revista literatas edição 8

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Literatas Director editorial: Eduardo Quive * Maputo * 30 de Agosto de 2011 * Ano 01 * Nº 08 * E-Mail: [email protected] Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona Literatas agora é no SAPO literatas.blogs.sapo.mz Encontre-nos no facebook Literatas Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigo Sai às Terças-feiras CIDADES DOS ESPELHOS UMA NOVELA FUTURISTA Brasilidades Africanas Segunda-feira abertura dos eventos - DEBATE Tema: Arte, Educação e Política: movimentos em cena. Horário: 17:30H Local: Centro Cultural Brasil Moçambique - Maputo 11 RESPOSTAS INSPIRADORAS DE MIA COUTO Discurso Directo páginas. 6 e 7

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Page 1: Revista literatas   edição 8

LiteratasDirector editorial: Eduardo Quive * Maputo * 30 de Agosto de 2011 * Ano 01 * Nº 08 * E-Mail: [email protected] Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona

Literatas agora é no SAPO

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Literatas

Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigoSa

i às T

erça

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iras

“Cidades dos espelhos”

uma Novela Futurista

Brasilidades AfricanasSegunda-feira abertura dos eventos - DEBATE

Tema: Arte, Educação e Política: movimentos em cena.Horário: 17:30H

Local: Centro Cultural Brasil Moçambique - Maputo

11 respostas iNspiradoras de mia Couto

Discurso Directo páginas. 6 e 7

Page 2: Revista literatas   edição 8

“Cidade dos Espelhos”

2 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

Em primEiraTerça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 2

LuíS CARLOS PATRAQuiM - O PAíS

DEixEmos DE lado a blague, para despistar, sobre a novela futurista, sub-título do autor a esta sua e nossa, por mérito dele, “Cidade dos Espelhos”No priNCípio é a estranheza. Deixemos de lado a blague, para despistar, sobre a novela futurista, sub-título do autor a esta sua e nossa, por mérito dele, “Cidade dos Espelhos”. Como nos ensinou sherlock Holmes, as primeiras evidên-cias são, a mais das vezes, o engodo para a fulguração final da razão omnisciente que, sob a trama de enganos, falsas pistas, equívocos, repõe a ordem de um percurso, apazigua a intencional e prazeirosa perturba-ção de um mundo. saudoso opti-mismo positivista que a incerteza apartou do nosso convívio.sobrE os futurismos, russo, italiano à la marineti, que custeou a sua pub-licação como publicidade redigida nas páginas do Figaro, à solitária aventura dos poetas do orpheu, ficamos conversados. maiakovski sucumbe aos seus banhos; marineti veste a camisa negra, e os poetas de orpheu, de ouvido em concha para o ranger das máquinas quase inex-istentes no país das uvas e estáticos ante a dromologia em slow motion, deambulam pelos cafés da baixa, fazem painéis, bravatas, sacodem a poeira e o cisco da Casa do ser. Que às vezes é um gal-inheiro.mas é nessa sub-titulada designação que se revela a primeira subtil ironia de João paulo borges Coelho. se ele fosse americano e andasse de casaco à banda pelos pubs de Greenwich Village, lia-se este livro e dizia-se: ora aqui está, o gajo está meio gótico, não te parece? ou então convocava-se o ray bradbury: há uma poética; não, não se trata da particular ficção científica do autor de Farenheit e das Crónicas marcianas, mas é amazing, meu, andar pela avenida Louise – um achado! – e afagar aquelas árvores de plástico, pressentir as aves agoirentas, imaginar a insól-ita casa cor de mostarda. será literatura fantástica? E as aves agoirentas? E o “areóstato negro com as insígnias da república” que se desinfla e se estatela sobre os subúrbios? será o colibri uma variação do corvo de Edgar allen poe? o mar de sargaços, um dos capítulos, será uma homenagem ao reggae, uma alusão corsária, uma ondulada e ondulante meditação pós-colonial, uma paráfrase a Jane rhys?DEVo DizEr que não pretendo ter uma resposta nem julgo interessante essa cómoda classificação por géneros ou atmosferas de alguma moda.EstE LiVro está cheio de sinais, de pontilhados exercícios de crueldade, a do mundo rarefeito onde estas persona-gens se movem. alcandorado na irrevogável exigência de se demarcar de todas as antinomias, redutoras, enganosas, e alheio aos marcadores genéticos a que o câanon obriga para a jubilação identitária – moçambicaníssima, já se vê - João paulo borges Coelho prefere a cegueira dos sábios. No cabo do texto, avesso aos muitos ventos da História, conhecedor dela como é por ofício civil, olha o farol que, como dizia sebastião alba, “há séculos /que emite/ sinais indecifráveis”. percebê-los, adivinhar-lhes ou inventar-lhes sentidos, vem sendo a empresa do autor de “as Visitas do Dr. Valdez”, desses majestosos setentrião e meridião onde um mesmo rio os une, masculino e feminino, como exemplarmente nos ensinou.“CiDaDE Dos Espelhos”. Côncavos? Convexos? Jogo de intersecções de reflectidas imagens, floresta de enganos ou caminhos da floresta, os de Heidegger, recolhido na sua cabana depois da queda? Jogo e tensão do desejo como na sequência da Dama de xangai, com um orson Welles à procura da sua rita Hayworth? os espelhos…. Em tlon, Uqbar, orbis tertius, de Jorge Luís borges fala-se deles. “Devo à conjugação de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta de Uqbar”, confessa o autor de ficções, onde o texto se inclui. Estava o argentino com o amigo bioy Casa-res. “Do fundo remoto do corredor, espreitava-nos o espe-lho. Descobrimos (a altas horas da noite esta descoberta é inevitável) que os espelhos têm algo de monstruoso.

Então bioy Casares – prossegue borges – recordou que um dos heresiarcas de Uqbar havia declarado que os espelhos e a cópula eram abomináveis, porque multiplicam o número dos homens”. também podia ir-se pela mão de alice, mas deixemos Carroll e a sua dama de copas.porQUE tUDo tem um começo, arregalamos os olhos, semi-cerramo-los, névoas e brilhos sucedem-se ante o insólito atentado às portas do templo. é noite, uma noite depois daquela, a antiquíssima, e deparamo-nos com o mais insólito atentado. o autor descreve-o com alguma minúcia: umas bolinhas, que parecem de sabão, umas seringas e uma espécie de gosma, venenosa, presumimos, que três bradas – Caia, Laissone e Jeremias – sopram com uma cana.

terrorismo bacteriológico mas executado como se de uma brincadeira de crianças se tratasse. Em banda desenhada, com recorte ao fundo das colunas em sombra, veríamos a silhueta dos três da vida airada com as canas em pose e as bolinhas flanando – brilhantes ou brilhiosas, como preferi-rem – em contraste com o escuro do mistério e o balão encimando o quadro com a onomatopeia “floc! floc!”. é isto uma novela futurista?E QUE cidade! reduzida a si, sem topónimo, com uma parte alta, uma parte baixa, um subúrbio com paredes de chapas ondula-das, ferinas, segundo o narrador. Um subúrbio assim descrito: “os escanzelados candeeiros públicos delimitam no seu pé (o pé de Laissone) pequenas ilhas de luz sobre as quais esvoaçam, enlouque-cidos, os insectos”.E, como se não bastasse, há ainda o som de um trompete. é nesta triangulação de percursos, com a sempre omnipresente avenida Louise – um achado, volto repetir – que as três personagens correm, fogem, deparam-se com gente estranha – não propriamente zombies – mas algo excêntricas, no sentido etimológico da palavra: avós desfiando o tempo, uma indefinida baba tecida agora de vazios, meninas e generais à varanda da sua obra de plástico. Caia, Laissne, Jeremias, são a única mobilidade acossada. E correm. Quando um deles é aprisionado e tropeça na palavra – para confessar, claro – a palavra é violentada. a pala-vra não é da ordem da conotação. Querem-na confessional. o acontecimento tinha de ser com Jeremias. Ele faz, para si o filme breve da sua vida, mas, escreve o narrador, os torcionários “queriam dele uma torrente de palavras dóceis, que se dissolvessem numa certa lógica, mas o que o prisioneiro lhes entrega são palavras que engolem o acto, o transformam em algo que já não é acto mas uma qualquer delirante construção”. “metáforas?”, pergunta ele, e a inquirição é-nos devolvida. Começamos a coçar a cabeça. arre!, exclamariam, num certo antigamente da vida, os desaparecidos velhos de uma certa cidade que conhecemos. mas Jeremias faz como bartleby, embora o seu “preferia não… “ seja de outra ordem, porque impossível. Então, os “fragmentos de que falava – observa o narrador – são agora esquírolas que tomam conta das palavras, e as palavras são só letras soltas e sangue e guinchos e dentes e baba que excitam os torturadores, e por fim uma massa amorfa que flui devagar pelas comissuras dos lábios desfraldados, sem que seja necessário empurrá-la. Um cálido magma, quando muito um espaço mastigável”.GraVE CirCUNstâNCia nesta cidade futurada, a agrilhoada ou conspurcada condição das palavras. talvez seja por isso que o som do trompete acentua a melancolia dos seres, enovelados numa espécie de tempo aracnídio, onde há encarquilhadas mãos como raízes expostas segurando o fio, um fio de ariadne que, suspeita-se, se perdeu.Não obstaNtE as vestes ditas futuristas, há nesta “Cidade dos Espelhos” a dimensão da catástrofe tal como a define aristóteles na sua “poética”. Cuja, consistia “numa acção perniciosa e dolorosa,

como são as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes”. a catástrofe introduz a perturba-ção que prenuncia o desfecho, ou o desenlace. “o messias está exangue – escreve o narrador – sem condições para prosseguir o encantamento do mundo. a multidão murmura, relutante em dispersar.” DEsCoNFio QUE, no meio dela, anónimo e discreto, um certo poeta, tendo assistido ao julgamento dos personagens, percorrida a avenida Louise, constatado um inusitado frémito nas estátuas perfiladas, escutado o “lamento sincopado das chapas ondula-das”, percebida a seiva inquieta por dentro das árvores sintéticas da cidade alta, esse certo poeta com uma ideia de prosa, preferiu, apesar de tudo apiedar-se da “cidade dos espelhos”. “por isso

– condescende – ela ficará em suspenso, perdida neste jogo de reflexos, enquanto das falhas das paredes e dos passeios, dos frisos dos edifícios e dos castigados olhos das estátuas, não rebentarem novas ervas e destas surgirem as sement-es de futuros personagens marchando lentamente em procissão até ao templo das colunas, com as suas cores e os seus rumores”.ELE é a criança neoténia, a pedamorfose, de que fala Giorgio agamben, “a que pode dar atenção àquilo

que não está escrito”. E prossegue: “a cultura e a espiritualidade genuína são aquelas que não esquecem esta originária vocação infantil da linguagem humana, enquanto uma cultura degra-dada caracteriza-se por tentar imitar um gérmen natural para transmitir valores imortais e codificados. (…) Em qualquer parte de nós o distraído rapazinho neoténico continua o seu jogo real. (…) só no dia em que essa originária não-latência infantil fosse verdadeiramente, vertiginosamente, assumida como tal, em que se recuperasse o tempo e o menino aíon fosse distraído do seu jogo, os homens poderiam construir uma história e uma língua universais, já não diferíveis, e pôr fim à sua errância nas tradições. Este autêntico apelo da humanidade em relação ao soma infantil tem um nome: o pensamento, ou seja, a política”.mas as crianças brincam e podem ser cruéis. Deste originalíssimo livro de João paulo borges Coelho, onde o puro jogo de muitos sinais mescla-se com a ironia, terna é ela, onde na rarefacção que o perpassa, a memória institui-se como ágon, e percebe-se uma visualidade que a arte da escrita nos oferece, entre a imobilidade misteriosa de certos quadros de paul Delvaux e a convulsão inte-rior da Cathédral Engloutie, de Débussy, deste livro pode-se dizer que é um dos mais originais da literatura moçambicana.razão tEm Nazir Can quando observa que “ a chegada de JpbC produz um saudável abalo no universo literário moçambicano. Estamos certos que a sua escrita, como ocorre com todos os tremores, marcará uma época”.

o aUtor que me perdoe por citar e falar, não de livros e seus fazedores, mas, seguindo na esteira deste seu entusiástico e competente estudioso, o inclua onde ele, afinal, também está.João paULo borges Coelho é hoje dono de uma obra que, como afirma Nazir Can, “faz da relativização ou mesmo da desmistificação de toda a certeza, principalmente das certezas históricas e causas ideológicas de sentido único, a sua pedra angular. Esta opção, de resto, permite ao autor projectar um olhar novo sobre a História de moçambique, um olhar que transcende a fácil dicotomia (entre “bons” e “maus”, “colonizadores” e “colonizados”) e que, simultanea-mente, evita a facilidade do “indiferenciado no diverso”. Finalmente, JpbC consegue encontrar um caminho original para desenvolver a sua escrita, sem ter que passar pelo filtro de justificações normalmente exigidas ao escritor africano: porta-voz autorizado do lugar; missão social e compromisso político, que sustentam e outorgam sentido à sua vida literária, etc.paraFrasEaNDo rimbaUD, é na liberdade livre que está o compromisso do autor de “Cidade dos Espelhos”. só me resta saudá-lo com admiração e amizade. E convidar-vos à leitura

uma “Novela Futurista” de João Paulo Borges Coelho a ser lançada nesta quinta-feira as 18:00 horas no instituto Camões em Maputo

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Ungulani Ba Ka Khosa:

A África que o Brasil não conhece

Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 3Terça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 3

ADELTO GONçALvES - BRASiL i Enquanto as universidades e editoras portuguesas e brasileiras, praticamente, só estudam e publicam autores africanos lusodescendentes – com as exceções de praxe, na área editorial, como a Editorial Caminho, de Lisboa, que tem tradição na área –, pouco se lê sobre romancistas, contistas e poetas africanos autóctones ou mestiços que utilizam a Língua portuguesa como meio de expressão. E, no entanto, em poucos anos, se a Língua portuguesa – a língua do invasor e do colonizador – quiser sobreviver no continente africano – e com ela todo o legado lusófono –, será mesmo dos autores autóctones que dependerá. Esse incompreensível silêncio – que reflete, pelo lado português, segundo o professor patrick Chabal, do King´s College de Londres, certa saudade colonialista ainda não superada e, pelo lado brasileiro, descomunal desconheci-mento em relação a assuntos africanos – é o que explica que um livro como Emerging perspectives on Ungulani ba Ka Khosa: prophet, trickster, and provacateur, preparado pelo professor Niyi afolabi, ainda não tenha sido editado no brasil nem em portugal. E que, para lê-lo, tenhamos de recorrer à edição da africa press World pres, inc., com sede em trenton, New Jersey, EUa, e em asmara, na Eritreia, país do Nordeste da África, antiga colônia italiana, às margens do mar Vermelho, que se separou da Etiópia em 1991. pouco conhecido do público-leitor brasileiro, Khosa (1957) não teve até hoje obra publicada no brasil, mas esteve em são paulo em novembro de 2010 para partici-par de um encontro na Casa das Áfricas e de um debate na biblioteca de são paulo sobre “o negro na literatura internacional”, que teve a mediação de Carmen Lucia tindó secco, doutora em Literatura brasileira e professora de Literaturas africanas na Universidade Federal do rio de Janeiro (UFrJ). trata-se de um dos mais importantes autores moçam-bicanos de sua geração, ganhador do prêmio José Caveir-inha de 2007 por seu livro os sobreviventes da Noite. outro galardão que atesta a qualidade de sua obra é o Grande prêmio de Literatura moçambicana de 1990 por Ualalapi, que foi assinalado como um dos cem melhores livros africa-nos do século xx. No brasil, Khosa já havia estado em 1987 para participar do lançamento da antologia sonha mamana africa, preparada pela professora e jornalista Cremilda medina de araújo, da Universidade de são paulo (Usp). Nascido em inhaminga, província de sofala, Ungulani ba Ka Khosa é o nome tsonga – grupo étnico do sul de moçambique – de Francisco Esaú Cossa, bacharel em História e Geografia pela Faculdade de Educação da Universidade Eduardo mondlane, de maputo, professor de carreira e atual diretor do instituto Nacional do Livro e do Disco, de moçambique. Khosa também exerceu a função de diretor-adjunto do instituto Nacional de Cinema e audiovisual de moçambique, participando na elaboração de roteiros e jornais cinematográficos. Filho de pais enfermeiros, Khosa completou os estudos secundários na zambézia e tornou-se professor em 1978. é autor de seis livros, Ualalapi (1987), orgia dos Loucos (1990), Histórias de amor e Espanto (1993), No reino dos abutres (2001), os sobreviventes da Noite(2005) e Choriro (2009). Co-fundador da revista literária Charrua, na década de 90, tem escrito crônicas e artigos para vários jornais africanos. membro da associação dos Escritores moçambicanos, recebeu ainda o prêmio Gazeta de Ficção Narrativa (1988), além de ter sido homenageado em 2003 pela Comunidade dos países de Língua portuguesa (CpLp). ii Essa vasta obra justifica o livro que Niyi afolabi, doutor em Estudos africanos e portugueses pela Univer-sidade de Wisconsin-madison e professor de Literaturas brasileira, ioruba e de Estudos da Diáspora africana da Universidade do texas, de austin, EUa, preparou, reunindo quinze ensaios escritos por estudiosos de várias partes do mundo, além de entrevistas e excertos de textos do autor. Na maioria, os textos estão em inglês – inclusive, excertos dos livros –, mas há seis ensaios em português. Entre esses, destacam-se “transculturação e repre-sentatividade lingüística em Ungulani ba Ka Khosa: um comparatismo da solidariedade”, de Nataniel Ngomane, professor do Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo mondlane, de maputo, doutor em Letras pela Universidade de são paulo (Usp), e “o outro na representação da identidade nacional nas obras de mia

Couto, suleiman Cassamo e Ungulani ba Ka Khosa”, de Chris-toph oesters, doutor pela Universidade de Utrecht, Holanda, com a tese “Figuras do outro: identidades pós-coloniais no romance moçambicano contemporâneo” (2005). os demais ensaios são de ana mafalda Leite, professora de Literatura africana Lusófona da Universidade de Lisboa, antónio belchior Vaz martins, autor de teoria e práticas de análise da Narrativa: as mitologias apocalípticas e Ualalapi de Ungulani ba Ka Khosa (2004), Daniela Neves Lima, profes-sora da pontifícia Universidade Católica (pUC), de belo Hori-zonte, e Ebenezer adedeji omoteso, coordenador de Estudos portugueses no Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade obafemi awolowo, da Nigéria. além da introdução “Quem tem medo de Ungulani ba Ka Khosa?”, de Niyi afolabi, igualmente traduzida para o por-tuguês, há estudos de Jared banks, doutor em Línguas e Lit-eraturas africanas pela Universidade de Wisconsin-madison, Gilberto matusse, professor do Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo mondlane, de maputo, anne sletsjoe, professora de Literatura portuguesa da Uni-versidade de oslo, Noruega, sophia beal, doutoranda em Estudos portugueses e brasileiros pela Universidade brown, EUa, sunday bamisile, doutorando em Literatura Comparada pela Universidade de Lisboa, e do próprio organizador do volume. iii

Como se vê por aqui, Khosa é um autor já largamente estudado

por críticos de outras línguas. E que há muito já deveria ter sido editado no Brasil. Aliás, desde o seu primeiro livro, Ualalapi, romance histórico e primeira obra de ficção que se dedica exclusivamente ao passado colonial de

Moçambique e conta a ascensão de Ngungunhane, imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses ao final do século XIX,

até o fim de seu império. Como observa Oesters, o

livro é construído a partir de frag-mentos históricos, comentários de oficiais portugueses envolvidos na campanha contra o líder africano.

São seis contos que acabam por reconstituir na imaginação episó-

dios daquele período, formando um romance. O importante, porém, é que, ao contrário do que comu-

mente se pode imaginar, o livro não apresenta Ngungunhane como um “grande líder” nem se preocupa em relatar seus possíveis feitos históricos contra a violência do domínio colo-

nial, como foi feito no período pós-independência (1975). “Em vez disso, dedica-se muito mais a uma representação de Ngungun-hane que corresponde à realidade histórica, mostrando a imagem de um tirano cruel em relação a outros povos africanos, mas também para com seu próprio

povo”, diz Oesters. oesters observa que o “outro” na obra de Khosa aparece na forma dos “brancos, do outro lado do mar”, mas em breves referências. Numa delas, refere-se à morte de Ngungunhane no exílio “em roupas que sempre rejeit-ara e no meio da gente da cor do cabrito esfolado que muito se espantara por ver um preto”. iV Já Nataniel Ngomane, em seu ensaio, faz um paralelo entre a obra de Khosa e a dos autores latino-americanos do boom, a partir da constatação de que as culturas de ambos os lados são historicamente mestiças, “como produto do contato entre elementos indígenas – em si já bastante diversificados –, africanos e aluviões imigratórios europeus e asiáticos, na américa Latina, e de elementos indígenas – não menos diversificados que aqueles –, árabes, asiáticos e europeus em moçam-bique”. Ngomane ressalta que essa situação vem sendo explorada por narrativas como as de Khosa e de mia Couto que, “no intuito de representar a conjugação dos imaginários e atitudes aí presentes, acabam por con-figurar processos culturais diversos”. para tanto, vale-se da já clássica obra Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (Havana: Letras Cubanas, 1991), de Fernando ortiz (1881-1969), publicada pela primeira vez em 1940, tão estudada no Departamento de Letras modernas da Usp, mas que, incompreensivelmente, ainda está à espera de publicação por editora brasileira. Ngomane ressalta que, além de utilizar termos de origem bantu, “desconhecidos da maioria dos leitores em português, Khosa incorpora em sua linguagem a descrição de universos culturais a que esses termos se vin-culam”. ou seja, Khosa salpica seu texto com expressões verbais de origem bantu, mas o faz de uma maneira mais palatável ao leitor, explicando os termos no próprio texto, sem recorrer a um glossário no final do livro ou a notas de rodapé. V obviamente, ninguém é contra que professores de outros mundos não lusófonos se preocupem em estudar as literaturas africanas de expressão portuguesa. pelo contrário. o que se lamenta é que tanto em portugal como no brasil se dê tão pouco espaço aos escritores afri-canos autóctones que se utilizam da língua portuguesa. até porque, como observa perpétua Gonçalves em por-tuguês de moçambique: uma variedade em formação (maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da UEm, 1996), citada por Nataniel Ngomane, só uma mino-ria em moçambique que teve acesso à escola (25%) e que habita nos centros urbanos (17%) fala português. Como o país é formado por muitas nações e 95% da população têm como língua materna uma língua bantu, por enquanto, o português serve como uma espécie de tertius(neutro) para a língua oficial, já que, se um grupo étnico local quiser impor a sua língua como a predominante, com certeza, irá causar insatisfação entre os demais. mas, se portugal e brasil continuarem de costas viradas para a África, não será difícil que Camões (c.1524-1580) seja substituído por shakespeare (1564-1616) em pouco tempo. até porque a África do sul é logo ali. Depois, não digam que ninguém avisou

Em primEira

Page 4: Revista literatas   edição 8

FICHA TÉCNICAPropriedade do Movimento Literário Kuphaluxa

Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 * Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: [email protected]

Director Editorial: Eduardo Quive ([email protected])Coordenador: Amosse Mucavele ([email protected]) Editor - Canto da Poesia: Rafael Inguane ([email protected])Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane.Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza*Brasil: Itapema - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas.Design e páginação: Eduardo Quive

MOçAMBiCANTO i

XiTiMELA

NÓS E O DESTiNO

PRESENçA

4 BLA BLA BLA Exero 01, 5555Terça-feira, 30 de Agosto de 2011 LiTERATuRA MOçAMBiCANA 4

GuLAMO KhAN

Céleres as águaszambezeiam pela memóriadas almadias do silêncio

nem o zumbido da cigarrame entontece

nem o troar do tamborme ensurdece

as vozes que sãosulcos das nossas esperanças

oh pátriamoçambiquero-teneste alumbramentoe amar-tedevo-o à carne e ao nervodeglutidos em revolta.

Gulamo KhanNascido em maputo aos 11 de maio de 1952, Gulamo Khan foi um escritor e jornalista moçambicano.Gulamo Khan foi locutor e jornalista na rádio Clube de moçambique e adido de imprensa do presidente da república de moçambique, samora machel. morreu no acidente de avia-ção que também vitimou o presidente no dia 19 de outubro de 1986 em mbuzini (montes Libombos.

Como literato, destacou-se pela idealização e realização, juntamente com o escritor Calane da silva, dos msahos – encontros de decla-mação de poesia a um sábado de cada mês no correcto do Jardim tudunro na capital moçambicana.

Depois da sua morte foi publicado o livro moçambicanto, com uma recolha dos seus textos organizada por albino magaia, Calane da silva, José Craveirinha e Júlio Navarro.o livro foi editado na colecção timbila da associação dos Escritores moçambicanos.

GuLAMO KhAN

para alexandre Langa

neste xitimela nosso comboio da vidaque nos faz meninos de ontempensar hoje vamos não só à manhiçamais longe vamos meu amigoespera ver no diesel do teu peitoa força motriz que sopraas mais belas ngomas deste moçambicanoe diz ao povo como sabesque xitimela da vida é da gentee faz poh poh poh num apeadeiro livre.

héLDER MuTEiA

sou dos que ainda estão presentes

e bebem do amor a única ausência.

Quantos pedaços de mentira

retenho na viscosidade do meu cuspo?

Quantas verdades apaixonadas

reclamam ansiosas o esperma das palavras?

Nenhumas, talvez, nenhumas…

escravizo o silêncio

e faço dele o meu mensageiro.

Estou presente em tudo ou mais

e aí onde me procurarem

será a minha próxima ausência

héLDER MuTEiAao patraquim

o tempo sacode na areia o musgo dos pésno plasma do orvalho lava o rancor das mãos,somos pó e pólvora na combustão da Históriamedimos aos milhões o fragor de cada acto consumadoe entre nós e o destino vai um palmo de esperançaque por sorte marcha a pé.

é o silêncio o mártir predilecto desse gestoquando a fome não satisfaz a míngua da bocae as migalhas fermentam o cuspo de cada umpois é então cruel o nosso grito inevitávele ardem em brasa os braços cálidos de vontade.

No mesmo chão em que brindamos os sacrifícioscremos ter semeado a sílaba mágicadessa oração de manter a mão de outro irmãolacrada à nossa;e só na hora de adorar o luar e os batuques frenéticosnos desfazemos em êxtasetriturando o mesmo pó de que somos feitos

Hélder Muteia

Escritor e político moçambicano, Hélder dos santos Félix mon-teiro muteia, nasceu a 21 de setembro de 1960, em Quelimane, na província de zambézia, moçambique.após a realização dos seus estudos secundários na sua cidade natal, concluiu o curso de agropecuária do instituto agrário de Chimoio, em 1981, começando a trabalhar, no ano seguinte, como codiretor do projeto avícola do Chokwe, na província de Gaza. Entre 1983 e 1988, exerceu as funções de subchefe da pateira da matola, na província de maputo, e de chefe do Depar-tamento técnico da avícola de maputo, de 1989 a 1990. Foi, nesse ano, que obteve a licenciatura em medicina Veterinária pela Universidade de Eduardo mondlane, em maputo. Em 1997, tornou-se Diretor Nacional no Centro de Formação agrária e Desenvolvimento rural, em 1998, foi designado vice-ministro da agricultura e pescas e, em 2000, foi nomeado ministro da agricultura e Desenvolvimento rural. a nível político, foi ainda deputado, entre 1994 e 1999, pelo círculo eleitoral de zambézia, na assembleia da república, em representação da FrELimo.Como escritor, escreveu diversas crónicas e artigos para a imprensa, como em Notícias da beira, Charrua, Diário de moçambique, Eco, tempo, Lótus, Forja, entre outros órgãos de comunicação. Vários dos seus trabalhos literários estão incluí-dos em antologias nacionais e estrangeiras, tais como Contos moçambicanos ou sonha mamana África. publicou os livros Verdade dos mitos (1988), Nhambaro (1996). Desde 1984, faz parte da associação dos Escritores moçambicanos da qual foi secretário-geral (1992-1996) e presidente do Conselho Fiscal (1996-1999)

Page 5: Revista literatas   edição 8

MARCELO SORiANO - [email protected]

Nota preliminar: Antes de prosseguir com este artigo, lembro ao leitor que me dirijo à CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), portanto, podemos encontrar gerúndios, futuros do pretérito, expressões etnocêntricas, familiares a certos leitores, porém, inusitadas a outros. Oxalá, que esta peculiaridade não seja pretexto para correções, mas para integrações e enriquecimentos léxicos e culturais entre nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS - BR. 14/07/2011.

1. BrevIárIo ÉBrIo

Todo o boteco tem algo de solidão coletiva. Decisão importante: Tomar um Rum na vida. A bebedeira é uma ética etílico-psicodélica. Não há solidão mais bêbada que a da azeitona no Dry Martini. O caramujo do bêbado é o barril. Amigos chatos nos ensinam que devemos ser tolerantes. O fundo do poço e o fundo do copo são correlatos. Tinham egos tão frágeis que, quando se encontravam, faziam tim-tim.

2. A MorTe do reI

Imperador do chorume, Yohoy empunhou a garrafa como se fosse um cetro.Moscas cingiram-lhe em coroa o tampo do crânio cabeludo. Aos borbotões, ratazanasvieram do nada, roendo-lhe as raivas, carcomendo-lhe os concretos, pulverizando-lheem restos... Pó de osso. Farinha da loucura... Em uma fração de soluços, Yohoytransformara-se em rasa montanha. Uma duna branca de vício pronta para ser inalada.O cetro caído ao lado voltou a ser mera garrafa de espumante descartada.

3. MoNóLogos PósTuMos CoM QuINTANA - PArTe vII

“ Se um poeta consegue expressar a sua infelicidade com toda a felicidade,como é que poderá ser infeliz?”

Mário Quintana

Eu a ele: Eis-me ali... Sob os olhos da Górgona interior... Ante o Evangelho dasDivagações... Enfim só... Perplexo... Por instantes, letrificado para todo o sempre nomeu papel vazio...Ele a mim: Amanhã nosso dia recomeçará, com o nome de ‘Todo o Santo Dia’...Repovoado por recantos, releituras, ressalvas... E repassarinhos...

(3.) CoNTINuA NA PróxIMA edIção..

CARTOGRAFiA DO ECOAR E DO MiAR DO COuTO Ou COMO viAJAR COM AS 24 (C)OBRAS DO MiA COuTO

AMOSSE MuCAvELE- MAPuTO

Sobre a nossa a Terra disse que ela é Sonâmbula: com muita razão, sabem porquê?-Porque ela não dorme fica dias e noites de mãos estendidas ao exterior a pedir esmola.Amigos, num país visto como pobre os dirigentes são tão ricos! trocam de carros de luxo e gozam de mordomias , mas não tem nem se quer um livro na cabeça.(preocupante não é)Por isso que digo as nossas elites são incultas (vendem a nossa terra a 30 dinheiros)Além de tudo que acima croniquei, vejam só o profeta deu-lhes a porção, dada a incompetência deles fizeram tudo ao contrário, deram os venenos ao Deus e os remédios ao Diabo, nestes últimamentes nós o povo, encontramo-nos na berma de nenhuma estrada, sabem, sem onde guardar as nossas súplicas, sem onde pedir clemências, pois o Senhor Deus exilou-se na terra onde reside o Homem que lhe salvou da morte (por envenenamento perpetrado pela nossas elites) dando-lhe antídoto.Quem me dera lá estar com eles debaixo daquela Varanda do Frangipani, a ouvir os Contos do Nascer da Terra. Do que estar nestas Cidades dos partidos políticos com idades seculares no Governo, e onde os seus dirigentes consideram-se Divindades. Eu cansei de viver neste País do Queixa Andar, vou-me embora, com um fio amarrado no pescoço (sei que Missangas não me faltarão), pelo caminho irei folhear as páginas desta Casa Chamada Terra e irei remar contra maré deste Rio Chamado Tempo. Chegado a Uma Terra Sem Amós, constato que algo mudou, a aldeia cresceu, já são Vinte as Casas de madeira e Zinco. Mas ainda continuamos no Escuro e o Gato Abensonhado pressagia as Estórias do velho.Alguém disse o velho está a morrer, o Gato não parava de tocar o Ritmo do presságio:Retorquiu de novo-a biblioteca esta a arder.-E eu nos meus Pensatempos confusos, surgiu-me a seguinte a pergunta? Como hei-de o ajudar?-Pensei na Princêsa Russa, cortei a ideia porque a neve não pode extinguir as chamas, continuei neste pensaraltivo, afinei os meus Silêncios, dentro de mim uma voz uivava “Vou ficando do som das pedras. Me deito mais antigo que a terra. Daqui em diante, vou dormir mais quieto que a morte¹.”Pego no machado, pelo caminho vou Traduzindo esta Chuva que molha os ramos da minha alegria, de nada vale continuar aqui, mas, antes partir deixem-me descolar a Raiz do Orvalho.Alguém disse - Ah, de nada resultará. De repente as Vozes Anoiteceram, era o início da Chuva Pasmada.E agora vou me embora mesmo “a procura da outra Pátria esta não me pertence²”, pois O Mar Me Quer, é no mar onde vou pescar o meu sonho de se tornar noutro Pé da Sereia, caso não consiga concretizar este meu sonho, procurarei outra maneira de partir, assim sendo tornar-me-ei no Pensageiro Frequente deste Último Voo do Flamengo que me levará até a Jesusalém.

gLossárIo

1-Mia Couto in A Varanda do Fragipani2-Celso Manguana in Pàtria Que Pariu3-todas palavras a negrito fazem parte do acervo bibliográfico do autor acima referido -Princêsa Russa conto que faz parte do livro Cada Homem é Uma Raça. E outros livros-No meu País tem um provérbio que diz - um velho que morre é uma biblioteca que arde.-O gato e o escuro, Cronicando- Estórias abensonhadas-O fio das Missangas,....e outros ficam sob alçada do leitor, beijooooos

Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 5Terça-feira, 30 de Agosto de 2011 CRÓNiCA / CONTO 5

FiLosoFonias rapsódicas

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6 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

- discurso dirEcto

Situação de Leitura: Moçambique e Brasil com mesmos problemas

Terça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 6

aquela que lê e compra livros, veremos que a situação é proporcional à de moçambique.

3 – o que os escritores fazem para promover o livro em moçambique?a assoCiação de Escritores de moçambique faz encon-tros em escolas primárias e secundárias e em fábricas. E aí tentamos fazer alguma coisa. mas os livros estão muito caros. é o trabalho que escritor faz, mas é uma panaceia, porque o resto não depende do escritor.

4 – Quais são os maiores problemas de moçambique

hoje?

aNtEs DE responder à pergunta, eu vou dizer uma coisa. a imagem que nós temos uns dos outros é feita muito de clichês, de estereótipos. Vocês também têm uma imagem feita fora. a primeira vez que eu vim a são paulo, há alguns anos, fui protagonista de uma história engraçada. Quando eu estava saindo de moçambique, disseram-me que são paulo era perigosíssima, que havia balas perdi-das, gente morrendo, e eu comecei a ficar cheio de medo. Uma das minhas filhas me dizia até que eu ia morrer. Na viagem de avião, que dura onze horas, eu vim pensando que era um perigo e que eu seria assaltado. tinham me dito para tomar cuidado quando chegasse ao aeroporto, porque tinha saído na Globo – lá também temos Globo – que havia falsos táxis que raptavam as pessoas.E, DE fato, eu já estava contaminado com aquela coisa. Quando cheguei, tinha um motorista da minha editora, mas ele não estava usando uniforme e não tinha nen-huma identificação. Eu logo perguntei se ele tinha iden-tificação e ele disse: “Não, eu sou o pepe”. E foi me con-duzindo por um corredor e dizendo que o carro estava lá no fundo. E o carro não era propriamente um táxi. E a ideia de que eu estava sendo raptado começou a soar na minha cabeça. QuANdo eNTreI no carro e sentei ao lado do motorista, eu já estava olhando para a frente e pensando “esses são os últimos momentos da minha vida, vou reviver todo o meu passado, como nos filmes”. até que o motorista pegou algo no porta-luvas. Era uma coisa metálica, para o meu desespero. E ele estendeu essa coisa e disse: “aceita uma balinha?”. Vocês estão rindo, mas eu não tinha nen-huma vontade de rir, porque balinha lá não quer dizer a mesma coisa que aqui. Quer dizer bala no sentido literal mesmo, projétil de bala. E aí eu só consegui pensar que estava sendo assaltado, que aquele homem ia me matar,

FONTE: EDuCAR PARA CERSCER - BRASiLE sE você tivesse a oportunidade de entrevistar um escritor? pois os alunos do 3º ano do Ensino médio do Colégio são Luís, em são paulo, tiveram. E não foi um escritor qualquer. Há duas semanas, os adolescentes estiveram com o moçambicano mia Couto no auditório da escola. Em quase duas horas de conversa, os meninos não se intimidaram: fizeram perguntas inteligentes e não deixaram espaço para silêncios constrange-dores (a propósito, veja o que o escritor tem a dizer sobre o silêncio na oitava pergunta).EU EstiVE lá para acompanhar a entrevista e, junto com os alunos, ri e me emocionei com as respostas de mia. ao final, ainda tive a chance de perguntar a ele sobre a diferença que a Educação fez em sua vida. Confira abaixo a entrevista e encante-se com as histórias de mia Couto, um dos maiores escritores africanos da atualidade. (Fiz questão de deixar as respostas na íntegra. Ficaram longas, mas valem a leitura, garanto!)

1 – Você lutou pela independência de moçambique durante a guerra civil. Como a sua vivência como militante da Frelimo (Frente de Libertação de moçambique) marcou o seu trabalho como escritor?

marCoU DE várias maneiras. Foi um processo longo, de escol-has, de um certo risco em um dado momento. Foi algo que me ensinou a não aceitar e a não me conformar. é a grande lição que tiro, que também me ajuda hoje a estar longe desse movimento de libertação, que se conformou e se transformou naquilo que era o seu próprio contrário. mas eu acredito que ser uma pessoa feliz e autônoma é uma conquista pessoal. Não se pode esperar que algum movimento social ou político faça isso por você. isso é algo que resulta do nosso próprio empenho.

2 – Como é ser escritor em moçambique?

VoU CoNtar um pequeno episódio que pode ajudar a responder a essa questão. Um dia eu estava chegando em casa e já estava escuro, já eram umas seis da tarde. Havia um menino sentado no muro à minha espera. QuANdo CHegueI, ele se apresentou, mas estava com uma mão atrás das costas. Eu senti medo e a primeira coisa que pensei é que aquele menino ia me assaltar. pareceu quase cruel pensar que no mundo que vivemos hoje nós podemos ter medo de uma criança de dez anos, que era a idade daquele menino. Então ele mostrou o que estava escondendo. Era um livro, um livro meu. Ele mostrou o livro e disse: “Eu vim aqui devolver uma coisa que você deve ter perdido”. Então ele explicou a história. dIsse Que estava no átrio de uma escola, onde vendia amen-doins, e de repente viu uma estudante entrando na escola com esse livro. Na capa do livro, havia uma foto minha e ele me reconheceu. Então ele pensou: “essA MoçA roubou o livro daquele fulano”. porque como eu apareço na televisão, as pessoas me conhecem. Então ele perguntou: Esse livro que você tem não é do mia Couto?”. E ela respondeu: “sim, é do mia Couto”. Então ele pegou o livro da menina e fugiu.

Essa História é para dizer que, para uma parte dos moçam-bicanos, a relação com o livro é uma coisa nova. é a primeira geração que está lidando com a escrita, com o escritor, com o livro. Nós, escritores moçambicanos, sabemos que escrevemos para uma pequena porcentagem da população, que são os que sabem ler e escrever. o LIvro tem uma circulação muito restrita. mas, mesmo assim, as tiragens dos meus livros em moçambique giram em torno de 6 mil, 7 mil exemplares, o que é um número alto. Quando comparo com as tiragens que faço no brasil, posso dizer que o brasil não vai muito além. o brasil não lê tanto quanto pen-samos. se contarmos a população inteira do brasil e apenas

mas que era o assassino mais simpático que eu podia encon-trar.isso é para mostrar como construímos a imagem uns dos outros. a imagem que se tem da África fora da África é sempre associada à fome, à miséria, à guerra. mas os africa-nos não vivem todos assim. Eles são felizes, são construtores de vida, têm uma vida social riquíssima, têm culturas diver-sas, é o lugar no mundo onde há mais diversidade do ponto de vista linguístico e cultural. Então os problemas que temos são os mesmos da maior parte dos países africanos. têm a ver com a miséria, têm a ver com o fato de que a sua própria história é muito recente. moçambique teve uma guerra

civil de 16 anos, em que morreram muitas pes-soas. Quando morre uma pessoa, tanto faz se é militar ou civil, mas o que é mais triste é que as guerras da África são guerras que matam sobretudo os civis. os soldados morrem pouco, porque muitas vezes se transformam em forças descoman-dadas, já que não existe um Estado forte e não há territórios defini-dos. mas a África toda não é isso, há grandes histórias de sucesso. moçambique é ao mesmo tempo uma grande história de suc-esso, porque a guerra acabou em 1992 e, quando eu pensava que nunca mais ia ver a

paz, o governo conseguiu instalar a paz juntamente com a sociedade civil. E hoje moçambique é um grande parceiro internacional de investimento e de outros governos. por exemplo, hoje o brasil está muito presente em moçambique, com projetos de construção, de estradas, portos, barra-gens etc. portanto, acho que moçambique vive hoje um momento muito feliz. mas continua sendo um dos países mais pobres do mundo.

5 – Com sua obra, você conseguiu apresentar a realidade de um país, e até de um continente. Como é a sua relação com moçambique?

EU Não me considero representante de moçambique, me considero apenas representante de mim mesmo. Eu tenho duas dificuldades: eu sou de um continente em que os brancos são minoria. os brancos moçambicanos são mino-ria. Num país de 21 milhões, os brancos são 10 ou 20 mil. portanto, eu não poderia ser o representante de qualquer coisa, se é que existe isso de representatividade. E a outra dificuldade é que eu tenho nome de mulher. agora já não acontece tanto, mas antes, quando eu ia visitar um outro país, muitas vezes estavam esperando uma mulher negra. E eu ficava no aeroporto esperando que alguém viesse falar comigo e nada. Já tive desentendimentos terríveis.Uma VEz fui visitar Cuba e tinham organizado um presente para cada membro da delegação de jornalistas. Voltei com uma caixa de presentes. Na época, vivíamos em guerra. E, na guerra em moçambique, nós vivíamos em uma situação-limite, não tínhamos nada. Nós saíamos de casa em busca de coisas para comer. Era essa a situação que meus filhos tinham de enfrentar todos os dias. Então eu estava fascinado com aquela coisa de ter ganhado um presente. Quando cheguei em maputo, abri aquela caixa e eram vestidos, brincos, eram coisas para uma mulher, para a senhora mia Couto. Então eu não me sinto representante nesse sentido, mas sinto que o fato de seu ser conhecido hoje fora de moçambique me obrigar a ter uma responsabilidade para

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Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 7Terça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 7

com o meu próprio país. Então, quando estou fora, eu tento divulgar a cultura de moçambique, os outros escritores. trago livros de escritores moçambicanos e entrego às editoras, para saber se é possível que sejam editados etc.

6 – E com portugal?

EU soU descendente, sou filho de portugueses e tenho uma relação com portugal muito curiosa, porque eu não conhecia portugal até eu ser adulto. só fui a por-tugal quando eu comecei a publicar meus primeiros livros. E era uma coisa muito estranha, porque a con-cepção africana de lugar é que o lugar é nosso quando os nossos mortos estão enterrados no lugar. E eu não tenho mortos em moçambique, infelizmente. Então os meus mortos estão enterrados em algum lugar no norte de portugal. E eu fui ver esse lugar. Eu queria ver justamente porque queria ter essa relação quase religiosa com o lugar.o QUE acontece é que os meus pais imigraram para moçambique quando eram jovens, tinham 20 anos, e viveram toda a sua vida lá, nunca mais tiveram relação com portugal. E eles contavam histórias de um país que, ao mesmo tempo que me fascinava, era uma coisa muito distante. o que acontecia é que a minha mãe, ao contar histórias sobre a sua família, seus tios e avós, trazia para mim e para meus irmãos uma presença que nos fazia muita falta, porque todos os meus amigos tinha avós, tios e falavam dos primos. Eu não tinha ninguém. a minha família eram os meus pais e os meus três irmãos. Então o que a minha mãe fazia ao contar histórias era inventar a família inteira. Eu precisava ter um sentimento de eternidade que era conferido por essas histórias que a minha mãe contava. mas eram quase todas mentira, quase todas eram inventadas por ela.

7- QUaL é a sua opinião sobre a reforma ortográfica?

EU Não sou a favor. Considero que alguns dos motivos que foram invocados para a reforma ortográfica não são verdadeiros. E acho que é uma discussão com a qual os portugueses, principalmente, ficaram muito nervosos, porque, para portugal, mexer na língua é uma coisa muito sensível. algumas pessoas de portugal acr-editam que a língua é a última coisa que eles têm, que é a primeira e última coisa que têm, é um sentimento imperial da sua própria presença no mundo que foi posto em causa. mas a minha questão não é essa. é que eu sempre li os livros dos brasileiros e nunca tive problema nenhum, nunca tive dificuldade nenhuma. para vocês, que estão lendo meus livros em português de moçambique, existe alguma dificuldade particular por causa da grafia? ou a dificuldade é o resto e essa é a única coisa que não é difícil?EU aCHo inclusive que haver uma grafia que tem alguma distinção, um traço de distinção pode trazer um outro sabor a uma escrita. E os brasileiros conhecem muito pouco de moçambique, de angola ou de são tomé. Às vezes eu ando na rua e tenho uma dificuldade enorme para explicar quem eu sou. Na verdade, isso eu não sei explicar, mas a dificuldade é para explicar de onde eu venho. Quando falo que não sou de portugal, sempre fica uma coisa difícil. Fazem as perguntas mais estranhas sobre o que pode ser moçambique, se é um país que fica perto do paraguai, por exemplo. Então a distância entre nós não é um problema que deriva da ortografia, deriva de outras coisas, de política, de uma falta de interesse, de um distanciamento. isso não será resolvido mudando o acordo ortográfico.

8 – o que pode mudar a imagem negativa que muitas pessoas têm da África?

HÁ VÁrias Áfricas e eu estou falando daquela que eu conheço. Essa África que eu conheço sobrevive por um espírito de solidariedade, de abertura e de respeito com os outros. a forma que os africanos têm de se abordar, de saber um dos outros é uma coisa genuinamente autêntica. Quando eu estou cumprimentando alguém, quando estou falando com alguém, eu dou espaço para o outro. Então há uma lição de escutar os outros. Eu nunca falo quando o outro está falando, dou espaço, não tenho medo do silêncio, que é uma coisa que acon-tece aqui. as pessoas estão conversando, de repente há um silêncio, e isso é um peso, é uma coisa da qual temos que nos libertar, é uma ausência. Na África, essa

É um investimento que eles fazem em uma outra esperança, em uma

outra crença. É impressionante. Mas há escolas em Moçambique nas quais eu não vou: a escola americana, por exemplo, que é uma chatice. É uma

vida feita de facilidades, em contraste com essa vida de conquistas, em que as pessoas têm de sair de manhã e têm de lutar. Às vezes nem tenho

coragem de perguntar a esses meninos o que eles fizeram para chegar à

escola naquele dia. Muitas vezes o giz é feito com pau de mandioca

seca. Às vezes, não há sala. É uma árvore. E não há cadeiras, as pessoas sentam no chão. No entanto, aqueles

meninos estão todos os dias ali na escola, assim como os professores.

Isso é uma grande esperança. É um universo de gente que sabe que tem

de fazer isso para construir uma vida diferente. É uma grande escola.

9 – Como você e as personagens da sua obra dialogam com o mundo contemporâneo, que é marcado pelo consumismo e pelo hedonismo?

EU aCHo que um jogo de construção e desconstrução porque esse mundo que você retrata como sociedade do consumo existe e não existe em moçambique, porque muitas vezes consumimos muito pouco. Consumimos mais aquilo que é ilusão. Cada vez menos o Estado confere Educação e saúde, e nós temos que conseguir isso por outras vias. Então o que eu procuro fazer nos meus livros é uma coisa que eu posso fazer como escritor. Eu não posso lutar para além desse limite, que é sugerir que há outros caminhos, que é possível sonhar, que não podemos ficar acomodados, resignados. obviamente eu não posso propor uma tese ou um modelo alternativo nos meus livros, nem saberia fazer isso, mas posso incentivar o gosto, a vontade.

10 – Como você vê os seus personagens no cinema? Como é a visão física deles?

é Um estranhamento, porque aquilo que eu criei não tinha voz nem rosto, nem para mim mesmo. Então de repente o personagem tem uma voz. mas, mesmo que seja a mais bela voz do mundo ou o rosto mais belo do mundo, o fato de ter um rosto e uma voz e não estar aberto e não ter vozes múltiplas é uma perda. por isso, eu me distanciei. se participo do filme, é somente para pontualmente dar algum apoio, mas não como alguém que tenha competência para isso, porque eu não tenho. Eu quero que o realizador de cinema faça um produto distante, que é capaz de se soltar, ganhar asas e sair do texto escrito, senão perde como livro e perde como filme.

11- VoCê gostou de “Um rio chamado tempo, uma casa chama terra”, filme baseado em seu livro?

mais oU menos. o que tinha de dizer já disse ao realizador, que é meu amigo. Gostei, mas não gostei

ausência não existe. Nesse silêncio, há sempre alguém que fala. são os mortos. por exemplo, a relação com o corpo. é preciso ter tempo para encontrar alguém. Quando eu estou falando com um homem, eu cumprimento com um aperto de mão. mas o aperto de mão não é igual, tem um ritual. Depois do aperto, a mão fica na mão da outra pessoa. Não tem nada a ver com interpretação gay. a mão fica na mão da pessoa com quem estamos falando, e essa mão não tem peso, é uma mão leve. porque se fala com o corpo. temos essa liberdade de poder usar o corpo para dizer coisas que não podem ser ditas pela palavra. são coisas pequenas que nos mudam muito interiormente. é uma capacidade de estar disponível para os outros. E capacidade de ser feliz.EU também encontro muito isso no brasil. tem a letra de música brasileira que diz “levanta, sacode a poeira, dá volta por cima”. Eu acho que isso é, em grande parte, uma her-ança africana. isto é para não ficar lamentando a desgraça. Eu acho que, se os europeus vivessem as dificuldades que vivem os africanos, eles seriam muito amargos. aliás, já são. a forma como os africanos celebram a alegria de viver e o fato de que qualquer momento é um momento de festa, de celebração, de dança, de canto, acho que é outra coisa que é importante aprender. Há uma tolerância profunda. Vocês vão ouvir mil histórias sobre intolerância, e essas histórias também são verdadeiras. o mundo é feito dessa coisa contraditória, mas a verdade é que há uma tolerância muito grande. Essa tolerância nasce de uma coisa. o que eu vou dizer agora é muito importante: a África só pode ser entendida se vocês perceberem que a África tem uma outra religião. Essa África negra tem uma outra religião. Essa religião não tem nome. Não é o candomblé, não é a umbanda, é outra coisa. é uma religiosidade que não se separou das outras esferas do pensamento. Não é um sistema de pensamento. Na África que eu conheço, existem os deuses das famílias. Você tem os seus deuses, eu tenho os meus deuses. isso significa que eu não estou muito preocupado em te convencer de que existe uma verdade só, que é uma coisa muito típica das regiões monoteístas, que é uma verdade que tem de ser imposta ao outro e o outro tem de seguir esse princípio. Você pode ter a sua verdade, eu tenho a minha, e está tudo certo. acho que essa é a razão para os africanos terem essa tolerância.

Mas a verdade é que africanos são muito parecidos com todos os outros. Essa ideia de que a África é muito diferente, muito exótica existe só

na cabeça de algumas pessoas. Mas há uma coisa que é preciso ser dita.

Em uma sociedade que é muito pobre, às cinco da manhã, às vezes eu saio de casa e vejo as pessoas já

acordadas, atravessando quilômetros a pé, andando 30, 40 quilômetros

para ir à escola, saindo de casa sem o café da manhã e tomando simplesmente uma xícara de chá

com muito açúcar para dar energia, para ir para a escola aprender. Eu tenho um prazer enorme de ir às

escolas em Moçambique, porque os meninos estão ali com uma fé quase religiosa. Eles estão ali absorvendo, têm os olhos abertos até o infinito, estão completamente ali. Não se

ouve uma mosca passando na sala.

- discurso dirEcto

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SAMuEL COSTA - iTAJAí - BRASiLpara Nagdila thally malfoy

Entre lírios e rosas!

Em meio a sussurros, gritos, gemidos & prantos!

Espasmos de prazer.

Juras de amor!

Eu pensava que estavas sozinha!

No meu desespero...procurava-te!

Nos meus sonhos...andavas só!

Vagando pelo infinito!

***

Embriaga-me...oh...minha divina musa!

Com o teu eflúvio sutil.

Em meus pensamentos...andavas sozinha!

insegura!

E desprotegida.

No infinito...

E na solidão do meu ser!

procurava-te...

Eu pensava...que estavas sozinha.

Em meus pensamentos!

tomo-te pelos braços!

Digo que és minha!

mas não o és!

perco-me no teu olhar...

No teu sorriso quero me perder.

No meu devaneio...desapareço em teus cabelos!

Em meio a sussurros, gritos, gemidos & pran-

tos!

Espasmos de prazer.

E juras de amor!

Não estás mais sozinha!

Pensei que estavas sozinha

PEDRO Du BOiS - BRASiL

amanheço em nuvens de inver-

no.

No esfriar da hora sou corpo

despertado. sigo o leito do rio

ao largo: estrito ao peito

da mulher amada no anunciar

horas anteriores de refúgio. acordo

e levanto em ensolarados passos.

Da manhã retiro a necessidade

da utilidade. sou repositório

da inatividade.

AmanhecerBáRBARA LiA - BRASiLoito canhões na praça de guerra apontam para o peixe Que traz a paz nas guelras Quatro gaivotas suicidas Lambem o babado azulado Do triste mar-flamenco Lembro um filme de babenco: ana e o vôo mariposas no quarto lúgubre suas mãos em concha a esmagar a eternidade insalubre

in, a FLor DENtro Da ÁrVorE

Doce como o massacre de sóis

Até que os serafins acenem com seus chapéus brancos

A lentidão das palavras do arcanjo ao acordá-la

8 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

no rEcanto dE apoLo...Terça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 8

CELSO MuNGuAMBE - MAPuTOa noite ronca eternamente, e internamente dormea escuridãoFriamente as madrugadas nascem, congelando eGelando o universo, madrugadas silenciam-seDiante de tanto frio

Um ninho floresce com delicadezaa madrugada vomita a cacimba aconcheganteComo um diamante delapidado e escaladoNum dos silêncios, a madrugada grita apelandopara lua

a madrugada delira de tanta solidão, sem exactidãoEla faz um saraubisbilhotando na noite, ela procura afazeresDesfazendo o movimento rotativo

a madrugada conversa com a manhãUma conversa rápida e fria, mas não sombriaLá esta ela, com uma cara murcha de solidãoa madrugada é muito sacrificada.

Madrugada MadrugadoraBáRBARA LiA

Não nasci para resfriar o mundo

Neste lerdo cortejo de omissões

Estas palavras interditas

suspensas

Não vim quebrar as pernas do sol

silenciar cada bemol

Não vim para arrebentar o anzol

Do velho de Hemingway sou mar e trovão no coração

Nasci para amar sem lastro

para dançar no pátio

it is my way

in, a FLor DENtro Da ÁrVorE

BáRBARA LiA

o sagrado despe as ilusões

e abraça as árvores mortas

suas folhas azul esmaecido

qual manto da Virgem de Cambrai os ossos das árvores adoeceram

e elas morreram – azuis -

antes que tornassem brancos

os seus cabelos

in, a FLor DENtro Da ÁrVorE

Mente vadiaRuTh BOANE - TETE

procuro-me nos murmúrios da vidamas perco-me nos mesmos.mergulho em águas secas e consolo-mesomente na dúvida da minha dúvida.Questiono-me porque sangram os homensmais tristeza do que alegria.ah! Não me vem a resposta!Como poderei saber se nem o verdadeirosignificado dos mesmos conheço?sinto um vazio!Várias são as questões quenavegam em minha mente.No silêncio da minha obscura noitevadio por entre bairros desconhecidosprocurando saber e conhecer o que é desconhecido.

JAPONE ARiJuANE - MAPuTO

Enferruja nos meus olhos arco-iresDeste mundo que chove infortúnios tédios sentidos travejam desamorvidosalienadas aguas de um homem com sede do saharaLabuta infertilidade na terra que inunda pobrezaDirão que sim a este destino incertoa fome torrencialmente nestes olhos enxurradosrelâmpago e trovoadas no estômago desertodesalojamento acentua o medo nas vitimas enche.

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Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 9

canto da poEsia - FacEbookTerça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 9

textos do Grupo - Canto da poesia do FacebooK. recolha de raffa inguane.

PETER PEDRO PiERRE PETROSSE

o dia amanheceu, Nuvens tristes e turvas, o sol ainda vadia por outras bandas. tic, tic, tic, tic... Chora o céu, triste pela ausência do sol. parte de suas lágrimas morre nas chapas do meu humilde aposento, Dirigindo-se em seguida para a sepultura do solo. o seu embater nas chapas, Cria uma melódia agradável de se ouvir. a melodia atravessa os atalhos dos meus tímpanos, o bass do bater do meu coração fica mais suave. Na tela da minha mente, aprecio a exposição do teu semblante jubiloso, Que almejo ver e amalgama-lo com os sentimentos que carrego.

POEMA DA MANhà ChuvOSA

iziDiNE JAiME

Escrever é calar o mundo dos ouvidos. E cantar a madrugada que não nasce. é também levar ao ombro que ninguém toca um consolo de dedos invisíveis. Voar como quem nunca tivera asas E descobrir que o mundo Não é esse pedaço de terra que nos cobra o corpo mas o suspiro de um vento leve que nos toca docemente o coração. Escrever é libertar-se... Decalcando em letras as rasuras do silêncio que o coração clama. E ainda ser a triste cantiga da sociedade num verso rítmico que rege a alma. E nas mãos de todos, invocar a missão de ser toda uma brisa no ar Que se dissolve em sorrisos Florindo a todos olhares que sabem amar.

ANDERSON FERREiRA

Vida de sonhos incompletos Desejos inconstantes de alma sem asas Incomensurável frustração do gozo Que corre em minhas veias Sangue venoso que não se purifica Não se esvai em sangrias medicinais Lamúrias sem virtude Sem a nobreza da dor Sem os cuidados de outrem Santifica tuas feridas Agarre tuas mazelas Pois serão tuas e somente tuas Sê-de forte A desgraça será teu alimento Junte-se as aves de rapina A toda sorte de animais malditos Teu caminho será entre as sombras da tua alma Serás infame Até que percebas A criação.

RuTh BOANE - TETE

tu, miserável! pena sentem minhas janelas ao abrirem-se e mirarem parvoíces. Cospes porcarias para mim e depois dizes que eu é que sou demente. (Gargalhadas) triste é ver-te convencido de que demente eu é que sou. ah! se soubesses quem o é! triste é ouvir-te cuspir maldições em mim e humilhar-me. (Gargalhadas) tu, miserável! tu, miserável! a demência persegue-te... Julgas tu que me humilhando erguem-se os teus ombros sabes, certas criaturas podem até rir-se na hora em que te sentes o tal mas sim, sim! são as mesmas que se riem de ti pelas costas (Gargalhadas) são as mesmas que se riem da tua demência são as mesmas que se riem da tua estupidez. a demência persegue-te! (Gargalhadas) Eu é que sou demente... Essa é boa!

vOAR NO MuNDO MALDiçÃO A demência persegue-te

Av. 25 de Setembro, 1728 - Tel: 21 306840 -Fax: 21 306772 -E-mail: [email protected]

Tem a honra de convidar para a palestra “Independência do Brasil: Novas interpretações”, proferida pela Drª Emy Caldwell de Farias, no dia 1º de

Setembro de 2011, às 18H00.

Esta palestra irá fazer uma abordagem um pouco diferenciada do que se

conhece sobre a independência do Brasil, antiga colónia portuguesa e país

que caminha hoje, com celeridade, para se transformar na quinta mais

poderosa economia do mundo.

Amy Caldwell de Farias é de origem americana e residiu mais de 10 anos

no Brasil, é Professora Associada na Monmnouth College, em Illinois,

Estados Unidos e Coordenadora de Estudos Integrados na mesma

universidade, tendo lecionado História Latino-Americana em várias

universidades americanas e brasileiras.

Amy Caldwell tem uma lista imensa de artigos sobre História publicado em

várias revistas especializadas e vários livros. A sua obra emblemática, fruto

da sua tese de doutoramento, intitula-se: Mergulho no Letes: Um Re-

Interpretação Político-Histórica da Confederação do Equador, editada no

Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Neste momento, Amy Caldwell de Farias encontra-se em Moçambique onde

desenvolve uma pequisa relacionada com a presença de brasileiros no vale

do Zambeze dos séculos XVII e XVIII.

Page 10: Revista literatas   edição 8

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outras agEndasTerça-feira, 30 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 10

ERRATA

Na edição anterior, referente ao dia 23 de agosto de 2011, neste espaço, publicamos um artigo de título “Niassa

sem livrarias”, assinado com o nome mauro brito de maputo. Na verdade, o artigo pertence ao nosso corespon-

dente em Lichinga, capital da província do Niassa, Lino de sousa mucurusa. pelo facto, as nossas desculpas, ao

autor do artigo e aos leitores no geral.