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revista do tribunal regional federal QUARTA REGIÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 1-399, 2002

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Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1 (jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

R. Mostardeiro, 48390430-001 - Porto Alegre - RS

Tiragem: 1000 exemplares

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MARGA BARTH TESSLERDesa. Federal Diretora da Escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm novembro de 2002

PLENÁRIODes. Federal Teori Albino Zavascki - Presidente

Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Vice-PresidenteDesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Corregedora-Geral

Des. Federal Fábio Bittencourt da RosaDes. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho

Des. Federal Vladimir Passos de FreitasDes. Federal Vilson Darós - Vice-Corregedor-Geral

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da Ma-gistratura

Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Des. Federal José Luiz Borges Germano da SilvaDes. Federal João Surreaux Chagas

Des. Federal Amaury Chaves de AthaydeDesa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior

Des. Federal Valdemar CapelettiDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

Des. Federal Wellington Mendes de AlmeidaDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Des. Federal Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Néfi Cordeiro

Juiz Federal Celso Kipper (convocado)Juiz Federal Álvaro Eduardo Junqueira (convocado)

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente

Des. Federal Vilson DarósDesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Des. Federal João Surreaux ChagasDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Des. Federal Dirceu de Almeida SoaresDes. Federal Wellington Mendes de Almeida

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente

Desa. Federal Marga Inge Barth TesslerDes. Federal Amaury Chaves de Athayde

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior

Des. Federal Valdemar CapelettiDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Néfi Cordeiro

Juiz Federal Celso Kipper (convocado)Juiz Federal Álvaro Eduardo Junqueira (convocado)

QUARTA SEÇÃODes. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente

Des. Federal Fábio Bittencourt da RosaDes. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho

Des. Federal Vladimir Passos de FreitasDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Des. Federal José Luiz Borges Germano da SilvaDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

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PRIMEIRA TURMADesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria - Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Wellington Mendes de Almeida

SEGUNDA TURMADes. Federal Vilson Darós - Presidente

Des. Federal João Surreaux ChagasDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

TERCEIRA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler - Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

QUARTA TURMADes. Federal Amaury Chaves de Athayde - Presidente

Des. Federal Edgard Antônio Lippmann JúniorDes. Federal Valdemar Capeletti

QUINTA TURMADes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz - PresidenteDes. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Juiz Federal Celso Kipper (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Tadaaqui Hirose - Presidente

Des. Federal Néfi CordeiroJuiz Federal Álvaro Eduardo Junqueira (convocado)

SÉTIMA TURMADes. Federal Fábio Bittencourt da Rosa - Presidente

Des. Federal Vladimir Passos de FreitasDes. Federal José Luiz Borges Germano da Silva

OITAVA TURMADes. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

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SUMÁRIO

DOUTRINA ........................................................................................13 Princípios regedores do SFH Marga Barth Tessler ................................................................15 O controle da constitucionalidade das medidas provisórias: a judicialização da política Maria Lúcia Luz Leiria ...........................................................33 Considerações acerca do parágrafo 3º do art. 515 do CPC (redação dada pela Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001) Paulo Afonso Brum Vaz ...........................................................57

DISCURSOS.......................................................................................63 Discurso em homenagem à Desembargadora Federal Tania Escobar Silvia Goraieb ..........................................................................65 Discurso em homenagem à Desembargadora Federal Virgínia Scheibe Maria Lúcia Luz Leiria ...........................................................71

ACÓRDÃOS.......................................................................................75 Direito Administrativo e Direito Civil .....................................77 Direito Penal e Direito Processual Penal ...............................137 Direito Previdenciário ............................................................227 Direito Processual Civil .........................................................279 Direito Tributário ...................................................................333

ÍNDICE NUMÉRICO .......................................................................369

ÍNDICE ANALÍTICO ......................................................................373

ÍNDICE LEGISLATIVO ..................................................................391

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DOUTRINA

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Princípios regedores do SFH1

Introdução

Este texto nasceu da necessidade de identificar os princípios que regem os contratos de financiamento efetuados pelo Sistema Financeiro da Habitação. Neste estudo, após um breve comentário sobre a questão da “visão de mundo” que interfere certamente na identificação e aplicação dos princípios e após lembrar das duas principais escolas que elaboram teorias sobre a função jurisdicional e, ainda, fazer um esquema sobre as principais teorias sobre direitos fundamentais, tentarei identificar, na Constituição Federal de 1988, princípios que possam balizar a questão do SFH. Prossigo tentando identificar princípios consagrados por construção jurisprudencial, relacionando-os aos casos concretos enfrentados pelo Judiciário. O estudo não pretende esgotar a matéria, segue na linha dos anteriormente realizados e já publicados na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (O Sistema Financeiro da Habitação na visão da Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a. 11, n. 37, p. 15-26) e nos Anais da AJUFE (Seminário SFH, 12 a 14 de setembro de 2000).

A visão de mundo

Inicio pela idéia de que toda a aplicação dos princípios para a solução

1 SEMINÁRIO. SFH, antigas e novas controvérsias. Florianópolis, 29-30 ago. 2002. Texto base para discussão pela Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, Diretora da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – EMAGIS.

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de casos concretos é necessariamente filtrada, mediada, pela visão de mundo do intérprete. Utilizo para expor a questão um gráfico que situa a “visão de mundo” pelos seus pontos extremos: a visão de mundo liberal e a visão de mundo clássica, eis o esquema proposto:2

Esquema 1: A visão do mundo

A visão “liberal” A visão “clássica”

O mundo é: um dado BRUTO O mundo é: um todo ordenado uma res extensa há a idéia de “telos” não tem sentido sentido-finalidade

O homem: tem visão antropocentrista, O homem: tem um lugar no mundo. impera o individualismo possessivo Há a idéia de pertencimento O homem não tem raízes, há visão de comunidade. virtualidades, é consumidor É a realidade do ser humano ou é cidadão. como “persona” A sociedade: a visão da sociedade é A sociedade: o homem é um animal instrumental, o homem é político, só vive em sociedade, maximizador de seus há mediação comunitária, interesses atendem-se aos interesses universalizáveis

Esquema do Prof. Dr. Luis Fernando BarzottoFundamentação Filosófica dos Direitos Humanos – Mestrado PUC/RS

Na visão liberal, em linhas gerais, o mundo é uma res extensa, não tem sentido. O homem está solto no mundo, desvinculado, desenraizado e tem os direitos como trunfos políticos,3 defesas, contra o Estado e contra todos. A sociedade existe de forma instrumental. Na visão clássica, o mundo é um todo ordenado, o homem ocupa um lugar, não necessariamente o centro, a vida tem um sentido, uma finalidade (a vida boa para todos). Os direitos têm uma dimensão social, não se podendo conceber o individualismo possessivo. A sociedade, a comunidade, não é só meio, instrumento, para maximização de seus interesses, mas adquire sentido de comunidade de destino.

As perspectivas sobre a função jurisdicional

2 BARZOTTO, Luís Fernando. Doutor em Direito pela USP. Professor do mestrado da PUCRS, esquema produzido na matéria Fundamentação Filosófica dos direitos.3 DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Barcelona : Ariel.

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Outra questão que influencia a maior ou menor dificuldade do jurista em utilizar os princípios é a filiação às escolas de tradição positivista. Podemos observar a questão pelo seguinte esquema:

Esquema 2:

Escolas de tradição jurisprudencial Escolas de tradição positivistaCommon Law

Figura central: o Juiz Figura central: o legislador

Fundamento: Razão prática Fundamento: A vontade “um sistema de normas postas por atos de vontade de seres humanos

Centralidade do caso: a ratio decidendi Centralidade da lei: A lei e só a lei! Recusa-se a aceitar ao lado do direito posto (positivo) um outro direito, seja racional, divino, natural.

Direito e moral estão unidos Direito e moral em campos separados.

Casos difíceis: não há Casos difíceis: discrição do Juiz

Expoentes: Edward Coke, Stone, Expoentes: Hobbes, Bodin, Bentham, Hart, John Rawls, Dworkin Kelsen, Ross, Bobbio Prof. Dr. Barzotto, O positivismo jurídico contemporâneo, Ed. Unisinos.

Percebe-se que, pela nossa filiação à tradição positivista, temos uma dificuldade maior em operar com princípios.4

As teorias sobre interpretação de direitos fundamentais

Avançamos, então, em direção aos princípios, não sem antes fazer uma brevíssima referência às teorias sobre interpretação dos direitos fundamentais segundo comparação feita por Ernst-Wolfgang

4 Princípio – padrão aberto de orientação – orienta decisão. Regra – padrão fechado de orientação – exige decisão. 5 BÖCKERFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre Direitos Fundamentais. Teoria e interpretação dos direitos fundamentais. Trad. Ignácio Villaverde Menendez.

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Böckerförde,5 eis o esquema:Esquema 3:Teoria Teoria Teoria Teoria Teoria do Teoria da LeiLiberal Institucional Axiológica Democrática Estado Social Fundamental

Ponto de Ponto de Ponto de Ponto de Ponto de Ponto de Partida: Partida: Partida: Partida: Partida: Partida:o indivíduo a objetividade a objetividade, função pública o ser social, apara proteção positivada é mas em e política o Homem Constituiçãocontra “o dado e processo de dos direitos enquantoameaça configurado. permanente humanos ser socialdo Estado Fixa integração com finalidade móvel

Limita a ação Orienta a Liberdade para Concedida ao Pretende Direitosdo Estado ação do realização do Homem superar o humanos Estado fim do sistema enquanto conflito entre são pré- cultural cidadão, no liberdade estatais/fim interesse jurídica e preferente público liberdade real da atuação estatal

É liberdade Liberdade fixa, Garante-se a Garante a Visão bifronte Vinculação aberta, garantia da “liberdade liberdade Os direitos social do garantia liberdade valiosa”, função, humanos têm indivíduoda liberdade institucional liberdade “liberdade duas dimensões,individual predicada, para” como dever liberdade do Estado relativizada e direito do indivíduo Colisão freqüente Condiciona direitos a recursos

Não considera Variantes Forte Princípio dao social, a moderadas componente distribuiçãocomunidade. Privilégios prestacional/ paraO Homem Pressão recursos possibilitar acomo social orçamentários realização deproprietário todos osde si direitos e o direito de todos

Opera com Vinculação qualquer do Estado de teoria direito e do Vincula princípio demo- o legislador crático que reciprocamente limitam indesejada expansão da liberdade individual (afastando individualismo possessivo)

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A questão pode ser bastante instigante na questão dos princípios, pois observando o esquema poderíamos indagar se diante dos princípios estabelecidos, já no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, seria lícito aplicarmos qualquer uma das teorias, ou teríamos obrigatoriamente de decidir os conflitos6 por uma específica teoria? Em uma primeira abordagem, podemos começar por eliminar as quatro primeiras, quais sejam: a teoria liberal, a institucional, a axiológica e a democrática, deixando para o futuro a definição entre as duas remanescentes.

Princípios constitucionais aplicáveis ao SFH7

Prosseguindo na tarefa de identificar princípios que possam balizar a questão do SFH, inicio pelos constantes na Carta de 1988. Encontramos já no preâmbulo a instituição do Estado Democrático que tem a finalidade de assegurar os direitos sociais e individuais, com desenvolvimento, igualdade e justiça.

A seguir, o artigo 1o, que elenca os fundamentos da República, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o artigo 3º, que pretende construir uma sociedade livre, justa e solidária, garante o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, bem como a promoção do bem de todos.

No artigo 6o da Constituição Federal de 1988 são elencados os direitos sociais e, entre eles, o direito à moradia.8-9 No artigo 182 está enunciada a política do desenvolvimento urbano, garantindo-se o bem-estar dos habitantes, tarefa a ser executada pela municipalidade de acordo com o plano diretor e onde se verifica que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências do plano diretor. O artigo 183

6 Resenha dos conflitos principais foi feita pelo Juiz Federal Francisco Donizete Gomes e pelo Juiz Federal Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva no encontro Sistema Financeiro da Habitação, Florianópolis, ago. 2002. 7 Uma visão histórica e prospecção sobre o futuro foi feita pelo Dr. Sérgio Luiz Veronese Jr., advogado da CEF no encontro sobre o Sistema Financeiro da Habitação, Florianópolis, ago. 2002.8 TESSLER, Marga Inge Barth. “Direito à Moradia”. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre, a. 11, n. 38, p. 143-154. 2000.9 Verificar legislação sobre Sistema Financeiro da Habitação. LABARRÈRE, Maria de Fátima Freitas. “Evolução dos sistemas de reajuste das prestações dos mútuos habitacionais no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação”. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. a. 11, n. 38, p. 177-194. 2000.

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possibilita o usucapião urbano de área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, com utilização para moradia, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

No artigo 192 vemos que o Sistema Financeiro Nacional deverá estruturar-se de modo a promover o desenvolvimento equilibrado do País. Neste aspecto, assinala-se o prestígio do desenvolvimento sustentável, no âmbito dos direitos sociais e humanos, princípio reconhecido pela Eco 92, que se aplica aos direitos sociais e econômicos. O desenvolvimento sustentável impõe mudança de paradigmas. O direito à moradia está conectado com a sustentabilidade política que lança raízes no conceito de “bem comum”, segundo Denis Goulet,10 “todos devem acreditar que o sistema político no qual vivem persegue algum bem comum e não só interesses da classe dominante”, assim, as políticas públicas que objetivam oferecer moradia são ações de sustentabilidade política.11

Princípios de extração jurisprudencial

1º) Princípio da obrigatoriedade da correção monetária no SFH, natureza social do contrato e regras de ordem pública

Passando agora à identificação de princípios extraídos de interpretações jurisprudenciais sobre o SFH, há de se mencionar a Representação nº 1.288-3/ DF12 que em tese examinou e lançou a correta interpretação para o Critério legal de reajustamento das prestações na aquisição da casa própria, no sistema SFH, examinando o artigo 5o e parágrafos da Lei nº 4.380/64, artigo 30 da Lei nº 4.864/65, com a redação que lhe deu a Lei nº 5.049/66 e o artigo 1o do Decreto-Lei nº 19/66. Estabeleceu-se ali que os contratos da espécie têm natureza social e as regras regedoras são de ordem pública e de que o Decreto-Lei nº 19/66 instituiu novo e completo critério de reajustamento das prestações da casa própria, obrigatório em todas as operações do SFH (salvo no tocante

10 GOULET, Denis. Desenvolvimento Autêntico: Fazendo-o Sustentável. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.), Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 1997. 11 Verificar sobre projeto pioneiro em Maringá/PR, envolvendo conciliações na área do Sistema Financeiro da Habitação com Empresa Engea/CEF, Juiz Federal Erivaldo Ribeiro. Experiências relatadas pelo Juiz Federal Substituto Anderson Furlan Freire da Silva, no Encontro Sistema Financeiro da Habitação, Florianópolis, ago. 2002. A conciliabilidade como princípio.12 DJ de 07.11.86. Tribunal Pleno, Relator Ministro Rafael Mayer.

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às operações com imóveis de valor inferior a setenta e cinco salários mínimos em programas sociais, nos quais o reajuste se dará com base no salário mínimo). Em face do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, estabeleceu-se que haverá correção monetária nos contratos imobiliários, vinculados ao SFH, sendo esta a cláusula protetiva do sistema.

2o) O princípio da obrigatoriedade dos contratos, ato jurídico perfeito

O Supremo Tribunal Federal, ao decidir sobre a constitucionalidade da Taxa Referencial – TR na ADIn nº 493-0/DF,13 não excluiu a TR do universo jurídico, ali apenas se decidiu que a TR não pode ser imposta em substituição ao índice estipulado no contrato anterior à Lei nº 8.177/91. Manifestou-se, então, a Suprema Corte novamente pela manutenção dos pactos – pretendia-se aplicar a TR para corrigir a prestação – e prestigiou a forma de correção estipulada no contrato. Aos contratos posteriores pode ser aplicada a TR se prevista como a fórmula de correção, ou nas correções atreladas à poupança. Reafirmado o princípio do pacta sunt servanda pelo Supremo. Nos casos em que a controvérsia gira em torno da aplicabilidade ou não da TR, é de todo necessário verificar a data do contrato e, caso a caso, o que efetivamente foi contratado.

3º) Princípios de orientação consumerista14

O terceiro julgado representativo em matéria de princípios regedores do SFH foi de lavra do Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, RE nº 85.521/PR15, que no corpo do voto alinhava os “princípios e regras”, a saber:

“a) o de que o contrato em relação à pessoa que o firmou, que dele não participou expressamente, é ato que não o prejudica e nem o beneficia;

b) o de que as cláusulas contratuais têm eficácia relativa, por só atingirem as partes

13 ADIn nº 493-0/DF, STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, julgado em 25.06.92, DJU de 04.09.92, p.14.089: “Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por categoria profissional”. (PES/CP)14 A questão da aplicação do Código do Consumidor às questões do SFH foi examinada, no evento sobre o Sistema Financeiro da Habitação, pelo Juiz Federal Diretor do Foro da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, Dr. Otávio Roberto Pamplona.15 Recurso Especial nº 85521/PR, julgado em 29.04.96.

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que afirmaram;c) o de que a autonomia da vontade, até então celebrada como fator preponderante

a refletir nos contratos, o máximo que cedeu foi para agasalhar limitações impostas pela ordem pública ou pelo dirigismo contratual mitigado;

d) o de que deve se aceitar o Estado intervir na limitação da autonomia da vontade, em razão da necessidade do contrato se constituir em instrumento capaz de produzir efeitos que sejam aceitos pela sociedade e que contribuam para fixar uma solidariedade mais intensa entre os homens, quando no trato dos seus negócios jurídicos;

e) o de que a limitação imposta à livre manifestação da vontade no contrato ‘sacrifica a amplitude dos seus princípios básicos em favor das restrições que almejam fazê-lo mais justa e humana’, in Sílvio Rodrigues, Curso de Direito Civil, pág. 24, 22a. ed., Saraiva;

f) o de que o privilégio da autonomia privada está consubstanciada na igualdade entre as partes, pelo que, quando ela é violada, cabe ao Estado intervir para recompor o equilíbrio originário do ajuste;

g) o de que o concurso de vontades constitui-se em elemento fundamental para a sua validade e elaboração;

h) o de que a obrigação só cria estabilidade se existir livre manifestação da vontade das partes;

i) o de que as cláusulas contratuais têm força de lei entre as partes, desde que não violem regra ou princípio legal posto no ordenamento jurídico;

j) o de que a validade do contrato se apóia na convenção firmada pelas partes, na licitude do objeto perseguido, na certeza da coisa negociada, na capacidade das partes e na liberdade com que foi manifestado o consentimento;

l) o de que a nulidade dos contratos, por culto ao princípio da conservação, só deve ser decretada em situações onde vícios graves e nítidos estejam presentes e que contribuam para gerar fortes distorções na substância do acordado;

m) o de que as obrigações surgidas dos contratos só se aperfeiçoam se resultarem de lei ou de fatos por ela não proibidos, de modo explícito ou implícito;

n) por fim, o de que o direito contratual está fundado em três princípios nucleares, a saber: o da autonomia da vontade; o da supremacia da ordem pública; e o da obrigatoriedade do que foi ajustado, que só pode ser deixado sem cumprimento, se ocorrer caso fortuito ou força maior”.

Do exemplar julgado, podemos extrair princípios que se aproximam da legislação consumerista, a saber: a) a posição do mutuário como aderente; b) a relatividade das cláusulas contratuais; c) a mitigação da autonomia da vontade; d) a justificação da intervenção estatal em razão da instrumentalidade de efeitos, da aceitação pela sociedade e na fixação de mais intensa solidariedade social; e) a limitação da autonomia da vontade em prol de justiça e humanidade; f) o princípio da intervenção do Estado para recompor o equilíbrio originário; g) a importância do acordo de vontades; h) a estabilidade da obrigação se verifica pela

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manifestação da vontade; i) o contrato como lei entre as partes; j) apoio do contrato na manifestação da vontade; l) a nulidade do contrato cede face ao princípio da conservação; m) as obrigações resultam da lei ou de fatos não proibidos; n) os princípios nucleares da autonomia da vontade da supremacia da ordem pública, e do pacta sunt servanda.

Nesse julgado, há a lembrança dos princípios e o propósito declarado de aplicá-los de modo a que se “sublime a finalidade social” do ajuste. São lembrados, ainda, os ditames da transparência, isto é, informação clara e correta interpretação das cláusulas para garantir o direito de habitação, de que a política nacional de habitação é atividade vinculada à lei, da vulnerabilidade do mutuário, de que a proteção do mutuário é obrigação do Estado. O Poder Judiciário estaria inserido nesta função, não devem prevalecer cláusulas incompatíveis com a boa-fé; de que o julgador nestas causas não está obrigado à legalidade estrita, que se há de fazer valer o princípio da proporcionalidade das obrigações no negócio firmado.

Fazendo um breve comentário do que se julgou no RE nº 85521-PR, tratava-se de demanda envolvendo um mutuário e o agente financeiro Banco Bradesco S/A. Da ementa constou expressa referência à vulnerabilidade do mutuário e a sua fragilidade financeira, tendo-se estabelecido, ainda, que “há de ser considerada sem eficácia e efetividade cláusula contratual que implica reajustes do saldo devedor e das prestações mensais pelos índices aplicados às cadernetas de poupança, adotando-se, conseqüentemente, a imperatividade e obrigatoriedade do Plano de Equivalência Salarial”. Segundo o relatório, o contrato teria sido firmado no ano de 1991 pelo plano PAM. O voto condutor sustenta que a moradia é um direito natural, de que a habitação configura fator preponderante de paz social. Fundamenta-se no artigo 9o do Decreto-Lei nº 2.164/84 (Plano PES/CP) para afastar a possibilidade de estabelecimento de outro plano de reajuste. O acórdão consagra, ainda, a cláusula de proibição de retrocesso, ao referir:

“Os órgãos legislativos e os entes da administração do Estado têm a obrigação legal e constitucional de seguir, em matéria de habitação um único e válido caminho: aquele que desemboca no atendimento dos justos reclamos populares por uma morada de sua exclusiva propriedade. Assim, ao legislativo não é dado o poder de colocar-se em contraste com a Constituição, criando normas desfavorecedoras ao programa de democratização da casa própria. E, uma vez iniciada a proteção através dos diplomas legais já indicados, toda a legislação subseqüente somente poderá surgir em sentido ampliativo, já que o caminho inverso implica em efetiva desproteção familiar”.

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Na parte conclusiva final, o acórdão determina que as prestações sejam calculadas de acordo com o Plano PES, especificando que devam ser considerados os aumentos aplicados aos salários ou vencimentos da categoria dos recorrentes. O voto condutor não invoca precedentes anteriores e realmente é inovador na medida em que não admite qualquer retrocesso na questão dos subsídios públicos à aquisição da casa própria, entendendo que a garantia só estaria atendida com a possibilidade de aquisição de moradia de exclusiva propriedade.16

Outro precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que repete os mesmos princípios, é o RE nº 157841-SP,17 envolvendo mutuário e o Banco Itaú S/A. Não há esclarecimentos sobre a data do mútuo, mas o acórdão recorrido (TJ/SP) determinou que os reajustes das prestações permanecessem nos moldes do contratado, isto é, vinculados à equivalência salarial, PES. O recurso especial foi improvido e não há, pelo que se observa da leitura do relatório e voto, discussão sobre o saldo devedor. São invocados os seguintes precedentes: REsp nº 85.521-PR, Rel. Ministro José Augusto Delgado; REsp nº 79.419-DF, Rel. Ministro Peçanha Martins; REsp nº 77.788-SC, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Examinando os precedentes, vemos que o REsp nº 85.521-PR é o anteriormente comentado. Já o REsp nº 79.419-DF não tem total pertinência, pois refere-se à aplicação do Plano PES/Pleno, o reajuste das prestações, e só estas, vinculadas aos aumentos salariais dos mutuários. O REsp nº 77.788-SC, pelo que se observa da ementa, tem indexação pouco específica, é bastante vago na referência ao que efetivamente ficou decidido, referindo:

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de que, na correção monetária de valores vinculados ao SFH, observa-se a equivalência salarial”.

Examinando mais um precedente envolvendo o reajuste de prestações do SFH, encontramos o REsp nº 194.932-BA, 1a Turma,18 no qual é examinada hipótese de um contrato possivelmente antigo, o acórdão não revela a data em que teria sido firmado, e, de acordo com a 16 A questão da propriedade exclusiva relacionada ao direito à moradia foi abordada pelo Juiz Federal Substituto Jurandi Borges Pinheiro, da Seção Judiciária de Santa Catarina, doutorando pela Universidade de Essex, Reino Unido.17 Relator Ministro José Delgado, julgado em 12.03.98.18 Relator Ministro Garcia Vieira, julgado em 04.05.99.

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fundamentação, resta claro que em momento algum da avença houve previsão de outro plano ou aplicação de coeficiente da poupança ou TR (fl. 5 do voto), e o acórdão, então, faz prevalecer o que ajustado fora para o reajuste das prestações: deve ser respeitado o Plano PES, eleito pelos mutuários. O fundamento legal, o artigo 5o, inc. XXXVI, da Constituição Federal de 1988, direito adquirido. Neste caso, o acórdão repousa sobre a jurisprudência pacífica do STJ e TRFs para o reajuste das prestações e está de acordo com a orientação do STF quando examinou a questão da TR, na ADIn 493.

Na ementa do acórdão aparece indexação referente ao saldo devedor, nos seguintes dizeres “Não prevalece a cláusula contratual que estabelece a atualização do saldo devedor pelo coeficiente de remuneração básica aplicável às contas vinculadas ao FGTS”. “A exemplo das prestações mensais, também, o saldo devedor há de ser reajustado pelo plano de equivalência salarial”. O acórdão é de março de 1999 e é de supor tenha ocorrido um equívoco de indexação da ementa, pois a questão do saldo devedor sequer é objeto do voto e fundamentação.

No precedente REsp nº 150.347/SE,19 a questão discutida, segundo o Relatório, é de que “para o reajuste das prestações não foi utilizada a TR e que as razões da apelação da autora enfatizaram a inconstitucionalidade da TR, matéria diversa da inicial, que pretendia a aplicação da variação do valor de mercado do imóvel. Sustenta-se a aplicação da TR aos contratos firmados antes da Lei nº 8.177/91. Esta ação foi julgada improcedente em primeiro grau, e o TRF-5ª Região prestigiou o pacta sunt servanda e afastou por inconstitucional a Lei nº 8.177/91 (ADIn nº 493/92), mandando, para o reajuste das prestações, aplicar o plano PES/CP. A CEF diz que houve alteração do pedido da inicial e que a inconstitucionalidade se refere aos contratos anteriores à edição da Lei nº 8.177/91. O Superior Tribunal de Justiça afasta as insurgências, dizendo que cabíveis seriam os declaratórios que não foram interpostos, assim, no ponto, carecia de prequestionamento o apelo. No que toca à aplicabilidade da TR “esta Corte já decidiu que o saldo devedor do financiamento e as prestações devem ser atualizadas de acordo com a equivalência salarial”, face à declaração do Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade da 19 Rel. Ministro Peçanha Martins, julgado em 17.02.2000, DJ de 10.04.2000.

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TR como fator de correção monetária. São citados como precedentes o REsp nº 194.932/BA, Relator Ministro Garcia Vieira (julg. em 04.03.99, DJU de 26.04.99) e o REsp nº 140.839-BA (julg. em 23.11.99, DJU de 21.02.2000), Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, com a seguinte ementa:

“ADMINISTRATIVO – SFH – REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES E DO SALDO DEVEDOR – PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL (PES) – INAPLICABILIDADE DA TR – ADIN 493-0/STF – VANTAGENS PESSOAIS INCORPORADAS DEFINITIVAMENTE AO SALÁRIO – INCLUSÃO NO CÁLCULO – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – RISTJ, ART. 255 E PARÁGRAFOS – SÚMULA 13/STJ – PRECEDENTES STJ.

- Nos contratos vinculados ao PES, o reajustamento das prestações deve obedecer à variação salarial dos mutuários, a fim de preservar a equação econômica-financeira do pactuado.

- As vantagens pessoais incorporadas, definitivamente, ao salário ou vencimento do mutuário, incluem-se na verificação da equivalência para fixação das parcelas.

- Declarada pelo STF a inconstitucionalidade da TR como fator de correção monetária (ADIn 493-0), o reajustamento do saldo devedor, a exemplo das prestações mensais, também deve obedecer ao Plano de Equivalência Salarial.

- Recurso conhecido e parcialmente provido.”

Nota-se que, aqui, o recurso da CEF não foi conhecido, pois o dissídio pretoriano não se encontraria configurado. No caso particular, manteve-se a decisão da 5a Região, que afastou a TR em razão da ADIn 493/1992, mantendo-se o pactuado na avença.

Por fim, em matéria de precedentes, temos o REsp nº 229.463/BA (julg. em 31.08.2000, DJU de 23.10.2000), Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3a Turma do STJ, não conheceu do Especial. O acórdão recorrido do Tribunal Regional Federal da 1a Região estabeleceu que: 1. a prova pericial constatou que as majorações das prestações foram superiores aos aumentos salariais da categoria. 2. Pretensão de diminuir o valor das prestações que não encontra respaldo na prova e 3. Saldo devedor que deve ser corrigido pelo IPC na impossibilidade de fazê-lo pela TR diante da declarada inconstitucionalidade. Em declaratórios, ainda foi esclarecido que “as vantagens pessoais, quando de caráter efetivo, integram o salário para fim de cálculo do valor da prestação”.

O especial não foi conhecido, prevalecendo o entendimento do Tribunal Federal da 1a Região, no sentido de que o saldo devedor deve

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ser corrigido de forma a possibilitar o “financiamento de novas moradias observada a função social a que se destina, e não inviabilizar de uma vez por todas o SFH” e o recurso da CEF foi só na questão do saldo devedor. A CEF, no especial, faz a distinção de que a TR só teria sido afastada nos contratos anteriores. O Superior Tribunal de Justiça afastou o argumento, pois não foi provada a anterioridade ou não do contrato.

Comentários sobre os precedentes envolvendo a correção do saldo devedor e proibição de retrocesso social20

Pelo exame dos precedentes, a partir do REsp nº 85.521-PR, Rel. Ministro José Augusto Delgado, pode-se concluir que a questão da exata dimensão, interpretação e aplicação dos princípios tão bem ali lembrados não está ainda perfeitamente sedimentada e tranqüila no âmbito do Egré-gio Superior Tribunal de Justiça. Na questão da cláusula de proteção ao sistema SFH (correção monetária do saldo devedor), não se pode afirmar que esteja consagrada a tese de vincular a correção do saldo devedor ao PES.21 Certo é que, nos contratos antigos, anteriormente a 1991, a TR é afastada quando outra modalidade haja sido contratada.

A questão da expressa referência à proibição de retrocesso social não foi reiterada em outros precedentes, pelo menos não foram localizados outros precedentes com ênfase neste aspecto.22

O princípio da sustentabilidade do SFH, a sua dimensão intergeracional foi prestigiada pelo REsp nº 229.463-BA, na medida em que manteve o acórdão do TRF-1ª Região que corrigia o saldo devedor para “não inviabilizar de uma vez por todas o SFH”. Este o mais específico julgado envolvendo a proteção do sistema SFH, no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

O princípio da socialidade, que já é consagrado pela Constituição Federal de 1988 e agora vem prestigiado pelo Código Civil,23 há de 20 Situação até agosto de 2002.21 No âmbito do TRF-4ª Região a tese é prestigiada pelo voto da Desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère. (voto vencido na 3a Turma)22 Houve um avanço no âmbito legislativo, pois a Emenda nº 26, de 14.02.2000, incluiu, entre os direitos sociais, direito à moradia.23 A questão do novo Código Civil e seus possíveis reflexos foi examinada no evento SFH pelo Juiz Federal Substituto Gilson Jacobsen da 2a Vara Federal de Florianópolis.24 O paradigma antigo é de que no SFH a prestação acaba por reduzir-se à insignificância, e a dívida não se paga, é absorvida pelo FCVS.25 REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto do Código Civil. RT. a. 87, v. 72, p. 22-30, jun. 1998.

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ser lembrado como princípio importantíssimo a exigir uma mudança de paradigma,24 uma mudança comportamental em relação ao acesso aos fundos sociais e públicos, pois estes constituem patrimônio social coletivo. A propósito do princípio da socialidade, o professor Miguel Reale25 diz que no contrato o princípio da socialidade faz prevalecer os valores coletivos sobre os individuais sem perda do valor fundante da pessoa humana.

A questão da responsabilidade civil do agente financeiro por vícios construtivos: em princípio a centralidade do caso. Necessária distinção entre o agente privado e o agente financeiro público.

Ainda na questão dos princípios e agora na dimensão da responsabilidade civil26 é importante destacar o precedente firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 51.169-RS. Há rica fundamentação do Relator, transparência dos detalhes e conta com voto vencido que se detém no aspecto do ente público alocador de recursos, questão que não se apresentava no precedente julgado.

No precedente em estudo, a questão envolvia os mutuários que propuseram a ação contra a empresa privada de engenharia e seus diretores e ainda contra o agente financeiro Habitasul Crédito Imobiliário S.A., agente financeiro privado. Pediam a condenação aos reparos necessários, ajustando o loteamento aos termos do memorial descritivo. Pedia-se, ainda, a infra-estrutura do loteamento. Procedente em primeiro grau, confirmada a sentença pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,27 que lançou mais fundamentos em prol da tese defendida, tendo o agente financeiro interposto o Recurso Especial, procurando fracionar o negócio, separando os atos construtivos do financiamento para eximir-se daqueles. O Ministro Relator,28 embora reconheça que em princípio os elementos estruturais dos contratos permitam a sua decomposição, no caso concreto, tal não seria possível, pois as operações básicas de

26 O tema da responsabilidade do agente financeiro foi examinado pelo Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, Juiz Diretor do Foro de Curitiba-PR.27 Relator Desembargador Araken de Assis.28 Ministro Ari Pargendler.29 Art. 896. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.Parágrafo único. Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um devedor, mais de um credor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda.

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construção e de financiamento perderam a sua autonomia e se fundiram em um tipo novo: “o negócio de aquisição da casa própria”. O contrato foi examinado, constatando-se ser um contrato misto, único, infracionável. A responsabilidade solidária do agente financeiro decorreria do artigo 896 do Código Civil,29 com ênfase na questão da “vontade das partes”, verificando-se que o agente financiador controlava o financiamento desde o início, fiscalizando o curso da obra e cobrando comissão. Na época do empreendimento, estava em vigor a Resolução nº 31/68 BNH, que não obrigava o agente financeiro a fiscalizar a qualidade dos materiais. Houve a superação da aludida resolução, fazendo prevalecer a Lei nº 4.380/64, que não poderia ser alterada por resolução do BNH.

A solidariedade do agente financeiro privado decorreria do próprio negócio, sendo trazido precedente do Tribunal Regional Federal da 4a Região (Embargos Infringentes nº 89.04.06962-9/RS).30-31-32

No precedente que foi sustentado no artigo julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, antes referido, o Eminente Ministro, alterando o seu pensamento anterior, concluiu que “o comprometimento dos agentes financeiros induzirá o financiamento só de unidades residenciais sólidas e seguras, coibindo a realidade de construções malfeitas que fazem evaporar as garantias hipotecárias (...)”.

O voto condutor ainda esclarece sobre outras controvérsias, qual seja, o prazo de cinco anos invocando o precedente do extinto Tribunal Federal de Recursos nº 584044887, julgado em 07.05.85, Ministro Athos Carneiro, no sentido de que o prazo do artigo 1.245 do Código Civil é de garantia e não de prescrição.

O Ministro Ari Pargendler lembra ainda do precedente do RJSTJ 3/23/402, REsp nº 8.489,33 onde também se decidiu que os cinco anos 30 EIAC nº 89.04.06962-9/RS, TRF-4ª Região, Turmas Reunidas, julg. em 17.10.90, DJU de 05.12.90, p. 29420.31 O precedente limitou-se a manter a CEF no pólo passivo, reconhecendo a maioria que no decorrer da instrução a parte deveria comprovar a responsabilidade (modalidade subjetiva por culpa).32 Neste precedente, RTRF-4ª Região, n. 6, p. 32. O Eminente Ministro Ari Pargendler, então Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ficou vencido. “Por isso não tem sentido que, sem haver aproveitado os lucros decorrentes da construção, a Embargante deva responder pelos eventuais defeitos desta”.33 REsp nº 8.489/RJ, STJ, Relator Ministro Waldemar Zveiter, julg. em 29.04.91, DJU de 24.06.91, partes: CBPI – Cia. Brasileira de Participações e Investimento x Condomínio Edifício Flamboyant.34 Caso paradigma. Edifício Palace I e III, no Rio de Janeiro.

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35 Acredito que se tenha que fazer outra distinção, qual seja, verificar se efetivamente houve o financiamento à construção, ou se houve só o financiamento ao adquirente.

são de garantia da obrigação do construtor, mas o adquirente tem vinte anos (prazo de prescrição comum) para propor a ação de ressarcimento. Salienta que não é necessária a ruína da obra,34 mas abrange danos por infiltrações, quedas de blocos de revestimento, etc., dando-se hoje mais elasticidade à responsabilidade do empreendedor.

No julgamento que ora comentamos, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista tão-somente para examinar a questão da responsabilidade civil do agente financeiro. Constatou o Ministro que o réu agente financeiro não era simples cessionário do crédito da construtora, que controlava a obra desde o seu início. Supera, ainda, a teoria civilista (Pothier, no conceito de solidariedade: “é preciso que cada um se tenha obrigado tão totalmente à prestação da coisa, como só ele tivesse contraído a obrigação”) a questão do nexo causal, que é elemento da teoria objetiva do risco. Distingue os empreendimentos financiados pela carteira hipotecária, aos quais não se aplicaria a tese.35 Invoca o artigo 8o da Lei nº 4.380/64 para dizer que no caso a solidariedade não é presumida ou jurisprudencial, mas decorre do negócio como um todo, participando o agente financeiro com uma função diversa. Salienta que, no caso concreto, entendimento diverso seria oportunizar todo o tipo de manobra financeira, passando ao largo a responsabilidade fiscalizadora do agente financeiro que “em tais casos” não tem função apenas de repasse.

O Ministro Nilson Naves também pediu vista, lembrando de outros precedentes: o REsp nº 21.786, de 03.08.92, Ministro Dias Trindade; e o REsp nº 85.886, de 22.06.98, Ministro Peçanha Martins, e um de sua Relatoria, o REsp nº 67.177/RS, acompanhando o Relator.

Por fim, o Ministro Eduardo Ribeiro divergiu, dizendo que o agente não assumiu responsabilidade perante os mutuários pela boa execução da obra, ressalvando questão que reputo de máxima importância, qual seja: a figura dos entes públicos que alocam recursos ao empresariado. Pelo que se percebe, tal situação deveria merecer atenção ou tratamento especial.

Comentários no REsp nº 51.169-RS:

Sem dúvida, a questão do ente público, hoje a CEF, deve ser vista

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caso a caso. Seria possível dizer que o ente público se “associou tão completamente com o construtor” que responderia pelos vícios construtivos? Se tal ocorresse, por hipótese e para argumentar, não seria caso de improbidade administrativa? Como imaginar que o ente público financiador “dirigisse o negócio desde o início do empreendimento?” É difícil figurar um caso concreto, envolvendo o gestor público e o necessário “acordo de vontades” do artigo 896 do Código Civil. Há necessidade de distinguir se houve financiamento ao construtor ou se o financiamento se deu diretamente ao mutuário.

Lembre-se, por outro lado, que o Supremo Tribunal Federal, tratando-se de responsabilidade civil por atos omissivos dos agentes públicos, não aplica a teoria de responsabilidade objetiva ou do risco, mas, sim, a teoria subjetiva da falta de serviço. Isto é, exige a prova da culpa do ente fiscalizador. Por outro lado, é sempre invocável a questão do nexo causal.

Finalmente, na questão da responsabilidade civil do agente financeiro, a aplicar-se a tese vitoriosa no REsp nº 51.169, todas estas demandas serão de competência da Justiça Federal. A Caixa Econômica Federal é o órgão gestor da política habitacional federal, as construções são financiadas com recursos de fundos públicos federais. Em princípio, na esteira do voto do Ministro Ari Pargendler, deve haver uma investigação no sentido de verificar se o financiador e o construtor estão vinculados a tal ponto que o financiador controla o negócio como um todo. A ponderação do voto vencido, Ministro Eduardo Ribeiro, é de ser observada, pois tratando-se de agentes públicos que se responsabilizam apenas pelo formal andamento da obra, há de se verificar as circunstâncias caso a caso com dilação probatória. Como em outras áreas da atividade privada, a fiscalização pode ser, e na maior parte das vezes o é, também iludida

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O controle da constitucionalidade das medidas provisórias: a judicialização da política

Maria Lúcia Luz Leiria*

Sumário: 1. STF- Jurisdição constitucional concentrada no exame das ações constitucionais elencadas na Constituição Federal. 2. A medida provisória suprindo o espaço do Legislativo- exercício da função legisladora do Estado. 3. Medidas provisórias e a disciplina jurídica constante da Emenda Constitucional nº 32/2001Considerações finais.Referências bibliográficas.

Resumo

Para a jurisdição constitucional, no Brasil, o STF tem papel de destaque, uma vez que detém o poder-dever de controle da constitucionalidade de qualquer texto normativo ou sua omissão, qualquer que seja o agente infrator. Detém o monopólio do controle concentrado e abstrato, por força das ações constitucionais discriminadas no art. 103 da Constituição Federal, e mais o controle difuso e concreto, como qualquer outro órgão do Judiciário, no exame dos recursos extraordinários ou ordinários e demais ações de sua competência.

*Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Doutoranda em Direito na Universidade Federal do Vale do Rio dos Sinos. Trabalho apresentado na disciplina de Jurisdição Constitucional, Prof. Anderson Cavalcante Lobato.

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A exemplo de outras Cortes Constitucionais, sua legitimação vem expressa na forma e modo que se insere dentro do Estado como um de seus Poderes. Seu controle é judicial e repressivo, já que inexiste, dentro da competência judicial, o controle preventivo da constitucionalidade, como acontece na Corte Constitucional Francesa.

Entretanto, esta judicialidade de decisão impregna o espaço político na medida em que pode e deve dizer a “última palavra”, a decisão final nos casos em que o Executivo e o Legislativo no exercício de sua função expressam-se em atos, possivelmente, contrários ao texto constitucional.

Neste espaço, busca-se traçar exatamente esta atribuição e dever-poder do STF, que provocado ao exame da constitucionalidade das Medidas Provisórias, supre ou substitui as decisões políticas, tanto nas políticas públicas do Governo – aqui entendido como Executivo e o Legislativo, bem como no que diz com a concretização dos direitos fundamentais, aqueles que foram elevados a esta categoria, porque inscritos na Constituição.

E mais: traça-se em rápida abordagem, a análise da Emenda Constitucional nº 32/2001 e seus efeitos na disciplina das medidas provisórias vigentes na época da publicação, bem como reflexos imediatos da referida Emenda, no campo das finanças públicas e do Processo Civil.

1. STF - Jurisdição constitucional concentrada no exame das ações constitucionais elencadas na Constituição Federal

Nos termos do art. 102, I, da Constituição Federal, detém o STF o monopólio do controle de constitucionalidade concentrada, tipo de controle repressivo e jurisdicional.

Cappelleti, adotando o critério que denomina como “subjetivo” ou “orgânico”, aponta dois grandes tipos de sistemas de controle judiciário da legitimidade constitucional da lei:

a) o “sistema difuso” configura-se como aquele em que o poder de controle é deferido a todos os órgãos judiciários, de um dado ordenamento jurídico, que o resolve incidentalmente, por ocasião da decisão de causa, sob sua competência;

b) “sistema concentrado” ocorre quando o poder de controle está 1 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984,p. 172.

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reunido em apenas um órgão judiciário.1

Gomes Canotilho, tomando os caminhos percorridos por Cappelletti, consagra tipologia que de certa maneira atende muitos dos sistemas encontrados:

“a) Quanto aos sujeitos:a-a) Controle político;a-b) Controle jurisdicional;1.Sistema difuso ou americano;2. Sistema concentrado ou austríaco.

b) Quanto ao modo de impugnação;1. Controle por via incidental;2. Controle por via principal.

c) Quanto aos efeitos da decisão:1. Efeitos gerais e efeitos particulares;2. Efeitos retroativos e efeitos prospectivos.

d) Quanto à natureza da decisão de inconstitucionalidade:1. Controle declarativo;2. Controle constitutivo.” 2

O controle repressivo de constitucionalidade das leis e dos atos normativos é exercido pela via jurisdicional. Segundo Vicente Grecco Filho, o Judiciário é o verdadeiro guardião da Constituição. Desta forma, o controle repressivo pode ser pela via difusa, também conhecida como indireta, de exceção, de defesa ou de forma incidental, que consiste em argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal no curso de qualquer processo judicial. O outro tipo de controle repressivo é o concentrado, também denominado direto ou de ação, que consiste em uma ação destinada à declaração de inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo e só é deferido a uma corte especial.3

Alexandre de Moraes aponta duas exceções previstas na Constituição Federal em que o controle de constitucionalidade repressivo será exercido pela função Legislativa e não pela Judiciária: a primeira, prevista no art. 49, V, da CF, prescreve que compete ao Congresso Nacional “sustar os 2 Idem, p. 172.3 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Aspectos básicos do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos e breve análise da Lei 9.868, de 10.11.99, e da Lei 9.882, de 03.12.99. RT/Fascículos Cíveis. São Paulo: RT, 788: 79, junho 2001.

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atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”; a segunda diz respeito à medida provisória, que poderá ser editada, com força de lei, pelo Presidente da República, em caso de relevância e urgência, devendo ser submetida de imediato ao Congresso Nacional. Caso a medida provisória não seja convertida em lei no prazo de trinta dias, perderá eficácia, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes.4

A medida provisória, uma vez editada, terá força de lei e está prevista na Constituição Federal como espécie normativa (art. 59, V, CF); desta forma, uma vez rejeitada pelo Congresso Nacional, com base em inconstitucionalidade, o Legislativo estará exercendo o controle de constitucionalidade repressivo, ao tirar uma norma do ordenamento jurídico.5

As transformações ocorridas, no que concerne ao conteúdo dos direitos humanos, deram-lhe maior amplitude no que se refere à tutela das liberdades formais, consagradas pelo liberalismo, para atingir os aspectos econômicos e sociais. A repercussão dessas proclamações atingiu o nível internacional, tendo grande importância o estudo comparativo da jurisprudência da Corte de Justiça das Comunidades Européias e da Corte Européia de Direitos do Homem.

A jurisdição constitucional da liberdade é um dos pontos essenciais na efetivação dos direitos humanos. Convém dar destaque aos trabalhos de Fix-Zamudio a respeito dos instrumentos processuais internos para a proteção dos direitos humanos. Ao mostrar que em nossa época ocorre crescente preocupação quanto aos direitos humanos, salienta, também, que são eles constantemente pisoteados pelos regimes autoritários ou em contendas internacionais. Após minucioso e relevante levantamento comparativo da proteção dos direitos humanos, estabelece, entre outras conclusões, a seguinte:

“Se advierte, por tanto, en los ordenamientos constitucionales de Europa continental, un desarollo paulatino, vigoroso y firme, de la tutela procesal de los derechos fundamentales consagrados constitucionalmente, que por su importancia está transcendiendo a otros ordenamientos, inclusive de países socialistas y latinoamericanos,

4 Idem, p. 79.5 Idem, p. 79.6 Apud BARACHO, op.cit., p. 187-188.

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por lo que el análisis de la evolución de la doctrina, legislación y jurisprudencia de estos ordenamientos es indispensable, no sólo para tener una visión panorámica de la tuela de los derechos fundamentales en los ordenamientos de nuestra época, sino también y esencialmente, para comprender y reforzar dicha protección, que tanto lo require, tanto en Latinoamérica, como en nuestro país.”6

É a justiça constitucional que deve proteger os direitos fundamentais e a manutenção do Estado de Direito.

A hipertrofia do Executivo em função da utilização ilimitada de medidas provisórias culminou na aprovação da EC nº 32, que buscou , de certa forma, delinear mais precisamente os contornos deste instituto, aliás, ensejando, se efetivamente obedecido, um controle preventivo mediante parecer do Legislativo antes da votação da medida provisória. De um lado, o STF já decidiu, em diversas ocasiões, que os requisitos de relevância e urgência para edição de medida provisória são questões de índole política, sujeitas, portanto, à apreciação discricionária do Chefe do Poder Executivo, bem como do Poder Legislativo, não cabendo, salvo os casos de excesso de poder, seu exame pelo Poder Judiciário: ADIMC 162/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.09.97, p.45.525; ADIMC 2150/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28.04.2000, p.71; ADI 1647/PA, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 26.03.99, p.1.

De outro lado, em que pese o dispositivo que veda a edição de medida provisória quando há aprovação de lei pelo Congresso Nacional, isto não foi impeditivo de que o Executivo editasse a Medida Provisória nº 22, de 08.01.2002, sobre a correção da tabela de imposto de renda.

Aí, mais uma vez a necessária incursão do STF em matéria de políticas tributárias, como único órgão capaz de determinar a atuação do Executivo dentro dos limites da Constituição Federal.

Por isso, a grande importância e o lugar de destaque da nossa Corte Suprema, que, além de guardiã da Constituição e com fundamento nesta atribuição, é também a máxima protetora de direitos fundamentais.

Assim, o desempenho do STF, ao longo de sua existência na história da República, é redobrado a partir da consciência de que no Estado Democrático de Direito, a jurisdição constitucional concentrada é forma, meio e objeto não só da permanência da integridade do próprio Estado de Direito, mas também a condição de possibilidade da concretização de direitos humanos erigidos a direitos fundamentais pela Constituição Federal.

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É sob essa ótica que o estudo das decisões do STF, em matéria de constitucionalidade das medidas provisórias, torna-se sobremaneira importante, porque vai delineando os limites de atuação do Executivo nos casos de permissão de elaboração das Medidas Provisórias. Ou seja, é da essência da tripartição dos poderes e da própria manutenção dos poderes da República este controle judicial da excepcionalidade em legislar pelo Executivo.

Por isso, a relevância da jurisdição constitucional do STF no exame das ações constitucionais, cujos efeitos se estendem erga omnes. Este, sem dúvida, o ponto fundamental de manutenção do próprio Estado Democrático que, “por ser Estado de Direito, está fundado no direito positivado na Constituição, o que determina, em suma, as atribuições, a organização, os poderes, as garantias para a vida da sociedade organizada, tecendo seus princípios e objetivos e mantendo sempre mecanismos de controle dos atos de seus agentes e para a manutenção do próprio Estado de Direito.”7

Havendo, pois, nesta jurisdição, a necessidade de demonstração da exteriorização do convencimento que é feito a partir e conforme uma interpretação que é, sem dúvida, um ato científico e não simples ato de vontade, porque se só ato de vontade cai-se na arbitrariedade de um poder. É científico porque a interpretação vem antes do silogismo de uma decisão dedutiva, ela dá sentido ao que é interpretado, ela determina o sentido do postulado e isto porque detém tal poder que é decorrente de sua própria essência.

Daí que, na presença do controle de constitucionalidade, torna-se mais fácil a defesa da supremacia constitucional e do órgão que detém o poder de dizer o que é ou não constitucional.

Quanto à interpretação do texto constitucional, Peter Haberle tece comentários dispondo que:8

“Assim como o processo de interpretação constitucional se afigura disciplinado e disciplinador pela utilização de métodos ‘jurídicos’, assim também se afiguram variados e difusos os eventos que precedem a esse processo: relativamente racionais se afiguram os processos legislativos, desde que se trate de interpretação da Constituição. E isto se

7 LEIRIA, Maria Lúcia Luz. Direito previdenciário e Estado Democrático de Direito: uma (re)discussão à luz da hermenêutica. Porto Alegre: Advogado, 2001, p.103.8 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional - A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p.43.

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dá freqüentemente; também a Administração enquanto Administração ‘interpretativa’ do bem-estar (interpretierende (Gemeinwohl-) Verwaltung) opera de forma racional; outras formas de atuação estatal devem ser consideradas. A forma de participação da opinião pública está longe de ser organizada ou disciplinada. Aqui reside uma parte da garantia de sua abertura e espontaneidade.”

Já Michel Troper, analisando a supremacia constitucional, tece uma distinção nos sistemas jurídicos onde há o controle e naqueles que inexiste tal controle, concluindo que sempre se constata a efetiva supremacia constitucional se pensarmos em manutenção do próprio sistema jurídico. Esta a síntese de sua teoria, ou seja, diz o doutrinador que os autores, ao buscarem tratar o problema da interpretação em Direito Constitucional, constataram que não tinham antecessores. As obras que tratam da teoria geral do direito ou que as ligam a outras disciplinas jurídicas, lhe dão um lugar importante, mas os tratados de Direito Constitucional não lhe dão grande importância.

Não há grande desenvolvimento no processo interpretativo como é regulado pelo sistema constitucional. Os autores falham ao constatar que certas autoridades – particularmente nas jurisdições constitucionais – têm o poder de interpretar a Constituição escrita, seja para fornecer as diretrizes da interpretação para estas autoridades, seja para que elas mesmas proponham interpretação de tal Constituição ou de tal dispositivo constitucional. Esta atitude é explicável, primeiro porque as constituições escritas raramente têm dispositivos correspondentes à sua interpretação, e que os grandes princípios da filosofia política – soberania, representação, separação dos Poderes, etc. –, que fizeram os grandes debates das Assembléias constituintes, não contêm uma teoria da interpretação jurídica. Mas a razão essencial está na natureza e no objeto da interpretação concebida como atividade principalmente associada à jurisdição.

Se interpretar é determinar o sentido, parece, para a maioria dos autores, que só ocorre quando o sentido não está claro ou quando o mesmo é contestado, que pode ocorrer a interpretação.9

A interpretação é analisada como uma parte da função de aplicação contenciosa das leis, isto é, os juristas discutem, essencialmente, os limites e os modos de exercício de uma competência que consideram

9 TROPER, Michel. Pour une théorie juridique de l’Etat. Paris: Presses Universitaires de France, p.294.

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submetida à lei e às quais chegam a descrever os métodos próprios para garantir o caráter de fonte secundária do direito da jurisprudência.

Esta problemática pode ser transposta para o Direito Constitucional, segundo o sistema constitucional considerado. Quando há uma jurisdição constitucional, é fácil constatar que ela tem o poder de interpretar a Constituição, examina-se os métodos de interpretação que foram empregados e formula recomendações.

Mas muitas Constituições não têm esta jurisdição, e os conflitos que não podem ser resolvidos por nenhuma jurisdição os autores devem resolvê-lo, ou ignorando o problema, ou resolvendo em cada caso concreto ou enunciando os princípios gerais de interpretação.

Do silêncio ou da escolha das questões, flui uma tríplice crítica:

1. quando se associa a interpretação à atividade jurisdicional, desconhece-se que toda aplicação, mesmo não contenciosa de um texto, implica a interpretação do precedente do texto. Ora, a doutrina não propõe nenhuma teoria deste tipo de interpretação, que pode ser praeter legem – interpretação pela vontade geral comum dos Poderes públicos.

2. a interpretação é um ato científico e não um ato de vontade – só uma proposição científica pode ser verdadeira ou falsa, mas o produto de um ato de vontade não é falso ou verdadeiro, mas eficaz ou ineficaz, válido ou inválido.

Por isso, pretender que uma interpretação seja “exata” ou “verdadeira” é dizer que é um ato de conhecimento, o que não é aceitável, porque o órgão encarregado de aplicar um texto deve, a priori, determinar o sentido do texto. Isto é, a norma que o texto contém antes de colocar uma norma de grau inferior.

A interpretação é anterior ao silogismo de uma decisão dedutiva. Todo texto contém um grau de indeterminação e tem inúmeros sentidos, entre os quais o órgão de interpretação deve escolher um, e é esta escolha que consiste na interpretação.10

Trata-se de um ato livre cuja validade do resultado depende somente da qualidade do autor. É a interpretação dita autêntica.

Quando a interpretação de um texto é enunciada por um órgão

10 Idem, p. 295.

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competente, ela se torna autêntica qualquer que seja seu conteúdo, e a aplicação do texto por este órgão é válida.

Por fim, a doutrina funda-se sobre o postulado da supremacia da Constituição escrita e geralmente da hierarquia das normas e procura as conseqüências que podem influir no fenômeno da interpretação, ou seja, o uso desta hierarquia. Parte-se sempre de várias questões.

Como é conveniente interpretar a Constituição para que se preserve a hierarquia das normas?

Para quem se deve dar o poder de interpretar?As Constituições escritas, direta ou indiretamente, afirmam a sua

supremacia, seja pela instituição de procedimentos especiais de revisão, mas isto não é suficiente. Ao admitir-se que a interpretação é uma fase essencial na emissão das normas, é necessário concluir que o estudo da interpretação comanda o da hierarquia das leis e não o contrário.

Deve-se, assim, concluir-se que, na ausência de um controle de constitucionalidade, os poderes públicos interpretam, livremente, a Constituição e que ela não é superior às demais normas, enquanto que, quando a Constituição organiza e institui um controle, ela garante a sua própria rigidez e a sua própria supremacia.11

Tem-se, pois, na visão de Tropper, uma divisão no estudo dos sistemas:

1- interpretação na ausência de controle de constitucionalidade;2- interpretação quando há controle de constitucionalidade.

Na ausência deste controle, como se pode falar em hierarquia de leis e atos e quais as conseqüências da inconformidade destes atos ditos infraconstitucionais com a Constituição escrita?

Tais hipóteses existem tanto nos sistemas onde há uma justiça constitucional como nos que inexiste. A situação paradoxal em que atos administrativos não podem ser anulados por falta de controle de constitucionalidade permite que tais atos gerem efeitos que fundamentam a validade de normas inferiores, o que não pode ser ignorado pela teoria jurídica. Todas as respostas não serão satisfatórias se não estiveram fundadas sobre uma teoria da interpretação.12

11 Idem, p. 296.12 Idem, p. 297.

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Todas as análises clássicas estão fincadas na superioridade das normas constitucionais, o que se deduz do procedimento distinto de revisão dos demais textos legais, que tem na Constituição o fundamento de sua validade.

A argumentação presente no famoso caso Marbury vs. Madison, de que, sem o controle de constitucionalidade, a lei pode derrogar a Constituição, que perde assim o seu caráter de regra obrigatória, parece infalível, mas, mesmo na ausência de controle, pode-se ver esta hierarquia.

O fenômeno de uma norma contrária à Constituição e, portanto, válida, é explicado por Kelsen segundo a validade que provém do próprio órgão legislador, havendo, pois, a validade objetiva da norma.

Tanto a tese de lei formal, porque é ditada pelo órgão competente, quanto a tese da alternatividade da escolha entre as interpretações da lei são inaceitáveis, porque as duas procedem de um mesmo erro – elas tendem a manter a idéia da hierarquia dos atos, uma negando a validade do ato inferior contrário ao ato superior, e a outra supondo que o ato superior tem um conteúdo variável de tal forma que qualquer que seja o ato inferior, lhe é sempre conforme.

É necessário, pois, tentar um caminho científico, examinando não as conseqüências da gradação sobre o conteúdo ou a validade deste ou daquele ato, mas, ao contrário, as conseqüências da validade das normas inconstitucionais sobre a hierarquia dos atos. A teoria da interpretação é a única que permite tratar deste problema de forma satisfatória.

Raymond Carré de Malberg parece ter sido o primeiro a apelar a uma teoria da interpretação a propósito do problema da supralegalidade constitucional.

Tratando da III República Francesa, Malberg destacava a dupla competência do Parlamento (que tem o poder legislativo e constituinte), que pode determinar o procedimento de revisão. Assim, se vota uma lei, ela é constitucional, e este é o único poder de dizer do valor jurídico, porque se entende contrário à Constituição ou revisa a Constituição ou entende que não é contrário e vota a lei ordinária.

Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, escreve que só o órgão legislativo tem o poder de decidir se a lei que adota é constitucional, 13 Idem, p. 304.

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mas, a seguir, ele deixa esta análise, quando afirma que as disposições constitucionais autorizam a adoção de leis que lhe serão contrárias. Assim, a teoria da interpretação tem apenas um papel secundário na obra de Kelsen. Ela figura apenas como um apêndice e não tem nenhuma incidência sobre o tratamento de outros problemas, devendo-se medir “as conseqüências últimas da concepção kelseniana da interpretação sobre a teoria da gradação”.13

Na concepção de Kelsen sobre a teoria da hierarquia, na hipótese em que não há controle de constitucionalidade, os órgãos de aplicação da Constituição interpretam no momento da edição de todo e qualquer ato de sua competência, e esta interpretação sempre tem um caráter autêntico (no sentido kelseniano, isto é, ela é a única a qual a ordem jurídica aceita conseqüências, notadamente quando só pode o órgão de aplicação interpretar as normas inferiores).

A interpretação autêntica é, pois, uma operação de criação do direito, “não somente na medida em que é um momento do processo de criação de uma norma inferior, mas também – e mesmo sobretudo – enquanto ela é determinação, criação ou ‘recriação’ da norma superior”.14

Dizer que um texto pode ter “vários sentidos” é dizer que ele pode conter várias normas, dentre as quais o aplicador vai escolher. Antes desta escolha, não há norma para aplicarmos: somente um texto.

Segundo Ascarelli, “fora da interpretação, não há norma; há um simples texto e é em função deste texto que, com o procedimento de interpretação, será fixada a norma ao fim aplicada”.15

Esta escolha é uma operação de vontade, é a manifestação do livre arbítrio do aplicador.

Por isso, apenas por uma ficção, que se pode falar de uma superioridade da Constituição sobre os atos pela qual ela é aplicada.

O problema colocado – da conciliação da hierarquia das normas com a existência de atos válidos e contrários à Constituição – pode ser resolvido de maneira mais simples: não há hierarquia e não há atos contrários à Constituição.

Esta análise pode suscitar uma objeção: os órgãos aplicadores precisariam de uma vontade exterior para criá-los. É, pois, precisamente 14 Idem, p. 304.15 Idem, p. 304.

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a interpretação feita pelos órgãos aplicadores se há ou não violação à Constituição.

A Constituição aparece, então, como um conjunto de disposições que tem a significação subjetiva das normas. A palavra Constituição deve ser tomada, em seu sentido primário, como sendo uma organização, um sistema de órgãos. O exercício de uma vontade de um órgão é limitado pelos outros – competência.

Analisando-se sob a ótica da teoria da interpretação os poderes do órgão de controle de constitucionalidade, constata-se que a Constituição é um sistema de órgãos que tem a competência de determinar a sua própria competência.

O problema do poder do órgão de controle da constitucionalidade é questão tão antiga quanto a idéia de um controle.

Vê-se em Kelsen que o controle é órgão legislativo parcial – caso dos EUA, há o controle judicial. A interpretação é sempre abstrata, mesmo no caso do controle em concreto.

Já em Maurice Hauriou,16 há uma série de princípios que formam uma legitimidade constitucional colocados por sobre a Constituição e aos quais a Constituição deve se conformar. Esta tese está impregnada de ideologia jusnaturalista, principalmente porque faz do respeito aos princípios metajurídicos a condição de validade das normas positivas.

A partir desta teoria, interpreta-se os textos constitucionais à luz dos princípios chamados de “direito natural”, princípios fundamentais da República ou espírito da Constituição, que são colocados pelos próprios intérpretes.

Destas análises, conclui-se que: 1. O juiz é legislador; 2. O juiz é constituinte; 3. O juiz dá os princípios supraconstitucionais.

Tais diferentes análises são contraditórias só na aparência.A partir da análise feita por Tropper, convence-se ele pela existência

de dois silogismos. O primeiro tem por premissa maior uma norma constitucional, por premissa menor, a lei em litígio, e por conclusão a decisão de anular ou validar esta lei. Com esta conclusão, o juiz, verdadeiramente, é legislador. Mas a norma constitucional também foi determinada pelo juiz ao final da interpretação e ela mesma é, pois,

16 Idem, p. 309.

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o produto implícito ou explícito de um silogismo, onde a premissa maior é, por vezes, um método de interpretação, outras, um princípio supraconstitucional. Neste caso, o julgador escolhe livremente a premissa maior e é aí que reside o caráter voluntário da interpretação. Por isso, o julgador sempre cria uma norma a partir da interpretação que dá.

Assim, o Conselho de Estado francês, quando anula um regulamento da Administração Pública, porque contrário à lei, interpreta a lei, e esta interpretação é feita a partir de princípios supralegais, constitucionais.

O juiz constitucional cria, pois, normas de vários níveis, mas também não está ligado a nenhuma destas normas. Assim, o juiz da constitucionalidade das leis é legislador e constituinte, de tal forma que em um sistema em que não há tal controle de constitucionalidade, os órgãos qualificados do legislativo pela Constituição são, ao mesmo tempo, constituintes.

O citado caso Marbury vs. Madison é exemplo do juiz constitucional que, interpretando os textos constitucionais, determina sua própria competência. Na realidade, foi por sua qualidade de órgão supremo, que a Suprema Corte Americana pôde interpretar a Constituição e estender sua competência.

Tudo isso leva à seguinte conclusão:

1. a existência de um controle de constitucionalidade não pode permitir se afirme que há uma hierarquia entre a Constituição e a lei;

2. as normas “constitucionais” e “legislativas” são ambas editadas por um mesmo órgão e têm, pois, um mesmo valor;

3. existe somente uma hierarquia entre as normas emitidas pelo órgão de controle e as que lhe são submetidas a seu controle;

4. finalmente, o órgão de controle, enquanto constituinte, determina sua própria competência.

A situação é parecida ao que aparece na ausência de controle.Pode-se constatar que o órgão de controle insere-se em um sistema

complexo, em que os poderes públicos determinam sua própria competência.

Em qualquer sistema, o órgão de controle não é o único intérprete da Constituição, porque o juiz deve ser provocado pela via da ação. Assim,

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os legitimados para provocação são co-autores da interpretação.O juiz constitucional aparece como um elemento do sistema junto

com outras autoridades, com as quais ele tem ligações de força ou de cooperação, de onde resulta uma interpretação da Constituição.

Kelsen diz que o juiz não cria o sistema se vai contra a lei ou a Constituição – o que pode ser derrubado pelo entendimento de que enquanto não há interpretação pelo juiz a lei não tem sentido verdadeiro ou falso.

Mas esta conclusão que a lei é só o que dizem os juízes – all the law is judge made law – é insuficiente na medida em que ela só fala do poder dos tribunais e não dos outros órgãos. Ela, assim, desconhece o caráter coletivo da interpretação, porque, na verdade, todos os que aplicam a Constituição interpretam e recriam em conjunto.

A interpretação é o resultado de todas as atividades para aplicação da lei.

Exista ou não um órgão de controle de constitucionalidade, a Constituição não é superior aos outros atos dos poderes públicos. Isto porque, na aplicação da Constituição, não há ligação a uma norma jurídica, mas esta atividade é legítima somente pelos sistemas de relações mútuas nos quais estão inseridas.

A Constituição pertence ao domínio do Sein e não do Sollen – não é obrigatória, mas limita a liberdade de cada órgão ao determinar a sua própria competência.

Para a Ciência Constitucional, não importa a descrição das normas constitucionais ou constatar sua violação, mas de evidenciar a estrutura do sistema e explicar as causas de suas transformações.

Conclui-se, pois, que é na interpretação integradora da realidade social, cujo sistema jurídico busca regular a própria sociedade, adiada a efetiva ação dos atores sociais, que se chega à mais coerente exegese dos textos legais, inclusive dos textos constitucionais.

2. A medida provisória suprindo o espaço do Legislativo – exercício da função legisladora do Estado

17 MASSUDA, Janine Malta. Medidas provisórias: os fenômenos na reedição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2001. p. 23 e nota 4.18 WERNECK VIANNA, Luiz & et allii. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, setembro de 1999. p.143.

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As medidas provisórias, adotadas pela Constituição de 1988 como forma de permitir ao Poder Executivo a regulação das situações urgentes, constituem um instituto que nos vem do Direito italiano, inspirado nos provimendi provvisori con forza di legge, em casos straordinari di necessità e d’urgenza, na forma do art. 77 da Constituição italiana, tipicamente parlamentarista.17

E, mesmo com as alterações da Emenda Constitucional nº 32/2001, conclui-se que se constituem “no terreno específico em que se realiza o processo clássico de judicialização da política, opondo os interesses com representação minoritária à maioria.”18

Tanto isso é verdade que a maioria das ações de inconstitucionalidade contra dispositivos de medidas provisórias foram interpostas por partidos de esquerda e por associações de classe. O que demostra, com clareza, a busca de garantia ou de concretização de direitos fundamentais e da manutenção do Estado Democrático de Direito, leia-se: o Estado que se mantém na linha de harmonia e de independência dos Poderes e garante dos direitos insertos na Constituição.

Vimos, a partir da promulgação da CF/88, uma verdadeira avalanche de medidas provisórias que bem comprovam o fervilhar da situação econômica e social do País, em face do conhecido fenômeno de globalização/mundialização.

Tem-se que a “globalização” é o fenômeno que envolve o capital de todas as nações, é fenômeno econômico e pode levar aos antigos conceitos de colonialismo, enquanto “mundialização” seria a necessária cooperação internacional neste limiar do novo milênio na busca de uma sociedade internacional garantidora dos “valores” e “direitos” necessários à realização da justiça social, como a igualdade entre os povos e nações, bem como o respeito ao meio ambiente para preservá-lo às gerações futuras.

Nestes doze anos, o STF foi chamado a solver questões que diziam primeiro com o que seria urgente – consagrando-se a decisão de que o caráter urgente é conceito usado à conveniência do Poder Executivo, não podendo o Poder Judiciário adentrar em tal questão – ADInMC 1.717/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, julg. 22.09.99, Pleno, DJ 25.02.2000, p. 50; ADInMC nº 162, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 14.12.89, DJ 19.09.97, p. 45.525.

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De outro lado, concluiu-se que a Medida Provisória, enquanto ato constitucionalmente regrado, é lei em sentido formal, daí gerando todos os efeitos de lei, a partir de sua publicação: ADIn 293/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.04.93, p. 6.429.

É aqui, neste campo que interessa ao presente estudo, que se vislumbra claramente a efetiva politização do Judiciário, tanto no nível do controle difuso quanto, e isto é o que interessa, no controle concentrado, porque, na falta de decisões legislativas, o STF não legisla positivamente – pois esta é a sua jurisprudência – “não cabe ao judiciário legislar positivamente”, mas, em algumas decisões, acaba por legislar positivamente, como se verifica na análise do cabimento dos 11,98% – ADInMC 2.321-DF, Rel. Min. Celso de Mello, e ADInMC 2.323-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, ambas julgadas em 25.10.2000.

É justamente a independência dos poderes que determina, no mundo atual, um necessário sistema de controle – talvez os pesos e contrapesos –, controle esse que, frente à multiplicidade de relações que se vêm formando e juridicizando, necessita dar-se conta de que, na defesa dos ditos direitos fundamentais, em sede de direitos difusos ou transindividuais, foi o espaço clássico do legislador, sendo substituído, ou melhor, limitado por decisões com força de lei e cujos efeitos se estendem erga omnes.

Daí que justamente a necessária concretização desses direitos fundamentais (Bobbio), quer de 1ª, 2ª ou 3ª geração, estão em linha direta com o controle de constitucionalidade de atos e leis para que a dita concretização efetivamente ocorra e aí a manifesta politização das decisões em sede de controle de constitucionalidade.

É o que se vê das decisões que afastam os textos contrários à Constituição, fazendo então uma legitimação do judiciário que, por via transversa, deixa íntegro o regramento anterior.

Assim, a decisão que afastou o alargamento do prazo para ação rescisória, por meio de medida provisória – ADInMC 1.753/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 16.04.98.

3- Medidas provisórias e a disciplina jurídica constante da Emenda Constitucional nº 32/2001

As medidas provisórias, como criadas na Constituição de 1988 antes

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da EC nº 32, vieram suceder os antigos decretos-leis, na busca de suprimir os excessos da função legislativa exercida pelo Presidente da República por meio de ditos diplomas legais.

No que diz com a natureza jurídica, o STF, nas ADIs 295 e 293, pacificou o entendimento de que as Medidas Provisórias têm força, eficácia e valor de leis, passíveis, pois, de serem o objeto de controle de constitucionalidade.

Em que pese a sua provisoriedade, enquanto vigem trazem consigo a dupla natureza de serem lei em sentido formal e material, haja vista que é do próprio texto que se retira a sua “força de lei”.

A Emenda Constitucional nº 32, de 2001, alterando dispositivos da Constituição, veio dar novo regramento às medidas provisórias, ressaltando, além do parecer prévio previsto no § 9º do art. 62, a impossibilidade de medidas provisórias nos seguintes casos, relacionados no §1º:

“§1º. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:I- relativa a :a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;b) direito penal, processual penal e processual civil;c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia

de seus membros;d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e

suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, §3º;II- que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer

outro ativo financeiro;III- reservada à lei complementar;IV- já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente

de sanção ou veto do Presidente da República.”

Por primeiro, tenho que permanece, apesar da limitação temporal da edição das medidas provisórias, a necessária incursão do STF no campo político – aqui entendendo-se politização, como quis Werneck –, porque continua com o poder de dizer sobre a constitucionalidade das medidas provisórias, justamente em face do conceito inalterado de jurisdição una.

No entanto, o aspecto mais interessante para este estudo é o fato de que foi retirado do campo das medidas provisórias a possibilidade de qualquer alteração da legislação processual. Aqui a sinalização toda pelo STF no julgamento da ADIn 1.753/DF ( Rel. Min. Sepúlveda Pertence,

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Tribunal Pleno, julg. 16.04.98, DJ 12.06.98, p. 51), sobre o prazo da rescisória, foi, sem dúvida, fundamental para tal alteração: naquela ocasião, entendeu-se que:“a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, têm sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a raia da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso das inovações discutidas, de favorecimento unilateral aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a conseqüência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo.”

É que o processo, como instrumento positivo de concretização de direitos, não exige a urgência para a sua alteração.

Efetivamente, o requisito urgência não pode coexistir ou, pelo menos, ser compatível com a alteração de legislação processual. O que vinha ocorrendo era exatamente a ditadura do Poder Executivo que, quando premido por questões econômicas, buscava na alteração do processo, inclusive dos prazos, os remédios para a economia.

Outro ponto que diz com o tema proposto é justamente a colocação na Constituição, ou seja, a constitucionalização do controle político e preventivo do Poder Legislativo sobre a constitucionalidade das medidas provisórias, que, anteriormente, era realizado por força dos regimentos internos das casas do legislativo. Esta alteração consta, agora, do § 9º do artigo 62 da Constituição.

Retira-se, daí, a colocação, em plano constitucional, do controle preventivo da constitucionalidade da medida provisória. Tal parecer, embora provenha do Poder Legislativo, e, por isso, seja um controle político, sem a carga de eficácia da decisão judicial, será um controle que afastará a possível entrada no mundo jurídico da medida provisória, podendo, quiçá, tratar-se de uma judicialização da política.

Finalmente, passa-se ao exame de algumas medidas provisórias que, por força do § 8º, continuam em vigor, devendo ser incluídas na pauta de convocação, bem como de medidas que, por força do § 2º de dita emenda, continuam em vigor até a reedição, que só pode ocorrer por uma vez, ou até a deliberação final do Congresso Nacional.

Vedada pela EC nº 32, a edição de medidas provisórias em matéria processual já havia recebido sinalização contrária do STF. Nesse sentido,

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na ADIn 1.753 – proposta pela OAB – em juízo cautelar, o STF viu ofensa ao requisito “urgência”, deferindo liminar e sustando o art. 4º da MP nº 1632-11/98, relativo ao prazo para ação rescisória – estabelecido, naquele diploma legal, em cinco anos. É, sem sombra de dúvida, um sinal de alerta do STF, tanto que veio consagrar que, em matéria processual, não há a urgência capaz de autorizar o Executivo a legislar via medida provisória.

Caso importante, e que só será resolvido pelo Judiciário, enquanto não ocorridas as hipóteses de revogação ou perda de eficácia da MP nº 2.180-35, que, inovando em relação à anterior, em seu art. 4º, acrescentou um art. 1º-D na Lei nº 9.494/97, segundo o qual não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Nacional nas execuções não-embargadas.

Em execução de ações civis públicas, vêm os Tribunais deferindo dita verba honorária. Nesse sentido, as seguintes decisões:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL PROFERIDO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA ERGA OMNES DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. EXECUÇÃO PROPOSTA POR TERCEIRO BENEFICIADO. CONDENAÇÃO DA UNIÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

(...)2.Não se deve imputar ao credor as despesas decorrentes do ingresso em juízo

para a cobrança de seu crédito, devendo o devedor ressarcir, inclusive, os honorários advocatícios despendidos pelo exeqüente.” (Rel. Juíza Ellen Gracie Northfleet, AG nº 2000.04.01.065886-5/PR, DJU 22.11.2000)

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. PROCESSOS DISTINTOS. HONORÁRIOS. CABIMENTO EM AMBOS.

(...)2. A execução em questão está fundada em sentença proferida na ação civil pública,

ajuizada pela APADECO, que reconheceu o direito à devolução dos valores recolhidos a título de empréstimo compulsório sobre o consumo da gasolina ou álcool a todos os proprietários de veículos do Estado do Paraná. Para que a condenação possa mostrar-se efetiva, faz-se necessário o trabalho de outros advogados, que promoverão execução. Por conseqüência lógica, deverá o profissional receber pagamento pelos seus serviços. Daí o cabimento para fixação dos honorários advocatícios no processo individual de execução. Apelação improvida.” (AC nº 2000.70.00.015127-2/PR, Rel. Juiz Alcides Vettorazzi, DJ 15.08.2001, p. 2082)

19 JUCÁ, Francisco Pedro. Judicialização da política e politização do Judiciário. Ciência jurídica, janeiro/fevereiro de 1999, p.45.

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Outro caso é o da ADIn 2.323, onde houve indeferimento de liminar, por entender o STF que havia plausibilidade do entendimento de que a diferença em destaque resultou de erro – que o ato impugnado visou a corrigir – no critério de conversão dos respectivos valores, de cruzeiros reais em URVs ( Unidades Reais de Valor), verificado em abril de 1994. É o caso dos 11,98%- houve uma extensão da aplicação da lei, portanto, manifesta a politização do STF.

Sabido que, com a transformação do Estado em Estado Democrático de Direito, o Judiciário não permaneceu insensível às mudanças da clássica separação de poderes, passando por meio de controle de constitucionalidade, inserta na Constituição, a ser a garante não só do próprio Estado, bem como dos direitos fundamentais. E é este momento em que:19

“a intervenção do Estado na economia passa a ensejar o surgimento de direitos para os cidadãos, oponível contra o Estado, de exigir ações concretas a respeito, e estas não se dão, patenteia-se lesão ou ameaça de direito, o que legitimação seja endereçada provocação ao Poder Jurisdicional para que, como garante do ordenamento jurídico em última instância, obrigue aos encarregados do exercício do poder político a execuções destas ações. E, no momento em que alarga-se enormemente o universo dos direitos, ultrapassando os limites do individual para o coletivo, para os difusos, para os da sociedade como um todo considerada como categoria, aí incluídos os interesses da manutenção de equilíbrio do Estado, de seu patrimônio e daquilo que é reputado como seus interesses mais elevados porque também pertinentes à sociedade, porque a prestação dos serviços públicos em sentido amplo pressupõe um estado em condições materiais de fazê-lo, estas condições passam a integrar o patrimônio do Estado, o qual deve ser protegido contra a ação da incúria, inépcia e má-fé do administrador, eventual detentor do poder político.”

Tem-se, pois, que, no exame da medida provisória, como exceção ao princípio da legalidade estrita, por força da urgência ou relevância, o STF aprofunda sua ação dentro deste novo espaço, sendo de certa forma participante do processo de governo, entendido em sentido amplo, na medida em que permite ou proíbe ações concretas determinadas pelas medidas provisórias.

Relembrando Gramsci, de que “tudo é político”, é preciso relativizar esta assertiva, já que os níveis e as dimensões são distintas no exercício de cada um dos poderes.

Daí que essa tensão ante o direito e a política, no exercício do controle de constitucionalidade pelo STF, não pode ser descrita como politização

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da Justiça, e sim como efetivo exercício de poder-dever determinado pela própria Constituição que deve ser preservada com seus princípios fundamentais.

Considerações finais

A partir destas rápidas constatações, vê-se que a reforma do Judiciário como bandeira para a proteção e garantia dos direitos fundamentais, bem como para a própria sobrevivência do Estado de Direito, é necessária no sentido de tornar mais ágil o controle de constitucionalidade, espinha dorsal destes fenômenos. No entanto, os controles postos à disposição dos Poderes da República e da sociedade, do cidadão, do órgão ministerial, dos partidos políticos, podem tornar-se efetivos na medida em que cada um e todos utilizem-se dos instrumentos postos à disposição pela Constituição Federal.

Acentue-se, ainda, a realidade de que, se um dos Poderes não age dentro do princípio da eficiência, outros legitimados poderão provocá-lo, verificando-se então fenômenos de politização do Judiciário, como no mandado de injunção, ou a judicialização da política, tal como o controle preventivo da constitucionalidade da medida provisória pelo parecer exigido no art. 62, § 9º, da EC nº 32/2001. Aí, sim, pode-se dizer, como Zaffaroni, que a doutrina de Montesquieu, entendida sociológica e politicamente – e não jurídica ou formalmente –“ quer significar que o poder deve estar distribuído entre órgãos ou corpos, de modo que se elida a tendência ‘natural’ ao abuso”. Não há em Montesquieu, portanto,

“qualquer expressão que exclua a possibilidade dos controles recíprocos, nem que afirme uma absurda compartimentalização que acabe em algo parecido com ‘três governos’ e, menos ainda, não reconheça que no exercício de suas funções próprias esses órgãos não devam assumir funções de outra natureza (o judiciário e o legislativo, em seus autogovernos, assumem funções administrativas; o executivo, ao regulamentar as leis, ao encaminhar os projetos e ao vetá-los, exerce funções legislativas; algumas constituições reconhecem limitadas funções de iniciativa parlamentar ao judiciário, etc.)”.20

A independência dos Poderes da República como primado da Constituição Federal está em linha direta com o exercício das atribuições 20 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.82-83.

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de cada poder nos espaços que lhe são próprios, porque só o exercício nos limites da Constituição é que permite a efetiva manutenção do Estado Democrático, princípio insculpido no art. 1º da Constituição Federal.

Portanto, as atribuições, fora da posição clássica e estanque dos três Poderes, na visão ortodoxa que sequer foi a base da teoria de Montesquieu, são capazes de efetiva e eficaz contribuição ao próprio Estado organizado sob o pálio constitucional e mais protege e concretiza os direitos fundamentais, ponto de honra do Estado de Direito Social.

É, desta forma, fácil de se detectar que, na determinação constitucional de permissão do exercício legislativo pelo Presidente da República (Executivo), também se está buscando a própria manutenção do Estado de Direito e, portanto, em sendo atividade permitida, deve estar conforme e nos termos do texto constitucional. Por isso, também, cabível seu controle de constitucionalidade pelo órgão que detém constitucionalmente tal atribuição – diga-se “jurisdição”. É aí que se fortifica o entendimento da legitimidade do STF para dizer sobre a constitucionalidade das Medidas Provisórias, enquanto exercício constitucional limitado pelos termos expressos do art. 62 da Constituição Federal.

Assim, neste exame e deste entendimento exteriorizado nos julgados das ADIns, ADCT e argüição de descumprimento de preceito fundamental, bem como no mandado de injunção, está o STF obrigado a examinar a conformidade do ato normativo com os princípios e regras constitucionais. Neste passo, é que a doutrina vem teorizando a partir da realidade nacional do preenchimento pelo STF do espaço político do Executivo e do Legislativo, porque só terá eficácia aquele ato normativo que estiver com a Constituição, de acordo com os seus princípios e regras, conforme com o seu texto.

Vê-se daí que a chamada judicialização da política, do ângulo técnico-constitucional, só ocorre se e quando qualquer dos Poderes da República, diga-se Executivo ou Legislativo, obrar em desacordo com os preceitos

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constitucionais.É possível que se entenda, então, que a judicialização do espaço

político nada mais é do que o pleno exercício da jurisdição constitucional pelo STF, que é, por óbvio e por força do próprio ordenamento jurídico, o “guardião”, o “defensor” da Constituição que lhe outorga tal poder.

Conclui-se, pois, que a chamada “repolitização do Judiciário”, tese dos adeptos do “uso alternativo do Direito”, que buscam, nas mazelas da neutralidade do poder em relação ao espaço político, dizer da necessidade de suprir o Judiciário tais espaços, não é nada mais do que, sob o enfoque do constitucionalismo, o exercício do poder-jurisdição para aferir sobre a constitucionalidade dos atos emanados dos outros poderes.

É, portanto, cum granus salis que deve ser lida e interpretada a expressão politização do Judiciário. De um lado, configurando-se uma teoria que alberga a liberdade deste Poder para dizer e criar o direito fora dos limites constitucionais e de seu poder. E, de outro lado, como aqui se quer entender, como a atribuição dada ao Judiciário de velar pela constitucionalidade das leis e dos atos normativos para extirpar o arbítrio e manter o Estado de Direito garante dos direitos fundamentais.

Assim, sob a ótica da interpretação das locuções “politização do Judiciário” e “judicialização da política” que se afirma, sem prejuízo de teses contrárias, que, sim, a chamada politização do Judiciário é antônimo de neutralização do Judiciário, mas não é sinônimo de supressão dos espaços constitucionais do Executivo e do Legislativo.

E mais, quando se fala em judicialização da política está a se exteriorizar justamente uma das atribuições do Judiciário e precipuamente do STF, porque detém o controle concentrado da constitucionalidade, uma de suas funções constitucionais, sem que isso signifique a supressão das funções dos outros dois Poderes. Porque aí também estaria o STF, em nome de um controle de constitucionalidade, agindo não mais nos limites deste poder, mas agindo com arbitrariedade, o que esfacelaria a própria democracia.

Referências Bibliográficas

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Judiciário e a democracia no Brasil.

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Considerações acerca do parágrafo 3° do art. 515do CPC ( redação dada pela Lei n° 10.352,

de 26 de dezembro de 2001)

Paulo Afonso Brum Vaz*

O legislador, na busca de imprimir mais celeridade à prestação jurisdicional, vem privilegiando sistematicamente o princípio da efetividade da jurisdição. Paulo Bonavides ensina que:“a Constituição é de si mesma, à míngua talvez de uma teoria da Constituição, um repositório de princípios às vezes antagônicos e controversos, que exprimem o armistício na guerra institucional de classes, mas não retiram à Constituição seu teor de heterogeneidade e contradições inerentes, visíveis até mesmo pelo aspecto técnico na desordem e no caráter dispersivo com que se amontoam, à consideração do hermeneuta, matéria jurídica, programas políticos, conteúdos sociais e ideológicos, fundamentos do regime, regras materialmente transitórias embora formalmente institucionalizadas de maneira permanente e que fazem, enfim, da Constituição um navio que recebe e transporta todas as cargas possíveis, de acordo com as necessidades, os métodos e os sentimentos da época”. (in Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 1999, p.460)

E os “sentimentos da época”, acomodados nesse “navio” que é o texto constitucional, caminham na direção de uma prestação jurisdicional tanto mais célere quanto possível. Esse o desejo da sociedade, desejo que vem

* Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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sendo atendido não apenas pelas modificações do CPC, mas por outras medidas orientadas pelo mesmo princípio, tais como a instituição do Juízo Arbitral e a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Afinal de contas, como o adverte o emérito constitucionalista, “cada país tem ordinariamente duas Constituições: uma no texto e nos compêndios de Direito Constitucional, outra na realidade; uma que habita as regiões da teoria, outra que se vê e percebe nas trepidações da vida e da praxis; a primeira, escrita do punho do legislador constituinte em assembléia formal, a segunda, que ninguém redigiu, gravada quase toda na consciência social e dinamizada pela competição dos grupos componentes da sociedade”. (op. cit. p. 164)

Essas mudanças levadas a efeito na legislação processual e extravagante são então um meio de promover, pela via legislativa, a atualização do texto constitucional às exigências da sociedade contemporânea, que não mais aceita a demora injustificada na solução dos litígios, mesmo que essa demora se dê a pretexto da segurança das decisões.

No curso desse processo de mudanças, assistimos recentemente à edição das Leis nos 10.352, de 26.12.2001, 10.358, de 27.12.2001, e 10.444, de 07.05.2002, que, entre outras modificações, acabaram por alterar o regime da prova pericial, por estender os deveres processuais, suscetíveis de multa, “a todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”, por restringir as possibilidades de reexame necessário das decisões proferidas contra a Fazenda Pública, por inovar significativamente o regime dos recursos e por admitir a tutela antecipada em caso de pedido incontroverso.

Este singelo trabalho tem por objeto a análise do § 3° do art. 515 do CPC, introduzido pela Lei n° 10.352, de 26 de dezembro de 2001. Convém advertir que as breves considerações que se seguem estão longe de esgotar a matéria.

Eis a redação do § 3° do art. 515 do CPC: “§ 3°. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o

Tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

Mitigação do princípio do duplo grau de jurisdição. O primeiro problema que se coloca no enfrentamento da questão é o do duplo grau de jurisdição. No regime anterior à vigência da alteração em comento, julgado procedente o recurso contra sentença que extinguira o processo

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sem exame de mérito, determinava o Tribunal a remessa dos autos de volta ao primeiro grau, para que lá fosse apreciado, em primeira mão, o mérito da demanda. Tudo isso era feito para evitar a “supressão de instância”, locução de uso corrente nos Pretórios. O § 3° do art. 515 do CPC (sob a nova redação) propõe solução diametralmente oposta: o Tribunal, superada a questão que ensejara a extinção do processo sem apreciação do mérito, deve, desde logo, solucionar o mérito do litígio. O que importa, para o momento, é que o novo procedimento aboliu a chamada “supressão de instância”, ou, em outras palavras, suprimiu, para as hipóteses previstas, o duplo grau de jurisdição.

Conquanto tenha por constitucional o princípio do duplo grau de jurisdição, a doutrina admite que o legislador infraconstitucional possa restringi-lo, desse modo concordando, pelo menos em parte, com a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. A ressalva “em parte” se justifica porque o Pretório Excelso sequer confere ao duplo grau foro de princípio constitucional:

“...Tudo isso me conduziu- sem negar-lhe importância, mormente como instrumento de controle – à conclusão de que a Constituição – na linha de suas antecedentes republicanas – efetivamente não erigiu o duplo grau de jurisdição em garantia fundamental. Certo, não desconheço ser ele quase que universalmente um princípio geral de processo. Daí, a previsão constitucional de Tribunais cuja função – básica de segundo grau (v.g. art. 108, II), e extraordinária, nos Superiores (arts. 105, II, e 121, § 4°, III a V) e até no Supremo (art. 102, II) – é a de constituir-se em órgãos de recursos ordinários. Entretanto, não só a Carta Política mesma subtraiu do âmbito material de incidência do princípio do duplo grau as numerosas hipóteses de competência originária dos Tribunais para julgar como instância ordinária única, mas também, em linha de princípio, não vedou à lei ordinária estabelecer as exceções que entender cabíveis, conforme a ponderação em cada caso, acerca do dilema permanente do processo entre a segurança e a presteza da jurisdição...” (RHC 79.785-RJ, INF n° 187 do STF, relator Ministro Sepúlveda Pertence) – o texto não se encontra grifado no original.

Aplicação imediata da lei aos recursos pendentes de julgamento. Superada a questão relacionada com o princípio do duplo grau de jurisdição, impõe-se examinar se a nova disciplina legal pode alcançar recursos de sentenças proferidas antes da entrada em vigor da nova disciplina legal. É sabido que se aplica aos recursos a lei vigente ao tempo da decisão impugnada. Ocorre que a nova regra não cria, nem modifica o regime jurídico de recurso, não suprime direito, nem agrava a situação

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jurídica das partes. Portanto, cuidando-se de norma processual de ordem pública que apenas elastece a jurisdição recursal, não há óbice a que se aplique aos recursos pendentes de julgamento nos tribunais, ou seja, sobre sentenças que foram proferidas anteriormente à alteração legislativa.

Galeano Lacerda bem enfrenta o problema da aplicabilidade imediata das regras supressoras de um grau de jurisdição (in O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes. Forense: Brasília, 1974, p. 73):

“Considerando o problema apenas sob o prisma do direito processual, público, é notório que a eliminação de um grau de jurisdição, ou seja, da competência funcional do Tribunal de segunda instância, impõe a aplicação imediata da lei, mediante a cessação, desde logo, dessa competência. Isto porque, como vimos no Capítulo II, as leis de competência absoluta, de cuja natureza participa a competência funcional, incidem desde logo, pelo alto interesse público de que se revestem”.

Alcance da expressão “questão exclusivamente de direito”. Processo “maduro” para julgamento do mérito. Mesmo que a causa não verse questão exclusivamente de direito, o tribunal pode julgar o recurso se o processo se encontrar “maduro”, isto é, se a instrução probatória já tiver sido amplamente produzida em primeiro grau. Se o réu ainda não contestou a demanda em primeiro grau, embora a matéria seja só de direito, devem os autos retornar à primeira instância para que se cumpra os princípios da ampla defesa e do contraditório. Também, por exemplo, se as partes ainda não apresentaram razões finais, não poderá o tribunal julgar o mérito da demanda.

Inexistência de discricionarismo judicial na aplicação da nova regra. É bem verdade que o texto de lei fala em “pode”, o que sugere a idéia de discricionarismo judicial. Ao contrário, pensamos que, se estiverem presentes os requisitos legais, adiante analisados, não poderá o tribunal deixar de avançar no julgamento do mérito.

Aplicação da nova disciplina para as sentenças extra petita e citra petita. Nas hipóteses de julgamento extra ou citra petita, interpretada literalmente a regra, recomendável seria a decretação de nulidade da sentença e a determinação de que outra sentença fosse proferida na instância de origem. É possível, porém, uma interpretação extensiva do dispositivo em comento, de modo a que a expressão extinção do processo sem julgamento do mérito abranja também as hipóteses em que o juiz a quo profere sentença divorciada da pretensão formulada pela parte ou aquém do pedido. O fundamento é simples. Não teria sentido possibilitar-

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se o julgamento em primeira mão pelo tribunal do mérito da lide quando a primeira instância tenha apenas se manifestado sobre questão processual, mas vedar-se este procedimento quando o juiz de primeiro grau examina, ainda que de forma eivada de vício, o mérito da lide.

Necessidade de observância dos princípios recursais. A possibilidade de o tribunal, reconhecendo a nulidade de sentença citra ou extra petita, avançar no julgamento do mérito deve ser conjugada com os princípios que informam os recursos em geral, dentre os quais destaca-se o da voluntariedade. Assim, no caso de remessa oficial, não se poderia reformar, em prejuízo da Fazenda, a sentença extra petita se a parte interessada na reforma não recorreu da decisão. O princípio da vedação da reformatio in pejus também haverá de ser respeitado. Somente poderá o tribunal julgar a lide, nos termos exatos do pedido, se houver recurso da parte autora, mesmo que não se exija expresso pedido de anulação da sentença e de rejulgamento adequado do mérito.

O problema da prescrição e da decadência afastados pelo tribunal. Prescrição e decadência são matérias de mérito. A jurisprudência entendia que afastadas estas, sob pena de haver supressão de instância, deveriam os autos retornar ao juízo de primeiro para o julgamento do mérito. Doravante, observado o requisito do processo “maduro”, deverá o tribunal examinar o mérito propriamente dito.

Aplicação aos procedimentos especiais, inclusive ao mandado de segurança. No caso do mandado de segurança, reconhecida em primeiro grau a ausência de direito líquido – que é conceito tipicamente processual

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DISCURSOS

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Discurso em homenagem à Desembargadora Federal Tania Escobar

Silvia Goraieb*

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Teori Albino Zavascki, Digníssimo Presidente desta Corte, na pessoa de quem saúdo as autoridades constituídas presentes (e já nominadas), Excelentíssima Desembargadora Federal Tania Terezinha Cardoso Escobar, prezados colegas desta Casa e da Justiça Federal , servidores, senhoras, senhores:

Peço perdão por haver escolhido uma mensagem livre das barreiras da oratória, por não possuir este dom, risco este assumido por V. Exa., Senhor Presidente, ao incumbir-me da honrosa tarefa de falar em nome dos componentes desta Casa. Também penitencio-me pelo fato de não haver tomado na integralidade toda a trajetória da vida profissional da eminente magistrada hoje homenageada, porque todos a conhecem.

Reputo de todo indispensável, isso sim, trazer ao momento aqueles que se foram, para bem demonstrar o quanto é merecedora dessa homenagem.

Lembro-me, cara colega, de quando ainda jovem e sonhadora ingressou na Justiça Federal. Passou a desempenhar com afinco as funções que lhe foram afetas na condição de servidora exemplar, destacando-se não só por estes predicados, mas precipuamente pelo amor ao Direito e à Humanidade. Foi então que exerceu o cargo de Diretora de Secretaria da 4ª Vara, o que permitiu nossa aproximação e estabeleceu uma amizade

*Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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definitiva. A partir de então, iniciaram-se os anos de estudo e dedicação em

busca da oportunidade de poder fazer Justiça, mas com o coração já comprometido com a Justiça Federal.

Foi com grande esforço que enfrentou um primeiro concurso para Juíza Federal, logrando aprovação em todas as etapas, inclusive na prova oral, mas por insuficiência de títulos restou reprovada, o que não lhe abateu e deu novos rumos à sua trajetória de estudos e preparação. A par do exercício do magistério jurídico superior e de sua condição de sócia efetiva do Instituto dos Advogados do RS, muitos foram os cursos realizados e trabalhos publicados.

Surgindo nova oportunidade, vieram os melhores momentos que me permito registrar, para ilustrar a luta, a dedicação e a perseverança que tanto marcaram sua vida. Juntamente com a ilustre e querida colega Luiza Dias Cassales – que tanto nos ensinou – passamos a estudar para o concurso que se seguiu.

Vieram, então, os sacrifícios pessoais, as dificuldades e as renúncias.Para quem não a conhece, isso jamais poderia representar o que descrevi

como melhores momentos. Mas, para V. Exa., tenho certeza, ficaram guardados indelevelmente como algo irrenunciável da vida, porque faz parte de sua índole ter consciência da grandiosidade dos desafios, para jamais recuar e ser derrotada, mesmo diante do imponderável, quando na busca dos valores que dão dignidade à pessoa humana.

Aquelas horas é que deram uma dimensão maior ao seu ideal, o que lhes atribui a conotação de parcelas de uma existência feliz, porque assim foram vividas e sentidas, gratificantes que foram para seu espírito.

Todavia, no final de nossa jornada de preparação, chegamos num determinado momento em que, ao vê-la contemplar o infinito, pela primeira vez constatei a interrogação em seus olhos cansados, deduzindo eu tratar-se da pergunta: – será que vale a pena?

O êxito seria suficiente para dispensar qualquer manifestação a respeito, pois foi nomeada e empossada no cargo de Juíza Federal em 23.02.87. Mas, hoje, estamos reunidos para responder-lhe, com convicção, não só que valeu a pena, como também que a Justiça não poderia dispensar a sua vitória.

Na primeira instância, passou a atuar de forma marcante, exercendo

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a jurisdição, a função de Diretora do Foro, sendo convocada, por seus méritos, para atuar neste Tribunal durante seis meses, até haver sido promovida para ocupar a vaga que lhe foi destinada em 25.02.94, onde prestou relevantes serviços, tendo se destacado de forma considerável, inclusive como Presidente da 2ª Turma e membro do Conselho de Administração, sem falar na atuação que teve na Corregedoria, nas substituições que lhe foram exigidas.

Todavia, sabemos que só nós podemos escrever a história de nossas vidas, nunca a Justiça ou o Tribunal, justamente porque trazemos, ao nascer, a missão maior de viver.

Ao cumpri-la, deparamo-nos, na fase produtiva, com a necessidade de seguir um ideal, uma vocação. Pois bem, na esteira de sua vida profissional, querida colega, podemos afirmar que, nessa segunda missão, o êxito alcançado sobrepõe-se às expectativas acumuladas. E a Justiça Federal, que lhe negou o acesso uma vez por falta de títulos, tornou-se devedora, em face dos méritos que hoje lhe são reconhecidos, por ser considerada um dos expoentes jurídicos desta Casa e do Poder Judiciário.

Ao somatório do esforço e da dedicação que aqui foram demonstrados, V. Exa. sempre sobrepôs o espírito de conquista que levou este Tribunal ao encontro de elevado conceito em nível nacional, justamente, por sua independência no exercício da jurisdição, alheia que sempre esteve ao tecnicismo e à submissão ao poder ditado pelas conveniências, porque dotada de sabedoria instintiva, que a levou a defender o Judiciário como Instituição, como patrimônio do Direito e da Justiça.

Tais atributos não há quem os possa contestar, porque suas decisões sempre foram tomadas com liberdade, independência e coragem, mas sempre guiadas pelo seu elevado saber jurídico e senso imensurável de justiça.

Não se me parece necessário recordar aos que aqui se encontram para homenageá-la o quanto é difícil fazer justiça, quando o aparato legislativo possui desvios de finalidade e motivações outras, voltadas que estão para valores indiferentes ao mundo jurídico e à finalidade primordial do Estado.

V. Exa. possuiu sempre a isenção e a sabedoria necessárias para julgar com imparcialidade, dentro da lei e da Constituição, mas indiferente à letra fria, ao sentido gramatical, atenta que estava ao espírito e à finalidade

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que orientaram o legislador, bem como ao momento social em que deveriam produzir seus efeitos.

Não reputo oportuno rasgar a seqüência de todos os momentos que se passaram e as marcas que deixaram, pois somente restaram fatos e obras que falam por eles. Todavia, indispensável é a afirmação destes feitos, para que V. Exa. receba o testemunho da gratidão e do reconhecimento que lhe devotamos, pela parcela que lhe cabe nesta obra, que permanecerá viva para a posteridade.

O poder não nos pertence, está no coração dos que palmilham o caminho da verdade e do direito, com a fé e a esperança de que somente a Justiça é o único sustentáculo para os mortais que cumprem o dever de julgar.

Tudo o que aqui aconteceu e passou significa uma verdade que se escuda na nobreza de seus ideais e sentimentos, cara colega, os quais se refletiram na projeção desta Corte.

Sua missão foi cumprida visando a aperfeiçoar o verdadeiro espírito de Justiça, o mais nobre valor que pode resplandecer do exercício da jurisdição e das decisões desta Casa.

E é esta Casa, justamente, o que os integrantes que aqui permanecem lhe oferecem como um lar, como um tributo de consideração e respeito.

Tenho certeza de que, quando aqui estivermos reunidos, ouviremos a sua voz, sentiremos a sua alegria e bem viva a chama de sua obstinada vontade, dos fragmentos de uma vida que se doou em decisões que levaram, em cada palavra, um pouco de sua essência.

E essas decisões jamais desaparecerão, pois seguem na vida e no coração dos que a elas se submeteram rumo à eternidade, o que demonstra o valor transcendental da consciência jurídica do magistrado.

Todavia, a marcha inexorável da vida e do tempo impõe uma retomada dos valores pessoais, porque – como já tive a oportunidade de dizer a V. Exa. – temos escrito na lei o que precisamos trabalhar para chegar à aposentadoria. Mas, em nenhum lugar está escrito quanto tempo ainda temos depois para retomar os valores existenciais, para atingir a plenitude.

V. Exa. fez uma opção, preferiu administrar o seu tempo – como bem definiu antes, perante este Plenário – com o intuito de viver intensamente, resgatando enquanto jovem valores que lhe são indispensáveis para cumprir por inteiro sua jornada.

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E aqui se encontra a maior manifestação de sua coragem e despreendimento, bem como da certeza do dever cumprido, porque, ao abrir mão do poder, V. Exa. elegeu a vida como prioridade.

Ficamos tristes e sabemos quanta falta nos fará a sua presença, a sua participação, mas não desejamos considerar seu afastamento como despedida, apenas como uma opção, que devemos respeitar e comemorar, porque o futuro lhe espera tão jovem ainda.

Querida amiga e companheira, descanse agora até que seu coração esteja sereno. Prossiga! Nunca olhe para o passado, porque ele só é bom para os espíritos pobres, que não conseguem motivação para observar o dimensionamento do amanhã. Não enterre seus anseios e esperanças nos idos de uma existência, mas vá ao seu encontro, levando em suas íntimas razões a sublime certeza de realizações. Abra seu coração, deixe palpitar a doce expectativa de um mundo justo porque assim foi construído por V. Exa., ilumine seu espírito com a luz de sua verdade, porque, se assim for, haverá a certeza de que continuará a ser livre e superior.

Prossiga, cara colega! Indiferente à sabedoria e à incompreensão dos mistérios do direito e da vida, seguindo sua trilha serenamente, de forma que todos digam, quando tiver de partir, que o seu legado foi um mundo melhor do que aquele que encontrou e que a justiça se tornou mais sublime por haver existido.

Doravante, deixe que o silêncio invada os sentidos mais profundos de sua existência, para que possa aprender a trilhar o único caminho que realmente conta: a verdade de cada um.

Não se prenda às horas que já envelheceram, porque delas só poderá obter lembranças. Portanto, dirija sua vida para o porto dos momentos que ainda não existem, porque é o único capaz de lhe oferecer oportunidades infinitas.

Procure, com serenidade e sem pressa, os sonhos de menina que ficaram esquecidos entre estrelas, luas e sóis, nas nuvens do tempo, nos mistérios da natureza, no infinito do universo, porque agora temos certeza de que só eles foram capazes de vencer o amor que V. Exa. dedicou à Justiça Federal, a esta Casa, ao Direito e à Justiça.

Siga, incansável guerreira, rumo à vida, administre seu tempo e reserve uma pequena parcela para voltar sempre que possível, porque esta é a sua Casa e todos nós precisaremos, sempre, de sua amizade, de sua alegria.

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E, no derradeiro momento de reflexão que marca esta homenagem, deixo consignado:

– muito obrigada, incomparável magistrada Tania Escobar, pelo seu exemplo, pela dignidade com que honrou o seu cargo, pela marcante projeção de sua sabedoria;

– muito obrigada por haver integrado o Poder Judiciário.Peço a Deus que a abençoe e que guarde este Tribunal, porque ele

é o repositório de grandes e sábias decisões que aqui deixou para a posteridade e que tanto nos orgulham.

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Discurso em homenagem à Desembargadora Federal Virgínia Scheibe

Maria Lúcia Luz Leiria*

Eminente Presidente Desembargador Federal Teori Zavascki, Autoridades já citadas – meus eminentes colegas, Eminente Desembargadora Federal Homenageada, Familiares da Desembargadora Federal Virgínia Scheibe, Senhoras e Senhores:

Mais uma vez este Tribunal curva-se para homenagear quem decidiu por afastar-se. Aposentadorias precoces, como a de Vossa Excelência Desembargadora Virgínia, fazem-me repensar o conteúdo do que deva ser festejado, se o merecido descanso após o prazo constitucional de serviço prestado ou se a coragem em parar em tempo próprio. Mais ainda, de repensar o tempo partilhado com V. Exa. e de demonstrar que, embora a saudade esteja presente, há também uma alegria enorme em poder cumprimentá-la, homenageá-la, já que, apesar de juntas em muitos momentos de nossa jurisdição, sobrou-nos pouco tempo para jogar conversa fora ou para trocar idéias sobre tantos outros assuntos que ficaram, dia-a-dia, relegados às sobras de nossas tarefas.

Como tudo tem seu tempo e para cada coisa seu momento – palavras sábias do Eclesíastes – faço desta homenagem não uma passagem por doutrinadores, filósofos, pensadores, porque deles Vossa Excelência

*Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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não precisa.É por demais sábia e afável que prescinde de qualquer citação, por

mais profunda que possa ser.Apenas os poetas, sábios sonhadores, que tornam a realidade mais

palatável, são capazes de descrevê-la, porque Vossa Excelência sempre foi maior que todos os cargos que ocupou.

Amalga-se a frase de Fernando Pessoa em todas as faces de sua sensibilidade, Desembargadora Virgínia. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”

Necessário apenas transcrever passagem de uma de suas milhares de decisões para comprovar, preclusivamente, e com força de coisa julgada, depois do prazo rescisório, a emérita julgadora que hoje homenageamos, mas que continuará, tenho certeza, a engrandecer a história deste Judiciário Federal.

Dizia Vossa Excelência no voto proferido nos Embargos Infringentes em AC nº 97.04.01878-9/SC, Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 42, págs. 280/281, cuja passagem transcrevo:

“...Data maxima venia, ouso discordar de tal entendimento, pelo menos no caso em tela. Também eu entendo que, via de regra, a prova testemunhal, por si só, é insuficiente para comprovar união estável com aparência de casamento, para fins de obtenção de benefício previdenciário. Todavia, há casos em que o rigor na análise da prova deve ceder passo em favor das condições especialíssimas dos indivíduos envolvidos. Em casos tais como o da Autora, a condição de extrema miserabilidade, quase miséria absoluta, aliada ao fato de que o trabalho desenvolvido tanto por ela como o de cujus sempre o foi na condição de diarista, conforme atestam os depoimentos prestados, faz com que seja praticamente impossível a apresentação de documentos escritos, visto que, quase à margem da sociedade, tais documentos nunca lhes chegam às mãos, pois não pagam conta de luz, não dispõem de telefone, não possuem título de propriedade e, se pagam aluguel, isso se dá, via de regra, de modo absolutamente informal, bem como as compras que fazem no comércio em geral, geralmente pagas em espécie.

Milita em favor da Embargante, ainda, a condição de analfabeta (verificável pela aposição de impressão digital no instrumento procuratório de fl. 04) e de trabalhadora rural na qualidade de diarista (bóia-fria), não rechaçada pela Autarquia. Em casos análogos, onde o que se busca é o reconhecimento do trabalho agrícola com vista à obtenção de aposentadoria rural por idade já se pronunciou o Egrégio STJ, dispensando a necessidade de início de prova material e aceitando como suficiente a prova testemunhal produzida, ante a notória dificuldade de os trabalhadores rurais, nessas condições, reunirem documentação probante, por vezes jamais produzida ao longo de suas vidas, a exigir o abrandamento da análise da prova para efeito de concessão de benefício previdenciário...”.

Tal passagem demonstra, à saciedade, a profundidade de seu raciocínio,

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a indelével marca da intérprete, atual, ligada ao caso posto, fincada nos princípios constitucionais e com olhos na realidade que a cerca.

Este é por excelência, senhores, o magistrado que neste momento se faz necessário, criador sem desrespeitar o sistema jurídico positivo, seguro sem ser arbitrário, objetivo sem ser lacônico, enfim, maior que o cargo que ostenta, porque o cargo dele precisa e não ele o necessita.

Esta é a Eminente Desembargadora Federal que ora nos deixa.Formada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1973, especializada em Direito Internacional Público e Privado.

Servidora Federal desta Justiça de 1970 a 1981. Procuradora do Estado, concursada a partir de 1981 e Juíza Federal a partir de 28 de fevereiro de 1988, egressa do V Concurso Nacional. Assumiu as funções neste Tribunal em 09.12.94, tendo sido Presidente da 5ª Turma, durante os anos de 2001/2002, integrou a Comissão de Obras e a Comissão de Regimento e foi Coordenadora do Programa de Estágio.

Ao lado de pessoa como Vossa Excelência, vale a pena viver, conviver e trabalhar porque sua alma não é pequena.

Vossa Excelência, Desembargadora Federal Virgínia, como dizia o poeta já citado;“passou além do Bojador porque passou além da dor,Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.

Obrigado Desembargadora Virgínia, pela paciência, pela sabedoria e pela competência.

Continue feliz. Que Deus a abençoe.

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ACÓRDÃOS

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Branca

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DIREITO ADMINISTRATIVO

E DIREITO CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.00.011916-7/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Apelante: Soc. Sulina Divina ProvidênciaAdvogados: Drs. José Odoraldo Medeiros Pinheiro e outro

Apelado: Banco Brasileiro e Coml. S/A - BBC Advogados: Drs. Roberto Itte Soeiro de Souza e outro

Interessado: Banco Central do BrasilAdvogados: Drs. Yury Restano Machado e outros

EMENTA

Constitucional e Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Instituição financeira. Liquidação extrajudicial. Prejuízo aos investidores. Fiscalização do BACEN. Omissão. Efeitos.

1. Com efeito, consoante reiteradamente tem decidido a Suprema Corte, o disposto no art. 37, § 6º, da CF de 1988 (art. 107 da CF de 1969) caracteriza a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo, porém, com temperamentos (RE nº 68.107-SP, rel. Min. Thompson Flores, in RTJ 55/50; RE nº 116.658-SP, rel. Min. Francisco Rezek, in RTJ 131/417 ). Ora, consoante bem assinalou o eminente Juiz a quo, as Leis nos 4.595/64 e 4.728/65 investiram o Banco Central do Brasil na posição de órgão controlador

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do funcionamento das instituições financeiras, conferindo-lhe poderes de fiscalização e vigilância do mercado financeiro, ou seja, poderes de polícia administrativa. Essa condição de órgão fiscalizador, por si só, não torna o BACEN garante das instituições financeiras, já que a sua atividade visa a prevenir prejuízos (TRF 4ª R., AC nº 90.04.09451-2-PR, in LEX-JSTF e TRF, v. 48/531-2). Assim, tratando-se de responsabilidade por atos omissivos da Administração Pública, não é caso de responsabilidade objetiva, e sim subjetiva, somente podendo acarretar a responsabilidade do BACEN se comprovada a conduta dolosa ou culposa de seus agentes contribuindo, portanto, para a verificação do evento danoso. Impende acentuar-se que a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Lei Maior não se aplica ao ato emissivo do Poder Público, nos termos da doutrina e da jurisprudência (Celso Antônio Bandeira de Mello, “Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos Administrativos”, in Revista dos Tribs., 552/13; TJMG, Ap. nº 76.928/1, rel. Desembargador Oliveira Leite, in Revista Forense, v. 305/202). Outro não é o entendimento da doutrina, ao examinar a posição do Banco Central da França, em monografia escrita por Dimitris Triantafyllou, verbis: “Ayant à étudier la Banque de France comme autorité administrative on a parlè de ses prérogatives et de ses missions pour conclure sur ses actes, sans insister sur la responsabilité pouvant résulter de ces derniers. Dans la mesure où la Banque exerce un service public administratif, la mise en cause de sa responsabilité relève du juge administratif, même si elle est considérée comme personne de droit privé. Il est significatif que la Cour de cassation, statuant sur l’imunité de la Banque du Japon, quand celle-ci exerce sa mission de contrôle des changespour le compte de l’Etat dans 1’intérêt du service public et par des actes de puissance publique, ait utilisé les catégories de la responsabilité administrative pour cantonner 1’immbunité aux cas où en droit français les tribunaux administratifs seraient compétents, c’est-à-dire aux cas de faute de service. On peut présumer que faute lourde serait requise, en raison de la complexité de la matière (comme en matière fiscale) pour la mise en cause de la responsabilité de la Banque.” (In L’Activité Administrative de la Banque Centrale, Libraire de la Cour de cassation, Paris, 1992, p. 72). No mesmo sentido, manifesta-se Henry Lalou, verbis: “Pas davantage 1’Etat n’est responsable du détournement par un banquier de bons du

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Trésor er de titres de rente au préjudice d’un particulier qui les avait remis au banquier en vue des opérations de conversion prescrites par la loi du 17 septembre 1932: ce particulier, en effet, a déposé les valeurs dont s’agit dans un établissement de crédit qu’il avait libremnt choisi, en dehors de toute in tervention de l’Administration, et, d’autre part, aucune disposition de loi ou de règlement n’imposait à 1’Administration l’obligation de fixer limitativement la liste des établissements admis à prêter leur entremise pour les échanges de titres rendus nécessaires en vue de la conversion (Cons. d’Et. 23 avr. 1937, Gaz. Pal. 14 sept. 1937)’. (In Traité Pratique de la Responsabilité Civile, 5ª ed., Dalloz, Paris, 1955, p. 915, n9 1524 bis.) Georges Vedel, ao examinar a questão, afirma, verbis:‘Mais la différence avec le droit civil subsiste sur un point très important: c’est que, lorsque certaines activités particulièrement difficiles à remplir sont en cause, seule la faute lourde est de nature à engager la responsabilité de la puissance publique.” (In Droit Administratif, Presses Universitaires de France, 1990, t. 1, p. 578). Ademais, no caso dos autos, não restou demonstrada a comprovação da omissão da fiscalização do BACEN para o efeito de acarretar a sua responsabilidade subjetiva, pois, do exame atento dos autos, não é possível afirmar-se que a fiscalização da autarquia poderia ter evitado a liquidação extrajudicial da Coroa S/A – Crédito, Financiamento e Investimento. Essa é a jurisprudência dos Tribunais ao apreciar idêntico caso dos autos: STJ, REsp nº 43.102-6, rel. Min. Milton Pereira, in DJU I de 05.06.95, p. 16.637; TRF da 4ª Região, in RTRF 8/169. Ora, é certo que a responsabilidade civil do Poder Público, com o correr dos anos, tem sido informada, cada vez mais, pelos princípios que regem o direito público (v.g., Santi Romano, in Corso di Diritto Amministrativo - Principi Generali. 3ª ed., CEDAM, Padova, 1937, pp. 299/300, § 1º, nº 1), porém, admitir-se, como pretende a inicial, a responsabilidade objetiva do BACEN, pela omissão na fiscalização de instituição financeira, é interpretar-se equivocadamente o art. 107 da CF de 1969 - hoje art. 37, § 6º, da CF de 1988 -, que não se aplica ao ato omissivo do Poder Público. É de acrescentar-se, ainda, que em nenhum momento restou comprovado que o dano sofrido pelos autores, ora recorrentes, decorreu da omissão do BACEN, ônus que lhes cabia, a teor do art. 333, I, do CPC.

2. Precedentes do STJ.3. Improvimento da apelação.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de agosto de 2002.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A r. sentença recorrida, às fls. 327/9, bem esclarece a controvérsia, verbis:

“SOCIEDADE SULINA DIVINA PROVIDÊNCIA, já qualificada na inicial, ajuizou ação ordinária de restituição, cumulada com cobrança, declaração e pedido de tutela antecipada em face do BANCO BRASILEIRO E COMERCIAL S/A - BBC, instituição financeira em liquidação extrajudicial, e BANCO CENTRAL DO BRASIL, alegando, em síntese, que pelo Ato nº 803, de 15.05.98, o Presidente do Banco Central do Brasil - BACEN decretou a liquidação extrajudicial do Banco Brasileiro e Comercial S/A - BBC, tornando indisponíveis os ativos financeiros da Autora relativos às aplicações em CDB/RDB que, na época, correspondiam ao saldo de R$ 3.808.270,00. Em 22.06.98, com o processo de liquidação fluindo, foi restituído à autora, pelo Fundo Garantidor de Créditos, o montante de R$ 20.000,00. Em 09.09.98, foi publicado no Diário Oficial da União edital de convocação para que a autora apresentasse ‘Declaração de Crédito’ perante o liquidante do BBC. Em 29.09.98, a autora habilitou seu crédito em formulário próprio da liquidanda. No formulário elaborado unilateralmente pela instituição, o crédito apresentou um saldo de R$ 3.815.879,52.

Aduziu ser entidade filantrópica sem fins lucrativos, mantenedora de quatro hospitais, três escolas, uma creche e duas casas de atendimento ao idoso e trinta e um núcleos assistenciais, localizados em Porto Alegre e outras cidades do interior do Rio Grande do Sul, bem como em outros estados da federação, sendo que no ano de 1998, 65,14% dos atendimentos feitos nos hospitais mantidos pela autora foram realizados a pacientes pelo sistema SUS/gratuitos. Para aumentar ainda mais as atividades, tendo em vista o aumento crescente de pessoas que buscam atendimento em seus hospitais, sentiu necessidade de ampliar, primeiramente, as dependências do Hospital Divina Providência, situado em Porto Alegre. Para tanto, sem necessidade de utilização de verbas governamentais, foi necessário que se fizesse uma poupança. Quando já dispunha da verba suficiente para iniciar a ampliação foi determinada a liquidação extrajudicial do BBC, onde a demandante possuía o dinheiro aplicado. Atualmente o projeto encontra-se em fase final de aprovação, já tendo a declaração da viabilidade da Prefeitura Municipal, com o qual a capacidade de internação será ampliada para mais trinta leitos.

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Sustentou a inconstitucionalidade da Lei nº 6.024/74, uma vez que afrontaria o disposto no art. 5º, incisos XXII e LIV, da Constituição Federal de 1988, considerando que autoriza o bloqueio de bens sem o devido processo legal, sendo o caso da referida Lei semelhante ao do DL 70/66 e Lei nº 5.741/71, que teriam sido considerados inconstitucionais pela jurisprudência dominante. O ato nº 803 do Presidente do Banco Central teria extinto o direito de propriedade da autora e, ao mesmo tempo, teria criado o direito de confisco de bens. O Banco Central responderia objetivamente, tendo incorrido em ilícito civil, uma vez que de sua inércia emanaram os danos de violação ao direito de propriedade da autora, já que segundo o art. 10, inciso IX, da Lei nº 4.595/64 a fiscalização das instituições financeiras é competência privativa do BACEN e, neste caso, não teria ele tomado as medidas necessárias para evitar que a instituição financeira co-ré chegasse ao irreversível estágio de decretação direta de liquidação extrajudicial.

Quando da liquidação do BBC o valor pertencente a autora encontrava-se aplicado em CDB/RDB e por determinação do liquidante (BACEN) tal crédito foi classificado como ‘quirografário’, o que não poderia ter ocorrido, uma vez que tais títulos foram criados pela Lei nº 4.728/65, para servir e reforçar financeiramente os bancos, não podendo ser classificados como crédito quirografário, mas sim, como crédito privilegiado, nos termos do parágrafo 3º do art. 10 daquela Lei.

Sustentou, ainda, que incide naturalmente correção monetária sobre os valores em depósitos em instituições liquidandas, sendo que os juros remuneratórios e moratórios, até a data da decretação da liquidação extrajudicial deve obedecer ao convencionado entre as partes e, após, deverão ser calculados com base no juro médio praticado pelas instituições bancárias que fornecem moeda ao tomador a base de juro médio/mensal de 11% ou, no mínimo, em taxa igual à praticada em data anterior à intervenção.

Requereu: 1 - declarar o crédito da autora como preferencial, nos termos do art. 102, § 2º,

inciso I, do DL 7.661/45 c/c art. 30, § 3º, da Lei nº 4.728/65; 2 - determinar que o BBC, na pessoa de seu liquidante, junte a cópia do contrato

relativo ao depósito objeto desta lide e o histórico da conta corrente ab initio, e esclareça que índices foram avençados relativamente aos juros remuneratórios do valor depositado, para demonstrar os cálculos que fez na correção do depósito, antes e após a liquidação;

3 - declarar, na ausência de previsão quanto ao juro remuneratório, qual a taxa de juros que incide sobre o contrato e seu período de vigência e, havendo previsão, que a taxa contratada seja aplicada também no período pós-liquidação;

4 - determinar que o BBC, por seu liquidante, informe nos autos o índice de correção monetária aplicado sobre valor depositado antes e após a decretação de liquidação extrajudicial;

5 - condenar a instituição liquidanda e órgão liquidante (BACEN), por responsabilidade objetiva, à restituição, corrigida na forma ajustada, do valor depositado no BBC e não devolvido ao autor pelo Fundo Garantidor de Crédito, ou seja, R$ 3.815.879,52;

6 - condenar os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios

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de sucumbência. Juntou documentos. O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido, sendo mantido em

grau de recurso. Citado, o BACEN contestou através da petição das fls. 137/161, argüindo,

preliminarmente, a carência de ação por ilegitimidade passiva e, no mérito, sustentou a constitucionalidade da Lei nº 6.024/74, ausência de omissão do BACEN na fiscalização, inexistência de nexo causal, acesso ao PROER, condicionado à expressa autorização da autarquia contestante, tendo como pré-requisito básico a mudança de controlador e, ainda, não ser privilegiada a natureza do crédito da autora.

Juntou documentos. O Banco Brasileiro Comercial S/A contestou através da petição das fls. 249/254,

sustentando a impossibilidade de antecipar-se os efeitos da tutela face à ordem legal para liberação dos valores no caso de instituição financeira em liquidação extrajudicial e, no mérito, refutou as alegações da parte autora.

Manifestou-se a parte autora sobre as contestações e, não havendo outras provas a produzir, vieram conclusos os autos para sentença.

É o relatório.”

Interposta a apelação, postula a recorrente a reforma do julgado.Os apelados apresentaram contra-razões.Foi deferido o pedido de fl. 404, tendo o BACEN se manifestado à fl.

410.O MPF opinou pelo improvimento do recurso.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço da apelação, negando-lhe provimento.

A questão da recepção pela CF/88 da Lei nº 6.024/74 restou superada pela jurisprudência, verbis:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO LIQUIDANTE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPATIBILIDADE DA LEI 6.024/74 COM A CF DE 1988.

1. Sendo o liquidante órgão do Banco Central, agindo por delegação deste, é competente a Justiça Federal para apreciar mandado de segurança impetrado contra ato do mesmo.

2. A Lei 6.024/74 é compatível com a Constituição de 1988. O bloqueio dos depósitos existentes na instituição em processo de liquidação destina-se a possibilitar a apuração dos haveres e posterior distribuição aos credores, atendendo o princípio da isonomia.

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3. Remessa oficial e apelo providos.” (TRF 5ª Região, Proc. Nº 00505638-5, 1ª Turma, DJ 10.04.92, Rel. Juiz Francisco Falcão)

“COMERCIAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEI 6.024, DE 13 DE MARÇO DE 1974. DECRETO-LEI Nº 448, DE 3 DE FEVEREIRO DE 1969. LEI Nº 4.728, DE 14 DE JULHO DE 1965.

1. O processo de liquidação extrajudicial não exige contraditório. 2. A liquidação extrajudicial se dá quando ocorrem as hipóteses previstas no art. 15,

inciso I, da referida Lei e o seu processo está disciplinado nos arts. 16 e 35.3. Inexistência de elementos que importem nulidade da decretação de nulidade

da liquidação extrajudicial.”. (TRF 1ª Região, Proc. nº 014808-5, 3ª Turma, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJ 28.11.97)

Em seu parecer, às fls. 399/400, anotou o MPF, verbis:“Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente a ação

em face do BACEN e julgou parcialmente procedente a ação em relação ao Banco Brasileiro e Comercial S.A. - BBC, determinando a restituição do valor depositado pela autora devidamente corrigido, após observado o regular processamento da liquidação e a ordem de preferência legal dos créditos.

A apelante pretende a reforma da decisão sob a justificativa de que se trata de entidade beneficente sem fins lucrativos que necessita do numerário lá depositado para dar andamentos a seus projetos.

O apelo não merece provimento. Sentença que deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos e especialmente

pela ausência de exceção legal que privilegie os depósitos da autora em detrimento dos demais créditos de conta corrente. Verbis:

‘Como se vê, os dispositivos legais invocados pela parte autora em nenhum momento propiciam que se reconheça o seu crédito como especial. Há evidente equívoco de sua parte. Ocorre que a Lei. 7.661/45 apresenta a ordem de preferência para pagamento dos créditos no caso de falência de empresa, enquanto a Lei 4.728/65 dispõe a respeito da impossibilidade de penhora, arresto, seqüestro, busca e apreensão ou qualquer outro embaraço que impeça o pagamento da importância depositada e seus juros que se encontre em situação financeira em operação regular, o que não se confunde com instituição em regime de liquidação extrajudicial, como é o caso dos autos. Neste caso, para a liberação da quantia depositada, há que se obedecer todo o procedimento previsto na Lei 6.024/74, observando-se a realidade do ativo da instituição liquidanda e a preferência dos créditos conforme disposto no art. 102 da Lei 7.661/45.’

Como se vê, não há previsão alguma que possa determinar a liberação imediata da quantia depositada, devendo ser observado o pagamento segundo as condições da própria instituição financeira e segundo a natureza dos créditos.

Isto posto, opina o Parquet pelo conhecimento e improvimento do apelo.”

Com efeito, consoante reiteradamente tem decidido a Suprema Corte,

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o disposto no art. 37, § 6º, da CF de 1988 (art. 107 da CF de 1969) caracteriza a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo, porém, com temperamentos. (RE nº 68.107-SP, rel. Min. Thompson Flores, in RTJ 55/50; RE nº 116.658-SP, rel. Min. Francisco Rezek, in RTJ 131/417 )

Ora, consoante bem assinalou o eminente Juiz a quo, as Leis nos 4.595/64 e 4.728/65 investiram o Banco Central do Brasil na posição de órgão controlador do funcionamento das instituições financeiras, conferindo-lhe poderes de fiscalização e vigilância do mercado financeiro, ou seja, poderes de polícia administrativa.

Essa condição de órgão fiscalizador, por si só, não torna o BACEN garante das instituições financeiras, já que a sua atividade visa a prevenir prejuízos. (TRF 4ª R., AC nº 90.04.09451-2-PR, in LEX-JSTF e TRF, v. 48/531-2)

Assim, tratando-se de responsabilidade por atos omissivos da Administração Pública, não é caso de responsabilidade objetiva, e sim subjetiva, somente podendo acarretar a responsabilidade do BACEN se comprovada a conduta dolosa ou culposa de seus agentes, contribuindo, portanto, para a verificação do evento danoso.

Impende acentuar-se que a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Lei Maior não se aplica ao ato emissivo do Poder Público, nos termos da doutrina e da jurisprudência. (Celso Antônio Bandeira de Mello, “Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos Administrativos”, in Revista dos Tribs., 552/13; TJMG, Ap. nº 76.928/1, rel. Desembargador Oliveira Leite, in Revista Forense, v. 305/202)

Outro não é o entendimento da doutrina, ao examinar a posição do Banco Central da França, em monografia escrita por Dimitris Triantafyllou, verbis:

“Ayant à étudier la Banque de France comme autorité administrative on a parlè de ses prérogatives et de ses missions pour conclure sur ses actes, sans insister sur la responsabilité pouvant résulter de ces derniers. Dans la mesure où la Banque exerce un service public administratif, la mise en cause de sa responsabilité relève du juge administratif, même si elle est considérée comme personne de droit privé. Il est significatif que la Cour de cassation, statuant sur l’imunité de la Banque du Japon, quand celle-ci exerce sa mission de contrôle des changespour le compte de l’Etat dans 1’intérêt du service public et par des actes de puissance publique, ait utilisé les catégories de la responsabilité administrative pour cantonner 1’immbunité aux cas où en droit français les tribunaux administratifs seraient compétents, c’est-à-dire aux

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cas de faute de service. On peut présumer que faute lourde serait requise, en raison de la complexité de la matière (comme en matière fiscale) pour la mise en cause de la responsabilité de la Banque.” (In L’Activité Administrative de la Banque Centrale, Libraire de la Cour de cassation, Paris, 1992, p. 72)

No mesmo sentido, manifesta-se Henry Lalou, verbis: “Pas davantage 1’Etat n’est responsable du détournement par un banquier de

bons du Trésor er de titres de rente au préjudice d’un particulier qui les avait remis au banquier en vue des opérations de conversion prescrites par la loi du 17 septembre 1932: ce particulier, en effet, a déposé les valeurs dont s’agit dans un établissement de crédit qu’il avait libremnt choisi, en dehors de toute intervention de l’Administration, et, d’autre part, aucune disposition de loi ou de règlement n’imposait à 1’Administration l’obligation de fixer limitativement la liste des établissements admis à prêter leur entremise pour les échanges de titres rendus nécessaires en vue de la conversion (Cons. d’Et. 23 avr. 1937, Gaz. Pal. 14 sept. 1937)”. (In Traité Pratique de la Responsabilité Civile, 5ª ed., Dalloz, Paris, 1955, p. 915, n9 1524 bis. )

Georges Vedel, ao examinar a questão, afirma, verbis:

“Mais la différence avec le droit civil subsiste sur un point très important: c’est que, lorsque certaines activités particulièrement difficiles à remplir sont en cause, seule la faute lourde est de nature à engager la responsabilité de la puissance publique.”. (In Droit Administratif, Presses Universitaires de France, 1990, t. 1, p. 578 )

Ademais, no caso dos autos, não restou demonstrada a comprovação da omissão da fiscalização do BACEN para o efeito de acarretar a sua responsabilidade subjetiva, pois, do exame atento dos autos, não é possível afirmar-se que a fiscalização da autarquia poderia ter evitado a liquidação extrajudicial da Coroa S/A-Crédito, Financiamento e Investimento.

Essa é a jurisprudência dos Tribunais ao apreciar idêntico caso dos autos: STJ, REsp. nº 43.102-6, rel. Min. Milton Pereira, in DJU I de 05.06.95, p. 16.637; TRF da 4ª Região, in RTRF 8/169.

Ora, é certo que a responsabilidade civil do Poder Público, com o correr dos anos, tem sido informada, cada vez mais, pelos princípios que regem o direito público (v.g., Santi Romano, in Corso di Diritto Amministrativo - Principi Generali. 3ª ed., CEDAM, Padova, 1937, pp. 299/300, § 1º, n. 1), porém, admitir-se, como pretende a inicial, a responsabilidade objetiva do BACEN pela omissão na fiscalização de instituição financeira, é interpretar-se equivocadamente o art. 107 da CF de 1969 - hoje art. 37, § 6º, da CF de 1988 -, que não se aplica ao ato

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omissivo do Poder Público. É de acrescentar-se, ainda, que, em nenhum momento, restou

comprovado que o dano sofrido pelos autores, ora recorrentes, decorreu da omissão do BACEN, ônus que lhes cabia, a teor do art. 333, I, do CPC.

Por esses motivos, conheço da apelação, negando-lhe provimento.É o meu voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.03.001538-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Apelante: Janone Morais AltermannAdvogado: Dr. Roberto Beltrão Rizk

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Uruguaiana/RS

EMENTA

Administrativo. Ação de Indenização. Lucros cessantes. Prova. Dano.O lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda

indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória.

Arts. 1059 e 1060 do Código Civil. Interpretação.Incumbe àquele que alega a lesão ao seu patrimônio o ônus de

demonstrar a existência dessa lesão, propiciando ao julgador as provas que tornem convincente a frustração do lucro que teria ocorrido, não

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fosse o advento do fato danoso.Improvimento das apelações e da remessa oficial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de abril de 2002.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A r. sentença recorrida, às fls. 293/5, expõe com precisão a controvérsia, verbis:

“Trata-se de Ação Ordinária ajuizada por JANONE MORAIS ALTERMANN contra a UNIÃO. Narra a inicial que, em 24.01.83 o autor foi autuado em flagrante, por ato do Sr. Inspetor da Receita Federal de Itaqui, por transportar sem documentação fiscal, nas imediações da ponte sobre o Rio Ibicuí, 1.180 (um mil, cento e oitenta) kg de arroz polido e 2.450 (dois mil quatrocentos e cinqüenta) kg de feijão preto, de procedência argentina. O autor foi punido com a apreensão das mercadorias, bem como do caminhão (Mercedez-Benz, tipo 1113, modelo 1980, capacidade 19 ton. potência 145 HP) de sua propriedade que transportava o produto. Contra o ato de apreensão do veículo insurgiu-se o autor através de Mandado de Segurança, impetrado em 30.06.83, com o objetivo de ver declarada a ilegalidade da apreensão e pleiteando a liberação do caminhão, tendo em vista a desproporcionalidade entre o valor da mercadoria apreendida e o do caminhão que transportava o produto, o qual em 19.10.84 foi julgado improcedente. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação perante o Tribunal Federal de Recursos, sendo que em 30.11.87 foi dado provimento parcial, tendo sido determinada a cassação da sentença e o prosseguimento do processo em 1ª instância. Em 22.04.88, já no Juízo de origem foi proferida sentença julgando o autor carecedor de ação. O autor interpôs novo recurso de apelação, agora perante o TRF da 4ª Região, sendo que em 16.12.93, por unanimidade, foi dado provimento ao recurso, reconhecendo a tempestividade da impetração do mandado de segurança. Em 23.03.95, em 1ª instância, foi sentenciado negando a pretensão do autor, argumentando estarem em pleno vigor as normas legais que fundamentaram a apreensão. O autor, irresignado com a decisão de 1º grau, aforou novamente recurso de apelação perante o TRF da 4ª Região, onde em acórdão datado de 27.02.97 foi determinada a reintegração do veículo apreendido ao patrimônio do autor. A referida decisão não pôde ser cumprida em face de o veículo ter sido doado

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à Prefeitura de Palmares do SUL/RS, fato que ocorreu antes mesmo do trânsito em julgado do Mandado de Segurança, o que veio a acarretar a interposição da presente Ação Ordinária, pugnando a parte autora pela condenação da União ao pagamento de dano emergente, fundamentando na perda do caminhão, ilegal e abusivamente apreendido pela requerida e, posteriormente, irregularmente alienado por meio de doação à Prefeitura de Palmares do Sul; e lucros cessantes, como forma de indenização pelos lucros que o mesmo deixou de auferir, propugnando pela incidência de correção monetária e juros sobre tais valores. Juntou procuração e documentos.

Devidamente citada, a União contestou (fls.161/168), alegando em preliminar a falta de interesse processual, pelo fato de que o autor teria sido comunicado pelo Serviço de Arrecadação da Delegacia da Receita Federal que se encontrava a sua disposição, a título de indenização, o montante de R$ 738,34 (setecentos e trinta e oito reais e trinta e quatro centavos). No mérito, disse que o autor incorreu em ilícito fiscal em razão da apreensão de mercadorias estrangeiras sem comprovação regular de importação, portanto, legal o ato administrativo que determinou o perdimento do veículo e da carga. As mercadorias por serem perecíveis foram objeto de leilão. Disse, ainda, que o autor embora tenha sido intimado a apresentar defesa ou impugnação, não apresentou qualquer manifestação no prazo legal, tendo sido lavrado o Termo de Revelia. Dentre outros argumentos a União alegou, a legalidade da apreensão e aplicação da pena de perdimento levantando ainda, a falta de causalidade entre o dano e a ação que o provocou. Quanto à destinação dada ao veículo, durante o decurso do Mandado de Segurança, a União fundamentou seu ato nas determinações da Portaria do MF nº 271, de 14.07.76, itens 16 a 20, com a redação dada pela Portaria nº 249, de 04.11.81 e do artigo 30 do Decreto-Lei 1.455/75, com redação dada pelo artigo 83, II, da Lei 7.450/85, que autorizaria a destinação do veículo à Prefeitura de Palmares do Sul, independente do fato estar pendente de apreciação judicial. Quanto ao dano emergente, em razão da impossibilidade de restituição do veículo a Fazenda Nacional efetuou o pagamento de indenização ao interessado. Pede pela improcedência dos lucros cessantes, já que o autor deu causa ao ato de apreensão do veículo, bem como dos juros e correção monetária sobre tais valores. Juntou documentos. (fls. 169/173)

A parte autora, apresentou réplica (fls. 182/197), reportando-se aos termos da inicial. Em decisão (fl. 205), foi rejeitada a preliminar de falta de interesse processual. Intimados a especificarem as provas que pretendiam produzir, a União manifestou-se

à fl. 180, dizendo não ter mais provas a produzir e requerendo o julgamento antecipado da lide, enquanto o autor às fls. 198/199, requereu a produção de prova testemunhal.

Realizada a audiência de inquirição de testemunhas, sobrevieram os termos de audiência e de inquirição de testemunhas aos autos. (fls. 268, 269, 269v.)

Intimadas, as partes apresentaram memoriais. A parte autora às fls. 274/286, sustentando o dever da União de indenização em dano emergente, lucros cessantes, mais incidência de correção monetária, juros, custas e honorários advocatícios. A União fls. 287/290, sustentando integralmente os termos da contestação, requereu a total improcedência da ação e condenação do autor em custas e honorários advocatícios.

Vieram os autos conclusos para sentença.”

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A União Federal e a parte autora apelaram da sentença, postulando a sua modificação.

O MPF opinou pelo improvimento dos recursos.É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Conheço das apelações e da remessa oficial, negando-lhes provimento.

No que diz com a preliminar suscitada na contestação, bem andou o Magistrado ao rejeitá-la, em sua sentença, à fl. 295, verbis:

“Quanto à preliminar de falta de interesse processual aduzida pela União, tenho que tal não prospera haja vista inexistir nos autos prova da comunicação da disponibilização da indenização, cujo valor ofertado, de qualquer sorte, não cobriria a pretensão de indenização da parte, em razão do que, tenho por superar a alegação.”

Quanto ao mérito, impõe-se a manutenção da r. sentença.Para acolher, em parte, o pedido, às fls. 295/6, anotou o Juiz Federal,

verbis:“No mérito, quanto aos danos emergentes procede a pretensão. É que, uma vez

tendo sido determinada pelo Juízo a restituição do veículo aprendido, restituição esta que se tornou impossível em razão da destinação dada pela autoridade federal, não resta qualquer outra conclusão que não a constatação da obrigação indenizatória da União, que deverá pagar ao autor o valor correspondente a um veículo em condições similares ao do autor ao tempo da apreensão, valor a ser corrigido monetariamente desde a data da apreensão e acrescido de juros moratórios a contar de então, tudo até o efetivo pagamento.

Neste passo, uma vez que a restituição do veículo fora determinada por decisão judicial transitada em julgado, não há espaço para os argumentos acerca da legalidade do ato de apreensão.

Certo é, assim, que procede o pedido de indenização do dano emergente. No que diz com a indenização pelos lucros cessantes, ainda que tal possa, num

primeiro momento, se afigurar uma implicação lógica, considerando a culpa concorrente do autor, pois a apreensão, conforme consta, decorreu de ilícito fiscal praticado pelo autor ao transportar mercadoria de importação irregular, tendo-se dado a restituição do veículo em razão da desproporção de valor entre as mercadorias e o veículo.

Logo, tendo o autor concorrido com extrema culpa para a ocorrência do evento, tenho que a distribuição das responsabilidades conforme os graus de culpa permite determinar que a ré indenize os danos emergentes e o autor suporte por si os ônus da cessação da atividade.”

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No mesmo sentido, o parecer do MPF, às fls. 338/340, verbis:“Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente

a ação para condenar a União Federal a pagar ao autor o valor correspondente a um veículo em condições similares ao tempo da apreensão.

O autor pretende, em sede de apelação, o acréscimo na condenação dos lucros cessantes. Enquanto a União pretende reverter a condenação sob a argumentação de que o valor indenizatório pelo caminhão apreendido (R$ 738,34) sempre esteve a disposição do autor.

Os apelos não merecem provimento. A indenização nos chamados lucros cessantes depende de prova específica da

existência de rendimentos que deixaram de ser auferidos em razão de ato lesivo ao patrimônio do autor. Importa ressaltar de início que o ato de apreensão do caminhão à época dos fatos decorreu de exercício regular do poder de fiscalização pública, especialmente diante do transporte irregular de mercadorias. Logo, a retenção do veículo somente se tornou indevida a partir da ordem judicial de restituição do bem, que não foi obedecida diante da doação inusitada e irregular ocorrida, e não a partir do confisco do caminhão.

Por outro lado não há prova nos autos de eventual rendimento que tal bem pudesse gerar em favor do autor. Em que pese a possibilidade de simples presunção em tal sentido, os lucros cessantes devem ser cabalmente demonstrados, como de resto qualquer dano alegado. Ausente a prova do dano efetivo, não há o que se indenizar.

De igual forma não assiste razão à União, posto que o valor indenizatório deve permitir ao lesado o retorno ao estado anterior das coisas, e não a fixação de mera indenização simbólica, como pretende.

A respeito da necessidade de prova cabal dos danos alegados, transcrevemos as seguintes ementas.

‘DANO MATERIAL DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO - NECESSIDADE - COMPROVAÇÃO DO DANO EMERGENTE E LUCROS CESSANTES - Considerando que a reparação de dano material deve corresponder ao dano emergente (o que o acidentado perdeu, seja com despesas médico-hospitalares, medicamentos, transporte, etc.) e aos lucros cessantes (o que deixou de ganhar em virtude do acidente, como a perda ou a redução de seus ganhos), é necessário para concessão de tal indenização que haja prova cabal da ocorrência de pelo menos uma destas circunstâncias. Segundo a lição do eminente Juiz do Trabalho, Sebastião Geraldo de Oliveira, ao comentar sobre a reparação de danos materiais, ‘a idéia central da reparação resume-se na recomposição do patrimônio do acidentado ao mesmo patamar existente antes do acidente’ (in Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador, LTr, 1996, p. 188). No caso dos autos, não há qualquer alegação e tampouco prova de que o obreiro tenha suportado despesa médica e/ou hospitalar em decorrência da lesão que sofreu, que tivesse acarretado em diminuição de seu patrimônio. Inexiste ainda qualquer elemento de prova que autorize inferir que deixou ele de obter algum ganho em função do acidente sofrido, mesmo porque este afirmou que continua recebendo

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benefício previdenciário, inexistindo prova ou mesmo alegação de que tal benefício seja inferior ao valor que recebia do banco em atividade, circunstâncias que desautorizam a manutenção da indenização deferida a tal título em primeira instância.’ (TRT 3ªR - RO 13.890/00 – 2ª T. – Rela. Juíza Maristela Iris da S. Malheiros - DJMG 23.05.2001)

‘INDENIZAÇÃO - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - NÃO ENTREGA DE MERCADORIA - DANO MORAL - QUANTIFICAÇÃO - Afixação do quantum ressarcitório a título de dano moral deve considerar a extensão da lesão do patrimônio moral da vítima. No caso dos autos, o dano moral cinge-se a ferimento na imagem comercial da vítima, assim, bem quantificado em montante apto a não ensejar enriquecimento indevido e que também satisfaz o aspecto punitivo da condenação. LUCROS CESSANTES - A pretensão a título de ressarcimento por dano em potencial não merece agasalho frente ausência de prova cabal do invocado prejuízo. DANO MORAL - PESSOA JURÍDICA - POSSIBILIDADE - Ofensa a imagem e ao nome da empresa traduz ferimento moral que merece reparabilidade. SUCUMBÊNCIA - Evidenciado que o autor decaiu de parte do pedido, assim restando parcialmente vencido, impõe-se a distribuição da verba sucumbencial. Primeira apelação desprovida e segunda apelação parcialmente provida.’ (TJRS - APC 70000701342 – 2ª C.Cív.Esp. - Rel. Des. Jorge Luis Dall’agnol – J. 19.04.2000)

Isto posto, opina o Parquet pelo conhecimento e improvimento dos apelos.”

Correto o parecer.Com efeito, o problema da ressarcibilidade dos lucros cessantes é dos

mais complexos na fixação da indenização das perdas e danos. Como acentuado por Carvalho Santos, os lucros cessantes, para serem

indenizáveis, devem ser fundados em bases seguras, de forma a não compreender os lucros imaginários ou fantásticos. (J. M. de Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, Calvino Fº Editor, 1936, Rio de Janeiro, vol. XIV/256, n. 4)

Não há como negar a atualidade da lição de Dernburg, quando afirma, verbis:

“Così pure può derivare dal frustramento del guadagno, che dovevasi ottenere, - il cosiddetto lucrum cessans. Esso è veramente una quantità più o meno problematica. La certezza non può esser richiesta, non può di regola essere raggiunta, ma le semplici iliusioni di un guadagno neanche vanno considerate. Il diritto non tien conto delle fatasie.”. (in Pandette - Diritto delle Obbligazioni, trad. de Cicala, Fratelli Bocca Editori, Turim, 1903, vol. II, p. 178, § 45, n. 1)

No Direito Positivo brasileiro, a indenização dos lucros cessantes encontra-se disciplinada nos arts. 1.059 e 1.060 do CC.

Com efeito, preceitua o art. 1.059 do CC que o lucro cessante corresponde àquilo a que razoavelmente deixou o credor de lucrar,

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observado o disposto no art. 1.060 do mesmo Código. A reparação das perdas e danos abrangerá, portanto, a restauração

do que o credor efetivamente perdeu e a composição do que deixou de ganhar, apurado conforme um juízo de probabilidade, considerando o Magistrado, ao fixar o quantum das perdas e danos, as peculiaridades do caso concreto.

A maior dificuldade, todavia, reside na tormentosa questão da prova dos lucros cessantes.

Em interessante estudo, publicado no verbete “Lucro Cessante”, in Dizionario Pratico del Diritto Privato, de Vittorio Scialoja, vol. III, pp. II=Ip=L, 429 e ss., Alessandro Graziani aborda exaustivamente o tema, analisando as diversas correntes doutrinárias e a própria Jurisprudência italiana, verbis:

“Il problema viene posto, ma non convenientemente discusso. Il quesito è posto, dal punto di vista dell’avente diritto al risarcimento, così: dovrà constui provare che avrebbe certamente ricavato il lucro, o sarà sufficiente che egli provi che il lucro sarebbe stato da lui probabilmente percepito, ove non fosse subentrato l’evento danneggiante?

La dottrina si divide in due campi. Da un lato si afferma che il lucro cessante per essere risarcibile dev’essere certo,

deve cioè provarsi, da chi pretende il risarcimento, che il lucro si sarebbe certamente prodotto qualora 1’evento danneggiante non fosse sopravvenuto. Dall’altro si sostiene che perchè il lucro sia risarcibile è sufficiente che sia probabile, e che i1 danneggiato dimostri che senza 1’evento danneggiante egli avrebbe secondo il comune corso delle cose, ritratto il lucro.

(...) La giurisprudenza rispecchia le oscillazioni della dottrina. E se tavolta richiese che

fosse provata la certezza del lucro (App. Roma 23.7.1921, Giur. It., 1921, 1, 2, 270; Cass. Roma, 18.5.1923, Giur. Ít., 1923, I, 1, 576; Cass. Roma, 20.4.1923, Giur. Ít., 1923, I, 1, 507), ritenendo indispensabile la prova che il lucro sarebbe entro un dato termine inevitabilmente verificato (Cass. Torino, 25.11.1914, Rep. Giur. It., 1913, Colpa civ., n. 137); tal altra, e nella maggior parte dei casi, parlò di relativa certezza, quale può essere data da complesso delle circostanze, dalla esperienza, dal corso naturale degli eventi umani (App. Milano 27.6.1919, Mon. Trib., 627), di ‘certezza se non apodittica almeno umana, ma di quella certezza cioè che è compatibile col corso degli umani eventi, e che offre perciò nell’ordinario dei casi tale grado di alta probabilità da potersi difficilmente reputare il contrario’ (Cass. Firenze, 11.5.1916, Giur. It., 1916, I, 1, 1.317). Parlò ancora di fondata probabilità (App. Milano, 25.5.1920. Mon. Trib., 430), di presumibilità (App. Torino, 6.2.1922, Rep. Giur. It., 1922, Colpa civ. 99), escludendo peraltro sempre il risarcimento nei casi di mera possibilità.

Ma - e sopratutto - la giurisprudenza si lasciò guidare da un attento esame del caso

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specifico che era chiamata a dirimire.”. (Ob. cit., p. 432)

Não há controvérsia no aspecto de que incumbe àquele que alega a lesão ao seu patrimônio o ônus de demonstrar a existência dessa lesão, propiciando ao julgador as provas que tornem convincente a frustração do lucro que teria ocorrido, não fosse o advento do fato danoso.

No que concerne aos consectários legais, observou a r. sentença a jurisprudência do Tribunal.

Por esses motivos, conheço das apelações e da remessa oficial, negando-lhes provimento.

É o meu voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.10.008915-0/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler

Apelante: Gráfica Diário Popular Ltda.Advogado: Dr. Carlos Mario de Almeida Santos

Apelante: Ordem dos Advogados do Brasil - Secção do Rio Grande do Sul

Advogado: Dr. Osvaldo PeruffoApelada: Maria Fernanda Goetzke Pitrez

Advogado: Dr. Armando José Sant’Anna PitrezRemetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Pelotas/RS

EMENTA

Responsabilidade civil. Danos morais. Publicação de artigo ofensivo à honra em jornal. Lei de imprensa. Denunciação da lide ao responsável. Quantum indenizatório.

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1. Publicação de “a pedido” em desagravo à honra de advogado denunciado criminalmente por reter indevidamente processos tidos por desaparecidos no Fórum local, se carregado de palavras ofensivas à honra da Promotora denunciante, enseja responsabilização por danos morais dos responsáveis direto e indireto, pela via da ação e da denunciação da lide, caso presente, de procedência da ação proposta contra o jornal e da denunciação da lide à Ordem dos Advogados do Brasil.

2. A condenação de duzentos salários mínimos não é desarrazoada, considerando que se trata de indenizar a honra de uma Promotora de Justiça, agravada em uma comunidade inteira, através da imprensa escrita, quando lhe foi imputada conduta criminosa, sobretudo considerando a importância da instituição denunciada, a Ordem dos Advogados do Brasil.

3. Improvidos os recursos. ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de junho de 2002.Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de ação indenizatória proposta pela apelada, Promotora de Justiça, contra a apelante Gráfica Diário Popular Ltda. postulando ver-se indenizada no valor de 200 salários mínimos, a título de dano moral, em razão de artigo por esta publicado no Jornal Diário Popular, em maio de 1996, que fora ofensivo à sua honra pessoal e profissional, pois acusada de abuso no exercício de suas funções enquanto Promotora de Justiça na Comarca de Pinheiro Machado, o que lhe causou profundo abalo emocional e enormes prejuízos na sua vida pessoal e profissional.

Em contestação, a apelante argüiu sua ilegitimidade passiva ad causam, em face de que a matéria publicada foi do tipo “a pedido”, firmada pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

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Sustentou seu exercício regular de direito, denunciou a lide à OAB e ao seu presidente Luiz Felipe Magalhães, o que foi acolhido em relação à primeira.

Citada, a OAB sustentou prescrição do direito invocado; que o ato de desagravo ao advogado Ewerton Duarte Dutra foi legitimamente publicado em face de ter sofrido enquadramentos penais por iniciativa da autora, que posteriormente restaram trancados, implicando reconhecimento de conduta não criminosa daquele bacharel, e que tal desagravo se encontra previsto no inciso XVII e no § 2º do art. 7º da Lei 8.906/94, c/c o art. 160, I, do Código Civil.

Foi produzida prova testemunhal e deslocada a competência ratione personae para esta Justiça Federal.

Sentenciando, rejeitou o magistrado a argüição de ilegitimação passiva ad causam da primeira ré, acolhendo o direito de regresso desta em relação à segunda, a OAB, de acordo com os arts. 49 e 50 da Lei 5.250/67, reconheceu efetivamente a ocorrência do fato grave dos termos da publicação, que causou, em última análise, dano moral, por ofensiva à honra da Promotora-autora, julgando parcialmente procedente a demanda para condenar a primeira apelante a indenizá-la, no valor de R$ 22.400,00 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), equivalentes, na época, a duzentos salários mínimos, e julgou procedente a denunciação da lide, condenando o Conselho Seccional do Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil a reembolsar à denunciante, Gráfica Diário Popular Ltda., todas as despesas decorrentes daquela condenação, inclusive as de natureza sucumbencial, mais honorários advocatícios ao patrono da denunciada, arbitrados em 10% sobre o valor do reembolso.

Em seu recurso, a ré Gráfica Diário Popular, a despeito da procedência da denunciação da lide, insurge-se contra a condenação imposta, postulando, pelos mesmos fundamentos expendidos na contestação, a total improcedência da demanda, a saber a sua ilegitimidade passiva ad causam, que fora mero veículo usado pela OAB para desagravar o advogado, esta, sim, responsável por eventuais danos causados à demandante, já que, na medida necessária, franqueou graciosamente espaço para a defesa da autora, e, alternativamente, em caso de inacolhimento do pedido no mérito, a redução do quantum indenizatório.

A OAB, por sua vez, defendeu a legalidade da manifestação de

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desagravo, eis que estribada no art. 7º, inc. XVII, da Lei 8.906/94 e no art. 160, I, do Código Civil; que os vocábulos destacados pela sentença como ofensivos à honra da demandante não podem ser levados em consideração isoladamente, senão no conjunto, em face de que a denúncia ofertada pela Promotora não tivera apoio em qualquer dispositivo legal; ao final, pede a total improcedência da demanda ou a redução do quantum arbitrado para cinqüenta salários mínimos.

Com contra-razões.É o relatório.À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: A controvérsia nestes autos é em torno da publicação de um “a pedido”, no jornal Diário Popular de Pelotas, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, firmada pelo seu então presidente Dr. Luiz Felipe Lima de Magalhães, tratando-se de nota de desagravo a integrante daquela Instituição, o advogado Ewerton Duarte Dutra. O citado advogado fora anteriormente denunciado criminalmente pela Promotora de Justiça Maria Fernanda Goetzke Pitrez, na comarca em que ambos atuavam, em Pinheiro Machado, denúncia regularmente recebida pelo juiz local, mas trancada por decisão superior.

Consta que a referida Promotora, cumprindo mandado judicial de busca e apreensão, juntamente com oficiais de justiça e integrantes das Polícias Civil e Militar e outros dois advogados apreenderam no escritório do Dr. Ewerton oito (08) processos judiciais que constavam como desaparecidos junto às serventias do Fórum, havia vários anos.

A providência extrema foi requerida, pois o referido Bacharel havia anteriormente entregue no fórum outros quatro processos, também tidos por desaparecidos, e inclusive sofrido representação perante a OAB, por outros advogados, de partes contrárias, que suspeitavam da prática costumeira do respectivo bacharel.

Com o trancamento das ações penais, a OAB promoveu a nota de desagravo ao denunciado, elogiando-o pela conduta irrepreensível, em cujo bojo também constou que a Promotora “abusou flagrantemente do poder que lhe é conferido pela digna função de promotora de justiça. Denunciou, assim, impunemente, o Doutor Ewerton Duarte Dutra, por

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antipatia, vingança, inimizade gratuita e sem apoio em qualquer dispositivo legal... Esqueceu-se, portanto, das suas digníssimas atribuições como fiscal da lei, e distorceu esta mesma lei para que ela servisse aos seus propósitos pessoais... Resta portanto, à esta Presidência reiterar as congratulações já feitas ao Doutor Ewerton Duarte Dutra e ao seu defensor...renovar a moção de repúdio à conduta da Doutora Maria Fernanda Goetske Pitrez, Promotora de Justiça de Pinheiro Machado, na sincera esperança de que se situe melhor dentro de suas reais atribuições, e honre a Digníssima Instituição a que pertence...”.(sic)

Sem embargo do fato de que, no geral, este episódio foi efetivamente lamentável, mesmo representando conflito isolado entre integrantes das importantes instituições do Estado Democrático de Direito, que são a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público, por seu órgão estadual de Pinheiro Machado, a despeito, ainda, de não terem vindo aos autos as decisões acerca dos trancamentos das ações penais propostas pela apelada e de não serem estes os objetos da demanda aqui deduzida, trata-se nesta ação somente da repercussão na esfera jurídica da pessoa da Promotora, das palavras, ou excesso verbal do desagravo ao advogado por ela denunciado.

Com efeito, ao magistrado, os eventuais motivos do fato jurídico danoso não devem passar despercebidos, tampouco a gravidade das declarações do representante máximo da Ordem no Estado, conforme apreendeu bem o juízo sentenciante, bem como o meio utilizado para tal mister, com suas conseqüências, cujo ponto máximo foi a responsabilização direta do Jornal e indireta da Ordem dos Advogados do Brasil, na via da denunciação da lide.

Inscrevo-me no entendimento exarado pelo magistrado, de que efetivamente a OAB, na pessoa do seu Presidente, na contramão das denúncias criminais propostas pela autora, e posteriormente frustradas pelo trancamento, imputou àquela a prática de fatos que, em tese, seriam criminosos, como prevaricação e abuso de autoridade, o que, em tese, constituiriam a prática do crime de calúnia, não afastada, ante a não-comprovação de que os termos usados no desagravo constariam das decisões que trancaram as ações penais.

Não exclui a responsabilidade oblíqua da Ordem, o argumento do exercício regular do direito do advogado ser publicamente desagravado, sobretudo proferindo palavras desonrosas à pessoa da Promotora, o que vai de encontro ao interesse público que, em tese, justificaria o direito

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alegado, batendo de frente com instituição pública fundamental ao Estado Democrático de Direito, e fragilizando suas fortes relações, ainda considerando que a imunidade do advogado, prevista no § 2º do art. 7º da Lei 8.906/94, diz respeito à sua atividade profissional, em juízo ou fora dele, não se aplicando, todavia, no presente caso.

Sem querer, nem poder, aqui, fazer juízo acerca da “irrepreensibilidade”, atribuída pela OAB, à conduta do advogado que retém em seu poder, por vários anos, processos judiciais tidos por desaparecidos na Comarca, não há como não atribuir à OAB a responsabilidade pelos danos morais que tal publicação representou à pessoa da Promotora de Justiça, autora da presente demanda, agravada em sua honra pelas palavras ofensivas no artigo veiculadas, estas sim, incompatíveis com a importância da Instituição OAB no contexto nacional, considerada serviço público federal, cujos integrantes desempenham função essencial à justiça, não olvidando que se tivesse restringido a verberação ao mundo dos fatos, somente, sem afetar a honra da demandante, obteria o fim almejado, sem, no entanto, “sentar no banco dos réus”.

Examinada a conduta da OAB e a relação de causa e efeito entre aquela e os danos morais sofridos pela apelada, examino a atuação da primeira apelante e a possibilidade de sofrer condenação em face da publicação.

A parte autora fundou o pleito indenizatório na “responsabilidade objetiva” do jornal, prevista no § 2º do art. 49 da Lei 5.250/67, verbis:

“Art. 49. Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

I – os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, I e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúria;

II – os danos materiais nos demais casos.(...)§ 2º. Se a violação de direito ou prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão

em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação.”

Sem embargo do fato de esta previsão não implicar, necessariamente, a improcedência da demanda, se fosse tentada diretamente contra o causador do dano, in casu, a OAB, com suporte pleno no caput do art. 49 e incisos, a mesma lei reservou, às ações fundadas no § 1º, o direito

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de regresso do veículo de comunicação, pelo art. 50, verbis:“Art. 50. A empresa que explora o meio de informação ou divulgação terá ação

regressiva para haver do autor do escrito, transmissão ou notícia, ou do responsável por sua divulgação, a indenização que pagar em virtude da responsabilidade prevista nesta lei.”

Tanto isso é verdade que a demandante, em contra-razões de recurso, noticiou, na fl. 339 dos autos, que propôs duas ações indenizatórias, esta somente contra o Jornal Diário Popular, aqui representado pela empresa Gráfica Diário Popular Ltda., e outra contra a Folha Pinheirense, onde também foi publicada a nota, indicando como réus neste, também, o advogado Ewerton Duarte Dutra e a OAB/RS, haja vista que a Folha Pinheirense não gozava de nenhuma idoneidade financeira para arcar com eventual condenação.

Efetivamente, ambas as possibilidades de propositura de demanda indenizatória têm amparo na legislação invocada, e, nesta, dispôs a Gráfica apelante do direito de regresso contra o responsável direto, que para fins de condenação é “indireto”, pela via da denunciação da lide, que foi julgada totalmente procedente, de sorte a desonerar-se de todo o prejuízo decorrente da condenação.

Assim, neste aspecto, deve ser julgado improcedente o recurso.Resta agora verificar os aspectos defendidos por ambas as apelantes,

quanto à quantificação dos danos morais, fixados em 200 salários mínimos, acolhendo proposta da autora.

Não resta dúvida quanto à gravidade das acusações feitas à pessoa da Promotora de Justiça Maria Fernanda Goetzke Pitrez, injustificáveis imputações de fatos tidos por nosso ordenamento jurídico como criminosos, bem como quanto aos danos morais que efetivamente isso representou, mormente se estas acusações foram veiculadas em jornal de grande circulação como no presente caso, manchando, não tenho dúvidas, a reputação da representante do Ministério Público.

Na quantificação destes danos morais, levou o magistrado em consideração, de acordo com o que a respeito prescreve a própria Lei de Imprensa (Lei 5.250/67, art. 53), a intensidade do sofrimento da autora, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política da mesma, além da intensidade do dolo ou o grau de culpa dos responsáveis e de suas situações econômicas.

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De forma que, limitada no que estabelece como patamar máximo a mesma lei, tenho por razoável a fixação de tal quantum, na base de duzentos (200) salários mínimos, pois trata-se de indenizar a honra de uma Promotora de Justiça, agravada em uma comunidade inteira pela via da imprensa escrita, a quem foi, como já dito, imputada conduta criminosa.

Quanto ao caráter pedagógico da pena, relativamente à OAB, quem, em última análise, arcará com a condenação, tenho que este quantum não poderia ser pequeno, de forma a representar mero lançamento contábil no caixa de tão importante órgão de classe.

Com efeito, o dano moral de cidadão médio que “simplesmente” tem seu nome erroneamente lançado em cadastro de proteção ao crédito tem sido fixado na base de quarenta salários mínimos, em média, atendida a peculiaridade especial de cada caso, de forma que não vejo excessivo o quantum arbitrado de duzentos salários mínimos.

Assim, nego provimento aos recursos.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.04.01.147482-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Eduardo Tonetto PicarelliRelatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Apelante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA

Advogada: Dra. Suzan Sartori ScarparoApelado: Silvio Manoel de OliveiraAdvogado: Dr. José Roges Borneo

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EMENTA

Mandado de segurança. Parque Nacional. Retirada dos animais da propriedade. Retirada de cercas.

A criação de parque nacional deve ser precedida de desapropriação. Não é simples limitação administrativa a determinação de que o proprietário retire animais do local e destrua cercas. A propriedade pressupõe uso exclusivo. Sem prévia indenização não é possível impedir a exploração da propriedade sob pena de se configurar confisco. Apelação e remessa oficial improvidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o relator, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de outubro de 2001.Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora p/

Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli: Trata-se de mandado de segurança ajuizado contra ato do Superintendente Estadual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, que determinou a retirada do gado pertencente ao impetrante, por encontrar-se dentro do Parque Nacional dos Aparados da Serra, Itaimbezinho, Município de Cambará do Sul, RS. Alega que o gado criado é seu único meio de subsistência, bem como seu direito de propriedade vem sendo constantemente cerceado pela imposição de restrições à construção de açudes para a criação de peixes, ou de reservatório para o gado, ou mesmo em relação à lavoura de pastagens.

A sentença confirmou a liminar concedida e julgou procedente o pedido, concedendo a segurança para “tornar sem efeito a notificação da Autoridade impetrada (...)”.

O IBAMA recorreu, dizendo que:- o Parque Nacional dos Aparados da Serra é uma das áreas

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consideradas como unidade de conservação, protegida pelo Governo Federal para a conservação do meio ambiente, da biodiversidade do País. Pelo art. 225 da Constituição, tais áreas são de uso comum do povo;

- o art. 16 do Decreto 84.017/79 determina a impossibilidade de conservarem-se, nessas áreas, animais “domésticos, domesticados, ou amansados, sejam aborígenes ou alienígenas (...)”;

- o art. 49 do mesmo decreto viabiliza a imposição de penalidades como a que o impetrante recebeu;

- a preservação do meio ambiente é dever do Estado, com previsão constitucional, sendo questão de interesse público, preponderante aos interesses particulares do impetrante;

- o direito de propriedade pode sofrer limitações e condicionamentos, se o interesse público assim exigir. No caso, a preservação do meio ambiente exige dos particulares uma obrigação de não fazer, ou seja, não manter animais na área. Logo, surge também uma obrigação de fazer, que é a de retirar os animais existentes;

- a notificação não foi ilegal, e a sentença não está impedindo que o IBAMA cumpra seu dever.

Sem contra-razões.O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.Foi submetido a reexame necessário.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli: O ato administrativo impugnado tem o seguinte teor:“Providenciar a retirada de todos os animais domésticos, domesticados, ou

amansados, sejam aborígenes ou alienígenas, pertencentes a V.Sa. que encontram-se dentro do Parque Nacional de Aparados da Serra. Prazo de 30 dias a contar desta data para retirada dos animais.”

A Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, regulamentada pelo Decreto nº 84.017/79, autoriza o Poder Público a criar Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza. (art. 5º)

O poder de criar parques nacionais não fica restrito, por óbvio, apenas ao poder de instituir em uma determinada área um parque nacional, pois a finalidade da criação de parques nacionais é a de resguardar atributos

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excepcionais da natureza. Para tanto, dispõe o Poder Público dos instrumentos necessários para garantir a preservação do ambiente natural, podendo, em conseqüência, estabelecer limitações administrativas ao uso da propriedade.

No caso, o Decreto nº 84.017 proíbe, expressamente, a permanência de animais domésticos, domesticados ou amansados, entre os quais o gado bovino, na área dos Parques Nacionais:

“Art. 16 - Os animais domésticos, domesticados ou amansados, sejam aborígenes ou alienígenas, não poderão ser admitidos nos Parques Nacionais.

Parágrafo único – Em caso de necessidade poderá ser autorizada, pela Presidência do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, ouvido o Departamento de Parques Nacionais e Reservas Equivalentes, a introdução e permanência de animais domésticos destinados ao serviço dos Parques Nacionais, observadas as determinações do respectivo Plano de Manejo.”

“Art. 17 – Os exemplares de espécies alienígenas, serão removidos ou eliminados com aplicação de métodos que minimizem perturbações no ecossistema e preservem o primitivismo de áreas, sob a responsabilidade de pessoal qualificado.”

Trata-se de limitação administrativa decorrente do exercício do poder de polícia, ou seja, trata-se de uma restrição ao direito de propriedade imposto em benefício da coletividade.

Com efeito, a Constituição de 1988, em seu art. 225, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o considera como bem de uso comum do povo. A Constituição impõe ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para gerações futuras. No exercício de seu dever de defender e preservar o ambiente natural, deve o Poder Público adotar, respeitados os limites constitucionais e legais, todas as medidas necessárias para tanto, inclusive estabelecendo limitações administrativas, ainda que acarretem sacrifício individual e, preferencialmente, atuando de forma preventiva, a fim de evitar os danos.

A CF de 1988 também assegura o direito de propriedade, o qual, no entanto, deve cumprir sua função social (art. 5º, incisos XXII e XVIII). Dispõe, ainda, que a função social da propriedade é cumprida quando a propriedade rural atende, dentre outros requisitos, ao da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. (art. 186, II)

Assim, é inegável que incumbe ao Poder Público adotar todas as medidas legais necessárias à preservação do ambiente natural, ainda

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que tais medidas (que devem ser, de preferência, preventivas) acarretem limitações ao exercício do direito de propriedade, em face da supremacia do interesse público sobre o particular.

A ausência de iniciativa expropriatória do Poder Público ou a sua tolerância no tocante à exploração da criação de gado no Parque não impedem que a Administração adote todas as medidas necessárias à preservação do meio ambiente. Na hipótese em que se caracterize efetiva lesão ao direito de propriedade, em face de restrição imposta, poderá o impetrante pleitear a indenização cabível.

Nesse sentido, cito precedentes relativos a casos semelhantes:“CONSTITUCIONAL. PARQUE NACIONAL DOS APARADOS DA SERRA.

ADMISSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE GADO EM FAZENDA COMPREENDIDA NA ÁREA DE PROTEÇÃO. ART. 5º DA LEI 4.771/65 E ARTS. 16 E 17 DO DECRETO Nº 84.017/79. ART. 5º, INCISOS XXII E XXIV, DA CONSTITUIÇÃO.

Os arts. 16 e 17 do Decreto nº 84.017/79, que regulamenta o art. 5º da Lei nº 4.771, são taxativos ao inadmitirem a presença de animais domésticos, domesticados ou amansados na área de parques nacionais. Com efeito, não é abusivo ou ilegal o ato da autoridade que notifica o proprietário para proceder a retirada de gado do local preservado. Essa legislação foi recepcionada pela Constituição de 1988, que, ao consagrar o direito de propriedade, conferindo-lhe proteção específica (art. 5º, XXII), impôs ao seu exercício o ônus de atender a sua função social (art. 5º, XXIII, e art. 170, III), respeitando e garantindo um ambiente saudável e equilibrado (arts. 170, VI, e 225). A falta de iniciativa expropriatória do Poder Público, ou mesmo sua omissão ou tolerância no tocante à exploração de atividade incompatível com a preservação do ambiente natural que justificou a criação do Parque, não justificam a inobservância das normas que a disciplinam. Nem é possível reconhecer, em sede mandamental, o direito dos impetrantes a eventual indenização (art. 5º, XXIV, da CF), pois o feito não comporta ampla dilação probatória.” (MAS nº 1998.04.01.082082-9/RS, TRF-4ª Região, 3ª Turma, Relatora Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha, julg. em 29.06.2000, DJU de 09.08.2000, p. 216)

“MEIO AMBIENTE. INSTITUIÇÃO DE PARQUE NACIONAL. DIREITO DE PROPRIEDADE INEXISTENTE. LEGÍTIMO ATO DA AUTORIDADE COATORA.

1. Legítimo é o ato da autoridade que veda a inserção de gado em área de preservação permanente, sobretudo em se tratando de posseiro explorador da atividade pecuária, não possuidor de todos direitos inerentes à condição de proprietário.

2. Confrontados os direitos em questão, prestigia-se o público em detrimento do particular, sob pena de comprometimento da finalidade da instituição de áreas de preservação permanente.

3. Improvido o recurso.”. (AMS nº 2000.04.01.054549-9/RS, TRF-4ª Região, 3ª Turma, Relatora p/ acórdão Juíza Marga Barth Tessler, julg. em 13.02.2001, DJU de 04.04.2001, p. 778)

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“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE PROPRIEDADE. RESTRIÇÕES. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. ITAIMBÉZINHO.

A Carta Política de 1988 limitou o direito de propriedade que deve atender a sua função social, entre eles, a preservação do meio ambiente (art. 186, II, da CF), resguardando os interesses da coletividade. É dever do Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I, da CF), sendo correto o ato da autoridade que determina a retirada de animais domésticos, domesticados ou amansados, sejam aborígenes ou alienígenas, que se encontram dentro de área de preservação ambiental.

No caso em tela, a área discutida está inserida integralmente no Parque Nacional dos Aparados da Serra, conhecido por Itaimbézinho, criado pelo Decreto Federal nº 47.446, de 17 de dezembro de 1959, modificado em parte pelo Decreto Federal nº 70.296, de 17 de março de 1972, tendo o impetrante adquirido o referido imóvel em 25 de julho de 1995, por preço de mercado adequado às condições especiais, estando ciente das restrições existentes.”. (AMS nº 2000.04.01.009927-0/RS – Relator: Juiz Edgard Lippmann – Quarta Turma – TRF/4ª R. – Decisão: Unânime – Data: 03.04.2001 – Publicação: DJ2 nº 103-E, 06.06.2001, p. 1681)

Dessa forma, deve ser modificada a sentença que julgou procedente o pedido, para que seja revogada a liminar e denegada a segurança.

Isto posto, dou provimento ao apelo e à remessa oficial.É o voto.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: O impetrante acoimou de ilegal a ordem de retirada de animais de sua pequena propriedade situada em Morro Agudo, município de Cambará do Sul, parcialmente dentro do Parque Nacional dos Aparados da Serra.

Nos termos da Lei nº 9.985, de 2000, as unidades de conservação dividem-se em unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável. Os parques nacionais incluem-se na categoria das unidades de proteção integral e, nos termos do artigo 11, § 1º, o Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.

Mesmo que a referida lei tenha sido publicada em data posterior aos fatos narrados, é certo que a passagem do bem particular para o patrimônio público exige prévia e justa indenização.

No caso, a criação de gado é a única fonte de renda dos pequenos proprietários. A retirada dos animais retira a viabilidade econômica

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da propriedade dos impetrantes. A eliminação das cercas retira da propriedade o direito à exclusividade do uso.

A criação de parques nacionais deve se fazer com respeito ao direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal. Nosso sistema jurídico assegura ao proprietário o direito de usar e de dispor de seus bens. Não é caso de simples limitação administrativa

Limitações administrativas, ensina Hely Lopes Meirelles, “são, por exemplo, o recuo de alguns metros das construções em terrenos urbanos e a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade e, neste caso, o Poder público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem. Pois ninguém adquire terreno urbano em que seja vedada a construção, como também nenhum particular adquire terras ou matas que não possam ser utilizadas economicamente, segundo a sua destinação normal. Se o Poder Público retira do bem particular o seu valor econômico, há de indenizar o prejuízo causado ao proprietário. Essa regra, que deflui do princípio da solidariedade social, segundo a qual só é legítimo o ônus suportado por todos, em favor de todos, não tem exceção no direito pátrio, nem nas legislações estrangeiras”. ( in Direito Administrativo Brasileiro, 23a. ed., p. 521 e 522)

No caso, a proibição de uso e gozo esvaziou o conteúdo econômico da propriedade sem prévia indenização.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a criação de parque nacional mutila a propriedade, nos termos de acórdão assim ementado:

“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. CRIAÇÃO DE PARQUE ESTADUAL. A criação do Parque Estadual da Serra do mar, impedindo a exploração econômica dos recursos naturais ali situados (Lei nº 4.771, de 1965, art. 5º, parágrafo único, implica a indenização das propriedades particulares ali existentes, tenha ou não o Estado de São Paulo se apossado fisicamente das respectivas áreas; situação jurídica que, por si só, mutila a propriedade. Recurso especial não conhecido.”. ( Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 15.12.97, p. 66353)

Voto, por isso, no sentido de negar provimento à apelação e à remessa oficial.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.11.002068-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti

Apelante: Roseli Maria RoosAdvogados: Drs. Ivo Silvano Lopes Salgueiro e outro

Apelada: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogados: Drs. Teresinha Moreira Matos e outros

EMENTA

Direito Civil. SFH. Defeitos de construção. Dever de fiscalização. Princípio da boa-fé objetiva. Responsabilidade solidária do agente financeiro. Legitimidade passiva.

Em se tratando de imóvel construído com a utilização de recursos do Sistema Financeiro da Habitação, o agente financeiro, solidariamente à construtora, é responsável por defeitos de construção, tendo legitimidade passiva para responder por pedidos de indenizações a esse título.

Em vista do princípio geral da boa-fé objetiva, aplicável a todos os contratos, impõe-se aos contraentes, ainda que implicitamente, os deveres de mútua assistência, cooperação e empenho para a satisfação das expectativas legítimas de cada parte e, conseqüentemente, para a realização do objetivo em comum. Lições doutrinárias.

A responsabilidade do agente financeiro de zelar pela qualidade da obra e de conferir eficácia à realização do projeto social da casa própria não advém, somente, de sua função de gestor de dinheiro público ou de instrumento de intervenção do Estado no setor da habitação, mas deriva, inclusive, do princípio da boa-fé objetiva.

Sentença cassada, de ofício, para que outra seja proferida com efetivo exame de mérito. Prejudicado o recurso de apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, cassar a sentença para que outra seja proferida com efetivo exame das matérias de mérito, e julgar prejudicado recurso de apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante

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do presente julgado.Porto Alegre, 05 de setembro de 2002.Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator p/Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação ordinária, entre as partes em epígrafe, que tem por objeto a condenação da ré à reparação de danos morais e materiais em razão da ocorrência de vícios de construção da casa da autora, financiada pela CEF em mútuo vinculado ao SFH.

Alega a parte autora que a responsabilidade pelos defeitos é da CEF, pois não fiscalizou a obra, função a ela atribuída por se tratar de aplicação de verbas públicas.

A sentença monocrática foi pela improcedência da ação, concluindo não se extrair da conduta da CEF, consubstanciada na mera concessão de financiamento, qualquer espécie de culpa contratual ou extracontratual pelos prejuízos alegados pela requerente. Ausentes estes pressupostos, descabida a pretensão indenizatória ou de abatimento no preço do bem, em razão do que não merece trânsito a pretensão deduzida.

Irresignada, apela a autora, pugnando pela reforma da sentença de primeiro grau, repisando os argumentos expendidos na inicial e juntando precedentes jurisprudenciais que diz embasarem sua tese.

Com contra-razões, subiram os autos a este Tribunal para julgamento.É o relatório.À revisão.

VOTOO Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A questão aqui posta diz

essencialmente com a controvérsia acerca da responsabilidade da CEF em relação a vícios de construção em imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação.

Examinando o caderno processual, vislumbra-se que o MM. Juízo da Vara Federal de Santa Cruz do Sul apresentou a melhor solução para o litígio, ao considerar que inexiste responsabilidade da Caixa Econômica Federal, contratual ou extracontratual, pelos prejuízos alegados pela requerente.

A Caixa Econômica Federal não é responsável pelos vícios

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construtivos da unidade residencial, mesmo que os recursos destinados ao pagamento tenham sido obtidos no Sistema Financeiro da Habitação, pois a responsabilidade é apenas do construtor, cabendo à CEF apenas fiscalizar as etapas da construção da obra, de acordo com cronograma, para evitar que a construtora embolse todo o dinheiro e deixe a obra inacabada, restringindo-se a isto a sua responsabilidade e não a tornando responsável por defeitos na construção, sendo esta responsabilidade exclusiva dos construtores da edificação.

Nesse sentido, transcrevo os arestos a seguir:“PROCESSUAL – PARTE.Como órgão repassador de verbas, não tem a CEF legitimidade para figurar no pólo

passivo de ação movida por condôminos contra a empreiteira da obra, em razão de defeitos na construção. Agravo provido.”. (AG n° 52.611-DF. Rel. Min. Otto Rocha, DJU de 06.08.87, p. 15.212)

“PROCESSO CIVIL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. VÍCIOS CONSTRUTIVOS EM IMÓVEIS. FINANCIAMENTO. SFH. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA-PROCESSUAL ENTRE A CEF E A CONSTRUTORA.

(...)O comparecimento da CEF no instrumento contratual de compra e venda pactuado

entre a construtora-vendedora e os mutuários, na condição de mutuante, não há torna responsável por defeitos ou vícios porventura existentes no imóvel.”. (TRF 4ª Região, AG n° 96.04.20044-5/PR, Rel. Juiz José Germano da Silva, DJU 05.03.97, p. 012102)

Pelo exposto, nego provimento à apelação, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.

É como voto.

VOTO-REVISÃO

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Em se tratando de imóvel construído com a utilização de recursos do Sistema Financeiro da Habitação, o agente financeiro, solidariamente à construtora, é responsável por defeitos de construção.

Esta matéria já foi objeto de decisão pelas Turmas Reunidas deste Tribunal, por ocasião do julgamento dos embargos infringentes nº 89.04.06962-9/RS, de relatoria do ilustre Juiz Sílvio Dobrowolski (DJU 05.12.90), cujo acórdão foi assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. Ação de indenização de mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. Legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal para figurar como

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litisconsorte de empresas construtoras de unidades residenciais, por ela financiadas. Competência da Justiça Federal.

I. A Caixa Econômica Federal possui legitimidade para figurar no pólo passivo das ações movidas contra as empresas construtoras de unidades residenciais por ela financiadas, pelos mutuários adquirentes dessas unidades, para apurar sua parcela de responsabilidade pelos prejuízos que lhes foram causados, em virtude de má construção e da deficiência de fiscalização das obras.

II. Agravo provido, como apelação, para determinar-se a reinclusão da CEF no pólo passivo, mantendo-se o feito na competência da Justiça Federal.

III. Embargos infringentes desacolhidos pelas Turmas Reunidas deste Tribunal.”

Das razões de decidir adotadas pelo respectivo voto-condutor, destacam-se as seguintes:

“Cumpre trazer à colação, as normas emitidas pelo antigo Banco Nacional de Habitação, a propósito de financiamentos pelos agentes financeiros do Sistema Financeiro da Habitação.

A Resolução nº 31, do Conselho de Administração, de 28.11.68, emitida sob a consideração de que cabe ao BNH, ‘estabelecer normas gerais e específicas que facultem uma perfeita ação integrada de todos os órgãos componentes do Sistema Financeiro da Habitação, com a finalidade de aumentar a segurança das aplicações e dos adquirentes de habitações’, estabelece no seu item 20:

‘No sentido de acompanhar a execução do projeto ou dos projetos, em cada um dos financiamentos ou refinanciamentos, zelando e fiscalizando a aplicação do capital mutuado, o agente financeiro designará um Engenheiro ou Arquiteto (ou firma de Engenheiro ou Arquiteto) a quem caberá:

(...);c) verificar se as obras, então financiadas, obedecem ao projeto ou projetos,

memorial descritivo, orçamentos e demais documentos apresentados com sua proposta de financiamento, inclusive pela aplicação de materiais inferiores aos descritos;

d) verificar o andamento das obras, de acordo com os cronogramas, e visar os cheques emitidos para liberação das parcelas do financiamento ou refinanciamento, podendo recusar o seu visto quando a quantia a ser levantada não corresponder ao valor das obrigações executadas de acordo com os respectivos projetos;

(...)g) a vistoria de que trata este item será feita, exclusivamente, para efeito de

fiscalização da aplicação do financiamento ou refinanciamento, sem qualquer responsabilidade pelas obras ou sua fiscalização.’

O item 21 dispõe:

‘A vistoria de que trata o item anterior deverá ter em conta que a cobertura do seguro de crédito somente se aplica às parcelas de dinheiro, que tenham sido entregues mediante medição ou andamento da obra que autorize a entrega respectiva, ou mediante comprovação de aquisição de material efetivamente entregue e depositado na obra.’

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Embora a afirmativa da alínea g de que a vistoria nenhuma responsabilidade traz ‘pelas obras ou sua fiscalização’, é certo que a liberação de qualquer parcela implica no reconhecimento da regularidade execução da obra, inclusive quanto à aplicação dos materiais com a qualidade prevista no projeto (alíneas c e d).

Ademais, a Caixa Econômica Federal é instrumento de intervenção do Governo Federal, no setor habitacional (Lei nº 4.380, de 1964, art. 2º, III), para aplicação de recursos destinados à aquisição de casa própria. Como encarna o Poder Público e aplica recursos à poupança popular e FGTS, a circunstância da entidade financeira acompanhar a obra por meio de profissional habilitado, resulta em inspirar ao adquirente-financiado maior confiança na correta execução do projeto, deixando de fiscalizar, de per si, os trabalhos de construção.

Não teria sentido, aliás, que empresa pública, aplicando recursos do público, se não públicos, permitisse, por falta de cuidado, a dilapidação desses meios, e, com isso, em vez de contribuir para resolver o dramático problema habitacional, o agravasse, pelo financiamento a construtores inescrupulosos.

Outra deve ser a postura juridicamente aceitável. A Circular SAFPE nº 22/84 coloca-se com precisão:

‘A ocorrência de vícios de construção de imóveis financiados pelo SFH, vem, não somente comprometendo a garantia das operações do Sistema, constituída pelo próprio bem produzido, mas ainda afetando o patrimônio do mutuário final.

Considerando a responsabilidade dos AGENTES FINANCEIROS DO SBPE de zelar pela correta aplicação dos recursos sob sua gestão, vimos lembrar que a ocorrência de vícios de construção em imóvel objeto de aplicação de recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) quando resultar de ação ou omissão de Sociedade de Crédito Imobiliário (SCT), Associação de Poupança e Empréstimo (APE) ou Caixa Econômica (CE) na análise de projetos ou documentos complementares e/ou na fiscalização das obras e serviços respectivos, constitui infração prevista no art. 8º, alínea a, da R/BNH-50/80, e como tal, sujeita o infrator às penalidades cominadas na mesma Resolução, além de poder vir a gerar para o mesmo a obrigação de, em prazo determinado pelo BNH, promover, às suas próprias expensas, os reparos necessários à regularização da situação do imóvel afetado, cabendo-lhe o direito de agir regressivamente contra o construtor responsável pela obra.’

A alegativa de fazer-se a fiscalização pelo agente financeiro, no interesse próprio, para boa concretização da garantia hipotecária, resta sem amparo, em virtude da cobrança dessa atividade, ao mutuário. Permite-o a RC 31, mencionada, em seu item 27, verbis:

‘Como remuneração pela atividade de acompanhamento do cronograma de obras e de desembolsos, a entidade financiadora fará jus a uma remuneração máxima de 2% sobre o valor das importâncias entregues.’

À vista dos termos da norma secundária transcrita, desnecessária a exibição do contrato entre as partes. A obrigação de fiscalizar é imposta pelo SFH, aos seus agentes. A respectiva abrangência, como amplamente discutido acima, resulta de Lei e do papel sócio-econômico do próprio sistema e das entidades a ele pertencentes, nos precisos argumentos do voto vencedor.

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Em face do exposto, nego provimento aos embargos.”

Tais fundamentos serviram como precedente para uma série de outros julgados sobre a matéria decididos no mesmo sentido, todos fazendo referência expressa aos EAC 89.04.06962-9, não só no âmbito desta Corte como, inclusive, no Colendo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo dos quais, os seguintes:

Neste Tribunal:“PROCESSUAL CIVIL. É competente a Justiça Federal para o processamento de

ação ordinária indenizatória ajuizada por mutuários do SFH, face à legitimidade passiva da CEF como litisconsorte de construtoras de habitações populares, por ela financiadas.

1. É parte passiva legítima a CEF em ações movidas contra empresas construtoras de unidades habitacionais por ela financiadas, pelos mutuários adquirentes de tais moradias, para que seja apurada sua responsabilidade pelos prejuízos advindos de má construção e deficiência de fiscalização das obras.

2. Com efeito, face ao caráter social dos empreendimentos financiados pelas insti-tuições bancárias gestoras dos recursos do SFH, estão estas também com prometidas com sua consecução, de maneira solidária com o construtor, resguardando-se os adquirentes.

3. A culpa da instituição financeira, a ser apurada no curso da instrução processual, pode advir de negligência desta, ao propiciar emprego indevido de fundos provenientes do SFH, pois concorre para a criação de negócio jurídico com cumprimento deficiente, onerando o adquirente, mutuário no empréstimo.

4. Deve, portanto, permanecer a CEF na relação jurídica processual até o deslinde do litígio, onde haverá condições para a verificação da responsabilidade ou não do agente financeiro em questão.

(...).” (AG 89.04.17193-8/RS. TRF 4ª Reg. T2. Rel. Juiz Osvaldo Alvarez. DJU 17.04.91). Grifei.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMÓVEL. DEFEITO DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.

1. A Caixa Econômica Federal tem legitimidade para figurar como litisconsorte das empresas construtoras nas ações contra estas movidas, em se tratando de prejuízos advindos da má construção da obra, bem como da deficiência na fiscalização da mesma;

2. Agravo provido.” (AG 90.04.13176-0/RS. TRF 4ª Reg. T1. Unânime. Rel. Juiz Paim Falcão. DJU 05.06.91). Grifei.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO E CONTRATO DE AQUISIÇÃO DAS UNIDADES HABITACIONAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

1. A Caixa Econômica Federal possui legitimidade para figurar no pólo passivo das ações movidas contra as empresas construtoras de unidades residenciais por ela financiadas, pelos mutuários adquirentes dessas unidades, para apurar sua parcela de

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responsabilidade pelos prejuízos que lhes foram causados, em virtude de má construção e da deficiência de fiscalização das obras. (Embargos Infringentes em Matéria Cível nº 89.04.06962-9/RS – Turmas Reunidas).”. (AG 90.04.07890-8/RS. TRF 4ª Reg. T2. Unânime. Rel. Juiz Jardim de Camargo. DJU 08.06.94)

“AGENTE FINANCEIRO. DEFEITOS NA OBRA FINANCIADA. LEGITIMIDADE PASSIVA. CIVIL. RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO. PREPARO DO RECURSO. ART. 511 DO CPC COM NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.756/98. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

(...)2. O agente financeiro é parte passiva legítima em ações concernentes a defeitos de

construção de imóvel financiado, em vista da interdependência entre os contratos de financiamento e de aquisição de unidades habitacionais pelos mutuários. Precedentes do STJ.

3. A obra iniciada mediante financiamento do Sistema Financeiro da Habitação acarreta a responsabilidade solidária do agente financeiro pela respectiva solidez e segurança. Precedentes do STJ.

(...)”. (AC 1999.04.01.052996-9/SC. TRF 4ª Reg. T3. Unânime. Rel. Juíza Luciane do Amaral Correa. DJU 11.10.2000, pg. 290). Grifei.

“CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF.

1. A Caixa Econômica Federal é parte legítima para integrar o pólo passivo como litisconsorte necessária em ações movidas por mutuários contra empresas construtoras de unidades habitacionais por ela financiada, a fim de apurar sua responsabilidade pelos prejuízos advindos de má construção e deficiência na fiscalização das obras.

(...)”. (AC 1999.04.01.032241-0/PR. TRF 4ª Reg. T3. Unânime. Rel. Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha. DJU 10.01.2001, pg. 141). Grifei.

Pelo Superior Tribunal de Justiça;“CIVIL. RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO PELOS DEFEITOS

DA OBRA FINANCIADA. A obra iniciada mediante financiamento do Sistema Financeiro da Habitação acarreta

a solidariedade do agente financeiro pela respectiva solidez e segurança. Recurso especial conhecido, mas improvido.” (REsp 51.169/RS. STJ. T3. Maioria. Rel. Min. Ari Pargendler. DJ 28.02.2000). Grifei.

“CIVIL E PROCESSUAL. IMÓVEL ADQUIRIDO PELO SFH. DEFEITO DE CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO E DE CONSTRUÇÃO. INTERDEPENDÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DIREITO DO CONSUMIDOR. LEI 8.078/90 (ARTS. 12 E 27). CÓDIGO CIVIL (ART. 178, PARÁGRAFO 5º, VI). MATÉRIA FÁTICO - PROBATÓRIA. SÚMULAS STJ 05 E 07. PRECEDENTES.

1. A Caixa Econômica Federal é parte legítima nas ações concernentes ao SFH, sendo inequívoca a interdependência entre os contratos de financiamento e de aquisição

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de unidades habitacionais pelos mutuários.(...).”. (REsp 85.886/DF. STJ. T2. Maioria. Rel. Min. Peçanha Martins. DJ 22.06.98)

Com efeito, tendo em vista o princípio geral da boa-fé objetiva, aplicável a todos os contratos, o que se busca em exigir dos contratantes o dever de lealdade, de probidade e de honestidade? Assegurar a ética à relação obrigacional (tanto ao credor como ao devedor), fixando-se uma situação de mútua assistência a fim de atingir o objetivo em comum, ou seja, o correto adimplemento da obrigação, segundo Clóvis do Couto e Silva in A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Bushatsky, 1976, p.30.

Impõe-se aos contraentes, ainda que implicitamente, o dever de cooperação e empenho para a satisfação das expectativas legítimas de cada parte, repudiando-se, assim, a assunção de um posicionamento antagônico que durante longo tempo caracterizou as relações obrigacionais.

No caso específico de contratos firmados pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, a finalidade maior é, inquestionavelmente, propiciar a aquisição da casa própria. Neste aspecto, “os agentes financeiros são intermediários que operam no sistema e, ao lado do lucro que auferem, representativa e substancial parcela do custo pago pelo mutuário, assumem também o dever de zelar pela realização do fim a que se dirige o Sistema. Para isso devem, entre outras obrigações, cuidar que os prédios objetos de negócios ofereçam as condições mínimas esperadas pelos adquirentes, a fim de que não participem de empreendimentos que não ofereçam boas condições de segurança, que não atendam ao princípio da boa-fé e que se destinem – antes de atingir o fim social a que está aposto o Sistema – a propiciar lucros indevidos. (...) Deixando de assim proceder, omitiu-se o agente culposamente (negligência) e propiciou o emprego indevido dos fundos imobiliários vinculados ao SFH, criando, por sua culpa concorrente, as condições para a realização do negócio cujo cumprimento se mostrou deficiente, em prejuízo do adquirente, mutuário na operação de empréstimo.”. (AC 587014143. 5ª Câmara Cível, TJRS. Rel. Juiz Ruy Rosado. v. u., j. 19.05.87, apud AI 89.04.17193-8/RS. TRF 4ª Reg. T2. Rel. Juiz Osvaldo Alvarez. DJU 17.04.91)

Portanto, a responsabilidade do agente financeiro de zelar pela qualidade da obra não advém somente de sua função de gestor de dinheiro público, mas, inclusive, do dever de, na qualidade de instrumento de intervenção do Estado no setor da habitação, conferir eficácia à realização do projeto social da casa própria. Daí por que não tem autonomia o agente financeiro para, por conta própria, eximir-se de tal obrigação, fazendo constar de cláusula contratual que:

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“a vistoria será feita exclusivamente para efeito de aplicação do empréstimo, sem qualquer responsabilidade da CEF pela construção da obra.”. (parágrafo décimo quinto da cláusula décima-terceira, fl. 36)

Ademais, não se pode deixar de considerar que, até a efetivação dos contratos de financiamento, os agentes financeiros do SFH mantêm a gerência dos recursos captados, o que, por si, já lhes beneficia. Justo, então, que, em contrapartida, empreguem os serviços de engenharia e arquitetura à sua disposição e devidamente credenciados, também no interesse da sociedade, ao fiscalizarem o desenvolvimento das obras.

Atividade esta, aliás, que, longe de ser uma concessão aos mutuários, constitui verdadeiro serviço, expressamente contratado, pelo qual se estipulou a cobrança de uma quantia mensal intitulada taxa de administração, no caso dos autos, fixada inicialmente em R$ 22,38. (fl. 13)

A exemplo da mencionada Resolução nº 31/68 do Conselho de Administração do BNH, à data de celebração do contrato em exame, vigia a Circular nº 89, de 18 de fevereiro de 1997, da Caixa Econômica Federal, constando do item 1.1.5:

“Caberá ao agente financeiro vistoriar, no mínimo trimestralmente, a execução do cronograma físico-financeiro da obra, emitindo o competente laudo de vistoria.”

Assim, não há como afastar a interdependência entre as obrigações referentes ao financiamento e as referentes à construção. Tanto que: “a solidariedade entre os que participam do empreendimento é, até, condição para o efetivo resgate dos empréstimos, porque o comprometimento dos agentes financeiros induzirá o financiamento só de unidades residenciais sólidas e seguras – coibindo a realidade de construções mal feitas que fazem evaporar as garantias hipotecárias.”. (voto do REsp 51.169/RS, supracitado)

Então, como se pode ver, “conquanto seja possível isolar cada elemento em particular, as operações básicas da construção e do financiamento não admitem cisão, porquanto perderam autonomia e simetria completa com a tipologia usual. Elas se fundiram, sem prejuízo de certas variações, num tipo novo: o ‘negócio da aquisição da casa própria’.”. (94/0021083-3/RS. 1ª Câmara Cível TJRS. Rel. Des. Araken de Assis apud REsp 51.169/RS. STJ. T3. Rel. Min. Ari Pargendler. DJ 28.02.2000)

Desta forma, a “COMPRA E VENDA DE TERRENO E CONSTRUÇÃO – CARTA DE CRÉDITO INDIVIDUAL – PES/PCR – FGTS – CONTRATO POR INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM OBRIGAÇÃO E HIPOTECA” consiste, propriamente, em contrato misto, hipótese em que a solidariedade entre o agente financeiro e a construtora

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resulta da vontade das partes, nos termos do art. 896 do Código Civil. “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO MISTO. AQUISIÇÃO DA

CASA PRÓPRIA. SOLIDARIEDADE.1. O negócio através do qual alguém adquire a casa própria, no âmbito do Sistema

Financeiro da Habitação, é um contrato misto, combinando elementos de vários tipos contratuais, e, em virtude dele, o agente financeiro responderá perante o adquirente, solidariamente com a construtora (CC, art. 896), que, dolosamente, cumpre de forma incompleta sua prestação. Inexistência de defeito oculto. Verba honorária bem fixada.

2. Apelação desprovida.” (AC 597039668. 5ª Câmara Cível. TJRS. Rel. Des. Araken de Assis. Julgado em 24.04.97). Grifei.

Refere Adalberto Pasqualotto que:

“Os contratos entre as empresas (de banco e de construção) são habituais e continuados, criando um vínculo de cooperação, que certamente implica benefícios recíprocos, mas também divisão de ônus, dando como resultado a solidariedade.”. (in Cláusulas abusivas em Contratos Habitacionais, DC 40/31-32)

Sendo assim, a CEF é parte passiva legítima para responder por vícios de construção, cabendo-lhe, em caso de condenação, o direito de agir regressivamente contra o construtor.

A sentença, por sua vez, apresentou-se contraditória, pois, embora tenha rejeitado a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela CEF, referindo expressamente que “evidenciada fica sua legitimidade para a causa”, não examinou efetivamente as questões do mérito da demanda, como, por exemplo, se o imóvel apresenta, de fato, defeitos causados por falha de construção.

Ao contrário, limitou-se a ponderar, novamente, sobre a legitimidade da CEF, dispondo, desta vez, que “os defeitos de construção, que, como alegado, tornam o imóvel impróprio ao uso, ensejam o manejo de ação por vícios redibitórios (arts. 1.101 e seguintes do Código Civil) contra o alienante ou, se for o caso, a cobertura pela empresa seguradora, de sorte que não se vislumbra, ainda que remotamente, qualquer responsabilidade da Caixa Econômica Federal” e que “pelos danos eventualmente causados responde, com exclusividade, a empresa vendedora/incorporadora de dito bem.”. (fl. 260)

Em face do exposto, voto no sentido de reconhecer a legitimidade passiva da CEF para a causa e cassar a sentença para que, superada tal questão, outra seja proferida com efetivo exame das matérias de mérito. Prejudicado o recurso da parte autora.

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É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.00.007531-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti

Apelantes: Clayton Haviaras Wosgrau e outrosAdvogados: Drs. Fabricio Papaleo de Souza e outros

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 3ª Vara Federal de Florianópolis/SC

EMENTA

Constitucional e Administrativo. Servidor público. Greve. Desconto de dias paralisados. Descabimento. Honorários advocatícios.

1. Embora a CR/88 tenha reconhecido ao servidor público o direito de greve, condicionou seu exercício aos limites a serem fixados em lei complementar (art. 37, VII), que sabidamente não foi editada, como não o foi também a “lei específica”, que, pela Emenda Constitucional nº 19/98, hoje seria bastante.

2. A mora do Legislativo, no entanto, passados quase 14 anos, não pode impedir o exercício do direito de greve e não autoriza a Administração a descontar os dias de paralisação dos vencimentos dos servidores grevistas, à míngua de autorização legal.

3. Honorários advocatícios, à conta da Ré, fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

4. Vencido, preliminarmente, o Desembargador Federal Amaury

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Chaves de Athayde, ao entender necessária a comprovação da efetiva participação dos Autores na aludida greve.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, afastar a preliminar de nulidade processual e, por unanimidade, negar provimento à apelação da União Federal e à remessa ex officio e dar parcial provimento à apelação dos Autores, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de agosto de 2002.Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de ação ordinária, com pedido de tutela antecipatória, proposta por Clayton Haviaras Wosgrau e outros, todos servidores públicos federais da Justiça do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina), contra a União Federal, visando a que seus vencimentos não sofram qualquer desconto em virtude dos dias paralisados em razão de greve, bem como sejam devolvidos os valores não pagos, corrigidos e acrescidos de juros e correção monetária, e seja a Ré, também, condenada a arcar com as custas e honorários advocatícios. (fls. 03/37)

Às fls. 131/137, o MM. Juiz Federal concedeu a antecipação de tutela.Agravada a decisão pela Ré, manteve esta Turma a liminar.Em contestação, a União Federal alegou que não houve qualquer

desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da irredutibilidade de vencimentos e que o desconto efetuado ocorreu de acordo com a Lei nº 8.112/90. Argüiu a improcedência da ação e pediu a condenação dos Autores ao pagamento dos honorários advocatícios. (fls. 163/176)

A final, a sentença julgou procedente o pedido, condenando a Ré a se abster de efetuar qualquer desconto nos vencimentos dos Autores por conta dos dias paralisados (4 e 10 de maio e de 17 de maio a 26 de junho de 2000), assim como a devolver os valores já descontados,

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corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% ao mês, a partir da citação, e a arcar com os honorários advocatícios na ordem de 10% do valor da causa. (fls. 207/214)

Irresignados, os Autores apelaram, alegando a necessidade de fixação dos honorários advocatícios em relação ao valor da condenação, e não da causa. (fls. 216/225)

Igualmente irresignada, a União Federal apelou, aduzindo a total improcedência dos pedidos e solicitando a reforma da sentença monocrática. (fls. 237/253)

Com contra-razões de ambas as partes (fls. 232/235 e 274/310), subiram os autos a esta Corte. (fl. 331)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: O tema em discussão é, indubitavelmente, de grande repercussão e extremamente controverso. A doutrina e a jurisprudência, desde a promulgação da Constituição da República de 1988, têm-se debatido nele sem, no entanto, encontrar posição unânime.

O art. 37 da Carta Maior, em seu inciso VII, sobre os servidores públicos civis, determinou o seguinte:

“Art. 37. (...)VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei

específica;”.

Por certo, o direito está assegurado. Entretanto, discute-se, fortemente, sobre a eficácia desta norma. Para uns, a norma constitucional em tela é de eficácia limitada, devendo necessariamente haver a lei específica (que já fora complementar, antes da Emenda Constitucional nº 19/98). Para outros, a norma referida é de eficácia contida. Sobre essa segunda posição, Amandino Teixeira Nunes Júnior (Sindicalização, negociação coletiva e direito de greve dos servidores públicos, in RIL, Brasília, a. 33, n. 130, abr./jun. 1996) dá uma explicação bastante objetiva nos seguintes termos:

“A segunda [corrente] entende que norma constitucional, embora de eficácia contida, incide imediatamente por afastar o óbice representado pela proibição da greve prevista na Carta anterior. Assim, ela autoriza a greve dos servidores públicos, independentemente

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da edição de lei complementar.” (p. 65 – grifo nosso)

E, analisando a temática, chega às seguintes conclusões:“(...). A norma constitucional, embora de eficácia contida, incide imediatamente,

por afastar a proibição anterior, ou seja, permite que os servidores públicos façam greve desde logo; sustentar entendimento contrário significa negar a própria Constituição.

(...). Na prática, as greves de servidores públicos vêm se sucedendo em todos os níveis das Administrações Públicas federal, estadual e municipal, desde a promulgação da Constituição de 1988.”. (p. 66)

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de interpretar a norma em questão como de eficácia contida. Nesse sentido, o ROMS nº 2947-5/SC, relatado pelo Ministro Adhemar Maciel, está assim ementado:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA SEU EXERCÍCIO IMEDIATO (CONSTITUIÇÃO, ART. 37, VII). INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO (EXIGÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA). RECURSO IMPROVIDO.

I – A Constituição Federal, rompendo com a sistemática anterior, dá ao servidor público o direito de greve (CF, art. 37, inciso VII). Trata-se de ‘norma de eficácia contida’. Isso quer dizer que lei complementar estabelecerá limites para o exercício do direito de greve, embora não possa dificultá-lo excessivamente. Mas, enquanto não vierem tais limitações, o servidor público poderá exercer seu direito. Não fica jungido ao advento da lei complementar regulamentadora.(...).”. (Decisão: 30.06.93, unânime, DJU 16.08.93)

No mesmo sentido, os ROMS nº 4520/SC, ROMS nº 4528/SC, ROMS nº 4556/SC e ROMS nº 4634/SC.

Mas o que seriam, na realidade, as normas de eficácia contida? José Afonso da Silva, mestre incomparável quando se discute a eficácia das normas constitucionais, faz as seguintes considerações:

“(...). A peculiaridade das normas de eficácia contida configura-se nos seguintes pontos:

I – São normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos.

II – Enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva.

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III – São de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam.”. (Aplicabilidade das normas constitucionais, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 104)

Seguindo esse raciocínio, é lícito concluir que, toda vez que o texto constitucional se utilizou de normas de eficácia contida, foi desejo do Constituinte de 1988 deixar espaço de trabalho para o legislador ordinário, sem, no entanto, furtar a aplicabilidade imediata do dispositivo constitucional.

Tomando-se por exemplo o inciso XIII do art. 5º da Carta Maior, que garante o “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, tem-se que é norma de eficácia contida. Naturalmente, o dispositivo é diretamente aplicável (seria inusitado pensar diferente), ainda que não houvesse lei versando sobre qualificações especiais para essa ou aquela profissão.

Por que seria diferente com o disposto no inciso VII do art. 37 antes referido?

Ademais, é preciso lembrar que a Carta Constitucional anterior não previa o direito de greve para os servidores públicos, sejam eles civis ou militares. O atual texto constitucional, no entanto, veda o exercício de greve apenas para os servidores militares (art. 142, § 3º, IV); os servidores civis têm direito tanto à sindicalização quanto à greve. Não haveria motivos para o Constituinte avançar nesse sentido, se, ao mesmo tempo, na prática, nada mudasse. Aqui, vale uma interpretação teleológica do sistema constitucional.

Além disso, é importante se ter bem claro que o próprio Constituinte, quando versou sobre os Direitos Sociais (Capítulo II do Título II), garantiu o direito de greve nos seguintes termos:

“Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”

Naturalmente, esse dispositivo é auto-aplicável. E, além de o ser, é um direito de todos os trabalhadores, incluídos, obviamente, os servidores públicos. Não haveria razões para o Constituinte estabelecer uma diferenciação em ponto tão crucial, já que, em toda a Carta Maior, procurou igualar os funcionários públicos, em direitos, aos trabalhadores da iniciativa privada, mantendo apenas diferenças atinentes à própria

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natureza do setor no qual atuam. Sobre essa suposta “diferenciação”, Cláudio Hiran Alves Duarte fala o seguinte:

“Vê-se que a divisão entre trabalhadores e servidores é vazia, não resiste a argumentos singelos e pode levar a fazer com que se exija dos servidores, com a mais simples justificativa de que trabalham para a sociedade, para o setor público, o que nem os países socialistas foram exitosos em exigir: (...).”. (Direito de Greve dos Servidores Públicos, AJURIS, Porto Alegre, v. 21, n. 62, p. 245)

Argumento levantado pela Ré é o de que, embora em exercício de direito constitucional, a ausência ao local de trabalho configura falta não justificada, nos termos do art. 44 da Lei nº 8.112/90. Assim, poder-se-ia descontar os vencimentos de todos os dias em que o servidor participou da greve.

Ora, a ausência ao local de trabalho é, justamente, a forma pela qual os movimentos grevistas atuam. Descontar, portanto, os vencimentos dos dias paralisados sob o manto do art. 44 da Lei nº 8.112/90, não pode prosperar. Aqui, a Constituição manifesta de forma inequívoca toda a sua rigidez e não permite que isso se faça; os grevistas nada mais exercem do que um direito constitucional, que não pode ser moldado, anulado ou combatido pela agressividade do Estado. A única permissão dada pela Magna Carta ao legislador ordinário é editar “lei específica”, que aponte termos e limites ao exercício desse direito.

Tentar anular, pela inércia única e exclusiva do legislador, os movimentos grevistas no serviço público, hoje, quando ainda não há legislação específica que possa dizer quando a greve é abusiva ou quando deve haver descontos nos vencimentos, é forma de agredir um direito constitucional.

O Ministro Marco Aurélio, na Presidência da Suprema Corte, em decisão recente, durante a greve dos professores universitários, assim se manifestou:

“Assentado o caráter de direito natural da greve, há de se impedir práticas que acabem por negá-lo. É de se concluir que, na supressão, embora temporária, da fonte do sustento do trabalhador e daqueles que dele dependem, tem-se feroz radicalização, com resultados previsíveis, porquanto, a partir da força, inviabiliza-se qualquer movimento, surgindo o paradoxo: de um lado, a Constituição republicana e democrática de 1988 assegura o direito à paralisação dos serviços como derradeiro recurso contra o arbítrio, a exploração do homem pelo homem, a exploração do homem pelo Estado; de outro, o detentor do poder o exacerba, desequilibrando, em nefasto procedimento, a frágil equação apanhada pela greve. (...).

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A gravidade dos acontecimentos afigura-se ainda maior quando o ato que obsta a satisfação de prestação alimentícia tem como protagonista o Estado, ente organizacional que deve fugir a radicalismos. Cabe-lhe, isto sim, zelar pela preservação da ordem natural das coisas, que não se compatibiliza com deliberação que tem por finalidade colocar de joelhos os servidores, ante o fato de a vida econômica ser impiedosa, nem se coaduna com o rompimento do vínculo mantido. (...).

A greve tem como conseqüência a suspensão dos serviços, mostrando-se ilógico jungi-la - como se fosse fenômeno de mão dupla, como se pudesse ser submetida a uma verdadeira Lei de Talião - ao não-pagamento dos salários, ao afastamento da obrigação de dar, de natureza alimentícia, que é a satisfação dos salários e vencimentos, inconfundível com a obrigação de fazer. A assim não se entender, estar-se-á negando, repita-se, a partir de um ato de força descomunal, desproporcional, estranho, por completo, ao princípio da razoabilidade, o próprio direito de greve, a eficácia do instituto, no que voltado a alijar situação discrepante da boa convivência, na qual a parte economicamente mais forte abandona o campo da racionalidade, do interesse comum e ignora o mandamento constitucional relativo à preservação da dignidade do trabalhador.”. (Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 2061/DF, despacho da Presidência, em 31.10.2001, DJ 08.11.2001, p. 0004)

Sabe-se que as circunstâncias em que foi dado este despacho eram outras das que aqui enfrentamos, mas já é possível ver uma tônica da defesa do direito de greve, capaz de modificar a jurisprudência mais antiga.

O ilustre Juiz Tourinho Neto, na Presidência do TRF da 1ª Região, sobre a greve dos servidores, assim se manifestou:

“Tenha-se, por fim, que o direito de greve é um direito previsto no art. 37, VII, da Constituição Federal. Logo, um direito constitucional. É verdade que esse direito, segundo o próprio dispositivo constitucional citado, necessita ser regulamentado por lei específica (antes da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, por lei complementar). Ora, sendo um direito constitucional, não se pode afirmar que o direito de greve é ilegal, por falta de uma lei específica que o regulamente. Caso contrário, temos de admitir que o legislador infraconstitucional está acima do constituinte. A norma constitucional, na hipótese, nada significa, nada vale, pois sua eficácia depende de uma norma hierarquicamente inferior que nunca é editada. Atente-se que mais de onze anos são passados da promulgação da Constituição Federal e o direito de greve não é regulamentado. Essa observação é feita tão-só para demonstrar que o direito de greve não é ilegal, uma vez que, na providência excepcional da suspensão da segurança, não se analisa o mérito da ação, mas tão-só se há ocorrência de lesividade à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.”. (Despacho na SS nº 2000.01.00.078106-2/DF, DJ 30.06.2000)

Quando da apreciação de agravo de instrumento tirado de decisão proferida no presente feito, acompanhado à unanimidade por esta Quarta Turma, assim me manifestei:

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“E como se vê, até o presente momento, nenhuma lei, complementar ou ordinária, estabeleceu os termos e os limites do direito de greve na Administração Pública, provavelmente porque o Congresso Nacional, por razões políticas, não entendeu conveniente nem oportuna a movimentação nesse sentido.

Tal atitude, no entanto, não refoge à apreciação judicial.Não é justo penalizar-se o conjunto dos servidores públicos pela inércia de alguns,

passados 12 anos da nova ordem constitucional.”. (AG nº 2000.04.01.137842-6/S, 4ª Turma, decisão: 08.05.2001, DJU 31.05.2001)

Ainda a 4ª Turma, em questão semelhante, versando sobre o registro de faltas injustificadas, manifestou-se em decisão assim ementada:

“SERVIDOR PÚBLICO – GREVE – FALTAS INJUSTIFICADAS - ANULAÇÃO – CABIMENTO.

1 – Embora a Constituição de 1988 tenha reconhecido ao servidor público o direito de greve, condicionou seu exercício aos limites a serem fixados em lei complementar (art. 37, VII), que sabidamente não foi editada, como não o foi também a ‘lei específica’, que, pela Emenda Constitucional nº 19/98, hoje seria bastante.

2 – A mora do Legislativo não pode impedir o exercício do direito de greve e não autoriza a administração a imputar faltas injustificadas aos servidores grevistas, à míngua de autorização legal ou deliberação negociada.

3 – Apelo provido.”. (AC nº 96.04.05017-6/RS, Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, decisão: 15.08.2000, unânime, DJU 25.04.2001)

Em outra oportunidade, esta 4ª Turma também assentou:“AGRAVO, DE INSTRUMENTO CONTRA DEFERIMENTO DE LIMINAR

EM AÇÃO CAUTELAR. LEGITIMIDADE ATIVA. SINDICATO. SERVIDORES. AFASTAMENTO DE DESCONTOS. GREVE.

Os requisitos à concessão de liminar pleiteada em ação cautelar são expressos em lei, com o que, estando presentes, a decisão guerreada é de ser mantida, inclusive como forma de prestigiar as relações processuais. No tocante à legitimidade ativa do Sindicato,

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estaria fundada no art. 8º, III, da CF/88; sendo que o direito de greve estaria assegurado no art. 37, VII, da mesma Carta Mãe, afastando a incidência do Dec. 1.480/95, pela inexistência de espaço para regulamentos autônomos, logo ante a inexistência de previsão legal para os apontados descontos (arts. 44 e 45 da Lei 8112/90).”. (AG nº 2000.04.01.079611-3/RS, Rel. Des. Federal Edgard Lippmann, decisão: 05.12.2000, unânime, DJU 21.03.2001)

A Egrégia 3ª Turma desta Corte, recentemente, igualmente se manifestou nesse mesmo sentido, como se vê do AG nº 2001.04.01.079417-0/PR, Rel. Desa. Federal Luiza Dias Cassales. (decisão: 05.02.2002, unânime, DJ 27.02.2002)

Concluindo, entendo como pleno o direito de greve do servidor público, mesmo na ausência da tão esperada lei específica sobre a matéria. Não se enquadrando os dias paralisados, em virtude de greve, nos casos previstos de falta não justificada, e não havendo qualquer previsão legal nesse sentido, não pode a Ré fazer descontos nos vencimentos dos Autores.

Quanto aos honorários advocatícios, objeto de irresignação dos Autores, já é pacífico, nesta 4ª Turma, face aos incontáveis precedentes, fixá-los em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, e não sobre o valor da causa, como consignado na r. sentença, devendo, por isso, no ponto, ser reformada. Nesse sentido, AC nº 1999.04.01.097051-0/PR (Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, decisão: 07.02.2002, DJU 02.05.2002); AC nº 1999.71.00.031016-5/RS (Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, decisão: 11.04.2002, DJU 24.04.2002); AC nº 2001.04.01.075867-0/SC (Rel. Des. Federal Edgard Lippmann, decisão: 22.11.2001, DJU 30.01.2002).

Diante do exposto, nego provimento à apelação da Ré e à remessa oficial e dou parcial provimento à apelação dos demandantes, para fixar os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.07.001364-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann

Apelante: Alberto Luiz Mina de Souza Advogados: Drs. Cesar Augusto Prudencio da Costa e outro

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da Vara Federal de Tubarão/SC

EMENTA

Ofensa racial proferida em público por superior hierárquico em formatura militar. Litisconsórcio passivo. Condenação em danos morais. Vinculação ao salário mínimo – impossibilidade.

Não se tratando de listisconsórcio passivo necessário e tendo um dos réus deslocado a competência para a Justiça Federal, em razão da pessoa – competência relativa – deve-se extinguir o feito com relação ao outro réu, pela incompetência absoluta do Juízo Federal para o processamento e julgamento de lides entre particulares.

As expressões repetidamente utilizadas por pessoa com bom nível sócio-econômico-cultural, em flagrante e ofensivo desabono a subordinado, em ato oficial é de ser indenizado monetariamente, como forma de compensar os danos morais sofridos pelo ofendido.

Indenização fixada em R$ 12.600,00 (doze mil e seiscentos reais) à data da prolação da sentença, corrigidos monetariamente desde o fato e acrescido de juros moratórios de 6% ao ano, desde a citação, tudo a incidir até o efetivo pagamento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor e dar parcial provimento à apelação da União, bem como à remessa oficial, que considero interposta, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 12 de setembro de 2002.Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação ordinária, entre as partes em epígrafe, em que se busca a condenação da União e do Sr. Francisco Cândido Amaral Schereider em indenização por danos morais em conseqüência da ofensa proferida contra o autor quando em uma formatura militar em que o Réu Francisco o teria chamado de “macaco” diante de todo o efetivo da Unidade Militar em que servia.

A sentença foi pela extinção do processo em relação ao réu Francisco Cândido Amaral Schereider, sem julgamento do mérito, entendendo pela incompetência da Justiça Federal para a lide e, em relação à União, julgou parcialmente procedente o pedido para a condenar ao pagamento de indenização por danos morais, resultante do ato de discriminação racial sofrido pelo autor, fixando o valor da indenização em 70 (setenta) salários mínimos, bem como honorários fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Irresignado, apela o autor, pugnando pela majoração do valor da indenização para 300 salários mínimos.

Também apela a União, pugnando pela reforma da sentença no que determinou a extinção do processo relativamente ao co-réu, ao argumento de caracterizar litisconsórcio passivo necessário, pela não-configuração de hipótese ensejadora de condenação por danos morais, pela impossibilidade da vinculação do quantum indenizatório ao salário mínimo e alternativamente pela redução do valor da condenação.

Com contra-razões dos apelados, subiram os autos a este Tribunal para julgamento.

É o relatório. À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Tratando inicialmente da irresignação da União no que tange à extinção do processo relativamente ao litisconsorte co-réu, o juízo monocrático assim analisou o assunto:

“...É que na hipótese em testilha, não se cuida de litisconsórcio necessário, porquanto, segundo Humberto Theodoro Júnior, ‘o que, de fato, torna necessário o litisconsórcio é a forçosa incidência da sentença sobre a esfera jurídica de várias pessoas.’ (Curso de

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direito processual civil. 27.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 109)

Ensinam Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes:‘Diz-se que o litisconsórcio é necessário quando, por disposição de lei, ou pela

natureza da relação litigiosa, o processo só se possa formar com a presença de mais de um autor ou mais de um réu, ou seja, de todos os interessados.’ (Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1997. pág. 154)

Assim sendo, a demanda poderia perfeitamente ser proposta somente contra a União Federal ou, de outra banda, somente contra o réu Francisco.

Diante disto, quanto ao litisconsórcio, cumpre observar que ‘as regras sobre a competência constituem óbices nem sempre superáveis à admissibilidade do litisconsórcio facultativo; apenas do facultativo, porque, quando ele é necessário, a própria necessariedade conduz, invariavelmente à superação de eventual questão de competência, reunindo-se as partes e suas eventuais pretensões plúrimas sempre perante o mesmo juízo, numa só relação processual’. (Cândido Dinamarco, Litisconsórcio, RT, págs. 282 a 284)

Em se tratando, como no caso dos autos, de competência absoluta, importante lembrar a valiosa lição do sempre preciso Ernani Fidélis dos Santos:

‘A competência absoluta se informa pelo interesse público. Sendo imodificável e improrrogável, a incompetência absoluta deve ser declarada de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição (art.113).’ (in Manual de Direito Processual Civil, Vol I, 5ª ed., Editora Saraiva, 1997, p. 155)

Tenho, pois, que a competência para a demanda do autor x Francisco Cândido Amaral Schereider é da Justiça Estadual em face da imperiosa inteligência do artigo 109, I, da CF/88. Obviamente, tal não se daria se houvesse denunciação da lide por parte da União em face de seu preposto. Entretanto tal não ocorreu, nada obstante possa e deva – em caso de procedência do pedido – ocorrer futuramente.

A solução correta, diante de tal fato, não é a cisão do processo e, conseqüentemente, remessa à Justiça Estadual, mas sim, a extinção do processo, sem julgamento do mérito, em relação ao réu Francisco.

Neste sentido, a lição do eminente Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti no artigo doutrinário A competência da Justiça Federal no Cível, publicado na R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 9, n. 31, p. 21-46, 1998:

‘Tem-se notado, entretanto, no foro federal, uma prática que deve ser coibida: é o ‘desmembramento’ do processo, com remessa de parte para a Justiça Estadual, quando recusado o litisconsórcio da União, suas autarquias ou empresas públicas federal com entidades privadas. A esse respeito, tive oportunidade de proferir voto nos seguintes termos: ‘É importante distinguir entre duas situações clara e radicalmente diversas: uma coisa é a extinção do processo em relação à parte que está sujeita à jurisdição federal, hipóteses em que a solução deve ser a remessa dos autos à justiça local para que o feito prossiga entre os litigantes remanescentes; outra coisa, bem diferente, é o que se verifica quando, como no caso, há o rompimento de um litisconsórcio indevidamente formado,

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sem exclusão da parte sujeita à jurisdição federal, pois, aí, devendo continuar o processo perante a Justiça Federal, o remédio é extinguir o feito, sem julgamento de mérito, em relação às pessoas que não detêm privilégio de foro, porque sua presença impede a constituição válida e o desenvolvimento regular do processo (art. 267, IV, CPC)... Em outras palavras: desfeito o consórcio inadmissível, o processo continua todo na Justiça Federal, só com as partes sujeitas ao Juízo Federal, ou vai todo para a Justiça Estadual, onde prosseguirá só com as partes sujeitas à jurisdição local. O ‘desmembramento’ do feito é prática totalmente despida de qualquer amparo legal; o processo é um só e deve correr sempre, integralmente, perante um único juízo competente. Não existe causa que seja em parte da competência federal e em parte da competência estadual. (AC nº 96.04.23425-0/RS, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti)’. (...)”.

Por entender corretas as razões do juiz a quo acima expostas, mantenho a extinção do processo relativamente ao réu Francisco Cândido Amaral Schereider, não provendo a apelação da União no ponto.

Quanto à alegação de não-configuração da hipótese ensejadora de condenação em danos morais, novamente não tem razão a União, já que o referido pelo Comandante da companhia em que servia o autor, chamando-o de “macaco”, repetindo por três vezes durante a formatura do Batalhão, não há como considerar que possa ter sido feito sem conotação pejorativa, ou que teria o mesmo sentido dos adjetivos “mocorongo”, “tanso”, ou outros habitualmente utilizados na caserna com o fim de diminuir a distância imposta pela hierarquia militar, pois, como relatado pelas testemunhas, não é normal sua utilização, e, ao contrário, como se pode ver da maioria dos depoimentos testemunhais, seria considerado ofensivo.

A corroborar o entendimento acima, o ofensor cuidou de retratar-se formalmente, perante toda a tropa, o que, sem dúvida, diminui o valor da ofensa, porém demonstra que ela existiu, já que cuidou de providenciar uma nova formatura para desculpar-se.

Finalmente, no que trata do valor da indenização, tenho que corretamente fixado o valor, pois, embora a ocorrência da ofensa com conotação nitidamente racista, há de se considerar, também, que o ofensor cuidou de se retratar, publicamente, perante o ofendido.

Considerando, ainda, que o julgador deve atender a critérios tais como o nível cultural do causador do dano, no caso um Major do Exército, com extensa folha de serviços que deveriam ter-lhe indicado melhor conduta, a condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; a intensidade do dolo do autor da ofensa, os efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as

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repercussões do fato na comunidade em que vive o ofendido, mantenho o valor decidido pelo juízo a quo, no entanto, afasto a vinculação ao salário mínimo, fixando a indenização em R$ 12.600,00 (doze mil e seiscentos reais) à data da prolação da sentença, corrigidos monetariamente a partir do evento danoso, com juros moratórios de 0,5% ao mês a partir do mesmo termo a quo.

Pelo exposto, nego provimento à apelação do autor e dou parcial provimento à apelação da União, bem como à Remessa oficial que considero interposta, apenas para alterar a sistemática da condenação, como relatado acima.

É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.045445-0/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Apelante: União Federal (Ministério do Exército)Advogado: Dr. João Paulo Veiga SanhudoApelado: José Augusto Banfi Quinhones

Advogados: Drs. Laurenio Pedro Bevilaqua Baldissera e outroApelante: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Santa Maria/RS

EMENTAAdministrativo. Militar. Doença mental. Esquizofrenia. Lei 6.880, de

1980. Artigo 108, V.Tendo o laudo comprovado que o autor passou a sofrer de alienação

mental enquanto prestava serviço militar, faz jus à reforma nos moldes do artigo 108, V, da Lei nº 6.880, de 1980. Apelação e remessa oficial desprovidas.

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ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de março de 2002.Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Nos dizeres da inicial, José Augusto Banfi Quinhones iniciou serviço militar em 13 de março de 1995, sendo anulada sua incorporação em maio do mesmo ano. Embora a desincorporação tenha sido precedida de sindicância, suas conclusões não foram divulgadas, tendo o médico psiquiatra informado que foi devida à alienação mental. Tendo em vista que adentrou saudável no Exército e que, em razão de traumas sofridos, passou a sofrer de alienação mental, ajuizou esta ação, representado por seu pai Ary Carvalho Quinhones, pretendendo a reforma com vencimentos de terceiro sargento, com pagamento dos proventos vencidos. (fls. 3/9)

A União contestou, alegando, preliminarmente, carência de ação por não ter o Autor postulado o benefício na via administrativa. No mérito, sustentou que a licença ocorreu por “doença preexistente à incorporação” e que o fato de a doença ter-se manifestado durante o serviço militar não gera a presunção de que seja dele decorrente, sendo comum que o incorporado traga consigo as condições de doença não detectadas (fls. 42/52). Juntou cópia da sindicância. (fls. 55/62)

O Autor, tendo em vista que a moléstia foi comprovada pela perícia realizada no Exército e pela psiquiatra Fátima Deitos (fl. 36), dispensou a perícia judicial. Em audiência foram ouvidas quatro testemunhas. (fls. 76/81)

Após parecer do Ministério Público pela procedência do pedido (fls. 92/95), sobreveio sentença julgando parcialmente procedente o pedido para determinar que a União conceda ao autor a transferência para a reserva remunerada, na graduação de Terceiro Sargento, desde 19.05.95, e condená-la a pagar os proventos vencidos e vincendos, ao fundamento

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de que o autor desenvolveu doença mental durante o serviço militar, resultando incapacidade para os atos da vida civil. (fls. 99/106)

A União apelou, sustentando que não ficou provada a relação de causa e efeito entre a doença e as atividades exercidas no Exército não tendo o Autor comprovado nem mesmo que a moléstia tenha eclodido durante a prestação do serviço militar, pois não foi feita prova pericial. Quando menos pretende a redução dos honorários advocatícios. (fls. 107/112)

Sem contra-razões (fl. 113, v.), os autos foram remetidos ao Ministério Público, que exarou parecer no sentido do desprovimento do recurso, tendo em vista que se verifica, com certeza, a existência de nexo causal entre a prestação do serviço militar e o estado atual do autor. (fls. 121/124)

É o relatório. À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: O Autor foi interditado, tendo sido nomeado como curador seu pai, Ary Carvalho Quinhones, em razão de apresentar esquizofrenia paranóide (fls. 33/34). Recebeu “ dispensa de incorporação” em razão da moléstia. O fato de o autor apresentar moléstia incapacitante para o trabalho é fato incontroverso. As partes estão acordes em que o autor apresentou, durante a prestação do serviço militar, alienação mental. Conforme a contestação, o Autor é incapaz incurável (fl. 49). O Autor é portador de esquizofrenia e está incapaz não só para o trabalho, mas também para os atos da vida civil.

A questão a ser dirimida diz respeito à legislação aplicável ao conscrito que, durante o serviço militar, passa a apresentar doença mental incapacitante. A União alega que sem a prova da relação de causa e efeito entre o serviço prestado e a doença, não é de ser deferida a reforma. Alega que provavelmente a moléstia preexistia e que foi afastada a relação de causa e efeito.

Ficou provado nos autos que a esquizofrenia teve seu desencadeamento na época que o autor prestava serviço militar. Esta conclusão encontra respaldo na prova produzida. As testemunhas, em uníssono, afirmaram que o Autor antes de prestar serviço militar estudava e apresentava comportamento normal. A testemunha Eroni de Barros Londero, que conheceu o autor no quartel, afirmou que, quando de seu ingresso no

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Exército, não apresentava quadro de anormalidade. Deu conta de que, após ter sido submetido à tortura, tornou-se quieto e não mais se aproximava dos colegas. Continuou a sofrer torturas psicológicas e passou a não mais fazer as tarefas corretamente. (fl. 80)

A prova dos autos é no sentido de que o autor ingressou no Exército apto e, submetido à tortura, passou a apresentar moléstia mental. A documentação acostada confirma a conclusão de que o Autor, já na época em que foi excluído do Exército, apresentava doença mental. No caso, o serviço militar foi desencadeante da esquizofrenia.

A alienação mental é causa de reforma, independente da relação de causa e efeito com o serviço militar. Tal causa de incapacidade está prevista no inciso V do artigo 108 da Lei 6.880, de 1980, que não exige a relação de causa e efeito. Assim estabelece a Lei nº 6.880, de 1980:

“Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de: I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou

enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de

causa e efeito a condições inerentes ao serviço; V - tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra,

paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e

VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação.

2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à regulamentação específica de cada Força Singular.

Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço.

Art. 110. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I e II do artigo 108 será reformado com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir na ativa.

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1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.

2º Considera-se, para efeito deste artigo, grau hierárquico imediato: a) o de Primeiro-Tenente, para Guarda-Marinha, Aspirante-a-Oficial e Suboficial

ou Subtenente; b) o de Segundo-Tenente, para Primeiro-Sargento, Segundo-Sargento e Terceiro-

Sargento; e c) o de Terceiro-Sargento, para Cabo e demais praças constantes do Quadro a que

se refere o artigo 16. 3º Aos benefícios previstos neste artigo e seus parágrafos poderão ser acrescidos

outros relativos à remuneração, estabelecidos em leis especiais, desde que o militar, ao ser reformado, já satisfaça às condições por elas exigidas.

4º O direito do militar previsto no artigo 50, item II, independerá de qualquer dos benefícios referidos no caput e no § 1° deste artigo, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 152.

5º Quando a praça fizer jus ao direito previsto no artigo 50, item II, e, conjuntamente, a um dos benefícios a que se refere o parágrafo anterior, aplicar-se-á somente o disposto no § 2º deste artigo.”

A questão da reforma por doença mental tem sido examinada nesta

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.019154-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho

Apelante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Apelante: K. A. B. Advogados: Dra. Virginia Machado Ramos

Dr. José KariniApelados: (Os mesmos)

EMENTA

Penal. Processo Penal. Prescrição parcial. Fraude de lei sobre estrangeiro. Absorção dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso.

1. Tendo transcorrido prazo superior a quatro anos entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia, impõe-se declarar a prescrição dos crimes anteriores a 29.03.95.

2. Não há falar em concurso material, porquanto os tipos dos artigos 299 e 304 do Código Penal foram absorvidos pelo tipo do artigo 309 do mesmo diploma legal, tendo em vista que a falsificação e utilização dos documentos falsos visaram a sua permanência em território brasileiro.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,

decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por

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unanimidade, negar provimento ao apelo do Ministério Público Federal e dar parcial provimento ao recurso do réu, para declarar extinta a punibilidade do denunciado pelos crimes praticados anteriormente a 29.03.95, atingidos pela prescrição retroativa parcial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2002.Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra K. A. B., dando-o como incurso nas sanções dos artigos 299, caput (falsidade ideológica), por duas vezes, 304 (uso de documento falso), por sete vezes, 309 (fraude de lei sobre estrangeiro) e 338 (reingresso de estrangeiro expulso), na forma do artigo 69 (concurso material), caput, todos do Código Penal. (fls. 02 a 05)

Conforme narra a denúncia:“1) Em agosto de 1992, valendo-se de falsa certidão de nascimento da comarca

de Curitiba, PR, nº 14863, livro 18, fl. 326, em nome de Kaled Kassem (v. fl. 48), o denunciado fez inserir declarações falsas de nome, filiação e data de nascimento na cédula de identidade nº 6.569.323-2, emitida pelo Instituto de Identificação do Paraná (fl. 33), porquanto, conforme documentos das fls. 55/58, o nome correto do denunciado é K. A. B., filho de A. Q. R. M., nascido em 18.04.65 (fls. 54/57). As falsas inserções tinham por objetivo alterar a verdade sobre a identidade do denunciado, fato juridicamente relevante.

2) Em outubro de 1998, o denunciado fez inserir falsas declarações de nome e filiação na Cédula de Identidade de Estrangeiro nº Y236933-M, expedida pelo Departamento de Polícia Federal, órgão do Ministério da Justiça (fl. 33), em nome de Khaled Ahmad Kasim Ahmad, pois, como visto acima, a identidade correta do denunciado era outra. As declarações falsas tinham por objetivo alterar os dados de identificação do denunciado e, assim, obter os favores da Lei nº 9.675/98 (docs. anexos), fato este juridicamente relevante.

3) O réu fez uso dos documentos falsos descritos nos itens anteriores para obter os seguintes documentos:

a) Cadastro de Pessoas Físicas da Secretaria da Receita Federal nº 714.662.230-49, em nome de Kaled Kassen, expedido em 10.12.92 (fl. 34);

b) Cadastro de Pessoas Físicas da Secretaria da Receita Federal nº 708.354.621-53, expedido em nome de Khaled Armad Kasin Ahmad, no dia 04.11.98 (fl. 34);

c) Título Eleitoral nº 617937004/18, expedido pelo Tribunal Regional Eleitoral do

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Rio Grande do Sul em nome de Kaled Kassem no dia 01.12.93 (fl. 34);d) Inscrição da empresa individual Kaled Kassem junto ao Cadastro Geral de

Contribuintes da Secretaria da Receita Federal sob nº 94.975.9068/0001-87 (fl. 51);e) Inscrição de firma individual em nome de Kaled Kassem junto à Secretaria

Estadual da Fazenda do Rio Grande do Sul sob nº 1110065423, no dia 04.11.96 (fl. 61);f) Abertura de conta-corrente junto ao Banco do Brasil, agência Chuí, sob nº 22.050-7,

em nome de Kaled Kassem. (fl. 60)4) Em data não precisada, o réu, estrangeiro expulso do Brasil através de Decreto

publicado no Diário Oficial da União em 31.03.89 (fl. 64), reingressou no território brasileiro de forma irregular, assim permanecendo até o presente momento.

5) Até o dia 04 de março de 1999, o denunciado, (...) usou nomes que não o seu, conforme os documentos descritos acima, para permanecer irregularmente no território nacional.

6) No dia 4 de março de 1999, por volta de 22h50min, na cidade de Chuí, RS, o denunciado fez uso da cédula de identidade falsa nº 6.569.323-2/PR (fl. 34), em nome de Kaled Kassem, para identificar-se perante policiais federais que o abordaram justamente para a apuração de sua verdadeira identidade.

Na ocasião, os policiais perguntaram ao denunciado qual o seu nome, ao que respondeu, por duas vezes, chamar-se Kaled Kassem, tendo apresentado o falso documento para comprovar tal afirmação.

Posteriormente, foram encontrados, junto ao denunciado, os diversos documentos falsos já mencionados (fls. 34 e 35). Ainda, através da verificação das digitais do denunciado, a autoridade policial verificou que, em verdade, tratava-se de K. A. B., estrangeiro registrado sob nº RF 000719110-3, expulso do Brasil em virtude de condenação a pena de 14 anos de reclusão por homicídio doloso.” (fls. 54/58 e 62/66)

O libelo foi recebido em 29 de março de 1999. (fl. 94)A instrução transcorreu normalmente. Na sentença de fls. 275-283, publicada em 13.09.99 (fl. 284), o

magistrado a quo julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar o réu como incurso nas sanções do delito previsto no artigo 309 do Código Penal e absolvê-lo dos demais crimes. Fixou a pena em dois anos de detenção em regime semi-aberto e pagamento de multa de sessenta dias-multa, com unidade estipulada em um décimo do salário mínimo vigente.

A defesa interpôs recurso de apelação à fl. 287 e, quando da apresentação das razões, esta não foi recebida pelo juízo monocrático por ser intempestiva. O referido recurso foi desentranhado e juntado por linha, conforme certidão e itens 1 e 2 do despacho de fl. 291.

Irresignado, apelou o Ministério Público Federal da decisão de fls. 293-296, sustentando, em suas razões, que a conduta do réu não se

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limitou apenas ao uso de nome falso com a finalidade de permanecer no país; ao contrário, excedeu ao tipo do art. 309 para ludibriar a fé pública através da falsificação de inúmeros documentos, forjando condição de brasileiro, com todas as garantias e vantagens que daí pudessem advir.

Verificado que o réu não havia sido intimado da sentença, a apelação foi recebida e a defesa manifestou seu desejo em arrozoar oralmente perante esta Corte (fl. 318) e, às fls. 319-322, apresentou contra-razões à apelação do MPF, alegando que os documentos falsos foram utilizados somente para que o réu permanecesse no Brasil, pugnou pelo improvimento do recurso da acusação.

Nesta instância, forte no § 4º do art. 600 do CPP, a defesa foi novamente intimada e, consoante certidão de fl. 355, não houve manifestação no prazo legal.

A Procuradora Regional da República, em preliminar, opina pela ocorrência da prescrição parcial da pena aplicada. No mérito, manifesta-se pelo improvimento dos recursos interpostos pela defesa e pela acusação. (fls. 358-367)

À fl. 378, determinei a nomeação de advogada dativa para o réu, a fim de que apresentasse as razões de apelo e prosseguisse no feito, na defesa do acusado.

Insurge-se o recorrente nas razões de fls. 386/388, sustentando como preliminar a prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado e, no mérito, entendendo exacerbada a pena aplicada, pugna pela reforma da sentença e substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos.

É o relatório. À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Preliminarmente, conforme bem destacado no parecer ministerial, cabe analisar a prescrição retroativa da pretensão punitiva. No caso em tela, para a aplicação do princípio retroativo deverá ser considerada a pena total imposta na sentença, bem como as circunstâncias atenuantes, entretanto, sem o acréscimo legal do artigo 71 do Código Penal (crime continuado), em vista da incidência da Súmula 497 do STF, que determina:

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“Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.”

Atentando para a pena in concreto de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, verifica-se o prazo prescricional de 4 (quatro) anos, conforme o disposto no inciso V do artigo 109 do mesmo Diploma Legal. Destarte, entre a data do início dos fatos, agosto de 1992, e a do recebimento da denúncia, 29.03.99, transcorreu lapso temporal superior a quatro anos, o que impõe o reconhecimento da prescrição parcial dos delitos praticados anteriormente à data de 28.03.95.

Cumpre salientar que a prescrição parcial não influi na aplicação da pena, uma vez que subsiste a continuidade delitiva prevista no artigo 71 do Código Penal; o réu permaneceu no Brasil com nome que não o seu até 04.03.99, quando, então, foi preso em flagrante. (fls. 48-51)

A materialidade está fartamente comprovada pelas fotocópias autenticadas dos seguintes documentos falsos acostados aos autos: a) Cédula de Identidade da República Oriental do Uruguai nº 4.862.600-2, emitida em nome de Khaled Ahmad Kasim Ahmad (fl. 15); b) Licença de Condutor da República Oriental do Uruguai nº 36.174, emitida em nome de Khaled Ahmad Kasim Ahmad (fl. 15); c) Cédula de Identidade brasileira nº 6.569.323-2, emitida em nome de Kaled Kassem (fl. 16); d) Carteira Nacional de Habilitação nº 00279544751, emitida em nome de Kaled Kassem (fl. 16); e) CIC nº 714662230-49, emitido em nome de Kaled Kassem (fl. 17); f) CPF nº 708354621-53, emitido em nome de Khaled Armad Kasim Ahmad (fl. 17); g) Cédula de Identidade de estrangeiro Rne: Y2399-6933-M, emitida em nome de Khaled Ahmad Kasim Ahmad (fl. 18); h) Título Eleitoral nº 617937004/18, emitido em nome de Kaled Kassem (fl. 18); i) fotocópia autenticada da Certidão de Nascimento. (fl. 10 do primeiro apenso)

A autoria foi admitida pelo próprio denunciado, por ocasião de sua prisão em flagrante (fls. 48-51), no interrogatório judicial (fls. 99-102), bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas às fls. 136-140. Em seu interrogatório, refere o réu que seu passaporte emitido em Israel possuía validade somente por um ano, e que para renová-lo deveria retornar a Israel, o que não fez; permaneceu no Brasil em situação irregular.

Aduz, ainda, que, através do despachante brasileiro chamado José,

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obteve a certidão de nascimento falsa em nome de Kaled Kassem, a partir da qual os outros documentos foram expedidos. Assim agindo, o réu usou de nome que não era seu para permanecer em território nacional incorrendo nas penas previstas para a conduta tipificada no art. 309 do Código Penal.

Inobstante a argumentação do ilustre Procurador da República em suas razões recursais, ficou caracterizada a falsificação e o uso de documento falso, como meio para a execução do crime-fim de fraude de lei sobre estrangeiro (artigo 309 do Código Penal); opera-se, portanto, a absorção, uma vez que os delitos praticados pelo denunciado visavam tão-somente a sua permanência no País. Resta, portanto, afastado o concurso material.

Veja-se, a propósito, o entendimento de Damásio E. de Jesus, verbis:“Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato definido por uma

norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática atinente àquele crime. Nestes casos, a norma incriminadora que descreve o meio necessário, a normal fase de preparação ou execução de outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa. Lex consumens derrogat legi consumptae”. (Direito Penal, 1º volume – Parte Geral, Ed. Saraiva, São Paulo, 1993, p. 99)

Como bem observou o juízo monocrático na sentença de fls.: “Em relação ao crime de reingresso de estrangeiro expulso, possui razão o Ministério

Público Federal, eis que não se confirmaram a autoria e a materialidade do crime. Não se efetivando o decreto de expulsão, não poderia o acusado ter reingressado, tendo permanecido no país clandestinamente.”

O Ministério Público Federal, à fl. 296, referiu que a sentença, equivocadamente, absolveu o denunciado do crime de falsificação de Cédula de Identidade de Estrangeiro, sob a alegação de que a cópia do referido documento não estava autenticada nos autos, e como tal, imprestável para a condenação do réu. Ocorre que existe nos autos a fotocópia devidamente autenticada desta cédula à fl. 18.

No que pertine ao aditamento das razões recursais defensivas (fls. 393-396), requerendo, em razão de ter contraído matrimônio e possuir um filho brasileiro, seja assegurada sua permanência e a de seus familiares no Brasil, constitui matéria não afeta a esta Corte, consoante o art. 66 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980.

No que respeita à pena restritiva de liberdade, esta foi fixada

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corretamente pelo magistrado singular quando da análise das circunstâncias judiciais.

A confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal) foi devidamente reconhecida, bem como o aumento de um terço da pena advindo da continuidade delitiva, o que culminou na fixação da pena definitiva em 2 (dois) anos de detenção em regime semi-aberto (§ 3º do art. 33 do CP) e pagamento de 60 (sessenta) dias-multa com unidade estipulada em um décimo do salário mínimo vigente.

Considerando que o réu registra alto grau de culpabilidade, que os seus antecedentes não lhe são favoráveis, pois já foi condenado por homicídio qualificado (fls. 222-224) e que, ainda, mediante fraude, ludibriou a Polícia Federal durante vários anos com o escopo de permanecer no País, impedindo, desta forma, que se efetivasse o decreto de expulsão, em virtude do cometimento daquele crime, não tem cabimento a suspensão condicional do feito nem a suspensão condicional da pena, tampouco a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos, devendo, ante a autorização do art. 33, § 3º, do CP, iniciar o cumprimento em regime semi-aberto e, nesse ponto, ser improvido o recurso do MPF.

Em face do exposto, nego provimento ao apelo do Ministério Público Federal e dou parcial provimento ao recurso do réu, para declarar extinta a punibilidade do denunciado pelos crimes praticados anteriormente a 29.03.95, atingidos pela prescrição retroativa parcial.

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Fixo os honorários do defensor dativo no grau mínimo da tabela estabelecida pela Resolução nº 226/2000 do Conselho da Justiça Federal. Oficie-se à Presidência.

Em virtude da pendência da expulsão do apelante (fl. 85), comunique-se, imediatamente, o juízo de primeiro grau e a autoridade policial para a efetivação da medida nos termos determinados.

É como voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.132444-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho

Apelante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Apelante: C. M. N.Advogados Drs. Sérgio Gomes e outros

Dra. Nadyr ZimmermannApelante: C. B.

Advogados: Dr. Almir José ComandulliDr. Luiz Roberto RomanoApelados: (Os mesmos)

EMENTAConcussão. Art. 316 do CP. Autoria e materialidade. Delito formal.

Inocorrência de prescrição.1. Preliminares não-acolhidas.2. Autoria e materialidade devidamente comprovadas.3. O delito de concussão é de simples atividade ou mera conduta, pois

a simples ação de exigir vantagem indevida o configura, independente

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do resultado.4. Redução da pena corporal e pecuniária.5. A pena privativa de liberdade aplicada, com fundamento na nova

redação do artigo 44, § 2°, do Código Penal, deve ser substituída por duas penas restritivas de direitos.

6. Tendo transcorrido lapso temporal superior a 4 anos entre a data do recebimento da denúncia e a data de publicação da sentença, opera-se a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, V, CP.

7. Recurso parcialmente provido. Recurso do Ministério Público prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do réu C. M. N. e declarar extinta a punibilidade do réu C. B., pela ocorrência da prescrição, restando prejudicado o recurso do Ministério Público Federal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de setembro de 2002.Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra C. M. N., V. M. e M. C. J. pela prática dos delitos previstos nos artigos 334, 316, 29 e 69, todos do Código Penal; L. F. L. S. e C. B., como incursos nas sanções dos artigos 316, c/c 29, ambos do Código Penal, e A. M., dando-o como incurso nas sanções do art. 334 do CP.

Narra a denúncia que, no dia 07 de janeiro de 1987, na cidade de Foz do Iguaçu/PR, o denunciado A., após ter introduzido, em território nacional, mercadorias estrangeiras sem a devida documentação de importação e recolhimentos de tributos, teria contratado M. para efetuar o transporte das mercadorias entre as cidades de Foz do Iguaçu e Medianeira. Havendo prévio acordo entre M. e V. com C. M. N., este funcionário da Receita Federal, para que fosse efetuada a apreensão das mercadorias, que de fato

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chegou a parar o veículo dirigido por M., solicitando que fossem entregues as mercadorias. Após as mercadorias serem colocadas no veículo Passat do denunciado C., foram abordados por uma viatura da Polícia Civil, conduzida pelos denunciados L. F. e C. B., no exercício de cargo público, exigiram para si a entrega das mercadorias estrangeiras, sem efetuar a devida apreensão das referidas mercadorias.

Em relação ao denunciado V. M., ocorreu a extinção da punibilidade em razão de seu falecimento. (fl. 290)

A denúncia contra o réu A. M. foi recebida no dia 17.07.90 (fl. 255). O réu foi interrogado. (fls. 353/355)

A denúncia foi recebida no dia 23.08.91 contra os demais denunciados. Os réus foram devidamente citados e interrogados (C. – fls. 377/379; C. – fls. 416/417; L. – fls. 455/457). O réu M., citado por edital, não compareceu à audiência designada para o seu interrogatório, tendo decretada sua revelia. (fl. 339)

Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas de acusação e defesa.Na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, as partes nada

requereram.Sentenciando o feito, o magistrado de primeiro grau julgou procedente

a denúncia para o fim de condenar os réus. C. M. N. e L. F. L. S. foram condenados a uma pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão pela prática do delito previsto no art. 316, c/c o art. 29 do Código Penal; M. C. J. e C. B., incursos nas sanções dos arts. 316, c/c o art. 29 do Código Penal, foram condenados a 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão; A. M. e M. C. J. tiveram sua penas suspensas pelo prazo de 02 (dois) anos, pois presentes os requisitos do artigo 77 do Código Penal.

Irresignados com a decisão, apelam os condenados C. M. N. e C. B. e o Ministério Público Federal.

A defesa de C., em suas razões recursais (fls. 694/698), sustenta que a condenação imposta é incorreta, pois contraria todas as provas coletadas nos autos, uma vez que, mesmo provada a materialidade, não foi consumado o delito descrito na denúncia. Alega, ainda, que o réu não recebeu orientação de seu advogado, e que o local da prisão foi diverso daquele constante da sentença. Por fim, pede a diminuição da pena imputada em 1/3 (um terço) pelas atenuantes evidenciadas, o que acarretará a extinção da punibilidade pela prescrição em concreto.

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O apelante C. B., em suas razões de recurso (fls. 725/744), sustenta que não cometeu o delito, afirmando que as provas carreadas aos autos são insuficientes a ensejar uma condenação criminal. Requer que seja reconhecida não a co-autoria no fato, mas a mera participação, com diminuição da pena. Afirma que o juízo a quo incorreu no bis in idem, ao considerar por duas vezes a condição de funcionário público do apelante.

O Ministério Público Federal, em suas razões de apelação (fls. 748/751), sustenta que a pena-base e a pena de multa devem ser exacerbadas.

Com contra-razões (fls. 771/778; 860/861 e 863/864), subiram os autos.

O Ministério Público Federal opina pelo improvimento dos recursos do Ministério Público Federal e de C. M. N. e pelo não-conhecimento do recurso de C. B., pois foi interposto fora do prazo legal. (fls. 868/876)

É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Inicialmente, cumpre ressaltar que o apelo do réu C. B. é tempestivo.

Conforme se depreende dos autos, o réu foi intimado pessoalmente da sentença condenatória no dia 09.02.99 (fl. 718v), sendo a carta precatória juntada aos autos no dia 26.02.99 (fl. 713v). Nesse mesmo dia, o advogado juntou procuração e pediu vistas dos autos para interpor apelação, tendo apresentado o recurso, com as devidas razões, no dia 05.03.99 (fl. 724). No caso de intimação feita por precatória, o prazo para a interposição da apelação é contado a partir da juntada daquela peça aos autos, e não da data da efetiva intimação.

O apelo do réu C. B. está no limite do prazo legal, pois observou o prazo de 5 (cinco) dias, contados da juntada da precatória, para a interposição da apelação.

A preliminar suscitada pela defesa do réu C. M. N. não merece ser acolhida.

O réu afirma a ocorrência da prescrição em abstrato e a prescrição em concreto, sustentando que transcorreu lapso superior aos prazos previstos no art. 109 do Código Penal. Requer que seja atendido o pedido

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de diminuição da pena imputada em 1/3 pelas atenuantes evidenciadas, o que acarretaria a extinção da punibilidade pela prescrição.

As alegações do réu não merecem respaldo. Vejamos: o fato ocorreu em 07.01.87, o recebimento da denúncia em 23.08.91 e a data da publicação da sentença é 24.11.98. O delito previsto no art. 316 (concussão) do Código Penal prevê uma pena que oscila entre 02 (dois) a 08 (oito) anos de reclusão, sendo o prazo para a ocorrência da prescrição em abstrato de 12 anos (art. 109, III, CP). Como se vê, de forma alguma transcorreu lapso temporal superior a 12 anos entre um marco interruptivo e outro.

A materialidade do delito está devidamente comprovada através do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 07/09) e dos depoimentos prestados por A. M. (fls. 11/13) e M. J. (fls. 14/15), que confirmam a existência e a apreensão das referidas mercadorias.

A autoria do delito é inquestionável. As provas carreadas aos autos são suficientes e não deixam dúvidas no tocante à participação dos réus C. M. N. e C. B. A prova testemunhal é robusta, e não permite afastar a responsabilidade penal dos réus do fato delituoso.

O próprio réu C., no auto de prisão em flagrante, confirma a prática do ilícito, fornecendo informações relevantes no tocante à armação que ele e os outros denunciados fizeram para a apreensão ilegal das mercadorias pertencentes a A.

“Que às 14h40min de ontem, na entrada de Medianeira/PR, o declarante abordou um chevette cinza e preto placas 3131 com a intenção de apreender mercadorias de procedência estrangeira;(...) Que era do conhecimento do declarante que o veículo chevette transportava mercadorias estrangeiras, pois esta informação lhe foi prestada pelo motorista do veículo que conduzia o turista, bem como as mercadorias; Que no momento em que efetivava a ‘arrecadação’ das mercadorias estrangeiras, surgiu uma viatura da Polícia Civil de Medianeira, cujos ocupantes se identificaram como policiais e lhe exigiu a entrega das referidas mercadorias, sob pena de ser preso; Que foi entregue toda a mercadoria aos policiais, que posteriormente liberaram o turista, dono das mercadorias, e o motorista do chevette; Que M. foi apresentado ao declarante algum tempo atrás por seu irmão V. M.; Que por orientação de V., o motorista do chevette procurou o declarante dizendo que faria o transporte de um turista e mercadorias estrangeiras de Foz do Iguaçu até Medianeira; Que o declarante prometeu a M. quinhentos cruzados no caso, se a arrecadação da mercadoria estrangeira ao turista desse certa (...)”. (C. M. N.- fls. 07/09)

Embora C. tenha se retratado em juízo (fls. 378/379), tal retratação não se sobrepõe às declarações prestadas no Auto de Prisão em Flagrante.

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A versão apresentada em juízo é totalmente diferente daquela. As declarações do Auto de Prisão em Flagrante apresentam uma enorme quantidade de informações e detalhes acerca do fato delituoso.

Como se não bastasse o depoimento do próprio C., no qual revela toda a empreitada realizada, deve ser ressaltado o depoimento dos denunciados A. M. e M. J., que confirmam toda a versão apresentada por C.

“(...) Durante o percurso, 40Km após, o táxi foi abordado por um automóvel Passat conduzido por C. (1º acusado), determinando que o táxi parasse, com arma em punho, declarando-se polícia; que discutia com C., resistindo a entrega das mercadorias que trazia consigo, e instando à necessidade de irem até uma Delegacia, uma vez que C. acusava-o de estar conduzindo maconha e cocaína, além de contrabando (...)”. (A. M. - fls. 353/355)

“Que cerca de 14:30 às 15:00 horas de hoje dirigia seu chevette FS 3131 de Foz do Iguaçu com destino a Medianeira/PR, quando ao lado da pracinha, no centro daquela cidade foi abordado por um passat, branco, e dele saltou um elemento que se identificou como sendo da federal; que logo em seguida um outro veículo estacionou e deste, um gol, branco, inscrito Polícia Civil na porta, saiu dois elementos que se identificaram como sendo da Polícia Civil e pequena desavença ocorreu entre os três que chegaram a um acordo de levarem a mercadoria que se encontrava no chevette do depoente e liberaram a ele e seu acompanhante (...)”. ( M. C. J. - fls. 14/15)

Ademais, no Auto de Reconhecimento (fl. 48), o denunciado A. M. reconheceu o réu C. como a pessoa que se identificou como policial e exigiu a entrega das mercadorias estrangeiras de forma ilegal. O mesmo ocorre nos Autos de Reconhecimento, às folhas 64 e 65, nos quais o réu C. B. é apontado com segurança e presteza, por A. M. e C. M. N., como um dos elementos ocupantes da viatura policial de Medianeira que exigiu a entrega das mercadorias estrangeiras.

Por fim, é de se destacar que, no Auto de Acareação (fls. 66/67), não houve alteração da versão dos fatos apresentados. A. M. confirma integralmente o seu depoimento prestado perante a autoridade policial, identificando o réu C. M. N. como o Policial Federal que executou a abordagem ao veículo que o conduzia. Igualmente, foi o depoimento do réu C., reiterando que a apreensão das mercadorias foi feita pelos Policiais Civis C. B. e L. F.

Na linha de todas essas provas, dúvidas não restam de que os réus C. M. N. e C. B. participaram na realização do ilícito penal previsto no art. 316 do Código Penal.

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Exame do apelo do réu C. M. N.Alega o réu que não teve orientação de nenhum advogado, tendo sido

agredido no momento da prisão. Certo o réu quando afirma que não tinha advogado no momento de sua prisão, entretanto, consta nos autos que na acareação feita pela autoridade policial, o réu C. já estava acompanhado de seu advogado, e em momento algum fez referência às agressões que supostamente teria sofrido no momento de sua prisão. O Laudo Médico (fl. 139), da mesma forma, não verificou nenhum tipo de lesão corporal sofrida pelo réu.

Aduz a defesa que a troca do local da prisão, feita pela sentença recorrida, foi proposital, pretendendo que ficasse configurada a autoria do delito. A prisão do réu, conforme o Auto de Prisão em Flagrante, deu-se na sua residência na cidade de Foz do Iguaçu, e não em Medianeira/PR, mas isso não impede em atribuir ao réu a autoria do delito, pois, como já restou demonstrado, não restam dúvidas de que C., na qualidade de funcionário da Receita Federal, exigiu vantagem indevida em troca da liberação das pessoas que estavam transportando as referidas mercadorias.

Sustenta, ainda, que o crime, se existiu, foi somente tentado, não tendo recebido a vantagem indevida, já que as mercadorias apreendidas foram entregues à Receita Federal.

É entendimento uníssono, tanto na doutrina como na jurisprudência, que o delito de concussão é de simples atividade ou mera conduta, pois a simples ação de exigir vantagem indevida o configura, independente do resultado. Veja-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSO PENAL. CONCUSSÃO. VEREADOR. RECEBIMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA. PARTE DO SALÁRIO DE ASSESSOR ADMINISTRATIVO. ART. 316 DO CÓDIGO PENAL. CRIME FORMAL.

O crime capitulado no artigo 316, caput, do Código Penal é formal, e consuma-se com a mera imposição do pagamento indevido, não se exigindo o consentimento da pessoa que a sofre e, sequer, a consecução do fim visado pelo agente. O núcleo do tipo é o verbo exigir, sendo formal e de consumação antecipada. Recurso conhecido e provido”. ( STJ- REsp 215459/MG; Min. Rel. José Arnaldo da Fonseca; 5ª Turma; DJ 21.02.2000; pág. 162)

Por fim, requer seja decretada a prescrição da pretensão punitiva em concreto, sustentando que a pena corporal imposta deveria ser reduzida em 1/3 (um terço), já que o crime foi tentado. Esta pretensão

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não merece guarida, pois, como exposto acima, o crime de concussão é um delito formal, que dispensa a efetiva obtenção da vantagem. No entanto, a pena-base fixada pelo juízo a quo se mostra excessiva. Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, vislumbro apenas as circunstâncias do crime como desfavorável, pois o réu, no momento do crime, deveria estar desempenhando suas funções de funcionário da Receita Federal. Ressalte-se, ainda, que o réu estava armado com um revólver calibre 38, sem porte. Assim, reduzo a pena-base do réu para 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão. Não havendo nenhuma outra circunstância que altere a pena-base, torno-a definitiva em 2 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Não há falar em ocorrência da prescrição em concreto, pois a pena imposta ao réu, conforme o art. 109, IV, CP, prescreve em 8 (oito) anos, e não transcorreu lapso temporal superior a este período entre os marcos interruptivos previstos no art. 117 do CP.

Tendo em vista a diminuição da pena corporal do réu, reduzo a sanção pecuniária a 40 (quarenta) dias-multa e mantenho o valor de 1 (um) salário mínimo. A pena de multa guarda simetria com a pena-base: uma vez reduzida a pena corporal, deve a pena pecuniária também ser reduzida.

Não sendo totalmente desfavoráveis as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, substitui-se, de ofício, a pena privativa de liberdade aplicada, com fundamento na redação do artigo 44, § 2º, do Código Penal, por duas penas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, a ser fixada pelo Juízo das Execuções Penais, e prestação pecuniária dirigida à entidade pública com destinação social.

Exame do apelo do réu C. B.Insurge-se a defesa, sustentando que deve ser atribuída ao réu a conduta

de participação no delito, pois sua atuação foi de menor importância e sua conduta não chegou a ser determinante para a configuração do delito.

No caso de concurso de agentes, a teoria adotada por nosso Código Penal é a Teoria Unitária, ou seja, quem emprega qualquer atividade para a realização do fato criminoso é considerado responsável por ele. Ao contrário do que afirma a defesa, de que o réu apenas presenciou o fato, a prova acostada aos autos é inequívoca em revelar que o réu C. exigiu vantagem indevida em troca da liberação de A. e M.

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Sustenta, ainda, que o juízo a quo incorreu em bis in idem ao considerar por duas vezes a condição de funcionário público. Analisando a sentença recorrida, entendo não haver ocorrido o bis in idem, como pretende a defesa. No entanto, o juiz sentenciante elevou a pena-base do réu para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, pois considerou sua culpabilidade acentuada, uma vez que exercia cargo de inspetor de quarteirão. Com razão a irresignação do réu C. B. no tocante a essa exacerbação, já que, no crime de concussão, a condição de funcionário público já faz parte do tipo penal, não sendo permitido considerá-la como circunstância judicial desfavorável ou aplicar a agravante prevista no art. 61, II, g, do CP. Assim, afastada essa circunstância desfavorável e não havendo nenhuma outra circunstância que altere sua pena-base, torno-a definitiva em 02 (dois) anos de reclusão.

Esta pena, conforme preceitua o art. 109, V, CP, prescreve em 4 anos. No caso em tela, verifica-se que entre a data do recebimento da denúncia (23.08.91- fl. 300) e a data de publicação da sentença (24.11.98- fl. 679) transcorreu lapso temporal superior a 4 anos, operando-se a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, V, CP.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso do réu C. M. N. para reduzir a pena a 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos; e ao do co-réu C. B. para reduzir-lhe a pena e, por conseqüência, declarar extinta a sua punibilidade pela ocorrência da prescrição (art. 107, IV, c/c o art. 109, V, do CP). Prejudicado o apelo do Ministério Público de folhas 748/751.

É como voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.70.02.001445-6/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva

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Apelante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Apelante: C. A. B. D.Advogado: Dr. Edson Vieira Abdala

Apelante: W. E. F.Advogados: Drs. Waldemar Ernesto Feiertag Junior e outro

Apelante: V. Z.Advogados: Drs. Alvaro Wendhausen de Albuquerque e outro

Apelantes: J. A. L.S. C. F. S.

Advogados: Dra. Cledy Gonçalves Soares dos SantosDr. José dos Passos Oliveira dos SantosDrs. Ronaldo Antonio Botelho e outros

Apelados: Os mesmos

EMENTA

Penal. Processo Penal. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Princípio da indivisibilidade da ação penal. Inaplicabilidade. Flagrante preparado. Não-configuração. Facilitação de contrabando ou descaminho. Resultado material. Prescindibilidade. Abuso de autoridade. Anuência da vítima. Descaracterização. Seqüestro. Privação de liberdade. Roubo. Intenção de subtrair. Ausência de prova. Depoimento de policiais. Valor probatório. Falsidade ideológica. Aspecto físico do documento não atingido. Agentes responsáveis pela prática criminosa. Elementar do delito de facilitação do descaminho. Imprestabilidade para exasperar a pena. Pena de multa. Dias-multa. Cálculo. Circunstâncias agravantes ou atenuantes. Majorantes e minorantes. Não-incidência. Pena privativa de liberdade. Substituição. Perda do cargo. Efeito da condenação.

1. O indeferimento de pedido de quebra do sigilo telefônico de testemunha, bem como o indeferimento de pergunta à testemunha não constituem cerceamento de defesa quando tais atos, se realizados, em nada colaborariam com a instrução criminal. Cerceamento de defesa também não configurado diante do indeferimento de oitiva de testemunha

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arrolada a destempo e no intuito de fazer prova a respeito de fato sobre o qual não há sequer indícios da ocorrência. Quebra do sigilo dos extratos telefônicos dos acusados que se deu em obediência ao disposto na Lei nº 9.296/96, aplicável analogicamente ao caso.

2. Inaplicável o princípio da indivisibilidade da ação penal quando os delitos em exame estão sujeitos à apuração mediante ação penal pública incondicionada.

3. O acusado, em processo penal, defende-se dos fatos descritos na denúncia, e não de sua capitulação legal, sendo lícito ao magistrado dar às condutas capitulação legal diversa da constante na peça acusatória.

4. O que, de acordo com o entendimento firmado na Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal, determina a inocorrência do crime é a preparação do flagrante pela polícia que torna impossível a consumação do delito, e não a espera, pela polícia, do momento certo para caracterizar e coibir a prática criminosa.

5. Tendo os acusados, na condição de policiais rodoviários federais, com infração de dever funcional, facilitado a prática do descaminho flagrado, deixando de apreender mercadorias irregularmente introduzidas no território nacional e de efetuar as prisões devidas, caracterizado está o delito do artigo 318 do Código Penal, e não o de concussão, previsto no artigo 316 do mesmo diploma legal.

6. Demonstrado que a suposta vítima ficou em companhia dos policiais por sua própria vontade, descaracterizada a prática do crime de abuso de autoridade.

7. O delito de facilitação de contrabando ou descaminho é meramente formal, prescindindo para sua consumação do efetivo resultado material do crime de contrabando ou descaminho.

8. Se, no intuito de arrecadar o restante da mercadoria exigida, os agentes privaram a vítima de sua liberdade, obrigando-a a se dirigir a guarda-volumes de sua propriedade, caracterizado está o delito de seqüestro, não havendo falar na prática de roubo, uma vez que já não era indevida a devolução das mercadorias, que não poderiam permanecer na posse do autor do suposto descaminho. Ausência de prova cabal acerca da intenção de efetuar a subtração.

9. O valor probatório do depoimento prestado por policiais deve ser o mesmo dado ao depoimento de qualquer testemunha, mormente quando

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prestado em juízo, sujeito ao crivo do contraditório.10. A inserção de declaração falsa em termo de entrega de pessoa

configura o crime de falsidade ideológica (art. 299, CP), e não o delito de falsificação de documento público (art. 297, CP), pois em nenhum momento se atentou contra o aspecto físico do documento.

11. Sendo a função exercida pelos agentes elementar do delito de facilitação do descaminho, não pode o fato dos mesmos serem responsáveis pela repreensão dos crimes servir para exasperar a pena. Tampouco aplicável a agravante do artigo 61, II, b, do Código Penal, pois tal circunstância é ínsita ao crime em questão.

12. A pena de multa, no que se refere ao número de dias-multa, deve ser fixada exclusivamente em atenção às circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, não incidindo sobre o cálculo circunstâncias agravantes ou atenuantes, tampouco majorantes e minorantes.

13. Preenchidas as condições do artigo 44 do Código Penal, e sendo a pena aplicada superior a um ano, imperioso substituir-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, na forma do disposto no § 2º do mesmo dispositivo legal.

14. Constitui-se efeito da condenação a perda do cargo ou função pública quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a um ano, em crime praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. (art. 92, I, a,CP)

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,

decide a Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no mérito, dar parcial provimento aos apelos dos réus L., F. e Z. e do Ministério Público, e negar provimento às apelações dos demais acusados, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de janeiro de 2002.Des. Federal José Germano da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público Federal contra C. A. B. D.,

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W. E. F., V. Z., J. A. L. e S. C. F. S., denunciados, os dois últimos, pela prática dos delitos previstos nos artigos 288, parágrafo único, 316, 157, § 2º, incisos II e V, e 347, todos do Código Penal, bem como no artigo 4º, a, da Lei 4.898/65, e os demais pela prática dos crimes previstos nos artigos 288, parágrafo único, 316, 157, § 2º, incisos II e V, do Código Penal, bem como no artigo 4º, a, da Lei nº 4.898/65, todos na forma do artigo 29 do Código Penal Brasileiro.

Segundo a inicial acusatória:“Os Policiais Rodoviários Federais L. e F., no dia 10 de abril de 2000, no início da

tarde, estando de serviço no Posto da PRF de Santa Terezinha do Itaipu, pararam um automóvel onde se encontravam Vânia Inês Bertin Marins e Volnei de tal, e verificaram a existência de mercadorias de proveniência estrangeira sem a devida documentação de sua regular introdução no território nacional. Contudo, ao invés de apreenderem a mercadoria e darem voz de prisão àqueles que a estavam transportando, exigiram, em razão da função pública e valendo-se da condição de policiais, de Volnei a quantia de dois mil reais, como condição para liberá-los, o que configura o crime de concussão.

Tal fato foi comunicado a João Francisco Martins, que era quem estava organizando o transporte das mercadorias descaminhadas, deixadas em guarda-volumes de sua propriedade (João Francisco), a pedido de três pessoas não identificadas até o momento (cf. fls. 14 e 15).

João, então, foi ao encontro dos policiais, que estavam ainda retendo Vânia e Volnei, e lá se comprometeu com os PRFs L. e F. a providenciar os valores exigidos. Assim, os referidos policiais liberaram Volnei, João e as mercadorias, permanecendo Vânia sob sua ‘custódia’ como ‘garantia do pagamento’ da propina exigida.

Note-se que Vânia ofereceu-se para ficar retida forçada pelas circunstâncias, a fim de permitir que Volnei e João pudessem ir à procura dos valores necessários à satisfação das exigências dos PRFs, permanecendo privada de sua liberdade de 14:15 h até 17:00 h (cf. fls. 16 e 17), o que configura abuso de autoridade.

Durante o período em que ficou privada de sua liberdade, Vânia pediu aos PRFs L. e F. para entrar em contato com João por duas vezes, já que João estava demorando e somente seria libertada se houvesse o pagamento do qual era garantia. L. ligou de seu celular para o guarda-volumes de João, tendo falado somente com uma funcionária na primeira oportunidade e, na segunda, Vânia falou com a funcionária SIDNÉIA, que afirmou que JOÃO não estava.

Após a segunda ligação, L. e F. exigiram que Vânia mostrasse onde JOÃO morava, acreditando que este iria lhes dar o ‘cano’, tendo ela mostrado aos policiais o guarda-volumes de JOÃO. Diante disto, os PRFs a libertaram, ressalvando que ainda cobrariam o dinheiro.

JOÃO, que já havia comunicado o fato ao papiloscopista policial federal WEBER, foi com VÂNIA e os APFs KOREN e GRACIELA à sede da polícia federal em Foz do Iguaçu, onde prestaram declarações reduzidas a termo (fls. 14 a 17), tendo o DPF SINOMAR decidido seguir JOÃO, que iria fazer a entrega das mercadorias aos policiais

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como forma de pagamento para configurar o exaurimento do crime e demonstrar a veracidade de suas acusações.

JOÃO então se dirigiu ao encontro dos PRFs L. e F., sendo seguido por policiais federais, sempre a distância, sob o comando do DPF SINOMAR, chefe do Setor de Operações da DPF/FI. Registre-se que o Delegado SINOMAR pretendia registrar o exaurimento do crime de concussão, consumado em momento anterior, quando da exigência, e prender os PRFs envolvidos logo depois, com o produto do crime, caracterizando-se a hipótese do inciso IV do artigo 302. Desta forma, conforme farta jurisprudência, não haveria que se falar em flagrante preparado, conforme entendimento de farta doutrina e jurisprudência.

Contudo, a necessidade de manter a distância, a escuridão da noite e o concurso de outros policiais rodoviários, aliados à ganância e à ousadia dos ora denunciados, acabaram por impossibilitar que as coisas ocorressem conforme o planejado, tendo ocorrido ainda outros ilícitos penais, conforme descrevemos a seguir.

JOÃO se dirigiu ao encontro dos policiais L. e F., os quais o esperavam nas imediações do posto do pedágio, conforme combinado anteriormente. Todavia, ao passar pelo posto da PRF de Santa Terezinha do Itaipu, foi abordado pelo PRF Z., que ao revistar o carro viu a bolsa com as mercadorias estrangeiras irregularmente introduzidas no território nacional e foi informado por JOÃO que estas se destinavam a um acerto com os PRFs L. e F.

JOÃO foi levado para o interior do Posto, onde igualmente relatou que se tratava do referido ‘acerto’ aos PRFs B. e F., tendo o PRF B. feito comunicação com L. por rádio e confirmado a história. Estes, ao invés de cumprir com seu dever funcional, e aderindo com suas ações e omissões à conduta dos colegas, deixaram de efetuar qualquer medida para reprimir a prática do delito, e assentiram que JOÃO que poderia seguir para entregar as mercadorias aos PRFs L. e F., demonstrando total comunhão de desígnios entre os cinco PRFs de plantão.

JOÃO então encontrou os PRFs L. e F. nas proximidades do pedágio tendo os mesmos colocado as mercadorias na veraneio e obrigado JOÃO a entrar na viatura da PRF, enquanto L. passou a dirigir o MONZA de JOÃO.

Logo depois se encontraram com um terceiro PRF, gosdo (sic), de estatura mediana, fardado, que dirigia um veículo VW Gol, tendo sido transferidas as mercadorias para o porta-malas do Gol. Porém, não satisfeitos com as mercadorias entregues, que valeriam apenas U$ 1.500,00, quando já estavam no posto foi exigido por L. que fossem complementados os U$ 2.000,00 anteriormente exigidos, e como JOÃO não tinha os valores, L. e F., obrigaram-no a entrar no carro particular que é utilizado por F., privando-o de sua liberdade, tendo os outros PRFs assentido em tal conduta, onde foram até Foz do Iguaçu, e lá subtraíram seis vídeo-games modelo playstation que se encontravam no local e pertenciam a terceiros não identificados, mercadorias que estavam sob a guarda de JOÃO, cometendo assim o delito de roubo duplamente qualificado.

Em tal momento, por volta das 21 horas, L. recebeu uma ligação em seu celular e, depois de conversar com quem ligou, afirmou assustado: ‘sujou... a SO está lá em cima

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e tão levando o maninho’. Depois disso, passaram a pressionar JOÃO, prenderam-no e o algemaram. Em seguida, dirigiram-se à Delegacia da PRF em Foz do Iguaçu e inovaram artificiosamente o estado de JOÃO e das mercadorias, forjando um termo de entrega de pessoas onde consta que JOÃO teria sido preso às vinte horas e trinta minutos, e que teriam sido apreendidas as mercadorias (16 playstation sony, 3 telefones celulares e 3 game boy), com o intuito de produzir efeito no futuro processo penal, que já vislumbravam inevitável, e induzir a erro o Juízo, cometendo, assim, o crime de fraude processual, qualificada por se tratar de futuro processo penal.

Registre-se que uma equipe da Polícia Federal adentrou no posto da PRF de Santa Terezinha do Itaipu, onde estavam os PRFs B. E F., os quais foram indagados a respeito do Monza que lá estava, do respectivo dono, e sobre o paradeiro dos outros três colegas que estavam de serviço, tendo respondido que não sabiam porque o Monza de JOÃO lá se encontrava, e muito menos onde estaria o seu dono, que não viram quando o Monza chegou. Note-se que efetivamente não havia qualquer registro no livro de ocorrências em relação ao Monza e a João. Afirmaram também que L. e F. haviam saído para jantar no carro particular de F. Também se demonstrará que avisaram da presença dos policiais federais no posto da PRF, apesar de expressamente advertidos de que não deveriam alertá-los de tal situação, devendo apenas solicitar o comparecimento dos outros PRFs ao posto, sem lhes dar detalhes do que estava acontecendo. Tudo foi feito pelos PRFs B. e F. em auxílio à conduta de L. e F., que mantinham JOÃO em seu poder, restringindo a sua liberdade, para subtrair os seis vídeo-games que se encontravam no guarda-volumes. Note-se que a ajuda se deu no momento do cometimento do crime, caracterizando-se o concurso de agentes, e não posteriormente, o que caracterizaria o favorecimento pessoal.

Registre-se, ainda, que foram encontradas as mercadorias descaminhadas no dormitório dos policiais rodoviários, no posto da PRF de Santa Terezinha do Itaipu, inclusive no armário de nº 07, cuja chave estava em poder do PRF Z., demonstrando que o produto dos crimes era partilhado entre todos. Importa registrar, também, que B. era o Chefe da equipe.

Tudo está demonstrando, também, que os policiais da equipe de plantão mesmos agiam de forma organizada, não para cumprir suas funções, mas para praticar crimes, associando-se para praticar crimes, utilizando-se das armas que portam ostensivamente e de seu poder de polícia para intimidar as pessoas, constituindo quadrilha armada”. (fls. 03-08)

A denúncia foi recebida em 15.05.2000. (fl. 164)O MM. Juízo a quo, sentenciando às fls. 1055-1196, julgou

parcialmente procedente a ação para:“a) Condenar o réu S. C. F. S. pela prática dos crimes previstos nos artigos 316,

caput (4 anos e 6 meses de reclusão e 100 dias-multa arbitrados cada um em 1,5 salário-mínimo), 148, caput, primeira figura (quarto fato delituoso acima analisado – 1 ano e 8 meses de reclusão) e 299, caput e parágrafo único (2 anos e 4 meses de reclusão e 53 dias-multa arbitrados em 1,5 salário-mínimo), todos do Código Penal, em concurso material, à pena total de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, cumulada com o

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pagamento de 153 (cento e cinqüenta e três) dias-multa, arbitrados cada um em 1,5 (um e meio) salário-mínimo vigente quando da data dos fatos delituosos, atualizável monetariamente desde então;

b) Absolver o réu S. C. F. S. pela prática dos fatos delituosos enquadrados em sentença nos artigos 148, caput, primeira figura (segundo fato delituoso acima analisado), 157, § 2º, I e II, e 288, parágrafo único, todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, incisos III, VI e II, respectivamente;

c) Condenar o réu J. A. L. pela prática dos crimes previstos nos artigos 316, caput (4 anos e 6 meses de reclusão e cem dias-multa arbitrados cada um em 1,5 salário-mínimo), 148, caput, primeira figura (quarto fato delituoso acima analisado – 1 ano e 8 meses de reclusão) e 299, caput e parágrafo único (2 anos e 4 meses de reclusão e 53 dias-multa arbitrados em 1,5 salário-mínimo), todos do Código Penal, em concurso material, à pena total de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, cumulada com o pagamento de 153 (cento e cinquenta e três) dias-multa, arbitrados cada um em 1,5 (um e meio) salário-mínimo vigente quando da data dos fatos delituosos, atualizável monetariamente desde então;

d) Absolver o réu J. A. L. pela prática dos fatos delituosos enquadrados em sentença nos artigos 148, caput, primeira figura (segundo fato delituoso acima analisado), 157, § 2º, I e II, e 288, parágrafo único, todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, incisos III, VI e II, respectivamente;

e) Condenar o réu C. A. B. D. pela prática dos crimes previstos nos artigos 318 (4 anos e 2 meses de reclusão e 56 dias-multa arbitrados cada um em 2 salários-mínimos) e 148, caput, primeira figura (quarto fato delituoso acima analisado – 1 ano e 6 meses de reclusão), ambos do Código Penal, em concurso material, à pena total de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão, cumulada com o pagamento de 56 (cinqüenta e seis) dias-multa, arbitrados cada um em 2 (dois) salários-mínimos em valor vigente quando da data dos fatos delituosos, atualizável monetariamente desde então;

f) Absolver o réu C. A. B. D. pela prática dos fatos delituosos enquadrados em sentença nos artigos 316, caput, 148, caput, primeira figura (segundo fato delituoso acima analisado), 157, § 2º, I e II, e 288, parágrafo único, todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, incisos IV (primeiro crime acima referido), III e IV (segundo crime), VI (terceiro crime) e II (quarto crime), respectivamente;

g) Condenar o réu V. Z. pela prática do crime previsto no artigo 318 do Código Penal em 4 (quatro) anos de reclusão e 45 (quarenta e cinco) dias-multa, arbitrados cada um em 2 salários-mínimos em valor vigente quando da data do fato delituoso, atualizável monetariamente desde então;

h) Absolver o réu V. Z. pela prática dos fatos delituosos enquadrados em sentença nos artigos 316, caput, 148, caput, primeira figura (segundo e quarto fatos delituosos acima analisados), 157, § 2º, I, II e V, e 288, parágrafo único, todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, incisos IV (primeiro crime), III e IV (quanto aos crimes de seqüestro), IV e VI (quarto crime) e II (quinto crime), respectivamente;

i) Condenar o réu W. E. F. pela prática do crime previsto no artigo 148, caput, primeira figura, do Código Penal (quarto fato delituoso acima analisado), em 1 (um) ano e 7 (sete) meses de reclusão;

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j) Absolver o réu W. E. F. pela prática dos fatos delituosos enquadrados em sentença nos artigos 316, caput, 148, caput, primeira figura (segundo fato delituoso acima analisado), 318, 157, § 2º, I e II, e 288, parágrafo único, todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, incisos IV (primeiro crime acima referido), III e IV (segundo crime), IV (terceiro crime), VI (quarto crime) e II (quinto crime), respectivamente;”. (fls. 1187-1189)

Irresignado com parte da sentença, o Ministério Público Federal apresentou recurso de apelação (fls. 1251-1297), sustentando, em síntese, que a primeira conduta delituosa deve ser classificada como facilitação ao descaminho, e não concussão, pois não se pode dar a uma ação mais grave uma classificação que induza a uma pena menor pela existência de elemento que somente poderia ser levado em consideração para majorar a pena, e não diminuí-la, aplicando-se ao caso o princípio da especialidade. Alega que a absolvição do Policial Rodoviário Federal B., em relação ao primeiro fato delituoso, não se coaduna à prova dos autos, tendo o próprio acusado admitido expressamente que concordou com a liberação da mercadoria. Afirma, em relação ao segundo fato, terem os acusados B., L. e F. praticado o crime de abuso de autoridade, tipificado no art. 3º, a, da Lei nº 4.898/65, e não de seqüestro (art. 148, CP), delito pelo qual foram absolvidos na sentença recorrida. Aduz, com relação ao terceiro fato delituoso, que os Policiais Rodoviários Federais L. e F., com a adesão de vontade de B. e F., despidos da sua condição de policiais, dirigiram-se ao guarda-volumes da vítima João e subtraíram as mercadorias lá constantes, mediante grave ameaça, e depois de havê-lo reduzido à impossibilidade de resistência, com o emprego de arma, com o concurso de duas ou mais pessoas e restringindo sua liberdade, cometendo o crime de roubo triplamente qualificado, devendo ser condenados nas sanções do artigo 157, § 2º, incisos I, II e V, do Código Penal. Alega, de outra parte, não ser possível a unificação das condutas de facilitação do descaminho e do roubo triplamente qualificado, delitos distintos, que se consumaram em momentos diferentes, sendo inaplicável ao caso o artigo 71 do Código Penal. Com relação ao quarto fato, sustenta o Ministério Público que, apesar de entender correta a sentença quando afastou a configuração do delito de fraude processual, a hipótese é de falsificação de documento público, valendo-se os agentes dos cargos públicos de policiais rodoviários federais (art. 297, § 1º, do Código Penal), devendo ser reformada a sentença para condenar os PRFs L. e F. pela prática deste

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delito. Alega que o réu F., a exemplo de L., F. e B., cometeu o crime de facilitação do descaminho, pois foi F., e não Z., quem teria vistoriado o carro e encaminhado João Francisco até B., para que este entrasse em contato com L., devendo, ainda, responder como partícipe no crime de roubo qualificado, pois foi ele quem avisou seus colegas da presença dos policiais federais, consistindo a conduta em um auxílio efetuado durante a execução do crime, não respondendo, entretanto, pela qualificadora do emprego de arma. Quanto ao réu Z., aduz que merece ser condenado como partícipe nos crimes de abuso de autoridade (artigo 3º, a, da Lei nº 4.898/65) e facilitação do descaminho (art. 318, CP), na forma do art. 29, § 1º, do CP, pois teria visto Vânia ser detida por L. e F. e nada fez, bem como estava na pista quando o carro foi parado, respondendo, assim, pelos crimes que deveria evitar, a teor do art. 13, § 2º, do Código Penal. Entende, ainda, o Ministério Público, que a cominação das penas-base não se adequou ao preceito do artigo 59 do Estatuto Repressivo, devendo as mesmas ser fixadas em seu termo médio, ou acima, no caso do réu F., por possuir antecedentes, e de B., por ser o chefe da equipe, e que também as agravantes deveriam importar em maior acréscimo das penas. Quanto à pena de multa, afirma que as causas de aumento e diminuição gerais e especiais devem ser consideradas para sua fixação, requerendo, ainda, a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena em relação aos réus B. e F. Requer também a condenação do réu F. à perda do cargo, que, além de não ter sabido honrar, utilizou para a prática dos delitos.

Irresignados, também apelaram os acusados, sustentando o réu V. Z., em suas razões de recurso (fls. 1339-1346), não restar provado em momento algum da instrução criminal que o réu teria praticado o delito de facilitação de descaminho, não tendo participado dos eventos delituosos.

O denunciado W. E. F., por sua vez, em seu apelo (fls. 1363-1384), reitera as preliminares de nulidade do processo por cerceamento de defesa e por violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal formuladas em suas alegações finais. No mérito, afirma que, em momento algum, aderiu a qualquer vontade ilícita, estando alheio a todos os acontecimentos, não restando comprovada a afirmação de que o ora apelante teria efetivado ligação telefônica no intuito de avisar os outros PRFs da chegada da Polícia Federal no posto, devendo ser absolvido também da prática do delito previsto no art. 148 do Código Penal. Alega,

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de outra parte, que mesmo que comprovada a referida ligação telefônica, não seria esta prova suficiente para lhe ser atribuída a prática do crime, ante a ausência de vontade livre e consciente para a realização do evento seqüestro. Requer a aplicação do princípio in dubio pro reo, tendo em vista a fragilidade das provas carreadas aos autos, pois fundadas em depoimentos de policiais federais que participaram da diligência do flagrante, praticando os atos com conceito pré-concebido da situação. No tocante ao montante da pena, no caso de ser mantida a sentença, afirma que merece ser reduzida ao mínimo legal, pois as circunstâncias do art. 59 do Código Penal são favoráveis ao apelante e sua participação no fato deve ser considerada de menor importância, assistindo, ainda, a possibilidade de ser concedida a suspensão condicional da pena (art. 77, CP), ou, sucessivamente, o direito de ser a pena substituída por restritiva de direitos (art. 44, CP). Requer a fixação do regime prisional inicial aberto, tendo em vista que o apelante é tecnicamente primário, e até porque cumpriu mais de um sexto da pena fixada, sendo merecedor da progressão de regime, na forma do disposto no art. 112 da Lei nº 7.210/84. Requer, ainda, seja consignada na guia de recolhimento do ora recorrente a condição especial de não ser colocado em cumprimento de pena juntamente com os presos comuns, consoante art. 84, § 2º, da LEP.

Os acusados J. A. L. e S. C. F. S., em suas razões de recurso (fls. 1499-1519 e 1566-1591), reiteram, inicialmente, a preliminar de cerceamento de defesa formulada nas alegações finais e suscitam preliminares de nulidade da sentença por falta de congruência entre a denúncia e a sentença, no tocante ao crime de falsidade ideológica, pois a denúncia atribui aos recorrentes o crime de fraude processual, bem como por falta de congruência quanto ao crime de seqüestro, violando-se, assim, o disposto no art. 384, parágrafo único, do Código de Processo Penal. No mérito, afirmam não restar comprovada nos autos a exigência de qualquer vantagem indevida, não restando configurado o crime de concussão. Alegam, da mesma forma, não restar provada a prática dos delitos de seqüestro e falsidade ideológica, que se caracterizariam como pós-fatos impuníveis, no caso de ser confirmada a condenação quanto ao crime de concussão, pois cometidos para assegurar o sucesso deste último. Requerem a redução das penas aplicadas ao mínimo legal, não podendo ser considerado o fato dos agentes serem responsáveis pela

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repressão dos crimes para exasperar a pena, pois tal circunstância já foi levada em conta pelo legislador para a fixação da pena abstrata do delito. Aduzem não ter aplicação a agravante do artigo 61, II, b, do CP, pois a sentença se refere à facilitação de descaminho, crime que não seria de responsabilidade dos recorrentes, bem como, em relação ao crime de falsidade ideológica, sendo despropositado o aumento em decorrência de tal agravante. Requerem, ainda, a diminuição da pena de multa, tanto em relação ao número de dias-multa como no que se refere ao valor de cada um, assim como a reforma da sentença na parte que determinou a perda da função pública dos apelantes.

Finalmente, sustenta o acusado C. A. B. D., nas razões de seu recurso (fls. 1520-1563), estar configurado o flagrante preparado, não existindo o crime, de acordo com o disposto na Súmula 145 do STF, devendo o processo ser declarado nulo. Alega que não há elementos nos autos para comprovar a participação do apelante nos fatos descritos na denúncia, tendo havido a inversão de tais fatos, pois os PRFs estavam tentando prender em flagrante um policial federal envolvido na prática de descaminho. Afirma que os depoimentos das testemunhas da acusação foram conflitantes e contraditórios, não servindo para embasar a condenação. Aduz inexistir a materialidade do delito, pois a mercadoria já estava apreendida, não se configurando o crime de facilitação ao descaminho de mercadoria apreendida. Sustenta, ao final, que não se enquadra na hipótese ofertada pela acusação, pois não empregou arma de fogo, não agiu em concurso criminoso ou muito menos privou a vítima de sua liberdade.

Os recursos foram contra-arrazoados às fls. 1333-1338 (V. Z.), 1351-1362 (W. E. F.), 1386-1397 (J. A. L. e S. C. F.), 1419-1465 (C. A. B. D.) e 1467-1477 (Ministério Público).

O Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 1593-1608, opinou pelo parcial provimento do recurso da acusação e da apelação do réu Z. e pelo desprovimento das demais apelações.

Às fls. 1690-1692, foram indeferidos os pedidos de relaxamento de prisão provisória, de liberdade provisória e de prisão domiciliar formulados pelos réus W. E. F. e V. Z., indeferimento que foi mantido pela decisão de fl. 1715.

À fl. 1756/verso, foi indeferido o pedido de reconsideração formulado pelo réu V. Z. às fls. 1719/1720.

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É o relatório.À revisão

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Tenho por bem afastar, inicialmente, a preliminar de cerceamento de defesa suscitada pelos réus W. E. F., J. A. L. e S. C. F. em seus apelos.

Neste ponto, entendo que não merece reparos a sentença recorrida que, com muita propriedade, assim decidiu:

“Trata-se de preliminar apresentada pela defesa dos réus L., F. e F., que se subdivide em quatro alegações: indeferimento de quebra do sigilo telefônico das testemunhas João Francisco Martins e Álvaro Weber dos Santos, indeferimento de pergunta à testemunha Álvaro Weber dos Santos, indeferimento de oitiva de policial federal que teria ido ao escritório do defensor de tais réus para informar que João Francisco estaria ‘arrependido’ e produção de prova por parte da acusação em segredo de justiça, sem participação da defesa.

Quanto ao primeiro e segundo argumentos, tratava-se de medidas da defesa visando à comprovação da relação entre João Francisco e Weber. Todavia, uma vez admitida esse pelas próprias testemunhas referidas em suas declarações, não se poderia permitir a quebra de seu sigilo telefônico, pois esse de nada serviria para esclarecer se a relação que tinham era apenas de amizade, conforme afirmaram, ou ‘profissional’, como atestaram os réus L., B. e F. em seus interrogatórios. Tampouco se poderia permitir pergunta de caráter nitidamente incriminador a Weber como aquela indeferida (‘Ele (João Francisco) nunca ofereceu mercadorias pro senhor?’ – fls. 448), pois, além de quanto a esse aspecto possuir direito constitucional ao silêncio, mesmo quando inquirido na condição de testemunha (por causa de seu possível caráter incriminador), a relação existente entre ambos já fora esclarecida em declarações anteriores, sendo necessária a imposição de um limite ao direito de pergunta da defesa quando essa transborda para acusação indireta de testemunha, contra a qual até aquele momento processual os únicos elementos ‘incriminadores’ que existiam eram apenas as versões dos réus B., F. e L. apresentadas em seus interrogatórios. Além disso, para não me tornar repetitivo quanto ao referido tópico, reporto-me aos bem-lançados fundamentos da decisão do juiz que indeferiu a quebra do sigilo telefônico de Weber e João Francisco às fls. 709/710.

Quanto ao indeferimento de oitiva de policial por parte da defesa, adoto integralmente como razões de decidir para repelir a nulidade alegada a decisão da fl. 709 em item que abaixo transcrevo:

‘Fica indeferido o pedido de oitiva de testemunha por duas razões. Primeira, porque o momento oportuno para o requerimento é na defesa prévia. Ademais, não há indício algum da ocorrência do fato referido (um policial federal ter ido ao escritório do advogado dos réus para contar ter sido procurado pela mulher de uma testemunha que teria mentido em audiência). Qualquer policial sabe que, ao deparar-se com situação

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deste jaez (comunicação de falso testemunho), deve imediatamente procurar uma autoridade policial federal e não ir ao encontro do advogado do réu – sob pena até de submissão a processo administrativo disciplinar. Deste modo, não há demonstração alguma da necessidade da inquirição do tal policial.’

Diante de tal contexto, evidentemente que cabia ao magistrado velar inclusive pela situação dos réus, pois presos como se encontravam necessitavam do andamento ágil de seu processo, o que obviamente iria de encontro com diligência de caráter dispensável, conforme acima analisado, até porque incumbia ao juízo decidir sobre a necessidade de ouvi-la como sua testemunha, já que as testemunhas de defesa já haviam sido arroladas na oportunidade processual adequada e entre elas não estava a presente. Mesmo que o requerimento de sua oitiva tenha sido fundamentado em alegado fato superveniente, ainda assim a testemunha teria de ser ouvida como testemunha do juízo, que justamente tem tal oportunidade quando percebe possível relevância no depoimento, o que não existia no caso concreto, em face das razões já esposadas.

Por último, passo a analisar o quarto fundamento da alegada nulidade por cerceamento de defesa.

Inicialmente, observe-se que a própria defesa dos réus B., F. e L. juntou aos autos cópia dos extratos telefônicos desses cuja quebra do sigilo foi autorizada, logo, mesmo na ausência dessa mediante o pretendido reconhecimento de nulidade, idênticas provas constariam nos autos em face da iniciativa da própria defesa. Ademais, em momento algum houve controvérsia acerca da existência de tais ligações, de modo que seria inclusive dispensável a presença dos extratos nos autos para sua comprovação, pois são admitidas tanto pelas testemunhas João Francisco e Vânia Ines como pelos réus F., B. e L. A controvérsia na verdade gira sobre o seu conteúdo, que obviamente não é aferido através da leitura dos extratos telefônicos, e sim de outras provas acostadas ao feito.

Ressalto, ainda, que a juntada aos autos principais do procedimento criminal diverso em que houve a quebra do sigilo telefônico mencionada ocorreu tão logo a diligência foi concluída, a fim de que as partes pudessem se manifestar na próxima oportunidade processual que teriam para falar no processo, no caso, o prazo do artigo 499 do CPP, não tendo sido alegada nulidade na ocasião.

Finalmente, cabe lembrar que o processo penal admite a aplicação da interpretação analógica (art. 3º do CPP), logo, diante da ausência de procedimento legal específico quanto à quebra do sigilo telefônico, entendo que o parâmetro a ser observado é o da Lei nº 9.296/96, que regula a interceptação das ligações telefônicas. Veja-se que tal lei regula procedimento que envolve dados bem mais complexos do que os simples extratos de ligações telefônicas (cujo sigilo nestes autos foi quebrado), pois permite que se conheça o conteúdo das ligações, e mesmo assim a mencionada lei determina que a juntada do procedimento sigiloso ocorra somente na fase do artigo 502 do CPP quando concluído após a instauração da ação penal (art. 8º, parágrafo único), ou seja, quando já apresentadas alegações finais por ambas as partes. No caso em tela, conforme já esclarecido, a juntada ocorreu antes da abertura do prazo do artigo 499 do CPP, ou seja, momento processual bem mais benéfico às defesas, que poderiam inclusive suscitar eventual nulidade ou novas diligências em face do conteúdo daquele procedimento, no que não procederam. Assim,

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não procede a alegação de que a defesa não pôde requerer diligências que visassem a contraditar tais provas, esclarecendo-se que em sua consecução tal oportunidade tampouco foi concedida à acusação, não havendo a desigualdade alegada.

Lembro que no processo penal não há nulidade sem prejuízo às partes, não podendo esse ser presumido em face da juntada dos autos de quebra de sigilo telefônico (cujas provas foram parcialmente acostadas de forma voluntária aos autos pela defesa que agora a suscita) no processo principal antes da abertura do prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal.

Ressalto por outro lado que, mesmo que se admitisse a nulidade do procedimento adotado, essa de forma alguma contaminaria todo o processo conforme pretende a defesa, pois se o suposto cerceamento ter-se-ia dado apenas quanto à quebra do sigilo telefônico, e não quanto às demais provas colhidas, nada obstaria a análise do mérito mesmo com a desconsideração daquele.

Assim, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa levantada pela defesa dos réus L., F. e F.”. (fls. 1070-1073)

Afasto, da mesma forma, a preliminar de nulidade do processo por violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal, pois este tem aplicação somente quando se tratar de crime que se apure mediante ação penal privada, e não no caso dos autos, onde os delitos estão sujeitos à apuração mediante ação penal pública incondicionada. Nesse sentido, aliás, é expresso o artigo 48 do Código de Processo Penal ao estabelecer que “a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade”.

O fato de João Francisco, teoricamente autor do delito de descaminho, não ter sido incluído no pólo passivo da presente ação nenhum prejuízo causa aos acusados, mormente quando o suposto autor do descaminho estava em liberdade e os ora réus presos, o que poderia causar inadmissível embaraço ao prosseguimento da demanda.

Não há falar, ainda, em nulidade do processo por falta de congruência entre a denúncia e a sentença em relação aos crimes de falsidade ideológica e de seqüestro, com violação ao disposto no art. 384, parágrafo único, do CPP, pois o acusado em processo penal defende-se dos fatos descritos na denúncia, e não de sua capitulação legal. A correlação deve existir entre o fato narrado na peça acusatória e a sentença, sendo lícito ao magistrado considerar na capitulação do delito dispositivos legais não-mencionados na inicial, dando definição jurídica diversa aos fatos pelos quais os acusados já tiveram a oportunidade de se defender.

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Nesse sentido, colho jurisprudência do STF e do STJ:“A nova classificação jurídica dada aos fatos relatados de modo expresso na

denúncia, inobstante a errônea qualificação penal por ela atribuída aos eventos delituosos, não tem o condão de prejudicar a condução da defesa técnica do réu, desde que presentes, naquela peça processual, os elementos constitutivos do próprio tipo descrito nos preceitos referidos no ato sentencial. Defende-se o réu do fato delituoso narrado na denúncia e não da classificação jurídico-penal dela constante”. (RT 662/364). (No mesmo sentido, os seguintes julgados: STF: RT 608/445, RTJ 79/95; STJ: RSTJ 42/348, RT 722/547)

“STJ: Simples corrigenda – emendattio libelli – feita pelo julgador, dando ao fato definição jurídica diversa ao constante da denúncia, não obrigam manifestação da defesa”. (RSTJ 25/367-8)

Na mesma esteira, a lição de Julio Fabbrini Mirabete:“A eventual alternatividade da classificação jurídica ou o equívoco quanto ao tipo

penal não torna, porém a denúncia inepta. Mesmo que o juízo esteja impedido de alterar a classificação do crime por ocasião do recebimento da denúncia, não é ela definitiva, podendo ser alterada no decorrer do processo, quer em aditamento do MP (art. 569) quer pelo próprio magistrado (arts. 383 e 384). Isto porque o acusado se defende da imputação contida no fato descrito na denúncia e não da classificação que lhe der o requerente”. (Código de Processo Penal Interpretado, Ed. Atlas, 5ª Ed., 1997, p. 96)

Não prospera, do mesmo modo, a alegação de nulidade do processo por estar configurado o flagrante preparado, porquanto, no caso dos autos, os agentes da polícia federal, ante a comunicação feita por João Francisco, apenas se postaram em alerta de modo a confirmar as alegações da suposta vítima e verificar o exaurimento do delito com a entrega das mercadorias aos acusados.

Tal hipótese, conhecida como flagrante esperado, não se confunde com o flagrante preparado, onde há o induzimento à prática do delito pela polícia ou por terceiro. O que, de acordo com o entendimento firmado na Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal, determina a inocorrência do crime é a preparação do flagrante pela polícia que torna impossível a consumação do delito, e não a espera, pela polícia, do momento certo para caracterizar e coibir a prática criminosa, não se confundindo com a impossibilidade de consumação do delito que, aliás, já havia ocorrido com a exigência da vantagem indevida, no caso do delito de concussão, ou com a efetiva facilitação à prática do descaminho.

Sobre o tema, leiam-se os seguintes arestos do Superior Tribunal de

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 75-367, 2002170

Justiça:“RHC. CRIME CONTRA OS COSTUMES. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA

INOCÊNCIA. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. REPRESENTAÇÃO PARA A CUSTÓDIA. INEXIGÊNCIA DE FORMALIDADE. FLAGRANTE ESPERADO X FLAGRANTE PREPARADO. EXCESSO DE PRAZO. SÚM. Nº 52/STJ. RECURSO DESPROVIDO.

I. Tendo, o acórdão recorrido, examinado as questões trazidas pela impetração sem adentrar na matéria fático-probatória nem exarar qualquer tipo de juízo condenatório, não se reconhece a apontada violação ao princípio constitucional da inocência por antecipação da condenação.

II. Se já não se exige qualquer formalismo para a manifestação de vontade equivalente à representação para a apuração de crime contra os costumes contra menor, quanto menos se pode exigir em relação à intenção, por parte da vítima ou de seus representantes, de que seja o agente custodiado. A própria ida à delegacia, a fim de relatar os fatos e solicitar auxílio policial evidencia a devida e satisfatória anuência com a prisão em flagrante do réu.

III. Tendo a vítima dirigido-se à polícia, narrando os fatos e contando que tinha um encontro marcado com o agressor, possibilitando que os policiais fossem ao local e dessem voz de prisão ao réu, não se reconhece qualquer preparação por parte da polícia, mas, sim, a configuração do legítimo flagrante esperado. (grifei)

IV. Encerrada a instrução do processo, resta superada a alegação de excesso de prazo (Súm. nº 52/STJ).

V. Recurso desprovido”. (RHC nº 8709/BA, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 13.09.99, pág. 076)

“PRISÃO. FLAGRANTE DELITO. FLAGRANTE PREPARADO E FLAGRANTE ESPERADO. DISTINÇÃO.

1 – Crime de corrupção ativa. Hipótese em que o delito se desenvolveu, por etapas, com participação de pessoas diferentes: sondagem inicial junto ao funcionário; confirmação e verificação, por outra pessoa, do resultado dessa sondagem; concretização da oferta e pagamento da propina (ocasião do flagrante). Flagrante esperado, caracterizado na consumação da última etapa, já que, no caso, não houve provocação ou instigação da autoridade, que se limitou a não opor resistência ao desenrolar dos acontecimentos, isto é, as investidas espontâneas dos corruptores.

2 – Flagrante preparado e flagrante esperado. Distinção. No flagrante ‘preparado’ há instigação, participação ou colaboração da autoridade. No ‘esperado’, a autoridade aguarda, vigilante, o desenrolar dos fatos até o momento mais oportuno ou conveniente para a prisão. Na primeira hipótese, o flagrante é nulo; na segunda, não. (grifei)

3 – Excesso de prazo não caracterizado e negativa de fiança apoiada no art. 324, IV, do Código de Processo Penal. Habeas Corpus indeferido”. (HC nº 2467/RJ, Rel. Min. Assis Toledo, DJ de 25.04.94, pág. 09262)

Assim, rejeito as preliminares e passo ao exame do mérito.

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Entendo, inicialmente, que a primeira conduta delituosa deve ser classificada como facilitação do descaminho, e não como concussão, como o fez a sentença recorrida.

Com efeito, a conduta dos réus descrita na inicial se ajusta perfeitamente ao tipo previsto no artigo 318 do Código Penal, pois os réus, na condição de policiais rodoviários federais, com infração de dever funcional, facilitaram a prática do descaminho flagrado, sendo irrelevante para o tipo penal em questão se o fizeram mediante exigência de vantagem indevida.

A corroborar este entendimento, valho-me de decisão desta Corte, que tive a oportunidade de relatar e que, em questão semelhante à dos autos, manteve condenação pela prática do crime capitulado no artigo 318 do Código Penal. Do voto, extrai-se:

“(...) O fato de ter havido contra-ordem na queima do café não impediu que parte dele fosse queimado. Mas mesmo que todo o produto fosse salvo, isto não afastaria a conduta de facilitação ao contrabando. Não daquela mercadoria especificamente, mas de outros cuja mercadoria não está aqui referida, mas que permite afirmar a consumação do tipo do artigo 318 do Código Penal. Em realidade há fortíssimos indícios de que a atuação dos agentes não se limitou aos dois episódios narrados, exemplificadamente, na peça acusatória. De rigor, no episódio do lago, a facilitação não era daquele descaminho, mas visava preservar o esquema montado pelo acusado e seus cúmplices. Facilitar é tornar fácil, auxiliar, afastar dificuldades (CELSO DELMANTO, Código Penal Anotado, 1983, artigo 318, notas). Parece evidente que a apreensão do café no lago poderia dificultar as operações ilícitas. Não é por acaso que os autos noticiam pouquíssimas apreensões de descaminho durante a gestão do acusado na Divisão de Foz do Iguaçu (fl. 1071, só para exemplificar, Depoimento do Delegado Mello), bem como que ele e sua família eram detentores de padrão de vida incompatível com a sua renda de servidor público (fl. 775). Assim, é lógico que ele tenha afastado a dificuldade que significava a apreensão da carga, determinando a sua queima.”. (Embargos Infringentes e de Nulidade na ACR nº 97.04.41481-1/PR, 1ª Seção, Rel. Des. Federal José Germano da Silva, DJU de 19.04.2001)

De outra parte, tenho que os depoimentos das testemunhas Vânia Ines Bertin Martins e João Francisco Martins comprovam a prática do delito de facilitação do descaminho pelos réus L. e F.:

“(...) Juiz: Senhora Vânia, me relate o que ocorreu com relação à sua pessoa, o que a senhora fazia no dia dez de abril deste ano no início da tarde? A senhora se recorda?

Depoente: É, eu ia, tinha uma pessoa né que ia até Cascavel e estava levando mercadoria.

Juiz: Que pessoa?

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Depoente: Volnei. E eu estava junto que eu ia até Matelândia numa casa que a minha mãe tem.

Juiz: E estava junto por que?Depoente: Eu peguei carona com ele pra ir até Matelândia.Juiz: A senhora conhece ele? De onde?Depoente: Volnei?Juiz: É.Depoente: Conheço.Juiz: É amiga dele?Depoente: Sim.Juiz: Ele disse o que ele estava indo fazer naquela direção?Depoente: Ai, não sei. Acho que era problema do carro dele. Parece que ele tinha

comprado o carro lá. E a gente foi abordado ali no posto rodoviário né e tinha mercadoria no carro. E, eles pararam, olharam.

Juiz: Eles quem senhora Vânia?Depoente: Ah, os policiais rodoviários né.Juiz: Sim, quais policiais?Depoente: Ai, e agora.Juiz: A senhora reconhece algum deles aqui presente na audiência?Depoente: Eu acho que é o senhor né. Eu pra falar a verdade num sei, tavam tudo

de farda. Eu vi uma vez só.Juiz: Não, mas a senhora consta no seu depoimento aqui, a senhora indicou pessoas

com nome aqui. A senhora quer ler o seu depoimento no inquérito? Vou lhe mostrar. Recorda do seu depoimento prestado na polícia?

Depoente: É, o policial rodoviário L. e o outro acho que é F., uma coisa assim, F., F.Juiz: Eles pararam o seu carro foi isso?Depoente: Sim, o carro que eu estava junto né, não o meu carro.Juiz: Isso, o carro que a senhora estava junto, isso que eu pedi.Depoente: Ahã.Juiz: O que aconteceu então?Depoente: Uma parte da mercadoria foi liberada né e uma parte fico em poder

deles que depois entrou o João, o João tomou conhecimento aí eu não sei o que eles.Juiz: Quem é João, senhora?Depoente: João é esse outro rapaz que vai depor.Juiz: Sim, como é que ele entrou, tomou conhecimento?Depoente: Tá, porque o Volnei ligou pra ele. (...)”. (Vânia Inês Bertin Martins - fls.

399/400)

“(...) Juiz: Senhor João Francisco, o senhor se recorda dos fatos que envolveram o senhor no dia dez de abril, por volta do início da tarde até o final do dia?

Depoente: Sim senhor me lembro.Juiz: O que ocorreu neste dia senhor João Francisco?Depoente: Eu recebi um telefonema a cobrar, uma ligação a cobrar de uma pessoa

que tava levando mercadoria pra cima.

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Juiz: Qual pessoa?Depoente: Volnei.Juiz: Mercadoria? Qual mercadoria?Depoente: Eletrônicos, mercadoria importada.Juiz: Porque ligou para o senhor?Depoente: Ele pediu ajuda pra mim, se eu pudesse fazer alguma coisa, aí eu corri

ajudá-lo.Juiz: Por que ele pediu ajuda para o senhor?Depoente: Porque ele me conhecia. Acho que no momento foi a única pessoa que

ele lembrou pra ligar.Juiz: Pode continuar.Depoente: E eu fui até o local onde realmente tava, tinha acontecido.Juiz: E então?Depoente: Ao chegar lá fiquei sem saber o que fazer e com o decorrer das horas,

dos minutos ali, fizeram, entraram num acordo entre eles lá e.Juiz: Eles quem? Quem entrou em acordo?Depoente: Os policial rodoviário que tavam no momento no trabalho.Juiz: Quais policiais estavam no momento?Depoente: Estava o seu F., o seu L. e tinha mais um outro lá que eu num recordo

o nome.Juiz: Os três entraram em um acordo?Depoente: Entraram num acordo, quem entrou no acordo com o Volnei foi o L. e o F.Juiz: Entraram em um acordo com o Volnei para que?Depoente: Tiraram parte da mercadoria e liberaram um outro pouco, um outro

restante da mercadoria pra que ele seguisse viagem.Juiz: E o acordo era o que? O que era esse acordo? O senhor Volnei lhe falou?Depoente: Não, num foi falado qual acordo. O acordo que houve depois é que

eles tavam pedindo dois mil dólares pra liberar aquela mercadoria que eles haviam apreendido.

Juiz: O senhor estava lá já quando pediram dois mil dólares?Depoente: Sim, já estava.Juiz: Quem é que pediu?Depoente: Foi o L.Juiz: Ele pediu sozinho?Depoente: Não, ele juntamente com o F.Juiz: Pediu dois mil dólares para liberar as mercadorias que não tinham sido

liberadas ainda?Depoente: Exato.(...)Juiz: E aí depois dessa exigência dos dois mil dólares que o senhor falou aí, ela foi

feita para o senhor?Depoente: Foi, foi feita pra mim, que eu.Juiz: Porque foi feita para o senhor?Depoente: Ele queria, no caso, vende mercadoria de volta.

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Juiz: Vender de volta mercadoria?Depoente: É, daí foi quando ele me pediu dois mil dólares nas mercadorias. Eu

falei que não tinha disponível dois mil dólares no momento e eu poderia vir a cidade e tenta consegui e leva porque tinha ficado no local a Vânia. (...)”. (João Francisco Martins - fls. 409-411)

Tais depoimentos apenas confirmam a versão dos fatos já apresentada pelas referidas testemunhas à autoridade policial, conforme se infere dos termos de declarações de fls. 14-17 do inquérito policial em apenso:

“(...) QUE VOLNEI e VÂNIA trabalham como ‘laranjas’; QUE por volta das 13:30 h saíram com o veículo Monza de propriedade de VOLNEI, de Foz do Iguaçu em direção a Medianeira; QUE ambos foram parados no posto da PRF em Santa Terezinha, por dois policiais rodoviários, sendo eles os PRFs L. e F., tendo os mesmos pedido o valor de US$ 2.000,00 (dois mil dólares) para liberar a mercadoria e soltar VOLNEI e VÂNIA; (...)”. (João Francisco Martins)

“(...) QUE quando passavam pelo posto da PRF de Santa Terezinha, foram parados pelo PRF LEONEL, que ao abrir o porta-malas percebeu a presença das mercadorias, e dito-lhes que estariam irregulares; QUE a declarante ainda tentou convencê-lo a liberá-los dizendo que VOLNEI fazia aquilo, embora de forma ilegal, para sobrevivência, achando que era preferível o contrabando a roubar; QUE o PRF então chamou VOLNEI a um canto, conversando com o mesmo por alguns minutos; QUE alguns minutos depois, dois PRFs voltaram acompanhados de VOLNEI dizendo que teriam entrado em contato pelo telefone com JOÃO FRANCISCO, através de um orelhão ao lado do posto, tendo JOÃO afirmado que demoraria algum tempo para levantar a quantia que os PRFs teriam pedido a VOLNEI para liberar a mercadoria; QUE passados alguns minutos compareceu no local JOÃO FRANCISCO em seu veículo Monza de cor vermelha, não se recordando a placa do mesmo, o qual disse que não tinha conseguido o dinheiro e que retornaria a Foz para consegui-lo, ocasião em que a declarante sugeriu aos PRFs que liberassem VOLNEI e as mercadorias e que a mesma poderia permanecer no local aguardando, como garantia, até a chegada do dinheiro, a ser trazido por JOÃO; QUE em seguida o PRF LEONEL e o outro PRF cujo nome não se recorda, descrevendo-o como uma pessoa branca, alta e calva, liberaram VOLNEI e o veículo do mesmo, não retirando do porta-malas as mercadorias, e naquele momento colocado a depoente em uma viatura da polícia rodoviária e se deslocado em direção ao posto de pedágio, parando um pouco antes do posto, em uma baixada; (...)”. (Vânia Inês Bertin Martins)

Quanto ao acusado B., não verifico nos autos elementos capazes de ensejar a sua condenação em relação a este primeiro fato delituoso. Com efeito, as testemunhas que incriminam os réus L. e F. nada referem acerca da participação de B. A testemunha Vânia Inês Martins, presente no local do fato, em seu depoimento, não apontou o acusado B. como autor do

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delito, mesmo estando este presente na audiência de sua inquirição, ao contrário do ocorrido com os PRFs L. e F.:

“(...) Defesa: Primeiro, a senhora poderia reconhecer se mais alguém além do L. e o F., que está presente nesta sala, a senhora viu naquele local no momento. A senhora disse que não viu o Z., foi abordada por L. e por F. e alguém mais que está presente nesta sala esteve abordando a senhora ou conversando com a senhora naquele dia?

Depoente: Não.Defesa: Então por favor diga.Depoente: Não, comigo não (...)”. (fl. 404)

Destaque-se que, embora o réu B. tenha afirmado algo em seu interrogatório sobre a armação de um “esquema” para prender um suposto policial federal envolvido na prática de crimes, não há elementos que comprovem que o mesmo teria aderido à conduta de L. e F., ao menos até aquele momento. E, tratando-se o crime em exame de um delito formal, que se consuma com o mero ato de facilitar o contrabando ou descaminho, pouco importa que posteriormente possa ter havido adesão à conduta daqueles por parte de B., Z. e F. Eventual participação desses quanto ao fato em análise somente geraria a responsabilidade criminal de acordo com as características desta participação, mas nunca em relação ao fato anterior, no qual não tiveram influência.

No tocante ao segundo fato delituoso, ainda que qualquer atentado à liberdade de locomoção enseje a caracterização do delito de abuso de autoridade, nos termos do artigo 3º, a, da Lei nº 4.898/65, não necessitando que tal restrição à liberdade decorra de prisão ordenada ou executada sem as formalidades legais, tenho que não restou configurada a referida prática delituosa, como pretende a acusação. Do próprio depoimento prestado por Vânia Inês Martins, que é quem teria sofrido ofensa em sua liberdade de locomoção, infere-se que tal fato não ocorreu, porquanto a suposta vítima ficou em companhia dos policiais por sua própria vontade:

“(...) Juiz: Para liberar a mercadoria?Depoente: Sim. Aí então eu falei pro João: Então eu fico aqui enquanto você vai

né, depois eu desço com você.Juiz: Porque a senhora ficou?Depoente: Porque eu quis, porque eu mesma, eu propus sabe, não foi eles falaram:

Não você vai ficar com a mercadoria e, senão não pode levar. Alguma coisa assim sabe, foi eu quem falei, não foi eles. Daí eu fiquei com eles até o João voltar só que o

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João não voltou.Juiz: Ficou com eles aonde?Depoente: Eu desci com eles fui até o pedágio, que eles iam prestar serviço no

pedágio né, ali perto do pedágio, aí eu fui junto. Mais e assim, em nenhum momento eles falaram pra mim: Não, você vai fica comigo, você vai se obrigada a fica aqui sabe você tem que fica aqui, você num pode ir embora. Isso não aconteceu, se eu falá isso eu to mentindo. E, aí como o João não aparecia, não aparecia, então eu voltei com eles pro centro né onde o João tem o guarda-volume dele né.

Juiz: A senhora ligou para o senhor João?Depoente: Foi ligado duas vezes que eu queria saber o porque que ele não aparecia

eu já estava preocupada né com isso.Juiz: Porque a senhora estava preocupada?Depoente: Ué, porque ele num voltava, num voltava, mais será que ele não vai volta

né, que ele ficou de vir buscar o dinheiro e já voltar né, eu achei que ele voltava logo. Se eu soubesse que ele ia demora eu num tinha nem proposto pra eu fica com eles lá né, num tinha nem falado nada né, porque eu podia ir embora, eu não precisava fica ali né.

Juiz: Onde é que a senhora ficou lá quando a senhora ficou com os dois policiais que a senhora mencionou? O que a senhora ficou fazendo?

Depoente: Nada.Juiz: Nada? Ficou dentro da viatura?Depoente: Não, não fiquei dentro.Juiz: Ficou onde?Depoente: Fiquei fora ali no, tem um barranquinho ali, fiquei ali.(...)Juiz: Em algum momento que a senhora estava com os policiais foi lhe colocada

alguma palavra sobre a sua situação com relação às mercadorias, se as mercadorias não aparecessem logo a senhora poderia sofrer algum tipo de ameaça ou algum prejuízo? Prisão?

Depoente: Não, não, não, isso não, de jeito nenhum. (...)”. (fls. 401-403)

No mesmo sentido, bem se manifestou o Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 1593-1608:

“Quanto ao segundo fato delituoso descrito na denúncia, indubitável que o assentimento de Vânia, ainda que forçado pelas circunstâncias, descaracteriza eventual crime de seqüestro – art. 148, caput -. Além disso, não restou comprovado que os policiais teriam atentado à liberdade de locomoção de Vânia. Pelo contrário, o conjunto probatório demonstra que os policiais federais não solicitaram ou exigiram a presença de Vânia, apenas aceitaram que essa permanecesse em sua companhia. Ou seja, Vânia permaneceu como ‘garantia’ porque quis, e em momento algum lhe foi oferecida ameaça ou qualquer outra forma limitadora de sua liberdade de ir e vir. Dessa forma, como o abuso de autoridade representa um excesso no uso das prerrogativas funcionais de determinada autoridade, no caso específico, com atentado à liberdade de locomoção – art. 3º, alínea a, da Lei 4.898/65 -, entende-se que não ocorreu o referido delito”. (fl. 1606)

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No que se refere ao terceiro fato descrito na denúncia, correta a sentença ao atribuir aos réus B. e Z. a prática do delito de facilitação ao descaminho.

Com efeito, João Francisco Martins, quando inquirido pela autoridade policial, assim se manifestou:

“(...) QUE seguindo a orientação do Delegado seguiu em direção a Medianeira no veículo de sua propriedade, MONZA de cor vermelha, placas IEH-9487 – Foz do Iguaçu/PR, e quando passava pelo posto da PRF de Santa Terezinha foi abordado pelo PRF Z., o qual solicitou à vítima que abrisse o porta-malas; QUE o PRF Z. percebeu a sacola contendo as mercadorias, ou seja, os vídeo-games e os aparelhos de telefone sem fio; QUE o PRF Z. interpelou a vítima acerca do que se tratava a sacola, tendo esclarecido a ele que as mercadorias eram para um acerto de contas a ser feito com o PRFs L. e F.; QUE o PRF Z. o levou para o interior do posto onde o mesmo foi interpelado ainda pelos PRFs B. e F., ocasião em que confirmou que estaria levando as mercadorias para os dois PRFs supracitados; QUE o próprio PRF B. entrou em contato pelo rádio com L. e em seguida liberado o depoente para seguir em frente até o posto de pedágio onde L. e F. o aguardavam; QUE seguiu em direção ao posto de pedágio com as mercadorias no porta-malas, eis que os PRFs em momento algum pediram para que o depoente as retirasse do porta-malas, mesmo sabendo do conteúdo; (...)”. (fl. 08 do inquérito policial em apenso)

Tais fatos restaram comprovados em juízo, tendo João Francisco apontado inequivocamente ter sido o PRF Z. quem lhe parou e lhe vistoriou, não podendo tal conduta ser atribuída ao acusado F., como pretende o Ministério Público, pois quanto a este não há certeza de sua presença no momento em que se efetuou a vistoria, não podendo, assim, ser condenado pela prática do referido delito:

“(...) Juiz: E quando o senhor estava indo para lá o senhor passou pelo posto?Depoente: Passei pelo posto rodoviário normal.Juiz: Onde o senhor tinha comparecido antes?Depoente: Exato, correto.Juiz: E o senhor foi parado nesse posto?Depoente: Fui.Juiz: Por quem?Depoente: Um senhor já de idade, de óculos, pediu pra abri o porta-mala eu abri o

porta mala, ele olho, perguntou o que era, eu falei: É uma encomenda que eu to levando pra L. e o F. que estão me esperando lá em cima no pedágio. E aí ele liberou.

Juiz: O senhor saiu do carro?Depoente: Saí do carro, abri o porta-mala.Juiz: Entrou no posto?Depoente: Eu entrei no posto, daí foi falado com o B. e ele falou: Não, pode ir

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maninho, pode ir sossegado que eles tão te esperando lá, aí eu segui.Juiz: Só o B. e esse que lhe parou?Depoente: Que estava no posto naquela hora, sim, só tava esses dois.Juiz: Não lembra de uma pessoa, Z., ter sido, ter ouvido?Depoente: Z., Z. foi o que me parou.Juiz: Foi o que lhe parou? Lembra de uma pessoa de nome F. estar presente no local?Depoente: F. eu acho que, eu num me recordo direito mais eu creio que ele tava na

pista, entre as duas pista.Juiz: Mas não entrou então com o senhor e nem viu?Depoente: Não, quem entrou comigo foi o Z. e falou com o B. e o B. veio e me

libero pra ir ao encontro do L. e F.. (...)”. (fls. 412/413)

No mesmo sentido, o depoimento do Delegado Sinomar Maria Neto, quando da prisão em flagrante dos denunciados, que neste momento já acompanhava os fatos, apenas aguardando o melhor momento para efetuar a prisão:

“(...) QUE notaram que o Monza dirigido por JOÃO FRANCISCO foi parado no posto da PRF, e percebeu que havia três PRFs na pista, tendo um deles, magro, alto, pedido a JOÃO que abrisse o porta-malas do Monza; QUE em seguida, sem descer a mercadoria, conduziram JOÃO FRANCISCO ao interior do posto da PRF, sendo seguido pelos outros PRFs que se encontravam na pista, sendo um deles também magro e outro de compleição física gorda, acreditando que os três PRFs eram o PRF Z., o que realizou a abordagem e os demais, B. e F.; (...)”. (fl. 03 do inquérito policial em apenso)

E não se diga que não restou configurado o delito de facilitação ao descaminho em razão da mercadoria já estar apreendida, como sustenta a defesa do réu B., porquanto além da mercadoria não se encontrar efetivamente apreendida (quando muito estava somente formalmente apreendida), pois ainda se encontrava em poder de João Francisco, o delito de facilitação de contrabando ou descaminho é meramente formal, prescindindo para sua consumação do efetivo resultado material do crime de contrabando ou descaminho. O que importa, aqui, é que os policiais rodoviários federais, ao flagrarem João Francisco de posse de mercadorias descaminhadas, em vez de cumprirem seu dever funcional, com a prisão do infrator e a apreensão das mercadorias, permitiram que o mesmo prosseguisse normalmente, razão pela qual devem responder pelo delito mencionado.

Com relação à prática do delito de roubo triplamente qualificado (art. 157, § 2º, I, II e V, CP), entendo, da mesma forma, que não deve prosperar a alegação do órgão acusador, porquanto não restou caracterizada a

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prática deste delito.Em que pese restar comprovado que os réus L. e F., juntamente com

João Francisco, dirigiram-se ao guarda-volumes deste último, com a intenção de arrecadar o restante da mercadoria objeto da exigência indevida, não verifico, a exemplo do MM. Juízo a quo, elementos suficientes à condenação dos acusados nas penas do artigo 157 do Código Penal. A esse respeito, colho os argumentos utilizados na sentença recorrida, que bem elucidou a questão:

“Quanto ao crime cometido, não vejo como reconhecer os fatos descritos na denúncia como roubo qualificado depois das provas produzidas no presente feito.

Conforme restou comprovado inclusive pelo depoimento da vítima João Francisco, não houve subtração de bens de terceiros, e sim emprego de meio restritivo da liberdade desse para que L. e F., com o posterior auxílio de B. e F., pudessem reaver parte das mercadorias que João Francisco não devolvera ao afirmar que não tinha condições de cumprir o ‘acordo de recompra’. Logo, os equipamentos eletrônicos apreendidos pela Polícia Federal quando da volta do carro particular de F. ao posto da PRF consistiam em parte das mercadorias que deveriam desde o início ter sido efetivamente (já que formalmente o foram) apreendidas pelos PRFs L. e F., porém o meio utilizado para a recuperação dessas (ainda que essa pudesse ser para outros fins diversos da apreensão e entrega à autoridade competente, mas aqui não se pode digredir sobre fato que não se consolidou ou se sabe como iria ocorrer) é que foi criminoso, ou seja, a privação da liberdade de João Francisco.

A transposição das mercadorias da posse (já ilegítima) de João Francisco para a da União não era em si um fato criminoso, tanto é que, por exemplo, se algum outro policial que, digamos, estivesse em serviço na rodovia federal percorrida por João Francisco (BR-227) e por acaso parasse seu carro com as mercadorias, poderia perfeitamente realizar sua apreensão, sem com isso estar caracterizada subtração de coisa móvel alheia para si ou para outrem. Se João Francisco, por exemplo, tivesse voluntariamente apontado o local em que o restante das mercadorias apreendidas e não-devolvidas estavam armazenadas, não vislumbraria furto ou roubo pela simples arrecadação dessas por parte dos PRFs (desde que tal ato se destinasse aos fins legais cabíveis). O que ressalto, aqui, que ocorreu como fator diferenciador do exemplo acima mencionado, é a impossibilidade de utilização do seqüestro para esse fim. É claro que, no caso de L. e F., não estavam praticando ato inerente às suas funções, conforme já explicitado, mas estava ele atrelado a outro ato (apreensão de mercadorias ocorrida formalmente no início da tarde) que ocorrera e cuja efetividade poderiam estar pretendendo assegurar em face do insucesso da ‘negociação’ com João Francisco.

Observe-se a diferença entre as duas condutas perpetradas por L. e F. Na primeira, ocorrida no início da tarde daquele dia, houve exigência indevida porque era manifestamente ilegal a cobrança de quantia em dinheiro para que não se procedesse à apreensão (e eventual prisão decorrente dessa) de mercadorias estrangeiras

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desacompanhadas da documentação legal de importação, dever que incumbia aos réus. Na segunda, ocorrida em seu encontro com João Francisco à noite no pedágio, a situação era outra. Esse afirmara que não tinha condições de cumprir a exigência e por isso estava devolvendo as mercadorias, porém não as trouxera integralmente. Nesse caso, o simples fato de desejarem o retorno da parte faltante não caracteriza, por si só, roubo ou sequer nova concussão, já que não era indevida a devolução das mercadorias, pois, uma vez apreendidas (formalmente), não mais poderiam permanecer na posse de João Francisco. Se o destino que seria dado a essas, em face da impossibilidade de concretização do acerto, era o juridicamente correto, isso não se pode saber, pois a ação dos réus acabou sendo interrompida com sua (necessária) prisão. Poder-se-ia argumentar que as circunstâncias (uso de veículo particular na ‘diligência’, falta de atribuições funcionais para o ato, etc.) indicavam que haveria apropriação/subtração para si ou para outrem das mercadorias, mas não vejo tais elementos com tamanha força a ponto de se presumir tal aspecto. Isso porque, ressalto, em nenhum momento os réus demonstraram ter a intenção de se apropriar das mercadorias, e sim do dinheiro decorrente da ‘(re)venda’ dessas. Se quisessem simplesmente as próprias mercadorias para si, bastaria que liberassem os responsáveis por seus transporte quando da fiscalização procedida no Monza de Volnei no início da tarde, como efetivamente o fizeram, mas sem fazer o ‘acordo’ com João Francisco. Observe-se que, uma vez fracassado o ‘negócio’, as mercadorias apresentadas por João Francisco no pedágio foram encaminhadas, ainda em condições suspeitas (transporte via veículo Gol cujo motorista não foi identificado) ao posto da PRF, sendo lá armazenadas em local de uso dos Policiais que normalmente estão em serviço. Ademais, em face da ganância que L. e F. demonstraram ter quando da exigência ilegal de dinheiro para liberação de mercadorias, acredito que, se pretendessem subtrair para si mercadorias, não se restringiriam apenas àquelas que não foram devolvidas, podendo facilmente exigir outras de terceiros armazenadas no guarda-volumes de João Francisco.

Ao meu ver, então, a conduta de recuperação das mercadorias não é prova do dolo dos réus em efetuar subtração para si ou para outrem. Observe-se que para a configuração do roubo é indispensável o ânimo de apropriação da res furtiva por parte do agente. Nas palavras de Damásio E. de Jesus, ‘não há delito de roubo quando o sujeito não age com a finalidade de assenhoramento definitivo da coisa móvel alheia’. No caso, então, havendo dúvida sobre a real intenção dos agentes na prática do referido ato, esse há de ser revertida em seu favor, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal.”. (fls. 1150-1153)

E, reconhecida a inocorrência do delito de roubo triplamente qualificado, resta prejudicada a alegação posta no apelo do Ministério Público de não ser possível a unificação das condutas de facilitação do descaminho e do roubo qualificado em face da inaplicabilidade do artigo 71 do Código Penal.

Deste modo, entendo que o delito praticado pelos acusados L. e F.

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foi o de seqüestro (art. 148, CP), porquanto, no intuito de arrecadar o restante da mercadoria, os policiais rodoviários privaram a vítima de sua liberdade, obrigando-a a se dirigir, juntamente com eles, ao guarda-volumes de sua propriedade. Para comprovar tais fatos, valho-me, mais uma vez, do depoimento prestado por João Francisco:

“(...) Juiz: Como assim tinha ficado umas peças? Explique melhor.Depoente: Tinha ficado umas peças no guarda-volume e eles exigiram que eu fosse

com eles lá no guarda-volume.Juiz: Das peças que tinham sido liberadas?Depoente: Exato, exato. Exigiram que eu fosse no guarda-volume com eles e abrisse

e entregasse as peça de volta pra eles.Juiz: Exigiram como?Depoente: Sob ameaça, ele falo que me deixaria lá na pista sem auxílio sem nada e

levaria o carro com ele me deixaria a pé ou me mandaria que me virasse pra, daria meia hora pra que eu fizesse o trajeto de lá até Foz, pegasse as peça e levasse pra ele. Daí eu conversei com ele e acabou concordando e eu entrei na viatura com a mercadoria e ele veio na frente conduzindo o carro, um Monza vermelho pertencente a Landi, Erondina dos Santos, que estava comigo. E no caminho eu fui ameaçado por F., que inclusive deixo a arma dele em cima do banco e falou: Se você tentar fugir maninho eu te dou um tiro. Parou o veículo e depois de dar a volta no pedágio, paro o veículo, na frente paro o Monza, paro o veículo, daí eles tiraram a mercadoria de dentro da viatura e colocaram num carro particular que, tava noite, tava tarde, eu num consegui ve a cor do carro e nem que modelo que era.

Juiz: O senhor estava algemado nesta ocasião já?Depoente: Não senhor, eu fui algemado a partir do momento que chegamos de

volta no posto policial.Juiz: Não, tudo bem. Eu estou dizendo, até chegar ao posto o senhor já estava

algemado ou não, quando o senhor veio no carro?Depoente: Não, quando tava na viatura não.Juiz: O senhor estava na viatura e chegou no posto e não estava algemado ainda?Depoente: Não, não estava algemado. Daí ele pegou o carro particular dele, pois a

algema e falou: É uma questão de precaução, eu não sei qual a tua intenção. Eu falei: Eu não tenho intenção nenhuma, vamo lá pega o restante da mercadoria e pronto.

Juiz: Alguém que estava lá no posto, na hora em que o senhor voltou, viu o senhor, fora os dois policiais que o senhor disse que estavam com o senhor?

Depoente: Não, não me lembro porque eu no momento estava simplesmente preocupado em entregar o restante da mercadoria pra eles e me livrar dessa pequena confusão de qualquer maneira. Ele me levou pros fundo, em direção onde tava o carro dele, me algemo e colocou dentro do carro deles, sentado no banco da frente e o L. sentado atrás e o F. conduzindo o veículo.

Juiz: Quando o senhor estava voltando do pedágio para o posto parou alguma hora o veículo, pararam os veículos?

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Depoente: Parou.Juiz: O que aconteceu quando parou?Depoente: Foi a hora que foi tirada a mercadoria. (...)Juiz: O senhor falou que parou o carro e tinha mais um carro particular. O senhor

não conseguiu ver que carro particular era esse?Depoente: Não, não consegui identifica o veículo, tava escuro.Juiz: E viu quem estava dirigindo?Depoente: Também não senhor porque eu tava, ele me permaneceu sentado dentro

da viatura.Juiz: Viu se era alguma pessoa com farda ou não?Depoente: Num cheguei a percebe.Juiz: E esse veículo particular, qual foi a participação dele na ocorrência dos fatos,

quando teve esta parada, o que aconteceu quando pararam?Depoente: Não aconteceu, que quando nós paramos, primeiro parou o carro que

estava comigo, paro na frente o que estava conduzido pelo L., daí a viatura paro atrás. Eu perguntei se eu podia fazer as minhas necessidade fisiológica, ele falou: Mais cuida pra não fugi, se você fugi te dou um tiro. A pistola tava em cima do banco. Daí chamaram esse carro particular, veio o carro particular, tiro a mercadoria de dentro da viatura e o carro particular seguiu em direção a Foz. Isso aconteceu entre o pedágio de Santa Terezinha, entre o pedágio e a cidade de Santa Terezinha.

Juiz: E o senhor e o outro veículo foram para o posto, é isso?Depoente: Correto senhor.Juiz: Então trocou para outro carro particular?Depoente: Daí ele me pôs no carro particular, no Passat particular, me algemo e falou

que era só questão de precaução e alguma coisa assim, mais eu não tinha intenção de nada, intenção nenhuma de faze nada, eu simplesmente queria resolve. (...)”. (fls. 414/415)

E ainda, o depoimento da Policial Federal Graciela Aquino Buchaim, integrante de uma das equipes que acompanhavam os fatos:

“(...) Juiz: Como é que foi sua participação nessa operação?Depoente: Bom, por volta das 17 horas a gente recebeu um telefonema na seção do

papiloscopista Webert pedindo um apoio na Vila Portes, aí eu e o APF Coren fomos até lá, e na chegada tinha uma viatura da PRF a uns 50 metros do guarda-volumes, a gente conversou com o Webert, aí ele contou mais ou menos o que tava acontecendo, aí eu disse: ‘Olha, a gente não pode fazer nada sem falar com o delegado’, ligamos pro delegado, Dr. Sinomar, e ele pediu pra que levasse o ..., o senhor que tava com o Webert lá. Aí a gente voltou a delegacia e ele determinou que eu fosse com o colega Segadi nas proximidades do pedágio, onde seria o recebimento das mercadorias por parte dos PRFs. A gente foi pra lá, vimos o Monza do João Francisco que passou pelo pedágio e vimos uma viatura, um tempo depois, voltar sentido São Miguel – Foz do Iguaçu.

Juiz: Viatura da Polícia Rodoviária?Depoente: Da PRF. Aí a gente deu um tempo e ligamos prá equipe que tava na frente

do pedágio e eles disseram que tinham visto um Monza parado com a viatura, só que

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eles tinham perdido de vista. Então a gente retornou, sentido Foz, e tava um Gol no acostamento, logo após o movimento sem-terra, um Gol, a viatura da PRF e o Monza na frente. A gente passou e, no que a gente retornou, eles saíram, saiu o Gol na frente, depois o Monza e a viatura da PRF. Entrei em contato com o Dr. Sinomar prá colocar a situação, ele disse que era prá acompanhar. A gente passou pelo Posto da PRF, o Monza estava lá e o motorista fora do carro. Colocamos isso pro Sinomar de novo e ele disse que prá esperar o Monza sair do pedágio prá abordar, prá ver se eles tinham entregue a mercadoria. A gente ficou esperando, esperando, não saía, não saía, passamos de novo por lá, tava só o Monza, o motorista não tava mais lá. Aí o Dr. Sinomar disse que ia até o Posto e pediu prá gente ficar afastado. Aí, depois, o que desenrolou no Posto eu não sei, era umas nove e meia, Quinze prás dez, ele mandou a gente ir prá divisão, a gente foi, ele pediu prá retornar ao Posto prá ver se não tinha mercadoria com a marca que ele tinha feito. Aí a gente voltou lá e encontramos uma sacola dessas de sacoleiro no alojamento dos PRFs, com 10 Play Stations, com a marca que o Dr. Sinomar tinha falado, e no armário tinha três Game Boy.

Juiz: Esses armários estavam abertos?Depoente: Não, estavam fechados.Juiz: Sabe quem é que tinha as chaves deles, que forneceu a chave para abrir?Depoente: Foi um PRF, agora não lembro o nome, que foi substituir lá o...Juiz: Quando a senhora chegou nessa localidade que o policial Webert estava

com o Sr. João Francisco e avistou a viatura da PRF, chegou a ver alguma senhora próxima a essa viatura ou nesse local que a senhora encontrou seu João Francisco e o papiloscopista Webert?

Depoente: Não.Juiz: A senhora quando avistou esses três veículos parados na BR-277, chegou a

ver quem ocupava esses veículos?Depoente: Não, tava de noite.Juiz: Não deu nem prá identificar as características físicas das pessoas?Depoente: Não. O motorista do Monza que a gente já conhecia, né.Juiz: Chegou a ver se ele estava algemado? Deu para perceber?Depoente: Não, não tava algemado. (...)”. (fls. 458/459)

Do mesmo modo, tenho que os acusados B. e F. também devem responder pela prática do delito de seqüestro, pois além de comunicarem seus colegas da presença dos policiais no Posto, através de ligação efetuada do telefone celular do acusado B., conforme comprova o extrato telefônico de fl. 346, dificultaram a localização dos demais PRFs, não atendendo às solicitações feitas pelo Delegado Sinomar, contribuindo, assim, para a perfectibilização da prática delituosa.

A esse respeito, o depoimento prestado pelo Delegado Sinomar Maria Neto:

“(...) Juiz: Que horas mais ou menos o senhor chegou?

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Depoente: Cheguei no posto da polícia rodoviária dez prás oito da noite. Só que eu pedi pro policial registrá nossa chegada, quando eu falei com ele já era oito em ponto então ele registrou as oito em ponto.

Juiz: Quando o senhor chegou o senhor não entrou direto no posto?Depoente: Não, eu entrei direto no posto. Eu entrei, já fui conversando com o B.

e com o F., que eram apenas os dois que estavam lá no momento. Enquanto isso eu pedi pro Koren já olha os fundo pra verificar se, se achava mercadoria, se achava as pessoas, eventualmente se ele estava detido em algum local, e o Koren fez uma primeira vistoria no interior do posto. Conversei com o policial B. e com o F., perguntei o que tava acontecendo. Eu perguntei: O que que se trata esse Monza que está estacionado ali? Aí, eles meio surpresos: Que Monza? Eu falei: Olha, esse Monza que está com a janela, os vidros aberto, a porta destrancada. Não, não sabemos o que se trata esse Monza. Eu falei: Tem certeza disso? Não, temos certeza disso. Eu falei: Quem mais trabalha aqui, hoje no posto? Ele falou: Nós somos cinco policiais. Eu falei: Quais são os demais? É o Z., o F. e o L. Eu falei: Então você me faz um favor, chama teus colegas que eu quero a presença do proprietário desse carro que estou achando estranho esse carro tá aqui. Aí ele: Não, num tem nada disso, o L. mais o F. foram janta ou faze um lanche e deve volta dentro no máximo meia hora, quinze a meia hora eles tão de volta. E o Z.? O Z. foi para o posto de Santa Terezinha substitui os dois que estavam até esse momento lá. Aí eu falei: Bom então vamo faze o seguinte, avisa todos eles pra retornarem, traze essa pessoa, entendeu, e de antemão, se demora muito, a situação vai ficar ruim pra vocês. E eles, os dois, dificultaram o máximo essa situação porque, primeiro disseram que não tinham o telefone do F. e do L. Ah, eu não tenho o telefone, não tenho o número e num sei o que, criando todo tipo de obstáculo. Quanto ao Z., eles entraram em contato via rádio e o Z. compareceu logo em seguida. O Z. falou: Oh, eu não sei o que tá acontecendo, eu fui substitui os dois lá e num sei onde eles estão. Já os dois mantiveram sempre: Não, eles tão jantando. Aí eu ainda perguntei: Onde é que eles costumam fazer as refeições deles ou lanche? Ah, eles costumam ir no Centrão, shopping Centrão em Foz do Iguaçu. Eu falei: E que carro eles estão então? Aí ele falou: Ah, tá num Passat verde de propriedade do L. Na verdade era um Passat preto e de propriedade do F. Então já, já mentiram nesse sentido. Eu acionei uma equipe que estava aqui na cidade, o Ikeda e Rodrigues, pedi pra que eles fossem até, até o shopping Centrão pra ver se localizava os dois policiais lá. Eles foram até lá, rodaram, não encontraram. Perguntei: Existe outro local? Não, não. Se existe outro local que eles podem ir nós desconhecemos. Então foi esgotada essa possibilidade. Aí, eu depois de aguardar quase duas horas no posto, por volta das dez horas, eu falei: Aciona então um policial pra vim substituir vocês aqui no posto, os três, os três estão presos por seqüestro. Aí eles se apavoraram e eu, por volta, por volta não, dez em ponto eu saí do posto com os três presos e me desloquei em direção a Foz do Iguaçu. Enquanto isso, como o carro tava abandonado eu também acionei uma outra equipe, eles chegaram um pouco antes desse horário, pra que mantivesse uma vigília ali naquele veículo, pra ele num desaparece e aguardasse a chegada de um chaveiro pra fabricá uma chave pra gente traze o veículo até Foz do Iguaçu. Enquanto eu me deslocava pra Foz do Iguaçu,

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eu já tava chegando aqui no trevo da entrada da cidade, o Calori, o agente Calori me, me ligou pelo telefone, me disse que tinha comparecido no posto os policiais Fertonani e L., com João Francisco algemado, com as mercadorias em cima do banco traseiro do carro e dizendo que teriam prendido o rapaz por contrabando. Eu falei: Então você pode trazer todos eles pra delegacia, inclusive o veículo do F., o João Francisco e foi assim, assim foi feito. Eles chegaram na delegacia por volta de dez e meia. Ainda, logo que eles chegaram, como faltava mercadoria, pelo menos a mercadoria que o rapaz tinha me dito que existia, eu pedi pruma equipe voltá até o local e encontraram dentro de um dos armários lá, num me lembro o número desse armário agora, são armários utilizados para guarda dos objetos pessoais dos policiais, encontraram uma parte da mercadoria já dentro dum armário daqueles, trancado. (...)”. (fls. 425-427)

Ressalte-se que a ligação efetuada através do telefone celular de B., comunicando os outros acusados da presença dos policiais federais, foi realizada pelo réu F., conforme se infere dos depoimentos do Delegado Sinomar Maria Neto e do APF Koren, restando certa sua participação na prática do delito:

“(...) MPF: Houve vazamento de informações lá dentro do posto com a presença dos policiais federais e talvez isso tenha acarretado essa presença do F. com o?

Depoente: Sim. É, eu atribuo isso, eu não posso afirmar categoricamente, porque como nós nos demoramos mais ou menos duas horas no posto aguardando a chegada dos policiais, é, ainda antes mesmo de eu dar voz de prisão em flagrante a eles, embora o tempo todo eu permanecesse cuidando da conduta de cada, dos dois policiais que permaneceram, que no caso o F. e o B., em determinado momento eu atribuo esse vazamento ao F. porque ele foi ao banheiro, talvez por nervosismo, e demorou-se um pouco e nessa ida ao banheiro eu acredito, não posso afirmar, que ele tenha feito esse contato com os dois policiais que estavam aqui na cidade, embora o tempo todo ele tenha me dito que não tinha o telefone deles, que não sabia o telefone celular de nenhum dos dois que estavam na cidade. Acredito que tenha sido o próprio F. que fez essa ligação. (...)”. (Sinomar Maria Neto – fl. 430)

“(...) MPF: Sê presenciô ou escutô o PRF F. telefonar do interior do banheiro e o que ele teria falado, alguma coisa nesse sentido? Lá no posto da polícia rodoviária?

Depoente: Não, lá naquele momento seria quando nós aguardávamos os demais não é? Eu lembro que um deles fez um, ou seja, entrou em uma das salas daquele posto, não lembro se era o banheiro ou uma outra sala e falava, dando a impressão que falava ao telefone porque ele tava sozinho.

MPF: Aonde você se encontrava nesse momento?Depoente: No corredor, no corredor que dá acesso às dependências desse posto,

ou seja, esse posto tem uma sala frontal à rodovia e mais alguns cômodos internos divididos pelo corredor.

MPF: Foi comentado lá que vazô a informação, da presença dos policiais lá no posto?Depoente: Comentado no posto da polícia rodoviária enquanto nós estávamos lá

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que a nossa presença teria sido comunicada?MPF: Sim, houve vazamento de informação e por isso que os outros retornaram

lá com o cidadão preso.Depoente: O que houve foi um comentário feito pela vítima, que nós trouxemos

algemada, assim como nós o recebemos lá naquele local, no trajeto do posto até nossa delegacia, dos fatos que ela vivenciô, ou seja, então ela nos relatava que enquanto estava lá num guarda-volumes na Vila Portes algum deles teria recebido uma ligação dando conta da presença da SO lá naquela, naquele posto e que em função disso teriam mudado radicalmente a atitude, eles algemaram essa pessoa e foram, se eu não me engano, a sede da polícia rodoviária aqui, providenciá um termo de apreensão ou algo semelhante. (...)”. (Marcos Koren – fls. 453/454)

Importante destacar, ainda, que, no momento em que os PRFs L. e F. foram comunicados da presença dos policiais federais, B. e F. já tinham plena ciência dos fatos, pois foi o PRF B. que liberou João Francisco para o “acerto” com os outros PRFs, após ter entrado em contato pelo rádio com L. E ainda, as mercadorias descaminhadas foram localizadas no interior do armário nº 07, no Posto da Polícia Rodoviária, armário utilizado por B., conforme informou o ofício de fl. 178 e o próprio acusado em seu interrogatório. (fl. 200)

Quanto ao acusado Z., deixo de apreciar sua eventual participação na prática do delito de seqüestro em face da ausência de apelo específico do Ministério Público neste ponto.

No que tange ao valor probatório do depoimento prestado por policiais, conforme reiterada jurisprudência deste Tribunal, deve ser o mesmo dado ao depoimento de qualquer testemunha, mormente quando prestado em juízo, como no presente caso, sujeito ao princípio do contraditório, mostrando-se apto a embasar um decreto condenatório. Nesse sentido:

“PENAL – RAZÕES DA APELAÇÃO – DEVOLUÇÃO DAS CARTAS PRECATÓRIAS – NULIDADE DA SENTENÇA – CONFISSÃO MEDIANTE COAÇÃO – TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES – FORMAÇÃO DE QUADRILHA- INSUFICIÊNCIA DE PROVA – REGIME FECHADO – VEÍCULO APREENDIDO.

(...)Salvo em situações excepcionais, devidamente demonstradas, a palavra dos

policiais que funcionam na persecução tem tanto valor quanto a de qualquer testemunha idônea, não havendo razão lógica para desqualificá-los só porque são policiais, muito menos quando prestam depoimento em juízo, sob compromisso, sujeitos ao crivo do contraditório.

(...)”. (ACR nº 1999.04.01.005908-4/RS, Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti,

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DJ de 20.10.99, p. 322)

“PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NEGATIVA DE AUTORIA. DEPOIMENTO DE POLICIAIS FEDERAIS. INTERNACIONALIDADE DA DROGA. CARACTERIZAÇÃO DO COMÉRCIO. DELITO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. MAJORANTE ART-18, INC-1, DA LEI DE TÓXICOS.

(...)II. O depoimento de policial que atuou no caso tem valor probante idêntico aos

testemunhos em geral.(...)”. (ACR nº 97.04.07202-3/RS, Des. Federal Gilson Dipp, DJ de 30.07.97, p.

57709)

Ademais, nada restou demonstrado no sentido da existência de uma suposta “armação” para prejudicar os denunciados, imputando-lhes fatos que não teriam praticado, conforme alegado pelos mesmos.

No que tange ao quarto fato delituoso, não prospera a alegação da acusação de que o delito praticado seria o de falsificação de documento público (art. 297, CP), e não de falsidade ideológica (art. 299, CP), como restou decidido na sentença recorrida, pois ao preencherem um termo de entrega de pessoa, dando conta da prisão de João Francisco, os acusados L. e F. inseriram no documento declaração falsa, não atentando em nenhum momento contra sua forma, seu aspecto físico, que restou íntegro. Assim, não há falar na prática do crime previsto no artigo 297 do Código Penal, cujo dispositivo protege o aspecto material do documento, ao contrário do delito de falsidade ideológica, onde se leva em consideração o seu conteúdo intelectual.

A esse respeito, adoto a lição de Damásio E. de Jesus, que, sobre mencionada distinção, assim se manifesta:

“Na falsidade material o vício incide sobre a parte exterior do documento, recaindo sobre o elemento físico do papel escrito e verdadeiro. O sujeito modifica as características originais do objeto material por meio de rasuras, borrões, emendas, substituição de palavras ou letras, números, etc. Pode acontecer também que o agente, sem tocar no documento original, crie um outro falso. Na falsidade ideológica (ou pessoal) o vício incide sobre as declarações que o objeto material deveria possuir, sobre o conteúdo das idéias. Inexistem rasuras, emendas, omissões ou acréscimos. O documento, sob o aspecto material, é verdadeiro; falsa é a idéia que ele contém. Daí também chamar-se falso ideal. Distinguem-se, pois, as falsidades material e ideológica. A primeira pode ser averiguada pela perícia; a segunda não, cumprindo ser demonstrada por outros meios. No sentido do texto: RTJ, 105:960; RTJT, 84:384; RT, 580:322, 513:367.”. (Código Penal Anotado, 11ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 2001, págs. 886/887)

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Quanto à alegação de se caracterizarem os delitos de seqüestro e falsidade ideológica como pós-fatos impuníveis, pois cometidos para assegurar o sucesso do crime de concussão, classificado aqui como facilitação do descaminho, da mesma forma, não merece prosperar, porquanto em que pese tais delitos efetivamente terem sido praticados como uma forma de tentar encobrir a prática do referido crime, trata-se de condutas independentes, perpetradas em momentos diversos, resultantes de desígnios autônomos, e que ofendem objetos jurídicos diferentes, não se relacionando entre si sob este aspecto.

Passo à dosagem da pena.Com relação à prática do delito do artigo 318 do Código Penal

pelos réus L. e F., analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do mesmo diploma legal, tenho que a culpabilidade dos acusados é elevada, demonstrando ambos dolo intenso em obter êxito na empreitada delituosa. Inexistem nos autos elementos que indiquem possuírem antecedentes criminais ou que desabonem sua conduta social. Nada a referir acerca da personalidade dos réus. O motivo do crime aparentemente foi a obtenção de lucro com a liberação das mercadorias. Circunstâncias e conseqüências normais à espécie delitiva. Nada a referir, ainda, sobre o comportamento da vítima.

Deste modo, diante de tais circunstâncias, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão.

Saliento que não pode ser considerado o fato de os agentes serem responsáveis pela repressão dos crimes para exasperar a pena, como corretamente alegado pelos réus. Com efeito, configurando-se a função do agente elementar do delito em tela, sendo a facilitação cometida “com infração de dever funcional”, não pode ser considerado como circunstância judicial desfavorável o fato de o autor do delito ser policial, responsável pela repressão aos crimes, consoante, aliás, já decidiu esta Corte em caso análogo:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. POLICIAIS FEDERAIS CONDENADOS. SEPARAÇÃO DE PROCESSOS POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E PARA EVITAR COAÇÃO ILEGAL. FALTA DE INTIMAÇÃO DO ÓRGÃO DO MPF E REQUISIÇÃO DOS RÉUS PARA UMA AUDIÊNCIA. PRECLUSÃO. PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO FUNDO SOBRE A FORMA. FALTA DE OBJETO MATERIAL. INDECISÃO DO SENTENCIANTE. EMENDATIO LIBELLI. PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO.

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DOSIMETRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA DE MULTA. INEXEQUIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA, PARCIALMENTE, POR MAIORIA.

(...)9. CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 59 DO ESTATUTO

REPRESSIVO PENAL, TOTALMENTE FAVORÁVEIS AO APELANTE J. C. M. P., A FIXAÇÃO DA PENA DEVE CINGIR-SE AO MÍNIMO LEGAL, SENDO DE TODO INAPLICÁVEL A AGRAVANTE (POLICIAL FEDERAL), QUANDO O CARGO OU PROFISSÃO É ELEMENTAR DO TIPO (PECULATO).

(...)”. (ACR nº 90.04.07118-0/PR, Rel. Juiz Osvaldo Alvarez, DJ de 05.09.90)

Inaplicável, de outra parte, a agravante do artigo 61, II, b, do Código Penal (“São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, (...) ter o agente cometido o crime, (...) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime”), por ter sido o delito praticado para facilitar a execução e a impunidade do crime de descaminho, pois tal circunstância é ínsita ao crime em questão.

Assim, em face da ausência de agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento e diminuição da pena, torno definitiva a reprimenda de 4 (quatro) anos de reclusão pela prática do delito capitulado no artigo 318 do CP.

Ainda em atenção às circunstâncias judiciais (art. 59, CP), fixo a pena de multa, para ambos os denunciados, em 100 (cem) dias-multa, à razão de um salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido, tendo em vista a situação econômica dos acusados, cuja renda aproximada é de, respectivamente, R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) e R$ 1.817,00 (mil oitocentos e dezessete reais), conforme documentos de fls. 41 e 44 do inquérito policial em apenso.

Por outro lado, correta a sentença recorrida ao fazer incidir a agravante do artigo 61, II, b, do CP ao crime de falsidade ideológica (art. 299, CP), pois este foi cometido objetivando assegurar a ocultação do delito de seqüestro, também imputado aos apelantes, existindo o nexo de meio e fim entre as infrações.

Sobre o tema, colho a lição de E. Magalhães Noronha, que assim se manifesta sobre a circunstância em questão:

“A majorativa da alínea b também foi capitulada no Código italiano (art. 61, § 2º). Tem ela como fundamento a existência de dois crimes, presos por um nexo de meio

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e fim ou de causa e efeito. Ocorre o primeiro, v. g., se um indivíduo mata ou fere um outro, para estuprar-lhe a filha, agora sem defesa. Dá-se o segundo, ao reverso, quando, havendo violentado uma donzela e já se retirando do local, percebe que o ato foi presenciado por uma pessoa, e, então, a abate, com o fim de não poder ser provado o primeiro delito.

Pode o crime-fim não ser cometido, que o delito-meio será agravado, pois basta sua prática, tendo aquele por escopo. Se ambos forem praticados, haverá concurso material ou formal, cabendo a agravante exclusivamente ao crime-meio. Nos exemplos citados ela incide sobre os delitos contra a pessoa, e não sobre o estupro.” (Direito Penal, Volume 1, 23ª Edição, São Paulo, 1985, págs. 246/247)

No que se refere ao acusado Z., também entendo que não pode ser levado em consideração o fato de ser ele responsável pela repressão dos crimes para a fixação da pena-base, pois tal circunstância encontra-se ínsita no próprio tipo do delito pelo qual restou condenado (art. 318, CP), que se caracteriza pela facilitação, com infração do dever funcional, da prática de contrabando ou descaminho. E, como as demais circunstâncias judiciais são quase totalmente favoráveis ao denunciado, reduzo a pena-base, fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, para 3 (três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, levemente acima do mínimo legal, a qual, em face da incidência da agravante do artigo 61, II, b, do CP, já reconhecida na sentença, torno definitiva em 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

Reduzo, do mesmo modo, em atenção às circunstâncias judiciais, o número de dias-multa imputados ao réu Z. pela prática do referido delito 45 (quarenta e cinco) para 30 (trinta) dias-multa, bem como o valor do dia-multa, arbitrado em 2 (dois) salários mínimos, para 1 (um) salário mínimo vigente à data dos fatos, tendo em vista a condição econômica do denunciado, retratada à fl. 47 do inquérito policial em apenso, cuja renda aproximada é de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais).

No que tange ao réu F., em face das circunstâncias judiciais apresentadas no caso, já analisadas pelo Juízo sentenciante às fls. 1186/1187 dos autos, tenho por bem aumentar a pena-base, fixada em 1 (um) ano e 7 (sete) meses, para 2 (dois) anos de reclusão, pena em maior consonância tanto com a finalidade repressiva quanto com a finalidade preventiva da sanção, e que torno definitiva em razão da ausência de agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento e diminuição.

Com relação ao montante das penas-base firmadas para os demais delitos, tenho por bem mantê-las nos patamares cominados pelo julgador

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de primeiro grau, pois em que pese todos os acusados possuírem determinadas circunstâncias judiciais desfavoráveis, nenhum deles têm sopesadas negativamente todas as circunstâncias do artigo 59 do CP, inexistindo elementos que justifiquem a fixação das penas-base em seu termo médio, ou mesmo acima deste, como pretende o Ministério Público.

O fato de o acusado B. ser o chefe da equipe que se encontrava em serviço na data dos fatos já foi valorado pelo Juízo monocrático, não servindo para majorar ainda mais a pena-base cominada, tampouco para ensejar o aumento da reprimenda pela incidência da causa de aumento prevista no artigo 327, § 2º, do Código Penal, sob pena de se considerar duas vezes a mesma circunstância, em inaceitável bis in idem.

Quanto às circunstâncias agravantes aplicadas, tenho que os aumentos efetuados em razão delas atenderam aos requisitos da necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção dos crimes.

Não há falar, ainda, em participação de menor importância do acusado F., de modo a ensejar a incidência do artigo 29, § 1º, do Código Penal, pois conforme restou afirmado anteriormente, foi ele quem efetuou a ligação telefônica informando seus colegas da presença dos policiais no Posto da Polícia Rodoviária Federal.

No que tange à pena de multa imputada aos acusados L. e F. pela prática do delito de falsidade ideológica, correta a sentença atacada quanto ao número de dias-multa fixados (cinqüenta e três), pois consentâneo com as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal. Reduzo, no entanto, o valor do dia-multa, arbitrado em relação a ambos os denunciados em 1,5 (um e meio) salário mínimo, para 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, valor este em maior consonância com a situação econômica dos acusados, cuja renda aproximada, como já afirmado, é de, respectivamente, R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) e R$ 1.817,00 (mil oitocentos e dezessete reais), conforme documentos de fls. 41 e 44 do inquérito policial em apenso.

Cumpre destacar que, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, o número de dias-multa deve ser fixado exclusivamente em atenção às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, não incidindo sobre o cálculo circunstâncias agravantes ou atenuantes, tampouco majorantes e minorantes, consoante já decidiu esta Corte:

“1. PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. DOSIMETRIA DA PENA.

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(...)5. O critério definidor do quantum de dias-multa é o ART-59 do CP-40, não incidindo

sobre ele as agravantes e atenuantes, nem as majorantes e minorantes, com exceção da tentativa.

6. Apelação provida parcialmente, para diminuir a sanção pecuniária.” (ACR nº 95.04.40540-1/PR, Relator Des. Federal Gilson Dipp, DJU de 03.04.96, p. 21318)

Correta, por outro lado, a decisão recorrida ao determinar o início do cumprimento da pena imposta aos acusados B. e F. em regime semi-aberto, em face da apreciação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP (que não são nem completamente desfavoráveis aos sentenciados nem totalmente favoráveis), que devem ser sopesadas, mais uma vez, aqui, em combinação com o disposto no artigo 33, § 2º, do Estatuto Repressivo, segundo determinação expressa no § 3º do mencionado dispositivo legal.

Ressalte-se, quanto ao réu F., que, apesar de apenado a apenas 2 (dois) anos, a análise das circunstâncias judiciais não permite a fixação do regime inicial aberto para o cumprimento da pena, como quer a defesa, mormente ante a existência de antecedentes em seu desfavor, como já retratado anteriormente, sendo de todo inaplicável, neste momento, a progressão de regime, na forma do disposto no artigo 112 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), pois, inobstante os dias de prisão provisória possam ser computados quando da execução da pena (art. 42, CP), não há que se falar, por ora, em execução de sentença condenatória, o que somente se dará após o presente julgamento.

Quanto aos réus L. e F., alterada a sentença quanto ao montante da pena a eles cominada, fazem jus à fixação do regime inicial semi-aberto, na forma do disposto no artigo 33, § 2º, b, do Código Penal, não incidindo mais, na hipótese, a regra prevista no artigo 33, § 2º, a, do mesmo diploma legal.

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De outra parte, preenchidas as condições do artigo 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade imposta ao réu V. Z. por duas restritivas de direitos (uma vez que a pena fixada é superior a um ano - art. 44, § 2º, CP), quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da privativa de liberdade, a ser definida pelo Juízo da execução, e prestação pecuniária, no valor de 10 (dez) salários mínimos, tendo em conta o valor das mercadorias que seriam objeto de descaminho (R$ 3.765,00, conforme laudo de exame merceológico de fls. 706/707) para se auferir o prejuízo causado pela conduta do réu (facilitação ao descaminho).

Deixo de substituir a pena privativa de liberdade infligida ao acusado F., pois não implementadas em sua totalidade as condições do artigo 44 do CP, não se afigurando tal substituição suficiente para a prevenção e repressão criminais, uma vez que o sentenciado apresenta antecedentes pela prática dos delitos previstos nos artigos 316 e 334 do Código Penal, conforme se infere dos documentos de fls. 733/734. Pelo mesmo motivo, incabível a suspensão condicional da pena preconizada no artigo 77 do CP.

Merece ser mantida, ainda, a sentença recorrida na parte em que declarou a perda dos cargos públicos dos réus L. e F., pois foram os mesmos condenados à pena privativa de liberdade por tempo superior a um ano em crime praticado com violação de dever para com a Administração (facilitação do descaminho), incidindo, na hipótese, o artigo 92, I, a, do Código Penal.

Não há falar em perda do cargo em relação ao réu F., porquanto o delito pelo qual foi condenado não foi praticado com abuso de poder, tampouco com violação de dever para com a Administração, não tendo, ainda, sido condenado à pena privativa de liberdade superior a quatro anos, sendo inaplicável, nesse caso, o artigo 92, I, a e b, do Estatuto Penal.

Por fim, incabível a pretensão do acusado F. no sentido de ser consignado em sua guia de recolhimento a condição especial de não ser colocado, para o cumprimento da pena, juntamente com os presos comuns, consoante artigo 84, § 2º, da Lei de Execução Penal, pois o parágrafo em questão deve ser interpretado em consonância com o caput do preceito legal, que se refere a presos provisórios, não se aplicando ao caso dos autos.

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Ante o exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento aos apelos dos réus L., F. e Z. e do Ministério Público, e nego provimento às apelações dos demais acusados, nos termos da fundamentação.

Concluído o julgamento, e, tendo em vista que a eventual interposição de recursos – especial e extraordinário – não tem efeito suspensivo, e em que pese a determinação expressa constante da sentença condenatória quanto ao início da execução da pena, impõe-se, com base em precedentes desta Corte (ACR nº 95.04.49572-9/RS e ACR nº 97.04.39566-3/RS), que seja oficiado o MM. Juízo a quo, cientificando-o do julgamento do feito por esta Corte, visando ao início da execução da pena.

Oficie-se também ao Ministro Relator do Habeas Corpus nº 19725/PR (2001/189756-0), em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça, comunicando-lhe do teor do presente julgamento.

É o voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.087637-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva

Apelante: O. B.Advogados: Drs. Sergio dos Santos Silveira e outros

Apelante: R. S. Advogados: Drs. Santino Ruchinski e outros

Apelado: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

EMENTA

Penal. Defraudação de penhor. Art. 171, § 2º, III, e § 3º, do Código

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Penal. Crime contra o sistema financeiro nacional. Art. 20 da Lei 7.492/86. Concurso formal.

1. A defraudação de penhor, constituído para garantir empréstimo junto ao governo federal, ofende interesse da União, fixando a competência da Justiça Federal, mesmo que os recursos sejam provenientes do Banco do Brasil, mero repassador, e executor, na condição de agente financeiro, da política agrícola do País. Inteligência do art. 109, inc. IV, CF/88.

2. A defraudação de penhor (art. 171, § 2º, inciso III, do CP) concretiza-se no momento da obtenção da vantagem ilícita, isto é, no momento da venda do bem empenhado, efetuada sem o consentimento do credor. Materialidade e autoria comprovadas.

3. Concurso formal com o crime do art. 20 da Lei nº 7.492/86, pois os recursos financiados pelo Banco do Brasil foram aplicados em finalidade diversa daquela estabelecida no contrato.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de maio de 2002.Des. Federal José Germano da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: O. B. e R. S. foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 171, § 2º, inciso III, e § 3º, do Código Penal, c/c o art. 29 do mesmo diploma legal. A denúncia está narrada nos seguintes termos:

“Consta dos autos que em meados do mês de julho de 1994, a empresa Agro Industrial Santa Helena S/A, CGC/MF nº 82.355.264/001-22, por meio de seus administradores O. B. e R. S., efetuou vários empréstimos (EGF) com o Banco do Brasil, agência de Santa Helena/PR, através dos recursos da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) perfazendo o valor total de R$ 1.487.000,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e sete mil reais).

Como garantia da restituição dos valores correspondentes a estes empréstimos, a empresa Agro Industrial Santa Helena ofereceu ao Banco do Brasil 6.055.000 Kg (seis milhões e

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cinqüenta e cinco mil quilos) de fécula de mandioca, tipo 1, safra 93/94 e 250.000 (duzentos e cinqüenta mil) unidades de sacaria de papel Kraft que ficaram sob a sua guarda, em depósito, conforme advém do contrato (fls. 30 a 45) e dos recibos de depósito. (fls. 59 a 64)

Ocorre que a partir do mês de dezembro de 1994, foram realizadas, conforme pactuado no contrato de depósito, várias vistorias nas mercadorias armazenadas por técnicos do Banco do Brasil e constatou-se que haviam sido desviadas do armazém da empresa Agro Industrial Santa Helena, 4.818.000 kg (quatro milhões, oitocentos e dezoito mil quilos) de fécula de mandioca, bem como 193.720 (cento e noventa e três mil, setecentos e vinte) unidades de sacaria de papel Kraft do total das mercadorias oferecidas em garantia pelos empréstimos realizados.

Desta forma, conclui-se que os acusados R. S. e O. B. alienaram, sem o consentimento do Banco do Brasil, as mercadorias oferecidas em garantia à referida sociedade de economia mista, pelo contrato de empréstimo com ela realizado (EGF) que se encontravam em depósito sob sua guarda, praticando o crime de estelionato mediante defraudação de penhor”.

A denúncia foi recebida em 03.09.97. (fl. 237)Às fls. 443/446, o MPF aditou a inicial acusatória para denunciar os

acusados também pela sanções previstas no art. 20 da Lei 7.492/86, nos seguintes termos:

“Nos dias 08.02.95, 29.03.95 e 31.03.95, os denunciados R. S. e O. B., na qualidade de presidente e diretor de fomento da empresa Agro Industrial Santa Helena S.A, contrataram junto ao Banco do Brasil da cidade de Santa Helena as cédulas rurais pignoratícias (fls. 89/96) e as cédulas de crédito industrial (fls. 65/88), sendo que os valores obtidos com tais títulos destinavam-se ao financiamento para estocagem do produto oferecido em garantia.

Tal destinação era obrigatória, estando expressa nos primeiros parágrafos de cada uma das cédulas.

O produto que devia ser mantido em estoque era fécula de mandioca e papel Kraft.A fiscalização do Banco do Brasil, que apurava não só o volume do produto guardado,

mas também sua qualidade, verificou que a empresa contratante por atitude de seus responsáveis descumpriu tal cláusula contratual pois seus estoques ficaram deficitários, conforme as vistorias realizadas na empresa (fls. 37/38), ou seja, estavam alienando o produto que deveria ser estocado, sem o consentimento da instituição financeira.”

O aditamento foi recebido em 02.02.2001. (fl. 447)Após as alegações finais, sobreveio sentença (fls. 504/525), publicada

em 31.08.2001, que julgou procedente a denúncia para condenar ambos os denunciados pela prática dos crimes previstos nos artigos 171, § 2º, III, do CP, e 20 da Lei nº 7.492/86, combinados com os arts. 29 e 70 (concurso formal) do Código Penal, em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, cumulados com 50 (cinqüenta) dias-multa, arbitrados

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em valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à data do fato, para cada um dos réus. O regime inicial de cumprimento de pena será o aberto (art. 33, § 2º, c, e § 3º, do Código Penal). Substituiu as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direito para cada um, sendo a primeira de prestação pecuniária, fixada em 05 (cinco) salários mínimos, cuja destinação será de uma entidade que preste relevantes serviços à sociedade, a ser indicada pelo juízo da execução em audiência admonitória e, a segunda, de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, da maneira a ser determinada pelo juízo competente para a execução, em audiência admonitória (art. 46 e parágrafos do Código Penal). Condenou ainda os réus no pagamento das custas processuais.

Irresignados, apelam os réus. O. B., às fls. 538/551, sustenta que a inicial é inepta; que não há justa

causa para a acusação; que inexistem provas em relação à autoria e à materialidade; que não há dolo; questiona a pena aplicada e requer seja diminuída, em caso de negativa do pedido de absolvição.

R. S., por sua vez, alega às fls. 556/584, nulidade da sentença; carência de provas quanto à materialidade e à autoria; estado de necessidade; erro sobre a ilicitude do fato; inexigibilidade de conduta diversa e requer a redução da pena de defraudação para o mínimo legal.

Com as contra-razões, subiram os autos a esta Colenda Corte.O MPF lançou parecer no sentido do improvimento de ambos os

apelos.É o relatório. À douta revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Os réus foram denunciados pela prática do crime previsto no art. 171, § 2º, III, e § 3º, do Código Penal, e no art. 20 da Lei 7.492/86.

Inicialmente, quanto à questão acerca da competência da Justiça Federal para julgar o presente feito, esta Colenda Corte já se posicionou a respeito, como se vê dos seguintes precedentes:

“DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR AGRÍCOLA. LESÃO A BEM DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, INC. IV, CF/88.

A defraudação de penhor agrícola, constituído para garantir empréstimo do governo federal, ofende interesse da União, atraindo a competência da Justiça Federal, mesmo

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que os recursos tenham sido repassados pelo Banco do Brasil, mero agente financeiro, executor da política agrícola do País.”. (TRF 4ª Região, Recurso em Sentido Estrito nº 2000.71.03.001179-0/RS, 8ª Turma, julgado em 16.08.2001, in DJU de 19.09.2001, pág. 523, Relator Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, unânime)

“PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR. COMPETÊNCIA.

O crime inscrito no art. 171, § 2º, III, do CP, compromete a estrutura do Sistema Nacional de Crédito Rural. Estando a União e o Banco Central à frente desse programa, cabe à Justiça Federal processar tal delito (Constituição, art. 109, IV).”. (TRF 4ª Região, Recurso em Sentido Estrito nº 2000.71.03.000431-0/RS, 8ª Turma, julgado em 24.09.2001, in DJU de 03.10.2001, Relator Juiz Élcio Pinheiro de Castro, unânime)

Ainda, cuidando-se de questão preliminar, tenho que não prospera a alegada inépcia da inicial, invocada pelo recorrente O. B. nas razões de apelação. A denúncia descreveu, ainda que de forma sucinta, o fato ilícito, bem como a conduta realizada por cada réu, não trazendo qualquer prejuízo à sua defesa, posto que a exerceram plenamente como se extrai dos autos.

Quanto às alegações de nulidade, não merecem prosperar, na esteira dos fundamentos do parecer do douto representante do MPF nesta instância, às fls. 607/608, in verbis:

“Inicialmente, quanto à nulidade da sentença por conexão, cabe referir que o Código de Processo Penal confere ao juiz a faculdade de separar os processos quando entender que existe motivo relevante. No presente caso, o magistrado entendeu por bem separar os autos tendo em vista a diferença em seus processamentos e o aproximado prazo prescricional da outra demanda penal. Trata-se aqui de um juízo de conveniência, não ensejando nulidade.

No tocante ao pedido de nulidade por continência com a ação penal que tramita no juízo falimentar, vale referir que a defraudação de penhor e o desvio do financiamento foram constatados em dezembro de 1994, enquanto que a decretação de falência só ocorreu em setembro de 1997. Além disso, não há como confundir o crime cometido contra os credores com crimes cometidos contra a fé pública e contra o Sistema Financeiro Nacional.

Outrossim, não ocorre cerceamento de defesa na negativa de realização de prova pericial requerida com base em meras alegações. Ademais, nenhum elemento convincente foi apresentado a evidenciar a necessidade de realização de perícia. Frise-se que os réus poderiam perfeitamente ter juntado aos autos as provas de que estavam com dificuldades financeiras.

Quanto à alegação de nulidade da sentença por se basear em contrato nulo, também não assiste razão aos recorrentes. Como bem expôs o magistrado, o bem jurídico protegido é o patrimônio da vítima e sua presumível boa-fé. O credor pignoratício

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acreditou que como garantia teria a sua disposição os produtos empenhados, o que veio a não ocorrer por responsabilidade dos réus.

Não se vislumbra, também, a hipótese de nulidade por infração ao art. 20 da Lei 7.492/86. Conforme dispõe o aditamento da denúncia, respaldado pelas provas constantes dos autos, os recursos provenientes do financiamento concedido pelo Banco do Brasil foram aplicados com finalidade diversa da contratada. O próprio réu Rubens Siegel, em seu depoimento de fl. 127/128, reconhece que ‘...tal empréstimo foi contraído para suprimento de capital de giro que permitisse o funcionamento da empresa’.”

A materialidade está comprovada pelos seguintes documentos: o contrato de fls. 39/50; os recibos de depósito de fls. 30/35; o Laudo de Vistoria Agropecuário (fl. 36, verso e anverso), que concluiu que houve “estoque a descoberto”, demonstrando a alienação sem o consentimento do credor e a aplicação dos recursos provenientes do financiamento em finalidade diversa da contratada.

Quanto à autoria, devem ser tecidas algumas considerações.O contrato firmado entre os acusados e o Banco do Brasil tinha como

objeto “a guarda e a conservação dos estoques vinculados à Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM, a emissão de Títulos e/ou Recibos de Depósitos e a pronta e fiel entrega destes estoques, quando solicitada pela DEPOSITANTE, através do seu mandatário”. (fl. 40)

Frise-se que o depositário tem de estar permanentemente apto a entregar a coisa ao depositante, quando solicitado e, se constatado pela fiscalização do proprietário e/ou depositante que seu bem não se encontra na forma em que foi entregue para guarda, consumada está a conduta delitiva.

In casu, ficou comprovado que os apelantes agiram em nome da empresa ao assinarem as cédulas e os contratos a ela vinculados, bem como ainda atuavam na empresa quando foi descoberta a prática criminosa. São, portanto, os responsáveis diretos pelo ilícito.

Os depoimentos de ambos não deixam espaço para outra conclusão, senão vejamos:

R. S. disse o seguinte, à fl. 128:“...que não houve desvio de nenhum quilo de fécula nem de sacaria de papel kraft, todo o produto foi vendido a clientes tradicionais...que tinha conhecimento de que as mercadorias não poderiam ser retiradas do armazém em que estavam sem a autorização do Banco do Brasil, pois o recibo de depósito assim o diz...”.

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O depoimento de O. B., às fls. 252/254, não deixa dúvidas de que ele tinha conhecimento que as mercadorias haviam sido alienadas sem o consentimento do Banco:“...que tem ciência da acusação que lhe é imputada; que na época dos fatos o interrogado ocupava junto à empresa o cargo de diretor de fomento e que a negociação descrita na exordial acusatória realmente foi realizada;... que entende que tais mercadorias não foram desviadas do armazém da empresa, mas regularmente vendidas; que tais vendas foram autorizadas pelo presidente, ora segundo denunciado;...”.

Demonstradas a materialidade e a autoria, é mister analisar a configuração do ilícito penal.

Dispõe o art. 171, § 2º, III, do CP:“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,

induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º omissis§ 2º Nas mesmas penas incorre quem: (...)Defraudação de penhorIII – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo,

a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;”.

Portanto, a tipicidade ocorreu com a alienação não consentida pelo credor, inexistindo no tipo distinção quanto a bens fungíveis e infungíveis. No âmbito do Direito Penal, tal distinção é irrelevante, porque interessa reprimir a conduta típica, antijurídica e culpável, e a norma não faz distinção quanto à espécie de depósito, se regular ou irregular (art. 1.280, CCB). Não há confundir a esfera civil com a penal, porquanto são autônomas e independentes. Logo, não é sustentável a afirmação de que o art. 171, § 2°, III, do CP refira-se tão-somente ao depósito regular como conceituado no Direito Civil, ou seja, o depósito de bens infungíveis. Interessa ao Direito Penal reprimir a conduta fraudulenta.

No caso dos autos, houve a concessão de crédito para estocagem do produto oferecido em garantia, sendo esta constituída sob a forma de penhor cedular, estimado na conformidade de cédula rural pignoratícia e cédula de crédito industrial. Cuida-se, portanto, de penhor agrícola (arts. 78 e ss. do CCB) que se constitui em exceção à regra geral do penhor em que é feita a tradição da coisa. Na cédula emitida não houve

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a tradição dos bens que constituem a garantia. Sobre o tema, dissertou Julio Fabbrini Mirabete:

“Protege-se ainda uma vez, com o dispositivo a inviolabilidade patrimonial e, também, a boa-fé, segurança, fidelidade e veracidade dos negócios jurídicos patrimoniais, embora esta apareça em caráter secundário, já que o estelionato é um crime contra o patrimônio.”

“Por vezes, por efeito da cláusula constitutiva, não há tradição, permanecendo a coisa com o devedor (art. 769). São os casos de penhor agrícola (arts. 78 e ss. do CC), do penhor pecuário (arts. 784 e ss. do CC), do penhor industrial (Decretos-Leis nº 1.271, de 16.05.39, nº 1.697, de 23.10.39, nº 2.064, de 07.03.40, e nº 4.4312 , de 20.05.42) e do penhor mercantil (art. 274 do CCom.). Quanto a esse último, Hungria discorda da sua inclusão, alegando que não é possível a cláusula constitutiva nesses casos, mas a maioria dos doutrinadores a admite. Já quanto ao penhor legal (art. 776, incisos I e II, do CC) não há dúvida que está excluído; neste o penhor fica na posse do credor. Não ocorre o crime em estudo em caso de penhora, medida processual (RT 461/358).”

“Não distingue a lei quanto a objeto material do crime, coisa móvel, podendo ser ela infungível ou fungível. A fungibilidade dos bens não exclui o crime, já que a garantia pignoratícia deve, sempre, ser preservada (RJDTACRIM 4/195).”. (Manual de Direito Penal – Volume 2 – 13ª Edição - Editora Atlas – Fls. 295, 306 e 307)

Quanto ao dolo, os depoimentos citados acima não permitem outra conclusão, senão a que ambos agiram com dolo, pois o elemento subjetivo do tipo foi totalmente preenchido.

Não pode vingar, igualmente, a alegação do recorrente de que efetuou o depósito do valor devido junto ao Banco do Brasil, compondo, assim, com a instituição financeira, o adimplemento da dívida objeto do contrato.

Isso porque a defraudação de penhor é delito formal, concretizando-se no momento da obtenção da vantagem ilícita, isto é, no momento da venda do bem empenhado, efetuada sem o consentimento do credor, não tendo a reparação do dano o condão de alterar o rumo da ação criminal por ela originada.

Tenho, assim, que restaram devidamente demonstradas a materialidade e a autoria do delito de defraudação de penhor descrito na denúncia, porquanto as provas documentais carreadas aos autos, bem como os depoimentos juntados, não levam a outra conclusão que não seja a venda de alguns dos bens dados em garantia de financiamento bancário, sem o consentimento do credor.

Melhor sorte não socorre o apelante quanto à alegação de

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inexigibilidade de conduta diversa em face de dificuldades financeiras, como excludente de culpabilidade, ou de estado de necessidade. O douto magistrado, ao enfrentar tais alegações, manifestou-se da seguinte forma, à fl.515:

“Quanto às ilações retiradas da auto-defesa e da defesa técnica, de que teria sido os valores auferidos com a alienação dos bens empenhados utilizados para pagamentos mais urgentes, para ‘capital de giro’ (haveria um arremedo aqui da excludente ‘dificuldades financeiras’), verifico, pelos elementos coligidos aos autos, em especial os negócios efetivados com empresas do próprio réu e de seus familiares, que – veja a denúncia oferecida no juízo falencial trazida aos autos pelo próprio réu – as dificuldades enfrentadas pela empresa tiveram causa na própria malícia de seus administradores.

O mesmo vale para a alegação de estado de necessidade que envolve um juízo de premência atual e excepcional, e não de constância ‘caos econômico’, que perdurou até o decreto da falência. Aliás, a inevitabilidade também é questionável, pois poderia a empresa do réu procurar solucionar suas dívidas através de outras saídas diversas da defraudação, tentativa feita somente após a descoberta da fraude”.

Nesse sentido, é a jurisprudência: “‘O estado de necessidade só pode ser reconhecido quando imperiosa a ação do

agente para salvaguarda de direito próprio ou alheio’. (JTACRIM 39/41)

‘Exclusão de ilicitude. Estado de necessidade. Crime contra o patrimônio. Alegação de que o delito foi praticado em face da crise econômica nacional. Inadmissibilidade. Inaplicabilidade do art. 24 do CP. (...) Não evidencia o estado de necessidade, como causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 24 do CP, a alegação de que o crime contra o patrimônio foi praticado em face da crise econômica nacional, pois tal argumentação não pode legitimar a prática de delitos.’ (RT 751/704) ” .

Passo à análise do segundo fato delituoso.O art. 20 da Lei nº 7.492/86 dispõe da seguinte forma:“Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes

de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.”

Como se pôde ver, os denunciados praticaram a conduta descrita no tipo penal, porquanto o contrato de financiamento para a guarda e a conservação dos estoques do produto oferecido em garantia dos títulos (cédulas de crédito industrial e cédulas rurais pignoratícias) foi firmado entre a empresa e a CONAB, Empresa Pública Federal, vinculada ao Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, sendo

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que esta última, na qualidade de depositante, representada neste ato pelo Banco do Brasil S/A. (fls. 39/62)

Assim, como bem disse o magistrado, à fl. 518, “os réus feriram o bem jurídico protegido ao aplicarem o numerário que o Banco do Brasil repassou dos recursos da União em finalidade diversa daquela estabelecida no contrato (estocagem do produto empenhado); como confessado por R. S. em sede policial (fl. 128 dos autos), para cobrir o déficit de ‘capital de giro’ da empresa”.

Por tratar-se de concurso formal com o delito do art. 171, § 2º, III, e § 3º, pois ambos os crimes foram praticados em unidade de desígnios e de ação, nos termos do art. 70 do Código Penal, a materialidade e a autoria foram demonstradas quando da análise do primeiro delito.

Assim, ainda que as referidas cédulas tenham sido contratadas em datas diversas, com datas de vencimento igualmente diversas (fls. 65/96), a fraude foi uma só, como ficou comprovado pela vistoria de fls. 36/37.

Dosimetria da penaQuanto à pena aplicada, não merece qualquer reforma a douta

sentença, já que bem sopesadas as circunstâncias judiciais, restou a pena dosada no seu mínimo legal, em virtude do concurso formal, não havendo motivo legal que autorize sua fixação abaixo deste patamar.

A pena de multa também restou bem-aplicada, não merecendo qualquer alteração.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.04.01.002973-1/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 75-367, 2002204

Apelante: R. D. M.Advogado: Dr. Valdir Gilnei Gassen

Apelado: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

EMENTA

Penal. Art. 344 do CP. Coação no curso do processo. Ameaça de demissão. Autoria e materialidade comprovadas. Manutenção das penas.

1. A conduta do réu consistiu em ameaçar os funcionários do hospital que administrava a firmarem declarações desistindo de uma ação trabalhista ajuizada contra o seu empregador, sob pena de serem demitidos.

2. Para que haja a consumação do crime de coação no curso do processo, a ameaça deve ser apta a intimidar os ofendidos, não sendo necessário que a vítima se sinta efetivamente ameaçada, ou que o mal pretendido seja alcançado pelo sujeito ativo, pois tais circunstâncias consistem no exaurimento da ação delituosa.

3. Diante da realidade do mercado de trabalho brasileiro, a possibilidade concreta de perda do emprego é ameaça grave o bastante para intimidar qualquer pessoa, em especial trabalhadores sem qualquer qualificação profissional, ou que há muitos anos trabalham para o mesmo empregador.

4. Comprovadas a materialidade e a autoria, deve ser mantida a condenação do apelante pela prática do crime previsto no art. 344 do Código Penal.

5. A pena privativa de liberdade, bem como sua substituição por restritivas de direitos, determinada pela sentença recorrida, devem ser mantidas, na medida em que a sua aplicação se deu de maneira fundamentada, considerando as peculiaridades do caso concreto.

6. Mantida a pena de multa fixada em primeiro grau.7. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente

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julgado.Porto Alegre, 28 de maio de 2002.Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (fls. 03/05) contra I. J. J., S. G. e R. D. M., como incursos nas sanções do art. 344 do Código Penal, por terem, em tese, entre os dias 16 e 18 de fevereiro de 1998, coagido os funcionários da Sociedade Hospital de Caridade de Santa Rosa, com jornada de trabalho inferior a 8 (oito) horas diárias, a firmar declaração escrita de desistência da Ação Cautelar ajuizada pelo SINDISAÚDE – Sindicato dos Empregados nos Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Santa Rosa, perante a Justiça do Trabalho naquele município, a fim de buscar o restabelecimento da jornada de trabalho de 6 (seis) horas diárias, a qual havia sido alterada unilateralmente pelo empregador. A conduta imputada aos réus teria sido realizada através de ameaça de perda de emprego em caso de permanência da referida ação judicial. Relata a inicial acusatória que, apesar dos empregados terem assinado as declarações de desistência, a ação prosseguiu e culminou com sentença favorável à parte autora, em conseqüência do que os funcionários com jornada inferior a 8 (oito) horas diárias foram demitidos.

A denúncia foi recebida em 10.08.98. (fl. 172)Em 18.06.99, foi aceita, pelos réus I. J. J. e S. G., a proposta de

suspensão condicional do processo feita pelo parquet federal, com base no art. 89 da Lei nº 9.099/95. (fl. 202)

As condições estabelecidas no acordo de suspensão processual foram cumpridas. (fls. 208, 215/216)

O ora apelante, devidamente intimado (fl. 199), não compareceu à audiência de suspensão do processo, tendo perdido o direito ao benefício.

Regularmente instruído o feito, em 19.09.2001 (fl. 399-verso), foi publicada a sentença de fls. 392/399, que declarou a extinção da punibilidade dos réus I. J. J e S. G., e condenou o denunciado R. D. M., pela prática do delito tipificado no art. 344 do Código Penal, às penas de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo

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vigente ao tempo do fato, atualizado a partir de então. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e outra de prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos.

A defesa de R. D. M. interpôs recurso de apelação (fls. 404/415), sustentando, em suma, que: (a) a autoria do delito não pode ser atribuída ao réu, restando provado que este não estava no local dos fatos; (b) não ocorreu o ilícito, na medida em que as vítimas não figuravam na relação processual existente; (c) que, caso o feito trabalhista tivesse sofrido solução de continuidade, o benefício reverteria em favor dos funcionários, que teriam seus empregos preservados; (d) não restou caracterizada a tipicidade por ausência do elemento subjetivo do tipo; (e) houve excesso na fixação da pena.

O apelado apresentou contra-razões às fls. 423/426.Nesta instância, o Ministério Público Federal ofereceu parecer pelo

improvimento do recurso. (fls. 431/441)É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: Narra a denúncia que o ora apelante, na condição de Diretor de Recursos Humanos da Sociedade Hospital de Caridade de Santa Rosa, pressionou empregados do hospital a desistirem de ação intentada na Justiça do Trabalho, a qual visava a manter a jornada de trabalho inicialmente contratada de seis horas. A pressão teria consistido na ameaça de perda do emprego em caso de permanência da ação. Relata a inicial que, apesar de os funcionários terem assinado declaração desistindo da ação, a mesma teve prosseguimento com sentença favorável à parte autora, ocasião em que foram demitidos os funcionários com jornada inferior a oito horas diárias.

Regularmente instruído o feito, sobreveio a sentença que condenou o réu pela prática do delito previsto no art. 344 do Código Penal (coação no curso do processo), tendo o MM. Juiz a quo reconhecido a autoria do recorrente na ameaça perpetrada contra os empregados substituídos pelo Sindicato no processo judicial instaurado para apreciar a questão relativa à jornada de trabalho no hospital de cuja diretoria o denunciado fazia parte.

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Sustenta o apelante, em suas razões, não haver certeza quanto à autoria do fato que lhe foi imputado. Todavia, entendo que não assiste melhor sorte ao recorrente neste ponto.

Vale referir que, em se tratando da figura típica do art. 344 do Código Penal, o sujeito ativo do delito “é quem pratica a violência, física ou moral, esteja ele direta ou indiretamente interessado no litígio.”. (Comentários ao Código Penal, Paulo José da Costa Jr., ed. Saraiva, 6ª edição, 2000, p. 1082)

Assim, importa saber se o réu, na condição de Diretor de Recursos Humanos da Sociedade Hospital de Caridade de Santa Rosa, efetivamente, praticou os atos que lhe foram imputados pela inicial acusatória.

Com efeito, a prova testemunhal destes autos é farta no sentido de evidenciar a participação do ora apelante no delito em tela. Senão vejamos:

“ERICA HENKE, idade de 49 anos. Trabalhou uns 23 anos no hospital de caridade, na lavanderia. Foi demitida por causa dos horários. Trabalhava seis horas e queriam que trabalhasse oito. A depoente foi chamada pelo denunciado R. D. M. aqui presente para que fizesse esta carta. Acha que isso aconteceu em fevereiro. A depoente não sabia exatamente como escrever sendo auxiliada pelo porteiro, Cláudio, tendo feito a carta ajudada pelos colegas. Foi dito para a depoente que se fizesse a referida carta não seria demitida. Foi demitida em maio do mesmo ano em que fez a carta. O R. quando chamou a depoente para fazer a carta disse que retirassem a causa da Justiça do Trabalho senão iriam todos para a rua. (...)” (fl. 269). (grifei)

“ELAINE MARIA KROTH, idade de 27 anos. Era auxiliar administrativo do hospital de caridade na época. Trabalhou lá três anos e três meses. ‘Na época tava uma politicagem entre a Direção e o Sindicato por causa da carga horária. Nós fazíamos seis horas e a administração queria colocar oito.’ O Sindicato entrou com processo na Justiça do Trabalho para manter as seis horas. A depoente foi chamada pela Direção para fazer uma carta, a superior de nome Kátia disse que se a declarante não fizesse a carta teria sérias conseqüências. ‘Até meu nome estaria na agenda do senhor R. que na época administrava’. A carta que a depoente fez é uma declaração dizendo não ter interesse em litigar contra a Sociedade Hospital de Caridade de Santa Rosa. Informa inclusive que a autenticação do cartório foi paga pelo hospital. A depoente foi demitida em 19 de maio de 1998, quando foi julgado o processo na Justiça do trabalho e a sentença foi favorável aos funcionários, ficando asseguradas as seis horas de trabalho.” (fl. 267). (grifei)

“Declara que trabalhava no Hospital de Caridade como porteiro. (...) Foi procurado pela Sra. Cátia, Chefe da Internação e Portaria, no dia 18 de fevereiro de 1998, a qual pediu ao declarante se o mesmo concordava com a jornada de 8 horas semanais, com o

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que concordou, ocasião em que firmou a declaração da fl. 42. Também lhe foi solicitado para que ‘passasse uma lista’ entre os demais funcionários que concordassem com a jornada. (...) Quando abordava seus colegas, tinha consigo o modelo de declaração, semelhante a acostada à fl. 44, que lhe foi entregue pelo Sr. Aluisio, Chefe do Depto. de Recursos Humanos. Refere que, após esclarecer que o Hospital estava implantando a jornada de 8 horas, pedia a seu colega para ler o modelo de declaração, sendo que aqueles que sabiam escrever a redigiam de próprio punho, com exceção das acima referidas, que foi o declarante que preencheu, pois não sabiam escrever. Em nenhum momento referiu para seus colegas que se não aderissem seriam demitidos. No entanto algumas pessoas ‘desconfiavam’ de que poderiam ser demitidas se assim não procedessem. (...) Quando demitido, lhe foi informado pelo Sr. Aloisio que tal ocorria porque o Sindicato não havia ‘retirado’ a Ação na Justiça do Trabalho e, como o contrato do declarante previa 6 horas/semanais, o Hospital não voltaria atrás na sua decisão de diminuir a jornada de trabalho. (...) Concluiu o declarante que a sua demissão e dos demais colegas decorreu de represália do Hospital contra a Ação do Sindicato, bem como de que seriam contratados novos servidores, com jornada de trabalho pactuadas em 8 horas/semanais. Tem conhecimento de que a Diretoria, nas pessoas do Sr. I. J. J., Sr. S. G. e Dr. R. D. M., tinham pleno conhecimento do que o Sr. Aloisio e a Sra. Cátia estavam realizando. (...) Por derradeiro, informa que se dispôs a auxiliar o Hospital, a fim de preservar o seu emprego, temendo que pudesse ser demitido caso assim não procedesse, sentindo-se traído diante da demissão. (...)”. (Cláudio Neitzke, fls. 118/120). (grifei)

Nota-se que não só a autoria é comprovada pela prova testemunhal, não restando dúvidas acerca da participação do recorrente nos fatos narrados na denúncia, como também a materialidade encontra-se amplamente demonstrada nos autos.

Como bem frisou o ilustre Procurador Regional da República, em seu parecer de fls. 431/441, a prova material da coação pode ser evidenciada através de documentos acostados aos autos, dentre os quais destaco o Ofício-circular nº 030/98 (fls. 12/13), em que o presidente do SINDISAÚDE comunica à Sra. Procuradora Federal o constrangimento sofrido pelos trabalhadores do Hospital Santa Rosa, pela Direção do referido nosocômio, e a cópia da Ata de Assembléia Geral Extraordinária, realizada pelo SINDISAÚDE de Santa Rosa, onde comprova-se a coação do Hospital aos funcionários:“... o Sr. Aloisio, fez reunião com todos os funcionários atingidos pela nova jornada de trabalho, onde ele deixou bem claro que a decisão tomada pelo Hospital vai ser mantida e quem participar da assembléia no Sindicato, será demitido. Foi relatado ainda que em reunião do Sr. Aloisio com os funcionários o mesmo está ciente que a majoração na jornada é ilegal, mas vai ser mantido, ...”. (fls. 19/20)

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Além disso, as declarações assinadas pelo funcionários do hospital foram feitas apressadamente, poucos dias antes da audiência com o Juiz da Vara do Trabalho, nos dias 16 a 18 de fevereiro de 1998. Tais circunstâncias revelam que não se trata de manifestações espontâneas, tendo sido obtidas mediante a ação da administração do hospital.

A confirmar esse fato, a certidão de fl. 37 dos autos, na qual uma funcionária do Hospital de Caridade de Santa Rosa dirigiu-se à Justiça do Trabalho para buscar esclarecimentos a respeito da declaração que foi forçada a firmar, sob pena de demissão, no Departamento Pessoal do Hospital. Essa funcionária pediu para não ser identificada por temer represálias por parte do empregador.

Efetivamente, tais documentos, juntamente com os depoimentos das testemunhas, formam um conjunto inabalável que comprova a materialidade do delito em tela.

Também não assiste razão ao recorrente quando alega não ter-se caracterizado a materialidade do fato porque os funcionários do hospital não eram parte na ação trabalhista.

Ocorre que o bem jurídico protegido no crime em questão é, em primeiro plano, a regularidade na administração da justiça, também sendo tutelada a incolumidade física e a liberdade psíquica das pessoas que intervêm no processo.

Portanto, a conduta típica é constituída pelo emprego de violência ou grave ameaça contra a autoridade, parte ou qualquer outra pessoa que participe, de algum modo, na relação processual.

Assim sendo, não há a necessidade de que as pessoas contra as quais é dirigida a violência, física ou moral, figurem como parte no processo. Também haverá o crime do art. 344 do Código Penal, se a coação for dirigida a escrivão, perito, jurado, ou testemunha, como no presente caso.

Ademais, vale citar que os empregados coagidos a firmarem as declarações de desistência da ação, embora não fossem parte na relação processual, a eles pertencia o direito discutido naquela ação, ou seja, eram parte de direito material.

Também há que se considerar que pouco importa, para a configuração do tipo penal em tela, que o mal prometido não seja injusto.

Logo, não assume relevo o fato de a demissão (mal prometido) dos funcionários que trabalhavam 6 (seis) horas diárias ter sido considerada

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justa pela Justiça do Trabalho.Da mesma forma, não tem importância o fato de que a referida

demissão tenha sido autorizada pelo Sindicato, como afirma o apelante em suas razões.

Isso porque não se está, aqui, julgando o direito de despedida do empregador. Se está, isso sim, julgando o constrangimento ilegal ao qual alguns funcionários da Sociedade Hospital de Caridade de Santa Rosa foram submetidos, no curso de um processo judicial.

Para que se caracterize o delito de coação no curso do processo, o que assume relevância é que a ameaça proferida seja suficiente para intimidar aquele que intervirá no feito.

Não é necessário, para que haja a consumação do crime em questão, que a vítima se sinta efetivamente ameaçada, ou que o mal pretendido seja alcançado pelo sujeito ativo, pois tais circunstâncias consistem no exaurimento da ação delituosa.

Entretanto, constata-se que, no caso dos autos, a ameaça foi apta a intimidar os empregados, tanto que estes assinaram as declarações desejadas pelo réu. (fls. 43/92)

Sobre o ilícito em análise, colho da doutrina os seguintes esclarecimentos:

“Já se pronunciaram a respeito nossas Cortes de Justiça: ‘A grave ameaça a que alude o art. 344 do Código Penal é a capaz de intimidar seriamente o homo medius, pouco importando que o mal prometido não seja injusto, pois a ameaça como meio de crime não coincide com o crime de ameaça’.

De feito, é irrelevante que o mal constante da ameaça seja justo. Observa Magalhães Noronha: ainda que justo, ‘ele se torna injusto pelo objetivo do agente’.

Vale esclarecer que a valoração da gravidade da ameaça deverá fazer-se com vistas à pessoa do ameaçado: aquilo que constitui ameaça séria e grave para alguém, poderá não sê-lo para um outro.

Haverá ainda a violência de ser exercida sobre a autoridade que funciona, ou é chamada a intervir em processo judicial, policial, administrativo, em juízo arbitral ou

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em comissão parlamentar de inquérito. (...)A autoridade é o juiz de direito, ou o delegado de polícia. As partes são o promotor

público, o autor e o réu, ou qualquer pessoa que venha a funcionar no processo, ou chamada a intervir, como testemunha, perito, escrivão, oficial de justiça, jurado, intérprete.

(...)Consuma-se o crime com o emprego da violência, ou da grave ameaça,

independentemente do êxito que venha a obter o agente. Se for obtido aquilo que se pretende, o crime será considerado exaurido.”. (Comentários ao Código Penal, Paulo José da Costa Jr., ed. Saraiva, 6ª edição, 2000, p. 1082)

No tocante à gravidade da coação, enquanto elemento caracterizador do tipo penal sob exame, cumpre ressaltar que, diante da realidade do mercado de trabalho brasileiro, a possibilidade de perda do emprego é ameaça grave o bastante para intimidar qualquer pessoa, em especial trabalhadores sem qualquer qualificação profissional.

Frise-se que muitos dos demitidos pela Sociedade Hospital de Caridade de Santa Rosa eram analfabetos, como denota-se pelo depoimento de Cláudio Neitzke. (fls. 118/120)

Outros funcionários demitidos, como a testemunha Erica Henke (fl. 269), trabalharam por mais de 20 anos no hospital de Santa Rosa.

Certamente, não se pode dizer que a ameaça concreta de desemprego não seja capaz de atemorizar pessoas nessas condições, o que demonstra, a meu ver, a extrema gravidade da ameaça que foi proferida contra os ofendidos.

Nessas circunstâncias, muito embora se reconheça que, no sistema vigente, a ameaça de demissão consiste numa realidade cotidiana dos trabalhadores, afigura-se totalmente infundada a afirmação do douto agente ministerial de primeiro grau que, em suas contra-razões, sustentou que não configura ilícito penal o ato do empregador que dá ultimato a seus empregados, no sentido de que, ou desistem de uma reclamatória trabalhista, ou serão demitidos. (fls. 425/426)

No que diz respeito à presença do elemento subjetivo do tipo na conduta do agente, este também restou caracterizado pelo fato de as ameaças terem sido praticadas com o fim de favorecer o interesse do apelante, o qual pretendia o arquivamento do feito trabalhista no qual o hospital, por ele administrado, era demandado.

Aliás, observa-se que as declarações assinadas pelos empregados

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do hospital foram feitas com base em um modelo fornecido pela administração do referido nosocômio, o que também evidencia o dolo dos seus administradores.

Chama a atenção as afirmações do próprio recorrente, que, em suas razões, aduz que: “caso o feito trabalhista tivesse sofrido solução de continuidade as ‘vítimas’, na pior das hipóteses, permaneceriam nos seus empregos e seriam as únicas a obterem alguma vantagem da situação, ao contrário do que ocorreria com o Hospital, que em seu desfavor estaria criando um considerável passivo trabalhista, decorrente do inadimplemento de horas extras resultantes do aumento da jornada. Aliás, o pagamento de ditas horas extras poderia ser facilmente buscadas na Justiça Especializada.”. (fls. 410/411)

Veja-se que o apelante quer fazer crer que foi autor de uma proposta na qual os funcionários seriam beneficiados, e o hospital que administrava seria prejudicado.

Todavia, trata-se de uma versão totalmente inverossímil.Caso a administração do hospital desejasse continuar com os

empregados que acabou por demitir sem justa causa, ainda que isto lhe impusesse o ônus de arcar com o pagamento atrasado de horas extras, bastaria ter convocado seus funcionários e esclarecido a situação.

A não ser que o verdadeiro intuito da administração fosse aguardar o ingresso de seus servidores em juízo, pleiteando as horas extras devidas, para novamente propor-lhes a desistência da ação, sob pena de demissão.

Nesse contexto, entendo estar amplamente configurado o elemento subjetivo do tipo penal, qual seja o benefício que adviria para a entidade administrada pelo réu, caso não fosse julgada, pela Justiça do Trabalho, a questão envolvendo a jornada de trabalho dos funcionários do hospital.

Dessarte, comprovadas a autoria e a materialidade, impõe-se a manutenção da sentença recorrida no sentido de condenar o réu R. D. M. pela prática do delito previsto no art. 344 do Código Penal.

Nenhum reparo merece a decisão apelada no que se refere à aplicação da pena privativa de liberdade, na medida em que a fixação do seu quantum, bem como sua substituição por restritivas de direitos, deram-se de maneira fundamentada, considerando as peculiaridades do caso concreto.

Pelos mesmos fundamentos, mantenho a pena de multa imposta pela sentença de primeiro grau.

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Em face do exposto, voto no sentido de conhecer da apelação para negar-lhe provimento.

Havendo unanimidade, oficie-se ao MM. Juízo de primeiro grau para que providencie, de imediato, o início do cumprimento das penas.

HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.021074-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Impetrante: Dannielle Marjorie da Silva Vieira dos SantosImpetrado: Procurador da República em Londrina/PR

Paciente: F. M. T.

EMENTA

Direito Penal e Constitucional. Desobediência. Requisição do Ministério Público. Sigilo dos dados e comunicações telefônicas. Art. 5º, inc. XII, CF/88. Dolo. Inexistência. Atipicidade da conduta.

1. Em que pesem as prerrogativas institucionais do Ministério Público que, no exercício de suas atribuições investigatórias, tem o direito de requisitar documentos bem como informações a entidades públicas e privadas (art. 8º da LC 75/93), não se deve olvidar que os dados e comunicações telefônicas estão acobertados por sigilo constitucional, o qual, segundo entendimento pretoriano, só pode ser quebrado mediante ordem judicial específica. 2. Havendo controvérsia jurisprudencial acerca do tema, não configura crime de desobediência o fato do administrador de empresa concessionária de telefonia negar-se ao atendimento da requisição ministerial, justificando sua recusa em face do disposto no art. 5º, inciso XII, da CF, bem como ante as possíveis implicações advindas da quebra do sigilo telefônico dos clientes, sem a respectiva autorização. 3. Restando evidenciada a ausência de dolo, tornando atípica a conduta,

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cabível o trancamento do inquérito policial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de agosto de 2002.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Danielle Marjorie da Silva Vieira dos Santos, em favor de F. M. T., contra ato do eminente Procurador da República em Londrina, solicitando ao ilustre Delegado de Polícia Federal a instauração de inquérito destinado a investigar a possível prática pelo paciente do crime previsto no art. 330 do Código Penal (desobediência).

Consoante se depreende dos autos, objetivando apurar indícios da prática de delitos contra a ordem econômica e tributária, relações de consumo e crimes contra a Administração Pública, o agente ministerial requisitou a F. M. T., Diretor Administrativo da Intelig Telecomunicações Ltda., o fornecimento de “cópia integral de todas as faturas telefônicas, discriminando as ligações recebidas e efetuadas, mesmo locais, de todos os terminais, ativos ou desligados, de telefonia fixa ou móvel, em nome, no endereço ou em uso pelas pessoas físicas e jurídicas elencadas no anexo I, em apenso, a partir de janeiro de 2001”. (fl. 12)

O Representante legal da empresa concessionária de serviços de telefonia não atendeu à requisição (fl. 13), ao argumento de que “informações dessa natureza somente podem ser prestadas mediante requisição expressa de autoridade judicial, através de despacho ou ofício, por se tratar de quebra de sigilo telefônico dos clientes”, garantido constitucionalmente, salientando que “uma vez autorizada pelo Juízo competente, será realizada nos cadastros de clientes da Intelig a quebra de sigilo telefônico solicitada”.

Diante dessa resposta, o ilustre Procurador da República pediu a

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instauração de inquérito para apurar a responsabilidade criminal decorrente do fato. (fl. 14)

A autoridade policial lavrou Portaria (fl. 11), instaurando o apuratório, e expediu Carta Precatória no intuito de se proceder à oitiva do investigado, sendo este intimado para comparecer na Sede do Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro, em 27 de maio de 2002, às 14:30 horas, “a fim de prestar esclarecimentos no interesse da Justiça”. (fl. 15)

Daí a interposição deste writ. Nas suas razões, assevera a Impetrante, em resumo, que não se encontram presentes na hipótese dos autos os elementos típicos necessários à configuração do crime “desobediência”. Isso porque, segundo alega, o Ministério Público não é competente para requisitar os dados relativos às ligações telefônicas, uma vez que estes registros se encontram abarcados pelo sigilo previsto na Magna Carta, só podendo ser quebrado por determinação judicial. Como, no caso sub judice, a requisição ministerial veio desacompanhada de ordem do Juízo, inexiste obrigação do seu atendimento pela empresa e, por conseguinte, “não há que se falar em desobediência a tal ordem, considerada ilegítima”. Entende, portanto, que a conduta é atípica, devendo ser trancado o inquérito policial, postulando a concessão liminar da ordem.

A tutela de urgência restou deferida para suspender a obrigação do paciente comparecer à sede da Polícia Federal no dia marcado. (fls. 20/23)

A ínclita autoridade impetrada prestou informações defendendo a legalidade do ato impugnado e juntando documentos. (fls. 25/70)

Oficiando no feito, o douto agente ministerial opinou pela concessão da ordem. (fls. 72/76)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: - A pretensão deduzida pelo Parquet encontra amparo no art. 8º, incisos II e IV, da Lei Complementar nº 75/93, dispondo ter o órgão ministerial poder de “requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta” e “requisitar documentos e informações a entidades privadas”, bem como no § 2º do mesmo dispositivo legal, consignando expressamente que “nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de

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sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido”, sendo que “a falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa”. (§ 3º)

Com efeito, os agentes do Parquet, para exercício do seu mister, possuem a prerrogativa constitucional de “requisitar diligências investigatórias” (art. 129, VIII, CF), buscando meios probantes necessários a seu nobre trabalho. Assim, sob pena de emperrar o regular desenvolvimento da atuação ministerial e ocasionar cerceamento às suas funções institucionais, às autoridades públicas e entes privados incumbe providenciar os documentos requeridos.

Contudo, não se pode olvidar o disposto no inciso XII do art. 5º da Constituição, assegurando a inviolabilidade “do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

Portanto, segundo a exordial, as provas pretendidas, consoante o apontado dispositivo da Magna Carta, dependeriam da competente ordem judicial. Inexistindo esta, não haveria que se falar em crime de desobediência.

A irresignação soa pertinente, pois, conforme a jurisprudência do STF (MS nº 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, julg. 16.09.99; ADIMC 1488-9, Rel. Min. Néri da Silveira, julg. 07.11.96), o sigilo telefônico incide também sobre os respectivos dados e registros, a par da inviolabilidade das comunicações telefônicas propriamente ditas (regulamentada pela Lei nº 9.296/96), constituindo projeção específica do direito à intimidade ou privacidade garantido na Lei Maior.

Destarte, afiguram-se razoáveis os argumentos desenvolvidos na impetração. Embora a guerreada requisição configure, em princípio, “ordem legal” a ser obedecida, tendo em conta o poder investigatório do Ministério Público, há entendimento pretoriano no sentido de que, nessa hipótese, deve prevalecer o sigilo constitucionalmente assegurado, in casu, relativo aos dados telefônicos.

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Confiram-se, a propósito, os seguintes Acórdãos do STJ:“MANUTENÇÃO DO DESPACHO QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO

DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL CORRETAMENTE COARTADO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. PODER ABSOLUTO DE REQUISITAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE NÃO SE RECONHECE. AS FIGURAS DISPOSTAS NOS ARTS. 330 E 331 DO CP PRESSUPÕEM A LEGALIDADE DO ATO. 1. Inexistindo argumentos que modifiquem a decisão agravada, mantém-se a mesma por seus próprios fundamentos. 2. O poder de requisição do MP não é absoluto, cedendo diante de situações que preservam o sigilo. 3. A desobediência e o desacato exigem a legalidade do ato praticado pela vítima.”. (Agr. Regimental no Agravo de Instrumento nº 40.272-MG, 6ª Turma, Relator Ministro Anselmo Santiago, publicado no DJU em 16.06.97, p. 27409)

“PENAL. PROCESSUAL. AÇÃO PENAL. INFORMAÇÕES BANCÁRIAS. REQUISIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEGATIVA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. Não consubstancia crime de desobediência a negativa de atendimento a requisição do Ministério Público de informações sobre assunto protegido pelo sigilo bancário. Recurso Especial não conhecido.”. (REsp nº 79.026-DF, 6ª Turma, Relator Ministro Vicente Leal, publicado no DJU em 03.05.99, p. 0182)

Assim, vislumbra-se plausibilidade na tese argüida pela Impetrante, eis que haveria fundado motivo (sigilo constitucional) justificando a recusa do paciente.

Cumpre salientar que não se está, com isso, considerando ilegal a ordem do Ministério Público, mas sim afirmando que, ante o conflito de direitos caracterizado na hipótese, ensejando ampla controvérsia jurisprudencial, não há como imputar a F. a referida conduta criminosa, eis que evidente a inexistência de dolo.

Insta consignar que, no caso em tela, o paciente enviou correspondência ao ilustre agente ministerial, declinando as razões por que deixava de atender o requerimento, nas seguintes letras (fl. 13):

“(...) Foi solicitado por meio do ofício em epígrafe o envio da cópia integral de todas as faturas telefônicas, discriminando as ligações recebidas e efetuadas, mesmo locais, de todos os terminais, ativos ou desligados, de telefonia móvel ou fixa, em nome, no endereço ou em uso pelas pessoas físicas e jurídicas elencadas no anexo I do ofício. Ocorre que, conforme a Constituição Brasileira (artigo 5º, XII), informações dessa natureza somente podem ser prestadas mediante requisição expressa de autoridade judicial, através de despacho ou ofício, por se tratar de quebra de sigilo telefônico dos clientes. É notório o poder que o Ministério Público tem nas investigações criminais. Entretanto, em caso muito semelhante, esta empresa foi intimada por juiz a prestar esclarecimento pelo fato de ter fornecido dados de clientes ao Parquet, sem a devida autorização judicial. Nesse sentido,

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para resguardar tanto a empresa quanto o cliente, mister se faz a apresentação de autorização judicial. Ressaltamos que, uma vez autorizada pelo juízo competente, será realizada nos cadastros de clientes da Intelig a quebra de sigilo telefônico solicitada. Agradecendo a atenção de V. Exa., renovamos nossos votos de elevada estima e consideração. Permanecemos à inteira disposição para mais esclarecimentos que se façam necessários.”

Como se vê, na espécie sub judice, a negativa de atendimento à requisição do Parquet mostrou-se escorada em razoável interpretação do texto constitucional, a qual vem sendo prestigiada pelos Tribunais, o que basta para desconfigurar a suposta prática de desobediência, por ausência de animus específico.

Nessa perspectiva, como bem referiu o douto Representante da Procuradoria Regional da República, “no caso concreto, não existiu dolo de desobedecer na conduta do paciente, já que agiu com cautela, no sentido de evitar uma possível responsabilização pelo fornecimento de dados telefônicos, sem autorização judicial para tanto.”

Com efeito, ainda segundo o bem-lançado parecer ministerial de fls. 72/76, “o paciente estava séria e fundamentadamente preocupado com as conseqüências do atendimento do pedido, que, além de controverso juridicamente, já havia lhe acarretado problemas em sentido contrário”.

Portanto, restando evidenciada a atipicidade da conduta, não se vislumbra razão lógica para dar prosseguimento às investigações.

Frente ao exposto, concedo a ordem para determinar o trancamento do inquérito policial com relação a F. M. T., nos termos explicitados.

HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.028979-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Impetrante: Luciano Fernandes Motta

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Impetrado: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu/PRPacientes: M. M. S. T. H. e M. A. H.

EMENTA

Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Crime contra o sistema financeiro nacional. Evasão de divisas (Lei nº 7.492/86, art. 22). Envio de mercadorias ao exterior sem efetuação de câmbio. Atipicidade da conduta.

1. O ilícito insculpido no art. 22 da Lei nº 7.492/86 é crime comum, de forma que a sanção a ele cominada se aplica a qualquer pessoa que realize operação de câmbio não autorizada. 2. Inexistindo comprovação da saída de moeda ou divisas para o exterior – pelo exame do feito, verifica-se a remessa ao estrangeiro apenas de mercadorias – bem como de ter sido efetuada operação de câmbio, não está plenamente configurado o suporte fático do referido comando legal, de forma que não se admite sua incidência, restando atípica a conduta. Precedentes desta Corte. 3. Assim, deve ser concedida a ordem para trancar a ação penal instaurada em desfavor dos Pacientes, o que não obsta o Parquet Federal de tornar a exercer o ius accusationis no caso de coligir novos elementos probatórios.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a ordem para trancar a ação penal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de agosto de 2002.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: – Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Luciano Fernandes Motta em favor de M. M. S. T. H. e M. A. H., objetivando o trancamento da ação penal nº 99.101.2671-0, que tramita no Juízo da 1a Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu/PR.

Segundo se depreende dos autos, o Ministério Público Federal aviou

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denúncia (fls. 32/34) contra os Pacientes, dando-os como incursos nas sanções do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Nos dizeres da notitia criminis, “a partir de apurações fiscalizatórias regularmente realizadas pelo BACEN, instaurou-se inquérito policial com a finalidade de apurar a responsabilidade criminal dos sócios da empresa MONALISA EXPORTADORA DE ARMARINHOS LTDA., em razão da não-comprovação do fechamento de contratos de câmbio incidente na exportação de mercadorias no período de 14.04.94 a 16.12.94. Constatou-se que a referida empresa efetuou 173 operações de exportação sem o devido fechamento de câmbio, ocasionando, assim, a saída do montante de US$ 195.973,50. Os sócios administradores da empresa à época dos fatos eram M. M. S. T. H. e M. A. H., conforme consta no Contrato Social da empresa”. (fl. 33)

Recebida a exordial em 18.04.2002 (fl. 35), determinou-se a expedição de carta precatória para citação e intimação de M. A., bem como foi designado o interrogatório de M. para o dia 15.08.2002. (fl. 51)

Contra esse decisum, foi interposto o presente mandamus. Em suas razões (fls. 02/31), aduz o Impetrante, em síntese, não haver justa causa para o prosseguimento da referida ação penal, porquanto nítida a atipicidade da conduta imputada na denúncia, eis que ausentes as elementares do ilícito contra o Sistema Financeiro Nacional. Nesse sentido, assevera “estar-se diante de verdadeira hipótese de crime impossível, eis que os objetos materiais do delito são moeda, divisa e depósitos; logo, a ação dos Pacientes (...) é fato atípico”. (fl. 19)

A liminar foi deferida em parte tão-só “para suspender a realização do interrogatório dos Pacientes na ação penal nº 99.101.2671-0/PR – que tramita no Juízo da 1a Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu – até o julgamento deste writ pelo Colegiado”. (fls. 53/55)

A ínclita autoridade coatora prestou informações. (fls. 64/66)Oficiando no feito (fls. 67/69), a douta Procuradoria Regional da

República opinou pela denegação da ordem.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: - A decisão que deferiu em parte a medida de urgência (fls. 53/55) praticamente esgotou o exame da questão sub judice, razão pela qual, para evitar desnecessária tautologia, tomo a liberdade de reproduzir seu conteúdo:

“Os Pacientes foram denunciados pela suposta prática do crime previsto no art. 22,

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parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, nas seguintes letras: ‘Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de

divisas do País: Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.’

Interessa-nos analisar, particularmente, se a conduta de M. M. S. T. H. e M. A. H. ajusta-se à descrição típica supracitada. Ab initio, insta consignar que o órgão ministerial atribuiu aos agentes a ‘não-comprovação do fechamento de contratos de câmbio incidente na exportação de mercadorias no período de 14.04.94 a 16.12.94’ (fl. 33). Assim, a conclusão óbvia que exsurge é a de não ter sido realizada nenhuma operação de câmbio, pois, sendo a troca de moedas com existência e valores atuais, descabe afirmar que os Pacientes realizaram tal negócio. De outra banda, resta aferir se a conduta dos réus se enquadra na primeira parte do parágrafo único do comando legal em discussão. Aqui, não subsistem maiores polêmicas: a lei menciona a saída de moeda ou de divisas para o exterior. Pelo exame do feito, nesta fase de cognição sumária, verifica-se a remessa ao estrangeiro apenas de mercadorias. Em tal transação, somente poderia se conceber o fato delituoso coibido pela norma na hipótese de terem sido os bens exportados subfaturados, havendo diferença entre o valor nominal a eles atribuído e a quantia verdadeiramente recebida. Não se percebe nos autos, entretanto, qualquer evidência nesse sentido. Não há falar, outrossim, em crime contra a ordem tributária, porquanto além de não descrito na inicial, as vendas em tela foram aparentemente anotadas em documentos fiscais e declaradas à Receita Federal, conforme se depreende da certidão de fls. 41/44.”

Todavia, o eminente julgador monocrático, ao prestar as informações cabíveis (fls. 64/66), pugnou pela continuidade do processo nas seguintes letras:

“A conduta imposta aos Réus, consoante se infere da denúncia, é haver remetido mercadorias ao exterior e os valores correspondentes, bem como não haver dado entrada desses valores regularmente, mediante o fechamento do contrato de câmbio. Dessa forma, ou os dólares recebidos pela transação comercial foram cambiados irregularmente no câmbio paralelo ou foram mantidos no exterior. O que se verifica é que, longe de se estar empregando a analogia na tipificação da conduta dos Réus, consubstanciam-se os seus atos em um modo de execução do tipo, não obstante distinto de outras práticas como, por exemplo, atravessar a ponte com valores ocultos sob as vestes.”. (fl. 65)

De fato, não se pode olvidar que, possivelmente, os valores recebidos pelas exportações efetuadas pelos réus foram cambiados de forma clandestina ou restaram mantidos em depósitos no exterior, não declarados à repartição federal competente. A primeira hipótese

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configuraria, em tese, o tipo inscrito no caput do artigo 22 da Lei nº 7.492/86, pois a realização da troca da moeda (recebida pela exportação) no “paralelo” ajusta-se, em princípio, à modalidade de “efetuar operação de câmbio não autorizada”, devendo haver a demonstração, ainda, da finalidade de “promover evasão de divisas do País”. No segundo caso, é imprescindível a presença de elementos indicativos de que o numerário ficou depositado no exterior, sem autorização legal, o que caracterizaria o tipo descrito na segunda parte do parágrafo único do aludido dispositivo (ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição competente).

Cumpre gizar, no entanto, não haver nos autos (nem na peça acusatória) indícios mínimos de qualquer um desses fatos, pois não se constata a realização de operação de câmbio, tampouco a existência de valores depositados em território estrangeiro à margem do órgão fiscalizador competente, de modo que inexistem razões, até o momento, para manter-se a persecutio criminis in iudicio contra M. e M. A. fundada no suposto cometimento do delito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, o que não obsta o Parquet Federal de tornar a exercer o ius accusationis no caso de coligir novos elementos probatórios. Porém, nos termos da exordial oferecida, o prosseguimento da guerreada ação penal representa constrangimento ilegal aos Pacientes.

Verifica-se, em verdade, a existência de lamentável falha legislativa ao não prever como conduta criminosa a exportação de mercadorias para o exterior sem a comprovação do efetivo contrato de câmbio e da introdução no país da moeda correspondente, a fim de se evitar os atos como os ora descritos na peça acusatória, pois, provavelmente, o valor recebido pela mercadoria ficou depositado em alguma conta no exterior, ou retornou de forma clandestina, conforme já salientado.

Em que pese o precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mencionado nas informações das fls. 64-6, onde decidiu-se, por maioria (vencida a relatora, entendendo ser o fato atípico), pela “equiparação da conduta de evasão de divisas à conduta de não-fechamento, no prazo legal, de contrato de câmbio, com a que deixaram de entrar divisas no país”, tenho que, em obediência ao princípio da reserva legal, não há como enquadrar (tampouco equiparar) a “não-comprovação do fechamento de contratos de câmbio” ao tipo de “efetuar operação de câmbio não autorizada”, pois uma conduta é omissiva enquanto a outra pressupõe

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ação efetiva por parte do agente, muito menos abranger “mercadoria” no conceito de moeda e ou divisa (parágrafo único do art. 22), sobretudo quando, no aspecto inerente à tipicidade, a interpretação deve ser a mais restritiva possível, excluindo-se, portanto, situações não expressamente previstas pelo legislador. Conforme leciona Francisco de Assis Toledo (in Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1994, p. 27-8): “na interpretação extensiva amplia-se o espectro de incidência da norma legal de modo a situar sob seu alcance fatos que, numa interpretação restritiva (procedimento oposto) ficariam fora. Não se trata, aqui, de analogia, visto que a ampliação referida está contida in potentia nas palavras, mais ou menos abrangentes, da própria lei. O tema é controvertido, pois quase sempre, nestes casos, tropeça-se com a dúvida, hipótese em que o princípio in dubio pro reo afasta a possibilidade de extensão”.

De igual forma, Rodolfo Tigre Maia (in Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Editora Malheiros, 1996, p. 133/134) esclarece que o delito em tela consuma-se somente “com a concretização da operação de câmbio, e a tentativa poderá ocorrer consoante as diversas modalidades de operações. Dentre os meios executivos usualmente utilizados para perpetrar o crime avultam, por sua freqüência, a fraude e a falsidade documental. Assim, v.g., a utilização de guias e declarações de importação de bens de capital falsas, quer pela inexistência da importação, quer pela presença de ‘empresas-fantasmas’, e ‘testas de ferro’ nos pólos das operações, para justificar a elaboração dos decorrentes contratos de câmbio.”

O não-fechamento dos contratos de câmbio mostra-se insuficiente à caracterização da prática descrita no parágrafo único do guerreado dispositivo, eis que tal norma – prossegue o mesmo autor:“prevê duas modalidades absolutamente autônomas. A primeira envolve a remessa ilegal de divisas para o exterior. O tipo objetivo, neste caso, incrimina a ação de promover, qual seja, realizar, efetuar ou pôr em execução, não importando a modalidade de operação utilizada (‘a qualquer título’) a saída de moeda (numerário nacional ou estrangeiro) ou divisa (ouro, cheques sacados contra praças no exterior, créditos, etc), desautorizada, para o exterior. (...) Já na segunda modalidade do art. 22, parágrafo único, há nítida predominância da proteção à ordem tributária, eis que os registros oficiais têm por objeto, neste caso, a cobrança de tributos eventualmente aplicáveis, sem prejuízo dos reflexos cambiais da conduta. Não é ilícita, por si só, a manutenção (abertura, existência, etc.) de depósitos no estrangeiro, desde que adequadamente declarada à Receita Federal”. (ob. cit., págs. 136 e 139)

Na hipótese em tela, como se depreende, nenhuma das condutas supracitadas foi levada a cabo, inexistindo, assim, motivos ensejando

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a continuidade da persecução penal, nos termos constantes da peça acusatória.

A propósito, vejam-se os seguintes precedentes deste Tribunal:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NORMA

PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA ANALOGIA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ART. 22, PAR. ÚNICO, LEI 7.492/86. 1. A norma penal, sobretudo a incriminadora, deve ser interpretada restritivamente, sendo vedado o uso da analogia. 2. O fato praticado pelos recorridos, consistente em operações de exportação de mercadorias sem a comprovação dos contratos de câmbio pertinentes, em que pese ser tão ou mais danoso à economia e à produção nacional, na medida em que saíram mercadorias do País, e não ingressaram, pelo menos ao que se presume, as respectivas divisas, é penalmente impunível, por não se enquadrar no tipo penal contido no parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86, que trata da evasão de divisas. 3. Deve ser mantida a decisão que rejeita a denúncia, quando a conduta descrita apresenta-se atípica. Precedentes desta Corte. 4. Recurso desprovido. Manutenção da decisão que rejeitou a denúncia.”. (Sétima Turma, Recurso em Sentido Estrito nº 2001.04.01.011338-5/PR, Rel. Des. José Germano da Silva, DJU de 12.09.2001)

“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EVASÃO DE DIVISAS (LEI Nº 7.492/86, ART. 22). APLICABILIDADE À PESSOA JURÍDICA DE ATIVIDADE COMERCIAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1. O ilícito insculpido no art. 22 da Lei nº 7.492/86 é crime comum, de forma que a sanção a ele cominada aplica-se a qualquer pessoa que realize operação de câmbio não autorizada. 2. Inexistindo comprovação da saída de moeda ou de divisas para o exterior, bem como de que foi efetuada operação de câmbio, não está plenamente configurado o suporte fático do referido comando legal, de forma que não se admite sua incidência.”. (Segunda Turma, Habeas Corpus nº 2000.04.01.061862-4/PR, Rel Des. Élcio Pinheiro de Castro, DJU de 23.08.2000, p. 516)

Em face do exposto, concedo a ordem para determinar o trancamento da ação penal nº 99.101.2671-0, instaurada contra os acusados M. M. S. T. H. e M. A. H., atualmente tramitando perante o Juízo da 1a Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu/PR.

HABEAS CORPUS Nº 2002.04.01.032427-3/PR

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Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas

Impetrante: Joel Eurides DominguesImpetrado: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal Criminal de Curitiba/

PRPaciente: H. K.

EMENTA

Constitucional. Processo Penal. Habeas corpus. Constituição Federal, art. 5º, inc. XII. Prova. Art. 156 do Código de Processo Penal.

1. O direito da Receita Federal obter informações sobre dados de empresas constantes em provedores da Internet é atividade elementar da fiscalização e se fundamenta no art. 197 do Código Tributário Nacional, inexistindo, no caso, ofensa ao art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal que limita a reserva judicial às hipóteses de interceptação telefônica.

2. A alegação de ser ilícita a prova obtida através de informações de dados fornecidos por provedores da Internet não pode ser aceita na via estreita do habeas corpus se não estiver comprovado por documento que as indagações da Receita Federal foram respondidas e influenciaram na apuração dos fatos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de setembro de 2002.Des. Federal Vladimir Freitas, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de H. K., denunciado por infração aos arts. 288 e 299 do Código Penal e art. 1º, incisos I, II, e IV, da Lei 8.137/90, perante o Juízo Federal Substituto da 1ª Vara Criminal de Curitiba, PR, processo nº 99.00.26376-6, sob o argumento de que a denúncia está fundada em provas ilícitas e, por tal motivo, deve ser trancada a ação penal.

Segundo a inicial da impetração, o inquérito policial que deu origem

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à ação penal teve início com base em investigações levadas a efeito por Auditores Fiscais da Receita Federal que, sem autorização judicial e de forma intimidativa, determinaram a provedores de Internet (GlobalOne e Universo On line) que lhes fornecessem informações sigilosas sobre o Paciente, em afronta à garantia constitucional do sigilo das comunicações. (fls. 02/13)

Distribuídos os autos à Turma Especial, em julho do corrente, o MM. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti indeferiu a medida liminar, ao fundamento de que não evidenciada a absoluta falta de justa causa para a ação penal (fl. 39). A Autoridade Impetrada prestou informações,

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.00.009231-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Apelante: José Ataides Siqueira Trindade Advogados: Drs. Cesar Dias Neto e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

EMENTA

Previdenciário. Direito de renúncia à aposentadoria deferida no RGPS. Cancelamento do benefício. Contagem recíproca. Certidão de tempo de serviço para fins de averbação no regime público. Depósito judicial dos proventos percebidos. Liberação.

1. A renúncia ao benefício previdenciário constitui direito subjetivo do segurado, exercitável de acordo com o seu exclusivo interesse. 2. Admitida a renúncia à aposentadoria, o INSS deve proceder ao respectivo cancelamento do benefício, desde a outorga, e fornecer ao renunciante a correspondente certidão de tempo de serviço, sendo certo que a sua expedição, por garantia constitucional (art. 5º, XXXIV, da CF), não pode ficar ao alvedrio da autoridade administrativa. 3. A restrição imposta no art. 96, III, da Lei nº 8.213/91 reside apenas em vedar o duplo cômputo de tempo de serviço já utilizado por um sistema, o que pressupõe, necessariamente, a concomitância de benefícios concedidos com base no mesmo período, não tendo dita limitação o alcance de obstar a renúncia à inativação. 4. Não obstante a iniciativa, da parte autora, de

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depositar judicialmente os valores percebidos a título de proventos, os quais postula sejam liberados em prol do INSS, cuidando-se de cálculos unilaterais, descabe ao Judiciário dar quitação plena relativamente ao referido quantum, devendo ser promovido o acerto de contas na via administrativa de forma a recompor o status quo ante.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2002.Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito à renúncia de aposentadoria concedida pelo RGPS, bem como à obtenção da respectiva certidão de tempo de serviço para fins de averbação de atividade privada perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. A Juíza singular fundamentou no sentido de ser possível a renúncia às prestações do benefício, mas não o cancelamento deste, com a conseqüente reutilização do tempo de serviço para inativação junto ao regime público. Segundo dispôs a magistrada, ainda que devolvidas as parcelas percebidas pelo autor, haveria prejuízo ao INSS, vez que, efetivando-se a contagem recíproca por meio da compensação entre os regimes (art. 94 da Lei 8.213/91), caberia à Autarquia a obrigação de indenizar o outro regime previdenciário, no caso, o do TJRS. À parte autora foi imputado o pagamento da verba honorária, fixada em 10% do valor atualizado da causa.

Irresignado com o decidido, preliminarmente, o autor reiterou o fato de haver depositado em juízo todos os valores recebidos a título da aposentadoria em questão, inocorrendo, desta forma, “qualquer efeito financeiro desfavorável ao Réu” (fl. 88). Quanto ao mérito propriamente dito, sustentou que sua pretensão não contempla o “reemprego” do tempo de serviço para fins de obtenção de “outra aposentadoria”, já que, em

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face da renúncia e do pedido de certificação, a futura aposentação como magistrado seria o único benefício ao qual faria jus.

Com contra-razões, subiram os autos a este Tribunal. É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: A controvérsia de fundo, a ser dirimida na espécie, prende-se ao acerto, ou não, da decisão proferida na instância de origem, que não reconheceu, à parte autora, o direito de renunciar ao benefício de aposentadoria percebido junto ao RGPS (INSS), e, via de conseqüência, indeferiu o pedido para o respectivo cancelamento e expedição da correspondente certidão de tempo de serviço, para fins de averbação perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, bem como a liberação das importâncias depositadas em favor do Instituto-réu.

A) Do direito de renúncia à aposentadoria com o conseqüente cancelamento e expedição de certidão de tempo de serviço

Segundo os fundamentos expendidos pela julgadora monocrática, a pretensão do autor, no sentido de obter o cancelamento do benefício por meio da devolução das parcelas já percebidas, com vistas à utilização do tempo de serviço em outro regime previdenciário, não pode ser considerada propriamente como uma renúncia porque “renúncia implica no fim da relação jurídica com a Previdência e, conseqüentemente, na impossibilidade de expedição da certidão, não podendo ser procedida qualificadamente, isto é, apenas na parte que interessa ao segurado”. (fl. 78)

Mais adiante, assevera a ilustre magistrada que “(...) é absolutamente inviável o reemprego do tempo de serviço já utilizado para a inativação a fim de obter nova aposentação em outro regime” em face da “perfectibilização do ato jurídico”. (fl.79)

A seu turno, ao se insurgir à pretensão posta na inicial, sustenta o INSS, na peça contestatória, que (fls. 60, in fine, e 63, § 4º):

“(...) Se a parte realmente pretendesse renunciar ao direito, desapareceria a relação jurídica previdenciária não sendo mais possível a expedição da certidão. Não é o caso, com base nessa relação ela exige, isso sim, a troca da aposentadoria que já recebe, por certidão de tempo de serviço a fim de utilizar esse tempo prestado para aposentar-se,

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não admitindo a extinção do vínculo, mas exigindo comprovação dessa relação para produzir efeitos perante terceiros.

(...) De igual sorte, a renúncia não pode ser validamente feita sem a manifestação de vontade do obrigado, no caso, inviável por falta de permissão legal e por ferir o ato jurídico perfeito.

No caso da administração pública, o deferimento de direito e revogação de situação judicialmente constituída depende da vontade da lei (...).

Assim, tendo-se utilizado de tempo de serviço para aposentadoria, conforme lei do tempo, por expressa vedação legal, não poderá o segurado contar o tempo já utilizado para fins de obtenção de outra aposentadoria como pretende a parte impetrante, por expressa vedação do artigo 96, III, da Lei 8.213/91”. (fls. 60 e 63)

Sobre o tema em comento, dispõe a Lei 8.213/91: “Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos pelo Regime Geral da Previdência

Social, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diferentes sistemas se compensarão financeiramente.

...Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado

de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada,

quando concomitantes;III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão

de aposentadoria pelo outro; IV- o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à

Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com os acréscimos legais;

V- o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado sem que seja necessário o pagamento das contribuições a ele correspondentes, desde que cumprido o período de carência”.

Nos dizeres de Wladimir Novaes Martinez (in Comentários à Lei Básica da Previdência Social, Tomo II, 4ª edição, LTr, pág. 433), a regra do inciso III:

“Consagra a idéia de consumição de tempo de serviço. O período de trabalho, de filiação ou de contribuição, utilizados em um regime de Previdência Social, não pode ser aproveitado em outro”.

Depreende-se do contexto normativo e doutrinário, antes referido, a possibilidade de contagem do tempo de serviço prestado ao regime público ou privado para fins de aposentadoria, em quaisquer das respectivas esferas, mediante a devida compensação, sendo certo que o espírito da

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restrição, imposta no inciso III do art. 96 supra, reside apenas em vedar o duplo cômputo de tempo de serviço já utilizado por um sistema, o que pressupõe, necessariamente, a concomitância de benefícios concedidos com base no mesmo período, não tendo dita limitação o alcance argüido pelo INSS, qual seja o de obstar a renúncia à inativação nos moldes aqui postulados pela parte autora.

No caso concreto, não se enquadrando a pretensão do autor na hipótese de cumulação de benefícios, essa sim vedada por lei, descabe falar em “reutilização” ou “reemprego do tempo de serviço já utilizado para a inativação a fim de obter outra aposentadoria”.

Em síntese, havendo renúncia à aposentadoria deferida no âmbito do RGPS (INSS), nenhum obstáculo de ordem legal pode ser oposto para impedir a contagem do tempo de serviço, outrora considerado, objetivando a obtenção de benefício em outro sistema, por conta de nova vinculação previdenciária. Conclusão em sentido inverso, além de desprovida de amparo legal, seria um contra-senso, na medida em que a Autarquia, embora reconhecendo a vedação de cumulação de aposentadorias, nega o direito do ora apelante de optar pela que lhe é mais vantajosa, mediante a renúncia da condição de beneficiário do RGPS, sob o argumento, confirmado na sentença recorrida, da perfectibilização do ato jurídico que é a inativação.

De outra parte, cuidando-se de direito disponível, tampouco a renúncia ao benefício previdenciário sujeita-se à participação do obrigado. A aposentadoria previdenciária é, a toda evidência, instituto de direito público onde a relação jurídica de vinculação ou de filiação se estabelece conforme a lei, e não de acordo com a vontade das partes, razão pela qual a renúncia ao benefício independe, inclusive, da anuência da Seguradora.

Nesse sentido, é a lição que se extrai da doutrina de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, Vol. I, Ed. Forense,18ª Ed., 1997, pp.300/301):

“São em regra renunciáveis os direitos que envolvem um interesse meramente privado de seu titular, salvo proibição legal. Ao revés, são irrenunciáveis os direitos públicos, como ainda aqueles direitos que envolvem um interesse de ordem pública, como os de família puros (pátrio poder, poder marital, etc.), os de proteção aos economicamente fracos ou contratualmente inferiores (garantias asseguradas aos trabalhadores, etc.). A renúncia é ato unilateral e independente de concurso de outrem, quando o direito renunciado não se opõe a um indivíduo pessoalmente obrigado. Nesse

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caso, é válida e perfeita em si mesma, sem necessidade da anuência de quem quer que seja, mesmo na parte daquele em cujo patrimônio indiretamente repercuta”.

Em idêntico norte, os fundamentos contidos em precedente desta Corte (AMS nº 1999.04.01.003746-5/RS, Sexta Turma, Rel. Juiz Surreaux Chagas, julg. 06.04.99, in DJ 12.05.99):

“(...) Não há nenhuma lei que vede a renúncia à aposentadoria. Os interesses privados são disponíveis ou indisponíveis. Nestes últimos, a vontade do titular não pode influir na extinção do direito. Não paira dúvida de que a aposentadoria se insere como interesse disponível. Se a parte pode demitir-se do emprego, exonerar-se do cargo público, optar pelo vencimento de um cargo para não incorrer em acumulação, pela mesma razão pode renunciar à aposentadoria, visto que o direito subjetivo é um poder exercitável segundo a vontade do titular. (...) Em última análise, o direito à renúncia se origina do princípio da autonomia da vontade e da legalidade assegurado na Constituição. O poder público não pode contrapor-se à renúncia para compelir o segurado a continuar aposentado, visto que carece de qualquer interesse público na medida. A renúncia ao benefício previdenciário constitui direito subjetivo do segurado exercitável de acordo com o seu exclusivo interesse, a teor do art. 5º, II, da CF/88: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (...) No caso vertente, a renúncia da aposentadoria como direito subjetivo é compatível com o interesse público, em especial do próprio órgão previdenciário, que ficará desobrigado do pagamento da prestação previdenciária.”

Diga-se, também, que a renúncia ao benefício não implica renúncia ao tempo de serviço. Por conseguinte, admitida a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço, o INSS deve fornecer ao renunciante a referida certidão, vez que a sua expedição, por garantia constitucional (art. 5º, XXXIV, da CF), não pode ficar ao alvedrio da autoridade administrativa.

Em suma, não há no ordenamento jurídico vigente, ou pretérito, qualquer proibição à renúncia de aposentadoria. Essa, conforme iterativa jurisprudência, configura-se inequivocadamente como um direito subjetivo e disponível e, como tal, exercitável segundo a vontade do titular.

Sobre o thema decidendum, confiram-se os arestos abaixo colacionados, in verbis:

“PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO.

1. É possível a renúncia à aposentadoria, eis que se trata de um direito patrimonial disponível, não existindo lei que vede tal possibilidade.

2. Não pode o Poder Público contrapor-se à renúncia para compelir o segurado a continuar aposentado.

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3. omissis.4. omissis”. (AC nº 2000.71.09.000394-2/RS, Quinta Turma, Rel. Juiz Sérgio Renato

Tejada Garcia, julg. 25.06.01, in DJ 29.08.2001)

“PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. CONTAGEM DO MESMO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CONTAGEM RECÍPROCA. DIREITO INCORPORADO AO PATRIMÔNIO DO TRABALHADOR. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO.

1. A renúncia à aposentadoria – fato inequívoco, vinculado e circunscrito à manifestação unilateral do detentor do direito – não implica renúncia ao próprio tempo de serviço que serviu de base para a concessão do benefício, pois se trata de direito incorporado ao patrimônio do trabalhador, que dele pode usufruir dentro dos limites legais.

2. Admitida a renúncia à aposentadoria, o Instituto deve fornecer ao renunciante a certidão de tempo de serviço, que pode ser utilizado para outra finalidade, inclusive para concessão de aposentadoria em outro sistema, mais vantajosa ao titular do tempo de serviço”. (AMS nº 1999.04.01.003180-3/RS, Sexta Turma, Rel. Juiz Carlos Sobrinho, julg. 04.05.99, in DJ 26.05.99, p. 748)

Convém ressaltar que dita certificação importará em título para a averbação e cômputo do período em que o segurado contribuiu para a Previdência Social junto a outro sistema de previdência, com a conseqüente obrigação do INSS de compensar este último, na forma da lei.

Relevante também a referência de que o reconhecimento do direito aqui perseguido impõe ao autor a devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria, de forma a que seja recomposto, integralmente, o status quo ante. Segundo manifestação lançada no voto divergente da e. Desa. Virgínia da Cunha Scheibe, quando do julgamento da AC nº 2000.71.09.000394-2/RS, em 25.06.01, cujos fundamentos, com a vênia de quem defenda parecer contrário, aderi como relator dos Embargos Infringentes interpostos naquela demanda: “(...) embora se possa considerar admissível a renúncia, o titular do benefício deverá devolver aos cofres do Apelante os proventos recebidos, como condição para que se lhe passe a ambicionada CTS, que abre ensejo à contagem recíproca de tempo de serviço, para fins de aposentação estatutária, sob pena de onerar-se indevidamente a Seguradora.”

Na espécie em exame, considerando-se o depósito promovido pelo autor (fl. 24), cuja liberação será tratada no tópico seguinte, cumpre entender como atendida, ainda que parcialmente, a exigência relativa à repetição dos valores recebidos a título de aposentadoria, para fins de reconhecer, independentemente de qualquer condicionante, o direito de

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renúncia ao benefício que titula, condenando-se o INSS a promover o respectivo cancelamento, a contar da outorga, bem como a expedir a correspondente certidão de tempo de serviço, para fins da pretendida averbação junto ao regime público, ressalvando-se, por óbvio, como se verá adiante, a cobrança pela Autarquia do crédito remanescente.

B) Da liberação das prestações depositadas em juízoNo que pertine a este tópico, promoveu o Requerente depósito judicial

acerca dos valores pretensamente percebidos como titular do benefício de aposentadoria por tempo de serviço deferido no RGPS (cuja renúncia ora é postulada), os quais, segundo cálculos unilateralmente realizados, a contar da respectiva data de início (15.10.98 - fl. 13) até 02/2000, integralizaram R$ 18.910,87.

À fl. 07, letra a da exordial da presente demanda, ajuizada em abril seguinte, formulou o postulante pedido para:

“Cancelamento, desde a concessão, da aposentadoria concedida ..., liberando-se em favor da autarquia o depósito das importâncias recebidas...”.

Quanto ao propósito da parte autora de se ver desonerada da obrigação de devolver os valores percebidos a título de aposentadoria, nas competências de 10/98 a 02/2000 (período abrangido pelo cálculo da fl. 04), tenho que o alcance do provimento possível de ser atendido, quanto ao ponto, restringe-se à liberação do indigitado depósito judicial (fl. 24), em favor do órgão autárquico, sem que lhe seja emprestado efeito de plena quitação, a qual só poderá ocorrer após o acerto de contas realizado na via administrativa, segundo parâmetros atuariais destinados a recompor, na íntegra, o já referido status quo ante, mormente tendo em conta que a importância consignada resulta de cálculos unilateralmente realizados pelo segurado, os quais, por outro lado, não avançam até a competência em que ajuizada a presente demanda. (04/2000)

C) Da sucumbênciaAlterado o provimento da ação, em face da sucumbência mínima

experimentada pelo requerente, na forma da legislação de regência, condeno o INSS ao pagamento da verba honorária, arbitrada em 10% sobre o valor atribuído à causa.

Frente ao exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação para reconhecer o direito do autor à renúncia da aposentadoria

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que lhe foi deferida no âmbito do RGPS e condenar o INSS a proceder ao respectivo cancelamento, desde a data da outorga, bem como à certificação do correspondente tempo de serviço, para fins de contagem recíproca junto ao regime público, ressalvado o direito de cobrança de eventual crédito remanescente, após o abatimento do valor do depósito comprovado à fl. 24 dos autos, cuja liberação ora se determina em prol do ente autárquico, nos termos da fundamentação supra.

REMESSA EX OFFICIO EM AC Nº 2000.71.00.020735-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Parte Autora: Maria Conceição Baptista de Miranda Advogados: Dra. Fernanda Miranda de Oliveira

Drs. Nataline Steinbruch e Silva e outroParte Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogada: Dra. Morgana Bernardi LahudeRemetente: Juízo Substituto da 3ª Vara Federal Previdenciária

de Porto Alegre/RS

EMENTA

Previdenciário. Certidão de Tempo de Serviço parcial. Negativa de expedição pelo INSS. Multa.

1. Mostra-se ilegítima a negativa de certificação, pelo INSS, de tempo de serviço incontroverso, para fins de contagem recíproca, sobre o qual foram recolhidas contribuições, com lastro em normativo infralegal, como meio de coerção ao pagamento de período diverso, eis que tal restrição afronta garantia contida no art. 5º, XXXIV, b, da CF/88.

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2. Despropositada a fixação de multa diária já na sentença que põe fim ao processo de conhecimento, eis que não cabe presumir o descumprimento de ordem judicial por ente público, conceito no qual se insere a Autarquia Previdenciária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de agosto de 2002.Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se de ação ordinária proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão de Certidão de Tempo de Serviço parcial, relativa ao período de 12/77 a 12/85, época em que a autora exerceu atividade como segurada autônoma do Regime Geral da Previdência Social, para fins de averbação de tal período junto à previdência do Município de Porto Alegre, ao qual está, atualmente, vinculada.

A Autarquia, na contestação, argüiu, preliminarmente, a prescrição de todas as parcelas anteriores ao qüinqüênio que antecedeu a citação. No mérito, embora reconhecendo o direito à contagem recíproca, sustentou que o indeferimento deu-se em razão da falta de recolhimento de contribuições no período de 01/86 a 08/95, e que a pretendida certidão somente é devida, nos termos da Circular nº 24/98 do Instituto, ao segurado que esteja desvinculado de todas as atividades do RGPS, devendo a mesma abranger o período integral de filiação à Previdência Social, não se admitindo a sua expedição para períodos fracionados. Por fim, aduz a necessidade de incidência de correção monetária, a partir do ajuizamento, sobre as parcelas a serem recolhidas.

A sentença julgou procedente o pedido para condenar o INSS a conceder, à autora, a referida certidão, bem como a proceder ao pagamento da verba honorária, arbitrada em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, restando consignado no decisum o prazo de

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45 (quarenta e cinco) dias para o cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária de R$ 50,00, nos termos do art. 461, § 4º, do CPC.

Por força do reexame necessário, subiram os autos a este Tribunal. É o relatório. À revisão.

VOTOO Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado:

Relativamente à preliminar argüida, cabe observar que não existem parcelas vencidas e não-reclamadas em 5 anos, pois, como bem asseverou a ilustre Juíza monocrática, “a autora postula, apenas, a concessão de Certidão de Tempo de Serviço” (fl.110). Dessa forma, correto o não acolhimento da preliminar.

A controvérsia de fundo, a ser dirimida na espécie, prende-se ao acerto, ou não, da decisão proferida na instância de origem, que condenou o INSS a conceder, à autora, Certidão de Tempo de Serviço parcial, relativa a lapso em que contribuiu para a Previdência Social, como segurada obrigatória na condição de trabalhadora autônoma, para fins de cômputo recíproco de tempo de serviço.

Com efeito, a possibilidade de certificação, para a Administração Pública, do tempo de serviço prestado sob o Regime Geral da Previdência Social, para fins de contagem recíproca, não foi questionada pela entidade autárquica, até mesmo porque, no caso em tela, não se vislumbra nenhuma das vedações impostas pelo art. 96 da Lei 8.213/91, o qual dispõe:

“Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada,

quando concomitantes;III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão

de aposentadoria pelo outro; IV- o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à

Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com os acréscimos legais;

V- o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado sem que seja necessário o pagamento das contribuições a ele correspondentes, desde que cumprido o período de carência”.

Da análise do indeferimento administrativo, fica patente que a negativa do INSS à pretendida certificação tem fundamento diverso. Assim

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justificou a Autarquia, ao denegar o pedido requerido pela autora:“INDEFERIDO COM FUNDAMENTO NO DECRETO 3.048, DE 06.05.99 –

ARTIGO 128 – PARAGRAFO 1, TENDO EM VISTA QUE EXISTE DÉBITO NO PERÍODO DE 01/86 A 09/95 (...)”.

Determina o referido dispositivo do prefalado Decreto:“Art. 128. A certidão de tempo de contribuição anterior ou posterior à filiação

obrigatória à previdência social somente será expedida mediante a observância do disposto nos arts. 122 e 124.

§ 1º - A certidão de tempo de contribuição, para fins de averbação do tempo em outros regimes de previdência, somente será expedida pelo Instituto Nacional do Seguro Social após a comprovação da quitação de todos os valores devidos, inclusive de eventuais parcelamentos de débito.(...)”

Do exame da motivação administrativa supra-expendida, à qual encontra-se vinculada a autoridade previdenciária, em conjunto com os prefalados normativos legais, depreende-se que a Autarquia, embora reconhecendo a condição de filiada da autora à Previdência, condicionou, para a expedição da pretendida certidão, a indenização relativa a outro período, o de 01/86 a 09/95, durante o qual, segundo alega, não houve o devido aporte de contribuições ao sistema.

Contudo, no caso concreto, vê-se que a autora não tem interesse no reconhecimento do referido período, sendo que o lapso que necessita averbar junto ao regime de previdência do Município de Porto Alegre, ao qual está atualmente vinculada é, segundo a inicial, o de 12/77 a 12/85. E esse, está devidamente comprovado nos autos, pelos documentos juntados às fls.12/44, que demonstram o recolhimento pela requerente das respectivas contribuições, na condição de segurada autônoma.

Além disso, não pode a Autarquia, por meio de norma infralegal, como o é a Circular nº 24/98, mencionada na respectiva defesa, impedir a expedição de um documento público, ao qual faz jus a segurada, sob o argumento de que:

“A certidão de tempo de serviço somente será fornecida ao segurado que esteja desvinculado de todas as atividades do Regime Geral da Previdência Social”.

Tampouco serve de amparo à sua conduta a justificativa de obter o pagamento de outras contribuições que não foram vertidas para o sistema, devendo valer-se, para tanto, das formas existentes no

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ordenamento jurídico de regência, sem se utilizar da indevida coerção, a qual, sem dúvida, acaba por violar garantias insertas, inclusive em sede constitucional.

Gize-se, a propósito, que o Decreto nº 3.048/99 – como norma regulamentadora que é – não pode criar restrições ou obstáculos aos direitos assegurados pela lei regulamentada, extrapolando os limites desta, bem como a vontade do legislador.

No mesmo sentido, o entendimento da ilustre juíza singular, que, julgando procedente a demanda, com muita propriedade esclareceu a matéria em questão:

“(...) a Autarquia vem exigindo que as certidões do INSS, relativamente ao tempo de contribuição para aquelas expedidas pelo setor competente do Regime Geral da Previdência Social, devam abranger o período integral de filiação à previdência social, não admitindo o seu fornecimento para períodos fracionados, embasando sua tese no art. 130, II, a, do Decreto nº 3.048/99.

Observa-se, com isso, que tal ato administrativo vem calcado em ato normativo infralegal, cujo escopo deveria ser regulamentar e esclarecer, no âmbito da própria Administração, o conteúdo da Lei e sua forma de aplicação. Ao contrário, o que vem se notando é a implantação de verdadeiro óbice ao exercício de um direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXXIV, CF). Ou seja, não há no ordenamento jurídico pátrio, lei em sentido estrito que impeça o segurado de obter certidão parcial do tempo de serviço que tem averbado em seu favor.

Ressalto, por oportuno, que a respeito da matéria em tela, foi ajuizada Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal, propugnando a expedição de certidão parcial de tempo de serviço que o segurado tem averbado a seu favor, sempre que requerida. Deferindo a liminar pleiteada, assim restou declarado, à fl. 98, no processo nº 2000.71.00.010059-0:

‘(...) não é possível que a autarquia impeça ou restrinja um direito constitucionalmente previsto, tendo por base presunção absoluta da intenção fraudulenta de todos os que requerem este tipo de certidão. Supondo de imediato fraude contra a previdência, impede-o de exercer um direito que lhe é garantido na Lei Maior. E mais, aplica esta restrição com fundamento em Decreto cujo tipo normativo não é apto a limitar ou proibir qualquer direito do cidadão. Com efeito, a exigência de lei para obrigar ou restringir algum direito, decorrente do princípio da legalidade, conseqüência lógica do próprio Estado Democrático de Direito, deve ter significado específico, ou como ressalta a doutrina, a lei deve ser a formal, aquela obediente ao processo legislativo. (...) O direito a certidões está na Magna Carta de 1988 e é o segurado que deve decidir acerca de seu interesse ou não em obter certidão parcial ou total. A autarquia não está autorizada a substituí-lo nesta escolha, tampouco pode criar-lhe restrições por meio de Decreto imaginando que não haveria interesse lícito na obtenção de certidão parcial de tempo de serviço. É o segurado que deve decidir, conforme sua situação pessoal (...).’

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Portanto, não pairam dúvidas acerca da ilegalidade na prática da autarquia ao exercer censura prévia aos fins a que se destinam as certidões que lhe são pedidas.

(...)No que pertine aos lapsos em que não houve contribuições para os cofres da

Previdência Social, logicamente que não possui a autora direito ao cômputo desses lapsos como tempo de serviço. Em contrapartida, incabível a pretensão do INSS em postular pelo recolhimento de ditas contribuições para a certidão relativa ao período de 12/77 a 12/85. Tal medida fere o direito adquirido da autora.

(...) Em matéria previdenciária, considera-se adquirido o direito ao cômputo do tempo de serviço para o fim de posterior concessão de aposentadoria a cada novo dia de exercício de função laborativa. Uma vez formado, o direito incorpora-se ao patrimônio jurídico do titular, ao abrigo de quaisquer modificações legislativas supervenientes, que não poderão atingi-lo por expressa determinação constitucional. Consectário lógico, adquirido o direito ao cômputo do tempo de serviço, também exsurge o direito adquirido à sua certificação por parte do Regime Previdenciário a que esteve vinculado o segurado(...)”. (fls.112/115)

Em síntese, não estando o INSS a contestar o exercício da atividade prestada pela autora, no período de 12/77 a 12/85, relativamente ao qual contribuiu de modo regular, mostra-se ilegítima a negativa de expedir certidão no que tange a interregno diverso (entre 01/86 e 08/95) como forma coercitiva de pagamento das contribuições correspondentes, para o que deverá valer-se dos meios disponíveis no ordenamento de regência.

Todavia, no que pertine à tutela específica concedida no julgado recorrido, materializada na fixação de multa diária, tenho por despicienda, nesta fase, a respectiva estipulação, eis que descabe presumir o descumprimento de ordem judicial por parte de ente público, conceito no qual se insere a Autarquia previdenciária.

Frente ao exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.033829-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Apelante: Maria Nazario MendesAdvogado: Dr. Angelo Erico Vieira de Souza

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Claudenize Neves Varela Moraes

EMENTA

Previdenciário. Ação cautelar. Benefício previdenciário. Concessão. Cautelar. Impropriedade da via eleita. Princípio da fungibilidade. Inaplicabilidade.

A ação cautelar, por sua natureza assecuratória, não se presta à veiculação de pedido que visa à concessão de benefício previdenciário, dado o caráter satisfativo da pretensão condenatória. No caso, o erro grosseiro e a fase inicial em que se encontrava o processo, extinto sem exame de mérito por impropriedade de rito, desautorizam o aproveitamento da ação com base no princípio da fungibilidade.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas,

decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de setembro de 2002.Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Maria Nazário Mendes ajuizou ação cautelar inominada contra o INSS visando à concessão do benefício de pensão por morte de seu companheiro.

A sentença (fls. 89/91) julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, condenando a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que foram fixados em 10% sobre o valor da causa corrigido, ficando a exigibilidade suspensa por ser beneficiária de AJG.

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Irresignada, apela a autora (fls. 94/96). Sustenta que estão presentes os requisitos da cautelar, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Diz que recebe pensão por morte de seu marido. No entanto, em razão da convivência com animus definitivo com o falecido, que era seu companheiro, entende ser beneficiária do benefício pleiteado, porquanto mais vantajoso.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Egrégia Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Consoante relatado, pretende a autora, por meio de ação cautelar, a condenação do INSS a conceder-lhe o benefício de pensão por morte de seu companheiro, falecido em 13.07.99.

Flagrante a impropriedade da via eleita pela autora. O pedido deveria ter sido veiculado por ação ordinária. A pretensão formulada na inicial tem inegável caráter satisfativo, incompatível com a tutela cautelar, que se destina a garantir a eficácia da decisão a ser proferida no processo principal. Com efeito, o processo cautelar, conforme leciona Ovídio Baptista da Silva, “assegura a realização dos direitos subjetivos. Assegura, porém não satisfaz o direito assegurado”(in Curso de Processo Civil: processo cautelar (tutela de urgência), vol. 3, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 39). Assim, como medida eminentemente assecuratória, tem a cautelar a sua existência vinculada obrigatoriamente a uma outra lide – processo principal não manejado pela parte no prazo legal –, própria para a discussão acerca do direito material pleiteado em juízo. Não pode a sentença cautelar antecipar os efeitos próprios da ação principal.

Os provimentos cautelares destinam-se a garantir o resultado eficaz do processo, assegurando a efetividade (probatória ou executiva) de uma pretensão, sem, no entanto, interferir no plano do direito material; ao revés, os provimentos antecipatórios não se satisfazem em apenas conservar a efetividade do processo, mas dispõem diretamente sobre o direito material contendido, representando, por assim dizer, o atendimento da pretensão, ou de parte dela, antes mesmo de proferida a sentença. Não estão, portanto, compreendidos no Poder Geral de Cautela. Pode-se, pois, dizer com segurança que existe uma distinção manifesta e relevante

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entre as naturezas dos danos que uma e outra pretendem afastar. Na tutela cautelar, almeja-se afastar o risco ou a insegurança que ameaçam a possibilidade de se chegar a uma sentença de mérito favorável (produção antecipada de provas – garantia de efetividade probatória) e de se executá-la com êxito (arresto – garantia de efetividade executiva); na tutela antecipatória, o que se busca afastar é a permanência do estado de insatisfação do direito, o dano que decorre da impossibilidade de fruição do direito de plano. Daí a necessidade de se antecipar concretamente, no mundo dos fatos, efeitos (mandamentais e executivos) que dizem respeito ao próprio direito material objeto da lide.

Pleitear-se como tutela cautelar uma medida que, em verdade, pela natureza satisfativa da pretensão, consiste em antecipação de tutela, é, em princípio, descabido.

O aproveitamento da medida cautelar com base no princípio da fungibilidade, nesta hipótese, configuraria burla aos requisitos da antecipação de tutela, sabidamente muito mais rigorosos em relação àqueles autorizadores da concessão de medidas cautelares. É o caso, por exemplo, de processo cautelar vertendo pedido de imposição ao Poder Público da compra de medicamentos estrangeiros para o tratamento de doença rara e grave. Não é caso de tutela cautelar, pois a pretensão constitui adiantamento de efeitos práticos de uma condenação futura. Mas será que isso autorizaria o indeferimento da inicial?

Tenho dúvidas. Penso que a questão deve ser analisada com certos temperamentos, ensejando o enfrentamento à luz de algumas variáveis.

Muitas vezes, a parte precisa de um provimento de urgência e ainda não dispõe de elementos suficientes para propor a ação principal, ocasião em que poderia deduzir sua pretensão de tutela antecipada. Neste caso, penso que se poderia admitir o manejo do procedimento da cautelar preparatória. Para que não haja burla aos requisitos da tutela antecipada, como se disse, mais rigorosos, basta que, de um lado, o advogado da parte requerente se esmere no sentido de evidenciar a presença dos requisitos da tutela antecipada e, de outro, o juiz examine a presença destes requisitos à luz do art. 273 do CPC, com o rigorismo que se impõe.

Outras tantas vezes, o processo já se encontra em grau de recurso, quando, sem grave prejuízo para o requerente da tutela indevidamente vertida como cautelar, não mais se pode proceder à conversão. Extinguir

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o processo sem exame de mérito, na segunda instância, representaria aniquilar irremediavelmente a tutela de urgência requerida, com o grave risco de consagrar-se, em nome da forma, lesão de direito à parte litigante.

Ainda em outros casos, a fronteira entre a cautelaridade e o adiantamento do provimento de mérito não é bem nítida, disseminando a dúvida e a discórdia no seio da jurisprudência. Nestas hipóteses, impõe-se como obrigatória a maior flexibilização. Seria injusto e contrário ao princípio do acesso à justiça, que, por uma questão de forma, quando o próprio Judiciário titubeia diante do caso concreto, exigir-se que a parte formule o pedido que aos olhos do juiz parece correto. A tutela jurisdicional que não desperta dúvida quanto à sua natureza não admite a fungibilidade.

Em todos os casos, o que me parece curial é a profundidade do exame da pretensão por parte do juiz. Se o pedido caracteriza tutela antecipada, ainda que nominada de cautelar e vertida por esta via processual, impõe-se o exame mais aprofundado dos requisitos, que hão de ser os previstos no art. 273 do CPC.

É bem verdade que o juiz pode, e deve, indeferir a inicial, por impropriedade de rito (inadequação procedimental), sempre que prejuízo não traga à parte requerente, ou seja, quando possa ela reprisar a sua pretensão na forma correta de tutela antecipada, na inicial da própria ação de conhecimento. Este me parece o caso. A ação estava apenas em seu início, revelando-se sensata a sua extinção sem exame de mérito por total impropriedade. À parte autora fica resguardada possibilidade de encaminhar corretamente a sua pretensão.

Nesse sentido, confira-se o procedente a seguir colacionado:“Previdenciário. Processual civil. Cautelar. Reajuste de benefício.Medida cautelar é via imprópria para veicular pedido de reajuste de benefício, pois

tem por escopo resguardar a utilidade do processo principal e não o direito material. Não é cabível medida cautelar com caráter satisfativo, ou seja, como sucedâneo da ação principal. Processo extinto sem julgamento do mérito. Apelação prejudicada”. (TRF – 4ª Região, 6ª turma, AC 96.04.02711-5/RS, DJ 04.03.98, pág. 643, Relator Juiz Surreaux Chagas)

Isto posto, voto no sentido de negar provimento à apelação.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.074823-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de OliveiraRelator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Patrícia Helena Bonzanini

Agravada: Laura Soares Leaes VargasAdvogados: Drs. Lyege Kunde Carpes e Silva e outro

EMENTA

Previdenciário. Erro material. Parcelas indevidas. Admissibilidade. Súmula nº 260 do TFR. Proibição da utilização da equivalência salarial.

A jurisprudência vem entendendo que no conceito de erro material estão abrangidas também as parcelas incluídas indevidamente no cálculo, dando maior elastério àquela concepção que toma o erro material apenas como sinônimo de erro aritmético.

Se o acórdão exeqüendo expressamente dispõe que a aplicação da Súmula 260 do TFR não garante jamais a equivalência salarial, não pode a conta de liquidação apurar as diferenças de acordo com a variação do salário mínimo, sob pena de violação flagrante dos limites objetivos da coisa julgada. Hipótese em que, de rigor, não havia título judicial a respaldar o critério de cálculo adotado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Des. Antônio Albino Ramos de Oliveira, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de junho de 2002.Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator p/Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo INSS contra decisão do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Cruz Alta, que indeferiu

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argüição de erro material oposta pela Autarquia Previdenciária.O agravante sustenta haver erro material na conta exeqüenda, consistente

no fato de que os critérios e os valores apresentados na planilha fogem daquilo que restou determinado na ação, sendo possível a alegação, a qualquer momento, justificando-se, daí, a retificação do cálculo. Elenca três equívocos: a) houve aplicação da equivalência salarial em todo o período da conta, contrariamente ao comando do título exeqüendo, que determinou observância da Súmula nº 260 do TFR; b) houve utilização do IGPM, índice imprestável para atualizar parcelas vencidas em ação previdenciária e c) aplicação da equivalência de 3,64 salários mínimos em todas as competências, quando o correto seria 3,18 salários mínimos, pois quando da concessão do benefício o valor da RMI era de Cr$ 6.700,00 (correspondente a 3,18 salários mínimos).

Foram apresentadas informações. (fl. 76)O agravante requereu a concessão de efeito suspensivo, pedido

indeferido às fls. 78/79.Sem interposição de recurso contra essa decisão e sem resposta da

agravada, vieram os autos conclusos a esta Corte para julgamento do agravo de instrumento.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: O agravante sustenta haver erro material na conta exeqüenda, consistente no fato de que os critérios e os valores apresentados na planilha fogem do que fora determinado na sentença. Entende, assim, que, tratando-se de erro material, é possível a alegação a qualquer momento.

Contudo, sua irresignação não merece prosperar. Erro material, que pode ser corrigido a qualquer tempo, é o erro de fato, a falsa percepção da realidade externa. Os supostos erros materiais apontados pelo agravante são, na verdade, erros de direito, de interpretação jurídica dos fatos, insuscetíveis de correção quando não argüidos no momento processual próprio.

Esse é o caso dos cálculos de revisão do benefício com base na Súmula 260/TFR, principal tema do agravo. É certo que a jurisprudência é pacífica, hoje, no sentido de que essa Súmula não consagra o reajuste

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dos benefícios pela variação do salário mínimo (manutenção do benefício em uma proporção constante de salários mínimos, o que só veio a ser previsto pelo art. 58 do ADCT/88). No entanto, é evidente que a incorreta aplicação dessa Súmula não caracteriza erro de fato, e sim erro jurídico, que o agravante deveria alegar em embargos, oportunamente, a título de excesso de execução. É também o caso do indexador a ser aplicado na atualização do débito. Confira-se, a respeito, a orientação que vem sendo adotada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO MATERIAL E ERRO DE DIREITO. COISA JULGADA.

I - O erro material, conforme orientação jurisprudencial desta Corte, não está relacionado com o critério utilizado para a confecção do cálculo, ficando caracterizado somente em se tratando de erro relacionado com nomes, datas ou valores.

II - O erro de direito deve ser impugnado no momento processual oportuno, sob pena de preclusão. Sendo que, a sentença de homologação do cálculo de liquidação faz coisa julgada em relação a erro de direito. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 14.02.2000, p. 00076)

“PROCESSUAL CIVIL - INOCORRÊNCIA DE ERRO MATERIAL - CÁLCULO DO CONTADOR - MATÉRIA DE FATO.

I- INOCORRE ERRO MATERIAL NO CÁLCULO DO CONTADOR QUE JUSTIFIQUE CORREÇÃO VIA ESPECIAL, QUANDO O ACÓRDÃO RECORRIDO DEMONSTRA, COM OS FATOS CONSTANTES DOS AUTOS, TRATAR-SE DE INSURGÊNCIA SUSCITADA CONTRA OS CRITÉRIOS DA CONTA, CUJO ENSEJO DE IMPUGNAÇÃO ENCONTRA-SE PRECLUSO, POSTO QUE NÃO EFETIVADO NA FASE DA LIQUIDAÇÃO.”. (STJ, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 14.10.96, p. 39004)

“Data da Decisão: 08.06.2000Código do Órgão Julgador: T5 Órgão Julgador: QUINTA TURMAEmenta: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL

CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXCESSO NA APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DA SÚMULA 260/TFR. INTERPRETAÇÃO. SENTENÇA. HOMOLOGAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO.

Embora a orientação da Súmula 260/TFR dirija-se no sentido da aplicação de índices integrais, não importando em equivalência salarial, descabe, na via dos embargos, rediscutir critérios de cálculos adotados na liquidação da sentença.

‘O que é corrigível, a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento da parte interessada, é o erro de cálculo, e não o critério de cálculo utilizado pelo contador que, por falta de oportuna impugnação, torna-se imutável pela coisa julgada’. Precedentes da Corte Especial.

Agravo desprovido.” (STJ, 5ª Turma, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca,

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DJ de 07.10.2000, p. 132)

Essa também é a posição que vem sendo adotada por esta 5ª Turma, como o ilustra o seguinte precedente (AG nº 2000.04.01.101513-5/RS, unânime, julgado em 27.09.2001, Rel. Desa. Virgínia Scheibe):

“Não colhe êxito a investida recursal.É que erro material, e que não transita em julgado, é o erro matemático,

aritmético, a indevida inclusão ou exclusão de parcela de crédito. Os equívocos apontados pelo Instituto Previdenciário – utilização da equivalência salarial quando a sentença condenou o INSS na Súmula 260/TFR, taxa de juros aplicada e inobservância dos descontos previstos no Decreto nº 1.910/81 -, se existentes, não caracterizam essa situação, mas dizem respeito a erros de fato concernentes a critérios de cálculo, os quais deveriam ter sido, sob pena de preclusão da matéria, ventilados anteriormente à sentença homologatória dos cálculos que já transitou em julgado, porém restou silente a Autarquia naquela oportunidade, vindo a argüi-la apenas posteriormente.

Nessa linha, já votei anteriormente, como a exemplo do acórdão proferido na AC nº 95.04.60628-8-RS, 3ª Turma, publicado no DJ de 19.02.97, p. 7.679, verbis:

‘Processo Civil. Agravo de Instrumento. Liquidação de Sentença. Erro material inexistente.

1. A circunstância de não se haver procedido ao desconto previdenciário na conta de liquidação não constitui, in casu, erro material, porquanto a referida determinação não constou da sentença trânsita em julgado, não podendo ser argüida em sede de embargos à execução.

2. A aplicação de um ou outro índice na conta de liquidação também não constitui erro material – que é erro aritmético, a indevida inclusão ou exclusão de parcela de crédito na conta – mas critério de cálculo, a ser argüido até o trânsito em julgado da sentença homologatória.

3. Apelação improvida.’

Registro, ainda, outro precedente desta Corte, cuja ementa tem o seguinte teor:

‘Processo Civil e Previdenciário – Liquidação de Sentença – Cálculo Homologado sem impugnação da Autarquia – Pretendida reforma da conta – Impossibilidade.

O erro de cálculo que não transita em julgado é o erro aritmético ou a inclusão de parcelas indevidas ou exclusão das devidas. Se, porém, a questão for quanto ao critério de cálculo adotado para estimar determinadas verbas, não há como falar em inexatidão material, mas em erro de fato, o qual resta imutável face ao trânsito em julgado da decisão.

Precedente desta Corte.’ (AC nº 93.04.01648-7-RS, Rel. Juiz Dória Furquim, 2ª Turma, publicado no DJ de 03.11.93, p. 46.726)

Por tais razões, nego provimento ao agravo.”

De mais a mais, somente admite correção o erro claramente

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perceptível, e não aquele cuja constatação depende de profunda análise do processo, com reexame da prova:

“PROCESSUAL CIVIL. ERRO MATERIAL QUANDO OCORRE.Erro material é aquele perceptível primu ictu oculi e sem maior exame, a traduzir

desacordo entre a vontade do juiz e a expressa na sentença. Não caracterização, no caso.Agravo regimental desprovido.”. (STJ, Corte Especial, Rel. Min. Antonio de Pádua

Ribeiro, DJ de 11.12.2000, p. 166)

Assim, não se insurgindo o agravante quanto a erros de fato, não há falar em erro material, não merecendo guarida o seu inconformismo.

Frente a esse quadro, nego provimento ao agravo de instrumento.É o voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: O eminente Relator, em seu bem-lançado voto, entendeu por negar provimento ao agravo de instrumento, sob o fundamento de que não está configurado o erro material, expressão que, no seu entender, equivale a “erro de fato”.

Peço vênia para divergir do entendimento exposto. A jurisprudência vem entendendo que, no conceito de erro material,

estão abrangidas também as parcelas incluídas indevidamente no cálculo, dando maior elastério àquela concepção que toma o erro material como sinônimo de erro aritmético.

Colaciono, a propósito, o seguinte precedente: “LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CÁLCULO. ERRO MATERIAL. COISA

JULGADA. Os erros materiais do cálculo, assim considerados não só os meros erros aritméticos, como também os resultantes da inclusão de parcelas indevidas ou da exclusão de parcelas devidas, não transitam em julgado, podendo ser corrigidos a qualquer tempo”. (AI nº 95.04.08612-8, TRF da 4a Região, relator Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, 07.03.96)

Estabelecida essa premissa, tenho por configurado, na espécie, o erro material.

Com efeito, consta dos autos que o autor propôs ação ordinária pleiteando a aplicação, ao seu benefício, entre outros, do critério previsto na Súmula 260 do extinto TFR (fls. 10/15). O pedido foi julgado procedente (fls. 19/20), tendo a sentença sido reformada de forma parcial em grau de recurso, excluindo-se as disposições que não constavam do pedido, ocasião em que o eminente relator – Des. Federal Volkmer de

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Castilho - fez inclusive a observação de que a aplicação da mencionada súmula não significava adoção da “equivalência salarial” (fls. 21/25), conforme excerto da ementa que a seguir transcrevo, in verbis:

“... 2. A súmula 260, TFR, que jamais garantiu a equivalência salarial, é aplicável até abril/89, quando, então, passou a vigorar o art. 58, ADCT, que garantiu a manutenção do valor inicial sem efeitos retroativos, cuja aplicação é devida até a regulamentação da Lei 8.213/91. ...”

A exeqüente, ao elaborar sua conta de liquidação, descumpriu flagrantemente o julgado. Basta um breve exame do cálculo por ela apresentado para que se constate que a apuração das diferenças no montante cobrado deveu-se à adoção da chamada equivalência salarial (fls. 34/8). Para agravar a situação, foram encontradas diferenças até o mês de maio de 1994, quando se sabe que as quantias devidas em decorrência da adoção do critério da Súmula nº 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos somente podem ser encontradas até o mês de abril de 1989, conforme, aliás, já ficara assentado no acórdão referido.

Parece-me, portanto, que a exeqüente extrapolou em muito os limites do julgado, podendo-se, de rigor, dizer que, quanto às diferenças encontradas, não há título judicial que as justifique. Quando a jurisprudência não admite argüição de erro material nos casos de simples critérios de cálculo está, obviamente, referindo-se àqueles casos em que a troca de um índice ou critério por outro não importará violação do julgado, uma vez que quaisquer deles atenderá razoavelmente ao comando judicial. Exemplo típico é a adoção, na conta, de índice de correção monetária não-autorizado na sentença ou no acórdão. Ainda que extrapole os limites da coisa julgada, o índice incorreto, se não impugnado no tempo oportuno, deve ser mantido porque, na hipótese, não apresentará alteração significativa da decisão, devendo-se então privilegiar a segurança jurídica. No presente caso, a utilização da equivalência salarial no cálculo das diferenças decorrentes da Súmula nº 260 do extinto TFR situa-se totalmente fora dos limites fixados no acórdão, fazendo acrescer, de modo injustificado, consideravelmente, o valor do débito. Para justificar tal afirmação, não seria preciso dizer mais nada além de que o cálculo da autora alcança o montante de R$ 16.611,24, enquanto que a conta apresentada pela autarquia importa em R$ 671,01. Obviamente, não se está afirmando que o cálculo do Instituto

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está correto. O que se advoga é a necessidade de que a execução seja reiniciada para que a autora, cumprindo o comando da sentença, reelabore o cálculo de liquidação.

Ante o exposto, lamentando divergir, voto pelo provimento do recurso do INSS.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.04.01.085806-8/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini

Apelante: José Wilson Biasi Advogada: Dra. Realina Pereira Chaves Batistel

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal Previdenciária de

Curitiba/PR

EMENTA

Previdenciário. Mandado de segurança. Segurado empresário, autônomo ou equiparado. Contribuições previdenciárias em atraso. Indenização. Não incidência de juros de mora e multa.

1. Sendo exigível do segurado empresário, autônomo ou equiparado, o recolhimento de contribuições previdenciárias em atraso somente quando requer administrativamente a contagem do tempo de serviço, não há se

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falar em cumprimento de obrigação com atraso. 2. Inexigível a cobrança de juros de mora, porquanto obrigação acessória à principal que tem seu vencimento fixado pelo segurado. 3. É de ser afastada a incidência de multa sobre a indenização efetuada pelo segurado à Previdência Social, para fins de computar tempo de serviço exercido em atividade abrangida pelo RGPS, uma vez que está exercitando faculdade que a ordem jurídica lhe confere.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora e, por maioria, negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, vencido o Relator, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 4 de junho de 2002.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator p/Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A r. sentença recorrida, à fl. 113, bem esclarece a controvérsia, verbis:

“Pede o impetrante seja determinada a concessão de aposentadoria por tempo de serviço mediante o recolhimento das contribuições atrasadas na qualidade de autônomo, calculadas sobre a classe 1 da escala de salário-base, a título de indenização.

Informando (fls. 61/64), a autoridade impetrada aduz que não houve ato coator, porque o impetrante não formulou pedido administrativo de averbação de serviço mas de concessão de aposentadoria, que foi indeferido. O ato coator seria a negativa da averbação do tempo de serviço, o que não ocorreu. No mérito, afirma que na época em que o impetrante laborou como autônomo, a averbação de tempo de serviço não era permitida se o recolhimento das contribuições não tivesse ocorrido na época própria. Logo, aplicando-se a legislação da época, nem a averbação do tempo de serviço como autônomo seria possível. A legislação atual permite a contagem de tempo de serviço com o recolhimento em atraso das contribuições devidas, com juros e multa, não se tratando de caso de retroação da lei.

Não foi deferida liminar. (fls. 66/67)O Ministério Público Federal opinou pela concessão da segurança. (fls. 69/74)Sentença foi prolatada, concedendo parcialmente a segurança, afastando a incidência

de multa moratória no cálculo da indenização devida. (fls. 76/80) O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de ofício, anulou a sentença, que

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foi prolatada por Juiz de Vara Federal, quando a competência seria da Vara Federal Previdenciária. (fls. 101/104)”.

Interposta a apelação, postula o INSS a reforma do julgado.Recorre, igualmente, a parte autora.O MPF manifestou-se à fl. 150v.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Para acolher parcialmente o pedido, às fls. 113/6, fundamentou a eminente Juíza Federal Cláudia Cristofani, verbis:

“1. Tendo sido anulada de ofício a sentença anteriormente prolatada, por defeito de competência, torno a decidir sobre a questão.

2. A autoridade impetrada afirma não ter existido ato coator que justifique a impetração do presente mandamus. Contudo, verifico que tal ato se traduz na negativa em conceder o benefício, em face da não consideração dos períodos em que não houve o recolhimento de contribuições. Por isso, rejeito a preliminar invocada.

3. Pretende o impetrante obter aposentadoria por tempo de serviço mediante a contagem do período laborado na condição de autônomo, estando em aberto as contribuições relativas aos períodos de 05/75 a 08/75, 09/78, 01/82 a 02/82, 07/82 a 05/83, 06/84 a 09/97, 11/97 a 05/98, 07/98 a 08/98 e 11/98. Diz que, ao contrário do procedimento trilhado pelo INSS, quer seja o valor calculado com base nos salários-de-contribuição da época do exercício da atividade, quando se encontrava enquadrado na classe 1 da escala de salário-base.

O caso é de ausência de recolhimento de contribuições relativas a atividade sujeita à escala de salário-base, considerada obrigatória pela lei vigente à época do seu exercício.

4. Perfazendo-se o histórico da legislação que tratou do tema, observe-se que já no Decreto nº 48.959-A, de 19.09.60, que aprovou o Regulamento Geral da Previdência Social, regulamentando a Lei 3807, de 26.08.60, publicada no Diário Oficial da União em 05.09.60, havia previsão do pagamento de indenização do tempo de serviço. Em seu art. 6º, III e V, repetindo os termos legais, elenca os segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social, incluindo empregadores, titulares de firma individual, sócios que recebem pro labore e os autônomos.

O art. 63 do mesmo Regulamento - datado de 1960, repita-se - já previa a indenização do tempo de serviço anterior:

‘O tempo de serviço computado nos termos do art. 59, durante o qual não haja o segurado contribuído para a previdência social, deverá ser indenizado, na forma do disposto no art. 237.’

A CLPS não repetiu a regra. Estabeleceu que: ‘Art. 143. A falta de recolhimento, na época própria, de contribuições ou outras

importâncias devidas à previdência social urbana sujeita o responsável aos juros de

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mora de 1 % (um por cento) ao mês e correção monetária, além de multa variável de 10% (dez por cento) a 50% (cinqüenta por cento) do valor do débito.

§ 1º As contribuições são corrigidas monetariamente na data do efetivo recolhimento, observado o disposto nos parágrafos seguintes.

§ 2º A correção monetária é o resultado da multiplicação do valor do débito previdenciário pelo coeficiente obtido mediante a divisão do valor nominal reajustado da ORTN, no mês do pagamento, pelo valor da mesma obrigação no mês seguinte àquele em que o débito deveria ter sido pago.

§ 3º A sistemática de correção monetária estabelecida no § 2º aplica-se às contribuições previdenciárias cujos fatos geradores são posteriores a 1º de janeiro de 1981, devendo aquelas cujos fatos geradores são anteriores ser corrigidas até então segundo as normas da época.

§ 4º A multa automática incidente sobre o débito previdenciário é calculada sobre o valor monetariamente corrigido na forma dos parágrafos anteriores.

§ 5º O débito consolidado compreende o valor originário, atualizado monetariamente, e os acréscimos legais incidentes sobre ele.

§ 6º Entende-se como valor originário o que corresponde ao débito de natureza previdenciária, excluídas as parcelas relativas a correção monetária, juros de mora e multa automática.

§ 7º O Ministro da Previdência e Assistência Social pode relevar a multa automática incidente sobre débitos previdenciários de empresas em regime de concordata, ainda que o pagamento se faça mediante acordo de parcelamento.’

A mesma CLPS previu inclusive para o tempo de serviço anterior, que não implicava em filiação obrigatória, o mesmo sistema de pagamento de contribuições, e não o de indenização. Vejamos:

‘Art. 33, § 5º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava filiação obrigatória à previdência social urbana só é admitida mediante o recolhimento das contribuições respectivas, na forma estabelecida em regulamento’.

Logo, embora a exigência de indenização para contagem de tempo de serviço pretérito ou sobre o qual não incidiu contribuição não seja novidade do sistema atual, durante a vigência da CLPS estava prevista a cobrança de contribuições, inclusive, pelo silêncio da lei no ponto específico, para fins de contagem de tempo de serviço sobre o qual não houve recolhimento. Não estava instituído o sistema de indenização.

Atualmente a legislação prevê, para o tempo de serviço previsto como obrigatório, duas opções ao segurado:

a) recolher tempestivamente contribuição social na forma do art. 226 do regulamento; b) contar o tempo de serviço mediante indenização, se não houve oportuna

contribuição. Pela lei atual, se o segurado não contribuiu na época própria, o tempo de serviço

somente pode ser contado por força da lei vigente na data da aposentadoria, submetendo-se às condições por ela estabelecidas.

5. A jurisprudência tem-se manifestado pela constitucionalidade do texto legal atual. Se o segurado não contribuiu na época própria, o tempo de serviço somente pode ser

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contado por força da lei vigente na data da aposentadoria, submetendo-se às condições por ela estabelecidas, pois a contagem é favor legal, facultado ao segurado se submeter às condições previstas pela lei atual, desde que razoáveis.

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ao que parece não houve manifestação de mérito pela 5ª Turma) está adotando o seguinte posicionamento:

‘A Lei de Custeio da Previdência Social oportuniza a contagem do tempo de serviço pretérito, cujas contribuições não tenham sido recolhidas na época própria, desde que o segurado indenize o Sistema Previdenciário. Trata-se de uma indenização compensatória, com regras específicas para tanto. Assim, caso queira contar o tempo de serviço das competências a descoberto da quitação das contribuições previdenciárias, a segurada, no seu exclusivo interesse, deverá recolher os valores correspondentes, de acordo com as regras estabelecidas naquela lei.

Hipótese em que o cálculo da indenização das contribuições previdenciárias não recolhidas pela impetrante nas competências descritas na inicial está de acordo com a legislação previdenciária vigente à época do requerimento, ou seja, as regras estabelecidas pelos arts. 45, par. 2º, da Lei 8.212/91, e 39, par. 15, do Decreto 2.173/97, inexistindo, portanto, direito líquido e certo de recolhê-las de forma diversa’. (AMS 98.04.01569-2/R.S, rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, DJ 14.03.200 1).

6. Contudo, sendo os juros e a multa decorrentes de mora, tomam-se indevidos no caso da indenização, pois ou bem se considera a lei da época da aposentadoria como apta a reconhecer tempo de serviço pretérito mediante indenização - e então não há que se pensar em mora - ou bem se institui que as prestações eram devidas desde a época do exercício da atividade (o que justificaria a mora) a titulo tributário - com o que estariam elas submetidas às limitações constitucionais ao poder de tributar e atingidas pela prescrição/decadência.

Não se justifica pensar que a lei da data da aposentadoria se aplica para possibilitar a contagem de tempo de serviço pretérito a título de indenização ao sistema, e determinar que se compute mora por atraso de obrigação que não estava constituída legalmente.

Assim, em juízo de parcial procedência do pedido, pode-se dizer que conta-se o tempo de serviço mediante indenização, excluídos porém os injustificáveis juros e multa.

7. Por último diga-se que não há possibilidade de determinar que a autoridade coatora conceda a aposentadoria por tempo de serviço por ausência de provas do preenchimento dos demais requisitos legais - não se sabe se foi este o único óbice para a concessão do benefício administrativamente.

8. Por estes motivos, concedo parcialmente a segurança, e determino que a autoridade coatora compute o tempo de serviço laborado nos períodos de 05/75 a 08/75, 09/78, 01/82 a 02/82, 07/82 a 05/83, 06/84 a 09/97, 11/97 a 05/98, 07/98 a 08/98 e 11/98, segundo as diretrizes da Lei 8.213/91, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, ressalvado o direito à indenização nos moldes retroestabelecidos.”

Impõe-se o parcial acolhimento do recurso do INSS.A respeito, anotou o douto MPF, às fls. 97/9, verbis: “Inicialmente, mister se faz salientar que a questão sob análise não se refere à

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cobrança de débitos relativos a contribuições previdenciárias, mas sim ao recolhimento extemporâneo de contribuições, que tem natureza jurídica de pagamento voluntário, de indenização ao sistema previdenciário como contraprestação à possibilidade de cômputo do período como tempo de serviço para fins de percepção de aposentadoria.

Veja-se que estas contribuições previdenciárias são pagas por vontade do segurado que quiser ver o tempo de serviço computado para recebimento de benefício previdenciário. Entretanto, não há como o INSS cobrá-las, lançá-las como dívida ativa ou executá-las de qualquer maneira. Deste modo, não há que se falar em prescrição/decadência do direito de cobrar as parcelas não recolhidas em época própria.

Passando à análise do mérito, razão assiste ao Apelante, que fez incidir na hipótese os seguintes dispositivos legais:

Lei nº 8.212/91‘Art. 45. (...)§ 3º No caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts.

94 a 99 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a base de incidência será a remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime específico de previdência social a que estiver filiado o interessado, conforme dispuser o regulamento, observado o limite máximo previsto no art. 28 desta Lei.’

Lei nº 8.213/91‘Art. 96. (...)IV – o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à

previdência social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento.’

Decreto nº 2.173/97‘Art. 58. Para o pagamento de valores das contribuições e demais importâncias

devidas à seguridade social, arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e não recolhidas até a data de seu vencimento, inclusive dos débitos objeto de parcelamento, incidirão:

I – atualização monetária, quando exigida pela legislação de regência;II – juros de mora:a) um por cento no mês do vencimento;b) equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia

– SELIC nos meses intermediários;c) um por cento no mês do pagamento;III – multa variável, de caráter irrelevável, nos seguintes percentuais:a) dez por cento sobre os valores das contribuições em atraso que, até a data do

pagamento, não tenham sido incluídas em notificação de débito;(...)’.Diante deste quadro, vê-se que o Apelante nada mais fez do que aplicar ao caso a

legislação vigente à data do requerimento administrativo. Devendo ter sido os valores

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em questão recolhidos em outra época e abrindo a lei a oportunidade para se efetuar o recolhimento anos mais tarde, há que se seguir a sistemática prevista nos diplomas legais que regem a matéria ao tempo em que o benefício foi requerido administrativamente.

Deste modo, não pode prosperar a pretensão do Impetrante no sentido de lhe serem aplicadas as regras da época em que trabalhou como autônomo/empresário, almejando indenizar o INSS com o salário mínimo de contribuição como base de cálculo.

Assim, considerando os supracitados dispositivos legais e os DISCRIMINATIVOS DE CÁLCULO juntados às fls. 15/16, tenho que o Instituto réu agiu em conformidade com as regras que regem a matéria, não podendo, assim, o seu ato ser visto como ilegal/coator, passível de reforma via mandado de segurança.

Logo, merece acolhimento a tese do Apelante, devendo a decisão a quo ser reformada.

Em face do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.”

Nesse sentido, a elaborada peça recursal do INSS, onde, às fls. 123/6, assinalou o ilustre procurador da Autarquia, com inteiro acerto, verbis:

“Postula o impetrante, em síntese, afastar suposto ato coator do impetrado no que se refere à exigência da indenização de contribuições pretéritas para efeito de contagem de tempo de serviço e, por conseguinte, a concessão de benefício previdenciário.

Aduz ter completado tempo de serviço suficiente à aposentação.Por fim, acaso devida a indenização, calculada à base da contribuição mínima em

carnê de recolhimento. Em sentença determinou-se o cômputo de tempo de serviço através de pagamento

de indenização sem incidência de juros e multa, sem conceder-se aposentadoria.

II- DO DIREITOEm caso similar a Juíza Federal, Dra. Ana Beatriz Vieira da Luz, julgando o feito

nº 98.0024933-8, assim se expressou:

‘É O RELATÓRIO. DECIDO.’

‘Por esta ação de segurança, busca o impetrante afastar a exigência da contribuição previdenciária com base de cálculo atual, acrescida de juros de mora e multa, para que seja expedida certidão de tempo de serviço.’

O argumento principal trazido para a defesa da parte autora é a inconstitucionalidade da Lei nº 8.212/91, com alterações pela Lei nº 9.032/95, ferindo, então, o princípio da irretroatividade, calcado no artigo 150, III, a da Carta Magna:

‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)III - cobrar tributos:a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que

os houver instituído ou aumentado; b) ( ... ).’

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‘Ainda, na gama de recursos de que o autor se serve para embasar seu pleito, traz à baila o art. 106, lI, c, do Código Tributário Nacional:

‘Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: (...)II - tratando-se de ato não definitivamente julgado: (...)c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao

tempo de sua prática.’

‘No entendimento firmado pelo impetrante, a transgressão do princípio acima citado não haveria de existir se houvesse a aplicação do estabelecido no art. 140 da Lei nº 3.807/60, com nova redação da Lei n.º 5.890/73.

No entanto, não lhe assiste razão pelas explicações que seguirão. Primeiramente, cumpre-se avaliar a natureza jurídica da indenização da qual dispõe o

artigo 96, IV, da Lei nº 8.213/91. Esta é pressuposto para o reconhecimento de atividade exercida autonomamente e conseqüente contagem de tempo de serviço, mas que, pela opção feita, deixou-se de se recolher àquela época a devida contribuição previdenciária.

E a indenização acima exposta, por força do artigo 149 da Carta Magna, fica enquadrada nos parâmetros legais do Código Tributário Nacional.

Desta forma, a partir da ocorrência do fato gerador, decorre uma obrigação tributária, que após o lançamento se constitui em um crédito tributário a ser cobrado. Este tributo terá seu valor calculado a partir da base de cálculo do tempo vigente da hipótese de incidência.

A leitura do disposto no artigo 96, IV, da Lei nº 8.213/91 é de nodal importância:‘Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado

de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes: (...)IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação

à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento.’

‘Deste modo, observa-se uma contribuição vinculada a uma atuação Estatal, cuja hipótese de incidência ocorre no momento em que o contribuinte provoca a atuação do Estado em seu favor, que é exatamente o momento onde o contribuinte requer a aposentadoria ou apenas postula e efetua o pagamento da indenização. Assim, a obrigação tributária somente se instaura neste momento e não com o exercício de atividade laboral, não havendo que se falar em penalização do contribuinte com multa e juros de mora já que inexistiria atraso no pagamento dos valores devidos.’

Com efeito, a atuação estatal na área do Seguro Social, após provocada, motivou uma ação administrativa de cobrança, consistente na exigência do recolhimento da indenização devida. Não fosse assim, jamais a Previdência Social poderia reaver seus créditos, haja vista que a atividade autônoma impõe aos segurados a obrigatoriedade de

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filiação e inscrição, esta muitas vezes efetuada no momento mesmo de requerer algum benefício previdenciário, o que exclui a aplicação do art. 138 do CTN, sempre invocado.

Outro não é o entendimento desta Corte, verbis:‘PREVIDENCIARIO. EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES

PREVIDENCIÁRIAS ANTERIORES À EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 08/77 COMO CONDIÇÃO PARA CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO EM FAVOR DE SEGURADO AUTÔNOMO. ARGÜIÇÃO DE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO DA EXIGÊNCIA. É pacífico que as contribuições previdenciárias mantiveram a natureza tributária até o advento da Emenda Constitucional 08/77, passando a ser consideradas como contribuições sociais desde então, com prazos de decadência e prescrição não mais regulados pelo CTN. Mas ainda que as contribuições tivessem à época natureza tributária, não é viável o reconhecimento da prescrição ou da decadência do direito às contribuições devidas pelos segurados autônomos no período anterior à EC 08/77, exigidas como condição para a contagem do TEMPO de SERVIÇO. Não se confundem a relação tributária e a relação previdenciária. As instâncias são distintas e independentes. É descabido aplicar razões de ordem tributária em relação previdenciária e vice-versa, a teor do art. 32, § 6º, da Lei 3.807/60. A exigência da autoridade previdenciária não tem natureza de adimplemento de obrigação tributária ex lege mas sim de indenização ao sistema previdenciário como contraprestação à possibilidade de cômputo do período como TEMPO de SERVIÇO para fins de percepção futura de benefícios. Não é possível a fruição de beneficio previdenciário ou a contagem de TEMPO de SERVIÇO sem o respectivo recolhimento no caso de segurado autônomo. A natureza indenizatória das contribuições previdenciárias exigidas pela autarquia afasta o seu enquadramento como tributo, não havendo que se falar em decadência e prescrição.

Apelação desprovida.’‘PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CÁLCULO

DA INDENIZAÇÃO POR CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS COM ATRASO. LEI Nº 9.032/95.

1. A Lei de Custeio da Previdência Social oportuniza a contagem do TEMPO de SERVIÇO pretérito, cujas contribuições não tenham sido recolhidas na época própria, desde que o segurado indenize o Sistema Previdenciário. Trata-se de uma indenização compensatória, com regras específicas para tanto. Assim, caso queira contar o TEMPO de SERVIÇO das competências a descoberto da quitação das contribuições previdenciárias, a segurada, no seu exclusivo interesse, deverá recolher os valores correspondentes, de acordo com as regras estabelecidas naquela lei.

2. Hipótese em que o cálculo da indenização das contribuições previdenciárias não recolhidas pela Impetrante nas competências descritas na inicial está de acordo com a legislação previdenciária vigente à época do requerimento (24.03.97), ou seja, as regras estabelecidas pelos arts. 45, § 2º, da Lei nº 8.212/91, e 39, § 15, do Decreto nº 2.173/97, inexistindo, portanto, direito líquido e certo de recolhê-las de forma diversa.

3. Apelação improvida.’ ”

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Por esses motivos, conheço da apelação do INSS e da remessa oficial e dou-lhes parcial provimento, negando provimento ao apelo do impetrante.

É o meu voto.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de remessa oficial e apelações contra sentença que concedeu parcialmente a segurança e determinou “que a autoridade coatora compute o tempo de serviço laborado nos períodos de 05/75 a 08/75, 09/78, 01/82 a 02/82, 07/82 a 05/83, 06/84 a 09/97, 11/97 a 05/98, 07/98 a 08/98 e 11/98, segundo as diretrizes da Lei 8.213/91, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, ressalvado o direito à indenização nos moldes retroestabelecidos”, qual seja, “excluídos porém os injustificáveis juros e multa”.

O Instituto Nacional do Seguro Social, sustentando o caráter tributário da exigência, busca a incidência, sobre o valor da indenização, de multa de 10% (dez por cento) e juros de mora de 1% ao mês, porquanto inaplicável o artigo 138 do CTN, bem como a denegação da segurança.

O Impetrante informa que o INSS, com suporte na sentença de fls. 76/80, elaborou o cálculo, expediu guia de recolhimento, tendo sido efetuado o depósito conforme demonstra o documento de fl. 141. Após efetuada a indenização, sobreveio decisão desta Corte anulando a sentença de fls. 76/80. Inconformado com a sentença de fls. 113/117, busca a determinação para que a indenização seja calculada pelos critérios vigentes à data do inadimplemento, corrigida monetariamente e acrescida de juros moratórios de 0,5% ao mês.

O Relator deu parcial provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, determinando a incidência de juros de mora e multa.

Discute-se na presente demanda a exigência do pagamento de contribuição previdenciária em atraso para fins de contagem de tempo de serviço no intuito de aposentação.

O problema do pagamento das contribuições não-vertidas na oportunidade própria para fins de contagem de tempo de serviço, no caso de segurado empresário, autônomo e equiparados, começou a ter um questionamento mais acentuado a partir de 29.04.95, quando a Lei nº 9.032/95 alterou a redação do art. 45 do PCPS (Lei nº 8.212/91), assim dispondo:

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“§ 1º - No caso de segurado empresário ou autônomo e equiparados, o direito de a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos, para fins de comprovação do exercício de atividade, para obtenção de benefícios, extingue-se em 30 anos.

§ 2º - Para apuração e constituição dos créditos a que se refere o parágrafo anterior, a Seguridade Social utilizará como base de incidência o valor da média aritmética simples dos 36 últimos sálarios-de-contribuição do segurado.

§ 3º - No caso de indenização para fins de contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei 8.213/91, a base de incidência será a remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime específico de previdência social a que estiver filiado o interessado, conforme dispuser o regulamento, observado o limite máximo previsto no art. 28 desta Lei.”

Verifica-se que, até então, o pagamento dessas contribuições, especialmente aos daqueles exercentes de atividades não sujeitas à filiação obrigatória como é o caso do empresário ou autônomo, antes de 1960, bem como dos domésticos, antes de 1973, e outros (ministros e membros de confissão religiosa), era exigido com base no art. 189 e seu parágrafo único e o art. 190 do RBPS (Decreto nº 611/92), que assim rezavam:

“Art. 189. Se ocorrer reconhecimento de filiação em período em que o exercício da atividade não exigia filiação obrigatória à Previdência Social, esse período somente será averbado se o INSS for indenizado pelas contribuições não pagas.

Parágrafo único – O valor da indenização corresponderá a 10% (dez por cento) do valor previsto na Classe 1 (um) da Escala de Salário-Base de que trata o art. 38 do RCCSS, vigente na data do pagamento, multiplicado pelo número de meses que se pretende certificar.

Art. 190. Não incidirão juros de mora e multa sobre o valor apurado com base no art. 189.”

Sem dúvida, observa-se que o objetivo da Lei nº 9.032/95 foi o de modificar o critério até então vigente que resultava em recolhimento de valores irrisórios, resultante, dentre outros fatores, da desvalorização da moeda, do problema da prescrição e decadência, e atualizar a base de cálculo para o recolhimento de contribuições atrasadas.

Outrossim, é necessário observar que, já quando da instituição da LOPS (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960 – Lei Orgânica da Previdência Social), esta possibilitou, no seu artigo 32, §6º, aos segurados indenizarem os Institutos a que estavam filiados, pelo tempo de serviço averbado e sobre o qual não houvesse contribuído.

Por sua vez, o Decreto nº 48.959-A, de 19 de setembro de 1960, que regulamentou inicialmente a LOPS, nos seus artigos 63, 226, IX, e 237, estabeleceu o quantum desta indenização, sendo que tal regra foi

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expressamente revogada pelo art. 34 da Lei 5.890, de 08 de junho de 1973, podendo então dizer que a possibilidade de indenização, no caso, o recolhimento de contribuição referente ao período em que a sua filiação não era obrigatória, deixou de ser contemplada em nível legal.

De qualquer sorte, esta possibilidade veio novamente a ser possível pela Lei 7.175, de 14 de dezembro de 1983, que acrescentou o § 10 ao artigo 10 da Lei 5.890/73, dispondo que:

“A averbação do tempo de serviço em que o exercício da atividade não determinava a filiação obrigatória à previdência social só será admitida quando o segurado indenizar o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS pelas contribuições não pagas naquele período, na forma a ser estabelecida em regulamento.”

Finalmente, quando da edição da Lei de Benefícios da Previdência Social – Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, o seu artigo 96, IV, dispôs que:“o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com os acréscimos legais.” (redação original e grifo nosso)

O questionamento surgido com a modificação introduzida pela Lei nº 9.032/95, que resultou na utilização, como base de incidência, o valor da média aritmética simples dos 36 (trinta e seis) últimos salários-de-contribuição do segurado, bem como, para contagem recíproca, considera-se a remuneração atual do regime a que estiver filiado o interessado, observado o limite máximo da contribuição ao regime previdenciário, dizem respeito à afetação por lei posterior da base de cálculo do fato gerador, alíquota e a própria natureza tributária da exigência.

Quanto à natureza jurídica da prestação, alguns, com base na lição de Ataliba, que leciona “haverá contribuição quando a base imponível repousar na conseqüência da atuação estatal combinada com a circunstância que a provoca” (Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, 5ª edição, p. 164), defendem a tese de que a exigência é uma contribuição, ou seja, tributo cuja hipótese de incidência, ou cujo aspecto material, está vinculado a uma atuação estatal quando o contribuinte provoca esta atuação do Estado em seu benefício. Em outras palavras, o fato gerador da exação seria o cômputo, pelo INSS, do tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação e não à atividade exercida pelo contribuinte.

Para outros, não se trata de contribuição de natureza tributária e sim

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uma simples indenização, assegurando àqueles que desejam contar tempo de serviço em que não contribuiu o ressarcimento à Previdência Social. Segundo esse entendimento, não há compulsoriedade na exigência e a finalidade é compor a chamada receita de outras fontes, prevista na Constituição Federal (art. 195) e na própria Lei de Custeio (art. 11 da Lei 8.212/91), que se destina a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social, forte no princípio da solidariedade contributiva.

O artigo 3º do Código Tributário Nacional assim define tributo:“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela

se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Grifei.

Assim, a prestação advinda de relação jurídica tributária é compulsória, ou seja, obrigatória, não há voluntariedade no pagamento do tributo, mas imposição legal, constituindo a compulsoriedade característica essencial do tributo.

No plano do Direito Tributário, da concretização da hipótese de incidência da norma tributária, tem-se o fato gerador, situação fática que dá origem à obrigação tributária, relação jurídica entre o Estado (direito) e o contribuinte (dever), sendo irrelevante a vontade das partes nessa relação, onde direito e dever, nessa espécie de relação jurídica, são efeitos da incidência da norma. Surgindo a obrigação tributária, tem o Estado o direito-dever de efetuar o lançamento e constituir o crédito tributário, quando, então, poderá exigir o cumprimento da obrigação, sendo o crédito tributário o vínculo jurídico entre as partes.

No caso em tela, é devida a contribuição pelo segurado autônomo quando exercer atividade abrangida pelo RGPS, sendo-lhe, contudo, facultado o recolhimento, posteriormente, caso tenha interesse em constituir relação jurídica com a Previdência Social.

Como se vê, a relação jurídica tributária é constituída através do crédito tributário mediante atividade vinculada da administração, colocando o sujeito passivo em estado de sujeição. Por sua vez, o recolhimento das contribuições em atraso é resultado do exercício da faculdade que detém o segurado de indenizar o Sistema Previdenciário. O interessado em computar tempo de serviço deverá indenizar a Previdência Social para obter a contraprestação, qual seja, a contagem do tempo de serviço, não estando o segurado em estado de sujeição, pelo contrário, ao exercer a

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faculdade de recolher as contribuições atrasadas (indenizar), o Instituto Nacional do Seguro Social é quem está obrigado por lei a computar o tempo trabalhado.

Tratando-se de filiação à Previdência Social (empresários, autônomos e equiparados), a sua inscrição e o recolhimento são obrigações do próprio segurado. Se o segurado que é o sujeito passivo dessa obrigação não a cumprir, não pode exigir a prestação do INSS correspondente à contabilização de tempo de serviço, pois não lhe é dado beneficiar-se de sua própria torpeza. (nemo auditur propriam turpitudinem allegans)

O eminente Des. Federal Luiz Carlos Castro Lugon, embora reconhecendo o caráter tributário da espécie, ao proferir voto na REO nº 1998.04.01.076047-0/RS, julgada em 05.12.2000, anota:

“A legislação previdenciária em vigor, todavia, oportunizou o aproveitamento do tempo de serviço do segurado empresário, autônomo ou equiparado, para fins de obtenção de benefício, mediante a comprovação do exercício da atividade e a satisfação das contribuições previdenciárias pertinentes. A medida resgata a possibilidade de contabilização do tempo de serviço de tais categorias, antes impedida em face da ausência das contribuições, o que provocava a perda da qualidade de segurado, e, em conseqüência, a caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. É impositivo, então, que o segurado, para fins de aproveitamento do tempo de serviço, verta os valores reclamados pelo Instituto.

Ora, em se tratando de um direito renascido, não há falar em decadência, pois não possuía e entidade previdenciária, antes do novel diploma legal, direito potestativo a exercer. Como a lei criou a faculdade de recolhimento a posteriori (mal nominada como ‘indenização’), nem mesmo existe uma obrigação sobre a qual possa se contemplar extinção do direito de exigir. Ao segurado é que lhe foi propiciado, como favor legal, um recolhimento de contribuições atrasadas e não-exigíveis. Absurdo seria contar qualquer prazo, sobre quem não tem ação nem potestade. É princípio de hermenêutica: Ad impossibilia nemo tenetur.”

Assim, reavaliando posição anteriormente adotada, não havendo, na referida indenização, compulsoriedade no pagamento, característica essencial dos tributos, a prestação devida pelo segurado não possui natureza tributária, mas indenizatória, faculdade assegurada àqueles que desejam contar tempo de serviço em que não contribuíram, ressarcindo, assim, à Previdência Social. O empresário, autônomo e equiparados que não recolheram as contribuições no tempo em que exerceram a atividade abrangida pelo RGPS não estão obrigados a recolhê-las posteriormente, salvo se houver interesse em computar o tempo trabalhado sem

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contribuições, o que descaracteriza a natureza tributária da prestação discutida nestes autos.

Dessa forma, oportunizando a legislação previdenciária a contagem de tempo de serviço laborado em atividade abrangida pelo RGPS mediante indenização à Previdência Social das contribuições não-recolhidas e ficando ao interesse do segurado a indenização, esta deverá ser efetuada nos moldes da legislação vigente à época do requerimento.

Nesse sentido, veja-se posicionamento desta Corte:“A Lei de Custeio da Previdência Social oportuniza a contagem do tempo de

serviço pretérito, cujas contribuições não tenham sido recolhidas na época própria, desde que o segurado indenize o Sistema Previdenciário. Trata-se de uma indenização compensatória, com regras específicas para tanto. Assim, caso queira contar o tempo de serviço das competências a descoberto da quitação das contribuições previdenciárias, a segurada, no seu exclusivo interesse, deverá recolher os valores correspondentes, de acordo com as regras estabelecidas naquela lei. Hipótese em que o cálculo da indenização das contribuições previdenciárias não recolhidas pela impetrante nas competências descritas na inicial está de acordo com a legislação previdenciária vigente à época do requerimento, ou seja, as regras estabelecidas pelos arts. 45, par. 2º da Lei 8.212/91, e 39, par. 15º, do Decreto 2.173/97, inexistindo, portanto direito líquido e certo de recolhê-las de forma diversa.”. (AMS 98.04.01569-2/RS, rel. Des. Nylson Paim de Abreu, DJ, 13,03.01)

Assim, descaracterizada a qualidade de tributo, no mesmo sentido do voto relator, a divergência que manifesto é em relação à incidência de juros de mora e multa.

Sobre o tema, assim dispõe o Decreto 2.173/97:“Art. 39 – A arrecadação e o recolhimento das contribuições e de outras importâncias

devidas à seguridade social, observado o que a respeito dispuserem os órgãos referidos nos arts. 48 e 49, obedecem às seguintes normas gerais:

I a § 7º - (Omissis).§ 8º - Para apuração e constituição dos créditos a que se refere o § 1º do art. 70,

a seguridade social utilizará como base de incidência o valor da média aritmética simples dos 36 salários-de-contribuição do segurado, imediatamente anteriores à data de entrada do requerimento, ainda que não recolhidas as contribuições, corrigidos mês a mês pelos mesmos índices utilizados para a obtenção do salário-de-benefício na forma do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social – RBPS, observado o limite máximo a que se refere o § 5º do art. 37.

§§ 9º a 14 - (Omissis).§ 15 - Sobre os salários-de-contribuição apurados na forma dos §§ 8º a 12 e 14 será

aplicada alíquota de 20%, conforme disposto no art. 23, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês e multa de 10%.”

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Embora expressamente prevista a incidência desses consectários no § 15 do artigo 39 do Decreto 2.173/97, injustificável a aplicação da referida norma no caso em tela, porquanto tratando-se de indenização ao Sistema Previdenciário, exigível somente quando o segurado requer a contagem do tempo de serviço, e regulada pela lei vigente à data da aposentadoria, não há se falar em cumprimento de obrigação com atraso, considerando que, nos termos do § 8º do artigo 39 do referido Decreto, está prevista a atualização dos valores a serem recolhidos.

É de se ressaltar que se em matéria tributária, artigo 138 do CTN, “a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora”, com mais razão é de ser excluído o pagamento de juros moratórios quando se tratar de indenização à Previdência Social.

Ainda, sendo os juros moratórios obrigação acessória à principal e, no caso em tela, não sendo exigível o cumprimento da obrigação principal (indenização) pelo INSS, porquanto a data do vencimento é fixada pelo segurado, não há se falar em mora e, em decorrência, na incidência de juros.

Por outro lado, quanto à incidência de multa, é certo afirmar que, sendo ao segurado facultado o direito de indenizar o Sistema Previdenciário, não é lógico que, exercendo o direito de indenizar, seja imputada a referida sanção.

Por fim, visando apenas a esclarecer, em razão do caráter auto-executório da decisão mandamental, foi executada a sentença de fls. 76/80, posteriormente anulada por este Tribunal, e em decorrência indenizadas as contribuições (fl. 141), devendo, no caso, ressalvar-se ao impetrante o direito de compensar valores já efetuados a título de indenização ao Instituto.

Nesse contexto, nego provimento ao recurso do INSS, ao recurso do autor e à remessa oficial.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.03.006115-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

Apelada: Candida Barbosa Martos Advogado: Dr. Ary Lucio Fontes

Remetente: Juízo Substituto da 2ª Vara Federal de Maringá/PREMENTA

Previdenciário. Aposentadoria rural por idade. Inatividade do segurado, após adquirido o direito ao benefício. Irrelevância. Juros.

1 – Adquirido o direito à aposentadoria rural, pelo implemento de suas condições, o fato de a segurada haver cessado seu labor rural não lhe retira o direito ao benefício, pois esse direito é mantido até mesmo na hipótese de perda da condição de segurado (art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91). Nessa hipótese, caber-lhe-á provar apenas o exercício da atividade agrícola no período imediatamente anterior à data em que deixou de trabalhar, e não a partir da data do requerimento, que pode ter ocorrido muito tempo depois.

2 – A norma dos arts. 48, § 2º, e 143 da Lei 8.213/91, ao estatuir que o segurado rural deverá comprovar a atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, busca apenas favorecê-lo, já que, em regra, é mais fácil obter a prova do trabalho de períodos mais recentes. Não pretendeu o legislador obstaculizar o exercício do direito do segurado que, após implementadas todas as condições para a aposentadoria, deixou de laborar e retardou seu pedido de inativação.

3 – A informalidade do trabalho rural abrange o “bóia-fria”, ou trabalhador “volante”, e também outros regimes de trabalho, como os de porcentagem e arrendamento, principalmente quando desenvolvidos em pequenas áreas. Mesmo na hipótese de trabalho assalariado não se pode impor ao rurícola a comprovação do contrato através de anotação em CTPS ou outro documento escrito, pois ainda hoje o empregador rural evita, por todas as formas, documentar as relações trabalhistas, para fugir aos decorrentes encargos. A instituição do “bóia-fria” mais não é que

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uma das muitas fraudes adotadas para mascarar as relações de trabalho. Essa fraude se pratica à vista de todas as autoridades encarregadas da fiscalização do trabalho – inclusive das previdenciárias – sem que haja medidas eficazes para combatê-la. Não se pode exigir do trabalhador, que é a parte mais fraca e prejudicada na cadeia da produção rural, que faça prova plena de contratos que o empregador prima por dissimular.

4 – Não tendo a sentença definido um percentual, os juros são contados à razão de 12% ao ano, afastando-se a disposição do art. 1.062 do CC por se tratar de verba de natureza eminentemente alimentar.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 8 de agosto de 2002.Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Candida Barbosa Martos ajuizou ação processada pelo rito sumário contra o INSS objetivando a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, na qualidade de segurada especial.

O INSS contestou a ação, alegando que a autora não comprovou o exercício da atividade agrícola de acordo com a legislação previdenciária. Aduz, ainda, que pelos documentos apresentados, a autora trabalhou em localidades diferentes num mesmo período, ou seja, ora na cidade de Ivinhema – Mato Grosso do Sul, ora na cidade de Nova Aurora - PR.

Encerrada a instrução, sobreveio sentença que julgou procedente a ação, condenando o INSS a implantar a aposentadoria por idade à autora, esta devida desde o requerimento administrativo (11.11.94), e a pagar as prestações vencidas desde 19.10.96 (em respeito à prescrição qüinqüenal), acrescidas de correção monetária e juros legais. Condenou ainda o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.

Apelou o INSS, repisando os termos da contestação, ou seja, que

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a autora não comprovou a atividade rural na condição de parceira em regime de economia familiar, durante o período de carência.

É o relatório. À Revisão.

VOTOO Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: 1 – Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, não há prescrição do

fundo do direito. Não prescreve o direito ao benefício ou à sua revisão, mas, apenas, a vantagem pecuniária advinda das prestações anteriores ao qüinqüênio que antecedeu a propositura da ação. Tendo sido ajuizada a ação em 19.10.2001, somente estariam prescritas as parcelas anteriores a 19.10.96. Como a data do requerimento é de 11.11.94, existem parcelas atingidas pela prescrição qüinqüenal. Neste ponto, a sentença decidiu com acerto.

2 – Alega a autora, na exordial, que ela e seu marido deixaram definitivamente a atividade rural e se mudaram para a cidade de Sarandi no ano de 1991.

Tal alegação, porém, não elide o direito da autora, pois, no ano de 1991, ela já tinha direito adquirido à aposentadoria. Nascida em 15 de outubro de 1933 (fl. 08), completara 55 anos em 15 de outubro de 1988. Quando entrou em vigor a Lei 8.213 (25 de julho de 1991), que contemplou os produtores rurais como segurados especiais (art. 11, VII), a autora, já com 57 anos, ainda trabalhava na agricultura. Já tendo preenchido o requisito etário para gozar do direito à aposentadoria por idade, que lhe era garantida pelo art. 48 daquela lei, bastar-lhe-ia provar o efetivo exercício de atividade rural, mesmo que de forma descontínua, nos últimos cinco anos anteriores à data do requerimento, conforme dispunha o art. 143 da mesma lei, em sua redação original. Essa ainda é a regra vigente, já que o art. 143, na redação que lhe foi dada pela Lei 9.063/95, mantém a carência de 60 meses (= cinco anos) para a hipótese de segurado que implementou as condições para a aposentadoria em 1991 e em 1992.

3 – É certo que os arts. 48, § 2º, e 143 da Lei 8.213/91 dizem que a carência deve ser comprovada “no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício”. Mas essa regra não impede que a contagem seja feita a partir da data em que o direito foi adquirido, pelo implemento

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de suas condições. A lei, ao tomar como base a data do requerimento, está a facilitar a prova para o segurado. É que, em regra, é mais fácil provar o exercício da atividade agrícola em relação a períodos mais próximos, ainda mais em se tratando de atividade desenvolvida sem qualquer controle formal. Isso não impede, porém, que se faça a prova a contar da data em que o direito foi adquirido. O contrário levaria à violação do direito adquirido. O produtor rural que, implementadas todas as condições para se inativar, deixasse de trabalhar (perdendo a qualidade de segurado), mas retardasse o requerimento do benefício, acabaria por perder o direito a este por falta da prova do exercício da atividade rural em período posterior à aquisição do direito.

Evidente que tal leitura da lei afrontaria o direito adquirido, que goza de proteção constitucional (art. 5º, XXXVI/CF-88). E a interpretação sistemática da Lei 8.213 permite entrever que o legislador se empenhou em guardar respeito a essa garantia constitucional, tanto que o § 1º do seu art. 102 dispõe:

“A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos”.

Desse modo, o segurado rural que, completada a idade limite, deixou de trabalhar, não perderá seu direito, ainda que só venha a requerer o benefício muito tempo depois. Nesse caso, por evidente, só lhe será exigível a prova do labor rural no período imediatamente anterior à cessação do trabalho, e não ao requerimento administrativo.

4 – No caso concreto, como a autora deixou a atividade rural após o último contrato de parceria, ou seja, no ano de 1991, quando já contava mais de 55 anos e já se encontrava em vigor a Lei 8.213/91, bastar-lhe-ia provar o trabalho rural nos cinco anos imediatamente anteriores (1986 a 1991), conforme dispunha seu art. 143, na redação original. Para tanto, sabidamente, faz-se necessário um princípio de prova material, suplementado por provas orais (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91; Súmula 149/STJ). Desse ônus se desincumbiu a autora, juntando aos autos os seguintes documentos:

a) certidão de casamento datada de 27.09.52, na qual consta que o marido da autora é lavrador (fl. 09);

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b) contrato de parceria agrícola no município de Paranavaí – Paraná, em nome do marido da autora, com prazo de dois anos a contar de 01.10.59 até 01.10.61 (fl. 21);

c) contrato de parceria agrícola no município de Paranavaí – Paraná, em nome do marido da autora, com duração de três anos, ou seja, de 01.10.69 até setembro de 1972 (fl. 22);

d) contrato de parceria agrícola no município de Paranavaí – Paraná, em nome do marido da autora, durante o período de quatro anos, a contar de 30.09.73 até 30.09.77 (fl. 23);

e) contrato de parceria agrícola no município de Paranavaí – Paraná, em nome do marido da autora, pelo prazo de quatro anos, iniciando-se em 30.09.75 até 30.09.80 (fl. 24);

f) contrato de parceria agrícola no município de Paranavaí – Paraná, em nome do marido da autora, durante o período de dois anos, a contar de 30.09.80 até 30.09.82 (fl. 25);

g) contrato de parceria agrícola no município de Invinhema – Mato Grosso do Sul, em nome do marido da autora, durante cinco anos, com início em 30.09.86 até 30.09.91 (fl. 26);

h) notas fiscais, todas do município de Paranavaí – Paraná, em nome do autor, relativas aos anos de 1969, 1972, 1973, 1976, 1977, 1978, 1979, 1981, 1984. (fls. 27 a 39)

Esse elenco documental foi suplementado pelo depoimento das testemunhas que assim se manifestaram:

Agenor Manzato:“‘Que conhece a autora desde 1961, e que a autora trabalhava e trabalhou desde

então na lavoura, até, pelo menos, 1978 ou quando a família da autora foi para o Mato Grosso. Que o depoente residia na mesma propriedade rural a qual residia a autora, em Paranavaí - PR, que era dividida em partes, divididas entre famílias diversas. Que o depoente deixou a propriedade rural em que residia no ano de 1981, quando a família da autora já havia deixado a região. Que a autora tinha atividades rurais, trabalhava junto de seu marido e filhos. Que não contratavam empregados. Que a fazenda em que a autora residia era grande, dividida entre várias famílias. Que a parte da lavoura que cabia à família da autora era de cerca de 8 ou 9 mil pés de café’. Reperguntas pelo Procurador da Autora: ‘Que também a autora plantava outras culturas, como mandioca, em uma pequena culturas de subsistência, denominada ‘palhada’. Que o depoente visitou autora em Viema - Mas, em época que não se recorda e que a autora tinha mesma atividade que mantinha em Paranavaí - PR’. Reperguntas Procuradora do INSS: ‘Que não recorda quando a autora deixou Viema para residir em Sarandi - PR’.

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Nada mais disse nem lhe foi reperguntado.”

Valter de Oliveira:“Que conheceu a autora na região de Paranavaí - PR. Que a autora morava na

Fazenda São Bento. Que o depoente residia em uma propriedade rural vizinha à Fazenda São Bento. Que a autora trabalhava na lavoura. Que a autora também realizava os serviços do lar, mas as principais atividades que desenvolvia eram as rurais. Que a autora trabalhava junto com seu marido e filhos, apenas. Que não contratavam empregados. Que a família da autora cultivava café, mas também cultivava outras culturas para o consumo da família. Que, não sabe ao certo, mas talvez em 1984 ou 1985, a autora deixou aquela região, tendo se mudado para o ‘Mato Grosso’. Reperguntas pelo Procurador da Autora: ‘Nada’. Reperguntas pela Procuradora do INSS: ‘Nada’. Nada mais disse nem lhe foi reperguntado. Nada mais havendo.”

Ivanir Magri:“Que o depoente conhece a autora desde sua infância, na fazenda. Que a autora

cultivava lavoura de café. Que a autora trabalhava no lar e também na lavoura. Que, à época, era vizinho da autora. Que não tinham empregados. Que a via trabalhando junto com seu marido e filhos. Que a fazenda era em Paranavaí - PR e se chamava Fazenda São Bento. Que permaneceu naquela localidade de 1961 até 1981 e que a autora sempre trabalhou na lavoura, nas condições acima postas. Após este período a autora e o depoente se mudaram para Viema - MS, em fazendas diferentes. Que nessa localidade a autora continuou a trabalhar somente com sua família, sem ajuda de empregados, que sempre mantinham contato’. Reperguntas pelo Procurador da Autora: ‘Que a autora deixou a propriedade rural de Viema - MS em 1990 ou 1991, vindo para a cidade de Maringá’. Reperguntas pela Procuradora do INSS: ‘Que na propriedade de Viema era cultivado café. Que na propriedade de Paranavaí também era cultivado café’. Nada mais disse nem lhe foi reperguntado. Nada mais havendo.”

Ainda que parte da prova material não esteja em nome da autora, tal fato não elide o direito postulado. No regime de economia familiar, não obstante a produção ser resultado do trabalho de todos os membros do grupo, as notas fiscais, talonários e demais documentos são quase sempre expedidos em nome de quem está à frente dos negócios da família. Diante dessa hipótese, é facultado ao segurado utilizar documentos em nome alheio como princípio de prova material. Nesse sentido, precedente desta Corte:

“PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – APOSENTADORIA POR IDADE – RURÍCULA – PROVA MATERIAL – CERTIDÃO DE CASAMENTO – CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

- A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido constante dos

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assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural, corroborada com os depoimentos testemunhais.

- Precedentes.- Recurso conhecido e provido.”. (REsp nº 278.986/SP, 5ª Turma do STJ, Rel. Min.

Jorge Scartezzini, DJ de 05.02.2001, p. 125)

“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. EMBARGOS INFRINGENTES. COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES AGRÍCOLAS NO PERÍODO EXIGIDO EM LEI. DOCUMENTOS EM NOME DO MARIDO. QUALIFICAÇÃO COMO DOMÉSTICA.

1. Documentos comprobatórios da comercialização da produção agrícola, emitidos em nome do marido, são hábeis à constituição de início razoável de prova da condição de segurada especial de seu cônjuge, desde que desenvolvido o trabalho agrícola em regime de economia familiar, como no caso.

2. A qualificação da segurada especial como doméstica no título de eleitora não tem o condão de, por si só, afastar o conjunto probatório no sentido da atividade agrícola da demandante.”. (EIAC nº 97.04.57428-2/RS, Terceira Seção, Relatora Juíza Virgínia Scheibe, DJU de 02.02.2000)

A informalidade do trabalho rural abrange não apenas o “bóia-fria”, ou trabalhador “volante”, mas também outros regimes de trabalho, como os de porcentagem e arrendamento, principalmente quando desenvolvidos em pequenas áreas. Assim, nos casos de arrendatários e parceiros rurais, também não é de rigor a exibição dos respectivos contratos de parceria ou arrendamento. Mesmo na hipótese de trabalho assalariado não se pode impor ao rurícola a comprovação do contrato através de anotação em CTPS ou outro documento escrito, pois ainda hoje o empregador rural evita, por todas as formas, documentar as relações trabalhistas, para fugir aos decorrentes encargos. A instituição do “bóia-fria” mais não é que uma das muitas fraudes adotadas para mascarar as relações de trabalho.

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Essa fraude é praticada à vista de todas as autoridades encarregadas da fiscalização do trabalho – inclusive das previdenciárias – sem que haja medidas eficazes para combatê-la. Não se pode exigir do trabalhador, que é a parte mais fraca e prejudicada na cadeia da produção rural, que faça prova plena de contratos que o empregador prima por dissimular.

A alegação do INSS de que a autora trabalhou em localidades diferentes no mesmo período, obtida na esfera administrativa, não foi reproduzida em Juízo. A prova produzida em Juízo comprovou o efetivo exercício da atividade rural da autora, em sistema de arrendamento, durante considerável período, em regime de economia familar.

Destarte, da análise do conjunto probatório dos autos é de se reconhecer o exercício da atividade agrícola da autora, pelo que tem direito ao benefício de aposentadoria rural por idade, desde 19.10.96.

5 – De ofício, ante a omissão do julgado, para fins de correção monetária, são aplicáveis os seguintes índices oficiais: ORTN (10/64 a 02/86); OTN (03/86 a 01/89); BTN (02/89 a 02/91); INPC (03/91 a 12/92); IRSM (01/93 a 02/94); URV (03 a 06/94); IPC-r (07/94 a 06/95); INPC (07/95 a 04/96) e IGP-DI (a partir de 05/96), observando-se as incidências respectivas, no caso concreto. Tendo em vista o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, a correção monetária deve incidir desde o momento em que era devida cada prestação.

6 – Como a sentença não definiu um percentual, supro a omissão, de ofício, para que sejam contados à razão de 12% ao ano, a contar da citação. Afasta-se a aplicação do disposto no art. 1.062 do Código Civil, por se tratar de verba de natureza eminentemente alimentar, segundo entendimento consolidado desta Corte e do STJ, pelo que se extrai dos Embargos de Divergência no REsp nº 209.073-SE, com decisão unânime da Terceira Seção, julgado em 24.05.2000, tendo por relator o Min. Hamilton Carvalhido.

7 – Pacificou-se nesta Turma que os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor das parcelas da condenação vencidas até a sentença (Súmula 111 do STJ). Portanto, a verba honorária, fixada em 10% sobre o valor da causa, R$ 3.000,00 (três mil reais), não se mostra excessiva.

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Em face do exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial e, de ofício, supro a omissão da sentença no tocante aos índices de correção monetária e quanto à fixação dos juros moratórios.

É o voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.015137-8/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

Agravado: Valdir Leitempergher Advogados: Drs. Hercilio Schmidt e outro

EMENTA

Agravo de instrumento. Processo Civil. Previdenciário. Ausência de requerimento administrativo. Aposentadoria. Atividade especial.

1. A tese da indispensabilidade de requerimento administrativo não pode ser usada como instrumento para postergar a solução de lides já latentes; assim, até pelo princípio da lealdade processual, impõe-se que o Instituto, ao contestar, manifeste-se de pronto sobre o mérito da questão, o que, aliás, decorre do princípio da eventualidade. Se o INSS não admite e impede a prova pericial e testemunhal das condições especiais de trabalho do segurado, não possuindo o demandante outros meios para prová-las, é evidente que o benefício lhe seria negado administrativamente.

2. Tratando-se de comprovação de tempo exercido em atividade especial, o juiz pode determinar que a perícia seja realizada em estabelecimento similar, se a empresa em questão já tiver encerrado suas atividades.

ACÓRDÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 75-367, 2002278

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 8 de agosto de 2002.Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo INSS contra decisão do MM. Juiz Federal Substituto da 1ª Vara Federal de Blumenau que: a) não acolheu preliminar de carência de ação do autor por ausência de requerimento administrativo; b) deferiu produção de provas testemunhal e pericial, requeridas pelo demandante para verificação das condições de trabalho laborado em duas empresas; c) fixou honorários periciais e d) determinou a intimação do autor para, no prazo de 15 dias, promover a juntada aos autos do formulário SB-40/DSS8030, referente às atividades por ele desempenhadas na empresa Ricardo Beyer S/A.

O agravante sustenta, em síntese: a) haver carência de ação, por ausência de requerimento administrativo e b) ser nulo o dispositivo que deferiu a prova pericial, pois, passados quase 20 (vinte) anos, as condições e o ambiente de trabalho sofreram alterações, não justificando a realização de perícia para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial.

Requereu a concessão de efeito suspensivo, pedido indeferido à fl. 74 e verso.

Sem interposição de recurso contra essa decisão e sem resposta do agravado, vieram os autos conclusos a esta Corte para julgamento do agravo de instrumento.

É o relatório.VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:

1 – De acordo com a decisão recorrida, o INSS contestou o feito, alegando que o autor seria carecedor de ação em decorrência de

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 1998.04.01.068939-7/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Autores: Silas Souza Leal e outroAdvogados: Drs. Júlio Antônio Simão Ferreira e outro

Ré: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Réu: Rogério Pimpão de Assis PachecoAdvogados: Drs. Marilena Indira Winter e outro

EMENTAProcessual Civil. Ação rescisória. Art. 485, V e IX , do CPC.

Requisitos.1. Não ficou demonstrado, nos autos, que houve violação à literal

disposição da Lei nº 8.009/90, tendo sido apreciada a prova vinda aos autos e concluído o julgador pela não-demonstração dos pressupostos de impenhorabilidade nela estabelecidos.

2. Somente se justifica a ação rescisória fundada em erro de fato quando seja razoável presumir que, se houvesse atentado na prova, o juiz teria julgado de forma diversa da que julgou, não quando tenha apreciado mal a prova. Ademais, no caso presente, houve controvérsia e pronunciamento judicial a respeito, o que não caracteriza erro de fato. (§ 2º do art. 485, CPC)

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar improcedente a ação rescisória, na forma do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de abril de 2002.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de ação rescisória proposta por Silas Souza Leal e outro, visando a rescindir sentença, com fundamento no art. 485, V e IX, do CPC, proferida nos autos de ação de embargos à arrematação, que julgou improcedentes os embargos em que o autor pretendia demonstrar a impenhorabilidade de residência levada a leilão para satisfazer crédito tributário da União contra empresa em que fora sócio, mas cujo afastamento datava de longo tempo, não sendo, portanto, responsável pelo débito.

O julgamento realizado teria violado literal dispositivo de lei, qual seja, o art. 1º da Lei 8.009/90, uma vez que Silas nunca deixou seu domicílio em Curitiba, mas que, ainda que tivesse mudado de domicílio, não tivesse mais ânimo de se estabelecer naquela cidade ou que seu casamento estivesse rompido pelo abandono ao lar, ainda assim a proteção da Lei 8.009/90 se estenderia à sua residência, uma vez que lá morava a entidade familiar constituída pela autora Antônia Cezar Leal e seu filho Marcos.

Segundo a inicial, o Exmo. Juiz Federal embasou sua decisão em premissa equivocada, tendo desqualificado o bem de família dos autores com base em fatos falsos ao tomar como cabal a informação de que Silas estivesse em local incerto e não sabido, colhida de seu filho, menor incapaz (fl. 76 verso); desprezar certidão (fl. 83) que demonstra que a autora Antonia Cezar Leal morava na casa, bem como tendo como inconteste a presença de uma pessoa denominada Walter Pereira como único morador da residência dos suplicantes em fevereiro de 1992. (fl. 96 verso)

Ademais, Silas não mais fazia parte dos quadros sociais da empresa executada no período dos débitos, dela tendo se retirado em 01 de agosto de 1984, alteração contratual que foi protocolada na Junta Comercial

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do Paraná em 03 de agosto de 1984 (fls. 115/117). Após o leilão de sua residência, o arrematante desistiu da arrematação, tornando ineficaz a expropriação da residência dos requerentes. (fl. 123)

Por fim, requereram efeito suspensivo à rescisória, pedindo seja declarada a sentença atacada rescindida para os efeitos de desonerar a residência dos autores da penhora e da arrematação procedidas, bem como a exclusão dos autores como responsáveis tributários pela dívida fiscal presente nos litígios, tendo em vista que não ficou provado nos autos excesso de mandato ou infração de lei praticados por Silas no tempo em que figurava no quadro social da empresa.

Em contestação (fls. 198/201), a Fazenda aduz que todas as questões levantadas nos embargos à arrematação restaram preclusas e não poderiam ter sido objeto de apreciação pelo Juiz Federal de Curitiba.

O réu Rogério Pimpão de Assis Pacheco (fls. 222/235) sustenta, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que não houve erro de fato na sentença rescindenda, mas completa apreciação do conjunto probatório, pretendendo o autor, em verdade, reexame dos fatos. Ainda em preliminar, aduz a impossibilidade do deferimento de efeito suspensivo, tendo em vista que a sentença rescindenda já foi executada, o imóvel foi arrematado e resta registrado em favor do réu, que hoje é seu legítimo proprietário. Alega, ainda, que a rescisão da sentença dos embargos à arrematação não tem o condão de desconstituir a penhora, que seria matéria já preclusa. No mérito, alega a preclusão das matérias trazidas a juízo, diz que a análise dos autos não demonstra que o imóvel seja destinado à residência de família e que não desistiu da arrematação, juntando cópias da carta de arrematação e do registro imobiliário. (fls. 238 e 256 verso)

Não houve réplica.Em sede de alegações finais (fls. 274-281), o réu Rogério Pimpão de

Assis Pacheco reitera parte dos argumentos da contestação, afirmando que não houve erro de fato na sentença rescindenda, que o imóvel não restou caracterizado como bem de família e que a rescisão não induziria as partes ao status quo ante, de modo a alcançar o efeito pretendido pelo autor. Alega que os autores detêm posse injusta e de má-fé do imóvel, evidenciada pelo descumprimento do dever de desocupação decorrentente da alienação do imóvel em decorrência da arrematação.

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Sem manifestação da Fazenda e dos autores, opinou o Ministério Público Federal pela improcedência da ação. (fls.258-261)

O réu apresentou impugnação ao valor da causa, tendo sido alterado, conforme decisão de fl. 14.

É o relatório.Dispensada a revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Em execução contra a empresa Plastime Indústria e Comércio de Plástico, da qual o autor Silas foi sócio, foram penhorados bens da empresa, ficando o sócio-gerente Luciano Cândido Fortes Ferraz como depositário. (fl. 39)

Solicitado reforço de penhora duas vezes, o oficial de justiça certifica a existência de penhoras que excedem o valor do débito e garantem a execução global dos apensos. Marcado leilão destes bens, o mesmo foi sobrestado em virtude de pedido de parcelamento da dívida em dez meses (fl.52), que, todavia, não foi cumprido. Em novo leilão, não houve lance (fl.61), e o mandado de reforço da penhora não foi cumprido, porque a executada alterou seu endereço e o sócio não foi encontrado (fl.65v). Citado o outro sócio (fl.67), foi comprovado seu falecimento em novembro de 1985 (fl. 68), e seus herdeiros não possuíam bens. (fl. 72v)

Com base em informação prestada pela Fazenda, de que o autor da rescisória ainda era sócio, a execução foi dirigida a seus bens. Não tendo sido encontrado, foi informado, pelo filho menor, que trabalhava em São Paulo, não sabendo informar o endereço correto, presumindo o oficial de justiça estar em local incerto e não sabido. (fl. 76v)

Esta presunção é tida como inverídica pelo autor, entendendo nula a citação editalícia ocorrida posteriormente (fl. 85). O fato é que a matrícula do imóvel encontra-se em nome do autor (fl.80v), e a esposa deste foi localizada e informou residir lá, tendo sido dada ciência da execução (fls. 82 e 83). Ademais, em três outras ocasiões, não foram encontrados os autores ou familiares na residência (fls. 89 e 90), e, quando encontrados, não informaram endereço em São Paulo, alegando desconhecê-lo. Como bem salientado na sentença que se procura rescindir (fl. 253), a citação por edital não foi precipitada e nem pode ser tida como nula, tendo cumprido os requisitos do art. 22, caput, da Lei nº 6.830/80.

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Quanto à ilegitimidade de parte, porque o autor não seria sócio da empresa na época, é matéria que se encontrava preclusa e deveria ter sido alegada em embargos à execução, não podendo ser objeto de embargos à arrematação, porque esta somente diz respeito à nulidade da execução, pagamento, novação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à penhora, na forma do art. 746 do CPC, o que, efetivamente, não era o caso.

Por fim, resta, ainda, a alegação de que o imóvel era impenhorável, por ser o único de propriedade dos autores e, portanto, enquadrável como bem de família. Sustenta-se, na inicial, que a pessoa que recebeu a citação- Walter Pereira- não existe (fl. 23), que poderia ser um locatário de um dos cômodos da casa. A par de ser estranho que se alegue morar na residência e ser o proprietário, mas não saber informar se realmente a pessoa encontrada é inquilina ou não (“poderia ser”), os próprios autores, em apelo da sentença que julgou os embargos, afirmam que a pessoa encontrada é sobrinho dos autores ( fl. 137, § 5º). Não é demais lembrar que a certidão do oficial de justiça goza de fé pública, não podendo a falsidade ser pura e simplesmente alegada como o foi. Causa estranheza, também, a dificuldade de localizar pessoas que moram numa residência há muito tempo como alegado, sendo certo, ainda, que, apesar de juntada a declaração de imposto de renda do autor Silas, com ela não veio a lista dos bens declarados (fls. 142-149) e seu contrato de trabalho comprova vínculo com empresa de São Paulo, no período de setembro de 1989 a novembro de 1991 (fls.177 e 179). Como bem salientado pelo réu, no momento processual correto, não produziram prova oral, não tendo comprovado que o bem, efetivamente, é o único para a família.

Ora, percebe-se por tudo que foi exposto até o presente momento, que, em realidade, o autor busca a rediscussão do mérito da sentença que lhe foi desfavorável e que transitou em julgado. Como demonstrado, boa parte das alegações já se encontravam preclusas quando dos embargos à arrematação. E a ofensa à literal disposição de lei – que ensejaria a ação rescisória – dizia respeito à Lei nº 8.009/90, não restando comprovada na presente ação. Aliás, o julgador entendera que a impenhorabilidade se refere apenas a imóveis nos quais resida a família do executado, e isto não ficara demonstrado cabalmente. Vale dizer, examinou a prova vinda aos autos e entendeu não se enquadrar o imóvel como impenhorável.

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Ademais, a própria jurisprudência colacionada pelos autores (fl. 18) dá conta de que seria necessária a demonstração de que o imóvel é único e é destinado à moradia do casal.

Desta forma, a ofensa à literal disposição de lei somente é cabível quando a interpretação dada a esta destoa do seu texto, não sendo a rescisória um recurso a permitir o reexame da questão e da prova, e nem podendo ser admitida para corrigir eventual injustiça na apreciação desta. Não fica demonstrada a violação de literal disposição da Lei nº 8.009/90, antes existindo divergência no tocante à apreciação da prova produzida nos autos.

No que diz respeito ao erro de fato, este deve decorrer da desatenção do julgador e não da apreciação da prova, consistindo em admitir um fato inexistente ou considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido (§ 1º do art. 485 do CPC). Nas duas hipóteses, todavia, é necessário que “não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato” (§ 2º do art. 485 do CPC). Ou seja: a sentença teria chegado à conclusão diversa, não fora o erro de fato ( RTJ 136/55), de sorte, portanto, a ser “razoável presumir que o juiz não teria julgado como o fez se tivesse atentado para a prova” (STF- Pleno, AR 991-6/PB, DJ 21.03.80, p. 1550). E isso não ocorreu.

Os documentos juntados aos autos demonstram a presença de Walter Pereira no local, não sabendo os autores informar sob que condição e não existindo demonstração de que efetivamente residam no local. As certidões não teriam induzido o julgador a erro, tendo sido avaliada toda a prova apresentada. Além disto, houve controvérsia e pronunciamento judicial a respeito ( § 2º do art. 485 do CPC). O sentido do dispositivo legal, portanto, é de que: “só se justifica a abertura de via para a rescisão quando seja razoável presumir que, se houvesse atentado na prova, o juiz não teria julgado no sentido em que julgou. Não, porém, quando haja ele julgado em tal ou qual sentido por ter apreciado mal a prova em que atentou.”. (BARBOSA MOREIRA, J. C. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. Vol V, p. 134)

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Assim sendo, não-comprovada a incidência, no caso, dos incisos V e IX do art. 485 do CPC, julgo improcedente a ação rescisória. Arbitro os honorários em 10% sobre o valor atualizado da causa.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.123831-8/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Agravante: Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - INMETRO

Advogados: Drs. Oswaldo Ferreira de Siqueira Neto e outrosAgravado: Açougue Dragão de Ouro Ltda.

EMENTA

Processual Civil. Agravo de Instrumento. Citação em execução fiscal mediante mandado a ser cumprido por oficial de justiça – faculdade conferida ao exeqüente. Endereço já visitado por funcionário dos correios.

O promovente de execução fiscal tem a faculdade de exigir a tentativa de citação por mandado a ser cumprido por oficial de justiça, não só porque há fundamento legal a tanto (LEF, art. 8º, I) como também porque a atividade precedentemente desempenhada junto ao mesmo endereço pelos Correios é distinta e desvestida de fé pública. Nisso não há recalcitrância do exeqüente, mas legítimo interesse em localizar o devedor e realizar o seu direito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto

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e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de outubro de 2001.Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de agravo de instrumento tempestivo interposto de r. decisão (fl. 27) em execução fiscal promovida perante o MM. Juízo da 2ª Vara de Execuções Fiscais, pela qual foi indeferido o pedido de citação da empresa executada por mandado a ser cumprido por oficial de justiça, ante a frustrada tentativa empreendida mediante carta, pelo serviço dos Correios.

Sustenta o agravante que deve ser reformada a r. decisão objurgada, pois a informação prestada pelos Correios (no sentido de que a executada se mudou), apesar de mais atual, não é capaz de infirmar os dados constantes na Junta Comercial (que serviram de fundamento ao pedido indeferido), ademais de constituir faculdade a si outorgada, como credor. (LEF, art. 8º, I)

O recurso foi processado sem efeito suspensivo (fl. 29), sendo dispensadas tanto as informações como a intimação da parte agravada.

Vieram-me os autos por redistribuição.É o relatório. Sem revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Merece provimento o recurso. Confiro.

Recebida a execução fiscal, foi expedida carta de citação (fl. 16), a qual foi devolvida ao remetente com a aposição de sinal sobre opção pré-impressa que não se divisa claramente indicada (podendo ser “mudou-se” ou “não encontrado”). Gizo, desde logo: tal circunstância não modifica a compreensão que tenho do questionamento de fundo.

Consultando, então, o exeqüente, o cadastro da Junta Comercial do Paraná verificou que o endereço constante naquele ente é o mesmo antes utilizado. Talvez com isso se pudesse suscitar o despropósito da providência reclamada, dizendo com a tentativa de citação por mandado, a ser cumprido por oficial de justiça. Não compartilho, contudo, tal

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entendimento.É que, penso, há de se compreender a finalidade e o interesse do

exeqüente. E, a tanto, identifico o manifesto embasamento legal (LEF, art. 8º, I, pelo qual “a citação será feita pelo Correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma”), ao que se segue variada gama de motivos.

Afigura-se-me desde logo um, que reputo de especial relevância: a fé pública que detém o servidor da Justiça, em contraposição à falta dessa condição pelo empregado dos serviços postais.

Mas não é só.As próprias atividades desempenhadas por um e outro são distintas. O

oficial de justiça, certamente, não se limitará a informar que o promovido não tem mais domicílio no endereço indicado como também descreverá todas as circunstâncias que lhe pareçam relevantes, tais como a existência de outro estabelecimento no local, a identificação de quem lá esteja em atividade, a aparência de não estar sendo usado para qualquer fim etc.

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E isso não apenas não foi nem será feito pelo empregado dos Correios, como tampouco caberia dele ser exigido.

Não me parece, portanto, recalcitrância do exeqüente, mas, isto sim, legítimo interesse em esgotar validamente as possibilidades de localização do executado e assim realizar o seu direito.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso.É como voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.072396-5/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Agravante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Agravados: Serviço de apoio às micro e pequenas empresas de Santa Catarina -Sebrae/SC e outros

Advogados: Drs. Júlio Cézar Sampaio Teixeira e outrosAgravada: Financusto Consultoria e Treinamento Ltda.

Advogados: Drs. Marco Antônio Ewald e outrosAgravados: Decisão Assessoria Comercial Ltda.

Cooperativa de Trabalho do Oeste de Santa Catarina - COOTRAOESC

Abaide Consultoria Rural Ltda.Silmaz Sistema de Assessoria Vendas e Participações Ltda.

Cooperativa dos Profissionais Liberais - COOPROLJr Kretzer e Consultoria Ltda.

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Ruan Pesquisa de Mercado e Assessoria Ltda.Convene Assessoria e Consultoria Empresarial Ltda.

Interessado: José Ronaldo NunesAdvogados: Drs. Miguel Hermínio Daux e outros

EMENTA

Processual Civil. Ação popular contra o SEBRAE. Competência federal.É de competência absoluta da Justiça Federal processar e julgar ação

popular promovida contra o SEBRAE em razão de apontada irregular gestão de verbas advindas de contribuições parafiscais, bem como em face da qualificação legal dessa entidade como autarquia, no contexto, dada pela Lei nº 4.717/65.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de outubro de 2002.Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de agravo de instrumento tempestivo interposto de r. decisão (fls. 18 a 21) proferida em ação popular, versando sobre a nulidade de convênio/contrato firmado sem licitação, em trâmite perante o MM. Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis/SC. A insurgência é posta contra o decisum que, reconhecendo a incompetência absoluta da Justiça Federal ao processamento e julgamento da lide, determinou a remessa dos autos à douta Justiça Estadual.

Segundo argumenta o recorrente, a qualificação de autarquia dada ao Serviço de apoio às micro e pequenas empresas de Santa Catarina — SEBRAE/SC tem fundamento em dispositivo legal; no haurimento de contribuição parafiscal; na sujeição à fiscalização pelo Tribunal de Contas da União; e em interpretação teleológica e sistemática, justificando-se,

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assim, a competência da Justiça Federal.O recurso foi processado com efeito suspensivo. (fls. 34/35)As informações pertinentes foram prestadas pelo MM. Juízo da causa. (fl.

38)O SEBRAE/SC apresentou resposta. (fls. 47 a 56)É o relatório. Sem revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: O questionamento de fundo da manifestação recursal diz com a definição da Justiça competente – se federal ou estadual – ao processamento e julgamento de ação popular movida contra o Serviço de apoio às micro e pequenas empresas de Santa Catarina – SEBRAE/SC, entre outros.

Inicialmente, gizo que a natureza autárquica do SEBRAE/SC, especificamente para os fins de ação popular, é atribuída pela conjugação do disposto no artigo 28, alínea a, do seu Estatuto Social (fls. 59 a 67) com a disciplina da Lei nº 4.717/65, que, em seu artigo 20, alínea c, literaliza:

“Art. 20. Para os fins desta Lei, consideram-se entidades autárquicas: ...c) as entidades de direito público ou privado a que a lei tiver atribuído competência

para receber e aplicar contribuições parafiscais.”

Nessa esteira, colaciono rr. precedentes desta Corte :“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR.

COMPETÊNCIA. Movida a demanda, dentre outras, contra entidade que, por ter competência para

receber e aplicar contribuição parafiscal, a Lei nº 4.717/65 considera autárquica, é de ser tido por competente o juízo das causas da União, a teor do disposto no respectivo art. 5º, §§ 1º e 2º. A Lei nº 4.717/65 não foi derrogada pela Lei nº 8.029/90. (AG nº 2000.04.01.125925-5/SC, Rel. Juiz Valdemar Capeletti, quarta turma, DJU 18.04.2001, p. 334)

PROCESSO CIVIL. DEMANDA CONTRA SEBRAE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

O SEBRAE, mesmo sendo uma sociedade civil sem fins lucrativos, mantém-se com verbas provenientes da contribuição social prevista na Lei nº 8.029/90, alterada pela Lei nº 8.154/90, além de outros rendimentos. Neste sentido, enquadra-se na Lei nº 4.717/65, art. 20, c, sendo considerado entidade autárquica, estando sujeito à jurisdição da Justiça Federal, nos termos do art. 5º, §§ 1º e 2º, do mesmo diploma legal.” (AG nº 2000.04.01.066997-8/SC, Rel. Juiz Edgard Lippmann, quarta turma, DJU 20.12.2000,

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p. 204)

A conclusão supra não se transmuda em face do argumento de não-recepção da Lei nº 4.717/65 pela atual Constituição da República, na medida em que o mesmo regramento foi recepcionado pelo vigente Sistema, e o foi por inteiro, incluído, portanto, o dispositivo alusivo à competência. E assim o é tanto mais porque à Entidade se dá meramente a concepção de autarquia – gizo: aos fins exclusivos de estabelecer a competência jurisdicional – sem com ela se estabelecer identidade absoluta.

É dizer: não se desconhece que o SEBRAE/SC não foi instituído por lei e sabe-se que ente da espécie autarquia somente cabe ser criado por esse ato legislativo típico. Já o era no sistema anterior de regência (DL nº 200/67, art. 5º, I) e assim está mantido na atualidade (CF/88, art. 37, XIX). Não se propõe diversamente. Ocorre que a Lei nº 4.717, de 29.06.65, no quanto aqui considerado, não alcança e sequer poderia interferir na estrutura da Administração (sujeita ao superveniente regime normativo supracitado), apenas se limitando a sujeitar as entidades tal qual o SEBRAE/SC à Justiça Federal, para os fins exclusivos de sua aplicação.

Cumpre trazer à colação a decisão da egrégia Segunda Seção a respeito, resolvendo incidente de uniformização de jurisprudência:

“INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. DEMANDA CONTRA SEBRAE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

- O SEBRAE, mesmo sendo uma sociedade civil sem fins lucrativos, mantém-se com verbas provenientes da contribuição social prevista na Lei n° 8.029/90, alterada pela Lei n° 8.154/90, além de outros rendimentos. Neste sentido, enquadra-se na Lei n° 4.717/65, art. 20, c, sendo considerado entidade autárquica, estando sujeito à jurisdição da Justiça Federal, nos termos do art. 5°, §§ 1° e 2°, do mesmo diploma legal.

- Acolhido incidente para declarar a competência da Justiça Federal.” (IUJAG nº 2000.04.01.147184-0/SC, Rel. p/ Acórdão Des. Fed. Edgard Lippmann, maioria, DJU 10.04.2002, p. 425)

Em reforço, não bastasse a disciplina do artigo 20, c, antes mencionado, há ainda a considerar que, à margem da consideração da espécie ou natureza da pessoa, tal qual ali referido, incide o disposto no artigo 5º da mesma Lei nº 4.717/65, tomando em consideração prevalente os atos praticados por entidades subvencionadas pela União, in verbis:

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“Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação, processá-la e julgá-la, o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município.

§ 1º Para fins de competência, equiparam-se a atos da União, do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios, os atos das pessoas citadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial.

§ 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou entidade, será competente o juiz das causa da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, se houver.” (grifei)

Nessa disposição se divisa claramente a opção do legislador em submeter à Justiça Federal os atos, a conduta externa, a interferência concreta no mundo externo, de toda e qualquer entidade subvencionada pela União, independentemente de sua constituição interna, formal ou ontológica.

Mutatis mutandis, é como se dá, no plano penal, ao se considerar funcionário público mesmo quem, transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função, ainda que em entidade paraestatal. (CP, art. 327, § 1º)

Também cabe referir que, aos fins de mandado de segurança, são considerados autoridades também os representantes ou administradores de pessoas naturais ou jurídicas particulares no quanto (e somente nisso) compreendidas as funções delegadas pelo Poder Público. (Lei nº 1.533/51, art. 1º, § 1º)

Em ambos os casos, não se transmuda a natureza do agente, mas apenas e tão-somente se o submete a processamento diverso daquele que teria, acaso inexistente a opção legislativa efetivamente havida.

Assim, sob qualquer das perspectivas, a competência da Justiça Federal permanece hígida aos fins, insisto, do tão-só processamento de ação popular, enquanto essa versar sobre a gestão de verbas públicas alcançadas pela União.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento. Faço-o para fixar a competência da Justiça Federal ao processamento e julgamento da ação de origem.

É como voto.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.082992-5/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Agravante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Agravado: Hermes Macedo S/A - Massa FalidaAdvogados: Dr. Luiz Carlos Maffazioli

Dr. Alexandre Belmonte dos Santos

EMENTA

Juízo falencial ou da execução fiscal. Responsabilidade pela arrecadação de todos os bens da massa falida.

Estando instalado o juízo universal pela quebra da empresa, para onde devem acorrer todos os credores, nada mais prático e lógico do que naquele juízo serem encaminhados todos os valores apurados na realização do ativo. E não é só. Para aquele mesmo juízo, deve permanecer a responsabilidade da arrecadação de todos os bens de propriedade da massa falida, constritos ou não, uma vez que tem melhores condições para realizar as licitações judiciais, podendo fazê-lo por lotes, ou não, e, conseqüentemente, tendo a perspectiva de apurar valores mais expressivos em favor da massa, que, ao fim e ao cabo, só beneficiará os credores.

Ademais, inexiste qualquer risco de prejuízos para a exeqüente, ora agravante, porquanto a venda dos bens é feita pelo valor da avaliação e com conhecimento prévio dos credores, os quais poderão, não só impugnar a avaliação, como a própria alienação.

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de abril de 2002.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de agravo de instrumento interposto da decisão do MM. Juízo a quo colocada nos seguintes termos na execução fiscal nº 00.0105676-0:

“1. A exeqüente veio aos autos (fls. 37/45) juntar demonstrativo atualizado do débito em conformidade com a sentença proferida às fls. 17/19 e, ainda, requerer a designação de data para praça dos bens de fls. 13/14 já que a penhora foi efetivada nestes autos em 07.11.88, anteriormente à data em que foi decretada a quebra da executada (26.02.97).

Anoto que nestes autos, efetivou-se a penhora sobre os bens descritos à fl. 13, ou seja, 05 condicionadores de ar, sendo que, em data de 26.02.97 foi decretada a falência da executada. (fl. 44)

A Súmula nº 44 do TRF dispõe que:

‘Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico.’

O STJ tem dado aplicação a essa súmula, mantendo a penhora anterior à decretação da falência. Quanto ao destino do produto da arrematação, porém, há divergência. A 1ª Turma tem dito que o resultado obtido se subordina à concorrência preferencial dos créditos, conforme a ordem estabelecida legalmente. Já a 2ª Turma tem afirmado que o produto do leilão do bem penhorado anteriormente à decretação da quebra deve ficar no juízo da execução fiscal.

Ora, parece-me que essas duas questões (da manutenção ou da penhora e da destinação do produto da arrecadação) estão visceralmente ligadas. É que, com a devida vênia da 1ª Turma do STJ, não faz sentido manter-se a penhora e efetivar-se o leilão dos bens penhorados no juízo da execução fiscal e após enviar o dinheiro para o juízo da falência. Qual seria a vantagem desse procedimento para a Fazenda Pública? Muitas vezes, aliás, obtém-se um preço mais alto quando os bens são vendidos em conjunto, principalmente se fazem parte do fundo de comércio da empresa.

Quanto ao outro procedimento, da 2ª Turma do STJ, de se manter o produto da arrecadação no juízo da execução fiscal, abrem-se duas possibilidades: 1) paga-se o exeqüente e remete-se eventual sobra ao juízo da falência, sem se permitir a concorrência de credores, ou 2) permite-se a concorrência de credores no próprio juízo da execução

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fiscal. Esta última possibilidade não pode ser aceita. O juízo da falência serve exatamente para permitir a concorrência entre credores. Não faz sentido transferir-se essa concorrência para o juízo da execução fiscal, que não é especializado na questão, não dispõe do quadro geral de credores e nem conhece o total do ativo da massa.

No que se refere à primeira possibilidade, seria realmente o ideal para a Fazenda Pública. Ocorre que esse procedimento fraudaria a ordem legal de preferência dos créditos na falência, que é direito material dos credores. Essa ordem, vale lembrar, pela fundada na importância dos respectivos créditos, tanto que os primeiros a serem pagos são os credores por créditos alimentares.

Nesse passo, cabe consignar que não se desconhece a existência das regras dos arts. 5º e 29 da LEF, que parecem excluir o crédito fiscal do concurso de credores. Não é assim, contudo. Tais regras são meramente processuais. Seu objetivo é de que todas as discussões atinentes à dívida ativa da Fazenda Pública ocorram no juízo especializado. Mas referidas regras certamente não podem ser levadas ao ponto de alterarem a ordem legal de preferência estabelecida para o concurso de credores na falência. Nenhuma delas elimina o fato de que os créditos trabalhistas gozam de preferência em relação a todos os demais, inclusive os fiscais, consoante amplamente reconhecido pela jurisprudência.

Por conseqüência, ao se dizer que os créditos fiscais escapam ao juízo da falência, tem-se uma regra processual, que dispensa a habilitação dos créditos fiscais na falência, regra esta, todavia, que não elide a ordem legal de preferência dos créditos na falência, sendo que o pagamento de todos esses créditos deve ser feito pelo Juízo da falência, que é o que dispõe dos meios para tal.

Reconhecendo-se, pois, a preferência dos créditos trabalhistas e o fato de que, por via de conseqüência, o dinheiro arrecadado no juízo da execução fiscal deve sempre ser encaminhado ao juízo da falência, não faz sentido manter-se a penhora e o leilão de bens no juízo da execução fiscal, nos casos em que é decretada a falência da empresa executada.

Anoto, assim, que altero, nesse ponto, posição anterior, passando a entender que não se justifica a manutenção de penhora sobre bens de empresa falida, ainda que anterior à data de decretação da quebra.

Com essas considerações, declaro levantada a penhora efetuada à fl. 13, bem como indefiro os pedidos efetuados pela exeqüente às fls. 37/40 para intimação do síndico da massa para fins de reavaliação e designação de datas para leilão dos bens penhorados.

Anoto que o levantamento da penhora e a liberação do fiel depositário de seu encargo só surtirão efeito após a arrecadação dos bens em questão pela massa.

(...)2. Decorrido o prazo preclusivo, comunique-se o Sr. Síndico da massa falida

para arrecadação dos bens em questão, devendo a efetiva arrecadação ser informada nestes autos.

(...)”.

Insurge-se o agravante contra tal decisão, sustentando, em apertada síntese, que a execução fiscal deve ter um só processo desde a citação até o pagamento final devido ao credor. No seu entender, a decisão agravada vulnera o inciso I do artigo 109 da Constituição Federal, nega a vigência

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ao artigo 187 do Código Tributário Nacional e aos artigos 5º e 29 da Lei nº 6.830, de 1980. Assim, evidencia, in verbis, “(...) ao haver desconstituído a penhora consumada, sem a concordância da Fazenda Pública, esvaindo-se o certo pela duvidosa penhora no rosto dos autos, malferiu ao art. 15, da Lei nº 6.830/80, bem como ao princípio da inércia e imparcialidade do munus jurisdicional (arts. 2º e 126 do Código de Processo Civil).”

Pleiteou a concessão do efeito suspensivo, que foi indeferido (fls. 24/27), razão pela qual foi interposto agravo regimental.

Instada a se manifestar, a agravada apresentou resposta.É o sucinto relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Tenho como irrepreensível a decisão atacada. Efetivamente, estando instalado o juízo universal pela quebra da empresa, para onde devem acorrer todos os credores, nada mais prático e lógico do que naquele juízo serem encaminhados todos os valores apurados na realização do ativo. E não é só. Para aquele mesmo juízo, deve permanecer a responsabilidade da arrecadação de todos os bens de propriedade da massa falida, constritos ou não, uma vez que tem melhores condições para realizar as licitações judiciais, podendo fazê-lo por lotes, ou não, e, conseqüentemente, tendo a perspectiva de apurar valores mais expressivos em favor da massa, que, ao fim e ao cabo, só beneficiará os credores.

Ademais, inexiste qualquer risco de prejuízos para a exeqüente, ora agravante, porquanto a venda dos bens é feita pelo valor da avaliação e com conhecimento prévio dos credores, os quais poderão não só impugnar a avaliação, como a própria alienação.

O certo é que, havendo credores que preferem o crédito tributário, como sejam, os compromissos da massa e os créditos trabalhistas, não se justifica o estabelecimento de concurso de preferência na execução fiscal, onde inexistem dados atualizados e confiáveis acerca desses créditos, do quadro de credores, do total do ativo, informações essas que o juízo da falência detém, sem falar na falta de estrutura e especialização quanto a essas questões do juízo em que tramita o executivo fiscal.

Por fim, não vislumbro violação ao artigo 109, I, da Carta Política Brasileira, e nem negativa de vigência ao artigo 187 do Código Tributário Nacional e aos artigos 5º e 29 da Lei nº 6.830, de 1980, uma vez que tais

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regras são processuais, e a discussão do crédito tributário permanece na Justiça Federal. O que se transmuda para o juízo falimentar é tão-só a realização do ativo e o posterior pagamento dos créditos na ordem legal de preferência, o que nenhum desses dispositivos proíbe.

Isso posto, nego provimento ao agravo de instrumento e julgo prejudicado o agravo regimental, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.72.00.009254-9/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida

Apelante: Carmelita Luzia Back TurnesAdvogados: Drs. João Zanotto Filho e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

Interessado: Dorival Fredolino Turnes

EMENTA

Embargos de terceiro. Intimação do cônjuge. Meação. Ato ilícito. Necessidade de prova, a cargo do credor, de que houve benefício do cônjuge. Súmula 215 do STJ. Garagem. Bem de família. Não caracterização. Arrematação. Indivisibilidade do bem penhorado.

1. A embargante foi devidamente intimada da penhora sobre o bem imóvel, pelo que não há qualquer irregularidade neste tocante.

2. A meação só responde pela prática de atos ilícitos se restar provado, pelo credor, que houve benefício do cônjuge com o produto da infração à lei. Aplicação da Súmula nº 215 do STJ.

3. O bem constrito – garagem – não se encontra albergado pela Lei 8.009/90, porquanto é unidade autônoma, ou seja, possui matrícula

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própria.4. O imóvel penhorado, sendo indivisível, deve ir por inteiro à hasta

pública, reservando-se ao cônjuge o numerário relativo à meação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de setembro de 2002.Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de apelo interposto por Carmelita Luzia Back Turnes contra sentença que julgou improcedentes embargos de terceiro e condenou a embargante ao pagamento de honorários fixados em 5% do valor atribuído à causa.

Sustenta a recorrente que não foi citada para se defender na execução fiscal. Assevera que deve ser resguardada sua meação, cabendo ao embargado a prova de que a dívida reverteu em benefício do casal. Afirma que o imóvel é impenhorável, porquanto inserto na proteção outorgada pela Lei 8.009/90.

Apresentadas as contra-razões, vieram os autos.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Não prospera o argumento de que não houve citação para defesa na execução, uma vez que a ora embargante não é parte do processo executivo, bastando simples olhar à CDA para chegar a tal constatação. O que se pode cogitar é de ausência de intimação da penhora, já que o bem constritado pertence ao casal. Isso, porém, não ocorreu, uma vez que, à fl. 49, v., da execução fiscal, há a intimação da apelante no tocante à penhora realizada.

Quanto à meação, assiste razão à embargante, porquanto aquela só responde por ato ilícito – infração à lei – se o credor comprovar que houve proveito dos valores não-recolhidos, o que não ocorreu no caso.

O TFR, a propósito, editou a Súmula 112, a qual possui o seguinte teor:

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“Em execução fiscal, a responsabilidade pessoal do sócio-gerente da sociedade por quotas decorrente de violação à lei ou excesso de mandato, não atinge a meação de sua mulher.”

O STJ também possui o mesmo entendimento, de acordo com os arestos que seguem:

“Processual Civil. Execução Fiscal. Meação da Mulher. Penhora. Embargos de Terceiro. Legitimação da Meeira para Embargar. CTN, artigos 134 e 135. Lei 4.121/62, art. 3º. Súmulas 112/TFR e 134/STJ.

1. ‘A meação da mulher só responde pelos atos ilícitos praticados pelo marido, mediante prova que ela foi beneficiada com o produto da infração, Código Civil, art. 263, VI, nessa hipótese, o ônus da prova é do credor, diversamente do que se possa com as dívidas contraídas pelo marido, em que a presunção de terem favorecido o casal deve ser elidida pela mulher. Recurso Especial não conhecido.’ REsp. 50.443/RS – Rel. Min. Ari Pargendler.

2. A jurisprudência admite a exclusão da meação da mulher, penhorada para garantia da execução fiscal. Precedentes iterativos.

3. Recurso sem provimento.”. (REsp 121235/SP, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, DJ de 19.11.2001, p. 232)

“Processual civil e tributário - Recurso Especial - Sociedade por quotas de responsabilidade limitada - Sócios - Dívida fiscal por ato ilícito - Exclusão da meação - Ônus da prova - Impenhorabilidade - Divergência jurisprudencial não configurada -Súmula 83/STJ.

- A meação da mulher só responde pelos atos ilícitos praticados pelo marido, quando ficar provado que ela foi beneficiada com o produto da infração, cabendo o ônus da prova ao credor.

- A Lei 8.009/90 ao determinar sobre os bens impenhoráveis, além da residência, abarcou todos aqueles que usualmente a integram e que não se qualificam como objeto de luxo ou adorno.

- Na comprovação do dissenso interpretativo é necessário que o aresto recorrido e aqueles trazidos a confronto tenham apreciado, rigorosamente, o mesmo tema, à luz do mesmo preceito de lei federal então aplicado, porém dando-lhes soluções distintas.

- Incidência da Súmula 83/STJ.- Recurso não conhecido.” (REsp 141432/SP, Relator Ministro Francisco Peçanha

Martins, DJ de 22.11.99, p. 154)

Tal entendimento, aliás, restou cristalizado com a edição da Súmula nº 251 do STJ, in verbis:

“A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal.”

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No que concerne à impenhorabilidade do bem – garagem –, não assiste razão à recorrente.

Dispõe o artigo 1º da Lei nº 8.009/90:“O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável

e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

No caso, o bem penhorado – garagem – não faz parte do imóvel da apelante, isso porque é unidade autônoma, com matrícula própria, consoante se observa do documento de fl. 44, pelo que o bem penhorado não está albergado pelo artigo 1º da Lei 8.009/90.

Vejam-se, nesse sentido, as seguintes decisões:“AGRAVO DE INSTRUMENTO. VAGA DE GARAGEM. PENHORA. LEI-

8.009/90. 1. A vaga de garagem, com matrícula individualizada, é um bem autônomo, que

não compõe o chamado bem de família, nos termos positivados na LEI-8009/90, sendo cabível a sua penhora. Precedentes.

2. Nada impede apontá-la para ser objeto de constrição legal, como pretendido pela agravante.

3. Agravo de instrumento provido.”. (AG 96.04.03111-2/SC, Relator Des. Federal José Germano da Silva, DJ de 04.03.98, p. 568)

“CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. VAGA DE GARAGEM. PENHORA.I - As vagas de garagem de apartamento residencial, individualizadas como unidades

autônomas, com registros individuais e matrículas próprias, podem ser penhoradas, não se enquadrando na hipótese prevista no art. 1º da Lei nº 8.009/90.

II - Agravo regimental que não conseguiu infirmar as razões expostas na decisão agravada. Desprovimento.”. (AGA 377010/SP, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 08.10.2001, p.215)

Por fim, não obstante já ter havido arrematação, tenho que não há

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necessidade de anulação da mesma, isso porque o bem é indivisível, o que significa que o bem deve ser levado por inteiro à hasta pública – o que ocorreu – bastando o resguardo da metade do numerário arrecadado, em favor da recorrente.

Colaciono, a propósito, decisão do STJ:“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO

MANIFESTADOS POR MULHER DE EXECUTADO NA DEFESA DE SUA MEAÇÃO SOBRE APARTAMENTO PENHORADO. ARREMATAÇÃO. SUSPENSÃO. ART. 1.052, CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - A mulher de executado, intimada da penhora realizada sobre apartamento de propriedade do casal, está legitimada a oferecer embargos de terceiro na defesa de sua meação sobre referido imóvel.

II -Não comportando o bem cômoda divisão, deve ser levado por inteiro a hasta pública.

III - Os embargos de terceiro, em casos tais, somente possuem o efeito de suspender o curso da execução após a arrematação e apenas em relação a meação do cônjuge embargante, ficando o exeqüente, até solução final dos mesmos, impedido de levantar a metade do preço alcançado.”. (REsp 31234/MG, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 19.10.93, p. 25885)

Isso posto, dou provimento ao agravo de instrumento, a fim de possibilitar a penhora sobre o boxe de estacionamento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.019094-3/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Agravante: Marli OlianiAdvogados: Drs. Sergio Renato Costa Filho e outros

Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 75-367, 2002304

Agravo de instrumento. Tributário. Ação fiscalizadora. Sigilo bancário.

1. À míngua de atos que outorguem, ainda que de modo presumido, legitimidade à ação fiscalizadora, é inconcusso o desrespeito ao devido processo legal. Não se coadunando com as disposições de controle e segurança erigidas pelo decreto regulamentador, mostra-se viciado o procedimento administrativo-fiscal, o que recomenda sua imediata paralisação.

2. A esfera privada, a intimidade, qual seja sua faceta, tem absoluta proteção constitucional, cuja ameaça ou lesão efetiva deve ser reprimida vigorosamente, o que autoriza qualquer providência tendente à sua proteção.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 15 de agosto de 2002.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Ao ver denegada a tutela liminar perseguida em sede de medida cautelar inominada, a autora aciona o presente recurso pretendendo ver reformada a decisão colhida em primeira instância, almejando, inclusive em juízo sumário, a suspensão do procedimento administrativo-fiscal tombado sob nº 09100200-2001-00240-7, uma vez que, ao seu entendimento, à vista dos autos do procedimento, restou suficientemente provada a ilegal conduta da autoridade fiscal, porquanto as regras pertinentes ao envio e resguardo das informações bancárias não foram obedecidas. (fl. 005)

Acusa a recorrente que, no procedimento administrativo-fiscal, não está demonstrada a adoção de medidas especiais de segurança no intuito de guardar os documentos, atinentes à sua movimentação bancária, obtidos junto às instituições financeiras, como determina o Decreto nº 3.724/2001, mormente o art. 7º, §§ 1º e 2º, que enumera uma série de

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requisitos neste propósito.Deferido o efeito suspensivo.Com contra-razões.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Analiso a tutela de urgência requerida.

Refiro, numa primeira abordagem, que a questão devolvida diz com a regularidade da conduta da autoridade fazendária no âmbito do procedimento administrativo-fiscal de quebra de sigilo bancário, amparado na LC nº 105/2001, ressalvando que o mérito da medida invasiva está sendo questionado no MS nº 2001.70.01.006497-2, em curso perante a 2ª Vara Federal de Londrina/PR, no qual foi indeferida a medida liminar.

Sinteticamente, o i. Julgador a quo indeferiu a tutela liminar, timbrando de regularidade os atos administrativos, ao fundamento de que a autora, numa anômala forma de inversão do ônus da prova (fl. 027), pretende que a prova acerca da observância do sigilo de suas informações bancárias recaia sobre a autoridade administrativa, cujos atos se revestem, como já foi dito, de presunção de legitimidade. (fl. 027)

Consigna o art. 333 do CPC, ao proceder à distribuição do ônus da prova, que ao autor incumbe dar mostras do fato constitutivo do seu direito. Porém, a regra, já se disse, admitia exceções, mormente no caso de afirmativas relacionadas com fatos negativos, como na hipótese em relevo. Alicerçadas nas deficiências da percepção humana, que admite com facilidade o “ser”, porque concreto, e tem dificuldades reconhecidas no manejo do “não ser”, forjado a partir de um juízo negativo abstrato, doutrina e jurisprudência dispensavam sua prova – negativa non sunt probanda. A moderna orientação acerca do tema de direito probatório, contudo, afirma que:“com a insubsistência da máxima de que a negativa não se pode provar, nova inteligência passou a se dar aos textos romanos. Incumbe provar ei qui dicit, quer dizer, incumbe provar àquele que propõe em juízo; àquele que afirma uma situação jurídica como fundamento da ação, não a quem nega tal situação jurídica. Por isso, a prova incumbe ao autor – actori incumbit onus probandi.”. (Moacir Amaral Santos, in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, p. 333)

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Mesmo assim, afigura-se-me que a autora se desincumbiu do seu ônus. Diante da peculiaridade da prova da alegação a ser produzida – desvio ritual no procedimento administrativo-fiscal, fundamento fático do pleito, não vejo de qual outro meio poderia ela se valer senão o documental, limitado, na hipótese, aos atos perpetrados no bojo do procedimento administrativo-fiscal, porquanto tem validade aqui também a consagrada máxima de não estar no mundo o que não está nos autos. Se a pauta restringe-se à verificação da existência de atos da autoridade, a única fonte são os autos do procedimento administrativo-fiscal, o qual se desenvolve sob inspiração formulária e deve espelhar a sucessão de ações pertinentes ao tema da sua instauração.

Inexiste, então, a omissão da requerente no intento de provar suas afirmações, que sustentam nos autos do procedimento administrativo-fiscal, reproduzido na demanda de origem, bem como no instrumento recursal.

Avanço na análise da questão de fundo.O desvio ritual que socorre a pretensão da recorrente, registra ela,

tem embasamento nos §§ 1º e 2º do art. 7º do Decreto nº 3.724/2001, que prescrevem:

“Art. 7º. As informações, os resultados dos exames fiscais e os documentos obtidos em função do disposto neste Decreto serão mantidos sob sigilo fiscal na forma da legislação pertinente.

§ 1º A Secretaria da Receita Federal deverá manter controle de acesso ao processo administrativo fiscal, ficando sempre registrado o responsável pelo recebimento, nos casos de movimentação.

§ 2º Na expedição e tramitação de informações deverá ser observado o seguinte:I – as informações serão enviadas em dois envelopes lacrados:a) um externo, que conterá apenas o nome ou função do destinatário e seu endereço,

sem qualquer anotação que indique o grau de sigilo do conteúdo;b) um interno, no qual serão inscritos o nome e a função do destinatário, seu

endereço, o número do MPF ou do processo administrativo fiscal e, claramente indicada, observação de que se trata de matéria sigilosa;

II – o envelope interno será lacrado e sua expedição será acompanhada de recibo;III – o recibo destinado ao controle da custódia das informações conterá,

necessariamente, indicações sobre o remetente, o destinatário do número do MPF ou do processo administrativo fiscal.”

A insatisfação da recorrente reside na inobservância de tais diretrizes. As regras indigitadas, é indesviável, impõem à autoridade que preside

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o procedimento administrativo-fiscal o compromisso de garantir o sigilo das informações entregues à sua guarda. Para tanto, perfila uma série de atos que aos olhos do editor do diploma regulamentador manteria, ao menos em parte, a promessa constitucional de salvaguarda da intimidade bancária, emprestando, ao contribuinte que tem sua privacidade invadida, segurança de que a medida invasiva se restringirá aos necessários limites do procedimento de fiscalização; há direito subjetivo constitucional ao devido processo legal, nos moldes que delineado no Decreto nº 3.724/2001.

Prosseguindo, cumpre verificar a questionada observância das normas em comento. Muito embora não se recuse a premissa de legitimidade, a priori, dos atos administrativos, igualmente não se pode negar ser pressuposto de tal juízo a existência inequívoca do ato analisado; inviável conferir legitimidade a ato que sequer existiu. Somente os atos que ultrapassam o plano da existência podem sofrer qualificação acerca da sua validade. Nesta linha de raciocínio, identifico empeço à

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verificação, ainda que relativa, da legitimidade do ato administrativo. Deveras. Muito embora os dados relativos à movimentação bancária tenham sido carreados ao procedimento administrativo-fiscal, a autuação deles não foi precedida de qualquer manifestação de autoridade, que portasse por fé a observância das diretrizes legais na movimentação das informações sigilosas, ou, quanto menos, da juntada dos envelopes que evidenciassem terem sido seguidas as medidas de salvaguarda. Qualquer destas situações, não se discute, gozariam de presunção de legitimidade, fazendo desenganar a pretensão da contribuinte agravante. Porém, tal convicção jurídica fica abalada na medida em que os autos do procedimento administrativo-fiscal não demonstram tenha existido o ato que se pretende emprestar validade, ainda que relativa.

À míngua de atos que outorguem, ainda que de modo presumido, legitimidade à ação fiscalizadora, é inconcusso o desrespeito ao devido processo legal. Não se coadunando com as disposições de controle e segurança erigidas pelo decreto regulamentador, mostra-se viciado o procedimento administrativo-fiscal, o que recomenda sua imediata paralisação, até ulterior deliberação.

Poder-se-ia aduzir tratar-se de problema meramente de forma, sem resultado nocivo qualquer, a afastar-se pelo princípio pas de nullité sans grief. Todavia, a esfera privada, a intimidade, qual seja sua faceta, tem absoluta proteção constitucional, cuja ameaça ou lesão efetiva deve ser reprimida vigorosamente, o que autoriza qualquer providência tendente à sua proteção.

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento para que seja suspenso o procedimento fiscal em análise e/ou qualquer ato da autoridade impetrada que vise à obtenção de informações bancárias da agravante.

É o voto.

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ARGÜIÇÃO DE IMPEDIMENTO Nº 2002.04.01.019621-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar CapelettiRelatora p/acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler

Excipientes: Caminhos do Paraná S/AConcessionária Ecovia Caminho do Mar S/A

Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/ARodonorte Concessionária de Rodovias Integradas S/A

Rodovia das Cataratas S/ARodovias Integradas do Paraná S/A - VIAPAR

Advogados: Drs. Luiz Alberto Machado e outrosExcepto: Des. Federal Relator da 3ª Turma do Tribunal Regional

Federal da 4ª RegiãoInteressados: União Federal

Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNERAdvogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva

Interessado: Estado do ParanáAdvogados: Drs. Vera Grace Paranaguá Cunha e outro

Interessados: Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná - DER/PR

Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná - Fetranspar e outros

Advogados: Drs. Nelson Olivas e outros

EMENTA

Processual Civil. Argüição de impedimento. Preliminar. Prevenção. Ministério Público. Participação em sessão de julgamento. Atuação posterior como magistrado.

1. Conforme dispõe o inciso II, art. 42, do RITRF-4ª, ocorre a substituição do Relator, quando vencido em sessão de julgamento, pelo Desembargador Federal designado para redigir o acórdão, que assume, por prevenção, a relatoria de todos os recursos e incidentes posteriores referentes ao mesmo processo.

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2. Com supedâneo na distinção verificada entre a atuação meramente administrativa e a efetiva atuação processual do órgão do Ministério Público, no primeiro caso, com feição burocrática e instrumental, e, no segundo, com caráter nitidamente valorativo, é possível afirmar que não resulta impedimento para o representante da aludida instituição, quando investido posteriormente nas funções da magistratura, mediante ingresso pelo quinto constitucional, para a relatoria de recurso de apelação, em função da circunstância de ter participado, enquanto órgão ministerial, de anterior sessão de julgamento de incidente processual a ele relacionado, sem qualquer manifestação ou pronunciamento sobre a matéria dos autos.

3. Questão de ordem e argüição de impedimento rejeitadas. ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais Valdemar Capeletti e Amaury Chaves de Athayde, rejeitar a questão de ordem e, também por maioria, vencidos os Desembargadores Federais Valdemar Capeletti e Edgard Lippmann, rejeitar a argüição de impedimento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de setembro de 2002.Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de recusa formulada pelas apeladas Caminhos do Paraná S. A., Concessionária Ecovia Caminho do Mar S.A., Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S.A. – Econorte, Rodonorte – Concessionária de Rodovias Integradas S.A., Rodovia das Cataratas e Rodovias Integradas do Paraná S. A. – Viapar, em apelação interposta nos autos de ação civil pública versando sobre a cobrança de pedágio em trechos de rodovias federais no Estado do Paraná. (Proc. nº 98.00.17501-6)

As peticionárias alegam conhecimento espontâneo da substituição da relatora originária, Desembargadora Federal Luiza Dias Cassales, pelo Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, ora recusado. Sustentam o impedimento do novo relator porque já atuara no

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processo, na qualidade de órgão do Ministério Público Federal, tendo inclusive figurado como “advogado” daquela instituição. Ressaltam que o apelo sob a relatoria em questão foi interposto pelo Ministério Público Federal. Por fim, as requerentes manifestam a expectativa da observância do procedimento incidente de exceção de impedimento, nos termos do art. 313 do Código de Processo Civil e dos arts. 253 e seguintes do Regimento Interno deste Tribunal – observando-se inclusive a determinação legal de suspensão do processo. (CPC, arts. 265, III, e 306)

Ouvido, o Desembargador Federal argüido pronunciou-se pelo não reconhecimento de impedimento ou suspeição, invocando jurisprudência desta Corte.

O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da argüição.Apresento o incidente em mesa.É o relatório.

VOTO PRELIMINAR

O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Eminentes pares: antes de adentrar na análise de fundo, convém, primeiro, apreciar questão preliminar que reputo oportuna e que se refere à prevenção.

A ação principal, que originariamente fora distribuída à Desa. Federal Luiza Dias Cassales, restou redistribuída ao Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, em face da aposentadoria da magistrada e alteração na composição da 3ª Turma desta Corte.

Em princípio, teria ocorrido a distribuição dos respectivos autos à Desa. Federal Luiza Dias Cassales em virtude de que, por ter sido relatora para o acórdão em agravo de instrumento, teria ficado preventa ao julgamento da ação principal.

Em virtude disso, parece-me que, a partir dessa interpretação equivocada na avaliação da análise da prevenção, devemos, agora, solucionar esse impasse.

Conforme consulta ao sistema informatizado (SIAPRO) e, ainda, ao próprio site da Corte (www.trf4.gov.br), verifica-se que, dos diversos agravos de instrumento oriundos da ação civil pública nº 98.00.17501-6, os dois primeiros foram distribuídos à Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: tanto o de nº 1998.04.01.060813-0, como o de nº 1998.04.01.060814-2, obtiveram decisão denegatória de atribuição de

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efeito suspensivo em 11.09.98.Por isso, na análise da prevenção, parece-me que a ação principal –

a ação civil pública – deveria, necessariamente, ter sido distribuída à Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, que despachou em primeiro lugar (conforme prevê o art. 106 do CPC), e não como fora, à Desa. Federal Luiza Dias Cassales e, mais tarde, ao Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, à equivocada interpretação de que restaria preventa a relatora para o acórdão.

Em face do que dispõe o art. 9º, § 2º, do Regimento Interno da Corte, por não ter sido iniciado o julgamento da apelação cível, trago tal questão preliminar ao conhecimento de Vossas Excelências a fim de solucionar o problema da prevenção.

Meu voto é no sentido de que, retificando análise da prevenção, sejam os autos principais redistribuídos à Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, situação a ensejar prejudicialidade ao enfrentamento da presente argüição de impedimento do Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.

É como voto. Para ilustrar, peço vênia para trazer à colação as notas taquigráficas referentes à AC nº 2000.04.01.097971-2, onde a 3ª Turma, em sessão realizada em 26 de março passado, suspendeu o julgamento e encaminhou a exceção de impedimento à 2ª Seção.

VOTOO Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: A legislação processual

autoriza o impedimento do magistrado recusado, tendo-se em vista as peculiaridades da espécie, apenas com base no art. 134, inc. II, do CPC. Além disso, poderia ensejar sua suspeição, nos termos do art. 135 do mesmo Código.

Como se demonstrará a seguir, o impedimento existe, descabendo porém cogitar-se de suspeição.

O recusado participou, na qualidade de representante do Ministério Público Federal, no julgamento do Agravo na Suspensão de Execução de Liminar nº 1998.04.01.056815-6/PR, tirado do indeferimento do pedido de suspensão dos efeitos da antecipação de tutela concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 98.00.17501-6. Neste passo, impõe-se a transcrição de passagem do parecer da douta representação do Parquet nesta instância, lançado nos autos da Argüição de Impedimento nº

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2002.04.01.015863-4/RS, envolvendo as mesmas partes, que bem elucida a asserção:

“Não prospera a argüição de impedimento fundada no CPC, art. 134, II, porque inexistente o motivo objetivo de parcialidade absoluta do Il. Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Com efeito, impõe-se diferenciar a Ação Civil Pública nº 98.00.17501-6 e seus incidentes processuais (AC nº 2001.04.01.005505-1; AC nº 2000.04.01.097971-2; AI nº 2000.04.01.010733-2; AI nº 2000.04.01.005917-9; AI nº 2000.04.01.005894-1; AI nº 1998.04.01.060813-0; AI nº 1998.04.01.060814-2; SEL nº 1998.04.01.056815-6; e SEL nº 1998.04.01.056814-4) da Ação Popular nº 2000.70.00.00006468-5 (AI nº 2000.04.01.092190-4 e AI nº 2000.04.01.073679-7). Se examinarmos os elementos identificadores dessas ações, vê-se que não existe absoluta identidade entre os três elementos das demandas. Embora as semelhanças de causas de pedir (a cobrança de pedágio em rodovias federais no Estado do Paraná), é inequívoca a diversidade entre as partes da Ação Civil Pública e da Ação Popular. Ora, não há prova de intervenção do Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz como órgão do Ministério Público Federal na Ação Popular, mas tão-só de intimações pessoais e de participação em sessão de julgamento da SEL do então Procurador Chefe da Procuradoria Regional da República da Quarta Região nos autos da Ação Civil Pública. Ressalta-se, aliás, que as intimações do órgão do MPF de segunda instância nos AI nº 2000.04.01.092190-4 e AI nº 2000.04.01.073679-7, recursos interpostos contra decisões proferidas nos autos da Ação Popular, foram realizadas para o Procurador Regional da República Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle e são posteriores à exoneração do Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz do quadro de membros do MPF. Sendo assim, a diversidade de processos impede que se cogite de efetiva intervenção anterior do magistrado como órgão do Ministério Público Federal em qualquer ato processual referente aos autos da Ação Popular, que tramita perante o Juízo da Nona Vara Federal da Circunscrição de Curitiba; inexistindo, pois, impedimento à relatoria no AI nº 2000.04.01.092190-4.” (Negritado no original e grifado por mim)

A participação em sessão de julgamento de incidente relacionado com o presente feito, ainda que passiva, traduz funcionamento como órgão do MPF, nos termos do art. 134, inc. II, do CPC. Com efeito a função do representante do Parquet é a de fiscal da lei. Como tal, mesmo o seu silêncio é significativo de que a lei não é tida como violada, podendo aproveitar essa conduta – ressalta-se que em princípio inatacável – a qualquer das partes.

Apesar da ocorrência do impedimento, impõe-se a rejeição da alegada suspeição, eis que, no âmbito deste incidente, não se delineia a configuração de qualquer dos pressupostos alinhados no art. 135 do CPC.

Em face do exposto, julgo procedente este incidente, reconhecendo o impedimento do magistrado argüido para os devidos efeitos de direito.

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É o voto.VOTO PRELIMINAR

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: A 3ª Turma, de longa data, ainda contando com a presença do Des. Teori Albino Zavascki, eminente processualista, tem interpretado o inciso II art. 42 do RITRF-4ª, que dispõe da seguinte maneira:

“O Relator é substituído: (...) II – quando vencido em sessão de julgamento, pelo Juiz designado para redigir o acórdão;”.

Isso ocorreu na ocasião aventada pelo eminente Des. Valdemar Capeletti. A Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère foi vencida pelo voto da Desa. Luiza Dias Cassales, ao qual eu tinha aderido. Ela não quis perder a relatoria; ela foi obrigada a perdê-la em virtude do art. 42, II, que a 3ª Turma vem aplicando com esse entendimento.

Assim, quando o Relator originário é vencido, quem proferiu o voto vencedor assume a relatoria, e todos os demais incidentes, enfim, a condução daquele apelo, ou outros incidentes que se vierem a somar àquele feito. Agora o Des. Capeletti diz que é equivocado esse entendimento, que ele não implica prevenção, mas justamente esse entendimento é regra expressa do nosso Regimento, que tem sido aplicado em um grande número de casos.

Inicialmente, tentamos resistir contra essa ótica, que nos parecia equivocada, mas acabamos nos submetendo ao peso da autoridade do nosso ilustre processualista e agora tenho a notícia de que ele talvez esteja pensando diferente. Contudo, todos os julgamentos em que o Relator é vencido, ele perde a relatoria.

De outra parte, não vejo como o previsto no caput do art. 9º do RITRF-4ª, possa afastar o entendimento a que me refiro, adotado perante a 3ª Turma, tendo em consideração que versa unicamente a respeito da prevenção normal, ditada enquanto regra geral, passível de ser modificada pelo comando inscrito no já aludido art. 42.

O caput do art. 9º do RITRF-4ª consiste no seguinte:“O conhecimento do mandado de segurança, do habeas corpus, de medida cautelar

e do recurso cível ou criminal torna preventa a competência do Relator para todos os recursos ou incidentes posteriores, tanto na ação quanto na execução, referentes ao mesmo processo.”

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Com a máxima vênia, vou divergir do eminente Relator. Parece-me que a questão levantada não resolve o incidente por si, e permanece a questão. Fico realmente impedida de concordar com a tese esposada, porque a 3ª Turma submeteu-se a esse entendimento do art. 42, II, e continua na prática aqui recomendada pelo artigo. Penso que assim temos agido. Se não for dessa forma, prefiro ser convencida pela douta maioria e vamos poder alterar a nossa sistemática de trabalho na 3ª Turma. Assim procedemos em vários processos e continuaremos a fazê-lo.

Isso posto, rejeito a questão de ordem e quanto ao mérito peço vista dos autos.

É o voto.

VOTO-VISTA

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: De início, na esteira do asseverado no parecer das fls. 43-7, não vejo como afirmar o impedimento genérico do representante do Ministério Público, ora investido da função de Desembargador Federal, em razão do preenchimento de vaga destinada ao quinto constitucional, para jurisdicionar feito em que a referida instituição figura como parte ou fiscal da lei, pelo tão-só fato de ser dela originário, hipótese aventada pelos excipientes.

Igualmente, não vislumbro o alegado impedimento na simples circunstância de o Desembargador Federal ora excepcionado ter figurado nos registros processuais da ação civil pública versada na qualidade de representante do Ministério Público Federal, antes de ter tomado assento enquanto magistrado perante esta Corte, sendo em função disso intimado dos atos processuais verificados, considerando que tal não permite presumir a efetiva prática de ato processual a ensejar a objeção ora articulada, como bem salientou em sua manifestação das fls. 36-8. Há precedente, Embargos Infringentes e de Nulidade em Apelação Criminal nº 1999.04.01.086980-0/PR, Rel. Des. Federal José Germano da Silva, onde a Quarta Seção decidiu a questão idêntica à presente, de onde destaco a ementa:

“EMBARGOS INFRINGENTES. DECLARATÓRIOS. TURMA ESPECIAL. ACÓRDÃO. NULIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NOTAS FISCAIS. FALSIDADE.

1. O julgamento de embargos de declaração pela Turma Especial – e não pela que

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proferiu o acórdão embargado – não o torna nulo, porque as Turmas são órgãos do Tribunal, no sentido de que decidem em nome dele em caráter definitivo.

2. Não é nulo acórdão lavrado por Desembargador Relator que já constara no feito como Procurador Chefe da Procuradoria Regional da República da 4a Região, sem participação em nenhum ato processual, mas apenas para fins de autuação e distribuição de processos junto a esta Corte.

3. A utilização de notas fiscais falsamente preenchidas para burlar o pagamento de tributos devidos configura o crime previsto no artigo 1o, II e IV, da Lei nº 8.137/90”. (julg. em 20.03.2002, DJU de 08.05.2002)

Na jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, recolho o precedente relatado pelo Ministro Ari Pargendler, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 181076/MA, com a seguinte ementa:

“PROCESSO CIVIL. IMPEDIMENTO. Não ocorrência. A regra do art. 134, II, do CPC, só caracteriza o impedimento do juiz se, antes, ele atuou no processo como mandatário da parte, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; não inibe a participação no julgamento da causa de quem, antes de ser Juiz, foi Procurador-Geral do Estado sem ter autuado no processo. Agravo regimental improvido”. (julg. em 12.05.98, DJU de 01.06.98, p. 77)

Não entendo configurado o impedimento do Desembargador Federal que, anteriormente, na condição de órgão do Ministério Público Federal, participou da sessão de julgamento do agravo na suspensão de execução de liminar, interposto contra a decisão que indeferiu pedido de suspensão dos efeitos da medida antecipatória da tutela deferida na ação civil pública ora em tela, atribuída ao Desembargador-Relator ora excepcionado.

É bem verdade que a hipótese comporta determinada sutileza em relação aos precedentes anteriores, mas em linhas gerais a situação do órgão do Ministério Público, para efeito de configurar-se o impedimento, é semelhante à do magistrado. Não é toda e qualquer atuação em primeiro grau ou em segundo grau que acarreta o impedimento posterior.

Para explicar a questão, devemos retornar aos conceitos de função administrativa e função jurisdicional, ato administrativo e ato jurisdicional, agregando aos clássicos conceitos a matéria referentemente à linguagem jurídica, ao discurso burocrático ou litúrgico e ao discurso jurisdicional, como explicado por Max Weber, Luis Alberto Warat e outros, quando ensinam linguagem e metodologia jurídica.

Em breve resumo, tanto o juiz quanto o integrante do Ministério Público Federal produzem atos com cargas conceituais diferentes.

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Examinando os atos do Juiz, não está o Juiz impedido só por ter despachado burocraticamente nos autos, como, por exemplo, nos conhecidos despachos: Cite-se. Junte-se. Informe-se. Certifique-se. Expeça-se o alvará. É um exemplo do discurso burocrático, não há jurisdição em seu sentido próprio. Embora queira sempre mais parecer, o discurso burocrático é instrumental, subordinado, prenhe de neutralidade axiológico-hermenêutica, impera a formalidade e a imutabilidade, exerce-se muitas vezes por chaves de linguagem, incorporadas pela tradição e pelo hábito, é um não-discurso, pois não cria e não interpreta, pode ser, e ocasionalmente é, puramente ornamental, ostentatório. Quando observamos a situação do ponto de vista da atividade do Juiz, fica fácil então distinguir quando o Juiz está impedido. Ele estará impedido quando disse o direito, exerceu jurisdição, por exemplo, indeferiu a liminar, julgou procedente a demanda ou algum incidente. Atos meramente ordinatórios, simples impulso processual (diga a parte por exemplo), não criam impedimento do magistrado.

A mesma regra vale para o órgão do Ministério Público, e é nesse sentido que se deve entender o precedente que costuma ser invocado para defender a posição contrária, transcrevo:

“Para que ocorra o impedimento se torna necessário que o órgão do Ministério Público tenha atuado efetivamente no processo acompanhando-o ou pronunciando-se sobre a matéria nele debatida”. (Habeas Corpus nº 65.674-DF, 2a Turma, RTJ 125/584, Rel. Ministro Djaci Falcão)

O douto órgão do Ministério Público não pratica ato jurisdicional, mas atua efetivamente no processo quando exterioriza manifestação nos autos, isto é, firma parecer, interpõe recurso, exerce o direito de ação penal ou civil. Ao contrário, o simples despacho de solicitar maiores investigações da autoridade policial e outros nesta linha não passam de mera função burocrática, instrumental. A presença na sessão pública de julgamento é manifestação institucional do Ministério Público, mas não tem carga axiológica valorativa. É função honorífica, ostentatória, cerimonial, insere-se nos códigos de linguagem, mas não tem carga ou nota processual relevante, não houve vinculação do ilustre integrante do Ministério Público com a tese debatida nos autos. Sem pretender deslustrar a ilustre presença ministerial nos julgamentos, mas apenas para identificar o que ela representa no discurso jurídico, pode-se dizer

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que a ausência do ilustre órgão ministerial não terá conseqüência jurídica alguma para a perfeição e validade do ato jurisdicional complexo que é um julgamento colegiado. A presença do Procurador da República nos julgamentos é de alta relevância social e institucional, conferindo maior dignidade aos julgamentos.

Por outro lado, face aos princípios da unicidade e indivisibilidade do órgão, qualquer um e todos estão presentes na figura de um. Nesta perspectiva, não tendo havido efetiva atuação no processo, não há impedimento. Nessa linha, há precedentes: AR nº 95.04.35351-7/RS, Rel. Des. Federal José Germano da Silva, com a seguinte ementa:

“AÇÃO RESCISÓRIA. PRELIMINAR DE INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO. PARTICIPAÇÃO EM SESSÃO DE JULGAMENTO. PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA. SÚMULA 252 DO STF. ERRO DE FATO. COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS. ART. 485, DO CPC, INCISO IX. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

1. Tendo o Relator participado da Sessão de Julgamento, na condição de Procurador Regional da República, não está impedido de julgar a Rescisória (Súmula 252 do STF).

2. Erro de fato, incidência do imposto sobre álcool e gasolina sobre veículo movido por outro combustível. Prova juntada aos autos de que o veículo objeto do pedido era movido a óleo diesel. Hipótese de rescisão prevista no art. 485, inciso IX, § 1o do CPC.

3. Tendo a parte autora da ação ordinária juntado ao processo a prova de que o veículo era movido a diesel entende-se que não ocorreu a alegada litigância de má-fé.

4. Ação Rescisória parcialmente provida”. (julg. em 01.12.99, DJU de 19.01.2000, p. 1004)

Com a máxima vênia do Desembargador-Relator, rejeito o incidente, não há impedimento.

É o voto.VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de argüição de impedimento apresentada por Caminhos do Paraná S/A, Concessionária Ecovia Caminho do Mar S/A, Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A – Econorte, Rodonorte – Concessionária de Rodovias Integradas S/A, Rodovia das Cataratas S/A e Rodovias Integradas do Paraná S/A – VIAPAR, relativa à apelação cível em que figuram como apeladas, juntamente com União, Estado do Paraná, DNER e Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná – DER, em que a parte apelante é o Ministério Público Federal.

A ação civil pública (nº 98.0017501-6/PR), de onde se originou a

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presente argüição, versou sobre cobrança de pedágio em trechos de rodovias federais no Estado do Paraná que, após transação entre as partes, restou extinta, por sentença. Desta apelou o MPF, subindo os autos a esta Casa, após os trâmites regulares. Como também já trazido a lume, o Relator da referida apelação – Eminente Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – recebeu a relatoria do feito por substituição da Relatora que o antecedeu – preventa para o feito.

A 2ª Seção, por maioria, afastou a preliminar apontada pelo Desembargador-Relator. Após o voto de mérito do Relator, acolhendo o impedimento e o brilhante voto de um dos integrantes da Seção, rejeitando o impedimento argüido, pedi vista, estando aguardando para votar, ainda, dois desembargadores. Relembradas, assim, algumas das características objetivas que cercam a presente argüição, passo à análise das razões postas na peça inicial e dos argumentos até aqui levantados.

O Parecer do órgão do Ministério Público, acostado aos autos, refere que improspera a argüição, visto não haver prova da intervenção do excepto como agente do MPF na ação popular. Então, em consulta ao sistema de informações processuais desta Corte, constata-se que, dos vários incidentes e ações que versam sobre a cobrança de pedágio daqueles trechos de estradas federais no Paraná, há a apelação cível, cinco recursos de agravo de instrumento e dois pedidos de suspensão de medida liminar e de execução de sentença, referentes à ação civil pública, da qual não é afastada a prova de intervenção do nobre Colega, ora excepto.

Ressalto que, como bem posto no voto-condutor do Ilustre Relator, não se trata, sob hipótese alguma, de qualquer das hipóteses legais, ou mesmo morais, de suspeição, devendo ser perquirida, exclusivamente, a questão do impedimento. Quanto a este, a lei é clara ao afastar a possibilidade de o Magistrado exercer funções atinentes ao cargo, em feito do qual for parte ou no que tenha intervido como mandatário da parte, como expert, como agente do Ministério Público ou prestado depoimento na qualidade de testemunha. (art. 134 do CPC)

A legislação de outros países em pouco difere da nossa no que se refere à recusa, impedimento ou suspeição, sendo semelhante na lei Portuguesa (artigos 122 e 127 do Código Processual), na legislação processual Francesa (arts. 339 a 355) – onde não estão previstas casuisticamente,

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cabendo ao Magistrado elencar a razão de sua abstenção a ser apreciada por órgão superior – e onde constam explicitamente, na Ordonnance nº 58-1273, as razões de recusa da parte ao Magistrado. São explícitas, também, no Código Alemão e no Italiano. Depreende-se, assim, que o impedimento é um direito e um dever do Magistrado, aqui, como em vários outros sistemas processuais vigentes.

É bem verdade, conforme exposto, aliás com a precisão que lhe é peculiar, no voto-vista da Eminente Desembargadora Federal Marga Barth Tessler, que:

“Não é toda e qualquer atuação em primeiro grau ou em segundo grau que aca rreta o impedimento posterior”.

No entanto, ouso, com toda a vênia, asseverar que a lei não destaca ou exclui qualquer forma de atuação, refere, apenas, ser defeso ao Magistrado atuar como julgador em processo que funcionou como órgão do Ministério Público.

Acrescento, também, que a atuação como órgão do Ministério Público não pode ser medida, como mais ou menos efetiva, pela manifestação nos autos por meio da interposição de recurso, aviamento de parecer, solicitação de diligência burocrática, ou pela dita presença “cerimonial ou honorífica”. Antes, a atuação do MPF é garantia constitucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais, dos interesses individuais indisponíveis, do respeito aos Poderes Públicos, ... E, exatamente nos seus princípios institucionais – unidade, indivisibilidade e independência funcional – reside a importância de o Ministério Público ter se feito presente àquele julgamento, na pessoa do Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, quando qualquer dos Ilustres órgãos do MPF poderiam tê-lo feito.

Com relação, especificamente, ao Magistrado oriundo do Ministério Público Federal, pode-se dizer que o art. 134 do CPC refere-se, em seu inciso I, à participação Ministerial como parte principal (autor, réu, opoente, assistente, ...) e, em seu inciso II, como fiscal da lei. E a atuação do Magistrado é vedada em qualquer das duas hipóteses de participação anterior na lide ou em seus incidentes.

De salientar, ainda, a postura irretocável que vem norteando a atuação do Eminente colega, ora excepto, como Magistrado desta Casa de

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Justiça, revelando, sempre, lauto saber jurídico e moral ilibadíssima a colocá-lo distante de qualquer constrangimento que possa surgir quanto a fundamento tão prezado quanto à imparcialidade.

Neste tópico, oportuno relembrar lição da ilustre Desa. Federal Marga Barth Tessler, em voto proferido quando do julgamento da Argüição de suspeição nº 2000.04.01.064014-9/RS, no qual refere o temor da parcialidade, assim abordando o tema:

“ ... ‘Neste passo, a inspiração é da doutrina alemã, nas lições de Rosenberg, que explica consistir o ‘temor da parcialidade’ em uma causa que de acordo com as considerações objetivas e razoáveis, do ponto de vista da parte (grifo meu), seja apropriada a justificar a desconfiança na imparcialidade do Juiz’. Veja-se que a questão ‘imparcialidade’ deve ser também vista do ponto de vista da parte, do jurisdicionado, da coletividade, pois a confiança da parte na Justiça é um fator de fundamental importância para a aferição da parcialidade. A desconfiança fará com que a parte só aceite a decisão como uma imposição do mais forte ao mais fraco, já confiança pode fazer o vencido render-se e cumprir a decisão pelo poder da persuasão. Com esta idéia, o citado autor, trazendo exemplo do Tribunal Constitucional de Portugal, refere que ‘à menor desconfiança o Juiz deve ser afastado do feito, e declarado iudex inhabilis’. O autor, antes citado, refere ainda que a tendência atual dos tribunais modernos é ‘deixar de lado (no caso de suspeição) a objetividade do motivo, valorizando-se a sensação de desconfiança da parte em relação ao Magistrado’ ... Prossegue o autor fazendo ver que ‘nenhum comprometimento é de menor importância a ponto de poder ser relevado, porque a Justiça supõe total e absoluta isenção, de modo a dever ser afastado o julgador que não seja parcial a ponto de ser parte, ou ter ligações com as partes, mas também em vista de ter concepção formada acerca do conflito ou das teorias que o envolvam, como ter passado que possa fazer supor que a questão posta em juízo lhe seja simpática ou antipática”.

Ao final de brilhante apanhado sobre a importância da sensação de imparcialidade que deve o Magistrado causar à parte, a colega arremata:

“Acrescenta o Autor que a iniciativa de afastar o juiz nesta condição ‘não lhe põe uma pecha, ocorre que a sua presunção nos processos matizados pela suspeita da parcialidade acabam comprometendo o valor maior da imparcialidade da Justiça que não pode, de modo algum, ser sequer arranhado, pois a Justiça não é só para ser honesta, mas também, para parecer honesta”.

De tal sorte, adotando os dizeres que acima transcrevi, reitero a valorização do Magistrado em questão, pelo brilhantismo com que pauta sua atividade jurisdicional, afirmando que a suspeita, no presente caso, reside, exclusivamente, no fato de se tratar de feito em que atuou como órgão do MPF, presente em Sessão de Julgamento de incidente

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nele ocorrido, quando a figura do custos legis e do Autor da Ação se confundiam, sem demérito qualquer de sua comprovada capacidade como jurista e sua reconhecida imparcialidade como Julgador.

Assim, em julgamento que ocorre hoje, também, trago outro feito em que afasto o impedimento do mesmo Magistrado, certo que a serenidade – qualidade intrínseca do Julgador – e a independência são características presentes na vida profissional do colega. Teceria inúmeros comentários acerca de tantos outros predicados profissionais do Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, como a dignidade, a cultura e a busca incessante do justo, caso sua pessoa estivesse em análise, no momento. No entanto, longe disso, o que se busca neste julgamento é afastar qualquer dúvida que possa abalar nosso ideal maior, a Justiça. Por isso, reporto-me a Moura Bittencourt, na obra O Juiz, Ed. S. Paulo, 1966, Rio de Janeiro, quando assevera:

“O não enérgico e cruel, como profissão de fé no magistrado, é forma inconsciente de apregoar a justiça. E nada nega tanto a virtude como o pregão, mesmo inconsciente, da virtude. Calamandrei já observou que há mais coragem em ser justo, parecendo ser injusto, do que ser injusto para salvaguardar as aparências da Justiça.”

Em arremate, acrescento, fazendo minhas as palavras certeiras de Pierre Bouchardin quanto ao tema, na obra O Magistrado, Livraria Acadêmica, 2ª Ed., S.Paulo, 1937, p. LXXXIII, ss:

“O Magistrado tem de insensibilizar-se, senão por temperamento, ao menos por esfôrço de vontade, sem que a sua imparcialidade tenha de confundir-se com a inércia ou falta de diligência no apuramento da verdade ou na rebusca e aplicação do direito.

E deve não só ser imparcial, mas parecê-lo. Porque se o juiz dá sinais de apaixonar-se excessivamente por um dos contendores, ou se se acalora em fazer triunfar qualquer das soluções em jôgo, ainda que esta seja a melhor, já o acatamento da sua decisão não será incondicional.

Haverá sempre quem argua o juiz de haver-se determinado por simpatias, por empenhos ou por considerações de outra ordem, se a resolução não brotou do seu espírito como se fôra uma manifestação natural, simples, despida de aparato e de paixão.”

Diante de todo o exposto, acompanho o relator.É como voto.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2002.04.01.029024-0/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Suscitante: Juízo Substituto da Vara Federal de Tubarão/SCSuscitado: Juizado Especial Federal de Tubarão/SC

Parte Autora: Zeniro Burigo MenegazAdvogados: Drs. Reny Tito Heinzen e outro

Parte Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

EMENTA

Conflito negativo de competência. Juizado Especial Federal Cível. Juízo federal.

1. O valor da causa deve refletir a integralidade do pedido formulado pela parte. 2. O § 2º do art. 3º da Lei nº 10.259/2001 é aplicável às demandas que objetivarem, tão-somente, prestações vincendas. 3. Aplica-se o art. 260 do CPC para mensurar o valor da causa quando o pedido abranger parcelas vencidas e vincendas. 4. Na hipótese em tela, são postuladas prestações vencidas e vincendas, cuja soma ultrapassa o valor estipulado no caput do art. 3º da Lei nº 10.259/2001(sessenta salários mínimos). 5. Competência para processar e julgar a demanda pertence ao Juízo Federal.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide

a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, declarar competente o Juízo Suscitante, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de agosto de 2002.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.

RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de conflito

negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Tubarão/SC, em ação revisional de proventos, face à declinação de

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competência do Juizado Especial Federal de Tubarão/SC.Sustenta, em síntese, pertencer ao Juizado Especial Federal a

competência para processar e julgar demanda em que se postula prestações vincendas cuja soma não excede o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.

Opinou a douta Procuradoria da República por reconhecer a competência do Juízo Suscitante.

É o relatório.VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: A questão a ser dirimida prende-se em aferir qual o juiz competente para apreciar ação previdenciária.

O Juízo suscitado (Juizado Especial Federal de Tubarão/SC) entende que não tem jurisdição para atuar no feito, pois o valor da causa é superior a sessenta salários mínimos, e o Juízo suscitante (Juízo da 1ª Vara Federal de Tubarão/SC) afirma que não pode apreciar e julgar o pedido em razão de que o somatório das doze prestações vincendas não excede o valor de sessenta salários mínimos.

Dispõe o art. 3º da Lei nº 10.259/2001:“Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar

causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

(...)§ 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência

do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput.

§ 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta”.

Consoante se depreende da leitura do caput do art. 3º da Lei nº 10.259/2001, a competência dos Juizados é fixada em razão do valor. Entretanto, o legislador não fixou um critério para aferição deste. O § 2º do mesmo artigo apenas explicita que, quando o pedido formulado pela parte tiver como objeto somente prestações vincendas, estas devem ser calculadas em doze e seu valor não poderá ultrapassar 60 salários mínimos.

Inicialmente, convém frisar que a questão não se resume na aplicação do § 3º acima reproduzido, pois a divergência envolve o dispositivo a

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ser aplicado para a fixação do valor da causa, o que implicará se saber qual o juízo competente para apreciar o pedido.

No que pertine aos critérios para atribuição do valor da causa, manifestou-se, com brilhantismo, o Juiz Celso Kipper, Relator no julgamento do Recurso contra sentença interposto no Processo nº 2002.72.07.000396-0, na Turma Recursal do Estado de Santa Catarina, cujo voto transcrevo, na parte em que converge com meu entendimento:

“1. O valor da causa é a mensuração monetária da pretensão veiculada em juízo, ou seja, o benefício patrimonial economicamente pretendido. Daí que não me parece razoável qualquer interpretação da Lei dos Juizados Especiais Federais que exclua do valor da causa as prestações vencidas, ante a ausência de expressa disposição nesse sentido. O parágrafo 2º do artigo 3º da Lei 10.259/2001 não teve o escopo de excluir do valor da causa as prestações vencidas, mas o de limitar a doze, em seu cálculo, as prestações vincendas, quando for o caso.

2. A interpretação que desconsidera as prestações vencidas na apuração do valor da causa, quando a pretensão também versar sobre obrigações vincendas, poderia levar a um absurdo lógico, verificado no seguinte exemplo.

a) A ajuíza ação pleiteando apenas prestações vencidas, no valor de 100 salários mínimos: a competência, sem sombra de dúvida, é da Vara Federal Comum;

b) B ajuíza ação pleiteando prestações vencidas no mesmo valor de 100 salários mínimos, cumuladas com obrigações vincendas, sendo que a soma de doze parcelas equivale a 60 salários mínimos: a prevalecer o entendimento de que somente estas últimas seriam consideradas para o cálculo do valor da causa, a competência seria dos Juizados Especiais, apesar de que, neste caso, a toda evidência, tratar-se-ia de pretensão de valor superior ao anterior.

3. A desconsideração das prestações vencidas na apuração do valor da causa poderia levar os Juizados Especiais Federais a julgar causas de valor bem superior a sessenta salários mínimos – alargando indevidamente a sua competência – tendo em vista que, via-de-regra, são justamente aquelas que consubstanciam a parcela mais expressiva da pretensão deduzida em juízo. Se assim fosse, o limite estabelecido no caput do art. 3º da Lei dos Juizados Especiais Federais seria fictício, eis que não guardaria correspondência com a realidade dos fatos, o que não parece ter sido a vontade do legislador.”

Entendo que o critério a ser aplicado para aferir o valor, para fins de fixação, ou não, da competência dos Juizados Especiais Federais é a totalidade do pedido, que deve ser avaliado em sua integralidade.

Observe-se que as demandas previdenciárias versam, em síntese, sobre concessão/restabelecimento de benefício ou revisão de seu valor. Considerando a peculiaridade destas ações, nas quais a grande parte busca somente diferenças vencidas (anteriores à propositura da ação), outras

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as vencidas e vincendas e um contingente menor só as vincendas, se o pedido abranger prestações vencidas e vincendas deve a soma destas ser considerada; se postular somente prestações vencidas, a sua soma é o limite e, em sendo apenas vincendas, a soma de doze.

Não se mostra razoável, nem lógico, em havendo um pedido em que são postuladas parcelas vencidas e vincendas umas sejam consideradas como pertinentes aos Juizados Especiais Federais e outras para a Vara Federal Previdenciária. A parte deverá, então, propor duas ações, que tramitarão em ritos diversos, recursos e duração distintos.

Tal situação afrontaria os princípios da isonomia, da economia e celeridade processual, bem como da efetividade.

Assim, para verificar a integralidade do pedido, a norma legal que melhor resolve esta questão é a do art. 260 do CPC:

“Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a 1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.”

O legislador não pretendeu afastar a aplicação da regra do art. 260 do CPC dos Juizados Especiais Federais. Ao dispor no § 2º do art. 3º da Lei nº 10.259/2001 que “quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput”, apenas repetiu, em parte, o comando da 2ª parte do art. 260 do CPC, ou seja, são disposições em absoluta consonância.

De outra parte, o art. 7º, III e IV, da Lei Complementar nº 95/98, dispõe:

“Art. 7º. O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:

I – omissis;II – omissis;III – o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto

o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto

quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.”

Entretanto, não há ofensa ao art. 7º, III e IV, da Lei Complementar nº 95/98, porque na Lei dos Juizados Especiais Federais o legislador

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explicitou: “quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput”, repetindo, em parte, o preceito do art. 260, 2ª parte, do CPC, tanto que a redação do prefalado artigo inicia com a palavra quando, a indicar que não é a única hipótese a ocorrer.

Assim, não está configurada a hipótese do art. 7º, IV, porque não se trata de duas leis disciplinando o mesmo assunto. O que se verifica é que a norma da Lei dos Juizados Especiais Federais nada dispõe sobre o valor da causa quando há parcelas vencidas ou vencidas e vincendas. Dispõe apenas quando a prestação versar somente parcelas vincendas. Assim, devem ser aplicadas as normas da Seção II do capítulo VI do CPC, que dispõe sobre o valor da causa quando os pedidos versarem sobre só parcelas vencidas ou vencidas e vincendas. Aplica-se o § 2º do art. 3º da Lei dos Juizados Especiais Federais quando a prestação versar somente sobre obrigações vincendas. Observado que a disposição da nova lei está em consonância com o disposto no art. 260 do CPC.

Em suma, entendo que o pedido formulado pela parte deve ser considerado em sua integralidade para mensuração do valor, que, por conseguinte, é o fator determinante para fixação da competência.

Consoante anteriormente mencionado, se o pedido abranger prestações vencidas e vincendas deve a soma destas ser considerada; se postular somente prestações vencidas a sua soma é o limite e, em sendo apenas vincendas, a soma de doze.

Na hipótese dos autos, são postuladas diferenças vencidas e vincendas e, conforme informação prestada pela Contadoria do Juizado Especial Federal de Tubarão/SC (fl. 47), importariam em R$ 11.111,36 (vencidas) e R$ 2.481,06 (vincendas), cuja soma ultrapassa o limite dos sessenta salários mínimos. Logo, é competente para processar e julgar a causa o Juízo Federal de Tubarão/SC.

Frente ao exposto, voto no sentido de conhecer do presente conflito e declarar competente para apreciar e julgar o pedido o Juízo Federal de Tubarão/SC (suscitante).

É o voto.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2002.04.01.029505-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da SilvaRelator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas

Suscitante: 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoSuscitado: 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Parte Autora: A. Grings e Cia. Ltda.Advogados: Drs. Andreia Minussi Facin e outros

Partes Rés: Rio Grande Energia S/A - RGEAgência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEEUnião Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Processo Civil. Conflito de competência. Competência recursal no âmbito do TRF/4ª Região. Encargos tarifários emergenciais instituídos pela Medida Provisória nº 14/2001, convertida na Lei nº 10.438/02.

Na ação em que se discute a constitucionalidade de encargos incidentes sobre as tarifas de energia elétrica instituídos pela Lei 10.438/02, se a exação é impugnada pelo autor com fundamentos de natureza tributária, argüindo que se trata de tributo inconstitucional, cumulados com razões vinculadas ao Direito Administrativo e ao Direito do Consumidor, a competência recursal no âmbito do TRF/4ª Região é das Turmas integrantes da Primeira Seção, especializadas em matéria tributária, visto que a é aplicável analogicamente a regra de processo penal de que a competência do órgão especializado prevalece sobre o de competência geral.

Conflito de competência resolvido no sentido de declarar competente a egrégia Primeira Turma, especializada em matéria tributária, a suscitada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, conhecer do conflito e, por maioria, declarar competente a egrégia

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Primeira Turma, a suscitada, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de setembro de 2002.Des. Federal Surreaux Chagas, Relator p/Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de conflito negativo de competência suscitado nos autos do Agravo de Instrumento interposto por A. Grings e Cia. Ltda. contra decisão proferida no mandado de segurança nº 2002.71.00.020475-5/RS, que postergou o exame do pedido de liminar para depois da apresentação das informações pelas autoridades apontadas coatoras.

A matéria de fundo diz respeito a encargos adicionais à tarifa de energia elétrica (“encargo de capacidade emergencial”, “encargo de energia elétrica emergencial” e “encargo de energia livre adquirida no MAE”), instituídos pela Medida Provisória nº 14/01, posteriormente convertida na Lei nº 10438/2002.

Distribuído o agravo de instrumento inicialmente à 1ª Turma desta Corte, o recurso foi remetido à Presidência, pelo eminente Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida, para redistribuição, ao fundamento de que compete à 2ª Seção a apreciação da matéria objeto de discussão, “tendo em vista a solução dada à questão de ordem formulada frente à 1ª Turma desta Corte, no agravo de instrumento nº 2002.04.01019412-2/SC, em data de 20 de junho de 2002”. (fl. 110)

Redistribuído o processo para a c. Terceira Turma, a eminente Desembargadora Federal Marga Barth Tessler, com fulcro no inciso VI do § 1º do artigo 4º, c/c o artigo 183 do Regimento Interno desta Corte, suscitou conflito negativo de competência, ao entendimento de que compete à 1ª Seção julgar o feito em questão, uma vez que o objeto da ação originária envolve questão de natureza tributária, isto é, o “adicional tarifário” previsto na Lei nº 10.438/2002.

O Ministério Público Federal, em sua manifestação das fls. 116/119, citando precedente do Plenário desta Corte (CC nº 1999.04.01.035786-1/RS), opinou pelo conhecimento do conflito, para o fim de ser declarada a competência do Juízo Suscitante, ao fundamento de que a tarifa elétrica não

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possui natureza tributária.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: A discussão acerca da competência das Turmas especializadas para julgar processos envolvendo encargos adicionais à tarifa de energia elétrica não é nova nesta Corte.

Em sessão realizada no dia 25 de março de 1998, o Plenário, no julgamento da Questão de Ordem nº 97.04.49017-8/PR, decidiu, por unanimidade, que compete à 2ª Seção desta Corte o julgamento de feitos que versarem sobre tarifa de energia elétrica e seus adicionais, em face da sua natureza jurídica de preço público:

“AUMENTO DE TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA DURANTE PERÍODO DE CONGELAMENTO DE PREÇOS (PORTARIAS PRT-38 E PRT-45/86-DNAEE). CONFLITO COM OS DECRETOS-LEIS DEL-2.283/86 E DEL-2.284/86. NATUREZA JURÍDICA DA EXAÇÃO. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA ENTRE AS SEÇÕES ESPECIALIZADAS DESTA CORTE. Tratando-se de tarifa, sua natureza jurídica é estabelecida considerando-se a fixação, quando da criação do encargo, do quantum máximo a ser exigido do usuário, pelo concessionário. Sendo fixado o teto do encargo dessa forma, trata-se de preço, no entanto, o caráter de serviço, a necessidade de utilização e o monopólio podem conferir-lhe natureza diversa da fiscal, por não ser, também, exação imposta ou recebida pelo fisco. Na espécie não se cuida de taxa ou imposto e sim de preço público, outro elemento formador da receita pública, como o tributo, entretanto diferente tanto deste quanto do preço privado, visto que há o interesse público e o sentido econômico, consistindo no pagamento, quando voluntariamente utilizado, de serviço exercido pelo Estado, não privativamente. Considerada, assim a natureza jurídica do encargo como não-tributária, resta dirimida a questão da competência, sendo esta exclusiva da 2ª Seção desta Corte, conforme disciplina o art. 2º, § 2º, inc. II do RITRF/4R”. (QUO nº 97.04.49017-8, Plenário, unânime, rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, DJ de 03.08.98, p. 726)

No mesmo sentido, em sessão realizada no dia 25.04.2001, o Plenário, também por unanimidade, considerando que a tarifa de energia elétrica não tem natureza tributária, decidiu ser competente a 2ª Seção deste E. Tribunal:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AUMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA.

Considerando que a tarifa de energia elétrica não tem natureza tributária, consoante reiterada jurisprudência do STJ, a competência para o julgamento do feito é da 2ª Seção.

Conflito negativo de competência procedente”. (CC nº 1999.04.01.035786-1/RS,

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Plenário, rel. Des. Federal Silvia Goraieb, unânime, DJU de 09.05.2001, p. 129)

Ocorre que, em recente julgamento, ocorrido no último mês de agosto do corrente ano, a Corte Especial deste Tribunal, em sentido diametralmente oposto aos precedentes do Plenário, decidiu por definir a competência das Turmas integrantes da 1ª Seção, para o julgamento de processos envolvendo encargos ou adicionais tarifários de energia elétrica. O acórdão, ainda pendente de publicação, restou assim ementado:

“PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA RECURSAL NO ÂMBITO DO TRF/4ª REGIÃO. ENCARGOS TARIFÁRIOS EMERGENCIAIS INSTITUÍDOS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 14/2001, CONVERTIDA NA LEI Nº 10.438/02.

Se, na ação em que se discute a constitucionalidade dos encargos incidentes sobre as tarifas de energia elétrica instituídos pela Lei nº 10.438/02, os fundamentos do pedido são de ordem tributária, alegando a parte autora que os encargos em verdade são tributos inconstitucionais, a competência recursal no âmbito do TRF/4ª Região é das Turmas integrantes da Primeira Seção, especializadas em matéria tributária. Conflito de competência resolvido no sentido de declarar competente a egrégia Primeira Turma, a suscitante”. (CC nº 2002.04.01.019412-2/SC, rel. para o acórdão Des. Federal Surreaux Chagas, julg. em 28.02.2002)

No julgamento em questão, foram vencidos o eminente Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, relator do Conflito de Competência, e este relator, que o acompanhou, entendendo que a competência das Turmas especializadas em matéria tributária deve limitar-se às ações judiciais referentes aos tributos previstos no artigo 145 da Constituição Federal e àqueles “que disserem respeito a obrigações tributárias acessórias (CTN, art. 113, § 2º) e contribuições sociais, inclusive ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e ao Programa de Integração Social” (artigo 2º, I, do RITRF-4ª), dentre as quais não se incluem as demandas relativas à majoração das tarifas de energia elétrica, visto sua natureza não-tributária.

Como bem-assinalado no voto do eminente Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, “cumpre lembrar que os magistrados integrantes da Colenda 2ª Seção vêm apreciando regularmente demandas relativas à majoração das tarifas de energia elétrica, cabendo mencionar, entre outros, os seguintes precedentes: Agravo nº 2000.04.01.110468-5/RS, 4ª Turma, Relator Des. Valdemar Capeletti, publicado no DJU em 03.10.2001, p. 878; Apelação Cível nº 96.04.61221-2/RS, 3ª Turma, Relatora Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, publ. No DJU em 03.11.99, p. 363, AMS n.º 95.04.46074-7/SC, 3ª T., Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 20.01.99, p. 370”.

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Portanto, na esteira dos precedentes anteriores do Plenário desta Corte e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é pacífica no sentido de que as tarifas de energia elétrica não têm natureza tributária (REsp nº 8570/SP, 2ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ 13.12.93, p. 27426; REsp nº 150027/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 15.12.97, p. 66322), entendo que a competência para o julgamento de processos em que se discute a majoração destas tarifas é de uma das Turmas da 2ª Seção desta Corte.

Ante o exposto, conheço e julgo improcedente o presente conflito de competência para declarar a competência da Terceira Turma, Juízo Suscitante.

É o voto.VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Controverte-se sobre a competência para apreciar recurso interposto em ação na qual é discutida a constitucionalidade dos encargos tarifários emergenciais por ocasião do período de escassez de energia elétrica, instituídos na Medida Provisória nº 14/2001, convertida na Lei nº 10.438/2002.

O conflito negativo de competência envolve a Primeira Turma do Tribunal, especializada em Direito Tributário, e a Terceira Turma, cuja competência abrange os feitos de natureza administrativa, civil, comercial e os demais não abrangidos pelas outras seções do Tribunal.

O Desembargador Wellington Mendes de Almeida, de Turma especializada em Direito Tributário, entende que a competência é da 2ª Seção (fl. 110). A Desembargadora Marga Barth Tessler, de Turma de competência administrativa, a quem foram os autos redistribuídos, suscita conflito de competência no entendimento de que cabe à 1ª Seção conhecer e decidir sobre o recurso. (fl. 112)

O eminente Relator do Conflito de Competência, Desembargador Federal José Germano da Silva, preconiza que a competência é da Terceira Turma, que integra a Segunda Seção.

Tenho me deparado com duas situações distintas no relativo às ações em que os referidos encargos são discutidos. Este processo representa uma terceira situação.

Em algumas ações, os adicionais são questionados por fundamentos afetos ao Direito Administrativo, ou seja, a irresignação contra a exação

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.71.07.002728-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelante: Sca Ind. de Móveis Ltda.Advogados: Drs. Cláudio Leite Pimentel e outros

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

IPI. Creditamento. Operações abrangidas pelo benefício drawback na modalidade suspensão.

O drawback é um tipo de regime aduaneiro especial, previsto no inc. II do art. 78 do Decreto-Lei nº 37/66, regulamentado pelo Decreto nº 68.904/71, o qual prevê a isenção ou a suspensão dos tributos incidentes sobre a importação de mercadorias destinadas ao beneficiamento, fabrico, complementação ou acondicionamento de outra mercadoria a ser exportada.

Na importação de mercadorias (insumos) sob o regime de suspensão de tributos, condicionada à futura exportação dos produtos em que empregados os referidos insumos, o IPI somente será exigível quando não ocorra a exportação no prazo fixado, ou seja, implementada a condição imposta, qual seja, a exportação, resolve-se a obrigação tributária suspensa (art. 38 do RIPI/98), motivo por que não ocorre o surgimento do crédito tributário.

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Não havendo efetiva tributação em nenhuma das etapas do processo produtivo (entrada: importação ou saída: exportação), não se cogita do surgimento de crédito tributário passível de aproveitamento, desimportanto tenha ocorrido o fato gerador da exigência em questão, porquanto o crédito tributário não prescinde do necessário lançamento, suspenso até que escoe o prazo para a exportação (condição resolutória) e vedado quando da exportação, nos termos do art. 153, § 3°, inc. III, da CF/88.

As disposições constantes dos arts. 40, inc. V, e 160 do Decreto n° 2.637/98 (RIPI/98) não contemplam os insumos adquiridos mediante drawback.

ACÓRDÃOVistos e relatados e discutidos estes autos entre as partes acima

indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e do voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de dezembro de 2001.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de mandado de segurança impetrado por SCA Indústria de Móveis Ltda. contra o Chefe da Agência da Receita Federal em Bento Gonçalves/RS, por meio do qual pretende aproveitar-se dos créditos de IPI sobre as mercadorias importadas sob Regime Aduaneiro Especial (tipo: drawback; modalidade: suspensão).

Sustenta a impetrante que com a ocorrência do fato gerador do tributo em questão surge o direito ao crédito correspondente quando do cumprimento da condição estabelecida pelo especial regime aduaneiro, qual seja, a exportação da mercadoria. Afirma que a impossibilidade de aproveitamento dos créditos gerados implica afronta ao princípio da não-cumulatividade. Alega, por fim, que o Regulamento do IPI/98 reconhece o direito ao creditamento relativamente às operações abrangidas pelo benefício drawback.

A liminar pleiteada restou indeferida (fl. 46). Ao agravo de instrumento

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interposto negou-se provimento. (fls. 136/145)A autoridade impetrada prestou informações.Sobreveio sentença, denegando a segurança pleiteada. (fls. 118/120)Opostos embargos de declaração, foram acolhidos parcialmente para

esclarecer a sentença embargada, denegando a segurança por ausência de liquidez e certeza do direito deduzido na inicial, ressalvando à impetrante o uso das vias ordinárias para a discussão do direito alegado. (fls. 132/135)

Irresignada, apelou a impetrante, sustentando ser líquido e certo o direito invocado na impetração e reprisando os argumentos contidos na inicial.

Sem contra-razões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Inicialmente, cabe descrever os traços que caracterizam o regime aduaneiro em questão.

O drawback é um tipo de regime aduaneiro especial, previsto no inc. II do art. 78 do Decreto-Lei nº 37/66, regulamentado pelo Decreto nº 68.904/71, o qual prevê a isenção ou a suspensão dos tributos incidentes sobre a importação de mercadorias destinadas ao beneficiamento, fabrico, complementação ou acondicionamento de outra mercadoria a ser exportada, da seguinte forma:

“Poderá ser concedida, nos termos e condições estabelecidos no regulamento:I (...).II. Suspensão do pagamento dos tributos incidentes sobre a importação de mercadoria

a ser exportada, após beneficiamento, ou destinada à fabricação, complementação ou acondicionamento de outra a ser exportada.

III. Isenção dos tributos que incidirem sobre importação de mercadoria, em quantidade e qualidade equivalente à utilizada no beneficiamento, fabricação, complementação ou acondicionamento de produto exportado.”

Esse dispositivo, confirmado pelo inc. I do art. 314 do Decreto nº 91.030/85 e pela Portaria nº 36/82 do Ministro da Fazenda, explicita nos itens 10 e 11 que:

“10. É condição para concessão de drawback, na modalidade de isenção de tributos, a comprovação das exportações, já realizadas, de mercadorias, em quantidade e valor determinados, em cuja produção foram aplicados os insumos importados.

11. A concessão do benefício drawback, na modalidade de suspensão de tributos é

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condicionada ao adimplemento do compromisso de exportar, no prazo estipulado no ato concessório, mercadorias em quantidade e valor determinados, em cuja produção serão aplicados os insumos a serem importados.”

Da análise dos dispositivos citados, infere-se que, na modalidade de isenção, o importador beneficia-se na importação de insumos, em quantidade e qualidade equivalentes aos aplicados em mercadorias já exportadas; enquanto na modalidade de suspensão, o importador compromete-se a exportar mercadorias, em cujo fabrico tenha sido efetivamente utilizado o insumo importado, a fim de implementar a condição exigida para beneficiar-se com suspensão dos tributos incidentes sobre a importação.

Tem-se, assim, que a isenção está condicionada à prévia exportação de mercadoria importada com pagamento de tributos após transformação no País. E seu objetivo é o de repor os estoques da empresa exportadora, sem ônus nas novas importações. Enquanto que o drawback suspensivo, baseado em plano de exportação, consiste na reexportação de mercadoria, previamente importada, submetida, em algumas hipóteses, a pequenas manipulações e, na maioria das vezes, a alterações substanciais, seja por transformação, beneficiamento, ou atualização na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada. Esta última modalidade é poderoso instrumento de política de comércio exterior pela conquista de mercados externos, na preciosa lição de Osíris de Azevedo Lopes Filho.

O mecanismo operativo difere nas diversas modalidades de drawback. Tanto na isenção, quanto na restituição, pressupõe-se a importação da mercadoria com o pagamento dos impostos incidentes. Comprovada a exportação de outra mercadoria, em que a importada anteriormente seja componente ou acondicionadora, haverá o enquadramento no regime, seja de isenção ou de restituição, com o benefício decorrente. Já na modalidade suspensão, a empresa apresenta à CACEX o seu plano de exportação, detalhando os insumos necessários à produção a ser exportada e a quantidade, preço e volume de receita a ser obtida na exportação.

No caso sub judice, a autora optou pela modalidade de suspensão, na qual, como explicitado, condiciona-se a suspensão do pagamento dos tributos incidentes sobre a importação à exportação da mercadoria na qual o produto importado foi efetivamente empregado, tornando-se parte

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integrante ou acessória daquele que está sendo exportado.Assim, a suspensão concedida na importação visa, em verdade, a

incentivar a exportação, pois a suspensão só se implementa com a exportação da mercadoria na qual o produto importado foi utilizado, portanto, constata-se a necessidade de um vínculo físico entre o produto importado e a mercadoria exportada.

Ademais, como fica claro, a adoção do regime de drawback na modalidade de isenção ou de suspensão pressupõe a necessária e indispensável posterior reexportação do produto importado. Em nenhuma hipótese, a não ser por exceção, admite-se o comércio interno do produto importado sob esse regime.

Quanto ao pleito formulado pelo impetrante, de manutenção de créditos de IPI incidentes sobre os insumos importados de acordo com o regime aduaneiro especial em questão – drawback, modalidade suspensão – tenho que não merece prosperar.

Na importação de mercadorias (insumos) sob o regime de suspensão de tributos, condicionada à futura exportação dos produtos em que empregados os referidos insumos, o IPI somente será exigível quando não ocorra a exportação no prazo fixado, ou seja, implementada a condição imposta, qual seja, a exportação, resolve-se a obrigação tributária suspensa (art. 38 do RIPI/98), motivo por que não ocorre o surgimento do crédito tributário invocado pela impetrante. Tampouco há falar em crédito de IPI gerado na saída do produto industrializado do estabelecimento industrial, pois o inc. III do § 3° do art. 153 da Constituição Federal/88 determina que o IPI “não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior”.

Portanto, não havendo efetiva tributação em nenhuma das etapas do processo produtivo (entrada: importação ou saída: exportação), não se cogita do surgimento de crédito tributário passível de aproveitamento, desimportanto tenha ocorrido o fato gerador da exigência em questão, porquanto o crédito tributário não prescinde do necessário lançamento, suspenso até que escoe o prazo para a exportação (condição resolutória) e vedado quando da exportação, nos termos do art. 153, § 3°, inc. III, da CF/88. Não vislumbro, por conseguinte, sequer a possibilidade de ofensa ao princípio da não-cumulatividade.

No que diz respeito ao argumento da impetrante de que o Regulamento

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do IPI/98 (Decreto n° 2.637/98) – arts. 40, inc. V, e 160 – reconhece o direito ao creditamento relativamente às operações abrangidas pelo benefício drawback, penso que não merece guarida, consoante oportunos esclarecimentos prestados pela autoridade impetrada, a seguir transcritos:

“...Em primeiro lugar, a referência, no inciso V do art. 40 do RIPI/98, aos insumos beneficiados pelo regime draw-back deve à conveniência de afastar dúvida que poderia surgir quanto à legalidade da saída (fato normalmente gerador do IPI) com suspensão do tributo, no âmbito interno de circulação de mercadorias, de produto que contivesse tais insumos, junto com outros insumos de origem e procedência nacional, em vista da destinação específica dos insumos sob regime de draw-back, a qual é a saída para o exterior (exportação), como componente do produto exportado.” (fl. 58) grifei

“...Ora, obedecido o princípio da não-cumulatividade, entende-se dos dois dispositivos em foco que, contendo o produto, remetido de um estabelecimento para outro, insumos nacionais e insumos importados sob o regime de draw-back, tal produto, ainda que contendo insumos importados com suspensão do imposto, poderá sair com suspensão, mas o crédito é assegurado apenas aos insumos nacionais que anteriormente tenham sido tributados por alíquota superior a zero. Se no produto forem empregados somente insumos importados sob draw-back, não haverá direito a qualquer crédito.” (fl. 59) grifei

Conseqüentemente, não há direito líquido e certo a ser amparado pelo mandado de segurança, devendo ser mantida a decisão que denegou a ordem impetrada.

Isso posto, nego provimento ao apelo da impetrante, nos termos da fundamentação.

É como voto.

REMESSA EX OFFICIO EM MS Nº 2000.72.00.009682-4/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida

Parte Autora: Elevadores Otis S/A

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Advogados: Drs. Adriana Cristina de Moraes e outrosParte Ré: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Remetente: Juízo Substituto da 2ª Vara Federal de Florianópolis/SC

EMENTA

Tributário. Certidão negativa de débito. Prazo de validade. Interpretação de exigência contida em normativo da Receita Federal.

1. O prazo de validade da certidão de regularidade fiscal está expressamente previsto, sem ressalvas para a espécie retratada nos autos, em dispositivo do ato normativo que, ao tempo, regia a matéria (IN/SRF nº 80/97, artigo 13, parágrafo 4º). Neste passo, não procede a conduta da autoridade coatora no sentido de que a certidão expedida tem um prazo de validade que se aplica a terceiros interessados, mas que pode não ser observado pela própria Receita Federal, se assim ensejarem as circunstâncias.

2. Inexistente a informação quanto à superveniência de créditos lançados de responsabilidade da matriz, ou da filial impetrante, que possam obstar a outorga do documento, e estando aqueles existentes com sua exigibilidade suspensa, como faz prova, durante o prazo de sua validade, a indigitada certidão acostada à fl. 68, cabível a outorga da certidão estampada no artigo 206, CTN, à impetrante.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de agosto de 2002.Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de mandado de segurança visando a que seja outorgada à impetrante a certidão positiva com efeitos de negativa, a fim de dar continuidade a suas atividades empresariais. A autoridade fazendária está a negar

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o documento, requisitando a apresentação de certidão atualizada quanto à regularidade fiscal da empresa-matriz. Aduz a impetrante a ilegalidade da conduta – configurada em registros escritos às fls. 75 e 78 – que desconsidera a certidão válida relativa à matriz, já apresentada – documento de fl. 68.

Deferida a liminar (fls. 89/91). Prestadas as informações pela autoridade impetrada (fls. 98/100) – que sustentou o cumprimento do disposto no artigo 2º, § 4º, da IN 80/97 – SRF para embasar a exigência, visto que perante terceiros a certidão possui validade por seis meses, mas, “...internamente, a Secretaria da Receita Federal não pode ignorar os fatos novos que venham a ocorrer...”, isto é, a superveniência de eventual débito que constitua óbice ao documento. Ofertado parecer pelo MPF (fl. 113). Proferida sentença (fls. 114/120) que, confirmando a liminar, concedeu a segurança e determinou a expedição da certidão, ao entendimento de que inexiste ressalva quanto à validade das certidões emitidas na forma preconizada pelo normativo da Receita, pelo que ilegal e abusiva a interpretação dada.

Sem recursos voluntários, vieram os autos a este Tribunal em reexame necessário, manifestando-se o MPF pelo improvimento da remessa.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de estabelecer sobre se procede, ou não, a alegação da autoridade coatora, no sentido de que a certidão expedida tem um prazo de validade que se aplica a terceiros interessados, mas que pode não ser observado pela própria Receita Federal, se assim ensejarem as circunstâncias.

A matéria, na espécie, era regulada, ao tempo, pela citada Instrução Normativa nº 80/97 da SRF (cópia às fls. 69/74) que, em seu artigo 2º, § 4º, estabelece que: “no caso de requerimento de filial, o deferimento da certidão é condicionado à inexistência de débito de IRPJ e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL em nome da matriz”.

A condição foi atendida pela impetrante com a apresentação da certidão referente a sua matriz e que, na data da impetração, 05.12.2000, era perfeitamente válida até 29.12.2000, como expressamente registrado

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no documento (fl. 68). Nesse contexto, oportuno transcrever o artigo 13, com especial destaque para o contido em seu § 4º:

“Art. 13. O prazo de validade das certidões de que trata esta Instrução Normativa é de seis meses, contado da data de sua emissão, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.

§ 1º Na hipótese da alínea c do inciso I do art. 9º, se a certidão for requerida durante o prazo para interposição de recurso, mas antes de sua apresentação, o prazo de validade será limitado à data final para a apresentação do referido recurso.

§ 2º O prazo de validade de certidão fornecida a contribuinte com débito objeto de reclamação ou recurso, na área administrativa, é limitado à data da ciência da decisão relativa à reclamação ou ao recurso.

§ 3º O uso da certidão a que se refere o parágrafo anterior, após a data da ciência da decisão, corresponde ao uso de certidão inidônea, caso em que a DRF ou IRF-A promoverá o seu cancelamento no Sistema Eletrônico de Expedição de Certidões - TRATANI.

§ 4° A certidão terá eficácia, dentro do seu prazo de validade, para prova de quitação dos tributos e contribuições federais a que estiver vinculado o contribuinte e somente a ele abrangerá.

§ 5º A certidão que for emitida com base em determinação judicial deverá conter, no campo ‘Observações’, os fins a que se destina, nos termos da decisão que determinar sua expedição.”

Constata-se que não há qualquer ressalva quanto a diferentes prazos de validade do documento, senão aquelas expressas nos §§ 1º e 2º para o caso de certidão expedida enquanto tramita reclamação ou recurso, sendo que inexiste registro nos autos de que de tal situação pudesse se cogitar. Como bem consignou o Magistrado singular:

“... A alegação de que referido prazo diz respeito somente a terceiros – e não à própria Receita Federal – também não deve prosperar. Se a Instrução Normativa não faz ressalva alguma, presume-se válido para todos, inclusive para a própria Receita Federal. Ademais, se a Instrução Normativa não restringiu o alcance da norma, não é o intérprete que o fará, ainda mais contra o contribuinte...”. (fl. 119)

Neste passo, não vejo como autorizar a conduta impugnada, sem ferimento ao direito assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXIV, visto que foram preenchidas as condições

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requeridas pela Receita para o fornecimento da certidão. Ademais, inexiste informação quanto à superveniência de créditos lançados de responsabilidade da matriz, ou da filial impetrante, que possam obstar a outorga do documento. E aqueles existentes estão com sua exigibilidade suspensa, como faz prova, durante o prazo de sua validade, a indigitada certidão acostada à fl. 68.

Ante o exposto, na forma da fundamentação precedente, voto no sentido de negar provimento à remessa oficial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.05.000765-3/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelante: Agostinho CiprianiAdvogados: Drs. Osny Dolberth e outro

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Tania Regina Morastoni

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Tributário. Apólices da dívida pública. Prazo para resgate por amortização. Modificação termo inicial. Prescrição. Decretos-Leis nos 263/67 e 396/68. Constitucionalidade.

1. Ainda que se houvesse como inconstitucionais os Decretos-Leis 263/67 e 396/68 porque avessos ao universo das finanças públicas, o resultado consistiria em entender incidente a norma prescricional específica para ações contra a União (art. 60 da Lei 4.069/62), o que, ainda que dilatando o prazo para perfazer um lustro, de igual modo

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fulminaria a pretensão da recorrente, porquanto se esvaiu espaço de tempo muito superior.

2. Tendo jamais ocorrido o termo inicial para o exercício do direito à amortização - o término das obras públicas que tais apólices vieram a custear - o Poder Executivo reconheceu a pendência de seus débitos para com os detentores das cártulas e procurou resolver a questão, fixando um dies a quo e um dies ad quem para que os credores apresentassem seus títulos, editando o Decreto-Lei nº 263, de 28.02.67, bem como o Decreto-Lei nº 396, de 30.12.68, que sucedeu o primeiro e que nada fez senão ampliar o prazo de 6 (seis) meses estabelecido naquele, para 12 meses, findo os quais seria a dívida considerada prescrita. Tendo o autor permanecido inerte por mais de trinta anos, restam prescritos os créditos vinculados às apólices .

3. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de agosto de 2002.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos e condenou o Autor no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais foram fixados em R$ 1.000,00 (hum mil reais), ao entendimento de que nada é devido aos portadores que deixaram fluir o prazo de 12 (doze) meses estipulado pelos Decretos-Leis 263/67 e 396/68 para o resgate de títulos da dívida pública emitidos no início do século XX, e ora pretendem, passados vários anos, utilizar-se das referidas apólices para quitar débitos tributários, mediante o instituto da compensação.

Defende o recorrente a tese da não-prescrição do direito dos titulares de receberem os créditos representados pelos mencionados títulos.

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Sustenta que a modificabilidade do negócio jurídico de emissão de apólices por ato unilateral do Estado, a inconstitucionalidade do ato normativo do Presidente da República, que dispôs sobre prescrição, não se limitando às matérias administrativas e financeiras, e a própria eficácia do Decreto-Lei 263/67, que não teve validamente expedido pelo Conselho Monetário Nacional o regulamento previsto em seu art. 12, levam à conclusão de que o título em questão continua plenamente válido e exigível. Acrescenta que a Administração, ao editar a Medida Provisória nº 1.238, em 15.12.95, a qual dispunha em seu artigo 1º que o Poder Executivo fixaria, mediante decreto, nos meses de janeiro a julho de cada ano, os limites de substituição dos títulos a que se refere o Decreto-Lei 263/67, para o respectivo exercício, reconheceu que os portadores ainda têm o direito de ver os títulos resgatados. Alega que, ainda que, ao ser retificada a mencionada MP, com a supressão do art. 1º, ocorreu violação a direito adquirido e a ato jurídico perfeito.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.É o Relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: No início do Século XX, o Governo entendeu de emitir apólices da dívida pública para viabilizar caixa destinado à execução de obras públicas, tomando, assim, dinheiro emprestado dos particulares. Para tanto, estava o Estado autorizado pelo art. 34 da Constituição de 1891 e por vários decretos que foram editados, determinando o valor dos referidos títulos (invariavelmente, um conto de réis, rendendo juros de 5% ao ano) e o prazo para a amortização das apólices, que deveria ocorrer a partir do término das obras que vinham estas a custear.

Tendo jamais ocorrido o termo inicial da exigibilidade da amortização - o término das referidas obras -, o Poder Executivo reconheceu a pendência de seus débitos para com os detentores das apólices e procurou resolver a questão, fixando um dies a quo e um dies ad quem para que os credores apresentassem seus títulos, editando o Decreto-Lei nº 263, de 28.02.67, bem como o Decreto-Lei nº 396, de 30.12.68, que sucedeu o primeiro e que nada fez senão ampliar o prazo de 6 (seis) meses estabelecido naquele, para 12 meses, findo os quais seria a dívida considerada prescrita.

Existem respeitáveis opiniões no sentido de que eivados de

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inconstitucionalidade os Decretos-Leis nº 263/67 e nº 396/68, as quais sustentam não só que a Constituição de 1967, em seu art. 58, incisos I e II, autorizava a expedição dos referidos textos legais tão-somente para dispor sobre matérias administrativa e financeira, entre as quais não se inclui a prescrição, e que a edição destes diplomas legais violou direito adquirido e ato jurídico perfeito, mas, também, que equivocada a regulamentação das matérias abordadas nos mencionados textos legislativos pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central, quando a competência para tanto era privativa do Presidente da República.

Concernentemente ao argumento de que a matéria enfocada refugiria da semântica de “finanças públicas”, vale lembrar que, no histórico julgamento sobre a inconstitucionalidade dos Decretos-Leis nos 2.445 e 2.449, de 1988, eleito foi como discrimen constituir ou não a exação PIS ingresso nos cofres públicos. O voto do Ministro Carlos Velloso, expendido àquela ocasião, estampa:

“(...) Esta questão é fundamental, no caso. Para os que entendem, como eu, que o PIS sempre teve natureza tributária, sempre foi um tributo, o argumento não teria procedência.

Todavia, no rumo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, dificilmente o argumento seria afastado. É que, não tendo o PIS natureza tributária, os Decretos-Leis nos 2.445, de 29.06.88, e 2.449, de 21.07.88, somente encontrariam legitimidade constitucional formal, em face do art. 55, II, da CF/67, se a contribuição do PIS pudesse ser conceituada como de finanças públicas. Seria muito difícil, entretanto, conceituar essa contribuição como um ingresso público, na linha, por exemplo, da lição de Aliomar Baleeiro, que classifica as entradas ou ingressos públicos da seguinte forma: 1) movimentos de fundos ou caixa: a) empréstimos ao Tesouro; b) restituição de empréstimo do Tesouro; c) cauções, finanças, depósitos, indenizações de direito civil, etc. 2) Receitas: I. originárias ou de Econ. Privada, ou Direito Privado, ou voluntárias: a) a título gratuito: a.1. Doações puras e simples; a.2. Bens vacantes, prescrição aquisitiva, etc.; b) a título oneroso: b.1. Doações e legados sob condição; b.2. Preços quase privados; b.3. Preços públicos; b.4. Preços políticos. II. Derivadas de Econ. Pública, de Direito Público ou Coativas: a) Tributos: Taxas, Contrib. de Melhoria, impostos, cont. parafiscais; b) multas, penalidades e confisco; c) reparações de guerra. (Aliomar Baleeiro, Uma Introdução à Ciência das Finanças, 14ª edição, Forense, 1984, pág. 121)

Esclareça-se, aliás, que, no julgamento do RE nº 100.790-SP, Relator o Sr. Ministro F. Rezek, S. Exa. deixou expresso, no seu voto, que, no caso do PIS, ‘têm particular poder de convencimento as razões da Caixa Econômica Federal, no que lembram que tais dinheiros não se recolhem ao tesouro público. Pelo contrário, mesclam-se, nos cofres daquela instituição autárquica, a dinheiros desembolsados pela própria União, para fluírem, afinal, em espécie, sobre o patrimônio dos trabalhadores’. Será

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sugestivo lembrar que, na definição de Baleeiro, a receita pública – de que os tributos são espécie – ‘é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem qualquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo’. (Uma Introdução à Ciência das Finanças, Rio, Forense, 7ª ed., 1971, pág. 130).’ (RTJ 120/1190, 1193)

No particular, tenho como acertado o voto do eminente Juiz Valmir Peçanha, entendendo que a contribuição do PIS não pode ser conceituada como de finanças públicas:

‘Quanto a este particular – da não-conceituação do PIS como finanças públicas – no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível nº 077 – SE, o Eminente Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Dr. José Delgado, fez erudita explanação, nos seguintes termos:

‘Na verdade o PIS consiste num fundo especial, que tem a Caixa Econômica Federal como sendo o órgão responsável pela sua gestão, e que pertence aos empregados. O referido fundo é constituído por uma massa de recursos que, embora sob gestão de uma empresa pública, não se assemelha com os recursos destinados as funções essenciais do Estado, quer se classifiquem como receita derivada, quer como receita originária. É, em outras palavras, uma massa patrimonial de natureza especial, visando a integração dos trabalhadores na vida e desenvolvimento da empresa, e a formação de um patrimônio em benefício do trabalhador.

A expressão ‘finanças públicas’ registrada no art. 55, II, da Carta de 1967, emendada em 1969, não abrange, por maior amplitude que se lhe conceda, a inclusão do fundo do PIS como fazendo parte do seu continente.

É de se considerar que as ‘Finanças Públicas visam aos dinheiros públicos e, por extensão, à aquisição, à administração, ao emprego dos dinheiros públicos’ (Gastton Jèze, Curso de Finanças Públicas). É, em outras palavras, o ‘estudo das entradas e dos gastos do governo’, conforme OTTO ECKSTEIN, in Finanças Públicas, cit. por Geraldo Vidigal, in Fundamentos do Direito Financeiro, ERT, 1973, pág. 48). Alberto Deodato, em sua clássica obra Manual de Ciência das Finanças, 21ª edição, 1987, Editora Saraiva, pág. 33, ensina que ‘Na verdade depois das duas grandes guerras, o conteúdo da Ciência das Finanças sofreu uma transformação profunda. Era estudada como disciplina que ensinava apenas os meios para os quais o Estado procurava e utilizava os recursos necessários à cobertura das despesas públicas, pela repartição, entre os indivíduos, dos encargos que delas resultavam. A Ciência das Finanças, hoje, ensina, a procura desses meios, mas também os utiliza com fim intervencionista em matéria econômica social e política’. De igual pensar é Rui Barbosa Nogueira: ‘por finanças públicas se compreende tudo aquilo que diz respeito à atividade do Estado para obter, gerir e aplicar o numerário necessário para a realização de seus fins’ (in Direito Financeiro, pág. 3)’.

Tenho, pois, como fora de dúvida, a não-abrangência das contribuições do PIS pelo conceito de finanças públicas’. (fls. 275/276)

Repito: no rumo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os Decretos-Leis

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2.445/88 e 2.449/88 seriam inconstitucionais, sob o ponto de vista formal. É que, não tendo o PIS natureza tributária, somente encontrariam legitimidade constitucional formal, diante do disposto no art. 55, II, da Constituição de 1967, se a contribuição do PIS pudesse ser classificada como de finanças públicas. E, como vimos, a contribuição do PIS não pode ser considerada como uma entrada ou ingresso público.”

Em idêntico diapasão, as manifestações dos Ministros Francisco Rezek e Moreira Alves, respectivamente citados:

“Para que algo seja tributo, é preciso que seja antes receita pública. Não se pode integrar a espécie quando não se integra o gênero. Dinheiros recolhidos não para ter ingresso no tesouro público, mas para, nos cofres de uma instituição financeira, mesclarem-se com dinheiros vindos do erário e resultarem afinal na formação do patrimônio do trabalhador: nisso o Supremo não viu natureza tributária, como, de resto, não viu natureza de finanças públicas. Não estamos aqui diante de receita.”

“Tenho sustentado que, após a Emenda Constitucional nº 7, as contribuições como o PIS/PSEP não são tributos. Assim, não sendo tributo, não poderiam por essa qualificação, ser objeto de decreto-lei.

Poderiam sê-lo, porém, se dissessem elas respeito a finanças públicas. Isso, todavia, não ocorre, pois as importâncias relativas a essas contribuições não ingressam no erário público, inexistindo, pois, no caso, receita pública, o que é indispensável para que se configurem finanças públicas.

Por isso, Sr. presidente, impõe-se o conhecimento e provimento do recurso extraordinário com declaração de inconstitucionalidade dos dois Decretos-Leis em causa.

É o meu voto, com a devida vênia dos que entendem em contrário.”

Impõe-se, entretanto, para dar cores definitivas ao solucionamento da questão, averbar que, mesmo se, ad argumentandum tantum, admitisse eu pertinência às matérias alevantadas, havendo como inconstitucionais os Decretos-Leis 263/67 e 396/68, porque avessos ao universo das finanças públicas, o resultado consistiria em entender incidente a norma prescricional específica para ações contra a União (art. 60 da Lei 4.069/62), o que, ainda que dilatando o prazo para perfazer um lustro, de igual modo fulminaria a pretensão da recorrente, porquanto se esvaiu espaço de tempo muito superior.

Alerte-se, aqui, que, de início, a prescrição teria seu dies a quo a partir da conclusão das obras; o que, em termos práticos, implicaria imprescritibilidade, pois que consabido não-realizadas ou não-concluídas as obras de destinação do empréstimo. Irrecusavelmente ético foi o comportamento da Administração no momento em que, ao haver como

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resgatável – e portanto vencido – o empréstimo; atitude evidentemente favorável aos credores, que não a podem reputar ilegal sem contrariar os próprios interesses, fazendo retornar o estado de imprescritibilidade aético e írrito que se busca evitar.

No que diz respeito ao fato de ter sido delegada a regulamentação prevista no art. 12 do DL nº 263/67 ao Conselho Monetário Nacional – CMN, quando o art. 83, inc. II, da Constituição Federal de 1967 previa que era de competência privativa do Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis, tampouco merece acolhida a argumentação da recorrente. Ocorre que o DL não ficou à mercê de qualquer regulamentação. O que se verifica é uma imprecisão terminológica no art. 12 do DL nº 263/67, o qual se utilizou do vocábulo “regulamento”, não com o sentido de norma complementadora dos comandos nele contidos, uma vez que possuíam estes suficiente coeficiente de normatividade, mas, sim, de normas práticas de operacionalização e execução do resgate. Tendo em vista, então, o caráter self-enforcing das normas do DL nº 263/67, o ato do CMN teve estrito cunho executório, e não padeceu de qualquer vício. Ademais não se revelaria razoável ficar a eficácia de uma lei, em sentido lato, condicionada a um ato do Poder Executivo por mais de 30 (trinta) anos, na hipótese em que, advindo este, caracterizar-se-ia como absolutamente despiciendo.

Em tal contexto, saliente-se que perde relevância qualquer discussão acerca da impossibilidade de o Banco Central publicar o edital convocatório previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 263/67, sem a existência do prévio “regulamento”. Há, sim, que se reconhecer a validade da Resolução nº 65 do Banco Central do Brasil (cuja deliberação a respeito da sua edição foi do Conselho Monetário Nacional), como ato normativo apto a implementar, em toda a sua extensão, as regras do aludido Decreto-Lei.

Atinente à necessidade de o Banco Central do Brasil publicar um segundo edital, em decorrência da edição do DL nº 396/68, que prorrogou para 12 (doze) meses o prazo para o resgate previsto inicialmente no DL nº 263/67, é bem de ver que, como já referido, aquele diploma legal limitou-se a alterar o prazo prescricional. Não revogou o dies a quo para o resgate (que já havia ocorrido, estabelecido que fora por meio de edital), tampouco cuidou de causa interruptiva do prazo que se encontrava

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fluindo, razão pela qual desnecessária outra convocação editalícia.Ao depois, não há falar em direito adquirido e ato jurídico perfeito

violados, já que o Poder Público, não contando com registro efetivo dos títulos que tinham sido emitidos ao longo de décadas, com prazos de resgate que poderiam chegar a mais de um século, vinculados a obras jamais iniciadas ou não concluídas, reconheceu-se devedor e decidiu pagar, de forma mais favorável aos particulares, diga-se, a totalidade dos créditos de todos os portadores dos títulos, justamente no momento em que se instituía a correção monetária, e tais documentos não eram alcançados por essa garantia. Impossível sustentar violação a direito adquirido, quando a condição imposta para que pudesse o particular exercer o direito à amortização dos títulos – a conclusão das obras financiadas – jamais se concretizou. Insustentável, também, a alegação de violação a ato jurídico perfeito, uma vez que perfeitamente válida a alteração na forma de resgate dos títulos proposta pelo Decreto-Lei nº 263/67, bem como na previsão de prazo de prescrição para tanto, ainda que originalmente este não existisse, face ao evidente interesse público a ser tutelado – a necessidade de pôr em ordem as contas públicas –, o qual deve prevalecer, ainda mais quando as alterações promovidas pelo Poder Público na busca do fim almejado foram extremamente favoráveis aos credores, que tiveram demarcado o dies a quo para o resgate por amortização, o qual, na forma como contratado, poderia nunca ter ocorrido.

Em igual diapasão, decidiu recentemente esta Primeira Turma, por unanimidade, negar provimento a apelo que defendia a inocorrência da prescrição e buscava a declaração de quitação de dívida tributária, mediante o pagamento com as apólices da dívida pública, por via de compensação, em acórdão relatado pelo ilustre Des. Federal Wellington Mendes de Almeida e assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. APÓLICES DA DÍVIDA PÚBLICA EMITIDAS NO INÍCIO DO SÉCULO XX. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE RESGATABILIDADE E LIQUIDEZ. COMPENSAÇÃO. DLs Nos 263/67 E 396/68. CONSTITUCIONALIDADE.

1. Os Decretos-Leis nos 263/67 e 396/67 não apresentam mácula de inconstitucionalidade, pois tratam de matéria de ordem financeira, que a Constituição de 1967 permite que seja regulamentada mediante decreto com força de lei.

2. O DL nº 263/67 modificou o termo inicial para o resgate das apólices da dívida pública sem cláusula de correção monetária, fixando prazo de seis meses para o exercício do direito,

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prorrogado por mais seis meses pelo DL nº 396/68. Este termo demarca o nascimento da ação contra o Estado; quedando-se inerte o portador, ao fim do prazo estipulado, está fulminada a ação para cobrar a apólice e, por via oblíqua, o direito nela contido.

3. Inexiste direito adquirido ao resgate, porquanto o termo inicial fixado pelo decreto de emissão para o exercício do direito – a conclusão das obras públicas – não se concretizou.

4. Não se pode avaliar o valor correspondente em moeda atual de apólice emitida no início do século XX, grafada em conto de réis, porque, à época, não existia previsão legal de correção monetária.

5. A falta de cotação em bolsa afeta diretamente a liquidez do título, não havendo como quantificar o efetivo valor econômico da apólice sem valor de mercado.

6. A compensação, no âmbito tributário, submete às regras gerais do CTN as Leis nos 8.383/91, 9.069/95, 9.250/95 e 9.430/96, não se encontrando em nenhum destes normativos legais autorização para que se efetue a compensação dos débitos tributários com o título da dívida pública que a autora detém.” (AC nº 1999.71.00.017913-9, TRF 4ª Região, Primeira Turma, Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, DJU 03.07.2002)

Não merece acolhida, ainda, o argumento de que não se confirmara a prescrição das referidas apólices, em face da edição da Medida Provisória nº 1.238, que, em seu art. 1º, § 3º, dispunha que o Poder Executivo fixaria, nos meses de janeiro e julho de cada ano, os limites de substituição dos títulos referidos no Decreto-Lei nº 263/67, para o respectivo exercício, ressuscitando, assim, as vetustas apólices. Ocorre que, logo após sua publicação, foi reconhecido o equívoco e extirpado o referido parágrafo, com a edição de uma MP retificadora, a de nº 1.275. Embora alguns juristas sustentem ter havido o reconhecimento da validade dos títulos pela União, tenho eu que não há falar em nulidade da medida corretiva, pois não se pode emprestar o mesmo tratamento de lei formal, que, publicada, não depende de qualquer outra medida para passar a valer, às medidas provisórias, que perdem a eficácia desde sempre, se não forem pelo Congresso Nacional apreciadas, aprovadas e convertidas em lei no prazo de 30 (trinta) dias. No presente caso, o conteúdo do § 3º da MP nº 1.238, não tendo sido sequer enviado ao Congresso para aprovação, perdeu a eficácia ex tunc, isto é, é como se jamais tivesse existido.

Destarte, tendo o Decreto-Lei nº 263/67 cancelado a condição suspensiva e oportunizado o resgate dos Títulos da Dívida Pública emitidos no início do Século XX, no prazo fixado pelo Decreto-Lei nº 396/98, o qual demarcou o termo inicial do prazo prescricional, e tendo

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a autora permanecido inerte por mais de trinta anos, restam prescritos os créditos decorrentes de tais títulos. A jurisprudência deste Tribunal, da qual é exemplo o acórdão abaixo ementado, já firmou entendimento quanto à imprestabilidade dos referidos títulos, porquanto fulminados pela prescrição:

“CIVIL. ADMINISTRATIVO. TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA. EMISSÃO ENTRE 1902 E 1941. RESGATE DE CRÉDITOS. PRESCRIÇÃO. O direito ao resgate dos créditos inscritos nos Títulos sob exame foi constituído em 1968, com a edição do Decreto-Lei nº 396/68, a partir da prorrogação do prazo fixado no Decreto-Lei nº 263/67, de modo que não tendo o credor exercido o resgate em tempo oportuno, restam prescritos os créditos.” (AC nº 2000.04.01.143017-5. TRF 4ª Região, Quarta Turma, Rel. Des. Federal Edgard Lippmann, DJU 06.06.2001, p. 1679)

Reconhecida a prescrição, tenho eu que prejudicadas as alegações no sentido de que o resgate dos referidos títulos poderia ser feito mediante pagamento por precatório, compensação com tributos devidos, dação em pagamento ou utilização como moeda em leilões de privatização.

Por fim, julgo importante ressaltar que, ainda que se pudesse afastar a prescrição dos títulos emitidos no início do século XX e reconhecer sua exigibilidade, a tais cártulas vem a jurisprudência pátria negando liquidez e certeza, por não conterem cláusula de correção monetária e não possuírem cotação em bolsa, pressupostos inafastáveis à pretensão da requerente de compensar os créditos vinculados às apólices com débitos tributários. A propósito, colaciono o julgado desta Corte abaixo transcrito:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. OFERECIMENTO DE APÓLICES DA DÍVIDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ. INSCRIÇÃO DA EMPRESA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. LEGALIDADE.

1. Não merece prosperar pedido de compensação de débitos tributários, certos e exigíveis, com o oferecimento de apólices da dívida pública, datadas do início do século, porquanto sua liquidez está seriamente afetada, seja pelo deságio destas apólices, seja pela ausência de sua cotação em bolsa, seja pela falta de iniciativa do Poder Executivo em resgatá-las, como autoriza o DL-263/67.

2. (...)3. (...)4. Agravo de instrumento improvido.”. (AG nº 1999.04.01.022149-5 – 1ª Turma –

Relator Des. Federal José Germano da Silva – DJ em 27.10.99)

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo,

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mantendo a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.075873-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas

Apelante: Telmo Aparicio SilveiraAdvogado: Dr. Telmo Aparicio Silveira

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Patrícia Helena Bonzanini

Apelados: (Os mesmos)Roma-Sul Transportes Rodoviários Ltda.

Advogados: Drs. Telmo Aparicio Silveira e outrosRemetente: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal das Execuções Fiscais

de Porto Alegre/RS

EMENTA

Execução fiscal. Cobrança de contribuições previdenciárias sobre o trabalho de caminhoneiros-freteiros para empresa de transporte sob fundamento de que eles prestaram serviços como empregados. Possibilidade de reconhecimento da relação de emprego pela Previdência Social e exame de sua prova. Falta de individualização dos empregados. Alegação de trabalho não-eventual. Subordinação não comprovada.

Se uma pessoa presta serviços nas condições que caracterizam o vínculo empregatício definidas no art. 3º da CLT, ainda que sem qualquer registro ou anotação na CTPS, ou enquadrada indevidamente como trabalhadora autônoma, a fiscalização do INSS tem o poder-dever de considerá-la como empregada para fins exclusivos de exigir as contribuições previdenciárias

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devidas pelo empregador, conforme previsão contida no art. 142 do CTN, sem que esse reconhecimento gere direitos trabalhistas para os supostos empregados.

Admitir-se o contrário seria esvaziar inteiramente a obrigatoriedade e eficácia das normas previdenciárias e da filiação dos segurados, deixando a questão ao arbítrio, interesses e conveniências da empresa e dos trabalhadores.

O reconhecimento de relação de emprego depende da individualização dos empregados. Sem essa individualização, é nula a autuação fiscal.

Ademais, não é possível presumir a relação de emprego com base tão-somente na não-eventualidade do trabalho e na remuneração. Se não há elementos de prova na autuação fiscal sobre a prestação de serviços no tocante à subordinação, pessoalidade e continuidade, é inviável o reconhecimento da relação de emprego, resultando afastada a presunção de certeza e liquidez do título que embasa a execução fiscal.

Honorários de advogado fixados em 10% do valor atualizado da execução.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide

a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e, por maioria, dar provimento à apelação do patrono do embargante, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de março de 2002.Des. Federal Surreaux Chagas, Relator p/Acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Cuida-se embargos à execução fiscal propostos por Roma Transportes Rodoviários Ltda. contra o INSS, pretendendo declaração de que a autora não é devedora de contribuições previdenciárias em relação aos caminhoneiros que contrata. Para tanto, sustenta que tais profissionais não mantêm vínculo empregatício com a empresa. Deu à causa o valor de R$ 890.901,92.

Em sentença, entendeu o MM. Julgador monocrático que inexiste

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vínculo empregatício entre os caminhoneiros e a transportadora embargada. Tornou nulos os lançamentos fiscais e ineficaz a execução, condenando o embargado em custas e honorários, fixados em R$ 1.000,00.

O INSS, irresignado, requereu a reforma da decisão, para o fim de serem julgados improcedentes os embargos e reconhecido o vínculo empregatício dos caminhoneiros, julgando devidas as contribuições previdenciárias.

Apelou, também, o advogado da embargante, pretendendo a majoração da verba honorária.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Para se aferir a existência ou não de contrato de trabalho entre a apelada e os caminhoneiros contratados, capaz de autorizar o recolhimento da contribuição previdenciária, deve-se recorrer ao artigo 3º da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Isso porque é aí que estão presentes os requisitos formadores da relação de emprego. Verbis:

“Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador sob a dependência deste e mediante salário.”

Assim, para caracterizar-se a relação laboral, são necessários: a) prestação de serviços; b) não eventual; c) com subordinação; d) mediante salário.

No caso em tela, depreende-se que inexiste a prestação de serviços nos moldes da relação de emprego, já que não estão presentes a subordinação e a habitualidade.

Na ação ordinária nº 97.0002346-0, onde discute-se, também, a nulidade de NFLDs pela inexistência de vínculo empregatício dos freteiros, foi ouvida a testemunha Aldoir Afonso Fontana que, em seu depoimento, afirmou:

“O depoente nunca foi empregado, sendo que há vinte e sete anos de caminhoneiro autônomo. A contratação do frete se dá pela empresa como caminhoneiro; ou o caminhoneiro procura a empresa para realizar o frete ou a empresa que vai atrás do caminhoneiro. Normalmente tendo transportado uma mercadoria até uma determinada cidade, nessa mesma cidade é procurado um frete para outro lugar. (...) O depoente não deseja o reconhecimento do vínculo com a empresa transportadora, desejando permanecer

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como autônomo. O depoente recorre para o INSS como trabalhador autônomo. O depoente já prestou serviço como transportador autônomo para a empresa Roma-Sul”. (fl. 248)

Também Pedro de Oliveira Jaeger prestou serviços à embargante sem qualquer vínculo empregatício. É o que se conclui de seu depoimento:

“O depoente é motorista autônomo de caminhão há cerca de vinte anos, possuindo seu próprio caminhão, com o qual realiza os fretes. Nunca foi empregado de empresa transportadora de cargas. O depoente presta serviço autônomo para a empresa Roma-Sul. A contratação do frete se dá da seguinte forma: o depoente, chegando em Porto Alegre procura uma empresa e verifica se há frete para ser feito; havendo o frete é acertado o preço, sendo que todas as demais despesas ficam por conta do motorista. Chegando ao local de destino é descarregada a carga e o depoente procura uma outra empresa para fazer outro frete. Não há, assim, qualquer vínculo com empresa de transporte. O depoente não deseja ser empregado, mas deseja permanecer na condição de autônomo; não sabe de nenhum colega, que seja autônomo, deseje passar o empregado. O depoente recolhe ele próprio para o INSS como autônomo”. (fl. 249)

Para que sobre a remuneração incidam as pretendidas contribuições previdenciárias, necessária a existência de vínculo empregatício. Em face da inexistência do mesmo, indevidas se tornam tais contribuições, perdendo objeto a execução fiscal.

Merece guarida o apelo do procurador da embargante, no que se refere à majoração dos honorários advocatícios, os quais devem ser fixados em 10% do valor corrigido da causa, de acordo com os precedentes da Turma.

Isto posto, dou provimento à apelação do patrono da embargante e nego provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.

É o voto.

VOTO-VISTA PARCIALMENTE DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Controverte-se sobre relação de emprego nas duas execuções fiscais embargadas, reunidas para processamento e julgamento em conjunto, que versam sobre a cobrança de contribuições previdenciárias sobre o trabalho prestado por caminhoneiros-freteiros para empresa de transporte executada, Roma-Sul Transportes Rodoviários Ltda., enquadrados pela Previdência Social como empregados para fins de contribuição previdenciária.

Examino separadamente, em votos distintos, as apelações que se originam das execuções fiscais embargadas. Este voto se refere às

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Apelações Cíveis 2001.04.01.075873-6/RS.

Fundamentos da execução fiscal e dos embargos à execução que originam as Apelações Cíveis 2001.04.01.075873-6/RS

Na execução fiscal, cujos embargos à execução originam as Apelações Cíveis 2001.04.01.075873-6/RS, assim a Previdência Social fundamenta as autuações fiscais nos procedimentos administrativo-fiscais nos 31.984.564-8 e 31.984.566-4:

“O presente débito refere-se a débito suplementar de contribuições devidas à Seguridade Social, no período de 01/93 a 12/93, não recolhidas nas épocas próprias, incidentes sobre a remuneração paga aos empregados, indevidamente considerados freteiros-autônomos, mas que, de fato, preenchem os pressupostos necessários e suficientes para dotar o serviço prestado de liame empregatício com a tomadora, pelas razões abaixo aduzidas.

Inicialmente lembramos que o lançamento refere-se a contribuição patronal (empresa, SAT, terceiros).

Pelo contrato social, verifica-se que o objetivo social da notificada é o transporte de carga rodoviária.

Desse modo, a empresa necessita prioritariamente do concurso de freteiros no seu setor operacional.

Efetivamente, constatamos pela folha de pagamento que o cargo de motorista é desempenhado por muitos desses profissionais.

Pela contabilidade, verificamos o movimento habitual das contas: Freteiros Autônomos PJ e Freteiros Autônomos PF, pertencentes ao grupo Custos com Veículos.

Ora, é entendimento reiterado do ordenamento jurídico trabalhista brasileiro que os serviços que decorrem precipuamente da existência das empresas, entidades ou estabelecimentos, sendo indispensável à realização de seus fins normais, acarretam a existência de vínculo empregatício, não podendo serem rotulados de eventuais ou autônomos.

E mais: o vínculo de emprego tem base fática que independe de formalidades de registro, que são declaratórios e não constitutivos, de situação jurídica pré-existente e não incipiente.

Desse modo, alguém é empregado de outrem não pelo simples fato de haver um contrato de trabalho assinado em uma CTPS, mas, sim, em razão das condições em que tais serviços são prestados.

Além disso, aos Fiscais Previdenciários é conferido legalmente o poder de fiscalizar, examinar, vigiar e controlar o cumprimento das leis, regulamentos ou obrigações, que devem ser praticados pelos entes fiscalizados.

Pelos argumentos expendidos, constatando que as contribuições incidentes sobre as remunerações pagas aos freteiros-PF foram recolhidas em infringência à legislação previdenciária, lavro a presente NFLD.

O salário-de-contribuição foi apurado, adicionando, mês a mês, as quantias lançadas

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na conta: Freteiros-Autônomos-PF.As taxas aplicadas e os fundamentos legais observados, constam dos discriminativos

em anexo.” (fls. 42/43)

Roma-Sul Transportes Rodoviários opõe embargos à execução, sustentando a ilegitimidade e incompetência da autarquia previdenciária de estabelecer e declarar relação de emprego com os caminhoneiros-freteiros, glosar de forma inespecífica, imprecisa e por presunção os pagamentos realizados em favor dos caminhoneiros-freteiros, bem como nega a caracterização de relação de emprego, aduzindo a existência de contrato de prestação de serviços de transporte com os caminhoneiros, na forma da regulamentação do transporte rodoviário de cargas conforme a Lei 7.092/83, Lei 7.290/84 e art. 10 do Decreto 612/92.

As partes somente produziram prova documental. Não houve produção de prova oral, tendo a embargante juntado cópia de depoimentos de quatro testemunhas apresentados na ação anulatória de nº 97.0002346-0. (fls. 244/255 dos autos das Apelações 2001.04.01.075873-6)

A sentença de 1º grau e as apelações do embargado e do patrono da embargante

Em julgamento antecipado da lide, a sentença de 1º grau acolhe os embargos à execução fiscal sob o entendimento de que os caminhoneiros-freteiros não são empregados. Em conseqüência, declara nulas as NFLDs que aparelham as execuções fiscais, tendo condenado o embargado em honorários advocatícios em cada execução fiscal no valor de R$ 1.000,00, com fulcro no § 4º do art. 20 do CPC, considerando que não houve dilação probatória.

A Previdência Social interpõe recurso de apelação, pretendendo a subsistência das execuções fiscais. Sustenta que o vínculo da empresa com os caminhoneiros é de natureza empregatícia e que corre em favor das autuações fiscais a presunção juris tantum. O patrono da embargada também recorre, pretendendo a elevação da verba honorária para 10%.

Voto do Relator e pedido de vista dos autosO eminente Relator preconiza o desprovimento da apelação do INSS

e da remessa oficial e provimento da apelação do patrono da embargada. Pedi vista dos autos para melhor exame das provas. Aguarda o Des.

Federal Dirceu de Almeida Soares.

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Apelação do INSS e remessa oficial. Relação de emprego.A empresa atua no setor de transporte interestadual de cargas, tendo

estabelecimento matriz na Capital do Estado e filiais em diversas cidades do país. Para a consecução dos seus objetivos, utiliza-se, além de frota própria de caminhões, conduzidos por motoristas profissionais devidamente registrados como empregados, de veículos de terceiros, conduzidos pelo proprietário ou co-proprietário ou por empregados e encarregados desses, mediante contrato de prestação de serviços de transporte, segundo a empresa, nos moldes da Lei nº 7.092/83 e do Decreto nº 89.874/84.

Para a empresa, a prática operacional de contratar freteiros autônomos é usual e necessária nesse setor da economia, vindo a regulamentação da atividade em encontro de uma realidade fática e negocial, em razão da sazonalidade da atividade, sendo inviável manter extenso quadro de motoristas próprios para ciclos de demanda

Desde logo, afasta-se a defesa da embargante de ilegitimidade e incompetência do INSS para atribuir e constituir vínculo empregatício para fins de exigência de contribuição previdenciária.

Não procede a alegação da embargante de que somente a Justiça do Trabalho poderia reconhecer a relação de emprego. Não é possível confundir a relação previdenciária e a relação empregatícia. Ambas as relações são independentes e autônomas. A autuação fiscal não constitui invasão à competência da Justiça do Trabalho. Cada uma gera efeitos no seu campo próprio. Na Justiça do Trabalho, perante o empregador. Na autuação administrativo-fiscal, no âmbito previdenciário, perante o contribuinte.

Se uma pessoa presta serviços nas condições definidas no art. 3º da CLT, ainda que sem qualquer registro ou anotação na CTPS ou enquadrada indevidamente como trabalhadora autônoma, não paira qualquer dúvida de que a fiscalização do INSS tem o poder e o dever de considerá-la como empregada para fins de exigir as contribuições previdenciárias devidas pelo empregador.

O reconhecimento pela Previdência Social é feito exclusivamente para o fim de fiscalização, arrecadação e lançamento de contribuição previdenciária, mas não gera direitos trabalhistas para os supostos empregados, de vez que a atuação da autoridade administrativa é restrita

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ao âmbito previdenciário.O CTN, no art. 142, autoriza a fiscalização previdenciária a apurar

o fato gerador da obrigação tributária e constituir o crédito tributário, verbis:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único: A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

Admitir-se o contrário seria esvaziar inteiramente a obrigatoriedade e eficácia das normas previdenciárias e da filiação dos segurados, deixando a questão ao arbítrio, interesses e conveniências da empresa e dos trabalhadores.

No caso, o fato gerador da contribuição previdenciária cobrada pela Previdência Social é a prestação de serviços na condição de empregado.

Nesse sentido, já decidiu este Tribunal, conforme fundamentos assim sintetizados na ementa:

“TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE NOTIFICAÇÕES FISCAIS DE LANÇAMENTO DE DÉBITO. AGRAVO RETIDO. MATÉRIA DE DIREITO. DESNECESSIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVAS. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA DE PROVA SOBRE A ATIVIDADE DESENVOLVIDA. ÔNUS DA APELANTE. FIXAÇÃO DA ALÍQUOTA DA SAT. CRITÉRIO LEGAL.

1. Desnecessária a produção das provas postuladas por tratar-se de questões de direito.

2. Possibilidade de o agente fiscal do INSS, praticando ato de competência própria, expedir notificação de lançamento relativamente a contribuições devidas, sobre pagamentos efetuados a autônomos, por considerá-los empregados.

3. Presentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego.4. A fixação da alíquota do SAT decorre da aplicação de critério legal.5. Agravo retido e apelação improvidos.”. (AC nº 97.04.73847-1/RS, TRF 4ª Região,

1ª Turma, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, julgado em 16.03.99, publicado no DJ de 28.04.99, p. 864, decisão unânime)

Outrossim, é aplicável à relação previdenciária o princípio da primazia da realidade, que significa que os fatos relativos ao contrato de trabalho prevalecem sobre a aparência formal ou documental. Em outras palavras:

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não importa as formas de que se reveste a prestação dos serviços, mas a realidade do que efetivamente acontece.

Nulidade das autuações fiscais por falta de individualização dos supostos empregados

Conforme se vê dos fundamentos da autuação fiscal, a Previdência Social não arrola os caminhoneiros tidos como empregados, baseando exclusivamente o reconhecimento da relação de emprego na circunstância de que o objetivo social da embargada é o de transporte de carga rodoviária; que a empresa necessita prioritariamente do concurso de freteiros; que, de acordo com o ordenamento jurídico nacional, se os serviços são indispensáveis à realização dos fins normais da empresa, caracterizam a existência de vínculo empregatício, não podendo ser rotulados como eventuais ou autônomos.

Ora, a autuação fiscal é nula pela falta de individualização e especificação dos supostos empregados. O salário-de-contribuição foi apurado mês a mês com base nas quantias lançadas na conta “Freteiros-Autônomos PF”, sem a individualização dos supostos empregados. Sendo uma das características marcantes do contrato de trabalho a pessoalidade, seria indispensável a individualização dos empregados e os respectivos períodos de trabalho.

Ademais, a falta de individualização dos empregados prejudica o exercício da ampla defesa por parte da executada assegurada pela Constituição.

Portanto, a glosa generalizada pela totalização da conta contábil mês a mês torna ilegítima a exigência, sendo nula a NFLD.

A nulidade da autuação fiscal por falta de individualização dos empregados afasta a presunção de certeza e liquidez de que goza a Dívida Ativa regularmente inscrita. (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei 6.830/80)

Não-eventualidade da prestação dos serviçosMas existe ainda um segundo fundamento que também elide a

autuação fiscal. Esta autuação se baseia – fundamentalmente – na não-eventualidade da prestação dos serviços dos caminhoneiros-freteiros e na remuneração. Ora, não é possível presumir a relação de emprego com base unicamente nos requisitos da não-eventualidade e da remuneração.

São cinco as características do contrato de trabalho:1) pessoalidade; 2)

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onerosidade; 3) não-eventualidade; 4) subordinação; e 5) continuidade. (arts. 2º e 3º da CLT)

Esses elementos, que variam de acordo com a natureza do trabalho e as exigências de qualificação, devem ser sopesados caso a caso, considerando a afinidade com outras figuras contratuais. Não é possível considerar um ou dois elementos do contrato de trabalho e abstrair os demais, presumindo a relação de emprego. Sem subordinação não existe relação de emprego.

Há quatro teorias para definir o requisito da não-eventualidade. A primeira é a teoria dos fins da empresa, para a qual o empregado é o trabalhador cuja atividade coincide com os fins normais da empresa e eventual o trabalhador que desenvolve serviços não coincidentes com os fins normais da empresa. Essa teoria é a mais conhecida e aplicada.

A segunda teoria, a do evento, segundo a qual eventual é o trabalhador admitido numa empresa para um determinado evento. A terceira, a teoria da descontinuidade: eventual é o trabalhador ocasional, esporádico, que trabalha de vez em quando, ao contrário do trabalhador permanente. E a quarta, a teoria da fixação jurídica: eventual é o trabalhador que não se fixa a uma fonte de trabalho, enquanto que empregado é o trabalhador que se fixa a uma fonte de trabalho. Eventual não é fixo. Empregado é fixo. (in Iniciação ao Direito do Trabalho, de Amauri Mascaro Nascimento, Editora LTr, 18ª edição, p. 105)

As três últimas teorias se formaram à vista da insuficiência da teoria dos fins da empresa para servir de balizamento para o reconhecimento da relação de emprego em todos os casos. A teoria dos fins da empresa não se aplica aos vendedores autônomos, empreiteiros etc. A circunstância da atividade do vendedor coincidir com os fins da empresa para a qual presta serviços não é decisiva para a caracterização da relação de emprego quando a lei prevê a prestação de serviços para a empresa como autônomo. Nesse caso, o que importa e é decisivo é a existência da subordinação.

Ora, na espécie, a teoria dos fins da empresa não é aplicável à atividade de transporte, pois a legislação reconhece a figura do condutor autônomo de veículo rodoviário e a de transportador autônomo de veículo rodoviário.

A atividade dos caminhoneiros autônomos é regulada pela Lei

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7.290/84, que assim dispõe:“Art. 1º - Considera-se Transportador Rodoviário Autônomo de Bens a pessoa

física, proprietário ou co-proprietário de 1(um) só veículo, sem vínculo empregatício, devidamente cadastrado em órgão disciplinar competente, que, com seu veículo, contrate serviço de transporte a frete, de carga ou de passageiro, em caráter eventual ou continuado, com empresa de transporte rodoviário de bens, ou diretamente com os usuários desse serviço.”

Como se vê, o transportador rodoviário autônomo pode prestar serviços para empresa de transporte rodoviário ou diretamente com os usuários dos serviços. Assim, a circunstância da embargada contratar freteiros autônomos não os torna empregados pelo fato de o trabalho coincidir com os fins da empresa.

A própria legislação previdenciária prevê o condutor autônomo de veículo rodoviário como trabalhador autônomo. O Decreto nº 2.173/97, que regulamenta a Lei 8.212/91, dispõe no art. 10º, inciso IV, letra c:

“São trabalhadores autônomos, dentre outros: 1. O condutor autônomo de veículo rodoviário, assim considerado aquele que exerce atividade profissional sem vínculo empregatício, quando proprietário, co-proprietário ou promitente-comprador de um só veículo”.

Assim, a não-eventualidade da prestação dos serviços – isoladamente – não é relevante como prova da relação de emprego. Somente se resultasse cumulativamente da prova a comprovação de subordinação, seria possível o reconhecimento de relação de emprego, sendo admissível presumir a pessoalidade e a continuidade. Na falta de elemento de prova da subordinação, e, por conseguinte, da pessoalidade e da continuidade, é inviável o reconhecimento da relação de emprego, resultando afastada a presunção de certeza e liquidez do título. (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei 6.830/80)

Portanto, deve ser mantido o acolhimento dos embargos à execução pelos dois fundamentos arrolados neste voto: 1º) a falta de individualização dos supostos empregados acarreta a nulidade da autuação fiscal; e 2º) A não-eventualidade é requisito insuficiente para comprovar a relação de emprego. Não havendo prova da pessoalidade, subordinação e continuidade, é inviável o reconhecimento da relação de emprego para fins de cobrança de contribuições previdenciárias.

Nego, pois, provimento à apelação do INSS de nº 2001.04.01.075873-

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6 e à respectiva remessa oficial.

Apelação do patrono da embarganteO patrono da embargante pretende a elevação dos honorários

advocatícios para 10% sobre o valor da condenação. O juízo a quo arbitrou os honorários em R$ 1.000,00, na forma do § 4º do art. 20 do CPC, considerando que não houve dilação probatória.

A execução fiscal, cujos embargos à execução originam a Apelação Cível nº 2001.04.01.075873-6, resulta das autuações fiscais nos procedimentos administrativo-fiscais nos 31.984.564-8 e 31.984.566-4. Foi ajuizada em abril de 1995 no valor de R$ 576.740,07. O valor atribuído aos embargos à execução, opostos em março de 1996, foi de R$ 890.901,92.

Dispõe o art. 20, § 4º, do CPC que, nas causas em que não houver condenação ou for condenada a Fazenda Pública, os honorários advocatícios deverão ser fixados segundo apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as alíneas a, b e c do § 3º do art. 20.

Assim, para fixar a remuneração do advogado, cumpre ao juiz realizar apreciação eqüitativa da causa em julgamento, levando em consideração o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.

Isso, contudo, não autoriza o juiz a fixar a verba honorária em valor irrisório, aviltante ou muito baixo, mesmo em se tratando de causa repetitiva na qual seja vencida a Fazenda Pública.

A jurisprudência da Segunda Turma desta Corte inclina-se pela fixação de honorários advocatícios em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido na ação. Em causa que a execução fiscal seja extinta, o proveito econômico eqüivale ao valor atualizado da execução.

O eminente Relator preconiza o provimento da apelação do patrono da embargante para fixar os honorários advocatícios em 10% sobre o valor corrigido da causa, ou seja, em 10% sobre o valor atribuído aos embargos à execução.

Entendo que o valor dos embargos à execução deve ser o mesmo da execução fiscal. Se por acaso o valor dos embargos à execução for estimado em quantia superior ao valor da execução fiscal, os honorários advocatícios devem se ater ao valor da execução fiscal.

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Conforme já foi visto, nos embargos à execução, foi atribuído o valor da causa em R$ 890.901,92, em petição datada de 28.03.96. Por outro lado, o valor da causa, na respectiva Execução Fiscal (nº 95.0007093-6), é de R$ 576.740,07, em 5 de abril de 1995. Atualizando o valor da execução fiscal até a data da petição dos embargos à execução, não alcança o valor dos embargos à execução. A atualização do valor da execução fiscal resulta na quantia de R$ 676.879,00.

Portanto, o valor dos embargos à execução não corresponde ao valor da execução fiscal, sendo bem superior.

Nesse ponto, pois, divirjo do Eminente Relator. Em vez de atribuir 10% a título de honorários advocatícios sobre o valor dos embargos à execução, atribuo sobre o valor da execução fiscal.

Assim, dou provimento à apelação do patrono da embargante na Apelação nº 2001.04.01.075873-6 para elevar o valor dos honorários advocatícios para 10% sobre o valor atualizado da execução fiscal.

Em face do exposto, nos autos nº 2001.04.01.075873-6, nego provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e dou provimento à apelação do patrono da embargante para elevar o valor dos honorários advocatícios para 10% sobre o valor atualizado da execução.

É como voto.APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº

2001.70.08.003113-0/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Apelante: Ceval Armazéns Gerais Ltda.Advogados: Drs. Arno Schmidt Júnior e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

EMENTA

Contribuição social. Folha de salário. Salário-maternidade. Natureza remuneratória.

O salário-maternidade possui natureza remuneratória, devendo incluir a base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de outubro de 2002.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

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ÍNDICE NUMÉRICO

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Branca

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 369-372, 2002 371

DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL

1999.71.00.011916-7/RS. (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ............791999.71.03.001538-8/RS. (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ............881999.71.10.008915-0/RS. (AC) Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler ........................................952000.04.01.147482-8/RS. (AMS) Rel. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère ..................1022000.71.11.002068-0/RS. (AC) Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti ..........................................1082000.72.00.007531-6/SC. (AC) Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti ..........................................1182000.72.07.001364-6/SC. (AC) Rel. Des. Federal Edgard Lippmann ............................................1272001.04.01.045445-0/RS. (AC) Rel. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère ..................131

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

2000.04.01.019154-9/RS. (ACR) Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho ........................................1392000.04.01.132444-2/PR. (ACR) Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho ........................................1462000.70.02.001445-6/PR. (ACR) Rel. Des. Federal José Germano da Silva ....................................1542001.04.01.087637-0/PR. (ACR) Rel. Des. Federal José Germano da Silva ....................................1932002.04.01.002973-1/RS. (ACR) Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa ...............................2022002.04.01.021074-7/PR. (HC) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ..................................2112002.04.01.028979-0/PR. (HC) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ..................................2162002.04.01.032427-3/PR. (HC) Rel. Des. Federal Vladimir Freitas ...............................................222

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

2000.71.00.009231-2/RS. (AC) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado .......................2292000.71.00.020735-8/RS. (REO) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado .......................2372001.04.01.033829-2/SC. (AC) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz ..................................2422001.04.01.074823-8/RS. (AG) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz ..................................2462001.04.01.085806-8/PR. (AMS) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ...............................................2522001.70.03.006115-0/PR. (AC) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira .................2682002.04.01.015137-8/SC. (AG) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira .................276

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1998.04.01.068939-7/PR. (AR) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria ..................................2812000.04.01.123831-8/PR. (AG) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde ............................2872001.04.01.072396-5/SC. (AG) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde ............................2902001.04.01.082992-5/PR. (AG) Rel. Des. Federal Vilson Darós ....................................................294

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 369-372, 2002372

2001.72.00.009254-9/SC. (AC) Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.......................2982002.04.01.019094-3/PR. (AG) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon ...........................3032002.04.01.019621-0/PR. (IMP) Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler .......................................3082002.04.01.029024-0/SC. (CC) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ...............................................3212002.04.01.029505-4/RS. (CC) Rel. Des. Federal Surreaux Chagas ..............................................326

DIREITO TRIBUTÁRIO

2000.71.07.002728-0/RS. (AMS) Rel. Des. Federal Vilson Darós ....................................................3352000.72.00.009682-4/SC. (REO) Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.......................3402000.72.05.000765-3/SC. (AC) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon ...........................3442001.04.01.075873-6/RS. (AC) Rel. Des. Federal Surreaux Chagas ..............................................3532001.70.08.003113-0/PR. (AMS) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria ..................................365

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ÍNDICE ANALÍTICO

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branca

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A

ABSORÇÃO DE CRIMEVide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

AÇÃO POPULARVide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

AÇÃO RESCISÓRIA Violação. Literal disposição de lei. Inocorrência.Arrematação. Imóvel. Impenhorabilidade. Controvérsia. Apreciação. Prova.Erro de fato. Inocorrência ..................................................................................... 281

AMEAÇAVide COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO

APOSENTADORIA ESPECIALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA POR IDADEVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTEVide MEIO AMBIENTE

ARREMATAÇÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 373-390, 2002376

Vide AÇÃO RESCISÓRIA

Vide MEAÇÃO

ATO ILÍCITOVide MEAÇÃO

AUTUAÇÃO FISCALVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

B

BEM DE FAMÍLIAVide MEAÇÃO

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Aposentadoria especial. INSS. Impedimento. Produção de prova. Caracterização. Interesse processual. Segurado. Requerimento administrativo. Dispensa.Prova pericial. Local. Condições de trabalho. Similaridade. Cabimento .............. 276 Aposentadoria por idade. Trabalhador rural. Regime de economia familiar. Requisitos. Prova. Contrato. Parceria rural. Direito adquirido. Inatividade. Superveniência. Irrelevância.Correção monetária. Índice. Juros moratórios. ...................................................... 268

Aposentadoria por tempo de serviço. Renúncia. Possibilidade.Tempo de serviço. Certidão. Averbação. Contagem recíproca.Devolução. Pagamento. Necessidade ................................................................... 229

Aposentadoria por tempo de serviço. Trabalhador autônomo. Contribuição previdenciária. Recolhimento. Omissão.Contagem. Tempo de serviço. Possibilidade. Pagamento. Necessidade.Multa. Juros moratórios. Descabimento. Atraso. InocorrênciaMandado de segurança. Concessão ....................................................................... 252

Correção monetária. Critério. Súmula. TFR (Tribunal Federal de Recursos)Erro material. Liquidação da sentença. Equivalência salarial. Impossibilidade ... 246

Pensão por morte. Medida cautelar. Caráter satisfativo. Impossibilidade. Princípio da Fungibilidade. Inaplicabilidade ......................................................... 242

C

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CARGO PÚBLICOPerda – Vide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

CAUSA DE PEDIRCritério – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

CERTIDÃOAposentadoria por tempo de serviço – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide TEMPO DE SERVIÇO

CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOVide CERTIDÃO POSITIVA

CERTIDÃO POSITIVA Eficácia. CND (Certidão Negativa de Débito). Prazo. Validade. Efeito erga omnes.Mandado de segurança. Concessão ........................................................................ 340

CITAÇÃO Execução fiscal. Citação por carta. Frustração. Mandado de citação. Oficial de justiça. Cabimento ............................................. 287

COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO Ameaça. Demissão. Empregado. Hospital. Objetivo. Desistência da ação. Reclamatória trabalhista.Constrangimento. Tipicidade. Vítima. Representação processual. Sindicato. Irrelevância.Condenação. Substituição da pena. Pena restritiva de direitos .......................... 202

COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOVide TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA

COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Ação Popular. Malversação. Verba pública. SEBRAE. Justiça Federal. ............ 290

Conflito de competência. Encargo adicional. Incidência. Tarifa. Energia elétrica. Competência em razão da matéria. Turma. Direito Tributário. Critério. Causa de pedir ........................................................................................................ 326

Vara Federal. Conflito negativo de competência. Juizado Especial Federal. Valor da causa. Pedido. Prestações vencidas. Prestações vincendas .................................... 321

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Prevenção – Vide IMPEDIMENTO

Vide DANO MORAL

Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

CONCURSO DE PESSOASVide CONCUSSÃO

CONCURSO FORMALCrime contra o sistema financeiro – Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

CONCUSSÃO Crime de mera conduta. Concurso de pessoas. Policial Federal. Apreensão. Mercadoria estrangeira. Omissão.Prescrição da pretensão punitiva.Confissão. Retratação. Prisão em flagrante.Intimação. Carta precatória. Apelação criminal. Prazo.Dosimetria da pena. Pena de multa.Aumento da pena. Servidor público. Bis in idem.Substituição da pena .............................................................................................. 146

CONDIÇÃO SUSPENSIVAVide TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA

CONTAGEM RECÍPROCAAposentadoria por tempo de serviço - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide TEMPO DE SERVIÇO

CONTRATO DE CÂMBIOVide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Cobrança. Empresa. Transporte. Incidência. Remuneração. Motorista. Caminhão. Trabalhador autônomo. Descabimento.

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Vínculo empregatício. Descaracterização. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Reconhecimento. Relação de trabalho. CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social). Possibilidade.Individualização. Empregado. Inexistência. Autuação fiscal. Nulidade.Honorários advocatícios. Fixação. Valor. Causa .................................................... 353

Vide TEMPO DE SERVIÇO

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL Incidência. Salário-maternidade. Natureza salarial ............................................... 365

CORREÇÃO MONETÁRIAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

CRÉDITO TRIBUTÁRIOVide IPI

CRIME CONTINUADOPrescrição – Vide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO Atipicidade. Remessa. Mercadoria. País estrangeiro. Contrato de câmbio. Inexistência. Evasão de divisas. Equiparação. Impossibilidade. Habeas corpus. Concessão. Trancamento da ação penal ....................................... 216

Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

CRIME DE DESOBEDIÊNCIA Diretor. Empresa. Telefonia. Recusa. Informação. Requisição. Ministério Público. Atipicidade. Quebra. Sigilo telefônico. Impossibilidade. Autorização judicial. Inexistência.Habeas corpus. Concessão. Trancamento de inquérito ..........................................211

CRIME DE MERA CONDUTAVide CONCUSSÃO

CRIME FORMALVide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

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Vide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

D

DANO EMERGENTEVide RESPONSABILIDADE CIVIL

DANO MORAL Militar. Racismo. Condenação. União Federal. Indenização. Vinculação. Salário mínimo. Descabimento.Extinção do processo sem julgamento do mérito. Réu. Competência jurisdicional.Justiça Estadual.Litisconsórcio necessário. Inocorrência ................................................................. 127

Vide RESPONSABILIDADE CIVIL

DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR Crime formal. Financiamento. Banco do Brasil. Competência jurisdicional. Justiça Federal.Materialidade. Autoria. Dolo. Comprovação.Estado de necessidade. Inocorrência.Concurso formal. Crime contra o sistema financeiro ............................................. 193

DENUNCIAÇÃO À LIDEVide RESPONSABILIDADE CIVIL

DESAPROPRIAÇÃODireito de propriedade - Vide MEIO AMBIENTE

DEVIDO PROCESSO LEGALVide SIGILO BANCÁRIO

DIREITO ADQUIRIDOAposentadoria por idade -Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA

DIREITO DE GREVEVide SERVIDOR PÚBLICO

DIREITO DE LOCOMOÇÃOVide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

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DOCUMENTO PÚBLICOVide TEMPO DE SERVIÇO

DOENÇA MENTALVide MILITAR

DOSIMETRIA DA PENAVide CONCUSSÃO

Vide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

Vide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

DRAWBACKVide IPI

E

EFEITO ERGA OMNESVide CERTIDÃO POSITIVA

ENERGIA ELÉTRICAEncargo adicional – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

EQUIVALÊNCIA SALARIALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ERRO DE FATOVide AÇÃO RESCISÓRIA

ERRO MATERIALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ESTADO DE NECESSIDADEVide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

ESTRANGEIROVide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

EVASÃO DE DIVISASVide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

EXECUÇÃO FISCAL

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Embargos de terceiro - Vide MEAÇÃO

Vide CITAÇÃO

Vide PENHORA

F

FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO Crime formal. Policial Rodoviário Federal. Seqüestro. Violação. Direito de locomoção. Abuso de autoridade. Inocorrência.Falsidade ideológica. Caracterização.Concussão. Inexistência.Roubo qualificado. Inocorrência.Cerceamento de defesa. Inocorrência.Princípio da Indivisibilidade. Ação penal privada. Inaplicabilidade.Prisão em flagrante. Flagrante preparado.Depoimento. Policial. Valor probatório. Equiparação. Testemunha.Dosimetria da pena. Pena privativa de liberdade. Regime inicial. Fixação. Pena de multa.Substituição da pena. Pena restritiva de direitos.Cargo público. Perda .............................................................................................. 154

FALÊNCIAVide PENHORA

FALSIDADE IDEOLÓGICAVide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

Vide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO Absorção de crime. Falsidade ideológica. Uso de documento falso.Concurso material. Inexistência.Reingresso de estrangeiro expulso. Inocorrência. Decreto. Expulsão. Inexistência.Crime continuado. Prescrição.Dosimetria da pena. Confissão espontânea. Maus antecedentes.Honorários advocatícios. Defensor dativo ............................................................. 139

G

GARAGEMImpenhorabilidade – Vide MEAÇÃO

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H

HABEAS CORPUSTrancamento de inquérito – Vide CRIME DE DESOBEDIÊNCIA

Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOSVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Vide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

Vide MILITAR

Vide SERVIDOR PÚBLICO

I

IMPEDIMENTO Argüição. Relator. Autuação. Processo judicial. Anterioridade. Representação.Ministério Público. Inexistência. Impedimento. Procurador. Realização. Ato processual. Andamento do processo.Competência jurisdicional. Prevenção. Voto vencido. Questão de ordem.Alteração ................................................................................................................ 308

IMPENHORABILIDADEVide AÇÃO RESCISÓRIA

Vide MEAÇÃO

IMPORTAÇÃO CLANDESTINAVide RESPONSABILIDADE CIVIL

INSTITUIÇÃO FINANCEIRAVide RESPONSABILIDADE CIVIL

INTERESSE PROCESSUALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOINTIMAÇÃOCarta precatória – Vide CONCUSSÃO

Cônjuge – Vide MEAÇÃO

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IPI Drawback. Suspensão. Pagamento. TributoInexistência. Crédito tributário. Decorrência. ExportaçãoMandado de Segurança. Denegação ...................................................................... 335

J

JORNALVide RESPONSABILIDADE CIVIL

JUIZADO ESPECIAL FEDERALValor da causa – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

L

LEGITIMIDADE PASSIVAVide RESPONSABILIDADE CIVIL

LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALVide RESPONSABILIDADE CIVIL

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIOVide DANO MORAL

LUCRO CESSANTEVide RESPONSABILIDADE CIVIL

M

MANDADO DE SEGURANÇADrawback – Vide IPI

Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide CERTIDÃO POSITIVA

Vide MEIO AMBIENTE

MEAÇÃO Responsabilidade. Ato ilícito. Prova. Favorecimento. Necessidade.Arrematação. Ressalva. Metade. Bem de família.

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Impenhorabilidade. Residência. Exclusão. Garagem.Embargos de terceiro. Execução fiscal. Regularidade. Intimação. Cônjuge ....... 298

MEDIDA CAUTELARCaráter satisfativo - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide SIGILO BANCÁRIO

MEIO AMBIENTE Área de preservação permanente. Criação. Gado.Mandado de segurança. Revogação. Ato administrativo. Retirada. Animal. Indenização. Interdição. Atividade econômica.Desapropriação. Necessidade. Respeito. Direito de propriedade ........................ 102

MILITAR Reforma militar. Doença mental. Decorrência. Tortura. Serviço militar. Nexo de causalidade. Desnecessidade.Honorários advocatícios. Fixação .......................................................................... 131

MINISTÉRIO PÚBLICOVide IMPEDIMENTO

MOTORISTAVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

MULTA DIÁRIAVide TEMPO DE SERVIÇO

N

NEXO DE CAUSALIDADEVide MILITAR

O

OAB (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL)Vide RESPONSABILIDADE CIVIL

P

PARCERIA RURAL

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Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

PENHORA Execução fiscal. Falência. Arrecadação de bens. Responsabilidade. Massa falida ........................................................................................................... 294

PENSÃO POR MORTEVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

PRESCRIÇÃOVide CONCUSSÃO

Vide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

Vide TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA

PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADEVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADEVide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

PRISÃO EM FLAGRANTEVide CONCUSSÃO

Vide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCALVide SIGILO BANCÁRIO

PROCURADORVide IMPEDIMENTO

PROMOTOR DE JUSTIÇAVide RESPONSABILIDADE CIVIL

PROVA Receita Federal. Direito. Investigação. Contribuinte. Crime contra a ordem tributária.Pedido. Informação. Empresa. Internet. Licitude.Sigilo. Inexistência. Denúncia. Legalidade. Habeas Corpus. Denegação. Trancamento da ação penal . ....................................222

Vide AÇÃO RESCISÓRIA

Vide RESPONSABILIDADE CIVIL

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 373-390, 2002 387

PROVA PERICIALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Q

QUESTÃO DE ORDEMVide IMPEDIMENTO

R

RACISMOVide DANO MORAL

RECEITA FEDERALVide PROVA

RECLAMATÓRIA TRABALHISTAVide COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO

REFORMA MILITARVide MILITAR

REGIME DE ECONOMIA FAMILIARAposentadoria por idade –Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

REINGRESSO DE ESTRANGEIRO EXPULSOVide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

RELATORVide IMPEDIMENTO

RENÚNCIAAposentadoria por tempo de serviço – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

REPRESENTAÇÃO PROCESSUALSindicato – Vide COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO

REQUERIMENTO ADMINISTRATIVOAposentadoria especial – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

RESPONSABILIDADE CIVIL

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 373-390, 2002388

Dano moral. Artigo. Jornal. Ofensa. Promotor de Justiça.Direito de regresso. OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Denunciação à lide.Indenização. Fixação ................................................................................................ 95

Lucro cessante. Apreensão. Caminhão. Importação clandestina. Prova. Necessidade.Dano emergente. Indenização. Restituição de bem. Impossibilidade ...................... 88 Prejuízo. Investidor. Decorrência. Liquidação extrajudicial. Instituição financeira. Banco Central. Fiscalização. Omissão. Responsabilidade subjetiva. Inexistência. Prova ................................................................................................... 79

Vício redibitório. Construção. Imóvel. Financiamento. SFH (Sistema Financeiro da Habitação).Legitimidade passiva. CEF (Caixa Econômica Federal). Responsabilidade solidária. Construtora ................................................................ 108

S

SALÁRIO-MATERNIDADEVide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

SEBRAEVide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

SEQÜESTROVide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

SERVIDOR PÚBLICO Direito de greve. Norma de eficácia contida. Aplicação imediata. Desconto. Vencimento. Impossibilidade.Honorários advocatícios ..........................................................................................118

Vide CONCUSSÃO

SIGILO BANCÁRIO Quebra. Violação. Garantia constitucional. Devido processo legal.Medida cautelar. Suspensão. Processo administrativo-fiscal ............................... 303

SIGILO TELEFÔNICO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 373-390, 2002 389

Vide CRIME DE DESOBEDIÊNCIA

SUBSTITUIÇÃO DA PENAVide COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO

Vide CONCUSSÃO

Vide FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO

T

TEMPO DE SERVIÇO Trabalhador autônomo. Certidão. Averbação. Contagem recíproca. Débito. Contribuição previdenciária. Período. Diversidade. Irrelevância.Documento público. Expedição. Circular. Impedimento. Impossibilidade.Fixação. Multa diária. Descumprimento. Obrigação. Órgão público.Descabimento ......................................................................................................... 237

Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA Apólice. Resgate. Inércia. Prescrição. Termo inicial. Prazo. Decreto-lei. Cancelamento. Condição suspensiva.Direito adquirido. Inocorrência. Compensação de crédito tributário. Impossibilidade ............................................. 344

TRABALHADOR AUTÔNOMOVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide TEMPO DE SERVIÇO

TRABALHADOR RURALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENALVide PROVA

TRANCAMENTO DE INQUÉRITOAutorização judicial - Vide CRIME DE DESOBEDIÊNCIA

U

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 373-390, 2002390

USO DE DOCUMENTO FALSOVide FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO

V

VALOR DA CAUSAVide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

VÍCIO REDIBITÓRIOVide RESPONSABILIDADE CIVIL

VÍNCULO EMPREGATÍCIOVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 391-395, 2002392

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 46, p. 391-395, 2002 393

Código CivilArtigo 496 ................................................................................................................108Artigo 896 ................................................................................................................108Artigo 1059 ................................................................................................................88Artigo 1060 ....................................................................................................................88....................................................................................................................................Código de Processo CivilArtigo 20 ..................................................................................................................131Artigo 103 ................................................................................................................326Artigo 260 ................................................................................................................321Artigo 485 ......................................................................................................................281..................................................................................................................................Código PenalArtigo 44 .......................................................................................................... 146/154Artigo 59 ..................................................................................................................154Artigo 61 ..................................................................................................................154Artigo 92 ..................................................................................................................154Artigo 148 ................................................................................................................154Artigo 171 ................................................................................................................193Artigo 299 ........................................................................................................ 139/154Artigo 304 ................................................................................................................139Artigo 309 ................................................................................................................139Artigo 316 ................................................................................................................146Artigo 318 ................................................................................................................154Artigo 344 ......................................................................................................................202..................................................................................................................................Código Tributário NacionalArtigo 142 ................................................................................................................353Artigo 195 ................................................................................................................222Artigo 197 ................................................................................................................222Artigo 206 ................................................................................................................340

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Consolidação das Leis do TrabalhoArtigo 3º .........................................................................................................................353..................................................................................................................................Constituição Federal/1988Artigo 5º ...................................................................................... 211/229/237/268/340Artigo 37 ..................................................................................................................118Artigo 109 ................................................................................................................193

Decreto nº3.724/2001 Artigo 7º ........................................................................................................................303..................................................................................................................................Decreto-Lei nº 37/66Artigo 78 ..................................................................................................................335

Decreto-Lei nº 263/67 ............................................................................................344

Decreto-Lei nº 396/68 ............................................................................................344

Instrução Normativa SRF nº 80/97Artigo 13 ........................................................................................................................340..................................................................................................................................Lei de Execução Fiscal Artigo 8º .........................................................................................................................287..................................................................................................................................Lei nº 4.717/65 .............................................................................................................290..................................................................................................................................Lei nº 5.250/67Artigo 49 ....................................................................................................................95 Artigo 53 ....................................................................................................................95

Lei nº 6.880/80Artigo 108 ......................................................................................................................131..................................................................................................................................Lei nº 7.492/86Artigo 20 ..................................................................................................................193

Lei nº 8.213/91Artigo 48 ..................................................................................................................268Artigo 96 ..................................................................................................................252Artigo 102 ................................................................................................................268 Artigo 143 ................................................................................................................268

Lei nº 9.032/95 .......................................................................................................252

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Lei nº 10.259/2001Artigo 3º ..................................................................................................................321

Regimento Interno do TRF- 4ª RegiãoArtigo 42 ..................................................................................................................308

Regulamento do Imposto sobre Produtos IndustrializadosArtigo 38 ..................................................................................................................335

Súmula nº 215 do STJ ...........................................................................................298

Súmula nº 260 do TFR ..........................................................................................246

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