faculdade de ensino superior da paraÍba fesp curso...

27
FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESP CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO THIAGO VELOSO SANTOS GOUVEIA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO EM FACE DOS FILHOS: O VALOR DO AFETO CABEDELO PB 2017

Upload: truongnga

Post on 23-Jan-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

THIAGO VELOSO SANTOS GOUVEIA

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO EM FACE DOS FILHOS: O VALOR

DO AFETO

CABEDELO – PB 2017

THIAGO VELOSO SANTOS GOUVEIA

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO EM FACE DOS FILHOS: O VALOR

DO AFETO

Trabalho de Conclusão de Curso em forma de Artigo Científico apresentado à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito, pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Área: Direito Civil Orientador: Profº. Esp. Ricardo Berilo Bezerra Borba

CABEDELO – PB

2017

G719i Gouveia, Thiago Veloso Santos.

Indenização por abandono afetivo em face dos filhos: o valor do afeto / Thiago Veloso Santos Gouveia. – Cabedelo, 2017.

25f

Orientador: Profº Esp. Ricardo Berilo Bezerra Borba. Artigo Científico (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino

Superior da Paraiba.

1. Direito de Família. 2. Afeto. 3. Indenização. 4. Abandono Afetivo em Face dos Filhos. I. Título.

BC/Fesp CDU: 342.16

A reprodução total ou parcial deste documento só será permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos desde que seja referenciado, autor, titulo instituição, e ano de sua

publicação.

THIAGO VELOSO SANTOS GOUVEIA

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO EM FACE DOS FILHOS: O VALOR

DO AFETO

Artigo Científico apresentado à Banca Examinadora de Artigos Científicos da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

APROVADO EM _____/________2017

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profº Esp. Ricardo Berilo Bezerra Borba

ORIENTADOR - FESP

_____________________________________________

Prof ª. Esp. Luciana de Albuquerque Cavalcanti Brito MEMBRO - FESP

_____________________________________________ Profº M.e Rafael Pontes Vital

MEMBRO - FESP

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a Deus por ter me escutado, carregado e dado forças

até esse momento, com sua sabedoria e luz.

Agradeço a Nossa Senhora, mãe de Deus, por ter me oferecido seu manto

em todos os momentos.

Agradeço ao meu pai, Milton (in memorian), que sempre sonhou em me ver

formado e nunca deixou de me incentivar para a vida acadêmica, sei que o céu

ficará em festa com esse momento.

A minha mãe, Mirtes, que se não fosse por ela, possivelmente já teria

desistido do curso, pois se fez presente nas minhas piores horas financeiras e me

fez levantar inúmeras vezes.

Aos meus filhos, Thawane, Ana Beatriz e Milton Neto, que são as forças que

me fizerem abdicar deles próprios por vezes para este pai aqui retribuir e oferecer

uma vida melhor em breve.

A minha digníssima esposa, Liz, que me fez ser um homem melhor com seus

conselhos, sua dedicação, seu amor e companheirismo. Logo estaremos juntos

também no dia a dia de nossa formação.

A minha tia madrinha, Luza, que sempre foi outra incentivadora e me ajudou

muito desde o dia que meu pai nos deixou.

Ao meu orientador, Professor Berilo, que com muita simplicidade e

cordialidade me ajudou e tornou este trabalho menos difícil.

Ao meu irmão, Felipe, onde mesmo sendo mais novo, tem um grande controle

das coisas e me aconselha sempre para o bem.

A todos meus familiares, que sempre me apoiaram e torceram em toda minha

vida.

A todos meus amigos, em especial a Diogo, Diego, Gustavo e Rafael, que até

o final desta vida e independente da situação, irão me apoiar.

A professora Socorro Menezes que desde o começo nos ensina acerca das

normas da ABNT com muita maestria.

Aos funcionários e todos os professores da Fesp, que após 5 (cinco) anos,

deixarão saudades.

A todos que de alguma forma colaboraram e torceram para que esse trabalho

fosse concretizado.

FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP

Biblioteca FESP Faculdades

Termo de Autorização de Depósito e Publicação Eletrônica no Repositório

Institucional FESP Faculdades

Eu, THIAGO VELOSO SANTOS GOUVEIA, brasileiro, casado, residente e

domiciliado na Avenida Guarabira, 130, apt. 204, na cidade de João Pessoa, PB,

portador do documento de Identidade: 2663732 – SSP/PB, CPF: 047.715.804-80, na

qualidade de titular dos direitos morais e patrimoniais de autora da obra sob o título:

“INDENIZAÇAO POR ABANDONO AFETIVO EM FACE DOS FILHOS: O VALOR

DO AFETO”, sob a forma de ARTIGO, apresentada na FACULDADE DE ENSINO

SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP, em 17/11/2017, com base no disposto na Lei

Federal n. 9.160, de 19 de Fevereiro de 1998:

AUTORIZO, a Biblioteca da FESP Faculdades a disponibilizar gratuitamente sem

ressarcimento dos direitos autorais, a obra acima citada em meio eletrônico, no

Repositório Institucional que fica situado no portal da FESP situado na Rede

Mundial de Computadores, em formato PDF, para fins de leitura, impressão e/ou

download, a título de divulgação da produção científica gerada pela aqui na

instituição.

Cabedelo, PB, 17 de novembro de 2017

.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 06

2 NOÇÕES SOBRE FAMÍLIA ............................................................................. 07

2.1 PROTEÇÃO E PODER FAMILIAR ................................................................... 09

2.2 PRINCÍPIOS NO DIREITO DE FAMÍLIA .......................................................... 11

3 RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................................... 14

4 INDENIZAÇÕES POR ABANDONO AFETIVO: ELEMENTOS NECESSÁRIOS

E ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA ................................................... 17

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 22

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 23

6

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO EM FACE DOS FILHOS: O VALOR DO AFETO

THIAGO VELOSO SANTOS GOUVEIA * RICARDO BERILO BEZERRA BORBA **

RESUMO

Este estudo teve por fim verificar a responsabilidade civil no direito de família, especificando a relação de afeto familiar, com o intuito de verificar a possibilidade de indenização por abandono afetivo, embora não se possa mensurar o valor do afeto ou da ausência dele. O direito de família se norteia pelo princípio da afetividade, dentre tantos outros, assim como pelo da dignidade da pessoa humana. Isso faz com que este ramo proteja o afeto e a dignidade, que devem ser observados a todo tempo, sem ressalvas. A falta de afeto, assim, poderia ser considerada como um ato ilícito, e se preenchendo a relação de causalidade com o dano gerado, poderia se ter a responsabilização do agente que abandona o filho, necessitando ser analisada a questão do elemento anímico, dolo ou culpa. Para realizar este estudo, a metodologia usada foi a qualitativa e método dedutivo, também se utilizando para a fundamentação a revisão de bibliografia e legislação, abordando jurisprudências sobre o assunto. Conclui-se, ao fim, pela possibilidade da responsabilização, desde que satisfeitos os requisitos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito de Família. Afeto. Indenização. Abandono Afetivo em Face dos Filhos.

1 INTRODUÇÃO

O afeto está diretamente ligado à emoção, e determina o modo de

visualização e percepção de ver o mundo, de forma interna e externa do indivíduo.

Todos os fatos e acontecimentos ocorridos na infância ou adolescência de uma

pessoa podem trazer reflexos para toda a vida, e para que esse desenvolvimento

não seja afetado se faz necessário o efetivo acompanhamento familiar, qualquer que

seja o grau de relacionamento dos pais, se casados ou separados, sempre em

busca do melhor para os filhos.

Por sua vez, essa convivência familiar se mostra como algo essencial, mas

que na prática, infelizmente, nem sempre é o que acontece. Nesse contexto, o

abandono afetivo surge como forma de desamor, e que vem sofrendo mudanças

* Aluno concluinte do Curso de Bacharelado em Direito da FESP Faculdade, semestre 2017.2. E-mail: [email protected]. **Especialista em Direito Processual Civil, Advogado, Professor da Fesp Faculdades, atuou como orientador desse TCC. E-mail: [email protected]

7

significativas no que diz respeito no âmbito histórico, familiar e sua legislação desde

seu surgimento.

Um dos principais fatores é o surgimento de novas formações nas famílias

brasileiras, com diversos moldes, e cada vez mais ocorre o afastamento dos pais por

constituir essas novas famílias, ou às vezes por terem que trabalhar cada vez mais,

acabando por tirar do filho uma vida social, material e até espiritual dentro do seio

familiar.

Evidenciamos uma discussão sobre essas mudanças desde o contexto

histórico até os dias atuais, onde ainda é questionável perante os tribunais um

entendimento doutrinário deste tão importante assunto. Fica então que o termo

abandono afetivo não quer dizer somente ao afeto dispensado aos filhos, e sim, ao

dever moral, orientação e educação, necessidades, cuidado e sustento que os pais

devem proporcionar aos seus filhos, no qual eles esperam e têm direito de receber

integralmente.

Neste cenário, e sem uma legislação especifica acerca do tema, visto os

requisitos históricos e doutrinários que abordam, mesmo que na tangente o tema, se

faz necessário um amplo estudo e reflexão para se quantificar quanto vale ou não, o

valor do afeto.

Nesta pesquisa, foi usado como metodologia o estudo da bibliografia e das

decisões dos tribunais que tratam do assunto, pois não há lei específica dispondo

sobre isso, sendo que o suo da pesquisa de revisão de bibliografia foi bastante

aplicada, com uso do método qualitativo e abordagem dedutiva.

2 NOÇÕES SOBRE FAMÍLIA

O conceito de família, inclusive no que tange aos direitos e deveres que estão

neste ramo, é um tema bastante amplo, onde existem diversas variações entre a

evolução histórica e a sociedade atual, assim como em relação às suas mudanças.

A família pode ser a união de várias pessoas, uma entidade familiar, dentro de um

mesmo círculo ou apenas pelo vínculo sanguíneo e afetivo fora dele, ou seja,

geralmente com pais separados.

Existem outros tipos de famílias atualmente em nosso ordenamento jurídico,

havendo o modelo plural, fazendo com que cada vez mais a entidade familiar

tradicional, formada de pais e filhos biológicos, vá se extinguindo aos poucos, dando

8

lugar ao afeto, e mesmo diante de todas estas adversidades, o afeto deverá sempre

prevalecer.

Nesse sentido, em relação ao afeto, são as considerações feitas por Calderón

(2013, p. 11):

[...] a afetividade passa a ser o elemento presente em diversas relações familiares contemporâneas, sendo cada vez mais percebida tanto pelo direito como pelas outras ciências humanas. Mesmo sem regulação expressa, a sociedade adotou o vínculo afetivo como relevante no trato relativo aos relacionamentos familiares. Assim, na medida em que se alteram suas características centrais, se alteram também seus desafios, haverá novos percalços a enfrentar. A ampla liberdade, igualdade e diversidade, além de seus aspectos positivos, vêm acompanhadas de uma constante instabilidade 4 nos relacionamentos. Separações, desuniões, novos compromissos, combinações e recombinações das mais diversas ordens passam a se disseminar com naturalidade impar, apresentando desafios para os quais o direito nem sempre possui previsão legislativa.

Acerca do conceito de família, assim como outros institutos do direito este

sofreu algumas mudanças através do tempo, sendo influenciado pela cultura e

tradição social, sendo que até antes da Constituição Federal de 1988, a família

possuía uma concepção restritiva, considerando-se como família apenas a união de

um homem e uma mulher, interligados estes em razão do patrimônio e dos filhos.

Este conceito, trazido pelo Código Civil de 1916, possuía uma conotação restritiva e

discriminatória.

No entanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, surgiram

novas concepções, uma delas o princípio da dignidade da pessoa humana como

norteador do Estado de direito, de tal forma que este princípio fundamental acaba

por interferir em todos os institutos jurídicos vigentes, inclusive na conceituação de

família e suas nuances.

Família, assim, passou a possuir uma conotação, sobretudo fática, ao invés

do dogma jurídico e tradicional existente, passando a ser considerada a sua base

não a lei, mas sim o amor, o afeto, a lealdade, dentre outros. Isto se explica pelo fato

de que a lei não foi capaz de prever todas as formas de constituição de família. O

afeto, assim, toma proporções maiores.

O conceito de família na atualidade continua a passar por inúmeras

transformações, e estas, por sua vez, acabam refletindo no que dispõe a lei, haja

vista que “ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus” que significa dizer que “onde

está o homem, está a sociedade, e onde está a sociedade está o direito”, devendo o

9

direito se servir para acompanhar os fatos sociais. O art. 226, caput, da Constituição

Federal de 1988 dispõe que a família é a base da sociedade, tendo especial

proteção do Estado, dizendo: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial

proteção do Estado” (BRASIL, 1988).

2.1 PROTEÇÃO E PODER FAMILIAR

Mesmo que as leis não comunguem sobre os vínculos afetivos, elas se

baseiam no poder familiar e na sua convivência, protegendo os filhos com a

responsabilidade dos pais, que cabe a estes o direito de companhia e assistência

moral e material aos filhos e também o dever de concretizar os demais direitos dos

filhos.

A assistência material é a vestimenta usada, a comida sem a qual não se

vive, a pensão não concedida por uma parte, entre outros, e a assistência imaterial é

a moral é a relação psicológica, social e mental para o crescimento da criança. Não

necessariamente uma criança precisa mais dos recursos materiais do que dos

morais ou o contrário, pois ambos apresentam alto grau de necessidade para a

criança ou até mesmo do ser humano, pois se já é difícil viver sem um, imagine-se

no que afeta a cabeça e o corpo, principalmente numa mente em construção

constante.

Os pais são exemplos para os filhos, e notoriamente possuem o encargo de

contribuir para o desenvolvimento da personalidade da criança, controlando seus

impulsos e adequando os seus comportamentos, e no caso de haver a ausência,

muitas vezes isto pode acarretar mudança na personalidade e demais prejuízos para

ela.

É fato sabido que a figura dos pais é a principal responsável por transmitir

esses limites à criança, por ensinar a diferença entre o que é certo ou errado,

introduzindo a criança de forma efetiva na sociedade e construindo um ser humano

íntegro. A criança abandonada, comprovado por estudos psiquiátricos e

psicológicos, pode apresentar deficiências no seu comportamento social e mental

para o resto da vida.

A dor da criança que esperava por um sentimento de amor ou atenção, pode

gerar distúrbios de comportamento, de relacionamento social, problemas escolares,

10

depressão, tristeza, baixa autoestima, inclusive problemas de saúde, entre outros

prejuízos.

De acordo com Charles (2015, p. 61), pesquisas no campo da psicologia e

neurociência feitas por Ronald Rohner da Universidade de Connecticut (EUA)

afirmam que “nenhum outro tipo de experiência gera um efeito tão devastador e

consistente sobre a personalidade e seu desenvolvimento como a experiência da

rejeição, especialmente pelos pais, na infância”.

É importante contextualizar que essa a omissão afetiva pode se tornar uma

negligência, caracterizando o abandono, e não se fala somente no abandono do

âmbito familiar, ou seja, os pais se divorciarem, pois o principal e fundamental,

separados estejam ou não, é acompanhar fielmente o crescimento e a construção

da identidade da criança, sendo que os pais são, acima de tudo, os primeiros

objetos de amor e onde o formato humano e social da criança tende a se

desenvolver.

Assim, ambos os pais, casados ou não, tem semelhante função na educação

dos filhos, desaparecendo a autoridade de um somente, possuindo uma obrigação

solidária em relação ao filho. A família deve sempre preservar um vínculo de afeto,

de mútua compreensão e cooperação, inclusive para com o filho.

O laço de afetividade é tão forte que trouxe a figura da paternidade

socioafetiva para o nosso ordenamento jurídico, esta que ganha corpo no seio de

nossa sociedade, com respaldo doutrinário e jurisprudencial. Lembre-se do que diz o

artigo 1.593, do Código Civil brasileiro, nestes termos “Art. 1.593. O parentesco é

natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (BRASIL,

2002).

Por esta razão:

Os suportes familiares são os alicerces ao desenvolvimento pleno da personalidade dos indivíduos, mantendo-os infensos a perturbações mentais e a conflitos neuróticos que possam surgir de atitudes prejudiciais dos pais para com os filhos (indecisão, rejeição, abandono, indiferença). Todavia, opondo-se a referidas atitudes consideradas maléficas, têm-se o afeto e o amor como formas de garantir um desenvolvimento pleno e digno às crianças e aos adolescentes. Na verdade, é incontroverso que o pleno desenvolvimento da personalidade como expressão da dignidade humana não pode deixar de ser protegido pelo Direito, mostrando-se oportuno o manejo do instrumento jurídico da tutela inibitória, pouco utilizado, como forma de impedir os atos reiterados de omissão, humilhação e desprezo por parte do genitor, quando ainda não configurada a lesão à personalidade da criança e do adolescente (ARAÚJO, 2015, p. 118)

11

Assim, se vê que a base do desenvolvimento das crianças e adolescentes

pode ser encontrada na convivência familiar, pois é com estes que passa mais

tempo em sua vida e de onde tiram o espelho de sua personalidade, sendo a sua

personalidade formada com influência primordial da sociedade e da família,

principalmente destes últimos.

2.2 PRINCÍPIOS NO DIREITO DE FAMÍLIA

É de suma importância fundamentar que a atual carta magna nos trouxe

conceitos que são importantes no âmbito do direito familiar, protegendo não

somente a família fundada no casamento, mas também a união estável, a família

natural e a adotiva, além da igualdade dos filhos e a igualdade constitucional do

marido e da mulher.

Alguns destes conceitos levaram a aprovação do atual Código Civil, que com

base nos fundamento constitucionais ampliou as normas do direito de família,

regulamentando a união estável, reafirmando a igualdade entre os filhos, atenuando

o principio da imutabilidade do regime de bens, limitando o parentesco até o quarto

grau, trazendo uma nova disciplina ao instituto da adoção, regulando a dissolução

da sociedade conjugal, disciplinando a prestação de alimentos entre outras matérias

abordadas.

A Constituição de 1988 trouxe mudanças significativas no planejamento e

assistência a família, mesmo nossa sociedade vivendo em consoante e constante

metamorfose, o que também sobrecai e afeta nosso direitos. Assim novos temas

surgem para desafiar e dar luz ao legislador. Portanto o Direito de Família com

essas alterações em seu ordenamento jurídico trabalha constantemente para

acompanhar e atualizar a mudança dos valores e dos costumes, equiparando a

realidade social, atendendo as necessidades dos filhos e a afeição entre cônjuges e

companheiros.

Com esse crescimento maciço no âmbito do direito de família, alguns

princípios se consagraram como sendo fundamentais e nos direciona de forma

positiva a criar base para as decisões e interpretações no ordenamento jurídico

pátrio.

12

O princípio da igualdade jurídica dos filhos: o artigo 227, § 6º, da Constituição

Federal diz que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção

terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações

discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988). Assim atualmente não existe

nenhuma distinção entre a filiação independentemente se havidos ou não no

casamento, se biológicos ou adotados, todos são filhos e tem os mesmos direitos.

Quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana, se vê que este princípio

é a base de proteção e valorização do ser para todo estado democrático, sendo

considerado um superprincípio, a constituição de 1988 o consagrou logo em seu

artigo 1º, III. A qualidade de ser humano nos faz detentores de respeito por parte do

Estado e da sociedade sendo garantidos os direitos fundamentas.

Trata-se, portanto no direito de família da garantia do desenvolvimento de

todos os seus membros. O princípio da dignidade da pessoa humana é um

fundamento da República Federativa do Brasil, e dá legitimidade à ordem

constitucional, conforme o disposto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de

1988. Sendo as pessoas humanas os elementos que compõem a sociedade, para

estas é voltada a atuação do Estado.

O direito à dignidade abrange o direito à existência digna e pautada no

respeito, conglobando, inclusive a proteção da sua integridade física e corporal. A

observância ao princípio da dignidade da pessoa humana possui eficácia horizontal

e vertical, haja vista que, ao passo que aos particulares é o devido o tratamento

digno recíproco, também se impõe ao Estado, aos seus representantes e ao

legislador a sua observância, sendo que a este último cabe a instituição de normas

jurídicas em consonância com o princípio em questão, de modo a gerar deveres de

respeito e abstenção e, sobretudo, a realização de condutas positivas, com o fito de

efetivamente conceder dignidade ao indivíduo.

Na atividade interpretativa, o operador do direito deve analisar as regras

infraconstitucionais em harmonia com o sistema jurídico como um todo, utilizando-

se, assim, do método sistemático de interpretação legal e na interpretação conforme

a Constituição. Ao aplicador da norma infraconstitucional é devido, quando da

pluralidade de normas aplicáveis em um dado caso concreto, aplicar a que tenha a

melhor compatibilidade com a Constituição e que guarde observância com seu

conteúdo.

13

Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar: paternidade

responsável é de geral interesse, Estado, sociedade e principalmente os pais deve

ter o devido cuidado e combater a falta de amparo. Tal responsabilidade e de ambos

os cônjuges, companheiros ou genitor, pois deve a família, a sociedade e o Estado

garantir a criança e ao adolescente à convivência familiar, proibindo qualquer

discriminação com relação a filiação. Assim a responsabilidade dos pais está

também em um planejamento familiar adequado, garantindo assim melhores

condições para o desenvolvimento dos filhos.

Em relação ao princípio da afetividade, se vê que no direito de família

moderno o princípio da afetividade tem ganhado força e reconhecimento, mesmo

não estando previsto expressamente na legislação, a doutrina e a jurisprudência tem

se empenhado em tratá-lo como verdadeiro princípio do ordenamento jurídico, pois

as relações familiares estão cada vez mais baseadas no afeto.

Nesse aspecto, houve um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

clareou muitas das dúvidas em relação à aplicabilidade do princípio da afetividade

nos casos de abandono afetivo ao aplicá-lo de forma objetiva ao caso concreto,

“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de

cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou

adotarem filhos”, declarou a ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior

Tribunal de Justiça em um julgamento realizado acerca do tema (CONSULTOR...,

2012, [s./p.]).

Sobre isso escreve Diniz (2012, p.39):

Na realidade tal não ocorre, a tão falada crise e mais aparente que real. O que realmente acorre é uma mudança nos conceitos básicos, imprimindo uma feição moderna à família mudanças estas que atende as exigências da época atual, indubitavelmente diferente das de outrora, revelando a necessidade de um questionamento e de uma abertura para pensar e repensar todos os esses efeitos.

Assim, a afetividade é um princípio de grande importância nas relações

jurídicas de direito de família, sendo diverso do amor, pois o direito não pode obrigar

as pessoas a amarem, mas pode impor o dever de cuidado e cautela, pois a

liberdade dos indivíduos permite que estes não amem, mas não pode a liberdade

servir como base para a ausência de cuidado imaterial.

14

3 RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil considerada em seu sentido amplo é tido como o

dever que surge para um transgressor da lei em se reparar um dano, obrigação esta

que é incumbida para a parte que o causa a outrem, quando estiverem presentes

concomitantemente os requisitos que configuram esta obrigação, com o objetivo de

que, com isso, seja possível voltar o equilíbrio existente no status quo ante que foi

violado.

Denominando a responsabilidade civil em um aspecto meramente

patrimonial, podemos dizer que a responsabilidade civil é a obrigação de se reparar

danos patrimoniais e não-patrimoniais, culminando na indenização. Entende-se, com

esta conceituação, que toda a atividade realizada que prejudicar a outrem criará

para o seu causador o dever de repará-lo.

Para Araújo (2015, p. 114):

É tema recorrente nos compêndios jurídicos a tríade que configura a responsabilidade civil: a) conduta humana: que pode ser comissiva ou omissiva sempre voltada a uma finalidade específica; b) o dano: violação a um interesse juridicamente tutelado, seja de natureza patrimonial, seja extrapatrimonial (violação a um direito da personalidade); c) nexo de causalidade: liame necessário entre a conduta humana e o dano. Além dos três elementos acima descritos, configuradores da responsabilidade civil em qualquer de suas modalidades, é imprescindível, ainda, não se esquecer do elemento anímico, a culpa, de caráter eventual, compreendido como a violação de um dever jurídico preexistente.

Assim, o dever de reparar integralmente os danos decorrentes da prática de

um ato ilícito é o que se denomina por responsabilidade civil, e para Venosa (2013,

p. 5) “A responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção pela qual se atribui a

um sujeito o dever de assumir as consequências de um evento ou de uma ação”.

Gonçalves (2013, p. 55), tratando a responsabilidade, por sua vez, diz que “A

obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação de direito e do dano,

concomitantemente”.

Por esta razão, o dano indenizável, para se caracterizar, requer que haja a

conjugação de alguns pressupostos, que são a prática de uma conduta, esta

podendo ser comissiva ou omissiva, por parte do agente violador, a superveniência

de um resultado negativo para outrem, suportado pela vítima, e sendo por fim

necessária a existência de um nexo causal, este que é a essencial relação de causa

15

e feito entre o ato que foi praticado e o prejuízo que foi suportado, sendo necessária

a presença de culpa lato sensu, sendo que esta somente será analisada nos casos

de responsabilidade subjetiva.

Contudo, há algumas excludentes do dever de indenizar, estas que por sua

natureza afastam a responsabilização por ato ilícito prejudicial. Excetuadas as

excludentes de responsabilidade civil, o art. 186 do Código Civil dispõe que “Aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL,

2002). Também o art. 927 dispõe que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),

causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).

Nesse passo, estando presentes simultaneamente os requisitos que são

exigidos pela lei, surgirá para aquele que for o responsável o dever de indenizar

aquele que for o lesado, sendo que este dever é decorrente da violação de um

direito, seja ele objetivo ou subjetivo e pertencente a um sujeito, sendo os danos que

são causados denominados de danos materiais ou de danos morais,

respectivamente.

Analisando todas as noções gerais acerca da responsabilidade civil, vê-se

que há a ampla possibilidade de reparação ressarcitória em decorrência da violação

de direitos subjetivos, que são imateriais, e por sua vez diferentes de um dano

apenas material, pois em análise do conteúdo da legislação de direito privado,

observa-se que, seguindo a ideologia da Constituição Federal republicana, de 1988,

o Código Civil dispôs diretamente sobre o dano moral.

Nesse passo, a Constituição Federal, em seu art. 5º, ao elencar os direitos

fundamentais que são do indivíduo, tutelou alguns bens jurídicos que protegem a

esfera subjetiva e também extrapatrimonial da pessoa humana, como pode ser visto

da análise dos incisos V e X deste artigo 5º, de modo que estas disposições

assecuratórias corroboram com o princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana, contido no art. 1º, inciso III, da Carta Magna, princípio já analisado neste

estudo.

Tratando do instituto do dano moral, Gonçalves (2013, p. 384) escreve que

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É

lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a

intimidade, a imagem, o bom nome etc. [...]”. Logo, “Podemos defini-lo, de forma

16

abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade”.

(CAVALIERI FILHO, 2012, p. 90).

Por estas razões, temos que esta lesão aos bens extrapatrimoniais é

presumida quando da análise de um caso concreto, devendo ser suficientemente

grave e provado o dano para dar ensejo à reparação pecuniária pretendida.

Discorrendo acerca do dano moral e da sua limitação, Venosa (2013, p. 47), aduz

que:

Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, dai porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pacer familias: não se levará cm conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca [...] (grifos acrescidos).

Desta maneira, podemos dizer, quanto ao dano mora e os fatores que o

causam, que:

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 93 (grifos acrescidos)).

O dano moral, assim, é um prejuízo reparável independentemente da

ocorrência de um dano de caráter material, sendo de característica fortemente mais

subjetiva, e

O dano é ainda considerado como moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam intensos

17

a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana (PEREIRA, 2012, p. 8).

Por esta razão, a análise do caso concreto irá definir qual vai ser o parâmetro

para a arbitração do valor efetivo a ser pago como indenização, embora se

considere como imensurável objetivamente o prejuízo moral, não devendo ser tão

pequeno a ponto de não ser atendido o caráter de punição e o caráter de reparação,

nem podendo será arbitrado em valor tão alto a ponto de virar um enriquecimento

ilícito para a vítima do dano. Deve ser feito um juízo de proporcionalidade e

razoabilidade, pois como obtempera Venosa (2013, p. 50) “O montante da

indenização não pode nem ser caracterizado como esmola ou donativo, nem como

premiação”.

4 INDENIZAÇÕES POR ABANDONO AFETIVO: ELEMENTOS NECESSÁRIOS E

ENTENDIMENTOS DA JURISPRUDÊNCIA

Analisando os requisitos da responsabilidade civil, podemos aplicá-lo na

relação familiar, verificando a possibilidade de se aplicar este instituto nas relações

de direito de família. O intuito é analisar se a falta de afeto pode ser um ato ilícito

que pode ser indenizado, à luz do Código Civil e da Constituição Federal de 1988.

Assim, podemos tratar a ausência do afeto e assistência da seguinte maneira:

Historicamente, atribuiu-se aos pais autoridade suficiente para guiar e proteger os menores da família. Em virtude do papel desempenhado, é lógico que o caminho contrário trará prejuízos às necessidades dos filhos. Assim, a orientação dos pais representa diretrizes fundamentais na formação dos filhos. Por esses motivos, torna-se mais fácil identificar um indivíduo que cresceu sem o apoio, a cooperação, a dedicação e o amor comuns em uma família bem estruturada, principalmente pelo comportamento que a criança e/ou adolescente assume no meio social. Dessa forma, a assistência moral e afetiva representa importante valor para o adequado desenvolvimento do filho. Caso contrário, a sua ausência gera danos irreparáveis, capazes de comprometer toda existência do indivíduo (WEISHAUPT; SATORI, 2014, p. 20).

Assim, quanto à ausência, se vê que o pai na maioria das vezes não tem a

intenção de prejudicar os filhos, mas no entanto isso ocorre inevitavelmente, haja

vista a negligência e a omissão quanto ao afeto, pois mesmo que cumpra com a sua

obrigação alimentar, o afastamento afetivo também faz falta. Trabalhar demais,

mudar de cidade ou ter desarmonia na ruptura conjugal podem ser fatores que

18

acabam gerando um maior distanciamento entre pais e filhos. Logo, se o próprio pai

que deu a vida para o filho não lhe dá carinho e afeto, a criança e o adolescente

podem sofrer com essa situação, causando danos que podem ser irreparáveis

(WEISHAUPT; SATORI, 2014).

Assim, uma indenização não tem a capacidade de trazer ou reparar o amor e

afeto perdidos, mas apenas tem função de punir e educar, inclusive os demais, para

que não se incorra nessa situação que prejudica o desenvolvimento do menor e do

adolescente. Assim:

A compensação pecuniária tem função punitiva e educativa, pois, já que o afeto não pode ser valorado pecuniariamente, esta conduta deve servir para demonstrar que a conduta do pai, ao negar afeto ao filho, está equivocada. A indenização tem por escopo uma finalidade reparatória e também educativa, pois visa à conscientização do genitor de que seu ato é um mal, moral e jurídico. Questiona-se: a indenização teria a função de trazer de volta ao filho o amor do pai? Nesse caso, tem-se como resposta que a indenização não traria de volta o amor do pai, mas seria uma forma de minimizar a dor, ajudando a preencher uma lacuna (WEISHAUPT; SATORI, 2014, p. 21).

No caso do abandono afetivo, deve ser analisada a responsabilidade civil

dentro dos requisitos que configuram este instituto de reparação, sendo que a ação,

no caso do abandono afetivo, deve ser uma conduta, normalmente omissiva,

praticada por um ou ambos os genitores em relação aos filhos menores, mas

também podendo ser por meio de uma conduta comissiva, havendo em ambas as

formas de conduta, seja omissiva ou comissiva, a ocorrência de desamparo afetivo

ferindo o aspecto moral e psíquico (ARAÚJO, 2015).

Essa situação vai de encontro ao disposto no art. 186 c/c com o art. 927,

caput, do Código Civil, no art. 229 da Constituição Federal e o art. 1.634, I, do

Código Civil, pois há a determinação de que os pais têm o dever de criar e educar os

filhos, de tal forma que a inobservância deste dever configura um ato ilícito, porque

fere esses preceitos. Essa situação gera um dano, que é considerado como

proveniente da conduta do abandono afetivo, prejudicando o desenvolvimento pleno

da personalidade da criança e do adolescente (ARAÚJO, 2015).

Nesse sentido, analisando a violação ao dever de cuidado, como faz o

abandono afetivo:

É cediço, à luz da psicologia e da psicanálise, que o abandono afetivo causa danos às estruturas psíquica e emocional das pessoas, notadamente

19

quando se trata de crianças em fase de desenvolvimento. Esses danos estão, intrinsecamente, ligados aos Direitos da Personalidade e à proteção do Princípio Fundamental da Dignidade Humana. Há consenso doutrinário que, dentre os requisitos da responsabilidade civil, o nexo causal é o elemento mais difícil de ser aferido. Tal assertiva ganha maior proporção quando se trata de dano afetivo, isso porque o psiquismo recebe estímulos de toda parte, havendo, assim, uma dificuldade de se estabelecer que um determinado transtorno é decorrente de um fato específico. Quanto ao elemento anímico, ou seja, a culpa, considerando que, nas relações familiares, os protagonistas (pais e filhos) não estão no exercício de qualquer atividade que demande risco a outrem, pela própria natureza da relação, tem-se que, na imensa maioria das situações fáticas trazidas ao crivo do Estado Juiz, a prova da “culpa” é conditio sine qua non para a responsabilização civil. Os danos afetivos são essencialmente de ordem moral, não obstante possa englobar os danos patrimoniais, como medicamentos (antidepressivos e ansiolíticos), o custeio de tratamento psicológico e terapêutico da criança e do adolescente (ARAÚJO, 2015, p. 115).

Essa situação gera um ato ilícito que causa um dano imensurável. A

indenização por danos morais por abandono afetivo vem crescendo com a

Constituição Federal de 1988, e isso também ocorre no direito de família, sendo o

abandono afetivo um assunto tecnicamente recente, e por isso tem muitas

resistências em razão da indústria indenizatória. Os tribunais devem agir com base

em toda a prudência possível, havendo o bom senso para julgar cada caso concreto

com razoabilidade e proporcionalidade, sem criar uma indústria de dano moral

(WEISHAUPT; SATORI, 2014).

Em relação ao bem jurídico do abandono afetivo, temos que:

Não há dúvida de que, no abandono afetivo, o bem jurídico tutelado é a integridade psíquica e emocional do menor, bem como o pleno desenvolvimento de sua personalidade, livre de traumas e memórias inefáveis. A par da necessidade da constatação dos danos na personalidade, houve um progressivo desapego ao pensamento insular, já que as transformações ocorridas no seio da sociedade têm exigido soluções que já não podem ser dadas exclusivamente na dogmática jurídica (ARAÚJO, 2015, p. 117).

Logo, atendo-se a tudo isso, podemos dizer que a fixação do numerário de

caráter indenizatório deverá ser realizada por meio do arbitramento do magistrado,

tendo como parâmetros os artigos 944 a 954 do Código Civil, devendo analisar, para

tanto, a lesividade da agressão diante da modalidade da conduta, se omissiva ou

comissiva, analisando também o ânimo do agressor, se doloso ou culposo. Também

se faz necessário ver qual o impacto sofrido pela vítima e o seu nível, além, por fim,

da repercussão social do fato (ARAÚJO, 2015).

20

A jurisprudência nos informa de maneira elucidativa, analisando os requisitos

da responsabilidade civil em um caso de abandono afetivo:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO PELO GENITOR. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. 1. A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, DECORRENTE DA PRÁTICA ATO ILÍCITO, DEPENDE DA PRESENÇA DE TRÊS PRESSUPOSTOS ELEMENTARES: CONDUTA CULPOSA OU DOLOSA, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. 2. AUSENTE O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA OMISSIVA DO GENITOR E O ABALO PSÍQUICO CAUSADO AO FILHO, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, PORQUE NÃO RESTARAM VIOLADOS QUAISQUER DIREITOS DA PERSONALIDADE. 3. ADEMAIS, NÃO HÁ FALAR EM ABANDONO AFETIVO, POIS QUE IMPOSSÍVEL SE EXIGIR INDENIZAÇÃO DE QUEM NEM SEQUER SABIA QUE ERA PAI. 4. RECURSO IMPROVIDO (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: APC 20090110466999 DF 0089809-1.2009.8.0.0001. Órgão Julgador: 3 Turma Cel. Publicação: Publicado no DJE em 16/0/2013. P.: 100. Julgamento: 3 de Julho de 2013. Relator: GETLIO DE MORAES OLIVEIRA). (BRASIL, 2013)

Também no mesmo sentido, analisando a possibilidade de ocorrência do

abandono afetivo à luz da responsabilidade civil, com foco na prova da conduta

como elemento primordial:

CIVIL E APELAÇÃO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO PELO GENITOR. DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA E DO NEXO CAUSAL. NÃO COMPROVAÇÃO. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURADOSENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Segundo dispõe os artigos 229 da Constituição Federal , 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente e 1.694 a 1.710 do Código Civil , é dever dos pais assistir, criar e educar os filhos menores, provendo o sustento, proporcionando recursos e meios para o seu desenvolvimento saudável. 2. Para que haja a configuração da responsabilidade civil trazendo consigo o dever de indenizar por abandono afetivo faz-se imprescindível a presença de alguns elementos como a conduta omissiva ou comissiva do genitor (ato ilícito), o trauma psicológico sofrido pelo filho (dano), e o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano. Ressalta-se que além desses, é indispensável a prova do elemento volitivo, seja dolo ou culpa. 3. Quando não for possível aferir-se a efetiva ocorrência de abandono do genitor ou nexo de causalidade entre este e a patologia psíquica que acomete o autor, é incabível indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo. 4. Recurso conhecido e desprovido (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: 2013011165390 0042053-0.2013.8.0.0001. Órgão Julgador: 6 TURMA CVEL. Publicação: Publicado DJE em 18/10/2016. P.: 393/422. Julgamento em 28/09/2016. Relator: CARLOS RODRIGUES). (BRASIL, 2016).

A ocorrência do abandono afetivo pode gerar até mesmo a destituição do

poder familiar, conforme entende a jurisprudência, tratando tanto do abandono

material como do afetivo:

21

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ABANDONO MATERIAL E AFETIVO DO FILHO POR PARTE DA GENITORA. INFANTE INSTITUCIONALIZADO EM ABRIGO. NÚCLEO FAMILIAR SEM CONDIÇÕES DE ACOLHER A CRIANÇA. 1. Nos termos do artigo 1.638 do Código Civil , perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que deixar o filho em situação de abandono. 2. Evidenciado nos autos o abandono material e afetivo do infante, por parte da genitora e dos demais familiares, tem-se por cabível a decretação da destituição do poder familiar. 3. Recurso de Apelação conhecido e não provido (Processo: APC 20130130018567. Órgão Julgador: 1ª Turma Cível. Publicação: Publicado no DJE: 27/04/2015. Pág.: 193. Julgamento: 15 de Abril de 2015. Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA). (BRASIL, 2015)

A destituição do poder familiar, em relação ao abandono afetivo, se funda no

dever de proteção integral e de cuidado que não são observados, quando

constatada a existência da omissão:

CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. GENITORES DEPENDENTES DE DROGAS. ABANDONO MATERIAL E AFETIVO. SITUAÇÃO DE RISCO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. 1. Cabível a destituição do poder familiar na hipótese de abandono de filho menor pelos pais (art. 1638, II, Código Civil). 2. Configura-se situação de risco para a criança a convivência com pessoas usuárias de drogas. 3. A recalcitrância do quadro de abandono dos pais com relação aos filhos menores implica a destituição do poder familiar, mormente quando constatada por equipe técnica a impossibilidade de alteração do quadro, em razão do constante uso de drogas por parte dos genitores e das reincidências em cometimento de crimes por parte do genitor, o que dificulta a convivência com os filhos. 4. Apelo desprovido (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: APC 20130130044702. Órgão Julgador: 5ª Turma Cível. Publicação: Publicado no DJE em 08/06/2015. Pág.: 220. Julgamento: 6 de Maio de 2015. Relator: CARLOS RODRIUES). (BRASIL, 2015)

O Superior Tribunal de Justiça, analisando o dever de cuidado em relação aos

filhos, diz que:

Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4.

22

Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido (STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).

Assim, podemos enxergar a caracterização da possibilidade de indenização

da ocorrência de abandono afetivo, a título de dano morais, pois esta situação causa

diversos prejuízos de caráter psicológico para aquele que o sofre, sendo uma

prejudicialidade de grande gravidade, podendo ocorrer inclusive a perda do poder

familiar em casos mais gravosos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No direito de família as relações mudam bastante, e fazem com que o direito

tenha que intervir para reger essas novidades, sendo que na modernidade este

ramo do direito é regido fortemente pelo princípio da afetividade, sendo os laços de

afeto um marco tão forte que até surgira, novos modelos de família, superando

aspectos tradicionais.

A família tem base na afetividade, e a pluralidade de famílias se baseia

justamente nesse aspecto, se baseando também na dignidade da pessoa humana

para se reconhecer essa multiplicidade de relações. A afetividade é o norte deste

ramo do direito, e deve ser observada a todo momento, gerando consequências

negativas a sua não observância.

A responsabilidade civil trata do dever que incumbe à parte que causa um

dano a outrem em decorrência da prática de um ato ilícito, devendo ser analisada a

relação de causalidade entre ato e prejuízo, para ao fim se analisar se a conduta

teve ânimo doloso ou culposo, para poder se determinar pela responsabilização ou

não do causador do dano.

Como a afetividade norteia o direito de família, também é base para a relação

dos pais para com os filhos, pois a doutrina da proteção integral não aceita as

omissões no cuidado dos filhos, não sendo obrigado o pai ou a mãe a amar o filho,

23

mas deve arcar com a assistência material e imaterial para que se possa alcançar o

pleno desenvolvimento da pessoa.

Os prejuízos causados ao desenvolvimento e à personalidade da criança e do

adolescente são os fatores principais que acarretam a responsabilidade civil dentro

da relação jurídica de família, pois são atos ilícitos a omissão e atos comissivos que

ocasionam estes danos, sendo possível a indenização a título de danos

extrapatrimoniais.

INDEMNIFICATION FOR AFFECTIVE ABANDONMENT IN THE FACE OF CHILDREN: THE VALUE OF AFFECTION

ABSTRACT

The aim of this study was to verify the civil responsibility in family law, specifying the relation of family affection, in order to verify the possibility of compensation for affective abandonment, although it is not possible to measure the value of affection or absence of affection. Family law is guided by the principle of affection, among many others, as well as by the dignity of the human person. This makes this branch protect the affection and the dignity, that must be observed at all times, without reservations. Lack of affection, therefore, could be considered as an unlawful act, and if the causal relationship is fulfilled with the damage generated, the agent who leaves the child could be held accountable, needing to be analyzed the question of the emotional element, malice or fault. To carry out this study, the methodology used was the qualitative and deductive method, also being used for the reasoning the review of bibliography and legislation, addressing jurisprudence on the subject. In the end, it is concluded by the possibility of accountability, provided the requirements are met. Keywords: Family Law. Affection. Indemnity. Affective Abandonment in the Face of Children.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Sanny Lara Lima Veríssimo. O abandono afetivo paterno-filial, violação do princípio da dignidade humana e a caracterização do dano moral (2015). Doutrina: Revista da EJUSE, nº 22, 2015. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 out. 2017. ______. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.

24

______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: APC 20090110466999 DF 0089809-1.2009.8.0.0001. Órgão Julgador: 3 Turma Cel. Publicação: Publicado no DJE em 16/0/2013. P.: 100. Julgamento: 3 de Julho de 2013. Relator: GETLIO DE MORAES OLIVEIRA. Disponível em: <http://tj-d.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23663893/apelacao-ciel-apc-20090110466999-d-0089809-12009800001-tjd>. Acesso em: 01 nov. 2017. ______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: 2013011165390 0042053-0.2013.8.0.0001. Órgão Julgador: 6 TURMA CVEL. Publicação: Publicado no DJE em 18/10/2016. P.: 393/422. Julgamento em 28 de Setembro de 2016. Relator: CARLOS RODRIGUES. Disponível em: <http://tj-d.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/39599528/2013011165390-0042053-02013800001>. Acesso em: 01 nov. 2017. ______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: APC 20130130018567. Órgão Julgador: 1ª Turma Cível. Publicação: Publicado no DJE: 27/04/2015. Pág.: 193. Julgamento: 15 de Abril de 2015. Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/183855458/apelacao-civel-apc-20130130018567>. Acesso em: 01 nov. 2017. ______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: APC 20130130044702. Órgão Julgador: 5ª Turma Cível. Publicação: Publicado no DJE em 08/06/2015. Pág.: 220. Julgamento: 6 de Maio de 2015. Relator: CARLOS RODRIGUES. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/196052941/apelacao-civel-apc-20130130044702>. Acesso em: 01 nov. 2017. CALDERÓN, Ricardo Lucas. Princípio da afetividade no direito de família. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2013. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. CHARLES, Bicca. Abandono Afetivo, o dever de cuidado e a responsabilidade civil por abandono dos filhos. Brasília, DF: Editora OWL, 2015. CONSULTOR JURÍDICO. 3ª Turma do STJ manda pai indenizar filha por danos (2012). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-mai-02/turma-stj-manda-pai-indenizar-filha-abandonada-200-mil>. Acesso em: 01 nov. 2017. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, vol. 4. PEREIRA, R. da C.. Responsabilidade civil por abandono afetivo. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. São Paulo: Magister, a. 14, n. 29, p. 5-19, ago./set. 2012.

25

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2013. WEISHAUPT, Gisele Carla; SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Consequências do abandono afetivo paterno e a (in) efetividade da indenização (2014). Revista Perspectiva ano 38 n. 142. p. 17-28 jun. 2014.