas opcionais de estipulação de condições de trabalho, ampliando o espaço para a contemplação ou suplementação do ordenamento legal, permitindo a adaptação de normas cogentes às peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais e admitindo derrogações de condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais, métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia, possibilitando a intervenção estatal, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador.
A autora enfatiza que o Estado garante direitos mínimos aos
empregados por meio da legislação e isso acarreta rigidez no Direito do
Trabalho. Coloca que se essa flexibilização ficar a mercê de empregados e
empregadores ou de seus respectivos sindicatos, baseando-se nas regras
do mercado, correremos o risco de perder o mínimo existencial que garante
a dignidade humana. Perda essa em virtude da necessidade de
sobrevivência, causada pelo desemprego, pela fome, fazendo com que o
trabalhador se submeta a salários baixíssimos e condições precárias de
trabalho.
3.3 DA FLEXIBILIZAÇÃO
3.3.1 Definição
Segundo o dicionário de português Aulete a palavra flexibilização
significa, além da ação ou do resultado de flexibilizar, o abrandamento de
leis ou regras, ou adaptações destas a uma nova conjuntura.
Na sociologia por flexibilização entende-se a capacidade de se
renunciar a costumes e a adaptação a novos contextos.
No âmbito jurídico o termo foi definido por destacados
doutrinadores, entre eles, Amauri Mascaro Nascimento para quem a
flexibilização do Direito do Trabalho corresponde a uma corrente de
pensamento na qual a postergação do direito do trabalhador, seria justificada
pelas necessidades econômicas, passando estes a estarem sujeitos a
imposição pelo empregador de formas de contratação moldadas de acordo
com o interesse da empresa, conseqüentemente o direito adquirido pelo
trabalhador seria sistematicamente afastado, tornando-se ineficaz sempre
32
que a produção econômica o exigisse, assinalando o aumento do direito
potestativo do empregador. (NASCIMENTO, 1997, P. 120)
Para Sergio Pinto Martins a flexibilização no Direito do Trabalho
pode ser definida como o conjunto de regras que tem por objetivo instituir
mecanismo tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica,
tecnológica, política ou social existentes na relação entre capital e trabalho
(MARTINS, 2000, p.25).
Na concepção da profª Vólia Bomfim, flexibilizar significa tornar
maleável as normas jurídicas existentes, tirar a rigidez, permitir a adoção de
regras específicas para casos diferentes. (CASSAR, 2010, p.40)
Assim como são variadas as definições do termo flexibilização,
não há, também, um consenso em relação à classificação de seus diferentes
tipos como será visto em seguida.
3.3.2 Espécies de Flexibilização
Sobre as diferentes espécies de flexibilização buscou-se abordar
este item, a partir da exemplificação da posição de diferentes autores que
discorreram sobre o tema, com a finalidade de demonstrar o quão amplo e
variado é o entendimento dessa questão.
O mestre Arnaldo Süssekind ensina que a flexibilização pode ser
classificada como (SÜSSEKIND apud CASSAR, 2010, p.42):
1) flexibilização funcional, que corresponde à capacidade da sociedade empresária ou empresário de adaptar seu pessoal para que assuma novas tarefas ou aplique novos métodos de produção.
2) flexibilização salarial, que consiste na vinculação dos salários à produtividade e à demanda dos seus produtos.
3) flexibilização numérica, que consiste na faculdade de adaptar o fator trabalho à demanda dos produtos da empresa.
4) flexibilização para manutenção da saúde da pessoa jurídica. Consiste na redução ou supressão de vantagens para superação da crise econômica enfrentada pela empresa.
Para Alice Monteiro de Barros desregulamentação é sinônimo de
flexibilização que se divide em (BARROS apud CASSAR, 2010,p.44):
1) (...) normativa equivale à flexibilização heterônoma, isto é, imposta unilateralmente pelo Estado.
33
2) (...) novo tipo, que para ela é sinônimo de flexibilização autônoma, pressupõe a substituição das garantias legais pelas garantias convencionais, com primazia da negociação coletiva.
Contrapondo-se a esta posição, Vivian Quimelli Rosa recorre a
Arnaldo Süssekind que afirma que (SUSSEKIND apud ROSA, 2003):
(...) desregulamentação não se confunde com flexibilização, mas desta faz parte. Para o autor a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais, abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade.
Já Amauri Mascaro Nascimento estabelece outra classificação
(NASCIMENTO apud CASSAR, 2010, p.43-44):
a) quanto à finalidade : será de proteção para preservar a ordem social; de adaptação com acordos derrogatórios; e de desproteção quando suprimir direitos;
b) quanto ao conteúdo, divide-se:flexibilização do modelo jurídico-normativo de relações de trabalho, passando-se de um totalmente legislado para um misto ou aberto;
c) quanto às formas de contratação, a flexibilização ocorre pelo uso de contratos por prazos determinados, pela terceirização, pelo contrato por tempo parcial, pelo emprego dividido, empregos flutuantes;
d) quanto aos direitos do trabalhador, a flexibilização recai sobre a compensação de jornada, supressão de horas extras e de sua integração ao salário, redução dos salários por acordo coletivo, desindexação dos salários, remuneração variável, suspensão do contrato e reclassificação dos modelos de dispensa.
Além dessas divisões, Vólia Bomfim Cassar enumera e define
outros tipos de flexibilização (CASSAR, 2010, p.54-55):
a)Flexibilização de adaptação:
Não objetiva, apenas, a derrogação dos benefícios trabalhistas
previstos na Constituição. Visa fazer adaptações através da autonomia
coletiva.
b)Flexibilização de proteção:
Afirma que a norma trabalhista é rígida pelo fato de proteger
direitos mínimos do trabalhador, permitindo a flexibilização somente com o
objetivo de favorecer o operário. Será utilizada somente quando a empresa
correr risco de extinção.
c)Flexibilização por desregulamentação:
34
Neste caso a legislação rígida é derrogada ou substituída por
uma norma menos vantajosa para o empregado.
d)Flexibilização autônoma e heterônoma:
A negociação autônoma se dá via acordos e convenções
coletivas, instrumentos particulares. Já a heterônoma origina-se de leis e
decretos, com a imposição unilateral do Estado, permitindo a derrogação ou
substituição das normas, até mesmo unilateralmente por parte do
empregador.
e)Flexibilização condicionada e incondicionada:
A condicionada sustenta que o trabalhador ao renunciar a um
direito, terá a garantia de que o Estado cumprirá a condição imposta, mas se
esta não for cumprida, o trabalhador terá o direito de reaver o direito previsto
na norma suprimida.
f)Flexibilização interna ou externa:
A interna permite a alteração das cláusulas, inicialmente
ajustadas na contratação, durante a vigência do contrato de trabalho,
mesmo que venha causar danos ao empregado.
A externa subdivide-se em flexibilidade de entrada e flexibilidade
de saída.
A flexibilidade de entrada pressupõe-se no momento de entrada
do trabalhador em algum emprego. As normas são flexibilizadas no
momento da contratação. Já a flexibilidade de saída se manifesta através do
aumento das formas pelas quais se pode demitir o obreiro.
g)Flexibilização jurídica e flexibilização real, ou de fábrica, ou produtiva:
A flexibilização jurídica é um tipo de suporte à flexibilização real.
É aplicada à mão de obra flexível, utilizada nas fábricas, compostas por
alguns trabalhadores temporários e terceirizados.
A flexibilização real é aquela que se origina da automatização da
produção, utilizando-se do modelo just in time, sem o armazenamento de
produtos em estoque, sendo feito na medida da encomenda.
Diante do exposto, pode-se inferir que a negociação coletiva é
instrumento jurídico eficiente para adequar a legislação às especificidades
dos atores sociais, havendo decisões que destacam a necessidade de
35
apreciar o tema flexibilização sob a ótica da evolução do direito na busca de
soluções aplicáveis aos problemas trabalhistas atuais.
3.4 DISCUSSÕES SOBRE A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O
LEGISLADO
Segundo Vólia Bonfim, os doutrinadores Alice Monteiro de Barros
e Süssekind defendem a tese de que o Brasil adotou a flexibilização
negociada ou autônoma, sustentando que a Constituição a autorizou
somente em três hipóteses e sempre com a participação do sindicato
(CASSAR, 2010, p. 44).
Art.7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) VI- irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.(...) (...) XIII- duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.(...) (...) XIV- jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.
A tese acima citada pode ser observada nos julgados abaixo
(CASSAR, 201, p. 44 – 45):
RECURSO DE REVISTA – HORAS EXTRAORDINÁRIAS – TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO JORNADA FIXADA EM ACORDO COLETIVO. Este Tribunal Superior do Trabalho pacificou seu entendimento no sentido de que, quando há na empresa o sistema de turno ininterrupto de revezamento, é válida a fixação de jornada superior a seis horas mediante a negociação coletiva. Recurso de revista conhecido e provido. TST, 1ª T, RR- 45074/2002-900-09-00,Min. Vieira de Melo Filho, DEJT – 14/08/2009.
HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. A cláusula convencional que retira do empregado o direito de desfrutar do intervalo para descanso e alimentação é ineficaz em face da norma legal, de ordem pública, que obriga a concessão desse descanso. A Constituição da República de 1988 admite a flexibilização do salário (art. 7º, VI) e da jornada de trabalho (art. 7º, XIV), garantida, por certo, a manifestação da categoria ou grupo profissional, por intermédio de assembléia devidamente convocada para esse fim. As normas que regulam as medidas referentes à
36
medicina e segurança do trabalho escapam, porém, da esfera negocial conferida aos sindicatos. Essas disposições são de ordem pública, revestem-se de caráter imperativo para a proteção do hipossuficiente, motivo pelo qual são inderrogáveis pela vontade das partes. Compete ao legislador tutelar o trabalhador, impedindo-o de concordar com a redução desse descanso, em detrimento de sua própria segurança e saúde. A finalidade do intervalo intrajornada é proporcionar ao trabalhador oportunidade de se alimentar, descansar e repor suas energias. Sua manutenção é indispensável, na medida em que o trabalho realizado em jornadas prolongadas contribui para a fadiga física e psíquica, conduzindo à insegurança no ambiente de trabalho. Nesse sentido é a Orientação Jurisprudencial nº342 da SDI-1 do TST/MG – Processo nº 01873.2003.003.03.00.3 – Relª. Designada: Juíza Alice Monteiro de Barros. DJ/MG 26/4/2005.
Entretanto a autora discorda, sustentando a tese de que, no
Brasil, a flexibilização aplicada é tanto a heterônoma quanto a autônoma e
não se restringe aos artigos da Constituição. Afirma, também, que a
supremacia da norma coletiva tem que ser relativizada (CASSAR, 2010, p.
46).
Para Mauricio Godinho Delgado os direitos trabalhistas dividem-
se em direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade
relativa. Na opinião do autor, apenas os direitos de indisponibilidade relativa
poderiam ser flexibilizados enquanto que os outros não, por serem a
garantia de direitos mínimos à existência digna dos trabalhadores ou mínimo
existencial (DELGADO apud CASSAR, 2010, p.47). Sobre este aspecto,
Ricardo Resende afirma que esses direitos, por garantirem a dignidade do
trabalhador, são de interesse público, citando como exemplo: direitos
constitucionais dos trabalhadores (exceto aqueles cuja Constituição
expressamente prevê a possibilidade de flexibilização), normas relativas à
segurança e à saúde do trabalhador. (RESENDE, 2011, p.990).
Em relação à aplicação do princípio da adequação, proposto por
Godinho, vale a pena observar o julgado abaixo (CASSAR, 2010, p.47):
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS DE INDISPONIBILIDADE RELATIVA. O princípio da adequação setorial negociada, que retrata o alcance da contraposição das normas coletivamente negociadas àquelas de cunho imperativo, emanadas do
37
Estado, viabiliza que as normas autônomas construídas para incidirem no âmbito de certa comunidade econômico-profissional possam prevalecer sobre aquelas de origem heterônoma, desde que transacionem parcelas de indisponibilidade apenas relativa, como e.g.,as concernentes à manutenção da hora noturna em sessenta minutos, vez que não caracteriza alteração em patamar prejudicial à saúde do trabalhador e desde que não traduza simples renúncia, mas transação de direitos. TRT/MG – Processo nº 01512.2001.018.03.00.4 – Rel. Designado: Juiz Júlio Bernardo do Campo.DJ/ MG 07/6/2002.
Outra tendência relativa à flexibilização é representada pela
chamada teoria do conglobamento que, segundo Ricardo Resende vêm
sendo adotada na doutrina e na jurisprudência, seguindo um percurso
diferente do apresentado pela tese da acumulação como indica o autor
(RESENDE, 2011, p.988):
Ao invés de fatiar a norma por institutos ou artigos, como faz a tese da acumulação, toma como parâmetro uma determinada matéria, para não extrair, no conjunto, a norma mais benéfica, aplicando-a então por inteiro no caso concreto.
A aplicação dessa teoria, conforme apresentada por Resende,
pode ser contemplada no julgado recente do TST sobre o assunto em
questão (RESENDE, 2011, p.988):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. Acordo e convenção coletiva de trabalho. Aplicação da norma mais favorável. Art. 620 da CLT. Não provimento. Da exegese do art. 620, da CLT, tem-se que, no conflito de acordo e convenção coletiva de trabalho, deve prevalecer a norma mais benéfica ao empregado, entendida essa no seu todo, tendo em vista a teoria do conglobamento, adotada por este colendo Tribunal Superior. Na hipótese o egrégio Tribunal Regional concluiu que as cláusulas da convenção coletiva, firmada entre os sindicatos representantes das categorias econômicas da reclamada e profissional da reclamante, se mostraram mais benéficas do que as do acordo coletivo de trabalho (Súmula 126). Nesse contexto, ilesos os arts. 574 da CLT, 5º, II e XXXVI, e 7º, VI e XXVI, da Constituição Federal. Agravo de instrumento a que se nega provimento (TST, AIRR 4006-52.2010.5.01.0000, 2ª Turma, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 20.05.2011).
Outro exemplo de julgado ancorado na teoria do conglobamento
ou teoria da conglobalização dos pactos coletivos pode ser visto em julgado
de origem anterior ao acima citado (CASSAR, 2010, p.49):
38
RECURSO DE REVISTA. ABONO. REAJUSTE SALARIAL. NORMAS COLETIVA. PREVALÊNCIA DE ACORDO COLETIVO EM DETRIMENTO DE CONVENÇÃO COLETIVA. Decisões ordinárias rejeitando a pretensão dos reclamantes, empregados aposentados, de perceberem majoração salarial no importe de 5,5% (cinco vírgula cinco por cento) e de abono no valor de R$ 1.100,00 (mil e cem reais). Pedidos formulados com apoio na Convenção Coletiva de Trabalho da Fenaban. Circunstância em que foi dada prevalência ao acordo coletivo formalizado em decorrência da privatização do reclamado em detrimento da convenção coletiva aludida, haja vista o princípio do conglobamento. TST, 6ª T, RR – 933/2002-095-15-00, Rel.Min. Horácio Sena Pires, DEJT – 14/08/2009.
Ainda sobre a flexibilização se faz necessário mencionar a
afirmação feita pela professora Vólia Bomfim que, recorrendo à Súmula nº
364, II do TST, apontou a existência de jurisprudência produzida pela Corte
Trabalhista, aceitando a flexibilização de qualquer direito. Tal entendimento
seria sustentado com base na própria Constituição que (CASSAR, 2010,
p.49):
(...) autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante convenção ou acordo coletivo, logo, o menos também é permitido. Neste sentido, tudo que não seja o próprio salário base do empregado é menos e, por isso, o direito pode ser suprimido ou reduzido, mesmo que seja apenas para aumentar a lucratividade da sociedade empresária ou do empresário.
Entretanto, Ricardo Resende, aponta que o item II da Súmula nº
364, foi cancelado pela Resolução nº 174/2011 do TST, demonstrando a
mudança de entendimento por parte da Corte Trabalhista (RESENDE, 2011,
p.1003):
(...) no sentido da impossibilidade de fixação do adicional em percentual inferior ao legal proporcional ao tempo de exposição. Das duas, uma: a) o empregado está sujeito a condições de risco, ainda que de forma intermitente, o que lhe dá o direito ao adicional de periculosidade nos termos legais; b) as situações de risco ocorrem de forma eventual, ou de forma habitual por tempo extremamente reduzido, hipóteses em que o empregado não faz jus ao adicional de periculosidade.
39
3.5 ALGUNS JULGADOS E VERBETES JURISPRUDENCIAIS QUE
REGULAM AS IMPOSSIBILIDADES E POSSIBILIDADES DE
FLEXIBILIZAÇÃO
O TST tem agido como um sistema de freios e contrapesos, na
medida em que permite a flexibilização de algumas matérias, não permitindo
que o negociado prevaleça sobre o legislado com total liberdade.
A obra Direito do Trabalho Esquematizado, do Prof. Ricardo
Resende, evidencia alguns julgados relativos à prevalência do negociado
sobre o legislado e suas limitações. Amparada, na obra do professor, a
pesquisa traz esses exemplos, ao capítulo em questão, demonstrando a
diversidade do tema (RESENDE, 2011, p. 990, 994-996, 999-1005):
3.5.1- Das Impossibilidades
a) Jornada de trabalho e descansos:
As normas que limitam a duração do trabalho são normas
cogentes que regulam a saúde do trabalhador e sua segurança, impedindo a
flexibilização via negociação coletiva.
OJ-SDI1. Minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho. Lei nº 10.243, de 27.06.2001. Norma coletiva. Flexibilização. Impossibilidade (DEJT divulgado em 03,04 e 05.12.2008). A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 27.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art.58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção e acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.
RECURSO DE REVISTA. JORNADA 12X36. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTO INTEGRAL DO PERÍODO. A teor da Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST, é invalida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior entende que o regime de jornada de 12X36 horas, ainda que ajustado mediante negociação coletiva, não subtrai do empregado o direito ao intervalo intrajornada assegurado no art.71 da CLT. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido (TST, RR 207400-64.2007.5.15.0076, 8ª Turma, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 25.02.2001).
40
Depreende-se que não é admitida a redução do intervalo
intrajornada nem mesmo sob a ótica da compensação em regimes de
plantão.
b) Horas in itinere – Supressão:
Com base no art.58, §3º da CLT, o TST admite que tal matéria
seja disciplinada por norma coletiva, entendendo que é cabível que seja
fixado um valor ou tempo para o deslocamento do trabalhador,
independentemente do tempo realmente gasto; mas sustenta que não é
viável a supressão do pagamento das horas in itinere, justamente por ser
previsto em lei.
RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. HORAS IN ITINERE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A partir da inserção do §2º ao art. 58 da CLT, pela Lei 10.243, de 19 de junho de 2001, a matéria atinente às horas in itinere passou a ser regulada por lei, constituindo garantia assegurada ao empregado. Embora acordos e convenções coletivas possam dispor sobre redução de determinado direito, em razão da concessão de outras vantagens similares, de modo que ao final se mostre razoável a negociação alcançada, não é admissível a utilização de instrumentos normativos que visem simplesmente suprimir um direito legalmente estabelecido, como no caso. Recurso de revista não conhecido (TST, RR 134900-52.2009.5.03.0047, 4ª Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT06.08.2010).
EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA Lei nº 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. NORMA COLETIVA. SUPRESSÃO. EFEITOS. O pacto coletivo, também garantido pela Lei Maior, não empresta validade, por si só, à supressão de direitos trabalhistas indisponíveis. A flexibilização das condições de trabalho, em princípio possível em matéria de jornada de trabalho, não pode se sobrepor ao princípio da valorização social desse (art. 1º, IV, da CF). Nesse contexto, inviável o reconhecimento de norma coletiva que retira direitos mínimos do empregado. Acrescente-se, por fim, que o art. 58 da CLT foi alterado pela Lei Complementar 123/2006, sendo-lhe acrescentado o §3º, que passou a admitir a flexibilização de horas in itinere para empresas de pequeno porte e microempresas, e em situações fixadas na própria Lei, mas não autorizou a supressão do direito definido no parágrafo anterior. Recurso de embargos conhecido e desprovido (TST, E-RR 157500-40.2006.5.12.0009, SDI-1, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, DEJT 18.02.2011).
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c) Férias:
Pela simples razão de as férias serem medidas protetivas da
saúde ao trabalhador, não pode ser objeto de negociação coletiva.
RECURSO DE REVISTA. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE FRUIÇÃO DE FÉRIAS ANUAIS. TRANSAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. NULIDADE DO AJUSTE. O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho está previsto no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, que não autoriza que por meio destes instrumentos seja promovida a simples supressão de direitos e garantias legalmente assegurados. Na hipótese em exame, a norma coletiva subtraiu direito do empregado que constitui medida de saúde e segurança do trabalho, assegurado em norma cogente, qual seja o art. 134 da CLT, o que não encontra amparo no ordenamento jurídico. Recurso de revista não conhecido (TST, RR 115000-16.2003.5.12.0024, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 24.09.20100.
d) Quitação geral de parcelas:
Dada a natureza cogente das normas que instituem o D.
Trabalhista, a jurisprudência não permite que seja outorgada quitação de
parcelas trabalhistas pela via da negociação coletiva. Isto constituiria em
renúncia e ofenderia diretamente o princípio da irrenunciabilidade.
QUITAÇÃO OUTORGADA PELO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL POR MEIO DE ACORDO COLETIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. Não há como se atribuir validade ao Acordo Coletivo de Trabalho por meio do qual o Sindicato da categoria profissional outorga quitação geral de parcelas devidas no curso do contrato individual de emprego, em relação às parcelas “adicional noturno”,“horas extras”e diferenças de comissões”. É certo que o constituinte de 1988 alçou ao status constitucional o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho como fontes formais do Direito do Trabalho (art.7º, XXVI). Daí não resulta, todavia, a consagração de poder flexibilizador ilimitado, impondo-se a observância das normas de conteúdo mínimo e de caráter cogente, assecuratórias dos direitos fundamentais dos trabalhadores, aí incluídas aquelas relacionadas com a proteção do direito adquirido. Recurso de embargos não conhecido (TST, E-ED-RR 803641-75.2001.5.05.0461, SDI-1, Rel.Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 06.08.2010).
e) Estabilidade da gestante – Restrições:
Por se tratar de norma de direito público e de caráter
eminentemente social, não há como se concluir pela transação que reduz a
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garantia da gestante, onde o objetivo é a proteção da maternidade e do
nascituro.
RECURSO ORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ACORDO HOMOLOGADO. ESTABILIDADE GESTANTE. Inviável o estabelecimento de cláusula que restringe o direito à estabilidade da gestante para os casos de concepção anterior ao aviso-prévio, e o condiciona à comunicação do empregador. OJ 30 da SDC. Precedentes. Recurso ordinário a que se dá provimento. Segurança e medicina do trabalho. Não observado no caso dos autos o disposto na NR-7 aprovada pela Portaria nº 3.214/1978, do Ministério do Trabalho e do Emprego, quanto à necessidade de assistência profissional para validar negociação coletiva que desobrigue as empresas de indicar médico coordenador do PCMSO, e que amplie o prazo de dispensa da realização do exame demissional. Recurso ordinário a que se dá parcial provimento. Taxa assistencial. Precedente Normativo 119. A imposição de contribuição assistencial a empregados não sindicalizados em favor de entidade sindical configura violação do princípio da livre associação, nos termos do Precedente Normativo 119 do TST. Recurso ordinário a que se dá provimento (TST, RO 383600-92.2009.5.04.0000,SDC,Rel.Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 25.02.2011.
f) Multa compensatória do FGTS – Redução:
RECURSO DE REVISTA DO SINDICATO – RECLAMANTE. FGTS. LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NAS CONTAS VINCULADAS DOS TRABALHADORES. CULPA RECÍPROCA E INDENIZAÇÃO DE 20% FIXADOS EM CLÁUSULA COLETIVA DE PRODUÇÃO AUTÔNOMA. Não tem validade a cláusula coletiva que reduz de 40% para 20% a indenização incidente sobre os depósitos efetuados a título de FGTS na conta vinculada do trabalhador contratado por empresa fornecedora de mão de obra que vem a ser sucedida por outra, na prestação do mesmo serviço, mediante processo licitatório, estabelecendo, ainda, que a modalidade da ruptura contratual dessa forma operada deve ser qualificada como “culpa recíproca” e, como tal, produzir os mesmos efeitos. Além de ser irrenunciável o direito a cujo respeito se controverte, a sistemática legal vigente (art.18, § 2º, da Lei nº 8.036/1990) atribui à Justiça do Trabalho a tarefa de aferir a ocorrência da culpa recíproca na extinção do contrato de trabalho. Isso porque a caracterização do instituto é o ato intelectivo eminentemente técnico, no qual se insere a verificação da prática efetiva simultânea, por empregado e empregador, das infrações capituladas nos arts. 482 e 483 da CLT, a partir da valoração da prova produzida. Dessa forma, considerando inválida a cláusula convencional que elegeu a rescisão contratual por culpa recíproca, em descompasso com a realidade dos fatos, não restou
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configurada a hipótese legal para a liberação dos depósitos do FGTS. Recurso de revista não conhecido (TST, RR 84400-33.2006.5.10.0001, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 09.04.2010).
3.5.2 - Das Possibilidades
a) Alteração da natureza jurídica de parcelas:
É admissível que norma coletiva retire a natureza salarial de
determinada parcela, alterando-lhe a natureza jurídica. É mais uma questão
política, pois com a retirada da natureza salarial da parcela, estimula-se, por
negociação coletiva, a sua concessão, além de reduzir encargos incidentes.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. Diverge da jurisprudência acostada aos autos o entendimento esposado pelo Tribunal Regional, de que a verba paga a título de auxílio-alimentação mantém seu caráter salarial, independentemente de norma coletiva em sentido contrário e adesão da empresa PAT – Programa de Alimentação ao Trabalhador. Agravo de instrumento a que se dá provimento. Recurso de revista. Auxílio-alimentação. Natureza indenizatória. A parcela a ser paga a título de auxílio-alimentação, de caráter inicialmente salarial, passa a ter natureza indenizatória, quando há posterior norma coletiva dispondo nesse sentido, bem como quando a empresa adere ao PAT – Programa de Alimentação ao Trabalhador. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento (TST, RR 137740-07.2003.5.13.0002, 7ª Turma, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, DEJT 12.03.2010).
b) Participação nos lucros e resultados – Pagamento mensal:
OJ-SDI1T-73, Volkswagem do Brasil Ltda. Participação nos lucros e resultados. Pagamento mensal em decorrência de norma coletiva. Natureza indenizatória DEJT divulgado em 09, 10 E 11.062010). A despeito da vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no ano civil, disposta no art. 3º, § 2º, da Lei nº 10.101, de 19.12.2000, o parcelamento em prestações mensais da participação nos lucros e resultados de janeiro de 1999 a abril de 2000, fixado no acordo coletivo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba (art. 7º, XI, da CF), devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva (art. 7º, XXVI, da CF).
OJ-SDI1-390. Participação nos lucros e resultados. Rescisão contratual anterior à data da distribuição dos
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lucros. Pagamento proporcional aos meses trabalhados. Princípio da isonomia (DEJT divulgado em 09,10 e 11.06.2010). Fere o princípio da isonomia instituir vantagem mediante acordo coletivo ou norma regulamentar que condiciona a percepção da parcela participação nos lucros e resultados ao fato de estar o contrato de trabalho em vigor na data prevista para a distribuição dos lucros. Assim, inclusive na rescisão contratual antecipada, é devido o pagamento da parcela de forma proporcional aos meses trabalhados, pois o ex-empregado concorreu para os resultados positivos da empresa.
O TST entende cabível a participação nos lucros, quando da
extinção do contrato de trabalho.
c) Norma regulamentar – Alteração por norma coletiva:
EMBARGOS. NORMA INSTITUÍDA PELA EMPRES. ALTERAÇÃO MEDIANTE ACORDO COLETIVO. VALIDADE. SÚMULA 51 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 1. Assim como a lei em sentido formal, a norma coletiva, fonte material do Direito do Trabalho, não tem o condão de prejudicar o direito adquirido dos reclamantes às condições erigidas no regulamento empresarial, vigentes por ocasião das suas contratações. Admitidos os obreiros no curso da vigência da norma regulamentar por meio da qual se asseguravam benefícios relativos à assistência médica e odontológica, medicamentos e seguro de vida, tiveram tais benefícios incorporados a seu patrimônio jurídico. Precedentes da SBDI-1. Embargos conhecidos e providos (TST, E-RR 680842-41.2000.5.17.5555, SDI-1, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 10.12.2010).
Segundo os exemplos, abaixo, citados pela profª. Vólia Bomfim
pode-se verificar que a legislação tem sido objeto de flexibilização já há
algum tempo (CASSAR, 2011, p. 59-61):
a)Lei nº 4.923/65 – Redução dos salários por norma coletiva.
b)Lei nº 5.107/66 – Sistema do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. O
trabalhador, na época, ao optar pelo FGTS, acarretava na renúncia à
estabilidade decenal.
c)Lei nº 6.019/74 – Autorização de terceirização de trabalhadores para
contratação temporária.
d)Lei nº 7.102/83 – Imposição da terceirização do vigilante.
e)Art. 59 § 2º - Criação do banco de horas, espécie de compensação de
jornada, dando a possibilidade de compensação em até um ano.
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f)Súmula 331 do TST, ampliando as possibilidades de terceirização,
relativizando o conceito de subordinação direta e indireta.
g)Súmula 354 do TST limitando a integração das gorjetas ao salário,
restringindo a interpretação do art.457 da CLT.
h)Art. 625-E da CLT autorizando transação e renúncia de direitos
trabalhistas, nas Comissões de Conciliação Prévia, durante ou após a
extinção do contrato de trabalho.
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CONCLUSÃO
O presente estudo objetivou responder as seguintes questões: Há
limite para a negociação coletiva? A negociação deve prevalecer sobre a lei?
Inicialmente a pressuposição era a de que a apesar de algumas correntes
doutrinárias defenderem essa limitação, alguns tribunais já vinham se
manifestando contrariamente a essas idéias. A pesquisa buscou
primeiramente, conceituar, definir as funções e os princípios do Direito
Coletivo, observando sua evolução histórica. Definiu o papel do sindicato,
sua natureza jurídica, conceituando esta instituição para melhor
compreensão dos capítulos seguintes.
O segundo capítulo objetivou definir a negociação coletiva, seus
instrumentos normativos, diferenças e hierarquias; culminando com o
terceiro capítulo fazendo uma digressão para explicar as transformações no
mundo do trabalho e as conseqüências que se originaram nas relações
envolvendo trabalhadores e empresariado. Relações que buscaram novos
rumos via negociação coletiva, por meio da flexibilização das leis e da
autocomposição. A pesquisa ressaltou a opinião de alguns doutrinadores
como Alice Monteiro de Barros e Arnaldo Süssekind que defendem a tese de
que o Brasil adotou a flexibilização negociada ou autônoma, afirmando que a
Constituição Federal a autorizou somente em três hipóteses; já Vólia Bomfim
Cassar discorda sustentando a tese de que a flexibilização aplicada é tanto à
norma heterônoma quanto a autônoma, não se restringindo aos mesmos
artigos da Constituição. Para o Ministro Maurício Godinho Delgado a teoria
aplicada seria a da adequação setorial negociada, opinião que segundo o
prof Ricardo Resende, tem sido cada vez mais aceita e prestigiada pelas
próprias bancas examinadoras (RESENDE, 2011, p. 954).
A pesquisa observou, com base no estudo bibliográfico e
jurisprudencial, que as negociações coletivas, em regra geral, podem
flexibilizar direitos trabalhistas, limitadas pelo princípio da adequação
setorial, segundo o qual só se pode falar em transação de direitos de
indisponibilidade relativa, concedendo à norma coletiva a ampliação dos
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direitos assegurados por lei, criando um padrão superior ao estabelecido
pela norma heterônoma. A norma coletiva pode flexibilizar os casos
expressamente previstos na Constituição Federal de 1988, no art. 7º, incs.
VI, XIII, XVI, que tratam da redução salarial, compensação de horário de
trabalho e aumento de jornada em turnos ininterruptos de revezamento;
observados o princípio da proteção e o da adequação setorial negociada.
Além destes, também, a possibilidade de flexibilização dos direitos
patrimoniais disponíveis; sendo vedado à norma coletiva transacionar sobre
normas de segurança e saúde do trabalhador, direitos formadores do
patamar civilizatório mínimo, como também não é facultado negociar sobre
legislação tributária e previdenciária.
Depreende-se quanto aos limites da negociação coletiva e de sua
prevalência sobre a lei, que a própria lei deve determinar um núcleo mínimo
de direitos individuais, não podendo, estes, serem objeto de negociação e de
renúncia por parte dos trabalhadores ou dos sindicatos, cabendo à Justiça
do Trabalho e ao TST, como seu órgão máximo de interpretação da
legislação trabalhista, conduzir o caminho, na condição de bússola,
objetivando justiça social.
Espera-se que a reforma trabalhista e sindical sejam
implementadas, levando em consideração o contexto do setor produtivo,
marcado por altas taxas de juros, alta concorrência, excesso de carga
tributária, entre outros, e que também estimule o crescimento econômico e a
geração de empregos.
48
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49
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VIVEIROS, Luciano & SANTOS, João Batista dos. CLT: 1000 perguntas e respostas. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008.
50
ÍNDICE
RESUMO..................................................................................................................................4
METODOLOGIA.......................................................................................................................5
SUMÁRIO.................................................................................................................................6
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................7
CAPÍTULO I
DIREITO COLETIVO ...............................................................................................................9
1.1 CONCEITO.......................................................................................................................9
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA................................................................................................9
1.3 FUNÇÃO DO DIREITO COLETIVO...........................................................................12
1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO COLETIVO ......................................12
1.4.1 PRINCÍPIO DA LIBERDADE ASSOCIATIVA SINDICAL.........................................12
1.4.2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA SINDICAL................................................................. 12
1.4.3 PRINCÍPIO DA INTERVENIÊNCIA SINDICAL NA NORMATIZAÇÃO
COLETIVA.....................................................................................................................13
1.4.4 PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA DOS CONTRATOS..................................................13
1.4.5 PRINCÍPIO DA LEALDADE E TRANSPARÊNCIA NAS NEGOCIAÇÕES
COLETIVAS..................................................................................................................13
1.4.6 PRINCÍPIO DA CRIATIVIDADE JURÍDICA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA........14
1.4.7 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA.........................................14
1.5 SINDICATOS ...............................................................................................................15
1.5.1 CONCEITO ..................................................................................................................15
1.5.2 NATUREZA JURÍDICA ........................................................................................15
1.5.3 FUNÇÃO .................................................................................................................15
CAPÍTULO II
A NEGOCIAÇÃO COLETIVA............................................................................................ 18
2.1 FUNÇÕES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ............................................................ 19
2.1.1 FUNÇÃO JURÍDICA.................................................................................................19
2.1.2 FUNÇÃO POLÍTICA .............................................................................................19
2.1.3 FUNÇÃO ECONÔMICA .......................................................................................19
2.1.4 FUNÇÃO ORDENADORA........................................................................................19
2.1.5 FUNÇÃO SOCIAL.....................................................................................................20
2.2 INSTRUMENTOS NORMATIVOS NEGOCIAIS......................................................20
2.2.1 CLÁUSULAS NORMATIVAS......................................................................................20
2.2.2 CLÁUSULAS OBRIGACIONAIS.................................................................................20
2.2.3 CLÁUSULAS INSTRUMENTAIS..................................................................................21
2.3 CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO......................................... 21
51
2.3.1 CONVENÇÃO COLETIVA............................................................................................21
2.3.2 ACORDO COLETIVO ..................................................................................................21
2.4 CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO E SUAS
DEFINIÇÕES...................................................................................................................22
2.5 REQUISITOS DE VALIDADE DO INSTRUMENTO NORMATIVO..............................22
2.5.1 CAPACIDADE ............................................................................................................. 22
2.5.2 CONTEÚDO..................................................................................................................22
2.5.3 FORMA ........................................................................................................................23
2.6 HIERARQUIA DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS NEGOCIADOS.......................23
2.6.1 TEORIA DO CONCLOBAMENTO................................................................................24
2.6.2 TEORIA DA ACUMULAÇÃO........................................................................................24
CAPÍTULO III
LIMITAÇÕES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA..........................................................................25
3.1 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO......................................................25
3.2 O CONFLITO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E SUAS CONSEQÜENCIAS ...........29
3.3 DA FLEXIBILIZAÇÃO.......................................................................................................31
3.3.1 DEFINIÇÃO ..................................................................................................................31
3.3.2 ESPÉCIES DE FLEXIBILIZAÇÃO ................................................................................32
3.4 DISCUSSÕES SOBRE A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O
........LEGISLADO ................................................................................................................35
3.5 ALGUNS JULGADOS E VERBETES JURISPRUDENCIAIS QUE REGULAM AS
IMPOSSIBILIDADES E POSSIBILIDADES DE FLEXIBILIZAÇÃO.........................39
3.5.1 DAS IMPOSSIBILIDADE ............................................................................................39
3.5.2 DAS POSSIBILIDADES...............................................................................................43
CONCLUSÃO.........................................................................................................................46
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................48
ÍNDICE...................................................................................................................................50