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QUARTA REGIÃO

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QUARTA REGIO

R. Trib. Reg. Fed. 4 Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 61, p. 1-666, 2006

QUARTA REGIO

Revista do Tribunal Regional Federal da 4 Regio. Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). Porto Alegre: O Tribunal, 1990 v. Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito Peridicos. 2. Direito Jurisprudncia. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4 Regio.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4 Regio

Rua Otvio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Ficha Tcnica

Direo:Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direo da Diviso de Publicaes:Arlete Hartmann

Anlise e Indexao:Eliana Raffaelli

Giovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Reviso, Formatao e Layout:Leonardo Schneider

Maria Aparecida C. de Barros BertholdMaria de Ftima de Goes Lanziotti

Os textos publicados nesta revista so revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4 Regio.

LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGONDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

QUARTA REGIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4 REGIO

JURISDIORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran

COMPOSIOEm setembro de 2006

Desa. Federal Maria Lcia Luz Leiria 09.12.1994 PresidenteDes. Federal Amaury Chaves de Athayde 05.02.1997 Vice-Presidente

Des. Federal Joo Surreaux Chagas 14.06.1996 Corregedor-GeralDesa. Federal Silvia Maria Gonalves Goraieb 09.12.1994

Des. Federal Vilson Dars 09.12.1994Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler 09.12.1994

Des. Federal lcio Pinheiro de Castro 09.12.1994 Vice-Corregedor-GeralDesa. Federal Maria de Ftima Freitas Labarrre 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Jnior 15.06.1998

Des. Federal Valdemar Capeletti 08.06.1999Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon 17.09.1999 Diretor da

Escola da Magistratura Des. Federal Tadaaqui Hirose 08.11.1999

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares 28.06.2001Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz 28.06.2001 Conselheiro da Escola

da MagistraturaDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado 28.06.2001

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz 28.06.2001Des. Federal Antnio Albino Ramos de Oliveira 06.12.2001 Conselheiro

da Escola da MagistraturaDes. Federal Nfi Cordeiro 13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus 03.02.2003Des. Federal Joo Batista Pinto Silveira 06.02.2004

Des. Federal Celso Kipper 29.03.2004Des. Federal Otvio Roberto Pamplona 02.07.2004Des. Federal lvaro Eduardo Junqueira 02.07.2004

Des. Federal Lus Alberto dAzevedo Aurvalle 27.04.2005Des. Federal Joel Ilan Paciornik 14.08.2006Juiz Federal Rmulo Pizzolatti (convocado)

Juza Federal Luciane Amaral Corra Mnch (convocada)Juiz Federal Mrcio Antnio Rocha (convocado)

Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado) Juiz Federal Leandro Paulsen (convocado)

Juza Federal Vnia Hack de Almeida (convocada)Juza Federal Vivian Josete Pantaleo Caminha (convocada)

Juiz Federal Luiz Antnio Bonat (convocado)Juiz Federal Sebastio Og Muniz (convocado)

PRIMEIRA SEODes. Federal Amaury Chaves de Athayde Presidente

Des. Federal Vilson DarsDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

Des. Federal Antnio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Otvio Roberto Pamplona Des. Federal lvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik

SEGUNDA SEODes. Federal Amaury Chaves de Athayde Presidente

Desa. Federal Silvia Maria Gonalves GoraiebDesa. Federal Marga Inge Barth Tessler

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann JniorDes. Federal Valdemar Capeletti

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

TERCEIRA SEODes. Federal Amaury Chaves de Athayde Presidente

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal Joo Batista Pinto Silveira

Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Lus Alberto dAzevedo AurvalleJuiz Federal Rmulo Pizzolatti (convocado)

Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)

QUARTA SEODes. Federal Amaury Chaves de Athayde Presidente

Des. Federal lcio Pinheiro de CastroDesa. Federal Maria de Ftima Freitas Labarrre

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Nfi Cordeiro

PRIMEIRA TURMADes. Federal Vilson Dars PresidenteDes. Federal lvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Juza Federal Vivian Josete Pantaleo Caminha (convocada)

SEGUNDA TURMADes. Federal Dirceu de Almeida Soares Presidente

Des. Federal Antnio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Otvio Roberto Pamplona

Juiz Federal Leandro Paulsen (convocado)

TERCEIRA TURMADesa. Federal Silvia Maria Gonalves Goraieb Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzJuza Federal Vnia Hack de Almeida (convocada)

QUARTA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler Presidente

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Jnior Des. Federal Valdemar Capeletti

Juiz Federal Mrcio Antnio Rocha (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Celso Kipper Presidente

Juiz Federal Rmulo Pizzolatti (convocado)Juiz Federal Luiz Antnio Bonat (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus Presidente

Des. Federal Joo Batista Pinto Silveira Juiz Federal Sebastio Og Muniz (convocado)

TURMA SUPLEMENTAR

Des. Federal Lus Alberto dAzevedo Aurvalle PresidenteJuiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado) Juza Federal Luciane Amaral Corra Mnch (convocada)

STIMA TURMADesa. Federal Maria de Ftima Freitas Labarrre Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Nfi Cordeiro

OITAVA TURMADes. Federal lcio Pinheiro de Castro Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

SUMRIO

DOUTRINA ......................................................................................15 Limites no juzo de admissibilidade dos recursos especial e

extraordinrio Maria Lcia Luz Leiria...........................................................17 Os efeitos econmicos e sociais das leis e decises judiciais Marga Barth Tessler ...............................................................27 A falsidade documental e o dano efetivo (anlise do art. 297 do

CPB) Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz .................................41 Direitos fundamentais a clusula de expanso do artigo 5,

pargrafo 2, da Constituio de 1988 Slvio Dobrowolski ..................................................................45 Medidas de urgncia na fase de admissibilidade de recurso

especial ou extraordinrio no tribunal a quo recurso da deciso do presidente ou vice-presidente descabimento de mandado de segurana na origem

Jos Eduardo Carreira Alvim .................................................87

ACRDOS......................................................................................97 Direito Administrativo e Direito Civil ....................................99 Direito Comercial .................................................................205 Direito Penal e Direito Processual Penal ..............................225 Direito Previdencirio ...........................................................397 Direito Processual Civil ........................................................443 Direito Tributrio ..................................................................559

SMULAS ......................................................................................617

NDICE NUMRICO ......................................................................627

NDICE ANALTICO .....................................................................631

NDICE LEGISLATIVO .................................................................659

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DOUTRINA

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Limites no juzo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinrio1

Maria Lcia Luz Leiria*

Os recursos para os Tribunais Superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justia, institudos pela Constituio Federal em seus arts. 102 e 105, passam por uma fase de admissibilidade junto aos Tribunais de Apelao (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justia dos Estados). No Tribunal Regional Fede-ral da 4 Regio tal funo est afeita Vice-Presidncia, por delegao da Presidncia.

Diz o CPC, em seu artigo 542, o seguinte:Art. 542. Recebida a petio pela secretaria do tribunal, ser intimado o recorrido,

abrindo-se-lhe vista, para apresentar contra-razes. 1 Findo esse prazo, sero os autos conclusos para admisso ou no do recurso,

no prazo de 15 (quinze) dias, em deciso fundamentada. 2 Os recursos extraordinrio e especial sero recebidos no efeito devolutivo.

Por isso, decidi buscar traar o contedo do disposto in fine no 1 do art. 542 do CPC: (...) sero os autos conclusos para admisso ou no do recurso (...).

* Desa. Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4 Regio.1 Palestra realizada no 3 Ciclo de Palestras de Processo Civil A Justia Federal e o Processo Civil, pro-movido pela Justia Federal do Paran e pela Escola da Magistratura (EMAGIS) do TRF da 4 Regio no dia 6 de junho de 2006.

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Quando iniciei no exerccio da Vice-Presidncia, a pergunta que me fiz era que contedo jurisdicional existe no despacho de admisso, qual a sua razo e qual o seu alcance.

No este o espao para tecer teorias sobre a jurisdio, sobre a natureza jurdica desta deciso, e sim para buscar delimitar esta atribuio da Presidncia ou Vice-Presidncia dos Tribunais de Apelao.

Ocorre que mesmo com uma jurisdio delegada dos Tribunais Superiores, por fora dos arts. 541 e 542 do CPC, vejo que este poder deferido pelo legislador ordinrio, pelo texto infraconstitucional, um degrau dentro do devido processo legal recursal, imposto pelo princpio constitucional que busca determinar uma fase intermediria entre a interposio do recurso e o seu conhecimento pelo Tribunal a que se dirige STJ ou STF. E esta fase, porque o princpio do devido processo legal concretiza-se nas normas processuais que no maculem outros princpios constitucionais, vem determinar que o Presidente do Tribunal ou Vice-Presidente faa um exame dos requisitos processuais. Sejam os ditos extrnsecos, os quais prefiro chamar de requisitos for-mais, como a tempestividade, o preparo, a representao processual, o esgotamento da instncia recursal, sejam tambm aqueles que a doutrina denomina de requisitos intrnsecos e que prefiro chamar de requisitos substanciais dos recursos.

E justamente aqui que se torna difcil estabelecer o limite possvel para que se verifique dentro dos aspectos postos se est presente a pos-sibilidade ou plausibilidade da ocorrncia do disposto na Constituio Federal, ou seja, os casos de cabimento do recurso especial e do recurso extraordinrio.

H que, sem qualquer dvida, tangenciar-se o mrito, sem adentr-lo, ou seja, sem que se profira juzo decisrio, porque, ento, estar-se-ia inva-dindo a competncia dos Tribunais Superiores. Vale dizer, a competncia delegada aos Tribunais diz respeito ao juzo prvio e provisrio de admissibilidade ou no dos recursos interpostos.

Dessa forma, no h como se examinar, por exemplo, se houve negativa de vigncia de lei federal se, no mnimo, no se conhecer o que vem sendo decidido pelo STJ, ou seja, como se vem interpretando o texto legal.

, pois, esse tangenciamento do mrito, ou seja, essa constante

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atualizao do que est sendo decidido no mbito da jurisdio do STJ que vejo necessria para admitir ou inadmitir um recurso especial. Isto, portanto, em prol da celeridade e tambm da durao razovel do pro-cesso, agora erigida em direito fundamental, a partir da Emenda Consti-tucional n 45/2004 (art. 5, inciso 78), de forma a que o enfrentamento das questes de mrito no seja obstaculizado por bizantino formalismo, nem se admita o uso de manobras procrastinatrias. 2

Veja-se, de outro lado, que, admitindo-se limites formais e inflexveis, todo e qualquer recurso deveria ser admitido, com o que restaria esvaziada a fase recursal nos Tribunais de Apelao quanto admissibilidade ou inadmissibilidade de tais recursos.

Se necessrio ou no tal requisito para a subida do recurso, ou me-lhor, se necessria ou no a existncia desta fase processual-recursal, s a alterao do sistema recursal vigente poderia resolver. Seria de se estudar, com base em dados tcnicos, se a eventual supresso desta delegao resultaria em desobstruo ou no da mquina judiciria e, portanto, em jurisdio mais efetiva, ou se, simplesmente, essa etapa prvia realmente necessria.

Enquanto mantido o sistema como est, no vejo outra atitude que no a de tangenciar o mrito, de forma a demonstrar que a irresignao constante na pea recursal atende ao contedo dos casos em que pos-svel a interposio do recurso especial ou do recurso extraordinrio. Esse tangenciamento do mrito, parece-me, vem reforado pela edio da Smula 83 do STJ, que permite a inadmissibilidade do recurso quando a orientao do Tribunal se firmou no mesmo sentido da deciso re-corrida, ou seja, implicitamente recomenda aos Tribunais de Apelao verificar, inicialmente, se o recurso vivel juridicamente e, portanto, dentro das tendncias constantes da Reforma do Poder Judicirio, reali-zada por meio da Emenda Constitucional n 45/ 2004.

Cabe, ainda, tecer-se algumas consideraes sobre as Smulas n 634 No compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinrio que ainda no foi objeto de juzo de admissibilidade na origem e n 635 Cabe ao

2 Discurso de posse da Min. Ellen Gracie Northfleet como Presidente do STF, no dia 27 de abril de 2006, disponvel em: http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/discursogracie.pdf

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Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinrio ainda pendente do seu juzo de admissibilidade.

Aqui o limite do exame fica dentro da prova feita pelo recorrente, da argumentao feita em cotejo sempre com a realidade das decises dos Tribunais Superiores. Cabe verificar, nesta hiptese, se, sem a suspenso dos efeitos da deciso do Tribunal de Apelao, tal deciso passvel de ser modificada, ainda, pelos Tribunais Superiores acarretaria dano de difcil ou incerta reparao capaz de impossibilitar a volta da situao que se consolidou com a deciso de 2 grau.

Tais limites ou tais preocupaes que se colocam no exame de ad-missibilidade recursal tm sempre, ao lado dos direitos controvertidos, a viso dos precedentes firmados pelas Cortes Superiores, bem como a preservao das decises dos Tribunais de Apelao quando conformes com o entendimento dos Tribunais Superiores.

Tudo porque os recursos especial e extraordinrio so recursos cons-titucionalmente limitados. O texto constitucional no abre brecha para que se inove ou se adite interpretao analgica a fim de se permitirem casos outros que no aqueles taxativamente determinados pelos artigos 102 e 105 da Constituio Federal.

No vejo, aqui, a excepcionalidade dos recursos aos Tribunais Supe-riores, vejo-os, e peo vnia a parte da doutrina, como outros recursos prprios constitucionais, endereados aos Tribunais que detm a guarda da Constituio e a guarda da legislao federal. Tudo devidamente ligado ao princpio democrtico e ao princpio federativo.

Cumpre a mim informar, a ttulo meramente exemplificativo, que o nmero de tais recursos que chegam para a admisso no TRF4 ex-pressivo: 32.110 processos recebidos e 31.946 remetidos, tendo sido proferidos 14.177 despachos de admissibilidade e 14.653 despachos de inadmissibilidade.

Buscando tecer um rpido panorama sobre a admissibilidade dos recursos aos Tribunais Superiores, haja vista a posio acima assumida e de forma a manter uma certa linha de pensamento, passo a fazer um exame pontual das hipteses de cabimento nos termos constitucionais.

Analiso o inciso II do art. 102 da Constituio Federal recurso ordinrio , cabimento tambm da fase de admissibilidade em que se perquire sobre os requisitos formais, pois trata-se de recurso ordinrio.

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Em alguns casos, as partes interpunham recurso ordinrio em man-dados de segurana, quando no denegada a segurana, mas extinto o processo (Recurso Ordinrio em MS n 2005.04.01.027102-6/PR):

O recurso no merece prosseguir pois: Dispe o artigo 105, inciso II, letra b, da Constituio Federal que compete a este Superior Tribunal de Justia, em recurso ordi-nrio, julgar os mandados de segurana decididos em nica instncia pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territrios, quando denegatria a deciso. Dessa forma, se da deciso monocrtica que extinguiu o processo sem julgamento de mrito cabia agravo regimental, para que a controvrsia fosse submetida ao crivo desta Corte, far-se-ia necessrio, antes da interposio do presente recurso ordinrio, que a deciso recorrida tivesse sido proferida pela Turma julgadora. Precedentes. Recurso ordinrio no-conhecido. (RMS 17.305/SE, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 28.09.2004, DJ 21.03.2005, p. 297). Da mesma forma: Da deciso monocrtica do Relator, que indefere in limine a inicial de mandado de segurana, o recurso cabvel o agravo regimental e no o recurso ordinrio, que pressupe deciso denegatria do Tribunal (art. 105, inc. II, letra b, da Constituio Federal). Embargos de declarao, apreciados pela Turma, cujo nico objetivo discutir questo referente preveno. Agravo regimental im-provido. (AgRg no RMS 17.438/ES, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15.04.2004, DJ 01.07.2004 p. 195) E ainda: Mesmo nos casos de embargos de declarao, deve ser buscada a manifestao do rgo colegiado sobre a questo suscitada, para que se viabilize o acesso a esta instncia excepcional. Prece-dentes. (AgRg no Ag 546491. Ministro Castro Filho. DJ 27.06.05)

Passo, agora, ao exame casustico das hipteses do inciso III do art. 102 da Constituio Federal. Pela letra a (contrariar dispositivo desta Constituio), o importante para a admisso do recurso o tratamento efetuado na deciso objeto de recurso extraordinrio sobre a chamada questo constitucional. Claro que atrs de uma regra h sempre um princpio, mas, nos termos da jurisprudncia do STF mais atual, a dita questo constitucional ou matria constitucional h que ter sido objeto de contraditrio e de deciso pelas instncias inferiores. No mesmo sentido, tem vindo a jurisprudncia do STJ (AgRgREsp 612671/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29.05.2006, p. 231): Para que se revele prequestionamento necessrio apenas que o tema tenha sido objeto de discusso na instncia a quo, envolvendo dispositivo legal tido por violado.

Quanto hiptese da letra b (quando a deciso recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal), aqui ressurge o problema

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da aplicao no controle difuso de constitucionalidade do comando do art. 97 da Constituio Federal. Portanto, declarada pelo rgo especial ou Plenrio a inconstitucionalidade de um texto para o exame do caso posto, a ocorrida a hiptese da letra b.

Interessante anotar que o STF vem decretando monocraticamente a nulidade de deciso de rgo fracionrio que afasta e declara a incons-titucionalidade de determinado texto, para determinar que seja argido o devido incidente de inconstitucionalidade (AI 475133/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 04.05.2005, p. 30):

(...) Controle de constitucionalidade; reputa-se declaratrio de inconstituciona-lidade o acrdo que embora sem o explicitar afasta a incidncia da norma ordi-nria pertinente lide para decidi-la sob critrios diversos alegadamente extrados da Constituio. (RE n 240.096, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE, DJ de 21.05.99) O acrdo impugnado, ao adotar os fundamentos da sentena, afastou a aplicao do artigo 262 do CTB por consider-lo incompatvel com a Constituio sem, contudo, observar o preceito do artigo 97, que restou violado.

Da a concluso de que deve sempre ser admitido o recurso, por se tratar de deciso que afastou a aplicao de determinado texto por eiva de inconstitucionalidade.

Tudo isso tendo em vista o princpio da supremacia da Constituio (ADI 2010 MC / DF Distrito Federal, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 12.04.2002, p. 51):

RAZES DE ESTADO NO PODEM SER INVOCADAS PARA LEGITIMAR O DESRESPEITO SUPREMACIA DA CONSTITUIO DA REPBLICA. A invocao das razes de Estado alm de deslegitimar-se como fundamento idneo de justificao de medidas legislativas representa, por efeito das gravssimas conse-qncias provocadas por seu eventual acolhimento, uma ameaa inadmissvel s liber-dades pblicas, supremacia da ordem constitucional e aos valores democrticos que a informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um preocupante fator de ruptura e de desestabilizao poltico-jurdica. Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada recompe os gravssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental. A defesa da Constituio no se expe, nem deve submeter-se, a qualquer juzo de oportunidade ou de convenincia, muito menos a avaliaes discricionrias fundadas em razes de pragmatismo governamental. A re-lao do Poder e de seus agentes, com a Constituio, h de ser, necessariamente, uma relao de respeito. Se, em determinado momento histrico, circunstncias de fato ou de direito reclamarem a alterao da Constituio, em ordem a conferir-lhe um sentido de maior contemporaneidade, para ajust-la, desse modo, s novas exigncias ditadas por

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necessidades polticas, sociais ou econmicas, impor-se- a prvia modificao do texto da Lei Fundamental, com estrita observncia das limitaes e do processo de reforma estabelecidos na prpria Carta Poltica. A DEFESA DA CONSTITUIO DA RE-PBLICA REPRESENTA O ENCARGO MAIS RELEVANTE DO SUPREMO TRI-BUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal que o guardio da Constituio, por expressa delegao do Poder Constituinte no pode renunciar ao exerccio desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravssima atribuio que lhe foi outorgada, a integridade do sistema poltico, a proteo das liberdades pblicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurana das relaes jurdicas e a legitimidade das instituies da Repblica restaro profundamente comprometidas. O inaceitvel desprezo pela Constituio no pode converter-se em prtica governamental consentida. Ao menos, enquanto houver um Poder Judicirio independente e consciente de sua alta responsabilidade poltica, social e jurdico-institucional.

Quanto alnea c, nesta hiptese o que se deve buscar na sede de admisso do recurso se o texto aplicado na lide julgada est sendo objeto de discusso sobre a sua constitucionalidade.

A letra d, inovao trazida pela Emenda Constitucional 45, tem por sentido a busca da obedincia ao disposto na legislao federal, destina--se mais especificamente aos tribunais estaduais e respeita ao recurso extraordinrio inciso III do art. 105 da CF. Trata-se de questo de interpretao da lei federal na aplicao ao caso concreto, por isso, imprescindvel a atualizao das posies do STJ quanto s matrias deduzidas no recurso.

No tocante ao recurso especial para enquadramento na alnea a, a Constituio prev para as hipteses em que a deciso recorrida con-trariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigncia.

Para fins de interposio do recurso especial com fundamento na alnea b, com a nova redao dada pela Emenda Constitucional n 45/2004, cabvel quando a deciso julgar vlido ato de governo local contestado em face de lei federal.

No que diz respeito alnea c, h necessidade de demonstrao ine-quvoca da divergncia jurisprudencial. Nestes casos, a jurisprudncia do STJ tem sido bem rigorosa: no basta que alegue a divergncia, ne-cessrio que ela seja demonstrada, com o cotejo analtico das questes postas no acrdo paradigma e o acrdo recorrido, que seja verificada a similitude ftica (EREsp 273654 / RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 29.05.2006, p. 157): Para a caracterizao e apreciao do dissdio

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jurisprudencial, devem ser mencionadas as circunstncias que identifi-quem ou assemelhem os casos confrontados, transcrevendo os trechos dos arestos paradigmas que configurem o dissdio, bem como apresentadas cpias integrais ou pela citao de repertrio oficial de tais julgados, nos termos do art. 255 do RI/STJ. Alm disto, a jurisprudncia deve ser contempornea, no se admitindo sejam juntados acrdos antigos. A exceo se d quando a divergncia notria. (AgRg no REsp 612671/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29.05.2006, p. 231)

Com relao proliferao dos agravos de instrumento junto aos Tribunais de Apelao, no tocante aos recursos aqui analisados, neces-srio verificar a regra do art. 542, 3, CPC. Esta prev fique o recurso especial ou extraordinrio retido quando: a) interpostos contra deciso interlocutria; b) a deciso se der em processo de conhecimento, cau-telar ou embargos execuo. Nesta hiptese, o recurso somente ser processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposio do recurso contra a deciso final, ou para as contra-razes. A finalidade bsica de tal previso legal , portanto, evitar a precluso, como reconhece a doutrina. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 560)

verdade que tanto a doutrina quanto a jurisprudncia tm interpre-tado a regra com relativo elastrio, mas, da mesma forma, o deferimento de medidas cautelares para destrancamento dos recursos tm exigido a demonstrao do fumus boni iuris e do periculum in mora evidentes, na esteira, analogamente, do que se encontra previsto para o agravo retido (art. 523, 4, CPC): ou seja, dano de difcil e incerta reparao. Assim, no h porque permanecer retido recurso especial versando, por exemplo, sobre a questo de falta de preparo ou desero (REsp 671842/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 23.05.2005, p. 301), reabertura de prazo (REsp 479806/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 01.02.2005, p. 408) ou forneci-mento de remdio para menor impbere portador de doena terminal (MC 7240/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 25.10.2004, p. 211). Diversa, contudo, a situao quando o provimento antecipatrio ser, necessariamente, substitudo por sentena ou acrdo, porque diz respeito ao mrito da questo, e, portanto, inexistente hiptese de dano irreversvel ou leso de difcil reparao: mesmo em se tratando de tutela antecipada, a parte

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agravante receber, em vindo a ser declarado o seu efeito, o que lhe for devido (AgRegPet1740/SP, Rel. Min. Antnio de Pdua Ribeiro, DJ 20.09.2004, p. 280). Tal a hiptese da maior parte dos pedidos de limi-nar ou tutela antecipada, por exemplo, quando se requer a suspenso de exigibilidade de determinado tributo (REsp 731.118/SE, Rel. Min. Castro Meira) e de grande parcela de antecipaes de tutela contra a Fazenda Pblica (REsp 653081/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 09.05.2005, p. 349). No demais lembrar que a prpria apreciao dos requisitos do art. 273 do CPC enseja, ordinariamente, o revolvimento do conjunto ftico-probatrio dos autos, o que vedado pela Smula 7 desta Corte. (REsp 653081/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 09.09.2005, p. 349). En-tendimento diverso, a par de desvirtuar a inteno da reforma processual civil, com a proliferao interminvel de sucessivos recursos para a (re)discusso das mesmas questes, que ainda sero objeto de apelo e pos-teriores recursos especiais ou extraordinrios, acaba por transformar os Tribunais Superiores em terceira ou quarta instncia de apreciao dos feitos, o que no condiz com os propsitos da Emenda Constitucional n 45/2004 de assegurar a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao (art. 5, LXXVIII), alis, direito fundamental do cidado. A experincia no exerccio da Vice--Presidncia demonstrou que, na grande maioria das hipteses em que se determinou permanecesse retido o recurso e o STJ determinou o destrancamento por se tratar de tutela antecipada, o processo chegou ao TRF da 4 Regio j com a sentena de primeiro grau proferida.

Cabem, ainda, algumas consideraes sobre a possibilidade de deferimento de efeito suspensivo aos recursos. Tal ocorre somente na esfera de tempo que medeia a interposio do recurso e o despacho de admissibilidade. Da mesma forma, entendo impossvel, nesta cautelar, abrir-se um verdadeiro contraditrio, pois o que se analisa apenas a ocorrncia da possibilidade de dano irreparvel acaso no suspensa a deciso recorrida. Aps o despacho de admissibilidade ou de inadmissi-bilidade, cessa toda e qualquer delegao de jurisdio aos Presidentes dos Tribunais de Apelao.

Outra questo que se apresenta, ainda, a possibilidade de, em sede de juzo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinrio, ser deferido o benefcio da assistncia judiciria gratuita, mediante requerimento do

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recorrente. A jurisprudncia do STJ tem se mostrado bastante divergente. H julgados no sentido de que se o autor em momento algum do proces-so faz qualquer meno necessidade da assistncia judiciria gratuita, requerendo o benefcio somente por ocasio da interposio do recurso, a pena de desero deve ser aplicada, porque a regra geral a do paga-mento das custas do recurso no momento da sua interposio e tambm porque o benefcio da justia gratuita no absoluto. (REsp 494446/RS)

H julgados, entretanto, que admitem tal possibilidade, conferindo Vice-Presidncia da Corte de origem a competncia para o seu de-ferimento e, caso indeferido, a intimao do recorrente para efetuar o devido preparo do recurso. Dessa forma, visando dar maior efetividade ao processo, adotei esta ltima corrente no que diz com o benefcio da assistncia judiciria gratuita.

Adstrita aos limites da delegao, mas considerando que o preparo pressuposto para admissibilidade dos recursos aos Tribunais Superiores, examinava os pedidos de assistncia judiciria gratuita formulados na petio, casos em que, at aquele momento, a parte no litigara sob o plio de tal assistncia. Nesses casos, examinava se os recorrentes faziam jus ao benefcio e, portanto, se enquadravam na condio de necessitados, prevista no pargrafo nico do art. 2 da Lei 1.060/50 para aqueles que no esto em condies de pagar as custas do processo e os honorrios de advogado, sem prejuzo prprio ou de sua famlia. Tudo nos termos do inciso LXXIV do art. 5 da Constituio Federal.

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Os efeitos econmicos e sociais das leis e decises judiciais1

Marga Barth Tessler*

Sumrio. Introduo. 1 Breves consideraes em torno da anlise econmica do direito AED. 2 O critrio de Pareto. 3 Benefcio social e custo social. 4 A doutrina e as contestaes AED. 5 O papel do Juiz na tica da AED. 6 O enfrentamento da questo pelo Judicirio na ADIn n 2591-1/DF. 7 Argumentos em prol do indeferimento da liminar na ADIn n 2435-4. 8 Argumentos em prol do deferimento da liminar na ADIn n 2435-4. 9 Anlise dos Custos e Benefcios Sociais. 10 Esquema do modelo de deciso para a ADIn n 2435-4 pela AED. 11 A questo da penso previdenciria por morte: Aspectos da AED nos RE n 4161827/SC e RE n 415454/SC. Concluso.

Introduo

Com o objetivo de introduzir a reflexo em torno do tema lembro de uma passagem da obra Liberdade e a Lei, de Bruno Leoni.2 A mo de exemplificar o tema, relata-se episdio ocorrido em trabalho advocatcio para uma senhora italiana em pleno sculo XX. O autor cita

* Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4 Regio.1 Trabalho desenvolvido para a disciplina de Anlise Socioeconmica das Sentenas, Prof. Luis Fernando Schuartz, FGV, Direito Rio. Curso de Mestrado em Poder Judicirio. 2 LEONI, Bruno. Liberdade e a Lei: os limites entre a representao e o poder. Porto Alegre: Instituto Liberal do Rio Grande do Sul, 1993. 205 p.

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que na ocasio descobriu que o Corpus Juris Civile de Justiniano era ainda literalmente vlido e aplicado em alguns pases do mundo, como a frica do Sul. A senhora italiana o encarregou de vender propriedade que tinha na frica. Ao desincumbir-se da tarefa foi comunicado pelo advogado correspondente que a cliente deveria assinar uma declarao em que renunciava, dali em diante, ao privilgio conferido s mulheres pelo Senatus Consultum Velleianum, um dispositivo legal promulgado pelo Senado Romano, h vinte e um sculos, autorizando as mulheres a voltarem atrs em suas palavras e, em geral e a qualquer tempo, se recu-sarem a manter certos compromissos. Descobriu o autor em comento que um aparente privilgio concedido s mulheres romanas pelo Senado, no Imprio Romano, ainda era aplicado. Tal privilgio refletiu, na ocasio, o efeito perverso de fazer com que poucos se arriscassem a negociar com mulheres. Sentindo a inconvenincia de tais repercusses no mundo da vida, os prprios e augustos senadores romanos trataram de mitigar o dispositivo, estabelecendo que as mulheres pudessem renunciar ao privi-lgio legal. Muito bem, no caso relatado, a declarao foi assinada pela senhora italiana e o comprador africano formalizou o negcio.

O exemplo bastante ilustrativo e surpreende pelo inusitado de se tratar de reflexos da legislao romana. V-se, assim, que decises judiciais e leis podem ter reflexos no pensados ou desejados pelos legisladores e juzes.

1 Breves consideraes em torno da anlise econmica do direito AED

Luis Fernando Schuartz,3 ao introduzir a temtica que abordaremos, refere que a anlise econmica do direito (AED) o uso de conceitos e instrumentos de anlise econmica para estudar fenmenos jurdicos em geral. Os aspectos que a disciplina pretende elucidar respondero a questes de dois tipos: a) as questes descritivas: so aquelas que abordam os efeitos de certas normas jurdicas sobre o comportamento dos indivduos afetados de forma direta ou indireta;4 b) questes norma-tivas: seriam aquelas que indicariam as normas mais adequadas para a

3 SCHUARTZ, Luis Fernando. Anlise Econmica do Direito e de Decises Judiciais. Cadernos conceituais e do mestrado em Poder Judicirio. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas FGV.

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realizao de certos objetivos entendidos como socialmente desejveis. Ambas as anlises so feitas por meio de modelos do comportamento individual e do sistema jurdico. Os modelos so representaes sim-plificadas da realidade que servem ao propsito de contribuir de forma significativa para o entendimento do problema em estudo. O mtodo tem a virtude de forar o analista a explicitar as suas hipteses e inferncias. Os modelos usados na AED caracterizam-se pela suposio de que todos os indivduos envolvidos na situao sob estudo so agentes racionais e orientam-se no sentido da mxima satisfao possvel de suas preferncias individuais. A concretizao de qualquer papel social pode, deste modo, ser modelado para fins de determinao dos efeitos associados a uma sentena ou norma jurdica, perspectivando sempre que os indivduos tentam maximizar a sua satisfao pessoal individual. Saliente-se, ainda, que, para operar com os modelos, o bem-estar indi-vidual possui significado muito amplo, sendo afetado no s pela posse de bens materiais, mas pela fruio de momentos prazerosos, ou pelo sofrimento moral ou psquico. Isto quer dizer que a violao dos direitos humanos, por exemplo, mesmo nos casos de a vtima ser completamente desconhecida, reflete em situao de menor bem-estar e insatisfao pessoal. O atributo da racionalidade premissa que indica, na satisfao do bem-estar no sentido amplo antes visto, que a satisfao buscada seja a mxima possvel. Menos evidente nas investigaes de natureza descritiva, nas de natureza normativa que o instrumento evidencia a sua utilidade. Trata-se aqui de fundamentar um juzo sob a adequao de normas e decises jurdicas para a promoo de um objetivo socialmente desejvel. Na disciplina AED, o objetivo recebe o nome de bem-estar social, e o desejvel socialmente a maximizao do bem-estar social.

A Deciso Racional segundo a Teoria da Escolha Racional (TER) em condies de certeza utiliza o conceito de utilidade que est vinculado representao numrica do bem-estar do indivduo ou do grupo so-cial. O objetivo tornar possvel o tratamento matemtico da equao. Torna-se, assim, possvel pensar o bem-estar social como sendo a soma

4 Exemplifica-se com as discusses pela imprensa dos efeitos sociais da implantao do FGTS para os trabalhadores domsticos, das repercusses sociais com a aprovao da lei que institui quotas para afrodes-cendentes no ensino e trabalho.

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do bem-estar individual da comunidade. No modelo de deciso racional sob condies de incerteza o critrio o da maximizao da utilidade esperada.

2 O critrio de Pareto

Trata-se de um critrio para avaliar o impacto de uma deciso sobre o bem-estar de um grupo.

O critrio de Pareto s se aplica quando as situaes x e y so comparveis, e isso s ocorre se na passagem da situao de x para a de y ou ningum perde ou ningum ganha. Se uns ganham e outros perdem, ento x e y no so comparveis segundo o critrio de efi-cincia de Pareto. Nesse caso, deve-se recorrer a um critrio adicional de comparao que conte com a aceitabilidade generalizada enquanto critrio normativo e com aplicabilidade generalizada do ponto de vista do que socialmente desejvel.

Feito um breve resumo de algumas questes introdutrias do tema, passo a examinar questes referentes ao benefcio social e custo social.

3 Benefcio Social e Custo Social

Prosseguindo na tentativa de tentar resumir as questes-chave da AED necessria breve referncia sobre o critrio pragmtico do benefcio social, ou custo-benefcio, que uma forma pragmtica de resolver o problema enfrentado pelo critrio do timo de Pareto. Salienta Schuartz que difcil acreditar que em um mundo de recursos escassos algum racional atribua validade ao seguinte raciocnio: Os custos da proposta so superiores aos benefcios, logo vamos implement-la. Qualquer situao social pode ser analisada a partir do que ganham os ganhadores ( o benefcio social) e perdem os perdedores ( o custo social).

4 A doutrina e as contestaes AED

Deve-se dizer que a otimilidade de Pareto contestada por consider-vel parcela da doutrina. Cito exemplificativamente Amartya Sen5 que se refere otimilidade de Pareto como o esprito de Csar, pode vir quente do inferno, sendo para o autor uma viso muito limitada para avaliar a 5 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo: Laura Teixeira Motta. So Paulo: Companhia das Letras, 2000. Amartya utiliza Shakespeare no Jlio Csar, ato III, cena 1. Trata-se do potencial devastador do esprito de Csar, que, no discurso fnebre de Marco Antnio, viria quente tumultuar a Itlia.

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realidade social. Sustenta Amartya Sen que o xito da pessoa no poderia ser julgado s em termos de seu bem-estar, pois a pessoa, por exemplo, pode dar imenso valor s causas ambientais mesmo que diretamente no haja melhoria no bem-estar individual. H fins transpersonalistas.

Ronald Dworkin, no Imprio do Direito,6 aborda as diversas funda-mentaes e vertentes que permeiam o pensamento jurdico e servem fundamentao de uma deciso judicial. No captulo VIII, aborda as complexidades da interpretao jurdico-econmica. Oferece uma crtica em caso de composio de danos involuntrios, dizendo que essa teoria oferece uma interpretao geral das decises que nossos juzes tomaram sobre acidentes e danos no intencionais. A chave para chegar a essas decises encontrada no princpio econmico de que preciso agir sempre de um modo que seja financeiramente menos dispendioso para o conjunto da comunidade. Dworkin lembra que as regras e procedimen-tos, no sentido de aumentar a riqueza da comunidade, foram elaboradas em grande parte no perodo da formao do moderno direito da Common Law e at hoje fundamentam tais decises, e no poderamos rejeitar a interpretao econmica pela nica razo de que deixaria perplexos os juzes que a criaram. O autor, contudo, representa a corrente normativista da anlise econmica do direito e questiona, sim, a utilizao unicamente do critrio da eficincia pela AED que no atentaria para as questes de eqidade. Em relao aos juzes diz que no se pode exigir que ma-ximizem a riqueza social, mas evidente que lhes deve ser deixada a liberdade de consider-la, talvez como um dos fundamentos da deciso, mas sem dar-lhes a preponderncia atribuda por Posner e seus colegas.7

Joo Sayad, ao prefaciar obra sobre a contabilidade social, refere que vivemos numa sociedade de quantias, de nmeros, que imagina que co-nhece ou pode conhecer tudo, rigorosamente e exatamente. Quanto mede, quanto pesa, quanto custa, quanto vale so as perguntas mais importantes. A melhor resposta pretende sempre ser a chamada resposta racional: qual a melhor alternativa para plantar batatas, educar crianas ou abrir estradas? Qual a forma mais eficiente, isto , quem produz mais com

6 DWORKIN, Ronald. O Imprio do Direito. So Paulo: Martins Fontes, 1999. 7 OLIVEIRA, Amanda Flvio. O Direito da Concorrncia e o Poder Judicirio. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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o menor custo? Acrescenta o autor que no existe uma resposta nica, mas a deciso e os seus argumentos. 8

5 O papel do Juiz na tica da AED

Antes de explanar argumentos em torno das teses em debate no caso concreto, valho-me da lio de Amanda Flvio de Oliveira9 que apre-senta uma viso sobre o papel do Judicirio na perspectiva da Law and Economics. Refere a autora que para a AED a soluo mais justa a ser adotada pelo julgador deveria ser a mais eficiente entre todas as opes possveis ou a que possibilitasse a maximizao da riqueza. A AED sugere uma transformao nas funes do juiz, bem como do legislador, que no funcionariam mais como reguladores sociais, mas antes atuariam como verdadeiros atores do mecanismo de arrecadao e distribuio dos recursos econmicos ou no econmicos de uma determinada socieda-de. A autora cita Pedro Mercado Pacheco,10 de onde extrai a passagem o juiz adquire um grande protagonismo nesta nova viso. J no o rbitro do conflito, seno que toma, em lugar das partes, a deciso que maximiza a riqueza ou o bem-estar conjunto da sociedade. Um papel ativo que faz deste mais que um mero rbitro ou mediador de conflitos entre particulares.

Alerta a autora para o fato de que a AED permite visualizar que as decises judiciais representem um custo para a sociedade, gerando efeitos externos ou externalidades. Assim, segundo as idias de R. H. Coase, um dos primeiros tericos da AED, o juiz deve atentar para todos os efeitos possveis de suas decises, valorando as distintas alternativas de regulao existentes. Segundo Roscor Pound, a AED representa uma forma de atender a fatores metajurdicos no momento da deciso judicial. Para Ronald Posner, grande mestre da AED, na deciso dos ca-sos, o juiz no se pode ater apenas ao que postulam as partes em litgio.

8 Os programas sociais no Brasil tm merecido duras crticas, no havendo unanimidade quanto aos seus resultados. Ver: ANGELI. Alm do Horizonte. Folha de So Paulo, So Paulo, 7 jun. 2006. Alm do Hori-zonte em que criticado o programa federal de cestas bsicas.9 OLIVEIRA, Amanda Flvio. O Direito da Concorrncia e o Poder Judicirio. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 100.10 PACHECO, Pedro Mercado. El Anlisis Econmico del Derecho: Una reconstruccin terica. In: OLI-VEIRA, Amanda Flvio. O Direito da Concorrncia e o Poder Judicirio. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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Sua deciso deve tentar prevenir novos casos semelhantes, reduzindo os custos das partes, mantendo uma atitude de preveno. A deciso judicial em muitos processos deve maximizar a eficincia. Reconhece que os juzes tm dificuldade em utilizar fundamentos econmicos e, na sua opinio, mesmo sem utilizar tais fundamentos, baseiam-se neles.

6 O enfrentamento da questo pelo Judicirio na ADIn n 2591-1/DF

Um bom exemplo do enfrentamento dos aspectos econmicos das decises judiciais foi fornecido no julgamento da ADIn n 2591-1/DF (trata da aplicao do Cdigo do Consumidor atividade bancria)11 pelo Ministro Eros Grau, quando se refere fixao da taxa de juros, disse ele: a fixao dessa taxa no pode ser operada seno desde a perspectiva macroeconmica. Basta a meno, por exemplo, ao poder de multipli-cao de moeda circulante em moeda escritural, que os bancos exercem de modo a receber a ttulo de juros, pelo mesmo dinheiro materialmente considerado, em certos casos, mais de trs vezes o valor da taxa pra-ticada. No item 8 do voto, o Eminente Ministro Eros Grau projeta o encaixe de um banco, explicando a criao da moeda, concluindo que a multiplicao da moeda monumental, gerando efeitos exacerbados quando a taxa de juros elevada, conclui dizendo: Ora, essa poderosa capacidade de criao de riqueza abstrata no pode ficar sujeita a admi-nistrao desde a perspectiva das relaes microeconmicas sob pena de comprometimento dos objetivos que o artigo 192 da Constituio visa a realizar, o desenvolvimento equilibrado do Pas e a satisfao do interesse da coletividade.

7 Argumentos em prol do indeferimento da liminar na ADIn n 2435-412

A questo da venda de remdios aos idosos com desconto outro

11 Julgamento concludo em 07.06.2006, julgando improcedente a ao direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederao Nacional do Sistema Financeiro CONSIF, vencido parcialmente o Senhor Ministro Carlos Velloso (Relator), no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Nelson Jobim. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Redigir o acrdo o Senhor Ministro Eros Grau. Ausente, justificada-mente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. No participou da votao o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski por suceder ao Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator do presente feito. Na questo do CDC, decidiu-se que ele aplicvel tambm aos Bancos.

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exemplo. No caso em exame, ADIn n 2435-4, a liminar foi indeferida pela Eminente Ministra Ellen Gracie, em primeiro lugar, em ateno aos precedentes anteriores do Supremo Tribunal Federal, nos casos da ADIn n 2163/RJ (pagamento de meia entrada em casas de diverses aos jovens at 21 anos), Tribunal Pleno, Relator Ministro Nelson Jobim, julg. em 29.06.2000, DJU de 12.12.2003, p. 62; e a ADIn n 107-8/AM (iseno de tarifa para idosos e deficientes, policiais e estudantes, todas leis estaduais), Tribunal Pleno, Relator Ministro Celio Borja, julg. em 19.10.89, DJU de 17.11.89, p. 17185. Vislumbrou a Ministra a fora irradiante do artigo 230 da Constituio Federal de 1988 que procura proporcionar tratamento especial ao idoso. Associou o artigo 230 ao artigo 196 da Constituio Federal de 1988, pois os remdios e medicamentos so vitais para o bem-estar do idoso, ainda sustentou-se no artigo 1 da Constituio Federal de 1988, destacando entre os princpios fundamen-tais da Repblica a dignidade humana. Foi realista ao acreditar que os empresrios (...), se no mrito julgado procedente a ao e decretada a inconstitucionalidade da lei, tero condies de se ressarcir pelas regras de mercado. Na aludida passagem, a deciso admitiu a repercusso dos reflexos do desconto aos idosos, suportveis pela sociedade, mas considerou pouca a repercusso, pois apenas 9% da populao seria de idosos. A deciso reputou despida de plausibilidade jurdica a questo tributria, pois o artigo 150, 7, da Constituio Federal de 1988 criou um mecanismo de restituio do valor do tributo eventualmente pago a maior, trazendo como precedente a ADIn n 1851/AL, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ilmar Galvo, julg. em 08.05.2002, DJU de 22.11.2002, p. 55. Quanto aos limites da interveno do Estado no domnio econmico e competncia do Estado-membro (competncia concorrente, artigo 24, inc. I, da Constituio Federal de 1988), trouxe o precedente da ADIn n 319/DF (reajuste das mensalidades escolares), na qual foi aceita a competncia do Estado- membro, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, julg. em 03.03.93, DJU de 30.04.93, p. 7.563.

Assim posta a questo e tratando-se de deciso liminar, as razes

12 ZITSCHER, Harriet Christiane. Metodologia do ensino jurdico com casos: teoria e prtica. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. Trata-se de mtodo do estudo do Direito em face de precedentes jurisprudenciais, mtodo no muito divulgado no Brasil.

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para o indeferimento da liminar foram bem colocadas do ponto de vista jurdico, e no se pode dizer que ficaram alheias ao aspecto econmico. Nesse ponto a Eminente Ministra, ao que parece, aplicou, sem men-cionar, a nota de rodap n 4, constante da deciso da Suprema Corte Americana, no caso United States v. Carolene Products Co., de 1938, que diz: os interesses econmicos organizados da classe mais avantajada encontram proteo suficiente no processo poltico ordinrio, junto ao Legislativo e ao Executivo, onde ordinariamente se encontram muito bem representados. Da porque o Poder Judicirio deve buscar proteger outros interesses das classes menos favorecidas, bem como os interesses de natureza no econmica.

Agora, procurando visualizar que as decises judiciais representam um custo para a sociedade, aspecto que no foi muito aprofundado pela deciso indeferitria da liminar, poderia se argumentar isso, diante dos dados oferecidos.13

Para superar a externalidade negativa da deciso (aumento do preo para os no-idosos, no caso de as farmcias transferirem o nus), justi-ficando-a, a melhor soluo seria, s.m.j., invocar as lies de Dworkin, postulando pela aplicao do critrio maior da eqidade, trazendo ainda as consideraes de Guiomar Estrella Faria:14 numa sociedade premida pela insegurana econmica como est acontecendo com a brasileira, em razo dos desacertos sucessivos de polticas governamentais inade-quadas, a linguagem dos direitos do cidado cede terreno, infelizmente, argumentao fundamentada em custos e preos e abre-se caminho para a aplicao das teorias de um Posner ou de um Calabresi para, no caso, diante do princpio fundamental da Repblica, a dignidade humana e a concretizao do direito sade e acesso a medicamentos, afastar, sem desconsiderar, as conseqncias econmicas do julgado, reflexos

13 Nmero total de consumidores do pacote de remdios: 10.000.000 (dez milhes). Consumidores do pacote de remdios maiores de 60 anos: 6.000.000 (seis milhes). Preo do pacote de remdios antes da promulgao da lei, US$ 100,00. Probabilidade de repasse para consumidores menores de 60 anos: 30%. Probabilidade de as farmcias assumirem aumento de custos: 70%. Variao no ganho lquido das farmcias se h repasse: mais de US$ 40.000.000,00. Variao no ganho lquido se no h repasse: US$ 160.000.000,00. Os dados foram oferecidos pelo Prof. Luis Fernando Schuartz, disciplina de Anlise Socioeconmica das Sentenas, FGV, Direito Rio.14 FARIA, Guiomar Therezinha Estrella. Interpretao Econmica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p. 95.

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econmicos que devero ser suportados pelos mais aptos a faz-lo na realidade do Brasil, isto , o setor farmacutico e os ainda vlidos para o trabalho. A deciso indeferitria da liminar, ao dizer que os mecanis-mos de mercado tratariam da questo da externalidade, remeteu, sem explicitar, possibilidade da fundamentao supra-expendida.

8 Argumentos em prol do deferimento da liminarna ADIn n 2435-4

Os argumentos em favor da perspectiva que mais valoriza os reflexos econmicos foram adotados pelo Ministro Marco Aurlio, que inicia o seu voto por dizer que a lei estadual, acoimada de inconstitucional, ca-rece de proporcionalidade e de razoabilidade. Entendeu que pela Carta da Repblica do Estado o nus de proporcionar acesso aos recursos da sade para os menos favorecidos, entre eles os idosos. O artigo 196 da Constituio Federal de 1988 estabelece um dever do Estado e, pelo princpio da unicidade do SUS, o dever igual, tanto da Unio, do Estado--membro e do Municpio. Sustenta, ento, o Eminente Ministro Marco Aurlio que no razovel que o prprio Estado-membro, descumprindo o seu dever primeiro, transfira o nus aos particulares, entre eles toda a populao e os estabelecimentos farmacuticos. No seria adequado, sob o aspecto da proporcionalidade, pois no se considera o preo, o valor do remdio, mas a idade do doente sexagenrio.

A interferncia no domnio econmico seria discrepante do artigo 174 da Constituio Federal de 1988. O Ministro Marco Aurlio inicia a projetar perspectivas de AED no momento em que argumenta em torno dos reflexos da deciso dizendo de qualquer forma, de duas, uma: ou a farmcia arcar com o nus do desconto, ou majorar os preos dos remdios, ficando ape-nada toda a populao. A deciso de 13.03.2002, e o Ministro ainda refere que principalmente numa poca em que se busca preservar a estabilidade da moeda, afastando-se do cenrio jurdico o aumento de preo (...).

O argumento econmico foi tocado, no tendo sido, contudo, expli-citado pelo Eminente Ministro, que no minudenciou as operaes que a afirmativa contm.

Na vertente da argumentao em prol do deferimento da liminar, poderia ainda ser considerado na linha conseqencialista que:

1) As farmcias no arcaro com o custo do desconto, refletindo-se

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a lei em imediato aumento no preo dos remdios de modo geral.2) Os idosos, estimados em 9% da populao, tero as suas necessidades

medicamentosas aumentadas, pois passaro a ser os provedores de remdios para os seus familiares e amigos no-sexagenrios. Em outras palavras, os consumidores em geral, tendo oportunidade e maximizando os seus interes-ses, faro a compra por intermdio do idoso da famlia, assim como j vem ocorrendo com o emprstimo consignado aos pensionistas previdencirios. Veja-se ainda, a ttulo de argumentao, que a obrigatoriedade de caixas exclusivos aos idosos pelos bancos, com perspectiva de rpido atendimento bancrio, fez surgir a figura do office-old em lugar do office-boy que no tem tal privilgio,15 com tais exemplos se percebe que o mercado se movimenta e responde aos estmulos que lhe so oferecidos.

A indstria farmacutica tambm reagir ao desconto aos idosos. O reflexo ser o menor interesse em vender medicamentos para tal seg-mento populacional, menor investimento em pesquisa, o que redundar em menos avanos da medicina geritrica. Tais argumentos no foram utilizados na fundamentao do Ministro Marco Aurlio, mas, para efeitos do presente estudo, alinham-se na perspectiva da AED.

9 Anlise dos Custos e Benefcios Sociais

Considerando os dados do problema antes apresentado (nota de rodap n 8), a equao que se estabelece, tendo em vista a anlise dos custos e benefcios sociais, anlise iniciada pelo voto do Ministro Marco Aurlio, deve enfocar os ganhadores e os perdedores da medida. Devemos verifi-car se a lei estadual ou no socialmente desejvel. A lei em comento no se adequa anlise sob o critrio da Eficincia de Pareto, pois, como j se disse antes, o indicador de restrita aplicabilidade. Diz-se que uma situao eficiente de Pareto se no existe outra situao ou estado de coisas que lhe seja superior de Pareto. Todos os consumidores de remdios sero atingidos pela medida. Aos sexagenrios prefervel o desconto, contudo, os no-sexagenrios podero no ser indiferentes ao fato de terem que pagar mais pelos remdios. Se uns ganham e outros perdem,

15 BALBI, Sandra. Bancos vo limitar prioridade a idosos em filas nas agncias. Folha de So Paulo, So Paulo, 31 out. 2005. Empresa usa idoso para furar fila. Cresce o servio de office-olds devido ao atendimento preferencial.

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no so comparveis pelo critrio da eficincia de Pareto. Agregando um critrio adicional de comparao, qual seja, a aceitabilidade generaliza-da, j se percebe que a lei no foi aceita pelas farmcias, sendo assim, no seria socialmente desejvel. Eis, em uma tentativa de simplificao, a aplicao do indicador em comento. H, sim, fundamento normativo na Constituio Federal de 1988 para a utilizao do conceito de Eficincia de Pareto, enquanto critrio jurdico de comparao e ordenao de situ-aes produzidas por normas. No seu voto o Ministro Marco Aurlio as anuncia, quais sejam, os postulados normativos aplicativos da razoabilidade e da proporcionalidade, extrados da totalidade dos dispositivos dos artigos 1 e 3 da Constituio Federal de 1988. Ora, no razovel que o Estado--membro, ao passo em que descumpre os seus deveres relacionados com a sade, transfira aos particulares obrigao que sua prima facie.

No adequado ou proporcional o critrio eleito, a idade, pois no s o sexagenrio, mas o consumidor de qualquer faixa etria pode es-tar includo e est entre os carentes de recursos. Se no h o mesmo tratamento aos que necessitam de tratamento materno-infantil, como privilegiar apenas os idosos?

10 Esquema do modelo de deciso para a ADIn n 2435-4 pela AED

Passo agora a aplicar o esquema proposto.Os dados oferecidos foram os seguintes:

Dados para Resoluo do Problema16, 17

Esquema do modelo de deciso

16 Dados adaptados para reduzir a complexidade do problema original.17 Inclui ganhos de bem-estar da parte de proprietrios e funcionrios.18 Adicional transferncia de renda dos consumidores do pacote de medicamentos para as farmcias.19 Adicional transferncia de renda das farmcias para os consumidores do pacote de medicamentos.

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Explicao: 1) Se deferida a liminar, como propunha o voto vencido do Ministro

Marco Aurlio, no haveria perda nem ganho para ningum, a lei seria suspensa.

2) Indeferida a liminar e havendo repasse, as farmcias ganham 40 milhes de reais (variao no ganho lquido). Cada idoso ganha na compra do pacote de medicamentos R$ 20,00. Para os cidados com menos de 60 anos (so 4.000.000 milhes de pessoas) a perda ser de 80 milhes.

1 Equao: 40 + 120 80 = 803) Se indeferida a liminar e no havendo repasse, os consumidores

com mais de 60 anos ganham R$ 120 milhes, as farmcias perdem R$ 160 milhes. J os consumidores com menos de 60 anos ficam na mesma situao, no ganham nem perdem, assim:

2 Equao: 160 + 120 + 0 = 40 => O Estado do Mundo ter uma perda.

Agora, segundo os dados oferecidos constantes do 1 quadro, vemos que a chance de no haver repasse de 70% ( 40 x 70 = 28.000.000).

As chances de haver o repasse pelas farmcias aos consumidores so de 30%, ento (80 x 30% = R$ 24.000.000).

Chega-se, assim, ltima equao: 24+ ( 28) = 4 milhes.O indeferimento da liminar custar aos estados do mundo 4 milhes,

eis o custo social da medida, segundo aplicativo da AED, no sendo pois socialmente desejvel. Assim, a aplicao da tcnica AED revela que os descontos concedidos pela lei editada pelo Estado do Rio de Janeiro aos idosos na compra de remdios acabar por ser onerosa para todos os demais envolvidos e atingidos pela medida.

11 A questo da penso previdenciria por morte:20 aspectos da AED nos RE 416827/SC e RE 415454/SC21

O Eminente Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Recurso Extraordinrio que versa sobre o benefcio previdencirio por morte e a

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supervenincia da Lei n 9.032/95, analisou as repercusses econmi-cas da deciso ao referir, entre outras passagens, que nesse contexto, o cumprimento das polticas pblicas previdencirias, exatamente por estar calcado no princpio da solidariedade (Constituio Federal de 1988, art. 3, 1) deve ter como fundamento o fato de que no possvel dissociar as bases contributivas de arrecadao da necessria dotao oramentria exigida, de modo prvio, pela Constituio (Constituio Federal de 1988, art. 195, 5). O risco de imploso do sistema previdencirio aspecto que certamente no ser desconsiderado no caso em tela.

Concluso

Concluindo o estudo, fica claro que o Direito no um campo de estudo autnomo e independente das outras cincias sociais que podem contribuir valiosamente com a cincia jurdica. A AED possibilita ao julgador a viso do conjunto, alargando o campo de cogitaes que o juiz precisar fazer, sendo que nas palavras de Dworkin no se pode exigir que maximizem a riqueza social, mas evidente que lhes deve ser deixada a liberdade de consider-la, talvez como um dos fundamentos da deciso. A considerao final fica no sentido de que devemos resistir ao que Washington Peluso Albino Souza22 denomina de hedonismo econmico, de submisso comportamental balana do prazer e da obteno da maior soma de bens com o menor dispndio de recursos. O homo economicus no paradigma a largo utilizvel, at porque se afasta do nosso modelo constitucional.

20 PEREIRA, Daniel. No STF, o risco de imploso da Previdncia. Gazeta Mercantil, Braslia, 19 abr. 2006.21 RE n 416827/SC e RE 415454/SC no esto com os julgamentos concludos at o presente momento, julho de 2006.22 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Lies de Direito Econmico. Porto Alegre: Sergio Antonio

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A falsidade documental e o dano efetivo (anlise do art. 297 do CPB)

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*

Com efeito, no se exige para a configurao do delito previsto no art. 297 do CPB a ocorrncia do dano efetivo, bastando a existncia do dano potencial.

Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, como se constata do magistrio de R. Garraud, verbis:

Cet lment du faux existe, par cela seul que le prjudice a t possible au moment de la perptration du crime, quels que puissent tre les vnements ultrieurs. Ce qui dmotre bien, en effet, que la possibilit ou lventualit du prjudice est suffisant, cest que la loi ne subordonne pas la criminalit du faux lusage qui peut en tre fait. (In: Trait Thorique et Pratique du Droit Pnal Franais, 3. ed. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1922, t. 4, p. 189, n 1.399, IV)

Outra no a lio de Carrara, em obra clssica, verbis:Danno. Lestremo del danno vuole essere in questo malefizio specialmente avver-

tito, perch attesa la sua indole di reato sociale (a differenza di ci che procede nel falso privato) non si richiede a costituire il falso pubblico un danno effettivo, ma basta un danno potenziale. Quantunque il falso documento non abbia poscia servito ad una ingiusta locupletazione e non abbia prodotto lo spoglio di alcuno, pure se aveva po-tenza a nuocere, il falso in documento pubblico (a differenza del falso in documento

* Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4 Regio.

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privato) consumato e perfetto per quella sua solla potenzialit. (In: Programma del Corso di Diritto Criminale, 9. ed. Firenze: Casa Editrice Libraria Fratelli Cammelli, 1923, v. VII, p. 400, 3.680)

Da mesma forma, Giulio Catelani, in I Delitti di Falso, Milano: Giu-ffr Editore, 1978, p. 14 e 82.

de acrescentar-se, ainda, que essa a orientao da jurisprudncia da Suprema Corte. (RE n 97.592-RJ, rel. Min. Francisco Rezek, in RTJ 105/1.264)

Nessa oportunidade, disse o eminente Relator, verbis: Constitui in-terpretao razovel a exigncia de potencialidade de dano para que se configure crime de falsificao documental. (In: RTJ 105/1.264)

Diversa, no entanto, a situao tipificada no art. 304 do Cdigo Penal, em que se exige que o uso de documento falso deve, ao menos potencialmente, produzir conseqncias no mbito das relaes sociais.

Nesse sentido, a jurisprudncia do Eg. STF, como se observa do aresto proferido quando do julgamento do RHC n 64.699-ES, verbis:

Habeas corpus. Uso de documento falso. Receptao. Justa Causa. Inpcia da denncia.

O papel adulterado, para ensejar delito de uso de documento falso, deve ser utilizado de modo a, pelo menos potencialmente, produzir conseqncias no mbito das relaes sociais. Hiptese em que tanto no se verifica. (...) (In: RTJ 121/140)

Em seu voto, concluiu o ilustre Relator, Min. Francisco Rezek, verbis:No vejo configurado o delito de uso de documento falso. Para que o crime se

perfaa, cumpre que o instrumento seja empregado para demonstrar algo juridica-mente importante. Da ensinar Heleno Fragoso que falso uso de documento (...) empreg-lo como evidncia dos fatos juridicamente relevantes a que seu contedo se refere, fazendo-o passar por autntico ou verdico. Com apoio em Antolisei afirmar que h uso (...) quando o documento utilizado para o fim a que serviria se no fosse falso. (Lies de Direito Penal: Parte Especial arts. 213 a 359 CP. Rio: Forense, 1981, p. 371)

O documento adulterado, para ensejar o delito, deve ser utilizado de modo a, pelo menos potencialmente, produzir conseqncias no mbito das relaes sociais. (In: RTJ 121/141)

Outro no o entendimento da melhor doutrina, conforme se constata do exame da obra de Marcel Rousselet et Maurice Patin, ao analisarem os requisitos do uso de documento falso, verbis: Enfin, un prjudice

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a d rsulter de lusage de la pice fause ou du moins devait pouvoir en rsulter. (In: Prcis de Droit Pnal Spcial, 6. ed. Paris: Libr. Du Recueil Sirey, 1950, p. 107, n. 155)

Questo que desperta interesse, agora sob o aspecto processual, e comum nos delitos contra a f pblica quando praticados por servidor pblico, a eventual nulidade pela inobservncia do rito previsto no art. 514 do CPP.

Com efeito, a inobservncia do disposto no art. 514 do CPP, segundo mais recente jurisprudncia da Suprema Corte, acarreta a nulidade abso--luta do processo, porque atinge o princpio fundamental da ampla defesa.

Nesse sentido, deliberou o Pretrio Excelso quando do julgamento do HC n 60.104-SP, em que foi relator o eminente Ministro Oscar Corra, verbis:

Artigo 514 do Cdigo de Processo Penal.Falta de notificao do acusado para responder, por escrito, em caso de crime

afianvel, apresentada a denncia.Relevncia da falta, importando nulidade do processo, porque atinge o princpio

fundamental da ampla defesa.Evidncia do prejuzo.(...)Pedido de Habeas Corpus deferido. (In: RTJ 103/157)

Em seu voto, disse o eminente Relator, verbis:Parece-nos, data venia da opinio da douta Procuradoria-Geral da Repblica, que

o prejuzo evidente e insanvel e que nada impede seja alegado agora, ou em qualquer oportunidade, pela defesa.(...)

A nulidade referente aos prazos de acusao e defesa , pois, insanvel, porque atinge o princpio fundamental da ampla defesa, elementar garantia dos direitos humanos, alis, constitucionalmente assegurada. (CF, art. 153, 15)

No h, desta forma, como dizer-se no ter sido alegada quando, pela primeira vez, nos autos, falou a defesa: inquinou, fundamentalmente, de nulidade o processo. (In: RTJ 103/160-1)

A importncia da no-alterao do rito processual, sob pena de nuli-dade absoluta do processo, ainda que com o consenso das partes, eis que importa em restrio inaceitvel ao direito de defesa, uma constante na jurisprudncia do Pretrio Excelso, conforme assinalado no voto do Ministro Rafael Mayer, ao votar no HC n 60.409-SP, verbis:

Cuido, no entanto, que o rito processual no disponvel pelas partes, tanto

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mais quanto a traduo, pelo legislador, do princpio do contraditrio, segundo modelos alternativos que tm em conta a gravidade da sano, a especificidade do fato, as exigncias da defesa e a ponderao do julgador, atendendo a graus e com-plexidades diversas.

(...)Todavia, a grave restrio no procedimento adotado, notadamente dos prazos que,

mesmo no utilizados, devem ser sempre facultados, importa necessariamente num irremedivel estreitamento do direito de defesa, nsito o prejuzo do ru a quem se coarctou utilizar a concesso da lei. (In: RTJ 105/565)

Idntica orientao adotou a Excelsa Corte quando do julgamento do HC n 68.599-PR, rel. Min. Clio Borja, in RTJ 137/1.197.

A propsito, pertinente o ensinamento de Girolamo Bellavista, quando afirma, em conceituada obra, verbis: ...la difesa penale non risponde ad una mera facolt dellimputato, ma ad una necessit processuale irri-nunziabile. (In: Lezioni di Diritto Processuale Penale, 3. ed., Milano: Dott. A. Giuffr Editore, 1965, p. 189)

Dessa forma, inobservado o procedimento previsto no art. 514 do CPP, impe-se a declarao da nulidade absoluta do processo, nos termos da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.

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Direitos fundamentais a clusula de expanso do artigo 5, pargrafo 2, da Constituio de 1988

* Slvio DobrowolskiSumrio. 1. Direitos Fundamentais notas caracterizadoras e evo-luo histrica. 2. Positivao dos direitos. 3. Os direitos funda-mentais na Constituio de 1988. 4. A identificao dos direitos no enumerados. 5. Direitos decorrentes. 5.1 Direitos individuais. 5.1.1 Direito ao abortamento de feto anenceflico. 5.1.2 Direito ao sigilo bancrio. 5.2 Direitos polticos. 5.2.1 Direito iniciativa popular para emenda constitucional. 5.2.2 Invases de propriedades rurais como direito de manifestao poltica. 5.3 Direitos sociais. 5.3.1 Direito unio de famlia. 5.3.2 Direito de homossexuais de serem tratados como em unio estvel para benefcios previdencirios. 6. Um preceito constitucional e uma Constituio para serem levados a srio. Referncias bibliogrficas.

Resumo

O presente estudo visa examinar o significado e o procedimento para concretizar a previso de direitos fundamentais no enumerados no sistema constitucional brasileiro, a partir da disposio do artigo 5o, pargrafo 2o, da Constituio, que os admite como decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que

* Des. Federal Aposentado do Tribunal Regional Federal da 4 Regio, Professor Titular da UFSC, Doutor em Direito pela UFSC, Mestre em Direito pela UFCear, Autor de diversas obras.

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a Repblica Federativa do Brasil seja parte. A doutrina ptria apenas recentemente comea a atribuir tratamento

sistemtico ao tema, tanto que os tribunais, embora procedam aplicao da clusula, no lhe fazem referncia.

A utilidade do preceito de vivificar o sistema de direitos fundamen-tais, permitindo o reconhecimento de outros, que as necessidades da vida social venham a exigir.

A identificao de tais direitos requer uma compreenso sistemtica da Constituio e o exame do contedo significativo do regime democrtico e dos princpios constitucionais, nestes includos os direitos enumera-dos. Com esse procedimento interpretativo, poder-se- construir novos direitos que correspondam a um sistema poltico fundado nos princpios da liberdade e da igualdade.

O direito de abortamento do feto anenceflico, a invaso de proprieda-des rurais como direito de manifestao poltica e o direito de homosse-xuais de serem considerados como em unio estvel para reconhecimento de benefcios previdencirios so estudados a partir de decises judiciais, bem como so indicados outros admitidos pelos tribunais e pela doutrina, tudo no sentido de demonstrar a importncia do preceito em questo para a concretizao do regime democrtico.

Palavras-chave: Regime democrticoDireitos fundamentais decorrentes: identificao e importncia

Abstract

The present study aims to examine the meaning and the procedure to materialize the forecast of not enumerated basic rights in the Brazilian constitutional system, from the disposal of the article fifth, paragraph second, of the Constitution, that admits them as arisen from the regimen and the constitutional principles or of the international treatises signed by the Federative Republic of Brazil.

The native doctrine only recently starts to confer systematic treatment to the subject, as much that the courts, even applying the clause, do not mention it.

The utility of the rule is to vivify the system of basic rights, permitting the recognition of others that the necessities of the social life demand.

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The identification of such rights requires a systematic understanding of the Constitution and the examination of the significant content of democratic system and constitutional principles, in these enclosed the enumerated rights. With this interpretative procedure it will be possible to construct new rights that correspond to a political system established upon the principles of freedom and equality.

The right of abortion of non viable fetus, the invasion of rural proper-ties as right of political manifestation and the right of homosexuals to be considered as in steady union for social welfare benefits are studied from judicial decisions, as well as are indicated others admitted by the courts and the doctrine, everything in the direction to demonstrate the importance of the rule for the concretion of democratic regimen.

Keywords:Democratic systemBasic rights non enumerated: identification and importance

O presente trabalho visa examinar a norma do pargrafo 2 do artigo 5 da Constituio, que autoriza a revelao de outros direitos fundamen-tais, alm dos relacionados expressa ou implicitamente no Texto Magno. Outrossim, tendo em conta que s recentemente se procura elaborar sistematicamente o assunto, busca estabelecer se esse preceito apresenta real importncia para a concretizao constitucional.

Para tanto, tratar-se- de compendiar metodologia que permita a identificao desses direitos no enumerados. A partir disso, deixando de fora os direitos decorrentes de tratados internacionais, que merecem ateno separada, sero consideradas algumas hipteses de importncia, nas quais a clusula de expanso foi utilizada em decises judiciais e legislativas e na doutrina ptria. Com esses elementos prticos e tericos, alcanar-se- o objetivo delineado de incio.

1. Direitos Fundamentais notas caracterizadoras e evoluo histrica

Nas democrticas sociedades pluralistas contemporneas, a Cons-tituio pode ser visualizada como o consenso compartilhado entre as diferentes foras e segmentos sociais, quanto ao sistema de bens e valores considerado essencial para cimentar a convivncia da comunidade. Ao

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formular o texto constitucional, o povo decide conscientemente sobre o modo de vida que deseja assumir e sobre as tradies que pretende continuar ou romper (HABERMAS, J. 1997, 131). Nele se registram as bases ticas de uma conduta de vida auto-responsvel, projetada cons-cientemente, tanto de indivduos como de coletividades (HABERMAS, J. 1997, 133). Entre tais princpios, sobrelevam os direitos fundamentais, como elementos indispensveis para a autonomia moral dos seres huma-nos e sua participao poltica. Constituem-se em limites para os diversos poderes existentes no meio social, estabelecendo vedaes atuao deles, inclusive do Estado. Traam os contornos dos espaos pertencentes aos indivduos, imunes interveno do poder e dos demais cidados. Por outro lado, indicam iniciativas e aes a serem desenvolvidas pela entidade estatal e pelos grupos e foras sociais, com a finalidade de criar um ambiente propcio fruio dos bens neles atribudos e para atender s necessidades concretas das pessoas, permitindo a estas condies de vida garantidas social, tcnica e ecologicamente.

Os cidados s se podem reconhecer como tais e, por isso, integrados em uma comunidade (SMEND, R. 1985, 231) ao terem proclamadas essas posies jurdicas e, em seqncia, pela concreta realizao das mesmas. O substrato antropolgico de tais direitos a dignidade da pessoa hu-mana, a fim de que cada um tenha a possibilidade de agir como sujeito, sem poder ser transformado em mero objeto para servir consecuo dos interesses dos outros. Nesse rumo, devem ser fixados, na Consti-tuio, os elementos capazes de permitir a cada um o prprio senhorio, com o que resultar atendida a fundamental necessidade dos homens e mulheres contemporneos de poderem desenvolver sua personalidade pelo exerccio da autonomia individual (HELLER, A. 1996, 109), com a possibilidade de viverem livres, dentro de um sistema de convivncia em condies de igualdade.

Para o exerccio de uma vida digna, alm das franquias individuais impedindo a intromisso das outras pessoas e dos poderes sociais e do Estado, na esfera prpria os indivduos necessitam tomar parte nas decises coletivas e na escolha dos ocupantes dos lugares previstos na direo das comunidades, seja o Estado ou os grupos pluralistas dispersos no que se convencionou chamar sociedade civil (HELLER, A. 1996, 101; GALTUNG, J. 1998, 221). Para que resulte conformada uma cidadania

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inclusiva, nica aceitvel em termos da atualidade, essas liberdades polticas e as de autonomia ho de ser distribudas na medida da maior igualdade possvel entre as pessoas, configurando cidados livremente iguais e igualmente livres. Com as primeiras, se assegura a participao igualitria nos processos de formao da opinio e da vontade, enquan-to pelas outras conferido o direito maior medida possvel de iguais liberdades subjetivas de ao. (HABERMAS, J. 1997, 159-60)

Na evoluo histrica dos direitos fundamentais, diversos passos foram sendo preenchidos de acordo com reivindicaes prevalecentes em cada perodo. O primeiro conjunto, o dos direitos civis, elaborado ao tempo das Revolues Americana e Francesa, serviu como bandeira na luta contra o Absolutismo e para afastar as restries feudais que dificul-tavam a atividade econmica da burguesia em ascenso (GALTUNG, J. 1998, 170). O segundo grupo enfeixa os direitos sociais, econmicos e culturais, liga-se luta do proletariado para arredar a marginalizao e a excluso a que foi submetida a classe trabalhadora, em vista dos excessos da livre iniciativa capitalista. Os da primeira dimenso postulam uma atitude de absteno do Estado, deixando um espao individual imune interveno do Poder Pblico. Os da seguinte, compendiados, de incio, nas Constituies do Mxico (1917) e de Weimar (1919), requerem uma presena ativa na esfera social de parte do Estado, que deve assumir em vrios setores a atividade econmica, no sentido de oferecer prestaes materiais para suprir carncias bsicas dos cidados. Enquanto aqueles direitos miram a garantia da liberdade e da igualdade formais, os direitos sociais buscam permitir o exerccio da liberdade real, assegurando, pelo menos, um patamar mnimo de igualdade de condies materiais.

Na segunda metade do sculo XX, surge a terceira dimenso, que compreende os direitos ao desenvolvimento, paz, ao meio ambiente equilibrado e ao patrimnio comum da humanidade. Com estes, so ultrapassadas as fronteiras estatais, pois o seu primeiro destinatrio o prprio gnero humano, sua titularidade difusa e postulam uma atitude solidria, a fraternidade entre os povos. Perante as pungentes diferen-as materiais entre os pases e a degradao ambiental causadas pela desapiedada explorao econmica dos seres humanos e da natureza (FARIAS DULCE, M.J. 1997, 10), intenta-se criar um novo plo jurdico de alforria do homem, a ser realizado universalmente (BO-

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NAVIDES, P. 1997, 523). suposta, ainda, a garantia dos direitos das futuras geraes de seres humanos, com a idia de lhes transmitir um espao fsico em condies de servir efetivamente para manuteno e desenvolvimento da vida humana.

Essas vagas de direitos confluem para compor um sistema de supri-mento das carncias bsicas das pessoas, dentro de critrios de harmonia e justia. Desde a primeira dimenso, atribuem-se tambm os direitos de participao poltica, de incio restritos aos indivduos masculinos aqui-nhoados com riqueza, estendendo-se depois, na maior medida possvel, para facultar ao povo uma condio de soberano, ao menos no momento da escolha dos governantes.

No atual milnio, pode-se falar de uma globalizao poltica, distinta da postulada pelo pensamento neoliberal, com o trnsito para uma outra dimenso de direitos, que enfeixa aqueles relativos ao pluralismo, informao e democracia direta. Os direitos expressos nas dimenses anteriores formam, na imagem de Paulo Bonavides, uma pirmide cujo pice a democracia direta, materialmente possvel graas aos avanos da tecnologia da comunicao e legitimamente sustentvel pela informa-o correta e a mxima abertura pluralista. (BONAVIDES, P. 1997, 525)

Sobreleva desse caminho que os direitos so o resultado de processos e de lutas sociais, em que, em face do surgimento de novas necessidades ou da reinterpretao de outras, se postulam posies jurdicas de vantagem, cujo critrio comum identificvel na defesa da dignidade e autonomia do ser humano e [n]a luta contra qualquer tipo de dominao ou de opresso (FARIAS DULCE, M.J. 1997, 6). Cabe ressaltar-lhes a historicidade, bem patenteada nas trs vagas antes referidas, pelas quais eles se pem em consonncia com as realidades sociais e econmicas de cada momento histrico. (SILVA, J. A. 1999, 183)

2. Positivao dos direitos

Uma Constituio democrtica se assenta sobre o compromisso po-ltico e social de cumprir ideais de vida em comum voltados a realizar a dignidade dos membros da sociedade, na qualidade de pessoas humanas. Ela se apresenta como um projeto aberto a ser realizado coletivamente, e no como algo definido e acabado. Em uma coletividade pluralista e

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multicultural, consiste em uma forma aberta atravs da qual passa a vida (HELLER, H. 1968, 296) e que, vivendo, se desenvolve.

A atual Constituio brasileira indica, desde o seu Prembulo, os pilares desse compromisso, formado com valores que exprimem os componentes espirituais de uma realidade pluricultural, cujo significado , via de regra, muito abstrato, passvel de ser preenchido com diversos contedos, em situaes concretas diferentes e cuja traduo semntica extremamente aberta, capaz de receber influxos variados, conforme as compreenses de cada corrente poltica e social participante do contrato constitucional e a evoluo das idias e da realidade. L-se no Prembulo elaborado pelos constituintes de 1988 que seu objetivo foi o de instituir um Estado Democrtico, com a misso de assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias.

Esse intento de criar uma sociedade de homens livres e iguais, sob critrios de justia, determina que os direitos necessrios para cumprir essa finalidade, como exigncias ticas voltadas proteo do ser hu-mano, sejam enumerados na Constituio. Essa positivao, com a nota de fundamentais, visa a lhes emprestar a garantia da ordem jurdica e da prpria instituio estatal, as quais, ao prover meios para a concreta realizao daqueles, se configuram como instrumentos a servio dos cidados. Desde os alvores do constitucionalismo moderno, a idia cons-titucional vem ligada proteo dos direitos, como lapidarmente expresso no artigo 16 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 26 de agosto de 1789: Qualquer sociedade em que no esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separao dos poderes, no tem Constituio. (MIRANDA, J. 1980, 59)

Por isso que, na democracia constitucional, [os direitos] so a cristalizao dos valores supremos do desenvolvimento da personali-dade humana e de sua dignidade (LOEWENSTEIN, K. 1979, 392). Pela perspectiva subjetiva, facultam aos respectivos titulares usufruir das posies jurdicas atribudas, quanto prpria vida, liberdade e igualdade, participao poltica e social e a qualquer outro aspecto

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bsico que tenha a ver com o desenvolvimento integral de sua persona-lidade, em uma comunidade de homens livres, podendo exigir o respeito dos demais, dos grupos sociais e do Estado, e com a possibilidade de pr em marcha o aparelho repressivo estatal, em caso de violao do seu direito. (PECES-BARBA, G. M. 1980, 66)

Cumpre destacar que at a primeira metade do sculo XX, no en-tanto, as normas de direitos fundamentais, principalmente as referentes aos direitos sociais, eram consideradas como possuindo menor fora jurdica do que as demais normas constitucionais, por dependerem da interposio do Legislador, para vincular os Poderes Executivo e Judi-cirio. Valorizava-se a lei, em desfavor dos preceitos constitucionais, nessa parte tidos como no exeqveis por si mesmos. Vale reproduzir o registro de Kelsen de que os direitos em si podem ser apenas os que estiverem fundamentados em Direito positivo (KELSEN, H. 1995, 259). Essa compreenso modificou-se aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, em resposta aos pesadelos dos regimes totalitrios e autorit-rios. A partir da Constituio italiana de 1947, pressuposta a eficcia jurdica de todas as normas constitucionais e a vinculao imediata, por elas, de todos os poderes do Estado e da Sociedade. Consta, por isso, no pargrafo 1 do artigo 5 da Carta de 1988, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. Agora no mais se diz que esses direitos tm eficcia em funo das leis, mas so estas que devem mover-se no mbito dos direitos fundamentais. (HBERLE, P. 1991, 264)

Por isso, atualmente, a par do prisma subjetivo, ressalta, nessa vi-ragem de compreenso, o aspecto objetivo dos direitos fundamentais, considerados com a qualidade de princpios bsicos de todo o sistema jurdico, uma vez que so parte do sistema axiolgico positivado pela Constituio e, por isso mesmo, constituem os fundamentos materiais da ordem jurdica. (FERNANDEZ SEGADO, F. 1991, 201)

Com a sua insero no texto constitucional, esses objetos ticos desvestem-se do carter axiolgico, assumem a condio normativa, com qualidade deontolgica, saem do mundo ideal para o do dever ser e ocupam a posio de princpios da ordem jurdica pretendida pela Constituio. Via de regra, os princpios constitucionais, e tambm entre eles os direitos fundamentais, so positivados em enunciados abstratos,

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vagos e indeterminados quanto s condies de sua aplicao, exigindo concretizao por parte do Legislador ou do Juiz. Por motivo de sua proximidade com os ideais antes referidos, servem como fundamentos para outras normas, isto , so normas que esto na base ou constituem a razo de outras normas jurdicas, desempenhando uma funo jus geradora. (CANOTILHO, J.J.G. 1998, 1043-5)

3. Os direitos fundamentais na Constituio de 1988

A Constituio de 1988 possui um amplo catlogo de direitos funda-mentais, constante do seu Ttulo II, denominado Dos Direitos e Garan-tias Fundamentais, sendo ali mencionados, sucessivamente, os Direitos Individuais e Coletivos (Captulo I), os Direitos Sociais (Captulo II), os Direitos de Nacionalidade (Captulo III) e os Direitos Polticos (Captulo IV). Alm destes, outros so arrolados no restante do texto constitucional. Para exemplificar, pode-se apontar o direito de acesso aos cargos pblicos (artigo 37, incisos I a V) e o direito ao meio ambiente equilibrado (artigo 225). De referir, ainda, disposies constantes do Ttulo VII (Da Ordem Econmica e Financeira) e, especialmente, do Ttulo VIII Da Ordem Social, onde se localizam contedos dos direitos sociais referidos no Captulo II do Ttulo II (art. 6). (SILVA, J. A. 1999, 175)

O Constituinte no procedeu a uma separao en