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QUARTA REGIÃO

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QUARTA REGIÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 70, p. 1-429, 2008

QUARTA REGIÃO

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Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Carla Roberta Leon AbrãoGiovana Torresan VieiraMarta Freitas HeemannRevisão e Formatação:

Leonardo SchneiderMaria Aparecida C. de Barros Berthold

Tiago Conte Zanotelli

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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QUARTA REGIÃO

PAULO AFONSO BRUM VAZDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm dezembro de 2008

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal João Surreaux Chagas – 14.06.1996 – Vice-Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997 – Corregedora-Geral

Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994 Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994

Des. Federal Amaury Chaves de Athayde – 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Valdemar Capeletti – 08.06.1999Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Vice-Corregedor-

GeralDes. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Diretor da EMAGIS

Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001

Des. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002 Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003 – Conselheiro da EMAGIS

Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004 – Conselheiro da EMAGIS

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007

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Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)

Juiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada)

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Vilson DarósDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann JúniorDes. Federal Valdemar Capeletti

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

QUARTA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Amaury Chaves de Athayde

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Vilson Darós – PresidenteDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Juiz Federal Marcelo De Nardi (convocado)

SEGUNDA TURMADes. Federal Otávio Roberto Pamplona – Presidente

Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa MünchJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada)

TERCEIRA TURMADesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Juiz Federal Roger Raupp Rios (convocado)

QUARTA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior Des. Federal Valdemar Capeletti

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Celso Kipper – Presidente

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Juiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto Silveira Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

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TURMA SUPLEMENTARDes. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – Presidente

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)

SÉTIMA TURMADes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Néfi Cordeiro

OITAVA TURMADes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

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SUMÁRIO

DOUTRINA .......................................................................................15 Promoção de juízes por merecimento: procedimento - algumas

questões relevantes Rômulo Pizzolatti .....................................................................17

DISCURSOS ......................................................................................23 Néfi Cordeiro ...........................................................................25 Guilherme Maines Caon ..........................................................39

ACÓRDÃOS.......................................................................................43 Direito Administrativo e Direito Civil .....................................45

Direito Penal e Direito Processual Penal ...............................155 Direito Previdenciário ............................................................197 Direito Processual Civil .........................................................315 Direito Tributário ...................................................................325

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ...........................377

SÚMULAS .......................................................................................385

RESUMO ..........................................................................................395

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ÍNDICE NUMÉRICO .......................................................................399

ÍNDICE ANALÍTICO ......................................................................403

ÍNDICE LEGISLATIVO ..................................................................423

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DOUTRINA

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Promoção de juízes por merecimento: procedimento – algumas questões relevantes

Rômulo Pizzolatti*

A Resolução nº 6, de 13.09.2005, do Conselho Nacional de Justi-ça (CNJ), fazendo cumprir a Emenda Constitucional (EC) nº 45, de 08.12.2004, revolucionou o procedimento das promoções por mere-cimento na magistratura, ao estabelecer que devem ser realizadas em sessão pública, mediante votação nominal, aberta e fundamentada,1 o que acarretou a aposentadoria dos antigos escrutínios (urnas), onde eram depositadas as cédulas não-identificadas, com os votos. Somando a isso o fato de que agora os prejudicados não precisam mais ingressar em juízo, podendo pedir a desconstituição do ato diretamente ao CNJ, mediante procedimento de controle administrativo, sem despesa nem advogado, é previsível o aumento da litigiosidade, também nesse campo. Urge, por isso, assinalar as divergências entre as práticas dos tribunais e a Constituição, propiciando a correção de rumos. Entre tantas questões suscitáveis, as abordadas a seguir se mostram das mais relevantes.

Como se sabe, antes da Constituição Federal (CF) de 1988, a promoção de juízes na carreira, pelo critério do merecimento, era ato administra-tivo subjetivamente complexo, resultando da conjugação de vontades * Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.1 Art. 1º. As promoções por merecimento de magistrados serão realizadas em sessão pública, em votação nominal, aberta e fundamentada. (Resolução nº 6, de 2005, do CNJ)

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do Tribunal, que elaborava lista, e do Chefe do Poder Executivo, que fazia discricionariamente a escolha e assinava o ato de promoção. Com a Constituição de 1988, permaneceu a exigência de os tribunais ela-borarem listas de merecimento,2 mas a competência para a escolha do candidato a ser promovido foi transferida do Chefe do Poder Executivo para o próprio Tribunal.3

Em muitos tribunais, contudo, a promoção por merecimento dos juízes segue sendo ato subjetivamente complexo, pois, enquanto o colegiado se incumbe da elaboração da lista, ao Presidente do Tribunal é reserva-da a escolha final. Nos tribunais de perfil mais autoritário, o Presidente escolhe discricionariamente; nos de perfil mais democrático, prestigia o candidato mais votado pelo colegiado.

Esse procedimento é sem dúvida equivocado, visto que, se a compe-tência para a promoção por merecimento de juízes foi, pela Constituição, atribuída a um único órgão (o Tribunal), o ato deve ser reclassificado como ato administrativo subjetivamente simples, e não complexo. Por conseqüência lógica, o próprio Tribunal (colegiado) deve elaborar a lista e, em seguida, proceder à escolha dentre os candidatos listados.

Talvez se defenda a prática de o Presidente do Tribunal proceder à escolha final ao argumentar que o colegiado lhe delega competência para isso, seja expressamente, com base em regra posta no Regimento Interno, seja tacitamente, aceitando que ele faça a escolha. Ora, esse argumento não é sustentável, nem lógica nem juridicamente. A delegação de com-petência do colegiado a seu Presidente só se justifica quando o Tribunal não está reunido. Se o Tribunal se reuniu exatamente para julgar o pro-

2 A lista, não sendo remetida ao Chefe do Poder Executivo, tem ainda assim utilidade, pois serve para ampliar a base do recrutamento, e permite a promoção, de forma automática, do juiz que nela for incluído três vezes consecutivas ou cinco alternadas. (CF, art. 93, II, a)3 Também o acesso dos magistrados aos tribunais, por merecimento, se faz hoje sem a participação do Chefe do Poder Executivo, exceto no caso das Justiças da União, em que a escolha e a nomeação do candidato a ser promovido têm sido feitas pelo Presidente da República. Essa prática foi questionada pelo Professor e Desembargador Federal Sérgio D’Andréa Ferreira, para quem o art. 107 da Constituição outorga competência ao Presidente da República somente para a nomeação do juiz que terá acesso a tribunal regional federal, ao qual compete sempre a escolha, seja por antiguidade, seja por merecimento (“TRFs: promoções de juízes federais”, Revista da AJUFE nº 35, março de 1993, p. 20-21). Assiste-lhe razão na crítica, a meu ver. É incoerente que, nas justiças estaduais e do DF, os juízes tenham acesso ao tribunal sem ingerência do Chefe do Poder Executivo, enquanto essa ingerência tem ocorrido no âmbito das Justiças da União. Aqui, é exato dizer, como já disse alhures, que “o costume faz a lei”.

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cedimento de promoção por merecimento, seria despropositado que, no meio do procedimento, após a elaboração da lista, se demitisse de suas funções, transferindo-as ao Presidente. Há dificuldade para o colegiado fazer a escolha final? Certamente que não, pois, se escolheu três nomes para o preenchimento da vaga (muitas vezes mediante sucessivas vota-ções, até serem obtidos três nomes que atinjam maioria de votos), pode mais facilmente dos três tirar um: quem pode o mais, pode o menos.

Já no início da vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou caso, em que o Presidente de certo tribunal estadual se atribuiu a escolha de um dos nomes da lista de merecimento. Um dos dois mais votados da lista, tendo empatado com o que foi esco-lhido pelo Presidente, buscou no STF a prevalência da regra regimental que determinava, em caso de empate, a promoção do juiz mais antigo. O STF entendeu (a) que não é da competência do Presidente do Tribunal a escolha final e,também, (b) que é inconstitucional a regra regimental que estipula o desempate, em promoção por merecimento, pelo critério da antiguidade. Em conseqüência, limitou-se a anular o ato de promoção e determinar que, mediante novo(s) escrutínio(s), procedesse o colegiado ao desempate na formação da lista, visto que ilícita a utilização da an-tiguidade como critério de desempate em promoção por merecimento. (Ação Originária - AOr nº 70, rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, decisão por voto médio entre nove votantes, julgamento con-cluído em 09.04.1992, Revista Trimestral de Jurisprudência – RTJ, v. 147, n. 2, p. 345-371)

Nesse julgamento e em outro realizado pouco antes (Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIn nº 189, rel. Min. Celso de Mello, Ple-nário, decisão por voto médio de onze votantes, julgamento concluído em 09.10.1991, RTJ, v. 138, n. 2, p. 371-395), cogitou-se que, à luz da Constituição de 1988, haveria duas opções possíveis para a escolha do juiz a ser promovido por merecimento. Uma delas seria dar-se como automaticamente escolhido o mais votado na formação da lista. A ou-tra, realizar o colegiado (ainda que não houvesse empate) uma segunda votação para a escolha definitiva. O Ministro Moreira Alves, entretanto, foi categórico quanto à necessidade de serem feitas duas votações pelo colegiado: uma especificamente para a formação da lista e outra para a escolha definitiva (ADIn nº 189, RTJ, v. 138, n. 2, p. 395).

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Passada uma década dos julgamentos citados, o Plenário do STF de-cidiu que não ofende a Constituição a norma regimental que prescreve a escolha, em caso de empate após sucessivas votações, do candidato mais idoso (Mandado de Segurança - MS nº 24.509, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 23.10.2003 por maioria, três votos vencidos, RTJ, v. 192, n. 2, p. 671-692). Esse julgamento não conflita com os anteriormente citados, pois, havendo empate entre os candidatos mais votados, em sucessivas votações, o impasse somente pode ser supera-do por critério estranho ao merecimento, sendo razoável o da idade. Alguns anos depois, em 2007, com composição parcialmente alterada, o Plenário do STF entendeu que a antiguidade poderia (também) ser utilizada como critério de desempate, desde que verificado impasse em sucessivas votações (MS nº 26.264, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento por maioria, quatro votos vencidos, DJ de 05.10.2007). A conclusão a tirar é que critério estranho ao merecimento não pode ser utilizado para solucionar, desde logo, empate em votação de merecimento, mas somente para remover impasse na solução do empate, o que é diferente.

Considerados esses julgamentos, pode-se deles extrair alguns pontos pacíficos: (a) a competência para a escolha definitiva do candidato a ser promovido é exclusivamente do colegiado, por ser ato administrativo simples, e não ato complexo; e (b) havendo empate entre os candidatos mais votados, a utilização de critério diverso do merecimento (idade, antiguidade etc.) só cabe depois de votações sucessivas, persistindo o impasse.

Remanescem, a meu ver, duas questões importantes. A primeira questão é se, considerada a promoção por merecimento como ato sub-jetivamente simples, a vontade do colegiado pode ser aferida somente à luz da maior votação obtida por um dos candidatos na formação da lista, ou se é necessária outra votação pelo colegiado, especificamente para a escolha final. A segunda questão respeita às conseqüências de votos proferidos com apoio exclusivo ou preponderante na antiguidade do juiz, e não no seu merecimento.

A solução adequada à primeira das questões está no voto sintético do

4 Esse também é o entendimento de Sérgio D’Andréa Ferreira (“TRFs: promoções de juízes federais”, Revista AJUFE n. 35, março de 1993, p. 20-21).

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Ministro Moreira Alves, no julgamento da ADIn nº 189 (RTJ, v. 138, n. 2, p. 395), apontando a necessidade de o colegiado fazer duas votações pelo menos: uma para a formação da lista e outra para escolher, dentre os listados, o que deve ser promovido.4

Um julgamento administrativo recente mostra, mais que argumentos teóricos, o acerto da posição do Ministro Moreira Alves, cujas razões não explicitou, por apreço à brevidade. Em certo concurso de promoção por merecimento, a lista tríplice foi formada pelo juiz A, com 17 votos, pelo juiz B, com 16 votos e pelo juiz C, com 18 votos. Prevalecesse o critério de dar-se por promovido o mais votado da lista, o juiz C seria o escolhido. Contudo, os votos e as notas taquigráficas da sessão admi-nistrativa de julgamento indicavam que o juiz A constituía a primeira opção de todos os que nele votaram; o juiz B, a segunda opção de todos os que nele votaram; e o juiz C, a primeira opção de apenas três dos que nele votaram, sendo a terceira opção dos demais que nele votaram. Isso implica dizer que, se fosse realizada nova votação para a escolha definitiva, o juiz A teria os mesmos 17 votos, enquanto o mais votado da lista ganharia apenas 3 votos! O Presidente da Corte escolheu o juiz A (17 votos), o que causou certa estranheza, pois a praxe (e o “politi-camente correto”) era ser escolhido o mais votado da lista, juiz C (18 votos). Embora o exercício da competência de escolha definitiva tenha conflitado com a posição do STF no julgamento da AOr nº 70 (RTJ, v. 147, n. 2, p. 345-371), o certo é que, no caso específico, o Presidente da Corte interpretou fielmente a vontade da maioria do colegiado. Fosse realizada nova votação pelo colegiado para a escolha definitiva, o juiz escolhido, A, obteria os mesmos 17 votos, porque constituía a primeira opção de 17 dos 21 votantes.5 A justiça acabou prevalecendo, por sorte. Mas é melhor que prevaleça sempre, independentemente da sorte.

A segunda questão surgiu apenas a partir da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que determinou, por força da nova redação dada ao inciso X do art. 93 da Constituição, fosse a promoção por merecimento feita por meio de voto fundamentado e aberto dos membros do colegiado. Antes,

5 No sistema de votação anterior, do escrutínio secreto, não se sabia qual a primeira, segunda ou terceira opção de cada votante, pois as cédulas não-identificadas, com os votos, ficavam misturadas no escrutínio (urna).

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com o sistema do escrutínio secreto, os votos poderiam levar em conta a antiguidade em vez do merecimento do candidato, e ninguém ficaria sabendo disso. Agora, com a motivação e publicidade, é possível saber se algum voto se apoiou, exclusiva ou preponderantemente, na antiguidade do candidato, caso em que esse voto será nulo, pois, segundo a jurispru-dência do STF, a antiguidade não pode ser considerada em promoção por merecimento, a não ser como critério de desempate e, ainda assim, após sucessivas votações empatadas. Conseqüentemente, se o indevido uso do critério da antiguidade na votação da lista ou na escolha definitiva influenciar o resultado, a votação será nula.6

Essas, em síntese, são as questões que, a meu ver, se mostram atu-almente mais relevantes no campo do procedimento de promoção por

6 Com muito maior razão será nula a votação se em seu resultado houver a influência de um ou mais votos ditados por sentimento pessoal (simpatia, interesse, gosto, amizade, preconceito etc.), caso em que a regra da alínea c do inciso II do art. 93 da Constituição é afrontada, e não apenas desatendida.

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DISCURSOS

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Juiz dos paradoxos: saudação aos juízes empossados*

Néfi Cordeiro**

“Se é impossível banir a injustiça universal, que é regra eterna de toda a vida, é possível, porém, obtê-la concretamente: a justiça existe, é preciso que exista, quero

que exista. Vocês, juízes, têm de me ouvir.”(Piero Calamandrei, Eles, os Juízes)

Saudação

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região saúda seus dezenove novos Juízes Federais Substitutos. Honrado na circunstancial presidência do concurso, cumpre-me inicialmente parabenizá-los.

Foram Vossas Excelências aprovados em concurso qualificado e extre-mamente rigoroso. De mais de quatro mil inscritos, apenas 22 lograram êxito (numa média de 1 para quase 200).

Demonstraram conhecimento do direito posto, capacidade de discus-são lógica e razoabilidade na realização do Justo.

O momento de júbilo, pois, é mais que justificável.A alegria também é desta Corte, que se engrandece com seus novos

juízes, representantes agora e no futuro de um Tribunal que se orgulha do aprimoramento intelectual de seus integrantes, de sua presteza, de sua

* Discurso de saudação aos novos magistrados proferido durante a solenidade de posse de 19 Juízes Federais Substitutos, realizada no Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 15.09.2008.** Desembargador Federal Presidente da Comissão do XIII Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz Federal Substituto da 4ª Região.

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correção moral e honorabilidade, de sua exemplar satisfação de Justiça à Região Sul do país.

Homenagens

Este processo deu-se por uma banca qualificada e exigente. Na seleção dos novos julgadores, os Desembargadores Luiz Carlos de Castro Lugon, com sua especial preocupação criadora e social do direito, e Paulo Afonso Brum Vaz, com sua marca ambiental, trouxeram sua experiência e seus conhecimentos. Assumiram o Desembargador Élcio Pinheiro de Castro, que trabalhou e muito, a dedicação marcada pela humildade de quem é grande; e o Desembargador Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, no seu acompanhamento eficiente e constante dos atos e das provas orais. Meus colegas, membros titulares nesse findar de concurso, Desembargadores Luiz Fernando Wowk Penteado e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que apoiaram e realizaram o melhor – são os responsáveis pela materialização da qualidade deste concurso. Desembargador Penteado indagava e ensinava, questionando o direito posto e o raciocínio lógico--jurídico dos candidatos; Desembargador Thompson, voluntariando-se para o trabalho, que desempenhava com serenidade, presteza e esmero.

Nossa Comissão de Concurso contou com a participação do grande jurista catarinense Professor Márcio Luiz Fogaça Vicari, que, incansável, atendeu ao pleito do Tribunal em terceira oportunidade, engrandecendo o concurso com seus conhecimentos e sua simpatia. Para isso, teve o apoio da suplente, Professora Regina Linden Ruaro.

Representando a OAB, tivemos dois grandes advogados do Paraná: João Ricardo Cunha de Almeida e Rogéria Fagundes Dotti. Movidos por destacado interesse público, atuaram irmanamente nas deliberações, provas e avaliações, abrindo mão de vantagens remuneratórias pessoais ou tratamento distintivo. O Tribunal sente-se agradecido e honrado com a valiosa colaboração de Vossas Excelências.

As homenagens e um agradecimento especial merecem nossos caros servidores federais que apoiaram a Comissão de Concurso, em horários extraordinários, com competência, confiabilidade e dedicação, que pes-soalizo na Secretária Isabel Cristina Lima Selau.

Tudo desenvolvido sob a coordenação e o apoio da Presidência do Tribunal: a Desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria, que se empenhou

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com sua representatividade regional e um belo início, e encerra-se na Gestão da Desembargadora Silvia Goraieb, que, apoiando a comissão nas transições, agora obtém na sua gestão o auxílio de 22 novos e grandes magistrados.

Os Paradoxos

Novos desafios agora surgirão, nos processos e na vida como juiz. Bem-vindos, novos magistrados, aos paradoxos: verdades irrefutáveis,

mas falsas; teses absolutamente confiáveis, que não se confirmam... O juiz vive e labuta nesse meio. Eduardo Couture, nos Mandamentos do Advogado, comentava: “As verdades jurídicas, como se fossem feitas de areia, dificilmente cabem todas numa só mão; sempre há alguns grãos que, queiramos ou não, escorrem entre os nossos dedos e vão parar nas mãos de nosso adversário.”

Paradoxos, tantos, nos processos e na vida, que de fenômeno obser-vado tenderá a transformar-se em objeto: o juiz torna-se o paradoxo.

1º Paradoxo: O juiz busca a verdade e a justiçaDeve o juiz produzir o resultado justo em um processo justo e para

isso é necessário saber como os fatos se deram. O excesso na busca da verdade, porém, o transformará em substituto do autor ou do réu, em promotor ou defensor e automaticamente formará o quadro fático que pretendia investigar (o quadro mental paranóico, de Cordero), perden-do a imparcialidade. O demasiado afinco na busca da justiça o tornará justiceiro, buscador do Justo a qualquer custo, surgindo então os abusos e os pré-juízos...

É o primeiro paradoxo que precisarão enfrentar: os limites de atuação do magistrado nas causas, igualando processualmente os desiguais (a neu-tralização judicial como expressão do Estado Democrático de Direito), cuidando para não assumir pólos de interesses nas lides, fiscalizando e questionando as próprias razões de convicção (para que não seja o resul-tado do processo mero discurso legitimador de abusos e parcialidades).

Dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial extrai-se para nosso sistema (p. 138):

“o papel do juiz... é ouvir as evidências, só fazer ele próprio perguntas às testemunhas quando for necessário... atentar para que os advogados se comportem decentemente e mantenham as regras estabelecidas pela lei, excluir irrelevâncias e desencorajar repe-

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tição... e, ao final, decidir-se pela verdade. Se for além disso, ele deixa cair o manto de um juiz e veste o robe de um advogado, e a mudança não lhe cairá bem... Tais são os nossos padrões.”

2º Paradoxo: O princípio publicístico rege todos os processosHá muito pacificado na área cível e crescente na esfera penal é a

convicção de que o processo é exercício de atividade pública, existindo em razão da sociedade e a ela sendo destinado.

Foi-se o tempo em que o juiz somente falava nos autos, suas decisões interessavam às partes e decisão judicial não se discutia, cumpria-se. O serviço público judicial é exercício de poder estatal em favor da cole-tividade: a prestação do serviço público é feita não somente às partes, mas à sociedade, que tem o direito de conhecer o processo, as provas que levaram o juiz a decidir, a explicação do decidido e, por fim, de criticar. Por isso cada vez mais as legislações criam intervenções probatórias do juiz, não mais simples árbitro do jogo das partes (onde a vitória pode fugir daquele que tem a razão para o que é melhor jogador, com maior força técnica ou econômica), mas auxiliar na busca da verdade e da Justiça.

O juiz fala o Justo às partes, mas é ouvido pela coletividade. Hoje fala o juiz à imprensa, porque justiça não é ato de particulares,

porém não se torna estrela da mídia e não foge aos limites éticos nessa manifestação (impedido de prejulgar, de criticar colegas ou tribunais, de revelar temas acobertados pelo sigilo).

3º Paradoxo: O juiz fala o direitoO justo não é definido por critérios exatos e perenes. Cuidou a Co-

missão Examinadora de não policiar ideologias dos candidatos. A variedade na interpretação do justo é salutar, já há muito defendendo

Zaffaroni o engrandecimento dos quadros judiciários pelas diferentes ideologias de seus integrantes, que assim melhor refletiriam as diferenças da própria sociedade e, no contrapor de idéias, produziriam mais ampla justiça.

Formem convicção pela melhor justiça, mas compreendam que outra pode ser a interpretação dos tribunais ou das partes e que, por vezes, a Justiça poderá melhor e mais seguramente apresentar-se na prevalência dos precedentes – a interpretação prevalente e esperada superando o próprio convencimento pessoal.

De Couture: “Tolera a verdade alheia na mesma medida em que

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desejas que seja tolerada a tua.”Aceitem as diferenças, não menosprezem divergências, admitam que

todos buscam o mesmo Justo ideal. Não pessoalizem teses jurídicas!Não é tampouco o juiz oráculo do bem e do mal, autoridade intelectual

máxima a substituir as discricionariedades do administrador, do legislador ou do povo. As condutas públicas que há de invalidar não são aquelas divergentes do que pessoalmente entenda como mais adequadas, mas aquelas que não permitam justificativa de admissibilidade. Razoabilidade não é uma imposição autoritária do eu penso.

Vossas Excelências muito se aprimorarão nos temas que enfrentarem, poderão até desenvolver brilhantes teses acadêmicas a respeito. Nos autos, porém, a qualidade se resumirá ao exame da prova e ao enquadra-mento jurídico adequado; não é a sentença local para que desenvolva o magistrado tudo o que sabe sobre o tema, mas o que precisa para solver a lide.

Lembro das palavras de René Ariel Dotti, pai de nossa colega da Co-missão de Concurso, Doutora Rogéria, comentando que as várias laudas de argumentação jurídica do magistrado não lhe convenceriam de erro na tese de seu cliente: decidam o caso, é o que basta. Situações de novidade jurídica ou de relevância – pelo interesse social ou repetição do tema – serão excepcionais, a justificar motivação maior, para convencimento social e das Cortes Recursais.

Para dizer o direito do caso, precisará antes o juiz atuar como bom administrador, de recursos, pessoas e tecnologias, precisará ser psicólogo, assistente social e líder. Busquem conhecimentos nessas áreas.

Contarão Vossas Excelências com os melhores assessores e servido-res do Judiciário do país. Utilizem a experiência, os conhecimentos e o apoio de nossos grandes servidores, mas não incorram no mal apontado por Zaffaroni de que cada vez mais os juízes tornam-se administradores e os servidores, juízes.

Usem a toga nas audiências, vistam-se sobriamente, não apenas por dever legal, não porque isso mudará suas capacidades intelectuais, mas porque espera o cidadão no fórum ver a justiça personificada.

Daí o item 6 de legislação correlata (p. 157), citado nos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial: “6. Um juiz deve apresentar-se de modo a impor respeito, a iniciar por sua maneira de vestir-se e pentear-se.”

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4º Paradoxo: Magistratura é sacerdócioO magistrado possui todos os deveres dos servidores públicos, mas

parcela muito mais restrita de direitos, a ele não se aplicando acréscimos remuneratórios e licenças daquela categoria. O magistrado jamais será rico – espero que a notícia não seja tardia.

O trabalho será estafante e infindável. Não saberia eu o que é ir para casa sem levar processos, votos, à noite, no final de semana, nas férias – e muitos dos colegas o fazem inclusive presencialmente nesta Corte, nas mais variadas horas extraordinárias.

Antoine Garapon, magistrado francês, alerta para o fenômeno social da demanda universal de justiça... pois se tudo e todos são réus, espera-se tudo da justiça, uma justiça total. Fica então o juiz como último guardião de promessas... encarregado de dar justiça relembrando ao Estado e aos cidadãos quais são seus deveres:

“O juiz... permanece aqui para lembrar à humanidade, à nação ou ao simples ci-dadão as promessas feitas, começando pela primeira delas, a promessa de vida e de dignidade. Essas promessas, os juízes as preservam, mas não as têm atadas: eles são delas testemunha, garante e guardião. Elas lhes foram transmitidas, eles as ouviram e as relembram, se necessário for, àqueles mesmos que lhes conferiram essa responsa-bilidade: como poderíamos reprová-los por isso?” (p. 270)

Multiplicam-se os apelos de justiça. Nada obstante, impeçam a ob-sessão, mantenham sua vida social e familiar. Ao fim do dia e da vida, esta sempre é a maior recompensa.

A função judicial tem implícito atributo de exclusividade, ressalvado o magistério, útil estímulo de aperfeiçoamento fora do caso concreto e missão de responsabilidade social, porém mesmo então priorizada a atividade judicial. Como afirmado nos Princípios de Bangalore de Con-duta Judicial, “Competência e diligência são pré-requisitos da devida execução do ofício judicante”.

E segue a aplicação na mesma norma: “Os deveres profissionais de um juiz têm precedência sobre todas as outras atividades”.

Cuidem: a cada processo, a dedicação merecida. Não importa à parte quantas sentenças serão proferidas num dia, interessa-lhe a sua sentença. Ainda que o merecimento pessoal do magistrado tenha aferição muito por números de produtividade, sua justiça é para pessoas, que individu-almente possuem o inalienável direito ao qualificado exame decisório.

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Os limites, o tempo lhes mostrará, para o muito e produtivo trabalho, sem prejuízo familiar; para o muito e produtivo número estatístico, sem prejuízo à qualidade da decisão.

5º Paradoxo: O juiz é um homem de seu meio e de seu tempoImprescindível é que o juiz conheça a realidade onde julga, para que

possa delimitar categorias jurídicas dúbias ou até metajurídicas, para que possa compreender os anseios sociais, para definir limites de culpabili-dade, de razoabilidade e de tolerância.

Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional, já havia demonstrado que o Direito não é abstração, imutável no tempo e no espaço, mas fenômeno social, interagindo no processo existencial do indivíduo e da coletividade.

Também Cappelletti isto manifestou:“Justamente para remediar o risco da clausura corporativa, particularmente ameaça-

dor numa magistratura de carreira, deve-se adotar, por isso, os instrumentos normativos, organizativos e estruturais que possam tornar a autonomia dos juízes aberta ao corpo social e, assim, às solicitações dos ‘consumidores’ do supremo bem que é a Justiça.” (Juízes Irresponsáveis?, p. 92/93)

Precisa o juiz conhecer e fiscalizar as cadeias onde estão os presos que envia, precisa familiarizar-se com o drama social dos desabrigados e dos empobrecidos, precisa acompanhar os interesses e os hábitos da comunidade. Daí a obrigação de residir na comarca (LOMAN, art. 35, V), não apenas para atendimentos a plantões, mas para que seja a co-munidade julgada por um dos seus, por quem lhe conhece, ainda que provisoriamente.

Mesmo inserindo-se na comunidade, porém, não deixará o magis-trado de ser reconhecido como tal e nessa condição será observado, acompanhado com destaque, vigiado, criticado... Jamais poderá o juiz identificar-se para obtenção de privilégios, mas será sempre apontado se um desvalor maior provocar. É o juiz que briga com vizinhos, que se exalta como torcedor, que cria conflitos como professor... fácil é o enqua-dramento disciplinar na ampla categoria jurídico-legal do procedimento incorreto (LOMAN, art. 44). Acostumem-se: o juiz é integrante do povo nos direitos, mas permanece como juiz nos deveres.

Dispõe-se nos já citados Princípios de Bangalore de Conduta Judicial: “A idoneidade e a aparência de idoneidade são essenciais ao desempenho de todas as atividades do juiz.”

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Ouve o juiz a sociedade e as críticas que são feitas aos julgamentos. Não é o juiz, porém, a voz da sociedade, mas a voz para a sociedade. Não fala o justo que pensa a maioria, mas diz o Justo para todos, ainda que por vezes contrariando os desejos da maioria. Ouve, repensa e decide.6º Paradoxo: A imparcialidade é condição primeira da jurisdição

Grande é a crítica doutrinária à imparcialidade do julgador, utopia diante do ser humano que é, assim sofrendo influências de seu meio social, de suas convicções pretéritas e valores morais.

Chega Zaffaroni a protestar pela consciente intervenção política do Juiz em suas decisões, especialmente na estrutura judicial democrática contemporânea:

“Mas ao mesmo tempo, é insustentável pretender que um juiz não é um cidadão, que não participe de certa ordem de idéias, que não tenha uma compreensão do mundo, uma visão da realidade. Não é possível imaginar um juiz que não tenha, simplesmente porque não há homem que não a tenha, simples ou errada que a possamos julgar. O juiz ‘eunuco político’ de Griffith realmente é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica.

[...] O juiz não pode ser alguém ‘neutral’, porque não existe a neutralidade ideoló-gica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência do pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e muito menos de um juiz.” (Estructuras judiciales. p. 109 – tradução livre)

Permanecem a legislação e a doutrina da deontologia, porém, exigindo a racional busca de convencimento limitado ao que dos autos consta. É o melhor: que sem-terra gostaria de ser julgado pelo juiz assumidamente favorável aos proprietários rurais, ou vice-versa, quem seria o réu do justiceiro e assim indefinidamente.

Se é impossível a exclusão das influências inconscientes, serve a imparcialidade do Juiz como mito útil, como ideal de conduta dirigi-da. Ou seja, a consciente busca da imparcialidade força ao magistrado questionar as razões de sua decisão e, nesse processo racional, se não consegue o pleno afastamento das pré-convicções, ao menos reduz em muito tais influências.

O abandono proposto da imparcialidade, a pretexto de maior transpa-rência dos reais fundamentos decisórios, transformaria o magistrado em protetor de uma das partes, em julgador desde o início pré-convencido. Quem quer ser a parte contrária perante esse juiz?

Nesse sentido dispôs expressamente o art. 8° do Código de Ética da

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Magistratura Nacional:“O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com

objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equi-valente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”

E também os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial: “2.5 Um juiz deve considerar-se suspeito ou impedido de participar em qualquer caso em que não é habilitado a decidir o problema imparcialmente ou naqueles em que pode parecer a um observador sensato como não--habilitado a decidir imparcialmente.”

7º Paradoxo: O poder contido do JuizO poder, por natureza, corrompe, insidiosa e gradualmente... Aí o

perigo: acostuma-se o magistrado com a deferência no trato, com os po-deres de chefia de pessoas e de processos, com a força de suas decisões... Riscos surgem: esquece que o poder é da função, não da pessoa; esquece que o poder é enorme, para ser pouco exercido, dentro do estritamente necessário; esquece da redundância evidente: o serviço público judiciário existe para servir, a todos, a Justiça.

Dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial colhe-se manifes-tação de Sir Gerard Brennan, Presidente da Corte Superior da Austrália, num programa de orientação a juízes:

“O papel de um juiz é servir a comunidade no papel vital de ministrar a justiça de acordo com a lei. Seu ofício dá-lhe uma oportunidade que é um privilégio. Seu oficio requer servir, e é um dever.

(...) Quando o trabalho perder o ar de novidade, quando a quantidade de litígios lembrar os encargos de Sísifo, quando a tirania de julgamentos reservados aborrecer, a única motivação capaz de sustentar o empenho em ir adiante é a convicção de que o que foi chamado a fazer é essencial para a sociedade em que se vive.”

De outro lado, é inaceitável à função judicial o temor, seja de pessoas, seja de autoridades, seja de tribunais.

Atendam a todos que buscarem o servidor público judiciário maior que serão nas suas Varas Federais. Já conhecem os limites de cuidado com as antecipações de juízo, com mal-entendidos, com a administração do tempo possível; ouçam, prometam o que podem e certamente farão: dar a máxima atenção, como sempre... Aos advogados, a obrigação de atender, com prontidão, não é apenas legal, não é apenas dever de cor-

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tesia, é conduta mínima exigível do servidor a quem vem colaborar para o mister de justiça.

Os distanciamentos por interesses próximos não nos afasta, opera-dores do processo, dos mesmos sentimentos. Ao falar de um advogado, aparentemente magoado pela decisão contrária, diz Calamandrei:

“Se os folgazões, voltando do teatro, passarem alta noite debaixo da janela do advogado, irão vê-la iluminada: ele estará lá, à sua mesa, redigindo na calma noturna para a mulher amada disputada por um rival, ardentes cartas, prolixas, enfáticas e tediosas, como todas as cartas de amor. Essas cartas se chamam petições e essa amada se chama Corte.”

A identificação é imediata. Quantos de nós, colegas Desembargado-res, caro representante do Ministério Público Federal, advogados aqui presentes, quantos de vós, novos juízes, passamos e passaremos noites e dias sem fim nas mesmas cartas, de variados nomes (sentenças, pareceres, petições e votos), com a mesma devoção, à amada Justiça!

Enorme é o poder jurisdicional no Brasil, sem limitações materiais no reconhecimento da responsabilidade estatal, nas declarações de incons-titucionalidade, no exercício cautelar... O juiz brasileiro, independente-mente de antiguidade ou entrância, pode reconhecer inconstitucionalida-des, obrigar agentes e entes públicos a pagar, realizar obras, concursos, exonerar, contratar, aumentar ou reduzir preços, impedir impostos, dar aposentadorias... Pode tudo isso fazer até por liminar, mesmo sem ouvida da parte contrária e sem contracautelas... É grande o poder, que deve ser sopesado e utilizado dentro do estritamente necessário, como recurso final.

Daí o art. 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional: “Espe-cialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.”

E lembrem: o poder judicial é simultaneamente responsabilidade judicial, como ensinou Mauro Cappelletti, em sua obra Juízes Irres-ponsáveis?.

Um cuidado extremo: a soberba, risco tão grande que se a ironiza cacoete profissional do magistrado. Excelência é o povo que precisa de Justiça, é o advogado que o representa, é o agente ministerial que o defende coletivamente, são todos aqueles que buscam, colaboram e atuam no processo judicial. Nós, nobres juízes, somos simples servidores

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de justiça.Um cuidado adicional: o conformismo, que Calamandrei (Eles, os

Juízes), ácido como perspicaz, dizia ser aquele “lento esgotamento in-terno das consciências, que as torna aquiescentes e resignadas”... aquela “crescente preguiça moral que prefere cada vez mais à solução justa a acomodadora”. Não permitam resignação à incapacidade de gerar justi-ça, ao grande volume de processos, aos defeitos da lei e das pessoas, à admissão de que nada se pode fazer para mudar...

Reconheço que a fala que trago, de ponderação e autocontrole, tende a qualidades inatingíveis, inumanas... Todos, juízes do último concurso aos nossos desembargadores mais antigos, Dra Silvia, Dr. Darós, todos continuamos aprendendo e tentando. É ideal de concretização, raciona-lizado, constante...

Como já disse Aristóteles, “Somos o que repetidamente fazemos, a excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito”.

Evitem as posições extremadas. Nas teses jurídicas, como na vida, a temperança do caminho do meio tende a ser o curso adequado.

Estes e outros tantos são paradoxos diários que enfrentarão. As ver-dades conflitantes e nem sempre válidas...

A imagem do Juiz

Nessa fala de paradoxos, duas finais visões em antítese.O Juiz Federal Marcos Mairton da Silva, do Rio Grande do Norte,

narrou o seguinte diálogo na Revista de Cultura AJUFE, ocorrido durante audiência de benefício assistencial para incapaz:

“- Dona Luzia, a senhora é mãe do Josenaldo, não é? - Sou, sim senhor.- Mas ele é maior de idade. Não dava prá ele vir sozinho?- Dava não, Doutor, porque ele não atina bem das coisas, não.- É mesmo? - e dirigindo-se ao rapaz: E então, Josenaldo, você sabe por que está

aqui? - Vim atrás dum benefício, né?- Mas, por quê? Você não tem condições de trabalhar, não?- Tenho não, doutor. Não tenho força prá nada. Quer dizer, que dá prá trabalhar

dá, mas só se for num serviço assim como o do senhor...- Assim como o meu, como?- Assim: só sentado aí conversando, no ar condicionado; de vez em quando a mulher

entra aqui com um cafezinho pro senhor, que eu vi. Até dava, né...

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O advogado corou. Vacilou entre o riso e a preocupação com minha reação. Quis pedir a Josenaldo para não falar mais nada, quis me pedir desculpas; terminou por não fazer uma coisa nem outra.”

Ao fim, narra o Juiz Marcos que Seu Josenaldo teve concedido o benefício assistencial.

Em contraposição, reflitam na visão de Calamandrei, fundamento de voto neste plenário do Desembargador Rômulo Pizzolatti:

“A missão do juiz é tão elevada em nossa estima, a confiança nele é tão necessária, que as fraquezas humanas, que não se notam ou se perdoam em qualquer outra ordem de funcionários públicos, parecem inconcebíveis ao magistrado.

Não falemos da corrupção ou do favoritismo, que são delitos; mas até mesmo as mais leves nuances de preguiça, de negligência, de insensibilidade, quando se encontram num juiz, parecem graves culpas...

Os juízes são como os membros de uma ordem religiosa: é preciso que cada um deles seja um exemplo de virtude, se não quiserem que os crentes percam a fé.”

Síntese final

Síntese adequada nos faz já o art. 1º do recém aprovado Código de Ética da Magistratura Nacional:

“O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.”

Ou simplistamente, a filosofia budista citada nos Princípios de Ban-galore, abordando os princípios que regeriam o supremo juiz (p. 150):

“• Ele não deve ter grande desejo ou apego à riqueza e à propriedade; • Ele deve ser livre de medo ou favoritismo na desincumbência de seus deveres,

ser sincero nas suas intenções e não deve enganar o público; • Ele deve possuir um bom temperamento; • Ele deve levar uma vida simples e não deve se entregar a uma vida de luxúria e

deve ter autocontrole; • Ele não deve ter ressentimento contra qualquer pessoa; • Ele deve ser apto a suportar adversidades, dificuldades e insultos sem perder a

paciência.”

Em suma: trabalharão de modo extraordinário, com exigido aperfeiço-amento contínuo, seu merecimento jamais terá adequado reconhecimento

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e raros serão os elogios desinteressados, precisarão ser mais contidos e prudentes que a maioria, serão vigiados, cobrados e criticados.

É difícil, mas é maravilhoso!A cada dia que chegarem em casa conscientes de terem atendido a

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Discurso*

Guilherme Maines Caon**

Hoje é um grande dia para todos nós. É um grande dia para o Tribu-nal Regional Federal da 4ª Região, que passa a admitir em seus quadros dezenove novos juízes federais rigorosamente selecionados por meio de um processo seletivo transparente, criterioso e marcado, em todas as suas fases, pela competência e pela idoneidade dos membros da comissão examinadora.

É um grande dia para nós, novos juízes, que temos a honra de ingres-sar em tão nobre instituição, marcada pela qualidade de seus serviços, pela qualidade de sua administração e por estar sempre na vanguarda da prestação jurisdicional em nosso país.

É um grande dia para nós que uma vez sonhamos em ser juízes federais e neste exato momento estamos realizando o nosso sonho; estamos alcan-çando o nosso objetivo. Estamos aqui porque tivemos fé, porque fomos aguerridos, porque nos dedicamos por inteiro a esta conquista. Enfim, porque decidimos que não poderíamos ser menores que nosso sonho.

Por isso este é um grande dia para vocês, nossos queridos convidados. Vocês, que nos amam de verdade e que confiaram em nós; que acredi-taram em nosso sonho; que foram a nossa retaguarda; que estiveram ao * Discurso proferido em nome dos novos magistrados durante a solenidade de posse de 19 Juízes Federais Substitutos, realizada no Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 15.09.2008.** Classificado em primeiro lugar no XIII Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz Federal Substituto da 4ª Região.

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nosso lado em todas as horas; e com quem temos a imensa felicidade de partilhar este momento. Vocês somaram forças e não hesitaram em nos acompanhar nesta jornada.

Digo também que hoje é um grande dia para o Brasil, que recebe como novos magistrados federais dezenove cidadãos comprometidos com a realização prática da nova ordem jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988. Dezenove cidadãos que, como Konrad Hesse, acreditam na força normativa da Constituição, no seu poder transformador da rea-lidade. Dezenove cidadãos que acreditam no Direito como instrumento à disposição da realização das necessidades do homem.

O que a sociedade pode esperar de um juiz federal nos dias de hoje? Ser um juiz federal é viver com os pés no chão e o olhar nas estrelas. Ou seja, é acreditar que há muito o que fazer pela materialização dos valores consagrados na Carta de 1988, mas que este é um trabalho que será feito dia após dia, em cada decisão, em cada sentença. É chamar para si a responsabilidade de garantir que a Constituição e as leis brasileiras sejam respeitadas e cumpridas, de assegurar os direitos de cada pessoa que busque a Justiça e de tornar efetivos os deveres de cada um perante o ordenamento jurídico brasileiro. É ser o responsável pela condução do devido processo legal, pela condução de um processo célere que sirva como instrumento eficaz à realização do direito material. É reprimir todo e qualquer abuso de autoridade, intolerável em um Estado Democrático de Direito, mas também reprimir e punir, na justa medida, toda e qualquer infração à ordem jurídica.

A competência da Justiça Federal está delineada na Constituição Federal. Basicamente, aos juízes federais compete julgar as causas de interesse da União e dos demais entes federais. O processo histórico brasileiro nos colocou diante de uma situação em que grande parte das necessidades públicas devem ser satisfeitas por meio da Administração Federal. Portanto, a nós, juízes federais, compete fazer valer, com força de coisa julgada, o respeito aos direitos de cada cidadão, individual ou coletivamente considerados. Compete, ainda, fazer valer, com força de coisa julgada, o respeito ao princípio da legalidade, no trato da coisa pública. Que ninguém jamais duvide da seriedade com que será tratada a coisa pública pelos juízes federais! Eis que nossa jurisdição abrange também a seara criminal, onde o Direito age com a sua maior força con-

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tra aqueles que atentam contra os bens maiores de nosso ordenamento.Estamos cientes, neste momento, do tamanho de nossa responsabi-

lidade e da grandeza da missão que assumimos. Juramos aqui respeitar e aplicar a Constituição e as leis brasileiras. Mas juramos também nos dedicar de verdade ao exercício de tão honrosa função. Tenho certeza de que nela encontraremos a nossa realização profissional.

É com uma imensa felicidade que neste momento aceitamos e to-mamos posse no cargo de juiz federal substituto. E quando alguém nos perguntar por que escolhemos ser juízes federais, que respondamos: porque acreditamos no Direito; porque acreditamos na Justiça; porque acreditamos no potencial do ser humano; porque acreditamos no Brasil;

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ACÓRDÃOS

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DIREITO ADMINISTRATIVO

E DIREITO CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.72.05.000103-2/SC

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Apelante: JFT Com. de Alimentos Ltda.Advogado: Drs. Sergio Fernando Hess de Souza e outros

Apelado: Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Indl. - INMETRO

Advogada: Dra. Eleonora Savas Fuhrmeister

EMENTA

Execução fiscal. Multa aplicada pelo INMETRO. Comercialização do chope. Inclusão do colarinho na sua medição.

A medição realizada na bebida comercializada, denominada de cho-pe, deve considerar o colarinho, pois este integra a própria bebida e é o próprio produto no estado “espuma” em função do processo de pressão a que é submetida a referida bebida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 23 de setembro de 2008.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

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RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de recur-so de apelação contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução, mantendo a dívida cobrada por meio da CDA juntada aos autos da execução fiscal em apenso. Condenou a embargante no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o crédito exigido na execução fiscal.

A parte apelante alega, inicialmente, que a certidão de Dívida Ativa não preenche os requisitos legais, não estando acompanhada do demons-trativo atualizado do débito. Sustenta, também, a nulidade da multa imposta por infração fundamentada em portaria do INMETRO. Por fim, afirma que a autuação decorrente da medição efetuada na quantidade de bebida comercializada em seu estabelecimento, denominada de chope, não considerou o “colarinho.”

Com contra-razões, vieram os presentes autos conclusos.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Inicialmente, quanto à preliminar de inépcia da inicial por ausência de demonstrativo atualizado do débito, entendo que o mesmo não é documento indis-pensável à propositura da ação, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 6.830/80, que dispõe sobre a petição inicial da execução fiscal, afastando a prefacial.

No mesmo sentido, a jurisprudência desta Corte:“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIO-

NAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. ANUIDADES. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. (...) - A memória discriminada de cálculo (art. 614, II, do CPC) não é documento indispensável à propositura da ação. A certidão de dívida ativa constitui-se em título executivo extrajudicial (arts. 585, VI, e 586 do CPC), apto a, por si só, ensejar a execução, pois decorre de lei a presunção de liquidez e certeza do débito que traduz. A inscrição cria o título, e a certidão de inscrição o documento para efeito de ajuizamento da cobrança judicial pelo rito es-pecial da Lei nº 6.830/80. A teor do disposto nos arts. 3º e 6º, § 1º, da Lei nº 6.830/80 e no art. 204 do CTN, a CDA goza de presunção de certeza e liquidez que só pode ser elidida mediante prova inequívoca a cargo do embargante. Meras alegações de

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irregularidades ou de incerteza do título, sem prova capaz de comprovar o alegado, não retiram da CDA a certeza e a liquidez. (...)” (TRF4, AC 2005.04.01.016056-3, Primeira Turma, Relator Vivian Josete Pantaleão Caminha, DJ 12.07.2006)

“APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE-MONSTRATIVO DE DÉBITO (CONTA GRÁFICA). CDA. REQUISITOS. SELIC. MULTA. CDC. 1. Não há reconhecer nulidade da CDA pela ausência do demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação (conta gráfica), uma vez que não constitui documento essencial à propositura, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 6.830/80, que dispõe sobre a petição inicial da execução fiscal. 2. A argüição de nulidade da CDA por parte da embargante/executada, ou de terceiro a quem aprovei-te, deve vir acompanhada de prova inequívoca de sua ocorrência, não se mostrando suficiente para o afastamento de sua presunção de certeza e liquidez (art. 3º da Lei 6.830/80) a mera afirmação de que os dados insertos na certidão não estão corretos ou são incompreensíveis. (...)” (TRF4, AC 2005.72.14.000579-5, Primeira Turma, Relator Álvaro Eduardo Junqueira, DJ 30.08.2006)

Não assiste razão ao recorrente ao alegar a nulidade da CDA. A cer-tidão de dívida ativa que instrui o processo executivo em apenso refere, expressamente, a natureza da dívida, sendo que a forma de calcular os juros e encargos legais, inclusive a multa, consta da fundamentação legal pertinente ao débito, exaustivamente consignada no título executivo. De forma que não observo qualquer infringência das matrizes jurídicas que regulamentam a matéria.

Quanto à impossibilidade de imposição de multa sem respaldo de lei, melhor sorte não assiste à parte recorrente.

A Lei nº 9.933/1999, que dispõe sobre as competências do Conmetro e do Inmetro, estabeleceu, em seu art. 3º, o seguinte:

“Art. 3º O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - Inmetro, autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criado pela Lei nº 5.966, de 1973, é competente para:

I - elaborar e expedir regulamentos técnicos nas áreas que lhe forem determinadas pelo Conmetro;

II - elaborar e expedir, com exclusividade, regulamentos técnicos na área de Me-trologia, abrangendo o controle das quantidades com que os produtos, previamente medidos sem a presença do consumidor, são comercializados, cabendo-lhe determinar a forma de indicação das referidas quantidades, bem assim os desvios tolerados;

III - exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Me-trologia Legal;”

Nos termos do dispositivo legal acima transcrito, se revestem de le-

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galidade as portarias editadas pelo INMETRO, eis que esse órgão tem como finalidade elaborar e expedir, com exclusividade, os regulamentos técnicos na área de Metrologia e exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal. Nesse sentido já decidiu a 2ª Seção desta Corte:

“EMBARGOS INFRINGENTES. COMPETÊNCIA. INMETRO. AUTO DE IN-FRAÇÃO. ILEGALIDADE NÃO RECONHECIDA. - A Lei nº 9933/99, art. 3º, II e III, atribui competência ao INMETRO para elaborar e expedir, com exclusividade, re-gulamentos técnicos na área de Metrologia, abrangendo o controle das quantidades com que os produtos são comercializados, assim como exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal. Regulamentar a lei, completá-la para lhe conferir maior efetividade, é função típica de instrumentos administrativos, não ocorrendo nisso qualquer ilegalidade, sobretudo quando a finalidade precípua é a defesa do consumidor, sendo este direito fundamental garantido pela Constituição e princípio orientador da ordem econômica por esta estabelecida. Infringência aos artigos 1º e 2º da Portaria nº 05/98, do INMETRO, e 39, inciso VIII, da Lei 8078/90. Ilegalidade da autuação não reconhecida.” (TRF4, EIAC 2002.70.00.029260-5, Segunda Seção, Relator Edgard Antonio Lippmann Júnior, DJ 13.07.2005)

No que se refere ao mérito da infração, entendo que assiste razão à recorrente.

A multa imposta à embargante decorreu de autuação de fiscal do INMETRO em face de irregularidade na medição de chope por ela co-mercializado.

É de ser provido o presente recurso, porque efetivamente há um desvio na interpretação efetuada pelo fiscal do INMETRO. Ora, o chope sem colarinho não é chope, como conhecido nacionalmente. Aliás o colarinho integra a própria bebida e é o próprio produto no estado “es-puma”, em função do processo de pressão a que é submetida a bebida chope. Portanto, entendo que a portaria do INMETRO em tela não se aplica ao chope, na forma em que mediu o fiscal, ou seja, o chope é também o seu colarinho. Assim, a bebida servida pela parte embargante estava de acordo com as caracterizações necessárias.

Assim sendo, deve ser dado provimento ao presente recurso para julgar procedentes os embargos à execução, determinando a des-constituição da certidão de Dívida Ativa que fundamenta a execução fiscal nº 2002.72.05.004242-2 e invertendo os ônus sucumbenciais.

Por fim, ressalvo que não é necessário ao julgador enfrentar os dispo-

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sitivos legais citados pela parte ou obrigatória a menção dos dispositivos legais em que fundamenta a decisão, desde que enfrente as questões jurídicas postas na ação e fundamente, devidamente, seu convencimento.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.70.06.003673-4/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios

Apelante: R.C.C.G.Advogados: Drs. Flavio Pansieri e outros

Apelante: Ministério Público FederalApelada: União Federal

Advogado: Dr. Luis Antonio Alcoba de Freitas

EMENTA

Direito Internacional. Direito Constitucional. Repatriação de criança. Convenção sobre os aspectos civis da subtração e da retenção ilícitas e internacionais de crianças. Proteção da dignidade da pessoa humana.

Busca e apreensão de criança. Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças de Haia (Decreto nº 3.413/2000). Disputa entre o pai e a mãe naturais. Jurisdição internacional e lei apli-cável.

Aplicação dos artigos 13 e 20 da Convenção, dada a realidade fática e a força normativa do artigo 227 da Constituição da República de 1988, informador do dever internacional de cooperação judiciária.

Prevalência dos direitos fundamentais da criança, em especial da proteção da dignidade da pessoa humana, diante de prognósticos desa-companhados de elementos concretos e de considerações abstratas sobre

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a resolução da situação familiar.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 03 de junho de 2008.Juiz Federal Roger Raupp Rios, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi: A União Federal ajuizou ação cautelar de busca e apreensão do menor L.G.A. (doravante indicado como “a criança”), filho de R.C.C.G. (doravante indicada como “a mãe”) e A.B.A. (doravante indicado como “o pai”), a fim de assegurar o retorno aos Estados Unidos da América, ante a retirada ilícita do convívio com o pai. Tanto fez em cumprimento de seu dever de autoridade central decorrente de compromisso internacionalmente assumido através da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crian-ças de Haia, internalizada definitivamente no Brasil pelo D. 3.413/2000 (doravante “a Convenção”).

Narra a requerente que a mãe, então casada com o pai, teria deixado o domicílio conjugal em agosto de 2004 acompanhada do filho comum, portando autorização dada pelo pai para viagem ao Brasil, traslado que se efetivou. O pai aquiesceu sob condição de retorno ao território norte--americano tão logo ultimada a visita aos familiares da mãe, no dia 9 de setembro de 2004. Essa limitação não consta da autorização de viagem preparada conforme formulário próprio apresentado e validado pela autoridade consular brasileira nos Estados Unidos da América.

Não retornando mãe ou filho, o pai acionou as autoridades norte--americanas com atribuições para, com base na legislação internacional mencionada, remeter à autoridade central brasileira pedido de cooperação jurídica. Esta última, por sua vez, remeteu correspondência à mãe, que respondeu informando decisão por Juízo de Direito concedendo à mãe a guarda provisória do filho.

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O filho contava pouco menos de quatro anos à época.Com base nesses fatos, a União alega que a conduta da mãe se enqua-

dra nas hipóteses de subtração ilícita de menor previstas na Convenção de Haia, haja vista o ajuizamento da ação de guarda uma semana após a chegada ao País e antes da data prevista para retorno.

Em contestação a mãe alegou que, embora separada de fato, ainda compartilhava residência com o ex-cônjuge, porquanto este não permitia que ela trabalhasse. Referiu que a autorização para vinda ao Brasil do menor foi dada pelo pai sem indicação de data para retorno. Aduz que, informado o pai de que não retornaria em 9 de setembro de 2004, ele ameaçou acusá-la de seqüestro do filho. Argumenta que jamais impossi-bilitou o contato entre os dois e que o pai não teria demonstrado nenhum interesse pela criança.

Nas fls. 26 a 28, há cópia de ocorrência policial norte-americana, vertida em inglês, datada de 14 de julho de 2004, dando conta de forte altercação entre o pai e a mãe na residência comum de então, tendo a mãe optado por se afastar do local.

Há ordem judicial norte-americana a favor do pai, datada de 27 de outubro de 2004 (fls. 41 a 44), cujo conteúdo traduzido (fl. 41) assim dis-põe: “a criança [abaixo] não deve ser removida da jurisdição do Tribunal durante a pendência deste processo ou até segunda ordem do Tribunal”. A interpretação que se dá a tal ordem é de que o juízo norte-americano demanda submissão a seu poder, exercitará esse poder na solução do divórcio entre pai e mãe e resolverá a questão da guarda da criança. Em 7 de janeiro de 2005 foi expedido mandado de busca e apreensão da criança pela corte norte-americana (fls. 50 a 52 e 75 a 79).

O Ministério Público Federal indicou em 21 de março de 2006 a pen-dência da dualidade de processos (fl. 269 e verso), à vista do pedido de guarda que tramitava perante a Justiça Estadual. Daí se seguiu conflito de competência, resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça em outubro de 2006. Em 14 de dezembro de 2006, já reunidos os processos (autos nº 2006.70.06.003576-0 em apenso), determinou o Juízo de origem oportunidade de conciliação; as tratativas formuladas diretamente com a autoridade central norte-americana resultaram infrutíferas, inclusive rejeitada a possibilidade de reunião por videoconferência.

Determinada a produção de prova pericial em busca de informações

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relacionadas com a ressalva final do art. 12 da Convenção fundante do pedido dos autos, interpôs a União agravo retido, quedando-se silente a mãe e mantida a decisão (fl. 352). A seguir foi produzida prova pericial para verificar a integração da criança ao meio em que permanece desde a vinda para o Brasil (fls. 364 a 404). O laudo foi protocolado em Juízo em 28 de março de 2007; também apresentou laudo a assistente técnica da União.

O Ministério Público Federal em primeira instância opinou pela “ma-nutenção da guarda [da criança] com a requerida, regulando-se o direito de visitas do pai, por ser a medida que corresponde à tutela e preservação do melhor interesse da criança” (fl. 403, em 16 de maio de 2007).

Sobreveio sentença, de 15 de junho de 2007, que julgou procedente a ação, para deferir a busca e apreensão do menor, para ser posteriormente encaminhado à autoridade central dos Estados Unidos da América.

Apelou a requerida, repisando os argumentos da contestação. Há preliminar de violação da autoridade do Superior Tribunal de Justiça para homologação de sentença estrangeira ou concessão de exequatur a carta rogatória passiva. Afirma que a ausência de data de retorno na autorização de viagem firmada pelo pai da criança exclui tipicidade em sua conduta, mais relevado o fato pela carência de recursos para retorno aos Estados Unidos da América e manutenção pessoal e do filho naquele país. Afirma que a Convenção admite a permanência da criança no local para que foi removida quando estiver perfeitamente integrada naquele ambiente. Interpreta os fatos dos autos a seu favor, temendo pelo bem estar pessoal da criança se retornasse aos Estados Unidos da América. Afirma que a solução da perícia favorece a permanência da criança no Brasil, facultando-se o contato com o pai.

Apelou também o Ministério Público Federal, afirmando que a per-manência no Brasil assegura os interesses do menor, visto que já se adaptou ao meio em que vive. Aduz que o retorno do menor aos Estados Unidos da América é medida desproporcional, e que não é consentânea com as conclusões periciais. Requereu a atribuição de efeito suspensivo à apelação.

A autoridade central norte-americana expressou satisfação com o resultado do julgamento e indicou comprometimento no sentido de fa-cilitar a autorização de ingresso nos Estados Unidos da América à mãe,

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ora requerida, mediante hipótese especial apropriada para tais casos (fls. 495 a 498).

Pela decisão das fls. 532 a 533 foi deferido efeito suspensivo aos recursos de apelação. Houve resposta da União aos recursos.

Vieram os autos a este Tribunal em 18 de outubro de 2007, sendo imediatamente encaminhados ao Ministério Público Federal (fl. 546).

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento dos apelos (fls. 547 a 551, 10 de dezembro de 2007).

Em 12 de dezembro de 2007 proferi a decisão da fl. 558 e verso, indeferindo pleito de efeito suspensivo ao recurso, uma vez que já atri-buído no recurso do Ministério Público Federal. Seguiram-se intimações, concluídas em 11 de janeiro de 2008. Veio aos autos expediente em que se resolveu, no Juízo de origem, sobre pedido de afastamento da cidade de origem da requerida com a criança, condições por mim resolvidas mediante delegação ao Juízo de origem da competência para resolver as questões de vigilância e afastamento de mãe e filho da cidade em que estão (fl. 581), pois sujeitos à ordem de não se afastarem do Município (fl. 435).

Em 26 de março de 2008, cumprida vista ao Ministério Público Federal dos desdobramentos finais, retornaram para julgamento.

Em apenso os autos nº 2006.70.06.003576-0, ação de guarda com pedido de guarda provisória, que teve origem em Juízo de Direito e veio à Justiça Federal por conexão com os presentes autos. Naqueles autos foi proferida sentença de extinção sem resolução de mérito, por força da solução empregada neste processo pelo Juízo de origem. Será oferecido a julgamento em separado aquele processo.

Relatado em 23 de maio de 2008.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios: Preliminar. Extrater-ritorialidade da decisão norte-americana. A preliminar suscitada em contestação e em apelação afirma haver usurpação de poder do Superior Tribunal de Justiça, pois a implementação dos fatos pretendidos pela União nestes autos com a coerção judicial implicaria em executar ordem de Juízo estrangeiro sem a competente delibação.

A sentença bem enfrentou a questão (fl. 412), por razões que adoto

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como fundamentos de decidir, distinguindo a situação do cumprimento de carta rogatória passiva ou homologação de sentença estrangeira e a cooperação jurídica internacional direta:

“São do[i]s âmbitos bem distintos: o caminho da concessão de exequatur a cartas rogatórias e da homologação de sentenças estrangeiras e a trilha da busca, apreensão e repatriação com base na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis da Subtração e da Retenção Ilícitas e Internacionais de Crianças.

A pretensão exposta na inicial não guarda pertinência alguma com a efetivação de sentença ou de ordem judicial estrangeira, pois o contexto da demanda em exame é o da cooperação judiciária internacional, que não se exprime apenas mediante o cum-primento de carta rogatórias ou de atos jurisdicionais estrangeiros, após o referendo do Superior Tribunal de Justiça. [...]

A cooperação judicial internacional direta foi prevista na Convenção de Haia sobre Aspectos Civis da Subtração e da Retenção Ilícitas e Internacionais de Crianças por ter a especial e essencial característica de possibilitar a adoção, pelos países signatários, de iniciativas no âmbito de seus respectivos territórios capazes de propiciar o efetivo cumprimento de obrigações assumidas para com todos os outros países signatários independentemente de atos jurisdicionais estrangeiros.”

Rejeita-se, pois, a preliminar.Preliminar. Jurisdição internacional, lei aplicável. Está presente ele-

mento de estraneidade na situação dos autos, exigindo solução de Direito Internacional Privado. Preliminarmente, todavia, há que se considerar o problema da jurisdição internacional.

O caso é de competência internacional concorrente conforme a lei brasileira, nos termos do art. 88 do Código de Processo Civil, em situa-ção fática que pode ser adaptada às três hipóteses descritas nos incisos desse dispositivo. Ademais, a busca e a apreensão têm conotação de exercício de poder constritivo sobre pessoa, atividade de concreção do Direito que somente pode ser legitimamente executada no Brasil sob autoridade jurisdicional brasileira.

A questão da lei aplicável, tema de Direito Internacional Privado, não indica aplicação de lei estrangeira. Apesar do que dispõe o art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil (DL 4.657/1942), há norma especial aplicável ao caso concreto dos autos – restrito à busca e apreensão, com repatriação –, que é o texto da Convenção. Não se olvida que os pres-supostos lógicos das normas da Convenção, as “questões prévias” da residência habitual e do direito de guarda antes da remoção pretendida

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reverter, exigem exame da lei estrangeira. À tal aplicação está regular-mente habilitado o Juiz nacional, por aplicação do próprio art. 7º da Lei de Introdução do Código Civil.

Mérito. As situações que recaem nos suportes fáticos abstratos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, Haia, 25 de outubro de 1980, internalizada no Brasil pelo D. nº 3.413/2000, contêm em si conseqüências fortíssimas para os envol-vidos. O desfazimento ou a não-constituição dos vínculos familiares, parentais, interpondo-se conflito e distância física, além das questões de território e nacionalidade, é circunstância preexistente ao recurso ao Judiciário e torna a intervenção que se execute, qualquer que seja a solução, um encargo muito pesado sobre todos os que venham a sofrer a eficácia da sentença.

De início, portanto, mister afirmarem os princípios jurídicos que devem orientar o provimento judicial. Como é cediço, os direitos funda-mentais são o norte normativo básico; dentre eles, sobressaem os direitos fundamentais da criança, princípio jurídico expresso no artigo 227 da Constituição de 1988, ao qual, à evidência, subordina-se, no conteúdo e na interpretação, o instrumento de direito internacional público invocado.

Aliás, neste sentido anda a convenção suscitada, ao registrar nos seus considerandos: “Os Estados signatários da presente Convenção, firmemente convictos de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua guarda; [...]”

Em busca de informar qual o interesse da criança, foi produzida pro-va pericial, com o escopo de “aferir a integração [da criança] ao meio em que permanece desde a vinda para o Brasil” (fl. 365, parte do laudo das fls. 364 a 376). A impressão ao ler as conclusões da perita sobre a primeira entrevista com a criança reafirma o drama vivenciado (fl. 368):

“[F]icou muito claro o fato de que [a criança] não conseguia entrar em contato com as atividades que diziam respeito ao assunto família [...] Ao que se refere ao Teste Projetivo, [a criança] apresenta sofrimento emocional ao entrar em contato com o tema ‘Casamento e Família’. [...]”

Sobre o tema familiar anotou a assistente técnica da União (em re-presentação do pai - fl. 390):

“Durante os encontros de que participou [a criança] demonstrou ter claro que os pais

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não voltarão a residir sob o mesmo teto, embora pela sua vontade gostaria que fosse diferente. Denota inquietação e ansiedade quando se refere a este assunto, claramente prefere não falar sobre este tema.”

Investigando a vinculação com o pai ou a mãe individualmente, anotou a perita (fl. 369):

“No tema aferido como relacionamento com os pais (dependência x independên-cia), verificou-se uma resposta de independência por parte da criança, não apresen-tando predileção por nenhum dos genitores, sendo acompanhado por sentimentos de ansiedade e medo. A situação teste revelou um conflito de lealdade com a mãe, porque foi com esta que viveu os últimos dois anos, e verificou-se um sentimento de culpa ao citar o pai na maioria das respostas do teste, gerando o sentimento de fuga desta situação de enfrentamento do ego – na sua idade ainda desprotegido e despreparado – para esta situação de desgaste emocional. [...] O menor demonstra vagas e boas lembranças do pai, como por exemplo, no episódio da piscina quando nadava com ele.”

Registrou a assistente técnica da União, sobre a vinculação com o pai (fl. 390):

“Por outro lado, num dos testes a que foi submetido, aproximou-se do pai e ao mesmo tempo pareceu ter sentido ter cometido [sic] uma conduta reprovável por esta escolha, ou seja, abandonou a mãe que tanto gosta, para escolher um pai de quem gosta também. Ainda necessita incorporar que pode gostar dos dois pais ao mesmo tempo e que ora pode estar com um deles, ora pode estar com o outro sem temer perdê-los.”

A vontade de se aproximar da figura paterna está presente na criança, conforme verificação da perita (fl. 370):

“Concluiu-se pelo teste que ante conteúdos edípicos a mãe surge como a polaridade mais importante, visto que tenta agradar a mãe para obter afeto, ao mesmo tempo em que demonstra sentimento de desejo em aproximar-se da figura paterna e ter relações estreitas com este. Tem medo de aproximar-se e não satisfazer o desejo materno. A instabilidade das relações parentais e o afastamento abrupto do pai pode ter causado sentimento de perda e ruptura, sendo prejudiciais para [a criança] em algumas vivências importantes para suas fases de desenvolvimento.”

Aos quesitos as especialistas responderam:“A) A criança já se encontra integrada ao seu novo meio?Resposta [da perita]: Sim. Observou-se durante as sessões que [a criança] relaciona-

-se bem com a mãe e com a tia, as quais residem na mesma casa. Possui momentos de lazer agradáveis como piscina e futebol, freqüenta a igreja adventista e a escola com os

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mesmos princípios. Não houve nenhum indício nos testes projetivos de não adaptação ao meio. Verificou-se através de visita à escola (a perita não teve contato com a crian-ça) uma interação adequada com os colegas e a professora, sendo que este participava de atividades propostas, concentrado no que estava fazendo. Isto foi ratificado pelo parecer descritivo dos responsáveis: Orientadora, Diretora e Professora [da criança], que afirmam ter desenvolvimento esperado para a idade, apresenta sociabilidade em suas relações com aspectos de liderança e somente atrito com colegas de mesmo perfil (denotando que [a criança] é muito competitiv[a] e tem dificuldades em aceitar frustração), demonstra facilidade no aprendizado, está em processo de alfabetização e não apresenta dificuldades com a língua portuguesa, já que sua primeira língua é o inglês. [...]”

Esta resposta é confirmada pela assistente técnica da União (fl. 390).Ressaltou-se, ainda, que a criança não atingiu maturidade suficiente

para decidir e escolher o que é melhor para si. Assim responderam as especialistas:

“C) A criança já atingiu idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto tratado neste procedimento?

Resposta [da perita]: Não se pode prever maturidade emocional uma vez que [a criança] ainda encontra-se em processo de formação e desenvolvimento da persona-lidade e não tem condições de decisão e escolha a respeito do que é melhor para si. Além do fato de que a ausência de contato com o pai por este período prejudicou a formação de vínculos afetivos com este.

Resposta da assistente técnica: Do ponto de vista teórico-científico, [a criança] encontra-se com apenas seis anos de idade, ainda em desenvolvimento e formação sócio-psico-físico-educacional, carecendo de orientação, proteção, segurança e afeto constantes por parte dos pais ou substitutos, portanto ainda necessita da presença do adulto responsável e afetivamente próximo para decidir e escolher por ele, portanto, a resposta é não.”

Quanto às conseqüências do retorno da criança para os Estados Unidos da América, assim se manifestam:

“F) É possível indicar o impacto psicológico que o eventual retorno aos Estados Unidos da América possa causar à criança?

Resposta [da perita]: Sim. O primeiro impacto verificado seria o da linguagem, a criança já está familiarizada com a língua portuguesa e exigiria dela uma nova adaptação à língua inglesa, mesmo sendo esta a primeira língua [da criança]. [...] Outro fator seria que [a criança] encontra-se desvinculad[a] do pai e poderia ser traumática uma medida extrema de rompimento de vínculo com a mãe, porque a criança já está integrada com a mãe e precisa se sentir segura no meio em que vive, e esta circunstância lhe traria insegurança, o que poderia trazer conseqüências negativas para o desenvolvimento

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integral da sua personalidade nesta fase.(grifei) Resposta da assistente técnica: [...] Em termos científicos poder-se-ia apontar algum

desses impactos: - o rompimento do vínculo com a mãe, ela é o seu porto seguro, conseqüências

danosas poderiam advir, prejudicando seu desenvolvimento e formação; - dificuldade de aproximação entre pai e filho, dado o distanciamento geográfico,

temporal e afetivo estabelecidos, são quase três anos de distanciamento.G) Acaso positiva a resposta ao sexto quesito, é aconselhável o retorno da criança

ao convívio com o pai nos Estados Unidos da América?Resposta [da perita]: Este retorno somente é aconselhável com a guarda da mãe, pois

causaria ruptura do vínculo materno, sendo este muito importante para ele nesta fase de desenvolvimento de personalidade. Desta forma, a criança teria sua personalidade preservada e poderia conviver com o pai sem prejudicar seu desenvolvimento psíquico.

Resposta da assistente técnica: [...] retornar para os Estados Unidos da América seria um fator desestabilizante para a criança como um todo. [...] deve haver também sensibilidade necessária para decidir sobre um novo destino de uma criança; [...] (grifei)

Outro fator que poderia ser considerado, evitando com isso maiores transtornos à vida [da criança], sua dupla cidadania, ou seja, que os aspectos da guarda desta criança ocorra em território brasileiro; [...]

H) Acaso positiva a resposta ao sexto quesito, é aconselhável a permanência da criança no convívio com a mãe na República Federativa do Brasil?

Resposta: De acordo com as observações nas sessões com a criança, sendo ratifica-do através de Testes projetivos, verificou-se que o convívio e o contato com o pai são necessários. Dessa forma, o local de residência mais apropriado seria onde o contato e convívio com a figura paterna e materna pudessem ser contínuos, favorecendo o vínculo com ambos. Assim, a permanência no Brasil somente seria adequada se houvesse a possibilidade do genitor manter contato através de visitas e/ou por telefone, fazendo-se presente na relação.”

A perita concluiu (fl. 377):“Sugere-se que [a criança] possa ter convívio com a figura paterna e materna, favo-

recendo o vínculo com ambos e oferecendo uma aproximação com o pai de maneira gra-dativa e sem imposições rígidas e imediatas, mantendo-se a guarda com a mãe, a fim de não causar ruptura deste vínculo. Dessa forma, o local de moradia mais apropriado seria o que melhor direcionasse a situação para formação desse vínculo familiar, que ocorra de maneira menos abrupta possível diminuindo os riscos de traumas desnecessários.”

A assistente técnica concluiu (fl. 393):“[A criança] deixou transparecer durante o procedimento avaliativo ser uma crian-

ça centrada e feliz, convivendo bem com seus pares, desde o seu núcleo familiar, ao escolar, ao religioso. [...](grifei)

Se for preciso que [a criança] retorne aos Estados Unidos da América para que [mãe

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e pai] possam discutir o mérito da guarda deste filho, que a mãe possa acompanhá-lo e lá permanecer e que, a bem de sua saúde biopsicossocial, possa ter nos Estados Unidos da América um emprego condizente com sua formação profissional, uma residência digna para ela e o filho, escola satisfatória para este filho, ou seja, um padrão similar àquele que ambos vêm tendo no Brasil. Isto é o mínimo que esta mãe carece para criar seu filho com dignidade.”

Desses excertos é possível concluir que a criança que se pretende repatriar está em boas condições físicas, psíquicas e sociais no Brasil, inserida em família capaz de manter essa situação. Revela-se, ainda, que há carência do afeto do pai, fato estimulado pela fantasia infantil, pela falta de contato e pela reticência da mãe em tratar do assunto. A expectativa de conseqüências do envio da criança para os Estados Unidos da América é de prejuízo às condições físicas, psíquicas e sociais, pois não se têm informações sobre quais as circunstâncias que o aguardam.

A propósito desta última afirmação, a revisão dos autos evidencia que faltam dados sobre as condições que a criança encontrará se for repa-triada e entregue à guarda do pai. Nas fls. 39 a 70 há uma seqüência de fotografias em que se supõe sejam retratados a criança, o pai e a mãe; em algumas delas há a criança junto do pai demonstrando satisfação. Após tratativas que envolveram as autoridades centrais do Brasil e dos Estados Unidos da América, foi colhido depoimento do pai, fls. 198 a 206. Lá constam declarações de afeto para com o filho, de angústia pela distância, de comprometimento da vida pessoal por conta da situação, de tentativas de contato malsucedidas, acusações à mãe de ter contribuído para o fim do casamento e de premeditação da viagem ao Brasil com o objetivo de aqui permanecer com o filho, independentemente da vontade do pai. Está declarada a vivência do pai inserida em família própria, residindo à oportunidade com uma das irmãs, e reportando outros parentes nos Estados Unidos da América. Há relatos de dificuldades financeiras, mas indicação de renda suficiente para suprir minimamente as necessidades da criança.

O depoimento foi colhido em audiência perante o Juízo de origem, em 25 de janeiro de 2006; foram juntados aos autos diversos documentos registrando as tentativas do pai de reaver o filho, recorrendo a órgãos governamentais e privados, incluindo representantes parlamentares no Congresso norte-americano e agentes consulares daquele país no Brasil.

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A sentença discorre sobre o depoimento do pai (fl. 419):“Em todo caso, não é demais asseverar que [o pai] demonstrou intenso interesse

em reaver o filho, tendo tomado todas as medidas legais que estavam ao seu alcance: desde a comunicação à polícia local, ao Poder Judiciário norte-americano e à Autoridade Central norte-americana até o endereçamento de petições ao Congresso norte-americano (fls. 209/245). Além disso, [o pai] veio ao Brasil e compareceu, a pedido dele próprio, em audiência para prestação de informações neste procedimento, momento no qual cuidou de pedir a juntada a estes autos de documentos obtidos na Internet e relacio-nados a notícias de jornais [...] que davam conta da situação vivenciada pela criança.”

O parecer final do Ministério Público Federal em primeira instância, fls. 397 a 403, declara a percepção jurídica da situação (fls. 398 e 399):

“Percebe-se, à luz do artigo 3º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, que houve, em tese, por parte da requerida, a subtração ilícita do menor, a retenção ilegal em localidade fora do País de residência habitual e a tenta-tiva de burla à jurisdição competente para decidir sobre os direitos de guarda e visitas.

A requerida proporcionou, assim, a privação da convivência entre pai e filho, fato que poderia ter trazido graves conseqüências ao desenvolvimento moral e emocional da criança, bem como ter ocasionado danos psicológicos. Por outro lado, cabe ressaltar que a privação da convivência entre a mãe e o filho também poderia gerar os mesmos problemas.”

A propósito da definição da “residência habitual” da criança, conceito relevante para a incidência das normas convencionais, concluiu adequa-damente a sentença, após exame da documentação constante dos autos (fls. 414 e 415):

“As versões [do pai] e [da mãe] convergem no sentido de que houve, efetivamente, mudança de domicílio para o estado da Flórida, mas em momento algum qualquer deles, enquanto perdurou a convivência entre ambos, chegou a fixar domicílio fora do território norte-americano.

Esta constatação faz com que se possa, seguramente, concluir que, ao menos até a data da partida [da mãe] e [da criança] para a República Federativa do Brasil, o do-micílio do casal – e obviamente o da criança – correspondia à residência [na] Flórida, [...] Estados Unidos da América.”

Com respeito à implementação efetiva do suporte fático do art. 3º da Convenção, a sentença registrou a concreção dos fatos pertinentes, com a violação do direito de guarda atribuído ao pai em conjunto com a mãe – dada a coabitação reconhecida por todos os intervenientes no processo – efetivamente exercido no período imediatamente anterior à

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transferência da criança para o Brasil. A aplicação da lei norte-americana do Estado da Flórida (tradução para o português na fl. 9 dos autos) a propósito do direito de guarda aponta solução semelhante à da lei bra-sileira para o caso concreto (arts. 1.583 a 1.589 e 1.630 a 1.632, todos do Código Civil). Vale notar que ao tempo do afastamento da residência habitual da criança os pais detinham “custódia conjunta”, nos termos da cláusula final da lei norte-americana.

A sentença concluiu pelo retorno da criança aos Estados Unidos, re-comendando à mãe que lhe acompanhe, a fim de minorar os sofrimentos por todos suportados.

No entanto, com a devida vênia do magistrado de origem, tenho que a solução mais prudente é pela aplicação das ressalvas aos artigos 3º e 12 da Convenção, relacionadas aos artigos 13 e 20.

Rezam tais dispositivos:“Artigo 3º - A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita

quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou

a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjun-tamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado.

Artigo 12 - Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a auto-ridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio.

Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para outro Estado, poderá suspender o processo ou rejeitar o pedido para o retorno da criança.

Artigo 13 - Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da

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criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar: a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da

criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão tomar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pela Autoridade Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança.

Artigo 20 - O retorno da criança de acordo com as disposições contidas no artigo 12 poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.”

Como acima referi, a interpretação destas normas, ademais, sub-mete-se ao conteúdo jurídico do artigo 227 da Constituição da 1988, que sintetiza e reforça o regime jurídico dos direitos fundamentais de crianças e de adolescentes.

Como dito, a sentença concluiu pelo dever de retorno da criança, dada a inaplicabilidade do artigo 13 ao caso. A seu ver, “não há indícios nestes autos de que haveria tais perigos com a entrega da criança às autoridades norte-americanas ou até mesmo a A.B.A.. Ao contrário: a Senhora Perita atestou que L.G.A. tem boas lembranças de um pai que não demonstrava agressividade.” (fl. 224)

Com relação à ressalva do artigo 12 (“A autoridade judicial ou admi-nistrativa respectiva, mesmo após expirado o período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio”), o julgador monocrático registrou que, apesar de a perícia ter apontado a inserção da criança ao novo meio, a criança “vem passando por sérios abalos emocionais por não poder manter contato direto com o pai, por não ter condições de alterar, sozinho, a realidade que vem vivenciando e por não querer perder o afeto da mãe demonstrando tais sentimentos.

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Esta situação obviamente se manterá intacta caso a pretensão exposta na inicial não seja acolhida. Isto porque ele e a mãe continuarão vivendo na América do Sul, enquanto que o pai continuará vivendo na América do Norte.” (fl. 226)

Diante deste contexto, avaliou a sentença, caberia à mãe, brasileira que residiu por dez anos nos EUA e possuidora de licença legal para trabalhar, voltar a residir no estrangeiro, dada sua história naquele país. A ela cabe considerar as dificuldades emocionais da criança e do pai, pois:

“O atual quadro fático é que não se mostra saudável para nenhum dos três! O pai distante milhares de quilômetros do filho e ansioso (para dizer o menos) por reavê-lo; o filho distante milhares de quilômetros do pai, ansioso (para dizer o menos) em reavê--lo, com medo de magoar a mãe ao demonstrar esse sentimento e sem compreender as tristes questões que envolvem a vida adulta; a mãe, próxima ao filho, ansiosa (para dizer o menos) por permanecer com a criança e temendo, a todo instante, uma decisão judicial contrária às suas expectativas, transmitindo ao filho, quer queira, quer não, a insegurança que vem sendo semeada, regada e cultivada desde o dia em que aterrissaram em solo brasileiro.” (fl. 227)

Por fim, quanto ao artigo 20, a sentença afastou o argumento do MPF, segundo o qual a dignidade humana da criança seria desrespeitada com uma mudança abrupta no exercício da guarda pela mãe. Consoante fun-damentou, a dignidade da pessoa humana é uma cláusula geral aberta, conceito jurídico indeterminado cujo conteúdo deve ser atribuído pelo julgador a cada caso concreto. De acordo com esta linha, assentou:

“E este caso concreto, justamente pela possibilidade de a própria R.C.C.G. retornar a residir nos Estados Unidos da América – e esse é o fundamento central da sentença que ora se prolata – e, com isso, pôr termo final ao sofrimento pelo qual ela, o ex--marido e acima de tudo, o filho vêm passando, demanda que se ponha termo ao atual e demonstrado desrespeito à dignidade de L.G.A., criança cujos direitos de persona-lidade são compostos por referências transcontinentais e culturalmente diversificadas (mãe brasileira e pai filipino naturalizado norte-americano) e que não lhe podem ser sonegados enquanto ele, por si só, não possa optar pela nacionalidade, pelo domicílio e pela residência que melhor atender aos próprios anseios.” (fl. 232)

A meu juízo, o que dos autos exsurge aponta para solução diversa da-quela emprestada pela sentença. O princípio cardeal a resolver este litígio é o bem estar da criança. O trabalho das peritas psicólogas só permite concluir, de modo concreto e seguro, (1) que a criança está adaptada e se desenvolve bem junto à mãe, em Guarapuava; (2) que, sem menos-

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prezar as dificuldades em virtude da falta do pai, uma separação da mãe, associada aos riscos inerentes ao retorno litigioso, lhe seriam traumáticos e de conseqüências imprevisíveis; e (3) que não há elementos concretos que autorizem prognóstico de melhor desenvolvimento da criança acaso deferida a ordem de retorno.

Diante disto, o decisivo é perquirir, concretamente, o que é melhor para a criança. Fazê-la retornar a um ambiente cujas dificuldades desa-guaram neste litígio, em virtude da retenção ilegal em terras brasileiras, ou responsabilizar a mãe, desde sua chegada aqui, pelos cuidados da criança, já inserida em meio social onde se encontra adaptada e revela bom desenvolvimento?

Questiona-se: em face da maior proteção à criança, a solução senten-cial, visando à compatibilização dos diversos encargos pessoais inevitá-veis ao pai, à mãe e ao filho, representa a melhor alternativa, diante do que se tem de concreto? Tem relevância a consideração sentencial segundo a qual a mãe tem o dever, senão jurídico, pelo menos moral, de retornar aos EUA em benefício do filho, o que militaria em favor do retorno?

Louvando o comprometimento do magistrado de origem com a melhor solução para o caso, não tenho como alinhar-me à solução proposta. De fato, nada há de concreto que recomende, do ponto de vista do bem estar da criança, a medida determinada pela sentença: devolução ao pai com recomendação de acompanhamento da mãe.

O que a convenção objetiva, e, em primeiro lugar, a Constituição Federal ordena, é a proteção e a promoção dos direitos da criança. A con-vivência simultânea, no tempo e no espaço, ainda que não sob o mesmo teto, com pai e mãe, em si mesma, não é a finalidade nem o objetivo da Constituição ou da convenção; esta presença pode se revelar, conforme o caso, um meio para beneficiar a criança. Mas, como se sabe, nem sempre é assim: em várias hipóteses, o convívio simultâneo ou geograficamente próximo com os genitores é prejudicial para a criança.

No caso, o que a convivência a três revelou foi danoso ao bem estar da criança e dos cônjuges. Sendo assim, determinar o retorno assinalan-do a possibilidade de acompanhamento materno, para evitar sofrimento desnecessário, não é lógico nem prudente. O que interessa, definitiva-mente, não é a facilidade ou dificuldade geográfica da presença paterna ou materna, mas sim a melhor situação para a criança.

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Partindo das premissas de que o convívio conjugal se tornou insu-portável e, portanto, desaconselhável para a criança, e de que, mais importante ainda, a criança se desenvolve bem onde está, determinar o retorno revela-se, a meu juízo, imprudente, quando não temerário: pode--se colocar em risco o que de positivo já existe, apostando-se em um futuro melhor cujos antecedentes já se mostraram prejudiciais.

Nesse contexto, considerar que a mãe tem o dever moral ou jurídico de voltar aos EUA afigura-se-me recolocar a criança em situação de risco, privando-a de situação saudável que hoje desfruta, ainda que imperfeita. Eis, com a devida vênia, a imprudência que se deve evitar, em atenção ao objetivo de proteger e de promover os direitos da criança. A proteção aos direitos da criança, com efeito, não pode ser avaliada em abstrato ou por meio de prognósticos divorciados daquilo que concretamente se sabe.

O Ministério Público Federal em suas razões, assim como a sentença em sua fundamentação, invoca a proteção da dignidade humana da crian-ça. O primeiro, para sustentar a guarda em favor da mãe e a negativa da devolução; a segunda, ponderando as esferas jurídicas envolvidas e as situações pessoais, para concluir pelo retorno da criança aos EUA e pelo dever de acompanhamento por parte da mãe.

Nessa linha, a sentença anotou (fl. 433):“[...] este caso concreto, justamente pela possibilidade de a própria [mãe] retornar

a residir nos Estados Unidos da América – e esse é o fundamento central da sentença que ora se prolata – e, com isso, pôr termo final ao sofrimento pelo qual ela, o ex--marido e, acima de tudo, o filho vêm passando, demanda que se ponha termo ao atual e demonstrado desrespeito à dignidade [da criança], [...] cujos direitos de personalidade são compostos por referências transcontinentais e culturalmente diversificadas [...] e que não lhe podem ser sonegados enquanto ele, por si só, não possa optar pela nacio-nalidade, pelo domicílio e pela residência que melhor atender aos próprios anseios.

Reafirmo: a pessoa com maiores chances de opção é [a mãe]. Juridicamente o caminho será o da entrega [da criança]. Uma trilha tortuosa, so-

frida e que poderá ser menos traumática acaso a mãe resolva acompanhar a criança e resolver a situação de vida, a situação empírica, a situação familiar que magistrado algum, autoridade central alguma, será capaz de alterar.

Que [a mãe] e [o pai], uma vez nos Estados Unidos da América, percebam, em conjunto, que as proporções continentais da experiência que vêm passando está invia-bilizando uma formação digna [da criança].

Em outras palavras: a dignidade d[a] [criança] somente será respeitada se a situação familiar for resolvida.”

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Adiante a sentença, na fl. 434: “[N]ão é o caso de [a criança] perder a mãe; o que el[e] precisa é ter o pai de volta. Esse é o superior interesse da criança no momento. [...]”

Diante da norma de direito fundamental que ordena a proteção da dignidade da pessoa humana, o que importa é perguntar-se qual o con-teúdo jurídico desta norma e sua concretização no caso em apreço. De-terminar o retorno da criança ao pai estadunidense com a recomendação de acompanhamento da mãe efetivamente protege a dignidade humana dos envolvidos?

Com a vênia do eminente julgador monocrático, a norma de direito fundamental protetiva da dignidade humana tem conteúdo jurídico a ser concretizado; este conteúdo jurídico é, em síntese, a consideração da pessoa como um fim em si mesmo, sendo vedada sua colocação em segundo plano para a consecução de outras finalidades externas à pessoa.

Nessa linha, pode-se facilmente avançar: o que importa, neste caso, juridicamente, é dar prioridade ao bem estar da criança, realidade que necessariamente não coincide com a recomposição do convívio conjugal ou a convivência simultânea ou próxima, no tempo e no espaço, com ambos genitores.

Respeitar a dignidade da criança significa colocar seu bem-estar em primeiro lugar, e não identificá-lo, de modo apriorístico, a um contexto de preservação do convívio próximo ou simultâneo com pai e mãe. Esse convívio pode ser, conforme o caso concreto, um meio para a proteção da criança. Aqui o que se tem concretamente é um bom desenvolvimento da criança, ainda que afastada do convívio com o pai (que não está jurídica nem moralmente impedido, é claro, desde que este se faça presente na vida do filho, seja onde e do modo como for, inclusive em país diverso do seu).

Nessa linha, decidir pelo dever da mãe de acompanhar a criança aos EUA, em abstrato, aponta para riscos desnecessários e desaconselhá-veis que significam colocar em segundo plano o bem estar da criança e subordiná-la, assim como a vida da mãe, ao ideal abstrato do convívio parental, quando, em concreto, nada disso garante melhoria da condição da criança. Ao contrário, coloca-se em risco o que de bom já se sabe existir, em favor do retorno a uma situação de litigiosidade muito intensa, travada entre os genitores.

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Com a devida vênia do juízo recorrido, não vejo como afirmar, nem em tese, que a dignidade da criança somente será respeitada se a situação familiar for resolvida. A proteção da dignidade humana da criança, em muitas situações, reclama não somente o desenlace de vínculos fami-liares como, às vezes, distanciamento psíquico e até mesmo geográfico dos que um dia foram cônjuges e genitores. A proteção da dignidade humana, assim como aquela advinda de outros direitos fundamentais, em tantas hipóteses, requer o distanciamento do titular do direito de outros indivíduos, grupos e contextos – inclusive familiares – que atu-am, de forma intencional ou involuntária, contra a saúde, a liberdade, a não-discriminação e a integridade física e psíquica. A meu ver, levar o direito fundamental de proteção da dignidade humana a sério importa, em muitos casos, não subordinar a existência do indivíduo à persistência da comunidade ou do grupo, inclusive familiar.

Ademais, a “resolução da situação familiar” – aqui entendida como extinção dos vínculos jurídicos na forma da lei e pelo órgão judicial com-petente – pode ser realizada sem a devolução compulsória da criança, que se encontra em situação que lhe é favorável, sob os cuidados de sua mãe.

Neste momento, não é demais relembrar a fala da perita oficial:“F) É possível indicar o impacto psicológico que o eventual retorno aos Estados

Unidos da América possa causar à criança? Resposta [da perita]: Sim. O primeiro impacto verificado seria o da linguagem, a

criança já está familiarizada com a língua portuguesa e exigiria dela uma nova adaptação à língua inglesa, mesmo sendo esta a primeira língua [da criança]. [...] Outro fator seria que [a criança] encontra-se desvinculad[a] do pai, e poderia ser traumática uma medida extrema de rompimento de vínculo com a mãe, porque a criança já está integrada com a mãe e precisa se sentir segura no meio em que vive, e esta circunstância lhe traria insegurança, o que poderia trazer conseqüências negativas para o desenvolvimento integral da sua personalidade nesta fase.”

Neste contexto, o que um juízo de prudência aconselha é a manutenção da criança sob a guarda da mãe em Guarapuava, sem excluir a possibi-lidade de visita e de comunicação por parte do pai, tudo a ser decidido ao seu tempo, pelo juízo competente e no momento adequado, munido dos elementos indispensáveis.

Ante o exposto, voto por dar provimento às apelações do Ministério Público Federal e de R.C.C.G., para julgar improcedente o pedido vei-

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culado pela União.Condeno a União em honorários advocatícios, fixados em 10% sobre

o valor da causa, bem como nas despesas processuais.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.014546-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelante: Maria Joaquina de Oliveira RosinhaAdvogada: Dra. Martha Novo de Oliveira Rosinha

Apelada: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECTAdvogada: Dra. Rosane Santos Liborio Barros

EMENTA

Administrativo. Indenização por danos materiais e morais. Extravio de mercadoria enviada por SEDEX. Responsabilidade objetiva. Nexo causal.

1. A matéria dos autos restringe-se à responsabilidade civil, sem culpa, fundada na teoria do risco, por tratar-se a ré de pessoa jurídica de direito público, por força do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. De acordo com essa teoria, para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta do agente, bastando o nexo de causalidade entre fato e dano.

2. Presente o nexo causal a ensejar a reparação material e moral sofrida pela autora em função do extravio da mercadoria.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do re-latório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante

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do presente julgado.Porto Alegre, 27 de maio de 2008.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de apelação em face de sentença que acolheu a preliminar de ilegitimidade ativa da autora e julgou extinta a ação de indenização por danos morais e materiais, em face de extravio de SEDEX, sem julgamento do mérito, por considerar a autora parte ilegítima.

A parte autora foi condenada a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, ficando a exigibilidade suspensa face à concessão do benefício de assistência judiciária gratuita.

Recorre a autora, narrando que é parte legítima na presente demanda, aduzindo, ainda, que a indenização é devida porque a mercadoria nunca foi entregue.

Apresentadas as contra-razões, vieram os autos conclusos.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Narra a demandante que sua filha é dentista, residindo e trabalhando em Boa Vista, Estado de Roraima. Como está montando seu consultório naque-la cidade, e devido às dificuldades de comprar equipamentos naquele Estado, sua mãe (a autora) resolveu comprar-lhe um avental de chumbo para a proteção contra Raios X, já que este era o único equipamento que faltava para poder começar a atender os pacientes que já estavam com horários marcados.

Disse a autora que, como havia o produto disponível para pronta entrega em Porto Alegre/RS, ligou de Pelotas/RS, cidade onde reside, para a Dentária Klimus, em Porto Alegre/RS, para adquirir o avental de chumbo. Acertou a compra no valor de R$ 338,00, em três parcelas, tendo informado a urgência e solicitado a pronta entrega. A compra ocorreu no dia 30.11.2004, e o SEDEX foi postado no mesmo dia. A previsão de chegada era o dia 1º de dezembro, mas o SEDEX não chegou em tal nem

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nos subseqüentes. Começou então a apelante-autora a ligar diariamente para a Dentária Klimus e apresentou reclamação formal junto à empresa ECT. Alega que, como o referido avental nunca chegou, viu-se obrigada a comprar outro para a sua filha.

Sustenta a autora-apelante a sua legitimidade ativa, defendendo que foi ela quem adquiriu os produtos e pagou pelo frete, além de ter sofrido frustração e desgaste em face do ocorrido. Requer que a parte ré seja responsabilizada pelo dano moral e material que sofreu.

No que tange à legitimidade ativa, entendo que o destinatário e o re-metente de encomendas processadas pela ECT são partes legítimas para propor ação de reparação de danos, por serem consumidores finais dos serviços contratados na ocasião da postagem da mercadoria. O Código de Defesa do Consumidor, no art. 2º, refere o seguinte: “Art. 2° Consu-midor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

Porém, no caso concreto, entendo que a situação é deveras particu-lar, uma vez que a autora da demanda, ainda que não seja a remetente (Dentária Klimus) e tampouco a destinatária final do produto (filha da autora), é a pessoa quem por ele pagou, além de ter sofrido os danos decorrentes do extravio da mercadoria, tendo, até mesmo, que adquirir novo produto para enviar para sua filha.

A jurisprudência estampa:“DANOS MATERIAIS E PROCESSUAL CIVIL. ISENÇÃO NO PAGAMENTO

DAS CUSTAS PROCESSUAIS PELA ECT. LUCROS CESSANTES. EXTRAVIO DE MERCADORIA. DEVER DE INDENIZAR. - No que tange à condenação da ECT ao pagamento de metade das custas processuais, entendo que merece prosperar a irresigna-ção da apelante. O STJ tem entendido pela aplicação do art. 12 do Decreto-Lei 509/69, que estabelece que a ECT gozará dos mesmos privilégios da Fazenda Pública, inclusive no que diz respeito à isenção das custas processuais. - Entendo que há legitimidade da autora para pleitear a indenização. Isso porque, em que pese ter sido a encomenda postada pela Natura, e não pela demandante, os danos decorrentes do extravio foram por esta sofridos. - Há responsabilidade objetiva, portanto, do fornecedor de serviços pelos danos causados ao consumidor em decorrência da falha na sua prestação. Não há que se falar em ausência de comprovação do dano, já que restou evidente nos autos que as mercadorias extraviadas não foram vendidas pela autora, deixando esta de lucrar com os pedidos.” (TRF4, AC 2004.71.00.015565-0, Terceira Turma, Relatora Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, DJ 12.07.2006) (g. n.)

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Adentro, então, no mérito, uma vez que aplicável ao caso o § 3º do art. 515 do CPC.

No mérito, como se observa, a matéria restringe-se à responsabilidade civil, sem culpa, fundada na teoria do risco, por estar a ré equiparada à pessoa jurídica de direito público, por força do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direto de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”). De acordo com essa teoria, para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta do agente, bastando o nexo de causalidade entre fato e dano.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (in Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 412), a teoria do risco, embasadora da regra da responsabilidade objetiva do Estado, assim se configura:

“Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais; assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilí-brio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.

Nessa teoria, a idéia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.

É chamado teoria da responsabilidade objetiva, precisamente por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos (culpa ou dolo); é também chamado teoria do risco, porque parte da idéia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente. Causado o dano, o Estado responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que, pagando os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo (cf. Cretella Júnior, v. 8:69-70).”

Acerca do tema da responsabilidade objetiva, preleciona Celso An-tônio Bandeira de Mello, na obra Curso de Direito Administrativo, 18. ed., in verbis:

“Há responsabilidade objetiva quando basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática de comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de

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tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. Por isso, é sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar, e de acordo com certos padrões, não atua ou atua insuficientemente para deter o evento lesivo.” (g. n.)

Portanto, entendo que presente o nexo causal a ensejar a reparação moral e material. O dano moral advém do sofrimento e do mal-estar que a autora teve de suportar na busca da mercadoria junto à ECT e junto à dentária, que era extremamente necessária para o trabalho de sua filha, inclusive tendo a autora tido que adquirir outro avental de chumbo, já que o primeiro nunca foi entregue. O transtorno causado está muito dis-tante das simples circunstâncias que cotidianamente causam dissabores. Ademais, a utilização do avental de chumbo, instrumento imprescindível ao exercício da profissão, além de exigência legal, constitui defesa contra o câncer, a que os Raios X são predisponentes.

Pretende a demandante a fixação do dano moral em 60 salários míni-mos. À falta de elementos objetivos para fixar o quantum indenizatório, e considerando as circunstâncias do caso concreto, especialmente a situação do ofensor e da vítima, entendo que o dano moral deve ser arbitrado em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Já o dano material evidentemente resulta do valor pago pela merca-doria extraviada, o qual arbitro na quantia requerida pela autora, em R$ 345,12 (trezentos e quarenta e cinco reais e doze centavos), devidamente atualizado.

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao apelo.É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2005.71.13.000333-7/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha

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Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Apelante: Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves - CEFET/BG

Procuradora: Dra. Solange Dias Campos PreusslerApelada: Cecília Fracalossi

Advogados: Drs. Carlos Alberto Lunelli e outros

EMENTA

Administrativo. Previdenciário. Aposentadoria. Servidor público. Revisão. Tempo de serviço rural. Contribuições. Coisa julgada.

Transitada em julgado a decisão judicial que determinou a contagem de tempo de serviço rural sem o recolhimento das contribuições pre-videnciárias, é incabível a suspensão do benefício de aposentadoria já concedido, ao fundamento da necessidade da indenização contributiva.

Havendo início de prova documental, confirmado por pesquisa in loco do agente administrativo do INSS, é possível o reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar.

Inviável a determinação de retorno à atividade quando a servidora aposentada tem idade superior àquela que determina a aposentação com-pulsória.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, apenas para afastar a decadência, e, no mérito, negar-lhe provimento, e negar provi-mento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de julho de 2008.Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra o Diretor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves e contra Agente do Instituto Nacional

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do Seguro Social - INSS, visando restabelecer o pagamento de aposenta-doria. A impetrante, servidora federal aposentada por idade, relata que se aposentou contando 18 anos de serviço público, uma licença-prêmio não gozada e 5 anos, 6 meses e 1 dia de tempo de serviço rural em regime de economia familiar. Contudo, o TCU julgou ilegal a sua aposentadoria, em 11.11.2004, impugnando o tempo de serviço rural e determinando o recálculo da renda mensal da aposentadoria, na base de 19/30. Assevera que o período rural foi reconhecido por decisão judicial transitada em julgado no Mandado de Segurança nº 97.1503971-5, sem a necessidade do recolhimento das contribuições, devendo ser mantido o seu cômputo.

Em apenso, a ação ordinária nº 2005.71.13.000774-4, onde a autora postula a contagem de mais tempo de serviço rural, além daquele já reconhecido, para fins de majoração da sua renda mensal.

Sentenciando conjuntamente os dois feitos, o Juízo a quo reconhe-ceu a decadência e a existência da coisa julgada material no Mandado de Segurança nº 97.1503971-5, e, conseqüentemente, a impossibilidade do cancelamento da aposentadoria concedida computando aquele tempo de serviço rural, razão pela qual concedeu a segurança, determinando o restabelecimento do benefício e o pagamento das prestações devidas. Quanto à ação ordinária, julgou-a improcedente em face da ausência de prova do novo tempo de serviço rural postulado. Sem honorários advocatícios. Sentença sujeita ao reexame necessário, no que se refere ao mandado de segurança (fl. 136-145).

O INSS apela sustentando a legalidade do ato que revogou a Certi-dão de Tempo de Serviço e a validade da decisão do TCU, ante o não--recolhimento das contribuições respectivas, o que impede a contagem recíproca do tempo de serviço rural no regime público de previdência (fl. 152-171).

O CEFET recorre sustentando que, ao atender à determinação do TCU, não descumpriu a decisão judicial transitada em julgado. Defende, também, a legitimidade do ato do INSS que revogou a Certidão de Tempo de Serviço.

Com contra-razões, vieram os autos.O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo improvimento dos

recursos.É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha:

Decadência

A aposentadoria estatutária foi concedida à autora em 17.06.1997, mas o INSS revisou a Certidão de Tempo de Serviço Rural, consoante decisão proferida em 20.01.1998.

Nesse ínterim, o CEFET, por meio da Portaria nº 115, de 11.11.1997, suspendeu o benefício em face da ausência do recolhimento das con-tribuições, o que ensejou a impetração do mandado de segurança nº 97.1503971-5, permanecendo a questão sub judice até outubro de 2000, quando transitou em julgado na via judicial.

No âmbito administrativo, o ato de concessão da aposentadoria à impetrante não foi homologado pelo Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 2.271/2004, datado de 11.11.2004 (fl. 12).

Embora possível o reconhecimento da prescrição ou decadência em relação à decisão do TCU, porquanto proferida mais de cinco anos após a concessão do benefício, o mesmo não ocorre em relação ao CEFET, porque a suspensão do benefício ocorreu poucos meses após a sua con-cessão, tendo sido restabelecido por força da liminar concedida naquele primeiro mandado de segurança (fl. 31), permanecendo a questão sub judice até outubro/2000.

A nova suspensão, que acarretou a impetração deste mandado de se-gurança, ocorreu em 2004, não tendo transcorrido o prazo decadencial.

Assim, deve ser reformada a sentença, afastando-se o reconhecimento da decadência in casu.

Mérito

Consoante se vê dos autos, a autora requereu ao INSS, em 07.01.1997, a expedição de Certidão de Tempo de Serviço Rural, relativa ao período de 30.06.1945 a 18.06.1979 (fl. 87).

A Certidão foi expedida em 20.05.1997, reconhecendo 5 anos, 6 meses e um dia de tempo de serviço rural (fl. 104-105).

A aposentadoria foi concedida à autora em 17.06.1997 (fl. 15).Em 26.08.1997 o CEFET remeteu Ofício ao INSS solicitando a revisão

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da Certidão, para que fosse informado se houve, ou não, o recolhimento das respectivas contribuições, para fins de contagem no regime público (fl. 101).

Em 20 de janeiro de 1998, o INSS noticiou à autora o indeferimento do pedido, sob a fundamentação de que o documento apresentado (cer-tidão do pagamento de Taxa de Rodágio e conservação de estradas) não servia como prova de atividade rural (fl. 107).

O Mandado de Segurança nº 97.1503971-5, em cuja decisão a impe-trante/autora fundamenta a sua pretensão, foi impetrado em 15.12.1997, contra o Diretor da Escola Agrotécnica (fl. 20).

Em 13.01.1988 foi deferida liminar, fazendo referência à medida cautelar do STF na ADIn nº 1.664-4 e, ao final, consignando:

“Por fim, no tocante à impetrante Cecília Fracalossi, remanesce íntegra a certidão de fls. 29/30, enquanto não revista pelo INSS.

Pelo exposto, ante a presença dos pressupostos legais, defiro a liminar para o efeito de assegurar aos impetrantes o direito de não retornarem ao trabalho, enquanto aposen-tados, suspendendo os efeitos da Portaria nº115, de 11.11.97.” (fl. 31)

A sentença foi proferida em 16.07.1998, para o efeito de conceder a segurança pleiteada, confirmando a liminar deferida aos impetrantes, consignando na sua fundamentação que não há como obrigá-los a inde-nizar a Previdência Social por contribuições que à época deixaram de pagar, porquanto não eram então devidas (fls. 33/35).

Não houve recurso, e os autos vieram a esta Corte para o reexame necessário, que foi improvido em 25.05.2000, mediante acórdão do qual transcrevo o dispositivo do voto condutor:

“Assim, não merece qualquer reforma a decisão proferida em primeiro grau. Os impetrantes, que já tiveram suas certidões de tempo de serviço rural averbadas em seus assentos funcionais, merecem ter assegurado o direito de não retornarem ao trabalho enquanto pendente de decisão de mérito a ADIN nº 1.664, conforme decisão liminar mantida pela sentença de mérito.” (fl. 38)

Resta evidente o erro da administração ao conceder a aposentadoria à autora em 17.06.1997, computando certidão de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, o qual não pode ser utilizado para fins de concessão de benefício no regime público de previdência sem a in-denização das contribuições pertinentes. Esse erro, aliás, foi constatado

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logo depois, em 26.08.1997, quando o CEFET remeteu Ofício ao INSS solicitando informação se houve, ou não, o recolhimento das respectivas contribuições.

Todavia, sobreveio a decisão judicial no mandado de segurança 97.1503971-5, determinando a manutenção do benefício ao fundamento de que eram inexigíveis as contribuições previdenciárias.

Embora o entendimento jurisprudencial tenha se consolidado no sentido de que o recolhimento das contribuições é indispensável para a contagem recíproca do tempo de serviço rural no regime público de previdência, no caso dos autos aquela decisão transitou em julgado, não podendo ser ignorada.

É relevante notar, ainda, que o CEFET questionou a validade da cer-tidão de tempo de serviço rural em face da ausência de contribuições, ao passo que o INSS decidiu revisar a certidão, depois de expedida, sob o argumento de que os documentos relativos ao pagamento da Taxa de Rodágio não serviam como início de prova material da atividade rurícola. Depois de transitada em julgado a sentença que dispensou o recolhimento das contribuições, sobreveio decisão do TCU, julgando ilegal a aposentadoria, não em face das contribuições, mas em razão da revisão administrativa da prova, realizada pelo INSS, que revogou a cer-tidão (fls. 13/14). Agora, em juízo, o INSS sequer defende a sua decisão administrativa, mas sustenta apenas a necessidade do recolhimento das contribuições, matéria que, como já referido, transitou em julgado em favor da impetrante.

Portanto, a matéria submetida ao conhecimento do Poder Judiciário, sobre a qual não existe coisa julgada, diz respeito apenas à prova do tempo de serviço rural contido na certidão de tempo de serviço expedida e, posteriormente, cancelada pelo INSS.

O artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 estabelece:“§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive

mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.”

A prova material produzida no processo administrativo perante o INSS é singela, pois se restringe à juntada de certidão da Prefeitura

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Municipal de Bento Gonçalves/RS, informando que o pai da autora, Sr. Henrique Fracalossi, efetuou o pagamento de tributos municipais (Taxa de Rodágio) relativos a um imóvel rural nos anos de 1945, 1946, 1947, bem como executou serviços na conservação de estradas em 1951, 1952 e 1954 (fl. 89). Tal documento constitui indício indireto do exercício de atividade rural.

A jurisprudência pátria tem mitigado tal exigência de prova material relativamente ao tempo de serviço rural em regime de economia familiar, para fins de concessão dos benefícios no âmbito da Previdência Social, admitindo a apresentação do comprovante da Taxa de Rodágio para esse fim, como demonstra a decisão da Turma Regional de Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, por maioria de votos, no Incidente de Uniformização JEF Nº 2005.72.95.008748-1/SC, assim decidiu:

“A certidão comprobatória do pagamento da taxa de rodágio serve como início de prova material da atividade rural. Valoração jurídica do acervo probatório à luz da juris-prudência dominante do STJ e da Turma Nacional de Uniformização não se confunde com o reexame do contexto fático-probatório, o que é vedado no âmbito do pedido de uniformização.” (Rel. Juiz Federal Alexandre Gonçalves Lippel, D.E. de 28.05.2008)

Tal construção jurisprudencial, amainando o rigor legal na exigência da prova documental, destina-se precipuamente à concessão dos bene-fícios no âmbito da Previdência Social.

Para fins de contagem recíproca do tempo de serviço para obtenção de benefício no regime público deve ser comprovado o exercício da atividade laboratícia, bem como o recolhimento das contribuições per-tinentes, a teor do art. 201, § 9º, da Constituição Federal, do art. 45 da Lei nº 78.212/91 e do art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91.

No caso dos autos, contudo, a exigência das contribuições restou afastada por decisão judicial transitada em julgado.

Quanto à prova da atividade rural, entendo que, na espécie, deve ser computado o tempo de serviço certificado pelo INSS, porquanto há o indício de prova material, que restou confirmado em pesquisa realizada in loco pelo agente administrativo do INSS (fl. 94).

Além disso, há outro elemento a considerar. A aposentadoria concedi-da à autora não é por tempo de serviço, mas por idade (fl. 15). A autora nasceu em 30.06.1933, contando hoje 75 anos de idade, o que inviabiliza

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o seu retorno ao serviço público para somar mais tempo de serviço, ante a obrigatoriedade da aposentação compulsória aos 70 anos de idade.

Outrossim, os proventos da autora são modestos (R$ 807,63 na data da concessão - 16) e seriam ainda mais reduzidos caso fosse adotada a recomendação do TCU de recalcular a renda mensal para 19/30 (deze-nove trinta avos) (fl. 14). O erro da administração e a decisão judicial outrora proferida em favor da autora não podem ser agora utilizados para reduzir-lhe os proventos. Tivesse a administração procedido correta-mente naquele momento, a autora, então com 64 anos de idade, teria a possibilidade de exercer o seu cargo por mais alguns anos, de modo a elevar o coeficiente de sua aposentadoria.

Assim, deve ser mantida a sentença que concedeu a segurança para manter a aposentadoria por idade da autora.

Diante do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à re-messa oficial, apenas para afastar a decadência, e, no mérito, negar-lhe provimento, e negar provimento às apelações.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.00.000550-6/SC

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson

Flores Lenz

Apelante: Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão - ACAERT

Advogados: Drs. Fernando Rodrigues da Silva e outrosApelada: União Federal

Advogado: Luis Antonio Alcoba de Freitas

EMENTA

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Constitucional. Transmissão do programa “A Voz do Brasil”. Ho-rário alternativo. Possibilidade. Precedentes da Corte. Art. 215, I, in fine, da Lei nº 9.472/97. Inconstitucionalidade. Art. 220, caput e § 1º, da CF/88.

1. Com efeito, a flexibilização no horário de transmissão de “A Voz do Brasil” tem amparo na jurisprudência da Corte e permite às emissoras de rádio que exerçam seu direito à liberdade, nos termos da Constituição, ao mesmo tempo que garante a veiculação diária do programa oficial em todas as rádios do País.

A respeito, deliberou a Corte, verbis:“Agravo de instrumento. Antecipação de tutela autorizando a re-

transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ em horário que não o das 19 às 20 horas.

- Ocorrentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela, é de ser concedida para que a agravante possa transmitir o programa obrigatório dentro das 24 horas seguintes ao horário hoje obrigatório (das 19h às 20h).

- Agravo de instrumento conhecido e desprovido.- Agravo regimental prejudicado.” (TRF 4ª Região, AI nº

2004.04.01.0429237/RS, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 3ª Turma, julg. 15.12.2004)

“Ação declaratória. Pedidos alternativos. Transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’. Horário alternativo.

As radioemissoras não se podem eximir do dever de transmitir o programa obrigatório ‘A Voz do Brasil’, sobretudo em razão do dis-posto no art. 21, XII, a, da Constituição Federal. Todavia, procedente o pedido alternativo, qual seja, de poder retransmiti-lo em outro horário alternativo que não aquele oficialmente estabelecido (das 19h às 20h). Afastadas as preliminares porque improcedentes.” (TRF 4ª Região, AC nº 2003.70.05005176-6/PR, Rel. Des. Federal Edgard Lippmann Junior, 4ª Turma, julg. 10.06.2005)

“Agravo de instrumento. Antecipação de tutela autorizando a re-transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ em horário que não o das 19 às 20 horas.

- Presentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela, é de

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ser concedida para que a agravante possa transmitir o programa obri-gatório ‘A Voz do Brasil’ em horário alternativo.” (TRF 4ª Região, AI nº 2003.04.01.012290-5, Rel. Juiz Federal Álvaro Junqueira, 4ª Turma, julg. 11.06.2003)

“Administrativo. Programa radiofônico ‘A Voz do Brasil’. Transmis-são. Obrigatoriedade.

As radioemissoras não se podem eximir do dever, ultima ratio imposto pelo interesse público, de transmitir o programa oficial denominado A Voz do Brasil, embora possam fazê-lo em horário alternativo ao tradicio-nalmente estabelecido.” (TRF 4ª Região, AC nº 2001.70.02.002673-6/PR, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, 4ª Turma, julg. 20.08.2003)

“Agravo de instrumento. Antecipação de tutela autorizando a re-transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ em horário que não o das 19 às 20 horas.

Ocorrentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela, é de ser concedida para que a agravante possa transmitir o programa obri-gatório dentro das 24 horas seguintes ao horário hoje obrigatório (das 19h às 20h).” (TRF 4ª Região, AI nº 2002.04.01.0028374/RS, Rel. Des. Federal Edgard Lippmann Junior, 4ª Turma, julg. 26.06.2002)

Nesse sentido, parece-me deva ser interpretado o disposto no art. 220, § 1º, da CF/88, ao proteger a plena liberdade de informação jornalística.

Em parecer publicado na Revista dos Tribunais v. 744/92, anotou, com inteiro acerto, o ilustre Jurista Ives Gandra Martins, verbis:

“Pergunta-me a Abert - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão se existe fundamento constitucional para a obrigatoriedade de transmissão do programa oficial denominado ‘A Voz do Brasil’, instituído pelo Decreto-Lei n° 1.915, de 27.12.1939 – ao tempo da Ditadura Vargas, em que o Congresso se encontrava fechado, e cujo primeiro nome foi ‘A Hora do Brasil’ –, mantido pelo Decreto-Lei n° 7.582/45 e que, poste-riormente, foi incorporado ao Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117, de 27.08.1962) pelo art. 38, alínea e.

(...)Com o advento da Constituição de 1988, toda esta legislação foi

revogada, na medida em que o art. 220 da Constituição Federal surgiu com a seguinte redação: ‘A manifestação do pensamento, a criação, a

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expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’.

E o § 1° do mencionado comando supremo veiculou o seguinte dis-curso: ‘Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de co-municação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV’.

Da leitura do primeiro dispositivo resta inequívoco que nenhuma restrição pode ser imposta à liberdade de imprensa.

O constituinte preferiu o discurso repetitivo para escoimar quaisquer dúvidas sobre a impossibilidade de restrições.

Com efeito, ao dizer ‘a manifestação do pensamento’, e, a rigor, ao repetir ‘a criação e a expressão’, adotou ‘pleonasmo enfático’, pois toda a criação reflete uma manifestação de pensamento e toda forma de expres-são é símbolo e manifestação e intelectualidade, mesmo que primitiva.

Até o vocábulo ‘informação’ já está hospedado na expressão ampla ‘manifestação de pensamento, pois toda informação leva a outrem uma ‘manifestação de pensamento’ visto que não há informação neutra, mesmo em meros fatos.

Até mesmo uma simples fotografia já contém certo número de infor-mações. O retrato de um cadáver, por exemplo, sob determinado ângulo, pode levar o Julgador a determinar as agravantes de um homicídio.

Não satisfeito com essa repetição para eliminar quaisquer espécies de dúvidas, o constituinte acrescentou a explicitação ‘sob qualquer forma’, o que vale dizer, a liberdade de expressão é a mais absoluta possível e não pode ser restringida, nem no tempo, nem no espaço, aduzindo, ainda, os substantivos ‘processo e veículo’ para espancar, de vez, veleidades exegéticas.

Finalmente, albergou a expressão ‘não adotará qualquer restrição’ para deixar cristalino o princípio constitucional de que o Poder Público não pode ferir, macular, agredir a liberdade de imprensa ou de qualquer pessoa, de formar ou informar, livremente, sem patrulhamento do Estado.

Abriu uma única exceção. Somente são legítimas as restrições impos-tas pela lei suprema, como decorre da parte final do art. 220: ‘...observado o disposto nesta Constituição’.

A título exemplificativo, o art.17 da Constituição Federal, em seu § 3°, permitiu uma restrição à ‘liberdade temporal’ de imprensa, ao

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impor horário gratuito de acesso livre pelos partidos políticos, estando o dispositivo assim redigido: ‘§ 3°. Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da Lei’.

Desta forma, o art. 220 estabeleceu liberdade pessoal, material, espacial e temporal absoluta, isto é, de qualquer pessoa – ou órgão de imprensa – (liberdade pessoal), de expor qualquer idéia (liberdade material), no território nacional (liberdade espacial), em horário que desejar (liberdade temporal), apenas restringindo tal liberdade nos casos expressos expostos no próprio texto, como é o caso do horário gratuito para os partidos políticos.

E o § 1°, com meridiana clareza, declara que ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informa-ção jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV’, afastando a possibilidade de lei infraconstitucional criar embaraço à plena liberdade de informação e manifestação de pensamento (liberdade pessoal, material, espacial e temporal) em qualquer veículo de comunicação social, isto é, TV, rádio, revista, jornais, etc.

(...)À evidência, com a clareza desses comandos, o art. 38, letra e, da Lei

4.117/62 encontra-se revogado desde 05.10.1988, visto que não recep-cionado pela atual Constituição.

A revogação é de tanta clareza que os próprios parlamentares, cons-cientes de que a propaganda oficial imposta pelos Poderes agride, vio-lenta, dilacera, diuturnamente, a Carta Magna, apresentaram um projeto de emenda constitucional, objetivando, ‘constitucionalizar’ ‘A Voz do Brasil’, estando o PEC 391 assim redigido: (...)

Reconhecem, pois, tais parlamentares, que ‘A Voz do Brasil’ tisna a lei suprema, torna o Governo Federal violador da Constituição que deveria respeitar, razão pela qual pretendem tornar ‘constitucional’ o que é inconstitucional e criar uma restrição à liberdade de imprensa, isto é, uma ‘restrição temporal’.

(...)Alguns intérpretes mal-avisados procuram ver na obrigatoriedade

da ‘Voz do Brasil’ apenas o exercício do direito outorgado à União de

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explorar diretamente ou através de concessão, permissão ou autorização, a radiodifusão.

Não percebem tais intérpretes apressados que tal poder da União diz apenas respeito à autorização para funcionamento, que não poderá ser negada se as pessoas solicitantes tiverem condições legais para concorrer à autorização e houver canais disponíveis.

Em outras palavras, se a autorização – de rigor toda a concessão ou permissão é uma autorização – pudesse implicar o poder de impor res-trições à liberdade de comunicação, toda a Constituição estaria ferida de morte, pois, através da negação de autorização ou de imposição de restrições pessoais, materiais, espaciais ou temporais, eliminar-se-ia a liberdade de imprensa, de comunicação, de manifestação do pensamento.

Tanto é verdade que o ‘ato de conceder’ não implica o ‘ato de res-tringir’, que os senhores parlamentares, não vislumbrando ação legí-tima e constitucional do Governo Federal ao impor a ‘Voz do Brasil’, apresentaram emenda constitucional objetivando inserir, no art. 220, tal obrigatoriedade.

À evidência, revogada está toda a legislação infraconstitucional que lastreava a ‘Voz do Brasil’, desde 05.10.1988.

Tem o Supremo Tribunal Federal entendido que as leis anteriores ao atual sistema, que não foram por ele recepcionadas, encontram-se revogadas, razão pela qual não podem ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Ora, se o art. 38, letra e, do CBT está revogado, por não ter sido re-cepcionado pelo art. 220 da lei suprema, à evidência, qualquer ato nor-mativo que tenha sido ou venha a ser produzido depois de 05.10.1988, procurando reviver lei revogada, é um ato normativo inconstitucional, visto que produzido sem lei a autorizar sua edição. (...)”

Nesse sentido, também, a lição do constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, transcrita a fls. 08/9, verbis:

‘‘‘A Voz do Brasil’, como produção radiofônica, é, nos dias de hoje, destituída de qualquer fundamentação jurídica, e o que é ainda mais grave, afrontosa de diversos preceitos Constitucionais.

(...)Esse programa radiofônico, de retransmissão obrigatória pelas rádios,

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forma, momentaneamente, durante a uma hora em que se mantém no ar, um autêntico monopólio radiofônico, eis que os consumidores dessa forma de comunicação não tem outra opção senão a de ouvir a voz oficial do governo.

Tal fenômeno agride § 5° do art. 220 da Constituição: ‘os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’.

No art. 221 são arrostados os princípios a que devem obediência as rádios e a televisão.

Todos eles resultam feridos por essa emissão sonora de nítida feição burocrática, sem qualquer espírito cultural ou didático.

Os quatro mandamentos referidos exigem promoção da cultura na-cional e regional, preferência e finalidade educativas, artísticas, culturais e informativas. Nem mesmo estas últimas são cumpridas, porque a in-formação obrigatória e sem a faculdade das emissoras transmitirem-na ou não, segundo os seus critérios jornalísticos e éticos, constitui uma drástica violência à liberdade de informação jornalística consagrada no § 1° do art. 220.”

Dessa forma, o disposto no art. 38, e, da Lei nº 4.117/62 não foi re-cepcionado pelo art. 220 da CF/88.

Com efeito, ao fixar o sentido do art. 220, § 1º, da CF, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6. ed., Freitas Bastos, 1957, p. 306, n. 300), notadamente quando se trata, como é o caso dos autos, de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restriti-va quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitu-cionais se interpretam sempre com restrição. De regra, o procedimento

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do intérprete obedece a outras sugestões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (In Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. t. I, p. 302, n. 14).

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (In Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1897, p. 68)

Ademais, recorde-se a lição do saudoso Ministro Hannemann Gui-marães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica.” (In Revista Forense, v. 127/397)

Valho-me, no ponto, dos argumentos constantes da decisão proferida pelo Eg. TRF/3ª Região nos autos do processo nº11.98.00.070355-1 - 73848, verbis:

“O objetivo da ação cautelar preparatória ajuizada pelo agravado em primeiro grau é o de obter medida liminar até o julgamento definitivo da ação principal a ser oportunamente proposta, a fim de que se possa abster da obrigatoriedade de retransmitir o programa denominado ‘Voz do Brasil’ ou, alternativamente, a sua retransmissão em qualquer horário dentro de sua programação diária. Cuida-se, no presente caso, de agravo de instrumento tirado contra a decisão proferida pelo MM. Juízo da I

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Vara Federal de Campinas, que vislumbrou a plausibilidade do direito invocado, mas não o periculum in mora, razão pela qual não concedeu a liminar postulada. Com o indeferimento da liminar em primeiro grau, interpôs-se o presente agravo de instrumento, com o que se almeja, de imediato, a concessão do efeito suspensivo em exata dimensão ao pedido que em primeiro grau foi formulado. É o relatório. Decido.

O tema não é novo. Vários recursos estão sendo processados nesta Corte, com relação à matéria.

Pois bem, a matéria sob exame diz respeito à obrigatoriedade ou não da retransmissão do programa ‘A Voz do Brasil’, levada ao ar diariamente entre 19 e 20 horas pelas concessionárias de serviços radiofônicos. E a questio iuris que se coloca é a de saber se a obrigatoriedade de retrans-missão do referido programa ofende ou não a princípios constitucionais.

A Agravante está se insurgindo contra a obrigatoriedade de retrans-missão do programa ‘A Voz do Brasil’, que entende ilegal e inconstitu-cional, e, em pedido alternativo, quer que pelo menos seja-lhe autorizada a retransmissão em outro horário.

Assim como o Juízo a quo, que vislumbrou a plausibilidade do direito invocado pela agravante, vejo também eu a presença do fumus boni iuris, na substancial argumentação apresentada pela requerente.

Diz o art. 220 da Constituição: ‘A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição; § 1° Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer ve-ículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5° IV; V, X; XIII e XIV.’ Disso resulta a meu ver, que não pode prevalecer qualquer norma infraconstitucional que não esteja compatível com a Carta Magna como no caso da normatividade inferior que impõe às concessionárias de serviços radiofônicos a retransmissão da ‘Voz do Brasil’ em flagrante cerceamento da liberdade de informação jornalístico.

(...) Por outro lado, o periculum in mora é evidente, pois, pelo não cum-

primento da determinação estatal – retransmissão do programa – ficará a agravante sujeita às sanções administrativas que poderá culminar com a suspensão total de suas transmissões radiofônicas. Por tais fundamentos,

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pois, cabe deferir à agravante o pedido alternativo, ou seja, não proibir a retransmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ mas, tão-somente, deixar a critério da agravada o horário em que deverá diariamente retransmitir o programa ‘A Voz do Brasil’.”

Da mesma forma, deliberou o ilustre Juiz Federal da 6ª Vara Cível de São Paulo nos autos do processo nº 97.4119-2, verbis:

“A antecipação da tutela deve se concedida havendo verossimilhança da alegação e prova inequívoca desta (CPC, art. 273, caput), somadas ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273, I), ou ao abuso do direito de defesa ou ao manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273, II).

No caso sob exame, verifica-se estarem presentes os pressupostos previstos no artigo 273, caput e inciso I, do Código de Processo Civil, para autorizar antecipação da tutela de mérito.

A verossimilhança da alegação exsurge da aparente incompatibilidade da alínea e do artigo 38 da Lei nº 4.117, de 27.08.1962, com o princípio constitucional da igualdade (CF, art. 5°, caput). É que esse dispositivo legal estabelece discriminação que não guarda qualquer correlação ra-cional relativamente ao beneficio outorgado às emissoras de televisão, que estão isentas da obrigatoriedade legal de retransmissão de programa oficial de informações dos poderes da República, distinção essa que se revela arbitrária e desprovida de sentido.

Deveras: ser ou não ser emissora de televisão não serve de fundamento jurídico para justificar o beneficio deferido pela lei ora impugnada, que, portanto, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

O caput do artigo 5° da Constituição Federal dispõe que ‘(...)’. Igualmente, o inciso LIV desse mesmo artigo 5° preceitua que ‘nin-

guém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’. Diante desse preceito que contém não só o postulado do devido processo legal no que tange ao aspecto formal, mas também a cláusula substancial do devido processo, qualquer fator erigido pela lei em crité-rio de discriminação deve ser razoável, a fim de justificar o tratamento jurídico diferenciado, o que não ocorre com o artigo 38, e, da Lei n° 4.117/62, que contém elemento de discrímen absolutamente arbitrário.

Quanto à prova das afirmações contidas na petição inicial, os do-

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cumentos que a instruem revelam que a parte autora se constitui em sociedade por cotas de responsabilidade limitada que tem por objetivo social a execução de serviços de radiodifusão, ostentando para tanto a necessária licença administrativa.

Relativamente à comprovação do risco de ocorrência de dano irrepará-vel, impende salientar tratar-se de fato notório, que dispensa a produção de qualquer prova, porque é de conhecimento público que o horário das 19 às 20 horas é o que registra no Estado de São Paulo um dos maiores índices de audiência, como, aliás, revelam os documentos de fl. 59/60, de modo que a obrigatoriedade de retransmissão diária da ‘Voz do Brasil’ caracteriza um renovar constante de lesão a direito assegurado à parte autora pela Constituição Federal, de não ter de sujeitar-se a Lei que ins-titui discriminação arbitrária. É preciso ter presente que a Constituição Federal garante, no inciso XXXV do artigo 5º, o exercício em espécie do próprio direito. E não de seu sucedâneo patrimonial, ao proteger a mera ameaça de lesão, proibindo, assim, a relegação do deferimento da tutela de um direito apenas para o final do processo, ao fundamento de tratar-se de dano indenizável e de ser possível quantificar eventuais lucros cessantes.

Isso posto, defiro o pedido de antecipação de tutela para desobrigar provisoriamente a parte autora de retransmitir diariamente, das 19 às 20 horas, programa estatal de informações dos poderes da República.”

Nesse sentido, ainda, liminar deferida pela eminente Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha na ação cautelar nº 71.00.014763-1, verbis:

“Constitui premissa dessa conclusão a idéia de que a liberdade de pensamento a que se refere a demandante compreende, dentre outras, a de opinião, informação e comunicação do conhecimento, e, em sua ex-pressão concreta, envolve o direito do indivíduo que se manifesta daquele que, por essa manifestação, é alcançada, de molde que sua amplitude está diretamente relacionada aos efeitos que produz sobre toda coletividade.

Nessa linha de raciocínio, é fácil perceber que a postulação da autora está a exigir uma análise sob dupla perspectiva – a da empresa de radio-difusão e a do público ouvinte.

No embate histórico entre a imprensa e o Estado, o indivíduo atua não como mero coadjuvante, e sim como verdadeiro partícipe desse

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processo, do que se denota a necessidade de que, no dimensionamento da liberdade de ação da autora e do poder normativo da ré, também os seus interesses sejam sopesados, até porque sofrerá as conseqüências advindas do eventual acolhimento da pretensão sub judice.

Alie-se a essa circunstância a crescente perda de capacidade do pú-blico de contribuir significativamente no debate sobre diversos temas, de influir na comunidade global das comunicações de massa, o que impõe que se defenda, no caso concreto, não o direito ativo de veicular idéias, mas o direito passivo de conhecer, de acesso à informação e, sobretudo, de ter opções. As conseqüências públicas das ações privadas começam gradativamente a conquistar um espaço de relevo na normatização da organização social, porque, não obstante jungidas à bilateralidade, cau-sam um impacto global, sugerindo, inclusive, que a todos os interesses igualitários em conflito assiste razão.

(...) E o indivíduo? Que posição assume nesse contexto? A de ouvinte

passivo, sem direito de escolha? Por certo que não. O indivíduo constitui peça-chave desse jogo de interesses, aparente-

mente contrapostos, a ponto de afirmarmos que a imposição de condições para o exercício da liberdade de comunicação somente será legítima, enquanto hábil a viabilizar o alcance do objetivo a que se propõe o Estado com tal agir – atender aos interesses da coletividade.

(...) Ao ensejo de democratização da sociedade moderna, o exercício

desses direitos fundamentais transcende o plano meramente político, para alcançar o convívio social, o que nos leva a reconhecer que, sob esse prisma, a proposta de elaboração de um programa do tipo ‘A Voz do Brasil’, com transmissão diária, em cadeia nacional, em um único horário inflexível (diga-se, horário nobre), esbarra, antes de tudo, na falta de opção que enseja aos ouvintes. E os reflexos dessa imposição sentimos no comportamento dos indivíduos em relação a ela.

O magistrado não pode desconhecer a realidade que o cerca! A despeito da veracidade dos dados constantes nas pesquisas de

audiência indicadas pela autora (documentos, aliás, que a ré deixou de impugnar oportunamente), devemos atentar para o fato de que, há muito, a popularidade do programa em tela encontra-se em declínio, por inúmeros

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fatores: a começar pela reação negativa que provoca a impossibilidade de escolha no tocante à programação das emissoras de radiodifusão de todo o país, no horário das 19 às 20 horas, de segunda a sexta-feira, que, somada à reduzida qualidade de sua retransmissão em certas regiões do interior do Estado (fato este que parece não ser objeto de fiscalização governamental mais intensa), resulta no diminuto número de pessoas que são seus ouvintes.

O programa que, em dado momento, mereceu destaque no cenário na-cional pelo seu inimaginável alcance, em tempos outros em que os meios de comunicação não eram sofisticados e populares, está hoje desacreditado pelas próprias autoridades governamentais que dele não se utilizam para transmitir seus comunicados oficiais, requisitando, não raras vezes, em rádios e televisões, um espaço diverso para seus pronunciamentos, em cadeia nacional.

E, se isso não bastasse, por mais de uma vez, o próprio Poder Público negociou, com as emissoras de radiodifusão, a flexibilidade desse horá-rio (inclusive, ao que parece, para permitir a transmissão de programas esportivos), o que vem apenas corroborar a tese de que a imposição legal hostilizada é excessiva e, por isso, não merece subsistir hodiernamente.

Se a sua finalidade não vem sendo mais atendida a contento, perdeu a sua razão de ser.

Evidentemente, não ignoramos que a ‘Voz do Brasil’ constitui impor-tante canal de comunicação entre o Estado e o público e, historicamente, cumpriu destacado papel na propagação de fatos e idéias, alcançando os mais distantes recônditos desse país. E, porque trazia, no seu bojo, informações úteis à toda coletividade, permitia que se fizesse viável, inclusive, o controle popular da gestão governamental e da atuação dos membros de todos os poderes (como, por exemplo, a notícia de liberação de verbas públicas para diversos Municípios), embora seja lamentável que não se divulgue mais, atualmente, algumas dessas informações, de indiscutível interesse público, como o ‘aviso aos navegantes’.

Mas, a despeito disso, será que ainda hoje poderíamos considerar razoável que a sua veiculação se dê sob o formato rígido, inflexível e compulsório que apresenta? Creio que não. O interesse público não se confunde com o interesse do governante. E quando o constituinte quis limitar a liberdade das emissoras de rádio e televisão, o fez expressa-

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mente, conforme depreende-se do art. 17, § 3°, da Constituição Federal, adotando para tanto um critério isonômico, sem exclusões injustificadas.

E mais. Ao contrário do que possam supor as autoridades governa-mentais, a diversificação de horários para a sua retransmissão entre as inúmeras emissoras de radiodifusão do país ensejaria, além da possibi-lidade do próprio indivíduo selecionar o que ele prefere ouvir, a de que muitos pudessem ouvi-lo sempre que, no período das 19 às 20 horas, não tivessem disponibilidade para tanto, em razão dos seus afazeres.

Ademais disso, não obstante constitua a lei instrumento adequado para estabelecer os parâmetros dentro dos quais há que se concretizar a liberdade que a norma constitucional assegura (art. 220, da CF), não poderíamos deixar de reconhecer excessiva e, portanto, injustificável a imposição que faz o art. 38, e, da Lei n° 4.117, de que o aludido programa seja retransmitido, diariamente, de segunda a sexta-feira, ao longo de todo o ano (inclusive nos períodos de recesso dos Poderes Legislativo e Judiciário), em cadeia nacional, em um único horário (dito nobre, para as emissoras em geral), por: a) criar um tratamento desigualitário em relação às televisões, de vez que estas estão dispensadas dessa obrigação; b) constituir uma requisição permanente de um dos horários mais nobres da programação das emissoras de rádio, quando inexiste motivo para que assim o seja. Se essa solução tinha, por finalidade, obter a maior audiên-cia possível, hoje o Estado não tem mais logrado êxito nesse desiderato.

E mesmo que assim não fosse, seria forçoso admitir que, no seio das sociedades democráticas, em que a liberdade do homem se manifesta com maior desenvoltura, tendendo sempre à expansão, a imposição legal hostilizada não se coaduna com o regime que preconiza, com a garantia da máxima realização dos direitos fundamentais, enfim, com a coorde-nação dos meios indispensáveis à realização do seu bem estar pessoal e coletivo, sem constrangimentos exacerbados. A dignidade humana é, pois, o fundamento e a finalidade do próprio Estado!

Nesse contexto, deve ser considerado não apenas o interesse individual da empresa, que se vê obrigada a retransmitir, diariamente, em horário inflexível, o indigitado programa, amargando, por conta disso, prejuízos reiterados em sua audiência, conforme comprovam as estatísticas nos documentos de fls., como também, e o mais relevante em se tratando de liberdade constitucional, o direito dos indivíduos de escolherem o

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programa que pretendem ouvir no período das 19 às 20 horas. Por derradeiro, observo que a f1exibilização do horário de retransmis-

são do programa, se, por um lado, beneficiará a autora e o seu público, de outro, não causará qualquer prejuízo à ré, porque ele continuará sendo retransmitido pelas emissoras de todo o país, inclusive no horário das 19 às 20 horas, se quiserem.

À vista de tais considerações e, sobretudo, em face do silêncio da demandada, defiro em parte a liminar requerida, para o efeito de autori-zar que as emissoras de radiodifusão vinculadas à autora retransmitam, diariamente, o programa ‘Voz do Brasil’, em qualquer horário dentro de sua programação diária.”

Por outro lado, acaso mantida a obrigatoriedade de retransmissão do programa “A Voz do Brasil” sem ao menos a possibilidade de flexibili-zação do horário, as concessionárias de rádio sofrerão vultoso prejuízo, o que é relatado a fls. 22/3, verbis:

“As emissoras de rádio contam apenas com as horas do dia para ob-terem recursos necessários ao custeio de sua atividade.

Considerando-se uma programação de 16 horas diárias, a ‘cota-go-verno’, por conta do programa oficial, representa mais de 5% de confisco do tempo total de atividade da rádio, no seu horário mais importante...

É evidente, pois, o prejuízo originado pela determinação da União Federal que, acima de tudo, é inconstitucional, atentando contra os prin-cípios postos na Carta Magna.

A Voz do Brasil retira o público da emissora no momento em que a mesma consegue ter bons índices de audiência, impedindo-a de auferir a necessária rentabilidade que advém dos patrocínios e propagandas. Perde, também, a população, que se vê tolhida das informações necessárias e tão importantes nos horários de maior movimentação de pessoas no trânsito, nos sistemas de transporte, no comércio e nas escolas.

Não há mais cabimento em afirmar-se que o programa oficial teria o escopo de divulgar para toda a população a informação jornalística a respeito dos Poderes da República. Como é sabido, as empresas de radiodifusão, ao longo da sua programação, mantêm o público sempre informado a respeito das notícias dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O noticiário político e administrativo é hoje a tônica das

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programações das rádios e, por isso, não faz nenhum sentido a imposição governamental da retransmissão obrigatória da Voz do Brasil.

Configura-se – e este se está a renovar permanentemente – o dano irreparável. Em razão disso, impõe-se o acolhimento do que está postu-lado nesta inicial.

Como já referido, o prejuízo relativo ao tempo de programação perdido não se renova e se constitui, pois, como irremediável e irreversível, o dano sofrido pela empresa pela obrigatoriedade legal imposta pela União Federal para que haja a retransmissão do programa.

Ainda que, durante estes últimos 15 anos, tenha sido mantida a obrigatoriedade de retransmissão do Programa ‘A Voz do Brasil’ pelas concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão sonora ao arrepio do disposto no art. 220 da Constituição Federal, fato é que existia um prática reiterada da Administração Pública, por intermédio inicial-mente da Radiobrás e, a partir de 2002, pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, em autorizar a transmissão do referido Programa em horário diverso quando da apresentação de motivação que justificasse referida alteração.

A partir do ano de 2003, a prática da Administração Pública foi seve-ramente alterada. Isto porque qualquer solicitação de alteração de horário de transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’, independentemente de sua justificativa, tem sido indeferida ‘por falta de amparo legal’.

Diante disto, a partir de 2003, quando da ocorrência de eventos espor-tivos, culturais, etc., de grande interesse do público, em horário idêntico ao estipulado na legislação para a transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’, as emissoras de radiodifusão se viram impedidas de cumprir seu dever máximo de bem informar e, por outro lado, privaram o ouvinte do recebimento de referidas informações em razão da intolerância e falta de razoabilidade da Administração Pública.”

Com efeito, no regime do Estado de Direito não há lugar para o arbí-trio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade adminis-trativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado

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pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet,

verbis:“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une

double exigence, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (In Les Grands Textes Administratifs. Paris: Sirey, 1970. p. 376)

Ora, na presença de ato ilegal ou inconstitucional emanado do Poder Público, cabe ao Poder Judiciário proceder ao seu exame, consoante determina a Constituição (arts. 2º e 37 da CF/88).

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Cons-titution of the United States - The Rights of Property. New York: the Macmillan Company, 1965, p. 2/3, verbis:

“The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental autho-rity is, nevertheless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

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“All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ - null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.” (In The Constitution of the United States. Chicago: Callaghan & Co., 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:“The Constitution, again, is founded on compromise, and the most

perfect and absolute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.” (In The Works of Daniel Webster. Boston: Little, Brown and Company, 1853. v. I, p. 331)

In casu, o disposto no art. 38, e, da Lei nº 4.117/62 deixou de vigorar a partir da entrada em vigor da CF/88, notadamente em razão do disposto no art. 220, caput, e seu § 1º.

Por conseguinte, o disposto no art. 215, I, da Lei nº 9.471/97 (“quan-to aos preceitos relativos à radiodifusão”) viola a letra e o espírito do disposto no art. 220, caput e § 1º, da CF/88.

Dessa forma, impõe-se suscitar o incidente de inconstitucionalidade do art. 215, I, in fine, da Lei nº 9.471/97 frente ao art. 220, caput, e § 1º, da CF, na forma do art. 97 da Lei Maior.

2. Argüição de Inconstitucionalidade do art. 215, I, in fine, da Lei nº 9.471/97 acolhida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora, argüir o incidente de inconstitucionalidade, nos termos do relatório, vo-tos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 26 de agosto de 2008.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator p/

acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de re-curso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente a ação em que a parte autora pretendia o afastamento da obrigação de retransmitir o programa “A voz do Brasil” ou, sucessivamente, a possi-bilidade de veiculação em horário alternativo.

Em apelação a parte autora sustenta a inconstitucionalidade da obriga-toriedade de transmissão do programa oficial, tendo em vista o disposto no art. 220 da CF, prevendo que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição. Em assim não entendendo o Juízo, re-quer a possibilidade de retransmitir o programa em horário alternativo, defendendo que a retransmissão em horário fixo fere os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da liberdade de expressão.

Com contra-razões, subiram os autos.Remetido o processo ao Ministério Público Federal, em razão do OF./

PRR4/NID4/STEM3/004/2008, opinou o parquet pelo improvimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: A parte autora ingressou com a presente ação pretendendo o afastamento da obrigação de retransmitir o programa “A Voz do Brasil” ou, sucessivamente, sua veiculação em outro horário que não das 19 às 20 horas.

A Lei nº 4.117/62, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunica-ções, prevê, em seu art. 38, que nas concessões, permissões ou autoriza-ções para exploração de serviços de radiodifusão devem ser observados alguns preceitos, dentre eles, a obrigação de retransmitir, diariamente, das 19 (dezenove) às 20 (vinte) horas, exceto aos sábados, domingos e feriados, o programa oficial de informações dos Poderes da República, ficando reservados 30 (trinta) minutos para divulgação de noticiário

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preparado pelas duas Casas do Congresso Nacional. Nos termos da lei:“Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de

radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas: (Redação dada pela Lei n.º 10.610, de 20.12.2002)

e) as emissôras de radiodifusão, excluídas as de televisão, são obrigadas a re-transmitir, diàriamente, das 19 (dezenove) às 20 (vinte) horas, exceto aos sábados, domingos e feriados, o programa oficial de informações dos Poderes da República, ficando reservados 30 (trinta) minutos para divulgação de noticiário preparado pelas duas Casas do Congresso Nacional;”

Posteriormente, a Lei nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, revogou a Lei nº 4.117/62, ressalvando, contudo, os preceitos relativos à radiodifusão, verbis:

“Art. 215. Ficam revogados:I - a Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a matéria penal não tratada

nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão;”

Tal ressalva evidencia a recepção, pela Constituição Federal, das dis-posições contidas na Lei nº 4.117/62 em relação à radiodifusão, na medida em que a Lei nº 9.471/97, apesar de ser o novo diploma legal a regular a organização dos serviços de telecomunicações (e dispor sobre a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8/95) expressamente manteve os preceitos relativos à radiodifusão previstos na Lei nº 4.117/62.

Portanto, a obrigatoriedade de retransmissão diária do programa ‘A Voz do Brasil’ não fere a liberdade de informação prevista no art. 220 da CF, na medida em que não interfere no conteúdo das transmissões radiofônicas. Ademais, a exploração dos serviços de telecomunicações compete à União (art. 21, XI, da CF), que pode fazê-la diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, nos termos de lei, que disporá sobre a organização dos mesmos. Logo, ficam as concessionárias e permissionárias dos serviços de radiodifusão sonora submetidas ao disposto na Lei nº 9.471/97 que, como já fundamentado acima, manteve os preceitos relativos a radiodifusão previstos na Lei nº 4.117/62.

Conseqüentemente, incabível, também, o pedido de veiculação do programa oficial em outro horário que não das 19 às 20 horas, pois tal horário está expressamente previsto no art. 38, a, da Lei nº 4.117/62, que

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teve as disposições relativas à radiodifusão recepcionadas pela Consti-tuição Federal através da ressalva prevista na Lei posterior nº 9.471/97.

Estabelecidas pelo Poder Público, em lei recepcionada pelo Ordenamen-to Constitucional, as condições para a exploração dos serviços de teleco-municações, que têm natureza pública, não há como sustentar violação a princípios constitucionais. Como bem observado pelo MM. Magistrado, “razoável que o Estado utilize tão-somente uma hora por dia, nos dias de semana, para veicular informações sobre a consecução de seus objetivos frente à população”, bem como, por outro lado, “é direito da população ter acesso à informação sobre a atuação governamental”, como destacou o MPF em seu parecer.

No mesmo sentido, a jurisprudência que segue:“Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto

contra decisão que indeferiu pedido de veiculação do programa ‘Voz do Brasil’ em horário alternativo, nas segundas e quintas-feiras. A agravante sustenta que às segundas e quintas feiras, das 19 às 20 horas, precisa transmitir, ao vivo, as sessões legislativas da Câmara de Vereadores de Jaraguá do Sul, razão pela qual pede a flexibilização do horário para veiculação do programa ‘Voz do Brasil’. É o breve relatório. Decido. A 4ª Turma desta Corte, em recente julgado, assim decidiu: ADMINISTRATIVO. RADIODIFUSÃO. TRANSMISSÃO DO PROGRAMA ‘A VOZ DO BRASIL’ EM HORÁRIO ALTERNATIVO. A obrigatoriedade de transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ tem previsão legal no artigo 38, e, da Lei nº 4.117/62, o qual, em princípio, não é incompatível com o parágrafo único do artigo 170 da Constituição, uma vez que este ressalva, expressamente, que o exercício de atividade econômica é livre, independen-temente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Havendo previsão legal, há compatibilidade formal com a exigência posta e a Constituição. A concessão de horário alternativo para transmissão do referido programa, importa-ria em vantagem econômica sobre as demais emissoras, violando os princípios da isonomia e da proporcionalidade. (AC 2005.71.07.003521-2/RS, Rel. p/Acórdão Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, julgado em 29.11.2006). Com fundamento no citado precedente, não vejo, in casu, plausibilidade na tese da parte agravante e tampouco verifico o periculum in mora. Quanto à alegação sobre a necessidade da veiculação de atos do legislativo local, penso que não há que se cogitar em sobrepor os interesses da administração local ao interesse nacional relativo à publicação da atividade dos Poderes da República. Cabível seria, portanto, a veiculação dos atos locais em horário diverso. Diante do exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo. Comunique-se ao Juízo de origem. Intime-se a agravada na forma do art. 527, V, do CPC. Após, voltem conclusos. Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2007.” (TRF4, AG 2007.04.00.004248-7, Quarta Turma, Relator Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, D.E. 22.02.2007)(grifado)

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“ADMINISTRATIVO. PROGRAMA RADIOFÔNICO ‘A VOZ DO BRASIL’. TRANSMISSÃO OBRIGATÓRIA - LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA. - A trans-missão obrigatória do programa ‘A Voz do Brasil’ não impede o exercício da liberdade de comunicação pelos concessionários, que possuem disponibilidade de comunicação livre todo o restante do tempo em que ocupam as aproximadas cinco horas semanais ocupadas pelo dito programa, isso desconsiderando os feriados, em que não há trans-missão obrigatória.” (TRF4, AC 2005.70.05.002823-6, Terceira Turma, Relatora Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, DJ 13.09.2006)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA RADIOFÔNICO ‘A VOZ DO BRASIL’. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INTERESSE PRO-CESSUAL. TRANSMISSÃO OBRIGATÓRIA - LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA. (...) 2. Mesmo que a exigência da transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ tenha origem remota, o fato da sua permanência dilargada no tempo a faz atual. Atual, por-tanto, é o interesse processual das empresas radiodifusoras, no intento de eximir-se da obrigação, conquanto longamente com ela se conformaram, eis que diz com o exercício de sua própria atividade, fazendo não só econômico mas também jurídico o seu móvel de agir. 3. A exigência, contra as empresas radiodifusoras autorizadas a funcionar, da transmissão do programa oficial ‘A Voz do Brasil’, em termos preestabelecidos, é legítima. A imposição não fere valores de ordem constitucional e se coaduna com os comandos da Constituição Federal, pela qual se tem por recepcionado o correspec-tivo regramento, não o transmudando exercício de hermenêutica com a valoração de contexto fático hodierno, o qual não tem o condão de modificar o juízo valorativo do legislador. 4. Não se cogita da flexibilização do horário de transmissão da ‘A Voz do Brasil’, incabível porque se não transmuda ao particular o exercício próprio de conve-niência do Estado, expresso em Lei.” (TRF4, AC 1999.71.00.023994-0, Quarta Turma, Relator do Acórdão Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, DJ 20.09.2006) (grifado)

Assim sendo, entendo obrigatória a retransmissão do programa “A Voz do Brasil” no horário estabelecido pela Lei nº 4.117/62, que teve os preceitos relativos à radiodifusão recepcionados pela Constituição Federal através da ressalva prevista na Lei posterior nº 9.471/97.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de apelação.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Sra. Presidente:

Com a devida vênia, divirjo do bem-lançado voto proferido por Vossa Excelência.

Com efeito, a flexibilização no horário de transmissão de “A Voz do Brasil” tem amparo na jurisprudência da Corte e permite às emissoras de

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rádio que exerçam seu direito à liberdade, nos termos da Constituição, ao mesmo tempo que garante a veiculação diária do programa oficial em todas as rádios do País.

A respeito, deliberou a Corte, verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AUTORIZAN-

DO A RETRANSMISSÃO DO PROGRAMA ‘A VOZ DO BRASIL’ EM HORÁRIO QUE NÃO O DAS 19 ÀS 20 HORAS.

- Ocorrentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela, é de ser concedi-da para que a agravante possa transmitir o programa obrigatório dentro das 24 horas seguintes ao horário hoje obrigatório (das 19 às 20 horas).

- Agravo de instrumento conhecido e desprovido.- Agravo regimental prejudicado.” (TRF 4ª Região, AI nº 2004.04.01.0429237/RS,

Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 3ª Turma, julg. 15.12.2004)“AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDOS ALTERNATIVOS. TRANSMISSÃO DO

PROGRAMA ‘A VOZ DO BRASIL’. HORÁRIO ALTERNATIVO.As radioemissoras não se podem eximir do dever de transmitir o programa obrigató-

rio ‘A Voz do Brasil’, sobretudo em razão do disposto no art. 21, XII, a, da Constituição Federal. Todavia, procedente o pedido alternativo, qual seja, de poder retransmiti-lo em outro horário alternativo que não aquele oficialmente estabelecido (das 19 às 20 horas). Afastadas as preliminares porque improcedentes.” (TRF 4ª Região, AC nº 2003.70.05005176-6/PR, Rel. Des. Federal Edgard Lippmann Junior, 4ª Turma, julg. 10.06.2005)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AUTORIZAN-DO A RETRANSMISSÃO DO PROGRAMA ‘A VOZ DO BRASIL’ EM HORÁRIO QUE NÃO O DAS 19 ÀS 20 HORAS.

- Presentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela, é de ser concedida para que a agravante possa transmitir o programa obrigatório ‘A Voz do Brasil’ em horário alternativo.” (TRF 4ª Região, AI nº 2003.04.01.012290-5, Rel. Juiz Federal Álvaro Junqueira, 4ª Turma, julg. 11.06.2003)

“ADMINISTRATIVO. PROGRAMA RADIOFÔNICO ‘A VOZ DO BRASIL’. TRANSMISSÃO. OBRIGATORIEDADE.

As radioemissoras não se podem eximir do dever, ultima ratio imposto pelo inte-resse público, de transmitir o programa oficial denominado A Voz do Brasil, embora possam fazê-lo em horário alternativo ao tradicionalmente estabelecido.” (TRF 4ª Região, AC nº 2001.70.02.002673-6/PR, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, 4ª Turma, julg. 20.08.2003)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AUTORIZAN-DO A RETRANSMISSÃO DO PROGRAMA ‘A VOZ DO BRASIL’ EM HORÁRIO QUE NÃO O DAS 19 ÀS 20 HORAS.

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Ocorrentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela, é de ser con-cedida para que a agravante possa transmitir o programa obrigatório dentro das 24 horas seguintes ao horário hoje obrigatório (das 19h às 20h).” (TRF 4ª Região, AI nº 2002.04.01.0028374/RS, Rel. Des. Federal Edgard Lippmann Junior, 4ª Turma, julg. 26.06.2002)

Nesse sentido, parece-me deva ser interpretado o disposto no art. 220, § 1º, da CF/88, ao proteger a plena liberdade de informação jornalística.

Em parecer publicado na Revista dos Tribunais v. 744/92, anotou, com inteiro acerto, o ilustre Jurista Ives Gandra Martins, verbis:

“Pergunta-me a Abert - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão se existe fundamento constitucional para a obrigatoriedade de transmissão do progra-ma oficial denominado ‘A Voz do Brasil’, instituído pelo Decreto-Lei n° 1.915, de 27.12.1939 – ao tempo da Ditadura Vargas, em que o Congresso se encontrava fechado, e cujo primeiro nome foi ‘A Hora do Brasil’ –, mantido pelo Decreto-Lei n° 7.582/45 e que, posteriormente, foi incorporado ao Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117, de 27.08.1962) pelo art. 38, alínea e.

(...)Com o advento da Constituição de 1988, toda esta legislação foi revogada, na

medida em que o art. 220 da Constituição Federal surgiu com a seguinte redação: ‘A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’.

E o § 1° do mencionado comando supremo veiculou o seguinte discurso: ‘Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV’.

Da leitura do primeiro dispositivo resta inequívoco que nenhuma restrição pode ser imposta à liberdade de imprensa.

O constituinte preferiu o discurso repetitivo para escoimar quaisquer dúvidas sobre a impossibilidade de restrições.

Com efeito, ao dizer ‘a manifestação do pensamento’, e, a rigor, ao repetir ‘a criação e a expressão’, adotou ‘pleonasmo enfático’, pois toda a criação reflete uma manifestação de pensamento e toda forma de expressão é símbolo e manifestação e intelectualidade, mesmo que primitiva.

Até o vocábulo ‘informação’ já está hospedado na expressão ampla ‘manifestação de pensamento, pois toda informação leva a outrem uma ‘manifestação de pensamento’ visto que não há informação neutra, mesmo em meros fatos.

Até mesmo uma simples fotografia já contém certo número de informações. O retrato de um cadáver, por exemplo, sob determinado ângulo, pode levar o Julgador a determinar as agravantes de um homicídio.

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Não satisfeito com essa repetição para eliminar quaisquer espécies de dúvidas, o constituinte acrescentou a explicitação ‘sob qualquer forma’, o que vale dizer, a liber-dade de expressão é a mais absoluta possível e não pode ser restringida, nem no tempo, nem no espaço, aduzindo, ainda, os substantivos ‘processo e veículo’ para espancar, de vez, veleidades exegéticas.

Finalmente, albergou a expressão ‘não adotará qualquer restrição’ para deixar cris-talino o princípio constitucional de que o Poder Público não pode ferir, macular, agredir a liberdade de imprensa ou de qualquer pessoa, de formar ou informar, livremente, sem patrulhamento do Estado.

Abriu uma única exceção. Somente são legítimas as restrições impostas pela lei suprema, como decorre da parte final do art. 220: ‘...observado o disposto nesta Constituição’.

A título exemplificativo, o art.17 da Constituição Federal, em seu § 3°, permitiu uma restrição à ‘liberdade temporal’ de imprensa, ao impor horário gratuito de acesso livre pelos partidos políticos, estando o dispositivo assim redigido: ‘§ 3°. Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à tele-visão, na forma da Lei’.

Desta forma, o art. 220 estabeleceu liberdade pessoal, material, espacial e temporal absoluta, isto é, de qualquer pessoa – ou órgão de imprensa – (liberdade pessoal), de expor qualquer idéia (liberdade material), no território nacional (liberdade espacial), em horário que desejar (liberdade temporal), apenas restringindo tal liberdade nos casos expressos expostos no próprio texto, como é o caso do horário gratuito para os partidos políticos.

E o § 1°, com meridiana clareza, declara que ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV’, afastando a possibilidade de lei infraconstitucional criar embaraço à plena liberdade de informação e manifestação de pensamento (liberdade pessoal, material, espacial e tem-poral) em qualquer veículo de comunicação social, isto é, TV, rádio, revista, jornais, etc.

(...)À evidência, com a clareza desses comandos, o art. 38, letra e, da Lei 4.117/62

encontra-se revogado desde 05.10.1988, visto que não recepcionado pela atual Cons-tituição.

A revogação é de tanta clareza que os próprios parlamentares, conscientes de que a propaganda oficial imposta pelos Poderes agride, violenta, dilacera, diuturnamente, a Carta Magna, apresentaram um projeto de emenda constitucional, objetivando, ‘cons-titucionalizar’ ‘A Voz do Brasil’, estando o PEC 391 assim redigido: (...)

Reconhecem, pois, tais parlamentares, que ‘A Voz do Brasil’ tisna a lei suprema, torna o Governo Federal violador da Constituição que deveria respeitar, razão pela qual pretendem tornar ‘constitucional’ o que é inconstitucional e criar uma restrição à liberdade de imprensa, isto é, uma ‘restrição temporal’.

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(...)Alguns intérpretes mal-avisados procuram ver na obrigatoriedade da ‘Voz do Brasil’

apenas o exercício do direito outorgado à União de explorar diretamente ou através de concessão, permissão ou autorização, a radiodifusão.

Não percebem tais intérpretes apressados que tal poder da União diz apenas respeito à autorização para funcionamento, que não poderá ser negada se as pessoas solicitantes tiverem condições legais para concorrer à autorização e houver canais disponíveis.

Em outras palavras, se a autorização – de rigor toda a concessão ou permissão é uma autorização – pudesse implicar o poder de impor restrições à liberdade de comunicação, toda a Constituição estaria ferida de morte, pois, através da negação de autorização ou de imposição de restrições pessoais, materiais, espaciais ou tem-porais, eliminar-se-ia a liberdade de imprensa, de comunicação, de manifestação do pensamento.

Tanto é verdade que o ‘ato de conceder’ não implica o ‘ato de restringir’, que os senhores parlamentares, não vislumbrando ação legítima e constitucional do Governo Federal ao impor a ‘Voz do Brasil’, apresentaram emenda constitucional objetivando inserir, no art. 220, tal obrigatoriedade.

À evidência, revogada está toda a legislação infraconstitucional que lastreava a ‘Voz do Brasil’, desde 05.10.1988.

Tem o Supremo Tribunal Federal entendido que as leis anteriores ao atual sistema, que não foram por ele recepcionadas, encontram-se revogadas, razão pela qual não podem ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Ora, se o art. 38, letra e, do CBT está revogado, por não ter sido recepcionado pelo art. 220 da lei suprema, à evidência, qualquer ato normativo que tenha sido ou venha a ser produzido depois de 05.10.1988, procurando reviver lei revogada, é um ato normativo inconstitucional, visto que produzido sem lei a autorizar sua edição. (...)”

Nesse sentido, também, a lição do constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, transcrita a fls. 08/9, verbis:

“A Voz do Brasil, como produção radiofônica, é, nos dias de hoje, destituída de qualquer fundamentação jurídica, e o que é ainda mais grave, afrontosa de diversos preceitos Constitucionais.

(...) Esse programa radiofônico, de retransmissão obrigatória pelas rádios, forma, mo-

mentaneamente, durante a uma hora em que se mantém no ar, um autêntico monopólio radiofônico, eis que os consumidores dessa forma de comunicação não tem outra opção senão a de ouvir a voz oficial do governo.

Tal fenômeno agride § 5° do art. 220 da Constituição: ‘os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’.

No art. 221 são arrostados os princípios a que devem obediência as rádios e a televisão.

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Todos eles resultam feridos por essa emissão sonora de nítida feição burocrática, sem qualquer espírito cultural ou didático.

Os quatro mandamentos referidos exigem promoção da cultura nacional e regional, preferência e finalidade educativas, artísticas, culturais e informativas. Nem mesmo estas últimas são cumpridas, porque a informação obrigatória e sem a faculdade das emissoras transmitirem-na ou não, segundo os seus critérios jornalísticos e éticos, constitui uma drástica violência à liberdade de informação jornalística consagrada no § 1° do art. 220.”

Dessa forma, o disposto no art. 38, e, da Lei nº 4.117/62 não foi re-cepcionado pelo art. 220 da CF/88.

Com efeito, ao fixar o sentido do art. 220, § 1º, da CF, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6. ed., Freitas Bastos, 1957, p. 306, n. 300), notadamente quando se trata, como é o caso dos autos, de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sempre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras suges-tões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (In Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. t. I, p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (In Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1897, p. 68)

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Ademais, recorde-se a lição do saudoso Ministro Hannemann Gui-marães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica.”(In Revista Forense, v.127/397)

Valho-me, no ponto, dos argumentos constantes da decisão proferida pelo Eg. TRF/3ª Região nos autos do processo nº11.98.00.070355-1 - 73848, verbis:

“O objetivo da ação cautelar preparatória ajuizada pelo agravado em primeiro grau é o de obter medida liminar até o julgamento definitivo da ação principal a ser opor-tunamente proposta, a fim de que se possa abster da obrigatoriedade de retransmitir o programa denominado ‘Voz do Brasil’ ou, alternativamente, a sua retransmissão em qualquer horário dentro de sua programação diária. Cuida-se, no presente caso, de agravo de instrumento tirado contra a decisão proferida pelo MM. Juízo da I Vara Federal de Campinas, que vislumbrou a plausibilidade do direito invocado, mas não o periculum in mora, razão pela qual não concedeu a liminar postulada. Com o indeferimento da liminar em primeiro grau, interpôs-se o presente agravo de instrumento, com o que se almeja, de imediato, a concessão do efeito suspensivo em exata dimensão ao pedido que em primeiro grau foi formulado. É o relatório. Decido.

O tema não é novo. Vários recursos estão sendo processados nesta Corte, com relação à matéria.

Pois bem, a matéria sob exame diz respeito à obrigatoriedade ou não da retrans-missão do programa ‘A Voz do Brasil’, levada ao ar diariamente entre 19 e 20 horas pelas concessionárias de serviços radiofônicos. E a questio iuris que se coloca é a de saber se a obrigatoriedade de retransmissão do referido programa ofende ou não a princípios constitucionais.

A Agravante está se insurgindo contra a obrigatoriedade de retransmissão do progra-ma ‘A Voz do Brasil’, que entende ilegal e inconstitucional, e, em pedido alternativo, quer que pelo menos seja-lhe autorizada a retransmissão em outro horário.

Assim como o Juízo a quo, que vislumbrou a plausibilidade do direito invocado pela agravante, vejo também eu a presença do fumus boni iuris, na substancial argu-mentação apresentada pela requerente.

Diz o art. 220 da Constituição ‘A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição; § 1° Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5° IV; V, X; XIII e XIV.’

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Disso resulta a meu ver, que não pode prevalecer qualquer norma infraconstitucional que não esteja compatível com a Carta Magna como no caso da normatividade inferior que impõe às concessionárias de serviços radiofônicos a retransmissão da ‘Voz do Brasil’ em flagrante cerceamento da liberdade de informação jornalística.

(...)Por outro lado, o periculum in mora é evidente, pois, pelo não-cumprimento da

determinação estatal – retransmissão do programa –, ficará a agravante sujeita às san-ções administrativas que poderá culminar com a suspensão total de suas transmissões radiofônicas. Por tais fundamentos, pois, cabe deferir à agravante o pedido alternativo, ou seja, não proibir a retransmissão do programa ‘A Voz do Brasil’ mas, tão-somente, deixar a critério da agravada o horário em que deverá diariamente retransmitir o pro-grama ‘A Voz do Brasil’.”

Da mesma forma, deliberou o ilustre Juiz Federal da 6ª Vara Cível de São Paulo nos autos do processo nº 97.4119-2, verbis:

“A antecipação da tutela deve se concedida havendo verossimilhança da alegação e prova inequívoca desta (CPC, art. 273, caput), somadas ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273, I), ou ao abuso do direito de defesa ou ao manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273, II).

No caso sob exame, verifica-se estarem presentes os pressupostos previstos no artigo 273, caput e inciso I, do Código de Processo Civil, para autorizar antecipação da tutela de mérito.

A verossimilhança da alegação exsurge da aparente incompatibilidade da alínea e do artigo 38 da Lei nº 4.117, de 27.08.1962, com o princípio constitucional da igual-dade (CF, art. 5°, caput). É que esse dispositivo legal estabelece discriminação que não guarda qualquer correlação racional relativamente ao beneficio outorgado às emissoras de televisão, que estão isentas da obrigatoriedade legal de retransmissão de programa oficial de informações dos poderes da República, distinção essa que se revela arbitrária e desprovida de sentido.

Deveras: ser ou não ser emissora de televisão não serve de fundamento jurídico para justificar o beneficio deferido pela lei ora impugnada, que, portanto, não foi re-cepcionada pela Constituição Federal de 1988.

O caput do artigo 5° da Constituição Federal dispõe que ‘(...)’. Igualmente, o inciso LIV desse mesmo artigo 5° preceitua que ‘ninguém será privado

da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’. Diante desse preceito que contém não só o postulado do devido processo legal no que tange ao aspecto formal, mas também a cláusula substancial do devido processo, qualquer fator erigido pela lei em critério de discriminação deve ser razoável, a fim de justificar o tratamento jurídi-co diferenciado, o que não ocorre com o artigo 38, e, da Lei n° 4.117/62, que contém elemento de discrímen absolutamente arbitrário.

Quanto à prova das afirmações contidas na petição inicial, os documentos que a

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instruem revelam que a parte autora se constitui em sociedade por cotas de responsa-bilidade limitada que tem por objetivo social a execução de serviços de radiodifusão, ostentando para tanto a necessária licença administrativa.

Relativamente à comprovação do risco de ocorrência de dano irreparável, impende salientar tratar-se de fato notório, que dispensa a produção de qualquer prova, porque é de conhecimento público que o horário das 19 às 20 horas é o que registra no Estado de São Paulo um dos maiores índices de audiência, como, aliás, revelam os documentos de fl. 59/60, de modo que a obrigatoriedade de retransmissão diária da ‘Voz do Brasil’ caracteriza um renovar constante de lesão a direito assegurado à parte autora pela Constituição Federal, de não ter de sujeitar-se a Lei que institui discriminação arbitrária. É preciso ter presente que a Constituição Federal garante, no inciso XXXV do artigo 5º, o exercício em espécie do próprio direito. E não de seu sucedâneo patrimonial, ao proteger a mera ameaça de lesão, proibindo, assim, a relegação do deferimento da tu-tela de um direito apenas para o final do processo, ao fundamento de tratar-se de dano indenizável e de ser possível quantificar eventuais lucros cessantes.

Isso posto, defiro o pedido de antecipação de tutela para desobrigar provisoriamente a parte autora de retransmitir diariamente, das 19 às 20 horas, programa estatal de informações dos poderes da República.”

Nesse sentido, ainda, liminar deferida pela eminente Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha na ação cautelar nº 71.00.014763-1, verbis:

“Constitui premissa dessa conclusão a idéia de que a liberdade de pensamento a que se refere a demandante compreende, dentre outras, a de opinião, informação e comuni-cação do conhecimento, e, em sua expressão concreta, envolve o direito do indivíduo que se manifesta daquele que, por essa manifestação, é alcançada, de molde que sua amplitude está diretamente relacionada aos efeitos que produz sobre toda coletividade.

Nessa linha de raciocínio, é fácil perceber que a postulação da autora está a exigir uma análise sob dupla perspectiva – a da empresa de radiodifusão e a do público ouvinte.

No embate histórico entre a imprensa e o Estado, o indivíduo atua não como mero coadjuvante, e sim como verdadeiro partícipe desse processo, do que se denota a necessidade de que, no dimensionamento da liberdade de ação da autora e do poder normativo da ré, também os seus interesses sejam sopesados, até porque sofrerá as conseqüências advindas do eventual acolhimento da pretensão sub judice.

Alie-se a essa circunstância a crescente perda de capacidade do público de contribuir significativamente no debate sobre diversos temas, de influir na comunidade global das comunicações de massa, o que impõe que se defenda, no caso concreto, não o direito ativo de veicular idéias, mas o direito passivo de conhecer, de acesso à informação e, sobretudo, de ter opções. As conseqüências públicas das ações privadas começam gra-dativamente a conquistar um espaço de relevo na normatização da organização social, porque, não obstante jungidas à bilateralidade, causam um impacto global, sugerindo,

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inclusive, que a todos os interesses igualitários em conflito assiste razão. (...)E o indivíduo? Que posição assume nesse contexto? A de ouvinte passivo, sem

direito de escolha? Por certo que não. O indivíduo constitui peça-chave desse jogo de interesses, aparentemente con-

trapostos, a ponto de afirmarmos que a imposição de condições para o exercício da liberdade de comunicação somente será legítima, enquanto hábil a viabilizar o alcance do objetivo a que se propõe o Estado com tal agir – atender aos interesses da coletividade.

(...) Ao ensejo de democratização da sociedade moderna, o exercício desses direitos

fundamentais transcende o plano meramente político, para alcançar o convívio social, o que nos leva a reconhecer que, sob esse prisma, a proposta de elaboração de um programa do tipo ‘A Voz do Brasil’, com transmissão diária, em cadeia nacional, em um único horário inflexível (diga-se, horário nobre), esbarra, antes de tudo, na falta de opção que enseja aos ouvintes. E os reflexos dessa imposição sentimos no comporta-mento dos indivíduos em relação a ela.

O magistrado não pode desconhecer a realidade que o cerca! A despeito da veracidade dos dados constantes nas pesquisas de audiência indicadas

pela autora (documentos, aliás, que a ré deixou de impugnar oportunamente), devemos atentar para o fato de que, há muito, a popularidade do programa em tela encontra--se em declínio, por inúmeros fatores: a começar pela reação negativa que provoca a impossibilidade de escolha no tocante à programação das emissoras de radiodifusão de todo o país, no horário das 19 às 20 horas, de segunda a sexta-feira, que, somada à reduzida qualidade de sua retransmissão em certas regiões do interior do Estado (fato este que parece não ser objeto de fiscalização governamental mais intensa), resulta no diminuto número de pessoas que são seus ouvintes.

O programa que, em dado momento, mereceu destaque no cenário nacional pelo seu inimaginável alcance, em tempos outros em que os meios de comunicação não eram sofisticados e populares, está hoje desacreditado pelas próprias autoridades governamentais que dele não se utilizam para transmitir seus comunicados oficiais, requisitando, não raras vezes, em rádios e televisões, um espaço diverso para seus pronunciamentos, em cadeia nacional.

E, se isso não bastasse, por mais de uma vez, o próprio Poder Público negociou, com as emissoras de radiodifusão, a flexibilidade desse horário (inclusive, ao que parece, para permitir a transmissão de programas esportivos), o que vem apenas corroborar a tese de que a imposição legal hostilizada é excessiva e, por isso, não merece subsistir hodiernamente.

Se a sua finalidade não vem sendo mais atendida a contento, perdeu a sua razão de ser. Evidentemente, não ignoramos que a ‘Voz do Brasil’ constitui importante canal de

comunicação entre o Estado e o público e, historicamente, cumpriu destacado papel

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na propagação de fatos e idéias, alcançando os mais distantes recônditos desse país. E, porque trazia, no seu bojo, informações úteis à toda coletividade, permitia que se fizesse viável, inclusive, o controle popular da gestão governamental e da atuação dos membros de todos os poderes (como, por exemplo, a notícia de liberação de verbas públicas para diversos Municípios), embora seja lamentável que não se divulgue mais, atualmente, algumas dessas informações, de indiscutível interesse público, como o ‘aviso aos navegantes’.

Mas, a despeito disso, será que ainda hoje poderíamos considerar razoável que a sua veiculação se dê sob o formato rígido, inflexível e compulsório que apresenta? Creio que não. O interesse público não se confunde com o interesse do governante. E quando o constituinte quis limitar a liberdade das emissoras de rádio e televisão, o fez expressamente, conforme depreende-se do art. 17, § 3°, da Constituição Federal, adotando para tanto um critério isonômico, sem exclusões injustificadas.

E mais. Ao contrário do que possam supor as autoridades governamentais, a diversificação de horários para a sua retransmissão entre as inúmeras emissoras de radiodifusão do país ensejaria, além da possibilidade do próprio indivíduo selecionar o que ele prefere ouvir, a de que muitos pudessem ouvi-lo sempre que, no período das 19 às 20 horas, não tivessem disponibilidade para tanto, em razão dos seus afazeres.

Ademais disso, não obstante constitua a lei instrumento adequado para estabelecer os parâmetros dentro dos quais há que se concretizar a liberdade que a norma consti-tucional assegura (art. 220, da CF), não poderíamos deixar de reconhecer excessiva e, portanto, injustificável a imposição que faz o art. 38, e, da Lei n° 4.117, de que o aludido programa seja retransmitido, diariamente, de segunda a sexta-feira, ao longo de todo o ano (inclusive nos períodos de recesso dos Poderes Legislativo e Judiciário), em cadeia nacional, em um único horário (dito nobre, para as emissoras em geral), por: a) criar um tratamento desigualitário em relação às televisões, de vez que estas estão dispensadas dessa obrigação; b) constituir uma requisição permanente de um dos horários mais nobres da programação das emissoras de rádio, quando inexiste motivo para que assim o seja. Se essa solução tinha, por finalidade, obter a maior audiência possível, hoje o Estado não tem mais logrado êxito nesse desiderato.

E mesmo que assim não fosse, seria forçoso admitir que, no seio das sociedades democráticas, em que a liberdade do homem se manifesta com maior desenvoltura, tendendo sempre à expansão, a imposição legal hostilizada não se coaduna com o re-gime que preconiza, com a garantia da máxima realização dos direitos fundamentais, enfim, com a coordenação dos meios indispensáveis à realização do seu bem estar pessoal e coletivo, sem constrangimentos exacerbados. A dignidade humana é, pois, o fundamento e a finalidade do próprio Estado!

Nesse contexto, deve ser considerado não apenas o interesse individual da empresa, que se vê obrigada a retransmitir, diariamente, em horário inflexível, o indigitado pro-grama, amargando, por conta disso, prejuízos reiterados em sua audiência, conforme comprovam as estatísticas nos documentos de fls., como também, e o mais relevante

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em se tratando de liberdade constitucional, o direito dos indivíduos de escolherem o programa que pretendem ouvir no período das 19 às 20 horas.

Por derradeiro, observo que a f1exibilização do horário de retransmissão do pro-grama, se, por um lado, beneficiará a autora e o seu público, de outro, não causará qualquer prejuízo à ré, porque ele continuará sendo retransmitido pelas emissoras de todo o país, inclusive no horário das 19 às 20 horas, se quiserem.

À vista de tais considerações e, sobretudo, em face do silêncio da demandada, defiro em parte a liminar requerida, para o efeito de autorizar que as emissoras de radiodi-fusão vinculadas à autora retransmitam, diariamente, o programa ‘Voz do Brasil’, em qualquer horário dentro de sua programação diária.”

Por outro lado, acaso mantida a obrigatoriedade de retransmissão do programa “A Voz do Brasil” sem ao menos a possibilidade de flexibili-zação do horário, as concessionárias de rádio sofrerão vultoso prejuízo, o que é relatado a fls. 22/3, verbis:

“As emissoras de rádio contam apenas com as horas do dia para obterem recursos necessários ao custeio de sua atividade.

Considerando-se uma programação de 16 horas diárias, a ‘cota-governo’, por conta do programa oficial, representa mais de 5% de confisco do tempo total de atividade da rádio, no seu horário mais importante...

É evidente, pois, o prejuízo originado pela determinação da União Federal que, acima de tudo, é inconstitucional, atentando contra os princípios postos na Carta Magna.

A Voz do Brasil retira o público da emissora no momento em que a mesma consegue ter bons índices de audiência, impedindo-a de auferir a necessária rentabilidade que advém dos patrocínios e propagandas. Perde, também, a população, que se vê tolhida das informações necessárias e tão importantes nos horários de maior movimentação de pessoas no trânsito, nos sistemas de transporte, no comércio e nas escolas.

Não há mais cabimento em afirmar-se que o programa oficial teria o escopo de divulgar para toda a população a informação jornalística a respeito dos Poderes da República. Como é sabido, as empresas de radiodifusão, ao longo da sua programação, mantêm o público sempre informado a respeito das notícias dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O noticiário político e administrativo é hoje a tônica das pro-gramações das rádios e, por isso, não faz nenhum sentido a imposição governamental da retransmissão obrigatória da Voz do Brasil.

Configura-se – e este se está a renovar permanentemente – o dano irreparável. Em razão disso, impõe-se o acolhimento do que está postulado nesta inicial.

Como já referido, o prejuízo relativo ao tempo de programação perdido não se re-nova e se constitui, pois, como irremediável e irreversível, o dano sofrido pela empresa pela obrigatoriedade legal imposta pela União Federal para que haja a retransmissão do programa.

Ainda que, durante estes últimos 15 anos, tenha sido mantida a obrigatoriedade de

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retransmissão do Programa ‘A Voz do Brasil’ pelas concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão sonora ao arrepio do disposto no art. 220 da Constituição Federal, fato é que existia um prática reiterada da Administração Pública, por intermé-dio inicialmente da Radiobrás e, a partir de 2002, pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, em autorizar a transmissão do referido Programa em horário diverso quando da apresentação de motivação que justificasse referida alteração.

A partir do ano de 2003, a prática da Administração Pública foi severamente alterada. Isto porque qualquer solicitação de alteração de horário de transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’, independentemente de sua justificativa, tem sido indeferida ‘por falta de amparo legal’.

Diante disto, a partir de 2003, quando da ocorrência de eventos esportivos, culturais, etc., de grande interesse do público, em horário idêntico ao estipulado na legislação para a transmissão do programa ‘A Voz do Brasil’, as emissoras de radiodifusão se viram impedidas de cumprir seu dever máximo de bem informar e, por outro lado, privaram o ouvinte do recebimento de referidas informações em razão da intolerância e falta de razoabilidade da Administração Pública.”

Com efeito, no regime do Estado de Direito não há lugar para o arbí-trio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade adminis-trativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.

Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigence, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (In Les Grands Textes Administratifs. Paris: Sirey, 1970. p. 376)

Ora, na presença de ato ilegal ou inconstitucional emanado do Poder Público, cabe ao Poder Judiciário proceder ao seu exame, consoante determina a Constituição (arts. 2º e 37 da CF/88).

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Cons-titution of the United States - The Rights of Property. New York: the Macmillan Company, 1965, p. 2/3, verbis:

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“The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, never-theless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

“All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ - null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.” (In The Constitution of the United States. Chicago: Callaghan & Co., 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:“The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and abso-

lute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.” (In The Works of Daniel Webster. Boston: Little, Brown and Company, 1853, v. I, p. 331)

In casu, o disposto no art. 38, e, da Lei nº 4.117/62 deixou de vigorar a partir da entrada em vigor da CF/88, notadamente em razão do disposto no art. 220, caput, e seu § 1º.

Por conseguinte, o disposto no art. 215, I, da Lei nº 9.471/97 (“quan-to aos preceitos relativos à radiodifusão”) viola a letra e o espírito do disposto no art. 220, caput e § 1º, da CF/88.

Dessa forma, impõe-se suscitar o incidente de inconstitucionalidade

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do art. 215, I, in fine, da Lei nº 9.471/97 frente ao art. 220, caput, e § 1º, da CF, na forma do art. 97 da Lei Maior.

É o meu voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios: Com a vênia da eminente relatora, alinho-me ao voto divergente.

A regulação constitucional da mídia eletrônica

Qual o quadro jurídico em que o litígio se coloca?Em primeiro lugar, é preciso assentar que a radiodifusão é um ser-

viço público essencial, de competência da União (Constituição Federal de 1988, art. 21, XI). À União cabe sua exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, nos termos da lei, o que abrange os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 21, XII). A obrigatoriedade da transmissão, pelos concessionários, decorre de lei federal, ônus presente no nosso ordenamento jurídico desde 1935 (ver Lílian Maria F. de Lima Perosa, A Hora do Clique: análise do Programa de Rádio “Voz do Brasil” da Velha à Nova República, São Paulo: Anna-blume; ECA/USP, 1995. p. 37).

O tratamento constitucional da radiodifusão revela, ainda, a opção constitucional por um sistema complementar, de natureza mista, pelo qual seu exercício se opera concomitantemente por entidades públicas e privadas, onde coexistem o controle governamental federal e a execução dos serviços pela iniciativa privada (ver André Mendes de Almeida, Mídia Eletrônica – seu controle nos EUA e no Brasil, Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 51/52). Adotamos, do mesmo modo que os norte-americanos, o modelo de regulamentação chamado trusteeship model, pelo qual os ra-diodifusores atuam como fiduciários no uso do espectro eletromagnético (bem natural, público e limitado), mediante autorização governamental (André Mendes de Almeida, op. cit., p. 74).

Como referido, mesmo se tratando de um serviço público típico da União, a radiodifusão deve observar o princípio da complementariedade (Constituição Federal, art. 223), o que implica a existência de emissoras privadas atuando no espectro eletromagnético, conjuntamente com a ini-ciativa direta pelo Poder Público. Desse modo, nosso sistema caracteriza-

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-se, na tradição democrática ocidental que remonta à década de 20 do século passado, pela intervenção estatal na radiodifusão (motivada por tantos fatores, dentre os quais a ordenação do espectro, a escassez de fre-qüências, o interesse geral, a conveniência pública, a segurança nacional), sem se qualificar, necessariamente, por um (totalmente público) ou outro (totalmente privado) modelo exclusivo de propriedade ou de controle dos meios de comunicação. Como apontou Santiago Sanchez González,

“ni el Estado, por muy social que sea, podría constituirse en el dueño único y absoluto de los instrumentos principales de comunicación de masas en el marco de un ordenamiento demoliberal que reconoce la libertad de expresión y de prensa, ni, de otro lado, se puede interpretar ésta como mera libertad de empresa, privada, de la que toda intervención de los poderes públicos estaria ausente habida cuenta de facto-res tan diversos como las servidumbres del contexto tecnológico, o como las nefastas consecuencias que se derivarían de una competencia sin traba alguna.” (Los Medios de Comunicación y los Sistemas Democráticos. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 22)

Tendo presente essa regulação constitucional, bem como a função social dos meios de comunicação de massas (Constituição Federal, art. 221), toma relevo incontestável a pertinência dos direitos fundamentais da liberdade de expressão e de informação neste âmbito da realidade. Com efeito, sem pluralismo e liberdade tornar-se-iam inalcançáveis os objetivos educativos, culturais, artísticos e informativos (CF, art. 221, I) para os quais está endereçada constitucionalmente a liberdade dos concessionários da radiodifusão. Sem essas garantias, a liberdade de comunicação ficaria esvaziada, uma vez que a proibição de conteúdos ou de formas, por meio da seleção da informação, não lograria assegurar, dentro das possibilidades reais, o desenvolvimento subjetivo do indivíduo responsável (ver Wolfgang Hoffmann-Riem, Libertad de Comunicación y de Medios in Manual de Derecho Constitucional. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 147).

Com efeito, a liberdade de comunicação no quadro constitucional vigente, ao mesmo tempo em que requer e se associa intimamente à garantia da liberdade de expressão, de cunho individual e defensiva (ver Roger Pinto, La libertè d’information et d’opinion em droit international. Paris: Econômica, 1984. p. 20 e Maria Eduarda Gonçalves. Direito da Informação. Coimbra: Almedina, 1994. p. 24), também aponta para uma dimensão objetiva, constitutiva da ordem democrática, relacionada com

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o pluralismo e a vida política (ver Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 303), donde, inclusive, a referência social, contida na Constituição, imanente à liberdade de comunicação.

De fato, como salienta o citado Wolfgang Hoffmann-Riem, a liberda-de de comunicação é liberdade recíproca, incluindo não só o direito do cidadão frente ao Estado a que se respeite sua esfera de liberdade, senão também para que se assegure o cumprimento das funções sociais dos meios de comunicação, respeitantes à informação numa sociedade aberta e pluralista. Para tanto, a liberdade de comunicação constitucional requer formas de organização da comunicação individual e de massas (p. 151).

Daí a idéia de que, dada a limitação do espectro eletromagnético, a igualdade de oportunidades nos meios de comunicação, para que não desande em privilégios de comunicação, conduza à exigência, típica para o rádio e a televisão abertas, da liberdade como liberdade fiduciária.

“Al principio de la fiducia corresponde también un mínimo de equilibrio de contenidos, objetividad y respecto mutuo, a lo cual debe estar obligada la actividad mediática; sin embargo, no cumpliría con ello, se hiciera mal uso de obligaciones en materia de equilibrio de contenidos, entre otras cosas, como medio de contrarrestar diferencias pluralistas o, eventualmente, tratamiento indiscriminado de diferencias políticas significativas. Detrás de la pretensión de que el juego económico-privado de la concurrencia pude asegurar demanda publicitaria que genere pluralismo en la publicidad y con ello moderación de poder se ocultan intentos de justificación de privilegios. El acoplamiento de la estructura de la prensa al modelo de mercado se produce bajo reserva de la función de contención del poder inherente a los mecanismos de mercado. El fracaso del mercado en tal función no puede dejar indiferentes a los titulares del poder estatal. Si los defectos funcionales reconocibles fueran estructurales y no superables con normas particulares, tendrían que arbitrarse otras alternativas.” (Wolfgang Hoffmann-Riem, Op. Cit., p. 154)

Assim entendida, a liberdade de comunicação não repele, de antemão, qualquer regulação legislativa que, atenta a tais diretrizes, desenvolva tal ordenamento jurídico midiático, dele devendo constar, dentre outros aspectos constitucionalmente relevantes, (1) a adoção de um modelo de regulação midiática, (2) a liberdade frente ao Estado, (3) a promoção e a consideração da diversidade, (4) a regulação dos direitos de acesso e das obrigações de abertura, (5) as modalidades de financiamento e de produção informativa e (6) o estatuto jurídico dos profissionais de

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comunicação. Muito antes, a liberdade de comunicação constitucional-mente desenhada demanda tal intervenção legislativa (ver Wolfgang Hoffmann-Riem, p. 166-197).

Exposto em grandes linhas esse quadro normativo, pode-se avançar na solução do caso concreto sublinhando a diretriz jurídica que deve orientar este provimento judicial: a aplicabilidade do regime constitucional dos direitos fundamentais – liberdades de comunicação e de informação – num ambiente de regulação constitucional da radiodifusão como serviço público executado por empresas privadas de comunicação.

A compreensão desta diretriz repele, portanto, uma percepção uni-lateral e exclusivamente defensiva da liberdade de comunicação, bem como afasta, por outro lado, um tratamento que fizesse ceder sempre e em todos os momentos a liberdade do radiodifusor pelo fato de se tratar da concessão de um serviço público.

Disso decorre que o caso não se resolve por meio de uma interpretação unilateral da proibição constitucional do embaraço legal à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (art. 220, parágrafo 1°).

Existe embaraço à liberdade de expressão?

Com efeito, a obrigatoriedade da veiculação de um programa infor-mativo oficial não embaraça a liberdade de informação jornalística. A simples existência de tal programa em nada impede que o jornalismo radiofônico desenvolva-se livremente, tanto no seu conteúdo quanto na sua forma.

Não procedem, portanto, os argumentos de ofensa às liberdades de manifestação do pensamento, de criação e de expressão. Liberdade de pensamento, liberdade de opinião e liberdade de criação, no contexto em que comumente invocados, são direitos de defesa. São esferas jurídicas reconhecidas aos indivíduos, às pessoas naturais ou jurídicas, de garan-tia contra a intromissão por parte, em primeiro lugar, do Estado. São princípios fundamentais da filosofia liberal inspiradora das revoluções democráticas ocorridas na França e na América no final do século XVIII (ver Jean-Pierre Chamoux. Droit de la Communication. Paris: Presses Universitaires de France. p. 7).

A obrigatoriedade discutida, efetivamente, não impede as empresas

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privadas concessionárias do serviço público de radiodifusão de formula-rem seus pensamentos, de expressarem suas opiniões ou de criarem seus programas. Ela não atinge nem a forma nem o conteúdo das emissões radiofônicas, livres durante todo o restante do horário.

Existe censura?

Muito menos tal existência significa censura, de qualquer natureza. A liberdade dos meios de comunicação, em questões políticas, ideológicas ou artísticas (para me limitar ao rol do parágrafo 2° do art. 220) não é limitada, restrita ou minimamente constrangida pela obrigatoriedade de transmissão do programa oficial. Passada sua execução, independente do horário, têm os concessionários da radiodifusão plena liberdade, não se sujeitando a qualquer controle preventivo ou repressivo, nem na forma, nem no conteúdo da informação.

Censura é um ato político resultante de uma decisão discricionária, sem fundamentação jurídica exigível, proveniente, em geral, do poder executivo ou de grandes grupos privados.

Efetivamente, não é essa a hipótese do caso concreto. Aqui se discute a constitucionalidade da atividade legislativa que impõe a transmissão em cadeia de programa cotidiano, respeitante a informações institucionais oriundas do Poder Público.

Está configurada hipótese de monopólio ou oligopólio?

Outro argumento que não se sustenta, diante do quadro exposto, é a violação ao parágrafo 5º do artigo 220, que proíbe a existência de mo-nopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social. Monopólio ou oligopólio são categorias jurídicas de direito econômico que não abran-gem as situações de serviço público enumeradas constitucionalmente.

O fato de existir a possibilidade da prestação de serviço público por ente privado, mediante concessão (figura do direito administrativo), em nada altera a natureza jurídica do serviço, que é público. Aliás, ao contrário, a possibilidade de execução por privado, mediante concessão, confirma estarmos diante de serviço público. A atividade econômica é, em princípio, atribuída exclusivamente aos privados, cuja exploração direta pelo Estado depende de observância dos imperativos de seguran-ça nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definição legal

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(artigo 173). Dentre as atividades econômicas, a Constituição enumerou algumas como monopólio da União, vale dizer, hipóteses expressas de autorização constitucional para o Estado explorar atividade econômica (artigo 177). Tal não é o caso do serviço de radiodifusão, conforme a explícita e citada previsão constitucional. Daí a distinção entre serviço público e atividade econômica, não se aplicando, portanto, para a com-preensão do caso concreto, a proibição de monopólio ou oligopólio. Ao contrário, tal restrição existe precisamente para que as concessões para a execução desse serviço não beneficiem indevidamente agentes privados. Trata-se de proteção do serviço público contra a atuação dos privados, circunstância totalmente diversa da apontada, onde empresas privadas concessionárias almejam defender do Estado.

Tratamento isonômico com jornais e televisão afastaria a obrigatoriedade da transmissão?

Outro argumento que não procede diante das premissas acima indi-cadas diz respeito à ofensa ao princípio da igualdade. Segundo este, a obrigatoriedade da transmissão somente por meio radiofônico configura lesão à isonomia, uma vez que inexiste a imposição nos casos da televi-são, dos jornais e das revistas.

A primeira distinção que deve ser feita é com o regime jurídico dos jornais e revistas. Periódicos escritos, muito diversamente da regulação da mídia eletrônica, experimentam um grau mais elevado de proteção constitucional diante da regulação legislativa da liberdade de comu-nicação. Isso pelo simples fato de que o meio escrito, em princípio, é fisicamente ilimitado, ao passo que, como visto anteriormente, o espectro eletromagnético não o é.

Desse modo, o espectro eletromagnético requer, inclusive para pos-sibilitar o exercício deste direito, toda uma organização e uma regula-mentação jurídica, sob pena de a radiodifusão tornar-se impraticável e a comunicação, por conseguinte, inexistente. Esse o sentido, aliás, da compreensão diversa que a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América tem diante de jornais e diante da mídia eletrônica.

A mídia eletrônica está sujeita a uma regulação muito mais minuciosa que o jornalismo impresso, num poder-dever de legislar que alcança não só a utilização das freqüências eletromagnéticas como também a

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imposição de um dever de informar mais preciso. É a chamada fairness doctrine (doutrina da correção, da imparcialidade), assim descrita por John Nowak e Ronald Rotunda (Constitutional Law. St. Paul: West Pu-blishing Co., 1995. p. 1028):

“The Court, in general, has accepted the argument that the unique nature of elec-tronic media and the present state of the art mean that there is no comparable right of everyone to broadcast on radio and television what one could speak, write or publish elsewhere. Frequencies presently available for wireless broadcast are finite, and when some are given the privilege to use some bands of the airways, others must be denied. No particular license has a First Amendment right to broadcast and his existing privi-lege may be qualified through reasonable regulation. Therefore, the government may subject award of a broadcast license to reasonable regulation with goals, other than the suppression of ideas. This regulation is permissible because the Court considers the right of the listeners and viewers to be paramount, not the right of the broadcasters.”

“O Tribunal, em geral, aceita o argumento de que a natureza única da mídia eletrônica e o atual estado da questão significam que não há como comparar o direito de qualquer um de transmitir por meio de rádio e de televisão com o de alguém que pudesse falar, escrever ou publicar em qualquer lugar. As freqüências atualmente disponíveis para transmissão sem fios são finitas e, quando a alguns é conferido o privilégio de usar algumas faixas de transmissão, este deve ser negado a outros. Nenhum licenciado em particular tem o direito, fundado na Primeira Emenda, de transmitir, e a existência de seu privilégio pode ser regulada por meio de uma regulamentação razoável. Portanto, o governo pode sujeitar a concessão de uma licença de transmissão à regulamentação razoável conforme certos objetivos, diversos da supressão de idéias. Esta regulação é admissível em virtude de o Tribunal considerar, em primeiro lugar e acima de tudo, o direito dos ouvintes e espectadores, não o direito daqueles que transmitem.” (tradução livre)

Trata-se, como acima mencionou o citado Wolfgang Hoffmann-Riem, da imposição de uma obrigação constitucional sobre os ombros daqueles que detêm o privilégio de utilização do espectro eletromagnético, numa relação de natureza fiduciária (Nowak e Rotunda, op. cit., p. 1029).

Essa menção à Primeira Emenda e à sua compreensão diante da mídia eletrônica, com efeito, não serve somente para afastar o argumento de ofensa à isonomia pelo fato de inexistir tal obrigação em se tratando de jornalismo impresso. Ela também serve para que se evitem interpreta-ções inapropriadas da redação do citado parágrafo 1° do artigo 220 da Constituição, antes já considerado.

Com efeito, se se compara a redação deste parágrafo (“Nenhuma lei

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conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, ob-servado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV”), pode-se facilmente perceber a inspiração na redação da Primeira Emenda à Constituição norte-americana (“Congress shall make no law respecting an establish-ment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridge the freedom of speech, or of the press;”).

Esse dado indica que a compreensão de nosso dispositivo consti-tucional, evidentemente, não pode fazer vistas grossas à realidade do espectro eletromagnético e do privilégio de seus ocupantes, bem como das funções sociais da mídia eletrônica na sociedade brasileira con-temporânea. Daí a conclusão de que, assim como a Primeira Emenda, o parágrafo 1° do art. 220 incide diferentemente quando se trata de mídia eletrônica e de mídia escrita, para não se falar dos termos mais restritos de nossa norma constitucional diante da amplitude da redação da primeira emenda (a primeira emenda não reduz o âmbito da garan-tia à liberdade de informação jornalística nem explicita hipóteses de restrição, como faz a norma constitucional brasileira).

Ultrapassada a questão da isonomia com o meio jornalístico impres-so, examino a alegada violação à isonomia pela inexistência de idêntica obrigação para as emissoras de televisão.

O argumento também não procede. A exclusividade da obrigação às emissoras de rádio prende-se a razões históricas (ver, nesse sentido, o citado A Hora do Clique) e a suficiência da transmissão da informação oficial por uma única via, a juízo do legislador, justificam que a obriga-toriedade não se estenda às emissoras de televisão, para não se falar na existência de canais de televisão por assinatura que vinculam informações oficiais, o que não ocorre no meio radiofônico. Outrossim, o argumento poderia conduzir o raciocínio à solução inversa àquela desejada pela autora, substituta de emissoras de rádio e de televisão, que seria a exten-são do programa também às emissoras de televisão, proposta, aliás, que já foi vencida no debate parlamentar brasileiro mais de uma vez, como noticia o citado A Hora do Clique.

Os índices de audiência justificariam a supressão da obrigatoriedade de transmissão?

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Outro argumento que não prospera é a alegada baixa audiência do programa.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que o critério “audiência” não é decisivo para o presente debate constitucional. Como visto, uma das fun-ções primordiais dos meios de comunicação num ambiente democrático é expressar as diversas visões dos sujeitos plurais que compõe a sociedade (nesse sentido, inclusive, aponta o artigo 221 da Constituição, quando submete a comunicação social a princípios e objetivos de regionaliza-ção, espaço para produções independentes, etc). Na perseguição desses objetivos, à evidência, o critério de audiência não é decisivo, quando não ameaçador. Submeter a vinculação da programação a tal critério poderia configurar, portanto, violação desses princípios e objetivos.

Além disso, como apontou a perícia, há dificuldades muito sérias para dimensionar tal aspecto, inclusive do ponto de vista científico – dado que, por si só, já afastaria o argumento. Na mesma linha, saliente-se a observação do Prof. Jacques Wainberg, ao oferecer perícia em feito similar, apontando para a existência de muitos programas comerciais cuja audiência é aquém daquela obtida pela Voz do Brasil, não sendo tal aspecto suficiente para justificar sua extinção.

Com efeito, na era de desmassificação, de segmentação de públicos e com audiências decorrentes restritas, a sedução da maioria dos ouvintes deixa de ser um critério e mesmo um objetivo a ser perseguido. Ademais, como apontou o laudo, “é polêmica a argumentação de que os índices de audiência da Voz do Brasil são tão ínfimos que não justificam veiculação. Pessoalmente, me surpreendi com os dados apresentados nas tabelas das pesquisas de audiência. Eles superam muitos programas privados e certamente os índices de muitos dos programas das emissoras públicas de televisão.”

Outro argumento que é corolário desta “baixa audiência” é a conse-qüente perda de faturamento. Em primeiro lugar, este não é um argumento jurídico, muito menos constitucional. Em segundo lugar, mesmo sem ignorar as necessidades econômicas dos concessionários, faturamento e lucro não são objetivos constitucionais do regime de concessão. O argumento, ao contrário, traz à tona novamente a advertência de Wol-fgang Hoffmann-Reim a respeito do perigo de acoplar-se liberdade de comunicação e mercado, numa dinâmica que subordine a comunicação

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a faturamento e lucro. Tal operação, certamente, produziria resultados contrários aos objetivos e à função constitucional da liberdade de co-municação.

A existência de programas jornalísticos tratando de aspectos comuns à “Voz do Brasil” justificaria a supressão da transmissão

obrigatória?

Outro argumento trata da melhor forma de divulgação das informações sobre as atividades dos poderes públicos. Alega-se que as empresas de radiodifusão dispõem de noticiários jornalísticos pautados pelos deveres da ética profissional, preocupados com a correção e a imparcialidade da notícia. Desse modo, não haveria razão para a manutenção da Voz do Brasil, ressalvado, evidentemente, o direito de espontaneamente retrans-mitir o programa discutido.

A ponderação desse argumento aponta para a questão da natureza do programa. A Voz do Brasil, como esclarecido pelo Prof. Wainberg, não é um programa jornalístico, mas uma modalidade de comunicação ins-titucional, regendo-se por critérios e finalidades diversas dos programas jornalísticos.

Desse modo, não é possível afastar a relevância e a utilidade do pro-grama com fundamento na existência de programas jornalísticos que, em parte, veiculam algumas das informações disponíveis na Voz do Brasil.

Ademais, como afirma o Prof. Dr. Jacques Wainberg, em perícia realizada em feito com mesmo pedido,

“o uso do jornalismo para os fins da comunicação institucional é uma prática que não contraria o espírito democrático. É, também, uma prática usual utilizada por todo ator social preocupado com públicos específicos e suas atividades e crenças. Portanto, creio que este programa tem sua relevância por ser um informativo oficial da Auto-ridade, que visa com isso também atrair a atenção do público para certos aspectos e eventos da realidade. (...) Sendo como é comunicação institucional, contribui para a transparência dos poderes públicos.”

Noutro trecho, esclareceu também que “embora parte da programa-ção seja redundante aos conteúdos veiculados pelos mass media, há um considerável conteúdo que não é contemplado pela imprensa, ou ainda, dimensionado na forma como a Autoridade entende ser necessário tratar do tema”. “No meu ponto de vista” – apontou o laudo – “deve-se enten-

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der a Voz do Brasil neste contexto de vozes institucionais que buscam as luzes da ribalta.”

“A Voz do Brasil” e a liberdade de comunicação na Constituição de 1988: a legitimidade constitucional da fala dos Poderes Públicos na

comunicação social

Como visto no início desta fundamentação, a liberdade de comuni-cação é um direito constitucional de primeira grandeza. Ela responde simultaneamente a anseios de defesa do indivíduo e da sociedade e à necessidade de veiculação da informação, sem o que a democracia fenece e os objetivos do Estado Democrático de Direito são inalcançáveis.

Essa dupla face tem experimentado um desenvolvimento díspar no trabalho da doutrina e da jurisprudência. Muito se discute a respeito da liberdade de comunicação como direito de defesa, como direito subjeti-vo ante os perigos de governos que querem ver silenciados indivíduos, grupos e empresas de comunicação.

Basta estudar a evolução no direito constitucional norte-americano quando se trata da Primeira Emenda. Invoco essa tradição, uma vez que ela não só influenciou poderosamente o capítulo da Constituição que trata da Comunicação Social, como também nela encontramos a mais vigorosa preocupação com a liberdade de expressão que se conhece no direito constitucional moderno e contemporâneo.

A proteção da liberdade de expressão, nesta tradição jurídica, tem conhecido muitos fundamentos ao longo da história, como sumariam John Nowak e Ronald Rotunda (Op. cit., p. 991-993). Inicialmente, como mecanismo de combate ao erro e à ignorância (John Milton); depois, como forma de descobrir, no seio da comunidade, por meio do debate livre, a verdade (John Stuart Mill); depois foi comparada à dinâmica da liberdade de mercado, na qual a verdade de uma idéia seria resultado da competição entre as várias visões, sem entraves governamentais (Justice Oliver Wendell Holmes). A liberdade de expressão também encontrou assento na possibilidade de os indivíduos colaborarem para o bem estar coletivo, expressando seus próprios pontos de vista, bem como na neces-sidade de impedir abusos governamentais, sempre tendentes a suportar as visões majoritárias diante de pontos de vista impopulares.

A lembrança desses fundamentos e a recordação das funções da li-

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berdade de comunicação são relevantes para a solução do caso concreto.Com efeito, na maior parte dos casos, os tribunais se perguntam a

respeito da constitucionalidade das restrições à liberdade de comunica-ção, vale dizer, das hipóteses em que o governo quer silenciar. No caso concreto, todavia, a questão é diversa: a transmissão obrigatória não impede o exercício da liberdade de comunicação pelos concessionários. Eles têm ao seu dispor possibilidades de comunicação muito superiores àquelas aproximadamente cinco horas semanais ocupadas pela Voz do Brasil. Das 168 horas semanais fisicamente disponíveis à radiodifusão, para livremente manifestar sua voz, apenas 5 horas são ocupadas pelo Poder Público, isto sem considerar os feriados em que não há transmis-são obrigatória.

Neste caso, como dito, a perspectiva é diversa. Não se trata da ameaça governamental que queira calar a comunicação pelos privados, da censura diante da forma ou do conteúdo. Os meios de comunicação dispõem de espaço e liberdade incontestes diante da voz governamental. A preten-são das emissoras de rádio não é se defender do silêncio imposto pelo Poder Público: é, inversamente, fazer calar a voz governamental, mesmo naquelas restritas cinco horas semanais, quando muito.

Casos como este raramente são considerados na jurisprudência da Primeira Emenda e no direito da comunicação. Examinados sob a pers-pectiva dos fundamentos e da função da liberdade de comunicação na tradição estadunidense, eles apontam até mesmo para uma presunção de constitucionalidade da manifestação da voz do Poder Público:

“Undoubtedly there is a valid public interest, and First Amendment value, in the government conveying to the public information regarding government programs. Governmental activities - from Congressional reports to presidential news conferences, or reports of executive agencies - provide the basis for the discussion and debate of self-governance issues that have been a touchstone value in First Amendment analysis.” (Nowak and Rotunda, p. 1003)

“Sem sombra de dúvida há um interesse público válido, e um valor subjacente à Primeira Emenda, na comunicação por parte do governo para o público de informações pertinentes a programas governamentais. Atividades governamentais – desde relatórios parlamentares a divulgação de conferências presidenciais, ou relatórios de agências governamentais – providenciam a base para a discussão e o debate das questões do auto-governo que têm sido a pedra-de-toque na análise da Primeira Emenda.” (tradução livre)

É preciso distinguir, como fez Laurence Tribe (American Constitutio-

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nal Law, 2nd Edition, Mineola: The Foundation Press, 1988, p. 804), os casos em que o Poder Público quer expressar sua própria voz daqueles em que ele desejaria silenciar a voz alheia. As proibições de limitar o discurso alheio não se confundem com a possibilidade de o Poder Pú-blico fazer-se ouvir.

O fato do Poder Público falar, visto como uma possibilidade ou mesmo como uma necessidade, sequer pode ser menosprezado ou juridicamente afastado diante do relativo aumento das oportunidades das autoridades públicas se expressarem. Como observou o citado Laurence Tribe (Op. cit., p. 808):

“Although the quantity of government speech is increasing, the private sector communications industry is also undergoing unprecedented expansion and growth, and there seems to be no evidence whatsoever that the proportion of government speech within the total universe of communication is increasing. In fact, it seems quite possible that it is decreasing.”

“Embora a quantidade do discurso governamental esteja crescendo, a indústria do setor privado de comunicações também está experimentando uma expansão e cresci-mento sem precedentes, não parecendo existir qualquer evidência de que o discurso governamental esteja crescendo, proporcionalmente, no universo da comunicação. De fato, o que parece completamente possível é que ele esteja decrescendo.” (tradução livre)

De fato, a possibilidade da veiculação do discurso governamental, livre de censuras ou de limitações exteriores, sem se sujeitar às formas e aos conteúdos definidos pelas empresas privadas de comunicação, reveste-se de importância fundamental na tradição da liberdade de comunicação.

Com efeito, trata-se de garantir todos os objetivos e de salvaguardar os fundamentos desta liberdade constitucional fundamental, algo que o mercado não é capaz de prover, por si, no âmbito da comunicação social. Mesmo naquelas escolas jurídicas que superestimam o papel e a capacidade do mercado de orientar as decisões jurídicas e políticas, não há espaço para tamanha pretensão mercadológica. Veja-se, por exemplo, a conclusão do Prof. Cass Sunstein (Free Markets and Social Justice, New York: Oxford University Press, 1997, p. 200, no capítulo The First Amendment in Cyberspace), destacado docente da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, centro intelectual mais vigoroso da escola Law and Economics:

“My central point here has been that the system of free expression is not an aimless

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abstraction. Far from being an outgrowth of neoclassical economics, the First Amend-ment has independent and identifiable purposes. Rooted in a remarkable conception of political sovereignty, the goals of the First Amendment are closely connected with the founding commitment to a particular kind of polity: a deliberative democracy among informed citizens who are political equals. It follows that instead of allowing new tech-nologies to use democratic processes for their own purposes, constitutional law should be concerned with harnessing those technologies for democratic ends – including the founding aspirations to public deliberation, citizenship, political equality, and even a certain kind of virtue. If the new technologies offer risks on these scores, they hold out enormous promise as well. I have argued here that whether that promise will be realized depends in significant part on judgments of law, including judgments about the point of the First Amendment.”

“A questão central aqui tem sido que o sistema da liberdade de expressão não é uma abstração desprovida de fins. Muito distante de uma derivação da economia neo-clássica, a Primeira Emenda tem propósitos independentes e identificáveis. Enraizada numa notável concepção de soberania política, os objetivos da Primeira Emenda são intimamente vinculados ao compromisso estabelecido com um tipo particular de po-lítica: uma democracia deliberativa entre cidadãos informados que são politicamente iguais. Disto se segue que, ao invés de permitir que as novas tecnologias utilizem o processo democrático para os seus propósitos, o direito constitucional deve estar pre-ocupado com direcionar estas tecnologias para finalidades democráticas – incluindo as aspirações fundantes da deliberação pública, cidadania, igualdade política e até mesmo uma certa espécie de virtude. Se as novas tecnologias oferecem riscos a esses marcos, elas também carregam uma enorme promessa. Eu sustento aqui que a realização dessa promessa depende de modo significativo de decisões jurídicas, incluindo as decisões acerca da Primeira Emenda.” (tradução livre)

Na mesma direção, todavia partindo de pressupostos diversos, pode--se citar o artigo de Eduardo Galeano, onde se salienta os perigos da desigualdade e da concentração econômica nos meios de comunicação, realidade que ameaça transformá-los, inclusive, em meios de “incomu-nicação” (Vers une société de l’incommunication?, Le Monde Diploma-tique, 1996, p. 16).

Efetivamente, a jurisprudência da Suprema Corte tem salientado, ao longo de toda sua história, a necessidade da veiculação dos diversos pontos de vista como elemento fundamental exigido pela liberdade de comunicação (ver, por exemplo, FCC v. League of Women Voters of Califórnia, 1984, bem como um comentário a este precedente, Rodney A. Smolla, Free Speech in an Open Society, New York: Vintage Books, 1992, p. 185/189).

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Todos esses fundamentos demonstram que a liberdade de comunica-ção, constitucionalmente conformada, vai além da utilização unilateral e descompromissada, por parte dos concessionários, das freqüências em cuja operação lhes é permitida, bem como da propriedade privada de suas empresas de comunicação.

No direito brasileiro, ademais, a Constituição vigente trata da comuni-cação social na Ordem Social constitucional, dado que tem relevância e reforça este raciocínio, no sentido das obrigações do empresário privado dos meios de comunicação.

Com efeito, os meios de comunicação de massas são objeto passível de apropriação privada e têm seu exercício regulado na ordem social. Como toda propriedade privada, e ainda mais fortemente, a legitimidade cons-titucional desse direito deve observar sua função social. A função social da propriedade encerra a concepção de que, no núcleo fundamental que compõe o direito subjetivo, coexistem poder e dever simultaneamente. Nas palavras de Fábio Konder Comparato (Função Social da Propriedade dos Meios de Produção, Revista de Direito Mercantil. 63/75):

“Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Estas últimas são negativas aos direitos do proprietário. Mas a noção de função, no sentido em que é empregado o termo nessa matéria, signi-fica um poder, mais especificamente o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo, e não ao interesse do próprio dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica.”

Em se tratando de meios de comunicação social, releva, de imediato, a prescrição do artigo 221, sujeitando a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão à observância de vários princípios, dentre os quais a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e infor-mativas, a promoção da cultura nacional e regional, a regionalização da produção e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (nesse sentido, tratando mais detidamente das transmissões de rádio e televisão, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira, p. 63/70).

Antes desses princípios conformadores das atividades radiofônicas,

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exsurge, como componente da liberdade de comunicação, o direito à informação verdadeira – em cuja perspectiva a diversidade informativa e a convivência da comunicação jornalística com a comunicação insti-tucional governamental se apresentam.

Em nossa tradição, os fundamentos desse direito, inclusive, podem ser buscados dentre os próprios direitos de personalidade. Pontes de Miranda, versando sobre o tema, inclui dentre os direitos de personalidade o direito à verdade (Tratado de Direito Privado, Tomo VII, parágrafo 736), rela-tivo seja à imputação de atos, seja à enunciação de fatos. Freitas Nobre, em obra publicada contemporaneamente à elaboração da Constituição de 1988, foi claro ao defender que “a própria liberdade de informação encontra um direito à informação que não é pessoal, mas coletivo, porque inclui o direito de o povo ser bem-informado” (Imprensa e Liberdade - Os princípios constitucionais e a nova legislação, p. 33).

O texto constitucional de 1988, a seu turno, consagrou, como di-reito fundamental, o acesso à informação (artigo 5º, XIV), norma que, combinada com a plena liberdade de informação jornalística conferida a qualquer veículo de comunicação social (artigo 220, parágrafo primei-ro), demonstra a inequívoca existência do dever de informar correta e lealmente (ver, por exemplo, Vital Moreira, O Direito de Resposta na Comunicação Social, Coimbra: Almedina).

A jurisprudência, cumprindo sua missão de interpretar e aplicar a Constituição, também tem explicitado, paulatinamente, esse dever imanente ao exercício da atividade de comunicação social. Ad exem-pla, invoco o julgamento do Mandado de Segurança nº 997 - DF, pelo Tribunal Superior Eleitoral (impetrado pela empresa Folha da Manhã). Discutindo a constitucionalidade de regra que limitava a divulgação de pesquisas eleitorais a partir de certo termo, o Tribunal (mesmo consi-derando inconstitucional a restrição) ponderou, no curso de suas razões de decidir, a legitimidade de critérios garantidores da seriedade e a responsabilidade em relação às pesquisas. Tais exigências, objetivando evitar o desvirtuamento da informação para indevido influenciamento do eleitorado, demonstram o reconhecimento do direito (por parte do eleitorado) à mais exata informação possível.

Nesse julgamento, o Ministro Aldir Passarinho ponderou que “a nova Constituição estabeleceu princípios, sem dúvida, de maior amplitude nos

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seus conceitos gerais que, na verdade, deixam uma grande preocupação ao juiz sobre os resultados de uma divulgação que possa vir a desvirtuar princípios mais amplos que aqueles desenvolvidos no processo democrático, que nem sempre se pautam por uma maior rigidez no tocante a uma exata informação do eleitorado e de suas preferências num determinado momento. (...) O que há de se compreender, sob tal aspecto, é que o objetivo da lei, como não é de agora, visou justamente proteger a normalidade do pleito, a sua legitimidade, e assim impedindo a utilização do poder econômico para daí resultar que as pesquisas cheguem a demonstrar, falsamente, as tendências do elei-torado em favor de determinado candidato. Infelizmente – nós sabemos – pesquisas poderão ser realizadas por puro intuito de informação jornalística, mas é possível que haja desvirtuamentos. (...) Dentro desses parâmetros, quando se tratar realmente de divulgação de pesquisas com puro intuito de informação jornalística sobre a tendência do eleitorado em determinado momento, não se verificando existir o poder econômico direcionando essas pesquisas, não pode ser ela impedida. Deixo claro que, segundo meu ponto de vista sobre a divulgação de pesquisa, não pode estar afastada a preo-cupação dos órgãos de fiscalização, ou dos demais interessados, para que não haja o desvirtuamento, no noticiário que deve ser o do simples propósito de informação.”

O mesmo Tribunal Superior Eleitoral, agora ao julgar o Mandado de Segurança Coletivo nº 5/DF, foi explícito quanto ao direito “à informação ampla e completa”.

Nesse julgamento, o Ministro Relator, Roberto Rosas, comentando a Constituição de 1988, assentou:

“Mais recentemente, a Constituição espanhola de 1978 expressa o direito de comu-nicação livre da informação (art. 20, 1, d), e a Constituição Portuguesa de 1976 tem artigo destacado para a liberdade de informação, abrangendo ele o direito de informar, de se informar e de ser informado (art. 37). Um dos mais autorizados intérpretes do texto lusitano (Canotilho) diz com a abrangência da norma constitucional: ‘o direito de informação integra três níveis: o direito de informar, o direito de se informar, e o direito de ser informado. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha da informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeira-mente informado, desde logo, pelos meios de comunicação’ (Canotilho - Constituição Portuguesa Anotada, 2. ed., 1º/234). Vê-se, portanto, que o âmbito da liberdade de informação não somente é do agente transmissor dessa informação, como também do agente passivo titular do direito à informação ampla e completa.”

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Já no campo do direito internacional, muito se debateu, no seio da UNESCO, a respeito da necessidade da informação ser “exata, completa e objetiva”, bem como sua circulação “livre, recíproca e equilibrada”. Cuida-se dos termos utilizados pelas Conferências Gerais de Nairobi (1976) e de Paris (1978), em que discutida a chamada “Nova Ordem Mundial da Informação”. Ao fim de muitas discussões, a Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XXXV Seção (1980), aprovou re-solução convidando cada membro a colaborar para “a instauração de uma nova ordem mundial da informação e da comunicação, fundada, entre outros dados, sobre a livre circulação e uma difusão mais larga e mais equilibrada da informação, que garanta a diversidade de fontes de informação e o livre acesso”.

Nesse passo, evidencia-se a razão pela qual o regime jurídico dos meios de comunicação social, presente no âmbito da livre iniciativa (imprensa, v.g.) e na execução indireta de serviços públicos (concessões de rádio e televisão, por exemplo), apresenta-se como caso típico no qual as normas gerais de direito econômico (fundamentos - livre iniciativa -, finalidade - dignidade humana -, princípios - propriedade e sua função social) revelam sua inafastável vinculação com a ordem social (princípios conformadores da atividade jornalística e direito à informação adequada), sem o que não há como se visualizar o ordenamento jurídico nacional. Isso sem adentrarmos nas hipóteses previstas na legislação de abuso do poder econômico exercido diretamente nos meios de informação (seja no campo próprio do direito econômico estritamente concebido – hipótese da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, definidora de crimes contra a ordem econômica –, seja no direito eleitoral – conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, v.g., no Recurso Especial Eleitoral nº 12.394/RS, DJU - Seção I - 01.03.1996, p. 5084).

O modo de veiculação do programa “A Voz do Brasil” e a possibilidade fática e jurídica dos Poderes Públicos falarem com a menor restrição possível da liberdade de expressão: a

proporcionalidade como vedação do excesso

No caso concreto, a liberdade de comunicação constitucionalmente conformada aponta para a coexistência da liberdade de expressão dos con-cessionários e do direito dos Poderes Públicos falarem em consonância

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não só com a própria liberdade de expressão de um ator social e político da maior relevância como também com os princípios da transparência e os objetivos constitucionais da própria liberdade de expressão.

Trata-se de equacionar, juridicamente, uma situação de colisão: coli-dem a maior liberdade de expressão possível dos concessionários (que, em tese e isoladamente, poderia estender pela integralidade das 24 horas do dia) e o direito do Poder Público falar.

Como deve ser resolvida essa colisão?A resolução da colisão de princípios jurídicos se dá por meio da má-

xima da proporcionalidade, em procedimento intimamente relacionado ao próprio conceito de princípio jurídico, aqui definido como norma que ordena que algo seja realizado na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas concretas (adoto, aqui, a teoria dos princípios desenvolvida por Robert Alexy, em sua Teoria de los Derechos Fundamentales).

Com efeito, diversamente dos casos de conflito de regras, em que outra norma jurídica apontará para a manutenção de uma delas e a eliminação da outra (como fazem, por exemplo, as normas da especialidade ou da revogação da lei anterior pela posterior ou da hierarquia), havendo confli-to de princípios a solução há de ser buscada tendo em vista a simultânea incidência desses princípios opostos.

Conforme R. Alexy, “la solución consiste, más bien, en la determinación de una relación de precedencia

referida a las circunstancias del caso entre los principios que entran en colisión. De esta manera, el principio que tiene precedencia restringe las posibilidades jurídicas de la satisfacción del principio despezado. Este último sigue siendo parte del orden jurídico. En algún otro caso, puede invertirse la relación de precedencia. Cuál haya de ser la solución depende de los pesos relativos de los principios opuestos. Con esto es, al mismo tiempo, claro que en las colisiones de principios, a diferencia de lo que ocurre en los conflictos de reglas, no se trata de la pertenencia o no al sistema jurídico, las colisiones de principios no tienen lugar en la dimensión de la validez sino que se dan, dado que sólo pueden entrar en colisión principios válidos, dentro del sistema jurídico en la dimensión de la ponderación.” (in El Concepto y la validez del derecho, p. 164).

Na “Teoria de los derechos fundamentales”, R. Alexy segue cuidando da colisão de princípios mediante a enunciação da “lei de colisão”:

“a solução da colisão consiste em que, tendo em conta as circunstâncias do caso, estabelece-se entre os princípios uma relação de precedência condicionada. A determi-

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nação da relação de precedência condicionada consiste em que, tendo em conta o caso, se indicam as condições sob as quais um princípio precede a outro. Se são outras as condições, a questão da precedência pode ser solucionada inversamente.” (p. 90 e 92)

É sob esse conceito de “relação de precedência condicionada” que R. Alexy focaliza o fenômeno da colisão de princípios. Ele afirma que, para a solução da colisão, não se deve tomar de antemão nenhum dos princípios opostos como preferencial frente ao outro. Essa relação de precedência, também chamada de relativa ou concreta, conduz à indagação acerca de sob quais condições um princípio tem precedência sobre outro e qual deles deve ceder. Analisando as decisões do Tribunal Constitucional da Alemanha, R. Alexy identifica a diferenciação dos princípios conforme pesos diversos a cada um deles atribuídos: eis a metáfora de ponderação dos princípios. A seu juízo, o discurso dos pesos relativos dos princípios opostos significa que a decisão acerca da prevalência de um ou de outro princípio deve considerar quais as condições suficientes para que um tenha precedência sobre o outro.

Diante de cada situação concreta, deve-se solucionar a colisão de forma a evitar lesão a direitos fundamentais ou a bens jurídicos consti-tucionais em causa. Assim, para a teoria dos princípios, as condições de precedência de um princípio se definem pela possibilidade de lesão ao direito fundamental ou ao bem jurídico constitucional. Buscando impedir tal lesão, terá precedência um dos princípios envolvidos, estritamente na medida em que for necessário.

Daí a estreita relação entre a teoria dos direitos fundamentais como princípios jurídicos e a máxima de proporcionalidade, que se revela como método de solução de tais casos, nos seus três momentos: a necessidade, a adequação e a ponderação, também conhecida como proporcionalidade em sentido estrito.

A solução jurídica conforme a Constituição deverá observar estes passos, a fim de ponderar, do modo mais fundamentado possível, a colisão de princípios, por meio da concordância prática (nesse sentido, ver Juan Carlos Gavara de Cara, Derechos Fundamentales y desarrollo legislativo - la garantía del contenido esencial de los derechos funda-mentales en la Ley Fundamental de Bonn, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994, esp. o capítulo 3º, itens 2 e 3: “La ponderación de bienes como método de determinación de la constitucionalidad de

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intervenciones en los derechos fundamentales” e “el principio de pro-porcionalidad en sentido amplio”).

Neste caso concreto, como acima enunciei, apresenta-se uma situação colidente, que demanda uma solução conforme a máxima da proporcio-nalidade. O requisito da necessidade aponta para a solução constitucional que não vá além da estrita necessidade da restrição de um direito para a preservação de outro – ele avalia, portanto, possibilidades fáticas do convívio dos princípios constitucionais envolvidos. O requisito da ade-quação respeita à propriedade da via escolhida para os fins desejados: não há sentido em adotar-se uma medida restritiva de um direito que é inapropriada para atingir o fim perseguido – ele também se ocupa das possibilidades fáticas. O requisito da proporcionalidade em sentido estrito conecta-se, por sua vez, com as possibilidades jurídicas: os princípios jurídicos em causa, efetivamente, têm o significado e as conseqüências normativas invocadas pelas partes?

Examine-se o litígio sob estes requisitos.Em primeiro lugar a adequação. O meio escolhido (transmissão

obrigatória por todas as emissoras de rádio do país, num determinado horário) é adequado ao fim proposto? A resposta é afirmativa. Ele atende o objetivo de fazer acessível a todos os pontos do país a comunicação institucional dos Poderes Públicos.

Em segundo lugar a proporcionalidade em sentido estrito. A informa-ção institucional é relevante constitucionalmente? A resposta também é afirmativa. Como visto acima, ela responde a uma série de princípios constitucionais muito valiosos.

Por fim o requisito da necessidade. Existe um meio fático menos gravoso, que possibilite a veiculação eficaz da comunicação institucio-nal e que acarrete, simultaneamente, menor restrição à liberdade dos concessionários de radiodifusão?

A resposta a este quesito também é positiva e sua conseqüência é a vedação constitucional ao meio que restringe, sem necessidade, a liber-dade de comunicação. Dito de outro modo: é inconstitucional a obriga-toriedade da transmissão uma vez que existem meios menos gravosos, capazes de compatibilizar os princípios em questão.

Esse meio, consideradas as possibilidades fáticas hoje existentes, está, inclusive, completamente ao alcance do Poder Público federal.

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Refiro-me à existência de emissoras de rádio estatais federais capazes de cobrir todo o território brasileiro e outras partes da América Latina, fazendo com que a comunicação institucional, sem nenhuma restrição de forma e de conteúdo, chegue a todos os brasileiros.

Isso é o que afirma o próprio Governo Federal, em comunicação institucional oficial emitida, via rede mundial de computadores, pela Ra-diobrás, na página denominada “Portal da Cidadania”. Trata-se de página disponível nas informações oficiais do Governo Federal (disponível, por exemplo, em 22.05.2002, http://www.radiobras.gov.br/abrn/institucional/ranacbsb.htm). Reproduzo seus termos, grifando os elementos pertinentes à solução deste litígio:

“Criada em 1958, a Rádio Nacional AM de Brasília (14.400 Kbps Mono) (Para ouvir instale Netshow 3) opera 24 horas por dia em ondas médias com som estéreo. Sua programação pode ser dividida em dois blocos distintos, tendo como parâmetro a cobertura do seu sinal.

Durante o dia, das 7 às 19 horas, a emissora transmite em 50 kW de potência, cobrin-do o Distrito Federal e parte da Região Centro Oeste do Brasil. A programação é ágil e diversificada, estando voltada para o jornalismo e prestação de serviços à comunidade.

À noite, das 19 às 7 horas, opera em 300 kW de potência, cobrindo todo o país e parte da América Latina. Sua programação concentra-se, basicamente, em noticiários, prestação de serviços e cobertura de eventos esportivos.”

Tais dados revelam a desnecessidade da cadeia obrigatória diária, em todas as emissoras, para a veiculação a todos os brasileiros das relevantes informações institucionais que os Poderes Públicos querem e devem disponibilizar a toda sociedade brasileira.

A propósito, uma analogia esclarecedora pode ser obtida com a apli-cação dessa diretriz no caso da televisão a cabo. Admitindo-se sem qual-quer dúvida a relevância da comunicação institucional governamental, a sua veiculação por meio de transmissão obrigatória em cadeia universal mostrar-se-ia totalmente além da necessidade, uma vez que o Poder Pú-blico dispõe de acesso garantido a canais específicos, à sua disposição durante todo o dia, na grade de opções do telespectador.

Está-se, aqui, diante de uma das hipóteses de aplicação do princípio da proporcionalidade, visualizada, sob essa perspectiva, como verdadeira proibição da excessividade. Eis a lição de Karl Larenz:

“De un principio de proporcionalidad se habla también en un sentido distinto del

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principio de igualdad, en relación sobre todo con las limitaciones o desventajas, que alguien tiene que tolerar en un caso concreto, en interés de otro o de la generalidad, con base en una disposición legal como en el estado de necesidad. En estos casos rige el principio de que la intervención en un bien jurídico y la limitación de la libertad no pueden ir más allá de lo que sea necesario para la protección de otro bien o de un interés de mayor peso, que entre los varios medios posibles hay que elegir el ‘más moderado’, que el medio empleado y los inconvenientes unidos a ello para el intere-sado no pueden ser excesivos en relación con los fines justificados a que se aspira. Se habla de una ‘prohibición de la excesividad’, que rige en todos os campos jurídicos y especialmente en el Derecho de Policía y en el Derecho Administrativo, así como en la gradación en cada caso particular entre los derechos fundamentales y los derechos de personalidad que colisionen entre sí. El Tribunal Constitucional Federal ve en ello un principio general de Derecho vigente de rango constitucional, que vincula también al legislador. Según el Tribunal, el rango constitucional de este principio de deduce del principio del Estado de Derecho y ‘en el fondo de la esencia misma de los derechos fundamentales’, ya que en cuanto expresión del derecho de libertad del ciudadano frente al Estado sólo puede quedar limitados en la medida ‘indispensable’ para proteger los intereses públicos. El principio de proporcionalidad suministra un criterio jurídico-constitucional para llevar a cabo una ponderación ajustada de los intereses a proteger, es decir, del campo de protección ajustada de los derechos fundamentales, por una parte, y de los intereses dignos de defensa, por otra. Ello significa, ante todo, que ‘los medios de intervención tienen que ser adecuados a los objetivos del legislador y que no pueden resultar excesivos para el particular’. Con el rasero de la proporcionalidad, el Tribunal Constitucional mide, entre otras cosas, la necesidad y la duración de la prisión preventiva.” (Derecho Justo - Fundamentos de Etica Juridica, Ed. Civitas, 1985).

A formulação desta conclusão jurídica conforme os termos acima enunciados pode se dar nos seguintes termos:

“Está proibida, do ponto de vista constitucional, a restrição da liberdade de expressão das emissoras de radiodifusão por intermédio de um meio que vai além das necessidades fáticas, uma vez que o poder-dever dos Poderes Públicos de se comunicarem com a sociedade pode ser, de modo eficaz, exercido por um meio menos restritivo.”

Dito de outro modo: não há fundamentação constitucional para uma regra de precedência que faça ceder de modo desnecessário a liberdade de expressão das emissoras de radiodifusão ante o poder-dever dos Poderes Públicos comunicarem-se com a sociedade.

Contra essa conclusão poder-se-ia objetar que se trata de programa tradicional, não admitindo, portanto, tal interferência judicial. A objeção não tem como se sustentar à luz da força normativa da Constituição. Todos

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os poderes públicos, especialmente o Poder Judiciário, têm o dever de atuarem conforme as normas constitucionais, mesmo quando sua atuação contrariar hábitos e costumes arraigados na sociedade, como demonstra exemplarmente o caso das normas constitucionais que desafiam práticas discriminatórias arraigadas, seja por sexo, raça, cor, orientação sexual ou qualquer outro critério inadmissível do ponto de vista constitucional.

Outro possível argumento poderia sustentar que a relevância das informações é tão grande que a sociedade deveria ser “estimulada” a ouvi-las, justificando, portanto, a cadeia obrigatória, mesmo quando o Governo Federal dispõe de uma rádio que alcança, no horário estipulado, todo o território nacional.

Esse argumento seria contrário, em essência, a toda fundamentação e objetivo constitucional da liberdade de comunicação. A liberdade de comunicação, como visto, almeja possibilitar, do maior modo possível, a diversidade de opiniões e visões. “Estimular” toda a sociedade, por meio de uma cadeia obrigatória nacional, ausentes condições excepcionais ou bens constitucionais de valia ainda maior (caso, por exemplo, de cadeia para promover vacinação obrigatória), significaria, neste caso, restringir desnecessariamente o âmbito da liberdade de comunicação.

Além disso, essa idéia partiria de uma premissa incompatível com o Estado Democrático de Direito, que trata seus cidadãos com respeito e neles reconhece dignidade e responsabilidade. Configuraria uma es-pécie de “tutela informativa”, onde o pressuposto é a incapacidade do ouvinte de escolher se preferirá informar-se valendo-se da comunicação institucional governamental ou por meio de outras fontes, ou mesmo de não se informar, dirigindo seu tempo para o entretenimento facilitado pela radiodifusão.

Este raciocínio também aponta para o efeito perverso do argumento que busca justificar a cadeia obrigatória com o oferecimento de um ser-viço benéfico, principalmente aos mais pobres, residentes nos rincões do Brasil. Além de não corresponder à verdade fática (como visto, a cadeia não é necessária para que a voz institucional governamental alcance tais localidades), a conseqüência disso seria aumentar ainda mais a “desi-gualdade de oportunidades informativas” entre brasileiros ricos e pobres. Enquanto que os bem-aquinhoados dispõem de meios alternativos diante da cadeia obrigatória, os mais pobres, portadores quiçá unicamente de

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um simples rádio, estariam ainda mais restritos pela ocupação simultânea de todas as freqüências, de modo desnecessário, por uma única voz. Sem adentrar numa avaliação da forma e do conteúdo atuais do programa (o que não é objeto do litígio e não é necessário para sua solução), a manutenção desta realidade faz refletir sobre resquícios ou até mesmo a permanência de traços populistas e autoritários que, durante longo pe-ríodo, motivaram a obrigatoriedade do programa (ver, a respeito, além do citado trabalho de Lílian Perosa, o livro Rádio e Política, de Dóris Fagundes Haussen, Porto Alegre: Edipucrs, 1997).

Por fim, não se argumente que esta conclusão seria infirmada pela obrigação constitucional da cadeia obrigatória de rádio e televisão em período eleitoral ou, ainda, que esta conclusão apontaria para a inconsti-tucionalidade de tal obrigação eleitoral. Não se pode confundir a neces-sidade e a importância da comunicação institucional com a propaganda eleitoral. Do ponto de vista jurídico, o horário eleitoral encontra assento constitucional (art. 17, parágrafo 3°), ao passo que a comunicação insti-tucional, na modalidade da “Voz do Brasil”, não encontra. Além disso, a propaganda eleitoral necessita abrangência universal, muito além da utilização das emissoras de rádio do Poder Público, em virtude de pre-ocupações com a igualdade e com o impedimento do abuso do poder econômico (ver, neste sentido, Fávila Ribeiro, Direito Eleitoral, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 419, 462 e 473; Elcias Ferreira da Costa, Direito Eleitoral: legislação, doutrina e jurisprudência, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 91; Supremo Tribunal Federal, ADIN-MC 1.062/DF, DJU 01.07.1994).

Considerados todos esses elementos, conclui-se pela inconstitucio-nalidade da transmissão obrigatória do programa radiofônico “A Voz do Brasil”.

Ante o exposto, voto por suscitar o incidente de inconstitucionalidade.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.11.001433-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior

Apelante: Sélvio Sanches e outroAdvogado: Dr. Fabio Andre Caetano da Silva

Apelado: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA

Advogados: Dr. Milton Luiz Gazaniga de OliveiraDrs. Roberto Porto e outro

EMENTA

Reintegração de posse. Imóvel rural. Trespasse a terceiro sem a anuência do INCRA. Atendimento à função social da propriedade. Ônus sucumbenciais.

- O trespasse de imóvel rural oriundo da política nacional de reforma agrária, sem anuência do INCRA, implica resolução do contrato de as-sentamento, a teor do art. 22 da Lei nº 8.629/93.

- Todavia, as peculiaridades do caso concreto reclamam o abranda-mento dessa regra, na medida em que o aproveitamento do imóvel dado pela parte ré comprova não só o atendimento ao princípio da função social da propriedade (art. 5º, XXIII) como também do objetivo fundamental da República consistente na garantia do desenvolvimento (art. 3º, II, da CRFB). Assim, embora reconhecida a irregularidade do trespasse do terreno aos Réus, não há como deferir-se a tutela possessória ao INCRA.

- Uma vez que os investimentos realizados no local excedem em muito o valor pelo qual a parte ré adquiriu os direitos possessórios sobre o terreno, aplica-se, por analogia, o art. 1.255, parágrafo único, do Código Civil, reconhecendo-se-lhe o direito de propriedade sobre o solo mediante o pagamento de indenização ao INCRA, correspondente ao valor comercial da terra nua, a ser apurado em sede de liquidação, ressalvada a possibilidade de celebração de acordo entre as partes.

- Diante do princípio da causalidade, deve a parte ré arcar com os ônus sucumbenciais, na medida em que, com a aquisição irregular do terreno, deu causa à instauração da lide.

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 16 de julho de 2008.Desembargador Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: Trata--se de recurso de apelação interposto de sentença que julgou procedente pedido deduzido em ação de reintegração de posse ajuizada pelo INCRA e improcedente pedido contraposto apresentado pela parte ré em con-testação. Condenada a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.500,00.

A causa de pedir da ação possessória consiste na ocupação irregular do imóvel localizado no lote nº 11 do Assentamento Chico Mendes, de-corrente da aquisição da gleba dos assentados originais sem a anuência do INCRA, o que implica a rescisão do contrato de assentamento.

Em suas razões recursais, aduz a parte ré, em síntese: nulidade da sentença por cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova testemunhal requerida; equívoco do Juízo a quo no que diz respeito à data da introdução das acessões no imóvel, porquanto exsurge dos autos que foram feitas após a negociação havida com o assentado original; existência de justo título (contrato de compra e venda do imóvel e com-provantes de pagamento) e boa-fé (autorização verbal de funcionária do INCRA para cultivo do terreno); direito de retenção decorrente do art. 1.255, parágrafo único, do Código Civil.

Assim, requer em seu apelo: preliminarmente, a anulação da sentença; no mérito, o reconhecimento de sua boa-fé e, em conseqüência, o deferi-mento da aquisição da propriedade mediante o pagamento de indenização a ser fixada judicialmente; sucessivamente, a fixação de indenização a ser paga pelo INCRA a seu favor, em valor não inferior às acessões feitas no imóvel. Independentemente do entendimento a ser adotado, postula, ainda, seja deferido o direito de retenção até solução definitiva do feito.

O recurso foi contra-arrazoado.

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É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: A controvérsia trazida a exame não é de fácil solução. Contrapõem-se, de um lado, a regra do art. 22 da Lei nº 8.629/93, diploma normativo que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, e, de outro, os princípios da função social da propriedade, da garantia do desenvolvimento e da segurança e estabilidade das relações jurídicas.

Assim delimitado o âmbito de análise, com a devida vênia, não compartilho do entendimento esposado pelo Juízo a quo, na forma que passo a demonstrar.

Por óbvio que, na esmagadora maioria das situações em que realizada a transferência, sem anuência do INCRA, de lote rural objeto de contrato de assentamento decorrente da política nacional de reforma agrária, é imperativa a aplicação do art. 22 da Lei nº 8.629/93, cujos termos são:

“Art. 22. Constará, obrigatoriamente, dos instrumentos translativos de domínio ou de concessão de uso cláusula resolutória que preveja a rescisão do contrato e o retorno do imóvel ao órgão alienante ou concedente, no caso de descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas pelo adquirente ou concessionário.”

Todavia, as peculiaridades do caso concreto demandam análise mais detalhada da questão, na medida em que reclamam a atração de princípios constitucionais outros que acabam por abrandar a incidência da regra antes mencionada.

Nessa senda, embora não se infirme a invalidade da cessão levada a efeito pelo assentado original, cumpre notar que o atendimento da função social da propriedade, relativamente ao caso dos autos, já foi afirmado expressamente por esta Corte por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento 2005.04.01.048564-6/SC, interposto contra decisão que deferiu, em sede de antecipação de tutela, a reintegração do INCRA na posse do imóvel, cuja ementa foi vazada nos seguintes termos:

“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO. ASSENTAMENTO. TERCEIRO ADQUIRENTE. FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL. SUSPENSÃO DA DECISÃO LIMINAR ATÉ ULTERIOR PROLAÇÃO DE SENTENÇA.

Presente os requisitos para a suspensão da reintegração liminar da posse, porquanto os agravantes – ocupantes de imóvel adquirido do antigo assentado de boa-fé – usufruem

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o imóvel de forma que atende a sua função social, contemplando, assim, o objetivo da desapropriação para fins de reforma agrária.” (TRF4, AI 2005.04.01.048564-6, 4ª Tur-ma, Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, por unanimidade, D.E. 31.07.2007)

Por pertinente, transcrevo o seguinte excerto da decisão monocrática que atribuiu efeito suspensivo àquele agravo, lavrada pelo Exmo. Juiz Federal Convocado Márcio Antônio Rocha, agregando seus termos às razões de decidir:

“O INCRA ajuizou ação de reintegração de posse contra os agravantes, em decorrên-cia da ocupação irregular de imóvel objeto de assentamento rural para fins de reforma agrária, tendo em vista a alienação da terra pelo assentado, em descumprimento ao contrato de assentamento.

Em sede de cognição sumária, entendo que a tese dos agravantes apresenta verossi-milhança, notadamente porque vislumbra-se que o imóvel vem cumprindo sua função social, o que não é contestado pelo INCRA, como se vê do próprio relatório realizado pela autarquia agrária à fl. 116, bem como do depoimento de fls. 47/48.

Assim, atentando à razoabilidade da pretensão liminar, bem como ao fato de que o agravante usufrui do imóvel de forma que atende à sua função social, contemplando, assim, o objetivo da desapropriação para fins de reforma agrária, deve ser suspensa r. decisão agravada, até final análise dos presentes.

Anoto que, embora a utilização da terra, o agravante em tese não reúne condições para ser assentado, dadas as informações de fls. 116, impondo de qualquer sorte que a propriedade não lhe poderá ser transmitida com os benefícios do artigo. 18, §§ 4º e 5º, da Lei 8.629/93. Não lhe assiste, em primeira análise, direito de retenção. Por outro lado, a indenização pura e simples ao INCRA não é de cogitar, dado que o valor da terra pronta para assentamento é distinto do valor de mercado, e seus destinatários estão elencados no artigo 19 e incisos da mesma Lei. Igualmente, não se pode incentivar a conduta que se verifica.

Por outro lado, vai contra os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil atentar-se contra o desenvolvimento (Art. 3º, II), que comprovadamente se verifica no lote de terras em questão, onde dificilmente se chegaria a tal investimento dentro dos padrões constatados nos assentamentos.”

Esse trecho da decisão monocrática, utilizado inclusive na fundamen-tação do acórdão daquele recurso, bem evidencia os valores em jogo: de um lado, a regularidade dos assentamentos rurais para reforma agrária e, de outro, a função social da propriedade e a garantia do desenvolvimento.

Dos presentes autos, exsurge o evidente aproveitamento dado pela parte ré ao lote rural em questão, onde mantém exitoso cultivo de uvas e kiwis em mais de 4 hectares, bem como alguma atividade agropecuária,

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de acordo com o laudo pericial das fls. 192/209.Tenho, por isso mesmo, como já assentado pela Turma por ocasião

do julgamento do Agravo de Instrumento 2005.04.01.048564-6/SC, que a exploração do imóvel em questão pelos Réus está dando efetivo cumprimento ao princípio constitucional da função social da proprieda-de (art. 5º, XXIII, da CRFB) e ao objetivo fundamental da República consistente na garantia do desenvolvimento (art. 3º, II, da CRFB), uma vez que o padrão produtivo ali evidenciado dificilmente é alcançado na realidade encontrada nos assentamentos rurais realizados para fins de reforma agrária.

Nessa senda, destaco que, embora reconheça tratar-se de situação excepcionalíssima, esta Corte já afastou a incidência da regra do art. 22 da Lei nº 8.629/93 em caso no qual tanto o atendimento à função social da propriedade como a integração ao sistema produtivo do assentamento eram manifestos, nestes termos:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO REINTEGRATÓRIA DE POSSE PROPOSTA PELO INCRA. TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL DO PROJETO DE ASSENTAMENTO FAZENDA INHACAPETUM. VEDAÇÃO DE ALIENAÇÃO. AFASTAMENTO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. INTEGRAÇÃO DOS RÉUS AO REGIME PRODUTIVO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO.

1. É certo que os imóveis concedidos pelo INCRA a particulares em virtude de reforma agrária não podem ser alienados antes de decorridos dez anos, nos termos do artigo 189, caput, da Constituição Federal.

2. Sobreleva, todavia, considerar que todo e qualquer imóvel deve atender a sua função social, de acordo com o artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal.

3. Da prova produzida nos autos, inclusive do depoimento pessoal do preposto do INCRA, constata-se que os réus, a quem foi transferido o imóvel, encontram-se total-mente integrados ao regime produtivo do projeto de assentamento.

4. O deferimento da reintegração de posse ao INCRA acarretaria prejuízos aos atuais ocupantes do imóvel, que o adquiriram de boa-fé e têm mantido a sua exploração nos termos visados pelo projeto de assentamento, cumprindo, dessa forma, a função social exigida pela Carta Magna.

5. Remessa oficial improvida.” (TRF4, REO 2002.04.01.014836-7, 3ª Turma, Juíza Federal Maria Helena Rau de Souza, convocada, D.J.U. 20.04.2005)

Dito de outro modo, embora reconhecida a irregularidade do tres-passe do terreno aos Réus, não há como deferir-se a tutela possessória ao INCRA.

Ademais, cumpre notar que, embora tenha o próprio Réu Sélvio San-

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ches informado ao perito judicial que as acessões no terreno tenham sido erigidas em meados de 2001 (o que levou o Juízo a quo à conclusão no sentido de que o foram antes de ser havida a posse do assentado original), o simples cotejo do valor destas com aquele pago em razão da celebração do contrato de compra e venda demonstra que o Réu se equivocou ao passar a informação.

Isso porque o terreno foi adquirido – ainda que de forma irregular, como referido – pela quantia de R$ 30.000,00 (fls. 69/72), ao passo que só as acessões perfazem um montante de investimento de cerca de R$ 100.000,00, de acordo com o que se encontra no já mencionado laudo pericial. Logo, não há como sustentar o entendimento de que tais acessões tenham sido erigidas pelo assentado original, sendo evidente o equívoco na informação repassada ao perito, de acordo, inclusive, com o que alega a parte em suas razões recursais.

Assim, investimentos dessa monta, aliados ao alegado – embora não cabalmente comprovado – assentimento informal de representante do INCRA com a sua realização, apontam no sentido do reconhecimento da boa-fé dos Réus.

Por isso que essa situação, conjugada à impossibilidade de que se reconheça aos Réus a condição de assentados (o que, portanto, afasta a incidência do regime na Lei nº 8.629/93), reclama a incidência, ao menos por analogia, do art. 1.255, parágrafo único, do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.”

Ora, uma vez que os investimentos nas acessões excederam em muito o valor de compra do terreno e diante das peculiaridades do caso, há que se reconhecer ao Réu, a teor do dispositivo legal citado, a aquisição da propriedade do solo, todavia mediante o pagamento de indenização ao INCRA.

Para a fixação de tal indenização, levando-se em conta que não cabe falar na normativa especial prevista na Lei nº 8.629/93, há que se apurar, em liquidação do julgado, o valor comercial da terra nua, sendo esse o

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montante devido à autarquia, ressalvada às partes a possibilidade de entabularem acordo após a prolação da presente decisão.

Embora o pleito reintegratório do INCRA seja julgado improcedente, mantém-se a distribuição dos ônus sucumbenciais levada a efeito na sentença, por aplicação do princípio da causalidade, na medida em que, evidentemente, diante da aquisição irregular do terreno, foi a parte ré que deu causa à instauração da lide.

Ao final, quanto a eventual prequestionamento relativamente à discus-são de matéria constitucional e/ou negativa de vigência de lei federal, os próprios fundamentos desta decisão e a análise da legislação pertinente à espécie (arts. 3º, II, 5º, XXIII, e 189 da CRFB; 926, 927, 1.210 e 1.255, parágrafo único, do Código Civil; 18, §§ 4º e 5º, 19 e incisos e 22 da Lei nº 8.629/93 – sem que o conteúdo deste julgamento implique negativa de vigência dos dispositivos invocados) são suficientes para aventar a questão. Saliento que o prequestionamento se dá nesta fase processual com intuito de evitar embargos declaratórios, que, advirto, interpostos com tal fim, serão considerados procrastinatórios e sujeitarão o embar-gante à multa, na forma do previsto no art. 538 do CPC.

Em conclusão, dá-se parcial provimento ao apelo, sendo reformada a sentença para o fim de julgar improcedente o pleito indenizatório do INCRA e julgar parcialmente procedente o pedido contraposto da parte ré, condenando-se esta ao pagamento de indenização correspondente ao valor comercial da terra nua, a ser apurado em sede de liquidação, res-salvada a possibilidade de celebração de acordo entre as partes, mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais encontrada no decisum.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo, nos termos da fundamentação.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.00.004789-8/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. Luis Antonio Alcoba de FreitasApelante: Instituto Sea Shepherd Brasil - ISSB

Advogado: Dr. Cristiano de Souza Lima PachecoApelado: Henri Xavier

Advogado: Drs. Henri Xavier e outros

EMENTA

Administrativo. Ação civil pública. Danos ambientais. Pesca pre-datória de arrasto dentro das três milhas marítimas. Responsabilidade objetiva. Pólo passivo da lide. Legitimidade. Indenização.

1. O contrato de arrendamento da embarcação “Casablanca”, realizado pelo réu a terceiro, no sentido de que qualquer multa imposta, taxa ou despesas recairiam sobre os arrendatários, sob este aspecto, já assumem a responsabilidade civil e criminal pela má utilização dos barcos.

2. A responsabilidade que nasce de lei é ex lege e não pode ser afastada pelas convenções particulares das partes. O contrato particular rege as relações recíprocas entre o réu e o arrendatário, mas não pode ser oposto às autoridades públicas em matéria de responsabilidade ambiental. Ade-mais, o apelado não firmou o contrato de arrendamento graciosamente, auferiu lucros pelo arrendamento de seus barcos de pesca, traineiras de-vidamente apetrechadas para praticar a pesca de arrasto, o que demonstra o vínculo financeiro existente entre o apelado e a atividade pesqueira.

3. O proprietário do barco traineira apetrechado para a pesca predatória de arrasto que o arrenda, auferindo lucros, é responsável pelos danos am-bientais que o barco pratica. Ademais, a pesca de arrasto é notoriamente lesiva ao meio marinho e não se limita ao foco da pesca, espraiando o seu espectro destrutivo, que “raspa e mata a vida marinha desde a areia até a superfície”, e a sua continuidade inviabiliza a produção pesqueira dos pescadores tradicionais e prejudica comunidades dela dependentes.

4. A Lei nº 6.938/1981, artigo 14, § 1º, adotou a teoria do risco da atividade ou da empresa, que se traduz na responsabilidade objetiva. As principais conseqüências da adoção pelo nosso sistema legal em

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vigor são a prescindibilidade da culpa ou dolo para que haja o dever de reparar o dano; a irrelevância da licitude da conduta do causador do dano, a conduta pode ser lícita (no caso não foi); e a inaplicação em seu sistema, de regra, das cláusulas de exclusão da responsabilidade civil administrativa e penal. Assim, perante a responsabilidade objetiva, não vale como cláusula de exclusão do dever alegar caso de força maior ou fortuito, e, especialmente, não prospera a cláusula de não-indenizar, incluída em contratos particulares; ambientalmente, os contratados são solidariamente responsáveis. Ademais, conforme o disposto no artigo 942 do Código Civil, a responsabilidade ambiental é solidária. O fato do apelado ser o proprietário do barco é suficiente para legitimá-lo no pólo passivo da lide.

5. A atuação do apelado não ficou limitada ao caso em pauta, na Ação Civil Pública nº 2006.71.00.016888-4/RS, há precedente envolvendo os mesmos requeridos e a embarcação, figurando como réu a empresa Pescado Amaral - Captura, Indústria, Comércio, Importação e Exporta-ção Ltda., e o ora apelado é o procurador da empresa envolvida em tela.

6. Condenado o apelado ao pagamento de indenização, fixada no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) pelos danos causados ao meio ambiente, que deverá ser recolhida ao Fundo do Meio Ambiente; à obrigação de não fazer ou propiciar que se faça com suas traineiras pesca de arrasto dentro das três milhas marítimas, usando os apetrechos proibidos, com a instalação em seus pesqueiros de equipamentos que poupem espécies silvestres e migratórias que não são objeto da pesca; e ao fornecimento de educação ambiental aos seus funcionários e arrendatário.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos apelos, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 16 de abril de 2008.Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.

RELATÓRIO

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A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Cuida-se de ape-lação da parte autora e da União em Ação Civil Pública, cuja sentença (fls. 602-610) acolheu a alegação preliminar de ilegitimidade passiva de Henri Xavier, extinguindo o processo sem enfrentamento do mérito.

O requerido foi apontado como responsável por danos ambientais por pesca predatória de arrasto (arrastão), realizada no litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul. A ação teve a União Federal como interessada e foi movida pelo apelante Instituto Sea Shepherd Brasil - ISSB.

Em suas razões, o apelante ISSB sustenta, renovando as alegações da inicial, que a pesca predatória de arrasto é ilegal dentro das três milhas náuticas do Estado. A Patram expediu relatórios circunstanciados sobre o fato. Fundamenta em torno da responsabilidade ambiental, fazendo ver que ela é objetiva, onde é possível a responsabilização sem culpa, tão-somente pelo fato de a atividade de pesca de arrasto ser lucrativa ao empreendedor e ao mesmo tempo muito lesiva ao meio ambiente.

No caso concreto, o réu Henri Xavier é proprietário da embarcação pesqueira “Casablanca”, sendo irrelevante que tenha arrendado o pes-queiro para terceira pessoa. O réu é procurador da empresa Pescados Amaral, o que por si só já demonstra que não está alheio às atividades pesqueiras. A responsabilidade objetiva solidária é o caminho traçado pela legislação e pela melhor doutrina. São amplas as provas do ilícito nos autos. Espera o provimento do apelo para ver reformada a sentença e reconhecida a legitimidade ativa de Henri Xavier, com condenação do réu em custas e honorários de 20% sobre o valor da causa.

A União, na qualidade de assistente simples, também apela (fls. 625 e segs.) sustentando em torno da responsabilidade objetiva, dizendo que deve ser afastado o raciocínio civilista e privatista, dizendo que quem lucra de alguma forma com a atividade é responsável.

Houve contra-razões (fls. 651-656) pela mantença da sentença. Pare-cer Ministerial de lavra do eminente Procurador Regional da República Marco André Seifert, que opina pelo provimento parcial do recurso com reconhecimento da legitimidade passiva e enfrentamento do mérito da ação, com fulcro no artigo 515, § 3º, do CPC, e o provimento da ação, apenas reduzindo o valor de R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais), a título de indenização, por entendê-lo excessivo à vista dos pa-râmetros jurisprudenciais.

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É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Os fatos são induvidosos nos autos. No dia 24.11.2001, a 3ª Cia. de Policiamento Ambiental (Patram), ao realizar fiscalização de pesca predatória dentro de área proibida, lavrou o Relatório Ambiental nº 100. O documento está às folhas 30-41 dos autos, informando que dentro das três milhas náuticas, com início às 10h20min e término às 17h30min, havia quatorze embarcações tipo traineiras, sendo identificadas pelo grupamento aéreo, entre outras, a “Casablanca”, em prática de crime ambiental, artigo 34 da Lei nº 9.605/1998.

Na semana anterior houve denúncia da prática do uso de explosivo. O levantamento fotográfico (pouco legível) está às folhas 32-33. À folha 40, está a prova de propriedade da embarcação “Casablanca”, inscrição nº 443.007969-2, proprietário Henri Xavier.

A operação das autoridades foi acompanhada pela imprensa (fl. 44 e segs.). Sobre os fatos não há dúvida. São reconhecidos. A sentença en-tendeu verossímil a alegação do requerido, no sentido de que não teria vínculo com a prática da pesca, a embarcação não estaria em seu poder nem estaria sendo utilizada em seu proveito. Apontou o documento das folhas 471-472, um contrato de arrendamento da embarcação “Casablan-ca” a Claudemir de Oliveira Alves, e o disposto na cláusula 4 (fl. 468), no sentido de que qualquer multa imposta, taxa ou despesas recairiam sobre os arrendatários, inclusive ali assumem a responsabilidade civil e criminal pela má utilização dos barcos.

Não é esta contudo, s.m.j., a visão correta sobre a responsabilidade ambiental objetiva. Como responsabilidade que nasce da lei, é ex lege e não pode ser afastada pelas convenções particulares das partes. O contrato particular rege as relações recíprocas entre Henri Xavier e Claudemir Oliveira Alves, mas não pode ser oposto às autoridades públicas em matéria de responsabilidade ambiental. O apelado Henri Xavier por óbvio não firmou o contrato de arrendamento graciosamente, auferiu lucros pelo arrendamento de seus barcos de pesca, traineiras devidamente apetrechadas para praticar a pesca de arrasto.

Note-se que o “contrato de arrendamento” (fls. 471-472) não está com

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firmas reconhecidas, não sendo possível afirmar a data de sua realização, deixa, contudo, outro ponto bastante claro, o barco foi arrendado por R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês, o que mostra o vínculo financeiro existente entre o apelado e a atividade pesqueira, além de o réu Henri Xavier qualificar-se à folha 471 como “armador de pesca”, tal qual o arrendatário Claudemir Oliveira Alves.

É perfeita a possibilidade de enquadramento do apelado no artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, in verbis:

“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor

obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Pú-blico da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (...)”

A lei em comento de forma pioneira, antes da Constituição Federal de 1988, adotou a teoria do risco da atividade ou da empresa, que se traduz na responsabilidade objetiva. As principais conseqüências da adoção pelo nosso sistema legal em vigor são a prescindibilidade da culpa ou dolo para que haja o dever de reparar o dano; a irrelevância da licitude da conduta do causador do dano, a conduta pode ser lícita (no caso não foi); e a inaplicação em seu sistema, de regra, das cláusulas de exclusão da responsabilidade civil administrativa e penal. Assim, perante a res-ponsabilidade objetiva, não vale como cláusula de exclusão do dever alegar caso de força maior ou fortuito, e, especialmente, não prospera a cláusula de não-indenizar, incluída em contratos particulares; ambien-talmente, os contratados são solidariamente responsáveis.

Por outro lado, a responsabilidade ambiental é solidária em face do disposto no artigo 942 do Código Civil, in verbis: “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.

A doutrina não registra divergência nos aspectos mencionados, cita-se,

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exemplificativamente, lição de Antônio Herman Benjamin (A respon-sabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 6, n. 21, 2001).

“Nesse ponto, o Direito tradicional oferece solução, a responsabilidade civil in solidum dos co-responsáveis, também prevista no sistema brasileiro. Quanto a isso, a Lei nº 6.938/81 não se desviou um milímetro que seja do princípio geral da solida-riedade passiva, decorrente do art. 1.518, caput, do Código Civil, segundo o qual ‘se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação’. A norma, aqui, corretamente vê a degradação ambiental como um fato danoso único e indivisível, pressupondo que, em conseqüência da impossibilidade de fragmentação do dano, o nexo causal é comum.”

Assim, examinando o caso concreto, o proprietário do barco “trai-neira” apetrechado para a pesca predatória de arrasto que o arrenda e aufere lucros é responsável pelos danos ambientais que o barco pratica.

A pesca de arrasto notoriamente é lesiva ao meio marinho, e sobre o assunto transcrevo:

“A pesca de arrastão não limita sua ação predatória apenas ao foco da pesca, ou seja, peixes com valor comercial. Seu espectro destrutivo vai bem mais longe. A rede de arrastão raspa e mata toda a vida marinha desde a areia até a superfície: algas, que oxigenam o mar e servem de alimento para inúmeras espécies; diversas espécies de moluscos (siris, caranguejos, mariscos) que também servem de alimento para outras centenas de espécies marinhas, matando inclusive aves marinhas.” (fl. 210)

Então, o fato do apelado ser o proprietário do barco é suficiente para legitimá-lo no pólo passivo da lide.

Neste aspecto procede o apelo.Prossigo, face ao disposto no artigo 515, § 3º, do CPC, que transcrevo:“Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.71.14.005844-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Apelante: Ministério Público FederalApelantes: D.P.

S.R.E.Advogados: Drs. Enio Bassegio e outros

Apelados: (os mesmos)Apelado: L.P.E.

Advogados: Drs. Enio Bassegio e outros

EMENTA

Direito Penal. Falsidade ideológica. Artigo 299 do CP. Inserção de dados falsos em relatório mensal de prestação de serviços comunitários. Materialidade e autoria. Dolo. Dosimetria da pena. Concurso entre atenuante de confissão e agravante da reincidência. Preponderância. Substituição por restritivas de direitos.

1. A materialidade e a autoria em relação ao delito de falsidade ideo-lógica mostram-se comprovadas através do relatório mensal de ativida-des do apenado e pela documentação acostada, notadamente a ficha de registro de hóspedes, dando conta de que o réu realizou viagem turística, em período no qual foi atestado o efetivo cumprimento da pena restritiva de serviços à comunidade.

2. Quanto ao segundo fato delituoso noticiado, resta mantida a absol-vição dos recorridos, por ausência de elemento subjetivo do tipo, quando

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o conjunto probatório conduz à possibilidade de equívoco no fato de um réu ter assinado, com seu próprio nome, o boletim de freqüência referente a outro apenado.

3. Presentes a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, a última impõe-se como circunstância preponderante, a teor do art. 67 do Código Penal.

4. Não sendo caso de reincidência específica, possível a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos quando a medida mostrar-se socialmente recomendável e suficiente à repressão do ilícito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa, dar parcial provi-mento ao apelo do Ministério Público e, de ofício, substituir a privativa de liberdade por restritivas de direitos para S.R.E., nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 06 de agosto de 2008.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Pú-blico ofereceu denúncia em desfavor de S.R.E., L.P.E. e D.P., dando-os como incursos nas sanções do art. 299, c/c art. 29, ambos do CP (o último acusado por duas vezes), pela prática dos seguintes fatos delituosos:

“1. Os denunciados D.P. e S.R.E., agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, omitiram informação, bem como inseriram dados falsos no relatório mensal de fl. 53, concernente à prestação de serviços imposta ao apenado S.R.E., nos autos da Carta Precatória nº 2002.71.14.000070-0, extraída da Execução Penal nº 2001.71.00.031445-3, tudo com o escopo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, o real cumprimento das horas de serviço efetivamente realizadas pelo apenado, prejudicando os serviços e interesses da Justiça Federal. Com efeito, segundo o relatório mensal de atividades, os denunciados informaram e fizeram constar que o apenado (ora denunciado) S.R.E. prestou no mês de abril de 2003 um total de 32 horas, assim distribuídas nos dias 02, 05, 08, 11, 15, 17, 23 e 26 daquele mês e ano (dia 02: 14h/18h; dia 05: 8h/12h; dia 08: 13h30min/17h30min; dia 11: 14h/18h; dia 15: 9h/13h, dia 17: 16h/20h; dia 23: 14h/18h e dia 26: 9h/13h). Ocorre que, conforme

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documento oriundo da Brasil Agência de Viagens (fl. 85), no dia 17 de abril de 2003 S.R.E. viajou para a cidade de Maceió/AL, com entrada prevista no Hotel Meliá para as 14h38min, o que revela, diferentemente do informado na referida planilha (fl. 53), que o réu não compareceu ao Centro Terapêutico São Francisco para prestar serviços àquela entidade. Destarte, D.P., na condição de coordenador da entidade recebedora dos serviços a serem prestados pelo apenado, chancelou o período/horário além do efetivamente cumprido, mediante inserção de informações inverídicas sobre o tempo e horário de cumprimento da prestação de serviços, beneficiando o apenado e induzindo em erro o Juízo sobre o real cumprimento da referida pena alternativa. S.R.E., por sua vez, firmou o referido documento.

2. Os denunciados D.P. e L.P.E., agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, inseriram informação falsa no relatório mensal da fl. 44, concernente à prestação de serviços imposta ao apenado S.R.E., nos autos da carta precatória nº 2002.71.14.000070-0, extraída da Execução Penal 2001.71.00.031445-3, tudo com o escopo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, o real cum-primento das horas de serviço efetivamente realizadas pelo apenado, prejudicando os serviços e interesses da Justiça Federal. Com efeito, no relatório mensal de atividades referentes ao mês de julho de 2002, os denunciados informaram e fizeram constar que o apenado S.R.E. havia prestado naquele mês um total de 40 horas, assim distribuídas nos dias 04, 06, 11, 13, 20 e 27 daquele mês e ano (dia 04: 8h/22h; dia 06: 8h/16h; dia 11: 16h/20h; dia 13: 9h/17h; dia 20: 14h/18h e dia 27: 8h/12h). Entretanto, a partir do Laudo de Exame Documentoscópico, realizado pelo Setor Técnico Científico da Polícia Federal, restou comprovado que as assinaturas apostas no campo ‘assinatura do apenado’ do relatório mensal da fl. 44, concernente aos serviços prestados, partiram do punho de L.P.E.. A materialidade é firme, consubstanciada nos documentos das fls. 85/86, em comparação com o relatório mensal de prestação de serviços à comunidade da fl. 53, bem assim do cotejo do relatório da fl. 44 com o Laudo de Exame Documentoscópico elaborado pela Polícia Federal.”

A denúncia foi recebida em 12.12.2005 (fl. 156).Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença, publicada em

05.06.2007 (fl. 311), julgando parcialmente procedente a pretensão pu-nitiva do Estado para condenar S.R.E. e D.P. a 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, cumulada com 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de metade do salário mínimo, pela prática do delito descrito no art. 299 c/c art. 29, ambos do CP, em relação ao 1º fato delituoso narrado na exor-dial; bem como absolver L.P.E. e D.P., quanto ao 2º fato, “por ausência de provas contundentes e conclusivas a demonstrar o elemento subjetivo do tipo penal com escopo à condenação” (art. 386, inc. VI, do CPP).

A privativa de liberdade foi substituída tão-só para D.P. por restritiva

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de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos. Quanto a S.R.E., a ilustre julgadora a quo considerou não preenchidos os requisitos do art. 44 do CP.

Irresignados, apelaram S.R.E., D.P. e o Parquet.No que pertine ao primeiro fato, o órgão ministerial se insurge (fls.

318/326) em relação à reprimenda aplicada a S.R.E.. Alega que a sentença acabou por compensar, indevidamente, a agravante da reincidência com a atenuante da confissão, em desatendimento ao disposto no art. 67 do Código Penal. Requer ainda a condenação de L.P.E. e D.P. quanto ao segundo evento delituoso narrado na inicial. Afirma que a conclusão de que houve apenas engano no preenchimento do relatório de atividades não merece crédito por estar presente “a intenção de alterar a verdade sobre o real cumprimento das horas, visando à extinção da pena de S.R.E.”.

S.R.E. e D.P., por sua vez, apresentaram apelo em conjunto (fls. 345/6). Sustentam (fls. 357/375), em síntese, que “houve orientação apenas para apontar a quantidade de horas trabalhadas, mas não que deveria haver correspondência com o dia exato da prestação”. Asseveram ainda que “não tiveram qualquer atitude deliberada no registro de data diversa, o que decorreu do entendimento de que tal alteração não teria importância”.

As contra-razões da defesa e da acusação foram acostadas, respectiva-mente, às fls. 331/343 e 381/386. A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso dos réus e parcial provimento da irresignação do Parquet.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: No que pertine ao primeiro fato delituoso, a materialidade encontra-se demonstrada através do Relatório Mensal da Prestação de Serviços à Comunidade de S.R.E. (fl. 141) e pela documentação das fls. 47/50 e 78/79, dando conta de que esteve hospedado no Hotel Meliá Maceió no dia 17 de abril de 2003, em viagem ao Nordeste do País, data na qual constava o efetivo cumprimento dos serviços comunitários.

A autoria mostra-se igualmente positivada. D.P., coordenador do Cen-tro Terapêutico São Francisco, afirmou, no interrogatório judicial, que não poderia precisar se, em 17.04.2003, S.R.E. efetivamente compareceu

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na referida instituição, apesar de ter firmado o boletim de freqüência no qual constava tal informação, verbis:

“(...) JUÍZA: O senhor. sabe que existe um convênio, que prevê o preenchimento de relatórios, nos quais constam, especificamente, o dia e o horário em que foi prestado esse serviço comunitário? RÉU: O convênio para receber as pessoas para fazer? J: Isso. R: Isso existe, mas eu não tenho conhecimento de que nesse convênio conste como é feito o preenchimento do formulário. É isso que eu estou colocando. J: É, eu não vou entrar nesse âmbito com o sr. porque acho que o preenchimento do formulário é bem claro, há especificação de horários e dias, certo? R: Sim, sim, isso é claro. J: Eu vou lhe perguntar, então, se o senhor sabe dizer se no dia dezessete de abril de dois mil e três, houve comparecimento, no período das dezesseis às vinte horas, ou em outro horário, do senhor S.R.E.? R: Não, eu não tenho como afirmar que ele estava lá esse dia. (...). J: Eu gostaria que o senhor se aproximasse, olhasse bem e me dissesse, se nos documentos de folha 131/141 consta a sua assinatura? O senhor reconhece sua assinatura? O sr. pode folhar os documentos. R: Todas elas são minhas. (...)” (fls. 180/6)

Por seu turno, S.R.E. admitiu em Juízo que não compareceu na data e hora atestada por D.P., em virtude de viagem a Maceió/AL. Mesmo frente a tal circunstância, igualmente apôs firma no relatório, dando a entender o contrário. Veja-se:

“JUÍZA: O Senhor, no dia dezessete de abril de dois mil e três, compareceu a esse Centro Terapêutico São Francisco para prestar serviços comunitários? RÉU: (...) no dia dezessete que tá aí que eu fui viajar, né, ele deve ter botado por conta dele, porque eu não posso lhe dizer se no dia dezessete eu estive lá ou não. Dia dezessete eu não estive lá, isso é certo porque eu estava viajando. Ele que preencheu durante a sema-na, e botava as datas que achava necessário. (...) J: O Senhor assinava os relatórios independentemente das informações de horários que ali constassem? R: Desde que completassem as minhas oito horas semanais.” (fls. 186/189)

Sustentam os apelantes ausência de dolo na conduta, porquanto acreditavam que o registro de data diversa seria de pouca importância, tendo em vista que os serviços foram efetivamente realizados. Alegam ainda que houve instrução apenas para apontar a quantidade de horas trabalhadas, mas não de que deveria haver correspondência com o dia exato da prestação.

Em que pesem as alegações defensivas, há, sim, relevância jurídica nas alterações constantes dos boletins de freqüência do apenado, pois trata-se de instrumentos próprios para a fiscalização e controle do Poder Judiciário quanto ao correto cumprimento da pena restritiva de direitos

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imposta, que, como é cediço, têm o condão de, ao final, promover a ex-tinção da pretensão executória do Estado. Inclusive, sua não-satisfação de maneira adequada poderá acarretar conseqüências, como a conversão em privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do CP).

Ademais, como bem ressaltado pelo eminente julgador singular (fls. 302/3):

“para a incidência do tipo penal do art. 299 do CPC, na específica hipótese dos autos, não está em jogo buscar uma comprovação acerca do efetivo cumprimento do total das horas da prestação de serviço comunitário. Isso porque para a configuração do delito de falsidade ideológica não é necessária a efetiva ocorrência de prejuízo, sendo suficiente a potencialidade de evento danoso, conforme precedentes do STJ e do STF.” (STJ, 5ª Turma, HC 36617, public. no DJ de 21.02.2005, Rel. Min. Gilson Dipp)

Quanto à assertiva de que houve orientação apenas para apontar o número de horas trabalhadas, e não o dia exato da prestação, melhor sorte não assiste à defesa.

Primeiramente, saliente-se que a planilha para preenchimento das tarefas é específica, apresentando campos próprios para colocação do dia, tipo de atividade desenvolvida, hora de entrada e saída do apena-do, que por motivos óbvios devem ser completados com informações condizentes com a realidade.

Como bem enfatizado na r. sentença (fl. 301): “Se a lei penal faculta a flexibilização dos horários e datas de prestação do serviço

comunitário, essa faculdade legal em momento algum autoriza o direito do responsável pela entidade e o apenado ‘mentirem’ sobre a forma de prestação do serviço, externando que o desempenho da atividade ocorreu em data e hora em que cabalmente comprovada e confessada a impossibilidade desse fato ter ocorrido”.

Ademais, consoante termo de audiência admonitória às fls. 42/43, S.R.E. estava bem ciente da forma como deveria proceder em relação à comprovação das horas efetivamente prestadas. Outrossim, o ofício nº 556/02, proveniente do Juízo Federal de Lajeado, a par de cientificar o en-caminhamento do apenado à instituição, contém as seguintes instruções:

“Em anexo, envio, inicialmente, o formulário modelo do relatório de Prestação de Serviços, que deverá ser enviado por nossa entidade a esse Juízo, mensalmente, até o quinto dia útil do mês subseqüente, bem como deverá ser comunicado a este Juízo, a qualquer tempo, ausências ou falhas disciplinares (art. 150 da LEP). Solicito, ainda, que informe, no prazo de 5 (cinco) dias do recebimento deste, o nome da pessoa que ficará

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responsável pela fiscalização dos serviços, bem como o horário e dia estabelecidos para cumprimento da prestação de serviços.” (fls. 247/8)

Desse modo, correta a condenação dos acusados, tendo em vista que, livre e conscientemente, inseriram em documento público (Relatório Mensal da Prestação de Serviços à Comunidade) declaração falsa sobre os reais dias e horários de cumprimento de pena de prestação de serviços à comunidade, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

A propósito, em caso análogo, esta Corte assim decidiu:“Comete o delito de falsidade ideológica o funcionário público responsável pela

fiscalização do cumprimento da pena de prestação de serviço à comunidade, que adultera o conteúdo do Boletim de Freqüência do apenado, inserindo dados fictícios acerca de datas e horários da execução da reprimenda. (...)” (ACR nº 2003.70.02.009718-1, Oitava Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, publicada no DJU em 04.12.2007)

Nesse contexto, demonstrada a atuação livre e consciente de S.R.E. e D.P. quanto ao primeiro evento delituoso narrado na exordial, deve ser mantida a r. sentença.

Observa-se que ambos os acusados tiveram a pena aplicada no míni-mo legal para o delito do art. 299 do CP, qual seja, 01 ano de reclusão, em regime aberto, sendo a multa estipulada para cada um em 10 (dez) unidades diárias, no valor individual de metade do salário mínimo.

Irresigna-se o Parquet quanto à fixação da reprimenda de S.R.E., tendo em conta que, na segunda etapa, a ilustre julgadora compensou a agravante da reincidência (em face do proc. nº 96.00.15977-7, trasladado às fls. 14/41 – com trânsito em julgado em data anterior a dos fatos – 08.08.2001) com a atenuante da confissão espontânea. Nesse aspecto, importa transcrever o seguinte trecho da sentença:

“Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que o acusado não é primário, mas não possui antecedentes passíveis de serem conside-rados negativamente para os fins do art. 59 do CP, levando-se, ainda, em conta que a reincidência será considerada para fins de agravamento da pena; agiu livre e cons-cientemente, tem personalidade normal; o motivo, ao que tudo indica, foi o de inserir declaração inverídica em documento particular com escopo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante; a conduta social do réu não indica nada em desabono; as circunstâncias são as que coloriram o tipo penal; as conseqüências do crime são de mínima reprovabilidade, pois, o prejuízo aparentemente foi pequeno, havendo alguma prestação de serviço comunitário, embora sem qualquer controle acerca das datas e

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horas de cumprimento. No entanto, o crime praticado constitui ofensa à fé pública, coloca em risco a credibilidade nas instituições e no próprio poder-dever do Judiciário fazer cumprir as suas determinações. Assim sendo, fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto (...). Presente a agravante relativa à reincidência (tendo em vista encontrar-se o réu em cumprimento de pena quando da prática do fato delituoso), cujo efeito resta neutralizado pela incidência concomitante da atenuante da confissão (art. 65-III, d, do CP) nos termos do art. 67 do CP (Nesse sentido: JTACrimSP, 42:114). Não se verificam, ainda, causas de aumento ou diminuição de pena. Conseqüentemente, a pena torna-se definitiva em 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto.” (fl. 308)

Efetivamente, o recurso comporta acolhimento no ponto, pois haven-do concurso entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, deve prevalecer esta última, consoante dispõe o art. 67 do CP: “No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da per-sonalidade do agente e da reincidência.”

Nesse sentido, observem-se ainda os seguintes julgados:“PENAL E PROCESSUAL. DOSIMETRIA. DETENÇÃO. REGIME PRISIONAL.

CONCURSO DE AGRAVANTES E ATENUANTES. RECURSO ESPECIAL. (...) 2. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve obedecer ao limite indicado pelas circunstâncias preponderantes (CP, Art. 67). Reincidência que prevalece sobre a confissão espontânea. (...)” (STJ, REsp 165774/DF, Quinta Turma, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, public. no DJU de 20.03.2000, p. 91)

“PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1°, INCISO I, DA LEI 8.137/90, C/C ART. 71 DO CP. DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO E GANHOS DE CAPITAL OB-TIDOS NA ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA. 1 a 5. Omissis. 6. A agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea. (...)” (TRF-4, ACR nº 2005.71.07.005081-0, Sétima Turma, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no DJU em 12.03.2008)

Na primeira etapa da dosimetria, a pena-base restou fixada no mínimo legal, por não haver circunstância judicial desfavorável. Na segunda fase, aumento a pena provisória em 6 (seis) meses por conta da reincidência, atenuando-a também em 4 (quatro) meses em razão da confissão espon-tânea (art. 65, III, d, do Código Penal), totalizando a provisória 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão. Não incidindo causas de aumento ou redução, fica a pena definitiva estabelecida nesse patamar.

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Ao contrário do que entendeu a nobre julgadora singular, tenho que é cabível a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos para S.R.E.

Na presente hipótese, o réu foi condenado a pena inferior a 04 anos de reclusão, cometido sem violência. Portanto, preenchido, o requisito objetivo elencado no art. 44, inc. I, do CP.

Embora o art. 44, inc. II, do Código Penal condicione o benefício ao não reincidente em crime doloso, estabelece o parágrafo 3º do mesmo artigo que ainda assim o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

Nesse sentido, observe-se a jurisprudência:“PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1°, INCISO I, DA

LEI 8.137/90, C/C ART. 71 DO CP. DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO E GANHOS DE CAPITAL OB-TIDOS NA ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA. (...). 8. Aplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois a análise conjunta das circunstâncias judiciais do art. 59, aliada ao fato de que a reincidência não se operou pela prática do mesmo crime (o que afasta a vedação prevista no art. 44, § 3º, do Estatuto Repressivo), demonstra que tal medida se mostra socialmente recomendável, revelando-se necessária e suficiente para prevenção e repressão do delito, além de re-percutir de forma muito mais efetiva perante a sociedade do que a própria manutenção da prisão do apelante.” (TRF-4, ACR nº 2005.71.07.005081-0, Sétima Turma, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, public. no DJU em 13.03.2008)

“HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.714/98. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. REINCIDÊNCIA EM CRIME DOLOSO DO MESMO TÍTULO DO CÓDI-GO PENAL. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. 1. A despeito do inciso II do artigo 44 do Código Penal estabelecer como pressuposto para a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos a não-reincidência do réu em crime doloso, tal norma deve ser interpretada à luz do parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal, que excepciona a reincidência genérica, quando socialmente recomendável a resposta penal de liberdade. 2. Ordem concedida.” (STJ, HC 14419-SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, public. no DJU em 27.08.2001, p. 413)

Afastado o óbice da reincidência específica, tendo em vista que a condenação anterior refere-se à prática do delito inscrito no art. 21 da Lei nº 7.492/1986 (fl. 35), cumpre verificar se estão presentes na espécie os requisitos subjetivos elencados no artigo 44, inc. III, do CP. In casu,

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como se depreende do trecho já citado da r. sentença, todas as diretrizes do art. 59 do CP foram tidas como favoráveis ao réu, ou então, neutras, nada vindo em seu prejuízo.

Logo, substituo a privativa de liberdade por duas restritivas de direi-tos, a saber: prestação de serviços à comunidade e pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, ressalvado o parcelamento a critério do Juízo da Execução.

Saliente-se que a prestação de serviços à comunidade e a pecuniária são medidas que mais atendem aos ditames ressocializadores do mo-derno Direito Penal. Além de se ajustarem às características pessoais do ora condenado, cuidam de preservar suas relações de trabalho e, ainda, conservá-lo próximo à família.

Passo a analisar o recurso ministerial quanto ao segundo fato delituoso noticiado.

A ilustre julgadora a quo, apesar de reconhecer comprovada a ma-terialidade, tendo em conta o Laudo de Exame Documentoscópico (fls. 126/130) e o relatório de fl. 132 onde constou a assinatura de L.P.E., em lugar da firma de S.R.E., absolveu os apontados réus, considerando “a ausência de provas contundentes e conclusivas a demonstrar o elemento subjetivo do tipo penal”.

Efetivamente, apesar de não haver dúvidas de que foi L.P.E. quem assinou o mencionado relatório, fato inclusive admitido em seu interro-gatório, e de que D.P. apôs firma no documento na condição de respon-sável pela entidade, a mesma certeza não se verifica quanto à presença de dolo na conduta dos acusados em perfectibilizar o crime em questão.

Na hipótese em tela, o conjunto probatório é no sentido de demonstrar que, em verdade, houve equívoco de L.P.E. ao assinar, com seu próprio nome, o relatório de atividades de seu primo S.R.E., que também cumpria sanção restritiva naquele estabelecimento.

Observem-se as declarações de L.P.E. no interrogatório judicial:“JUÍZA: O que o senhor tem a referir em relação ao que foi narrado na denúncia,

sobre ter constado assinatura que não era sua num relatório referente ao seu primo S.R.E.? RÉU: (Risos) Eu até acho estranha essa denúncia, por aí, porque, essa assinatura é minha. Fui mandado a Porto Alegre pra fazer o estudo grafotécnico. É minha a assinatura. Eu vou dizer assim, Doutora, eu não sei se eu posso, me expandir um pouco mais, mas eu acho assim, que isso é uma insensatez, pois a minha inteli-

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gência ia ser pouca se eu assinasse um termo para um outro cumprir, pro S.R.E. ou pra quem, com a minha assinatura, se eu mesmo ia me entregar, fazendo uma coisa errada, assinando o meu nome. J: Mas o Senhor chegou a ver se no relatório constava o seu nome de fato? R: Sim, a assinatura foi... Ou trocaram no Fórum, ou trocaram na Fazenda. J: Eu gostaria que o senhor explicasse melhor essa questão de assinatura trocada. R: (...) parece que eu vi agora no processo, S.R.E. com a minha assinatura. J: Eu pediria então que o senhor se aproximasse aqui e dissesse se essa assinatura... R: Essa assinatura é minha, sim. É minha assinatura. J: Certo. O Senhor preencheu esse formulário? R: Não, eu só assinei, porque eu ia lá... J: O Senhor assinou o formulário em branco? R: Provavelmente, eu não sei. O cabeçalho, eu não posso dizer para a Senhora, eu não me recordo. Eu não teria assinado, se o cabeçalho dissesse S.R.E.. J: O senhor costuma assinar formulários em branco? R: Até por que quando eu vou lá na Fazenda, vamos dizer, às duas da tarde, ou às quatro, nem sempre seu D.P. estava lá, como ele era o responsável... J: Ele estava lá nesse dia que o senhor assinou? R: Eu assinei isso várias vezes (...) provavelmente eu assinei num dia isso aqui tudo, porque eu chegava lá, tinha interno lá que era, monitor, que chegava, “oh, Paulo, to aí”, “tá, tudo bem, vai assinar”, vai... J: O Senhor assinou tudo isso aí num dia só, então? R: Acho que sim, provavelmente sim, porque senão eu tinha olhado. Tinha olhado também S.R.E.. Mas a assinatura é minha, confirmo tudo, é meu. (...). Essas horas me faltam cumprir.” (fls. 189/193)

No que pertine a esses fatos, D.P. assim esclareceu:“JUÍZA: O senhor estava presente no mês de julho de dois mil e dois, nos dias quatro,

seis, onze, treze, vinte e vinte e sete, por ocasião da prestação do serviço e do preen-chimento do relatório? RÉU: Não, Doutora. Eu volto a frisar, esse relatório também foi preenchido no fim do mês, junto com os demais que estavam cumprindo pena naquele mês, e foram colocados para colher assinatura no primeiro dia útil que o apenado viesse até o Centro Terapêutico. Não tenho condições de lhe informar se estava presente, se fui eu que colhi a assinatura, mas eu tenho certeza absoluta que fui eu que preenchi o relatório. (...) Me parece que houve nesse caso um equívoco, ou meu, ou do monitor, na hora de entregar o relatório com o nome do S.R.E. pro Doutor Paulo assinar. J: Como é que pode afirmar isso, se o senhor não estava presente quando aconteceu? R: Eu não tô afirmando. Mas eu posso afirmar, assim, até pelo próprio sobrenome... J: É uma opinião sua? (...) J: O S.R.E. e o L.P.E. preenchiam juntos esses formulários ou separadamente? R: Não, não. Separadamente. Eu os preenchia. Sempre eu, mesmo porque era muito difícil eles fazerem os horários juntos. Um vinha num dia, outro no outro. Teve dias que estavam juntos também, no mesmo dia lá, trabalhando um na área médica, outro (...) J: Eles compareciam juntos para assinar esses relatórios? R: Não, não, não, não. Compareciam quando eles vinham para prestar o serviço comunitário para o mês que estava iniciando, ele já pegava a assinatura para o mês anterior.” (fls. 185/186)

Embora tal situação evidencie a falta de zelo da entidade e de seu

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coordenador (D.P.) no desempenho do munus público de fiscalizar o estrito cumprimento dos serviços impostos na sentença, tenho que não é caso de responsabilização criminal.

A propósito, a questão foi devidamente analisada no parecer da Pro-curadoria Regional da República, verbis:

“(...) A possibilidade de que tenha havido equívoco no preenchimento das fichas é bastante razoável, considerando o modo desordenado como a entidade conduzia os procedimentos de acompanhamento das atividades cumpridas pelos apenados. De fato, não faz sentido que L.P.E. tenha firmado com sua própria assinatura um documento em nome de outrem de forma proposital. Se houvesse o ânimo de fazer com que as horas de atividades prestadas em julho de 2002 (fl. 132) revertessem em favor de S.R.E., o mais lógico seria disfarçar ou tentar imitar a firma do outro apenado. Destaco também que os demais relatórios em nome de S.R.E., referentes aos meses de junho (fl. 131), agosto (fl. 133), setembro (fl. 134), outubro (fl. 135), novembro (fl. 136) e dezembro de 2002 (fl. 137), não apresentaram falsificações, fato atestado pelo laudo técnico. Ademais, conforme se verifica, era praxe naquela instituição o preenchimento dos relatórios ao final de um mês, em uma única oportunidade, a partir de ‘rascunhos’ de registros elaborados por secretários, assistentes ou estagiários da casa.” (fl. 401)

Por essas razões, deve ser mantida a absolvição de L.P.E. e D.P. quanto ao segundo fato delituoso narrado na exordial, em face do in dubio pro reo.

Ante o exposto, nego provimento à irresignação da defesa bem como dou parcial provimento ao apelo do Ministério Público, para aumentar a pena de S.R.E. e, de ofício, substituí-la por restritivas de direitos.

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 2003.72.03.001264-4/SC

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Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Agravante: Ministério Público FederalAgravado: O.B.

Advogados: Drs. Jerri José Brancher Junior e outroDr. Marcelo Zanoni

EMENTA

Penal. Processo penal. Agravo em execução penal. Prestação de serviços à comunidade. Número de horas trabalhadas. Divergência. Apenado à disposição da entidade para cumprimento da sanção. Extin-ção da pena. Possibilidade.

1. Hipótese em que foi declarada extinta a pena do réu, pelo cumpri-mento da prestação de serviços à comunidade.

2. Divergência no número de horas trabalhadas, na medida em que os documentos acostados aos autos evidenciam que parte delas foram efetivamente cumpridas com atendimentos realizados, e parte delas o apenado permaneceu à disposição da entidade conveniada.

3. Inexistência nos autos de notícia de que o apenado, injustificadamen-te, tenha deixado de prestar serviços. A pena alternativa imposta exige o cumprimento de horas semanais de trabalho, e não número de atendimentos realizados.

4. O executado esteve à disposição da entidade conveniada, aguar-dando que lhe fossem atribuídas tarefas a serem cumpridas. A ausência de aproveitamento adequado não pode vir em seu prejuízo, razão pela qual referido período deve ser computado para fins de cumprimento da pena restritiva de direito, e conseqüente extinção da reprimenda.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a colenda Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Re-gião, por unanimidade, negar provimento ao agravo em execução penal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de setembro de 2007.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de agravo em execução penal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão do MM. Juízo Substituto da Vara Federal de Joaçaba/SC que, nos autos da Execução Penal nº 2003.72.03.001264-4/SC, de-clarou extinta a pena do executado, em razão do integral cumprimento das horas de serviços à comunidade prestadas.

Em suas razões, em síntese, sustenta que o tempo que o executado teria permanecido à disposição da entidade conveniada não pode ser tido como de efetivo trabalho (fls. 241-246).

Contra-razões às fls. 250-252.A decisão restou mantida por seus próprios fundamentos (fl. 253).A Procuradoria Regional da República ofertou parecer pelo despro-

vimento do agravo (fls. 259-264).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de agravo em execução penal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão do MM. Juízo Substituto da Vara Federal de Joaçaba/SC que, nos autos da Execução Penal nº 2003.72.03.001264-4/SC, de-clarou extinta a pena do executado, em razão do integral cumprimento das horas de serviços à comunidade prestadas.

A decisão combatida restou exarada nos seguintes termos (fls. 239-v. e 240-v.):

“O.B., já qualificado, foi condenado à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, por infração ao artigo l68-A, § 1°, I, do Código Penal. A pena privativa de liberdade fora substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes no pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 2.000,00 e na prestação de serviço à comunidade.

Em audiência admonitória realizada em 22.01.2004, fixou-se que a prestação pe-cuniária seria paga em 20 parcelas de R$ 100,00 e que o réu iniciaria a prestação de serviços junto à Prefeitura Municipal de Joaçaba, na forma do Convênio fixado entre este Juízo e a municipalidade.

De acordo com os comprovantes juntados aos autos (fls. 78/79, 91, 97, 124, 133, 137, 138/139), o apenado pagou integralmente a prestação pecuniária imposta. Toda-

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via, com relação à prestação de serviços, houve divergência com relação às horas de serviços alegadas pelo apenado e as horas informadas pela Prefeitura.

O condenado, à fl. 154, alega ter cumprido, até setembro de 2005, o total de 896 horas de serviço junto à Secretaria Municipal de Saúde de Joaçaba, apresentando relatórios assinados pelo Diretor de Saúde. A Prefeitura Municipal, por sua vez, em ofício encaminhado a este Juízo, informa que o apenado cumpriu efetivamente apenas 228 horas de serviço, afirmando que, nas demais horas alegadas pelo réu, este esteve à disposição da Secretaria de Saúde, e que não poderiam julgar se esse período seria válido para o cômputo das horas de serviços efetivamente prestados pelo condenado.

Intimada a esclarecer a divergência entre as informações antes prestadas e as horas constantes nos relatórios apresentados, a Prefeitura informa, fl. 199, que o apenado cumpriu as 896 horas de serviço junto à Secretaria de Saúde, dando conta de um pos-sível desencontro de informações que teria desencadeado as divergências apontadas.

O Ministério Público Federal, às fls. 236/238, entendeu que foram cumpridas apenas 228 horas de trabalho, conforme informado pela Prefeitura, devendo ser o réu intimado a dar continuidade à pena de prestação de serviços, nas 622 horas restantes, sob pena de conversão do beneficio, nos termos do art. 44, § 4°, do CP.

É o breve relato. Decido.Com efeito, o sentenciado cumpriu a prestação pecuniária, conforme demonstrado

pelos comprovantes de depósitos juntados aos autos.Com relação à prestação de serviços à comunidade igualmente imposta ao réu, em

que pese o parecer do Ministério Público Federal em sentido contrário, entendo que também deve ser considerada como integralmente cumprida.

É que, de acordo com as informações prestadas pelo réu através dos boletins de serviços produzidos (todos subscritos por servidor da PMJ - fls. 155/182) e de infor-mações da própria Prefeitura Municipal (fls. 191/195), o apenado atendeu pacientes na qualidade de psicólogo, por 272 horas. Por outro lado, permaneceu à disposição da Secretaria de Saúde do Município por 624 horas, nas quais não realizou atendimento.

Não obstante o zelo do MPF, tenho que a sua manifestação não pode ser atendida.Afinal de contas, a pena restritiva imposta ao condenado – de prestar serviços à

comunidade – foi fixada, como não poderia deixar de ser, em número de horas semanais a serem cumpridas, e não em número de atendimentos realizados.

Logo, a partir do momento em que O.B. permaneceu à disposição da Prefeitura para cumprir sua pena durante as referidas 624 horas em que não atendeu pretensos pacientes, acabou igualmente por dar cumprimento à sua reprimenda alternativa.

Pensar-se o contrário, ou seja, determinar-se que cumpra mais 624 horas (ou 622, como mencionou o MPF), com efetivos atendimentos ao público, implicaria, sem dú-vida, aplicar-lhe pena em total dissonância com o contido no título executivo correlato e à própria legislação aplicável à espécie.

Desta forma, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que, também no período em que o apenado esteve à disposição da Prefeitura – ainda que sem realizar

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qualquer atendimento – cumpriu a pena alternativa que lhe competia, já que ali estava aguardando as tarefas e o local onde deveria desempenhá-las.

Ora, se não foi devidamente aproveitado pelo órgão beneficiado, culpa não lhe pode ser atribuída por isso, já que, ao que se tem dos autos, não concorreu para a falta de organização da Municipalidade de Joaçaba.

Digo falta de organização porque nem mesmo o relatório mensal mencionado no art. 150 da LEP a Prefeitura apresentou espontaneamente, tendo sido instada por este Juízo para fazê-lo (fls. 92, 98 e 134). Por outro lado, em momento algum fez referência à possível ausência do apenado ao serviço, ou mesmo ao cometimento de alguma falta disciplinar por ele.

Logo, resta evidente, pelo exame dos autos, que a única responsável pela falta de atribuição de tarefas ao apenado O.B. foi a própria Prefeitura, a qual infelizmente não soube aproveitar a contento a oportunidade que lhe foi dada, de prestar atendimento psicológico à população mais carente (e por certo necessitada desse tipo de auxílio) sem qualquer custo para os cofres públicos municipais.

Saliente-se que o fato de a Prefeitura não ter encaminhado mensalmente relatórios circunstanciados das atividades do condenado (já que o fez somente quando instada e de forma pouco esclarecedora) acabou por obstar o devido acompanhamento por parte deste Juízo do cumprimento da pena imposta, o que, em última análise, impediu uma reavaliação e quiçá alteração da forma como os serviços vinham sendo prestados.

De qualquer sorte, em que pese tais circunstâncias, entendo que não pode o apenado ser prejudicado pelo ocorrido, porquanto esteve efetivamente à disposição do Órgão Municipal com o intuito de cumprir a pena que lhe foi imposta, tanto que nos relató-rios apresentados pela própria Prefeitura constam referidas horas (em que não houve atendimento) como de serviços prestados.

Nesse passo, considerando as horas em que esteve à disposição da Secretaria de Saúde, mais as horas de serviços com efetivo atendimento ao público, tem-se um total de 896 horas cumpridas, tempo superior àquele fixado na sentença penal condenatória respectiva.

Assim, uma vez cumprida a sanção imposta e não tendo havido conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade, deve a reprimenda ser extinta, nos termos do artigo 82 do Código Penal.

Ante o exposto, declaro extinta a pena imposta ao réu O.B., e o faço com base no art. 82 do Código Penal. (...)”

O Ministério Público Federal, no entanto, no presente agravo, insiste na tese de que

“não podem ser computados períodos em que supostamente, o sentenciado teria permanecido à disposição da Prefeitura Municipal, os quais foram considerados como de efetivo trabalho, na medida em que provável tempo em que teria ficado à disposição da unidade conveniada, além de não restar comprovado, é incapaz de gerar o cumpri-

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mento da pena alternativa imposta.” (fl. 245)

Todavia, tenho que o pleito recursal não merece ser acolhido.Por mais que se reconheça o zelo do ilustre Procurador da Repúbli-

ca subscritor deste recurso, as razões elencadas na decisão objurgada mostram-se irrefutáveis.

As informações iniciais fornecidas pela Prefeitura Municipal davam conta de que o apenado teria cumprido efetivamente apenas 228 horas de serviço, afirmando que, nas demais horas alegadas pelo réu, este esteve à disposição da Secretaria de Saúde, razão pela qual a referida munici-palidade sustentava que não poderia julgar se este período seria válido para o cômputo das horas de serviços efetivamente prestados.

Entretanto, o ofício de fl. 199, assinado pelo Secretário Municipal da Saúde de Joaçaba/SC (documento este que se reveste, como bem destacado no parecer ministerial, dos atributos de legitimidade e veraci-dade), atesta que o acusado cumpriu 896 horas de prestação de serviços à Secretaria de Saúde daquele Município (número acima das 850 horas exigidas), justificando as divergências levantadas em razão da probabi-lidade de que não tenham sido enviados os relatórios ao departamento pessoal do Município, já que o arquivo dos documentos originais seria feito na Secretaria de Saúde.

Tal documento, a meu sentir, serve como prova hábil de cumprimento da pena, mormente se aliado à ausência de qualquer notícia de que o executado, injustificadamente, tenha deixado de prestar serviços, ou que tenha praticado qualquer falta disciplinar.

A pena alternativa imposta exige o cumprimento de horas semanais de trabalho, e não número de atendimentos realizados.

O executado esteve à disposição da entidade conveniada, aguardando que lhe fossem atribuídas tarefas a serem cumpridas. Se não foi adequa-damente aproveitado pela Secretaria da Saúde, até mesmo em face de sua desorganização, conforme noticia o Juízo a quo, isso não pode vir em seu prejuízo.

Na mesma linha, o entendimento do ilustre Procurador Regional da República que oficiou neste feito (fls. 261-264).

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo em execução penal.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.71.00.021218-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Apelante: R.M.M.Advogada (dt): Dra. Ilza Maria de Souza

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal e processual penal. Roubo próprio e impróprio. Art. 157, caput e § 1º, do CP. Subtração de bem tentada e uso de grave ameaça para fugir. Art. 155, § 4º, inciso IV, e art. 147, ambos do CP. Furto qualificado pelo concurso de agentes, na forma tentada, e ameaça. Concurso mate-rial. Representação. Dolo. Desclassificação. Art. 383 do CPP. Confissão extrajudicial. Alteração em juízo. Reconhecimento de atenuante.

1. Configura-se o delito de roubo próprio, previsto no art. 157, ca-put, do CP, quando a violência ou grave ameaça a pessoa ocorrer para a realização da subtração do bem, enquanto o roubo impróprio, previsto no § 1º do art. 157 do Estatuto Repressivo, caracteriza-se quando, após retirada a coisa da vítima, o agente usar de violência ou grave ameaça para garantir a posse do bem subtraído.

2. Tentada a subtração de bem e havendo uso de grave ameaça para fugir, haverá concurso material entre o furto tentado e o crime de ameaça.

3. Havendo concurso de agentes para realizar a subtração de bem, resta configurada a forma qualificada de furto, prevista no art. 155, § 4º, inciso IV, do CP.

4. A realização de gesto apto a intimidar a vítima caracteriza-se como mal injusto e grave, por isso configurada a ameaça.

5. A representação prescinde de rigor formal, bastando declaração espontânea da vítima demonstrando sua vontade de que o responsável pela prática do delito responda criminalmente.

6. O dolo no delito de roubo ou furto configura-se na vontade livre e consciente de subtrair coisa alheia, enquanto o elemento subjetivo está compreendido na expressão “para si ou para outrem”, que consiste na intenção de posse definitiva do bem.

7. Possibilidade de desclassificação, ainda que na fase recursal, quando presente a hipótese do art. 383 do Código de Processo Penal.

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8. A declaração prestada extrajudicialmente, perante a autoridade policial, posteriormente alterada pelo depoimento em juízo, não perde sua credibilidade quando ausente qualquer circunstância que viesse a afetar sua idoneidade e motivo que pudesse justificar a sua mudança pelo declarante.

9. A confissão, ocorrida na fase policial, deve ser reconhecida como atenuante, prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, mesmo que, em juízo, tenha a parte se retratado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de julho de 2008.Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O Minis-tério Público Federal ofereceu denúncia contra R.M.M. pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, combinado com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, estando assim descritos os fatos na inicial ( fl. 04):

“(...) 1. No dia 19.10.2003, aproximadamente às 15h30min, na Rua Conde de Porto Alegre, próximo ao número 290, Bairro Floresta, em Porto Alegre, o acusado R.M.M. tentou subtrair a motocicleta de placa IKX 7064, de propriedade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), que estava estacionada no local, para si, mediante grave ameaça a pessoa, exercida com emprego de arma de fogo, e com auxílio de terceira pessoa não identificada.

2. Após romper a fiação elétrica da mesma, o réu, na presença do carteiro Sérgio Luís Xavier, tentou dar partida na moto para consumar o delito, razão pela qual o funcionário dos Correios gritou com os meliantes, ocasião em que R.M.M. largou a moto no chão e empregou ameaça contra o carteiro, levantando a camisa e mostrando um revólver na cintura, com o qual buscou intimidar o carteiro que o havia flagrado.

3. Ato contínuo, o denunciado subiu na garupa de uma moto vermelha, modelo CG 125 Titan, placa ICR 5924, tripulada por seu comparsa no crime, figura não identificada pela autoridade policial, onde logrou êxito em fugir do local. (...)”

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A peça acusatória foi recebida em 18.08.2005 (fl. 02).Na sentença, publicada em secretaria na data de 08.09.2006 (fl. 382),

o magistrado a quo julgou procedente a pretensão punitiva para conde-nar o réu nas sanções do art. 157, § 2º, inciso II, combinado com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, aplicando as penas de 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, com regime inicial aberto, e de 46 (quarenta e seis) dias-multa, com valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente à época do fato (outubro/2003), devidamente atualizado. Negada a substituição, em face de o crime ter sido praticado com grave ameaça à pessoa. Possibilitado o direito de apelar em liber-dade (fls. 369-381).

Irresignado, o acusado apelou, sustentando não haver prova suficiente da ocorrência do delito, devendo prevalecer a dúvida em seu favor. Referiu que o presente caso trata-se da hipótese de crime impossível. Aduziu que, se reconhecida a existência de delito, deve ser desclassificado para furto tentado, uma vez que não restou caracterizada a violência descrita no art. 157 do CP. Por fim, postulou que a pena-base deve ser fixada no mínimo (fls. 389, 400-403).

Na decisão da fl. 396, foi decretada a revelia do réu, em razão de ter deixado de residir no endereço informado, sem noticiar seu atual paradeiro.

Apresentadas as contra-razões (fls. 407-415), vieram os autos a esta Corte.

Neste grau de jurisdição, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, tão-somente para que seja reduzida a pena, com reconhecimento da atenuante pela confissão (fls. 422-428).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: A ocor-rência do fato ilícito está demonstrada pelo Boletim de Ocorrência nº 7874/2003 (fl. 19), no qual o servidor da ECT efetuou o registro do delito perante a polícia, bem como pela Ordem de Serviço nº 21027 (fl. 23), onde consta os danos causados na moto CG-125, de propriedade da ECT.

Corroborando o fato, seguem as declarações prestadas na fase policial

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por Sérgio Luís Xavier, servidor da ECT que estava com a moto (fl. 34):“(...) o depoente é funcionário dos Correios, trabalhando como carteiro motorizado,

e, em 18.09.03, aproximadamente às 15h30, dois indivíduos tentaram roubar sua moto quando estava na Rua Conde de Porto Alegre com Av. Farrapos; QUE deixou a moto dos Correios na rua Conde de Porto Alegre e foi fazer uma entrega na Av. Farrapos; QUE quando voltou tinha um elemento tentando fazer a moto pegar; (...) QUE esse elemento ameaçou o depoente com uma arma que tinha na cintura e logo em seguida veio uma moto CG vermelha, na qual esse indivíduo foi na garupa e fugou do local; (...) QUE o depoente tem a plena capacidade de reconhecer esse indivíduo se for posto frente a frente; (...)”

Quanto à autoria, tenho-a por devidamente comprovada. Não bastasse o réu ter sido apontado, com convicção, por Sérgio Luís Xavier, servidor da ECT, como sendo o autor do delito, conforme Auto de Reconhecimento Pessoal da fl. 207, o acusado, após ter sido reconhecido, confessou ter tentado furtar a moto da ECT, na segunda oportunidade em que ouvido na fase policial, consoante se observa nos trechos que transcrevo de seu interrogatório (fls. 209 e 210):

“(...) CONFESSA ter praticado a tentativa de furto descrita no inquérito policial nº 157/04-SR/RS, ocorrido no dia 19.10.2003, na Rua Conde de Porto Alegre, próximo ao número 290, Bairro Floresta, Porto Alegre/RS; QUE naquele dia tomou emprestado a moto Honda, vermelha, placa ICR-5924, de Claudio Joaquim, e juntamente com Duda vieram de Eldorado do Sul/RS a Porto Alegre/RS. No local acima descrito, em cima da calçada, estava uma moto dos Correios. O interrogado cortou o fio lateral, mas não conseguiu fazer funcionar a moto, sendo que durante a tentativa de pedalar apareceu o carteiro dos Correios, o que pôs em fuga o interrogado e seu comparsa; QUE nega que estava armado naquela ocasião; (...)”

Na primeira oportunidade em que foi ouvido extrajudicialmente, o denunciado negou a autoria, atribuindo a prática do crime a Alessandro (fl. 204): “(...) não praticou a tentativa de furto da moto dos Correios, no bairro Floresta, em 19.10.2003; QUE atribui possível autoria a Ales-sandro Coelho Gomes, vulgo Nanico, reconhecendo pela fotografia da identidade de p. 71, o qual trabalha na estofaria Stilus, de propriedade de Eliel Costa Dos Santos; (...)”

Em juízo (fls. 269-282), além de negar a autoria, apresentou nova versão aos fatos, alegando que, por força de desavença anterior com o carteiro Sérgio, apenas pretendeu cortar os fios na moto para impossibili-tá-lo de andar com o veículo, conforme se verifica em seu interrogatório

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que reproduzo em parte:“(...) DEPOENTE:- Mais um dois anos atrás pelo cento e oitenta. E neste caso

do Correio não foi roubo. Eu conheço esse cara. Pode botar. Assim como ele me deu a ‘recunha’, dou a ‘recunha’ nele também. Pode botar na minha frente, conheço ele.

JUÍZA:- Ele quem?DEPOENTE:- Esse cara do Correio que está me denunciando, que disse que eu

estava armado. Ele já tinha me fechado uma vez na Benjamin e quase bati, eu e a minha mulher, um dia antes, de carro, na esquina da Benjamin. Daí no outro dia, eu estava parado na sinaleira, arranquei com a moto e ela apagou, ele começou a buzinar e largou, depois eu passei por ele, eu vi a moto dele parada, peguei o alicate, cortei o fio da moto dele, botei debaixo do banco a ferramenta e fui embora. Não foi roubo. Se fosse roubo, não ia cortar a moto dele para andar. Eu cortei o chicote para ele não andar com a moto, e ele sabe disso. E outra, ele disse que eu estava armado. Qual é o bandido que ia estar armado e não ia tirar a moto dele? Eu fiz só para deixar ele a pé mesmo, tanto é que só cortei o fio da moto dele, subi na minha e larguei embora. E o cara que estava comigo nem sabe andar de moto.

JUÍZA:- O senhor prestou depoimento na Polícia Federal?DEPOENTE:- Sim.JUÍZA:- E lá o senhor falou exatamente o que disse agora?DEPOENTE:- Não.JUÍZA:- O senhor falou outra coisa lá?DEPOENTE:- Falei outra coisa?JUÍZA:- Por quê?DEPOENTE:- Por causa que eu fiquei sabendo, quando estava na rua, que tinham

me denunciado. Daí eu denunciei os Fulanos que me denunciaram.JUÍZA:- Na Polícia o senhor disse que praticou tentativa de furto.DEPOENTE:- Bah, estava um calorão, estava louco para voltar para o Central...

Até disse que fui eu, mas não fui eu. (...)” (fls. 270 e 271)

A versão apresentada pelo acusado no interrogatório judicial não encontra respaldo em nenhum elemento dos autos. O carteiro Sérgio, quando ouvido em juízo (fls. 297-305), negou qualquer desavença, acres-centando que, antes do delito, nunca tinha visto o réu. Ainda, apesar de estar acompanhado na ocasião, o apelante não se preocupou em trazer essa pessoa, pelo contrário, sempre demonstrou intenção de ocultar sua identidade, provavelmente para evitar que também respondesse a esse processo, por co-autoria.

Em relação ao corte dos cabos da moto, a Turbo Motocicletas e Ser-viços Ltda., revenda autorizada da Honda, através do ofício da fl. 313, esclareceu que era possível colocar em funcionamento uma motocicleta

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Honda CG 125 com o corte do chicote, mas somente até o modelo 2000, o que também afasta a versão do denunciado.

Além disso, não se apresenta nada plausível a justificativa do réu para ter confessado no interrogatório policial, pois alegou que o fez porque estava com calor e queria voltar logo para o presídio. Ora, quem iria assumir responsabilidade por delito por tais motivos?

O fato de o acusado ter alterado o seu depoimento em juízo (fls. 269-282), negando a autoria do crime, não afeta a credibilidade da versão apresentada extrajudicialmente, pois se limitou a fazer alegação, sem ter sido demonstrada qualquer circunstância que viesse a afetar sua idonei-dade. Além disso, também deve ser considerada a proximidade com a ocorrência dos fatos e a ausência de motivo comprovado para a mudança, além da falta de prova para demonstrar a veracidade da nova versão.

Com aplicação análoga, transcrevo a decisão:“DIREITO PENAL. PECULATO. MATERIALIDADE. AUTORIA. CONFISSÃO

EXTRAJUDICIAL. RETRATAÇÃO EM JUÍZO. IRRELEVÂNCIA. PENA DE MUL-TA. PROPORÇÃO COM A CARCERÁRIA. VALOR UNITÁRIO. ADEQUAÇÃO À SITUAÇÃO ECONÔMICA DA RÉ. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. CABIMENTO.

(...) 2. Materialidade e autoria comprovadas pela prova documental e testemunhal

produzida, corroborada pela confissão da ré na esfera administrativa. 3. A simples negativa, em juízo, dos fatos anteriormente admitidos, quando apartada

do conjunto probatório, não tem o poder de gerar a absolvição. (...)” (TRF4ª Região, 8ª Turma, ACR Nº 2003.72.00.007879-3, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU: 09.11.2005, p. 371)

Não bastasse, cumpriria ao denunciado a prova do que alega, nos termos do art. 156, 1ª parte, do CPP, porém, como já mencionado em momento anterior, não trouxe aos autos qualquer elemento para susten-tar sua tese. Isso apenas reforça a veracidade da confissão prestada no inquérito e a fragilidade da versão apresentada em juízo.

Quanto ao dolo, seja roubo ou furto, restou bem demonstrado, confi-gurado na vontade livre e consciente de subtrair coisa alheia, bem como o elemento subjetivo, compreendido na expressão “para si ou para outrem”, que consiste na intenção de posse definitiva do bem, pois a vítima viu o acusado tentando fazer a moto ligar, tendo cortado os cabos, inclusive, com essa finalidade.

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No tocante à tipificação penal, o apelante foi condenado, na sentença, pela prática, na forma tentada, do delito tipificado no art. 157, § 2º, inciso II, do CP. Ocorre que a própria vítima relatou que deixou a moto na rua Conde de Porto Alegre e foi fazer uma entrega na Av. Farrapos, sendo que, quando voltou, verificou um rapaz tentando fazer a moto pegar. Como essa pessoa não conseguiu ligar a moto, largou-a e fugiu na carona de outra moto, sendo que, na saída, levantou a camisa, momento em que a vítima pensou que ele estava armado, conforme trechos que transcrevo do depoimento judicial de Sérgio Luiz Xavier:

“(...)DEPOENTE:- Eu estava no meu horário de trabalho quando fui fazer uma entrega, deixar um objeto na Conde de Porto Alegre e um na Farrapos. Como eram números próximos, deixei a moto estacionada no número 290, numa imobiliária que tem ali, deixei um objeto ali e depois fui na Farrapos, e a moto permaneceu no local, na Conde de Porto Alegre. Quando retornei da entrega, estava o rapaz em cima da moto tentando fazer ela pegar. Daí eu perguntei se ele iria levar a moto, daí ele desceu da moto e disse: ‘essa merda não pega’ e desceu da moto. No momento ele levantou a camisa, sei lá se era para mostrar uma arma, mas não deu para ver realmente se ele estava armado ou não. Daí ele subiu na moto de um colega ou amigo dele e os dois saíram, fugiram. Daí eu fui pegar a moto para ligar ela, mas não consegui, haviam cortado uns cabos da moto. Daí eu liguei para o Correio, comentei o ocorrido e eles vieram para buscar a moto, porque ela não estava mais pegando.

JUÍZA:- Tinham cortado alguma coisa da moto?DEPOENTE:- É, eu acho que foi o chicote da moto. É um fio grosso que tem, não

sei como é. (...)” (fl. 298)“(...) MINISTÉRIO PÚBLICO:- Em que momento o senhor pensou que o acusado

estivesse armado?DEPOENTE:- Foi no momento em que ele desceu da moto, no caso ele estava

querendo fazer ela pegar e disse: ‘ah, essa merda não pega’ e foi para a moto dele. Como eu disse, não cheguei a ver que era uma arma, mas naquele momento para mim ele estava armado, vai que me dá um tiro, uma coisa, sei lá. (...)” (fl. 302)

Aliás, essa ordem dos fatos também é descrita na peça acusatória, apenas com maior ênfase na ocorrência da ameaça, nos termos que seguem (fl. 04):

“(...) 2. Após romper a fiação elétrica da mesma, o réu, na presença do carteiro Sérgio Luis Xavier, tentou dar partida na moto para consumar o delito, razão pela qual o funcionário dos Correios gritou com os meliantes, ocasião em que R.M.M. largou a moto no chão e empregou ameaça contra o carteiro, levantando a camisa e mostrando um revólver na cintura com o qual buscou intimidar o carteiro que o havia flagrado.

3. Ato contínuo, o denunciado subiu na garupa de uma moto vermelha, modelo CG

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125 Titan, placa ICR 5924, tripulada por seu comparsa no crime, figura não identificada pela autoridade policial, onde logrou êxito em fugir do local. (...)”

Portanto, a ameaça, caso tenha ocorrido, deu-se após a tentativa de subtração da moto, configurando, assim, a hipótese do art. 157, § 1º, do CP, que assim prescreve:

“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega

violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. (...)”

Importante a distinção do roubo próprio (caput do art. 157 do CP), onde a violência ou grave ameaça ocorre para possibilitar a subtração do bem, enquanto no roubo impróprio, previsto no § 1º do artigo referido, primeiro ocorre a retirada do bem da vítima e, logo após, há a violência ou grave ameaça para garantir a manutenção da posse da coisa.

No presente caso, a ameaça não se deu para possibilitar a subtração da moto, mas na fuga do agente, o que afasta a figura do roubo próprio e pode caracterizar o roubo impróprio.

Todavia, há outra questão importante, pois o tipo do § 1º do art. 157 do Código Penal tem, como elementar, a prévia ocorrência da subtra-ção. Na hipótese dos autos, houve tentativa de subtração, fato que, por observância ao princípio da legalidade, também afasta a figura do roubo impróprio.

Aliás, a própria figura da tentativa no roubo impróprio é muito dis-cutida na doutrina. Aqueles que não admitem a tentativa nesse tipo de crime sustentam que a consumação dá-se com o emprego da violência ou grave ameaça, por isso, não existindo o uso de um desses meios, restará apenas furto tentado ou consumado. Por outro lado, aqueles que acei-tam a tentativa argumentam que pode configurar-se em duas situações: 1ª) efetuada a subtração do bem, o sujeito tenta empregar violência ou ameaça para manter a posse; 2ª) empregada a violência ou ameaça após a retirada da coisa, o agente não consegue mantê-la em sua posse, ou seja, não consegue a posse tranqüila.

Sobre o tema, transcrevo a lição de Damásio E. de Jesus, o qual,

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inclusive, posiciona-se pela impossibilidade da tentativa:“(...) Há duas posições: 1ª) O roubo impróprio não admite a figura da tentativa. Ou o

sujeito emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, e o delito está consumado, ou não emprega esses meios de execução, permanecendo furto tentado ou consumado. (...) É a nossa posição; 2ª) o roubo impróprio admite a forma tentada: (...). Isso ocorre quando o sujeito, tendo efetuado a subtração patrimonial e antes da consumação, tenta empregar violência contra pessoa (...), ou quando, empregada a violência após a ‘tirada’ da coisa, não consegue consumar a subtração (...).” (JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado. 13. ed. Saraiva: São Paulo, 2002. p. 575)

Corroborando o entendimento da impossibilidade da tentativa no roubo impróprio, seguem os precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal:

“PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, §§ 1º E 2º, I E II, DO CÓDIGO PENAL. ROUBO IMPRÓPRIO MAJORADO. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

I - O crime previsto no art. 157, § 1º, do Código Penal consuma-se no momento em que, após o agente tornar-se possuidor da coisa, a violência é empregada, não se admitindo, pois, a tentativa.

(Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte). (...)” (STJ, 5ª Turma, HC Nº 39220/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 26.09.2005, p. 414)

“ROUBO IMPRÓPRIO. CONSUMAÇÃO.O crime do art. 157, parágrafo 1º, do Código Penal não admite tentativa, tendo em

vista que o momento consumativo é o emprego da violência.(...)” (STJ, 5ª Turma, REsp Nº 46275/SP, Rel. Min. Assis Toledo, DJ 20.03.1995, p. 6137)

“ROUBO IMPRÓPRIO. Consuma-se com o uso da violência imediata, visando assegurar a impunidade do crime. Não há que se falar em tentativa. Inteligência do par. 1º do art. 157 do Código Penal. (...)” (STF, 2ª Turma, RE Nº 102391/SP, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ 10.08.1984, p. 12.452)

De outra parte, mesmo para aqueles que admitem a figura da tentativa no roubo impróprio, observa-se que só é possível após ocorrida a retirada do bem. Por conseguinte, como a subtração não se consumou, foi ape-nas tentada, resta afastado o delito do § 1º do art. 157 do Código Penal, configurando-se, assim, em furto tentado, podendo, caso caracterizada a ameaça, haver concurso de crimes.

Acerca da questão, assim escreveu Júlio Fabrini Mirabete:“Subtração tentada e violência posterior: concurso de crimes - TJSP: ‘Não ocorre o

roubo impróprio se precedentemente à violência não chegou sequer a haver subtração’ (RT 548/310). TACRSP: ‘Se a subtração é apenas tentada e há violência ou ameaça na

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fuga, o crime será de furto em concurso com crime contra a pessoa e não tentativa de roubo’ (RT 711/346). TARS: ‘É amplamente dominante entre os doutrinadores a tese segundo a qual, se a subtração é apenas tentada e há violência na fuga, caracteriza-se o crime de furto tentado em concurso com o crime contra a pessoa e não tentativa de roubo, muito menos de roubo consumado’ (JTAERGS 70/94). (...)” (MIRABETE, Júlio Fabrini. Código Penal Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 1.179)

Assim, com fundamento no art. 383 do CPP, desclassifico as condutas para concurso material entre os arts. 155, § 4º, inciso IV, e 147, ambos do Estatuto Repressivo.

Esclarecida a tipificação, registro que a ocorrência do furto tentado já foi devidamente apreciada, apenas esclarecendo a forma qualificada, em razão do concurso de agentes, fato reconhecido pelo próprio réu.

Passo à análise da ameaça, tipificada no art. 147 do Código Penal.Observa-se que o delito em exame exige, como condição para o exer-

cício da ação penal, que ocorra representação da vítima ou de quem tiver qualidade para representá-la.

Tem-se entendido, na doutrina e jurisprudência, que a representação prescinde de rigor formal, bastando declaração espontânea da vítima demonstrando sua vontade de que o responsável pela prática do delito responda criminalmente.

Sobre o assunto, segue a lição de Guilherme de Souza Nucci:“13. Forma de representação: não exige rigorismo formal, ou seja, um termo espe-

cífico em que a vítima declare expressamente o desejo de representar contra o autor da infração penal. Basta que, das declarações prestadas no inquérito, por exemplo, fique bem claro o seu objetivo de dar início à ação penal, legitimando o Ministério Público a agir. (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 121)

Também sobre o tema, transcrevo os julgados:“PENAL. CRIME DE AMEAÇA. ART. 147 DO CP. AÇÃO PENAL PÚBLICA

CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. NECESSIDADE. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA OFENDIDA. AUSÊNCIA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ART. 43, III, DO CPP.

1. A representação exigida para o exercício da ação penal pelo crime de ameaça (pública condicionada) prescinde de rigor formal, sendo suficiente a inquestionável manifestação de vontade da vítima de ver o autor do delito processado. Precedentes. (...)” (TRF-4ª Região, 8ª Turma, RSE Nº 2004.71.00.043643-2/RS, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU: 23.02.2005, p. 644)

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“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ATENTADO VIO-LENTO AO PUDOR MEDIANTE VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. REPRESENTAÇÃO OFERECIDA PELOS REPRESENTANTES LEGAIS DA OFENDIDA DENTRO DO PRAZO LEGAL. PRESCINDIBILIDADE DE RIGOR FORMAL. VÍTIMA POBRE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PRAZO DECADENCIAL. PRECEDENTES DO STJ.

1. Improcede a alegação de decadência quando a representação dos pais da ofendida for apresentada tempestivamente, tão logo tomem conhecimento da autoria do crime.

2. A representação do ofendido – condição de procedibilidade da ação penal pública condicionada – prescinde de rigor formal, sendo suficiente a demonstração inequívoca da parte interessada de que seja apurada e processada a infração penal. (...)”

(STJ, 5ª Turma, HC Nº 92.353/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ: 03.03.2008, p. 01)“HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEGITIMIDADE

ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. INEXI-GIBILIDADE DE RIGORISMOS FORMAIS. ESTADO DE POBREZA PATENTE. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADES. ORDEM DENEGADA.

1. Nos crimes contra os costumes, existindo a representação nos autos do processo e sendo a vítima pobre no sentido legal, o Ministério Público é legitimado a atuar como dominus litis da ação penal.

2. A representação do ofendido prescinde de rigorismos formais, bastando que ele demonstre sua intenção de ver o agente devidamente punido, situação claramente per-cebida após a narrativa dos fatos supostamente delitivos perante a autoridade policial. Precedentes. (...)” (STJ, 5ª Turma, HC Nº 89.229/DF, Rel. Desa. Convocada do TJ/MG Jane Silva, DJ: 26.11.2007, p. 224)

No presente caso, não bastasse o depoimento da vítima no inquérito (fl. 34), descrevendo o fato e as características físicas do agente e referindo ter plena capacidade de reconhecê-lo, tem-se, ainda, que o próprio ofendido, no dia do fato, não conseguiu anotar toda a placa da moto em que fugiu o autor do delito, mas que, em dia posterior, encontrou-o novamente na mesma motocicleta, quando pôde verificar a placa, informando-a à auto-ridade policial, conforme consta no Boletim de Ocorrência nº 7874/2003 (fl. 19), fatos que não deixam dúvida de seu desejo em representar.

Superado o referido instituto para o exercício da ação penal, passo a apreciar o delito de ameaça.

A vítima, Sérgio Luiz Xavier, quando ouvido na fase policial (fl. 34) e nas declarações prestadas no Boletim de Ocorrência nº 7874/2003 (fl. 19), referiu que foi ameaçado pelo réu, pois este teria levantado a camisa,

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mostrando-lhe uma arma. Em juízo (fls. 297-305), referiu não ter visto arma, mas pelo gesto do acusado, em ter levantado a camisa, pensou que estivesse armado.

O fato de o réu, tentando subtrair a moto que estava com o carteiro, ter levantado a camisa, principalmente nas circunstâncias como ocorri-do, dá a entender a posse de arma de fogo, por isso caracteriza-se como conduta passível de causar temor à vítima, de modo a evitar sua reação.

Portanto, o gesto foi apto a intimidar, caracterizando mal injusto e grave, por isso configurada a ameaça.

Quanto à autoria, desnecessária nova análise, pois já devidamente apreciada quando do exame da tentativa de subtração do bem.

Aliás, nos casos em que o crime é praticado sem que haja testemu-nha que presencie o fato, como na hipótese dos autos, o depoimento da vítima apresenta-se de grande importância, conforme se observa nos julgados abaixo:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO. RECONHE-CIMENTO DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. NULI-DADE. PREJUÍZO PARA A DEFESA. INEXISTÊNCIA. PRESENÇA DO RÉU NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. PRESCINDIBILIDADE.

(...)3. Tendo o magistrado de primeira instância, bem como o tribunal a quo, vis-

lumbrado a materialidade do fato e a autoria do delito, baseado, principalmente, no reconhecimento fotográfico e pessoal da vítima na polícia e confirmado em juízo, além de firmes depoimentos de testemunhas em desfavor do paciente, provas bastante idôneas à condenação, não há falar em ilegalidade qualquer a ser sanada no decreto condenatório. (...)” (STJ, 6ª Turma, HC 27890/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ: 06.02.2006, p. 325)

“HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. NULIDADE. FALTA DE PROVAS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ALEGADA INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. SENTENÇA CONDENATÓRIA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AUMENTO DA PENA EM RAZÃO DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E DO CONCURSO DE AGENTES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRAN-GIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO DA ARMA PARA CARACTERIZAÇÃO DA MAJORANTE, QUANDO PROVADA A SUA UTILIZAÇÃO POR OUTROS MEIOS. REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. IMPRO-PRIEDADE. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, §§ 2º, ALÍNEA B, E 3º, DO CÓDIGO PENAL.

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(...)4. É dispensável a apreensão da arma de fogo para a caracterização da causa especial

de aumento, prevista no § 2º, inciso I, do art. 157 do Código Penal, quando existentes outros meios aptos a comprovar a sua efetiva utilização no crime, o que ocorreu in casu com os depoimentos das vítimas. (...)” (STJ, 5ª Turma, HC 43304/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ: 08.05.2006, p. 242)

Pelas razões expostas, entendo por condenar o réu, em concurso material, nas sanções dos arts. 155, § 4º, inciso IV, e 147, ambos do Código Penal.

No tocante à fixação das penas, passo a apreciar individualmente os vetores do art. 59 do Código Penal:

a) culpabilidade - apresenta-se comum à espécie, pois o fato de ser-lhe exigida conduta diversa não pode resultar em majoração da pena, até porque a inexigibilidade configura excludente de culpabilidade, por isso caso fosse inexigível outra conduta apenas resultaria na imputabilidade, não em acréscimo de pena, pelo que tenho como neutra a circunstância.

b) antecedentes - não devem ser valorados, a esse título, os registros constantes nas fls. 328 e 329, pois não há notícia de condenação com trânsito em julgado, o que fere o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da CF/88. Assim, entendo como neutro o vetor.

c) Conduta Social - conforme manifestações de Eliel Costa dos San-tos (fl. 107) e de Cláudio Joaquim Alves da Conceição (fls. 177-179), moradores do mesmo município do acusado (Eldorado do Sul/RS), o denunciado é conhecido na cidade como indivíduo ligado a furtos, principalmente de motos, e que vive “vagabundeando” nas esquinas, comportamento no meio em que vive passível de configurar essa cir-cunstância como desfavorável.

d) personalidade - o acusado já está respondendo a outro processo--crime pelo delito do art. 157, § 2º, inciso I, do CP, inclusive com exe-cução provisória, conforme registros das fls. 328 e 329, compreendendo crime de mesma natureza de um dos ilícitos do presente feito (furto). Ainda, no período da execução provisória, envolveu-se em novo delito da mesma natureza, conforme Boletim de Ocorrência nº 4718/2005 (fls. 252 e 253), tendo, também, respondido a outras ações penais, as quais encontram-se baixadas (fl. 326). Assim, tenho que tais elementos indicam uma personalidade voltada à prática delitiva, pelo que considero esse

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vetor como negativo.Ressalto que a personalidade do agente, além de poder ser avaliada

pelo aspecto psicológico, também fatores externos podem contribuir para sua apreciação, como, por exemplo, a “tendência” de o ser humano reiterar a produção de resultados penalmente significantes, detectada através das repetidas vezes em que seu nome esteve, ou está, vinculado a um inquérito policial ou processo judicial, apresentando-se como um traço externo significativo para aferição da sua “personalidade” pelo magistrado.

Por certo que uma pessoa reiteradamente envolvida em práticas ilícitas revela um traço de personalidade diferenciado daquela que, por alguma eventualidade da vida, acabou envolvida em um crime que, ao invés de lhe servir como elemento inspirador de novas ofensivas delitivas (habi-tualidade), significou o marco de uma reestruturação da vida com uma maior conscientização relativamente às conseqüências das decisões a serem tomadas.

e) motivos - aparentemente o lucro fácil, comum à espécie. Por isso, tenho por neutra a circunstância.

f, g) circunstâncias e conseqüências do crime - apresentam-se comuns à espécie.

h) Comportamento da vítima - ausente.Assim, considerando o mínimo e o máximo previstos aos delitos (01 a

06 meses para ameaça e 02 a 08 anos para furto qualificado), bem como que o limite teórico, nesta fase, é o termo médio (03 meses e 15 dias para ameaça e 05 anos para o furto qualificado) e que há apenas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (personalidade e conduta social), restando neutros os demais vetores, entendo que a pena-base deve ser fixada em 02 (dois) meses de detenção para a ameaça e em 03 (três) anos de reclusão para o furto qualificado.

Não há agravantes, presente a atenuante de confissão para o furto, prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal, que entendo aplicável, mesmo que realizada extrajudicialmente e, em juízo, tenha ocorrido retratação, pois usada na elucidação dos fatos, pelo que reduzo a pena desse delito em 06 (seis) meses.

Corroborando o entendimento, segue o precedente:“PENAL. FURTO DE MADEIRA EM ÁREA DA UNIÃO. ARTIGO 155, § 4º,

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INC. IV, DO CP. DOSIMETRIA DAS REPRIMENDAS. ATENUANTE. CONFIS-SÃO ESPONTÂNEA. CONTINUIDADE DELITIVA. MULTA. ERRO MATERIAL. ILEGALIDADE. CORREÇÃO DE OFÍCIO. SUBSTITUIÇÃO.

1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a aplicação da regra prevista no art. 65, III, d, do Estatuto Repressivo tem caráter objetivo, bastando que o acusado tenha declarado ser o autor do delito para beneficiar-se da respectiva atenuante.

2. No caso dos autos, segundo se depreende da sentença recorrida, os réus admiti-ram expressamente a prática dos fatos, sendo essa circunstância valorada para efeito probatório, contribuindo para formar a convicção do julgador. Assim, mesmo havendo posterior retratação, incide a atenuante da confissão espontânea. (...)” (TRF-4ª Região, 7ª Turma, ACR Nº 97.04.68229-8/SC, Rel. Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva, DJU: 13.10.2004, p. 718)

Ausente causas de aumento, presente a causa de diminuição pela ten-tativa para o crime de furto qualificado, pelo que reduzo a sanção desse delito em 1/2 (um meio), mantido o patamar da sentença.

Assim, torno definitiva a pena de 02 (dois) meses de detenção para o delito do art. 147 do CP e de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão para o crime do art. 155, § 4º, inciso IV, do Estatuto Repressivo.

Com observância do disposto no art. 33, § 2º, alínea c, do Estatuto Repressivo, fixo o regime aberto como o inicial para o cumprimento das penas.

Quanto à pena de multa, de modo a guardar simetria com a sanção corporal aplicada para o furto, reduzo-a para 08 (oito) dias-multa, man-tido o seu valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, em razão da condição financeira do acusado.

Quanto à aplicação de sanções substitutivas, considerando haver delito de ameaça, bem como que, durante execução provisória de pena de outra ação penal, que envolvia delito de mesma natureza deste feito (art. 157, § 2º, inciso I, do CP, fls. 328 e 329), o réu envolveu-se em novo delito, conforme Boletim de Ocorrência nº 4718/2005 (fls. 252 e 253), estando, ainda, foragido, conforme informação da fl. 368, tenho que as circunstâncias indicam que a pena restritiva de direitos não seja suficiente, pelo que nego a substituição, com fundamento no art. 44, inciso III, do Código Penal.

Isso posto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação para desclassificar as condutas para os tipos dos arts. 147 e 155, § 4º, inciso

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IV, este combinado com o art. 14, inciso II, todos do CP, em concurso material, bem como para reduzir a pena final, condenando o réu em 02 (dois) meses de detenção pela ameaça e em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão pelo furto qualificado, na forma tentada, reduzindo, ainda, a pena de multa para 08 (oito) dias-multa, mantido o valor da sentença, nos termos da fundamentação.

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 2007.71.04.005469-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Agravante: W.V.N.Advogados: Drs. Antonio Lourenço Pires de Oliveira e outros

Agravado: Ministério Público Federal

EMENTA

Execução penal. Agravo. Unificação de reprimendas. Continuidade. Penas já extintas. Princípio da proporcionalidade. Aplicação.

Tendo o Parquet optado, legitimamente, pelo desdobramento de fatos contínuos, ofertando, em separado, tantas denúncias quantos foram os acontecimentos delituosos, não pode tal faculdade, na execução penal, vir em prejuízo do apenado. Logo, ainda que extintas, pelo cumprimento, as penas impostas em alguns processos-crime, sobrevindo nova decisão condenatória pertinente ao conjunto fático-contínuo, há de se dar ultra--atividade às sanções já executadas, procedendo-se a novo e virtual acréscimo do art. 71 do CP. Aplicação do princípio da proporcionalidade

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ou da proibição de excesso.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 07 de maio de 2008.Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Cuida-se de agra-vo, com pedido de provimento liminar, interposto por W.V.N. contra a r. decisão exarada nos autos da Execução Penal nº 2007.71.04.003082-8/RS que indeferiu sua pretensão de unificação da pena imposta na Ação Penal nº 2000.04.01.089097-0/RS com outras reprimendas por ele já cumpridas, sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido.

Entendeu o Juízo a quo que, na espécie, não haveria falar em unifi-cação das sanções, pois “as penas impostas nos autos nº 96.1202452-9 e nº 97.1201419-3 foram extintas ainda em 18.01.2006”, ao passo que o requerimento formulado dependeria da existência de procedimento executório ainda em trâmite.

Sustenta o agravante, em síntese, a existência de continuidade delitiva entre os aludidos apenamentos (fls. 23-46).

Foram apresentadas contra-razões às fls. 175-180.O julgador de primeiro grau, em juízo de retratação, manteve, por

seus próprios fundamentos, o decisum hostilizado (fl. 182).A douta representante da Procuradoria Regional da República mani-

festou-se pelo desprovimento do recurso (fl. 190-192).Às fls. 194-196, o agravante reiterou o pleito de urgência, que restou

indeferido (fls. 198-199).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Sempre me preo-

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cupei com a condenação do réu, entendendo que ela deve ser na medida certa de sua culpabilidade e imposta de forma necessária e suficiente à reprovação da infração penal perpetrada, servindo como exemplo negati-vo para a comunidade e, dessa forma, contribuindo com o fortalecimento da consciência jurídica à medida que procura satisfazer o sentimento de justiça do mundo circundante. Eis o mais relevante papel da atividade jurisdicional: dar ao caso concreto o justo julgamento. A jurisprudência não pode, nem deve, apresentar papel meramente inerte e amorfo de aplicação automática da lei, de operação mecânica de submissão do fato à norma. Realmente,

“o juiz criminal, ao individualizar as penas na sentença, deve fazê-lo (...) imbuído, sempre, desse sentido de humanidade. Sem ele as penas voltarão a ser o ‘mal’ contra o crime, como propunham os clássicos, desprovidas de finalidades construtivas ou integradoras”. (BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 39)

A finalidade última da reprimenda criminal não é a de eternizar, e muito menos infernizar, a situação do apenado. Para reintegrá-lo ao meio social, torna-se fundamental dinamizar o tratamento prisional, estimulando-o e preparando-o para o retorno, o que não se dá mediante a imposição de penas mais severas. O rigor punitivo não pode, de for-ma alguma, traduzir um conceito de lógica científica, mas sim um puro critério de política criminal, evitando-se uma inadequada cumulação de penas contra o agente. A partir dessa perspectiva é que, penso, se deve dar aplicação concreta aos princípios informadores do Direito Penal, para o qual a Constituição não serve apenas de fundamento, mas também de limite. E, entre tantos princípios fundamentadores ou limitadores, existe um de transcendental importância: o da proporcionalidade (ou da razoabilidade, ou, ainda, como denominado pelos alemães, da proi-bição de excesso), que exige a infligência de uma pena proporcional ao delito. Tem ele, sobretudo, a finalidade de evitar limitações excessivas aos direitos individuais, criminalização baseada em lesões bagatelares ou de condutas sem a existência de lesão aos bens jurídicos, penas que desrespeitam a integridade física e moral et cetera.

O princípio da razoabilidade configura uma especial garantia aos ci-dadãos, prescrevendo um contrabalanceamento entre a tutela penal e as restrições à liberdade individual. Apesar de não previsto expressamente

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na Carta Magna, dela deriva do artigo 1º, III, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, e também do objetivo da República de buscar a construção de uma sociedade justa (artigo 2º, I). É mediante a sua aplicação que se obtém êxito na tarefa de ajustarem-se as funções re-tributiva e preventiva da resposta penal. Efetivamente, é com fundamento nesse princípio que se obterá o equilíbrio das medidas que invadem a liberdade individual, ou seja, uma intervenção ponderada, um balancea-mento entre o desvalor da ação praticada e a sanção infligida ao agente.

A questão que se põe, no entanto, é que, como é por todos sabido, há uma tendência legiferante generalizada na busca de uma eficácia sempre maior do Direito Penal, o que, invariavelmente, culmina no aumento das sanções cominadas às diversas modalidades infracionais. A propósito, conforme muito bem observado por Mariângela Gama de Magalhães Gomes,

“o problema não se coloca (...) quando se verifica uma influência social na determi-nação legislativa, mas no momento em que os anseios da sociedade por um direito penal mais eficaz, com reprimendas mais duras, passam a influenciar de maneira exacerbada a produção legislativa penal.” (O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 200)

Diante desses casos é evidente a necessidade da atuação jurisdicional, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, restringindo-se a dureza das leis penais.

Não se apresenta legítima a aplicação do Direito Penal quando houver manifesto desequilíbrio entre a reprimenda a ser aplicada e a agressão que sofreu o bem jurídico. “Se a imposição da pena não é um sucesso metafísico”, observa Paulo de Souza Queiroz, “mas uma amarga necessidade de uma sociedade de seres imperfeitos, segue-se que essa intervenção somente se justifica se resulta absolutamente ne-cessária, é dizer, à medida que não se possa dela realmente prescindir.” (Do caráter subsidiário do direito penal: liames para um direito penal mínimo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 101)

Em suma: o princípio da proibição de excesso é elemento imprescin-dível à própria concepção de justiça, no sentido de que a reação (pena), para ser legítima, há de ser proporcional à ação ofensiva. “A justiça de uma pena é cabalmente, acredito, sua qualidade de ser proporcional, e não outra coisa: proporcional em abstrato e concretamente.” (MONTEIRO,

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Dourado apud CORREA, Teresa Agudo. El Principio de Proporciona-lidad en Derecho Penal. Madri: Edersa, 1999. p. 282)

A proporcionalidade está dirigida, primeiramente, ao legislador, exigindo-lhe, abstratamente, uma eqüidade entre a gravidade do injusto e a da pena cominada. Em seguida, destina-se ao aplicador do direito, a quem incumbirá a tarefa de, concretamente, estabelecer uma sanção razoável à severidade do ilícito. Nesta segunda etapa, cuida-se de dogma dirigido ao juiz e ao intérprete, para estimulá-los a verificar casuistica-mente o grau e a relevância da lesividade ao bem jurídico protegido, bem como a aptidão da sanção cominada para realizar as tarefas preventiva e repressiva.

O apenamento deve ser tido como um meio razoável para um fim legítimo, de forma que não se fixem penas demasiadamente baixas ou altas no oferecimento da resposta estatal ao fato incriminado. Essa idéia de proporcionalidade da pena já era, inclusive, ideada por Cesare Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas, de forma que um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas sim a sua infalibilidade, ou seja, a certeza de um castigo, ainda que moderado.

A conclusão, portanto, é a de que a dosagem do instrumento sanciona-tório do Estado assume relevância no balanceamento da tutela jurídica, conferindo legitimidade às intervenções penais estatais.

“Note-se que aos julgadores é possível restringir a dureza das leis penais, interpre-tando-as em conformidade com a ordem constitucional. Decorre tal possibilidade do princípio da unidade da ordem jurídica, sendo a constituição o contexto superior. Daí que a interpretação conforme a constituição figura uma subdivisão da interpretação sistemática. É um problema de conservação da ordem jurídica. Nesse sentido o princípio da proporcionalidade penetra nas normas das leis penais, seja na tipificação dos atos ilícitos, seja em seus sancionamentos, inevitavelmente pela superioridade hierárquica da constituição.” (LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Direito Penal Estado e Consti-tuição. Princípios constitucionais politicamente conformadores do Direito Penal. São Paulo: IBCCrim, 1997. p. 68)

Pois bem. Na espécie, a decisão hostilizada encontra-se assentada nas seguintes letras (grifos no original):

“(...) Primeiramente, constato que nos três feitos em questão – nº 96.1202452-9, nº 97.1201419-3 e nº 2002.71.04.016975-4 – o réu foi condenado por ter deixado de reco-lher à previdência social, no prazo e na forma legal, as contribuições sociais arrecadadas

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e descontadas de seus empregados por ocasião do pagamento de suas remunerações.Contudo, embora as condutas guardem pluralidade em crimes de mesma espécie,

bem como conservem os fatos sucessividade (março de 1995 a setembro de 1995, outubro de 1995 a janeiro de 1997 e fevereiro de 1997 a abril de 2000), assiste razão ao Parquet Federal, pois no caso em tela não há que se falar em continuidade delitiva entre os fatos abarcados pelas três ações penais, conforme argüido pela defesa, uma vez que tal benefício não atinge quem faz do crime a sua atividade comercial, já que a este incide a hipótese de habitualidade ou reiteração delitiva. (...)

Ademais, mesmo que estivéssemos diante da possibilidade de se proceder à unifi-cação, o que, repito, não se verifica no caso em comento, anoto que as penas impostas nos autos nº 96.1202452-9 e nº 97.1201419-3 foram extintas ainda em 18.01.2006, tendo ocorrido o trânsito em julgado para acusação em 27.01.2006 e para defesa em 06.02.2006. Portanto, foram aquelas penas extintas pelo cumprimento muito antes de ocorrer o trânsito em julgado da condenação imposta nos autos nº 2002.71.04.016975-4, o que somente deu-se em 28.03.2007, ou seja, mais de 01 (um) ano após a extinção das primeiras condenações.

Logo, estamos frente à absoluta impossibilidade jurídica do pedido formulado pela defesa, pois seria um verdadeiro contra-senso proceder, via unificação, alteração de sentença, com conseqüente fixação de nova pena definitiva, visto que a pena que se requer, o reconhecimento de continuidade delituosa, já está extinta pelo seu integral cumprimento. Não é outro o entendimento jurisprudencial. Vejamos:

‘AGRAVO EM EXECUÇÃO. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Considerando que houve decretação de extinção da punibi-lidade da pena em relação à primeira condenação pelo cumprimento da mesma, antes do trânsito em julgado da segunda condenação, o recurso não merece ser conhecido em face da impossibilidade jurídica do pedido.’ (Agravo Nº 70014089080, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 03.05.2006) (grifei)

Por fim, o artigo 337 do Provimento nº 2, de 01 de junho de 2005, da Corregedoria Geral da Justiça Federal da 4ª Região, dispõe que a competência para decidir inci-dente de soma ou unificação de penas será do Juízo da Execução que primeiro tiver despachado em procedimento executório em trâmite pela Justiça Federal, instaurado contra o condenado.

Em outras palavras, o próprio artigo não dá margem a outra interpretação, pois é ele categórico ao estabelecer que somente serão analisados os incidentes de soma ou unificação das várias sanções impostas a um mesmo executado quando houver pro-cesso em trâmite contra ele. Por conseguinte, as penas aplicadas em processos cujas condenações já estão extintas pelo cumprimento não poderão ser objetos de unificação com pena recentemente transitada em julgado.

Ante o exposto, face à impossibilidade jurídica do pedido, indefiro a unificação requerida pela defesa, devendo o presente feito prosseguir nos termos já determina-

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dos. (...)”

Não há, de fato, pena pendente de cumprimento para ser unificada com aquela imposta a W.V.N. na Ação Penal nº 2002.71.04.016975-4/RS. To-davia, a análise dos autos convence-me de que haveria clara desproporção em impor o cumprimento total da nova pena, havendo necessidade de se ajustar o comando frio da lei à realidade do caso específico. A norma é elaborada para o geral, o abstrato, para pessoas indeterminadas; ao ser aplicada, deve ser adaptada à hipótese concreta. A pena concretizada não pode se tornar cruel, devendo haver uma proporcionalidade, torno a insistir, entre a gravidade da conduta e a drasticidade da resposta do Estado. É necessário um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem lesionado (gravidade do fato) e o bem de que alguém pode ser privado (gravidade da pena).

Remonta aos idos tempos do Estado Absolutista a época em que o arbítrio judicial predominava, não existindo limites impostos às sanções penais. Com o aparecimento do Estado Liberal, surgiram as teorias da retribuição (modo como o Estado aplica sanções compatíveis com a conduta criminosa) e da prevenção (a pena tida como instrumento de in-

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2001.71.01.000609-3/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper

Apelante: Irone TeixeiraAdvogado: Dr. Valdir de Carvalho Barroco

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 2ª VF e JEF Criminal de Rio Grande

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Requisitos não implementados. Tempo de serviço. Trabalhador avulso. Não comprovação. Outorga de aposentadoria por idade urbana. Pos-sibilidade de concessão de benefício diverso do postulado. Implemento da idade mínima após o ajuizamento da demanda. Fato superveniente. Salário-de-benefício.

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1. É devida a aposentadoria por tempo de contribuição/serviço se comprovada a carência e o tempo de serviço exigidos pela legislação previdenciária.

2. O tempo de serviço urbano pode ser comprovado mediante a pro-dução de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea – quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas –, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91.

3. Considerando a ausência de comprovação, através das provas oral e material, de quantos dias teria a autora laborado em cada período ale-gado junto às empresas Furtado S/A, Fábricas de Pescados F. R. Amaral S/A Ind. e Com., Cunha Amaral S/A Ind. e Com. e Eduardo Ballester & Filhos Ltda., não é possível reconhecer o labor urbano pleiteado. Se ao trabalhador avulso é possibilitada a prestação de serviços para mais de uma empresa sem qualquer vínculo empregatício, não é possível presumir tenha a autora trabalhado de forma ininterrupta nos períodos pleiteados.

4. A Lei nº 9.711, de 20.11.1998, e o Regulamento Geral da Previdên-cia Social aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, até 28.05.1998, observada, para fins de enquadra-mento, a legislação vigente à época da prestação do serviço.

5. Até 28.04.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29.04.1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05.03.1997, e, a partir de então e até 28.05.1998, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

6. Embora comprovado o exercício de atividades em condições es-peciais no período de 13.06.1955 a 18.03.1957, a parte autora não im-plementa o tempo de serviço mínimo para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

7. Dada a relevância da questão social que envolve a matéria e considerando, ainda, o caráter instrumental do processo, com vistas à realização do direito material, deve-se compreender o pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefício previdenciário ou assis-

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tencial a que tem direito a parte autora, independentemente de indicação da espécie de benefício ou de especificação equivocada deste.

8. Considerando que o pedido, nas causas previdenciárias, é o de ob-tenção do benefício a que tem direito o autor da ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta ao princípio da congruência entre pedido e sentença, insculpido nos artigos 128 e 460 do CPC.

9. Não preenchidos os requisitos legais para a concessão de apo-sentadoria por tempo de serviço/contribuição, mas implementados os requisitos legais para a outorga da aposentadoria por idade urbana, deve esta ser concedida.

10. O implemento da idade mínima após a propositura da ação, como fato superveniente que é (art. 462 do CPC), autoriza a concessão da aposentadoria por idade (art. 48, caput, da Lei nº 8.213/91).

11. Para fins de apuração do salário-de-benefício da aposentadoria por idade urbana disposta no caput do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, não se leva em conta o tempo de serviço do segurado – de modo que não é possível a soma da atividade urbana com a especial, tal como na aposentadoria por tempo de serviço/contribuição –, mas as contribuições por ele recolhidas à Previdência Social, a teor do art. 50 da Lei nº 8.213/91, de modo que o acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum não poderá ser somado para este fim.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e no-tas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de setembro de 2008.Des. Federal Celso Kipper, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Irone Teixeira, nascida em 21.09.1941, ajuizou ação previdenciária contra o INSS, pretendendo a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, com efeitos retroativos

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à data do requerimento administrativo (15.08.2000), mediante o cômputo dos períodos de labor urbano junto à Furtado S/A (cujo tempo não teria sido integralmente computado), à Fábrica de Pescados F. R. Amaral S/A Ind. e Com. (trabalho de avulsa por 41 meses), à Eduardo Ballester & Filhos Ltda. (trabalho de avulsa por 6 meses) e à Cunha Amaral S/A Ind. e Com. (trabalho de avulsa por 24 meses), bem como a conversão, para tempo de serviço comum, do período de labor especial junto à Compa-nhia União Fabril (entre junho de 1955 e 18.03.1957). Requereu, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela.

O requerimento antecipatório foi indeferido.Em contestação, a Autarquia requereu, preliminarmente, a extinção

do processo sem julgamento de mérito, em virtude de não ter a autora atendido às determinações processuais sobre o ônus da prova. No mérito, alegou a inexistência de prova do trabalho da demandante nos períodos referidos na inicial. Relatou ter sido constatado, em diligência adminis-trativa, que a empresa Eduardo Ballester Ind. de Pesca havia fechado e que só haviam sido encontrados documentos a partir da competência 07/75, não sendo possível demonstrar o tempo de serviço da autora junto ao estabelecimento. No que tange às empresas Furtado S/A, Fá-brica de Pescados F. R. Amaral e Cunha Amaral S/A Ind. e Comércio, afirmou que os períodos devidamente comprovados por diligência fiscal haviam sido computados. Relativamente à Companhia União Fabril, aduziu que o intervalo aí trabalhado pela demandante foi devidamente reconhecido, não se tratando, contudo, de tempo de serviço especial, uma vez que ausentes elementos nocivos à saúde no ambiente de labor. Concluiu que a postulante não completou tempo de trabalho suficiente para a aposentação, argüindo, ainda, em caso de eventual condenação, a prescrição qüinqüenal.

O pedido de antecipação de tutela foi reiterado e novamente negado.Em alegações finais, a autora destacou que, além de ter direito à apo-

sentadoria por tempo de serviço, implementara, no curso da ação, a idade necessária para a concessão de inativação por idade. Voltou a postular a antecipação dos efeitos da tutela.

Na sentença (30.11.2001), o magistrado a quo afastou as prefaciais, bem como a alegação da autora acerca do fato superveniente (implemento da idade) que autorizaria a concessão de aposentadoria por idade, e jul-

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gou o feito parcialmente procedente para reconhecer a especialidade do trabalho junto à Companhia União Fabril, determinando sua conversão para tempo comum, e para reconhecer o labor urbano da requerente no mês de novembro de 1975 na Fábrica de Pescados F. R. Amaral S/A, nos interstícios de 01.08.1967 a 31.12.1967 e de 01.02.1968 a 31.02.1968, na empresa Eduardo Ballester & Filhos Ltda., e de 01.04.1968 a 30.04.1968, de 01.06.1968 a 30.06.1968, de 01.01.1969 a 31.03.1969, de 01.11.1969 a 30.11.1969, de 01.03.1971 a 31.12.1971, de 01.03.1972 a 31.07.1972, de 01.10.1972 a 30.11.1972 e de 01.04.1976 a 30.04.1976, na empresa Cunha Amaral S/A Ind. e Comércio, deixando de conceder o benefício por falta de tempo de serviço para tanto, uma vez que apurou apenas 23 anos, 02 meses e 26 dias de tempo de serviço. Deixou, ainda, de reconhecer o alegado labor urbano da autora junto à Furtado S/A, por inexistência de início de prova. Determinou, diante da sucumbência recíproca, que cada uma das partes suportasse o pagamento de R$ 300,00 a título de honorários advocatícios, suspendendo a exigibilidade em relação à au-tora, em virtude da Assistência Judiciária Gratuita, sendo o INSS isento de custas por litigar na Justiça Federal.

Ambas as partes apelaram.A demandante alegou que o magistrado a quo somou os intervalos

reconhecidos na sentença ao lapso constante no demonstrativo errado de tempo de serviço, tendo em vista que deveria ter sido utilizado o da fl. 95, que registra 21 anos e 8 meses de labor, e não o da fl. 81, que totaliza 20 anos e 4 meses. Destacou que, em 1997, quando obteve contagem de tempo de serviço junto ao INSS, os períodos laborados junto à Furtado S/A e à F. R. Amaral foram admitidos, havendo prova inclusive das con-tribuições. Ressalvou que as contribuições aportadas por Furtado S/A e F. R. Amaral foram feitas, equivocadamente, em nome de Irone Ferreira Teixeira (já que sua mãe chamava-se Venância Ferreira Teixeira), mas se trata da própria autora. Refutou o fundamento sentencial de que a declaração fornecida por Furtado S/A não teria sido submetida ao contraditório, alegando que dito documento foi apresentado juntamente com a inicial e não foi impugnado pelo Órgão Ancilar. Requereu, assim, o reconhecimento do tempo de serviço não computado na sentença e a conseqüente outorga da aposentadoria por tempo de serviço.

Por sua vez, a Autarquia Previdenciária sustentou a não-comprovação

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da especialidade do labor junto à Companhia União Fabril. Referiu a necessidade de apresentação de início de prova material para compro-vação de tempo de serviço urbano. Afirmou que os períodos de trabalho comprovados por diligência fiscal foram computados, não tendo restado demonstrado, entretanto, o exercício de atividade laboral em todos os interregnos alegados na peça exordial.

Apresentadas as contra-razões pelo INSS, e por força do reexame necessário, vieram os autos a esta Corte.

Em sessão de julgamento realizada em 26.09.2006, esta Quinta Turma, à unanimidade, solveu questão de ordem para determinar a conversão do feito em diligência, a fim de que, remetidos os autos à origem, fosse colhida prova oral acerca do trabalho da autora prestado junto às empresas Fábrica de Pescados F. R. Amaral S/A Indústria e Comércio, Eduardo Ballester & Filhos Ltda., Cunha Amaral S/A Indústria e Comércio e Furtado S/A (nesta última, apenas para os períodos de fevereiro a maio e de julho a novembro de 1990 e de março a julho de 1991).

Baixado o feito à primeira instância, foi noticiado o falecimento da demandante, deferida a habilitação da única herdeira e retificada a au-tuação (fls. 169-174 e 179).

Cumprida a diligência anteriormente determinada, retornaram os autos a este Tribunal para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Embora tenha a sentença reconhecido o labor da demandante na empresa Eduardo Ballester & Filhos Ltda. de 01.02.1968 a 31.02.1968, tendo o mês de fevereiro apenas 28 dias, deve o reconhecimento da atividade ficar limitado a 28.02.1968.

De outro lado, não há erro na sentença quanto ao resumo de documen-tos utilizado para o cálculo do tempo de serviço. O julgador de primeira instância somou o tempo de atividade reconhecida ao tempo incontrover-so de 20 anos, 04 meses e 19 dias, conforme Resumo de Documentos das fls. 75-81, que demonstra o tempo até a data da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, perfazendo a autora, no total, apenas 23 anos, 02 meses e 26 dias. Mesmo que fosse utilizada a planilha de cálculo em que o INSS reconhece, até a DER, 21 anos, 08 meses e 03 dias de tempo de serviço,

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ainda assim a parte autora não implementaria o tempo mínimo para a outorga do benefício e os demais requisitos exigidos pela Emenda em questão para a concessão pretendida.

A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do tempo de labor ur-bano junto à Furtado S/A, o qual não teria sido integralmente computado, à Fábrica de Pescados F. R. Amaral S/A Ind. e Com., onde teria a autora laborado por 41 meses, à Eduardo Ballester & Filhos Ltda., de 01.08.1967 a 31.12.1967 e de 01.02.1968 a 28.02.1968, e à Cunha Amaral S/A Ind. e Com., de 01.04.1968 a 30.04.1968, de 01.06.1968 a 30.06.1968, de 01.01.1969 a 31.03.1969, de 01.11.1969 a 30.11.1969, de 01.03.1971 a 31.12.1971, de 01.03.1972 a 31.07.1972, de 01.10.1972 a 30.11.1972 e de 01.04.1976 a 30.04.1976, todos na condição de trabalhadora avulsa, bem como à conversão, de especial para comum, do período de 13.06.1955 a 18.03.1957, exercido junto à Companhia União Fabril.

Do tempo de serviço urbano como trabalhadora avulsa

O trabalhador avulso é aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural a diversas empresas, sem vínculo empregatício com qualquer delas, com intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25.02.93, ou do sindicato da categoria (Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, in Manual de Direito Previdenciário, 8. ed. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007).

O tempo de serviço urbano na condição de trabalhador avulso pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea – quando neces-sária ao preenchimento de eventuais lacunas – não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91. Não se exige prova plena do labor em todo o período requerido pelo segurado, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.

A parte autora não declinou nos autos os períodos que pretendia ver reconhecidos na condição de trabalhadora avulsa, referindo apenas a quantidade de meses que teria laborado em cada empresa.

Em relação à Furtado S/A Comércio e Indústria, a requerente afir-

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mou, na inicial, que não teria sido computado todo o tempo de serviço trabalhado, sem delimitar qual seria este.

Para a comprovação do tempo de serviço postulado, a parte au-tora juntou aos autos declaração da empresa Furtado S/A, datada de 04.03.1997, de que a requerente teria trabalhado nos meses de fevereiro de 1962; janeiro, fevereiro, abril, maio, novembro e dezembro de 1963; janeiro, fevereiro, abril, maio, junho a agosto, novembro e dezembro de 1964; janeiro a setembro e dezembro de 1965; abril, julho e agosto de 1968; fevereiro a maio e julho a novembro de 1990; e março a julho de 1991, na função de tarefeira (fl. 60).

Em pesquisa realizada no local, a Autarquia Previdenciária concluiu que, conforme RAIS com características da época e sem rasuras, era possível confirmar os períodos correspondentes à declaração referentes aos anos: 1991 - RAIS - 030/0083 - 04 a 07, março não consta; 1990 - RAIS - 036/0096 - 02 a 05; 07 a 11. Os demais períodos não foram encontrados.

O MM. juiz a quo entendeu não haver início de prova material hábil ao reconhecimento pretendido, tendo a autora, no apelo, afirmado que o fundamento sentencial de que a declaração fornecida pela empresa em-pregadora não teria sido submetida ao contraditório não merece prosperar, na medida em que referido documento foi apresentado juntamente com a inicial e não foi impugnado pela Autarquia, razão pela qual é devido o cômputo do tempo de serviço pleiteado.

A declaração da empresa empregadora não constitui início de prova material, uma vez que é extemporânea, independentemente de ter o INSS impugnado-a ou não. No entanto, o resultado da pesquisa, fundado em documentos outros que não constam dos autos – RAIS com caracterís-ticas da época –, seriam hábeis à comprovação pretendida nos períodos ali referidos.

Contudo, não há indicação de quantos dias teria a autora laborado em cada mês do período indicado, e a prova oral, a despeito de afirmar o labor da autora na mencionada empresa, não esclarece sequer a época em que este ocorreu, senão vejamos.

Marcelina Irigoite, ouvida na audiência realizada em 18.03.2008, não prestou o compromisso legal (fl. 194):

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“(...) A informante e sua irmã trabalharam juntas nas empresas Fábrica de Pescados F. R. Amaral S/A, Eduardo Ballester e Filhos Ltda., Cunha Amaral S/A e Furtado S/A. Eram tarefeiras, horistas. Trabalhou na Amaral quando tinha pouco mais de 20 anos, isso faz mais de 30 anos. A irmã trabalhou junto. Trabalharam lá muitos anos, com certeza mais de 10 anos, mas não lembra exatamente quando. O mesmo quanto à empresa Bal-lester, onde trabalharam muitos anos, também desde novas. Também por muitos anos trabalharam na Cunha Amaral e Furtado. Trabalharam nas empresas simultaneamente. (...) Não sabe se o sobrenome da irmã era só Teixeira, ou se era Ferreira Teixeira. (...)”

Antônia Honorina Fonseca Truquijo, ouvida na audiência realizada em 06.05.2008, prestou o compromisso legal (fl. 198):

“(...) A testemunha trabalhou com a Sra. Irone, por volta de 1970 ou 1971, na fábrica de pescados Ballester. A testemunha trabalhou nesta fábrica dos 9 aos 22 anos. A autora ia todos os dias nessa fábrica. A autora ajudava a realizar o congelamento do pescado. Quando não havia serviço numa fábrica, a testemunha relata que ela e a autora trabalhavam em outra fábrica, também de pescados, citando como exemplo a Furtado. Na Fábrica Furtado a autora também ajudava na atividade de congelamen-to dos peixes. Recorda que a autora trabalhou na Amaral, não sabe quanto tempo nem precisar datas. Acredita que a autora desempenhava a mesma atividade nesta fábrica. (...) Recorda que a autora era conhecida também por outro nome, mas não sabe precisar qual seja. A testemunha não recorda se a autora trabalhou na fábrica Cunha Amaral. (...)”

Assim, correto o reconhecimento administrativo, pelo INSS, de apenas um dia de cada mês confirmado na pesquisa (de fevereiro a maio e de julho a novembro de 1990, e de abril a julho de 1991), como se vê às fls. 75-95, tendo em vista que, não sendo possível apurar os dias efetivamente trabalhados pela autora, computou o mínimo, que é um dia.

De fato, como esclareceram as depoentes ouvidas, não havendo tra-balho em uma fábrica, elas se deslocavam para outra, haja vista que a característica inerente ao trabalhador avulso é justamente a possibilidade de prestação de serviços para mais de uma empresa sem qualquer vín-culo empregatício, de modo que não é possível presumir tenha a autora trabalhado de forma ininterrupta na empresa em questão.

Afirmou a autora que obteve, em 1997, contagem de tempo de serviço junto ao INSS, em que os períodos laborados junto à Furtado S/A e à F. R. Amaral foram admitidos, havendo prova, inclusive, das contribuições, as quais teriam sido aportadas por Furtado S/A erroneamente em nome de Irone Ferreira Teixeira, já que sua mãe chamava-se Venância Ferreira

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Teixeira, como consta inclusive da declaração de fl. 17.A contagem de tempo de serviço a que se refere a autora foi elaborada

em 28.08.1997 (fls. 10-16), sem vinculação a pedido de benefício, não podendo ser considerada como prova do labor nos períodos ali lançados, porquanto pode ser revista pelo Instituto – como efetivamente foi – a qualquer tempo.

Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (documentos em anexo que desde já determino a juntada), foi possível verificar a ausência de contribuições em nome de Irone Ferreira Teixei-ra, uma vez que consta “nome informado não localizado”. Em nome da demandante, no CNIS, também não constam recolhimentos que tenham eventualmente sido efetuados em nome de Furtado S/A.

Ademais, ao que tudo indica, o Resumo de Documentos das fls. 10-16 foi elaborado com os mesmos documentos apresentados ao INSS quando do requerimento de aposentadoria, não constituindo, pois, “prova” de que tenha havido contribuições pela empresa em comento.

De qualquer modo, ainda que houvesse contribuições, não restou comprovado o tempo efetivo de trabalho – o qual não pode ser presumido –, inviabilizando assim o reconhecimento pretendido.

Quanto à empresa Cunha Amaral S/A Ind. e Com., afirmou a deman-dante, na inicial, ter laborado por um período de vinte e quatro meses, tendo o julgador de primeira instância reconhecido na sentença os períodos de 01.04.1968 a 30.04.1968, de 01.06.1968 a 30.06.1968, de 01.01.1969 a 31.03.1969, de 01.11.1969 a 30.11.1969, de 01.03.1971 a 31.12.1971, de 01.03.1972 a 31.07.1972, de 01.10.1972 a 30.11.1972 e de 01.04.1976 a 30.04.1976.

Como início de prova material, vieram aos autos dois atestados de afastamento e salários, datados de 1989, onde consta que a autora teria prestado serviços nos meses de abril e junho de 1968, janeiro a março de 1969, novembro de 1969, de março de 1971 a dezembro de 1971, de março a julho de 1972, outubro e novembro de 1972, abril e maio de 1976 (fls. 65-66).

O INSS emitiu solicitação de pesquisa para confirmar a prestação laboral na mencionada empresa, onde constou que, examinando as fichas financeiras de trabalhadores avulsos junto à empresa Pescal S/A, confir-mamos todos os períodos. Porém, só consta o nº de dias nos meses 04 e

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06/68, os demais não. Diante disso, o Instituto Previdenciário reconheceu os interregnos de 01.04.1968 a 31.05.1968, de 01.06.1968 a 03.06.1968 e apenas um dia de cada mês em relação aos períodos restantes (fls. 75-95).

Correto o tempo de serviço apurado pela Autarquia. Ainda que se possa entender que os documentos apresentados constituem início de prova material para o labor nos períodos reconhecidos na sentença, não há prova oral hábil a confirmar o labor da autora nos períodos controver-sos, uma vez que a única testemunha ouvida não se recordava se houve trabalho nesta empresa ou não, sendo certo que apenas uma informante não é suficiente para o reconhecimento pretendido, a qual, de qualquer modo, não esclarece os períodos laborados na empresa referida.

Ademais, pelo início de prova material apresentado, é possível ve-rificar que o valor pago em cada mês de trabalho é diferente – como exemplo, vê-se que, no mês de junho de 1968, o valor pago foi de 5,32 (não consta o índice monetário), enquanto no mês de fevereiro de 1969 foi de 38,40 e no mês de abril de 1971 o valor correspondeu a 121,95 –, demonstrando que o número de dias trabalhados variava, não sendo possível presumir que tenha a demandante trabalhado na empresa em todos os intervalos reconhecidos no julgado de primeira instância de forma ininterrupta.

Assim, merece provimento a remessa oficial no ponto para afastar o reconhecimento do tempo de serviço nos períodos em questão, sem prejuízo daqueles já computados administrativamente.

Na empresa Eduardo Ballester & Filhos Ltda., afirmou a demandante ter laborado por um período de seis meses, tendo o magistrado a quo reconhecido os interstícios de 01.08.1967 a 31.12.1967 e de 01.02.1968 a 28.02.1968.

Como início de prova material, foram trazidos aos autos dois atestados de afastamento e salários, sendo o primeiro datado de 1969, em que a empresa atesta que a autora prestou serviços nos meses de agosto a de-zembro de 1967 e fevereiro de 1968, e o segundo datado de 1989, onde consta que a autora prestou serviços nos meses de fevereiro de 1962, abril de 1963, e fevereiro e março de 1968 (fls. 71-72).

O INSS emitiu solicitação de pesquisa para confirmar a prestação laboral em comento, cuja conclusão foi no sentido de que a empresa referida já encerrou as suas atividades. Em consultas à lista telefônica,

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ao sistema informatizado do INSS e ao Centro das Indústrias de Rio Grande, somente foi possível localizar documentos da empresa a partir da competência 07/75. Desta forma não foi possível fazer a verificação solicitada na RD, deixando assim de computar qualquer tempo de serviço em favor da demandante.

A despeito de a testemunha e a informante ouvidas confirmarem o labor da demandante na empresa em questão (embora tenha a depoente Antônia Honorina referido que trabalhou nessa fábrica por volta de 1970 ou 1971, esclareceu que isto ocorreu dos 9 aos 22 anos de idade, e, considerando que a testemunha nasceu em 1955, resta comprovado que, no período controvertido, estava efetivamente laborando na Ballester), não restou esclarecida a quantidade de dias por mês em que o trabalho ocorria, não sendo possível presumir, pelo teor dos depoimentos e pela própria condição inerente ao trabalhador avulso, que este tenha se efe-tivado todos os dias no período controvertido.

De fato, assim como na empresa Cunha Amaral S/A Ind. e Com., pelo início de prova material apresentado, é possível verificar que o valor pago à autora em cada mês de trabalho é diferente – como exemplo, vê-se que, no mês de agosto de 1967, o valor pago foi de 1,34 (não consta o índice monetário), enquanto que no mês de outubro de 1967 foi de 25,33 e no mês de fevereiro de 1968 o valor correspondeu a 8,48 – demonstrando que o número de dias trabalhados variava.

Assim, merece provimento a remessa oficial no ponto para afastar o reconhecimento do tempo de serviço nos períodos em questão.

Já quanto à empresa Fábrica de Pescados F. R. Amaral S/A Ind. Com., pretende a parte autora o reconhecimento de 41 meses de tempo de ser-viço – sem delimitar o período –, tendo o julgador a quo determinado a averbação apenas do mês de novembro de 1975.

Como início de prova material, foram trazidos aos autos dois atestados de afastamento e salários, ambos datados de 1989, em que a empresa atesta que a autora prestou serviços nos meses de janeiro, fevereiro e junho a novembro de 1970, fevereiro a maio de 1971, maio, novembro e dezembro de 1972, janeiro a maio e novembro e dezembro de 1973, maio, junho e agosto a dezembro de 1974, janeiro a abril e novembro de 1975, março a outubro de 1976 e julho de 1977 (fls. 62-63).

O INSS emitiu solicitação de pesquisa para confirmar a prestação

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laboral da autora, concluindo que, conforme RTA em poder da CIRG, com características da época e sem rasuras, confirmo tão-somente o mês de novembro de 1975, pois o período em posse nesta Instituição é de 08/75 a 1982.

Nesse contexto, foi computado pelo INSS um dia de trabalho no mês de novembro de 1975 (fls. 75-95).

Conquanto os documentos apresentados constituam início de prova material para o labor nos períodos ali lançados, a testemunha e a depoente ouvidas não são hábeis a confirmar o labor na mencionada empresa, visto que referiram de forma vaga que a autora teria lá trabalhado, sendo certo que, assim como em relação às demais empresas, não restou esclarecida a quantidade de dias por mês em que o trabalho ocorria, não sendo pos-sível presumir que este tenha se efetivado todos os dias nos intervalos controvertidos.

Ademais, também nesta empresa, pelo início de prova material apre-sentado, é possível verificar que o valor pago à autora em cada mês de trabalho é diferente, como se vê pelo mês de janeiro de 1970, em que o valor pago foi de 24,27 (não consta o índice monetário), enquanto que no mês de julho de 1970 foi de 183,31 e no mês de fevereiro de 1971 o valor correspondeu a 5,27 – demonstrando que o número de dias traba-lhados variava.

Alega a demandante que a empresa F. R. Amaral S/A teria efetuado recolhimentos em nome de Irone Ferreira Teixeira, tal como consta no atestado de afastamento e salários da fl. 62, mas se trata, na verdade, da própria autora.

No entanto, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (documentos em anexo que desde já determino a juntada), foi possível verificar a ausência de contribuições em nome de Irone Ferreira Teixeira, uma vez que consta “nome informado não localizado”. Em nome da demandante, no CNIS, também não constam recolhimentos que tenham eventualmente sido efetuados em nome da mencionada fábrica de pescados.

Por outro lado, consoante já referido, ao que tudo indica, o Resumo de Documentos das fls. 10-16 foi elaborado com os mesmos documen-tos apresentados ao INSS quando do requerimento de aposentadoria, não constituindo, pois, “prova” de que tenha havido contribuições pela

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empresa em questão.De qualquer modo, ainda que houvesse contribuições, não restou

comprovado o tempo efetivo de trabalho – o qual não pode ser presumido –, inviabilizando assim o reconhecimento pretendido.

Diante disso, merece provimento a remessa oficial no ponto para afas-tar o reconhecimento do tempo de serviço em todo o mês de novembro de 1975, estando correto o cômputo, na via administrativa, de apenas um dia de trabalho no mês referido (fls. 75-95).

Passo à análise do tempo de serviço especial.Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial,

é de ressaltar-se que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroa-tivamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGREsp n. 493.458/RS, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJU de 23.06.2003, p. 429, e REsp n. 491.338/RS, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 23.06.2003, p. 457), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto nº 4.827/2003, que alterou a redação do art. 70, § 1º, do Decreto nº 3.048/99.

Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmen-te definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:

a) no período de trabalho até 28.04.1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, poste-riormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável

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como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente;

b) a partir de 29.04.1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional – à exceção daquelas a que se refere a Lei nº 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13.10.1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, que revogou expressamente a Lei em questão – de modo que, no interregno compreendido entre 29.04.1995 (ou 16.10.1996) e 05.03.1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposi-ção, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário--padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;

c) no lapso compreendido entre 06.03.1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), e 28.05.1998, data imediatamente an-terior à vigência da Medida Provisória nº 1.663/98 (convertida na Lei nº 9.711/98), que vedou a conversão do tempo especial em comum, passou--se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

d) após 28.05.1998 não é mais possível a conversão de tempo especial para comum (art. 28 da MP n. 1.663/98, convertida na Lei nº 9.711/98).

Essas conclusões são suportadas por remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 461.800/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 25.02.2004, p. 225; Resp 513.832/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 04.08.2003, p. 419; REsp 397.207/RN, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 01.03.2004 p. 189).

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Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/79 (Anexo II) até 28.04.1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Qua-dro Anexo - 1ª parte) e 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.1997 e o Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) no interregno compreendido entre 06.03.1997 e 28.05.1998. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGREsp nº 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30.06.2003, p. 320).

Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25.03.1964, o Quadro I do Decreto nº 72.771, de 06.09.1973, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24.01.1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, in verbis:

Quanto ao período anterior a 05.03.1997, já foi pacificado, em sede da Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19.02.2003, p. 485) e também do INSS na esfera administrativa (Instrução Normativa nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis concomitante-mente, para fins de enquadramento, os Decretos nos 53.831/64, 72.771/73

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e 83.080/79 até 05.03.1997, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto nº 53.831/64.

No que tange ao período posterior, caso aplicados literalmente os De-cretos vigentes, ter-se-ia a exigência de ruídos superiores a 90 decibéis até 18.11.2003 (Anexo IV dos Decretos nos 2.172/97 e 3.048/99, este na redação original) e, somente então, de ruídos superiores a 85 decibéis, conforme a alteração trazida pelo Decreto nº 4.882/2003 ao Decreto nº 3.048/99, que unificou a legislação trabalhista e previdenciária no tocante.

Todavia, considerando que esse novo critério de enquadramento da atividade especial veio a beneficiar os segurados expostos a ruídos no ambiente de trabalho, bem como tendo em vista o caráter social do direito previdenciário, é cabível a aplicação retroativa da disposição regulamen-tar mais benéfica, considerando-se especial a atividade quando sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis desde 06.03.1997, data da vigência do Decreto nº 2.172/97. O reconhecimento, por força do Decreto 4.882, de 18.11.2003, da prejudicialidade do agente nocivo ruído em nível superior a 85 dB(A) implica necessariamente considerar que, em época imediatamente anterior, a agressão ao organismo era, no mínimo, a mes-ma, justificando, assim, com base em critério científico, a aplicação do referido Decreto para o enquadramento, como especial, pela incidência do agente ruído, da atividade laboral desenvolvida desde 06.03.1997. O mesmo raciocínio não deve prevalecer para o período anterior a esta última data – em que considerada prejudicial a pressão sonora superior a 80 dB – pois é razoável supor, nesse caso, que o limite de pressão sonora tolerável pelo trabalhador era ainda menor dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade.

Em resumo, é admitida como especial a atividade em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 80 decibéis até 05.03.1997 e, a partir de então, acima de 85 decibéis, desde que aferidos esses níveis de pres-são sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.

Na hipótese vertente, o período controverso de atividade laboral exercido em condições especiais está assim detalhado:

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Assim, somando-se o período de atividade especial ora reconhecido, com a devida conversão, tem-se a seguinte contabilização:

* Acréscimo resultante da conversão do tempo de serviço especial em comum (fator de conversão 1,2)

Nesse contexto, acrescendo-se o intervalo de labor exercido em atividade especial, devidamente convertido, ao tempo de serviço da parte autora já reconhecido em sede administrativa até 15.12.1998 (fls. 75-81) – 20 anos, 04 meses e 19 dias –, soma a demandante apenas 20 anos, 08 meses e 26 dias de tempo de serviço, insuficiente à concessão do benefício. Mesmo se somarmos o acréscimo decorrente da conversão do período especial em comum ao tempo incontroverso até a DER, em 15.08.2000 – 21 anos, 08 meses e 03 dias (fls. 89-95) – a requerente, ainda assim, não alcança o tempo mínimo para a aposentadoria almejada.

No entanto, em matéria previdenciária, devem ser mitigadas algumas formalidades processuais, haja vista o caráter de direito social da previ-

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dência e assistência sociais (Constituição Federal, art. 6º), intimamente vinculado à concretização da cidadania e ao respeito à dignidade da pessoa humana, fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, inc. II e III), bem como à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, à erradicação da pobreza e da marginalização e à redução das desigualdades sociais, objetivos fundamentais daquele Estado (CF, art. 3º, inc. I e III), tudo a demandar uma proteção social eficaz aos segu-rados e seus dependentes e aos demais beneficiários, inclusive quando litigam em juízo.

A Autarquia Previdenciária, enquanto Estado sob a forma descen-tralizada, possui o dever constitucional de tornar efetivas as prestações previdenciárias e assistenciais a todos os legítimos beneficiários, que se traduz, tanto na esfera administrativa quanto judicial, na obrigação de conceder o benefício previdenciário ou assistencial a que tem direito o requerente ou demandante.

Ressalte-se que à Autarquia Previdenciária continua competindo, mes-mo em juízo, a efetividade dos direitos previdenciários e assistenciais. A condição de parte não lhe retira o dever de prestação positiva consistente na concessão do benefício a que tem direito o segurado, dependente ou beneficiário.

Dentro desse contexto – que se pode resumir pela relevância social que envolve a matéria –, e considerando, ainda, o caráter instrumental do processo, com vistas à realização do direito material, deve-se com-preender o pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefício previdenciário ou assistencial à que tem direito a parte autora, independentemente de indicação da espécie de benefício ou de especi-ficação equivocada deste.

À mesma conclusão chega-se a partir de uma interpretação extensiva do art. 105 da Lei de Benefícios – o que, aliás, deve ser feito, tendo em vista, mais uma vez, a relevância da questão social e a íntima ligação entre previdência e assistência sociais e a dignidade da pessoa humana –, no sentido de que não apenas a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, como também a formulação de pedido administrativo de qualquer espécie de prestação previdenciária não exime o INSS de examinar a possibilidade de concessão de benefício previdenciário diverso, ou mesmo de benefício

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assistencial, sempre que mais vantajoso para o beneficiário, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos neces-sários. Ora, se é assim no âmbito administrativo, não pode ser diferente na esfera judicial, eis que presentes os mesmos elementos asseguradores de uma atividade estatal direcionada à concretização de direitos sociais.

Considerando, pois, que o pedido, nas causas previdenciárias, é o de obtenção do benefício a que tem direito o autor da ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta ao princípio da congruência entre pedido e sentença, insculpido nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil. Nem poderia ser diferente, haja vista que o fator subjacente à eventual violação daquele princípio – o elemento surpresa, que redundaria em situação de injustificada desigualdade entre as partes – não se encontra presente, pois se a autarquia previdenciária possui, a priori (isto é, inclusive antes da demanda judicial), o dever de concessão da prestação previdenciária ou assistencial a que tem direito o segurado, dependente ou beneficiário, não se pode considerar surpre-endida por deferimento de benefício diferente do pleiteado.

Por tais razões, não é extra petita, v. g., a decisão (a) que concede apo-sentadoria por invalidez quando pleiteado auxílio-doença (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp n. 293659, DJ de 19.03.2001); (b) que defere auxílio-doença quando requerida aposentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, REsp nº 255776, DJ de 11.09.2000; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, REsp nº 169567, DJ de 02.05.2000; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 193220, DJ de 08.03.1999; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 105003, DJ de 22.02.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 177267, DJ de 21.09.1998; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago, REsp nº 124771, DJ de 27.04.1998); (c) que concede auxílio-acidente quando o pleito formulado era o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 267652, DJ de 28.04.2003; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp nº 385607, DJ de 19.12.2002; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, REsp nº 226958, DJ de 05.03.2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, EDcl no REsp nº 197794, DJ de 21.08.2000); (d) que defere aposentado-ria por invalidez quando pleiteado auxílio-acidente (STJ, Sexta Turma,

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Rel. Min. Paulo Galotti, REsp nº 541695, DJ de 01.03.2004; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 412676, DJ de 19.12.2002); (e) que concede renda mensal vitalícia quando formulado pedido de apo-sentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, EDcl no REsp nº 193218, DJ de 06.12.1999; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 180461, DJ de 06.12.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 202931, DJ de 24.05.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 193110, DJ de 01.03.1999); (f) que concede auxílio-doença quando requerida renda mensal vitalícia (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, REsp nº 177566, DJ de 20.09.1999); (g) que defere benefício assistencial em vez de renda mensal vitalícia (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Nilson Naves, AgRg no Ag nº 585216, DJ de 06.02.2006; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, AgRg no Ag nº 540835, DJ de 05.09.2005); (h) que concede aposentadoria por idade rural quando pleiteado benefício assistencial (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, AgRg no REsp nº 801193, DJ de 15.05.2006); (i) que concede aposentadoria por idade, com base em tempo de trabalho urbano, quando pleiteada aposentadoria por idade rural (TRF-4ª Região, Quinta Turma, de minha relatoria, AC nº 2004.04.01.046095-5, DJU de 05.04.2006; TRF-4ª Região, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pam-plona, AC nº 2002.04.01.052292-7, DJU de 28.09.2005; TRF-4ª Re-gião, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, AC nº 2004.70.00.015423-0, DJU de 28.06.2006; TRF-4ª Região, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, AC nº 2002.71.03.000202-4, DJU de 31.08.2005; TRF-4ª Região, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, AC nº 2002.70.01.000043-3, DJU de 23.03.2005; TRF-4ª Região, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Néfi Cor-deiro, AC nº 2001.70.04.000958-6, DJU de 25.06.2003); (j) que concede aposentadoria por idade quando requerida aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (TRF-4ª Região, Terceira Seção, em que fui Rela-tor para o acórdão, EAC nº 2000.04.01.107110-2, DJU de 02.08.2006; TRF-4ª Região, Segunda Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, AC nº 2002.70.05.003638-4, DJU de 14.06.2006; TRF-4ª Região, Segunda Turma Suplementar, Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada), AC nº 2001.04.01.080922-7,

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DJU de 05.04.2006; TRF-4ª Região, Segunda Turma Suplementar, Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada), AC nº 2000.70.07.001152-9, DJU de 29.03.2006).

Algumas das decisões acima citadas foram assim ementadas:“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA. NULIDADE. EX-

TRA PETITA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. Não há nulidade por julgamento extra petita na sentença que, constatando o pre-

enchimento dos requisitos legais para tanto, concede aposentadoria por invalidez ao segurado que havia requerido o pagamento de auxílio-doença. Precedentes.

Recurso não conhecido.” (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 293659, DJ de 19.03.2001)

“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. PEDIDO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALI-DEZ. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURIS-PRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE AS HIPÓTESES CONFRONTADAS.

1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu crivo.

2. Em face da relevância social da matéria, é lícito ao juiz, de ofício, adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à concessão de benefício previdenciário devido em razão de acidente de trabalho.

3. A divergência jurisprudencial não restou configurada ante a falta de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma trazido a confronto.

4. Recurso especial improvido.” (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp nº 541695/DF, DJ de 01.03.2004)

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUA-LIDADE DE SEGURADA. INCAPACIDADE DEFINITIVA. RENDA MENSAL VITALÍCIA. CONCESSÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.

Ainda que a pretensão deduzida em juízo vincule-se à concessão da aposentadoria por invalidez, é lícito ao Tribunal colegiado, em face da relevância da questão social que envolve o assunto, conceder o benefício da renda mensal vitalícia, sem a ocorrência de julgamento extra petita. Precedentes.

A renda mensal vitalícia é benefício assegurado, independentemente de contribuição, aos necessitados (inválidos e idosos) que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção.

Recurso não conhecido.” (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 180461/SP, DJ de 06.12.1999)

“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS. OUTORGA DE APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO

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DE BENEFÍCIO DIVERSO DO POSTULADO. 1. Dada a relevância da questão social que envolve a matéria e considerando, ainda,

o caráter instrumental do processo, com vistas à realização do direito material, deve--se compreender o pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefício previdenciário ou assistencial a que tem direito a parte autora, independentemente de indicação da espécie de benefício ou de especificação equivocada deste.

2. Considerando que o pedido, nas causas previdenciárias, é o de obtenção do be-nefício a que tem direito o autor da ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta ao princípio da congruência entre pedido e sentença, insculpido nos artigos 128 e 460 do CPC.

3. Não preenchidos os requisitos legais para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mas implementados os requisitos legais para a outorga da aposentadoria por idade urbana, deve esta ser concedida.” (TRF - 4ª Região, Terceira Seção, em que fui Relator para o acórdão, EAC nº 2000.04.01.107110-2, DJU de 02.08.2006)

Assim, não obstante seja inviável a outorga de aposentadoria por tempo de serviço, passo à análise acerca da possibilidade de concessão de aposentadoria por idade urbana.

Os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade urbana, disposta no caput do art. 48 da Lei nº 8.213/91, são o implemento da carência exigida e do requisito etário de 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher.

A autora implementou o requisito etário de 60 anos em 21.09.2001 (fl. 09), quando a carência era de 120 meses, conforme o estipulado no art. 142 da Lei nº 8.213/91.

De acordo com o Resumo de Documentos para Cálculo do Tempo de Contribuição das fls. 89-95, onde consta o tempo de serviço incontro-verso até a data do requerimento administrativo, em 15.08.2000, o INSS apurou 21 anos, 08 meses e 03 dias de tempo de contribuição, tendo a demandante vertido, sem interrupção que acarretasse a perda da condição de segurada, mais de 200 contribuições mensais.

Cabe observar que, embora a última contribuição da requerente tenha sido recolhida no mês de março de 2000, ainda ostentava a condição de segurada do Regime Geral da Previdência Social quando completou a idade mínima necessária para a concessão da aposentadoria, a teor do § 1º do art. 15 da Lei nº 8.213/91.

A propósito, a autora ajuizou o presente feito em 16.04.2001, vindo a completar a idade necessária para a outorga de aposentadoria por idade

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urbana somente em 21.09.2001, portanto em ocasião posterior ao ajui-zamento da demanda. Tal situação, entretanto, não obsta a concessão do benefício, porque possível o acolhimento, de ofício, do fato superveniente à propositura da ação, nos termos do art. 462 do CPC. Nesse sentido a jurisprudência dessa Corte e também do STJ: STJ, REsp nº 440901, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ de 21.06.2004; TRF-4ª Região, AC nº 2002.04.01.049492-0/SC, Rel. Des. Federal A. A. Ramos de Oliveira, Quinta Turma, DJU de 28.05-2003; TRF-4ª Região, AC nº 2001.04.01.007546-3/SC, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, Quinta Turma, DJU de 11.07.2001.

Assim, preenchida a carência mínima e sendo a autora segurada da Previdência Social quando implementou o requisito etário de 60 anos, este torna-se devido a contar de 21.09.2001.

Observo que, para fins de apuração do salário-de-benefício da aposen-tadoria por idade urbana disposta no caput do art. 48 da Lei de Benefí-cios da Previdência Social, não se leva em conta o tempo de serviço do segurado – de modo que não é possível a soma da atividade urbana com a especial, tal como na aposentadoria por tempo de serviço/contribuição –, mas as contribuições por ele recolhidas à Previdência Social, a teor do art. 50 da Lei nº 8.213/91, que expressamente dispôs que a aposentadoria por idade consistirá numa renda mensal de 70% do salário-de-benefício, mais 1% deste, por grupo de 12 contribuições. Como se vê, implemen-tada a carência, o segurado tem direito à obtenção da inativação, cujo salário-de-benefício será maior conforme o número de contribuições que verteu ao sistema, não podendo ser considerado, para tanto, o tem-po ficto decorrente da conversão de período de atividade especial em comum. Já os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, por outro lado, são diferentes, uma vez que, além de implementar a carência, deverá o segurado completar um tempo de serviço ou contribuição mínimo para tanto, a teor do art. 55 da Lei de Benefícios da Previdência Social, de acordo com as regras vigentes à época em que o requerer (Lei nº 8.213/91 ou Emenda Constitucional nº 20, de 1998, por exemplo), para o qual pode ser somado o tempo ficto, de acordo com § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.

Finalmente, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, foi possível constatar que a autora foi beneficiária de

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aposentadoria por idade urbana, concedida mediante novo requerimen-to administrativo, protocolado em 04.02.2004 (NB 131.765.494-0), e cancelada em decorrência do óbito da requerente em 08.02.2007. Nesse contexto, deve o INSS conceder à autora o benefício ora referido, a contar de 21.09.2001, até a data do óbito, em 08.02.2007, descontadas as parcelas já pagas na via administrativa pelo INSS.

Considerando a outorga do benefício a partir de momento posterior ao ajuizamento da demanda, não se há de falar em incidência de prescrição qüinqüenal.

A atualização monetária, a partir de maio de 1996, deve-se dar pelo IGP-DI, de acordo com o art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94, incidindo a contar do vencimento de cada prestação.

Os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da data da concessão do benefício, em 21.09.2001, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consa-grado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgamento, a teor das Sú-mulas 111 do STJ e 76 desta Corte.

Tendo o feito tramitado perante a Justiça Federal, o INSS está isento do pagamento das custas judiciais, a teor do que preceitua o art. 4º da Lei nº 9.289/96.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, à apelação do INSS e à remessa oficial.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2002.04.01.012400-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira

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Relator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti

Embargante: Maria Margarida EckerAdvogado: Dr. Jorge Calvi

Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Benefício previdenciário. Demanda individual. Idoso. Direito disponí-vel. Intervenção do Ministério Público. Inexistência de obrigatoriedade legal.

Não há obrigatoriedade legal de intervenção do Ministério Público em demanda individual ajuizada por idoso em defesa de direito disponível, como é o caso de benefício previdenciário.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, com voto de desempate do Desembargador Federal João Surreaux Chagas (Presidente), vencidos os desembargadores federais João Batista Pinto Silveira (Relator), Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle e Victor Luiz dos Santos Laus, rejeitar a questão de ordem, conforme o voto do Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti (Relator para o acórdão), nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de agosto de 2008.Des. Federal Rômulo Pizzolatti, Relator para Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de embargos infringentes opostos por Maria Margarida Ecker contra acórdão da Egrégia Quinta Turma, publicado em 21.06.2007, da lavra do emi-nente Des. Federal Rômulo Pizzolatti, que, por maioria, deu provimento à apelação do INSS e à remessa oficial para julgar improcedente a ação, assim ementado:

“APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. IMPOSSIBI-

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LIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE.Não tem direito à aposentadoria por idade, por impossibilidade do exercício da

atividade rural em caráter profissional, a trabalhadora que, nascida em 1912, passou a receber pensão por morte do marido em 1978 e em meados de 1989 abandonou a zona rural.”

A embargante requer a prevalência do voto minoritário, lançado pelo ilustre Juiz Federal Luiz Antônio Bonat, que entendeu estar comprovado o exercício de labor agrícola em regime de economia familiar, motivo pelo qual julgou procedente o pedido de aposentadoria rural por idade.

O Ministério Público Federal opinou pela nulidade do feito.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Busca a embar-gante a prevalência do voto vencido, da lavra do eminente Juiz Federal Luiz Antônio Bonat, o qual entendeu estar devidamente comprovado o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, na condição de arrimo de família, julgando ser procedente o pedido de aposentadoria da autora, cujo teor ora transcrevo:

“Peço vênia ao eminente Desembargador Relator para concluir de forma diversa do voto condutor.

Preliminarmente, é de ser reconhecida a prescrição das parcelas anteriores ao qüinqüênio que antecede ao ajuizamento da ação, merecendo provimento o recurso do INSS no ponto.

No mérito, entendo que as provas produzidas nos autos permitem concluir, de forma segura, pelo labor rural da parte autora, anteriormente à edição da Lei 8.213/91.

Nesse sentido, verifica-se o início de prova material representado pela certidão de óbito do marido, ocorrido em 1978 (fl. 83), onde qualificado como agricultor; notas fiscais de produtor, relativas aos anos de 1987 a 1990 (fls. 10/13), em nome do filho da requerente; Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Encantado, atestando que a requerente pertence aos quadros da associação desde 1979; ficha de associado do sindicato, onde anotado recolhimento de anuidades, anos de 1978 a 1989; recibos de anuidade anos de 1987/1990 (fls. 16/19).

Reforçando o início de prova material, há os testemunhos de Natal Capalonga (fl.80) e Danillo Vitorio Zeni (fl.81), que atestam que, após o óbito do marido, a autora laborou nas terras do casal por cerca de 10 anos.

Relevante destacar, ainda, a pesquisa realizada pelos Servidores do INSS, onde ficou assentado: ‘A requerente trabalhou na roça com o marido até este falecer, depois, até

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agosto de 1989, com os filhos, continuou a trabalhar na roça e, de setembro de 1989 até hoje, cuida do quintal e da casa...’ (fl. 47).

Assim, na verdade, pode ser concluído que a autora trabalhou na condição de chefe de família, situação que passou a ocupar após o óbito do marido, razão pela qual faz jus ao benefício pretendido desde a data do requerimento administrativo, formulado em 31.05.1989, como bem dispôs a sentença, mas com efeitos financeiros a partir de 20.01.1994, em razão do reconhecimento da prescrição qüinqüenal suscitada pela Autarquia.

(...)Ante o exposto, novamente pedindo vênia ao ilustre relator, voto por dar parcial

provimento ao apelo e à remessa oficial.”

Já o voto vencedor, da lavra do eminente Des. Federal Rômulo Pi-zzolatti, se posicionou no sentido de que não haveria prova do exercício de atividade rural no período de carência, em razão da idade da autora à época do requerimento administrativo, nos seguintes termos:

“Pelo que se vê dos autos, a autora nasceu em 13.06.1912 (fls. 15) e, contando com 76 anos, requereu administrativamente aposentadoria por idade como trabalhadora rural em regime de economia familiar, em 31.05.1989 (fls. 08). Face ao indeferimento do pedido, requereu novamente aposentadoria por idade em 31.10.1991 (fls.09), em 05.05.1994 (fls. 52) e em 05.09.1997 (fls. 42), tendo todos os pedidos indeferidos.

Pois bem. Ao tempo do primeiro requerimento administrativo (31.05.1989, fls. 08), não tinha a autora direito à aposentadoria por velhice, com base na legislação antecedente à Lei nº 8.213/91, de 1991, ou seja, a legislação do PRORURAL, porque beneficiava ela somente o chefe ou arrimo de família (Lei Complementar nº 11, de 1975, art. 4º, parágrafo único), e a autora é viúva de agricultor, de quem recebe pensão por morte desde 01.10.1978 (fls. 43).

Por outro lado, com a entrada em vigor da Lei nº 8.213, de 1991, para ter direito à aposentadoria por idade, a autora deveria comprovar pelo menos 60 meses de trabalho rural, no lapso imediatamente anterior à entrada do segundo requerimento de aposen-tadoria em 31.10.1991 (fls. 09), tudo por força da regra decorrente da conjugação dos artigos 142 e 143 da Lei nº 8.213/91, de 1991.

Todavia, conforme depoimento em juízo, em 29.03.2000 e 02.08.2000, as teste-munhas Natal Capalonga, Danilo Vitorio Zeni e Vilson Vivian afirmaram que a autora deixou o meio rural nos meados de 1989, mudando-se para Barra do Guaporé, em Encantado-RS, para morar com o filho Nélio, e que desde então não trabalhou mais na agricultura, por velha e doente (fls. 80-81e 86). A própria autora, na petição inicial, informou que passou a residir na Barra do Guaporé em 1989, onde reside até os dias atuais (fls. 02-04).

De resto, não teria a autora mesmo como ter trabalhado no período aquisitivo do direito (1986-1991), uma vez que, nascida em 1912 (fl. 32), ao início desse período

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contava com 74 anos de idade, já sem força de trabalho para a penosa atividade rural, da qual, ademais, não dependia para sobreviver, pois desde 1978 recebia pensão pela morte do marido.

Está provado, pois, que a autora não exerceu trabalho rural, em regime de economia familiar, indispensável à sua subsistência, nos 60 meses imediatamente anteriores ao requerimento administrativo de aposentadoria (31.10.1991).”

O eminente representante do MPF, por seu turno, quando intimado para parecer nos embargos infringentes, manifestou-se no seguinte sentido:

“Ausência de intimação do Ministério Público Os seguintes artigos do Código de Processo Civil estabelecem, in verbis:‘Art. 84. Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público,

a parte promover-lhe-á intimação, sob pena de nulidade do processo.Art. 246. É nulo o processo quando o Ministério Público não for intimado a acom-

panhar o feito em que deva intervir.Parágrafo único. Se o processo tiver corrido sem conhecimento do Ministério Pú-

blico, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado.’A partir dos dispositivos supracitados, os mesmos nos remetem, ainda, ao art. 75

do Estatuto do Idoso, que assim dispõe:‘Art. 75. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoria-

mente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipóteses em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos, requerer diligências e produção de outras provas, usando os recursos cabíveis.’

Como se vê, a letra da lei impõe a manifestação ministerial quando em um dos pólo da demanda se encontrar pessoa idosa – segundo a Lei 10.741/03, art. 1º, entende-se como idoso pessoa maior de 60 anos.

Verifica-se que, no caso em tela, a demandante é idosa de 95 anos, conforme do-cumentação de fl. 32. Dessarte, indispensável a manifestação do Ministério Público não apenas para intervir no feito, mas em todos os atos do processo, o que não ocorreu como manda a legislação processual.

(...)O MPF argüi a nulidade do acórdão, pois o mesmo não pôde proceder conforme

sua função no processo. Caso isso houvesse acontecido, o órgão ministerial poderia, também, ter investigado e requerido prova que qualificasse a demandante como segurada especial, trabalhadora rural em regime de economia familiar na época imediatamente anterior ao requerimento administrativo.

Do exposto, com fulcro nas normas supra e art. 515, § 4º, do CPC, requer o Minis-tério Público Federal que se chame o feito à ordem, anulando-se o acórdão.”

Com efeito, necessária a intervenção do Ministério Público no primei-

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ro grau de jurisdição, pois cuida-se de interesse de idoso (arts. 74, III, e 75 da Lei nº 10.741/03 - Estatuto do Idoso) e a decisão foi desfavorável à autora.

Em que pese em outros julgamentos já ter me manifestado no sentido de que tal nulidade não havia se perfectibilizado por completo, seja por-que o MPF, por ocasião do parecer neste Tribunal, havia se manifestado também sobre o mérito, seja porque a procedência da pretensão era eminente, no presente caso outra é a solução. Isso porque a deficiência na instrução do processo pode sim ter levado à posição de improcedência da demanda nesta Corte, além do fato de que o Ministério Público, nos presentes autos, em momento algum emitiu parecer de mérito.

Nesse diapasão, tenho que essa necessidade se dá tanto no primeiro grau quanto na esfera recursal. Ora, se a falta de intervenção do Minis-tério Público é capaz de anular a sentença, pelo mesmo motivo, quando não intimado pelo Tribunal o Órgão Ministerial, impõe-se a anulação do acórdão.

Note-se que após a manifestação em 1º grau, antes da apresenta-ção dos memoriais, o Ministério Público nunca mais foi intimado nos autos. O prejuízo na primeira instância inexistiu porquanto a sentença foi de procedência. Todavia, nesta Corte, foi-lhe negado o benefício, o que justifica a insurgência do MPF em relação a sua devida ciência do andamento processual.

Portanto, acolho o parecer do MPF nesta Corte, no sentido de que o acórdão deve ser anulado por falta de intervenção do Parquet neste Tribunal, adotando como razões de decidir os fundamentos exarados pelo Exmo. Procurador Regional.

Em casos análogos, já se manifestaram as Turmas Previdenciárias deste Tribunal, verbis:

“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PERÍCIA SOCIOECONÔMICA NÃO CONCLUSIVA. NECESSIDADE DE COMPLEMEN-TAÇÃO. FALTA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PRIMEIRO GRAU. NULIDADE DA SENTENÇA.

1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) condição de deficiente (pessoa portadora de deficiência) ou idoso e (b): situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).

2. Inexistindo nos autos elementos suficientes para formar um convencimento acerca

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da existência ou não da situação de desamparo vivida pela parte autora, impõe-se a anulação da sentença para a complementação da perícia socioeconômica.

3. Há necessidade de intimação do Ministério Público no primeiro grau de jurisdição quando a ação envolve interesse de incapaz (no caso, deficiente) e a sentença lhe foi desfavorável, sobretudo na hipótese de, em segundo grau, o Órgão Ministerial alegar nulidade e prejuízo.” (AC nº 2002.70.09.001548-3/PR, Rel. Des. Federal Celso Kipper, 5ª Turma, DJU de 24.05.2006, p. 853)

“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE. REA-BERTURA DA INSTRUÇÃO. SENTENÇA ANULADA.

A não-intervenção do Ministério Público em primeira instância acarreta, no caso de improcedência, a nulidade da sentença, quando se tratar de interesse de idoso. É preciso considerar, ainda, que o MP Federal, nesta Corte, não se manifestou quanto ao mérito da lide, mas sim pela nulidade da sentença.” (QUOAC nº 2005.04.01.036398-0/RS, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, 6ª Turma, D.E. de 10.01.2007)

Entretanto, ainda que tenha havido manifestação do MP/RS, por oca-sião da instrução, este órgão, data venia, não procedeu conforme a sua função no processo, eis que se deu no sentindo de sua não-intervenção no feito. Todavia, entendo que não cabe a anulação do processo desde a sentença, uma vez que foi oportunizada a vista dos autos ao Ministério Público e a sentença foi de procedência da ação, diversamente do que ocorreu neste Tribunal. Houve, pois, evidente prejuízo para a autora, porquanto a mesma não obteve ganho de causa.

É o que dispõe, a contrario sensu, conclusão publicada em nota de rodapé de obra de Theotônio Negrão e José Roberto:

“Art. 246. 4 ‘a intervenção da Procuradoria da Justiça em segundo grau evita a anu-lação de processo no qual o MP não tenha sido intimado em primeiro grau, desde que não demonstrado o prejuízo ao interesse do tutelado’ (VI ENTA- concl. 42, aprovada por maioria, já retificada).”

Percebe-se, de pronto, a necessidade de tratamento mais adequado da prestação jurisdicional, com a intervenção ministerial.

Em face do exposto, considerando que a apelante é pessoa idosa, voto por solver questão de ordem para, acolhendo o parecer do MPF nesta Corte, anular o acórdão, determinando o retorno dos autos à Turma de origem para a intervenção obrigatória do Ministério Público, restando prejudicada a análise dos embargos infringentes.

VOTO DIVERGENTE

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O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Inicialmente, entendo que não pode ser admitida a postulação contida no parecer do Ministério Público Federal, e acolhida pelo relator em sua questão de ordem, uma vez que extrapola a divergência, tal como está posta no voto vencido, que o embargante pretende prevaleça.

Admitida a postulação do Ministério Público, entendo deva ser re-jeitada.

É que a Constituição Federal (CF) estabelece limites à atuação dos órgãos estatais e também à atuação do Ministério Público, como órgão do Estado.

No âmbito do processo civil – no sentido largo de processo não-penal – a atuação do Ministério Público se faz em defesa dos interesses sociais, sejam eles difusos ou coletivos, nestes últimos incluídos os individuais homogêneos, e ainda dos interesses individuais indisponíveis (CF, arts. 127, caput e 129, III), como é o caso dos processos em que sejam parte incapazes (Código de Processo Civil - CPC, art. 81, I) e das causas con-cernentes ao estado da pessoa (CPC, art. 81, II).

As disposições do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003), relativas à atuação do Ministério Público (arts. 73 e seguintes), devem, a seu turno, ser entendidas à luz da Constituição, afastando-se, por teratológica, in-terpretação que implique a intervenção obrigatória do Ministério Público em todos os processos em que idosos capazes sejam parte e postulem direito individual disponível, como é o caso sub examine (benefício previdenciário - aposentadoria por idade).

A entender-se obrigatória a intervenção do Ministério Público em todas as ações pelas quais idosos capazes defendam seus direitos indi-viduais, ter-se-á a anulação de milhares de processos, desde reclama-tórias trabalhistas até ações cíveis e tributárias, dada a freqüência da situação em que a parte se torna idosa no curso do processo, sem que haja nos autos – até porque não se trata de documento indispensável à propositura da ação – prova da data de nascimento (o que, aliás, muitos, como as mulheres, não gostam de revelar).

Ante o exposto, voto por rejeitar a questão de ordem.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Surreaux Chagas (Presidente da 3ª Se-

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ção): Cuida-se de ação ordinária em que Maria Margarida Ecker postula a concessão de aposentadoria por idade na condição de segurada especial.

O Juízo de 1º grau julga procedente a ação (fls. 113-119). O INSS recorre. A 5ª Turma, por maioria, dá provimento à apelação e à remessa oficial para julgar improcedente a ação, nos termos da ementa (fls. 138-144), in verbis:

“APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. IMPOSSIBI-LIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE.

Não tem direito à aposentadoria por idade, por impossibilidade do exercício da atividade rural em caráter profissional, a trabalhadora que, nascida em 1912, passou a receber pensão por morte do marido em 1978 e em meados de 1989 abandonou a zona rural.”

A autora opõe embargos infringentes, pretendendo a prevalência do voto vencido, que entendeu estar comprovado o regime de economia familiar.

No seu parecer de fls. 154/158, o Ministério Público Federal suscita preliminar de nulidade do acórdão proferido no julgamento da apelação por não ter sido intimado a se manifestar, considerando a idade avançada da autora (95 anos).

Portanto, a controvérsia inicial reside em saber da obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público no feito em que é autora pessoa idosa (no caso, 95 anos).

A questão foi intensamente debatida por esta 3ª Seção. Os Desem-bargadores Federais João Batista Pinto Silveira (Relator), Victor Luis dos Santos Laus e Luis Alberto d’Azevedo Aurvalle votam no sentido de anular o acórdão e determinar o retorno dos autos à Turma de origem para a intervenção obrigatória do Ministério Público, prejudicado o julgamento dos embargos infringentes. Os Desembargadores Federais Rômulo Pizzolatti, Ricardo Teixeira do Valle Pereira e o Juiz Federal Alcides Vettorazzi, por sua vez, votam pela rejeição da questão de ordem.

Diante do empate, o julgamento foi suspenso e os autos a mim con-clusos para voto de desempate, na forma do artigo 141, parágrafo único, do Regimento Interno.

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) prevê a atuação obrigatória do Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida a mencionada lei (art. 75), nas ações em que não for parte, acarretando

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a falta da intervenção do agente ministerial a nulidade do processo, que deve ser declarada de ofício pelo juízo ou a requerimento de qualquer interessado (art. 76).

“Art. 75 - Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoria-mente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipóteses em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos, requerer diligências e produção de outras provas, usando os recursos cabíveis.”

Contudo, o direito ao benefício previdenciário de aposentadoria por idade, objeto do pedido formulado nesta ação, com a vênia dos que en-tendem o contrário, não se enquadra dentre os “direitos e interesses” de que cuida o Estatuto do Idoso.

Com efeito, o direito do idoso à aposentadoria por idade não está pre-visto na Lei 10.741/2003. A regulamentação do benefício está toda con-tida na Lei do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.212/91), juntamente com os demais benefícios da Previdência Social, não tendo o Estatuto do Idoso incorporado o direito a tal aposentadoria como direito específico atinente às pessoas de idade avançada, como o fez, aliás, com o benefício assistencial devido ao idoso carente de mais de sessenta e cinco anos, direito esse expressamente previsto no seu art. 34.

A propósito, o tratamento diferenciado dado aos benefícios assistencial e previdenciário na constituição do Estatuto do Idoso se justifica. Basta considerarmos que o direito ao benefício previdenciário de aposenta-doria não decorre automaticamente do atingimento da idade avançada somado à condição de miserabilidade, como o benefício assistencial. Diversamente, o direito à aposentadoria por idade, enquanto benefício previdenciário, pressupõe, além da idade, filiação à Previdência na con-dição de segurado pelo exercício de atividade laboral prevista na lei, o recolhimento de contribuições, e implemento de outros requisitos legais (v.g., cumprimento da carência), o que acaba por excluir parcela consi-derável da população idosa do direito ao benefício, independentemente das condições subjetivas de maior ou menor necessidade que apresente na velhice.

Nessa perspectiva, no capítulo dedicado à Previdência Social (capí-tulo VII, arts. 29 a 32), o estatuto não elenca benefícios previdenciários devidos aos idosos, limitando-se a reproduzir regras da legislação previ-denciária sobre cálculo da renda mensal inicial, reajuste de benefícios em

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manutenção, pagamento de benefício em atraso e irrelevância da perda da qualidade de segurado para a concessão de aposentadoria por idade se houver sido preenchida a carência exigida na data do requerimento.

Outrossim, poder-se-ia cogitar que o indeferimento administrativo da aposentadoria por idade à autora configuraria a situação de “idoso em condição de risco”, descrita no art. 43 do Estatuto, verbis:

“Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;II - por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;III - em razão de sua condição pessoal.”

A configuração da situação de risco para o idoso tornaria imperativa a intervenção do Ministério Público no feito, obrigado que está o órgão ministerial a “oficiar em todos os feitos em que se discuta o direito de idosos em condição de risco” (idem, art. 74, II).

Todavia, não sendo a aposentadoria direito inscrito no Estatuto do Idoso, o indeferimento administrativo do benefício previdenciário não configura a situação de “idoso em condição ou situação de risco”, as-sim como normalmente não se configuraria tal situação pelo simples fato de pessoa idosa alegar violação a direito subjetivo seu em questões envolvendo direito tributário, infrações de trânsito, contratos bancários, relações de consumo, e tantas outras.

No caso, trata-se de ação individual, em que é postulado direito dis-ponível, proposta por pessoa capaz – ao menos não há nenhuma notícia nos autos no sentido contrário. A idade avançada da autora não pode fazer presumir sua incapacidade civil.

Ademais, os efeitos do provimento jurisdicional pretendido restrin-gem-se à esfera jurídica das partes (autora e INSS), não havendo interesse público na demanda, circunstâncias que afastam a incidência do art. 82 do CPC.

Portanto, entendo que as regras do Estatuto do Idoso não tornam obri-gatória a intervenção do Ministério Público em ação individual em que seja postulada a aposentadoria por idade por pessoa que tenha atingido o limite etário que lhe coloca sob a proteção do referido estatuto.

Concluindo, não vislumbro no caso dos autos a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público Federal no feito e a conseqüente nu-

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lidade decorrente da sua falta.Ante o exposto, em voto de desempate, rejeito a questão de ordem

suscitada.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.70.01.026959-8/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Apelante: Aristides Antonio José MakowichAdvogado: Dr. Pedro Dejneka

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Previdenciário. Revisão de benefício. Enquadramento na escala de salários-base. Interstícios. Leis 7.787/89 e 7.789/89. Reajustamento. Critérios legais.

1. A progressão do segurado para a classe seguinte da escala de salários-base somente era admitida após o cumprimento do respectivo interstício de permanência no patamar respectivo. Não cumprido o in-terstício mínimo de permanência exigido, era vedada a progressão do segurado para a classe seguinte.

2. Não houve qualquer ilegalidade na recomposição da escala de salários base ocorrida em função da extinção do salário mínimo de re-ferência e do piso nacional de salários em julho de 1989 (com a criação do salário mínimo unificado), pois não ocorreu redução real ou muito menos nominal, já que o teto e, consequentemente, todas as Classes foram reajustadas de maio para julho em percentual superior à variação inflacionária medida pelo IPCA e pelo INPC.

3. No regime da escala de salários base, não havia direito adquirido de

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permanecer contribuindo em determinado patamar de salários mínimos caso os critérios de enquadramento fossem modificados. O que deveria ser preservado era o direito de seguir contribuindo em Classe equivalente, com possibilidade de evolução caso implementado o interstício legal.

4. A manutenção do valor real do benefício deve ser feita, consoante precedentes do STF, nos termos da lei, não havendo de se cogitar de vulneração ao art. 201, § 2º (atual § 4º), da Carta Constitucional em face da aplicação dos índices de reajuste adotados pelo INSS.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de junho de 2008. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Aristides Antônio José Makowich ajuizou em 23.10.2002 a presente ação ordiná-ria contra o INSS, pretendendo a revisão de sua aposentadoria especial (NB 87.209.060-4, DIB 28.12.1992). Alega, para tanto, que a autarquia não o enquadrou corretamente nas escalas de salários-base, embora tenha contribuído pela classe 10 nos quarenta meses que antecederam a concessão do amparo. Sustentou que contribuía sobre o montante de 10 salários-mínimos até o advento da Lei 7.787/89, sendo que, após, manteve seus recolhimentos na classe equivalente ao número de salários-mínimos da época anterior. Insurgiu-se ainda contra os índices de atualização do benefício, alegando não ter havido a preservação do valor real de seus proventos.

Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pe-dido, condenando a parte autora ao pagamento das despesas processuais.

Irresignado, apelou o demandante, pugnando pela total reforma da sentença.

Contra-arrazoado o recurso, subiram os autos a esta Corte para

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julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira:

Do enquadramento na escala de salários-base

A fim de bem apreciar a questão, passo à análise da matéria atinente aos segurados submetidos à sistemática de recolhimento de contribuições em função do chamado “salário-base”.

A Lei nº 3.807/60 (“Lei Orgânica da Previdência Social” - LOPS), com as expressivas alterações feitas pelas Leis nos 5.890/73 e 6.887/80 (todas hoje revogadas pelas Leis nos 8.212/91 e 8.213/91), assim dispunha:

“Art. 4º Para os efeitos desta lei, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973)

(...)b) empregado - a pessoa física como tal definida na Consolidação das Leis do

Trabalho;c) trabalhador autônomo - o que exerce habitualmente, e por conta própria, atividade

profissional remunerada; o que presta serviços a diversas empresas, agrupado ou não em sindicato, inclusive os estivadores, conferentes e assemelhados; o que presta, sem relação de emprego, serviço de caráter eventual a uma ou mais empresas; o que presta serviço remunerado mediante recibo, em caráter eventual, seja qual for a duração da tarefa.

Art. 5º São obrigatoriamente segurados, ressalvado o disposto no art. 3º: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973)

I - como empregados: (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)a) os que trabalhem nessa condição no Território Nacional, inclusive os domésticos;

(Incluída pela Lei nº 6.887, de 1980)b) os brasileiros e estrangeiros domiciliados e contratados no Brasil para trabalha-

rem como empregados nas sucursais ou agências de empresas nacionais no exterior; (Incluída pela Lei nº 6.887, de 1980)

(...)II - os titulares de firma individual; (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)III - os diretores, membros de conselho de administração de sociedade anônima,

sócios-gerentes, sócios-solidários, sócios-cotistas que recebam pro labore e sócios de indústria de empresas de qualquer natureza, urbana ou rural; (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)

IV - os trabalhadores autônomos, os avulsos e os temporários. (Redação dada pela

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Lei nº 6.887, de 1980)Art. 9º Ao segurado que deixar de exercer emprego ou atividade que o submeta ao

regime desta lei é facultado manter a qualidade de segurado, desde que passe a efetuar em dobro o pagamento mensal da contribuição.

Art. 69. O custeio da previdência social será atendido pelas contribuições: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973)

I - dos segurados empregados, avulsos, temporários e domésticos, na base de 8% (oito por cento) do respectivo salário-de-contribuição, nele integradas todas as im-portâncias recebidas a qualquer título; (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980) (...)

III - dos segurados autônomos, dos segurados facultativos e dos que se encontrem na situação do artigo 9º, na base de 16% (dezesseis por cento) do respectivo salário--de-contribuição; (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)

(...)Art. 76. Entende-se por salário-de-contribuição:I - a remuneração efetivamente percebida, a qualquer título, para os segurados

referidos nos itens I e II do artigo 5º até o limite de 20 (vinte) vezes o maior salário--mínimo vigente no País;

II - o salário-base para os trabalhadores autônomos e para os segurados fa-cultativos;

III - o salário-base para os empregadores, assim definidos no item III do artigo 5º.”

Percebe-se, pois, que, a partir da Lei nº 6.887/80 e até a Lei nº 8.212/91, havia 6 grupos de segurados da Previdência (arts. 4º, 5º e 9º da Lei nº 3.807/60): 1) os “empregados”; 2) os “titulares de firma individual”; 3) os “empregadores”; 4) os trabalhadores autônomos, os avulsos e os temporários; 5) os facultativos.

Desses seis grupos, dois, mais parte de um terceiro grupo, contribuíam pela sistemática do salário-base, quais sejam os “empregadores” e os “facultativos”, além dos “trabalhadores autônomos” (art. 76, II e III, da LOPS). Sua contribuição era determinada pela combinação dos artigos 69 e 76 da LOPS e do artigo 13 da própria Lei nº 5.890/73: o primeiro dispositivo fixava as alíquotas; o segundo definia a base-de-cálculo da contribuição como sendo o “salário-base”; e o último regrava a fórmula de determinação desse salário-base, que obedecia à seguinte tabela:

Classe de 0 a 1 ano de filiação - 1 salário-mínimoClasse de 1 a 2 anos de filiação - 2 salários-mínimosClasse de 2 a 3 anos de filiação - 3 salários-mínimosClasse de 3 a 5 anos de filiação - 5 salários-mínimosClasse de 5 a 7 anos de filiação - 7 salários-mínimos

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Classe de 7 a 10 anos de filiação - 10 salários-mínimosClasse de 10 a 15 anos de filiação - 12 salários-mínimosClasse de 15 a 20 anos de filiação - 15 salários-mínimosClasse de 20 a 25 anos de filiação - 18 salários-mínimosClasse de 25 a 35 anos de filiação - 20 salários-mínimosPosteriormente, essa tabela sofreu inúmeras modificações, variando

entre valores fixos, percentagem do limite máximo do salário-de-con-tribuição, dentre outros.

O número mínimo de anos de permanência em cada classe era cha-mado “interstício”, o qual, note-se, fluía conforme o tempo de filiação à Previdência, independente da atividade exercida. Nesse contexto, o segurado que se filiasse à Previdência em função de atividade sujeita às regras do salário-base seria enquadrado na classe inicial da tabela; e, conforme os parágrafos 3º e 4º do artigo 13 da Lei nº 5.890/73, cumprido o interstício, poderia o segurado progredir para a classe imediatamente superior, se assim quisesse; e a qualquer momento poderia, ainda, reque-rer sua regressão para a classe que lhe aprouvesse, sendo-lhe facultado retornar à classe de onde houvesse regredido, nela contando o período anterior de contribuição nesse nível, mas sem direito à redução dos in-terstícios para as classes seguintes. Por fim, o parágrafo 2º deixava claro o que já era deduzível do sistema: não se admitia o pagamento antecipado de contribuição para suprir o interstício entre as classes.

Em suma, percebe-se que, pelo regime previdenciário anterior à Lei nº 8.212/91, o sistema de contribuição pelo salário-base era fundado unicamente no tempo de filiação do segurado na Previdência, inde-pendentemente de qual a atividade que teria dado ensejo, ao longo do tempo, a essa filiação, de tal forma que a classe na escala de salário-base em que ocorria o enquadramento era determinada exclusivamente por aquele fator.

Posteriormente, adveio a Lei nº 8.212/91, que inicialmente previa o “empresário”, o “autônomo” e o “equiparado a autônomo” como gru-pos específicos de segurados (redação original dos artigos 11 da Lei nº 8.213/91 e 12 da Lei nº 8.212/91 – hoje todos compõem o grupo dos “contribuintes individuais”). Quanto à contribuição, a fórmula de deter-minação do salário-base foi modificada, passando a ser observado não o tempo de filiação do segurado na Previdência, mas, conforme artigo

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29 da Lei nº 8.212/91, unicamente o tempo deste como contribuinte pela sistemática do salário-base (com algumas regras especiais para enquadramento dos segurados que migrassem de outro grupo que não se sujeitasse às regras do salário-base – § 8º do art. 29 da Lei 8.212/91); outrossim, houve modificação na escala (em valores atualizados até 10.12.97 pela Lei nº 9.528):

“Classe Salário-base Interstício 1 R$ 120,00 12 meses 2 R$ 206,37 12 meses 3 R$ 309,56 24 meses 4 R$ 412,74 24 meses 5 R$ 515,93 36 meses 6 R$ 619,12 48 meses 7 R$ 722,30 48 meses 8 R$ 825,50 60 meses 9 R$ 928,68 60 meses 10 R$ 1.031,87 -”

“Interstício” era definido na própria tabela do artigo 29 como o “núme-ro mínimo de meses de permanência em cada classe”. Assim, e conforme os parágrafos 2º, 11 e 12 desse mesmo artigo, o segurado que se filiasse à Previdência em função de atividade sujeita às regras do salário-base seria enquadrado na classe inicial da tabela. Da mesma forma que a LOPS, pre-via ainda que, cumprido o interstício, poderia o segurado progredir para a classe imediatamente superior, se assim quisesse; e a qualquer momento poderia, ainda, requerer sua regressão para a classe que lhe aprouvesse, sendo-lhe facultado retornar à classe de onde houvesse regredido, nela contando o período anterior de contribuição nesse nível, mas sem direito à redução dos interstícios para as classes seguintes. Previa ainda o § 8º do artigo 29 que o segurado que deixasse de exercer atividade que o inclu-ísse como segurado obrigatório do RGPS e passasse a contribuir como segurado facultativo, para manter essa qualidade, deveria enquadrar-se na forma estabelecida na escala de salário-base em qualquer classe, até a equivalente ou a mais próxima da média aritmética simples dos seus 6 (seis) últimos salários-de-contribuição, atualizados monetariamente.

No caso dos autos, ao conceder o benefício, o INSS percebeu que o autor evoluiu na escala de salários-base sem respeitar os interstícios legais. Com efeito, até junho de 1989 estava enquadrado na Classe 06.

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Em julho de 1989 passou a contribuir na Classe 10, pulando as Classes 07, 08 e 09. Regrediu para a Classe 09 em 02/91, para a Classe 07 em 08/91 e retornou para Classe 10 em 09/91. Não tendo sido observados os interstícios, a progressão deveria realmente ser glosada pelo INSS quando da concessão do benefício.

Alega o autor que com o advento da Lei 7.787/89 o teto de contribuição baixou para 10 salários mínimos. Assim, como contribuía até junho/89 pela Classe 06, a qual tinha base de cálculo de 10 salários mínimos, teria direito ao enquadramento na Classe 10 quando da mudança legislativa, pois ela passou a ter base de cálculo também de 10 salários mínimos.

Não procede o argumento.A partir de julho de 1989, por força do art. 1º da Lei 7.787/89, o teto

do salário-de-contribuição do segurado empregado, anteriormente fixado em vinte salários mínimos, foi estabelecido em NCz$ 1.500,00 (um mil e quinhentos cruzados novos), que realmente equivalia a 10 (dez) salários mínimos. Isso inclusive determinou a edição do Decreto 97.968/89, por meio do qual foram retificadas as escalas relativas ao salário-base, que foram reduzidas e situadas no patamar entre um e dez salários mínimos, mantido o mesmo número de classes – dez.

Ocorre que, quando do advento da Lei 7.787/89, não houve propria-mente uma diminuição do teto de contribuições de vinte para dez salários mínimos.

Até junho de 1989 havia uma dicotomia entre salário mínimo de refe-rência e piso nacional de salários, sendo que este último tinha valor muito superior. Com efeito, em maio de 1989, última competência em que foi divulgado, o salário mínimo de referência (extinto pela Lei 7.789/89 - arts. 1º e 5º) tinha o valor de NCz$ 46,80. Já o piso nacional de salários tinha, em maio de 1989, o valor de NCz$ 81,40. O teto de contribuição em maio de 1989, portanto, era de NCz$ 936,00 (20 x 46,80).

Em junho de 1989 o teto de contribuição para a previdência passou a ser de NCz$ 1.200,00 (arts. 1º e 20 da Lei 7.787/99), o que implicou um aumento de 28,20% em relação ao antigo teto de vinte salários mínimos de referência em maio do mesmo ano, que era equivalente a NCz$ 936,00. Ora, no mês de maio o IBGE apurou uma inflação, pelo IPCA, de 17,92%, e, pelo INPC, de 16,67%. Saliente-se que o teto de contribuições, desde junho de 1989, foi desvinculado do salário mínimo de referência, até

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porque ele foi extinto, haja vista o disposto no art. 20 da Lei 7.787/89. Tivesse o antigo teto sido reajustado pelo IPCA, alcançaria em junho de 1989 o valor de NCz$ 1.103,73; pelo INPC, teria alcançado no mesmo mês o valor de NCz$ 1.092,03.

Em julho de 1989 o teto de contribuição passou a ser de NCz$ 1.500,00, o que representou um aumento de 25% em relação ao teto de junho, e de 60,25% em relação ao teto de vinte salários mínimos de refe-rência que vigia em maio de 1989. Tivesse o antigo teto de NCz$ 936,00 sido reajustado pelo IPCA acumulado desde maio (maio: 17,92% - junho: 28,65% - acumulado: 51,70%), alcançaria em julho de 1989 o valor de NCz$ 1.419,95; pelo INPC acumulado desde maio (maio: 16,67% - ju-nho: 29,40% - acumulado: 50,97%), teria alcançado no mesmo mês o valor de NCz$ 1.413,08.

No caso específico do autor, a Classe 06, em junho/89, era equivalente a NCz$ 468,00, ou seja, 10 salários mínimos de referência. Com a uni-ficação do salário mínimo de referência e do piso nacional de salários, em julho de 1989 a Classe 06 passou a ser equivalente a NCz$ 900,00. Utilizados os índices antes referidos percebe-se que em julho de 1989 a Classe 06 seria equivalente a NCz$ 709,95, atualizando-se o valor pelo IPCA, e a NCz$ 706,53, atualizando-se o valor pelo INPC. Ora, em julho de 1989, com a unificação de salário mínimo de referência e piso nacional de salários, a Classe 06 passou a corresponder a NCz$ 900,00. Está claro, pois, que os segurados não tiveram qualquer problema com a recomposição da escala de salários base feita em função da criação do salário mínimo unificado. Como visto, não houve redução real ou muito menos nominal, pois o teto e, consequentemente, todas as Classes foram reajustadas de maio para julho em percentual superior à variação inflacionária medida pelo IPCA e pelo INPC.

No caso específico do autor, o enquadramento na Classe 06 em ju-lho de 1989 era, pois, medida que se impunha. A alteração legislativa não implicou lesão a direito adquirido, porque não havia direito de permanecer contribuindo num mesmo patamar de salários mínimos caso o critério de enquadramento fosse modificado. O que deveria ser preservado era o direito de seguir contribuindo em Classe equivalente, com possibilidade de evolução caso implementado o interstício legal. Nesse sentido, é o entendimento desta Corte:

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“PREVIDENCIÁRIO. ESCALA DE SALÁRIO-BASE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A CONTRIBUIR INDEFINIDAMENTE SOBRE DETERMINADO NÚMERO DE SALÁRIOS MÍINIMOS, SE O CRITÉRIO É ALTERADO PELA LEGISLAÇÃO.

1. A alteração legislativa do valor do salário-de-contribuição de determinada classe da escala de salário-base tem vigência imediata, inexistindo direito adquirido a recolher segundo os valores e critérios da lei revogada.

2. A apelante contribuía na classe 5 sobre 7 salários mínimos, segundo a Lei 6.950/81. Em decorrência do Decreto 2.351/87, que alterou o limite máximo do salário--de-contribuição, o valor da classe 5 passou a ser de 7 salários mínimos de referência. Posteriormente, em virtude da Lei 7.787/89, passou a ser de 750,00;

3. Correto o enquadramento procedido pela Autarquia.4. Improvido o apelo da autora.” (AC 96.04.01195-2/RS, 5ª Turma, Rel. Juíza

Federal Claudia Cristina Cristofani, DJU 07.10.1998)“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DO BENE-

FÍCIO. ESCALA DE SALÁRIO-BASE. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 7.787/89.

1. As modificações introduzidas pela Lei 7.787/89 não violaram as normas que regem a escala de salário-base, pois foram mantidas as mesmas classes e o mesmo tempo de filiação estipulados pela Lei nº 5.890/73.

2. Inexiste direito a manter a contribuição no mesmo número de salários vigentes no regime anterior, visto que a relação jurídica de custeio possui natureza tributária, aplicando-se a lei vigente à data do fato gerador da obrigação.

3. Em junho/89, o autor estava posicionado na classe seis da escala de salário-base, cuja base de cálculo equivalia a dez salários mínimos de referência, à época. A partir de julho de 1989, o autor deveria permanecer na mesma classe, passando a recolher sobre o valor de seis salários mínimos, em conformidade com o novo regramento legal.” (AC 97.04.18575-8/RS, 6ª Turma, Rel. Juiz Luis Carlos de Castro Lugon, DJU 24.05.2000)

“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. ESCALA DE SALÁRIO-BASE. LEI Nº 7.78/89. SUCUMBÊNCIA.

1. A questão do enquadramento pretensamente equivocado ou da desconsideração dos valores sobre os quais o autor efetivamente contribuiu não foram objeto da ação de conhecimento, motivo pelo qual não poderia o embargado considerar, como salário--de-contribuição em todo o período básico de cálculo, o valor equivalente a sete vezes o salário mínimo.

2. Mas, ainda que assim não fosse, de se ver que os cálculos apresentados pelo em-bargado não observaram a alteração legislativa havida em julho/89 (Lei nº 7.789/89), quando passou a ser adotado o valor de NCz$ 750,00 como limite máximo do salário--de-contribuição da classe 5, valor esse que, até então, era de sete salários mínimos de referência. Como o autor estava posicionado na classe 5 da escala de salário-base em junho/89, com a mudança da legislação ele deveria permanecer na mesma classe,

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passando a recolher sobre o valor de cinco salários mínimos. 3. omissis4. Apelação improvida.” (AC 2000.04.01.093001-2/PR, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal

Sérgio Renato Tejada Garcia, DJU 19.11.2003)

Dos índices de reajustamento

Não deve prosperar o apelo da parte autora.É conhecido o entendimento do STF no sentido de que a manu-

tenção do valor real do benefício tem de ser feita nos termos da lei, não havendo de se cogitar de vulneração ao art. 201, § 2º (atual § 4º), da Carta Constitucional em face da aplicação dos índices de reajuste adotados pelo INSS. A propósito:

“DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CÁLCULO DO BENEFÍCIO. ARTS. 201, § 2º, E 202, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 241, II, DA LEI Nº 8.213/91: CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO. 1. Não conseguiram os agravantes abalar os fundamentos da decisão agravada e dos precedentes nela referidos. 2. Aliás, em caso análogo, a 1ª Turma desta Corte no julgamento do RE nº 231.412-RS, rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU de 10.06.1999, assim decidiu: ‘EMENTA: Previ-denciário: reajuste inicial de benefício concedido nos termos do art. 202, caput, da Constituição Federal: constitucionalidade do disposto no art. 541, II, da L. 8213/91. Ao determinar que ‘os valores dos benefícios em manutenção serão reajustados, de acordo com as suas respectivas datas, com base na variação integral do INPC’, o art. 41, II, da L. 8213/91 (posteriormente revogado pela L. 8542/92) não infringiu o disposto nos arts. 194, IV, e 201, § 2, CF, que asseguram, respectivamente, a irredutibilidade do valor dos benefícios e a preservação do seu valor real: se na fixação da renda men-sal inicial já se leva em conta o valor atualizado da média dos trinta e seis últimos salários de contribuição (CF, art. 202, caput), não há justificativa para que se continue a aplicar o critério previsto na Súmula 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos (‘no primeiro reajuste do benefício previdenciário, deve-se aplicar o índice integral do aumento verificado, independentemente do mês de concessão’).’ 3. Adotados os fundamentos deduzidos no precedente referido, o agravo resta improvido.” (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 256103, Relator Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, DJ 14.06.02)

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTI-TUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. VIGÊNCIA DO ARTIGO 58 DO ADCT - CF/88. VINCULAÇÃO AD INFINITUM DO BENEFÍCIO AO SALÁRIO MÍNIMO. ALE-GAÇÃO IMPROCEDENTE. Este Tribunal tem firme entendimento de que o critério da equivalência salarial aplica-se aos benefícios de prestação continuada, mantidos na

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data da promulgação da Constituição de 1988, a partir do sétimo mês do seu advento até a efetiva implantação dos Planos de Custeio e Benefícios (L. 8.212/91 e 8.213/91). 2. Artigo 201, § 2º, da Carta Federal. Norma que remete à lei ordinária a fixação dos critérios que assegurem o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, o que acabou sendo definido pela Lei 8.213/91. Preceden-tes. 3. Consonância do acórdão proferido pelo Tribunal a quo com a jurisprudência da Corte. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 285573-RJ, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ 16.11.2001)

“PREVIDÊNCIA SOCIAL. RECÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL. ART. 202, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 58 DO ATO DAS DISPOSI-ÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o disposto no art. 202, caput, da Carta Magna dependia de regula-mentação, que só veio a ser implementada pela Lei nº 8.213, de 24.07.91 (RE 193.456, Pleno, 26.02.97). Ao determinar a recomposição do valor do benefício, respeitada a variação do salário mínimo assegurada pelo art. 58 do ADCT, o acórdão divergiu da orientação firmada pela Corte a partir do julgamento do RE 199.994 (Pleno, 23.10.97), posto que aplicou a disposição transitória a situação que se formou na vigência da atual Constituição. Afastando-se do critério de correção recomendado pela Lei nº 8.213/91, com as modificações estabelecidas pela Lei nº 8.542/92, e adotando o salário mínimo como critério permanente de reajustamento de benefício previdenciário, o julgado ainda violou o art. 201, § 2º, da Carta Federal, que atribui ao legislador a escolha do critério pelo qual há de ser preservado o valor real dos benefícios previdenciários. Re-curso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 240143-RJ, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, DJ 06.08.99)

Como é sabido, a teor do disposto no inciso II do art. 41 da Lei nº 8.213/91, a Autarquia Previdenciária passou a reajustar o valor dos bene-fícios com base na variação integral do INPC, nas mesmas épocas em que o salário mínimo era alterado, a fim de que lhes fosse preservado o valor real. Tal critério vigorou até o advento da Lei nº 8.542, de 23.12.92, a qual, em seu art. 9º (na redação que lhe deu a Lei 8.700, de 27.08.93), alterou a sistemática de reajuste dos benefícios previdenciários contemplada pela Lei 8.213/91. Já a Lei nº 8.880, de 27.05.94, por sua vez, determinou, em seu art. 21 e parágrafos, a conversão para URV e, após, a correção pela variação integral do IPC-r até junho/95 e, no período de julho/95 a abril/96, o INPC e, a partir de maio de 1996, o IGP-DI, de acordo com a MP 1.488/96. Após, com a desindexação dos mesmos, os benefícios foram reajustados segundo os seguintes percentuais: 7,76%, em junho/1997 (MP

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1.572/1997); 4,81%, em junho/1998 (MP nº 1.663-10/1998); 4,61%, em junho/1999 (MP 1.824/1998); 5,81%, em junho/2000 (MP 2.060/2000); 7,66%, em junho/2001 (Dec. nº 3.826/2001); 9,20%, em junho/2002 (Dec. nº 4.249/2002); 19,71%, em junho/2003 (Dec. nº 4.709/2003); 4,83%, em maio/2004 (Dec. nº 5.061/2004); 6,35% em maio/2005 (Dec. nº 5.443/2005) e 5,00% em agosto/2006 (Dec. nº 5.872/2006).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo, nos termos da fundamentação.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.72.08.004047-3/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: Nerilson Almeida SilvaAdvogado: Dr. Valdir Loli

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Clovis Juarez Kemmerich

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 2ª VF e JEF Previdenciário de Itajaí

EMENTA

Previdenciário. Concessão de auxílio-doença x aposentadoria por invalidez. Incapacidade laboral. Histórico clínico. Condições pessoais da parte autora. Inviabilidade de reabilitação. Análise global. Marco inicial. Limite do pedido. Dano moral. Responsabilidade objetiva da administração. Indenização. Pressupostos. Critérios de fixação e con-sectários legais: autonomia em relação à condenação de índole patri-monial. Precedentes.

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1. A nova redação do artigo 475, imprimida pela Lei 10.352, publicada em 27.12.2001, determina que o duplo grau obrigatório a que estão su-jeitas as sentenças proferidas contra as autarquias federais somente não terá lugar quando se puder, de pronto, apurar que a condenação ou a con-trovérsia jurídica for de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos.

2. Nas ações em que se objetiva a concessão de benefício previden-ciário por incapacidade, o julgador, via de regra, firma sua convicção por meio da prova pericial.

3. Na hipótese de inaptidão laboral parcial e definitiva, o amparo a ser concedido é o auxílio-doença. Todavia, se do cotejo do exame oficial, do histórico clínico, bem como dos fatores de cunho pessoal da parte autora, é dizer, da análise global do conjunto probatório, resultar comprovada a inviabilidade de reabilitação profissional, deve ser outorgada a apo-sentadoria por invalidez. O termo inicial, em tais hipóteses, recai sobre o momento em que foi constatada a incapacidade definitiva de quem deflagrou a demanda; contudo, in casu, tal marco deve ser assentado na data do laudo pericial, limite do pedido.

5. Os consectários estabelecidos pela sentença estão em harmonia com os parâmetros usuais desta Corte, à exceção dos honorários advocatícios que vão reduzidos para o percentual de 10% (dez por cento).

6. Quanto ao dano moral pleiteado, o entendimento prevalecente nesta Turma é o de que, se é certo que esse representa o reflexo da exposição social de um ultraje causado pela autarquia que, ao fim e ao cabo, abala a psique, a imagem ou a honra de quem pela Previdência deve ser zelado, não é menos verdade que aquele não se pode considerar configurado em situação de simples resistência justificada ou desacordo motivado plausivelmente, em face à pretensão deduzida pela parte autora, ainda que essa a considere legítima.

7. No caso concreto, porém, os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade objetiva da Administração em reparar os atos de seus agentes restaram comprovados, uma vez demonstrados o fato, o dano (elemento interno e externo ao ofendido) e o nexo de causalidade entre aqueles e a lesão experimentada pelo administrado.

8. Dispensada a apreciação do requisito anímico em relação ao res-ponsável pela ofensa, enquanto pressuposto informador da obrigação de indenizar em geral, porquanto pertinente à seara da responsabilização

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funcional.9. O valor fixado a título de dano moral pelo decisum, porque em

percentual incidente sobre o montante correspondente aos atrasados do benefício previdenciário, deve ser majorado em obséquio à natureza jurídica autônoma da condenação de índole extrapatrimonial, destinada que é a estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada, fundamental-mente, no binômio necessidade-capacidade das partes e na extensão do prejuízo causado, não se olvidando, ademais, da intenção inibitória de que se reveste, no sentido de dissuadir a reiteração do ato lesivo que justifica sua imposição.

10. Compulsados os critérios adotados em diversos julgados sobre a matéria, e levando-se em conta que o estabelecimento da reparação em uma quantia “x” traz ínsito o risco de enriquecimento ilícito ou de dispêndio exorbitante quanto ao devedor, e, no contraponto, de que a recomposição seja de valor irrisório ou excessivo, aquele foi arbitrado com base na remuneração mensal percebida pelo ofendido e documen-tada nos autos, porquanto considerado o referencial mais seguro e que bem retrata a condição financeira do lesado enquanto sujeito aos efeitos do evento danoso.

11. Atento à autonomia do dano moral, também os juros de mora e a correção monetária incidentes sobre a indenização a tal título, cujos valores discriminados à época do início deste julgamento devem ser atualizados até a data do efetivo pagamento, têm parâmetros próprios para a sua estipulação. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e, por maioria, vencido em parte o Desembargador Federal Celso Kipper, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de agosto de 2008.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de apelações interpostas contra sentença que, ratificando anterior provimento antecipatório, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a autarquia ao pagamento de R$ 87.544,62 (oitenta e sete mil, quinhentos e quarenta e quatro reais e sessenta e dois centavos), conforme cálculo realizado em 02.03.2004, montante esse correspondente ao somatório dos valores relativos ao reconhecimento do direito de a parte autora receber auxílio-doença, apurado entre a data de sua cessação (23.12.1998) e da respectiva reativação por força da medida liminar (01.10.2002), corri-gidos monetariamente (IGP-DI) a contar do vencimento de cada parcela e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, sem prejuízo de danos morais que fixou em 20% dessa importância, ou seja, R$ 17.508,92 (dezessete mil, quinhentos e oito reais e noventa e dois centavos). O ato sentencial estipulou, ainda, honorários, pelo requerido, de 10% sobre o valor da condenação, excluídas as prestações vincendas, na forma da Súmula 111 do STJ. Sem custas.

Apela o demandante, pleiteando o acolhimento integral do quanto por ele pleiteado, é dizer (i) a necessidade de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, com termo inicial no laudo pericial, tendo em vista que os autos comprovam sua total inaptidão laboral, mormente levando-se em conta suas condições pessoais, (ii) a majoração da indenização extrapatrimonial para algo entre 1.000 e 2.000 salários mínimos, e (iii) a elevação da sucumbência para 20% (vinte por cento).

O INSS também insurge-se contra o decisório, postulando sejam afastados tanto o pagamento dos atrasados, tendo em vista que o segu-rado não está incapacitado para o trabalho, inclusive o habitual, como o dever de indenizar. Caso mantido o título judicial, pede a redução dos honorários para 5% (cinco por cento) da condenação.

Oferecidas contra-razões tão-somente pela parte autora (fl. 349v.), os autos vieram a esta Corte, também por força da remessa oficial.

Na seqüência, o MPF opinou pelo parcial acolhimento da insurgên-cia do demandante, mediante a (1) manutenção do reconhecimento da existência de danos morais, bem assim do parâmetro para sua quanti-ficação/reparação e (2) conversão do auxílio-doença em aposentadoria

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por invalidez.Remetido o processo à contadoria para aferição da liquidez dos valores

apurados em primeiro grau, informou o setor técnico deste Tribunal que, à vista dos critérios de cálculo adotados na origem para cada rubrica em que se decompõe o débito, o quantum debeatur estava correto.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Inicialmente, registro que, tendo sido o decisório exarado aos 02.03.2004, cumpre observar-se que, em face da nova redação do artigo 475 do CPC (na parte em que interessa a este julgamento), imprimida pela Lei 10.352, publicada no D.O.U de 27.12.2001 (e em vigor três meses após), o duplo grau obrigatório a que estão sujeitas as sentenças proferidas contra as autarquias federais somente não terá lugar quando se puder, de pronto, apurar que a condenação ou a controvérsia jurídica for de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Conheço da remessa oficial.

A controvérsia que se pretende ver dirimida envolve o acerto, bem assim os parâmetros adotados pela decisão recorrida, no que diz respeito tanto à determinação para que o INSS pague (1) atrasados a título de auxílio--doença (apurados entre a cessação desse benefício e o seu restabelecimento em sede de antecipação de tutela) e (2) indenização por danos morais infligidos ao demandante (arbitrados em montante correspondente a 20% daqueles valores), quanto aos consectários e à sucumbência relativos a essa condenação.

I Do benefício

Como é cediço, em casos tais, a adequada solução do litígio depende menos do pedido formulado pela parte autora e mais das conclusões do exame pericial a que a mesma tiver sido submetida, o que sugere seja dado um devido temperamento à regra prevista no artigo 460 do CPC.

Com efeito, se é certo que à aposentadoria por invalidez e ao auxílio--doença (artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91) são comuns os requisitos de ca-rência e qualidade de segurado, a nota distintiva entre eles é estabelecida pelo grau e duração da incapacidade afirmada pelo perito, sem embargo de que quando aquelas se combinarem, é dizer, a inaptidão laboral for

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parcial/definitiva ou total/temporária, o dado definidor da espécie do amparo advirá da possibilidade ou não da reabilitação do trabalhador, conforme a inteligência que se extrai do artigo 62 da Lei de Benefícios.

No caso concreto, disse o expert às fls. 147/149, em perícia realizada em 04.02.2003:

Quesitos formulados pelo MM. Juízo:“1 - O autor padece de algum mal incapacitante para o trabalho? Qual? Citar o

respectivo código.R - Sim. Apresenta quadro de Insuficiência Arterial Coronariana. I-25.2 - A doença do autor gera incapacidade? Em que medida e para quais as

atividades?R - Sim. Atividades que exijam esforço físico.3 - É possível atestar quando foi contraída a doença de que padece o autor? Caso

positivo, declinar a data e as razões da assertiva.R - Sim. Pelos exames apresentados, no ano de 1997.4 - Foi ela agravada ou houve progressão em razão da atividade desempenhada

pelo autor?R - Não.5 - Quais os cuidados médicos de que necessita o autor? Por quê?R - O autor necessita de acompanhamento médico, uso regular de medicação.6 - Quais as vedações que lhe impõe sua doença? Por quê?R - Esforço físico moderado. Devido aos sintomas de dor torácica.7 - Está o autor fisicamente apto para o desempenho de outras atividades? Por quê?R - Está apto a desempenhar atividade laborativa que não o submeta a esforço físico.8 - A doença do autor é irreversível? Em caso negativo, qual procedimento a ser

adotado para a sua recuperação?R - Trata-se de insuficiência coronariana grave, em paciente já submetido ao pro-

cedimento de revascularização do miocárdio (pontes de safena e mamária), que relata Angina (dor no peito) aos esforços.”

Pela parte:“1 - O paciente é portador de cardiopatia?R - Sim.2 - O paciente possui seqüelas da intervenção cirúrgica realizada em 27.02.1997,

que foi submetido depois de diagnosticado CID 0414.0/8?Especifique as seqüelas.R - Apresenta ao Cateterismo Cardíaco déficit da performance do ventrículo es-

querdo.3 - O paciente tem necessidade de fazer uso de medicação contínua?R - Sim.4 - Além das seqüelas objetivas da intervenção cirúrgica, o paciente demonstra

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estado psíquico alterado, stress ou depressão?R - Sim. Apresenta sinais clínicos de depressão, que deverá ser melhor avaliado

pelo psiquiatra.5 - O paciente é agente administrativo da SANTUR, desta feita organiza feiras de

verão e inverno, eventos turísticos e outras atividades inerentes ao turismo, assim sendo diariamente percorre o Parque da SANTUR, sobe e desce escadas, atende centenas de pessoas que ao parque dirigem-se, além de fornecedores e clientes internos, lidando diariamente com problemas, reclamações e prazos. Afora isto, o paciente também exe-cuta serviços burocráticos inerentes a todas as atividades, o que lhe exige ficar horas em uma mesma posição, trabalhando em computador, máquina de escrever, telefone, etc. Vivendo assim diariamente o stress e a pressão profissional. Além disso o local de trabalho do segurado é na BR 101, fazendo com que o mesmo tenha que diariamente enfrentar a rodovia para chegar ao trabalho. Analisando-se esta situação, em relação às atividades que o mesmo exercita, está o paciente apto para o trabalho?

R - Pelos sintomas apresentados e relatados a este perito, o mesmo não deverá ser submetido a esforço físico moderado ou importante.

6 - O paciente está incapaz para qualquer atividade laborativa?R - Não.7 - A incapacidade para o trabalho é inerente ao estado de saúde do paciente, desta

forma qual a data do início da incapacidade?R - O paciente é considerado incapaz para desenvolver atividade laborativa por

um prazo aproximado de 60 a 120 dias após procedimento cirúrgico dependendo da evolução e complicações trans e pós-operatórias e das atividades desempenhadas pelo mesmo. Se, após esse prazo, o paciente ainda apresentar sintomas, poderá a critério de seu médico assistente ser submetido ao Teste Ergométrico (teste de esforço em estei-ra), exame de Cintilografia Miocárdica (exame que avalia o grau de insuficiência das coronárias) ou ainda ao estudo angiográfico para avaliar se os sintomas apresentados estão relacionados a um tratamento cirúrgico insuficiente devido à impossibilidade técnica ou complicações como por exemplo a oclusão das pontes realizadas. Neste caso em particular, a evidência de isquemia com baixa carga de esforço por algum destes métodos impossibilita ao paciente o retorno à atividade laborativa.

8 - A literatura médica explica que ‘o paciente portador de cardiopatia isquêmica está sujeito à morte súbita, podendo não resistir a um esforço físico maior, ao stress de um engarrafamento ou a uma emoção mais forte, como a perda de alguém próximo ou uma discussão mais acalorada’ (Sérgio Françat - Fundação Osvaldo Cruz), desta afirmação podemos afirmar que o paciente ao retornar às suas atividades correria sério risco de vida?

R - O paciente é considerado de risco devido à gravidade das lesões, porém a quantificação se o paciente é de maior ou menos risco desde poderá ser corroborada por exames complementares como os citados no item anterior.

9 - O paciente foi submetido a 7 anastomoses distais, em uma escala de baixa, média

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e alta, defina a complexidade da cirurgia.R - Alta complexidade.10 - Pode-se dizer que a cirurgia diminuiu a expectativa de vida do requerente?R - Não.11 - O médico cirurgião acha conveniente um resultado angiográfico, desde que

tenha a autorização do paciente, a fim de se verificar os resultados da cirurgia. O exame em tela apresentaria ao paciente risco de vida?

R - O risco de vida está relacionado à doença apresentada, e não aos exames su-geridos.

12 - Existe alguma possibilidade técnica-médica de um médico não especialista em cardiologia declarar o paciente apto para o trabalho através de análise somente dos exames de eletrocardiograma e RX do tórax, mesmo demonstrando-se adequado o estudo angiográfico?

R - Todos os exames devem ser apresentados ao médico que avalia as condições do paciente para que possa julgá-lo apto ao trabalho.

13 - Quando o paciente está com flebite, quais os procedimentos que o mesmo deve tomar? O paciente apresenta este tipo de seqüela, em uma escala de baixo, médio e alto?Especifique a incidência dessa seqüela alterando a capacidade do paciente para a vida diária.

R - Análise deste item está prejudicada pela ausência dos sinais durante a perícia.14 - A intervenção cirúrgica do requerente durou 11 horas, tendo como conseqüên-

cia o acúmulo de água nos pulmões, que perdura até os dias de hoje, apresentando o mesmo um quadro de dificuldade de respiração. O requerente apresenta o quadro acima descrito? Em caso afirmativo, essa seqüela seria, com os outros fatores, incapacitante para a atividade laboral?

R - Não.”

De outra banda, compulsando-se os autos, colhem-se ainda as seguin-tes informações a respeito da parte autora:

a) idade: 63 anos;b) atividade profissional: assistente administrativo;c) grau de escolaridade: não informado;d) histórico clínico: perícia administrativa realizada em 17.02.1997

pelo Dr. Roberto Torraca (com visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra) dando o examinado, qualificado como Assistente Adminis-trativo (SANTUR), por incapaz para o trabalho em face de insuficiência coronariana (fl. 221); perícia administrativa realizada em 27.03.1997 pelo Dr. Roberto Torraca (com visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra) dando o examinado, qualificado como Assistente Administrativo (SANTUR), por incapaz para o trabalho em face de insuficiência coro-

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nariana (fl. 224); atestado de realização de cirurgia para tratar a moléstia, em 27.02.1997 (fl. 230); perícia administrativa realizada em 14.08.1997 pelo Dr. Péricles H.Z.de Mello (com visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra) dando o examinado, qualificado como Assistente Adminis-trativo, por incapaz para o trabalho em face de insuficiência coronariana (fl. 226); declaração do médico cardiologista, datada de 04.08.1997, referindo que o autor fora submetido a 7 pontes de safena (fl. 225), evoluindo com flebite; perícia administrativa realizada em 14.11.1997 pelo Dr. Sérgio Luiz C. H. Lorenzato (com visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra) dando o examinado, qualificado como Assistente Administrativo, por incapaz para o trabalho em face de insuficiência co-ronariana (fl. 220); perícia administrativa realizada em 06.02.1998 pelo Dr. Roberto Torraca (com visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra), dando o examinado, qualificado como Assistente Administrativo, por incapaz para o trabalho em face de insuficiência coronariana (fls. 214/215), recomendando parecer de cardiologista; laudo assinado pelo cardiologista do INSS, Dr. Gilberto Silveira da Silva, em 06.02.1998, após examinar a parte autora, cuja atividade foi enquadrada na categoria Auxiliares de Escritório e Trabalhadores Assemelhados, descrevendo a seguinte anamnese: paciente submetido há Revasc. Do miocárdio há 11 meses. Refere estar em uso de [ilegível]. Evoluindo ainda com angina e [ilegível] aos esforços (pequenos esforços), solicitando ECO de Stum (viabilidade miocárdio), pedido autorizado pelo Dr. Roberto Torraca (fl. 231); perícia administrativa realizada em 13.11.1998 (ver depoimento da fl. 252) pelo Dr. Jáu Noé Gaya, com base no referido relato cardio-lógico, dando o examinado, qualificado como servidor público/assist. administrativo, por incapaz para o trabalho em face de insuficiência coronariana até 23.03.1999, sem visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra, que deu a seguinte justificação ao seu parecer: Rigor no Prox Ex. Aux. Administrativo, recomendando ao Setor de Perícia: correlacionar c/a profissão, rigor, rx torax (fls. 209/210); Raio X de Tórax e laudo assinado pelo Dr. Cláudio R. Zanata (Radiologista), em 27.11.1998, após examinar a parte autora, cuja atividade foi enquadrada na categoria Auxiliares de Escritório e Trabalhadores Assemelhados, sem registro de alterações (fl. 236); eletrocardiograma e laudo assinado pelo cardiologista do INSS, Dr. Gilberto Silveira da Silva, em 27.11.1998,

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após examinar a parte autora, cuja atividade foi enquadrada na categoria Auxiliares de Escritório e Trabalhadores Assemelhados, descrevendo a seguinte anamnese: paciente com infarto do miocárdio. Revascularizado evoluindo com cardiopatia isquêmica com angina do peito instável aos mínimos esforços (fls. 237/238); perícia administrativa realizada em 21.12.1998 pelo Dr. Roberto Torraca (com visto do supervisor, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra), dando o examinado, qualificado como Assistente Administrativo, por capacitado para o trabalho em face de que o quadro clínico é compatível com a profissão (fls. 205/206).

Como visto, a despeito de o laudo ter concluído pela incapacidade laborativa para atividades que exijam esforços físicos, ainda que mo-derados, decorrente de quadro de Insuficiência Arterial Coronariana, o dado definidor da espécie do amparo, observado o restante do conjunto probatório, bem como os fatores de cunho pessoal do requerente, que já se encontra com 63 anos (nascido em 03.10.1943) e desempregado (fls. 80/82), decorre, in casu, da falta de razoabilidade da hipótese de sua reinserção no mercado de trabalho, merecendo, portanto, guarida a sua súplica no que tange à transformação do auxílio-doença em aposen-tadoria por invalidez.

Quanto ao termo inicial da conversão do benefício, o perito informa remontar a doença/incapacidade a 1997, dado corroborado pelos atestados colacionados aos autos, como o da fl. 230, que registra a realização de cirurgia para tratamento do problema cardíaco naquela época, o que, por si só, comprova a gravidade do quadro clínico desde então. No entanto, essa porção do pedido foi articulada de forma não especificada na inicial (fl. 27), detalhada num sentido à fl. 135, noutro à fl. 275 e, finalmente, limitada à data do laudo pericial por ocasião do apelo (fl. 328). Assim, vai provido o recurso nessa extensão, é dizer, para que o auxílio-doença seja convolado em aposentadoria por invalidez a contar de 04.02.2003 (fls. 143/44), descontados os valores percebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela.

II Dano moral

No tocante ao dano moral em reexame, o entendimento prevalecen-te nessa Turma é o de que, se é certo que esse representa o reflexo da exposição social de um ultraje causado pela autarquia que, ao fim e ao

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cabo, abale a psique, a imagem ou a honra de quem pela Previdência deve ser zelado, não é menos verdade que aquele não se pode considerar configurado em situação de simples resistência justificada ou desacordo motivado plausivelmente, em face à pretensão deduzida pelo segurado, ainda que este último a considere legítima.

Ademais, é curial que muitos requerimentos desse jaez sejam rejeita-dos, seja porque o alegado agravo não se revela aperfeiçoado do ponto de vista estritamente jurídico ou porque os seus interessados não compro-vam os seus tríplices pressupostos, em se tratando, o ofensor, de pessoa jurídica de direito público ou a essa assemelhada: fato, dano (elemento interno e externo ao ofendido) e nexo de causalidade.

A conformação da causa revelou-se peculiar, razão por que reproduzo excerto do título judicial que lhe deu composição (fls. 299 e 301/304):

“Do dano moral.Colima o autor obter provimento jurisdicional que lhe assegure a reparação por

danos morais sofridos.A lesão aos valores morais da pessoa humana é prejuízo a que o direito não pode

ficar indiferente, ainda que difícil seja a sua quantificação.(...)No caso dos autos, a questão se perfaz em torno da responsabilidade objetiva da

Administração Pública, prevista no art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal/88, in verbis:

‘As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de ser-viços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’.

(...)Com efeito, a responsabilidade objetiva da Administração, fundamentada na teoria

do risco administrativo, isenta o terceiro prejudicado do ônus de provar que o agente procedeu com dolo ou culpa, sendo suficiente demonstrar o fato, o dano e o nexo causal entre eles.

Necessário, então, a análise dos requisitos referidos, a fim de apurar a responsabi-lidade objetiva do INSS, observando-se a norma inserta no art. 333, I, do Código de Processo Civil, que atribui ao autor o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos de seu direito.

Restou comprovado nos autos que, em 23 de dezembro de 1998, o médico supervisor do INSS, Dr. Luiz Cláudio Cunha Serra, considerou o autor apto para o trabalho, sendo cessado, destarte, o benefício de auxílio-doença que percebia desde fevereiro de 1997 em razão de estar acometido de cardiopatia isquêmica grave.

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Vislumbra-se pelo documento de fls. 209 que o referido médico supervisor rasurou o parecer do médico que efetuou o exame clínico do autor em 23.11.1998 (Jaú Noé Gaya) e desconsiderou o parecer do médico cardiologista credenciado pelo INSS (Gilberto Silveira da Silva). Ressalte-se que o referido supervisor anotou no campo específico destinado à revisão a situação ‘(1) CONFIRMADO’ (canto inferior-direito do formulário), consignando a expressão ‘Rigor no Próx Ex Aux Administrativo’.

Posteriormente, em 21.12.1998 – ao que indicam as provas dos autos, especialmente o testemunho do médico perito do INSS, abaixo transcrito –, em razão de pedido de reconsi-deração formulado pelo autor (fl. 211 - sem data), foi submetido a nova perícia, conforme consta dos documentos de fls. 205/206, sendo considerado apto para o trabalho.

O médico que realizou a perícia no autor, Jaú Noé Gaya (fls. 252/253), esclareceu em seu depoimento:

(...) A testemunha Jeandro José Klock retratou em suas declarações a forma des-preparada como a servidora do INSS noticiou a cessação do benefício ao autor, bem como o abalo psicológico sofrido por este diante da inesperada decisão, estando assim consignado (fl. 257):

(...) Tendo em conta a cessação do benefício de auxílio doença e o não-retorno do autor ao trabalho, requereu o seu empregador (SANTUR) a rescisão do contrato de trabalho, porquanto caracterizado o abandono do emprego, conforme cópia da petição dirigida ao Juiz Presidente da Vara do Trabalho da Comarca em Balneário Camboriú (fls. 80/82).

O dano moral, no caso, dispensa maiores discussões, porquanto é evidente o abalo psicológico sofrido pelo autor ao se ver privado de renda e sem condições de voltar ao trabalho, é dizer, de cumprir os compromissos assumidos e sustentar a si e seus familiares. O sentimento de insegurança, desorientação e revolta é patente.

De outro lado, a forma como foi noticiada a alta médica, retratada pelas declara-ções da testemunha Jeandro José Klock (fl. 257), demonstra o despreparo de alguns servidores públicos para lidar com seres humanos.

Como se não bastasse o sofrimento físico, o autor ainda enfrentou o desrespeito e a violação a seus direitos justamente pela instituição que deveria ampará-lo.

Evidenciada, portanto, a ocorrência do dano moral em decorrência do ato praticado pelo agente público da autarquia ré. (...)

Diante dessas considerações, emerge cristalino o direito à indenização pelos danos morais sofridos.”

Do que se viu, a imposição da reparação extrapatrimonial derivou, em suma, da atitude do supervisor que, sem especialidade na área de cardiologia, alterou a conclusão do médico examinador, essa sim coad-juvada por especialista do próprio instituto previdenciário, no sentido da prorrogação do benefício para a alta, é dizer, o seu cancelamento, sem que para isso tivesse, ao menos, também entrevistado o segurado, ocasião

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em que recolheria os subsídios necessários à anamnese da patologia e à sustentação do seu convencimento, ancorado na premissa – destituída de qualquer adminículo de prova – de que o periciado, só porque auxiliar (sic) administrativo, não realizava esforço físico no desempenho de sua atividade profissional (fl. 210).

Essa inteligência ganha relevo, na medida em que a resenha que se fez alhures do histórico clínico da parte autora demonstra, a não mais poder, que o supervisor por várias vezes visou as perícias realizadas pelos profissionais do Instituto, ciente de que o então examinado era Assistente Administrativo.

Exatamente por isso tal percepção não escapou ao magistrado que instruiu o feito (fls. 298 e 303):

“Desta forma, restou comprovada pelo autor a incapacidade temporária para suas atividades habituais, pois seu quadro clínico impede que continue a desempenhar as atividades de ‘Assistente Administrativo da SANTUR’, prejudicada face à impossibi-lidade de realizar esforço físico, ainda que moderado.” (destaquei)

Com efeito, ainda que a rasura na data limite para a manutenção do am-paro, sobreposta à original lançada no campo próprio do documento da fl. 209, bem assim a marcação da opção “(1) CONFIRMADO”, quando, em verdade, o citado termo final havia sido antecipado no tempo, constituam práticas, no mínimo, inadequadas do ponto de vista funcional, haja vista a indispensável transparência que deve nortear a ação da Administração Pública, creio que esse agir do referido servidor deve interessar mais à disciplina interna da Autarquia, quiçá em sede de direito regressivo, pois se por um lado havia, à época, a praxe administrativa da revisão da perí-cia; de outro, o procedimento encetado olvidou a ética dos profissionais da medicina, que, na espécie, reclamava fosse reaberta a oportunidade para que o perito examinador reavaliasse, se assim entendesse devido, a sua conclusão inicial ou a ratificasse, justificadamente.

A propósito, Jaú Noé Gaya declarou (fl. 252):“Fez a perícia em 13.11.1998 no autor e concluiu que ele era incapaz naquele

momento e deveria retornar à perícia em 23.03.1999. O documento de folha 209 está rasurado com relação à data limite de incapacidade para nova perícia, sendo substituída a data de 23.03.1999 pela data de 23.12.1998. O chefe da perícia médica encerrou o benefício do autor em 23.12.1998. Pelo relatório, o chefe requereu exames cardiológicos, que constam às folhas 236/38, que concluíram que o autor tinha realizado cirurgia car-

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díaca, existindo um discreto alongamento da aorta, e o parecer do médico cardiologista concluiu que o autor tinha uma miocardiopatia isquêmica e insuficiência coronariana obstrutiva instável. A partir desses exames houve o cancelamento do benefício pela chefia. Não é o procedimento correto sob o ponto de vista médico o adotado pelo che-fe da perícia. Deveria ter sido realizada uma nova consulta para o cancelamento do benefício. Inexiste qualquer autorização para rasura de documentos de perícia médica, conforme o ocorrido. Nos exames anteriores e nos relatórios médicos consta que o autor havia realizado sete pontes de safena. Quando o depoente analisou o autor também constatou a presença de flebite nas pernas, e o autor tomava antibiótico na época, que é um mal incapacitante para o trabalho.”

Por isso não vejo nesse particular aspecto da controvérsia o ponto nuclear do reconhecimento do dever de indenizar, mas sim na observação de que o periciado, só por ser Auxiliar (sic) Administrativo, não estava sujeito a esforço físico em sua atividade, o que impunha maior rigor no próximo exame, advertência que, como se viu, terminou por influenciar a resposta negativa do Dr. Roberto Torraca (o mesmo que mais de uma vez havia abonado o quadro incapacitante que sempre acometeu o de-mandante) ao pedido de reconsideração formulado por este último.

Aqui, sim, enxergo um abalo à auto-estima da parte autora, enquanto administrado e trabalhador que, por mais humilde, estava a merecer, como qualquer um, a devida consideração de seu semelhante, sobre-tudo, in casu, de outro servidor que, como ele, representava o Estado--Administração, e não que a decisão desse fosse forjada à conta de uma visão apriorística, de que apenas em face de ser ocupante de função burocrática, o apelante não estava sujeito a esforço físico, conclusão essa que, a meu ver, tisnou o decoro do recorrente, compreendido esse como o sentimento, a consciência de sua respeitabilidade pessoal, pois apequenou-lhe a existência funcional, timbrando-a de menor expressão, revelando o desprezo do médico-supervisor pela profissão do segurado, impressão, remarque-se, desprovida do menor lastro factual ante a série de avaliações administrativas pelas quais aquele passou, todas elas, com exceção da última, abonadas, no que tange à atividade profissional, pelo próprio supervisor.

Isso, aliado à exposição pública dessa injuriosa suposição, ocorrida por ocasião da comunicação formal de cancelamento do benefício, leva-da a efeito no dia da ida do suplicante ao setor de marcação de perícia, caracteriza, indisputável e excepcionalmente, o dever de indenizar.

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Nessa senda, disse Jeandro José Klock (fl. 257):“conheceu o autor em dezembro de 1998, na agência do INSS em Itajaí. Estava

aguardando ser chamado para conversar com o Murilo, Chefe do Posto de Itajaí. O autor estava sendo atendido por uma servidora do INSS, no balcão da perícia médica. O depoente estava há uns dez metros do autor. Chamou a atenção do depoente o fato da servidora falar alto com o autor, que ele já estava bom para trabalhar, que não tinha direito de receber o benefício. O autor tentou argumentar a respeito dos exames, sendo que a servidora disse que ele poderia ir embora e terminou a conversa, alegando que ele não tinha direito ao benefício. Haviam pessoas para serem atendidas. Cerca de quinze. Todos voltaram sua atenção para o autor, que estava sendo mal atendido. Depois que a funcionária do INSS disse que ele deveria ir embora, o depoente ajudou o autor a descer as escadas, porque ele estava bastante abalado. Não viu se ele estava acompanhado ou não. O autor comentou com o depoente que possuía problemas de coração e que não estava trabalhando. Depois desse dia, nunca mais teve contato com o autor. Dada a palavra ao advogado do autor, respondeu que: no dia do fato, depois que o autor saiu do balcão, o depoente viu que ele estava lacrimejando. (...)”

Sim, a pecha lançada pelo médico supervisor à atividade do deman-dante, que respondeu pela cessação do amparo levada ao conhecimento de terceiros (fato), à míngua de provas que a confortassem, e que não foram produzidas por quem delas deveria ter se desincumbido, o deman-dado, revelou-se gratuita, despropositada e suficiente a ilaquear a sua auto-estima (dano: elemento interno); porém, mas não menos importante, também bastante em si para encaminhar o indeferimento da reconside-ração (nexo de causalidade) e, conseqüentemente, expor o segurado ao reproche público, mediante a ratificação da alta (dano: elemento externo), que, como já se expendeu, restou insulada tecnicamente nos autos, na medida em que o risco à vida do recorrente durante a prestação do traba-lho era potencial, haja vista ser trivial que se o desempenho de qualquer atividade laborativa envolve esforço, por mínimo que seja, o que se dizer da rotina de trabalho discriminada no quesito de número “5” da fl. 140, deferido à fl. 143, sem objeção da autarquia previdenciária (fl. 145)?

De outra parte, o ocorrido nas dependências do setor de marcação de perícias há de ser contextualizado com o que de ordinário acontece em tais situações, isto é, eventual aviso de indeferimento de pedidos por razões de fato ou jurídicas frustra a expectativa e esperança de muitos segurados; no entanto, não foi o que se viu até aqui, é dizer, a servidora, em face da simples presunção registrada pelo médico-supervisor, sponte sua, no

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formulário, elemento determinante à revisão por ele encetada, uma vez questionada pelo suplicante, outra alternativa não teve senão informar-lhe que ele fora considerado apto para o trabalho e não mais teria direito ao recebimento do benefício.

A propósito, duas observações cabem ser feitas acerca do episódio: (a) o cartão acostado à fl. 232, não impugnado pelo requerente, depõe em desfavor da sua alegação de que a servidora o teria rasgado em sua presença (fl. 14, §1º), e (b) o segurado não foi surpreendido, nessa ocasião, com a notícia do cancelamento do benefício, pois já tinha conhecimento dessa circunstância desde o momento em que, ciente da conclusão do médico-supervisor e revisor, encaminhou, com a ajuda de seu médico assistente, pedido de reconsideração (fls. 207, 208, 209 e 211).

Logo, vai mantido o reconhecimento do dano moral, somente cabendo abrir um parênteses para a seguinte conclusão do Doutor Juiz (fl. 303): “Contudo, não podem ser creditados ao INSS todos reflexos decorrentes da injusta cessação do benefício, como alega o autor, tais como a perda do patrimônio e a separação conjugal, vez que inexiste nexo de causalidade.”

Estou de pleno acordo com esse entendimento, porquanto causas de natureza e origem diversas, independentes em relação ao evento danoso propriamente dito, responderam por tais desdobramentos, inclusive o noticiado abandono do emprego, sendo plausível compreender-se que a composição da situação poderia ter sido buscada perante a empregadora, mesmo em face do indeferimento da licença sem vencimentos, haja vista a folha de serviços apresentada pelo demandante, contando, inclusive, com comenda outorgada pelo Governador do Estado.

Passo, portanto, à apreciação do parâmetro adotado pelo decisum para a quantificação da reparação extrapatrimonial, sem embargo da recor-dação de que a configuração da ofensa pelo agente público prescinde da comprovação de seu dolo ou de sua culpa, tendo em vista estarmos diante da responsabilidade objetiva do Estado, diferentemente do que ocorre com a obrigação de indenizar em geral. A doutrina é uníssona nesse sentido, quando se trata de ato comissivo, divergindo apenas no tocante ao omissivo. Assim, tal reparação baseia-se na idéia de que os prejuízos da atuação estatal, tal qual seus benefícios, devem ser reparti-dos entre todos os membros da sociedade. Justamente por esse fato não há que se falar no requisito anímico, mas sim perquirir quanto ao nexo

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causal entre o ato e o agravo ocasionado, uma vez que o risco é inerente à ação administrativa.

O exame perfunctório desta categoria permite aclarar a noção de que, diferentemente do que ocorre na esfera da responsabilidade do direito privado, em que, indispensavelmente, a obrigação de reparar deriva da prática de um ato ilícito, no direito público o essencial é a ocorrência de um dano que possa ser atribuído a um agente estatal, ainda que este venha a ser praticado na conformidade da lei, mas que, porém, imponha ao administrado a necessidade de suportar um sacrifício maior do que o imposto a todo o restante da coletividade.

Ressalte-se que a Administração Pública não logrou comprovar, como se lhe impunha, a ocorrência das excludentes de força maior e/ou culpa exclusiva da vítima.

Nesse sentido:“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMIS-

SIVO. MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL INTERNADO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DO ESTADO.

1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar se se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto.

2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima.

3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as corren-tes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto.

4. Falta no dever de vigilância em hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio pos-terior do paciente.

5. Incidência de indenização por danos morais.6. Recurso especial provido.7. Deveras, consoante doutrina de José dos Santos Carvalho Filho: ‘A marca da

responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado com pressupostos da responsabilidade objetiva (...)’, sendo certo que a caracterização da responsabilidade objetiva requer, apenas, a ocorrência de três pressupostos: a) fato administrativo: assim considerado qualquer forma de conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público; b) ocorrência de dano: tendo em vista que a responsabilidade civil reclama a ocorrência de dano decorrente de ato estatal, lato sensu; c) nexo causal: também denominado nexo de

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causalidade entre o fato administrativo e o dano, consectariamente, incumbe ao lesado, apenas, demonstrar que o prejuízo sofrido adveio da conduta estatal, sendo despiciendo tecer considerações sobre o dolo ou a culpa.

8. Assim, caracterizada a hipótese de responsabilidade objetiva do estado, impõe--se ao lesado demonstrar a ocorrência do fato administrativo (diagnóstico errôneo), do dano (morte da filha da autora) e o nexo causal (que a morte da criança decorreu de errôneo diagnóstico realizado por médico de hospital municipal).

9. Consectariamente, os pressupostos da responsabilidade objetiva impõem ao Estado provar a inexistência do fato administrativo, de dano ou ausência de nexo de causalidade entre o fato e o dano, o que atenua sobremaneira o princípio de que o ônus da prova incumbe a quem alega.” (STJ, Resp 433.514/MG, 2ª Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJU 21.02.2005)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PLEITO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE DE MENOR EM DECOR-RÊNCIA DE INFECÇÃO GENERALIZADA. ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA ENTIDADE HOSPITALAR MUNICIPAL. ONUS PROBANDI.

1. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia--se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado.

Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos tra-zidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. Ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada em face de Hospital Municipal, em decorrência de falecimento de filha, menor, que, diagnosticada por médi-co plantonista, foi encaminhada para casa, sendo certo que, dois dias após, constatou-se erro na avaliação anteriormente realizada, vindo a menor a falecer em decorrência de Infecção generalizada (Septicemia).

3. A situação descrita nos presentes autos não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, ante a existência de tese versada no recurso especial, consubstanciada na Responsabilidade Civil do Estado, por danos materiais e morais, decorrente do falecimento de criança ocasionado por errôneo diagnóstico.

4. Consoante cediço, a responsabilidade objetiva do Estado em indenizar, decorrente do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso, incabível no caso concreto.

5. In casu, as razões expendidas no voto condutor do acórdão hostilizado revelam o descompasso entre o entendimento esposado pelo Tribunal local e a jurisprudência desta Corte, no sentido de que nos casos de dano causado pelo Estado, não se aplica o art. 159 do Código Civil, mas o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que trata da

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responsabilidade objetiva do Estado.” (STJ, REsp 674586, 1ª Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJU 06.04.2006)

Ora, é uniforme o entendimento doutrinário no sentido de ser devido o estabelecimento de uma reparação eqüitativa baseada na extensão do prejuízo causado, que, contudo, com esse não se confunde ou por ele fica absorvida, e na capacidade econômica das partes. A fixação ainda deve levar em conta o objetivo da reparação, que também é inibitório, ou seja, a coibição da prática reiterada do ato lesivo.

O demandante requereu a majoração do parâmetro de fixação para 1.000 a 2.000 salários-mínimos, o que alcançaria, em dias atuais, o patamar de R$ 380.000,00 a R$ 760.000,00 (trezentos e oitenta mil a setecentos e sessenta mil reais), tendo em vista o salário de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), conforme a Lei 11.498, de 28.06.2007. O valor devido, desde o cancelamento indevido do auxílio-doença até sua reim-plantação judicial, alcança R$ 87.540 (oitenta e sete mil e quinhentos e quarenta reais). O julgador arbitrou a indenização moral em 20% desse montante, correspondendo a R$ 17.508,92 (dezessete mil, quinhentos e oito reais e dois centavos ou o equivalente a 46,07 salários mínimos).

De minha parte, compreendo que, ainda que a indenização deva ser estabelecida com parcimônia, em obséquio à idéia de proporcionalidade entre a ofensa e os seus efeitos danosos, evitando-se, também, o enri-quecimento sem causa de qualquer uma das partes, não se pode perder de vista o regime próprio das diferentes esferas de reparação, é dizer, o referente para a quantificação moral deve, sempre que possível, guardar autonomia do parâmetro utilizado para o ressarcimento patrimonial.

No caso em foco, a reparação dos prejuízos advindos da cessação in-devida do benefício é algo que virá com os atrasados a tal título; contudo, a da lesão à própria auto-estima do apelante, decorrente da presunção indevida de parte do médico-supervisor quanto à sua condição física--funcional, bem assim pelo abalo psicológico alusivo ao risco de vida a que passaria a estar exposto, de modo permanente, com a sua volta ao trabalho derivada do cancelamento do amparo, é outra coisa; e não um mero acessório àquele pagamento, por isso mesmo comporta diverso e específico equacionamento, malgrado o precedente dessa Turma presti-giado pela sentença, tirado em sua composição anterior.

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Com efeito, estimo que o INSS há de responder por uma soma calcu-lada em salários mínimos, que, ainda que não apague os males sofridos, ao menos possa compensar as privações experimentadas pelo ofendido durante o período em que projetados os efeitos danosos advindos da conduta do ofensor (derivados do ato do médico-examinador) reconhe-cidos neste voto.

Levando em conta que a remuneração do demandante, a ser toma-da para apuração, mostrou-se variável, tenho que, entre a data do fato (12/1998) e a cessação do pagamento da parcela complementada pelo seu empregador (30.06.2000), aquela será de R$ 1.429,71 (fl. 80, item 1), que, divididos pelo valor do referido parâmetro naquela competência (R$ 130,00), resultarão em 11 salários mínimos mensais nesse interregno, ao passo que, de 1º.07.2000 a 30.09.2002 (reimplantação do benefício por força de antecipação de tutela), será equivalente à renda que aquele deveria ter continuado a perceber a título de auxílio-doença, é dizer, R$ 995,50 (fl. 311), que, divididos pelos sucessivos valores do referido parâ-metro que vigiram durante o citado intervalo (R$151,00/180,00/200,00), resultarão em 6,59 salários mínimos. Cada parcela será atualizada na data da sentença, momento em que se estabeleceu a condenação nessa rubrica (STJ, EDREsp 297.443, 3ª Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 09.09.2002), ora tão-somente majorada, adotando-se, para tanto, o percentual do INPC então vigente e suas variações até o efetivo pagamento. Incidirão juros de mora de 0,5% ao mês (STJ, REsp 294.070, 1ª Turma, Rel. Ministro José Delgado, DJU 15.03.2001) sobre a inde-nização assim individualizadamente fixada, a contar do fato à purga da mora pela reimplantação do amparo, em sede de antecipação de tutela.

Destarte, também dou provimento ao apelo da parte-autora no tópico, majorando a condenação para R$ 77.445,66 (setenta e sete mil e qua-trocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e seis centavos), conforme quadro discriminativo que segue adiante, considerada a data deste jul-gamento apenas a título de ilustração e cuja planilha de cálculo anexa, que lhe dá suporte, fica fazendo parte integrante deste voto:

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Saliento que, de dezembro de 1998 a abril de 1999, o salário mínimo era de R$ 130,00; de maio de 1999 a março de 2000, R$ 136,00; de abril de 2000 a março de 2001, R$ 151,00; de abril de 2001 a março de 2002, R$ 180,00 e de abril de 2002 a setembro de 2002, R$ 200,00.

III Da verba honorária

Quanto ao percentual da verba honorária quando vencida a Autarquia Previdenciária, a orientação iterativa desta Corte, em consonância com o que dispõem os §§3º e 4º do artigo 20 do CPC, é arbitrá-lo no mesmo montante fixado pela sentença em reexame. Vai desprovido o recurso da parte autora, no tópico.

Pelas razões expostas, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, para converter o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, a contar do laudo pericial, descontadas as parcelas percebidas a título de antecipação de tutela, elevar o montante a título de dano moral para R$ 77.445,66 (setenta e sete mil e quatrocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e seis centavos) e negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial.

É o voto.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Pedi vista para melhor analisar a prova dos autos e cheguei à conclusão de acompanhar o e. Relator no tocante à conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, bem como quanto à configuração do dano moral, dadas as peculiaridades do caso concreto.

Com relação ao quantum da reparação do dano moral, contudo, peço vênia para divergir.

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O juiz a quo, na sentença, fixou a reparação, com base em precedente deste tribunal, em 20% sobre o valor dos atrasados a que o Autor teria direito, chegando, à cifra de R$ 17.508,92 (fls. 305-306). O e. Relator, por sua vez, estabelece como parâmetro de mensuração, em um primei-ro período (entre a data do fato e a cessação do pagamento da parcela complementada pelo empregador do Autor), o valor integral da referida parcela complementada, convertida em salários mínimos, e, em um segundo período (entre a última data e a da implantação do benefício por força de antecipação de tutela), o valor integral do auxílio-doença que deveria ter continuado a receber, também convertido em salários mínimos, chegando a um valor total de R$ 77.445,66 (fl. 372 e verso).

Entendo que a reparação por dano moral tem por finalidade compensar a vítima pelo sofrimento, tristeza, dor, angústia e aflição, não guardando, portanto, vinculação com os valores dos atrasados a receber em ação previdenciária ou dos salários ou benefícios que deixou de receber, ain-da que tais elementos também possam ser levados em consideração, na medida em que constituam parte das circunstâncias do caso e tenham relação com a intensidade do sofrimento da vítima.

A doutrina e a jurisprudência não são unânimes no estabelecimento dos critérios a serem observados na mensuração do valor da reparação do dano moral, mas penso haver um ponto de convergência, consistente em uma multiplicidade de fatores, inerentes às particularidades do caso concreto, à situação pessoal dos envolvidos, à extensão do dano e ao princípio da razoabilidade, dentre outros (v.g. a natureza da lesão e a extensão do dano, as condições pessoais do ofendido, as condições pes-soais do responsável, a eqüidade, a cautela e a prudência, a gravidade da culpa, o arbitramento em função da natureza e finalidade da indenização: Cahali, Yussef Said. Dano Moral. 3. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 277-280; compatibilidade com a reprovabilidade da conduta ilícita, com a intensidade e a duração do sofrimento experimentado pela vítima, com a capacidade econômica do causador do dano, com as condições sociais do ofendido: Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 93; o grau de repercussão ocasionado na esfera ideal do ofendido, tais como os reflexos sociais e pessoais, a possibilidade de superação física ou psicológica e a extensão e duração dos efeitos da ofensa: Cianci, Mirna. O Valor da Reparação Moral. 2.

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ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 137; o grau de reprovabilidade da con-duta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano e as condições pessoais do ofendido: Santos, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 186; circunstâncias pessoais, econômicas e sociais das partes, as vantagens que a satisfação pode proporcionar e a averiguação da conduta da vítima e do lesante: Severo, Sérgio. Os Danos Extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 230), multiplicidade esta ignorada ao se estabelecer, pura e simplesmente, uma equiparação com os valores patrimoniais a serem recebidos, ou com salários e benefícios que deixaram de ser pagos.

Em matéria previdenciária, já sabido que uma das partes – normal-mente a que produziu o dano – é autarquia federal, e outra é segurado ou beneficiário da Previdência ou Assistência Sociais, e que o evento danoso costuma consistir em cancelamento ou indeferimento indevido de benefício previdenciário ou assistencial, que pode ou não gerar direito à reparação por dano moral, penso que devem ser observados os seguintes parâmetros para a fixação do quantum devido:

a) as circunstâncias do cancelamento ou indeferimento do benefício, com especial atenção ao grau de culpa da Autarquia, intimamente ligado com o patamar de extrapolação das atividades administrativas normais, consistentes na cautelosa verificação dos requisitos para a percepção do benefício;

b) a eventual culpa concorrente do ofendido; c) a gravidade da ofensa ao patrimônio subjetivo do segurado ou

beneficiário, atento à intensidade do sofrimento, angústia e aflição e ao grau de violação de sua dignidade;

d) a função pedagógica da condenação, “visando a elidir novas lesões de direitos aos administrados” (AC Nº 2003.72.00.002050-0/SC, TRF/4ª Região, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira, D.E. de 04.10.2006);

e) o princípio da razoabilidade, cuidando que o valor da reparação não seja irrisório ou, ao revés, ensejador de enriquecimento sem causa.

Pois bem, as circunstâncias do cancelamento do benefício e o grau da ofensa ao patrimônio subjetivo do Autor foram bem delineados pelo e. Relator, e por aí se constata que o agir da Autarquia não foi respon-

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sável pela maioria dos danos apontados pelo Autor, tais como perda do patrimônio, separação conjugal e abandono do emprego. Além disso, a consideração conjunta da necessária função pedagógica da condenação e do princípio da razoabilidade, como acima delineado, levam-me à con-clusão de fixar a reparação por dano moral, no presente caso, no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Ante o exposto, também voto por negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e, quanto ao apelo da parte autora, embora também o proveja parcialmente, faço-o em menor extensão do que o e. Relator, para fixar a indenização por dano moral em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat: Após examinar deti-damente os autos, concluo por acompanhar o voto do eminente Desem-bargador Relator, trazendo algumas considerações.

Relativamente à conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, nenhum acréscimo a fazer.

Em se tratando de benefício previdenciário, é comum o segurado encontrar resistência da Autarquia, por ocasião do exame dos casos concretos, até mesmo em razão do dever de ofício dos Servidores, dada a atuação vinculada à legislação. Isso é perfeitamente admissível. Assim, como vem reconhecendo este Regional, tal resistência não desarrazoada ou a divergência de entendimento para com a pretensão do segurado não são hábeis para a caracterização de dano moral, cabendo transcrição, verbis:

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PAGAMENTO DE PARCELAS PRETÉRITAS. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE LABORAL COMPROVADA NO PERÍODO. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEMONS-TRAÇÃO DO PREJUÍZO. INDEFERIMENTO. 1. Nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença, o julgador, via de regra, firma sua convicção por meio da prova pericial. 2. Concluindo o laudo oficial no sentido da aptidão ao labor, todavia referindo ter havido incapacidade em momento pretérito, viável a outorga do amparo naquele interregno. 3. Comprovada a incapacidade desde o cancelamento do amparo na seara administrativa, são devidas as parcelas relativas ao auxílio-doença até a com-petência em que se fazia presente a inaptidão, conforme noticiado no laudo pericial. 4. Representando o dano moral um reflexo social de um ultraje que abala a imagem

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ou honra do ofendido, não se pode considerar configurado o mesmo em situação de simples discrepância relativa à pretensão da parte, ainda que haja direito quanto a essa, sendo necessária a prova do prejuízo alegado, o que, in casu, a parte não logrou demonstrar.” (TRF4, AC 2005.04.01.044500-4, Quinta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 15/03/2006 - destaquei)

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA E CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. INCAPACIDADE MANTIDA NA ÉPOCA DA SUSPENSÃO ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO INDEVIDA. AUSÊNCIA DE RECURSO. COM-PORTAMENTO OMISSIVO DA AUTORA. DANOS MORAIS. NÃO-CABIMENTO. 1. Demonstrado que a autora retornou ao trabalho após a cessação administrativa do benefício, tendo auferido renda e contribuído ao RGPS desde então, sem que se tenha insurgido contra o ato administrativo ou requerido novo benefício até o ajuizamento do feito, ainda que comprovada a manutenção da limitação laborativa na data da cessação administrativa do auxílio-doença, faz jus à concessão do benefício somente a partir da data do ajuizamento do feito. 2. Ainda que evidenciada a incapacidade total e definitiva, pela impossibilidade da reformatio in pejus deve ser concedido o auxílio-doença desde o ajuizamento, convertido em aposentadoria por invalidez a partir da data da sentença. 3. Ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo da autora, bem como do ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral.” (TRF4, AC 2005.70.02.003016-2, Turma Suplementar, Relator Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, D.E. 06/06/2008 - destaquei)

Entretanto, conforme muito bem explanado pelo eminente Desembar-gador Relator, cujas razões peço vênia para não repetir, aquele limite do razoável foi extrapolado no caso presente, pelos Servidores da Autarquia, seja quando do encaminhamento da perícia médica relativa à postula-ção do requerente, seja pela forma abusiva dispensada pela Servidora que atendeu o segurado e comunicou o indeferimento do pleito. Tais circunstâncias, sem dúvida, fazem por caracterizar os requisitos para a concretização do dano moral, quais sejam: fato gerador, ocorrência do dano e o nexo causal. Observa-se que o Requerido não apresenta nenhuma prova em sentido oposto que afaste essa conclusão, inexistindo qualquer justificativa para o evento. Assim, evidenciado o ato desarrazoado da Ad-ministração Previdenciária, por intermédio dos seus Servidores, cabível a indenização do dano, ante a responsabilidade delineada no art. 37, § 6º, CF, como forma de reparar o ato lesivo, como que amenizando a dor sofrida pelo segurado, na esteira de precedente deste Regional:

“EMENTA: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL.

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CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. SUSPEITA NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO. É indevido o cancelamento de aposentadoria concedida a trabalhador rural com base em suspeita de irregularidade não confirmada em juízo. PRESCRIÇÃO. PARCELAS VENCIDAS. DISCUSSÃO ADMINISTRATIVA DO BENEFÍCIO. Não ocorre pres-crição durante o tempo em que está sendo discutido administrativamente o direito ao benefício. DANO MORAL. SUSPENSÃO SUMÁRIA DO BENEFÍCIO PREVIDEN-CIÁRIO. DEMORA INJUSTIFICADA DO JULGAMENTO ADMINISTRATIVO. É devida indenização por dano moral ao segurado consistente em sofrimento infligido pela suspensão sumária do benefício, além da demora injustificada no julgamento do caso administrativamente.” (TRF4, AC 2000.70.06.000998-8, Quinta Turma, Relator Des. Federal Rômulo Pizzolatti, D.E. 23.06.2008 - destaquei)

Ainda sobre o dano moral, ensina Rui Stoco que o indivíduo possui dois patrimônios: um exterior e o outro “representado pelo seu patrimô-nio subjetivo, interno, composto da imagem, personalidade, conceito ou nome que conquistou junto a seus pares e projeta à sociedade”, ambos passíveis de indenização, conjunta ou isoladamente. (Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 696.) (destaquei)

Cabe, então, considerar sobre o valor fixado àquele título, a partir do encaminhamento do eminente Relator, no sentido de estabelecer o valor de R$ 77.445,66, do qual diverge o eminente Desembargador Celso Kipper, que entende adequado o valor de R$ 25.000,00, sendo incontroverso que o só fato de ter sido privado do valor mensal do benefício previdenciário efetivamente devido, por longos anos (de 12/1998 a 09/2002), é prova bastante de ter sido ocasionado o dano moral, de gravidade realçada, o que não encontra reparação, tão-somente, pelo recebimento dos valores atrasados do benefício. Não se trata de simples indeferimento de pedido, o que é habitual e aceitável, ante a discricionariedade, mas sim de situa-ção muito mais grave, onde aqueles valores interiores do segurado foram afetados pela abusiva conduta dos representantes da Autarquia, como bem delineado no voto condutor.

A questão da fixação da reparação do dano moral é tormentosa, me-recendo a constante abordagem pelos estudiosos do Direito. Entremen-tes, não existe ainda uma fórmula que venha possibilitar o alcance da estipulação do valor devido a título de dano moral, mediante critérios determinados e fixos. É certo que a jurisprudência e a doutrina apresentam pontos convergentes, direcionando que, na fixação da indenização por

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dano moral deve prevalecer a moderação, atendendo-se às peculiaridades do caso concreto, prestigiando-se assim a razoabilidade e a proporcio-nalidade (nesse sentido mencionam-se: STJ: REsp 875258 – 3ª T. - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - unânime- DJ 04.12.2006 - p. 316; REsp 655691 – 4ª T. - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - unânime - DJ 13.11.2006 – p. 265).

Dessa forma, não pode a indenização em comento ser excessiva a pon-to de possibilitar o enriquecimento ilícito da vítima ou prêmio indevido ao ofendido, avançando além da recompensa ao desconforto, desagrado, ou aos efeitos do gravame suportado, e tampouco ser irrisória de forma a não infligir qualquer ônus ao causador do dano.

A inexistência de tais critérios pré-estabelecidos ou parâmetros exatos para essa fixação vem refletindo na oscilação da jurisprudência, com acentuada divergência de valores, mesmo que em face de casos asseme-lhados, como pode ser constatado nos precedentes seguintes:

- indenização por morte - 400 Salários Mínimos - STJ - REsp 713764 – 4ª T. - Rel. Min. Fernando Gonçalves - unânime- DJ 10.03.2008 - p. 1 (morte em acidente causado por caminhão); 300 Salários Mínimos - STJ - REsp 1026088 – 1ª T. - Rel. Min. Francisco Falcão - unânime -DJ 23.04.2008 - p. 1 (decorrentes da morte da esposa e mãe dos autores, relacionada à cassação do benefício de auxílio-doença por parte da autarquia previdenciária); 300 Salários Mínimos - STJ - AgRg no Ag 742886 – 4ª T. - Rel. Min. Massami Uyeda - unânime - DJ 03.12.2007 - p. 314 (morte em atropelamento); R$ 190.000,00 - STRJ - REsp 625161 – 4ª T. - Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior - unânime - DJ 17.12.2007 - p. 177 (morte em acidente de trânsito); R$ 100.000,00 - STJ -RESP 744974 – 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - unânime – 01.07.2005 - p. 560; R$ 15.000,00 - STJ - AGREsp 800485 – 1ª T. - Rel. Min. Luiz Fux - unânime - DJ 31.05.2007 - p. 355 (em acidentes);

- amputação de membro por acidente - 150 Salários Mínimos - TJ--PR - 10ª Câmara Cível - unânime - Rel. Des. Ronaldo Schulman - j. 23.11.2006 - DJ 7264;

- erro médico - R$ 180.000,00 - STJ - REsp 820497 – 2ª T.- Rel. Min. João Otávio de Noronha - unânime- DJ 09.11.2007 - p. 239; R$ 40.000,00 - AgRg no Ag 883507 – 1ª T. - Rel. Min. Denise Arruda - unânime - DJ 11.10.2007 - p. 307 (estes em recém-nascido); R$ 150.000,00 - STJ -

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REsp 695127 – 3ª T. - Rel. Min. Castro Filho - DJ 26.03.2007 - p. 234; R$ 360.000,00 - AgRg no Ag 853854 – 1ª T. - Rel. Min. Denise Arruda - unânime - DJ 29.06.2007 - p. 504 (vítima em estado vegetativo); R$ 150.000,00 - STJ - REsp 868892 – 2ª T. - Rel. Min. Castro Meira - unâ-nime - DJ 27.06.2007 p. 232 (lesão grave, irreversível e incapacitante); R$ 30.000,00 - STJ - REsp 880349 – 1ª T. - Rel. Min. Castro Filho - DJ 24.09.2007 - p. 297 (parada cardiorrespiratória no corredor do hospital e óbito, após passar três anos em coma);

- dano por atropelamento - R$ 12.000,00 (STJ- RESP 869377 – 4ª T. - Min. Hélio Quaglia Barbosa - unânime - DJ 12.11.2007 - p. 227);

- inscrição indevida em serviço de proteção ao crédito - R$ 50.000,00 -STJ - REsp 702872 – 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - unânime - DJ 01.07.2005 - p. 557; R$ 10.000,00 - STJ - REsp 908480 – 4ª T. - unâni-me - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - unânime - DJ 01.10.2007 - p. 286; REsp 856755 – 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - unânime - DJ 09.10.2006 - p. 310; R$ 8.000,00 - STJ - REsp 858479 – 4ª T. - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - unânime -DJ 18.06.2007 - p. 272; R$ 5.000,00 - STJ - REsp 556660 – 4ª T. - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - unâ-nime - DJ 05.02.2007 - p. 241; R$ 3.500,00 - STJ - REsp 856006 – 4ª T. - Rel. Min. Fernando Gonçalves - unânime - DJ 06.11.2006 - p. 340; R$ 1.000,00 - STJ - REsp 827433 – 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - unânime - DJ 06.11.2006 - p. 339; R$ 500,00 - STJ - RESP 837175 – 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - unânime - DJ 06.11.2006 - p. 340; R$ 350,00 - STJ - REsp 717017 - 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - unâ-nime - DJ 06.11.2006 - p. 330;

- lançamento indevido em cartão de crédito - R$ 17.500,00 - STJ - REsp 912619 – 4ª T. - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - unânime - DJ 21.05.2007 - p. 594;

- perda de visão em acidente ocorrido em escola - 300 Salários Mí-nimos - STJ -REsp 343904 – 2ª T. - unânime - DJ 24.02.2003 - p. 218;

- perda de função de braço - 84 salários-mínimos - REsp 696850 – 2ª T. - Rel. Min. Eliana Calmon - unânime - DJ 19.12.2005 - p. 349;

- perda de braço e posterior óbito - R$ 80.000,00 - STJ - AgRg no Ag 834609 – 1ª T. - Rel. Min. José Delgado - unânime - DJ 09.04.2008 - p. 1.

Os julgados acima elencados bem caracterizam a inexistência de parâmetros certos para a quantificação da indenização pelo dano moral,

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dados os contrastes verificados, salientando a flagrante dificuldade para equacionar a questão.

Daí que, no caso presente, em se tratando de benefício previdenciário, se é certo que o dano moral deve guardar autonomia em face do res-sarcimento patrimonial, como bem destaca o eminente Desembargador Relator, não é menos certo que aquele pode servir como um subsídio para que se chegue à solução da questão, buscando a reparação mais próxima do ideal, em relação ao gravame ocasionado pela conduta.

Assim, entendo por acatar a construção elaborada no voto condutor, no sentido da fixação da indenização em questão a partir da gravidade do evento danoso, para o qual não contribuiu o ofendido, e da própria remuneração percebida pela vítima, ora requerente, pois bem retrata a sua condição financeira, sendo base segura para afastar eventual enri-quecimento ilícito, ou recomposição de valor irrisório.

Oportuno destacar não se poder olvidar que, em sendo estabelecido um valor certo para o dano moral decorrente de postulação de benefícios previdenciários, estar-se-ia correndo o risco de contemplar com idêntica indenização casos onde há grande diferença de rendimento, por exemplo, quando um segurado recebe salário mínimo e outro salário muito superior, o que poderia vir a acarretar o enriquecimento sem causa daquele que recebe o salário menor, ou a insuficiência de indenização como forma de reparação do dano daquele que recebe maior salário. Assim, a par da consideração da gravidade do evento, a contribuição do ofendido para o fato não pode deixar de ser considerada como melhor e mais equânime forma de compor a questão a consideração do valor do salário mensal do segurado, aliado ao tempo em que foi alijado de receber o benefício. Seguramente, afasta eventual enriquecimento ilícito, fazendo as devidas diferenciações entre os segurados, além do que conclui por impor um gravame punitivo ao agente causador do dano pelo evento, como forma de prevenção para a não repetição futura de fatos semelhantes.

Destarte, apesar das sempre bem lançadas razões pelo eminente Desembargador Celso Kipper, a quem peço vênia, relativamente ao quantum a ser estabelecido a título de indenização por dano moral acompanho o voto do eminente Desembargador Relator, fixando-o em 77.445,66 (setenta e sete mil quatrocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e seis centavos), apenas ressalvando que o valor deverá ser atua-

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lizado, desde 01.08.2007, até o efetivo pagamento, pelo INPC, conforme já estabelecido no voto condutor.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora para converter o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, a contar do laudo pericial, descontadas as parcelas percebidas a título de antecipação de tutela, elevando o montante a título de dano moral e negando provimento à apelação do INSS e à remessa oficial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.04.01.019265-1/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat

Apelante: Maria José FernandesAdvogados: Drs. Zaqueu Sutil de Oliveira e outros

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Apelados: (os mesmos)

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por idade. Trabalhador rural. Bóia--fria. Requisitos. Prova testemunhal. Marco inicial.

1. Em se tratando de trabalhador rural “bóia-fria”, a exigência de início de prova material para efeito de comprovação do exercício da atividade agrícola deve ser interpretada com temperamento, podendo, inclusive, ser dispensada em casos extremos, em razão da informalidade com que é exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições. Precedentes do STJ.

2. Implementado o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei nº 8.213/91), é

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devido o benefício de aposentadoria por idade rural.3. O início dos efeitos financeiros da concessão do benefício devem

coincidir com a data de entrada do requerimento administrativo, forte no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. Inexistindo este, porquanto negado o protocolo pela ausência do início de prova material, em se tratando de bóia-fria, deverão os efeitos terem como marco inicial o protocolo de correspondência postulando o benefício previdenciário, encaminhada pelo Correio, com Aviso de Recebimento, inclusive, porque devolvida pelo INSS, sem qualquer resposta ou mesmo encaminhamento ao pedido respectivo.

4. Apelação da parte autora provida. Apelação do INSS improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de julho de 2008.Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat: Trata-se de ação ordi-nária ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 26.08.2002, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, na condição de bóia-fria, desde o requerimento administrativo enviado via correio, em 28.02.2002.

Nas alegações finais, a autora requer a antecipação dos efeitos da tutela.

Sentenciando, o MM. Juízo deferiu parcialmente o pedido de tutela antecipada e julgou parcialmente procedente o pedido inicial para con-denar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria rural por idade, a partir da juntada da carta precatória de citação, em 14.11.2002, bem como ao pagamento das parcelas vencidas, corrigidas monetariamente pelos índices aplicados na atualização dos benefícios previdenciários, desde o vencimento de cada parcela, e acrescidos de

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juros moratórios à taxa de 12% ao ano, a partir da citação. Foi condena-da, também, ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença, conforme decisão do Tribunal Regional Fe-deral da 4ª Região.

A parte autora, em suas razões de apelação, requer a fixação do mar-co inicial do benefício a partir do envio do pedido administrativo via correio, em 28.02.2002.

A Autarquia Previdenciária, por sua vez, interpôs recurso de apelação sustentando que o labor rural da parte autora, na condição de bóia-fria, não restou provado em razão da inexistência de prova material e devido à inadmissibilidade da prova exclusivamente testemunhal.

Com as contra-razões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat: Controverte-se nos autos acerca do direito da parte autora à concessão de Aposentadoria Rural por Idade, na condição de bóia-fria.

A concessão de aposentadoria rural por idade, para quem mantinha a condição de segurado especial em 05.04.1991 (data da edição da Lei nº 8.213/91), requerida no prazo de até quinze anos após a sua vigência (24.07.2006), submete-se à regra de transição prevista no art. 143, e não ao estabelecido no art. 25, II, ambos da Lei de Benefícios.

A aposentadoria rural por idade, prevista no artigo 48 da Lei nº 8.213/91, está condicionada ao preenchimento de dois requisitos: a) idade mínima de sessenta anos para o homem e 55 anos para a mulher; e b) o cumprimento do período de carência.

O período de carência, isto é, a efetiva prática campesina, é verifica-do pela tabela disposta no art. 142 da Lei nº 8.213/91, atentando-se ao ano em que o segurado implementou as condições necessárias para o deferimento da aposentação, a saber: requisito etário mínimo e tempo de trabalho rural.

Na aplicação dos artigos 142 e 143 da Lei nº 8.213/91, deverá ser observado: a) ano-base para a verificação do tempo rural; b) termo inicial do período de carência; e c) marco inicial do direito ao benefício.

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Na maioria das vezes, o ano-base será aquele em que o segurado com-pletou o requisito etário, desde que já disponha do período equivalente ao da carência para a obtenção do benefício. Nessa hipótese, o marco inicial do interregno a ser considerado como de efetivo exercício rural, a ser computado retroativamente, será a data do implemento da idade mínima, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer posteriormente, tendo em vista o princípio do direito adquirido.

Isso porque a regra disposta no art. 143 da Lei nº 8.213/91, que de-termina que deve ser comprovada carência no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, está a facilitar a prova para o se-gurado, uma vez que é mais fácil provar o exercício de atividade agrícola em relação aos períodos mais próximos. Mas a sua aplicação deve ser abrandada pelo disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, prin-cipalmente, pelo princípio do direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal), para aqueles casos em que ao segurado é mais conveniente a comprovação do exercício da atividade rural a contar da data em que o direito foi adquirido.

No entanto, é possível que o segurado, implementando a idade neces-sária, continue exercendo atividade rural até o momento em que completar o número de meses necessários para o deferimento do benefício, caso em que tanto o ano-base quanto o marco inicial do período correspondente à carência será a data da implementação do tempo equivalente à carência.

É de se ressaltar que não se utiliza a tabela constante do art. 142 da Lei de Benefícios quando o requerimento administrativo e o implemento do requisito etário mínimo tenham ocorrido antes de 31.08.1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei nº 8.213/91 e, posteriormente, foi convertida na Lei nº 9.063/95), sendo que nesse caso o segurado deve comprovar a atividade rural por um período de 05 anos (60 meses) an-teriores ao requerimento, mesmo que de forma descontínua, conforme o art. 143, inciso II, da Lei nº 8.213/91, na sua redação originária.

De qualquer forma, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, caso inexis-tente, da data do ajuizamento da ação.

A teor do art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios, o tempo de serviço rural deverá ser comprovado mediante início de prova material e complementa-

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do por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamen-te, à exceção dos trabalhadores rurais bóias-frias (Súmula 149 do STJ).

No art. 106 da Lei de Benefícios estão elencados os meios destina-dos à demonstração do exercício de atividade rural, sendo que tal rol é meramente exemplificativo, não se exigindo prova plena do labor rural de todo o interregno da carência, mas tão-somente um início de prova material que, consoante interpretação da lei, deve ser contemporâneo ao período equivalente ao da carência, mesmo que parcialmente.

A propósito de tal exigência, foram acostados aos autos os seguintes documentos:

1) certidão de casamento da autora, celebrado em 1962, na qual seu cônjuge é qualificado como lavrador (fl. 13);

2) certidões de nascimento dos filhos, datadas de 1965, 1968 e 1974, nas quais a autora e seu cônjuge são qualificados como lavra-dores (fls. 50/52).

Em audiência de instrução e julgamento, realizada em 31.10.2005, foram colhidos os seguintes depoimentos:

Maria Aparecida de Faria Bueno (fl. 136):“que conhece a autora há vinte e cinco anos; que quando conheceu a autora ‘ela tra-

balhava na lavoura’; que quando conheceu a autora esta trabalhava na Fazenda Canadá; que a autora trabalhava como bóia-fria e recebia ‘por semana’; que sabe que a autora trabalhou como bóia-fria nas fazendas Canadá, Santa Alice e Paredão, além de outras também desta região da Comarca de Nova Fátima/PR; que já trabalhou com a autora como bóia-fria nas fazendas supramencionadas, inclusive na Fazenda Primavera; que a autora deixou de trabalhar no meio rural há quatro anos; que a autora nunca trabalhou no meio urbano.” (sic)

Orídia Lopes de Andrade (fl. 137):“que conhece a autora há vinte e três anos; que quando conheceu a autora esta

‘trabalhava na roça, na Fazenda Paredão, perto do Município de Sertaneja/PR’; que a depoente conheceu a autora enquanto ambas trabalhavam juntas na Fazenda Paredão; que sabe que desde que conheceu a autora esta continuou a trabalhar no meio rural, sempre como bóia-fria; que já trabalhou com a autora noutras Fazendas, além da Fazenda Paredão, ou seja, nas fazendas Canadá, Primavera e Flórida, além de outras; que a autora deixou de trabalhar no meio rural há aproximadamente três anos.” (sic)

Depoimento pessoal da parte autora (fl. 135):“que começou a trabalhar no meio rural quando tinha apenas nove anos de idade

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e desde então só parou de trabalhar no meio rural há quatro anos; que inicialmente acompanhava seus genitores no trabalho rural e depois que casou passou a acompanhar seu marido no trabalho rural, sempre trabalhando como bóia-fria; que já trabalhou como bóia-fria nas fazendas Pau D’Alho, Canadá e Santa Alice, além de outras também da região desta Comarca de Nova Fátima/PR; que quando trabalhou pela última vez como bóia-fria trabalhou na Fazenda Pau D’Alho.” (sic)

Para efeitos de carência, deveria a parte autora comprovar o efetivo labor rural no período de 126 meses anteriormente à data do ajuizamento, realizado em 2002, ou 90 meses anteriormente à data do implemento do requisito etário, em 16.11.1996 (fl. 11).

Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como bóias-frias, diaristas ou volantes, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte, seguindo orientação ado-tada pelo Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada, permitindo-se, em algumas situações extremas, até mesmo a prova exclusivamente testemunhal.

Uma vez afastada a exigência de prova material, tem-se que os de-poimentos colhidos em juízo comprovam o labor rural da requerente, na condição de bóia-fria, até 2001, aproximadamente, nas fazendas Canadá, Santa Alice, Paredão, Primavera, Flórida, Pau D’Alho, entre outras. Ademais, ambas as testemunhas afirmam que, desde que conhecem a autora, ela sempre trabalhou como bóia-fria. Assim, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade.

Nesse sentido, ressalte-se que o fato de a apelada ter parado de traba-lhar em 2001, aproximadamente, não elide o direito postulado, visto que à época ela já havia implementado todos os requisitos exigidos, posto que completou 55 anos em 1996.

Portanto, considerando que a segurada completou a idade mínima necessária (55 anos) em 1996 e comprovado o efetivo exercício de atividade rural, na condição de volante, no período correspondente à carência (90 meses anteriormente ao complemento do requisito etário), faz jus ao benefício de aposentadoria rural por idade.

Quanto ao início dos efeitos financeiros da concessão do benefício, em princípio, deve ser a data de entrada do requerimento administrativo, forte no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. No presente caso, verifica-se que

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o INSS devolveu o pedido encaminhado pelo Correio (fl. 46). Assim, a DER deve coincidir com a entrega da correspondência, em 28.02.2002 (fl. 10). Cabe, então, a apelação da autora, devendo-se modificar a sen-tença nesse sentido.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.70.16.000825-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Apelante: Cassemiro FogaçaAdvogados: Dr. Clóvis Felipe Fernandes Dr. Frederico Azambuja Patino Cruzatti

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Remetente: Juízo Federal da VF e JEF de Toledo/PR

EMENTA

Aposentadoria por tempo de serviço. Tempo de serviço rural. Ativi-dade especial. EC 20/98. Lei 9.876/99. Honorários. Tutela específica. Art. 461 do CPC.

1. Segurado especial é o que exerce atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, sendo esta a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.

3. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconheci-mento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo

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de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social.4. Somando-se o tempo especial ora reconhecido com o tempo de

serviço reconhecido administrativamente pelo INSS, verifica-se que a parte autora implementou os requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço proporcional pelas regras antigas (até a EC 20/98) e integral pelas regras atualmente em vigor. Devendo o INSS conceder-lhe o be-nefício na forma mais vantajosa.

5. Os honorários advocatícios restam mantidos em 10% e devem incidir tão-somente sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, excluídas as parcelas vincendas, na forma da Súmula nº 111 do STJ, conforme entendimento pacificado na Seção Previdenciária deste Tribunal (Súmula 76) e no Superior Tribunal de Justiça.

6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. A determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previden-ciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, negar provimento ao recurso do autor e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de julho de 2008.Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata-se de ação ordinária previdenciária ajuizada por Cassemiro Fogaça, nascido em 06.03.1950, objetivando o reconhecimento da atividade rural, em

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regime de economia familiar, no período de 06.03.1962 a 05.11.1989, o reconhecimento da especialidade do período urbano de 06.11.1989 a 31.03.2004, com a concessão de aposentadoria por tempo de serviço desde o requerimento administrativo formulado em 31.03.2004.

Encerrada a instrução, sobreveio sentença (fls. 201/217) que julgou parcialmente procedentes os pedidos para determinar ao INSS o reco-nhecimento do tempo rural de 06.03.1962 a 31.12.1972 e de 01.01.1979 a 28.02.1989, e a conversão das atividades especiais no período de 06.11.1989 a 04.03.1997, com a concessão de aposentadoria desde o requerimento administrativo com pagamento das parcelas devidas corri-gidas pelo INPC e acrescidas de juros de mora de 12% ao ano. Condenou o INSS a pagar honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas dessa as parcelas vencidas após a prolação da sentença. Foram os autos remetidos por força de reexame necessário.

Recorreu o autor pedindo o reconhecimento do tempo rural de 01.01.1973 a 31.12.1978 (atividade exercida no Paraguai).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Cinge-se a controvérsia ao direito da parte autora à concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconhecimento de tempo de ativida-de rural, em regime de economia familiar, no período de 06.03.1962 a 05.11.1989 (com atividade no Paraguai de 01.01.1973 a 31.12.1978), o reconhecimento da especialidade do período urbano de 06.11.1989 a 04.03.1997, bem como o pagamento das parcelas devidas desde o requerimento administrativo, formulado em 31.03.2004.

Remessa oficial

Inicialmente, cabe anotar que o art. 475, § 2º, do CPC não tem apli-cação na espécie, porquanto nesta fase do processo não é possível de-terminar se o valor da controvérsia recursal é inferior a sessenta salários mínimos.

Admissão do trabalho exercido do Paraguai

Pretende o autor o reconhecimento do tempo de atividade rural

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em regime de economia familiar exercido no Paraguai no período de 01.01.1973 a 31.12.1978.

A possibilidade de reconhecimento de trabalho para fins de benefício previdenciário realizado nos países do MERCOSUL é regulada pelo Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul e seu Regulamento Administrativo, de 15 de dezembro de 1997, interna-lizado pelo Decreto nº 5.722, de 13 de março de 2006.

Verifica-se que referido diploma normativo entrou em vigor bem após o pleito administrativo, justificando o procedimento do INSS naquela data.

Ademais, mesmo que se admitisse a aplicação da norma invocada, percebe-se que o reconhecimento do trabalho realizado em diferentes Estados se limita às prestações arroladas em seu art. 7º, verbis:

“Artigo 71. Os períodos de seguro ou contribuição cumpridos nos territórios dos Estados

Partes serão considerados, para a concessão das prestações por velhice, idade avançada, invalidez ou morte, na forma e nas condições estabelecidas no Regulamento Admi-nistrativo. Este Regulamento Administrativo estabelecerá também os mecanismos de pagamento pro rata das prestações.”

No caso dos autos, trata-se de tempo para fins de aposentadoria por tempo de contribuição que não se enquadra nas hipóteses citadas.

Por outro lado, assim como ocorre quanto ao reconhecimento de trabalho rural para fins de contagem em regime próprio de previdência (contagem recíproca) que se mostra inviável sem a indenização das con-tribuições, não há qualquer referência ao recolhimento de contribuições ao Regime de Previdência Paraguaio que possibilitaria a compensação prevista no Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Co-mum do Sul.

Por essas razões, não procede a pretensão do autor de reconheci-mento do tempo de serviço rural exercido no Paraguai de 01.01.1973 a 31.12.1978.

Comprovação do tempo de atividade rural

Quanto ao tempo de serviço rural em que a parte autora pretende o reconhecimento, este pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova

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testemunhal idônea, não se a admitindo exclusivamente (art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ), exceto no tocante aos bóias-frias. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Desse modo, o que importa é a apresentação de documentos que caracterizem o efetivo exercício da atividade rural, os quais não necessitam figurar em nome da parte autora para serem tidos como início de prova do trabalho rural, pois não há essa exigência na lei e, via de regra, nesse tipo de entidade familiar os atos negociais são efetivados em nome do chefe do grupo familiar, geralmente o genitor. Nesse sentido: EDREsp 297.823/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Jor-ge Scartezzini, DJ 26.08.2002, p. 283; AMS 2001.72.06.001187-6/SC, TRF4ªR, 5ª T., Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum, DJ 05.06.2002, p. 293). A qualificação de lavrador ou agricultor em atos do registro civil tem sido considerada, também, como início de prova material, se contemporânea aos fatos, podendo estender-se ao cônjuge, se caracte-rizado o regime de economia familiar (STJ - AgRg no REsp 318511/SP, 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 01.03.2004, p. 201, e AgRg nos EDcl no Ag 561483/SP, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 24.05.2004, p. 341). Ademais, não se exige prova material plena da atividade rural em todo o período requerido, mas início de prova material, o que vai ao encontro da realidade social no sentido de não inviabilizar a concessão desse tipo de benefício.

Recentemente, esta Corte aprovou a Súmula nº 73, que dispõe o se-guinte: “Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.”

Dispensa do recolhimento de contribuições

Tratando-se de aposentadoria por tempo de serviço, o art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91 previu o cômputo do tempo rural, independentemente de contribuições, quando anterior à sua vigência, verbis: “§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.” (Grifei)

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Destarte, o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2º do art. 55 da referida lei, salvo para carência. Frise-se que o e. Superior Tribunal de Justiça pacificou recentemente, por sua 3ª Seção, a matéria, consoante o seguinte precedente: EREsp 576741/RS, Min. Hélio Quaglia Barbosa, 3ª Seção, DJ 06.06.05, p. 178. O e. Supremo Tribunal Federal possui o mesmo posicionamento (AgRg no RE 369.655/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 22.04.2005, e AgRg no RE 339.351/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15.04.2005).

Ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das con-tribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família como aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram (STJ - REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 07.10.03 e REsp 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, decisão de 06.05.04).

Carência

A carência exigida no caso de aposentadoria por tempo de serviço é de 180 contribuições. Contudo, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24.07.91, bem como para os trabalhadores e empre-gadores rurais cobertos pela Previdência Social Rural, a carência para as aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela de acordo com o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício (art. 142 da LB).

Cálculo do salário-de-benefício

Além disso, o salário-de-benefício é calculado pela média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imedia-tamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48 meses, devidamente atualizados, mês a mês, não havendo, neste caso, nenhuma influência do fator previdenciário.

Contagem do tempo de atividade rural a partir dos 12 anos de idade

Referentemente à possibilidade do cômputo da atividade rural entre

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12 e 14 anos de idade, a jurisprudência deste Tribunal e dos EE. STJ e STF é pacífica (TRF4ªR - 3ª Seção, EI 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 12.03.2003; STJ - AgRg no REsp 419601/SC, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, DJ 18.04.2005, p. 399, e REsp 541103/RS, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.07.2004, p. 260; STF- AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. em 15.02.2005).

Do caso em apreço

Para a comprovação do trabalho rural no período de 06.03.1962 a 31.12.1972 e de 01.01.1979 a 28.02.1989 foram trazidos aos autos os seguintes documentos:

a) título de propriedade de imóvel rural passado pelo Estado do Paraná ao pai do autor no ano de 1958 (fl. 37);

b) certificados de cadastro de imóvel rural junto ao INCRA em nome do pai do autor nos anos de 1969 e 1977 (fls. 41/42);

c) título eleitoral do demandante no qual foi ele qualificado como lavrador no ano de 1982 (fl. 46);

d) certidão de casamento do autor em que constou lavrador como sua profissão em 1981 (fl. 47);

e) certidões de nascimento dos filhos do demandante nas quais o autor fez constar lavrador como sua profissão nos anos de 1981 e 1985 (fls. 49/52).

Constituem tais documentos início razoável de prova material do período postulado pela parte autora.

Por sua vez, o início de prova material foi corroborado pela prova testemunhal (fls. 177/179), a qual é categórica no sentido de que a parte autora desempenhava atividades rurícolas desde tenra idade, em regi-me de economia familiar, até o momento em que foi trabalhar no meio urbano.

Depreende-se, portanto, da análise da prova produzida na instrução processual que restou devidamente comprovado o labor rural do autor nos períodos de 06.03.1962 a 31.12.1972 e de 01.01.1979 a 28.02.1989, em regime de economia familiar, porquanto há início de prova material contemporânea aos fatos, corroborada pela prova testemunhal.

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Atividade especial

Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, é de ressaltar-se que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroa-tivamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGREsp nº 493.458/RS, Rela-tor Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJU de 23.06.2003, p. 429, e REsp nº 491.338/RS, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 23.06.2003, p. 457), a qual passou a ter previsão le-gislativa expressa com a edição do Decreto nº 4.827/2003, que alterou a redação do art. 70, § 1º, do Decreto nº 3.048/99.

Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmen-te definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:

a) no período de trabalho até 28.04.95, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, poste-riormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especial idade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente;

b) a partir de 29.04.95, inclusive, foi definitivamente extinto o en-quadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno

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compreendido entre esta data e 05.03.97, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, neces-sária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integri-dade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;

c) no lapso temporal compreendido entre 06.03.97, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), e 28.05.98, data imediatamente anterior à vigência da Medida Provisória nº 1.663/98 (convertida na Lei nº 9.711/98), que vedou a conversão do tempo especial em comum, passou--se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

d) após 28.05.1998 não é mais possível a conversão de tempo especial para comum (art. 28 da MP 1.663/98, convertida na Lei 9.711/98).

Essas conclusões são suportadas por remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 461.800/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 25.02.2004, p. 225; REsp 513.832/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 04.08.2003, p. 419; REsp 397.207/RN, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 01.03.2004, p. 189).

Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/79 (Anexo II) até 28.04.95, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte) e 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.97 e o Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) no interregno compreendido entre 06.03.97 e 28.05.98. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especial idade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGREsp nº 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30.06.2003, p. 320).

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Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25.03.1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24.01.1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, in verbis:

Quanto ao período anterior a 05.03.97, já foi pacificado, em sede da Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19.02.2003, p. 485) e também do INSS na esfera administrativa (Instrução Normativa nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis con-comitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos nos 53.831/64 e 83.080/79 até 05.03.97, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto nº 53.831/64.

Todavia, considerando que esse novo critério de enquadramento da atividade especial veio a beneficiar os segurados expostos a ruídos no ambiente de trabalho, bem como tendo em vista o caráter social do direito previdenciário, é cabível a aplicação retroativa da disposição re-gulamentar mais benéfica, considerando-se especial a atividade quando sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis desde 06.03.97, data da vigência do Decreto nº 2.172/97.

Em resumo, é admitida como especial a atividade em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 80 decibéis até 05.03.1997 e, a partir

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de então, acima de 85 decibéis, desde que aferidos esses níveis de pres-são sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.

No caso concreto, o labor especial controverso está assim detalhado:

Portanto, o conjunto probatório autoriza o reconhecimento da espe-cialidade das atividades desenvolvidas pelo autor, com a averbação do período de 06.11.1979 a 04.03.1997.

Assim, o período convertido perfaz um total de 2 anos, 11 meses e 24 dias.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição após a EC nº 20/98

Cumpre referir que com a promulgação da EC nº 20/98, em 16.12.98, ocorreram profundas modificações no que concerne à aposentadoria por tempo de serviço, a qual passou a se denominar aposentadoria por tem-po de contribuição, permitida tão-somente pelas novas regras na forma integral (RMI 100%), aos 30/35 (mulher/homem) anos de contribuição, sem exigência de idade mínima.

Assegurou a aludida Emenda, no caput do art. 3º, a concessão de Aposentadoria por Tempo de Serviço, a qualquer tempo, aos segurados do RGPS que, até a data da publicação da Emenda (16.12.98), tivessem cumprido os requisitos para a obtenção desse benefício com base nos critérios da legislação então vigente (carência + tempo de serviço: ATS

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no valor de 70% do salário-de-benefício aos 25M/30H anos de tempo de serviço + 6% para cada ano, até o limite de 100%, aos 30M/35H anos de tempo de serviço).

E, para aqueles segurados filiados ao RGPS até 16.12.98 que não tenham atingido o tempo de serviço exigido pelo regime anterior, apli-cam-se as regras de transição (art. 9º da EC nº 20/98). Os requisitos da idade mínima e do pedágio somente prevaleceram para a aposentadoria proporcional (53 anos/H e 48 anos/M e 40% sobre o tempo que faltava, em 16.12.98, para o direito à aposentadoria proporcional). Os exigidos para a aposentadoria integral (idade mínima e pedágio de 20%) não se aplicam por serem mais gravosos ao segurado, entendimento, aliás, reconhecido pelo próprio INSS na Instrução Normativa INSS/DC nº 57/2001, mantido nos regramentos subseqüentes.

Após a Lei nº 9.876/99, publicada em 29.11.99, o período básico de cálculo (PCB) passou a abranger todos os salários-de-contribuição (desde 07/1994), e não mais apenas os últimos 36 (o que foi garantido ao segurado até a data anterior a essa lei – art. 6º), sendo, ainda, introduzido o fator previdenciário no cálculo do valor do benefício.

Do tempo e do direito

No caso em apreço, tendo sido inscrito o segurado no RGPS anterior-mente à vigência da EC 20/98 e possuindo tempo de serviço posterior a esta e mesmo após a Lei nº 9.876/99, procede-se à verificação das hipóteses possíveis para a concessão da aposentadoria levando-se em conta os regramentos precitados:

I - Tempo de serviço até a EC nº 20/98, em 16.12.98

Aposentadoria por tempo de serviço (regras antigas)

Considerando-se o período de labor rural ora reconhecido com o tem-po de serviço averbado pelo INSS na seara administrativa até 16.12.98 (demonstrativo da fl.23), possui o autor tempo suficiente para a aposen-tadoria (art. 53, inciso II, da Lei de Benefícios):

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Tendo o segurado implementado tempo de serviço suficiente para a obtenção da aposentadoria em 16.12.98, data da vigência da EC nº 20/98, a carência legalmente exigida é de 102 (cento e dois) meses, consoante o disposto no artigo 142 da Lei nº 8.213/91 (redação dada pela Lei nº 9.032/95)

Constata-se que, em 16.12.98, a parte autora tinha direito adquirido à concessão da aposentadoria por tempo de serviço pelas regras anteriores à EC n.º 20/98, com renda mensal inicial de 88% do salário-de-benefício e cálculo deste pela média aritmética simples dos últimos 36 (trinta e seis) salários-de-contribuição considerados até dezembro/98.

II - Tempo de contribuição (serviço) até 28.11.99 (dia anterior ao início da vigência da Lei nº 9.876/99)

Aposentadoria por tempo de contribuição (regras transitórias)

Restringindo-se o cômputo do tempo de serviço/contribuição a 28.11.99 (documento da fl. 24), possui o autor o seguinte tempo de serviço:

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Tendo o segurado implementado o tempo de serviço/contribuição para a concessão de aposentadoria proporcional antes da Lei do Fator Previdenciário, aplicáveis a esta hipótese as regras transitórias.

Entretanto, não preenche o segurado o requisito etário, pois nasceu em 06.03.1950.

III - Tempo de contribuição (serviço) até a DER (31.03.2004)

Aposentadoria por tempo de contribuição (regras permanentes)

Computando-se o tempo de serviço/contribuição até a data do reque-rimento administrativo em 31.03.2004 (demonstrativo da fl. 25), possui o autor o seguinte tempo de serviço:

Tendo o segurado implementado o tempo de serviço/contribuição para a concessão da aposentadoria posteriormente à Lei do Fator Previ-denciário, aplicáveis a esta hipótese as regras atuais (permanentes) (art. 201, § 7º, inciso I, CF/88).

Atingido pelo segurado o respectivo tempo de serviço na DER em 2004, o prazo de carência é de 138 (cento e trinta e oito) meses, a teor do disposto no art. 142 da Lei nº 8.213/91 (redação da Lei nº 9.032/95).

Desse modo, preenchidos os requisitos para a aposentadoria integral até a data da DER (31.03.2004), possui o segurado direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição pelas atuais regras (perma-

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nentes) (art. 201, § 7º, inc. I, CF/88), com RMI de 100% do salário-de--benefício, incidindo a Lei nº 9.876/99 no cálculo do salário-de-benefício (art. 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91 – redação da Lei nº 9.876/99), me-diante a apuração da média aritmética simples dos maiores salários-de--contribuição correspondente a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo (desde 07/94), multiplicada pelo fator previdenciário.

Conclusão

Da análise das hipóteses verifica-se que o autor implementou os requisitos para:

a) a aposentadoria por tempo de serviço proporcional pelas regras antigas (até a data da EC 20/98);

b) a aposentadoria por tempo de contribuição pelas regras perma-nentes, mas já com a incidência do fator previdenciário e com PBC de todo o período contributivo desde 07/94 até a data da DER (31.03.2004).

Desse modo, possui direito adquirido à aposentadoria na forma de cálculo que lhe for mais vantajosa, devendo, desse modo, a Autarquia previdenciária apurar e conceder o benefício na forma mais benéfica ao demandante, desde a data do requerimento administrativo.

Correção monetária

A atualização monetária das parcelas vencidas deverá ser feita pelo IGP-DI (MP nº 1.415/96 e Lei nº 9.711/98), desde a data dos vencimentos de cada uma, inclusive daquelas anteriores ao ajuizamento da ação, em consonância com os enunciados nos 43 e 148 da Súmula do STJ.

Reformo a sentença nesse ponto.

Juros de mora

Dispõe a Súmula nº 75 desta Corte, in verbis: “Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.”

Honorários advocatícios

Os honorários advocatícios a serem suportados pela Autarquia, em razão do decaimento mínimo, devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, na forma da Súmula nº 76 desta Corte, in verbis: “Os

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honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir so-mente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.”

Tutela Específica

A 3ª Seção desta Corte já pacificou entendimento quanto à aplicação da tutela específica, conforme julgado assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 DO CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRI-MENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.

1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo ‘devedor’ através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), instituído a tutela espe-cífica do direito do ‘credor’ de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.

2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conse-qüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.

3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).

4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo

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ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.

5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, conseqüentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.

6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previden-ciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.

7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.” (TRF da 4ª Região, Ques-tão de Ordem na AC Nº 2002.71.00.050349-7/RS, 3ª Seção, Rel. Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, rel. para o Acórdão Des. Federal CELSO KIPPER, julgado em 09 de agosto de 2007, publicado em 02.10.2007)

Em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os artigos 461 e 475-I, caput, do CPC, e inexistindo embargos infringentes, expeça-se ofício à Gerência Executiva do INSS para que, em até 45 dias, implante o benefício, conforme os parâmetros definidos neste Acórdão.

Dispositivo

Diante do exposto, somente para alterar o índice de correção, voto por dar parcial provimento à remessa oficial, negar provimento ao recurso do autor e determinar a implantação do benefício.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.01.004778-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva

Apelante: Ministério Público FederalApelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Previdenciário e Processual Civil. Ação Civil Pública. Benefício as-sistencial. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Art. 515, § 3º, do CPC. Atuação do Ministério Público Federal como parte e custos legis. Questão de ordem. Legitimidade ativa do MPF. Interesse social do benefício. Constituição Federal. Inadequação da via eleita afastada. Art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS). Parágrafo único do Art. 34 da Lei nº 10.471/2003 (Estatuto do Idoso). Tutela antecipatória. Art. 273 do CPC.

1. Na hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. Inteligência do art. 515, § 3º, do CPC.

2. Solvida questão de ordem no sentido de desconsiderar o parecer emitido pelo Ministério Público Federal, na condição de custos legis, uma vez que figura como parte ativa na ação. Todavia, mantém-se o documento encartado nos autos para eventual conhecimento em face de recurso.

3. A Constituição Federal remete ao Ministério Público a função institucional de zelar pelos direitos nela assegurados, assim compreen-dida também a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, cabendo-lhe promover as medidas necessárias à sua garantia e, inclusive, a ação civil pública (arts. 127 e 129, incisos II e III).

4. Dentre as finalidades da ação civil pública, passíveis de proposição pelo Ministério Público, está compreendida a proteção dos interesses coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso (art. 74, inciso I, da Lei nº 10741/03), como ainda a proteção de inte-resses coletivos das pessoas portadoras de deficiência (art. 3º da Lei 7853/89). Nesse rol está inserido o benefício assistencial previsto na Lei nº 8742/93, conforme previsão dos arts. 20 e 31 daquela norma, ante o direcionamento imposto pelo art. 203, V, CF/88.

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5. Plenamente justificada a tendência de prestigiar a atuação do Mi-nistério Público, como Instituição à qual atribuída a utilização da ação civil pública para a proteção dos direitos sociais difusos ou coletivos ou, ainda, direitos individuais homogêneos, desde que presente interesse social relevante, o que lhe confere legitimidade para figurar no pólo ativo da ação.

6. No sistema constitucional brasileiro é perfeitamente possível o controle difuso da constitucionalidade de lei, incidentalmente, no caso concreto em julgamento, com efeito entre as partes da causa. Tal não acarreta ofensa ou usurpação da competência do Excelso Supremo Tri-bunal Federal, uma vez que àquela Corte cabe o controle concentrado de constitucionalidade, em caráter abstrato, aí sim produzindo eficácia contra todos e efeito vinculante, consoante previsão do art. 102, § 2º, CF.

7. Entendimento firmado no sentido de que tão-somente os benefícios de caráter assistencial ou previdenciário de renda mínima percebidos por idoso ou deficiente, não devem ser considerados para fins de ren-da per capita, a teor do disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.471/2003.

8. Reafirmada a verossimilhança das alegações e, ainda, presente o risco de grave dano se se aguardar o julgamento final, deve prevalecer o direito inerente aos idosos e deficientes, em cumprimento aos fundamen-tos da própria República, insertos na Constituição Federal, que garante a proteção do direito à vida e a conseqüente dignidade da pessoa humana. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do disposto no art. 273 do CPC.

9. Apelação parcialmente provida. Tutela antecipatória deferida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e deferir o pedido de tutela antecipatória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de agosto de 2008.Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o INSS, com pedido de antecipação de tutela, objetivando:

“- a antecipação da tutela, após a oitiva do representante do INSS conforme o art. 2º da Lei nº 8.437/92, com a determinação à demandada para que desconsidere, no âmbito da Subseção Judiciária de Joinville e também em todo Brasil, para efeito de cálculo da renda familiar na análise dos requerimentos de benefício assistencial devido ao defi-ciente e ao idoso, o valor de até um salário mínimo pertencente à renda percebida por outro membro da família idoso (maior de 65 anos) ou deficiente, independentemente de sua fonte, bem como revise todos os benefícios denegados, nos últimos cinco anos, que poderiam ser concedidos no critério ora pleiteado, mas não o foram em virtude do entendimento da autarquia;

- a procedência da presente ação, com a confirmação da antecipação da tutela e determinação ao INSS para que, no âmbito da Subseção Judiciária de Joinville e também em todo Brasil, exclua, para efeito de cálculo da renda familiar na análise dos requerimentos de benefício assistencial devido ao deficiente e ao idoso, o valor de até um salário mínimo pertencente à renda percebida por outro membro da família idoso (maior de 65 anos) ou deficiente, independentemente de sua fonte;

- a fixação de multa diária no valor de R$ 5.000,00, em face da pessoa do Admi-nistrador do INSS, e não da autarquia federal, a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da Lei nº 7347/85), para o caso de descumprimento da determinação judicial.” (fls. 02-37)

O INSS apresentou contestação às fls. 47-54, argüindo, em preli-minar, a incompetência do juízo e a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal. No mérito, asseverou que a presente demanda deverá ser julgada improcedente, uma vez que o parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03 faz uma exceção à norma geral da LOAS, aplicando--se exclusivamente ao idoso, não havendo violação a direito individual homogêneo. Aduziu que somente por meio de ADIN referida norma poderia ser atacada. Asseverou ainda que a liminar postulada não deverá ser concedida, sob pena de onerar enormemente a economia pública. Tam-bém pugnou pela improcedência do pedido de imposição de multa pelo descumprimento de eventual decisão a ser proferida. Caso seja julgado procedente o pedido, postulou fosse concedido prazo razoável de pelo menos noventa dias para a revisão dos benefícios já indeferidos, dada a grande quantidade de trabalho que eventual decisão de procedência

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poderia gerar.Em face da alegação de litispendência formulada na contestação,

foi determinado à Autarquia ancilar (fl. 54v) juntar aos autos cópia das iniciais, eventuais decisões liminares, contestação e eventual sentença, nos processos referidos no tópico 2.3 da manifestação das fls. 47-54. O INSS juntou cópia dos documentos solicitados às fls. 57-80.

A r. decisão singular foi proferida às fls. 81-82, assim consignando:“SENTENÇAI. Relatório. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em face do

Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando que seja determinada ao demandado a desconsideração, para efeito de cálculo da renda per capita da família, na análise dos requerimentos do benefício assistencial devidos ao deficiente e ao idoso previsto na Lei 8.742/93, do valor de até um salário mínimo decorrente da renda percebida por outro membro da família, idoso (maior de 65 anos) ou deficiente, independentemente de sua fonte.

Intimado, o INSS apresentou manifestação (fls. 47/54), alegando a incompetência do Juízo, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e a litispendência desta ação com as ações 2007.71.02.000569-5, 2007.71.20.000785-2 e 2007.71.19.000090-8. No mérito, defendeu a constitucionalidade dos atos normativos impugnados e requereu o indeferimento da medida. Manifestação complementar às fls. 57/80.

Vieram-me os autos conclusos para decisão.É o pertinente relatório. DECIDO.II - Fundamentos.1. Inadequação da via eleita. Pretende o Ministério Público Federal conferir ao artigo

34 do Estatuto do Idoso adequação ao princípio constitucional da isonomia, utilizando--se, para tanto, da interpretação conforme à Constituição, a fim de que tal artigo seja aplicável (1) aos deficientes físicos e (2) também para que seja desconsiderada renda de até um salário mínimo, independentemente da fonte, no cálculo da renda per capita do grupo familiar do requerente ao benefício assistencial. A menção na inicial da Instrução Normativa 11/2006 do INSS não afasta a real pretensão do Ministério Público Federal que é dirigida ao artigo 34 do Estatuto do Idoso.

A interpretação conforme à Constituição não permite e não atribui ao intérprete da lei, seja qual for a instância de julgamento, uma delegação para que proceda à melhoria ou ao aperfeiçoamento da lei. Isso significa que ‘a interpretação conforme à Constitui-ção conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei, quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador’ (Mendes, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato

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de normas no Brasil e na Alemanha. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1999. p. 281-282).Sendo assim, a pretensão de aumentar o espectro de abrangência do dispositivo

legal em comento, ainda que sob a justificativa de adequação ao princípio da isonomia, configura bem mais que investigação da vontade do legislador, configura atuação do judiciário como legislador positivo, inserindo no texto da lei palavras e sentido que não lhe foram atribuídos pelo legislador infraconstitucional.

A inconstitucionalidade desse dispositivo parece evidente, mas não é a ação civil pública o veículo adequado para sua correção, pois não se pode através desta ação usurpar competência do Supremo Tribunal Federal de controle abstrato de constitu-cionalidade das leis, bem como não se pode pretender criar nova lei através do Poder Judiciário e, por fim, atribuir controle difuso em situação em que não se apresentam casos concretos de dano a direito difuso, coletivo ou individual homogêneo.

É que a apreciação pretendida fará surgir um comando normativo judicial com caráter de lei abstrata para que, a partir de sua prolação, no mínimo, seja dada esta ou aquela interpretação à lei, ampliando os beneficiários da exceção prevista no artigo 34 do Estatuto do Idoso.

Assim deverá ser ajuizada a competente ação direta de inconstitucionalidade, veículo hábil ao controle concentrado de constitucionalidade, ou então as respectivas ações individuais, em que, daí sim, poderá ocorrer o controle difuso de constitucionalidade.

Destaco, ainda, que a jurisprudência atual do Supremo no tocante à concessão do benefício assistencial tem autorizado a análise concreta de cada caso levado ao conhe-cimento do Poder Judiciário, não restringindo a concessão aos limites dos preceitos legais estabelecidos na Lei 8742/93.

III - Dispositivo.ISSO POSTO,01. Indefiro a petição inicial nos termos do artigo 295, inciso I e V, do Código de

Processo Civil e EXTINGO o processo sem julgamento do mérito nos termos do artigo 267, inciso I, também do Código de Processo Civil.

02. Sem custas nem honorários advocatícios.03. Após o decurso do prazo previsto para interposição do recurso voluntário,

arquivem-se os autos.04. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Joinville/SC, 19 de dezembro de 2007.Janaina Cassol Machado Juíza Federal Substituta”

O Ministério Público Federal apelou, sustentando que os provimentos buscados na presente ACP não constituem usurpação da competência do c. STF, uma vez que são concretos e não poderiam ser alcançados através do controle de constitucionalidade concentrado quando do julgamento de eventual ADI (fls. 84-93). Refere casos análogos onde várias ações

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foram ajuizadas em outros Estados da Federação, reconhecendo a com-patibilidade da ACP com a matéria ventilada nos autos. Prequestiona os dispositivos contidos na Lei nº 7347/85 e no art. 102, I, da CF/88 para fins de interposição de eventuais recursos especial/extraordinário. Ao final, pugnou pela reforma da r. sentença monocrática.

Sem contra-razões, vieram os autos a esta e. Corte.O ilustre Órgão do Parquet Federal lavrou parecer às fls. 97-100,

opinando pelo provimento da apelação.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Inicialmente, cumpre registrar que, na hipótese de extinção do processo sem julga-mento do mérito (art. 267 do CPC), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento, consoante a disposição contida no art. 515, § 3º, do CPC.

Insurge-se a parte apelante contra a sentença das fls. 81-82, que inde-feriu a petição inicial, nos termos do art. 295, incisos I e V, do Código de Processo Civil e extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, de acordo com a previsão contida no art. 267, inciso I, do mesmo estatuto processual.

Preliminares

1) Ministério Público Federal - atuação como parte e custos legis:Inicialmente, deve ser solvida questão de ordem, relativamente à par-

ticipação do Ministério Público Federal, na condição de parte e também de custos legis.

A propósito do tema, a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85) prevê o seguinte: “Art. 5º (omissis) § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.”

Por sua vez, o art. 92 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consu-midor), também aplicado à espécie por força do artigo 21 da Lei 7347/85, assim estabelece: “O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará

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sempre como fiscal da lei.”A partir de julgados anteriores (AC nos 2001.72.09.003083-8;

2002.70.09.002122-7; 2006.71.00.016251-1), igualmente ficou delineado que nas ações onde o Ministério Público figura como parte não poderia também emitir parecer na condição de custos legis.

Entrementes, entendo que não é caso de ser determinado o desentra-nhamento daquele parecer já encartado nos autos. Isso permitirá que, em caso da interposição de recurso, sendo outro o entendimento da 3ª Seção deste Regional e das Cortes Superiores, seja possibilitado o imediato conhecimento da manifestação ministerial.

Assim, ao invés de ser determinado o desentranhamento, é caso de não ser considerada a manifestação por ocasião deste julgamento, o que não lhe acarreta prejuízo, porquanto, como parte autora, está sendo intimado de todos os atos processuais.

Ante o exposto, entendo por manter o parecer exarado pelo Ministério Público Federal (fls. 97-100) encartado nos autos, apenas não o consi-derando para o julgamento do feito.

2) Legitimidade ativa do Ministério Público Federal para o ajuiza-mento da presente ação civil pública:

Em princípio, porque a Constituição Federal, no art. 127, remete àquela Instituição a incumbência de defesa dos interesses sociais e in-dividuais indisponíveis. A previsão é completada no art. 129, inciso III, quando acrescenta o encargo de promover a ação civil pública, para a proteção de outros interesses difusos e coletivos.

Por sua vez, é flagrante o interesse social do benefício assistencial, conforme previsão do art. 203 e inciso V da Magna Carta.

Melhor explicitando a função institucional do Ministério Público, com a edição da Lei Complementar nº 75/93, arts. 1º e 2º, ficou delineado que, além da defesa dos interesses sociais, têm a incumbência de adotar as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados pela Constituição Federal. E mais, deve, ainda, zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social (inc. II, d, art. 5º, Lei citada).

Para essa função, dentre os instrumentos de atuação, a Lei Comple-mentar nº 75/93 dispõe, no artigo 6º, que lhe compete:

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“VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:a) a proteção dos direitos constitucionais;(...)c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos

às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

(...)XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos;(...)XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucio-

nais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto:

(...)d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia,

à comunicação social e ao meio ambiente;”

A ação civil pública, dentre outras, tem por finalidade, como indicado no art. 1º da Lei nº 7347/85, a responsabilidade por danos morais e patri-moniais “IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, competindo ao Ministério Público “instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso” (art. 74, I, da Lei nº 10741/03), como ainda poderá propor “ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência...” (art. 3º da Lei nº 7853/89).

Finalmente, na esteira da previsão do art. 31 da Lei nº 8742/93, “cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos estabelecidos nesta lei”, nisso compreendido o benefício assistencial previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.

A isso deve ser acrescida a acentuada busca dos cidadãos pelos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal. Para isso, as ações coletivas, como a própria ação civil pública, assumem papel de extrema relevância. Sem embargo, vem contribuir sobremodo para a agilização da prestação jurisdicional, evitando o ajuizamento de centenas ou mesmo milhares de ações individuais, para perseguição dos mesmos direitos.

Esse direcionamento é muito bem acentuado em julgado recentíssimo do Excelso Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro Marco Au-

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rélio, onde assentado que “Tanto quanto possível, considerado o direito posto, deve ser estimulado o surgimento de macroprocesso, evitando-se a proliferação de causas decorrentes da atuação individual.” (RE 441318-DF - 1ª Turma - DJU de 24.02.2006)

Portanto, é plenamente justificada essa tendência de prestigiar a atua-ção do Ministério Público, como Instituição à qual atribuída a utilização da ação civil pública, na proteção aos direitos sociais, sejam difusos, sejam coletivos, ou ainda, como já registrou o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgado relatado pelo Ministro Luiz Fux, “em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante (Precedente)...” (REsp 637332/PR - 1ª Turma - unânime - DJU de 13.12.2004, p. 242 - destaquei). Nesse sentido também merece destaque outro julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. REAJUSTE DOS BE-NEFÍCIOS DE SEGURADOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. DIREITOS OU INTERESSES COLETIVOS. LEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

- Tratando-se de ação que visa à proteção de interesses coletivos e apenas de modo secundário e conseqüencial à defesa de interesses individuais homogêneos, ressai clara a legitimidade do Ministério Público para intentar a ação civil pública. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 176538/SP - 4ª T. - Rel. Ministro Barros Monteiro - unânime - DJ de 14.06.2004 - p. 222)

Em abono a esse entendimento, cabe trazer ensinamento de Teori Albino Zavascki, quando posiciona:

“Questão mais delicada é a de saber se o Ministério Público tem legitimação para defender coletivamente outros direitos individuais além daqueles expressamente previstos pelo legislador ordinário. Enfrentando o tema no estudo antes referido, concluímos que não cabe ao Ministério Público bater-se em defesa de direitos ou interesses individuais, ainda que, por terem origem comum, possam ser classificados como homogêneos. Aliás, esta tem sido a orientação do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, em casos excepcionais, devidamente justificados e demonstrados, em que a eventual lesão a um conjunto de direitos individuais possa ser qualificada, à luz dos valores jurídicos estabelecidos, como lesão a interesses relevantes da comunidade, ter--se-ia presente hipótese de lesão a interesse social, para cuja defesa está o Ministério Público legitimado pelo art. 127 da Constituição. Também nestas hipóteses – cuja configuração estará evidentemente sujeita ao crivo do Poder Judiciário – a atuação do Ministério Público, necessariamente em forma de substituição processual autônoma, limitar-se-á à obtenção dos provimentos genéricos indispensáveis à restauração dos

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valores sociais comprometidos, sendo-lhe vedado deduzir pretensões que signifiquem, simplesmente, tutela de interesses particulares, ainda que homogêneos, ou de grupo.” (Defesa de Direito Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos - Revista AJUFE nº 48, a. 1996, p. 7-21 - destaquei)

Finalmente, em recente decisão monocrática, exarada pelo Ministro Celso de Mello, RE nº 472.489-RS, perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, foi reafirmado que:

“(...) Esse entendimento – que reconhece legitimidade ativa ao Ministério Público para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos impregnados de relevante natureza social – reflete-se na jurisprudência firmada por esta Suprema Corte (RTJ 185/302, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI 491.195-AgR/SC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 213.015/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 255.207/MA, Rel. Min. CEZAR PELUSO - RE 394.180-AgR/CE, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 424.048-AgR/SC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 441.318/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 470.135-AgR-ED/MT. (...)” (publicada no DJE de 28.11.2007 - destaquei)

Com isso resta seguramente confirmada a legitimidade do Ministério Público Federal para o pólo ativo da presente ação.

3) Inadequação da via eleita:Utilizando-me dos mesmos fundamentos supra, também não procede

a fundamentação do MM. Juízo a quo ao sustentar a inadequação da via eleita, porquanto se viu que a ação civil pública também se presta para a defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante, como restou comprovado nos autos.

4) Litispendência:Tenho que, por ora, não é possível reconhecer a litispendência, em

razão da existência de ações civis públicas com as mesmas partes e objeto em outras Subseções Judiciárias.

Isso porque o art. 16 da Lei nº 7.347/1985 dispõe que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator.

Ou seja, de acordo com o dispositivo legal – cuja validade não será apreciada neste momento –, as ações civis públicas por ventura existen-tes não incidem sobre os limites territoriais da Subseção Judiciária de Joinville. Logo, não há que se falar em litispendência, porquanto não há, naquela Subseção Judiciária, outra ação civil pública com as mesmas

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partes e objeto.Assim, não obstante a existência de posicionamento diverso, entendo

prudente, neste momento processual, afastar a prefacial de litispendência com base no dispositivo em comento.

Superadas as questões preliminares acima, sendo que as demais confundem-se com o próprio mérito, cujo exame passo a fazer.

Mérito

Partindo do fundamento de proteção à dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal traz a previsão, dentre outros, no art. 203, inciso V, da “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Em observância àquela previsão constitucional, foi editada a Lei nº 8742/93, verbis:

“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de defici-ência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.”

Dessa forma, ficou estabelecido que a renda familiar per capita deveria ser inferior a ¼ do salário mínimo, como limite do que se compreenderia por incapacidade da família em prover a manutenção daquele idoso ou portador de deficiência.

Na seqüência, foi editada a Lei nº 10741/2003, que dispõe sobre o estatuto do idoso, trazendo a reafirmação daqueles fundamentos constitu-

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cionais, reavivando que deverão ser assegurados direitos à vida, à saúde, à alimentação, à cidadania e à dignidade. Tanto assim que, quando trata de alimentos, no art. 14, registra que, “se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social.” Também ao deficiente são assegurados os direitos básicos que propiciem uma vida digna (arts. 1º e §§ e 2º da Lei nº 7.853/89).

Mais adiante, quando disciplina sobre a assistência social, no art. 34, o mesmo estatuto do idoso volta a assegurar, àquele idoso, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, o benefício mensal de um salário mínimo, nos termos da LOAS. Finalmente, apresenta relevantíssimo destaque, no parágrafo único do mesmo art. 34, quando excepciona que “O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.”

Ora, todas essas previsões estão dirigidas, sem embargo, para assegu-rar ao idoso e ao deficiente, como cidadãos, o mínimo de dignidade, no transcurso de uma vida não privilegiada, onde sequer conseguem, por si ou por seus familiares, o menor grau de recursos que assegurem uma alimentação adequada, o agasalho e o medicamento, este não raras vezes indisponível nos postos de saúde. Veja-se que é referido apenas sobre um mínimo de dignidade da pessoa humana, sequer sendo cogitado de outras garantias também asseguradas pela Constituição, como os direitos à educação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade (art. 3º da Lei nº 10.741/03; art. 2º da Lei nº 7.853/89), que também deveriam estar incluídos no conceito de dignidade, porque próprios da vida em sociedade.

Para a concretização daquele direito à dignidade, foi assegurado um salário mínimo para o idoso e o deficiente, com importante ressalva de que, no cômputo da renda familiar, não será considerado igual benefício já concedido a outro membro da família.

Resta saber então se aquele benefício ficaria limitado aos assisten-ciais, concedidos a idosos ou deficientes, ou também a outro benefício previdenciário de valor mínimo, concedido a idoso ou pessoa portadora de deficiência, ou, finalmente, a qualquer valor no importe de até um salário mínimo, independentemente de sua fonte.

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A primeira assertiva extraída é de que não é possível interpretar o dispositivo citado de forma que venha a prejudicar o próprio idoso ou deficiente, razão de ser da norma. E isso aconteceria em sendo considera-do outro benefício de valor mínimo para a composição da renda familiar, seja concedido a idoso, seja mesmo a pessoa deficiente.

Ora, inexiste justificativa para a distinção entre benefício mínimo de caráter assistencial ou de caráter previdenciário. Ambos são benefícios mínimos, perdendo relevância qual seja a sua origem.

E mais, também não é de ser vislumbrada a eventual diferença entre não considerar o benefício mínimo concedido a idoso e considerar outro outorgado a pessoa deficiente.

Chegar-se-ia ao inusitado, de acordo com a ordem de postulação, se-ria ou não deferido benefício a idoso e ao portador de deficiência física. Explico: se postulado benefício por idoso, integrante de grupo familiar onde também existe portador de deficiência, já beneficiado pela LOAS, a renda deste integraria a renda familiar, caso em que o idoso não seria contemplado. Ao reverso, postulado o benefício pelo portador de de-ficiência integrante do mesmo grupo familiar, este seria contemplado, porquanto não estaria considerado o benefício já recebido pelo idoso. Como se viu, foge à lógica que a previsão legal navegue para direções opostas, ao final, em face da mesma situação fática, alterada pela ordem de pedidos.

A interpretação não pode se afastar do objetivo maior da norma, qual seja, proteção ao idoso e ao deficiente. No caso, se considerado na renda familiar qualquer daqueles benefícios, acabaria por restar maculada a finalidade da norma, uma vez que o idoso ou deficiente ficariam im-pedidos de receber o benefício em comento, com flagrante prejuízo ao fundamento da dignidade humana, da isonomia e, inclusive, afastando-se de um dos objetivos da assistência social, representado pelo amparo à velhice e à deficiência física.

Deve ser perseguido o direcionamento, seja aquele imposto pela Constituição Federal ou mesmo pela legislação já citada, no sentido de assegurar àqueles idosos ou portadores de deficiência, compreendidos num universo de carentes de recursos para a própria subsistência, um mínimo que possibilite vida digna. É de se destacar que o salário míni-mo, previsto para tais, é considerado imprescindível à subsistência, por

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óbvio, tendo em conta a idade avançada ou mesmo a deficiência de que portador. Esses cidadãos, sem embargo, fazem por necessitar maiores recursos para o próprio enfrentamento da situação fática registrada, o que é minimizado pela assistência social, com a entrega daquele salário mínimo. Nessa linha merecem transcrição precedentes deste Regional:

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA FAMILIAR PER CAPITA. SÚMULA 61 DESTA CORTE. CANCELAMENTO. EXCLUSÃO DA UNIÃO FEDERAL DO PÓLO PASSIVO DA LIDE. TUTELA ANTECIPADA.

1. (omissis)2. O legislador, ao estabelecer, no parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003,

que o benefício de prestação continuada já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, teve como objetivo preservar a renda mínima auferida pelo idoso, ou seja, assegurar que o minguado benefício (de um salário mínimo) não seja considerado para efeito do cálculo da renda familiar per capita. Desse modo, é possível estender, por analogia, tal raciocínio aos demais benefícios de renda mínima (aposentadoria por idade rural, por exemplo), ainda que não seja aquele previsto na LOAS, na medida em que ambos se destinam à manutenção e à sobrevivência da pessoa idosa, porquanto seria ilógico fazer distinção apenas porque concedidos com base em suportes fáticos distintos.

(omissis).” (AC nº 2001.71.05.003019-7, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 19.08.2004)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO E AGRAVOS REGIMENTAIS. PREVIDENCI-ÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HO-MOGÊNEOS. IDOSOS E INCAPAZES. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI Nº 10.741/03.

1. Consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social. Ademais, dispõe o art. 74, inciso I, da Lei n° 10.741/03 competir ao Ministério Público instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso.

2. Despropositada se afigura a interpretação literal e restritiva do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, segundo a qual somente o benefício concedido a qualquer membro da família nos termos do caput do indigitado dispositivo ‘não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS’. Fere a razoabilidade e, sobretudo, a isonomia, o fato de aquele que contribuiu a vida inteira para a Previdência Social ter seu benefício no valor de um salário mínimo computado no cálculo da renda familiar, ao passo em que excluído do referido cálculo o benefício

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assistencial percebido pelo idoso que nada verteu para o sistema previdenciário.3. Ainda que tratando especificamente do idoso, o art. 34, parágrafo único, da Lei

nº 10.741/03 não pode deixar de ser aplicado no caso do ‘incapaz para a vida inde-pendente e para o trabalho’, porquanto não se pode dizer que economicamente haja qualquer distinção.

5. Agravo de instrumento provido.” (AG nº 2005.04.01.022719-0, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU DE 16.11.05, p. 975/991)

É de ser anotado que a conclusão não macula a competência do Excelso Supremo Tribunal Federal, para o julgamento da inconstitucio-nalidade de norma em abstrato. O direcionamento da decisão presente não é para afastar o limite objetivo, já reconhecido pelo Excelso STF, quanto à renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo, para fins de concessão do benefício assistencial da Lei nº 8.742/93.

O que se está perseguindo, ao fim e ao cabo, é a interpretação da previsão do art. 34 e parágrafo único da Lei nº 10741/2003, na confor-midade com aqueles fundamentos e princípios estabelecidos na Carta Magna, contra o que não pode avançar a IN nº 11/2006. Nesse sentido, cabe recordar julgado do Excelso STF, relatado pelo Ministro Carlos Velloso, onde assentado que:

“Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional.” (AI 504856 - 2ª Turma - unânime - DJU de 08.10.04, p. 18).

Daí porque não se trata de ampliar os limites objetivos e subjetivos da norma legal ou legislar positivamente, ou mesmo ofensa aos princí-pios da reserva legal, separação dos poderes e ao princípio democrático de direito, mas, sim, de interpretar as normas, em consonância com os ditames da Constituição Federal, atribuição essa do Poder Judiciário.

Sequer pode ser cogitado de eventual ofensa ao princípio da prece-dência de fonte de custeio, uma vez que o benefício em comento está delineado na própria Constituição Federal (art. 203, inciso V). A propó-sito, cabe trazer à colação decisão exarada junto ao Excelso Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Carlos Britto, que negou seguimento a recurso interposto pelo INSS em caso similar, quando bem abordou a questão, inclusive, afastando a ofensa à Constituição Federal, verbis:

“DECISÃO: Vistos, etc. Cuida-se de recurso extraordinário, com fundamento nas

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alíneas a e b do inciso III do art. 102 da Magna Carta, contra acórdão da Turma Re-cursal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte. Acórdão que manteve a sentença, assegurando a percepção do benefício assistencial previsto art. 20 da Lei nº 8.742/93. 2. Pois bem, o Instituto Nacional do Seguro Social sustenta que o benefício foi concedido, apesar de não preenchidos os requisitos previstos na Lei nº 8.742/93. Concessão essa que viola o inciso V do art. 203 da Magna Carta. 3. Tenho que o recurso não merece acolhida. É que, no caso específico dos autos, a concessão do benefício se deu com os olhos voltados unicamente à legislação infraconstitucional aplicável (Leis nº 8.742/93 e 10.741/03). Leio o seguinte trecho do acórdão proferido pela Turma Recursal: ‘O legislador ordinário regulamentou o benefício através da Lei 8.742/93, artigo 20, e Decreto 1.744/95, prevendo que, para fazer jus à sua concessão, a renda mensal familiar per capita do requerente não pode ultrapassar ¼ do salário mínimo. In casu, o esposo da autora percebe o benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural, o que, no entendimento do INSS, é razão suficiente para justificar o indeferimento do pedido. Ocorre que o Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741/2003 assim estabelece no parágrafo único do seu art. 34: ‘Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.’ Da análise do dispositivo legal acima transcrito e considerando-se o princípio da isonomia, tenho que não há razão plausível que justifique dispensar tratamento diferenciado para o caso de membro da família que percebe aposentadoria no valor mínimo, fazendo incluí-la no cômputo da renda familiar a que se refere a Loas. Ademais, não se pode negar que a aposenta-doria concedida ao segurado especial, por não ter caráter contributivo, possui natureza assistencial, a mesma do amparo social, o que corrobora ainda mais o entendimento segundo o qual estes benefícios merecem o mesmo tratamento para o fim do disposto no parágrafo único do art. 34 em referência. (...) Deste modo, ainda que o benefício percebido pelo cônjuge da autora não se refira a um amparo assistencial, e sim a uma aposentadoria no valor mínimo, entendo que não deve integrar o cálculo da renda familiar, por aplicação analógica do art. 34, parágrafo único da Lei nº 10.741/2003. Destarte, uma vez demonstrada a necessidade do benefício para a sobrevivência da requerente e cumprido o requisito etário, entendo que a autora faz jus ao benefício pleiteado. (...)’ 4. Logo, a ofensa ao Magno Texto, se existente, dar-se-ia apenas de modo indireto ou reflexo, o que não autoriza a abertura da via extraordinária. 5. Por outro lado, anoto que não houve declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, na forma do art. 97 da Carta Magna, o que torna incabível a interposição do recurso com fundamento na alínea b do dispositivo constitucional pertinente. Neste sentido, é a remansosa jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que é exemplo o RE 294.361-AgR, da relatoria do Ministro Ilmar Galvão. Assim, frente ao caput do art.

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557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se.” (RE - 480265/RN - Rel. Min. Carlos Britto - julgado em 24.02.06 - DJU de 16.03.2006 - p. 70 - trânsito em julgado em 03.04.06)

Na mesma linha o precedente seguinte :“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA RE-

FLEXA OU INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DOS FATOS E DAS PROVAS JÁ ANALI-SADAS E PRODUZIDAS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRECEDENTES.

1. Impertinência do pedido de declaração de constitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, diante do pronunciamento deste Supremo Tribunal Federal na ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-DF, ocasião em que não afirmou inexistirem outras situações concretas que impusessem atendimento constitucional, e não subsunção àquela norma.

2. O pedido do INSS, para que se considere ser a definição do benefício concedido à Agravada incompatível com o quanto decidido na ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232, não procede.

3. Agravo Regimental ao qual se nega provimento.” (STF - AI-AgR 470975/SP - 1ª Turma - Rel. Ministra Carmen Lúcia - unânime - DJU de 16.03.2007, p. 24, grifado)

Entrementes, tenho que não é de ser acatada a insurgência do Minis-tério Público Federal, quando pretende que sejam também excluídas, da renda familiar, rendas auferidas por idoso/deficiente, no valor de até um salário mínimo, independentemente da fonte, computando-se apenas a parcela excedente. Isso porque seria contra legem, porquanto a lei ex-pressamente registra, no artigo 34, parágrafo único, Lei nº 10.741/03, que serão excluídos tão-somente benefícios, no que não compreendidos outros rendimentos, independente de sua fonte, verbis: “O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.” (destaquei)

Em recente decisão, a e. 5ª Turma desta Corte acordou pela manu-tenção da r. sentença proferida em ação civil pública ajuizada perante a Subseção Judiciária de Santiago, com objeto idêntico ao dos presentes autos, verbis:

“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BE-NEFÍCIO ASSISTENCIAL. QUESTÃO DE ORDEM. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE SOCIAL DO BENEFÍCIO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA AFASTADA. ARTIGO 20 DA LEI Nº

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8.742/93. APLICAÇÃO DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.471/2003. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.

1. Solvida questão de ordem no sentido de não conhecer do parecer emitido pelo Ministério Público Federal, na condição de custos legis, uma vez que figura como parte ativa na ação, entretanto, sendo mantido o documento encartado nos autos para eventual conhecimento em face de recurso.

2. A Constituição Federal remete ao Ministério Público a função institucional de zelar pelos direitos nela assegurados, assim compreendida também a defesa dos interesses

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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QUESTÃO DE ORDEM NO MANDADO DE SEGURANÇANº 2007.04.00.038573-1/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Impetrante: Valdecir FerrariAdvogado: Dr. Job Campagnolo

Impetrado: Presidente da 1ª Turma Recursal de Santa CatarinaInteressado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Questão de ordem. Mandado de segurança contra decisão de Pre-sidente de Turma Recursal do Juizado Especial Federal. Substitutivo recursal. Competência.

1. Admitir a competência do Tribunal Regional Federal para pro-cessar e julgar os mandados de segurança interpostos contra decisões de cunho jurisdicional implicaria transformar a Corte em instância ordinária para a reapreciação de decisões proferidas pelos Juizados Especiais, o que afrontaria os princípios insculpidos nas Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001.

2. Mandado de Segurança declinado para a Turma Nacional de Uniformização examinar seu eventual cabimento, ainda que não exista regramento específico, a fim de evitar prejuízo maior ao impetrante.

3. Questão de ordem acolhida no sentido de declinar da competência para a Turma Nacional de Uniformização.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, declinar da competência para a Turma Nacional de Uniformização, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de julho de 2008.Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra deci-sões do Presidente da 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, nos autos do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal e do Agravo nº 2007.72.95.008284-4/SC.

Em relação ao pedido de uniformização jurisprudencial, a autoridade coatora assim se pronunciou:

“Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal, dirigido à Turma Regional, contra acórdão que julgou improcedente o pedido de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez do autor.

Sustenta o recorrente que a decisão deu interpretação divergente daquela adotada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, consoante precedente apontado na peça recursal.

É o breve relatório.Não merece trânsito o recurso.No caso dos autos, o juiz considerou que o autor não se encontra incapacitado

para o labor ou para suas atividades habituais, com base na prova pericial produzida no processo.

Dessa forma, o acolhimento da pretensão recursal da parte autora prende-se neces-sariamente à rediscussão de matéria de fato – comprovação de sua incapacidade para o trabalho – e se daria por meio de reexame da prova produzida no processo, o que não é cabível em sede de uniformização de jurisprudência.

Ademais, o artigo 14 da Lei nº 10.259/01 prevê a possibilidade de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre Turmas Recursais ou entre estas e o Superior Tribunal de Justiça, o que inviabiliza a pretensão em uniformizar jurisprudência com decisões de Tribunais de Justiça dos Estados.

Isso posto, não admito o pedido de uniformização.Decorrido o prazo para interposição de eventual recurso, certifique-se o trânsito

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em julgado e devolva-se à origem.Intime-se.”

Desta decisão, o impetrante interpôs agravo de instrumento, o qual não foi conhecido, nos seguintes termos:

“Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que negou seguimento a Pedido de Uniformização de Jurisprudência.

Não há previsão legal para interposição de Agravo de Instrumento, dirigida à Turma de Uniformização Nacional, de decisão que nega seguimento a pedido de uniformização.

O instrumento hábil para impugnar a decisão do Presidente da Turma Recursal que nega seguimento a Incidente de Uniformização é aquele previsto no artigo 9º, § 4º, da Resolução nº 390/04, processado nos próprios autos, sendo incabível a interposição de agravo de instrumento.

Vale ressaltar estar invialibilizada a excepcional aplicação do princípio da fungi-bilidade no caso em apreço.

O emprego do princípio da fungibilidade depende da presença dos seguintes requi-sitos: a) dúvida objetiva sobre o recurso a ser interposto; b) inexistir erro grosseiro; e c) respeito ao prazo adequado.

No caso dos autos, ante a clareza da redação do art. 9º, § 4º, da Resolução 390/2004, não há qualquer dúvida objetiva de modo a causar controvérsia doutrinária ou juris-prudencial, é de reconhecer-se a existência de erro grosseiro.

Desta forma, não conheço do pedido.”

O impetrante alega, em síntese, que o acórdão da Turma Recursal contrariou inúmeras decisões de Tribunais pátrios; que a perda de um olho gera incapacidade e assegura ao beneficiário o auxílio-doença; que é necessário o pronunciamento em Incidente de Uniformização, a fim de que seja corrigida a alegada injustiça; que a não-instauração do incidente e a negativa de trânsito ao agravo desta decisão estão a configurar o dano irreparável e a ofensa a direito líquido e certo, eis que lhe foi negado o pedido de remessa dos autos ao STJ.

É o sucinto relato.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra decisão do Presidente da 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, proferida em sede de pedido de ins-tauração de Incidente de Uniformização.

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Inicialmente havia trazido os autos a julgamento, em sessão do dia 14.11.2007, ocasião em que externei o seguinte posicionamento:

“Os Juizados Especiais Federais foram instituídos, pela Lei nº 10.259/2001, para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor valor e complexi-dade e infrações penais de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 98, inciso I e parágrafo único, da CF/88.

O mesmo dispositivo constitucional estabelece também que os recursos contra as decisões proferidas pelos Juizados serão julgados por Turmas de Juízes de Primeiro Grau, não cabendo quaisquer recursos ao Tribunal Regional Federal.

O art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 10.259/2001 exclui da competência singular do Juizado Especial Cível as ações de mandado de segurança, mas não veda que as Turmas Re-cursais as apreciem quando impetradas em face de decisões dos Juizados Especiais contra as quais não caiba recurso.

Além disso, admitir a competência do Tribunal Regional Federal para processar e julgar os mandados de segurança nesses casos implicaria transformar esta Corte em instância ordinária para a reapreciação de decisões interlocutórias proferidas pelos Juizados Especiais, o que afrontaria os princípios da Lei nº 10.259/2001, bem como da Lei nº 9.099/1995.

Nessas condições, embora não haja disposição legal expressa, deve ser entendido que compete à Turma Recursal do Juizado Especial Federal examinar o cabimento do mandado de segurança impetrado contra decisão de Juiz Federal no exercício da jurisdição do Juizado Especial Federal, e também de seus próprios membros, quando substitutivo recursal.

Em casos semelhantes, oriundos de mandados de segurança impetrados contra decisões dos Juizados Especiais Estaduais e Federais, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que o julgamento da ação mandamental compete ao órgão colegiado do próprio Juizado Especial, verbis:

‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE TURMA RECURSAL DO JUIZADO E TRIBUNAL DE ALÇADA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO JUDICIAL DA PRESIDENTE DA TURMA RECURSAL. COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMIR O CONFLITO. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL PARA EXAMINAR MANDAMUS IMPETRADO CONTRA SEU PRÓPRIO ATO JUDICIAL. PRECEDENTES. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido da com-petência do STJ para o exame dos conflitos que envolvam as Turmas Recursais dos Juizados Especiais, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição Federal

Compete à Turma Recursal a apreciação dos mandados de segurança impetrados contra seus próprios atos e decisões (MS 24.691/MG, Rel. Ministro Sepúlveda Per-tence, DJ 24.06.2005).

Conflito conhecido para declarar a competência da 3ª Turma Recursal do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Uberlândia, ora suscitante.’ (CC 41190/MG,

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Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 02.03.2006, p. 135)‘RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE JUIZ

RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DA TURMA. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. RECURSO DES-PROVIDO.

A autonomia administrativa, conferida pelo art. 99, CF/88, aos órgãos do Poder Judiciário, implica, além das competências previstas no art. 96, CF/88, outras como a competência para processar e julgar ações, inclusive, mandados de segurança impetrados contra atos de Juízes de determinado Órgão ou Tribunal.

De acordo com a competência delegada pelos Tribunais Regionais Federais, os atos praticados por juízes de primeira instância do Juizado Especial Federal ou por Juízes componentes das Turmas Recursais são processados e julgados pela própria Turma Recursal.’ (RMS 20233/RJ. Rel. Ministro Paulo Medina, DJ 22.05,2006, p. 250)

‘MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO EMANADA DO JUIZADO ESPE-CIAL. COMPETÊNCIA. ÓRGÃO RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL.

1 - A competência para julgar recursos, inclusive mandado de segurança, de decisões emanadas dos Juizados Especiais é do órgão colegiado do próprio Juizado Especial, previsto no art. 41, parágrafo 1º, da Lei 9.099/95.

2 - Recurso provido.’ (ROMS nº 10334/RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU, seção I, de 30.10.2000, p. 196)

‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JUI-ZADO ESPECIAL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Trata-se de entendimento pacífico, nesta Corte, que os Tribunais de Justiça não têm competência para rever as decisões dos Juizados Especiais, ainda que pela via mandamental.

Recurso desprovido.’ (ROMS nº 12392/MG, 5ª Turma, Rel. Ministro FELIX FIS-CHER, DJU, seção I, de 18.03.2002, p. 277)

‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA. A competência para processar e julgar o mandado de segurança, aí compreendido

o poder de declarar a inadmissibilidade, é da Turma Recursal, e não do Tribunal de Justiça ou, onde houver, do Tribunal de Alçada.’ (CC nº 38190/MG, 2ª Seção, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJU, seção I, de 19.05.2003, p. 120)

Nesse sentido, também tem-se posicionado este Tribunal. A propósito, confiram-se os seguintes julgados:

‘AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO PRO-FERIDA PELO JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. ÓRGÃO RECURSAL.

Versando a matéria de fundo sobre a concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença à Terceira Seção (5ª e 6ª Turma) compete o processamento e julgamento do feito, nos termos do art. 2º, § 2º, III, do RITRF/4, pouco importando a discussão pontual a respeito da prerrogativa institucional trazida no mandamus.

Compete à Turma Recursal rever as decisões do Juizado Especial Federal.

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Agravo regimental improvido.’ (AGMS nº 2003.04.01.049144-3/RS, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 10.03.2004)

‘AGRAVO REGIMENTAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO JURISDICIONAL DO JUIZADO ESPECIAL.

1. Afastada a preliminar de nulidade absoluta, pois, versando a ação principal so-bre direito previdenciário, resta estabelecida, em tese, competência da 3ª Seção para a apreciação da matéria.

2. É inadmissível mandado de segurança junto ao Tribunal Regional Federal para combater decisões de cunho jurisdicional dos Juizados Especiais e das Turmas Recursais Federais. Interpretação da regra da alínea c do inciso I do art. 108 em consonância com o disposto no inciso I do art. 98, ambos da Constituição Federal.’ (AGMS nº 2003.04.01.049143-1/RS, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU 11.02.2004).

‘QUESTÃO DE ORDEM. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DE JUIZ FEDERAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. SUBSTITUTIVO RE-CURSAL. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL.

1. Compete à Turma Recursal do Juizado Especial Federal examinar o cabimento do mandado de segurança impetrado contra decisão de Juiz Federal no exercício da jurisdição do Juizado Especial Federal, quando substitutivo recursal.

2. Admitir a competência do Tribunal Regional Federal para processar e julgar os mandados de segurança nesses casos implicaria transformar a Corte em instância ordinária para a reapreciação de decisões interlocutórias proferidas pelos Juiza-dos Especiais, o que afrontaria os princípios insculpidos nas Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001.

3. Questão de ordem acolhida no sentido de declinar da competência para a Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Rio Grande do Sul.’ (QOMS nº 2004.04.01.003399-8/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, DJU 03.03.2004)

Na hipótese vertente, a ação mandamental ataca despachos do Presidente da Turma Recursal do Juizado Especial de Santa Catarina, que decidiu acerca do descabimento de pedido de abertura de incidente de uniformização de jurisprudência e, ato contínuo, não conheceu do agravo de instrumento interposto desta decisão.

Ou seja, a via mandamental, na forma ora utilizada pelo impetrante, tem natureza recursal substitutiva, visto que objetiva reformar decisão judicial contra a qual a Lei dos Juizados Especiais não prevê recurso específico, razão pela qual o seu exame compete à Turma Recursal.”

Ocorre que, por ocasião do julgamento da questão de ordem, conforme notas taquigráficas em anexo, o eminente Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz suscitou algumas dúvidas em relação ao encaminhamento por mim proposto, aduzindo, em síntese, que caberia pedido de reconsideração ao

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Presidente da Turma Nacional, que é Ministro do Superior Tribunal de Justiça e que talvez fosse mais cauteloso que fossem os autos remetidos a Turma Nacional de Uniformização. Em decorrência desse questionamen-to, o Des. Federal Victor Laus, após refletir em debates orais na sessão, inicialmente cogitando que o mandamus fosse remetido ao Supremo Tribunal Federal, manifestou-se aduzindo, em suas próprias palavras, que “a eventual insurgência já é da Turma Nacional de Uniformização, que é quem detém, ao fim e ao cabo, a última palavra. Acho que a ela cabe rejeitar, se for o caso, este mandado de segurança”.

Portanto – em que pese não exista recurso específico para a insurgência trazida à colação no presente writ, o que levaria, a meu ver, o juízo de admissibilidade para a Turma Recursal Regional –, caso os eminentes colegas tenham realmente fixado convicção diversa, no sentido de que deva ser a ação declinada para a Turma Nacional, até para fazer chegar a outra instância os argumentos do impetrante, a fim de que ela se pro-nuncie sobre o cabimento ou não do mandamus e sua eventual natureza substitutiva, não me oponho à solução encontrada, ressalvando, todavia, meu entendimento pessoal.

Em face do exposto, suscito questão de ordem e voto no sentido de

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1994.70.05.011077-9/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelados: Coml. Tapajós de Veículos Ltda. e outrosAdvogado: Dr. Marcelo Zacharias

EMENTA

Direito Tributário. Execução fiscal. FINSOCIAL. Competências na vigência da LC 08/77. Natureza tributária. Prescrição qüinqüenal. Ar-quivamento sem baixa. Prescrição intercorrente. DL 1.569/77. Artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91. Inconstitucionalidade.

1. Hipótese em que o feito foi suspenso até atingir valor exeqüível, a teor do art. 5º do DL 1.569/77.

2. A notificação do lançamento afasta a decadência e deflagra o prazo prescricional do FINSOCIAL, apurado na vigência da LC 08/77.

3. Citado o executado, por edital, após dez anos contados da notifica-ção do lançamento, ocorreu a prescrição do direito de ação.

4. Prosseguindo a ação após a citação, decorreram mais de cinco anos entre a data do arquivamento e a sentença extintiva, em razão da pres-crição intercorrente, sem que a União apurasse qualquer outro crédito contra o executado, a fim de tornar o valor exeqüível, nem apresentasse causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, e a execução não pode permanecer indefinidamente ativa, sob pena de criar-se hipótese

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de imprescritibilidade.5. Inconstitucionalidade do DL 1.569/77 e dos art. 45 e 46 da Lei

8.212/91 declarada pela Corte Especial deste Tribunal no julgamento das Argüições de inconstitucionalidade na AC nº 2002.71.11.002402-4/RS, no AI nº 2000.04.01.092228-3 e no AI nº 2004.04.01.026097-8, respectivamente, por invadir matéria reservada à lei complementar, em afronta ao artigo 146, inciso III, alínea b, da CF/88.

6. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de abril de 2008.Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de ape-lação interposta contra sentença que julgou extinto o presente executivo fiscal, em face da prescrição intercorrente, com escopo no artigo 174 do CTN, combinado com o parágrafo 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80. O valor consolidado da execução é de NCz$ 39.515,74, em 28.05.1990, relativo à contribuição ao FINSOCIAL, período de apuração 05/87 a 05/88, com lançamento notificado pessoalmente ao contribuinte em 23.06.1988 e inscrito em Dívida Ativa em 10.10.1989 (fls. 04/13).

A União (Fazenda Nacional), inconformada, apelou sustentando a aplicação da prescrição decenal prevista nos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, porquanto se referem a contribuições cuja arrecadação é desti-nada ao financiamento da seguridade social, afastando-se a aplicação do CTN, conforme brocardo latino lex specialis derogat legi generali. De-fende, ainda, que a regra contida no artigo 5º do Decreto Lei nº 1.569/77 é causa de suspensão da prescrição. Requer a reforma da sentença e o prosseguimento da execução fiscal.

Regularmente processados, vieram os autos a esta Corte para julga-

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mento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: A Lei de Exe-cuções Fiscais estabelece a possibilidade de suspensão dos processos por ela regulados, quando não forem localizados o devedor ou bens passíveis de constrição judicial: “Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”.

Deferida, pelo juízo da execução, a suspensão do processo na forma do art. 40 da LEF, suspende-se o curso do prazo prescricional. Sopesando-se tal dispositivo com a regra do art. 174 do CTN, entretanto, conclui-se que a suspensão do processo não pode ser indefinida, uma vez que, admitido tal procedimento, estar-se-ia a instituir hipótese de imprescritibilidade não prevista em lei.

Suspensa a execução fiscal, o processo permanece nessa condição até que: a) encontrado o devedor ou bens do patrimônio deste, capazes de garantir o juízo da execução, ou b) transcorram os cinco anos previstos no art. 174 do CTN, contados da data do arquivamento (art. 40, § 2º, da LEF), sem manifestação do exeqüente, hipótese em que cumpre ao magistrado decretar a prescrição intercorrente. Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 40 DA LEF. ART. 174 DO CTN. PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES RECEPCIONADAS COM STATUS DE LEI COMPLEMENTAR. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA JU-RISPRUDENCIAL.

1. O artigo 40 da Lei de Execução Fiscal deve ser interpretado harmonicamente com o disposto no artigo 174 do CTN, que prevalece em caso de colidência entre as referidas leis. Isso porque é princípio de Direito Público que a prescrição e a decadên-cia tributárias são matérias reservadas à lei complementar, segundo prescreve o artigo 146, III, b da CF.

2. Em conseqüência, o artigo 40 da Lei nº 6.830/80, por não prevalecer sobre o CTN, sofre os limites impostos pelo artigo 174 do referido Ordenamento Tributário. Precedentes jurisprudenciais.

3. A suspensão decretada com suporte no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais não pode perdurar por mais de 05 (cinco) anos porque a ação para cobrança do crédito

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tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva (art. 174, caput, do CTN).

4. A admissão do recurso especial pela alínea c pressupõe a devida demonstração do dissídio pretoriano, de modo que os arestos recorridos e o paradigma tenham dado soluções diversas a casos semelhantes.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ - 1ª Turma, AGREsp nº 615.831/MG, Relator Min. Luiz Fux, unânime, DJ 25.10.2004, p. 242)

“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS A E C. TRIBUTÁRIO, EXECUÇÃO FISCAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ARQUIVAMENTO. DECURSO DE CINCO ANOS. INÉRCIA DO EXEQÜENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ITERATIVOS PRECEDENTES. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83 DO STJ.

É cediço o entendimento jurisprudencial no sentido de que o ‘art. 40 da Lei 6.830/80 deve ser interpretado em sintonia com o art. 174/CTN, sendo inadmissível estender--se o prazo prescricional por tempo indeterminado’ (REsp 233.345/AL, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU 06.11.00).

Constatado que permaneceu o exeqüente inerte por mais de cinco anos após o tér-mino do prazo de arquivamento do feito, o ínclito juiz, acertadamente, a requerimento do curador especial, determinou a extinção do processo em vista da ocorrência da prescrição intercorrente.

Recurso especial improvido.” (STJ - 2ª Turma, REsp nº 502.917/RO, Relator Min. Franciulli Neto, unânime, DJ 22.06.2004, p. 220)

No que pertine ao tópico relativo à prescrição intercorrente derivada do arquivamento dos autos, o legislador foi ainda mais claro, ao fazer incluir o § 4º no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, verbis:

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão de-sarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º - Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)”

Examinando os autos, verifico que os lançamentos referem-se ao FINSOCIAL, período de apuração 05/87 a 05/88. A notificação do lan-çamento ocorreu em 23.06.88. Como visto, não há falar em decadência

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e, a partir de 23.06.1988 foi deflagrado o prazo prescricional para exigibilidade do débito.

O despacho ordenando a citação foi proferido em 29.05.90 (fl. 14). Em 11.03.1993 estes autos foram apensados à Execução Fiscal nº 1994.70.05.011076-7 (fl. 22). Em 08.09.1994, o processo foi suspenso, nos termos do art. 40 da LEF (fl. 28), atendendo a requerimento for-mulado pela União. Excedido o prazo, há despacho do Juiz intimando a União a se manifestar sobre o prosseguimento do feito em 19.05.1995 (fl. 30). A exeqüente formula pedido de citação dos sócios que figuram no contrato social, deferido em 08.06.1995 (fl. 32). A Certidão do Oficial de Justiça, de 27.07.1995, informa que os sócios não foram encontrados no endereço fornecido (fl. 34, verso). Em 27.10.1995, a União pede a expedição de carta precatória para citação do executado, deferido à fl. 38. Com o retorno da deprecata, com cumprimento negativo, a União pediu a citação por edital. O despacho acolhendo o pedido de citação por edital foi proferido em 10.03.1999 (fl. 67) e publicado no Diário oficial em 10.11.1999, considerado citado o executado, em 10.12.1999, trinta dias após a publicação, o qual deixou transcorrer o prazo de cinco dias sem manifestação (fl. 54, verso, dos autos da Execução Fiscal nº 1994.70.05.011076-7, em apenso).

A União requer novamente a suspensão do feito, com base no art. 40 da LEF, em 25.05.2000. Sobreveio decisão, em 29.07.2000, determinando o prosseguimento dos atos processuais nos autos da Execução Fiscal nº 1994.70.05.011076-7, em apenso e mais antigo, por motivo de economia e celeridade processual. Naqueles autos deferiu o pedido de suspensão, em 29.07.2000 (fl. 57).

Decorrido o prazo de suspensão de um ano, a União pediu o arqui-vamento, sem baixa na Distribuição, em 13.08.2001. A exeqüente foi intimada do despacho deferitório do pedido em 20.08-2001, mediante carga, com devolução em 27.08.2001, data em que foram arquivados os autos (fl. 61, verso, do apenso).

Em 23.10.2006, a União foi intimada para se manifestar em 40 dias (fl. 62, verso, do apenso). Pugnou a exeqüente pela aplicação da pres-crição decenal, sem apresentar qualquer causa suspensiva ou extintiva da prescrição ou apresentar qualquer outro crédito contra o executado, a fim de aumentar o valor consolidado para torná-lo exeqüível.

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Sobreveio, então, a sentença extintiva do feito, exarada em 18.12.2006 (fls. 72/73, verso).

Quanto ao DL 1.569/77, observo que não possui caráter de lei comple-mentar, à qual cabe o regramento das causas de suspensão e interrupção dos prazos extintivos, único motivo impeditivo da prescrição alegado no recurso, tornando inútil a reforma da sentença por mera formalidade legal. Aliás, a Corte Especial deste Tribunal, no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade na AC nº 2002.71.11.002402-4/RS, realizado em 22.02.2007, Rel. Desembargador Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei 1.569/77, consoante acórdão publicado em 07.03.2007, assim ementado:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL Nº 1569/77. INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE A CARTA DE 1967 (EC 01/69) MATÉRIA RESERVADA À LEI COM-PLEMENTAR.

1 - A Constituição de 1967, em sua redação original e naquela da EC 01/69, atribuiu à lei complementar dispor sobre normas gerais de direito tributário. A Lei nº 5.172, de 25.10.66, denominada ‘Código Tributário Nacional’, foi recepcionada como lei complementar e cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários em seu artigo 174, fixando-lhes prazo de cinco anos e prevendo exaustivamente as hipóteses de sua interrupção.

3 - Não poderia o parágrafo único do art. 5º do D.L. nº 1.569/77, diploma de inferior nível hierárquico, instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, tornando o crédito praticamente imprescritível, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar.”

Não merece prosperar, também, a afirmativa da União (Fazenda Nacio-nal) de aplicar-se ao caso a prescrição decenal. De se observar que essa Corte inclusive já decidiu pela inconstitucionalidade tanto do caput do art. 45 como do art. 46 da Lei de Custeio. O primeiro trata de prazo decaden-cial (argüição de inconstitucionalidade em AI nº 2000.04.01.092228-3/PR, Rel. Des. Federal Amir Sarti, DJU de 05.09.01, p. 509) e o segun-do de prazo prescricional (argüição de inconstitucionalidade em AI nº 2004.04.01.026097-8/RS, Unanimidade, DJU de 01.02.2006, Relator Des. Federal Wellington Mendes de Almeida), matéria em relação à qual a Constituição exige lei complementar (art.146, III, da CRFB), revelan-do o intento do legislador de aumento da arrecadação sem respeito aos

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ditames constitucionais.Colaciono as respectivas ementas:“ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - CAPUT DO ART. 45 DA LEI

Nº 8.212/91. É inconstitucional o caput do artigo 45 da Lei nº 8.212/91, que prevê o prazo de 10 anos para que a Seguridade Social apure e constitua seus créditos, por invadir área reservada à lei complementar, vulnerando, dessa forma, o art. 146, III, b, da Constituição Federal.” (TRF4, INAG 2000.04.01.092228-3, Corte Especial, Relator Des. Federal Amir Sarti, publicado em 05.09.2001)

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NATUREZA TRI-BUTÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 174 DO CTN. LEI 8.212/91, ART. 46. INCOMPATIBILIDADE VERTICAL COM O ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. As contribuições de Seguridade Social, instituídas com suporte legiti-mador nos arts. 149 e 195 da Carta Política, revelam índole tributária, sobressaindo, por conseguinte, sua submissão aos ditames que disciplinam o Sistema Tributário Nacional talhado pelo Constituinte de 1988. 2. Assentando o art. 146, III, da Lei Maior que cumpre à lei complementar a tarefa de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência (alínea b), e não havendo qualquer questionamento quanto à natureza jurídica de tributo envergada pelas contribuições previdenciárias, diante da ordem constitucional inaugurada em 1988, re-sulta vedado ao legislador ordinário imiscuir-se nesse mister. O art. 46 da Lei 8.212/91, portanto, assumindo feição de lei ordinária, não poderia dispor a respeito do prazo de prescrição para a cobrança das contribuições devidas à Seguridade Social. Tendo in-vadido campo temático reservado à lei complementar, mostra-se incompatível com os ditames constitucionais. 3. Não se pode aceitar o argumento segundo o qual apenas o tratamento geral em torno da prescrição adstringir-se-ia à lei complementar, não exis-tindo veto constitucional a que o legislador ordinário disponha, especificamente, sobre o prazo que se lhe deve emprestar. Deveras, a se enveredar por esta senda, estar-se-ia reconhecendo que a matéria em destaque não se conforma às normas gerais de direito tributário (CF, art. 146, inciso III). Noutras palavras, não exigiria tratamento uniforme em todos entes políticos da Federação, permitindo que cada Estado, cada Município, disponha, por intermédio de seus Poderes Legislativos, a respeito de qual o lapso inercial que corresponderá à extinção do crédito tributário pela ocorrência da prescrição. Esse raciocínio, por certo, não se coaduna com a ratio que animou o Constituinte ao fazer inserir, de maneira expressa, o vocábulo ‘prescrição’ na alínea b do inciso III do art. 146 dentre os temas que devem sujeitar-se à disciplina uniformizante traduzida pela lei complementar federal. 4. A circunstância de haver disposição contida no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66, art. 174) – que, sabidamente, fora recepcionado pela Carta de 1988 com estatura de lei complementar –, prevendo prazo diverso daquele agasalhado no art. 46 da Lei de Custeio, não transporta a questão para o plano da lega-lidade. Com efeito, é o legislador constituinte quem demarca o campo temático a ser

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preenchido pela referida espécie legislativa, incidindo na pecha de inconstitucionalidade o legislador ordinário que se proponha a fazê-lo. É dizer, lei ordinária que verse sobre tema reservado, por expressa previsão constitucional, à lei complementar, desvela-se inconstitucional. Eventual descompasso com lei complementar já em vigor configura situação meramente secundária, decorrente lógico da incompatibilidade com o ditame da Constituição, não conjurando, mas, ao revés, confirmando, a tisna de inconstitu-cionalidade. 5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 46 da Lei 8.212/91.” (TRF4, INAG 2004.04.01.026097-8, Corte Especial, Relator Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, publicado em 01.02.2006, grifo nosso)

Portanto, seguindo o entendimento da Corte Especial, deixo de aplicar os prazos de 10 anos previstos na Lei 8.212/91.

Determino a juntada aos autos das cópias das argüições de inconstitu-cionalidade do art. 5º do DL nº 1.569/77 e dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, as quais seguem em anexo, a fim de que façam parte integrante da fundamentação deste voto.

Inclusive, de realce ao caso concreto, para afastar em definitivo a incidência dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, o interregno cronológico das competências são anteriores à Constituição Federal de 1988, quando a contribuição ao FINSOCIAL, criada pelo Decreto-Lei nº 1.940, de 25.05.1982, possuía natureza jurídica de tributo, espécie imposto, segun-do a ótica respeitável do egrégio Supremo Tribunal Federal, esposado no voto do Exmo. Ministro Sepúlveda Pertence, por ocasião do julgamento do RE nº 150764/PE, do qual extraio parte do voto, por significativo à elucidação da questão:

“(...) Servi-me, naquele caso, do memorial de dois ilustres especialistas, Gilberto de Ulhoa Canto e J. D. Cordeiro Guerra, do qual extraí, sobre O FINSOCIAL até a CF/88, a síntese precisa que volto a reproduzir:

‘Com declarado fundamento no art. 21, § 2º, da CF então vigente, o DL nº 1940/82 criou a contribuição para o Fundo de Investimento Social - FINSOCIAL, como contri-buição social destinada a custear investimentos de caráter assistencial em alimentação, habitação popular, saúde, educação e amparo ao pequeno agricultor (art. 1º).

O FINSOCIAL incidia à alíquota de 0,5% sobre a receita bruta das empresas pú-blicas e privadas que realizavam vendas de mercadorias, bem como das instituições financeiras e sociedades seguradoras (art. 1º, § 1º). As empresas que se dedicavam exclusivamente à prestação de serviços sujeitavam-se ao FINSOCIAL à alíquota de 5% sobre o imposto de renda por elas devido, ou como se devido fosse (art. 1º, § 2º).

Portanto, já na sua origem, o FINSOCIAL tinha duas incidências genéricas e base de cálculo distintas (receita bruta e imposto de renda) e quatro categorias diversas de

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contribuintes (vendedores de mercadorias ou de mercadorias e serviços, instituições financeiras, sociedades seguradoras e empresas exclusivamente prestadoras de serviços).

O Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE nº 103.778/DF, que se encerrou em 18.09.1985, decidiu (vencido apenas o Ministro Oscar Corrêa) que os dois tipos genéricos de incidência do FINSOCIAL configuravam dois impostos: a) imposto novo, de competência residual da união, quando calculado sobre a receita bruta das empresas, e b) adicional de imposto de renda por elas devido, ou como se devido fosse (RTJ 116 p. 1138 a 1188).

O STF concluiu também que, como imposto (novo ou renda), o FINSOCIAL somente poderia ser cobrado a partir de 01.01.1983, face ao princípio da anualidade ou anterioridade de exercício, e que a vinculação do produto de sua arrecadação a um fundo específico, além de inconstitucional, era irrelevante para a sua conceituação.(...)’

(...) Sob a ordem constitucional caduca, como notado, o STF lhe atribuíra o caráter de imposto inominado, de instituição legitimamente derivada do art. 18, § 5º, da Carta de 69, que outorgava competência tributária residual à União (cf. RE 103.778, 18.9.85, Guerra, RTJ 116/1138). (...)”

Esse julgado, decidindo que, a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, o FINSOCIAL passou a ter natureza de contribuição, e não mais de imposto, cujo Relator para o Acórdão foi o Exmo. Min. Marco Aurélio, porque o Exmo. Min. Sepúlveda Pertence entendeu não existir inconstitucionalidade no art. 9º da Lei nº 7.689/88, mas apenas a trans-mutação de imposto para contribuição social, à luz da novel Constituição Federal, foi assim ementado:

“CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PARÂMETROS. NORMAS DE REGÊNCIA. FINSOCIAL. BALIZAMENTO TEMPORAL. A teor do disposto no artigo 195 da Constituição Federal, incumbe à sociedade, como um todo, financiar, de forma direta e indireta, nos termos da lei, a seguridade social, atribuindo-se aos empregadores a participação mediante bases de incidência próprias – folha de salários, o faturamento e o lucro. Em norma de natureza constitucional transitória, emprestou-se ao FINSOCIAL característica de contribuição, jungindo-se a imperatividade das regras insertas no Decreto-Lei nº 1940/82, com as alterações ocorridas até a promulgação da Carta de 1988, ao espaço de tempo relativo à edição da lei prevista no referido artigo. Conflita com as disposições constitucionais – artigos 195 do corpo permanente da Carta e 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - preceito de lei que, a título de viabilizar o texto constitucional, toma de empréstimo, por simples remissão, a disci-plina do FINSOCIAL. Incompatibilidade manifesta do art. 9º da Lei nº 7689/88 com o Diploma Fundamental, no que discrepa do contexto constitucional. (grifei) (RE 150764/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, j. em 16.12.1992, Tribunal Pleno, maioria, DJU de 02.04.1993, p. 5.623)

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Por sua vez, o RE nº 107778/DF possui a seguinte ementa:“FINSOCIAL. DECRETO-LEI 1.940, DE 25 DE MAIO DE 1982.Caracterizada a sua natureza tributária, legitima-se a observância do princípio da

anualidade, art. 153, § 29, da Constituição Federal.Pacificou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o

Decreto-Lei, em nosso sistema constitucional, observados os requisitos estabelecidos pelo art. 55 da Constituição, pode criar e majorar tributos.

Recursos Extraordinários não conhecidos.” (RE nº 103778/DF, Rel. Min. Cordeiro Guerra, j. em 18.09.1985, maioria, Tribunal Pleno, DJU de 13.12.1985)

Aclarada, dessa forma, a natureza jurídica do FINSOCIAL como imposto, do gênero tributo, incidem sobre ele as disposições do Código Tributário Nacional, especialmente no que pertine à decadência e pres-crição, a saber: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos (...) Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”

Dos dados acima elencados, verifico ter ocorrido a prescrição entre 23.06.88, data da notificação do lançamento e início do prazo prescri-cional, e a citação do executado por edital, em 10.12.1999. Também ocorreu a prescrição intercorrente pelo transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da data do arquivamento, em 27.08.2001 (fl. 61, verso, do apenso), até a prolação da sentença extintiva do feito, exarada em 18.12.2006.

Notadamente, a execução não pode permanecer indefinidamente ativa, sob pena de criar-se hipótese de imprescritibilidade não prevista em lei. Correta, pois, a aplicação da prescrição intercorrente pelo juízo monocrático, com fulcro no art. 174 do CTN.

Frente ao exposto, voto por negar provimento ao apelo, nos termos da fundamentação.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.70.02.005560-1/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. Luis Antonio Alcoba de Freitas

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Ação Civil Pública. Tributário. Serviço de cadastramento e confec-ção de cartões de Cadastro de Pessoa Física (CPF). Terceirização do serviço mediante convênio. Cobrança pelo serviço. Obrigatoriedade da inscrição. Necessidade de manutenção da gratuidade do serviço.

1. O Juiz não está adstrito apenas aos fundamentos jurídicos trazidos pelas partes, prevalecendo em nosso sistema jurídico o princípio Da mihi factum dabo tibi jus, de modo que não há falar em ocorrência na sentença de error in judicando.

2. Em sendo obrigatória a inscrição dos contribuintes no CPF, não há incursão em mérito administrativo na determinação da manutenção, de forma gratuita, do serviço de cadastramento e confecção do cartão do CPF nas agências e delegacias da Receita Federal, porquanto se trata de questão de legalidade, na qual o Poder Judiciário tem competência para adentrar.

3. Apelo e remessa oficial desprovidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de agosto de 2008.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em face da União Federal,

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questionando os termos dos convênios de cooperação celebrados com a Caixa Econômica Federal (CEF), a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e o Banco do Brasil S.A., que permitem a essas empresas públicas e à sociedade de economia mista a cobrança para o cadastramento, recadastramento e confecção de vias dos cartões do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).

Alega que: a) o CPF foi instituído para auxiliar a União na fiscaliza-ção da arrecadação de tributos de sua competência e, por isso, não pode haver cobrança para a expedição do cartão; b) a inscrição no CPF é compulsória; c) o valor cobrado reveste-se da natureza jurídica de taxa, somente podendo ser fixado mediante lei; d) os convênios são ilegais eis que firmados por quem não tinha legitimidade (órgãos ao invés de pessoa jurídica).

Pretende que o fornecimento desses documentos seja feito pelas Delegacias e Agências da Receita Federal, sem a cobrança de encargos para os contribuintes, e que seja reconhecida a ilegalidade dos convênios ajustados entre a Ré e a CEF, a ECT e o Banco do Brasil S.A.

O pedido de tutela antecipada foi deferido parcialmente tão-somente para determinar que a União, através de suas Delegacias e Agências vinculadas à Secretaria da Receita Federal, continue atendendo os con-tribuintes que desejem cadastrar-se no CPF, fornecendo o respectivo cartão, a exemplo do que faz com os espólios (fls. 127/134).

Dessa decisão foram opostos embargos declaratórios pelo Ministério Público Federal, os quais foram providos para constar no dispositivo da decisão das fls. 127/134 que: a) a União, através das agências/delegacias da Receita Federal, deverá efetuar o cadastramento e demais atos relati-vos ao CPF sem exigir nenhuma contraprestação monetária para tanto, ou seja, de forma gratuita; b) a União deverá dar publicidade à decisão de fls. 127/134 através de notícias no site e nas agências/delegacias da Receita Federal e das pessoas jurídicas conveniadas; c) a União deverá cumprir essa decisão em todo o território nacional (fls. 151/157).

Da decisão dos embargos de declaração a União Federal interpôs agravo de instrumento, tendo o Relator, mediante decisão monocrá-tica, deferido o efeito suspensivo para limitar a decisão ao território do órgão prolator (fls. 193/194).

Sobreveio sentença de parcial procedência do pedido para determinar

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que a União, através de suas Delegacias e Agências vinculadas à Secreta-ria da Receita Federal da Circunscrição Judiciária de Foz do Iguaçu/PR, continue atendendo os contribuintes que desejem cadastrar-se no CPF, fornecendo o respectivo cartão, a exemplo do que faz com os espólios. Em face da sucumbência recíproca e da condição do MP de substituto processual, não houve condenação em honorários advocatícios e, por força do art. 4º, incs. I e III, da Lei nº 9.289/96, não houve condenação em custas. A sentença foi submetida a reexame necessário (fls. 195/204).

Irresignada, apela a União Federal. Em suas razões, sustenta que o juízo a quo, embora tenha aniquilado os argumentos constantes da inicial da ação civil pública (irregularidade na cobrança de taxa para a emissão de CPF, sem autorização legal; e ilegalidade dos convênios firmados com terceiros para a emissão de CPF por falta de procedimento licitatório), e não tenha declarado qualquer ilegalidade do ato ou procedimento administrativo relativo à questão, mesmo assim julgou parcialmente procedente a ação para determinar a continuidade do atendimento em suas agências e delegacias. Aduz que, tendo assim procedido, incidiu em evidente error in judicando, porquanto culminou por adentrar no julgamento do mérito administrativo dos atos e convênios firmados pela União. Requer a reforma da sentença para desobrigá-la de continuar prestando o serviço de atendimento aos usuários do CPF (fls. 207/213).

Às fls. 215/216, o Delegado da DRF/Foz do Iguaçu informa estar cumprindo a sentença em todos os seus termos.

O apelo foi recebido em ambos os efeitos (fl. 217).O Ministério Público Federal apresentou contra-razões (fls. 219/223).Nesta instância, o Ministério Público Federal apresenta parecer pelo

não provimento da apelação (fls. 226/229).A União Federal peticiona pedindo preferência no julgamento (fls.

231/232).

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de apelação da União Federal e remessa oficial de sentença de parcial pro-cedência, proferida em ação civil pública, na qual restou determinado que a apelante, através de suas Delegacias e Agências vinculadas à Secretaria da Receita Federal da Circunscrição Judiciária de Foz do Iguaçu/PR,

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continue atendendo os contribuintes que desejam cadastrar-se no CPF, fornecendo o respectivo cartão, a exemplo do que faz com os espólios.

A União Federal apela aduzindo basicamente ter o Juízo sentenciante – ao afastar os dois argumentos principais da inicial e manter mesmo assim a legalidade do ato, determinando à União a continuidade dos ser-viços em suas agências/delegacias –, culminado por adentrar no mérito administrativo, incidindo, assim, em error in judicando.

Sem razão, contudo, a apelante.O Ministério Público Federal, na inicial da ação civil pública, utiliza

basicamente dois argumentos para o afastamento da cobrança pela con-fecção do cartão do CPF: a) tratar-se de taxa o valor cobrado e, portan-to, dependente de lei sujeita às limitações constitucionais ao poder de tributar; b) ilegalidade dos convênios estabelecidos com a CEF, a ECT e o Banco do Brasil S.A., por consistirem em contratos dependentes de licitação.

Como refere a apelante, ambos os argumentos foram afastados pelo Juízo sentenciante.

A natureza jurídica de taxa foi arredada pelos seguintes fundamentos, assim descritos na sentença: a) o poder de polícia consiste no cadastra-mento obrigatório dos contribuintes no CPF, para auxiliar a fiscalização tributária, não sendo por essa atividade estatal cobrada nenhuma retribui-ção pecuniária; b) da leitura do convênio firmado entre a União, a ECT, a CEF e o Banco do Brasil S.A. depreende-se não reverter o valor cobrado para os cofres da União, pessoa jurídica interessada no cadastramento dos contribuintes, mas, ao contrário, prestar-se a fazer frente às despesas das entidades conveniadas com a confecção do cartão – e não com o cadastramento do cidadão. A cobrança não se refere à inscrição no CPF e, conseqüentemente, a União não está conferindo capacidade tributária para os conveniados exigirem taxa por uma atividade de poder de polícia que não exercem; c) caso se reconhecesse a natureza jurídico-tributária do valor cobrado, seria inevitável a extinção do processo sem julgamento de mérito, seja em virtude da ilegitimidade ativa do MPF, como reconhece a jurisprudência de longa data (TRF4ªR - AC 9304375584/RS, Rel. Des. Federal Teori Albino Zavascki, DJU 17.09.97, p. 75043), seja ante uma discutível alegação de impossibilidade jurídica do pedido (art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, na redação da MP 2.180-35, de 24.08.01).

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Também foi afastada a ilegalidade apontada aos convênios celebrados: a) porque as vontades são convergentes, ainda que os conveniados rece-bam remuneração pelo serviço que prestam; b) garante uma eficiência maior no atendimento, já que abrange um maior número de povoados do que se fosse apenas atendido pela Receita Federal; c) ainda que se descaracterizasse a natureza jurídica de convênio, reconhecendo-lhe a feição de contrato, a licitação prévia não seria exigível.

Não obstante terem sido superados os dois principais argumentos expostos pelo autor na inicial, o juízo sentenciante entendeu não ser justa a abstenção da União na prática de atos conducentes à inscrição no CPF e de expedição do respectivo cartão.

O cartão de CPF é o documento que identifica o contribuinte pessoa física perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). O CPF armazena as informações cadastrais da pessoa fornecidas pelo próprio contribuinte e pelos outros sistemas de dados da RFB. Segundo a lei, cada pessoa pode se inscrever somente uma única vez e, portanto, só pode possuir um único número de inscrição. A União depende do CPF para exercer a própria fiscalização tributária, não havendo na inclusão do cadastro qualquer serviço prestado ao contribuinte. Como se vê, a própria existência desse cadastro interessa precipuamente à União Fe-deral, de modo que se mostra imperiosa a continuidade da gratuidade do referido cadastramento.

Sob outro viés, o CPF constitui-se em requisito para o exercício da cidadania, o qual se encontra vinculado à noção da dignidade da pessoa humana.

Não procede a alegação da União Federal em seu apelo de ocorrência de error in judicando na sentença prolatada, em face de não ter havido reconhecimento judicial de quaisquer ilegalidades na cobrança para o cadastramento e emissão do cartão de CPF conforme aventados na inicial da ação civil pública, porquanto o Juiz não está adstrito apenas aos fundamentos jurídicos trazidos pelas partes, prevalecendo em nosso sistema jurídico o princípio dabo mihi factum dabo tibi jus.

Igualmente, improcede o argumento de que o Juízo sentenciante teria adentrado no mérito administrativo, apreciando a sua conveniência e oportunidade, ao determinar a manutenção do serviço de cadastramen-to e confecção do cartão do CPF nas agências e delegacias da Receita

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Federal, ainda que permaneçam os serviços das entidades conveniadas, porquanto a inscrição dos contribuintes é obrigatória, não havendo, assim, falar em discricionariedade da Administração quanto a esse as-pecto. Em sendo obrigatória a inscrição, pode, sim, o Judiciário adentrar na questão da legalidade da supressão da prestação gratuita do serviço, cuja obrigatoriedade de inscrição é imposta a todas as pessoas físicas de forma compulsória. Portanto, não se trata de mérito administrativo, mas essencialmente de questão de legalidade. As pessoas físicas terão desse modo a opção do serviço gratuito ou pago, este deliberado por convênio no qual a Administração tem certa margem de discricionariedade, mas não a ponto de, tendo estabelecido o convênio com os outros entes de forma contraprestacional, dar-lhe o direito de não facultar aos contribuin-tes, que não quiserem ou puderem pagar, a inscrição de forma gratuita.

Aliás, o Juízo a quo já havia justificado o porquê de não ter adentrado no mérito administrativo, tendo consignado – ainda que de forma implíci-ta –, a ilegalidade da conduta da União na interrupção do cadastramento e emissão de CPF, por meio de suas delegacias/agências da Secretaria da Receita Federal (fls. 202/203):

“O Poder Judiciário não deve impedir a modernização da fiscalização tributária, rescindindo, liminarmente os convênios firmados entre a Ré e a ECT, a CEF e o Banco do Brasil. É imperioso reconhecer que a descentralização do atendimento visou a abarcar um maior número de contribuintes, que não precisam deslocar-se de seus municípios/povoados para inscreverem-se no CPF.

A alternativa viável, principalmente para aqueles que não possam ou não desejem arcar com o valor cobrado pelas entidades conveniadas, é a manutenção da disponi-bilização desse serviço também pela Receita Federal, como já vinha expresso nos convênios firmados – especialmente parágrafo sexto da cláusula primeira.

Não se alegue a ocorrência de prejuízos para a União, porque essa ainda mantém o atendimento para a solicitação de inscrição no CPF de pessoas falecidas, pelo que não será necessário dispor de mais funcionários para a prática desses atos.

Não vejo motivos para alterar esse entendimento. Apenas devo acrescentar que esta decisão não interfere no mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo vergastado, porque a inscrição dos contribuintes no CPF é obrigatória e, assim, a Ad-ministração Pública Federal não pode praticar atos preponderantemente discricionários que se refiram a essa matéria.”

O Ministério Público Federal, em seu parecer, explicita a questão sob a ótica do ato administrativo discricionário, vinculado, mérito admi-nistrativo e princípio da dignidade humana, cujos fundamentos, por se

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encontrarem bem delineados, adoto-os como razões de decidir, passando a transcrevê-los:

“(...) ação civil pública ataca dois pontos: a cobrança pecuniária por serviço pres-tado por entidades conveniadas com a Receita Federal e a negativa de prestação desse mesmo serviço pela própria Receita, conforme vinha sendo feito desde a criação do CPF até a ocorrência dos fatos descritos na inicial. Quanto ao primeiro ato, é até possível admitir que a contratação pela Administração Pública da ‘terceirização’ de serviço de sua responsabilidade é ato que decorre de um juízo de conveniência e oportunidade, havendo, portanto, um núcleo de discricionariedade (que no entanto não é absoluto e intangível, como se verá). Quanto à negativa de continuidade do cadastramento, recadastramento e confecção de vias dos cartões do Cadastro de Pessoas Físicas nas Agências e Delegacias da Receita Federal, há reconhecida ilegalidade, não havendo que se falar em exame de discricionariedade.

O ato discricionário não é um absoluto de manifestação da vontade do administrador. O ato administrativo está sempre entre dois extremos, de máxima liberdade de escolha do administrador e de máxima limitação, mas nunca ocorrendo em um destes extremos. Todo ato administrativo possui algum conteúdo de discricionariedade e vinculação. Neste aspecto a lição de Juarez Freitas:

‘Com efeito, nem o sistema jurídico é auto-regulável por inteiro – ainda que com-pletável –, tampouco torna a liberdade absolutamente franqueável ao agente público. Ter-se-á, pois, de ver o ato administrativo como estando, em maior ou menor grau, vinculado, mas não apenas à legalidade, senão que à totalidade dos princípios regentes das relações jurídico-administrativas.’

Assim, o ato administrativo não se torna imune a qualquer exame tão-só por se lhe atribuir a preponderância do caráter discricionário.

‘Não se deve, por fetichismo ou em função de crenças absolutamente sobrepassadas pela moderna teoria geral do Direito, descurar dos constitucionais preceitos principio-lógicos rigorosamente indescartáveis e de mesma estatura hierárquica de que desfruta o princípio da legalidade, como que o relativizando para fortalecê-lo.’

Não se trata, obviamente, de adentrar no mérito administrativo discricionário, como quer fazer crer a União. A sentença recorrida é clara em fundamentar a condenação na obrigação da Receita Federal efetuar o cadastro e expedição de cartões do CPF:

‘Não vejo motivos para alterar esse entendimento. Apenas devo acrescentar que esta decisão não interfere no mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo vergastado, porque a inscrição dos contribuintes no CPF é obrigatória e, assim, a Ad-ministração Pública Federal não pode praticar atos preponderantemente discricionários que se refiram a esta matéria.’

Além disso, a discricionariedade deve decorrer do ordenamento jurídico, o que significa dizer que, em virtude do princípio da legalidade expressa, somente é possível o exercício do poder discricionário diante de previsão legal da prática de um ato com

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base em juízos de conveniência e oportunidade. Tanto na Lei 4862/65, que autorizou a instituição de um Registro de Pessoas Físicas, quanto no Decreto-Lei 401/68, que transformou esse registro em Cadastro de Pessoas Físicas, não há qualquer referência à possibilidade de ‘terceirização’ do serviço, de onde se conclui que a lei jamais conferiu discricionariedade a essa atividade.

A cobrança para cadastramento no CPF é ilegal, porque a própria existência desse cadastro é algo que interessa apenas à União – é ela que depende do CPF para exercer a fiscalização tributária, não havendo na inclusão no cadastro qualquer serviço presta-do ao contribuinte. Embora entenda o Ministério Público que a referida cobrança tem natureza jurídica de taxa, essa afirmação foi afastada na sentença que, no ponto, restou irrecorrida. Assim, embora o argumento não possa servir para afastar definitivamente a possibilidade de cobrança pelo serviço, deve-se manter, no mínimo, a prestação jurisdicional que obriga a União a prestá-lo gratuitamente aos contribuintes que se recusarem ao ilegal pagamento.

Por outro lado, a inscrição no CPF é mandatória para o exercício de diversos atos da vida civil, o que implica dizer que acaba por se tornar requisito para o exercício da cidadania. Sem CPF não se pode adquirir ou alienar imóvel, obter ou dar garantia real, abrir conta bancária ou mesmo caderneta de poupança, nem ao menos contribuir como autônomo para a seguridade social, mesmo não sendo contribuinte de qualquer imposto direto. Em manifestação oferecida perante esse Tribunal na AC 2001.72.00.003230-9, o Ministério Público afirmou:

‘Imperioso ressaltar ainda os efeitos da referida cobrança em face da dignidade da pessoa humana, consagrada como princípio fundamental no artigo 1º, III, da Consti-tuição Federal. Conforme se verifica no documento juntado às fls. 35/37, pelo serviço prestado à EBCT é cobrado um valor 16 vezes o primeiro porte de uma carta simples, resultando na quantia de R$ 4,50. Tal valor afigura-se alto se levarmos em consideração o número elevado de cidadãos que sobrevivem com menos de um salário mínimo e que poderiam destinar aquela quantia para a compra de alimentos.’

Lembre-se que é somente em casos específicos que a pessoa poderá solicitar a sua inscrição no CPF sem o intermédio da EBCT, como, por exemplo, para a entrega de declaração de pessoa física, hipótese esta em que há interesse da administração em fiscalizar a arrecadação do Imposto de Renda. Essa conduta não condiz com a noção de dignidade da pessoa humana, segundo a qual, nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet: ‘...é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua e não o meio da atividade estatal.’

Outra interpretação não poderia ser feita, haja vista que a Constituição Federal colocou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Assim, o Estado deve servir ao cidadão, garantindo a sua dignidade mediante a sua integração na sociedade, o que não está sendo cumprido, uma vez que o valor cobrado pode impedir que a pessoa de mais baixa renda não se inscreva no CPF, es-tando impossibilitada de conseguir, por exemplo, uma abertura de crédito, sua única

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forma de aquisição de bens.”

Ademais, esta 2ª Turma já se manifestou em questão semelhante considerando ilegal a cobrança do valor para obtenção do CPF, o que reafirma a necessidade da manutenção, ao menos, da gratuidade do cadastramento e confecção dos cartões pelas agências/delegacias da Receita Federal, in verbis:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DE TAXA PARA A OBTENÇÃO DO CPF. COMPULSORIEDADE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. A necessidade de obtenção do CPF constitui-se em direito fundamental mínimo para o exercício da cidadania e, por conseqüência, estaria inserida entre os interesses sociais passíveis de serem defendidos pelo Ministério Público em sede de ação civil pública, de acordo com o art. 127 da Constituição, a despeito da discussão de constituir--se ou não o compulsório ônus a cargo do cidadão, de R$ 4,50 (quatro reais e cinqüenta centavos), preço público ou taxa.

2. Afastado o viés tributário e fixada a legitimidade ativa ad causam do Ministé-rio Público, considerando a previsão constitucional do art. 5º, LXXVII, de que ‘são gratuitos, (...) na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania’, em um país em que 40% da população é pobre e tem renda per capita de até meio salário mínimo, dá-se provimento ao apelo a fim de declarar ilegal a cobrança da referida ‘taxa’, condenando-se as rés à obrigação de não fazer, consistente em deixar de efetuar a cobrança a partir de trinta dias a contar da intimação deste julgado. (TRF4ªR - 2ª T, Apelação em Ação Civil Pública Nº 2001.72.00.003230-9/SC, Rel. Juiz Federal Leandro Paulsen, D.J.U. de 25.01.2006)

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.14.002150-2/RS

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Apelante: E Diehl e CIA. LTDA.Advogados: Drs. Edison Freitas de Siqueira e outros

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Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

PIS/COFINS. Base de cálculo. Dedução de despesas operacionais. Indeferimento de produção de prova pericial. Cerceamento de defesa não configurado. Princípio da isonomia. Equiparação a instituições financeiras e demais entidades beneficiadas. Improcedência do pedido.

1. Princípio recorrente na disciplina processual, o “livre convenci-mento motivado” estabelece que o Juiz é soberano na análise e valoração das provas na formação do seu convencimento, estando limitado pela exposição dos motivos que embasam o provimento enunciado (art. 131 do CPC c/c art. 93, IX, da CF).

2. In casu o Juízo de 1º grau entendeu suficientes os elementos acos-tados para o julgamento da demanda, mesmo porque o cerne da contro-vérsia permaneceu adstrito à questão de fundo, sendo a apuração dos valores supostamente pagos a maior mera conseqüência do acolhimento do pedido principal.

3. A discussão vertida nos autos diz respeito se as Leis nos 9.718/98 e 10.637/2002 teriam adotado um critério de discrímen ilegítimo, pois autorizam que instituições financeiras, cooperativas, empresas de se-guro, revendedoras de automóveis usados, empresas de previdência privada e operadoras de planos de assistência à saúde deduzam da base de cálculo do PIS e da COFINS as despesas operacionais inerentes às suas atividades.

4. O art. 195, § 9º, CF permite às contribuições sociais, como o PIS e a COFINS, a previsão de bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. Nesse contexto, o tratamento diferenciado conferido para instituições financei-ras e demais entidades em comento atende a motivos de política fiscal, buscando fomentar setores específicos da economia. Precedentes.

5. Ademais, caso algum vício existisse na legislação controvertida, cabível o reconhecimento de inconstitucionalidade, e não a extensão dos seus efeitos a entidades que não estariam abrangidas em seu texto. Do contrário, o Poder Judiciário estaria não só atuando como legislador

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positivo, como também investindo contra a manifesta intenção do legis-lador, usurpando a função legislativa.

6. Agravo retido e apelações desprovidas

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de setembro de 2008.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Trata-se de ação ordinária ajuizada por E. Diehl e Cia Ltda contra a União Federal buscan-do sua equiparação às instituições financeiras, cooperativas e empresas de seguro e previdência privada para fins de apuração da COFINS e do PIS.

Narrou a autora que o tratamento diferenciado concedido pela Lei nº 10.637/2002 às instituições financeiras e outras pessoas jurídicas de direito privado viola o princípio da isonomia insculpido na Constituição Federal. Afirmou seu direito às deduções das despesas operacionais de PIS e COFINS, de maneira que a base de cálculo dos tributos correspon-da ao lucro bruto. Sustentou que as empresas privadas e as instituições financeiras devem ser tratadas da mesma forma, uma vez que se encon-tram em igualdade de situação jurídica, circunstância esta reconhecida pelo Judiciário e pleiteada pelas instituições financeiras no âmbito da CSLL. Alegou a violação do princípio da isonomia e da eqüidade na participação do custeio da Seguridade Social. Defendeu a interpretação extensiva da legislação na busca da realização da justiça social. Postulou a compensação ou a restituição dos valores pagos a maior. Requereu a produção de prova pericial. Atribuiu à causa o valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais).

O pedido de realização de perícia foi indeferido pelo Juízo a quo (fl. 113). Contra a decisão foi interposto agravo retido pela parte autora (fls. 116-121).

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Sobreveio sentença julgando improcedente o pedido inicial e con-denando a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atribuído à causa (fls. 143-149).

Apelou o autor argüindo, preliminarmente, o conhecimento do agravo retido e a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Aduziu que a deci-são do STF (RE 357.970) declarou a inconstitucionalidade do conceito de receita bruta, fazendo com que o pedido seja julgado procedente por fundamentação diversa. No mérito, reafirmou as alegações expostas na inicial.

A União ofertou contra-razões às fls. 200-204.Vieram os autos conclusos.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida:

Agravo retido

Tendo em vista o requerimento de julgamento do agravo retido, co-nheço do recurso e passo a apreciá-lo.

Defende a agravante o cerceamento de defesa em razão do indeferi-mento do pedido de produção de prova pericial.

A alegação não deve prosperar.Com efeito, o juiz é incumbido de diversos poderes na condução do

processo tendo em vista, sempre, a adequada prestação jurisdicional. Entre tais poderes, inclui-se a direção instrutória do feito, referida no art. 130 do CPC (“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”).

Por conseqüência, abre-se a possibilidade do julgamento antecipado da lide, previsto no art. 330 do Código de Processo Civil:

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de

fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;II - quando ocorrer a revelia (art. 319).”

Princípio recorrente na disciplina processual, o “livre convencimento

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motivado” estabelece que o Juiz é soberano na análise e valoração das provas na formação do seu convencimento, estando limitado pela expo-sição dos motivos que embasam o provimento enunciado (art. 131 do CPC c/c art. 93, IX, da CF).

In casu o Juízo de 1º grau entendeu suficientes os elementos acosta-dos aos autos para o julgamento da demanda, mesmo porque o cerne da controvérsia permaneceu adstrito à questão de fundo, sendo a apuração dos valores supostamente pagos a maior mera conseqüência do acolhi-mento do pedido principal.

Dessa forma, a hipótese sub judice não configura qualquer nulidade, mas sim o exercício das prerrogativas disponíveis ao Magistrado na condução do processo. Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. PRODUÇÃO DE PROVAS INDEFERIDA PELO JUIZ. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. 1. Cabe ao juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo aquelas consideradas protelatórias (CPC, art. 130). Violação ao texto legal que não restou demonstrada. 2. Agravo regimental não provido.” (AGA 152757/RS, 5ª Turma do STJ, Rel. Ministro Edson Vidigal, publicado no DJ 27.09.1999, p. 00107)

Isso posto, nego provimento ao agravo retido.

Princípio da isonomia

A demandante pleiteia que lhe seja reconhecido o direito de receber o mesmo tratamento jurídico conferido a instituições financeiras e a outras entidades quanto às deduções da base de cálculo do PIS e da COFINS, em decorrência do princípio da isonomia.

Invoca, assim, o disposto no art. 150, II, da Constituição Federal:“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação

equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (...)”

Ao abordar o referido princípio, Ricardo Alexandre destaca a devida acepção da isonomia contida no texto constitucional:

“O legislador constituinte, seguindo a lição, estipulou, no art. 150, II, da CF/1988,

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que é vedado aos entes federados ‘instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente (...)’.

Tratou da isonomia no seu sentido horizontal, pois exigiu que se dispensasse trata-mento igual aos que estão em situação equivalente, mas deixou implícita a necessidade de tratamento desigual aos que se encontram em situações relevantemente distintas (sentido vertical).

Por tudo, é lícito afirmar que, havendo desigualdade relevante, a Constituição não apenas permite a diferenciação como também a exige.” (em Direito Tributário Esquematizado, 1. ed., n.105)

No caso, a discussão diz respeito se as Leis nos 9.718/98 e 10.637/2002 teriam adotado um critério de discrímen ilegítimo, pois autorizam que instituições financeiras, cooperativas, empresas de seguro, revendedoras de automóveis usados, empresas de previdência privada e operadoras de planos de assistência à saúde deduzam da base de cálculo do PIS e da COFINS as despesas operacionais inerentes às suas atividades.

Cumpre destacar que a própria Constituição permite às contribuições sociais, como o PIS e a COFINS, a previsão de bases de cálculo diferen-ciadas, ex vi do art. 195, § 9º, CF:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão

ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

Nesse contexto, o tratamento diferenciado conferido para instituições financeiras e demais entidades em comento atende a motivos de política fiscal, buscando fomentar setores específicos da economia.

A matéria já foi apreciada por esta Corte em sentido oposto à tese exposta pela apelante:

“TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. ART. 3º, § 2º, III, DA LEI Nº 9.718/98. ISONOMIA COM AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ICMS. 1- Dependia de regulamentação a aplicabilidade do art. 3º, § 2º, III, da Lei nº 9.718/98, que excluía da base de cálculo das contribuições ao PIS e ao COFINS os valores que, computados como receita, tenham sido transferidos para outra pessoa jurídica. 2- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o Poder Judi-ciário só atua como legislador negativo, deixando de aplicar a norma declarada ilegal

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ou inconstitucional, sendo-lhe vedado conferir benefícios fiscais não previstos em lei ou estendê-los aos contribuintes não contemplados pela lei existente. 3- A distinção levada a efeito pelo art. 3º da Lei nº 9.718/98, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35, que trata da determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS devidas pelas instituições financeiras, guarda pertinência com necessidades de política fiscal da União e encontra guarida no § 9º do art. 195 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98. 4- O art. 150, II, da Constituição veda o ‘instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente’. Não há vedação a que se dê tratamento desigual aos desiguais, que se encontrem em situações não equivalentes. 5- É legítima a inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS.” (TRF4, AC 2002.71.00.000836-0/RS, Segunda Turma, Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, publicado em 30.03.2005)

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PIS. COFINS. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO. RECEITAS OPERACIONAIS. INSTITUIÇÕES FI-NANCEIRAS. COOPERATIVAS. REVENDEDORAS DE VEÍCULOS USADOS. EQUIPARAÇÃO ÀS DEMAIS EMPRESAS. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA. PRESERVAÇÃO. ATIVIDADE ECONÔMICA. CRITÉRIO DE DISTINÇÃO. SO-LIDARIEDADE SOCIAL.

1. A possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS das despe-sas operacionais das instituições financeiras, promovida pelo art. 3º, § 5º a 9º, da Lei 9.718/98, bem ainda o permissivo quanto às cooperativas e às revendedoras de veículos usados, responde a necessidades de política fiscal, e é prevista a distinção no art. 195, § 9º, da Constituição Federal, não se estendendo o benefício às empresas privadas não enquadradas dentre as descritas pelo art. 22, § 1º, da Lei 8.212/91.

2. A isonomia, esquadrinhada no art. 150, II, da CF, resta preservada se o tratamento tributário diferenciado obedeceu aos critérios fixados pela própria Constituição, no caso, a atividade econômica desempenhada pelos contribuintes das contribuições ao PIS e à COFINS.

3. A analogia não serve como instrumento hermenêutico se sua utilização extrapo-la os limites da lógica legislativa, vez que, no caso, existe um critério distintivo que restou preservado.

4. Apelação improvida.” (AMS 2002.70.00065778-4/PR, 1ª Turma, Rel. Des. Fe-deral Wellington Mendes de Almeida, DJU de 19.11.2003, p. 719)

Pelo teor dos precedentes citados observa-se outro argumento que, por si só, afastaria as alegações da parte autora: o Judiciário encontra--se impossibilitado de acolher o pedido inicial, sob pena de afronta ao princípio da separação de poderes. Com efeito, se algum vício existisse na legislação controvertida, cabível o reconhecimento de inconstitucio-nalidade, e não a extensão dos seus efeitos a entidades que não estariam abrangidas em seu texto.

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Do contrário, o Poder Judiciário estaria não só atuando como legis-lador positivo, como também investindo contra a manifesta intenção do legislador, usurpando a função legislativa.

Ademais, no que tange à delimitação do conceito de receita bruta e à declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98 pelo STF, não merece guarida o apelo do autor nessa oportunidade.

Em caso análogo, a Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha abordou a questão no sentido de que a recorrente busca inovar o pedido em sede recursal, visto que o pedido não questionava a equiparação entre receita bruta e faturamento. Colaciono a fundamentação então proferida na AC nº 2002.72.01.001462-0:

“O pedido da autora, tal como formulado na inicial, é de ‘reconhecimento do direito ao recolhimento das contribuições exigidas a título de COFINS e PIS calculadas sobre o lucro bruto na forma da Lei nº 6.404/76 e do Decreto nº 3.000/99’, e utilização dos créditos daí decorrentes para compensação com débitos dessas mesmas contribuições ou, alternativamente, restituição desses valores. A despeito disso, em seu apelo pretende discutir a base de cálculo prevista na Lei nº 9.718/98, argumentando com ilegalidades e inconstitucionalidades nela contidas.

À autora não é dado inovar em sede recursal. É certo que a matéria da inconstitucio-nalidade poderia ser aqui conhecida, mas a discussão sobre a equiparação entre receita e faturamento não se coaduna com o pedido formulado. O que a autora pretendeu foi que se lhe estendesse a forma de apuração das contribuições prevista para as instituições financeiras. A discussão sobre a equiparação e os efeitos da EC 20/98 relativamente à disciplina da Lei nº 9.718/98 não encontram lugar na presente lide, em que não se prestam para fundamentar o pedido nela formulado, com ele não se relacionando.

O pedido formulado na ação, note-se, não era de eximir-se do pagamento das con-tribuições ou de rever-lhes a base de cálculo com base nos argumentos de equiparação entre faturamento e receita, mas de reconhecimento do direito a recolhê-las com base na mesma forma de cálculo que prevista na lei como aplicável às instituições financeiras, isto é, a autora pretendia fazer valer argumento de isonomia, entendendo que aquelas instituições eram tributadas pelo lucro bruto, e ela, autora, pela receita bruta. Resta claro que os argumentos trazidos no apelo, que diferem dos deduzidos na inicial, nem mesmo se prestam a embasar o pleito objeto da lide. Se a autora pretender discutir inconstitucionalidade que entenda existente na Lei nº 9.718/98, que não seja a relativa à distinta tributação dos bancos, poderá ajuizar ação própria para isso. Mas não pode pretender inaugurar nova discussão em sede recursal.”

Logo, não merecendo acolhida a pretensão da parte autora, deve ser mantido o julgamento de improcedência do pedido.

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Prequestionamento

Saliento, por fim, que o enfrentamento das questões apontadas em grau de recurso, bem como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as embasam. Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para esse fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e à apelação.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2004.71.07.006789-0/RS

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo

Apelante: Alitex Ind. e Com. de Confecções LTDA.Advogados: Dr. Rubio Eduardo Geissmann e outros

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Tributário. Simples. Imunidades. Arts. 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, da CF. Incompatibilidade.

É incompatível o regime do SIMPLES com as imunidades das re-ceitas de exportação previstas nos arts. 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, da Constituição.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de junho de 2008.Juíza Federal Eloy Bernst Justo, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: Trata-se de apelação interposta contra sentença que denegou a segurança, ao fundamento da impossibilidade do contribuinte optante pelo Simples usufruir da imuni-dade prevista nos arts. 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, ambos da Constituição.

Sustenta a impetrante que as receitas decorrentes de exportação são objeto de imunidade pelos arts. 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, ambos da Constituição. Há, portanto, limitação ao poder de tributar quanto a essas exações, de forma que o art. 5º da Lei nº 9.317/96 ficou suspenso a partir da vigência dos referidos dispositivos constitucionais, em face da Emenda Constitucional nº 33/2001.

Sem contra-razões.O Ministério Público opinou pelo desprovimento do apelo.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: As imunidades invo-cadas pela Impetrante abrangem apenas as contribuições sobre a receita de exportação (art. 149, § 2º, I, da CF), ou seja, a COFINS e o PIS, que têm como base econômica a receita, e sobre a saída de produtos industria-lizados destinados ao exterior (art. 153, § 3º, III, da CF), ou seja, o IPI.

Vejamos os dispositivos:“Art. 149. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que

trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

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(...) Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV - produtos industrializados; (...)§ 3º O imposto previsto no inciso IV:(...) III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. (...)”

Descabida, pois, a pretensão de imunidade relativamente à CSLL, que tem como base econômica tributável o lucro, e às contribuições previ-denciárias (INSS), que incidem sobre a remuneração de trabalhadores.

Quanto à compatibilidade entre as normas negativas de competência tributária em questão (imunidades) e o Simples, vejamos.

No regime Simples, para as faixas iniciais de receita sequer há qual-quer percentual correspondente ao PIS, pois o art. 23 da Lei 9.317/96 indica 0% destinado ao PIS. Para receitas um pouco maiores, estabelece rateio que contempla também o PIS.

O Simples não é tributo que incida sobre a receita, mas modo simplifi-cado de recolhimento de tributos, opcional para o contribuinte. Ademais, no Simples, a receita bruta é referência para a definição de valor que implique menor ônus tributário para a microempresa e para a empresa de pequeno porte, com base nela sendo apurado montante a recolher que faz as vezes de inúmeros tributos incidentes sobre as mais diversas bases de cálculo, inclusive sobre o lucro (IRPJ e CSLL) e sobre bases tributadas para custeio da previdência (contribuições previdenciárias).

A destinação de percentual daquilo que é arrecadado no Simples a conta de tal ou qual tributo não é, propriamente, uma apuração do valor devido a título de cada um, mas mero rateio para as diversas destinações custeadas pelos tributos abrangidos pelo Simples. Basta ver que, apurados efetivamente tais tributos, conforme a legislação respectiva, consideradas suas bases de cálculo e alíquotas, o montante devido individualmente implicaria, na soma, valores bem superiores aos pagos no Simples.

Não há como se excluir, pois, da base de cálculo do Simples, as re-ceitas de exportação.

Esta Corte já teve a oportunidade de analisar a questão entendendo não haver como, no regime simplificado previsto no art. 146, III, da CF e instituído pela Lei 9.317/96, extraírem-se efeitos das imunidades dos arts. 149, § 2º, e 153, § 3º, III, da CF:

“EMPRESA OPTANTE PELO SIMPLES. IMUNIDADE NAS EXPORTAÇÕES. IPI, COFINS, PIS, CSLL. IMPOSSIBILIDADE.

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A adesão ao Sistema é facultativa e, uma vez admitida, sujeita o contribuinte ao regime tributário imposto. Inexiste, portanto, direito líquido e certo de o contribuinte valer-se do regramento tão-somente para alguns tributos, deixando de obedecê-lo nos pontos que entenda abrangido por benefício fiscal mais vantajoso, sob pena de se subverter o desiderato legislativo consubstanciado na Lei nº 9.317/96 (que visou a um grupo diferenciado de contribuintes, nos exatos termos do art. 179 da Constituição Federal de 1988), inventando um sistema ‘misto’.

O impedimento de os contribuintes gozarem imunidades de tributos arrecadados de forma simplificada não ofende nem limita as normas constitucionais imunizatórias.” (TRF 4ª Região, 1ª Turma, AMS 2005.72.06.000098-7, Rel. Des. Federal Vilson Darós, DJ 14.02.2007)

“TRIBUTÁRIO. EMPRESA OPTANTE PELO SIMPLES. ARTS. 149, § 2º, E 153, § 3º, III, DA CONSTITUIÇÃO. IMUNIDADE. IPI. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS, COFINS e CSLL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE.

1 - A Corte Especial do TRF da 4ª Região rejeitou a argüição de inconstituciona-lidade do art. 5º, § 5º, da Lei nº 9.317/96, segundo o qual a ‘inscrição no SIMPLES veda, para a microempresa ou empresa de pequeno porte, a utilização ou destinação de qualquer valor a título de incentivo fiscal, bem assim a apropriação ou a transferência de créditos relativos ao IPI e ao ICMS’.

2 - A empresa optante do SIMPLES não pode se beneficiar da imunidade prevista nos arts. 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, da Constituição Federal.” (TRF4, 2ª Turma, AMS Nº 2004.71.07.006786-5/RS, Rel. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJU 15.02.2006)

Dessa forma, correta a sentença que denegou a segurança.Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.72.00.005917-9/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelante: Ricardo da Rocha PereiraAdvogados: Drs. Elinora Maria da Rosa Isoldi e outro

Apelado: União Federal (Fazenda Nacional)

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Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Embargos à execução fiscal. Impenhorabilidade relativa. Verbas decorrentes de reajustes salariais inscritas em precatório.

A impenhorabilidade do salário decorre de sua natureza alimentar, sendo, contudo, relativa, uma vez que não se pode admitir que valores decorrentes de reajustes salariais inscritos em precatório sejam também impenhoráveis, tendo em vista que deixaram de possuir caráter alimentar, passando para a esfera do patrimônio do executado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de novembro de 2007.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de apelação de sentença que julgou improcedentes os embargos à execução fiscal para reconhecer a penhorabilidade do crédito constrito, julgando o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC. Condenou o embargante ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em R$ 500,00, afastando o pedido de AJG.

Nas suas razões, o apelante sustenta a impenhorabilidade da verba constrita por consistir em crédito salarial. Postula o benefício da AJG.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: A impenhorabilidade do salário, prevista no artigo 649, IV, do CPC, decorre de sua natureza ali-mentar. No entanto, tal impenhorabilidade é apenas relativa, porquanto

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não se pode admitir que crédito inscrito em precatório, embora decorrente de verba salarial, seja também impenhorável, pois já perdeu seu caráter alimentar, passando para a esfera do patrimônio do executado.

Na mesma linha segue o entendimento de Celso Neves, in Manual do Processo de Execução - Araken de Assis, fl. 319, 3. ed., Ed. Revista dos Tribunais, quando diz: “Todo o numerário percebido em razão de vínculo empregatício ou estatutário se submeterá à penhora, quando o devedor outorga-lhe exclusiva feição patrimonial, investindo-o, p. ex., no mercado financeiro ou de ações.”

Na hipótese dos autos, a verba penhorada no rosto dos autos de pre-catório decorre de crédito fruto de reconhecimento de reajustes salariais, dados pelas Leis nos 8.622/93 e 8.627/93. Não se trata, em verdade, de verba salarial de cunho alimentar, esta sim indispensável à subsistência, mas de valores pagos acumuladamente e que, por essa razão, perderam a condição de impenhoráveis.

Como bem destacou o Procurador da Fazenda, não se trata de salário recebido mês a mês, indispensável para a manutenção do lar, mas sim de um acréscimo justo, reconhecido judicialmente, que não irá fragilizar a dignidade do embargante nem a de sua família.

A regra da impenhorabilidade do salário deve encontrar tempera-mentos a fim de evitar que verbas, quando não sejam indispensáveis à subsistência, embora decorrentes do salário, sejam protegidas contra constrições.

Nesta linha de raciocínio, invoca-se o princípio da razoabilidade, para afastar a proteção conferida a verbas pagas acumuladamente, quando, em verdade, o que deve ser considerado impenhorável são quantias que sirvam para garantir a sobrevivência e o sustento das pessoas.

Ademais, o fato de o valor do crédito do embargante ser bastante su-perior ao quantum objeto da penhora, R$ 15.029,00 contra R$ 2.490,00, e o executado não ter oferecido qualquer outra alternativa à composição do débito, são razões bastantes para justificar a manutenção da penhora efetivada.

Mantenho o indeferimento do benefício da AJG, conforme bem deci-dido pelo juízo a quo, porquanto o embargante possui condições de arcar com custas do processo em face do crédito de que dispõe.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

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É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2007.70.00.026861-3/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Apelantes: Fagundes Coml. Exp. e Imp. Ltda. e outroAdvogado: Dr. Valterlei Aparecido da CostaApelada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Tributário. Processual Civil. Apreensão de documentos encontrados no estabelecimento comercial do contribuinte. Possibilidade. Indícios de ilícito tributário. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Interesse público. Agravo retido não conhecido.

1. Não se conhece de agravo retido cuja apreciação não é expressa-mente requerida pela parte interessada, na fase recursal. Inteligência do art. 523, § 1º, do CPC.

2. Consistindo em medida excepcional e extrema, justifica-se a reten-ção de documentos encontrados no estabelecimento comercial do contri-buinte, sem a necessidade de autorização judicial, mediante a existência de um razoável início de prova do ilícito (em sentido amplo, incluindo o ilícito penal), visto que somente o interesse público ou social e a regular administração da justiça constituem motivos justos para a intromissão do Estado na esfera privativa do cidadão.

3. O conflito entre o direito à inviolabilidade domiciliar e a relevância do interesse público há de ser resolvido ante as circunstâncias do caso concreto, contribuindo para a formação do juízo imparcial os princípios

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da razoabilidade e da proporcionalidade.4. Na hipótese, torna-se patente a motivação e justiça da iniciativa

do Fisco, que se limitou a cumprir a sua finalidade institucional, inves-tigando os fatos tidos como ilícitos tributários. A pretensão de que seja desconsiderada a documentação apreendida para fins de instrução do processo administrativo fiscal implica desvirtuamento dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cuja aplicação deve pautar as decisões do Judiciário.

5. Agravo retido não conhecido. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido e negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de julho de 2008.Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por Fagundes Comercial Exportadora e Importadora Ltda. e Eletrônica América do Sul Ltda. contra ato do Inspetor da Receita Federal em Curitiba, visando seja de-terminado à autoridade coatora se abstenha de fazer uso da documentação apreendida em seus estabelecimentos comerciais para fins de instrução do processo administrativo fiscal, com a devolução da mesma, por ter sido retida sem a devida autorização judicial.

Narram que no dia 09 de agosto de 2007 foram submetidas à dili-gência de fiscalização conforme mandados de procedimento fiscal nos

09.1.52.00-2007-00309-1 e 09.1.52.00-2007-00308-3 e que, no decor-rer da fiscalização, houve apreensão de mercadorias de seus estoques supostamente com origem estrangeira, sem que tenha ocorrido a res-pectiva individualização dos produtos, os quais foram lacrados a fim de que fossem apresentados os documentos necessários à comprovação de sua regular aquisição. Asseveram que o art. 195 do CTN não pode ser

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interpretado de maneira extensiva, de modo que o contribuinte apenas é obrigado a apresentar a documentação requisitada pela fiscalização, mas o Fisco não possui autorização para invadir o estabelecimento e realizar a apreensão dos documentos à míngua de autorização judicial.

Interposto agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a medida liminar, esta Corte decidiu por convertê-lo em retido (fls. 105/9).

Ante a sentença denegatória da segurança (fls. 98/100), recorrem as impetrantes, reiterando a imprescindibilidade de ordem judicial para legitimar a apreensão efetuada, o que tornariam imprestáveis como meio de prova os documentos retidos pela fiscalização (fls. 112/22).

Contra-arrazoado o recurso (fls. 126/34), vieram os autos a esta Corte, onde o i. representante do MPF opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 137/9).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: De acordo com o art. 523 do CPC, na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o Tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação. Vê-se, portanto, que o agravo retido somente será conhecido e apreciado quando houver expresso requerimento do agravante na apela-ção ou, no caso em que for vencedor, nas contra-razões ou por petição. Na hipótese, a agravante deixou de requerer a apreciação do agravo retido em suas razões de apelação, pelo que não merece conhecimento.

Passo ao exame do apelo.As recorrentes tecem considerações acerca da nulidade do procedi-

mento administrativo fiscalizatório, que apreendeu documentos no inte-rior de seu estabelecimento comercial sem a devida autorização judicial.

O conflito entre o direito à inviolabilidade de domicílio (ou, o que é o mesmo, a parte do estabelecimento comercial não aberta ao público), como liberdade pública constitucionalmente assegurada, e a relevância do interesse público, que tanto pode se pautar pela manutenção da ordem jurídica como pela necessidade de arrecadação, há de ser resolvido ante as circunstâncias do caso concreto, contribuindo para a formação do juízo imparcial os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Transcrevo a lição dos juristas Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar

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Ferreira Mendes, citados pelo Ministro Domingos Franciulli Netto, páginas 45 e 46:

“O princípio da proporcionalidade acima referido tem plena aplicação entre nós. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de assinalar que não basta a existência de lei para que se considere legítima determinada restrição a direito. Tal restrição deve ‘atender ao critério da razoabilidade’, cabendo ao Poder Judiciário, em última instância, ‘apreciar se as restrições são adequadas e justificadas pelo interesse público, para julgá--las legítimas ou não’ (Cf. Representação nº 930, Relator Ministro Rodrigues Alckmin, transcrita in: RTJ 110, p. 967; Representação nº 1.054, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 110, p. 967; Representação nº 1.077, Relator Min. Moreira Alves, RTJ 112, p. 34).

A par do que podemos chamar ‘juízo abstrato sobre a proporcionalidade ou a razo-abilidade’ tal como explicitado acima, identifica-se, também no país, a necessidade de um juízo concreto quanto à proporcionalidade, que se há de fazer quando da aplicação singularizada da norma. É que, muitas vezes, não se afigura suficiente a afirmação quanto à razoabilidade genérica da decisão legislativa, tornando-se imperioso que a autoridade encarregada de aplicar o direito ao caso concreto proceda à aferição da razoabilidade in concreto (Cf., sobre o assunto, entre nós, ADIN nº 223, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça de 29.06.90).”

No caso vertente, conquanto não tenha havido autorização judicial prévia à ação fiscal, o teor das informações prestadas pela autoridade coatora evidencia que o interesse público sobrepujou o direito à invio-labilidade domiciliar, não sendo razoável repudiar a sua existência. É importante frisar que a controvérsia posta nos autos deve ser resolvida por meio da ponderação do caso concreto, analisando-se o procedimento do Fisco em face do direito do contribuinte.

Iniciou-se a ação fiscal, com arrimo no art. 35 da Lei 9.430/96, bem assim no art. 6º, I, c, da Lei 10.593/02, na redação dada pela Lei 11.457/07, porque havia fortes indícios da prática de utilização de em-presas “laranjas” para a comercialização interna de mercadorias.

No caso vertente, inclusive, os responsáveis legais das impetrantes tiveram plena ciência da execução dos Mandados de Procedimentos Fiscais nos 09.1.52.00-2007-00309-1 e 09.1.52.00-2007-00308-3, a se-rem realizados em seu estabelecimento comercial, como denotam suas assinaturas às fls. 59/60, o que descaracteriza a alegação de invasão pelos fiscais.

Apercebe-se que as impetrantes tencionaram furtar-se de dar a conhe-cer parte da documentação, ao passo que uma funcionária foi encarregada

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de sair do estabelecimento levando consigo documentos compromete-dores de suas atividades em uma mochila, terminando por ser flagrada na saída por um agente fiscal (fl. 57).

Desta forma, a possibilidade de que fosse solicitada às impetrantes a apresentação de documentos, dentro de um prazo previamente estabele-cido, daria margem a que apresentassem somente aqueles que lhe fossem convenientes, furtando-se de expor dados que lhe comprometessem frente ao Fisco, o que, a exemplo da atitude acima reportada, justifica a apreensão levada a efeito.

Torna-se, então, patente a motivação e justiça da iniciativa do Fisco, que se limitou a cumprir a sua finalidade institucional, podendo, para esse fim, requisitar informações às impetrantes e examinar toda a docu-mentação necessária à elucidação dos fatos. A pretensão de que sejam desconsiderados os documentos apreendidos para fins de instrução do processo administrativo fiscal implica desvirtuamento dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A tutela constitucional à invio-labilidade domiciliar não deve servir para evitar a investigação sobre a ocorrência de ocultação do real importador. Em suma, não se pode tachar de ilegítima a conduta da autoridade fiscal, sendo possibilitados o contraditório e a ampla defesa às autoras.

Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispo-sitivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Isso posto, voto no sentido de não conhecer do agravo retido e negar provimento à apelação.

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2007.71.06.000386-7/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelado: José Danilo OttoniAdvogado: Dr. Luis Eduardo de La Rosa Davila

Remetente: Juízo Substituto da VF e JEF Criminal de Santana do Livramento

EMENTA

Tributário. Pena de perdimento. Veículo transportador (automóvel). Requisitos.

1. Esta Corte entende que a pena de perdimento só deve ser aplicada ao veículo transportador quando concomitantemente houver: a) prova de que o proprietário do veículo apreendido concorreu de alguma forma para o ilícito fiscal (Inteligência da Súmula nº 138 do TFR); b) relação de pro-porcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias apreendidas.

2. Para objetivar-se a relação de proporcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias apreendidas devem ser utilizados dois critérios. O primeiro diz respeito aos valores absolutos dos bens, que devem possuir uma grande diferença. O segundo importa na existência de circunstâncias que indiquem a reiteração da conduta ilícita e a decor-rente diminuição entre os valores envolvidos, por força da freqüência.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2008.Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, Relatora.

RELATÓRIO

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A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata-se de apelação de sentença que julgou procedente ação ordinária ajuiza-da para afastar apreensão/pena de perdimento de veículo utilizado na introdução ilegal de mercadorias (fungicida) estrangeiras no território nacional. Condenada a União nos honorários advocatícios de 10% do valor da causa (R$ 19.414,00).

Entendeu o juízo ser desproporcional a pena de perdimento do veículo (R$ 19.265,00), em face do valor das mercadorias (R$ 8.169,67).

Inconformada, a União sustenta em sua apelação, em suma, a regu-laridade da pena de perdimento aplicada ao veículo em questão. Pede, ainda, a redução da verba honorária.

Com contra-razões, subiram os autos.Causa sujeita à remessa oficial.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Con-troverte-se acerca da legalidade da apreensão/pena de perdimento de veículo utilizado na introdução ilegal de mercadorias estrangeiras no território nacional.

O Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade da pena de perdimento por danos causados ao erário, por haver previsão expressa na CF de 1967 (RExt. nº 95.693/RS, Rel. Min. Alfredo Buzaid).

O fato de não haver previsão expressa na CF/88 não importa em concluir por sua inconstitucionalidade ou não-recepção. Através do devido processo legal, o direito de propriedade pode ser restringido, porque não-absoluto. A validade do perdimento é de nossa própria tradição histórica de proteção ao erário. A aplicação do perdimento obedece à razoabilidade, pois sua não-aplicação implica aceitar que alguns se beneficiem às custas de toda a sociedade.

Quanto à legalidade formal do procedimento administrativo de apreen-são e decretação da pena de perdimento de veículo utilizado no transporte de mercadoria ilegalmente importada, esta Turma já se manifestou no sentido de que, além de ser legal a fiscalização especial com retenção de mercadoria (bem como do veículo que a transporta), a falta de regular processo administrativo não implicaria violação ao princípio do devido

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processo legal e do direito à ampla defesa (Agravo de instrumento nº 2003.04.01.003644-2, j. 29.04.2003, Rel. Des. Federal João Surreaux Chagas). Na ocasião, bem salientou o eminente Relator:

“(...) Trata-se, pois, de procedimento investigatório, em que a autoridade coleta provas, equivalente ao início da ação fiscal. O procedimento em questão somente pode ser admitido como preparatório de eventual e futuro processo administrativo previsto no art. 27 e seguintes do Decreto-Lei 1.455, de 07.04.76 (arts. 544 e ss. do Regulamento Aduaneiro) para a aplicação da pena de perdimento da mercadoria. Aliás, a existência de ação fiscal que antecede e que é preparatória de eventual pro-cesso administrativo, anterior à formalização do auto de infração e da abertura de prazo para defesa, é habitual no processo administrativo fiscal, não representando nenhuma novidade.

A peculiaridade do caso é que, enquanto as investigações preliminares se desenvol-vem, as mercadorias ficam retidas, mas há base legal para tanto (...).”

Esta Corte entende que a pena de perdimento só deve ser aplicada ao veículo transportador quando concomitantemente houver: a) prova da responsabilidade do proprietário do veículo apreendido, que concorreu, de alguma forma (por ação ou omissão), para o ilícito fiscal; b) propor-cionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias apreendidas, proporção essa que deve ser sopesada em conjunto com a existência ou não de habitualidade da utilização do bem no ilícito fiscal. Com efeito, sendo habitual o uso do veículo na prática de contrabando ou descaminho, não é suficiente para afastar o perdimento a mera desproporção (relação matemática) entre o valor do veículo e a avaliação das mercadorias transportadas ilegalmente, porquanto caracterizada maior lesividade na conduta reiterada do infrator.

Para exemplificar, cito os seguintes precedentes:“ADMINISTRATIVO. VEÍCULO APREENDIDO. ANULAÇÃO DO ATO AD-

MINISTRATIVO DE APREENSÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. IMPROCEDÊNCIA. - Decorrida a dilação probatória, conclui-se que o autor espontânea e conscientemente consentiu na prática do ilícito fiscal. - Apesar da desproporção entre os valores das mercadorias descaminhadas e do veículo, é de se ter em mente que o princípio da proporcionalidade não deve ser empregado como único ou máximo do ordenamento jurídico nem, muito menos, como panacéia para veicular complacência com ilicitudes mais ou menos expressivas.” (TRF4, AC 2002.70.02.000681-0, Turma Especial, Relator Des. Federal Valdemar Capeletti, DJ 25.08.2004)

“PERDIMENTO ADMINISTRATIVO. VEÍCULO. Considerando que o proprie-

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tário do veículo realizava sistematicamente o transporte das mercadorias objeto de descaminho, causando dano ao Erário, é possível a aplicação da pena de perdimento do automóvel, nos termos do artigo 617 do Decreto n° 4.543/2002. A responsabilidade da proprietária do veículo está clara na medida em que o condutor do carro é filho do sócio-gerente da impetrante. Tendo em conta que a empresa impetrante trabalha com aparelhos de ar-condicionado, a mercadoria objeto de descaminho – 6 aparelhos de ar-condicionado – poderia ser facilmente vendida no estabelecimento. Por essa razão, é inaplicável ao caso o princípio da proporcionalidade, sendo cabível a aplicação da pena de perdimento ao veículo.” (TRF4, AMS 2007.71.06.001158-0, Primeira Turma, Relator Des. Federal Vilson Darós, D.E. 24.06.2008)

“DIREITO TRIBUTÁRIO. PERDIMENTO. APREENSÃO DE VEÍCULO. TRANSPORTE DE MERCADORIAS. INTERNAÇÃO IRREGULAR. LIBERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE. 1. A res-ponsabilidade de proprietário de veículo utilizado na internação irregular de merca-dorias deve ser evidenciada por meio de elementos indiciários concretos (Súmula 138 do TRF da 4º Região). 2. Veículo que permaneceu poucas horas na região da Tríplice Fronteira, foi apreendido transportando grande quantidade de mercadorias descaminha-das/contrabandeadas e apresenta sinais de fraude quanto ao seu real proprietário não configura mera presunção da responsabilidade do recorrente. 3. Afastada a presunção de boa-fé e a aplicação do princípio da proporcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias. 4. A pena de perdimento do veículo utilizado no transporte de mer-cadoria descaminhada, prevista no art. 617, inciso V, § 2º, do Regimento Aduaneiro, não é inconstitucional, pois o direito de propriedade expresso na Constituição não é absoluto e cede à preservação do interesse público. 5. Apelação improvida.” (TRF4, AC 2005.70.05.001703-2, Primeira Turma, Relator Juiz Federal Marcos Roberto Araujo dos Santos, D.E. 04.03.2008)

Nesse sentido, também é o posicionamento do E. STJ, conforme ilustram os seguintes julgados:

“ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE IRREGULAR DE MERCADORIAS QUE LEGITIMAM A PENA DE PERDIMENTO. PERDIMENTO DO VEÍCULO. DESPROPORÇÃO ENTRE O VALOR DAS MER-CADORIAS E O VALOR DO VEÍCULO NÃO-RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, FUNDADO EXPRESSAMENTE NO EXAME DOS ELEMENTOS DE PROVA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 70/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO--CONHECIDO.

1. Trata-se de recurso especial fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucio-nal, interposto por Nevio Minatto em autos de ação movida sob rito ordinário, contra acórdão que, reformando a sentença, manteve a pena de perdimento aplicada a veículo apreendido ao transportar agrotóxicos, munições e outros bens. Em recurso especial, alega-se: a) violação do artigo 104, V, do DL 37/66, em razão da clara desproporção

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entre o valor do veículo apreendido, avaliado em R$ 18.000,00, e o das mercadorias objeto de contrabando, estimadas em R$ 8.328,84; b) divergência jurisprudencial com julgados do Superior Tribunal de Justiça e do próprio TRF da 4ª Região que impedem a aplicação de pena de perdimento na hipótese descrita; c) evidenciada a desproporção entre o valor da mercadoria transportada e o valor do veículo transportador, mostra--se ilegal a aplicação da pena de perdimento, motivo pelo qual deve ser reformado o acórdão recorrido.

2. Todavia, a irresignação não merece acolhida, uma vez que o acórdão recorrido, reexaminando os elementos de prova constantes dos autos, conclui pela inexistência de desproporção entre o valor das mercadorias apreendidas e o valor de veículo ob-jeto da pena de perdição. Nesse sentido, foi considerada a natureza das mercadorias ilicitamente transportadas – fungicidas e munições –, que caracterizou a gravidade da infração cometida. Confira-se teor do aresto impugnado (fls. 90/91 v.): ‘Inicialmente, esclarece-se que o autor foi flagrado transportando grande quantidade de agrotóxicos e munições importados de forma irregular. Em razão disso, foram apreendidas as mer-cadorias e o veículo, consoante o disposto nos artigos: 94, 95, 96 e 104 do Decreto-Lei 37/66; 23, 24, 25 e 26 do Decreto-Lei nº 1.455/76.

[...] Neste caso concreto, entendo que não há como deixar de considerar a poten-cialidade lesiva da mercadoria importada e a necessidade de se respeitar as normas de controle de importação, o que torna a infração realizada de maior gravidade.

[...] Por todas essas razões, não vislumbro desproporcionalidade entre as mercadorias sujeitas ao perdimento (R$ 8.328,84) e o veículo (R$ 18.000,00).’

3. Constata-se na situação concreta, de tal modo, a inarredável aplicação do óbice contido na Súmula 7/STJ, porquanto a desconstituição do acórdão atacado exigiria a necessária revisão dos elementos de prova que foram aplicados em sua fundamentação.

4. Recurso especial não-conhecido.” (REsp 1022550/RS, Rel. Ministro José Del-gado, Primeira Turma, julgado em 27.05.2008, DJ 23.06.2008 p. 1)

“ADMINISTRATIVO. PERDIMENTO DE BENS. DESCAMINHO. PREQUES-TIONAMENTO.

SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE FATO E PROVA. SÚMULA 7/STJ. VIOLA-ÇÃO DE SÚMULA. IMPOSSIBILIDADE.

1. O acórdão recorrido não apreciou o dispositivo legal supostamente violado – art. 617, § 2º, inciso V, do Decreto nº 4.543/02 –, o que impossibilita o julgamento do recurso por ausência de prequestionamento, conforme dispõe a Súmula 211/STJ.

2. O Tribunal a quo deixou de aplicar o princípio da proporcionalidade na imposição da pena de perdimento de bem, em face da constatação de reincidência na prática do descaminho. Infirmar essa premissa demandaria revolver o conjunto fático-probatório dos autos, o que se esbarra no impedimento da Súmula 7/STJ.

3. Alegações de contrariedade a enunciado sumular não bastam à abertura da via especial pela alínea a do permissivo constitucional, a teor da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.

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4. Recurso especial não conhecido.” (REsp 1007728/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 25.03.2008, DJ 07.04.2008 p. 1)

Especificamente quanto à aplicação do princípio da proporcionalidade na aplicação da pena de perdimento a veículo utilizado para transportar mercadoria ilegalmente importada, reproduzo as pertinentes considera-ções feitas pelo eminente Juiz Federal Rony Ferreira quando do exame da Ação Ordinária 2006.70.02.002913-9/PR (Foz do Iguaçu, 13 de julho de 2006):

“AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2006.70.02.002913-9/PR

AUTOR: VIAÇÃO ITAIPU LTDA ADVOGADO: HIRAN JOSE DENES VIDAL RÉU: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL DECISÃO/LIMINAR 1. RelatórioCuida-se de ação ordinária ajuizada contra a União, objetivando a desconstituição de

ato administrativo do Delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu (PR), consistente na apreensão do ônibus Mercedes Benz OF 1620, ano 1994, placas AFB-6783, para fins de aplicação da pena de perdimento prevista no artigo 104, V, do Decreto-Lei nº 37/1966.

(...)2.4. Do princípio da proporcionalidadeA autora também invoca em seu favor a aplicação do princípio da proporcionalidade

para afastar o perdimento do veículo. No entanto, como adiante se demonstrará, ele não lhe socorre.

Tem sido comum a jurisprudência decidir pela inaplicação do perdimento de veículo quando houver desproporção entre seu valor e o valor das mercadorias.

Paulo Bonavides, ponderando sobre a dificuldade de se conceituar o princípio da proporcionalidade, amparado em Pierre Muller, apresenta as seguintes premissas:

‘Em sentido amplo, entende Muller que o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder.

Numa dimensão menos larga, o princípio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo.

Nesta última acepção, entende Muller que há violação do princípio da proporcio-nalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre os meios e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta.

O princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) pretende, por conseguin-te, instituir como acentua Gentz, a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o

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fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle de excesso (eine Ubermasskontrolle)’ (in Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 315).

Para Karl Larenz, proporcionalidade é a exigência da medida indicada, da adequação entre meio e fim, do meio mais idôneo ou da menor restrição possível do direito ou bem constitucionalmente protegido que, no caso concreto, tem de ceder perante outro bem jurídico igualmente protegido (in Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Colouste Gulbenkian, 1997. p. 603).

Considerado pela doutrina como um princípio geral de direito e sem encontrar previsão expressa em nossa Constituição Federal de 1988, este princípio encontra ampla aceitação e aplicação em nossa doutrina e jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

Quanto ao seu conteúdo, Paulo Bonavides esclarece que o princípio da proporcio-nalidade, após progressiva evolução doutrinária na Alemanha, restou dividido em três subprincípios, a saber: a) a adequação; b) a necessidade; c) e a proporcionalidade em sentido estrito (op. cit., p. 318).

Com relação à adequação, traduz-se numa exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma relação de causalidade e uma lei somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido.

Por sua vez, pelo subprincípio da necessidade ‘a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária’.

Por último, a proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que para se garantir um direito muitas vezes é preciso res-tringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido.

Evidencia-se nesse princípio um precípuo instrumento hermenêutico, especifica-mente aos critérios fundados no valor tutelado pela norma jurídica, os quais ensejam a denominada interpretação axiológica (SLAIBI FILHO, Nagib. Razoabilidade versus proporcionalidade. Informativo Semanal Coad 24/2001. p. 389-390).

Não é demais recordar que no plano infraconstitucional a Lei nº 9.784, de 29.01.1999, albergou expressamente o princípio da proporcionalidade, servindo – mais do que nunca – de vetor à administração pública, verbis: ‘Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência’ (grifou-se).

Nada obstante, a proporcionalidade de que tem se valido a jurisprudência é mera-mente matemática e não axiológica.

A vinculação do valor das mercadorias ao valor do veículo que as transporta não parece acertada, pois despreza os valores encerrados nas normas repressivas de ilícitos

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fiscais. Tal interpretação acaba por ignorar, no âmbito da responsabilidade civil, o fim maior das normas de repressão das condutas ilícitas, que em última análise tutelam os valores da sociedade encerrados nos interesses fazendários.

Na medida em que se prestigia a preservação tão-somente do valor da propriedade do infrator, com o temor de se praticar suposto confisco, prejudica-se a proteção do interesse público.

Conseqüência prática dessa interpretação, v.g., consiste no fato dos verdadeiros responsáveis por ilícitos de contrabando/descaminho, fortes em seu poder aquisitivo e cientes dessa peculiaridade na interpretação legal, sentirem-se estimulados a adquirir veículos caros para delinqüirem. Partindo-se de um exemplo propositalmente extremo, imagine-se, nos dias de hoje, duas pessoas, uma promovendo um descaminho de vinte mil dólares num Corcel ano 1976 e outra numa Ferrari ano 2002. Embora idêntico o ilícito, e tirante eventual valor sentimental ou de colecionação do Corcel, a proporcio-nalidade matemática beneficiaria por certo só o detentor da Ferrari.

Ou, tão inusitado quanto, imagine-se um veículo com local adrede preparado para ocultar mercadorias, aqui compreendidos não apenas o chamado ‘fundo falso’, mas qualquer outro local do veículo que em princípio não se preste ao acondicionamento regular de mercadorias e bagagens, tais como, exemplificativamente, pneus, tanques de combustível, áreas mortas do veículo, espaço reservado ao motor etc.

Em tal hipótese, possivelmente não lhe socorrerá a tese da desproporcionalidade matemática, pois em princípio poderá configurar o deliberado propósito do veículo ser utilizado reiteradamente, ou seja, de forma habitual, como instrumento de atos ilíci-tos. Portanto, maior censura deve receber tal ato, impondo-se a aplicação da pena de perdimento do veículo em favor do Estado, qualquer que seja o valor das mercadorias apreendidas, pois a proporcionalidade não deve ser apenas matemática, mas sobretudo axiológica.

O fenômeno da proporção entre o valor das mercadorias e o valor do veículo não passou desapercebido pelo Ministro ARI PARGENDLER, que em voto proferido no Recurso Especial nº 34.961/RS manifestou:

‘A lei prevê a perda do veículo que transporta mercadorias estrangeiras clandes-tinamente introduzidas no território nacional, sem o pagamento dos tributos devidos.

Pouco importa que entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo que as transporta não haja proporcionalidade; a lei não adota esse critério, que é fruto de orientação mal concebida.

A finalidade da sanção é a de impedir a habitualidade do descaminho. Conseqüen-temente, o turista, que eventualmente é surpreendido na prática de pequeno ilícito, perde as mercadorias, mas conserva o veículo, sem necessidade de se adotar o critério da desproporção entre ambos; simplesmente, a perda do veículo é sanção inaplicável nesse caso.

Agora, se o instrumento do ilícito continua em poder do infrator habitual, ou mesmo do grande infrator episódico, apenas porque utiliza veículo caro, a atividade delituosa

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fica sem repressão; o importante é saber se a pena de perdimento se aplica, indepen-dentemente da proporção que o valor do veículo tenha em relação ao das mercadorias descaminhadas.

A não ser assim, haveria uma evidente quebra do princípio da igualdade; quem tem condições de bancar o ilícito com veículos novos e imponentes, estará imune à pena de perdimento, não obstante transporte neles videocassetes ou televisores; já quem só pode contar com carroças puxadas a cavalos, de pequenos valor, estará sujeito a essa pena de perdimento.

A aplicação desse critério de desproporção só tem um efeito: o de tirar do ordena-mento jurídico o poder de reação contra o ilícito.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, e de dar-lhe provimento.’Embora seu voto tenha sido vencido nesse caso concreto, o citado Ministro perce-

beu o problema e alertou para as nefastas conseqüências dessa interpretação, restando oportuno o momento para nova reflexão por parte da jurisprudência.

A Constituição Federal de 1988 é clara no sentido de que o direito de propriedade deve ser utilizado de forma a não comprometer os interesses sociais, ou seja, cumprindo sua função social. Daí se infere não se tratar de instituto absoluto, oponível pelo seu detentor contra o Estado (a coletividade como um todo) em qualquer hipótese. Nesse sentir, afirma Celso Ribeiro Bastos:

‘A função social visa a coibir as deformidades, o teratológico, os aleijões, digamos assim, da ordem jurídica. É o que cumpre examinar agora. Vale dizer, em que consistem aquelas destinações que poderão levar ao uso degenerado da propriedade, a ponto de colocar em conflito com as normas jurídicas.

A chamada função social nada mais é do que o conjunto de normas da Constitui-ção que visa, por vezes, até com medidas de grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade em sua trilha normal.’ (in Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 210)

No caso do perdimento de veículo, está-se diante de uma situação em que a pro-priedade é utilizada de forma contrária aos interesses públicos (infração aduaneira) e, evidentemente, isso não deve ser tolerado.

Portanto, abstraindo-se do critério apenas matemático e enfocando-se o problema pelo critério da conduta, acompanhado de uma reinterpretação do princípio da pro-porcionalidade, justifica-se a aplicação do perdimento de veículo no presente caso.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em dois julgados, sinalizou com a per-cepção do problema e uma possível revisão no entendimento quanto ao critério juris-prudencial apenas matemático, a saber: Remessa ex officio em Mandado de Segurança nº 96.04.62522-5/PR e Apelação Cível nº 1999.04.01.104800-8/PR, ambas julgadas em 16.11.2000, e publicadas, respectivamente, no DJU de 04.01.2001 e 28.02.2001, tendo como relator o Juiz Federal Márcio Antonio Rocha.

Nesse sentido decidiu, mais recentemente, na apelação cível nº 2002.70.02.000681-0/PR, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo relator o Desem-

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bargador Federal Valdemar Capeletti, verbis:‘ADMINISTRATIVO. VEÍCULO APREENDIDO. ANULAÇÃO DO ATO AD-

MINISTRATIVO DE APREENSÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. IMPROCEDÊNCIA.Decorrida a dilação probatória, conclui-se que o autor espontânea e conscientemente

consentiu na prática do ilícito fiscal. Apesar da desproporção entre os valores das mercadorias descaminhadas e do

veículo, é de se ter em mente que o princípio da proporcionalidade não deve ser em-pregado como único ou máximo do ordenamento jurídico nem, muito menos, como panacéia para veicular complacência com ilicitudes mais ou menos expressivas.’ (DJU de 25.08.2004)

E ainda que assim não fosse, o valor das mercadorias apreendidas é de R$ 40.196,84, ou US$ 18.971,51, conforme auto de infração acostado às fls. 112/113, e o do ônibus apreendido é de R$ 65.000,00, conforme laudo apresentado pela própria autora (fl. 94).

Dessa forma, não se verifica nenhuma violação ao princípio da proporcionalidade.3. DispositivoAnte o exposto, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Intime-se.

Cite-se.Foz do Iguaçu, 13 de julho de 2006.Rony Ferreira Juiz Federal”

Análise do caso concreto

A apreensão-perdimento em questão incidiu sobre o veículo Ford/Fiesta Street, ano e modelo 2004, cor prata, gasolina, placas ILY 1933, chassi 9BFBRZFHA4B444136 – avaliado em R$ 19.265,00.

As mercadorias transportadas ilegalmente no veículo foram avaliadas em R$ 8.169,67 – herbicida e fungicida.

No momento da apreensão o próprio autor, proprietário, estava con-duzindo o veículo, quando foi flagrado transportando grande quantidade de fungicida importado de forma irregular. Em razão disso, foi-lhe apli-cada a pena de perdimento da mercadoria e de seu veículo, consoante o disposto nos artigos: 94, 95, 96 e 104 do Decreto-Lei 37/66; 23, 24, 25 e 26 do Decreto-Lei 1.455/76. Transcrevo a legislação aplicada:

“Decreto-Lei 37/66:Art. 94. Constitui infração tôda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que

importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste decreto-lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los.

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§ 1º O regulamento e demais atos administrativos não poderão estabelecer ou disciplinar obrigação, nem definir infração ou cominar penalidade que não estejam autorizadas ou previstas em lei.

§ 2º Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração inde-pende da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Art. 95. Respondem pela infração:I - Conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para

sua prática, ou dela se beneficie;II - Conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo, quanto

à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes;

III - O comandante ou condutor de veículo nos casos do inciso anterior, quando o veículo proceder do exterior sem estar consignado a pessoa natural ou jurídica estabe-lecida no ponto de destino;

IV - A pessoa natural ou jurídica, em razão do despacho que promover, de qualquer mercadoria;

Art. 96. As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente:

I - Perda do veículo transportador;II - Perda da mercadoria;(...) Art. 104. Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos:I - quando o veículo transportador estiver em situação ilegal, quanto às normas

que o habilitem a exercer a navegação ou o transporte internacional correspondente à sua espécie;

(...) V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção.”

“Decreto-Lei 1.455:Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:(...) IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas a e b do parágrafo único

do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105 do Decreto-Lei número 37, de 18 de novembro de 1966.

Parágrafo único. O dano ao Erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo, será punido com a pena de perdimento das mercadorias.”

Assim, a pena de perdimento do veículo tem como pressupostos a demonstração de que o veículo transportava mercadoria sujeita à pena de perdimento e o fato de que o proprietário do veículo era dono da mercadoria ou colaborou, de alguma forma, com a infração, bem como a proporcionalidade da sanção aplicável.

No que se refere à mercadoria transportada, ressalta-se que se trata

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de mercadoria controlada – fungicidas – importada irregularmente, o que torna evidente a incidência do artigo 104 do Decreto-Lei nº 37/66.

Na verdade, enquadram-se tais mercadorias na categoria de agrotó-xicos, ou seja, toxinas utilizadas para controlar pragas na lavoura que matam diversas espécies de insetos, ácaros e fungos (VAZ, Paulo Afonso Brum. Agrotóxicos e Meio Ambiente. In: Revista do Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Nº 42. Ano 12. 2001. p. 55). A natureza da mercadoria, por si só, demonstra a gravidade de sua importação sem o controle das autoridades Fazendárias e de Vigilância Sanitária. No caso, não houve a demonstração de que se cumpriu o procedimento legal para importar tal espécie de mercadoria (prévio registro nos órgãos federais do Ministério da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura).

Por fim, acrescento, em relação ao princípio da proporcionalidade, que esse princípio não é um princípio matemático, ao contrário, tem sua atuação preponderante na solução de conflitos entre princípios consti-tucionalmente tutelados. Nesse diapasão, haveria o confronto entre o interesse público em reprimir delitos contra a Ordem Tributária, tutela ao meio ambiente e a propriedade.

Neste caso concreto, entendo que não há como deixar de considerar

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ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

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INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2007.72.02.001646-4/

SC

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelado: Edegar GiordaniAdvogado: Dr. Anderson Rodrigo Gusberti

Remetente: Juízo Substituto da 1ª VF e JEF Criminal de Chapecó

EMENTA

Argüição de inconstitucionalidade acolhida. Art. 41 da Lei nº 8.212/91. Responsabilidade do prefeito.

1. A responsabilidade pessoal do prefeito deve ficar restrita aos casos em que tenha comprovadamente agido com dolo ou fraude, ou quando a infração for prevista como crime, nos termos do artigo 137, I, do CTN, pois este exclui expressamente a responsabilidade pessoal daqueles que agem no exercício regular do mandato, sobrepondo-se ao artigo 41 da Lei nº 8.212/91.

2. Incidente de argüição de inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei n° 8.212/91 acolhido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher o incidente de argüição de inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei n° 8.212/91, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de setembro de 2008.Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata--se de argüição de inconstitucionalidade do art. 41 da Lei 8.212/91, que assim dispõe:

“Art. 41. O dirigente de órgão ou entidade da administração federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, responde pessoalmente pela multa aplicada por infração de dispositivos desta Lei e do seu regulamento, sendo obrigatório o respectivo descon-to em folha de pagamento, mediante requisição dos órgãos competentes e a partir do primeiro pagamento que se seguir à requisição.”

Segundo o acórdão que concluiu por argüir a inconstitucionalidade, a atribuição de responsabilidade pessoal do administrador público, de forma objetiva, conflita com o disposto no art. 137, I, do Código Tribu-tário Nacional, que exige a comprovação de que o agente agiu com dolo ou fraude, ou que a infração seja prevista como crime. Como há conflito com a norma complementar, e tais conflitos são de natureza constitucional na forma da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, necessária a argüição como forma de preservação do princípio da reserva de plenário, de acordo com a Súmula Vinculante 10 do STF.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do incidente de inconstitucionalidade.

É o sucinto relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch:

I - Do cabimento do incidente de argüição de inconstitucionalidade

Segundo o art. 146, III, b, da Constituição Federal, cabe à lei comple-mentar estabelecer normas gerais em matéria tributária. Tais normas se encontram no Código Tributário Nacional, que estabelece, em sua Seção

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IV – artigos 136 a 138 – a responsabilidade por infrações.O art. 41 da Lei 8.212/91, ao criar responsabilidade pessoal objetiva

do agente público por infração de seus dispositivos ou do respectivo regulamento, não prevista pelo Código Tributário Nacional, conflita com as normas daquele.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 419.629/DF, em 23.05.2006, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, entendeu que, ao decidir recurso especial com suporte no princípio da hierarquia das leis, o STJ usurpara sua competência, porquanto indispensável aferir se a matéria deveria ter sido regulada por lei complementar ou por lei ordinária.

Por outro lado, o afastamento de dispositivo legal com fulcro no prin-cípio da hierarquia das leis também foi objeto de análise no julgamento do AI 472.897-AgR/PR, em 18.09.2007, de relatoria do Ministro Celso de Mello. Na ocasião, decidiu a Segunda Turma do STF que equivale à declaração de inconstitucionalidade a decisão que, mesmo sem proclamá--la explicitamente, deixa de aplicar determinado dispositivo legal.

Nessa esteira, em 18.06.2008, foi editada pelo Pretório Excelso a Sú-mula Vinculante nº 10, nos seguintes termos: “Viola a cláusula de reserva de plenário (cf. artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

Assim, cabível o incidente de argüição de inconstitucionalidade para deixar de aplicar o artigo 41 da Lei nº 8.212/91, em virtude do disposto no artigo 137 do CTN.

II - Do mérito

Transcrevo, quanto ao mérito, o brilhante parecer do Ministério Públi-co Federal, da lavra da ilustre Procuradora da República Dra. Ana Luísa Chiodelli von Mengden, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

“(...) Cinge-se a controvérsia à (in)constitucionalidade do art. 41 da Lei nº 8.212/1991, que dispõe que o dirigente de órgão ou entidade da administração federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal responde pessoalmente pela multa aplicada por infração de dispositivos desta Lei e do seu regulamento, frente à norma insculpida na alínea b do art. 146 da Constituição, que prevê que cabe à lei complementar esta-belecer normas gerais em matéria tributária.

Com efeito, tem-se que em relação às normas gerais em matéria tributária a 10 es-

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tabelece que o seu regramento se deve dar por meio de lei complementar, consagrando o princípio da reserva absoluta da lei complementar nessas hipóteses.

A legislação que traça as regras relativas às normas gerais em matéria tributária no que pertine à responsabilidade tributaria é o CTN, que foi recepcionado como norma de natureza de lei complementar com o advento da Constituição de 1988.

Assim, cumpre verificar se o art. 41 da Lei nº 8.212/1991, lei de natureza ordinária, poderia estabelecer responsabilidade objetiva por obrigações previdenciárias, que têm natureza tributária diversa daquela prevista no art. 137 do CTN, para efeito de aplicação de multa por infração dos dispositivos da Lei nº 8.212/199l.

O art. 41 da Lei nº 8.212/1991 prevê a responsabilidade pessoal pela multa do dirigente de órgão ou entidade da administração pública, in verbis:

‘Art. 41. O dirigente de órgão ou entidade da administração federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, responde pessoalmente pela multa aplicada por infração de dispositivos desta Lei e do seu regulamento, sendo obrigatório o respectivo descon-to em folha de pagamento, mediante requisição dos órgãos competentes e a partir do primeiro pagamento que se seguir à requisição.’

No entanto, o inc. I do art. 137 do CTN, que estabelece normas gerais sobre direito tributário, exclui expressamente a responsabilidade pessoal dos que exercem mandato:

‘Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo

quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; (...)’

No mesmo sentido a jurisprudência do STJ e do TRF da 4ª Região, que tem se firmado, em casos semelhantes, no sentido de que o Prefeito não responde pela multa quando aplicada por infração de dever que não lhe incumbia:

‘TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. INSS. APRESENTAÇÃO DE GUIAS. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. AGENTE POLÍTICO: PREFEITO. RESPONSABI-LIDADE PESSOAL. DEMONSTRAÇÃO DA CULPABILIDADE. NECESSIDADE. PRECEDENTE. ART. 41 DA LEI N° 8.212/91. ALTERAÇÃO PELA LEI N° 9.476/97.

I – ‘O artigo 137, I, do CTN exclui expressamente a responsabilidade pessoal daque-les que agem no exercício regular do mandato, sobrepondo-se tal norma ao disposto nos artigos 41 e 50 da Lei 8.212/91’ (REsp nº 236.902/RN, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 11.03.02), devendo, pois, ser demonstrada a culpabilidade do respectivo dirigente.

II - A Lei nº 9.476/97 alterou o disposto no artigo 41 da Lei n° 8.212/91, vetando--o, e anistiando os agentes políticos e os dirigentes de órgãos públicos estaduais, do Distrito Federal e municipais a quem porventura tenham sido impostas penalidades pecuniárias decorrentes daquele artigo.’

III - Recurso improvido.’ (STJ, REsp 838549/SE; 1ª Turma, Relator Min. Francisco Falcão, DJ 28.09.2006, p. 225)

‘TRIBUTÁRIO. MULTA. ART. 41 DA LEI N° 8.212/91. RESPONSABILIDADE. PREFEITO.

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O prefeito não responde pessoalmente por multa aplicada pelo descumprimento de obrigação acessória do município.’ (TRF4, AC 2004.72.06.001482-9, Segunda Turma, Re1ator Alexandre Rossato da Silva Ávi1a, D. E. 19.12.2007)

‘TRIBUTÁRIO. PREFEITO. VEREADOR. ART. 50 DA LEI 8.212/91. MULTA. LEGITIMIDADE PARA RESPONDER. - Os artigos 41 e 50 da Lei nº 8.212/91 não têm o condão de fazer prefeito municipal e vereador responderem pessoalmente pelo pagamento de multa, sobretudo se não está provado que a eles incumbia tal dever. É devida a decretação da nulidade da CDA e da respectiva execução ajuizada.’ (TRF4, AC 1998.04.01.011151-1, Primeira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 03.03.2004)

Assim, evidenciado o descompasso entre a disciplina do art. 41 da Lei nº 8.212/1991 e a forma como o CTN disciplinou a responsabilidade do administrador por infração à legislação, é de se reconhecer a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, conquanto ele diretamente impõe multa tributária mesmo que não esteja a qualquer das hipóteses de responsabilidade pessoal do agente regradas no art. 137 do CTN.

Importante ressaltar a reserva constitucional da matéria para trato por lei comple-mentar (art. 146, III, da CF), no que o Código Tributário acaba por prevalecer sobre a Lei de Custeio da Previdência Social, que, por ser lei ordinária, não poderia ter extrapolado as regras gerais fixadas para a disciplina da responsabilidade tributária.

Nota-se que foi a própria inconstitucionalidade da imposição da penalidade em comento que serviu de amparo ao veto à nova redação que seria dada pela Lei 9.476/1997 ao supracitado dispositivo legal. Essa revisão da disciplina no art. 41 da Lei nº 8212/1991 objetivava justamente atenuar a responsabilidade do agente público, que passaria a responder pela multa apenas de forma regressiva e quando a ela, por culpa ou dolo, desse causa, coadunando-se, pois, com o disposto no art. 137 do CTN.

Colhe-se, da exposição de motivos do veto em referência (Mensagem nº 841, de 23.07.1997) o seguinte excerto, que torna explícito o reconhecimento, por parte do poder Executivo, da impropriedade daquela imposição, senão vejamos:

‘De outro tanto, é de se ver que a redação atual deste mesmo artigo 41 da Lei nº 8.212, de 1991, não deve permanecer, por conter outra inconstitucionalidade.

A redação do dispositivo que se pretende alterar estabelece a responsabilidade ob-jetiva, sem culpa, sem nexo de causalidade entre a ação do dirigente do órgão público e a infração da lei, seja qual for o funcionário que a pratique. Essa redação atenta contra princípios elementares de direito e contra os direitos e garantias individuais do cidadão que eventualmente venha a dirigir órgão público e foge à tradição secular do direito pátrio.’ (grifado)

Destaca-se, finalmente, que a Lei nº 9.476/1997 deu nova redação ao artigo 41 da Lei nº 8.212/1991 e, no art. 30, impôs que: ‘são anistiados os agentes políticos e os dirigentes de órgãos públicos estaduais, do Distrito Federal e municipais a quem foram impostas penalidades pecuniárias pessoais em decorrência do disposto no art. 41 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, na redação anterior à dada por esta Lei’.

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Dessa forma, merece ser declarada a inconstitucionalidade do art. 41 da Lei nº 8.212/1991, pois invadiu área reservada à lei complementar, ofendendo, dessa forma, o art. 146, III, b, da Constituição Federal.

ConclusãoAnte o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimento do incidente de

inconstitucionalidade suscitado, a fim de que seja reconhecida a inconstitucionalidade do art. 41 da Lei nº 8.212/1991, pois de acordo com a alínea b do inc. III do art. 146 da Constituição compete à lei complementar estabelecer normas gerais a respeito de responsabilidade tributária, não se mostrando a lei ordinária instrumento legislativo hábil a tratar dessa matéria em razão da natureza tributária das contribuições previdenciárias.”

No Superior Tribunal de Justiça essa matéria já foi examinada, con-soante se depreende do seguinte julgado:

“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE PESSOAL DE PREFEITO. OBRIGAÇÃO INSTITUÍDA NO ARTIGO 50 DA LEI 8.212/91. ARTIGO 137 DO CTN.

1. O artigo 137, I, do CTN exclui expressamente a responsabilidade pessoal daqueles que agem no exercício regular do mandato, sobrepondo-se tal norma ao disposto nos artigos 41 e 50 da Lei 8.212/91. Em conseqüência, não pode o Prefeito ser executado diretamente pelo descumprimento da obrigação acessória prevista no referido artigo 50. (...)” (REsp 199900994906/RN, Primeira Turma, Relator Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 11.03.2002, p. 187)

Ante o exposto, voto por acolher o incidente de argüição de incons-

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SÚMULAS

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SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p.24184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p.241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p.3665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p.989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

- SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p.13385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p.35897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 11

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“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18986) (Rep. DJ 14.06.93, p.22907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p.18987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p.18987) (DJ 31.08.94, p.47563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p.43516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p.46086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p.52558) (DJ 19.06.95, p. 38484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p.52558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 21

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“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 24“São auto-aplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem por

base o salário mínimo de NCz$120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se su-

perveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p.30113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p.32675)

SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

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à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p.38484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-

-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p.58814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p.89171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relati-

vos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p.15388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p.48558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário-de-contribuição

e o salário-de-benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o seqüestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97,

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p.24642-43) (DJ 19.05.97, p.34755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p.330) (Rep. DJ 11.02.98, p.725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários-de-contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p.382) (DJ 07.10.2003, p.202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53

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“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p.382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p.386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de

recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 - com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 - e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que

objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p.518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p.339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p.290) (DJ 07.07.2004, p.240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p.578) (DJ 08.10.2004, p.586 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p.657)

SÚMULA Nº 64

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“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p.619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,

não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p.459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p.586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75

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“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p.290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

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RESUMO

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ResumoTrata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelen-tíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, argüições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte.

SummaryThis is about an official trimestrial publication of Tribunal Regional

Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Cir-cuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. It also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court.

ResumenEsta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región,

con periodicidad trimestral y distribución nacional. La Revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados com-

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ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, sú-mulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.

SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale

della Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione na-zionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.

RésuméIl s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal

da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux

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ÍNDICE NUMÉRICO

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL2003.72.05.000103-2/PR (AC) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria ......................472005.70.06.003673-4/PR (AC) Rel. Juiz Federal Roger Raupp Rios ................................512005.71.00.014546-6/RS (AC) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon...............702005.71.13.000333-7/RS (AMS) Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha .........................742005.72.00.000550-6/SC (AC) Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz .......812005.72.11.001433-2/SC (AC) Rel. Des. Fed. Edgard Antonio Lippmann Júnior ..........1392006.71.00.004789-8/RS (AC) Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler .........................146

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL2003.71.14.005844-2/RS (ACR) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ....................1572003.72.03.001264-4/SC (AGEPN) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose .................................1692004.71.00.021218-9/RS (ACR) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado .........1742007.71.04.005469-9/RS (AGEPN) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz ....................189

DIREITO PREVIDENCIÁRIO2001.71.01.000609-3/RS (APELREEX) Rel. Des. Federal Celso Kipper ......................................1992002.04.01.012400-4/RS (EIAC) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti ..............................2232002.70.01.026959-8/PR (AC) Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira ......2332002.72.08.004047-3/SC (AC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus ..............2442004.04.01.019265-1/PR (AC) Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat ............................2722006.70.16.000825-0/PR (AC) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle......2782007.72.01.004778-6/SC (AC) Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva ................294

DIREITO PROCESSUAL CIVIL2007.04.00.038573-1/SC (QUOMS) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira .................317

DIREITO TRIBUTÁRIO1994.70.05.011077-9/PR (AC) Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira .................3272002.70.02.005560-1/PR (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona .................3362004.71.14.002150-2/RS (AC) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida ....................3452004.71.07.006789-0/RS (AMS) Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo ..............................3532006.72.00.005917-9/SC (AC) Rel. Des. Federal Vilson Darós ......................................3562007.70.00.026861-3/PR (AMS) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .............................3582007.71.06.000386-7/RS (APELREEX) Rel. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch .......363

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ÍNDICE ANALÍTICO

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A

AÇÃO INDIVIDUALDireito disponível - Vide QUESTÃO DE ORDEM

AGROTÓXICOInternação de mercadoria - Vide PERDIMENTO DE BENS

AMEAÇAConcurso material - Vide FURTO QUALIFICADO

APOSENTADORIA COMPULSÓRIAServidor público - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

APOSENTADORIA ESPECIALDescabimento - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

APOSENTADORIA POR IDADEBenefício previdenciário - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

Regime estatutário. Manutenção. Trânsito em julgado. Decisão judicial. Determinação. Contagem. Tempo de serviço. Atividade rural. Desnecessidade. Recolhimento. Contribuição previdenciária.Início. Prova documental. Atividade agrícola. Regime de economia familiar. Confirmação. Agente administrativo. INSS. Pesquisa. Lugar.Servidor público. Aposentado. Retorno. Serviço público. Descabimento. Idade. Superior. Aposentadoria compulsória. ..................................................................74

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Trabalhador rural. Bóia-fria. Preenchimento de requisito. Comprovação. Atividade rural. Dispensa. Início. Prova material. Possibilidade. Termo inicial. Data. Requerimento. Via administrativa. Encaminhamento. Serviço postal. ................272

APOSENTADORIA POR INVALIDEZDecorrência. Auxílio-doença. Perícia. Comprovação. Incapacidade laborativa permanente.Fixação. Indenização. Dano moral. Aumento. Valor. Observância. Proporcionalidade. Entre. Lesão a direito. Dano.Benefício previdenciário. Cancelamento. Erro. Responsabilidade objetiva. Autarquia. Inexistência. Comprovação. Causa excludente da responsabilidade. Força maior. Ou. Culpa exclusiva. Vítima. ......................................................................................244

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇODescabimento. Preenchimento de requisito. Tempo de serviço. Inocorrência. Período. Atividade urbana. Qualidade. Trabalhador avulso. Não. Comprovação.Exercício. Atividade insalubre. Reconhecimento. Tempo de serviço especial. Conversão. Tempo de serviço comum. Cabimento. Aposentadoria por idade. Deferimento. INSS. Possibilidade. Concessão. Benefício previdenciário. Diversidade. Pedido. Autor. Irrelevância. Implementação. Requisito. Idade. Posterioridade. Ajuizamento. Ação previdenciária. Acolhimento. Fato superveniente. Ex officio. Cabimento.Cálculo. Salário-de-benefício. Dependência. Número. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Termo inicial. Data. Preenchimento de requisito. Termo final. Data. Morte. Segurado. ..................................................................................................199

Trabalhador rural. Regime de economia familiar. Reconhecimento. Tempo de serviço. Prova material. Nome. Terceiro. Admissibilidade. Prova testemunhal. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Anterioridade. Vigência. Lei. Plano de Benefícios. Desnecessidade. Contagem. Período. Menor de catorze anos. Cabimento.Atividade rural. Exercício. País estrangeiro. Reconhecimento. Descabimento. Inexistência. Previsão legal. Acordo internacional.Atividade urbana. Período. Atividade insalubre. Inclusão. Contagem. Requerimento. Benefício previdenciário. Tempo de serviço especial. Conversão. Tempo de serviço comum. INSS. Observância. Cálculo. Mais. Vantagem. Segurado. Termo inicial. Data. Requerimento. Via administrativa. Tutela específica. Cumprimento. Prazo. Quarenta e cinco dias. ..........................278

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIAPluralidade de conduta - Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

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Lei ordinária - Vide SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

Multa - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Plano de Custeio - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

ARRENDADORResponsabilidade solidária - Vide DANO AMBIENTAL

ARRENDAMENTOEmbarcação - Vide DANO AMBIENTAL

ATIVIDADE INSALUBREAtividade urbana - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

ATIVIDADE RURALComprovação - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

Contagem - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

País estrangeiro - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

ATIVIDADE URBANAAtividade insalubre - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

AUTORIZAÇÃO JUDICIALDesnecessidade - Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

AUXÍLIO-DOENÇAIncapacidade laborativa permanente - Vide APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

B

BASE DE CÁLCULOCaráter específico - Vide SIMPLES

Empresa privada - Vide PIS

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

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Beneficiário. Idoso. Ou. Deficiente. Exclusão. Cálculo. Renda familiar. Renda per capita. Valor. Limite. Salário mínimo. Recebimento. Diversidade. Membro. Família. Decorrência. Concessão. Benefício assistencial. Ou. Benefício previdenciário. Estatuto do Idoso. Observância. Revisão de benefício. A partir. Vigência. Lei.Ação civil pública. Ajuizamento. Ministério Público Federal. Legitimidade ativa. Defesa. Interesse difuso. Interesse coletivo. Litispendência. Inocorrência. Sentença judicial. Coisa julgada. Efeito erga omnes. Competência territorial. Subseção judiciária. Prolação. Decisão judicial.Tutela antecipada. Deferimento. Honorários. Advogado. Não. Condenação. Ministério Público. Proibição. Recebimento.INSS. Isenção de custas. .....................................................................................294

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOValor real - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

BÓIA-FRIAPreenchimento de requisito - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

BUSCA E APREENSÃODescabimento - Vide SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ

C

CIDADANIAPrincípio da dignidade da pessoa humana - Vide CPF

CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTEConfissão extrajudicial - Vide FURTO QUALIFICADO

CO-AUTORAbsolvição - Vide FALSIDADE IDEOLÓGICA

CÓDIGO CIVILDireito de propriedade - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

COMPETÊNCIA TERRITORIALEfeito erga omnes - Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

CONCURSO MATERIALAmeaça - Vide FURTO QUALIFICADO

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CONFISSÃO EXTRAJUDICIALCircunstância atenuante - Vide FURTO QUALIFICADO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIATempo de serviço - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

CONVENÇÃO INTERNACIONALVide SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ

COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONALVide SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ

CPFDelegacia da Receita Federal. Manutenção. Gratuidade. Fornecimento. Decorrência. Obrigatoriedade. Inscrição. Necessidade. Exercício. Cidadania. Observância. Princípio da dignidade da pessoa humana. Impossibilidade. Convênio. Terceirização. Exclusividade. Elaboração. Documento. Com. Cobrança. Objetivo. Opção. Pessoa física. Gratuidade. Ou. Pagamento.Inexistência. Error in judicando. Sentença. Não. Obrigatoriedade. Observância. Apenas. Alegação. Fato. Aplicação. Direito. Hipótese. Possibilidade.Não caracterização. Apreciação. Mérito. Ato administrativo. .............................336

CRIME CONTINUADOFixação da pena - Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

CTN (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL)Lei ordinária - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

CUMPRIMENTO DA PENAExcesso - Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

Viagem - Vide FALSIDADE IDEOLÓGICA

D

DANO AMBIENTAL

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Pesca predatória. Responsabilidade objetiva. Responsabilidade solidária. Legitimidade passiva. Empresa. Proprietário. Arrendador. Embarcação.Cláusula. Contrato. Arrendamento. Terceiro. Exclusão. Responsabilidade civil. Inaplicabilidade.Ação civil pública. Precedente. Mesmo. Réu. Mesma. Embarcação. Condenação. Recolhimento. Valor. Indenização. Fundo Nacional do Meio Ambiente. Obrigação de não-fazer. Pesca. Utilização. Equipamento. Uso proibido. Obrigação de fazer. Esclarecimento. Empregado. Arrendatário. Cuidado. Meio ambiente. ............146

DANO MATERIALIndenização - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

DANO MORALArbitramento - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Responsabilidade objetiva - Vide APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIATurma Nacional de Uniformização - Vide QUESTÃO DE ORDEM

DECURSO DE PRAZOCinco anos - Vide PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

DEFESA DO MEIO AMBIENTEVide PERDIMENTO DE BENS

DELEGACIA DA RECEITA FEDERALInscrição - Vide CPF

DIREITO DE PROPRIEDADECódigo Civil - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

DIREITO DISPONÍVELAção individual - Vide QUESTÃO DE ORDEM

DISPOSITIVO CONSTITUCIONALTratamento jurídico diferenciado - Vide PIS

DOCUMENTAÇÃO Retenção - Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

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DOSIMETRIA DA PENAConcurso de circunstâncias - Vide FALSIDADE IDEOLÓGICA

E

EFEITO ERGA OMNESCompetência territorial - Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

EMBARCAÇÃOArrendamento - Vide DANO AMBIENTAL

EMISSORA DE RÁDIOTransmissão - Vide SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

EMPRESA PRIVADABase de cálculo - Vide PIS

ESTATUTO DO IDOSOInaplicabilidade - Vide QUESTÃO DE ORDEM

Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

EXECUÇÃO DA PENADiversidade - Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

Prestação de serviços à comunidade - Vide FALSIDADE IDEOLÓGICA

EXECUÇÃO FISCAL Demonstrativo de débito - Vide MULTA ADMINISTRATIVA

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADEIntegralidade. Cumprimento da pena. Prestação de serviços à comunidade.Divergência. Número. Hora. Efetividade. Trabalho. Disponibilidade. Réu. Psicólogo. Atendimento ao público. Secretaria de Saúde. Município. Comprovação.Pena privativa de liberdade. Substituição da pena. Duplicidade. Pena restritiva de direitos. Prestação pecuniária. Prestação de serviços à comunidade. ..................169

EXTRAVIOEquipamento - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

F

FALSIDADE IDEOLÓGICA

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Apenado. Inclusão. Informação falsa. Relatório. Mês. Execução da pena. Prestação de serviços à comunidade. Comprovação. Realização. Viagem. Período. Previsão. Obrigatoriedade. Cumprimento da pena. Dosimetria da pena. Concurso de circunstâncias. Reincidência. Prevalência. Confissão espontânea. Pena privativa de liberdade. Substituição da pena. Pena restritiva de direitos. Cabimento.Co-autor. Assinatura. Documento. Substituição. Apenado. Absolvição. Não. Comprovação. Existência. Elemento subjetivo do tipo. ......................................157

FINSOCIAL Vide PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

FURTO QUALIFICADOTentativa. Subtração. Motocicleta. Propriedade. ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Concurso material. Ameaça. Servidor público.Roubo impróprio. Atipicidade. Tentativa. Inadmissibilidade. Desclassificação do crime. Observância.Ação penal. Crime. Ameaça. Desnecessidade. Representação. Suficiência. Manifestação. Vontade. Vítima. Instauração. Processo penal. Contra. Autor do crime.Dosimetria da pena. Circunstância atenuante. Confissão extrajudicial. Aplicação. Retratação. Juízo. Irrelevância. Pena de multa. Redução. Decorrência. Condição econômica. Acusado. Pena privativa de liberdade. Substituição da pena. Pena restritiva de direitos. Descabimento. Regime de cumprimento da pena. Regime inicial. Regime aberto. ...................................................................................................................174

G

GRATUIDADEFornecimento - Vide CPF

I

IDOSOAposentadoria por idade - Vide QUESTÃO DE ORDEM

IMUNIDADE TRIBUTÁRIAIncompatibilidade - Vide SIMPLES

INCAPACIDADE LABORATIVA PERMANENTEAuxílio-doença - Vide APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

INDENIZAÇÃO

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Fundo Nacional do Meio Ambiente - Vide DANO AMBIENTAL

Terra nua - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

INMETROBebida alcoólica - Vide MULTA ADMINISTRATIVA

INTEGRAÇÃO SOCIALMenor - Vide SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ

INTERESSE PÚBLICOInexistência - Vide QUESTÃO DE ORDEM

Vide PERDIMENTO DE BENS

INTERNAÇÃO DE MERCADORIAAgrotóxico - Vide PERDIMENTO DE BENS

INTERVENÇÃOMinistério Público - Vide QUESTÃO DE ORDEM

INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIOPonderação - Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

J

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Vide PIS

L

LAUDO PERICIALAtividade agropecuária - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

LEGITIMIDADE ATIVAAdquirente - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

LEI FEDERALUniformização de jurisprudência - Vide QUESTÃO DE ORDEM

LEI ORDINÁRIA

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Argüição de inconstitucionalidade - Vide SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

CTN (Código Tributário Nacional) - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

LIBERDADE DE EXPRESSÃOObservância - Vide SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

M

MEDIDA ASSECURATÓRIAExcepcionalidade - Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

MENORIntegração social - Vide SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ

MINISTÉRIO PÚBLICOIntervenção - Vide QUESTÃO DE ORDEM

MULTAArgüição de inconstitucionalidade - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

MULTA ADMINISTRATIVANulidade. Inaplicabilidade. Portaria. Inmetro. Agente fiscal. Desvio. Interpretação. Necessidade. Consideração. Espuma. Integração. Bebida alcoólica.Embargos à execução. Procedência. Desconstituição. Certidão da dívida ativa.Inépcia. Petição inicial. Afastamento. Desnecessidade. Juntada. Demonstrativo do débito. Atualização. Início. Execução fiscal. .........................................................47

O

ÔNUS DA SUCUMBÊNCIAPrincípio da causalidade - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

P

PENHORAValor. Recebimento. Via judicial. Decorrência. Reajuste de salário. Possibilidade. Não

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caracterização. Natureza alimentar. Inscrição. Precatório. Irrelevância.Observância. Princípio da razoabilidade.Manutenção. Crédito tributário. Quantum. Superior. Valor. Renda gravada. Inexistência. Outra. Garantia da execução. ..........................................................356

PERDIMENTO DE BENSVeículo automotor. Utilização. Finalidade. Internação de mercadoria. Agrotóxico. Irregularidade. Importação.Comprovação. Responsabilidade. Proprietário. Proporcionalidade. Valor. Bem. Com. Mercadoria apreendida.Ponderação. Entre. Interesse público. Repressão. Crime contra a ordem tributária. Defesa do meio ambiente. Direito. Propriedade. Aplicação. Princípio da proporcionalidade. ...............................................................................................363

PESCA PREDATÓRIAResponsabilidade objetiva - Vide DANO AMBIENTAL

PISCofins. Empresa privada. Improcedência. Pedido. Equiparação. Com. Instituição financeira. Cooperativa. Seguradora. Objetivo. Dedução. Base de cálculo. Despesa. Decorrência. Atividade.Tratamento jurídico diferenciado. Observância. Autorização. Dispositivo constitucional. Critério. Natureza política. Favor fiscal. Interpretação extensiva. Descabimento. Violação. Princípio. Separação de poderes.Produção. Prova pericial. Indeferimento. Juiz. Aplicação. Princípio do livre convencimento. Possibilidade. Julgamento antecipado da lide. Inexistência. Cerceamento de defesa. .......................................................................................345

PLANO DE CUSTEIOArgüição de inconstitucionalidade - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

PLURALIDADE DE CONDUTAApropriação indébita previdenciária - Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

PORTARIAInaplicabilidade - Vide MULTA ADMINISTRATIVA

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTEDecretação. Após. Decurso de prazo. Cinco anos.Cobrança. Débito. Finsocial. Anterior. Constituição vigente. Natureza tributária. Imposto. Incidência. CTN (Código Tributário Nacional).

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Possibilidade. Suspensão. Processo. Execução fiscal. Hipótese. Não localização. Bem penhorável. Ou. Devedor.Matéria. Necessidade. Lei complementar. Declaração de inconstitucionalidade. Artigo. Decreto-Lei. Plano de Custeio. Seguridade Social. Previsão. Prazo. Decadência. Prescrição. ............................................................................................................327

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADEExecução da pena - Vide FALSIDADE IDEOLÓGICA

Secretaria de saúde - Vide EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

PRINCÍPIOSeparação de poderes - Vide PIS

PRINCÍPIO CONSTITUCIONALFunção social da propriedade - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANACidadania - Vide CPF

Vide SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEVide PERDIMENTO DE BENS

Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

PRINCÍPIO DA RAZOABILDIADE Vide PENHORA

Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

Vide UNIFICAÇÃO DE PENAS

PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCALRetenção. Documentação. Estabelecimento comercial. Desnecessidade. Autorização judicial. Existência. Prova. Ilícito tributário. Medida assecuratória. Excepcionalidade.Legalidade. Conduta. Autoridade administrativa. Observância. Contraditório. Ampla

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defesa. Ponderação. Entre. Direito. Inviolabilidade de domicílio. Relevante interesse público. Aplicação. Princípio da razoabilidade. Princípio da proporcionalidade. ................358

PROGRAMA DE RÁDIOHorário especial - Vide SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

PROPRIEDADE RURALReforma agrária - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

PROVA DOCUMENTALRegime de economia familiar - APOSENTADORIA POR IDADE

PROVA MATERIALDispensa - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

PROVA PERICIALPrincípio do livre convencimento - Vide PIS

Q

QUESTÃO DE ORDEMDeclinação de competência. Turma Nacional de Uniformização. Objetivo. Apreciação. Cabimento. Ou. Não. Mandado de segurança. Contra. Decisão judicial. Presidente. Turma recursal. Juizado Especial FederalUniformização de jurisprudência. Interpretação. Lei federal. Contra. Acórdão. Julgamento. Improcedência. Pedido. Concessão. Auxílio-doença. Ou. Aposentadoria por invalidez. ........................................................................................................317

Rejeição. Ministério Público. Não. Obrigatoriedade. Intervenção. Ação individual. Inaplicabilidade. Estatuto do Idoso. Defesa. Direito disponível. Inexistência. Interesse público.Autor. Viúva. Idoso. Pedido. Aposentadoria por idade. Atividade rural. Regime de economia familiar. ................................................................................................223

R

REAJUSTE DE SALÁRIOValor - Vide PENHORA

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REGIME DE ECONOMIA FAMILIARProva documental - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

Trabalhador rural - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

REINTEGRAÇÃO DE POSSE Impossibilidade. Propriedade rural. Destinação. Reforma agrária. Transferência. Terceiro. Não. Autorização. Incra.Laudo pericial. Comprovação. Suficiência. Exploração. Atividade agropecuária. Existência. Integração. Produtividade. Projeto. Assentamento rural. Atendimento. Princípio constitucional. Função social da propriedade. Réu. Boa-fé. Realização. Investimento. Valor superior. Compra. Reconhecimento. Direito de propriedade. Aplicação. Analogia. Código Civil.Indenização. Autarquia federal. Necessidade. Fixação. Valor. Observância. Preço de mercado. Terra nua. Apuração. Liquidação de sentença. Ressalva. Possibilidade. Acordo. Entre. Parte processual.Réu. Ônus da sucumbência. Aplicação. Princípio da causalidade. ......................139

RESERVA DE PLENÁRIOSúmula vinculante - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADOResponsabilidade objetiva. ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Sedex. Extravio. Equipamento. Proteção. Saúde. Destinação. Atividade profissional. Dentista. Legitimidade ativa. Adquirente. Responsável. Pagamento. Encomenda. Necessidade. Renovação. Compra. Irrelevância. Não. Condição. Destinatário. Ou. Remetente. Produto.Dano material. Indenização. Equivalência. Valor. Mercadoria extraviada.Dano moral. Arbitramento. Valor. Indenização. .....................................................70

RESPONSABILIDADE OBJETIVACaráter pessoal. Prefeito. Descabimento. Multa. Decorrência. Descumprimento. Legislação tributária. Responsabilidade tributária. Caracterização. Norma geral. Natureza tributária. Matéria. Necessidade. Lei complementar.Conflito aparente de normas. Entre. Previsão. Lei ordinária. CTN (Código Tributário

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Nacional).Súmula vinculante. Previsão. Reserva de plenário. Observância.Argüição de inconstitucionalidade. Artigo. Lei. Plano de Custeio. Seguridade Social. Procedência. .........................................................................................................379

Dano moral - Vide APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) - Vide RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Pesca predatória - Vide DANO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIAArrendador - Vide DANO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIANorma geral - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

REVISÃO DE BENEFÍCIOAposentadoria especial. Descabimento. Segurado. Enquadramento. Escala. Salário-base. Inobservância. Interstício. Objetivo. Progressão na escala.Escala. Salário-base. Extinção. Salário mínimo de referência. Piso nacional de salários. Legalidade. Segurado. Permanência. Contribuição. Classe. Equivalência. Base de cálculo. Salário mínimo. Anterioridade. Alteração. Legislação. Descabimento.Manutenção. Valor real. Benefício previdenciário. Observância. Lei ordinária. ....... 233

Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

ROUBO IMPRÓPRIOAtipicidade - Vide FURTO QUALIFICADO

S

SALÁRIO MÍNIMO DE REFERÊNCIAExtinção - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SALÁRIO-BASEEscala - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SALÁRIO-DE-BENEFÍCIOCálculo - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

SECRETARIA DE SAÚDE

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Prestação de serviços à comunidade - Vide EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

SEGURADOProgressão na escala - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SERVIÇO DE RADIODIFUSÃOPrograma de rádio. União Federal. Transmissão. Horário especial. Possibilidade. Liberdade. Imprensa. Liberdade de expressão. Observância.Emissora de rádio. Necessidade. Garantia. Horário. Programação. Objetivo. Obtenção. Recursos financeiros. Custeio. Atividade. Administração Pública. Observância. Princípio da legalidade.Tutela antecipada. Deferimento.Argüição de inconstitucionalidade. Lei ordinária. Não. Determinação. Revogação. Diversidade. Lei. Matéria. Radiodifusão. ..............................................................81

SERVIDOR PÚBLICOAposentadoria compulsória - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

SIMPLESIncompatibilidade. Com. Imunidade tributária. Previsão constitucional. PIS. Cofins. Receita. Decorrência. Exportação. Ou. IPI. Produto industrializado. Destinação. País estrangeiro.Recolhimento. Único. Rateio. Arrecadação. Impossibilidade. Exclusão. Base de cálculo. Tributo. Caráter específico. ....................................................................353

SUBTRAÇÃO DE INCAPAZDescabimento. Busca e apreensão. Criança. Objetivo. Retorno. País estrangeiro. Decorrência. Ilicitude. Afastamento. Convívio social. Pai.Perícia. Comprovação. Integração social. Menor. Brasil. Princípio da dignidade da pessoa humana. Observância.Guarda judicial. Manutenção. Mãe. Pai. Possibilidade. Visita. Filho. Convenção internacional. Aplicação. Cooperação judiciária internacional. Observância. ...........................................................................................................51

SÚMULA VINCULANTEReserva de plenário - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVA

T

TEMPO DE SERVIÇOContribuição previdenciária - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

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Trabalhador avulso - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

TEMPO DE SERVIÇO COMUM Tempo de serviço especial - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

TEMPO DE SERVIÇO ESPECIALConversão - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

Tempo de serviço comum - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

TERMO INICIALRequerimento - Vide APOSENTADORIA POR IDADE

TERRA NUAPreço de mercado - Vide REINTEGRAÇÃO DE POSSE

TRABALHADOR AVULSOTempo de serviço - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

TRABALHADOR RURALRegime de economia familiar - Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃODeclinação de competência - Vide QUESTÃO DE ORDEM

TUTELA ANTECIPADAVide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

TUTELA ESPECÍFICAVide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

U

UNIFICAÇÃO DE PENASApropriação indébita previdenciária. Pluralidade de conduta. Fixação da pena. Caracterização. Crime continuado. Desdobramento. Denúncia.Exigência. Cumprimento da pena. Nova. Pena. Integralidade. Descabimento. Caracterização. Excesso. Necessidade. Consideração. Totalidade. Pena. Diversidade. Execução da pena.

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Princípio da proporcionalidade. Princípio da razoabilidade. Aplicação. .............189

UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIALei federal - Vide QUESTÃO DE ORDEM

V

VALORReajuste de salário - Vide PENHORA

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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Código CivilArtigo 942 ................................................................................................................146Artigo 1.255 .............................................................................................................139

Código de Processo CivilArtigo 82 ..................................................................................................................223Artigo 130 ................................................................................................................345Artigo 131 ................................................................................................................345Artigo 273 ................................................................................................................294Artigo 330 ................................................................................................................345Artigo 461 ................................................................................................................278Artigo 462 ................................................................................................................199Artigo 475 ................................................................................................................278Artigo 515 ................................................................................................................294

Código de Processo PenalArtigo 383 ................................................................................................................174

Código PenalArtigo 33 ..................................................................................................................174Artigo 44 ..................................................................................................................157Artigo 59 .......................................................................................................... 157/174Artigo 65 .......................................................................................................... 157/174Artigo 67 ..................................................................................................................157Artigo 71 ..................................................................................................................189Artigo 147 ................................................................................................................174Artigo 155 ................................................................................................................174Artigo 157 ................................................................................................................174Artigo 299 ................................................................................................................157

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Código Tributário NacionalArtigo 137 ................................................................................................................379Artigo 173 ................................................................................................................327Artigo 174 ................................................................................................................327

Constituição Federal/1988Artigo 3º ...................................................................................................................139Artigo 5º ............................................................................................................. 81/139Artigo 37 .............................................................................................................. 70/81Artigo 93 ..................................................................................................................345Artigo 98 ..................................................................................................................317Artigo 127 ................................................................................................................294Artigo 129 ................................................................................................................294 Artigo 146 ................................................................................................................353Artigo 149 ................................................................................................................353Artigo 150 ................................................................................................................345Artigo 153 ................................................................................................................353Artigo 195 ................................................................................................................345Artigo 201 ................................................................................................................278Artigo 203 ................................................................................................................294Artigo 220 ..................................................................................................................81Artigo 227 ..................................................................................................................51

Decreto nº 53.831/64 ..............................................................................................199

Decreto nº 83.080/79 ..............................................................................................199

Decreto nº 3.048/99 ................................................................................................199

Decreto nº 3.413/2000Artigo 3º .....................................................................................................................51Artigo 12 ....................................................................................................................51Artigo 13 ....................................................................................................................51Artigo 20 ....................................................................................................................51

Decreto-Lei nº 4.657/42Artigo 7º .....................................................................................................................51

Decreto-Lei nº 37/66Artigo 94 ..................................................................................................................363Artigo 95 ..................................................................................................................363Artigo 96 ..................................................................................................................363Artigo 104 ................................................................................................................363

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Decreto-Lei nº 401/68 ............................................................................................336

Decreto-Lei nº 1.455/76Artigo 23 ..................................................................................................................363Artigo 24 ..................................................................................................................363Artigo 26 ..................................................................................................................363

Decreto-Lei nº 1.569/77Artigo 5º ...................................................................................................................327

Emenda Constitucional nº 20/98 ..........................................................................278

Lei nº 4.117/62Artigo 38 ....................................................................................................................81

Lei nº 4.862/65 .......................................................................................................336

Lei nº 6.830/80Artigo 6º .....................................................................................................................47Artigo 40 ..................................................................................................................327

Lei nº 6.938/81Artigo 14 ..................................................................................................................146

Lei nº 7.347/85Artigo 16 ..................................................................................................................294

Lei nº 7.787/89 .......................................................................................................233

Lei nº 7.853/89Artigo 1º ...................................................................................................................294Artigo 2º ...................................................................................................................294Artigo 3º ...................................................................................................................294

Lei nº 8.212/91 .......................................................................................................223Artigo 41 ..................................................................................................................379Artigo 45 ..................................................................................................................327Artigo 46 ..................................................................................................................327

Lei nº 8.213/91Artigo 15 ..................................................................................................................327Artigo 48 .......................................................................................................... 272/327Artigo 49 ..................................................................................................................272

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Artigo 50 ..................................................................................................................199Artigo 55 .............................................................................................. 74/199/272/278Artigo 57 ..................................................................................................................199Artigo 105 ................................................................................................................199Artigo 142 ........................................................................................................ 199/272Artigo 143 ................................................................................................................272

Lei nº 8.742/93Artigo 20 ..................................................................................................................294Artigo 31 ..................................................................................................................294

Lei nº 9.099/95 .......................................................................................................317

Lei nº 9.289/96Artigo 4º ...................................................................................................................294

Lei nº 9.430/96Artigo 35 ..................................................................................................................358

Lei nº 9.472/97Artigo 215 ..................................................................................................................81

Lei nº 9.605/98Artigo 34 ..................................................................................................................146

Lei nº 9.711/98 ........................................................................................................199

Lei nº 9.876/99 .......................................................................................................278

Lei nº 9.933/99Artigo 3º .....................................................................................................................47

Lei nº 10.259/2001 .................................................................................................317

Lei nº 10.593/2002Artigo 6º (na redação da Lei 11.457/07) ..................................................................358

Lei nº 10.741/03 .....................................................................................................223Artigo 34 ..................................................................................................................294Artigo 74 ........................................................................................................................294..................................................................................................................................

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Lei Complementar nº 75/93Artigo 1º ...................................................................................................................294Artigo 2º ...................................................................................................................294Artigo 5º ...................................................................................................................294Artigo 6º ...................................................................................................................294Artigo 237 ................................................................................................................294

Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoArtigo 141 ................................................................................................................223

Súmula do Superior Tribunal de JustiçaNº 43 ........................................................................................................................278Nº 149 ......................................................................................................................278

Súmula do Tribunal Federal de RecursosNº 138 ......................................................................................................................363

Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoNº 73 ........................................................................................................................278Nº 75 ........................................................................................................................278Nº 76 ........................................................................................................................278