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Família em situação de vulnerabilidade social: uma questão de políticas públicas

Socially vulnerable families: a public issue

1 Universidade Estadual do Ceará. Rua Monsenhor Bruno810/702, Meireles, 60115-190, Fortaleza [email protected]

Mônica Araújo Gomes 1

Maria Lúcia Duarte Pereira 1

Abstract The gravity situation of poverty andmisery in Brazil is part of the constant worry andmake to think about its social influence and, spe-cially, on the family area, where the public poli-tics still resent a more expressive action. To thepoor family, designated by hunger and misery,home represents a place of privation, instabilityand family’s links break and solidarity. This studyaims to point out the vulnerability of the poorfamily that is not assisted by public politics beingimpeached to attend the basic necessities of theirmembers, and support the profundity of the dis-cussing about the construction of alternatives tothe family empowerment. It is a field study, ex-ploratory, based on the Social RepresentationsTheory. The instruments used for the collection ofdata were: Free Association of Words test and se-mi-structured interview. The results showed thatfamily represents ambiguous feelings, of unityand disunity, associated with the image of livedup family and desired family constructed fromthe individuals’ daily interaction; influencing andbeing influenced by the conflicting family rela-tionships, conceived due to poverty that the fami-lies are submitted. Key words Social exclusion, Family, Poverty,Public politics

Resumo A gravidade do quadro de pobreza emiséria, no Brasil, constitui permanente preocu-pação e obriga a refletir sobre suas influências nosocial e, principalmente, na área de atuação jun-to da família, na qual as políticas públicas aindase ressentem de uma ação mais expressiva. Para afamília pobre, marcada pela fome e pela miséria,a casa representa um espaço de privação, de ins-tabilidade e de esgarçamento dos laços afetivos ede solidariedade. Este estudo tem como objetivoapontar a vulnerabilidade da família pobre que,desassistida pelas políticas públicas, se vê impos-sibilitada de responder às necessidades básicas deseus membros, e de favorecer o aprofundamentodo debate acerca da construção de alternativaspara o fortalecimento da família. Trata-se de umestudo de campo, exploratório, fundamentado naTeoria das Representações Sociais. Os instrumen-tos utilizados na coleta de dados foram: teste deAssociação Livre de Palavras, e entrevista semi-estruturada. Os resultados mostraram que “famí-lia” representa sentimentos ambivalentes, agrega-dor/desagregador, associada à imagem de famíliareal e sonhada construída a partir da interaçãodos sujeitos no seu cotidiano, influenciando e sen-do influenciada por relações familiares conflituo-sas, geradas a partir da pobreza a que estão sujei-tas as famílias. Palavras-chave Exclusão social, Família, Po-breza, Políticas públicas

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A nova realidade não é saturada de possibilida-des. Ao contrário. É saturada de carência.

José de Souza Martins

Introduzindo a questão

Nos últimos vinte anos, várias mudanças ocor-ridas no plano socioeconômico-culturais, pau-tadas no processo de globalização da economiacapitalista, vêm interferindo na dinâmica e es-trutura familiar e possibilitando alterações emseu padrão tradicional de organização.

Assim, não se pode falar de família, mas defamílias, para que se possa tentar contemplar adiversidade de relações que convivem na socie-dade. No imaginário social, a família seria umgrupo de indivíduos ligados por laços de san-gue e que habitam a mesma casa. Pode-se con-siderar a família um grupo social composto deindivíduos que se relacionam cotidianamentegerando uma complexa trama de emoções. En-tretanto, há dificuldade de se definir família,cujo aspecto vai depender do contexto socio-cultural em que a mesma está inserida.

A família é, portanto, uma construção socialque varia segundo as épocas, permanecendo, noentanto, aquilo que se chama de “sentimento defamília” (Amaral, 2001), que se forma a partirde um emaranhado de emoções e ações pes-soais, familiares e culturais, compondo o uni-verso do mundo familiar. Esse universo domundo familiar é único para cada família, mascircula na sociedade nas interações com o meiosocial em que vivem.

Para Kaloustian & Ferrari (1994), a famíliaé o espaço indispensável para a garantia da so-brevivência e da proteção integral dos filhos edemais membros, independentemente do ar-ranjo familiar ou da forma como vêm se estru-turando. É a família que propicia os aportesafetivos e, sobretudo, materiais necessários aodesenvolvimento e bem-estar dos seus compo-nentes. Ela desempenha um papel decisivo naeducação formal e informal; é em seu espaçoque são absorvidos os valores éticos e morais, eonde se aprofundam os laços de solidariedade.É também em seu interior que se constroem asmarcas entre as gerações e são observados va-lores culturais. O que se afina com Sarti (1996)quando afirma que: A família não é apenas o eloafetivo mais forte dos pobres, o núcleo da sua so-brevivência material e espiritual, o instrumentoatravés do qual viabilizam seu modo de vida,mas é o próprio substrato de sua identidade so-

cial. Sua importância não é funcional, seu valornão é meramente instrumental, mas se refere àsua identidade de ser social e constitui o parâme-tro simbólico que estrutura sua explicação domundo.

Petrini (2003) acrescenta que no decorrer daevolução histórica, a família permanece comomatriz do processo civilizatório, como condiçãopara a humanização e para a socialização daspessoas. A educação bem-sucedida da criança nafamília é que vai servir de apoio à sua criativi-dade e ao seu comportamento produtivo quan-do for adulto. A família tem sido, é, e será a in-fluência mais poderosa para o desenvolvimentoda personalidade e do caráter das pessoas.

A família faz parte do universo de experiên-cias (real e/ou simbólica) dos seres humanos nodecorrer de sua história, do qual todos têm algoa dizer. Esta proximidade com a realidade de-fronta as pessoas com suas próprias questões fa-miliares; toca em assuntos particularmente pró-ximos à experiência pessoal de cada indivíduoe, por isso, são assuntos cheios de significadosafetivos, além dos cognitivos. Família remete alembranças, emoções, sentimentos, identidade,amor, ódio, enfim, um significado único paracada indivíduo, que, como ser biopsicossocial,está inserido no seu meio ambiente, integrandoa cultura e o seu grupo social de pertença, o queleva a se estudar a família de modo contextuali-zado, considerando a subjetividade de cada ser.

Cada pessoa tem sua própria representaçãode família – da família real e da família sonha-da, da sua família e da do outro –, representa-ção esta ligada a concepções e opiniões, senti-mentos e emoções, expectativas correspondidasou não correspondidas. A família não é algoconcreto, mas algo que se constrói a partir deelementos da realidade. Segundo Petrini (2003),a família encontra novas formas de estruturaçãoque, de alguma maneira, a reconstituem, sendoreconhecida como estrutura básica permanenteda experiência humana. Afirma ainda o autorque apesar da variedade de formas que assumeao longo do tempo, a família é identificada co-mo o fundamento da sociedade.

Uma das provas mais evidentes da existên-cia de uma família é o viver juntos sob o mes-mo teto. Isto significa que a noção de casa im-plica compartilhar um determinado modo devida, constituindo o que pode ser denominadode convivência familiar. Como afirma Sarti(1996), a família compreende a casa; a casa está,portanto, contida na família. Viver sob o mesmoteto, ao limitar o espaço da família, traz tam-

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bém em seu bojo a dimensão de sua complexi-dade, de seus encontros e desencontros; o fatode a família ser um espaço privilegiado de convi-vência não significa que não haja conflitos nestaesfera (Vicente, 1994).

O estabelecimento de vínculos é próprio doser humano, e a família, como grupo primário,é o locus para a concretização desta experiência.A confiança que o indivíduo tem de que podeestar no mundo e estar bem entre os outros lheé transmitida pela sua aceitação dentro do gru-po familiar. O sentir-se pertencente a um grupo,no caso, à família, possibilita-lhe no decorrer desua vida pertencer a outros grupos.

Para a família pobre, marcada pela fome epela miséria, a casa representa um espaço deprivação, de instabilidade e de esgarçamentodos laços afetivos e de solidariedade. SegundoGomes (2003), quando a casa deixa de ser umespaço de proteção para ser um espaço de conflito,a superação desta situação se dá de forma muitofragmentada, uma vez que esta família não dis-põe de redes de apoio para o enfrentamento dasadversidades, resultando, assim, na sua desestru-turação. A realidade das famílias pobres não trazno seu seio familiar a harmonia para que ela pos-sa ser a propulsora do desenvolvimento saudávelde seus membros, uma vez que seus direitos estãosendo negados.

Pobreza e miséria no Brasil

A gravidade do quadro de pobreza e miséria, noBrasil, constitui permanente preocupação eobriga a refletir sobre suas influências no sociale, principalmente, na área de atuação junto dafamília, na qual as políticas públicas ainda seressentem de uma ação mais expressiva. O Esta-do deve assegurar direitos e propiciar condiçõespara a efetiva participação da família no desen-volvimento de seus filhos, porém os investi-mentos públicos brasileiros, na área social, es-tão cada vez mais vinculados ao desempenhoda economia.

O Brasil nas últimas décadas vem impondouma enorme desigualdade na distribuição derenda e elevados níveis de pobreza que excluiparte significativa de sua população do acesso acondições mínimas de dignidade e cidadania.Estudo apresentado pelo economista Dedecca(2003) mostrou que, de 1992 a 1999, os 25%mais pobres perderam 20% da renda e os 5%mais ricos perderam 10%. Estes dados levam aconstatar que a defasagem salarial é maior para

os pobres, o que amplia, ainda mais, a concen-tração de renda no Brasil.

Pobreza não pode ser definida de forma úni-ca, mas ela se evidencia quando parte da popu-lação não é capaz de gerar renda suficiente parater acesso sustentável aos recursos básicos quegarantam uma qualidade de vida digna. Estes re-cursos são água, saúde, educação, alimentação,moradia, renda e cidadania. De acordo com Yas-bek (2003), são pobres aqueles que, de modo tem-porário ou permanente, não têm acesso a um mí-nimo de bens e recursos sendo, portanto, excluídosem graus diferenciados da riqueza social.

O termo exclusão social tem sentido tempo-ral e espacial: um grupo social está excluído se-gundo determinado espaço geográfico ou emrelação à estrutura e conjuntura econômica esocial do país a que pertence. No Brasil, esse ter-mo está relacionado principalmente à situaçãode pobreza, uma vez que as pessoas nessa condi-ção constituem grupos em exclusão social, por-que se encontram em risco pessoal e social, ouseja, excluídas das políticas sociais básicas (tra-balho, educação, saúde, habitação, alimentação).

Um país tem pobreza quando existe escas-sez de recursos ou quando, apesar de haver umvolume aceitável de riquezas, elas estão mal dis-tribuídas. O Brasil não é um país pobre, e simum país desigual. De acordo com estudo doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada –Ipea (Barros et al., 2000a), que analisa a pobre-za, o Brasil ocupa o 9o lugar em renda per capi-ta, dentre os países em desenvolvimento, mascai para o 25o lugar quando se fala em propor-ção de pobres. Isto coloca o Brasil entre os paí-ses de alta renda e alta pobreza. Ao mesmo tem-po em que está entre os 10% mais ricos, integraa metade mais pobre dos países em desenvolvi-mento, sendo um dos primeiros do mundo emdesigualdade social. Aqui, 1% dos mais ricos seapropria do mesmo valor que os 50% mais po-bres. Há no País 56,9 milhões de pessoas abaixoda linha de pobreza e destas, 24,7 milhões vi-vem em extrema pobreza (IBGE, 2003).

Os elevados níveis de pobreza que afligem asociedade encontram seu principal determi-nante na estrutura da desigualdade brasileira –uma perversa desigualdade na distribuição darenda e das oportunidades de inclusão econô-mica e social. A renda média brasileira é seis ve-zes maior que o valor definido como linha deindigência, ou seja, se a renda brasileira fosseigualmente distribuída, estaria garantido a cadapessoa seis vezes aquilo de que necessita para sealimentar (Barros et al, 2000a).

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Vive-se no país, atualmente, um verdadeiroapartheid social (Véras, 2003), em que a estru-tura de poder vigente é centrada em um mode-lo econômico que gera crescente riqueza parapoucos e pobreza para muitos, e que garante eprivilegia o crescimento da economia, sem umapolítica de renda justa e de atendimento às ne-cessidades básicas da maioria da população.

As transformações ocorridas na políticaeconômica do Brasil produziram profundasmudanças na vida econômica, social e culturalda população, gerando altos índices de desi-gualdade social. Como reflexo dessa estruturade poder, acentuam-se as desigualdades sociaise de renda das famílias, afetando as suas condi-ções de sobrevivência e minando as expectati-vas de superação desse estado de pobreza, refor-çando sua submissão aos serviços públicos exis-tentes. As desigualdades de renda impõem sa-crifícios e renúncias para toda a família.

A situação de vulnerabilidade social da fa-mília pobre se encontra diretamente ligada àmiséria estrutural, agravada pela crise econô-mica que lança o homem ou a mulher ao de-semprego ou subemprego. Para Kaloustian eFerrari (1994), por detrás da criança excluída daescola, nas favelas, no trabalho precoce urbano erural e em situação de risco, está a família desas-sistida ou inatingida pela política oficial. Corro-borando com este autor, Martins (1993) afirmaque a criança abandonada é apenas a contrapar-tida do adulto abandonado, da família abando-nada, da sociedade abandonada.

A proteção integral à criança e ao adoles-cente, garantida pelo Estatuto da Criança e doAdolescente – ECA (Brasil, 1990) em seu art. 4o,que tem a família, além da comunidade, da so-ciedade e do Poder Público, como uma das res-ponsáveis pela proteção da sua prole, se vê, noentanto, no rumo inverso, uma vez que, alijadadas mínimas condições socioeconômicas, sofreo processo da exclusão social. A injustiça socialdificulta o convívio saudável da família, favore-cendo o desequilíbrio das relações e a desagre-gação familiar.

Petrini (2003) afirma que à medida que afamília encontra dificuldades para cumprir sa-tisfatoriamente suas tarefas básicas de socializa-ção e de amparo/serviços aos seus membros,criam-se situações de vulnerabilidade. A vidafamiliar para ser efetiva e eficaz depende decondições para sua sustentação e manutençãode seus vínculos.

A situação socioeconômica é o fator quemais tem contribuído para a desestruturação da

família, repercutindo diretamente e de formavil nos mais vulneráveis desse grupo: os filhos,vítimas da injustiça social, se vêem ameaçados eviolados em seus direitos fundamentais. A po-breza, a miséria, a falta de perspectiva de umprojeto existencial que vislumbre a melhoria daqualidade de vida, impõe a toda a família umaluta desigual e desumana pela sobrevivência.

As conseqüências da crise econômica a queestá sujeita a família pobre precipitam a ida deseus filhos para a rua e, na maioria das vezes, oabandono da escola, a fim de ajudar no orça-mento familiar. Essa situação, inicialmente tem-porária, pode se estabelecer à medida que as ar-ticulações na rua vão se fortalecendo, ficando oretorno dessas crianças ao convívio sócio-fami-liar cada vez mais distante.

Percebe-se que para essa família, a perda ourompimento dos vínculos produz sofrimento eleva o individuo à descrença de si mesmo, tor-nando-o frágil e com baixa auto-estima. Estadescrença conduz ainda o indivíduo a se desfa-zer do que pode haver de mais significativo pa-ra o ser humano: a capacidade de amar e de sesentir amado, incorporando um sentimento de-sagregador. A questão da família pobre aparececomo a face mais cruel da disparidade econô-mica e da desigualdade social. Esse estado deprivação de direitos atinge a todos de formamuito profunda, à medida que produz a banali-zação de sentimentos, dos afetos e dos vínculos,conforme ressalta Vicente (1994): O ser huma-no é complexo e contraditório, ambivalente emseus sentimentos e condutas, capaz de construir ede destruir. Em condições sociais de escassez, deprivação e de falta de perspectivas, as possibilida-des de amar, de construir e de respeitar o outro fi-cam bastante ameaçadas. Na medida em que avida à qual está submetido não o trata enquantohomem, suas respostas tendem à rudeza da suamera defesa da sobrevivência.

Ao aprofundar a discussão sobre família,pôde-se fazer um retrato vivo dos reflexos que acrise econômica impõe sobre as famílias pobres.Diante das reflexões apresentadas é possívelafirmar que a situação de esgarçamento dosvínculos familiares resulta da miserabilidade aque estão sujeitas as famílias, sendo esta a molapropulsora para a sua desestruturação.

Faz-se necessário ressaltar a urgência damudança de paradigma em relação à imple-mentação de programas sociais mais conse-qüentes e que visualizem sempre a família co-mo alvo, não descontextualizando seus mem-bros. Não dá para falar em políticas públicas

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eficazes sem se dar destaque à família como po-tencializadora destas ações. Ajudar a famíliamostra-se a única possibilidade de a se socieda-de desenvolver dignamente.

Material e método

Trata-se de um estudo de campo, exploratório,fundamentado na Teoria das Representações So-ciais (TRS). Basear este estudo nas TRS impli-cou aceitar que o sentido atribuído a um deter-minado objeto é uma construção psicossocialdo indivíduo (Moscovici, 2003) e leva em suabagagem, além de sua história pessoal, a históriado grupo ao qual pertence. Compreender a sig-nificação de família, a partir das representaçõessociais salientadas nas falas dos sujeitos, signifi-ca avançar com um olhar mais abrangente; é ne-cessário ir além dos limites que o problema apa-renta impor, situando-o no seu contexto social. • Campo de estudo: a pesquisa foi desenvol-vida no Albergue, vinculado ao Pólo Central deAtendimento, unidade da Secretaria da AçãoSocial, localizado no centro da cidade de Forta-leza-Ceará que acolhe adolescentes em situaçãode rua.• Sujeitos: adolescentes na faixa etária de 12 a18 anos incompletos, do sexo masculino e femi-nino, freqüentadores do Albergue no períodode julho/2001 a julho/2002, e suas famílias (paiou mãe consangüíneo).• Amostra: para o teste de Associação Livre dePalavras a amostra foi composta por 20 adoles-centes e 20 famílias totalizando em 40 sujeitos,já para a entrevista semi-estruturada, a amostrafoi definida por saturação teórica, ficando com-posta por 15 adolescentes e 16 famílias, totali-zando em 31 sujeitos.• Instrumentos e procedimentos de coleta dosdados: foi aplicado o teste de Associação Livrede Palavras, tendo como estímulo a solicitação:“diga quatro palavras que lhe lembre família”.Em seguida foi realizada uma entrevista semi-estruturada, tendo como pergunta de partida: oque é família para você?• Análise e tratamento dos dados: para os da-dos apreendidos no teste de Associação Livre dePalavras foi utilizada a Análise Fatorial de Cor-respondência (AFC) com base no programaTri-Deux-Mots (versão 2.2), (Cibois, 1998). Pa-ra as informações levantadas a partir das entre-vistas lançou-se mão da Análise de Conteúdo(AC) temática apoiada nos pressupostos deBardin (1977).

Delineando caminhos para o fortalecimento da família

É fato, na sociedade brasileira, a crise do Estadoresultante da dificuldade do País de acompa-nhar o desenvolvimento do novo cenário eco-nômico internacional, tornando-se incapaz degarantir o crescimento econômico e solucionarquestões sociais.

Essa crise materializa-se na vida de grandeparte da população que é atingida diretamentepela ineficácia ou inexistência de políticas pú-blicas: são hospitais sem condições de atendi-mento; são escolas públicas funcionando emcondições precárias, com professores mal re-munerados; são famílias desassistidas, morandoem favelas sem saneamento básico e tampoucoo mínimo de condições de uma vida humana-mente decente; são milhares de crianças e ado-lescentes que buscam, nas ruas, sua sobrevivên-cia, como resultado da inexistência de progra-mas de assistência social eficazes e contínuos,que permitam uma estabilidade social a essapopulação carente.

Para Guareschi (2000): Pobreza, fome, misé-ria, violência e exploração ainda são significantespoderosos a construir nossas sociedades. Enquan-to tais, eles resistem e perpetuam uma ordem so-cial que deve ser radicalmente questionada.Questionada quanto às suas condições históricasde produção e reprodução, quanto aos efeitos ca-tastróficos que produz na vida de centenas de mi-lhares de pessoas e também quanto aos seus efei-tos simbólicos.

É imprescindível ter em mente que esse sis-tema de desigualdade e má distribuição de ren-da destrói não só as famílias, mas toda a socie-dade. Percebe-se, na verdade, que a questãofundamental é a necessidade de promoção eapoio às famílias vulneráveis através de políti-cas sociais bem articuladas e focalizadas. O re-conhecimento das mesmas, como objeto de po-líticas públicas, constitui fator decisivo paraatingir objetivos prioritários do desenvolvi-mento humano, tais como a minimização dapobreza, o acesso à educação, saúde, alimenta-ção, moradia e proteção integral às suas crian-ças e adolescentes.

Barros et al (2000b) ressalta que o Brasil, nolimiar do século 21, não é um país pobre, masum país extremamente injusto e desigual, commuitos pobres. A desigualdade encontra-se naorigem da pobreza e combatê-la torna-se umimperativo. Imperativo de um projeto de socie-dade que deve enfrentar o desafio de combinar

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democracia com eficiência econômica e justiçasocial.

Diante da ausência de políticas de proteçãosocial à população pauperizada, em conseqüên-cia do retraimento do Estado, a família é cha-mada a responder por esta deficiência sem rece-ber condições para tanto. O Estado reduz suasintervenções na área social e deposita na famíliauma sobrecarrega que ela não consegue supor-tar tendo em vista sua situação de vulnerabili-dade socioeconômica.

O poder público precisa pautar suas políti-cas públicas na idéia de erradicação da pobreza,pois se percebe que as atenções, hoje voltadas àfamília, são extremamente conservadoras, iner-ciais, só justificáveis no contexto da cultura tute-lar dominante (Carvalho, 1995).

Uma visão aproximada da situação de po-breza, embora parcial e localizada, pode ser ob-tida através da mensuração da desigualdade derenda e riqueza entre os indivíduos, que dá umaidéia do apartheid social existente no país ondemilhões de brasileiros são mantidos fora daprodução, consumo e cidadania.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-cílio – PNAD/2002 (IBGE, 2003) revelou que oPaís melhorou em seus indicadores sociais, masque, na média, empobreceu por conta da con-juntura econômica. Desde 1998 a renda médiado brasileiro está em queda. Ela despencou deR$ 714,00 (setecentos e catorze reais) para R$668,00 (seiscentos e sessenta e oito reais) em1999, R$ 656,00 (seiscentos e cinqüenta e seisreais) em 2001 e chegou a R$ 635,00 (seiscentose trinta e cinco reais) em 2002. Neste últimoano, a renda dos mais pobres caiu mais rapida-mente do que a dos mais ricos e isso levou aoaumento da desigualdade. A remuneração mé-dia real das pessoas com rendimento de traba-lho apresentou baixa de 2,5% de 2001 para2002. Este rendimento de 2002 teve queda de12,3% em relação ao de 1996, ano em que al-cançou seu ponto máximo no período de 1992a 2002.

Além da distribuição de renda, outro fatorde desigualdade é a educação. A educação tem oimpacto de perpetuação do ciclo de pobreza en-tre gerações, uma vez que os pais com baixa es-colaridade têm dificuldade em garantir ummaior nível de escolaridade para seus filhos. Se-gundo dados da PNAD/2002 (IBGE, 2003), ataxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos oumais de idade no ano de 2002 foi de 10,9%.Complementando este “ciclo maldito” ressalta-se o aumento do trabalho infantil, provavel-

mente em decorrência da constante queda narenda das famílias e aumento do desemprego.

Diante dos dados apresentados é possívelafirmar que a situação de esgarçamento dosvínculos familiares resulta da miserabilidade aque estão sujeitas as famílias. Esses dados tam-bém podem auxiliar na reflexão sobre a impor-tância do debate acerca da família pobre e nosdesafios que as políticas públicas têm para o en-frentamento desta problemática. O Estado devepensar em políticas públicas de caráter univer-salistas, que assegurem proteção social e que re-conheça a família como sujeito de direitos, ca-paz de potencializar as ações propostas.

As políticas sociais muito pouco têm con-tribuído para amenizar as condições de vulne-rabilidade da família pobre, no entanto, há dese fazer referência ao Programa Saúde da Fa-mília – PSF, do Ministério da Saúde (Brasil,2002) como estratégia em termos de políticapública que centrou seu foco na família. O PSFtem como unidade de atendimento a famíliaem seu habitat e prevê ações que levem emconta a possibilidade de detectar no domicílioas necessidades de suporte e incrementar estra-tégias comunitárias, no sentido de ampliar re-des de apoio social. Com atenção contínua eativa, desenvolve ações de promoção, proteçãoe recuperação da saúde dos indivíduos e da fa-mília de forma integral e contínua, objetivandocom isso melhorar a qualidade de vida dos in-divíduos.

Espera-se, portanto, que a família seja enfo-cada de forma concreta na agenda política dosgovernos para que ela possa prover sua autono-mia e para que seus direitos sejam respeitados.É necessário que as políticas públicas venhamem apoio à família pobre não apenas em rela-ção à renda, mas também em relação ao acessoa bens e serviços sociais.

Alguns princípios precisam ser considera-dos ao se propor políticas de atendimento à fa-mília, tais como:• Romper com a idéia de família sonhada eter a família real como alvo. A família pode serfonte de afeto e também de conflito, o que sig-nifica considerá-la um sistema aberto, vivo, emconstante transformação.• Olhar a família no seu movimento, sua vul-nerabilidade e sua fragilidade, ampliando o fo-co sobre a mesma.• Trabalhar com a escuta da família, reconhe-cendo sua heterogeneidade.• Não olhar a família de forma fragmentada,mas trabalhar com o conjunto de seus mem-

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bros; se um membro está precisando de assis-tência, sua família estará também.• Centrar as políticas públicas na família, re-conhecendo-a como potencializadora dessasações e como sujeito capaz de maximizar recur-sos.• O Estado não pode substituir a família; por-tanto a família tem de ser ajudada.• Não dá para falar de políticas públicas semfalar em parceria com a família.

Sabe-se, enfim, que há muito ainda o que serefletir sobre a situação da família no contextosociopolítico atual e o caminho é longo, mas es-te pode ser o primeiro passo...

Colaboradores

M Gomes foi a responsável pela redação do texto, con-dução e análise da pesquisa; e ML Duarte, pela orientaçãodo referencial teórico e revisão do texto.

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Artigo apresentado em 7/05/2004Aprovado em 17/06/2004Versão final apresentada em 25/08/2004