revista literatas 22 ano ii

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Palavras Escritas em Folhas de Mel Poetas por ser na Bienal da Angola “Produzem-se mais livros do que leitores, em proporções abismais” Abreu Paxe em entrevista: Pag. 8 & 9 Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 16 de Março de 2012 | Ano II | N°21 | E-mail: [email protected] Calane da Silva homenageado em Maputo, numa cerimónia que servirá para a entrega do “Prémio José Craveirinha – 2011”, em que o escritor é o actual detentor.

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Palavras Escritas em Folhas de Mel

Poetas por ser na Bienal da Angola

“Produzem-se mais livros do que leitores, em proporções abismais” Abreu Paxe em

entrevista: Pag. 8 & 9

Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 16 de Março de 2012 | Ano II | N°21 | E-mail: [email protected]

Calane da Silva homenageado em Maputo, numa cerimónia que servirá para a entrega do “Prémio José Craveirinha – 2011”, em que o escritor é o actual detentor.

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Como é feita esta poesia?

T odas as manifestações artísticas têm fóruns próprios onde os seus fazedores, apreciadores

se encontram para um dedo de conversa, partilha de sorrisos, revivências de memórias e

recordações

Por exemplo num festival de jazz, o som do saxofone, da guitarra, do piano construem o oceano que

alberga os sonhos dos tímpanos, dos olhos que escutam o erudismo da música que acalenta as ondas.

E na literatura? Concretamente numa bienal internacional de poesia, que pela primeira vez um país

africano acolhe versus realiza, contrariando a realidade em que só terras portuguesas e brasileiras são protagonistas.

Estes tipos de evento de cariz internacional que enaltecem o intercâmbio cultural, a aproximação das esferas intelectuais

versus criativas, andam meramte escassos neste Áfrico continente. Dada à falta de vontade política em investir na cultura,

mas uma vez vimos aqui a força de uma União dos Escritores, que não se deixa levar pela letargia dos nossos políticos.

Rebuscando a memoria das décadas 80 e 90 onde estes encontros eram frequentes aqui em África,

Quero crer que com este encontro Angola (que será de 21 de Março a 21 de Abril) dá o primeiro passo para muitas caminha-

das rumo a universalização da literatura de expressão portuguesa ou por outra da literatura escrita na língua portuguesa

A palavra será o pão de cada dia durante estes dias que a bienal decorrerá no CEFOJOR – Centro de Formação de Jornalistas

em Luanda.

Esta bienal ao nosso ver (Kuphaluxa) tem um carácter dualista, pois e uma oportunidade impar de aprendizagem, realização

de voos que há muito vem sobrevoando nos nossos sonhos, de algum dia ser poeta, escritor.

Estar em Luanda numa bienal Internacional de Poesia ao lado de incontestáveis nomes da literatura do mundo lusófono

como Corsino Fortes, Manuel Rui, Luís Serguilha, Odete Semedo, Cláudio Daniel amigo virtual de outros carnavais, Lopito

Feijóo nosso mestre, amigo, que acreditou no nosso verde potencial ao escalar Maputo para mais um parto a cesariana de

um livro.

O que é que um colectivo de leitores, agitadores e activistas culturais, pode oferecer há um majestoso público de poetas

experimentado de dimensões internacionais e de leitores atentos? -surpresas,

Contudo, uma milha é caminhada mediante o primeiro passo e lá estaremos nós a ser representados por Moçambique (pois

representantes temos somente três que vão levar a bandeira deste País o Filimone Meigos, Luis Cezerilo e Dinis Muhai).

E cá em Maputo na mesma semana concretamente no dia 23,o nosso Madala, Professor, um dos muitos dos poucos que acre-

ditam nos nossos devaneios, vai receber o Prémio José Craveirinha, que subiu de valor (USD 25.000) e mudou de cara, se

outrora premiava-se as obras onde escritores como Paulina Chiziane, Eduardo White, Aldino Muainga, e outros cuja lista é

enorme, do ano passado para o infinito prémio deixa de premiar a obra, passa a ser Prémio Careira. E o nosso Madala Calane

é o capitão desta Vi(r)agem.

E continuando no percurso poético, desde já aproveitar este momento para vender os bilhetes para esta “viagem expansiva

para o lugar inabitado” conduzida por Cláudio Daniel, tendo como bilheteiro o Abreu Paxe sob a alçada da transportadora

Zunai.

Amosse Mucavele

[email protected]

Editori@l

Destaque S E X T A - F E I R A , 1 6 D E M A R Ç O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 3

E stá na mira da lusofonia a Bienal Interna-

cional de Poesia, a acontecer em Luan-

da, capital da Angola. O evento que vai

decorrer de 21 de Março a 21 de Abril vai juntar poetas dos países

da CPLP, nomeadamente, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-

bissau, Timor Leste, Portugal, Brasil e poetas do país anfitrião.

Com este evento, a Angola estará na rota do turismo literário

durante 30 dias em

que a poesia vai

alçar veias eruditas

entre os painelistas

em que se espera

autênticas aprendi-

zagens.

Por outro lado, já

navegando pelo

lema da própria bie-

nal, “Palavras Escri-

tas em Folhas de

Mel”, deve-se espe-

rar dessa tertúlia a

descoberta dos ver-

dadeiros caminhos da

poesia africana, numa reflexão semiótica entre

escribas de tempos indefinidos.

De acordo com o programa, painéis de luxo vão

mover essa

locomotiva da

poesia. São

eles, por exem-

plo, Conceição

Lima e Jeróni-

mo Salvaterra

Manuel de São

Tomé e Prínci-

pe, António

José Borges,

Luís Costa,

Maria Ângela Carrascalão, de Timor Leste, Cor-

sino Fortes, Elísio Filinto, José Luís Tavares,

Vera Duarte de Cabo Verde, Tony Tcheka e

Odete Semedo, de Guiné-Bissau.

Angola capital da poesia africana

Bienal Internacional de Poesia

Redacção

Os angolanos, em

peso, marcarão a sua

presença através dos

escritores Manuel Rui,

Roderick Nehone,

João Melo, John Bella,

Kudijimbe entre outros

poetas.

De Portugal participam os

escritores Ernesto

Melo e Castro, Fernan-

do Aguiar, Jorge Melí-

cias e Luís Serguilha e

do Brasil,

Admir Assunção, Gui-

do Bilharinho, Micheline

Verusck, Nina Rizzi e Camila

Vardalac.

Entretanto, Moçambique será representado pelos poetas Filimone Meigos, Luís Cezeri-lo, Dinis Muhai, Eduardo Qui-ve e Amosse Mucavel, estes dois últimos, editor e chefe da

redacção da revista Literatas, res-pectivamente. E é mesmo assim. África através da Angola quer gritar a sua voz poética. E o papel não se cala, porque em si, vivem “Palavras Escritas em Folhas de Mel”. No entender do Movimento Literá-rio Kuphaluxa, a participação jovens que dedicam-se à arte de escrita e ao activismo literário, constitui uma oportunidade para o engrandecimento da jovem litera-tura moçambicana, principalmen-te, por se priorizar escritores

emergentes.

Odete Semedo,, Poetisa Guineense

Manuel Rui, escritor angolano

Corsino Fortes, poeta Cabo-verdiano

Foto

: E

xpre

sso d

as I

lhas

Cláudio Daniel, poeta brasileiro

Fernado Aguiar, escritor português

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Destaque Notícias

O l i v r o " O

A l f a b e t o

Trapalhão", da

escritora portuguesa Lurdes Breda, com

ilustrações da Rute

Reimão, é um dos selecionados para estar

no Pavilhão de Portugal,

na Feira do Livro Infantil de Bolonha, em

Itália! A obra editada

pela GATAfunho, está inclusa na lista dos cerca

de 100 livros que farão

parte do evento a decorrer dentro de dias.

É de facto, o premiado, homem de longa carreira nas artes literárias cujo percur-so é recheado de reconhecimentos, premiações e prestígio. É considerado um dos mais influentes escritores moçambicanos e com conhecimento vivido sobre a sua história. Viveu os tempos da chamada “literatura de Combate”, conviveu com o homem em que se inspira o prémio (José Craveirinha) aliás, no evento, como prova dessa lealdade com o poeta-mor, da propôs ao Movimento Literário Kuphaluxa que recitasse em jogral, o poema “Canção para o meu Povo” dedicado ao José Cravei-rinha. Viveu os tempos do “Charrua” quando os Ungulani Ba Ka Khosa apare-ciam. Agora vive os tempos indecisos da “jovem” literatura moçambicana. É um escritor que não se deixa prender na escrita. Sai dos livros e vai ao leitor. Conta as estórias com as próprias veias. Um erudito, menino suburbano. Na voz de Calane, cospem-se versos que inspiram velhos, jovens e crianças. Um exímio declamador, por isso, embora autor de uma importante obra poética “Dos Meninos da Malanga”, não se afirma poeta. “Eu não sou poeta. Digo poesia. Escrevo alguma poesia, mas poeta não.” Reitera. No entanto, é um autor se impõe no que escreve, seja prosa seja verso, seja o palco seja na rua. Um artista que se rejuvenesce pelo activismo literário. É quanto, um prémio merecido. Um herói que se reconhece enquanto vivo. Dois amigos que premeia-se entre si. José Craveirinha e Calane da Silva. A cerimónia vai decorrer na próxima sexta-feira, dia 23 de Março no Paços do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM), as 18 horas.

Raul Alves Calane da Silva ou simplesmente Calane da Silva, nasceu a 20 de Outubro

de 1945 em Maputo. É docente de Literatura na Universidade Pedagógica (UP), direc-

tor do Centro Cultural Brasil – Moçambique, membro fundador da AMOLP – Asso-

ciação Moçambicana de Língua Portuguesa dentre outras instituições ligadas a litera-

tura e língua portuguesa. Jornalista de longo percurso e autêntico precursor das artes

em Moçambique.

Escrita até às veias

C alane da Silva, actual detentor do maior prémio literário de Moçambique, “Prémio José Craveirinha” será homenageado em Maputo, numa gala que servirá igualmente para entre-

gar o galardão referente a edição 2011, nas mãos do escritor. Autor duma das mais conhecidas obras moçambicanas

“Xicandarinha na Lenha do Mundo”, Calane da Silva recebe este

prémio que a partir de 2011, passou a aglutinar o nome de Prémio

Carreira.

Eduardo Quive

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Livros & Leitores

E ra terça-feira e eu ia para mais uma entrevista de emprego. Estava marcada às 9, por segurança resolvi sair de casa às 6. Tinha lotação, trem e metrô pela frente. O relógio tocaria às 5 horas, mas às 4 eu estava desperta. Me

banhei. Fiz as orações do dia. Pedi o emprego com fé. Senti aquela brisa quente atrás da cabeça de quando a resposta de Ogum está a caminho. Resolvi me vestir de branco. Saí.

Fechei o portão. Caminhei em direção ao ponto de parada da Van. Um sentimento de que faltava alguma coisa tomou conta de mim. Abri a bolsa, tudo o que eu pre-cisava estava lá: carteiras de trabalho e de identidade, conta de luz paga, cópias impressas do currículo, endereço dos três lugares onde buscaria emprego naquele dia, sanduíche de pão com goiabada, garrafa de água e um livro para ganhar o tempo no transporte público. Não faltava nada, mas a sensação permanecia. A bri-sa na cabeça voltou e me impeliu de volta para dentro de casa. Fui direto até a gaveta da cômoda, peguei um fio de contas. Coloquei no pescoço, ajeitei dentro da blusa.

O retorno à casa me fez perder a condução. Fiquei sozinha no ponto, mas logo, logo, encheria de gente. Veio vindo um rapaz de tênis de cano longo, bermudão, camiseta larga, boné e, lógico, headfone no último volume. Óculos escuros tam-bém. Ele se sentou na murada ao meu lado e tirou um cigarro. Antes de acender, parou uma Blazer de vidro fumê na nossa frente, saltaram dois caras e cada um pegou num braço dele. Mandaram ficar calado e o jogaram dentro do carro. Alguém gritou lá de dentro: ―Pega a mina dele também, vacilão! Vai deixar aí?‖ A nuvem do desespero turvou meus olhos. Não havia outra mulher por ali. A mina do desconhecido era eu.

Me empurraram para o banco de trás junto com meu companheiro de espera da Van. Eu tentei dizer que era engano. Eu nunca o tinha visto antes, só estava ali esperando o transporte. Ia fazer entrevista de emprego. Tinha a carta de convoca-ção na bolsa, podia mostrar...

O motorista mandou que eu calasse a boca, não estava interessado. Ao meu lado, os grandões espancavam o rapaz e gritavam: ―Você vai me dar meu dinheiro, vagabundo. Se não der, vai morrer. Tá ligado?

Bandido também tem santo Fala! Onde é que você escondeu o dinheiro? Fala, vagabundo, fala‖.

E dá-lhe porrada. O rapaz calado. Eu queria interferir, pedir para eles pararem de bater no menino, mas aí pensariam mesmo que eu era namora-da dele.

Paramos num sinal. Tinha um carro da polícia estacionado, vazio. Os policiais deviam estar na padaria comendo coxinha. Por via das dúvidas, afundaram o rapaz no vão entre os dois bancos. Nossos sequestradores ficaram tensos. Engatilharam as armas. Eu, uma filha de Ogum, entro em pânico quando vejo arma de fogo e comecei a tremer e a chorar. Um dos caras passou o braço pelas minhas costas, tapou minha boca com uma mão e com a outra encostou o cano do revólver no meu fígado. Disse que se eu não calasse a boca naquele instante, ele apertaria o gatilho, sem dó. Calei. O sinal abriu. O motorista arrancou devagar.

Os donos do carro deram mais umas voltas com a gente. O rapaz espan-cado não dizia palavra. Eu também não. Um dos rapazes que batia pegou meu pescoço, apertou meus seios com violência, disse ao suposto namora-do que ele veria o que fariam comigo, na frente dele, caso não contasse onde estava o dinheiro. O menino nem abria os olhos, tinha apanhado muito, estava quase desacordado.

Chamei por Ogum e a massa de calor em movimento atrás da cabeça me levou a colocar a mão no ombro do caladão sentado à frente. Disparei a falar, era a chance única de salvar minha vida. Repeti a história da entre-vista para o emprego, puxei minha carteira de trabalho, o sanduíche de goiabada. Disse que não conhecia o desafeto deles, que simplesmente eu estava no lugar errado, na hora errada. E o outro, louco, noiado, apertando meu pescoço com uma mão e esticando a outra para rasgar minha blusa. Ele arrancou dois botões e enroscou a mão na conta, puxou, cortou o dedo no fio de nylon. Arrebentou tudo. As pedras brancas, como pombas, voa-ram pelo carro. Bateram no vidro fumê, no teto da Blazer, caíram no colo do moço da frente. Ele abriu as mãos para as miçangas e sorriu. Mandou parar o carro. Desceu, abriu a porta, estendeu a mão para mim e disse: ―Pode ir embora‖. (Extraido do livro, "Oh, margem! Reinventa os rios!" )

Cidinha da Silva* - Brasil

C hega a 31 de Março às livrarias a obra

que venceu o Prémio Leya 2011, O Teu

Rosto Será o Último, de João Ricardo

Pedro. O livro sairá com a chancela da própria

Leya.

Sinopse: «Tudo começa com um homem

saindo de casa, armado, numa madrugada fria.

Mas do que o move só saberemos quase no

fim, por uma carta escrita de outro continente.

Ou talvez nem aí. Parece, afinal, mais impor-

tante a história do doutor Augusto Mendes, o

médico que o tratou quarenta anos antes,

quando lho levaram ao consultório muito fer-

ido. Ou do seu filho António, que fez duas co-

missões em África e conheceu a madrinha de

guerra numa livraria. Ou mesmo do neto, Duarte, que um dia andou de bici-

cleta todo nu. Através de episódios aparentemente autónomos – e tendo como

ponto de partida a Revolução de 1974 –, este romance constrói a história de

uma família marcada pelos longos anos de ditadura, pela repressão política,

pela guerra colonial. Duarte, cuja infância se desenrola já sob os auspícios de

Abril, cresce envolto nessas memórias alheias que formam uma espécie de

trama onde um qualquer segredo se esconde.» Porta Livros

A Zona de Desconforto, do norte-americano Jonathan Frenzen, é lançado a 10 de Março pela Dom Quixote, editora que uma semana

mais tarde (dia 17) faz chegar às nossas livrarias a obra vencedora

do Prémio Jabuti 2011, Ribamar, de José Castello. Por fim, a 24 de Março

sai O Imperador Das Mentiras, de Steve Sem-Sandberg. A Zona de Desconforto - Jonathan Fran-

zen

«A Zona de Desconforto é a memória íntima que Franzen guarda do seu cresci-

mento dentro de uma pele hipersensível,

de ―uma pessoa pequena e fundamental-mente ridícula‖, passando por uma ado-

lescência estranhamente feliz, até um

adulto de paixões fortes e inconven-

ientes. Nas suas próprias palavras, Jona-than Franzen era o tipo de rapaz que

tinha medo de aranhas, bailes de liceu,

urinóis, professores de música, bumer-angues, de raparigas populares – e dos

pais. Não tinha nada contra os miúdos

totós, a não ser o pânico de que o tomas-sem por um deles, destino que resultaria

para ele na imediata morte social.»

Porta Livros

«O Teu Rosto Será o Último»

sai a 31 de Março

Dom Quixote edita em Março

«A Zona de Desconforto»

Cidinha da Silva é prosadora e gosta muito de poesia. Mineira, de Belo Horizonte, Cidinha começou a publicar literatura em 2006

com Cada tridente em seu lugar(crônicas, 3a edição); a seguir, publicou Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor! (crônicas, 2008).

Em 2009, foi a vez de Os nove pentes d’África (novela, 1a reimpressão), primeira obra juvenil de uma carreira promissora. Em 2010, parti-

cipou como co-autora deColonos e quilombolas (fotografia e textos). Em 2011, publicou Kuami (romance infantil / juvenil), além des-

te Margem, marca de seu reencontro com a crônica. O mar de Manu é um conto para crianças, publicado também em 2011.

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Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa

Direcção e Redacção

Centro Cultural Brasil - Mocambique

Av. 25 de Setembro, N°1728,

C. Postal: 1167, Maputo

Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 07 46

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DIRECTOR GERAL

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([email protected])

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DIRECTOR COMERCIAL

Japone Arijuane

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EDITOR

Eduardo Quive

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Cel: +258 82 27 17 645

CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele

([email protected])

Cel: +258 82 57 03 750

REPRESENTANTES PROVINCIAIS

Dany Wambire—Sofala

Lino Sousa Mucuruza—Niassa

COLABORADORES FIXOS

Izidine Jaime, Pedro Do Bois (Saranta Cata-rina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa —

Portugal), Mauro Brito.

COLUNISTA

Marcelo Soriano (Brasil)

FOTOGRAFIA

Arquivo — Kuphaluxa

PARCEIROS

Centro Cultural Brasil—Mocambique

Portal Cronopios

www.cronopios.com.br

Revista Blecaute

Revista Culturas & Afectos Lusofonos

culturaseafectoslusofonos.blogspot.com

FICHA TÉCNICA

Cartas Espaço aberto para debate e comentários sobre assun-

tos literários. Mande-nos uma carta pelo e-mail: [email protected]

Força fere feridas na alma, nauseabundos excrementos na bunda da cidade fede excitante

Vagina em líquidos d’agua jejuada Desafectação vil inspira e respira ar condiciona-se! Conjunturas só para a minoria avermelhada.

O vai e vem dos Xapas antes cheios hoje enchidos: carnes vivas de bafo fúnebre há divisão dos per-fumes, corpo sob corpo racismo sem problemas?

Leva frasco quando chegar abra o racismo, alias, perfuma-se Culatra opaca a tirar a vida bala Marrabenta na dança da morte TV sapataria vai escovando os mais sujos, vê! É o que não é, pensa pança cheia de fome.

Amanha nunca será novo dia, Se continuas o mesmo: seiva da nação!

Antes flor que sempre murchou, regada de esperma, poder hipnotiza cifrão: vai indo histérico não gera acções enquadra-se numa das gerações….

É, ou não é? Responde, sempre é!

O que não é, você não vê, é, ou não é? Muda plante tantas mudas, se urinol serve rega… reza dê a dízimos universais, mas nada muda, mas, vai! Muda! Talvez assim ninguém e nada muda-te. Outro canal vê: ordem e progresso: sexo e violência: excremento tropical e a sua martirizada cultu-ra? O ministério cuida! Cuida você de ti.

Sétima classe. Sétima ignorância.

Isca no coração da modernidade: cidade peixe bem no fundo do mar desértico, fedendo em fede-lhos a fidelidade corrupta, aversão digna de indignidades soberanas fezes quantas vezes suportare-mos as politicarias? Fôlego as acácias, folga as carícias a venda na avenida, matem a pobreza com a mesma fome, vem Machimbombo bomba na hora de ponta vermelha de sangue, rostos militares com fome na guerrilha dos transportamentos, pó cores de urnas dejectos falaciosos, já agora mudos sem olfacto, como ser alguém, num país de donos?

Japone arijuane [email protected]

É, ou não é?

A vítima do feitiço Croniconto

― Ele foi vítima de feitiço! Assim estava escrito com tinta

de cor rubra, tremeluzente, num

papel de formato A4, que mais tarde soube-se ser certi-

dão de óbito, esse comprovativo que os incrédulos de morte o exigem para fins diversos.

Nessa manhã, antes da secretária Analinda Basto passar

a certidão deste morto, esgaravatou tudo que a permitiria apurar as reais e leais causas da morte de Tereso Vai-

vém: as receitas, os frascos de fármacos e inúmeras

fichas clínicas. Em vão. Tudo vasculhado apenas expli-cava sintomas e sinais de nenhuma doença cientifica-

mente conhecida. Feitiço era a causa mais provável:

entendia, assim, Analinda Basto.

Mas o doutor Arduardo Senfim mandou vir com ela, dizendo que aquilo era hipocrisia de uma enfermeira

atrasada, um atentado à ciência medicinal. Como é que

um paciente podia, em plena vitalidade da ciência, mor-rer à conta de um feitiço, uma coisa mal explicada, e se

explicada, sem cabimento.

Disso, todavia, a Analinda Basto encontrava plena explicação. Pois ela votara maior parte da sua vida ao

tratamento de moléstias, simples e complexas, vulgares

e invulgares. Até feitiços ela lhes dedicou tempo. Afi-

nal, ela antes de vestir saia, blusa e sapatos brancos já se vestira de gite, essas coloridas roupas de nyangas, para

enxotar mais terríveis obras de feitiçaria em molestados.

Ademais, ela se formara em enfermagem não foi senão para convencionar a sua actividade, numa altura em que

Dany Wambire [email protected]

se empreendia esforço para desacreditar os curandeiros. Tratou-se de adaptação da profis-

são para sobrevivência.

Mesmo o próprio doutor Senfim

descria a doença do paciente, ora

morto, ser objecto da ciência Ocidental. Médico generalista que

ele era, efectuara todas as análises possíveis, conforme a

evolução dos sintomas e sinais, mas o resultado das análises

eram nenhumas doenças. Admoestado pela secretária Analinda

a facilitar a saída do doente a uma consulta de nyanga, o doutor

senfim declinou, dizendo que aquilo não existia. ― Isso não existe na ciência.

― Mas na ciência de Fim-de-Mundo existe, perseverou

Analinda.

― Não falo dessa ciência, falo da ciência científica.

Não fosse, enfim, a certidão de óbito ser necessitado por um

exímio dirigente político do país e talvez o doutor Arduardo

Senfim condescenderia a causa de morte defendida pela se-

cretária. O pedido da certidão de óbito, decerto, era feito por um

tal de doutor Jesustôvão Edmundo, grande ministro da época.

Era necessário aplicar toda perícia científica para apurar a causa

da morte. Mas, mesmo depois de inúmeras necropsias em hos-pitais vários, se conseguiu apurar a causa da morte. Foi então

que o doutor Arduardo Senfim assinou a certidão já aprontada

pela secretária Analinda. E antes voltou a escrever por cima da

causa da morte, carregando com tinta vermelha: ele foi vítima

de feitiço.

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Poesia Em torno da odisseia das ilhas, creio levar

Neste puro desejo que me transcende, a senha

E a palavra-chave de os labirintos serem aqui

Simples lugares de passagem, apenas paisagem...

O andarilho palmilha as dunas, as areias

De intermináveis desertos e todas as ondas

Que os oceanos concedem, quando furibundas

Ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas...

Sem culpa, nem sina – ou de Job puro devedor –,

Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo

Como quem responde à morte o saldo estival...

Como quem salta para a eterna idade da vida

E fica suspenso entre a estrela e sua cadência

A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite... Alguém te seguiu?

Alguém te seguiu até casa, ou

conseguiste ir em paz?

Por sorte ele não te atingiu

no cérebro de modo a que os cheirasses?

Talvez apenas passes o tempo a imaginar coisas?

As chamadas de telefone que nunca

aconteceram, quem sabe também as tivesses

imaginado?

Soubeste o que perdeste?

Quem quer que seja aquele que se segue, mão

quente

ou severa? Alguém que

caminhasse a teu lado como um cão

fiel e ladrasse quando

quisesse, de modo a que lhe desses alimento

ou o afagasses? Perdeste isso?

Mantiveste os teus sonhos, ainda assim?

VIAGEM

Rita Dahl - Finlândia

FILINTO ELÍSIO — Cabo Verde

Se você me quiser vai ser com o cabelo

trançado

Resposta na ponta da língua

Teste de HIV na mão

Se você me quiser desligue a televisão

Leia filosofia e decore o Kama-Sutra.

Muito bem!

Se você me quiser esteja em casa

Retorne as ligações e traga flores.

Não venha com teorias sobre ereção ou

centímetros a mais.

Nem sempre vou querer sexo

Nem sempre vou dizer tudo, ou acender

a luz.

Posso usar ternos ou aventais.

Qual a diferença?

As noites serão sempre intensas à luz de

velas.

Se você realmente me quiser

Ouse digerir a contradição

Ajude-me a ser uma mulher

Diante de um homem.

Quem disse que seria fácil?

_______________________ Sobral, Cristiane. Não vou mais lavar os pratos. Poesia. Dulcina Editora. 2º Edição. 2011. Brasília. Http://cristianesobral.blogspot.com Twitter : Cristisobral Facebook: Cristiane Sobral

Francisco Júnior - Maputo

SONHO DE CONSUMO

No jardim da Coop

Uma flor sorri todas as

manhãs

Quando recebe seu divino alimento,

Numa quantidade laboratorialmente calculada

De um litro e alguns gramas de água potável.

E lá no Mutarara…

A Joana desperta ainda na madrugada,

Antes do despontar do sol

Para caminhar dementes quilómetros

Para obter 25 litros de água imprópria para o

consumo.

Enquanto vai desabrolhando a flor na Coop

Vai murchando a Joana, a Antónia, a Rosa, a

Virgínia, a Cacilda…

Pondo a prova a teoria de Samora.

Flores que nunca

murcham

Cristiane Sobral

Gente que gosta de gestos meus

… olha-os, imperceptíveis.

Gosto de gente que ouve pequenos

sinais

Gente farol dos instantes

Gente que aprecia o mar,

… as ruas escuras,

… e o silêncio.

Margarida Fontes - Cabo Verde

GOSTO

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Entrevista por Revista Zunai

Zunái: Você cresceu num país que viveu intensos conflitos nas últimas três décadas, como a luta

pela emancipação de Portugal, a guerra civil e os esforços para a reconstrução nacional. Como

estes fatos marcaram a sua vida e a sua poesia?

Paxe: A minha poesia dialoga, como bem indicou, com estes momentos do nosso mais recente

passado sócio-histórico, embora de forma perversa, na qual privilegio a informação estética. Tra-

duz a minha condição de ser, um ser confuso, incompleto sempre pronto a ser forjado, moldado,

formado e transformado.

O meu país também ostenta este rosto. Ele cria o primeiro rosto fundado no Movimento dos

Novos Intelectuais de Angola (MNIA) sob a bandeira "Vamos Descobrir Angola", uma frente cul-

tural que se criou no domínio da literatura e da guerrilha, ligados pelo mesmo denominador, que é

o sentimento nacional, para combater o colonialismo, um mal que se implantou entre nós, cuja

finalidade era a de destruir o outro despojando-o de todos os seus valores culturais e não só privile-

giando os do sistema colonial. De seguida, cria o segundo rosto no qual o País experimenta à época

pós-independência: neste período, abraça a orientação política do comunismo, anulando as preocu-

pações coloniais sob a forma superior de organização social que reflectia a nova situação. É neste

período que a guerra civil ganha força e expressão. Por fim, cria o rosto do multipartidarismo, fun-

dado num princípio de unidade nacional, período em que cessa a guerra civil, unindo esforços para

a reconstrução nacional, no qual nos submetemos aos novos desafios em busca de um bem-estar

para todos.

Conjugam-se em mim estes três rostos: o primeiro, não tinha eu ainda nascido. O segundo, quando

criança e adolescente vivendo o drama da guerra, da fome e da miséria: terríveis anos, até a nível

de escolarização, razão pela qual a minha família troca o interior (Uíje), minha terra natal, por

Luanda. O terceiro, já como adulto que é este ser em que me vou transformando.

Como se pode bem compreender, neste período ainda estávamos confinados a zonas onde

produzimos e ganhamos o pouco, embora comungue com o ditado húngaro que diz: "todo o

bocado acrescenta, diz o rato e vai fazer xixi no mar"; ou seja, a minha poesia está revestida

de simbologia que permite a compreensão de épocas passadas, alarga a sua voz e espalha-a

no culto das cerimônias atuais dirigidas à magia da vida, lugares ainda por conhecer, verda-

deiras zonas cinzentas, legitimando cavernas, muitas vezes, não só de difícil acesso na reso-

lução dos nossos conflitos e desafios, assim como de fácil acesso ao fazer-nos recordar os

ciclos de ossos num estranho apodrecer, de que felizmente, já só vão ficando sequelas que

vamos tentando esquecer.

Zunái: Como foi a sua formação literária? Quais foram os autores que chamaram a sua

atenção para o fazer poético? Por que você escolheu ser poeta?

Paxe: Minha formação literária... será que a tenho? É curioso, em Angola, a produção literá-

ria supera em anos-luz o ensino da literatura, ou seja, produzem-se mais livros do que leito-

res, em proporções abismais. O ensino da literatura ainda se constitui na nossa zona do

sahel, ainda é a nzaya almejada. Para o meu caso, mais concretamente, toda a minha forma-

ção académica, do básico à licenciatura, realizou-se cá. Felizmente, "nos áureos anos de

1978/79", o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), das várias e riquíssimas colec-

ções que possuía constava a da literatura para crianças. Meu pai, então motorista da Delega-

ção Provincial da Educação, sempre que viesse para Luanda tinha o cuidado de comprar

para nós estes livros. Por isso fomo-nos forjando, embora de forma, arrojada como leitores

Viagem

expansiva

para o lugar

inabitado “A poesia angolana contemporânea, penso, está à procura de seu rosto. Precisa de o ajustar, com certeza. Depois da década de setenta, as que se seguiram tornaram-se mais dinâmicas e reagem às transformações socioculturais. Ela constrói-se e vai ajustando-se na investigação antropológica (autóctone) - com sentidos estéticos virados para a inteligência, para a vonta-de e para a razão africana - e na experiência alienígena, propondo-nos formas novas mais adequadas ao conteúdo da nova linguagem poética, no qual a transgressão, eroticidade, a errância, os desafios, a metalinguagem, a desconstrução (Secco) constituem-se em alguns dos seus mais importantes vectores.”

S E X T A - F E I R A , 1 6 D E M A R Ç O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 9

Entrevista por Eduardo Quive uma demarche autodidata, pouco ou nada recebendo da escola oficial.

Posto cá em Luanda, nos finais da década de oitenta, ao ler poetas como Costa Andrade, Antó-

nio Jacinto, Roberto de Almeida, Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Jorge Macedo, Manuel

Rui, Henrique Guerra... fui ganhando o gosto pela poesia e fui compreendendo a nossa condi-

ção como povo. A essa leitura segue-se a dos poetas que mais se destacaram nas décadas de 70

e 80, nas brigadas e não só. Lia-os todos. Mesmo sem os entender, gostava da forma como

propunham aquelas peças poéticas que não entendia, mesmo assim gostava de os ler. Foram os

casos de João Maimona, Lopito Feijoó, Rui Augusto, Conceição Cristóvão, José Luís Men-

donça, David Mestre, Arlindo Barbeitos e Ruy Duarte de Carvalho... Só começo a ter contato

com poetas contemporâneos estrangeiros, em meados da década de noventa, através de João

Maimona, que também me põe em contacto com a revista Dimensão (de Guido Bilharinho, do

Triângulo Mineiro), intelectual brasileiro que prezo muito que me passou a enviar a referida

revista com regularidade até o seu último número. Esta fase foi muito importante para a minha

produção poética. É através dessa revista que conheço poetas importantíssimos do panorama

da poesia mundial, um conhecimento que se vai alargando cada vez mais. E agora, claro, em

contacto consigo que se constituiu para mim num verdadeiro poço de descober-

tas.

Escolhi a condição de ser poeta, por ser, um ser confuso, incompleto, sempre pronto a ser for-

jado, moldado, formado e transformado. Sinto que nesta condição acomodo-me no triângulo

ritualístico, no processo de transmigração.

Zunái: Como foi o início de sua carreira poética? Publicou em revistas? Participou da Briga-

da Jovem de Literatura?

Paxe: A minha careira poética inicia-se com a publicação, no não distante ano de 1999, de

quatro peças poéticas na página cultural do Jornal de Angola, poemas publicados no ano

seguinte (2000) na revista Dimensão. Nunca participei das actividades da Brigada Jovem de

Literatura (BJL).

Zunái: A Chave no Repouso da Porta, que você publicou em 2003, revela uma linguagem

densa, concentrada e fortemente imagética. Qual foi a repercussão desse livro nos meios lite-

rários de seu país?

Paxe: Causou muito estranhamento e é preocupante a reacção de muitos que acusam ainda

muita desinformação em relação à poesia, depois de alguns comentários que fui ouvindo, mes-

mo sabendo que o livro tinha resultado dum concurso, confesso que comecei a acusar uma

certa insegurança. Aproveito aqui para referir, em forma de agradecimento, o nome de Jomo

Fortunato que, para além de ser meu amigo, é um dos poucos leitores que confirmou a força

que o livro tinha; incluo, também outras personalidades: o já falecido professor doutor Augus-

to Kambwa, a quem coube a tarefa de apresentar o livro; do júri, os poetas João Maimona,

Jorge Macedo, Adriano Botelho de Vasconcelos, Cláudio Daniel, Guido Bilharinho, Gabriel

Magalhães, a professora Carmen Secco, entre outros, que perceberam o sentido, no qual se

move minha poesia. Perceberam, como dizia E. M. de Melo e Castro, que a poesia está sem-

pre no limite das coisas. No limite do que pode ser dito, do que pode ser escrito, do que

pode ser feito, do que pode ser visto e até pensado, sentido e compreendido. Estar no limite,

ainda dizia, significa muitas vezes, para o [poeta/leitor], estar para lá do que estamos prepa-

rados para aceitar como possível. Postura contrária tiveram os que se constituíram em críti-

cos literários, desferindo duros golpes à minha pessoa e aos que têm escrito mais ou menos

na senda do que tenho estado a fazer, mesmo sendo anteriores a mim, chegando a dizer que

o mesmo livro em nada contribuía para a literatura e que vinha destruir os propósitos da

poesia, e que tinha uma linguagem muito difícil de entender e que eu não percebia nada do

que fazia... Como se a poesia obedecesse a regulamentos, a decretos ou normas pré-

estabelecidas. Mas eu percebo a razão de muitos terem reagido assim: em primeiro lugar, é

para perpetuar uma perspectiva da uniformidade inquestionável, do discurso dos poetas que

mais se destacam no nosso passado recente, cultivando o culto do facilitarismo com vesti-

mentas conservadoras; e por outro, é pelo fato de terem dificuldades em se integrarem nos

novos desafios da poesia, pensando que para isto estariam a anunciar a sua não sobrevivên-

cia, o seu desaparecimento, ou a sua morte, acusando, claro, os diversos limites com que um

leitor/poeta se pode confrontar: os sociais, os políticos, os religiosos, os ideológicos, os pre-

conceituosos, os psicológicos, os morais, os retóricos, os estéticos, os linguísticos... Dá para

perceber como têm sido a repercussão de A Chave no Repousa da Porta nos nossos meios

literários?

Zunái: Ao contrário da dicção mais discursiva, retórica, de conteúdo político directo, que

esteve em evidência nos anos 60 e 70, tua poesia parece mover-se em outro sentido, buscan-

do uma reinvenção da sintaxe e a força mântrica das palavras. A linguagem poética, a seu

ver, é uma leitura crítica da realidade ou a criação de uma outra realidade?

Paxe: Penso que a poesia, como ato de criação, para mim não deve de forma

objectiva nomear as coisas tal qual como elas acontecem no cosmos, tal

como se movem, tal como o cosmos as regula, vistas, à vista desarmada ou

macroscopicamente. A poesia deve constituir-se no mundo alternativo, este

funcionando como mundo não codificado ou convencionado numa visão

globalizante, senão como codificação singular do criador e do leitor. Ao

serviço da arte, a poesia deve-se construir com certa erudição, ou seja, a

partir do que já existe, do que já foi proposto nos matizes artísticos. A poesia

deve convidar-nos a mergulhar no escuro, como dizia Gastão Cruz, não para

o iluminar, mas para aprender a conhecê-lo, evocando todos os sentidos.

Como se pode ver, para mim a linguagem poética é a criação de uma outra

realidade, fundada numa realidade, ou seja, a recriação da realidade observá-

vel.

Zunái: O seu olhar está voltado para as mínimas coisas do quotidiano, que

não é retratado de modo ingénuo, fotográfico, mas antes é fragmentado em

cenas rápidas, como num videoclipe. Esta reconstrução das imagens pela

palavra poética tem uma influência das mídias eletrônicas?

Paxe: De certo modo, sim. Persigo, neste exercício, a capacidade de recom-

posição e síntese, transformando meu olhar em unidades de análise, uma

qualidade que impregna todas as criações resultantes de um processo inte-

ractivo entre o homem e os meios electrónicos em que a metamorfose e o

virtual se projectam na mente humana como agentes da própria instabilidade

e plasticidade, como

agentes da invenção e da percepção,

levando a poesia para além dos limi-

tes, numa viagem expansiva para o

lugar inabitado, originando imagens

simultâneas e diversas capazes de

modificar os sentidos (ordenados)

num elevado grau de fragmentação.

Estes fragmentos, estes paradoxos,

que vez ou outra nomeio, buscam

anular a linearidade, a luminosidade,

o detalhe. Mesmo quando experi-

mento as vestimentas narrativas,

sinto que só participo alegremente

de uma festa que legitima os estímu-

los que nos cercam, nas actualiza-

ções materiais onde é preciso abrir

os olhos e a mente de um modo

diferente.

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Colunistas Filosofonias

Marcelo Soriano — Brasil [email protected]

Imagem: " Sunset Shadow", Nomad Thru Life.. No Internet.. http://www.flickr.com/

photos/56684679@N08/5529156581/

Comentário: A Quarta Pessoa

Existe uma 4ª Pessoa do Singular e do Plural, diferente de todas as que

conhecemos. Ao contrário do que pregam os doutos, não é preciso ver para

crer, tampouco crer é preciso. Basta fechar os olhos, e viver o próprio

escuro.

....................................................................

Mini crônica: Más Companhias Dão Bons Livros

Más companhias dão bons livros. Más companhias são boas, então. Bons

livros, nem todos

o são. Mas os bons, ah os bons! Sempre bem acompanhados pelas más

companhias.

....................................................................

Poema: Das Minhas Gavetas

(O Mofo, em 07/07/2009)

Os fungos escreveram mofo

no papel velho

Os fungos escrevem

coisas antigas

Saudade de amor

Releio e

fungo

....................................................................

- E tenho dito!

Paixões são amores carnívoros.

O passo certo

no caminho errado

Nelson Lineu - Maputo

F echado o jor-

nal, Horácio esperava ansiosamente pelo impacto a quando

da saída as bancas, sentimento igual a esse teve com a sua

primeiro texto. Nunca conseguiu convencer os familiares sobre o

nome da sua profissão, dizia ser jornalista. Por estar a fazer constan-

temente perguntas a profissão dele era perguntador, sentenciavam os

seus, a língua portuguesa não podia ser tão enganadora.

A ansiedade desta vez era diferente, o medo lhe subia os pés, ques-

tionava-se sobre o porquê dos jornalistas terem que pagar com a vida

ou com a pobreza, por coisas que não são eles a falar. Era admirador

do jornalista Carlos Cardoso, que foi assassinado por não respeitar a

liberdade de expressão vigente, ilimitando-se. O Horácio e outros, no

dia em que se assinala mais um ano da efeméride, aparecem em

debates, prestavam homenagens, mas quase ninguém, desrespeitava

também a liberdade de expressão, por isso a não entrega do premio

de jornalismo investigativo com o nome dele num desses anos. No

seu terceiro cigarro encontra a resposta da sua espinhosa questão,

eram intimidados, porque os outros só falavam por causa das pergun-

tas deles. Encontrava sentido do nome que os familiares davam a sua

profissão.

O que fazia-lhe estar naquele estado, era a reportagem, da conferên-

cia de imprensa, convocada pelo director duma empresa estatal. De

princípio notou que ele queria ser herói, mas o que contrastava era

facto de sê-lo por incompetência. Logo ficou claro, para ele era mais

importante ser primeiro do que herói.

- Temos o primeiro presidente da frente que libertou o país, quem

deu o primeiro tiro, primeiro presidente da república de Moçambi-

que, o primeiro presidente empresário. Por ser incapaz, formação

deficiente, demito-me do meu cargo, por tanto serei o primeiro a

demitir-se nesse país.

Mesmo sabendo que mais tarde alguns reclamariam o seu posto de

primeiro, ele continuava firme a ambição dele o guiaria, o seu esfor-

ço ou risco não seria menor que dos outros. Num país em que está

tudo bem como testemunha têm-se o informe anual do estadista. As

suas declarações contrariavam o cenário pintado na presidência. Um

som saia do telefone dele, era sinal da bateria estar carregada, para a

positividade da sua ansiedade, segundo o seu ponto de vista, com o

jornal nas bancas, de certeza receberia ameaças, intimidações, esse

era o reconhecimento dos jornalistas por essa África.

[email protected]

O Perguntador

e o Primeiro

S E X T A - F E I R A , 1 6 D E M A R Ç O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 1 1

Matiangola [email protected]

Em Agosto de 2012

Maputo será a capital da Literatura

Festival Literário de Maputo

Saiba como participar em:

http://festivalliterariodemaputo.blogspot.com

[email protected]

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O próprio viver é morrer, porque não temos um

dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nis-

so, um dia a menos nela, Fernando Pessoa

Lá se iam os dias. As trincheiras e os soldados da morte plumavam

vagens infinitas. O sol humedecia a cada instante. A estrebaria reinava e,

para o cúmulo, em pleno cemitério e arredores, os mortos comportavam-

se como autênticos asnos.

Perante aquela situação, Matiangola, o líder e visionário dos entre a morte

e a vida e detentor de um império que servia aos jazidos, decidiu fazer

uma reflexão e auscultar os perecidos, lógica e evidentemente no Arena

Stadium Jazida, palco de eventos e cerimónias dos falecidos.

- Meus distintos irmãos, é com muita nobreza e preocupação que a

Matiangola Company registou com avesso e clarividência como se com-

portaram durante a semana. E nós, como vossos encarregados de faleci-

dos, sentimo-nos na obrigação de perceber a vossa atitude.

- Excelentíssimo PCA, distintos choradores da Matiangola Company,

ilustres, gostávamos de mostrar aos vivos que a morte transcede a vida e,

mais do que blasfemar, também se é feliz numa jazida. A vida é como as

ondas, quanto mais se aproximam da margem, mais reduzem de intensi-

dade. E quanto mais se distanciam, mais fortes são. Por isso, mais do que

nunca, há que mudar de ambientes e horizontes. Lembrem-se, caríssimos

irmãos, não há cruzes eternas. Por muito tempo, fomos bodes expiatórios

até de erros e/ou problemas ainda não inventados e, invariavelmente, sen-

tíamos que para alguma coisa aquilo servia. Servia para a felicidade das

pessoas que o faziam. Servia para se sentirem mais poderosas, suposta-

mente, mais conhecedoras do mundo em relação a nós. Muitas vezes, dis-

tintos mortos, vimos e continuamos a ver ovelhas ensanguentadas de

lobos, ou melhor, cordeiros pintados de sangue. Desde sempre, e talvez a

sociedade tenha culpa nisso, as pessoas sempre procuraram culpados dos

seus insucessos do lado falecidos. Mas hoje, camaradas, queremos reafir-

mar que o ser e/ou estar em estado de falecido não significa estar, neces-

sariamente, morto. Vivemos num mundo onde entre os vivos há mais

mortos do que entre os falecidos. Há mais cemitérios enterrados na terra

do que debaixo dela. É que para ser morto não precisa ser falecido. E,

quase que bovinamente, a partir de agora em diante queremos celebrar o

nascimento de Cristo e a sua morte, excelentíssimo presidente. Sabe, Mr.

Matias, os mortos também rezam e o seu Deus é o covil. Também temos

direito a Natal. Por outro lado, clarividente e visionário líder, o cemitério

anda muito cheio e já há mortos que perderam os seus ente-queridos. Mor-

tos que reclamam dos ossos dos seus pares. Nobres saudosos, mais do que

nos atulharmos de palavras e barasfutarmos de um lado para o outro, pro-

pomos a Matias Company a augusta e vidente missão de passar a cremar

os falecidos e evitar conflitos de mortos sem mortos, assim o município

nem precisaria de transferir os cemitérios a cada vez que enchessem dos

nossos ente-queridos ossos. Ademais, continuamos, cegamente, a ver a

discriminação crescer e tomar proporções outras. Sabemos que o homem é

um ser discriminatório de natureza. Sim, excelência, o homem discrimina,

a título ilustrativo, quando escolhe amigos, namoradas, esposas, etc. É que

o acto de escolha de uma amizade é guiado por um conjunto de elementos

discriminatórios, tal como porque este é aquilo e russo uma pinóia. Por

causa disso, ilustre clarividente, achamos que os gays e as lésbicas, sobre-

tudo numa sociedade globalizada como a nossa, onde os mortos têm pala-

vras, também têm direito a serem loboladas, tal como Mr. Matías lobolou a

sua Julieta no caixão. Trata-se de uma visão estratégica e do futuro, disse

Zeca Sibinde, representante dos perecidos, aos aplausos e gritos efeveres-

centes dos jazidos.

Matiangola, perante aquele posicionamento, reagiu e disse: - todos nós

temos direito à vida e vocês merecem, mesmo mortos. É que as pessoas

pensam que morrer é estar enterrado, mas a morte transcede ao estado de

enterrado. Trata-se de um direito consagrado pelos Direitos Humanos.

Essa é uma decisão sábia, por isso, bem haja mortos. E para consagrarmos

a morte, meus nobres jazidos, anuncio que hoje, mais do que nunca, e para

celebrarmos este feito, vou lobolar uma esposa. Isso mesmo. Vou lobolar

um meu colaborador que faleceu a garganta a chorar por vocês, pelas vos-

sas almas, um herói nacional. Sempre fui pastor de ondas, do vagueio, da

blague, mas na hora de reconhecer aqueles que por nós deram o litro, não

vacilo. A morte é um direito consagrado por lei e não podemos deixar

impune a partida da garganta do nosso colaborador. Igualmente, anuncia-

mos que a partir de hoje a Matiangola Company irá lobolar e sepultar os

gays e lésbicas. A bem de todos, bem haja a morte.

PS: A Matiangola Company comunica, com profundo pesar e consterna-

ção, o falecimento que ocorrerá do seu PCA. Pelo que está aberto um con-

curso público para a vaga de potencial Txingador. Apela-se e encoraja-se!

Um diálogo com os mortos!

S E X T A - F E I R A , 1 6 D E M A R Ç O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 1 2

Tributo Brasil e Moçambique

A os catorze dias do mês

de Março, no ano de

1847, nasceu António

de Castro Alves, na fazenda

Cabaceiras, a sete léguas da vila

de Curralinho, hoje cidade de

Castro Alves. Era filho do Dr.

António José Alves e D. Clélia

Brasília da Silva Castro.

Passou a infância no sertão

natal, e em 54 iniciou os estu-

dos na capital baiana. Aos

dezasseis anos foi mandado

para o Recife. Ia completar os

preparatórios para se habilitar à

matrícula na Academia de

Direito. A liberdade aos 16 anos

é coisa perigosa. O poeta achou

a cidade insípida. Como ocupa-

va os seus dias? Disse-o em car-

ta a um amigo da Baía: "Minha

vida passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco fumando

muito. O meu ‗cinismo‘ passa a misantropia. Acho-me bastante afectado

do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando

vou à Soledade." Que era a Soledade? Um bairro do Recife, onde o poeta

tinha uma namorada. O resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exa-

me de geometria. Mas em 64 consegue o adolescente matricular-se no

Curso Jurídico.

Se era tido por mau estudante, já começava a ser notado como poeta. Em

62 escrevera o poema "A Destruição de Jerusalém", em 63 "Pesadelo",

"Meu Segredo", já inspirado pela actriz Eugénia Câmara, "Cansaço",

"Noite de Amor", "A Canção do Africano" e outros. Tudo isso era, verda-

de seja, poesia muito ruim ainda. O menino atirava alto. "A poesia", dizia,

"é um sacerdócio — seu Deus, o belo — seu tributário, o Poeta." O Poeta

derramando sempre uma lágrima sobre as dores do mundo. "É que", acres-

centava, "para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar

a humanidade — a poesia."

Mas, no dia 9 de Novembro de 1864, ao toque da meia-noite, na sotéia em

que morava, o poeta, que sem dúvida se balançava na rede, fumando mui-

to, sentiu doer-lhe o peito, e um pressentimento sinistro passou-lhe na

alma. Pela primeira vez ia beber inspiração nas fontes da grande poesia:

essa a importância do poema "Mocidade e Morte" na obra de Castro

Alves. Uma dor individual, dessas para as quais "Deus criou a afeição",

despertou no poeta os acentos supremos, que ele depois saberá estender às

dores da humanidade, aos sofrimentos dos negros escravos (O Navio

Negreiro), ao martírio de todo um continente (Vozes d'África). Não era

mais o menino que brincava de poesia, era já o poeta-condor, que iniciava

os seus voos nos céus da verdadeira poesia. Naquela mesma noite escreve

o poema, tema pessoal, logo alargado na antítese mocidade-morte, a moci-

dade borbulhante de génio, sedenta de justiça, de amor e de glória, doloro-

samente frustrada pela morte sete anos depois.

A versão primitiva do Poema foi conservada em autógrafo, documento

precioso porque revela duas coisas: o poeta não se contentava com a for-

ma em que lhe saíam os versos no primeiro momento da inspiração; na

tarefa de os corrigir e completar procedia com segura intuição e fino gos-

to. Cotejada a primeira versão com a que foi publicada pelo poeta em São

Paulo, por volta de 68-69, verifica-se que todas as emendas foram para

melhor. Baste um exemplo: o sexto verso da segunda oitava era na primei-

ra versão "Adornada" com os prantos do arrebol, substituído na definitiva

por "Que" banharam de prantos as alvoradas, verso que forma com o ante-

rior um dístico de raro sortilégio verbal.

"vem! formosa mulher — camélia pálida,

Que banharam de pranto as alvoradas". (…)

Castro Alves e Rui Nogar Escritor e político moçambicano, Rui

Nogar, pseudónimo de Francisco Rui

Moniz Barreto, nasceu a 2 de feverei-

ro de 1935, em Lourenço Marques

(atual Maputo), Moçambique.

Fez os estudos primários e secundá-

rios em Lourenço Marques e come-

çou a trabalhar como empregado

comercial e funcionário de agência de

publicidade. Para além disso, exerceu

vários cargos como o de deputado da

Assembleia Popular, Diretor do

Museu da Revolução, Diretor Nacio-

nal da Cultura e Secretário-Geral da

Associação dos Escritores Moçambi-

canos. Desde 1964 era militante da

Frelimo e foi preso pela PIDE por fazer parte da organização. A obra Silên-

cio Escancarado (1982) resultou de uma recolha de textos escritos no tempo

em que esteve preso.

Poeta, contista, declamador, Rui Nogar colaborou em publicações de

imprensa, como Itinerário, O Brado Africano, A Voz de Moçambique, Cali-

ban e África. A sua obra está incluída em várias antologias nacionais e

estrangeiras, como Poetas Moçambicanos (1960), Resistência Africana

(1975) e No Ritmo dos Tantãs (1991).

Rui Nogar morreu em Lisboa, em 1994. Infopédia.

XICUEMBO

Eu bebeu suruma

dos teus ólho Ana Maria

eu bebeu suruma

e ficou mesmo maluco

agora eu quero dormir quer comer

mas não pode mais dormir

não pode mais comer

suruma dos teus olhos Ana Maria

matou sossego no meu coração

oh matou sossego no meu coração

eu bebeu suruma oh suruma suruma

dos teus ólho Ana Maria

com meu todo vontade

com meu todo coração

e agora Ana Maria minhamor

eu não pode mais viver

eu não pode mais saber

que meu Ana Maria minhamor

é mulher de todo gente

é mulher de todo gente

todo gente todo gente

menos meu minhamor.

Manuel Bandeira Fonte: http://www.culturabrasil.org

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Adelto Gonçalves - Brasil Ensaio

N ão se pode dizer que a reedição de Clara dos Anjos, de Lima Barreto (1881-

1922), que narra as desventuras de uma adolescente pobre e mulata, filha de

um carteiro, seduzida por um malandro branco, apesar das cautelas familia-

res, seja uma boa oportunidade para se reavaliar o conceito emitido por antigos críti-

cos segundo o qual este romance que não estaria à altura da melhor produção de seu

autor. Não está mesmo. Se não constitui um romance de todo falhado, a verdade é

que, se comparado com os de Machado de Assis (1839-1908), cujas origens sociais

são idênticas às de Lima Barreto, este livro deixa a desejar em alguns aspectos, inclu-

sive, em certa pobreza vocabular, ainda que seja fundamental conhecê-lo para se

entender a grandeza de toda a obra do autor.

Publicado postumamente em folhetim entre 1923 e 1924 e em livro em 1948, Clara dos Anjos, provavelmente, ainda passaria várias vezes pela lima horaciana de Lima

Barreto, não tivesse o autor uma vida tão breve e interrompida aos 41 anos de idade

por um colapso cardíaco depois de impiedosamente minada pelo alcoolismo. Fosse

como fosse, o certo é que a trajectória de uma mulata jovem moradora nos subúrbios

do Rio de Janeiro do começo do século XX foi uma ideia que perseguiu Lima Barreto

desde cedo, exactamente desde 1904, quando começou a tentar colocar em pé o esque-

leto desse romance. Levou quase vinte anos nessa luta e, quando morreu, ainda estaria

às voltas com o romance.

De fato, a obra traz algumas descrições que, mesmo hoje, quando o Rio de Janeiro

está totalmente desfigurado em relação ao que era há um século, graças às picaretas de

uma falsa modernidade que não respeita nada e só leva em conta os lucros das cons-

trutoras e incorporadoras que seguem sempre montadas à ignorância cavalar dos

governantes, seriam perfeitamente dispensáveis, pois tiram um pouco o ritmo da tra-

ma. Uma trama cujo desfecho está anunciado desde as primeiras páginas: a de que a

jovem mulata haveria de sucumbir à lábia do malandro carioca suburbano, de nome

Cassi Jones, entregando-se a ele para, logo em seguida, ser rejeitada. E condenada a

criar um filho sem pai.

Já o sedutor Cassi é pintado com tintas pouco carregadas. Contra ele, vê-se apenas que

é um incorrigível galanteador de donzelas pobres, mas, ao contrário de outras persona-

gens, não é dado ao vício da bebida. De pele sardenta e cabelos claros, pouco afeito ao

trabalho, Cassi serviria hoje mais para compor um personagem comum na cena políti-

ca brasileira: o malandrão de poucos estudos que, graças à lábia, sabe como convencer

amigos, conhecidos e até multidões para, assim, galgar espaço na vida sem muito

esforço. São tipos comuns hoje no sindicalismo e nos partidos políticos.

II

Apesar de tudo o que se escreveu aqui, é claro que Clara dos Anjos constitui um texto

-chave para se entender a obra do criador de Triste fim de Policarpo Quarema, autor

de cabeceira e inspirador de outro escritor que procurou retratar a vida dos proletários

e marginais que habitam as periferias das grandes cidades brasileiras, João António

(1937-1996). Além disso, esta nova edição pela Companhia das Letras traz notas

explicativas a cargo de Lilia Moritz Schwarcz e Pedro Galdino, que se tornam funda-

mentais para a compreensão de alguns trechos e para a localização de determinados

logradouros que no Rio de Janeiro desfigurado de hoje já não existem.

Sem contar que os editores tiveram o bom senso de reproduzir a introdução escrita por

Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), publicada originalmente na edição de Clara dos Anjos de 1948 pela editora Mérito, e o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda (1902-

1982), que saiu na edição de 1956 preparada pela editora Brasiliense. E ainda enco-

mendar uma apresentação à crítica literária Beatriz Resende, professora titular da Uni-

versidade Federal do Rio de Janeiro e especialista na obra de Lima Barreto, que não só

elucida muitas passagens do romance e aspectos da escrita do autor como traça um

panorama do que foi a rejeição sofrida pelo romancista/jornalista a uma época em que

o Brasil vivia um regime de apartheid disfarçado.

Apartheid, aliás, que pôde ser superado por alguns poucos afrodescendentes que não

só tiveram engenho para adquirir fortuna e prestígio social como por aqueles que sou-

beram ascender socialmente por meio da aquisição de cultura e conhecimento. Entre

esses, podemos citar não só Machado de Assis, que procurou seguir caminho inverso

de Lima Barreto, saindo do morro do Livramento para viver em bairros de classe

média e abastada, depois de conquistada uma boa posição na burocracia estatal, como

ainda por pelo menos dois presidentes da República, Campos Sales (1841-1913) e

Nilo Peçanha (1867-1924), ambos com visíveis traços fenótipos de descendência afri-

cana. Todos, obviamente, graças à riqueza familiar e ao prestígio social, tornaram-se

―homens invisíveis‖, para se citar aqui Invisible Man (1952), romance do norte-

americano Ralph Ellison (1914-1994).

É de lembrar que, no Brasil, o dinheiro sempre teve o poder de ―embranquecer‖ pes-

soas que, quando bem-postas na vida, sempre tratavam de ―esquecer‖ as origens. Ain-da na década de 1980 – não faz tanto tempo assim... –, alguns senadores e deputados

fugiam de qualquer reportagem que pretendesse fazer alguma referência a suas ori-

gens raciais. Bem situados no poder, o que menos queriam lembrar era que carrega-

vam sangue africano ou indígena nas veias.

III

Não foi o caso de Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro,

filho do tipógrafo João Henriques e da professora Amália Augusta, ambos mulatos.

Seu padrinho era o visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava

liberta, morreu precocemente, quando ele tinha seis anos. As marcas desse período

da história brasileira, que inclui a abolição da escravatura em 1888, sempre ocupa-

ram o centro da obra literária de Lima Barreto, que procurou denunciar o precon-

ceito racial e a difícil inserção de negros e mulatos na sociedade brasileira.

Lima Barreto sempre preferiu o subúrbio, o ―refúgio dos infelizes‖, território que

passara a abrigar ―os que perderam o emprego, as fortunas, os que faliram nos

negócios‖. Mas, ao contrário do pobre que só entraria triunfalmente no romance

brasileiro na década de 1930 cheio de solidariedade com o próximo – inspirado

pelas ideias socialistas e comunistas –, os pobres de Lima Barreto são ―feios, sujos

e malvados‖, para lembrar aqui um filme de Ettore Scola.

Nada solidário, quem é um pouco mais branco já olha o mais escuro com desdém.

A família cujo patriarca – geralmente, funcionário público – ganha um pouco mais

já encontra motivos para menosprezar aquela que vive em maiores dificuldades. A

família de Cassi, por exemplo, fazia questão de se mostrar superior às demais no

subúrbio porque teria tido um ascendente importante. Isso era comum no Brasil:

não havia família de descendentes de portugueses que, ao enriquecer, não tratasse

de recorrer à arte da heráldica. Mais tarde, quando um dos rebentos ia a Portugal

em busca de terras e brasões, geralmente, descobria que pais, avós ou bisavós nun-

ca passaram de aldeões que se haviam atirado ao mar para escapar da pobreza.

Diz Sérgio Buarque de Holanda que Lima Barreto nunca conseguiu reunir forças

para vencer, ―ou sutilezas para esconder, à maneira de Machado, o estigma que o

humilhava‖. Pelo contrário. Em seus contos, romances e artigos de jornal ou revis-

ta, há vários exemplos de críticas ao comportamento larvar de alguns mestiços

diante de brancos.

Diante disso, não foi à toa que Lima Barreto também encontrou obstáculos quando

tentou ascender na república literária, ainda que a casa principal que abrigava a

intelectualidade da época tivesse sido fundada exactamente por Machado de Assis.

Intelectual versado em Humanidades, que por pouco não se formara engenheiro – a

loucura que acometeria o seu pai o obrigaria a ganhar o sustento para a família –,

Lima Barreto procurou por mais de uma vez alcançar o reconhecimento de seu

talento por aquela sociedade ainda escravocrata no pensamento, ao candidatar-se

sem êxito a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.

Ainda no prefácio de 1956, Sérgio Buarque de Holanda recorda uma observação de

Astrojildo Pereira (1890-1965) segundo a qual Lima Barreto pertenceria à categoria

dos ―romancistas que mais se confessam‖, isto é, daqueles que menos se escondem

e menos se dissimulam. É o que se constata também nos registos de seu Diário ínti-

mo, iniciado em 1900, que reúne impressões sobre a vida urbana do Rio de Janeiro.

IV

Lima Barreto começou sua colaboração mais regular na imprensa em 1905, quando

escreveu reportagens publicadas no Correio da Manhã, sobre a demolição do Mor-

ro do Castelo, no centro do Rio, consideradas um dos marcos inaugurais do jorna-

lismo literário brasileiro. Dele são ainda os romances Recordações do escrivão

Isaías Caminha e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá.

O primeiro saiu em folhetim na revista Floreal, em 1907, e em livro em 1909 e o

segundo seria publicado apenas em 1919. No primeiro romance, o jornal Correio da Manhã e seu director de redacção são retratados de maneira impiedosa, ao que

parece como uma espécie de vingança por seu autor ter sido maltratado. Provavel-

mente, Lima Barreto teria recebido como pagamento um salário tão miserável que

não daria sequer para pagar uma dose diária de parati. Teve, então, seu nome pros-

crito na grande imprensa carioca.

O escritor publicou ainda crónicas, contos e peças satíricas em veículos como o

Diabo, Revista da Época, Fon-Fon, Careta, Brás Cubas, O Malho e Correio da Noite. Colaborou também com o ABC, periódico de orientação marxista e revolu-

cionária. Em 1911, escreveu e publicou Triste fim de Policarpo Quaresma em

folhetim do Jornal do Commercio. Levando-se em conta a precariedade dos jornais

e revistas da época, é de imaginar que escrevesse apenas pelo prazer da polémica

ou pelo fascínio da letra impressa. Afinal, se nos dias de hoje a grande imprensa

costuma não pagar nada aos seus articulistas-colaboradores, só um tolo poderia

imaginar que há cem anos teria sido diferente.

Publicou ainda Numa e ninfa (1915) e Histórias e sonhos (1920). Postumamente

saíram Os bruzundangas e as crônicas de Bagatelas e mafuás.

Lima Barreto e o refúgio dos infelizes

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Concursos (O texto vai sem acento gráfico para que possa ser lido em qualquer progra-

ma) A TABA CULTURAL EDITORA, dentro das comemorações de aniver-

sário de seus 20 anos, institui o GRANDE CONCURSO NACIONAL DE POE-

SIA E PROSA CIDADE DO RIO DE JANEIRO-2012.

PARTICIPANTES: Autores amadores ou profissionais, nacionais e estran-

geiros residentes no pai­s, que escrevam em língua portuguesa.

INSCRIÇÕES: As inscrições são gratuitas e podem ser enviados, em uma

ou nas duas categorias, o máximo de 6 (seis) trabalhos por autor.

CATEGORIAS: Poesia (metrificada ou verso livre). Prosa (conto, crónica e

prosa poética).

TEMA E APRESENTAÇÃO: O tema é livre. Os trabalhos podem ser

enviados por e-mail ou pelos correios.

a) Por e-mail: Os trabalhos (sem limite de paginas, onde deverão constar os

títulos e o pseudónimo do autor) e as informações sobre o autor (endereço

completo, telefone e uma pequena biografia) devem vir, preferencialmente,

no próprio corpo da mensagem, ou num único documento em anexo. Ao che-

gar serão separados os trabalhos das informações do autor.

b) Pelos correios: Os trabalhos devem ser digitados, ou dactilografados

somente em um dos lados da folha, sem limite de páginas, onde deverão

constar o ti­tulo do trabalho e o pseudónimo do autor. Duas vias apenas de

cada trabalho. Numa folha anexa deve vir o pseudónimo do autor, os títulos

dos trabalhos apresentados, endereço completo, telefone, uma pequena bio-

grafia e e-mail (se tiver). Cada autor deve fazer uma única inscrição para

todos os trabalhos que apresentar. Os TRABALHOS ENVIADOS NAO

SERAO DEVOLVIDOS. OS NAO CLASSIFICADOS SERAO DEVIDA-

MENTE DESTRUIDOS.

ENDEREÇOS PARA ENVIO DOS TRABALHOS:

Pelo e-mail: [email protected] Com o assunto: Grande Concur-

so Cidade do Rio de Janeiro-2012 Pelos correios: TABA CULTURAL EDI-

TORA. Grande Concurso Cidade do Rio de Janeiro Rua Joaquim Silva, 56

Gr. 701 Centro CEP: 20241-110 Rio de Janeiro-RJ O envelope também

pode ser entregue directamente no endereço acima.

PRAZO DE INSCRICAO: De 1 de marco a 20 de Abril de

2012.RESULTADO: Ate 10 de Maio de 2012.

PREMIACAO: (Independentemente da categoria)

PRIMEIRO LUGAR:

a) Publicação gratuita do trabalho em livro.

b) 20 exemplares da obra com o trabalho publicado.

c) R$ 300,00 em livros, ou serviços da TABA CULTURAL.

SEGUNDO LUGAR:

a) Publicação gratuita do trabalho em livro.

b) 15 exemplares da obra com o trabalho publicado.

c) R$ 200,00 em livros, ou serviços da TABA CULTURAL.

TERCEIRO LUGAR:

a) Publicação gratuita do trabalho em livro.

b) 10 exemplares da obra com o trabalho publicado.

c) R$ 100,00 em livros, ou serviços da TABA CULTURAL.

PRÉMIO DE EDICAO E PARTICIPACAO ESPECIAL: Os autores

seleccionados para este prémio conquistam o direito de participar do livro

(único ou duplo), em regime de parceria. Os casos omissos serão resolvi-

dos pela Editora.

GRANDE CONCURSO CIDADE DO RIO DE JANEIRO

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Programa de Debates

Dia 22 de Março pelas 15H00 no auditório do CEFOJOR.

1. A Poesia: Eterna Aventura Literária?

Manuel Rui (coordenador)

Nina Rizzi Ernesto Melo e Castro

Odete Semedo

José Luís Tavares Jofre Rocha

António Panguila

Dia 22 de Março às 17H00 no auditório do CEFOJOR.

2. Os Territórios da poesia

João Melo (coordenador)

Conceição Lima Eduardo Quive

Luís Costa

Adriano Botelho de Vasconcelos Rui Augusto

António José Borges

Dia 23 de Março às 15H00 no auditório do

CEFOJOR. 3. A poesia: uma forma de navegação inti-mista

Elísio Filinto (coordenador)

Conceição Cristóvão Trajano Nankhova Trajano

António José Borges

Amélia Dalomba António Pompílio

Dia 23 de Março pelas 17H00 no auditório do CEFOJOR. 4. A Poesia: Uma Realidade Supra Sensível?

Tony Cheka (coordenador)

Amosse Mucavale

Jorge Melícias John Bella

David Capelenguela

Roderick Nehone

Dia 24 de Março pelas 15H00 no auditório do CEFOJOR.

5. A Poesia: Que destino?

Luís Abel (coordenador)

Kudijimbe Vera Duarte

Tony Cheka

Frederico Ningi

Camila Vardarac Maria Ângela Carrascalão

Dia 24 de Março pelas 17H00 no auditório

do CEFOJOR. 6. Onde Há Poesia, Há Humanismo, Esperança e Renasci-

mento

Fernando Aguiar (coordenador)

Manuel Rui Carlos Ferreira

Arnaldo Santos

Domingos Florentino Micheline Verusck

Luís Cezerílo

Dia 25 de Março pelas 15H00 no auditório do CEFOJOR.

7. O Texto Poético e suas Transfigurações – Análise de Alguns Casos

Conceição Lima (coordenadora) Diniz Muhai

Luís Kandjimbo

Filinto Elisio

Claudio Daniel Luís Serguilha

João Melo

Dia 25 de Março pelas 17H00 no auditório do CEFOJOR.

8. A Poesia: Nicho das recordações humanas e da memó-

ria? Luís Costa (coordenador)

Corsino Fortes

Jerónimo Salvaterra Manuel Filimone Meigos

Fernando Cafukeno

Eduardo Bonavena António Fonseca

O dia 26 de Março pelas 15H00 no auditó-rio do CEFOJOR. 9. A Poesia como Lugar de expansão da Estética

Roderick Nehone (coordenador) João Tala

Lopito Feijóo

Admir Assunção Cristóvão Neto

Fernando Aguiar

José Luís Mendonça

Bienal Internacional de Poesia De 21 de Março a 21 de Abril de 2012, em Luanda