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QUARTA REGIÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p. 1-491, 2009

QUARTA REGIÃO

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Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Carla Roberta Leon AbrãoGiovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão e Formatação:Camila Thomaz TellesLeonardo Schneider

Tiago Conte Zanotelli

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QUARTA REGIÃO

PAULO AFONSO BRUM VAZDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm 1º de junho de 2009

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal João Surreaux Chagas – 14.06.1996 – Vice-Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997 – Corregedora-GeralDes. Federal Vilson Darós – 09.12.1994

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994 Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994

Des. Federal Amaury Chaves de Athayde – 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Valdemar Capeletti – 08.06.1999Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Vice-Corregedor-Geral

Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Diretor da EMAGISDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001Des. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003 – Conselheiro da EMAGISDes. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004 – Conselheiro da EMAGIS

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

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Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada)Juiz Federal Marcelo De Nardi (convocado)

Juiz Federal Alexandre Gonçalves Lippel (convocado)Juiz Federal Roger Raupp Rios (convocado)

Juiz Federal Artur César de Souza (convocado)Juiz Federal Jairo Gilberto Schäfer (convocado)

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Vilson DarósDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Des. Federal Valdemar CapelettiDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzJuiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

QUARTA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Amaury Chaves de Athayde

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Vilson Darós – PresidenteDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Juiz Federal Marcelo De Nardi (convocado)

SEGUNDA TURMADes. Federal Otávio Roberto Pamplona – Presidente

Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa MünchJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada)

TERCEIRA TURMADesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Juiz Federal Roger Raupp Rios (convocado)

QUARTA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente

Des. Federal Valdemar Capeletti Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

Juiz Federal Alexandre Gonçalves Lippel (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Celso Kipper – Presidente

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Juiz Federal Artur César de Souza (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto Silveira Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

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TURMA SUPLEMENTARDes. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – Presidente

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)

SÉTIMA TURMADes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Néfi Cordeiro

OITAVA TURMADes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

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SUMÁRIO

DOUTRINA .......................................................................................15 O princípio sententia habet paratam executionem e o prazo do

artigo 475-J do CPC Athos Gusmão Carneiro ..........................................................17 Alteração do contrato administrativo por ato unilateral da

Administração Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz .................................39

DISCURSOS ......................................................................................63 Silvia Goraieb ..........................................................................65 Maria Lúcia Luz Leiria............................................................69 Humberto Jacques de Medeiros ..............................................75 Sulamita Santos Cabral ...........................................................81

ACÓRDÃOS.......................................................................................83 Direito Administrativo e Direito Civil .....................................85

Direito Penal e Direito Processual Penal ...............................233 Direito Previdenciário ............................................................289 Direito Processual Civil .........................................................325 Direito Tributário ...................................................................345

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ...........................425

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SÚMULAS .......................................................................................449

RESUMO ..........................................................................................459

ÍNDICE NUMÉRICO .......................................................................463

ÍNDICE ANALÍTICO ......................................................................467

ÍNDICE LEGISLATIVO ..................................................................487

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DOUTRINA

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O princípio sententia habet paratam executionem e o prazo do artigo 475-J do CPC

Athos Gusmão Carneiro*

I Notas históricas. Roma e medievo

1 O processo em Roma imperial, no período da cognitio extra ordi-nem, caracterizou-se pelo paulatino desaparecimento de sua divisão em duas fases (perante o pretor, que dava a “fórmula”, e perante o iudex, que julgava a lide), perdendo o anterior caráter contratual (litis contestatio) e privado para assumir caráter público, e o magistrado estatal passou a presidi-lo do começo ao fim.

Os processos passaram a tramitar apenas“perante o praetor e seus auxiliares permanentes e especializados, de sorte que a

sentença já era ato emanado do próprio detentor do imperium, visto que este, então, enfeixava em suas mãos também o iudicium. A prestação jurisdicional se tornou total-mente pública, desaparecendo a conformação privatística e arbitral de suas origens.” (Humberto Theodoro Jr., As Novas Reformas do Código de Processo Civil, Forense, 2006, p. 98-99)1

* Ministro aposentado do STJ. Presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Ad-vogado.1 Como expõe J. M. Othon Sidou, com a abolição da fase apud iudicem, “...o pretor ou outro magistrado cum imperium passou a agir como magistrado administrativo, despindo-se da função judiciária que deti-nha quando atuava nas demandas privadas, e, dessa forma, não designava um iudex, porque ele próprio admitia a ação (correspondente à fase in iure) e ele próprio decidia com os poderes de que era investido (correspondente à fase apud iudicem)” (Processo Civil Comparado – histórico e contemporâneo, Forense Universitária, 1997, p. 45).

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A execução já desde muito recaía sobre o patrimônio do devedor (e não mais sobre sua pessoa, como ocorrera anteriormente à lei Poetelia Papiria – ano 326 a.C.), porém, a actio iudicati continuou sendo o ins-trumento para o litigante vitorioso pleitear a execução da sentença. O direito romano nunca concebeu a sentença, em si, como “título executi-vo”, e assim a actio iudicati, embora já sem motivos para a dicotomia, persistiu até o fim do Império, por “simples inércia histórica” (Humberto Theodoro Jr., As Novas Reformas do Código de Processo Civil, Forense, 2006, p. 99).

Ocupado o território do antigo Império Romano do Ocidente,2 nos séculos IV e V, pelos povos bárbaros oriundos da Germânia e do norte e leste da Europa (francos, godos, vândalos, lombardos e tantos outros), ocorreu, no plano do direito, o embate entre duas mentalidades bem diversas: a mentalidade das populações romanas e romanizadas, na qual persistia o respeito à ideia de direito legislado e aos princípios básicos do processo, como o contraditório; e os costumes dos povos invasores, geralmente com a prática da penhora privada, sob a rude “justiça” geral-mente pela própria força (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Coimbra Ed., 1943, v. I, n. 24; Liebman, Processo de Execução, Saraiva, 2. ed., 1963, n. 6, p. 9/10).

2 A conciliação surgiu após o século XI, com o ressurgimento do estudo do direito romano (Universidade de Bolonha), e os juristas da Idade Média (sobretudo pelo magistério de Martino de Fano, séc. XIII) lograram um eficiente e útil compromisso entre as duas correntes: da herança romana mantiveram o princípio da necessária precedência da cognição ampla e de uma sentença condenatória; mas afastaram (salvo exceções) a execução mediante uma actio iudicati, possibilitando-se a execução da sentença simplesmente per officium iudicis, sem necessida-de de uma nova e autônoma demanda (Moniz de Aragão, Embargos de Nulidade e Infringentes do Julgado, Saraiva, 1965, nos 32 a 35).3

2 Formalmente desaparecido após a deposição de Rômulo “Augústulo”, em 476, por Odoacro, chefe dos hérulos, com a remessa dos símbolos imperiais a Zenon, Imperador (em Constantinopla) do Império Romano do Oriente – depois Império Bizantino. Nos últimos estágios, os “imperadores” em Roma se haviam tornado simples títeres do chefe tribal dominante na Itália Central.3 A criação da família de direito romano-germânica está ligada ao renascimento que se produz nos séculos XII e XIII no Ocidente europeu. Esse renascimento manifesta-se em todos os planos; um dos seus aspectos

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Isso significou, no magistério de Liebman,“atribuir à sentença condenatória eficácia nova, desconhecida em épocas anterio-

res, como é a de ser por si só suficiente para permitir a execução, sem necessidade de nova ação e novo contraditório: sententia habet paratam executionem.” (Processo de Execução... cit., p. 10)

Assim, o requerimento visando ao cumprimento do determinado na sentença não mais constituía o exercício de uma ação, mas sim passou a representar simples ato de impulso processual com a finalidade de provocar o juiz a promover os atos executórios (Liebman, Embargos do Executado, Saraiva, 2. ed., n. 36). Como lembrou Moniz de Aragão (ob. cit., n. 34, p. 30), essa execução feita breviter, atribuída aos que se apresentavam em juízo com uma sentença condenatória em seu fa-vor, veio a ser também proporcionada aos que exibissem instrumenta guarentigiata, ou seja, confissões de dívida passadas perante notário (aplicava-se o princípio romano de que confessus pro iudicato habe-tur), eficácia mais tarde atribuída às letras de câmbio e aos créditos incorporados em outros documentos, como na França as lettres obli-gatoires passées sous Scel Royal; em última análise, aos documentos que na atualidade consideramos títulos executivos extrajudiciais. E a cobrança de tais créditos levou a um procedimento sumário, com possibilidade de defesa e a decisão ao final – processus summarius executivus (Liebman, Execução e Ação Executiva, in Estudos sobre o processo civil brasileiro, 2. ed., 1976; Cândido Dinamarco, Execução Civil, Malheiros, 5. ed., 1997, n. 23; Lucon, Embargos à Execução, Saraiva, 1996, n. 14, p. 36).

II O binômio cognição/execução

3 Durante vários séculos, destarte, “coexistiram as duas formas exe-cutivas: a executio per officium iudicis, para as sentenças condenatórias, e a actio iudicati, para os títulos de crédito” (Humberto Theodoro Jr., As Novas Reformas..., cit., p. 102). Nos casos de execução de sentença, a actio iudicati sobreviveu apenas em situações excepcionais, como nos casos de pedido de juros sucessivos à sentença (José Miguel Garcia

importantes é o jurídico. A sociedade, com o renascer das cidades e do comércio, toma de novo consciência de que só o Direito pode assegurar a ordem e a segurança necessárias ao progresso (René David, Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, Martins Fontes, 1986, p. 31).

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Medina, Execução Civil, RT, 2. ed., 2004, p. 101/102). Todavia, por influência do direito francês, nos primórdios do século

XIX operou-se uma verdadeira inversão de valores, e o padrão executivo passou a ser não mais a sentença, mas as lettres obligatoires, até que todo o processo executivo se unificou e “então, já não se dizia mais que as lettres obligatoires se equiparavam à sentença, mas sim que esta se equiparava àquelas” (Humberto Theodoro Jr., A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal, Aide, 1987, p. 145).

O binômio cognição-execução encontrou base na ideologia do libe-ralismo dominante com a Revolução Francesa, que reduziu os poderes dos magistrados, na época suspeitos de serem integrantes de uma “aris-tocracia da toga”. Assim, nenhuma sentença poderia conter uma “ordem” do juiz a um cidadão, e desapareceram os poderes de coerção judicial, adotando-se o princípio de que o inadimplemento sempre se convertia em perdas e danos, em ressarcimento pecuniário. Nesse período efetuou-se legalmente a separação entre cognição e execução – Code de Procédure Civile napoleônico de 1806, que inspirou a maior parte das legislações processuais do ocidente (Evaristo Aragão Santos, estudo na coletânea Execução Civil: Aspectos Polêmicos, Ed. Dialética, 2005, p. 128).

O sistema foi geralmente adotado nos países de direito codificado. Já os Estados Unidos seguem, sob a common law, o sistema vigente na Inglaterra: “o jurista inglês não concebe como é que, em certos países, um novo processo possa ser mesmo necessário para se proceder à execução duma decisão tornada definitiva” (René David, Os Grandes Sistemas Do Direito Contemporâneo, 2. ed., Lisboa: Meridiano, p. 377, citado por Guido Fernando Silva Soares, Common Law: introdução ao direito dos EUA, RT, 1999, p. 124, e por João Batista Lopes, RePro, 157/11).

III A situação no direito brasileiro

4 No direito brasileiro, pelo sistema (originariamente) consagrado no CPC de 1973, o credor insatisfeito era obrigado a bater duas vezes às portas da Justiça: na primeira vez, para que o Judiciário fizesse o acer-tamento de seu direito; depois, vitorioso no processo de conhecimento, deveria voltar com nova demanda, com base na sentença e rogando a prática dos atos executivos. Humberto Theodoro Jr. salientou que esta dicotomia reeditava o antiquíssimo sistema binário do direito romano

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clássico, abandonando a simplificação a que chegara o direito medieval, dicotomia essa agravada, no Brasil, pela excessiva judicialização do processo de execução: qualquer que fosse o valor da condenação, qual-quer que fosse a natureza dos bens a serem expropriados, “a atividade procedimental é necessariamente precedida da instauração de um novo e completo processo entre as partes, sob direção do juiz” (A Execução de Sentença... cit., p. 149-150).

Como ensinou Barbosa Moreira (RePro, 31/199), em linha teórica o CPC de 1973 terá deixado pouco a desejar; todavia, não manteve o imprescindível contacto com as realidades do foro e da sociedade. E à necessária “modelagem do real”, para usar a expressão do consagrado mestre, dedica-se a nova Lei 11.232/2005 (Diário Oficial da União de 23.12.2005). A sistemática de dois processos sucessivos, imposta pelo Código Buzaid, conduzia a demoras e formalismos desnecessários, além de incompreensíveis aos jurisdicionados, os quais, não obstante vitorio-sos no processo de conhecimento, após anos de audiências e recursos, vinham a saber, surpresos, que a obtenção do bem da vida – objeto do pedido formulado na petição inicial – impunha fosse iniciado um “novo” processo, com nova citação e, ainda, a possibilidade de contraditório incidental (embargos do devedor), tudo agravado pelo uso de meios executórios inadequados às exigências atuais da economia.

Diga-se que em sua obra fundamental, redigida anteriormente à vigência do novo sistema, já alertava Cândido Dinamarco que havia “boas razões” para mitigar a clássica dualidade, recomendando então fosse aumentado o número das “chamadas ações executivas lato sensu ou mesmo invertendo todo o sistema para que passe a ser regra geral a unidade do processo, com meras fases de conhecimento e de execução” (Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, v. III, 5. ed., n. 920, p. 244).

5 Essas incongruências as leis de reforma do CPC buscaram resgatar:

a) em um primeiro momento, com a generalização do instituto da “ante-cipação dos efeitos da tutela” – Lei 8.952/94, art. 273, que fraturou (ainda que inicialmente muitos disso não se dessem conta) a rígida barreira que até então (salvo limitados casos) separava o “conhecer” do “executar”;

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b) para as obrigações de fazer e não fazer, a Lei 8.952/94, mediante o “novo” art. 461, outorgou à sentença de procedência uma eficácia imediata executiva e mandamental;

c) para as obrigações de entrega de coisa, tal eficácia foi introduzida pela Lei 10.444/2002, com o art. 461-A;

d) finalmente, para as obrigações de pagamento em dinheiro, pela Lei 11.232/2005, em vigor desde 24 de junho de 2006, logo complemen-tada pelas normas da Lei 11.382/2006, relativa à execução dos títulos extrajudiciais.

IV A nova “estrutura” da condenação

6 Pela atual sistemática, destarte, a sentença condenatória não supõe apenas a eficácia declaratória – no afirmar a existência da relação jurídica que impõe ao réu uma prestação em favor do demandante, e a eficácia constitutiva –, porquanto a sentença é uma “novidade” no plano jurídico, constitui-se em “título executivo”, antes inexistente.

A sentença condenatória, pelo sistema decorrente da Lei 11.232, art. 475-J, passou a revestir-se também de imediata eficácia executiva, ou seja, autoriza por si só o emprego, a simples requerimento da parte credora, dos meios executórios necessários à sua efetiva “satisfação”, sem que se faça necessário o ajuizamento de nenhum outro sucessivo processo.4

E, quiçá o mais relevante, a sentença condenatória veio a revestir-se de predominante eficácia mandamental, pois seu plus característico, seu conteúdo essencial consiste na ordem do juiz ao réu sucumbente, no sentido de que este efetue o pagamento devido ao autor vitorioso.

Parece-nos, portanto, que o renovado ordenamento processual veio finalmente a dar resposta adequada às persistentes indagações relativas a “questão árdua, e para a qual não há solução satisfatória à vista, a es-trutura da condenação” (Araken de Assis, estudo na coletânea Aspectos Polêmicos da Nova Execução – 3, coord. Teresa A. A. Wambier, RT, 2006, p. 11 e ss.; Barbosa Moreira, ‘Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil’, em Temas de Direito Processual, Saraiva, 1977, 4 Como escreve Teresa A. A. Wambier, o principal efeito da sentença executiva “lato sensu” não é formar o título executivo, é ser exequível no próprio processo em que foi proferida, não reclamando portanto, para as alterações no plano dos fatos, a existência de posterior processo de execução (Nulidades do processo e da sentença, RT, 6. ed., 2007, p. 93-94).

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p. 72 e ss.). Araken de Assis, no citado estudo, faz remissão à doutrina alemã, que apresenta esclarecedora resposta, simples e direta, no alusi-vo à “estrutura” da condenação: esta se forma, além da declaração da existência da responsabilidade, pela “ordem de prestar” dirigida ao réu (Leo Rosenberg, Karl Heinz Schwab, Zivilprozessrecht, Munique, 11. ed., 1974, § 93, I, 1, p. 461). Impende repetir: ordem de prestar.

Cassio Scarpinella Bueno a respeito afirma, com veemência, ser “mais do que hora que entendamos, todos, que o juiz manda quando decide; não pede nem faculta nada... (omissis)... assim o devedor tem de pagar a quantia identificada na sentença, assim que ela estiver liquidada e não contiver nenhuma condição suspensiva, isto é, assim que ela tiver aptidão de produzir seus regulares efeitos” (estudo na coletânea Aspectos Polê-micos..., cit., p. 136). A sentença, em suma, não é um parecer, mas um “comando” da autoridade (Humberto Theodoro Jr., As novas reformas do CPC..., cit., p. 126).

V A ação não mais se exaure com a sentença de procedência

7 Dessa natureza essencialmente mandamental da sentença conde-natória em obrigação de pagar, decorrem consequências relevantes, inclusive e notadamente no concernente à contagem do prazo (dies a quo) de quinze dias para o pagamento.

Como sublinhou Marinoni, a grande “novidade”, em termos dou-trinários, é que a ação já agora não mais se exaure com a sentença de procedência e, por isso, o direito de ação não mais pode ser visto como o direito conducente a uma sentença de mérito: “trata-se do direito a uma ação que, na hipótese de sentença de procedência, permita o uso dos meios executivos capazes de propiciar a efetiva tutela do direito material”. A ação é exercida não só para permitir o julgamento do pedido formulado na inicial “como para exigir o uso dos meios executivos capazes de pro-piciar a obtenção da tutela do direito reconhecido pela sentença como devido ao autor” (Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo, RT, v. I, 2006, p. 265). Conforme Yarshell, “as modificações trazidas pela Lei 11.232/2005 estão assentadas em uma pedra fundamental que é o fim da autonomia do processo de execução em relação ao processo de conhecimento, no âmbito das sentenças condenatórias ao pagamento de quantia”, feita exceção, no entanto, “às hipóteses em que for ré a

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Fazenda Pública” (Execução Civil: novos perfis, Flávio Luiz Yarshell et alii, RCS, 2006, p. 13).

Com efeito, na busca de efetiva e breve realização do direito afir-mado na sentença, com a consequente alteração no plano dos fatos, não havia razão alguma, tanto no plano lógico como no plano prático (salvo o apego a tradições antigas), para as duas ações sucessivas; não subsistia motivo maior para continuar a considerar, nas sentenças con-denatórias, a força executória como diferida, “se nas ações especiais a execução pode ser admitida como parte integrante essencial da própria ação ordinária” (Humberto Theodoro Jr., A Execução de Sentença...cit., p. 239, p. 250).5

Razão inclusive assiste, portanto, àqueles que sustentam que, tendo a Lei 11.232/2005 alterado substancialmente as cargas de eficácia da sentença condenatória, não mais haverá sentido em defender a classifica-ção quinária das sentenças (Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Execução Provisória no Processo Civil, Ed. Método, 2006, p. 220/221).

8 Atualmente, pela sistemática decorrente da Lei 11.232, não mais é cabível cogitar (com a vênia de mui respeitáveis opiniões em contra-rio) de “ação de liquidação de sentença”, ou de “ação de execução” decorrente do “requerimento” mencionado no art. 475-J (aliás, simples “requerimento” de impulso processual).

O autor, ao formular o pedido inicial, já exerce em toda plenitude a sua “ação”, pela qual postula ao Estado lhe seja efetivamente entregue o bem da vida a que se considera com direito; citado, o réu está citado para a fase de conhecimento, para as fases recursais, para a (eventual)

5 Barbosa Moreira, com a precisão habitual, recorda todavia que essa mudança em nada influi na distinção ontológica entre as duas atividades, porquanto cognição e execução constituem segmentos diferentes da função jurisdicional: “A lei pode combiná-los de maneira variável, traçar ou não uma fronteira mais ou menos nítida entre os respectivos âmbitos, inserir no bojo de qualquer deles atos típicos do outro, dar precedência a este sobre aquele, separá-los, juntá-los ou entremeá-los, conforme lhe pareça mais conveniente do ponto de vista prático. O que a lei não pode fazer, porque contrário à natureza das coisas, é torná-los iguais”. (Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, 41-52)Com remissões a Liebman e a Carnellutti, resume Teori Zavascki que “a distinção entre cognição e execução situa-se, essencialmente, na finalidade de cada uma delas: na cognição, o objetivo é ‘descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso’; na execução, é ‘efetivar o conteúdo daquela regra’; na cognição busca-se ver declarado ‘o que deve ser’; na execução busca-se ‘conseguir que seja o que deve ser’”. (Processo de Execução, RT, 3. ed., 2004, p. 28)

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fase de apuração do quantum debeatur,6 para a fase final de preparação e atuação dos meios executórios.

Pelo seguro magistério de Humberto Theodoro Jr., a reforma,“ao extinguir a actio iudicati, aboliu, também, a liquidação como ‘ação’ conten-

ciosa cognitiva entre o encerramento do processo principal e a abertura do processo de execução. Assim como os próprios atos de cumprimento da sentença deixaram de ser objeto de ação separada (actio iudicati), também os atos de liquidação passaram à condição de simples incidente complementar da sentença condenatória genérica.” (Curso de Direito Processual Civil, Forense, 39. ed., 2006, n. 682-a)

9 Vale, portanto, reafirmar que, ao ajuizar a petição inicial formulan-do seu pedido e rogando ao Estado a tutela jurisdicional, o autor estará exercendo, desde logo e integralmente, toda a pretensão que lhe assiste: a de ver seu (afirmado) direito reconhecido, quantificado e cumprido. A ação, pois, é uma só e única, sendo desnecessário cogitar, ante a nova legislação, de teóricos desdobramentos.

A ação (como bem disse Marinoni) não mais se exaure com a sentença de procedência condenatória, mas prossegue, sempre a “mesma ação” veiculada na mesma relação jurídica processual, até a final satisfação do demandante (ob. cit., p. 263). No dizer de Ada Pellegrini Grinover, não mais existirá no processo brasileiro a “sentença condenatória pura” (cujo cumprimento exige processo autônomo), com ressalva, naturalmente, da-queles casos previstos no art. 475-N, parágrafo único, em que a sentença é proferida fora do processo civil estatal brasileiro – casos da sentença penal condenatória, da sentença arbitral condenatória, da sentença es-trangeira condenatória homologada pelo STJ (vide estudo na coletânea A Nova Execução de Títulos Judiciais, coordenação de Sérgio Renault e Pierpaolo Bottini, Saraiva, 2006, p. 261; na coletânea Temas Atuais da Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, Saraiva, 2007, p. 3-5), e exceto, ainda, os casos de execução contra a Fazenda Pública e de pretensão a alimentos (art. 730, art. 733).

6 Também Antônio Carlos Marcato, com o asserto de que “desapareceu o corte, ou ruptura, resultante da ante-rior necessidade de formação de processo próprio para a liquidação (processo de conhecimento + processo de liquidação + processo de execução), tudo se operando, agora, sincreticamente, em um só processo (sentença com resolução de mérito + liquidação + cumprimento da sentença)” (estudo na coletânea A Nova Execução de Títulos Judiciais, Saraiva, coord. Sérgio Renault e Pierpaolo Bottini, 2006, p. 116; coletânea Temas Atuais da Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, Saraiva, 2007, p. 103).

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10 Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou após definido o valor em liquidação da sentença), o novo art. 475-J do CPC expressamente alerta para o tempus iudicati de quinze dias, concedido para que o réu cumpra voluntariamente sua obrigação, ou seja, para que obedeça à ordem do juiz, sob pena de pagamento de multa no percentual de 10% sobre o montante da condenação.

Essa norma legal revela e concretiza a nova sistemática, de ação “sin-crética” (cognição + execução no mesmo processo), pela qual a sentença de procedência, com a condenação do réu ao pagamento de determinada quantia, passou a ser dotada de atuante e imediata eficácia mandamental e, descumprida a ordem, imediata eficácia executiva. Confirma Cassio Scarpinella Bueno que há uma “ordem” contida na condenação judicial e, portanto, “o devedor deve pagar a quantia identificada na sentença, assim que ela estiver liquidada e não contiver nenhuma condição suspensiva” (A Nova Etapa da Reforma do CPC, Saraiva, 2006, p. 72/73), correndo o prazo mesmo quando a hipótese comportar ainda apenas a execução provisória (ibidem, p. 77).

VI Do dies a quo do prazo

11 A respeito do termo a quo do prazo para o pagamento voluntário, é possível relacionar muitas posições doutrinárias.

A) Em primeiro, os que aceitam a orientação (por nós preconizada) de que o prazo de quinze dias simplesmente corre da data da exigibilidade da sentença, orientação já adotada pelo STJ no REsp. 954.859 (4ª Turma, rel. Min. Gomes de Barros, j. 16.08.2007) e encampada por Araken de Assis (Cumprimento da Sentença, Forense, 2006, nº 79, p. 212; Manual da Execução, RT, 11ª ed., 2007/2008, p. 193); por José Roberto Bedaque (Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença condenató-ria, Rev. do Advogado – AASP, n. 85, maio de 2006, p. 73); por Ernani Fidélis dos Santos (As Reformas de 2005 do CPC, Saraiva, 2006, p. 54); por Guilherme Rizzo Amaral (Cumprimento e Execução da Sentença sob a ética do formalismo-valorativo, Livraria do Advogado Ed., 2008, p. 184 e ss.); por Petrônio Calmon (estudo na coletânea A Nova Execução de Títulos Judiciais, Saraiva, 2006, p. 101-103).7

7 Petrônio Calmon, nesse estudo, aludindo aos casos em que o trânsito em julgado ocorre em segundo grau ou perante as Cortes Superiores, considera vazio de efeitos o usual “cumpra-se o v. acórdão” e escreve que:

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Uma variante mais “rigorosa” desta corrente prevê que o prazo dos quinze dias passe a correr da intimação do advogado da prolação da sentença (ou do acórdão), sendo portanto esse prazo simultâneo com o prazo recursal (Bruno Garcia Redondo, rev. Dialética, 59/13/14).

B) Uma segunda corrente comunga do mesmo entendimento, de que o prazo quinzenal deva correr automaticamente a partir do trânsito em julgado da condenação, mas com a restrição de que não será a multa exigível em execução provisória.

Assim, v. g., Carlos Alberto Alvaro de Oliveira:“...a meu parecer, a multa decorre do fato objetivo do trânsito em julgado da decisão

condenatória. Consolidada a dívida, passa esta a ser exigível na sua plenitude, sem qual-quer condicionamento, começando então a correr o prazo de quinze dias estabelecido no caput do art. 475-J, independentemente de qualquer intimação.” (A Nova Execução, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira et alii, Forense, 2006, p. 195)

No mesmo sentido Humberto Theodoro Jr., a saber:“Para evitar a multa, tem o devedor de tomar a iniciativa de cumprir a condenação

no prazo legal, que flui a partir do momento em que a sentença se torna exequível... (omissis)... Há, porém, um prazo legal para cumprimento voluntário pelo devedor, que corre independentemente de citação ou intimação do devedor. A sentença condenatória líquida, ou a decisão de liquidação da condenação genérica, abre, por si só, o prazo de quinze dias para o pagamento do valor da prestação devida. É do trânsito em julgado que se conta dito prazo, pois é daí que a sentença se torna exequível” (As Novas Re-formas do Código de Processo Civil, Forense, 2006, p. 143-145). Ainda, José Maria Rosa Tesheiner (Execução de Sentença: regime introduzido pela Lei 11.232/2005, Rev. Jurídica, n. 343, p. 17 e ss.).

Nessa corrente, alguns, todavia, sugerem que, em se tratando de execução provisória, o prazo venha a correr da data da intimação do executado sobre tal execução (Gilson Delgado Miranda et alii, artigo na coletânea Aspectos Polêmicos da Nova Execução de Títulos Judiciais, RT, 2006, p. 193-194), e outros afastam a incidência da multa nos casos em que caiba execução provisória (Humberto Theodoro Jr., As Novas

“Normalmente os autos do processo somente chegarão à comarca de origem após o decurso do prazo de quinze dias. Isso não altera a obrigação do jurisdicionado de pagar a quantia até quinze dias após o trânsito em julgado... (omissis)... Se os autos encontram-se em tribunal, ambas as partes têm o dever de acompanhá-lo e, por certo, é de onde estiverem os autos que começará a correr o prazo, e, consequentemente, o devedor deverá estar preparado. Se esse dispositivo cair no vazio por conta da ingenuidade dos magistrados ou por conta da desídia dos advogados dos credores, estar-se-á prestando um enorme desserviço à nação, estar-se-á proporcionando um enorme retrocesso”

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Reformas..., cit., p. 144). C) São diversos os processualistas para os quais o termo a quo do

prazo de quinze dias será a data em que o advogado do réu venha a ser intimado para cumprir a sentença (se desta não houve recurso) ou o acór-dão, pressupondo-se nesse segundo caso o retorno dos autos ao juízo de origem e a intimação do advogado do usual despacho “cumpra-se o v. acórdão” (Cassio Scarpinella Bueno, A Nova Etapa da Reforma do CPC, Saraiva, v. I, 2006, p. 77-86; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery, CPC Comentado, RT, 10. ed., 2007, p. 733); Carlos Alberto Carmona, artigo em A Nova Execução de Títulos Judiciais, Saraiva, 2006, p. 64/65).

D) Por fim, aqueles processualistas que sustentam a necessidade da “intimação pessoal” do devedor condenado (até, para alguns, com a exigência de mandado intimatório), a fim de que tenha início o prazo para o pagamento voluntário do montante da condenação (José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa A. A. Wambier, Re-Pro 136/289; Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, Lumen Juris, v. II, 14. ed., 2007, p. 353-354, e A Nova Execução de Sentença, Lumen Juris, 2006, p. 113-114; Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de Direito Processual Civil, RT, 4. ed., 2008, p. 628, e A Terceira Etapa da Reforma Processual Civil, Saraiva, 2006, p. 129; Sérgio Shi-mura, estudo na coletânea Aspectos Polêmicos da Nova Execução – 3..., cit, p. 567). O argumento maior é o de que se cuida de ato da parte, de ato material de cumprimento da obrigação, devendo pois ser o réu “pre-viamente advertido quanto à consequência negativa do descumprimento da obrigação” (RePro, 136/290-291).

Essa última orientação, roga-se muita vênia para dizê-lo, vem de en-contro aos propósitos que inspiraram a reforma e ao que consta da lei; realmente, com a mera substituição formal da “citação” pela “intimação pessoal”, ficará mantido um dos piores “pontos de estrangulamento”, que tanto retardavam a execução sob o antigo sistema. Aliás, “encon-trar” o réu, nesta etapa processual, máxime quando abonado e dispondo de facilidades de deslocamento, pode ser tarefa árdua, com precatórias itinerantes cruzando o país (e disso temos muitos exemplos na prática do foro). Conforme Araken de Assis, “qualquer medida tendente a introduzir intimação pessoal, ou providência análoga, harmoniza-se mal com as finalidades da lei” (Manual da Execução, RT, 11. ed., 2008, p. 193).

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Como escrevemos alhures,“no plano teórico, a intimação da sentença condenatória ao advogado do réu é o que

basta a que o réu seja considerado como plenamente ciente da ordem de pagamento. No plano pragmático, a exigência representará uma ‘ressurreição’, sob outra roupagem, dos formalismos, demoras e percalços que a nova sistemática quis eliminar do mundo processual.” (Cumprimento da Sentença Civil, Forense, 2007, p. 54/55)

VII O prazo flui independentemente de novas intimações

12 Vamos resumir nosso ponto de vista. Partamos da constatação de que, prolatada a sentença, são as partes dela necessariamente intimadas, e de tal intimação correrá o prazo para a interposição dos recursos cabí-veis (CPC, art. 506). Com esta intimação, portanto, as partes (por seus advogados, bastantes procuradores em juízo) ficam cientes do inteiro teor da prestação jurisdicional, e dela não podem alegar ignorância.

Assim, o subsequente prazo de quinze dias (propositadamente um largo prazo, a fim de permitir e facilitar ao devedor o pagamento volun-tário) passa automaticamente a fluir, nos exatos termos da lei, indepen-dentemente de quaisquer “novas” intimações, a partir da data em que a sentença (ou o acórdão que a substitua – art. 512 do CPC) se torne exequível. Melhor: esse prazo corre a partir da data em que a ordem do juiz, a cujo respeito (como exposto) nenhum dos sujeitos do processo pode em boa-fé alegar desconhecimento, se torne exigível ao réu, quer por haver transitado a sentença em julgado, quer porque da sentença (ou do acórdão) haja sido interposto recurso recebido sem efeito suspensivo.

Não assiste pois razão, data venia, àqueles que (quiçá ainda influen-ciados por ideias inerentes ao sistema pretérito) sustentam a necessidade de que o demandado seja “novamente” intimado (pessoalmente, ou por intermédio de seu advogado), para que fique “em mora” (?) e comece a fluir, só então, o prazo dos quinze dias para o voluntário cumprimento da sentença.

O próprio José Miguel Garcia Medina, aliás, disse e enfatizou que“não é possível analisar um problema novo valendo-se de uma metodologia antiga,

assim como não se pode empregar os antigos conceitos jurídicos para explicar os novos fenômenos. Essa opção metodológica tem o grave defeito de, ao invés de elucidar os problemas, turvá-los, transmitindo a falsa ideia de que não houve alguma transformação ou evolução no direito processual civil.” (Execução Civil, RT, 2. ed., 2004, p. 25)

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Por certo,“é de fundamental importância a mudança de mentalidade que seja capaz de rever

as categorias, conceitos e princípios estratificados na doutrina dominante, pois somente assim poderão ser extraídas desses dispositivos todas as consequências possíveis para a modernização de nosso processo civil.” (Kazuo Watanabe, RePro, 155/169)

VIII A multa incide automaticamente

13 Vale notar, no azo, que a multa prevista no art. 475-J, caput, do CPC apresenta-se basicamente “penitencial”, portanto sem o caráter típico da astreinte: “induz ao pagamento, mas não tem essa finalidade especifica e por isso é proporcional ao valor da obrigação de pagar (10% do montante da condenação)” (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Teoria e Prática da Tutela Jurisdicional, Forense, 2008. p.173). Como escreveu Ronaldo Cramer, a multa é medida “punitiva” ao réu condenado, ante sua impontualidade no cumprir a sentença:

“Só o fato de a incidência da multa ser automática, pois ela decorre da lei, e não da vontade do juiz, já revela o seu caráter punitivo, de apenar o réu que não paga, no prazo legal, a quantia a que foi condenado. Todavia, não dá para negar que toda a medida punitiva possui, indiretamente, um efeito de desestímulo, pois a previsão da pena tende a inibir a prática da conduta não querida pelo legislador.” (Temas Atuais da Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin, Saraiva, 2007, p. 764)

Conforme Yarshell,“a incidência da referida multa é automática e precede o requerimento do credor

acompanhado da apresentação da memória do cálculo. Vale dizer: basta o decurso do prazo de quinze dias da condenação para que incida a multa, de tal sorte que na me-mória – e consequentemente no mandado de penhora – já será incluída a penalidade, acrescida ao principal (...) deve prevalecer a regra de que a decisão sujeita a recurso desprovido de efeito suspensivo produz todos seus efeitos.” (Flávio Luiz Yarshell et alii, Execução Civil: novos perfis, RCS, São Paulo, 2006, p. 29-31).

Explicita, ainda, que a multa “não é para o devedor que resiste à execução, mediante impugnação (outrora embargos do devedor), mas sim e simplesmente para o devedor que dá causa à execução porque não efetua o pagamento” (ibidem, p. 34).

Eminentes processualistas, todavia, divergem, considerando a multa como essencialmente “coercitiva”, e não “punitiva”. Para Cassio Scarpi-nella Bueno, a multa “tem clara natureza coercitiva”, visando incutir no

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espírito do devedor que as decisões jurisdicionais “devem ser cumpridas e acatadas de imediato, sem tergiversações, sem delongas, sem questiona-mentos, sem hesitações, na exata medida em que elas sejam eficazes, isto é, na exata medida em que elas surtam seus regulares efeitos” (coletânea Aspectos Polêmicos da Nova Execução - 3, RT, p. 132). Sublinhando que a multa exerce “pressão psicológica e financeira” sobre devedor, caracte-rística das medidas de coerção, prossegue Luiz Guilherme Bondioli com a afirmação de que a mesma “tem a grande vantagem de independer de comunicação pessoal para a sua incidência concreta” (O Novo CPC: a terceira etapa da reforma, Saraiva, 2006, p. 95-97).

Por tal motivo, vários doutrinadores admitem a possibilidade da ocorrência de circunstâncias “excludentes” da sua imposição, tal como nos casos em que o réu não disponha de dinheiro disponível, mas ape-nas de “bens móveis ou imóveis de difícil alienação” (Luiz Rodrigues Wambier et alii, Breves Comentários..., cit., p. 145), ou se não teve “tempo suficiente para transformar bens do seu patrimônio em dinheiro suficiente para pagamento do seu débito” (Marcelo Abelha, Manual de Execução Civil, Forense Universitária, 2006, p. 293/294). Também Guilherme Rizzo Amaral, para quem poderia ser afastada a multa “caso o devedor venha a comprovar, no curso do processo, a ausência de patrimônio apto a saldar o valor da condenação” (A Nova Execução, Forense, 2006, p. 124).

14 Reiteremos, todavia, nossa posição no sentido de que a multa, pelo sistema instituído pela Lei 11.232/2005, incide independentemente das intenções ou possibilidades do executado, de sua boa ou má-fé, pois decorre “objetivamente” do descumprimento da “ordem” de pagamento contida na sentença; e apenas ficará sem efeito caso venha a ser julgado procedente o recurso interposto contra a sentença (execução provisória, com restituição das partes ao estado anterior – art. 475-0, III), ou se procedente a impugnação (art. 475-L) apresentada pelo executado.

Como escreveu Araken de Assis, “vencido o interregno de quinze dias, automaticamente incidirá a multa de 10% (dez por cento). Por tal motivo, constará da planilha que instruirá o requerimento executivo... (omissis)... O objetivo da pena pecuniária consiste em tornar vantajoso o cumprimento espontâneo e, na contrapartida, onerosa a execução para

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o devedor recalcitrante” (Cumprimento da Sentença, Forense, 2006, n. 79, p. 212/213).

Em favor de quem reverterá a multa? Pelo sistema, reverterá em favor do credor exequente, da pessoa prejudicada pela demora no pagamento. Quem pagará a multa? O devedor, como tal nomeado no título executivo sentencial. Tratando-se de débito de pessoa jurídica de direito privado, devedora é a pessoa jurídica, não seus presentantes ou órgãos (em certos casos é possível que a pessoa física incida na sanção do art. 14 do CPC, mas esta é “outra” multa, não a prevista especificamente para o não cumprimento da sentença condenatória).

A multa prevista no art. 475-J não se aplica às execuções por título sentencial contra a Fazenda Pública, mesmo porque esta execução foge ao novo sistema e continua demandando a propositura de ação autôno-ma. Aliás, em sendo devedora a Fazenda, esta de qualquer forma não poderia pagar no prazo de quinze dias, eis que depende necessariamente da expedição de precatório, com o pagamento sujeito à observância da devida ordem cronológica (observemos as disposições peculiares para os créditos alimentares – enunciados 655 da Súmula do STF e 144 da Súmula do STJ – e para as obrigações de pequeno valor).

IX A multa e a execução provisória

15 Vem sendo sustentada, outrossim, a impossibilidade de imposição da multa na execução provisória, e isso sob duas alegações:

a) pela preclusão lógica, pois não seria possível ao mesmo tempo interpor o recurso e efetuar o pagamento;

b) pela desistência tácita do recurso, caso o executado realize o pa-gamento (Bernardo Bastos Silveira, RePro, 155/216).

Dizem alguns comentaristas que o executado ficaria perante um “beco sem saída”, pois ou efetua o pagamento e ocorrerá a preclusão lógica, ou não paga e fica sujeito à multa; assim, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, este com a afirmação de que seria “absurdo exigir, nesta hipótese, que o devedor satisfizesse integralmente a obrigação (como exigido no caput do art. 475-J) para se livrar do pagamento da multa”, mesmo porque isso seria “incompatível com a vontade de recorrer já manifestada” (coletânea Nova Execução, Forense, 2006, p. 195).

Autores de nomeada sugerem, outrossim, a hipótese de o devedor,

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com a finalidade de evitar a multa, efetuar um pagamento “sob reser-va”, prosseguindo contudo a execução provisória e ficando o executado submetido ao sistema “solve et repete”, alvitre este que Carlos Alberto Carmona rejeita, considerando-o “excessivo” (A Nova Execução de Títulos Judiciais..., cit., p. 66/67).

16 Em nosso entendimento, todavia, e considerado todo o anterior-mente exposto, sempre que ao recurso cabível a lei não conceda o efeito suspensivo, em tais casos a “ordem” do juiz, contida na sentença conde-natória, assume total exigibilidade a partir do momento em que o recurso haja sido recebido com efeito apenas devolutivo. O réu, embora recor-rente, induvidosamente estará, desde então, sujeito à “ordem” judicial para pagar dentro do prazo de quinze dias. E o pagamento, a nosso ver, por sua própria natureza, não pode ser feito, em juízo, “sob reserva”.

O réu, no entanto, não fica diante de um “beco sem saída”, mas sim está diante de uma opção, de uma “encruzilhada legal”:

a) ou resolve ele cumprir a “ordem” e efetuar o pagamento, e tendo efetuado o pagamento já não mais poderá recorrer;

b) ou o réu entende que lhe assistem bons e suficientes motivos para pleitear a reforma da sentença e, em consequência, “assume o risco” de interpor o recurso mesmo ciente de que o mesmo não tem efeito suspensivo e de que, portanto, caso improcedente, irá pagar o débito acrescido da multa.

Assim sendo, ao ingressar com a execução provisória, o autor poderá (após transcorridos os quinze dias) exigir ao réu o principal e a multa, estando todavia sabedor de que, caso o recurso do executado venha a ser provido, ficará sem efeito a própria execução, “restituindo-se as partes ao estado anterior”, e ele, exequente, deverá “reparar os danos que o executado haja sofrido” (CPC, art. 475-O, inc. I).

Em última análise, no decorrer do processo as partes assumem res-ponsabilidades e riscos: assim, ao interpor recurso ao qual não seja atri-buído efeito suspensivo, o réu assume o risco de, ao final, pagar o débito acrescido da multa; ao requerer a execução provisória, o autor assume o risco de, se ao final for provido o recurso do réu, ter de indenizá-lo por todos os danos e prejuízos decorrentes da execução, pois promovida por sua “iniciativa, conta e responsabilidade” (art. 475-O, inc. I).

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Alteração do contrato administrativo por ato unilateral da Administração

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*

A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública, podendo ser exercido ainda que nenhuma cláusula expressa o consigne, porém, a alteração somente pode atingir as denominadas cláusulas re-gulamentares, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.

No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que esta-belecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Adminis-tração e dispõem acerca da equação econômico-financeira do contrato administrativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econômica do contratado, visando restabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes.

Esse o magistério do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles, in Lici-tação e Contrato Administrativo, 9. ed., Revista dos Tribunais, 1990, p. 181-2.

É o que se encontra previsto nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei nº 8.987/95.

Tais princípios restaram definitivamente incorporados no Direito * Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Administrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Con-selho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás de Bordeaux, proferido em 1916, onde destacou-se a notável contribuição de Char-denet, verbis:

“Mais tout service public doit être organisé dans des conditions qui permettent de compter sur son fonctionnement d’une manière régulière, sans interruption, même momentanée, sans à-coups, passez-nous l’expression, et qui, en même temps, seront de nature à donner pleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux, fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Pro-priétaires et Contribuables du quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également, et cela dans l’intérêt général, que le service public soit à l’abri d’incessantes ou de trop fréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles dans le fonctionnement ou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour un certain nombre d’années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraient y être apportés. Mais, au cours d’une période de temps un peu longue, bien des événements peuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins se modifier. D’autre part, pour la bonne organisation et l’heureux fonctionnement d’un service public important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent être immobilisés pour longtemps. Si nous prenons l’exemple du service d’éclairage, au début on aura à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faire face à des frais d’entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements de matériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des perfectionnements des moyens de fabrication, dont les bénéficiairesdu service public doivent profiter. Au cours de l’execution du service, il faudra passer, presque toujours longtemps à l’avance, des marchés importants pour s’assurer les matières premières nécessaires à la fabrication du gaz. Les dépenses que l’on aura ainsi engagées seront amorties peu à peu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue. Pour éviter d’exposer la personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, pour lui éviter d’engager ses ressources propres dans des opérations commerciales ou industrielles qu’impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d’être obligée de recourir parfois à des emprunts plus ou moins onéreus, - on a songé à s’adresser à des tiers, particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur eux du soin d’assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.” (In Revue Du Droit Public Et De La Science Politique, Paris, M. Giard & E. Brière Editeurs, 1916, t. 33, p. 220/1)

É o magistério autorizado de Georges Péquignot, verbis:“Le cocontractant a droit à la rémunération inscrite dans son contrat. C’est le

principe de la fixité du prix du contrat. Il n’a consenti son concours que dans l’espoir

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d’un certain bénéfice. Il a accepté de prendre à sa charge des travaux et des aléas qui, s’il n’avait pas voulu contracter, auraient été supportés par l’Administration: il est normal qu’il en soi rémunéré.

Il serait, par ailleurs, contraire à la règle de bonne foi, contraire aussi à toute sécurité des affaires et, de ce fait, dangereux pour l’état social et économique, que l’Administration puisse modifier, spécialment réduire, cette rémunéiation.”

E, mais adiante, conclui o mesmo autor, verbis:“...l’Administration, lorsqu’elle modifie le contrat sur un point qui intéresse le ser-

vice public, doit cependant maintenir son équation financière, c’està-dire, le bénéfice que le cocontractant espérait tirer de l’opération. A fortiori, toute autre modification étant mise à part, cette équation financière doit-elle être maintenue par l’impossibilité de réduire ou de supprimer directement la rémunération en vue de laquelle le cocon-tractant s’est engagé.

Ce principe est fondamental. Il doit être entendu très rigoureusement, car, applica-tion particulière de l’idée d’équation financière, il est la source de la sécurité juridique du cocontractant de l’Administration.” (In Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, Éditions A. Pédone, 1945, p. 434/5)

Nesse sentido, recentes decisões do Eg. STJ, verbis:“AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 74 – PR

(2004/0031293-3) Relator: Ministro Edson Vidigal Agravante: Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A – Econorte Advogados: Romeu Felipe Bacellar Filho e outros Agravado: Estado do Paraná Procuradores: Sérgio Botto de Lacerda e outros Requerido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região EMENTA Suspensão de liminar. Tutela antecipada deferida para assegurar o reajuste de tarifas

de pedágio pela empresa concessionária. 1. Não há como se concluir por ofensa à ordem ou à economia públicas em deci-

são concessiva de tutela antecipada que apenas assegurou o cumprimento de cláusula contratual livremente firmada entre as partes e não questionada administrativamente ou em juízo.

2. Perigo de dano inverso. O simples descumprimento de cláusulas contratuais por parte do governo local viola o princípio da segurança jurídica e inspira riscos nos contratos com a Administração.

3. Agravo regimental provido. ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial,

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do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do agravo regimental e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado, Gilson Dipp e Francisco Falcão, sendo os três últimos substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira.

Brasília (DF), 1º de julho de 2004 (data do julgamento). Ministro Nilson Naves, Presidente Ministro Edson Vidigal, Relator” (Publicado no DJ de 23.08.2004 – In RSTJ,

180/21)

Nessa mesma orientação, os julgados publicados na RSTJ, 181/31 e 182/49.

A respeito, deliberou o Eg. TRF/4ª Região, verbis:“CONTRATO ADMINISTRATIVO. QUEBRA DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO

– ÁLEA EXTRAORDINÁRIA SUPORTADA PELA ADMINISTRAÇÃO. RETAR-DAMENTO DA OBRA – PREÇO PAGO QUE NÃO CORRESPONDE AO VALOR DO EMPREENDIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA.

O pagamento de correção monetária em decorrência de valor pago que não se iden-tifica com o verdadeiro empreendimento contratado e realizado é inarredável e traduz forma lícita e justa de alcançar o equilíbrio financeiro do contrato.”

(TRF 4ª Região, 4ª Turma, AC nº 96.04.55368/2/PR, Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, julg. 17.05.2006, DJ 26.07.2006)

Preciso o magistério de Hely Lopes Meirelles, in Estudos e Pareceres de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, v. 11, p. 120-1, verbis:

“O equilíbrio econômico-financeiro é a relação que as partes estabelecem inicial-mente no contrato administrativo, entre os encargos do particular e a retribuição devida pela entidade ou órgão contratante, para a justa remuneração do seu objeto (cf. nosso Licitação e Contrato Administrativo, ob. cito, p. 184)

Essa correlação encargo-remuneração deve ser conservada durante toda a execu-ção do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas de serviço, modificados projetos e programas, liberados trabalhos em quantidades inferiores às previstas ou superados os prazos contratuais por mora da Administração, a fim de que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro, o qual, como bem observa Waline, é ‘direito fundamental de

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quem contrata com a Administração’ (Marcel Waline. Droit Administratif, Paris, 1959, p. 574). Para De Soto, citado por Laubadère, ‘a manutenção desse equilíbrio constitui norma fundamental da teoria dos contratos administrativos. As obrigações das partes são tidas como calculadas de tal maneira que se equilibram do ponto de vista financeiro, e o responsável pelo contrato deverá esforçar-se para manter, a qualquer custo, esse equi-líbrio’ (André De Laubadère, Contrats Administratifs, Paris, 1956, II/35, nota 6) .

5. O reconhecimento do direito ao equilíbrio financeiro – o primeiro direito ori-ginal do co-contratante com o Poder Público, segundo Péquignot (Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, 1945, p. 430) – surgiu como contra partida ao poder-dever de alteração unilateral do contrato administrativo, mas vale também para os casos em que, impedido de invocar a exceção de contrato não cumprido, o particular contratado se vê obrigado a suportar o cumprimento irregular do ajuste ou a mora da Administração contratante.

Com efeito, o contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lu-cro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste porque se, de um lado, a Administração tem o poder de modificar as condições de execução do contrato e de exigir a prestação da outra parte, ainda que ela mesma não tenha cumprido a sua, de outro lado, o particular contratado tem o direito de ver mantida a correlação encargo-remuneração estabelecida originariamente, uma vez que o seu objetivo ao participar da relação negocial foi – e continua sendo – o ganho pecuniário. Objetivo altamente lícito e respeitável, diga-se de passagem, que a Administração contratante não pode, va1idamente, restringir, exigindo que, a partir de um dado momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas e até mesmo prejudiciais ao contra-tado, sem qualquer culpa deste.

6. Para a cabal satisfação desse direito, é forçoso se operem os necessários ajustes econômicos sempre que, por ato ou fato da Administração, for rompido o equilíbrio econômico-financeiro, em detrimento do particular contratado, independentemente de previsão contratual, como nos ensina Laubadère, nestes precisos termos: ‘Cette règle d’equilibre est quelque fois considerée comme résultant de la commune intention des parties; elle s’applique, en tous cas, même lorsqu’el1e ne figure pas expressément dans le contrat’ (André de Laubadère, Traité Élémentaire de Droit Administratif, Pa-ris, 1957, p. 431. No mesmo sentido: Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, 1975, p. 293).

7. Por outro lado, se o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro inicia1, na hi-pótese de alteração unilateral do ajuste, constitui dever da Administração contratante, com muito mais razão é direito daquele e dever desta, nos casos em que o órgão ou entidade contratante abusa de sua posição privilegiada para descumprir ou cumprir irregularmente suas prestações, ou ainda suspender os prazos contratuais, obrigando o particular a suportar encargos excessivos, os quais, por não terem sido cogitados

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quando da elaboração da proposta ou da celebração do contrato, representam insupor-táveis prejuízos, mormente numa conjuntura em que o custo do dinheiro é altíssimo e a inflação avilta a moeda a cada dia.”

Da mesma forma, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Revista Trimestral de Direito Público, v. 38/143/4, verbis:

“6. A legislação brasileira, a começar da Constituição, proclama a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Deveras o art. 37, XXI, da Lei Magna dispõe que

‘(...) obras, serviços, compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta (...)’.

O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondência entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Dado que as partes se obrigarão em face daquelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverão de correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaram em sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional, necessitam resguardar a correlação estratificada sobre as condições efetivas em vista das quais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados se houver supervenientes desconcertos.

É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo daquilo que, em direito administrativo, é denominado ‘equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo’, com os decorrentes reajustes e revisões.

7. A nível infraconstitucional, o equilíbrio econômico-financeiro também se encontra enfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.06.1993, que veicula regras gerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumidade em numerosas passagens. Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40. XI e XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e no art. 65, II, d, assim como em seu § 5º.

É certo, além disto, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.02.1995, também encarece a proteção à equação econômico-financeira e exige-lhe a persistência ao longo da relação instaurada. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido ‘será preservada pelas regras de revisão’.

O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece es-tampadamente nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que: ‘Os contratos poderão estabelecer mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico e financeiro’; que: ‘Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa para mais ou para menos, conforme o caso’ e que: ‘Em havendo alteração unilateral do

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contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração’.

O art. 18 da mesma lei dispõe que: ‘O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) VIII – os critérios de reajuste e revisão das tarifas’.

O art. 23, entre as cláusulas categorizadas como essenciais ao contrato de concessão, em seu inciso IV, inclui as relativas ‘ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas’.

É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como a de contratos administrativos em geral – e os princípios gerais destes se aplicam às licitações para concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 – consagram insistentemente a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, tanto pelo instituto da revisão quanto dos reajustes.

Tudo isso está a revelar, inobjetavelmente, a decidida orientação legislativa de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.”

No que concerne às limitações que sofre a Administração Pública para promover alterações unilaterais no contrato administrativo, notadamente o contrato de concessão do serviço público, averba André de Laubadè-re, em seu já clássico Traité des Contrats Administratifs, 2. ed., Paris, L.G.D.J., 1984, t. 2º, p. 406, nº 1177, verbis:

“D’une part, l’administration et son cocontractant ont conclu un certain contrat, ayant un certain objet: l’administration ne peut prétendre imposer une modification qui aboutirait à dénaturer le contrat, à lui donner en fait un objet nouveau, différent de celui qui a été envisagé dans la commune intention des parties; D’autre part, le cocontractant a conclu le contrat en considération de certaines conditions, notamment de ses possibilités techniques et financières. L’administration ne peut prétendre imposer des modifications qui aboutiraient par leur importance à un bouleversement du contrat et de son économie générale.”

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: Jean de Soto, in Droit Administratif – Theorie Generale du Service Public, Paris, Éditions Montchrestien, 1981, p. 339; Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris, Libr. du Recueil Sirey, 1952, 392-3, § 3º; Jean Rivero, in Droit Administratif, 8. ed., Paris, Dalloz, 1977, p. 454-5, nº 481; Jacqueline Morand-Deviller, in Cours de Droit Administratif, 3. ed., Paris, Montchrestien, p. 362, ‘C’; Georges Dupuis, Marie J. Guédon, Patrice Chrétien, in Droit Administratif, 7. ed., Paris, Armand Colin, p. 403, ‘B’; Laurent Richer, in Droit des Contrats Administratifs, Paris,

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A respeito, a lição precisa de Laubadère, em artigo intitulado “Du pouvoir de l’administration d’imposer unilatéralement des changements aux dispositions des contrats administratifs”, publicado na Revue du Droit Public, 1954, p. 40-1, verbis:

“Le pouvoir de modification unilatérale est considéré comme d’ordre public; l’administration ne peut renoncer à l’avance à l’exercer (Jèze, op. cit., p. 225; Bon-nard, op. cit., p. 620).

Le pouvoir de modification existant en dehors des stipulations du contrat, lorsque celui-ci le prévoit il ne le crée pas mais ne fait que régler ses conditions d’exercice, en particulier ses limites et ses conséquences pécuniaires (Jèze, loc. cit.).

Par ailleurs un tel pouvoir a des limites et des contreparties; à cet égard la juris-prudence relative aux limites et contreparties des modifications prévues par le contrat lui-même est utilisable d’une manière générale et elle est très développée.

Les limites du pouvoir de modification sont de deux ordres:D’une part les modifications unilatérales ne peuvent concerner que les clauses du

contrat qui intéressent le service public et ses besoins (c’est-à-dire les prestations du cocontractant et leurs modalités d’exécution) à l’exclusion des clauses qui règlent les rapports d’intérêts entre les parties (notamment les clauses financières).

D’autre part l’administration ne peut pas utiliser son pouvoir de modification pour imposer au cocontractant des changements excessifs, dépassant une mesure raison-nable, c’est-à-dire ayant pour effet de transformer l’objet même du contrat (par exemple de transformer une concession de service public en une régie déguisée : C. E., 18 juillet 1930, Compagnie P.L.M. et autres, R.D.P., 1931, p. 142, concl. Josse) ou d’excéder les possibilités techniques ou économiques du cocontractant; ce dernier critère est très largement éclairé, par exemple, par l’abondante jurisprudence relative, en matière de marchés de travaux publics, aux notions d’ « ouvrage nouveau » et de « bouleversement de l’économie générale du projet» (C. E., 23 juin 1920, Briançon, p. 626).

Quant à la contrepartie du pouvoir de modification elle se trouve dans le principe générale selon lequel toute modification imposée au cocontractant et lui causant un préjudice oblige l’administration à l’indemniser de manière à rétablir l’équilibre contractuel initialement envisagé dans la commune intention des parties.”

Em palavras lapidares, a propósito do alcance da garantia do equilibrio econômico-financeiro do contrato administrativo, anotam Nicola Assini e Lucio Marotta, in La Concessione di Opere Pubbliche, CEDAM – PA-DOVA, 1981, p. 73/4, verbis:

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“È un principio pacifico che la gestione sia svolta dal concessionario a suo rischio e periculo. Ma è altrettanto evidente che rischi e pericoli sono a carico del concessio-nario solo in condizioni di normale svolgimento del rapporto economico regolato fra le parti dalla convenzione accessiva all’atto di concessione.

Fra le obbligazioni de concedente e quelle des concessionario si stabilisce all’inizio un certo rapporto ed è questo rapporto che deve essere mantenuto nel tempo, anche se ciò dovesse richiedere un mutamento delle obbligazioni assunte originariamente dalle parti.

Interessato particolarmente al mantenimento di questo rapporto è naturalmente il concessionario, che eviterà cosí di doversi accollare i rischi di gestione dipendenti da avvenimenti eccezionali ed imprevedibili. Ma anche il concedente ha interesse che il concessionario non venga mai a trovarsi in crisi in dipendenza di fatti che non gli siano addebitabili, poiché altrimenti verrebbe pregiudicato il perseguimento del fine pubblico che l’atto di concessione si riprometteva.

È nella logica della concessione che gli interessi delle parti non debbano risentire di quella contrapposizione o antiteticità che normalmente si verifica in qualsiasi altro rapporto obbligatorio scaturente da contratto. Concedente e concessionario sono in effetti legati da un rapporto del tutto peculiare, per cui essi vengono a trovarsi, secondo una plastica espressione, nella stessa barca.”

Por ocasião do julgamento do RE nº 9.830, relator o eminente Min. Hahnemann Guimarães, deliberou o Eg. STF, verbis:

“CONTRATO ADMINISTRATIVO – REVOGAÇÃO.– Não se admite a revogação unilateral de um contrato administrativo perfeito,

por ato da administração. O poder que tem a autoridade administrativa de rever, por iniciativa própria, despacho contrário à Fazenda não abrange o ato jurídico perfeito.” (In Revista Forense, v. 121, p. 81)

Em seu voto disse o ilustre Relator, verbis:“O SR. MINISTRO HAHNEMANN GUIMARÃES (relator): A regra factum

infectum fieri nequit é, sem dúvida, contrariada na revogação dos atos jurídicos. A revogação dos atos jurídicos, porém, é excluída sempre que, em virtude do ato, se constituiu definitivamente uma situação jurídica, ou por outras palavras, talvez menos claras, sempre que do ato resultou um direito subjetivo.

É, assim, revogável o testamento, e o contrato não pode ser revogado unilateralmente.

O que se diz a respeito dos atos jurídicos privados diz-se também dos atos admi-nistrativos.

Não se admite a revogação de um contrato administrativo perfeito. Afirma-se mesmo que, satisfeita a condição rebus sic stantibus, o ato administrativo acabado é irrevogável.

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No acórdão de 19 de janeiro de 1943, o Sr. ministro OROZIMBO NONATO, rela-tor, acolheu a doutrina de que os atos administrativos, particularmente aqueles de que resulta uma situação individual, não podem ser revogados pela própria Administração (Rev. de Dir. Administrativo, cit. p. 182).

É, pois, inaceitável a arguição de haver o acórdão de 4 de abril de 1945 discordado do Supremo Tribunal Federal.

A transação celebrada entre o Estado e seu credor não pode ser revogada por de-claração unilateral do devedor. É ato jurídico irrevogável.

O poder que tem a autoridade administrativa de rever, por iniciativa própria, o des-pacho contrário à Fazenda Pública (Dec. nº 20.848, art. 1º, parág. único) não abrange o ato jurídico que se tornou perfeito pela constituição de um vínculo para a mesma Fazenda.

No caso, o Estado de Mato Grosso não podia, unilateralmente, desfazer o ato con-sumado em 9 de dezembro de 1936.” (In op. cit., p. 82)

Por outro lado, ao proferir voto na AC nº 2006.70.00.012065-4/PR, anotei, verbis:

“Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:

‘Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nou-velle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que postérieurement à la promulgation de cette loi.’ (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil – Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil Sirey, 1925, t. 2º, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

‘The integrity of contracts-matter of high public concern - is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall pass any law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.’ (In The Supreme Court Reporter – November, 1923 – July, 1924, St. Paul, West Publishing Co., 1924, v. 44, p. 86)

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francisco Campos, em seu Direito Administrativo, Rio, Livr. Freitas Bastos, 1958, v. II, p. 11, verbis:

‘O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito

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continuará a ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as transformações por ele operadas nas relações jurídicas que constituem o seu conteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo ou extinguindo direito.

O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de um direito – ou a pretensão fundada a uma prestação, ou a modificação ou a extinção de direito anterior a determinada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior precisamente para que não seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.’

Ademais, a Lei Estadual nº 14.235/2003, que ‘revogou’ as cláusulas do contrato, teve a sua eficácia suspensa pelo Eg. STF quando do julgamento da ADIn nº 3.075-DF.

Em seu voto, o ilustre Ministro Gilmar Mendes, verbis:‘De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao

ato jurídico perfeito e ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado.’

Descumprindo tal decisão, o Chefe do Poder Executivo do Estado do Paraná edita o Decreto nº 5.434/2005, que reproduz o comando do texto legal suspenso pelo Pretório Excelso, em clara violação ao princípio da Separação e Harmonia dos Poderes – art. 2º da CF/88 –, exorbitando o poder regulamentar que lhe confere a Lei Maior.

Pertinente, in casu, relembrar as sábias palavras proferidas pelo Justice Louis Brandeis no julgamento do caso Myers v. United States pela Suprema Corte Ameri-cana, verbis: ‘The doctrine of the separation of powers was adopted by convention of 1787 not to promote efficiency but to preclude the exercise of arbitrary power. The purpose was not to avoid friction, but, by means of the inevitable friction incident to the distribution of the governmental powers among three departments, to save the people from autocracy.’ (In The Supreme Court Reporter, St. Paul, West Publishing Co., 1928, v. 47, p. 85)

A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis:

‘1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidos pela lei, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislativo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora, poderia o governo criar impostos, penas ou deveres que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão;

2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, porquanto a fa-culdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram

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estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele;

3º) em ordenar ou proibir o que ela não ordena ou não proíbe, porquanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei, e mormente do direito privado, pois que estas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução;

4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser diferente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei;

5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato ver-dadeiramente atentatório.’ (In Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 237, nº 326)

E mais adiante, conclui o ilustre Mestre, verbis:‘O governo não deve por título algum falsear a divisão dos poderes políticos, exceder

suas próprias atribuições ou usurpar o poder legislativo.Toda e qualquer irrupção fora destes limites é fatal tanto às liberdades públicas

como ao próprio poder.’ (In op. cit., p. 237)Realmente, o ordenamento jurídico brasileiro atribui ao regulamento unicamente

o papel de regulamentar a lei, esclarecendo o seu comando normativo, porém, sempre observando-a, estritamente, não podendo inovar, ampliar ou restringir direitos, sob pena de ilegalidade.

Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, verbis:‘748. Le règlement de police, parce qu’il est un règlement, est hiérarchiquement

inférieur à la loi. Il ne peut aller, dans ses dispositions, à l’ encontre des prescriptions législatives, s’il en existe sur tel ou tel point perticulier.

(PAUL DUEZ et GUY DEBEYRE, in Traité de Droit Administratif, Paris, Librairie Dalloz, 1952, p. 514)

LES LIMITES DU POUVOIR RÉGLEMENTAIRE Elles sont toutes l’expression de la subordination de l’ autorité règlementaire au

législateur. Ont peut les classer ainsi:1º Obligation de respecter les lois dans leur lettre et dans leur esprit;2º Impossibilité d’interpréter la loi: ce pouvoir n’appartient qu’au législateur et

aux tribunnaux: CE (Sect.), 10 juin 1949, Baudouin.3º Impossibilité pour l’autorité administrative de prende l’initiative de diminuer

par um règlement la liberté des citoyens si le législateur n’a pas posé au mains le principe d’une telle limitation; (...).’ (MARCEL WALINE, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris, Libr. Du Recueil Sirey, 1952, p. 41)

Essa é, igualmente, a jurisprudência da Suprema Corte, verbis:

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‘Resolução n.º 194/1970 do CONFEA – Exercício da Profissão de Engenharia, Agronomia e Arquitetura – Exigências ilegais.

Dada a inferioridade constitucional do regulamento em confronto com a lei, é evidente que aquele não pode alterar, seja ampliando, seja restringindo os direitos e obrigações prescritos nesta. (...).’ (RE nº 81.532/BA, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO, in RTJ 81/494)

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Constitution of the United States – The Rights of Property, New York, the Macmillan Company, 1965, p. 2-3, verbis:

‘The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, never-theless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.’

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Ran-dolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

‘All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are irritum et insane – null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.’ (In The Constitution of the United States, Chicago, Callaghan & Co., 1899, p. 66-7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:‘The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and abso-

lute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.’ (In The Works of Daniel Webster, Boston, Little, Brown and Company, 1853, v. I, p. 331)

É manifesta, pois, a ilegalidade do Decreto Estadual nº 5.434/2005, uma vez que descumpriu decisão proferida pelo Eg. STF e, a pretexto de revogar ato que entende ilegal, na forma da Súmula 473 daquela Corte, em realidade violou a letra e o espírito

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desse enunciado, invadindo, no caso, a seara do Poder Judiciário.A respeito, preciso o magistério de Francisco Campos, em seu Direito Administra-

tivo, Rio, Imprensa Nacional, 1943, ao assinalar os limites da Administração Pública acerca da revogação dos atos administrativos, verbis:

‘Em princípio, os atos administrativos, particularmente aqueles de que resulta uma situação individual, não podem ser revogados pela própria administração. Este princípio se funda no fato de que a atividade administrativa é, igualmente, uma atividade jurídica, de que os seus atos não são atos quaisquer, mas atos juridicamente qualificados ou de relevância jurídica, sendo, como é, a administração uma das formas de execução do direito. Quando, portanto, o ato administrativo se resume em uma individuação da norma, a decisão do poder administrativo é assimilável à decisão do Poder Judiciário, adquirindo, assim, a força de ligar a administração ao seu próprio ato, o qual, em relação a ela, constitui uma res judicata. (...) Ora, não é da natureza da administração resolver contestações entre interesses que se opõem, havendo, como há, um departamento do governo especialmente designado, pela sua competência, para o exercício de tais fun-ções. À administração, nos regimes em que não lhe cabe exercer funções contenciosas, falece competência para decidir sobre contestações emergentes da sua atividade, que se tem por completa e acabada com a emanação dos atos administrativos compreendidos na sua competência própria e específica.’ (In op. cit., p. 60-1).

Nesse sentido tem decidido a Suprema Corte dos Estados Unidos.Em Stone v. United States, tratava-se da venda de terras de domínio público tendo

o Secretário do Interior, que era a autoridade competente para expedir os títulos de propriedade, alienado terras não incluídas entre aquelas cuja venda a lei autorizava. O seu sucessor na Secretaria do Interior promoveu a anulação da venda assim reali-zada. Instada a se pronunciar, a Suprema Corte deliberou que, embora nulo o ato, não caberia à administração rescindi-lo, uma vez que a rescisão constitui ato de natureza jurisdicional, que se inclui na competência do Poder Judiciário.

O princípio firmado nesse julgamento foi mantido no caso Beley et al. v. Naphtaly, julgado em 28 de fevereiro de 1898, oportunidade em que o Justice Peckham afirmou, verbis:

‘The case of U.S. v. Stone, 2 Wall. 525, has no bearing adverse to this proposition. In that case it was stated that a patent is but evidence of a grant, and the officer who issues it acts ministerially, and not judicially; that, if he issues a patent for land re-served from sale for law, such patent is void for want of authority, but that one officer of the land office is not competent to cancel or annul the act of his predecessor; that is a judicial act, and requires the judgment of a Court.’ (In The Supreme Court Reporter, St. Paul, West Publishing Co., 1899, v. 18, p. 358)

Da mesma forma, decidiu aquela Alta Corte no caso Michigan Land & Lumber Co., Limited, v. Rust, julgado em 13 de dezembro de 1897 (In op. cit., p. 208).

A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública, podendo ser exercido ainda

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que nenhuma cláusula expressa o consigne, porém, a alteração somente pode atingir as denominadas cláusulas regulamentares, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.

No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabelecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e dispõem acerca da equação econômico-financeira do contrato administrativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econô-mica do contratado, visando restabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes.

Esse o magistério do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles, in Licitação e Contrato Administrativo, 9. ed., Revista dos Tribunais, 1990, p. 181-2.

É o que se encontra previsto nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei nº 8.987/95.

Tais princípios restaram definitivamente incorporados no Direito Administrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Conselho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás de Bordeaux, proferido em 1916, onde destacou-se a notável contribuição de Chardenet, verbis:

‘Mais tout service public doit être organisé dans des conditions qui permettent de compter sur son fonctionnement d’une manière régulière, sans interruption, même momentanée, sans à-coups, passez-nous l’expression, et qui, en même temps, seront de nature à donner pleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux, fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Pro-priétaires et Contribuables du quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également, et cela dans l’intérêt général, que le service public soit à l’abri d’incessantes ou de trop fréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles dans le fonctionnement ou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour un certain nombre d’années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraient y être apportés. Mais, au cours d’une période de temps un peu longue, bien des événements peuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins se modifier. D’autre part, pour la bonne organisation et l’heureux fonctionnement d’un service public important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent être immobilisés pour longtemps. Si nous prenons l’exemple du service d’éclairage, au début on aura à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faire face à des frais d’entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements de matériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des perfectionnements des moyens de fabrication, dont les bénéficiairesdu service public doivent profiter. Au cours de l’execution du service, il faudra passer, presque toujours longtemps à l’avance, des marchés importants pour s’assurer les matières premières nécessaires à la fabrication du gaz. Les dépenses que l’on aura ainsi engagées seront amorties peu à peu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue.

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Pour éviter d’exposer la personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, – pour lui éviter d’engager ses ressources propres dans des opérations commerciales ou industrielles qu’impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d’être obligée de recourir parfois à des emprunts plus ou moins onéreus, – on a songé à s’adresser à des tiers, particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur eux du soin d’assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.’ (In Revue Du Droit Public Et De La Science Politique, Paris, M. Giard & E. Brière Editeurs, 1916, t. 33, p. 220-1)

É o magistério autorizado de Georges Péquignot, verbis:‘Le cocontractant a droit à la rémunération inscrite dans son contrat. C’est le

principe de la fixité du prix du contrat. Il n’a consenti son concours que dans l’espoir d’un certain bénéfice. Il a accepté de prendre à sa charge des travaux et des aléas qui, s’il n’avait pas voulu contracter, auraient été supportés par l’Administration: il est normal qu’il en soi rémunéré.

Il serait, par ailleurs, contraire à la règle de bonne foi, contraire aussi à toute sécurité des affaires et, de ce fait, dangereux pour l’état social et économique, que l’Administration puisse modifier, spécialment réduire, cette rémunéiation.’

E, mais adiante, conclui o mesmo autor, verbis:‘...l’Administration, lorsqu’elle modifie le contrat sur un point qui intéresse le ser-

vice public, doit cependant maintenir son équation financière, c’està-dire, le bénéfice que le cocontractant espérait tirer de l’opération. A fortiori, toute autre modification étant mise à part, cette équation financière doit-elle être maintenue par l’impossibilité de réduire ou de supprimer directement la rémunération en vue de laquelle le cocon-tractant s’est engagé.

Ce principe est fondamental. Il doit être entendu très rigoureusement, car, applica-tion particulière de l’idée d’équation financière, il est la source de la sécurité juridique du cocontractant de l’Administration.’ (In Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, Éditions A. Pédone, 1945, p. 434-5)

Nesse sentido, recentes decisões do Eg. STJ, verbis:‘AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 74 – PR

(2004/0031293-3) Relator: Ministro Edson Vidigal Agravante: Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A – Econorte Advogados: Romeu Felipe Bacellar Filho e outros Agravado: Estado do Paraná Procuradores: Sérgio Botto de Lacerda e outros Requerido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região EMENTA Suspensão de liminar. Tutela antecipada deferida para assegurar o reajuste de tarifas

de pedágio pela empresa concessionária. 1. Não há como se concluir por ofensa à ordem ou à economia públicas em deci-

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são concessiva de tutela antecipada que apenas assegurou o cumprimento de cláusula contratual livremente firmada entre as partes e não questionada administrativamente ou em juízo.

2. Perigo de dano inverso. O simples descumprimento de cláusulas contratuais por parte do governo local viola o princípio da segurança jurídica e inspira riscos nos contratos com a Administração.

3. Agravo regimental provido. ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial

do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do agravo regimental e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado, Gilson Dipp e Francisco Falcão, sendo os três últimos substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira.

Brasília (DF), 1º de julho de 2004 (data do julgamento). Ministro Nilson Naves, Presidente Ministro Edson Vidigal, Relator’ (Publicado no DJ de 23.08.2004 – In RSTJ,

180/21)Nessa mesma orientação, os julgados publicados na RSTJ, 181/31 e 182/49.Preciso o magistério de Hely Lopes Meirelles, in Estudos e Pareceres de Direito

Público, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, v. 11, p. 120-1, verbis:‘O equilíbrio econômico-financeiro é a relação que as partes estabelecem inicial-

mente no contrato administrativo, entre os encargos do particular e a retribuição devida pela entidade ou órgão contratante, para a justa remuneração do seu objeto. (cf. nosso Licitação e Contrato Administrativo, ob. cit., p. 184)

Essa correlação encargo-remuneração deve ser conservada durante toda a execu-ção do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas de serviço, modificados projetos e programas, liberados trabalhos em quantidades inferiores às previstas ou superados os prazos contratuais por mora da Administração, a fim de que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro, o qual, como bem observa Waline, é ‘direito fundamental de quem contrata com a Administração’ (Marcel Waline. Paris, Droit Administratif, 1959, p. 574). Para De Soto, citado por Laubadère, ‘a manutenção desse equilíbrio constitui norma fundamental da teoria dos contratos administrativos. As obrigações das partes são tidas como calculadas de tal maneira que se equilibram do ponto de vista financeiro, e o responsável pelo contrato deverá esforçar-se para manter, a qualquer custo, esse

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equilíbrio’ (André De Laubadère, Contrats Administratifs, Paris, 1956, II/35, nota 6). 5. O reconhecimento do direito ao equilíbrio financeiro – o primeiro direito ori-

ginal do cocontratante com o Poder Público, segundo Péquignot (Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, 1945, p. 430) – surgiu como contrapartida ao poder-dever de alteração unilateral do contrato administrativo, mas vale também para os casos em que, impedido de invocar a exceção de contrato não cumprido, o particular contratado se vê obrigado a suportar o cumprimento irregular do ajuste ou a mora da Administração contratante.

Com efeito, o contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lu-cro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, porque se de um lado a Administração tem o poder de modificar as condições de execução do contrato e de exigir a prestação da outra parte, ainda que ela mesma não tenha cumprido a sua, de outro lado, o particular contratado tem o direito de ver mantida a correlação encargo-remuneração estabelecida originariamente, uma vez que o seu objetivo ao participar da relação negocial foi – e continua sendo – o ganho pecuniário. Objetivo altamente lícito e respeitável, diga-se de passagem, que a Administração contratante não pode, va1idamente, restringir, exigindo que, a partir de um dado momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas e até mesmo prejudiciais ao contra-tado, sem qualquer culpa deste.

6. Para a cabal satisfação desse direito, é forçoso se operem os necessários ajustes econômicos sempre que, por ato ou fato da Administração, for rompido o equilíbrio econômico-financeiro, em detrimento do particular contratado, independentemente de previsão contratual, como nos ensina Laubadère, nestes precisos termos: ‘Cette règle d’equilibre est quelque fois considerée comme résultant de la commune intention des parties; elle s’applique, en tous cas, même lorsqu’el1e ne figure pas expressément dans le contrat’ (André de Laubadère, Traité Élémentaire de Droit Administratif, Pa-ris, 1957, p. 431). No mesmo sentido: Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, 1975, p. 293).

7. Por outro lado, se o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro inicia1, na hi-pótese de alteração unilateral do ajuste, constitui dever da Administração contratante. com muito mais razão é direito daquele e dever desta, nos casos em que o órgão ou entidade contratante abusa de sua posição privilegiada para descumprir ou cumprir irregularmente suas prestações ou, ainda, suspender os prazos contratuais, obrigando o particular a suportar encargos excessivos, os quais, por não terem sido cogitados quando da elaboração da proposta ou da celebração do contrato, representam insupor-táveis prejuízos, mormente numa conjuntura em que o custo do dinheiro é altíssimo e a inflação avilta a moeda a cada dia.’

Da mesma forma, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Revista Trimestral de Direito Público, v. 38/143-4, verbis:

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‘6. A legislação brasileira, a começar da Constituição, proclama a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Deveras o art. 37, XXI, da Lei Magna dispõe que ‘(...) obras, serviços, compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta (...)’.

O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondência entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Dado que as partes se obrigarão em face daquelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverão de correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaram em sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional, necessitam resguardar a correlação estratificada sobre as condições efetivas em vista das quais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados se houver supervenientes desconcertos.

É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo daquilo que, em direito administrativo, é denominado ‘equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo’, com os decorrentes reajustes e revisões.

7. A nível infraconstitucional, o equilíbrio econômico-financeiro também se encontra enfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.06.1993, que veicula regras gerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumidade em numerosas passagens. Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40. XI e XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e no art. 65, II, d, assim como em seu § 5º.

É certo, além disto, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.2.1995, também encarece a proteção à equação econômico-financeira e exige-lhe a persistência ao longo da relação instaurada. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido ‘será preservada pelas regras de revisão.’

O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece es-tampadamente nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que: ‘Os contratos poderão estabelecer mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico e financeiro’; que: ‘Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa para mais ou para menos, conforme o caso,’ e que: ‘Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.’

O art. 18 da mesma lei dispõe que: ‘O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) VIII - os critérios de reajuste e revisão das tarifas.’

O art. 23, entre as cláusulas categorizadas como essenciais ao contrato de concessão,

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em seu inciso IV, inclui as relativas, ‘ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas’.

É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como a de contratos administrativos em geral – e os princípios gerais destes se aplicam às licitações para concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 – consagram insistentemente a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, tanto pelo instituto da revisão, quanto dos reajustes.

Tudo isto está a revelar, inobjetavelmente, a decidida orientação legislativa de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.’

No que concerne às limitações que sofre a Administração Pública para promover alterações unilaterais no contrato administrativo, notadamente o contrato de concessão do serviço público, averba André de Laubadère, em seu já clássico Traité des Contrats Administratifs, 2. ed., Paris, L.G.D.J., 1984, t. 2º, p. 406, nº 1.177, verbis:

‘D’une part, l’administration et son cocontractant ont conclu un certain contrat, ayant un certain objet: l’administration ne peut prétendre imposer une modification qui aboutirait à dénaturer le contrat, à lui donner en fait un objet nouveau, différent de celui qui a été envisagé dans la commune intention des parties; D’autre part, le cocontractant a conclu le contrat en considération de certaines conditions, notam-ment de ses possibilités techniques et financières. L’administration ne peut prétendre imposer des modifications qui aboutiraient par leur importance à un bouleversement du contrat et de son économie générale.’

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: Jean de Soto, in Droit Administratif – Theorie Generale du Service Public, Paris, Éditions Montchrestien, 1981, p. 339; Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris, Libr. du Recueil Sirey, 1952, 392-3, § 3º; Jean Rivero, in Droit Administratif, 8. ed., Paris, Dalloz, 1977, p. 454-5, nº 481; Jacqueline Morand-Deviller, in Cours de Droit Administratif, 3. ed., Paris, Montchrestien, p. 362, ‘C’; Georges Dupuis, Marie J. Guédon, Patrice Chrétien, in Droit Administratif, 7. ed., Paris, Armand Colin, p. 403, ‘B’; Laurent Richer, in Droit des Contrats Administratifs, Paris, L.G.D.J., 1995, p. 198; Gaston Jèze, in Les Principes Généraux Du Droit Administratif – Théorie Générale Des Contrats De L’Administration, Troisième Partie, Paris, L.G.D.J., 1936, 1.142.

A respeito, a lição precisa de Laubadère, em artigo intitulado ‘Du pouvoir de l’administration d’imposer unilatéralement des changements aux dispositions des contrats administratifs,’ publicado na Revue du Droit Public, 1954, p. 40-1, verbis:

‘Le pouvoir de modification unilatérale est considéré comme d’ordre public; l’administration ne peut renoncer à l’avance à l’exercer (Jèze, op. cit., p. 225; Bon-nard, op. cit., p. 620).

Le pouvoir de modification existant en dehors des stipulations du contrat, lorsque celui-ci le prévoit il ne le crée pas mais ne fait que régler ses conditions d’exercice, en particulier ses limites et ses conséquences pécuniaires (Jèze, loc. cit.).

Par ailleurs un tel pouvoir a des limites et des contreparties; à cet égard la juris-

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prudence relative aux limites et contreparties des modifications prévues par le contrat lui-même est utilisable d’une manière générale et elle est très développée.

Les limites du pouvoir de modification sont de deux ordres: D’une part les modifications unilatérales ne peuvent concerner que les clauses du

contrat qui intéressent le service public et ses besoins (c’est-à-dire les prestations du cocontractant et leurs modalités d’exécution) à l’exclusion des clauses qui règlent les rapports d’intérêts entre les parties (notamment les clauses financières).

D’autre part l’administration ne peut pas utiliser son pouvoir de modification pour imposer au cocontractant des changements excessifs, dépassant une mesure raison-nable, c’est-à-dire ayant pour effet de transformer l’objet même du contrat (par exemple de transformer une concession de service public en une régie déguisée : C. E., 18 juillet 1930, Compagnie P.L.M. et autres, R.D.P., 1931, p. 142, concl. Josse) ou d’excéder les possibilités techniques ou économiques du cocontractant; ce dernier critère est très largement éclairé, par exemple, par l’abondante jurisprudence relative, en matière de marchés de travaux publics, aux notions d’ « ouvrage nouveau » et de « bouleversement de l’économie générale du projet» (C. E., 23 juin 1920, Briançon, p. 626).

Quant à la contrepartie du pouvoir de modification elle se trouve dans le principe générale selon lequel toute modification imposée au cocontractant et lui causant un préjudice oblige l’administration à l’indemniser de manière à rétablir l’équilibre contractuel initialement envisagé dans la commune intention des parties.’

Em palavras lapidares, a propósito do alcance da garantia do equilibrio econômico-financeiro do contrato administrativo, anotam Nicola Assini e Lucio Marotta, in La Concessione di Opere Pubbliche, CEDAM-PADOVA, 1981, p. 73-4, verbis:

‘È un principio pacifico che la gestione sia svolta dal concessionario a suo rischio e periculo. Ma è altrettanto evidente che rischi e pericoli sono a carico del concessio-nario solo in condizioni di normale svolgimento del rapporto economico regolato fra le parti dalla convenzione accessiva all’atto di concessione.

Fra le obbligazioni de concedente e quelle des concessionario si stabilisce all’inizio un certo rapporto ed è questo rapporto che deve essere mantenuto nel tempo, anche se ciò dovesse richiedere un mutamento delle obbligazioni assunte originariamente dalle parti.

Interessato particolarmente al mantenimento di questo rapporto è naturalmente il concessionario, che eviterà cosí di doversi accollare i rischi di gestione dipendenti da avvenimenti eccezionali ed imprevedibili. Ma anche il concedente ha interesse che il concessionario non venga mai a trovarsi in crisi in dipendenza di fatti che non gli siano addebitabili, poiché altrimenti verrebbe pregiudicato il perseguimento del fine pubblico che l’atto di concessione si riprometteva.

È nella logica della concessione che gli interessi delle parti non debbano risentire di quella contrapposizione o antiteticità che normalmente si verifica in qualsiasi altro rapporto obbligatorio scaturente da contratto. Concedente e concessionario sono in effetti legati da un rapporto del tutto peculiare, per cui essi vengono a trovarsi, secondo

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una plastica espressione, nella stessa barca.’Ademais, como sabido, os atos e contratos praticados pelo Poder Público, sua

validade, extensão e eficácia, somente poderão ser apreciados à luz das regras de direito público, notadamente do princípio da legalidade, hoje insculpido no art. 37 da CF/88.

A respeito, bem lembrou Hartmut Maurer, verbis:‘Le problème principal du contrat administratif, du point de vue juridique, est le

principe de la soumission de l’administration à la loi et au droit (Gesetzmässigkeit der Verwaltung). Alors que le droit civil est marqué par le principe d’autonomie des rela-tions entre personnes privées (Privatautonomie) et que, par suite, il est axé précisément sur le contrat, considéré comme moyen d’aménagement des rapports entre individus (Gestaltungsmittel), le droit administratif est dominé par le principe de légalité. Les règles juridiques s’imposant à l’administration régissent de plus en plus étroitement les rapports qu’elle a avec le citoyen, comme le montre l’extension du domaine réservé à la loi, la soumission croissante du pouvoir discrétionnaire à des règles de droit, la reconnaissance de droits subjectifs et le développment de la protection juridictionelle.’ (In Droit Administratif Allemand, traduit par M. Fromont, Paris, L.G.D.J., 1994, p. 378-9, nº 25, c)

Ora, no caso dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual, pois a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevi-síveis pelas partes, e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a ideia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente.

Tal ideia se inspirava num princípio de equidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda des-proporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido enriquecimento de um e consequente empobrecimento do outro (Cf. sobre o tema os seguintes autores: ANDREA TORRENTE, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Giuffrè Editore, 1965, p. 447-50, § 311; GILBERT MADRAY, Des Contrats D’après la Récent Codification Privée Faite aux États-Unis – Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français, Paris, Libr. Générale, 1936, p. 194; GEORGES RIPERT, La Règle Morale dans les Obligations Civiles, 4. ed., Paris, Libr. Générale, 1949, p. 143 e ss.; PAUL DURAND, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge, Paris, Libr. Du Recueil Sirey, 1929, p. 134 e ss; VIRGILE VENIAMIN, Essais sur les Donnes Economiques dans L’Obligation Civile, Paris, Libr. Générale, 1931, p. 373 e ss.; MARCEL PLANIOL, Traité Élémentaire de Droit Civil, 10. ed., Libr. Générale, Paris, 1926, t. II, nº 1.168, p. 414; OTHON SIDOU, A Revisão Judicial dos Contratos, 2. ed., Forense, 1984, p. 95; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, 3. ed., RT, 1984, t. XXV, § 3.060, p. 218-20 e, do mesmo autor, Dez Anos

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de Pareceres, Livr. Francisco Alves, Rio, 1976, vs. 7/36-9 e 10/197-9; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 3. ed., Forense, Rio, 1958, p. 345-6, nº 242; FRANCISCO CAMPOS, Direito Civil – Pareceres, Livr. Freitas Bastos, 1956, p. 05-11).

Todos os autores acima referidos admitem, sob os mais variados fundamentos doutri-nários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias excepcionais, ou seja, somente a álea econômica extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes, justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus.

Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se manifestou sobre a tormentosa questão, como reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO, cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE nº 71.443-RJ, verbis: ‘Rebus sic stantibus – Pagamento total prévio. 1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido admi-tida como implícita somente em contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio...’ (in RTJ 68/95. No mesmo sentido RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323)

No caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da imprevisão, que deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contratos celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. A respeito, doutrina VIRGILE VENIAMIN, em clássica monografia, verbis:

‘En limitand ainsi l’application de la théorie de l’imprévision au cas où elle apparait comme une exigence, de l’harmonieux développement de l’organisation économique, on restreint par Là même consideráblement son étendue. En offrant au juge un critérium objectif, fondé sur les donnés concrètes dégagées grâce à une méthode d’observation directe, à l’aide du matériel préparé par des experts idoines, on évite l’arbitraite auquel la recherche d’une intention malveillante, toujours devinatoire peut fournir l’occasion. En outre, le rapprochement que nous venons de faire dans le présent chapitre, entre la lésion et l’imprévision – toutes les deux ayant le même caractère et répondant aux mêmes nécessités de l’ordre économique – nous indique une limitation technique du pouvoir de juge. Dans les deux cas, ce n’est pas à la révision du contrat qu’on doit aboutir, mais simplement à sa rescision (1). Il n’appartient point au juge d’orienter l’activité humaine en s’immiscant dans la teneur du contrat. Sa mission est terminée, dès qu’en obéissant aux directives économiques, il empêche la ruine de l’individu et lui assure en même temps que sa sauvegarde personnelle, une participation efficace à la collaboration générale’ (In Essais sur les Données Economiques dans L’Obligation Civile, Paris, Libr. Générale, 1931, p. 393-4).”

Ademais, como sabido, os atos e contratos praticados pelo Poder

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Público, sua validade, extensão e eficácia, somente poderão ser apre-ciados à luz das regras de direito público, notadamente do princípio da legalidade, hoje insculpido no art. 37 da CF/88.

A respeito, bem lembrou Hartmut Maurer, verbis:“Le problème principal du contrat administratif, du point de vue juridique, est le

principe de la soumission de l’administration à la loi et au droit (Gesetzmässigkeit der Verwaltung). Alors que le droit civil est marqué par le principe d’autonomie des rela-tions entre personnes privées (Privatautonomie) et que, par suite, il est axé précisément sur le contrat, considéré comme moyen d’aménagement des rapports entre individus (Gestaltungsmittel), le droit administratif est dominé par le principe de légalité. Les règles juridiques s’imposant à l’administration régissent de plus en plus étroitement les rapports qu’elle a avec le citoyen, comme le montre l’extension du domaine réservé à la loi, la soumission croissante du pouvoir discrétionnaire à des règles de droit, la reconnaissance de droits subjectifs et le développment de la protection juridictionel-le.” (In Droit Administratif Allemand, traduit par M. Fromont, Paris, L.G.D.J., 1994, p. 378-9, nº 25, c)

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p.63-82, 2009 61

DISCURSOS

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Discurso*

Silvia Goraieb**

Excelentíssimo Senhor Ministro Teori Albino Zavascki, que hoje representa o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, na pessoa de quem saúdo todas as autoridades constituídas presentes e já devidamente nominadas, Senhoras e Senhores: em nome do Tribunal, falará a Exce-lentíssima Senhora Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria para abrilhantar essa solenidade. Mas, na qualidade de Presidente, cabe-me dirigir-lhes poucas palavras, sem quebrar as regras protocolares.

Inicialmente, desejo agradecer a todos os integrantes desta Casa pelo fato de terem outorgado a este prédio o nome de Eli Goraieb, o que faço enternecida, pelo que tal honraria representa para nossa família e ao Poder Judiciário Federal desta região.

Há vinte anos, Eli Goraieb dava início à história deste Tribunal, como seu primeiro Presidente, instalando-o com orgulho, esperança e muito amor.

Hoje, por coincidência e vontade Divina, cabe-me presidir a sessão solene que se destina a comemorar esta data tão significativa para todos e que ficará para sempre, pois temos aqui testemunhado o nosso tempo.* Discurso proferido na sessão solene comemorativa ao 20º aniversário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, realizada em 30.03.2009.** Desembargadora Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Sinto em meu coração que Eli Goraieb não me perdoaria jamais se não transmitisse palavras que levam além do que o interior de cada um alcança, diante do frágil e complexo mundo dos sentimentos, mas que traduzem o seu agradecimento de alma, que vem de sua dimensão eterna, a todos os que integraram e integram esta Corte, indistintamente.

Recebam, pois, em seu nome, a homenagem que hora presto, deposi-tando esta mensagem de amor e reconhecimento pelos valores e princípios que hoje se consagram, como patrimônio desta Casa, conquistados pela integridade e honradez de seus magistrados e servidores.

E eu, que recebi de meus pares a incumbência de dirigi-la, coloco-me respeitosamente para parabenizar o nosso Tribunal, na pessoa de seus desembargadores, servidores, estagiários e auxiliares terceirizados, esten-dendo minha homenagem tanto àqueles que hoje lutam para dignificá-lo como aos que se aposentaram, aqui deixando grande parte de suas vidas em nome da verdadeira justiça.

Presto homenagem póstuma aos Desembargadores e Servidores fale-cidos e não poderia deixar de fazê-lo, porque muito deram de suas vidas pelo nosso Tribunal. Aos Desembargadores José Carlos Cal Garcia, José Almada de Souza, Hervandil Fagundes, Eli Goraieb. Os nossos queridos servidores: Luiz Antônio Rodrigues, Rogério Carvalho da Silva, Cos-me Damião Pereira, Nelson Fagundes do Nascimento, Paulo Ricardo Pires Afonso, Antônio Vicente de Oliveira Lacerda, Renato Luiz Rocha Júnior, Miguel Luiz Conrado, Sônia Maria de Almeida, Terezinha Rale de Abreu, Mara Marie Mânica, Iolanda Neves de Souza Coelho, Rosa Maria Reckziegel, Marco Aurélio de Agostinho, João Carlos Sarmanho, José de Moura Almeida, Odacir Razia, Renato Schirmer Peixoto e Ivo Barcelos da Silva.

Permita Deus que, do nosso silencioso sentimento de gratidão, rece-bam esta homenagem, como uma prece a ser depositada em suas almas na sua dimensão maior.

No momento em que me encaminho para finalizar estas palavras, retomo o slogan de nossa comemoração para dizer que se “as pessoas é que fazem a diferença”, a diferença, hoje, está em nossos corações, na fé e na esperança, porque estamos vivos e felizes, mostrando que fazemos parte de um Tribunal, respeitado, altivo e soberano, e que por ele todos nós lutamos para fazer a diferença.

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Fernando Pessoa disse que “cada minuto que passa é um milagre que não se repete”. Nós, os integrantes desta Casa, podemos dizer que esta comemoração é o nosso tempo de ontem, hoje e amanhã, e sempre participaremos do milagre da vida e do saber, iluminados pela chama da vontade, unidos pelo ideal de justiça, porque temos esperança e fé de que poderemos comemorar eternamente o valor e a grandeza de nosso Tribunal.

Prossigamos, pois, na solenidade de comemoração, entregando nas mãos de Deus o amanhã, na marcha inexorável do tempo, que hoje é nosso e deve ser reverenciado como parte de nossas vidas.

Antes de concluir, gostaria de fazer um agradecimento especial à Caixa Econômica Federal, ao Banco do Brasil e à UNIMED que patrocinaram as nossas comemorações. Muito obrigada! E digo muito obrigada a todos, repetindo: “As pessoas sempre fizeram e fazem a diferença!”

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Discurso*

Maria Lúcia Luz Leiria**

Excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Teori Za-vascki, Ex-Presidente desta Casa, Excelentíssimo Desembargador Luiz Doria Furquim, Ex-Vice-Presidente desta Casa e Juiz Federal mais antigo desta Região presente nesta solenidade, na pessoa de Vossas Excelên-cias, Ministro Teori e Desembargador Furquim, cumprimento a todas as autoridades já citadas pela Presidente e pelo porta-voz.

Eminente e estimada Presidente, Desembargadora Silvia Goraieb, Senhoras e Senhores, caríssimos colegas:

Há exatos 10 anos, tive a honra de falar em nome deste Tribunal por ocasião da posse da Administração desta Casa no biênio 1999/2001, e ali reiterei minha confiança, meu orgulho e minha alegria em fazer parte deste Tribunal.

Muitos dias se passaram, muitos fatos em nossas vidas foram alterados, algumas caras pessoas aqui não mais estão, outras tantas se agregaram a esta Casa de Justiça. E eu, quis Deus que aqui ainda estivesse nesta ocasião de comemoração dos 20 anos deste Tribunal Regional Federal.

Por isso, Senhora Presidente, meu agradecimento pela honra em poder representar o Tribunal e em companhia de nossos pares celebrar esta ocasião.* Discurso proferido na sessão solene comemorativa ao 20º aniversário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, realizada em 30.03.2009.** Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Senhores. Este Tribunal, ao longo de duas décadas, vem demonstran-do um crescimento em todos os aspectos necessários à pronta e justa composição dos litígios que lhe são afetos. Em 30 de março de 1989 este Tribunal foi instalado, contando com 14 magistrados em sua com-posição, 16.709 processos que lhe foram enviados do Tribunal Federal de Recursos e 189 servidores. Em 09 de dezembro de 1994, o número de magistrados foi ampliado para 23, conforme a Lei nº 8.914, de 12 de junho de 1994, o acervo de processos remanescentes nos gabinetes era, então, de 36.133 feitos e havia 666 servidores na Casa. Em 28 de junho de 2001, mais quatro magistrados passaram a integrar esta Corte, por meio da Lei nº 9.967, de 10 de maio de 2000, totalizando o número de 27 Desembargadores Federais que, com o auxílio de 805 servidores, tinham a missão de julgar 46.383 processos remanescentes, mais aqueles que lhes eram distribuídos diariamente.

Para demonstrar o crescimento das demandas, bem como o cresci-mento das ações implementadas para vencê-las, apresento o seguinte quadro: da sua instalação, em 30.03.1989, até a primeira ampliação, em 09.12.1994, foram distribuídos 135.775 processos e julgados 99.642, remanescendo 36.133; de 09.12.1994 até a segunda ampliação, em ju-nho de 2001, foram distribuídos 472.874 processos e julgados 462.624, remanescendo 46.383; dessa data até hoje, foram distribuídos 877.239 processos e julgados 843.568 processos, remanescendo 80.054 (dados fornecidos pela Assessoria de Planejamento).

Tais números nos dão a dimensão das alterações sofridas em todos os segmentos desta Casa. Alterações estas capazes de fortalecer as ações implementadas.

Atualmente, este Tribunal mantém o mesmo número de Desembar-gadores Federais do ano de 2001, contando com 10 Juízes Federais convocados em função de auxílio, 58.895 processos remanescentes nos gabinetes e 904 servidores efetivos e ativos. De janeiro até hoje, foram distribuídos 21.123 processos.

Hoje, com recursos pessoais e materiais que fazem parte dos relatórios anuais, demonstra esta casa a excelência do esforço de cada uma das administrações que por aqui passaram.

Coube-me uma pequena parcela nesta caminhada, o que muito me honrou. Por meio do livro dos 18 anos deste Tribunal, celebramos a

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realização e a história desta Casa de forma a perenizar na memória das gerações futuras o caminho percorrido até os dias de hoje.

O nosso planejamento estratégico já determinou os objetivos e as me-tas que vêm sendo rigorosamente atendidos. São os objetivos: reduzir o tempo de tramitação dos processos no TRF4; melhorar o relacionamento externo; melhorar a imagem do Tribunal; otimizar processos; incentivar inovações metodológicas e tecnológicas; melhorar a qualidade de vida e a satisfação das pessoas do Tribunal; fortalecer o desenvolvimento pessoal e profissional; implantar gestão racional focada em indicadores gerenciais; e melhorar as comunicações internas.

Senhores, é sem sombra de dúvida um Tribunal adulto em suas deci-sões administrativas e judiciais. Se jovem em relação ao tempo de outras instituições, nasceu e cresceu de forma pioneira, sendo o luzeiro de tantos projetos e realizações eficientes. É possível citar, entre tais projetos e realizações, a transformação das Turmas Reunidas em Seções, a especia-lização das Turmas, a criação da Escola da Magistratura, a convocação de juízes em função de auxílio, o projeto de conciliação, a implantação dos Juizados Especiais Federais e sua coordenadoria.

Faz alguns dias, ouvi no rádio a mensagem do SIMERS – “A Verda-de faz bem à Saúde!” Que feliz concisão, que grande pensamento que se amolda ao que este Tribunal sempre procurou. Não só a necessária verdade que vem dos autos, transferida aos nossos intelectos, como a verdade de cada um que faz parte desta Casa, Juízes, servidores, estagi-ários e aqueles que fazem da justiça a sua razão de viver, membros do Ministério Público, procuradores, advogados.

Esta é, sem dúvida, a celebração que deve ser feita neste momento para que, com a verdade, a higidez institucional permaneça por toda a sua existência, de forma a capacitar a todos para gerir os problemas e solvê-los à luz dessa verdade.

E essa verdade que faz bem à saúde, na seara da Justiça, é aquela descoberta pelo intérprete que a expressa em suas decisões, segundo as suas circunstâncias históricas e as exigências sociais e políticas de seu tempo, de modo a harmonizar o texto, que é, na fala de Ovídio Baptista, a imperfeita expressão gráfica da norma, com as expectativas existentes no momento do julgamento.

Há, pois, que se buscar a verdade, que nada mais é que a verdade

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hermenêutica, o motivo, a matriz, o objetivo e as consequências de todas as atividades de uma Casa de Justiça.

Verdade cujo conteúdo é tão buscado em muitos campos do conhe-cimento humano, mas fico aqui com a aletheia, o não oculto, o não escondido, o que se conquista aos olhos do corpo e do espírito, com a veritas, relacionada ao rigor e à exatidão de um relato, na qual se diz com detalhes, com pormenores, com fidelidade o ocorrido, e com a emunah, crença enraizada na esperança e na confiança.

Porque o nosso mister diário é relatar fielmente o que se apresenta, desvelando o que se oculta com base na confiança e na esperança dos que nos procuram. E assim temos feito. Tudo porque, para concretizar a nossa atividade fim, precisamos de todas as fases de uma administração focada na importância do poder que representamos, porque, nas felizes palavras do Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República, Dr. Humberto Jacques de Medeiros,

“não há, dentro da soberania estatal, ato mais soberano, mais forte do que o ato de julgar, do que a sentença. A sentença supre absolutamente toda a complexidade de atos que precedem um ato soberano estatal. O ato de julgar pode pôr por terra uma lei, que é algo que envolve desde as eleições gerais à ascensão de um Presidente da República, porque esse ato pode, por vezes, e muitas vezes o faz, suplantar inúmeros atos sucessivos de inúmeras autoridades estatais; a jurisdição é, de todos os passos de soberania, aquele onde há a mais estrita, a mais importante e a mais decisiva separação de poderes e separação de funções”.

Há exatos 10 anos, repito, naquela cerimônia de celebração da nova direção para o biênio 1999-2001, citei Saramago, e tenho certeza de que tal passagem continua atual, o que aqui refaço para dizer e confirmar que:

“O caminho é uma viagem que não acaba. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante sentou na areia da praia e disse: ‘Não há mais o que ver’, sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se viu no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que não foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.”

Gostaria, ao fazer estas homenagens, de reafirmar minha honra e meu

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orgulho em poder ser partícipe desta história porque tenho certeza de que os meus colegas são daqueles que fazem sem delegar, que delegam quando necessário, que criam na falta de opção, que reconstroem das cinzas e que permanecem na busca incessante do aperfeiçoamento pes-soal e profissional, são daqueles que detêm a sabedoria do dar-se conta, a sabedoria do estar aberto às inovações sem macular ou desfazer o que já tem resultado positivo, sabedoria necessária a todos que detêm poder e a todas as instituições desta República.

É, pois, renovada pelo espírito conciliador e solidário impresso na administração de V. Exa., Sra. Presidente, que cumprimento a todos que aqui deixaram parte de suas vidas, aqueles que aqui estão celebrando conosco estes 20 anos e aqueles que nos sucederão. Cumprimento esse que está calcado na certeza de que este Tribunal é maiúsculo em todas as suas realizações.

Parabéns a todos nós. Muita paz.

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Discurso*

Humberto Jacques de Medeiros**

Excelentíssima Senhora Desembargadora Silvia Goraieb, na pessoa de quem saúdo todos os Magistrados aqui presentes, Excelentíssimo Subprocurador-Geral, Doutor Leiria, decano do Ministério Público aqui presente, na pessoa de quem saúdo todos os membros do Ministério Público, Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado do Governo do Rio Grande do Sul, na pessoa de quem saúdo todas as autoridades aqui presentes, Excelentíssima Senhora Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Rio Grande do Sul, na pessoa de quem saúdo toda a sociedade civil:

Há vinte anos, no dia de hoje, a Constituição, então novíssima, via ser concretizado um dos seus preceitos: instalavam-se Tribunais Regionais Federais no país. Para o Brasil meridional passava a existir de fato e de direito o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Viviam-se as quadras imediatas à promulgação da Constituição, com todos os constituintes ainda em atividade como membros do Congresso Nacional e o país preparando-se para eleger diretamente um presidente da república após 29 anos. No campo do Judiciário, avizinhava-se a instalação do Superior Tribunal de Justiça e um novo desenho de competências e acessos ao Supremo Tribunal Federal.

* Discurso proferido na sessão solene comemorativa ao 20º aniversário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, realizada em 30.03.2009.** Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região.

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A Constituição de 1967 previra Tribunais Regionais Federais, mas, antes da instalação dessas cortes, uma inflexão suprimiu do texto essa previsão, e o regime, técnico-burocraticamente, fez planos de um robus-tíssimo contencioso administrativo a apequenar o Judiciário Federal.

A nova Constituição de 1988, diversamente, instituía um Estado Democrático de Direito atendendo a anseios nacionais de liberdade, democracia e justiça social. Nunca um texto constitucional brasileiro havia respondido a tantas esperanças da Sociedade e depositado tanta confiança no Poder Judiciário para implementá-las e atendê-las. No dizer de Cícero: “Que as armas cedam à toga, que se concedam louros ao mérito”.1

A instalação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pois, sig-nificou a realização do texto da Constituição cidadã: um meio para alcançarem-se todos os fins da Constituição.

Vinte anos depois, aqui estamos, hoje, no Plenário da Corte, nós legatários do esforço de uma geração de homens públicos que fizeram a Constituição de 1988, instituíram o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e construíram esta Instituição.

A comemoração destes 20 anos é um chamado à necessária reflexão histórica. Permitam-me, não por acaso, citar Cícero novamente: “A história é a testemunha dos tempos, a luz da verdade, a vida da memória, a mestra da vida, a mensageira do passado”.2

Em 1988, quando o Tribunal Federal de Recursos foi sucedido por 5 Tribunais Regionais Federais, aquele Tribunal, então com pouco mais de 40 anos, entendia-se esgotado: julgara mais de 50 mil processos em um ano. Em 2008, somente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgou mais de 100 mil processos. É dever parabenizar o Tribunal Re-gional Federal da 4ª Região por esse vigor, mas não me cabe cansar esta solenidade com números; e muito menos evocá-los para o pleito eterno de expansão permanente da máquina judiciária. Olhos otimistas devem nos dizer que houve aumento do acesso ao Judiciário.

O acesso ao Judiciário, sem dúvida, foi meta constitucional, por isso as ações coletivas constitucionais, o Ministério Público e a Defensoria

1 “Cedant arma togae, concedat laurea laudi.” [Cícero, De Officiis 1.77; De Consulatu Suo, Fragmento 6].2 “Historia est testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra vitae, nuntia vetustatis.” Cícero (106-43 a.C.), Do Orador, II, IX, 36

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Pública, por exemplo.Mas o quanto dos planos dos constituintes foi implementado nestes 20

anos? O que nós, sujeitos privilegiados pelos constituintes – Ministério Público Federal e Tribunal Regional Federal –, fizemos acontecer ou vimos ocorrer nessas duas décadas?

Invoco, assim, o lema das comemorações dos vinte anos do Tribu-nal Regional Federal da 4ª Região para indagar: que diferença fizeram esses sujeitos constitucionais? Qual o protagonismo e qual a figuração nessa história de Constituição cidadã e em que próximo quadrante nos imaginamos ao final das vindouras duas décadas?

Esta Casa possui muito do que se orgulhar em sua particular trajetó-ria: sua qualidade, sua integridade, sua probidade, seu pionerismo, seus excelentes quadros, suas decisões vanguardeiras. Como se pode ver no número da Revista do Tribunal Regional Federal que hoje se lança, os julgados nesse tomo orgulham o Direito Nacional. O louvor a esse pas-sado, contudo, não pode ser confundido na vida pública democrática, que indica que a busca reiterada dos feitos passados para justificação do presente pode, muitas vezes, significar a indicação de falta de futuro. Aqui há passado, presente e futuro: história.

Há vinte anos, nem mesmo o mais cético pessimismo poderia antever um direito público inundado, ao longo de duas décadas, por legislação precária, mutante e instável, vazada em cadeias infinitas e prolíficas em problemas, de medidas provisórias. Esta Corte teve de lidar, com engenho e arte, com os problemas jurídicos, práticos e exponencialmente numéricos que decorreram para o exercício da jurisdição federal com observância de medidas provisórias. Dificílimo exercer jurisdição cidadã em um Estado Democrático de Direito que convive com a confusão dos poderes legislativo e executivo. Mas aqui isso se aprendeu a fazer, e bem.

É muito linda a imagem da Justiça que compõe conflitos entre ho-mens. Mas nada desafia mais os limites da Ciência do Direito que o Judiciário que se faz poder, efetivo, de direito e de fato, para ditar o justo nos conflitos entre cidadãos e governo, governantes e governados, povo e Estado. Eis ai o encanto da Justiça Federal. Eis o Tribunal Regional Federal como bastião da cidadania.

Mas como não perceber que sucessivas emendas constitucionais foram editadas para reverter o resultado da jurisprudência do direito público

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brasileiro, quando chancelada pelas Cortes Superiores? Também a banalização das instâncias extraordinárias foi além do

esperável. As Cortes Superiores tornaram-se muito permeáveis, recu-sando-se a cumprirem seu papel constitucional de Cortes de Direito para aceitarem-se como Cortes de Justiça. Sintomática, por exemplo, a elasticidade máxima do habeas corpus nas Cortes Superiores, que baniu por completo o princípio da paridade de armas no processo penal brasi-leiro. Arranham-se cotidianamente o nicho e a autoridade dos Tribunais de segundo grau, especialmente os Tribunais Regionais Federais, que lidam muito mais com teses jurídicas que com teses fáticas e, pois, têm seus julgados ordinariamente levados à 3ª instância.

Assistimos, pois, a uma dinâmica constitucional que desafia esta Corte a reinstituir-se nesse cenário a que se chegou e que era impensável quan-do da sua instalação. À primeira geração de juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região coube o desafio de fazer alicerces e deitar raízes. Às suas sucessoras coube a resposta a chamados como o bloqueio de cruzados, os sucessivos planos econômicos, a dignidade dos segurados da previdência social, a tributação sobre movimentação financeira, o funcionamento do SUS, a proteção ao meio ambiente, os excessos regu-latórios de agências, etc. Além de tudo, porém, à corrente composição de desembargadores federais se apresenta o desafio de, a par das pontuais decisões processuais, decidir o destino que atenderá satisfatoriamente à vocação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A hipertrofia da 3ª instância do Judiciário pátrio, a heterodoxia do novo controle de constitucionalidade brasileiro, a edição de súmulas vinculantes, a sustação fácil da tramitação de processos nas instâncias ordinárias pelas extraordinárias, a máxima extensão da repercussão geral de julgados, entre outros progressos do sistema judicial brasileiro, fazem-nos lembrar a guinada da literatura latina. A república romana, com a retórica, o debate aberto de valores e concepções e o governo de ideias, legou-nos a produção literária de Cícero – a quem citei duas vezes hoje –, ensinando as gerações que o sucederiam a serem cidadãos ativos e homens públicos de valor para um república democrática. Contudo, o advento do Império faz cessar a era do debate e dos questionamentos aos que exercem o poder, especialmente porque, então, o poder de julgar é de um imperador; há apenas uma única voz, multiplicável pelos poetas por

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meio de suas artes. Há a pax romana. A literatura latina, então, produz a poesia estética limitada ao manejo culto da língua, com seu ápice na poesia de Horácio. Carpe Diem, diz então o poeta:

“Carpe diem quam minimum credula posteroTu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibiFinem di dederint, Leuconoe, nec BabyloniosTemptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,quae nunc oppositis debilitat pumicibus mareTyrrhenum: sapias, vina liques et spatio breviSpem longam reseces. dum loquimur, fugerit invidaaetas: carpe diem quam minimum credula postero.”“Colhe o dia, confia o mínimo no amanhãNão perguntes, saber é proibido, o fim que os deusesdarão a mim ou a você, Leuconoe, com os adivinhos da Babilônianão brinque. É melhor apenas lidar com o que se cruza no seu caminhoSe muitos invernos Júpiter te dará ou se este é o último,que agora bate nas rochas da praia com as ondas do marTirreno: seja sábio, beba o seu vinho e para o curto prazoreescale as suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumentoestá fugindo de nós. Colhe o dia, confia o mínimo no amanhã.”

O Ministério Público Federal é feito de Procuradores da República. Somos da República, e nossa fidelidade a ela decorre de nosso compro-misso com a Constituição. Não estamos para o elogio ou panegírico da literatura imperial romana, mas para a cobrança do compromisso e dos valores do exercício do poder da literatura republicana de Roma. Muito Cícero e pouco Horácio. Por isso entendemos que procurar pela Repú-blica e sua manutenção no – e pelo – Tribunal Regional Federal da 4ª Região é pleitear que o futuro desta Corte seja fiel a suas origens e que, por isso, todos possamos confiar no amanhã.

Ante a irreversibilidade da centralização da dicção sobre o direito público federal em Brasília, por exemplo, restam-nos outros espaços de jurisdição cidadã, sem se abandonarem os compromissos em que fomos gerados.

A Constituição de 1988 é o mais bem acabado produto de uma geração que construiu uma democracia estável e consolidada no país. À geração presente cabe, além da preservação da democracia, a instituição de um

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país livre da corrupção.Se a Justiça Federal chamar a si essa tarefa, fortalecem-se a demo-

cracia e a cidadania. É da certeza da impunidade, por exemplo, que decorre não apenas a

prática de atos de improbidade e crimes contra a Administração, mas também a banalizada recalcitrância de toda a Administração Pública a orientar-se pela Jurisprudência Federal e estender administrativamente a todos os cidadãos as decisões produzidas pelo Judiciário. Juizados Especiais são inundados por feitos que se originam na renitência da Administração, que prefere manter sua inércia e esperar condenações individuais – em que o processo judicial substitui o devido processo administrativo – a sistematicamente reorientar-se de acordo com as decisões judiciais.

Se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região oferecer resposta rigorosa à impunidade e restaurar o respeito ao patrimônio público e às autorida-des federais, judiciais ou não, na região meridional do Brasil, pode-se recomeçar a escrever a história do país a partir do seu Sul, com um novo pacto de respeito ao público. Isso exige mudanças paradigmáticas, em que a autoridade da Justiça seja medida não pela submissão dos julgadores das instâncias inferiores, mas pela subordinação completa das autoridades ad-ministrativas. É no canal da responsabilização rigorosa dos administradores faltosos, e não dos julgadores independentes, que se tornará a proteger o cidadão e o público contra a ilegalidade, o crime e a injustiça.

Não há verdadeira democracia se a cidadania convive com corrupção e impunidade. Não há autoridade democrática se o desrespeito à lei não é reprimido proporcional e adequadamente. O Estado Democrático de Direito não convive com injustiça, e, se a cidadania não perceber no Judiciário uma resposta à altura à corrupção e à impunidade, as raízes de nossa democracia frondosa ficam expostas.

Confiemos todos no amanhã, pois. Continue o Tribunal Regional Federal da 4ª Região a protagonizar a história. Que os próximos vinte anos nos reservem muitíssimo de que nos orgulharmos. Tenham sempre o Ministério Público Federal como parceiro nesse caminho que nos dita a Constituição e nos reclama a cidadania.

Façamos a diferença, façamos melhor, façamos diferente.Façamos história.

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Discurso*

Sulamita Santos Cabral**

Excelentíssima Desembargadora Silvia Goraieb, M.D. Presidente desta Corte, Excelentíssimo Ministro Teori Zavascki, representando a Presidência do Superior Tribunal de Justiça, Excelentíssimo Advogado Luiz Carlos Levenzon, representando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, autoridades já nominadas, Magistrados, Membros do Ministério Público, Advogados, servidores.

Em um momento tão especial na vida deste Tribunal Regional Fede-ral da 4ª Região, a Ordem dos Advogados do Brasil não poderia deixar de participar, demonstrando também o seu regozijo e fazendo as justas homenagens que este Órgão merece.

Vinte anos, quanta coisa aconteceu nesses 20 anos, ainda lembro o que era antes de existir este Tribunal Regional Federal e as dificuldades que os advogados passavam ao ter de, quando precisavam recorrer, se dirigir ao Tribunal Federal de Recursos, em Brasília. Nesses 20 anos, quantos nomes foram citados aqui, quantas pessoas engrandeceram esta Corte! Acompanhamos sempre com muito interesse os julgados deste Tribunal e somos testemunhas de que os Juízes desta Corte sempre foram o que há de melhor, sempre procederam com invulgar proficiência e honradez,

* Discurso proferido na sessão solene comemorativa ao 20º aniversário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, realizada em 30.03.2009.** Secretária-Geral da Ordem dos Advogados do Brasil/RS, representando as Seccionais da OAB no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná.

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tratando os advogados com dignidade e cortesia.Estamos todos mais ricos, não só a comunidade jurídica, os Magistra-

dos, os Advogados, os Membros do Ministério Público, mas a sociedade em geral, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, graças ao traba-lho desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal e a certeza de todos os advogados de que, quando for necessário, podemos bater às portas do Tribunal Regional Federal porque temos certeza de que haverá um julgamento justo.

Desembargadora Silvia Goraieb, receba da parte dos advogados as nossas homenagens, e todos os integrantes do Tribunal, e vejo tantos aqui, que o fizeram grande, recebam os cumprimentos dos advogados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, com a convicção de que, pelo seu passado e pelo seu presente, este Tribunal continuará cumprindo a sua missão e sendo grande, distribuindo cada vez mais a Justiça.

Muito obrigada.

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ACÓRDÃOS

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DIREITO ADMINISTRATIVO

E DIREITO CIVIL

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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2004.71.00.032371-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonRelator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo

Thompson Flores Lenz

Embargante: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGSAdvogada: Dra. Lavinia Lorenzoni Sporleder

Embargada: Alisangela DurhanAdvogados: Drs. Otavio Piva e outro

EMENTA

Administrativo. Ensino. Curso superior realizado no exterior. Exi-gência de revalidação do diploma por universidade pública brasileira. Direito adquirido. Inocorrência. Precedentes do STJ.

I - No ordenamento jurídico pátrio, afigura-se como direito adquirido aquele já incorporado definitivamente ao patrimônio do seu titular, por ele exercitável segundo sua vontade, caracterizando um direito subjetivo.

II - Sobrevindo nova legislação, o direito adquirido restará caracte-rizado acaso a situação jurídica já esteja definitivamente constituída na vigência da norma anterior, não podendo ser obstado o exercício do direito pelo seu titular, que poderá, inclusive, recorrer à via judicial. Precedentes: RMS nº 16.268/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 19.06.2006, e RMS nº 13.412/PR, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 12.06.2006.

III - In casu, não restou reconhecido o alegado direito adquirido, uma vez que não preenchidos os pressupostos nos termos do art. 3º, § 2º, da

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LICC, pois, antes da conclusão do curso pela parte autora, o Decreto nº 3.007/99 revogou os Decretos anteriores, impondo o procedimento da revalidação para diplomas oriundos de Universidade estrangeira.

IV - Precedentes do STJ.V - Provimento dos embargos infringentes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencidos os Des. Federais Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator, e Valdemar Capeletti, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de abril de 2008.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator para

o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de embargos infringentes opostos contra acórdão proferido pela Colenda Quarta Turma deste Tribunal assim ementado:

“ADMINISTRATIVO. DIPLOMA DE MÉDICO EXPEDIDO POR UNIVERSI-DADE EQUATORIANA. REVALIDAÇÃO. REGISTRO.

Tendo o estudante brasileiro planejado sua formação no exterior almejando o re-gresso ao fim do curso e sendo a possibilidade de revalidação automática elemento de caráter fundamental à sua deliberação de cursar faculdade no estrangeiro, o registro do diploma lá obtido deve ser-lhe deferido.

Nessa situação enquadrar-se-ia a apelante, de vez que a República do Equador é signatária da Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Di-plomas de Ensino Superior na América Latina e Caribe (Decreto 80.419/77 e Decreto Legislativo 66/77).”

Requer a embargante a prevalência do voto vencido, da lavra da Eminente Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, o qual negou provimento à apelação da autora, mantendo a sentença que julgou extinta, sem julgamento do mérito, ação objetivando o reconhecimento do direito da ora embargada ao registro automático de diploma do Curso

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de Medicina obtido na Universidad de Guayaquil, no Equador, sem a necessidade de submissão a processo administrativo de revalidação junto à UFRGS, bem como ao pagamento de indenização a título de danos morais pela negativa de registro por parte da ré.

Devidamente processado o recurso, vieram os autos conclusos.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: A embar-gada afirma que ingressou no Curso de Medicina em 1996, na Bolívia, transferindo-se para a Universidad de Guayaquil, no Equador, em 1998, sob a vigência do Decreto nº 80.419/77, que concedia o direito ao regis-tro automático de diploma de curso superior no exterior. Muito embora tenha sido revogado o referido Decreto pelo de nº 3.007/99, entendo que a autora, ora embargada, está amparada pelo direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da Constituição Brasileira de 1988).

Com efeito, não se afigura razoável que a revogação surpreenda aque-las pessoas que contaram com o desfrute do benefício internacional em pauta no transcurso da formação dos elementos aquisitivos do respectivo direito. A ordem jurídica deve prestígio ao princípio da segurança e es-tabilização das relações jurídicas. A isso se presta o respeito ao direito adquirido – mais precisamente ao direito expectativo –, instituto que preserva o equilíbrio do ordenamento jurídico e defende o cidadão da possibilidade de certas regras serem mudadas abruptamente, afetando situações constituídas anteriormente à alteração. Em outras palavras, significa que, quando ocorre modificação das normas, afetando os in-divíduos, em princípio elas se destinam ao futuro e não podem atingir as pessoas que até o início da vigência da nova lei haviam atendido às exigências da lei substituída.

A LICC, art. 6º, § 2º, declara, in verbis:“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele,

possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou con-dição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”

Francesco Gabba, em sua obra A Teoria della Retroattività delle Leggi, Roma, 1891, escreveu:

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“É direito adquirido todo direito que:a) seja consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no

qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo; e que

b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”

Reynaldo Porchat, na obra Retroatividade das Leis Civis, São Paulo, Duprat, 1909, acrescenta:

“Direitos adquiridos são consequências de fatos jurídicos passados, mas conse-quências ainda não realizadas, que ainda não se tornaram de todo efetivas. Direito adquirido é, pois, todo direito fundado sobre um fato jurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer.”

O pensamento da doutrina brasileira a respeito do assunto está bem representado na lição de Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1961, v. 1, p. 125, exposta assim:

“Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitiva-mente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.”

Não se trata, pois, de mera expectativa de direito, mas de direito ex-pectativo que se consolidou em direito adquirido. A diferenciação entre a expectativa de direito e o direito expectativo foi apanhada com bastante propriedade pelo ilustre Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, por ocasião do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 89.04.00685-6/RS, na qual refere:

“A mera expectativa de direito se consubstancia na espera da existência de situ-ação fática que determina a incidência da norma, o preenchimento do suporte fático e o surgimento do direito subjetivo. Direito expectativo, todavia, se caracteriza pela preexistência de um direito consolidado, que aguarda a ocorrência de circunstâncias para assegurar sua eficácia.

Expectativa de direito é situação anterior à jurisdicização de um fato. Esperança em relação à existência de um direito. Ao contrário, o direito expectativo supõe a in-cidência da regra de direito, por já ter ocorrido o suporte fático. É o direito em vida,

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uma realidade no mundo jurídico.Pontes de Miranda especifica os conceitos:‘A expectativa pode se desenrolar no mundo jurídico, porém tão só nos espíritos

dos que estão em expectativa de adquirir (expectativas positivas), ou de perder para alguém (expectativas negativas), ou de assistir à aquisição por outrem (expectativa neutra ou contemplativa).’ (Tratado, v. 5, p. 284)

Adiante:‘Mas, além da situação expectante, o titular do direito expectativo já tem ‘direito’,

a tutela desse direito, a ação, quiçá exceções: a expectação é atitude que se enche, aí, de certeza, ou, pelo menos, de extrema probabilidade.’ (ob. cit. p. 290)”

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento aos embargos infringentes.

É o voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Sr. Presidente:

Com a devida vênia, divirjo do eminente Relator.No que concerne aos fatos, consta da peça recursal, à fl. 374,

verbis:“A embargada iniciou seus estudos no ano de 1998 na Bolívia, concluindo-os em

2004 no Equador, e invoca a Convenção Regional sobre Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe, promulgada pelo Decreto Presidencial n° 80.419/77, alegando ter direito a ver seu diploma registrado automaticamente sem a devida revalidação, legalmente exigida pelo ordenamento jurídico pátrio a todos os brasileiros que concluíram curso superior, no Brasil ou no estrangeiro.

Antes que a parte autora se formasse, editou-se o Decreto nº 3.007/99, que revogou os decretos anteriores, impondo procedimento de revalidação para diplomas oriundos do México e de outros países da América Latina e Caribe, assim, nenhum direito teria o recorrente em registrar seu diploma sem a devida revalidação.”

Com efeito, é pacífico na doutrina e na jurisprudência, notadamente da Suprema Corte, que só há o direito adquirido quando o ato ou fato se apresente perfeito e acabado, nos termos da lei em vigor no seu tempo, de modo a incorporar-se, definitivamente, ao patrimônio de seu titular (nesse sentido os votos dos eminentes Ministros Eloy da Rocha e Alfredo Buzaid, proferidos nos julgamentos do RE nº 70.098-SP, in RTJ 60/746,

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e do RE nº 95.519-DF, in RTJ 112/694-6, respectivamente).Se o processo constitutivo não se completou, há, então, uma mera

expectativa de direito, sendo, portanto, alcançada pela lei nova (voto do Ministro Prado Kelly, in RTJ 44/265), pois, como bem registra Duguit, “le droit non acquis est l’absence de droit” (Léon Duguit, in Traité de Droit Constitutionnel, deuxième édition, Paris: E. de Boccard, 1923, t. 2, p. 201, § 21).

A respeito, tomo a clássica definição de direito adquirido formulada por Gabba, verbis:

“É acquisito ogni diritto, che a) è conseguenza di un fatto idoneo a produrlo in virtù della legge del tempo in cui il fatto venne compiuto, benchè l’occasione di farlo valere non siasi presentata prima dell’attuazione di una legge nuova intorno al medesimo, e che b) a termini della legge, sotto l’impero della quale accadde il fatto da cui trae origine, entrò immediatamente a far parte del patrimonio di chi lo ha acquistato.”

“É adquirido todo direito que: a) for consequência de um fato idôneo para o produzir em face da lei vigente ao tempo no qual esse fato realizou, posto que não se houvesse deparado ensejo de exercê-lo antes da execução de outra lei posterior a ele concernente; e que: b) sob o domínio da lei, durante cujo império ocorreu o fato de que se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.” (C. F. Gab-ba, in Teoria della Retroattività delle Leggi, seconda edizione riveduta e accresciuta dall’autore, Torino: Unione Tipografico, 1884, v. 1, p. 191)

Nesse sentido, ainda, o magistério de Roubier, pertinente ao caso dos autos, verbis:

“En somme, la loi nouvelle agit librement sur la situation en cours, sous la seule condition de respecter les éléments juridiques antérieurs qui auraient une valeur propre, dans leurs conditions de validité et dans les effets qu’ils ont produits antérieurement: peu importe qu’il s’agisse d’éléments proprement constitutifs ou d’éléments faisant obstacle à la constitution, du moment qu’il s’agit de constitution en cours.

Mais il peut y avoir difficulté à définir dans quel cas un élément de cette constitution a une valeur juridique propre: supposons qu’il s’agisse du délai de prescription lui-même et que la loi nouvelle se propose de le modifier. Certains auteurs ont estimé que, pour fixer exactement le domaine de la loi ancienne et de la loi nouvelle, on devait se livrer à un calcul de proportion des deux délais; la loi ancienne exigeait vingt ans et la loi nouvelle n’en demande plus que dix; celui qui a déjà prescrit quatorze ans serait considéré comme ayant accompli sept années dans les conditions de la nouvelle loi, le délai ayant été réduit de moitié. Cette opinion nous paraît insoutenable, parce qu’elle tend à considérer que le délai accompli sous l’ancienne loi, encore qu’insuffisant pour prescrire selon cette loi, avait déjà une valeur juridique propre, que la loi nouvelle,

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devrait respecter; or c’est là une erreur, parce que la prescription, si elle avait été arrêtée à sa quatorzième année sous l’ancienne loi, n’aurait pas eu plus de valeur que si elle avait été arrêtée dès la première; dans la durée du délai, il n’y a qu’un moment que compte au point de vue du droit, c’est son achèvement; donc, tant qu’il n’est pas achevé, la loi nouvelle peut le modifier à sa guise...”

“Em suma, a lei nova opera livremente sobre a situação em curso, com a única condição de respeitar os elementos jurídicos anteriores que tenham um valor próprio em suas condições de validade e nos efeitos que anteriormente produziram, pouco importando que se trate de elementos propriamente constitutivos ou de elementos que criam obstáculos à constituição, desde que esteja em curso.

Pode haver, porém, dificuldade em definir em que caso um elemento dessa cons-tituição tem valor jurídico próprio. Suponhamos que se trate do prazo de prescrição e que a lei nova se proponha modificá-lo. Certos autores estimaram que para fixar exa-tamente o domínio da lei antiga e o da lei nova, devia fazer-se um cálculo de proporção dos dois prazos; a lei antiga exigia vinte anos e a lei nova limita o prazo a dez anos; àquele que já houvesse prescrito quatorze anos seriam contados sete nas condições da nova lei, que reduziu o prazo de metade. Esta opinião nos parece insustentável, porque tende a considerar que o prazo consumado sob a antiga lei, ainda que insuficiente para prescrever segundo essa lei, já tinha um valor jurídico próprio, que a lei nova deveria respeitar; ora, há nisso um êrro, porque a prescrição, se houvesse deixado de correr aos quatorze anos, sob o império da lei anterior, não teria mais valor do que se tivesse sido suspensa no primeiro ano. Na duração do prazo, só há um momento que conta do ponto de vista do direito, é o da sua terminação; logo, enquanto não terminado, a lei nova pode modificá-lo à vontade...” (Paul Roubier, in Les Conflits de Lois Dans Le Temps – Théorie Dite De La Non-Rétroactivité Des Lois –, Paris: Recueil Sirey, 1929, t. 1, p. 390/1)

E, a p. 392/3, conclui o mesmo jurista, verbis:“En face d’une situation juridique en cours de constitution ou d’extinction, les lois

qui gouvernent la constitution ou l’extinction d’une situation juridique ne peuvent, sans rétroactivité, atteindre les éléments déjà existants, qui font partie de (ou font obstacle à) cette constitution ou cette extinction, en tant qu’ils ont une valeur juridique propre, et doivent respecter cette valeur juridique, qu’il s’agisse de leurs conditions de validité ou des effets juridiques qu’il auraient produits; à tous autres égards, les lois nouvelles ne sont nullement rétroactives lorsqu’elles prétendent s’appliquer aussitôt à une situation en cours...”

“Em face de uma situação jurídica em curso de constituição ou de extinção, as leis que governam a constituição ou a extinção não podem, sem retroatividade, atingir os elementos já existentes, que fazem parte de ou fazem obstáculo a essa constituição ou a essa extinção, desde que os mesmos tenham valor jurídico próprio, e devem respeitar esse valor jurídico, quer se trate de condições de validade daqueles elementos, quer de

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efeitos jurídicos que já tenham produzido; a todos outros aspectos, as leis novas não são retroativas quando pretendem aplicar-se desde logo a uma situação em curso...”

É a jurisprudência do Pretório Excelso, segundo a qual não há direito adquirido a determinado regime jurídico (RE nº 99.522-PR, Rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 107/854).

A respeito, precedentes dos Tribunais, verbis:“AGRAVO REGIMENTAL. CONVÊNIO CULTURAL BRASIL-ARGENTINA.

VALIDADE DE DIPLOMAS. SUJEIÇÃO A REQUISITOS COMPLEMENTARES.- Ao contrário do convênio entre Brasil e países do Caribe, em que a previsão de

revalidação automática era literal, no caso dos autos, a disposição no tocante à revali-dação automática não existe.

- O Convênio de Intercâmbio Cultural entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina, em seu artigo VIII, sujeita o exercício profissional a requisitos complementares, que podem ser exigidos pelas autoridades.” (TRF 4ª Região, AGA nº 200404010287790, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, julg. 21.07.2004, DJ 04.08.2004, p. 328)

“ADMINISTRATIVO. ENSINO. CURSO SUPERIOR REALIZADO NO EXTE-RIOR. NECESSIDADE DE REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA POR UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA. LEI 9.394/96, ART. 4º, § 2º, E RESOLUÇÃO 01/2002-CNE/CES/MEC.

1. Diploma de curso superior obtido em país estrangeiro deve ser revalidado por universidade pública brasileira, de acordo com o art. 48, § 2º, da Lei 9.394/96 e a Resolução 01/2002 do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Ensino Superior do Ministério da Educação.

2. Ao aluno que concluiu o curso, quando já em vigor a dita norma legal, não é asse-gurado direito adquirido ao reconhecimento automático de seu diploma, como resultava da Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe, ainda que haja ele iniciado seus estudos sob a égide do Decreto 80.419/77, que promulgou a aludida Convenção.

3. Possuía o aluno/agravado tão somente expectativa de direito, que não se trans-formou em direito adquirido por força da superveniente revogação do mencionado decreto.

4. Agravo de instrumento da UFMA provido.” (TRF 1ª Região, 5ª Turma, AI nº 200401000475110/MG, Rel. Desa. Federal Selene Maria de Almeida, julg. 23.02.2005, DJ 10.03.2005, p. 69)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. CONCES-SÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO PENDENTE DE JUÍZO DE ADMIS-SIBILIDADE. SÚMULAS N.º 634 E 635 DO STF. ENSINO SUPERIOR. CURSO REALIZADO NO EXTERIOR. REVALIDAÇÃO DE DIPLOMA ESTRANGEIRO

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POR UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA. EQUIVALÊNCIA PARCIAL DE CURSOS. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA.

1. Compete ao Tribunal de origem a apreciação de pedido de efeito suspensivo a recurso especial pendente de admissibilidade. Incidência dos verbetes sumulares nos 634 e 635 do STF (Súmula 634 – ‘Não compete ao Supremo Tribunal Federal conce-der medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem’; Súmula 635 – ‘Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade’).

2. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: AgRg na MC 8499/MG, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 14.03.2005; MC 7812/SC, desta relatoria, DJ de 25.10.2004 e MC 8128/SP, Relator Ministro José Delgado, Relator p/ Acórdão Min. Teori Zavascki, DJ de 13.09.2004.

3. In casu, a pretensão engendrada pela Recorrente, em sede de recurso especial, cinge-se ao eventual cumprimento dos requisitos atinentes à revalidação do diploma de Medicina, obtido junto à Universidade Privada Abierta Latino Americana - UPAL, em Cochabamba, na Bolívia, para fins de registro junto ao Conselho Regional de Medicina/MG, o que revela matéria fática insuscetível de exame em sede de recurso especial, ante o óbice erigido pela Súmula 07/STJ.

4. Dessarte, se em recurso especial é vedada a análise de prova (Súmula 07), com muito mais razão se interdita essa cognição na ação acessória como sói ser a medida cautelar sub examine.

5. Medida cautelar indeferida liminarmente.” (STJ, Medida Cautelar nº 11.385/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Data da decisão: 10.04.2006)

Nesse sentido, recente julgado do Eg. STJ, verbis:“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO AUTOMÁTICO

DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR CONCLUÍDO EM PAÍS SIGNATÁRIO DA CONVENÇÃO REGIONAL SOBRE O RECONHECIMENTO DE ESTUDOS, TÍTULOS E DIPLOMAS DE ENSINO SUPERIOR NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE. IMPOSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DE DECRETO AUTORIZADOR. DIREITO ADQUIRIDO E ATO JURÍDICO PERFEITO. NÃO OCORRÊNCIA. APLI-CAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DA CERTIFICAÇÃO. DECRETO N° 80.419/77 E DECRETO N° 3.007/99.

1. Tratam os autos de ação declaratória, com pedido de liminar, ajuizada contra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em que se objetiva registro automático de diploma conferido pela Universidad México Americana del Norte, independente de processo de revalidação curricular, além de pleitear indenização por danos morais. (...)

2. A questão controversa cinge-se em se determinar qual é a legislação aplicável ao caso em comento, se o Decreto nº 80.419/77 ou legislação posterior que o revogou

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(Decreto nº 3.007/99), e, nesse esteio, apreciar a alegação acerca da existência ou não de ato jurídico perfeito, bem como a ocorrência de direito adquirido (art. 6°, caput e § 2°, da LICC).

3. Verifica-se que o autor ingressou na Universidade do México quando ainda vigia o Decreto nº 80.419/77, que promulgou a Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe. Contudo, a graduação no curso superior de Medicina apenas concretizou-se após a edição do Decreto nº 3.007/99, que revogou a legislação anterior.

4. No caso específico, existia apenas expectativa de direito, a ser implementada com o término do curso, ou seja, sujeitando-se a fato futuro e incerto. Na verdade, inexistia a titularidade à própria diplomação, visto que ainda pendente de aprovação e conclusão o curso, o que adveio somente com a obtenção da certificação no ano de 2002. Precedente: REsp 849.437/RO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ de 23.10.2006.

5. O direito adquirido só poderia existir a partir da certificação no curso superior; que se sucedeu ao derrogado Decreto nº 80.419/77; mas, a legislação vigente nessa época, o Decreto n° 3.007/99, não mais o beneficiava com a possibilidade de registro imediato do diploma.

6. Os efeitos da Convenção Regional, referendada pelo Decreto nº 80.419/77, limitaram-se ao período de sua vigência. Após sua revogação, com o advento do De-creto n° 3.007/99, findou-se a sua eficácia a atos não implementados. Não é plausível falar-se em direito adquirido acerca de situação ainda não efetivada, muito menos da existência de ato jurídico perfeito. Aqui, cuida-se, tão somente, em aplicar a lei vigente ao tempo.

7. Inafastável a necessidade de instauração de procedimento de revalidação de diploma de curso superior realizado em país estrangeiro a fim de que seja realizado o devido cotejo das disciplinas cursadas, análise curricular do curso realizado no país estrangeiro como das instituições pátrias, tanto para a graduação quanto para a espe-cialização na área escolhida, com a observância do conteúdo programático da grade cursada, da carga horária seguida, dentre outros requisitos essenciais estabelecidos pelos normativos do Conselho Nacional de Educação.

8. Recurso especial da Universidade provido para reformar o acórdão recorrido, determinando-se a observância imprescindível do procedimento para revalidação do diploma obtido em Universidade estrangeira sob a égide do Decreto n° 3.007/99.” (STJ, Primeira Turma, REsp 846671/RS, Relator Ministro José Delgado, Data da Publicação/Fonte DJ 22.03.2007, p. 301)

Em seu voto, disse o ilustre Relator, verbis:“O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Merece prosperar o inconformismo da

parte recorrente.Inicialmente, observo que a esta Corte é vedada a análise de afronta a dispositivos

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de natureza constitucional, pelo que não conheço do recurso concernente à suposta violação dos artigos 84, IV e VIII, e 208 da CF/88, em face da natureza da matéria discutida.

De igual modo, não comporta êxito a insurgência quanto à violação de dispositivo da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). O recorrente não cuidou de prequestionar o tema, nem tampouco opôs embargos de declaração com fito de obter pronunciamento da instância a quo acerca da matéria. Incidência, de forma inexorável, do teor dos verbetes sumulares nos 282 e 356 do STF.

Entretanto, as demais alegações tornam passível de apreciação o recurso especial.

A questão controversa cinge-se em determinar qual é a legislação aplicável ao caso, se o Decreto nº 80.419/77 ou a legislação posterior que o revogou (Decreto nº 3.007/99), e, nesse esteio, apreciar a alegação acerca da existência ou não de ato jurídico perfeito, bem como a ocorrência de direito adquirido (art. 6º, caput e § 2º, da LICC).

Cuida-se de ação ordinária movida em face da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS pela qual o autor busca o registro direto de diploma de graduação em Medicina, expedido pela ‘Universidad México Americana Del Norte, A.C.’, indepen-dente do obrigatório processo de revalidação curricular. Para tanto, alega ter iniciado os estudos sob a égide da legislação permissiva, in casu, o Decreto nº 80.419/77, que referendou os termos da Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe.

A sentença julgou improcedente o pedido sob o fundamento de que a eficácia do Decreto nº 80.419/77, que permitia o registro direto de diploma obtido em país estran-geiro firmatário de acordo internacional sem necessidade de convalidação, limitou-se ao período de sua vigência, não se estendendo às situações não finalizadas.

O egrégio TRF da 4ª Região, por outro lado, reformou a decisão do juízo de primeiro grau sustentando a existência de diversos escólios daquele Sodalício que corroboram a tese do autor, entendendo ser aplicável ao caso o teor do Decreto nº 80.419/77, haja vista que à época em que iniciou o curso encontrava-se sob o amparo de tal legislação, firmando-se o direito adquirido.

Eis o trecho do voto (fls. 233/234) que conduziu o julgamento no Tribunal a quo:‘(...) Merece prosperar a pretensão recursal.Com efeito.O norte perfilhado pelas doutas 3ª e 4ª Turmas desta Corte (AI nº

2003.04.01.045059-3/RS, Rel. Des. Thompson Flores Lenz, DJU 21.01.04, e AI nº 2002.04.01.01051763-4/RS, Rel. Des. Edgard Antônio Lippmann, DJU 28.01.04, respectivamente), em rr. Precedentes, estão fincados exatos no entendimento de que deva prevalecer o direito da parte autora, eis que despendeu esforço intelectual e financeiro no intuito de obter o diploma de Medicina, iniciado o curso sob a égide de norma concessiva de direito, havendo, assim, expectativa de obter a graduação, sendo tomado de surpresa com a mudança na sua concessão.

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Constata-se, pois, equação fática de direito adquirido, que impende ser resguar-dado, certo que ele o é não só aquele que se completa nas correspondentes condições ao tempo da lei nova como também ‘aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem’ (LICC, art. 6º, § 2º), situação que aproveita ao recorrente, sem que com ela possa confundir o obtempero da expectativa do direito.

Em relação símile, o eminente desembargador Valdemar Capeletti, ínclito integrante deste Tribunal, registrou (AI nº 2003.04.01.04515-2/RS):

‘(...) Em análise perfunctória, verificando que a referida Convenção previa o ‘reco-nhecimento automático’ dos diplomas de Ensino Superior entre os países signatários, entendo presentes os requisitos que possibilitam a antecipação da tutela. Isso porque, embora revogado o referido Decreto pelo de nº 3.007/99, entendo estar o Agravante amparado pela tutela constitucional expressa ao ‘ato jurídico perfeito’ e ao ‘direito adquirido’ (art. 5º, XXXVI, da Constituição Brasileira de 1988). Afasto, de plano, o argumento da falta de verossimilhança das alegações por ausência da resistência ad-ministrativa, uma vez que já amplamente demonstrada a posição da agravada UFRGS em questões como a presente, bem como a consabida resistência do CREMERS em promover registros sem diplomas revalidados por universidade nacional. Nesse con-texto, considerando o risco de dano irreparável ou de difícil reparação a resultar da fixação de prazo para que a Universidade promova o registro do diploma e, após tal procedimento, possa ser realizado o registro junto ao Conselho, entendo adequada a imediata inscrição do Agravante junto ao CREMERS. Faço-o em caráter provisório e em razão do direito à revalidação automática, sem análise do mérito, sem prejuízo da decisão final a ser proferida no presente recurso. (...)’

Logo, a pretensão recursal está provida de robusta escora, nos termos da funda-mentação.

Honorários advocatíciosModificada a solução da lide, fixam-se os ônus sucumbenciais. Sendo assim,

afirmando-se a procedência da pretensão da parte autora, essa venceu na totalidade de seu pleito, impondo-se à requerida responder, por inteiro, pelos ônus sucumbenciais.

Assim, presentes os dispositivos legais pertinentes, eu os arbitro em 10% do valor da causa.

Ante o exposto,Dou provimento à apelação.É como voto.’Como visto, a Corte Regional proveu o recurso do autor seguindo a jurisprudência

daquele Tribunal, por entender ser aplicável ao caso o disposto no Decreto nº 80.419/77, sob pena de resultar em violação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Assim, concluiu que, uma vez iniciado o curso de Medicina em instituição de ensino aliení-gena signatária de acordo internacional, ou seja, sob os auspícios de legislação que autorizava o registro direto de diploma, não pode ser atingido por ulterior revogação

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no transcorrer do curso.No recurso especial da Universidade Federal, a tese aventada é a de que a eficá-

cia do Decreto nº 80.419/77 limitou-se ao período em que esteve em vigência, não beneficiando o autor que concluiu o curso superior posteriormente, sob a égide do Decreto nº 3.007/99, inexistindo direito adquirido ou ato jurídico perfeito a fatos não consolidados. Por outro lado, sustenta que não se pode olvidar do importante papel que a Universidade Pública representa no panorama nacional, ao zelar pela capacidade dos profissionais lançados no mercado de trabalho, mormente ao referendar o exercício de profissão tão relevante que lida com vidas humanas.

De fato, com razão a parte insurgente em vários pontos.Por primeiro, destaco que a fundamentação do juízo de primeiro grau acerca do

tema, diante do indiscutível valor que comporta, além de se amoldar perfeitamente ao meu entendimento sobre o desate da lide, merece total e irrestrito apoio, pelo que passo a transcrevê-la, agregando-a como razões de decidir (fls. 162/163):

‘(...) 2. Fundamentação: Quanto ao mérito. Sobre os pedidos relativos ao registro de diploma, a ação é improcedente e esses pedidos veiculados pela parte autora são rejeitados porque: (a) não há direito adquirido da parte autora a um determinado re-gime estatutário de registro educacional e profissional, porque a legislação que rege a situação do estudante não é aquela vigente quando ingressou em determinado curso universitário, mas aquela que vigora quando da conclusão do curso; (b) não há ato jurí-dico perfeito porque a parte autora não concluiu o curso superior enquanto era vigente norma reguladora que isentava o estudante da revalidação do diploma; (c) havia mera expectativa da parte autora a que, concluído o curso e não alterada a legislação então vigente, tivesse condições de obter o registro automático do diploma estrangeiro em território nacional; (d) essa expectativa não se transformou em direito, porque antes de serem implementadas pela parte autora todas as condições e requisitos necessários (antes da conclusão do curso e da colação de grau respectiva) houve alteração substancial da legislação, que é imediatamente aplicável à parte autora; (e) a situação da parte autora é distinta daquela dos demais estudantes que frequentam universidades brasileiras e aqui colam grau em medicina, porque a legislação de regência é distinta, podendo ser distinta porque as situações fáticas são distintas (um estudante frequenta universidade brasileira, enquanto outro frequenta universidade estrangeira); (f) a legislação vigente na época em que a parte autora concluiu o curso no exterior e postulou o registro automático do diploma em território nacional exigia que houvesse o prévio processo de revalidação e não estava mais vigente a norma que isentava a parte autora desses procedimentos, não tendo direito ao que postula nessa ação; (g) finalmente, deve-se considerar que está envolvido o exercício da medicina, que lida com vidas humanas e dá ao médico um grande poder e uma respectiva grande responsabilidade no tocante ao tratamento de seus pacientes e à vida humana, sendo no mínimo prudente que se exija daqueles que pretendem exercer tão relevante profissão em território nacional que se submetam também às normas nacionais pertinentes, comprovando perante a

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entidade de ensino superior competente que efetivamente dispõem das condições, dos conhecimentos e das aptidões técnicas e profissionais respectivas, o que é aferido nos processos de revalidação dos diplomas estrangeiros, aos quais a parte autora necessa-riamente deverá submeter-se, ao menos no entendimento desse Juízo. (...)

3.Dispositivo:Pelas razões expostas, julgo improcedente a ação, rejeitando o pedido da parte

autora e condenando-a ao pagamento dos encargos processuais, tudo nos termos da fundamentação.

Oficie-se ao Desembargador-Relator do agravo de instrumento noticiado nos autos, remetendo-lhe cópia da sentença e informando sobre sua prolação. (...)’

Aliando-se aos percucientes fundamentos exarados na sentença, impende ressaltar as circunstâncias peculiares que norteiam a controvérsia.

O autor ingressou na Universidade do México no ano de 1997, quando ainda vigia o Decreto nº 80.419/77, que referendou a Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe, disciplinador das regras para registro direto de diploma de curso realizado no exterior. Contudo, a graduação no curso de Medicina somente concretizou-se em janeiro de 2002, e, nesse momento, quando se tornou efetiva e capaz de gerar direitos ao autor, o Decreto nº 3.007/99 já tinha sido editado, revogando os termos do decreto anterior.

Não fosse o suficiente, à época em que o autor pleiteou, na esfera judicial, o reco-nhecimento do direito de registro do diploma obtido no estrangeiro perante Universidade Federal nativa, alegando estar desobrigado de realizar procedimento de revalidação, já decorrera cinco anos da revogação da norma que autorizava a convalidação automática, ocorrida no ano de 1999, enquanto que o ajuizamento da ação ordinária adveio apenas em meados de 2004.

Note-se, ademais, que há outra circunstância pontual na hipótese em comento, tratando-se do fato de o autor não ter sequer requerido o registro do diploma na esfera administrativa sob a alegação de que a Instituição Educacional, em outros casos análo-gos, indeferira de plano os pleitos apresentados nesse sentido, ou seja, não houve nenhum pronunciamento da Universidade Federal, quer negativo, quer positivo ao pleito.

Delineadas as circunstâncias da matéria controvertida, não se me afigura caso de direito adquirido, nem tampouco de ato jurídico perfeito. A Lei de Introdução ao Código Civil prevê, de forma clara, em seu art. 6º, que a aplicação imediata da lei nova deve respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada ao assim dispor:

‘Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Parágrafo incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Parágrafo incluído pela

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Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)’De fato, não há como preponderar a tese do autor acerca da existência de ato ju-

rídico perfeito, tampouco de direito adquirido, haja vista que a sua diplomação não se consumou no período de vigência de legislação permissiva ao registro direto de certificação obtida no exterior.

De igual modo, afasta-se a assertiva do direito adquirido. O autor não era titular de direito incorporado de forma inexorável ao seu patrimônio, possuindo, apenas, mera expectativa de direito. Nesse contexto, a alteração na legislação poderia atingi-lo, como efetivamente ocorreu quando revogado o decreto primeiro, impondo-lhe submissão à nova regra legal.

O autor possuía, tão somente, expectativa de direito, concretizável no momento em que, quando concluído o curso, fosse pleiteado registro em instituição de ensino superior nativa, ou seja, sujeitando-se a fato futuro e incerto. Na verdade, inexistia a titularidade à própria diplomação, visto que ainda pendente de aprovação e conclusão o curso, o que adveio apenas com a obtenção da certificação no ano de 2002.

O autor, como tantos outros nacionais, optou em lançar-se na realização de curso no exterior às suas expensas e sob risco próprio. Agora, sob a alegação da existência de convenção já revogada, busca desobrigar-se do procedimento de revalidação de diploma quando já vigente legislação proibitiva da convalidação automática.

É importante ressaltar que, ao optar pela realização de curso superior alhures, o autor eliminou uma etapa difícil, a qual muitos estudantes pátrios não alcançam êxito, sendo sumariamente eliminados diante do caudaloso procedimento vestibular realizado nas universidades nacionais, principalmente para os cursos mais almejados, como é o caso de Medicina. Desse modo, houve uma escolha da parte autora, não podendo, neste momento, elidir-se de se submeter aos critérios da legislação educacional vigente no país em que decidiu exercer a profissão elegida.

Os efeitos da Convenção Regional referendada pelo Decreto nº 80.419/77, de fato, limitaram-se ao período de sua vigência. Após a sua revogação, com o advento do Decreto nº 3.007/99, findou-se sua eficácia concernente aos atos não implementados, não sendo plausível falar em direito adquirido acerca de situação ainda não efetivada, muito menos na existência de ato jurídico perfeito. Aqui, cuida-se, tão somente, em aplicar a lei vigente ao tempo do fato.

Não prospera, portanto, a assertiva de que a simples inscrição no curso de Medi-cina implica garantia de registro direto de possível diploma, até porque, conforme já explicitado, no momento do término do curso de Medicina e quando se ingressou com ação judicial, vigia, há muito, legislação que derrogou o decreto permissivo.

Na espécie, o término do curso sucedeu na vigência do Decreto nº 3.007/99, o que impossibilita eventual reconhecimento de direito adquirido de fato ainda não existente, circunstância que só se aperfeiçoou com a diplomação. Ocorre que, naquele momento, a legislação vigente não mais o beneficiava com a possibilidade de registro imediato do diploma, sem a observância dos procedimentos legais elencados pelo sistema edu-

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cacional pátrio.Assim, ao revés do alegado pelo ora recorrido, o reconhecimento do pleito exordial,

em linhas gerais, pode desaguar na perpetuação de situações análogas estapafúrdias e, aí sim, implicar a não preservação da estabilidade das relações jurídicas, ao eternizá-las ao bel prazer da parte interessada. Ademais, conforme explicitado, a legislação aplicável ao presente caso é a vigente à época da conclusão do curso, quando os fatos tornaram-se efetivamente aperfeiçoados.

A não averiguação acerca da compatibilidade entre o curso realizado na Universidade estrangeira e o exercício da profissão de médico no Brasil pode acarretar dano maior à população, diante do caráter essencial e importante que a própria atividade comporta. Há evidente risco de dano à saúde pública ao não se aferir se o profissional realmente possui os irrenunciáveis conhecimentos necessários e plena capacidade técnica.

Nesse esteio, entendo por imprescindível a instauração de procedimento de reva-lidação de diploma de curso realizado alhures, a fim de que seja realizado o devido cotejo das disciplinas cursadas e o aproveitamento do aluno, de maneira que haja uma adequação ao sistema educacional nativo, bem como para que seja preservado o ingresso na profissão de pessoas devidamente graduadas.

No caso concreto, toma maior relevo o fato de o autor possuir aptidão para o exer-cício da especialidade na área de cirurgião e obstetrícia, conforme atesta o diploma de graduação do curso de medicina e demais documentos juntados aos autos (fls. 27 e 29/35), o que corrobora e demonstra ainda mais a importância de adequação aos parâmetros educacionais nacionais.

Diante de tais fatos, torna-se inafastável a análise curricular do curso realizado no país estrangeiro com o oferecido pelas instituições pátrias, tanto para a graduação quanto para a especialização na área escolhida, com o exame do conteúdo programá-tico da grade cursada e da carga horária seguida, dentre outros requisitos essenciais estabelecidos pelos normativos do Conselho Nacional de Educação.

É importante frisar que não se está negando ao autor o direito de registro de diploma obtido no país estrangeiro em si, mas, sim, a necessidade de se observar o regramento legal vigente para curso estrangeiro. Assim, uma vez atendidas as exigências previstas pela legislação educacional pátria, o autor tornar-se-á apto ao exercício da profissão para a qual se considera qualificado.

Saliente-se, ademais, que as Universidades Federais, bem como o Conselho Nacional de Educação, por meio de seus atos regulamentares, possuem, de forma correlata, a função precípua de controlar a qualidade dos cursos e do exercício profissional em ter-ritório pátrio, pelo que não me parece apropriado diferenciar aquele que enfrenta árduo processo seletivo nas instituições educacionais nacionais de nível superior daqueles que optam por realizar curso em território alienígena, beneficiando estes últimos, o que ocasionaria uma situação inaceitável. Some-se, ainda, a circunstância de inexistir norma permissiva ao pleito do autor que estivesse vigente à época da propositura da ação judicial, nem tampouco no momento da diplomação.

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Por derradeiro, esta Corte, ao apreciar caso análogo, adotou idêntico entendimento acerca do tema em questão. Confira-se trecho da ementa do seguinte escólio:

‘ADMINISTRATIVO. ENSINO. CURSO SUPERIOR REALIZADO NO EXTE-RIOR. EXIGÊNCIA DE REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA POR UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA. DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA.

I - No ordenamento jurídico pátrio, afigura-se como direito adquirido aquele já incorporado definitivamente ao patrimônio do seu titular, por ele exercitável segundo sua vontade, caracterizando um direito subjetivo.

II - Sobrevindo nova legislação, o direito adquirido restará caracterizado acaso a situação jurídica já esteja definitivamente constituída na vigência da norma anterior, não podendo ser obstado o exercício do direito pelo seu titular, que poderá, inclusive, recorrer à via judicial. Precedentes: RMS nº 16.268/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 19.06.2006 e RMS nº 13.412/PR, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 12.06.2006.

III - Não acarretou a constituição definitiva da situação jurídica ensejadora do pretenso direito adquirido do recorrente o fato de ter iniciado o curso de medicina em Cuba quando a lei brasileira não exigia a revalidação do diploma obtido no exterior.

IV - Seria procedente a postulação dos autos, no sentido de se afastar a exigência da revalidação, caso a alteração da legislação tivesse ocorrido após o recorrente ter concluído o seu curso, porquanto já lhe seria permitido o exercício do direito, o que não ocorreu na hipótese.

V - Recurso especial improvido.’ (REsp 849.437/RO, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJ de 23.10.2006, p. 277)

Destarte, não há que se falar em direito adquirido consolidado à convalidação automática, tendo em vista que, na data em que se pleiteou o direito ao registro de diploma de Médico obtido em país estrangeiro, não mais vigia a legislação autoriza-dora, in casu, o Decreto nº 80.419/77, o que obsta irremediavelmente a concretização da pretensão almejada pelo autor.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reformando o entendi-mento manifestado pelo Tribunal a quo, em face da incidência do Decreto nº 3.007/99, julgar improcedente o pedido formulado na inicial, impossibilitando a revalidação automática do diploma de médico cursado em país estrangeiro, sem o cumprimento imprescindível do procedimento para a devida convalidação com fins de adequação aos requisitos do sistema educacional vigente.

É o voto.”

Da mesma forma, novos pronunciamentos do Eg. STJ, verbis:“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. CURSO REALIZADO NO EXTE-

RIOR. EXIGÊNCIA DE REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA POR UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA.

1. A Constituição Federal assegura a preservação de direitos adquiridos, mas não a manutenção de regime jurídico. Assim, nas situações jurídicas ditas estatutárias, legais,

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regulamentares ou objetivas (= regidas por atos normativos, e não por ato individual de vontade), somente podem ser considerados como direitos adquiridos – e, como tais, imunes à incidência de lei nova – aqueles cujos pressupostos de natureza fática (= ato-condição; fato gerador; suporte fático) estabelecidos no ato normativo revogado já se encontravam inteiramente implementados à época da revogação.

2. O registro, no Brasil, de diplomas expedidos por entidades de ensino estrangeiras está submetido ao regime jurídico vigente à data da sua expedição, e não ao da data do início do curso a que se referem. Assim, o reconhecimento automático, previsto na Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e Caribe (recepcionada pelo Decreto Presidencial 80.419/77 e revogada pelo Decreto 3.077/99), somente é assegurado a diplomas ex-pedidos na vigência da referida Convenção. Quanto aos posteriores (como o do caso concreto, que foi expedido cerca de quatro anos após a revogação da Convenção), o seu registro no Brasil fica submetido a prévio processo de revalidação, segundo o regime previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei 9.394/96, art. 48, § 2º). Precedente: REsp 849437/RO, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 26.09.2006.

3. Recurso especial a que se dá provimento.” (STJ, 1ª Turma, Resp 880051/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, julg, 06.03.2007, DJ 29.03.2007)

“ADMINISTRATIVO. ENSINO. CURSO SUPERIOR REALIZADO NO EXTE-RIOR. EXIGÊNCIA DE REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA POR UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA. DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA.

I - No ordenamento jurídico pátrio, afigura-se como direito adquirido aquele já incorporado definitivamente ao patrimônio do seu titular, por ele exercitável segundo sua vontade, caracterizando um direito subjetivo.

II - Sobrevindo nova legislação, o direito adquirido restará caracterizado acaso a situação jurídica já esteja definitivamente constituída na vigência da norma anterior, não podendo ser obstado o exercício do direito pelo seu titular, que poderá, inclusive, recorrer à via judicial. Precedentes: RMS nº 16.268/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 19.06.2006, e RMS nº 13.412/PR, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 12.06.2006.

III - Não acarretou a constituição definitiva da situação jurídica ensejadora do pretenso direito adquirido do recorrente o fato de ter iniciado o curso de medicina em Cuba quando a lei brasileira não exigia a revalidação do diploma obtido no exterior.

IV - Seria procedente a postulação dos autos, no sentido de se afastar a exigência da revalidação, caso a alteração da legislação tivesse ocorrido após o recorrente ter concluído o seu curso, porquanto já lhe seria permitido o exercício do direito, o que não ocorreu na hipótese.

V - Recurso especial improvido.” (STJ, 1ª Turma, Resp 849437/RO, Rel. Min. Francisco Falcão, julg. 26.09.2006, DJ 23.10.2006)

Acrescente-se, ainda, a preciosa lição de Francisco Campos, in Pa-receres do Consultor Geral da República, A. Coelho Branco Fº, Rio de

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Janeiro, 1951, v. I, p. 426-7, verbis:“A regra, em matéria de aplicação da lei, é que tempus regit factum.Todo fato jurídico, seja acontecimento casual, seja ato jurídico, se regula, tanto nas

suas condições de fórma como de substância e, igualmente, nos seus efeitos, pela lei do tempo em que foi consumado.

Para que a nova lei não se aplique às situações individuais que ela encontra ao entrar em vigor, é necessário que tais situações tenham sido adquiridas mediante um fato jurídico consumado na conformidade da lei anterior.

Assim, a nova lei se aplica desde logo a todos os casos em que o fato ou ato jurídico ainda não foi consumado, não importando que o mesmo, quando se trata de ato ou fato complexo, já tenha tido comêço de execução ou se encontre in itinere.

Para que o princípio de irretroatividade da lei possa ser ùtilmente invocado, é indispensável que à nova lei se oponham atos ou fatos jurídicos já aperfeiçoados em todos os seus elementos nos termos da lei anterior.

É o que dispõe o Código Civil, artigo 3º da Introdução: ‘A lei não prejudicará, em caso algum, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada.’

O § 2º do mesmo artigo assim define o ato jurídico perfeito: ‘Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado, segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.’

Nesses termos, só se excetuam da aplicação da nova lei os atos ou fatos jurídicos inteiramente consumados no regime da lei anterior, a qual não poderá, entretanto, con-tinuar a reger atos ou fatos que sob o seu império hajam apenas começado a efetuar-se. A nova lei se aplica, assim, desde logo, a todos os atos ou fatos jurídicos em curso ou in itinere, isto é, a todos aqueles que, embora começados no regime da lei anterior, nele não foram concluídos ou consumados ou ainda não eram perfeitos e acabados ao entrar em vigor a nova lei (FERRARA - Tratato di Diritto Civile Italiano, v. I, n. 59; N. COVIELLO - Manuale di Diritto Civile Italiano, Parte Generale, § 34).”

Dessa forma, não preenchidos os pressupostos do art. 3º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, descabe falar-se em direito adquirido, pois, in casu, antes da conclusão do curso pela parte autora, o Decreto nº 3.007/99 revogou os Decretos anteriores, impondo o procedimento da revalidação para diplomas oriundos de Universidade estrangeira.

Por esses motivos, voto por dar provimento aos embargos infringentes.

É o meu voto.

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2004.71.00.042028-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzRelatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Apelante: Ministério Público Federal

Apelante: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEELAdvogados: Drs. Mariana Rodrigues Silva Melo e

Thiago Galvão Santos PiolaApelante: Cia. Estadual de Distribuição de Energia Elétrica – CEEE-D

(CEEE Distribuição)Advogado: Dr. João Antonio Dalla Rosa dos Santos

Apelante: AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S/AAdvogados: Drs. Luis Renato Ferreira da Silva, Vinicius de Oliveira

Berni e Guilherme Carneiro Monteiro NitschkeApelante: Rio Grande Energia S/A – RGEAdvogado: Dr. Vinicius de Oliveira Berni

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 7ª VF de Porto Alegre

EMENTA

Ação civil pública. Energia elétrica. Fornecimento. Corte por falta de pagamento. Possibilidade. Prazo. Legitimidade ativa MPF. Sentença ultra petita. Dano moral coletivo. Ausência de comprovação.

1) O MPF é parte legitimada para proposição de ações envolvendo “interesse social”, nos termos do art. 129, III e IX, da Constituição.

2) A sentença caracterizada como ultra petita deve ser reduzida aos termos do pedido constante da inicial, e não anulada.

3) É possível o corte de energia elétrica, desde que contemporâneo ao fato. A suspensão não pode ser procedida em quinze dias (prazo exí-guo), mantida a sentença no ponto em que fixou prazo de sessenta dias para tanto.

4) Ausente a comprovação da hipótese de dano moral coletivo, des-cabida a indenização pretendida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento às apelações, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2008.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A r. sentença recorrida, a fls. 896/8, bem esclarece a controvérsia, verbis:

“Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal com o es-copo de: a) determinar que as concessionárias CEEE, AES SUL e RGE se abstenham de suspender o fornecimento de energia elétrica em razão do inadimplemento de usuários residentes no Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista a inconstitucionalidade da Resolução da ANEEL nº 456/2000; b) condenar as concessionárias rés na obrigação de informar aos usuários e aos consumidores a forma que será adotada para a cobrança de faturas relativas à prestação do serviço público de energia elétrica em atraso; c) condenar ao pagamento de multa diária em caso de descumprimento da decisão; d) condenar ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

Os fundamentos invocados para a procedência da demanda são: a) a aplicação do CDC às concessionárias; b) o fato de ser a energia elétrica um serviço público essen-cial; c) a continuidade do serviço público; d) a violação ao princípio da legalidade e ao princípio do devido processo legal; e) afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé, da proporcionalidade e da razoabilidade; f) necessidade de incentivar o cumprimento da contraprestação pelo consumidor; g) a interpretação realizada com o escopo de garantir a igualdade material adota um fator de discrímen não amparado pela legislação; h) o equilíbrio contratual implica preponderância das garantias dos consumidores em detrimento das garantias dos empreendedores, e não o contrário, como preconiza o Parecer CONJUR/MME nº 111/97; i) a violação de direitos sociais; j) é função das Agências Reguladoras a tutela do direito dos consumidores. Requer a concessão de liminar.

É determinada a intimação da ANEEL, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.437. Intimada, a ANEEL presta informações e contesta. Defende, inicialmente, a inexis-

tência dos pressupostos autorizadores para a concessão da liminar. No mérito, entende que a Lei nº 8.987/1995 e o artigo 91 da Resolução ANEEL nº 456/2000 autorizam o corte de energia elétrica por falta de pagamento. Aduz que a relação jurídica existente entre usuário e concessionária é típica de direito privado e que essa relação é sinalag-mática, bilateral e contratual. Aduz não ser razoável que as concessionárias arquem com os custos do serviço sem receber a contraprestação do usuário. Outrossim, invoca

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precedente do STJ para afirmar que o corte de energia elétrica por falta de pagamento não afronta o princípio da continuidade do serviço público e que a obrigatoriedade de prestar serviço ao consumidor inadimplente afronta o princípio da igualdade. Expõe que a pretensão do MPF determinaria um desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato de concessão e que esse desequilíbrio seria repassado às tarifas daqueles consumidores que pagam suas faturas.

Às fls.125/131 é deferida parcialmente a liminar. Contra a decisão que concedeu a liminar foram opostos Embargos de Declaração

pela AES Sul (fls. 138/204), pela CEEE (fls. 232/249) e pela RGE (fls. 205/231). Às fls. 251/254 é proferida decisão, admitindo os embargos declaratórios e os aco-

lhendo parcialmente, para esclarecer o conteúdo da primeira decisão. As rés AES Sul, ANEEL, CEEE e RGE juntam aos autos informação de que inter-

puseram Agravo de Instrumento. É juntada petição da empresa Vimar Plásticos S.A., solicitando sua admissão como

assistente simples no processo, o que foi indeferido à fl. 396. Posteriormente, são juntadas aos autos cópias das decisões prolatadas nos Agravos de

Instrumento interpostos pelos réus, havendo a concessão de efeito suspensivo ativo. Citada, a AES Sul apresenta contestação, alegando, em preliminar, a ilegitimidade

ativa ad causam do MPF e a ilegitimidade passiva ad causam para responder o pedido de danos morais coletivos. No mérito, impugna os argumentos expostos na inicial, defendendo a inexistência de violação aos princípios da legalidade administrativa, do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade e da boa-fé e de provocação de desequilíbrio contratual. Refere que não há desincentivo do cumprimento da contraprestação pelo usuário do serviço, bem como que não há danos morais coletivos e violação aos direitos sociais. Por fim, pondera que a dilação do prazo do aviso prévio para 90 dias causará danos ao serviço público.

A RGE contesta, ponderando que a pretensão do MPF implica usurpar as funções do Poder Legislativo. Salienta a existência de dispositivo constitucional determinando a regulamentação do regime das concessões, de lei que o regulamenta (Lei nº 8.987) e de norma que confere à ANEEL competência para editar normas infralegais acerca do serviço de energia elétrica. Diz que o ato atacado está de acordo com tais disposições normativas, motivo pelo qual, em seu entendimento, não há falar em violação aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana, da boa-fé, da proporcionalidade, da razoabilidade e da isonomia. Refere que a pretensão posta na inicial importaria altos gastos ao Estado do Rio Grande do Sul e a quebra do equilíbrio econômico-financeiro, passando o contrato a ter uma álea extracontratual. Afirma que não há danos morais por ausência de pressupostos ensejadores da respon-sabilidade civil.

Citada, a CEEE contesta, alegando, em preliminar, a ilegitimidade ativa do MPF para a propositura da demanda. No mérito, defende a legalidade e a constitucionali-dade do prazo de 15 dias previsto pela Resolução da ANEEL para prévia notificação

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ao inadimplente quanto à suspensão do fornecimento de energia elétrica. Expõe que há benefícios concedidos aos consumidores de baixa renda, o que, em sua opinião, atenderia às necessidades dos hipossuficientes. Cita que a pretensão enseja riscos ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e que afronta o princípio da separação dos poderes. Pondera que não há violação ao CDC nem ao princípio da continuidade do serviço público e que não há requisitos caracterizadores dos danos morais coletivos.

Intimado, o MPF opina pelo afastamento das preliminares e pela procedência da ação.

A AES Sul apresenta memoriais. Vieram os autos conclusos. É o relatório.”

A ação foi julgada parcialmente procedente, a fls. 909/910, com o seguinte dispositivo, verbis:

“Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas e julgo parcialmente procedente a pretensão para o fim de:

a) afastar a incidência da Resolução da ANEEL nº 456/2000;b) determinar às concessionárias rés que se abstenham de efetuar o corte de energia

elétrica por falta de pagamento dos consumidores residentes no Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) imposta à cada concessionária que descumprir a decisão;

c) condenar às rés a prestarem informações acerca da forma que irão adotar para cobrar as faturas em atraso;

d) deferir a liminar, para o fim de determinar às concessionárias rés a se absterem de cortar o fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento e a suspenderem os cortes de energia elétrica já efetuados por inadimplemento, sob pena de pagamento da multa diária acima fixada.

Demanda isenta de custas (Lei nº 9.289/96, art. 4º, III e IV).Tendo em vista a sucumbência mínima do MPF e sendo incabível a condenação em

honorários advocatícios em caso de procedência de ação civil pública intentada pelo Ministério Público Federal, deixo de arbitrar verba honorária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Sentença sujeita ao reexame necessário. Decorrido o prazo para o recurso voluntário,

remetam-se os autos ao Egrégio TRF da 4ª Região.”

Interpostas as apelações, postulam as partes a reforma do julgado.O MPF, a fls. 1.473/7, emitiu parecer nestes termos, verbis:“Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente os pedidos

para o fim de afastar a incidência da Resolução da ANEEL nº 456/2000, determinar às concessionárias rés que se abstenham de efetuar o corte de energia elétrica por falta de

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pagamento dos consumidores residentes no Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de multa diária de R$30.000,00 imposta à cada concessionária que descumprir a decisão, condenar as rés a prestarem informações acerca da forma que irão adotar para cobrar as faturas em atraso e deferir a liminar para o fim de determinar às concessionárias rés a se absterem de cortar o fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento e a suspenderem os cortes de energia elétrica já efetuados por inadimplemento, sob pena de pagamento de multa diária.

O MPF interpôs apelo aduzindo ainda a existência de danos coletivos e requerendo a fixação de multa diária sancionária em R$ 100.000,00. As demais apelantes requereram, em suma, a validade da resolução e a possibilidade do corte da energia elétrica.

Subiram os autos para parecer ministerial. Deve ser provido apenas o apelo do MPF.

A matéria já foi analisada pelo E. STJ, que concluiu pela impossibilidade no corte da energia elétrica pelo inadimplemento do consumidor, haja vista tratar-se de serviço essencial à sobrevivência, como se pode ver dos arestos a seguir transcritos.

‘AGRAVO REGIMENTAL CONTRA LIMINAR QUE DETERMINOU À EM-PRESA CONCESSIONÁRIA A CONTINUAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA A CONSUMIDOR, IN CASU, O MUNICÍPIO QUE REPASSA A ENERGIA RECEBIDA AOS USUÁRIOS DE SERVI-ÇOS ESSENCIAIS. Consoante jurisprudência iterativa do E. STJ, a energia é um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrup-ção. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade, uma vez que o direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. O corte de energia autorizado pelo CDC e pela legislação pertinente é previsto uti singuli, vale dizer: da concessionária versus o consumidor isolado e inadimplente; previsão inextensível à administração pública por força do princípio da continuidade, derivado do cânone maior da supremacia do interesse público. A mesma razão inspira a interpretação das normas administrativas em prol da administração, mercê de impedir, no contrato administrativo, a alegação da exceptio inadimpleti contractus para paralisar serviços essenciais, aliás inalcançáveis até mesmo pelo consagrado direito constitucional de greve. A sustação do fornecimento previsto nas regras invocadas pressupõe inadimplemento absoluto, fato que não se verifica quando as partes reconhecem relações de débito e crédito, recíprocas e controversas, subme-tidas à apreciação jurisdicional em ação ordinária travada entre agravante e agravado. O corte de energia em face do município e de suas repartições atinge serviços públicos essenciais, gerando expressiva situação de periclitação para o direito dos munícipes. Liminar obstativa da interrupção de serviços essenciais que por si só denota da sua justeza. Decisão interlocutória gravosa cuja retenção do recurso pode gerar situações drásticas de periculum in mora para a coletividade local. Agravo desprovido.’ (STJ -

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AGRMC . 3982 - AC - 1ª T. - Rel. Min. Luiz Fux - DJU 25.03.2002)‘ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL -

ENERGIA ELÉTRICA - SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL - CORTE DE FORNE-CIMENTO - CONSUMIDOR INADIMPLENTE - IMPOSSIBILIDADE. Esta Corte vem reconhecendo ao consumidor o direito da utilização dos serviços públicos essen-ciais ao seu cotidiano, como o fornecimento de energia elétrica, em razão do princípio da continuidade (CDC, art. 22). O corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa em atraso, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito. - Precedentes. - Agravo regimental improvido.’ (STJ - AGREsp - 298017 - MG - 1ª T. - Rel. Min. Francisco Falcão - DJU 27.08.2001 - p. 00230)

‘CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA - INADIMPLÊNCIA DO CONSUMI-DOR - ILEGALIDADE. 1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo. 2. Deve a concessio-nária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos. 3. Recurso não conhecido.’ (STJ - REsp 122812 - ES - 1ª T. - Rel. Min. Milton Luiz Pereira - DJU 26.03.2001 - p. 00369)

‘SERVIÇO PÚBLICO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE NO FORNECIMENTO - ILICITUDE. I - É viável, no processo de ação indenizatória, afirmar-se, incidentemente, a ineficácia de confissão de dívida, à míngua de justa causa. II - É defeso à concessio-nária de energia elétrica interromper o suprimento de força no escopo de compelir o consumidor ao pagamento de tarifa em atraso. O exercício arbitrário das próprias razões não pode substituir a ação de cobrança.’ (STJ - Ac. 199900645553 - REsp 223778 - RJ - 1ª T. - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - DJU 13.03.2000 - p. 00143)

‘PROCESSUAL CIVIL - MEDIDA CAUTELAR - CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR - INDÍCIOS DE FRAUDE NO LACRE DO MEDIDOR - FALTA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA - VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. 1) O corte no fornecimento de energia elétrica a consumidor, pela concessionária deste serviço público, seja por inadimplência de conta-consumo, seja pela existência de indícios de fraude no relógio medidor de consumo, não prescinde de prévia notificação com prazo razoável para quitação das contas em atraso ou defesa em geral, em acato às garantias constitucionais de devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Precedente do STJ. 2) Impro-vimento do recurso de agravo.’ (TJAP - AG 495/00 - C.Ún. - Rel. Des. Raimundo Vales - DJAP 02.03.2000)

Ademais, o corte do fornecimento violaria o princípio da dignidade da pessoa huma-na, uma vez que na vida moderna todas as necessidades elementares de um casa estão vinculados à energia elétrica, como luz, chuveiro, geladeira, televisão, etc, impondo vida sub-humana aos cidadãos, o que é de todo inadmissível.

Registre-se, ainda, que o consumidor não tem a opção de contratação de forne-

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cimento de energia desta ou daquela empresa, tratando-se de verdadeiro monopólio por regiões, necessitando de tratamento diferenciado da simples relação de compra e venda opcional.

Como se observa, a ausência da prestação do serviço resulta em dano à própria dignidade do usuário, que fica à mercê do interesse exclusivo da concessionária, sem opção na prestação do serviço. Com isso a efetivação do corte acarreta defeito ou vício de qualidade em razão de frustrar a legítima expectativa do consumidor de receber tal serviço público essencial de forma adequada, fazendo incidir o art. 14 do CDC e a con-sequente responsabilidade das concessionárias em reparar eventuais danos advindos da interrupção do serviço. Os danos decorrem, portanto, do corte do serviço de energia.

Igual reforma merece a sentença no tocante ao valor da multa diária que, fixada em R$ 30.000,00, não se mostrará adequada a atender a sua própria intenção, ou seja, fazer com que a concessionária cumpra rigorosamente o comando sentencial, merecendo, pois, aumento do valor fixado.

Isso posto, opina o Parquet pelo conhecimento e provimento do apelo do MPF.”

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Rejeito as preliminares.

Valho-me, no ponto, dos argumentos da r. sentença, a fls. 898/904, verbis:

“1 Preliminares1.1 (I)Legitimidade ativa do MPF A ilegitimidade ativa do MPF é alegada sob o fundamento de que não haveria,

na pretensão posta em juízo, direito difuso ou coletivo a ser defendido. Entendem os réus que a pretensão envolve direitos individuais homogêneos e que esses direitos não poderiam ser veiculados por ação civil pública. Outrossim, citam a possibilidade dos beneficiários da ação coletiva pleitearem seus direitos individualmente.

Para a análise da legitimidade do MPF nessa demanda, há se perquirir o tipo de pretensão posta em juízo e se tal pretensão se enquadra nas hipóteses legais previstas para a propositura de Ação Civil Pública.

O MPF, nos termos da Lei nº 7.347, pode propor ação civil pública para tutelar os seguintes direitos:

‘Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio ambiente; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

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IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por infração da ordem econômica e da economia popular; VI - à ordem urbanística. (...)’A definição dos direitos como difusos, coletivos e individuais homogêneos é con-

sagrada pelo CDC, em seu artigo 81, verbis:‘Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá

ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os

transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.’

Assim, são direitos difusos aqueles transindividuais (metaindividuais, suprain-dividuais, pertencentes a vários indivíduos), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não há individuação) ligadas por circunstâncias de fato, não existe um vínculo comum de natureza jurídica (...). Já os direitos coletivos stricto sensu (...) foram classificados como direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determi-náveis, frise-se, enquanto grupo, categoria ou classe) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. (...) O CDC conceitua os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em consequência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). (ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos coletivos lato sensu: a definição conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogêneos. In: Visões Críticas do Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 229/231)

No caso em tela, há ressaltar que o serviço prestado pela concessionária caracteriza-se como serviço público essencial, pois serviço público é aquele que transcende a identidade e a existência das pessoas físicas e jurídicas, passando a ser um elemento formador da vida social. Serviço público é aquele que, em seu aspecto material, é uma atividade de satisfação de necessidades individuais de cunho essencial, em seu aspecto subjetivo, é uma atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes) e, em seu aspecto formal, caracteriza-se pela aplicação do regime jurídico de direito público. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 481/482)

Considerando tais atributos, não se pode negar que a energia elétrica é um serviço

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público essencial. Salienta-se que, além de atender às necessidades básicas da população e ser essencial à vida humana, a energia elétrica implementa o princípio da dignidade da pessoa humana. Todavia, o fato de ser serviço público não afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois, nesse sentido, dispõe expressamente o artigo 22 do citado diploma:

‘Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissioná-rias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.’

Além disso, há ressaltar que a Constituição Federal insere os direitos dos usuários de serviços públicos como inerentes à Ordem Econômica, equiparando sua relação com o prestador de serviço a uma relação de consumo, verbis:

‘Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) II - os direitos dos usuários; (...)’Pelas razões acima expostas, a legitimação do MPF para a propositura da demanda

decorre do fato de a pretensão posta em juízo buscar a tutela dos direitos dos consu-midores, sendo esses direitos caracterizados como direitos individuais homogêneos de efetiva relevância social.

Como defendem os réus, efetivamente discute-se se seria admissível a atuação mi-nisterial nessa espécie de direitos, havendo correntes mais restritivas quanto às hipóteses cabíveis. Entretanto, filio-me à doutrina que adota como parâmetro de legitimação o perfil constitucional das atribuições do Ministério Público. Para essa corrente, é ne-cessário conciliar a defesa do interesse a ele cometido na legislação infraconstitucional com a destinação constitucional do Ministério Público, voltada para uma atuação social. Por isso, no caso dos interesses difusos, em vista de sua abrangência ou extensão, não há como negar, está o Ministério Público sempre legitimado à sua defesa, mas, no caso de interesses individuais homogêneos ou no caso de interesses coletivos em sentido estrito, sua iniciativa ou sua intervenção processual só podem ocorrer quando haja efetiva conveniência social na atuação ministerial (...). Essa conveniência social em que sobrevenha atuação do Ministério Público deve ser aferida em concreto, a partir de critérios como estes: a) conforme a natureza do dano; b) conforme a dispersão dos lesados; c) conforme o interesse social no funcionamento de um sistema econômico social ou jurídico. (MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 97/98)

Efetivamente, os questionamentos que envolvem a possibilidade de se utilizar do

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corte ou da suspensão do fornecimento de energia elétrica como meio de coerção para o pagamento das faturas devidas são de extrema relevância, porque envolvem, como já referi, direitos estreitamente ligados à subsistência e à dignidade da pessoa huma-na. Há salientar, ainda, que a conveniência social da intervenção do MPF também se consubstancia no fato de a conduta das concessionárias afetar inúmeros consumidores, primordialmente, consumidores cuja situação socioeconômica impede que venham em juízo individualmente para defender seus direitos.

Por todas as razões, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal.

1.2 Ação Civil Pública como sucedâneo de Ação Declaratória de Inconstituciona-lidade de Lei em Abstrato

Alega a CEEE, em sua preliminar de ilegitimidade ativa do MPF, que é incabível a Ação Civil Pública. Por motivos didáticos, entendo adequado enfrentar o argumento separadamente.

O posicionamento é defendido através da citação da doutrina de Alexandre de Moraes, segundo o qual:

‘Se a decisão do Juiz ou Tribunal, em sede de ação civil pública, declarando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em face da Constituição Federal gerar efeitos erga omnes, haverá usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, por ser o único Tribunal em cuja competência encontra-se a interpretação concentrada da Constituição Federal.’ (MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 593/595)

A preliminar é totalmente insubsistente. A doutrina e a jurisprudência, efetiva-mente, vedam a utilização da Ação Civil Pública como sucedâneo da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou seja, quando o objeto da ACP for a declaração de inconsti-tucionalidade de lei em tese.

Todavia, não é o que ocorre nesta pretensão. O MPF busca a tutela coletiva de direitos dos usuários do serviço público de energia elétrica supostamente violados por atos infralegais, sob o fundamento de que tais atos afrontam preceitos constitucionais e a própria legislação ordinária. Trata-se, na verdade, de demanda cuja causa de pedir é a ilegalidade e a inconstitucionalidade da Resolução da ANEEL, mas cuja pretensão envolve tão somente a condenação das concessionárias em obrigação de não fazer, ou seja, absterem-se de cortar o fornecimento de energia elétrica em caso de mora com prazo inferior a 90 dias. A declaração de inconstitucionalidade é apenas incidental, motivo pelo qual não há falar em usurpação da competência do STF.

Outrossim, pondera-se que é pacificamente admitida a realização de controle difuso, incidenter tantum, em ação civil pública. Nesse sentido:

‘EMENTA: - Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição bancária, ob-jetivando a condenação da ré ao pagamento da ‘diferença entre a inflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índice aplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimento entre 14 e 30 de abril de 1990, mais juros de 0,5% ao mês,

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correção sobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se em liquidação de sentença’. 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Corte reclamada, ao manter a sentença, estabeleceu ‘uma inconstitucionalidade no plano nacional, em relação a alguns aspectos da Lei nº 8024/1990, que somente ao Supremo Tribunal Federal caberia decretar’. 5. Não se trata de hipótese suscetível de confronto com o precedente da Corte na Reclamação nº 434-1 - SP, em que se fazia inequívoco que o objetivo da ação civil pública era declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 7.844/1992, do Estado de São Paulo. 6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica decorrente de contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcançada por norma legal subsequente, cuja aplicação levaria a ferir direito subjetivo dos substituídos. 7. Na ação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei nº 8024/1990, por via difusa. Mesmo admitin-do que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle do Supremo Tribunal Federal, desde logo, à vista do art. 102, III, letra b, da Lei Maior, uma vez que decisão definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas de controle de constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade, quer, em abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF (CF, art. 102, I, a), quer na via difusa, incidenter tantum, ao ensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16 da Lei nº 7347/1997, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordiná-rio, relativamente ao qual, em situações graves, é viável emprestar-se, ademais, efeito suspensivo. 10. Em reclamação na qual sustentada a usurpação, pela Corte local, de competência do Supremo Tribunal Federal, não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na ação civil pública (Lei nº 7347/1985, art. 16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cassando-se a liminar.’ (STF; RECLAMAÇÃO Nº 600)

Assim, incabível a preliminar de inadequação da ação civil pública para veicular a pretensão.

1.3 (I)Legitimidade Passiva da AES Sul A AES Sul defende não ser parte legítima para responder ao pedido de indenização

por danos morais coletivos. Fundamenta a preliminar dizendo que seus atos são pautados em normas expedidas pela ANEEL, motivo pelo qual entende que somente a autarquia deveria responder por eventuais danos oriundos desses atos.

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A preliminar é totalmente insubsistente. Primeiro, porque os danos causados aos usuários por atos praticados pelas concessionárias ligados à prestação do serviço público devem ser por elas indenizados, sendo a responsabilidade da Administração Pública subsidiária. Nesse sentido, salienta-se os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:

‘O concessionário – já foi visto – gere o serviço por sua conta, risco e perigos. Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados à prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da res-ponsabilidade do Estado, pois ambas estão consideradas conjuntamente no mesmo dispositivo constitucional, o art. 37, § 6º (...).

(...) Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em

certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado.

É razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, ainda que, realizado de modo faltoso, acarre-tam, no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder concedente.’ (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 690/691)

Segundo, porque, mesmo que os atos da concessionária sejam pautados em normas infraconstitucionais ou infralegais, ninguém é obrigado a agir em desconformidade com a Constituição ou com a lei. Verificando eventual invalidade das determinações legislativas que lhe foram feitas, incumbe à concessionária buscar tutela do Poder Judiciário de modo a afastar as imposições supostamente contrárias ao princípio da legalidade, entendido em seu sentido amplo.

Quanto à alegação de que é incabível a responsabilização por ato lícito, entendo que a licitude de um ato não afasta o instituto da responsabilidade civil e que a análise dos pressupostos que a caracterizam deve ser realizada no mérito da demanda.

Por isso, rejeito a preliminar.”

É de ser reformada a r. sentença.Com efeito, ao julgar o REsp nº 363.943/MG, Rel. o Min. Humberto

Gomes de Barros, deliberou a Eg. 1ª Seção do STJ, verbis:“ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. CORTE. FALTA DE PAGA-

MENTO. - É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após

aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, Art. 6°, § 3°, II).”

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Ademais, a ANEEL editou o art. 91 da Resolução nº 456/00, com a seguinte redação, verbis:

“Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comuni-cação formal ao consumidor, nas seguintes situações:

I - atraso no pagamento da fatura relativa à prestação do serviço público de energia elétrica;

(...). § 1º A comunicação deverá ser por escrito, específica e de acordo com a antece-

dência mínima a seguir fixada: a) 15 (quinze) dias para os casos previstos nos incisos I, II, III, IV e V; (...)”

Dessa forma, não vislumbro nessa norma violação ao art. 175 da CF/88.

Ora, é cediço na doutrina e na jurisprudência que a inconstituciona-lidade somente deve ser proclamada quando manifesta, o que não se verifica no presente caso.

Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais norte-americanos, citada por Dudley McGovney, in Cases on Constitutional Law, 2. ed., Indianá-polis: The Bobbs-Merrill Company, 1935, p. 26, verbis:

“But it is not on slight implication and vague conjecture that the legislature is to be pronounced to have transcended its powers, and its acts to be considered as void. The opposition between the constitution and the law should be such that the judge feels a clear and strong conviction of their incompatibility with each other.”

Por outro lado, a concessionária, a teor do disposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/95, tem o dever de satisfazer as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Ora, o não atendimento desses encargos importa a aplicação de pena-lidades que podem originar, inclusive, a extinção da concessão.

Ademais, a manutenção da liminar poderá comprometer a remunera-ção do serviço por meio da tarifa e, via de consequência, a garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

A respeito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta, 2. ed., 3ª ti-ragem, RT, 1987, p. 47/8, verbis:

“No Brasil, a álea ordinária, ou seja, o único risco que o concessionário deve suportar

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sozinho cinge-se aos casos em que o concessionário haja atuado canhestramente, pro-cedendo com ineficiência ou imperícia. Isso porque o art. 167 da Carta Constitucional do país estatui que a lei disporá sobre o regime das concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais, assegurando, entre outros, ‘tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato e fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior’.

Ora, desde que o texto constitucional exige a adoção de tarifas que assegurem a justa remuneração do capital, impõe a garantia do equilíbrio econômico e financeiro e requer a revisão periódica das tarifas, está visto que, sempre que ocorrer desequilíbrio na equação patrimonial – mesmo que derivado de oscilações de preços no mercado, insuficiência do número de usuários ou de providências governamentais desempenhadas em nome de sua supremacia geral e sem relação com a posição jurídica de contratante que haja assumido –, o Poder concedente deverá restabelecer o equilíbrio através da revisão de tarifas, de modo não só a restaurar-lhe os termos de igualdade, mas ainda com fito de assegurar a justa retribuição do capital. Em outras palavras, a Lei Magna impõe indiretamente a adoção, nas concessões, do regime de serviço pelo custo, dando a garantia de u’a margem fixa de lucro.”

Tais princípios restaram definitivamente incorporados no Direito Administrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Con-selho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás de Bordeaux, proferido em 1916, em que se destacou a notável contribuição de Char-denet, verbis:

“Mais tout service public doit être organisé dans des conditions qui permettent de compter sur son fonctionnement d’une manière régulière, sans interruption, même momentanée, sans à-coups, passez-nous l’expression, et qui, en même temps, seront de nature à donner pleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux, fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Pro-priétaires et Contribuables du quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également, et cela dans l’intérêt général, que le service public soit à l’abri d’incessantes ou de trop fréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles dans le fonctionnement ou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour un certain nombre d’années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraient y être apportés. Mais, au cours d’une période de temps un peu longue, bien des événements peuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins se modifier. D’autre part, pour la bonne organisation et l’heureux fonctionnement d’un service public important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent être immobilisés pour longtemps. Si nous prenons l’exemple du service d’éclairage, au début on aura à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faire face

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à des frais d’entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements de matériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des perfectionnements des moyens de fabrication, dont les bénéficiaires du service public doivent profiter. Au cours de l’execution du service, il faudra passer, presque toujours longtemps à l’avance, des marchés importants pour s’assurer les matières premières nécessaires à la fabrication du gaz. Les dépenses que l’on aura ainsi engagées seront amorties peu à peu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue. Pour éviter d’exposer la personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, – pour lui éviter d’engager ses ressources propres dans des opérations commerciales ou industrielles qu’impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d’être obligée de recourir parfois à des emprunts plus ou moins onéreus, – on a songé à s’adresser à des tiers, particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur eux du soin d’assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.” (In Revue Du Droit Public Et De La Science Politique, Paris: M. Giard & E. Brière, 1916, t. 33, p. 220/1)

Ao proferir voto no Agravo Regimental no AI nº 2004.04.01.017706-6/PR, julgado pela 3ª Turma do TRF/4ª Região, anotei, verbis:

“A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública, podendo ser exercido ainda que nenhuma cláusula expressa o consigne, porém, a alteração somente pode atingir as denominadas cláusulas regulamentares, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.

Contudo, no que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabelecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e dispõem acerca da equação econômico-financeira do contrato administrativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econô-mica do contratado, visando restabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes.

Esse o magistério do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles, in Licitação e Contrato Administrativo, 9. ed., Revista dos Tribunais, 1990, p. 181/2.

É o que se encontra previsto nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei nº 8.987/95.

Por outro lado, a concessionária, a teor do disposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/95, tem o dever de satisfazer as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segu-rança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Ora, o não atendimento desses encargos importa a aplicação de penalidades que podem originar, inclusive, a extinção da concessão.

Ademais, a revogação da liminar poderá comprometer a remuneração do serviço por meio da tarifa e, via de consequência, a garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

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A respeito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Prestação de Ser-viços Públicos e Administração Indireta, 2. ed., 3ª tiragem, RT, 1987, p. 47/8, verbis:

‘No Brasil, a álea ordinária, ou seja, o único risco que o concessionário deve suportar sozinho cinge-se aos casos em que o concessionário haja atuado canhestramente, pro-cedendo com ineficiência ou imperícia. Isso porque o art. 167 da Carta Constitucional do país estatui que a lei disporá sobre o regime das concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais, assegurando, entre outros, ‘tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato e fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior’.

Ora, desde que o texto constitucional exige a adoção de tarifas que assegurem a justa remuneração do capital, impõe a garantia do equilíbrio econômico e financeiro e requer a revisão periódica das tarifas, está visto que, sempre que ocorrer desequilíbrio na equação patrimonial – mesmo que derivado de oscilações de preços no mercado, insuficiência do número de usuários ou de providências governamentais desempenhadas em nome de sua supremacia geral e sem relação com a posição jurídica de contratante que haja assumido –, o Poder concedente deverá restabelecer o equilíbrio através da revisão de tarifas, de modo não só a restaurar-lhe os termos de igualdade, mas ainda com fito de assegurar a justa retribuição do capital. Em outras palavras, a Lei Magna impõe indiretamente a adoção, nas concessões, do regime de serviço pelo custo, dando a garantia de uma margem fixa de lucro.’

Tais princípios restaram definitivamente incorporados no Direito Administrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Conselho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás de Bordeaux, proferido em 1916, em que se destacou a notável contribuição de Chardenet, verbis:

‘Mais tout service public doit être organisé dans des conditions qui permettent de compter sur son fonctionnement d’une manière régulière, sans interruption, même momentanée, sans à-coups, passez-nous l’expression, et qui, en même temps, seront de nature à donner pleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux, fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Pro-priétaires et Contribuables du quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également, et cela dans l’intérêt général, que le service public soit à l’abri d’incessantes ou de trop fréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles dans le fonctionnement ou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour un certain nombre d’années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraient y être apportés. Mais, au cours d’une période de temps un peu longue, bien des événements peuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins se modifier. D’autre part, pour la bonne organisation et l’heureux fonctionnement d’un service public important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent être immobilisés pour longtemps. Si nous prenons l’exemple du service d’éclairage, au début on aura

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à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faire face à des frais d’entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements de matériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des perfectionnements des moyens de fabrication, dont les bénéficiaires du service public doivent profiter. Au cours de l’execution du service, il faudra passer, presque toujours longtemps à l’avance, des marchés importants pour s’assurer les matières premières nécessaires à la fabrication du gaz. Les dépenses que l’on aura ainsi engagées seront amorties peu à peu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue. Pour éviter d’exposer la personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, – pour lui éviter d’engager ses ressources propres dans des opérations commerciales ou industrielles qu’impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d’être obligée de recourir parfois à des emprunts plus ou moins onéreus, – on a songé à s’adresser à des tiers, particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur eux du soin d’assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.’ (In Revue Du Droit Public Et De La Science Politique, Paris: M. Giard & E. Brière, 1916, t. 33, p. 220/1)

É o magistério autorizado de Georges Péquignot, verbis:‘Le cocontractant a droit à la rémunération inscrite dans son contrat. C’est le

principe de la fixité du prix du contrat. Il n’a consenti son concours que dans l’espoir d’un certain bénéfice. Il a accepté de prendre à sa charge des travaux et des aléas qui, s’il n’avait pas voulu contracter, auraient été supportés par l’Administration: il est normal qu’il en soi rémunéré.

Il serait, par ailleurs, contraire à la règle de bonne foi, contraire aussi à toute sécurité des affaires et, de ce fait, dangereux pour l’état social et économique, que l’Administration puisse modifier, spécialment réduire, cette rémunération.’

E, mais adiante, conclui o mesmo autor, verbis:‘...l’Administration, lorsqu’elle modifie le contrat sur un point qui intéresse le ser-

vice public, doit cependant maintenir son équation financière, c’està-dire, le bénéfice que le cocontractant espérait tirer de l’opération. A fortiori, toute autre modification étant mise à part, cette équation financière doit-elle être maintenue par l’impossibilité de réduire ou de supprimer directement la rémunération en vue de laquelle le cocon-tractant s’est engagé.

Ce principe est fondamental. Il doit être entendu très rigoureusement, car, applica-tion particulière de l’idée d’équation financière, il est la source de la sécurité juridique du cocontractant de l’Administration.’ (In Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris: A. Pédone, 1945, p. 434/5)

Confira-se, a respeito, recentes decisões do Eg. STJ, verbis:‘AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR N. 74 - PR

(2004/0031293-3)Relator: Ministro Edson VidigalAgravante: Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A - Econorte

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Advogados: Romeu Felipe Bacellar Filho e outrosAgravado: Estado do ParanáProcuradores: Sérgio Botto de Lacerda e outrosRequerido: Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoEMENTASuspensão de liminar. Tutela antecipada deferida para assegurar o reajuste de tarifas

de pedágio pela empresa concessionária.1. Não há como se concluir por ofensa à ordem ou à economia públicas em deci-

são concessiva de tutela antecipada que apenas assegurou o cumprimento de cláusula contratual livremente firmada entre as partes e não questionada administrativamente ou em juízo.

2. Perigo de dano inverso. O simples descumprimento de cláusulas contratuais por parte do governo local viola o princípio da segurança jurídica e inspira riscos nos contratos com a Administração.

3. Agravo regimental provido.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial,

do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do agravo regimental e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado, Gilson Dipp e Francisco Falcão, sendo os três últimos substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira.

Brasília (DF), 1º de julho de 2004 (data do julgamento).Ministro Nilson Naves, PresidenteMinistro Edson Vidigal, Relator’ (Publicado no DJ de 23.08.2004 - In RSTJ,

180/21)Nessa mesma orientação, os julgados publicados na RSTJ, 181/31 e 182/49.Preciso o magistério de Hely Lopes Meirelles, in Estudos e Pareceres de Direito

Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, v. 11, p. 120/1, verbis:‘O equilíbrio econômico-financeiro é a relação que as partes estabelecem inicial-

mente no contrato administrativo, entre os encargos do particular e a retribuição devida pela entidade ou órgão contratante, para a justa remuneração do seu objeto (cf. nosso Licitação e Contrato Administrativo, ob. cit., p. 184).

Essa correlação encargo-remuneração deve ser conservada durante toda a execu-ção do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas de serviço, modificados projetos e

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programas, liberados trabalhos em quantidades inferiores às previstas ou superados os prazos contratuais por mora da Administração, a fim de que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro, o qual, como bem observa Waline, é ‘direito fundamental de quem contrata com a Administração’ (Marcel Waline. Droit Administratif, Paris, 1959, p. 574). Para De Soto, citado por Laubadère, ‘a manutenção desse equilíbrio constitui norma fundamental da teoria dos contratos administrativos. As obrigações das partes são tidas como calculadas de tal maneira que se equilibram do ponto de vista financeiro, e o responsável pelo contrato deverá esforçar-se para manter, a qualquer custo, esse equilíbrio.’ (André De Laubadère, Contrats Administratifs, Paris, 1956, II/35, nota 6)

5. O reconhecimento do direito ao equilíbrio financeiro – o primeiro direito ori-ginal do cocontratante com o Poder Público, segundo Péquignot (Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, 1945, p. 430) – surgiu como contrapartida ao poder-dever de alteração unilateral do contrato administrativo, mas vale também para os casos em que, impedido de invocar a exceção de contrato não cumprido, o particular contratado se vê obrigado a suportar o cumprimento irregular do ajuste ou a mora da Administração contratante.

Com efeito, o contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lu-cro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste porque se, de um lado, a Administração tem o poder de modificar as condições de execução do contrato e de exigir a prestação da outra parte, ainda que ela mesma não tenha cumprido a sua, de outro lado, o particular contratado tem o direito de ver mantida a correlação encargo-remuneração estabelecida originariamente, uma vez que o seu objetivo ao participar da relação negocial foi – e continua sendo – o ganho pecuniário. Objetivo altamente lícito e respeitável, diga-se de passagem, que a Administração contratante não pode, validamente, restringir, exigindo que, a partir de um dado momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas e até mesmo prejudiciais ao contra-tado, sem qualquer culpa deste.

6. Para a cabal satisfação desse direito, é forçoso se operem os necessários ajustes econômicos sempre que, por ato ou fato da Administração, for rompido o equilíbrio econômico-financeiro, em detrimento do particular contratado, independentemente de previsão contratual, como nos ensina Laubadère, nestes precisos termos: ‘Cette règle d’equilibre est quelque fois considerée comme résultant de la commune intention des parties; elle s’applique, en tous cas, même lorsqu’elle ne figure pas expressément dans le contrat’ (André de Laubadère, Traité Élémentaire de Droit Administratif, Pa-ris, 1957, p. 431. No mesmo sentido: Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, 1975, p. 293).

7. Por outro lado, se o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro inicial, na hi-pótese de alteração unilateral do ajuste, constitui dever da Administração contratante; com muito mais razão é direito daquele e dever desta, nos casos em que o órgão ou

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entidade contratante abusa de sua posição privilegiada para descumprir ou cumprir irregularmente suas prestações ou, ainda, suspender os prazos contratuais, obrigando o particular a suportar encargos excessivos, os quais, por não terem sido cogitados quando da elaboração da proposta ou da celebração do contrato, representam insupor-táveis prejuízos, mormente numa conjuntura em que o custo do dinheiro é altíssimo e a inflação avilta a moeda a cada dia.’

Da mesma forma, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Revista Trimestral de Direito Público, v. 38/143-4, verbis:

‘6. A legislação brasileira, a começar da Constituição, proclama a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Deveras o art. 37, XXI, da Lei Magna dispõe que ‘(...) obras, serviços, compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta (...)’.

O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondência entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Dado que as partes se obrigarão em face daquelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverão de correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaram em sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional, necessitam resguardar a correlação estratificada sobre as condições efetivas em vista das quais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados se houver supervenientes desconcertos.

É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo daquilo que, em direito administrativo, é denominado ‘equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo’, com os decorrentes reajustes e revisões.

7. Em nível infraconstitucional, o equilíbrio econômico-financeiro também se encontra enfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.6.1993, que veicula regras gerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumidade em nume-rosas passagens. Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40, XI e XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e no art. 65, II, d, assim como em seu § 5º.

É certo, além disso, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.2.1995, também encarece a proteção à equação econômico-financeira e exige-lhe a persistência ao longo da relação instaurada. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido ‘será preservada pelas regras de revisão’.

O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece es-tampadamente nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que: ‘Os contratos poderão estabelecer mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico e financeiro’; que: ‘Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão

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da tarifa para mais ou para menos, conforme o caso’; e que: “Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração”.

O art. 18 da mesma lei dispõe que: ‘O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos, e conterá, especialmente: (...) VIII - os critérios de reajuste e revisão das tarifas’.

O art. 23, entre as cláusulas categorizadas como essenciais ao contrato de concessão, em seu inciso IV, inclui as relativas, ‘ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas’.

É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como a de contratos administrativos em geral – e os princípios gerais destes se aplicam às licitações para concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 –, consagra insistentemente a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, tanto pelo instituto da revisão quanto dos reajustes.

Tudo isso está a revelar, inobjetavelmente, a decidida orientação legislativa de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.’

No que concerne às limitações que sofre a Administração Pública para promover alterações unilaterais no contrato administrativo, notadamente o contrato de concessão do serviço público, averba André de Laubadère, em seu já clássico Traité des Contrats Administratifs, 2. ed., Paris: L.G.D.J., 1984, t. 2º, p. 406, n. 1177, verbis:

‘D’une part, l’administration et son cocontractant ont conclu un certain contrat, ayant un certain objet: l’administration ne peut prétendre imposer une modification qui aboutirait à dénaturer le contrat, à lui donner en fait un objet nouveau, différent de celui qui a été envisagé dans la commune intention des parties; D’autre part, le cocontractant a conclu le contrat en considération de certaines conditions, notamment de ses possibilités techniques et financières. L’administration ne peut prétendre imposer des modifications qui aboutiraient par leur importance à un bouleversement du contrat et de son économie générale.’

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: Jean de Soto, in Droit Administratif - Theorie Generale du Service Public, Paris: Montchrestien, 1981, p. 339; Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris: Libr. du Recueil Sirey, 1952, 392/3, § 3º; Jean Rivero, in Droit Administratif, 8. ed., Paris: Dalloz, 1977, p. 454/5, nº 481; Jacqueline Morand-Deviller, in Cours de Droit Administratif, 3. ed., Paris: Montchrestien, p. 362, “C”; Georges Dupuis, Marie J. Guédon, Patrice Chrétien, in Droit Administratif, 7. ed., Paris: Armand Colin, p. 403, “B”; Laurent Richer, in Droit des Contrats Administratifs, Paris: L.G.D.J., 1995, p. 198; Gaston Jèze, in Les Principes Généraux Du Droit Administratif - Théorie Générale Des Contrats De L’Administration, Troisième Partie, Paris: L.G.D.J., 1936, 1.142.

Em palavras lapidares, a propósito do alcance da garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, anotam Nicola Assini e Lucio Marotta, in La

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Concessione di Opere Pubbliche, CEDAM-PADOVA, 1981, p. 73/4, verbis:‘È un principio pacifico che la gestione sia svolta dal concessionario a suo rischio

e periculo. Ma è altrettanto evidente che rischi e pericoli sono a carico del concessio-nario solo in condizioni di normale svolgimento del rapporto economico regolato fra le parti dalla convenzione accessiva all’atto di concessione.

Fra le obbligazioni de concedente e quelle des concessionario si stabilisce all’inizio un certo rapporto ed è questo rapporto che deve essere mantenuto nel tempo, anche se ciò dovesse richiedere un mutamento delle obbligazioni assunte originariamente dalle parti.

Interessato particolarmente al mantenimento di questo rapporto è naturalmente il concessionario, che eviterà cosí di doversi accollare i rischi di gestione dipendenti da avvenimenti eccezionali ed imprevedibili. Ma anche il concedente ha interesse che il concessionario non venga mai a trovarsi in crisi in dipendenza di fatti che non gli siano addebitabili, poiché altrimenti verrebbe pregiudicato il perseguimento del fine pubblico che l’atto di concessione si riprometteva.

È nella logica della concessione che gli interessi delle parti non debbano risentire di quella contrapposizione o antiteticità che normalmente si verifica in qualsiasi altro rapporto obbligatorio scaturente da contratto. Concedente e concessionario sono in effetti legati da un rapporto del tutto peculiare, per cui essi vengono a trovarsi, secondo una plastica espressione, nella stessa barca.’

Essa interpretação resulta do texto da Lei Maior, nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, que garante ao concessionário do serviço público a justa remuneração pela prestação do serviço, o que se verifica por meio da tarifa.

Ora, permitir que o Poder Público, por ato unilateral, alterasse o valor da tarifa, reduzindo-o, seria infringir o intento constitucional, comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, com repercussões negativas na pres-tação do serviço público e no próprio desdobramento do contrato, pondo em risco a continuidade e a regularidade da prestação do serviço.

Impõe-se, aqui, recordar as palavras de Sutherland, a propósito da interpretação das cláusulas constitucionais, verbis:

‘No Court is authorized to so construe a clause of the constitution as to defeat its obvious ends, when another construction, equally accordant with the words and sense, will enforce and protect those ends. (...) a Court has no right to insert anything in the constitution which is not expressed and cannot fairly be implied, and when the text of a constitutional provision is not ambiguous, the courts are not at liberty to search for its meaning beyond the instrument itself.’ (William A. Sutherland, in Notes on the Constitution of the United States, San Francisco: Bancroft-Whitney, 1904, p. 28/9)

‘Benignius leges interpretandae sunt, quo voluntas eorum conservetur.’ (Celso, Dig. 1, 3, 18)

Ademais, como sabido, os atos e contratos praticados pelo Poder Público, sua validade, extensão e eficácia, somente poderão ser apreciados à luz das regras de

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direito público, notadamente do princípio da legalidade, hoje insculpido no art. 37 da CF/88.

A respeito, bem lembrou Hartmut Maurer, verbis:‘Le problème principal du contrat administratif, du point de vue juridique, est le

principe de la soumission de l’administration à la loi et au droit (Gesetzmässigkeit der Verwaltung). Alors que le droit civil est marqué par le principe d’autonomie des rela-tions entre personnes privées (Privatautonomie) et que, par suite, il est axé précisément sur le contrat, considéré comme moyen d’aménagement des rapports entre individus (Gestaltungsmittel), le droit administratif est dominé par le principe de légalité. Les règles juridiques s’imposant à l’administration régissent de plus en plus étroitement les rapports qu’elle a avec le citoyen, comme le montre l’extension du domaine réservé à la loi, la soumission croissante du pouvoir discrétionnaire à des règles de droit, la reconnaissance de droits subjectifs et le développment de la protection juridictionelle.’ (In Droit Administratif Allemand, traduit par M. Fromont, Paris: L.G.D.J., 1994, p. 378/9, n. 25, c)

Por esses motivos, conheço do agravo regimental, negando-lhe provimento.É o meu voto.” (In Revista do TRF/4ª Região, nº 57/143-152)

A respeito, destaca o saudoso Professor J. H. Meirelles Teixeira, verbis:

“Uma vez efetuada a concessão, o Poder Público se acha vinculado às suas cláusulas com a mesma fôrça, o mesmo vigor e a mesma obrigatoriedade que o concessionário; assim como êste não pode faltar impunemente ao estipulado, aquêle não poderá, sob pretexto da sua qualidade, subtrair-se ao exato cumprimento das obrigações e com-promissos assumidos no ato da concessão. A concessão, representada pelo complexo das suas vantagens, se integra no patrimônio do concessionário, e qualquer ato da Administração, que importe em atentado contra a sua integridade, resultará para êle no direito de se reintegrar à custa do patrimônio coletivo.

A concessão é, portanto, o que os americanos chamam property (Abott, Municipal Corporation, v. II, § 751; Dillon, Municipal Corporation, v. III), isto é, um direito incorporado no patrimônio do concessionário, e que não é lícito ao poder público re-vogar, anular, diminuir ou alterar, na qualidade, que é a sua, de direito adquirido pelo concessionário, a saber, integrado no conjunto ou no complexo de valores, protegidos pelo direito, e que constituem o seu patrimônio.” (Teixeira, J. H. Meirelles. Parecer publicado na Revista de Direito Administrativo, v. 50, p. 422. Nesse sentido, ainda, do mesmo autor, a clássica monografia O Problema das Tarifas nos Serviços Públicos Concedidos, São Paulo, 1941, p. 224 e seguintes)

Da mesma forma, o Mestre Pontes de Miranda, verbis:“A fixação e a revisão de tarifas segundo critério que se estabeleceu negocialmente

sòmente podem ser alteradas de acôrdo com as cláusulas do negócio jurídico, isto é,

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segundo critério negocialmente estabelecido. Qualquer lei federal, estadual ou municipal não pode ofender o direito adquirido, ato jurídico perfeito ou a coisa julgada (Consti-tuição de 1946, art. 141, § 3º), nem o princípio de isonomia ou de igualdade perante a lei (Constituição de 1946, art. 141, § 1º), nem se afastar do art. 146 da Constituição de 1946, sedes materiae.” (Miranda, Pontes de. Questões Forenses. Rio de Janeiro: Borsoi, , 1958, t. IV, p. 401)

Nesse sentido, voto que emiti na qualidade de relator dos Embargos de Declaração no AI nº 2006.04.00.001762-2/PR, verbis:

“Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:

‘Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nou-velle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que postérieurement à la promulgation de cette loi’. (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris: Recueil Sirey, 1925, t. 2º, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

‘The integrity of contracts-matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall (...) pass any (...) law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.’ (In The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, West Publishing Co., St. Paul, 1924, v. 44, p. 86)

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francisco Campos, em seu Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, v. II, p. 11, verbis:

‘O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito continuará a ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as transformações por ele operadas nas relações jurídicas que constituem o seu conteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo ou extinguindo direito.

O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de um direito – ou a pretensão fundada a uma prestação, ou a modificação ou a extinção de direito anterior a determinada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior precisamente para que

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não seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.’

Ademais, a Lei Estadual nº 14.235/03, que ‘revogou’ as cláusulas do contrato, teve a sua eficácia suspensa pelo Eg. STF quando do julgamento da ADIn nº 3.075-DF.

Em seu voto, disse o ilustre Ministro Gilmar Mendes, verbis:‘De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao

ato jurídico perfeito e ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que sejam suspensas a vigência e a eficácia do ato impugnado.’

Descumprindo tal decisão, o Chefe do Poder Executivo do Estado do Paraná edita o Decreto nº 5.434/05, que reproduz o comando do texto legal suspenso pelo Pretório Excelso, em clara violação ao princípio da Separação e Harmonia dos Poderes – art. 2º da CF/88 –, exorbitando o poder regulamentar que lhe confere a Lei Maior.

Pertinente, in casu, relembrar as sábias palavras proferidas pelo Justice Louis Brandeis no julgamento do caso Myers v. United States pela Suprema Corte Ameri-cana, verbis:

‘The doctrine of the separation of powers was adopted by convention of 1787 not to promote efficiency but to preclude the exercise of arbitrary power. The purpose was not to avoid friction, but, by means of the inevitable friction incident to the distribution of the governmental powers among three departments, to save the people from autocracy.’ (In The Supreme Court Reporter, St. Paul: West Publishing, 1928, v. 47, p. 85)

A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis:

‘1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela lei, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislativo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora, poderia o governo criar impostos, penas ou deveres que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão;

2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, porquanto a fa-culdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele;

3º) em ordenar, ou proibir o que ela não ordena, ou não proíbe, porquanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei e mormente do direito privado, pois que essas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução;

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4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser diferente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei;

5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato ver-dadeiramente atentatório.’ (In Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 237, nº 326)

E, mais adiante, conclui o ilustre Mestre, verbis:‘O governo não deve por título algum falsear a divisão dos poderes políticos, exceder

suas próprias atribuições, ou usurpar o poder legislativo.Toda e qualquer irrupção fora destes limites é fatal, tanto às liberdades públicas,

como ao próprio poder.’ (In Op. Cit., p. 237)Realmente, o ordenamento jurídico brasileiro atribui ao regulamento unicamente o

papel de regulamentar a lei, esclarecendo o seu comando normativo, porém, sempre, observando-a estritamente, não podendo inovar, ampliar ou restringir direitos, sob pena de ilegalidade.

Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, verbis:‘748. - Le règlement de police, parce qu’il est un règlement, est hiérarchiquement

inférieur à la loi. Il ne peut aller, dans ses dispositions, à l’encontre des prescriptions législatives, s’il en existe sur tel ou tel point perticulier.’ (PAUL DUEZ et GUY DE-BEYRE, in Traité de Droit Administratif, Paris: Dalloz, 1952, p. 514)

‘LES LIMITES DU POUVOIR RÉGLEMENTAIREElles sont toutes l’expression de la subordination de l’ autorité règlementaire au

législateur. Ont peut les classer ainsi:1º Obligation de respecter les lois dans leur lettre et dans leur esprit;2º Impossibilité d’interpréter la loi: ce pouvoir n’appartient qu’au législateur et

aux tribunnaux: CE (Sect), 10 juin 1949, Baudouin.3º Impossibilité pour l’autorité administrative de prende l’initiative de diminuer

par um règlement la liberté des citoyens si le législateur n’a pas posé au mains le principe d’une telle limitation; (...).’ (MARCEL WALINE, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris: Du Recueil Sirey, 1952, p. 41)

Essa é, igualmente, a jurisprudência da Suprema Corte, verbis:‘Resolução nº 194/1970 do CONFEA - Exercício da Profissão de Engenharia,

Agronomia e Arquitetura - Exigências ilegais.Dada a inferioridade constitucional do regulamento em confronto com a lei, é

evidente que aquele não pode alterar, seja ampliando, seja restringindo, os direitos e obrigações prescritos nesta.

(...).’ (RE n.º 81.532/BA, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO, in RTJ 81/494).A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Constitution of the

United States - The Rights of Property, New York: The Macmillan Company, 1965, p. 2/3, verbis:

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‘The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, never-theless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.’

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha, mas sempre nova lição de John Ran-dolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

‘All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ - null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.’ (In The Constitution of the United States, Chicago: Callaghan & Co, 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:‘The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and abso-

lute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.’ (In The Works of Daniel Webster, Boston: Little, Brown and Company, 1853, v. I, p. 331)

É manifesta, pois, a ilegalidade do Decreto Estadual nº 5.434/05, uma vez que descumpriu decisão proferida pelo Eg. STF e, a pretexto de revogar ato que entende ilegal, na forma da Súmula 473 daquela Corte, em realidade violou a letra e o espírito desse enunciado, invadindo, no caso, a seara do Poder Judiciário.

A respeito, preciso o magistério de Francisco Campos, em seu Direito Administra-tivo, Imprensa Nacional, Rio, 1943, ao assinalar os limites da Administração Pública acerca da revogação dos atos administrativos, verbis:

‘Em princípio, os atos administrativos, particularmente aqueles de que resulta uma situação individual, não podem ser revogados pela própria administração. Esse princípio se funda no fato de que a atividade administrativa é, igualmente, uma atividade jurídica, de que os seus atos não são atos quaisquer, mas atos juridicamente qualificados ou de relevância jurídica, sendo, como é, a administração uma das formas de execução

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do direito. Quando, portanto, o ato administrativo se resume em uma individuação da norma, a decisão do poder administrativo é assimilável à decisão do Poder Judiciário, adquirindo, assim, a força de ligar a administração ao seu próprio ato, o qual, em relação a ela, constitui uma res judicata. (...) Ora, não é da natureza da administração resolver contestações entre interesses que se opõem, havendo, como há, um departamento do governo especialmente designado, pela sua competência, para o exercício de tais fun-ções. À administração, nos regimes em que não lhe cabe exercer funções contenciosas, falece competência para decidir sobre contestações emergentes da sua atividade, que se tem por completa e acabada com a emanação dos atos administrativos compreendidos na sua competência própria e específica.’ (In Op. Cit., p. 60/1)

Nesse sentido tem decidido a Suprema Corte dos Estados Unidos.Em Stone v. United States, tratava-se da venda de terras de domínio público, tendo

o Secretário do Interior, que era a autoridade competente para expedir os títulos de propriedade, alienado terras não incluídas entre aquelas cuja venda a lei autorizava. O seu sucessor na Secretaria do Interior promoveu a anulação da venda assim reali-zada. Instada a se pronunciar, a Suprema Corte deliberou que, embora nulo o ato, não caberia à administração rescindi-lo, uma vez que a rescisão constitui ato de natureza jurisdicional, que se inclui na competência do Poder Judiciário.

O princípio firmado nesse julgamento foi mantido no caso Beley et al. v. Naphtaly, julgado em 28 de fevereiro de 1898, oportunidade em que o Justice Peckham afirmou, verbis:

‘The case of U.S. v. Stone, 2 Wall. 525, has no bearing adverse to this proposition. In that case it was stated that a patent is but evidence of a grant, and the officer who issues it acts ministerially, and not judicially; that, if he issues a patent for land reser-ved from sale for law, such patent is void for want of authority, but that one officer of the land office is not competent to cancel or annul the act of his predecessor; that is a judicial act, and requires the judgment of a Court.’ (In The Supreme Court Reporter, St. Paul: West Publishing, 1899, v. 18, p. 358)

Da mesma forma, decidiu aquela Alta Corte no caso Michigan Land & Lumber Co., Limited, v. Rust, julgado em 13 de dezembro de 1897 (In Op. Cit., p. 208).

Ora, no caso dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual, pois a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevi-síveis pelas partes, e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a ideia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente.

Tal ideia se inspirava num princípio de equidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda des-proporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido enriquecimento de um e consequente empobrecimento do outro. (Cfe.

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sobre o tema os seguintes autores: ANDREA TORRENTE, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Giuffrè Editore, 1965, pp. 447-50, § 311; GILBERT MADRAY, Des Contrats D’après la Récent Codification Privée Faite aux États-Unis - Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français, Paris: Générale, 1936, p. 194; GEORGES RIPERT, La Règle Morale dans les Obligations Civiles, 4. ed., Paris: Générale, 1949, p. 143 e ss.; PAUL DURAND, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge, Paris: Du Recueil Sirey, 1929, p. 134 e ss; VIRGILE VENIAMIN, Essais sur les Donnes Economiques dans L’Obligation Civile, Paris: Générale, 1931, p. 373 e ss.; MARCEL PLANIOL, Traité Élémentaire de Droit Civil, 10. ed., Paris: Générale, 1926, t. II, n. 1.168, p. 414; OTHON SIDOU, A Revisão Judicial dos Contratos, 2. ed., Forense, 1984, p. 95; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, 3. ed., RT, 1984, t. XXV, § 3.060, p. 218-20 e, do mesmo autor, Dez Anos de Pareceres, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, vs. 7/36-9 e 10/197-9; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 345-6, n. 242; FRANCISCO CAMPOS, Direito Civil - Pareceres, Livr. Freitas Bastos, 1956, p. 05-11)

Todos os autores acima referidos admitem, sob os mais variados fundamentos doutri-nários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias excepcionais, ou seja, somente a álea econômica extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes, justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus.

Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se manifestou sobre a tormentosa questão, como reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO, cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE nº 71.443-RJ, verbis: ‘Rebus sic stantibus - Pagamento total prévio. 1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido admi-tida como implícita somente em contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio...’ (in RTJ 68/95. No mesmo sentido RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323).

No caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da imprevisão, que deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contratos celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. A respeito, doutrina VIRGILE VENIAMIN, em clássica monografia, verbis:

‘En limitand ainsi l’application de la théorie de l’imprévision au cas où elle apparait comme une exigence, de l’harmonieux développement de l’organisation économique, on restreint par la même consideráblement son étendue. En offrant au juge un critérium objectif, fondé sur les donnés concrètes dégagées grâce à une méthode d’observation directe, à l’aide du matériel préparé par des experts idoines,

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on évite l’arbitraite auquel la recherche d’une intention malveillante, toujours devinatoire peut fournir l’occasion. En outre, le rapprochement que nous venons de faire dans le présent chapitre, entre la lésion et l’imprévision – toutes les deux ayant le même caractère et répondant aux mêmes nécessités de l’ordre économique – nous indique une limitation technique du pouvoir de juge. Dans les deux cas, ce n’est pas à la révision du contrat qu’on doit aboutir, mais simplement à sa rescision (1). Il n’appartient point au juge d’orienter l’activité humaine en s’immiscant dans la teneur du contrat. Sa mission est terminée, dès qu’en obéissant aux directives économiques, il empêche la ruine de l’individu et lui assure en même temps que sa sauvegarde personnelle, une participation efficace à la collaboration générale.’ (In Essais sur les Données Economiques dans L’Obligation Civile, Paris: Générale, 1931, p. 393-4)” (In Revista do TRF/4ª Região, nº 60/169-176)

Ora, constitui princípio elementar da teoria geral dos contratos ad-ministrativos que toda e qualquer modificação unilateral do contrato por parte do Poder Público que agrave os encargos do contratado obri-ga a Administração a compensar economicamente os novos encargos, restaurando-se, assim, o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste.

Nesse sentido, dispõe o § 4º do art. 9º da Lei nº 8.987, de 13.02.1995, verbis:

“Art. 9º.(...)§ 4º - Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio

econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.”

É sabido o respeito pela observância das cláusulas dos contratos nos Estados Unidos da América, a tal ponto de constituir a integridade da relação contratual uma diretriz constitucional de primeira ordem, que deve ser preservada sempre que possível.

Quem o diz é o respeitado Professor Ernest Freund, em obra clássica, verbis:

“The integrity of contractual obligation is a constitutional policy of the first order, and should be maintained wherever possible.” (FREUND, Ernest. Standarts of Ame-rican Legislation, Second Edition, The University of Chicago Press, 1965, p. 283)

Por esses motivos, voto por dar provimento às apelações e à remessa oficial, julgando improcedente a ação, prejudicado o apelo do MPF.

É o meu voto.

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VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios: O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública requerendo (1) a cessação da suspensão do fornecimento de energia elétrica em razão do atraso no pagamento de fatura, nos moldes em que regulamentada pela Resolução ANEEL 456/2000; (2) a condenação às concessionárias para que informem aos usuários a forma de cobrança de atrasados, que não a suspensão do fornecimento, ao menos até a inadimplência atingir 90 dias; (3) multa diária de cem mil reais pelo eventual descumprimento; (4) indenização por danos morais coletivos.

Após regular processamento, foi proferida sentença. Afastadas as preliminares de ilegitimidade ativa do MPF, adequação da ação civil pública e de ilegitimidade da AES Sul, o feito foi julgado parcialmente procedente, para o fim de (1) afastar a incidência da Resolução citada, (2) determinar a abstenção do corte de energia por falta de pagamento dos consumidores residentes no Rio Grande do Sul, sob pena de multa diária de trinta mil reais, e (3) condenar as concessionárias à prestação de informações sobre a forma de cobrança dos atrasados.

Apelaram o MPF e as concessionárias.O eminente relator afastou as preliminares e deu provimento aos

apelos das concessionárias, julgando improcedente o pedido, ficando prejudicado o recurso do MPF.

Passo a proferir meu voto.A sentença entendeu que o corte por inadimplemento, previsto na

Resolução nº 456/2000, é inconstitucional, uma vez que a suspensão do fornecimento põe em risco a vida e a dignidade do usuário. Argumen-tou que as concessionárias devem se valer de outros meios de cobrança das tarifas inadimplidas (tais como ações executivas ou procedimentos conciliatórios), sem comprometer a dignidade dos usuários. Afastou o pedido de danos morais coletivos, pois inocorrentes os elementos con-figuradores da responsabilidade.

Foram arrolados os seguintes argumentos recursais: (a) ilegitimida-de ativa do MPF; (b) inexistência de direito coletivo a ser tutelado; (c) sentença extra petita; (d) legalidade da suspensão do fornecimento pelo inadimplemento; (e) necessidade de tutela da dignidade dos usuários

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adimplentes, em função da majoração da tarifa, acaso mantida a diretriz sentencial; (f) inexistência dos pressupostos para antecipação da tutela na sentença; (g) ocorrência de danos morais coletivos, a serem quantificados em liquidação de sentença; (h) elevação da multa diária para cem mil reais; (i) impossibilidade de atuação judicial como legislador positivo; (j) inadequação da via processual eleita; (k) inobservância pela sentença dos princípios da solidariedade, da igualdade e do enriquecimento sem causa.

Preliminares

Acompanho o eminente relator quanto à rejeição das preliminares, decidindo, portanto, pela legitimidade ativa do MPF (a), pela adequação da via processual eleita (j), pela presença de direitos individuais homo-gêneos de inegável relevância social (b) e pela legitimidade passiva da AES Sul.

Destaco o exame da preliminar (c): nulidade da sentença por extrapolar o pedido veiculado na ação civil pública.

Da leitura da petição inicial concluo que o perseguido em juízo pelo Ministério Público Federal foi o afastamento da forma de cobrança de atrasados estabelecida na Resolução atacada, especificamente quanto ao prazo de 15 dias para o corte após a verificação da inadimplência.

Destaco do item “objetivo da ação”, que abre a petição inicial (fls. 2/3):

“...ilegalidade que inquina procedimento adotado pela reguladora e fiscalizadora ANEEL, por autorizar as concessionárias, e pelas concessionárias do serviço público de energia elétrica CEEE, AES SUL e RGE, por efetuarem o corte do fornecimento de energia elétrica dos consumidores inadimplentes de forma arbitrária e ilegítima, não adotando os meios adequados para que os devedores satisfaçam suas dívidas, ferindo sobremaneira a sua dignidade, retirando-lhes um bem essencial nos dias de hoje.”

No item “fatos da ação” (fl. 06):“...não há interesse da coletividade que justifique a interrupção desse serviço público

tão essencial em nossos dias, ao menos nos moldes em que estabelecido na Resolução ANEEL nº 456, em seu artigo 91 e parágrafo primeiro, alínea a – comunicação prévia de tão só quinze dias.”

No item “dos fundamentos” (fls. 08/09):

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“O constrangimento do consumidor está claro quando a ANEEL estabelece em sua Resolução nº 456/2000, art. 91, § 1º, apenas quinze dias para pagamento integral de sua conta de luz, caso contrário, a mesma autoriza, desconsiderando o Código de Defesa do Consumidor, a suspensão do fornecimento de energia elétrica pelas conces-sionárias.” (grifos no original)

À fl. 27:“O que busca a presente ação não é proteger os consumidores inadimplentes de

forma a garantir-lhes o perpétuo fornecimento da energia sem a devida contraprestação. Isso porque essa possibilidade poderia inviabilizar a continuidade do serviço público prejudicando os consumidores cumpridores de suas obrigações. O que se almeja, por se acreditar de direito e de justiça, é assegurar que o corte de energia elétrica, por consistir o meio mais coercitivo, que atinge flagrantemente a dignidade da pessoa humana e viola outros princípios constitucionais, seja aplicado somente se o inadimplemento for superior ao período de noventa dias.” (grifos no original)

A sentença concluiu pela ilegitimidade do corte por inadimplemento, devendo as concessionárias se valerem de outros meios de cobrança, evitando comprometer a dignidade dos usuários, propiciando ao autor da ação provimento em maior extensão que o pleiteado.

Sendo assim, vislumbro na sentença, nos termos em que redigida, provimento que vai além do pedido. Isso porque o ato sentencial afasta a possibilidade do corte do fornecimento de energia de qualquer forma, seja nos moldes da Resolução, seja naqueles em que apontados pelo Ministério Público na inicial.

Trata-se, portanto, de julgamento ultra petita, circunstância que enseja o reexame da questão pelo tribunal, com a redução da parcela do provimento que foi além do pedido, sem necessidade de anulação da sentença.

Nesse sentido:“Agravo regimental. Agravo de instrumento não admitido. Julgamento ultra

petita.1. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência da Corte no sen-

tido de que ‘o reconhecimento do julgamento ultra petita não implica a anulação da sentença; seu efeito é o de eliminar o excesso da condenação (REsp nº 84.847/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 20/9/99)’ (fl. 291).

2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 512.887/RJ, Rel. Ministro CAR-LOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.12.2003, DJ 29.03.2004 p. 233)

Diante dessa situação, o tribunal deve prosseguir o julgamento e

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apreciar os recursos interpostos que discutem o mérito do litígio, seja porque a sentença posicionou-se sobre a ilegitimidade da suspensão do fornecimento em caso de inadimplemento, seja porque não há violação à ampla defesa, uma vez que as partes tiveram oportunidade ao longo do processamento para deduzir seus argumentos jurídicos e requerer produção probatória, se entendessem necessário.

Passo ao exame do mérito do litígio.

Mérito

A inicial defende que a suspensão do fornecimento no prazo determi-nado pela Resolução (15 dias após o vencimento da fatura) viola o dever de prestação do serviço público de forma adequada. Invoca o parágrafo primeiro do artigo 6º da Lei nº 8.987/1995, que regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal. Ali está dito que “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, seguran-ça, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. Vislumbra descumprimento desse dever por parte das conces-sionárias e omissão na atividade fiscalizadora do Estado. Além disso, tratando-se de bem essencial, aponta vulneração da dignidade humana, com repercussão em várias esferas da vida, como a saúde, a segurança, a alimentação, o trabalho. Também suscita o dever de agir conforme a boa-fé, pela imposição desnecessária de medidas objetivando cumprir a finalidade pretendida. Também sustenta que o ato administrativo impug-nado não poderia fixar tal prazo, violando o princípio da legalidade.

Diz a normativa impugnada:“Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comuni-

cação formal ao consumidor, nas seguintes situações:I - atraso no pagamento da fatura relativa à prestação do serviço público de energia

elétrica;(...)§ 1º - A comunicação deverá ser por escrito, específica e de acordo com a antece-

dência mínima a seguir fixada:a) 15 (quinze) dias para os casos previstos nos incisos I, II, III, IV e V;”

Disciplina e regulamentação por meio de resolução

Afasto o argumento ministerial segundo o qual é vedado à resolu-

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ção dispor sobre a sistemática de cobrança e corte do fornecimento. A legislação admite a interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplemento do usuário (Lei nº 8.987/1995, art. 6º, § 3º, II). A disciplina detalhada de prazos e sistemáticas de cobrança, bem como do modo de execução da interrupção, é possível via resolução da respectiva agência reguladora. Não se poderia esperar, dada a complexidade técnica envolvida e o sem-número de aspectos práticos, que a lei em sentido formal cuidasse de todos esses detalhes.

Em caso análogo, destaco de decisão do Supremo Tribunal Federal:“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - REGULAMEN-

TO DOS SERVIÇOS LIMITADOS DE TELECOMUNICAÇÕES - DECRETO N. 177/91 - ATO DE NATUREZA MERAMENTE REGULAMENTAR - DESCABIMENTO DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. ATO REGULAMENTAR - DESCABIMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. - As resoluções editadas pelo Poder Público, que veiculam regras de conteúdo meramente regulamentar, não se submetem à jurisdição constitucional de controle in abstracto, pois tais atos estatais têm por finalidade, em úl-tima análise, viabilizar, de modo direto e imediato, a própria execução da lei. - A Lei nº 4.117/62, ao reconhecer um amplo espaço de atuação regulamentar ao Poder Executivo (art. 7º, § 2º), outorgou-lhe condições jurídico-legais para – com o objetivo de estruturar, de empregar e de fazer atuar o Sistema Nacional de Telecomunicações – estabelecer no-vas especificações de caráter técnico, tornadas exigíveis pela evolução tecnológica dos processos de comunicação e de transmissão de símbolos, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Se a interpretação administrativa da lei divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o Decreto impugnado pretendeu regulamentar, quer porque se tenha projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer porque tenha investido contra legem, a questão posta em análise caracterizará típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar a utilização do mecanismo processual de fiscalização normativa abstrata. RECEPÇÃO DA LEI Nº 4.117/62 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL - PRESERVAÇÃO DO CONCEITO TÉCNICO-JURÍDICO DE TELECOMUNICAÇÕES. - A Lei nº 4.117/62, em seus aspectos básicos e essenciais, foi recebida pela Constituição promulgada em 1988, subsistindo vigentes, em consequência, as próprias formulações conceituais nela enunciadas, concernentes às diversas modalidades de serviços de telecomunicações. A noção conceitual de tele-comunicações – não obstante os sensíveis progressos de ordem tecnológica registrados nesse setor constitucionalmente monopolizado pela União Federal – ainda subsiste com o mesmo perfil e idêntico conteúdo, abrangendo, em consequência, todos os processos, formas e sistemas que possibilitam a transmissão, a emissão ou a recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons e informações de qualquer natureza. O conceito técnico-jurídico de serviços de telecomunicações não se alterou com o advento da nova

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ordem constitucional. Consequentemente – e à semelhança do que já ocorrera com o texto constitucional de 1967 –, a vigente Carta Política recebeu, em seus aspectos essenciais, o Código Brasileiro de Telecomunicações, que, embora editado em 1962, sob a égide da Constituição de 1946, ainda configura o estatuto jurídico básico disciplinador dos servi-ços de telecomunicações. Trata-se de diploma legislativo que dispõe sobre as diversas modalidades dos serviços de telecomunicações. O Decreto nº 177/91, que dispõe sobre os Serviços Limitados de Telecomunicações, constitui ato revestido de caráter secundá-rio, posto que editado com o objetivo específico de regulamentar o Código Brasileiro de Telecomunicações. TELECOMUNICAÇÕES - COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL - PODER REGULAMENTAR DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. - A competência institucional do Congresso Nacional para dispor, em sede legislativa, sobre telecomunicações não afasta, não inibe nem impede o Presidente da República de exercer, também nessa matéria, observadas as limitações hierárquico-normativas impostas pela supremacia da lei, o poder regulamentar que lhe foi originariamente atri-buído pela própria Constituição Federal (CF, art. 84, IV, in fine). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E DEVER PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR A IMPUGNAÇÃO. - O Supremo Tribunal Federal não está condicionado, no desempenho de sua atividade jurisdicional, pelas razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal circunstância, no entanto, não suprime à parte o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar. Impõe-se ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento da ação direta, indicar as normas de referência – que são aquelas inerentes ao ordenamento constitucional e que se revestem, por isso mesmo, de parametricidade – em ordem a viabi-lizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais.” (ADI 561 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 23.08.1995, DJ 23.03.2001 PP-00084 EMENT VOL-02024-01 PP-00056)

O fornecimento de energia elétrica é serviço público essencial, pres-tando aos usuários bem indispensável na vida contemporânea: quanto a isso não há o que se discutir. A possibilidade de interrupção do forneci-mento, em tese, observado o interesse da coletividade, é medida admitida pela própria inicial, que se volta, como salientei, contra a exiguidade do corte no fornecimento consubstanciada no prazo quinzenal (item d, acima referido).

Usurpação de competência legislativa e administrativa por parte do Poder Judiciário

A análise desta questão não configura substituição do legislador ou

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do administrador pelo Poder Judiciário, como sustentou uma das con-cessionárias apelantes (alínea i, referida acima quando do inventário dos argumentos recursais). Trata-se, ao contrário, de verificação da compa-tibilidade do prazo determinado por norma infralegal com o conteúdo dos direitos fundamentais e das disposições legais vigentes.

Nesse sentido, como muitas vezes já fizeram os tribunais pátrios, não há qualquer excesso ou incorreção ao enfrentar situações de corte de fornecimento tendo em mente a legítima preocupação com o respeito à proteção constitucional da dignidade humana, na medida em que a pres-tação do serviço público é voltada para a realização desse direito, não sendo o usuário, titular dessa dignidade protegida, um simples meio para a manutenção das condições econômicas que interessam aos concessio-nários. Muito menos há que se falar em contraste entre a dignidade dos usuários em situação de adimplência e aqueles em inadimplência. Não se trata de privilegiar uma ou outra posição econômica-financeira, mas sim de prestar o serviço respeitando a dignidade dos usuários em qualquer situação que se observar (alínea e do rol de argumentos recursais).

Ademais, em situação análoga, onde se discutia a adequada prestação de serviço por concessionária de energia elétrica, o Superior Tribunal de Justiça concedeu provimento judicial determinando a abertura de postos de atendimento:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENERGIA ELÉTRICA. DISTRIBUIDORA DE ENER-GIA ELÉTRICA. POSTOS DE ATENDIMENTO. REABERTURA. SISTEMA DE TELEATENDIMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 6º, § 1º, DA LEI 8.987/95 CA-RACTERIZADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ARTIGO 2º DA LEI 10.048/2000. ACÓRDÃO REFORMADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Cuidam os autos de agravo de instrumento interposto de decisão que, em sede de ação civil pública, deferiu parcialmente liminar nos seguintes termos (fls. 18/19): ‘7. Da extensão da medida liminar ora deferida. Em que pese reconhecer-se que o sistema de teleatendimento, como forma única de comunicação entre consumidor e empresa, viole o art 6.° da Lei n° 8.987/95, é forçoso reconhecer, também, que o oferecimento de alternativas razoáveis ao usuário já atenua – senão elimina – a citada irregularidade.

Do mesmo modo, deve-se considerar que o atendimento em postos, agências ou escritórios pode se dar de forma supletiva, isto é, para aqueles casos em que o usuário não possa, não queira ou não consiga se comunicar através de telefone. Assim, presume-se que, na maioria dos casos, o contato entre usuário e concessionária continuará a ser realizado através de telefone.

Por outro lado, há de se ponderar para o fato de que, a despeito da verossimilhança

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do direito, a presente decisão é precária e pode ser revertida. Daí que o conteúdo da decisão liminar deve ser satisfatório para atenuar ou eliminar o risco de dano que ela visa evitar, mas não tão abrangente que obrigue a parte contrária a assumir todos os riscos decorrentes do processo, em quantidade excessiva.

Sendo assim, entendo que não há como determinar à ré que proceda à abertura de postos de atendimento em todos os locais indicados pelo Ministério Público Federal na inicial e no documento de fl. 26, onde anteriormente havia postos de atendimento da CEEE.

Neste estágio processual, em que se deve decidir apenas sobre o pedido de liminar, a decisão deve se limitar a determinar a abertura/reabertura de Postos de atendimento em locais de maior concentração populacional e, consequentemente, de demanda dos serviços da ré.

Em uma primeira análise, não caberia ao Poder Judiciário fazer a análise dos locais em que a instalação dos postos de atendimento poderia sanar a irregularidade na utilização exclusiva do sistema de teleatendimento. Essa tarefa é eminentemente administrativa, e a definição dos locais de atendimento depende da realização de estudos que indiquem quais as localidades que exigem a existência de atendimento personalizado da RGE.

Contudo, para fins de viabilização do cumprimento da decisão liminar, deve-se definir determinados locais em que os postos de atendimento devem ser abertos/rea-bertos. E, para tanto, deve-se aproveitar a divisão geográfica da estrutura anteriormente existente, que contava com a existência de gerências nas cidades de Cruz Alta, Santa Rosa, Santo Angelo e Três Passos. A abertura/reabertura de postos de atendimento nessas localidades parece observar um critério geográfico e demográfico razoável.

Esses postos deverão contar com a estrutura necessária para a prestação de ‘aten-dimento adequado’ ao consumidor, observando a legislação vigente e, principalmente, o art. 6° da Lei n° 8.987/95.

Por fim, cabe analisar o pedido do Ministério Público Federal de que a reabertura dos locais de atendimento seja acompanhada do ‘uso do livro de Protocolo e registro do número de usuários que comparecerem para reclamar ou solicitar qualquer tipo de serviço’.

Quanto a este ponto, tenho que a liminar deva ser indeferida. No sistema de aten-dimento hoje existente, já há um registro das reclamações e solicitações realizadas pelos usuários, realizado de forma informatizada. Não há viabilidade em interferir na administração interna da empresa sem que haja um fundamento jurídico extremamente convincente para tanto. Não estão demonstrados em que medida a substituição de um sistema informatizado por um livro de registros beneficiaria o consumidor nem, por outro lado, os motivos pelos quais o sistema de ‘protocolo informatizado’ estaria a violar os direitos do consumidor.

8. Diante do exposto, defiro parcialmente a liminar requerida, para: a) determinar que a empresa Rio Grande Energia S.A. proceda à abertura de postos de atendimento

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nas cidades de Cruz Alta, Santa Rosa, Santo Angelo e Três Passos, no prazo de noven-ta dias, sob pena de incidência de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por cada local, no caso de descumprimento; b) determinar às rés ANEEL e AGERGS que acompanhem e fiscalizem o cumprimento da presente decisão.’ 2. O agravo foi despro-vido nos seguintes termos (fl. 101): ‘ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSTOS DE ATENDIMENTO DE DISTRIBUIDORA DE ENERGIA ELÉTRICA. LIMINAR PARCIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Em que pese reconhecer-se que o sistema de teleatendimento, como forma única de comunicação entre consumidor e empresa, viole o art. 6º da Lei nº 8.987/95, é for-çoso reconhecer, também, que o oferecimento de ‘alternativas razoáveis’ ao usuário já atenua – senão elimina – a citada irregularidade.

O atendimento em postos, agências ou escritórios pode se dar de forma supletiva, isto é, para aqueles casos em que o usuário não possa, não queira ou não consiga se comunicar através de telefone.’ 3. Em recurso especial alega-se violação dos artigos 6º, § 1º, da Lei 8.987/95 e 2º da Lei 10.048/2000, pedindo-se a reforma do acórdão para que os efeitos da liminar sejam estendidos a todas as municipalidades indicadas na ação civil pública.

4. Deve ser provido recurso especial, para se estender a todos os municípios elencados na ação civil pública os efeitos de liminar que determina a reabertura de postos de atendimento de distribuidora de energia elétrica, evitando que os usuários residentes em locais distantes e portadores de deficiência física, idosos e pessoas de pouca instrução tenham seus direitos prejudicados, em face da má prestação, para não dizer inutilidade, do serviço exclusivo de teleatendimento. Sabendo-se, aliás, que esse é um desserviço ao consumidor atendendo tão somente aos objetivos de economia e maior lucratividade da empresa concessionária em detrimento e prejuízo dos usuários.” (REsp 644.845/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17.02.2005, DJ 04.04.2005 p. 201)

Solidariedade, igualdade e enriquecimento sem causa

Neste contexto, da verificação da incidência de princípios constitu-cionais na espécie, há que se salientar que os princípios da solidariedade, da igualdade e do enriquecimento sem causa não obstam, em tese, a procedência da ação civil pública em questão.

Com efeito, sendo a energia elétrica um bem essencial e indispensável para a vida humana nas modernas sociedades contemporâneas, seu forne-cimento a todos os indivíduos, sob regime de contraprestação pecuniária para aqueles que podem pagar, ou a título gratuito para os desprovidos de recursos, ainda que em quantidades limitadas ao atendimento das necessidades básicas (atendendo ao mínimo essencial dos direitos fun-

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damentais sociais), é de rigor. Esse o conteúdo jurídico do princípio da solidariedade, que inclui deveres de cooperação e fornecimento de bens e serviços aos necessitados, sempre que envolvidos bens essenciais e impossibilidade de contraprestação por parte dos usuários.

Também não há que se falar em violação da igualdade, uma vez que se trata de usuários em condições distintas, fazendo jus a contrapresta-ções e regimes jurídicos distintos. Rejeito, além disso, o argumento de enriquecimento sem causa. Cuidando-se de um bem essencial, devido a todos, seja pela possibilidade da contraprestação, seja pelo dever de solidariedade, sua fruição, em qualquer um desses regimes, não configura enriquecimento sem causa.

Com efeito, a percepção, a título oneroso para os que podem pagar e a título gratuito para quem não pode, de um bem essencial, prestado por serviço público concedido, faz parte do mínimo essencial dos direitos fundamentais sociais, condição que afasta a alegação de enriquecimento sem causa. A causa, aqui, é a condição humana de usuário de um bem essencial, devido sob o regime de contraprestação ou não, conforme a situação concreta. Diante da legitimidade inconteste dessa causa, não cabe a invocação de enriquecimento destituído de causa.

Nesse sentido, destaco a decisão da Corte Constitucional da África do Sul, no caso Lindiwe Mazibuko, Grace Munyai, Jennifer Makoatsane, Sophia Malekutu, Vusimuzi Paki vs. The City of Johannesburg, Johan-nesburg Water (PTY) LTD, The Minister of Water Affairs and Forestry (2008).

Nesse julgamento, foram destacados vários instrumentos internacio-nais, dentre os quais refiro o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, já incorporado ao ordenamento jurídico brasi-leiro. Diz seu artigo 11:

“Artigo 111. Os Estados-Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas

a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização desse direito reconhecendo para este efeito a importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida.”

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Ilegitimidade do lapso quinzenal para a suspensão de fornecimento

Como referi, a inicial defende que a suspensão do fornecimento no prazo determinado pela Resolução (15 dias após o vencimento da fatura) viola o dever de prestação do serviço público de forma adequada. Invoca o parágrafo primeiro do artigo 6º da Lei nº 8.987/1995, que regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal. Ali está dito que “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modici-dade das tarifas.” Vislumbra descumprimento desse dever por parte das concessionárias e omissão na atividade fiscalizadora do Estado. Além disso, tratando-se de bem essencial, aponta vulneração da dignidade humana, com repercussão em várias esferas da vida, como a saúde, a segurança, a alimentação, o trabalho. Também suscita o dever de agir conforme a boa-fé, pela imposição desnecessária de medidas objetivando cumprir a finalidade pretendida.

Tenho que assiste razão ao Ministério Público Federal quando aponta abusivo e inadequado o prazo quinzenal para a suspensão do forneci-mento, após a comunicação ao consumidor. De fato, trata-se de prazo assaz exíguo, sendo razoável o período de sessenta dias, assinado pela liminar proferida nesta ação civil pública.

Com efeito, tal dilação atende de forma mais ampla o princípio da continuidade do serviço público essencial, dando maiores condições ao usuário de organizar seus pagamentos. Ademais, tal prazo pode possibili-tar ao fornecedor, se for o caso, a tomada de outras medidas objetivando a satisfação do débito.

Transcrevo as ponderações de tal provimento:“Em tal ordem de ideias, considero, efetivamente, exíguo o prazo de quinze dias

para o corte de energia elétrica na hipótese de inadimplemento. Com efeito, a brevidade de referido lapso impede o usuário de proceder à busca eficaz de meios para saldar o seu débito – seja através do incremento de suas fontes de renda, seja por meio de negociação com a concessionária para a obtenção de parcelamentos e condições mais vantajosas. Por conseguinte, citado período carece de dilação.

Contudo, no procedimento de ampliação, impõe-se a máxima cautela. É preciso evitar-se um estímulo à inadimplência, mediante a concessão de prazo muito extenso, que, ao invés de instigar a procura de meios para a solução do débito, acabe por aco-modar o usuário em sua situação de devedor. De outra banda, a prestação de energia

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elétrica pela concessionária por longo período sem remuneração a diversos usuários, embora considerada a existência de mecanismos judiciais de cobrança, acabaria por embaraçar a atividade econômica, repercutindo em prejuízos para a maioria de usuários adimplentes e à coletividade de um modo geral.

Com essas considerações, numa ponderação de verossimilhança, reputo como sufi-ciente, para atender a ambos os interesses em litígio, a fixação, provisória, de um prazo mínimo de sessenta dias de aviso prévio ao corte de luz por ausência de pagamento. E o faço tendo em vista tratar-se do dobro da unidade de tempo divisora de águas da economia nacional. Deveras, o período de um mês – considerado como um total de trinta dias – consiste no âmbito temporal para o pagamento de salários, aferição do fenômeno inflacionário e consequente elaboração dos indexadores de correção monetária.

Entendo que tal prazo possibilitará, aos usuários, a adoção de medidas aptas a sal-darem o débito, sem submetê-los, de forma abrupta, ao procedimento degradante do corte de energia elétrica. Concomitantemente, não debilitará o equilíbrio econômico-financeiro das empresas concessionárias, tampouco importará num chamamento à inadimplência.

Portanto, em obediência aos princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e da boa-fé e, ainda, com base na preservação do interesse da coletividade – erigido pelo art. 6º, § 3º, II, da Lei n° 8.987/95 como condição para afastar a descon-tinuidade pela interrupção do fornecimento de serviço essencial por inadimplemento do usuário –, entendo que o prazo mínimo de aviso prévio ao corte de energia elétrica por ausência de pagamento deverá ser estendido para sessenta dias.

Como consequência, as atuais suspensões por ausência de pagamento cujo prazo de aviso prévio haja sido inferior a sessenta dias deverão ser cessadas, e o forneci-mento restabelecido, com a emissão de nova advertência com o período mínimo de sessenta dias.

Além disso, por tratar-se de cumprimento de determinação judicial, também se re-vela adequado que, como requerido pelo Ministério Público Federal, haja a divulgação, aos consumidores, nas próprias contas ou por meio de correspondência específica, da concessão da liminar, do número desta ação e da Vara onde tramita o processo.

Noutro giro, o periculum in mora encontra-se, à toda evidência, presente, em face do já propalado caráter essencial da eletricidade nos dias atuais, em que se tornariam extremamente precárias as condições de sobrevivência sem os benefícios outorgados pela energia elétrica.

Saliento, ademais, que, durante referido espaço de sessenta dias, a concessionária não estará impedida de utilizar-se dos outros meios legais de cobrança à sua disposição, tais como a propositura de ação em juízo e a transação extrajudicial.” (fls. 129-130)

Danos morais coletivos

É fato público e notório o dissabor e o incômodo experimentados

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pelos usuários quando submetidos a cobrança desproporcional, condu-zindo à suspensão do fornecimento de um serviço público essencial. O dano coletivo diz respeito a mais: trata-se do sentimento de impotência e sujeição da coletividade diante de poderosas empresas concessionárias, o que diz respeito à cidadania desafiada diante das políticas de execução dos serviços públicos por privados, definidas pelo Estado contemporâneo. Mais ainda: a indenização por dano moral coletivo diz respeito à ofensa a direito coletivo propriamente dito, de titularidade diversa de direitos individuais homogêneos.

Vê-se que a esfera de bens jurídicos protegidos vai além de relações privadas individuais, alcançando o princípio da sociabilidade, inerente ao Estado de Direito contemporâneo, como, por exemplo, anota Ernest Benda, no “Manual de Derecho Constitucional” (Barcelona: Marcial Pons, 2001).

Nesta esteira, os ordenamentos jurídicos contemporâneos têm desen-volvido a proteção coletiva de situações jurídicas individuais não somente de modo reflexo (a proteção dos indivíduos tomados como membros da coletividade, favorecidos por demandas contra a Administração Pública, como aponta a noção de interesses difusos e coletivos no direito italiano – ver Hermes Zaneti Junior, “Direitos coletivos lato sensu: a definição conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogêneos”, Visões Críticas do Processo Civil Brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 237), como também pela concorrência de direitos subjetivos individuais, quando se trata de proteção de direitos individuais homogêneos, pela tutela coletiva de direitos. Muito além: o direito contemporâneo concebeu os conceitos de direito difuso e de direito coletivo stricto sensu. Esses direitos, ver-dadeiramente transindividuais, têm titularidade além da soma simples dos direitos individuais homogêneos, sendo indivisíveis e respeitantes a toda uma coletividade, insuscetíveis de apropriação individual (sobre esses conceitos e características, ver Teori Albino Zavascki, Processo Coletivo, São Paulo: RT, 2008).

Saliento que os direitos transindividuais representam mais que mero reconhecimento de direitos com individualidade indeterminada por tais ou quais indivíduos. São mais que direitos de indivíduos indeterminados, são, diversamente, direitos pertinentes a grupos humanos, ligados por uma

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situação fática (difusos) ou por uma relação jurídica-base (coletivos em sentido estrito). Esse reconhecimento – inconteste no direito brasileiro (vejam-se diversos dispositivos constitucionais: Capítulo I do Título I da Constituição, com menção específica; art. 8º, III; art. 129, III; art. 215; art. 225; art. 231) – conduz a conclusões importantes no debate sobre a indenizabilidade ou não da violação a esses direitos.

O primeiro ponto a ser fixado é a possibilidade de violação a direitos transindividuais. Quanto a ele, não vislumbro controvérsia mais forte: não há dúvida de que o direito difuso ao ambiente equilibrado pode ser violado, assim como de que o direito coletivo à saúde pode ser violado (como, por exemplo, foi decidido em ação civil pública objetivando a alteração da política pública de saúde em face de transexuais). Na mesma esteira, o desrespeito a toda a coletividade, consubstanciado na relação desrespeitosa e violadora de direitos das empresas concessionárias no trato que têm com a sociedade como um todo.

A reparação dessas violações pode ser material ou moral. Quanto à primeira modalidade, também não há maior debate. Para ficarmos no direito ambiental, ofendido o ambiente por atividade econômica determi-nada, pode o poluidor ser condenado não só à reparação direta do dano, como também ao pagamento de montante suficiente para tanto.

Diante do pleito por indenização por danos morais é que grassa polê-mica e debate na doutrina e na jurisprudência. Peço vênia para elencar os argumentos contrários à possibilidade dessa reparação moral em se tratando de direitos transindividuais. Em síntese, pondera-se que (1) trata-se de indenização reparatória, não se confundindo com penalidade; (2) danos morais, vinculados à dor e ao sofrimento humanos, não podem ser transindividuais, até porque os danos morais são decorrência dos direitos de personalidade; (3) nesta linha, somente seria viável a repa-ração de dano coletivo a determinados indivíduos, que, reunidos como direitos individuais homogêneos, demonstrem a ocorrência do dano e a responsabilidade do causador.

Com a devida vênia, tenho que essas ponderações devem ser superadas.

O ponto de partida, como dito, é a natureza peculiar e diversa dos direitos transindividuais em face dos direitos individuais, inclusive quando se apresentam de forma homogênea. Direitos transindividuais

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correspondem a esfera jurídica essencialmente distinta da esfera indivi-dual e com ela inconfundível.

Se houver dano a direitos individuais, estes devem ser indenizados, a que título for cabível. Se houver dano a direito transindividual, da mesma forma deverá ocorrer reparação. Em ambos os casos, material e moral, desde que configurada a lesão e os requisitos da responsabili-zação civil.

Não é óbice para a indenizabilidade do dano moral a inexistência de dor e sofrimento de indivíduos humanos. Tanto assim que a jurisprudên-cia sumulada do Superior Tribunal de Justiça, alicerçada em tradicional doutrina francesa de responsabilidade civil, presente também no direito brasileiro, reconhece a possibilidade de reparação de dano moral em favor de pessoa jurídica (Súmula 227 - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral).

Com efeito, quando o direito dá relevância a certos grupamentos hu-manos (associações civis, por exemplo) e grupamentos de seres humanos e de bens econômicos (sociedades de capital e indústria, por exemplo), pode-se vislumbrar a ocorrência de danos morais, ligados à reputação que tais entes gozam junto a terceiros, que pode ser abalada por atos que afetem o bom nome no mundo negocial.

Do mesmo modo que pessoas jurídicas podem experimentar ofensa à sua reputação e honra objetivas, coletividades cujos direitos difusos e coletivos são reconhecidos e protegidos podem experimentar situação de fragilidade e sujeição indevida ao poder abusivo e lesivo de órgãos governamentais e de entidades privadas. Podem, inclusive, vivenciar am-bientes e experiências essencialmente vinculadas à sua história coletiva, cuja reparação é inviável em favor de um ou outro indivíduo. Para tanto basta considerar, na perspectiva transindividual, o fenômeno político e social de comunidades locais, regionais e nacionais que experimentam regimes políticos, jurídicos e econômicos em que a soberania popular e o respeito aos chamados direitos de quarta geração (como, por exemplo, a um governo honesto – lembro a lição de Paulo Bonavides XXX) são negligenciados. Trata-se, sem dúvida, de lesão que vai além da patrimo-nialidade e que não se confunde com uma violência à honestidade ou à de-mocracia (pois essas são virtudes ou qualificações de sistemas políticos). É uma situação que viola toda uma coletividade, de modo indivisível e

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impossível de reparação individual para este ou aquele cidadão. Situação similar, que bem demonstra essa realidade, já registrada na jurisprudência deste tribunal, é aquela em que uma comunidade indígena é vítima de tratamento discriminatório por meio da radiodifusão: quem tem direito à reparação, por dano moral, é a coletividade, não cada indivíduo a título próprio, como seria se fosse o caso de direito individual homogêneo.

Transcrevo a ementa do acórdão:“EMENTA: PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DIREITO DE OPINAR.

GARANTIA À NÃO DISCRIMINAÇÃO E AO NÃO PRECONCEITO. CONFLITO. MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO QUE DESVELA, EM VERDADE, PROPÓ-SITO DE MENOSCABAR DETERMINADA ETNIA. LEI Nº 7.716/89, ART. 20, § 2º. DISCRIMINAÇÃO ÉTNICA. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Distingue-se a injúria qualificada (art. 140, § 3º, do CP) do crime de racismo em razão do contexto fático em que perpetrada a conduta. Restringindo-se a ofender, de forma estrita, uma única vítima, resta perfectibilizado o delito previsto na regra geral. Se as expressões discri-minatórias, contudo, desvelarem preconceito em relação a determinada raça ou etnia, ainda que dirigidas a uma única pessoa, caracterizado estará o crime da lei especial. 2. Consistindo o bem jurídico tutelado pela infração penal definida no art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 na ‘pretensão ao respeito inerente à personalidade humana, a própria dignidade da pessoa, considerada não só individualmente, como coletivamente’ (TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor: comentários à Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989. 1. ed. Campina Grande: EDUEP, 1998. p. 23), sujeita-se às suas penas o agente que externa pensamentos pessoais desairosos e notoriamente etnocêntricos, imbuídos de aversão e menosprezo indistinto a determinado grupo social que apresenta homogeneidade cultural e linguística. 3. A regra da imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII, da Carta Magna aplica-se ao crime de preconceito étnico per-petrado contra os índios. Exegese extraída de precedente do STF (HC nº 82.424/RS).” (TRF4, APN 2001.04.01.071752-7, Quarta Seção, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 29.03.2006)

O que se dirá, então, quando a Constituição e o ordenamento jurídico protegem grupos humanos, conferindo-lhes a expressa titularidade de direitos altamente relevantes, como acontece, por exemplo, no direito ambiental, no direito à saúde, no direito a não ser discriminado e no direito do consumidor?

Deixar esses direitos metaindividuais desprovidos da proteção ju-rídica propiciada até mesmo a pessoas jurídicas com fins meramente econômicos configura, a meu sentir, medida ilógica e incompatível com o ordenamento jurídico vigente. Mais que isso: seria, inclusive,

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desconsiderar a relevância constitucional da proteção desses direitos metaindividuais.

Fica superada, assim, a restrição ao reconhecimento de dano moral indenizável somente quando presente a dor psíquica e o sofrimento individuais, não cabendo falar-se, portanto, em necessidade de prova de dano moral individual, a ser pleiteado, via proteção de direitos indi-viduais homogêneos, de forma cumulada, na ação protetiva de direitos coletivos.

Diante disso, tenho que o valor a ser fixado é de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), tendo em vista a natureza coletiva do dano moral inflingido, o porte econômico das empresas concessionárias, bem como o caráter repressivo e pedagógico da sanção. Sobre esse valor imputam-se juros moratórios, de 1% ao mês, desde a citação das concessionárias nesta ação civil pública.

Quanto ao dano moral coletivo e sua indenizabilidade, disse André de Carvalho Ramos (“Ação Civil Pública e o dano moral coletivo”, Revista do Consumidor, v. 25, RT):

“Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa imagem da proteção legal a esses direitos e afeta-se a tranquilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera. (...) Tal intranquilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas?

A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os opera-dores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo.”

Falando sobre a extensão da repercussão do serviço concedido, ao tratar do tema da responsabilidade civil, dando uma dimensão dos efeitos da conduta da concessionária, disse Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Ressalte-se que, para a deflagração da responsabilidade pública tal como prevista no art. 37, § 6º, o Texto Constitucional não faz qualquer exigência no que concerne à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não requer que os atingidos pelo dano o sejam a título de usuários. Portanto, para a produção dos efeitos supostos na regra é irrelevante se a vítima é usuário do serviço ou um terceiro em relação a ele. Basta que o dano seja produzido pelo sujeito na qualidade de prestador do serviço público. Também não se poderia pretender que, tratando-se de pessoa de Direito Privado, a

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operatividade do preceito só se daria quando o lesado houvesse sofrido o dano na condição de usuário do serviço, porque o texto dá tratamento idêntico às ‘pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviços públicos’. Assim, qualquer restrição benéfica a estes últimos valeria também para os primeiros, e ninguém jamais sufragaria tal limitação à responsabilidade do Estado.”

Em hipótese similar, já decidiu este Regional pelo reconhecimento dos danos morais coletivos e sua indenizabilidade:

“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA. AFASTAMENTO. FECHAMENTO DOS POSTOS DE ATENDIMENTO PESSOAL. SUBSTITUIÇÃO PELO SERVIÇO DE CALL CENTER. ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO. OBRIGATORIEDADE DA MANUTENÇÃO DE LOJAS. DELIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO. DIREITO DE INFORMAÇÃO DO USUÁRIO. ART. 7º, LEI Nº 8.987/95, E ART. 3º, LEI Nº 9.472/97. DANOS MORAIS COLETI-VOS. - Não se configura cerceamento de defesa o simples julgamento antecipado da lide quando a fundamentação exposta baseia-se nos elementos constantes nos autos. Agravo retido desprovido. - O acesso direto e pessoal dos usuários aos postos de atendimento é realidade inerente à devida prestação do serviço. Em diversos diplomas legais verifica-se a preocupação do legislador com o denominado ‘serviço adequado’, que engloba o direito de informação ao usuário (art. 7º, Lei nº 8.987/95; e art. 3º, Lei nº 9.472/97). - A Brasil Telecom S/A alega a não obrigatoriedade da manutenção das lojas de atendimento, em face da inexistência de obrigação legal nesse sentido. Todavia, o argumento não procede. Deve ser levado em conta que se está diante de concessão de serviço público (art. 21, XI, CF), submetendo a Brasil Telecom ao regime jurídico administrativo (arts. 63 e 64 da Lei nº 9.472/97). - Nesse contexto, a concessionária afasta-se da definição do princípio da legalidade próprio ao âmbito do direito privado (‘fazer tudo o que a lei não proíbe’), sujeitando-se à sua noção publicista (‘fazer apenas o que a lei autoriza’). Transpondo-se essa consideração para a hipótese sub judice, não se verifica em nenhum dos atos normativos citados, ou mesmo no contrato, qualquer autorização para o fechamento das lojas. - A iniciativa de modernização dos meios de atendimento pela Brasil Telecom é medida que cumpre ser saudada. Contudo, o que se questiona é a retirada abrupta dos postos de atendimento pessoal. Nada impede a atualização do serviço, mas desde que realizada de forma gradativa, atendendo ao princípio da publicidade. - Por outro lado, no que se refere à extensão da condenação da obrigação de fazer, a sentença determinou que a ré promovesse a abertura de lojas em todos os municípios abrangidos pela Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu. No entanto, a medida adotada não se revela razoável, pois implica o estabelecimento de novos postos de atendimento, que não existiam quando da assinatura do contrato de concessão. - Mantido o provimento dessa forma, haveria interferência indevida no campo da contratualidade das partes. Por mais que se mostre necessária a abertura de novos postos, não é tarefa do Poder Judiciário definir quais as localidades que deverão

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ser atendidas. Tal matéria exige a realização de estudos prévios por parte do poder con-cedente, estando afeta à discricionariedade da Administração. - Assim, o pedido deve ficar adstrito à correção do ilícito constatado, cabendo à Brasil Telecom promover a reabertura dos postos de atendimento que foram extintos. - A ocorrência de danos morais coletivos é matéria relativamente nova na jurisprudência. Doutrinariamente, o dano moral é conceituado como o prejuízo de caráter intrínseco ao íntimo do ofendido, isto é, ligado à esfera da personalidade. A coletividade, por óbvio, é desprovida desse conteúdo próprio da personalidade. Entretanto, não pode permanecer desamparada diante de atos que atentam aos princípios éticos da sociedade. - Costuma-se dizer que o dano moral tem dupla função: reparar o dano sofrido pela vítima e punir o ofensor. O denominado ‘dano moral coletivo’ busca, justamente, valorar a segunda vertente, mas sob um prisma diferente. Mais do que punir o ofensor, confere um caráter de exemplaridade para a sociedade, de acordo com a importância que o princípio da moralidade administrativa adotou hodiernamente. - Dessa forma, o dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado individualmente, tem pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum. É o que se verifica no caso dos autos. Por natureza, trata-se de um ilícito contratual, cujos efeitos atingiram a comunidade local. Mensurado individualmente, não daria ensejo à indenização pela pouca importância na esfera de cada cidadão. Contudo, na sua genera-lidade, leva à sua reparação aos olhos da sociedade. - Mantido o quantum indenizatório fixado na sentença (R$ 50.000,00), já que adotou como critério a capacidade econômica da ré, estando de acordo com o intuito de exemplaridade e reparabilidade. - Apelação parcialmente provida para que a Brasil Telecom promova a reabertura dos postos de atendimento que foram extintos.” (TRF4, AC 2002.70.02.003164-5, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, DJ 27.09.2006)

Ressalto que, a meu juízo, o fundamento não só da existência como também da indenizabilidade dos danos morais coletivos é a expressa menção de direitos difusos e coletivos por parte do texto constitucional (por exemplo, Capítulo I do Título I da Constituição; art. 8º, III; art. 129, III; art. 215; art. 225; art. 231).

Antecipação de tutela e multa diária pelo descumprimento

Ao encerrar este voto, analiso o pedido de antecipação de tutela nesta apelação cível.

Assentados os fundamentos jurídicos desenvolvidos ao longo deste voto, fica plenamente atendido o requisito da relevância do direito in-vocado, não só como alegação jurídica carregada de verossimilhança (juízo provisório e inicial), mas sim como fundamentação definitiva do juízo de procedência do pedido. O risco de dano irreparável ou de difícil

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reparação também está presente, uma vez que a suspensão no forneci-mento de bem essencial nos moldes ora afastados é plenamente possível de ocorrer, deixando usuários em específico e a coletividade em geral sem proteção judicial adequada.

Desse modo, tenho que a tutela judicial requerida deve ser de imediato provida à coletividade, para o fim de afastar o prazo quinzenal previsto na Resolução atacada, fixando-o em sessenta dias. Ademais, assim como deferida na sentença, é necessária a antecipação da tutela recursal para o fim de determinar às concessionárias que se abstenham de suspender o fornecimento por falta de pagamento e a retomarem o fornecimento daqueles consumidores que sofreram interrupção do serviço, em todos os casos em que a suspensão ocorreu pelo transcurso do prazo de quinze dias, devolvendo-lhes o prazo de 60 (sessenta dias) fixado neste voto.

Em caso de descumprimento da medida, fixo multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), conforme requerimento do MPF (fl. 51) e previsto no parágrafo 4º do artigo 461 do CPC, aplicável à Fazenda Pública (STJ, REsp 201.308, 267.446, 810.017), e no artigo 11 da Lei nº 7.347/85

Ante o exposto, voto por parcial provimento aos apelos, para o fim de: (1) afastar a incidência da Resolução ANEEL nº 456/2000 somente quanto ao prazo quinzenal definido para a suspensão do fornecimento de energia elétrica, em favor de todos os consumidores residenciais do Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da fundamentação deste voto; (2) condenar as requeridas ao pagamento de danos morais coletivos, fixados em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); e (3) antecipar a tutela recursal, para afastar de imediato o prazo quinzenal previsto na Resolução atacada, fixando-o em sessenta dias, bem como para determinar às concessionárias que se abstenham de suspender o forne-cimento por falta de pagamento e a retomarem o fornecimento daqueles consumidores que sofreram interrupção do serviço, em todos os casos em que a suspensão ocorreu pelo transcurso do prazo de quinze dias, devolvendo-lhes o prazo de 60 (sessenta dias) ora fixado, providência para a qual assino o prazo de quinze dias.

VOTO DIVERGENTE

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Acompanho o

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eminente Relator no tocante às preliminares de legitimidade, tendo, em outras ocasiões, sustentado que o Ministério Público é parte legitimada para proposição de ações envolvendo “interesse social”, nos termos do art. 129, III e IX, da Constituição.

Nesse sentido, os votos proferidos na AC nº 2000.04.01.097971-2/PR (julg. 3ª Turma, DE 24,10.2007) e na AC/REO nº 2000.72.06.000407-7/SC (julg. 5ª Turma, DJ 17.01.2001), nas duas ocasiões por unanimidade.

Com relação à questão de ser ultra petita a sentença, acompanho o voto do eminente Juiz Roger Raupp Rios, no sentido de que, em tais casos, a sentença deve ser reduzida aos termos do pedido constante da inicial, mas não anulada.

No mérito, acompanho o voto-vista, tendo como possível o corte de energia elétrica, desde que contemporâneo ao fato, e entendendo que a suspensão não pode ser procedida em 15 dias (prazo exíguo), merecendo ser mantida a sentença no ponto em que fixou prazo de sessenta dias para tanto.

No que tange à alegação de dano moral coletivo, estabeleci parâmetros na AC nº 2002.71.02.000289-1/RS, nestes termos:

“Quanto ao dano moral coletivo, entendo que a prova necessária para reconhecê-lo vai além da demonstração dos infortúnios por que passaram os consumidores na sua esfera individual. Trata-se, ademais, de hipótese diversa do dano moral tal como tradicionalmente reconhecido.

Para Yussef Said Cahali, ‘Dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem

repercussão patrimonial. Seja a dor física-dor-sensação, como a denomina Carpenter – nascida de uma lesão material, seja a dor moral-dor-sentimento – de causa material.’ (O dano Moral e sua reparação, p. 07, ed. 1980)

A indenização pelo dano moral visa à reparação pecuniária de um dano de ordem não patrimonial. Não se trata de estabelecer um preço pela dor, angústia ou sofrimento decorrente de uma lesão a um bem juridicamente tutelado, como a vida, a saúde, a in-tegridade física, mas sim propiciar ao lesado um abrandamento para ajudá-lo a superar o desgosto experimentado, sendo que o direito não se presta à reparação de qualquer bem, qualquer forma de padecimento, mas sim dos que decorrerem de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse no reconhecidamente jurídico, ou seja, deve haver a prova objetiva desse dano, demonstrando claramente sua existência, a fim de que se possa concluir o abalo sofrido pela vítima e ressarci-lo.

Se no dano moral individualizado pode-se admitir alguma presunção, no dano moral coletivo, a prova encontra dificuldades de outra ordem, qual seja, de se saber até que

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ponto toda a coletividade foi atingida na sua honra, na sua dignidade, ou se apenas uma parcela daquela teve algum sofrimento. Em face da especificidade do objeto desta lide, não vejo a necessária homogeneidade, ou melhor, a necessária igualdade nos incômodos de todos os consumidores da comunidade.

Em que pese o art. 6º do Código do Consumidor se refira à efetiva prevenção e reparação do dano moral como direito básico do consumidor, isso não significa que os aborrecimentos e prejuízos causados a alguns usuários pela má prestação do serviço impliquem a indenização de toda a coletividade, pois muitos dos usuários podem estar, inclusive, plenamente satisfeitos com o atendimento prestado por meio dos call centers e pela via da Internet. Não se trata, portanto, no caso dos autos, de situação que, por si só, tenha levado toda a coletividade aos sentimentos de dor, sofrimento, tristeza, vexame ou humilhação.”

Divirjo, pois, do voto-vista, neste particular, entendendo não compro-vada a hipótese de dano moral coletiva à hipótese presente.

Quanto ao prequestionamento, não há necessidade do julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conheci-mento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.99).

Assim sendo, voto por dar parcial provimento aos apelos, em menor extensão.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.70.00.027404-9/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann JúniorRelator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha

Apelante: BRAFER Construções Metálicas S/AAdvogado: Dr. Moacyr Álvaro de Souza

Apelado: Banco Central do Brasil - BACENAdvogados: Drs. Liliane Maria Busato Batista e outros

Apelado: Banco Bradesco S/AAdvogados: Drs. Marlúcio Ledo Vieira e outros

EMENTA

Administrativo e Civil. Sistema Financeiro Nacional. Prescrição. Ino-corrência. Legitimidade do BACEN. Instituição financeira. Fiscalização. Situação de insolvência. Contratos (export notes). Responsabilidade civil. Indenização. Cabimento.

1. O Banco Central do Brasil – BACEN é o órgão responsável pela operacionalização das determinações do Conselho Monetário junto às instituições financeiras, cabendo especificamente a ele a tarefa de, rever-berando o dever estatal de zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras, “exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas” (art. 10, inciso IX, da Lei 4.595/64).

2. É da competência do BACEN o dever de exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem.

3. Hipótese na qual a instituição financeira permaneceu por longo período operando após detectado pelo BACEN o estado de quebra iminente, sem a real cobrança de providências por parte da Autarquia. Responsabilidade estatal reconhecida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que

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ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 29 de outubro de 2008.Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: Trata-se de ação ordinária ajuizada contra o Banco Central e o Bradesco, visando à determinação de que os réus satisfaçam a dívida existente em razão de contratos firmados com o Banco Pontual (export notes), com juros e correção de lei.

Em amparo à sua tese, alega a autora que o Bacen tem responsabilidade pelo pagamento, pois foi negligente na fiscalização; e o Bradesco, como incorporador do BCN, deverá arcar com os ônus daí decorrentes.

Feito devidamente processado. Sentenciando, o Juiz a quo julga improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas e da verba honorária, esta arbitrada em R$ 50.000,00 em favor de cada réu.

Da r. sentença apelou a parte autora, buscando a total reforma do decisum, reprisando os argumentos de sua prefacial.

Com contrarrazões do Banco Central, subiram os autos a esta Colenda Corte, vindo conclusos após os demais trâmites legais.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: Com-pulsando os autos, para fins de julgamento do apelo apresentado pela parte autora, concluo que o mérito da sentença combatida se apresenta irrepreensível, não merecendo reparos.

Por elucidativo, peço licença para reproduzir trechos do decisum vergastado, uma vez que o considero bastante à solução do mérito da controvérsia trazida a exame:

“(...)As questões controvertidas nos autos são as seguintes: (i) para a análise da presente

demanda, há necessidade de análise dos atributos dos títulos de crédito; (ii) se existe responsabilidade do Banco Central do Brasil; (iii) se existe responsabilidade do Banco Bradesco S/A; (iv) se for o caso, se houve ou não a prescrição.

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Requisitos dos títulos de créditoA cartularidade consiste no atributo de que somente o que está escrito nos títulos

de crédito pode vincular as partes. O Banco Central do Brasil afirma que a autarquia não consta como devedora ou responsável nos títulos de fls. 84/86.

Da análise de tais documentos, percebe-se que o Bacen não consta como respon-sável. Entretanto, não se pode ignorar qual a causa de pedir e o pedido da parte autora: a responsabilização do Banco Central por negligência na fiscalização das operações financeiras.

Constata-se isso no pedido de fl. 25:‘Seja no final julgado procedente o pedido para que os réus,(...) Banco Central

do Brasil, por sua culpa subjetiva nos danos materiais e consequentes danos morais sofridos pela Requerente diante da negligência (ação ou omissão) com que se houve em todo o procedimento.’

Conclui-se, portanto, que o escopo perseguido pelo autor é a reparação de danos morais e materiais em face do Banco Central do Brasil, sendo inútil a análise de tais atributos para a solução da lide.

Responsabilidade civil do Banco Central do BrasilO Banco Central do Brasil é autarquia responsável pela fiscalização do sistema

financeiro nacional. Com as irregularidades descobertas nas operações relativas ao Banco Pontual S/A, o Bacen decretou a sua intervenção, nos termos da Lei 6.024/74.

De acordo com o Relatório síntese das apurações constantes em diligências efetua-das durante a intervenção, constatou-se que existiram irregularidades nas operações de export notes, que chegaram a ser ‘alugadas’, sem qualquer regulamentação financeira a respeito (fls. 107/116).

A fiscalização do Banco Central do Brasil teria sido omissa porque o Banco Pon-tual e o grupo ao qual pertencia vinham apresentando sinais concretos e visíveis de deterioração, externados no voto BCB 439/98 já em novembro de 1997.

A responsabilidade do Estado e de suas autarquias em razão de omissões por eles praticadas se caracteriza, segundo a doutrina dominante, como responsabilidade subjetiva do Estado. Neste caso, para a configuração da responsabilidade, necessária a presença dos seguintes requisitos: a) omissão ilícita; b) caracterização de dano e c) nexo de causalidade entre a omissão e o dano invocado.

Nesse sentido é a doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 794/795), para quem a respon-sabilidade objetiva do Estado não se aplica na hipótese de omissão:

‘Quando o dano for possível em decorrência de uma omissão do Estado (o servi-ço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente), é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só pode ser responsabilizado caso esteja obrigado a impedir o dano, isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

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(...)Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por

comportamento ilícito. E sendo responsabilidade ilícita, é necessariamente responsa-bilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade objetiva.’

Fixados os requisitos para a configuração do dever de indenizar, da análise dos autos, entendo não configurada a ilicitude da omissão imposta ao Banco Central do Brasil.

Dito de outra forma: a conduta do Bacen, mesmo sabendo da ‘deterioração’ da saúde financeira do Banco Pontual, não pode ser considerada como omissão ilegal. Isso porque o Estado, enquanto responsável pela fiscalização, não está obrigado a impedir o dano. Esse decorre do próprio risco das operações, tanto para a instituição financeira quanto para o usuário dos serviços bancários.

Ao Banco Central incumbe proteger a saúde do sistema financeiro, de modo a preservar a confiança no mercado. Se existem problemas pontuais em determinados setores, deve procurar que tais problemas não prejudiquem todo o sistema financeiro nacional. A ideia do PROER, tão criticado, foi justamente sanear a saúde financeira de algumas instituições para que isso não fosse motivo para prejudicar a credibilidade do sistema financeiro.

Não se pode provar, ademais, que, se o Banco Central do Brasil tivesse interferido nos negócios do Banco Pactual assim que soube das irregularidades, a crise teria sido evitada.

Não ignora, tampouco, que o autor firmou as export notes com o Banco Pontual em 18.09.98 e em 15.10.98, quando a saúde financeira da instituição já estava aba-lada, tanto é que apenas um mês depois da contratação de tais títulos foi decretada a intervenção pelo Banco Central do Brasil. Antes de fechar vultoso negócio, caberia a autora informar-se sobre as condições do Banco Pontual.

É por isso que a atividade do Banco Central do Brasil, caracterizada pela fiscalização e/ou intervenção em instituições financeiras, pode ser comparada à atividade do médico, no que diz respeito à teoria da responsabilidade civil. No caso de atos praticados pelo médico, a obrigação é de meio, e não de resultado.

Ao profissional da medicina, deparando-se com um paciente que sofre de uma doença grave, incumbe-se o dever de agir de forma tendente a evitar o seu sofrimento ou morte (obrigação de meio), mas dele não se pode exigir a garantia de que tais fatos não ocorram (obrigação de resultado), uma vez que nestes casos não dispõe ele de controle sobre o resultado final, dada a imprevisibilidade das consequências impostas pela natureza da doença.

O mesmo raciocínio se aplica ao Bacen. O Bacen não tem o dever de evitar a quebra das instituições financeiras. Tais so-

ciedades anônimas têm nos seus administradores a responsabilidade pela sua liquidez

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e rentabilidade. Ao Banco Central do Brasil cabe a fiscalização da atividade e a prática de atos de intervenção quando caracterizada a presença de risco à economia popular e ao sistema financeiro nacional como um todo. Nesse sentido, não estaria o Banco Pontual S/A impedido de intermediar operações de desconto bancário, por exemplo. Praticar tal ato está dentro de sua esfera de discricionariedade.

Sobre o assunto, cite-se o trecho do voto proferido pelo Ministro João Otávio de Noronha no Recurso Especial 152.360:

‘Não se tem na conduta do Banco Central do Brasil, consubstanciada simplesmente na falha na fiscalização, a causa determinante do evento danoso a que os recorrentes se viram submetidos: a uma, porque o Bacen não tem o dever institucional de evitar quebras de bancos, uma vez que isso advém da solidez do sistema econômico vigente; a duas, porque o prejuízo na aplicação financeira eleita pelos recorrentes não decorreu de nenhuma conduta omissa do Bacen, mas da ruinosa administração da instituição emitente das letras de câmbio que não foram resgatadas e da busca por lucros avultados decorrentes de aplicações de alto risco, com cunho especulativo.’

Dessa forma, entendo não configurada a responsabilidade civil do Bacen por omissão.

Quanto à responsabilidade pela ação, consistente em ter permitido que o contrato de cessão de direitos, bens e obrigações assumido entre o Banco Pontual e o Continental Banco somente abarcasse alguns ativos e alguns passivos, ato que foi editado de maneira célere e sem acompanhar as formalidades exigidas, o desfecho é semelhante.

De acordo com a Lei 9.447/97, que regula a questão da recuperação da saúde da empresa:

‘Art. 5º Verificada a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas nos arts. 2º e 15 da Lei nº 6.024, de 1974, e no art. 1º do Decreto-Lei nº 2.321, de 1987, é facultado ao Banco Central do Brasil, visando a assegurar a normalidade da economia pública e resguardar os interesses dos depositantes, investidores e demais credores, sem prejuízo da posterior adoção dos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou adminis-tração especial temporária, determinar as seguintes medidas:

I - capitalização da sociedade, com o aporte de recursos necessários ao seu soer-guimento, em montante por ele fixado;

II - transferência do controle acionário;III - reorganização societária, inclusive mediante incorporação, fusão ou cisão.Parágrafo único. Não implementadas as medidas de que trata este artigo, no prazo

estabelecido pelo Banco Central do Brasil, decretar-se-á o regime especial cabível.Art. 6º No resguardo da economia pública e dos interesses dos depositantes e inves-

tidores, o interventor, o liquidante ou o conselho diretor da instituição submetida aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária, quando prévia e expressamente autorizado pelo Banco Central do Brasil, poderá:

I - transferir para outra ou outras sociedades, isoladamente ou em conjunto, bens, direitos e obrigações da empresa ou de seus estabelecimentos;

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II - alienar ou ceder bens e direitos a terceiros e acordar a assunção de obrigações por outra sociedade;

III - proceder à constituição ou reorganização de sociedade ou sociedades para as quais sejam transferidos, no todo ou em parte, bens, direitos e obrigações da instituição sob intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária, objeti-vando a continuação geral ou parcial de seu negócio ou atividade.’

De fato, percebe-se que o artigo 6º da mencionada Lei autoriza a alienação parcial dos ativos e dos passivos das empresas submetidas ao regime de intervenção. Não foi contestado o fato de que os créditos da parte autora não estavam dentre os que foram assumidos pelo BCN, tanto é que a tese ora analisada reside justamente nesta não assunção.

Nos documentos trazidos nos autos, em especial, no Voto BCB nº 440/98, percebe-se que há autorização para alienação de parte dos ativos:

‘Em consonância com esse objetivo, trago à apreciação do Colegiado manifestação do Banco de Crédito Nacional S/A declinando firme interesse na assunção da atividade operacional bancária do Grupo PONTUAL, mediante aquisição do controle acionário do CONTINENTAL BANCO S/A e concomitante transferência de parte das estruturas de ativos e passivos pertencentes às demais instituições financeiras do Grupo.’ (fl. 232)

Em seguida, há o seguinte trecho:‘c) fixação de prazo máximo de 120 dias, dentro do qual, visando assegurar o

equilíbrio da estrutura de ativos e passivos absorvidos, poderá o BCN, diretamente ou através do CONTINENTAL, proceder à escolha de quais ativos serão incorporados em caráter definitivo, mediante substituição por outros de igual valor ou por pagamento em dinheiro.’ (fl. 233)

Percebe-se, portanto, que a assunção parcial dos passivos possui fundamento legal.

A parte autora não logrou comprovar, ademais, qual seria a ilegalidade da conduta que não incluiu a Pontual Gestão Empresarial no grupo que sofreria intervenção.

Por outro vértice, o fato de o BCN ter veiculado que teria assumido as atividades financeiras do Banco Pontual não significa que assumiu todas as suas dívidas, pois ca-beria ao autor procurar o Banco e verificar qual era o estado de seu crédito (fl. 100).

Dessa forma, não está configurado qualquer ato ilícito.A parte autora menciona a indenização por danos morais e materiais. Por danos

materiais, entende-se que deseja ver o montante despendido com as export notes ressarcido. No entanto, em relação aos danos morais, não trouxe qualquer elemento concreto que pudesse indicá-lo.

Concluo, portanto, que não está configurada a responsabilidade civil do Banco Central do Brasil.

Responsabilidade do Banco Bradesco S/AO fato de que os créditos da autora não foram assumidos pelo BCN e, consequen-

temente, pelo Bradesco é incontroverso.

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Assim, uma vez que não houve a assunção de tais créditos pelo BCN/Continental, na época da aquisição do Banco Pontual S/A, dentro do permissivo mencionado acima, conclui-se que os créditos integram a massa sob intervenção.

A parte autora não sustentou qualquer tese em relação ao Banco Bradesco, exceto a de que é sucessor do Banco Pontual e que veiculou a propaganda de fl. 100.

Ficou claro acima que, apesar de ter incorporado o Banco Pontual, o Bradesco não é responsável por todas as obrigações. Além disso, o comunicado veiculado na fl. 100 configura apenas um alento para os correntistas (‘você pode fazer todas as transações bancárias e utilizar cheques e cartões normalmente’), mas isso não significa a derro-gação do contrato de cessão outrora mencionado.

Não há, portanto, qualquer responsabilidade do Banco Bradesco S/A em relação ao pedido do autor.

Ressalto, por fim, que a parte autora não está privada por inteiro de seu direito de crédito, pois não comprovou ter habilitado o seu crédito junto à liquidação do Banco Pontual ou tampouco ter exercido a cobrança contra a Granosul (fl. 237).

3. Ante o exposto, rejeito as preliminares e julgo improcedentes os pedidos formula-dos por BRAFER CONSTRUÇÕES METÁLICAS S/A em face do BANCO CENTRAL DO BRASIL e do BANCO BRADESCO S/A, na forma do artigo 269, I, do CPC.

(...)”

Uma vez que concordo com o entendimento adotado pelo juiz a quo quando da prolação da sentença combatida, peço vênia e utilizo, por razões de decidir, a fundamentação constante do referido decisum.

Por fim, os próprios fundamentos desta decisão, bem como a análise da legislação pertinente à espécie, já são suficientes para o prequestiona-mento da matéria junto às Instâncias Superiores, evitando-se a necessi-dade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que nitidamente evidenciaria a finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa, nos moldes do contido no parágrafo único do art. 538 do CPC.

Pelo exposto, voto por negar provimento ao apelo da parte autora, nos termos da fundamentação.

É o voto.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Juiz. Federal Márcio Antônio Rocha: Pedi vista para melhor compreender a questão sub judice.

Cinge-se a controvérsia acerca da responsabilidade pela indenização, por parte do Banco Central do Brasil – BACEN e do Bradesco S/A., por

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danos morais e materiais, em razão de contratos (export notes) firmados entre a parte autora e o Banco Pontual S/A, advindos da quebra desta instituição financeira, que, consequentemente, não honrou as opções de venda que outorgara à autora (fl. 76 e 85). O Exmo. Relator nega provimento ao apelo da parte autora, mantendo a sentença que afastou a responsabilidade do Banco Central e do Bradesco S/A.

Com todo o respeito, peço vênia para divergir em parte da solução apresentada, especificamente quanto à responsabilidade do BACEN.

Antes de adentrar no mérito, examino as questões preliminares e prejudiciais suscitadas pelo BACEN em contrarrazões.

Intempestividade do Recurso de Apelação da Parte Autora

Analisando os autos, observa-se que a publicação da decisão dos embargos de declaração ocorreu, consoante a certidão da fl. 360, em 03.08.2007, sexta-feira, tendo iniciado a contagem do prazo para in-terposição da apelação em 06.08.2007, segunda-feira, e encerrado em 20.08.2007. Interposto o recurso em 17.08.2007 (fl. 361), portanto, não há falar em intempestividade.

Ilegitimidade passiva do BACEN

A questão relativa à legitimidade do Banco Central é matéria que se confunde com o mérito da demanda, razão pela qual rejeito a preliminar arguida.

Prescrição

Sustenta a autarquia que, entre a prática dos atos que representa o ato ilícito a ensejar a sua responsabilidade civil e o ajuizamento da presente ação, já transcorreu lapso de tempo superior a cinco anos, devendo, portanto, ser reconhecida e declarada a prescrição do suposto direito à percepção de verba indenizatória.

Entre os anos de 1998 e 1999, durante o trâmite do processo adminis-trativo (fls. 107-58), que culminou com a intervenção do Banco Pontual S/A. e, posteriormente, a sua liquidação extrajudicial, a empresa BRA-FER, em concomitância, participou ativamente em busca dos créditos cedidos. Em 29.02.2000 (fls. 61-9), intentou medida cautelar de exibição de documentos, julgada em 31.05.2001, em primeira instância (fls. 159-

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63); em 14.05.2003, em grau de recurso (fls. 165-9); e, em 28 de junho de 2005, pelo Colendo STJ (fl. 174). A presente ação ordinária foi ajui-zada em 24.10.2006 (fl. 02). Como se vê, a parte autora sempre esteve diligenciando em reaver os créditos que cedeu à instituição bancária, o que afasta a ocorrência da prescrição.

Assim, rejeito a prejudicial de mérito suscitada.Passo ao exame do mérito.No âmbito do sistema financeiro nacional, a política econômica é

ditada pelo Conselho Monetário Nacional, cujas diretrizes encampam o objetivo, entre outros, de “zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras” (art. 1º, inciso VI, da Lei 4.595/64). É por meio do Banco Central do Brasil - BACEN - que se operacionalizam as determinações do Conselho Monetário junto às instituições financeiras, cabendo espe-cificamente ao Banco Central a tarefa de, reverberando o dever estatal de zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras, “exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades pre-vistas” (art. 10, inciso IX, da Lei 4.595/64).

Na hipótese dos autos, contudo, o Banco Central tinha plena ciência da situação do Banco Pontual S/A. Em 26.06.1997, os dirigentes do Banco Pontual foram inclusive alertados pela fiscalização do Bacen de que a situação financeira do banco encontrava-se em processo de deterioração, sendo necessária a adoção de providências corretivas. E ainda, desde novembro de 1997, a instituição financeira encontrava-se classificada pela mesma fiscalização na condição de “Em Evidência”, época em que teve sua situação de liquidez agravada. Nada obstante, continuou o banco operando normalmente, sem monitoramento ostensivo por parte da autarquia (fls. 122-31).

Diante disso, a teor do art. 11, VII, da Lei nº 6.024/74, que dispõe acerca da competência do Bacen em “(...) exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalida-des ou processos operacionais que utilizem; (...)”, observa-se que não agiu dessa forma, já que permitiu que o Grupo continuasse operando no mercado até a intervenção, sem limitações, mesmo conhecedor da situação de insolvência enfrentada pelo Banco Pontual S/A. já em dezembro de 1997.

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Embora toda a promessa de prestação de serviço público fiscaliza-tório, o Banco em referência veio a ser liquidado, após anos de falhas contábeis, conforme explanado nos documentos provenientes do próprio BACEN (fls. 107-16 e 122-30). Transcrevo, a propósito, trechos de votos exarados por conselheiros da autarquia, que demonstram os percalços enfrentados pela instituição (fls. 123-4):

“(...) 2. Os principais administradores da instituição foram alertados pela fiscalização,

em reunião realizada em 26.06.97, conforme Memória de Reunião lavrada e assinada pelos presentes, de que a situação financeira do banco encontrava-se em processo de deterioração, exigindo a adoção de providências corretivas.

3. A instituição encontra-se classificada pela fiscalização na condição de ‘Em Evidência’ desde novembro/97, época em que teve sua situação de liquidez agravada, concentrando grande parte de suas captações junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (...).

4. Em 05.12.97, foi assinado Termo de Comparecimento notificando da necessi-dade de realizar aporte de recursos em valor suficiente ao reequilíbrio da situação da sociedade. A determinação contida no Termo de Comparecimento não foi atendida, tendo a instituição apresentado, apenas, um plano de reestruturação administrativa e operacional, com vistas à redução de custos.

5. As negociações efetuadas com outros grupos financeiros, a exemplo de G.E. e A.I.G., que possibilitariam o ingresso de novos recursos, não alcançaram êxito, acarre-tando a debilitação de sua capacidade financeira, patrimonial e negocial, agravando o quadro de desconfiança existente no mercado e trazendo como consequência a redução de suas fontes de captação.

6. A partir de jan/98 agravou-se a perda das captações existentes, com os clientes retirando os recursos que se encontravam aplicados na instituição em volumes superio-res às novas captações efetuadas. O quadro abaixo evidencia as perdas significativas ocorridas no segundo trimestre/98 (...)”.

Como referido acima, eficiente a fiscalização, obrigação legal do Ba-cen, ter-se-iam evitado os prejuízos – ou seu agravamento –, exsurgindo a hipótese de responsabilidade pela ausência do serviço de fiscalização e acautelamento contra fraudes contábeis pelo Banco Pontual S/A. Ou seja, em franco andamento os procedimentos fraudulentos dos responsáveis pela instituição financeira, sem um ato de fiscalização sério por parte do Bacen, sem uma notificação, sem a aplicação de multas, advertências e, principalmente, sem qualquer alerta à parte autora. Na qualidade de aplicadora, cabia-lhe apenas confiar na instituição que era autorizada a

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funcionar e era fiscalizada pelo BACEN, não havendo razões, por isso, para buscar informações a respeito da solidez do banco. O fato de per-manecer no mercado, operando normalmente, é indício suficiente para gerar a confiança de seus investidores.

Os contratos objeto da ação foram firmados muito posteriormente a exigências meramente formais da fiscalização do Bacen (em 26.06.97, onde se exigiu “providências corretivas”; e a assinatura, em 05.12.97, do Termo de Comparecimento, notificando da necessidade de realizar aporte de recursos em valor suficiente ao reequilíbrio da situação da sociedade). Com efeito, os documentos das fls. 74 e 83 evidenciam se assinou o primeiro, em 26.02.1998, cujo valor do crédito cedido era de US$ 272.293,31 (equivalente a R$ 300.000,00), e o segundo, no valor de US$ 360.017,57 (R$ 400.000,00), ambos com a cláusula de opção de venda.

Vale dizer, sabendo da bancarrota do banco fiscalizado, o Bacen não cobra a imediata adoção de “providências corretivas” ou de “aportes de recursos suficientes ao reequilíbrio da sociedade”, permitindo que consumidores sejam coaptados pelo Banco, em livres operações no mercado financeiro.

Há que diferenciar a falta de ciência da fiscalização quanto a atos anteriores da omissão de, assim que estabelecida a ciência, adotar me-didas concretas, e não meramente formais, para cessar o prejuízo de novos aplicadores. A responsabilidade nesse caso dá-se evidentemente pela falta de regular serviço de fiscalização e adoção eficiente (Princípio Constitucional da Administração, art. 37) das medidas de saneamento.

Após a ciência do Bacen, não vale o argumento de que a notícia pú-blica do estado de bancarrota poderia gerar um caos sistêmico, embora não exista esse argumento na defesa autárquica. Isso porque não pode a Administração conscientemente levar cidadãos e empresas de boa-fé a carrearem seus patrimônios para uma instituição que se viu não tinha, já ao momento da fiscalização, condições de sobrevida. A avaliação de sobrevida não foi eficientemente procedida pelo Bacen, gerando os graves prejuízos da parte autora.

Deve, portanto, o BACEN arcar com os prejuízos sofridos pela autora, em quantum equivalente ao valor correspondente aos contratos inadimpli-dos, com juros moratórios de 1% a partir da citação, e correção monetária,

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desde a data da devida recompra dos créditos. Condeno, ainda, o BACEN a suportar os honorários advocatícios da parte autora, que arbitro, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, em 10% do valor da condenação.

Por fim, sem razão a recorrente ao pretender atribuir ao Bradesco a responsabilidade pelas operações sob o argumento de que não há com-provação de que o BACEN teria autorizado a cessão de ativos e passivos parciais ao Continental Banco S.A.

O contrato de cessão parcial foi firmado dentro da norma legal (art. 6º da Lei nº 9.447/97), que preconiza a autorização da alienação parcial dos ativos e dos passivos das empresas submetidas ao regime de intervenção. De mais a mais, não foi contestado o fato de os créditos da autora não estarem dentre os que foram assumidos pelo BCN. Assim, uma vez cedida parte dos ativos e dos passivos, e não estando entre eles os créditos da parte autora, resta afastada a responsabilidade do Bradesco.

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.00.035263-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelante: Ministério Público FederalApelado: Adeli Sell

Advogada: Dra. Rosangela AlmeidaInteressada: Fundação Nacional do Índio – FUNAI

Advogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Administrativo. Ação civil pública ajuizada contra vereador. Re-paração de danos morais por ofensas à comunidade indígena. Artigo

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publicado em jornal. Princípios da liberdade de expressão e do respeito à honra.

1. Os princípios não são absolutos; são mandamentos de otimização, determinações no escopo de que algo se realize o mais possível dentro de uma conjuntura fática. Digladiam-se, in casu, o princípio da liberdade de expressão e o princípio do respeito à honra.

2. Não constitui ato praticado “no exercício regular de direito reco-nhecido” a utilização de veículo de imprensa para atacar uma minoria hipossuficiente. Constitui grave ofensa à comunidade atribuir-se a seu líder a condição de “insuflado”, como se não houvera o cacique condições de orientar seu povo; e igualmente insultuosa a assertiva de que seria conivente com “safados” e “gigolôs”. Existe, sim, um frontal ataque à pessoa do cacique e uma conotação discriminatória, excludente, a irradiar sobre a comunidade indígena.

3. Pecha mais grave ainda está contida na lamentável expressão “gigolô de índias”, a lançar mangra na reputação das mulheres da co-munidade indígena.

4. Houve, no caso em tela, grave ofensa à honra, que não se repara-ria com mero direito de resposta, o qual, certamente, traria consigo o nefasto efeito de ampliar o conhecimento da ofensa, dilatando o dano. A assertiva de que o constituinte deliberadamente, ao tratar da matéria, estabeleceu uma ordem não impressiona, pois a expressão além de, uti-lizada na segunda parte do inciso V do art. 5º da Constituição Federal, é evidentemente inclusiva. Significa que, além do direito de resposta, haverá o ofendido direito a reparação pecuniária do dano que a ofensa causou.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do rela-tório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de novembro de 2008.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: O Ministé-rio Público Federal move a presente ação civil pública contra ADELI SELL, edil da comunidade desta Capital, aduzindo, em suma, após tecer considerações quanto à competência desta Justiça Federal e concernen-temente a sua legitimidade ativa, que o escopo da ação é reivindicar danos decorrentes de artigo publicado no jornal “Fator Ecológico”, na edição nº 01, verão de 2006, p. 14), órgão de imprensa com sede em Gramado-RS, a que atribui “conteúdo preconceituoso e difamatório tanto ao cacique Jaime Alves como, e em especial, à Comunidade Kaingang de Porto Alegre, com o desiderato de expressar inconformismo e con-trariedade do demandado pelo fato de a indigitada comunidade indígena estar ocupando o Parque Natural do Morro do Osso. Referido texto fez estampar (fls. 22):

“Índios e o AmbienteAdeli SellQue os índios foram donos da terra brasileira é verdadeiro. Passado perfeito. Não

havia drogas nem devastação. Mas o espírito da globalização se evidenciou com o mercantilismo, e o europeu ousou buscar novos rumos e ares.

Chegou aqui e enfrentou seu irmão índio e o subjugou. Este não usava suas roupas, não tinha sua cor na pele, não falava a sua língua. Matou, estuprou, devastou. Deveria queimar no fogo da eternidade pelos seus crimes. Mas o mundo não é assim. Só quei-mavam bruxas então, e a eternidade a gente nunca saberá como é. Ou saberá?

Atualmente temos um outro mundo. Uma ampla maioria de brancos, negros, mestiços e poucos índios. E a luta pela sobrevivência está nas ruas, nas calçadas, nos escritórios, nas fábricas e na roça. Há muita terra para os índios. Suas terras estão sendo demarcadas pelo Governo Lula, e isso ninguém pode negar. Às vezes até as extensões soam exageradas. Em Porto Alegre os índios receberam recentemente suas terras, com ajuda real e concreta para sua inclusão social. Não é fácil. Sua cultura é diferente. Não é a nossa, do branco. Os negros também, particularmente os quilombolas, vão ocupando seus espaços. Também são diferentes dos brancos.

No mundo moderno o que conta é o respeito à pluralidade, à diferença e, mais que isso, a solidariedade humana deve ser a marca das nossas relações. O Rio Grande do Sul é um exemplo de que sempre houve muitos que lutaram e ainda lutam pelas ‘minorias’. Por isso é descabida a defesa de alguns para que os índios possam habitar o Morro do Osso, uma área histórica de preservação ambiental. Há espaço de sobra para os índios fora do Morro do Osso, na Lomba do Pinheiro e na Zona Sul. Por isso não podemos aceitar que oportunistas, populistas, quando não safados, são os que insuflaram um

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cacique, além da ação de dois gigolôs de índias, para enfrentar o poder local, destruir o ambiente e criar uma nova onda de politicagem.

Mas aqui em Porto Alegre sempre vence o bom senso. O Morro fica preservado. Os índios já têm a sua terra.

*Vereador PT – POA”

Noticia o Parquet o comparecimento do Cacique da Comunidade Indígena Kaingang, solicitando providências, porque vê no conteúdo do texto caráter discriminatório, pois que não age a tribo insuflada por “opor-tunistas populistas, quando não ‘safados’”, mas segundo a orientação de seu cacique, escolhido pela comunidade para lutar pelos direitos à terra reconhecidos pela Constituição de 1998; que o vereador, ao afirmar que os índios agiriam insuflados por pessoas da sociedade do entorno, ofende a autonomia da comunidade indígena e predispõe contra esta a opinião pública, contribuindo para formar opinião pública contrária à perma-nência dos índios; que reputa ofensiva a assertiva feita pelo vereador de que “as mulheres kaingangs seriam exploradas por dois gigolôs”, o que implicaria atribuir condição de meretrizes às mulheres da tribo.

Instado, o vereador informou ao Ministério Público, em resumo, que nada tem de pessoal contra o cacique, a quem, todavia, acusa de haver perturbado o Brique da Redenção, desobedecendo normas e acordos firmados com a municipalidade acerca dos espaços utilizados pelos índios na Rua dos Andradas; registrando, outrossim, que mantém todas as opiniões expressas sobre o Morro do Osso e sobre episódios envol-vendo sua pessoa e os índios; acrescentando, in fine, que, segundo a Lei Orgânica do Município, art. 65, os vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município. Em decorrência, entende o Ministério Público Federal que

“o próprio réu confirmou expressamente (...) que proferiu as frases supracitadas ofensivas à Comunidade Indígena do Morro do Osso e ao Cacique Jaime Alves e publicadas no Jornal FATOR Ecológico, de Gramado, inclusive renovando-as e acrescentando novas difamações em detrimento do Sr. Jaime Alves, todas, como se constata, de caráter discriminatório e preconceituoso, deixando assente o menosprezo e sua predisposição em denegrir a imagem dos indígenas Kaingang perante a sociedade ‘dos brancos’ em que ele vive.”

Requer, em decorrência, a entidade autora a condenação do réu ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais

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perpetrados, importância a ser concedida em cestas básicas a serem oportunamente entregues à FUNAI.

Em sua resposta, o réu apresenta as seguintes preliminares: a) exceção de competência ex ratione loci, oposta em apartado; b) ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal; c) ilegitimidade ativa do Sr. Jaime Alves para pleitear direito alheio. Na abordagem do mérito, aduz que suas opiniões foram decorrentes de subsídios que lhe chegam diariamente, através de denúncias e irresignações da comunidade relativamente à área de proteção ambiental – o Morro do Osso, que estaria sendo invadida, não se lhas podendo reputar caluniosas, injuriosas ou difamatórias, por serem matéria de conhecimento público; que sempre lutou pelas comunidades indígenas, “inclusive em nome do Sr. Jaime Alves e a todas as Índias” (sic); que não há prova do alegado dano; que sua opinião é inviolável enquanto investido no cargo de vereador; que o quantum requerido ex-trapola a valoração das ações indenizatórias pautadas em dano moral. Requer, in fine, sejam recebidas e havidas por procedentes as preliminares de legitimidade ativa e ilegitimidade de pleitear interesse de terceiros invocadas no preâmbulo; seja, quanto ao mérito, julgada improcedente a ação; seja recebida a impugnação de todos os fatos lançados na exor-dial, principalmente no que se refere ao pedido de condenação de R$ 100.000,00 a título de dano moral.

Adentrou os autos a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, reque-rendo sua inserção na relação processual como assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal.

A ilustre Juíza Federal Adriane Battisti declinou da competência para esta Capital, aceita pelo igualmente ilustre Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior (fls. 81 e 85).

Em impugnação à contestação, o Ministério Público Federal afirma sua condição de parte legítima, enfrenta as demais preliminares e ratifica a petição inicial.

Foi prolatada sentença, em que o magistrado a quo julga prejudi-cada a preliminar concernente à exceção de incompetência; afasta a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal; refuta a preliminar de ilegitimidade ativa de Jaime Alves; aponta desnecessária a produção de provas; e, no concernente ao mérito, entende que o réu exerceu regularmente seu direito enquanto cidadão e seu dever enquan-

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to Vereador, não devendo ser responsabilizado por ato que era lícito e regular, pois que direito de todo cidadão manifestar livremente seu pensamento; que somente pode ser responsabilizado quando abusa ou excede tal direito; que se deve buscar equilíbrio entre os dois direitos, o de liberdade de manifestação do pensamento e o da inviolabilidade da honra e imagem das pessoas; que na Constituição primeiro está a liberdade de manifestação do pensamento, depois vem o direito de resposta e, finalmente, o direito de indenização; ressalvando que, embora exista um “além de” colocado no texto constitucional entre a resposta e a indenização, o constituinte situou em primeiro lugar o direito de resposta; porque lutar contra a discriminação não significa censurar indiscriminadamente toda e qualquer opinião nesse ou naquele sentido; que a política e a função de julgar guardam algo em comum: o estarem sujeitas ao contraditório e à pluralidade de perspectivas para tratar um mesmo assunto. Acrescenta o nobre Julgador que “esse Juízo trata em vários processos sobre essa disputa e os problemas daí decorrentes” e que “já realizou várias audiências naqueles processos e recebeu várias vezes os interessados (representantes do Município, indígenas, ambientalistas, associações de bairro, vereadores, políticos, agentes municipais, cientistas, antropólogos etc), percebendo o quan-to é conflituosa a relação entre a Comunidade Indígena que ocupou e reivindica o Morro do Osso (que a querem como terra tradicional indígena) e os demais ocupantes da cidade de Porto Alegre (que a que-rem como unidade de conservação); e que o réu “é um vereador que representa um desses grupos em conflito”, havendo como natural que se incline em favor de uma determinada perspectiva; e que o autor agiu como Vereador, garantida a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos; que não há ofensa, nem discriminação, nem preconceito no artigo publicado. A seguir, faz o Magistrado um estudo detalhado de cada trecho do artigo em questão, pretendendo que mais adequado seria a utilização do direito de resposta; e aponta que se vive numa cidade pluralista, em que convivem diferentes opiniões. Conclui, por fim, pela improcedência da ação.

Apela o Ministério Público Federal, insistindo na tese da exordial.Apresentadas contrarrazões, em que se insiste nos fundamentos aca-

tados na sentença.

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Parecer ministerial, em função custos legis, pelo provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: As preli-minares aduzidas foram bem afastadas na sentença. Cumpre, portanto, analisar a matéria de mérito. Faço-o registrando, desde já, que, mais que me esforce, não consigo ver na atitude do réu exercício regular de seu direito “enquanto cidadão” e, muito menos, cumprimento de seu “dever enquanto Vereador”. Um cidadão, ao emitir sua opinião, demonstrando interesse pelos destinos da comunidade, participando efetivamente dos fatos sociais, mesmo quando lhe faleça razão na tese de que faz apologia, merece encômios. Um político, quando luta pelos sadios interesses da sociedade, como representante da sociedade que é, está, realmente, cum-prindo com o desiderato de sua nobre função. Tal, contudo, não autoriza ninguém a pechar quem quer que seja de “safados”, nem a dizer que um cacique indígena está sendo “insuflado” por “dois gigolôs de índias”.

Não há princípios nem direitos absolutos. Pretender lícito, em nome das liberdade de imprensa ou de opinião, que alguém esparja lama sobre o bom nome alheio; ou que um vereador, protegido por um escudo de imunidade, enodoe reputações impunemente é olvidar que todo direito encontra limites. Os princípios, conforme é consabido, são mandamentos de otimização, determinações no escopo de que algo se realize o mais possível dentro de uma conjuntura fática. Fabiano Henrique de Oliveira (Efetivação dos Direitos Fundamentais e a Proibição da Não Suficiência, Monografia apresentada à ESMAFE, abr. 2007, p. 35) aponta:

“No entanto, a colisão entre princípios não leva à antinomia, tendo em vista que são normas que possuem vários graus de satisfação. Em razão disso, é possível a coexistência dos princípios opostos por meio da concordância prática ou, na impossibilidade desta, soluciona-se a colisão através da cedência de um dos princípios em conflito em virtude da dimensão de peso e importância do outro, mas nunca a invalidação de um deles.

A forma de solução de conflitos entre princípios demonstra que, ainda que essas normas contenham expressões idênticas como um mandado, a permissão e a proibição, eles não refletem mandados definitivos, mas somente conferem direitos prima facie, tendo em vista que carecem de conteúdo determinado com respeito aos princípios e regras contrapostos. Desse modo, a determinação do direito fundamental definitivo

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protegido pelo princípio exige uma investigação das restrições a esse princípio com base em outros princípios jusfundamentais ou em regra estatuídas direta ou indireta-mente pela constituição.”

Aqui, digladiam-se o princípio da liberdade de expressão e o princípio do respeito à honra. Por melhor boa vontade que se queira emprestar ao edil-articulista, não se consegue ver um mínimo de construtivo naquilo que fez publicar; ao mesmo tempo em que se torna difícil empanar o quanto de nocivo reside não somente nas entrelinhas, mas de modo ex-presso. Vítima de violências odiosas desde o “descobrimento” do Brasil, o índio houve negadas sua propriedade, sua liberdade, sua cultura e sua vida, conforme o próprio réu, no lamentável artigo, asseverando que o europeu invasor “matou, estuprou, devastou”. E é devido a essa deplo-rável atitude que existem poucos índios. Estabeleceu-se a pax romana, imposta pelas armas, à custa de muito sangue. Os índios que restam aí estão, na miséria, na quase mendicância da venda de artesanato nos sinais de trânsito; e, mesmo agora, ainda incomodam a paz injusta dos brancos, que não os querem nas imediações de suas residências.

Venia concessa, não constitui ato praticado “no exercício regular de direito reconhecido” a utilização de veículo de imprensa para atacar uma minoria hipossuficiente, atribuindo a seu líder a condição de “insuflado”, como se não houvera o cacique condições de orientar seu povo; ou como se fora ele conivente com “safados” e “gigolôs”. Existe, sim, um frontal ataque à pessoa do cacique e uma conotação discriminatória, excludente, a irradiar sobre a comunidade indígena. A jurisprudência estampa:

“APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. SINDICATO. ABUSO DO DEVER DE INFORMAR. APELAÇÃO ADESIVA. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. DESERÇÃO. A liberdade de expressão assegurada pelo texto constitucional não é princípio absoluto, tendo como barreira o uso escorreito e comedido da prerrogativa. Havendo abuso no exercício do direito, esse deve ser coibido pelo Poder Judiciário. Se a conduta do agente extrapola o dever de informação e resulta na difamação da imagem de outrem, é devida indenização, independente de comprovação. A pessoa jurídica, criação de ordem legal, não tem capacidade de sentir emoções e dor, estando, por isso, desprovida da honra subjetiva. É passível, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de reputação junto a terceiros, a qual pode ficar abalada por atos que afastem seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua. A indenização por danos morais tem as seguintes finalidades: levar o ofensor a tomar atitudes que previnam a ocorrência futura de atos semelhantes e a de compensar a vítima pelos dissabores sofridos. O arbitramento

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do montante indenizatório deve ter por parâmetro, entre outros aspectos, as condições do ofensor, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, bem como os prejuízos mo-rais sofridos. A apelação adesiva deve ser acompanhada do regular preparo, exigido por força do disposto no art. 500, III, do CPC, que estende aos recursos adesivos as mesmas condições de admissibilidade, preparo e julgamento do recurso independente.” (Apelação Cível l.0313.04.127016-3/001-TJMG, Relator: Desembargador IRMAR FERREIRA CAMPOS – 17ª Câm. Cível, 01.03.2007-DJ de 23.03.2007)

Seria, já, de ponderar-se sobre a colidência entre o princípio da li-berdade de imprensa e o princípio do respeito à honra. Ninguém, em sã consciência, deixaria de sentir-se ofendido por alguém que lhe imputa estar agindo industriado por safados. Comunidade qualquer deixa de magoar-se quando se atribuem aos atos de seu líder inspiração viciada. Não há liberdade de imprensa ou imunidade política que abone a conduta de mangrar assim o indivíduo e a comunidade por ele liderada.

Houve, todavia, coisa pior: a expressão “gigolô de índias” extrapola todos os limites da mais ampla liberdade que se queira emprestar aos que se expressam pelos meios de imprensa. Debalde buscar-se na semântica da palavra “gigolô” sentidos menos agressivos do que realmente ela possui. O Dicionário Caldas Aulete – 4ª Edição, Editora Delta, v. III, p. 1748, verbete “gigolô”, mostra:

“gigolô, s. m. (Bras.) (pop.) Indivíduo, em geral moço e bem apessoado, que vive à custa de prostituta ou de mulher mantida por outrem. // Por extensão: Aquele que vive a expensas de alguém.”

Em igual diapasão, o “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, de Au-rélio Buarque de Holanda (Editora Nova Fronteira, 2ª edição, p. 849):

“gigolô (do fr. Gigolo).s.m. Bras. 1. Indivíduo geralmente moço e bem-parecido, que vive a expensas de prostitutas ou de mulher mantida por outro homem. 2. P. extens. Indivíduo que vive à custa de outrem.”

Pretender que a intenção do réu foi utilizar o termo no segundo sen-tido – que, ao que se lê acima, é admitido apenas “por extensão” –, sem conotação qualquer ofensiva, é, venia maxima concessa, ingenuidade. Quem estaria vivendo “a expensas” das índias? Por que razão? A inter-pretação admite apenas duas alternativas: ou as índias seriam meretrizes ou estariam traindo os maridos. Não se trata de presumir dolo; o que se não pode é afastar a obviedade.

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Houve, sim, a ofensa à honra, com extrema gravidade. Tal não se repararia com mero direito de resposta, que, certamente, traria consigo o nefasto efeito de ampliar o conhecimento da ofensa, dilatando o dano. A assertiva de que o constituinte deliberadamente, ao tratar da matéria, estabeleceu uma ordem não impressiona, pois a expressão além de uti-lizada na segunda parte do inciso V do art. 5º da Constituição Federal é evidentemente inclusiva. Significa que, além do direito de resposta, haverá o ofendido direito a reparação pecuniária do dano que a ofensa causou. Margem não há para digressões outras.

De uma geração que sofreu bem de perto as agruras do autoritarismo, tenho por sagrada a liberdade de opinião. Mas tenho absoluta convicção de que, mais que qualquer censura, o mau uso de um direito debilita a existência mesma da faculdade. Fazer de um instituto sadio, de uma liberdade fundamental, uma arma para atingir fins maléficos é atentar contra o próprio direito. Ninguém está aqui a condenar o vereador por ter expressado sua opinião contrária à ocupação do Morro do Osso pelos índios. O que se repele, enfaticamente, é que no escopo de expressar tal opinião valha-se o edil de achaques como “safados” e “gigolôs”, de modo a ferir a honra individual do cacique e a de toda a tribo, em particular das mulheres índias. Deplorável que o faça buscando o privilégio de uma imunidade que, num Estado Democrático de Direito, jamais autorizará alguém a espargir impropérios contra a honra alheia.

Se as funções de julgar e a atividade política guardam semelhança, no que concerne ao exercício do contraditório, convém que se registre aqui, porque relevante, que, nos trâmites processuais, também há proi-bição do uso de expressões injuriosas, com as devidas sanções (art. 15 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil). Não vejo, outrossim, nenhum motivo para atribuir o artigo publicado ao exercício do papel de vereador. O fato de fazer constar “Vereador PT-POA” sob a assina-tura do artigo não implica desempenho de função política. É apenas um esclarecimento ao leitor sobre a qualificação pessoal do articulista. Um juiz quando publica qualquer artigo doutrinário não está a exercer jurisdição, mesmo que aponha a informação “Juiz de Direito” ou Juiz Federal sob seu nome.

O vereador, após empossado, não representa mais “um desses grupos em conflito”; ninguém é vereador apenas de uma facção. É óbvio que

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existe uma plataforma, um discurso político, uma diretriz ideológica. Mas tal não restringe a representação nem autoriza que o vereador privi-legie este ou aquele grupo: o grande norte da administração é o interesse público. E não há interesse público algum em dirigir ofensas morais a comunidade étnica, a líder escolhido pela mesma comunidade étnica, a mulheres da mesma comunidade étnica.

Celso Antonio Bandeira de Mello viu-se indenizado por insultos a ele dirigidos pelo Ministro Sérgio Motta, conforme notícia da Central Jurídica, na Internet, assim:

“O espólio do falecido Ministro Sérgio Motta terá de pagar indenização por danos morais causados ao professor e jurista Celso Antonio Bandeira de Melo, conforme decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acompanhou por unanimidade o voto do relator, ministro CESAR ASFOR ROCHA.

O dano moral foi decorrente de ofensas veiculadas pela imprensa, que divulgou opinião de Sérgio Motta sobre as inúmeras iniciativas judiciais contra a realização do leilão de privatização da empresa Vale do Rio Doce. Tais declarações atacaram pes-soalmente o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, coautor e advogado de uma das ações, com ‘ofensas, injúrias, difamações e calúnias’. Entre as ofensas estariam as declarações de que o professor seria um ‘pseudojurista a serviço da corrupção organi-zada’ e que teria ‘uma vida pública lamentável’.

Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente, condenando o espólio de Sérgio Motta, que faleceu no curso do processo, ao pagamento de mil salários mínimos, com juros a partir da citação. Determinou, ainda, a cada uma das partes, o pagamento das respectivas despesas processuais. As duas partes apelaram para o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJ/SP), que deu parcial provimento ao recurso do professor, condenado o réu ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 15%, mas mantendo o valor da indenização.

O acórdão lembrou a pública e notória honorabilidade do professor Bandeira de Mello, considerando que o ex-ministro não tinha quaisquer elementos para provar que o professor seria um ‘oportunista a serviço dos grandes fornecedores e empreiteiros, da corrupção organizada e da corporação’, como declarou à Revista Veja.

Foi então que o espólio de Sérgio Motta apresentou recurso especial ao STJ. Pro-testou não só contra o valor da indenização, como pela forma de aplicação da correção monetária à condenação, obscuridade que não teria sido sanada pelo TJ/SP.

O relator do recurso, Ministro Cesar Rocha, destacou que os ataques verbais do ex-ministro das Comunicações tiveram grande repercussão na imprensa, sendo re-produzidos em jornais e revistas do País, e que tiveram como alvo ‘o mais destacado expoente do Direito Administrativo no Brasil’.

Quanto ao valor do dano moral, o ministro lembrou que, em hipóteses de falecimento de parente próximo, a Quarta Turma vem arbitrando indenizações correspondentes a

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500 salários mínimos. Por isso, a Quarta Turma deu parcial provimento ao recurso para fixar o valor da reparação moral em R$ 90 mil, corrigidos a partir da data do julgamento.” (www.centraljuridica.com/materia/2453/dano_moral)

Observe-se, na notícia acima transcrita, que são figuras bem diferentes a opinião do ministro em relação à privatização da Cia.Vale do Rio Doce e as ofensas pessoais ao ilustre Professor de Direito.

O Tribunal de Justiça do Paraná, a respeito dos limites à liberdade de imprensa, assim decidiu:

“LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. Recurso de Apelação – Lei de Imprensa – Direito Constitucional e Civil – Indenização por Dano Moral – Liberdade de Imprensa que não isenta a empresa jornalística de arcar com o pagamento de indenização por dano moral quando publica matéria ofensiva à honra – Exposição de fatos verídicos, de acordo com prova documental – Ausência do dever de indenizar.

1. Se é certo que a Carta de Outubro proclama, reconhece e protege o direito à liberdade de imprensa, menos verdade não é que esse direito não é limitado e por isso deve ser exercitado com responsabilidade e em harmonia com outros direitos, especialmente com o direito que temos à honra e à boa imagem, não se prestando, portanto, a informação jornalística como instrumento para denegrir ou macular a hon-ra das pessoas. 1.1. A honra, para o padre ANTONIO VIEIRA, ‘é um bem imortal. A vida, por mais que conte anos e séculos, nunca lhe há de achar conto, nem fim, porque os seus são eternos. A vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja, por fim se há de resolver em poucas cinzas. A fama vive nas almas, na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida em mármores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trombetas da mesma forma. Em suma, a morte mata, ou apressa o fim do que necessariamente há de morrer; a infâmia afronta, afeia, escurece e faz abominável a um ser imortal; menos cruel e mais piedosa se o puder matar’ (Sermões). 2. A própria Constituição estabelece limites ao exercício da plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, considerando-se a proteção a outros direitos conferida pelo mesmo texto constitucional, os quais repousam no art. 5º, incisos IV, V, X, XII E XIV. 3. Considerando que o veículo de imprensa noticiou fatos inverídicos, não obstante objeto de Inquérito Policial e de posterior processo em juízo, com prova documental no sentido de que foram cometidas as irregularidades apontadas pela parte autora, não se trata de exercício regular do Direito Constitucional de informar ao público aquilo que é de interesse, quando publica notícia de que fora demitido por justa causa, quando a Justiça do Trabalho já havia decidido em sentido contrário ou ainda quando a reunião com membros do Ministério Público foi para alteração de testemunha; ainda que se considere, sobretudo, quando flagrante o desvio de dinheiro de banco público, lesando o Erário. 4. Dado parcial provimento ao Recurso da parte requerida para reduzir o

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quantum da reparação do dano moral para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), corrigindo monetariamente a partir da data da prolação da sentença e acrescido de juros conforme consta da sentença.” (TJ/PR – 8ª C.Civ. Ap. Civ. Nº 0408525-2/Apucarana, Rel. Des. José Sebastião Fagundes Cunha, julg. 19.12.2007)

Merece aqui menção o substancioso acórdão da lavra do Des. João Egmont Leôncio Lopes, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, refe-rente à Apelação Cível 20020150078482- DJ de 27.05.2004):

“1. Se é certo que a carta de outubro proclama, reconhece e protege o direito à liber-dade de imprensa, menos verdade não é que esse direito não é ilimitado e por isso deve ser exercido com responsabilidade e em harmonia com outros direitos, especialmente com o direito que todos temos à honra e à boa imagem, não se prestando, portanto, a informação jornalística como instrumento para denegrir ou macular a honra das pes-soas. 2. Doutrina. José Afonso da Silva. ‘O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais e morais. Como salienta Miguel Angel Ekmekdjian, a proibição à censura prévia, como garantia à liberdade de imprensa, implica forte limitação ao controle estatal preventivo, mas não impede a responsabilização posterior, em virtude do abuso no exercício desse direito. O autor, inclusive, cita julgado da corte suprema de justiça argentina no qual se afirmou: ‘apesar de no regime democrático a liberdade de expressão ter um lugar eminente que obriga particular cautela enquanto se trata de decidir responsabilidades por seu desenvolvimento, pode-se afirmar sem vacilação que ela não se traduz no propósito de assegurar a impunidade da imprensa’. A liberdade de imprensa em todos os aspectos, inclusive mediante a vedação de censura prévia, deve ser exercida com a necessária responsabilidade que se exige de um estado democrático de direito, de modo que o desvirtuamento da mesma para o cometimento de fatos ilícitos, civil ou penalmente, possibilitará aos prejudicados plena e integral indenização por danos materiais e morais, além do efetivo direito de resposta.’ 2.1. Alexandre de Morais. ‘O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa pre-visão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais e morais’. 3. Ao publicar ou noticiar qualquer fato deverá o veículo de comunicação social proceder a um juízo acerca do conteúdo da matéria, não se esquecendo que a liberdade que lhe é conferida pela carta magna tem limites e que outros direitos, de igual envergadura, ali também se encontram tutelados. 4. Nessa ordem de ideias, a vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que, em certos casos, pode

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ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. 2.1. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento nem tão pequena que se torne inexpressiva. 3. Sentença modificada para julgar-se parcialmente procedente o pedido.”

O que diz a jurisprudência supracitada sobre a liberdade de imprensa cabe também em relação à faculdade de expressar opinião.

No que concerne ao quantum da indenização, contudo, tenho eu que, in casu, guarda razão, em parte, o apelo. A indenização dos danos morais, como é consabido, tem por gênese dois escopos: o de minorar, na medida do possível, o dano e o de desestimular a repetição do comportamento nocivo. Ainda que considerando a gravidade da afronta, não se trata de expressões que se imputem racistas, embora tresandem a preconceito. Levando-se em conta o subsídio de vereador, que se sabe modesto, im-perativo é convir que a indenização proposta pelo Ministério Público Federal extrapola o razoável, pois que sacrificaria demasiadamente o réu. Hei por bem, portanto, propor parcial provimento ao apelo, para fixar em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a indenização por danos morais a ser paga à comunidade indígena kaingang, em cestas básicas a serem entregues à FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que as distribuirá às famílias mais necessitadas da comunidade kaingang do Morro do Osso de Porto Alegre-RS, nos termos do pedido. Arcará, ainda, o réu com os ônus da sucumbência. O inadimplemento da obrigação no prazo de 15 (quinze) dias a partir da publicação do acórdão importará multa de R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo, nos termos acima explicitados.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios: Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra vereador do Município de Porto Alegre, objetivando a condenação do demandado à importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em virtude de dano moral decorrente de opinião expressa em artigo publicado em periódico do interior do Estado, assim redigido:

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“Índios e o AmbienteAdeli SellQue os índios foram donos da terra brasileira é verdadeiro. Passado perfeito. Não

havia drogas nem devastação. Mas o espírito da globalização se evidenciou com o mercantilismo, e o europeu ousou buscar novos rumos e ares.

Chegou aqui e enfrentou seu irmão índio e o subjugou. Este não usava suas roupas, não tinha sua cor na pele, não falava a sua língua. Matou, estuprou, devastou. Deveria queimar no fogo da eternidade pelos seus crimes. Mas o mundo não é assim. Só quei-mavam bruxas então, e a eternidade a gente nunca saberá como é. Ou saberá?

Atualmente temos um outro mundo. Uma ampla maioria de brancos, negros, mestiços e poucos índios. E a luta pela sobrevivência está nas ruas, nas calçadas, nos escritórios, nas fábricas e na roça. Há muita terra para os índios. Suas terras estão sendo demarcadas pelo Governo Lula, e isso ninguém pode negar. Às vezes até as extensões soam exageradas. Em Porto Alegre os índios receberam recentemente suas terras, com ajuda real e concreta para sua inclusão social. Não é fácil. Sua cultura é diferente. Não é a nossa, do branco. Os negros também, particularmente os quilombolas, vão ocupando seus espaços. Também são diferentes dos brancos.

No mundo moderno o que conta é o respeito à pluralidade, à diferença e, mais que isso, a solidariedade humana deve ser a marca das nossas relações. O Rio Grande do Sul é um exemplo de que sempre houve muitos que lutaram e ainda lutam pelas ‘minorias’. Por isso é descabida a defesa de alguns para que os índios possam habitar o Morro do Osso, uma área histórica de preservação ambiental. Há espaço de sobra para os índios fora do Morro do Osso, na Lomba do Pinheiro e na Zona Sul. Por isso não podemos aceitar que oportunistas, populistas, quando não safados, são os que insuflaram um cacique, além da ação de dois gigolôs de índias, para enfrentar o poder local, destruir o ambiente e criar uma nova onda de politicagem.

Mas aqui em Porto Alegre sempre vence o bom senso. O Morro fica preservado. Os índios já têm a sua terra.

*Vereador PT – POA” (grifei)

Com a vênia das razões expostas na sentença recorrida, alinho-me ao voto do eminente relator, quanto ao provimento do apelo.

De fato, tenho que a manifestação impugnada, especialmente no trecho grifado, consubstancia dano moral. Ela atinge a dignidade da comuni-dade indígena como um todo, na medida em que essa é tomada como aproveitadora de oportunistas, populistas e safados. Ademais, a menção a “gigolôs de índias”, do modo como realizada, reproduz dinâmicas discriminatórias disseminadas na cultura e na história de nosso país em face de etnias indígenas.

A meu juízo, ofensa desse jaez ataca o direito fundamental ao respeito

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e à dignidade da comunidade indígena, o que se dá de modo insepará-vel e simultâneo à violação do princípio da igualdade, entendido como mandamento de não discriminação, cujo conteúdo alcança o dever de respeito às diferenças e o reconhecimento da cultura e da identidade alheia, mormente numa história de violação de direitos e de discriminação contra grupos indígenas (sobre o ponto, permito-me citar meu trabalho Direito da Antidiscriminação, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 79 e seguintes).

Não se trata, aqui, de tomar partido de uma ou outra posição quanto ao direito de determinada comunidade indígena habitar certa área urbana, de preservação ambiental ou não. O que está em questão, isto sim, é o dever de não discriminar e de não promover discriminação e desrespeito por meio de atos, palavras ou omissões, em face de grupos discrimina-dos, especialmente em uma cultura onde indígenas foram historicamente subjugados. Essa, aliás, a compreensão da proibição de discriminação exigida pelo princípio da igualdade como mandamento de antissubordi-nação. Conforme discorri no trabalho acima citado (p. 36):

“Esta preocupação com igual proteção aos membros de grupos subjugados, na perspectiva da antissubordinação, investe o princípio da igualdade de um conteúdo substantivo, a ser concretizado em cada momento histórico tendo presente quais são esses grupos e as formas pelas quais a discriminação ocorre. A perspectiva da antissubordinação fornece uma explicação da dinâmica do princípio da igualdade preocupada com as circunstâncias históricas, se comparada às tentativas de responder a tais circunstâncias formuladas no horizonte da antidiferenciação. A preocupação com ‘efeitos presentes da discriminação passada’ ou a distinção da discriminação segundo as modalidades de facto e de jure discrimination, ambas tentando salvaguardar uma aplicação completamente neutra e formal do princípio da igualdade, salientam os limites da perspectiva da antidiferenciação no direito da antidiscriminação.

Neste contexto, transita-se de um modelo centrado no indivíduo isolado e abstrato para um modelo cujo foco primordial é o contexto social em que os indivíduos estão imersos. Dessa preocupação primordial com a posição ocupada pelos diversos grupos na sociedade não se deve inferir, contudo, que a perspectiva da antissubordinação implique necessária e exclusivamente uma teoria orgânica da vida em sociedade. Com efeito, essa perspectiva é compatível com uma visão fundada no indivíduo, na medida em que este é percebido concretamente no seu contexto social.

O engajamento na superação das situações de discriminação, portanto, e não a neutralidade, é a mola propulsora da atuação do princípio da igualdade. Daí decorre a adoção da perspectiva do discriminado, ao invés da perspectiva do perpetrador da

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discriminação, como ocorre na perspectiva da antidiferenciação. Tal mudança de foco acarreta conclusões diversas daquelas da perspectiva da antidiferenciação, consideradas as principais questões que se apresentam ao direito da antidiscriminação.”

Que a discriminação contra grupos étnicos e raciais é realidade plasmada e reproduzida cultural e socialmente, aliás, é realidade que já mereceu a consideração do Supremo Tribunal Federal, donde não só o dever jurídico de não reproduzi-la como também de combatê-la. De fato, ao analisar a compreensão constitucional do racismo, o STF salientou a dinâmica cultural e social intrínseca a este deletério fenômeno, preocu-pação estampada inclusive na ementa (HC 82.424/RS):

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTISSEMITIS-MO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊN-CIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.

1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros ‘fazendo apologia de ideias pre-conceituosas e discriminatórias’ contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).

2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa.

3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras caracte-rísticas físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais.

4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.

5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciliabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo con-temporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.

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6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, ‘negrofobia’, ‘islamafobia’ e o antissemitismo.

7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.

8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnoló-gicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.

9. Direito comparado. A exemplo do Brasil, as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu or-denamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos consagraram entendimento que aplica sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo.

10. A edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos, como o holocausto, con-substanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam.

11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso.

12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especifica-mente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham.

13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abran-gência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.

14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos

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contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igual-dade jurídica.

15. ‘Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento’. No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direi-tos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável.

16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem.

Ordem denegada.”

A menção a esse julgado histórico do Supremo Tribunal Federal não implica juízo, por este relator, que equipare a gravidade do delito examinado pelo STF com a ofensa perpetrada pela manifestação ora discutida pelo parlamentar porto-alegrense. O que quero destacar é a dinâmica cultural e social do preconceito e da discriminação, que em tudo se assemelha, no tocante aos indígenas brasileiros, àquela verificada no antissemitismo e no racismo. É preciso, portanto, velar pelo princípio da igualdade em face dessas dinâmicas e fornecer respostas jurídicas diante delas, como o que ocorreu no caso ora em julgamento.

A colação desse julgamento também serve para destacar que não há direito absoluto à manifestação do pensamento quando se tratar de pensamento com cunho discriminatório, atingindo a honra, o respeito e a dignidade, no caso, de comunidade que pertence àqueles grupos que a própria Constituição reconhece como participante do processo civiliza-tório nacional (CF, art. 215) e dedica capítulo especial na Ordem Social (arts. 231 e 232).

Na linha do decidido pelo STF (item 14 da ementa acima transcri-ta), a liberdade de manifestação não consagra um “direito à incitação à discriminação”, prevalecendo os princípios da proteção e do respeito à dignidade e da igualdade.

Contra essa conclusão não se invoque a imunidade parlamentar.Isso porque, como revela a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-

deral, essa garantia institucional não é ilimitada, estando dela excluídas as manifestações que não guardem pertinência temática com o exercício

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do mandato parlamentar (STF, Pleno, Inq. nº 1.344/DF, relator Ministro Sepúlveda Pertence, j. 07.08.2002).

No caso, ainda que, como salientou a sentença, a questão relativa à comunidade indígena e a disputa pela área do Morro do Osso seja bastante polêmica e intensamente disputada, não se pode dizer que ofensas de cunho preconceituoso e discriminatório sejam manifestação que guarda pertinência temática com o exercício do mandato parlamentar.

A crítica dura e mordaz, a emissão de juízos subjetivos sobre quali-dades e defeitos, chegando até mesmo à imputação de adjetivos despri-morosos (para valer-me da expressão do Ministro Sepúlveda Pertence no Inq-QO 503/RJ), tudo isso está imunizado pelo mandato parlamentar, sem, todavia, confundir-se com a incitação de preconceito e discriminação relacionados à etnia dos envolvidos.

Com efeito, na esteira de outro julgado do STF, a inviolabilidade alcança “quaisquer opiniões, palavras e votos”, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato; mas ela não cobre ofensas que, pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de Deputado ou Senador do agente (cf. STF, Inq 1.710, 27.02.2002, Sanches).

Eis, a meu juízo, o traço distintivo a ser demarcado: manifestações ofensivas, quando carregadas de cunho discriminatório e racista, não po-dem ser consideradas intrínsecas à condição de parlamentar, sob pena de a tarefa mais importante de todos os mandatários e membros de Poderes Públicos, que é o respeito e a promoção dos direitos fundamentais, ser frustrada. Cuida-se, nesses casos, de tal alheamento à condição parla-mentar que não se pode cogitar de âmbito de incidência da imunidade parlamentar.

Como formulou o Ministro Celso de Mello (Inq-QO 1588/DF), para a proteção da inviolabilidade parlamentar há necessidade de nexo de im-plicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas e a prática inerente ao ofício parlamentar. Nesse âmbito, salvo melhor juízo, não se insere manifestação discriminatória.

Esse nexo de implicação recíproca, a meu ver, salienta a natureza da imunidade parlamentar como garantia institucional, vale dizer, titula-rizada pelo membro do Parlamento em benefício do cumprimento das funções institucionais da Casa Legislativa, não se tratando de estatuto

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pessoal. Inexistindo dúvida quanto à missão do Poder Legislativo de afastar violação de direitos fundamentais e combater a discriminação étnica, não consigo vislumbrar na manifestação debatida exercício de garantia institucional.

Com essas considerações, que agrego ao brilhante voto do eminente relator, manifesto-me pelo parcial provimento do recurso, nos termos ali propostos.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.10.000878-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior

Apelante: Fernando Valdir GoetzAdvogado: Dr. Jandrei Aldebrand

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. Luis Antonio Alcoba de Freitas

Apelados: (Os mesmos)

EMENTA

Serviço militar. Lesões físicas. Licenciamento indevido. Reincorpo-ração para tratamento de saúde. Indenização por danos materiais e morais. Sucumbência.

Presença de nexo causal entre as lesões físicas apresentadas pelo autor e a prestação de serviço militar.

Ilegal o ato de desincorporação do autor das fileiras do Exército antes de receber o devido tratamento médico. Devida a reincorporação até a consolidação das lesões. Devido o pagamento dos soldos referentes ao período de licenciamento.

Indenização por dano moral majorada em conformidade com os prin-cípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

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Mantida a sentença relativamente ao critério de distribuição dos ônus sucumbenciais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos do re-latório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de março de 2009.Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: Trata-se de ação proposta em face da União, objetivando o pagamento de indeni-zação por danos materiais e morais, atribuídos à lesão ocorrida durante a prestação de serviço militar, bem como o pagamento de pensão vitalí-cia, devido à incapacitação definitiva do autor para o trabalho, além de reincorporação ao Exército para tratamento de saúde.

Narra o autor ter laborado junto ao 28º Grupo de Artilharia de Campa-nha, no período entre 07.03.1994 e 06.03.1997. Relata que desempenhava treinamentos com uso de armas de fogo sem a utilização de protetores auriculares, fato que alega ter sido a causa da perda progressiva de audição. Aduz que somente teve conhecimento do problema ao mudar de atividade, no ano de 2001, requerendo o pagamento de indenização e de pensão vitalícia, atribuindo à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

A sentença é pela procedência parcial do pedido para determinar que a ré promova a reincorporação do autor às fileiras do Exército, para fim de tratamento de saúde, até a efetiva recuperação ou consolidação das lesões; condenar a ré a pagar os soldos devidos desde a data da desin-corporação, atualizados monetariamente, bem como os que vierem a vencer, até o efetivo desligamento; condenar a ré a pagar a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais; condenar a ré a ressarcir ao autor as despesas havidas em razão do tratamento de saúde

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realizado no período entre as datas da desincorporação e da reincorpora-ção, a serem apuradas na fase de cumprimento de sentença. Sucumbência recíproca fixada nos moldes do art. 21 do CPC. Honorários advocatícios compensados. Suspensa a exigibilidade em relação ao autor, por força da concessão de assistência judiciária gratuita.

Em sede de apelo, o autor requer a reforma da sentença para fim de majoração do valor da indenização fixada a título de dano moral, não inferior ao equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos.

Apela a União. Requer a reforma integral da sentença, alegando que as lesões apresentadas pelo autor não têm relação exclusiva com o serviço militar, não sendo caso de responsabilização do ente público.

Sentença sujeita a reexame necessário.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: A pre-tensão veiculada nestes autos envolve hipótese de reparação de danos materiais e morais, atribuídos à lesão relacionada à prestação de serviço militar.

O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encon-tra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 5º (...)V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização

por dano material, moral ou à imagem;(...)X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)”

A Constituição Federal dispõe, ainda, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, nos moldes do § 6º do art. 37.

Na legislação civil em vigor (Lei nº 10.406, de 10.01.2002), a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar encontram-se definidos e discipli-

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nados nos seguintes dispositivos:“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudên-

cia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (...)

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito

reconhecido;II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de re-

mover perigo iminente.Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as

circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. (...)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Indispensável que as provas encerrem elementos objetivos e, se possível, inequívocos acerca do objeto da contenda, incumbindo aos litigantes o ônus de produzir as provas de suas alegações, nos moldes do art. 333, I e II, do CPC.

Nestes autos, há provas suficientes de que as lesões apresentadas pelo autor tiveram início no período de prestação do serviço militar, restando estabelecido o nexo causal entre o dano e as atividades exercidas. Toda-via, o laudo pericial, que dá sustentação aos fundamentos da sentença, é conclusivo quanto à evolução das lesões, que não se encontram con-solidadas a ponto de tornar indiscutível a incapacitação do autor para a prestação de atividade laboral.

Devido à análise judicial criteriosa do conjunto probatório, transcrevo alguns fundamentos da sentença que considero necessários à solução da controvérsia, in verbis:

“(...)No caso dos autos, o perito médico-judicial afirmou que o autor está acometido de

lesão meniscal no joelho esquerdo (resposta ao quesito a do juízo no laudo pericial das fls. 111/113). Ainda segundo se depreende das respostas do perito médico-judicial, ainda não há um quadro definitivo acerca da incapacidade do autor, especialmente porque as lesões do autor ainda não estão consolidadas, já que dependentes de tratamento cirúrgico a ser realizado (respostas ao quesito f do juízo e quesitos f, g e j do autor no

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laudo das fls. 111/113).Com isso, tem-se que não há informação definitiva acerca da existência de incapa-

cidade definitiva para o exercício das atividades militares, e tampouco de incapacidade total e definitiva para o exercício de qualquer atividade laborativa, de modo que, ao menos por ora, o autor não faz jus à concessão da reforma.

Por outro lado, em relação ao pleito pela reincorporação para fins de tratamento de saúde, tenho-o como procedente. Isso porque, quando de sua incorporação, o autor gozava de boas condições físicas, não podendo o Exército proceder à sua desvinculação sem antes lhe propiciar a total recuperação de sua condição física, fornecendo-lhe o tratamento de saúde necessário para recuperação de suas lesões, ou ao menos para a sua consolidação. Este é um direito assegurado aos militares por força do disposto no art. 50, inciso IV, alínea e, da Lei nº 6.880/80. (...)”

Em assim sendo, deve o autor ser reincorporado às fileiras do Exér-cito para que conclua o tratamento das lesões e alcance a recuperação máxima de eventuais sequelas.

Consequentemente, por ter sido desincorporado indevidamente, antes de receber o devido tratamento médico, a ré deverá assumir a respon-sabilidade pelos prejuízos materiais e morais demonstrados, assumindo a responsabilidade pelo pagamento dos soldos referentes ao período da desincorporação, bem como de indenização pelas despesas realizadas com o tratamento e pelos transtornos emocionais causados, conforme fixado na sentença.

Especificamente quanto à mensuração do dano moral, o autor alega, em seu apelo, que a indenização fixada na sentença deve ser reexami-nada.

Pelas suas circunstâncias, a lei não estabelece critérios objetivos de mensuração do dano de ordem moral. Cabe ao julgador sopesar os abalos emocionais decorrentes da lesão e o caráter compensatório da indenização, bem como os aspectos punitivo e pedagógico da condena-ção imputada ao réu.

O próprio sistema jurídico consagra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, oferecendo ao julgador elementos que permitam arbitrar indenização em valor suficiente para a reparação do dano – ini-bindo a repetição da conduta lesiva –, sem promover o enriquecimento indevido da vítima.

É possível, ainda, o emprego do salário mínimo como referencial, conforme sugere o autor Clayton Reis (Avaliação do Dano Moral, p. 96),

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em tabela estabelecida com base em fundamentos do Direito Penal e seguintes parâmetros:

“DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATOS/ FATOS:Lesão Psíquica Leve - Entre 5 e 50 SMLesão Psíquica Grave - Entre 50 e 500 SMLesão Psíquica Gravíssima - Entre 500 e 3600 SM.”

Na linha desse entendimento, considerando as circunstâncias do fato, entendo que o valor da indenização fixado na sentença está aquém dos parâmetros utilizados nesta Corte para casos semelhantes.

Pelos fundamentos expostos, deve-se elevar o valor da indenização para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes, in verbis:“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL

CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. (...) DANOS MORAIS E MATERIAIS. INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO NÃO AUTORIZADA. VALOR RA-ZOÁVEL. DESPROVIMENTO.

1. Omissis.2. O Superior Tribunal de Justiça consolidou orientação de que a revisão do valor

da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Excepcionalidade não configurada na hipótese em exame.

3. Omissis.4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 985.008/PR, Rel. Ministra DENISE

ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20.05.2008, DJe 12.06.2008)“ADMINISTRATIVO. REPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS

MATERIAIS E MORAIS. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INDE-NIZAÇÃO RAZOABILIDADE. (omissis)

Pela impossibilidade de retorno ao status quo ante, a indenização do dano moral deve ter cunho compensatório, sempre tendo por base o princípio da razoabilidade, a fim de evitar o enriquecimento sem causa.” (TRF4, AC 2005.71.02.006119-7, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E. 18.08.2008)

“MILITAR. REINTEGRAÇÃO. ACIDENTE EM SERVIÇO. LESÃO DO MENIS-CO MEDIAL. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. DANOS MORAIS. Caracterizado que, quando do licenciamento, o autor estava temporariamente incapacitado, portanto, ilegal o ato administrativo que o desligou. Reintegração às fileiras castrenses até total recuperação ou, se for o caso, reforma. Danos morais incabíveis, pois a mera contra-riedade na via administrativa não dá ensejo à indenização buscada.” (TRF4, APELA-ÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.03.001941-4, 4ª Turma, Des. Federal EDGARD ANTONIO

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LIPPMANN JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, D.E. 23.10.2007)“AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE NO EXERCÍCIO DE MANOBRAS

MILITARES COM POSTERIOR DISPENSA SEM O DEVIDO TRATAMENTO MÉ-DICO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. O autor, quando ingressou nas fileiras do Exército, estava em perfeitas condições de saúde, sendo sempre considerado apto, o que leva a confirmar que a lesão eclodiu à época do serviço militar, guardando a moléstia relação de causa e efeito com o serviço militar. 2. Não poderia ter o exército dispensado o autor com a referida lesão. 3. As sequelas advindas do acidente, que ainda persistem, embora temporárias, produziram no autor dores de cunho psicológico, angústia, desestímulo, pois, ao prestar serviço obrigatório à Pátria, foi dispensado do serviço castrense com elas. 4. No arbitramento da indenização advinda de danos morais, o julgador deve valer-se de bom senso e de razoabilidade, atendendo às peculiaridades do caso, não podendo ser fixado quantum que torne irrisória a condenação nem valor vultoso que traduza enriquecimento ilícito. 5. Redução do valor da indenização para R$ 5.000,00, adequando-se assim a quantia com os parâmetros desta Turma e da moderna juris-prudência do Superior Tribunal de Justiça. 6. Recurso parcialmente provido.” (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.72.05.001544-8, 4ª Turma, Juiz JAIRO GILBERTO SCHÄFER, POR UNANIMIDADE, D.E. 03.06.2008)

“COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. DUPLICATA. PROTESTO. (...) DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. ARBITRAMENTO. INSTÂNCIA ESPECIAL. POS-SIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. (omissis)

VI - A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.

VII - A fixação do valor indenizatório por dano moral pode ser feita desde logo, nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento na prestação jurisdicional.” (REsp 203755/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27.04.1999, DJ 21.06.1999, p. 167)

Pelo exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor para majorar o valor da indenização por dano moral e negar provimento à apelação da União e à remessa oficial.

É como voto.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.039986-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia

Agravante: Miriam Akemi Kubo NouchiAdvogados: Drs. Alessandra Damian Cavalcanti e outros

Agravada: União FederalProcurador: Dr. Luis Antonio Alcoba de Freitas

EMENTA

Processual civil. Mandado de segurança. Servidora pública. Direito de ter prorrogada sua licença-maternidade. Lei nº 11.770/2008.

1. A Lei nº 11.770/2008 criou o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade de 120 para 180 dias, e estendeu a ampliação do benefício às servidoras vinculadas à Administração Pública direta, indireta e fundacional.

2. Diante das determinações do texto legal e da necessária compre-ensão teleológica da norma, urge entender que não resta ao adminis-trador margem de discricionariedade para optar por instituir ou não a prorrogação do benefício de acordo com critérios de conveniência e oportunidade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte inte-grante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de janeiro de 2009.Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia: Trata-se de agravo contra decisão que, em sede de mandado de segurança, indeferiu liminar requerida para garantir à impetrante, servidora pública da Receita Federal, o direito de ter prorrogada sua licença-maternidade por mais sessenta dias, nos termos da Lei nº 11.770/2008.

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Irresignada, a agravante relatou que teve a licença-maternidade de 120 dias deferida em 1º de julho de 2008, com termo final em 28 de outubro do mesmo ano. Afirmou que, diante da edição da Lei nº 11.770/2008, apresentou requerimento administrativo de prorrogação da licença, o que lhe foi negado, em virtude de ainda não ter sido instituído programa a respeito do tema. Defendeu que a aplicação do art. 2º da Lei em ques-tão não depende de regulamentação ou previsão orçamentária, sendo autoaplicável e dotado de eficácia imediata, gerando à Administração Pública o dever de conceder, imediatamente, a prorrogação. Destacou a necessidade e os benefícios do aleitamento materno até os seis meses de idade da criança. Aduziu que não pode ser prejudicada pela morosidade da Administração em regulamentar o programa garantidor da prorrogação da licença-maternidade. Requereu a antecipação da tutela recursal, para que seja estendida sua licença.

A antecipação da tutela foi deferida.Com contraminuta.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia: Prolatei de-cisão nos seguintes termos:

“(...) A controvérsia cinge-se ao direito da servidora pública de gozar da prorro-gação da licença-maternidade, prevista na Lei nº 11.770/2008, independentemente de prévia regulamentação do Diploma pelo órgão da Administração junto ao qual se encontra lotada.

A Lei nº 11.770, publicada em 10 de setembro de 2008, em vigor a contar de sua publicação (com a ressalva do art. 8º para as empregadas do setor privado), criou o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade de 120 para 180 dias, e estendeu a ampliação do benefício às servidoras vinculadas à Administração Pública direta, indireta e fundacional. O texto legal assim dispõe:

‘Art. 1º É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.

§ 1º A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.

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§ 2º A prorrogação será garantida, na mesma proporção, também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.

Art. 2º É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a insti-tuir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1º desta Lei.

Art. 3º Durante o período de prorrogação da licença-maternidade, a empregada terá direito à sua remuneração integral, nos mesmos moldes devidos no período de percepção do salário-maternidade pago pelo regime geral de previdência social.

Art. 4º No período de prorrogação da licença-maternidade de que trata esta Lei, a empregada não poderá exercer qualquer atividade remunerada e a criança não poderá ser mantida em creche ou organização similar.

Parágrafo único. Em caso de descumprimento do disposto no caput deste artigo, a empregada perderá o direito à prorrogação.

Art. 5º A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, o total da remuneração integral da empregada pago nos 60 (sessenta) dias de prorrogação de sua licença-maternidade, vedada a de-dução como despesa operacional.

Parágrafo único. (VETADO) Art. 6º (VETADO) Art. 7º O Poder Executivo, com vistas no cumprimento do disposto no inciso II

do caput do art. 5º e nos arts. 12 e 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, estimará o montante da renúncia fiscal decorrente do disposto nesta Lei e o in-cluirá no demonstrativo a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição Federal, que acompanhará o projeto de lei orçamentária cuja apresentação se der após decorridos 60 (sessenta) dias da publicação desta Lei.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do exercício subsequente àquele em que for implementado o disposto no seu art. 7º.’ (grifo nosso)

Em que pese a literalidade do art. 2º do Diploma possa suscitar a ideia de que a prorrogação da licença em questão, para as servidoras públicas, não seja autoaplicável, mas dependa de regulamentação administrativa, destinada a instituir o ‘programa’ mencionado, tal não deve ser a interpretação dada ao dispositivo.

Ao contrário, diante das determinações do texto legal e da necessária compreensão teleológica da norma, urge entender que não resta ao administrador margem de discri-cionariedade para optar por instituir ou não a prorrogação do benefício de acordo com critérios de conveniência e oportunidade. A conveniência e a oportunidade de majorar a licença, no caso, já foram reconhecidas pelo legislador, restando à Administração, executora das leis que é, unicamente, ‘organizar’, por assim dizer, o gozo do benefício, por meio de sua regulamentação – a qual, de toda forma, sequer encontra margem para fazer mais do que repetir as disposições legais e apresentar os instrumentos para sua efetivação, já que não pode, por óbvio, criar critérios diversos para a obtenção do be-

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nefício (além da própria maternidade), fazer diferenciação entre as gestantes, alterar os prazos concedidos pela Lei, etc., o que só confirma a dispensabilidade do regramento infralegal para o gozo do benefício dilatado.

O intuito da Lei de, efetivamente, instituir o direito da servidora pública à licença de 180 dias – e não de, apenas, permitir à Administração sua eventual criação – é vi-sualizável no Parecer nº 1.051/2007 da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, por força do qual foi acrescentado, no então Projeto de Lei nº 281/2005 (que, inicialmente, abrangia só as trabalhadoras da iniciativa privada), o art. 2º da atual Lei nº 11.770/2008. Assim referiu o Relator do Projeto na Comissão, Senador Paulo Paim:

‘[...] Outra contribuição que fazemos ao projeto é a extensão do direito à licença-maternidade prorrogada para o maior número de trabalhadoras possível. Não pode-mos esquecer as servidoras públicas que também devem ser contempladas no âmbito desta proposição. [...]’ (Diário do Senado Federal de 10 de novembro de 2007, grifo nosso)

Note-se, pois, que, desde a inclusão, no texto, da previsão de licença estendida às servidoras públicas, não se cogitou de consagrar ao Poder Público uma opção quanto ao tema, mas se visou a contemplar, de maneira concreta, as funcionárias com o direito instituído.

Assim sendo, esposar o entendimento de que a norma dependeria de regulamentação para ser aplicada resultaria em autorizar o administrador a retardar, ou até suprimir, da servidora-mãe, um direito que a lei lhe garantiu e que, mais do que mera benesse estatal, constitui instrumento importantíssimo para a concretização das diretrizes cons-titucionais tangentes à prioritária e especial proteção da criança e da entidade familiar, nos termos dos arts. 226 e 227 da Carta Maior, verbis:

‘Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu-cação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: [...]’

Os méritos da permanência da mãe junto ao filho recém-nascido, bem como do aleitamento (de preferência, exclusivamente) materno até os seis meses de idade da criança, encontram eco no ensinamento unânime da comunidade médica e social, e a exposição de motivos do Projeto que originou a Lei n. 11.770/08 não deixa dúvidas a respeito desse consenso e da relevância atribuída pelo legislador, representante do povo, à garantia da licença-maternidade de seis meses. Leia-se o texto extraído do Diário do Senado Federal publicado em 11 de agosto de 2005, integrante da justificativa do

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Projeto de Lei:‘Um dos avanços sociais de maior significado para a evolução da sociedade humana

no século XX é a formulação dos direitos básicos da criança e do adolescente, que exsurge como reconhecimento da complexa especificidade do ser humano no período de vida marcado pelos fenômenos de crescimento e desenvolvimento.

Essa nova visão, fundada na evidência científica acumulada em todos os ramos de conhecimento pertinentes, permitiu a elaboração da doutrina jurídica que confere à criança o estatuto de cidadão. Na esteira dessa grandiosa conquista, o Estado brasileiro tornou-se signatário das decisões oriundas da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (ECA), acolhendo, como consequên-cia, no art. 1º do ECA, o princípio da Proteção Integral, do qual decorre a elevação de crianças e adolescentes brasileiros à condição de sujeitos de direitos. Vale dizer que as políticas públicas, medidas legais e atos legislativos que tenham a ver com o estrato populacional infanto-juvenil terão como marco referencial os interesses primordiais advindos da sua condição especial de pessoas em desenvolvimento.

O êxito do crescimento e desenvolvimento da criança, desde a vida intrauterina, depende de numerosos fatores do meio ambiente em que se passa sua existência, mas, fundamentalmente, da criação de vínculo afetivo adequado com a mãe, o pai e demais membros do grupo social da família que a acolhe. Por outro lado, os laços fortes desse apego mãe-filho, filho-mãe, mãe-filho-pai-família construído no primeiro ano de vida, e particularmente nos seis primeiros meses, são indispensáveis ao surgimento da criança sadia, do adolescente saudável e do adulto solidário – emocionalmente equilibrados –, alicerces seguros de uma sociedade pacífica, justa e produtiva.

A licença-maternidade de 120 dias assegurada à trabalhadora brasileira no art. 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal foi um passo vigoroso na garantia do direito da criança às condições mínimas para o estabelecimento do vínculo afetivo que a norma-lidade de seu crescimento e desenvolvimento requer.

Ora, o processo biológico natural, ideal, embora não único, para a construção dessa ligação afetiva intensa que se faz no primeiro ano de vida é o aleitamento materno. A amamentação não se presta apenas a prover nutrição ao lactente. Permite o contato físico com a mãe, a identificação recíproca entre mãe e filho, bem como o despertar de respostas a estímulos sensoriais e emocionais, compartilhadas num continuum biopsicológico, que se configura como unidade afetiva incomparável. Por isso, e por proposta brasileira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamen-to materno exclusivo durante os seis primeiros meses de vida. É a forma natural de propiciar a plenitude do vínculo afetivo original que, na espécie humana, se faz, de maneira insubstituível, nesse período.

O princípio vale, inclusive, para mães trabalhadoras que não conseguem, por qualquer razão, amamentar seus filhos. Mesmo não lhes podendo alimentar com leite humano, podem garantir-lhes, com igual plenitude, todos os demais estímulos essenciais ao estabelecimento do vínculo afetivo, desde que estejam disponíveis para cuidarem

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dos filhos. Por isso, a Constituição, sabiamente, não restringe a licença maternidade às mulheres que estejam amamentando.

Ao defender o aleitamento materno, exclusivo durante os seis primeiros meses de vida, o Brasil revelou sensibilidade diante de uma exigência crucial para a alimentação saudável no primeiro ano de vida.

Contribuiu, também, para reforçar a definição da duração mínima desejável da licença-maternidade capaz de assegurar a excelência dos fenômenos decisivos que se passam no primeiro ano, dos quais depende a saúde do cidadão e, como consequência, o bem-estar de toda a sociedade.

É, pois, inadiável a formulação de mecanismo jurídico que torne possível a pror-rogação, por dois meses, da licença-maternidade de quatro meses determinada cons-titucionalmente [...].’

Acrescente-se, ainda, a título de reforço de argumentação, que os eventuais gastos impostos à Administração, em virtude da extensão legal da licença-maternidade às suas servidoras, certamente não ultrapassam as projeções de renúncia fiscal da Fazenda Nacional para implementação do Programa Empresa Cidadã – que, ainda em 2005, alcançavam cerca de quinhentos milhões de reais, segundo consta da exposição de motivos do já citado Projeto de Lei n. 281. Não é razoável, diante disso, pressupor que o Estado Administrador, na condição de primordial responsável pela implementação de políticas atentas aos objetivos da Constituição Federal, esteja disposto a abrir mão de tamanha receita, para fomentar a majoração da licença-maternidade na iniciativa privada, sem que se obrigue a garantir, inclusive como exemplo ao setor privado, o benefício estendido às suas agentes e funcionárias.

Dessarte, não há como não garantir às servidoras públicas-mães, independente-mente de regulamentação pelos órgãos a que estão vinculadas, a concessão da licença-maternidade, pelo prazo de seis meses, desde que preenchidas as exigências legais, notadamente: (1) o requerimento, pela mãe, até o final do primeiro mês após o parto; (2) a fruição imediatamente posterior aos primeiros 120 dias de afastamento; (3) o não exercício de qualquer atividade remunerada; (4) a manutenção da criança fora de creche ou estabelecimento similar.

É evidente que, no caso das servidoras que deram à luz os filhos antes da entrada em vigor da Lei n. 11.770/08 (e que já estavam, portanto, licenciadas quando do início de sua vigência), não se pode exigir que tenham manifestado a intenção de prorrogar o afasta-mento durante o primeiro mês após o parto – mormente se já ultrapassado esse intervalo –, por absoluta impossibilidade física de que isso tenha sido feito antes da publicação do Diploma que o determina. Nessas situações, bastará que a mãe postule o prosseguimento do benefício, no mês que sucedeu a entrada em vigor do Diploma Legal.

Na hipótese sub judice, a recorrente é servidora (analista tributária) da Receita Federal do Brasil e demandou a prorrogação da licença-maternidade, que acabaria em 27 de outubro de 2008, no dia 07 do mesmo mês (fls. 44-45), menos de trinta dias após a vigência da Lei n. 11.770/08. Faz jus, pois, a gozar dos sessenta dias decorrentes da

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majoração do benefício, estando presente a verossimilhança das alegações veiculadas no presente agravo.

O periculum in mora também fica evidente, uma vez que, se não for deferida a liminar postulada no mandamus, a servidora terá que retornar ao trabalho, deixando sua filha, com menos de seis meses, desprovida da companhia e do aleitamento materno exclusivo.

Ante o exposto, defiro a antecipação da tutela recursal.Intimem-se, sendo a parte agravada na forma e para os fins do art. 527, inc. V, do

Código de Processo Civil. Comunique-se, com urgência, ao juízo a quo.”

Não vejo motivos para modificar o posicionamento adotado.Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.É o voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.046270-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios

Agravante: Sindicato da Ind. do Fumo no Estado do Rio Grande do SulAdvogados: Drs. Jauro Duarte Gehlen e outro

Agravada: Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISAAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Direito constitucional. Direito administrativo. Direito à saúde. Li-berdade de expressão. Publicidade. Advertências escritas e por imagens em maços, embalagens e material publicitário de derivados de tabaco. Constituição da república, art. 220, §§ 3º e 4º. Lei nº 9.294/1996. Re-solução RDC ANVISA nº 54/2008. Advertência e caráter informativo das imagens e frases. Dever de informação e de proteção à saúde. Li-berdade de decidir pelo cidadão e advertência provocadora de repulsa. Autonomia privada. Ausência de preconceito, falsidade e mentira nas

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imagens. Metáforas contundentes. Inexistência de ofensa a sentimento religioso, de preconceito e de discriminação contra idosos. Dignidade humana. Inexistência de contrapropaganda e de sanção administra-tiva. Proporcionalidade. Direito internacional dos direitos humanos. Convenção-quadro para o combate do tabaco.

1. O comando constitucional (art. 220, § 3º, II, e § 4º) determina a adoção de medidas de defesa de propaganda de produtos nocivos e que essa defesa dar-se-á por dois meios: (a) restrições legais à propaganda e (b) advertência sobre os malefícios decorrentes do uso do produto. O desenvolvimento legislativo da norma constitucional (Lei nº 9.294/96) impôs restrições legais à publicidade quanto: (a) à modalidade de pro-paganda (só é permitida a propaganda através de cartazes, pôsteres e painéis), (b) a limitação dos espaços onde podem ser afixados (art. 3º, caput), (c) à observância de certos princípios (arrolados nos seis incisos do parágrafo primeiro do aludido art. 3º) e (d) pela introdução de adver-tência sobre os malefícios do produto (parágrafo 2º).

2. A Constituição, no artigo 220, § 3º, inciso II, e § 4º, determina que as restrições e advertências em face da propaganda dos produtos fumígenos devem ser veiculadas por meio de lei formal. A Lei nº 9.294/96, por sua vez, atende a essa determinação. Ela estabelece que a propaganda conterá advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, acompanhada de imagem ou figura ilustrativa do sentido da mensagem. A Resolução RDC ANVISA nº 54/2008 não desbordou da legislação requerida pela norma constitucional, cabendo à Administração a escolha das imagens e das frases de advertência que melhor cumprem a missão de restringir a propaganda do tabaco.

3. A legislação distingue entre embalagens e maços de produtos fumí-genos, de um lado, e de propaganda do tabaco, do outro, não incidindo o § 4º do art. 220 da Constituição da República na hipótese de embalagens e maços.

4. A norma constitucional, ao impor à Administração e à Legislação a tarefa de desenvolver políticas públicas de advertência, admite a uti-lização de imagens e frases com conteúdo negativo e desestimulador do tabagismo. Compreensão que decorre, inclusive, de interpretação literal, podendo a política pública ir além do fornecimento de conteúdo informativo desprovido de carga valorativa negativa (entendido como

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fornecer elementos científicos e técnicos). Advertir, mesmo em seu sen-tido denotativo, é termo que indica aviso, informação, carregado da in-tenção de prevenir, admoestar quanto aos efeitos nocivos de um produto, carregando, portanto, um sentido de desestímulo, desencorajamento. No caso do tabaco, esse sentido, que no mínimo aponta para o desencoraja-mento, vai mais longe: trata-se de qualificação de nocividade à saúde e ao ambiente de determinado produto, realizada de modo explícito pela ordem constitucional.

5. O conteúdo material do dever de advertir que a Constituição impõe ao Estado, diante da propaganda do tabaco, se expressa por meio de le-gislação interventiva da liberdade de veicular propaganda do tabaco e da respectiva regulamentação e concretização administrativas, configurando verdadeiro direito fundamental de terceira geração, titularizado pela comunidade, à prestação de natureza normativa, objetivando a proteção e a promoção do direito à saúde e ao ambiente.

6. A introdução de elementos capazes de provocar repulsa não é atitude anti-informativa nem contrária às condições para que o indiví-duo possa deliberar de forma livre e autônoma, uma vez que o influxo das emoções e dos sentimentos, no processo de tomada de decisões, é dimensão ínsita e constitutinte da dinâmica humana. O estado da arte nos estudos da neurociência acerca da tomada de decisões aponta para o aumento da precisão e da eficiência decisórias decorrente do influxo de emoções e sentimentos.

7. A utilização de imagens e de frases aptas a transmitir forte conteúdo emocional não significa impedimento ou bloqueio de decisão posterior do cidadão quanto ao consumo de produtos fumígenos, cuidando-se da consideração de fatores constituintes do processo decisório humano, cujo esquecimento implicaria desenvolvimento imperfeito da política pública.

8. Não há caráter preconceituoso ou mentiroso nas imagens e adver-tências, mas sim a utilização de metáforas contundentes, resultantes de estudo criterioso, com o objetivo de concretizar a norma constitucional que determina ao Estado o desenvolvimento de políticas públicas que advirtam acerca do uso de produtos fumígenos.

9. Inexistência de conteúdo ofensivo a sentimento religioso em face de uma das imagens utilizadas e da devoção católica ao Sagrado Coração

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de Jesus, dados os objetivos da política pública, a não demonstração da associação alegada e os próprios sentidos da aludida devoção.

10. Não convence a alegação de que uma das imagens é preconceitu-osa, tendo pretensamente colocado o idoso como manifestação de horror. O que a imagem está claramente apontando como fenômeno horrível é o envelhecimento precoce causado pelo consumo do cigarro, não qualifi-cando como horrível o fenômeno biológico do envelhecimento natural e coetâneo ao avanço etário. Não há, portanto, nem intenção nem resultado discriminatório contra idosos.

11. Não há violação à dignidade humana. A dignidade humana é ferida quando há falta de respeito e consideração, bem como quando o ser humano é utilizado como meio para a consecução de finalidades estatais alheias ao sujeito. A representação em questão, inegavelmente forte e impactante, objetiva proteger a gestante e o feto dos malefícios do tabaco, promovendo a saúde pública, ao invés de utilizá-los para alcançar um objetivo a estes alheio.

12. A obrigação de aposição de imagens e frases de advertência não é contrapropaganda, mas concretização do dever fundamental de pro-teção que cumpre ao Estado em face da saúde pública, com limitação constitucionalmente autorizada à liberdade de iniciativa comercial por parte das indústrias do tabaco.

13. Não vinga a alegação de que houve imposição de sanção admi-nistrativa sem o devido processo legal. A aposição das imagens e frases decorre do desenvolvimento de política pública requerida pela Consti-tuição, e não da aplicação de sanção por violação a dever jurídico.

14. A veiculação obrigatória das imagens e frases discutidas atende aos requisitos da proporcionalidade, dada a adequação da medida visando à advertência constitucional, a necessidade da utilização de advertência forte e vigorosa em face dos efeitos do tabagismo e a ponderação dos direitos e bens constitucionais veiculada pela Constituição ao determinar ao Poder Público o desenvolvimento de política pública advertindo os malefícios do produto.

15. Incorporação ao ordenamento jurídico nacional da Convenção-Quadro para o Combate do Tabaco, no leque dos instrumentos jurídicos internacionais de proteção de direitos humanos.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 31 de março de 2009.Juiz Federal Roger Raupp Rios, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios: Neste agravo de instru-mento, o Sindicato da Indústria do Fumo no Estado do Rio Grande do Sul – SINDITABACO requer provimento judicial recursal que, reformando decisão indeferitória de liminar proferida em ação ordinária perante o Juízo Federal da 2ª Vara Cível de Porto Alegre:

1) assegure a todas as fabricantes de cigarros o direito de não incluir em suas linhas de produção, bem como de não veicular nas embalagens de seus produtos e materiais publicitários as imagens e suas respectivas cláu-sulas escritas, contidas na Resolução da ANVISA RDC nº 54/2008;

2) autorize as empresas de tabaco, em substituição às “advertências” impugnadas, a continuar veiculando nas embalagens de seus cigarros as imagens divulgadas pela Resolução nº 333/2003;

3) determine a abstenção quanto à aplicação de qualquer espécie de sanção pelo descumprimento da resolução referida, até o julgamento final da ação, sob pena de multa de R$ 10.000,00 por auto de infração indevidamente lavrado.

Os fundamentos da decisão recorrida, indeferitória do pedido liminar, foram os seguintes:

a) inexistência de desvio de finalidade, dada a tarefa estatal de desenvolver políticas públicas que reduzam os riscos de doenças (art. 196 CF);

b) dever de informação decorrente da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco;

c) finalidade da RDC 54/2008 consentânea com o dever de advertir a população sobre os malefícios do cigarro (cf. § 4º do art. 220 da CF)

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e de defender a população da propaganda do cigarro e do incentivo ao fumo (cf. § 3º, II, do art. 220 da CF), além da mera regulação ou restrição da propaganda;

d) possibilidade de imagens fortes, impactantes e repulsivas, dada a interpretação sistemática da Constituição, fundada não só no art. 220;

e) que estudos atestam que as advertências impugnadas seriam mais eficientes do que as imagens hoje utilizadas;

f) elevada dimensão da tarefa estatal, pois as campanhas devem a um só tempo buscar impedir a adesão ao consumo do cigarro pelos que não fumam e buscar demover os consumidores do cigarro do vício;

g) que as mensagens não são mentirosas e servem de informação ao consumidor, não se tratando de desinformação, mas de informação me-tafórica, aversiva, repulsiva, repugnante, atingindo o objetivo de advertir a população e de informar a população sobre o potencial letal do cigarro, sem violar o o art. 6º do CDC;

h) que a finalidade da política pública é que a pessoa, de qualquer clas-se social e nível educacional, saiba que fumar, por exemplo, pode gerar acidente vascular cerebral e pode causar danos cerebrais irreversíveis, mensagem inequivocamente transmitida por uma das figuras;

i) que a indústria valeu-se de propaganda fantasiosa e metafórica por décadas a fio, manipulando a opinião pública a favor do cigarro e do hábito de fumar, podendo o Estado também valer-se de fantasia, de metáforas, da linguagem do exagero;

j) que o cigarro produz vício, o que favorece imensamente as substi-tuídas, justificando-se, então, a agressiva atuação governamental;

k) que, ponderados os valores em conflito, a proteção à saúde, a política pública de tutela da saúde pública prepondera sobre a livre iniciativa – a RDC 54/2008 não viola, assim, os artigos 1º, IV, 5º, IV e IX, e 170, IV, da Constituição;

l) que as imagens veiculadas são adequadas à finalidade da Consti-tuição e da lei – servem à defesa da saúde pública, para advertir e para informar a população do potencial destrutivo do cigarro; servem à defesa da população da propaganda e do incentivo, manejados pelas indústrias fumageiras, ao hábito de fumar. As imagens são necessárias; exige-se for-ça e impacto para convencer os iniciantes de que fumar é maléfico e para convencer os fumantes a parar de fumar. As imagens não são excessivas,

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tampouco desproporcionais: a ANVISA demonstrou que foram adotadas após criteriosa avaliação técnica e pesquisas que apuraram o quão im-pactante há de ser a mensagem para que surta o efeito desejado;

m) que é preciso que as figuras sejam aversivas; é preciso chamar a atenção dos consumidores e dos potenciais consumidores sobre as verdadeiras consequências do fumo, e “desconstruir o apelo ao prazer das mensagens e imagens enganosas de propagandas e embalagens de produtos de tabaco” (fl. 231);

n) que a política governamental já mostra resultados positivos, “tra-duzidos na redução da proporção de fumantes de 34,8% para 22,4% na população de 18 anos ou mais (...), (com) redução na taxa de mortalidade por câncer de pulmão entre os homens que, em 90% dos casos, acontece entre fumantes” (fl. 179), diretamente relacionados à vida e à dignidade humana, sendo que os benefícios gerados compensam, sim, as restrições impostas.

o) que não se trata de discriminar os fumantes, mas de limitação à liberdade individual, que fica condicionada ao interesse coletivo;

Diante dessa fundamentação, o presente agravo de instrumento veicula os seguintes argumentos recursais:

1) que as imagens controvertidas são falsas e mentirosas, nada fazendo além de desinformar a população, especialmente as “camadas sociais de pouco ou nenhuma informação”, o “brasileiro ignorante”;

2) que as imagens se afastam dos textos constitucional e legal, por não possuírem caráter informativo, pois não divulgam cenas reais nem apresentam nexo lógico-científico com os riscos associados ao tabaco; são apelativas, com objetivo deliberado de macular a imagem do produto e de seus usuários;

3) desrespeito em face daqueles que serão obrigados a olhar para as referidas imagens;

4) que a ANVISA não almeja informar, mas impor aquilo que consi-dera correto, com violação da autonomia privada;

5) que a imposição desobedece a reserva legal qualificada estabelecida pela Constituição para as restrições à propaganda comercial de tabaco;

6) que a lei indicada pela Constituição (Lei n 9.294/96) definiu a utilização de advertência nas embalagens sobre os malefícios do fumo, acompanhada de figuras ou imagens ilustrativas do sentido da mensagem,

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disto se distanciando as imagens discutidas (advertir significa informar, explicar);

7) que 6 das 10 imagens são inconstitucionais e ilegais, por objetiva-rem somente produzir repugnância e horror, com mentiras e preconceitos diante do tabaco e de seus usuários;

8) que a imagem associada a “perigo” é macabra e inverossímel, pois derrame cerebral não provoca explosão do crânio, sendo falsa;

9) que a imagem associada a “infarto” é paródia grotesca da imagem do Sagrado Coração de Jesus, agora cravejado de guimbas de cigarro, sendo composição delirante que ofende o sentimento religioso, sem qualquer carga informativa;

10) que a imagem associada a “produto tóxico” não apresenta conexão ao ato de fumar, ao sugerir envenamento pela ingestão de comprimidos contidos em um frasco aberto, e que a nicotina não causa efeitos into-xicantes;

11) que a imagem associada a “horror” não apresenta conexão entre o ato de fumar e o envelhecimento precoce da pele apresentado, sendo, ademais, preconceituosa, ao projetar idade sobre uma face jovem, colo-cando o idoso como uma manifestação de horror;

12) que a imagem associada à “morte”, retratando cadáver submetido a incisão cirúrgica no tórax e abdômen, não informa que o cigarro é fator de risco para enfisema pulmonar e câncer de pulmão, não condizendo com a prática médica usual;

13) que a imagem associada a “vítima deste produto”, retratando um feto em um cinzeiro, além de macabra e dissociada da realidade, não reflete a prática e a ética médicas, violando a dignidade da pessoa humana;

14) violação ao direito difuso à informação verdadeira;15) violação à proporcionalidade, pois as imagens são (a) inadequadas

para advertir os consumidores e capacitá-los para escolhas informadas, sendo exageradas, quando não mentirosas e (b) desnecessárias, pois há meios menos gravosos para a liberdade de comunicação e a autonomia individual, aptos a informar os cidadãos;

16) que o conteúdo grotesco ofende não somente os fumantes, mas os consumidores em geral, dada a exposição nos estabelecimentos que vendem cigarros;

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17) que a prática atacada configura contrapropaganda, utilizada de forma ilegal no caso, pois a comercialização do cigarro é permitida pelo ordenamento jurídico, estando ausentes os requisitos do artigo 60 do Código de Defesa do Consumidor (publicidade enganosa ou abusiva);

18) que o caráter punitivo das imagens corresponde à aplicação de sanção administrativa, sem o devido processo legal, aí incluído o prin-cípio da tipicidade;

19) que a escolha dessas imagens viola o dever do agente público de vinculação à realidade, por inexistência de motivos (Lei 4.717/65, art. 2º, d), dado que os motivos presentes, segundo as ciências médicas, não correspondem à realidade, tudo comprometendo a seriedade da política pública, produzindo banalização e desmoralização;

20) além de “denegrir” (sic) o cigarro e seus consumidores, as ima-gens revelam tratamento discriminatório odioso em relação a outros produtos, uma vez que ao lado do tabaco são mencionados agrotóxicos, medicamentos, terapias e bebidas alcoólicas, não sendo estes alvo de tais exigências;

21) contrariedade à cláusula geral proibitiva de comportamentos contraditórios, pois a própria ANVISA, ao dispor sobre a publicidade de medicamentos, veda expressamente a exploração de “enfermidades, lesões ou deficiências de forma grotesca, abusiva ou enganosa”;

22) déficit de legitimidade democrática na elaboração da resolução e eleição das imagens, dada a ausência de audiências públicas ou outro mecanismo de participação popular; trata-se de requisito de validade da política pública decorrente do princípio democrático.

A agravante juntou “opinião legal”, solicitada pela empresa Souza Cruz S/A, segundo a qual:

23) a Constituição, no art. 200, §§ 3º e 4º, prescreve requisitos formais (restrição legal, sendo inadmissível resolução de agência reguladora) e materiais (a finalidade da restrição, que deve se destinar a proporcionar à pessoa e à família condições de se defenderem da publicidade de produtos nocivos à saúde) para a restrição da publicidade do tabaco;

24) a restrição deve ser meio para que o cidadão se defenda da pu-blicidade, podendo ele próprio tomar, com consciência e autonomia, a decisão sobre o consumo do produto, o que pressupõe uma restrição eminentemente informativa, e não proibitiva nem causadora de repulsa,

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nojo ou horror;25) a Constituição regulou a conjunção da proteção à saúde com a

publicidade do tabaco em regra específica (art. 220, §§ 3º e 4º), não ca-bendo fundamentar a limitação da publicidade do tabaco diretamente no dever geral de proteção à saúde ou no poder geral de polícia, sob pena de ignorar a regra constitucional específica;

26) imagens como as discutidas, sem caráter informativo, não visam a criar condições para o exercício da autonomia decisória, mas consubs-tanciam decisão estatal anterior destinada a bloquear a decisão posterior do cidadão, pois que a repulsa é anti-informativa;

27) as imagens distanciam-se da competência legislativa para criar restrições à publicidade do tabaco, afigurando-se como contrapropagan-da, sem suporte constitucional ou legal;

28) não há como justificar, por meio da proporcionalidade, a imposição discutida, pois há regra constitucional predeterminando o meio (restrição legal) e a finalidade (capacitação para escolha autônoma do usuário), o que exclui espaço para o exame da proporcionalidade, na medida em que este só cabe quando a Constituição, não regrando o meio, permite a escolha legislativa;

29) houvesse possibilidade de solução jurídica pela proporcionali-dade, estariam insatisfeitas adequação (não há meio adequado para fim ilegítimo) e necessidade (a Constituição já escolheu o meio, inexistindo liberdade de configuração dos meios possíveis);

30) as mensagens, verdadeiras ou não, não são informativas; a com-provação da veracidade ou da adequação representativa das imagens não elimina o vício da inconstitucionalidade por desvio de finalidade;

31) é impertinente verificar se houve, ou não, participação dos inte-ressados pelas vias competentes, pois essa não sanaria os vícios formal e material.

O parecer conclui que a Constituição somente admite restrições advindas de lei e com finalidade informativa, razão por que as normas regulamentares ora discutidas são inadmissíveis.

As contrarrazões, por sua vez, sustentaram:1) que a edição da resolução se insere na competência legal deferida

à ANVISA pela legislação vigente, na forma da Lei nº 9.782/99, em cumprimento da Lei º 9.294/96;

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2) que os derivados do tabaco, segundo a Organização Mundial de Saú-de, são os principais causadores de mortes evitáveis em todo o mundo;

3) que estratégias agressivas de marketing, aliadas à falta de informa-ção, possibilitaram a expansão do consumo destes produtos;

4) que essas constatações conduziram à formulação da “Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco”, incorporada ao ordenamento jurídico nacional;

5) que o consumo, alavancado pela publicidade, tende a se concentrar nos grupos populacionais de menor renda e escolaridade;

6) que as novas advertências e imagens decorrem de grupo multi-disciplinar criado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), de modo bastante criterioso, procurando a utilização de metáforas fortes, gerado-ras de sentimentos negativos sobre o produto, objetivando comunicar de forma contundente sobre a gravidade dos riscos, enfrentando velhos conceitos plantados pela publicidade da indústria do tabaco;

7) que, embora impactantes, as imagens veiculadas chocam muito menos que as catrastóficas consequências provocadas pelo tabagismo;

8) que é improcedente o argumento da infidelidade científica das imagens, uma vez que não são destinadas a público afeito à ciência médica, estando, aliás, na mesma esteira brasileira países como Chile, Venezuela, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Tailândia, Cingapura, Inglaterra, Suíça e Bélgica; que a associação é direta e inteligente, o que demonstra, por exemplo, a imagem associada a infarto, cigarro e malefício ao coração;

9) que, conforme análise técnica procedida pela Divisão de Controle do Tabagismo do INCA, quando da impugnação administrativa feita pela empresa Souza Cruz S/A, as imagens referentes aos termos “perigo”, “produto tóxico”, “horror”, “morte” e “vítima deste produto”, não há erro informacional; além disso, trata-se de metáfora para apontar que o consumo do produto pode provocar hemorragia cerebral, que há extensa literatura na toxicologia sobre a nicotina, que um dos efeitos compro-vados do tabagismo é o envelhecimento da pele, que o uso do produto leva à morte por câncer do pulmão e enfisema, que tanto o feto quanto a gestante são vítimas do produto;

10) que a análise crítica das imagens, realizada por médico contratado pela agravante, calcou-se numa supervalorização de detalhes, deixando

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de considerar as verdades que as metáforas ilustram;11) que o objetivo das imagens é zelar pela saúde e pela qualidade

de vida da população;12) que não houve violação à cláusula de reserva legal qualificada,

pois o art. 220, § 4º, da CF/88 limitou-se a tratar de restrições legais à propaganda comercial de tabaco, não havendo exigência de lei especí-fica para dispor sobre a impressão de advertências sobre os malefícios do cigarro;

13) que a Lei nº 9.294/96 não especifica o conteúdo de nenhuma ad-vertência, cabendo essa definição ao Ministério da Saúde (por meio da ANVISA), incluindo-se tal conteúdo na discricionariedade técnica;

14) não houve irresponsabilidade ou leviandade por parte da Admi-nistração, até porque a resolução impugnada é fruto de minucioso estudo multidisciplinar coordenado pelo INCA;

15) não há ofensa à dignidade humana, que, outrossim, está presente na propaganda enganosa promovida pela indústria do tabaco;

16) há observância da proporcionalidade, dada a adequação das medidas (capacidade de produzir o resultado pretendido, qual seja, informar e diminuir o número de fumantes), necessidade (as advertências e imagens, diante do forte vício e dos danos causados, seriam até insuficientes) e proporcionalidade em sentido estrito (os benefícios suplantam as restrições impostas);

17) que há risco de dano irreparável ou de difícil reparação acaso provido o agravo, uma vez que está em causa a saúde da população, não justificando o contrário a necessidade de mudança na planta industrial das empresas do tabaco.

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo desprovimento do agravo, pois que, “por meio das novas imagens e advertências procurou-se utilizar metáforas fortes e geradoras de sentimentos negativos sobre o produto para comunicar de forma contundente sobre a gravidade dos seus riscos à saúde.” Ademais, salientou que, “no tocante aos princípios consti-tucionais alegados pelo agravante em defesa de sua tese, como a liberdade de iniciativa e de expressão, importante ressaltar que o objetivo da RDC nº 54/2008 diz respeito a valores de maior magnitude para a sociedade, que é o direito à saúde e, de forma correlata, o direito à vida.” (fls. 412/414)

É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios:

1 Regulação constitucional, legal e administrativa da defesa e das restrições diante da propaganda de tabaco

O comando constitucional (art. 220, § 3º, II, e § 4º) determina a ado-ção de medidas de defesa de propaganda de produtos nocivos, o que se dará por dois meios: (a) restrições legais à propaganda e (b) advertência sobre os malefícios decorrentes do uso do produto.

O desenvolvimento legislativo da norma constitucional (Lei nº 9.294/96) impôs restrições legais à publicidade quanto: (a) à modalidade de propaganda (só é permitida a propaganda através de cartazes, pôsteres e painéis), (b) a limitação dos espaços onde podem ser afixados (art. 3º, caput), (c) à observância de certos princípios (arrolados nos seis incisos do parágrafo primeiro do aludido art. 3º) e (d) pela introdução de adver-tência sobre os malefícios do produto (parágrafo 2º).

Ademais, a lei distingue duas situações quanto à aposição de ima-gens e figuras, bem como de advertências: de um lado, as embalagens e os maços de produtos fumígenos; de outro, o material de propaganda referido no artigo 3º (cartazes, pôsteres e painéis).

Antes de adentrar no exame da constitucionalidade e da legalidade das restrições à propaganda e da determinação de inserção de fotos e frases nos maços e embalagens de produtos fumígenos, operados pela Resolução nº 54/2008, da ANVISA, é mister enfrentar a alegação de vício formal na edição do ato administrativo, por ofensa à reserva legal.

2 Resolução nº 54/2008, Reserva Legal e Competência da ANVISA

A Constituição, no artigo 220, § 3º, inciso II, e § 4º, determina que as restrições e as advertências em face da propaganda dos produtos fu-mígenos devem ser veiculadas por meio de lei formal. As normas legais veiculadas pela Lei nº 9.294/1996, por sua vez, atendem a essa determi-nação. Elas estabelecem que a propaganda conterá advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, acompanhada de imagem ou figura ilustrativa do sentido da mensagem.

Nesse contexto, a resolução não desbordou da legislação requerida

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pela norma constitucional. A escolha das imagens e das frases de adver-tência que melhor cumprem a missão de restringir a propaganda do tabaco é tarefa que cabe à Administração, até porque ninguém sustentaria que a lei em sentido formal devesse descer a tal detalhamento. Isso fica ainda mais patente pelos termos da própria Lei nº 9.294/96, cujo artigo 3º, parágrafo 2º, por exemplo, atribui ao Poder Executivo o estabelecimento e a forma de utilização, simultânea ou rotativa, das advertências.

Com efeito, o que a cláusula da reserva legal objetiva é vedar, nas matérias a ela sujeitas, a atuação de órgão não legislativo. A Constituição determinou que somente o legislador pode determinar as restrições, e ele assim procedeu, restringindo a publicidade quanto aos meios e locais admissíveis, bem como quanto à forma (imagens, figuras e frases, estas, se possível, escritas e faladas). Ela não reservou ao legislador a definição de tais ou quais imagens em concreto, sendo válida a imposição desse dever à Administração.

Que fique firmada, ainda, a competência da ANVISA para editar a resolução impugnada, assentada na Lei nº 9.782/99, especialmente nos seus artigos 6º (que fala da implementação e da execução das políticas, diretrizes e ações de vigilância sanitária, bem como do controle, da fis-calização e do acompanhamento, sob o prisma sanitário, da propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária) e 8º (que atribui à ANVISA a regulamentação, o controle e a fiscalização de produtos).

Questão diversa é saber se, ao eleger as imagens e as frases questio-nadas, a Administração ultrapassou o conteúdo informativo que se exige das advertências quanto à nocividade do tabaco ou violou qualquer outro direito. Nessa quadra, a questão não é mais de reserva legal ou vício de competência por parte da ANVISA, mas sim de validade material da conduta administrativa.

3 Distinção entre embalagens e maços e material de propaganda: não incidência do art. 220, § 4º, em face de embalagens e maços

A apontada distinção legal entre embalagens e maços de produtos fumígenos, de um lado, e de propaganda do tabaco, do outro, é rele-vante para o deslinde de uma das teses centrais da agravante, ao menos parcialmente. Uma vez que, na dicção legal, a aposição de imagens e

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advertências nas embalagens é questão diversa da regulação dos meios de propaganda, não há que se falar em incidência do § 4º do art. 220 na hipótese de embalagens e maços.

Improcede, portanto, a tese segundo a qual a advertência, de conteúdo informativo, impediria a utilização das imagens e das advertências nas embalagens e maços. Isso porque, como dito, o âmbito de incidência do referido parágrafo 4º é a propaganda, hipótese diversa da confecção da embalagem e do maço do produto.

4 Compreensão constitucional das advertências quanto à nocividade do produto na publicidade e conteúdo informativo

Superado esse argumento, é preciso examinar a tese recursal da limi-tação das restrições, fundada no § 4º do art. 220 da CF/88, com relação ao material publicitário. Esse exame, ademais, é pertinente para aqueles que discordem da não incidência do referido parágrafo quarto quanto aos maços e embalagens, uma vez que a alegação de conteúdo divorciado de finalidade informativa alcança tanto embalagens e maços quanto material publicitário.

A regulação constitucional específica trata de restrições à propaganda. Essas restrições têm como objetivo a defesa diante da propaganda de produtos nocivos; diz mais a Constituição: a propaganda conterá, sempre que necessário, advertência. A agravante sustenta que o conteúdo dessas restrições deve se limitar à finalidade informativa, pois são meio para que o cidadão se defenda da publicidade, podendo ele próprio tomar, com consciência e autonomia, a decisão sobre o consumo do produto, o que pressupõe uma restrição eminentemente informativa, e não proibitiva nem causadora de repulsa, nojo ou horror.

O comando constitucional é claro: possibilitar meio de defesa contra uma espécie de liberdade de expressão, que é o discurso comercial, que ocorre na publicidade de produto nocivo. Está implícito que esse discurso, apesar de lícito, é potencialmente danoso, tanto que a Constituição afirma a necessidade de meios de defesa em face desse discurso.

A ANVISA defende o ato, afirmando que concretizou o comando constitucional, com supedâneo legal, por meio das imagens discutidas. A propósito, diz o parágrafo 3º do artigo 3º da Lei nº 9.294/96:

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“§ 3º As embalagens e os maços de produtos fumígenos, com exceção dos destina-dos à exportação, e o material de propaganda referido no caput deste artigo conterão a advertência mencionada no § 2º acompanhada de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem.”

Registre-se que a alusão feita por este parágrafo 3º à “advertência mencionada no § 2º” diz respeito à utilização de frases de advertência, concernentes aos malefícios do fumo.

Fica, portanto, a questão acerca do conteúdo das imagens e das frases utilizadas, com o propósito de advertir.

A tese sustentada pela agravante é de que a norma constitucional aponta para uma limitação dos meios de defesa diante da publicidade e do modo de advertir, segundo a qual só seria admissível o conteúdo informativo. Apesar de não explicitado, o que se depreende das razões recursais é que “conteúdo informativo” diz respeito a dados técnicos e elementos objetivos, sem a utilização de metáforas ou representações ca-pazes de desencadear sentimentos de repulsa, aversão e nojo. A agravante vai além: vislumbra não só desvio de finalidade, como também falha no dever estatal de criar condições para o exercício da autonomia decisória, consubstanciando decisão estatal anterior destinada a bloquear a decisão posterior do cidadão, pois que a repulsa é anti-informativa.

Essa tese revela, ao menos, dois pressupostos: que a utilização de ad-vertências como meio de defesa diante da publicidade se limita a dados informativos, e que a informação adequada para capacitar o indivíduo e a família a deliberar sobre a utilização do produto nocivo é aquela que fornece elementos técnicos e dados científicos pertinentes, sem a adição de conteúdos capazes de alavancar emoções e sentimentos.

Com a devida vênia, tenho que tal argumentação improcede.A Constituição fala na defesa diante da publicidade de produto nocivo

à saúde (art. 220, § 3º, II); fala em restrição legal à propaganda comercial de tabaco (§ 4º, primeira parte) e fala, ainda, que essa restrição conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes do uso (§ 4º, segunda parte).

Advertir, como registra o Dicionário Houaiss, é verbo com várias acepções: informar, avisar; censurar brandamente, prevenir, admoestar; repreender; atentar ou fazer atentar.

Uma interpretação meramente literal, portanto, não conforta a tese

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segundo a qual advertir, na dicção constitucional, só comporta conteúdo informativo desprovido de carga valorativa negativa (entendido como fornecer elementos científicos e técnicos). Advertir, mesmo em seu sen-tido denotativo, é termo que indica aviso, informação, carregado de in-tenção de prevenir, admoestar quanto aos efeitos nocivos de um produto, carregando, portanto, um sentido de desestímulo, desencorajamento. No caso do tabaco, esse sentido, que no mínimo aponta para o desencoraja-mento, vai mais longe: trata-se de qualificação de nocividade à saúde e ao ambiente de determinado produto, realizada de modo explícito pela ordem constitucional.

Nesse contexto, da constatação de que a Constituição não é neutra quanto ao caráter nocivo do produto, pode-se inferir que o termo “ad-vertência”, utilizado pela norma constitucional e pela norma legislativa, admite a transmissão de mensagem negativa quanto ao tabaco, ainda que ela inclua, a contrario sensu, dentro do âmbito de proteção do direito de liberdade, tanto o consumo quanto a propaganda do tabaco.

O que se discute, portanto, é o conteúdo material do dever de advertir que a Constituição impõe ao Estado diante da propaganda do tabaco. Esse dever de advertir, que se expressa por meio de legislação inter-ventiva da liberdade de veicular propaganda do tabaco e da respectiva regulamentação e concretização administrativas, configura verdadeiro direito fundamental de terceira geração, titularizado pela comunidade, à prestação de natureza normativa, objetivando a proteção e a promoção do direito à saúde e ao ambiente.

A pergunta que se coloca é se a Administração, ao escolher as imagens e as frases contestadas, agiu de acordo com a compreensão jurídica do ato de advertir, expressamente previsto e autorizado pela Constituição e pela legislação.

Como dito, advertir implica transmitir informação carregada de juízo negativo. Poder-se-ia afirmar que, para tanto, basta arrolar dados cientí-ficos e informações técnicas noticiando os malefícios, sem a necessidade de imagens chocantes, escolhidas com o propósito de causar repulsa.

A tese subjacente nas razões recursais, como visto, é a de que a tomada de decisões decorre da consideração objetiva das informações disponibilizadas, pelo que valer-se o Estado do influxo de emoções de repulsa e nojo é ir além do comando constitucional e legal. Os estudos

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contemporâneos acerca da formulação do conhecimento e da tomada de decisões, todavia, não confortam essa tese, que afasta conteúdos afetivos e emocionais deste processo mental.

Ao contrário do afirmado pela agravante, a introdução de elementos capazes de provocar repulsa não é atitude anti-informativa nem contrá-ria às condições para que o indivíduo possa deliberar de forma livre e autônoma. Considerar o influxo das emoções e sentimentos, no processo de tomada de decisões, é atentar para uma dimensão ínsita e sempre presente nesta tarefa.

A respeito, trago o estado da arte nos estudos da neurociência acerca da tomada de decisões, onde está superada a noção de que os resultados do processo decisório devam ser livres de sentimentos e emoções. Ao contrário: o que se constata é o aumento da precisão e da eficiência decisórias pelo influxo destes.

É o que, de modo exemplificativo e exemplar, revela a obra de António Damásio, pesquisador do Departamento de Neurologia da Universidade de Iowa:

“Um aspecto importante da concepção racionalista é que, para obter os melhores resultados, devemos deixar de lado as emoções. O processo racional não deve ser obs-taculizado pela paixão.” (DAMÁSIO, António. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Companhia das Letras, 2004)

“Os marcadores somáticos provavelmente aumentem a precisão e a eficiência do processo de tomada de decisão. A ausência de um marcador somático a diminui (...). Em poucas palavras: os marcadores somáticos são um caso especial de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos se conecta-ram, mediante a aprendizagem, a resultados futuros, previsíveis em certos cenários. Quando um marcador somático negativo se justapõe a um resultado futuro possível, a combinação funciona como um alarme. E, ao inverso, quando a justaposição se refere a um marcador somático positivo, o sinal se transforma num elemento incentivador.” (Damásio, 2004, p. 200)

“Os marcadores somáticos se adquirem, então, pela experiência, sob o controle de um sistema interno de preferências e sob a influência de um conjunto de circunstância externas que não só inclui as entidades e sucessos com que o organismo tem que lidar, senão as convenções sociais e normas éticas.” (Damásio, 2004, p. 205)

“A experiência (...) sugere que a fria estratégia sustentada por Kant e outros se adapta muito melhor à maneira de raciocinar e decidir de pacientes com lesões no lobo-frontal que ao estilo de raciocínio e decisão normais.” (Damásio, 2004, p. 198)

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5 Ilicitude na decisão prévia estatal quanto ao consumo de tabaco e à autonomia privada

Superado este aspecto, que diz respeito ao processo de tomada de decisões e à relevância de conteúdos afetivos e emocionais no exercício da racionalidade, resta enfrentar a alegação de que não é lícito ao Esta-do, em decisão prévia àquela que será tomada pelo cidadão, bloquear a decisão posterior a ser por este tomada. Relacionado a este tópico está o argumento de desrespeito à autonomia privada.

Tenho que o recurso também improcede quanto a esse argumento.A um, porque, como acima referi quando examinado o significado do

termo “advertência”, a ordem jurídica constitucional não é neutra quanto à utilização do tabaco. Ainda que a Constituição proteja a liberdade de fumar e de comercializar produtos fumígenos, é inegável que ela desen-coraja e dificulta tais condutas, com fundamento na nocividade à saúde e ao ambiente típica do tabaco.

Desse modo, não há que se falar em ilicitude na consideração negativa, por parte da legislação e da Administração, diante do tabaco.

A dois, porque a utilização de imagens e de frases aptas a transmitir forte conteúdo emocional não significa impedimento ou bloqueio de decisão posterior do cidadão quanto ao consumo de produtos fumígenos. Como visto, trata-se da consideração de fatores constituintes do proces-so decisório humano, cujo esquecimento implicaria desenvolvimento imperfeito da política pública.

Não há, portanto, a alegada violação à autonomia privada.Examinados esses tópicos, restam ainda outros argumentos, presentes

na lista contida no relatório. Vou enfrentá-los em blocos, uma vez que vários deles são conexos.

6 Caráter falso, mentiroso e apelativo das imagens

Afirma-se que as imagens se revestem de caráter falso, mentiroso e apelativo, desprovidas de nexo lógico-científico com os riscos do taba-co, sem a divulgação de cenas reais, produzindo desinformação, com o objetivo de macular a imagem do produto e de seus usuários.

Rejeito o argumento recursal.O debate acerca da acuidade científica da mensagem transmitida

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pelas imagens é complexo e técnico, sendo indevida a tomada de po-sição definitiva nos estreitos limites do agravo de instrumento, que se reportam à fase processual inicial da ação ordinária onde proferida a liminar recorrida.

Não obstante, há nos autos, além do parecer médico ofertado pela agravante (fls. 96-108, que conclui que as imagens não representam as doenças às quais se referem e que não traduzem os efeitos associados ao fumo ou o fazem de modo distorcido, induzindo a conclusões errô-neas), análise técnica da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer, quando de impugnação administrativa da empresa Souza Cruz S/A (reproduzida às fls. 144-148). Registre-se que no docu-mento “Brasil – Advertências Sanitárias nos Produtos de Tabaco – 2009” consta apêndice listando as referências científicas para cada advertência desenvolvida (fl. 242 e seguintes).

Ali ficou consignado que os riscos associados ao consumo do tabaco pela política pública, ao contrário do que conclui o parecer ofertado pela Souza Cruz S/A, têm fundamento científico, não havendo erro informacional. Quanto à representação desses riscos consubstanciada nas imagens, consignou-se a validade e a necessidade da utilização de metáforas fortes para atrair a atenção do consumidor ou do potencial inicial do tabagismo.

As contrarrazões também demonstram que as imagens e as adver-tências são resultado de grupo interdisciplinar, com a participação de profissionais da saúde do INCA, da ANVISA, do Laboratório de Neurologia do Comportamento da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Depar-tamento de Artes e Design da PUC-RJ, como revela o citado documento “Brasil – Advertências Sanitárias nos Produtos de Tabaco – 2009” (fls. 195-249).

Não vislumbro, portanto, caráter preconceituoso ou mentiroso nas imagens e nas advertências desenvolvidas, mas sim a utilização de metáforas contundentes, resultantes de estudo criterioso, por parte de grupo de experts com o objetivo de concretizar a norma constitucional que determina ao Estado o desenvolvimento de políticas públicas que advirtam acerca do uso de produtos fumígenos.

Nesta linha, também afasto os vícios apontados, de modo específico,

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acerca de algumas das imagens veiculadas pela política pública.A imagem nº 10 (PERIGO - “O risco de derrame cerebral é maior

com o uso deste produto”) veicula a representação de um crânio aberto. Ainda que forte e impactante, ela não se enquadra no conceito de falsi-dade, precisamente em virtude de seu caráter metafórico, cujos resul-tados para a diminuição do tabagismo são demonstrados pelo grupo de trabalho referido.

A imagem nº 4 (INFARTO - “O uso deste produto causa morte por doenças do coração”) apresenta um coração humano cravejado de tocos de cigarro, transmitindo a ideia inconteste de que o tabagismo faz mal ao coração.

Não procede a alegação de ofensa a sentimento religioso.Em primeiro lugar, por vir desacompanhada de qualquer prova empí-

rica da alegada associação entre o símbolo religioso do Sagrado Coração de Jesus e a imagem em questão.

Em segundo lugar, por não existir qualquer intenção ofensiva na campanha e pelo fato de não haver qualquer evidência empírica que demonstre existir na população qualquer percepção de que a conduta administrativa objetivou ofender qualquer sentimento religioso.

Por último, ad argumentandum tantum, já que disputas teológicas são impertinentes a decisões jurídicas estatais, sabe-se que um dos tantos conteúdos e significados desenvolvidos na devoção cristã do “Sagrado Coração de Jesus” e do “Sagrado Coração de Maria” é a reflexão sobre o sofrimento experimentado por essas duas personagens centrais na eco-nomia salvífica e, particularmente, no credo católico (ver, por exemplo, Pablo Brogeras Martínez, Introdução à Teologia do Coração de Maria, disponível em: www.claret.org/espiritualidad/documentos/2_2_3_Introducao_a_teologia_do_Coracao, acesso em: 29 de março de 2009; Cardeal Scheid, Arcebispo do Rio de Janeiro, O Culto ao Coração de Jesus, http://www.sagrada.net/noticias/junho_mes_dedicado_a_747.html).

Ainda mais: conforme a doutrina oficial católica, a devoção do Sagra-do Coração de Jesus pode ser associada, de modo direto, ao mistério da encarnação e à participação divina em todo o sofrimento que caracteriza o humano (Carta Encíclica do Papa Pio XII, Haurietis Aquas – sobre o culto do Sagrado Coração de Jesus, nº 23), do qual, sem dúvida, os

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malefícios cardíacos resultantes do tabaco são expressão inconteste nos dias de hoje, inclusive em termos de saúde pública.

A imagem nº 7 (PRODUTO TÓXICO - “Este produto contém substâncias tóxicas que levam ao adoecimento e à morte”), conforme considerações técnicas contidas no referido documento “Brasil – Adver-tências Sanitárias nos Produtos de Tabaco – 2009”, também metafórica, objetiva disseminar o dado científico segundo o qual a nicotina, e outras substâncias contidas no tabaco, são efetivamente tóxicas, revelando-se, portanto, de valor informativo.

A imagem nº 6 (HORROR - “Este produto causa envelhecimento precoce da pele”), por sua vez, também conforme as aludidas conside-rações técnicas oficiais, apresenta representação do efeito do envelhe-cimento cutâneo provocado pelo consumo do cigarro, possuindo caráter informativo.

Além disso, não convence a alegação de que a imagem é precon-ceituosa, tendo pretensamente colocado o idoso como manifestação de horror. O que a imagem está claramente apontando como fenômeno horrível é o envelhecimento precoce causado pelo consumo do cigarro, não qualificando como horrível o fenômeno biológico do envelhecimento natural e coetâneo ao avanço etário. Não há, portanto, nem intenção nem resultado discriminatório contra idosos.

A imagem nº 3 (MORTE - “O uso deste produto leva à morte por câncer de pulmão e enfisema”), retratando cadáver submetido a incisão cirúrgica no tórax e abdômen, apesar de forte e impactante, não pode ser tachada de anti-informativa. Como aponta o estudo oficial, o objetivo da aposição de imagem de necropsia (ao invés de cirurgia) é mostrar a alta letalidade das doenças do câncer de pulmão e do enfisema pulmonar, inegavelmente associadas ao tabaco.

A imagem nº 1 (VÍTIMA DESTE PRODUTO - “Este produto into-xica a mãe e o bebê, causando parto prematuro e morte”), retratando um feto em um cinzeiro, é, segundo a defesa, resultado de efeito de computação gráfica sobre boneco, objetivando demonstrar, de forma metafórica, que feto e gestante são vítimas do consumo do tabaco. Nesta medida, ainda que forte, também não vislumbro na imagem conteúdo anti-informativo.

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7 Dignidade humana, devido processo legal, contrapropaganda, direito à informação verdadeira

Também rejeito o argumento de violação à dignidade humana. A dignidade humana é ferida quando há falta de respeito e considera-ção, bem como quando o ser humano é utilizado como meio para a consecução de finalidades estatais alheias ao sujeito. A representação em questão, inegavelmente forte e impactante, objetiva proteger a gestante e o feto dos malefícios do tabaco, promovendo a saúde pública, ao invés de utilizá-los para alcançar um objetivo a estes alheio.

As considerações acima desenvolvidas são suficientes para afas-tar a alegação de violação do dever de vinculação à realidade, o que implicaria ofensa à Lei 4.717/65, art. 2º, d. Há razões e fundamento, compatíveis com a realidade da saúde pública, do tabagismo e dos efeitos da propaganda, para a utilização das imagens e frases veicu-ladas pela política pública. Ao contrário do que alega a agravante, há motivos para a veiculação das imagens e das metáforas, inclusive com conteúdo emocional, não existindo banalização ou desmoralização da atuação administrativa.

Nesse diapasão, fica também rejeitado o argumento recursal de violação ao direito difuso à informação verdadeira. Como visto, não há mentira ou falsidade na política pública questionada.

Também fica superada a alegação de contrapropaganda. Contrapro-paganda é sanção para aqueles que veiculam propaganda enganosa ou abusiva. A obrigação de aposição de imagens e frases de advertência não é contrapropaganda, mas concretização do dever fundamental de proteção que cumpre ao Estado em face da saúde pública, com limitação constitucionalmente autorizada à liberdade de iniciativa comercial por parte das indústrias do tabaco.

Do mesmo modo, também não vinga a alegação de que houve im-posição de sanção administrativa sem o devido processo legal. Como referi no parágrafo anterior, sem sentido tal argumento, na medida em que a aposição das imagens e das frases decorreu do desenvolvimento de política pública requerida pela Constituição, e não da aplicação de sanção por violação a dever jurídico.

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8 Proporcionalidade, dever de proteção, restrições à liberdade publicitária e Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco

Rejeito a argumentação recursal quanto à violação da proporciona-lidade.

Assentado o caráter informativo e de advertência das imagens e das frases escolhidas, fica vencida a alegação de inadequação. Isso porque, como demonstrado, a utilização de metáforas e imagens fortes e impac-tantes diz respeito à consideração da dinâmica do processo decisório humano, cuidando-se de fator constituinte da tomada de decisões.

Além disso, como demonstra o relatório do grupo de trabalho ins-tituído para a elaboração das advertências, a experiência nacional e internacional demonstra à saciedade a eficácia de tais advertências na redução do tabagismo.

Com relação à necessidade, não há nos autos qualquer indicação de que outros meios alternativos, menos gravosos à liberdade da propaganda do tabaco que os escolhidos, sejam igualmente eficazes quanto à adver-tência dos malefícios do tabaco. Não basta simplesmente alegar que há meios menos onerosos que as imagens discutidas, sem nada demonstrar neste sentido, especialmente quando essas são fruto de sério trabalho interdisciplinar, inseridos numa série histórica de medidas imagéticas. Ao contrário: há estudos nos autos que demonstram a necessidade da intensificação das advertências em face da nocividade do tabaco.

Ainda quanto a este tópico, há que se ressaltar que a concretização da política pública pela obrigatoriedade da aposição das imagens, do ponto de vista da proporcionalidade, é medida que visa ao cumprimento de um dever fundamental de proteção por parte do Estado em favor da sociedade. Cuidando-se de prestação positiva de proteção, a dinâmica da proporcionalidade se apresenta como proibição da não suficiência, pois, como diz Borowski, “a melhor realização possível do objeto da otimização dos princípios jusfundamentais-prestacionais é um objeto prescrito pela Constituição” (citado por Paulo Gilberto Cogo Leivas, Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, P. Alegre: Livraria do Ad-vogado, 2006, p. 77).

Assentada a adequação e a necessidade, a proporcionalidade em sentido estrito também está, no caso, satisfeita. A defesa do indivíduo e

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da família em face da propaganda do tabaco, por meio de advertências quanto ao malefício decorrente do consumo, é um objetivo constitucional que se relaciona diretamente aos direitos à vida, à saúde e ao ambiente, apresentando forte carga valorativa em seu favor. O exercício da liber-dade de expressão do discurso publicitário, por sua vez, também é um princípio constitucional valioso. A Constituição, diante disso, admitiu a liberdade de expressão publicitária com restrições, visando a advertir o indivíduo e a família dos malefícios do tabaco. Essa tomada de posição revela, portanto, já no texto original da Constituição, a preocupação e a valorização da vida, da saúde e do ambiente em face do discurso publi-citário tabagista, pois é este que a Constituição restringe.

Essa ponderação, já realizada pela Constituição, faz concluir pela existência de fundamento constitucional para a adoção de medidas fortes pelo Poder Público, objetivando cumprir o dever de proteção constitu-cionalmente definido como responsabilidade do Poder Público. Quanto ao cumprimento desse dever, portanto, não se pode admitir que qualquer medida o atenda, especialmente diante da constatação de que o tabagismo é fator de doença e morte em alta escala na sociedade contemporânea. Daí a invocação, no campo dos deveres fundamentais de proteção, do critério da “maximização da intensidade de assistência”, segundo o qual “dentre os meios adequados, necessários e proporcionais em sentido estrito, elege-se aquele que oferece a mais alta satisfação do princípio que impõe uma obrigação de ação positiva ao Estado.” (Paulo Gilberto Leivas, obra citada, p. 80)

Nessa linha, a propósito, deve-se invocar a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, adotada pelos países membros da OMS e assinada pelo Brasil em junho de 2003 (promulgada pelo Decreto nº 5.652, de janeiro de 2006).

Independentemente da posição que se tomar quanto à qualificação jurídica dos tratados e das convenções internacionais de direitos humanos em face dos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da Constituição, estes fazem parte do chamado “bloco de constitucionalidade” (somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e dos princípios nela consagrados, na dicção de Celso Lafer, citado no Habeas Corpus 90.450-5, rel. Min. Celso de Mello, onde esta questão foi examinada na jurisprudência contemporânea do Supremo Tribunal Federal).

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Daí que, além do próprio texto constitucional restringir de forma qualificada e substancial a propaganda do tabaco, com a inclusão de ad-vertência, disposições oriundas da aludida Convenção-Quadro reforçam a conclusão pela possibilidade da adoção das imagens ora discutidas.

Destaco, no contexto geral de proteção à saúde pública que inspira esse instrumento internacional de direitos humanos:

“Artigo 2 – 1. Com vistas a melhor proteger a saúde humana, as Partes são estimu-ladas a implementar medidas que vão além das requeridas pela presente Convenção e de seus protocolos, e nada naqueles instrumentos impedirá que uma Parte imponha exigências mais rígidas, compatíveis com suas disposições internas e conformes ao Direito Internacional.

Artigo 3 – O objetivo da presente Convenção e de seus protocolos é proteger as ge-rações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, proporcio-nando uma referência para as medidas de controle do tabaco, a serem implementadas pelas Partes nos níveis nacional, regional e internacional, a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco.

Artigo 4 – Princípios norteadores – Para atingir o objetivo da presente Convenção e de seus protocolos e para implementar suas disposições, as Partes serão norteadas, inter alia, pelos seguintes princípios:

1. Toda pessoa deve ser informada sobre as consequências sanitárias, a natureza aditiva e a ameaça mortal imposta pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, e medidas legislativas, executivas, administrativas e outras medidas efetivas serão im-plementadas no nível governamental adequado para proteger toda pessoa da exposição à fumaça do tabaco.

Artigo 7 – Medidas não relacionadas a preços para reduzir a demanda de tabacoAs Partes reconhecem que as medidas integrais não relacionadas a preços são meios

eficazes e importantes para reduzir o consumo de tabaco. Cada Parte adotará e aplicará medidas legislativas, executivas, administrativas ou outras medidas eficazes necessárias ao cumprimento de suas obrigações decorrentes dos artigos 8 a 13 e cooperará com as demais Partes, conforme proceda, diretamente ou pelo intermédio dos organismos internacionais competentes, com vistas ao seu cumprimento. A Conferência das Partes proporá diretrizes apropriadas para a aplicação do disposto nesses artigos.

Artigo 11 – Embalagem e etiquetagem de produtos de tabaco1. Cada Parte, em um período de três anos a partir da entrada em vigor da Conven-

ção para essa Parte, adotará e implementará, de acordo com sua legislação nacional, medidas efetivas para garantir que:

(b) cada carteira unitária e pacote de produtos de tabaco, e cada embalagem externa e etiquetagem de tais produtos também contenham advertências descrevendo os efeitos nocivos do consumo do tabaco, podendo incluir outras mensagens apropriadas. Essas

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advertências e mensagens: (i) serão aprovadas pela autoridade nacional competente; (ii) serão rotativas; (iii) serão amplas, claras, visíveis e legíveis; (iv) ocuparão 50% ou mais da principal superfície exposta e em nenhum caso menos que 30% daquela superfície; (v) podem incluir imagens ou pictogramas.

Artigo 13 – Publicidade, promoção e patrocínio do tabaco4. No mínimo, e segundo sua Constituição ou seus princípios constitucionais, cada

Parte se compromete a: (b) exigir que toda publicidade de tabaco e, quando aplicável, sua promoção e seu patrocínio venham acompanhados de advertência ou mensagem sanitária ou de outro tipo de mensagem pertinente;

5. As Partes são encorajadas a implementar medidas que vão além das obrigações estabelecidas no parágrafo 4.”

9 Desrespeito aos consumidores em geral

A agravante sustenta que o conteúdo grotesco ofende não somente os fumantes, mas os consumidores em geral, atingindo todos aqueles que serão expostos às imagens.

O recurso não tem melhor sorte neste ponto.O desestímulo ao consumo, por meio das imagens e das frases de

advertência, alcança todos aqueles, fumantes ou não, que voltarem sua atenção ao material publicitário e aos maços e embalagens de cigarro. Desse modo, a inserção das imagens repulsivas não tem o efeito de a todos atingir, de forma indiscriminada e direta, mas somente àqueles que dirigirem sua atenção aos produtos fumígenos. Aqueles que não fumam nem desejam fumar, portanto, somente serão atingidos quando prestarem atenção a essa publicidade, cuja exposição, ademais, já é bem restrita pelo próprio texto legal.

Anote-se que, se isso ocorrer, a política pública estará produzindo os efeitos que objetiva, prevenindo o consumo daqueles que não fumam, bem como desestimulando os que fumam, dada a intensidade da advertên-cia, tudo em direção do desiderato de proteger a saúde e o ambiente dos efeitos da propaganda de um produto cujo consumo causa malefícios.

Nesse contexto, não se pode confundir advertência forte e contundente com desrespeito aos consumidores; ao contrário, pode-se perceber aqui cumprimento do dever de informar e de proteger a saúde e o ambiente, precisamente por questão de respeito aos consumidores e à população em geral.

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10 Tratamento discriminatório e contraditório em face da publicidade de outros produtos

A agravante sustenta que, além de “denegrir” (sic) o cigarro e seus consumidores, as imagens revelam tratamento discriminatório odioso em relação a outros produtos, uma vez que agrotóxicos, medicamentos, terapias e bebidas alcoólicas não são alvo de tais exigências.

Aduz também que a exigência consubstancia contrariedade à cláusula geral proibitiva de comportamentos contraditórios, pois a própria ANVI-SA, ao dispor sobre a publicidade de medicamentos, veda expressamente a exploração de “enfermidades, lesões ou deficiências de forma grotesca, abusiva ou enganosa”.

Rejeito a alegação de discriminação.A Constituição impõe ao Poder Público o dever de zelar pela saúde e

pelo ambiente, mediante restrições, que incluem advertência por imagens e frases, de vários produtos, dentre os quais derivados do tabaco, medi-camentos e agrotóxicos. O eventual desenvolvimento mais completo e intenso da política pública restritiva da publicidade do tabaco, por si só, não configura discriminação.

Com efeito, considerado o conceito jurídico de discriminação (sobre o tema, ver meu Direito da Antidiscriminação, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008), não há na medida qualquer propósito ou efeito de operar distinção, restrição ou exclusão do exercício de direito ou liberda-de fundamental em desfavor da indústria do tabaco, com favorecimento das demais atividades econômicas cuja publicidade envolva produto prejudicial à saúde e ao ambiente.

Não há propósito ou efeito de favorecer a indústria farmacêutica, de agrotóxicos ou de bebidas alcoólicas pelo fato de inserir advertências fortes quanto aos malefícios dos produtos fumígenos.

Rejeito a alegação de comportamento contraditório.Tanto nas restrições à publicidade do tabaco quanto à publicidade de

medicamentos, o mesmo objetivo está contemplado de modo coerente e não contraditório: defender o consumidor de publicidade de produto cujo consumo prejudica a saúde – sempre, no caso do cigarro, e, quando mal utilizado, no caso dos medicamentos.

Também não há contradição na utilização de representação forte e im-

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pactante de enfermidade ou doença, no caso do cigarro, e na proibição da mesma atitude quando se trata de medicamentos. Isso porque a utilização de representação forte de malefício advindo do uso de cigarros atende à finalidade defensiva, do mesmo modo que a proibição de representação grotesca de enfermidade evita aquisição indevida de medicamento.

De fato, pode-se imaginar, sem dificuldade, conduta das indústrias farmacêuticas que se vale de representação grotesca, abusiva ou enganosa de enfermidade, lesão ou deficiência, objetivando alavancar a venda de medicação, em prejuízo da saúde.

11 Nulidade da resolução por ausência de participação social na elaboração e na eleição das imagens

A agravante alega que o princípio democrático impõe, como requisito de validade da política pública, a possibilidade de participação social na elaboração e na eleição das imagens, o que teria faltado na espécie.

Tenho que o argumento não procede.Ainda que se admitisse que o conteúdo jurídico do princípio democrá-

tico impusesse à Administração o dever de realizar consultas e audiências públicas para todo e qualquer ato estatal, mesmo que ausente previsão na respectiva configuração legislativa do procedimento administrativo (tese à qual este relator guarda reservas), ainda assim o argumento não teria aplicação ao caso. Isso porque, como noticiam as contrarrazões, houve possibilidade de as indústrias do tabaco apresentarem impugnação administrativa. Tanto que, conforme noticiado à fl. 364, a empresa Souza Cruz S/A manifestou sua insurgência quanto às imagens, municiando-se de parecer lavrado pelo mesmo médico que firmou o parecer juntado a estes autos, Dr. Marcelo Horácio de Sá Pereira (ao que tudo indica, trata-se, inclusive, do mesmo parecer).

12 Indeferimento da antecipação da tutela recursal: risco de dano irreparável ou de difícil reparação e verossimilhança do direito

alegado

Expostos todos esses fundamentos, concluo que está ausente o re-quisito da verossimilhança do direito para a concessão da antecipação da tutela recursal.

Quanto ao perigo da demora, a agravante noticia a fluência do prazo

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para a implantação das alterações necessárias para a aposição das novas imagens nas linhas de produção de suas afiliadas. Essa circunstância, efetivamente, é relevante, dados os custos econômicos daí advindos.

De outra parte, a postergação da aposição das imagens com maior eficácia para a defesa diante da publicidade de produto sabidamente nocivo, para o final de ação judicial, implicará dano relevante à saúde pública.

A ponderação dessas circunstâncias, portanto, faz concluir que o dano irreparável a ser suportado pela coletividade é maior e mais relevante, fosse deferida a liminar recursal, que o dano econômico a onerar a in-dústria do tabaco, na eventualidade de sucesso ao final da ação ordinária ajuizada pelo Sinditabaco.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.70.00.045779-9/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Apelante: Ministério Público FederalApelante: V.W.

Advogado: Dr. Luciano Fernandes MottaApelados: (Os mesmos)

EMENTA

Direito penal. Crimes contra o SFN. Preliminares. Inépcia da denún-cia. Nulidade da sentença. Diligências. Prova ilícita. Sigilo bancário. Fazer operar instituição financeira sem autorização. Classificação da conduta no artigo 16 da Lei nº 7.492/86. Precedentes. Gestão fraudu-lenta. Art. 4º. Inocorrência. Quadrilha. Evasão de divisas. Tipicidade configurada. Condenação mantida. Dosimetria. Art. 59 do CP. Atenuante. Confissão espontânea. Delação premiada. Ausência dos requisitos legais. Extinção da punibilidade. Prazo prescricional. Regime semiaberto.

1. Os fatos descritos na peça acusatória permitiram perfeitamente o exercício do direito de ampla defesa pelo denunciado, motivo por que se rejeita a alegação de inépcia da exordial.

2. Não é nula a sentença, pois se encontra devidamente fundamen-tada, atendendo ao disposto no art. 381 do CPP e no artigo 93, IX, da CF/88.

3. O julgador pode indeferir, na fase do art. 499 do diploma proces-sual, as diligências que entender desnecessárias para o esclarecimento

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da verdade real. Nulidade inexistente.4. O envio de documentos ao Ministério Público pelo BACEN quan-

do, no exercício de suas atribuições fiscalizatórias, detecta a possível ocorrência de infrações lesivas ao sistema financeiro nacional, encontra amparo no art. 28 da Lei nº 7.492/86, não se configurando a alegada ilicitude das provas.

5. Na hipótese sub judice, foi prolatada decisão judicial determinando o afastamento do sigilo e o rastreamento das contas da casa de câmbio, não havendo falar na obtenção indevida de dados bancários.

6. Incabível a condenação pelo crime de gestão fraudulenta inscrito no art. 4º da Lei 7.492/86, uma vez que os fatos apontados na inicial deno-tam a realização de operações de crédito e câmbio de forma clandestina, à margem do sistema regular, atuando como instituição financeira sem autorização legal. Precedentes.

7. Demonstrado na instrução que o réu e seus comparsas depositaram expressivo numerário nas contas correntes de “laranjas” e de empresa estrangeira, remetendo centenas de milhões de reais ao exterior por meio do esquema CC-5, imperiosa a manutenção do decreto condenatório pela prática do ilícito insculpido no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

8. A estabilidade da associação criminosa, previamente organizada para a prática de crimes, ficou devidamente comprovada nos autos, confirmando-se a sentença em relação ao delito de quadrilha.

9. Presentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, justifica-se a fi-xação das penas-base acima do mínimo legal, observando-se, entretanto, o princípio da proporcionalidade.

10. Inadequada, na hipótese sub judice, a redução de pena prevista na lei da delação premiada, sendo caso de aplicação da atenuante da confissão espontânea.

11. A condenação relativa aos crimes do art. 16 da lei especial e ar-tigo 288 do Código Penal encontra-se prescrita pela pena em concreto, considerando o decurso de mais de 4 (quatro) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia (art. 109, V, do CP).

12. Extinção da punibilidade do réu quanto aos apontados delitos, em face da prescrição retroativa.

13. Mantido o decreto condenatório no tocante ao crime de evasão

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de divisas, em continuidade delitiva (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 c/c o artigo 71 do CP).

14. Tendo em conta a redução da reprimenda fixada na sentença, o regime prisional inicial deve ser o semiaberto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento aos apelos, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 17 de dezembro de 2008.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Público ofereceu denúncia contra V.W. e outros vinte e um réus, pela prática dos delitos capitulados nos artigos 288 e 299 do Código Penal, bem como nos arts. 4º, 16 e 22 da Lei 7.492/86, tendo em conta a notícia da remessa ilegal de dinheiro para o exterior realizada pelas empresas ELCATUR Câmbio e Turismo Ltda. e REAL Câmbios SRL, por meio da Conta CC-5 desta última, mantida no Banco Araucária em Foz do Iguaçu (Ação Penal nº 2003.70.00.039526-5).

Na peça acusatória, registra o Parquet, em síntese, a existência de autorização concedida em 1996, pelo Banco Central do Brasil, a cinco instituições financeiras (Bemge, Banco do Brasil, Banestado, Araucária e Banco Real) que mantinham agências na cidade de Foz do Iguaçu, para receberem depósitos em espécie, nas contas CC-5 (Carta Circular nº 5, de 1969) acima do patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sendo que a determinação da Autarquia teria o pretexto de facilitar o repatriamento de recursos gastos por brasileiros (“compristas”) no comércio de Ciudad del Este, Paraguai. Todavia, através dessa facilidade, doleiros teriam vislumbrado a possibilidade de dissimular recursos financeiros de ori-gem ilícita e promover a evasão de divisas, em detrimento de reservas cambiais nacionais.

Consoante a exordial, visando burlar a fiscalização por parte dos órgãos federais, os denunciados teriam criado organização criminosa,

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através da qual foi promovida a abertura de centenas de contas bancárias em nomes de “laranjas”, os quais intermediavam as transferências de re-cursos por meio de cheques ou “docs”, a fim de possibilitar os depósitos em contas CC-5 sem a identificação da origem de seus titulares, com o intuito de efetuar a remessa do numerário ao exterior.

Prossegue a denúncia, narrando os fatos nas seguintes letras:“Conforme valores consolidados no Laudo nº 1392/03-INC, em anexo, a absurda

proporção de 95% (noventa e cinco por cento) dos recursos aportados nas contas ‘CC-5’ da casa de câmbio REAL CÂMBIOS S.R.L. foi intermediada em contas de ‘laranjas’, consumando a reiterada prática de evasão de divisas, na forma do art. 22 e parágrafo único da Lei nº 7.492/86, caracterizada ainda a profissionalização do crime.

Vale notar que a empresa REAL CÂMBIOS S.R.L. depositou 100% (cem por cento) dos recursos que recebeu em conta do BANCO INTEGRACIÓN, conforme a fl. 12 do Anexo 3 do Laudo nº 1392/2003, o que revela o exaurimento do delito de evasão de divisas, após a liquidação do câmbio e crédito no exterior em moeda estrangeira, fato este que sequer é negado pelos diversos envolvidos.

Outro dado relevante é que praticamente 95% (noventa e cinco por cento) dos re-cursos movimentados pela REAL CÂMBIOS é de procedência das contas de ‘laranjas’, muitos deles funcionários da casa de câmbio ELCATUR.

O Laudo nº 1679/2003 – INC, em seu Anexo 2, explicita, a título meramente exem-plificativo, os inúmeros depósitos realizados na conta da ‘laranja’ E.W., demonstrando que os milhares de reais movimentados tinham origem nacional, provenientes de ‘depositantes’ ou efetivos ‘donos do dinheiro’, que buscavam inviabilizar suas iden-tificações através das contas de ‘laranjas’, sem nenhuma vinculação com o comércio entre brasileiros e paraguaios. (...)

Centenas de correntistas, denominados ‘laranjas’, em razão da disparidade entre os valores movimentados em suas contas correntes e suas rendas declaradas, foram monitorados e fiscalizados pelo BACEN.

A conta CC-5 da REAL CÂMBIOS recebeu centenas de depósitos irregulares, sem a correta identificação dos reais depositantes, sendo que cada qual dos depósitos corresponde a uma conduta criminosa.

Os depósitos encontram-se discriminados no Laudo nº 1679/2003 – INC, em anexo, demonstrando os valores evadidos através das contas dos laranjas:

(Tabela às fls. 10/13 da denúncia).Conforme o Laudo referido, nos anos de 1996 a 1997, a conta CC-5 que a REAL

CÂMBIOS S.R.L. mantinha no Banco Araucária (conta 450055, agência Foz do Igua-çu) recebeu o equivalente a US$ 879.330.982,20 (oitocentos e setenta e nove milhões, trezentos e trinta mil, novecentos e oitenta e dois dólares americanos e vinte centavos) a título de disponibilidade no exterior.

Nunca é demais ressaltar que 95% (noventa e cinco por cento) desse numerário

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foi comprovadamente dissimulado em contas de ‘laranjas’, caracterizando os crimes contra o SFN descritos nesta inicial (...).

Comprovou-se, ainda, a participação de inúmeros agentes associados em quadrilha ou bando, para o fim de cometer as referidas infrações, incidindo, portanto, no art. 288 do CP c/c os aspectos processuais da Lei nº 9.034/95.

Os depósitos de recursos nas contas ‘CC-5’, que caracterizam a ‘constituição de disponibilidades no exterior’, se deram em desobediência às normas regulamentares, porquanto a dissimulação da origem dos recursos, com a movimentação por meio das contas de interpostas pessoas – ‘laranjas’ – maculou todos os atos seguintes da operação financeira, de modo que restaram devidamente integrados os tipos penais do art. 22 e parágrafo único da Lei 7.492/86 - norma penal em branco complementada pela Carta Circular nº 2.677/96 do BACEN.

Passa-se à descrição das condutas de cada um dos integrantes da organização, que vicejou na prática de inúmeros delitos, deflagrando-se a ‘profissionalização do crime’ ou habitualidade...”

Especificamente no que pertine às condutas dos ora acusados, consta da inicial, em resumo, a seguinte narrativa:

“Agentes da ELCATUR Câmbio e Turismo Ltda. (brasileira) e da REAL Câmbios SRL (paraguaia). A denunciada D.O.M., na qualidade de gerente formal da ELCATUR Câmbio e Turismo Ltda., mantinha empresa voltada para o aliciamento de diversos ‘laranjas’, abrindo contas correntes destinadas ao recebimento de recursos financeiros de todas as localidades do Brasil. A denunciada D. é ex-esposa do denunciado M.A.T.O., com quem teve uma filha, sendo certo que M. é sócio-proprietário da casa de câmbio paraguaia REAL Câmbios SRL. (...)

Dentre os inúmeros laranjas cujas contas correntes foram utilizadas pela organi-zação criminosa, merecem destaque pela vultosa movimentação financeira realizada através dos empregados da própria ELCATUR: C.C.V. (IPL 205/98) – vale salientar a prisão em flagrante de C. por evasão de divisas em 15.05.2000 (IPL 279/2000), o que demonstra sua intensa participação no esquema criminoso, a reiteração da prática de-lituosa e, ainda, os artifícios utilizados para a lavagem de dinheiro; C.H. (IPL 374/98); E. H. (IPL 214/98) e A. P. S. (IPL 133/98) (...).

O denunciado V.W. abriu diversas contas de ‘laranjas’ para uso da ELCATUR, empresa da qual era empregado. Ele mesmo se incumbiu de fazer o recrutamento. Outrossim, V.W., em unidade de desígnios com os demais integrantes da organização, praticou reiteradas condutas de falsidade ideológica e material, mediante a aposição de assinaturas falsas relacionadas a inúmeras contas de laranjas, como, v.g., a conta de B. C. S., aberta a pedido de um comerciante paraguaio.

Nesse sentido, no laudo grafotécnico emitido pelo Departamento de Auditoria Co-mercial do Banestado, em dezembro de 1997, a perícia confirmou que o denunciado V.W. falsificou as assinaturas de A.X.D.R., N.Z., A.N.M., B.C.S. e S. & A. Ltda., bem

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como adulterou comprovantes de endereço – faturas de luz da COPEL – inclusive alterando o nome da conta de energia elétrica da sua própria residência.

A conta de B. era movimentada pela emissão de cheques com a aposição de assina-turas falsas por V., conforme o laudo de exame nº 43.130 (IPL nº 191/98). Da mesma forma, o cunhado de V. e de seu irmão W.W., A.N.M., nega peremptoriamente ter aberto ou movimentado a conta do Banestado número 1.101.205, agência 247, na qual foram movimentados R$ 1.470.189,69 (um milhão, quatrocentos e setenta mil, cento e oiten-ta e nove reais e sessenta e nove centavos), no período de 09 a 26/09/1997, restando comprovado pelo laudo de exame grafotécnico nº 42.268 não terem partido do punho de A. as assinaturas apostas nas fichas de abertura da conta corrente.

Finalmente, o denunciado V.W. participou da organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro, prontificando-se a abrir conta em seu próprio nome, assumindo o papel de ‘laranja’ para a captação de recursos de procedência ilícita, objetivando sua conversão em moeda estrangeira e remessa ao exterior.

Uma vez abertas as centenas de contas correntes irregulares, milhares de depo-sitantes injetaram recursos provenientes de outras práticas criminosas (...) patente a ilegalidade dos depósitos realizados, para fins de evasão de divisas. (seguem trechos de depoimentos dos ‘laranjas’ – fls. 19-21 da denúncia). (...)

Condutas dos ‘Laranjas’: O denunciado C.C.V., no período entre 06.01.1997 e 25.02.97, anuiu com que fossem efetuados 73 (setenta e três) depósitos na conta CC-5 da Real Câmbios, somando o equivalente a US$ 24.700.606,68 (vinte e quatro milhões, setecentos mil, seiscentos e seis dólares e sessenta e oito centavos), conforme consta do Anexo 1 do Laudo 1679/2003, pelo que incorreu nas penas do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, na forma do art. 69 do CP, por setenta e três vezes. Vale explicitar que o denunciado C. incorreu em todas as demais condutas descritas nesta inicial acusatória, porquanto funcionário da ELCATUR, com acentuada participação no aliciamento e movimentação de todas as contas de ‘laranjas’.

O denunciado V.W., no período de 14.10.1996 e 06.10.97, efetuou quarenta depósitos na conta CC-5 da Real Câmbios, somando o equivalente a US$ 9.531.276,00 (nove milhões, quinhentos e trinta e um mil, duzentos e setenta e seis dólares), conforme o Anexo 1 do Laudo 1679/2003, pelo que incorreu nas penas do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, na forma do art. 69 do CP, por 40 (quarenta) vezes. Vale explicitar que o denunciado V. incorreu em todas as demais condutas descritas nesta inicial acusatória, porquanto funcionário da ELCATUR, com acentuada participação no aliciamento e movimentação de todas as contas de ‘laranjas’.

O denunciado C.H., no período entre 24.10.1996 e 07.11.97, anuiu com que fos-sem efetuados 187 (cento e oitenta e sete) depósitos na conta CC-5 da Real Câmbios, equivalentes a US$ 34.101.190,07 (trinta e quatro milhões, cento e um mil, cento e noventa dólares), conforme o Anexo 1 do Laudo 1679/2003, pelo que incorreu nas penas do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, na forma do art. 69 do CP, por cento e oitenta e sete vezes. (...)

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O denunciado A.N.M. é cunhado de W.W., gerente do Banestado, que será denun-ciado em outra ação penal, como responsável pela abertura de inúmeras contas de laranjas, muitas delas a pedido de V.W., funcionário da Elcatur e também laranja. Vale notar que a mãe de V. e W. – E.W. – também consta como laranja.

A.N.M., no período entre 09.09.97 e 13.10.97, anuiu com que se efetuassem 90 (noventa) depósitos na conta CC-5 da Real Câmbios, somando o equivalente a US$ 2.447.721,47 (dois milhões, quatrocentos e quarenta e sete mil, setecentos e vinte e um dólares e sessenta e oito centavos). (...)

A denunciada E.W., no período de 16.10.96 a 22.11.96, anuiu com que se efetuassem 75 (setenta e cinco) depósitos na conta CC-5 da Real Câmbios, somando o equivalente a US$ 20.118.470,46 (vinte milhões, cento e dezoito mil, quatrocentos e setenta dólares e quarenta e seis centavos).

A denunciada S. S., que conforme as declarações de D. O. é esposa de V. W., no período entre 09.10.1996 e 06.10.1997, anuiu com que se efetuassem 26 (vinte e seis) depósitos na conta CC-5 da Real Câmbios, somando o equivalente a US$ 450.925,00 (quatrocentos e cinquenta mil, novecentos e vinte e cinco dólares). (...)

Aliciadores de ‘Laranjas’ – Quadrilha ou bando (art. 288 do CP) e falsidade ideo-lógica (art. 299 do CP). (...)

No caso em tela, o denunciado E. J. S. subscreveu as declarações de rendimentos de C.H., C.C.V. e de J.L., com as quais foi possível abrir conta corrente a mando dos sócios das casas de câmbio ELCATUR e REAL, sendo certo que C. e C. eram funcio-nários daquela. Por sua vez, os denunciados J. (....) e V.W., participavam da organização criminosa aliciando pessoas para abrir contas correntes em nome destas e emprestar tais contas para que nelas se movimentassem vultosas quantias, objetivando a evasão de divisas do país. Em suma, os aliciadores de laranjas apresentavam parentes e pessoas de sua confiança, associando-se, em quadrilha ou bando, com os demais denunciados, para o fim de cometer os crimes descritos nesta inicial, na forma do art. 288 do CP.

Assim agindo, tendo em vista a unidade de desígnios de todos os denunciados, no sentido de que várias das contas utilizadas pela organização foram abertas mediante apresentação de documentos ideologicamente falsos, com a inserção de declaração falsa (quanto aos rendimentos auferidos pelos laranjas) com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, os denunciados (....) V.W., C.C.V., C.H., E. H., A.P.S. (...) incidiram, pelo menos três vezes, nas sanções do art. 299 do Código Penal, na forma do art. 69 do mesmo diploma legal.

Gestão fraudulenta. Agindo em detrimento do nível de segurança exigido perante o Sistema Financeiro Nacional, bem como prestando frequentes informações fraudu-lentas ao BACEN, ensejando suspeita sobre todas as operações realizadas através de contas CC-5, aproveitando-se da peculiaridade da região da tríplice fronteira quanto ao comércio existente entre Brasil e Paraguai, os denunciados (...) geriram fraudulen-tamente a casa de câmbios REAL SRL, incorrendo nas sanções do art. 4º, caput, da Lei 7.492/86, em unidade de desígnios com os agentes da ELCATUR, D.O.M., V.W.,

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C.C.V., C.H., E.H. e A.P.S., na forma do artigo 29 do CP.Agindo em detrimento do nível de segurança exigido perante o Sistema Financeiro

Nacional, bem como prestando frequentes informações fraudulentas ao BACEN, ense-jando suspeita sobre todas as operações realizadas através de contas CC-5, aproveitando-se da peculiaridade da região da tríplice fronteira quanto ao comércio existente entre Brasil e Paraguai, os denunciados D.O.M., O.A.G.P., V.H.S.E., V.W., C.C.V., C.H., E.H. e A.P. da S. geriram fraudulentamente a casa de câmbios ELCATUR, incorrendo nas sanções do art. 4º, caput, da Lei 7.492/86, em unidade de desígnios com os agentes da REAL CÂMBIOS, na forma do art. 29 do CP.

Art. 16 da Lei 7.492/86. Fazendo operar as instituições financeiras ELCATUR e REAL sem a devida autorização, extrapolando os fundamentos para a conversão de moeda nacional em estrangeira através de contas CC-5, uma vez que captavam recursos financeiros de terceiros para depósitos em contas de ‘laranjas’, os denunciados D.O.M., O.A.G.P., V.H.S.E., V.W., C.C.V., C.H., E.H., A.P.S. e R.S., em unidade de desígnios com os denunciados M.A.T.O., M.Z.C., J.C.B.S. e J.C.R.M. incorreram nas sanções do art. 16 da Lei 7.492/86.

Evasão de Divisas. Os denunciados acima nominados, em unidade de desígnios, montaram estrutura criminosa que permitiu a prática de 3.552 depósitos irregulares na conta CC-5 da REAL CÂMBIOS, no período entre setembro de 1996 e dezembro de 1997, somando o equivalente a US$ 836.804.549,63 (oitocentos e trinta e seis mi-lhões, oitocentos e quatro mil, quinhentos e quarenta e nove dólares e sessenta e três centavos), pelo que incorreram nas penas do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, na forma do art. 69 do Código Penal.”

Levando em conta o disposto no artigo 80 do CPP, os autos de origem foram desmembrados, gerando a presente Ação Penal tão somente em relação aos acusados V.W., C.C.V., C.H., E.H. e A.P.S. (fl. 123).

A inicial foi recebida em 13.08.2003, tendo sido decretada a prisão preventiva de vários denunciados.

Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença, publicada em 10.08.2005 (fl. 777) julgando parcialmente procedente a denúncia para:

1) Absolver A.P.S., C.H., E.H. e C.C.V. em relação aos crimes contra o sistema financeiro nacional e art. 288 do Código Penal, com apoio no art. 386, inc. IV, do CPP; declarar extinta a punibilidade dos mesmos, pela prescrição, quanto ao crime previsto no art. 299 do CP (falsidade ideológica), considerando o transcurso de mais de quatro anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. 2) Absolver V.W. no tocante à infração aos arts. 4º e 16, ambos da Lei 7.492/86, aplicando o benefício

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previsto na Lei 9.807/99 para efeito de redução da pena em um terço, condená-lo a 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 360 dias-multa, pelo crime de evasão de divisas, em continuidade delitiva (art. 22 da Lei 7.492/86 c/c o art. 71 do CP), bem como a 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 120 dias-multa, pela formação de quadrilha, totalizando 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 480 dias-multa no valor unitário de meio salário mínimo.

Irresignados, o Parquet e a defesa interpuseram apelos (fls. 784-7).Nas razões acostadas às fls. 796/830, o Ministério Público postula,

em síntese, a condenação de V. W. pela prática dos delitos tipificados nos artigos 4º e 16 da Lei 7.492/86, em concurso material com a evasão de divisas, tendo em conta a prova dos autos no sentido de que geriu fraudulentamente e operou de forma irregular as instituições financeiras Real Câmbios e Elcatur, juntamente com os demais administradores, nos termos do artigo 29 do Código Penal. Sustenta, ainda, o descabimento, na hipótese em tela, da delação premiada, porquanto ausentes os requisitos previstos nos arts. 13 e 14 da Lei 9.807/99.

Conforme a certidão da fl. 832 verso, a sentença transitou em julgado no tocante aos denunciados A.P.S., C.H., E.H. e C.C.V.

O patrono de V.W. ofertou as razões de apelo (fls. 838/92) sustentando, preliminarmente, a nulidade da sentença por ausência de fundamentação, em face de não ter examinado todas as questões arguidas, afrontando o disposto no artigo 93, IX, da CF/88. Aduz inépcia da denúncia, ilegali-dade da quebra do sigilo bancário e a incompetência do BACEN para legislar sobre o sistema financeiro nacional, caracterizando-se a ilicitude das provas coligidas. Aponta, ainda, cerceamento de defesa frente ao indeferimento de diligência requerida na fase do art. 499 do CPP. No mérito, refere que não se encontram presentes as elementares da evasão de divisas, além da ausência de provas da materialidade e autoria do crime de quadrilha. Postula absolvição ou diminuição das reprimendas, com o reexame das penas-base fixadas e respectivas circunstâncias judiciais; afastamento da agravante do artigo 62, I, do CP; aplicação da atenuante da confissão espontânea, bem como do benefício previsto no artigo 14 da Lei 9.807/99 à razão de 2/3 (dois terços).

Apresentadas contrarrazões, subiram os autos.Oficiando no feito (fls. 989/1030) a douta Procuradoria Regional da

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República opinou pelo provimento do recurso do Ministério Público Federal e desprovimento ao apelo da defesa.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Consoante se infere, no presente caderno processual, resultante do desmembramento da ação penal nº 2003.70.00.039562-5, o Parquet ofereceu denúncia contra o Apelante, na condição de gerente da ELCATUR Câmbio e Tu-rismo Ltda., além de outros quatro acusados que lhe prestavam auxílio em suas atividades.

O decreto absolutório transitou em julgado em relação aos corréus, remanescendo para análise nesta instância somente o apelo de V.W., buscando a reforma da sentença quanto aos crimes de evasão de divisas e formação de quadrilha, bem como o recurso do Ministério Público postulando também a condenação pelos crimes de gestão fraudulenta e operação irregular de instituição financeira, além do reexame das respectivas penas.

Ab initio, quanto às preliminares arguidas pelo recorrente, foram rejei-tadas pelo magistrado sentenciante, nos seguintes termos (fls. 741/4):

“A defesa alega nulidade do presente feito, porque as comunicações feitas pelo Banco Central ao Ministério Público Federal, que originaram a propositura da ação penal, teriam se dado sem prévia autorização judicial, caracterizando-se como quebra de sigilo não autorizada. Contudo, não é possível inquinar de ilegais as comunicações feitas pelo Banco Central acerca das irregularidades constatadas no âmbito de instituição financeira envolvendo as contas CC-5. Acolher a tese exposta pela defesa implicaria, em última análise, em admitir que o BACEN deveria ter se omitido de efetuar a de-vida comunicação, mesmo após constatar que quantias estratosféricas estavam sendo remetidas para fora do país através de contas de ‘laranjas’.

Não houve quebra de sigilo indevida, mas, ao contrário, agiu aquela Autarquia em estrita conformidade ao seu dever de comunicar aos órgãos competentes a ocorrência de possíveis ilícitos, para adoção das providências cabíveis. Tal dever, além de imperativo, decorrente dos princípios da legalidade e moralidade, aplicáveis por óbvio, também está expresso no art. 4º, § 2º, da Lei nº 4.728/65, que assim dispõe: ‘Quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central tomar conhecimento de crime definido em lei como de ação pública, oficiará ao Ministério Público para a instalação de inquérito policial.’ (...) Não há, portanto, nulidade a ser reconhecida. Rejeito a preliminar.

Tampouco a alegação de inépcia da denúncia deve ser acolhida. Conforme exposto

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na decisão de recebimento (fls. 33-42), a peça oferecida está amparada em justa causa, havendo prova da existência dos crimes e indícios suficientes de autoria para instauração da ação penal. A denúncia descreveu de forma pormenorizada a conduta dos acusados, tendo sido específica tanto em relação àqueles apontados como ‘laranjas’, quanto àquele que foi indicado como seu aliciador. Por outro lado, percebe-se que durante seus interrogatórios os acusados não tiveram dúvida a respeito de quais fatos estavam sendo acusados, razão pela qual deve ser afastada a alegação de que a imputação contra eles formulada na inicial não lhes permitiu o exercício da ampla defesa.

A defesa alega que o feito seria nulo porque lhe foi indeferida diligência requerida na fase do art. 499 do CPP consistente na juntada de laudos periciais elaborados pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, referindo que com a juntada dos laudos provaria que os réus não eram os verdadeiros proprietários do dinheiro no exterior. Ora, a finalidade para a qual a prova foi requerida seria absolutamente inócua para o julgamento do caso, porque em momento algum da presente ação penal foi atri-buída a propriedade do dinheiro aos réus. Pelo contrário, a acusação que contra eles pesa relaciona-se à sua específica atuação como ‘laranjas’ ou ‘aliciador’, caracterizando-se como tais exatamente por jamais terem detido a titularidade dos recursos enviados ao exterior. Ademais disso, no despacho das fls. 524-6, a MMa. Juíza então atuante no feito consignou que, caso a defesa pretendesse a juntada dos laudos, poderia tê-lo feito diretamente, sem a necessidade de intervenção judicial para sua obtenção. Rejeito a preliminar. (...)

Consigne-se ainda, no presente caso, que a tese de inconstitucionalidade da edição de normas regulamentadoras do sistema financeiro nacional pelo BACEN ou pelo CMN carece de relevância, pois a ilicitude penal não decorre da violação de normas infralegais, como adiante se verá...”

Tenho que o decisum não merece reparos.Quanto à suposta inépcia, diversamente do alegado, a denúncia des-

creveu os fatos delituosos e todas suas circunstâncias, com acusação e indicações específicas da participação dos denunciados. Assim, a peça oferecida pelo MPF preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Veja-se que o Ministério Público relatou em detalhes o modus operandi da empresa criminosa destinada à remessa de valores ao estrangeiro sem declaração. Da descrição fática, consta relato pormenorizado e minudente da prática das infrações previstas na Lei nº 7.492/86, com menção ex-pressa às elementares dos referidos tipos penais, além de informações circunstanciadas, inclusive sobre datas, valores e nomes dos titulares das contas bancárias e CC-5, relativamente às operações financeiras ilegais cuja realização foi imputada, descrevendo ainda os beneficiários dos

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depósitos no exterior (Real Câmbios).Ademais, explicitou-se o necessário a respeito da atuação dos réus,

com apoio na investigação policial e demais documentos anexados, que indicam serem eles corresponsáveis. Os acusados, de acordo com a nar-rativa da denúncia, apresentaram defesa técnica consistente, o que denota ter o contexto fático e jurídico sido integralmente assimilado.

Dessa maneira, restou garantido o pleno conhecimento dos fatos, assegurando-se o exercício absoluto da ampla defesa e do contraditório, requisitos estes que tornam a denúncia eficaz.

Em resumo, tendo o Parquet descrito suficientemente as condutas imputadas ao Apelante, indicando a concorrência do mesmo para as práticas delituosas, além de permitir a inteira compreensão das acusações pelo seu advogado constituído, descabe falar em inépcia da exordial.

Com efeito, eventual alegação de nulidade da denúncia só poderia ser acolhida no caso de restar demonstrada inequívoca deficiência, im-pedindo a inteligibilidade da acusação e causando flagrante prejuízo à defesa, do que não se cogita na espécie sub judice.

Sustenta o Recorrente também a nulidade da sentença, aduzindo não ter o julgador singular enfrentado todos os argumentos defensivos ventilados. Ocorre que essa não é a hipótese dos autos, pois o ilustre magistrado a quo tratou, com detalhes, das teses apresentadas pelas partes, alicerçando sua decisão em fundamentos concretos, de acordo com o art. 381 do CPP.

Não se vislumbra omissão na peça sentencial, como se depreende da simples leitura de seu teor, eis que, ao analisar de forma fundamentada a presença de provas nos autos indicando a materialidade e autoria de alguns dos tipos penais constantes da denúncia, a toda evidência não acolheu os argumentos contrários, deferindo apenas em parte a pleiteada absolvição.

A esse respeito, conforme decidiu a Suprema Corte, “não é omissa a sentença que explicita as premissas de fato e de direito da decisão e, ao fazê-lo, afirma tese jurídica contrária à aventada pela parte, ainda que não a mencione” (1ª Turma, HC nº 74.892, Relator Ministro Moreira Alves); “Quando a decisão acolhe fundamentadamente uma tese, afasta implicitamente as que com ela são incompatíveis, não sendo necessário o exame exaustivo de cada uma das que não foram acolhidas” (2ª Turma,

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Habeas Corpus nº 76.420, Rel. Min. Maurício Corrêa).Destarte, os fundamentos adotados pelo julgador no que pertine ao

reconhecimento da autoria delitiva excluem logicamente a argumentação contrária, inexistindo nulidade na sentença, tampouco afronta ao artigo 93, IX, da Magna Carta. A propósito, confira-se ainda o Acórdão assim ementado:

“PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. INO-CORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. SUFICIÊNCIA PARA A CONDENAÇÃO. 1. Se a sentença, bem articulando os fatos postos no processo e atendendo aos requisitos do art. 381 do CPP, conclui pela condenação do réu, não há falar em falta de funda-mentação e, muito menos, de violação ao art. 93, IX, da CF/88. 2. Vigora no processo penal brasileiro o princípio do livre convencimento, segundo o qual o magistrado, desde que fundamentadamente, pode decidir pela condenação, ainda que calcada em indícios veementes de prática delituosa (...).” (HC nº 15736/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, public. no DJ de 23.04.2001, p. 189)

No que tange ao alegado cerceamento de defesa, o despacho que inde-feriu as providências requeridas na fase do art. 499 do CPP, encontra-se bem fundamentado. Como visto, o ilustre julgador singular entendeu despicienda a produção de mais provas a respeito da titularidade do numerário remetido ao exterior, na medida em que os fatos imputados na exordial restaram devidamente esclarecidos, não sendo tais diligên-cias necessárias quando existem nos autos elementos suficientes para o julgamento do feito.

Conforme temos salientado em casos análogos, constitui faculdade do juiz a aprovação ou não das medidas postuladas pela defesa. É sa-bido que ele pode indeferir, de maneira fundamentada, diligências que considere supérfluas, tendo em vista o juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização, que lhe é próprio e exclusivo, por ser ele o destinatário da prova. Ademais, consoante bem destacado pela Pro-curadoria Regional da República, nada impede que a parte apresente os guerreados documentos, inclusive laudos técnicos, juntamente com suas alegações, com apoio nos arts. 156 e 231 do CPP.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:“COATOR: TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. HABEAS

CORPUS. NULIDADE. REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIA DESNECESSÁRIA. Inexiste o alegado cerceamento de defesa, porquanto fundamentado pelo magistrado,

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no seu regular exercício do poder de direção de prova, o indeferimento da diligência. Habeas Corpus indeferido.” (STF, 1ª Turma, HC nº 76.154, Relator Min. Ilmar Galvão, public. no DJU de 29.05.99)

“DIREITO PENAL E PROCESSUAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDE-FERIMENTO DE PERÍCIAS. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DO PROFUNDO EXAME DE PROVAS EM SEDE DE HABEAS CORPUS. A ocorrência de nulidade, em matéria processual penal, encontra-se sujeita à efetiva incidência de prejuízo para o réu. Por outro lado, o deferimento ou não de diligências requeridas pela defesa na fase do art. 499 do CPP é ato que se inclui no âmbito da discricionariedade do magistrado, não implicando seu indeferimento cerceamento de defesa. Precedentes. Ordem denegada.” (STJ, Quinta Turma, HC nº 25840, Rel. Min. Jorge Scartezzini, public. no DJU de 28.10.2003, p. 311).

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA CON-TÁBIL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Constitui faculdade do julgador a aprovação ou não das medidas postuladas pela defesa, podendo indeferir, de maneira fundamentada, as diligências que considerar supérfluas, tendo em vista o juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização, que lhe é próprio e exclusivo, por ser o destinatário da prova. 2. No caso concreto, revela-se despicienda a realização de perícia contábil, restando permi-tido aos denunciados, querendo, a juntada de documentos, inclusive laudo próprio, em qualquer fase do processo, nos termos do art. 231 do CPP.” (TRF/4ª, 8ª Turma, HC nº 2007.04.00.001116-8/SC, Relator Des. Élcio Pinheiro de Castro, public. no DE de 21.02.2007)

Por outro lado, sustenta o Recorrente a ilicitude da prova, em face da alegada quebra do sigilo bancário de forma indevida, além de questionar a competência do Banco Central do Brasil para editar normativos infra-legais relativos a crimes contra o sistema financeiro nacional.

Contudo, não assiste razão ao Apelante.Cumpre salientar que a propositura da ação penal foi motivada em

diversos inquéritos policiais instaurados na DPF de Foz do Iguaçu, os quais tramitaram perante Juízo Federal, que decretou judicialmente a quebra do sigilo e o rastreamento das contas CC-5 das casas de câmbio paraguaias, segundo se depreende do ofício nº 3774, de 23/06/98 (fl. 101, apenso II), através do qual foram solicitadas informações ao Banco Central nos seguintes termos:

“A fim de instruir vários inquéritos policiais em andamento na DPF/FI/PR, todos instaurados em decorrência da representação formulada por esse BACEN, noticiando

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a possível prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, haja vista a que-bra de sigilo decretada pela Justiça, cujas decisões amiúde vêm sendo remetidas a essa Delegacia Regional, solicitamos com urgência e prioridade, em complementação aos pedidos de rastreamento de documentos bancários, que nos sejam fornecidas as fichas de abertura de conta, com a respectiva documentação exigida dos correntistas, incluindo contrato social das empresas e seus procuradores, além das fichas cadastrais dos titulares das contas de domiciliados no exterior abaixo elencadas:

a) Contas existentes no BEMGE S/A: (...); b) contas existentes no Banco Araucá-ria S/A: 1. Banco Integración (...) 5. Real Câmbios SRL (...); c) contas existentes no Banestado (...).”

Assim, no caso em tela, não se pode falar em ofensa a princípios constitucionais, na medida em que o acesso aos dados bancários foi precedido da respectiva autorização judicial, não tendo ocorrido indevida violação ao sigilo.

Como se vê, mediante procedimentos de fiscalização, o BACEN de-tectou a prática de irregularidades que poderiam caracterizar infrações penais lesivas ao SFN, encaminhando esses elementos para as autoridades encarregadas da persecução criminal.

In casu, a atuação administrativa da Autarquia encontra amparo não apenas nos dispositivos legais elencados pelo juiz monocrático, como também, expressamente, no art. 28 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, verbis:

“Quando, no exercício de suas atribuições legais, o Banco Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários - CVM verificar a ocorrência de crime previsto nesta lei, disso deverá informar ao Ministério Público Federal, enviando-lhe os documentos necessários à comprovação do fato.”

Comentando o aludido diploma legal, confira-se pertinentes lições doutrinárias:

“A faculdade concedida a qualquer pessoa do povo, pelo art. 27 do Código de Pro-cesso Penal, de provocar a iniciativa do MP nos crimes de ação pública é obrigação para os representantes do BACEN e da CVM, quando, no exercício de suas atribuições legais, tomarem ciência do crime previsto na Lei 7.492/86.

Para tanto, deverão não só apresentar a notícia do fato criminoso, mas também instruí-la com os documentos úteis e necessários à comprovação dos fatos.” (Crimes contra o SFN – Uma contribuição ao Estudo da Lei, José Carlos Tortima, 2. ed., 2002, p. 157)

“Impõe-se, por meio do artigo em apreço, o dever de comunicar ao Ministério

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Público os crimes definidos na presente lei. Instituiu-se uma ação administrativa espe-cífica para os servidores do Banco Central e da CVM, que devem fazer a comunicação determinada de todo e qualquer fato típico e antijurídico que lesar ou expor a perigo de lesão os bens juridicamente tutelados pela norma. Os servidores com poderes de gestão das autarquias são os titulares da ação administrativa, e o Ministério Público, titular da ação penal.

Na exposição de Motivos nº 102, de 05 de junho de 1985, feita pelo Ministério da Fazenda, submetendo ao Presidente da República o resultado dos trabalhos desenvolvi-dos pela Comissão que objetivava a elaboração de projeto de lei sobre a responsabilidade nos mercados financeiros, consignou-se que: ‘O inquérito para apuração de infrações criminais caberá ao órgão da administração pública encarregado da fiscalização das instituições financeiras ou dos mercados.’ (DOU 07.06.85, p. 8118)

Esta pretensão tem sua razão de ser. Geralmente, para a apuração dos delitos finan-ceiros, faz-se necessário analisar documentação relativa a operações e serviços prestados por instituições financeiras que são, como se sabe, resguardadas pelo sigilo bancário (...) excepcionado no art. 38 da Lei 4.595/64. No exercício dessa ação administrativa, as autarquias competentes para a fiscalização dos mercados financeiros e de capitais (...) veiculam os segredos das instituições financeiras entre as pessoas excepcionadas. O sigilo bancário traça um limite específico de violação dos segredos dos bancos, mas, em se tratando de crime, ele não subsiste, estando os limites do dever de informar deli-mitados em outros preceptivos da legislação vigente.” (Crimes do Colarinho Branco, Antônio Carlos Rodrigues da Silva, 1999, p. 192)

Destarte, a alegação do Recorrente de ser inconstitucional a atribuição de atividades regulatórias do Sistema Financeiro ao BACEN não merece acolhida, nos exatos termos da sentença. Efetivamente, a estrutura dos poderes estatais tem os seus limites estabelecidos na Constituição, per-mitindo ao Presidente da República e ao Ministro da Fazenda delegarem atribuições aos órgãos responsáveis pela elaboração e manutenção das diretrizes econômicas. Logo, recusar tais competências à Autarquia, guardadas as devidas proporções, seria o mesmo que a Receita Federal necessitar de autorização judicial para quebrar o sigilo fiscal do con-tribuinte, ao apontar a ocorrência de sonegação tributária, o que, data maxima venia, não se mostra razoável.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão assim ementado:“PROCESSO PENAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. CRIME CONTRA O

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. MAN-DADO DE SEGURANÇA DENEGADO. 1. O sigilo bancário, que não é absoluto, pode ser quebrado por autorização judicial nos termos da lei e quando presente sua indispensabilidade na busca da verdade real. 2. O ato judicial atacado, além de revestido

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de legalidade (...) está embasado em situações fáticas que reclamam melhor investiga-ção, indícios do possível desvio de ‘vultosas quantias em dinheiro’. 3. Não se presta a via eleita para o exame de possíveis irregularidades cometidas pelo BACEN, na ótica do Impetrante, mesmo porque não há falar em ‘quebra ilegal de sigilo bancário’ na regular verificação de dados financeiros pelo órgão depositário legal dessas informa-ções, que possui atribuições de fiscalização e proteção do sistema financeiro nacional. (...)” (TRF da 1ª Região, 2ª Seção, MS nº 2003.01.00003418-0, Relator Des. Luciano Tolentino Amaral, julg, em 20.06.2003, public. no DJU de 21.08.2003)

In casu, os documentos coligidos advêm das peças extraídas dos procedimentos administrativos do Banco Central, no exercício de sua atribuição fiscalizatória, bem como dos apontados inquéritos policiais, inexistindo qualquer ilegalidade na forma de sua obtenção. Portanto, descabe ser questionada a licitude das provas que embasaram o ajuiza-mento da denúncia, pois extraídas de procedimentos públicos (notada-mente das investigações policiais referidas), o que lhes confere absoluta legitimidade.

A par disso, tais elementos foram trazidos aos autos pelo Parquet no intuito de comprovar a tese acusatória, tendo sido oportunizado aos réus que se manifestassem sobre a aludida documentação durante o processo, atendendo portanto ao preceito que garante a observância ao contraditório e ampla defesa.

Ademais, o ilustre julgador singular determinou a tramitação do feito em segredo de justiça, de modo que somente os denunciados e seus patro-nos constituídos tiveram acesso aos autos, motivo pelo qual permaneceu mantida a intangibilidade dos documentos sigilosos.

No contexto descrito, não se pode olvidar o preceito insculpido no artigo 563 do Diploma Processual Penal, dispondo que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (pas de nullité sans grief), sendo pacífica e remanso-sa a jurisprudência dos Tribunais no sentido de não haver nulidade, em processo penal, sem a demonstração do efetivo prejuízo.

Frente a esse quadro, impõe-se a rejeição das questões preliminares suscitadas no apelo de V.W.

No mérito, a peça acusatória narrou, em síntese, que “95% (noventa e cinco por cento) dos recursos aportados na conta ‘CC-5’ da REAL CÂMBIOS S.R.L. foram intermediados por contas de ‘laranjas’, muitos

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deles funcionários da casa de câmbio ELCATUR, consumando a reiterada prática de evasão de divisas, na forma do art. 22 e parágrafo único da Lei 7.492/86”, uma vez que “a empresa REAL CÂMBIOS S.R.L. recebeu centenas de depósitos irregulares, sem a correta identificação dos de-positantes, e depositou 100% (cem por cento) dos recursos que recebeu em conta do BANCO INTEGRACIÓN, o que revela o exaurimento do crime de evasão de divisas, após a liquidação do câmbio e crédito no exterior em moeda estrangeira.”

Consoante bem referido na sentença, existe farta prova da ocorrência do ilícito, bem como da autoria, no que tange ao denunciado V.W.

Com efeito, os autos da ação penal vieram embasados em ampla documentação, comprovando que os acusados que integravam as em-presas envolvidas, na época dos fatos, tinham pleno conhecimento de que os recursos que alimentavam a conta CC-5 da REAL CÂMBIOS (no Banco Araucária, agência Foz do Iguaçu) eram de origem clandestina ou ilegítima, uma vez que realizados sem a correta identificação dos verdadeiros titulares do dinheiro.

Os inúmeros depositantes nacionais buscavam ocultar-se através de “laranjas”, vários deles funcionários da agência de câmbio brasileira ELCATUR, entre eles o próprio V.W., além de sua mãe E., da esposa e do cunhado.

Deste modo, resta configurada a consumação do crime de evasão de divisas, diante das evidências de que mais de oitocentos milhões de dólares americanos saíram ilegalmente do país através do apontado esquema. A conduta de promover as indigitadas transferências bancá-rias das contas dos referidos “laranjas” para as CC-5 das instituições estrangeiras implica sem dúvida prática da infração prevista no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86:

“Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país. Pena: Reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.”

Embora parcela expressiva da doutrina (v.g. O Crime de Evasão de Divisas, Andrei Zenkner Schmidt e Luciano Feldens, ed. Lumen Juris, 2006) venha sustentando a impossibilidade das chamadas “casas de

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câmbio” estrangeiras serem consideradas instituições financeiras para efeito da “disponibilidade de valores” fora do país, é indubitável que na época dos fatos, tal como ocorreu no caso concreto, diversas empresas constituídas no Paraguai com status de instituição financeira, obtiveram abertura de contas CC-5 próprias de residentes no exterior nos bancos brasileiros autorizados, possibilitando, com isso, a realização das trans-ferências internacionais.

As contas de domiciliados no exterior tipo CC-5 (Carta Circular n° 5, editada pelo Banco Central do Brasil em 1969; revogada pela Circular BC nº 2.677, de 10.03.1996) permitiam aos estrangeiros não residentes no Brasil a movimentação de dinheiro dentro e fora do país.

Tal modalidade de conta bancária autorizava “a livre transferência para o exterior do saldo que apresentar o subtítulo 3.01.031.01 - Contas livres (provenientes de vendas de câmbio) nas quais serão contabilizados exclusivamente os recursos resultantes de ordens de pagamento ou créditos em mo-eda estrangeira aqui negociados com bancos autorizados a operar câmbio.” (Rodolfo Tigre Maia, Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, Malheiros Editores, 1999, p. 138)

Por outras palavras, o simples depósito em reais nas contas de ins-tituições estabelecidas no exterior, nos termos da Circular nº 2.677/96, do BACEN, já é considerado saída de recursos do país, uma vez que o seu titular detinha a possibilidade de converter livremente os valores em moeda estrangeira.

A par disso, considerando que os responsáveis pelas transações de-veriam obrigatoriamente ser identificados no SISBACEN, a utilização dos “laranjas” caracteriza a ilicitude do fato (bem como sua tipicidade penal) por burlar a sistemática legal e ocultar os reais proprietários do dinheiro evadido.

In casu, encontra-se demonstrado o objetivo de enviar numerário ao exterior, conforme os registros de operações financeiras contidos nos autos e apensos, bem como os laudos e tabelas demonstrativas constantes da denúncia. Consequentemente, na hipótese sub judice, não há falar em ausência de provas.

Atuando o acusado no mercado financeiro e, por isso, efetivando su-cessivas operações de câmbio, detinha plenas condições de compreender o caráter ilícito de sua conduta e, se assim desejasse, poderia ter realizado

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a movimentação de recursos ao exterior na forma prevista em lei.Assim sendo, inexistem dúvidas a respeito da sua atuação dolosa, pois

o réu contribuiu ativa e conscientemente para movimentar os valores através das contas de “laranjas”, com a deliberada intenção de promover o envio do numerário ao exterior à margem da fiscalização. Logo, ao materializar as transações bancárias, como titular ou intermediário das remessas, além de ter pleno conhecimento das falsidades cometidas, incidiu o Recorrente na prática de evasão de divisas.

Ademais, como é cediço, o ilícito tipificado no aludido parágrafo único (“promover, a qualquer título, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior”) não exige que o dinheiro objeto das irregularidades seja pertencente ao próprio agente. Ainda que fosse outro o entendimento, cumpre recordar o disposto no artigo 29 do Estatuto Repressivo, segundo o qual “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Nesse contexto, impõe-se reconhecer a autoria e culpabilidade do agente pela prática do ilícito insculpido no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, não havendo como deixar de manter, nesse ponto, a sen-tença recorrida.

Da mesma forma, tendo em conta o funcionamento habitual do es-quema delituoso, durante longo período, com a participação de vários agentes associados para o fim de cometer crimes, mostram-se presentes os requisitos legais da formação de quadrilha ou bando, incidindo o acusado, portanto, na conduta prevista no artigo 288 do CP.

Em que pese ser necessário, para a configuração do delito, como circunstância elementar do tipo, o concurso de mais de três pessoas, entendo ser possível a condenação em separado de apenas um dos inte-grantes, desde que comprovada nos autos a existência da organização, com vínculo estável e permanente, como ocorre na espécie.

Vale dizer, a separação facultativa do processo contra os vários mem-bros do bando não impede que um deles seja condenado separadamente, se nos feitos desmembrados há prova da participação de todos. Nesse sentido, veja-se a jurisprudência da Suprema Corte, colacionada por Júlio Fabbrini Mirabete:

“STF: A tese de que é impossível condenar-se uma só pessoa em um processo por delito de quadrilha, por ser crime de concurso necessário, não merece guarida, por-

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quanto o que importa é a existência de elementos nos autos denunciadores da societas delinquentium. É irrelevante não abranger a condenação os demais componentes do bando, pois a doutrina entende que, mesmo não sendo possível a identificação de um ou de alguns dos quatro integrantes, ainda assim o delito não deixa de existir (RTJ 112/1064).” (In CP Interpretado, p. 1548)

No presente caso, encontrando-se bem demonstrada a associação para a prática de ilícitos, bem como perfeitamente identificados os outros agentes responsáveis pela ELCATUR e Casa de Câmbios REAL SRL, nos termos da fundamentação expendida, impõe-se a confirmação do decreto condenatório no que tange ao delito de quadrilha (art. 288 do CP).

Por outro lado, cumpre avaliar a adequação dos fatos narrados na exordial ao tipo de gestão fraudulenta inscrito no art. 4º da Lei 7.492/86 ou no art. 16 da mesma norma, conforme pleiteado nas razões recursais do Parquet.

Consoante se depreende da descrição contida na denúncia, bem como dos documentos acostados, o réu atuava, na condição de funcionário contratado, como responsável pela gerência da empresa ELCATUR Câm-bio e Turismo Ltda., sediada em Foz do Iguaçu, cujo quadro societário era integrado por D.O.M., O.A.P. e V.H.E., estes dois de nacionalidade paraguaia e supostamente integrantes da Real Câmbios.

Todavia, infere-se dos autos que V. não detinha poderes de gestão de instituição financeira. No contexto descrito, o denunciado não pode ser responsabilizado pelo crime do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/86, na medida em que, embora figurasse como gerente de fato da agência, na realidade atuava na condição de subordinado, contribuindo para a exe-cução do esquema previamente arquitetado entre os titulares da firma, a REAL Câmbios e as pessoas físicas e jurídicas proprietárias dos valores, com o intuito de promover o envio de numerário ao exterior através das contas CC-5.

Como visto, a ELCATUR era autorizada somente para a realização de câmbio em pequena escala. Aproveitando-se das condições favoráveis da região de fronteira, o denunciado utilizou a estrutura da empresa para fazer operações à margem da legalidade, em conluio com os demais agen-tes, o que entretanto não se revela suficiente para caracterizar a apontada prática de gestão fraudulenta. Destarte, V.W. não exerceu as atividades na condição de administrador de instituição financeira regular.

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No julgamento de caso análogo (ACR nº 2003.70.00.043123-3/PR, em 16.06.2004) a 8ª Turma decidiu que “os atos de gerência do negócio ilícito se mostram incompatíveis com o crime de gestão fraudulenta pre-visto no art. 4º da mesma norma, pois quem não pode praticar a conduta vedada pelo tipo em questão é o administrador, diretor ou gerente de instituição regular, formalmente constituída.”. O referido crime pres-supõe, a priori, que o agente figure como o gestor de uma instituição formalmente legalizada, assim entendida uma daquelas previstas no artigo 1º da lei de regência, figurando como sujeito ativo desse crime as pessoas que detêm a condição de administradores e, nesta condição, venham a praticar fraudes.

Diferentemente ocorre, contudo, quando se verifica a operação irregu-lar da própria instituição financeira, como no caso em tela, evidenciando tratar-se da conduta típica inscrita no artigo 16 da Lei 7.492/86, verbis: “Fazer operar, sem a devida autorização, instituição financeira, inclusive distribuição de valores mobiliários ou de câmbio. Pena: reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.”

A atuação do réu situava-se no mercado informal, operando a empresa ilegalmente como um verdadeiro banco sem autorização para tanto, ou seja, perpetrando o exercício de serviços próprios das instituições finan-ceiras sem prévia autorização do Banco Central do Brasil. A prática de captar e intermediar recursos de terceiros para a realização de operações clandestinas constitui atividade privativa efetuada irregularmente pelo apelante, em conjunto com os demais denunciados, com o que incidi-ram, em verdade, na infração de “fazer operar instituição financeira sem autorização”, não sendo correto aplicar as sanções de tal dispositivo cumulativamente com as do crime de gestão.

Nessa linha de raciocínio, versando sobre o artigo 4º da norma legal em comento, peço vênia para transcrever trecho de voto proferido pelo eminente Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, em hipótese similar:

“Observo que o dispositivo em exame tem como objetivo a higidez do Sistema Financeiro Nacional, assegurando, em princípio, a confiança dos usuários/investidores (...). O bem jurídico protegido na norma em estudo, o valor elementar da vida comu-nitária que visa preservar, assim, é supraindividual, vinculado ao funcionamento do sistema (...). Aliás, ‘o bem jurídico principal dos crimes contra o sistema financeiro é a ordem pública econômica; secundariamente, podemos considerar o patrimônio do

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consumidor (usuários, aplicadores, poupadores, segurados, etc.) também protegidos pela Lei 7.492/86. (...) Tenho que não se pode conceber a conduta do réu noticiada nos autos como crime, no contexto relatado, uma vez que a prova dos autos é de uma empresa – instituição financeira apenas por ficção e para o fim do artigo 16 da Lei 7.492/86 – não autorizada a operar no sistema financeiro, atuando com a conivência de expressiva parcela de uma determinada comunidade, no mercado marginal, insuflada tanto pela ganância e desapego do seu gestor às normas reguladoras do mercado for-mal, quanto também impulsionada pelos interesses obviamente especulativos dos seus ditos investidores. Não há de ser admitido, permissa maxima venia, que a norma em causa proteja um desvalor jurídico. Ela objetiva preservar o sistema financeiro oficial, não o patrimônio ou a credibilidade de quem opera ou aplica no mercado marginal, desautorizado. Quem não pode praticar a conduta vedada pelo tipo em questão é o ad-ministrador de instituição financeira regular, que opera devidamente autorizada. Aliás, pertinente se apontar que, em alguns casos da Lei 7.492/86, ‘o tipo requer a existência de instituição financeira formalmente constituída (arts. 4º, 7º, 10, 11, 12 e 17)’ (in José Carlos Tortima, Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, Lumen Juris, 2002, pág. 13) ...” (8ª Turma, ACR nº 2002.04.01.025946-3/SC, julg. em 27.08.2003 – na mesma direção, v. ACR nº 2004.04.01.044184-5, 8ª Turma, Relator Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no D.E. de 30.05.2007)

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da“inexistência de concurso aparente de normas ou mesmo de concurso formal entre

os delitos tipificados nos arts. 4º e 16 da lei que protege o sistema financeiro nacional, uma vez que não ficou caracterizada a prática da conduta descrita no art. 4º da Lei nº 7.492/86. Se a empresa em questão não é considerada instituição financeira de fato e de direito, mas um empreendimento ilícito, não há falar em ‘atos de gerência do negócio ilícito’, sendo esses incompatíveis com o crime de gestão fraudulenta. Este é crime próprio do gestor formal, sendo inadmissível norma penal que regule atividade ilícita.” (Apelação Criminal nº 2004.70.00.021788-4, 8ª Turma, Relator Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no DJU em 07.06.2006)

Corroborando esse entendimento, cumpre referir que, recentemen-te (Apelação Criminal nº 2001.72.05.007122-0, public. no DE em 09.10.2008), o Colegiado também decidiu aplicar condenação por in-fração ao artigo 16 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Na-cional, no tocante a empresários que possuíam autorização do BACEN para operar com câmbio em pequena escala e extrapolavam essa função, efetuando negócios financeiros irregulares, notadamente a captação de recursos de terceiros para remessa ao exterior.

Do voto proferido naquela oportunidade, cabível transcrever os se-

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guintes trechos:“Na espécie, a referida empresa possuía autorização do BACEN somente para operar

como agência de câmbio e turismo. Nada obstante, ao captar e administrar recursos investidos por terceiros, os réus exerceram atividades típicas de instituição financeira para as quais não se encontravam legalmente autorizados, incidindo portanto no guer-reado ilícito penal. A propósito, confira-se trecho do parecer ministerial, verbis:

‘Os acusados agiam como se operassem uma instituição financeira, porquanto faziam ordens de pagamento para o exterior, recebiam ordens de pagamento do ex-terior, descontavam cheques de bancos estrangeiros e ofereciam contas correntes a esquemas de poupança. Tinham o cuidado de ocultar as atividades, pois os valores que recebiam do exterior eram recebidos nas contas de seus ‘laranjas’, bem como os valores que remetiam ao exterior eram debitados em contas de ‘laranjas’ de seus clientes. As remessas e recebimentos do exterior tinham por finalidade alimentar con-tas que a clientela mantinha ilegalmente fora do país, bem como para sacar dinheiro dessas contas. A denúncia consigna infração ao artigo 16 da Lei 7.492/86, porquanto os acusados captavam e/ou intermediavam recursos de terceiros para a realização de operações de câmbio não autorizadas, gerenciando contas de brasileiros no exterior, agendando e realizando pagamentos de débitos de brasileiros fora do país, mediante a circulação de valores em conta bancária no exterior, agindo como instituição financeira à revelia do Banco Central, pois a autorização que possuíam era para atuar tão somente no câmbio (...) Assiste razão ao Recorrente, pois as provas dos autos indicam inúmeras operações financeiras, envolvendo cifras altíssimas, por atuar a empresa dos réus como instituição financeira. (...) Esse o modus operandi da empresa, que tinha autorização do BACEN para exercer atividade apenas no câmbio turismo, porém atuava como se fosse autêntica instituição financeira, operando o câmbio no mercado paralelo e promovendo movimentações financeiras sem autorização para tanto...’ Assim, considerando que as operações noticiadas eram feitas no mercado paralelo, utilizando-se da agência de turismo somente como ‘fachada’ para as atividades clandestinas, cumpre reconhecer como adequada a condenação dos denunciados pelo crime de ‘fazer operar instituição financeira sem a devida autorização’...”

Frente a esse quadro, na linha dos referidos precedentes, tenho que deve ser mantida a sentença em relação à quadrilha (art. 288 do CP) e a evasão de divisas continuada (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 c/c o art. 71 do Estatuto Repressivo), bem como alterado o decreto abso-lutório para condenar o denunciado V.W. pelo delito tipificado no artigo 16 da lei especial, em concurso material (art. 69 do CP).

Passando ao exame da dosimetria, observo que o ilustre julgador a quo fixou a pena-base para a evasão de divisas em 5 (cinco) anos, con-siderando desfavoráveis, no exame do artigo 59 do CP, a culpabilidade,

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os antecedentes e as consequências do delito (fls. 756/7).No que pertine aos ‘antecedentes’, consoante recente orientação dos

Tribunais Superiores, não podem ser consideradas em desfavor do réu ações penais ou inquéritos em andamento, sem que exista sentença con-denatória transitada em julgado, mormente quando, como no caso em tela, trata-se de fatos correlacionados, referentes à imputação de crimes contra o sistema financeiro em decorrência da atuação do agente no “esquema CC-5”.

No tocante a culpabilidade e consequências, cumpre ser mantida a valoração especialmente negativa das referidas circunstâncias judiciais, nos expressos termos da sentença recorrida, verbis:

“Culpabilidade. A reprovabilidade da conduta do réu V.W. é intensa, pois como ali-ciador de ‘laranjas’ para o esquema criminoso teve participação decisiva na montagem e execução do megaesquema de evasão de divisas via conta CC-5 da Real Câmbios. Agindo como um dos articuladores do esquema, sua atuação é nitidamente diferenciada dos demais agentes, razão pela qual é necessária maior severidade na reprimenda estatal, em face da importância de sua participação na consumação do crime. (...) Consequên-cias: extremamente graves. O réu participou de forma decisiva (conforme visto no item atinente à culpabilidade) de uma evasão de divisas sem precedentes, através da qual foram depositados na conta CC-5 da REAL US$ 879.330.982,20 (oitocentos e setenta e nove milhões, trezentos e trinta mil, novecentos e oitenta e dois dólares e vinte centa-vos). (...) As casas de câmbio paraguaias e correspondentes nacionais, aproveitando-se das facilidades para a remessa de dinheiro, enviaram bilhões de dólares ao exterior, utilizando ‘laranjas’ para ocultar a identidade dos depositantes. Nesse cenário, o es-quema montado em torno da Real Câmbios SRL foi um dos mais destacados, tendo movimentado a estratosférica quantia acima indicada. Além das graves consequências ao sistema financeiro, ocorreu grave prejuízo à fiscalização tributária, decorrente da não declaração desses montantes ao Fisco, pois a atividade ilícita proporcionou que todo esse volume de recursos permanecesse à margem de qualquer tributação no país, garantindo ainda aos titulares do dinheiro movimentado a disponibilidade dos valores sonegados, no exterior...”

Algumas das condições descritas pelo julgador singular melhor se amoldam às circunstâncias específicas do delito, tendo em vista, ademais, os ilícitos de falsidade ideológica perpetrados pelos codenunciados, em adesão à conduta do Apelante. Desse modo, impende ser considerada a presença de três vetoriais negativas. Realmente, a culpabilidade do denun-ciado é acentuada, merecendo reprovação acima do normal, haja vista sua atuação no gerenciamento das atividades ilegais da casa de câmbio. Da

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mesma forma, na análise das circunstâncias e/ou consequências do delito, mister considerar a extensão das ilicitudes perpetradas, com a realização de inúmeros atos prepatórios, envolvendo diversas fraudes e falsidades, além do concurso de criminosos estrangeiros, funcionários e familiares atuando como intermediários ou laranjas, bem como, principalmente, as vultosas quantias evadidas através das citadas contas, prejudicando as reservas monetárias do país em centenas de milhões de dólares.

Entretanto, mesmo considerando o alto grau de censurabilidade da conduta, mostra-se exacerbado o aumento de 1 (um) ano por conta de cada vetorial, motivo pelo qual deve ser estabelecido em 4 (quatro) meses o patamar de acréscimo, na linha dos precedentes desta Corte. Assim, na primeira fase da dosimetria, reduzo a pena-base para 3 (três) anos de reclusão.

Inafastável a incidência da agravante prevista no art. 62, I, do CP, haja vista que, “conforme salientado no item relativo à autoria, V.W. foi o responsável pelo aliciamento dos ‘laranjas’, organizando a cooperação no crime dos demais agentes” (sentença, fl. 758). Portanto, majora-se a reprimenda em 6 (seis) meses. Tendo em conta os termos do segundo interrogatório do acusado, é de rigor aplicar-se a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP) reduzindo-se a respectiva sanção em idênticos 6 (seis) meses.

Sobre esse quantum, cumpre ser mantido o acréscimo de 2/3 (dois terços) da continuidade delitiva, nos termos do decisum monocrático, em face do elevado número de ilícitos cometidos (mais de 3.500 remessas), perfazendo a sanção final de 5 (cinco) anos de reclusão.

Proporcionalmente, a multa deve ser fixada para 272 (duzentos e se-tenta e dois) dias-multa, cujo valor unitário fica reduzido para 1/3 (um) terço do salário mínimo, melhor se adequando às condições econômicas do réu.

No que tange à diminuição da pena com apoio na delação premiada (Lei 9.807/99), a irresignação ministerial merece acolhida. A respeito da quaestio, veja-se trecho dos fundamentos constantes do parecer da douta Procuradoria Regional da República (fls. 1009-14):

“No que diz respeito aos crimes contra o sistema financeiro nacional, cometidos em quadrilha ou co-autoria, a aplicação da delação premiada tem como contrapartida para o delator a diminuição da pena entre um e dois terços, caso seja revelada à autoridade

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policial ou judicial toda a trama delituosa, na esteira da previsão contida no art. 25, § 2º, da Lei 7.492/86. (...)

Com o objetivo de esclarecer o conteúdo da expressão ‘toda a trama delituosa’, o magistério de Rodolfo Tigre Maia, ao comentar o dispositivo legal, é de que ‘... a con-fissão deverá desnudar todo o iter criminis e apontar os que dele participaram, sendo certo que tais elementos deverão ser objeto de demonstração probatória, para ensejar a aplicação do benefício.’ (...)

Outrossim, não basta a mera delação para que o réu se beneficie, mas dela devem resultar efeitos práticos como, por exemplo, a efetiva prisão, o desmantelamento do grupo ou ainda a produção de provas contra os coautores e partícipes antes ocultos, ou contra os quais não havia prova robusta.

Por ocasião da fixação da pena a V.W., o ínclito julgador singular aplicou o art. 13 da Lei 9.807/99, no que não lhe assiste razão (...) por 1) não terem sido preenchidos os requisitos estabelecidos pela norma legal e 2) ausência de acordo prévio entre o Ministério Público e o apontado colaborador, versando sobre as condições de aplicação do referido benefício.

Sob o primeiro aspecto, a Lei 9.807/99 estabeleceu os requisitos para a concessão do benefício, destacando-se a exigência de colaboração efetiva para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e ainda para a recuperação parcial ou total do produto do crime (arts. 13 e 14).

(...) Enquanto o Código Penal prevê como condição para que seja aplicada a cir-cunstância atenuante, que o réu deverá confessar espontaneamente a autoria do crime, as leis que estabelecem a delação premiada exigem – para a aplicação do benefício correlato – que o nível de revelação ultrapasse o âmbito do envolvimento atribuído somente ao colaborador no esquema criminoso.

Não basta, portanto, que o réu deponha espontaneamente esclarecendo somente os fatos atinentes à sua participação na organização criminosa, para que tenha direito à aplicação da delação premiada, o que basta, contudo, para receber o benefício decor-rente da confissão espontânea.

No presente caso, verifica-se que não se encontram preenchidos tais requisitos, considerando que o acusado, por ocasião de seu novo interrogatório (fls. 381-402), longe esteve de revelar toda a trama delituosa, não tendo, pelo contrário, acrescentado nenhum elemento novo aos já colhidos nos autos, além de ter procurado minimizar a parte relativa à sua colaboração no esquema criminoso (...).

Em sua reinquirição, V.W. pouco acrescentou sobre os fatos. Afirmou que a res-ponsabilidade pela abertura das contas correntes recai sobre os gerentes do Banestado, explicando mais adiante que as contas eram abertas para receber dinheiro de terceiros, os quais eram repassados para a conta CC-5. Na oportunidade, confessou ainda ser o responsável pelo aliciamento dos laranjas (...).

Some-se a isso o fato de que o próprio magistrado – em evidente contradição –, ao aplicar a delação premiada para efeito da diminuição da pena, admitiu não ter o réu

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sido convincente e esclarecedor em seus depoimentos, conforme se denota da leitura da sentença (fls. 759/60).

É evidente que o ora apelado trouxe esclarecimentos relativos apenas ao seu en-volvimento no esquema delituoso, fazendo a identificação de coautores cujas práticas criminosas já tinham se tornado conhecidas, tentando, por fim, ‘minimizar sua parti-cipação’, de modo que não faz jus ao benefício legal (...).

Sob o segundo aspecto anteriormente mencionado, é notória a inaplicabilidade da delação premiada, em face do desrespeito à sua natureza jurídica bilateral, uma vez que não houve concordância do Ministério Público na implementação de tal benesse. (...) Não existiu controle da efetividade da colaboração e não foi dada possibilidade de pronunciamento prévio por parte do MPF quanto à abrangência do depoimento, que nada de novo acrescentou ao conjunto probatório (...) Resta evidente, portanto, que a aplicação do benefício da delação premiada foi feita à revelia do Parquet, não abrindo oportunidade para que se manifestasse sobre sua conveniência.

Tendo em vista que o apelante não trouxe elementos novos em sua reinquirição (...), verifica-se mais apropriado aplicar ao caso em tela a atenuante da confissão espontânea prevista no Código Penal...”

Com efeito, além de haver previsão específica de idêntica circuns-tância minorante estabelecida na legislação especial (art. 25, § 2º) elimi-nando a hipótese de aplicação da lei genérica, no caso sub judice não se encontram presentes os requisitos para o reconhecimento do benefício.

In casu, no reinterrogatório (fls. 381/402), o acusado limitou-se a afirmar fatos conhecidos e indicar nomes de pessoas já investigadas e/ou denunciadas, em nada contribuindo para desvelar ou elucidar as-pectos relevantes da trama criminosa. Logo, afasta-se a guerreada causa de diminuição, admitindo as declarações do réu tão só como confissão espontânea, nos termos explicitados.

Ainda que assim não fosse, quanto à tese da defesa, embora preju-dicada, cumpre referir que o entendimento desta Corte é no sentido da inaplicabilidade cumulativa da referida atenuante, quando beneficiado o agente com a redução penal do art. 14 da Lei 9.807/99, conforme o seguinte Acórdão:

“PENAL E PROCESSUAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, PA-RÁGRAFO 3º, DO CP. APOSENTADORIAS IRREGULARES. MATERIALIDADE E AUTORIA PRESENTES. CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317 DO ESTATUTO REPRESSIVO. CONDENAÇÃO DO PARTICULAR. VIABILIDADE. RÉU COLA-BORADOR. LEI Nº 9.807/99, ART. 14. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CUMULAÇÃO. DESCABIMENTO. (...). 3. Incabível o perdão judicial previsto no art. 13 da Lei de

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Proteção às Testemunhas, porquanto o agente não preencheu nenhum dos requisitos lá elencados, sendo igualmente desfavoráveis as circunstâncias do delito. Não obstante, viável, no caso, a concessão do benefício contido no art. 14 do apontado diploma. 4. Não se cumulam a atenuante da confissão espontânea e a redução em face da delação premiada, pois a última, além de mais benéfica, melhor atende ao preceito da especia-lidade da norma penal.” (8ª Turma, ACR 2000.70.00.004794-8, julg. em 30.05.2007)

No mesmo sentido, já decidiu o Tribunal Federal da 3ª Região que “não há como reconhecer a aplicação conjunta da atenuante da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena consistente na delação premiada, uma vez que esta, por possuir requisitos mais rígidos, absorve aquela”. (ACR nº 2003.61.19.001415-7, Relator Juiz Cotrim Guimarães, public. no DJU de 15.12.2006, p. 281).

Em relação ao crime de quadrilha (art. 288 do CP), cujas penas variam entre um e três anos de reclusão, em face da presença de três circuns-tâncias negativas, ainda que afastada a redução pela delação premiada, entendo adequada a reprimenda de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão estabelecida na sentença.

Para o crime do artigo 16 da Lei 7.492/86 (1 a 4 anos), prevalece a avaliação negativa concernente à culpabilidade, circunstâncias e con-sequências da infração penal, nos termos do anteriormente explicitado, computando-se como neutras ou favoráveis as vetoriais relativas aos motivos, antecedentes, conduta social, personalidade e comportamento da vítima. Assim, analisando globalmente o disposto no artigo 59 do CP, fixo a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão. Sobre esse quantum, incide a agravante prevista no art. 62, I, do CP, bem como a atenuante da confissão espontânea, ambas no patamar de 6 (seis) meses, ficando reciprocamente compensadas. Considerando a inexistência de causas de aumento ou diminuição, torna-se definitiva a pena de 2 (dois) anos de reclusão, pela prática do crime de fazer operar instituição financeira sem autorização.

Contudo, tendo em conta o transcurso de mais de 4 (quatro) anos entre a data dos fatos (1996/97) e o recebimento da denúncia (2003), observa-se o transcurso do prazo prescricional quanto aos apontados delitos, permanecendo hígida a pretensão punitiva unicamente quanto à evasão de divisas. Diante disso, declaro extinta a punibilidade de V.W. no tocante aos fatos tipificados nos arts. 16 da Lei 7.492/86 e 288 do

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CP, em face da prescrição retroativa.Em suma, a reprimenda definitiva aplicada ao acusado, em nosso

entendimento, resta fixada em 5 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, além de 272 (duzentos e setenta e dois) dias-multa, no valor unitário de 1/3 (um) terço do salário mínimo, como incurso no art. 22, parágrafo único, da Lei dos Crimes contra o SFN c/c o artigo 71 do Código Penal.

Ante o exposto, dou parcial provimento aos apelos.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.71.15.003222-3/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Apelantes: V.M.P., J.A.C., N.L.N., F.K. e L.K.Advogado: Defensoria Pública da União

Apelantes: J.J.D. e N.R.B.Advogado: Dr. Sergio Luis Rigo

Apelado: Ministério Público FederalInteressado: C.O.

Advogado: Dr. Erno Sander

EMENTA

Penal. Agrotóxicos. Importação e transporte irregulares. Lei nº 9.605/98, ART. 56. LEI Nº 7.802/89, Art. 15. Princípio da especialidade. Documento falso. Cópia reprográfica autenticada. Conduta típica.

1. O art. 15 da Lei nº 7.802/89 é especial em relação ao art. 56 da Lei nº 9.605/89 no que coincidem as respectivas ações nucleares, devendo preponderar em relação a esta. Deixa, no entanto, de sê-lo no que dife-rem. Importar, por exemplo, não é conduta tipificada no art. 15 da Lei nº 7.802/89, mas está, quanto a substâncias tóxicas proibidas ou ilegais,

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elencada na regra proibitiva do art. 56 da Lei nº 9.605/98.2. O agente que, após pessoalmente importar agrotóxico em deso-

bediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, sujeita-se às penas somente do delito previsto no art. 56 da Lei nº 9.605/98. O transporte de substância tóxica por aquele que a impor-tou consiste em pós-fato impunível, pois quem, por si mesmo, importa, para tanto, necessariamente, transporta. Diversa é a situação em que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo pátrio, encontra-se o agente a transportá-lo (internamente), hipótese em que estará descumprindo a regra do art. 15 da Lei nº 7.802/89.

3. A fotocópia, desde que devidamente autenticada, inclui-se no con-ceito de documento para fins de responsabilização penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos apelos dos réus J.A.C., L.K. e V.M.P.; desclassificar, de ofício, a conduta delituosa descrita no fato 2 para o crime definido no art. 56 da Lei nº 9.605/98; dar parcial provi-mento aos apelos de F.K. e N.L.N., estendendo os efeitos desta decisão ao corréu não apelante C.O., conforme o permissivo do art. 580 do CPP, e dar parcial provimento às apelações de J.J.D. e N.R.B., nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de fevereiro de 2009.O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Cuida-se de de-núncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra C.O., V.M.P., J.A.C., N.L.N., F.K. e L.K., pela prática, em tese, do delito capitulado no art. 334, caput, do CP; C.O., M.P., E.F., N.L.N. e F.K., pela prática, em tese, do delito descrito no art. 56 da Lei nº 9.605/98 c/c Lei nº 7.802/89 e Decreto nº 4.074/2002; e J.J.D., N.M. e N.R.B., pela prática, em tese, do delito descrito no art. 299 do CP. A peça incoativa, recebida em 01.12.2004 (fl. 248), assim narrou os fatos ilícitos:

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“(...) Fato 1:No dia 23 de junho de 2004, por volta das 5h30min, em local próximo ao trevo

de acesso ao Município de Tenente Portela/RS, os denunciados C.O., V.M.P., J.A.C., N.L.N., F.K. e L.K. transportavam, no interior do ônibus de turismo da empresa Bor-dim Turismo Ltda., placas JTJ 2294, que retornava do exterior, cigarros estrangeiros diversos, todos desacompanhados da respectiva documentação de ingresso regular no território nacional, de importação permitida mediante o recolhimento de tributos, que adquiriram no exterior e sabiam ser produto de internação clandestina no território nacional, tendo iludido o pagamento dos impostos devidos (II e IPI), ocasião em que foram flagrados por Agente da Polícia Federal e por Auditor-Fiscal da Receita Federal, os quais atuavam em operação de fiscalização.

A autoria delitiva é inconteste, tendo sido admitida pelos denunciados em seus interrogatórios (respectivamente: fls. 25, 29, 33, 45, 13, 17 e 37), bem como apontada pelo Agente de Polícia Federal que participou das apreensões, o qual relatou que toda a bagagem fiscalizada e apreendida estava devidamente identificada e que os denun-ciados assumiram a responsabilidade pelas mesmas (fl. 12).

A materialidade é firme, consubstanciada especialmente nos Autos de Apresentação e Apreensão (respectivamente: fls. 04, 07, 08, 11, 03, 05 e 09) e nos Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal (respectivamente: fls. 130, 146, 149, 158, 134, 138 e 152), bem como no restante probatório.

As mercadorias encontram-se descritas, individualizadas e avaliadas nos Termos de Apreensão e Guarda Fiscal a seguir relacionados, na sua totalidade constituída de cigarros estrangeiros, cuja natureza e quantidade não deixam dúvidas acerca de sua destinação comercial. A ilusão tributária decorrente da internação irregular das mercadorias (II e IPI), calculada através das respectivas ‘Planilhas de Demonstração dos Tributos’ elaboradas pela Seção de Controle Aduaneiro da Delegacia da Receita Federal, segue igualmente relacionada, a saber:

Denunciado Valor das mercadorias Ilusão tributáriaC.O. R$ 17.330,00 (fl. 130 parcial) R$ 6.661,55 (fl. 132)

V.M.P. R$ 8.800,00 (fl. 146) R$ 4.632,00 (fl. 147)

J.A.C. R$ 5.830,00 (fl. 149) R$ 3.068,70 (fl. 150)

E.F. R$ 5.080,00 (fl. 158) R$ 2.682,55 (fl. 159)

N.L.N. R$ 2.200,00 (fl. 134 parcial) R$ 1.158,00 (fl. 135)

F.K. R$ 6.000,00 (fl. 138 parcial) R$ 3.188,20 (fl. 140)

L.K R$ 5.610,00 (fl. 152) R$ 2.952,90 (fl. 153)

Em relação ao denunciado N.L.N., embora a ilusão tributária tenha sido inferior ao valor de R$ 2.500,00 de que trata o artigo 20 da Lei nº 10.522/2002, a ação penal deve ser instaurada para a apuração dos fatos, tendo em vista não se tratar de episódio isolado, pois, em consulta ao site da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, verifica-se que o acusado responde a inúmeros outros processos similares, situação incompatível

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com a aplicação do princípio da insignificância (consultas anexas).Fato 2:No dia 23 de junho de 2004, no Município de Tenente Portela/RS, os denunciados

C.O., M.P., N.L.N. e F.K. transportavam, no interior do ônibus de turismo da empresa Bordim Turismo Ltda., placas JTJ 2294, que retornava do exterior, diversos pacotes de produtos tóxicos, perigosos e nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, a seguir descritos, que importaram em desacordo com as exigências estabelecidas na Lei nº 7.802/89 e no Decreto nº 4.074/2002, ocasião em que foram flagrados por Agente da Polícia Federal e por Auditor-Fiscal da Receita Federal, os quais atuavam em operação de fiscalização.

O denunciado C.O. importou e transportava 14 pacotes, de 900g cada, do fungicida marca BARON e 20 pacotes, de 500g cada, do inseticida marca AGROSOL, com a intenção de utilizá-los.

O denunciado M.P. importou e transportava 15 pacotes, de 900g cada, do fungicida marca BARON, com a intenção de comercializá-los.

O denunciado N.L.N. importou e transportava 50 pacotes, de 20g cada, do herbicida sistêmico marca KOMBAT, com a intenção de utilizá-los.

O denunciado F..K. importou e transportava 50 pacotes, de 20g cada, do herbicida marca AGRURON, com a intenção de comercializá-los.

A autoria delitiva é inconteste, tendo sido admitida pelos denunciados em seus interrogatórios (respectivamente: fls. 25, 21, 13 e 17), bem como apontada pelo Agente de Polícia Federal que participou das apreensões, o qual relatou que toda a bagagem fiscalizada e apreendida estava devidamente identificada e que os denunciados assu-miram a responsabilidade pelas mesmas (fl. 12).

A materialidade é firme, consubstanciada especialmente nos Autos de Apresen-tação e Apreensão (respectivamente: fls. 04, 06, 03 e 05), nos Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 130, 142, 134 e 138), nos Autos de Infração lavrados pelo IBAMA (respectivamente: fls. 92, 94, 91 e 93), bem como no restante probatório.

Tendo em vista que o tipo penal infringido pelos denunciados tutela o meio am-biente e a saúde humana, não há que se cogitar em eventual aplicação do princípio da insignificância.

Fato 3:No dia 21 de junho de 2004, em local e horário não esclarecidos, os denuncia-

dos J.J.D. e N.M., em conjugação de esforços e unidade de desígnios, inseriram ou fizeram inserir, na Nota Fiscal de Serviços de Transporte nº 214 (fl. 52), informação diversa da que devia ser escrita nos campos de preenchimento do nome e endereço do usuário, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, a identificação do responsável para obtenção da autorização da Agência Nacional de Transporte Terrestre - ANTT (fl. 57) para viagem a Ciudad del Este/PY do ônibus de turismo placas JTJ-2294.

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Com efeito, o denunciado J.J.D. era o responsável pela referida viagem, mas, por possuir o CPF bloqueado, solicitou a utilização do nome do denunciado N.M. na referida Nota Fiscal de Serviços de Transporte, o qual consentiu e também assumiu, em seu interrogatório, já ter consentido outras vezes com o mesmo expediente.

O denunciado N.R.B., por sua vez, concorreu para a prática ilícita, na medida em que, embora tenha vendido ao denunciado J.J.D. o ônibus placas JTJ-2294, permitiu que o mesmo continuasse utilizando o nome e documentos da empresa Bordim Turismo Ltda., que possuía Certificado de Registro para Fretamento - CRF perante a ANTT (fl. 56), isso porque o denunciado J.J.D. não poderia obter a autorização da ANTT em nome próprio.

A autoria é inconteste, tendo sido admitida pelos denunciados em seus interroga-tórios (fls. 97-98, 123-124 e 172-173).

A materialidade é firme, consubstanciada especialmente na Nota Fiscal de Serviços de Transporte da fl. 52 e na Autorização de Viagem das fls. 57/59, bem como no restante probatório. (...)” Grifos no original (fls. 03-09)

O denunciado N.M. aceitou o benefício da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95 (fls. 345-346).

Regularmente instruída a ação penal, sobreveio sentença (fls. 804-821) que julgou parcialmente procedente a exordial para:

a) absolver os réus O.B.L. e J.J.D. da acusação de prática do delito ti-pificado no art. 334 do CP, forte no que dispõe o art. 386, IV, do CPP;

b) rejeitar a denúncia com relação à ré E.F., nos termos do art. 43, III, segunda parte, do CPP;

c) condenar os réus:c.1) V.M.P., como incurso na sanção do art. 334 do CP, à pena de 01

(um) ano de reclusão;c.2) C.O., como incurso nas sanções do art. 334 do CP e art. 15 da Lei

nº 7.802/89 c/c art. 70 do CP, às penas de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, à razão unitária de 1/5 (um quinto) do salário mínimo;

c.3) N.L.N., como incurso nas sanções do art. 334 do CP e art. 15 da Lei nº 7.802/89 c/c art. 70 do CP, às penas de 02 (dois) anos e 04 (qua-tro) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, à razão unitária de 1/5 (um quinto) do salário mínimo;

c.4) F.K., como incurso nas sanções do art. 334 do CP e art. 15 da Lei nº 7.802/89 c/c art. 70 do CP, às penas de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, à razão unitária de 1/5 (um

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quinto) do salário mínimo;c.5) L.K., como incurso na sanção do art. 334 do CP, à pena de 01

(um) ano e 03 (três) meses de reclusão;c.6) J.A.C., como incurso na sanção do art. 334 do CP, à pena de 01

(um) ano de reclusão;c.7) J.J.D., como incurso nas sanções do art. 299 do CP, às penas de

01 (um) ano de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária de 1/5 (um quinto) do salário mínimo; e

c.8) N.R.B., como incurso nas sanções do art. 299 do CP, às penas de 01 (um) ano de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária de 1/5 (um quinto) do salário mínimo.

Irresignados, apelaram os réus.J.J.D. e N.R.B. (fls. 858-868) referem a ausência de provas da ma-

terialidade delitiva, uma vez que foi juntada aos autos apenas cópia da nota supostamente por eles falsificada e que a condenação está embasada unicamente em provas não submetidas ao contraditório.

J.A.C. (fls. 870-873) nega ter agido com dolo e alega ter cometido o delito em estado de necessidade.

V.M.P. (fls. 875-878), em suma, alega ausência de dolo em sua conduta.L.K. (fls. 880-882), em síntese, aduz ter agido sob o amparo da ex-

cludente de ilicitude do estado de necessidade.F.K. e N.L.N. (fls. 884-889 e 900-908) questionam a classificação jurí-

dica dada ao fato de trazer do exterior produtos agrotóxicos e alegam ter agido em estado de necessidade em relação à prática de descaminho.

O acusado C.O. não recorreu da sentença a quo.Com contrarrazões (fls. 910-920), subiram os autos a esta Corte.Nesta instância, a Procuradoria Regional da República exarou parecer

pelo provimento parcial da apelação de N.L.M. e pelo desprovimento dos demais recursos (fls. 933-957).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

1 - Descaminho (Fato 1)

A tendência generalizada na doutrina e na jurisprudência é a de limitar

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ao máximo o âmbito de atuação do Direito Penal, por seu caráter frag-mentário, reservando-o apenas para a proteção dos bens jurídicos mais importantes. Consequência prática dessa nova política criminal é a adoção do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade. Conforme a tese despenalizante, ligada aos chamados crimes de bagatela, o Direito Penal, pela adequação típica, só deve intervir nos casos de lesão jurídica de gravidade relevante. Se a perturbação social decorrente da conduta praticada for mínima, não há óbice para que se possa reconhecer a sua atipicidade. Certas ações, em que pese sua tipifi-cação pelo legislador, não apresentam caráter penal relevante e deveriam estar excluídas da área de proibição estatuída pela lei penal.

Pois bem. Nos crimes de contrabando e descaminho, vinha manifestan-do-me no sentido de que o reconhecimento do princípio da insignificância encontrava-se limitado ao patamar de R$ 2.500,00 de tributos iludidos. Contudo, recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 92.438/PR, firmou orientação de que a tese despenalizante, na modalidade infracional em comento, deve incidir até o parâmetro de R$ 10.000,00 (dez mil reais) instituído pela Lei nº 11.033/2004.

“Entendeu-se, na ocasião, não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no âmbito administrativo e não o fosse para o Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito.” (Informativo nº 516)

Tal decisão prolatada pelo Pretório Excelso, inclusive, representando uma nova diretriz acerca da matéria, levou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça a reconsiderar o posicionamento sedimentado em seu âmbito. Efetivamente, com base no apontado precedente exarado pela Corte Cons-titucional, o STJ vem decidindo, agora, monocraticamente, na mesma linha do propugnado pelo STF, conforme se observa do decisum proferido no HC nº 109.494/PR (Rel. Ministra Jane Silva, e-DJ 05.09.2008).

Quanto às condições pessoais do agente, especialmente a sua incli-nação de reiteração na conduta delitiva específica, este Regional vem seguindo a orientação que está se formando tanto no Superior Tribunal de Justiça (HC nº 34.641/RS, julg. 15.06.2004, Rel. Ministro Felix Fischer) como no Supremo Tribunal Federal (QORExt nº 514530 e QORExt nº

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512183, julg. 06.02.2007, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence) acerca da matéria, segundo a qual circunstâncias de caráter eminentemente subje-tivo não interferem na aplicação do princípio. Este, inclusive, foi o posi-cionamento adotado pela 4ª Seção quando do julgamento dos EINACR nº 2002.70.04.003330-1, desta Relatoria, e-DJ 28.03.2007.

Sendo assim, diante do valor dos tributos iludidos na espécie (respec-tivamente, R$ 3.068,70, R$ 2.952,90, R$ 1.158,00 e R$ 4.632,00 – fls. 135-152), com fundamento na nova corrente jurisprudencial, considero como de bagatela o crime imputado aos denunciados, razão pela qual voto por dar provimento às apelações dos réus J.A.C, L.K., N.L.N. e V.M.P., para absolvê-los da prática do delito tipificado no art. 334 do CP, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal, estendendo os efeitos desta decisão ao corréu não apelante C.O., conforme o permissivo do art. 580 do CPP.

2 - Importação de agrotóxicos (Fato 2)

É entendimento assente, inclusive desta colenda Turma, no sentido de que “responde pela prática do delito insculpido no art. 15 da Lei 7.802/89 quem transporta agrotóxicos, em desobediência à legislação pertinente, e não pelo crime do art. 56 da Lei nº 9.605/98, em razão do princípio da especialidade” (ACR Nº 2006.71.04.006545-0/RS, Relator: Juiz Federal Artur César de Souza, Publicado em 24.07.2008). Nesta senda, inclusive, já me manifestei em obra doutrinária (Direito Ambiental e os Agrotóxicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 157-8).

Se o art. 15 da Lei nº 7.802/89 é especial em relação ao art. 56 da Lei nº 9.605/89, no que coincidem as respectivas ações nucleares, devendo preponderar em relação a esta, deixa, no entanto, de sê-lo no que dife-rem. Importar, por exemplo, não é conduta tipificada no art. 15 da Lei nº 7.802/89, mas está, no que se refere a substâncias tóxicas proibidas ou ilegais, elencada na regra proibitiva do art. 56 da Lei nº 9.605/89, sendo esta a norma penal aplicável.

Conforme o vaticínio de Lorenzo Morillas Cueva, “el principio de especialidad se concreta en el aforismo lex especialis derogat

lex generali o lo que es lo mismo la ley especial contiene las caracteristicas de la ley general a las que añade otras que las especifican todavia más, por lo que es de aplicación preferencial.” (Curso de Derecho Penal Español - Parte General. 1. ed.

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Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 99)

Ocorre que, no caso em voga, os agentes foram flagrados quando, já em território nacional, depois de nele terem introduzido clandestinamente as mercadorias forâneas, vale dizer, cigarros e agrotóxicos, as transpor-tavam no interior de um ônibus, restando caracterizada (prova disso é a incriminação por descaminho em relação aos cigarros) a importação irregular da substância química tóxica (agrotóxico), tal como prevê o art. 56 da Lei n 9.605/98.

O transporte, que pode, em tese, aperfeiçoar delito autônomo, na hi-pótese, é pós-fato impunível da importação. Diversa é a situação em que, sem ter introduzido a substância tóxica em território nacional, encontra-se o agente a transportá-la (internamente). Nesta última hipótese, estará o agente descumprindo a regra do art. 15 da Lei nº 7.802/89, fato único a desafiar a reprimenda penal.

Dir-se-ia: todo aquele que, pessoalmente, introduz agrotóxicos de origem forânea em solo brasileiro (ou seja, que importa tais substâncias), para tanto, necessariamente, os transporta, fazendo aplicável a regra do art. 15 da Lei nº 7.802/89. O transporte, no entanto, se há a importação antecedente, que se consuma no momento do ingresso da mercadoria em território nacional, é fato atípico. O desvalor da conduta há de ser buscado na irregular importação, e não no transporte do bem internalizado.

Deveras que as normas em comento guardam, entre si, uma nítida desproporcionalidade, porquanto o agente que transporta internamente agrotóxicos incide em um tipo penal mais severamente reprimido (pena mínima de 02 anos de reclusão) do que aquele que transpõe as divisas do país, indo buscar em território estrangeiro a substância (apenamento mínimo de 01 anos de reclusão).

Tal impropriedade perpetrada pelo legislador ordinário, que se pode qualificar como uma relevante ruptura sistêmica, no entanto, não justifica seja ignorada a especialidade da conduta praticada pelo imputado. Não pode a referida desproporcionalidade resolver-se em prejuízo do réu. De rigor, pois, a reclassificação jurídica da conduta, a fim de enquadrá-la na capitulação procedida pelo parquet na peça incoativa, isto é, no art. 56 da Lei nº 9.605/98 (ponto em que a presente decisão também deve ser estendida ao réu N.L.N.).

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Feita a digressão, passo à análise do mérito.A materialidade e a autoria do delito são atestadas pelo Auto de Apre-

sentação e Apreensão (fls. 36-39) e pelo ofício expedido pelo Instituto do Meio Ambiente (fl. 122). Veja-se que os agrotóxicos foram apreendidos em poder dos acusados C.O., N.L.N. e F.K. durante operação de fiscaliza-ção realizada pela Delegacia de Polícia Federal em Santo Ângelo/RS.

Observo que os denunciados apuseram suas firmas nos respectivos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 36-38), sem fazer qualquer ressalva ao trabalho procedido pelos servidores da Polícia Federal, o que equivale a dizer que concordaram com a quantidade e a qualidade de produtos apreendidos em seu poder.

Os réus, quando interrogados em juízo, negaram os fatos, aduzindo terem sido pagos por terceiros para assumirem a propriedade dos produ-tos. Todavia, a propriedade dos bens, ainda que de terceiros, não retiram a atipicidade da conduta denunciada.

Aliás, é frequente, em crimes desta natureza, a alegação de que a quantidade de objetos discriminada nos papéis fiscais não correspon-de à realidade. O que se verifica é que o responsável/contribuinte, no princípio, assume a propriedade da mercadoria, no afã de livrar-se da ação fiscalizatória, e, após, no processo judicial, visando a eximir-se da responsabilidade criminal pela prática de descaminho, passa a negá-la, alterando a versão dos fatos. Porém, os atos realizados pelos servidores da Receita Federal, no exercício das atribuições que lhes competem, gozam de fé pública e, por isso, são dotados de presunção de veracidade e de legalidade. No presente feito, os acusados não se desincumbiram de trazer ao processo prova robusta capaz de afastar a idoneidade dos documentos fiscais, a qual é conferida pela própria lei em relação à materialidade dos fatos, sendo rechaçada apenas em situações excep-cionais, como nas hipóteses de erro ou má-fé, o que não se encontra demonstrado in casu.

Está demonstrado, ainda, que os denunciados tinham plena consciência da ilicitude de suas condutas, o que deixa manifesto o dolo ao agir.

Somado a isso, temos o fato de que a defesa não trouxe aos autos um indício de prova sequer a corroborar essa tese.

Nestes termos, deve ser mantida a sentença condenatória.

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3 - Falsidade ideológica (Fato 3)

A materialidade está comprovada pela cópia autenticada da nota fiscal (fl. 84) ideologicamente falsificada pelos codenunciados N.R.B. e J.J.D. e pela autorização de viagem (fls. 88 a 91).

Não merece trânsito a tese defensiva de que “xerox não é documento”. De fato, a cópia não autenticada, para fins penais, não está incluída nesse conceito, sendo, dessa forma, atípica a conduta. Todavia, na hipótese em tela, a cópia juntada aos autos encontra-se devidamente autenticada, incluindo-se, pois, no conceito de documento, para fins de responsabi-lização penal.

Nesse sentido, o precedente do STJ que ora colaciono:“RECURSO DE HABEAS CORPUS. PENAL. DOCUMENTO FALSO. CÓPIA

REPROGRÁFICA. UTILIZAÇÃO SEM AUTENTICAÇÃO. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

1. A utilização de cópia reprográfica não autenticada não configura ação com poten-cial de causar dano à fé pública, objeto tutelado pelo artigo 304 do Código Penal.

2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.3. Recurso provido.” (RHC 9260/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Órgão

Julgador Sexta Turma, Data do Julgamento 05.09.2000, Data da Publicação/Fonte DJ 23.10.2000, p. 185, destaquei)

A autoria, da mesma forma, é inconteste, mormente porque os réus confessaram a prática delitiva quando interrogados (fls. 129/130 e 353/354). Com efeito, ambos confirmaram que a nota fiscal foi emitida em nome da empresa Bordim Turismo, ainda que o ônibus tenha sido alienado para o codenunciado J.J.D., em razão deste apresentar proble-mas com seu CPF.

No que pertine à alegação de que a condenação está embasada uni-camente em prova produzida na fase inquisitorial, não merece trânsito. É que, embora as provas documentais tenham sido produzidas na fase do inquérito policial, não se pode olvidar que os denunciados N.R.B. e J.J.D., em juízo, confessaram o delito.

Cabe lembrar que a confissão judicial é válida e deve ser levada em conta pelo julgador não apenas para fundamentar a aplicação da atenuante do art. 65, inciso III, d, do CP, mas também como supedâneo para uma decisão condenatória, precipuamente se está em sintonia com as demais provas coligidas aos autos, como na espécie.

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Neste sentido, a jurisprudência desta Corte:“PENAL. ESTELIONATO. PENSÃO. BENEFICIÁRIA FALECIDA. SAQUE

INDEVIDO. PROVA INEQUÍVOCA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. ARTIGO 59 DO CP. SANÇÕES ALTERNATIVAS ADEQUADAMENTE ESTABE-LECIDAS.

(...)2. Autoria inquestionável, conforme Auto de Apresentação e Apreensão dos do-

cumentos do de cujus na posse da acusada no momento de efetuar mais um saque, além de outras provas, corroboradas pela confissão. (...).” (TRF - 4ª Região, ACR nº 2001.70.00.001245-8/PR, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Oitava Turma, Unânime, DJU 15.10.2003, p. 984)

Provadas a materialidade e a autoria, a solução não pode ser outra que não a condenação dos acusados.

4 – Da dosimetria das reprimendas

4.1 C.O. – art. 56 da Lei nº 9.605/98Ausentes circunstâncias negativas, como acertadamente reconhecido

pelo nobre sentenciante, de rigor a fixação da pena-base no mínimo legal (01 ano de reclusão, em regime aberto), patamar em que tornada defi-nitiva ante a ausência de circunstâncias agravantes, atenuantes e causas de aumento ou diminuição de pena.

A reprimenda de multa deve ser aplicada em 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, guardando-se, assim, simetria com a sanção corporal e atendendo as condições econômicas do réu.

Quanto à substituição da sanção corporal, diante do novo quantum de pena, mister a sua readequação, devendo se dar por apenas uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade.

A prestação de serviços à comunidade é a forma de cumprimento da pena mais humana e sem a retirada do condenado do convívio social e familiar, evitando-se o encarceramento. Além disso, é pos-sível a “flexibilidade na prestação dos serviços, podendo ser fixado um cronograma de trabalho variável, tudo para não prejudicar a jor-nada de labor do condenado” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 230), propiciando, inclusive, a possibilidade de antecipação de seu cumprimento (art. 46, § 4º, do CP).

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4.2 F.K. – art. 56 da Lei nº 9.605/98O juízo a quo considerou desfavoráveis ao réu quatro circunstâncias

judiciais, a saber: culpabilidade, antecedentes, conduta social e perso-nalidade. Neste ponto, a decisão merece reparos.

A culpabilidade, entendida como o grau de censurabilidade da ação tida como típica, foi normal à espécie, pois que atentar “contra a admi-nistração pública, mais especificamente no que se refere ao controle da entrada e permanência de mercadorias no país, e contra a Fazenda Nacional” é elementar do tipo, sem o que este não se realiza.

A conduta social, por sua vez, está ligada “ao papel do réu na comu-nidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizi-nhança, etc.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 335), não devendo ser confundida com os antecedentes ou a personalidade do acusado. Assim, o fato de responder a outros processos criminais não deve ser considerado quando da análise da conduta social. A personalidade é que está ligada às qualidades morais do criminoso, à boa ou má índole, à agressividade e ao antagonismo com a ordem social intrínseco a seu temperamento. Na espécie, a persona-lidade do denunciado é voltada para a prática criminosa, pois responde a outras ações penais (fls. 718/719). Veja-se, a respeito do assunto, o recente julgado da 4ª Seção deste Regional (Embargos Infringentes e de Nulidade em ACR nº 2003.04.01.043049-1, j. em 07.02.2005), no qual teve especial destaque a análise da circunstância judicial da personali-dade. Colhem-se, do voto do Eminente Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, as seguintes considerações:

“A sentença apelada utilizou os diversos processos criminais nos quais (...) figura como réu para exacerbar sua pena-base. Essa solução, diga-se, representa um parâ-metro que, apesar de não ser o único, revela-se, na minha opinião, um dos principais para o levantamento de dados a respeito da forma como uma pessoa determina o seu agir em face das situações potencialmente criminosas que se apresentam. Em outras palavras, a ‘tendência’ de o ser humano reiterar a produção de resultados penalmente significantes, detectada através das repetidas vezes em que seu nome esteve, ou está, vinculado a um inquérito policial ou judicial, apresenta-se como um traço externo para aferição da sua ‘personalidade’ pelo magistrado. Essa é, também, a opinião do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar Júnior, da qual me valho novamente, consoante a seguinte transcrição:

‘(...) A personalidade é formada pelo conjunto dos dados externos e internos que

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moldam um feitio de agir do réu, instrumental que ele herdou ou adquiriu e com o qual responde às diversas situações que lhe são propostas na vida diária. Foi definida como a ‘organização dinâmica dos sistemas psicofísicos que determinam o ajustamento do indivíduo ao meio circundante’. Quanto mais esse conjunto levou o réu a comporta-mentos reprováveis, tanto mais o crime é um reflexo dessa personalidade, que, por isso mesmo, deve sofrer um juízo-negativo; é o que acontece quando a personalidade do autor revela tendências criminais (...). (Revista da AJURIS, nº 70, set. 2000, p. 232)

Por certo que uma pessoa reiteradamente envolvida em práticas ilícitas revela um traço de personalidade diferenciado daquela que, por alguma eventualidade da vida, acabou envolvida em um crime que, ao invés de lhe servir como elemento inspirador de novas ofensivas delitivas (habitualidade), significou o marco de uma reestruturação da vida com uma maior conscientização relativamente às consequências das decisões a serem tomadas.”

Dessa forma, reconheço como desfavoráveis ao réu apenas os an-tecedentes e a personalidade. Mantendo-se apenas duas circunstâncias judiciais negativas, fica a pena-base em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão.

Tendo em conta que o réu confessou transportar o produto apreendido, ainda que tenha negado ser o real proprietário, reputo como cabível a aplicação da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP), razão pela qual reduzo a pena em 02 (dois) meses.

Dessarte, a reprimenda fica definitivamente arbitrada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, na forma prescrita no art. 33, § 2º, c, do CP.

A sanção corporal foi corretamente substituída por duas restritivas de direitos, forte no que dispõe o art. 44, § 2º, do CP, quais sejam, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, esta no valor de dois salários mínimos.

A pena de multa, sendo vedada a reformatio in pejus, fica preservada em 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, pois tal quantum atende as condições econômicas do réu.

4.3 N.L.N. – art. 56 da Lei nº 9.605/98O magistrado de primeiro grau considerou desfavoráveis ao réu três

circunstâncias judiciais, a saber: culpabilidade, conduta social e perso-nalidade.

A culpabilidade, todavia, entendida como o grau de censurabilidade da ação tida como típica, foi normal à espécie, pois que atentar “contra a

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administração pública, mais especificamente no que se refere ao controle da entrada e permanência de mercadorias no país, e contra a Fazenda Nacional” é elementar do tipo, sem o que este não se realiza.

A conduta social, por sua vez, está ligada “ao papel do réu na comu-nidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizi-nhança, etc.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 335), não devendo ser confundida com os antecedentes ou personalidade do acusado. Assim, o fato de responder a outros processos criminais não deve ser considerado quando da análise da conduta social. A personalidade é que está ligada às qualidades mo-rais do criminoso, à boa ou má índole, à agressividade e ao antagonismo com a ordem social intrínseco a seu temperamento. Na espécie, não há como valorar negativamente a personalidade do denunciado, pois ele responde a mais uma única ação penal (fl. 617), sendo necessário, para a demonstração de uma personalidade voltada à prática criminosa, a instauração de pelo menos outros dois processos.

Dessa forma, ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, arbitro a pena-base em 01 ano de reclusão (em regime aberto), patamar em que tornada definitiva ante a ausência de circunstâncias agravantes, atenuantes e causas de aumento ou diminuição de pena.

No concernente à substituição da sanção privativa de liberdade, diante do novo quantum de pena, mister a sua readequação, devendo se dar por apenas uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade.

A pena de multa não merece reforma, uma vez que arbitrada em 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, em simetria, portanto, com a sanção corporal, e atende às condições eco-nômicas do réu.

Por oportuno, ressalto que resta prejudicado o concurso formal, tendo em vista que os réus C.O., F.K. e N.L.N. foram absolvidos da prática do delito de descaminho, em razão da aplicação do princípio da bagatela.

4.4 J.J.D. – art. 299 do CPNenhum reparo a ser feito no arbitramento da pena privativa de liber-

dade, uma vez que foi fixada no mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, na forma prescrita no art. 33, § 2º, c, do CP.

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A pena de multa merece reforma, uma vez que arbitrada sem guardar simetria com a privativa de liberdade, motivo pelo qual a reduzo para 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, atendidas as condições econômicas do réu.

A sanção corporal foi corretamente substituída por uma restritiva de direitos, forte no que dispõe o art. 44, § 2º, do CP, qual seja, prestação de serviços à comunidade.

4.5 N.R.B. – art. 299 do CPNenhum reparo a ser feito no arbitramento da pena privativa de

liberdade, uma vez que foi fixada no mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, na forma prescrita no art. 33, § 2º, c, do CP.

A pena de multa merece reforma, uma vez que arbitrada sem guardar simetria com a privativa de liberdade, motivo pelo qual a reduzo para 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, atendidas as condições econômicas do réu.

A sanção corporal foi corretamente substituída por uma restritiva de direitos, forte no que dispõe o art. 44, § 2º, do CP, qual seja, prestação de serviços à comunidade.

5 - Do dispositivo

Pelo exposto, voto por:a) dar provimento aos apelos de J.A.C., L.K. e V.M.P., para absolvê-

los da prática do delito de descaminho; b) de ofício, desclassificar a conduta delituosa descrita no Fato 2

para o crime definido no art. 56 da Lei nº 9.605/98;c) dar parcial provimento aos recursos de F.K. e N.L.N. para absolvê-

los da prática do delito de descaminho e reduzir a pena reclusiva infli-gida aos mesmos pela importação de agrotóxicos, estendendo os efeitos desta decisão ao corréu não apelante C.O., conforme o permissivo do art. 580 do CPP; e

c) dar parcial provimento às apelações de J.J.D. e N.R.B. para reduzir a pena de multa aplicada, nos termos da fundamentação.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2007.70.02.004090-5/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Apelante: R.V.M., réu presoAdvogado: Defensoria Pública da União

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal. Tráfico internacional de drogas. Causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Manutenção. Liberdade provisória. Descabimento. Antinomia jurídica de segundo grau. Conflito entre regras e entre critérios. Pena de multa. Redução.

1. As condições pessoais do réu, primário e de bons antecedentes, aliadas ao fato de os elementos probatórios não indicarem o seu envol-vimento em outras “atividades criminosas” nem a sua participação em “organização criminosa” , autorizam a aplicação da causa de diminuição criada no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.

2. Em face da nocividade da droga (cocaína), bem como da quantidade apreendida (2.035g), o réu não faz jus à redução máxima (2/3) prevista na aplicação do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Precedente da Turma.

3. Em que pese a Lei nº 11.464/2007 ter dado nova redação ao art. 2º, inc. II, da Lei nº 8.072/90, dessa excluindo a expressão “liberdade provisória” dentre as vedações previstas na lei, trata-se, em verdade, de antinomia jurídica de segundo grau, isto é, além do conflito entre a Lei nº 11.343/2006, que veda expressamente a concessão da liberdade provisória (lei especial e antecedente), e a Lei nº 11.464/2007 (lei geral e posterior), há ainda um outro que se opera entre os critérios que solu-cionam o referido conflito (especialidade/cronologia).

4. Inexistente uma regra que solucione o conflito entre os critérios da especialidade e o cronológico, o julgador deverá superá-lo mediante a aplicação dos princípios gerais do direito, para proporcionar a garantia necessária à segurança da comunidade (interesse coletivo), sempre vol-tado a uma leitura constitucional do conflito.

5. A Constituição Federal prevê o princípio da inocência (art. 5º, inc. LVII), mas não de forma absoluta, uma vez que também prevê a prisão

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cautelar (art. 5º, LXI), assim como dispõe ser inadmissível, para o tráfico ilícito de entorpecentes, a liberdade provisória mediante o arbitramento de fiança (art. 5º, inciso XLIII).

6. Dessa leitura constitucional, extrai-se que o critério da especialida-de deve resolver a antinomia apontada, inclusive considerando recentes julgados do STJ, que revisou a sua jurisprudência, em face de precedente do STF no sentido de que a vedação constitucional de fiança constitui fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória sem a necessidade de explicitação de fatos concretos que justifiquem a manutenção da custódia.

7. Pena de multa reduzida, a fim de que guarde simetria com a pena corporal fixada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do rela-tório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 08 de outubro de 2008.Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra R.V.M., como in-curso nas sanções do artigo 33 c/c artigo 40, inc. I, da Lei nº 11.343/2006, pela prática, em tese, do seguinte fato delituoso (fl. 2-3):

“(...) Consta dos autos que no dia 09 de junho de 2007, por volta das 12h30min, no Aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu/PR, no Posto de Fiscalização localizado nas proximidades do check-in, o servidor da Receita Federal Delbert da Silva Almeida solicitou, como de praxe, que o denunciado R.V.M., cujo destino final era a cidade de Valencia, na Espanha, colocasse sua bagagem no Raio-X, momento em que percebeu a presença de volumes suspeitos em seu interior.

Ato contínuo, pediu apoio do APF de plantão para auxiliá-lo a revistar a mala, o qual constatou alterações estruturais sob o forro da mesma e, após perfurá-lo, logrou encontrar 2.035 g (dois mil e trinta e cinco gramas) da substância popularmente conhe-cida como ‘cocaína’, consoante Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 06.(...)”

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O denunciado ofereceu defesa prévia às fls. 13-22.A denúncia foi recebida em 24.07.2007 (fls. 25 e v.).Instruído o processo, sobreveio sentença (registro audiovisual da

fl. 56), a qual julgou procedente o pedido formulado pelo MPF, para o efeito de condenar R.V.M. às penas de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, e multa de 500 dias-multa, ao valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato delituoso (junho/2007), devidamente atualizado.

Inconformado, o réu apela pretendendo, em síntese, a redução máxima (dois terços) permitida pelo § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, bem como a concessão da liberdade provisória, nos termos da novel Lei nº 11.464/2007, e a redução da pena de multa fixada (72-80).

Com as contrarrazões (fls. 84-98), vieram os autos conclusos, sendo que nesta Corte o agente Ministerial ofereceu parecer pelo improvimento do recurso (fls. 110-112).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Pente-ado: No tocante à incidência do benefício insculpido no art. 33, § 4º, da Lei de Tóxicos, verifico que está correta a sentença ao aplicá-lo, porquanto o réu é primário, não possui maus antecedentes e não há indícios nos autos demonstrando que se dedique a atividades ilícitas, bem como de que integre organização criminosa. Ao contrário, o réu confessou o crime e colaborou com a polícia conferindo os detalhes de sua “contratação” para levar a droga até o seu destino, na cidade de Valencia, na Espanha (fl. 56).

O fato de ter aceito realizar o transporte de substância entorpecente do Paraguai para o Brasil, a pedido de uma terceira desconhecida e em troca de vantagem econômica (€ 4.000,00 - quatro mil Euros), por uma única vez, não autoriza o reconhecimento da sua vinculação permanente com algum grupo de traficantes ou organização criminosa, realidade essa sequer ventilada pela denúncia ministerial.

Entretanto, considerando a nocividade da droga apreendida em poder do acusado e a expressiva quantidade da substância (2.035g), extrai-se que o denunciado não faz jus à redução máxima prevista na lei (2/3),

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mostrando-se mais adequado, em face das características do caso concre-to, o abatimento no patamar de 1/3 (um terço). Sobre a matéria, acosto julgado desta Oitava Turma:

“PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. REGIME.

1. Materialidade, autoria e dolo demonstrados pela prisão em flagrante, laudo de exame em substância e demais provas trazidas aos autos.

2. A gravidade do crime em abstrato não pode levar a uma análise desfavorável acerca da culpabilidade do réu, porquanto já sopesada pelo legislador quando da ela-boração do tipo penal e dos limites da respectiva sanção.

3. Inexistência de elementos desabonadores da conduta social do acusado.4. A prática do fato mediante remuneração, considerando tratar-se de ‘mula’, bem

como a ocultação da substância, integram a própria tipicidade da conduta.5. A natureza e a quantidade da droga foram erigidas à condição de circunstâncias

autônomas e preponderantes pelo art. 42 da Lei nº 11.343/2006, de modo que é cabível o aumento da pena no caso de 625g de cocaína.

6. Incidência do benefício insculpido no art. 33, § 4º, do diploma legal, visto que o agente é primário, tem bons antecedentes e há indícios nos autos demonstrando que não se dedica a atividades ilícitas, bem como não integra organização criminosa.

7. As peculiaridades do caso concreto não recomendam a aplicação do limite máximo previsto na lei (dois terços), revelando-se mais adequada a redução de um terço da pena.

8. O regime de cumprimento da sanção deve ser o inicialmente fechado, conforme disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (com a redação da Lei nº 11.464, de 28.03.2007).” (ACR 2007.70.04.001250-2/PR, julg. em 11.06.2008, D.E. 02.07.2008, Relator ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO. Grifou-se.)

Não obstante isso, inexistindo recurso ministerial especificamente sobre a matéria, e vedada que é a reformatio in pejus, na terceira etapa de fixação da pena, após a incidência da majorante prevista no art. 40, inc. I, da Lei nº 11.343/2006 (transnacionalidade), estando fixada a pena provisória em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, mantenho a redução da pena do réu pela metade (1/2), ou seja, 2 (dois) anos e 11 (onze) meses, resultando uma pena final nesse mesmo quantum.

No tocante ao pedido de liberdade provisória, cumpre lembrar o ma-gistério do ilustre processualista Fernando da Costa Tourinho Filho,

“Toda e qualquer prisão que antecede a um decreto condenatório com trânsito em julgado é medida odiosa, porque somente a sentença com trânsito em julgado é

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a legítima fonte para restringir a liberdade individual a título de pena”, sendo que a custódia preventiva “só poderá ser decretada se de incontrastável necessidade, que será aferida ante a presença dos seus pressupostos e condições, evitando-se, ao máximo, o comprometimento do direito de liberdade que o próprio ordenamento jurídico tutela e ampara.” (Código de processo penal comentado - v. 1, 7. ed. rev., aum. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2003, p. 689)

Vale lembrar que a prisão provisória, por ter natureza de custódia cautelar, não representa antecipação de prisão decorrente de eventual sentença condenatória, porquanto, nos termos da Constituição Federal, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, inciso LVII), tendo por objetivo a eficácia de provimento judicial futuro. Por isso, destaca Fernando Capez que “Tratando-se de prisão cautelar, reveste-se do caráter de excepcionalida-de, na medida em que somente poderá ser decretada quando necessária, isto é, se ficar demonstrado o periculum in mora” (Curso de processo penal - 9. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2003, p. 237-238).

Este Tribunal, por sua vez, tem entendido que a prisão preventiva só se justifica em situações excepcionais, concretamente demonstradas, quan-do a liberdade do réu possa representar efetiva ameaça à ordem pública ou à ordem econômica e, ainda, quando seja conveniente para garantir a instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (HC nº 2006.04.00.007082-0/PR, 8ª Turma, rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU, ed. 17.05.2006, p. 1.015).

Não obstante o crime praticado ser equiparado a hediondo, o artigo 2º, caput e inciso II, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, permitiria, em tese, a liberdade provisória. Ocorre que esta-mos diante de uma antinomia jurídica de segundo grau, ou seja, somado a esse conflito entre regras temos um outro que se opera entre os critérios que solucionam o referido conflito. De um lado, a Lei nº 11.343/2006, que veda expressamente a concessão da liberdade provisória (lei especial e antecedente); de outro, a Lei nº 11.464/07, que, alterando a lei dos crimes hediondos, passou a não vedar expressamente a liberdade provisória para aquelas espécies de delitos (lei geral e posterior). Aquela seria preferida pelo critério da especialidade. Esta, pelo critério cronológico.

Em caso de antinomia entre o critério da especialidade e o cronoló-gico, entretanto, não há uma regra definida para dirimi-lo. Conforme o

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caso, poderá haver supremacia de um ou de outro critério, mas sempre tendo em vista que o conflito atua no campo infraconstitucional, como no caso vertente, e que, resolvido o conflito entre as regras, uma delas será sempre considerada inválida, uma vez que a colisão de regras assim se resolve.

Para tanto, o aplicador do direito está autorizado a recorrer aos princí-pios gerais do direito, para proporcionar a garantia necessária à segurança da comunidade. O julgador deverá optar pela norma mais justa, no caso concreto, de modo a atender o fim social e o bem comum (interesse coletivo), sempre voltado a uma leitura constitucional do conflito.

Dito isso, entendo que a Constituição Federal, ao dispor em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, consagrou o princípio da inocência. Todavia, não o fez de forma absoluta, uma vez que também previu a possibilidade de prisão cautelar. É o que se extrai da leitura do inciso LXI, também do citado artigo 5º, que a admitiu desde que haja ordem escrita de autoridade judiciária – o que ocorre nas hipóteses de prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP), prisão decorrente de pronún-cia (art. 408, § 1º do CPP), prisão em virtude de sentença condenatória recorrível (arts. 393, I, e 594 do CPP), prisão temporária (prevista na Lei nº 7.960/89) – ou em caso de prisão em flagrante (arts. 301 a 310 do CPP). Acerca dessa, dispôs ainda a Constituição Federal que sua manutenção seria admitida tão somente nos casos em que a lei vedasse a liberdade provisória, com ou sem fiança.

No caso dos autos, em que o apelante foi preso em flagrante em data de 09.06.2007, como incurso nas penas do artigo 33, combinado com o art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, cumpre ainda lembrar que, conforme a Constituição Federal (artigo 5º, inciso XLIII), inadmissível para essa hipótese (tráfico ilícito de entorpecentes) a liberdade provisória mediante o arbitramento de fiança.

Fazendo, então, essa leitura do enunciado constitucional no que con-cerne à matéria, entendo que a Lei nº 11.464/2007, em que pese poder ser aplicada aos demais crimes hediondos e aos a ele equiparados, resta preterida pela Lei nº 11.343/2006, porquanto esta é especial em relação àquela, tendo aplicação específica ao tráfico ilícito de drogas.

Nesse sentido, o STJ, em recentes julgados, tem manifestado entendi-

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p.83-424, 2009284

mento de que o aludido benefício legal não pode ser concedido nos casos de tráfico de drogas, independentemente da presença dos pressupostos elencados no artigo 312 do Diploma Processual, conforme ementa a seguir transcrita:

“PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPE-CENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. CRIME HEDIONDO. VEDAÇÃO LEGAL. INAFIANÇABILIDADE. CONSTRAN-GIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. BONS ANTECEDENTES, PRIMA-RIEDADE E RESIDÊNCIA FIXA – IMPOSSIBILIDADE DE SE SOBREPOREM À VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. EXCESSO DE PRAZO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIAL-MENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. RESSALVADO POSICIONAMENTO DA RELATORA. 1. Hipótese em que o recorrente foi preso em flagrante pela suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes, tendo sido indefe-rido pelo Magistrado singular o benefício da liberdade provisória. 2. O entendimento anteriormente consolidado nesta Corte orientava-se no sentido de que, ainda que se cuidasse de crime de natureza hedionda, o indeferimento do benefício da liberdade provisória deveria estar adequadamente motivado, com base nos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Revisão da jurisprudência em virtude de entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a vedação constitucional de fiança constitui fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória sem a necessidade de explicitação de fatos concretos que justifiquem a manutenção da cus-tódia. 4. Bons antecedentes, primariedade e residência fixa não podem se sobrepor à vedação constitucional da liberdade provisória aos crimes hediondos. 5. Se a alegação de excesso de prazo não foi examinada pelo Tribunal a quo, também não pode sê-lo, originariamente, por esta Corte, sob pena de supressão de instância.” (STJ, Quinta Turma, HC nº 90.780/SP, Rel. Min. Jane Silva, public. no DJU de 17.12.2007)

No mesmo sentido foi a posição da Oitava Turma desta Corte no julgamento do HC nº 2008.04.00.004856-1 (Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, julg. na sessão de 15.02.2008).

Nessas condições, entendo não haver abrigo, no direito positivo, à concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, ao apelante.

Quanto à pena de multa, em que pese não se aplicar o mesmo critério trifásico da pena privativa de liberdade, aquela deve guardar simetria com esta. Assim, se a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 gerou a redução da pena privativa de liberdade para aquém do mínimo legal, a pena de multa deverá guardar as mesmas proporções.

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Assim, fixada a pena de multa no mínimo legal previsto (500 dias-multa), reduzo esse quantum pela metade, mantendo a proporcionalidade necessária com a pena corporal, restando definitivamente fixada em 250 dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa em um trigésimo do salário mínimo, porquanto considerada a situação financeira do condenado.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo, a fim de reduzir a pena de multa fixada, nos termos da fundamentação.

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.70.00.034365-1/PR

Relator: O Exmo. Sr. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira

Apelante: Carlos Roberto de Mello e SilvaAdvogada: Dra. Elisangela Pereira

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Apelada: Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSAApelada: União Federal

Advogado: Dr. Luís Antônio Alcoba de Freitas

EMENTA

Previdenciário. Ex-ferroviário. Competência. Reconhecimento de ati-vidade concomitante de professor. Modificação da sentença. Suspensão dos descontos. Natureza declaratória da decisão.

1. Ainda que estejam relacionadas entre si as parcelas previdenciárias e complementar do benefício de ex-ferroviário, in casu, a rigor, não detém o Juízo da Vara Especializada em Direito Previdenciário a com-petência para aferir a correção da suspensão do pagamento da parcela complementar.

2. Contudo, na espécie, o restabelecimento da parcela complementada cuida-se de caso sui generis, uma vez que a reimplantação é mera con-sequência, reflexo do próprio comando de concessão da aposentadoria pelo INSS na data do primeiro requerimento administrativo.

3. Em que pese aparentemente tenha a Autarquia negligenciado o

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devido processo administrativo ao revisar a aposentadoria do autor, a questão foi trazida a Juízo também envolvendo discussão acerca do mérito da revisão propriamente dita, merecendo o feito pronunciamento judicial sobre a correção de tal procedimento não apenas sob o enfoque formal.

4. É possível a pretendida conversão da atividade de professor para comum, posto que se trata de período anterior à publicação da Emenda Constitucional nº 18/81 (DOU 09.07.1981).

5. Admitida a especialidade da atividade desenvolvida no período de 29.04.75 a 31.12.75, é devida a conversão do respectivo tempo de serviço para comum, mediante a utilização do fator multiplicador 1,4 (homem – 25 anos de especial para 35 anos de comum). Neste ponto, deve ser ressaltado que a soma se dará somente em relação ao período acrescido pela especialidade, uma vez que se trata de atividade concomitante, tendo já sido somado o tempo comum pela Administração.

6. Uma vez decidido que o autor já fazia jus à aposentaria à época do requerimento administrativo, em 30.10.96, quando detinha a condição de ferroviário, importa que se estabeleça a abrangência da presente con-denação no que tange à parcela complementada de sua aposentadoria, que restou cancelada em razão do INSS ter informado à RFFSA que o autor era segurado facultativo quando requereu o benefício.

7. A presente decisão, em relação à RFFSA (União), deve ser compre-endida tão somente como uma consequência daquilo que restou decidido no tocante à relação de natureza previdenciária entre o autor e o INSS.

8. Determinada a imediata suspensão dos descontos que vêm sendo efetuados na parcela de seu benefício a cargo do INSS e o restabeleci-mento da parcela complementada.

9. Como o percentual da RMI da aposentadoria do autor no RGPS permanece inalterado (70% sobre o salário-de-benefício) e as parcelas relativas ao período entre 30.10.96 (data do primeiro requerimento) e 26.05.97 (data do segundo requerimento) restam prescritas, inexistem diferenças a serem executadas em relação ao INSS, que, todavia, deverá desde já promover a suspensão dos descontos no benefício, devendo a devolução dos valores já descontados ser pleiteada pelo autor em ação própria.

10. Em relação à Autarquia Previdenciária, assume a demanda carac-

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terísticas de natureza declaratória, motivo pelo qual condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00, tendo em conta o tempo de tramitação, o trabalho do causídico e a com-plexidade da ação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial à apelação, nos termos do re-latório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de janeiro de 2009.Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Cuida-se de apelação interposta da sentença que, em preliminar, declarou extinto sem exame de mérito o pedido (art. 267, IV, do CPC) de revisão do benefício com base na Lei 8.186/91 e, por consequência, reconheceu a ilegitimi-dade passiva da União e da RFFSA para os demais pedidos (art. 267, VI, do CPC). No mérito, julgou improcedente o pedido de conversão da atividade especial de professor.

Face à improcedência da demanda, condenou o autor ao pagamento de honorários advocatícios aos réus, fixados em R$ 200,00 (duzentos reais) para cada um, suspensa a exigibilidade em razão do benefício da AJG.

Tempestivamente, o demandante recorre postulando a reforma da sentença. Sustenta que a Vara Previdenciária é competente para apreciar o pedido de concessão/restabelecimento da complementação de aposen-tadoria de ferroviário e que faz jus ao reconhecimento da especialidade da atividade de magistério entre abril e dezembro de 1975.

Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de ação ajuizada objetivando o restabelecimento da parcela relativa à complemen-

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tação de aposentadoria de ex-ferroviário, bem como o reconhecimento da especialidade da atividade de professor entre 29.04.75 e 31.12.75.

Alegou o autor, em síntese, que o procedimento de cancelamento da parcela complementar não observou o devido processo legal e que tem direito de se aposentar como ferroviário, uma vez que faz jus à contagem diferenciada de tempo de serviço no período em que exerceu a atividade de professor, o que lhe garantiria o direito à aposentadoria à época do requerimento administrativo, em 30.10.96, na condição de ferroviário. Requereu, também, a suspensão dos descontos do que recebeu a maior, que vêm sendo efetuados na via administrativa.

O MM. Juízo a quo deu-se por incompetente para apreciar o pedido de direito à complementação de aposentadoria como ex-ferroviário, ao argumento de que, em se tratando de ação ajuizada perante Vara Especia-lizada em matéria Previdenciária, não seria possível a análise de questão de natureza administrativa e, em razão disso, reconheceu a ilegitimidade passiva da União e da RFSSA.

Quanto ao pedido de reconhecimento da especialidade da atividade de professor, a sentença foi de improcedência.

Da competência

Ainda que estejam relacionadas entre si as parcelas previdenciárias e complementar do benefício de ex-ferroviário, in casu, a rigor, não detém o Juízo da Vara Especializada em Direito Previdenciário a com-petência para aferir a correção da suspensão do pagamento da parcela complementar.

Contudo, na espécie, o restabelecimento da parcela complementada cuida-se de caso sui generis, uma vez que a reimplantação é mera con-sequência, reflexo do próprio comando de concessão da aposentadoria pelo INSS na data do primeiro requerimento administrativo.

Da legitimidade passiva ad causam

Em que pese o entendimento jurisprudencial acerca da legitimidade da União, da RFFSA e do INSS para causas envolvendo aposentadorias de ferroviários, no caso em exame, tendo se dado por incompetente o Juízo Previdenciário para apreciar o pedido de restabelecimento da com-plementação à luz da Lei 8.186/91, entendo que deva ser prestigiada a

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decisão, uma vez que existe outra solução mais afeiçoada aos princípios da economia processual e da razoabilidade, como se verá a seguir.

Como a conduta da Rede Ferroviária em cancelar o benefício com-plementado do autor se deu exclusivamente em razão das informações prestadas pelo INSS, julgo adequado que a União e a RFFSA permaneçam na lide apenas na condição de interessadas.

Do mérito

Dada a complexidade da matéria trazida a julgamento, que impõe o conhecimento de dados cronologicamente ocorridos concernentes à complementação de aposentadoria de ex-ferroviário, peço vênia para transcrever excerto da petição inicial, na qual o autor narra a sucessão de acontecimentos – plenamente confirmados e verificados nas cópias do procedimento administrativo anexados aos autos – que culminaram na concessão de sua aposentadoria, no ano de 1997 e, posteriormente, no ano de 2003, na revisão de seu benefício e no cancelamento da parcela complementada de ex-ferroviário que lhe havia sido deferida em 2002, complementação essa cuja concessão e cancelamento, impõe ressaltar, estão a cargo da União Federal:

“(...) Em 30.10.1996, pelo convênio mantido entre a Rede Ferroviária Federal S/A e o INSS, o autor requer, administrativamente, aposentadoria por tempo de contribuição, protocolado sob NB 42/104.379.436-8 (doc. 02 – fl. 35).

Nesta ocasião, o autor apresenta os documentos necessários para a obtenção do benefício e também os formulários DSS 8030 dos períodos em que exerceu a atividade de professor para efeitos de conversão do tempo especial em comum.

Até a DER em 30.10.1996, o autor conta com o seguinte tempo comum de serviço/contribuição, conforme simulação da contagem de tempo de serviço (doc. 03 – fl. 121): 28 anos, 10 meses e 29 dias.

(...)O autor, concomitantemente ao período laborado junto à Rede Ferroviária Federal

S/A, exerceu também a atividade de professor nos seguintes períodos:- 04/1975 a 12/1975, no Colégio Professor João Cândido, estabelecimento que

pertencia à Rede de Ensino da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (doc. 02 – fl. 75) e onde lecionava a disciplina de física;

- 01.02.1993 a 30.12.1995 como professor de matemática aplicada e ciências, no Centro de Formação Profissional Coronel Durival de Britto, mantido em convênio entre a Rede Ferroviária Federal S/A e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI (doc. 02 – fl. 61 a 76).

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O INSS reconhece a especialidade do trabalho desenvolvido pelo autor para o perí-odo compreendido entre 01.02.1993 e 28.04.1995 (doc. 02 – fls. 81 e 84). Entretanto, não se pronuncia a respeito do período entre 04/1975 e 12/1975, também exercido como professor.

Assim, o resumo de documentos para cálculo de tempo de serviço do autor apresenta a contagem de 29 anos, 09 meses e 22 dias (doc. 02 – fl. 84).

Em 25.03.97 foi emitida Carta de Exigência ao autor, nos termos abaixo:‘Comparecer ao posto de convênios com pedido de reafirmação do benefício para

10.01.97, pois em 30.10.96 completou 29 anos, 09 meses e 22 dias. E trazer relação de salários dos meses de 10 a 12/96.’

Como o autor se desligou da Rede Ferroviária em 16.11.1996, somente foi possível apresentar a relação de salários referente às competências de 10/1996 e 11/1996.

E, segundo o INSS, mesmo incluindo tal período na contagem de tempo de serviço, o autor ainda não cumpria com o tempo necessário para aposentadoria por tempo de serviço proporcional exigido à época, ou seja, 30 anos. Assim, o autor foi orientado pelo próprio INSS a realizar uma inscrição como desempregado (doc.02 – fl. 88) e a recolher facultativamente as contribuições previdenciárias dos meses de 04/1997 e 05/1997, para que assim pudesse atingir os 30 anos de contribuição exigidos.

Após cumprir a orientação recebida pelo INSS, recolhendo as contribuições que faltavam para completar o tempo de serviço (doc. 02 – fl. 92 e verso), o autor encaminha ao Setor de Convênios do INSS o requerimento (doc. 02 - fl. 87) transcrito a seguir: ‘Solicito a reafirmação do pedido de aposentadoria para o dia 26.05.1997.’

Em 04.06.1997, foi realizada pelo INSS nova contagem de tempo de serviço do autor (doc. 02 – fls. 93) e por fim concedida a aposentadoria por tempo de serviço proporcional à base de 30 anos e 01 dia, conforme Carta de Concessão (doc. 02 – fl. 101).

A 28.08.2003, a Rede Ferroviária Federal S/A encaminha correspondência ao INSS, solicitando o cancelamento do pagamento da complementação dos proventos recebidos pelo autor (doc.02 – fl. 104), conforme abaixo transcrito:

‘(...) O pedido do cancelamento tem por base o fato do ex-empregado não fazer jus à Complementação nos termos da já citada Lei, visto não ter preenchido os pré-requisitos para obtenção de tal benefício, uma vez que, conforme consulta junto ao CNIS – Cadastro de Informações Sociais/INSS, a mesma, após a rescisão do contrato de trabalho com a RFFSA ocorrida em 14.11.1996, contribuiu normalmente para a Previdência Social até a data da aposentadoria concedida em 26.05.1997.’

Com base nesse comunicado, o INSS inicia procedimento interno de revisão ad-ministrativa do benefício do autor em 26.01.2004.

A 27.01.2004, no resumo de benefício em revisão, o INSS altera os dados do benefício do autor, desqualificando-o como ferroviário e determinando sua categoria como facultativo.

Após tal alteração de categoria profissional, o INSS simplesmente apura como valor indevidamente recebido pelo autor o montante de R$ 14.120,86 (quatorze mil, cento e

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vinte reais, oitenta e seis centavos), referente ao período compreendido entre 01/1999 e 01/2004, conforme histórico de consignações de 27.01.2004.

Então, a partir dessa competência – 02/2004 – houve a redução da RMI do autor, iniciando-se o desconto de consignações mensais do benefício do autor, e que até aqui perduram.

Faz-se pertinente esclarecer que o Serviço de Orientação da Revisão de Direitos do INSS se posiciona a respeito da revisão processada, nos seguintes termos:

‘(...) 2 - Verificamos que esta APS já providenciou a revisão no benefício para alte-ração dos dados, uma vez que o segurado era contribuinte individual quando requereu sua aposentadoria.

3 - Esclarecemos que, de acordo com o art. 11, parágrafo 1º, da Medida Provisória nº 83, de 12.12.02, deveria ter sido dado ao segurado 10 dias para o mesmo apresentar defesa, respeitando o princípio do direito do contraditório, e após a apresentação ou não da mesma é que a revisão deveria ser confirmada. Como a mesma já foi confirmada, sugerimos que se encaminhe imediatamente ofício de defesa. (...)’

E, por assim ser, o INSS reconhece que a revisão administrativa não respeitou os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, garantias cons-titucionais do autor, ao proceder à revisão do benefício sem comunicar o interessado.

E tal afronta constitucional se confirma quando, em 23.12.2004, o INSS envia correspondência ao autor esclarecendo a revisão do benefício e a alteração de categoria profissional de ferroviário para facultativo; ou seja, tal comunicação ocorre praticamente um ano após o processamento da revisão administrativa e o início dos descontos das consignações mensais (doc. 02 – fl.119).

Não restam dúvidas de que o ato negligente praticado pelo INSS ao revisar, uni-lateralmente, o benefício sem oferecer o mínimo prazo para defesa do autor obriga o mesmo a buscar a justiça para comprovar e resgatar a condição de ferroviário e com isso a complementação a que faz jus desde o cancelamento indevido.”

Ainda que aparentemente tenha a Autarquia negligenciado o devido processo administrativo ao revisar a aposentadoria do autor, entendo que, como a questão foi trazida a Juízo também envolvendo discussão acerca do mérito da revisão propriamente dita, o feito mereça pronun-ciamento judicial sobre a correção de tal procedimento não apenas sob o enfoque formal.

Do exame dos autos depreende-se que, ao não reconhecer a especiali-dade do período exercido na condição de professor, e por consequência o segurado não perfazer o tempo mínimo para aposentadoria em 30.10.96, o INSS orientou o autor a efetuar contribuições na condição de segurado facultativo, uma vez que o mesmo havia sido afastado da RFSSA em 16.11.96. Feitas duas contribuições nos meses de abril e maio de 1997 e

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requerido novamente o benefício, a Autarquia concedeu a aposentadoria proporcional a partir de 26.05.97 (DIB).

Posteriormente, em razão do advento da Lei nº 10.478/2002, de 1º de abril de 2002, que estendeu o benefício da complementação prevista na Lei 8.186/91 também aos admitidos após 31.10.69 e até 21.05.91, a partir de 01.04.2002, o autor requereu junto à RFFSA a sua inclusão no Cadastro para fins de complementação de aposentadoria paga pelo INSS. Permaneceu recebendo tal complementação até 2004, quando a RFFSA efetuou o cancelamento da vantagem em questão.

Citada, a RFFSA, em fase de liquidação, veio aos autos para esclarecer o que ocorrera com o autor em relação à parte complementada de seu benefício, nos seguintes termos (fls. 639/640):

“Após a edição da Lei Complementar nº 10.478/2002, de 01 de abril de 2002, que estendeu o benefício da complementação prevista na Lei 8.186/91 também aos admitidos após 31.10.69 e até 21.05.91, a partir de 01.04.2002, o autor requereu junto à RFFSA a sua inclusão no Cadastro para fins de complementação de aposentadoria paga pelo INSS.

Na época apresentou a documentação solicitada, inclusive extrato da Previdência, informando que sua categoria profissional na data da concessão do benefício previ-denciário era ferroviário (código 41).

A inclusão no cadastro da RFFSA ocorreu em 13.08.2002, e o pagamento da com-plementação foi efetivado para o requerente NA COMPETÊNCIA 10/2002, a partir da qual a RFFSA passou a informar para o INSS o valor da remuneração bruta, como se em atividade estivesse, para fins de cálculo e pagamento da complementação.

O pagamento da complementação foi retroativo a 01.04.2002, vigência da Lei 10.478/2002. Portanto, também na competência 10/2002 foram informados ao INSS os valores referentes ao período de 04/2002 a 09/2002, os quais totalizam o bruto de R$ 8.519,82, conforme relatório MEMÓRIA DE CÁLCULO PARA FINS DE COM-PROVAÇÃO JUNTO À PREVIDÊNCIA SOCIAL, emitido em 04.10.2002, cópia em anexo.

Em 25.08.2003 o pagamento da complementação foi cancelado, uma vez que o INSS, através do Ofício INSS/CGBENF/Nº 58, de 28.07.2003, informou que na data da concessão da aposentadoria, a categoria profissional do segurado era contribuinte individual, e NÃO ferroviário, deixando de atender assim o requisito previsto no artigo 4º da Lei 8.186/91.” (grifos)

Com efeito, a Lei 8.186/91, em suas disposições, determina expres-samente:

“Art. 4º. Constitui condição essencial para a concessão da complementação de

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que trata esta Lei a detenção, pelo beneficiário, da condição de ferroviário, na data imediatamente anterior ao início da aposentadoria previdenciária.”

Tem-se, pois, que o fulcro da controvérsia está em decidir se o autor, por ocasião de seu primeiro requerimento de aposentadoria, em 30.10.96, já fazia jus ao benefício, desconsideradas as duas contribuições poste-riores, feitas na condição de autônomo e glosadas tão somente para fins de computar o período que faltava para ele completar 30 anos de tempo de serviço. Ou seja, se naquela data, em que ostentava a condição de ferroviário, deveria ter-lhe sido deferido o benefício, e não posterior-mente, em 26.05.97.

Passo, pois, ao exame do pedido de reconhecimento da especialidade no período de 29.04.75 a 31.12.75, na condição de professor.

Especificamente quanto à atividade de professor, ressalta-se que, antes da Emenda Constitucional nº 18/81, ela era tratada como especial, nos termos do Decreto 53.831/64.

Como o enquadramento das atividades por insalubridade (agentes nocivos), penosidade ou periculosidade deve ser feito conforme a legis-lação vigente à época da prestação laboral, mediante os meios de prova legalmente então exigidos, é possível reconhecer a atividade especial de professor até 08.07.81, uma vez que em 09.07.81 foi publicada a Emenda Constitucional nº 18.

Ocorre que a partir da referida emenda os critérios para a aposenta-doria especial aos professores passaram a ser fixados pela Constituição Federal, revogando-se as disposições do Decreto 53.831/64. Daí porque não pode subsistir o argumento de que o art. 292 do Dec. 611/92 teria repristinado o mencionado Decreto 53.831/64, mencionando que neste tópico deve vigorar o preceito constitucional de superior hierarquia, e, também, porque na data do requerimento administrativo não mais vigo-rava aquele Decreto (nº 611/92).

Nesse sentido:“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE PROFESSOR AOS 25

ANOS DE TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE EM FACE DA EMENDA CONSTI-TUCIONAL Nº 18/81. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO ANALI-TICAMENTE NA FORMA DO ART. 255 DO RISTJ. DEFICIÊNCIA RECURSAL. SÚMULA 284-STF.

1 - Dentro do princípio da hierarquia das normas, a legislação ordinária cede espaço

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frente à constitucional.2 - Se o recorrente não realiza o cotejo analítico entre as teses tidas por divergentes,

nem mesmo apresenta trechos de acórdãos paradigmas e do recorrido, não se aperfeiçoa na demonstração do dissenso pretoriano, a fundamentação recursal mostra-se deficiente, atraindo a incidência da súmula 284-STF. (...)” (STJ, 6ª Turma, REsp nº 182120, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16.03.2000, DJ 10.04.2000)

Por conseguinte, apenas ao trabalho realizado no período pretérito à EC 18/81 aplica-se o Decreto nº 53.831/64, que previa a atividade profissional de magistério (professores) como penosa (item 2.1.4 do Anexo), ensejando a sua conversão como tempo especial, veja-se o acórdão assim ementado:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE PE-RÍODO LABORADO EM ATIVIDADE ESPECIAL PARA COMUM. PROFESSOR. APLICAÇÃO DA NORMA VIGENTE À ÉPOCA DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. DECRETO 53.831/64. EC Nº 18/81.

1. O enquadramento como atividade especial é possível quando comprovado o exercício de atividade profissional sujeita a condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física da parte autora.

2. Exercida a atividade de PROFESSOR em períodos anteriores à vigência da Emenda Constitucional nº 18/81, que criou forma especial de aposentadoria para os professores, deve ser observada, para fins de conversão de atividade especial em comum, a lei vigente à época do exercício da atividade, ainda que não exista direito adquirido à aposentadoria.” (TRF/4ª Região, 6ª Turma, AMS nº 2001.04.01.084776-9/PR, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, julgado em 07.08.2003, DJU 03.09.2003)

Sem dúvida, a partir da vigência da Emenda Constitucional nº 18/81 e alterações constitucionais posteriores, a atividade de professor deixou de ser considerada especial para ser uma regra excepcional, em que se exige um tempo de serviço menor em relação a outras atividades, desde que se comprove o exclusivo trabalho nessa condição.

Ainda, quanto à atividade de professor, assim dispunha a Constituição Federal, com redação anterior à emenda constitucional nº 20, de 1998:

“Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o beneficio sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetaria-mente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:

(omissis)III - após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco anos, à professora, por

efetivo exercício de função do magistério.”

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De outra parte, a Lei nº 8.213/91 dispõe:“Art. 56. O professor, após 30 (trinta) anos, e a professora, após 25 (vinte e cinco)

anos de efetivo exercício em funções de magistério, poderão aposentar-se por tempo de serviço, com renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção 111 deste Capítulo.”

Como se vê, a partir da leitura dos supracitados dispositivos, constata-se que a função de professor não é especial em si, mas regra excepcional para a aposentadoria que exige o seu cumprimento integral.

Todavia, no presente caso, é possível a pretendida conversão para atividade comum, posto que se trata de período anterior à publicação da Emenda Constitucional nº 18/81 (DOU 09.07.1981).

Outrossim, não prospera o entendimento do magistrado de 1º grau, no sentido de que não teria restado comprovado o exercício de tal ativi-dade, nem a sua habitualidade e permanência, posto que em tal período o segurado exercia também atividade profissional na RFFSA. Ocorre que, à época, a atividade de professor enquadrava-se como especial em razão da categoria profissional (código 2.1.4 do Dec. 53.831/64), e não pela exposição a agentes nocivos, os quais, eventualmente, exigem uma análise mais aprofundada de tais requisitos concernentes à forma e ao tempo de exposição aos agentes nocivos.

Quanto à comprovação do efetivo exercício profissional, tenho que o formulário SB-40 de fl. 75 e o resultado de pesquisa efetuada pelo próprio INSS (fl. 82, verso) comprovam que o autor exerceu a atividade de professor de 2º grau no Colégio Professor João Cândido.

Admitida a especialidade da atividade desenvolvida no período de 29.04.75 a 31.12.75, é devida a conversão do respectivo tempo de serviço para comum, mediante a utilização do fator multiplicador 1,4 (homem – 25 anos de especial para 35 anos de comum). Neste ponto, importa ressaltar que a soma se dará somente em relação ao período acrescido pela especialidade, uma vez que se trata de atividade concomitante, tendo já sido somado o tempo comum pela Administração.

Procedendo-se à conversão do tempo de serviço especial ora reco-nhecido, chega-se ao seguinte acréscimo: 3 meses e 7 dias.

Somando-se o labor especial judicialmente admitido com o tempo de serviço da parte autora já reconhecido na via administrativa, constante

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do resumo de cálculo de fls. 83/84, resta contabilizado o seguinte tempo de serviço em 30.10.96:Tempo de serviço reconhecido pelo INSS* 29a 09m 22d

Tempo especial reconhecido na sentença de primeiro grau (incontroverso) 00a 03m 07d

Total (julgado + INSS) 30a 00m 29d

Na hipótese dos autos, o tempo de serviço necessário à aposentadoria já havia sido implementado na data do primeiro requerimento adminis-trativo, quando o autor ainda se encontrava na condição de ferroviário, tendo sido desnecessárias, pois, as contribuições posteriores na condição de facultativo.

Dos efeitos da decisão

Uma vez decidido que o autor já fazia jus à aposentaria à época do requerimento administrativo, em 30.10.96, quando detinha a condição de ferroviário, importa que se estabeleça a abrangência da presente con-denação no que tange à parcela complementada de sua aposentadoria, que restou cancelada em razão do INSS ter informado à RFFSA que o autor era segurado facultativo quando requereu o benefício.

Assim, uma vez julgada procedente a demanda quanto ao INSS, com o reconhecimento da condição de ferroviário do segurado, os reflexos que se evidenciam são que deverá a parte complementar, como obrigação acessória que é, ser restabelecida e devolvidas as parcelas que foram descontadas do benefício do autor, ressalvada eventual prescrição quinquenal.

Veja-se que foi a própria RFFSA que informou, em sua peça contesta-tória, que a atitude de suspensão dos pagamentos somente ocorreu porque a parcela complementada só é devida aos segurados que se aposentam na condição de ferroviários.

Nesse diapasão, a presente decisão, em relação à RFFSA (União), deve ser compreendida tão somente como uma consequência daquilo que restou decidido no tocante à relação de natureza previdenciária entre o autor e o INSS.

Concluindo, julgo ser possível determinar de imediato a suspensão dos descontos que vêm sendo efetuados na parcela de seu benefício a cargo do INSS e o restabelecimento da parcela complementada.

Desse modo, a sentença merece reforma, a fim de que seja reconhecido

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o período especial, com a consequente alteração de sua DIB para a data do primeiro requerimento administrativo, em 30.10.96.

Como o percentual da RMI da aposentadoria do autor no RGPS permanece inalterado (70% sobre o salário-de-benefício) e as parcelas relativas ao período entre 30.10.96 (data do primeiro requerimento) e 26.05.97 (data do segundo requerimento) restam prescritas, inexistem diferenças a serem executadas em relação ao INSS, que, todavia, deverá desde já promover a suspensão dos descontos no benefício, devendo a devolução dos valores já descontados ser pleiteada pelo autor em ação própria.

Por consequência, em relação à Autarquia Previdenciária, assume a demanda características de natureza declaratória, motivo pelo qual condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00, tendo em conta o tempo de tramitação, o trabalho do causídico e a complexidade da ação.

Frente ao exposto, nos termos da fundamentação, voto por dar pro-vimento parcial à apelação.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.14.000437-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Apelada: Iara PresserAdvogada: Dra. Bernadete Lermen Jaeger

EMENTA

Previdenciário e Processual Civil. Embargos à execução. Aposen-tadoria por tempo de serviço. Concessão com suporte tão somente

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no tempo de serviço prestado até 16.12.1998. Formação do período básico de cálculo apenas pelos salários-de-contribuição anteriores a dezembro de 1998. Atualização desses salários integrantes do PBC até então e reajustamento da renda até o início de pagamento do benefício. Sucumbência. Honorários advocatícios.

1. Quando a aposentadoria for deferida com suporte tão somente no tempo de serviço prestado até 16.12.1998, ou seja, com base no direito adquirido anterior à vigência da Emenda Constitucional 20/98 (artigo 3º), a atualização dos salários-de-contribuição integrantes do período básico de cálculo deverá observar como marco final a DIB fictícia (dezembro de 1998), e não a data efetiva da concessão (DER/DIB), apurando-se a renda mensal inicial na época do implemento das condições preestabe-lecidas e reajustando-a posteriormente pelos mesmos índices aplicados aos benefícios previdenciários em manutenção, conforme parâmetros trazidos no artigo 187, parágrafo único, do atual Regulamento da Pre-vidência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, sendo apenas o pri-meiro reajuste proporcional (junho de 1999) e os posteriores, integrais, independentemente da DER/DIB, que norteará unicamente o início do pagamento da prestação alimentar. Tal procedimento não importa trata-mento anti-isonômico ou lesão aos princípios da preservação do valor real dos benefícios, da correspondência entre contribuição e proventos e da recomposição monetária, visto que o regramento especial atinente ao direito adquirido, estampado no texto constitucional reformador, deve ser norteado pela condição de igualdade entre segurados e contribuintes e, inclusive, pela ideia de simetria com o propósito da nova ordem estabe-lecida a partir de dezembro de 1998, amparada no equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, além de evitar a mescla de regimes. Caso em que se acolhe em parte o recurso para que sejam refeitos os cálculos exe-quendos (RMI e atrasados), nos moldes determinados no julgado, pela Contadoria Judicial da origem.

2. Sucumbência da parte apelada em maior monta, arcando com os honorários advocatícios em R$ 415,00, patamar mínimo adotado nesta Corte quando a fixação de praxe importar remuneração advocatícia avil-tante, cujo montante deverá ser atualizado pelo IGP-DI, a partir deste julgamento, e acrescido de juros moratórios à taxa de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado deste aresto, ficando suspensa a exigibilidade por

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força do benefício da Justiça Gratuita deferido no processo principal e extensível a esta incidental (artigo 9º da Lei 1.060/50), ressalvada a an-terior possibilidade de compensação de tal verba com eventual quantia devida a mesmo título pelo INSS em decorrência do processamento do feito executivo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do re-latório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de dezembro de 2008.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de apelação de sentença que julgou improcedentes os embargos opostos pelo Instituto Previdenciário, condenando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais em R$ 500,00. Sem custas processuais.

Nas suas razões recursais, a Autarquia Federal sustenta que há excesso de execução, alegando que a conta exequenda não apurou a RMI na for-ma determinada pelo artigo 187, parágrafo único, do RPS aprovado pelo Decreto 3.048/99, ou seja, com a atualização dos salários-de-contribuição integrantes do PBC até 16.12.1998 e o posterior reajuste do valor con-tabilizado pelos índices dos benefícios em geral até a DER/DIB. Pede a reforma do decisum para que o montante exequendo seja adequado ao valor realmente devido, conforme cálculo das fls. 04-06.

Com as contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: O litígio de-volvido a este Colegiado cinge-se à forma de cálculo da renda mensal inicial dos proventos da parte embargada, especificamente quanto ao

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termo final de atualização dos salários-de-contribuição componentes do respectivo PBC, se o mês anterior a dezembro de 1998 ou aquele que precede a DER/DIB, considerando o direito adquirido antes da vigência da Emenda Constitucional 20/98 e da Lei do Fator Previdenciário, con-substanciado no título executivo judicial imutabilizado.

Antes de adentrar na discussão propriamente dita, entendo oportuna a abordagem de algumas questões temáticas pertinentes à remodelação da Previdência Social, que conduzirão à nova linha de pensamento que adiante passarei a pormenorizar.

Para o melhor entendimento da ideologia firmada, dividirei a expla-nação sumária em duas partes: as reformas constitucionais e o direito adquirido.

Tocante ao primeiro tópico, observo, com respaldo na hermenêutica de Társis Nametala Sarlo Jorge [In Manual dos Benefícios Previdenciá-rios (de acordo com a EC 47/2005) - Benefícios do RGPS (INSS) e dos Servidores Públicos (e atuação do Tribunal de Contas). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 39], que as reformas previdenciárias no Brasil têm-se enquadrado como paramétricas ou incrementais em razão de não trazerem modificações no cerne das respectivas estruturas, tentando apenas ajustar os sistemas às modificações do mercado de trabalho, bem como visando à manutenção ou obtenção do equilíbrio financeiro atuarial, v.g., modificações do critério de cálculo para os benefícios; aumento da idade mínima de aposentadoria; alteração de tempo de serviço para tempo de contribuição; e contribuição previdenciária dos inativos.

Portanto, foi nessa linha que advieram as significativas mudanças no sistema de previdência pátrio, ainda que não nucleares, inauguradas em 1998 com a Emenda Constitucional 20.

Acerca do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que foi in-troduzido expressamente no artigo 201, caput, da Carta Mãe, somente com o advento dessa EC, lecionam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari in Manual de Direito Previdenciário (6. ed. rev. conforme as Emendas Constitucionais 41 e 42 e a legislação em vigor até 14.03.2004. São Paulo: LTr, 2005, p. 96-97), afirmando que

“a Previdência Social deverá, na execução da política previdenciária, atentar sempre para a relação entre custeio e pagamento de benefícios, a fim de manter o sistema em condições superavitárias, e observar as oscilações da média etária da população, bem

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como sua expectativa de vida, para a adequação dos benefícios a estas variáveis”.

E aduzem:“Segundo Stephanes [Reinhold], comentando a necessidade de adotar-se tal prin-

cípio, ainda quando a Emenda nº 20/98 tramitava: ‘No que diz respeito à Previdência Social, os impactos da dinâmica demográfica

refletem-se tanto nas despesas quanto do lado das receitas. Em um sistema de repar-tição simples como o brasileiro, o elemento fundamental para manter seu equilíbrio, considerando-se somente as variáveis demográficas, é a estrutura etária da população em cada momento, pois é ela que define a relação entre beneficiários (população idosa) e contribuintes (população em idade ativa).’ [In Reforma da previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 135]

Com base nesse princípio, o regime foi recentemente modificado para incluir, no cálculo de benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição e idade, o chamado ‘fator previdenciário’, resultante das variáveis demográficas e atuariais relativas à expectativa de vida, comparativamente à idade de jubilação – Lei nº 9.876/99.”

De outra banda, vem a segunda abordagem: a proteção ao direito adquirido.

Tal instituto, em face de novas normas constitucionais, no entendi-mento de Alexys Galias de Souza Vargas, em artigo titulado A norma constitucional no tempo: direitos adquiridos e emenda à Constituição (compilado in Lições de direito constitucional: em homenagem ao ju-rista Celso Bastos, com coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, André Ramos Tavares. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 137), especialmente no item 4 – O direito adquirido e a norma constitucional, subitem 4.4 – Mobilidade legislativa: uma necessidade do Estado e da sociedade, é assim visualizado:

“(...) No Brasil, o sistema adotado proíbe a retroatividade das normas infraconstitu-cionais de maneira geral. É um sistema mais conservador (...), uma vez que o legislador está preso ao respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito. Mas fez questão de ressaltar que esta proibição restringe tão somente o legislador, não afetando os trabalhos constitucionais. Isso tem lógica, pois a Constituição disciplina (ao menos em tese) os temas mais relevantes da Nação, e que, portanto, atingem a ela toda de maneira contundente. Guarda a Lei Maior aquilo que o constituinte en-tendeu ser de mais caro à sua sociedade, estabelecendo as vigas mestras dos direitos individuais e coletivos, da forma e do sistema de governo, bem como os princípios gerais que devem reger as várias áreas do Direito infraconstitucional e a administração pública. É por isso que os temas constitucionais não ficam necessariamente limitados

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pelos direitos subjetivos. A sua importância e nobreza os coloca acima dos interesses individuais, que poderão ceder-lhes lugar. São opções fundamentais que não podem ceder ao individual, ao subjetivo.

(...) Como regra, não há direitos adquiridos contra a Constituição, conforme têm decidido, ao nosso ver acertadamente, nossos tribunais, seja a norma decorrente do poder constituinte originário, seja ela decorrente do poder de reforma. Mas, cumpre observar, a prática do nosso constituinte é acomodar não só os direitos adquiridos, como também as expectativas de direito.”

Pontuando sobre a reforma encetada pela EC 20/98, posicionou-se o doutrinador Elival da Silva Ramos (In A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 259) no sentido de que:

“(...) À luz dos princípios e normas (...), é evidente que a Emenda Constitucional nº 20 não poderia, retroativamente, afetar os direitos à aposentadoria que se aperfeiçoaram precedentemente à sua entrada em vigor, tivessem esses direitos sido efetivamente exercidos ou não. De igual modo, não poderia, retrospectivamente, a partir de sua vi-gência, atingir os proventos de aposentadoria e pensões cujo fato aquisitivo se situasse em tempo pretérito, reconfigurando-os de acordo com as novas regras.

Preocupado em evitar que a aplicação do texto constitucional revisto pudesse afastar-se dessas diretrizes, cuidou o Constituinte de revisão de salvaguardar expres-samente tais direitos adquiridos, o que, insista-se, não era necessário, embora se tenha afigurado conveniente, no sentido de apaziguar os ânimos dos beneficiários dos regimes de previdência. (...)”

Resguardou expressamente, pois, o legislador constituinte reformador o direito adquirido no artigo 3º da multicitada Emenda, assegurando

“a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem como aos seus dependen-tes, que, até a data da publicação desta Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.”

Logo, de um lado, o poder reformador trouxe profundas modificações visando ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário bra-sileiro e, por outro, preocupou-se em pôr a salvo o direito daqueles que implementaram as condições ao benefício ainda sob o manto da legislação anterior, mas não o exerceram antes do advento do novo regramento.

É nesse quociente que reside a reflexão da matéria em exame.Isso porque, ao mesmo tempo em que preservou o direito adquiri-

do daqueles segurados que preencheram os requisitos exigidos para o

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jubilamento pela legislação antiga, o constituinte também sopesou a necessidade premente de estabilidade financeira do sistema.

Nesse toar, no atinente às situações perfectibilizadas até 16.12.1998, data de publicação da Emenda Constitucional 20 (artigo 3º), para com-patibilizar o propósito da nova ordem estabelecida e evitar a mescla de regimes, o atual Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, nos seus artigos 187, parágrafo único, 32, § 9º, 35, § 2º, e 56, §§ 3º e 4º, tratou de delinear os parâmetros para a aplicação da regra especial do direito adquirido, estampada no texto constitucional remodelador:

“Art. 187. É assegurada a concessão de aposentadoria, a qualquer tempo, nas condições previstas na legislação anterior à Emenda Constitucional nº 20, de 1998, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que, até 16 de dezembro de 1998, tenha cumprido os requisitos para obtê-la.

Parágrafo único. Quando da concessão de aposentadoria nos termos do caput, o tempo de serviço será considerado até 16 de dezembro de 1998, e a renda mensal inicial será calculada com base nos trinta e seis últimos salários-de-contribuição anteriores àquela data, reajustada pelos mesmos índices aplicados aos benefícios, até a data da entrada do requerimento, não sendo devido qualquer pagamento relativamente a período anterior a esta data, observado, quando couber, o disposto no § 9º do art. 32 e nos §§ 3º e 4º do art. 56.” (grifei)

“Art. 32. (...)§ 9º No caso dos §§ 3º e 4º do art. 56, o valor inicial do benefício será calculado

considerando-se como período básico de cálculo os trinta e seis meses imediatamente anteriores ao mês em que o segurado completou o tempo de contribuição, trinta anos para a mulher e trinta e cinco anos para o homem, observado o disposto no § 2º do art. 35 e a legislação de regência. (redação original) (...)”

“Art. 35. A renda mensal do benefício de prestação continuada que substituir o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado não terá valor infe-rior ao do salário mínimo nem superior ao limite máximo do salário-de-contribuição, exceto no caso previsto no art. 45.

(...)§ 2º A renda mensal inicial, apurada na forma do § 9º do art. 32, será reajustada

pelos índices de reajustamento aplicados aos benefícios, até a data da entrada do re-querimento, não sendo devido qualquer pagamento relativamente a período anterior a esta data. (...)”

“Art. 56. A aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez cumprida a carência exigida, será devida nos termos do § 7º do art. 201 da Constituição. (redação original)

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(...)§ 3º Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições

legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos previstos no caput, ao segurado que optou por permanecer em atividade.

§ 4º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, o valor inicial da aposentadoria, apurado conforme o § 9º do art. 32, será comparado com o valor da aposentadoria calculada na forma da regra geral deste Regulamento, mantendo-se o mais vantajoso, considerando-se como data de início do benefício a data da entrada do requerimento. (...)”

Essa lógica atuarial divulgada pelo referido Decreto, extraída do mandamento do constituinte reformador, não importa desrespeito à regra geral constitucional (artigo 201, § 3º, da CF/88), legal (artigo 31 da LB – atual 29-B) e regulamentar (artigo 33 do RPS), que determina a atualização de todos salários-de-contribuição, considerados para o cálculo do benefício, até a DER/DIB.

Digo isso na medida em que o resguardo do direito dos beneficiários do RGPS que implementaram os requisitos exigidos para a fruição dos proventos sob a égide de regramento anterior mostra-se como situação excepcional frente aos demais, que ainda não o detinham e se sujeitam, portanto, à regência da novel legislação; bem assim em respeito à situação igualitária daqueles que também perfectibilizaram os pressupostos quan-do da vigência da lei antiga, mas requereram os respectivos benefícios na época própria e vêm usufruindo-o a partir do requerimento, sofrendo a incidência das normas supervenientes relativas ao reajustamento da renda mensal, que são distintas daquelas que tratam da atualização dos salários-de-contribuição integrantes do PBC.

Por conseguinte, revejo o posicionamento anteriormente adotado, passando a defender que a norma geral deve ser mitigada relativamente aos segurados que estão invocando o direito adquirido, dando lugar ao regramento especial, norteado pela condição de igualdade entre segurados e contribuintes e, inclusive, pela ideia de simetria frente à nova filosofia previdenciária inaugurada em 1998.

Contextualmente, tenho que, em se tratando de conservar o direito adquirido, necessário se faz observar o marco da implementação dos requisitos legais ao benefício, ali contabilizando a renda mensal ini-cial e depois reajustando-a até a data do requerimento administrativo

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(concessão). Tal momento histórico entendo deva ser designado, tão somente para efeito de cálculo, de “DIB fictícia” (dezembro de 1998), não importando, com isso, retroação de reflexos financeiros, ou seja, não havendo falar em retroatividade da DER/DIB real, ocasião em que houve o efetivo exercício do direito resguardado. Isso se deve ao fato de estar-se apenas tutelando o direito de o segurado optar pela forma de apuração dos proventos mais vantajosa quando da concretização do suporte fático, ainda que tenha postergado a sua formalização.

Com efeito, a consideração do tempo de serviço apenas até dezembro de 1998, evidentemente, está relacionada com o critério de cálculo do benefício, na medida em que a EC 20/98 preservou o direito adquirido daqueles segurados que implementaram as condições para a aposenta-doria, inclusive proporcional, até a data da mudança constitucional por ela institucionalizada.

Assim, embora o benefício deva ser concedido a contar do requeri-mento administrativo, data em que a parte exequente exerceu o direito à aposentação, o cálculo deverá utilizar o tempo de serviço prestado até dezembro de 1998, o que significa a consideração dos salários-de-contribuição anteriores a essa competência e a atualização destes, tendo como termo final esse marco constitucional, reajustando-se, ulteriormen-te, a renda apurada conforme a política salarial, com a possibilidade de resgate de eventual glosa de RMI por ocasião do primeiro reajuste (artigo 35, § 3º, do RPS – junho de 1999 – 2,28%), o único que será realizado proporcionalmente, porquanto a DER/DIB servirá apenas como data inicial de pagamento (DIP), seguindo-se as demais atualizações pelo indexador integral.

Nessa linha, o precedente da Turma em sede da Apelação Cível 2006.72.08.004411-3 (DE 22.9.2008), da Relatoria do Juiz Federal Convocado Alcides Vettorazzi, cujo excerto do voto condutor do acórdão ora transcrevo:

“(...) Até a EC 20, de 15.12.98 (DOU 16.12.98), o sistema de cálculo do salário-de-benefício e dos valores das aposentadorias e pensões constava da Constituição Federal (art. 202, caput), cuja regra determinava a observância da média dos 36 últimos meses dos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês. Referido sistema de cálculo foi desconstitucionalizado, ou seja, retirado da Carta Federal, com objetivo de alterá-lo por legislação infraconstitucional, com ampliação da base de cálculo e

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consequente redução final dos benefícios, o que veio acontecer com a edição da Lei 9.876/99.

De igual sorte, até a edição da precitada EC 20/98, remanesceu direito à aposen-tadoria proporcional por tempo de serviço aos segurados que ingressaram no sistema (RGPS) até 16-12-98. Em relação aos demais, foi definitivamente extinta ante a revo-gação tácita do art. 202, § 1º, da CF que passou a reger matéria de ordem diversa.

Acerca da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, vislumbra-se duas hipóteses fáticas com diferentes consequências jurídicas:

a) daquele que havia completado as condições para aposentadoria proporcional antes de 16.12.98, caso em que se lhe aplica, garantido pelo art. 3º da EC 20, o ordenamento jurídico previdenciário precedente à EC 20/98 de forma integral, inclusive com a regra interpretativa de direito intertemporal insculpida no parágrafo único do art. 187 do RPS aprovado pelo Decreto 3.048/99 (...).

b) daquele que ainda não havia implementado todas as condições até 16-12-98 para percepção da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, caso em que se lhe aplicam, regras de transição constantes do art. 9º, § 1º, incisos I e II, da EC 20/98.

(...) Mutatis mutandis, se é vedado computar tempo posterior a 16.12.98 para efeito de aposentadoria proporcional por tempo de serviço, salvante regras de transição, dado que o tempo de serviço/contribuição posterior à EC 20 não está mais sob égide do regramento anterior, vedado é também utilizar os 36 últimos salários-de-contribuição precedentes à data da DER, sendo esta posterior a 16.12.98, como PBC, com vistas a apurar o salário-de-benefício.

Com efeito, com a extinção da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, em 16.12.98, ressalvadas mais uma vez as regras de transição suso elencadas aos que ingressaram no RGPS até essa data, a redação original do art. 29 da Lei 8.213/91, que previa apuração do salário-de-benefício mediante média ‘dos últimos 36 salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade [DAT] ou da data da entrada do requerimento [DER]’, perdeu objeto, tanto que restou revogada ante nova redação, afeiçoada ao alargamento da base de cálculo (80% de todo o período contributivo), dada a esse art. 29 pela Lei 9.876/99.

Normatizando a intertemporalidade àqueles que buscam o benefício com base apenas no direito adquirido às regras vigentes anteriormente à EC 20, adveio o art. 187, parágrafo único, do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99, deixando claro que os salários-de-contribuição a compor o PBC são aqueles anteriores a 16.12.98 e, apurada a RMI, o benefício é reajustado pelos índices ordinários de reajuste dos benefícios até a data da DER, quando então se iniciam os efeitos financeiros em prol da parte autora. (...)”

Concluindo, afirmo que, quando a aposentadoria for deferida com suporte tão somente no tempo de serviço prestado até 16.12.1998, ou seja, com base no direito adquirido anterior à vigência da Emenda Cons-

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titucional 20/98 (artigo 3º), a atualização dos SCs integrantes do PBC deverá observar como marco final a DIB fictícia (dezembro de 1998), e não a data efetiva da concessão (DER/DIB), apurando-se a RMI na época do implemento das condições preestabelecidas e reajustando-a posterior-mente pelos mesmos índices aplicados aos benefícios previdenciários em manutenção, conforme parâmetros trazidos no artigo 187, parágrafo único, do atual Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo De-creto 3.048/99, sendo apenas o primeiro reajuste proporcional (junho de 1999) e os posteriores, integrais, independentemente da DER/DIB, que norteará unicamente o início do pagamento da prestação alimentar. Tal procedimento não importa tratamento anti-isonômico ou lesão aos prin-cípios da preservação do valor real dos benefícios, da correspondência entre contribuição e proventos e da recomposição monetária, consoante fundamentação precedente.

Dessarte, acolho em parte a apelação para que sejam refeitos, pela Contadoria Judicial da origem, os cálculos da renda mensal inicial da aposentadoria da parte embargada e dos respectivos valores em atraso, nos moldes ora estabelecidos, sem implicar malferimento da res judicata. Observo que não está sendo ratificada a conta autárquica, acostada com a vestibular embargatória, por abranger apenas o montante devedor, sem discriminar o cálculo da RMI do benefício, bem assim por destoar dos parâmetros determinados neste julgado.

Sucumbente a parte apelada em maior monta, deve esta arcar com os honorários advocatícios em R$ 415,00, patamar mínimo adotado nesta Corte quando a fixação de praxe – in casu, em 5% sobre o valor que vier a ser efetivamente glosado – importar remuneração advocatícia aviltante, cujo montante deverá ser atualizado pelo IGP-DI, a partir deste julga-mento, e acrescido de juros moratórios à taxa de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado deste aresto, ficando suspensa a exigibilidade por força do benefício da Justiça Gratuita deferido no processo principal e extensível a esta incidental (artigo 9º da Lei 1.060/50), ressalvada a an-terior possibilidade de compensação de tal verba com eventual quantia devida a mesmo título pelo INSS em decorrência do processamento do feito executivo.

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação.

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REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 2008.71.00.019348-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva

Parte autora: Rafael da Silva CamargoAdvogado: Dr. Decio Scaravaglioni

Parte ré: Gerência Executiva do Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Remetente: Juízo Substituto da 1ª VF Previdenciária de Porto Alegre

EMENTA

Previdenciário. Mandado de segurança. Processo administrativo. Au-sência de decisão. Constituição Federal. Lei 9.784/99. Lei 8.213/91.

A Administração Pública tem o dever de obediência aos princípios da legalidade e da eficiência, previstos no artigo 37, caput, da Consti-tuição Federal, devendo ainda observar o postulado do devido processo legal estabelecido no inciso LV do artigo 5º da Carta Política. Por outro lado, desde o advento da EC 45/04 são assegurados a todos pelo inciso LXXVIII do artigo 5º a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

A prática de atos processuais administrativos e respectiva decisão em matéria previdenciária encontram limites nas disposições dos artigos 1º, 2º, 24, 48 e 49 da Lei 9.784/99 e 41, § 6º, da Lei 8.213/91.

Deixando a Administração de se manifestar sobre pretensão do segurado mesmo decorridos vários meses de sua apresentação, resta caracterizada ilegalidade, ainda que a inércia não decorra de voluntária omissão dos agentes públicos competentes, mas de problemas estruturais ou mesmo conjunturais da máquina estatal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de março de 2009.Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Rafael da Silva Camargo impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato do Chefe da Gerência Executiva do INSS em Porto Alegre/RS, ob-jetivando a conclusão do procedimento administrativo em que requereu a revisão do benefício nº 94/518.906.729-3, formulado em 22.11.2007, tendo em vista a demora na apreciação do pedido.

Sentenciando, o Juízo a quo concedeu a segurança, determinando à autoridade impetrada que retome, de imediato, o trâmite do pedido de revisão do benefício nº 94/518.906.729-3, formulado em 22.11.2007, por meio do requerimento nº 64953378, devendo examiná-lo e emitir decisão, no prazo de 30 dias, com comprovação nos autos. Com fulcro nas Súmulas 512 e 105 do STF e do STJ, respectivamente, não houve condenação em honorários advocatícios. Submeteu a sentença ao reexa-me necessário, forte na disposição preconizada no artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 1533/51.

Ante a ausência de recursos voluntários, vieram os autos a esta Corte, por força da remessa oficial.

Por meio da petição da fl. 26, protocolada em 17.11.2008, o impe-trado atendeu o mandamento judicial da fl. 20-20v, comunicando que o pedido do impetrante foi indeferido, como demonstram os documentos das fls. 26-28.

Pela petição da fl. 31, a parte impetrante postulou a baixa dos autos na distribuição e o seu consequente arquivamento, tendo em vista decisão já proferida na esfera administrativa.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da remessa oficial, com a manutenção da sentença (fls. 35-35v).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Trata-se de mandado de segurança no qual o impetrante busca a concessão de ordem para que o INSS conclua o procedimento administrativo relativo ao pe-dido de revisão de aposentadoria, uma vez que seu pedido foi formulado em 22.11.2007, não tendo obtido resposta da autarquia previdenciária

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até a data do ajuizamento da ação.A Administração Pública tem o dever de obediência aos princípios

da legalidade e da eficiência, previstos no artigo 37, caput, da Consti-tuição Federal, devendo ainda observar o postulado do devido processo legal estabelecido no inciso LV do artigo 5º da Carta Política. Por outro lado, desde o advento da EC 45/04 são assegurados a todos pelo inciso LXXVIII do artigo 5º a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Tais princípios regentes certamente se manifestam na Lei nº 9.784/99, que estabeleceu “normas básicas sobre o processo administrativo no âm-bito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração” (art. 1º). Cabe destacar o que dispõe seu artigo 2º:

“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da le-galidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;(...) VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos admi-

nistrados; IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza,

segurança e respeito aos direitos dos administrados;(...)XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos

interessados;”

Ainda sobre o processo administrativo, deve-se salientar que é de cinco dias o prazo para a prática de atos processuais, podendo ser dilatado até o dobro (art. 24 e parágrafo único, Lei 9.784/99). Já quanto ao prazo para decidir, assim está posicionado na Lei citada:

“Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período, expressamente motivada.”

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A Lei 8.213/91, outrossim, tratando especificamente da concessão de benefícios previdenciários, assim dispõe em seu artigo 41, § 6º:

“Art. 41 (...)§ 6º O primeiro pagamento de renda mensal do benefício será efetuado até 45

(quarenta e cinco) dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão.”

O mandamento legal é repetido no artigo 174 do Decreto 3.048/99:“Art.174. O primeiro pagamento da renda mensal do benefício será efetuado em

até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária à sua concessão.

Parágrafo único. O prazo fixado no caput fica prejudicado nos casos de justifica-ção administrativa ou outras providências a cargo do segurado, que demandem a sua dilatação, iniciando-se essa contagem a partir da data da conclusão das mesmas.”

Assiste direito ao segurado, pois, de ver seu pedido processado e decidido, porquanto não pode ser penalizado pela inércia da Adminis-tração, ainda que não decorra ela de voluntária omissão dos agentes públicos competentes, mas de problemas estruturais ou mesmo con-junturais da máquina estatal. Como já expressou o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 531349, 1ª Turma, relatado pelo Ministro José Delgado, após a promulgação da Lei 9.784/99, devem ser observados prazos razoáveis para instrução e conclusão dos processos administrativos, que não poderão prolongar-se por tempo indeterminado, sob pena de violação dos princípios da eficiência e razoabilidade (DJU de 09.08.04, p. 174). Sobre o tema, precedentes deste Colegiado:

“PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. OMISSÃO ADMINIS-TRATIVA. ANÁLISE DE PEDIDO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE. PRAZO LEGAL. OBEDIÊNCIA.

1. Existindo previsão legal de prazo para deliberação administrativa e estando o processo administrativo devidamente instruído, impõe-se que o Instituto Nacional de Seguro Social profira a decisão final, dentro de um prazo máximo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, desde que expressamente motivado (artigos 48 e 49 da Lei n.º 9.784/99).

2. Demanda sem honorários advocatícios, de acordo com as Súmulas nº 512 do STF e nº 105 do STJ.

3. Isenção de custas processuais, a teor do disposto no artigo 4º, incisos I e II, da Lei nº 9.289, de 04.07.1996.

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4. Remessa oficial improvida.” (TRF 4ª R., REO 2004.71.00.018288-4/RS, 6ª Tur-ma, Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, julgado em 30.03.2005, DJU 20.04.2005, p. 1022)

“PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA . PEDIDO DE ANÁLISE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO .

É direito da parte impetrante ter analisado seu pedido de revisão de benefício, porquanto desde a data do protocolo da via administrativa já transcorreu prazo muito superior ao máximo admitido no ordenamento jurídico vigente que é de 30 (trinta) dias, após a conclusão da instrução do processo administrativo, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada (artigo 49 da Lei 9.784/99).” (TRF 4ª R., REO 2003.71.00.070766-6/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 04.05.2005, DJU 25.05.2005, p. 846)

“TRIBUTÁRIO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PRAZO PARA ANÁ-LISE E DECISÃO DOS PROCEDIMENTOS.

1. Aplica-se ao presente caso a Lei n° 9784/99, que prevê, em seus artigos 48 e 49, que o cidadão tem direito à decisão de seus pleitos e a Administração tem o dever de decidir, dever que deverá ser exercido no prazo de 30 dias, contados do final da instrução do processo.

2. Outrossim, não pode o contribuinte ficar à mercê da Administração para a continuidade de suas atividades, não podendo o seu direito ser inviabilizado pelo fato de o Poder Público não dispor de recursos humanos suficientes para o efetivo proces-samento dos inúmeros pedidos protocolados na repartição. Precedentes desta Turma. (...)” (REO 16165 - 2a; T. - Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – unânime – DJ de 26.01.2005)

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA . INSTRUÇÃO DE PRO-CESSO ADMINISTRATIVO . PRAZO PARA RESPOSTA.

Ainda que a administração pública não possua prazo legal para a conclusão e res-posta ao procedimento administrativo proposto pelo impetrante, a prestação do serviço público requerido é obrigação inquestionável, e, por óbvio, só existirá o serviço se for efetivamente prestado.

O princípio da eficiência dos atos administrativos ampara a pretensão do impetrante de obter resposta ao seu pedido, devendo ser concedida a ordem e fixado prazo não superior a 30 dias para o exame dos procedimentos administrativos na forma solicitada. Apelação conhecida a provida.” (MS 2002.72.01.001503-9-SC - 3ª T. - Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – unânime – DJU de 19.11.2003, p. 807)

Portanto, deverá ser mantida a r. sentença das fls. 20-20v.Os honorários advocatícios foram estabelecidos pelo MM. Juízo a quo

em consonância com o entendimento sufragado por esta e. Corte.No Foro Federal, é a Autarquia isenta do pagamento de custas proces-

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suais, a teor do disposto no art. 4º da Lei nº 9.289, de 04.07.1996.Em face do exposto, nos termos da fundamentação, voto no sentido

de negar provimento à remessa oficial.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 2008.71.99.004550-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Apelada: Zélia Inês ZuccoAdvogados: Drs. Eliane Patricia Boff e outro

Remetente: Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de São Marcos/RS

EMENTA

Pensão por morte. Qualidade de dependente previdenciário. União estável. Namoro.

É indevida a pensão por morte quando entre o segurado e a postu-lante ao benefício não havia união estável, mas namoro, revelado pela inexistência da intenção de constituir família.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de dezembro de 2008.Des. Federal Rômulo Pizzolatti, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Trata-se de remessa oficial e apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença que julgou procedente ação de concessão de pensão por morte de Luiz Carlos Koch ajuizada por Zélia Inês Zucco, para condenar o INSS a implementar o benefício, a contar do requerimento administra-tivo (10.04.2007), pagando as parcelas corrigidas monetariamente pelo IGP-M, desde o vencimento de cada parcela, e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação. Condenou o INSS ao pagamento de custas processuais, pela metade, e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Nas razões de apelação (fls. 96-104), o INSS sustenta que não ficou comprovada união estável entre a autora e o falecido segurado à época do óbito.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti:

1 Admissibilidade

Cabe conhecer da apelação do INSS, por ser recurso próprio, formal-mente regular e tempestivo. Do mesmo modo, é de admitir-se a remessa oficial, desconsiderada a regra do § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que a condenação é de valor incerto.

2 Mérito

Pelo que se vê dos autos, a autora é solteira, nascida em 26.06.1961, professora e moradora de São Marcos-RS, enquanto o falecido Luiz Carlos Koch era divorciado, nascido em 17.10.1949, empresário e morador de Caxias do Sul-RS, tendo falecido aos 57 anos de idade, em 18.02.2007.

As testemunhas ouvidas em juízo (fls. 71-80) noticiaram que eles mantiveram relacionamento afetivo por cerca de seis ou sete anos, po-rém sempre morando cada um na própria casa, em cidades diversas (São

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Marcos-RS, ela, e Caxias do Sul-RS, ele). Explicaram que o casal não vivia sob o mesmo teto porque tinham ambos mãe em idade avançada.

Ora, a coabitação é elemento importante na prova da união estável, mas não é decisivo (cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 125). Há situações em que, compelidos a morar em cidades distintas, geralmente por motivo de trabalho, os companheiros ainda assim mantêm sólida união estável. Isso ocorre amiúde quando o companheiro varão vai trabalhar alhures, mas a família permanece na cidade de origem, onde tem raízes, em função dos filhos e de outros interesses relevantes.

No caso dos autos, está razoavelmente justificado o fato de a autora e o falecido não terem optado por residência comum, visto que, a ser verdade que cada um deles tinha mãe em idade avançada para cuidar, não seria adequado que se juntassem todos na mesma casa, criando ambiente propício a conflitos domésticos. Se já não é fácil a convivência com pai ou mãe idoso, sob o mesmo teto, beiraria as raias da temeridade o casal reunir dois idosos (mãe e sogra) na mesma morada.

Ocorre que a simples justificação da inexistência de coabitação não autoriza a conclusão de que o relacionamento da autora com o falecido Luiz Carlos Koch possa ser qualificado como união estável. É indis-pensável a prova da affectio maritalis, ou seja, a intenção de constituir família (Código Civil, art. 1723, caput, parte final), além de a união ser pública, contínua e duradoura.

Malgrado a autora e Luiz Carlos Koch se relacionassem social (fre-quentavam entidade associativa de São Marcos – fls. 20 – e viajavam a turismo juntos – fls. 19), sexual (ao que tudo indica com exclusividade) e amorosamente, quando o permitiam as obrigações profissionais (cada um exercia atividade remunerada própria, em cidades distintas) e familiares (cada um tinha sua família para cuidar), inexistia a intenção de consti-tuir família. Sendo pessoas maduras e independentes, com sua própria casa e profissão remunerada, não lhes convinha perder essa privilegiada condição com assumir todas as obrigações e ônus do casamento de fato que é a união estável. Por outras palavras, a autora e o falecido Luiz Carlos Koch, a se casarem (de direito ou de fato), visto que totalmente desimpedidos, preferiram, prudentemente, manter o relacionamento ao nível do afeto, sem os notórios inconvenientes da formação de uma nova

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família, ou seja, optaram livremente pela condição de namorados em vez da de companheiros. A distinção entre as duas situações é bem explicada pelo Prof. Fábio Ulhoa Coelho, no seu Curso de Direito Civil:

“A união estável não se confunde com o namoro (Cahali, 2004:268/273). Enquanto na primeira é indispensável a vontade comum de fundar uma família (relação hori-zontal), no último, esse elemento anímico não está presente. Os namorados ainda não têm claramente definida a vontade de constituir família ou têm claramente a de não a constituir: estão se conhecendo melhor ou simplesmente se divertindo. Se homem e mulher namoram há muitos anos, viajam juntos sempre que podem, frequentam os eventos sociais das respectivas famílias, devotam mútua exclusividade sexual e chegam até mesmo a viver sob o mesmo teto durante algum tempo, não se configura a união estável quando inexistente a intenção de constituir família.” (op. cit., p. 124)

A jurisprudência, a seu turno, tem entendido que o simples relacio-namento amoroso não se equipara à união estável:

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO AMOROSO SEM AS CARACTERÍSTICAS EXIGIDAS EM LEI PARA CONFIGURAÇÃO DAQUELA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. O relacionamento amoroso, sem os requisitos objetivos exigíveis para constituição de família (art. 1723 do CC), não constitui união estável para os efeitos que a lei confere. Prova testemunhal insuficiente para configuração da entidade familiar no incontroverso relacionamento afetivo entretido pelas partes. Ausência de outras provas demonstrando a existência do animus maritatis, como inexistência de qualquer planejamento familiar, ou documentos comprovando dependência em órgãos previdenciários ou de plano de saúde. Improcedência da ação que se impunha forte no contexto probatório dos autos. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA. APELAÇÃO DA AUTORA JULGADA PREJU-DICADA. (SEGREDO DE JUSTIÇA)” (Apelação Cível Nº 70023174758, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 14.05.2008)

Houvesse entre a autora e o falecido Luiz Carlos Koch união está-vel, certamente teriam vindo aos autos documentos comprobatórios de comunhão na vida civil (aquisições comuns, conta bancária conjunta, seguro de vida instituído por um companheiro em benefício do outro, ficha de internação da qual conste o companheiro como responsável pelas despesas etc). Nada disso para os autos veio. O que veio foi, sim, uma nota de “Agradecimentos e convite para missa de 7º dia”, na qual consta o nome da autora (Zélia Zucco) e, mais adiante, a referência à namorada (fls. 18).

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Por outro lado, o fato de a autora acompanhar o falecido Luiz Carlos Koch durante o tratamento médico a que se submeteu, de dezembro de 2006 a fevereiro de 2007, fls. 44-48), é próprio de companheiros, cônjuges, parentes, namorados e amigos, não sendo exclusivo dos primeiros.

De resto, cabe enfatizar que a autora e o falecido Luiz Carlos Koch, à diferença das pessoas pobres e de baixo nível cultural, tinham plenas condições financeiras para realizar casamento e sabiam exatamente dos benefícios legais do matrimônio, entre os quais avulta o reconhecimento de direitos previdenciários, sem dificuldades burocráticas. Assim, não se explica que, apesar do relacionamento de vários anos, não se tenham nunca casado, a não ser pela livre vontade de permanecerem somente ligados pelo afeto, como namorados.

Assim, restou comprovado que entre a autora e o falecido segurado Luiz Carlos Koch houve, por anos, um relacionamento amoroso, sem ser união estável, caso em que ela não adquiriu a condição de dependente previdenciária, nos termos do art. 16 da Lei nº 8.213, de 1991.

Impõe-se, pois, julgar improcedente a demanda, condenada a autora ao pagamento das custas do processo e dos honorários advocatícios arbitrados equitativamente em R$ 415,00, observado o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950, por ser beneficiária da gratuidade de justiça (fls. 21).

3 Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e à remessa oficial.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2008.04.00.007125-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Autor: Maury Elizario da CostaAdvogados: Drs. Hermes Buffon e outros

Réu: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Ação rescisória. Aposentadoria por tempo de serviço. Erro de fato. Art. 485, IX, do CPC. Planilhas de resumo para cálculo de tempo de serviço diversas. Ocorrência do vício. Viabilidade da ação. Ação pro-cedente.

1. O erro de fato elencado no art. 485, IX, do CPC deve ser decor-rência da falta de atenção do julgador, e não de eventual má apreciação da prova. Consiste em admitir um fato inexistente ou considerar inexis-tente um fato efetivamente ocorrido (art. 485, § 1º, do CPC). Nas duas hipóteses, também é necessário que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre tal, vale dizer, o acórdão chegou à con-clusão diversa em face daquele vício, pois o julgador não teria julgado como o fez caso tivesse atentado para a prova.

2. Se o julgador originário, ao fazer o cálculo do tempo de serviço total do autor, tomou como tempo reconhecido administrativamente pelo INSS aquele constante de resumo de cálculo desfavorável ao autor em vez daquele que lhe é mais favorável, emitido na data da DER e também

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constante dos autos, é viável a rescisória para reformar o acórdão diante do erro de fato.

3. Ação rescisória procedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de dezembro de 2008.Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata-se de ação rescisória ajuizada, com base no art. 485, IX, do CPC, em face de acórdão da então 2ª Turma Suplementar desta Corte que, por unanimidade, reconheceu o período de 12.09.1970 a 31.01.1976 como trabalhado na condição de rurícola, indeferiu o pedido de aposentadoria por tempo de serviço, porque o autor teria completado apenas 25 anos, 06 meses e 16 dias de tempo de serviço até o advento da EC nº 20/98, e afastou a parte condicional da sentença, qual seja, a condenação do INSS a implantar a aposentadoria caso implementados os requisitos necessários, negando provimento ao agravo retido do INSS, dando par-cial provimento à apelação da autarquia e à remessa oficial e julgando prejudicada a apelação do autor.

Nesta ação rescisória, afirmou o autor que a decisão atacada incorreu em erro de fato, porquanto considerou apenas 20 anos, 01 mês e 26 dias de tempo de serviço, enquanto o INSS, na via administrativa, havia re-conhecido 25 anos, 06 meses e 16 dias (atividade especial). Alegou que o Tribunal desconsiderou documento juntado aos autos. Aduziu que a conversão de tempo de trabalho especial em comum não foi objeto da ação originária, já que o INSS já havia procedido à conversão. Reque-reu a procedência da ação, a fim de que seja condenada a autarquia a implantar o benefício e pagar as parcelas vencidas.

À fl. 427 foi deferido ao demandante o benefício da assistência judi-

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ciária gratuita.O INSS contestou o feito às fls. 433-439, tendo o autor se manifestado

sobre a contestação às fls. 444-447.Intimados acerca do interesse na produção de provas, as partes

manifestaram-se negativamente.Assim, inexistindo provas a serem produzidas, na esteira do enten-

dimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Declaração em Ação Rescisória nº 729/PB, proferido pela Primeira Seção, em 22.11.2000, publicado no DJ 12.11.2001, foi dis-pensada a apresentação das razões finais.

O Ministério Público Federal ofertou parecer pela improcedência da rescisória.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: A ação originária (2001.71.13.001463-9) foi ajuizada objetivando o reconheci-mento de período de atividade rural com a concessão da aposentadoria por tempo de serviço. A sentença julgou procedente o pedido, tendo a autarquia previdenciária recorrido a este Tribunal. Neste Tribunal, o voto do Relator foi no sentido de reconhecer o período rural pleiteado, que, somado ao período que teria sido reconhecido administrativamente pelo INSS de 20 anos, 01 mês e 26 dias, resultou em montante menor do que o necessário para a concessão do benefício, pelo que foi reformada a sentença, não se concedendo o benefício pleiteado.

Sustenta o autor ter havido erro de fato, uma vez que o e. Relator da ação originária foi induzido a erro, utilizando-se, para a contagem final de tempo de serviço, de extrato equivocado de tempo de serviço reco-nhecido administrativamente pela autarquia, ad litteram:

“Isto porque o INSS fez duas contagens de tempo de serviço, uma computando e convertendo a atividade especial desenvolvida na empresa BARZENSKI S/A, nos períodos de 27.04.1982 a 19.06.1984 e de 24.06.1996 a 22.08.1996; na empresa MÓVEIS CENTENÁRIO LTDA., no período de 17.07.1984 a 28.03.1984 (sic); e na empresa MADECENTER MÓVEIS LTDA., no período de 01.04.1991 a 03.06.1996, totalizando 25 anos, 09 meses e 27 dias (fls. 13/14), e outra omitindo esta conversão, totalizando 20 anos, 01 mês e 26 dias (fls. 59/61).

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A fim de que não restasse dúvida sobre a contagem de tempo de serviço apurado pela Autarquia, foi requerido novo extrato de tempo de serviço, como bem comprova documento ora anexado, que confirmou que o Instituto Previdenciário computou como tempo de serviço do Autor 25 anos, 09 meses e 27 dias.”

Aduz, ainda, que a própria autarquia, em manifestação das fls. 367 a 370, confirmou que o tempo de serviço total, até a data de entrada do requerimento administrativo, foi o declinado na inicial, de 25 anos, 09 meses e 29 dias, constante do extrato juntado com a exordial às fls. 13 e 14 da ação originária. Por isso mesmo que o autor postulou naquela ação originária apenas o reconhecimento do tempo de serviço rural, uma vez que o especial já havia sido reconhecido pela Autarquia.

Assiste razão ao autor.Compulsando-se os autos é possível verificar que de fato o v. acórdão

cometeu um erro de cálculo de tempo de serviço, pois, em vez de utilizar o resumo de tempo de serviço fornecido pelo INSS que computava os períodos de atividade especial convertidos, datado de 26.05.1998, data da DER, e juntado com a inicial da ação originária (fls. 13 e 14), partiu de outro resumo, que excluía a conversão dos períodos trabalhados em con-dições especiais já reconhecidos, este datado de 30.06.1999 (fl. 61).

Tanto assim que a parte autora ajuizou a ação originária pedindo o reconhecimento apenas do tempo de serviço rural, já que na Carta de In-deferimento do pedido de aposentadoria por tempo de serviço, datada de 26.05.1998, o motivo elencado pela autarquia foi o não reconhecimento apenas do tempo de serviço rural (fl. 15).

Vendo-se um a um dos vínculos elencados em ambos os extratos, verifica-se, sim, que no primeiro foi computado o acréscimo pela espe-cialidade e, no segundo, apenas o tempo comum, sem a conversão.

Importa observar, também, que não se está aqui frente a caso semelhante ao julgado por esta 3ª Seção, em que fiquei vencido, no qual também ha-via divergência de planilhas (AR nº 2007.04.00.004444-7/RS, julgado em 03.07.2008, DE 15.07.2008). Naquele caso, havia destacado o e. Des. Federal Celso Kipper, que iniciou a divergência e foi o Relator para o acórdão, que os períodos constantes do resumo de cálculo indicado pelo autor “não apenas deixaram de ser computados na soma final do tempo de serviço (...), como se encontram zerados no cômputo individual”. Não, no caso em tela, ora em julgamento, os cômputos individuais não estão zerados, apenas que no

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extrato datado do dia da entrada do requerimento administrativo (26.05.1998, fls. 13-14 da ação originária, 25-26 da rescisória) há o tempo comum e a sua conversão em face da especialidade e, no outro, emitido mais de um ano após (30.06.1999, fls. 58-61, 71-74 desta rescisória), não mais consta a conversão, apenas o tempo “puro”. Além disso, em nenhum dos extratos referidos, oportuno destacar, há a indicação, que ordinariamente se vê nos extratos da Autarquia, de “mera simulação”.

Com relação ao erro de fato elencado no art. 485, IX, do CPC, sabe-se que deve ser decorrência da falta de atenção do julgador, e não de even-tual má apreciação da prova. Consiste em admitir um fato inexistente ou considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido (art. 485, § 1º, do CPC). Nas duas hipóteses, também é necessário que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre tal, vale dizer, o acórdão chegou à conclusão diversa em face daquele vício, pois o julgador não teria julgado como o fez, caso tivesse atentado para a prova.

A esse respeito afirma a doutrina de Barbosa Moreira:“(...) o pensamento da lei é o de que só se justifica a abertura da via para a rescisão

quando seja razoável presumir que, se houvesse atentado na prova, o Juiz não teria julgado no sentido que julgou. Não, porém, quando haja ele julgado em tal ou qual sentido, por ter apreciado mal a prova em que atentou.” (in Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v. V, p. 134)

No mesmo sentido é o ensinamento de Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, na obra Código de Processo Civil Comentado e Legisla-ção Processual Civil Extravagante em Vigor, 8. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 912:

“‘Para que o erro de fato legitime a propositura da ação rescisória, é preciso que tenha influído decisivamente no julgamento rescindendo. Em outras palavras: é preciso que a sentença seja efeito do erro de fato; que haja entre aquela e este um nexo de causalidade’ (Sidney Sanches, RT 501/25). Devem estar presentes os seguintes requisitos para que se possa rescindir sentença por erro de fato: a) a sentença deve estar baseada no erro de fato; b) sobre ele não pode ter havido controvérsia entre as partes; c) sobre ele não pode ter havido pronunciamento judicial; d) que seja aferível pelo exame das provas já constantes dos autos da ação matriz, sendo inadmissível a produção, na rescisória, de novas provas para demonstrá-lo.”

Também assim lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

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“A admissão da ação rescisória proposta com base em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa é subordinada aos seguintes requisitos: a) que a sen-tença esteja baseada em erro de fato; b) que esse erro possa ser apurado independente da produção de novas provas; c) que sobre o fato não tenha havido controvérsia entre as partes; d) que não tenha havido pronunciamento judicial sobre o fato.” (Manual de Processo de Conhecimento, 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 691/692)

É bem este o caso dos autos. O n. Relator do acórdão atacado baseou-se em documento do INSS em que desconsiderada conversão do tempo trabalhado em condições especiais para comum, após ter sido este ini-cialmente reconhecido (erro de fato); esse erro pode, e podia já na ação originária, ser apurado sem necessidade de novas provas; sobre o fato não houve controvérsia, porquanto o autor ao ingressar com a ação tinha em mãos documentos da autarquia que reconheciam tempo a mais, só não reconheciam o tempo rural, o qual, sim, foi o objeto da ação originária; e, por fim, não houve pronunciamento judicial sobre o fato porquanto não era objeto da ação.

De outra sorte, pode-se fazer um paralelo com o raciocínio que se faz na ações de restabelecimento de benefício cancelado, em que as Turmas Previdenciárias deste Tribunal têm reconhecido que a Autarquia não pode desconsiderar tempo de serviço já reconhecido, já averbado, por mudança de critérios na avaliação da prova.

Assim a jurisprudência desta Corte:“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. FRAUDE

E MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA. NOVA VALORAÇÃO DA PROVA. RECONHECIMEN-TO DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL.

1. Nos processos de restabelecimento de benefício previdenciário, compete ao INSS o ônus de provar a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório de aposentadoria, pois tal ato se reveste de presunção de legitimidade.

2. O cancelamento de benefício previdenciário fundado tão somente em nova va-loração da prova e/ou mudança de critério interpretativo da norma, salvo comprovada fraude e má-fé, atenta contra o princípio da segurança das relações jurídicas e contra a coisa julgada administrativa .

3. Apelação do INSS e remessa oficial improvidas.” (AC: 200072070021618. 6ª Turma TRF 4. Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle)

Logo, uma vez reconhecido o tempo especial, não poderia o INSS no ano seguinte emitir documento sem aquele reconhecimento por simples mudança de critérios, se não houve fraude ou outra ilegalidade.

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Assim, em juízo rescindendo, tenho que deve ser reformado o acórdão atacado.

Em juízo rescisório, tenho que deve ser condenado o Instituto réu a implantar o benefício de aposentadoria por tempo de serviço ao autor, com 76% da RMI, desde a DER, com o pagamento das parcelas atrasadas até esta data, uma vez que, somando-se o tempo rural reconhecido na ação originária (05 anos, 04 meses e 20 dias) com o tempo reconhecido administrativamente pelo INSS, constante do resumo para cálculo de tempo de serviço emitido na data da DER, 26.05.1998 (25 anos, 09 meses e 29 dias), se chega ao total de 31 anos, 02 meses e 19 dias.

Correção monetária

A atualização monetária das parcelas vencidas deverá ser feita pelo IGP-DI (MP nº 1.415/96 e Lei nº 9.711/98), desde a data dos vencimentos de cada uma, inclusive daquelas anteriores ao ajuizamento da ação, em consonância com os enunciados nos 43 e 148 da Súmula do STJ.

Juros de mora

Dispõe a Súmula nº 75 desta Corte, in verbis: “Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.”

Honorários advocatícios

Os honorários advocatícios a serem suportados pela Autarquia devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, na forma da Súmula nº 76 desta Corte, verbis: “Os honorários advocatícios, nas ações previ-denciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.”

Não há depósito a ser restituído em razão da Assistência Judiciária Gratuita deferida.

Tutela Específica

A 3ª Seção desta Corte já pacificou entendimento quanto à aplicação da tutela específica, conforme julgado assim ementado:

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“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 DO CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRI-MENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.

1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo ‘devedor’ através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), instituído a tutela espe-cífica do direito do ‘credor’ de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.

2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conse-quência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.

3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).

4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente man-damental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, uma vez que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por consequência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.

5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação

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de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.

6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previden-ciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.

7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.” (TRF da 4ª Região, Questão de Ordem na AC Nº 2002.71.00.050349-7/RS, 3ª Seção, rel. Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, rel. para o Acórdão Des. Federal CELSO KIPPER, julgado em 09 de agosto de 2007, publicado em 02.10.2007)

A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os feitos nos quais determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, vio-lação dos arts. 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal de 1988, abordo desde logo a matéria.

Não se cogita de ofensa aos artigos 128 e 475-O, I, do CPC, porque a hipótese, nos termos do precedente da 3ª Seção, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como, a propósito, está expresso na ementa da Questão de Ordem acima transcrita.

A invocação do artigo 37 da Constituição Federal, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente pode-se falar em ofensa ao princípio da moralidade na concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.

Dessa forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os artigos 461 e 475-I, caput, do CPC, e inexistindo embargos infrin-gentes, intime-se o INSS para que, em até 45 dias, implante o benefício, conforme os parâmetros definidos neste Acórdão.

Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação rescisória.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.041077-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo PizzolattiRelator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza

Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

Agravado: Liceu José MarcuzzoAdvogados: Drs. Antonio Neuri Garcia e outro

EMENTA

Agravo de instrumento. Princípio constitucional da colegialidade dos tribunais. Incidência. Conversão em agravo retido. Possibilidade.

1. O juízo de admissibilidade do agravo de instrumento realizado pelo relator não é feito como se fosse órgão autônomo, devendo aplicar-se ao caso o Princípio Constitucional da Colegialidade dos Tribunais.

2. Considerando que da decisão do relator que nega ou dá seguimento a agravo de instrumento não cabe recurso, legítimo o órgão colegiado para reavaliar as condições de admissibilidade do recurso, sob pena de exarar-se decisão exclusivamente monocrática diante de Tribunais colegiados.

3. Não estando presentes os requisitos de lesão grave ou de difícil reparação para o efeito de conhecer do agravo de instrumento interposto, é caso de conversão em agravo retido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o relator, converter o agravo de instrumento em agravo retido, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 31 de março de 2009.Juiz Federal Artur César de Souza, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão que de-

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terminou o imediato restabelecimento do benefício de auxílio-doença (fls. 37 e verso).

Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (fls. 43 e verso). Feitas as intimações, fluiu in albis o prazo para resposta (fls. 44-verso). Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: A decisão inicial que indeferiu o pedido de efeito suspensivo está assim fundamentada:

“[...]Pois bem. Para a concessão do benefício de auxílio-doença é necessária a observância

dos três requisitos presentes no art. 59 da Lei nº 8.213, de 1991: carência, qualidade de segurado e incapacidade temporária.

O primeiro e o terceiro requisitos restam demonstrados: o primeiro pelo documen-to do CNIS, onde constam mais de doze contribuições (fls. 40); e o terceiro por ser incontroverso (fls. 20).

Cumpre, por fim, analisar a suposta não comprovação da qualidade de segurado, erigida pelo INSS como fundamento para o indeferimento administrativo do pedido (fls. 20). Segundo o INSS, cessadas as contribuições em dezembro de 2003, houve a perda da qualidade de segurado em 01.01.2005, antes, portanto, do início da incapaci-dade, fixada em 14.04.2008 pelo perito da Autarquia. Ocorre que, embora cessadas as contribuições em 2003, os documentos trazidos aos autos (notas fiscais de venda de produtos agrícolas, fls. 22-25; certidão de registro de imóvel rural, fls. 28), bem como as declarações particulares (fls. 26, 29, 33-34), permitem razoavelmente concluir que o autor é pelo menos desde 2003 trabalhador rural, em regime de economia familiar. Dessarte, não se apresenta verossímil concluir pela perda da qualidade de segurado.

Ausente, pois, a relevância do fundamento do recurso.Ante o exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo. [...]” (fls. 43 e verso)

Não vislumbro motivo para conclusão diversa, pelo que mantenho a decisão inicial.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza: Estabelece o artigo 527, inciso II, do Código de Processo Civil:

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“Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:

I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557.II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar

de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa;

III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em anteci-pação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;

IV - poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;

V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob pena de registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede do tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial;

VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos do incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar.”

A questão que se coloca é se as hipóteses dos incisos I a VI do artigo 527 são de competência exclusiva e restrita do relator monocrático, ou se a Turma (órgão colegiado) pode delas novamente conhecer quando do julgamento do agravo de instrumento, adotando posicionamento diverso da decisão liminar proferida pelo Relator.

Mais precisamente, indaga-se se a Turma (órgão colegiado) pode con-verter o agravo de instrumento em retido, após ter o Relator reconhecido, liminarmente, que a decisão de primeiro grau é suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

Antes de mais nada, deve-se definir qual a natureza jurídica da decisão, que, ao invés de converter o agravo de instrumento em retido, conhece do recurso quando diante de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

Na verdade, essa condição estabelecida pela Lei 11.187/05 apresenta a natureza de uma condição ou juízo de admissibilidade do recurso de

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agravo de instrumento, que é feito liminarmente pelo relator. Trata-se de um mecanismo de economia processual, para que não se admita o conhecimento do agravo de instrumento quando não presentes os requi-sitos de lesão grave e de difícil reparação.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“Juízo de admissibilidade. Ao relator, na função de juiz preparador de todo e qualquer recurso do sistema processual civil brasileiro, compete o exame do juízo de admissi-bilidade desse mesmo recurso. Deve verificar se estão presentes os pressupostos de admissibilidade (cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer). Trata-se de matéria de ordem pública, cabendo ao relator examiná-la de ofício. Pelas novas regras o relator tem, também, o juízo de mérito do recurso (e da remessa necessária - STJ 253), em caráter provisório...” (In: Código de Processo Civil Comentado, 10. ed., revista e ampliada, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 960)

Contudo, o relator, quando profere decisão liminar sobre o juízo de admissibilidade do agravo de instrumento na função de juiz preparador de todo e qualquer recurso do sistema processual civil brasileiro, não o faz como se fosse um órgão autônomo ou dissociado da composição Consti-tucional dos Tribunais, pois não existe Tribunal de uma pessoa só.

Por isso, a função delegada conferida pela Lei ao relator não retira do órgão colegiado a prerrogativa de dela tratar novamente. Trata-se, na verdade, da aplicação do Princípio Constitucional da Colegialidade dos Tribunais. Sobre o aludido princípio, assim decidiu o STJ:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 754.193 – SP (2006/0067773-2) RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX AGRAVANTE: NATHÁLIA MARIA FERRAZ CORAZZA BARROS HA-

DDAD ADVOGADO: NELSON EDUARDO BITTAR CENCI E OUTROS AGRAVADO: CENTRO DE CIÊNCIAS MÉDICAS E BIOLÓGICAS DE SO-

ROCABA DECISÃO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO

MONOCRÁTICA DE RELATOR EM LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO REGIMEN-TAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE DAS DECISÕES.

1. É cabível a interposição de agravo regimental contra qualquer decisão mono-crática de relator de tribunal.

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2. Ainda que inexista previsão no Regimento Interno do Tribunal de Segunda Instância, esta Corte Superior consagrou o entendimento de que o art. 39 da Lei nº 8.038/90, que disciplina o cabimento do agravo interno contra decisão singular proferida por membro do Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, deve ser aplicado, por analogia, aos demais tribunais pátrios.

3. ‘A decisão monocrática de relator indeferindo antecipação de tutela recursal em agravo de instrumento interposto perante tribunal de segunda instância pode ser impugnada por recurso interno ao colegiado. Aplicação do princípio constitucional da colegialidade dos tribunais e do art. 39 da Lei 8.038, de 1990.’ (MC 6566, Rel. Min. Teori Zavascki)

(...).6. É da natureza dos tribunais superiores o exercício colegiado da jurisdição.

Consectariamente, se a lei ou o Regimento conferem a um dos membros do Tribunal, por razões de urgência e de abreviação do serviço judiciário, o exercício de função jurisdicional, ele a desempenha em nome do colegiado, mas sem poder tolher o aces-so do jurisdicionado ao colegiado, que é o juiz natural da causa. Por isso, jamais se cogitou considerar inconstitucional a previsão de agravos nos regimentos internos dos tribunais.

7. Precedentes: AgRg no AG n. 556508/TO, de minha relatoria. DJ. 30.05.2005; AG n. 712619/PI. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. DJ. 10.11.2005; Ag no AG n. 421168/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ. 24.06.2002.”

No voto do Ministro Luiz Fux, encontra-se a seguinte passagem, que é pertinente à presente questão:

“(...)Partilha desse mesmo entendimento o Min. Athos Gusmão Carneiro, senão veja-

mos:‘Assim, é de entender-se que a competência do relator, ao decidir a questão inter-

locutória, é exercida, em tais casos, por mera ‘delegação’ do colegiado – e não como competência instituída em lei; portanto, o agravo interno ‘regimental’ apresenta-se, a rigor, não como um recurso, mas sim como um pedido de ‘integração’ da vontade do órgão legalmente competente para apreciar a matéria.’ (Egas Moniz de Aragão, RT 315/130) (In Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, 3. ed., p. 276)

No mesmo sentido, sustentou o E. Ministro Teori Albino Zavascki em sede doutri-nária (Antecipação de Tutela, Saraiva, 1997, p. 218).

‘no caso específico de mandado de segurança originário, ao relator compete prati-car atos de instrução do processo (art. 14 da Lei n. 1.533, de 1951). Assim, quando os regimentos internos, ou mesmo a lei, ampliam o âmbito das atribuições monocráticas, conferindo ao relator poderes decisórios, seja para conceder ou negar liminares, seja para extinguir o processo sem julgar o mérito, seja, até, para julgá-lo improcedente em certos casos, estão, na verdade, delegando atribuições que são próprias do tribunal

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como órgão de deliberação colegiada. Em casos tais, consequentemente, a recorribili-dade da decisão para a Turma, Câmara, Seção, Corte Especial ou Plenário é condição indispensável à legitimidade constitucional da norma de delegação. De tais premissas decorre que a antecipação dos efeitos da tutela, mediante decisões liminares do relator no curso do processo de mandado de segurança originário, as quais, evidentemente, não podem ser consideradas simples atos de instrução, são necessariamente sujeitas a controle pelo órgão colegiado, independentemente de previsão específica do regimento interno ou da lei.”

Eis também, nesse sentido, a seguinte lição de Leonardo Greco, in Revista Dialética de Direito Processual, p. 102-103, in verbis:

“Vejo no princípio da colegialidade não uma garantia individual do jurisdiciona-do, mas uma garantia estrutural, especialmente nos sistemas, como o nosso, de juiz monocrático de 1º grau. Que probabilidade de acerto e justiça tem uma decisão de um só juiz, revista também por um só juiz? O aumento da probabilidade de acerto e de justiça da decisão, que constitui um dos fundamentos do princípio do duplo grau de jurisdição, fica grandemente comprometido pela monocratização dos julgamentos das instâncias superiores (...).

A colegialidade é também um importante fator de busca da legitimidade do Judici-ário, ou seja, de persuasão do jurisdicionado de que a sua causa foi julgada por uma junta de juízes, que discutiram a matéria procurando em conjunto encontrar a solução mais justa: juízes que revelaram o direito das partes no exercício mais autêntico do mandato recebido do povo e sob o mais eficaz mecanismo de controle, aquele que cada julgador exerce sobre o comportamento dos demais, porque a decisão que todos buscam vai influir na reputação de cada um.”

No presente caso, o princípio constitucional da colegialidade das decisões torna-se ainda mais necessário, em face de que não cabe recurso da decisão do relator que dá seguimento ao agravo de instrumento por entender que estão presentes os pressupostos de lesão grave e de difícil reparação. Como não há recurso dessa decisão, com maior razão deve-se legitimar o órgão colegiado (juiz natural) para reavaliar as condições de admissibilidade do recurso, sob pena de se estar diante de uma decisão exclusivamente monocrática diante de Tribunais colegiados.

Na verdade, o relator, quando atua monocraticamente, fá-lo, conforme afirma Pontes de Miranda, como presentante do órgão colegiado a que pertence. Nesse sentido leciona Nagib Slaibi Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professor da Universidade Salga-do de Oliveira (UNIVERSO), livre-docente em Direito do Estado pela

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Universidade Gama Filho:“É constitucional tal poder relatorial, como decidiu o Supremo Tribunal Federal,

mesmo porque não se consegue extrair do texto constitucional o princípio da colegia-lidade das decisões em país onde a justiça de primeiro grau é quase exclusivamente monocrática: ‘Tem legitimidade constitucional disposição regimental que confere ao relator competência para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso, desde que as decisões possam ser submetidas ao controle do colegiado.’ (Pleno, Ag. 151354-3, MG, relator o Ministro Néri da Silveira, julgado em 18.02.99, unânime)

O referido precedente do Excelso Pretório, consoante o disposto no art. 481, pa-rágrafo único, do Código de Processo Civil, tem evidentes efeitos vinculantes para os demais tribunais, pois, em face do princípio da reserva de plenário instituído pelo art. 97 da Lei Maior, os órgãos fracionários ficam inibidos de submeter ao Pleno ou ao Órgão Especial a arguição de inconstitucionalidade incidental do mencionado art. 557 do Digesto Processual, se houver sobre o tema precedente manifestação do Pleno da Suprema Corte.

Note-se que a constitucionalidade depende de circunstância relevante, qual seja, que a decisão do relator possa ser submetida ao controle do colegiado. Daí se extrai que o poder monocrático do relator é derivado do poder do colegiado, a quem o re-lator ‘presenta’ e que a vontade manifestada pelo relator não é a sua, mas a do órgão que integra e que dele recebeu delegação...” (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3792, 18 de março de 2009)

Sobre a possibilidade de o órgão colegiado rever a decisão proferida pelo relator nas hipóteses do artigo 527 do C.P.C., ensina Gustavo de Medeiros Melo in http://www.direitoprocessual.org.br/dados/File/enciclopedia/O_recurso_de_agravo_na_nova______sistem%C3%A1tica.doc, 18 de março de 2009:

“5.1 A conversão do recurso e seus desdobramentosImporta examinar a natureza do ato de conversão do recurso. Tecnicamente, o que

significa a conversão? A conversão traduz tão somente uma mudança na forma de processamento do recurso. Converter um agravo de instrumento, por exemplo, não implica negativa de seguimento ao pedido, como também não significa, por automático, já admitir o agravo retido.

O relator não emite juízo de valor definitivo sobre a admissibilidade do recurso, de sorte que o procedimento recursal continua instaurado por força da interposição do pedido. A interposição pendente de análise obsta a preclusão, e a decisão se mantém passível de ser modificada (reformada ou anulada) quando sobrevier o julgamento de mérito do recurso.

Convertendo o recurso, o relator não está negando seguimento como se o mesmo fosse inadmissível. Portanto, a conversão não impede a abertura do procedimento re-

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cursal, mas tão só aquela determinada forma de processamento eleita pela parte, o que implica manter o recurso interposto para que obedeça a um outro regime de tramitação, cuja admissibilidade será aferida posteriormente.

Nessa perspectiva, a Lei 11.187/2005 introduziu algumas alterações no inciso II do art. 527 do Código. A primeira foi para fixar uma imposição ao juiz no sentido de que ele converterá o agravo de instrumento em agravo retido. O que antes aparentava um poder de escolha, embora sem traduzir discricionariedade, o preceito agora passou a impor o caminho da retenção.

A segunda mudança se verifica quanto à exceção estatuída para o regime retido. A Lei 10.352/2001 dizia que só não haveria sobrestamento quando o recurso tratasse de provisão jurisdicional de urgência ou quando houvesse perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação.

Com outra linguagem, a nova lei abandonou o termo provisão jurisdicional de urgência, certamente pelo peso da crítica que lhe foi endereçada na doutrina, e arru-mou o texto para afirmar que o relator converterá o agravo de instrumento em retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa (CPC, art. 527, II, com redação da Lei 11.187/2005).

Como exceção à regra, a situação de urgência continua a justificar o endereçamento imediato do agravo no tribunal respectivo. O requisito do perigo da demora (periculum in mora) se mantém como válvula de autorização para o processamento destrancado do recurso, além das hipóteses correspondentes ao juízo negativo de admissibilidade da apelação e aos efeitos com que é recebida pelo órgão de primeiro grau.

Somado a isso, pode-se dizer que, mesmo implantada a regra geral do agravo retido, as hipóteses excepcionais do art. 522 do CPC, que impõem a tramitação do instrumento, não são exaustivas.

A doutrina, com reflexo na jurisprudência do STJ, tem observado que após a sen-tença de mérito, na fase de execução, onde normalmente não se interpõe apelação (a não ser em sede de embargos ou da impugnação de que trata a Lei 11.232/2005), não faz sentido exigir a forma retida do agravo. O recurso em apenso seria inócuo para resolver o problema.

É necessário, todavia, registrar que não basta a simples afirmação do recorrente. Ao agravante compete demonstrar a situação de urgência que exige o processamento do recurso em segundo grau. Em contrapartida, a norma impõe ao relator o dever de sobrestar o recurso quando constatar, de forma fundamentada, que o caso se enquadra na regra geral, não reclamando processamento perante o órgão colegiado.

A conversão deve ser feita de ofício, desde que suficientemente visível ao órgão destinatário a desnecessidade de tramitação do recurso pela Corte de Justiça. Tenha-se presente que por órgão destinatário se compreende tanto a figura do relator quanto o próprio colegiado. Quando em mesa de julgamento, a Câmara ou Turma pode redis-

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cutir os pressupostos do regime retido e, se for o caso, determinar o apensamento do feito nos autos de origem...”

Assim, tendo o órgão colegiado legitimidade constitucional em face do princípio da Colegialidade das decisões dos Tribunais, até final jul-gamento do recurso, a possibilidade de manter em constante análise as condições de admissibilidade do recurso, percebo que, no presente caso, não estão presentes os requisitos de lesão grave ou de difícil reparação para o efeito de conhecer do agravo de instrumento.

No caso, entendo que o INSS, agravante, não demonstrou satisfatoria-mente que a decisão de primeiro grau pode efetivamente causar-lhe, até a realização da prova pericial em juízo (a qual irá definir com segurança a existência ou não de incapacidade), lesão grave e de difícil reparação.

O simples fato de ocorrer pagamento em dinheiro por parte da autar-quia previdenciária, por si só, não significa lesão grave e de difícil repa-ração, pois se assim fosse, todas as decisões de urgência concedida contra o INSS seriam revistas pelos tribunais com base nesse argumento.

Na verdade, o agravante pretende transferir ao tribunal a instrução processual, pois a questão da existência ou não de incapacidade será dirimida pela prova pericial.

Não demonstrados os requisitos de lesão grave e de difícil reparação, entendo que é caso de converter o agravo de instrumento em retido.

Ante o exposto, voto por converter o agravo de instrumento em retido.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2006.70.05.004081-2/PR

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Apelante: Itaipu BinacionalAdvogado: Dr. Reinaldo Chaves Rivera

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 1ª VF e JEF Criminal de Cascavel/PR

EMENTA

Contribuição previdenciária. Nulidade da sentença. Decadência. Prazo aplicável. Termo inicial. Tratado de Itaipu. Gastos com educação. Honorários advocatícios.

1. Princípio recorrente na disciplina processual, o “livre convenci-mento motivado” estabelece que o Juiz é soberano na análise e na valo-ração das provas para a formação do seu convencimento, permanecendo limitado à exposição dos motivos que embasam o provimento enunciado (art. 131 do CPC c/c art. 93, IX, da CF).

2. In casu, o Juízo de 1º grau entendeu suficientes os elementos acostados aos autos para o julgamento da demanda, concluindo pelo afastamento da tese do prazo de 10 anos (5+5) para a constituição do crédito tributário e pela sua contagem na forma do art. 150, § 4º, CTN. Agravo retido desprovido.

3. O cômputo da decadência para o lançamento das contribuições

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previdenciárias é quinquenal, nos termos da Súmula Vinculante nº 8 do STF.

4. A NFLD impugnada refere-se a créditos de contribuições pre-videnciárias incidentes sobre gastos com educação em benefício dos segurados e dependentes a seus serviços, no período de janeiro/1994 a dezembro/2003. Ao contrário do que afirma o INSS, houve a declaração e o pagamento parcial das contribuições devidas, de modo que o prazo de-cadencial deve ser contado de acordo com o artigo 150, § 4º, do CTN.

5. Dessa forma, como a parte autora foi notificada do lançamento apenas em 02.06.2004 (protocolo constante à fl. 87), operou-se a de-cadência do direito de constituir o crédito relativo aos fatos geradores anteriores a 02.06.1999.

6. No que tange à abrangência do Tratado de Itaipu em face das con-tribuições previdenciárias, a matéria foi abordada por esta Turma nos autos do processo nº 2006.70.05.004076-9 (Rel. Des. Federal Luciane do Amaral Corrêa Münch). Segundo entendimento então firmado, o artigo XII, alínea c, do Tratado de Itaipu restringe-se a impostos, taxas e empréstimos compulsórios, espécies tributárias bem definidas na lei, na doutrina e na jurisprudência. Além disso, o Protocolo Adicional ao Tratado Brasil-Paraguai (Decreto nº 74.731/74, art. 2º, alínea e) estabelece que os direitos e obrigações dos trabalhadores e da Itaipu em matéria de previdência social permanecerão regidos pela lei do lugar da celebração do contrato individual de trabalho, ou seja, pela Lei nº 8.212/91.

7. Regra geral, as bolsas de estudo regularmente concedidas pelos empregadores a seus funcionários, face à sua natureza não salarial, en-contram-se fora do círculo de abrangência do fato gerador da exação.

8. Ocorre que, na hipótese sub judice, esta orientação não se mostra aplicável, diante das particularidades da Política Educacional da Itaipu. Nos termos do referido art. 28, § 9º, alínea t, da Lei nº 8.212/91, os cur-sos de capacitação ou qualificação profissionais devem ser “vinculados às atividades desenvolvidas pela empresa” e “todos os empregados e dirigentes tenham acesso ao mesmo.”

9. Consoante bem destacado na sentença apelada, até o ano de 1999, o ‘auxílio-educação’ era destinado somente aos empregados da Itaipu e seus dependentes, lotados na cidade de Foz do Iguaçu. Entre os anos 2000 e 2003, permaneceram as mesmas condições do período anterior,

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com acréscimo dos empregados lotados em outras cidades além de Foz do Iguaçu, mediante certas condições.

10. De outra monta, os gastos com educação de dependentes dos empregados da Itaipu indicam que os investimentos não se limitam à mera qualificação dos seus funcionários.

11. Trata-se, por conseguinte, de uma forma de retribuição financeira, pois o recebimento do auxílio faz com que os empregados evitem gastos adicionais em seus orçamentos.

12. Configurada a hipótese do caput do art. 21 do Código de Processo Civil, deve haver a compensação total dos honorários advocatícios, ante a sucumbência recíproca e equivalente.

13. Apelação do INSS e remessa oficial desprovidas. Apelação da parte autora parcialmente provida para reconhecer a decadência do direito de constituir o crédito relativo aos fatos geradores anteriores a 02.06.1999.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido da parte autora, à apelação do INSS e à remessa oficial, bem como dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taqui-gráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de abril de 2009.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Trata-se de ação ordinária ajuizada por Itaipu Binacional contra o INSS buscando a anulação de lançamento fiscal relativo a contribuições previdenciárias não recolhidas em face de gastos com educação.

Narrou a parte autora que em maio de 2004 teve lavrada contra si a NFLD nº 35.707.607-9, referindo como fato gerador das contribuições a remuneração indireta, na forma de utilidades, de gastos efetuados com a aplicação da política educacional prevista em acordos coletivos no período de 01/1994 a 12/2003. Alegou a impossibilidade jurídica

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da cobrança uma vez caracterizada a hipótese de não incidência das contribuições previdenciárias. Defendeu que a exação amolda-se no conceito-quadro de imposto e o Tratado de Itaipu veda aplicação de impostos, taxas e empréstimos compulsórios de qualquer natureza so-bre os lucros, pagamentos e remessas efetuados pela Itaipu Binacional. Sustentou que o INSS não detém competência constitucional ou legal para respectiva exigência e arrecadação do tributo. Asseverou a deca-dência do direito para constituir os créditos. Aduziu que a legislação delimita o campo de incidência da contribuição previdenciária sobre as remunerações “destinadas a retribuir o trabalho”, de forma que os gastos com educação, além de despidos de habitualidade, não possuem natureza salarial. Postulou a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para que o réu se abstenha de dar prosseguimento à cobrança, bem como para que obtenha certidão negativa de débito quando o óbice estiver fundado na NFLD questionada. Pleiteou o reconhecimento da insubsistência do débito e a anulação do lançamento fiscal. Atribuiu à causa o valor de R$ 17.824.298,46 (valor da exigência na data da lavratura da notificação em 28.05.2004).

O Juízo a quo indeferiu o pedido de antecipação de tutela às fls. 341-344.

Contra a decisão foi interposto agravo de instrumento, ao qual esta Tur-ma deu parcial provimento, suspendendo a exigibilidade das contribui-ções relativas a fatos geradores anteriores a 28.05.1999 pela decadência. Quanto aos demais fatos geradores, determinou a expedição de certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, desde que inexistentes outros óbices e após formalizada a garantia (fiança bancária).

Oferecida a fiança bancária e ausente de impugnação, foi determi-nada a expedição da certidão por parte do Juízo de 1º grau (fl. 502). Na oportunidade, determinou a conclusão para sentença, tendo em vista o julgamento antecipado da lide.

A Itaipu Binacional interpôs agravo retido (fls. 496-499) invocando a ocorrência de cerceamento de defesa e a necessidade de produção de prova pericial.

Sobreveio sentença julgando parcialmente procedente o pedido para reconhecer a decadência do direito de constituir os créditos tributários relacionados a fatos geradores anteriores a 28.05.1999. Diante da su-

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cumbência recíproca, foram compensados os honorários advocatícios. Houve, ainda, a condenação do INSS ao reembolso de metade das custas adiantadas pela parte autora (fls. 509-514).

Opostos embargos de declaração pela parte autora, foram acolhidos para deferir a expedição de ofício à Procuradoria do INSS determinando a suspensão do registro da empresa no CADIN (fl. 541).

Apelou o INSS afirmando o prazo decenal para a contagem da deca-dência. Aduziu que apenas as competências anteriores a 01.01.1999 en-contram-se fulminadas pela decadência, e não as anteriores a 28.05.1999, uma vez que o termo inicial da contagem não é exatamente a data do fato gerador, mas sim o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido lançado (art. 173, I, CTN).

A parte autora interpôs apelação arguindo a nulidade da sentença diante da necessidade de perícia para demonstrar o recolhimento das contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento. Afirmou a decadência do fato gerador de maio/1999, já que a notificação foi recebida apenas em 02.06.2004. Reiterou as alegações expendidas na inicial quanto aos efeitos jurídicos do tratado internacional e sobre a não incidência de contribuições previdenciárias sobre gastos com educação. Requereu a reforma da sentença e a procedência da ação, redistribuindo-se os ônus de sucumbência.

Contrarrazões das partes às fls. 609-620 e 623-634.Noticiado o ajuizamento da ação de execução f iscal nº

2007.70.02.005594-5, com base na NFLD ora impugnada, foi infor-mada a garantia daquele débito mediante carta de fiança e pleiteado o desentranhamento da carta de fiança nestes autos.

O pedido foi deferido à fl. 700, efetuando-se a entrega ao procurador da parte autora.

Em 20 de fevereiro do corrente ano, o ilustre Des. Federal Otávio Roberto Pamplona determinou a redistribuição do processo em face da prevenção deste Juízo pelo julgamento do agravo de instrumento nº 2006.04.00.037416-9.

Vieram os autos conclusos para apreciação dos recursos e da remessa oficial.

É o relatório.

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VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida:

Agravo retido

Tendo em vista o requerimento de julgamento do agravo retido, co-nheço do recurso e passo a apreciá-lo.

Defende a agravante o cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide e a não produção de prova pericial requerida.

A alegação não deve prosperar.Com efeito, o juiz é incumbido de diversos poderes na condução do

processo, tendo em vista, sempre, a adequada prestação jurisdicional. Entre tais poderes, inclui-se a direção instrutória do feito, referida no art. 130 do CPC (“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”).

Por consequência, abre-se a possibilidade do julgamento antecipado da lide, previsto no art. 330 do Código de Processo Civil:

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de

fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;II - quando ocorrer a revelia (art. 319).”

Princípio recorrente na disciplina processual, o “livre convencimento motivado” estabelece que o Juiz é soberano na análise e valoração das provas na formação do seu convencimento, estando limitado pela expo-sição dos motivos que embasam o provimento enunciado (art. 131 do CPC c/c art. 93, IX, da CF).

In casu, a parte autora alega a necessidade da realização da perícia para comprovar o recolhimento de contribuições previdenciárias sobre folha de pagamento e a aplicação do art. 150, § 4º, do CTN.

Contudo, o Juízo de 1º grau entendeu suficientes os elementos acos-tados aos autos para o julgamento da demanda, concluindo pelo afasta-mento da tese do prazo de 10 anos (5+5) para a constituição do crédito tributário e pela sua contagem conforme estabelecido no art. 150, § 4º, CTN.

Dessa forma, a hipótese sub judice não configura qualquer nulidade,

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mas sim o exercício das prerrogativas disponíveis ao Magistrado na condução do processo. O risco de modificação do entendimento nas instâncias superiores não induz vício de nulidade.

Isso posto, nego provimento ao agravo retido.

Do prazo decenal

Defende o INSS a incidência do prazo decadencial de 10 anos estabe-lecido no art. 45 da Lei 8.212/91. Todavia, tendo em vista a equiparação das contribuições previdenciárias a tributo e ao disposto no art. 146 da Carta Maior, que remete à lei complementar a competência para esta-belecer normas gerais de legislação tributária, tenho que não poderia se fixar dito prazo mediante lei ordinária.

A questão já foi pacificada nesta Corte, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 2004.04.01.026097-8/RS, consoante ementa que abaixo transcrevo:

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NATUREZA TRI-BUTÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 174 DO CTN. LEI 8.212/91, ART. 46. INCOMPATIBILIDADE VERTICAL COM O ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. As contribuições de Seguridade Social, instituídas com suporte legiti-mador nos arts. 149 e 195 da Carta Política, revelam índole tributária, sobressaindo, por conseguinte, sua submissão aos ditames que disciplinam o Sistema Tributário Nacional talhado pelo Constituinte de 1988. 2. Assentando o art. 146, III, da Lei Maior que cumpre à lei complementar a tarefa de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência (alínea b), e não havendo qualquer questionamento quanto à natureza jurídica de tributo envergada pelas contribuições previdenciárias, diante da ordem constitucional inaugurada em 1988, resulta vedado ao legislador ordinário imiscuir-se nesse mister. O art. 46 da Lei 8.212 /91, portanto, assumindo feição de lei ordinária, não poderia dispor a respeito do prazo de prescrição para a cobrança das contribuições devidas à Seguridade Social. Tendo invadido campo temático reservado à lei complementar, mostra-se incompatível com os ditames constitucionais. 3. Não se pode aceitar o argumento segundo o qual apenas o tratamento geral em torno da prescrição adstringir-se-ia à lei complementar, não exis-tindo veto constitucional a que o legislador ordinário disponha, especificamente, sobre o prazo que se lhe deve emprestar. Deveras, a se enveredar por esta senda, estar-se-ia reconhecendo que a matéria em destaque não se conforma às normas gerais de direito tributário (CF, art. 146 , inciso III). Noutras palavras, não exigiria tratamento uniforme em todos entes políticos da Federação, permitindo que cada Estado, cada Município, disponha, por intermédio de seus Poderes Legislativos, a respeito de qual o lapso inercial que corresponderá à extinção do crédito tributário pela ocorrência da prescrição . Este

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raciocínio, por certo, não se coaduna com a ratio que animou o Constituinte ao fazer inserir, de maneira expressa, o vocábulo ‘prescrição’ na alínea b do inciso III do art. 146 , dentre os temas que devem sujeitar-se à disciplina uniformizante traduzida pela lei complementar federal. 4. A circunstância de haver disposição contida no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66, art. 174) – que, sabidamente, fora recepcionado pela Carta de 1988 com estatura de lei complementar –, prevendo prazo diverso daquele agasalhado no art. 46 da Lei de Custeio, não transporta a questão para o plano da legalidade. Com efeito, é o legislador constituinte quem demarca o campo temático a ser preenchido pela referida espécie legislativa, incidindo na pecha de inconstitucio-nalidade o legislador ordinário que se proponha a fazê-lo. É dizer, lei ordinária que verse sobre tema reservado, por expressa previsão constitucional, à lei complementar desvela-se inconstitucional. Eventual descompasso com lei complementar já em vigor configura situação meramente secundária, decorrente lógico da incompatibilidade com o ditame da Constituição, não conjurando, mas, ao revés, confirmando a tisna de inconstitucionalidade. 5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 46 da Lei 8.212 /91.” (Corte Especial, Rel. Des. Fed. Welington Mendes de Almeida, decisão unânime, publicada no DJ de 01.02.2006)

Ademais, o STF aprovou o Enunciado da súmula vinculante nº 8 nestes termos: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam da prescrição e decadência de crédito tributário”.

Improcedente o apelo no tópico.

Termo inicial da decadência

No que concerne à fixação do termo inicial do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, a regra é a disposta no art. 173, I, do CTN, segundo a qual “o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados (...) I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”.

Entretanto, há normatização específica para os casos de tributo su-jeito a lançamento por homologação, que, segundo o art. 150 do CTN, “ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade admi-nistrativa” e “opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”. Em tais casos, o prazo decadencial para o lançamento de eventuais diferenças é de cinco anos, a contar do fato gerador, conforme

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estabelece o § 4º do art. 150 do CTN.Segundo o entendimento manifestado pela 1ª Seção do Superior

Tribunal de Justiça, no julgamento unânime do AgRg nos Embargos de Divergência em REsp nº 216.758, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, publicado no DJ de 10.04.2006, a incidência da regra supõe hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o paga-mento do tributo. Em não ocorrendo o pagamento antecipado, não há o que homologar, tendo o Fisco o prazo do art. 173, inc. I, do CTN para constituir o crédito tributário.

Nesse sentido, colho o seguinte trecho do voto:“(...) É a orientação também defendida em doutrina: ‘Há uma discussão importante acerca do prazo decadencial para que o Fisco

constitua o crédito tributário relativamente aos tributos sujeitos a lançamento por homologação. Nos parece claro e lógico que o prazo deste § 4º tem por finalidade dar segurança jurídica às relações tributárias da espécie. Ocorrido o fato gerador e efetuado o pagamento pelo sujeito passivo no prazo do vencimento, tal como previsto na legislação tributária, tem o Fisco o prazo de cinco anos, a contar do fato gerador, para emprestar definitividade a tal situação, homologando expressa ou tacitamente o pagamento realizado, com o que chancela o cálculo realizado pelo contribuinte e que supre a necessidade de um lançamento por parte do Fisco, satisfeito que estará o respectivo crédito. É neste prazo para homologação que o Fisco deve promover a fis-calização, analisando o pagamento efetuado e, entendendo que é insuficiente, fazendo o lançamento de ofício através da lavratura de auto de infração, em vez de chancelá-lo pela homologação. Com o decurso do prazo de cinco anos contados do fato gerador, pois ocorre a decadência do direito do Fisco de lançar eventual diferença. A regra do § 4º deste art. 150 é regra especial relativamente à do art. 173, I, deste mesmo Código. E, em havendo regra especial, prefere à regra geral. Não há que se falar em aplicação cumulativa de ambos os artigos.’ (Leandro Paulsen, Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do Advogado, 6. ed., p. 1011)

‘Ora, no caso da homologação tácita, pela qual se aperfeiçoa o lançamento, o CTN estabelece expressamente prazo dentro do qual se deve considerar homologado o pagamento, prazo que corre contra os interesses fazendários, conforme § 4º do art. 150 em análise. A consequência – homologação tácita, extintiva do crédito – ao transcurso in albis do prazo previsto para a homologação expressa do pagamento está igualmente nele consignada’ (Misabel A. Machado Derzi, Comentários ao CTN, Forense, 3. ed., p. 404)

2. Na hipótese dos autos, o débito é referente a contribuição previdenciária de pe-ríodos anteriores à Emenda Constitucional de 08/77, cuja natureza é de tributo sujeito

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a lançamento por homologação. O Tribunal de origem reconheceu que não existiu declaração nem pagamento na hipótese dos autos (fl. 74). É aplicável, portanto, con-forme a orientação acima indicada, a regra do art. 173, I, do CTN, assim explicitada no voto-condutor do acórdão do primeiro precedente citado:

‘Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de ‘cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador’. A incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, porque lhe faltará objeto; o controle fiscal tem por objeto, sempre, o pagamento antecipado do tributo, resultando ou na respectiva homologação ou no lançamento de ofício das diferenças eventualmente devidas.

Aí a constituição do crédito tributário deve observar não mais o artigo 150, § 4º, mas o artigo 173, I, do Código Tributário Nacional, tal como já decidia a jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos, consolidada na Súmula nº 219, a saber: ‘Não havendo antecipação de pagamento, o direito de constituir o crédito previdenciário extingue-se decorridos 5 (cinco) anos do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador.’

O enunciado é casuísta, na medida em que se refere a contribuições previdenciárias, mas o princípio nele estabelecido abrange todos os tributos lançados por homologação, neste gênero incluído o ICMS.”

Afastando a possibilidade de aplicação concorrente dos arts. 150, § 4º, e 173 do CTN, colaciono o seguinte precedente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. SEGURIDADE SOCIAL. PRAZO PARA CONSTITUIÇÃO DE SEUS CRÉDITOS. DECADÊNCIA. LEI 8.212/91 (ARTIGO 45). ARTIGOS 150, § 4º, E 173, I, DA CF/88. ACÓRDÃO ASSENTADO EM FUN-DAMENTO CONSTITUCIONAL. (...) 8. Com efeito, a Primeira Seção consolidou entendimento no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, no caso em que não ocorre o pagamento antecipado pelo contribuinte, o poder-dever do Fisco de efetuar o lançamento de ofício substitutivo deve obedecer ao prazo decadencial estipulado pelo artigo 173, I, do CTN, segundo o qual o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. 9. Deveras, é assente na doutrina: ‘a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz a adicionar o prazo do artigo 173 – cinco anos a contar do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado – com o prazo do artigo 150, § 4º – que define o prazo em que o lançamento poderia ter sido

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praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador. Dessa adição resulta que o dies a quo do prazo do artigo 173 é, nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do artigo 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica. Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos artigos 150, § 4º, e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação: o art. 150, § 4º, aplica-se exclusivamente aos tributos ‘cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa’; o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento. (...) A ilogicidade da tese ju-risprudencial no sentido da aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º, e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º do art. 150 determinar que considera-se ‘definitivamente extinto o crédito’ no término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Qual seria, pois, o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo de decadência do direito de lançar, quando o lançamento já não poderá ser efetuado em razão de já se encontrar ‘definitivamente extinto o crédito’? Verificada a morte do crédito no final do primeiro quinquênio, só por milagre poderia ocorrer sua ressurreição no segundo.’ (Alberto Xavier, Do Lançamento. Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, Rio de Janeiro: Forense, 1998, 2. ed., p. 92 a 94). 10. Dessa sorte, como o lançamento direto (artigo 149 do CTN) poderia ter sido efetivado desde a ocorrência do fato gerador, é do primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao nascimento da obrigação tributária que se conta o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, na hipótese, entre outras, da não ocorrência do pagamento antecipado de tributo sujeito a lançamento por homologação, independen-temente da data extintiva do direito potestativo do o Estado rever e homologar o ato de formalização do crédito tributário efetuado pelo contribuinte (Precedentes da Primeira Seção: AgRg nos EREsp 190287/SP, desta relatoria, publicado no DJ de 02.10.2006; e EREsp 408617/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha, publicado no DJ de 06.03.2006). (...)” (REsp nº 761908/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, decisão unânime, publicada no DJ de 18.12.2006)

Tem-se, assim, diversas hipóteses de contagem da decadência e da prescrição:

a) lançamento de ofício (art. 149 do CTN) e lançamento por declara-ção (art. 147 do CTN): a contagem dos prazos se dá na forma dos arts. 173 e 174 do CTN;

b) lançamento por homologação (art. 150, § 4º, do CPC): nos casos em que o sujeito passivo antecipa o pagamento, o Fisco tem cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, para realizar o lançamento ex officio,

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não o fazendo, há a homologação fictícia da atividade do contribuinte;c) constituição por declaração do sujeito passivo: a entrega da declara-

ção constitui o crédito tributário, não havendo mais falar em decadência quanto ao que foi declarado, iniciando-se o prazo prescricional a partir da entrega da declaração. As diferenças porventura existentes deverão ser lançadas de ofício, consoante a primeira hipótese descrita.

No caso dos autos, a NFLD refere-se a créditos atinentes às contribui-ções previdenciárias incidentes sobre gastos com educação em benefício dos segurados e dependentes a seus serviços, no período de janeiro/1994 a dezembro/2003.

Ao contrário do que afirma o INSS, houve a declaração e o pagamento parcial das contribuições devidas, de modo que o prazo decadencial deve ser contado de acordo com o artigo 150, § 4º, do CTN. Tal circunstân-cia, encontra-se reconhecida na via administrativa, ainda que no voto vencido proferido pela Quarta Câmara de Julgamento: “De igual sorte, e ao que indica o manuseio do procedimento administrativo, houve o recolhimento de contribuição naquela época por parte do Recorrente, já que se trata de salário indireto.” (fl. 330)

Logo, como a parte autora foi notificada do lançamento apenas em 02.06.2004 (protocolo constante à fl. 87), operou-se a decadência do direito de constituir o crédito relativo aos fatos geradores anteriores a 02.06.1999.

Considerando-se que a sentença tomou como parâmetro a data de emissão da NFLD (28.05.2004), e não a da efetiva ciência da parte (em 02.06.2004), merece reforma a sentença neste ponto.

Tratado de Itaipu

No que tange à abrangência do Tratado de Itaipu em face das contri-buições previdenciárias, a matéria foi abordada recentemente por esta Turma nos autos do processo nº 2006.70.05.004076-9 (Rel. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch):

“Compulsando os autos, verifico que a sentença, neste tópico, solveu a lide de forma irretocável, motivo pelo qual peço vênia para adotá-la como razões de decidir, verbis:

‘A alegada não incidência tributária prevista no artigo XII, alínea c, do Tratado de Itaipu restringe-se a impostos, taxas e empréstimos compulsórios, espécies tributárias

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bem definidas na lei, na doutrina e na jurisprudência.É bem verdade que, à época da realização do tratado, em 1973, as contribuições

para a Previdência Social não integravam, como hoje, o elenco das espécies tributárias; todavia, já restavam bem definidas como contribuições parafiscais e, assim, perfeita-mente diferenciadas dos conceitos de imposto, taxa e empréstimo compulsório.

Ademais, o Protocolo Adicional ao Tratado de Itaipu, referendado pelo Decreto nº 74.431/74, em seu artigo 2º, alínea e, dispôs que os direitos e obrigações dos traba-lhadores e da Itaipu em matéria previdenciária social reger-se-ão pela lei do lugar da celebração do contrato individual de trabalho.

Assim, não estão as contribuições sociais e as multas relativas ao descumprimento das obrigações acessórias em matéria previdenciária abrangidas pela não incidência, conforme alegado pela demandante, sendo, portanto, plenamente aplicáveis in casu as disposições da Lei nº 8.212/91 e dos Decretos nos 2.803/98 e 3.048/99.

Outrossim, em razão da aplicabilidade da Lei nº 8.212/91, não está a lavratura da notificação do débito condicionada à apreciação do Presidente da República.”

Portanto, a regra de não incidência prevista no Tratado deve ser inter-pretada restritivamente, sem abarcar as contribuições previdenciárias. Além disso, conforme bem destacado na sentença, o Protocolo Adicional ao Tratado Brasil-Paraguai (Decreto nº 74.731/74, art. 2º, alínea e) estabelece que os direitos e obrigações dos trabalhadores e da Itaipu em matéria de previdência social permanecerão regidos pela lei do lugar da celebração do contrato individual de trabalho, ou seja, pela Lei nº 8.212/91.

Dos gastos com educação

Alega a parte autora que os pagamentos efetuados pela Itaipu foram sob forma de gastos não vinculados à retribuição pelo trabalho. Dessa forma, desconfigurada a natureza remuneratória/salarial, restaria invia-bilizada a incidência do art. 28, I, da Lei nº 8.212/91.

Regra geral, as bolsas de estudo regularmente concedidas pelos em-pregadores a seus funcionários, em face da sua natureza não salarial, en-contram-se fora do círculo de abrangência do fato gerador da exação.

Com efeito, os valores pagos pela empresa a seus empregados a esse título não podem ser considerados como salário in natura, por não retri-buírem o trabalho efetivo nem complementarem o salário contratual. O benefício, embora tenha expressão econômica, constitui investimento na qualificação profissional do trabalhador, caracterizando verba empregada para o trabalho que não integra a remuneração do mesmo.

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Por ser um benefício pecuniário pago aos empregados pela empresa com objetivo de incentivar o investimento na qualificação profissional de seus trabalhadores, o auxílio-educação não integra a remuneração do trabalhador, nem o salário-de-contribuição, conforme a alínea t do § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/91, verbis:

“Art. 28 caput (...)§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

(Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)(...)t) o valor relativo a plano educacional que vise à educação básica, nos termos do art.

21 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e a cursos de capacitação e qualificação profissionais vinculados às atividades desenvolvidas pela empresa, desde que não seja utilizado em substituição de parcela salarial e que todos os empregados e dirigentes tenham acesso ao mesmo. (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)”

Diversos são os precedentes colhidos na jurisprudência nesse sentido:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-EDUCAÇÃO DE EMPRESA (FORMAÇÃO PROFISSIONAL INCENTIVADA). VERBAS DE NATUREZA NÃO SALARIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que os valores recebi-dos a título de formação profissional incentivada pelas empresas aos seus empregados não são considerados salários, sendo incabível, portanto, a incidência de contribuição previdenciária.

2. Recurso especial improvido.” (STJ, 2ª Turma, REsp 396.255/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 09.05.2006, DJ 28.06.2006 p. 226)

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. AUXÍLIO-EDUCAÇÃO DE EMPRESA (PLANO DE FORMAÇÃO EDUCACIO-NAL). VERBAS DE NATUREZA NÃO SALARIAL.

(...) 2. Os valores recebidos como ‘formação profissional incentivada’ não podem ser considerados como salário in natura, porquanto não retribuem o trabalho efetivo, não integrando, portanto, a remuneração do empregado, afinal, investimento na qualifica-ção de empregados não há que ser considerado salário. É um benefício que, por óbvio, tem valor econômico, mas que não é concedido em caráter complementar ao salário contratual pago em dinheiro. Salário é retribuição por serviços previamente prestados, e não se imagina a hipótese de alguém devolver salários recebidos. Precedente: (REsp 365398/RS, DJ de 18.03.2002, desta Relatoria). 3. Recurso especial improvido.” (STJ, 1ª Turma, REsp 695.514/PR, rel. Min. José Delgado, DJ 11.04.2005 p. 203)

Ocorre que, na hipótese sub judice, essa orientação não se mostra

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aplicável levando-se em conta as particularidades da Política Educa-cional da Itaipu. Nos termos do referido art. 28, § 9º, alínea t, da Lei nº 8.212/91, os cursos de capacitação ou qualificação profissionais devem ser “vinculados às atividades desenvolvidas pela empresa” e “todos os empregados e dirigentes tenham acesso ao mesmo”.

Consoante bem destacado na sentença apelada:“A Política Educacional, conforme descrita às fls. 192-195 dos autos, indica que,

até o ano de 1999, o ‘auxílio-educação’ era destinado somente aos empregados da Itaipu e seus dependentes, lotados na cidade de Foz do Iguaçu, que estivessem matri-culados no nível maternal, pré-escolar, 1º grau, 2º grau, profissionalizante e especial. Entre os anos 2000 e 2003, permaneceram as mesmas condições do período anterior, com acréscimo dos empregados lotados em outras cidades além de Foz do Iguaçu, e a possibilidade dos empregados obterem tal auxílio para custear o ensino superior, mediante certas condições.

A respeito, note-se que, nos termos propostos na denominada Política Educacional já citada, não existe a vinculação do curso às atividades da empresa autora como con-dição para concessão do benefício. Da mesma forma, o oferecimento aos funcionários em geral somente existe a partir do ano 2000.” (fl. 513)

De outra monta, os gastos com educação de dependentes dos em-pregados da Itaipu indicam que os investimentos não se limitam à mera qualificação dos seus funcionários.

Trata-se, por conseguinte, de uma forma de retribuição financeira, tendo em vista que o recebimento do auxílio faz com que os empregados evitem gastos adicionais em seus orçamentos.

Isso posto, entendo que o auxílio-educação, pago com habitualidade aos empregados que atendam as condições previstas nos acordos cole-tivos, assume caráter remuneratório e, portanto, sujeito à incidência da contribuição previdenciária.

Honorários Advocatícios

Compulsando os pedidos constantes na inicial e tendo em vista julga-mento proferido, possível aferir que a demandante sagrou-se vencedora quanto à decadência de parte dos débitos (prazo de 5 anos), restando venci-da no que se refere ao pedido que buscava a nulidade integral da NFLD.

Dessa forma, configurada a hipótese do caput do art. 21 do Código de Processo Civil, deve haver a compensação total dos honorários ad-vocatícios, ante a sucumbência recíproca e equivalente.

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Prequestionamento

Saliento, por fim, que o enfrentamento das questões apontadas em grau de recurso, bem como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as embasam. Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido da parte autora, à apelação do INSS e à remessa oficial, bem como dar parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer a decadência do direito de constituir o crédito relativo aos fatos geradores anteriores a 02.06.1999.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.00.027163-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio Grande do Sul – SINTRAJUFE/RS

Advogados: Drs. Felipe Neri Dresch da Silveira e outrosApelada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Tributário. Imposto de renda. Abono de permanência. Art. 40, § 19, CF/88. Natureza indenizatória.

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1. Indevida a incidência do imposto de renda sobre o abono de per-manência, previsto no artigo 40, § 19, da Constituição Federal, dada a sua natureza indenizatória.

2. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do re-latório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de novembro de 2008.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de ape-lação interposta pelo Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio Grande do Sul – SINTRAJUFE, contra sentença que indeferiu pedido de isenção de custas e, no mérito, julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento da natureza indenizatória dos valores percebidos a título de abono de permanência e de restituição das quantias descontadas pelo imposto de renda incidente sobre tal parcela, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa (fls. 182/183).

Em suas razões de apelação, alega a parte autora que o fato de serem avaliadas situações individuais dos representados não retira a marca co-mum que une os substituídos, tratando-se, portanto, de ação de natureza coletiva que versa sobre direitos individuais homogêneos, não havendo, decorrentemente, pagamento de custas e honorários advocatícios sucum-benciais, nos termos do disposto nos arts. 87 da Lei nº 8.078/90 e 4º, IV, da Lei nº 9.289/96.

Prossegue, discorrendo sobre o alcance do dispositivo consumeirista e o interesse social presente na demanda e assevera que as parcelas percebidas a título de abono de permanência possuem nítido caráter indenizatório, uma vez que compensam a renúncia do direito do servi-dor em se aposentar voluntariamente. Pondera tratar-se de gratificação

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pessoal, concedida somente a quem completou o requisito temporal para aposentadoria voluntária, mas que opta por permanecer em atividade. Logo, sua percepção não representa acréscimo patrimonial e, via de consequência, não deve sofrer a incidência do imposto de renda. Invoca doutrina e jurisprudência, propugna pela reforma da sentença e a inversão dos ônus sucumbenciais (fls. 186/204).

Foram juntadas contrarrazões.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona:

1 Da prescrição

O prazo para propositura de ação judicial visando à restituição ou à com-pensação de indébito relativo a tributo sujeito ao lançamento por homologação sofreu substancial interferência das disposições trazidas pela Lei Comple-mentar nº 118/2005. Com efeito, o diploma introduziu no sistema tributário regra de interpretação com eficácia retroativa, fixando, em abstrato, o termo inicial da prescrição quinquenal no momento do pagamento antecipado do tributo sujeito a lançamento por homologação (arts. 3º e 4º).

Nada obstante, por ocasião do julgamento do Incidente de Inconstitu-cionalidade na Apelação Cível nº 2004.72.05.003494-7/SC, em que foi relator o Eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, cuja decisão foi publicada no Diário Eletrônico de 29.11.2006, este Tribunal, por sua Corte Especial, declarou a inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/2005.

Assim, restou sedimentado que, nas demandas ajuizadas até 08.06.2005 (termo da vacatio legis da Lei Complementar nº 118/2005), ainda incide a regra dos “cinco mais cinco” para a restituição de tributo sujeito ao lançamento por homologação (art. 150, § 4º, c/c o art. 168, I, do CTN), ou seja, de dez anos a contar do fato gerador.

Para as ações ajuizadas após o término da vacatio legis do referido diploma, no entanto, o prazo decadencial/prescricional de cinco anos conta-se da data do pagamento antecipado do tributo, na forma do art.

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150, § 1º, e 168, inciso I, ambos do CTN, c/c art. 3º da Lei Complementar nº 118/2005.

Não se desconhece, por certo, a decisão tomada pela Corte Especial do Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AI nos Em-bargos de Divergência em REsp 644.736/PE, ocorrido em 06.06.2007, cujo acórdão foi publicado em 27.08.2007, a qual difere daquela tomada pela Corte Especial deste Tribunal no que concerne à aplicação de regra de direito intertemporal, segundo a qual

“o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo”.

Todavia, existindo precedente da Corte Especial deste Regional a respeito da matéria, tal decisão vincula os seus membros relativamente à questão nele debatida, na forma do art. 151 do Regimento Interno des-ta Corte, devendo prevalecer sobre qualquer outro, exceto do Pretório Excelso.

No caso dos autos, tendo sido a demanda ajuizada em 21.07.2006, é de ser aplicado o entendimento trazido pela Lei Complementar nº 118/2005, encontrando-se fulminado o direito à repetição dos valores recolhidos indevidamente no período não compreendido nos cinco anos que precederam a propositura da ação.

2 Da isenção de custas

Postula a parte autora a isenção das custas processuais, com suporte nos arts. 87 da Lei nº 8.078/90 e 4º, IV, da Lei nº 9.289/96. Não obstan-te os argumentos, as disposições do Código de Defesa do Consumidor relativas a tal benesse são inaplicáveis às hipóteses em que o Sindicato pleiteia em juízo direitos da categoria que representa.

Esse tem sido o entendimento adotado tanto por esta Corte quanto pelo STJ, a teor dos seguintes julgados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SINDICATO. ISENÇÃO DE CUSTAS. IM-POSSIBILIDADE.

- Não sendo caso de ação civil pública nem de defesa de direito de consumidor, descabem as isenções de custas a que se referem os arts. 18 da Lei 7.347/85 e 87 da Lei 8.078/90.

- Entidades sindicais, que recebem contribuições, não se caracterizam como pobres,

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no sentido de não poderem pagar as custas do processo.” (AI n° 2003.04.01.042796-0-RS, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, DJU de 25.02.2004)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. VALOR DA CAUSA. ASSISTÊNCIA JUDICI-ÁRIA GRATUITA. EXECUÇÃO. SINDICATO. ILEGITIMIDADE ATIVA.

1. O valor da causa deve refletir a dimensão econômica do pedido, se o magistrado verificar que o valor atribuído à causa não corresponde ao conteúdo econômico buscado na ação, deve determinar à parte que promova a emenda à inicial.

2. A isenção de custas do CDC não alcança o sindicato, especialmente quando não foi ajuizada ação civil pública, e, também, esse é sustentado pela contribuição dos sindicalizados, não se caracterizando como pobre.

3. O sindicato não tem legitimidade ativa para propor ação de execução em nome dos sindicalizados.

4. Agravo de instrumento improvido.” (AI nº 2005.04.01.012744-4/RS, 1ª Tur-ma, Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, julgamento unânime, DJU de 29.06.2005)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO INEXISTENTE. FUNDAMENTOS CONTRÁRIOS AOS INTERESSES DAS PARTES. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. SINDICATO. NECESSIDADE DE COMPRO-VAÇÃO DA MISERABILIDADE JURÍDICA. SÚMULA N° 07 DESTA CORTE. PRECEDENTES. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.

(...)3. O benefício da justiça gratuita à pessoa jurídica somente é concedido em cir-

cunstâncias especialíssimas e quando devidamente demonstrada a situação de mise-rabilidade jurídica.

4. O Tribunal de origem entendeu que o Recorrente não logrou comprovar a in-compatibilidade financeira para arcar com as despesas processuais, e o reexame dessa questão encontra óbice na Súmula nº 07 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Segundo a orientação firmada por esta Corte Superior de Justiça, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública, relativa-mente à isenção de custas, não são aplicáveis às hipóteses em que o sindicato pleiteia em juízo direitos da categoria que representa.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (STJ, REsp 550003 / RS; Relatora Min. LAURITA VAZ, DJ 29.06.2007)

Resta, pois, inacolhida tal pretensão.

3 Do abono de permanência

O abono de permanência, originário de Decreto expedido por D. Pedro

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de Alcântara em 1º.10.1821 e, após sucessivas alterações legislativas, ex-tinto pela Lei nº 8.870/94, foi reintroduzido no sistema jurídico nacional pela Reforma da Previdência, implementada pela Emenda Constitucional n° 41, de 19.12.2003, que conferiu a seguinte redação ao art. 40, § 19, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(...)§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para

aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II.”

Observe-se, a propósito, a previsão do § 1º, II e III, a, do mesmo dispositivo constitucional:

“§ 1º. Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

(...)II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao

tempo de contribuição;III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo

serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, obser-vadas as seguintes condições:

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;”

Por sua vez, a Lei nº 10.887/2004, que regulamenta a EC nº 41/2003, assim dispõe sobre o instituto:

“Art. 7º - O servidor ocupante de cargo efetivo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas na alínea a do inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, no § 5º do art. 2º ou no § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e que opte por permanecer em atividade fará jus a abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal.”

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Assim sendo, ao servidor que preenche os requisitos à aposentadoria por tempo de contribuição, é facultado permanecer em serviço perceben-do referida parcela em valor equivalente à contribuição previdenciária que seria descontada dos seus proventos se optasse pela inativação. A razão de ser da benesse, portanto, é incentivar a permanência do ser-vidor em atividade e neutralizar a contribuição previdenciária em sua remuneração.

Discorrendo sobre o instituto, afirma Marcelo Leonardo Tavares (in Comentários à Reforma da Previdência, Impetus, 2004, p. 54) que

“a lógica do abono reside na economia que a permanência do servidor traz para o orçamento da previdência do regime próprio. Quando o servidor que completou os pressupostos da aposentação integral voluntária permanece no trabalho, a Administração economiza duas vezes: por não ter que pagar a aposentadoria e também por não ter que pagar remuneração para o servidor que será investido no cargo público no lugar daquele que se aposentou.”

4 Da natureza jurídica do abono de permanência

Cabe, então, verificar a natureza jurídica da parcela em comento. De um lado, a parte autora defende a sua natureza indenizatória e a conse-quente inexigibilidade do imposto de renda. De outro, diz a União ser remuneratória, passível de incidência da exação.

Verbas de caráter remuneratório são, segundo ensina Hely Lopes Mei-relles (In Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 2003, p. 458),

“acréscimos ao vencimento do servidor, concedido a título definitivo ou transitó-rio, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam).”

Já nas parcelas com caráter indenizatório, segundo Roque Antônio Carrazza (In Imposto sobre a Renda – perfil constitucional e temas es-pecíficos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 184),

“mostra-se de todo ausente este sentido de acréscimo patrimonial; transparece, ao revés, sua vocação meramente compensatória ou reparatória, por perdas sofridas. (...) a indenização serve para coibir os prejuízos causados, de forma que o equilíbrio patrimonial do credor lesado se restabeleça. O montante da indenização é correlato ao valor do bem lesado: restabelece o equilíbrio rompido pelo causador do dano. Quem

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indeniza repara – isto é, compensa – prejuízos.”

Analisando-se as particularidades do instituto em tela, depreende-se que sua finalidade é indenizar o servidor que abre mão de sua aposen-tadoria para continuar prestando serviços ao Poder Público, assumindo clara feição de verba compensatória por não ter aderido à inatividade. Logo, indiscutível a sua natureza indenizatória.

5 Da incidência do imposto de renda sobre parcelas de caráter indenizatório

No ponto, o fato gerador do Imposto de Renda é assim definido no art. 43 do CTN:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - da renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

Portanto, a ideia de acréscimo patrimonial é essencial na definição do fato gerador do imposto de renda. A incidência do imposto pressupõe sempre aumento patrimonial entre dois momentos de tempo.

Nessa perspectiva, todo pagamento que possua caráter indenizatório estará a salvo da incidência do referido tributo. A indenização representa reposição do patrimônio, e não acréscimo patrimonial.

Em sendo assim, sobre parcelas com natureza indenizatória não incide o imposto de renda.

6 Dos precedentes que reconhecem a natureza indenizatória do abono de permanência

Esta é a linha de entendimento que vem sendo adotada pelos Tribunais pátrios, a exemplo dos seguintes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRU-MENTO. ART. 557 DO CPC. APLICABILIDADE. IMPOSTO DE RENDA. ABONO DE PERMANÊNCIA.

1. Nos termos do art. 557 do CPC, poderá o Relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula

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ou com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

2. Não incide imposto de renda sobre o abono de permanência, pois tal verba não se traduz em acréscimo patrimonial, mas em indenização ao servidor, que permanece em atividade, ainda que apto a se aposentar.

3. Tratando-se de não incidência do imposto de renda sobre verba indenizatória não há de se falar em ofensa aos arts. 43, II, e 176 do CTN.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (TRF/1ª Região, AGRAVO REGIMENTAL NO AI - 200701000514980, Rel. Des. Federal MARIA DO CARMO CARDOSO, DJ 06.06.2008)

“TRIBUTÁRIO. ABONO DE PERMANÊNCIA. ART. 40, PARÁGRAFO 19 DA CF/88 - EC 41/2003. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO IMPOS-TO DE RENDA. VERBA DE NATUREZA INDENIZATÓRIA. PRESUNÇÃO DA NECESSIDADE DE CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO EM FACE DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECOLHIDOS QUE DEVEM SER APURADOS NA LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA.

1. Cuida a hipótese de apelação interposta pela União contra a sentença que jul-gou procedente a ação, para determinar a não incidência do imposto de renda sobre o abono de permanência, bem como condenou a União Federal à repetição dos valores arrecadados indevidamente.

2. A questão cinge-se na incidência ou não do imposto de renda sobre o abonode permanência recebido pelos agentes públicos. Para tanto, necessário se impõe

analisar se o chamado ‘abono de permanência’ possui natureza salarial ou natureza indenizatória.

3. Segundo a norma do art. 43 do CTN, renda tem sentido restrito (produto do ca-pital, do trabalho ou da combinação de ambos) e provento tem sentido residual (outros acréscimos patrimoniais, não decorrentes do capital nem do trabalho).

4. A indenização visa ressarcir direito não fruído em sua integralidade, seja para reparar garantia jurídica desrespeitada, seja em face de outros fundamentos normati-vamente tidos como relevantes.

5. Diante da análise dos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza e de indenização, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e da EC 41/2003, que instituiu o ‘abono de permanência’, bem como da interpretação exegética da voluntas legis, conclui-se que a natureza jurídica do abono de permanência é eminentemente indeniza-tória, na medida em que representa uma compensação em favor do agente público que permanece prestando serviços, indiscutivelmente, no interesse da Administração.

6. Pode-se ainda aplicar ao caso presente o mesmo entendimento pertinente à nature-za indenizatória das férias e licença-prêmio não gozadas por interesse da Administração, no sentido de que em relação a estas não deve incidir imposto de renda, entendimento este já sumulado pelo STJ, por meio das Súmulas 125 e 136 .

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7. Portanto, o agente público que preencher os requisitos para se aposentar, mas que permanecer prestando seus serviços à Administração Pública, tem direito a receber os valores retroativos à data em que cumpriu todos os requisitos da regra de aposentadoria, a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003.

8. No caso presente, os autores requerem a restituição dos valores recolhidos in-devidamente a partir de 2004, quando já vigente a EC nº 41/2003, sendo-lhes devidos tais valores a serem apurados em liquidação de sentença.

9. Apelação e Remessa Oficial improvidas.” (TRF/5ª Região, AC 405252, Relator Des. Federal Petrucio Ferreira, DJ 09.08.2007)

No âmbito deste Tribunal, a matéria também já foi analisada, como segue:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ABONO DE PERMANÊNCIA. ART. 40, § 19, CF/88. NATUREZA INDENIZATÓRIA.

O abono de permanência previsto no artigo 40, § 19, da Constituição, pago ao servidor que já satisfez as condições exigidas para a aposentadoria, mas que opta por continuar em atividade, detém natureza indenizatória, sendo, por isso, indevida a sua tributação pelo imposto de renda.”

(AC nº 2007.71.00.016473-1/RS, Rel. Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS, DE 16.07.2008)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ABONO DE PERMANÊNCIA. ART. 40, § 19, CF/88. NATUREZA INDENIZATÓRIA.

1. O abono de permanência, previsto no artigo 40, § 19, da Constituição, pago ao servidor que já satisfez as condições exigidas para a aposentadoria, mas que opta por continuar em atividade, detém natureza indenizatória, assim, indevida a sua tributação pelo imposto de renda.

2. Apelação e remessa oficial improvidas.” (AC/RN nº 2007.71.00.016471-8/RS, Relator Des. Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, DE 22.10.2008)

Finalmente, assim decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça:“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ABONO PERMANÊNCIA. CF, ART.

40, § 19. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. CPC, ART. 535. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. CPC, ART. 273. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ.

I - Não ficou demonstrada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil.

II - Não está prequestionada a matéria atinente aos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273), sendo inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo (Súmula 211/STJ).

III - O constituinte reformador, ao instituir o chamado ‘abono de permanência’

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em favor do servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria volun-tária, em valor equivalente ao da sua contribuição previdenciária (CF, art. 40, § 19, acrescentado pela EC 41/2003), pretendeu, a propósito de incentivo ao adiamento da inatividade, anular o desconto da referida contribuição. Sendo assim, admitir a tributação desse adicional pelo imposto de renda, representaria o desvirtuamento da norma constitucional.

IV - Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp nº 1.021.817-MG, Relator Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 01.09.2008)

7 Da conclusão

Dessarte, possuindo o abono de permanência natureza jurídica in-denizatória, resta inexigível a incidência do imposto de renda, a contar da data em que preenchidos os requisitos legais previstos pela EC nº 41/2003, observada a prescrição quinquenal.

8 Da restituição

As Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça fir-maram posição no sentido de ter o contribuinte direito à restituição via precatório. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES. PAGAMENTO DE ADICIONAL DE 1/3 SOBRE FÉRIAS INDENIZADAS. REPETIÇÃO DOS VALORES MEDIANTE RESTITUIÇÃO, VIA PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. (...) 5. Autorizada a repetição dos valores mediante restituição, via precatório, sendo desnecessária a comprovação pelo contribuinte de que não houve compensação dos valores indevidamente retidos na declaração anual de ajuste. Orientação sedimentada em ambas as turmas da 1ª seção. 6. Recurso especial provido.” (REsp 771198/PR, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª T., julg. em 03.11.2005, publ. in DJ de 21.11.2005, p. 162)

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - RECURSO ESPECIAL - TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE - APOSENTADORIA COMPLE-MENTAR - ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - RECONHECIMENTO DA ISENÇÃO DO BENEFICIÁRIO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 6º, INCISO VII, ALÍNEA B, DA LEI Nº 7.713/88 - ALEGADA OBSCURIDADE ACERCA DA LI-MITAÇÃO À ISENÇÃO - NÃO OCORRÊNCIA - ALEGADA OMISSÃO QUANTO À REPETIÇÃO DE INDÉBITO - OCORRÊNCIA - DEDUÇÃO DA BASE DE CÁL-CULO DO IR. FACULDADE DO CONTRIBUINTE. LEI Nº 8.383/91. (...) Merece reforma o acórdão a quo no que toca ao deferimento, pela Corte de origem, tão somente da possibilidade de compensação e de retificação das declarações anuais de ajuste para

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dedução das quantias retidas indevidamente. Uma vez julgada procedente a demanda, e por se tratar a presente de ação de repetição de indébito, imperioso que se declare o direito contribuinte à restituição das importâncias indevidamente recolhidas, nos termos do pedido, conforme apurado em liquidação de sentença, sob pena de afronta ao comando insculpido no art. 66, § 2º, da Lei nº 8.383/91. Embargos de declaração acolhidos em parte, tão somente para reconhecer o direito do contribuinte à restituição das importâncias indevidamente recolhidas, nos termos do pedido, conforme apurado em liquidação de sentença.” (EDcl no REsp 662414/SC, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, 2ª T., julg. em 21.06.2005, publ. in DJ de 08.08.2005, p. 279)

Desnecessário, portanto, o refazimento das declarações de ajuste na esfera administrativa, podendo o contribuinte optar pela restituição do indébito pela via do precatório. Neste caso, porém, os cálculos respectivos deverão observar a sistemática de ajustes anuais do imposto de renda, como requer a União Federal, ficando ainda ressalvada a possibilidade de, no momento apropriado, alegar a ocorrência de excesso de execução ao argumento de que o crédito restituendo, ou parte dele, já foi compen-sado por ocasião da declaração de ajuste anual.

9 Da forma de execução

A fim de evitar futura discussão, esclareça-se, a propósito, que nas ações coletivas, quando a questão versar sobre direitos individuais ho-mogêneos, por serem simples direitos subjetivos individuais, divisíveis e integrados ao patrimônio de titulares certos, que exercem com exclu-sividade o poder de disposição, a substituição processual é a exceção, na lição do Exmo. Ministro Teori Albino Zavascki (In Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos, TRJE, v. 159, p. 53-77).

A jurisprudência pátria tem sinalizado por aceitar a substituição no processo de conhecimento, entretanto, para a execução ou o cumprimento da sentença, quando a matéria tratar de direitos individuais homogêneos, a exclusividade de sua disposição é do seu titular, não sendo possível o ajuizamento pela entidade de classe, como substituto processual. A exe-cução necessariamente deve ser manejada pelo sistema de representação. Nesta linha os seguintes precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITI-MIDADE DO SINDICATO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. REPRESENTAÇÃO PRO-CESSUAL. JUNTADA DE FICHAS FINANCEIRAS.

1. Ainda que o Sindicato tenha legitimidade ativa em ação coletiva sobre direitos

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individuais homogêneos, na execução de sentença os titulares devem ser plenamente identificáveis e certos, e, diferentemente do que acontece na ação de conhecimento, o objeto encontra-se perfeitamente divisível. Cabe somente aos titulares exercer com exclusividade o poder de disposição sobre eventuais valores que tenham direito, não se prescindindo a juntada de instrumento de mandato outorgado pelos sindicalizados, constando expressamente os poderes especiais para receber e dar quitação. 2. (...)” (Agravo de Instrumento nº 2004.04.01.003888-1/RS, 1ª Turma, rel. p/acórdão Des. Federal Wellington de Almeida, DJU de 09.02.2005)

“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO. AÇÃO COLETIVA. SUBSTITUIÇÃO PROCES-SUAL. ILEGITIMIDADE.

- O Sindicato não possui legitimidade ativa para, na qualidade de substituto processu-al, ajuizar ação de execução baseada em título judicial produzido em ação coletiva.

- O Sindicato não está legitimado para pleitear em juízo a concretização do direito material que não lhe pertence, salvo se autorizado expressamente por cada titular para atuar em regime de representação.” (AC 200404010143860, Relator LEANDRO PAULSEN, DJ 23.11.2005)

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PELO SINDICATO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVO-CATÍCIOS.

1. Versando a ação coletiva sobre direitos individuais homogêneos, nada impede venha o sindicato substituir seus filiados na fase cognitiva da demanda. Para a execução do julgado, porém, os titulares do direito devem ser plenamente identificáveis e certos, e, diferentemente do que acontece na ação de conhecimento, o objeto encontra-se per-feitamente divisível. Causa uma certa apreensão permitir o pagamento do numerário a quem, em princípio, não detém poderes expressos para receber e dar quitação em nome dos servidores, não prescindindo o caso da juntada de instrumento de mandato outorgado pelos sindicalizados, constando os mencionados poderes especiais. Assim, o sindicato pode promover a execução de sentença coletiva na condição de representante, mas não na qualidade de substituto processual.

2. Mantidos os honorários advocatícios arbitrados na decisão singular, pois fixados em consonância com os parâmetros desta Turma.” (AC nº 2002.71.00.046593-9/RS, Relator Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK, D.E. 30.10.2007)

Na mesma senda caminha o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIFE-

RENÇAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA DE CONTAS DO FGTS. LEGITIMAÇÃO ATIVA DAS ENTIDADES SINDICAIS. NATUREZA E LIMITES. PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO AFIRMADO E DOCUMENTO ESSENCIAL À PROPOSITURA DA DEMANDA. DISTINÇÕES.

1. As entidades sindicais têm legitimidade ativa para demandar em juízo a tutela de direitos subjetivos individuais dos integrantes da categoria, desde que se tratem de

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direitos homogêneos e que guardem relação de pertencialidade com os fins institucio-nais do Sindicato demandante.

2. A legitimação ativa, nesses casos, se opera em regime de substituição processu-al, visando a obter sentença condenatória de caráter genérico, nos moldes da prevista no art. 95 da Lei nº 8078/90, sem qualquer juízo a respeito da situação particular dos substituídos, dispensando, nesses limites, a autorização individual dos substituídos.

3. A individualização da situação particular, bem assim a correspondente liqui-dação e execução dos valores devidos a cada um dos substituídos, se não compostas espontaneamente, serão objeto de ação própria (ação de cumprimento da sentença condenatória genérica), a ser promovida pelos interessados ou pelo Sindicato, aqui em regime de representação.

4. Não se pode confundir ‘documento essencial à propositura da ação’ com ‘ônus da prova do fato constitutivo do direito’. Ao autor cumpre provar os fatos que dão sustento ao direito afirmado na petição inicial, mas isso não significa dizer que deve fazê-lo mediante apresentação de prova pré-constituída e já por ocasião do ajuizamento da demanda. Nada impede que o faça na instrução processual e pelos meios de prova regulares.

5. Em se tratando de ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, que visa a uma sentença condenatória genérica, a prova do fato constitutivo do direito subjetivo individual deverá ser produzida por ocasião da ação de cumprimento, opor-tunidade em que se fará o exame das situações particulares dos substituídos, visando a identificar e mensurar cada um dos direitos subjetivos genericamente reconhecidos na sentença de procedência.

6. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp - 487202, Relator TEORI ALBINO ZAVASCKI , DJ 24.05.2004)

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. LIQUIDAÇÃO E EXECU-ÇÃO DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO, COMO REPRE-SENTANTE PROCESSUAL. 1. Ação ordinária ajuizada por entidade sindical em face da União, com a finalidade de impedir o desconto mensal da contribuição previdenciária para o Plano de Seguridade Social dos servidores públicos federais substituídos, com a majoração de alíquota efetuada pela Lei 8.162/91, bem como obter a condenação da ré na restituição dos valores indevidamente descontados desde julho de 1994. 2. Os sindicatos têm legitimidade para propor a liquidação e a execução de sentença proferida em ação condenatória na qual atuaram como substitutos processuais, caso não promovidas pelos interessados, hipótese em que as referidas entidades atuam em regime de representação processual. 3. Precedente da Corte: REsp 487.202/RJ, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 24/05/2004; 4. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade do recorrente para propor a liquidação e execução da sen-tença, na qualidade de representante processual.” (REsp 637837/RS; Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.03.2005)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO COLETIVA. SINDI-

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CATO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - Os sindicatos que tenham ajuizado ação coletiva, em substituição processual, têm legitimidade ativa para executar a respectiva sentença, mas na qualidade de repre-sentação processual. Precedentes.

II - Agravo interno desprovido.” (AGREsp - 760746, Relator Min. GILSON DIPP, DJ 17.10.2005)

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. EXECU-ÇÃO FISCAL. LIQUIDAÇÃO E LEVANTAMENTOS DOS VALORES. SINDICATO. LEGITIMIDADE. REGIME DE REPRESENTAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.

1. O Sindicato tem legitimidade ativa para atuar no processo de conhecimento como substituto processual de seus filiados. Pode também atuar no processo de execução e na liquidação de sentença, sob o regime de representação processual. Precedentes.

2. Recurso especial desprovido.” (REsp 692987/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 04.12.2006, p. 265)

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. LEGITIMI-DADE ATIVA DO SINDICATO. REGIME DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. REEDIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO ESPECIAL, JÁ ANALISADOS NA DECISÃO AGRAVADA.

I - O Sindicato é parte legítima no processo de conhecimento e nele pode atuar como substituto processual; no processo de execução, os titulares dos direitos individuais homogêneos podem propor a ação por intermédio do Sindicato, quando então este atua como representante. Precedentes: REsp nº 637.837/RS, Relator Ministro LUIZ FUX, DJ de 28.03.2005; REsp nº 487.202/RJ, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 24.05.2004, p. 164.

(...) IV - Agravo regimental não conhecido.” (AAREsp - 794019, Relator Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ 31.08.2006)

Conclui-se, assim, pela possibilidade de o Sindicato promover a execução de sentença coletiva na condição de representante, não como substituto processual.

10 Dos juros e correção monetária

A atualização monetária incide desde a data da retenção indevida do tributo (Súmula nº 162/STJ) até a sua efetiva restituição e/ou compen-sação. Para os respectivos cálculos, devem ser utilizados, unicamente, os indexadores instituídos por lei para corrigir débitos e/ou créditos de natureza tributária. No caso, incidente a SELIC, a partir de 1º de janeiro de 1996, instituída pelo art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, que abrange tanto a recomposição do valor da moeda como os juros.

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11 Das custas processuais

No tocante à devolução de custas, verifica-se que a existência de lei federal determinando a isenção do pagamento pela União não se aplica às hipóteses de restituição de custas despendidas pela parte vencedora, as quais devem ser ressarcidas, integrando o quantum debeatur.

12 Dos honorários advocatícios

No que se refere aos honorários advocatícios, cabe fixá-los em 10% sobre o valor da causa, considerando o disposto no § 4º do art. 20 do CPC e os critérios previstos nas alíneas a, b e c do § 3º do mesmo artigo.

13 Do dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.00.006004-2/PR

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo

Apelante: Pallet do Brasil Ind. e Com. de Artefatos de Madeira Ltda.Advogados: Drs. Daniel Lourenço Barddal Fava e outro

Apelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA

Advogada: Dra. Maria Alejandra Riera Bing

EMENTA

Tributário. Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA. Lei nº 10.165/2000. Mandado de segurança. Necessidade de dilação pro-batória. Poder de polícia do IBAMA. Base de cálculo.

1. A Lei nº 10.165/2000 criou a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, que, conforme o art. 17-B, tem como fato gerador o

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exercício regular do poder de polícia pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA para o controle e a fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

2. Com relação à demonstração de não enquadramento das atividades da apelante como sujeito passivo do tributo, o mandado de segurança não se afigura como via adequada, em face da necessidade de dilação probatória, de modo que o pedido resta prejudicado.

3. No tocante ao valor devido a título da exação, trata-se de tributo fixo, sendo que a tabela constante do Anexo IX, que determina o quan-tum a pagar, apenas reflete o fato de que, quanto maior a dimensão, bem como o potencial de poluição e grau de utilização de recursos naturais da empresa, maior será a demanda pela extensão e intensidade da atividade fiscalizatória prestada pelo IBAMA, em observância aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2008.Juíza Federal Eloy Bernst Justo, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: Pallet do Brasil In-dústria e Comércio de Artefatos de Madeira Ltda. impetrou mandado de segurança pretendendo o reconhecimento da inexigibilidade da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, ante a sua ilegalidade.

Aduziu, em síntese, ter sido a referida taxa instituída por meio da Lei nº 10.165/2000, que modificou o texto da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938/81, no intuito de fiscalizar e controlar atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

Registrou que sua primaz atividade é a de importar e exportar artefa-tos de madeira, prestar serviços de montagem de caixas de embalagens,

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pallet e peças especiais, bem como efetivar tratamento fitossanitário sem agrotóxicos. Nessa linha, indicou não se enquadrar essa atividade no rol daquelas previstas no item 07 (sete) do Anexo III da Lei nº 6.938/81 (com redação dada pela Lei nº 10.165/2000). Destacou que seus servi-ços, que abrangem a transformação da madeira, estão contemplados no item CNAE 2.0, Divisão 16, Grupo 162 e subclasse 1.623-4 do referido Anexo III.

Afirmou que não exerce atividade poluidora, por não beneficiar ou industrializar madeira bruta. Entende indevida, assim, a notificação de lançamento e GRU recebidas, por não serem as atividades empresariais prejudiciais ao meio ambiente.

Consignou ser inconstitucional a tributação e a cobrança da TCFA, assim como não ter havido efetiva fiscalização apta a respaldar a cobran-ça. Insurgiu-se, ainda, quanto aos critérios de quantificação da TCFA, que qualificou de ilegais e inconstitucionais. Requereu a concessão da segurança.

Indeferida a liminar, prestou informações a autoridade coatora. Nessas, alegou falta de interesse de agir da apelante, porquanto não se valeu da via administrativa para excluir o pagamento da TCFA. Mencionou ser inadequada a via eleita, por ausência de direito líquido e certo violado. No mérito, ante o potencial poluidor das atividades da empresa e a utilização de recursos naturais, deduziu refletirem aquelas a hipótese de incidência da TCFA (Indústria de Madeira – fabricação de estruturas de madeiras e móveis). Afirmou ser a cobrança inerente ao seu exercício do poder de polícia. Concluiu pugnando pela denegação da segurança.

A sentença extinguiu o feito sem julgamento de mérito no que tange ao enquadramento das atividades da empresa para os fins da TCFA e, quanto aos demais tópicos, denegou a segurança.

A impetrante apelou, reiterando a ausência de enquadramento das atividades que desenvolve à previsão legal e a inexistência de efetiva fiscalização ambiental do apelado e questionando os parâmetros de quantificação da TCFA, aduzindo seu caráter de imposto.

Com contrarrazões e parecer do Ministério Público Federal pelo des-provimento do recurso, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p.83-424, 2009378

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: A r. sentença não merece reparos, porquanto bem apreciou a lide posta.

I) Sobre o enquadramento das atividades da empresa à previsão legal

Nesse ponto, o M.M. Juízo a quo julgou pela extinção do feito sem resolução de mérito, indeferindo a inicial. Entendeu pela inadequação do mandado de segurança como via eleita pelo impetrante, posto que para definir a natureza do serviço por ele prestado, com a finalidade de afastar a sua inclusão como sujeito passivo da TCFA, seria necessária a análise do conjunto probatório constante nos autos

Com efeito, a via estreita do mandado de segurança impõe que, no momento da impetração, os fatos alegados na inicial estejam demonstra-dos de forma incontroversa. Não comporta, portanto, dilação probatória, impondo-se, em caso de ausência de prova pré-constituída, a extinção do processo sem julgamento de mérito, forte no art. 8ª da Lei n° 1.533/51, c/c 267, I, do CPC.

Feita essa consideração, tenho que do objeto social descrito no contrato social da empresa, em conjunto com os demais documentos acostados aos autos, não exsurge certeza irrestrita acerca do não enquadramento de suas atividades no rol previsto no Anexo VIII da Lei nº 10.165/2000, estabelecedor dos sujeitos passivos da TCFA. A despeito do que alega, a apresentação de tal documentação não afasta por si só a necessidade de exame de elementos probatórios, de modo que a alegada violação a direito líquido não resta demonstrada de plano.

Acrescente-se que, em sede de apelação, não foi apresentada qual-quer oposição a tal entendimento, contentando-se o apelante em apenas repisar suas alegações iniciais no sentido de que não exerce atividade potencialmente poluidora prevista no texto legal.

Dessa forma, considerando a finalidade precípua do mandado de se-gurança, que é a proteção de direito líquido e certo, não prospera a sua pretensão nesse sentido.

II) Sobre o fato gerador

Contesta o apelante a existência de efetiva atividade fiscalizadora que

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enseje a cobrança da TCFA. Nesse sentido, saliento o voto do eminente Min. Carlos Velloso, proferido no RE 416601, o qual pôs uma “pá de cal” na discussão sobre a natureza jurídica da TCFA, afirmando tratar-se de taxa e confirmando que o seu fato gerador é o serviço prestado em face do exercício de poder de polícia, consistente no controle e na fiscaliza-ção das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. Conforme o Informativo 396 daquela Excelsa Corte:

“O Tribunal negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que declarara a constitucionalidade da Lei 10.165/2000, que instituiu a taxa de controle e de fiscalização ambiental – TCFA. Entendeu-se que a Lei 10.165/2000, ao alterar a redação dos artigos 17-B, 17-C, 17-D, 17-F, 17-G, 17-H e 17-I da Lei 6.938/81 – inseridos pela Lei 9.960/2000 e impugnados na ADI 2178/DF (DJU de 21.2.2001), a qual fora julgada prejudicada –, corrigiu as inconstitucionalidades antes apontadas no julgamento da medida cautelar na citada ação direta. Inicialmente, conheceu-se do recurso apenas em relação à alegada violação ao art. 145, II, da CF, em face da ausência de prequestionamento quanto aos demais dispositivos. No mérito, manteve-se o entendimento do acórdão recorrido, salientando-se que a taxa em questão decorre do poder de polícia exercido pelo IBAMA e tem por hipótese de incidência a fiscalização de atividades poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais, sendo dela sujeitos passivos todos os que exerçam referidas atividades, as quais estão elencadas no anexo VIII da lei. Além disso, a base de cálculo da taxa varia em razão do potencial de poluição e do grau de utilização de recursos naturais, tendo em conta o tamanho do estabelecimento a ser fiscalizado, em observância aos princípios da proporcionalidade e da retributividade.” (RE 416601/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 10.8.2005) Grifo meu.

Arrematou, afirmando que:“As taxas, portanto, decorrem do poder de polícia do Estado, ou são de serviço,

resultantes da utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divi-síveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (C.F., art. 145, II). O poder de polícia está conceituado no art. 78, CTN.

No caso, tem-se uma taxa decorrente do poder de polícia exercido pelo IBAMA. Este, assevera Sacha Calmon Navarro Coelho, no parecer transcrito às fls. 374 e seguintes, forte na Lei 6.938/81, art. 10, §§ 1º a 4º, ocupa-se de duas atividades:

‘(...) o licenciamento das atividades poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais, atividade que realiza em caráter supletivo, quando os Estados não o fazem (art. 10, caput), concorrente com estes (art. 10, § 2º), ou exclusivo, para as atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional (art. 10, § 4º); a fiscalização dessas mesmas atividades, para verificar se se desenvolvem nos termos em que autorizadas, o que faz em caráter supletivo, quando Estados e Municípios não

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a empreendem. (...)’ (fl. 375) A hipótese de incidência da taxa é a fiscalização de atividades poluidoras e utili-

zadoras de recursos ambientais, exercida pelo IBAMA (Lei 6.938/81, art. 17-B, com a redação da Lei 10.165/2000).

Tem-se, pois, taxa que remunera o exercício do poder de polícia do Estado.” Grifos meus.

Nesse sentido, para esclarecer a natureza de taxa da TCFA, calha colacionar julgado desta Turma, cujo voto condutor é de lavra do eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira (AC nº 2004.71.04.005520-4/RS, DJU 06.07.2005), salientando-se a seguinte passagem, in verbis:

“(...) Está muito bem posta, nessa sugestão da OAB, a distinção entre taxas de serviços e taxas de polícia, estas decorrentes de serviços prestado à coletividade por provocação resultante de fato do contribuinte. O poder de polícia não é exercido em benefício do fiscalizado, e sim da comunidade, ou de parcela relevante da comunidade; mas é cobrada de quem deu causa à fiscalização.

Havia e há, porém, uma vertente que tende a identificar as duas hipóteses, afirmando que a taxa de polícia só poderia ser cobrada do sujeito passivo quando lhe for prestado um ‘serviço de fiscalização’ específico e divisível. Assim, haveria fato gerador para a taxa de polícia quando, v.g., a autoridade sanitária, após examinar as instalações industriais de uma empresa, lhe concede um alvará, ou um laudo, certificando estar em condições de atuar, sob o ponto de vista da saúde pública. Essa concepção parece ter predominado nos trabalhos da Comissão Especial encarregada de elaborar o Có-digo Tributário Nacional, a partir daquele anteprojeto. Tanto que, ao definir as taxas, restringiu-se visivelmente às taxas de serviços. Transcrevo:

‘Art. 47. São taxas os tributos destinados a remunerar serviços públicos especí-ficos prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, cobrados exclusivamente das pessoas que se utilizem ou beneficiem, efetiva ou potencialmente, do serviço que constitua o fundamento da sua instituição.’

No Relatório apresentado pelo ilustre Prof. Rubens Gomes de Sousa e aprovado pela Comissão, ficou explícita sua orientação ao consignar que da redação do art. 93 do Anteprojeto ‘...eliminou-se ainda a referência a ‘atividades’ da administração pública, porque quando tais atividades se traduzem por serviços específicos, a referência será desnecessária, e, caso contrário, não haverá fundamento para a cobrança de taxas’. Ou seja, as taxas, ainda que de polícia, só seriam taxas se correspondessem a um serviço específico prestado ou posto à disposição dos ‘usuários, efetivos ou potenciais, do serviço cuja instituição constitua o fundamento da taxa’ (ob. cit., p. 159-160).

Faço essa digressão histórica para demonstrar que a discussão sobre os limites do

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fato gerador das taxas não é nova nem despropositada. Mas, a meu ver, é superada, pois o Código Tributário Nacional, em sua redação definitiva, não adotou a fórmula esboçada naquele projeto, fazendo a já conhecida distinção entre taxas de serviços e taxas de polícia, tendo estas como fato gerador o exercício regular do poder de polícia e aquelas, a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição (art. 77). E outra não poderia ser sua redação, porque, embora o projeto do CTN datasse do longínquo ano de 1954, sua conversão em lei só ocorreu no ano de 1966 (Lei nº 5.172, de 25.10.66), quando já vigente a Emenda Constitucional n.º 18, de 01.12.65, cujo artigo 18 já fixara aquele dúplice conceito de taxa. Eis seu texto:

‘Art. 18. Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, cobrar taxas em função do exercício regular do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

Parágrafo único. As taxas não terão base de cálculo idêntica à que corresponda a imposto referido nesta Emenda.’

Assim, a meu ver, desde então já não havia mais espaço para qualquer discussão sobre o âmbito do fato gerador das taxas, estando perfeitamente separadas suas duas espécies. Quanto à taxa de serviços, necessário é que haja sua prestação ou disponibi-lização, e que sejam específicos e divisíveis. Quanto às taxas de polícia, porém, basta que o exercício do poder fiscalizatório do Estado tenha sido necessário em razão de fato do contribuinte. A taxa de polícia não se restringe, portanto, às hipóteses em que o exercício do poder de polícia resulta em um ato administrativo específico no interesse do contribuinte (um alvará, um laudo, etc.).

Isso não significa, porém, que a cobrança da taxa possa ser desvinculada do efetivo exercício do poder de polícia. O art. 145, II, da Constituição e o 77 do CTN apontam como seu fato gerador o exercício do poder de polícia, não bastando, portanto, sua mera potencialidade. A jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal é bastante firme nesse sentido. São palavras do eminente Ministro Moreira Alves:

‘Com efeito, e ao contrário do que afirma o parecer da Procuradoria-Geral da Re-pública, esta Corte só tem declarado inconstitucionais taxas como a presente quando não há o efetivo exercício – que é o que lhe dá o caráter de contraprestação – do poder regular de polícia por parte do município, e não por negar que não tenha ele este poder regular de polícia para instituir taxa de licença para localização e funcionamento, ou taxa para a renovação dessa licença.’ (RE 99638-SP, 2ª Turma, DJ de 16.09.83, p. 14.012)

Não se exige, isto sim, que o efetivo exercício seja materializado em atos admi-nistrativos ligados ao sujeito passivo da exação, mesmo porque o poder de polícia deve ser exercido de forma contínua e permanente, não se exaurindo na concessão de alvarás, laudos e outros atos certificatórios semelhantes, que apenas espelham uma situação de fato datada. O caso da fiscalização ambiental é, aliás, paradigmático, porque o meio ambiente é um sistema em equilíbrio instável mutante, e atividades que,

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num dado momento, não lhe são prejudiciais podem se tornar nocivas pela própria debilitação do sistema. Daí ser necessária a constante vigilância, o permanente estudo e a contínua fiscalização por parte dos órgãos ambientais.

No caso do IBAMA, não só tem ele competência legal para exercer o poder de polícia ambiental (Lei n.º 7.735/89, art. 2º; Lei 6.938, de 31.08.81, art. 6º, II, 10 e § 4º e 19, com a redação dada pela Lei nº 7.804, de 18.07.89; Dec. nº 97.946, de 11.07.89, art. 2º), como notoriamente o vem exercendo, de forma contínua e permanente. Aliás, o exercício do poder de polícia, deferido ao ente público por lei, é de se presumir, cabendo a prova em contrário a quem alegar sua omissão (...).” Grifos meus.

III) Sobre a base de cálculo da TCFA

No tocante ao valor do tributo, prevê o art. 17-D:“Art. 17-D. A TCFA é devida por estabelecimento e os seus valores são os fixados

no Anexo IX desta Lei. (NR) § 1º Para os fins desta Lei, consideram-se: I - microempresa e empresa de pequeno porte, as pessoas jurídicas que se enqua-

drem, respectivamente, nas descrições dos incisos I e II do caput do art. 2º da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999;

II - empresa de médio porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) e igual ou inferior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais);

III - empresa de grande porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais).

§ 2º O potencial de poluição (PP) e o grau de utilização (GU) de recursos naturais de cada uma das atividades sujeitas à fiscalização encontram-se definidos no Anexo VIII desta Lei.

§ 3º Caso o estabelecimento exerça mais de uma atividade sujeita à fiscalização, pagará a taxa relativamente a apenas uma delas, pelo valor mais elevado.”

Esse dispositivo é complementado pelo Anexo IX da Lei, que prevê ser o tributo devido por estabelecimento, pelas pessoas físicas, micro-empresas e empresas de pequeno, médio e grande porte, conforme o potencial de poluição e o grau de utilização dos recursos, de acordo com os valores ali fixados.

Cumpre salientar que se trata de tributo fixo, sendo que a tabela constante do Anexo IX, a qual determina o quantum a pagar, apenas reflete o fato de que, quanto maior a dimensão, bem como o potencial de poluição e grau de utilização de recursos naturais da empresa, maior será a demanda pela extensão e intensidade da atividade fiscalizatória

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prestada pelo IBAMA.Em outras palavras, a relação entre o exercício do poder de polícia

para fiscalização de atividades poluidoras, o efetivo potencial de poluição e grau de utilização de recursos naturais e a receita auferida pelo sujeito passivo estabelece-se pelo fato de que quem mais vende o produto objeto do processo poluidor mais polui e, consequentemente, exige do poder público maior exercício do poder de polícia (AI nº 2002.04.01.004327-2/SC, Segunda Turma, Rel. Des. Federal Vilson Darós, unânime, DJU de 23.05.02 - Bol. 144/02).

Conforme se observa no art. 9º da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a serem imple-mentados pelo IBAMA – órgão formulador, coordenador e executor da mesma (art. 2º da Lei nº 7.735/89), as atividades da autarquia, concernen-tes aos sujeitos passivos da exação, não se restringem ao licenciamento e à revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (inciso IV), mas incluem o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental (inciso I), o zoneamento ambiental (inciso II), a avaliação de impactos ambientais e a manutenção dos Cadastros de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental (inciso VIII) e de Atividades Potencialmente Po-luidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais (inciso XII). Por essas razões, a existência das 15 classes de valores elencadas no diploma que criou a TCFA (indo desde zero para as pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno e médio porte até R$ 2.250,00 para as empresas de grande porte e alto potencial de poluição e grau de utilização de re-cursos naturais) advém do adequado zelo do legislador pela observância dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, tanto que a incidência da taxa se dá por estabelecimento.

Vale dizer: o valor da TCFA é legalmente estabelecido, com base no princípio da capacidade contributiva e da isonomia, levando em conta a dimensão da atividade estatal requerida, sendo que o produto de sua arrecadação custeia tão somente a atividade fiscalizatória do IBAMA direcionada aos próprios sujeitos passivos arrolados no anexo VIII da Lei nº 10.165/2000. Por essa razão, a mesma não se afigura inconstitu-cional, estando em perfeita consonância com os preceitos constitucionais tributários, inclusive o art. 145, § 2º, da Carta Magna.

Nesse mesmo sentido, volto a citar a paradigmático voto do eminente

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Min. Carlos Velloso no RE 416601:“(...) Finalmente, o art. 17-D cuida da base de cálculo da taxa: ela será devida por

estabelecimento e os seus valores são os fixados no Anexo IX, variando em razão do potencial de poluição e grau de utilização de recursos naturais, que será de pequeno, médio e alto, variando para microempresas, empresas de pequeno porte, empresa de médio porte e empresa de grande porte. O tratamento tributário dispensado aos con-tribuintes observa a expressão econômica destes. É dizer, as pessoas jurídicas pagarão maior ou menor taxa em função da potencialidade poluidora da atividade exercida, levando-se em conta, ademais, se se trata de microempresa, empresa de pequeno porte, empresa de médio porte e empresa de grande porte, vale dizer, os defeitos apontados pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da cautelar pedida na ADI 2.178/DF, no que toca à alíquota, então inexistente, foram corrigidos.

Bem por isso, Sacha Calmon, no parecer citado – fls. 374 e seguintes –, opina no sentido da observância, no caso, do princípio da proporcionalidade. Escreve:

‘(...) No particular, duas objeções são lançadas contra a TCFA: a de que varia segun-do a receita bruta do estabelecimento contribuinte, adotando critério de quantificação próprio dos impostos;

a de que seria excessivamente onerosa. É noção cediça que a base de cálculo das taxas deve mensurar o custo da atuação

estatal que constitui o aspecto material de seu fato gerador (serviço público específico e divisível ou exercício do poder de polícia).

Não se pode ignorar, contudo, a virtual impossibilidade de aferição matemática direta do custo de cada atuação do Estado (a coleta do lixo de um determinado do-micílio, ao longo de um mês; a emissão de um passaporte; etc.). O cálculo exigiria chinesices como a pesquisa do tempo gasto para a confecção de cada passaporte e a sua correlação com o salário-minuto dos funcionários encarregados e o valor do alu-guel mensal do prédio da Polícia Federal onde o documento foi emitido, entre outras variáveis intangíveis, de modo a colher o custo de emissão de cada passaporte, para a exigência da taxa correspectiva (que variaria para cada contribuinte, segundo o seu documento tivesse exigido maior ou menor trabalho ou tivesse sido emitido em prédio próprio ou alugado). O mesmo se diga quanto à coleta de lixo: imagine-se o ridículo de obrigarem-se os lixeiros, tais ourives, a pesar com balança de precisão os detritos produzidos dia a dia por cada domicílio, para que a taxa pudesse corresponder ao total de lixo produzido a cada mês pelo contribuinte.

O Direito não pode ignorar a realidade sobre a qual se aplica. O princípio da praticabilidade, tão bem trabalhado entre nós por MISABEL DERZI, jurisdiciza essa constatação elementar, que tampouco passa despercebida ao STF. Nos autos da Representação de Inconstitucionalidade nº 1.077/84, Rel. Min. MOREIRA ALVES, declarou a Corte que não se pode exigir do legislador mais do que ‘equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cálculo estabelecida pela lei e o quantum

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da alíquota por esta fixado’. Ora, é razoável supor que a receita bruta de um estabelecimento varie segundo o

seu tamanho e a intensidade de suas atividades. É razoável ainda pretender que empreendimentos com maior grau de poluição

potencial ou de utilização de recursos naturais requeiram controle e fiscalização mais rigorosos e demorados da parte do IBAMA.

(...).’ (fl. 378) Acrescenta Sacha Calmon que, se ‘o valor da taxa varia segundo o tamanho do

estabelecimento a fiscalizar’, o que implica maior ou menor trabalho por parte do poder público, maior ou menor exercício do poder de polícia, ‘é mais do que razoável afirmar que acompanha de perto o custo da fiscalização que constitui sua hipótese de incidência’, com atendimento, em consequência, ‘na medida do humanamente possível’, dos ‘princípios da proporcionalidade e da retributividade’.

Conclui o mestre mineiro o seu parecer: ‘Oportuno relembrar que uma das principais críticas que se fizeram à TCA, insti-

tuída pela Lei nº 9.960/2000 e declarada inconstitucional pelo STF nos autos da ADIn nº 2.178-8, condenava justamente a indiferenciação do valor da taxa na proporção do porte econômico do contribuinte (voto do Relator, Min. ILMAR GALVÃO).

Quanto à suposta abusividade do valor da TCFA, cumpre registrar que seu montante vai de R$ 50,00 (cinquenta reais), para a microempresa com alto grau de poluição potencial ou de utilização de recursos naturais, até o teto de R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta reais) por estabelecimento de empresa de grande porte também enquadrada no grau máximo de poluição ou utilização.

Não parecem valores excessivos, ainda mais quando se pensa no custo de fiscali-zação de uma plataforma de petróleo em alto mar, que depende de deslocamento em helicóptero, emprego de equipamentos de segurança os mais modernos, grande número de homens e de horas despendidas...

Pense-se também na extensão de uma mina de ferro, na elevada especialização de uma indústria química...

Esclareça-se, por fim, que são apenas vinte as atividades sujeitas à TCFA (cf. Anexo IX da Lei nº 6.938/81), das quais não mais do que seis estão qualificadas como de alto grau de poluição ou utilização, sujeitando o respectivo prestador – se for empresa de grande porte – ao pagamento do valor máximo.’

Perfeito o entendimento do mestre mineiro, do qual, aliás, não destoa a lição de Ives Gandra Martins, que opina pela constitucionalidade, por isso que o projeto que se transformou na Lei 10.165/2000, que deu nova redação à Lei 6.938/81, libertou-se ‘das inconstitucionalidades corretamente detectadas pelo Pretório Excelso’.” (Ives Gandra Martins, Série Grandes Pareceristas - Pareceres Tributários, América Jurídica, 2003, p. 85-100) Grifo meu.

Evidente, assim, o caráter de taxa do tributo em questão, visto que

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é quantificado de acordo com o poder de polícia a ser desempenhado pelo apelado.

Diante do exposto, voto por negar provimento ao apelo.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.025399-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi

Agravante: Sultepa Participações Ltda.Advogados: Drs. Luiz Ricardo de Azeredo Sá e outros

Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Embargos à execução fiscal. Art. 739-a do CPC. Aplicabilidade. Arts. 18, 19, 21, 24 e 32 da Lei 6.830/80. Interpretação lógica. Elementos históricos, racionais e sistemáticos. Occasio legis.

1. O Código de Processo Civil, de 1973, fez dos embargos do devedor um processo separado, ligado ao processo executivo por conexão recí-proca. Quando de sua edição, o Código estabeleceu, como regra geral, que, admitidos os embargos, o processo de execução ficava suspenso.

2. O legislador de 1973, considerado o contexto da época, optou por introduzir regra que mantivesse temporariamente preservado o patri-mônio do devedor, ante a possível modificação da situação preexistente representada pelo desenvolvimento da execução.

3. A Lei 6.830, que regula a execução fiscal, entrou em vigor em 1980, estabelecendo regras próprias para satisfação dos créditos públicos, mas sob o influxo dos princípios e ideias vigorantes no processo civil de então, com expressa previsão, no art. 1°, da aplicação subsidiária do CPC.

4. Os textos dos arts. 18, 19, 21, 24 e 32 da Lei 6.830/80, nos termos

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em que formulados, são decorrência lógica do contexto existente quan-do da edição do referido diploma legal, de aplicabilidade das regras do CPC, que atribuía efeito suspensivo aos embargos de devedor, com a finalidade de preservar o patrimônio do devedor até o julgamento da ação incidental.

5. Em razão das reformas do Código de Processo Civil, o processo de execução e, por consequência, os embargos, sofreram modificações for-mais cujo escopo primordial é tornar mais efetivo o processo. A reforma visou reprimir a má utilização dos meios de defesa do devedor, evitando sua utilização com objetivo de postergar indefinidamente a satisfação do crédito. Daí a introdução de dispositivos no CPC como o art. 739-A, quebrando o paradigma que inspirou o legislador de 1973.

6. Tendo em vista que a lacuna no tocante aos efeitos dos embargos continua existindo, seria incongruente afastar a incidência do art. 739-A do CPC no âmbito da execução fiscal, diante do conjunto de reformas e medidas legislativas implementadas, inclusive no sentido de agilizar a cobrança da dívida ativa do Estado.

7. Além da lacuna, há também a compatibilidade de princípios in-formadores a autorizar a aplicação subsidiária do art. 739-A do CPC no procedimento de execução fiscal.

8. Ausentes os requisitos do § 1º do art. 739-A do CPC, incabível atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos ter-mos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de outubro de 2008.Juiz Federal Marcelo De Nardi, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deixou de atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal. A agravante sustenta a ina-

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plicabilidade do art. 739-A do CPC às execuções fiscais, ao argumento de que há na Lei 6.830/80 “previsão acerca do efeito suspensivo dos embargos, nos termos dos arts. 18, 19, 24 e § 2º do art. 32”. Aduz que o prosseguimento da execução fiscal ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa. Sustenta, ainda, estarem preenchidos os requisitos do § 1º do art. 739-A do CPC.

A agravada apresentou contrarrazões.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi:

Art. 739-A do CPC. Aplicabilidade na execução fiscal.

No Código de Processo Civil – CPC, de 1973, encontra-se o conjunto de princípios e normas que regulam o exercício da jurisdição civil. Esse diploma fez dos embargos do devedor um processo separado, ligado ao processo executivo por conexão recíproca, com curso procedimen-tal à parte. Trata-se de processo de conhecimento que tem por escopo desfazer o título executivo, no todo ou em parte, ou anular a execução. Nos dizeres do Ministro Teori Albino Zavascki, opostos os embargos, têm-se duas ações ligadas a uma mesma questão de direito material, a procedência ou não da dívida. (STJ, REsp 539574/RJ, 1ª Turma, DJ de 13.02.2006, p. 662)

O CPC, quando de sua edição, diante da estreita conexão entre ambos os processos, estabeleceu, como regra geral, que, admitidos os embargos, o processo de execução ficava suspenso. Estabeleceu, também, que da execução se aferiam requisitos de procedibilidade dos embargos e o julgamento destes figurava como preliminar do processo executivo.

A regra geral atribuindo efeito suspensivo aos embargos de devedor mantinha coerência sistemática com diversas outras contidas no CPC, em especial as regras relativas às modificações da competência. Com efeito, classificados os embargos como processo acessório, incidental e dependente, aplicável o disposto no art. 108.

As pretensões eram conexas e os respectivos processos ficavam apensados, de modo que não podiam ser apreciados isoladamente, com risco de decisões conflitantes.

E aqui cabe dar ênfase à principal consequência disso, que certamente

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inspirou o legislador de 1973 a introduzir o efeito suspensivo dos embar-gos de devedor como regra geral. O pedido formulado nos embargos do devedor objetiva a preservação do patrimônio, ameaçado pela execução movida pelo credor. Desse modo, o legislador, considerado o contexto da época, optou por introduzir regra que mantivesse temporariamente preservado o patrimônio do devedor, ante a possível modificação da situação preexistente representada pelo desenvolvimento da execução.

Importante frisar que a Lei 8.953/94 não trouxe real modificação no que pertine ao efeito suspensivo nos embargos, ao acrescentar o § 1° no art. 739 do CPC, com a seguinte redação: “Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo”.

Esse dispositivo visou apenas afastar velha crença de que poderiam existir embargos sem efeito suspensivo, decorrente da má redação de outros dispositivos do Código. Em comentários a esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco é preciso:

“‘Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo’, diz o § 1° acrescido ao art. 739 do Código de Processo Civil pela Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994. A reforma fez questão de afastar de vez aquela ideia transmitida pelo art. 741, em sua redação original, de que haveria embargos suspensivos – os indicados nos diversos incisos desse artigo e também embargos não suspensivos, a serem opostos com outros fundamentos. Mas havia muita dificuldade na busca proustiana desses tais embargos atípicos que, por fugirem aos modelos desenhados no art. 741, carecessem de suspensi-vidade. O inc. I do art. 791 alimentava a crença na dualidade dos embargos (suspensivos, não suspensivos), ao estatuir a suspensão do processo executivo ‘quando os embargos do executado forem recebidos com efeito suspensivo’. Poderiam não sê-lo?

Esses dispositivos foram remodelados, em consonância com a regra geral da suspen-sividade contida no novo § 1° do art. 739. O caput do art. 741 passou a omitir qualquer referência ao efeito suspensivo dos embargos, ou falta dele. O art. 791, inc. I, agora diz que a execução se suspende ‘no todo ou em parte, quando recebidos os embargos do devedor’. Não fala mais numa suspensão que só ocorreria quando os embargos fossem recebidos... com efeito suspensivo (red. ant.) (v. supra, n. 198).

Os embargos, portanto, suspendem sempre o processo executivo, fazendo-o com abrangência integral ou parcial conforme o caso.” (A Reforma do Código de Processo Civil, Malheiros, 2. ed., p. 261)

A Lei 6.830, que regula a execução fiscal, entrou em vigor em 1980, estabelecendo regras próprias para satisfação dos créditos públicos, mas sob o influxo dos princípios e ideias vigorantes no processo civil de então, com expressa previsão, no art. 1°, da aplicação subsidiária do CPC.

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Não é por outra razão que a jurisprudência sempre entendeu que, na ausência de regra expressa na Lei 6.830/80, os embargos à execução fiscal opostos pelo devedor deviam sempre ser recebidos com efeito suspensivo, por força das disposições do CPC, em especial após o advento da Lei 8.953/94, com a introdução do já citado § 1° do art. 739.

É dentro desse panorama que deve ser entendido o art. 19 da Lei 6.830/80, segundo o qual “não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos”, para, no prazo de 15 dias, remir o bem, se a garantia for real, ou pagar o valor da dívida. O texto do dispositivo, nos termos em que formulado, é decorrência lógica do contexto existente quando da edição da Lei 6.830/80 (occasio legis), de aplicabilidade das regras do CPC, que atribuía efeito suspensivo aos embargos de devedor, com a finalidade de preservar o patrimônio do devedor até o julgamento da ação incidental, precedido este da dilação probatória que os embargos propiciam.

As causas e a motivação que inspiraram as recentes reformas do Código de Processo Civil são por demais conhecidas para que se am-pliem considerações a respeito. Cabe destacar, apenas, que o processo de execução e, por consequência, os embargos, sofreram modificações formais cujo escopo primordial é tornar mais efetivo o processo. Essa preocupação com a efetividade do processo decorre não só da opinião dos operadores do Direito, mas de uma consciência difusa, refletida nos meios de comunicação social, de que a legislação processual não cor-responde aos anseios dos que buscam o Poder Judiciário.

Daí a introdução de dispositivos no CPC como o art. 739-A, quebrando o paradigma que inspirou o legislador de 1973. De acordo com a doutrina especializada, a reforma representa um passo no sentido de tornar mais ágil o processo executivo dos títulos extrajudiciais e visou a reprimir a má utilização dos meios de defesa do devedor, evitando sua utilização com objetivo de postergar indefinidamente a satisfação do crédito.

O legislador não esqueceu, no entanto, daqueles devedores que apresentam razões fáticas ou jurídicas que justifiquem a paralisação da execução, facultando ao juiz, já garantida a execução, atribuir efeito sus-pensivo aos embargos, sempre que entender relevantes os fundamentos deduzidos e houver possibilidade de grave dano de difícil ou incerta

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reparação (§ 1° do art. 739-A do CPC).Paralelamente às modificações no Código de Processo Civil, o Poder

Legislativo vem sistematicamente instituindo medidas fortes de combate, por exemplo, à sonegação, ao contrabando e ao descaminho, além de medidas para agilizar a cobrança da dívida ativa do Estado, incentivando a criação de varas especializadas em execuções fiscais.

Diante desse novo contexto, de incentivo à efetiva satisfação dos cré-ditos públicos e privados, o que é salutar aos interesses da sociedade, não há nenhuma razão lógica ou razoável para se entender que o art. 739-A do CPC não se aplica no processo de execução fiscal, principalmente porque a lacuna no tocante aos efeitos dos embargos continua existindo.

Seria incongruente, considerado o conjunto de reformas e medidas legislativas que vêm sendo implementadas, afastar a incidência do art. 739-A do CPC no âmbito da execução fiscal, que tem no polo ativo o Poder Público, detentor da privilegiada prerrogativa de autoconstituir seus títulos de crédito e partir para a execução forçada de seus devedores.

Desse modo, além da lacuna, há também a compatibilidade de prin-cípios informadores a autorizar a aplicação subsidiária do art. 739-A do CPC no procedimento de execução fiscal.

Não altera essa conclusão o fato de o § 1° do art. 16 da Lei 6.830/80 não admitir os embargos à execução fiscal antes de garantida a execu-ção, requisito não contido no art. 736 do CPC. Essa regra é preservada para realçar a posição privilegiada do crédito público, único que possui presunção legal de certeza e liquidez, não dispensando o devedor de prestar garantia para impugná-lo.

A referida presunção influenciou a adoção de outras regras restriti-vas, tal como a do § 3°, que não admite reconvenção, compensação ou exceções como meios de defesa. E não se pode esquecer que a jurispru-dência tem flexibilizado o rigor dessas regras, admitindo a oposição de embargos à execução fiscal, mesmo sem garantia integral da execução e o manejo da chamada exceção de executividade, em homenagem ao princípio da ampla defesa.

Ademais, mesmo com a necessidade de penhora para viabilizar os embargos à execução fiscal, não há, nesse aspecto, diferença substancial, em termos práticos, com relação à execução do CPC.

Com efeito, de acordo com o art. 736, o executado, independentemente

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de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos. Estes não suspendem a execução, que prossegue contra o devedor, ocasionando a fatal consequência de serem penhorados tantos bens quantos bastem para a satisfação da dívida e acessórios. Isso ocor-rendo, a execução ainda assim prossegue.

Portanto, a única diferença entre a execução fiscal e a execução do CPC é o momento em que a penhora é realizada. Em ambos os casos, se os embargos não foram recebidos com efeito suspensivo, a consequ-ência será a mesma, a expropriação do patrimônio do devedor de bem ou bens suficientes para satisfação da dívida, com posterior alienação para conversão em dinheiro.

Em ambas, no entanto, poderá ser concedido efeito suspensivo aos embargos, desde que presentes os requisitos do § 1° do art. 739-A do CPC.

A propósito, de acordo com este último dispositivo citado deve ser interpretado, hoje, o art. 19 da Lei 6.830/80. Ou seja, não sendo embar-gada a execução ou sendo rejeitados os embargos recebidos com efeito suspensivo, na forma do § 1° do art. 739-A do CPC, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 dias, remir o bem, se a garantia for real, ou pagar o valor da dívida.

A interpretação lógica do art. 19 da Lei 6.830/80, nos termos acima expostos, aplica-se aos arts. 18, 21, 24 e 32 do mesmo diploma legal.

Aplicável, pois, o art. 739-A do CPC no processo de execução fiscal.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa foram respeitados, na medida em que se permite ao devedor impugnar a dívida através de um meio de defesa adequado, com possibilidade, inclusive, se for o caso, de suspender a execução.

Efeito suspensivo. § 1° do art. 739-A do CPC.

A agravante alega que o prosseguimento da execução fiscal lhe causa danos de difícil reparação, à medida que os bens oferecidos à penhora serão alienados antes da solução definitiva dos embargos. Entretanto, não há como presumir a ocorrência de maiores prejuízos à agravante com o prosseguimento da execução fiscal. Uma vez alienados os bens, se, ao

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final, os embargos à execução forem julgados procedentes, a questão resolver-se-á em perdas e danos.

Ademais, não tendo sido apresentada cópia do processo administra-tivo – ônus do executado – não há como verificar a alegada nulidade da CDA, que goza da presunção de liquidez e certeza.

Ausentes os requisitos do § 1º do art. 739-A do CPC, é incabível atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal.

A decisão agravada não merece intervenção.Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.038271-0/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Agravantes: Back Serviços de Vigilância e Segurança Ltda. e outrosAdvogados: Drs. Luiz Fernando Bidarte da Silva e outro

Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)Procuradora: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Arrolamento administrativo de bens. Art. 64 da Lei nº 9.532/97. Cré-ditos com exigibilidade suspensa.

O arrolamento de bens disciplinado no artigo 64 da Lei nº 9.532/97 é um procedimento administrativo por meio do qual a autoridade fiscal realiza um levantamento dos bens dos contribuintes, arrolando-os, sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido. Apurada a existência de bens imóveis, é providenciado o competente registro, que tem a finalidade de dar publicidade, a terceiros, da existência de dívidas tributárias.

O arrolamento em questão visa a assegurar a realização do crédito

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fiscal, bem como a proteção de terceiros, não violando o direito de pro-priedade, o princípio da ampla defesa e o devido processo legal, pois é medida meramente acautelatória e de interesse público, a fim de evitar que contribuintes que possuem dívidas fiscais consideráveis em relação a seu patrimônio desfaçam-se de seus bens sem o conhecimento do Fisco e de terceiros interessados.

Diante da natureza da determinação, também não há falar em violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de dezembro de 2008.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Vilson Darós: BACK SERVI-ÇOS DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA LTDA. e outros interpuseram agravo de instrumento da decisão do juízo a quo colocada nas seguintes letras no MS nº 2008.72.05.002888-6/SC:

“(...)Por inicial ajuizada a 12 SET 2008, pretendem as impetrantes, inclusive com pro-

vimento liminar, ‘a concessão da medida liminar (...) reconhecendo o direito das impetrantes de

alienar os bens previstos nas comunicações de venda, elencados no doc. 3 destes autos, sem os efeitos do TAB, independentemente de substituição’.

Alegam que têm direito de vender os bens arrolados em TAB sem necessidade de substituí-los, nem manter os efeitos do arrolamento, por ‘inviabilizar a comer-cialização’.

Postergada a análise do pedido de liminar.O impetrado prestou informações nas quais alega que o arrolamento é ‘destinado ao

acompanhamento do patrimônio do sujeito passivo’, e que a IN SRF 254, de 20 DEZ 2002, prevê em seu artigo 5º a obrigação de comunicação de eventual alienação de bem arrolado, bem como o § 3º do referido artigo obriga a substituição de bens arrolados

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alienados por outros. Acrescenta que não é possível a extinção do arrolamento sem que haja a extinção do crédito tributário que o gerou.

Relatei brevemente. Passo à decisão.II - FUNDAMENTAÇÃOParece-me, em exame perfunctório, que o pedido de liminar está carente de seus

legais fundamentos. É que o gravame imposto pelo arrolamento não impede a venda do imóvel arrolado, mas não se extingue com a venda. De outro modo, restaria inócuo o arrolamento como medida fiscal.

A plausibilidade da tese da inicial atinge tão somente a assertiva de que é possí-vel alienar os bens arrolados mediante previa comunicação ao Fisco. Entretanto, tal alienação não faz desaparecer a anotação de arrolamento no Registro de Imóveis, cuja baixa somente é possível com a substituição dos bens, ou ainda com a extinção do crédito tributário.

A impetrante não fez prova da extinção dos créditos tributários que deram ensejo ao arrolamento, nem provou a regular substituição (com aceitação do Fisco) dos bens arrolados por outros.

Até a coisa sub judice pode ser alienada (CPC, art. 42), sem que perca tal natureza. Não parece ser outra a solução a ser adotada, em se tratando de providência de Arro-lamento de Bens pelo Fisco.

Outrossim, o risco de ineficácia, se positivo o provimento, ao final, inocorre, sendo de todo satisfativo o pleito de liminar.

III - DECISUM Ante o exposto, INDEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR, à míngua de comprovação

de ocorrência dos legais pressupostos.Dê-se ciência à autoridade apontada do indeferimento.Vista ao MPF.Intimem-se. Oficie-se.Blumenau, 02 de outubro de 2008.Adamastor Nicolau Turnes Juiz Federal”

Nas suas razões de recorrer, evidenciam os agravantes o periculum in mora, na medida em que não poderão realizar transações comerciais com alguns de seus imóveis que estão arrolados no Termo de Arrolamento de Bens e Direito (TAB), arcando com prejuízos de grande monta, haja vista que a decisão agravada condiciona a venda de bens das agravantes à substituição por outros. Sustentam que o decisum não está fundamentado em lei, mas tão só em ato infralegal (IN-SRF nº 264/2002, art. 5º, § 3º), ato que diz foi rechaçado por este Tribunal no AI nº 2008.04.00.006043-3/RS. Afirmam que os efeitos do arrolamento não podem se estender ao

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comprador, até porque tal gravame inviabiliza a comercialização. Pre-tendem, pois, o reconhecimento do direito de alienar seus bens, sem a necessidade de substituição por outros, sem a extensão do gravame ao comprador, devendo ser observada tão somente a comunicação prevista na legislação, para que, se necessário, utilize-se a Fazenda Nacional da medida cautelar fiscal.

Pleiteou a concessão do efeito suspensivo, que foi deferido pela de-cisão das fls. 87/89.

Intimada, a parte agravada apresentou contraminuta (fl. 90/91).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Vilson Darós: O arrolamento, disciplinado no artigo 64 da Lei nº 9.532/1997, é um procedimento admi-nistrativo por meio do qual a autoridade fiscal realiza um levantamento dos bens dos contribuintes, arrolando-os sempre que o valor dos crédi-tos tributários for superior a 30% (trinta por cento) do seu patrimônio conhecido.

Tal ato visa assegurar a realização do crédito fiscal, bem como a proteção de terceiros, não violando o direito de propriedade, o princípio da ampla defesa e o devido processo legal.

O direito de propriedade garante a seu titular o direito de usar, gozar e dispor da coisa, o que não foi de maneira alguma obstado pela norma em exame, que permite a alienação, oneração ou transferência, a qualquer título, dos bens e direitos arrolados, somente determinando seja o Fisco notificado. Essa é uma medida meramente acautelatória e de interesse público, a fim de evitar que contribuintes que possuem dívidas fiscais consideráveis em relação a seu patrimônio desfaçam-se de seus bens sem o conhecimento do Fisco.

Nesse sentido, esta Corte já se manifestou:“ARROLAMENTO ADMINISTRATIVO DE BENS . ART. 64 DA LEI Nº 9.532,

DE 1997. CRÉDITOS COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA. O arrolamento de bens disciplinado no artigo 64 da Lei nº 9.532, de 1997, é um pro-

cedimento administrativo por meio do qual a autoridade fiscal realiza um levantamento dos bens dos contribuintes, arrolando-os sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido.

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Apurada a existência de bens imóveis, é providenciado o competente registro, que tem a finalidade de dar publicidade, a terceiros, da existência de dívidas tributárias.

O arrolamento em questão visa a assegurar a realização do crédito fiscal, bem como a proteção de terceiros, não violando o direito de propriedade, o princípio da ampla defesa e o devido processo legal, pois é medida meramente acautelatória e de interesse público, a fim de evitar que contribuintes que possuem dívidas fiscais consideráveis em relação a seu patrimônio desfaçam-se de seus bens sem o conhecimento do Fisco e de terceiros interessados.

Diante da natureza da determinação, também não há falar em violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. (...)” (TRF4 – Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.71.04.004940-1/RS – APELANTE: UNIÃO FEDERAL (FAZEN-DA NACIONAL) – APELADO: AGROFEL COM. DE PRODUTOS AGRÍCOLAS FERRARIN LTDA. – DJU: 20.06.2001 – RELATOR: JUIZ VILSON DARÓS)

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ARROLAMENTO DE BENS. ART. 64 DA LEI Nº 9.532/97. LEVANTAMENTO. DÉBITO COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Nos termos do artigo 64 da Lei nº 9.532/97, o arrolamento de bens pela Fazenda Nacional é cabível quando o crédito fiscal supera a cifra de R$ 500.000,00, ultrapas-sando 30% do patrimônio conhecido do sujeito passivo.

2. O fato de existir ação judicial em tramitação não guarda relação com a determi-nação para o arrolamento de bens, porque o efeito da medida liminar, que é precário, é apenas o da suspensão da exigibilidade do crédito fiscal, ou seja, impede procedi-mentos tendentes a executar o devedor, ou atos que constranjam seu patrimônio. Por outro lado, o arrolamento de bens decorre de lei, sendo providência necessária para evitar que devedores de quantias substanciais ao Fisco se desfaçam de seus bens sem o conhecimento deste. Nos termos da lei, é indiferente se o crédito fiscal está com a exigibilidade suspensa ou não para que se dê o indigitado arrolamento, dele decorrendo tão somente a necessidade de comunicação ao Fisco de eventual alienação do bem a terceiros, que não sofre qualquer constrição, pelo que não configura prejuízo ao con-tribuinte.” (TRF4 – Apelação em Mandado de Segurança Nº 2004.72.00.015409-0/SC – Apelante: RESICRYL IND. DE PRODUTOS QUÍMICOS LTDA. Apelada: UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) – DJU: 21.09.2005 RELATOR: Des. Federal DIRCEU DE ALMEIDA SOARES)

No que pertine à autorização da autoridade fiscal para alienação do bem arrolado, o artigo 64, §§ 3º e 4º, da Lei nº 9.532/1997 assim dispõe, verbis:

“Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido.

(...)

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§ 3º A partir da data da notificação do ato de arrolamento, mediante entrega de cópia do respectivo termo, o proprietário dos bens e direitos arrolados, ao transferi-los, aliená-los ou onerá-los, deve comunicar o fato à unidade do órgão fazendário que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo.

§ 4º A alienação, oneração ou transferência, a qualquer título, dos bens e direitos arrolados, sem o cumprimento da formalidade prevista no parágrafo anterior, autoriza o requerimento de medida cautelar fiscal contra o sujeito passivo.”

A IN/SRF nº 264/2002, entretanto, estabeleceu:“Art. 5º O sujeito passivo fica obrigado a comunicar, no prazo de cinco dias, à

unidade da Secretaria da Receita Federal (SRF) a que se refere o caput do art. 4º, a alienação ou a transferência de qualquer dos bens ou direitos arrolados.

(...) § 3º A ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no caput obriga o sujeito

passivo a arrolar outros bens e direitos em substituição aos alienados ou transferidos, sem prejuízo do disposto no caput e § 1° do art. 2º.”

Sendo assim, a Lei de regência não prevê a indisponibilidade sobre os bens arrolados, os quais podem ser alienados sob a única condição de prévia comunicação ao Fisco.

Vê-se, na verdade, que o ato normativo acima referido, ao exigir que o particular indique bem em substituição, extrapolou os limites da Lei nº 9.532/1997, a qual, apenas, previu a possibilidade de medida cautelar fiscal, no caso da ausência da comunicação, e não na ausência de bem substitutivo.

Desse modo, não sendo o arrolamento constrição efetiva dos bens e direitos do contribuinte devedor, mas tão só a imposição de notificar o Fisco por ocasião do exercício de seus direitos de senhor e possuidor (transferência, oneração, alienação), significa que o patrimônio não fica indisponível, mas, ao contrário, pode o contribuinte dele dispor. Nessas condições, efetivada eventual alienação de bem arrolado, o registro dessa transação não pode ser negado pelo Notarial, sendo cabível o manejo de ação judicial contra o Cartório para esse fim (STJ, REsp. 689.472-SE, Rel. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 13.11.06).

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.É o voto.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.043908-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Agravantes: GVA Ind. e Com. S/A e outroMarco Antonio Teixeira Bampa

Advogados: Dr. Daniel Muller Martins e outrosAgravada: União Federal (Fazenda Nacional)

Procuradora: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Processo civil. Execução fiscal. Penhora de árvores de pínus. Quanti-ficação dos bens. Revisão do auto de penhora. Depositário infiel. Excesso de penhora. Reavaliação dos imóveis penhorados. Demonstração da discrepância nas avaliações. Afastamento do administrador da empresa executada. Necessidade de justificativa.

1. Restou constatada a ausência de interesse processual no tocante ao pedido de afastamento da prisão civil do depositário infiel, haja vista tal pretensão já ter sido atendida nos autos do Habeas Corpus nº 2008.04.00.044072-2.

2. A penhora e o depósito, na medida em que impõem gravame aos bens e deveres do depositário, são atos que exigem a devida formalização em auto, a fim de que fique expressamente delimitada a responsabilidade daquele. Por esse motivo, as referências aos bens penhorados devem ser interpretadas de forma literal, ou seja, não há como entender penhorados bens não descritos no auto. Destarte, ainda que se trate da penhora de bens fungíveis, não se pode responsabilizar o depositário por árvores não constantes da respectiva matrícula a que vinculadas pelo auto de penhora.

3. Em se tratando da penhora de árvores de pínus, deve-se considerar que tais bens, por circunstâncias próprias, impedem a perfeita quanti-ficação no momento da constrição, tendo em vista a vasta extensão de terras em que contidos, bem como o modo em que distribuídos no ter-reno. Em relação a tais bens, revela-se impossível ao auxiliar do juízo quantificá-los um a um no momento da formalização da penhora, motivo pelo qual deve se valer de outros elementos, que indiquem, em tese, a quantidade aproximada de árvores, como os documentos relativos ao

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projeto de reflorestamento, além dos dados relativos ao plantio. Essa circunstância, embora não afaste a legitimidade do auto de penhora, acaba por mitigar a força dos dados nele contidos relativos à quantificação dos bens penhorados.

4. Conforme restou apurado por laudo pericial elaborado pelo INCRA sob orientação do Juízo, o número de árvores efetivamente existente em algumas das matrículas era inferior ao número que foi penhorado, ante a discrepância entre as previsões de área de plantio contidas nos projetos de reflorestamento e a área efetivamente utilizada para plantio das ár-vores, que se mostrou menor do que aquela prevista. Portanto, antes de se averiguar a eventual infidelidade do depósito, deve-se compatibilizar o auto de penhora com a realidade dos plantios, de acordo com o laudo técnico que apurou o número efetivo de árvores existentes em cada uma das matrículas. Assim, impõe-se a revisão do auto de penhora e depósito, pois não se pode considerar que o depositário estava obrigado à guarda e conservação de tantas quantas eram as árvores descritas no auto de penhora se o número estabelecido não se adequava à realidade.

5. No caso, verifica-se a retirada indevida de 172.852 árvores de pínus nas matrículas penhoradas. Comprovado que o depositário não conservou sob sua guarda essa parcela dos bens penhorados, deve ele ser compelido (a) à reposição dos bens em espécie ou (b) ao recolhimento da quantia equivalente em dinheiro. Se é certo que o descumprimento da presente determinação não possa ser penalizado com a prisão civil do depositário, diante da concessão de ordem de habeas corpus obtida pelo depositário junto à 7ª Turma desta Corte, não menos certo é que poderá o Juízo a quo, acaso entenda necessário, aplicar a multa prevista no artigo 14, parágrafo único, do CPC, em caso de resistência injustificada ao cumprimento da ordem.

6. A configuração da infidelidade do depositário independe de re-manescerem bens em valor suficiente à garantia integral do débito. A responsabilidade pelos bens depositados apenas é extinta mediante prévia autorização judicial, com o que fica o depositário liberado do encargo. Ainda que exista excesso de penhora, este deverá ser sanado pela redução da constrição, após reavaliação dos bens, se necessário, e comparação com o valor atual da dívida. O fato de eventualmente os bens ainda re-manescentes cobrirem o valor atualizado da dívida não basta a afastar a

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infidelidade do depósito.7. Ante a discrepância entre o laudo trazido e a avaliação efetuada

pelo Oficial de justiça em relação à terra nua dos imóveis penhorados, e considerando o grande transcurso de tempo desde a elaboração desta última, revela-se razoável determinar-se a reavaliação dos imóveis. Com efeito, ante a presença de elementos suficientemente idôneos, aptos a mitigar a presunção de legitimidade emanada do auto avaliatório elabo-rado pelo auxiliar do Juízo, bem como diante do considerável transcurso de tempo desde a avaliação, deve ser ordenada a reavaliação dos bens, a fim de apurar a existência de eventual excesso de penhora.

8. No bojo de processo de execução fiscal, cuja finalidade única é possibilitar a cobrança dos créditos fazendários, todas as medidas toma-das no curso do procedimento devem visar unicamente ao atendimento desse fim, ainda que, para tanto, eventualmente seja necessária a adoção de providências de natureza cautelar, que assegurem o resultado útil do processo.

9. Tendo em vista a decretação de falência da empresa, com a conse-quente nomeação de administrador judicial, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto do agravo quanto ao pedido de cassação da ordem de afastamento temporário do agravante Marco Antonio Teixeira Bampa do cargo de Diretor-Presidente da executada.

10. Agravo de instrumento parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, reconhecer a perda de objeto do agravo no tocante ao pedido de manutenção do agravante Marco Antonio Teixeira Bampa no cargo de Diretor-Presidente da executada e, no mais, dar parcial provi-mento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de março de 2009.Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Trata-se de agravo de

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instrumento interposto contra decisão (fls. 62/76) que (a) deferiu o pedido da exequente e determinou a intimação de Marco Antonio Teixeira Bampa para que, em cinco dias, indicasse a localização de 194.738 árvores de pínus faltantes ou depositasse o valor de R$ 5.397.675,54 em conta judicial, sa-lientando, ainda, que, no caso da ausência do procedimento, fosse expedido mandado de prisão civil pelo prazo de um ano; (b) deferiu o pedido de designação de leilão do reflorestamento remanescente de 69.967 árvores de pínus e dos veículos (datas de 08 e 20 de janeiro de 2008); (c) autori-zou a remoção dos veículos para o depósito; (d) determinou a intimação do leiloeiro ou de seu preposto para que firmasse o respectivo termo de assunção de depositário judicial; (e) determinou o afastamento de Marco Antonio Teixeira Bampa do cargo de Diretor da companhia executada; (f) determinou a intimação do leiloeiro para que este se manifestasse sobre a possibilidade de assumir a função de administrador judicial da empresa, podendo, inclusive, indicar prepostos para tal mister.

Os recorrentes insurgem-se, especialmente, quanto (a) ao reconheci-mento da infidelidade do depósito em desfavor de Marco Antonio Bampa; (b) à ordem de prisão civil do depositário em caso de não pagamento do valor dos bens; (c) ao afastamento preventivo do agravante do cargo de Diretor-Presidente da empresa agravante e à intimação do leiloeiro judicial para que manifeste o aceite em assumir a função de administra-dor judicial dessa.

Quanto ao primeiro tópico, referem que a conclusão sobre eventual infidelidade do depositário não poderia simplesmente basear-se em cálculo aritmético, senão antes dependia do exame das circunstâncias que levaram à diferença entre o número de árvores constantes do auto de penhora e o número posteriormente encontrado quando da averiguação. Sustentam que deve ser levado em conta que o imóvel denominado “Fazenda 1” é compos-to por 33 matrículas imobiliárias, das quais apenas 16 foram penhoradas. Alegam que, nas matrículas penhoradas, encontram-se em execução 3 projetos de reflorestamento de pínus (REP I, REP II e 18G), sendo que este último estende-se inclusive sobre outras matrículas não penhoradas. Assim, a averiguação da infidelidade deveria levar em conta todos esses aspectos, o que pode ser observado pelo laudo pericial encomendado por si junto à empresa especializada – Consultoria Florestal Brasileira Ltda. (CONFAL) – e não foi observado pelo laudo elaborado pelo INCRA. Alegam que, com o

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passar dos anos, uma mesma área de reflorestamento passa a conter menos árvores de pínus, porém maior volume de madeira. Assim, não se revela adequada a penhora sobre árvores, como feito pelo Oficial de Justiça na hipótese, mormente porque não se sabe de onde retirou a informação sobre o número de árvores existente em cada uma das matrículas. Pontuam que a matrícula nº 1332, na qual foram realizados cortes de madeira, possuía árvores excedentes em relação às penhoradas, o que constitui razão sufi-ciente para afastar a infidelidade do depósito. Em relação à matrícula nº 1.331, ressaltam que a constrição decorreu de quantificação equivocada efetuada pelo Oficial que realizou a penhora. Sustentam que a dívida em execução permanece integralmente coberta pelos bens penhorados e pelos demais passíveis de constrição, não se podendo concluir pela infidelidade do depósito. Requerem seja afastado o reconhecimento da infidelidade do depósito, ou, caso seja mantida essa condição, sejam apreciados os pedi-dos relativos à retificação do auto de penhora, quantificação dos valores depositados junto aos autos nº 2000.70.06.000228-3, reavaliação da terra nua dos imóveis penhorados e eventual pedido de reforço de penhora, a recair sobre imóveis nomeados pela executada.

Em relação ao segundo ponto, bradam a inconstitucionalidade da prisão civil decretada em desfavor de Marco Antonio Teixeira Bampa, na hipótese de não pagamento do valor quantificado pela alegada in-fidelidade do depósito. Referem que o Plenário do Supremo Tribunal Federal ratificou esse entendimento por ocasião do julgamento do RE nº 466.343/SP.

Quanto ao terceiro tópico, dizem que a determinação do afastamento provisório do Diretor-Presidente comporta inúmeras ilegalidades (des-respeito ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, inexistência de condenação criminal, afastamento temporário sem prazo determinado, ausência de pedido da exequente para o afastamento, periculum in mora inexistente). Afirmam que a decisão vergastada confundiu as funções de administração da pessoa jurídica com a de depositário ou adminis-trador, porquanto não há, no caso, intervenção judicial legitimamente decretada.

Indeferido o pedido de efeito suspensivo (fls. 114-119).Contraminuta às fls. 120-207.Em 12.03.2009, às fls. 209-210, o agravante Marco Antonio Teixeira

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Bampa peticiona, noticiando a decretação da falência da também agra-vante GVA Indústria e Comércio S/A e requerendo, por conseguinte, a intimação da massa falida na pessoa do Síndico designado, para que regularize a representação processual no feito.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A situação analisada neste recurso é deveras complexa, fruto de acontecimentos desencadea-dos ao longo de mais de quatro anos de trâmite processual. Assim, a fim de obter um panorama adequado sobre a controvérsia posta, impõe-se, preliminarmente, atentar ao histórico do processo de origem.

Trata-se de execução fiscal, autuada sob o nº 2004.70.06.000042-5, que busca a cobrança de dívida no valor de R$ 18.153.804,55 (jan/2004) – atualmente a dívida remonta a R$ 21.983.550,77, demonstrativo de dívida às fls. 195/207 – em face da empresa GVA Indústria e Comércio S/A.

Comparecendo espontaneamente aos autos (fls. 254-255), a executada nomeou diversos bens à penhora, sendo formalizada a constrição em maio de 2004 sobre diversos bens (fls. 446-447 e 449), dentre os quais os seguintes imóveis rurais (terra nua) e reflorestamentos de pínus sobre eles existentes, localizados na Comarca de Guarapuava/PR, nomeando como depositário o Sr. Marco Antonio Teixeira Bampa (fls. 448):

Matrícula Pínus penhorados Valor Pínus (R$) 01 1.332 157.440 3.936.000,00 02 1.378 1.660 91.300,00 03 3.971 3.320 182.600,00 04 3.972 3.320 182.600,00 05 9.432 - - 06 9.433 4.980 273.900,00 07 9.592 - - 08 11.684 1.660 91.300,00 09 11.685 3.320 182.600,00 10 11.686 3.320 182.600,00 11 11.891 3.030 166.650,00 12 11.920 3.320 182.600,00 13 11.990 3.320 182.600,00 14 12.717 3.320 182.600,00 15 13.362 3.320 182.600,00 16 1.331 307.700 7.692.500,00 TOTAL 503.030 13.712.450,00

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Passado exatamente um ano da constrição, em maio de 2005, a União informou nos autos que tivera conhecimento informal de que as árvores penhoradas estavam sendo extraídas diretamente pela executada ou em-presa interposta, requerendo, pois, a expedição de mandado de averigua-ção, ante a presença de indícios de infidelidade do depósito (fl. 572).

Deferida pelo Juízo a quo a realização das providências requeridas, sobreveio laudo de constatação (fls. 581-586) em que certificada, em maio de 2006, a notificação do engenheiro florestal responsável pelos trabalhos na área para que paralisasse imediatamente as atividades de extração e transporte da madeira, atividade esta que vinha sendo reali-zada com auxílio de caminhões e treminhões há cerca de um ano e dois meses, e de forma mais acentuada há dois meses. Consignou ainda que “havia imensas áreas recentemente devastadas” e que “a extração das toras de madeira visava ao abastecimento da sede da fábrica da empresa no município de Guarapuava – antiga Indústrias Madeirit S.A. –, atual executada, para fins de beneficiamento e posterior exportação das cha-pas/compensados beneficiados”. Ademais, foi constatado que “havia incontáveis montes de toras já extraídas, cortadas padronizadamente e prontas para o carregamento nos caminhões e treminhões deixados para esse desiderato” e que “vizinhos consignaram que existiria cerca de 1.500 a 2.000 pessoas trabalhando 24 (vinte e quatro) horas por dia, com o carregamento de 20 (vinte) a 30 (trinta) caminhões diariamente”. Por fim, relatou que

“o Engenheiro Florestal responsável Marcos Fabrício Burati disse que a retirada de madeiras estaria sendo perfectibilizada sem alguma autorização de autoridade ambiental competente - IAP (Instituto Ambiental do Paraná) ou IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis)”.

Foram anexadas fotos retiradas no local (fls. 587-604).Em complementação, os oficiais de Justiça compareceram à sede da

executada e constataram “no pátio da empresa e no interior de duas estufas a existência de um volume considerável de madeiras de pínus destinado à industrialização, cerca de 400,00m³ (...), as quais foram extraídas do mesmo reflorestamento situado à margem da PR 170”, cientificando os responsáveis da determinação para imediata suspensão das atividades industriais em relação a essas madeiras (fl. 607).

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Diante dessas informações, o Juízo determinou, em 12.05.2006, a intimação do depositário dos bens penhorados (Sr. Marco Antonio) para que prestasse esclarecimentos (fls. 611-612).

Em 25.05.2006, o depositário manifestou-se nos autos a fim de prestar esclarecimentos (fls. 669-681). Aduziu que, nos imóveis objeto de pe-nhora, havia três projetos de reflorestamento (Rep-1, Rep-2 e 18G), que possuíam juntos cerca de 600.000 árvores de pínus, ou seja, número de árvores excedente ao que fora penhorado (503.300 árvores). Outrossim, referiu que a área de propriedade da empresa era composta também por outras matrículas, nem todas integrantes da penhora formalizada nos autos. Relatou que os cortes de árvores, iniciados no final de março de 2006, nos terrenos penhorados nos autos, restringiu-se unicamente ao excedente de árvores não penhoradas e deu-se pela necessidade de suprir a matéria-prima utilizada na indústria. Referiu que a empresa vinha ad-quirindo toras de madeira de terceiros, a fim de manter o fluxo de caixa. Alegou que, nas áreas penhoradas, ainda remanescia número compatível de árvores em relação à penhora, tanto que, em 19.05.2006, requereu à CONFAL – Consultoria Florestal Brasileira Ltda. uma averiguação da atual e real situação das árvores que cobriam os imóveis penhorados (inventário florestal), e o prazo para execução dos levantamentos fora fixado em 10 dias úteis (fl. 705). Mencionou que, tão logo recebesse o laudo técnico solicitado, faria a sua juntada aos autos. Postulou fosse, ainda, deferida a alienação antecipada das toras já cortadas, que se encontravam sob risco de perecimento e representavam o montante de 198,23m³ de madeira, e não 400,00m³ como indicara o Oficial de Justiça. Juntou relatório de retirada de árvores da “Fazenda 1” (fls. 682-698) e notas fiscais de aquisição de toras de pínus (fls. 708-770).

Como até junho de 2006 ainda não obtivera junto à CONFAL a con-clusão do inventário florestal solicitado, tendo em vista que a empresa especializada solicitara prorrogação do prazo para entrega do laudo, manifestou-se a executada no sentido de que fosse deferida a alienação antecipada das árvores cortadas que se encontravam no solo da área rural e na sede da empresa (fls. 794-796). Em julho de 2006, contudo, antes de qualquer resposta do Juízo ao requerimento anterior, a executada e seu representante legal, informando a paralisação das atividades da empresa, requereram fosse substituída a penhora existente sobre as toras de pínus

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(em número estimado de 42.000 toras) por equipamentos industriais (secador, máquina de papel e torno laminador) ou, alternativamente, pela penhora sobre o faturamento no percentual de 2,5% (fls. 807-813), com o fito de prosseguimento das atividades.

Em 10.07.2006, a União manifestou-se (fls. 821-823) recusando o pedido de substituição da penhora. Aduziu, ainda, que, de acordo com o relatório de retirada de árvores da “Fazenda 1” (fls. 682-698), a empresa havia vendido 70.683 toras a terceiros, que, somadas às 42.000 toras ha-vidas no solo da Fazenda e mais aquelas constantes no estabelecimento fabril, superavam o excedente de árvores que supostamente não estariam penhoradas, o que demonstraria a infidelidade do depositário.

Apreciando ambas as manifestações, em 12.07.2006, o Juízo inde-feriu o pedido de alienação antecipada das toras de madeira, deferindo, de outro lado, a alienação dos bens diretamente pelo depositário, por sua conta e risco, determinando que o valor obtido fosse depositado em conta vinculada ao Juízo (fls. 824-831). Para viabilizar essa alienação direta, determinou ao Oficial de Justiça que se dirigisse ao local em que situadas as toras e providenciasse a sua quantificação e avaliação, o que foi realizado em 21.07.2006 (fl. 843).

Em 08.08.2006, a executada trouxe aos autos o resultado do laudo encomendado junto à CONFAL, contendo (a) o inventário florestal dos projetos de reflorestamento 18G, REP I e REP II, implantados no imó-vel denominado “Fazenda 1”, (b) o laudo de avaliação da terra nua dos imóveis rurais descritos nas matrículas nos 1.331, 1.332, 4.765, 6.560 e 9.434 e (c) inventário florestal dos projetos de reflorestamento REP IV e REP V, também implantados no imóvel denominado “Fazenda 1”. Referiu que deveria ser observado que os laudos técnicos não fizeram referência concreta e específica aos limites da constrição realizada nos autos, havendo necessidade de serem devidamente interpretados (fls. 871-872). O laudo foi juntado às fls. 873-951.

Complementando as informações trazidas pelo laudo, o depositário e a empresa compareceram novamente aos autos em 18.08.2006 (fls. 960-999). Referiram que o imóvel denominado “Fazenda 1” é composto por 33 matrículas imobiliárias, com área total de 2.184,65ha (dois mil cento e oitenta e quatro hectares). Relativamente às matrículas penhora-das nos autos, aduziram que estas somam a área de 1.221,76ha, ou seja,

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aproximadamente 56% da área total da “Fazenda 1”. Esclareceram que na matrícula 1.331 encontra-se o projeto REP I, na matrícula 1.332 está o projeto REP II e que o projeto 18G não se limita às demais matrículas penhoradas, abrangendo também outras das 33 matrículas, que não são objeto de penhora. Apontaram que, no imóvel Fazenda 1, existem ainda dois outros projetos de reflorestamento (REP IV e REP V), situados em matrículas não penhoradas (nos 9.434 e 4.765). Sustentaram ser manifesta a incompatibilidade do auto de penhora em relação à matrícula nº 1.331 com a área de reflorestamento indicada no inventário florestal, pois seria materialmente inviável o plantio de cerca de 2.050 árvores por hectare, quando a média, em áreas reflorestadas e identificadas como intocadas, gira em torno de 900 árvores de pínus. Referiu que os seus próprios registros florestais relativos ao projeto REP I estavam equivocados, mo-tivo pelo qual sempre contabilizou as árvores do referido projeto com a utilização da área de 362,90ha, quando a área de efetivo plantio apurada pela empresa especializada foi de apenas 150,10ha. Contudo, alegou que, embora a executada e o próprio depositário não tenham dispensado o devido cuidado à quantificação realizada pelo Oficial de Justiça, se é certo que a Lei nº 6.830/80 permite a impugnação da avaliação até a publicação do edital de leilão, outro raciocínio não pode ser empregado relativamente à impugnação da quantificação do objeto da penhora. Assim, requereram fosse revisto o auto de penhora em conformidade com a realidade do projeto de reflorestamento existente na matrícula nº 1.331. Alegaram que seria fato incontroverso a extração de árvores no imóvel denominado Fazenda 1 (algo em torno de 97.000 a 98.000 árvores, segundo seus cálculos), o que não significa que o corte tenha se dado unicamente nas áreas das matrículas penhoradas. Referiram que não se pode confundir as 42.000 toras de madeira existentes no solo da Fazenda com 42.000 árvores. Salientaram que uma árvore, dependendo de seu tamanho, quando derrubada e cortada, pode dar origem a diversas toras. Ressaltaram que foram apurados 15.321,17m³ de madeira no chão e, tomando-se a proporção média de 0,58m³ de madeira por árvore nos reflo-restamentos da Fazenda 1, segundo as conclusões do inventário florestal, daria uma estimativa de 26.500 árvores em pé. Asseveraram que, mesmo considerando os cortes de árvores, os bens penhorados permaneciam com valor passível de garantia integral da dívida, considerando, ainda,

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a penhora no rosto dos autos de desapropriação nº 2000.70.06.000228-3 (estimada em R$ 1.356.232,35, bem como terrenos penhorados na comar-ca de Bananal/SP – R$ 2.346.170,00), havendo necessidade, ainda, de reavaliação da terra nua dos imóveis penhorados. Requereram, além de providências relativas ao esclarecimento e à retificação de alguns pontos nos autos de penhora (fl. 448) e no auto de quantificação e avaliação (fl. 814), a reavaliação dos imóveis penhorados e das árvores de pínus, considerando a sua idade e tamanho atuais, e a expedição de mandado de reforço de penhora sobre as matrículas correspondentes à Fazenda 1 ainda não penhoradas. Juntaram documentos às fls. 1.002-1.389.

Em 31.08.2006, o depositário comunicou ao Juízo a alienação das toras de madeiras existentes no solo da Fazenda (fls. 1.390-1.392), conforme autorização judicial prévia. Comunicou, ainda, que estava temporariamente afastado do exercício das funções de direção da em-presa executada, em razão de decisão proferida nos autos da ação civil pública nº 001/2006, em trâmite na 2ª Vara do Trabalho de Guarapuava/PR, que decretou a intervenção judicial por seis meses, período durante o qual seria a empresa administrada por uma comissão formada por seis funcionários. Juntou o contrato de compra e venda das madeiras (fls. 1.408-1.415) e guias de depósito judicial (fls. 1.416-1.464), que somaram o montante de R$ 188.088,28 (fl. 1.490), recolhido durante o período de retirada das toras da Fazenda da executada (agosto a outubro de 2006).

Em 14.02.2007, manifestou-se a Fazenda nos autos, requerendo a conversão em renda dos depósitos relativos à venda das árvores e do depósito vinculado aos autos de desapropriação nº 2000.70.06.000228-3, bem como postulando fosse realizado um levantamento qualitativo e quantitativo das árvores remanescentes nas matrículas penhoradas (fls. 1.495-1.501).

Em 15.06.2007, o Juízo a quo, considerando a necessidade de saber se houve infidelidade no depósito das árvores penhoradas, e a fim de possi-bilitar uma futura, eventual e correta venda judicial dos bens penhorados, determinou a realização de prova pericial, com o objetivo de possibilitar a quantificação das árvores atualmente existentes nos imóveis, a sua idade estimada e o valor atualizado das árvores de pínus encontradas na área objeto da penhora (fls. 1.529-1.539). Como não concordasse com a proposta de honorários formulada pelo Engenheiro Florestal inicialmente

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nomeado pelo Juízo, propôs a exequente fosse realizada a perícia pelo INCRA/PR (fls. 1.667).

Considerando que o valor pedido pelo perito nomeado era alto, diante da necessidade de aquisição de materiais necessários ao desempenho do trabalho, e que a autarquia federal já dispunha de estrutura básica e pessoal especializado para a realização da perícia, determinou o Juízo, em 26.06.2008, a nomeação de servidores do INCRA para a realização da perícia. Consignou o magistrado que os responsáveis pela perícia deveriam manter-se em posição equidistante dos interesses em conflito, realizando trabalho de rigor técnico a fim de“apurar a quantidade e as espécies de árvores existentes, de forma individualizada, nos imóveis matriculados sob números 1.332, 1.378, 3.971, 3.972, 9.432, 9.433, 9.592, 11.684, 11.685, 11.686, 11.891, 11.920, 11.990, 12.717, 13.362 e 1.331, todos registrados perante o 3º C.R.I. da Comarca de Guarapuava/PR, bem como o número de árvores retiradas de cada imóvel após a realização da constrição em data de 06.05.2004, podendo ser utilizados para tal mister, sem prejuízo da contagem in loco, os projetos de reflorestamentos e autorizações de corte, estas últimas fornecidas pelos órgãos ambientais, de posse da executada.” (fl. 1.673-1.674)

Foi marcada, ainda, audiência de justificação e determinada a inti-mação das partes para indicação de assistentes técnicos e apresentação de quesitos (artigo 421, §1º, do CPC), o que foi feito pela União (fl. 1.688-1.689) e pela executada (fls. 1.693-1.695).

Em 06.10.2008, foi apresentado o laudo pericial, e, considerando o Juízo a quo que o exame do documento seria suficiente à solução da controvérsia, cancelou a audiência anteriormente marcada (fls. 1.744-1.745). Após manifestação da União às fls. 1.796-1.804, sobreveio o despacho agravado (fls. 1.866-1.880).

Esses são, em resumo (a execução fiscal nº 2004.70.06.000042-5 já conta com quase duas mil páginas), os principais acontecimentos do processo de origem.

A) Prisão civil do depositário

No tocante ao afastamento da prisão, não vejo motivos para o aco-lhimento do pedido, e isso porque, em consulta ao sistema processual deste Tribunal, verifico que foi impetrado o HC nº 2008.04.00.044072-2, de Relatoria do I. Des. Federal Néfi Cordeiro, relativamente à mesma

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decisão ora agravada, no qual foi concedida a ordem de habeas corpus. Veja-se, aliás, o teor da ementa do referido julgado:

“PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO PENDENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O cabimento de prisão civil do depositário infiel está sendo debatido no Supremo Tribunal Federal, onde diversos são os decisórios monocráticos entendendo inconstitucional essa forma de prisão ou, ao menos, ressalvando a impossibilidade de prisão até solução do tema no Plenário daquele Tribunal. 2. Torna-se temerário manter a ameaça de prisão civil do paciente com base em fundamento que, pela expressiva votação no sentido de mudança do entendimento anterior, tem grande chance de ser considerado ilegítimo pela Suprema Corte.” (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 2008.04.00.044072-2, 7ª Turma, Des. Federal NÉFI CORDEIRO, POR UNANIMIDADE, D.E. 15.01.2009)

Assim, não verifico o interesse recursal quanto ao ponto, pelo que fica prejudicada a sua análise.

B) Infidelidade do depósito

Cumpre investigar a infidelidade do depósito relativamente às árvores de pínus penhoradas para garantia do débito. Segundo a decisão agrava-da (fls. 62-75), tomando-se o número de árvores penhoradas (503.030), menos aquelas atualmente existentes nas matrículas (308.292), existiria a diferença de 194.738 árvores, número que corresponderia às árvores indevidamente extraídas, avaliadas em R$ 5.782.981,50. Considerando que o depositário já havia recolhido o montante relativo à venda particular das árvores cortadas e que tal valor somava atualmente R$ 385.306,16, determinou ao depositário que recolhesse a quantia de R$ 5.397.675,54, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de prisão civil.

De início, cabem algumas considerações sobre os dois laudos técnicos que averiguaram a quantidade de árvores atualmente existentes sobre os imóveis penhorados, o primeiro trazido pela executada e o segundo realizado por técnicos do INCRA diante de determinação do Juízo.

Quanto ao primeiro laudo (fls. 873-951), requisitado pela executada junto à Consultoria Florestal Brasileira Ltda. – CONFAL, que o elaborou unilateralmente, trata-se de estudo que examinou o imóvel denominado “Fazenda 1” sob três aspectos: (a) inventário florestal dos projetos de reflorestamento REP I, REP II e 18G; (b) laudo de avaliação da terra nua

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dos imóveis matriculados sob os nos 1.331, 1.332, 4.765, 6.560 e 9.434; e (c) inventário florestal dos projetos de reflorestamento REP IV e REP V. Quanto aos tópicos b e c, deve-se consignar, desde logo, a inutilidade do estudo para averiguação de eventual infidelidade do depósito. Com efeito, não tem qualquer relação com a solução dessa questão a avaliação da terra nua dos imóveis, mormente a dos matriculados sob os nos 4.765, 6.560 e 9.434, que nem penhorados foram. Ademais, tampouco se mos-tra relevante para o deslinde da controvérsia a realização de inventário florestal dos projetos de reflorestamento REP IV e REP V, de maneira que os referidos projetos situam-se nas matrículas nos 9.434 e 4.765, não abrangidas pela penhora. Relativamente ao inventário florestal dos projetos de reflorestamento REP I, REP II e 18G, embora se pudesse, em princípio, cogitar de sua utilidade à resolução da controvérsia, na medida em que os projetos abrangem a área penhorada, deve-se atentar que, posteriormente ao estudo encomendado pela executada, sobreveio o segundo laudo técnico, elaborado por técnicos do INCRA ante a de-terminação do Juízo.

Esse segundo laudo pericial técnico (fls. 1.893 e ss. dos apensos), ela-borado por uma comissão formada por servidores do INCRA designados pelo Juízo, foi desenvolvido de forma a franquear às partes a oportunidade de formulação de quesitos e o acompanhamento da produção da prova, na forma do artigo 431-A do CPC. Não bastasse ter prestigiado o contradi-tório na sua produção, outro fator que confere maior legitimidade a esse segundo laudo é o fato de que os responsáveis pela sua elaboração osten-tavam posição equidistante dos interesses em conflito, conforme prévia orientação judicial. Ademais, percebe-se que o laudo pericial elaborado pelos técnicos do INCRA logrou analisar a quantidade e a qualidade das árvores de pínus existentes nos terrenos em relação a cada uma das matrículas penhoradas, o que facilita e torna mais precisa a utilização das conclusões obtidas pela perícia. Outrossim, os técnicos valeram-se de imagens de satélites, tanto relativas ao período inicial da constrição (imagem de 2005 do satélite francês SPOT) quanto atuais (imagem de dezembro de 2007 do satélite japonês ALOS, devidamente ajustada ao momento da vistoria). Constata-se, pois, que o método e os instrumentos utilizados carregam total aptidão para a finalidade da perícia.

Assim, não obstante exista nos autos laudo pericial produzido pela

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executada, não há razão que justifique a sua adoção, motivo pelo qual apenas serão consideradas as conclusões obtidas pela perícia técnica elaborada pela comissão de servidores do INCRA. Esse laudo, a partir do exame de campo, quantificou as árvores que teriam sido retiradas de cada uma das matrículas desde a realização da constrição, deste modo:

Matrícula Pínus no momento da vistoria (A)

Pínus retirados desde maio/2004 (B) Pínus total (C)

01 1.332 137.424 59.947 197.371 02 1.378 0 1.744 1.744 03 3.971 784 2.123 2.907 04 3.972 314 2.389 2.703 05 9.432 1.227 3.940 5.167 06 9.433 706 3.612 4.318 07 9.592 0 0 0 08 11.684 153 828 981 09 11.685 533 2.269 2.802 10 11.686 156 2.493 2.649 11 11.891 932 451 1.383 12 11.920 334 401 735 13 11.990 0 2.534 2.534 14 12.717 817 482 1.299 15 13.362 0 2.188 2.188 16 1.331 164.911 131.406 296.317 TOTAL 308.291 216.807 525.099

Do exame desses dados, duas conclusões são evidentes: uma, que a soma total das árvores, entre as existentes no momento da vistoria e as retiradas desde a penhora (C = 525.099), corresponde, com sobras, ao número total de árvores que fora penhorado (503.030); contudo, de outro lado, analisadas individualmente as matrículas, constata-se que a maioria delas não dispunha de árvores suficientes, mesmo no momento da constrição, para fazer frente ao número de árvores penhoradas. Em outras palavras, algumas das matrículas não dispunham, nem mesmo em maio/2004, do número de árvores que restou penhorado pelo Oficial de Justiça àquela época. Esta última conclusão revela-se importantíssima para definir os limites da responsabilidade do depositário judicial no presente caso.

Veja-se que a penhora e o depósito, na medida em que impõem gra-vame aos bens e deveres ao depositário, são atos que exigem a devida formalização em auto, a fim de que fique expressamente delimitada

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a responsabilidade daquele. Por esse motivo, as referências aos bens penhorados devem ser interpretadas de forma literal, ou seja, não há como entender penhorados bens não descritos no auto. Destarte, ainda que se trate da penhora de bens fungíveis, não se pode responsabilizar o depositário por árvores não constantes da respectiva matrícula a que vinculadas pelo auto de penhora.

Neste ponto, observe-se que, a partir do momento em que o Oficial de Justiça formaliza a penhora, descrevendo no auto próprio a quantidade e o estado dos bens penhorados e colocando-os sob a guarda do depositário, é inegável que o compromisso assumido por este último inclui, dentre outros deveres, o dever de manutenção da exata quantidade e do estado dos bens que lhe foram confiados.

Contudo, em se tratando da penhora de árvores de pínus, deve-se considerar que tais bens, por circunstâncias próprias, impedem a perfeita quantificação no momento da constrição, tendo em vista a vasta extensão de terras em que contidos, bem como o modo em que distribuídos no terreno. É dizer, em relação a tais bens, revela-se impossível ao auxiliar do juízo quantificá-los um a um no momento da formalização da penhora, motivo pelo qual deve se valer de outros elementos, que indiquem, em tese, a quantidade aproximada de árvores, como os documentos relativos ao projeto de reflorestamento, além dos dados relativos ao plantio. Essa circunstância, embora não afaste a legitimidade do auto de penhora, acaba por mitigar a força dos dados nele contidos relativos à quantificação dos bens penhorados.

Na presente hipótese, embora o auto de penhora não explicite o método utilizado para quantificar as árvores, percebe-se que possivelmente tenha tomado por base os documentos relativos aos projetos de reflorestamento existentes sobre os imóveis, que se encontravam, inclusive, registrados na matrícula dos bens. Assim, por exemplo, em relação ao bem matriculado sob o nº 1.331, consta da matrícula do imóvel (fl. 1.017) que a área de efetivo plantio de pínus seria correspondente a 362,92 hectares, área que possivel-mente foi levada em conta pelo auxiliar do juízo no momento de formalizar a constrição sobre 317.700 árvores relativas àquele imóvel. Contudo, como apurado pela perícia realizada pelo INCRA, na referida matrícula apenas houve o plantio efetivo em 311,91 hectares, o que, considerando a média de 950 árvores por hectare, importou no plantio efetivo de apenas 296.317

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árvores de pínus no local, conforme tabela antes transcrita. Neste ponto, cumpre salientar que se revela plausível a alegação da recorrente quando aduz que este déficit entre a área de plantio abstrata declarada no projeto e registrada na matrícula e a área real de plantio do reflorestamento seja normal, por razões de número insuficiente de mudas enviadas ao campo, desídia do empreiteiro que realiza o plantio, obstáculos naturais ou artifi-ciais verificados apenas in loco, entre outras.

Essas constatações apenas tornam evidente que, na hipótese, o número de árvores efetivamente existente em algumas das matrículas era inferior ao número que foi penhorado, ante a discrepância entre as previsões de área de plantio contidas nos projetos de reflorestamento e a área efetivamente utilizada para plantio das árvores, que se mostrou menor do que aquela prevista.

Assim, impõe-se a revisão do auto de penhora e depósito, pois não se pode considerar que o depositário estava obrigado à guarda e à conser-vação de tantas quantas eram as árvores descritas no auto de penhora se o número estabelecido não se adequava à realidade. Portanto, antes de se averiguar a eventual infidelidade do depósito, deve-se compatibilizar o auto de penhora com a realidade dos plantios, de acordo com o laudo técnico que apurou o número efetivo de árvores existentes em cada uma das matrículas. Dessa forma, assim deve ficar limitada a responsabilidade do depositário relativamente às árvores penhoradas:

Matrícula Pínus penhorados (A) Pínus existentes (B) Adequação da penhora (C) 01 1.332 157.440 197.371 157.440 02 1.378 1.660 1.744 1.660 03 3.971 3.320 2.907 2.907 04 3.972 3.320 2.703 2.703 05 9.432 – 5.167 –06 9.433 4.980 4.318 4.318 07 9.592 – – –08 11.684 1.660 981 981 09 11.685 3.320 2.802 2.802 10 11.686 3.320 2.649 2.649 11 11.891 3.030 1.383 1.383 12 11.920 3.320 735 735 13 11.990 3.320 2.534 2.534 14 12.717 3.320 1.299 1.299 15 13.362 3.320 2.188 2.188 16 1.331 307.700 296.317 296.317 TOTAL 503.030 525.099 479.916

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Portanto, adequando o auto de penhora (coluna A) à quantidade de árvores existente em cada uma das matrículas penhoradas naquele momento (coluna B), percebe-se que o depositário apenas poderia ficar responsável por 479.916 árvores de pínus (coluna C), número que res-peita a capacidade de cada uma das matrículas em suportar o gravame imposto. Colocando os números da coluna C, que representam o número de pínus penhorados a que estava obrigado o depositário a conservar, em confronto com as árvores constatadas pela perícia em cada uma das matrículas (coluna A da Tabela II), chega-se ao número de pínus indevi-damente extraídos das propriedades:

Matrícula Penhora de pínus, após adequação (A)

Pínus existentes no momento da vistoria (B)

Pínus extraídos indevidamente (C)

01 1.332 157.440 137.424 20.016 02 1.378 1.660 0 1.660 03 3.971 2.907 784 2.123 04 3.972 2.703 314 2.389 05 9.432 – 1.227 0 06 9.433 4.318 706 3.612 07 9.592 – 0 0 08 11.684 981 153 828 09 11.685 2.802 533 2.269 10 11.686 2.649 156 2.493 11 11.891 1.383 932 451 12 11.920 735 334 401 13 11.990 2.534 0 2.534 14 12.717 1.299 817 482 15 13.362 2.188 0 2.188 16 1.331 296.317 164.911 131.406 TOTAL 479.916 307.064 172.852

*Como não foram penhoradas árvores da matrícula nº 9.432, as árvores nela encontradas no momento da vistoria não entram no cômputo do total.

Assim, verifica-se a retirada indevida de 172.852 árvores de pínus nas matrículas penhoradas, ou aproximadamente (utilizando-se o índice de 1,6456m³ por árvore, adotado pelo laudo técnico do INCRA) a extra-ção de 105.034,49m³ de madeira. Essa quantidade de madeira retirada, segundo aponta o mesmo laudo, que apurou um preço médio de R$ 48,87 por metro cúbico do pínus em pé, com casca, no Paraná, equivale a R$ 5.133.035,52 (cinco milhões, cento e trinta e três mil, trinta e cinco reais e cinquenta e dois centavos). Subtraindo-se dessa quantia, ainda, o montante obtido com a venda autorizada judicialmente das toras que

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se encontravam no solo da Fazenda, chega-se ao valor devido neste momento pelo depositário.

Comprovado que o depositário não conservou sob sua guarda essa parcela dos bens penhorados, deve ele ser compelido (a) à reposição dos bens em espécie ou (b) ao recolhimento da quantia equivalente em dinheiro, ambos no montante apurado no parágrafo antecedente. Se é certo que o descumprimento da presente determinação não possa ser pe-nalizado com a prisão civil do depositário, conforme já exposto no item “a” do voto, não menos certo é que poderá o Juízo a quo, acaso entenda necessário, aplicar a multa prevista no artigo 14, parágrafo único, do CPC, em caso de resistência injustificada ao cumprimento da ordem.

Deve-se ressaltar, em arremate, que a configuração da infidelidade do depositário independe de remanescerem bens em valor suficiente à garantia integral do débito. Com efeito, o dever do depositário de man-ter sob sua custódia os bens que lhe foram confiados não é excluído pelo simples fato de existir excesso de penhora, ou mesmo pelo fato de revelarem-se suficientes os bens remanescentes.

A responsabilidade pelos bens depositados apenas é extinta mediante prévia autorização judicial, com o que fica o depositário liberado do encargo. Ainda que exista excesso de penhora, este deverá ser sanado pela redução da constrição, após reavaliação dos bens, se necessário, e comparação com o valor atual da dívida. Em outras palavras, o fato de eventualmente os bens ainda remanescentes cobrirem o valor atualizado da dívida não basta a afastar a infidelidade do depósito.

C) Reavaliação dos bens penhorados

Não obstante as considerações relativas à infidelidade do depósito, percebe-se que a executada, juntamente com o inventário florestal ela-borado pela CONFAL, acostou aos autos laudo avaliatório, elaborado em junho de 2006, da terra nua do imóvel denominado “Fazenda 1”, que engloba a área das matrículas penhoradas nos autos (fls. 906-929). Esse laudo examina diversas características do imóvel, tais como: localização e tipo de ocupações existentes na área de Guarapuava/PR; uso atual do solo; clima, precipitação e relevo da área. O método de valoração da terra nua baseou-se na comparação mercadológica com 15 amostras de imóveis da região, sendo obtido o valor de R$ 9.812.571,00 para o imóvel

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Fazenda 1, que possui 1.990,33 hectares. Contudo, deve-se observar que o valor de avaliação da terra nua obtido pelo laudo da empresa contratada pela executada refere-se à totalidade do imóvel Fazenda 1, que, como a própria executada reconhece, abrange outras matrículas além das penho-radas na presente execução. Em verdade, em se aplicando o valor obtido pelo laudo da CONFAL para o valor médio por hectare (R$ 4.930/ha), e aplicando-se esse valor ao total de hectares correspondente apenas às matrículas penhoradas (1.178,82ha, segundo laudo técnico do INCRA), chega-se ao valor de R$ 5.811.582,60.

De seu lado, o auto de penhora avaliou a terra nua das matrículas penhoradas, em maio de 2004, no montante total de R$ 3.281.265,00 (fl. 448). Ante a discrepância entre o laudo trazido e a avaliação efetuada pelo Oficial de justiça, e considerando o grande transcurso de tempo desde a elaboração desta última, revela-se razoável determinar-se a rea-valiação dos bens penhorados. Com efeito, ante a presença de elementos suficientemente idôneos, aptos a mitigar a presunção de legitimidade emanada do auto avaliatório elaborado pelo auxiliar do Juízo, bem como diante do considerável transcurso de tempo desde a avaliação, deve ser ordenada a reavaliação dos bens penhorados, a fim de apurar a existência de eventual excesso de penhora.

Desnecessário seja nomeado perito avaliador para a reavaliação do imóvel. Na hipótese, a única circunstância que determina a necessidade de reavaliação do bem penhorado é o considerável lapso de tempo des-de a última avaliação. Não existe qualquer especificidade inerente aos imóveis que torne desaconselhável a avaliação por Oficial de Justiça, uma vez que o auxiliar do juízo é competente para a avaliação dos bens penhorados (artigo 680 do CPC), salvo os casos em que sejam exigidos conhecimentos especializados, o que não se passa, evidentemente, com os imóveis em questão. Cumpre relembrar que os elementos trazidos pelo laudo particular juntado pela executada deverão também ser obje-to de consideração pelo reavaliador, de modo que não haverá qualquer prejuízo à executada.

Outrossim, assiste razão à executada quando aduz que deve ser quantificado o valor depositado nos autos da ação de desapropriação nº 2000.70.06.000228-3. Após a reavaliação da terra nua dos imóveis matriculados e a quantificação dos valores depositados, poderá ser exa-

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minada a necessidade de reforço ou redução da penhora.

D) Afastamento preventivo do Sr. Marco Antonio Teixeira Bampa da função de Diretor-Presidente da executada

A decisão agravada, considerando que o Sr. Marco Antonio Teixeira Bampa não desempenhou a função de depositário de maneira correta, na medida em que se desfez de parcela dos bens penhorados sem autorização do Juízo, determinou o seu afastamento do referido múnus.

Outrossim, considerando o disposto no artigo 147, § 1º, da Lei nº 6.404/76, e com base nos artigos 798 e 461, § 5º, ambos do CPC, a deci-são determinou o afastamento temporário do Sr. Marco Antonio Teixeira Bampa do cargo de Diretor-Presidente da executada, sendo que a função deveria ser exercida temporariamente pelo vice-presidente da companhia, sem prejuízo, no entanto, da intimação do leiloeiro judicial para que mani-festasse o aceite em assumir a função de administrador judicial da execu-tada. É contra esta última determinação que se insurgem os recorrentes.

Este o teor do dispositivo da Lei das Sociedades por Ações mencionado pelo julgador a quo quanto à inabilitação do Sr. Marco Antonio Teixeira Bampa para o exercício do cargo de administrador da executada:

“Art. 147. Quando a lei exigir certos requisitos para a investidura em cargo de admi-nistração da companhia, a assembleia geral somente poderá eleger quem tenha exibido os necessários comprovantes, dos quais se arquivará cópia autêntica na sede social.

(...)§1º São inelegíveis para os cargos de administração da companhia as pessoas

impedidas por lei especial, ou condenadas por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos.” (grifei)

Ademais, fundamentou a nomeação de administrador judicial nos seguintes dispositivos do Código de Processo Civil:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equi-

valente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias,

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tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se neces-sário com requisição de força policial.

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

Primeiramente, cumpre relembrar que se está no bojo de processo de execução fiscal, cuja finalidade única é possibilitar a cobrança dos créditos fazendários. Assim, todas as medidas tomadas no curso do procedimento devem visar unicamente ao atendimento desse fim, ainda que, para tanto, eventualmente seja necessária a adoção de providências de natureza cautelar, que assegurem o resultado útil do processo.

Não se desconhece que a nomeação de administrador judicial para o comando da atividade empresarial da executada pode revelar certa utilidade para a execução fiscal em determinadas ocasiões. Suponha-se, por exemplo, o caso em que a dívida esteja sendo quitada mediante a constrição de percentual sobre o faturamento mensal da empresa, e que haja elementos a indicar que o administrador da executada esteja, dolosamente, gerindo de forma fraudulenta os negócios, de modo a diminuir ou ocultar o faturamento da empresa e, consequentemente, frustrar o pagamento da dívida. Nesse caso hipotético, o afastamento do administrador da empresa e a nomeação de administrador judicial seriam medidas perfeitamente adotáveis, a fim de assegurar o correto recolhimento da penhora e, ao final, o pagamento da dívida, escopo único do processo executivo.

Contudo, na presente hipótese, não existem quaisquer elementos que indiquem que a presença do Sr. Marco Antonio Teixeira Bampa na condição de administrador da empresa possa inviabilizar o pagamento da dívida na presente execução fiscal. Com efeito, embora não tenha o agravante desempenhado corretamente o encargo de depositário dos bens penhorados – e por tal motivo já tenha sido afastado dessa função –, tal circunstância não pode ser confundida com a atividade por ele desempenhada à frente da empresa.

Enquanto o exercício do encargo de depositário tem direta ligação com a conservação dos bens dados em garantia, e portanto, com a pró-

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pria possibilidade de pagamento da dívida, a atividade de administrador empresarial diz respeito principalmente à empresa, seus sócios e inves-tidores, e apenas de forma indireta pode afetar a execução fiscal. Essa distinção é fundamental, na medida em que se percebe que o depósito judicial, por revelar-se instrumental à execução, confere ao magistrado condutor do respectivo processo ampla margem de interferência na no-meação e destituição do depositário.

De outro lado, a intervenção judicial sobre a administração da em-presa não apresenta a mesma extensão, estando restrita às hipóteses em que, em nome da preservação dos direitos em litígio, estejam presentes elementos que autorizem seja a vida negocial da empresa afetada dessa forma. Deve-se considerar, sempre, que a intervenção judicial sobre a administração da empresa pode afetar inúmeras pessoas, desde a própria pessoa jurídica, seus acionistas e empregados, até terceiros que com ela mantêm relações comerciais. Além da necessidade de ponderar todos esses aspectos, em sede de execução fiscal, como já mencionado, deve haver receio de que seja frustrado o pagamento da dívida pela presença do administrador à frente da empresa.

Por essas circunstâncias, a responsabilidade por eventual má adminis-tração da empresa executada deve ser apurada em ação judicial própria para tanto, onde medidas preventivas, como a nomeação de administra-dor judicial, acaso devidamente justificadas, podem ser tomadas. Aliás, veja-se que a inelegibilidade para o cargo a que alude o artigo 147, §1º, da Lei nº 6.404/76 exige a condenação do administrador por algum dos crimes ali descritos. Essa condenação, como cediço, há de ser fruto da instauração do processo próprio, onde serão franqueadas ao acusado todas as garantias pertinentes, notadamente a ampla defesa e o contraditório. No caso, sequer se tem notícia de instauração de procedimento tendente à apuração de responsabilidade do agravante como administrador da empresa, quanto mais de condenação por algum crime que o torne ine-legível para o citado cargo.

Assim, a princípio, não se revelaria possível a interferência judicial no comando da atividade empresarial da executada, pois não demonstrado que o administrador, nessa condição, estaria causando ou poderia causar qualquer embaraço ao regular prosseguimento da execução. Impende atentar, todavia, que, consoante petição protocolada pelo segundo agra-

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vante, foi decretada a falência da empresa GVA Indústria e Comércio S/A (fls. 209-222), já tendo sido, inclusive, efetuada a designação de administrador judicial (Dr. Marcelo Simão – fls. 221), pelo que se impõe o reconhecimento de perda de objeto do agravo de instrumento quanto a esse tópico.

Deve, pois, ser retificada a autuação, a fim de que constem como agravantes MARCO ANTONIO TEIXEIRA BAMPA e Massa Falida de GVA INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A., devendo ser solicitado ao Juízo da Falência informações acerca do endereço do administrador da massa, para que se possa efetuar a sua intimação acerca desta decisão.

Dispositivo

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao agra-vo de instrumento, para o fim de (a) consignar a ausência de interesse processual no tocante ao pedido de afastamento da prisão civil do de-positário infiel, haja vista tal pretensão já ter sido atendida nos autos do Habeas Corpus nº 2008.04.00.044072-2, (b) determinar ao depositário a reposição dos bens indevidamente retirados, facultando-lhe que tal reposição se dê em espécie ou em quantia equivalente em dinheiro, (c) determinar a reavaliação da terra nua dos imóveis penhorados, (d) de-terminar a quantificação da penhora efetuada no rosto dos autos da ação de desapropriação nº 200070060002283, a fim de viabilizar o exame da necessidade de redução ou reforço de penhora, e reconhecer a perda de objeto do agravo quanto ao pedido de cassação da ordem de afastamento temporário do agravante Marco Antonio Teixeira Bampa do cargo de Diretor-Presidente da executada, tudo nos termos da fundamentação.

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA ACNº 2003.70.00.038936-8/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelada: Jurama Rolamentos Ltda.Advogado: Dr. Paulo Augusto Grube

Remetente: Juízo Federal da 2ª VF Execuções Fiscais de Curitiba

EMENTA

Arguição de inconstitucionalidade. Questão de ordem pelo não co-nhecimento da arguição rejeitada. Arguição de inconstitucionalidade conhecida e, no mérito, provida. Solução dada mediante a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Execução fiscal. Pres-crição. Art. 2º, § 3º, da lei 6.830/80 (suspensão por 180 dias). norma aplicável somente às dívidas não tributárias. declaração parcial de inconstitucionalidade no tocante às dívidas de natureza tributária sem redução de texto.

1. Suscitada questão de ordem pelo não conhecimento da arguição, porque a matéria nela agitada – inconstitucionalidade do § 3º do artigo 2º da Lei nº 6.830, de 1980 – já havia sido objeto de análise pelo Plenário da Corte (na época inexistia a Corte Especial), que a rejeitou, por maioria, quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 89.04.05774-4/RS, relatora Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère, em

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26.11.1997. Invocou-se, ainda, em defesa do não conhecimento desta arguição o disposto no parágrafo único do art. 481 do CPC.

1.1. Entendeu-se que a regra do parágrafo único do art. 481 do CPC não pode servir, em hipótese alguma, de obstáculo à evolução jurispru-dencial, produzindo o engessamento da jurisprudência, mormente em face de ser decisão tomada em sede de controle difuso, e não direto, de constitucionalidade das leis. Assinalou-se como perfeitamente possível a formulação de nova arguição quando a tese jurídica que restou encampada na arguição anterior não encontra ressonância na própria jurisprudência dos órgãos fracionários que compõem a Corte e, mais, no próprio órgão que emitira a orientação anterior, que é a hipótese dos autos.

1.2. A Corte especial, na sessão de 26.06.2008, por maioria, vencido o Des. Federal Edgard A. Lippmann Junior, rejeitou a questão de ordem de não conhecimento da Arguição de Inconstitucionalidade.

2. Tendo sido conhecida a arguição de inconstitucionalidade, passou-se ao mérito, referente ao qual restou assentado que no tocante às dívidas de natureza não tributária não há exigência, nem pela CF/67 nem pela atual, de regulamentação da prescrição por lei complementar, de modo que não há vício de inconstitucionalidade da causa suspensiva inserta no § 3º do art. 2º da LEF para as dívidas de natureza não tributária. Entretanto, tal não ocorre em relação ao crédito de natureza tributária, porquanto a prescrição das dívidas tributárias regula-se por lei complementar, no caso o art. 174 do CTN, a evidenciar a incompatibilidade do § 3º do art. 2º da LEF com a CF/67-EC69 (art. 18, § 1º) e com a atual Constituição Federal/88 (art. 146, III, b, CF/88).

2.1. Solução dada à presente arguição mediante a declaração de in-constitucionalidade sem redução de texto. “Se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: O controle Abstrato de Normas no Brasil e na Alemanha, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 286/287). Ademais, este Tribunal, em decisões mais recentes, tem admitido a declaração de inconstitucionali-dade sem redução de texto em sede de arguição de inconstitucionalidade,

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ou seja, no controle difuso. Portanto, por motivos de segurança jurídica e melhor clareza que pode emprestar à parte dispositiva da decisão, e, ainda, por ser a adequada no bojo de uma arguição, soluciona-se o pre-sente incidente mediante esta modalidade de controle.

2.2. Reconhece-se a inconstitucionalidade da causa suspensiva da prescrição inserta no § 3º do art. 2º da Lei 6830/80 para a dívida de natu-reza tributária, por afronta ao contido no § 1º do art. 18 da CF 67, com o texto da EC nº 01/69, ressalvando, no entanto, a sua constitucionalidade no tocante à dívida de natureza não tributária.

2.3. Acolhido pela Corte Especial, por unanimidade, o incidente de arguição de inconstitucionalidade para, sem redução de seu texto, de-clarar a inconstitucionalidade parcial do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80, limitando os efeitos da declaração à dívida de natureza tributária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher o incidente de arguição de inconsti-tucionalidade para, sem redução de seu texto, declarar a inconstitucio-nalidade parcial do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80, limitando os efeitos da declaração à dívida de natureza tributária, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 27 de novembro de 2008.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade do § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções – LEF), suscitado por ocasião do julgamento de apelação interposta pela Fazenda Nacional contra sen-tença que julgou extinta a execução fiscal pela ocorrência da prescrição dos débitos, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade desse dispositivo que estabelece causa suspensiva da prescrição pela inscrição em dívida ativa.

A Turma, por ocasião do julgamento do apelo, por maioria, decidiu

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suscitar o presente incidente de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator para o acórdão, Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira (fls. 89/90), consoante ementa abaixo transcrita (fl. 91):

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO. ART. 2º, § 3º, DA LEI Nº 6.830/80. INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE A CARTA DE 1967 (EC 01/69). MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR.

1 - A Constituição de 1967, em sua redação original e naquela da EC 01/69, atribuiu à lei complementar dispor sobre normas gerais de direito tributário. A Lei nº 5.172, de 25.10.66, denominada ‘Código Tributário Nacional’, foi recepcionada como lei complementar e cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários em seu artigo 174, fixando-lhes prazo de cinco anos e prevendo exaustivamente as hipóteses de sua interrupção.

2 - Não poderia o § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, diploma de inferior nível hierárquico, instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar.”

O Ministério Público Federal opina pela declaração parcial de inconsti-tucionalidade do § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, limitando-se os efeitos da declaração à dívida ativa de natureza tributária (fls. 94/99).

Apresentei o feito para julgamento na sessão do dia 29 de maio de 2008, ocasião em que se levantou uma questão de ordem pelo não co-nhecimento do incidente, em razão de já ter sido decidido, em incidente anterior, a questão posta em julgamento e em face do disposto no pará-grafo único do artigo 481 do CPC.

Retirei, em face dessa questão de ordem suscitada, o feito de pauta e o trago nesta sessão.

É o relatório.

QUESTÃO DE ORDEM

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Na sessão desta Corte Especial, ocorrida no dia 29 de maio de 2008, trouxe este feito para julgamento, e, no seu início, foi suscitada uma questão de ordem pelo não conhecimento da arguição, porque a matéria nela agitada – inconstitucionalidade do § 3º do artigo 2º da Lei nº 6.830, de 1980 – já havia sido objeto de análise pelo Plenário da Corte (na época inexistia a Corte Especial), que a rejeitou, por maioria, quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 89.04.05774-4/RS, relatora Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère, em 26 de novembro de 1997.

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Invocou-se, ainda, em defesa do não conhecimento desta Arguição de Inconstitucionalidade o disposto no artigo 481, parágrafo único, do CPC, que tem a seguinte dicção:

“Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronuncia-mento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)”

Em face da controvérsia que surgiu naquela assentada, retirei o feito da pauta e o trago nesta oportunidade, passando, inicialmente, a me mani-festar sobre a possibilidade, ou não, de, mesmo havendo decisão anterior do órgão competente para decidir, nos termos do art. 97 da CF/88, sobre as arguições de inconstitucionalidade, ser novamente a matéria trazida para nova deliberação.

E, com todo o respeito àqueles que sustentam o contrário, penso ser possível que a matéria possa ser novamente apreciada pelo órgão competente.

Com efeito, de fato, uma primeira leitura do parágrafo único do artigo 481 do CPC, introduzido pela Lei nº 9.756, de 17.12.98, apontaria nessa direção. Não obstante, a aplicação meramente literal do dispositivo não representa a sua verdadeira intenção.

Em verdade, referido preceptivo apenas veio consolidar, no plano normativo, a orientação já sufragada na jurisprudência, inclusive do STF, de que, uma vez pronunciada a constitucionalidade ou inconsti-tucionalidade de lei pelo colegiado do Tribunal, nos termos do art. 97 da CF/88, ficariam dispensados os órgãos fracionários de submeter novamente a questão à deliberação do órgão maior. Da mesma forma, quando já houvesse pronunciamento definitivo pelo STF sobre a matéria analisada. Trata-se, portanto, de verdadeira regra de economia processual e racionalização do sistema judicial.

No entanto, a regra referida não pode servir, em hipótese alguma, de obstáculo à evolução jurisprudencial, produzindo o engessamento da jurisprudência, mormente em face de ser decisão tomada em sede de controle difuso, e não direto, de constitucionalidade das leis.

Comentando tal inovação legislativa, assim se pronuncia o processu-

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alista Sérgio Gilberto Porto:“4. O parágrafo único do artigo 481 – O parágrafo único do artigo sob exame es-

tabelece a desnecessidade de que seja submetida ao plenário ou ao órgão especial do tribunal a matéria sobre cuja constitucionalidade já se pronunciou ou o próprio tribunal ou o Supremo Tribunal Federal. A regra foi introduzida no sistema pelo artigo 1º da Lei nº 9.756/98 e teve por escopo claro atender aos propósitos da reforma que vem sendo implementada e que busca, exatamente, abreviar a prestação jurisdicional no tempo, no combate à morosidade da resposta jurisdicional.

É medida de nítida economia processual, pois se já houve pronunciamento não há razão que justifique a interrupção do julgamento para apreciação de questão que, em tese, já foi apreciada e resolvida, não se justificando, pois, novo exame para, exatamente, ser reafirmada a decisão anterior. No caso, recomenda-se a aplicação da decisão anterior. No entanto, nada obsta que seja a decisão do reconhecimento do incidente submetida novamente a plenário, mormente se houver nova composição do órgão ou fundamento novo e, por decorrência, existir a potencialidade de mudança na orientação anterior.” (PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, do processo de conhecimento – arts. 444 a 495, São Paulo: RT, 2000, p. 274)

Outro não é, também, o ensinamento de Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, que, em comentários a esse dispositivo legal, assinalam:

“5. Desnecessidade da declaração. Quando o plenário do STF ou o plenário ou órgão especial do próprio tribunal, onde foi ou poderia ter sido suscitado o incidente, já tiverem se pronunciado sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada, não há a necessidade de o órgão fracionário (câmara, turma, câmaras reunidas, grupo de câmaras, seção etc.), remeter a questão ao julgamento do plenário ou órgão especial. Nesse caso, o órgão fracionário pode aplicar a decisão anterior do plenário do STF ou do próprio tribunal, que haja considerado constitucional ou inconstitucional a lei questionada. Trata-se de medida de economia processual. No entanto, não há vedação de que o órgão fracionário submeta a questão ao plenário ou órgão especial, notadamente quando houver fundamento novo ou modificação da composição do plenário ou órgão especial, circunstância que caracteriza a potencialidade de modificação daquela decisão anterior.” (NERY, Nélson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. CPC comentado e legislação extravagante, 7. ed., São Paulo: RT, p. 823, nota 5 ao art. 481)

Às ponderações dos ilustres processualistas, assinalo, ainda, que é perfeitamente possível que seja formulada nova arguição quando a tese jurídica que restou encampada na arguição anterior não encontra resso-nância na própria jurisprudência dos órgãos fracionários que compõem a Corte e, mais, no próprio órgão que emitira a orientação anterior, que

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é a hipótese dos autos.Senão vejamos.Por ocasião do julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucio-

nalidade na AC nº 89.04.05774-4/RS, relatora a Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère, em 26 de novembro de 1997, decidiu naquela oportuni-dade o Plenário, por maioria, rejeitar a arguição de inconstitucionalidade do artigo 2º, § 3º, da Lei nº 6.830, de 1980, vencido o Juiz Paim Falcão, entendendo ser inconstitucional. O acórdão restou assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º, PARÁ-GRAFO 3º, DA LEI 6.830/80. As disposições relativas à prescrição, embora inscritas no Código Tributário Nacional, não tinham natureza de lei complementar quando alteradas pela Lei nº 6.830/80. Somente após a Constituição Federal de 1988, passou a exigir-se que as regras referentes à prescrição fossem reguladas por Lei Complementar, porque o artigo 146 da Carta Magna estabelece o que são normas gerais em matéria de legislação tributária, incluindo-a no inciso III, letra b. Arguição de inconstitucio-nalidade rejeitada.”

Naquela oportunidade, apresentou voto-vista escrito a então Juíza Ellen Grace Northfleet, que rejeitava o incidente, porém fazendo uma interpretação compatível com a constituição, de modo a entender inaplicá-vel o dispositivo impugnado às dívidas tributárias, pois, já sob a vigência da CF/67, a prescrição, em sede tributária, era matéria sob a reserva de Lei Complementar. No entanto, o dispositivo seria constitucional para as dívidas não tributárias. Apresentou voto-vista escrito, também, a Juíza Luíza Dias Cassales, na mesma linha do voto condutor do julgado, da lavra da Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère, que prevaleceu e foi no sentido da desnecessidade de lei complementar, aplicando-se, assim, a causa de suspensão da prescrição, prevista no § 2º do art. 3º da Lei 6.830, de 1980, também às dívidas tributárias, conforme enunciado que constou da ementa.

Essa orientação, em linha de princípio, por força do Regimento Interno da Corte (art. 151), deveria vincular os órgãos fracionários.

Todavia, não é assim que vieram a se comportar as Turmas de Direito Tributário deste Tribunal.

Confira-se, a título de ilustração, os seguintes precedentes:“EXECUÇÃO FISCAL. ITR. PRESCRIÇÃO. ART. 174 DO CTN. ART. 2º, § 3º,

DA LEI Nº 6.830/80. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. (...) 2. A regra do art. 2º, §

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3º, da Lei nº 6.830/80, que determina a suspensão do prazo prescricional pela inscrição do débito em dívida ativa resta afastada pelo art. 174 do Código Tributário Nacional, norma de hierarquia superior. 3. (...)” (TRF4, AC 2003.04.01.053747-9, Segunda Turma, Relator Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, DJ 07.01.2004)

“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CABIMENTO. PRESCRIÇÃO. INA-PLICABILIDADE DOS ARTIGOS 2º, § 3º, E 8º, § 2º, DA LEF. PRERROGATIVA DE LEI COMPLEMENTAR. CTN.

1. (...) 2. A suspensão do prazo prescricional por 180 dias, conforme previsto na Lei de Execuções Fiscais, não pode ser aplicada à execução de dívida tributária, uma vez que a prescrição integra norma geral em matéria tributária, somente podendo ser regulada mediante lei complementar.

3. (...) 4. Em que pese o artigo 8º, § 2º, da LEF disponha que é o despacho do juízo que interrompe o prazo prescricional, tenho que esse não é o melhor entendimento, haja vista que o CTN é lei complementar, devendo, nesse caso, prevalecer sobre lei ordinária.” (TRF4, AC 2004.04.01.050957-9, 1ª Turma, Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 09.02.2005)

“TRIBURÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. PAR-CELAMENTO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO COM O DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO PESSOAL. ARTIGO 174 DO CTN. LC 118/2005.

(...) Aplicam-se às contribuições sociais os prazos de decadência e prescrição previstos no CTN. 3. O despacho que ordena a citação do devedor tem o poder de interromper a prescrição, tendo em vista a edição da Lei Complementar nº 118/2005, a qual deu nova redação ao artigo 174, inciso I, do CTN, aplicando-se aos feitos ajuiza-dos após 09.06.2005, como a hipótese dos autos. 4. A prescrição como norma geral de direito tributário, por imposição constitucional, deve ser regrada na via reservada à Lei Complementar, afastada a disciplina da Lei nº 6.830/80. 5. Não há que se cogitar que a inscrição em dívida ativa suspende a prescrição pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias (art. 2º, § 3º, da Lei nº 6.830/80). 6. Proferido o despacho que ordenou a citação após o lustro legal, ocorreu a prescrição do direito à cobrança do crédito tributário. 7. Remessa oficial e apelação improvidas.” (TRF4, AC 2006.72.13.001397-0, Primeira Turma, Relator Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, D.E. 18.12.2006)

“TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. SUSPEN-SÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. LEI COMPLEMENTAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1 – O art. 2º, § 3º, da LEF, que estabelece a suspensão do prazo prescricional, por 180 dias, após a inscrição em dívida ativa, simplesmente não tem eficácia em relação aos créditos tributários, diante do disposto no art. 146, III, alínea c, da CF/88. Quanto aos créditos não tributários, sua aplicação é plenamente válida, pois não incide a reserva constitucional à lei complementar, destinada exclusivamente à prescrição dos tributos. 2 – No ordenamento constitucional anterior já se impunha a edição de lei complementar

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para estabelecer normas gerais de direito tributário, dispor sobre os conflitos de com-petência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regular as limitações constitucionais do poder de tributar. Consistindo em matéria de norma geral, o regramento da prescrição tributária exige lei complementar. 3 – O art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80 tem sua eficácia restrita aos créditos não tributários, visto que o art. 174, I, do CTN considera interrompida a prescrição somente com a efetiva citação do devedor, e não com o despacho inicial que a ordena. 4 – Ao realizar a apre-ciação equitativa, a fim de fixar os honorários nas causas em que a Fazenda Pública resta vencida, o juiz deve considerar os critérios elencados no § 3º do art. 20 do CPC. Sopesando conjuntamente esses fatores valorativos, fixa-se os honorários em 10% sobre o valor da causa.” (TRF4, AC 2004.70.00.036843-6, Primeira Turma, Relator Des. Federal Joel Ilan Paciornik, DJ 22.11.2006)

Inúmeras outras as decisões dos órgãos fracionários da 1ª Seção desta Corte que vêm nessa direção, algumas inclusive de minha relatoria.

Mas não é só.Esta mesma Corte Especial, por ocasião do julgamento da ARGUIÇÃO

DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AC Nº 2002.71.11.002402-4/RS, rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DE 07.03.2007, pronunciou entendimento diametralmente oposto àquele fixado na outra arguição de inconstitucionalidade, quando declarou a inconstituciona-lidade do parágrafo único do art. 5º do DL 1.569, de 1977, fixando a orientação de que, já na vigência da CF/67, a matéria relativa à prescrição tributária estaria sob a reserva de Lei Complementar. O acórdão restou assim ementado:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL Nº 1569/77. INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE A CARTA DE 1967 (EC 01/69) - MATÉRIA RESERVADA À LEI COM-PLEMENTAR.

1 – A Constituição de 1967, em sua redação original e naquela da EC 01/69, atribuiu à lei complementar dispor sobre normas gerais de direito tributário. A Lei nº 5.172, de 25.10.66, denominada ‘Código Tributário Nacional’, foi recepcionada como lei complementar e cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários em seu artigo 174, fixando-lhes prazo de cinco anos e prevendo exaustivamente as hipóteses de sua interrupção.

2 – Não poderia o parágrafo único do art. 5º do DL nº 1.569/77, diploma de inferior nível hierárquico, instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, tornando o crédito prati-camente imprescritível, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar.” (ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AC Nº 2002.71.11.002402-4/RS, Corte Especial, rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DE 07.03.2007)

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Essa decisão da nossa Corte Especial, aliás, restou mantida pelo STF, que, inclusive, editou a Súmula Vinculante nº 08, assim vazada:

“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.”

Assim, de duas uma: ou na vigência da ordem constitucional pretérita as causas suspensivas da prescrição tributária estavam sob a reserva de lei complementar ou não estavam. Não se pode admitir, com a devida vênia, ainda que as arguições tenham tratado de disposições legais distin-tas, entendimentos conflitantes perante o mesmo órgão judicial, sendo a matéria de fundo a mesma, qual seja, possibilidade de lei ordinária tratar de causas de suspensão da prescrição tributária na vigência da ordem constitucional pretérita.

Admitir-se a possibilidade de convivência das duas interpretações levaria ao absurdo de, no julgamento de um mesmo recurso – já que muitas são as hipóteses em que a Fazenda Nacional suscita as duas cau-sas suspensivas –, o órgão fracionário ter que dizer, em um determinado momento, que seria necessária Lei Complementar e, por isso, afastar a aplicação do parágrafo único do art. 5º do DL 1.569, de 1977, e, na se-quência, no mesmo acórdão, ter que dizer que se aplica o § 2º do art. 3º da Lei 6.830, de 1980, pois, na vigência da CF/67, a prescrição tributária não estaria sujeita à disciplina via Lei Complementar.

A ilogicidade da situação acima narrada, a sua teratologia, bem aponta pela possibilidade de ser viável a suscitação de novo incidente de inconstitucionalidade.

É claro que não se está aqui a defender a prodigalização desse expe-diente, de modo a gerar insegurança jurídica. No entanto, a proibição peremptória, com a aplicação cega e literal do parágrafo único do art. 481 do CPC, levará à inflexibilização da jurisprudência e a situações inusitadas como a acima referida.

Aliás, a Constituição, ressalvadas as cláusulas pétreas, pode ser altera-da pelo Congresso Nacional, o mesmo valendo para as leis. As súmulas, inclusive as vinculantes, também podem ser revogadas. Por que não se poderia, então, alterar uma interpretação dada no julgamento de uma arguição de inconstitucionalidade, mormente quando a jurisprudência,

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em evolução, em casos outros, decide contrariamente à tese que, ante-riormente, havia sufragado o órgão?

Negar essa possibilidade é negar a possibilidade de os órgãos judiciais evoluírem na interpretação das leis e da constituição.

Calha, a propósito, a lição do jurista tedesco Peter Häberle, para quem a interpretação é um processo aberto, não sendo, pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma ordem. Ao contrário, a interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas. Prossegue o jurista, assinalando que a vinculação se converte em liber-dade, à medida que se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção (HÄBERLE, Peter. Her-menêutica constitucional - a sociedade aberta dos intérpretes da consti-tuição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 30).

Da mesma forma, Karl Larenz, em sua obra Metodologia da Ciência do Direito, no capítulo que trata da Interpretação das Leis, assinala essa possibilidade de evolução, afirmando:

“Mas, embora o juiz seja levado, pelo caso a resolver, a interpretar de novo um deter-minado termo ou uma determinada proposição jurídica, deve interpretá-los, decerto, não apenas precisamente para este caso concreto, mas de maneira a que a sua interpretação possa ser efectiva para todos os outros casos similares. Se os tribunais interpretassem a mesma disposição em casos similares ora de uma maneira, ora de outra, tal estaria em contradição com o postulado da justiça de que os casos iguais devem ser tratados de igual modo, assim como com a segurança jurídica a que a lei aspira.

(...) Claro que na nossa ordem jurídica os tribunais não estão vinculados à interpre-tação em certa altura aceite. Podem, ou melhor, devem, desviar-se dela quando, segundo a convicção do tribunal, no caso a julgar, melhores razões se inclinam para uma outra interpretação. Mas tais casos são relativamente raros; a relativa insegurança jurídica consubstanciada na possibilidade de uma alteração da jurisprudência dos tribunais tem que se aceitar para tornar possíveis sentenças materialmente corretas.

Se bem que toda e qualquer interpretação, devida a um tribunal ou à ciência do Direito, encerre necessariamente a pretensão de ser uma interpretação ‘correcta’, no sentido de conhecimento adequado, apoiado em razões compreensíveis, não existe, no entanto, uma interpretação ‘absolutamente correcta’, no sentido de que seja tanto definitiva, como válida para todas as épocas. Nunca é definitiva, porque a variedade inabarcável e a permanente mutação das relações da vida colocam aquele que aplica a norma constantemente perante novas questões. Tão pouco pode ser válida em definitivo,

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porque a interpretação, como ainda haveremos de ver, tem sempre uma referência de sentido à totalidade do ordenamento jurídico respectivo e às pautas de valoração que lhe são subjacentes. (...) Toda a interpretação da lei está, até certo ponto, condicionada pela época.” (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 442/443)

Mais adiante, prossegue Larenz:“Os tribunais podem abandonar a sua interpretação anterior porque se conven-

ceram que era incorrecta, que assentava em falsas suposições ou em conclusões não suficientemente seguras. Mas ao tomar em consideração o factor temporal, pode tam-bém resultar que uma interpretação que antes era correcta agora não o seja. O preciso momento em que deixou de ser ‘correcta’ é impossível de determinar. Isso assenta em que as alterações subjacentes se efectuam na maior parte das vezes de modo contínuo e não de repente. Durante um ‘tempo intermédio’ podem ser ‘plausíveis’ ambas as coisas, a manutenção de uma interpretação constante e a passagem a uma interpreta-ção modificada, adequada ao tempo. É também possível que uma interpretação que aparecia originariamente como conforme à Constituição, deixe de o ser na sequência de uma modificação das relações determinantes. Então é de escolher a interpretação, no quadro das possíveis segundo os outros critérios de interpretação, que seja agora a única conforme à Constituição.” (op. cit., p. 498/499)

Entre nós, remeto ao que diz o constitucionalista Luís Roberto Barroso sobre a interpretação constitucional evolutiva, em sua obra Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 137-139.

Com essas considerações, portanto, não vejo óbice algum ao conheci-mento da presente arguição, mas, ao contrário, tenho como indispensável a sua apreciação pela Corte Especial, de modo a tornar certa a interpreta-ção sobre o tema suscitado, qual seja, se, na vigência da Constituição de 1967, estava a prescrição em sede tributária sujeita à regulação mediante Lei Complementar ou não.

Conheço, portanto, da arguição.É como voto na questão de ordem.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade do § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções – LEF), que atribui ao ato de inscrição em dívida ativa efeito suspensivo sobre o prazo prescricional para cobrança do crédito, por suposta violação ao art. 174 do CTN, art. 18, § 1º, da

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Constituição Federal de 1967 (EC 1/69) e art. 146, III, b, da CF/88.Dispõe o § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80 o seguinte:“Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária

ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

(...)§ 3º. A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade,

será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 (cento e oitenta) dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.”

Por sua vez, a Constituição Federal de 1967, com a Emenda Constitu-cional nº 1/69, vigente à época, estabeleceu no Capítulo V “Do Sistema Tributário”, especificamente no § 1º do art. 18, como reserva da lei com-plementar o estabelecimento de normas gerais em matéria tributária:

“CAPÍTULO VDO SISTEMA TRIBUTÁRIOArt. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir:(...) § 1º. Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre

os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.”

A Constituição Federal de 1988 igualmente tem por cabível à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre prescrição:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:(...)III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente

sobre:(...)b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”

O Código Tributário Nacional - CTN (Lei nº 5.172/66), conquanto aprovado sob a égide da CF/46 como lei ordinária da União – uma vez que naquele tempo a lei complementar não apresentava o caráter ontológico-formal que só foi estabelecido com o advento da CF/67 –,

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com a Constituição que lhe sucedeu foi recepcionado como lei comple-mentar por tratar de normas gerais em matéria de legislação tributária, privativa de lei complementar por determinação do art. 18, §1º, da Carta de 1967/69. Posteriormente, foi também recepcionado pela atual CF/88, por força do inc. III do art. 146.

O Código Tributário Nacional, no art. 174, especificamente no pará-grafo único, dispõe acerca das causas interruptivas da prescrição, silen-ciando, no entanto, quanto às de conteúdo suspensivo, in verbis:

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada

pela LC 118/2005)II – pelo protesto judicial;III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhe-

cimento do débito do devedor.”

O fato de o legislador complementar não ter sequer disciplinado as causas suspensivas da prescrição em matéria tributária não autoriza o legislador ordinário a fazê-lo, porquanto destituído de competência sob o aspecto formal.

Nesse sentido, aliás, esta Corte Especial assim já se pronunciou, reco-nhecendo a inconstitucionalidade de ato normativo editado na vigência da Constituição anterior, que, pretendendo regular causa de suspensão da prescrição em sede tributária, não observou a forma de Lei Comple-mentar, verbis:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL Nº 1569/77. INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE A CARTA DE 1967 (EC 01/69) – MATÉRIA RESERVADA À LEI COM-PLEMENTAR.

1 – A Constituição de 1967, em sua redação original e naquela da EC 01/69, atribuiu à lei complementar dispor sobre normas gerais de direito tributário. A Lei nº 5.172, de 25.10.66, denominada ‘Código Tributário Nacional’ foi recepcionada como lei complementar e cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários em seu artigo 174, fixando-lhes prazo de cinco anos e prevendo exaustivamente as hipóteses de sua interrupção.

2 – Não poderia o parágrafo único do art. 5º do DL nº 1.569/77, diploma de inferior

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nível hierárquico, instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, tornando o crédito praticamente imprescritível, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar.” (ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AC Nº 2002.71.11.002402-4/RS, Corte Especial, rel. Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DE 07.03.2007)

A decisão da Corte Especial acima citada, por sua vez, restou mantida pelo Supremo Tribunal Federal, que, inclusive, editou a Súmula Vincu-lante n. 08, com o seguinte enunciado:

“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.”

A análise do voto condutor do acórdão que resultou na edição da alu-dida súmula vinculante, da lavra do Ministro Gilmar Mendes, permite afirmar que o STF entendeu que, na vigência da CF/67, somente por intermédio de lei complementar seria possível tratar de prescrição em sede tributária. A questão, portanto, com essa manifestação do Pretório Excelso parece ter se pacificado no sentido em que decidiu por último esta Corte Especial, não devendo subsistir, também por esse motivo, aquela primitiva orientação, que há muito não vinha sendo seguida pelos órgãos fracionários deste Sodalício.

Assim, o § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, dispondo sobre hipótese suspensiva da prescrição em matéria tributária, viola tanto as disposições constitucionais da CF/67 quanto as da CF/88, que exigem lei comple-mentar para o estabelecimento de normas gerais de direito tributário, aí incluída a prescrição e suas causas de interrupção e suspensão.

Entretanto, a aplicabilidade da Lei de Execuções Fiscais se dá tanto em relação às dívidas de natureza tributária quanto para a cobrança judicial de dívidas de natureza não tributária, consoante se observa dos dispositivos dessa lei abaixo colacionados:

“Art. 1º. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

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§ 1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º. A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.”

O art. 201 do CTN conceitua dívida ativa tributária como a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição adminis-trativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. Compreende, assim, a dívida tributária os impostos, as taxas e contribuições de me-lhoria, os empréstimos compulsórios, as contribuições sociais, as multas tributárias e os juros moratórios.

Já a dívida ativa não tributária é decorrente de quaisquer débitos de terceiros perante a Fazenda Pública resultantes de obrigações vencidas e previstas em lei, regulamento ou contrato, que não tenham natureza tributária. Tem-se como exemplo multas (excetuando-se as tributárias), foros, laudêmios, taxas de ocupação e aluguéis, preços, indenizações, reposições, alcances, créditos de obrigação em moeda estrangeira, sub-rogações de hipoteca, fianças, avais ou outras garantias e contratos.

Constata-se, assim, que, desde que revestidos dos atributos de certeza e liquidez e mediante prévia e regular inscrição, todas as fontes de receita da Fazenda Pública podem ser executadas na forma da Lei nº 6.830/80.

No tocante às dívidas de natureza não tributária não há exigência, nem pela CF/67 nem pela atual, de regulação da prescrição por lei com-plementar, de modo que não há vício de inconstitucionalidade da causa suspensiva inserta no § 3º do art. 2º da LEF para as dívidas de natureza não tributária.

Entretanto, tal não ocorre em relação ao crédito de natureza tributária, porquanto a prescrição das dívidas tributárias regula-se por lei comple-mentar, no caso o art. 174 do CTN, a evidenciar a incompatibilidade do § 3º do art. 2º da LEF tanto com a CF/67-EC69 (art. 18, § 1º) quanto com a atual Constituição Federal/88 (art. 146, III, b, CF/88).

Para a solução da questão posta no incidente e sua melhor adequação às técnicas utilizadas, inicialmente convém ressaltar que a supremacia das normas constitucionais e a presunção de constitucionalidade das leis exigem a escolha pelo intérprete do sentido da norma que esteja em

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conformidade com a Constituição Federal, evitando, assim, sempre que viável, a sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do mundo jurídico.

A interpretação conforme à Constituição, como técnica de herme-nêutica, pode e deve ser procedida por todo e qualquer juízo, monocrá-tico ou colegiado, não necessitando, no último caso, de provocação do Plenário.

Já a interpretação conforme à Constituição, como técnica de controle da constitucionalidade da lei, somente tem cabimento quando a norma oferecer diferentes significados, uns compatíveis com as normas constitu-cionais e outros não. Segundo o STF, essa técnica “só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco” (Pleno, Adin nº 1344-1/ES, medida liminar – Rel. Min. Moreira Alves, DJ, Seção 1, 19.04.96, p. 12.212). Tal método, no entanto, não é utilizável quando contrariar texto expresso de lei, que não possibilite qualquer interpretação em conformidade com a Constituição Federal, porquanto o Poder Legislativo não poderá ser substituído pelo Poder Judiciário, atuando como legislador positivo. Nesses casos, o Judi-ciário deverá declarar a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo incompatível com a CF.

De outra parte, a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, técnica de decisão judicial, tem por escopo excluir da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a Cons-tituição. Reduz o alcance valorativo da norma impugnada, adequando-a à Carta Magna. Assim, surgindo a quaestio juris incidentalmente em um órgão fracionário de Tribunal, o incidente deverá ser processado por seu Plenário ou Órgão especial (art. 97 da CF/88), redundando em juízo de procedência da arguição de inconstitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal tem utilizado a declaração de inconsti-tucionalidade parcial sem redução de texto como instrumento decisório para atingir-se uma interpretação conforme a Constituição, de modo a salvar a constitucionalidade da lei ou do ato normativo, sem, no entanto, alterar-lhe o texto.

Acerca dessas duas modalidades de decisões possíveis em sede de controle de constitucionalidade das normas, estabelece Gilmar Ferreira

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Mendes a necessária distinção ao menos no controle difuso, bem como a adequação de utilizar-se da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto quando se pretende evidenciar que determinada apli-cação do texto normativo é inconstitucional:

“A equiparação pura e simples da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto à interpretação conforme à Constituição prepara dificuldades significativas.

A primeira delas diz respeito à conversão de uma modalidade de interpretação sis-temática, utilizada por todos os tribunais e juizes, em técnica de declaração de incons-titucionalidade. Isso já exigiria uma especial qualificação da interpretação conforme à Constituição, para afirmar que somente teria a característica de uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto aquela interpretação conforme a Constitui-ção desenvolvida pela Corte Constitucional, ou no nosso caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Até porque, do contrário, também as questões que envolvessem interpretação conforme à Constituição teriam de ser submetidas ao Pleno dos Tribunais ou ao seu órgão especial (CF, art. 97).

Portanto, se essa equiparação parece possível no controle abstrato de normas, já não se afigura isenta de dificuldades a sua extensão ao chamado controle incidental ou concreto, uma vez que, nesse caso, ter-se-ia de conferir, também no âmbito dos tribunais ordinários, tratamento especial à interpretação conforme à Constituição.

Maior dificuldade ainda adviria do fato de que, ao fixar como constitucional dada interpretação e, expressa ou implicitamente, excluir determinada possibilidade de in-terpretação, por inconstitucionalidade, o Tribunal não declara – nem poderia fazê-lo – a inconstitucionalidade de todas as possíveis interpretações de certo texto normativo.

Por outro lado, a afirmação de que a interpretação conforme à Constituição e a declaração de inconstitucionalidade são uma e mesma categoria, se parcialmente correta no plano das Cortes Constitucionais e do Supremo Tribunal Federal, é de todo inadequada na esfera da jurisdição ordinária, cujas decisões não são dotadas de força vinculante geral.

Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto, na interpretação conforme à Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.

Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redu-ção de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão (a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y

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é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro).

A decisão proferida na ADIn 491 parece indicar que o Supremo Tribunal Federal está disposto a afastar-se da orientação anterior, que equiparava a interpretação conforme à Constituição à declaração de nulidade parcial sem redução de texto, passando a deixar explícito, no caso de declaração de nulidade sem redução de texto, que determinadas hipóteses de aplicação, constantes de programa normativo da lei, são inconstitucionais e, por isso, nulas”. (Mendes, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: O controle Abstrato de Normas no Brasil e na Alemanha, Saraiva, 3. ed., 1999, p. 286/287)

Este Tribunal, em decisões mais recentes, tem admitido a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto em sede de arguição de inconstitucionalidade, ou seja, no controle difuso:

“(...)Analisando a decisão na ADIn 491 em sua obra Jurisdição Constitucional, Saraiva, 3.

ed., o Ministro Gilmar Ferreira Mendes procurou demonstrar a evolução na orientação de nossa Corte Constitucional:

‘A decisão proferida na ADIn 491 parece indicar que o Supremo Tribunal Federal está disposto a afastar-se da orientação anterior, que equiparava a interpretação conforme à Constituição à declaração de nulidade parcial sem redução de texto, passando a deixar explícito, no caso de declaração de nulidade sem redução de texto, que determinadas hipóteses de aplicação, constantes de programa normativo da lei, são inconstitucionais e, por isso, nulas.’

Tudo está a demonstrar que os precedentes desta Corte no sentido de não admitir a aplicação do artigo 97 da Constituição aos casos de declaração de inconstitucio-nalidade sem redução de texto não se aplicam à espécie. A Turma ou Seção não tem competência para afastar a aplicação da norma, uma vez que a remissão feita pela medida provisória ao parágrafo primeiro da lei jamais poderá ser interpretada como constitucional. A norma deverá ser declarada inconstitucional e, portanto, nula. Apenas a Corte Especial deste Tribunal está legitimada para tanto. A impossibilidade da redução de texto deve-se unicamente ao fato de a remissão dirigir-se a normas autônomas e, portanto, cindíveis.

Pelas razões expostas é que a matéria em pauta deve ser submetida à Corte Espe-cial, em observância ao art. 97 da Constituição Federal e 150 do Regimento Interno na hipótese.

Isto posto, suscito o incidente de inconstitucionalidade do art. 11 da Medida Pro-visória 2.134/2001, no que concerne à remissão, em relação às distribuidoras, ao § 1º do artigo 15 da Lei nº 5.991/73, suspendendo o julgamento do presente feito.” (AMS nº 2001.71.00.006159-9/RS, Rel. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, 3ª T, j. 09.04.2002)

“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILI-

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DADE (OU PROPORCIONALIDADE) ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONA-LIDADE. ART. 11 DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.134/2001. § 1.º DO ART. 15 DA LEI 5.991/1973. DISTRIBUIDORAS DE MEDICAMENTOS. NATUREZA DO SERVIÇO PRESTADO. PRESENÇA DE FARMACÊUTICO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LEGALIDADE FORMAL E MATERIAL.

(...)5. A constitucionalidade da norma se sustenta (§ 1.º do art. 15 da Lei 5.991/73)

tão somente em relação às farmácias e isso é da fácil compreensão, pois são elas que podem, com o conhecimento técnico do profissional de farmácia, no trato diário com o cliente final, atuar positivamente, evitando problemas relacionados à automedicação da população e à atribuição de maior eficácia às terapias medicamentosas, porquanto é nos balcões desses estabelecimentos que se interpretam receitas médicas, prestam-se informações sobre os produtos expostos à venda, e seus efeitos, e também indica-se a terapia mais adequada para combater moléstias.

6. Acolho o incidente de arguição de inconstitucionalidade para, sem redução da letra de seu texto, declarar a inconstitucionalidade do artigo 11 da Medida Provisória nº 2.190-34, no que concerne à remissão ao § 1º do artigo 15 da Lei nº 5.991/73.” (TRF4ªR – Corte Especial, Arguição de Inconstitucionalidade na AMS nº 2001.71.00.006159-9/RS, Rel. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, j. 28.08.2003).

Lembro, ainda, o que deixou assentado o STF, recentemente, ao editar a Súmula Vinculante nº 10, assim enunciada:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão do órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”

Postas essas premissas, parece evidente desbordar a questão objeto do incidente de uma mera interpretação conforme à Constituição, por-quanto há a necessidade de se proceder à exclusão da norma impugnada daquela interpretação incompatível com a Constituição Federal, a fim de que reste reduzido o alcance valorativo da norma atacada para adequá-la à Constituição.

Assim, por motivos de segurança jurídica e melhor clareza que pode emprestar à parte dispositiva da decisão, e, ainda, por ser a adequada no bojo de uma arguição, soluciona-se o presente incidente mediante a declaração parcial de inconstitucionalidade da norma inquinada, sem redução de texto, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da causa suspensiva da prescrição inserta no § 3º do art. 2º da Lei 6830/80 para a dívida de natureza tributária, por afronta ao contido no § 1º do art. 18

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da CF 67, com o texto da EC nº 01/69, ressalvando, no entanto, a sua constitucionalidade no tocante à dívida de natureza não tributária.

Ante o exposto, acolho o presente incidente de arguição de inconsti-tucionalidade para, sem redução de seu texto, declarar a inconstitucio-nalidade parcial do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80, limitando os efeitos da declaração à dívida de natureza tributária.

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SÚMULAS

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SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p. 24.184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p. 241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p. 989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

- SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p. 13.385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

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SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os

títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p. 18.987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p. 46.086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%

relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

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SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar

n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 24“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem

por base o salário mínimo de NCz$120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se super-

veniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)

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SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do De-

creto-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p. 58.814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p. 89.171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices

relativos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário-de-contribuição

e o salário-de-benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

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SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97, p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p.330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários-de-contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)

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SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária

do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p. 386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de recurso

administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 – com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 - e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que ob-

jetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)

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SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)

SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo

para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p. 619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos, não

aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e consequente inexigibilidade de outra

conduta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

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SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,

a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p. 290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

SÚMULA Nº 79“Cabível a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal nas ações em que os

ex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária rela-tivamente aos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processo de privatização da instituição.” (DE 26.05.2009)

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RESUMO

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ResumoTrata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelen-tíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, arguições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte.

SummaryThis is about an official trimestrial publication of Tribunal Regional

Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Cir-cuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. It also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court.

ResumenEsta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región,

con periodicidad trimestral y distribución nacional. La Revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados com-

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ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, sú-mulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.

SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale

della Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione na-zionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.

RésuméIl s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal

da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux et internationaux renommés.

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ÍNDICE NUMÉRICO

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL2004.71.00.032371-6/RS (EIAC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ......852004.71.00.042028-0/RS (APELREEX) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria............................1042006.70.00.027404-9/PR (AC) Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha ...............................1562007.71.00.035263-8/RS (AC) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon ....................1672007.72.10.000878-2/SC (AC) Rel. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior .............1872008.04.00.039986-2/PR (AG) Rel. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia ......................1942008.04.00.046270-5/RS (AG) Rel. Juiz Federal Roger Raupp Rios ......................................200

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL2003.70.00.045779-9/PR (ACR) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro............................2332004.71.15.003222-3/RS (ACR) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz ............................2622007.70.02.004090-5/PR (ACR) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado ................278

DIREITO PREVIDENCIÁRIO2005.70.00.034365-1/PR (AC) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira ........................2892005.71.14.000437-5/RS (AC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus......................3012008.71.00.019348-6/RS (REOAC) Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva ........................3122008.71.99.004550-2/RS (APELREEX) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti ......................................317

DIREITO PROCESSUAL CIVIL2008.04.00.007125-0/RS (AR) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle .............3252008.04.00.041077-8/RS (AG) Rel. Juiz Federal Artur César de Souza .................................334

DIREITO TRIBUTÁRIO2006.70.05.004081-2/PR (APELREEX) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida............................3452006.71.00.027163-4/RS (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona .........................3602007.70.00.006004-2/PR (AC) Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo......................................3752008.04.00.025399-5/RS (AG) Rel. Juiz Federal Marcelo De Nardi ......................................3862008.04.00.038271-0/SC (AG) Rel. Des. Federal Vilson Darós ..............................................3932008.04.00.043908-2/PR (AG) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .....................................399

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE2003.70.00.038936-8/PR (INAC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona .........................425

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p.467-486, 2009 465

ÍNDICE ANALÍTICO

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A

ABONO DE PERMANÊNCIA EM SERVIÇONão incidência – Vide IMPOSTO DE RENDA

AÇÃO CIVIL PÚBLICAControle difuso – Vide ENERGIA ELÉTRICA

Vereador – Vide DANO MORAL

AÇÃO RESCISÓRIAINSS. Emissão. Duplicidade. Certidão. Tempo de serviço. Juízo. Utilização. Docu-mento. Não reconhecimento. Tempo de serviço especial. Caracterização. Erro de fato. Prejuízo. Segurado. Descabimento.Tutela específica. Cumprimento. Prazo. Quarenta e cinco dias. Implantação. Benefício previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço. ............................................ 325

ADMINISTRADOR PÚBLICOAto discricionário – Vide SERVIDOR PÚBLICO

AGRAVO DE INSTRUMENTOEfeito suspensivo – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

AGRAVO RETIDOVide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

AGROTÓXICOImportação clandestina – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

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ALIENAÇÃOBem – Vide ARROLAMENTO DE BENS

AMPLA DEFESAVide EXECUÇÃO FISCAL

ANVISA Resolução – Vide DIREITO À SAÚDE

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOCálculo. RMI. Atualização. Salário-de-contribuição. Período básico de cálculo. Termo final. Dezembro. 1998. Direito adquirido. Benefício previdenciário. Anterioridade. Vigência. Emenda constitucional. .......................................................................... 301

Complementação – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEVide LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

ARROLAMENTO DE BENSAplicação. Hipótese. Crédito tributário. Valor. Superior. 30%. Patrimônio. Não. Viola-ção. Direito de propriedade. Princípio da ampla defesa. Devido processo legal.Natureza jurídica. Procedimento administrativo.Possibilidade. Contribuinte. Alienação. Bem. Exigência. Apenas. Cientificação. Fisco. Desnecessidade. Substituição. Garantia. Ilegalidade. Instrução normativa. .......... 393

ASTREINTEVide DANO MORAL

ATO ADMINISTRATIVODesligamento – Vide MILITAR

ATO DISCRICIONÁRIOAdministrador público – Vide SERVIDOR PÚBLICO

AUXÍLIO-DOENÇABenefício previdenciário – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

AUXÍLIO-EDUCAÇÃOIncidência – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

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B

BACENResponsabilidade civil – Vide SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

BASE DE CÁLCULOVide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA)

BEMAlienação – Vide ARROLAMENTO DE BENS

Reavaliação – Vide EXECUÇÃO FISCAL

BEM PENHORADOReposição – Vide EXECUÇÃO FISCAL

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOAuxílio-doença – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

C

CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENARéu primário – Vide TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES

CERTIDÃOTempo de serviço – Vide AÇÃO RESCISÓRIA

CIGARROEmbalagem – Vide DIREITO À SAÚDE

CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTEConfissão espontânea – Vide EVASÃO DE DIVISAS

COMUNIDADE INDÍGENAOfensa à honra – Vide DANO MORAL

CONCESSIONÁRIAServiço público – Vide ENERGIA ELÉTRICA

CONFISSÃO ESPONTÂNEACircunstância atenuante – Vide EVASÃO DE DIVISAS

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CONTRATOInadimplemento – Vide SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAIncidência. Auxílio-educação. Pagamento. Habitualidade. Dependente. Empregado. Caracterização. Remuneração. Não caracterização. Investimento financeiro. Qualifi-cação. Profissão.Observância. Lei. Desnecessidade. Presidência da República. Apreciação. Notificação de débito. Não. Aplicação. Tratado. Interpretação restritiva.Crédito tributário. Decadência. Tributo. Sujeição. Lançamento por homologação. Prazo. Cinco anos. Termo inicial. Ocorrência. Fato gerador. Descabimento. Aplicação. Simultaneidade. Mais de um. Artigo. Código Tributário Nacional. ...................... 345

CONTROLE DIFUSOAção civil pública – Vide ENERGIA ELÉTRICA

CONVENÇÃO INTERNACIONALDireitos humanos – Vide DIREITO À SAÚDE

CORREÇÃO MONETÁRIAVide IMPOSTO DE RENDA

CRÉDITO TRIBUTÁRIODecadência – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

CRIME CONTINUADOVide EVASÃO DE DIVISAS

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTEImportação clandestina. Agrotóxico. Transporte. Caracterização. Pós-fato impunível. Inaplicabilidade. Legislação específica.Falsidade ideológica. Cópia autenticada. Nota fiscal. Falsificação. Objetivo. Obtenção. Autorização. Agência Nacional de Transportes Terrestres. Viagem. País estrangeiro.Descaminho. Absolvição. Reiteração. Delito. Irrelevância. STF. STJ. Entendimento. Condições pessoais. Autor do crime. Não. Interferência. Aplicação. Princípio da in-significância. Corréu. Não. Apelante. Extensão. Efeito jurídico. Decisão judicial. Dosimetria da pena. Pena privativa de liberdade. Substituição da pena. Pena restritiva de direitos. Pena de multa. ..................................................................................... 262

CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROOperação de câmbio não autorizada – Vide EVASÃO DE DIVISAS

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CURSO SUPERIORMedicina. Realização. País estrangeiro. Superveniência. Novo. Decreto. Antes. Con-clusão de curso superior. Exigência. Procedimento administrativo. Reconhecimento. Validade. Diploma. Expectativa de direito. Caracterização. Não reconhecimento. Direito adquirido. Impossibilidade. Aplicação. Decreto. Anterior. Revogação expressa. ..................... 85

D

DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO Grave lesão – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

DANO MATERIALLesão corporal – Vide MILITAR

DANO MORALIndenização. Caracterização. Ofensa à honra. Comunidade indígena. Ação civil pública. Contra. Vereador. Decorrência. Publicação. Artigo. Jornal. Exercício regular de direito. Descaracterização. Ponderação. Princípio. Liberdade de expressão. Inviolabilidade. Honra. Fixação. Astreinte. Hipótese. Inadimplemento. Obrigação. .................................. 167

Lesão corporal – Vide MILITAR

DANO MORAL COLETIVOVide ENERGIA ELÉTRICA

DECISÃO MONOCRÁTICALiminar – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

DECISÃO ULTRA PETITAVide ENERGIA ELÉTRICA

DECRETORevogação – Vide CURSO SUPERIOR

DEPOSITÁRIO INFIELDepositário judicial – Vide EXECUÇÃO FISCAL

DEPOSITÁRIO JUDICIALDepositário infiel – Vide EXECUÇÃO FISCAL

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DESCAMINHOAbsolvição – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

DEVIDO PROCESSO LEGALVide ARROLAMENTO DE BENS

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

DIGNIDADE HUMANAVide DIREITO À SAÚDE

DIREITO À SAÚDE Fabricante. Utilização. Imagem. Embalagem. Cigarro. Advertência. Consumidor. Pos-sibilidade. Prejuízo. Saúde. Adequação. Proporcionalidade. Estado. Dever. Proteção. Saúde pública. Liberdade de expressão. Mensagem publicitária. Observância. Restrição. Não ocor-rência. Ofensa. Sentimento coletivo. Religião. Não. Preconceito. Discriminação. Contra. Idoso. Inexistência. Violação. Dignidade humana. Observância. Convenção internacional. Direitos humanos. Competência. Anvisa. Edição. Resolução. Cláusula. Reserva legal. Não. Violação. Efeito suspensivo ativo. Descabimento. ................................................................ 200

DIREITO ADQUIRIDOExpectativa de direito – Vide CURSO SUPERIOR

Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

DIREITO DE PROPRIEDADE Vide ARROLAMENTO DE BENS

DIREITO DO CONSUMIDORDireito individual homogêneo – Vide ENERGIA ELÉTRICA

DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO Direito do consumidor – Vide ENERGIA ELÉTRICA

DIREITO TRIBUTÁRIONorma geral – Vide LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

DÍVIDA ATIVA TRIBUTÁRIAImpugnação prévia – Vide EXECUÇÃO FISCAL

Prescrição – Vide LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

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DOSIMETRIA DA PENAPena de multa – Vide TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES

Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

E

EFEITO SUSPENSIVOAgravo de instrumento – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Embargos – Vide EXECUÇÃO FISCAL

EMBARGOSEfeito suspensivo – Vide EXECUÇÃO FISCAL

EMENDA CONSTITUCIONALBenefício previdenciário – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

ENERGIA ELÉTRICAPossibilidade. Interrupção. Fornecimento. Condição. Concessão. Usuário. Inadimplente. Prazo. Sessenta dias. Pagamento. Tarifa. Atraso. Observância. Princípio da continui-dade. Serviço essencial. Afastamento. Incidência. Resolução. Aneel. Previsão. Comunicação. Caráter formal. Consumidor. Suspensão. Fornecimento. Quinze dias. Após. Vencimento. Fatura. Ação civil pública. Adequação. Controle difuso. Constitucionalidade. Declaração incidente. Possibilidade. Legitimidade ativa. Ministério Público Federal. Defesa. Direito do consumidor. Direito individual homogêneo. Relevância. Serviço essencial. Coletividade. Dano moral coletivo. Não. Comprovação. Legitimidade passiva. Totalidade. Concessionária. Prestação. Serviço público. Energia elétrica. Estado. RS. Decisão ultra petita. Descabimento. Anulação. Adequação. Pedido. Cabimento. 104

ERRO DE FATOVide AÇÃO RESCISÓRIA

ESTADOSaúde pública – Vide DIREITO À SAÚDE

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EVASÃO DE DIVISASComprovação. Prática reiterada. Intermediação. Terceiro. Caracterização. Ilicitude. Fato. Tipicidade.Dosimetria da pena. Pena-base. Fixação. Acima. Mínimo legal. Consideração. Cir-cunstância judicial. Culpabilidade. Maus antecedentes. Consequência. Delito. Reco-nhecimento. Circunstância atenuante. Confissão espontânea. Aplicação. Acréscimo. Crime continuado. Delação premiada. Não. Comprovação.Pena de multa. Fixação. Dia-multa. Observância. Valor. Um terço. Salário mínimo. Adequação. Condição econômica. Réu.Formação de quadrilha. Reconhecimento. Existência. Organização. Com. Estabilidade. Permanência. Processo judicial. Outro. Réu. Desmembramento. Irrelevância. Ocorrên-cia. Prescrição. Entre. Data. Fato. Recebimento. Denúncia.Crime contra o sistema financeiro. Caracterização. Empresário. Operação de câmbio não autorizada. Bacen. Comprovação. Concurso material. Ocorrência. Prescrição. Entre. Data. Fato. Recebimento. Denúncia.Gestão fraudulenta. Não caracterização. Réu. Inexistência. Condição. Administrador. Instituição financeira.Bacen. Possibilidade. Remessa. Ofício. Ministério Público. Informação. Crime. Ação penal pública. Objetivo. Instauração. Inquérito policial. Observância. Princípio da legalidade. Princípio da moralidade.Denúncia. Inexistência. Inépcia. Comprovação. Preenchimento. Requisito. Artigo. Código Penal.Sentença judicial. Não ocorrência. Nulidade. Indicação. Materialidade. Autoria do crime. Fundamentação. Suficiência. ...................................................................... 233

EXECUÇÃO DE SENTENÇAEntidade de classe – Vide IMPOSTO DE RENDA

EXECUÇÃO FISCALEmbargos. Não. Atribuição. Efeito suspensivo. Não. Comprovação. Preenchimento. Requisito.Possibilidade. Aplicação subsidiária. Artigo. Código de Processo Civil. Previsão. Con-cessão. Efeito suspensivo. Similaridade. Com. Execução. Lei processual civil.Oportunidade. Impugnação prévia. Dívida ativa tributária. Observância. Princípio do contraditório. Ampla defesa. .................................................................................. 386

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Nomeação de bens à penhora. Propriedade rural. Com. Reflorestamento. Nomeação. Depositário judicial.Apresentação. Laudo pericial. Incra. Comprovação. Diversidade. Informação. Auto de penhora. Situação. Efetividade. Plantio. Época. Penhora. Necessidade. Adequação. Fato. Com. Documento.Responsabilidade. Depositário. Limite. Alteração. Quantidade. Produto florestal. Inexistência. Autorização. Caracterização. Depositário infiel. Excesso. Penhora. Ir-relevância.Prisão civil. Descabimento. Pendência. Julgamento. Apreciação. Constitucionalidade. Lei. STF.Multa. Cabimento. Hipótese. Resistência. Cumprimento. Ordem judicial.Reavaliação. Bem. Possibilidade. Decorrência. Decurso de prazo. Após. Anterior. Avaliação. Suficiência. Realização. Oficial de justiça. Desnecessidade. Nomeação. Perito.Determinação. Reposição. Quantidade. Bem penhorado. Espécie. Ou. Dinheiro. Afas-tamento. Diretor. Empresa. Descabimento. ........................................................... 399

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITODescaracterização – Vide DANO MORAL

EXPECTATIVA DE DIREITODireito adquirido – Vide CURSO SUPERIOR

F

FALSIDADE IDEOLÓGICAVide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

FATO GERADORVide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA)

FERROVIÁRIOInatividade – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

FORMAÇÃO DE QUADRILHAPrescrição – Vide EVASÃO DE DIVISAS

FORNECIMENTOInterrupção – Vide ENERGIA ELÉTRICA

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G

GRAVE LESÃODano de difícil reparação – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

H

HIPÓTESE DE INCIDÊNCIAVide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA)

HONRAVide DANO MORAL

I

IMPORTAÇÃO CLANDESTINAAgrotóxico – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

IMPOSTO DE RENDANão incidência. Abono de permanência em serviço. Caracterização. Indenização. Objetivo. Incentivo. Servidor público. Exercício de função.Repetição do indébito. Possibilidade. Utilização. Precatório.Execução de sentença. Cabimento. Ajuizamento. Entidade de classe. Como. Repre-sentante. Parte processual. Correção monetária. Incidência. Início. Data. Retenção indevida. Aplicação. Taxa Selic.Isenção de custas. Descabimento. Não. Aplicação. Código de Defesa do Consumidor. Hipótese. Sindicato. Autor. Ação judicial. ............................................................. 360

IMPUGNAÇÃO PRÉVIADívida ativa tributária – Vide EXECUÇÃO FISCAL

INADIMPLEMENTOContrato – Vide SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

INCORPORAÇÃOTratamento de saúde – Vide MILITAR

INDENIZAÇÃOVide DANO MORAL

INSTRUÇÃO NORMATIVAIlegalidade – Vide ARROLAMENTO DE BENS

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INTERPRETAÇÃO RESTRITIVATratado – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICAPrevisão legal – Vide SERVIDOR PÚBLICO

INTERRUPÇÃOFornecimento – Vide ENERGIA ELÉTRICA

ISENÇÃO DE CUSTASSindicado – Vide IMPOSTO DE RENDA

J

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADEDecisão monocrática. Liminar. Necessidade. Observância. Princípio constitucional. Órgão colegiado. Tribunal.Relator. Negação. Seguimento. Agravo de instrumento. Não. Cabimento. Recurso judicial.Agravo de instrumento. Com. Pedido. Efeito suspensivo. Contra. Decisão judicial. Determinação. Restabelecimento. Benefício previdenciário. Auxílio-doença. Conver-são. Agravo retido. Agravante. Não. Comprovação. Grave lesão. Ou. Dano de difícil reparação. ............................................................................................................... 334

L

LEGISLAÇÃO ESPECÍFICAInaplicabilidade – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

LEGITIMIDADE ATIVAMinistério Público Federal – Vide ENERGIA ELÉTRICA

LEGITIMIDADE PASSIVAConcessionária – Vide ENERGIA ELÉTRICA

LEI COMPLEMENTARPrescrição – Vide LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

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LEI DE EXECUÇÃO FISCALInconstitucionalidade. Artigo. Previsão. Causa suspensiva. Prescrição. Dívida ativa tributária. Decorrência. Inscrição da dívida ativa. Necessidade. Lei complementar. Regulamentação. Norma geral. Direito tributário. Arguição de inconstitucionalidade. Procedência em parte. Inaplicabilidade. Dívida ativa não tributária. Observância. Não. Redução. Conteúdo.Questão de ordem. Irrelevância. Existência. Decisão. Anterior. Discussão. Necessidade. Lei complementar. Fixação. Prescrição. ................................................................ 425

LEI PROCESSUAL CIVILAplicação subsidiária – Vide EXECUÇÃO FISCAL

LESÃO CORPORALPrestação de serviço – Vide MILITAR

LIBERDADE DE EXPRESSÃOMensagem publicitária – Vide DIREITO À SAÚDE

Vide DANO MORAL

LIBERDADE PROVISÓRIAVide TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES

LICENÇA À GESTANTECento e oitenta dias – Vide SERVIDOR PÚBLICO

M

MILITARLesão corporal. Nexo de causalidade. Prestação de serviço. Ato administrativo. Desligamento. Descabimento. Necessidade. Nova. Incorporação. Objetivo. Tratamento de saúde.Pagamento. Soldo. Período. Licenciamento.Indenização. Dano material. Dano moral. Aumento. Valor. Referência. Salário mínimo. Observância. Princípio da proporcionalidade. Princípio da razoabilidade. ........... 187

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALLegitimidade ativa – Vide ENERGIA ELÉTRICA

MULTAVide EXECUÇÃO FISCAL

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N

NATUREZA JURÍDICAProcedimento administrativo – Vide ARROLAMENTO DE BENS

NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORAPropriedade rural – Vide EXECUÇÃO FISCAL

O

OFENSA À HONRAComunidade indígena – Vide DANO MORAL

P

PAGAMENTOPrazo – Vide ENERGIA ELÉTRICA

PAÍS ESTRANGEIROConclusão de curso superior – Vide CURSO SUPERIOR

PEDIDOAdequação – Vide ENERGIA ELÉTRICA

PENA DE MULTAVide EVASÃO DE DIVISAS

PENA-BASEMínimo legal – Vide EVASÃO DE DIVISAS

PENSÃO POR MORTEDescabimento. Autor. Não. Comprovação. Qualidade. Companheira. Segurado. União estável. Descaracterização. Relacionamento. Inexistência. Intenção. Formação. Família. .................................................................................................................. 317

PÓS-FATO IMPUNÍVELVide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

PRECATÓRIORepetição do indébito – Vide IMPOSTO DE RENDA

PRESCRIÇÃODívida ativa tributária – Vide LEI DE EXECUÇÃO FISCAL

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PRINCÍPIO CONSTITUCIONALÓrgão colegiado – Vide JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESAVide ARROLAMENTO DE BENS

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVAVide TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA)

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADEServiço essencial – Vide ENERGIA ELÉTRICA

PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIAVide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAVide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

PRINCÍPIO DA LEGALIDADEVide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEDano moral – Vide MILITAR

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEDano moral – Vide MILITAR

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIOVide EXECUÇÃO FISCAL

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRISÃO CIVILVide EXECUÇÃO FISCAL

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVODiploma – Vide CURSO SUPERIOR

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PROCESSO ADMINISTRATIVOPrazo – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PROPRIEDADE RURALReflorestamento – Vide EXECUÇÃO FISCAL

PUBLICAÇÃOJornal – Vide DANO MORAL

R

REPETIÇÃO DO INDÉBITOPrecatório – Vide IMPOSTO DE RENDA

RESOLUÇÃOAneel – Vide ENERGIA ELÉTRICA

Anvisa – Vide DIREITO À SAÚDE

RESPONSABILIDADE CIVILBacen – Vide SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

REVISÃO DE BENEFÍCIOFerroviário. Inatividade. Direito. Restabelecimento. Parcela. Complementação. Aposen-tadoria por tempo de serviço. Decorrência. Reconhecimento. Tempo de serviço especial. Período. Exercício. Atividade. Professor. Anterioridade. Emenda constitucional. Segurado. Preenchimento. Requisito. Aposentadoria. Primeiro pedido. Via admi-nistrativa. Desnecessidade. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Qualidade. Trabalhador autônomo. IN1SS. Devolução. Valor. Desconto. Renda mensal. Processo administrativo. Can-celamento de benefício. Violação. Devido processo legal. Princípio do contraditório. Princípio da ampla defesa.Competência jurisdicional. Vara especializada. Direito previdenciário. Observância.Legitimidade passiva. INSS. Interessado. União Federal. RFFSA. ....................... 289

INSS. Demora. Apreciação. Pedido. Mandado de segurança. Concessão. Ordem judicial. Objetivo. Encerramento. Processo administrativo. Prazo. Trinta dias.Administração Pública. Necessidade. Observância. Princípio da legalidade. Princípio da eficiência. Princípio da razoabilidade. .............................................................. 312

REVOGAÇÃODecreto – Vide CURSO SUPERIOR

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RMISalário-de-contribuição – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

S

SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃOPeríodo básico de cálculo – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

SAÚDE PÚBLICAEstado – Vide DIREITO À SAÚDE

SERVIÇO ESSENCIALPrincípio da continuidade – Vide ENERGIA ELÉTRICA

SERVIÇO PÚBLICOConcessionária – Vide ENERGIA ELÉTRICA

Vinculação. Administração pública direta. Administração pública indireta. Fundação. Direito. Gozo. Prorrogação. Cento e oitenta dias. Licença à gestante. Observância. Interpretação teleológica. Previsão legal. Administrador público. Não. Ocorrência. Ato discricionário. Implantação. Ou. Não. Prorrogação. Benefício previdenciário. ................................................................. 194

SERVIDOR PÚBLICOAbono de permanência em serviço – Vide IMPOSTO DE RENDA

SISTEMA FINANCEIRO NACIONALIntervenção em instituição financeira. Indenização. Valor. Inadimplemento. Contrato. Empresa. Prejuízo. Cessão de crédito. Banco. Insolvência. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva. Bacen. Negligência. Fiscalização. Ins-tituição financeira. ................................................................................................. 156

T

TARIFAVide ENERGIA ELÉTRICA

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TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL (TCFA)Constitucionalidade. Fato gerador. Exercício. Poder de polícia. Ibama. Hipótese de in-cidência. Fiscalização. Atividade. Produção. Poluição. Utilização. Recursos naturais.Base de cálculo. Variação. Valor. Previsão. Tabela. Adequação. Empresa. Observância. Princípio da capacidade contributiva. Isonomia. Proporcionalidade.Mandado de segurança. Inadequação. Discussão. Enquadramento. Atividade. Como. Fato gerador. Tributo. Necessidade. Dilação probatória. ....................................... 375

TEMPO DE SERVIÇOCertidão – Vide AÇÃO RESCISÓRIA

TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL Vide AÇÃO RESCISÓRIA

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

TERCEIROIntermediação – Vide EVASÃO DE DIVISAS

TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTESCausa especial de diminuição de pena. Aplicação. Réu primário. Bons antecedentes. Não. Comprovação. Participação. Organização criminosa. Impossibilidade. Redução. Valor máximo. Previsão legal. Decorrência. Apreensão. Grande quantidade. Entorpe-cente.Liberdade provisória. Descabimento. Aplicação. Legislação específica. Existência. Lei posterior. Irrelevância.Dosimetria da pena. Redução. Pena de multa. ....................................................... 278

TRATADOInterpretação restritiva – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

TRATAMENTO DE SAÚDEIncorporação – Vide MILITAR

TUTELA ESPECÍFiCAVide AÇÃO RESCISÓRIA

U

UNIÃO ESTÁVELDescaracterização – Vide PENSÃO POR MORTE

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V

VALOR SUPERIOR30% – Vide ARROLAMENTO DE BENS

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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Código de Defesa do ConsumidorArtigo 22 ................................................................................................................. 104Artigo 81 ................................................................................................................. 104

Código PenalArtigo 33 ................................................................................................................. 262Artigo 44 ................................................................................................................. 262Artigo 59 ................................................................................................................. 233Artigo 62 ................................................................................................................. 233Artigo 65 ................................................................................................................. 262Artigo 69 ................................................................................................................. 233Artigo 71 ................................................................................................................. 233Artigo 288 ............................................................................................................... 233Artigo 299 ............................................................................................................... 262Artigo 334 ............................................................................................................... 262

Código de Processo CivilArtigo 14 ................................................................................................................. 399Artigo 41 ................................................................................................................. 233Artigo 108 ............................................................................................................... 386Artigo 267 ............................................................................................................... 375Artigo 333 ............................................................................................................... 187Artigo 461 ........................................................................................................ 399/325Artigo 475 ............................................................................................................... 325Artigo 481 ............................................................................................................... 425Artigo 485 ............................................................................................................... 325Artigo 527 ............................................................................................................... 334Artigo 736 ............................................................................................................... 386Artigo 739-A ........................................................................................................... 386Artigo 798 ............................................................................................................... 399

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Código de Processo PenalArtigo 386 ............................................................................................................... 262Artigo 580 ............................................................................................................... 262

Constituição Federal/1967 (EMC nº1/69)Artigo 18 ................................................................................................................. 425

Constituição Federal/1988 Artigo 5º .................................................................................................... 187/278/312Artigo 37 .......................................................................................................... 187/312Artigo 40 ................................................................................................................. 360Artigo 129 ............................................................................................................... 104Artigo 145 ............................................................................................................... 375Artigo 146 ........................................................................................................ 425/345Artigo 175 ............................................................................................................... 386Artigo 220 ............................................................................................................... 200Artigo 226 ............................................................................................................... 194Artigo 227 ............................................................................................................... 194

Código Tributário NacionalArtigo 43 ................................................................................................................. 360Artigo 77 ................................................................................................................. 375Artigo 150 ............................................................................................................... 345Artigo 173 ............................................................................................................... 345Artigo 174 ............................................................................................................... 425Artigo 201 ............................................................................................................... 425

Decreto nº 3.007/99 ............................................................................................... 185

Decreto nº 3.048/99 Artigo 32 ................................................................................................................. 301Artigo 35 ................................................................................................................. 301Artigo 56 ................................................................................................................. 301Artigo 174 ............................................................................................................... 312Artigo 187 ............................................................................................................... 301

Decreto nº 53.831/64 ............................................................................................. 289

Emenda Constitucional nº 18/65Artigo 18 ................................................................................................................. 375

Emenda Constitucional nº 18/81 .......................................................................... 289

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Emenda Constitucional nº 20/98Artigo 3º .................................................................................................................. 301

Instrução Normativa da SRF nº 264/2002Artigo 5º .................................................................................................................. 393

Lei nº 1.533/51Artigo 8º .................................................................................................................. 375

Lei nº 4.595/64Artigo 3º .................................................................................................................. 156Artigo 10º ................................................................................................................ 156

Lei nº 6.404/76Artigo 147 ............................................................................................................... 399

Lei nº 6.830/80Artigo 1º .................................................................................................................. 425Artigo 2º .................................................................................................................. 425Artigo 16 ................................................................................................................. 386Artigo 19 ................................................................................................................. 386

Lei nº 6.938/81Artigo 9º .................................................................................................................. 375Artigo 10º ................................................................................................................ 375

Lei nº 7.492/86Artigo 4º .................................................................................................................. 233Artigo 16 ................................................................................................................. 233Artigo 22 ................................................................................................................. 233Artigo 28 ................................................................................................................. 233

Lei nº 7.802/89Artigo 15 ................................................................................................................. 262

Lei nº 8.078/90Artigo 87 ................................................................................................................. 360

Lei nº 8.186/91Artigo 4º .................................................................................................................. 289

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p. 487-493, 2009490

Lei nº 8.212/91Artigo 28 ................................................................................................................. 345Artigo 45 ................................................................................................................. 345Artigo 46 ................................................................................................................. 345

Lei nº 8.213/91Artigo 41 ................................................................................................................. 312

Lei nº 8.987/95Artigo 6º .................................................................................................................. 104

Lei nº 9.289/96Artigo 4º .................................................................................................................. 360

Lei nº 9.294/96Artigo 3º .................................................................................................................. 200

Lei nº 9.532/97Artigo 64 ................................................................................................................. 393

Lei nº 9.605/98Artigo 56 ................................................................................................................. 262

Lei nº 9.782/99Artigo 6º .................................................................................................................. 200Artigo 8º .................................................................................................................. 200

Lei nº 9.784/99Artigo 1º .................................................................................................................. 312Artigo 2º .................................................................................................................. 312Artigo 48 ................................................................................................................. 312Artigo 49 ................................................................................................................. 312

Lei nº 9.807/99Artigo 14 ................................................................................................................. 233

Lei nº 10.165/2000Artigo 17-B ............................................................................................................. 375

Lei nº 10.406/2002 ................................................................................................. 289Artigo 186 ............................................................................................................... 187Artigo 188 ............................................................................................................... 187Artigo 927 ............................................................................................................... 187

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 20, n. 72, p. 487-493, 2009 491

Lei nº 10.887/2004Artigo 7º .................................................................................................................. 360

Lei nº 11.033/2004 .................................................................................................. 262

Lei nº 11.343/2006Artigo 33 ................................................................................................................. 278

Lei nº 11.464/2007 .................................................................................................. 278

Lei nº 11.770/2008 .................................................................................................. 194

Lei Complementar nº 118/2005Artigo 3º .................................................................................................................. 360Artigo 4º .................................................................................................................. 360

LICCArtigo 6º .................................................................................................................... 85

Resolução nº 54/2008 da ANVISA ....................................................................... 200

Resolução nº 456/2000 da ANEELArtigo 91 ................................................................................................................. 104

Súmula do Superior Tribunal de JustiçaNº 162 ..................................................................................................................... 360

Súmula Vinculante do Supremo Tribunal FederalNº 8 ......................................................................................................................... 345

Tratado de ItaipuArtigo 12 ................................................................................................................. 345