livro politicas publicas em educacao online (1) (1)

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Bertha de Borja Reis do Valle (coord.) / Ana Maria Alexandre Leite Eliane Ribeiro Andrade/ Eloiza da Silva Gomes de Oliveira José Luiz Cordeiro Antunes / Maria Fernanda Rezende Nunes Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim / Marly de Abreu Costa Osmar Fávero / Suely Pereira da Silva Rosa 2009 POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO

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  • Bertha de Borja Reis do Valle (coord.) / Ana Maria Alexandre LeiteEliane Ribeiro Andrade/ Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

    Jos Luiz Cordeiro Antunes / Maria Fernanda Rezende NunesMaria Ins do Rego Monteiro Bomfim / Marly de Abreu Costa

    Osmar Fvero / Suely Pereira da Silva Rosa

    2009

    POLTICAS PBLICAS EM EDUCAO

  • 2003-2009 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-o por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Imagem da capa: Steve Woods

    IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

    Todos os direitos reservados.

    V181 Valle, Bertha de Borja Reis do (coord.) ; Leite, Ana Maria Alexandre; Andrade, Eliane Ribeiro. et al. / Polticas Pblicas em Educao /

    Bertha de Borja Reis do Valle; Ana Maria Alexandre Leite; Eliane Ribeiro Andrade. et al. Curitiba: IESDE Brasil S.A. 2009.296 p.

    ISBN: 978-85-387-0136-1

    1. Ensino Fundamental. 2. Polticas pblicas. 3. Administrao da Educao. 4. Avaliao Institucional. 5. Perspectivas Educa-cionais. I. Ttulo.

    CDD 379

  • Bertha de Borja Reis do Valle

    Ana Maria Alexandre Leite (Ana Leite)

    Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ). Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professora titular da Faculdade de Filosofia Santa Doroteia. Experincia na rea de Educao, com nfase em Planejamento e Avaliao Educacional atuando princi-palmente em Formao de Professores, Polticas Pblicas, Planejamento e Gesto da Educao.

    Mestrado em Educao Brasileira. Possui graduao em Psicologia, licen-ciatura em Psicologia e Psicloga na Universidade Gama Filho (1986). Atualmen-te atua na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro no Convnio Unirio-Projovem. Diretora Pedaggica do GESTAR (Grupo de Estudos e Ao Racial de Nova Iguau e Maric). Tem experincia na rea de Educao com nfase em Edu-cao Inclusiva e desenvolve pesquisas nas reas de Juventude, Relaes Raciais na Escola.

  • Cursa o Doutorado na Universidad Nacional de Buenos Aires, na Argentina. Mestre em Educao pela UERJ (1991). Possui graduao em Pedagogia pela Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-1985). Atuou nos diferentes nveis/etapas/modalidades da Educao Bsica. professor Assistente da Universidade Federal Fluminense (UFF).

    Jos Luiz Cordeiro Antunes

    Doutora em Educao pela Universidade Federal Fluminense (UFF-2004). Mestre em Educao pelo Instituto de Estudos Avanados em Educao-IESAE, da Fundao Getlio Vargas (FGV-1993) e Ps-Graduao em Avaliao de Progra-mas Sociais e Educativos pelo International Development Research Center (1985) e Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura. Possui graduao em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-1978) e em Comunicao Social pela Universidade Estcio de S (UNESA-1980). Atualmente professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Tcnica em Assuntos Educacionais. Tem experincia na rea da Educao, atuando principalmente nos seguintes temas: Educao de Jovens e Adultos, juventude e polticas pblicas.

    Eliane Ribeiro Andrade

    Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora adjunta, coordenadora do Laboratrio de Estudos da Aprendizagem Humana (LEAH) e do Curso de Pedagogia a distncia da Faculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua na rea de Psicologia, com nfase em Aprendizagem e Desempenho Acadmicos.

    Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

  • Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-2005). Mestre em Educao pela Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ-1995). Possui graduao em Psicologia pela Pontifcia Universi-dade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atualmente tcnica em Assuntos Educacionais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora do Programa de Ps-Graduao em Educao da UNIRIO. Profes-sora adjunta da PUC-Rio. Tem experincia na rea de Educao, com nfase em Educao Pr-Escolar, atuando principalmente em Educao Infantil, Alfabe-tizao e Currculo.

    Maria Fernanda Rezende Nunes

    Cursa Doutorado em Educao na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-2002). Possui Licenciatura em Pedagogia, pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atualmente, pesquisadora da Fundao Oswaldo Cruz. Tem experincia na rea de Educao, com nfase em Ensino Mdio e em Educao Profissional, atuando principalmente nos seguintes temas: Formao Docente, Ensino Mdio e Polticas Pblicas.

    Maria Ins do Rego Monteiro Bomfim

    Marly de Abreu Costa

    Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-1995). Mestre em Educao pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-1985). Possui graduao em Pedagogia pela UERJ (1965). Atualmente professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem experincia na rea de Educao, com nfase em Avaliao Educacional, de Instituies, Sistemas e Programas Educacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Avaliao, Formao de Professores, Avaliao da Aprendizagem e Ensino Fundamental.

  • Osmar Fvero

    Doutorado em Filosofia da Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP-1984). Mestrado em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Possui graduao em Matemtica pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-1970). Atualmente professor titular (aposentado) da Universidade Federal Fluminense (UFF), vinculado como profes-sor permanente especial ao Programa de Ps-Graduao em Educao. Tem ex-perincia na rea de Educao, atuando principalmente em Educao de Jovens e Adultos e Educao Popular.

    Suely Pereira da Silva Rosa

    Especialista em Superviso Educacional e Educao. Graduada em Pe-dagogia com habilitao em Superviso Educacional e Administrao Escolar. Professora de Lngua Portuguesa e Literatura Portuguesa e Brasileira. Autora de textos e livros sobre Educao.

  • Sumrio

    Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos ....................................... 17

    Cincia poltica: evoluo do conceito .............................................................................. 17

    Contexto mundial no final do sculo XX e o incio do novo milnio ..................... 19

    Contexto poltico brasileiro .................................................................................................. 22

    Contexto nacional da Educao nas dcadas de 1980 e 1990 ................................. 23

    A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional .............................................. 25

    Condicionantes sociais e polticas da Educao ........... 33

    Conquista da cidadania plena .............................................................................................. 33

    Democracia como ideal poltico .......................................................................................... 37

    Governabilidade e globalizao .......................................................................................... 38

    Formao de professores e as polticas de Educao .................................................. 41

    Enfoque das polticas pblicas recentes em Educao ............................................................ 49

    A Educao Bsica ..................................................................................................................... 51

    A Formao Profissional .......................................................................................................... 55

    O Ensino Superior ...................................................................................................................... 58

    Concluindo .................................................................................................................................. 59

    Concepo da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional Lei 9.394/96 ................... 67

    Recordando a histria .............................................................................................................. 67

  • Frum Nacional de Educao em Defesa da Escola Pblica na LDB....................... 68

    Continuando a histria ............................................................................................................ 69

    Frum Nacional de Educao/Conselho Nacional de Educao ............................. 73

    Concluindo .................................................................................................................................. 74

    Modificaes introduzidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional Lei 9.394/96 ................ 83

    O que modificou? ...................................................................................................................... 84

    Impasses e polticas atuais ..................................................................................................... 87

    Finalizando nossa conversa ................................................................................................... 90

    Organizao e funcionamento da Educao Bsica .......99

    Um pouco de histria ............................................................................................................100

    A concepo de Educao Bsica ......................................................................................102

    A organizao curricular da Educao Bsica: a discusso da formao bsica comum/formao comum/base nacional comum ............104

    Os Parmetros Curriculares da Educao Bsica .........115

    Como surgem os Parmetros Curriculares Nacionais? ..............................................117

    Impasses e polticas atuais em relao Educao .....127

    Primeiro grande desafio para os educadores: o PNE Plano Nacional de Educao, o PEE Plano Estadual de Educao e o PME Plano Municipal de Educao que queremos ..........................................129

    Segundo grande desafio para os educadores: discutindo a gesto democrtica ......................................................................................134

    Terceiro grande desafio para os educadores: o financiamento da Educao ............................................................................................136

    Quarto grande desafio para os educadores: construindo uma poltica global de valorizao dos trabalhadores(as) em Educao (professores, funcionrios tcnicos-administrativos) .....................138

  • Perspectiva educacional de incluso ..............................147

    Educao Especial ...................................................................................................................151

    Educao Bsica de Jovens e Adultos .............................163

    Educao de Jovens e Adultos no Brasil de hoje .........................................................163

    As diretrizes curriculares .......................................................................................................166

    Os fruns e os encontros nacionais de Educao de Jovens e Adultos ...............167

    Algumas experincias em EJA ............................................................................................168

    As relaes polticas nacionais/polticas locais ............................................................172

    Descontinuidade e falta de integrao das polticas pblicas ...............................175

    Desafios da Educao Infantil ............................................183

    Neoliberalismo: uma pausa para a histria ....................................................................183

    Educao Infantil e a legislao: letra morta .................................................................188

    O MEC e a Educao Infantil: confrontando a realidade ...........................................191

    Educao Infantil: implicaes na prtica ......................................................................192

    Ensino Mdio: a ltima etapa da Educao Bsica.....201

    O Ensino Mdio na LDB .........................................................................................................203

    A responsabilidade pela oferta de Ensino Mdio ........................................................204

    A autonomia das escolas: preciso ousar ......................................................................204

    A organizao curricular do Ensino Mdio: os avanos possveis .........................206

    A preparao geral para o trabalho no Ensino Mdio: possibilidades.................208

    Educao Profissional: o desafio de formar trabalhadores ...................................221

    A Educao Profissional e a formao baseada em competncias .......................222

    A LDB e a legislao de Educao Profissional .............................................................224

  • A avaliao institucional no Brasil ....................................235

    Um pouco da histria da avaliao institucional .........................................................236

    Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (Saeb) e Prova Brasil ..........240

    Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem)......................................................................241

    Exame Nacional de Cursos (Provo) .................................................................................243

    Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior (Sinaes) .............................244

    Perspectivas futuras das polticas pblicas ...................253

    Gabarito .....................................................................................267

    Referncias ................................................................................285

  • Apresentao

    Neste livro de Polticas Pblicas em Educao voc ter a oportunidade de refletir e de trocar ideias com seus colegas sobre a questo poltica da Educao em nosso pas.

    Nas duas aulas iniciais, voc poder fazer uma anlise do conceito de cin-cia poltica e do que entendemos por polticas pblicas, alm de refletir sobre os condicionantes sociais e polticas da Educao.

    As aulas seguintes abordam enfoques recentes das polticas pblicas, a concepo da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9.394/96) e as modificaes introduzidas na Educao a partir de sua promulgao.

    Outros assuntos que voc ter oportunidade de estudar sero a organiza-o e o funcionamento da Educao Bsica em nosso pas, os Parmetros Curricu-lares Nacionais e os impasses e polticas atuais em relao Educao.

    As ltimas aulas procuraram enfocar as polticas dos diferentes nveis e modalidades da Educao Bsica, como a questo da Educao Inclusiva, da Edu-cao de Jovens e Adultos, os desafios da Educao Infantil, do Ensino Mdio e do Ensino Profissionalizante.

    Como ltimos assuntos de leitura e estudo, voc refletir sobre as pol-ticas de avaliao institucional no Brasil e as perspectivas futuras da educao brasileira.

    Este trabalho foi elaborado, sob a coordenao da Prof. Bertha do Valle, pelo grupo de pesquisadores da cidade do Rio de Janeiro os demais autores do livro, que vm, juntos, discutindo h vrios anos a Educao Bsica, em todos os seus nveis e modalidades, e o Ensino Superior no Brasil e participam de diversos fruns de debates em defesa da educao pblica e de qualidade para todos.

    Esperamos que estes textos colaborem para a sua melhor compreenso das polticas pblicas em nosso pas.

    Boa leitura!

    Bertha de Borja Reis do Valle

  • Bertha de Borja Reis do ValleNesta disciplina Polticas Pblicas em Educao voc ir ler e refletir

    sobre as influncias que a ao do homem, nos seus espaos de poder, tm trazido para as populaes. No caso particular que estamos estudan-do o campo da Educao estas influncias no tm sido menores. Ao contrrio, o poder poltico da Educao, ao longo do tempo, tem produzi-do inmeros indicadores de desigualdade, assim como incontveis hist-rias de sucesso social.

    Nesta aula voc compreender a abrangncia do campo de estudo da cincia poltica. Voc ver historicamente como as ideias polticas do-minam e influenciam as decises dos governos em todos os campos de conhecimento e as polticas pblicas de Educao no mundo e em nosso pas.

    Cincia poltica: evoluo do conceitoEm vrios textos acadmicos, vamos encontrar as expresses cincia

    poltica, teoria poltica e sociologia poltica como sinnimas, gerando al-gumas confuses quanto ao objeto de estudo. Giner afirma que o objeto da cincia poltica no apresenta grandes dificuldades: a cincia da au-toridade dos governantes, do poder (GINER, 1986, p.184).

    A noo de cincia poltica no recente. Est presente desde a Grcia Antiga, se lembrarmos das ideias e das reflexes de Aristteles que nos legou a primeira grande obra: Poltica, e de Plato, criador de um sistema poltico, em seu livro Repblica, no qual o modelo de sociedade deveria adotar um sistema de Educao em que todos os cidados teriam igual-dade de condies.

    Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

  • 18

    Sculos separam a Grcia Antiga dos fatos histricos que culminaram com a Revoluo Francesa, com a Revoluo Industrial e com as lutas pela independn-cia dos pases da Amrica de colonizao europeia. Neste longo perodo hist-rico, a viso poltica das populaes era esttica, baseando-se na ideia medieval de que o governante tem direitos e obrigaes complementares e sua soberania estava acima dos poderes dos sditos.

    A Revoluo Francesa levou ao poder a burguesia e provocou mudanas ide-olgicas no povo; mas somente a partir do sculo XIX que diferentes tendn-cias polticas se formaram, em oposio aos efeitos da Revoluo Francesa, ao liberalismo, grande indstria e mesmo ao capitalismo. Passa-se a admitir que a sociedade pode ser mudada.

    No sculo XIX, Marx e Engels criam um modelo prprio de explicao cient-fica para as lutas polticas do proletariado, por meio da anlise dialtica da pers-pectiva social da classe dos trabalhadores. Participaram ativamente das lutas po-lticas e a partir da crtica economia da poca e ao socialismo utpico, elaboram uma teoria de formao, desenvolvimento e dissoluo da sociedade capitalista, criando o materialismo histrico e tor nando-se os principais representantes do comunismo no pensamento moderno.

    O incio do sculo XX, em continuidade ao pensamento marxista iniciado nos anos anteriores, apresenta um cenrio mundial convulsivo, com a dominao do iderio comunista em vrias regies da Europa, culminando com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), liderada pela Alemanha. O crescimento do comu-nismo e a criao da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), tendo Moscou, capital da Rssia, como o grande centro do poder dos comunistas, con-tribuiram para a diviso do mundo em socialismo e capitalismo.

    O fim da Primeira Guerra no trouxe a paz. Anos depois, a Alemanha, domi-nada pelo pensamento antijudaico sob a liderana de Hitler e seus aliados, leva-riam o mundo Segunda Guerra Mundial, que foi o fato histrico-poltico mais importante do sculo XX.

    A cincia poltica trabalha com os cenrios atuais, com vistas a uma prospec-tiva. Nos diferentes momentos histricos ela se incumbe da crtica aos fatos his-trico-sociais, analisando os que acenam para o futuro e podero contribuir para o delineamento de projetos e de aes governamentais e sociais que conduzam ao bem-estar social.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

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    Contexto mundial no final do sculo XX e o incio do novo milnio

    O final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), assim como a da Primei-ra, no trouxe a paz ao mundo. A ebulio de ideias polticas que se sucede e as transformaes sociais e tecnolgicas que marcaram a segunda metade do sculo XX foram acompanhadas de grandes transformaes polticas, resultan-tes da diviso dos pases em dois grandes blocos comunistas e capitalistas tendo a Alemanha no centro, dividida pelo muro de Berlim, construdo para im-pedir a circulao das pessoas de um mundo para o outro.

    O cenrio dos anos 1980 continuou marcado por uma polarizao poltico--filosfica entre as correntes socialistas de origem marxista e, no campo es-pecfico da Educao, altamente influenciadas pelo pensamento de Gramsci e Althusser e as correntes liberais, por vezes, de forte cunho conservador, outras, utilizando discursos progressistas de liberdade e igualdade.

    No final dessa dcada, fatos polticos de repercusso mundial abalaram a di-viso dos pases em dois grandes blocos: os seguidores do iderio capitalista americano e os adeptos do pensamento comunista sovitico.

    O fim da Guerra Fria (1945-1989) entre os dois grandes lderes poltico-eco-nmicos Unio Sovitica e Estados Unidos veio contribuir para acelerar um processo de transformao no equilbrio de foras que se mantinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

    Entre 1984-1985, com o advento da liderana de Mikhail Gorbachev, na URSS, inicia-se a perestroika, com reflexos polticos no s para seu prprio pas, mas tambm para o mundo. Setenta anos aps a implantao do comunismo, este lder sovitico passou a pregar uma nova revoluo, que geraria profundas mu-danas em todos os campos no final do sculo XX. Em seu pas, liderou a transi-o sovitica da economia planificada para a economia de mercado.

    Paralelamente, foi tomando forma nos pases europeus a necessidade de ex-tino das barreiras polticas e econmicas que os separavam, ampliando o pro-cesso iniciado em 1987, com o Tratado de Roma, que criou a Comunidade Eco-nmica Europeia, com objetivos econmicos para contrabalanar com o peso comercial dos Estados Unidos. O ano de 1993 foi determinado, pelo Tratado de Maastricht, para ser o incio da Unio Europeia com as fronteiras abertas para os cidados de todos os pases-membros, tendo a economia com carter integra-

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    dor e as discusses polticas voltadas para a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar social dos europeus, conduzindo a lutas comuns pela preservao do meio ambiente, pela defesa dos direitos humanos: sade, habitao, segurana, transporte e Educao.

    Em 1989, com a queda do muro de Berlim, principal smbolo da Guerra Fria, que separava a Alemanha em duas naes, e a unificao germnica em 1990, as discusses sobre a Unio Europeia foram retardadas. Nesse mesmo ano, fez-se a unificao poltica alem, passando Berlim, em 1991, a ser a capital do pas.

    Outros fatos polticos viriam a abalar as relaes mundiais no final da dcada de 1980 e incio dos anos 1990, entre eles a guerra contra o Iraque, originada pela invaso do Kwait, que foi liderada pelo presidente Saddam Hussein e de-flagrada, a partir do que fora considerado pela Organizao das Naes Unidas (ONU), uma agresso soberania de um pas-membro da ONU e um acinte democracia mundial. Meses antes, a ONU determinara o bloqueio econmico do Iraque, como forma de pression-lo a desocupar o pas vizinho. Como tal medida no surtiu o efeito desejado, em 27 de janeiro de 1991 iniciou-se a Guerra do Golfo Prsico, sob a liderana dos Estados Unidos, que duraria cerca de 40 dias, terminando com a vitria dos pases aliados.

    A Guerra do Golfo Prsico acentuou as divergncias histricas entre rabes e judeus, aumentou as dificuldades das polticas econmicas e sociais, provo- cou vrios desastres ecolgicos devido exploso de poos de petrleo, destruiu vrios stios arqueolgicos de inestimvel valor histrico que estavam sendo pesquisados e exacerbou sentimentos nacionalistas at ento adormecidos.

    O ano de 1991 terminou com o cenrio mundial totalmente diverso no leste europeu devido ao caos econmico da transio do comunismo para o livre mercado, que teve como consequncias o fim da Unio das Repblicas Socialis-tas Soviticas (URSS), a independncia da Gergia, Letnia, Estnia e Litunia e a criao da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que reuniu a Rssia e as demais repblicas soviticas numa tentativa de criar um mercado comum, que apesar da moeda comum (rublo) continua difcil at hoje. A queda do imp-rio sovitico, porm, tem trazido problemas nacionais, tnicos, polticos e eco-nmicos, recrudescendo os nacionalismos e os dios religiosos. Depois de um longo perodo de crescimento, o mundo socialista mergulhou numa crise que vem provocando mudanas ideolgicas e geopolticas em todo o mundo.

    A onda neoliberal, que grassou no mundo a partir da dcada de 1980, reva-lorizou os princpios tericos do capitalismo. Os ideais de sociedade na poltica

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

    21

    neoliberal colocam o desenvolvimento espontneo da economia de mercado como a meta de perfeio para a sociedade humana. O homem deve deixar que opere o mercado livre, organizando a economia em funo do ideal humano.

    Por outro lado, o velho conflito entre rabes e judeus, que em 1993, por meio do chamado acordo Gaza-Jeric a Declarao de Princpios sobre os Acordos Internos de Autonomia nos fazia entrever alguns acordos de paz e de reconhe-cimento de territrios ocupados, caminha para a estagnao ou mesmo para o retrocesso. Israel afirma que no aceitar a criao de um Estado Palestino, nem a diviso de Jerusalm. Isso provocou um tremor no mundo rabe e um novo ciclo de violncia entre judeus e muulmanos.

    Com efeito, o desmantelamento sovitico encerrou a era dos Estados-nao, surgidos a partir da Revoluo Francesa (1789-1799), com uma populao relati-vamente homognea. Atualmente, vivemos em sociedades pluralistas. A mobi-lizao do homem e dos capitais questiona a lgica territorial na qual se baseia nossa sociedade. A confrontao Leste-Oeste retraiu durante algum tempo esse movimento, do qual pode ser esperado todo tipo de consequncias.

    Em 2001, logo no incio do sculo XXI, o mundo foi abalado por uma das mais ousadas e cruis aes terroristas de toda a Histria: os atentados de 11 de setembro, uma srie de ataques suicidas, contra alvos civis nos Estados Unidos, coordenados pela Al-Qaeda, organizao fundamentalista islmica internacio-nal, que tem como objetivo reduzir a influncia no-islmica sobre assuntos is-lmicos. Na manh deste dia, quatro avies comerciais americanos, lotados de passageiros civis, foram sequestrados. Dois deles colidiram contra as torres do World Trade Center, conjunto de sete prdios comerciais de grande movimen-tao, localizados em Manhattan, na cidade de Nova York. Um terceiro avio, foi direcionado pelos terroristas para uma coliso contra o Pentgono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos na capital americana Washing-ton. Os destroos do quarto avio foram encontrados espalhados num campo da Pensilvnia, estado americano, localizado na regio Centro-Atlntico do pas. Os atentados causaram a morte de mais de trs mil pessoas e foi transmitido ao vivo pelas cadeias de TV do mundo inteiro. Tal ataque, sem precedentes em toda a histria da humanidade, causou um grande impacto emocional em todo o mundo e superou, em muito, os efeitos sociais e polticos impostos a toda a humanidade em todas as guerras anteriores e podem ser sentidos at hoje.

    Esse rpido olhar poltico sobre o final do sculo XX e o incio do sculo XXI nos chama a refletir sobre as discusses contemporneas da cincia poltica

  • 22

    e, por conseguinte, a urgncia de um novo enfoque das cincias sociais, com bvias consequncias sobre as polticas educacionais. Evidentemente, estamos demandando novos conceitos de Estado, Nao, Democracia, Cidadania, Edu-cao e um repensar sobre a formao poltico-pedaggica do professor desta nova era.

    Contexto poltico brasileiro No Brasil, engessado por sculos de um perodo colonial, no qual nossas ri-

    quezas eram levadas para a Europa e a escravido era o grande comrcio, as diferentes tentativas de revoluo foram abafadas pelo colonizador portugus. Mesmo aps a independncia do Brasil, durante todo o Imprio, as ideologias polticas que estavam em discusso em diferentes pases pouco afetavam a rea-lidade social e educacional brasileira.

    As polticas educacionais do Brasil sempre se mostraram inconsistentes. Na verdade, a histria da Educao brasileira no registra, ao longo do perodo colonial, nem do Imprio, preocupao com polticas pblicas de Educao.

    As primeiras dcadas do sculo XX marcaram a poltica educacional brasi-leira pela criao da Universidade do Rio de Janeiro, em 7 de setembro de 1920 ( depois Universidade do Brasil e hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ). O movimento da Escola Nova, liderado pelos reformadores da poca, leva criao da Associao Brasileira de Educao (ABE), em 1924, pelos inte-lectuais da Educao com o objetivo de influir na implantao de novas polticas de Educao.

    Em 1930, a 14 de novembro, logo no incio da Era Vargas, foi criado o Minis-trio da Educao e Sade. Entretanto, os intelectuais renovadores da Educa-o, entre eles Ansio Teixeira, Loureno Filho, Fernando de Azevedo e outros, no tiveram suas propostas polticas de transformao da Educao brasileira apoiadas pelo movimento de 1930, que iria culminar com o perodo de ditadura de Getlio Vargas e o autoritarismo do Estado Novo (1937-1945).

    Do Manifesto dos Pioneiros, em 1932, ao Manifesto dos Educadores, em 1959, houve toda uma histria de lutas por uma escola melhor. Nos anos seguintes, as reformas educacionais previstas nas Leis 4.024 (de 1961, que estabelecia as diretrizes e bases da Educao Nacional), a 5.540 (de 1968, que fixava as normas do Ensino Superior) e a 5.692 (de 1971, que implantou o ensino de 1. e 2. graus) sofreram, e ainda sofrem, crticas severas de todos os setores.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

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    Convm lembrar que, nos anos 1960, acreditvamos ingenuamente que a Educao era a alavanca do desenvolvimento e no enxergvamos os limites da prtica pedaggica. Nos anos 1970, as ideias da teoria da reproduo abran-daram o entusiasmo com que muitos educadores haviam abraado o binmio Educao e desenvolvimento. Lembrar dos anos 1960 e 1970 rememorar um perodo marcado por movimentos estudantis reflexo das dificuldades por que passavam os educadores, inseridos na massa brasileira, oprimida pelo movimen-to de 1964. E o ano de 1968 ser sempre um marco na histria poltica do Brasil, pelo endurecimento das aes da ditadura. No campo social foi um perodo marcado pela influncia velada e oprimida por fora da represso da ditadura, das ideias de Karl Marx, de Marcuse e pelas leituras do pensamento de Althusser e Gramsci.

    Com a chegada dos anos 1980, inicia-se uma reviso do exagero das teorias reprodutivistas, uma postura menos ingnua e mais realista em relao ao papel social da Educao. Percebe-se com clareza que h limites econmicos, ideolgi-cos, culturais e de classe, que fazem com que a Educao no possa fazer tudo o que pensvamos. H uma distncia entre a adeso intelectual s ideias progres-sistas e a insero na prtica progressista. A mudana s se sela quando a prtica poltico-pedaggica ultrapassa a reflexo e passa ao.

    Assim, o incio da dcada de 1980 marcado por movimentos sociais, pela or-ganizao de diferentes categorias em associaes, pela mobilizao dos profes-sores por melhores salrios, melhores condies de trabalho, melhor formao profissional, melhores escolas. Surgem, em todo o Brasil, entidades nacionais representativas dos educadores, sem contar com inmeros sindicatos e outras associaes estaduais, e at municipais, que passaram a congregar grupos de professores por especificidade de atuao pedaggica.

    As Conferncias Brasileiras de Educao (CBE) foram, nos anos 1980 e no incio da dcada de 1990, fruns de debates das questes educacionais, nos quais as polticas educacionais foram temas de simpsios e painis.

    Contexto nacional da Educao nas dcadas de 1980 e 1990

    A dcada perdida como os economistas chamaram os anos 1980 foi, poli-ticamente falando, para os brasileiros, a dcada da busca da cidadania. Iniciou-se

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    com grande movimentao da sociedade civil, organizando-se em associaes e sindicatos que passaram a liderar as greves e as lutas por melhores salrios e condies de vida. As eleies diretas para governador, aps vrios anos de elei-es indiretas, fizeram os brasileiros vibrar por seus candidatos.

    Fato marcante na primeira metade desta dcada foi o movimento popular pelas eleies diretas para presidente. A campanha das Diretas j mobilizou mi-lhes de brasileiros em todo pas. Inutilmente, porm. O mximo que o povo or-ganizado conseguiu foi a retirada de candidaturas de diferentes partidos de opo-sio ao governo e a aglutinao de foras em torno do nome do governador de Minas Gerais, Tancredo Neves. A sua vitria no Congresso foi tranquila, mas ele fa-leceu, no chegando a tomar posse, deixando para o vice-presidente, Jos Sarney, a tarefa de levar adiante o plano da Nova Repblica que, entre outras coisas, suge-ria: constituinte para 1986, congelamento de preos da cesta bsica de alimentos, negociao da dvida externa e escola universal e gratuita em todos os nveis.

    A segunda metade da dcada correspondeu ao governo de Jos Sarney e foi marcada economicamente por uma inflao nunca experimentada pelo Brasil. Foi ainda durante o governo Sarney que se instalou a Assembleia Constituinte para elaborar a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, promulgada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente em 5/10/1988, e denominada de Constituio Cidad por Ulisses Guimares, presidente da Assembleia Na-cional Constituinte. Esta Constituio apresentou, pela primeira vez na histria das constituies brasileiras, um captulo inteiro dedicado Educao pblica.

    Em 1989, como determinava a Constituio Cidad, realizou-se, finalmente, a eleio, pelo voto direto e secreto, para presidente e vice-presidente da Rep-blica, aps decorridos quase 30 anos das ltimas eleies presidenciais.

    Em outubro de 1990, o presidente anunciou nao o Programa Nacional de Alfabetizao e Cidadania (PNAC), cuja verso preliminar foi divulgada s univer-sidades e redes de 1. e 2. graus pelo Ministrio da Educao, no qual Fernando Collor reafirma suas preocupaes com a valorizao profissional do professor e com o combate ao analfabetismo.

    O programa previa estrita colaborao inter e intragovernamental e a con-jugao de esforos da sociedade civil, dos sindicatos e dos empresrios para atingir a meta de, at maro de 1995, alfabetizar 70% dos analfabetos do pas. O PNAC, porm, no chegou a apresentar resultados, nem priorizou o ensino pblico. A distribuio de verbas beneficiou mais as entidades no-educacionais do que ao ensino regular.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

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    Apesar de o PNAC apresentar em sua concepo aspectos altamente positivos, sua implementao atropelava a proposta: as verbas de 1990, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) rgo do Ministrio da Edu- cao que coordenava o programa juntamente com a Secretaria Nacional de Educao Bsica (Seneb) foram repassadas com meses de atraso, gerando grande confuso e descontentamento, principalmente porque os critrios de repasse no foram claros, nem explicados.

    Como podemos perceber, as consideraes que formulamos apresentam um cenrio poltico-educacional bastante complexo para a poca, no qual diferen-tes temas e diferentes tendncias poltico-ideolgicas se alternaram, ora em pri-meiro plano, ora como fundo de cena.

    Nos anos 1980 e 1990, podemos desenhar as cenas do campo educacional em duas verses principais: uma, declaradamente socialista, que defendia a uni-versalizao em todos os graus de ensino da escola pblica e gratuita e outra, de carter liberal, que propunha liberdade para o ensino e que discutia amplamen-te as concepes de ensino pblico e de verbas pblicas. Os anos 1990, embora com menos nfase, mantiveram essas tendncias.

    A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    Em 1988, a Constituio Cidad, cercada das expectativas populares de que mudaria o Brasil, propunha uma srie de leis complementares para serem discu-tidas e promulgadas a posteriori. Para os professores, as diretrizes e as bases da Educao, um dos temas a serem transformados em lei, j era assunto de deba-tes nos congressos e seminrios, muito antes da promulgao da Constituio.

    J em 1986, quando da Conferncia Brasileira de Educao realizada em Goi-nia, as diretrizes desejadas pelos educadores brasileiros estavam explcitas no documento Carta de Goinia. Em abril de 1988, na Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped), o professor Der-meval Saviani discursava e divulgava o texto no qual propunha as modificaes necessrias Educao brasileira, o qual gerou intensas discusses e deu origem ao projeto da LDB e organizao do Frum Nacional em Defesa da Escola P-blica na LDB.

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    O projeto original propunha uma reorganizao do sistema educacional, o fortalecimento da escola pblica e a gesto democrtica das instituies pbli-cas de ensino. A carreira dos professores era contemplada em diferentes artigos que abordavam no s as questes salariais como sua formao, propondo in-clusive, em um dos artigos, a existncia de uma base comum nacional nos curr-culos de todos os cursos de formao de professores.

    O Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica na LDB, formado por 26 en-tidades nacionais sindicais, estudantis, cientficas, lutou intensamente para que a escola pblica fosse fortificada e que as verbas a ela destinadas fossem sufi-cientes para mant-la dignamente e torn-la eficiente. A luta foi rdua e con-tnua, mas o projeto construdo durante anos pela sociedade civil foi vetado no Senado Federal e, algum tempo depois, o projeto do Senador Darcy Ribei-ro, discutido no Congresso Nacional e aprovado pelo presidente da Repblica, tornou-se a Lei 9.394, Lei de Diretrizes de Bases da Educao Nacional, em de-zembro de 1996, chamada de Lei Darcy Ribeiro.

    Como puderam ver nesta aula, a construo das polticas pblicas de Educa-o no tem sido fcil para os educadores brasileiros. O ideal de uma escola que conduza todas as crianas, jovens e adultos a uma realizao social, profissional e de cidadania plena parece ainda uma meta a ser alcanada pela populao brasileira.

    Texto complementar

    Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996

    Estabelece as diretrizes e as bases da educao nacional

    O PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o Congresso Nacional de-creta e eu sanciono a seguinte Lei:

    Ttulo I

    Da Educao

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

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    Art. 1. A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais.

    1. Esta Lei disciplina a educao escolar, que se desenvolve, predomi-nantemente, por meio do ensino, em instituies prprias.

    2. A educao escolar dever vincular-se ao mundo do trabalho e pr-tica social.

    TTULO II

    Dos Princpios e Fins da Educao Nacional

    Art. 2. A educao, dever da famlia e do Estado, inspirada nos princ-pios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da ci-dadania e sua qualificao para o trabalho.

    Art. 3. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:

    I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

    II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensa-mento, a arte e o saber;

    III - pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas;

    IV - respeito liberdade e apreo tolerncia;

    V - coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino;

    VI - gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais;

    VII - valorizao do profissional da educao escolar;

    VIII - gesto democrtica do ensino pblico, na forma desta Lei e da legis-lao dos sistemas de ensino;

    IX - garantia de padro de qualidade;

    X - valorizao da experincia extraescolar;

    XI - vinculao entre a educao escolar, o trabalho e as prticas sociais.

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    TTULO III

    Do Direito Educao e do Dever de Educar

    Art. 4. O dever do Estado com educao escolar pblica ser efetivado mediante a garantia de:

    I - ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, inclusive para os que a ele no tiveram acesso na idade prpria;

    II - progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio;

    III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;

    IV - atendimento gratuito em creches e pr-escolas s crianas de zero a seis anos de idade;

    V - acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criao artstica, segundo a capacidade de cada um;

    VI - oferta de ensino noturno regular, adequado s condies do educando;

    VII - oferta de educao escolar regular para jovens e adultos, com carac-tersticas e modalidades adequadas s suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condies de acesso e perma-nncia na escola;

    VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental pblico, por meio de programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade;

    IX - padres mnimos de qualidade de ensino, definidos como a varieda-de e quantidade mnimas, por aluno, de insumos indispensveis ao desen-volvimento do processo de ensino-aprendizagem.

    Art. 5. O acesso ao ensino fundamental direito pblico subjetivo, po-dendo qualquer cidado, grupo de cidados, associao comunitria, or-ganizao sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituda, e, ainda, o Ministrio Pblico, acionar o Poder Pblico para exigi-lo.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

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    1. Compete aos Estados e aos Municpios, em regime de colaborao, e com a assistncia da Unio:

    I - recensear a populao em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele no tiveram acesso;

    II - fazer-lhes a chamada pblica;

    III - zelar, junto aos pais ou responsveis, pela frequncia escola.

    2. Em todas as esferas administrativas, o Poder Pblico assegurar em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatrio, nos termos deste artigo, con-templando em seguida os demais nveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.

    3. Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legi-timidade para peticionar no Poder Judicirio, na hiptese do 2. do art. 208 da Constituio Federal, sendo gratuita e de rito sumrio a ao judicial correspondente.

    4. Comprovada a negligncia da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatrio, poder ela ser imputada por crime de responsabilidade.

    5. Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Pblico criar formas alternativas de acesso aos diferentes nveis de ensino, independentemente da escolarizao anterior.

    Art. 6. dever dos pais ou responsveis efetuar a matrcula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental. (Redao dada pela Lei 11.114, de 2005)

    Art. 7. O ensino livre iniciativa privada, atendidas as seguintes condies:

    I - cumprimento das normas gerais da educao nacional e do respectivo sistema de ensino;

    II - autorizao de funcionamento e avaliao de qualidade pelo Poder Pblico;

    III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituio Federal.

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    Atividades1. A Constituio Federal de 1988 apresentou, pela primeira vez na histria das

    constituies brasileiras, um captulo inteiro dedicado Educao. o Cap-tulo III que, do Artigo 205 ao Artigo 214, aborda vrios enfoques polticos da educao brasileira. Procure ler este captulo no texto da Constituio que se encontra no site: . Escolha os trs artigos deste captulo que mais lhe chamaram ateno e faa um resumo.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Cincia poltica e polticas pblicas de Educao: aspectos histricos

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    2. Vrios fatos histricos esto relacionados com a educao brasileira no s-culo XX. Faa uma listagem e/ou linha do tempo com os fatos que foram citados no texto desta aula.

    3. Agora, leia os artigos 3. e 4. da Lei 9.394/96 a Lei Darcy Ribeiro, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Eles contm os princpios e fins da Educao Nacional. Analise cada um deles e veja se todos foram atingidos pela poltica pblica de Educao de sua cidade.

    Dicas de estudoNo livro Os Intelectuais da Educao, de Helena Bomeny, voc ficar sabendo

    mais sobre como os intelectuais da educao, j nas primeiras dcadas do sculo XX, se mobilizaram na misso de modernizar o pas atravs da Educao. Eles tinham um projeto de nao para o Brasil, e o Manifesto dos Pioneiros, por eles redigido e assinado, refletia todos os seus ideais. Personalidades como Ansio Teixeira, Loureno Filho, Darcy Ribeiro e Paulo Freire so falados no livro e suas ideias ainda desafiam nossa luta como cidados brasileiros pela construo de um sistema educacional democrtico.

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

    Bertha de Borja Reis do ValleAs polticas pblicas so influenciadas pelo contexto social, econmico

    e poltico de cada poca da histria. Nesta aula, vamos conversar sobre os condicionamentos sociais e polticos que atingem a Educao. Vere-mos que a conquista da democracia plena ainda um ideal poltico a ser atingido e que a governabilidade de cada sistema poltico influenciado pelo grau de globalizao existente. Como pano de fundo deste cen-rio, veremos que a formao de professores se reveste de fundamental importncia.

    Conquista da cidadania plenaAs tendncias no campo da formao do professor nos levam a olhar

    o estado atual das relaes polticas no mundo e, mesmo com as dificul-dades de se fazer projees no quadro nacional que estamos vivendo, perceber que a luta pela reconquista da hegemonia econmica pelos Es-tados Unidos e seus aliados nos quais o Brasil se inclui afeta vrios nveis de organizao social, pois repercute no desenvolvimento tec-nolgico, na composio da classe trabalhadora, no papel do estado e, tambm, na organizao da Educao nacional includa a a formao do educador (FREITAS, 1991, p. 8).

    No incio deste milnio, as previses feitas a partir dos estudos do Ins-tituto Brasileiro de Economia Aplicada (Ipea), juntamente com a Organi-zao das Naes Unidas (ONU), eram de um Brasil menos pobre. No rela-trio sobre o desenvolvimento humano no Brasil, no qual foram levados em conta, alm dos ndices econmicos, os aspectos sociais, foi constata-da a existncia de trs grandes regies socioeconmicas em nosso pas: uma, constituda pelos Estados das regies Sul e Sudeste (excludo Minas Gerais), o Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal; a segunda, incluindo as regies Norte (exceto Par e Acre), Centro-Oeste (sem o Mato Grosso do Sul) e Minas Gerais; a terceira, composta pelos Estados da regio Nordeste

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    e mais Par e Acre. A cada uma destas regies correspondem ndices de qualida-de de vida que vo de padres de alto desenvolvimento humano, comparados Blgica, no caso da primeira regio apontada, passando por ndices mdios semelhantes Bulgria, at alcanar um baixo desenvolvimento na regio Nordeste, comparado ndia. Assim, no teramos mais os dois Brasis, como denominou Jacques Lambert em sua obra sobre nosso pas, mas trs Brasis, no mais Belndia e sim Belbulndia (LAMBERT, 1973).

    Um dos indicadores usados nessa anlise foi a escolaridade da popula-o, incluindo-se as taxas de alfabetizao de adultos e a qualificao profis-sional dos trabalhadores, o que evidencia, mais uma vez, a importncia dos investimentos em Educao e, particularmente, na formao dos professores.

    Na atual conjuntura, estamos com um desafio nossa frente: criarmos novas estratgias de desenvolvimento social, que permitam acelerar o processo de de-mocratizao da cidadania para todas as regies. Somente envidando esforos para que a conscincia de cidadania cresa entre a populao, poderemos espe-rar mudanas no quadro de desigualdades que constatamos no dia-a-dia e que as estatsticas tm comprovado. No estaremos seno cumprindo o preceito constitucional contido no artigo 1. de nossa constituio-cidad, que diz:

    A Repblica Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos:

    I - a soberania;

    II - a cidadania;

    III - a dignidade da pessoa humana;

    IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

    V - o pluralismo poltico.

    As concepes de democracia e cidadania so complementares e tm sofrido mudanas por meio da histria. Esto intimamente ligadas s discusses que cada perodo histrico e cada sociedade faz a respeito dos conceitos de Estado, nao, povo, direitos e deveres. Sofrem tambm influncias das crises polticas nacionais e internacionais que provocam transformaes nas relaes de poder dentro e fora de cada pas.

    Nas cincias polticas, a ideia de cidadania bem ampla, e sua evoluo tem se dado no bojo das mudanas de concepo dos direitos do homem, dos di-reitos legais para os polticos, e desses para os direitos sociais. Em 1960, Brogan (1960, p. 177) argumentava que a ideia de cidadania tem

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    [...] dois aspectos. O primeiro [...] a pressuposio de que todo cidado tem o direito de ser consultado sobre a direo da sociedade poltica e o dever de contribuir com algo para essa consulta geral. O segundo aspecto o inverso do primeiro. O cidado que tem o direito de ser consultado, est adstrito aos resultados da consulta.

    Svarlien (1986, p. 177) definia cidadania como o estatuto oriundo do relacio-namento existente entre uma pessoa natural e uma sociedade poltica, conheci-da como o Estado, pelo qual a pessoa deve a este obedincia e a sociedade lhe deve proteo.

    A cidadania estaria, portanto, calcada na regra da lei e no princpio da igual-dade. Atualmente, Boff (1994, p. 23) nos ensina que cidadania o processo histrico-social mediante o qual a massa humana consegue forjar condies de conscincia, de organizao e de elaborao de um projeto que lhe permitem deixar de ser massa e passar a ser povo, como sujeitos histricos capazes de im-plementar o projeto elaborado.

    Hoje, porm, percebemos que a substituio da concepo dos direitos natu-rais trabalho, Educao, sade vai sendo substituda pelo sentido de direitos a serem adquiridos na competio e por esforo pessoal.

    J no se entende mais como direito do cidado, a Educao, a sade, o trabalho. Diz-se, por oposio, que o cidado deve ter condies de igualdade para ter acesso a estes benefcios, mas ele deve demonstrar competncia para obt-los, para competir no mercado e conquist-los. Desloca-se, portanto, a concepo de direitos do cidado para outro ponto, para a competio, reforando-se o individualismo na obteno destes direitos. (FREITAS, 1991, p. 12)

    A mundializao do mercado debilita e reduz a cidadania nacional. im-perativo que se diminua o Estado. O neoliberalismo que se implantou aps a imploso da ordem socialista possui altssimas taxas de excluso, seja no nvel internacional, seja no interior dos prprios pases (BOFF, 1994, p. 24).

    A conscincia da cidadania plena no pode ser definida somente pela inser-o do sujeito no sistema produtivo. A construo da cidadania comea com uma base social e no se realiza apenas face ao Estado, mas tambm diante de outro cidado, por meio da solidariedade e da cooperao que se expressa pela conscincia de concidadania (BOFF, 1994).

    Para que se alcance essa dimenso de concidadania preciso um traba-lho poltico-pedaggico de Educao integral, no qual se desenvolva um processo de conscientizao dos cidados, enquanto sujeitos capazes de assu-mir sua autodeterminao, como nos ensinou Paulo Freire.

    Muito se tem escrito e estudado no Brasil e no mundo sobre Paulo Freire. O cerne de seu pensamento est em dois pontos: a conscientizao e a Educao

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    como prtica da liberdade. Pretende educar o povo para a participao cons-ciente e crtica na realidade poltica do pas, mostrando como lutar contra as exploraes opressoras e enganadoras, ou seja, como ser um cidado pleno.

    A alfabetizao, como leitura do mundo, se realiza a partir da reflexo dos alunos sobre sua capacidade de pensar acerca de suas vivncias, seu prprio trabalho e transformao da realidade. Ler e escrever passam a ser uma neces-sidade para sair de dentro de si mesmo, para conhecer o que est sua volta. o despertar da conscincia, do pensamento crtico e da cidadania.

    Por meio do dilogo entre educador e seus educandos, dos educandos entre si, e de todos com as realidades naturais e culturais da comunidade, as popula-es caminharo para o autogoverno e para a participao dos homens na cons-truo da vida coletiva. A escola assumir sua funo libertadora, pela utilizao do debate e do dilogo como mtodos, tendo o professor como animador do grupo, a sala de aula como um grande espao de pesquisa, investigao e exer-ccio da concidadania (SIMES, 1979).

    Cardoso (1994, p. 265), discutindo a transio do autoritarismo para a demo-cracia no Brasil, aborda tambm a questo da tomada de conscincia e aponta a prtica da dominao marcando os dominados na sua subjetividade e na sua viso de mundo. E conclui: a boa conscincia no a conscincia ingnua ou espontnea, mas a conscincia crtica que d conta dos problemas gerais que afetam a sociedade.

    A pluridimensionalidade do mundo em que vivemos exige, porm, que seja desenvolvida, em cada cidado, no apenas a conscincia crtica voltada para o jogo poltico mas uma mltipla conscincia epistemolgica, tica e poltica que nos possa conduzir a uma sociedade democrtica, como nos fala Ernesto Laclau:

    ... conciencia epistemologica, en la medida que el progreso cientfico se nos presenta como una sucesin de paradigmas cuya transformacin y remplazo no se funda en ninguna certeza algoritmica; conciencia tica, en tanto de la defensa y afirmacin de valores se funda en movimientos argumentivos que no reconducen a ningn fundamento absoluto; conciencia poltica, en la medida en los logros histricos se nos presentan como el producto de articulaciones hegemonicas contingentes y, como tales, siempre reversibles, y no como la resultante de leyes inmanentes de la historia. (LACLAU, 1989 p. 31)

    No caso da Educao brasileira, a tomada de conscincia do problema por parte da populao em geral e dos professores, em particular, se inicia na cons-tatao do dia-a-dia das escolas e com a convivncia com a populao escola-rizvel. Os dados estatsticos apenas comprovam matematicamente as dimen-ses da situao real.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    Democracia como ideal polticoHoje, diante do turbilho poltico em que se encontra o nosso planeta, das

    discusses intensas sobre se o mercado ou se o Estado seria o grande regulador das polticas, crescem os debates sobre democracia/totalitarismo e suas diferen-tes vises.

    J no final do sculo XX, no podamos mais pensar o mundo dividido sim-plesmente em direita e esquerda ou, como mais comumente temos ouvido ul-timamente, em socialismo e neoliberalismo. Na base e na origem das primeiras dvidas sobre o desaparecimento da distino, ou ao menos sobre a sua menor fora representativa, estaria a chamada crise das ideologias (BOBBIO, 1995). H que se perceber que, entre um extremo e outro, h diferentes tendncias in-fluenciando os pensadores que, neste momento, esto escrevendo e refletindo sobre as questes polticas da atualidade.

    Nestes debates polticos fica em jogo, muitas vezes, o conceito de democra-cia, as diferenas, s vezes sutis, entre ditadura e totalitarismo. A ditadura, en-quanto poder da fora que impe ideias, persegue os que pensam diferente, implanta o medo de agir, tem plenitude no hoje. J o totalitarismo parte da he-gemonia de uma ideia, na aniquilao completa das ideias dos traidores, elimi-nando ideias diferentes implantando o medo de pensar e a mstica do amanh (ARENDT, 1978).

    Frei Betto (1990) diz que a crise do socialismo real colocou o conceito e as discusses sobre democracia no centro do debate das concepes de socialismo e apresentou novos desafios Educao poltica.

    Sobreviver a democracia como ideal poltico no sculo XXI? Essa a per-gunta que fazem no s estudiosos de todo o mundo, mas tambm os cidados comuns. Razes de preocupao no faltam: crise geral da poltica em todos os pases, interrogaes sobre o futuro das relaes internacionais, renascimento dos fanatismos, crescimento do poder asitico.

    Hoje, as grandes concentraes de poder tero de ceder espao a uma ver-dadeira encruzilhada de questes, como a noo de comunidade humana, a preservao da liberdade e controle dos poderes em um planeta que vem se mostrando influenciado pelo conformismo e pelo jogo de interesses. O prprio conceito de paz, enquanto ausncia de guerra, no momento em que tantos con-flitos explodem simultaneamente no mundo, fica vazio de sentido. H espao ainda para o socialismo? Toda comunidade socialista democrata?

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    O verdadeiro nome do socialismo democracia, nos dizia o socilogo Her-bert de Souza. Democracia e socialismo, porm, no so iguais. A democracia implica em igualdade, liberdade, participao, solidariedade, diversidade, est, portanto, alm de toda e qualquer proposta j pensada para a humanidade.

    O socialismo pode no ser democrtico. A democracia pode no ser socialista e no capitalista. Tanto marxistas como liberais disputam a democracia. Os primeiros buscam, muitas vezes, coincidir socialismo com democracia e diminuem sua abrangncia. Os segundos no permitem sua entrada no terreno da econo-mia. A discusso sobre democracia interminvel, inacabvel (SOUZA, 1990).

    Na anlise de Frei Betto (1990) existe uma democracia formal que determina como deve se dar a participao popular nas decises, mas no o que deve ser decidido. um governo do povo, mas ser ou no para o povo. J a democra-cia substancial centraliza-se nos fins; os meios para alcan-los so irrelevantes. Caracteriza-se como um governo para o povo. A sntese dessas duas posies, , por enquanto, uma utopia, pois nenhum regime poltico jamais conseguiu a democracia como valor e mtodo.

    Para Lafer (1951), o fundamental nesta discusso buscar uma fuso de princ-pios entre os diversos direitos do homem, dos mais formais aos mais complexos. A democracia clssica se caracteriza pela soberania popular; j a democracia mo-derna, pelos direitos humanos. Para que algum participe da soberania do povo (como eleitor(a)) preciso ter reconhecidos seus direitos como cidado/cidad.

    Governabilidade e globalizaoAs reflexes sobre democracia esto intimamente relacionadas com as dis-

    cusses sobre a capacidade de governar, sobre como garantir a operao demo-crtica do Estado. J nos anos 1960 e 1970, os debates incluam uma outra preo-cupao, que hoje emerge com vigor, para o debate poltico: a governabilidade. Oliveira (1995, p. 61) entende por governabilidade a capacidade de governar apoiada em tendncias muito concretas na sociedade e dirigida no sentido de um processo de liquidao das desigualdades sociais.

    A governabilidade apontada por Lafer (1951, p. 168) como o grande desafio dos governantes e, citando Habermas, chama a ateno para as crises de gesto e de apoio poltico que derivam do desencanto dos governados. O problema da governabilidade/ingovernabilidade surge para os cidados como a capacida-de/incapacidade dos governantes de servir cidadania e para os governados

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    como um excesso de demandas da cidadania que o sistema poltico no tem capacidade de processar e atender.

    necessrio frisar que hoje, face s tenses contidas na busca simultnea de eficincia e de democracia (REIS, 1995), aos acontecimentos mundiais relatados e aos que adviro do exacerbamento dos nacionalismos, do crescimento dos conflitos religiosos, do recrudescimento do nazismo e de outros movimentos racistas, j encontramos a formao de blocos de aliados polticos e econmicos, a emergncia de regimes supranacionais com reflexos para o nosso pas, como no caso da Unio Europeia, dos pases do cone sul (Mercosul), dos pases africa-nos de lngua portuguesa, dos pases norte-americanos (Nafta) e, mais recente-mente, ainda em calorosa discusso, da Aliana do Livre Comrcio das Amricas (Alca), da qual o Brasil tem feito parte, colocando-se em contraponto com as propostas norte-americanas.

    A remoo das fronteiras conduzir a novos modelos de governabilidade, que nos prximos anos estaro associados a um programa destinado a as-segurar a homogeneizao internacional das polticas econmicas de corte li-beral-conservador (FIORI, 1995, p. 161). A governabilidade democrtica, nessa nova ordem econmica, em pases perifricos como o Brasil, ser to mais difcil quanto mais tensas e descoordenadas forem as relaes entre as trs grandes potncias mundiais: Estados Unidos, Alemanha e Japo (FIORI, 1995).

    Nesse novo cenrio mundial, o processo de inovao ou alternao das re-laes econmicas e polticas internacionais vem sendo chamado de globali-zao, processo que se apresenta como o grande desafio poltico do final do sculo, pois como argumenta Fiori (1995, p. 172):

    ...o trade-off que se anuncia neste final de sculo entre globalizao e governabilidade democrtica tem quase tudo a ver, em ltima instncia, com o fato de que os comportamentos que mais ameaam hoje a nossa governabilidade tm origem fora das fronteiras e da alada dos nossos governos nacionais.

    A emergncia de regimes supranacionais, como a comunidade europeia, que vem se organizando para alm de derrubar as fronteiras e discutir seus pro-blemas comuns a unificao da moeda e da lngua o efeito mais visvel da globalizao. Habermas (1995) v esse processo como uma maneira de esca-par ao impasse criado pela remoo das fronteiras e consequente ameaa do Estado-nao.

    Alguns analistas polticos apontam o lado perverso da globalizao. A as-sociao das inovaes tecnolgicas e da automao, aliada ao progresso das telecomunicaes, exige cada vez menos empregados e maior e melhor qua-

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    lificao profissional de cada um. Os custos caem e o desemprego cresce. Ao mesmo tempo, a demanda por mais Educao e por melhores currculos esco-lares aumenta.

    Boff (1994, p. 18) prescreve a necessidade de uma pedagogia para a globali-zao, em virtude da emergncia do novo paradigma: a comunidade planetria, que dever estar muito mais voltada para a ecologia, enquanto uma nova forma de organizar o conjunto de relaes dos seres humanos entre si, com a natureza e com seu sentido neste universo.

    O alargamento das fronteiras j se faz notar no campo educacional, por meio da luta pela democratizao da escola bsica como valor universal, do fortaleci-mento e da criao de entidades representativas do magistrio de carter mun-dial, das quais o Brasil tem participado, enviando delegaes aos congressos realizados e trocando produo de conhecimento sobre a formao e a situao dos professores dos diferentes pases envolvidos.

    No contexto das iniciativas da ONU para obter a participao, insumos e a re-presentao de todas as regies do mundo para traar estratgias de ao con-junta que atendam modernizao e globalizao, alm da Conferncia Mun-dial sobre Educao para Todos (1990), tivemos no final do sculo XX: a Dcada Mundial de Desenvolvimento Cultural, promovida pela Unesco (1988-1997), a Dcada Mundial de Desenvolvimento, promovida pelo PNUD (1991-2000), a Conferncia sobre Meio Ambiente, no Rio de Janeiro (ECO-92), a Conferncia Internacional sobre Populao, no Cairo (1994), a Conferncia Internacional da Mulher (1995).

    Em julho de 1997, quando da realizao da V Conferncia Internacional de Edu-cao de Adultos (Confitea V), realizada em Hamburgo, foi discutida a possibili-dade da participao de todos na construo do desenvolvimento sustentvel e equitativo e promover uma cultura de paz, baseada na liberdade, na justia e no respeito mtuo. O documento-base para a Confitea V, que subsidiou os debates, enfatizava o desenvolvimento de algumas tendncias favorveis mudana das polticas e prticas da Educao como a descentralizao da gesto educacional, a melhoria do ambiente de aprendizagem (incluindo a currculos e materiais didti-cos), a formao inicial e a capacitao em servio dos professores, a melhoria das remuneraes dos docentes etc. O Brasil foi o pas escolhido pela ONU para sediar a VI Conferncia Internacional de Educao de Adultos (Confitea VI), em 2009.

    A criao da Comisso Internacional sobre Educao no sculo XXI preten-de responder a uma srie de questes sobre as novas funes a serem assumi-

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    das hoje pelos professores, confrontados com as informaes tecnolgicas; as necessidades de formao contnua em servio e pr-servio para desenvolver as qualidades profissionais e humanas dos professores; a motivao dos jovens para a escolha do magistrio e a garantia de prestgio social para os profissionais da Educao.

    Formao de professores e as polticas de Educao

    A formao do professor e seu nvel de participao nas decises polticas da Educao assumem papel relevante no processo pedaggico de qualquer grau de ensino. Outrossim, temos percebido a incoerncia com que o discurso pol-tico dos professores tem sido transplantado para a prtica. O que se tem visto uma oscilao entre ideias progressistas e prticas conservadoras.

    Temos vivenciado, por longos anos, experincias em diferentes nveis de ensino e sentimos, muitas vezes, as deficincias na formao dos professores, tanto nas suas dimenses pedaggicas especficas quanto em sua dimenso po-ltica, enquanto cidados crticos e conscientes de seu papel social.

    Por outro lado, apesar de a produo sobre esse tema ter sido bastante nu-merosa nos ltimos anos e as discusses estarem envolvendo interlocutores de diferentes tendncias, os estudos no tm avanado sobre a figura do professor, enquanto cidado, formador de outros cidados, um sujeito histrico, concreto, relacionado com um certo lugar, um certo tempo, inserido na adversidade do cotidiano das escolas brasileiras.

    Desde os anos 1970 at hoje, as discusses sobre a escola e seu papel en-fatizam a formao do professor em todos os graus de ensino como requisito indispensvel democratizao e melhoria da qualidade da escola, bem como construo de uma sociedade crtica, solidria e consciente. preciso reafirmar que o preparo profissional do professor no pode ser estudado em apenas um de seus nveis de formao, uma vez que h uma interligao entre os diferentes graus. Consequentemente, a deficiente competncia profissional em qualquer etapa, afetar as demais.

    Por outro lado, no podemos esquecer tambm que qualquer reflexo sobre a formao do professor, apontar para discusses poltico-pedaggicas so- bre a sociedade que se pretende, o que se entende por cidadania, o papel social

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    da escola neste contexto, os tipos de vinculao existentes entre as demais polticas pblicas e a Educao e as formas de participao dos professores na formulao das polticas do pas.

    H, portanto, outro lado da formao do professor a ser estudado o do ci-dado, visto que sua atuao tem duas dimenses polticas: no nvel do ensino, com respeito ao currculo desenvolvido dentro da sala de aula, e, com o que se constri fora dela o currculo oculto, que explicita relaes de poder, formas de organizao interna da escola e de relao da escola com a comunidade e, em nvel sindical ou associativo, na construo de seu prprio currculo oculto, en-gajado nas lutas comuns dos professores e dos trabalhadores em geral, ambas sinalizando para a construo de uma sociedade, na qual a igualdade de direitos humanos no seja encarada como utopia.

    Como voc viu nesta aula, os condicionantes das polticas pblicas de Edu-cao so bastante complexos e, muitos deles, de soluo ainda demorada. Em vista das discusses e dos problemas observados na formao do educador bra-sileiro, limitados pela falta de conscincia crtica e de exerccio da cidadania, dos problemas de governabilidade, do emperramento das instituies de Ensino Superior na formulao e reformulao de seus currculos, das indefinies em relao ao papel das escolas de Ensino Mdio e da Educao Profissional, dos re-sultados frustrantes do ensino no Brasil vemos como necessrio um pensar co-letivo de quantos se acham envolvidos no problema, para encontrarmos, a partir de nossas angstias e reivindicaes, caminhos de transformao da realidade atual, calcados em estudos e reflexes terico-pedaggicos contemporneos.

    Texto complementar

    O que democracia?(RIBEIRO, 2008)

    A democracia diretaA palavra DEMOCRACIA vem do grego (demos, povo; kratos, poder) e signi-

    fica poder do povo. No quer dizer governo pelo povo. Pode estar no governo uma s pessoa, ou um grupo, e ainda tratar-se de uma democracia desde

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    que o poder, em ltima anlise, seja do povo. O fundamental que o povo es-colha o indivduo ou grupo que governa, e que controle como ele governa.

    O grande exemplo de democracia, no mundo antigo, Atenas, especial-mente no sculo 5 a.C. A Grcia no era um pas unificado, e portanto Atenas no era sua capital, o que se tornou no sculo 19. O mundo grego, ou helni-co, se compunha de cidades independentes.

    Inicialmente eram governadas por reis assim lemos em Homero. Mas com o tempo ocorre uma mudana significativa. O poder, que ficava dentro dos palcios, oculto aos sditos, passa praa pblica, vai para t msson, o meio, o centro da aglomerao urbana. Adquire transparncia, visibilidade. Assim comea a democracia: o poder, de misterioso, se torna pblico, como mostra Vernant. Em Atenas se concentrava esse novo modo de praticar e pensar o poder.

    Os gregos distinguiam trs regimes polticos: monarquia, aristocracia e democracia. A diferena era o nmero de pessoas exercendo o poder um, alguns ou muitos. Monarquia o poder (no caso, arquia) de um s (mono). Aristocracia o poder dos melhores, os aristoi, excelentes. So os que tm aret, a excelncia do heri. Assim, a democracia se distingue no apenas do poder de um s, mas tambm do poder dos melhores, que se destacam por sua qualidade. A democracia o regime do povo comum, em que todos so iguais. No porque um se mostrou mais corajoso na guerra, mais capaz na cincia ou na arte, que ter direito a mandar nos outros.

    A praa do povoEm Atenas e nas outras cidades democrticas (no era toda a Grcia: Es-

    parta era monrquica), o povo exercia o poder, diretamente, na praa pbli-ca. No havia assembleia representativa: todos os homens adultos podiam tomar parte nas decises. A lei ateniense, no sculo 4 a.C., fixa reunies or-dinrias por ano na gora, que a palavra grega para praa de decises. Isso significava uma assembleia a cada nove dias.

    Essa a maior diferena entre a democracia antiga e a moderna. Hoje elegemos quem decidir por ns. Mesmo em cidades pequenas, delegamos por vrios anos as decises ao prefeito e aos vereadores. Os gregos, no. Eles iam praa discutir as questes que interessavam a todos.

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    O pressuposto da democracia direta era a liberdade. Os gregos se orgu-lhavam de ser livres. Isso os distinguia de seus vizinhos de outras lnguas e culturas. Ser grego ou helnico no era uma distino racial, mas lingustica e cultural. Quem falasse grego era grego, no importando o sangue que cor-resse em suas veias. Os gregos consideravam os outros povos, tais como os persas, inferiores, mas ao contrrio dos racistas modernos no por uma diferena gentica, e sim por no praticarem a liberdade. (Ter a liberdade significava pratic-la.) S eles, que decidiam suas questes, eram livres.

    D para entender por que ainda hoje quem fala em democracia evoca com um suspiro a cidade de Atenas? Sua assembleia reunia poucos milhares de homens, e sua democracia durou apenas uns sculos. Regimes democr-ticos s voltaram cena em fins do sculo 18, mais de 2 mil anos depois. E, no entanto, parece que nada jamais se igualar a Atenas.

    O sorteioTalvez o mais estranho, na democracia antiga, fosse que nela mal havia

    eleio. Na verdade, no havia cargos fixos, ou eles eram poucos. Havia en-cargos. Uma assembleia tomava uma deciso; era preciso aplic-la; ento se incumbia disso um grupo de pessoas. Mas estas no eram eleitas, e sim sorteadas.

    Por qu? A explicao simples. A eleio cria distines. Se eu escolher, pelo voto, quem vai ocupar um cargo permanente ou exercer um encargo temporrio, minha escolha se pauta pela qualidade. Procuro eleger quem acho melhor. Mas o lugar do melhor na aristocracia! A democracia um regime de iguais. Portanto, todos podem exercer qualquer funo.

    Um exemplo o jri. A frequncia gora era grande, chegando a alguns milhares, numa Atenas que tem de 30 mil a 40 mil cidados. Mas os principais julgamentos so atribudos a um tribunal especial, cujos membros so sor-teados, o que hoje chamamos jri. Temos um caso clebre, histrico: o julga-mento de Scrates. O filsofo julgado, em 399 a.C., por 501 pessoas. Como 281 o condenam e 220 votam pela absolvio, ele sentenciado morte.

    A maior exceo regra da escolha por sorteio bvia: os chefes milita-res. Deles, e de poucos outros, se exige uma competncia tcnica que no se requer nas tarefas cotidianas. Nestas um nvel de desperdcio tolerado,

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    porque mais importante a igualdade (isonomia) entre os cidados do que a perfeio na execuo das tarefas.

    As festasMas o que esses cidados mais decidem? A sociedade grega no conhece

    a complexidade da economia moderna. Os cidados tratam da guerra e da paz, de assuntos polticos, mas parte razovel das discusses parece girar em torno da religio e das festas, tambm religiosas.

    Imaginemos o que uma plis grega. Uma assembleia a cada nove dias, sim, mas no para tratar de assuntos como os de grmio estudantil (que o rgo moderno mais prximo de sua militncia). E sim, com alguma frequn-cia, para discutir festas e dividir as tarefas nelas.

    No fora de propsito imaginar que o Rio de Janeiro, Salvador, o Recife e Olinda dariam excelentes cidades-estado, se decidissem adotar a democra-cia direta. Fariam constantes festas ao deus Dioniso (o Baco dos romanos) e, volta disso, organizariam a vida social. E bom pensar numa comparao nada acadmica como esta, porque a tendncia dominante, falando da de-mocracia grega, acentuar sua seriedade como se fosse um regime feito para tratar das mesmas questes que nos ocupam. No o caso. A polti-ca era provavelmente mais divertida, at porque era bem prxima da vida cotidiana.

    E poucos foram aqueles, como Plato e outros crticos da democracia, que questionaram a competncia do povo simples para tomar as decises polticas, alegando que para governar seria preciso ter cincia. Ora, um prin-cpio da democracia grega e de todo esprito democrtico que, se h ofcios em que o fundamental a capacitao tcnica, a cidadania no est entre eles. Aqui, na deciso do bem comum, na aplicao dos valores, todos so iguais no h filsofo-rei nem tecnocrata.

    Os excludosEm meio aos elogios dos modernos democracia ateniense, uma crti-

    ca reponta: ela negava participao na gora s mulheres, aos menores de idade, aos escravos e estrangeiros. Hoje aceitamos a excluso dos menores, mas no a das outras categorias. O trabalho manual, considerado degra-

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    dante, cabia, sobretudo a escravos. Na condio de estrangeiro (em grego, meteco), incluam-se todos os no-atenienses e mesmo seus descendentes: muitas pessoas nascidas em Atenas, mas de ancestrais estrangeiros, jamais teriam a cidadania ateniense.

    Atividades1. Paulo Freire deixou-nos um legado que no pode ser esquecido. Assinale os

    pontos de seu pensamento citados no texto desta aula, que mais lhe chama-ram a ateno.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Condicionantes sociais e polticas da Educao

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    2. Escreva como voc conceitua democracia e as diferenas entre democracia clssica e democracia moderna.

    Dicas de estudoSer cidado no s ter uma certido de nascimento, no! tambm pra-

    ticar a cidadania, exigir nossos Direitos, ser Gente Boa e no ter preconceitos, respeitar as leis de Trnsito e fazer um Test Drive, conhecer nosso papel na Demo-cracia. Que tal comear agora?

    assim que comea a nossa dica de estudo desta aula. Acesse o site , como voc ir perceber, um portal destinado a crianas, mas que traz lies de gente grande sobre cidadania, direitos, alimen-tao, cultura e muitos outros assuntos. No deixe de acess-lo e, de uma forma divertida, voc poder refletir mais sobre a aula que acabou de estudar.

  • Suely Pereira da Silva RosaA histria da educao brasileira nos aponta para o fato de encontrar-

    mos as lutas entre conservadores e progressistas, sempre presente, por ocasio do processo de discusso e votao das Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Assim, anunciou-se por ocasio da Lei 4.024/61, que no conseguiu aprofundar as questes educacionais, apresentando questes genricas.

    Convm lembrar que quando esta lei de ensino foi aprovada, a socie-dade brasileira se encontrava em meio a uma turbulncia poltico-social, em decorrncia da falta de consenso poltico entre as diferentes correntes, assim como crescia o descontentamento da classe trabalhadora diante da escalada inflacionria que provocava recesso em virtude do refluxo do crescimento da economia nos ltimos anos. Em funo disto, os princpios desenvolvimentistas que atrelavam a Educao a um modelo determina-do com viso unilateral, ficaram diludos na LDB, provocando sua quebra de rigidez e o surgimento de um certo grau de descentralizao.

    Esta viso histrica ainda nos faz lembrar a luta pelo processo de implantao do sistema capitalista, que imputou sociedade dife-rentes concepes de Educao. Esta situao tem se traduzido em diferentes leis que buscam, pela legalidade, consolidar as ideias dominan-tes, bem como aponta para a compreenso de como se desenvolveram os sistemas educacionais.

    No se pode, portanto, negar que a escola tem estado atrelada aos interesses do estado, representando, com isso, a classe dominante, que tenta moldar a produo de conhecimento como forma de construir e consolidar uma certa forma de pensar, de agir, de usar os objetos, de fazer poltica, de falar e de viver, garantindo, assim, o consenso de que a bur-guesia a representante de todos ns, conforme Marx (1985, p. 36) nos chama a ateno:

    Enfoque das polticas pblicas recentes em Educao

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    A produo de ideias, de representaes, da conscincia, est, de incio, diretamente entrelaada com a atividade material e com o intercmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercmbio espiritual dos homens aparecem aqui como emanao direta de seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produo espiritual, tal como aparece na linguagem, na poltica, nas leis, na moral, na religio, na metafsica etc. de um povo.

    A escola acaba por contribuir na formao do consenso, disseminando a ideo-logia do grupo dominante, garantindo o status quo deste grupo, que se reorgani-za no poder, e que mantm os seus interesses, como sendo o interesse de todos.

    Com a abertura democrtica em nosso pas, a Educao vem ocupando es-paos no cenrio nacional, em busca de um caminho que efetive o anseio da prpria populao brasileira e principalmente de seus profissionais da Educao uma escola pblica, democrtica, laica, de qualidade, para todos.

    Nos fins dos anos 1970 e durante a dcada de 1980 os debates sobre a de-mocratizao do Estado e a liberdade de expresso comeam a tomar conta das associaes representativas da sociedade civil, fortalecidos pelos movimentos sindicais, que elaboraram vrios atos de contestao como as greves por melho-res salrios e condies de trabalho, ajudando no fervilhar da necessidade de repensar a organizao social brasileira. Estes movimentos serviram de presso aos deputados federais constituintes por ocasio da elaborao da Constituio Federal, apresentando propostas Carta Magna, atravs do documento de Goi-nia, elaborada por ocasio da IV Conferncia Brasileira de Educao, em 1986, seu marco histrico, j que continha contribuies do professorado que dela participava que acabaram includas sob a forma de princpios.

    Muitas foram as discusses para se buscar o consenso dentro do que fosse possvel. Este era um momento mpar na participao da sociedade civil organi-zada, que se fez presente nas discusses sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, fazendo chegar Comisso de Educao da Cmara Federal inmeras propostas que queriam ver acolhidas.

    Nossa preocupao em situar a elaborao desta nova lei de ensino repre-senta nosso horizonte para os comentrios que faremos na aula de hoje acerca de alguns itens que consideramos importante para o desenvolvimento de nosso trabalho profissional, assim como estaremos cuidando das alteraes que vm se processando na legislao educacional. muito importante que voc tambm esteja atento, pois a lei de ensino normativa a estrutura e a ao educativa em territrio nacional, ou seja, o desenvolvimento de nossa organizao escolar e de nossa prtica educativa.

    Polticas Pblicas em Educao

  • Enfoque das polticas pblicas recentes em Educao

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    Promulgada em 1996, a Lei 9.394/96 aponta os caminhos polticos na rea de Educao para as prximas dcadas. Um pinar destas polticas so os eixos de nossa aula de hoje, sabendo que muitas outras discusses continuam a ocorrer, a fim de que seja possvel sua operacionalizao.

    A Educao BsicaNomenclatura adotada para identificar a nova composio dos nveis escola-

    res, que no mais privilegia o ensino comeando aos sete anos, mas reconhecen-do o direito das crianas de 0 a 6 anos, conforme o art. 21:

    A Educao escolar compem-se de:

    I - Educao Bsica formada pela Educao Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Mdio.

    Na lei anterior Lei 5.692/71 tnhamos apenas um artigo que se referia Educao Infantil e que definia: os sistemas de ensino velaro para que as crianas de idade inferior a sete anos recebam convenientemente Educao em escolas maternais, jardins-de-infncia e instituies equivalentes. No havia, portanto, a explicitao do dever do Estado para com estas crianas, sendo a primeira vez que uma lei d conta desta faixa de idade, garantindo-lhes o direito Educao. A Lei 9.394/96 contm, ainda, alguns artigos que passam a nortear a organizao da Educao Infantil em todo o territrio nacional.

    Com o objetivo de garantir essa matrcula, o art. 6. foi alterado pela Lei 11.114 de 16 de maio de 2005, que passa a ter a seguinte redao: dever dos pais ou responsveis efetuar a matrcula dos menores a partir de seis anos de idade, no ensino fundamental.

    Entendemos como avano esta nova estrutura, uma vez que a definio dessa etapa da Educao, bem como o estabelecimento de suas finalidade e objetivos, ajudam na organizao de projetos pedaggicos, em qualquer localidade deste pas.

    Os arts. 29, 30 e 31 apontam a Educao Infantil enquanto modalidade de Educao, reconhecida como primeira etapa da Educao Bsica, fazendo parte do sistema de Educao e no do antigo sistema de ensino, expressando a finalidade da Educao Infantil e a preocupao com o desenvolvimento das crianas.

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    Com a justificativa de melhorar a qualidade da educao pblica no Brasil, foi apresentado pelo senador Cristovam Buarque (PDT/DF), o Projeto PLS 4/06 cuja relatoria coube ao senador Mo Santa (PMDB/PI), ampliando o entendimento do inciso VIII, do artigo 4., quanto ao termo assistncia sade. O novo texto apro-vado prev que a assistncia sade garantida ao Ensino Fundamental, tambm inclua o atendimento mdico e odontolgico de carter preventivo e de identifi-cao e correo precoce de problemas que coloquem em risco a aprendizagem do aluno.

    Encontraremos tambm, nos artigos citados, a definio das instituies que podero oferecer Educao Infantil, bem como indicao de que a avaliao dever ser feita mediante registros sobre o desenvolvimento da criana, elimi-nando o perigo de se escolarizar a pr-escola.

    Embora reconheamos o avano que significa ter a Educao infantil as- segurada como sistema de Educao, precisamos nos alertar para o fato de que a indicao de creches ou entidades equivalentes para as crianas de 0 a 3 anos ainda so oferecidas basicamente por entidades privadas, carecendo de maior empenho governamental para este atendimento. J no atendimento para a faixa de 4 a 6 anos, a atuao governamental supera o setor privado, atingindo, inclu-sive, reas urbanas de populaes de baixa renda.

    Esta foi a primeira vez que a Educao Infantil se fez presente em uma lei de ensino e, por este motivo, acreditamos que deva servir como marco de reflexo para os profissionais que atuam neste setor, a fim de que os aspectos pertinentes ao desenvolvimento do trabalho, tais como currculos e programas, poltica de recursos humanos, materiais didticos, dentre tantos outros, possam continuar como alvo de discusses, em busca da melhoria da Educao Infantil.

    O projeto pedaggico da escolaA Lei 9.394/96 em seus artigos 12, 13 e14 estabelece de forma bastante enf-

    tica a responsabilidade da escola e de seus profissionais, respeitadas as normas comuns e as do sistema de ensino a elaborao do projeto pedaggico, confor-me se pode constatar nos artigos citados e seus incisos:

    Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu sistema de ensino, tero a incumbncia de:

    I - elaborar e executar sua proposta pedaggica;

    [...]

    Polticas Pblicas em Educao

  • Enfoque das polticas pblicas recentes em Educao

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    VII informar os pais e responsveis sobre a frequncia dos alunos, bem como sobre a execuo de sua proposta pedaggica;

    Art.13. Os docentes incumbir-se-o de:

    I - participar da elaborao da proposta pedaggica do estabelecimento de ensino;

    II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedaggica do estabelecimento de ensino [...];

    Art.14. Os sistemas de ensino definiro as normas de gesto democrtica do ensino pblico na Educao Bsica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princpios:

    I - participao dos profissionais da Educao na elaborao do projeto pedaggico da escola [...]

    Acreditamos que a repetio da expresso proposta ou projeto pedaggico, cujo grifo por nossa conta, alm de estimular os profissionais da Educao e sua comunidade escolar na conduo do fazer pedaggico, ressalta a possibili-dade de gesto democrtica, explcita nos princpios do Artigo 15, asseguran-do progressivos graus de autonomia pedaggica e administrativa e de gesto financeira.

    muito importante reconhecermos, ainda, que pela primeira vez se busca redimensionar a importncia da escola e de seus profissionais, cabendo aos sis-temas de ensino o papel de coordenao, apoio e incentivo s escolas, abando-nando prticas autoritrias. No entanto, ainda verificamos que muitas unidades escolares no se aperceberam da responsabilidade e importncia que represen-tam estes artigos e deixam de cumpri-los, contribuindo para que no assegu-remos a gesto democrtica na escola. Somente mantendo a organizao e a participao de todos os envolvidos no processo educacional, conseguiremos impor a vontade do grupo e, consequentemente, assegurar a gesto democr-tica em nossas escolas.

    O destaque, evidenciado pela lei de ensino quanto proposta pedaggica, coloca, bem, a importncia de se buscar um projeto que possa melhorar a qua-lidade da educao em nosso pas. Cabe, porm, esclarecer que muitos auto-res utilizam a expresso proposta poltico-pedaggica por entenderem que a ao pedaggica se constitui em ato poltico, considerando que o trabalho a ser executado deve visar formao do cidado para uma determinada sociedade. E esta sociedade, com certeza, estar cobrando da escola uma formao que propicie competncia profissional e vivncias democrtica, crtica, responsvel e tica. O princpio adotado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional regula as normas e a efetividade de nossas aes. Assim sendo, o projeto peda-

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    ggico se torna nosso instrumento de trab