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QUARTA REGIÃO

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QUARTA REGIÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p. 1-434, 2008

QUARTA REGIÃO

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Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Carla Roberta Leon AbrãoGiovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão, Formatação e Layout:Leonardo Schneider

Maria Aparecida C. de Barros BertholdTiago Conte Zanotelli

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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QUARTA REGIÃO

PAULO AFONSO BRUM VAZDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm setembro de 2008

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal João Surreaux Chagas – 14.06.1996 – Vice-Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997 – Corregedora-Geral

Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994 Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994

Des. Federal Amaury Chaves de Athayde – 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Valdemar Capeletti – 08.06.1999Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Vice-Corregedor-

GeralDes. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Diretor da EMAGIS

Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001

Des. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002 Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003 – Conselheiro da EMAGIS

Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004

Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006 – Conselheiro da EMAGIS

Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

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Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)Juiz Federal Luiz Antonio Bonat (convocado)

Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada)Juiz Federal Marcelo De Nardi (convocado)

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Vilson DarósDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann JúniorDes. Federal Valdemar Capeletti

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

QUARTA SEÇÃODes. Federal João Surreaux Chagas – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Amaury Chaves de Athayde

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Vilson Darós – PresidenteDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Juiz Federal Marcelo De Nardi (convocado)

SEGUNDA TURMADes. Federal Otávio Roberto Pamplona – Presidente

Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa MünchJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada)

TERCEIRA TURMADesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Juiz Federal Roger Raupp Rios (convocado)

QUARTA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior Des. Federal Valdemar Capeletti

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Celso Kipper – Presidente

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Juiz Federal Luiz Antonio Bonat (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto Silveira Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

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TURMA SUPLEMENTARDes. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – Presidente

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)

SÉTIMA TURMADes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Néfi Cordeiro

OITAVA TURMADes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

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SUMÁRIO

DOUTRINA .......................................................................................15 Agronegócios e o Direito Ambiental: temas relevantes Paulo Afonso Brum Vaz ...........................................................17 Novas Questões Penais Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz .................................59 Rui Barbosa, Lima Barreto e um atual tema antigo Rômulo Pizzolatti .....................................................................73

DISCURSOS ......................................................................................77 Marga Barth Tessler ................................................................79 Vladimir Passos de Freitas ......................................................85 Fábio Bittencourt da Rosa .......................................................93

ACÓRDÃOS.......................................................................................95 Direito Administrativo e Direito Civil .....................................97

Direito Penal e Direito Processual Penal ...............................189 Direito Previdenciário ............................................................ 211 Direito Processual Civil .........................................................257 Direito Tributário ...................................................................295

ARGÜIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE .........................369

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SÚMULAS .......................................................................................389

RESUMO ..........................................................................................399

ÍNDICE NUMÉRICO .......................................................................403

ÍNDICE ANALÍTICO ......................................................................407

ÍNDICE LEGISLATIVO ..................................................................427

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DOUTRINA

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Agronegócios e o Direito Ambiental: temas relevantes

Paulo Afonso Brum Vaz*

“O ser humano, no afã de assegurar a vida, sua reprodução, criar os meios de vida, os mais abundantes possíveis, fugir da entropia geral, se organiza centrado nele

mesmo. Instaura o antropocentrismo. Em função de si coloca tudo, a natureza, os seres vivos, as plantas, os animais e até os outros seres humanos. Apropria-se deles,

submete-os ao seu interesse. Rompe a fraternidade e a sonoridade natural com eles, pois todos vivemos do mesmo húmus cósmico e nos encontramos na mesma

aventura universal” (BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, p. 120/1).

Sumário: Introdução. 1. Definições básicas e observações preliminares relevantes. 2. Agronegócios na ordem normativa protetiva do equilíbrio ecológico. 3. A importância do agronegócio e a baixa densidade social das normas de proteção ambiental. 4. A relação desarmoniosa entre o agronegócio e o meio ambiente. 4.1. Água. 4.1. Florestas: desmatamento, queimadas e invasão de espécies exóticas. 5. Agronegócio e sociedade de risco. 6. Os agrotóxicos e a sua nocividade para a saúde ambiental. 7. Principais problemas relacionados com o uso de agrotóxicos. 8. Danos à saúde humana. 9. Dados estatísticos e pesquisas científicas. 10. A contaminação de alimentos com resíduos de agrotóxicos. 11. A contaminação do solo e das águas. 12. A burla às proibições legais e ao sistema de registro pela prática do contrabando de agrotóxicos de países do Mercosul. 13.

* Desembargador Federal Diretor da Escola da Magistratura (EMAGIS) do Tribunal Regional Federal da 4a Região.

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Agronegócio e biotecnologia. 14. Biocombustíveis e meio ambiente. 15. Conclusões articuladas. Referências.

Introdução

Vivemos um momento de ebulição e indefinição nos rumos da política ambiental. Crise energética, biocombustíveis, aumento da demanda e dos preços dos alimentos, biossegurança, desmatamento na Amazônia, por exemplo, são temas que têm ocupado as pautas de políticos, juris-tas, economistas, ambientalistas e, sobretudo, representam assuntos de relevante interesse social, que a todos, inexoravelmente, afetarão, inde-pendentemente da classe econômica ou social.

As atuais contingências sociais, políticas, econômicas e ambientais colocam o Brasil numa verdadeira encruzilhada no concernente ao agro-negócio. A extensão territorial, a situação tropical, a riqueza de recursos naturais e a mão-de-obra barata aguçam a vocação agrícola inolvidável, que parece ver na biotecnologia um alentador instrumento de incremento da produção primária. O país, novamente, candidata-se a ser o celeiro do mundo e a dar uma contribuição relevante para a solução do problema global da demanda crescente por alimentos. Ao mesmo tempo, com o programa de biocombustíveis, almeja resolver ou, ao menos, atenuar a crise energética, que, como todo o mais que hoje interessa, também é global.

Sem prejuízo do necessário trato holístico (integral) que deve nortear a questão ambiental, versará esta exposição sobre a problemática ambiental decorrente das atividades de agronegócio, esse que é um dos protagonistas principais das discussões sobre os riscos ambientais: tanto atua como agente degradador do meio ambiente, como é negativamente afetado pelos efeitos da poluição, muito mais do que outros setores. O assunto será desenvolvido na perspectiva do sistema normativo de proteção do equilíbrio ecológico, com enfoque especial para alguns temas correlatos mais relevantes, a saber: agrotóxicos, transgenia e biocombustíveis.

1 Definições básicas e observações preliminares relevantes

Para facilitar a compreensão, seguem algumas definições e observa-ções basilares sobre temas suscitados durante o trabalho.

A expressão agronegócio será empregada em sentido amplo, para abranger as atividades primárias de agricultura, pecuária, florestais, pes-

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queiras,1 da indústria de insumos e processamento e toda a estrutura de distribuição de produtos direta ou indiretamente derivados de atividades agrícolas. A Constituição da República, no art. 187, § 1º (capítulo da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária), inclui no planeja-mento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.

A expressão recursos ambientais é apropriada do texto do art. 3º da Lei nº 6.938/81 (LPNMA), que assim considera a “atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.

Biodiversidade ou diversidade biológica é a necessária variabilidade de espécies de todos os organismos vivos nos ecossistemas existentes, indispensável ao equilíbrio ecológico e base produtiva do agronegócio (agrobiodiversidade), contrapondo-se à homogeneidade que lhe é nociva.

A biodiversidade é variável de acordo com as diferentes regiões ecológicas, tendendo a ser maior nas regiões tropicais do que nos cli-mas temperados. Cada organismo tem uma função e a sua supressão acarreta desequilíbrio ecológico: alterações climáticas, incapacidade de regeneração dos solos, poluição das águas etc. Na agricultura em constante expansão, por exemplo, a monocultura, a substituição de va-riedades locais e a utilização de agrotóxicos geram perdas significativas da agrobiodiversidade. Com igual efeito, o crescimento populacional, a urbanização desordenada e os desmatamentos.

Bioma é uma comunidade biótica caracterizada pela uniformidade e diversidade genética ou ainda um grande biossistema regional caracte-rizado por um tipo principal de vegetação, como, por exemplo, a Mata Atlântica, o Pampa Gaúcho2 e o Cerrado.

Biosfera representa o conjunto de seres vivos existentes na superfície terrestre; partes sólida e líquida da terra e sua atmosfera.

À interdependência entre a saúde humana e os fatores socioeconô-micos e ambientais chamamos saúde ambiental, que também pode ser 1Inclusa a Aqüicultura: cultivo de organismos aquáticos, inclusive peixes, moluscos, crustáceos e plantas aquáticas.2 Tramita na Câmara proposta de Emenda à Constituição (PEC) 237/08, do Deputado Pedro Wilson, que inclui o Pampa entre os biomas brasileiros considerados patrimônio nacional. Ocupando 2,07% do território nacional e com 176,5 mil Km² de extensão, caracteriza-se pela gramínea e por plantas rasteiras.

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definida como conjunto de fatores conjugados concernentes à saúde humana e ambiental. A preservação da qualidade da saúde ambiental (equilíbrio ecológico) está intimamente ligada ao desenvolvimento de processos econômicos ecologicamente sustentáveis, ou seja, a partir da utilização dos recursos renováveis (solo, águas, plantas e animais) com atenção aos seus limites de renovação e de recomposição.

Desertificação é a redução dos processos vitais no ambiente, com implicações nos espaços agrícolas. Contribuem para a intensificação da desertificação as práticas agrícolas inadequadas, o desmatamento e as queimadas.

Biotecnologia é o ramo da ciência que pesquisa a utilização de técnicas envolvendo materiais biológicos. Exemplo é a técnica de transferência de genes de uma espécie para outra, com objetivo de atribuir a um organismo características naturais de outro. A partir da utilização da biotecnologia foram concebidas as chamadas plantas geneticamente modificadas (OGMs). A transgenia, ao alterar as características da planta, suprime biodiversidade, e a homogeneidade culmina por favorecer o surgimento de organismos não desejados para a lavoura.

Biossegurança é uma designação genérica da segurança das atividades que envolvem organismos vivos. A segurança biológica trata do controle e da minimização de riscos advindos da exposição, da manipulação e do uso de organismos vivos que podem causar efeitos adversos à saúde ambiental.

A expressão segurança alimentar comporta um duplo sentido: quantitativamente, alude à preocupação com a quantidade de alimentos disponíveis para as necessidades do homem; qualitativamente, diz res-peito à preocupação com os riscos à saúde do consumidor (controle da qualidade dos alimentos). A FAO (Food and Agriculture Organization) desenvolve programas que contemplam ambas as preocupações ou con-troles: Programa Especial para Segurança Alimentar, sobre a segurança quantitativa, e o Codex Alimentarius (em conjunto com a Organização Mundial de Saúde – OMS), relativamente ao aspecto qualitativo.

2 Agronegócios na ordem normativa protetiva do3 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

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equilíbrio ecológico

A necessidade de preservação do meio ambiente é princípio de direito constitucional que está vinculado ao valor supremo da dignidade da pes-soa (fundamento material), encontrando-se expressamente inserido no texto do art. 225 da CR (fundamento formal),3 que atribui ao equilíbrio ambiental a condição de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida [no planeta].

Trata-se de um direito fundamental de natureza difusa, exercitável em face do Estado, de toda a comunidade e de qualquer indivíduo, e que impõe também obrigações a todos de proteção do meio ambiente. É um direito natural e biosférico, que exige seja o equilíbrio ecológico tratado sob o signo da solidariedade intergeracional.4

Toda e qualquer atividade somente pode desenvolver-se na medida em que não for relevantemente prejudicial ao equilíbrio ecológico. Especialmente quanto às atividades econômicas, quis o legislador cons-tituinte reforçar, em capítulo diverso, o comando expresso de atenção ao princípio do art. 225 da CR, impondo vinculação à defesa do meio ambiente (art. 170, VI, CR)5, imposição a que se convencionou chamar de princípio do desenvolvimento sustentável, cujo postulado mais im-portante consubstancia-se na presunção constitucional de degradação ambiental pelas atividades econômicas. Esta presunção obriga sejam concebidos instrumentos e mecanismos de controle ambiental como são os princípios da prevenção e da precaução, a exigência do licenciamento ambiental, o prévio Estudo de Impacto Ambiental e outros, com seus enunciados dirigidos à proteção do ambiente em relação aos impactos que lhe possam ser nocivos.

Os mais importantes corolários da citada presunção são, a nosso ver:

4 Obtempera com precisão Luiz de Lima Stefanini: “Neste hodierno estágio dimensional, num plano mul-tiintegrativo (...), o homem como fruto da biosfera, do ecológico, do ambiente, da biodiversidade, cuja dogmática revela que toda a vida do planeta é princípio, enunciado e norma de direito transindividual e transocial e, nesta visão, o direito humano sofre, pois, limitação de um direito biosférico – uma nova noção jurídica a que podemos chamar de dever natural – do complexo vital planetário” (“Quod natura animalia ominia docuit” – O que a natureza dotou a todos os animais. Revista do TRF – 3a Região (separata), vol. 81, jan./fev. 2007, p. 148).5 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...); VI - defesa do meio ambiente”.

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(1) a necessidade de autorização ou licença para a instalação (ou pros-seguimento, se já iniciada) de qualquer empreendimento econômico, incumbindo ao Poder Público, no processo de licenciamento, verificar se a atividade pode ou não causar significativa degradação ambiental; (2) a inversão do ônus probatório da ausência de nocividade do empre-endimento ou, se existente esta, da adoção de medidas que impeçam ou reduzam a níveis suportáveis o desequilíbrio ecológico, e (3) o peso maior pro ambiente (in dubio contra projectum) que se confere à dúvida científica sobre a existência de potencial lesivo ao equilíbrio ecológico.6

Na legislação ordinária, na razão da sua importância, merece destaque a recepcionada Lei nº 6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Esse diploma legal, que é a lei geral do meio ambiente, dentre outras disposições, disciplina os instrumentos da referida política, a saber: o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; o zonea-mento ambiental; a avaliação de impactos ambientais; o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; os incentivos à produção e à instalação de equipamentos e à criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal; o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, e as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não--cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental (art. 9º).

Está erigida à condição de princípio constitucional a imperiosidade de vinculação da propriedade a uma função social (arts. 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III, este no que se refere à ordem econômica). O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30.11.64) dispõe que a propriedade cumpre sua função social quando “assegura a preservação dos recursos naturais” (art.

6 Consoante assevera Marcelo Abelha Rodrigues, a presunção está, ademais, fundada na expressão “defesa” contida no texto do inciso VI do art. 170 da CR (“defesa do meio ambiente”), quando trata dos princípios da ordem econômica e financeira. Não haveria a necessidade de falar em “defesa” se não houvesse a presunção constitucional de “agressividade” e “ataque” das atividades econômicas ao meio ambiente (A Presunção Constitucional de Degradação do Meio Ambiente pelas Atividades Econômicas. Revista de Direitos Difusos, v. 35, jan./fev. 2006, p. 106-11).

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2º, § 1º, alínea c). O Novo Código Civil, no art. 1.228, ao dispor sobre o direito de propriedade, determina que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, preceituando o seu § 1º que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Esse dispositivo, decorrente do princípio da função social da propriedade, consoante observação da professora Judith Martins-Costa, consagra um claro “direcionamento promocional”.7

No concernente às atividades agrícolas, impende destacar a redação do art. 186 da CR (capítulo referente à Política Agrária e Fundiária e da Reforma Agrária), quando reafirma o princípio da função social da propriedade preconizando a exigência de aproveitamento e utilização racionais e adequados dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (incisos I e II).

A Lei de Reforma Agrária (Lei n° 8.629/93), em seu artigo 9°, con-sidera adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade, as características próprias do meio natural e a qualidade dos recursos ambientais, na medida ade-quada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade, da saúde e da qualidade de vida das comunidades vizinhas.

A preservação do equilíbrio ecológico, vale frisar, é obrigação ontolo-gicamente contida no direito de propriedade, impondo não apenas limi-tações ao seu exercício, mas também medidas positivas do proprietário ou possuidor no sentido de tutelar o interesse coletivo na manutenção da qualidade do meio ambiente. Nesta senda, o mau uso da proprieda-de, vale dizer, o desvirtuamento de sua função socioambiental, além de outras repercussões nas órbitas civis, administrativas e penais, deve (e não apenas pode) levar à desapropriação-sanção, conforme prevê o art.

7 Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da “ética da situação”. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 153.

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184 da CR e reconhece o Supremo Tribunal Federal: “REFORMA AGRÁRIA - IMÓVEL RURAL SITUADO NO PANTANAL MATO-

-GROSSENSE - DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184) – (CF, ART. 225, PAR. 4º) – POSSIBILIDADE JURÍDICA DE EXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS NELE SITUADOS, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. (...). A pró-pria Constituição da República, ao impor ao poder público o dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental. O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clás-sicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, MS nº 22164/SP, DJ 17.11.1995, p. 39206, Relator Min. Celso de Mello).

A atenção especial do legislador ordinário com a defesa da saúde ambiental restou afirmada nas disposições que regem a Política Na-cional Agrícola. Na Lei n° 8.171, de 17 de janeiro de 1991, que fixa os fundamentos, define os objetivos e as competências institucionais, prevê os recursos e estabelece as ações e instrumentos da política agrícola, relativamente às atividades agropecuárias, agroindustriais e de planeja-mento das atividades pesqueira e florestal, encontramos assentados como princípios e objetivos fundamentais da atividade agrícola, dentre outros, os seguintes: utilização dos recursos naturais envolvidos de acordo com as normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade; proteção do meio ambien-

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te, garantia do seu uso racional e estímulo à recuperação dos recursos naturais; promoção da idoneidade dos insumos e serviços empregados na agricultura; garantia de qualidade dos produtos de origem agropecu-ária, seus derivados e resíduos de valor econômico, e pesquisa agrícola direcionada para observar as características regionais e gerar tecnologias voltadas para a sanidade animal e vegetal, respeitando a preservação da saúde e do meio ambiente.

No referido diploma legal, capítulo da Proteção ao Meio Ambiente e da Conservação dos Recursos Naturais, vamos encontrar imposições dirigidas ao Poder Público, tais como: integrar, no nível do Governo Federal, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios e as comunidades na preservação do meio ambiente e na conservação dos recursos naturais; disciplinar e fiscalizar o uso racional do solo, da água, da fauna e da flora; realizar zoneamentos agroecológicos que permitam estabelecer critérios para o disciplinamento e o ordenamento da ocupação espacial pelas diversas atividades produtivas; promover e/ou estimular a recuperação das áreas em processo de desertificação; desenvolver programas de educação ambiental, formais e informais, dirigidos à po-pulação; coordenar programas de estímulo e incentivo à preservação das nascentes dos cursos d’água e do meio ambiente, bem como o aprovei-tamento de dejetos animais para conversão em fertilizantes; proceder à identificação, em todo o território nacional, das áreas desertificadas, as quais somente poderão ser exploradas mediante a adoção de adequado plano de manejo, com o emprego de tecnologias capazes de interromper o processo de desertificação e de promover a recuperação dessas áreas, e elaborar, por seus órgãos competentes, sob a coordenação da União e das Unidades da Federação, programas plurianuais e planos operativos anuais de proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.

Essas proposições, inseridas na Política Nacional Agrícola, revelam a necessária interação entre as atividades agrícolas e a preservação ambien-tal. Algumas delas encontram-se enunciadas também na Lei nº 6.938/81, que disciplina a Política Nacional do Meio Ambiente. Basta lembrar a imposição dirigida ao Poder Público de estabelecer zoneamentos ecoló-gicos, que está também contida no art. 9º, inciso II, dessa lei, e que foi regulamentado pelo Decreto nº 4.297, de 10 de julho de 2002, ditando critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil – ZEE.

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O ZEE está definido no art. 2º do referido Decreto: “O ZEE, instru-mento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabe-lece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população”.

O art. 5º do referido Decreto elenca os princípios que, ao lado das dis-posições constitucionais e legais protetivas do meio ambiente, orientarão o ZEE, a saber: “princípios da função socioambiental da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, do usuário-pagador, da participação informada, do acesso eqüitativo e da integração”.

Todo este aparato legislativo, justificado pela história de degrada-ção do meio ambiente protagonizada pelo homem, reflete internamente a preocupação, que é também da humanidade, com a preservação do meio ambiente, mormente quando se verifica uma tendência perigosa no sentido da exaustão dos recursos naturais, abalando o chamado paradigma existencial.

3 A importância do agronegócio e a baixa densidade social das normas de proteção ambiental

Pareceriam redundantes estas considerações, matéria mesmo que a ninguém escaparia, não fosse a tendência e a renitência generalizada em estabelecer tratamento excludente da submissão às normas protetivas do meio ambiente para atividades agrárias, sob o argumento de que se trata de setor vital ao desenvolvimento do país, que não pode sofrer qualquer restrição, nem ser onerada com obrigações de natureza ambiental.

O descumprimento da função socioambiental da propriedade rural no Brasil é histórica e explicável sociologicamente pela nossa evolução eco-nômica, que se fez baseada no setor primário. O Brasil até recentemente era um país rural e todo o poder – político e econômico – se concentrava nas mãos dos proprietários de terras rurais.

Para exemplificar, podemos citar a insubmissão tolerada quanto à exigência do licenciamento ambiental rural, especialmente para os grandes empreendimentos, deixando sem qualquer controle atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente. Ou, ainda, a devastação das

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áreas de preservação permanente e de reserva legal. Embora indubitável a relevância do agronegócio para a economia do

País (maior exportador de carnes, café, açúcar e sucos e o segundo maior de grãos), fator de equilíbrio da balança comercial e atividade responsável por expressivo número de empregos, é preciso olhar com certos temperamentos algumas oscilações econômicas positivas e momentâneas e os fundamentos de um discurso de economistas recalcitrante na insistência em ignorar a essência do desenvolvimento sustentável preconizado pela Constituição. Esse discurso de endeusamento do agronegócio nem sempre atenta para as variáveis sociais e ambientais envolvidas. Ficam, à reflexão, alguns questionamentos pontuais que nunca foram respondidos, nem pelo Governo, nem pelos produtores rurais, nem pela agroindústria: os pequenos produtores se beneficiam com o modelo agrícola dominante? A soja e a cana, por exemplo, geram muitos empregos? O produto, ao longo da cadeia produtiva, agrega valor? Por que os consumidores não se beneficiam com as super-safras? Por que o aumento dos preços ao consumidor não representou, na mesma medida, aumento do lucro dos produtores rurais? Quem está ficando com a maior parte do lucro? O lucro, em sua maior parte, fica no Brasil? Como anda a balança de pagamentos do setor agrícola? Em termos de distribuição de lucros e rendas, como se estabelece a relação patrão/trabalhador rural? O problema da fome interna está resolvido? O Brasil tem muito a se desenvolver sendo o maior produtor mundial de matérias-primas para os países desenvolvidos?

A importância do agronegócio deveria refletir-se em um tratamento diferenciado em vários aspectos, que não passem pela atenuação do dever de preservar o meio ambiente: maior investimento público em infra-estrutura (sistemas de irrigação, armazenamento e transporte8), 8 Sabe-se que a matriz de transportes do país de há muito necessita ser repensada. Nossa malha rodoviária encontra-se totalmente sucateada e o sistema de armazenamento é precário. O desperdício, a elevação dos custos e a redução dos lucros são problemas que merecem melhor atenção. 9 “Assim, é preciso dedicar mais atenção às causas que levam à relativa baixa aplicação das normas ambientais no espaço rural, cujos primeiros beneficiários seriam os próprios agricultores, principalmente as centenas de milhares de agricultores familiares que residem no espaço rural e cujo futuro está de modo intrínseco vinculado à manutenção das potencialidades da natureza, que lhes fornece os meios econômicos essenciais de sobrevivência e lhes confere boa parte da identidade social e cultural” (BEZE JÚNIOR, Zeke. Por um Código Ambiental Rural. Anais do 6º Congresso Internacional de Direito Ambiental, p. 749).

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a concessão de subsídios que possibilitem maior competitividade no comércio exterior, uma política especial de preços mínimos, condições de comercialização direta de forma a eliminar os intermediários (atra-vessadores), a simplificação do processo de licenciamento ambiental para algumas atividades potencialmente menos degradantes, conforme suas peculiaridades de objeto, localização e extensão, incentivos fiscais e ecológicos (ICMS ecológico).

Há um consenso sobre a necessidade de se conferir maior efeti-vidade prática à legislação de controle ambiental das atividades que compõem o agronegócio, atuando nas causas desta baixa densidade de cumprimento (social).9

A questão da escassa observância da ordem normativa de proteção ao ambiente está de certo modo ligada à própria concepção política da nação. A crise de efetividade passa, primeiro, pela baixa densidade democrática social, que opera como fator de distanciamento social dos processos de-cisórios e da efetivação das medidas práticas a serem implementadas. O diálogo democrático é truncado. Os interesses econômicos imediatistas (muitas vezes escusos) se interpõem como uma cortina de fumaça a obs-curecer direitos e interesses legítimos, como são os de natureza difusa (v.g.: direito de todos ao meio ambiente equilibrado).

Principia com as atitudes individuais, caracterizadas pela ausência de uma visão biosférica, num comportamento anti-solidário de verdadeira autofagia das frações ideais dos compromissos individuais (de solida-riedade, cooperação e participação) assumidos perante a humanidade no sentido da proteção do ambiente equilibrado. Vale lembrar que a Constituição confere legitimidade a qualquer cidadão para buscar a tutela jurisdicional do meio ambiente. Caímos em um estado de mesmice que nos faz aceitar como inevitável a prejudicialidade, como se houvéssemos perdido a visão da procura do bom e do saudável. Mesmo aqueles que detêm o conhecimento técnico das causas de violações do ambiente, pouco uso fazem deste conhecimento. Os especialistas, em sua maioria, preferem cuidar dos seus próprios problemas e não interagem de forma integrada com a engrenagem em que estamos todos imbricados.

10 Ao contrário do que ocorre nos EUA, onde as atividades econômicas temem muito mais a atuação da ONGs do que a ação fiscalizatória e punitiva do Estado.

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Temos, depois, a tendência neoliberal de minimização do Estado, renitente em desobrigar-se de serviços essenciais antes que a iniciativa privada possa assumi-los, e quando ainda não se tem consolidado o pro-cesso político de democratização. Os chamados espaços democráticos, previstos na Constituição e na lei ordinária, nunca foram ocupados, e o princípio da participação política não passa de quimera, a serviço da legitimação anômala de opções políticas sem respaldo social.

Resulta, pois, que os princípios da informação e da participação política não têm seus enunciados atendidos; o exercício da cidadania é ainda incipiente; há uma atitude social generalizada de leniência para com as agressões ambientais (contribuição passiva e ativa); as ONGs, muitas inclusive recebendo recursos públicos, têm pouca efetividade;10 o Estado não tem infra-estrutura nem vontade política para exigir o cum-primento das leis ambientais; a participação política da sociedade e das organizações sociais nos processos decisórios de interesse ambiental é falaciosa, até por delimitação legal, como é o caso da Comissão Nacional de Biossegurança e das audiências públicas em EIA/RIMA. O modelo que adotamos para gestão de riscos não contempla efetiva participação dos principais interessados, vale dizer, da sociedade consumidora.

Um dos motivos da desatenção às normas ambientais por empreen-dimentos agrários reside na fragmentação da legislação. Embora não possa o agronegócio escusar-se na ignorância da lei, nem seja hoje ade-quado falar em pouco acesso às informações, sabe-se que a legislação ambiental, sobretudo no que concerne às atividades agrárias, é dispersa e não sistematizada. Essas, ao lado da pouca divulgação e da ausência de campanhas de educação ambiental no campo, representam variáveis que

11 Beze Júnior assevera, “O agricultor criado no meio rural, mesmo com toda a propaganda da agricultura chamada moderna, com seus insumos e máquinas, que transformou muito da sua cultura original de interação com a natureza, tende a enxergar esta relação sistêmica dos elementos naturais de modo intuitivo. Para ele é mais difícil assimilar o propósito final de seus deveres legais em relação à preservação ambiental quando os elementos da realidade que conhece naturalmente vão sendo fragmentados nas leis”. E conclui: “É hora de se discutir a aprovação de um código ambiental rural, que permita aumentar a efetividade do cumpri-mento das normas ambientais, consolidando os avanços até aqui alcançados pela legislação, refazendo a estruturação dos temas segundo a ordem lógica de relação dos elementos da natureza, tais como ocorrem nos ecossistemas, e buscando compreender a ótica do agricultor, que pode vir a ser o principal parceiro da sociedade na defesa do meio ambiente no espaço rural” (Op. cit., p. 749).

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reforçam a escassa efetividade da normatividade ambiental no setor rural. Quiçá seja conveniente pensar na consolidação das diversas normas num “Código Ambiental Rural”, que tenha, após, suas disposições traduzidas aos interessados de uma forma simples e clara, talvez em uma “cartilha do agricultor”.11 São necessárias campanhas de esclarecimento com envolvimento amplo (produtores, sindicatos, associações, federações, confederações e outras entidades rurais, e de profissionais que atuam na área: agrônomos, técnicos agrícolas, veterinários etc).

Somem-se as nefastas tendências de flexibilização casuística de dis-posições legais protetivas do meio ambiente a reforçar o senso reinante no ideário das pessoas sobre a desnecessidade do cumprimento destas normas. Basta lembrar as múltiplas alterações que sofreu o Código Florestal por meio de Medidas Provisórias. Contribuem também as ten-dências de transigência (vedada) com direitos e obrigações ambientais por meio dos TACs12 e a atuação pouco efetiva do Poder Judiciário na tutela jurisdicional do meio ambiente, especialmente na esfera penal, cujos processos-crime, em razão das penas reduzidas, resultam quase sempre em extinção da punibilidade pela prescrição penal.

Um instrumento eficaz de incentivo ao adensamento do cumprimento da legislação ambiental pelo agronegócio está inserido na regra do art. 12 da Lei nº 6.938/81,13 no que condiciona a liberação de financiamentos e custeio de qualquer atividade agrícola por instituições financeiras oficiais à comprovação de existência dos licenciamentos ambientais a que alude a Resolução nº 237/97 do CONAMA. Nesse aspecto, infelizmente, a efetividade da exigência legal tem encontrado óbice na intransigência dos bancos e na posição do Poder Judiciário, que a afastam. Refiro, a pro-pósito, a decisão do TJMS na Apelação Cível nº 25.408, que desacolheu

12 Órgãos e entidades de proteção ambiental entregues a políticos vinculados a setores econômicos têm sido um óbice importante a embaraçar suas finalidades legais. 13 “Art. 12. As entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento ambiental, na forma desta lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA. Parágrafo único. As entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equi-pamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente.”14 Toda e qualquer autorização ou licenciamento ambiental no meio rural somente poderia ser emitida após a averbação da Reserva Legal de no mínimo 20% da área total da propriedade rural, tal como prevista no art. 16 da Lei 4.771/65 na Medida Provisória 2166-67/01.

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ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso, segundo o entendimento de que não cabia ao órgão financiador fiscalizar o cumprimento das normas ambientais. O licenciamento am-biental, além do controle que possibilita ao Poder Público, para ficarmos em apenas um aspecto de sua importância, proporcionaria a exigência de averbação das áreas de reserva legal (art. 16 do Código Florestal) e o conseqüente monitoramento destas.14

4 A relação desarmoniosa entre o agronegócio e o meio ambiente

Ao invés de imunizar o agronegócio da submissão ao referido sistema normativo de proteção do equilíbrio ecológico, dever-se-ia conferir-lhe especial obrigação diante do meio ambiente, exatamente porque compre-ende atividades que, com mais intensidade utilizam-se, direta ou indire-tamente, dos recursos naturais essenciais (águas, solo e biodiversidade).

A relação do agronegócio com o meio ambiente caracteriza-se pela falta de harmonia. Trata-se de constatação histórica. A cada ciclo da evolução econômica do Brasil corresponde uma tragédia ecológica: pau-brasil, café, cana e assim por diante.15 Sabe-se que a agricultura e a pecuária, nos moldes em que são desenvolvidas, têm grande influência na supressão de biodiversidade, sendo suficiente para ilustrar essa assertiva um breve olhar retrospectivo: destruição de biomas constitucionalmente protegidos (floresta amazônica e mata atlântica e um imenso passivo ambiental agrário, algo em torno de 50 milhões de hectares).16

4.1 ÁguaQuanto à água, o consumo elevado com a irrigação, a apropriação

indevida e a poluição são também fatores negativos intrínsecos ao agro-negócio, que tendem a crescer com o incremento das fronteiras agrícolas. É paradoxal que a agricultura, atividade em que o consumo de água é

15 A história da supressão dos nossos recursos naturais começou logo após o descobrimento do Brasil, quando a madeira de pau-brasil, árvore símbolo do País, foi toda levada para a Europa. Dizimou-se boa parte da Mata Atlântica até a extinção da espécie. O café destruiu as florestas do interior de São Paulo e Minas Gerais e a Cana consumiu integralmente a Mata Atlântica no Nordeste e agora ameaça o Cerrado.16 Espera-se que os objetivos almejados pela Lei n° 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, encontrem efetividade social.17 Fonte: IBGE (www.ibge.gov.br).

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fundamental – a irrigação representa 73% do consumo mundial de água –, constitua também a maior fonte de contaminação dos recursos hídricos.

A contaminação de águas no Brasil quintuplicou nos últimos 10 anos, segundo o relatório “O Estado Real das Águas no Brasil” (2003-2004).17

Informações ambientais coletadas pelo Suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, por questionários respondidos pelas municipalidades, apontam que, entre os problemas ambientais que prejudicaram a atividade agrícola, o mais importante foi a escassez de água (55,8% ou 1.070 municípios). Nos municípios com menos de 20 mil habitantes, onde as atividades primárias são muito im-portantes para a economia local, a pesca (60,1%), a agricultura (69,3%) e a pecuária (69,4%) foram bastante prejudicadas. A maior restrição ambiental à pecuária foi a falta de água (72,2% ou 949 municípios), seguida do esgotamento ou compactação do solo (42,1%).

4.2 Florestas: desmatamento, queimadas e invasão deespécies exóticas

A importância das florestas – utilizando a expressão no sentido mais amplo possível – está longe ainda de ser mensurada pelo homem. Para não destoar das atuais abordagens, voltadas aos riscos mais iminentes, referimos a função de verdadeiro termostato de qualquer ecossistema, responsável pela regulação das temperaturas e do clima em geral, além de proporcionar a existência e a qualidade dos recursos hídricos. Somente estas funções seriam suficientes para justificar mais cuidados.

Sabe-se que 80% da produção de madeira amazônica constitui objeto de ilegal extração.18 Estima-se que 15% da Floresta Amazônica já foi

18 Relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. 19 Fonte: Indicadores de DesenvoIvimento Sustentável 2008, IBGE (www.ibge.gov.br).20 70% do desmatamento ocorre no Estado do Mato Grosso, sendo as áreas devastadas ocupadas predomi-nantemente pela pecuária.21 Há, ademais, uma relação direta entre o desmatamento na Amazônia Legal e a prática de outros crimes. Reportagem da Folha de São Paulo afirma, com base em dados estatísticos, que o desmatamento ilegal está vinculado ao trabalho escravo e às mortes no campo por problemas fundiários (Folha de São Paulo, 27 de abril de 2008).22 A queimada, nada obstante ser uma prática necessária à atividade agrícola e/ou autorizada pe-los órgãos competentes, sempre provoca danos ao meio ambiente. Os danos ambientais mais rele-vantes provocados pela queimada são a perda de biodiversidade, pela morte de espécies animais e

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devastada, para dar lugar a lavouras e pastagens e extração ilegal de madeira, com uma perda de algo em torno de 700 mil quilômetros qua-drados de área. Da Mata Atlântica, calcula-se que restam apenas 10%, sendo as áreas devastadas ocupadas por atividades agrícolas e pastoris e pela urbanização.19 O avanço da pecuária e da lavoura de soja na Floresta Amazônica, a despeito das medidas governamentais adotadas (tímidas), não cessa (e somente aumenta). Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE comprovam que o desmatamento na Amazônia Legal é crescente.20 No mês de abril (2008), houve uma perda de 1.123 quilô-metros quadrados de florestas, algo equivalente a 2,4 vezes o tamanho da cidade de Porto Alegre/RS.21

As queimadas agrícolas e de desmatamento produzem efeitos que contribuem para a redução da camada de ozônio e conseqüentes mudan-ças climáticas.22 Dados da FAO atestam que de 25% a 30% dos gases com efeito estufa liberados na atmosfera anualmente são provenientes da desflorestação. As árvores são constituídas por elevado percentual de carbono, portanto, quando queimadas, liberam o dióxido de carbono para a atmosfera. Estima-se que se perdem anualmente no mundo 13 milhões de hectares de floresta, notadamente nas zonas tropicais, e que 80% dessa desflorestação é decorrência do aumento das fronteiras agrícolas.

Para ilustrar esse quadro, trazemos à colação informações ambientais coletadas pela referida Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC: as queimadas e o desmatamento estão ocorrendo em todas as regiões do Brasil, e não apenas nas fronteiras agrícolas. O Cerrado do oeste da Bahia é um bioma sob ameaça, visto que muitos gestores mu-nicipais da região indicaram queimadas e desmatamento como fatores que estão alterando a qualidade de vida e a paisagem. Entre os 1.009 municípios que apontaram desmatamentos alterando as condições de vida da população, 684 (ou 68%) relataram também a ocorrência de queimadas. A abordagem inversa produz conclusão semelhante: 72% dos 948 municípios que apontaram a ocorrência de queimadas afetando

vegetais e aumento da ocorrência de espécies invasoras, o aumento das erosões e a redução da fertilidade do solo, fenômenos causados pela eliminação da cobertura vegetal e posterior lixiviação dos minerais resultantes da queima, e a poluição do ar, pela liberação de gases e partículas resultantes da queima da matéria vegetal, resultando em risco à saúde pública.

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as condições de vida locais indicaram, também, a ocorrência de desma-tamentos com os mesmos efeitos.

Que dizer então da nefasta supressão de vegetação de áreas de prote-ção permanente e de reservas legais? Invariavelmente ignoradas, estas áreas protegidas, enquanto limitações administrativas indispensáveis à higidez do meio ambiente, tais como definidas no Código Florestal, não passam de vãs promessas de proteção ambiental. A obrigação legal de averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel é olim-picamente descumprida. Há uma ostensiva tendência perigosa de se relativizar e flexibilizar a normatividade contida no Código Florestal. Teses de resistência às reservas legais vicejam, algumas vezes com o beneplácito do Poder Judiciário. Por exemplo: soma com áreas de pre-servação permanente para perfazer o percentual legal, não averbação de área desmatada, irresponsabilidade na aquisição de área desmatada etc.

O Brasil é um dos maiores mercados produtores de madeira do mundo (6°), mas é preocupante, para dizer o menos, a introdução de espécies exóticas por empresas multinacionais produtoras de celulose, como o eucalipto, a acácia negra e o pinus, com sérios riscos do desequilíbrio ecológico.23 A chamada contaminação biológica refere-se aos danos causados por espécies que não fazem parte, naturalmente, de um dado ecossistema, mas que se naturalizam, dispersando-se e interferindo ne-gativamente no seu funcionamento e impedindo a recuperação natural.

O custo ambiental das atividades florestais à base de plantas exóti-cas é muito negativo, em razão do potencial que estas possuem de criar modificações nocivas nos sistemas naturais. O quadro tende a agravar--se à medida que as plantas exóticas invasoras ocupam o espaço das nativas. As conseqüências principais são a perda da biodiversidade e a modificação dos ciclos e características naturais dos ecossistemas atin-gidos, a alteração fisionômica da paisagem natural, com repercussões econômicas negativas.

Essa é uma preocupação mundial, tanto que a Organização das Nações

23 O eucalipto é uma planta originária da Austrália e assim como o pinus, comumente cultivado nas regiões serranas, possui alto poder de bioinvasão, ou seja, a capacidade de produzir sementes em grande quantidade e conseqüentemente de multiplicar-se, podendo assumir uma dimensão incalculável quanto à dispersão e invasão de locais indesejáveis, colocando em risco a paisagem característica do bioma pampa gaúcho.

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Unidas (ONU), por meio dos programas para alimentação e agricultura (FAO) e meio ambiente (UNEP), conjuntamente com outras organizações internacionais, mantêm, desde 1997, o Programa Global de Espécies Invasoras (GISP). Trata-se de um plano de ações e diretrizes que conta com a participação do Brasil. As proposições deste programa contem-plam a definição de estratégias nacionais e regionais, a capacitação para efetivo controle e erradicação de espécies invasoras, a implementação de pesquisas, a construção de sistemas de informação acessíveis de forma generalizada e a cooperação com países interessados. A conferência da ONU sobre biodiversidade, realizada em Montreal, no Canadá, teve como assunto central a contaminação biológica.

No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, o aumento das fronteiras do agronegócio baseado em atividades florestais é muito superior à capa-cidade de assimilação dos recursos naturais implicados. Os riscos do cha-mado “deserto verde”, nome alusivo aos efeitos negativos do eucalipto na redução dos recursos hídricos e de biodiversidade, são iminentes. Grandes propriedades estão sendo adquiridas pelo capital estrangeiro para a produ-ção de matéria-prima a ser utilizada em fábricas de celulose. Experiências com transgenia em árvores são feitas sem qualquer controle, tornando ainda mais grave o problema ambiental, na medida em que aniquilam as espécies nativas e destroem o ecossistema. Na região da fronteira-oeste do Estado, milhares de hectares já foram adquiridos, e novos investimentos estão sendo obstados por questão de segurança nacional, pois situadas as propriedades rurais dentro da faixa de fronteira24, mas não por problemas ambientais, assunto que não tem interessado às autoridades competentes, implicando, todavia, explosividade social.25

É manifesto o movimento mundial dos países ricos para incrementar a produção de matérias-primas utilizando os recursos naturais e a mão--de-obra barata dos países pobres do hemisfério sul, repassando a estes integralmente as externalidades negativas do processo produtivo.

24 Já tramita no Congresso Nacional proposta de Emenda Constitucional visando à redução da faixa de fronteira. Por certo, o poder econômico deverá sobrepor-se à soberania nacional.25 Consultar, a propósito, FILIPPIN, Rafael Ferreira. Explosividade Social e Política do Biorrisco: O Caso do Deserto Verde, in: LEITE, José Rubens Morato, FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (org.). Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

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Nada obstante, desconsiderando as regras da precaução e da segurança ambiental, que deveriam nortear a matéria, o CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente limitou as exigências para o reflorestamento ao aprovar um zoneamento florestal que reduz de 50% para 30% o limite percentual máximo da área da propriedade que pode ser plantada, des-considera as limitações legais para áreas com poucos recursos hídricos, onde o percentual deveria ser menor, e afasta qualquer limitação quanto ao tamanho e aos intervalos entre os bosques cultivados.

Essas liberalidades, constituindo também transigência ilegítima tendo como objeto o meio ambiente, a pretexto de proporcionar maior desenvolvimento, ignoram os movimentos mundiais pela preservação da biodiversidade: as plantas exóticas invasoras são hoje consideradas a segunda maior ameaça mundial à biodiversidade, atrás apenas da des-truição de hábitats pela exploração humana direta.

5 Agronegócio e sociedade de risco

Vivemos em uma autêntica “sociedade de risco global”, no dizer de Ulrich Beck, convivendo com a constante ameaça da catástrofe, sem nada poder fazer e, quase que invariavelmente, sem saber as suas causas reais, sonegadas que nos são pelo sistema, baseado na supremacia do interesse econômico sobre o interesse social e na técnica de governança baseada no discurso do “não há motivo para alarde”. Segundo Beck, houve uma mudança gradual no conflito social predominante no século XX: o conflito primário, no início do século, era centrado na distribuição do bem-estar entre os grupos sociais; depois da Segunda Guerra Mundial, notadamente a partir dos anos 60, o foco mudou para a distribuição de poder na política e na economia; nos últimos anos, o maior conflito tem como objeto a distribuição e a tolerabilidade dos riscos para os diferentes grupos sociais, as regiões e as gerações futuras.26

Como decorrência da ação nociva do homem contra a natureza, podemos citar, exemplificativamente, as sérias ameaças das mudanças climáticas, com perspectivas futuras, não muito remotas, de assustado-ras repercussões para a humanidade. O derretimento da calota polar e o aumento do nível dos mares prometem fazer muitos estragos e colocar

26 Políticas ecológicas en la edad del riesgo. Barcelona: El Roure, 1998, p. 120.

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em risco a integridade de milhares de pessoas e animais. São várias as conseqüências do aquecimento global. Algumas delas

já podem ser sentidas em diferentes partes do planeta, como o aumento da intensidade de eventos de extremos climáticos: furacões, tempestades tropicais, inundações, ondas de calor, secas ou deslizamentos de terra. É constatação científica irrefutável o aumento do nível dos mares por decorrência do derretimento das calotas polares e da temperatura média do planeta em 0,8ºC desde a Revolução Industrial. Um possível aumento acima de 2ºC acarretaria efeitos potencialmente catastróficos no mundo. Teríamos países inteiros engolidos pelo aumento do nível do mar e po-pulações inteiras precisariam migrar fugindo de regiões extremamente áridas e insuscetíveis de sobrevivência.

A poluição dos rios e enseadas já é detectada em 38% das cidades bra-sileiras. A contaminação dos solos afeta 33% dos municípios. Inundações, deslizamentos de encostas, secas e erosão são os desastres ambientais mais comuns no Brasil: 41% das cidades do País foram atingidas por pelo menos um deles, e 47% sofreram prejuízos na agricultura, na pecuária ou na pesca, devido a problemas ambientais.27

É possível afirmar que, em boa medida, as atividades ligadas, direta ou indiretamente, ao agronegócio, na forma como são desenvolvidas, em determinados setores, contribuem para a exacerbação dos riscos. Não é exagero! Um exemplo emblemático ocorreu recentemente com a inva-são do espaço urbano de Buenos Aires/AR pela fumaça das queimadas agrícolas, submetendo a risco, por vários dias, em razão da poluição do ar, a saúde e a vida de milhares de pessoas.

Nessa perspectiva, estão essas atividades obrigadas a desenvolver políticas públicas e programas de gestão de riscos, como processo que inclui a definição, a escolha e a implementação das ações regulatórias apropriadas, a partir dos resultados obtidos no processo de avaliação des-tes, com base nos controles tecnológicos disponíveis (filtros), e levando em consideração as variáveis custo-benefício, riscos e número de casos

27 Informações ambientais coletadas pelo Suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. 28 Os principais atores envolvidos na gestão ambiental devem ser o empreendedor, o Estado, a sociedade e o mercado.

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aceitáveis e fatores sociais, políticos, econômicos e ambientais.Da mesma forma, e por conseguinte, não se concebem atividades agrá-

rias que prescindam de um eficaz sistema de gestão ambiental, enquanto conjunto de procedimentos voltados à conservação dos meios físico e biótico e dos grupos sociais que deles dependem. A gestão de risco e a gestão ambiental, na era do risco, passaram a ser fundamentais para a organização das sociedades e, sobretudo, condicionantes de qualquer atividade econômica potencialmente degradante do equilíbrio ecológico. Trata-se de uma exigência globalizada e de interesse transgeracional, que não pode ser olvidada nem postergada.28

À luz dessas considerações, à guisa ilustrativa, fazemos uma breve análise crítica acerca de alguns temas que são emblemáticos e revelam um estado de tensão exacerbada entre os interesses econômicos deposi-tados no agronegócio e os interesses difusos ambientais, quase sempre relegados a um plano secundário: (1) a questão do uso ilegal de agrotó-xicos; (2) a questão polêmica da transgenia, e (3) a não menos polêmica questão dos biocombustíveis.

6 Os agrotóxicos e a sua nocividade para a saúde ambiental

Trata-se agora da grave problemática do manuseio ilegal no Brasil de agrotóxicos pelas atividades de agronegócio, colocando em risco a saúde ambiental, assunto que tratamos mais detidamente no livro Meio Ambiente e os Agrotóxicos.29

Impende lembrar, introdutoriamente, que a primeira advertência cien-tífica sobre a nocividade ao ambiente dos produtos químicos empregados massivamente na produção agrícola ocorreu em 1962, quando Rachel Louise Carson, uma zoóloga norte-americana, publicou o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa). Nesta obra, que constitui o verdadeiro marco inicial do movimento ecológico fundado em premissas científicas, a autora denuncia ao mundo uma ameaça antes olvidada:

“(...) todo ser humano está ahora sujeto al contacto con peligrosos productos quími-cos, desde su nacimiento hasta su muerte (...). Se han hallado residuos de esos productos en la mayoría de los sistemas fluviales importantes e incluso en corrientes subterraneas que fluyen desconocidas a lo largo de la tierra; (...); en el cuerpo de pescados, pájaros, reptiles y animales selvajes y domésticos (...). Han sido hallados en peces de lagos 29 Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007.

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situados en montañas remotas, (...) en los huevos de pájaros... y en el propio hombre. Porque tales productos químicos están ahora almacenados en los cuerpos de la vasta mayoría de los humanos, sin discriminación de edades. Se encuentram en la leche de las madres y probablemente en los tejidos de los niños por nacer” (CARSON, Rachel Louise. Primavera Silenciosa. Barcelona: Crítica, 2005, p. 25).

Passados quase 50 anos, insiste a humanidade em sua conduta antro-pocêntrica e anti-solidária de volitiva, paulatina e crescente destruição de seu hábitat natural, colocando em risco a existência de inúmeras espécies, que desaparecem em progressão assustadora, e, sobretudo, as gerações futuras, seus próprios descendentes, fadados que estarão à sobrevivên-cia em um ambiente deletério, hostil e precário dos essenciais recursos naturais (terra, água e ar), convivendo com doenças e degradação.

A Constituição Federal, no art. 220, § 4º, consolidou, em nível cons-titucional e com o status de presunção absoluta, o entendimento de que os agrotóxicos são nocivos à saúde ambiental, estabelecendo condicio-namentos para o seu uso e restrições a sua propaganda. A evidenciar o acerto da presunção constitucional de nocividade, verifica-se inexistir classificação que contemple a ausência de toxidade para a saúde humana ou de perigo para o meio ambiente: os agrotóxicos são classificados em função da toxicidade à saúde humana e em função do grau de impacto ao ambiente, observando classificações que vão desde “pouco tóxico ou perigoso” até “extremamente tóxico” ou “altamente perigoso”.

7 Principais problemas relacionados com o uso de agrotóxicos

Qualquer abordagem sobre o tema agrotóxicos, à luz do direito am-biental, deve levar em consideração algumas características e aspectos técnicos acerca das potencialidades nocivas para a saúde ambiental de-correntes do uso de produtos químicos. Em sua maioria, os agrotóxicos são extremamente voláteis, portanto, têm a propriedade de ser carregados pelas correntes aéreas para locais e distâncias indesejadas, contaminan-do extensões incalculáveis do solo, das águas e do ar; quase todos os agrotóxicos têm efeito continuado, permanecendo no solo por muitos anos; com o emprego de agrotóxicos, ao longo do tempo, um número razoável de pragas que atacam a lavoura, quase igual ao que é destruído, adquire resistência, tornando-se imune e obrigando, como que num cír-culo vicioso, à criação de novas e mais potentes fórmulas; do universo

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de insetos destruídos, muitos são benignos e úteis, como a abelha e os demais insetos polinizadores, tão necessários ao equilíbrio ecológico; existe excessiva concentração de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal e animal, principalmente em razão da inobservância do número correto de aplicações, das dosagens recomendadas ou dos intervalos de tempo necessários entre a aplicação e a colheita, e mesmo do uso de produtos químicos ilegais; os agrotóxicos não são facilmente percebidos pela cor ou pelo cheiro e, assim, acabam sendo ingeridos ou penetrando na pele e no sistema respiratório em grandes doses; as pessoas contaminadas não percebem a relação entre seus sintomas e as substâncias com as quais tiveram contato, sobretudo porque há desinformação sobre os efeitos de agrotóxicos no organismo humano.

8 Danos à saúde humana

O direito à saúde emerge no constitucionalismo contemporâneo inse-rido na categoria dos direitos sociais. A Constituição de 1988 incorpora claramente esse caráter do direito à saúde ao estabelecer, em seu art. 196, que ele será “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Portanto, o direito à saúde foi constitucionalizado em 1988 como direito público subjetivo a prestações estatais, ao qual corresponde o dever dos Poderes Públicos de desenvolverem as políticas que venham a garanti-lo (ações afirmativas, diríamos).

As gravíssimas decorrências do uso de agrotóxicos constituem um problema de saúde pública. “Saúde pública é a expressão usada para indicar o estado de sanidade da população de um país, de uma região, de uma zona ou de uma cidade. Em seu amplo sentido jurídico, em princípio, considera-se saúde um bem público de interesse nacional, caracterizado pelo estado de pleno bem-estar físico e biológico, psíquico ou mental, social (em seus diversos aspectos educacionais, econômicos, familiares, espirituais, morais), cultural e ambiental da pessoa humana, individual, coletiva e publicamente considerada. Em resumo, saúde constitui um

30 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Direito à Saúde e a Problemática dos Agrotóxicos, Revista de Direito Sa-nitário, v. 2, n. 3, nov. 2002, p.12-13.

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bem público constitucionalmente assegurado, garantido e protegido ao pleno bem-estar de todos”.30

Vale destacar, pela importância e incidência de intoxicações, a afeta-ção do meio ambiente do trabalho, assim considerado o palco onde se desenvolvem as relações de trabalho humano de qualquer espécie. Todos os trabalhadores são titulares do direito (difuso) ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado. No ambiente de trabalho rural, em razão do uso indiscriminado e em descumprimento das medidas legais de precaução, tanto para a saúde do trabalhador, como para o meio ambiente, temos uma grande incidência de casos de intoxicação, com trabalhadores sendo submetidos a doenças fatais ou irreversíveis. Segundo pesquisa do IBGE, no Estado do Paraná (safra de 1998/1999) ocorreram cerca de 30 mil casos de intoxicação, dos quais 29.250 tiveram atendimento médico/hospitalar.

Os efeitos nocivos dos agrotóxicos sobre a saúde humana podem ser classificados, em apertada síntese, da seguinte forma: teratogenias (nascimentos com más formações); mutagenias (alterações genéticas patogênicas) e carcinogenias (surgimento de diversos tipos de câncer). Têm-se incontáveis registros de lesões hepáticas e renais, esterilidade masculina, hiperglicemia, hipersensibilidade, carcinogênese, fibrose pul-monar, redução da imunidade, distúrbios psíquicos e outras patologias.

9 Dados estatísticos e pesquisas científicas

Para ilustrar a gravidade do problema, trazemos ao conhecimento de nossos leitores dados concretos, condensados em estatísticas alarmantes, e também estudos científicos que atestam a contaminação pelo contato com agrotóxicos.

Recente relatório da FAO classifica o Brasil como o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com o emprego anual de 1,5 kg de ingrediente ativo por hectare cultivado, levando em conta a média global de todo o universo agrícola nacional. Em alguns tipos de lavoura, o consumo chega a ser absurdo (na cultura do tomate, por exemplo, a média é de 40 kg/ha a cada safra). São esses dados estarrecedores que colocam o Brasil, em matéria de mortalidade por câncer, em terceiro lugar no ranking mundial. Mas o câncer não é a única doença grave causada por agrotóxicos, embora seja a mais grave. No renque das temíveis con-

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seqüências, incluem-se a cirrose hepática, a impotência sexual, a fibrose pulmonar, os distúrbios do sistema nervoso central (implicando depres-são, loucura e/ou paralisia facial) e muitas outras doenças de natureza toxicológica, a que estão mais sujeitos não só os que lidam diretamente com agrotóxicos no campo como também os consumidores de alimentos contaminados por seus resíduos.

Calcula-se que em todo o mundo ocorrem, por ano, cerca de 2 milhões de casos de envenenamento por agrotóxicos, com algo em torno de 50 mil mortes. Mais do que em muitas guerras. Não é demais, por falar em guerra, lembrar que o famoso agente laranja, usado pelos americanos na guerra do Vietnã para destruir a produção agrícola e as selvas fechadas daquele país, era um produto agrotóxico, um herbicida, usado como arma de guerra.

Existe uma quase certeza acerca da inter-relação entre o uso de agro-tóxicos e os suicídios que há anos têm ocorrido na região fumageira de Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Acredita-se que se deva ao contato prolongado com algum tipo de “veneno” empre-gado na lavoura de fumo.

A Revista Galileu (agosto 2002, nº 133, p. 24/31), em reportagem de capa, anuncia: “Alto índice de suicídios no campo traz novas suspeitas sobre agrotóxicos”. Noticia a reportagem que, no ano de 2001, suici-daram-se 21 pessoas, na maioria agricultores, na cidade de Santa Cruz do Sul, de 100 mil habitantes, conhecida como a “capital do fumo”. O número é alarmante diante da média brasileira de 3,8 suicídios para cada 100 mil pessoas. Suspeita-se que o manganês presente em vários tipos de agrotóxicos seja o responsável pelo distúrbio depressivo que leva os agricultores ao suicídio. Segundo a referida reportagem, pesquisadores da UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul, da UNICAMP – Uni-versidade Estadual de Campinas e da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro atestam que se pode “aceitar como verdadeira a hipótese de que os agrotóxicos usados indiscriminadamente no cultivo do tabaco causam intoxicações e distúrbios neurocomportamentais nos membros das unidades familiares de produção”.

Pesquisas científicas revelam também que “a infertilidade humana e 31 Fonte: Rede Agroecologia (Agência Câmara, 19.2.2004).

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animal tem relação com o uso de agrotóxicos”. A declaração é do pesqui-sador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Sérgio Koiffmann, e está baseada em estudos preliminares da entidade. Segundo o pesquisa-dor, foram coletados dados que demonstram que os pesticidas atuam no organismo humano e podem estar alterando a cadeia hormonal. A partir da análise dos espermogramas, o levantamento sugeriu uma tendência de queda na quantidade e na qualidade dos espermas dos homens e dos animais mamíferos.

O mesmo pesquisador apresenta outra preocupação: é com relação ao crescimento do índice de pessoas com câncer, que pode estar relacionado ao uso de agrotóxicos, basicamente pela via alimentar. “Não são só as pessoas que manipulam que estão sujeitas a adquirir doenças causadas pelo uso do agrotóxico; a população geral também está”, afirmou. Koi-ffmann citou diversos tipos de câncer que têm aumentado na população, como o de próstata, testículos, mama, ovário e tireóide. O pesquisador da Fiocruz vaticinou que, além de ter crescido o número de pessoas que fazem tratamento para fertilização, também foi diagnosticado um número excessivo de crianças com má-formação, doenças congênitas e abortos.31

Deve-se ressaltar que a desinformação de usuários e de médicos que a estes prestam atendimento serve para escamotear uma realidade alarmante, não permitindo que os dados estatísticos reais cheguem ao conhecimento das autoridades sanitárias, para que sirvam de subsídio à implantação de políticas públicas tendentes a minorar os problemas.

10 A contaminação de alimentos com resíduos de agrotóxicos

A garantia constitucional do direito à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado torna certo também, como co-rolário, que todo cidadão tem direito ao consumo de alimentos saudáveis.

A segurança alimentar é assunto que não nos empolga quotidiana-mente. Afinal, se não temos conhecimento sobre a origem da maioria dos alimentos que ingerimos, somos obrigados a depositar confiança em seus produtores e na eficácia das ações fiscalizatórias públicas. Mas, infelizmente – isto é público, notório e comprovado cientificamente –,

32 Zero Hora, Porto Alegre, 30 de julho de 2004, sexta-feira, Caderno Campo e Lavoura, p. 1. 33 Zero Hora, Porto Alegre, 24 de abril de 2008.

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estamos sendo compelidos a ingerir, diariamente, doses homeopáticas de resíduos de agrotóxicos, que poderão nos trazer problemas futuros de saúde.

Pesquisas realizadas têm revelado altas concentrações de resíduos tóxicos em frutas, em verduras e em carne bovina. Esse crime contra a saúde pública e ambiental, apesar das advertências e medidas punitivas, ao longo do tempo, vem sendo praticado por produtores rurais.

O jornal Zero Hora32 apresenta reportagem sob título Agrotóxicos à mesa, assinada por Jorge Correa, trazendo um comparativo entre os dados das pesquisas da ANVISA de 2002 e 2003 sobre índices de resíduos de agrotóxicos em frutas e verduras. A agência constatou, em 2003, que o morango e o mamão são as frutas com maior índice de contaminação, passando o morango de 46%, em 2002, para 54,44%, em 2003. De 78 amostras pesquisadas, 54 apresentavam índice de resíduos superior ao permitido. Quanto ao mamão, a presença de resíduos de agrotóxicos progrediu de 19,5% para 37,36%.

Nova reportagem do jornal Zero Hora, de 24 de abril de 2008, torna público um comparativo 2002/2007, realizado pela ANVISA – Agência de Vigilância Sanitária, revelando altos índices de contaminação por resíduos de agrotóxicos em diversos alimentos: morango, alface e to-mate, por exemplo, apresentaram índices alarmantes. Mais de 40% das amostras estavam fora dos padrões de consumo.33

11 A contaminação do solo e das águas

Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, a erosão do solo causou prejuízo à agricultura em 43,1% dos municípios do País, com maior freqüência em regiões onde predominam tecnologias modernas: Sudeste (58,0%), Sul (58,8%) e Centro-Oeste (60,6%). Já 49,2% dos municípios apontaram o esgotamento do solo e a contaminação por uso de fertili-zantes e agrotóxicos como causas que comprometeram o desempenho da atividade agrícola.34

A preocupação do Homem com o problema da contaminação das águas

34 Informações ambientais coletadas pelo Suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério do Meio Ambiente.35 Dados do IBGE.

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é justificada. A água, bem de domínio público, recurso natural limitado, dotado de valor econômico e elemento vital para a existência do Homem, será um dos bens mais preciosos do terceiro milênio. Segundo estudos da Organização das Nações Unidas (ONU), a crise do abastecimento poderá atingir diversas regiões da Terra nos próximos anos devido à contami-nação que ameaça as reservas de água doce do Planeta e ao aumento da demanda. Segundo dados da UNESCO, 1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água potável. Estimativas indicam que cerca de 10 milhões de pessoas morrem anualmente devido a doenças transmitidas pela água. Quase a metade dos animais de água doce, conforme o Fundo Mundial para a Natureza, já desapareceu. Apenas 0,3% de toda a água doce do mundo está prontamente acessível para uso humano. O Brasil possui 18% da água doce do planeta. Em breve, teremos conflitos bélicos pelo controle da água (pode-se dizer que já os temos: veja-se o caso das disputas pelo controle dos depósitos de água nas Colinas de Golã, entre Síria, Palestina, Israel e Jordânia).

As águas subterrâneas e as superficiais estão contaminadas pela presença de nitrogênio, fosfato e potássio provenientes da agricultura. A acumulação de resíduos de agrotóxicos nos sedimentos dos corpos hídricos causa sérios problemas para peixes, mamíferos e ecossistemas inferiores, comprometendo também o consumo humano de água potável. De 1825 amostras colhidas nos rios paranaenses, por exemplo, 84% apresentavam resíduos de pelo menos 17 diferentes agrotóxicos.35

No que tange à contaminação de águas subterrâneas, cumpre ressal-tar as evidências e constatações de comprometimento, em razão do uso de agrotóxicos, do Aqüífero Guarani, que é a maior e mais importante reserva de águas subterrâneas transfronteiriças do mundo, com área estimada de 1,2 milhão de km² (71% no Brasil, 19% na Argentina, 6% no Paraguai e 4% no Uruguai). Trata-se de um imenso reservatório de águas subterrâneas, que se formou das águas das chuvas ao longo de 100 milhões de anos sobre o leito rochoso e irregular das camadas do subsolo, com profundidades que variam de 50 a 1500 m e um volume de água pura de excelente qualidade estimado em 50 quatrilhões de litros.36

36 Conforme Aldo da Cunha Rebouças (Águas subterrâneas. In: REBOUÇAS et al. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras, 1999, p. 135).

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Os sinais de comprometimento do Aqüífero Guarani, que, pela quali-dade e quantidade de suas águas, constitui um recurso natural de impor-tância estratégica social e econômica para os países do Cone Sul, vêm despertando o interesse das comunidades internacionais (OEA, BIRD, Fundo Mundial para o Meio Ambiente etc) com vistas à sua exploração racional. Os principais problemas são decorrentes da abertura de poços, de lançamento de rejeitos industriais, de vazamentos de esgotos e, prin-cipalmente, no meio rural, do uso de agrotóxicos e fertilizantes.

Recentemente, foi editada a Resolução CONAMA nº 396, de 3 de abril de 2008, que dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para enquadramento das águas subterrâneas.

De outra parte, o avanço da produção de soja na área da Floresta Amazônica, além dos inúmeros problemas que causa, como a supressão da biodiversidade, traz também o problema da contaminação das águas dos rios por resíduos de agrotóxicos, com sérios prejuízos às populações indígenas que têm como fonte de sobrevivência esses recursos naturais.

Vale destacar, por derradeiro, que a degradação dos recursos hídricos representa violação da Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, elegendo como um de seus objetivos fundamentais assegurar à atual e às futuras gerações a neces-sária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos, e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos.

12 A burla às proibições legais e ao sistema de registro pela prática do contrabando de agrotóxicos de países do Mercosul

Nossa Constituição dispõe que incumbe ao Poder Público controlar a produção, a circulação, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, parágrafo 1º, V). Esse preceptivo constitucional, considerando que os agrotóxicos são substâncias que, por natureza, acarretam riscos, impõe ao Poder Público a adoção de um sistema eficaz de registro e de controle da respectiva produção, comer-cialização e utilização dos produtos.

É condição sine qua non para a produção, exportação, importação, comercialização e utilização de agrotóxicos o prévio registro do produto nos órgãos e entidades federais do Ministério da Saúde (Agência Nacional

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de Vigilância Sanitária – ANVISA), do Meio Ambiente (IBAMA) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Secretaria Nacio-nal de Defesa Agropecuária), nos termos do art. 3º da Lei nº 7.802/89.

O registro, que tem caráter eminentemente público, é imposto como medida de segurança social e individual nas áreas de alimentação, saúde e meio ambiente, tendo como escopo imediato impedir a produção, a manipulação, o comércio, o transporte e a aplicação de produtos agro-tóxicos e afins que se revelem vetores de riscos inaceitáveis à saúde e ao meio ambiente.

O receituário agronômico constitui a “prescrição técnica formalizada” indispensável, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.802/89, para a aquisição de agrotóxicos. É, em outras palavras, uma metodologia utilizada para diagnóstico do problema fitossanitário que está atacando a lavoura e prescrição do agrotóxico, quando se faça necessário.

A pirataria com agrotóxicos é prática comum nos estados do sul do país, com tendência a espraiar-se por todo o território nacional. Contra-bando, furto, roubo e falsificação possibilitam o uso e a venda de agrotó-xicos sem o necessário receituário agronômico. Burlando as exigências legais e sem controle técnico, o produto é utilizado com sérios riscos à saúde pública e ao meio ambiente. Formulações proibidas no Brasil são internalizadas de forma ilegal (sem registro nos Ministérios da Agricul-tura, do Meio Ambiente e da Saúde), vindos da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. Relatório elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente informa que um dos mais letais venenos já fabri-cados pelo homem, o DDT – inseticida proibido no Brasil desde 1985 –, continua sendo aplicado em lavouras brasileiras. Parte estaria sendo contrabandeada do Paraguai e parte seria fruto de desvio de estoques do próprio governo brasileiro (o Brasil importou 3 mil toneladas desse produto para uso contra a malária na Amazônia, entre 1990 e 1995). O DDT afeta os sistemas imonológico e neurológico de seres humanos e,

37 Sobre os efeitos nocivos do DDT, consulte-se CARSON, Rachel Louise. Primavera Silenciosa. Barcelona: Crítica, 2005. 38 Grande parte destes venenos são fabricados na China, país em que proliferam fábricas ilegais de produtos químicos, sem qualquer controle público.39 Consultar, a propósito, o excelente trabalho de Aurélio Veiga Rios, sob o título Os Agrotóxicos e o Princípio da Precaução, Revista de Direito Ambiental, n. 28, Ed. Revista dos Tribunais, p. 47.

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por isso, está proibido em 40 países. Na Suíça, por exemplo, desde 1939. Nos EUA, desde 1972.37

É comum na região da fronteira gaúcha, especialmente com o Uruguai, nas cidades de Chuy e Rivera, a aquisição de agrotóxicos proibidos no Brasil, geralmente fabricados na China,38 sem qualquer controle. Em Chuí, basta que se atravesse a rua para adquirir, na cidade uruguaia de Chuy, sem qualquer problema, agrotóxicos de várias marcas desprovidos do tríplice registro e, portanto, ilegais no Brasil. Também em Ciudad del Este, no Paraguai, pode-se adquirir vários tipos de agrotóxicos sem registro no Brasil, alguns de registro proibido, inclusive.

A prática ilícita é estimulada pela queda do dólar, pela elevação dos preços dos insumos em geral, pela fiscalização precária e, principalmente, pelo reduzido custo dos agrotóxicos de origem estrangeira em relação aos similares nacionais. Em certos casos, a diferença chega a 300%.

Além de constituir sério risco para a saúde ambiental, o contrabando de agrotóxicos abala o setor econômico regular. O empresariado que atua legalmente, submetendo-se às exigências rigorosas de registro, transporte, comercialização e pagando os tributos incidentes, culmina por ter que competir com o comércio informal e ilegal, em verdadeira concorrência desleal.

O problema do contrabando de agrotóxicos ocorre e tende a se agra-var principalmente porque existe um desnível legislativo na área da proteção ambiental e da saúde pública entre os países que compõem o Mercosul, notadamente no concernente aos agrotóxicos. Se analisarmos comparativamente as legislações sobre agrotóxicos dos quatro países que formam o bloco regional do Mercosul, vamos constatar que o Brasil é o país que possui a normatividade interna mais avançada e protetora da saúde humana e do meio ambiente.39

13 Agronegócio e biotecnologia

Ninguém ignora os progressos científicos e a importância da en-

40 GUIVANT, Júlia S. Transgênicos no Brasil: a necessidade de debater a governança de novas tecnologias. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (org.). Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 225/262. 41 Op.cit., p. 226.

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genharia genética e da agrobiotecnologia para a solução dos proble-mas da humanidade. O que se lamenta são os rumos das temerárias políticas de governança dos chamados biorriscos. Como premissa introdutória do tema, urge lembrar que a política de governança de riscos decorrentes da biotecnologia adotada pelo Brasil não é in-tegrativa dos interesses dos consumidores. O modelo standard que adotamos, segundo Guivant,40 com base na classificação de P. B. Joly, “considera que as diferenças de apreciação dos riscos entre os peritos e leigos devem-se a atitudes irracionais destes últimos, atribuídas a vieses cognitivos, a dificuldade de raciocinar de acordo com as possibilidades, a aversão à inovação e ao risco”. Trata-se de um sistema baseado na confiança nas instituições responsáveis pela gestão dos riscos, e que con-sidera desnecessária a publicidade dos problemas ou dúvidas, para evitar a explosividade social. O equívoco maior desse modelo é desconsiderar a opinião dos consumidores como movimento real e legítimo a nortear o processo decisório de gestão de riscos tecnológicos e ambientais. É elementar que se deva ouvir a quem terá de submeter-se aos riscos: a obrigação de sofrer nos dá o direito de conhecer.

Segundo noticia Guivant, “em especial no contexto da EU, as estraté-gias para a democratização da ciência passaram a assumir aspectos mais práticos, com significativo reconhecimento de sua importância tanto por cientistas quanto por representantes políticos, que estimularam transfor-mações institucionais significativas (por exemplo, a criação de Agências Nacionais de Foods Standards na Inglaterra, França, Espanha e Alema-nha), uma crescente consulta pública e encomenda de avaliações sobre novas tecnologias pelos governos e comitês independentes de peritos”.41

Nada obstante as discussões e a polêmica acerca da transgenia, que giram em torno da segurança alimentar e ambiental, ao que parece, a produção dos chamados OGMs representa uma realidade já consagrada e sem volta (no Rio Grande do Sul, 90% da safra de soja já é de semen-tes transgênicas e a comercialização encontra-se autorizada, tendo sido recentemente autorizado pelo Conselho Nacional de Biossegurança o cultivo do milho transgênico, com o voto contrário dos Ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Saúde.

A chamada batalha dos transgênicos é a etapa da guerra de mercado

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que está prestes a ser vencida pelo poder econômico, se não acontecer algo de importante que venha reverter as atuais tendências. Ousa-se transigir com o meio ambiente, atenuando o princípio da precaução, quando impõe que a dúvida científica milite em favor do ambiente, opera-se perigosamente com premissas baseadas no abominável fato consumado e em um suposto direito adquirido contra o meio ambiente e a saúde pública, sonega-se uma participação mais efetiva da sociedade no processo decisório sobre a transgenia.

O domínio monopolizado e patenteado do conhecimento científico co-loca todos os demais interesses à sua mercê, especialmente os ambientais, que sucumbiram diante da hegemonia econômica das grandes empresas de biotecnologia. O que se buscava era o monopólio de sementes e agro-tóxicos, e hoje nossos produtores não têm mais escolha, seus cultivos têm de ser transgênicos, com todos os prejuízos ambientais daí decorrentes. Os primeiros sintomas já estão ocorrendo: quem conhece os problemas da lavoura de soja transgênica, sabe sobre os riscos incontroláveis de nocividade à plantação como são a ferrugem e o bicudo.

A transgenia é responsável pela supressão da biodiversidade (o Roun-42 AGRAVO. SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE ATO JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA. UTILIZAÇÃO DO SILO PÚBLICO DO PORTO DE PARANAGUÁ/PR PARA ARMAZENAMENTO E ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO. INOCORRÊNCIA DE GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA. GARANTIA DA INTEGRIDADE DA SOJA ORGÂNICA, A SER TRANSFERIDA PARA OS TERMINAIS PRIVADOS DA MESMA ÁREA PORTUÁRIA.Suspensão ajuizada para evitar que a soja orgânica estocada no silo público do Porto de Paranaguá venha a ser misturada com soja geneticamente modificada, contaminando-se de modo irreversível, se permitida a utilização simultânea daquele depósito pelos dois tipos de grãos, impedindo a observância da norma que trata das informações que obrigatoriamente devem constar nos rótulos dos produtos finais, ou seja, a Lei nº 11.105/2005, que dispõe sobre biossegurança. A circunstância de que a safra de soja 2006/2007 ultrapassou as metas de produção, e que ela se constitui de quase 90% de soja geneticamente modificada acarreta a necessidade da utilização de toda estrutura portuária possível, inclusive o silo público, tanto por sua capa-cidade de armazenamento, quanto pela de escoamento. Se é imperioso reservar as dependências do “silão” exclusivamente para determinado tipo de produto, e assim garantir a sua pureza e integridade, é razoável destiná-las àquele que apresentar mais demanda, realocando a soja de menor quantidade para os demais silos, ainda que sujeita a tarifas diferenciadas.A utilização da área portuária deve se amoldar à realidade e às circunstâncias atuais da atividade à qual se destina da maneira mais efetiva possível, não se justificando que boa parte do silo público permaneça ociosa. Afastado o risco de mistura da soja geneticamente modificada com a soja orgânica, resta descaracterizada a alegada lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Inocorrência de afronta ao princípio da separação dos poderes, eis que a Administração Pública, está vinculada ao princípio da legalidade (Agravo na Suspensão de Segurança nº 2007.04.00.022926-5/PR, Corte Especial, j. 23/08/2007, Relatora Desem-bargadora Federal Sílvia Goraieb).

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dup Ready é um poderoso mata-mato, um mata-tudo). Trabalha, ademais, com a proposta de monocultura, causando desequilíbrio ambiental e social. A diversidade genética contida nas espécies tradicionalmente plantadas deverá perder-se para sempre. Talvez se justifique a constru-ção daquele grande silo nas mais longínquas geleiras do pólo norte para armazenar sementes de culturas não-transgênicas, nem que seja para expor no museu de culturas do passado.

Para ilustrar o quão envolvedor é o processo de culto ao que não é na-tural e de conseqüente substituição das culturas tradicionais por mutações, citamos o recente incidente judicializado envolvendo os interesses de produtores de soja não transgênica (tradicional), que não puderam arma-zenar, para fins de exportação, o seu produto no silo público do Porto de Paranaguá/PR, tendo que pagar uma taxa mais elevada para ocupar outro silo particular, consoante decidiu o TRF da 4a Região.42 A intervenção do Poder Judiciário, atuando nos limites da lide, considerando que am-bas as produções são legais, simboliza apenas que o sistema é perverso com aqueles que resistem à transgenia. Interesses públicos e interesses econômicos passam a se confundir e o fato consumado novamente faz prevalecer o que parece ser mais rentável.

Cumpre ainda suscitar uma importante questão: as culturas transgê-nicas irão reduzir o volume de agrotóxico empregado? Essa é mais uma incerteza que paira em torno da questão relacionada com os transgênicos. A constante necessidade de se criarem agrotóxicos com formulações mais potentes e concentradas não permite uma resposta conclusiva. Talvez o volume empregado seja de fato menor, mas a nocividade do agrotóxico é muito maior. Poderíamos dizer, sem risco de erro, que o Roundup Ready, por exemplo, é muito mais forte do que os agrotóxicos comuns. Também que nos EUA não houve, depois de anos de plantio, redução de agrotó-xicos utilizados na soja transgênica, mas sim um aumento considerável, segundo dados do Departamento de Agricultura. Devemos relembrar que as pesquisas com transgenia são feitas pela indústria química, que tem interesse em intensificar a venda de agrotóxicos. De qualquer sorte, uma certeza já se tem: os alimentos transgênicos constituem contribuição para

43 No Brasil, estima-se que o plantio da soja transgênica representará aumento no consumo de glifosato de 2 milhões para 20 milhões de litros por ano.

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a perpetuação do uso de agrotóxicos, como é o caso da soja transgênica, adaptada a ter resistência a um certo tipo de herbicida.

A conclusão a que se chega é de que apenas ocorre redução das espécies e talvez do volume de agrotóxicos empregados em cada cul-tura, não da nocividade. Emprega-se apenas um tipo de agrotóxico (o Roundup Ready, cujo princípio ativo é o glifosato), mais forte, ao qual a planta transgênica tem resistência. Assim, pode-se dizer que a planta transgênica recebe uma superdosagem de um determinado agrotóxico, que mata todas as ervas daninhas, mas não a cultura desejada. Talvez por isso a abordagem sobre o tema culturas e alimentos transgênicos não contemple o ponto fulcral. A nosso ver, a nocividade é muito maior pelo risco de contaminação por resíduos de agrotóxicos do que propriamente pelos efeitos – ainda desconhecidos – da transgenia.

Existe, ainda, um aspecto importante a ser considerado: se antes o agricultor utilizava o agrotóxico com cuidado, sob risco de prejudicar a própria lavoura, com o cultivo transgênico ele pode pulverizar o pro-duto à vontade sobre a lavoura que todas as plantas morrerão, menos as transgênicas. Isso incentiva o abuso do agrotóxico.

O glifosato – cujo nome comercial é Roundup – é a terceira maior causa de problemas de saúde em agricultores norte-americanos, em virtude do alto grau de alergias de vários tipos que provoca.43 No solo, mantém um poder residual por grandes períodos, afetando também os lençóis freáticos. Cerca de 70% dos alimentos processados têm soja ou milho entre seus ingredientes. A soja está presente em cerca de 60% dos alimentos vendidos nos supermercados.

Os arautos da transgenia não perderam a oportunidade em que se discute a escassez de alimentos no mundo para agregar ao seu discurso 44 O IAASTD é um programa do Banco Mundial em parceria com um grande grupo de organizações, in-cluindo a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU (FAO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), Organização Mundial da Saúde (OMS) e representantes de governos, sociedade civil, setor privado e instituições cien-tíficas de todo o mundo.45 Além do iminente esgotamento das reservas de carvão mineral, cuja extração, processamento e uso são extremamente poluentes. A energia elétrica está em fase de racionamento e a energia nuclear, a par dos riscos que lhe são inerentes, não decolou no Brasil.46 A Lei 11.097, de janeiro de 2005, estabelece um cronograma evolutivo de adição de biodiesel ao óleo diesel: 2% até 2007; a partir de 2008, essa adição de 2% será obrigatória; a mistura de 5% de biodiesel ao óleo diesel será voluntária no período de 2008 até 2012, adquirindo compulsoriedade a partir de 2013.

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inicial o argumento que coloca as culturas transgênicas (OGMs) como solução do problema da fome e da miséria. O argumento é falacioso. A soja e o milho transgênicos não vão chegar ao prato do pobre. Não vão ter espaço nas lavouras dos pequenos produtores.

O Relatório Internacional sobre Ciência e Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento (International Assessment of Agricultural Knowledge, Science and Technology for Development44 (IAASTD), neste sentido, concluiu:

“Agriculture is not just about putting things in the ground and then harvesting ... increasingly about the social and environmental variables that will in large part de-termine the future capacity of agriculture to provide for eight or nine billion people in a manner that is sustainable” (April 7, 2008, Johannesburg, South Africa).

Há no texto uma crítica ao modelo agrícola ora reinante, de exclusão dos pequenos produtores rurais e de incremento das técnicas de biotec-nologia (transgenia), incentivando as técnicas tradicionais harmoniosas com a preservação dos recursos naturais.

14 Biocombustíveis e meio ambiente

A crise do setor energético é mundial.45 A instabilidade no forne-cimento e nos preços do petróleo, que sofrem elevação quase diária, agrava cada vez mais a crise. O Brasil, na busca de soluções, aposta na idéia de energias renováveis. Os chamados biocombustíveis, inseridos na matriz energética brasileira (Lei nº 11.097, de 14 de janeiro de 2005),46 são apontados como alternativa social, economica e ambientalmente sustentável. O biodiesel, segunda etapa de um programa que começou com o Proálcool (etanol), vem como alternativa ao diesel de petróleo. É extraído de óleos vegetais (da soja, do milho, do girassol, da canola, da mamona, do dendê, do amendoim, do nabo forrageiro etc), resultando em um novo combustível. Os biocombustíveis podem ser usados tanto isoladamente como adicionados aos combustíveis convencionais. Em face do crescimento da demanda, observa-se um grande movimento para a instalação de novas plantas industriais para produção de biodiesel em diversas regiões do país.

Do ponto de vista puramente econômico, apregoa-se que muitas pessoas podem ser favorecidas com esse projeto. O país realmente tem vocação agrícola: áreas com extensão para a plantação de matéria-prima,

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mão-de-obra barata e setor primário com enorme capacidade de assimi-lação de novas tecnologias de ponta. A agricultura familiar, por exemplo, poderá também se beneficiar com o projeto de biocombustíveis, que contempla incentivos fiscais e facilidades na captação de crédito. Mas, se analisarmos os aspectos econômicos em uma perspectiva mais am-pla e sistemática vamos verificar algumas interferências negativas e até nefastas da canalização de grãos para a produção de etanol. Tomando o exemplo da avicultura (com aporte fundamental de pequenos produtores), setor que teve um crescimento acentuado nos últimos anos, constata-se que praticamente restou inviabilizada com a elevação dos preços do mi-lho (insumo básico). Ocorre que a ausência do milho americano tornou o milho brasileiro a única opção no mercado e o aumento do preço foi a inarredável conseqüência.

O professor João Batista Harres, em recente artigo publicado no jornal Zero Hora (Porto Alegre/RS,15.05.2008), traz uma análise interessante sobre as alternativas energéticas: “Em nível mundial, as fontes alterna-tivas de energia não são solução. Contas simples (www.crisisenergetica.org) mostram que as energias eólica, solar, nuclear, carvão, o hidrogê-nio e o biocombustível juntos não podem manter a economia no ritmo atual. Um cálculo nos EUA mostrou que ‘toda’ área agrícola americana plantada para a produção de biocombustíveis daria apenas para um terço dos gastos com transporte! Em geral, não se leva em conta que obter energia gasta energia e que, se isso envolve mais energia do que aquela que é aproveitada depois, não há valor de mercado que a compense”. Esta observação leva-nos a uma reflexão sobre a necessidade de reava-liarmos a nossa matriz de transportes antes de qualquer outra iniciativa

47 O Cerrado, bioma que compreende 22% da área do país, possui grande riqueza de espécies e alto potencial econômico, mas, nada obstante os riscos iminentes de extinção, estranhamente, não mereceu o resguardo constitucional que outros ecossistemas (Floresta Amazônica, Pantanal, Serra do Mar e Zona Costeira) também importantes receberam (art. 225, § 4º). 48 Fonte: Agência Folha. Os dados são de estudo do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza). A lista é liderada por São Paulo (86 mil hectares desmatados), seguido por Minas Gerais (25 mil), Goiás (13 mil), Mato Grosso (12 mil) e Mato Grosso do Sul (6 mil). O cerrado é o segundo bioma mais ameaçado pelo desmatamento no Brasil. Com 39% de sua área desmatada (está atrás apenas da Mata Atlântica, bioma que foi devastado em mais de 85% de sua extensão). 49 A queima da cana, por exemplo, aumenta a concentração de dióxido de carbono e de material particulado na atmosfera, causando alterações no clima e inúmeros casos de doenças respiratórias e elevando os gastos públicos com serviços de saúde para o atendimento dos doentes.

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dela dependente. De qualquer sorte, a solução encontrada como alternativa para o pro-

blema energético demanda uma reflexão mais profunda, sobretudo do ponto de vista do equilíbrio ecológico, hoje já tão comprometido pelo modelo agrícola que utilizamos, de monocultura, utilização abusiva de agrotóxicos e acumulação da terra nas mãos de poucos. Se é certo que os biocombustíveis, por se tratar de energia limpa e renovável, são menos nocivos ao ambiente do que os combustíveis fósseis minerais, princi-palmente porque reduzem as emissões dos gases que causam o efeito estufa e o derretimento das calotas polares e outros poluentes atmosféri-cos, como o enxofre, não menos certo é que representam incremento da degradação ambiental pela tendência de exaustão dos recursos naturais e, o que é mais grave, para uma finalidade que não é mais a de resolver o problema da segurança alimentar quantitativa.

A grande questão é encontrar um equilíbrio, uma ponderação que leve em conta as variáveis sociais, econômicas e ambientais. O custo ambiental da opção pela produção de matéria-prima precisa ser melhor especificado. Com o perdão pelo exagero, não se pode autorizar uma nova Revolução Verde, com seus efeitos deletérios ao meio ambiente e de exclusão social: exaustão ao extremo dos recursos naturais (solo, águas e biodiversidade), geração de organismos nocivos, contaminação por uso de produtos químicos, desemprego, problemas de distribuição de renda, êxodo rural etc.

É preciso refletir sobre exemplos recentes de degradação ambiental, como está sendo a invasão da cana (proálcool) em áreas protegidas do cerrado.47 Sabe-se que um total de 142 mil hectares de cerrado – o equi-valente ao tamanho da cidade de São Paulo –, considerados prioritários

50 Paradoxalmente, a pobreza no mundo, hoje, é um fenômeno rural: 50% das pessoas mais pobres no mundo são agricultores com recursos escassos e outros 20% sem terras rurais, que dependem totalmente da agricultura para seu sustento (conclusão do Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial 2008).51 Prova disso é o recente manifesto assinado por empresas multinacionais produtoras de alimentos (Nestlé, Danone, Mars, Pepsico, Heineken e Kellogg’s) dirigido aos governos europeus, pedindo que seja revista a política de expansão do uso de metanol. A preocupação é com o encarecimento da matéria-prima, que deve proporcionar elevação dos produtos finais.52 A União Européia, como resposta à crise dos alimentos, está anunciando o fim dos subsídios ao etanol, pretendendo com isso evitar o desabastecimento dos mercados internos no âmbito dos países do bloco.

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para abrigar unidades de conservação, foram transformados em canavial na safra 2006/2007.48

Sabe-se, ademais, que existe uma relação (de causa e efeito) direta entre o desmatamento e as práticas agrícolas inadequadas (queimadas, por exemplo) e a questão das mudanças climáticas. O último relatório divul-gado pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à ONU, mostra que no Brasil um dos maiores problemas na emissão de gases causadores das mudanças climáticas é o desmatamento. As queimadas oriundas da destruição das florestas significam 75% das emissões brasileiras.49

E mais, é preciso dar algum crédito aos alertas da FAO (Food and Agriculture Organization) sobre a iminência do risco à segurança alimen-tar quantitativa.50 Na 30ª Conferência Regional da FAO para América Latina e o Caribe, a segurança alimentar no mundo e os biocombustíveis foram os principais temas abordados. O Diretor-Geral da FAO, Jacques Diouf, embora considere que a baixa oferta de alimentos, tendo em vista que o estoque mundial é o mais baixo desde 1998, contribui muito mais para elevação dos preços do que a produção de biocombustíveis, não deixou de vincular as questões. Sabe-se que o problema é complexo e sofre a influência de outras variáveis, como o aumento da procura nos países emergentes (China e Índia), aumento dos combustíveis e insu-mos, a especulação no mercado das commodities, cujo preço aumenta assustadoramente, mas a contribuição dos biocombustíveis não pode ser contestada.51 Nos EUA, por exemplo, o equívoco da produção à base de milho certamente influiu no aumento do preço dos alimentos. Ademais, é muito estranho que em período de safras recordes para alguns produtos os preços tenham se elevado tanto. Confirmadas a tendência e a influência dos biocombustíveis, de forma a tornar mais difícil o acesso aos alimen-tos às populações de baixa renda, teremos então, além do ambiental, um problema social grave para resolver.52

De outro lado, corre-se o risco de que uma corrida pela produção de oleaginosas possa defraudar as vocações regionais e, sobretudo, abalar os sistemas de economia familiar baseados na agricultura de subsistência, causando mais fome e miséria.

No mínimo, como medida condicionante insuperável, ter-se-á que estabelecer um rigoroso zoneamento ambiental, a latere do zoneamento

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agrário, para definir os espaços e critérios a serem observados no plantio da matéria-prima destinada ao biodiesel. Não é possível também incenti-var o desvio de grãos que constituem insumo básico para a alimentação humana e animal (soja e milho) para a produção de biocombustível.

Estas considerações não são meras previsões pessimistas ou catas-tróficas, mas sim idéias para alimentar o debate que se avizinha. As dificuldades de implantação de políticas públicas bem intencionadas no campo prático sempre foram uma tônica no setor agrícola, o que justifica ainda mais as precauções que se devem adotar.

Conclusões articuladas

1. Submete-se à eiva da inconstitucionalidade ou da ilegalidade a atividade, seja ela qual for, que não dedicar obediência aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais de proteção do meio ambiente, obstativos que são de qualquer ato de transigência tendo como objeto risco ou prejuízo ao equilíbrio ecológico.

2. Da sociedade, dos empreendedores, dos Poderes Públicos e do Poder Judiciário espera-se uma mudança de postura: o rompimento drástico e imediato do perverso paradigma reinante, excessivamente tolerante com as agressões ao equilíbrio ecológico impostas pelo agronegócio.

3. Urge que se confira eficácia prática aos princípios e normas proteti-vos da saúde ambiental, compreendidos na função social da propriedade e na política agrária, até agora relegados à condição de verdadeira letra morta da lei, sob pena de constituirmos para as gerações futuras um passivo ambiental que jamais poderá ser recuperado.

4. É premente a concepção de políticas públicas integrativas de todas as variáveis compreendidas: sociais, econômicas e ambientais. A integra-ção das dimensões econômicas e ambientais deve levar em consideração os aspectos socioculturais presentes nos processos produtivos, com vistas à geração e à difusão de novos padrões de produção e de consumo, que possibilitem a participação de pequenos produtores rurais, maior com-petitividade, produtividade e sustentabilidade no tempo.

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5. Quanto aos agrotóxicos, propõe-se a adoção das seguintes medidas: incremento das políticas públicas de conscientização dos produtores rurais sobre os efeitos nefastos dos agrotóxicos para o meio ambiente e incentivo à produção de conhecimentos e tecnologias preservacionistas, com vistas à ruptura do modelo agroquímico dominante; fiscalização efetiva do poder público sobre as atividades de comercialização e uso de agrotóxicos, com fiel aplicação das medidas punitivas legais, no campo civil, penal e administrativo; fiscalização mais ativa e eficaz do CREA sobre os profissionais que atuam na atividade agrária, impondo o cum-primento da legislação de regência; atuação mais intensa do Ministério Público, dos sindicatos rurais, das associações, entidades e organizações não-governamentais de proteção ambiental; resposta judicial mais efetiva e consentânea com os valores constitucionais ambientais na solução das demandas sobre a matéria.

6. Quanto aos OGMs, a conclusão é de que as dúvidas sobre a noci-vidade para a saúde ambiental recomendariam mais cautela e precaução na sua liberação. Sobretudo, é preciso, em relação à política de gover-nança dos riscos relativos à biotecnologia (biossegurança), assegurar a plenitude democrática nos processos decisórios, conferindo efetividade à participação da sociedade consumidora.

7. Sobre o programa de biocombustíveis, impõe-se que seja adequado à necessidade global e aos comandos constitucionais e legais imperativos no sentido de se prevenir a exaustão dos recursos naturais implicados. Parece racional, diante dos problemas atuais, evitarmos a produção de biodiesel a partir de grãos que constituem alimentos básicos para o ho-mem e para os animais (soja e milho, por exemplo).

8. Quanto ao desmatamento, deve-se incentivar o aumento da pro-

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Novas Questões Penais

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*

I O Recebimento de Denúncia na Ação Penal Originária

Na sede de Ação Penal Originária somente o fato de ser a mesma manifestamente improcedente justifica o seu trancamento liminar.

Nesse sentido, o voto proferido pelo Ministro Thompson Flores na Ação Penal n° 219-DF, verbis:

“Como o eminente Relator, recebo a denúncia nos termos em que foi posta. S. Exª., em seu douto voto, foi preciso e conciso, como é de seu estilo, concisão

que tanto mais se justifica porque, em verdade, o Tribunal não está sentenciando o de-nunciado, não o está julgando na acepção jurídica da expressão. Está, sim, apreciando, apenas, da viabilidade processual da ação penal.

Seu juízo de valor, pois, quanto à acusação, há de cingir-se ao exame daquele com-portamento balizado pelos arts. 41 e 43 do C. Pr. Pen., os quais, e porque se trata de ação penal originária perante o Supremo Tribunal Federal, admito que se conjuguem com os arts. 559 e 516 daquele Diploma, face ao art. 227 do R.I. do Supremo Tribunal Federal.

É que, em tais processos, proporcionando-se ao acusado resposta escrita, antes que a denúncia possa ser recebida, dá-se ensejo ao Tribunal de não só a atribuição de rejeitar a peça acusatória, mas, e no que difere nas demais ações, dar pela própria improcedência da acusação, o que é, admito, de conteúdo mais amplo, porque autoriza o reconhecimento mesmo da causa criminalis, ante a prova documental que pode, então, ser oferecida.

Todavia, é mister que uma ou outra se apresente líquida, manifesta, evidente, arreba-

* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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tando a ausência, em tese, do fato típico criminal. Sem tais atributos, amparo legal não tem o acusado para ver rejeitada a denúncia e arquivado o processo.” (In RTJ 70/5-6)

Da mesma forma, deliberou a Suprema Corte ao julgar a Ação Penal n° 233-RS, verbis:

“Ação Penal. Natureza da decisão referente ao recebimento da denúncia. - Os princípios informativos do recebimento da denúncia, nos procedimentos da

competência de juiz singular, se acham concretizados nos arts. 41 e 43 do Código de Processo Penal. Nos procedimentos da competência originária do Supremo Tribunal Federal, além do exame dos requisitos exigidos nos mencionados arts. 41 e 43, o rece-bimento da denúncia está condicionado à eventualidade de o acusado não evidenciar, no prazo de 15 dias da resposta escrita (art. 226 do Regimento Interno), a improcedência da acusação. Tanto assim é que, se o acusado morar fora da sede da Corte, será notificado através de autoridade judiciária do lugar em que se encontrar, enviando o Tribunal, com a carta de ordem, o despacho do Relator, cópia da acusação e dos documentos apresentados (art. 226, § 2º).

- Ultrapassado o exame dos aspectos formais da denúncia, bem como da inexis-tência de prescrição e de ilegitimidade de parte, sobra o exame da procedência, ou não, da acusação, que, nessa fase vestibular do processo, somente autoriza a rejeição da denúncia, quando a resposta escrita afaste a imputação, de maneira evidente e irrever-sível. Se se trata de contrapor às provas acusatórias as provas da defesa, estas devem ser constituídas por documentos inequívocos. O juízo valorativo da prova acusatória demanda a realização da instrução criminal, presidida pelo contraditório e que assegure ao réu ampla defesa.” (In RTJ 86/377-8)

Com efeito, nesta fase processual não cabe perquirir o animus que conduziu os acusados, se agiram com ou sem dolo. É que o aspecto subjetivo da conduta do agente merece apreciação, a final, com base nas provas que serão produzidas e da mais ampla apreciação de todos os elementos que serão carreados para os autos, proporcionando-se, então, o julgamento na fase própria que a lei consagra.

II Breve Comentário ao art. 355 do CPB

Quando integrante do MPF, ao emitir parecer na Apelação Criminal nº 95.04.00846-1, anotei, verbis:

“1. Trata-se de apelação criminal do Parquet Federal, inconformado com a r. sentença recorrida que absolveu o apelado da prática do delito previsto no art. 355 do CPB, com arrimo no art. 386, III, do CPB, eis que a r. sentença não reconheceu a culpabilidade necessária à consagração final do tipo penal.

2. É de se dar provimento ao apelo.

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Com efeito, diversamente do que pareceu ao eminente Juiz Federal, o conjunto probatório demonstrou, de forma cristalina, que o apelado violou o mandato que lhe fora confiado pela Autarquia de forma voluntária, consciente de que agia em desacordo com as orientações da Procuradoria do INSS, notadamente que o apelado é profissional experimentado na prática do Direito.

3. Nesse sentido, os depoimentos prestados pelas testemunhas a fls. 155/155v, 163v e 167, comprovando os fatos imputados ao apelado na peça acusatória, onde este apôs o seu ‘ciente’ e ‘de acordo’ em cálculos irregulares, objeto de liquidação de sentença, sem que para isso oportunizasse ao INSS a prévia conferência dos mesmos, acarretando sérios prejuízos à Autarquia, o que se constata pelos documentos de fls. 228-9.

4. Conforme assinalado nas razões de apelação do Parquet Federal, à fl. 253, se o apelado somente possuía poderes para o foro em geral, se tinha conhecimento de sua obrigação de oportunizar à Autarquia a conferência dos valores em liquidação, e se esses continham erros visíveis a quem acostumado estava com a matéria, tais fatos conduzem, necessariamente, ao reconhecimento de que o apelado deliberadamente assumiu o risco de produzir os prejuízos que a sua conduta omissiva, no caso dos autos, originou.

5. A respeito, pertinente o magistério do notável Mestre da Universidade de Roma, FILIPPO GRISPIGNI, ao caracterizar a ‘volontà dell’omissione’, verbis:

‘Perchè dunque possa riscontrarsi esistente la volontà nell’omissione e cioè perchè l’omissione sia riferibile psichicamente al’soggetto, abbia cioè il carattere di suità rispetto all’agente, si richiede soltanto che esista la volontà della condotta diversa.

Per convincersi di ciò basta infatti riflettere che quello che è necessario per l’imputabilità di una condotta, è la volontà della condotta stessa, e non già della qua-lifica normativa di questa. Non si richiede cioè che si voglia commettere un’omissione e cioè che si voglia ‘non compiere’ un’azione che si sa obbligatoria, e non è neppure necessario che si abbia la rappresentazione dell’azione e il rifiuto della volontà all’azione stessa; ma basta che si voglia tenere una condotta, la quale, a giudizio di chi la osserva, si presenta come omissiva.

E pertanto si può dire che la volontà è presente nella condotta omissiva ogni volta che la condotta diversa non sia dipendente da coazione fisica (violenza) o psichica (minaccia), e cioè ogni volta che la condotta diversa sia voluta con piena libertà di scelta.’ (In Diritto Penale Italiano, 2. ed., Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1947, v. 2, p. 38, n. 24)

6. É exatamente o caso em exame. A materialidade do fato previsto no art. 355 da Lei Penal consiste justamente em trair o dever profissional, prejudicando, assim, o interesse cujo patrocínio em juízo tenha sido confiado ao agente. Tem-se em vista, portanto, não a pretensão da parte ao outorgar-lhe o mandato, mas sim o dever profissional do agente.

7. Por conseguinte, demonstrado exaustivamente a presença do dolo do apelado, que é o dolo genérico, isto é, a vontade livre e consciente de trair o dever profissional, não se exigindo por parte do agente vontade de prejudicar o interesse que lhe foi confiado.

8. Nesse sentido, o magistério de VINCENZO MANZINI, verbis:

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‘È sufficiente il dolo generico (v. vol. I, n. 249 e segg.), il quale consiste nella volontà libera e consciente e nell’intenzione di compiere l’azione o l’omissione contraria ai doveri professionali. L’ignoranza di questi doveri non scusa, perché incide sull’oggetto della norma penale (art. 5).’ (In Trattato di Diritto Penale Italiano, 5. ed., UTET, Torino, 1986, v. 5, p. 1018, n. 1708)

9. O notável jurista peninsular, em sua citada obra, transcreve, ainda, julgado da Corte de Cassação Italiana, pertinente ao caso dos autos, verbis:

‘Il patrocinatore o il consulente tecnico sono tenuti a rispettare nella singola situ-azione processuale concreta, quell’insieme di norme tecniche, legali ed etiche, gene-ralmente riconosciute, che costituiscono la deontologia professionale. Dall’infedeltà a tali doveri il risultato del procedimento pùo essere pregiudicato o ritardato e, di conseguenza, può arrecarsi nocumento agli interessi della parte, integrandosi il reato di cui all’art. 380 cod. pen.: Cass., 19 dicembre 1978 (Giur. it. 1980, II, 412).’ (VI-CENZO MANZINI, in Op. Cit., nota 5, p. 1015)

Ante o exposto, presentes todos os elementos do tipo previstos no art. 355 do CP, OPINA o Ministério Público Federal pelo PROVIMENTO da apelação interposta pelo Parquet Federal.”

III O Habeas Corpus e a Inconstitucionalidade da Lei

Questão curiosa acerca do tema tive oportunidade de enfrentar no parecer que proferi no HC nº 95.04.53853-3, quando integrante do Parquet, verbis:

“4. Em sede de habeas corpus pode-se examinar a inconstitucionalidade de uma lei, porém, dentro de conhecido princípio acerca da matéria, tem-se entendido, de acordo com a jurisprudência americana, que só faculta às Cortes o exame da questão consti-tucional quando esta seja inevitável para o julgamento da relação jurídica em causa, ou seja, se for possível decidir o feito sem esse exame, os tribunais não podem fazê-lo.

5. Nesse sentido, a melhor doutrina do direito constitucional norte-americano, firmada a partir do século passado, em obras clássicas, verbis:

‘II. Neither will a court, as a general rule, pass upon a constitutional question, and decide a statute to be valid, unless a decision upon that very point becomes necessary to the determination of the cause.’ (THOMAS COOLEY, in Constitutional Limitations, 7. ed., p. 2310)

‘4. The court will not pass adversely upon the validity of an act of Congress un-less it is absolutely necessary for it to do so in order to decide the question at issue.’ (WESTEL WOODBURY WILLOUGHBY, in The Constitutional Law of the United States, Baker, Voorhis & Company, New York, 1910, v. I, p. 14)

6. Da mesma forma, a respeito, especificamente, do habeas corpus, pronunciou-se o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, quando do julgamento do HC nº 2.426, em que foi relator o então Desembargador CARLOS THOMPSON FLORES, posteriormente

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Ministro e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, verbis: ‘(...) Habeas Corpus. - Não lhe fica ao desalcance questão arrimada em inconsti-

tucionalidade de lei. Entretanto, prejudicial do julgamento, merece debate, simples-mente, quando imprescindível à decisão da espécie concretamente apresentada. (...).’ (In Revista Jurídica, v. 22, p. 232)

7. Em seu voto, salienta o então Desembargador THOMPSON FLORES, verbis:‘É matéria que não fica ao desalcance do recurso extremo. Assim o considera Pontes

de Miranda (História e Prática do Habeas Corpus, ed. 1951, p. 435). Identicamente os autores que versam a tese que, de resto, encontra integral acolhida

nos tribunais.Entretanto, a prejudicial do julgamento merece debate, simplesmente, quando

imprescindível à decisão da espécie concretamente apresentada. É a lição dos doutri-nadores, recolhida para integrar expressa disposição do Regimento Interno do STF, através de seu art. 85, aplicável entre nós, face o disposto em o art. 249, in fine, do Regimento do Tribunal de Justiça.’ (In Revista Jurídica, v. 22, p. 233)

8. No caso em exame, não há necessidade de apreciar a alegada inconstitucionali-dade para a solução da causa.

Com efeito, ao comentar a conduta delituosa prevista no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, especificamente em relação ao recolhimento do IPI, que é o caso dos autos, pertinente é o magistério de GERD W. ROTHMANN, Professor na tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicado em Repertório IOB da Jurisprudência, nº 2/95, texto nº 3/10485, verbis:

‘A compreensão da figura delituosa de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos, apresenta grande dificuldade. Com essa fórmula, o legislador cer-tamente pretendeu enquadrar como crime o não-recolhimento de impostos chamados indiretos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS). Acontece, po-rém, que o legislador penal falhou na definição do tipo penal, mostrando lamentável desconhecimento da legislação tributária.

Como é sabido, tanto no IPI como no ICMS, o que o contribuinte é obrigado a recolher não é o valor que tenha cobrado de terceiro, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária. Ambos são impostos plurifásicos, não-cumulativos, em que o imposto a ser pago pelo contribuinte corresponde à diferença a maior entre o imposto pago na entrada e o devido na saída dos produtos, mercadorias ou serviços, em deter-minado período. Senão vejamos:

a) Quanto ao IPI, o Regulamento do IPI (Decreto nº 87.981/82) dispõe no inciso I do parágrafo único do seu artigo 56: Considera-se pagamento: I - o recolhimento do saldo devedor resultante da compensação dos débitos, no período de apuração do imposto, com os créditos admitidos;

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(...) Como se vê, o não-recolhimento do IPI ou do ICMS não pode ser enquadrado no tipo

penal descrito no inciso II do art. 29 da Lei nº 8.137/90. No entanto, em nossa opinião, a falta de recolhimento do IPI e do ICMS poderia ser enquadrada no crime previsto no art. 19 da mesma Lei, desde que presentes as condutas dolosas enumeradas nos seus incisos I a IV. Se o contribuinte ‘suprimir ou reduzir’ o IPI ou o ICMS mediante ações ou omissões dolosas, configura-se crime contra a ordem tributária, ao que se aplica a pena mais severa de reclusão de dois a cinco anos, e multa.

(...) Se não houve nenhuma conduta delituosa, não há ilícito penal algum a ser punido,

mas simples infração fiscal administrativa, sujeita às penalidades pecuniárias da le-gislação tributária, que poderão ser afastadas pela denúncia espontânea. Se, porém, o contribuinte adotou uma conduta delituosa, o pagamento do IPI ou do ICMS exclui o crime previsto no artigo 19, mas não a punibilidade da conduta delituosa, que constitui crime, nos termos do inciso I do art. 29, passível de ser punida com pena de detenção.’

9. Consoante se constata da lição transcrita acima, não existe, no caso dos autos, que se trata de não-recolhimento do IPI, o elemento objetivo do delito, pois os im-petrantes não deixaram de recolher o ‘valor cobrado’, mas apenas eventual débito na conta-corrente fiscal entre débitos e créditos do IPI, que deverão ser compensados na forma da legislação tributária atinente ao caso concreto.

10. Assim, nos termos da doutrina referida, plenamente aplicável à hipótese dos autos, o legislador penal, no art. 29, II, da Lei nº 8.137/90, falhou na definição do tipo penal, em relação ao IPI e ao ICMS, pois desconsiderou a sua disciplina no âmbito do direito tributário, todavia, a tal ponto não considera a melhor doutrina a autonomia do direito penal, o que é assinalado por ROGER MERLE et ANDRÉ VITU, verbis:

‘Le particularisme de la mission du juge pénal ne saurait en effet légitimer la méconnaissance systématique de toutes les institutions extra-pénales dont la loi puni-tive a été instituée la gardienne. Tout un travail discriminateur reste à accomplir pour tracer les frontières de l’autonomie raisonnable et de l’autonomie absurde, contraire au bon sens et par conséquent dangereuse. Il est certes concevable que les qualifications du droit privé ou du droit public soient plus largement entendues en droit criminel lorsqu’il apparaît notamment que le législateur répressif a eu l’intention d’imposer sur ce point sa conception personnelle. Il n’est pas moins admissible que les juridictions pénales refusent de se laisser duper par certains délinquants astucieux qui prétendent, abusivement la plupart du temps, abriter leurs activités frauduleuses derrière les pres-criptions abstraites du droit civil ou du droit commercial. Mais ces solutions devraient se borner à des cas d’espèce. Leur généralisation jurisprudentielle pourrait constituer un facteur d’anarchie et d’insécurité. Car la conception du XIXe siècle contient une part de vérité: dans la mesure où le droit criminel est sanctionnateur, le juge pénal ne peut, sous peine de s’ériger en législateur, méconnaitre ou dénaturer les lois civiles qui il est appelé à sanctionner.’ (In Traité de Droit Criminel, 6. ed., Éditions CUJAS,

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Paris, 1984, t. I, pp. 223/4, nº 154) 11. Ademais, o crime previsto no inciso II do art. 2º da Lei 8.137/90 é restrito,

no sentido de que ele só se configura nos tributos e contribuições em que, pela sua sistemática e por expressa disposição de Lei Complementar (art. 146, III, a, da CF), seja criada a figura do contribuinte por substituição, notadamente no caso do IPI e do ICMS (SAMUEL MONTEIRO, in Crimes Fiscais e Abuso de Autoridade, 2. ed., Hemus, 1994, p. 178).

12. Dessarte, é oportuna a invocação da velha mas sempre nova lição de HENRY CAMPBELL BLACK, um dos mais notáveis constitucionalistas norte americanos do século passado, em obra clássica, verbis:

‘It is a familiar and well-settled rule that penal statutes are to be construe strictly, and not extended by implications, intendments, analogies, or equitable considerations. Thus, an offense cannot be created or inferred by vague implications. And a court cannot create a penalty by construction, but must avoid it by construction unless it is brought within the letter and the necessary meaning of the act creating it. And where a statute may be so construed as to give a penalty, and also, and as well, so as to withhold the penalty, it will be given the latter construction. A penal statute will not be extended by implication or construction to cases which may be within the mischief which the statute was designed to cure, if they are not at the same time within the terms of the act fairly and reasonably interpreted.’ (In Handbook On The Construction And Interpretation Of The Laws, West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1896, p. 286/7, n. 114)

13. Ante o exposto, ausente o elemento objetivo do tipo no caso dos autos, OPINA o Ministério Público Federal pela CONCESSÃO do habeas corpus.”

IV Recebimento de Denúncia – caráter irretratável – Precedente do STF – Voto do Ministro Rodrigues Alckmin

Consoante tranqüilo entendimento do Eg. Supremo Tribunal Federal, o despacho de recebimento da denúncia pelo Juiz titular é irretratável, pois, caso contrário, ocorreria verdadeiro tumulto processual.

Quando do julgamento do RHC nº 51.423-PA, a Suprema Corte, em sua composição plenária, deliberou a respeito, sendo relator um dos mais talentosos magistrados da história do Supremo Tribunal, o saudoso Ministro Rodrigues Alckmin, que, em seu douto voto, disse, verbis:

“O despacho de recebimento da denúncia traduz juízo sobre a admissibilidade da acusação.

E como o processo encerra uma série de atos formais, coordenados progressivamen-te, tendo-se em vista a finalidade a que se destina, daí se segue que, salvo nos casos em que a lei o permite, não pode o juiz, sem tumulto no procedimento, reformar decisões proferidas, retrocedendo-na marcha processual.

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Foi o que observou um antigo julgado, a respeito deste mesmo tema, ponderando (RT 230/146):

‘É fora de dúvida que o Dr. Juiz de Direito não podia rejeitar uma denúncia que já estava recebida. Isso importa em tumultuar o processo e conceder um recurso não previsto na lei ao despacho de recebimento.’

E é por isso que se não considera legítimo possa o juiz (a quem, na ocasião de receber ou rejeitar a denúncia, se abre a oportunidade de apreciar se é admissível a acusação ou o pedido de decisão final sobre a notitia criminis) reformar, ulteriormente, o despacho que recebeu a denúncia e contra o qual não se proporciona recurso.

O impedimento à reforma, pelo seu prolator, do despacho que recebeu a denúncia, decorre, assim, da exaustão de seu poder decisório e não há mister texto de lei que expressamente o afirme, como, sem texto expresso de lei, se entende inadmissível reforme, o juiz, o despacho com que tenha determinado o arquivamento do inquérito, para receber, sem novas provas, denúncia que se pretenda oferecer (Súmula 524).

Parece-me exata a opinião de Ary Franco (C. Pr Pen., I/131) de que, se o juiz recebe indevidamente a denúncia, cabe ao interessado impetrar habeas corpus. E acrescento que considero inadmissível pedido de reconsideração desse despacho.” (In RTJ 69/368-9)

V Desvio de Verba Pública – Convênio – Fiscalizaçãopelo TCU – Competência da Justiça Federal

A jurisprudência da Suprema Corte, modificando entendimento ante-rior em sentido contrário, firmou-se no sentido da competência da Justiça Federal (HC nº 72.673-9, rel. Min. Ilmar Galvão, in DJU I de 08.10.95), na hipótese de desvio de recursos originários de convênio com órgão federal sujeito à fiscalização do TCU.

Essa a posição do Ministro Thompson Flores, ex-Presidente da Su-prema Corte, em seu voto proferido quando do julgamento do Recurso Extraordinário Criminal nº 85. 644-ES, verbis:

“(...) 2. O fundamento central e decisivo para a concessão parcial do habeas corpus foi a

incompetência da Justiça Federal, dado que não reconheceu que o crime fora praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União (...).

3. Penso que, em assim decidindo, contrariou, não só a própria letra do inciso IV, do art. 125, da Constituição, mas seu espírito, seu alcance e propósito.

(...) É que as verbas provinham de fundo de participação dos Municípios, a eles de-

vidos por força da Constituição, art. 26, integrando seu orçamento para sua integral disponibilidade, dando a elas o destino que entenderem, com a fiscalização, apenas, pelo Tribunal de Contas da União.

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Diversamente sucede com aquela objeto da ação penal. Decorre de convênio, cujas cláusulas são expressivas, mostrando, de um lado, que

sua entrega é condicionada, com destinação específica de serviço próprio da União ou, mais precisamente, do Ministro da Educação e Cultura, sujeitando, outrossim, o Município à prestação de contas ao Ministério em questão, elegendo-se o foro do Distrito Federal para dirimir as questões dele oriundas.

(...) Em conclusão, o invocado desvio das verbas em questão importou na prática de

crime em detrimento de verba da União, destinada a serviço seu, qual seja a erradica-ção do analfabetismo no país, constante de rubrica específica do Orçamento federal.

Desviada a verba que é da União, não se cumpriu o serviço que também lhe é próprio, o que se faz bastante para mostrar o duplo detrimento, de bens e serviços, aos quais se refere o inc. IV do art. 125 daquele Estatuto.” (In RTJ 87/237-8)

Dessa forma, falece à Justiça Estadual a própria jurisdição para o julgamento da ação penal, pressuposto para o processo penal na lição de Silvio Ranieri em célebre monografia, verbis:

“Se, infatti, la giurisdizione è un diritto che ha il suo svolgimento nel processo e questo è suo modo di svolgimento, ocorre riconoscere che il processo penale suppone la giurisdizione, come diritto subiettivo pubblico dello Stato, e questo è un presupposto del processo, e, perciò, condizione per la sua esistenza, requisito fondamentale per la sua nascita e valida costituzione. Come tale, la mancanza o il difetto di giurisdizione rende giuridicamente inesistente il processo, il quale, appunto perchè è svolgimento di giurisdizione, ha anche carattere giurisdizionale per cui si distingue da ogni processo di diversa natura: es. dal processo disciplinare.” (In La Giurisdizione Penale, Soc. An. Istituto - Editoriale Scientifico, Milano, 1930, p. 154, nº 97)

Nesse sentido, expressivo aresto do Eg. STJ quando do julga-mento do Resp nº 613.462-PI, rel. o eminente Min. Gilson Dipp, verbis:

“CRIMINAL. RESP. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO MUNI-CIPAL. NOTIFICAÇÃO. DEFESA PRÉVIA. NÃO APRESENTAÇÃO. OMISSÃO CAUSADA PELA DEFESA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. EXTINÇÃO DE PUNI-BILIDADE. INOCORRÊNCIA. NÃO ABRANGÊNCIA DO DELITO EM QUES-TÃO. MALVERSAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS ORIUNDAS DE CONVÊNIOS FIRMADOS COM ENTES FEDERAIS. SUJEIÇÃO DAS CONTAS AO TCU. COM-PETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

I. Não se declara nulidade no presente caso em que o denunciado foi devidamente notificado para apresentação de resposta escrita, nos termos da Lei 8.038/90, tendo permanecido inerte.

II. Incabível a aplicação do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 no presente

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caso, cuja redação é clara ao referir as hipóteses de extinção da punibilidade, abrangendo tão-somente os delitos ali especificados.

III. Cuidando-se de processo em que existe o envolvimento de prefeito municipal em possível crime de malversação de verbas federais, oriundas de convênios firmados com entes federais – sujeitas à fiscalização de órgãos federais e à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União –, sobressai a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito. Inteligência da Súm. nº 208 desta Corte.

IV. Recurso parcialmente conhecido e provido em parte.”

Em seu voto, disse o Relator, verbis:“A Terceira Seção desta Corte firmou entendimento, consolidado na Súmula nº 208,

no sentido de que compete à Justiça Federal o processo e julgamento de Prefeito Muni-cipal acusado de desvio de verba sujeita à prestação de contas perante Órgão Federal.

O Colendo Supremo Tribunal Federal, por seu turno, também já se posicionou em relação ao assunto, afirmando a competência dos Tribunais Regionais Federais (HC 78.728, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16.04.1999; HC 74.788/MS, Rel. Min. Se-púlveda Pertence, DJ de 12.09.1997; HC 68.967/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 16.04.1993; e HC 80.867-7/PI, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 12.04.2002).

In casu, trata-se de possível desvio de verbas destinadas à aquisição de materiais destinados à saúde escolar, à construção de escola municipal e à perfuração de poços públicos em núcleos rurais.

Ressalte-se que tais recursos provêm de convênios firmados com o Ministério do Meio Ambiente e com o Ministério da Educação, este último, através da Fundação Na-cional de Desenvolvimento da Educação, cuja fiscalização de sua aplicação, portanto, cumpre ao Tribunal de Contas da União.

Desta maneira, resta evidenciado efetivo interesse da União na apuração do delito em tela, justificando a atração do feito à Justiça Federal, conforme bem abordado pela Subprocuradoria-Geral da República:

‘Trata-se, portanto, de desvio de verbas repassadas ao Município mediante Con-vênios firmados com órgãos federais – Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e Ministério da Educação –, receita esta que, ao que se proclama, sem oposição, está sujeita ao controle do Tribunal de Contas da União, ajustando-se ao comando da Súmula nº 208 - STJ, a justificar a competência da Justiça Federal.’ (fl. 1127)

Dessarte, esta Corte tem entendido que compete à Justiça Federal o processo e julgamento de feitos que visam à apuração de possível desvio de verbas sujeitas à fiscalização de órgãos federais e sujeição das contas ao Tribunal de Contas da União.”

Nesse sentido, ainda, a Súmula 208 do STJ.

VI A Escuta Telefônica no Processo Penal

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Com a aprovação da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que visou regulamentar o inciso XII, in fine, do art. 5º da CF de 1988, o Poder Le-gislativo dotou a Polícia e o Ministério Público de poderoso instrumento legal de combate à criminalidade.

Realmente, a Constituição de 1988, inovando em relação às Consti-tuições anteriores, garantiu a inviolabilidade do sigilo das comunicações privadas em geral, ressalvando o caso das comunicações telefônicas quando a interceptação se efetivasse por ordem judicial, na forma pre-vista em lei.

Na vigência da Constituição de 1967, firmou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da imprestabilidade da prova ob-tida ilicitamente (In RTJ 84/609; 110/798; 122/47). Ademais, a Carta de 1988 tornou explícito, em seu art. 5º, LVI, que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, corroborando, assim, o entendimento da Suprema Corte erigido quando em vigor a Constituição Federal de 1967.

Com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 9.296/96, restou suprida a lacuna até então existente no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que os arts. 1º, 2º e 3º do citado estatuto legal regulam, de forma minuciosa, os requisitos ensejadores da escuta telefônica, para o efeito de produzir a prova criminal, cujo deferimento, em qualquer caso, sujeita-se à autorização judicial.

Questão de grande interesse, e que não encontra solução no texto expresso da Constituição, é a que diz com as conseqüências processuais da admissão no processo, não obstante a proibição constitucional, da prova ilicitamente obtida, ou seja, qual o alcance do disposto no art. 5º, LVI, da Lei Maior.

Com a devida vênia dos respeitáveis argumentos em sentido con-trário, quer-nos parecer que a melhor inteligência do referido dispo-sitivo constitucional é a de que a Constituição não considera nulos os processos em que haja provas obtidas por meios ilícitos, isto é, se num determinado processo houver provas lícitas e ilícitas, a ilicitude destas não se comunica àquelas para que se conclua pela absolvição por falta de provas, ou, então, que se anule o processo pela ilicitude de todas as provas produzidas, num verdadeiro bill de indenidade aos criminosos.

Em editorial publicado na Revue Internationale de Criminologie et de

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Police Technique, v. 30, nº 3, ano de 1977, intitulado “Les Ecoutes Tele-phoniques”, ao abordar essa mesma questão, concluía aquela conceituada Revista que “l’on ne doit pas étendre à l’excés les droits individuels en faveur de ceux qui abusent gravement de la liberté”, não se podendo negar ao Estado a utilização no combate ao crime organizado dos mais modernos meios tecnológicos, inclusive instrumentos eletrônicos de es-cuta telefônica, já que o conhecimento da verdade é a condição primeira da Justiça Criminal.

Dessa forma, é mais do que evidente que o propósito do legislador constituinte foi o de considerar inadmissíveis no processo, única e exclu-sivamente, as provas ilícitas, e não as provas lícitas obtidas paralelamente, posteriormente ou anteriormente.

Nesse sentido, o voto proferido pelo eminente Min. Moreira Alves no HC nº 69.912-RS, verbis:

“Voto: Sr. Presidente, o que está em causa neste habeas corpus é o alcance do inciso LVI do artigo 5° da Constituição, o qual reza: ‘São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos’.

Como se vê, não diz esse dispositivo que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos. Portanto, se num processo houver provas lícitas e provas ilícitas, a ilicitude destas não se comunica àquelas para que se chegue à absolvição por falta de provas ou se anule o processo pela ilicitude de todas as provas produzidas.

A prevalecer a tese dos que estão concedendo o habeas corpus, ter-se-á que a des-coberta, por escuta telefônica ilícita, de uma pista que conduza à descoberta de uma poderosa rede de traficantes de droga, com a obtenção de provas cabais do tráfico, impossibilitaria, em última análise, que tais traficantes fossem condenados porque – como ocorre no caso – a pista que conduziu àquela descoberta foi obtida por meio ilícito que contamina todo o processo posterior, transformando-se ela num verdadeiro bill de indenidade para esses criminosos. Até a confissão em juízo feita por eles estaria contaminada pelo vício da escuta telefônica inicial. O absurdo dessa conclusão, com a devida vênia, demonstra a erronia da premissa. Mais, Sr. Presidente: a adoção de tese dessa natureza por esta Corte vai permitir que se subornem maus policiais para que simulem escutas telefônicas ilícitas, com a posterior declaração deles de que se utilizaram desse meio para a descoberta do crime, o que invalidará o processo judicial posterior por essa pretendida contaminação.

Por outro lado, Sr. Presidente, é de manifesta evidência que a legislação que estabe-lecer as hipóteses em que a escuta telefônica será lícita terá necessariamente de incluir a dos crimes hediondos, como o é o crime relativo a este habeas corpus.

O certo, Sr. Presidente, é que, na espécie, há provas lícitas da prática do crime, e estas, até pela letra simplesmente do inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal,

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não podem ser invalidadas pela ilicitude de uma escuta telefônica que não é sequer prova do crime, mas pista para a apuração das suas existência e autoria.

Com a devida vênia dos que entendem em contrário, indefiro a ordem.”

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sempre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras suges-tões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe in-sufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (In Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. I, p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (In Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1897, p. 68)

Da mesma forma, o voto proferido pelo saudoso Ministro Hannemann Guimarães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica.” (In Revista Forense, v.127/397)

Com efeito, impõe-se recordar os ensinamentos da melhor doutrina, verbis:

“On ne voit pas pourquoi les délinquants pourraient utiliser les raffinements de

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la technique moderne en vue de commettre des infractions, alors que ces moyens seraient interdits à l’autorité pénale. A l’heure de l’électronique, de l’ordinateur et des télécommunications, il serait absurde de ne pas permettre à l’autorité pénale de bénéficier des techniques modernes, et de la cantonner à des systèmes aussi médiévaux que le serment prêté par le témoin. Lorsque l’on a des raisons sérieuses de penser que des gens violent ou s’apprêtent à violer gravement l’ordre juridique, il n’est pas concevable que ce même ordre juridique interdise de rechercher efficacement ce qui n’est en définitive que la vérité. Si l’on veut lutter contre des abus éventuels, il vaut mieux examiner le problème et adopter une législation précise, plutôt que de laisser la situation non résolue, tout en sachant que pour certaines infractions particulièrement graves, comme le trafic de stupéfiants, il n’est pas possible de renoncer aux écoutes sans devenir inefficace.” (In Les Ecoutes Telephoniques, publicado na Revue Internationale de Criminologie et de Police Technique, v. 30, n. 3, p. 227/232, 1977)

Em alentado estudo, averba Franco Cordero, verbis:“In parole povere, il legislatore punisce l’autore d’una perquisizione illecitamente

eseguita, ma non ripudia le prove che ne rappresentano il compendio (sempre che non si verta in uno dei casi, per i quali è comminato in abstracto un divieto di sequestro) (29). Soluzione di compromesso, si dirà, ma non tanto illogica quanto potrebbe apparire; nel conflitto tra gl’interessi dei privati e le esigenze del processo il punto d’equilibrio si può trovare in una reazione penalistica opportunamente dosata all’illecito del fun-zionario: bandire la prova è rimedio estremo, il cui costo vi è da temere che ecceda la misura dell’utile.” (In Prove Illecite nel Processo Penale, publicado na Rivista Italiana di Diritto e Processo Penale, v. 4, ano 1961, p. 43)

É a exegese que melhor atende à sistemática do art. 5º, incisos XII e LVI, da Constituição, bem como ao seu elemento teleológico, pois, felizmente, mesmo antes de Celso, a ciência das leis jamais teve a di-mensão dos textos (“Scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem”).

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Rui Barbosa, Lima Barreto e um atual tema antigo

Rômulo Pizzolatti*

As palavras são como a moeda. Quando há muita emissão de moeda, vem a inflação e a moeda perde o seu valor. Palavras usadas em excesso também são corroídas pela inflação. Assim aconteceu com as palavras “social”, “democrático”, “liberdade”, “cidadania” e, mais recentemente, “republicano” – adjetivo derivado de república. Tanto se usou esse adje-tivo, nos últimos tempos, que ele, tal como a palavra de que se origina, república, perdeu seu significado original. Vale para tudo e já não vale mais nada.

Ora, a palavra “república”, tal como foi posta na nossa primeira Constituição “republicana”, de 1891, redigida por Rui Barbosa, além de altissonante era potente e precisa no significado. Não era uma simples palavra, era uma bandeira. “Abolir os privilégios de todo o gênero” – esse o seu programa.

Passados alguns anos do início da vigência da nossa primeira Consti-tuição “republicana”, esse grande escritor que foi Lima Barreto denun-ciava, em crônicas publicadas na imprensa, que o projeto “republicano” de abolição dos privilégios de todo o gênero descambara em ampliação dos privilégios de todo o gênero. Nessas sátiras – depois da sua morte publicadas em livro sob o título “Os bruzundangas”, hoje no domínio

* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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público e disponíveis em www.dominiopublico.gov.br –, denominou, sugestivamente, a república à brasileira de “A República dos Estados Unidos da Bruzundanga”.

Infelizmente, Lima foi um incompreendido. A obstinada campanha que moveu contra os privilégios instituídos pela novel República – de-pois, pelos seus vícios, chamada de “República Velha”, até porque, mais recentemente, houve uma “Nova República”, que reproduziu os vícios da “Velha” – não fez eco. Não foi ele entendido pelos leitores da época e não é entendido hoje nem pelos juristas.

Sim, não é entendido nem pelos juristas. Porque Lima, há quase cem anos, entre outros privilégios instituídos na República dos Estados Unidos da Bruzundanga, apontava o da prisão especial para os portadores de diploma de curso superior. “O nobre doutor”, dizia ele, “tem prisão es-pecial mesmo em se tratando dos mais repugnantes crimes. Ele não pode ser preso como qualquer do povo. Os regulamentos rezam isto, apesar da Constituição, etc., etc.” (Os Bruzundangas, Cap. II – A Nobreza de Bruzundanga). Eis que ainda hoje os nossos juristas e tribunais entendem que a prisão especial é um “direito”, porque está na lei.

Embora não fosse bacharel em direito nem tivesse nenhum curso superior, Lima entendia mais de Direito do que os próprios juristas. Ele sabia, como pensador que era, distinguir nitidamente entre (a) os bene-fícios outorgados a grupos minoritários, por meio da lei formal, e que jamais seriam aprovados pela maioria da sociedade, se ela, devidamente esclarecida, fosse chamada a dar sua aprovação, e (b) os benefícios re-conhecidos pela maioria da sociedade a grupos minoritários, em razão da necessidade de tratamento especial, como ocorre com os deficientes, as crianças e os adolescentes, os idosos et alii, ou com fundamento em responsabilidades correspondentes, do que são exemplo as prerrogativas da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de sub-sídio). No primeiro caso, há privilégio; no segundo, direito. Logicamente, um privilégio não se transubstancia em direito por ser envasado na lei formal, do mesmo modo que a água tirada de uma jarra d’água não se transforma em vinho quando posta num cálice de vinho.

Ao lado da prisão especial e de outras regalias denunciadas por Lima, as nossas sucessivas repúblicas foram dilatando os privilégios. Tudo dentro da lei. Como a Lei é equiparada ao Direito, os privilégios são

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vistos como direitos. Toda a nossa legislação está inçada de privilégios. Privilégios tributários, privilégios trabalhistas, privilégios funcionais, privilégios eleitorais...

E privilégios previdenciários, obviamente. Porque é antiqüíssimo o nosso pendor ao amparo do Estado. Que, por sua vez, ampara uns (mais que outros) com recursos sacados do bolso de todos. Vejamos como é instituído um desses privilégios pela legislação, apesar de a Constitui-ção dar comando contrário. O texto constitucional de 1988 estabelece que têm direito à pensão por morte do segurado (segurado homem ou segurado mulher) o seu cônjuge (se casado) ou companheiro (se houver apenas união estável) e dependentes (Constituição Federal, art. 201, inciso V). Aplicou à pensão por morte a regra fundamental, que abre o título dos Direitos e Garantias Fundamentais, de que “todos são iguais perante a lei” (Const. Federal, art. 5º, parte inicial). Assim, conforme a Constituição, tanto o homem quanto a mulher podem ser beneficiários de pensão por morte, ao lado dos dependentes, basicamente os filhos menores ou inválidos, que os pais (independentemente do sexo) têm por obrigação legal e dever moral sustentar. A legislação previdenciária (tanto a do regime geral de previdência social, quanto a dos regimes próprios dos funcionários públicos), todavia, equiparou o cônjuge ou companheiro(a) aos dependentes, a que se refere a Constituição, e a uns e outros outorga o direito de pensão sem necessidade de os primeiros comprovarem dependência econômica. Criou-se, então, um privilégio. Porque a pensão por morte, financiada com recursos de toda a socie-dade (segundo a própria Constituição, art. 195), é o direito que têm os dependentes de serem amparados no caso de morte da pessoa de quem dependiam economicamente, mas será privilégio caso seja deferida a alguém que dela não necessite, por possuir atividade remunerada com a qual pode prover com dignidade à sua subsistência e à de sua família, e que, se receber a pensão nesse último caso, terá um acréscimo injustifi-cado de renda, a expensas da sociedade.

Assim se instituem, pela via da lei, os privilégios. Alguns grupos minoritários são favorecidos, sem que haja justificativa nos fatos. Se a maioria da sociedade, que está excluída do benefício, fosse esclarecida sobre o caso e se lhe fosse pedida a aprovação, fatalmente a negaria. Como a maioria da sociedade não é esclarecida, mas aprova os favores,

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por obra do sistema representativo, tem-se a falsa impressão de que os grupos minoritários obtiveram os favores legitimamente à maioria e que, portanto, têm “direito”.

É fácil instituir privilégios, o problema é suprimi-los. Aparentemente, não seria difícil, pois no Brasil os juízes e tribunais são dotados do formidável poder de controle da constitucionalidade das leis. Uma lei que institui um privilégio é inconstitucional, no âmbito da República, cujo lema é “todos são iguais perante a lei”. Entre nós, a declaração de inconstitucionalidade pode ser pedida, por meio de ação direta de inconstitucionalidade, por órgãos estatais (Ministério Público e outros) e até por um órgão público não-estatal, ao qual foi conferida legitimidade para a defesa da Constituição, dos direitos humanos e da ordem jurídica do Estado democrático de direito, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Também pode ser pedida, no âmbito dos processos, pelas partes ou mesmo declarada de ofício pelo juiz ou pelo tribunal.

A dificuldade está em que a simples atribuição de competência a determinados órgãos para postular e a outros para declarar a inconstitu-cionalidade de uma lei instituidora de privilégio não supre a coragem e a ousadia indispensáveis para repelir a tradição e o que a opinião dominante entende como “politicamente correto”. Alguns privilégios têm por si a tradição, pois existem há décadas, isso quando não remontam à época colonial. Outros, mais modernos, são tidos como “conquistas sociais” (quando na verdade são conquistas anti-sociais), razão pela qual não seria “politicamente correto” buscar abolir tais conquistas, quem o fizer ficará isolado e será malvisto.

De onde serão tiradas a coragem e a ousadia para iniciar o necessá-rio processo de “republicanização” das nossas leis, expurgando-as dos privilégios que por meio delas se introduziram entre nós, é coisa que deve ser com urgência investigada. Mas talvez a fonte não se encontre alhures, talvez ela esteja em cada um de nós. Cada um que investigue e cumpra o seu papel. Foi o que fez o Ministro Marco Aurélio, do STF, na

1 As notícias podem ser resgatadas no saite www.tse.gov.br, onde publicadas nos dias 03.04.2007 e 18.03.2008.

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DISCURSOS

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Discurso*

Marga Barth Tessler**

“Existe um tempo para tudo”Eclesiastes 3:1-8

Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Silvia Goraieb, Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em nome de quem cumprimento todas as autoridades presentes – magistrados e ca-ros servidores. Desembargador Federal aposentado Vladimir Passos de Freitas, nosso homenageado, esposa Sandra, filhos e neta aqui presentes.

Estou muito honrada em falar em nome de todos nesta ocasião desti-nada a prestar esta justa homenagem ao nosso estimado ex-Presidente, colega e amigo.

Estimado colega e amigo Vladimir, Há tempo para tudo1 e para tudo há uma ocasião certa; há um tempo

certo para cada propósito debaixo do céu.Houve um tempo para muito. Vladimir, nascido em Santos/SP, filho

do José Maria e da Celeste, já falecidos, casado com a querida Sandra, * Discurso proferido na solenidade realizada em homenagem ao Desembargador Federal aposentado Vla-dimir Passos de Freitas, ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Gestão 2003/2005), em 24.06.2008, terça-feira, Dia de Marte, regência planetária das batalhas judiciais, conquistas, coragem, força, ousadia, hora favorável para pessoas com liderança.** Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.1 Eclesiastes 3:1-8. “Existe um tempo para tudo e um momento certo para cada necessidade debaixo do céu (...)”.

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incansável companheira e apoiadora, pai de três filhos: Dario, Mariana e Rubens, bacharéis em direito, e avô de Alice. Pai espiritual de tantos, muitos de nós, que fomos motivados a trilhar um caminho gratificante inspirados por teu exemplo na casa da Justiça. Menino esportista e co-rajoso que nadava nas águas marinhas de Santos, nas vagas dos grandes navios. Nos anos 60, adolescente; em 1968, bacharel em Direito pela Faculdade Católica de Santos; estagiário e advogado, Delegado de Polícia e Promotor no Estado do Paraná, em 1969/1970; Promotor no Estado de São Paulo, em 1970; Juiz Federal, em 1979; Juiz Titular em Porto Alegre e Curitiba, respondendo, ainda por designação, por Florianópolis, São Paulo, Campo Grande, Cuiabá, Londrina e Foz do Iguaçu. Juiz do Tribunal Eleitoral do Mato Grosso do Sul, em 1983, e do Paraná, em 1986. Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal a partir de 31.08.1991. Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná, em 1991 e 1999. Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito de Curitiba e de Direito Socioambiental nos cursos de mestrado e de graduação da PUC/PR. Participou de bancas de defesa de dissertação no mestrado e no doutorado a partir de 2002 junto à UFRGS, UFSC, UFPR, PUC/PR, Universidade Metodista de Piracicaba (SP), Universidade Federal do Ceará, UNISC, Unisinos e Ulbra (RS). Tem inúmeros livros publicados como autor e co-autor, são eles: “Direito Administrativo e Meio Ambiente”, “A Constituição e a Efetividade das Normas Ambientais”, “Justiça Federal. Histórico e Evolução no Brasil”, “Abuso de Autoridade”, “Crimes contra a Natu-reza”, “Águas, Aspectos Jurídicos e Ambientais”, “Direito Ambiental em Evolução” nos 1, 2, 3 e 4. Organizador e co-autor de obras coletivas sobre os mais variados temas jurídicos e organizador de obras coletivas, a saber: “Código Tributário Nacional Comentado”, “Lei de Execuções Fiscais. Doutrina e Jurisprudência”, “Direito Previdenciário, Aspectos Materiais, Processuais e Penais”, “Conselhos de Fiscalização Profissio-nal”, “Importação e Exportação no Direito Brasileiro”, “Comentários ao Estatuto do Estrangeiro e Opção de Nacionalidade”, “Corregedoria do Poder Judiciário”. Destaco assim a capacidade incomum do nosso homenageado, que, sem vínculos familiares ancestrais no Mundo do Direito, abriu para si inúmeras portas e possibilidades.

Houve tempo para construir...

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Destaco uma habilidade incomum e importantíssima do juiz Vladi-mir: ele conseguiu, ao longo de sua trajetória, incentivar atividades e processos participativos, reunindo temporariamente grupos de juízes e servidores, amealhando habilidades e contribuições individuais, trans-formando os talentos dispersos em um conjunto especialmente valioso, com resultados práticos para o grupo e para a instituição. São exemplos desta capacidade de construir, inovar e agregar: o Projeto Conciliação no SFH, a criação das Varas Ambientais, a Vara do Idoso no Paraná e o incentivo à qualificação para servidores em parceria com a Faculdade de Administração da UFRGS, projetos todos que resultaram em rico acervo de contribuição para a melhor administração da Justiça.

Houve tempo para o verde...

Com certeza, o Direito Ambiental muito deve ao colega Vladimir, que decisivamente influiu e motivou magistrados e servidores a se interessar pelo tema ambiental, contribuindo para o estudo e o avanço da matéria no Brasil. Pela primeira vez a matéria ambiental foi destacada como ponto específico nos concursos para servidores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Juiz Federal Substituto. O impacto da medida poderá ser dimensionado no futuro, pois foram e serão milhares a tomar contato com a matéria ambiental.

Houve tempo para semear...

Proferiu mais de duas centenas de palestras em Cursos e Congressos, no Distrito Federal, em praticamente todos os estados da federação e no exterior: Uruguai, Paraguai, Portugal, Estados Unidos, Itália, Quênia, África do Sul, Marrocos e Tailândia. Publicou trabalhos a partir de 1972. Realizou curso de pós-graduação na Universidade “La Sapienza”, Roma, Itália, de janeiro a julho de 1990; e cursos de extensão como coordenador do grupo de juízes de Direito Ambiental no “Lewis & Clark College”, Portland, Oregon, em 1998, 1999 e 2000; na Universidade de “Limoges”, França, em setembro de 2002; e seminário jurídico na Universidade de “Auckland”, Nova Zelândia, em janeiro de 1998. Destaca-se também, no ponto, a capacidade de compartilhar, não só indo só, mas levando muitos consigo, abrindo caminhos para os colegas juízes.

Houve tempo de liderar...

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Presidiu a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), de 1994 a 1996, e integrou a Comissão de Juristas constituída pelos Ministérios da Justiça e do Meio Ambiente para elaborar o Projeto de Lei 9.605, de 1998, que trata dos crimes ambientais. Entre 1999 e 2001, exerceu o cargo de Vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Vemos aqui novamente o espírito empreendedor e generoso do nosso homenageado, verdadeiro líder, que aceitou a tarefa, nem sempre fácil, de organizar o grupo de magistrados, contribuindo com o seu co-nhecimento pessoal para que um expressivo número de colegas tivesse a possibilidade de vivenciar uma experiência no exterior, contribuindo também no aspecto associativo.

Houve tempo para administrar a Justiça...

Como administrador da Justiça, destacou-se como Juiz Federal Diretor do Foro da Seção Judiciária do Paraná, de 1984 a 1986 e em 1989. Foi examinador de bancas dos concursos públicos para Procurador do Estado do Paraná, em 1986, e examinador de três bancas do concurso para Juiz Federal Substituto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 1993, 1994 e 1995. Foi Diretor da Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de 1995 a 1996. Coordenador Científico dos I, II, III, III, IV e V Congressos sobre Administração da Justiça, promovidos pelo Conselho da Justiça Federal. Eleito para o cargo de Corregedor-Geral, em 1999 e 2001; e Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de 2003 a 2005. Membro do Conselho da Justiça Federal, Brasília/DF, no mesmo período. Primeiro colocado entre os associados da Ajufe, em abril de 2002 e novembro de 2005, para indicação ao Presidente da República como candidato a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, recebendo na última 60% dos votos, abrindo uma nova perspectiva para a classe, nas indicações ao Supremo.

Novamente merece destaque o aspecto da extrema dedicação do colega Vladimir à causa da Justiça, trabalhou incansavelmente para o fortalecimento do Judiciário como poder. A Administração da Justiça é um tema relativamente novo e tem no colega Vladimir um de seus primeiros apóstolos e divulgadores, bem de ver que foram de sua responsabilidade organizacional todos os cinco eventos realizados pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal. Como Presidente

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do Tribunal Regional Federal da 4ª Região teve a capacidade de agregar e comprometer pessoas a fins comuns, com alta capacidade analítica e empreendedora. Assumiu posições, cobrando responsabilidades quando necessário. São de sua gestão inúmeras iniciativas inovadoras, como a introdução do papel não-clorado, Portaria nº 145; Programa de Auxílio ao Próximo aos trabalhadores terceirizados, Portaria nº 148; Programa Dialogando para Promover a Cultura; Programa do Serviço Voluntário; Programa Memória Institucional; Programa de Educação para o Trabalho, adolescentes da FASE; e Especialização de Varas. Já aposentado, fundou o Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário – IBRAJUS, que atualmente preside.

Houve tempo para o mundo, para a solidariedade e para o fortalecimento das entidades de classe...

Passo, agora, a pontuar aspectos da atuação institucional e interna-cional do nosso homenageado, que foi coordenador e participante do seminário “Federal Judicial Center”, Washington D.C., Estados Unidos, de 08 a 15.10.1996; e do seminário sobre Administração da Justiça no “National Center for State Courts”, Williamsburg, Virgínia, Estados Uni-dos, de 19 a 23.04.1991 e 24 a 28.10.2000; Representante do Brasil no “Simpósio Geral de Juízes e Meio Ambiente”, Johannesburg, África do Sul, de 18 a 20.08.2000; no “Congresso do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA”, em Nairobi, Quênia, em 30.01.2003; no “Round Table Meeting of Chief Justices”, em Haia, Holanda, de 25 a 27.10.2002; e na “III Reunião de Alto Nível Brasil-Uruguai” (Grupo de Trabalho Cooperação Judicial e Policial), de 30 a 31.07.2003; e Pa-lestrante do Simpósio de Ética Judicial, promovido pelo “Consejo de la Magistratura del Reino de España”, Buenos Aires, Argentina, de 08 a 09.09.2005. Participou do Encontro Regional de ONGs voltadas para a Administração da Justiça, promovido pela Fundação Konrad Adenauer, em Bogotá, Colômbia, em 2007. Destaco aqui o aspecto da solidarie-dade internacional das judicaturas que tem no nosso homenageado um expoente.

Houve tempo para a vida...

Não posso deixar de mencionar aspectos incomuns da personalidade

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do nosso homenageado. É Campeão Gaúcho do Master de Natação na Categoria H – 200 metros Meddley. A natação como esporte, cultivado desde as arriscadas águas de Santos. Informal e esportista, para confra-ternizar com os colaboradores, organizou um raffting em Três Coroas/RS e uma cavalgada de São Francisco de Paula a Canela/RS – dizem ter sido um magical mystery tour. Aprecia ouvir os sucessos eternos dos Be-atles, alguns precursoramente ambientalistas, como “Octopus Garden”, que celebram aspectos da natureza, ou com viés solidário, como “With a little help from my friends”.

Merecidamente prestigiado pela magistratura de carreira, gostaria de repetir as palavras do Ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça e ex-Presidente da União Internacional de Magistrados, em entre-vista, referindo-se ao nosso homenageado Vladimir: “um magistrado que dá gosto, pela correção, pela inteligência, pela cultura, pela capacidade de trabalho, pela criatividade, pelo ânimo, pela incansabilidade. Tem obra feita e luz própria, um farol de clarear caminhos. É isso: quando some é porque vai reaparecer com algo novo e útil. Um referencial para mim e para todos”.

Um referencial para nós. Conquistou todas as posições e honrarias a que o critério do mérito poderia levar, está inscrito no coração de mui-tos, pois semeou esperança, confiança e fé na Justiça. Um magistrado exemplar e precursor, sempre na frente do seu tempo.

Haverá tempo para tudo...

Haverá tempo para tudo, e o tempo agora, colega Vladimir, é o de colher os bons frutos de tão fulgurante trajetória, com saúde e na com-panhia dos familiares.

Há um tempo para tudo debaixo do céu, tempo de nascer, tempo de

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Discurso*

Vladimir Passos de Freitas**

Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb, digna Presidente deste Tribunal, em nome de quem saúdo todos os magis-trados presentes, desta Corte e da primeira instância, em atividade ou aposentados.

Exmo. Sr. João Carlos Rocha, Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República, em nome de quem saúdo os agentes do Ministério Público Federal aqui presentes.

Autoridades presentes, cuja presença muito me honra.Estimada amiga Desembargadora Marga Tessler, cujas palavras de

saudação revelam, mais do que tudo, nossa amizade, fortalecida ao longo dos anos.

Ilustres servidores deste Tribunal, cuja saudação faço em nome do Dr. Ivo Barcelos da Silva, que serviu esta Corte com dignidade e competência e que, há poucos momentos, foi homenageado emprestando seu nome à nossa Biblioteca.

Meus familiares. Senhoras e senhores.Quis a Desembargadora Federal Silvia Goraieb prestar-me esta ho-

menagem, certamente movida por sua conhecida bondade, como forma * Discurso proferido pelo autor em 24.06.2008, durante a sessão solene realizada em sua homenagem no Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.** Desembargador Federal aposentado, ex-Presidente (Gestão 2003/2005) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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de despedida por minha aposentadoria. Relutei, tive dúvidas. Não só pelo tempo passado – e já se foram dois anos – como pelo receio de, comovido, perder minha estabilidade emocional. E, não se esqueçam, fui criado em um tempo em que os homens não choravam. Pelo menos na frente dos outros. Mas, superada a incerteza inicial, eis-me aqui nesta tarde de celebração da amizade e do bem-querer.

Assim, repetindo as palavras do Ministro Thompson Flores, em discur-so proferido em 26 de julho de 1943, na 1ª Conferência de Desembarga-dores, realizada no Rio de Janeiro: “E o faço com prazer, despreocupado de qualquer esforço de estilo oratório, com linguagem despretensiosa, que me é peculiar, de vez que me sinto muito à vontade, neste magnífico convívio de ilustres colegas!”

Peço licença, Senhora Presidente, para, quebrando o protocolo, atrelar a música às minhas palavras. Sempre tive uma admiração e – confesso – uma inveja saudável dos músicos. Eles tornam mais amena a vida neste planeta. Ou, como diz o cantor italiano Eros Ramazotti em “Musica è”:

“Perché un mondo senza musicanon si può neanche immaginare.Perché ogni cuore, anche il più piccolo,è un battito di vita e d’amoreche musica è.”

Ligado pela família ao mundo do Direito, dei o primeiro passo em estágio no Cartório do 2º Ofício Criminal da Comarca de Santos, com 19 anos de idade. A partir daí, percorri longo caminho profissional, colhendo as mais diversas experiências. Com a idade, a mesma insegu-rança e a identidade latino-americana revelada pelo cantor Belchior na música “A Palo Seco”:

“Tenho vinte e cinco anos de sonho eDe sangue e de América do Sul.Por força deste destino,Um tango argentinoMe vai bem melhor que um blues.”

Na vida profissional só não fui Oficial de Justiça. Trabalhei em Cartório, estagiei na Polícia, advoguei, fui Promotor de Justiça por 10 anos, Juiz Federal, Desembargador Federal, estudei e morei no exterior, presidi associação de classe, exerci a corregedoria e a presidência deste

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Tribunal Regional, participo de carreira acadêmica com titulação e ensino na graduação e na pós-graduação, atuo em organizações internacionais e participei e participo de congressos nos mais próximos e nos mais remotos países.

Um olhar nessa caminhada dá-me a certeza de ter sido um privilegia-do. Pude colher, nessa trajetória, momentos de rara felicidade, conhecer todos os estados deste imenso Brasil, visitar e conviver com colegas deste e de outros continentes e lançar raízes seguras de uma família feliz. Não é pouco, pois, com toda razão, já dizia o poeta Vinicius de Moraes que “são demais os perigos desta vida”, dando o aviso certo de que nem sempre as coisas são fáceis.

Nessa longa trajetória, que soma mais de 40 anos de atividades jurídi-cas, vi, ouvi e aprendi muito. Como Promotor de Justiça, no atendimento aos pobres, constatei as suas dificuldades no acesso à Justiça. Por vezes semi-analfabetos, sem documentos, lutando desesperadamente por uma pensão do instituto de previdência. Esse convívio deu-me a oportunidade de conhecer de perto as agruras humanas e também de concluir que os anseios e as misérias humanas são as mesmas, venham de conceituados professores da Universidade de Harvard ou de uma comunidade indígena da América do Sul.

Assim, naqueles anos setenta, com dificuldades de compreender bem o protesto de Caetano Veloso em “É proibido proibir”, que anunciava uma ordem nova que é hoje, em parte, uma realidade, ia somando experiências. Sonhava também com um Brasil melhor. E então, dando os primeiros passos na proteção da natureza, denunciava ao Juiz da Comarca os que destruíam a Mata Atlântica ou caçavam indefesos animais.

Mas no fundo, com a inquietação e o sonho de ir mais além, dediquei--me aos estudos para alcançar um objetivo maior: ser juiz federal. Depois de quatro anos de estudos intensos, assumi em março de 1980 minhas funções na 2ª Vara Federal em Porto Alegre. Com minha mulher e três filhos pequenos, vencimentos que não me permitiam sequer ter um tele-fone ou uma empregada doméstica, sem conhecer uma pessoa na capital gaúcha, fixei residência, arregacei as mangas e pus em prática a teoria acumulada em anos de estudos. Ao poucos fui me introduzindo nessa cultura singular, que antes só conhecia através de “O tempo e o vento” e outras obras do magistral Erico Verissimo, que tinham lugar de honra

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na biblioteca de meus pais. Na poesia da música “Céu, Sol, Sul”, de Os Serranos, aprendi na teoria e na prática que:

“É o meu Rio Grande do Sul, céu, sol, sul, terra e corOnde tudo que se planta cresce e o que mais floresce é o amor”

Por razões econômicas e familiares, removi-me para Curitiba. Cida-de, então, silenciosa e discreta. Palco ideal para os estudos de mestrado e doutorado. Para lecionar e escrever. Para uma vida segura, enfim. E, a partir dela, dei início a uma fase diversa. A um crescimento cultural. Acompanhei, nos anos oitenta, o início das mudanças do país. Em 1981 despachei no primeiro processo de invasão de terras do Paraná, na Vila Formosa, em Curitiba, formalizando um acordo com a colaboração do então Prefeito Jaime Lerner. Percebi bem que algo estava mudando. O direito de propriedade, antes sagrado, passava a ser contestado. Deixou de existir lugar para o conformismo dos pobres, tão bem descrito por Adoniran Barbosa na música “Saudosa Maloca”:

“Peguemo todas nossas coisasE fumus pro meio da rua apreciá a demoliçãoQue tristeza, que nós sentiaCada tauba que caía, doía no coraçãoMato Grosso quis gritar, mas em cima eu faleiOs homes ta coa razão, nóis arranja outro lugar”

Assim foram os “oitenta”, com a abertura política, a eleição de um Presidente e a nova Constituição em 1988. E a Justiça Federal a adaptar--se aos novos tempos. Recebendo milhares de ações novas, fruto direto da democracia reinstalada. Interiorizando-se na busca de adequação à nova realidade. Criando, em um passo seguinte, os 5 Tribunais Regionais Federais. O velho Tribunal Federal de Recursos desmembrava-se em 5 Regionais. Alegria, otimismo, possibilidades de fazer carreira eram os sentimentos comuns.

Em 1990, como convocado, e em 1991, promovido, assumi a 14ª cadeira. Grandes personagens compunham a Corte. Diferentes persona-lidades, idades e ideais. Mas havia uma meta comum: fazer deste TRF um Tribunal respeitado. Passada uma fase inicial de consolidação, pouco tempo depois o Tribunal tomava medidas inovadoras, característica pela qual se tornou conhecido e reconhecido. Falar das iniciativas pioneiras

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do TRF4 exigiria um discurso em separado, tantas elas foram desde a sua inauguração até o presente momento.

Nos 16 anos de permanência no Tribunal, vi passar sob meus olhos a história do Brasil, da Justiça Federal brasileira, do Poder Judiciário e das pessoas. Acompanhei a consolidação da democracia, vi o povo escolher com liberdade os seus representantes, os sindicatos assumirem um papel outrora desconhecido no serviço público e a introdução dos modernos meios eletrônicos a facilitar o trabalho de todos. E vi também o crescimento dos problemas sociais, o aumento da pobreza na periferia das grandes cidades, a distribuição injusta da renda e a violência urbana ganharem contornos jamais vistos. A genialidade de Chico Buarque bem reflete tal situação na música “Pivete”:

“No sinal fechadoEle vende chiclete Capricha na flanela E se chama Pelé.Pinta na janelaBatalha algum trocadoAponta um canivete...”

Neste período o Poder Judiciário, não o Federal, mas sim o brasileiro, sofreu fortes ataques. Ao início, por sua culpa, uma vez que não se ade-quou aos novos ventos pós-88. Modificou-se depois, sob pressão popular e uma reforma constitucional que alterou, em parte, suas estruturas. Vejo--o hoje criticado e procurado mais do que nunca, em um relacionamento de amor e ódio, que justificaria estudos psicológicos e sociológicos. E não hesito em afirmar, baseado em participação em congressos em todos os continentes, que, malgrado suas dificuldades, o Judiciário brasileiro está entre os melhores do mundo.

Na Justiça Federal fui partícipe de seu crescimento, inclusive através da interiorização, nesta região feita com critérios técnicos e interesse público. Quanto às pessoas, os seres humanos que tornam realidade a Justiça Federal da 4ª Região, presenciei e registro uma evolução positiva. Vejo, com orgulho, ex-alunos brilhando na magistratura. Outros, que examinei na banca de concurso, convocados em postos de relevância máxima no Supremo Tribunal Federal e no Conselho Nacional de Justi-ça. Vários exercendo cargos relevantes na administração da Justiça. Boa

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parte deles tornando-se respeitados e sempre lembrados doutrinadores. Alguns, mais novos, destacando-se em atividades associativas ou em setores específicos como, por exemplo, o processo eletrônico. Muitos, bem exercendo, com simplicidade, mas muita dedicação, suas funções nas muitas Varas da Região.

No quadro de servidores registro não apenas o seu crescimento em números, mas, principalmente, sua elevação cultural, fruto de uma po-lítica institucional acertada. O atendimento primoroso dos servidores do TRF da 4ª Região é motivo de elogios constantes. As assessorias situam-se no mais alto nível.

E assim vai o tempo passando rápido, envolvendo-nos em uma rotina que só nos permite ver o dia seguinte, até que um dia nos surpreendemos vendo que nossos contemporâneos partiram, seguindo seus caminhos. Uns alegres, outros tristes, envolvidos todos nas tramas do destino, que jamais compreendemos e no qual procuramos, sem sucesso, sempre enxergar alguma racionalidade.

Que dizer dessa minha trajetória, que falar de 26 anos em que pertenci à Justiça Federal? A tarefa é, para mim, simples. Nela encontrei terreno para meu crescimento pessoal, social e cultural. Aprendi muito, alarguei meus horizontes, galguei todos os degraus da carreira, até o exercício da tão honrosa quanto difícil missão de ser Presidente. Pude exercer minhas funções com total independência, jamais sofri qualquer pressão de quem quer que seja para julgar neste ou naquele sentido, pude ter todos os bens materiais necessários ao sustento próprio e da família. De sobra, presidi a Associação dos Juízes Federais do Brasil, fui Vice-Presidente da As-sociação dos Magistrados Brasileiros, fiz bons amigos e conheci todos os estados da Federação. Ao contrário do personagem da música “Meus tempos de criança”, de Ataulfo Alves e cantada por Nelson Gonçalves, “eu era feliz e sabia”.

Em paralelo a essa trajetória, deu-me a Justiça Federal a oportunidade de poder evoluir no meu interesse pelo Direito Ambiental. Não só par-ticipando de julgamentos, organizando congressos, levando juízes para cursos no exterior, como podendo implantar medidas administrativas relevantes e agora disseminadas pelo Brasil, como a inclusão da maté-ria Direito Ambiental nos concursos para a magistratura e a criação de Varas especializadas. É um privilégio, uma graça divina, poder lutar por

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causa tão nobre. E tornar realidade a defesa que o compositor e cantor Guilherme Arantes coloca na música “Planeta Água”:

“Água que nasce na fonte serena do mundoE que abre um profundo grotãoÁgua que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirãoÁguas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertãoÁguas que banham aldeias e matam a sede da populaçãoÁguas que caem das pedras no véu das cascatas, ronco de trovão.E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos, no leito dos lagos.Água dos igarapés, onde Iara, a mãe d’água é misteriosa cançãoÁgua que o sol evapora, pro céu vai embora, virar nuvem de algodão.”

É evidente que nesse longo caminho nem tudo foram rosas. As de-cepções, sofrimentos, sacrifícios também tiveram o seu lugar. Assim é a vida. No entanto, foram todos absorvidos, sem maiores seqüelas. Os dias de tempestade foram mínimos se comparados aos de céu azul.

Que mais querer diante desse caminho percorrido? Nada, só agradecer. Agradecer a Deus e à Justiça Federal, da qual tanto recebi e me considero devedor confesso, aos meus colegas de Tribunal e de primeira instância, que me honram com a sua amizade e com manifestações de apreço que em nada se alteraram depois da aposentadoria, aos servidores, que tanto me auxiliaram na distribuição de Justiça, aos agentes do Ministério Pú-blico Federal, com os quais mantive sempre as melhores relações, aos Procuradores da A.G.U. e aos advogados.

Agora, nestes dois anos de aposentado e nos que tenho pela frente, resta-me seguir meu caminho, na Academia lecionando, escrevendo, palestrando, participando sempre do mundo da Justiça e do Direito, buscando sempre, com obstinação doentia, lutar para que este seja um mundo melhor. E, nisso tudo, dar um espaço maior à minha família, a qual, em razão de minha doação quase religiosa à Justiça Federal, subtraí do convívio.

Já encaminhando o desfecho, senhora Presidente, registro minha ale-gria de ter aqui tantos amigos queridos que, de uma forma ou de outra, me acompanharam nesta trajetória. Evitei nomes com o receio de fazer injustiças. Peço desculpas por não trazer na lapela o distintivo deste Tri-bunal. Mas tenho justificativa, e das boas. É que ele se acha no vestido de minha neta Alice, que, no seu 1 ano e 4 meses de vida, a tudo assiste

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Discurso*

Fábio Bittencourt da Rosa**

Ivo, meu amigo.Agora, todos os dias em que passar por aqui vou ver o teu rosto alegre,

com os olhos atentos aos corações dos outros. Vou escutar tua risada e as palavras de alegria e consolo que tão bem sabias pronunciar. Vou espreitar tua alma que vem trazer no chapéu o coro dos anjos.

Esta placa com o teu nome foi gravada pelo coração da Silvia, que sempre se revelou uma doce amiga. Sabes disso. Mas ela leva também um pouco das lágrimas de muitos que insistem em te lembrar, porque amigos fiéis como tu não se pode esquecer facilmente.

Sei que terias um grande constrangimento ao receber esta homenagem, porque a simplicidade sempre foi a marca de teu espírito sadio. Mas aceita esta manifestação como o agradecimento de quantos privaram da graça de tua presença. Eras daqueles que levavam na algibeira sempre uma carícia para oferecer pelo modo como podias fazê-lo. E, certamente, deixaste neste mundo duas graças essenciais que são as expressões na face meiga de tuas filhas Renata e Fernanda.

Convivi contigo por quase vinte e três anos: São Jerônimo, Porto

* Discurso proferido em 24.06.2008, na cerimônia em que a Biblioteca do Tribunal Regional Federal da 4ª Região recebeu o nome de Ivo Barcelos da Silva, ex-Diretor-Geral da Corte, falecido em 2006.** Desembargador Federal aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.77-94, 200894

Alegre, Fortaleza e, novamente, Porto Alegre. Amizade embrulhada num papel de presente que Deus me deu. Estou convicto, porém, de que ainda conviveremos por muito tempo, por muito mais tempo entre as estrelas, olhando para baixo e vendo aqueles que tanto amamos: o Eli e a Silvia, o Alvarez, o Vladimir, a Tânia, a Maria Lúcia, o Edgard, a Anita, a Ivone, o Roni, a Ivete, o Mário, aquelas meninas fantásticas que levavas contigo na Diretoria-Geral e tantos outros que fazem e fizeram a Justiça Federal da 4ª Região.

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ACÓRDÃOS

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DIREITO ADMINISTRATIVO

E DIREITO CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.00.052091-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha

Apelante: Malva Maria Sissy Mollenhauer CorreaAdvogado: Dr. Lorenzo Alberto PauloApelante: Ministério Público Federal

Apelados: (Os mesmos)Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Apelado: Município de Xangri-LáAdvogados: Drs. Antônio José Schmidt Pinto e outro

Apelada: União FederalAdvogado: Dr. Luis Antônio Alcoba de Freitas

Remetente: Juízo Federal da VF Ambiental, Agrária e Residual dePorto Alegre

EMENTA

Constitucional, Administrativo e Ambiental. Ação Civil Pública. Bar construído em praia marítima. Bem da União. Dunas. Área de preservação permanente. Licenciamento. Autorização. Demolição. Responsabilidade.

As praias marítimas, elencadas dentre os bens da União, são bens públicos de uso comum, enquanto a área de restinga, fixadora de dunas, é de preservação permanente (Código Florestal, Lei 4.771/65, art. 2º, f).

Estando o empreendimento localizado em praia marítima, de proprie-dade da União, é necessária a autorização da Secretaria de Patrimônio

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da União - SPU.Reconhecida a ilegalidade e irregularidade da construção e operação de

bar/quiosque em área da União, constituída por dunas, em local detentor de formas de vegetação de preservação permanente, sendo correta sua desocupação, demolição e remoção.

A Administração Municipal, no que se refere à autorização para cons-truir, tem o dever de observar e cumprir as normas relativas à proteção do meio ambiente. Não pode descuidar de exigir do permissionário ou autorizado o cumprimento das medidas relativas à proteção do meio ambiente e à preservação dos recursos naturais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação de Malva Maria Sissy Mollenhauer Correa e dar parcial provimento à remessa oficial e à apela-ção do Ministério Público Federal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 7 de maio de 2008.Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministé-rio Público do Estado do Rio Grande do Sul contra Malva Maria Sissy Mollenhauer Correa, Município de Xangri-Lá e União Federal, na qual buscam, em síntese: a desocupação, demolição e remoção da construção do “Bar Babilônia”, localizado na faixa de praia do balneário de Rainha do Mar, no Município de Xangri-Lá/RS; a reparação do dano ambiental e paisagístico consistente na recuperação das dunas primárias, com re-posição de vegetação nativa; o pagamento de indenização pelos danos causados ao patrimônio ecológico; a indenização pela utilização de bem de domínio da União desde o início de 1999, até a efetiva demolição da construção; a condenação dos réus à publicação, em jornal de divulga-ção regional, da sentença a ser proferida nos autos desta ação pública; cominação de multa diária pelo descumprimento da decisão judicial.

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O pedido de antecipação de tutela foi deferido em parte, para deter-minar ao Município de Xangri-Lá que se abstenha de expedir alvará ou autorização de funcionamento ao estabelecimento, para as temporadas de 2003 e seguintes (fls. 210-211). Os embargos de declaração opostos pelo MPF foram improvidos (fls. 236-237). A medida liminar foi mantida pela 4ª Turma desta Corte no julgamento do AI nº 2002.04.01.056361-9/RS.

O Município de Xangri-Lá contestou às fls. 265-268 e a ré Malva Maria Correa, às fls. 310-351. Foi decretada a revelia da União (fl. 544), que ofereceu manifestação às fls. 557-573.

Sentenciando, o Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido para: a) reconhecer como ilegal e irregular a ocupação e a construção do “Bar Babilônia” pela ré Malva Maria Sissy Mollenhauer Correa; b) determinar a imediata desocupação, demolição e remoção da construção, às expensas da ré, no prazo de quinze dias; c) condenar a ré Malva Maria Correa à obrigação de fazer consistente na reparação do dano ambiental e paisagístico e à recuperação das dunas primárias já destruídas ou par-cialmente atingidas pelo estabelecimento, repondo a vegetação nativa, conforme projeto de recuperação da área degradada a ser apresentado em liquidação de sentença; d) condenar a ré Malva Maria ao pagamento de indenização pelo período de ocupação da área pública, fixando a inde-nização em R$ 2.000,00 (dois mil reais) por ano ou fração de ano, desde 1º de janeiro de 1999 até a efetiva desocupação; e) fixar multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o caso de descumprimento de cada uma das determinações contidas na sentença (fls. 597-614).

A ré Maria Malva Sissy Mollenhauer Correa interpôs recurso de apela-ção alegando: a) contradição entre o teor do laudo técnico juntado à inicial – fls. 158 – e a decisão recorrida, no tocante à coleta de esgoto doméstico; b) exclusão da sua responsabilidade, pois a construção do “quiosque” ocorreu após a autorização da Prefeitura Municipal de Xangri-Lá, com amparo da FEPAM, tendo agido de boa-fé; c) que somente a partir do ano de 2000 o alvará de licença deixou de ser fornecido, continuando o empreendimento a funcionar em decorrência da concessão de liminar pelo Poder Judiciário até o ano de 2002; d) que a interdição do local e a não-concessão do alvará ocorreram por outras circunstâncias, e não pelos danos provocados ao meio ambiente; e) que quando foi cientificada das irregularidades tomou as providências cabíveis para adequar-se às exigências dos órgãos de

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proteção ao meio ambiente e, como não foi concedida a licença, manteve o lugar desativado, culminando com a remoção do “quiosque” pela Prefei-tura Municipal, em 2004, cessando a causa dos aludidos danos; f) que foi induzida em erro pelo Poder Público e questiona o porquê da orientação para readequação se a área era de preservação permanente – diz que essa contradição foi bem observada pelo Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre na sentença absolutória; g) que a apelante teria agido de boa--fé, configurando-se a atipicidade de sua conduta por erro de tipo, sendo incabível sua condenação, seja civil, seja criminal; h) que condená-la, quando agiu de boa-fé, seria apenas uma “aparente justiça”, em afronta ao Princípio da Segurança Jurídica (fls. 623-663).

O Ministério Público Federal apelou requerendo: a) o reconhecimen-to da responsabilidade objetiva, solidária e indireta dos entes públicos (União e Município) pelos danos ambientais, pois a condenação do Município reforçaria o caráter preventivo da sentença, de forma a evitar a concessão de novas licenças irregulares, além de constituir medida de garantia da efetiva retirada do empreendimento, já que haveria a presun-ção, em face do pedido de assistência judiciária, que a ré Maria Malva não terá condições econômicas de arcar com a satisfação da medida judicial, e, por outro lado, a condenação da União, que tinha o dever legal de agir, podendo a omissão ser caracterizada como responsabilidade subjetiva, tendo em conta o comportamento negligente; e b) a condenação dos réus ao pagamento de indenização pecuniária pelos danos já causados ao patrimônio ecológico, a ser revertida ao “Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados” (fls. 670-695).

Contra-razões da ré Maria Malva (fls. 711-719), da União (fls. 720-732), do Município de Xangri-Lá (fls. 748-759) e do Ministério Público Federal (fls. 769-781), vieram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal junto a esta Corte, na condição de custos legis, ofertou parecer pelo parcial provimento do apelo ministerial (fls. 786-788).

Os autos foram distribuídos por prevenção ao Exmo. Des. Federal Edgard A. Lippmann Jr. e atribuídos à minha relatoria em face da extin-ção da 1ª Turma Suplementar.

É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra Malva Maria Sissy Mol-lenhauer Correa, Município de Xangri-Lá/RS e União Federal, versando sobre os danos ambientais e patrimoniais causados pela construção e funcionamento do “Bar Babilônia”, em área de domínio da União, considerada de preservação permanente, buscando a demolição da obra irregular e a recuperação do local.

Os pedidos formulados na inicial são os seguintes:“(...) b) determinar a desocupação, a demolição e a remoção da construção, caso

ainda não efetivada por força da decisão antecipatória da tutela (...);c) condenar os réus na obrigação de fazer, consistente na reparação física do dano

ambiental e paisagístico causado, correspondendo tal ônus à obrigação de proceder à recuperação das dunas primárias já destruídas ou parcialmente atingidas e à reposição da vegetação nativa, conforme projeto de recuperação da área degradada a ser apre-sentado em Juízo em liquidação de sentença;

d) condenar os demandados ao pagamento de indenização em dinheiro pelos danos já causados ao patrimônio ecológico, em quantum a ser estabelecido por perícia, a ser revertida para o ‘Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados’, de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85 (...);

e) condenar a ré Malva Maria Sissy Mollennhauer Corrêa pela utilização do bem de domínio da União Federal, de uso comum do povo, desde o início da temporada de 1999 até a efetiva demolição da construção, ao pagamento de indenização em dinheiro, no valor a ser apurado mediante a aplicação do critério de multa previsto no inciso II do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/87, com a redação a ser conferida pelo art. 33 da Lei nº 9.636/98, a ser fixada por perito judicial;

f) condenar os réus ao patrocínio, em jornal de divulgação regional, da publicação integral da sentença que vier a ser proferida nos autos desta ação pública;

g) cominação de multa diária aos réus, no valor de R$ 5.000,00, para o caso de descumprimento de cada uma das ordens proferidas na decisão final, sem embargo da responsabilização civil e criminal (...);”

Na sentença foi reconhecida a ilegalidade e a irregularidade da ocu-pação e construção, pela ré Malva Maria, do “Bar Babilônia”, sendo determinadas a desocupação, a demolição e a remoção do empreen-dimento, e condenada a ré a reparar fisicamente o dano ambiental e a pagar indenização pela utilização do bem de domínio da União Federal,

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fixando-se multa diária para o caso de descumprimento das decisões.O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos os

cidadãos, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê--lo e preservá-lo. Trata-se da “consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput)”, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 134.297-SP (Re-lator Ministro Celso de Mello, DJ de 22.09.1995, p. 30597).

Consoante se vê dos documentos e fotografias juntadas aos autos (fls. 57 e seguintes), o “Bar Babilônia” foi construído sobre a areia da praia e, portanto, em área da União, nos termos do artigo 20, inciso IV, da Constituição Federal, verbis:

“Art. 20. São bens da União:(...)IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias

marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e à unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;” (grifado)

As praias marítimas, elencadas entre os bens da União, constituem bens públicos de uso comum. A Lei 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, estabelece no seu art. 10:

“Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalva-dos os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.

§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”

No inciso I do art. 3º, a Lei nº 7.661 estabelece que deverá ser dada prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens: “recursos naturais, renováveis e não-renováveis; recifes, parcéis e ban-cos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos

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e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas”.

Há necessidade de licenciamento para construção com alterações das características naturais da zona costeira, devendo ser observada a elabo-ração de estudo de impacto ambiental, com apresentação do respectivo relatório, devidamente aprovado, na forma da lei. O descumprimento, ainda que parcial, das condições de licenciamento tem como sanções a interdição, o embargo ou a demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades (art. 6º, e §§, da Lei 7.661/88).

O estabelecimento comercial em discussão nestes autos foi construído em região de dunas frontais, conforme elucidado nos relatórios de vistoria juntados às fls. 154-158 e 528-534.

A área de restinga, fixadora de dunas, é de preservação permanente, dando-lhe especial atenção o Código Florestal (Lei 4.771/65) em seu art. 2º, f:

“Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(...)f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;”

Ademais, estando o empreendimento localizado em praia marítima, de propriedade da União, seria necessária a autorização da Secretaria de Patrimônio da União - SPU para a realização de qualquer obra.

A Lei 9.636/1998, que dispõe sobre a regularização, administra-ção, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, assim determina:

“Art. 22. A utilização, a título precário, de áreas de domínio da União para a reali-zação de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime de permissão de uso, em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado no Diário Oficial da União.”

O artigo 33 da citada Lei deu nova redação ao artigo 6º do Decreto--Lei nº 2.398, de 1987, verbis:

“Art. 6º A realização de aterro, construção ou obra e, bem assim, a instalação de equipamentos no mar, lagos, rios e quaisquer correntes de água, inclusive em áreas de

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praias, mangues e vazantes, ou em outros bens de uso comum, de domínio da União, sem a prévia autorização do Ministério da Fazenda, importará:

I - na remoção do aterro, da construção, obra e dos equipamentos instalados, inclu-sive na demolição das benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado; (...)”

Correta, portanto, a sentença, ao determinar a remoção do estabeleci-mento e a recuperação da área danificada, porquanto restou demonstrado nos autos, pelos relatórios de vistoria e fotografias juntados às fls. 57 e seguintes, 154-158 e 528-534, que o estabelecimento foi construído sobre a areia da praia, em área de dunas.

A ré Malva Maria apela quanto ao ponto específico do laudo técnico da fl. 158, concernente aos resíduos dos banheiros e cozinha estarem, ou não, ligados ao sistema de esgoto da CORSAN. Diz que o laudo não seria conclusivo pois consignou não terem sido finalizadas as escavações para localizar o final de tubulação em razão da ausência de equipamento adequado, o que afastaria a sua responsabilidade no ponto.

Ocorre que a Política Nacional do Meio Ambiente, consubstanciada na Lei 6.938/81, adotou a teoria da responsabilidade objetiva no que concerne aos danos causados ao meio ambiente.

Assim estabelece o § 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/81:“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,

independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” (grifado)

Nesse sentido, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:“DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DE PRO-

TEÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.(...) 3. A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva significou apreciável

avanço no combate à devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade de reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano.

4. O art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 prevê expressamente o dever do poluidor ou predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados, além de possibilitar o reconhe-cimento da responsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidor em indenizar ou reparar os

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danos causados ao meio ambiente ou aos terceiros afetados por sua atividade, como dito, independentemente da existência de culpa, consoante se infere do art. 14, § 1º, da citada lei. (...)” (REsp. 578797, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJU de 29.09.2004)

A apelante, em contestação, afirmou que “as instalações da cozinha dispõem de saída direta para as instalações da CORSAN, segundo se comprova de documentos inclusos e, portanto, a alegação de que no local não há ligação com o sistema de esgoto da CORSAN não condiz com a realidade dos fatos (...)” (fls. 318).

No entanto, consta à fl. 385 cópia de informação da Chefia do Departamento de Qualidade Ambiental da FEPAM, consignando que “O sistema para esgoto proveniente apenas das pias da cozinha deverá ser constituído de caixa de gordura, fossa séptica e sumidouro, dimensionada pela NBR - 7229-93 e 13969/97 da ABNT”. Verifica--se também a existência de notificação da Prefeitura Municipal de-terminando que a liberação e o funcionamento do estabelecimento ficariam condicionados à apresentação de determinados documentos, especificamente o projeto hidrossanitário com solução para esgotos que não poderão incidir sobre a faixa de praia” (fl. 388).

A apelante não se desincumbiu do ônus de provar que teria adotado as recomendações acima descritas. Cinge-se a defesa em apresentar cópias de fotografias que apontam para determinado lugar como sendo “sumi-douro” (fls. 415-416). Porém, a simples análise visual das fotografias juntadas às fls. 449-450 demonstra a precariedade das instalações para coletoras dos detritos da pia da cozinha, com encanamento e “caixa de gordura” expostos ao ar livre, sobre a areia, amparados por tosca e pre-cária armação de madeira.

Ademais, independente da existência ou não do tratamento de efluen-tes sanitários, o que é relevante in casu é a irregularidade da construção do estabelecimento em área da União, local de preservação permanente (dunas), sendo correta a desocupação, demolição e remoção da constru-ção ora discutida.

Reclama também a ré que “somente instalou seu quiosque no local em virtude da autorização do Poder Público Municipal”, tendo tomado todas as providências possíveis para se adequar às exigências dos órgãos do meio ambiente. Teria agido de boa-fé, induzida em erro por atitudes arbitrárias e irresponsáveis dos órgãos públicos.

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Contudo, não cabe invocar a suposta convalidação da ilicitude da atividade por força de eventual e irregular autorização de funcionamento concedida pela administração municipal, que, aliás, também é ré na ação civil pública. Além disso, o fato de ter obtido autorização de funciona-mento não exclui a responsabilidade da proprietária, que é, ao final, quem efetivamente auferiu os lucros da atividade, explorando comercialmente o empreendimento. Assim, tem legitimidade passiva no que concerne ao dever de indenizar.

A apelante destaca, ainda, que foi absolvida junto à 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre, em ação que analisou questões pertinentes aos fatos ora discutidos.

Ocorre que não existe, no caso, repercussão na esfera cível. Da análise da sentença proferida no processo penal, juntada às fls. 634-648, vê-se que a apelante foi absolvida, na origem, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal), o que não constitui óbice ao julgamento da ação civil pública.

Além disso, a sentença foi reformada, em parte, neste Tribunal, me-diante acórdão que transitou em julgado em 06.07.2006, assim ementado:

“PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 64 DA LEI 9.605/98. EDIFICAÇÃO PROMOVIDA ANTES DO ADVENTO DA LEI. FATO ATÍPICO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. CONSTITUIÇÃO FE-DERAL/88, ART. 5º, INCISOS XXXIX E XL. ART. 60 DA LEI 9.605/98. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM ABSTRATO. ART. 50 DA LEI 9.605/98. DESTRUIR OU DANIFICAR VEGETAÇÃO FIXADORA DE DUNAS. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CRIMINAL. ART. 98, INCISO I, DA CF/88.

1. Considerando a vigência da Lei dos Crimes Ambientais a partir de fevereiro/1998, não há falar na prática do delito previsto no art. 64 na espécie, porquanto o ato de pro-mover construção em solo não-edificável, à época do fato, não constituía crime (art. 5º, incisos XXXIX e XL, da CF/88).

2. Sendo a pena máxima abstratamente cominada ao delito do art. 60 da Lei dos Crimes Ambientais inferior a um ano, aplicável o prazo prescricional de dois anos a que alude o art. 109, inciso VI, do CP.

3. Na hipótese, não havendo marco interruptivo desde a data do recebimento da denúncia até o presente momento, operou-se a prescrição da pretensão punitiva estatal, restando extinta a punibilidade da ré, nos termos do 107, IV, do Estatuto Repressivo.

4. Permanecendo a denúncia apenas com relação ao delito do art. 50 da Lei 9.605/98 – cuja pena máxima abstratamente cominada é inferior a dois anos –, o feito não mais

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remanesce sob a competência deste Juízo (art. 2º, § 2º, da Lei nº 10.259/2001). 5. Declinação da competência para o Juizado Especial Federal Criminal, nos termos

do art. 98, I, da Constituição da República.”

Portanto, o julgado proferido na esfera penal não interfere no julga-mento da presente ação civil pública.

Por fim, a ré sustenta que somente tomou conhecimento de que o “quiosque” se encontrava em área de preservação permanente quando a União adentrou na discussão.

Não procede a alegação, pois, como bem salientou o Ministério Pú-blico Federal em contra-razões ao recurso:

“(...) não é possível, de acordo com a legislação pátria, escusar-se de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Além disso, a ré, em momento posterior (fl. 649), declarou em sua apelação que teve seu pedido de licenciamento negado junto à FEPAM ‘tão-somente porque se tratava de área de preservação permanente e a aprovação do pedido dependia de algumas respostas requisitadas à Prefeitura de Xangri-Lá’, o que demonstra que a apelante era conhecedora do fato em questão.” (fl. 777)

Assim sendo, não procede o apelo da ré.O Ministério Público Federal, no seu recurso, pede a responsabiliza-

ção objetiva, solidária e indireta do Município de Xangri-Lá e da União pelos danos ambientais constatados.

Sustenta o Parquet que “tanto a União quanto o Município têm o dever de evitar que as ocupações irregulares na faixa de praia aconteçam ou se perpetuem, dever este constitucionalmente estabelecido, tendo se omitido da prática desse dever quanto ao estabelecimento comercial ‘Babilônia’”.

O artigo 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. A impor-tância da atuação conjunta está prevista no artigo 23, inciso VI, da Carta Magna, que dispõe sobre a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e indica especificamente, dentre as matérias enumeradas, a proteção ao meio ambiente.

Sobre a responsabilidade da Administração por ato ou omissão dos seus agentes, transcrevo o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização corres-pondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda

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indenizatória. 4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo, e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença.” (grifado) (RE 215981/RJ, Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, DJ de 31.05.2002, p. 48)

Fixada, portanto, a premissa de que a responsabilidade do Estado, quando estiver comprovada a causalidade, decorre da conduta comissiva ou omissiva dos seus agentes que, atuando nessa condição, causarem dano, cabe análise da prova em cada caso. Por oportuno, merece trans-crição a doutrina do emérito Professor Celso Antonio Bandeira de Mello:

“(...) Outro fator que há de ser concorrido para robustecer este engano é a circunstân-cia de que, em inúmeros casos de responsabilidade por faute de service, necessariamente há que ser admitida uma ‘presunção de culpa’, pena de inoperância desta modalidade de responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes intransponível) de demonstrar-se que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer, culposamente.

Em face da presunção de culpa a vítima do dano fica desobrigada de comprová-la. Tal presunção, entretanto, não elide o caráter subjetivo desta responsabilidade, pois se o Poder Público demonstrar que se comportou com diligência, perícia e prudência – antítese da culpa – estará isento da obrigação de indenizar, o que jamais ocorreria se fora objetiva a responsabilidade.” (grifado) (Curso de Direito Administrativo. Ma-lheiros, 17. ed., p. 887)

Nessa linha, por meio do exame do conjunto probatório carreado aos autos, não se encontram elementos que autorizem a atribuição de responsa-bilidade à União. Consta à fl. 132 cópia do Ofício nº 225/99, da Secretaria do Patrimônio da União, endereçado ao Prefeito Municipal de Xangri-Lá, pelo qual, em outubro de 1999, solicitava a colaboração da Municipalidade para promover a retirada da construção irregular constituída pelo “Bar Babilônia”, informando tratar-se de área definida como de uso comum do povo, de domínio da União. Ainda, que, conforme estabelecido na Lei 9.636/98,“(...) tais ocupações têm sua inscrição e regularização vedadas junto ao Patrimônio da União, devendo ser objeto de desocupação e conseqüentemente imissão sumária de posse pela União Federal, independentemente de outras penalidades cabíveis. Na mesma situação estão incorrendo todas as ocupações ocorridas após 15.02.1997, sobre

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os terrenos de marinha e acrescidos em geral (...)”.

Os documentos constantes às fls. 574-580 demonstram que a União não agiu de forma descurada. Os diversos ofícios expedidos entre a Gerência Regional da União no Rio Grande do Sul e a Procuradoria da União, em 2002, reforçam a determinação em demolir/remover o esta-belecimento “Bar Babilônia”.

Assim, não procede o recurso ministerial no ponto.Por outro lado, entendo que não agiu corretamente o Município, haja

vista a concessão de alvará permitindo o funcionamento do “Bar Babilô-nia” sem atentar para o fato de que a área era de preservação permanente, bem como desconsiderando que não havia estudo de impacto ambiental e autorização da Secretaria do Patrimônio da União. Compulsando os autos, encontram-se, às fls. 356-365, diversos alvarás para o funcionamento de quiosque, sendo o da fl. 362 relativo à temporada de 1996, exercício 1997.

Conforme decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540/DF:

“É lícito ao Poder Público – qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial.” (Relator Min. Celso de Mello, DJ de 03.02.2006, p. 14)

É sabido que a Administração Municipal, no que se refere à autoriza-ção para construir, tem o dever de observar e cumprir as normas relativas à proteção do meio ambiente. Não pode descuidar de exigir do permis-sionário ou autorizado o cumprimento das medidas relativas à proteção do meio ambiente e à preservação dos recursos naturais.

No caso, em setembro de 1999, a Fundação Estadual de Proteção Am-biental - FEPAM já havia lavrado auto de infração contra a Prefeitura Mu-nicipal de Xangri-Lá em razão das edificações na faixa de praia (fls. 79/80). Em Ofício dirigido ao Prefeito (setembro de 1999), o Diretor-Presidente da FEPAM esclarecia que “(...) Os quiosques foram implantados neste trecho em desacordo com as condições acordadas com a FEPAM, especialmente quanto ao porte das construções, adotando-se

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área construída 4 vezes maior do que a constante na licença. Além disso, a autori-zação referia-se apenas a um trecho piloto, tendo sido implantados quiosques, sem licenciamento, em toda a orla de Xangri-Lá, adotando a mesma área total de 64m². O trecho piloto foi objeto do Auto de Infração nº 11/98, exigindo-se a sua adequa-ção ao disposto na licença anteriormente emitida, o que não ocorreu até o presente momento” (fl. 81).

Às fls. 100-102 consta informação da divisão de planejamento e diag-nóstico da FEPAM alertando que “o Município de Xangri-Lá, até o pre-sente momento, não tomou nenhuma providência concreta para atender as exigências do Auto de Infração nº 05/99, tendo inclusive implantado novos quiosques sem autorização.” (fl. 101 - grifado)

O argumento do Município, em suas contra-razões, de que o bar teria funcionado ao abrigo de decisões judiciais, não o exime de sua responsabilidade. Ademais, a leitura da decisão proferida em agravo de instrumento somente faz reforçar sua contribuição para a ocorrência do dano ambiental. À fl. 304, na decisão que concedeu inicialmente o efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.057782-5, a Exma. Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria consignou que:

“Embora inexista comprovação de regular autorização pela Secretaria do Patrimô-nio Público da União quanto à instalação e operação do empreendimento, a agravante vinha tendo autorizado o funcionamento de sua atividade pela Prefeitura local desde 1996 (conforme cópias dos alvarás de fls. 113/117)”.

Cabe registrar que o referido agravo de instrumento foi posterior-mente redistribuído à 4ª Turma e julgado na sessão do dia 22.10.2003, em acórdão da Relatoria do Exmo. Des. Federal Valdemar Capeletti, decidindo-se pela manutenção da medida liminar concedida na origem, quanto à paralisação das atividades, verbis:

“PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRAIAS E DUNAS. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. PARALISAÇÃO DE ATIVIDADES. POSSIBILIDADE.

I - É cabível a antecipação dos efeitos da tutela, em ação civil pública que visa à remoção de estabelecimento comercial construído em área de praias e dunas, zona de proteção permanente, propriedade da União e bem de uso comum do povo, para que as suas atividades sejam paralisadas. Impede-se, dessa forma, que as operações usuais continuem a causar danos ao meio ambiente, maiores do que os já constatados.

II - Em sendo a remoção do estabelecimento indevidamente construído o objeto da lide, não se mostra razoável, em agravo de instrumento, determinar-se a imediata

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demolição do estabelecimento, sob pena de tornar irreversível a medida antecipatória.”

É pertinente transcrever, ainda, excerto das razões de apelação do Mi-nistério Público Federal, da Lavra da Exma. Procuradora da República, Dra. Carolina da Silva Medeiros:

“Fácil constatar, portanto, que o Município de Xangri-Lá não exerce e não exerceu seus poderes-deveres inerentes à polícia administrativa. Ao contrário, ao permitir a ocupação do estabelecimento em tela, concedendo-lhe o alvará de funcionamento, tornou-se também causadora direta do dano em questão.

Os problemas ambientais decorrentes da ocupação irregular da faixa de praia, assim como aqueles decorrentes de poluição marítima (por esgotos), são, sim, de responsabi-lidade dos municípios, visto que estes incentivam e até autorizam quase que todo tipo de construção no litoral, sem qualquer preocupação com o meio ambiente.

A Carta Constitucional e a legislação pátria são claras ao prever a competência do Poder Público Municipal em zelar pela manutenção das áreas de preservação ambien-tal, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo.” (fls. 687-688)

Portanto, considero que laborou em equívoco a r. sentença ao consig-nar que a responsabilidade do Município restringir-se-ia a eventual direito de regresso por parte da ré Maria Malva (fl. 608, 3º parágrafo). Assim, merece reparo a sentença quanto à responsabilização do Município de Xangri-Lá que, não tendo atuado de forma diligente, concorreu para a produção do dano ambiental, devendo ser responsabilizado solidaria-mente com a ré Malva Maria Sissy Mollenhauer Correa no que pertine à desocupação, à demolição e à remoção da construção discutida nestes autos, bem como à obrigação de reparação física do dano ambiental e paisagístico, com a reposição da vegetação nativa e projeto de recu-peração da área degradada, conforme determinado na sentença, às fls. 613-614, itens (B) e (C).

A indenização pela ocupação não autorizada da área de propriedade da União é de responsabilidade exclusiva da ré Malva Maria, pois, ainda que fosse regular o alvará (o que não é o caso), a demandada necessitaria da autorização da Secretaria do Patrimônio da União.

Por fim, quanto ao pedido de indenização pecuniária pelos danos pretéritos, entendo que deve ser mantida a sentença no ponto em que jul-gou improcedente essa pretensão, haja vista que não restou comprovado tratar-se, in casu, de danos irreparáveis. Assim, a condenação cabível é

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aquela já fixada, no sentido da remoção da construção irregular e repa-ração da área impactada.

Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação de Malva Maria Sissy Mollenhauer Correa e dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação do Ministério Público Federal para respon-sabilizar solidariamente o Município de Xangri-Lá quanto aos itens (B) e (C) da condenação, nos termos da fundamentação supra.

AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.021962-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Agravante: Ivone Theresinha Fontella da SilvaAdvogados: Drs. Jonas Felipe Scotta e outro

Interessado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Constitucional e Administrativo. Servidor público. Limite remunera-tório. Abate-teto. Emendas Constitucionais nos 19 e 41. Efeitos. Direito adquirido inexistente.

1. Com efeito, a partir da entrada em vigor das Emendas Constitu-cionais nos 19 e 41, as vedações ali constantes incidem imediatamente, não se invocando sequer a garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88).

A respeito invoca-se o magistério do eminente e saudoso Ministro Carlos Maximiliano, em sua conceituada obra Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2. ed., Livraria Freitas Bastos, 1955, p. 62, n. 44, verbis:

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“Não há direito adquirido no tocante a instituições, ou institutos jurí-dicos. Aplica-se, logo, não só a lei abolitiva, mas também a que, sem os eliminar, lhes modifica essencialmente a natureza. Em nenhuma hipótese granja acolhida qualquer alegação de retroatividade, posto que, às vezes, tais institutos envolvam certas vantagens patrimoniais que, por equidade, o diploma último ressalve ou mande indenizar.”

Outra não é a lição de Roubier, no seu consagrado Droit Transitoire, verbis:

“(...) Les lois qui ont supprimé l’esclavage ou les droits féodaux ont pu s’appliquer aussi aux situations existantes, sans être le moins du monde rétroactives. Et peut importait, en effet, le mode d’acquisition du droit: ce que la loi critiquait, c’était le régime juridique de l’esclave, c’etait le contenu du droit féodal: la loi était donc relative aux effets de la situation juridique, et non à sa constitution; sans être entachée de rétroactivité, elle atteignait les situations déjà constituées.

En résumé, nous dirons que les lois qui suppriment une situation juridique peuvent avoir en vue, ou bien le moyen de parvenir à cette situation, et alors elles sont assimilables aux lois qui gouvernent la constitution d’une situation juridique, ou bien, au contraire, les effets et le contenu juridique de cette situation, et alors elles sont assimilables aux lois qui gouvernent les effets d’une situation juridique; dans le pre-mier cas, elles ne pourraient atteindre sans rétroactivité des situations déjà constituées; dans le second cas, elles s’appliquent aussitôt aux situations existantes pour y mettre fin.” (In PAUL ROUBIER, Le Droit Transitoire (Conflits des Lois Dans Le Temps), 2. ed., Éditions Dalloz et Sirey, Paris, 1960, p. 215)

Da mesma forma orienta-se a jurisprudência da Suprema Corte, intérprete maior da Constituição, como se constata do magnífico voto proferido pelo ilustre Ministro Moreira Alves, por ocasião do julgamento do RE nº 94.414-SP, verbis:

“(...) As normas constitucionais se aplicam de imediato, sem que se possa invocar contra elas a figura do direito adquirido. Mesmo nas constituições que vedam ao legislador ordinário a edição de leis retro-ativas, declarando que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, esse preceito se dirige apenas ao legislador ordinário, e não ao constituinte, seja ele originário, seja ele

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derivado. (...)Essas assertivas coadunam-se com a natureza mesma das coisas. Se

se elabora uma norma constitucional que veda situação anteriormente admitida, quer isso dizer que o poder constituinte, originário ou deriva-do entende ser essa vedação exigida pelo interesse comum e, portanto, aplicável de imediato, salvo disposição expressa em contrário. Por isso, os efeitos futuros de fatos passados são atingidos pelo novo preceito constitucional, respeitados apenas – exceto se a Constituição expressa-mente declarar o contrário – os efeitos que ocorreram antes da vigência do novo texto constitucional. (...)” (In Revista de Direito Administrativo, 160/149-50)

Por outro lado, em recentes precedentes, deliberou o Eg. STF, verbis:“RE-AgR 477447/MG AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDI-

NÁRIO Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 24.10.2006. Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJ 24.11.2006, p. 87.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO. TETO REMUNERATÓRIO. EC 41/03. VANTAGENS PESSOAIS. INCLUSÃO.

1. As vantagens pessoais incluem-se no cálculo do teto remuneratório, como dispõe o artigo 37, XI, da Constituição do Brasil, com a redação que lhe foi conferida pela EC 41/03. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão: a Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justifica-damente, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. 2ª Turma, 24.10.2006.”

Da mesma forma, o STJ, verbis:“AgRg no RMS 17789/SC; AGRAVO REGIMENTAL NO RECUR-

SO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2004/0011740-1. Relator(a) Ministro GILSON DIPP. Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 06.02.2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 12.03.2007. p. 259.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. TETO REMUNERATÓRIO. VANTAGEM PESSOAL. EXCLUSÃO. ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAMENTAÇÃO. ART. 8° DA EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

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I - A jurisprudência desta Corte, ao secundar orientação firmada no Supremo Tribunal Federal, havia consolidado entendimento de que, na ausência de regulamentação do art. 37 da Constituição Federal, as vantagens que correspondessem a situações pessoais dos servidores, incorporadas aos vencimentos ou proventos, não poderiam ser incluídas no somatório para aferição do limite máximo remuneratório. II - A partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41/2003, que fixou pro-visoriamente em seu art. 8° o subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal, regulamentando o art. 37, XI, da Constituição Federal, deixou de existir impedimento à inclusão das vantagens de natureza pessoal, ou de qualquer outra natureza, no cômputo da remuneração para fins de cálculo do teto salarial. III - Impõe-se, todavia, a data da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41/2003, como limite temporal à exclusão das Gratificações Nominalmente Identificáveis instituídas pelos arts. 90 da Lei 6.745/85 (Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina) e 16 da Lei 1.114/88, do somatório para fixação do limite máximo remuneratório.”

Incide, aqui, o magistério de um dos maiores constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em seu clássico Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn., West Publishing CO., 1897, p. 70, verbis:

“10. It is not permissible to disobey, or to construe into nothingness, a provision of the constitution merely because it may appear to work injustice, or to lead to harsh or obnoxious consequences or invidious and unmerited discriminations, and still less weight should be attached to the argument from mere inconvenience.”

Ademais, não restou configurada a violação ao princípio da isonomia, pois, consoante tranqüilo entendimento da Suprema Corte, o mencionado princípio não é absoluto, nem pode ser levado às últimas conseqüências, conforme afirmou o eminente e saudoso Ministro Cândido Mota Filho ao votar no RMS nº 4.671-DF, verbis:

“(...) o princípio da isonomia, como qualquer outro, há de se comportar dentro do sistema legal em que vive, ao lado dos outros princípios, que não se afasta ou revoga – não pode ser levado às últimas conseqüências – do princípio único nivelador de direitos e obrigações.” (In RTJ 4/136)

É sabido que a natureza do vínculo que liga o servidor ao Estado é de

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caráter legal, podendo, por conseguinte, sofrer modificações no âmbito da legislação ordinária pertinente, as quais o servidor deve obedecer, não havendo direito adquirido do servidor a determinado regime jurídico, nos termos de tranqüila jurisprudência da Suprema Corte (AI nº 53.498 (AgRg) - SP, Rel. Min. Antonio Neder, in RTJ 66/721; RE nº 72.496-SP, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, in RTJ 68/107; RE nº 82.729-ES, Rel. Min. Bilac Pinto, in RTJ 78/270; RE nº 99.522-PR, rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 107/854).

A respeito, assinalou Paul Roubier, verbis:“La situation de fonctionnaire public constitue un statut légal, qui

peut toujours être modifié par les lois nouvelles in futurum.” (in Les Conflits de Lois dans le Temps, Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1933, t. II, p. 471, n. 122)

2. Agravo a que se nega provimento.Agravo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 18 de março de 2008.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se de agravo interno onde Ivone Therezinha Fontella da Silva insurge-se contra decisão que deu provimento à apelação e à remessa oficial na forma do art. 37, § 1º, II, do Regimento Interno da Corte.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A decisão recorrida (fls. 162/167v) deu provimento à apelação interposta pelo INSS e à remessa oficial, nos seguintes termos, verbis:

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“Vistos, etc.É este o teor da r. sentença recorrida, a fls. 129/134, verbis:‘IVONE THERESINHA FONTELLA DA SILVA ajuizou a presente ação ordinária,

com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando provimento jurisdicional que determine ao réu que se abstenha de aplicar aos benefícios de pensão e aposentadoria percebidos pela demandante o teto instituído pelo art. 1º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003 (art. 37, XI, da CF/88), bem como que condene a demandada a proceder à restituição dos valores já descontados desde abril de 2004.

Aduziu a autora que foi servidora pública da autarquia previdenciária, tendo exer-cido a função de auditora-fiscal da Previdência Social, cargo no qual se aposentou em 01.01.1997. Relatou que, a partir de maio de 1997, passou a receber pensão do seu falecido esposo, que era aposentado no cargo de Procurador Federal da autarquia demandada. Referiu, outrossim, que, atualmente, sua aposentadoria representa o valor bruto de R$ 12.456,05 e sua pensão, o valor de R$ 13.984,21. Asseverou que, no início do mês de maio de 2004, constatou, nos seus comprovantes de rendimentos, o desconto da rubrica denominada ‘abate-teto’. Deduziu, então, a autora que o desconto se referia à aplicação do disposto no art. 37, XI, da CF com redação dada pela Emenda Constitu-cional nº 41/2003. Sustentou que a aplicação do mencionado artigo fere os princípios da irredutibilidade dos vencimentos e os direitos adquiridos individualmente. Discor-reu acerca da evolução normativa do teto de remuneração, da inclusão das vantagens pessoais no cômputo do teto remuneratório e da ultratividade do art. 17 do ADCT. Por fim, alegou a inadequação do valor descontado a título de ‘abate-teto’. Postulou fosse afastada a aplicação do ‘abate-teto’ ou, alternativamente, que fosse determinada a ex-clusão dos valores abatidos da base de cálculo do imposto de renda e das contribuições previdenciárias, bem como fossem preservadas as vantagens pessoais que integram os proventos. Por último, em ordem sucessiva ao pedido alternativo, requereu fosse recomposta sua remuneração de acordo com a remuneração determinada pelo STF, que fixou o valor de R$ 19.115,19. Juntou documentos.

Em decisão às fls. 42/43 foi indeferida a antecipação dos efeitos da tutela e deter-minada a emenda da inicial, no sentido de adequar o valor atribuído à causa.

A parte autora cumpriu a determinação, bem como juntou cópia do agravo de instrumento interposto.

À fl. 77 foi juntada aos autos cópia da decisão proferida no agravo de instrumento.Citado, o INSS contestou alegando que os descontos que a autora vem sofrendo

obedecem ao comando constitucional insculpido no inciso XI do artigo 37, com redação data pela EC 41/2003. Sustentou que a própria Constituição Federal regulamentou que o limite remuneratório deve abranger os proventos e pensões, percebidos cumulati-vamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza. Salientou que não existe direito adquirido contra a Constituição. Postulou pelo julgamento de improcedência da demanda com a condenação da autora nos ônus da sucumbência.

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Apresentou documentos.Houve réplica.Deferida a prioridade na tramitação.Não havendo mais provas a produzir, vieram os autos conclusos para sentença.É o relatório. DECIDO.MÉRITOCinge-se a controvérsia dos autos à legalidade do desconto denominado ‘abate-teto’,

incidente sobre os proventos de aposentadoria e pensão percebidos cumulativamente pela parte autora.

Prefacialmente, insta salientar o que dispôs o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, em sua redação original, acerca do limite máximo de proventos e subsídios:

‘Art. 37(...)XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor

remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do STF e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo prefeito.’

Cabe, também, ressaltar o que prelecionava o art. 17 do ADCT, in verbis:‘Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os

proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Consti-tuição, serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.’

Desse modo, inobstante nunca ter sido editada a lei mencionada no inciso XI do art. 37 da CF/88, acima transcrito, é fato que o constituinte originário determinava a fixação de teto remuneratório no âmbito do Poder Público, restando, a cargo da futura lei, apenas a definição de seu limite, sendo que o art. 17 do ADCT expressamente excluía a invocação de direito adquirido para esses casos.

Contudo, o Constituinte derivado emendou a redação original da Constituição Fe-deral de 1988, através da EC nº 19/98, passando, o art. 37, inciso XI, a ter a seguinte redação:

‘Art. 37(...)XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções em empregos

públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em

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espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.’ (grifo meu)Já a EC nº 41/2003 deu outra redação ao referido dispositivo, in verbis:‘Art. 37(...)XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos pú-

blicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municí-pios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;’ (grifo meu)

Assim, é inegável que os descontos procedidos a título ‘de abate-teto’ têm previsão constitucional.

Ocorre que, no caso dos autos, há a peculiaridade de o teto atingir os valores per-cebidos pela demandante apenas se consideradas a aposentadoria e a pensão de forma cumulada.

Todavia, deve-se considerar que a determinação do teto remuneratório, conforme previsto no inciso XI do art. 37, com redação anterior à EC nº 19/98, não considerava a cumulação dos benefícios.

Mesmo constatando que a Emenda Constitucional nº 19/98 determinou a incidência do teto sobre a integralidade dos valores percebidos de forma cumulativa, deve-se atentar para o fato de que a demandante é aposentada desde 01.01.97 e recebe os benefícios somados desde antes da vigência dessa norma.

Assim, em que pesem as divergências jurisprudenciais sobre o assunto, entendo que a redução dos valores recebidos conjuntamente a título de aposentadoria e pensão no caso em tela implica evidente ofensa aos dispositivos constitucionais que protegem direito adquirido e a irredutibilidade de vencimentos.

Isso porque os benefícios foram concedidos de acordo com os critérios consti-tucionais e legais existentes à época de sua instituição, quando inexistia vedação de percepção cumulativa, o que faz com que eventual redução vulnere o Princípio da Segurança Jurídica.

Nesse sentido, colaciono precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

‘ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA SER-

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VIÇO PÚBLICO FEDERAL. CUMULATIVIDADE COM PENSÃO POR MORTE. POSSIBILIDADE. ABATE-TETO.

- A aposentadoria própria concedida em razão de serviço público federal pode ser cumulada com proventos decorrentes de pensão por morte do cônjuge.

- Para aplicação do limite remuneratório constitucional do art. 37, XI, da Carta Política, os respectivos benefícios devem ser considerados isoladamente, pois trata-se de proventos distintos e cumuláveis legalmente.

- Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.

- Apelação provida.’ (TRF4, MAS 2004.71.00.028036-5, Rel. Desa. Federal Silvia Goraieb, DJU 27.07.2005, p. 552)

Saliento que o art. 17 da ADCT apenas possui o condão de reduzir benefícios auferidos sob os auspícios do antigo regime constitucional, não permitindo, nesses casos, a alegação de direito adquirido. Todavia, os direitos adquiridos sob a égide da Constituição de 1988 estão sob o abrigo do artigo 5º, XXXVI, que, por ser cláusula pétrea, não pode ser atingido pela obra poder do constituinte derivado.

Desse modo, por tudo que foi exposto, tenho que deve ser julgada procedente a presente demanda.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a ação proposta por IVONE THERESINHA FONTELLA DA SILVA contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para: a) determinar que o réu se abstenha de aplicar o limite do teto remuneratório do inciso XI do art. 37 da CF/88 (EC nº 41/2003) sobre a soma dos benefícios recebidos pela autora, nos termos da fundamentação acima; b) condenar a ré a restituir os valores indevidamente descontados da demandante, corrigidos pelo INPC desde o pagamento a menor e acrescidos de juros de mora de 6% ao ano desde a citação.

Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação calculado até o mo-mento desta sentença, devidamente atualizado, nos termos do art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil, sendo isento de custas processuais, nos termos do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.

Submeto a presente sentença ao duplo grau de jurisdição, consoante disposto no art. 475 do Código de Processo Civil. Assim, independentemente da interposição de recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio TRF da 4ª Região.’

Interposta a apelação, postula o recorrente a reforma do julgado, referindo prece-dentes do STF e do STJ.

A apelada apresentou contra-razões.É o relatório.Decido.Afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas pela Procuradoria do

INSS, a fls. 140v/142, quando afirma, verbis:‘Portanto, a Administração, ao lançar os descontos do abate teto, está, tão-somente,

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cumprindo com o seu dever legal e obedecendo aos comandos constitucionais acima transcritos.

Veja-se que é a própria Constituição Federal a regulamentar que o limite remu-neratório deve abranger os proventos e pensões percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. No caso, a apelante percebe, cumulativamente, proventos de aposentadoria e pensão por morte de servidor. Assim, para cumprir o comando constitucional, a limitação deve atingir o total pago à apelante, ou seja, a soma dos dois rendimentos (proventos cumulados com a pensão). O valor excedente a R$ 19.115,19 (maior remuneração percebida por Ministro do Supremo Tribunal Federal) deve ser glosado a título de abate-teto, não se admitindo a invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título (art. 17 do ADCT). Esse teto é válido para os rendimentos auferidos no período de abril a dezem-bro/2004. A contar da folha de julho/2005, o teto foi alterado para R$ 21.500,00, com efeitos financeiros a contar de janeiro/2005, conforme previsto na Lei 11.143/2005.

A regulamentar a supressão de vencimentos excedentes ao teto constitucional foram editadas as Mensagens SIAPE n° 477093, de 22.03.2004, nº 47789, de 15.04.2004, n° 478001, de 27.04.2004, e n° 492237, de 09.08.2005, do Ministério do Planejamento, de Orçamento e Gestão, que informam as alterações promovidas no sistema de folha de pagamento (SIAPE) para a rotina de cálculo do teto constitucional, colocando-a em conformidade com a EC n° 41/2003 e a Orientação Normativa n° 01, da Secretaria de Previdência Social do Ministério da Previdência Social. Cópias dos aludidos comuni-cados e da Orientação referida foram acostados ao tempo da contestação.

Importante assinalar que a apelante, conforme ela própria declina em sua inicial, no mês de março/20005, percebeu, a título de pensão, R$ 13.984,21 e, de proventos, R$ 12.456,05, num total de R$ 26.440,26, sendo este o valor que deve ser considerado para fins do teto constitucional. Assim temos que não pode prosperar a presente ação, diante da legalidade dos descontos efetuados pelas rubricas ‘ABATE-TETO (CF ART 37) APOS’ e ‘ABATE- TETO (CF ART. 37) PENSION’ nos proventos e pensão per-cebidos pela autora, merecendo, pois, ser reformada a sentença prolatada.

Também não merece prosperar o pedido alternativo, posto que, a contar das ECs nos 19/98 e 41/2003, não há que se falar em não inclusão na base de cálculo para o limite de teto das vantagens pessoais. Mais, a pretensão de ver aplicado o teto sobre a remuneração líquida de IRRF e Previdência Social não encontra respaldo legal. Repise-se que a Administração, ao lançar, nas folhas de pagamento da autora, tanto a que percebe a título de aposentadoria quanto a que percebe por pensão, os descontos do abate-teto, está, tão-somente, cumprindo com o seu dever legal e obedecendo aos comandos constitucionais acima transcritos. Enquanto ao particular é permitido fazer tudo o que a lei não veda, ao Administrador Público só é permitido fazer o que a lei expressamente autoriza.

Veja-se que é a própria Constituição Federal a regulamentar que o limite remu-neratório deve abranger os proventos e pensões percebidos cumulativamente ou não,

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incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. Sinale-se que, se antes havia discussão sobre a auto-aplicabilidade da EC n° 19/98,

isso não mais ocorre desde a EC 41/2003. Mais, a contar da EC n° 41/2003, perde sentido qualquer discussão acerca na natureza das parcelas percebidas, posto que, ex-pressamente, proíbe a percepção de qualquer valor acima do teto fixado, mesmo que a título de vantagem pessoal. Importante frisar que não existe direito adquirido contra a Constituição, e, quanto à matéria enfocada na presente ação, houve, inclusive, a preocupação do legislador constituinte em prever a impossibilidade de sua invocação, conforme o art. 17 do ADCT acima transcrito.

Assim, indevido é o pedido de declaração judicial de que não está a apelante su-jeita às alterações promovidas na CF/88 pelas Emendas Constitucionais nos 19 e 41. Assim como indevido o pedido alternativo, para que não sejam computadas no teto as vantagens de caráter pessoal, visto que a incidência das mesmas no cômputo do limite de teto decorre de comandos legais e constitucionais. Também sem qualquer base legal o pedido alternativo para que sejam considerados, na verificação do teto, os valores líquidos percebidos, já abatidos os descontos previdenciários e o IRRF, dada a natureza desses tributos.

Quanto ao pedido alternativo formulado pela apelante já há jurisprudência de nossas Cortes Superiores acolhendo as teses defendidas por esta Autarquia. Quanto às demais pretensões aduzidas, ainda não se debruçaram nossos Tribunais Superiores sobre a matéria controvertida.

‘RE-AgR 477447/MG AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 24.10.2006. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publi-cação: DJ 24.11.2006. p. 87.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TETO REMUNERATÓRIO. EC 41/03. VANTAGENS PESSOAIS. INCLUSÃO.

1. As vantagens pessoais incluem-se no cálculo do teto remuneratório, como dis-põe o artigo 37, XI, da Constituição do Brasil, com a redação que lhe foi conferida pela EC 41/03. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão: a Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. 2ª Turma, 24.10.2006.’

‘AgRg no RMS 17789/ SC; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MAN-DADO DE SEGURANÇA 2004/0011740-1. Relator(a) Ministro GILSON DIPP. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 06.02.2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 12.03.2007. p. 259.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. TETO REMUNERA-TÓRIO. VANTAGEM PESSOAL. EXCLUSÃO. ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAMENTAÇÃO. ART. 8° DA EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - A jurisprudência desta Corte, ao secundar orientação firmada no Supremo Tribunal

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Federal, havia consolidado entendimento de que, na ausência de regulamentação do art. 37 da Constituição Federal, as vantagens que correspondessem a situações pessoais dos servidores, incorporadas aos vencimentos ou proventos, não poderiam ser incluídas no somatório para aferição do limite máximo remuneratório. II - A partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41/2003, que fixou provisoriamente em seu art. 8° o subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal, regulamentando o art. 37, XI, da Constituição Federal, deixou de existir impedimento à inclusão das vantagens de natureza pessoal, ou de qualquer outra natureza, no cômputo da remuneração para fins de cálculo do teto salarial. III - Impõe-se, todavia, a data da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41/2003, como limite temporal à exclusão das Gratificações Nominalmente Identificáveis instituídas pelos arts. 90 da Lei 6.745/85 (Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina) e 16 da Lei 1.114/88, do somatório para fixação do limite máximo remuneratório.’

Com efeito, a partir da entrada em vigor das Emendas Constitucionais nos 19 e 41, as vedações ali constantes incidem imediatamente, não se invocando sequer a garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88).

A respeito invoca-se o magistério do eminente e saudoso Ministro CARLOS MAXI-MILIANO, em sua conceituada obra Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2ª ed., Livraria Freitas Bastos, 1955, p. 62, n. 44, verbis:

‘Não há direito adquirido no tocante a instituições, ou institutos jurídicos. Aplica--se, logo, não só a lei abolitiva, mas também a que, sem os eliminar, lhes modifica essencialmente a natureza. Em nenhuma hipótese granja acolhida qualquer alegação de retroatividade, posto que, às vezes, tais institutos envolvam certas vantagens patri-moniais que, por eqüidade, o diploma último ressalve ou mande indenizar.’

Outra não é a lição de Roubier, no seu consagrado Droit Transitoire, verbis:‘(...) Les lois qui ont supprimé l’esclavage ou les droits féodaux ont pu s’appliquer

aussi aux situations existantes, sans être le moins du monde rétroactives. Et peut impor-tait, en effet, le mode d’acquisition du droit: ce que la loi critiquait, c’était le régime juridique de l’esclave, c’etait le contenu du droit féodal: la loi était donc relative aux effets de la situation juridique, et non à sa constitution; sans être entachée de rétroac-tivité, elle atteignait les situations déjà constituées.

En résumé, nous dirons que les lois qui suppriment une situation juridique peuvent avoir en vue, ou bien le moyen de parvenir à cette situation, et alors elles sont assi-milables aux lois qui gouvernent la constitution d’une situation juridique, ou bien, au contraire, les effets et le contenu juridique de cette situation, et alors elles sont assi-milables aux lois qui gouvernent les effets d’une situation juridique; dans le premier cas, elles ne pourraient atteindre sans rétroactivité des situations déjà constituées; dans le second cas, elles s’appliquent aussitôt aux situations existantes pour y mettre fin.’ (In PAUL ROUBIER, Le Droit Transitoire (Conflits des Lois Dans Le Temps), 2. ed., Éditions Dalloz et Sirey, Paris, 1960, p. 215)

Da mesma forma orienta-se a jurisprudência da Suprema Corte, intérprete maior

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da Constituição, como se constata do magnífico voto proferido pelo ilustre Ministro MOREIRA ALVES, por ocasião do julgamento do RE nº 94.414-SP, verbis:

‘(...) As normas constitucionais se aplicam de imediato, sem que se possa invocar contra elas a figura do direito adquirido. Mesmo nas constituições que vedam ao legis-lador ordinário a edição de leis retroativas, declarando que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, esse preceito se dirige apenas ao legislador ordinário, e não ao constituinte, seja ele originário, seja ele derivado.

(...)Essas assertivas se coadunam com a natureza mesma das coisas. Se se elabora uma

norma constitucional que veda situação anteriormente admitida, quer isso dizer que o poder constituinte, originário ou derivado, entende ser essa vedação exigida pelo interesse comum, e, portanto, aplicável de imediato, salvo disposição expressa em contrário. Por isso, os efeitos futuros de fatos passados são atingidos pelo novo preceito constitucional, respeitados apenas – exceto se a Constituição expressamente declarar o contrário – os efeitos que ocorreram antes da vigência do novo texto constitucional. (...)’ (In Revista de Direito Administrativo, 160/149-50)

Por outro lado, em recentes precedentes, deliberou o Eg. STF, verbis:‘RE-AgR 477447/MG AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):

Min. EROS GRAU. Julgamento: 24.10.2006. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publi-cação: DJ 24.11.2006. p. 87.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TETO REMUNERATÓRIO. EC 41/03. VANTAGENS PESSOAIS. INCLUSÃO.

1. As vantagens pessoais incluem-se no cálculo do teto remuneratório, como dispõe o artigo 37, XI, da Constituição do Brasil, com a redação que lhe foi conferida pela EC 41/03. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão: a Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. 2ª Turma, 24.10.2006.’

Da mesma forma, o STJ, verbis:‘AgRg no RMS 17789/SC; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MAN-

DADO DE SEGURANÇA 2004/0011740-1. Relator(a) Ministro GILSON DIPP. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 06.02.2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 12.03.2007. p. 259.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. TETO REMUNERA-TÓRIO. VANTAGEM PESSOAL. EXCLUSÃO. ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAMENTAÇÃO. ART. 8° DA EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - A jurisprudência desta Corte, ao secundar orientação firmada no Supremo Tribunal Federal, havia consolidado entendimento de que, na ausência de regulamentação do art. 37 da Constituição Federal, as vantagens que correspondessem a situações pessoais dos servidores, incorporadas aos vencimentos ou proventos, não poderiam ser incluídas no somatório para aferição do limite máximo remuneratório. II - A partir da entrada em

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vigor da Emenda Constitucional 41/2003, que fixou provisoriamente em seu art. 8° o subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal, regulamentando o art. 37, XI, da Constituição Federal, deixou de existir impedimento à inclusão das vantagens de natureza pessoal, ou de qualquer outra natureza, no cômputo da remuneração para fins de cálculo do teto salarial. III - Impõe-se, todavia, a data da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41/2003, como limite temporal à exclusão das Gratificações Nominalmente Identificáveis instituídas pelos arts. 90 da Lei 6.745/85 (Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina) e 16 da Lei 1.114/88, do somatório para fixação do limite máximo remuneratório.’

Incide, aqui, o magistério de um dos maiores constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em seu clássico Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn., West Publishing CO., 1897, p. 70, verbis:

‘10. It is not permissible to disobey, or to construe into nothingness, a provision of the constitution merely because it may appear to work injustice, or to lead to harsh or obnoxious consequences or invidious and unmerited discriminations, and still less weight should be attached to the argument from mere inconvenience.’

Ademais, não restou configurada a violação ao princípio da isonomia, pois, conso-ante tranqüilo entendimento da Suprema Corte, o mencionado princípio não é absoluto, nem pode ser levado às últimas conseqüências, conforme afirmou o eminente e saudoso Ministro Cândido Mota Filho ao votar no RMS nº 4.671-DF, verbis:

‘(...) o princípio da isonomia, como qualquer outro, há de se comportar dentro do sistema legal em que vive, ao lado dos outros princípios, que não se afasta ou revo-ga – não pode ser levado às últimas conseqüências – do princípio único nivelador de direitos e obrigações.’ (In RTJ 4/136)

É sabido que a natureza do vínculo que liga o servidor ao Estado é de caráter legal, podendo, por conseguinte, sofrer modificações no âmbito da legislação ordinária per-tinente, as quais o servidor deve obedecer, não havendo direito adquirido do servidor a determinado regime jurídico, nos termos de tranqüila jurisprudência da Suprema Corte (AI nº 53.498 (AgRg) - SP, Rel. Min. Antonio Neder, in RTJ 66/721; RE nº 72.496-SP, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, in RTJ 68/107; RE nº 82.729-ES, Rel. Min. Bilac Pinto, in RTJ 78/270; RE nº 99.522-PR, Rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 107/854).

A respeito, assinalou Paul Roubier, verbis: ‘La situation de fonctionnaire public constitue un statut légal, qui peut toujours être modifié par les lois nouvelles in futu-rum.’ (in Les Conflits de Lois dans le Temps, Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1933, t. II, p. 471, n. 122)

Por esses motivos, com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento à apelação e à remessa oficial, julgando improcedente a ação, condenada a parte autora no pagamento das despesas processuais e honorários, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa.”

Assim, não vejo motivos para alterar o entendimento exposto na

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decisão acima transcrita, razão pela qual a mantenho por seus próprios fundamentos.

Por esses motivos, voto por negar provimento ao agravo.É o meu voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.001791-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios

Agravante: Estado de Santa CatarinaAdvogado: Dr. João Paulo Souza Carneiro

Agravado: Claudio Jair SellAdvogado: Dr. João Luiz de Aquino Costa

Interessada: União FederalAdvogado: Dr. Luis Antonio Alcoba de Freitas

Interessado: Município de Joinville

EMENTA

Direito Constitucional. Direito à saúde. Sistema Único da Saúde - SUS. Eficácia imediata. Prestação positiva de fornecimento de medica-ção. Força normativa da Constituição. Proporcionalidade.

1. O direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e apli-cabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres entre as partes, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esva-ziamento da força normativa da Constituição.

2. A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas ad-mitem a eficácia direta da norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao menos quando as prestações são de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave, o que inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive

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quando ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos.3. O princípio de interpretação constitucional da concordância prática

exige que se concretizem os direitos fundamentais emprestando-lhes a maior eficácia possível e evitando restrições desnecessárias a outros princípios constitucionais, bem como a ofensa a direitos fundamentais de outros indivíduos e grupos.

4. O direito ao fornecimento de medicamentos deve considerar a com-petência orçamentária do legislador, a reserva do possível e a eficiência da atividade administrativa, sem perder de vista a relevância primordial da preservação do direito à vida e o direito à saúde.

5. Nesta atividade concretizadora e à luz dos princípios informa-dores do SUS (da universalidade, da integralidade e da gratuidade), deve-se atentar para que: a) eventual provimento judicial concessivo de medicamento acabe, involuntariamente, prejudicando a saúde do cidadão cujo direito se quer proteger, em contrariedade completa com o princípio bioético da beneficência, cujo conteúdo informa o direito à saúde; b) eventual concessão não cause danos e prejuízos relevantes para o funcionamento do serviço público de saúde, o que pode vir em detrimento do direito à saúde de outros cidadãos; c) não haja preva-lência desproporcional do direito à saúde de um indivíduo sobre os princípios constitucionais da competência orçamentária do legislador e das atribuições administrativas do Poder Executivo, em contrarie-dade ao princípio da concordância prática na concorrência de direitos fundamentais.

6. Na instrução processual, o Juízo processante deve valer-se, sempre que necessário, do auxílio de perito, observando os seguintes parâme-tros: a) a perícia deve considerar a existência de protocolos clínicos e terapêuticos, no âmbito do Ministério da Saúde, sobre a enfermidade em questão; b) o perito deve manifestar suas conclusões à luz da chamada “medicina das evidências”; c) tanto o perito como o médico subscritor da prescrição devem prestar termo de ausência de conflito de interesses, deixando clara sua não-vinculação com qualquer fabricante, fornecedor ou entidade ou pessoa envolvida no processo de produção e comer-cialização do medicamento avaliado; d) a observância das diretrizes nacionais e internacionais quanto ao uso racional de medicamentos; e) a utilização dos serviços, para esses fins, de instituições públicas de en-

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sino e pesquisa, sempre que possível, tendo em vista seus compromissos institucionais com o atendimento estatal de saúde pública, tais como Hospitais Universitários.

7. Provimento parcial do agravo, para que, mantida a liminar, sejam observadas na fase instrutória as diretrizes referidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de agosto de 2007.Juiz Federal Roger Raupp Rios, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, deferindo a antecipação dos efeitos da tutela, determinou à União, ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Joinville, no prazo de dez dias, o fornecimento ao autor Claudio Jair Sell do medicamento Adalimumab, enquanto dele necessitar e conforme prescrição médica, sob pena de multa diária em R$ 1.000,00 (um mil reais), sem prejuízo das medidas cabíveis quanto à responsa-bilização administrativa e criminal. Sustenta o agravante que, em face de não ter sido provada através de prova cabal e absoluta a ineficácia do medicamento Infliximab disponibilizado pelo SUS e, por outro lado, tendo sido demonstrada a aplicabilidade do medicamento para o mesmo nível de enfermidade em que se encontra o paciente, não deve arcar com custo de fármaco não padronizado e de alto custo.

Foi indeferido o efeito suspensivo almejado.Sem contra-razões, retornaram os autos conclusos.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Roger Raupp Rios:

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Direito à saúde e concessão judicial de medicamentos

O direito à saúde é direito fundamental, com eficácia e aplicabilidade imediatas, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição.

Com efeito, em sua primeira geração de direitos, o constitucionalismo clássico não previa direitos a prestações positivas fáticas por parte do Estado; todavia, com o desenvolvimento do Estado Social e seus reflexos no direito constitucional, foram consagrados tais direitos, conhecidos como direitos sociais, titularizados pelos indivíduos (esta a segunda ge-ração dos direitos fundamentais). A dinâmica social e jurídica foi ainda mais além, inaugurando-se a terceira geração de direitos fundamentais: consagrou-se a proteção coletiva desses direitos individuais e a proteção de direitos coletivos, agora de titularidade metaindividual (STF, MS nº 20.936/DF, relator Ministro Celso de Mello).

Nesse diapasão, a alegação de que o direito à saúde é norma mera-mente programática e, portanto, incapaz de produzir direitos e deveres entre os cidadãos (individual ou coletivamente) e o Estado já foi superada no atual estágio do constitucionalismo contemporâneo.

Com efeito, ainda que não haja dúvida quanto à relevância da tarefa da legislação e da administração no desenvolvimento do direito à saúde, sem o que a efetividade desse direito fica em muito comprometida para a coletividade, a doutrina também reconhece a possibilidade da eficácia direta de direitos fundamentais sociais, pelo menos em casos onde as prestações são de importância grave para seus titulares e não há risco de provocar crise financeira muito grave (nesse sentido, por exemplo, Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 494 e seguintes).

Pode-se, nesse sentido, afirmar a eficácia de direitos fundamentais sociais, donde se inclui, pelo menos, um mínimo de assistência médica, que prevalece inclusive quando ponderado em face de outros princípios, como a competência orçamentária do Parlamento (nesse sentido, por exemplo, Ingo Sarlet, Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 30, p. 97, 1999).

A jurisprudência de tribunais constitucionais também vai neste sentido.

Cito duas cortes nacionais, cuja pertinência é direta para a compreen-são do caso concreto: o Supremo Tribunal Federal, por razões óbvias, e

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a Corte Constitucional da Colômbia, respeitado tribunal latino-americano que enfrenta realidade institucional, econômica e social bastante similar à brasileira.

De fato, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de afirmar que (AgRg no Recurso Extraordinário nº 271.286-8, DJU 24.11.2000, relator Ministro Celso de Mello):

1) “O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (artigo 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve zelar, de maneira responsável, o poder público, a quem incumbe formular – e imple-mentar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos, inclusive aqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.”

2) “O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atenção no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da popula-ção, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.”

3) “A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANS-FORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. O caráter programático da regra inscrita no artigo 196 da carta política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüen-te, sob pena de o poder público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.”

Na esteira dessa decisão, registram-se inúmeros precedentes, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Por sua vez, a Corte Constitucional da Colômbia decidiu pelo direito à prestação positiva de saúde, decorrente diretamente da Constituição, titularizado por cidadão submetido a situação de necessidade vital cuja não-satisfação lesiona sua dignidade humana em grau elevado (Senten-cia nº T-533, de 1992, disponível em http://www.constitucional.gov.co/corte/, em 10 de julho de 2006).

Todavia, antes que se chegue à conclusão de que determinada demanda

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de saúde (envolvendo tanto o fornecimento de medicamentos quanto a prestação de procedimentos médicos) deve ser acolhida judicialmente, o Poder Judiciário deve aferir a incidência de outros princípios e bens jurídicos constitucionalmente protegidos.

Isso porque, como se sabe, na concretização do direito à saúde, é necessário desenvolver uma compreensão abrangente e sistemática da Constituição e dos direitos fundamentais. Nesse método de inter-pretação constitucional, pode-se vislumbrar, inclusive, a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental (no caso, o direito à saúde). Esse procedimento, no âmbito da contemporânea teoria dos direitos fundamentais, pode ser denominado método hermenêutico cons-titucional contextual, para utilizar a expressão de Juan Carlos Gavara de Cara, pois parte da própria Constituição, da conexão e da inter-relação entre as diversas normas de direitos fundamentais. Em suas palavras,

“La formación de una interpretación sistemática de los derechos fundamentales no pude dar lugar a la formación de un sistema que sea axiométrico o lógico deduc-tivo, sine que debe ser el resultado del análisis de las disposiciones de los derechos fundamentales, sus contenidos y las conexiones con otras normas constitucionales.” (Derechos Fundamentales y desarrollo legislativo - la garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fundamental de Bonn, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994, p. 116)

Se assim não for, corre-se o risco de emprestar-se solução jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito e à força norma-tiva da Constituição. A força normativa da Constituição, como método próprio de interpretação constitucional, exige do juiz, ao resolver uma questão de direitos fundamentais, adotar a solução que propicie a maior eficácia jurídica possível das normas constitucionais, conforme lição de Konrad Hesse (Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, Porto Alegre: SAF, 1998).

Com efeito, a Constituição exige que se compreendam os direitos fun-damentais emprestando-lhes a maior força normativa possível e evitando interpretação que implique restrição a outros princípios constitucionais e ofensa a direitos fundamentais de outros indivíduos e grupos.

O pedido ora veiculado relaciona-se diretamente ao direito fundamen-

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tal à saúde, passível de proteção individual e coletiva; no caso, trata-se do exercício individual do direito subjetivo à saúde, consubstanciado no fornecimento de medicamento.

Dentre esses princípios e bens jurídicos constitucionalmente prote-gidos é preciso considerar, junto com o direito à saúde, pelo menos os seguintes princípios: a competência orçamentária do legislador, a reserva do possível e a própria eficiência da atividade administrativa, também norteadora de princípio constitucional da Administração Pública. Tudo, é claro, sem perder de vista a relevância, de primeira ordem, da preser-vação do direito à vida e o direito à saúde, titularizados pela parte autora que compareceu em juízo e obteve provimento liminar em seu favor.

Na concretização dessas normas em face da realidade social e econô-mica que vivemos, conjugada com os princípios da universalidade, da integralidade e da gratuidade que informam o Sistema Único de Saúde, é preciso cuidar para que:

– eventual provimento judicial concessivo de medicamento acabe, involuntariamente, prejudicando a saúde do cidadão cujo direito se quer proteger, em contrariedade completa com o princípio bioético da beneficência, cujo conteúdo informa o direito à saúde;

– eventual concessão não cause danos e prejuízos relevantes para o funcionamento do serviço público de saúde, o que pode vir em detrimento do direito à saúde de outros cidadãos;

– não haja prevalência desproporcional do direito à saúde de um indi-víduo sobre os princípios constitucionais da competência orçamentária do legislador e das atribuições administrativas do Poder Executivo, em contrariedade ao princípio da concordância prática na concorrência de direitos fundamentais.

De fato, a primeira alternativa pode ocorrer quando a prescrição me-dicamentosa, mesmo bem intencionada por parte do médico subscritor, adotar medicação cujo efeito, igual ou mais benéfico à saúde, for alcan-çada mediante medicamento já fornecido pelo SUS ou, ainda que não fornecido, nos casos de necessidade grave por parte do cidadão, seja de aquisição menos dispendiosa por parte do Poder Público.

A meu juízo, essa diretriz é a capaz de otimizar os direitos funda-mentais e bens jurídicos constitucionais envolvidos, sendo, portanto, de observância jurídica requerida pelo princípio de hermenêutica constitu-

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cional traduzido pela idéia da força normativa da Constituição.Para tanto, em vez de simplesmente se acolher o pedido recursal e

reformar a decisão judicial liminar concessiva da medicação, deve-se apenas dar provimento parcial ao agravo, a fim de que o juízo recorrido proceda, auxiliado por perito habilitado, ao exame dessas circunstâncias.

Para tanto, também indico alguns parâmetros, dentre outros que o magistrado processante considerar relevantes para a solução do litígio:

– a perícia deve considerar a existência de protocolos clínicos e te-rapêuticos, no âmbito do Ministério da Saúde, sobre a enfermidade em questão;

– o perito deve manifestar suas conclusões à luz da chamada “medi-cina das evidências”;

– tanto o perito como o médico subscritor da prescrição devem prestar termo de ausência de conflito de interesses, deixando clara sua não--vinculação com qualquer fabricante, fornecedor ou entidade ou pessoa envolvida no processo de produção e comercialização do medicamento avaliado;

– a observância das diretrizes nacionais e internacionais quanto ao uso racional de medicamentos;

– a utilização dos serviços, para esses fins, de instituições públicas de ensino e pesquisa, sempre que possível, tendo em vista seus compro-missos institucionais com o atendimento estatal de saúde pública, tais como Hospitais Universitários.

Atento a todas essas diretrizes, proponho o acolhimento parcial do agravo, para que, mantida a decisão liminar quanto ao fornecimento da medicação, o juízo observe, na fase instrutória, essas diretrizes e cri-térios, cuja ponderação é exigida não só pelos direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos contrapostos à pretensão, como também à própria efetividade do direito à saúde da parte agravada.

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento parcial ao agravo, nos termos da fundamentação.

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2007.04.00.009342-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Impetrante: Maria Clara ChristAdvogado: Dr. Jovelino Artifon

Impetrado: Desembargador(a) Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Interessado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Mandado de Segurança. Ato da Presidência do Tribunal com base em decisão do Tribunal de Contas da União. Competência da Corte Especial. Exigência de comprovação de recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes ao tempo de serviço rural. Decadência do direito de revisão da aposentadoria.

1. Sendo impugnado ato da Presidente do Tribunal, competente é a Corte Especial, na forma do art. 4º, II, § 1º, do Regimento Interno, para o julgamento de mandado de segurança.

2. À luz do art. 54 da Lei 9.784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Cuida a norma de resguardar direi-tos já consagrados frente à administração pública que, a despeito de uma aventada nulidade, estará proibida de restaurar a situação jurídica origi-nária, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Deveras, não só as leis passaram por reformulações, mas o próprio Estado e as formas de relacionamento com os seus administrados ganhou nova roupagem. Conceitos de direito administrativo que até pouco tempo mostravam-se intocáveis – como, por exemplo, a insindicabilidade dos atos discricio-nários pelo Poder Judiciário – deixaram de ser encarados como dogmas e receberam novas interpretações. Assim, se o ato de aposentadoria do impetrante foi publicado em 11.07.2001, e a intimação determinando a comprovação do recolhimento/indenização das contribuições previden-ciárias data de 23.11.2006, ocorreu a caducidade do direito à revisão de alegada irregularidade no cálculo dos proventos.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, conceder a segurança, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de maio de 2008.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de ação de mandado de segurança impetrada preventivamente contra ato da Diretora do Foro da Justiça Federal de Curitiba/RS, posteriormen-te redirecionada contra a Exma. Desembargadora Federal Presidente deste Tribunal (fls. 127/128 e 166/167), que determinou a intimação da impetrante, servidora pública aposentada em 11.07.2001 por tempo de contribuição com proventos proporcionais, para que comprovasse o re-colhimento das contribuições previdenciárias referentes à averbação do tempo de serviço em atividade rural, sob pena de revisão do benefício.

Sustenta, previamente, a ocorrência de decadência do direito da Admi-nistração anular a aposentação, visto que decorridos mais de cinco anos entre a concessão e a intimação para o recolhimento indenizatório. Alega a existência de direito adquirido e ato jurídico perfeito, porquanto em 31.03.1995, época da expedição da certidão do tempo de serviço rural, ainda não havia a obrigatoriedade do recolhimento das contribuições, na forma instituída pela Lei 9.032/95, que acrescentou o § 3º ao art. 45 da Lei 8.212/91. Aduz, ainda, a impossibilidade de aplicação retroativa dos juros e da multa previstos na Medida Provisória 1.523/2006, bem como da utilização do atual teto do salário de contribuição, ao invés do vigente em 31.03.1995 (data da expedição da certidão do tempo de serviço) ou em 11.07.2001 (data da concessão da aposentadoria) como base de cálculo do valor exigido. Por fim, pugna pelo reconhecimento do direito de não recolher a contribuição, ou, subsidiariamente, pela decla-ração incidental de inconstitucionalidade dos parágrafos 3º e 4º do art. 45 da Lei 8.212/91, com a determinação de que o valor da contribuição seja calculado em conformidade com a legislação vigente à época dos

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fatos geradores (30.08.1968 a 30.05.1973), tendo como base de cálculo o salário mínimo.

Em suas informações, a autoridade havida coatora esclarece que a determinação da Presidência do Tribunal decorreu de cumprimento do Acórdão nº 740/2006, proferido nos autos do Processo nº 005.440/2005-1, pelo Plenário do Tribunal de Contas da União, parcialmente alterado pelo Acórdão nº 1893/2006, que firmou o entendimento de que “só é possível a contagem recíproca de tempo de serviço rural, para fins de aposentadoria estatutária, mediante comprovação de recolhimento das contribuições previdenciárias à época da realização da atividade rural ou, mesmo a posteriori, de forma indenizada, nos termos do art. 96, IV, da Lei 8.213/91 c/c art. 45, §§ 3º e 4º, da Lei 8.212/91.” (fls. 189/192)

O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, citado como litisconsor-te passivo necessário, ofertou contestação explicitando que, em virtude do Acórdão nº 740/2006, protocolado em 06.06.2006, foi determinada a revisão das aposentadorias concedidas após 06.06.2001. Defendeu a inaplicabilidade dos institutos da prescrição e da decadência nos casos em que é devida a indenização ao INSS para fins de expedição de certidão de tempo de serviço, porque sem caráter compulsório. Aduziu que o termo inicial para contagem do prazo decadencial seria a data do crédito do pri-meiro pagamento do benefício, ocorrido em 23.07.2001; e o termo final, a data da publicação do acórdão do TCU, ou seja, 19.05.2006. Indica, ainda, o entendimento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual a aposentadoria é ato administrativo complexo, somente se aperfeiçoando com o registro junto ao Tribunal de Contas, data a partir da qual é que teria início a contagem do prazo decadencial. Por último, asseverou que a norma aplicável para determinar o valor dos juros e da multa deve ser contemporânea à época do pagamento da indenização, e não à época em que a indenização deve ser recolhida. (175/183)

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem. (fls. 247/252)

O ilustre Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira, após determinar a reautuação do feito, com a indicação da autoridade coatora correta (a Presidente desta Corte Regional Federal), reconheceu que a competência, a teor do art. 4º, II, § 4º, do Regimento Interno, é da Corte Especial, determinando a redistribuição (fls. 254/255), que recaiu na

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Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, que se deu por impe-dida. (fls. 257)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Na medida em que a autoridade inquinada de coatora é a Presidente deste Tribunal, competente para o julgamento do mandado de segurança contra ato seu é a Corte Especial, nos termos do inciso II do § 1º do artigo 4º do Regi-mento Interno, que tem a seguinte redação:

“Art. 4º. Compete ao Plenário:(...)§ 1º. À Corte Especial, integrada pelo Presidente do Tribunal, pelo Vice-Presidente,

pelo Corregedor-Geral e pelos Desembargadores Federais mais antigos, apurada a antigüidade no Tribunal, compete processar e julgar:

(...)II - os mandados de segurança contra ato da Corte Especial, do seu Presidente, bem

assim contra ato do Conselho de Administração da Justiça Federal da 4ª Região e do Corregedor-Geral da 4ª Região; (...)”

No caso em foco, o ato havido coator, da Presidente desta Corte, provém de orientação superior do Conselho da Justiça Federal (ofício a fls. 101 destes autos), que, a fim de garantir a uniformidade de pro-cedimentos entre os órgãos da Justiça Federal de primeiro e segundo graus na aplicação dessa orientação, determinou a revisão dos atos de averbação de tempo de serviço e concessão de aposentadorias ainda não alcançados pela decadência.

Tollitur quaestio, é de ver que a impetrante houve deferida aposenta-doria proporcional por tempo de serviço no ano de 2001; em 2006, foi intimada a comprovar o recolhimento ou a indenização das contribuições relativamente ao tempo de serviço rural, sob pena de revisão do valor do benefício.

O INSS justifica a exigência de recolhimento mercê do Acórdão do TCU que assentou ser indispensável a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias concernentemente ao tempo de serviço rural com vistas à contagem recíproca de tempo de serviço para fins de aposentadoria estatutária.

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Não resta dúvida de que o prazo para a Administração anular seus atos, quando originarem direitos a terceiros, será de cinco anos, contados da data em que foram praticados, a teor do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/99.

No caso em epígrafe, impende notar, de início, que houve o decurso de mais de cinco anos entre a data da concessão do benefício, em 11.07.2001, e a data da intimação para comprovação do recolhimento ou indeniza-ção das contribuições, que ocorreu em 23.11.2006. Em tal aspecto, não guarda consistência a tentativa do Instituto Previdenciário de protrair o marco inicial de fluência. Como bem apanhado pelo Ministério Público Federal, a Decisão do TCU não houve o condão de impedir o curso do prazo decadencial, porquanto não importou manifestação inequívoca da Administração no sentido de revisar o valor da aposentadoria. Demais, o Acórdão do TCU é genérico, não tendo descido a nenhum caso em particular. Como já visto acima, apenas restou afirmado que sem o reco-lhimento ou indenização das respectivas contribuições previdenciárias não é possível o aproveitamento do tempo de serviço rural para efeito de obtenção de aposentadoria estatutária. Assim, em tal perspectiva, o ato administrativo com a potencialidade de causar lesão ao alegado direito líquido e certo à incolumidade do valor da aposentadoria é o traduzido pela determinação de intimação para comprovação do recolhimento ou indenização das contribuições. É aí que ficou cristalizada a manifestação de bulir no benefício. Antes havia mera diretriz de um órgão administra-tivo ancilar do Poder Legislativo (TCU) a que estão sujeitos, do ponto de vista fiscalizatório, os órgãos administrativos do Poder Judiciário Federal.

Evidenciada, pois, a caducidade do direito de revisar a aposentadoria da impetrante, cumpre anotar que as situações de insegurança jurídica devem ser coibidas pelo Poder Judiciário. Os servidores inativos têm de ficar tranqüilos quanto aos proventos a que têm direito, não podendo a qualquer momento a Administração suprimir um benefício ou parcelas de verba alimentar.

Em nome da estabilidade e da segurança jurídicas descabe tolerar casos em que um benefício previdenciário pode sofrer redução ou mesmo cancelamento após muito tempo de sua concessão. É certo que o ato de concessão de aposentadoria deve ser examinado pelo TCU no momento devido, com base na legislação aplicável à época da inativação.

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Todavia, o que se verifica na atualidade é que, em face da grande quantidade de leis que são promulgadas a respeito da remuneração dos servidores públicos, os órgãos administrativos ficam adstritos a inter-pretações de órgãos hierárquicos superiores sobre a aplicação das leis; e, não raro, anos após a implementação do pagamento, surgem esforços interpretativos diversos concluindo pela inexistência do direito. Tal pro-cedimento, numa ordem jurídica que elege como princípios fundamentais o da dignidade da pessoa, do devido processo legal, do direito adquirido e da segurança jurídica, corolários do próprio Estado Democrático de Direito, não pode ser aceito, porque não há mais espaço para o jus impe-rii do Estado divorciado da observância das mais elementares garantias constitucionais do cidadão.

Em tal sentido é a jurisprudência, como dão conta as ementas se-guintes:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. SUSPENSÃO. SERVI-DOR PÚBLICO DO INSS. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO CUJOS EFEITOS CONSOLIDARAM-SE NO TEMPO. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊN-CIA. LEI Nº 9.784/99, ART. 54. POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO REVISAR SEUS ATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.

1. O direito de a Administração revisar os atos administrativos, quando originarem direitos a terceiros, está sujeito ao prazo decadencial de 5 (cinco) anos, consoante dispõe o art. 54 da Lei nº 9.784/99.

2. No período compreendido entre o início da vigência da Lei nº 8.112/90 e a edição da Lei nº 9.784/99, embora inexistisse prazo decadencial para a revisão dos atos admi-nistrativos, há que se examinar a possibilidade de revisão à luz do princípio da segurança jurídica, não sendo aceitável que a Administração goze do direito de revisar seus atos a qualquer tempo, o que vulneraria o citado princípio da segurança jurídica, que sempre foi a base que sustentava a necessidade da existência de prazo para a revisão dos atos administrativos, assegurando a estabilidade das relações jurídicas no Estado de Direito.

3. Hipótese em que os demandantes aposentaram-se como servidores do INSS em 1993 e 1998, porém, em 2005 e 2006, foram comunicados da suspensão do pagamento de seus benefícios por decisão do Tribunal de Contas da União, o que se afigura ilegal, visto que o direito de revisão já havia sido atingido pela decadência.

4. Mantida sentença que reconheceu a decadência do direito de a Administração revisar e anular o ato de aposentadoria dos apelados. Apelação do INSS e remessa oficial desprovidas.” (TRF4, AC 2006.70.00.017919-3, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 15.08.2007)

“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA. APOSENTADORIA. REVISÃO DO ATO TRANSCORRIDOS MAIS DE CINCO ANOS. IMPOSSIBILI-

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DADE. DECADÊNCIA CONFIGURADA. LEI 9.784/99.1. Decorridos mais de cinco anos de sua publicação, convalida-se o ato adminis-

trativo não podendo ser revisado por força da decadência, conforme estabelece o art. 54, § 1º, da Lei 9.784/99.

2. Segurança concedida para determinar a devolução imediata das importâncias retidas à impetrante, devidamente corrigidas pela Taxa Selic.” (Processo MS 9073/DF, Relator(a) Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, CE - CORTE ESPECIAL, DJ 29.05.2006, p. 139)

No julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 18.175/GO, Relatora a Ministra Laurita Vaz (DJ 10.10.2005), vale ser citado, a propósito, o excerto do voto condutor, in verbis:

“A decisão do Tribunal de Contas, no que diz respeito à aposentadoria dos servi-dores públicos, tem natureza jurídica meramente declaratória, e não constitutiva do ato de aposentadoria (Cf.: RMS 10.808/PR, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 19.12.2002). Nesse contexto, a partir da expedição do ato de aposentação pela Administração Pública, segue-se a sua execução (REsp nº 1.560/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 10.02.90), nos termos em que foi proferido.

Assim, no caso concreto, evidencia-se de plano a ofensa ao direito líquido e certo do ora Recorrente de ter pago os seus proventos, nos termos fixados no Despacho nº 1.652/GC, no qual se inclui a parcela referente à Gratificação de Encargo de Chefia/GEC-1.

Nesse ponto, louvo-me, por oportuno, do parecer do Ministério Público do Estado de Goiás, da lavra da Procuradora Ivana Farina, que bem elucida a questão, in verbis:

‘Deflui da análise do texto constitucional transcrito, que reproduz a mesma redação imprimida no artigo 71, inciso III, da Carta Magna, que o Tribunal de Contas do Estado, no desempenho dessa específica atribuição de controle, não dispõe de competência para proceder a qualquer inovação no título jurídico de aposentação submetido a seu exame.

O Tribunal não concede a aposentadoria, reforma ou pensão, nem tampouco lhes confirma ou ratifica a concessão. Apenas examina a legalidade do ato, para efeitos financeiros, registrando a despesa correspondente. Não há, no sentido jurídico estrito, aprovação do ato da Administração, mas apenas forma de controle da legalidade do ato acabado.

Sobre o tema, o mestre HELY LOPES MEIRELLES leciona: ‘Toda atuação dos Tribunais de Contas deve ser a posteriori, não tendo apoio

constitucional qualquer controle prévio sobre atos ou contratos da Administração direta e indireta, nem sobre a conduta de particulares que tenham gestão de bens ou valores públicos, salvo as inspeções e auditorias in loco, que podem ser realizadas a qualquer tempo.

As atividades dos Tribunais de Contas no Brasil expressam-se fundamentalmente em funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradas e jurisdicionais administrativas,

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desempenhadas simetricamente tanto pelo TCU quanto pelos dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios que o tiverem (presentemente só os Municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro os tem).’ (Direito Administrativo Brasileiro, 25. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 647).”

Confira-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça:“ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIO. APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO.

ATO COMPLEXO. INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REGISTRO NO TRI-BUNAL DE CONTAS.

I - Não obstante complexo o ato administrativo de aposentadoria, certo é que, a partir de sua expedição, segue-se a sua execução. A partir da publicação do ato, pois, começa a correr a prescrição qüinqüenal da ação que tem por objeto alterá-lo, presente o princípio da actio nata, e não da decisão do Tribunal de Contas, que aprecia a sua legalidade e que não pode, nessa atividade fiscalizadora, modificar o seu fundamento.” (Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial nº 1.560-RJ, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJ de 19.02.90)

“A digressão doutrinária e colação de jurisprudência fizeram-se necessárias como arrimo para o ponto de vista de que a eficácia do ato de aposentadoria não está condi-cionado à aprovação do Tribunal de Contas, sendo certo que, a partir de sua publicação, passa a produzir todos os efeitos, nos exatos termos em que foi proferido, fazendo jus o servidor inativo aos proventos que decorrem das prestações deferidas no próprio ato.

Acrescente-se, por oportuno, que esta tese é corroborada pela própria Administração, pois desde a publicação do ato concessivo de aposentadoria (Diário Oficial nº 18.686, do dia 13 de junho de 2001) vem efetuando o pagamento dos proventos do impetrante (fls. 27), nos termos fixados no Despacho nº 1652/GC (fls. 148), sem, contudo, incluir a parcela referente à gratificação por encargo de chefia - GEC-1.

À guisa destas considerações, pugno pela concessão parcial da segurança, a fim de que seja incorporada aos proventos do impetrante a gratificação por encargo de chefia, GEC-1, deferida nos termos do ato concessivo de aposentadoria.” (fls. 204/206)

Com certeza, a matéria em discussão evoca, inevitavelmente, o prin-cípio da segurança jurídica, de que é expressão irrecusável a decadência, assim como a prescrição. Atualmente, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. Considera-se exercício do direito de anular qualquer me-dida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Recomenda-se, em tal contexto, maior cautela em casos como

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o dos autos. A propósito do direito comparado, vale a pena ainda trazer à colação clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do princípio da segurança jurídica, in verbis:

“É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória está na opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã do início do século de que, embora inexistente, na órbita da Administração Pública, o principio da res judicata, a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em proteger a boa-fé e a confiança (Treue und Glauben) dos administrados. (...) Esclarece Otto Bachof que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos anos 50, na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa-fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtsspre-chung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen, 1966, 3. Auflage, v. I, p. 257 e segs.; v. II, 1967, p. 339 e segs.). Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria.” (SILVA, Almiro do Couto e. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, v. 18, n. 46, 1988, p. 11-29)

Depois de incursionar pelo direito alemão, refere-se o mestre gaúcho ao direito francês, rememorando o clássico affaire Dame Cachet:

“Bem mais simples apresenta-se a solução dos conflitos entre os princípios da le-galidade da Administração Pública e o da segurança jurídica no Direito francês. Desde o famoso affaire Dame Cachet, de 1923, fixou o Conselho de Estado o entendimento, logo reafirmado pelos affaires Vallois e Gros de Beler, ambos também de 1923, e pelo affaire Dame Inglis, de 1935, de que, de uma parte, a revogação dos atos administra-tivos não cabia quando existissem direitos subjetivos deles provenientes e, de outra, de que os atos maculados de nulidade só poderiam ter seu anulamento decretado pela Administração Pública no prazo de dois meses, que era o mesmo prazo concedido aos

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particulares para postular, em recurso contencioso de anulação, a invalidade dos atos administrativos. HAURIOU, comentando essas decisões, as aplaude entusiasticamente, indagando: ‘Mas será que o poder de desfazimento ou de anulação da Administração poderá exercer-se indefinidamente e em qualquer época? Será que jamais as situações criadas por decisões desse gênero não se tornarão estáveis? Quantos perigos para a segurança das relações sociais encerram essas possibilidades indefinidas de revogação e, de outra parte, que incoerência, numa construção jurídica que abre aos terceiros in-teressados, para os recursos contenciosos de anulação, um breve prazo de dois meses e que deixaria à Administração a possibilidade de decretar a anulação de ofício da mesma decisão, sem lhe impor nenhum prazo’. E conclui: ‘Assim, todas as nulidades jurídicas das decisões administrativas se acharão rapidamente cobertas, seja com re-lação aos recursos contenciosos, seja com relação às anulações administrativas; uma atmosfera de estabilidade estender-se-á sobre as situações criadas administrativamente’ (La Jurisprudence Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II, p. 105-106.).” (COUTO E SILVA, Almiro do. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria--Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, v. 18, n. 46, 1988, p.11-29)

Na mesma linha, observa Couto e Silva em relação ao direito brasi-leiro:

“Miguel Reale é o único dos nossos autores que analisa com profundidade o tema, no seu mencionado Revogação e Anulamento do ato Administrativo, em capítulo que tem por título ‘Nulidade e Temporalidade’. Depois de salientar que ‘o tempo transcorrido pode gerar situações de fato equiparáveis a situações jurídicas, não obstante a nulidade que originariamente as comprometia’, diz ele que ‘é mister distinguir duas hipóteses: (a) a de convalidação ou sanatória do ato nulo e anulável; (b) a perda pela Administração do benefício da declaração unilateral de nulidade (le bénéfice du préalable)’ (COUTO E SILVA, Almiro do. Os princípios da legalidade da administração pública e da segu-rança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, v. 18, n. 46, 1988, p. 11-29).

Registre-se que o tema é pedra angular do Estado de Direito sob a forma de proteção à confiança. É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz jurídica um elemento nuclear do Estado de Direito material e também vê como aspecto do princípio da segurança o da confiança:

‘O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica’ (Derecho Justo - Fundamentos de Ética jurídica. Madri: Civitas, 1985, p. 91).

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O autor tedesco prossegue afirmando que o princípio da confiança tem um compo-nente de ética jurídica , que se expressa no princípio da boa-fé. Diz:

‘Dito princípio consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da confiança. (...)

Segundo a opinião atual, [este princípio da boa-fé] se aplica nas relações jurídicas de direito público’ (Derecho Justo - Fundamentos de Ética jurídica. Madri: Civitas, 1985, p. 95 e 96).

Na Alemanha, contribuiu decisivamente para a superação da regra da livre revogação dos atos administrativos ilícitos uma decisão do Tribunal Administrativo de Berlim, pro-ferida em 14.11.1956, posteriormente confirmada pelo Tribunal Administrativo Federal.

Cuidava-se de ação proposta por viúva de funcionário público que vivia na Alemanha Oriental. Informada pelo responsável pela Administração de Berlim de que teria direito a uma pensão, desde que tivesse o seu domicílio fixado em Berlim ocidental, a interessada mudou-se para a cidade. A pensão foi-lhe concedida. Tempos após, constatou-se que ela não preenchia os requisitos legais para a percepção do benefício, tendo a Admi-nistração determinado a suspensão de seu pagamento e solicitado a devolução do que teria sido pago indevidamente. Hoje a matéria integra a complexa regulação contida no § 48 da Lei sobre processo administrativo federal e estadual, em vigor desde 1977. (Cf. ERICHSEN, Hans-Uwe. In: ERICHSEN, Hans-Uwe; MARTENS, Wolfgang. Allgemeines Verwaltungsrecht. 9. ed. Berlim/Nova York, 1992. p. 289)

Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na já citada Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Como se vê, em verdade, a seguran-ça jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça ma-terial. Nesse sentido, vale trazer passagem de estudo do professor Miguel Reale sobre a revisão dos atos administrativos:

‘Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor pú-blico, visto carecer, na época, de um dos requisitos complementares exigidos por lei, possa a Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essen-ciais, que o tempo não logra por si só convalescer, como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reservado a médico, mas a exigências outras que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade do ato. Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implícito no princípio do due process of law. Tal princípio, em verdade, não é válido apenas no sistema do direito norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os ordenamentos jurídicos,

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visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade normativa, de economia de meios e forma e de adequação à tipicidade fática. Não obstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe corresponda, poderíamos traduzir due process of law por devida atualização do direito, ficando entendido que haverá infração desse ditame fundamental toda vez que, na prática do ato administrativo, for preterido algum dos momentos essenciais à sua ocorrência; porém destruídas, sem motivo plausível, situações de fato, cuja continuidade seja economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas distintivas da realidade.’”

Enfim, in casu, não há dúvida de que houve o transcurso de prazo superior a cinco anos entre a data do ato de aposentadoria da autora e a data da intimação determinando a comprovação do recolhimento das contribuições do tempo de serviço rural. Outrossim, ad argumentandum tantum, a exigência de indenização das contribuições foi instituída em 24.08.95, ao passo que a certidão de tempo de serviço rural foi expedida antes, em 31.03.95. Ademais, não há alegação de má-fé, fraude ou erro administrativo causado pela servidora.

Diante do exposto, voto por julgar procedente o pedido, para conceder a segurança.

Custas ex lege.Sem honorários advocatícios.É o voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.010160-5/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Agravante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –

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INCRAAdvogados: Dr. Marcelo Ayres Kurtz

Drs. João Carlos Bohler e outroAgravados: Cooperativa Agrária Agroindustrial e outros

Advogados: Drs. Marçal Justen Filho e outrosDr. Júlio Assis Gehlen

Dr. Fernão Justen de Oliveira

EMENTA

Constitucional. Remanescentes de comunidades de quilombos. Art. 68-ADCT. Decreto nº 4.887/2003. Convenção nº 169-OIT.

1. Direito Comparado. Direito Internacional. O reconhecimen-to de propriedade definitiva aos “remanescentes de comunidades de quilombos” é norma constitucional que encontra similitude no direito constitucional do continente americano. Questionamento, por parte de comitês e comissões internacionais cuja jurisdição o Brasil reconheceu competência, no sentido da preocupação com a violação dos direitos das comunidades negras, recomendando adoção de procedimentos para efetiva titulação das comunidades quilombolas. Compromissos firmados e que encontram substrato na “prevalência dos direitos humanos” como princípio regente das relações internacionais.

2. Interpretação da Constituição. Na interpretação das normas cons-titucionais, há que se ter em conta a unidade da Constituição, a máxima efetividade e a eventual concordância, não sendo, em princípio, incons-titucional regulamentação, por decreto, de direitos das referidas comu-nidades, passados quase vinte anos da promulgação de uma “disposição constitucional transitória”.

3. Necessidade de lei. A regulamentação, por meio de decreto, que não fere a Constituição, nem constitui espécie de decreto autônomo, quan-do: a) inexiste, para o caso, expressa previsão de lei em sentido formal, a regular a matéria; b) as Leis nos 7.688/88 e 9.649/98 dão suporte ao procedimento da administração; c) estão presentes todos os elementos necessários para a fruição do direito.

4. Convenção nº 169-OIT. Plena aplicabilidade do tratado internacio-nal de proteção de “comunidades tradicionais”, não destoando o Decreto nº 4.887/2003 de seus parâmetros fundamentais: a) auto-atribuição das

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comunidades envolvidas; b) a conceituação de territorialidade como garantidora de direitos culturais; c) o reconhecimento da plurietnicidade nacional.

5. Quilombolas. Conceito que não pode ficar vinculado à legislação colonial escravocrata, tendo em vista que: a) a historiografia reconhe-ce a diversidade cultural e de organização dos quilombos, que não se constituíam apenas de escravos fugitivos; b) a Associação Brasileira de Antropologia estabeleceu, com base em estudos empíricos, um marco conceitual, a servir de base para o tratamento jurídico; c) o dispositi-vo constitucional, de caráter nitidamente inclusivo e de exercício de direitos, não pode ser interpretado à luz de uma realidade de exclusão das comunidades negras; d) os remanescentes não constituem “sobra” ou “resíduo” de situações passadas, quando o comando constitucional constitui proteção para o futuro; e) fica constatada a diversidade de pos-ses existentes, por parte das comunidades negras, desde antes da Lei de Terras de 1850, de que são exemplos as denominadas “terras de santo”, “terras de índios” e “terras de preto”.

6. Desapropriação. Instituto que não é, de início, inconstitucional para a proteção das comunidades, considerando que: a) a Constituição ampliou a proteção do patrimônio cultural, tanto em sua abrangência conceitual (rompendo com a visão de “monumentos”, para incluir tam-bém o patrimônio imaterial), quanto em diversidade de atuação (não só o tombamento, mas também inventários, registros, vigilância e desapro-priação, de forma expressa); b) onde a Constituição instituiu “usucapião” utilizou a expressão “aquisição de propriedade”, ao contrário do art. 68-ADCT, que afirma o “reconhecimento da propriedade definitiva”; c) existe divergência conceitual em relação à natureza jurídica prevista, que poderia implicar, inclusive, “afetação constitucional” por “patrimônio cultural” ou mesmo “desapropriação indireta”.

7. Características singulares. Existência de territorialidade específica, não limitada ao conceito de “terras”, mas envolvendo utilização de áreas de uso comum, parcelas individuais instáveis e referenciais religiosos e culturais, a amparar pleno “exercício de direitos culturais”, que não se estabelece apenas com a demarcação, que é mero ato declaratório. Obriga-toriedade de intervenção do Ministério Público no processo. Necessidade de oitiva da comunidade envolvida e conveniência de participação de

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um “tradutor cultural”, que permita às partes “se fazer compreender em procedimentos legais” (Convenção nº 169-OIT).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 1º de julho de 2008.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação ordinária proposta por Cooperativa Agrária Agroindustrial e outros 19 litisconsortes, em face do INCRA, deferiu parcialmente a antecipação da tutela para: a) reconhecer a inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003 e da IN nº 20/2003, afastando sua aplicabilidade em face dos autores; b) invalidar integralmente o procedimento administrativo nº 54.200.001727/2005-08 em relação à parte autora, afastando quaisquer efeitos sobre ela; c) determinar que o réu, na contestação, especifique justificadamente as provas que pretenda produzir, “sendo desde já indeferido o requerimento genérico de produção probatória, assim como, se for o caso, apresentar o rol de testemunhas com a pertinente qualificação” (fl. 82).

Sustenta a autarquia, em síntese, que: a) o art. 68 do ADCT veio resgatar uma “dívida histórica do povo e do governo brasileiro para os remanescentes de quilombos” (fl. 24); b) que a norma transitória tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, não carecendo de complemen-tação normativa (fl. 26); c) o reconhecimento de propriedade definitiva às comunidades quilombolas pode ser feito por desapropriação, e não somente por usucapião extraordinário, conforme alegado (fl. 27); d) que não se justifica a antecipação de tutela.

Deferida a liminar (fls. 86-91), para cassar a decisão agravada, no tocante às alegações de inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003 e da IN nº 20/2005, com a conseqüente retomada do

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procedimento administrativo nº 54.200.001727/2005-08, sobreveio pedido de reconsideração (fls. 96-103), juntamente com parecer da lavra de Marçal Justen Filho (fls. 104-151).

Com parecer do Ministério Público Federal (fls. 154-161) e contra--arrazoado o recurso (fls. 163-178), vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Os autores da ação ordinária narram ser proprietários e possuidores de imóveis da localidade “historicamente designada por ‘Paiol da Telha’ ou ‘Fundão’, no Município de Reserva do Iguaçu” (fls. 35 e 77), e que teriam, desde a década de 1970, realizado investimentos na área, mas em novembro de 2007 o INCRA teria anunciado o objetivo de caracterizar o imóvel denominado “Invernada do Paiol de Telha” por meio de dados para fins de titulação como “terras tradicionalmente ocupadas por quilombos”.

Alegaram na inicial: a) haver apenas duas espécies de desapropriação (utilidade pública e interesse público para fins de reforma agrária), de forma que a conduta do INCRA seria concretizar uma “desapropriação indireta e injusta”; b) que o procedimento violaria o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, por não permitir um “diálogo efetivo entre os interessados”; c) inexistir dever de “produzir provas contrárias aos seus interesses”. Não sendo feito a ser apreciado em plantão, foi o pedido objeto de emenda à inicial, em vista da qual o juízo determinou nova emenda (fl.58), que, por sua vez, aduziu a inconstitucionalidade dos diplomas normativos que regulariam a questão (fls. 59-68). Novo prazo para emenda à inicial, porque o pedido de “absoluta proibição de o réu realizar os estudos que vem empreendendo”, podendo ser deduzido, não estava claramente contido (fl. 69).

Sobreveio, pois, nova emenda à inicial (fls. 70-72), que, reiterando a inconstitucionalidade dos diplomas, buscava, ainda: a) encerramento do presente processo administrativo; b) abstenção de início de novo procedimento, sem observância de intimação prévia sobre o conteúdo e objeto, intimação de todos os atos do processo, oportunidade de partici-pação de todas as fases, prazo para recursos contra decisões proferidas ao longo do processo e direito de vista dos autos no processo sempre

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que necessário (fl. 71). Daí o pedido de tutela antecipada.Inicialmente, cumpre salientar duas situações no presente processo:

a) a concessão de inúmeras oportunidades de emenda à inicial, quando se deveria indeferir, de plano, por inépcia, se não cumprido o requeri-mento judicial; b) o valor da causa estimado em vinte mil reais, para uma discussão que envolve uma área de oito milhões de metros quadrados (fls. 35 e 53). De toda forma, essas peculiaridades não foram objeto do presente agravo de instrumento.

A questão, pois, diz respeito à inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, reconhecido pelo magistrado de primeiro grau, liminar-mente, sem oitiva da parte contrária, aos fundamentos de: a) o art. 216 da Constituição não teria determinado desapropriação de qualquer sítio de valor histórico vinculado aos antigos quilombos, mas sim apenas “tombamento” (fl. 79); b) a previsão do ADCT diz respeito a usucapião extraordinário, não explicitando a forma pela qual seria feita a titulação, hipótese que ensejaria lei em sentido formal (fls. 79v-80), porque impli-caria aumento de despesa para a estrutura federal; c) deveria ser previsto o ajuizamento de ações de usucapião, não sendo possível desapropriação, “já que a propriedade já teria sido transferida aos interessados pelo só advento da Constituição” (fl. 80); d) afastados os termos de concessão de titulação, o restante do decreto não remanesceria pela impossibilidade de atuação do Poder Judiciário “como legislador positivo” (fl. 80v); e) a atribuição de nova função ao INCRA por decreto violaria o art. 84, inciso VI, a, da Constituição.

O art. 68 do ADCT tem uma redação assaz sintética, de forma que “aos remanescentes de comunidades dos quilombos que estejam ocu-pando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Necessário, contudo, tecer algumas considerações de Direito Constitucional comparado e Direito Internacional, antes de adentrar no mérito da questão.

No campo do Direito Constitucional comparado, observo, inicialmen-te, que a Constituição do Equador (1988) assegura aos povos negros ou afro-equatorianos os mesmos direitos que aos indígenas de conservar “a propriedade imprescritível das terras comunitárias, que serão inaliená-veis, inembargáveis e indivisíveis, ressalvada a faculdade do Estado para declarar sua utilidade pública”, mantendo a posse das terras e obtendo

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sua “adjudicação gratuita, conforme a lei” (arts. 84, itens 2 e 3 c/ art. 85). Em maio de 2006, afinal, foi promulgada a Lei dos Direitos Coletivos dos Povos Negros ou Afro-Equatorianos.

A Colômbia, no texto constitucional de 1991, reconheceu a diver-sidade “étnica e cultural da nação” (art. 7º), estabelecendo, ainda, um prazo de cinco anos para edição de lei reconhecendo “às comunidades negras que tenham ocupado terras baldias nas zonas rurais ribeirinhas dos rios da Cuenca do Pacífico, de acordo com as suas práticas tradicionais de produção, o direito à propriedade coletiva sobre as áreas que a referida lei demarcar” (art. 55 transitório), o que veio a ser regulamentado pelas Leis nos 70/93 e 397/1997.

A Constituição da Nicarágua (1987), por sua vez, fixou parâmetros mais ousados, ao garantir às “comunidades da costa atlântica” o direito a “preservar e desenvolver sua identidade cultural na unidade nacional, dotar-se de suas próprias formas de organização social e administrar seus assuntos locais conforme suas tradições”, reconhecendo, ao mesmo tempo, “as formas comunais de propriedade das terras”, bem como uso, gozo e desfrute das águas e bosques dessas terras (art. 89). De forma expressa, estatuiu que “o desenvolvimento de sua cultura e seus valores enriquece a cultura nacional”, devendo o Estado criar programas espe-ciais para o exercício de seus direitos de livre expressão e “preservação de suas línguas, arte e cultura” (art. 90). A Lei nº 445, de 2003, estabe-leceu o procedimento de titulação das terras. Ademais, as comunidades garífunas de Honduras e Belize, bem como os “maroons” do Suriname e do Panamá, todas comunidades negras, encontram-se em processo de reconhecimento, em seus respectivos países, do direito às propriedades ocupadas.

A disposição contida, pois, no art. 68 do ADCT não se encontra isolada no contexto constitucional do continente americano. Ademais, insere--se dentro de uma significativa alteração que vem se dando rumo a uma nova forma de constitucionalismo, que assume a plurinacionalidade, a pluriculturalidade, a plurietnicidade e a interculturalidade dos países e que põe em discussão, pois, a simultaneidade de tradições culturais no mesmo espaço geográfico, o pluralismo jurídico, a ressignificação de direitos coletivos, a democracia intercultural, a territorialidade, a inclusividade cultural e um grau razoável de incertezas e instabilidades

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(SANTOS, Boaventura. La reinvención del Estado y el Estado pluri-nacional. Cochabamba: Bolívia, 2007, p. 9-19. Disponível em http://www.ces.uc.pt/publicacoes/outras/200317/estado_plurinacional.pdf; BALDI, César Augusto. Desafios do constitucionalismo intercultural. Estado de Direito, Porto Alegre, abril e maio de 2008, n. 14. Disponível em: http://www.estadodedireito.com.br/edicoes/ED_14.pdf). Esta nova configuração tem chamado ainda pouca atenção dos constitucionalistas (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Consti-tuição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1427, 1450-1453), mas tem sido objeto de consideração de sociólogos e será palco, com certeza, de inúmeras discussões no futuro.

No que diz respeito aos compromissos firmados pelo Brasil, no âmbito do Direito Internacional, é de se verificar o conteúdo de determinados relatórios da ONU a respeito da questão específica.

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, apreciando informe do Brasil a respeito do cumprimento do Pacto Internacional, em 26.06.2003, (http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/publications/CESCR-Compilacion(1989-2004).pdf), manifestou sua preocupação com: a) generalização de uma “discriminação arraigada contra afro-brasileiros, povos indígenas e grupos minoritários, como são as comunidades ciganas e os quilombos” (item 20); b) o despejo forçado dos quilombos de suas terras ancestrais, que são “expropriadas, com impu-nidade, por empresas mineradoras e outras empresas comerciais” (nº 36). Daí as recomendações de que o país adotasse: a) “todo tipo de medidas eficazes para proibir a discriminação de raça, cor, origem étnica ou sexo em todos os aspectos da vida econômica, social e cultural”, garantindo igualdade de oportunidades aos afro-brasileiros, indígenas, quilombos e ciganos, “especialmente em matéria de emprego, saúde e educação” (nº 44); b) “medidas que garantam as terras ancestrais a quilombos e a que se vele para que todo despejo forçado que se pratique cumpra as diretrizes estabelecidas na Observação Geral nº 7 deste Comitê” (item 59).

A Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação racial (CERD), na 64ª sessão, em 23 de fevereiro a 12 de março de 2004 (http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/f23afefaffdb960cc1256e59005f05cc/$FILE/G0441073.pdf), apreciando os relatórios brasileiros de 1996, 1998, 2000 e 2002, emitiu as seguintes recomendações ao Brasil: a) tendo

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em vista a persistência de profundas desigualdades estruturais afetando negros e comunidades mestiças e indígenas, que o país intensificasse seus esforços para combater “discriminação racial e eliminar tais desi-gualdades” (item 12); b) considerando que “poucas áreas de quilombos tinham sido oficialmente reconhecidas” e “um número ainda menor ter recebido o título de propriedade dos territórios ocupados”, recomendava a “aceleração do processo de identificação das comunidades quilombolas e das terras, bem como da distribuição dos respectivos títulos” (item 16). De observar-se, ainda, que desde o Decreto nº 4.738, de 12.06.2003, em seu art. 1º, o Brasil reconheceu a competência do “Comitê Internacio-nal para a Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de violação dos direitos humanos” conforme previsto no art. 14 da Convenção Internacional supracitada.

Finalmente, o Conselho Econômico e Social, na 61ª sessão, apresen-tando informe do Relator Especial para a moradia adequada (http://www.unfpa.org/derechos/documents/relator_vivienda_brasil_04.pdf), em 18 de fevereiro de 2004, em decorrência de missão específica ao Brasil, fez as seguintes considerações: a) no que diz respeito aos despejos força-dos (item IX), incluindo “comunidades quilombolas vivendo em terras ancestrais”, há uma “necessidade urgente para o Governo no sentido de adotar medidas e legislação nacional para garantir proteção contra despejos forçados e assegurar que qualquer despejo seja executado em conformidade com as obrigações internacionais” (item 70); b) no tocante especificamente às comunidades quilombolas (item X, B), reconhecendo que o art. 68 do ADCT constitui “um simbólico ponto de partida para rever históricas discriminações contra descendentes de escravos” (item 75), recomendou que o governo brasileiro, “no tratamento das condi-ções de moradia e de vida das comunidades quilombolas”, adotasse as orientações fornecidas pela Recomendação XXIX adotada pelo referido Comitê (item 78). Por outro lado, observou que a legislação que lida com “diferentes formas de posse e direito de propriedade” deveria ser revisada, de forma a “harmonizar e simplificar a emissão de escrituras”, incluídas, aí, das referidas comunidades, bem como indígenas e assen-tamentos rurais e urbanos (item 80, b).

Nos três relatórios constou, também, a falta de capacitação adequa-da “em matéria de direitos humanos”, em particular com respeito aos

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“direitos consagrados” em tratados internacionais, especialmente “na judicatura e entre os agentes públicos” (item 19 e recomendação 42 do relatório do Comitê DESC, recomendação 18 do relatório CERD e itens 61 e 80, i, do relatório da moradia adequada), aliás, recomendações já constantes do relatório Sistema judicial y racismo contra afrodescen-dientes, produzido pelo Centro de Estudios de Justicia de las Américas, em 2004 (disponível em http://www.cejamericas.org/doc/proyectos/raz--sistema-jud-racismo2.pdf). Um desafio, pois, também para as Escolas de Magistratura e do Ministério Público.

Disso resulta, pois, que os comitês internacionais: a) manifestam preocupação com a violação de direitos de comunidades negras, em especial decorrentes de discriminação racial; b) recomendam adoção de procedimentos para a efetiva titulação das comunidades quilombolas; c) denunciam a expropriação das terras de quilombolas por mineradoras e outras empresas comerciais; d) alertam para a necessidade de processos de capacitação dos atores jurídicos para a área de Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Ainda mais quando se verifica que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH) realizou, em 19 de outubro de 2007, no 130º período de sessões, audiência para discutir especificamente a questão dos quilombolas, em que foram narrados os problemas rela-cionados à falta de identificação oficial e registro por parte do Estado brasileiro, a demora e ineficácia do procedimento estabelecido para a concessão da titularidade das terras e a carência de políticas públicas eficientes destinadas a tais comunidades. Ademais, ficou consignada, pelas organizações sociais brasileiras, “a ineficiência na defesa dos qui-lombolas, que são vitimados pelas grandes empresas, pelo latifúndio e pelo racismo de parte da grande imprensa, gerando condições para que os quilombolas sejam escravizados, seus territórios ocupados e sua cultura esmagada” (http://antropologias.blogspot.com/2007/10/quilombolas--despertam-preocupao-na.html). Na ocasião, o Relator Especial sobre Afrodescendentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Clarence Roberts, afirmou que, em visita ao Brasil, teve oportunidade de conhecer a realidade dos povos quilombolas e que a situação de des-respeito exposta pelos representantes brasileiros é verídica:

“Reconhecemos as tentativas do governo brasileiro em lidar com essa questão. Po-

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rém, eu visitei pessoalmente essas comunidades e presenciei sua condição de vida. Por isso, sei exatamente o que os peticionários querem dizer. Um problema é a burocracia para cumprir a lei de titulação de terras. Este processo deveria ser mais curto, pois é urgente titular as terras para melhorar as condições de vida dos Quilombolas. Além disso, é necessário criar oportunidades econômicas para essas comunidades. Existem programas governamentais nesse sentido, mas parece haver um problema com sua exe-cução, pois apenas uma pequena parte dos recursos desses programas é utilizada. Este é um dos obstáculos para a efetiva implementação dessas políticas. Portanto, há duas áreas de intervenção que o governo deveria enfocar: a questão da terra, que é central. Os processos de titulação devem ser executados rapidamente; a execução de projetos que garantam justiça social para comunidades quilombolas, como lhes é de direito.”

Eventual inconstitucionalidade, portanto, a par de não-recomendável, seria passível de sanções ou reprimendas no âmbito dos Comitês e Comissões cuja jurisdição o Brasil aceitou competência para analisar e apreciar violações de direitos humanos, não sendo de esquecer que em 21.10.2006, a CIDH admitiu a petição de denúncia da comunidade quilombola de Alcântara (MA), por violação aos direitos humanos ga-rantidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos (petição nº 555-01, relatório nº 82/06).

No que diz respeito, por sua vez, à constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, necessário verificar que, ainda que o artigo das disposições transitórias date de outubro de 1988, as primeiras disposições sobre a questão somente surgiram em 1995 com a Portaria nº 15, da Fundação Cultural Palmares (criada em 1988), que disciplina os trabalhos de iden-tificação das comunidades, e a Portaria nº 307, do INCRA, estabelecendo a competência para demarcação. A aceitação dos fundamentos da decisão interlocutória implicaria, por via transversa, a inconstitucionalidade da regulamentação anterior, inclusive porque o Decreto nº 3.912/2001, revo-gado pelo Decreto nº 4.887/2003, também pretendeu regulamentar o art. 68 do ADCT. Dessa forma, cautela maior já seria, de per si, necessária para o acolhimento das alegações constantes da inicial.

Na interpretação das normas constitucionais há que se ter em conta: a) a unidade da Constituição, de modo que a “Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucio-nal e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1223); b) a máxima efetividade, de forma que a uma “norma constitucional

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deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê” (p. 1224); c) a concordância prática, que impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação a outros” (p. 1225).

A leitura inicial do artigo dá conta do reconhecimento da propriedade definitiva, com a necessária emissão dos títulos, para os “remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras”. O artigo buscava, apenas: a) o reconhecimento dessa propriedade definiti-va; b) a necessária titulação. Não dispunha, contudo, do que constituiria “remanescentes das comunidades de quilombos”, nem o procedimento. Assegura, pois, um direito a tais comunidades e, portanto, auto-aplicável, nos termos da leitura do art. 5º, § 1º. Não previa necessidade de lei em sentido formal, nem estabelecia procedimento. Caberia verificar, pois, se o Decreto nº 4.887/2003 criara inovação na ordem jurídica ou mesmo direitos, o que lhe seria vedado.

A edição de lei em sentido formal, em princípio, é desnecessária.Primeiro, porque, quando se fez necessária lei em sentido formal

– aqui incluída a possibilidade de medida provisória –, a disposição constitucional sempre foi expressa, como se vê do arts. 5º, incisos XXIV (procedimento desapropriatório), XXIX (privilégio aos autores de inven-tos industriais), XXXII (defesa do consumidor), XLII (crime de prática de racismo), ou mesmo do art. 7º, incisos IV (salário mínimo) e XIX (licença-paternidade).

Segundo, porque a MP nº 2.216-37, de 31.08.2001, anterior ao regime da EC nº 32/2001, determinou: 1) à Fundação Cultural Palmares a realiza-ção de “identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, a delimitação e à demarcação das terras por eles ocupadas e conferir-lhes a correspondente titulação” (art. 2º, III, da Lei nº 7.688/1988); 2) ao Ministério da Cultura a competência para “aprovar a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como determinar as suas demarcações, que serão homologadas mediante decreto” (art. 14, IV, c, da Lei nº 9.649/98).

Terceiro, porque, estando presentes todos os elementos necessários para fruição do direito, desnecessária a edição de lei formal, podendo, pois, o procedimento ser regulamentado por decreto, na esteira do pre-cedente do STF na ADIN 1.590/SP (rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.

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19.06.1997), segundo o qual, “suposta a eficácia plena e a aplicabilidade imediata”, a sua implementação, “não dependendo de complementação normativa”, não parece “constituir matéria de reserva à lei formal” e, no âmbito do Executivo, poderia “ser determinada por decreto”. Ademais, o STF também já reconheceu a possibilidade de já existir legislação e, neste caso, o regulamento ser aparentemente autônomo (ADI 2.398/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. 25.06.2007).

Quarto, porque, quando da aprovação do projeto de Lei nº 129/1995, regulamentando o art. 68-ADCT, a mensagem presidencial nº 370, de 13.05.2002, justificou o veto com duas objeções: a) inconstitucionali-dade; b) contrariedade ao interesse público. Em relação a esta, o veto foi baseado no fato de que, por meio de decreto (na época, o Decreto nº 3912/2001), “são previstas regras precisas sobre o tema objeto do projeto, regras essas que permitem à Fundação Cultural Palmares, em parceria com outros órgãos públicos, não só cumprir o dever constitucional de titular as terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, como exigido no dispositivo constitucional citado, mas também garantir a essas comunidades direitos envolvendo o meio ambiente, a questão fundiária, a proteção aos recursos renováveis, a produção agrícola etc”, de tal forma que o projeto representaria “um retrocesso legislativo que traz o inconveniente de tornar menos eficaz o processo administrativo atualmente estabelecido”. O veto restou mantido, pelo Poder Legislativo, com essas considerações, a relevar, portanto, a alegada falta de regula-mentação, tendo em vista a própria existência de decreto expedido pelo Poder Executivo.

Quinto, porque a densidade da norma constitucional – art. 68 do ADCT – é suficiente, havendo apenas a “necessidade de regulamen-tação para uma atuação administrativa adequada”, uma vez que estão suficientemente indicados, no plano normativo, “o objeto de direito (a propriedade definitiva das comunidades dos quilombos), seu sujeito ou beneficiário (os remanescentes das comunidades dos quilombos), a condição (a ocupação tradicional das terras), o dever correlato (reco-nhecimento da propriedade e emissão dos títulos respectivos) e o su-jeito passivo ou devedor (o Estado, Poder Público)” (ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos dos descendentes de escravos (remanescentes das comunidades de quilombos). In: SARMENTO, Daniel; IKAWA,

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Daniela; PIOVESAN, Flávia (coordenadores). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 461-463).

Ademais, é pacífico o entendimento, na doutrina nacional, que a “topologia constitucional” (alegação do agravado, fl. 113), ou seja, a localização do dispositivo constitucional fora do Título II (“Direitos e garantias fundamentais”), não retira a nota de “fundamentalidade” de eventual direito previsto, de que é evidência a “cláusula de abertura material”, prevista no art. 5º, § 2º, que faz referência expressa a “trata-dos internacionais” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 95).

Isto já seria suficiente para a descaracterização, preliminar, da in-constitucionalidade. Ocorre que o Decreto questionado foi expedido em 20.11.2003, quando já estava em vigor, no âmbito normativo interno, a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 19.06.2002 por meio do Decreto Legislativo nº 142/2002.

No julgamento da AMS nº 2005.70.00.008336-7/PR, julgada pela 3ª Turma, por unanimidade, em 25.03.2008, deixei consignado, ao apreciar a constitucionalidade das ações afirmativas, que:

“Não é demais lembrar que o STF tem se inclinado no sentido de rever o antigo posicionamento que entendia pela paridade entre tratados internacionais e legislação ordinária. Dentro dessa tendência, o STF deve adotar ou o posicionamento de conferir aos tratados internacionais uma hierarquia de supralegalidade em relação à legislação nacional, posição defendida pelo Min. Gilmar Mendes, ou a orientação de que os trata-dos de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, em momento anterior à promulgação da Constituição, revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidos, nesta condição, por força do § 2º do art. 5º da Constituição, posição defendida pelo Min. Celso de Mello.

Em se adotando este último posicionamento, maior reforço argumentativo a favor da constitucionalidade das ações afirmativas: isto implica dizer que todos os tratados de direitos humanos são materialmente constitucionais e compõem, pois, o bloco de constitucionalidade, de forma que, por um lado, ampliam o núcleo mínimo de direitos e garantias constitucionalmente consagrados, adicionando novos princípios que equi-valem às próprias normas constitucionais, como se nelas estivessem escritos, e, por outro lado, constituem o próprio parâmetro de controle de constitucionalidade, agora alargado, com os princípios implícitos. Esta é lição que se colhe de Canotilho (Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 921): ‘há que se densificar, em profundidade, as normas e princípios da Constituição, alargando o ‘bloco de constitucionalidade’ a princípios não escritos desde que reconduzíveis

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ao programa normativo-constitucional como formas de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivamente plasmadas.’ E que, na doutrina brasileira, vem representada por Valerio de Oliveira Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 694-695) e Flavia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 71-74) e também o material disponível no site da Escola da Magistratura deste TRF – EMAGIS, em http://www.trf4.gov.br/trf4/upload/arquivos/emagis_atividades/ccp5_flavia_piovesan.pdf, especialmente p. 30-32). E já afirmada em jurisprudência do STF para outras situações (ADIN 595-ES, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo nº 258/STF).”

Recentemente, o STF, apreciando a constitucionalidade de normas estaduais proibindo o uso de amianto, entendeu que a existência da Convenção 162-OIT, promulgada pelo Decreto nº 126/91, significaria um “compromisso assumido pelo Brasil de desenvolver e implementar medidas para proteger o trabalhador exposto ao amianto, uma norma protetiva de direitos fundamentais, em especial o direito à saúde e o direito ao meio ambiente equilibrado”, e que, “tendo em conta a coin-cidência principiológica entre o texto constitucional e a Convenção”, esta “deveria ser um critério para se avaliar as normas estaduais”, e conferiu às normas da Convenção, no mínimo, o status supralegal e in-fraconstitucional (ADI 3937- QO-MC/SP, Rel. p/acórdão Min. Joaquim Barbosa, Informativo nº 509/STF, julgamento 04.06.2008).

Neste contexto, pois, a Convenção nº 169-OIT deve servir de parâ-metro para avaliar o Decreto nº 4.887/2003, em termos constitucionais, para a disciplina do art. 68 do ADCT.

A Convenção, por sua vez, plenamente aplicável aos quilombolas, porque incluídos estes na disposição do art. 1.1. a como “povos tribais”, no sentido de serem aqueles que, “em todos os países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que sejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou legislação especial”. A proteção jurídica às “populações tradicionais” não era estranha ao ordenamento nacional desde a edição da Lei nº 9.985/2000, que, instituindo o “Sis-tema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza”, mencionou como objetivo expresso deste “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economica-

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mente” (art. 4º, inciso XIII) e como uma das diretrizes básicas garantir a tais populações meios de subsistência alternativos ou indenização por recursos perdidos (art. 5º, inciso X). Ainda que o conceito, inicialmente previsto no inciso XV do art. 2º, tenha sido vetado (Mensagem presi-dencial nº 967, de 18.07.2000), a referida lei menciona inúmeras vezes as “populações tradicionais” ao disciplinar as reservas extrativistas e as reservas de desenvolvimento sustentável, permitindo, inclusive, sua presença em florestas nacionais (art. 17, § 2º), e o conceito já se encontra relativamente bem aceito e definido nas ciências sociais, pelo desenvol-vimento de modos de vida particulares, que envolvem dependência dos ciclos naturais, conhecimento dos ciclos biológicos e recursos naturais, tecnologias patrimoniais e simbologia, associado à noção de território ou espaço onde se reproduzem econômica e socialmente. A MP nº 2.186-16/2001 esboçou um conceito de “comunidade local”, associado à função socioambiental da propriedade, tal como constitucionalmente delineada (art. 186, CF), pela atenção ao “aproveitamento racional e adequado” (inciso I) e “preservação do meio ambiente” (inciso II), com evidentes reflexos na legislação civil (art. 1228, § 1º, Código Civil), que refere, especificamente, o “equilíbrio ecológico” e o “patrimônio histórico e artístico”.

O Decreto nº 6.040, de 07.02.2007, ao instituir a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, definiu como povos e comunidades tradicionais os “grupos culturalmen-te diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (art. 3º).

A argumentação, constante de parecer juntado aos autos, de que somente poderia se conceber a incidência da referida convenção “na medida em que uma comunidade de quilombo tivesse gerado uma tra-dição de costumes diferenciados, aptos a torná-la inconfundível com o restante da sociedade brasileira” (fl. 132), implica, por um lado, o não-reconhecimento da diversidade étnico-racial e do caráter multicul-tural, expressos, dentre outros, nos arts. 215, § 1º e § 3º, inciso V, e 216, caput, da Constituição (DUPRAT, Deborah. O Direito sob o marco da

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plurietnicidade/multiculturalidade. Disponível em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/artigos/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/o_direito_sob_o_marco_da_ plurietnicidade_multicultu-ralidade.pdf), e, por outro, o desconhecimento de todo um conceitual da antropologia (neste sentido, dentre outros: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. As populações remanescentes de quilombos: direitos do pas-sado ou garantia para o futuro? Seminário Internacional As Minorias e o Direito. Cadernos do CEJ, Brasília, (24): 2003, p. 245-56), com evidentes reflexos no mundo jurídico (SHIRAISHI NETO, Joaquim. Reflexão do direito das “comunidades tradicionais” a partir das declara-ções e convenções internacionais. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, a. 2, nº 3, julho-dezembro de 2004. Disponível em: http://www.pos.uea.edu.br/data/direitoambiental/hileia/2005/3.pdf). Um extenso mapeamento de tais situações, que inclui seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco de babaçu, faxinalenses e ribeirinhos, dentre outros, está sendo realizado pela Universidade Federal do Amazonas, no projeto “Nova cartografia social da Amazônia”.

Ademais, a Convenção previu que: a) os governos deverão “adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os po-vos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse” (art. 14, 2); b) deverão ser “instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados” (art. 14, 3 c/art. 1.3, no tocante ao entendimento de “povos” da Convenção). Daí porque o regulamento poderia disciplinar tais situações.

Neste particular, necessário esclarecer o sentido de “remanescentes das comunidades dos quilombos”. A primeira noção, vinda da idéia geralmente aceita do modelo de Palmares, implicaria a caracterização daqueles agrupamentos de negros fugitivos que tivessem se mantido desde a abolição da escravatura até o advento da Constituição de 1988. Essa interpretação, a par de esvaziar completamente o texto transitório, não condiz com a realidade histórica e social do país.

Primeiro, porque a historiografia moderna demonstra, à saciedade, a profunda diversidade étnico-cultural e de organização dos quilombos,

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com presença de “brancos, mestiços de vária estirpe e índios, além de negros africanos e nascidos no Brasil” e, portanto, “um território social e econômico, além de geográfico, no qual circulavam diversos tipos so-ciais”, não havendo, muitas vezes, rompimento de laços com escravos das fazendas ou mesmo com o “mundo exterior englobante” e outras vezes constituindo economias próprias e prósperas, envolvendo-se com movimentos sociais os mais variados, inclusive abolicionistas (REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, es-pecialmente introdução de fls. 9-23).

Segundo, é também a historiografia que demonstra que muitas co-munidades quilombolas formaram-se com escravos libertos que, mesmo após a alforria individual ou a abolição geral da escravatura, optaram por viver em comunidades, em locais ermos ou livres do domínio pri-vado de algum senhor, e outras vezes deslocados e esbulhados de seus territórios, conforme, aliás, foi reconhecido pelos sucessivos relatórios internacionais. Outras comunidades, por sua vez, se formaram a partir de compra de terras por escravos ou mesmo decorrentes de doações, mantendo territórios próprios, e outras se constituíram em locais bem próximos às fazendas e plantations (caso, por exemplo, da comunidade de Frechal) (SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Pierópo-lis, 2005, p. 172-173; ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amilcar Araujo. Histórias do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas, CPDOC- FGV, 2007, p. 313-314). Inconstitucional, portanto, era a previsão do art. 1º do anterior Decreto nº 3.912/2001, que exigia a comprovação de permanência no mesmo local por mais de cem anos, desde a abolição da escravatura.

Terceiro, porque, depois de longa discussão travada, a Associação Brasileira de Antropologia definiu, em 1994, o quilombo como “toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura da subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado”.

Quarto, porque os próprios antropólogos reconhecem que, ao serem identificadas como “remanescentes”, aquelas comunidades, “em lugar de representarem os que estão presos às relações arcaicas de produção e

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reprodução social”, passam a ser “reconhecidas como símbolo de uma identidade, de uma cultura e, sobretudo, de um modelo de luta e mili-tância negra” e, nesse sentido, “os laços das comunidades atuais com grupos do passado precisam ser produzidos hoje, através da seleção e da recriação de elementos de memória, de traços culturais que sirvam como os ‘sinais externos’ reconhecidos pelos mediadores e o órgão que tem a autoridade de nomeação” (ARRUTI, José Maurício Andion. A emergência dos ‘remanescentes’: notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas. Mana, 3(2):22-23,1997. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/mana/v3n2/2439.pdf). Relembre-se, por exemplo, que o nosso movimento tradicionalista gaúcho, “marca de identidade regional”, data de pouco mais de cinqüenta anos (OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-nação. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 97-134).

Quinto, porque a utilização do conceito colonial teria outras conse-qüências contrárias ao texto constitucional. É que o Conselho Ultramarino em 1740 afirmara ser quilombo ou mocambo “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”, o que fora reafirmado na Provisão de 6 de março de 1741 e em algumas legislações municipais, como a lei provincial nº 157, de 09.08.1848, da cidade de São Leopoldo. Nesse sentido, pois, a utilização de tais elementos implicaria a importação da cultura da época da escravidão, o que foi bem apontado por Deborah Duprat, analisando o anterior decreto, hoje revogado (Breves considera-ções sobre o Decreto nº 3912/2001. Disponível em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/artigos/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/consideracoes_decreto_quilombos_3912_01.pdf):

“(...) a norma pretensamente regulamentadora do artigo 68 do ADCT conduz à conclusão absurda de que a Constituição, rigorosamente, estaria a instituir, agora com todo o peso do direito, quilombos tais como concebidos em 1741, pois o espaço de liberdade para a regulação ritual da vida seria obtido à custa do confinamento. (...) Neste passo, o que postula (...) é que o direito assegurado no artigo 68 do ADCT só se torne possível mediante o aniquilamento do direito de liberdade, do direito de ir e vir, do direito de eleger, constantemente, o local de permanência.”

O equívoco da alegação dos agravados é evidente: o dispositivo constitucional orienta-se numa perspectiva de presente e futuro, com

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vistas a assegurar a grupos étnicos o pleno exercício de seus direitos de autodeterminação em face de identidade própria.

Ou seja, uma norma constitucional com nítido caráter de inclusão e reconhecimento de direitos não poderia ser interpretada a partir de uma legislação colonial de nítido caráter de imputabilidade penal e de perfil escravocrata. E é neste sentido, pois, que deve ser reconhecido que, no Brasil, “a injustiça social tem um forte componente de injustiça histó-rica e, em última instância, de racismo antiíndio e antinegro” e que, ao “contrário do que se pode pensar, a justiça histórica tem menos a ver com o passado que com o futuro”, porque “estão em causa novas con-cepções de país, soberania e desenvolvimento” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Bifurcação na Justiça. Folha de São Paulo, 10 de junho de 2008, p. 3). Não é demais lembrar, neste particular, recente voto do Min. Carlos Ayres Britto (ADI 3330-1/DF. http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3330CB.pdf), que, mencionando o art. 216, § 5º, CF, afirmou:

“a significar uma enfática proclamação de que o componente negro do sangue brasileiro, sobre estar reforçadamente a salvo de discriminação inciso IV do art. 3º, combinado com o inciso XLII do art. 5º), é motivo de orgulho nacional e permanen-te exaltação. Uma espécie de pagamento (ainda que tardio e insuficiente) da dívida fraternal que o País contraiu com os brasileiros afro-descendentes, nos ignominiosos séculos da escravidão negra.”

Sexto, porque a própria denominação não era unívoca. A conhecida denominação de “quilombo dos Palmares” data do século XVIII, por-que, até então, a comunidade era denominada de “mocambo”. Com o processo de independência e vedação do regime de sesmarias (desde 17 de julho de 1822), a situação das terras só foi regulada pela Lei de Terras nº 601 de 1850, que, contudo, não reconheceu a ocupação indí-gena nem permitiu que camponeses adquirissem terras necessárias para sua sobrevivência, e, portanto, considerando que a compra passaria a ser o meio idôneo para aquisição de terras, freando o acesso à terra dos negros que progressivamente estavam sendo libertados (ATAÍDE JR., Wilson Rodrigues. Os direitos humanos e a questão agrária no Brasil. Brasília: UNB, 2006. p. 174-177). No intervalo entre as duas legislações e no período pós-abolição, foram menosprezadas todas as situações de ocupação efetiva e de posse permanente, ao mesmo tempo em que inú-

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meros imóveis rurais foram recadastrados em cartórios.Essa diversidade de posses e situações jurídicas vai gerar doações

de terras para índios, a partir da construção de estradas, de expedições militares, de serviços prestados ao exército ou em decorrência da Guerra do Paraguai ou da Balaiada (são as “terras de índios”); terras que são repassadas para ordens religiosas e retiradas ou doadas para determinada santidade, como Santa Teresa ou Nossa Senhora d’Ajuda (as chamadas “terras de santo”) e também heranças de ex-proprietários que deixam as terras para seus ex-escravos (“terras de preto”). Há, pois, uma grande diversidade de nomenclatura (WAGNER, Alfredo. Os quilombos e as novas etnias. In: LEITÃO, Sérgio. Direitos territoriais das comunidades negras rurais. São Paulo: ISA, 1999, p. 11-18. Disponível em: http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/10104.pdf; SOGAME, Maurício. Populações tradicionais e territorialidades em disputa. Dis-ponível em: http://www.uff.br/posgeo/modules/xt_conteudo/content/campos/mauricio.pdf ; ALMEIDA, Alfredo Wagner de. Conceito de terras tradicionalmente ocupadas. https://redeagu.agu.gov.br/Unidade-sAGU/CEAGU/revista/Ano_V_novembro_2005/alfredo-indio.pdf). A denominação constitucional, pois, de “remanescentes das comunidades de quilombos” deve ser entendida nesses termos, e o art. 2º do Decreto nº 4.887/2003 não fere tal entendimento ao prever que, como remanescen-tes das comunidades dos quilombos, os “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

Daí se segue que o critério de auto-atribuição não destoa da previsão do art. 1º.2 da Convenção 169-OIT, segundo o qual “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposi-ções”. Nesse sentido, as considerações de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 833) a respeito dos indígenas são válidas para o caso presente: “o sentimento de pertinência a uma comunidade indígena é que identifica o índio. A dizer, é índio quem se sente índio. Essa auto-identificação, que se funda no sentimento de pertinência a uma comunidade indígena, e a manutenção dessa identidade étnica, fundada na continuidade histórica

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do passado (...) que reproduz a mesma cultura, constituem o critério fundamental para identificação do índio brasileiro”.

O art. 2º, caput, e o art. 3, § 4º, do referido Decreto, pois, estão em conformidade com as previsões da referida Convenção. A negação do critério de auto-atribuição tem um nítido viés etnocentrista, porque busca “impor ao grupo uma rigidez cultural e impedi-lo de, a partir de 5 de outubro de 1988, conceber novos estilos de vida, de construir novas formas de vida coletiva, enfim, a dinâmica de qualquer comunidade real, que se modifica, se desloca, idealiza projetos e os realiza, sem perder, por isso, a sua identidade” (DUPRAT, op. cit.).

A objeção relativamente à possibilidade de desapropriação, quando estaria previsto apenas o tombamento, impressiona à primeira vista, mas é vencível.

Primeiro, porque o § 5º do art. 216 deve ser lido em conjunto com o § 1º. Dessa forma, o tombamento, que diz respeito a “todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos” (§ 5º), não invalida a regra geral de que o Poder Público promoverá e protegerá o “patrimônio cultural brasileiro” por meio de “inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. O tombamento é, pois, apenas uma das formas de proteção do patrimônio cultural brasileiro, rompendo a Constituição de 1988 tanto com a visão que reduz o patrimônio cultural a “patrimônio histórico, artístico e paisagístico”, quanto com aquela que reduzia a proteção apenas ao tombamento. Ou seja, “modernizam-se e ampliam-se, portanto, os meios de atuação do Poder Público na tutela do patrimônio cultural”, saindo-se do “limite estreito da terminologia tradicional, para utilizar-se técnicas mais adequadas, ao falar-se em patrimônio cultural” (SILVA, op. cit., p. 823).

No caso presente, com mais razão ainda, porque o conceito constitu-cional de patrimônio cultural abrange “bens de natureza material e ima-terial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, CF), na linha, aliás, da “Convenção para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial” (aprovada pela UNESCO em outubro de 2003), que reconheceu como patrimônio imaterial da humanidade as expressões orais e a linguagem gráfica dos índios Wajãpi

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(AP) e o samba de roda do Recôncavo Baiano.Não destoa, pois, do mandamento constitucional o reconhecimento das

comunidades quilombolas como “território cultural afro-brasileiro”, nos termos do art. 6º da Portaria nº 6, da Fundação Cultural Palmares. Nesse sentido, a MP nº 2.186-16, de 23.08.2001, regulamentando o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da CF, bem como alguns artigos da Convenção sobre Diversidade Biológica, incluiu as comunidades quilombolas como depositárias de “conhecimento tradicional associado” (art. 7º, incisos II e III), reconhecendo-se o direito para “decidir sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do país”, pois este “integra o patrimônio cultural brasileiro e poderá ser objeto de cadastro” (art. 8º, caput e §§ 1º e 2º), de titularidade coletiva (art. 9º, parágrafo único). Patrimônio cultural imaterial, sem dúvida alguma, passível de proteção constitucional, como uma das “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras”, integrantes do “processo civilizatório nacional” (art. 215, § 1º, CF), dentro da política cultural de “valorização da diversidade étnica e regional” (art. 215, § 3º, V, CF). Não se olvide, ainda, que a Constituição assegura o “pleno direito de exercício dos direitos culturais” (art. 215, caput).

Segundo, porque a alegação de que não existe lei para tal hipótese de desapropriação olvida que a inexistência de previsão – legal e expressa – foi o fundamento admitido para o instituto da “desapropriação indireta”, amplamente aceita pela doutrina (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 859), que se resolve pela indenização do proprietário. Ademais, a previsão constitucional diz respeito ao “procedimento de desapropriação” (art. 5º, XXIV) e, havendo possibilidade constitucionalmente prevista para a desapropriação para fins de preservação do patrimônio cultural, não há impossibilidade de sua utilização para o caso presente.

Terceiro, porque mesmo o Decreto-Lei nº 3.365/41 previa a hipótese de “desapropriação por utilidade pública”, nas hipóteses de: a) “preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou inte-grados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza” (art. 5º, alínea k); b) “preservação e a conservação adequada

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de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico” (art. 5º, alínea l). Não soa, pois, desarrazoado que referidas formas de proteção do patrimônio histórico e artístico sejam lidas na perspectiva constitucional, com o conceito de patrimônio cultural, em sentido ampliado, tal como delineado no art. 216. Ademais, registre-se que decreto presidencial datado de 27.09.2006 desapropriou, por “inte-resse social, para fins de titulação de área remanescente de quilombo”, a comunidade remanescente de Caçandoca, no estado de São Paulo, na forma da Lei nº 4.132/62 (neste particular, o parecer do Procurador da República Walter Claudius Rothenburg, disponível em http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/artigos/documentos-e-publica-coes/docs_artigos/parecer_contrario_walter_rothemburg.pdf). Isso, ao contrário do alegado pelos agravados, somente evidencia a possibilidade de utilização de outras modalidades expropriatórias ou desapropriatórias já existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Quarto, porque há muito o instituto da desapropriação encontra-se em processo de revisão conceitual, de que são exemplos as denominadas “desapropriações urbanísticas”- que a doutrina reputa amparadas nas alíneas e, i, j e k do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41 – e que, compre-ensivas e generalizáveis, atingem “áreas e setores completos, retirando os imóveis, aí abrangidos, do domínio privado, para afetá-los ao patrimônio público, para depois serem devolvidos ao setor privado”, num verdadeiro “dever de reprivatização” (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 3. ed. rev. atualiz. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 401-402 e 409-410; FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Revisitando o instituto da desapropriação em áreas urbanas. Revista Fórum de Direito Urbano-Ambiental. n. 39, maio/jun. 2008).

Quinto, porque não encontra substrato constitucional a caracterização do art. 68 do ADCT como “usucapião extraordinário”. A Constituição de 1988, quando previu hipóteses de “usucapião”, tais como arts. 183 e 191, referiu-se a “aquisição de propriedade”. Ao contrário, no caso das comunidades quilombolas, a disposição refere-se a “reconhecimento da propriedade”, com a subseqüente titulação.

Sexto, porque, ainda que a previsão do art. 68 ADCT não tenha as conseqüências expressas do art. 231, § 6º, CF, em relação aos índios, os títulos particulares devem ceder ao reconhecimento da propriedade

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dos quilombolas e, aqui, portanto, a desapropriação teria um significado diverso do tradicional, porque não se busca a declaração da aquisição da propriedade, mas a publicização da propriedade preexistente, que a Constituição reconheceu em 05.10.1988.

Tampouco parece ser correto falar-se em “direitos originários” à se-melhança daqueles referentes às terras indígenas, porque inaplicável o regime do “indigenato” do período colonial: enquanto este estipulava que os índios eram os primeiros e naturais senhores das terras brasileiras, os instrumentos jurídicos que definiam os quilombos partem da premissa de necessária repressão à resistência negra. Ademais, não se tratavam de “povos originários”, mas sim de povos que foram transferidos à força de seus territórios africanos para serem escravizados.

A natureza jurídica, portanto, não se encontra definida pela doutrina de forma clara. Daniel Sarmento, por exemplo, defende tratar-se de hipótese de “afetação”, constitucionalmente estabelecida, a uma “finalidade pú-blica de máxima relevância, eis que relacionados a direitos fundamentais de uma minoria étnica vulnerável: o seu uso, pelas próprias comunida-des, de acordo com os seus costumes e tradições, de forma a garantir a reprodução física, social, econômica e cultural dos grupos em questão”, hipótese, pois, em que seria discutível apenas a indenização cabível (SARMENTO, Daniel. A garantia do direito à posse dos remanescentes de quilombos antes da desapropriação. Disponível em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Dr_Daniel_Sarmen-to.pdf). Nesta linha de argumentação, os quilombolas poderiam exercer todos os seus direitos possessórios, antes mesmo de eventual ação de desapropriação, contra proprietário e contra terceiros. Essa interpretação é compatível com algumas previsões constantes da Convenção 169-OIT e da Constituição, no tocante à proteção do patrimônio cultural, entendido no inciso II do art. 216 – “modos de criar, fazer e viver” –, tendo em vista o forte vínculo que as comunidades quilombolas têm com o território.

Nesse sentido, a observação de representantes do movimento, con-forme pesquisa realizada pelo Programa de História Oral do CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (ALBERTI & PEREIRA, op. cit., p. 310-312):

“Tem duas coisas que são fortes, para que todas essas comunidades, dentro da

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multiplicidade que as caracteriza, se reconheçam como quilombo. Uma é a herança africana, saber de onde viemos. As pessoas podem nem saber o que é quilombola, mas sabem que são originárias de um processo de escravidão. A outra é exatamente a defesa de um território. A territorialidade é o que nos unifica. Como ela foi constituída em cada quilombo é diferente, mas o que nós queremos com ela é igual. Ao se manter ali, criou-se um espaço de reprodução social daquele grupo e nós queremos zelar por ele. A territorialidade é baseada na relação de parentesco, no respeito aos mais velhos, no uso comum dos recursos naturais, no papel das mulheres, na religiosidade... – uma série de elementos que constitui esse patrimônio (...) essa relação de territorialidade tem espaço geográfico definido, tem uso coletivo desses espaços, e ela é aquele espaço que eu necessito para viver socialmente. (...) Mas e o cemitério, que tem uma relação que não é geográfica, é cultural, é religiosa? (...) Isso é sagrado para nós. Então como eu ouso acabar com os cemitérios? E os meus antepassados, eu não tenho mais direito de cultuar? Tudo há que ser pensado na delimitação dessas áreas, porque a constituição da territorialidade quilombola extrapola a questão geográfica e administrativa. O terri-tório Kalunga, por exemplo, está em três municípios em Goiás, que são Monte Alegre, Cavalcante e Teresina. A comunidade extrapola a unidade administrativa geográfica.”

Essa territorialidade, aliás, está em consonância com o art. 13.1 da Convenção nº 169-OIT de “respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras e territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação”, bem como o art. 13.2 que estatui incluir-se, no termo “terras”, o conceito de “territórios”, abrangendo “a totalidade do hábitat das regiões” ocupados ou utilizados de alguma forma. E está expressa tal noção no art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto nº 4.887/2003.

Tendo em vista tal relação com a territorialidade, a previsão de titu-lação coletiva e pro indiviso, com cláusula de inalienabilidade, impres-critibilidade e impenhorabilidade (art. 17 do Decreto nº 4.887/2003), encontra-se em consonância com a Convenção nº 169-OIT e com o direito constitucional comparado, tal como referido anteriormente. E tampouco representa novidade no direito brasileiro, pois desde a Lei nº 10.257/2001 (“Estatuto da Cidade”), as hipóteses de direito real de uso ensejam titulação coletiva, na forma do art. 4º, § 2º. Essas formas especí-ficas e características da posse de quilombolas (e de outras “comunidades tradicionais”), na medida em que existem áreas de uso comum, parcelas individuais não devidamente demarcadas e que podem mudar de lugar, associação com elementos religiosos e, portanto, há uma “territoriali-

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dade cultural”, acabam por romper com determinados conceitos que se utilizam no direito civil ou processual civil e demandam, pois, uma atenção especial na configuração da questão (CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Processo civil e igualdade étnico-racial. In: PIOVESAN, Flávia & SOUZA; Douglas Martins de. Ordem jurídica e igualdade étnico-racial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 291-292 e 303-304).

Nesse sentido, o parecer do então Consultor-Geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, ex-integrante deste Tribunal Regional Fe-deral, é enfático (Parecer AGU/MC 1/2006. Disponível em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/artigos/documentos-e- publi-cacoes/docs_artigos/Parecer_AGU_01_2006.pdf , p. 7 e 11):

“o que a disposição constitucional está a contemplar é uma territorialidade específica cujo propósito não é limitar-se à definição de um espaço material de ocupação, mas de garantir condições de preservação e proteção da identidade e características dos rema-nescentes destas comunidades assim compreendidas que devem ser levadas em linha de conta na apuração do espaço de reconhecimento da propriedade definitiva. (...) a noção de quilombo que o texto refere tem de ser compreendida com certa largueza metodoló-gica para abranger não só a ocupação efetiva senão também o universo de características culturais, ideológicas e axiológicas dessas comunidades em que os remanescentes dos quilombos (no sentido lato) se reproduziram e se apresentam modernamente como titulares das prerrogativas que a Constituição lhes garante. É impróprio (...) lidar nesse processo como ‘sobrevivência’ ou ‘remanescentes’ como sobra ou resíduo, quando pelo contrário o que o texto sugere é justamente o contrário.”

De salientar, ainda, que a Convenção garante, “sempre que possível”, o direito “de voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram seu traslado e reassentamento” (art. 16.3). Em qualquer hipótese, as comunidades devem ser consultadas (art. 16.2, 16.4 e 17.2), e sua participação no processo é sempre indispensável (art. 2º.1), em especial quando existentes “medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente” (art. 6º. 1. a), o que vem expresso no art. 6º do decreto questionado. A noção de territorialidade vem re-forçada no referido Decreto nº 6.040/2007, segundo o qual “territórios tradicionais” são os “espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais

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Transitórias e demais regulamentações” (art. 3º, inciso II).O reconhecimento constitucional aos quilombolas implica, desta

forma, “recusar incondicionalmente a propriedade a quem não seja re-manescente de comunidade de quilombos mesmo que esteja ocupando as terras em questão e afirmar incondicionalmente a propriedade anterior desses remanescentes quilombolas” (CASTILHO, Manoel Lauro Volk-mer de, op. cit.). Pouco importaria, pois, a que título as comunidades estivessem ocupando, porque o reconhecimento “expressa declaração da propriedade anterior cujo título é constituído pela ocupação e pela condição de remanescente de comunidade de quilombo” (op. cit., p. 12).

A demarcação, pois, não constitui o direito das comunidades quilom-bolas, mas é ato meramente declaratório. É situação, pois, similar à das terras indígenas, “ato que vincula a atuação do Estado, que deve se limitar a reconhecer a ocupação dos quilombolas de uma determinada área e expedir os respectivos títulos, não lhe cabendo decidir ou optar discri-cionariamente pela conveniência ou oportunidade da expedição ou não daquele ato” (SANTILLI, op. cit., p. 177). Como relembra José Afonso da Silva em relação aos índios e totalmente aplicável ao caso, “não é da demarcação que decorre qualquer dos direitos indígenas. (...) ela é exi-gida no interesse dos índios. É uma atividade da União, não em prejuízo dos índios, mas para proteger os seus direitos e interesses” (SILVA, op. cit., p. 840). Não é demais lembrar que das mais de mil comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares, localizadas em 24 estados brasileiros, apenas 27 títulos foram distribuídos pelo Governo Federal, sendo a maioria emitida por governos estaduais até o presente momento: 28 pelo Pará, 20 pelo Maranhão, 6 por São Paulo, 2 pela Bahia, um do Rio de Janeiro, um do Mato Grosso do Sul e dois do Piauí (infor-mações constantes no site da Comissão Pró-Índio - www.cpisp.org.br). Dezesseis dos estados contam com alguma legislação que versa sobre essa população: Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe, havendo, inclusive, previsões em constituições estaduais.

Por fim, não há tampouco falar em violação ao contraditório e ampla defesa, porque o referido Decreto prevê notificação dos ocupantes e confinantes da área delimitada (art. 7º, § 2º) e prazo de noventa dias para

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contestação de relatório a respeito da caracterização como comunidade quilombola (art. 9º, caput). De toda forma, o pedido de oitiva, pelas partes autoras, em todas as fases do procedimento administrativo não encontra amparo em qualquer legislação, nem no presente decreto questionado, e tem, com certeza, a finalidade de evitar o andamento do processo de demarcação da comunidade.

Procedimento, aliás, que já é demasiado longo, porque consta de catorze etapas: a) requerimento da parte ou início “de ofício” pelo INCRA; b) declaração de autodefinição; c) inscrição da autodefinição; d) identificação e delimitação da área, pelo INCRA; e) elaboração do relatório técnico de definição; f) publicidade do relatório; g) notificação dos ocupantes e confinantes; h) contestação do relatório; i) consulta às entidades mencionadas no art. 8º do Decreto; j) análise da situação fundiária do imóvel, nos termos dos art. 10 a 12; l) procedimento desa-propriatório, quando incidir sobre imóvel particular, nos termos do art. 13; m) procedimento de reassentamento de ocupantes não-quilombolas, com “indenização das benfeitorias realizadas de boa-fé”, nos termos do art. 14; n) outorga de título coletivo, na forma do art. 17; o) registro cadastral do imóvel em favor da comunidade quilombola, nos termos do art. 22, com o conseqüente averbação no Registro de Imóveis, na forma da Lei nº 6.015/73.

A pretensão de não-exibição de provas em seu desfavor, na realidade, busca evitar a eventual caracterização do território como comunidade quilombola, porque objetiva, por parte do INCRA, verificar a regulari-dade da cadeia dominial, o que não é vedado pela legislação. Tampouco a vistoria e avaliação do imóvel, porque em conformidade com o art. 13 do referido decreto. De salientar, aliás, que as alegações, constantes da inicial, são desencontradas. Ao passo que afirmam a aquisição por “usucapião”, porque sempre estiveram produzindo nas terras desde a década de 1970 ( fl. 35) e, portanto, os “imóveis foram adquiridos por meio de atos públicos” e de que “jamais existiu quilombo na região” (fl. 39), por outro lado, há afirmação de que: a) “muitas dessas mesmas pessoas que pretendem ‘pegar carona’ no conteúdo do art. 68 do ADCT, autodenominando-se ‘quilombolas’, foram as mesmas pessoas que, no passado, livremente, venderam a posse de suas terras para a cooperativa” (fl. 39); b) a origem da posse por “parte de afrodescendentes nas áreas foi

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uma herança concedida a escravos que foram libertos por sua senhora, ou seja, não eram escravos fugitivos” (fl. 39).

As contra-razões e o pedido de reconsideração, por sua vez, dão conta de que as terras foram doadas por uma senhora de escravos em 1864, o que comprovaria, por via transversa, que a comunidade se manteve na localidade por, no mínimo, cem anos (os agravados sustentam que estariam nas terras por volta de 1970 - fl. 136). E, por esse motivo, te-riam adquirido a propriedade por usucapião. Aqui fica registrado o des-compasso de situações: uma titularidade coletiva de mais de cem anos, informalizada, sem registros legais, mas com posse permanente, não teria conseguido o reconhecimento jurídico, ao passo que os agravados, por meio de ação judicial, teriam adquirido a propriedade pela ocupa-ção por mais de vinte anos. E não se entenderia como “os ocupantes do imóvel receberam o seu domínio regular e formal” (fl. 139) e não teriam conseguido a regularização formal do território.

Necessária, pois, a verificação de tal situação, em correta instrução processual, porque as alegações da parte, constantes da inicial, sim, fa-zem prova contra si, havendo verossimilhança de que as terras tenham sido “comunidades quilombolas”, nos termos do histórico constante da fundamentação do presente voto. Com isso, contudo, não se está a reconhecer tal situação, mas apenas se afirmando a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003 e a necessidade de realização de instrução probatória, sem a paralisação dos procedimentos administrativos levados a cabo pelo INCRA.

Frise-se, ademais, que a atribuição de tal questão ao INCRA encontra fundamento, no mínimo, nas atribuições que lhe foram conferidas em sua instituição pelo Decreto nº 1.110, de 1970, de manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União, de forma que a Portaria nº 20/2005 tampouco padece de ilegalidade. Ademais, a competência para demarcação das comunidades quilombolas já fora de-terminada pela Portaria nº 307/1995, ocasião em que ficara estabelecida a demarcação e titulação das comunidades existentes em áreas públicas ou federais ou arrecadadas pela União “mediante processo de desapro-priação”. Posteriormente, a competência foi atribuída ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares (Portaria nº 447/99), para, finalmente, retornar ao INCRA.

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Três observações finais são necessárias, ainda, em relação a tal pro-cesso:

1. A necessidade de consulta à comunidade envolvida no processo judicial, diretamente ou por meio de representantes por ela indicados. Dependendo da fase do procedimento administrativo, deve haver o registro da comunidade, nos termos da Portaria nº 98, de novembro de 2007, da Fundação Palmares. Trata-se, portanto, de aplicação di-reta da Convenção nº 169-OIT, que prevê, no art. 6º.1, a, a “consulta prévia”, por meio das instituições representativas, “cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”. Outros países signatários da referida Convenção, tais como Colômbia (SU-039, de 1997, MP Antonio Barrera Carbonel, T-428/1992, M.P. Ciro Angarita, ambas do Tribunal Constitucional, dentre outras), reconheceram tal consulta como verdadeiro direito fundamental da co-munidade, integrante do “bloco de constitucionalidade”, condicionando a interpretação e a aplicação de atos administrativos e legislação.

2. A intervenção obrigatória do Ministério Público no feito, seja porque discorre sobre matéria constitucional (art. 68-ADCT), seja porque pre-sente a hipótese prevista no art. 6º, VII, c, da LC nº 75/93 – “a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor”.

3. A conveniência, dadas as peculiaridades já narradas em relação a tais comunidades, de um “tradutor cultural”, um profissional – da área das ciências sociais, podendo ser um antropólogo – capaz de fazer com-preender ao juiz e às demais partes do processo o contexto sociopolítico e cultural daquele grupo, um responsável, pois, pelo diálogo intercultural, tornando inteligíveis as demandas e especificidades, evitando que o “sis-tema judicial ignore a diversidade e aplique o direito sempre do ponto de vista étnico dominante” (CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p. 295-299). É hipótese também reconhecida na referida Convenção (art. 12), ao prever sejam “adotadas medidas para garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer compreender em proce-dimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes”.

Dessa forma, deve ser cassada a decisão agravada, no tocante às

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alegações de inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003 e da IN nº 20/2005, com o conseqüente retomada do procedimento administrativo nº 54.200.001727/2005-08.

Assim sendo, dou provimento ao agravo de instrumento.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Sra. Presidente:

Com a devida vênia, divirjo do bem-lançado voto de Vossa Excelência.In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas

pelo douto Magistrado, a fls. 79/81, verbis:“No que toca à relevância dos fundamentos, é imprescindível que se faça uma análise

mais detida dos fundamentos constitucionais e legais que supostamente embasaram a ação do INCRA, em especial quando houve questionamento da constitucionalidade dos atos normativos produzidos pelo Executivo e pela própria autarquia.

Nos termos da fundamentação do ato de comunicação enviado aos autores, a base constitucional estaria nos artigos 215 e 216 da parte permanente da Constituição Federal de 1988. De plano, afasta-se a aplicabilidade do art. 215, que somente trata das ações políticas impostas ao Estado para garantir o exercício de direitos culturais e de acesso às fontes culturais. Nada trata, portanto, de reserva de propriedades ou reconhecimento de situações específicas. O art. 216, no que remotamente poderia estar ligado às pro-vidências administrativas aqui questionadas, previu:

‘Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à iden-tidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...)

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueo-lógico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (...)

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. (...)’

Vê-se que o artigo não determinou a desapropriação de qualquer sítio de valor histórico vinculado a antigos quilombos. Em verdade, a solução constitucional típica é o tombamento desses sítios, e ainda assim, quando detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. A desapropriação, tratando-se de interferência direta da administração sobre um dos pilares do regime econômico pela mesma Constituição escolhido, somente se justificaria se a restrição à propriedade em questão – o tomba-

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mento – mostrar-se insuficiente em sua função de garantir a perenidade do patrimônio cultural brasileiro. Além disso, no caso de decretação de uma desapropriação tal, é certo que o rito a ser observado é aquele aplicável às desapropriações por utilidade ou necessidade públicas, disciplinado no DL nº 3.365/1941.

No art. 68 do ADCT/1988, por sua vez, há menção às atividades fins indicadas na notificação. Prevê o artigo: ‘Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.’

Diversamente do que dá a entender a conduta do INCRA e os preceitos infracons-titucionais e infra-legais por ele invocados, a previsão do ADCT não versa sobre uma desapropriação, mas sim sobre um usucapião extraordinário, com base constitucional, em que se acrescentou ao requisito temporal da posse – que é implícito – a constatação de que o possuidor seria (i) remanescente das comunidades dos quilombos e, (ii) ao tempo da promulgação da Constituição Federal, ocupava a terra. Além desses requisitos, o texto constitucional afastou a possibilidade de invocação, como óbice à pretensão dos beneficiários e por parte da União, dos Estados e dos Municípios, da impossibilidade de usucapião de terras públicas. Preenchidos os requisitos, o Estado – fórmula que a constituição usa para identificar quaisquer das esferas políticas, sem reservar para um de seus poderes a atribui-ção – deveria emitir os títulos respectivos. A forma por que a emissão dos títulos ocorreria não foi disciplinada pela Constituição Federal.

O Executivo Federal, a pretexto de dar cumprimento ao preceito transitório, editou o Decreto nº 4.887/2003, que, entre outras medidas, prevê a possibilidade de coincidência das áreas de que trata o art. 68 do ADCT/1988 com áreas ocupadas por particulares e, para casos tais, prescreve:

‘Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.

§ 1º Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular, operando as publicações editalícias do art. 7º efeitos de comunicação prévia.

§ 2º O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.’

A comunicação prévia, nos termos da IN INCRA nº 20/2005, nos casos em que as terras são ocupadas por particulares com aparente título válido, o início dos trabalhos de campo ocorreria depois de três dias úteis da notificação – art. 10, § 2º.

Como já apontado, o art. 68 do ADCT/1988 não explicitou a forma por que seria feita a titulação. Tratando-se de questão atinente ao Direito Civil – direito de proprie-

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dade, a regulamentação legal deveria ter sido feita pela União Federal – único ente competente para legislar a esse respeito. Em casos tais, poder-se-ia atribuir a um ente da administração direta ou indireta a concretização dos estudos e o reconhecimento das áreas atingidas pelo aludido artigo. Isso, porém, somente poderia ser feito por lei em sentido formal, uma vez que se trata de criação de atribuições que implicam aumento de despesa para a estrutura federal e, mais que isso, cria a possibilidade de um terceiro produzir título de propriedade inexistente em nossa ordem legal.

Preferindo não disciplinar a questão por lei específica e à vista da condição de Estado de Direito, resta evidente que a via adequada para a concretização do direito de propriedade dos beneficiários deveria seguir o que já disciplinava a questão: o próprio Código Civil. Com efeito, tratando-se de direito de propriedade atribuído em nível constitucional, bastaria ao Executivo Federal – ou mesmo aos demais entes federados – viabilizar aos interessados o ajuizamento de eventuais ações de usucapião extraordinário constitucional nas quais se provariam os lindes das áreas ocupadas e o preenchimento dos requisitos constitucionais do art. 68 e seriam garantidos o devi-do processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Nada obstaria que, antes de um ajuizamento tal, fosse criada uma fase administrativa de estudos que não implicasse aumento de despesa da administração e que não resultasse em modificação de funções do órgão a que se imputa a obrigação, mas essa fase não poderia preceder uma titulação, uma desapropriação ou uma compra e venda, mormente quando a base constitucional invocada seria a aplicável à desapropriação para fins de reforma agrária ou à prevista para garantia de perenidade de bens culturais. Em princípio, de desapropriação sequer poderia se tratar, já que a propriedade já teria sido transferida aos interessados pelo só advento da Constituição Federal. Note-se, ainda, que mesmo a menos impactante compra e venda padece de vício de ilegalidade, fundada que está em lei que a previu exclusivamente para fins de reforma agrária.

O fato é que o Decreto nº 4.887/2003, ao pretender regulamentar um artigo cons-titucional, descuidou de atentar que, nos termos em que produzido, trouxe inovação à ordem jurídica atinente à forma de atribuição de propriedade imóvel a particulares, evidenciando uma extrapolação do conteúdo material possível de ser introduzido por essa espécie normativa nos termos do art. 84, inciso IV, da Constituição Federal. Nesse contexto, tudo aquilo do decreto que tocaria à forma de concessão do título deve ter sua aplicação afastada para o caso. Igual destino devem ter as normas equivalentes ou regulamentadoras postas na IN INCRA nº 20/2003.

Emerge, em razão disso, um novo problema, agora relacionado com as demais prescrições instituídas pelo Decreto. Afastados somente os preceitos atinentes à forma de concessão do título de propriedade, seria possível defender a pertinência do regime administrativo de estudos – o qual, viu-se, também padece, ao menos em parte, de inconstitucionalidade. Persistiria, portanto, uma parte do ato normativo.

Em termos jurídico-positivos, o fundamento nodal para tal posicionamento decorre da característica negativa do Poder Judiciário em sua atuação no controle de constitucio-

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nalidade. Já é sedimentada a lição segundo a qual o Poder Judiciário, nesse controle, deve se limitar a afastar os preceitos inconstitucionais, evitando se imiscuir na atividade do legislador positivo. Por óbvio, atingir esse intento pode levar a algumas perplexidades, especialmente no caso de inconstitucionalidades por omissão – como acontece no caso de inconstitucionalidades por quebra da isonomia quando os beneficiados poderiam receber o benefício. No entanto, no mais das vezes, o reconhecimento de inconsti-tucionalidade deve ter em vista a inviabilidade de, com ele, emergir norma que não estava nem poderia estar contida na atividade do órgão legislativo. Essa característica foi apreendida e exposta com agudez pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 1.063-8/DF, que tratou de hipótese diversa, mas pertinente à presente exposição. Do voto condutor do acórdão, extraio, com os grifos do original:

‘(...) a análise do pedido formulado pelo Autor revela que este, longe de pretender a impugnação total da norma em causa – o que conduziria, acaso deferida, à supressão integral desse preceito –, quis, na realidade, a partir do caráter meramente limitado com que foi deduzida a sua postulação, permitir a expansão subjetiva do universo dos titulares de mandato a serem beneficiados pela garantia da candidatura nata. (...)

No caso, o postulado reconhecimento da inconstitucionalidade das expressões ora questionadas introduziria substancial inovação de conteúdo no preceito em causa, transformando-o, virtualmente, em regra jurídica completamente diversa daquela que veio a ser aprovada pelo Poder Legislativo. (...)

Não me parece lícito que o Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua jurisdição constitucional in abstracto, venha, a partir de eventual reconhecimento, em determinado preceito normativo, da inconstitucionalidade de certas expressões que lhe compõem a estrutura jurídica, a alterar, substancialmente, o conteúdo material da regra impugnada, modificando-lhe o sentido e elastecendo o âmbito de sua incidência. Tenho para mim, Sr. Presidente, que a ação direta de inconstitucionalidade não pode legitimar uma intervenção jurisdicional da Suprema Corte de que resulte inovação textual da norma submetida ao controle abstrato de constitucionalidade, a ponto de desfigurar o sentido da regra legal e, desse modo, comprometer, em sua integridade, a própria vontade estatal positivada no texto da lei.

É certo que a declaração de inconstitucionalidade em tese encerra, como sabemos, um juízo de exclusão, o qual, fundado na competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, tem por finalidade remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional.

Essa competência excepcional – que extrai a sua autoridade da própria Carta Política – converte o Supremo Tribunal Federal, por isso mesmo, em verdadeiro le-gislador negativo. Por ser esta – a de legislador negativo – a condição institucional da Suprema Corte no processo de controle normativo abstrato, não se lhe pode imputar o poder – absolutamente anômalo e exorbitante dos limites da fiscalização concentrada de constitucionalidade – de, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso

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normativo inscrito no ato estatal questionado, proceder, em última análise, especial-mente nos termos em que requerida a presente cautelar, à criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o legislador. (...)’

A estrutura do procedimento administrativo concebido pelo Executivo – que atuou como órgão legislador no caso – fica absolutamente alijada se afastadas as finalidades em que se fundou. Com efeito, ainda que se adotasse a via judicial de obtenção do título de propriedade, o produto da atuação administrativa pouco ou nada serviria para sua instrução, mormente ante as previsões de realocação de famílias, novas desapropriações e assentamentos de que trata o decreto.

Não bastasse isso, houve, com o decreto, a atribuição de uma nova função ao IN-CRA, não prevista em lei e, por isso, infensa ao que prevê o art. 84, inciso VI, alínea a, da CF/1988.”

A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis:

“1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela lei, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislati-vo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora poderia o governo criar impostos, penas, ou deveres, que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão;

2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, porquanto a fa-culdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele;

3º) em ordenar, ou proibir o que ela não ordena, ou não proíbe, porquanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei, e mormente do direito privado, pois que estas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução;

4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser diferente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei;

5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato verda-deiramente atentatório.” (In: Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 237, nº 326)

E, mais adiante, conclui o ilustre Mestre, verbis:

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“O governo não deve por título algum falsear a divisão dos poderes políticos, ex-ceder suas próprias atribuições, ou usurpar o poder legislativo.

Toda e qualquer irrupção fora destes limites é fatal, tanto às liberdades públicas, como ao próprio poder.” (In: op. cit., p. 237)

Realmente, o ordenamento jurídico brasileiro atribui ao regulamento unicamente o papel de regulamentar a lei, esclarecendo o seu comando normativo, porém, sempre, observando-a, estritamente, não podendo inovar, ampliar ou restringir direitos, sob pena de ilegalidade.

Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, verbis:“748. - Le règlement de police, parce qu’il est un règlement, est hiérarchiquement

inférieur à la loi. Il ne peut aller, dans ses dispositions, à l’ encontre des prescriptions législatives, s’il en existe sur tel ou tel point perticulier.

(PAUL DUEZ et GUY DEBEYRE, in Traité de Droit Administratif, Librairie Dalloz, Paris, 1952, p. 514)

LES LIMITES DU POUVOIR RÉGLEMENTAIRE Elles sont toutes l’expression de la subordination de l’autorité règlementaire au

législateur. Ont peut les classer ainsi: 1º Obligation de respecter les lois dans leur lettre et dans leur esprit; 2º Impossibilité d’interpréter la loi: ce pouvoir n’appartient qu’au législateur et aux

tribunnaux: CE ( Sect.), 10 juin 1949, Baudouin. 3º Impossibilité pour l’autorité administrative de prende l’initiative de diminuer par

um règlement la liberté des citoyens si le législateur n’a pas posé au mains le principe d’une telle limitation;

(...).” (MARCEL WALINE, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1952, p. 41)

Essa é, igualmente, a jurisprudência da Suprema Corte, verbis:“Resolução nº 194/1970 do CONFEA – Exercício da Profissão de Engenharia,

Agronomia e Arquitetura - Exigências ilegais. Dada a inferioridade constitucional do regulamento em confronto com a lei, é

evidente que aquele não pode alterar, seja ampliando, seja restringindo, os direitos e obrigações prescritos nesta. (...)” (RE nº 81.532-BA, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO, in RTJ 81/494)

É cristalina a violação do Decreto nº 4.887/03, bem como do art. 2º da Portaria nº 19, do art. 5º, XXII, da CF/88, em face das limitações ali instituídas ao direito de propriedade dos agravantes.

Constata-se, pois, nesses dispositivos legais uma severa limitação ao direito constitucional de propriedade (Constituição Federal, art. 5º, XXII).

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Sabendo-se que o direito fundamental de propriedade não é absoluto (STF: RE 14263, ADIMC 2213/DF, MS 23452/RJ), estando, portanto, o seu conteúdo sujeito a limitações impostas pelo legislador (RE 246243/MG; RE 308399/MG), dado que o art. 5º, XXII, da CF não encerra um conceito constitucional de propriedade (RE 246243/MG; RE 308399/MG), há que se analisar a constitucionalidade da medida legislativa adotada para tal restrição.

Ou seja, se a limitação imposta pelo legislador ao direito fundamental de propriedade está amparada em um valor também consagrado cons-titucionalmente (ou no mínimo juridicamente relevante) que justifique a medida adotada. E isto se deve fundamentalmente ao fato de que o legislador não possui uma liberdade absoluta na sua atividade legife-rante (RE 266994/SP; RE 415015/RS), porquanto esta é limitada por parâmetros existentes no próprio texto constitucional (MS 23452/RJ; RE 374981/RS).

A respeito, leciona Bernard Schwartz, In Commentary on the Cons-titution of the United States - The Rights of Property, New York: The Macmillan Company, 1965, p. 2/3, verbis:

“The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, never-theless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

“All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ – null and void. Government,

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therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.” (In: The Constitution of the United States, Chicago: Callaghan & Co., 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:“The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and abso-

lute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.” (In: The Works of Daniel Webster. Boston: Little, Brown and Company, 1853, v. I, p. 331)

Com efeito, ao fixar o sentido do art. 5º, XXII, da CF, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6. ed., Freitas Bastos, 1957, p. 306, n. 300), notadamente quando se trata, como é o caso dos autos, de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sempre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras suges-tões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (In: Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1987, t. I, p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what

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it says.” (In: Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn: West Publishing Co., 1897, p. 68)

Ademais, recorde-se a lição do saudoso Ministro Hannemann Gui-marães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica.” (In: Revista Forense, v.127/397)

A respeito, precisa a lição de Ruy Barbosa, verbis: “Na interpretação das leis, diz a jurisprudência inglesa e americana, não lhes devemos atribuir sentido, que aniquile ou lese direitos preexistentes, sem que o contexto da disposição traduza manifestamente esse intuito da parte do legislador. Por indução não é permitido fazê-lo”.

E, mais adiante, conclui o saudoso jurista, em palavras lapidares, verbis: “Ora, toda interpretação de um ato legislativo, que o levar a conse-qüências daninhas e absurdas, é inadmissível, se esse texto for suscetível de outra interpretação, pela qual de tais conseqüências se possa fugir” (In: A Aposentadoria Forçada dos Magistrados em Disponibilidade, Tipografia do Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1896, p. 65 e 69-70).

A propósito, convém recordar a velha, mas sempre nova lição de Henri de Page, in: De L’interprétation des Lois. Bruxelles: Éditions Swinnen, 1978, t. II, p. 22/3, verbis:

“Dans le domaine de l’application de la loi, le juge, peut-être, en tempérera ou en élargira l’exercice. Il usera d’une certaine souplesse suivant les circonstances. Mais son oeuvre, quelque large ou discrète qu’elle soit, devra demeurer compatible avec les pouvoirs limités de juge qui lui donne la division du travail. Il n’est que juge et non pas législateur. Prisonnier de la décision d’espèce, il lui est impossible de s’en évader. Par définition, il est incapable de créer des règles générales, de ‘légiférer’.”

Nesse sentido, ainda, o bem-lançado parecer que instruiu o recurso, da lavra do eminente jurista Prof. Marçal Justen Filho, quando assevera, verbis:

“3.1. Daí se segue a premissa fundamental que permite compreender o verdadeiro objetivo da ação de origem e a real extensão do presente agravo: o art. 68 do ADCT não se aplica ao caso concreto.

Logo, o imóvel dos Agravados não é suscetível de desapropriação e muito menos

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com base no art. 68 do ADCT, tal como pretendido pelo INCRA. 3.2. Essa assertiva tem por base um fato incontroverso: os imóveis dos Agravados

não estão sendo atualmente ocupados por nenhum remanescente de quilombo, nem o estavam em 1988.

Os imóveis adquiridos pelos Agravados mediante justo título (primeiro a transmissão da posse e depois a sentença de usucapião transitada em julgado) vêm sendo por eles ocupados e cultivados com altíssimo grau de eficiência há mais de 25 anos!

Trata-se de imóveis rurais altamente produtivos, que geram empregos, renda e tributos. Neles, os Agravados promovem a agricultura com eficiência muito superior

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 2004.71.04.001047-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Agravante: Ministério Público FederalAgravado: M.A.

Advogada: Dra. Silvana de Fátima Santos

EMENTA

Agravo em execução penal. Reprimendas restritivas de direitos não cumpridas na integralidade. Necessidade de cumprimento da totalidade da pena para sua extinção.

O não-comparecimento do condenado à entidade assistencial desig-nada para a prestação de serviços à comunidade, sem a apresentação de uma justificativa plausível para o descumprimento da sanção alternativa, configura hipótese legal de conversão para a pena privativa de liberdade.

Determinada a intimação do réu para que cumpra a integralidade da pena.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de execução, determinando a intimação do réu para que cumpra a integralidade da pena, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

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Porto Alegre, 23 de abril de 2008.Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se de agravo em execução contra sentença (fl. 314) que, não obstante ter reconhecido que “o réu cumpriu somente 1.072 horas e 20 minutos das 1.080 horas a que foi condenado”, entendeu por declarar extintas as penas impostas em respeito aos princípios da proporcionalidade e da economia processual, tudo com esteio nos arts. 82 do Código Penal e 708 do Código de Processo Penal, por ocasião da ação penal registrada sob o nº 1999.71.04.004626-6.

Em suas razões de inconformidade (fls. 316 a 320), o Ministério Pú-blico Federal afirma que descabe ser relativizada a pena com base em princípios econômicos, devendo prosseguir o integral cumprimento da penalidade imposta, intimando-se o agravado para que assim proceda, sob pena de lhe ser convertida a pena privativa de liberdade, como disciplina o art. 181, § 1º, b, da Lei nº 7.210/84.

O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo (fl. 321).Contra-razões juntadas nas fls. 327 a 329.Em sede de juízo de retratação, a decisão agravada restou mantida

(fls. 330).Neste grau de jurisdição, a Procuradoria Regional da República

manifestou-se pelo provimento do agravo (fls. 337 a 342).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O instituto da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é um benefício criado para evitar a segregação corpórea do réu, desde que atendidos os requisitos legais previstos nos arts. 44 e seguintes do Código Penal.

Entretanto, o mesmo dispositivo legal é norma revestida dos requisitos de validade e eficácia e, portanto, deve ser atendido in tottum, sob pena de impunidade.

Registre-se que, na primeira parte do § 4º do referido art. 44 do Código

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Penal, consta que “A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta”.

O exame dos autos indica que, embora o Ministério Público Federal tenha demonstrado ciência de que o réu não cumpriu a integralidade da condenação, postulando, inclusive, a intimação do executado para que atendesse às 07 (sete) horas e 40 (quarenta) minutos restantes (fl. 312), o fato é que ele restou indevidamente beneficiado pela sentença que decidiu pela extinção da punibilidade.

Entendo merecer reforma a indigitada decisão, pois, no caso, não há que se falar em proporcionalidade ou mesmo economia processual.

No particular, peço vênia para repisar parte do bem lançado parecer da Procuradoria Regional da República, como segue (fls. 340 e 341):

“(...) Salienta-se que, no caso em tela, não cabe primar pelo princípio da celeridade processual, pois este visa evitar atos processuais desnecessários, enquanto o cumpri-mento da pena é o próprio fim da ação penal que se encontra na fase de execução.

Por outro lado, no processo criminal a proporcionalidade deve ser aplicada no que tange ao acusado, e não em relação ao Estado, visto que a aplicação da lei penal não objetiva benefício econômico ao Estado ou retorno monetário, mas sim um custo social para a manutenção da paz em sociedade.

Ademais, entender que o descumprimento de 7 horas e 40 minutos é irrelevante acaba por conduzir a um juízo subjetivo, permitindo que cada julgador fixe o que é ou não insignificante em termos de cumprimento da pena substitutiva, o que traz insegu-rança jurídica e desigualdade de tratamento.

Assim, enquanto uns cumprem integralmente o que foi fixado na sentença, outros podem ver extinta a pena cumprindo menos do que a sentença condenatória estipulou, sob o simplório fundamento de que determinado número de horas é irrelevante para justificar a movimentação do judiciário.”

Isso posto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de execução, determinando a intimação do réu para que cumpra a integralidade da pena, nos termos da fundamentação.

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HABEAS CORPUS Nº 2008.04.00.003045-3/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Impetrantes: Drs. Fernando Roberto Telini Franco de Paula e outrosPacientes: A.M.N.

V.M.A.M.

Impetrado: Juízo Substituto da VF CRIMINAL e SFN e JEF Criminal de Florianópolis

EMENTA

Direito penal. Sonegação de contribuições previdenciárias. Artigo 337-A do CP. Processo administrativo-fiscal. Imprescindibilidade do lançamento definitivo. Denúncia. Menção ao valor dos tributos devidos. Requisito essencial.

1. Nos termos da Súmula 78 desta Corte, “a constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90”.

2. In casu, não ocorreu a instauração de procedimento na via admi-nistrativa para efeito de lançamento das contribuições supostamente devidas. Assim, por conseqüência, inexiste justa causa para a ação penal.

3. Na denúncia referente a crimes contra a ordem tributária deve constar o valor do débito fiscal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 12 de março de 2008.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Fernando Rober-to Telini Franco de Paula e outros, em favor de A.M.N., V.M. e A.M.,

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objetivando o trancamento da ação penal nº 2006.72.00.001036-1/SC.Segundo se depreende, os pacientes foram denunciados pela prática

do delito tipificado no artigo 337-A c/c art. 29, ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na inicial:

“Em 04 de julho de 2005, na sede da empresa Líder Serviços Contábeis Ltda., sita na Rua Felipe Schimidt, nº 315, sala 402, Edifício Aliança, Município de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, fiscais da Delegacia da Receita Previdenciária constataram que os denunciados simularam a mudança de atividade da empresa fiscalizada com a intenção de reduzir o pagamento de contribuições sociais.

A conduta dos acusados consistiu em reduzir o pagamento de contribuições sociais previdenciárias relativas a 12 empregados por meio da omissão total de remunerações pagas, geradores de contribuição social previdenciária e por meio do registro dos mesmos na empresa Líder Serviços Gerais Ltda.

Os agentes agiram com essa intenção tendo em vista que o artigo 90 da Lei nº 9317/96, que dispõe sobre o regime tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte e institui o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das de Pequeno Porte - SIMPLES, impede a adoção desse sistema por pessoa jurídica que explore o serviço de contador: (...).

Pelo fato de não poder optar pelo SIMPLES, os sócios da Líder Serviços Contábeis simularam a criação de uma segunda pessoa jurídica, a Líder Serviços Gerais, que sucedeu os seus contratos de trabalho. Na fiscalização da Delegacia da Receita Previ-denciária, a referida simulação ficou esclarecida, pois os fiscais flagraram os 12 (doze) empregados, formalmente registrados junto à Líder Serviços Gerais, trabalhando na sede da Líder Serviços Contábeis.

Dessa forma, os denunciados conseguiram deixar de recolher valores devidos à previdência que ultrapassam a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais).” (fl. 07)

A peça acusatória foi recebida pelo Juízo da Vara Federal Criminal de Florianópolis em 20.11.2007.

Sustentam os Impetrantes, em síntese, inexistir justa causa para o prosseguimento da ação penal, uma vez que “não houve processo administrativo-fiscal para apuração do quantum debeatur”, inexistindo, destarte, a consumação do crime imputado na denúncia. Nesse contexto, requerem a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para determinar o trancamento da referida ação penal.

A tutela de urgência foi deferida para suspender o processo, inclusive o interrogatório aprazado para o dia 14.02.2008, até o julgamento do presente writ pelo Colegiado (fls. 141/4).

A ínclita autoridade impetrada prestou informações, com documentos

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anexos (fls. 151/223) ressaltando que “não consta nos autos processo administrativo-fiscal”.

Oficiando no feito, a douta Procuradoria Regional da República manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 225/36).

A Delegacia da Receita Federal informou que “não constam em nossos sistemas lançamentos de débitos previdenciários emitidos quando da instauração do referido procedimento fiscal de auditoria (...), não estando as empresas cadastradas como devedoras em nosso sistema”. (fl. 238)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: A decisão que deferiu a liminar foi exarada nas seguintes letras (fls. 141/4):

“Ao menos em primeira análise, verifica-se a procedência do pedido. Com efeito, mostra-se pacífica a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de que,

consistindo a prática descrita no art. 337-A do Estatuto Repressivo em conduta de sonegação similar à do crime contra a ordem tributária insculpido no art. 1º da Lei nº 8.137/90, exige-se para o início da persecutio criminis a constituição definitiva do cré-dito fiscal, nos termos da decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do HC nº 81.611/DF (Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, public. no DJ de 13.05.2005).

A propósito, vale consultar recentes julgados desta Corte:‘PENAL. ARTIGO 337-A DO CP. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES

PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ANULAÇÃO AB INITIO DO PROCESSO. 1. Em se tratando do crime de sonegação fiscal, que exige efetiva supressão ou redução de tributo para a sua consumação (crime material), necessária a constituição definitiva do crédito tributário como condição de procedibilidade, da mesma forma que ocorre nos delitos previstos no artigo 1° da Lei 8.137/90. 2. Tendo sido a denúncia recebida em data anterior à constituição do crédito tributário, carece de justa causa a ação penal.’ (7ª Turma, ACR nº 200471050006226/RS, Relator Des. Federal Tadaaqui Hirose, public. no DJ de 10.10.2007)

‘HABEAS CORPUS. ARTIGO 337-A, INC. II E III, DO CÓDIGO PENAL. SONE-GAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PENDÊNCIA DE DISCUS-SÃO DOS CRÉDITOS NA ESFERA ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESULTADO. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que, ‘nos crimes do art. 1º da Lei nº 8.137/90, materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento es-sencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa’ (HC nº

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81.611, Relator Ministro Sepúlveda Pertence). 2. Inexiste óbice para que a orientação do STF também se estenda aos delitos previstos no artigo 337-A do Código Penal, que trata igualmente de crimes materiais, dependendo para sua consumação dos atos de ‘suprimir ou reduzir’ contribuição previdenciária.’ (HC nº 2006.04.00.027184-8/SC, Oitava Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no DJU de 27.09.2006, p. 698).

Tal entendimento, conforme salientou a 4ª Seção desta Corte, ao aprovar a redação da Súmula nº 78 (‘A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da per-secução penal concernente a crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90’), abrange, inclusive, o inquérito policial porventura instaurado.

No caso sub judice, embora não haja informação concreta sobre a existência de procedimento administrativo-fiscal, os elementos constantes dos autos indicam que não ocorreu o lançamento definitivo do crédito tributário.

Com efeito, a denúncia não faz qualquer menção sobre a existência de processo na esfera fiscal, não havendo sequer informação precisa sobre o total sonegado pelos réus, porquanto a inicial menciona que os valores devidos ultrapassam a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Da mesma forma, na decisão que recebeu a peça acusatória, nada é referido a res-peito da matéria em debate, constando apenas que a denúncia ‘preenche os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, e os fatos ali descritos constituem, em tese, o delito tipificado no artigo 337-A do Código Penal’.

Nesse contexto, objetivando evitar eventual constrangimento ilegal à liberdade dos pacientes, mister sobrestar a ação penal, até que a quaestio seja devidamente esclarecida.”

Consoante as informações prestadas pelo ilustre magistrado a quo, bem como pela Receita Federal, efetivamente não houve a instauração de procedimento administrativo em relação aos fatos narrados na exordial.

A par disso, consoante bem destacado pelo Ministério Público, no parecer acostado às fls. 225/36, “no caso concreto, a denúncia recebida imputou a prática de sonegação de contribuições em valores não exatos, apenas referindo que o montante ultrapassa a quantia de cem mil reais. Destarte, sem o valor exato, nos delitos de sonegação previdenciária, não há como dar ensejo à demanda penal.”

Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o trancamento da ação penal nº 2006.72.00.001036-1, sem prejuízo do oferecimento de outra denúncia após eventual constituição definitiva do crédito tributário.

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HC Nº 2008.04.00.010010-8/PR e Nº 2008.04.00.012237-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Impetrantes: Drs. René Ariel Dotti e outrosPaciente: M.A.M.

Impetrado: Juízo Substituto da 3ª VF Criminal e JEF Criminal de Curitiba

EMENTA

Processual Penal. Habeas Corpus. Ação Penal. Trancamento. Impos-sibilidade. Descaminho. Crime contra a ordem tributária. Objetividade jurídica distinta. Crédito tributário. Constituição definitiva. Indepen-dência das instâncias.

O trancamento de ação penal por meio da angusta via do habeas corpus consiste em medida excepcional, somente aceita pelos Tribunais pátrios quando demonstrada, inequivocamente, a ausência de justa causa hábil à instauração da persecutio criminis in judicio.

Há inequivocamente diferença entre o crime de descaminho e o contra a ordem tributária. São tipos penais com objetividade jurídica distinta, não podendo ser aplicado o mesmo entendimento para ambos, no que se refere à condição objetiva de punibilidade. O delito de contrabando ou descaminho tutela a Administração Pública, em especial o erário, protegendo também a saúde, a moral, a ordem pública. De outro modo, no crime do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, o bem jurídico protegido é a ordem tributária, entendida como o interesse do Estado na arrecadação dos tributos, para a consecução de seus fins. Neste delito, exige-se o resultado naturalístico, tanto que o pagamento do tributo extingue a pu-nibilidade (artigo 34 da Lei nº 9.249/95), ao contrário do descaminho, no qual, mesmo que declarado o perdimento da mercadoria ou tendo sido paga a exação tributária, não há qualquer conseqüência no âmbito penal.

A conclusão do processo administrativo não é condição de proce-dibilidade para a deflagração do processo-crime pela prática de delito do artigo 334 do CP.

Os tributos exigidos, na hipótese de descaminho, cumprem função extrafiscal, ao contrário do crime contra a ordem tributária. A extrafiscali-dade, nas palavras de Hugo de Brito Machado, configura-se “quando seu

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objetivo principal (do tributo) é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financei-ros” (in Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 61).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de maio de 2008.Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Cuida-se de habe-as corpus que Rene Ariel Dotti e outros impetram em favor de M.A.M. objetivando o trancamento da ação penal nº 2007.70.00.011098-4/PR, quanto ao delito previsto no artigo 334, caput, do CP, por ausência de justa causa, em trâmite perante a 3ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba.

Nos autos da referida demanda criminal, o paciente foi denunciado pelo cometimento, em tese, dos delitos capitulados nos artigos 288, 299 e 334, caput, todos do Código Penal.

Argumentam os impetrantes, em apertada síntese, que o crime de des-caminho é, por essência, um crime tributário material e, por tal motivo, exige condição objetiva de punibilidade: a constituição, antes da perse-cução criminal, do crédito tributário. Não havendo, portanto, no presente caso, lançamento definitivo do débito, não há como prosseguir a ação penal. Requerem, assim, o trancamento do processo-crime em relação ao delito de descaminho, já que este é um ilícito de natureza tributária.

Processado o feito sem pedido liminar, foram prestadas informações pela autoridade impetrada (fls. 94/98).

Eduardo Sanz de Oliveira e Silva e outro formulam às fls. 119/138 pedido de extensão do presente habeas corpus em favor de M.A.M. Filho. Reiteram os argumentos expendidos na inaugural da impetração, requerendo o trancamento da ação penal, porquanto se trata de delito de

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natureza tributária sem consolidação definitiva do débito fiscal.À fl. 161 foi determinado o apensamento do HC nº 2008.04.00.012237-

2 ao tombado sob o nº 2008.04.00.010010-8, com a deliberação de jul-gamento conjunto de ambos os writs.

A Procuradoria Regional da República da 4ª Região manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 100-103v).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Pretendem os im-petrantes o trancamento da ação penal com base no fundamento de que o delito de descaminho é de natureza tributária e, portanto, exige, para a sua persecução penal, a constituição definitiva do crédito tributário no âmbito administrativo.

O trancamento de ação penal através da angusta via do habeas corpus, como é cediço, consiste em medida excepcional, somente aceita pelos Tribunais pátrios quando demonstrada, inequivocamente, a ausência de justa causa hábil à sua instauração. Com efeito,

“o reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de habeas corpus, reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal.” (STF, 2ª Turma, HC nº 82393/RJ, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU 22.08.2003)

Pois bem. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que “a constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da per-secução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1ª da Lei nº 8.137/90” (TRF4R, Súmula nº 78) (grifei). Dessarte, conforme tal orientação, que se seguiu ao julgamento no STF do HC 81.611/DF (j. 10.12.2003, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence), ausente a notícia de inscrição em dívida ativa das exações tidas por sonegadas, não pode o contribuinte ser denunciado como incurso na norma incriminadora do art. 1º da Lei nº 8.137/90. Entretanto, trata a presente ação penal de delito previsto no artigo 334 do CP, que não exige, conforme iterativa jurisprudência, a prévia constituição do crédito tributário.

Com efeito, o crime de descaminho é formal, não prescindindo do encerramento do processo administrativo como condição de tipicidade,

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como se dá no artigo 1º da Lei nº 8.137/90. Segundo o escólio de Gui-lherme de Souza Nucci, o delito do artigo 334 do CP é

“crime comum (aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa); formal (crime que não exige, para sua consumação, resultado naturalístico, consistente na produção de efetivo dano para a administração pública) nas modalidades ‘importar’ e ‘expor-tar’. Se a mercadoria é proibida de ingressar ou sair do país, o simples fato de fazê-lo consuma o crime, embora não se tenha produzido um resultado passível de realização fática. É formal (delito que não exige, para sua consumação, a ocorrência de resul-tado naturalístico), também na forma ‘iludir o pagamento’. Entretanto, nesse caso, o Estado deixa de arrecadar valores importantes para a administração pública, o que se pode constatar faticamente.” (In: Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1061) (sem grifos no original)

Assim, não exigindo o tipo penal em apreço, para sua perfectibiliza-ção, a ocorrência de resultado naturalístico, não há falar na exigência de lançamento definitivo para a sua consumação e conseqüente ação penal, como sustentam os impetrantes.

“A diferença entre o descaminho enquanto crime e o descaminho enquanto infração fiscal reside no elemento subjetivo, na culpabilidade”, como assinala Márcia Dometila Lima de Carvalho, sendo tal fator essen-cial para a diferenciação do crime fiscal, previsto na Lei nº 8.137/90 – que exige a constituição definitiva do crédito tributário –, e o delito do artigo 334 do CP. A respeito da questão, a doutrinadora arremata,

“assim, no impropriamente chamado contrabando fiscal, a infração tem caráter for-mal e se configura só com a objetividade do fato, bastando a possibilidade de prejuízo para o Fisco. A sanção típica, perda de mercadoria e multas, prescinde do direito de propriedade, podendo recair em quem não é autor material do fato. A responsabilidade é puramente formal, não se admitindo escusa baseada em boa-fé, em erro próprio ou de terceiro, ou mesmo na falta de qualquer intenção de lesar o Fisco.” (in Crimes de Contrabando e Descaminho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 33-34)

O Ministro Evandro Lins, quando do julgamento do Recurso Extra-ordinário nº 62.577/SP, traçou com perfeição a diferença entre as duas categorias de infração assinalando – in verbis:

“(...) No direito penal a sanção incide sobre o sujeito ativo do crime com fundamento na imputabilidade e na responsabilidade subjetiva do próprio autor da infração penal; no direito fiscal a sanção recai sobre o autor do ilícito fiscal ou terceiro, pessoa física ou jurídica, que se tenha beneficiado com o dano causado ao ente público, o qual, se não pode responder criminalmente pelo mesmo fato histórico e jurídico, por ele há de

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responder tributariamente em virtude da responsabilidade objetiva ex re ipsa, que por sua natureza se presume iures et de iures, eis que não admite prova em contrário. Daí resulta a diferença entre a fraude penal e a fraude fiscal e, portanto, entre o contrabando penal e o contrabando fiscal.” (publ. na RDP, 15:173, 1971)

Andreas Eisele, no mesmo sentido, assinala que “as modalidades delitivas cujo evento é implementado por uma conduta instrumental

de configuração fraudulenta (as definidas nos arts. 1º, caput, da Lei nº 8.137/90 e 337-A do CP) são denominadas como sonegação fiscal, e as demais modalidades delitivas anteriormente indicadas [arts. 2º da Lei nº 8.137/90, 168-A do CP e 334 do CP], que se consumam com a inadimplência da prestação da obrigação tributária, independen-temente da prática de qualquer conduta fraudulenta (as descritas nos arts. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 e 168-A do CP), não recebem a mesma denominação, pois configuram modalidade delitiva distinta, cuja expressão cultural que institui o significado ético do fato no âmbito social não se relaciona com o modo (fraudulento) da realização da conduta que implementa o evento (evasão), mas com a espécie da prestação tributária, cuja configuração formal a diferencia das demais, devido à repercussão financeira da prestação, característica dos tributos indiretos, e à forma de recolhimento dos tributos e contribuições sociais devidos por agentes de retenção.” (In: Crítica ao Direito Penal Tributário Brasileiro. Blumenau: Acadêmica, 2007. p. 107-108)

De fato, relativamente ao delito de descaminho, basta, para infirmar a tese de que a dispensa da cobrança tornaria atípica a conduta, a ad-vertência de que, embora de interesse do Fisco, os tributos exigidos, na hipótese, cumprem função extrafiscal. Configura-se a extrafiscalidade, nas palavras de Hugo de Brito Machado, “quando seu objetivo princi-pal (do tributo) é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros” (grifei) (In: Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 61). Se a principal função dos tributos devidos por ocasião de importação ou exportação de mercadorias não é o aporte de recursos ao Tesouro, então não se pode conceber uma relação direta entre a tipicidade da conduta e a dispensa, pelo fisco, da cobrança respectiva, de modo que, elevado o montante da renúncia fiscal, ficaria também redimensionado o critério para aferição do enquadramento típico da conduta.

Há, inequivocamente, uma diferença entre o delito de descaminho e os demais delitos contra a ordem tributária. Quanto aos últimos, uma simples leitura da legislação de regência não deixa dúvida alguma sobre a intenção arrecadatória subjacente. Assim é que, interpretando o art. 34 da

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Lei nº 9.249/95, o Superior Tribunal de Justiça “tem entendimento firme de que, nos crimes contra a ordem tributária, o pagamento ou o parcela-mento do débito fiscal, antes do recebimento da denúncia, gera a extinção da punibilidade e a conseqüente falta de justa causa à ação penal” (HC nº 34844/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 06.09.04). A previsão de extinção da punibilidade para os casos em que o contribuinte inadim-plente efetua o pagamento, ainda que antes do recebimento da denúncia, deixa clara a função do tipo penal: compelir o devedor a satisfazer a obrigação. A prova maior da afirmação que vem de ser feita é dada pela Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, cujo artigo 9º afirma “suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento”, prevendo, em seu § 2º, a extinção da punibilidade “dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos dos tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.

Como se vê, em se tratando de tipos penais com objetividade jurídica distinta, não há como ser aplicado o mesmo entendimento para ambos os delitos, no que se refere à condição objetiva de punibilidade. O delito de contrabando ou descaminho tutela a Administração Pública, em especial o erário, protegendo também a saúde, a moral, a ordem pública. De outro modo, no crime do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, o bem jurídico protegido é a ordem tributária, entendida como o interesse do Estado na arrecada-ção dos tributos, para a consecução de seus fins. Neste delito, exige-se o resultado naturalístico, tanto que o pagamento do tributo extingue a punibilidade (artigo 34 da Lei nº 9.249/95), ao contrário do descaminho, no qual, mesmo que declarado o perdimento da mercadoria ou tendo sido paga a exação tributária, não há qualquer conseqüência no âmbito penal, conforme se observa da leitura do aresto a seguir transcrito:

“PENAL E PROCESSO PENAL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. DES-CAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. LEI Nº 9.249/95. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

(...) O favor legal da extinção da punibilidade do art. 34 da Lei nº 9.249/95 deve

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ser interpretado restritivamente, ou seja, só alcança os delitos das Leis nos 8.137/90 ou 4.729/65.” (TRF da 1ª Região, ACR nº 0100009635-2, Relatora Desembargadora Federal Eliana Calmon, 10.09.99)

Tal conclusão é pacífica, tanto na doutrina como na jurisprudência, já que, com o advento da Lei nº 6.910/81, restou superado o entendimento da Súmula nº 560 do STF (“A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido estende-se ao crime de contrabando ou descaminho, por força do art. 18, § 2º, do Decreto-Lei nº 157/67”). Nesse sentido, a propósito:

“PROCESSUAL PENAL. HC. SONEGAÇÃO FISCAL. CONTRABANDO OU DESCAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

1. Extingue a punibilidade do crime de sonegação fiscal quando o agente promover o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia.

2. A Lei nº 6.910, de 27 de maio de 1981, cancelou a Súmula 560 do Supremo Tribunal Federal, que admitia a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes de iniciada a ação penal, nos delitos de contrabando e descaminho. Hoje, o pagamento do tributo, ainda que efetuado antes de iniciado o processo criminal, não tem efeito extintivo da punibilidade (Damásio E. de Jesus).” (TRF da 1ª Região, HC nº 0100002150-6, Relator Desembargador Federal Mário César Ribeiro, 21.11.03)

Destarte, por todo o exposto e como já assentado nesta Corte, “o crime de descaminho não exige prévia constituição do crédito tributário” (TRF 4ª Região, 7ª Turma, ACR nº 200271010068479/RS, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, e-DJ 07.03.2007). No mesmo sentido o entendimento do egrégio STJ, conforme acórdão assim ementado:

“RMS. CRIMINAL. DESCAMINHO. LIBERAÇÃO DE BENS APREENDIDOS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E DE RECOLHIMENTO DO TRI-BUTO DEVIDO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CRIMINAL E ADMINISTRA-TIVA. COMPETÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

I - A investigação do crime de descaminho independe da apuração do valor do tributo a ser recolhido, que compete à Receita Federal.

II - A restrição penal – para fins de investigação do delito de descaminho – é abso-lutamente independente da restrição administrativa – que visa a garantir o pagamento do tributo.

III - Ao juiz criminal cabe decidir, exclusivamente, sobre a devolução do bem apreendido para fins de investigação criminal, devendo a constrição administrativa ser resolvida pela autoridade competente, da Receita Federal.

IV - Recurso desprovido.” (RECURSO ORDINÁRIO EM MS N° 8.216 - SP, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 13.05.2002, p. 209)

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E não é outro o posicionamento dos Tribunais Regionais, conforme precedentes que a seguir colaciono:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. ART. 334 DO CPB. INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DE CADA UM DOS ACUSADOS: DESNECESSIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO. IMPOSSIBILIDADE.

(...)II - A propositura de ação penal para apuração de crime de contrabando e/ou descami-

nho não se submete a qualquer questão prejudicial de natureza administrativo-tributária porquanto as esferas administrativa e penal são autônomas e independentes entre si.

III - Em se tratando do delito do art. 334 do CPB, o pagamento dos tributos não enseja a extinção da punibilidade.

IV - Ordem denegada.” (TRF - 1ª Região, HC - 200401000421907/AM, DJ 14.01.2005, p. 35, Relator Des. Fed. Cândido Ribeiro)

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REINCIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE QUE O CRIME SÓ É TIDO COMO CARACTERIZADO AO FIM DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL: FALTA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA.

(...) 9. Inexistência de plausibilidade jurídica na tese sustentada na impetração, de que o

crime de descaminho só resta caracterizado ao término do procedimento administrativo fiscal, devendo ser aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal com relação aos crimes contra a ordem tributária, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade.

10. Em primeiro lugar, sequer há nos autos prova de que o paciente apresentou defesa administrativa contra a lavratura de auto de infração decorrente da apreensão das mercadorias descaminhadas.

11. É certo que no julgamento do HC 81.611 o STF entendeu que o delito descrito no artigo 1º da Lei 8.137/90, por ser material, demanda, para sua caracterização, o lançamento definitivo do débito tributário, estabelecendo o lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade ou, ainda, como um elemento normativo do tipo.

12. Contudo, o paciente foi preso em flagrante de delito de descaminho, crime em que o bem jurídico tutelado é não só a proteção do erário, como também a regularidade nas importações e exportações e, conseqüentemente, a eficácia das políticas governa-mentais de defesa do desenvolvimento da indústria nacional.

13. Tal entendimento coaduna-se com a nítida função extrafiscal dos tributos inci-dentes sobre importações e exportações, ou seja, mais do que o interesse do Estado na arrecadação tributária, tais exações cumprem a função de instrumentos de implemen-tação da política de desenvolvimento da indústria e comércio nacionais.

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14. Bem por isso, o procedimento fiscal no caso de apreensão de mercadorias des-caminhadas não visa à constituição do crédito tributário, mas sim à aplicação da pena de perdimento (artigo 23 e seguintes do Decreto-Lei n° 1.455/76) e, dessa forma, não há como aplicar-se o precedente do STF (HC n° 81.611) posto que este restringe-se aos crimes contra a ordem tributária elencados no artigo 1° da Lei n° 8.137/90, em que a lei objetiva coibir exclusivamente a sonegação fiscal.

15. Acrescente-se que os delitos do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 são de natureza material – importando a necessidade de demonstração da ocorrência de resultado naturalístico, ou seja, da supressão ou redução do tributo devido – de forma que o pro-cedimento fiscal visa à constituição do crédito tributário suprimido ou reduzido pelo agente e o crime do artigo 334 do CP, ao contrário, é de natureza formal.

16. Assim, não é de se exigir, para a ação penal por crime de descaminho, o en-cerramento da instância administrativa. Precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

17. Ordem denegada.” (HC - 27948/MS, 1ª Turma, DJU 17.07.2007, p. 291, Relator Juiz Márcio Mesquita) (grifei)

Em relação ao disposto no artigo 83 da Lei nº 9.430/96, basta dizer que a Lei não criou condição de procedibilidade para a ação penal. Não obstante as opiniões em contrário, que respeito, tenho que a existência de processo administrativo em curso, por si só, não pode ter o condão de inviabilizar a ação penal, até porque nenhum efeito tal decisão pode pro-duzir na esfera criminal, dada a autonomia das instâncias administrativa e penal. O artigo 83 da Lei 9.430/96 está endereçado ao administrador, impedindo-o que aja sem antes concluir o procedimento administrativo fiscal. Todavia, tal não obsta que o Ministério Público promova a ação penal pública, se entender configurada a infração, já que, como se disse acima, tanto a declaração de perdimento pelo Fisco como o pagamento do tributo não implicam qualquer conseqüência na esfera penal. Nem mesmo a recente Portaria nº 665 da Receita Federal do Brasil, de 24 de abril de 2008, tem o condão de alterar tal entendimento. Veja-se que o crime contra a ordem tributária e o de descaminho são tratados em capí-tulos diversos na referida legislação, o que deixa, a princípio, assentado que as regras de um não valem para outro, como pretendem fazer crer os impetrantes. Confira-se, nesta senda, o seguinte precedente:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRA-TIVO FISCAL (ART. 83 DA LEI Nº 9.430/96). IRRELEVÂNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95). INAPLICABILIDADE.

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(...)2 - A eventual pendência de recurso administrativo impugnando o lançamento

tributário não constitui óbice à propositura da ação penal.3 - A causa extintiva da punibilidade prevista no artigo 34 da Lei nº 9.249/95 não

se aplica ao crime de descaminho, diante da incompatibilidade entre a natureza deste e a dos delitos tidos como fiscais.

4 - O bem jurídico tutelado no crime de descaminho, além de abranger o interesse da Fazenda Nacional em ver o tributo recolhido, protege também a administração pública no que diz respeito à incolumidade do regime de importação e exportação que integra o sistema de desenvolvimento econômico do país.

5 - Ordem denegada.” (TRF - 3ª Região, HC - 13526/SP, 2ª Turma, DJU 30.04.2003, p. 379, Relator(a) Juíza Marisa Santos) (grifei)

Por fim, ainda, a fim de refutar os argumentos lançados na impetração transcrevo excerto das informações prestada pela autoridade coatora, que, com percuciência a respeito do delito, assinalou:

“(...) Nos casos investigados na Operação Dilúvio, segundo a acusação do Ministério Público Federal, tanto a declaração inexata dos preços praticados (subfaturamento) quanto a ocultação do real adquirente só foram levadas a efeito mediante a prática sistematizada de falsificar e utilizar documentos material ou ideologicamente falsos e de prestar declarações falsas para viabilizar o desembaraço das mercadorias. Em con-seqüência, iludiu-se o pagamento de parte dos tributos incidentes sobre as mercadorias importadas, tanto dos tributos aduaneiros como dos tributos internos.

Tal prática encontra vedação no artigo 618, incisos VI, VII, XI e XXII, do Regula-mento Aduaneiro - RA, aprovado pelo Decreto n° 4.543/2002, configurando infração sujeita à pena de perdimento das mercadorias. Verbis:

‘Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei n° 37, de 1966, art. 105, e Decreto-Lei n° 1.455, de 1976, art. 23 e § 1º, com a redação dada pela Lei n° 10.637, de 2002, art. 59): (Redação dada pelo Decreto n° 4.765, de 24.6.2003)

(...)VI - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento

necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;VII - nas condições do inciso VI, possuída a qualquer título ou para qualquer fim;(...)XI - estrangeira, já desembaraçada e cujos tributos aduaneiros tenham sido pagos

apenas em parte, mediante artifício doloso;(...)XXII - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese

de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta

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de terceiros.’A efetiva aplicação da pena de perdimento traz como conseqüência o afastamento

dessas mercadorias estrangeiras do campo de incidência tributária, conforme dispõe o inciso III do parágrafo 4° do artigo 1° do Decreto-Lei n° 37/66, com redação dada pelo Artigo 77 da Lei nº 10.833/2003. Reza o dispositivo referido:

‘Art. 1º - O Imposto sobre a Importação incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional. (Redação dada pelo Decreto-Lei n° 2.472, de 01.09.1988)

(...)§ 4° O imposto não incide sobre mercadoria estrangeira: (Incluído pela Lei n°

10.833, de 29.12.2003)(...)III - Que tenha sido objeto de pena de perdimento, exceto na hipótese em que não

seja localizada, tenha sido consumida ou revendida. (Incluído pela Lei n° 10.833, de 29. 12.2003)’ (grifado agora)

Assim sendo, nos casos em que a mercadoria objeto do crime de descaminho é efetivamente localizada pelos agentes da Receita Federal, uma vez configurada al-guma das situações do art. 618 do Regulamento Aduaneiro, os bens são submetidos ao perdimento. E uma vez efetivado o perdimento das mercadorias não há qualquer lançamento de tributo ou aplicação de multa. Sequer há continuidade do procedimento administrativo-fiscal. Ou seja, apreendida a mercadoria e decretado o seu perdimento, encerra-se a atividade fiscalizadora da Receita Federal, sem qualquer outro ato na esfera administrativa, salvo aqueles meramente burocráticos para destinação das mercadorias (doação, destruição, leilão etc.).

Somente haverá continuidade do procedimento administrativo-fiscal, com a eventual constituição de crédito tributário, quando não for possível o perdimento, seja porque as mercadorias importadas não foram encontradas, seja porque foram todas entregues a consumo ou revendidas, não sendo praticável, portanto, sua apreensão.

E a razão lógica para a distinção das situações é simples. Tendo os tributos aduaneiros natureza eminentemente extrafiscal, de regulação econômico-comercial, deixam tais tributos de ter objeto e razão de existir quando os seus efeitos almejados desaparecem, notadamente porque com a apreensão da mercadoria não subsiste a necessidade da incidência do gravame fiscal aduaneiro. Portanto, havendo apreensão efetiva do pro-duto com aplicação do perdimento, desnecessária a incidência dos tributos aduaneiros. Por isso, efetivamente, a Receita Federal jamais constituirá qualquer crédito tributário nessas hipóteses.

Diante disso, a prevalecer a argumentação dos impetrantes, de que o descaminho é crime material e, assim, demanda como condição objetiva de punibilidade a cons-tituição do crédito tributário correspondente ao tributo iludido, nas hipóteses em que decretado o perdimento da mercadoria não haveria jamais crime de descaminho, ou não haveria a implementação objetiva de punibilidade aventada, pois nunca haverá

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constituição de crédito tributário. Ou seja, ainda que a falsidade dos documentos (despacho aduaneiro) seja clarividente, revelando inequivocamente a prática de subfa-turamento e ocultação dos reais agentes da operação de importação, seria imperioso concluir que não há descaminho, sequer na modalidade tentada, ou que jamais haverá persecução penal quanto a esse descaminho, por constituição de crédito tributário.

E mais, ainda como conseqüência dessa construção teórica, a autoridade policial, no exercício de sua atividade, jamais poderia apreender mercadorias objeto de descaminho quando não existisse crédito tributário constituído, o que revela a inconsistência da tese aventada. Ora, são freqüentes as apreensões de produtos objeto de descaminho (ele-trônicos, brinquedos, bebidas alcoólicas etc.), principalmente nas regiões fronteiriças, sem que exista qualquer crédito tributário constituído.

Finalizando, vale referir que a doutrina, aparentemente em sua maioria, refuta a necessidade de constituição prévia de crédito tributário nas hipóteses de descaminho. Exemplificativamente, é a lição de Paulo Júnior de que ‘Nenhuma das práticas deliti-vas [contrabando e descaminho] acha-se subordinada a qualquer questão prejudicial no âmbito administrativo. Não procede, desse modo, a alegação de que o processo criminal dependerá de uma condição objetiva de punibilidade ou de procedibilidade, qual fosse a verificação prévia do contrabando ou descaminho em sede administra-tiva’ (ob. cit.).

Igualmente, afastando a existência de qualquer condição objetiva de punibilidade no delito de descaminho, assevera Magalhães Noronha que:

‘A verdade é que tanto a autoridade administrativa como a policial são competentes para a apreensão da mercadoria objeto do delito. As ações dessas autoridades devem harmonizar-se e complementar-se, não, porém, excluir-se. Conseqüentemente, não se compreende que a autoridade policial, tendo notícia do crime, se conserve de braços cruzados, só porque a outra não agiu. Na oração que enuncia o delito, nada disto se depara. Para que o juiz, no processo criminal, apure, em se tratando de contrabando, se a mercadoria é proibida e, cogitando-se de descaminho, se o imposto ou os direitos eram devidos, não necessita aguardar o processo administrativo, pois pode, perfeita-mente, sem ele, ter os elementos esclarecedores’ (In: Direito Penal. 4v. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 336). (...)” (fls. 106/108)

Como se vê, não há qualquer ilegalidade a autorizar o trancamento da ação penal, sendo também necessário consignar que a possível des-classificação do delito de contrabando/descaminho para aquele contra

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2001.71.00.000071-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Alcides Vettorazzi

Embargante: Georgios FasitsasAdvogado: Dr. Luiz Celso José Indio Diniz

Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Previdenciário. Embargos infringentes. Reconhecimento de tempo de serviço prestado na condição de contribuinte individual (autônomo) e respectivo cômputo para fins de aposentadoria independentemente do recolhimento tempestivo de contribuições. Impossibilidade. Desconto dessas contribuições no benefício a ser deferido. Impossibilidade.

Na sistemática da Lei nº 8.213/91, aos segurados empregados, avulsos e empregados domésticos – em que a obrigação do recolhimento e paga-mento das contribuições previdenciárias é do empregador – é possível a concessão de benefício ainda que haja débito relativamente a contribui-ções; outra é a situação dos contribuintes individuais (obrigatórios e/ou facultativos), em que é sua a obrigação de verter aos cofres previden-ciários as respectivas contribuições. Mais do que isso, tal recolhimento é condição para o reconhecimento de vínculo previdenciário e, sendo assim, não é possível reconhecer tempo de serviço como autônomo con-dicionado a posterior recolhimento e/ou a desconto no próprio benefício a ser, em tese, concedido; não fosse assim, “seria possível a concessão de

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benefício pelo mero exercício da atividade como contribuinte individual, sem qualquer recolhimento”, como bem refere o voto divergente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 3 de julho de 2008.Juiz Federal Alcides Vettorazzi, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Alcides Vettorazzi: Trata-se de Embargos Infringentes opostos contra acórdão da Sexta Turma desta Corte, em an-terior composição, que, por maioria, deu parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, restando assim ementado:

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. FALTA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. CONTAGEM DO TEMPO DE SER-VIÇO MEDIANTE DESCONTO NO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Inviável o reconhecimento de tempo de serviço de contribuinte individual sem que recolhidas as contribuições devidas, não se mostrando possível a concessão do benefício com autorização para desconto do que não foi recolhido no momento oportuno.

2. Em face da sucumbência recíproca, mas não equivalente entre as partes, os honorários advocatícios, a cargo do INSS, devem ser fixados em 5% sobre o valor da causa atualizado.”

A douta maioria entendeu pela impossibilidade de averbação – sem o recolhimento das respectivas contribuições – para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, de períodos laborados pelo autor como contribuinte individual – de 01.04.1996 a 31.05.1996 e de 01.05.1997 a 16.12.1998 – e decidiu, em conseqüência, pela inviabili-dade do deferimento do benefício ora buscado, limitando-se a reconhe-cer o efetivo exercício do trabalho nos interregnos citados para futura inativação, quando do aporte contributivo. Em razão da sucumbência recíproca, mas não equivalente entre as partes, condenou a Autarquia ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor

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da causa atualizado.Por sua vez, o r. voto vencido, cuja prevalência pretende o Embargante,

foi no sentido de determinar a averbação dos intervalos questionados e de deferir a aposentadoria – inclusive em sede de tutela antecipada – autorizando o posterior desconto das contribuições devidas no valor do benefício.

Sem impugnação, vieram os autos conclusos para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Alcides Vettorazzi: O voto minoritário, na parte em que interessa à solução dos presentes embargos infringentes, tem a seguinte redação:

“A questão central se restringe ao reconhecimento ou não do tempo de serviço urbano comum, mediante a autorização para que se desconte os valores não-pagos na época própria do benefício a ser concedido com base no art. 115, I, da LB e, por conse-qüência, à concessão da aposentadoria por tempo de serviço a contar do requerimento administrativo (17.04.2000).

Inicialmente, cumpre anotar que a regra do § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil, acrescida pela Lei nº 10.352/2001, em vigor desde 27.03.2002, não tem aplicação na espécie, porquanto nesta fase do processo não é possível determinar que o valor da controvérsia recursal seja inferior a sessenta salários mínimos.

Em relação ao reconhecimento do tempo de serviço nos períodos de 04 e 05/1996 e de 05/97 a 02/99, verifico que efetivamente não houve contribuições nessas compe-tências. A sentença dispensou os recolhimentos das contribuições, entendendo que a contagem do tempo pode ser efetuada mediante a simples comprovação da atividade como sócio-gerente da empresa Georgios Fasitsas e Cia. Ltda..

Contudo, entendo que reconhecer o seu tempo de serviço, sem nada exigir-lhe, é beneficiar a empresa da qual o autor era sócio.

O artigo 45 da Lei 8.213/91 dispõe:‘Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-

-se após 10 (dez) anos contados: (...) § 1º Para comprovar o exercício de atividade remunerada, com vistas à concessão de

benefícios, será exigido do contribuinte individual, a qualquer tempo, o recolhimento das correspondentes contribuições. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.1999)

(...) § 3º No caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts.

94 a 99 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a base de incidência será a remuneração

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sobre a qual incidem as contribuições para o regime específico de previdência social a que estiver filiado o interessado, conforme dispuser o regulamento, observado o limite máximo previsto no art. 28 desta lei ( Incluído pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995).’

Assim, não se pode admitir tempo de serviço sem contribuições (salvo hipóteses excepcionais), sob pena de falência do sistema. O risco é claro: todos pagarão pela insolvência em poucos anos, inclusive os que pagaram corretamente.

Aliás, na petição inicial, o próprio autor pede que lhe seja autorizado o desconto das contribuições não-recolhidas na época própria do valor do benefício de aposentadoria a ser percebido.

De fato, não há óbice para que sejam feitos os referidos descontos, a teor da expressa autorização pelo art. 115, I, da Lei nº 8.213/91, verbis:

‘Art. 115 Podem ser descontados do valor dos benefícios: I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;’Resta, pois, somente a análise do direito à aposentadoria, a qual será realizada a

seguir.Considerando o tempo de serviço urbano cujo desconto previdenciário está sendo

autorizado, como retro referido, com os demais períodos de atividade urbana reconhe-cidos administrativamente (fls. 11/13), tem-se contabilizado o seguinte tempo:

*Deixo de considerar, uma vez que, não tendo sido computado na sentença, não houve insurgência a respeito.

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Desse modo, computando a parte autora 31 anos, 04 meses e 15 dias de tempo de serviço, faz jus à concessão de aposentadoria proporcional por tempo de serviço, nos termos do artigo 53, inciso II, da Lei 8.213, de 24.07.1991, correspondente a 76% do salário-de-benefício, a contar do requerimento administrativo formulado em 17.04.2000 (fl. 08), devendo ser efetuado o desconto de até 30% do recebido mensalmente, com base no art. 115, I, da Lei de nº 8.213/91, sem a incidência de multa e de juros de mora, até alcançar o valor do montante do débito.

No que se refere ao período de carência, verificando-se que o pedido administrativo ocorreu na data retro aludida, hipótese em que tem aplicação a nova versão do artigo 142 da Lei nº 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.032/95, deveria a parte autora comprovar a carência de até 96 meses de contribuição, visto que já possuía 30 anos de tempo de serviço em 1997.

Do exame dos autos, tem-se que restou cumprido o período de carência, pois os documentos juntados aos autos comprovam que o autor exerceu atividade urbana por tempo muito superior, atividade essa em que o recolhimento das contribuições era obrigatório.

A correção monetária e as custas foram corretamente fixadas na r. sentença, de acordo com o posicionamento desta Corte.

Os juros de mora devem ser mantidos diante da falta de insurgência a respeito, sob pena de reformatio in pejus.

No tocante aos honorários advocatícios, merece reforma a r. sentença em sede de remessa oficial, para determinar a incidência destes somente sobre as parcelas venci-das até a data da prolação da sentença (EREsp nº 202291/SP, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU, seção I, de 11.09.2000, p. 220).

Para fins da antecipação da tutela pretendida, como já sobejamente demonstrado, resta atendido o pressuposto da verossimilhança do direito vindicado. Do mesmo modo, verifico a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, em vista do segurado, além de apresentar problema de saúde que exige acompanhamento contínuo (fls. 268-282), contar com idade de 70 anos, o que torna presumida a sua incapacidade para o desempenho de atividades laborais. Assim, defiro a antecipação de tutela determinando a implantação do benefício postulado.

Oficie-se à Agência do INSS - São Jerônimo/RS, com AR e cópia do presente acórdão, para cumprimento desta decisão no prazo de 45 dias (art. 174 do Decreto 3.048/99), ao cabo do que aquela deverá comprovar nos autos a efetivação da medida.

Em face do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação, dar parcial provimento à remessa oficial, para restringir a incidência da verba honorária às parce-las vencidas até a data da prolação da sentença, e deferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, nos termos da fundamentação retro.”

Já a divergência, consubstanciada no voto do e. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, acompanhado pelo e. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, é do seguinte teor:

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“Peço vênia para divergir do eminente Relator.Tenho que o artigo 115, I, da Lei 8.213/91 não tem aplicação ao caso dos autos.Como bem observam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior,

em seus Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 5ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado: Esmafe, 2005, p. 357:

‘Parece-nos de difícil ocorrência prática a hipótese do inciso I.Em primeiro lugar, é certo que sobre o valor do benefício não incide contribuição,

pois há imunidade (CF, art. 195, II, com a redação dada pela EC nº 20/98).Quanto a contribuições anteriores à concessão do benefício, no caso de segurados

empregados ou avulsos, o benefício será concedido ainda que haja débito relativo a contribuições, como estabelece o inciso I do art. 34, em decorrência da sistemática de recolhimento das contribuições. Neste caso, a contribuição deverá ser cobrada da em-presa (LOCSS, art. 33, § 5º). Quanto aos domésticos, também é possível a concessão do benefício com a existência de débitos, mas igualmente, a cobrança deverá recair sobre o empregador, não havendo possibilidade de desconto sobre o benefício, que será de valor mínimo em caso de falta de comprovação dos recolhimentos (art. 36).

Para os demais segurados, caso não haja comprovação do recolhimento das contri-buições, o benefício não será concedido, de modo que o dispositivo não será aplicado para o recolhimento de contribuições anteriores.

Em tese, seria possível o desconto de contribuições relativas ao trabalho do segura-do posterior à aposentadoria, uma vez que o aposentado pelo regime geral que estiver exercendo ou voltar a exercer atividade que determine filiação fica obrigado a contribuir (LBPS, art. 11, § 3º). Outra hipótese seria o desconto sobre a pensão decorrente do exercício da atividade do pensionista como autônomo.’ (grifei)

O vínculo previdenciário do segurado contribuinte individual (antigo autônomo) pressupõe o recolhimento de contribuições, como afirmado com propriedade pelo eminente Relator. Se assim é, não pode o recolhimento ser protraído, invertendo-se a ordem natural, com o pagamento do benefício mediante aproveitamento do tempo para pagamento mediante desconto do que não foi recolhido pelo contribuinte individual no momento oportuno. No caso dos autos, ressalte-se, os períodos reconhecidos sem recolhimento de contribuições inclusive integram o período básico de cálculo, de modo que serão computados para a apuração da renda mensal inicial sem que o INSS tenha recebido o que lhe é devido.

A aplicação do artigo 115 da Lei 8.213/91 em caso como o dos autos, ademais, implica concessão de parcelamento pelo Poder Judiciário, que se substitui à Adminis-tração para deferir a benesse em hipótese que sequer a esta seria possível, haja vista as regras restritivas previstas nos arts. 122 e 124 do Decreto 3.048/99:

‘Art.122. O reconhecimento de filiação no período em que o exercício de ativida-de remunerada não exigia filiação obrigatória à previdência social somente será feito mediante indenização das contribuições relativas ao respectivo período, conforme o disposto nos §§ 7º a 14 do art. 216 e § 8º do art. 239.

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 219

§ 1º O valor a ser indenizado poderá ser objeto de parcelamento mediante solicita-ção do segurado, de acordo com o disposto no art. 244, observado o § 1º do art. 128.

§ 2º Para fins de concessão de benefício constante das alíneas a a e e h do inciso I do art. 25, não se admite o parcelamento de débito.

Art. 124. Caso o segurado contribuinte individual manifeste interesse em recolher contribuições relativas a período anterior à sua inscrição, a retroação da data do início das contribuições será autorizada, desde que comprovado o exercício de atividade remunerada no respectivo período, observado o disposto nos §§ 7º a 14 do art. 216 e no § 8º do art. 239. (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 29.11.99)

Parágrafo único. O valor do débito poderá ser objeto de parcelamento mediante solicitação do segurado junto ao setor de arrecadação e fiscalização do Instituto Na-cional do Seguro Social, observado o disposto no § 2º do art. 122, no § 1º do art. 128 e no art. 244.

Art.25. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, expressas em benefícios e serviços:

I - quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contribuição;d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; e h) auxílio-acidente; (...)’ (Grifei)Inviável, pois, o reconhecimento de tempo de serviço de contribuinte individual

sem que recolhidas as contribuições devidas, não se mostrando possível, outrossim, a concessão do benefício com autorização para desconto do que não foi recolhido no momento oportuno. O recolhimento é pressuposto para o reconhecimento da relação previdenciária. Não fosse assim seria possível a concessão do benefício pelo mero exercício da atividade como contribuinte individual, sem qualquer recolhimento.

À vista do exposto, inviável a determinação para averbação do tempo sem que reco-lhidas as contribuições pertinentes, parece-me que neste feito somente se pode deliberar, para fins meramente declaratórios, sobre o reconhecimento do efetivo exercício de atividade laboral pelo autor como contribuinte individual, nos períodos compreendidos entre 01.04.1994 a 31.05.1996 e de 01.05.1997 a 16.12.1998.

Para comprovar o exercício de atividade laboral como autônomo (empresário) a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos:

a) contrato social de constituição de sociedade civil por quotas de responsabilidade limitada, celebrado em 20.01.1982, constando no inciso V que a gerência da sociedade será exercida pelo autor (fl. 45);

b) alteração de contrato social, subscrito pelo autor e sua sócia em 22.08.1986,

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dando conta da alteração da sede social da sociedade para a BR 116 - Posto Carreteiro, Km 10, Guaíba - RS (fl. 46);

c) Resumo de Análise Contributiva do INSS, no qual se verifica que o autor verteu contribuições à previdência como empresário nos períodos de 02/82 a 12/83, 01/84 a 08/89, 09/89 a 09/89, 10/89 a 12/92, 01/93 a 12/93, 01/94 a 05/94, 06/94 a 06/94, 07/94 a 12/94, 01/95 a 03/96, 07/96 a 07/96, 01/97 a 04/97, 03/99 a 03/99 e 12/99 a 12/99 (fl. 48);

d) Análise Contributiva do INSS, na qual o autor é qualificado como empresário, com início de atividade em 25.05.1982 (fls. 49-54);

e) guias de recolhimentos previdenciários de trabalhador autônomo, em nome do autor, referentes às competências de 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1996 (fls. 59-91).

Destarte, restou comprovado o efetivo exercício de atividade laboral pelo autor como empresário (contribuinte individual), nos períodos compreendidos entre 01.04.1994 a 31.05.1996 e 01.05.1997 a 16.12.1998. Sua averbação e, logo, aproveitamento para fins de obtenção de benefício, todavia, não é possível enquanto não recolhidas as devidas contribuições.

Afastado o direito à averbação do tempo reconhecido, relativo aos períodos em que não houve recolhimento de contribuições (01.04.96 a 31.05.96 e de 01.05.97 a 16.12.98), temos a seguinte contabilização:

Assim, contando a parte autora com 29 anos, 10 meses e 10 dias de tempo de ser-viço, não faz jus à aposentadoria pleiteada, devendo o respectivo tempo ser averbado para fins de futura aposentação.

Registro, por fim, a existência de erro material no voto lançado pelo ilustre relator, haja vista que, não obstante ter considerado o período laborado na empresa Georgios Fasitsas e Cia. Ltda de 01.01.97 a 30.04.97, não incluiu no somatório do tempo os

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quatro meses correspondentes. Deste modo, aos 31 anos, 4 meses e 15 dias, deveriam ser acrescidos os quatro meses, perfazendo um total de 31 anos, 8 meses e 15 dias. De qualquer sorte, inviável o aproveitamento do tempo como autônomo/contribuinte individual, o erro apontado perde relevância.

Em face da sucumbência recíproca, mas não equivalente entre as partes, os ho-norários advocatícios devem ser fixados em 5% sobre o valor da causa atualizado, considerada a sucumbência recíproca e o decaimento em maior proporção do INSS.

Ante o exposto, com renovada vênia ao eminente Relator, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, em extensão diversa da proposta pelo eminente Relator, para afastar a concessão do benefício, tudo nos termos da fundamentação.

É o voto.”

Como se vê, o dissenso se estabeleceu no tocante à possibilidade, ou não, do cômputo, para fins de aposentadoria, de intervalos de labor como contribuinte individual para os quais não foram recolhidas contribuições tempestivas.

Entendo que a tese sustentada pelo voto divergente (maioria) deve prevalecer. Dentre os argumentos ali expendidos, destaco os seguintes:

a) sobre o valor do benefício, não poderá incidir desconto a título de contribuição, dada a imunidade prevista no inciso II do art. 195 da Constituição Federal;

b) no caso de segurados empregados, avulsos e empregados domés-ticos – em que a obrigação do recolhimento e pagamento das contri-buições previdenciárias é do empregador – é possível a concessão de benefício ainda que haja débito relativamente a contribuições; outra é a situação dos contribuintes individuais (obrigatórios e/ou facultativos), em que é sua a obrigação de verter aos cofres previdenciários as res-pectivas contribuições. Mais do que isso, tal recolhimento é condição para o reconhecimento de vínculo previdenciário e, sendo assim, não é possível reconhecer tempo de serviço como autônomo condicionado a posterior recolhimento e/ou a desconto no próprio benefício a ser, em tese, concedido; não fosse assim, como bem refere o voto divergente, “seria possível a concessão de benefício pelo mero exercício da ativida-de como contribuinte individual, sem qualquer recolhimento” (fl. 292);

c) mesmo que se considerasse possível o reconhecimento de tempo de serviço de autônomo nessas condições, há vedação legal quanto ao parcelamento, nos termos do § 2º do art. 122 e do parágrafo único do

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art. 124 do Decreto nº 3.048/99, ainda mais quando, como no caso dos autos, os períodos reconhecidos sem recolhimento de contribuições in-tegram o período básico de cálculo, de modo que se estaria autorizando seu cômputo para fins de fixação da renda mensal inicial sem que o INSS tenha recebido o que lhe é devido e, quiçá, tais contribuições (agora) poderiam ser vertidas em descompasso com a real remuneração auferida pelo segurado, à época;

d) de igual forma, há vedação para que o tempo de serviço reco-nhecido como laborado na condição de autônomo mas que não teve as contribuições vertidas na época própria e/ou que não foram indenizadas seja computado para fins de carência (art. 27, II, da Lei nº 8.213/91).

A propósito do tema, os seguinte precedentes:“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR DE CARÊNCIA

DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REJEIÇÃO. ART. 515, § 3°, DO CPC. FEITO MADURO PARA JULGAMENTO. RECOLHIMENTO DE CON-TRIBUIÇÕES EM ATRASO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. INCIDÊNCIA DE JUROS, MULTA E TAXA SELIC. ART. 45, §§ 4° E 6º, DA LEI 8.212/91. ARTS. 34 E SS. DA MESMA LEI. PARCELAMENTO DO DÉBITO. ART. 38 DO MESMO DIPLOMA. CÔMPUTO DAS CONTRIBUIÇÕES EM ATRASO ANTES DE SEU PA-GAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA COM PERCENTUAL MENOR. REQUISITOS. ART. 142 DA LBPS. PREENCHIMENTO NÃO-SIMULTÂNEO DOS REQUISITOS DE IDADE E DE CARÊNCIA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. PRESTAÇÕES ANTECIPADAS. JUROS DE MORA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. (...)

5. Disso se conclui que o autor tem direito a recolher, independentemente da incidência dos juros e da multa previstos no art. 45, § 4º, da Lei nº 8.212/91, as contribuições relativas às competências anteriores a outubro de 1996. Para o período compreendido entre outubro de 1996 e outubro de 1999, aplicam-se os consectários previstos no referido § 4º. De novembro de 1999 em diante, a regra aplicável é a geral fixada para os recolhimentos previdenciários das empresas (arts. 34 e seguintes da Lei de Custeio). (...)

7. O parcelamento das dívidas para com a Previdência Social é expressamente autorizado pelo art. 38 da Lei n. 8.212/91. O disposto no art. 122 do Dec. Nº 3.048/99 não impede, no caso concreto, dito parcelamento, porquanto, a uma, guarda relação com situação diversa; a duas, extrapola a legislação que regula, o que torna nulo o Regulamento no tocante.

8. Em que pese seja ora autorizado o recolhimento das contribuições em atraso, em parte, na forma postulada na exordial, é incabível determinar ao INSS que conceda a aposentadoria ao demandante, computadas as contribuições até a data da DER, antes do adimplemento destas. O que se defere ao autor é a possibilidade de pagar as

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prestações intempestivas de forma parcelada e isenta de juros e de multa em relação às competências anteriores a outubro de 1996; adimplida a dívida, o requerente tem garantido o direito à obtenção do beneficio da inativação, com o valor calculado con-siderando inclusive os interstícios de outubro de 1995 a abril de 1996 e de novembro de 1996 a setembro de 2001. (...)” (TRF4, Apelação Cível nº 2003.70.00.001404-0, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 16.08.2006) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO. EMPRESÁRIO, AUTÔNOMO OU EQUIPARADO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PRE-VIDENCIÁRIAS. DECADÊNCIA. INDENIZAÇÃO. CONTROVÉRSIA SOBRE A NATUREZA DO VÍNCULO LABORAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

1. A relação jurídica de custeio é conexa à relação jurídica de previdência social; para certas categorias, a Previdência exige a comprovação da contribuição, para que o segurado tenha o direito à prestação correspondente. Os descontos das contribui-ções previdenciárias dos empregados presumem-se feitos oportuna e regularmente pela empresa; todavia, igual presunção não se estende aos segurados obrigados ao recolhimento por iniciativa própria.

2. Se o empresário, autônomo ou equiparado, não cumprir a obrigação de pagar a contribuição, não pode exigir a prestação conexa oriunda da relação jurídica de previdência social. Para a contabilização do tempo de serviço, estas categorias de segurados devem fazer prova das respectivas contribuições. A decadência do direito da autarquia cobrar as contribuições previdenciárias tem como contraponto a impos-sibilidade do segurado computar o período de vinculação à Previdência para efeito de benefício previdenciário.

3. A legislação previdenciária em vigor oportunizou o aproveitamento do tempo de serviço a estes segurados, para fins de obtenção de benefício, mediante a comprovação do exercício da atividade e a satisfação das contribuições previdenciárias pertinentes. Não há falar em decadência do direito de exigir a satisfação de valores para contabi-lização do tempo de serviço das indigitadas categorias, pois a lei criou a faculdade de recolhimento a posteriori (mal nominada como ‘indenização’), nem mesmo existindo uma obrigação sobre a qual possa se contemplar extinção do direito de exigir. Ao se-gurado é que lhe foi propiciado, como favor legal, um recolhimento de contribuições atrasadas e não-exigíveis. (...)” (AC nº 1998.04.01.076047-0/RS, TRF/4ª Região, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU de 17.01.2001) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. DECLARAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTRI-BUINTE INDIVIDUAL. RECOLHIMENTO DAS EXAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.

1. É viável a consideração de atividade urbana demonstrada com base em início de prova material ancorada em prova testemunhal.

2. Para a averbação de tempo de serviço prestado por segurado autônomo, faz-se necessário averiguar-se se houve o recolhimento das contribuições previdenciárias atinentes a esse período, tarefa que está ao encargo do demandante, visto que ele

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próprio é o responsável tributário (artigo 30, II, Lei 8.212/91).3. Ausente a satisfação das exações, inviável a averbação e a respectiva concessão

da aposentadoria. Contudo, uma vez comprovado o efetivo desempenho das ativi-dades, deve este ser declarado para fins de futuro deferimento da jubilação.” (AC nº 2005.04.01.003320-6/RS, TRF/4ª Região, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. de 11.05.2007) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO E AVERBAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. AUTÔNOMO.

(...)3. Em se tratando de autônomo, a simples comprovação do exercício da atividade

não é suficiente para a averbação de tempo de serviço perante o INSS e a obtenção de benefícios, fazendo-se necessário, para tanto, também, o recolhimento das devidas contribuições previdenciárias.” (AC nº 2002.72.07.001733-8/SC, TRF/4ª Região, Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. de 11.05.2007) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO PRO-PORCIONAL. ATIVIDADE RURAL. MENOR DE QUATORZE ANOS. TRABALHO AUTÔNOMO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RECOLHIMENTOS COM ATRA-SO. MARCO INICIAL DO BENEFÍCIO. EFEITOS FINANCEIROS. CORREÇÃO MONETÁRIA.

(...).4. Para que o segurado autônomo (hoje enquadrado, pela legislação vigente,

como contribuinte individual) faça jus à averbação do tempo de serviço prestado nessa condição, deverá comprová-lo por meio de início de prova documental, devi-damente corroborado por prova testemunhal – quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas –, sendo necessário, além disso, o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, visto ser ele próprio o responsável por tal providência (artigo 30, II, da Lei 8.212/91).

5. A Lei de Custeio da Previdência Social oportuniza a contagem do tempo de serviço pretérito cujas contribuições não tenham sido recolhidas na época própria, desde que o segurado indenize o Sistema Previdenciário. (...)” (AC nº 2000.04.01.075033-2/RS, TRF/4ª Região, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 13.05.2008) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR IDADE. RE-CONHECIMENTO DE LABOR COMO AUTÔNOMA. RECOLHIMENTO DAS EXAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NÃO-SATISFAÇÃO DOS REQUISITOS.

Se o empresário, autônomo ou equiparado, não cumprir a obrigação de pagar a contribuição, não pode exigir a prestação conexa oriunda da relação jurídica de previ-dência social. Para a contabilização do tempo de serviço, essas categorias de segurados devem fazer prova das respectivas contribuições, que, uma vez não satisfeitas, afastam a averbação e a concessão do amparo previdenciário.” (AC nº 2001.71.00.024060-3/

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RS, TRF/4ª Região, Sexta Turma, Rel. Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DJU de 26.01.2005) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA PROPORCIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO URBANO. AU-TÔNOMO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECOLHIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO SUSPENSO. IMPOS-SIBILIDADE.

Para o reconhecimento de tempo de serviço prestado por segurado autônomo, faz-se necessário demonstrar, por ocasião da DER, que houve o escorreito recolhimento das contribuições previdenciárias atinentes a esse período, tarefa que está a encargo do demandante, visto que ele próprio é o responsável tributário. Ausente essa prova, não faz jus ao cômputo do período pleiteado naquela condição. Inteligência dos artigos 30, II, e 45, § 1º, da Lei nº 8.212/91 e 96, IV, da Lei 8213/91.” (AC nº 2002.71.13.001694-0/RS, TRF/4ª Região, Sexta Turma, Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DJU de 08.03.2006) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PAR-CELAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO.

1. A legislação previdenciária não veda o cômputo de tempo de serviço cujas con-tribuições sejam objeto de parcelamento. Tanto que prevê a possibilidade do desconto dos respectivos valores dos próprios proventos devidos ao segurado.

2. A vedação incide na própria concessão do parcelamento, quando as contribui-ções referirem-se à carência ou ao PBC da aposentadoria pretendida, o que não é o caso dos autos.

3. Apelação do INSS e Remessa Oficial improvidas.” (TRF4, AC 2001.04.01.009577-2, Sexta Turma, Relator Eliana Paggiarin Marinho, publicado em 05.09.2001) (grifei)

Ademais, é de ser afastada a tese do autor, de que deixou de verter contribuições em face das precárias condições de saúde, que o empur-raram à ruína financeira, porque a condição de saúde debilitada lhe conferiria, em tese, o direito à percepção de auxílio-doença, previsto nos artigos 59 e seguintes da Lei de Benefícios, com a conseqüência de ver computado tal período para todos os efeitos previdenciários. Como não o fez, não pode, agora, eleger o fato gerador (incapacidade laboral) daquela possível prestação previdenciária (auxílio-doença) como justi-ficativa juridicamente válida para o cômputo de tal período sem aporte contributivo.

Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.00.034377-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: Antonio Valdevino LentzAdvogados: Drs. Daisson Silva Portanova e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Previdenciário. Início de prova material. Documento não contem-porâneo, mas com lastro em assentos cadastrais à disposição da fisca-lização. Ausência de impugnação. Validade. Precedente. Aspirante à vida religiosa. Atividade não laboral. Filiação facultativa. Artigos 2º, 4º e 5º da Lei 3.807/60, este último na redação da Lei 6.696/79. Contri-buições. Não recolhimento. Tempo de serviço. Averbação. Declaração. Impossibilidade.

1. A exigência contida no artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91, no senti-do de que à demonstração do tempo de serviço faz-se indispensável a apresentação de um início de prova material, mostra-se atendida com a juntada de documentos que, embora não lavrados em data contemporânea à dos fatos a comprovar, fazem remissão a dados cadastrais existentes e à disposição da fiscalização. Precedente.

2. Sem prova de vínculo empregatício subjacente ao desempenho de tarefas na condição de seminarista, e sendo equiparados a autônomos apenas os ministros de confissão religiosa e os membros de institutos de vida consagrada ou ordem religiosa, a filiação em questão revela-se facultativa. Inteligência dos artigos 2º, 4º e 5º da Lei 3.807/60, este último na redação da Lei 6.696/79.

3. Nessa perspectiva, não tendo havido o recolhimento das contribui-ções previdenciárias, que, na hipótese, não pode ser efetuado de forma retroativa, é de ser julgado improcedente o pedido de averbação e con-cessão de aposentadoria por tempo de serviço, prejudicado, inclusive, o de declaração da atividade, minus em relação àqueles.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de abril de 2007.Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de ação ajuizada contra o INSS, em que o autor objetiva a averbação, como tempo de serviço, do período de 01.02.1966 a 30.11.1970, em que exer-ceu atividade de aspirante à vida religiosa perante a Sociedade Literária São Boaventura – Seminários Seráficos Santo Antônio e São José, com a conseqüente concessão de sua aposentadoria àquele título, a contar do requerimento administrativo, formulado e indeferido em 21.10.1998.

A sentença, julgando improcedente o pedido, condenou a parte au-tora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, corrigido monetariamente desde o ajuizamento, cuja exigibilidade restou suspensa em face da concessão de AJG. Sem custas.

O recurso aduz que restou comprovada sua condição de empregado da entidade mantenedora do seminário, em tudo semelhante à situação jurídica do aluno-aprendiz, haja vista que, malgrado não tenha havido a percepção de salário em espécie, seu trabalho foi pago sob a forma de utilidades, razão por que faz jus ao cômputo da atividade prestada como tempo de serviço.

Decorrido o prazo para as contra-razões, vieram os autos a esta Egré-gia Corte.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: A contro-vérsia submetida à Turma foi devidamente pontuada ao longo do feito, subsumindo-se à (im)possibilidade das atividades de aspirante à vida religiosa desempenhadas pela parte autora serem havidas por laborais e, uma vez (não) configurada a sua qualidade de segurado, restarem (in)

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viabilizadas a averbação do tempo de serviço e a concessão de aposen-tadoria a tal título.

Com efeito, disse a contestação (fl. 49):“Na prática, o autor era uma espécie de aprendiz não-remunerado. O reconhecimento

pleiteado somente pode ser admitido quando houver comprovação de verdadeira relação de emprego entre o aprendiz e a instituição de ensino, o que inocorre na hipótese dos autos, na qual o autor não comprova a condição de empregado no período alegado, limitando-se a alegar, sem se desincumbir do ônus de provar, que havia caráter econô-mico na atividade – não evidenciando, todavia, a percepção de remuneração pecuniária.”

Ora, se não houve objeção quanto à pratica do trabalho entre 01.02.1966 e 30.11.1970, o aspecto central a ser dirimido, do ponto de vista previdenciário, é se ele estava abrangido pela Previdência Social e, nesse caso, uma vez definida a natureza do vínculo com o sistema, a quem competia o recolhimento das contribuições para o pretendido cômputo de tempo de serviço.

A propósito, a sentença consignou (fls. 112-113):“O seminário corresponde a um período de tempo em que a pessoa interessada em

seguir a vida religiosa se dedica ao estudo e aprofundamento de seus conhecimentos sobre a religião, ao mesmo tempo em que experimenta as privações e conseqüências que advirão em razão de sua escolha. É, portanto, um período destinado ao estudo e à confirmação da vocação manifestada pelo interessado em abraçar a carreira religiosa.

De outro lado, o sistema de vida comunitária praticado pelos religiosos e por aquelas pessoas que se preparam para assumir essa vocação tem como conseqüência lógica a divisão das tarefas necessárias à manutenção do grupo. Isso, todavia, à semelhança do trabalho desempenhado pela dona-de-casa, não pode ser entendido – de regra – como atividade laboral abrangida pela Previdência Social. Portanto, em condições normais não há que se falar em vínculo empregatício dos seminaristas.”

No que tange às atividades em questão, a peça vestibular veio instruída com atestados fornecidos pela entidade mantenedora dos seminários, dando conta de que aquelas se constituíam em “ESTUDO, LAZER e ATIVIDADES DIVERSAS” (fl. 15) e “ESTUDO, LAZER e ATIVIDA-DES DIVERSAS, onde também exercia atividades agrícolas e pastoris para o seu auto-sustento” (fl. 40).

Antes de avançar no exame do mérito, tenho por apresentado o come-ço de prova material reclamado pela legislação (artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91), e, em que pese tais elementos documentais não tenham sido

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lavrados em data contemporânea à dos fatos a comprovar, reportam-se, ambos, a dados extraídos dos arquivos da época existentes na respectiva entidade mantenedora; logo, à disposição da fiscalização autárquica, que não os impugnou especificamente.

Mutatis mutandis:“PREVIDENCIÁRIO. URBANO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SER-

VIÇO. PROVA. VALORAÇÃO. § 3º, ART. 55, LEI 8.213/91. DECLARAÇÃO DE EMPRESA EM ATIVIDADE. DECLARAÇÃO DE EX-EMPREGADOR.

1 - A declaração da empresa em atividade, ainda que extemporânea do tempo de serviço declarado, serve como início de prova documental a ensejar reconhecimento de tempo de serviço para fins previdenciários. Tal declaração, por estar baseada nos assentamentos da empresa, constitui verdadeira certidão que supre a exigência de um mínimo de prova material, a corroborar a prova oral colhida.

2 a 3 - omissis”. (STJ, REsp 312.365, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU 15.10.2001)

Prossigo.O demandante, tanto no recurso administrativo (fl. 69) como em

seu depoimento pessoal (fl. 105), disse que trabalhava para custear sua formação.

Todavia, outra a realidade que emerge da prova testemunhal. No ponto, cabe nova reprodução da sentença (fls. 113-114):

“Assim, apenas em circunstâncias excepcionalíssimas – demonstração de que durante tal período houve a efetiva prestação de trabalho subordinado, remunerado e não-eventual – tem-se admitido o cômputo desse tempo para fins previdenciários.

Entretanto, no caso em tela, tenho que a prova produzida nos autos não permite tal conclusão.

Com efeito, as atividades exercidas pelo autor eram exatamente idênticas às dos demais internos, o que leva à conclusão de que se cingiam ao trabalho normal efetuado por todas aquelas pessoas que se preparam para a vida religiosa.

Isso, por si só, conduz à improcedência do pedido, porque não seria possível que todos os seminaristas pudessem ser enquadrados como empregados da instituição reli-giosa. Em outras palavras, os serviços prestados em forma de rodízio serviam a todos os internos da instituição. Assim, por exemplo, enquanto o autor estava trabalhando na limpeza dos banheiros, refeitórios e salas de aula, outros seminaristas se dedicavam à manutenção do pomar e da horta, outros lavavam a roupa de todo o grupo, etc. Isso é típico de quem vive em comunidade e não serve para o reconhecimento do vínculo empregatício e previdenciário pretendido.

O acolhimento da tese defendida pelo autor implicaria o reconhecimento como

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tempo de serviço para fins previdenciários de todo o período de estudo e aprimoramento religioso dos seminaristas, o que não é razoável.

Ademais, os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo autor (fls. 106-110) confirmam integralmente que as atividades desenvolvidas pelos alunos internos dos seminários pertencentes à Sociedade Literária São Boaventura eram exclusivamente aquelas destinadas à manutenção propriamente dita dos alunos, havendo empregados contratados permanentemente para as tarefas de lavanderia e cozinha. Além disso, ocor-ria a eventual contratação de outros profissionais, tais como marceneiros e carpinteiros, quando havia a necessidade de realização de trabalhos mais especializados, além da contratação de diaristas para a realização de trabalhos excedentes. O próprio Sr. Alberto Rampi, que residia próximo ao seminário localizado na Vila Flores, onde o autor estudou inicialmente, era freqüentemente contratado para a realização de trabalhos no moinho que pertencia ao seminário e na produção de vinho nos períodos de férias, recebendo, aí sim, remuneração (fl. 110). Diante de tais circunstâncias, resta evidente que tarefas desenvolvidas pelos internos eram inerentes à sua própria subsistência e preparo.”

De minha parte, adiro a essa compreensão, e ao dizer isso não estou infligindo a tese prestigiada pelos precedentes citados na exordial e no apelo, pois o dado comum a esses julgados, ausente no caso concreto, reside na comprovação de uma relação de emprego.

No entanto, inexistente tal particularidade, primeiro não posso deixar de considerar que o aspirante à vida religiosa, assim como qualquer estudante, em princípio procura uma instituição de ensino para ter acesso à educação; porém, em sendo essa um seminário, para além disso, ou seja, revelar e, eventualmente, confirmar a vocação sacerdotal, fruto de um processo pedagógico e de formação humanística que não se exaure na aquisição de conhecimento formal, mas, antes e acima de tudo, experiencial. Segundo, que essas lições extraídas do cotidiano, mormente o trabalho comunitário ao lado e em prol de todos e dos seus iguais, irão forjar-lhe o caráter e o senso de humildade/comunhão, atributos que são indispensáveis a quem pretende professar o sagrado.

Ora, afastada a condição de empregado, resta perquirir, ainda dentro dos propósitos da pretensão inicial, acerca da comprovação da qualidade de autônomo, vínculo esse que lhe renderia ensejo à promoção da indeni-zação das contribuições não recolhidas na época oportuna, e conseqüente recepção parcial da demanda, ao menos para os fins de declarar o tempo de serviço, considerado um minus em relação ao pleito de concessão.

A Lei 3.807/60, vigente na época do fato trabalho, prescrevia:

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“Art. 2º São beneficiários da previdência social:I - na qualidade de ‘segurados’, todos os que exercem emprego ou atividade remu-

nerada no território nacional, salvo as exceções expressamente consignadas nesta Lei.(...)Art. 4º Para os efeitos desta lei, considera-se:a) (...)b) empregado – a pessoa física como tal definida na Consolidação das Leis do

Trabalho;c) (...)d) trabalhador autônomo – o que exerce, habitualmente e por conta própria, ativi-

dade profissional remunerada.Art. 5º São obrigatoriamente segurados, ressalvado o disposto no art. 3º:I - os que trabalham, como empregados, no território nacional;II a III - (...);IV - os trabalhadores avulsos e os autônomos.§1º São equiparados aos trabalhadores autônomos os empregados de repre-

sentações estrangeiras e os dos organismos oficiais estrangeiros ou internacionais que funcionam no Brasil, salvo se obrigatoriamente sujeitos a regime próprio de previdência. (...)”

Com a evolução normativa, sobreveio a Lei 6.696/79, que acabou por equiparar os membros de ordem religiosa aos segurados autônomos, dando nova redação à normatização alhures:

“Art. 5 (...) § 1º. São equiparados aos trabalhadores autônomos:I - (...)II - os ministros de confissão religiosa e os membros de institutos de vida consa-

grada e de congregação ou ordem religiosa, estes quando por elas mantidos, salvo se:a) filiados obrigatoriamente à previdência social em razão de outra atividade;b) filiados obrigatoriamente a outro regime oficial de previdência social, militar ou

civil, ainda que na condição de inativo. (Incluído pela Lei nº 6.696, de 8.10.1979) (...)”

Esse entendimento foi assimilado pela Lei 8.213/91, que em seu artigo 11, inciso V, alínea c, outorgou aos eclesiásticos o mesmo regime dado aos contribuintes individuais.

Como visto, também na condição de autônomo não exsurge a qua-lidade de segurado, haja vista que ausente o inerente poder de direção (autonomia) em relação ao planejamento e execução dos seus afazeres, os quais eram estabelecidos, em regime de rodízio, pela administração do seminário.

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Nesse sentido, tem-se que por “autônomos” devem ser entendidos somente os religiosos que já tiverem proferido seus votos, pois:

“Previdenciariamente, eclesiástico é a pessoa titulada, consagrada pela autoridade competente que, possuindo a perenidade inerente a sua condição de voltado para o ofício da fé, à catequese e aos ensinamentos e prática dos preceitos divinos, mantém--se a serviço dos homens e de Deus.” (A igreja em face da Lei 8.212/91, extraído do endereço eletrônico http://www.redebrasil.inf.br/0doutrina/artigos/dout-0904.htm)

Por isso, e não olvidando, também, que restou provado que os pais pagavam anuidade para os filhos estudarem e que os internos eventual-mente inadimplentes não eram excluídos do ensino, (a) não vejo como recepcionar as tarefas desempenhadas pela parte autora como atividade laboral; logo, abrangida pela previdência social, e, nessa condição, hábil a determinar filiação obrigatória, quer como empregado, quer como au-tônomo, e, nessa extensão, a procedência, integral ou parcial, do pedido, mas sim facultativa, e, nessa hipótese, a descoberto dos recolhimentos previdenciários necessários, que, no caso, não podendo ser realizados a modo retroativo, tornam inócua, inclusive, a entrega de provimento meramente declaratório, (b) não me parece possível equiparar o semi-narista em sentido estrito ao aluno-aprendiz, haja vista a dessemelhança das situações, pois em uma as tarefas são executadas enquanto processo de revelação e confirmação vocacional, em contributo espiritual a todos na mesma condição, e, na outra, voltadas à qualificação individual/pro-fissional para competição na vida adulta, do qual a remuneração pela venda da força de trabalho, pecuniária ou in natura, está associada ao empreendedorismo, não à noção de fraternidade/solidariedade.

Nessas condições, nego provimento ao apelo, nos termos da fun-damentação.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2005.04.01.035249-0/RS

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 233

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst JustoRelator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Embargada: Paulina Calvi BouffetAdvogados: Drs. Elena Bianchini e outro

EMENTA

Aposentadoria e pensão por morte. Prorural. Lei Complementar nº 16, de 1973, art. 6º, § 2º. Inacumulabilidade.

É indevida a acumulação de aposentadoria com pensão por morte con-cedidas sob o regime do PRORURAL, instituído pela Lei Complementar nº 11, de 1971, seja por expressa vedação legal (Lei Complementar nº 16, de 1973, art. 6º, § 2º), seja pela lógica do sistema assistencial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, com voto de desempate do Presidente, vencidos a juíza relatora Eloy Bernst Justo e os desembargadores federais Victor Luiz dos Santos Laus e João Batista Pinto Silveira, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de dezembro de 2007. Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, Relator para acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: Trata-se de embargos infringentes opostos contra acórdão da e. 6ª Turma deste Tribunal, a qual, em 28 de março deste ano, por maioria, modificou a sentença.

A decisão, conduzida pelo Relator, e. Des. Federal Vladimir Freitas, restou assim ementada (fl. 85):

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS.A orientação da jurisprudência, na interpretação das leis que regem o pagamento

de pensão por morte de trabalhador rural, é no sentido de que é devida a cumulação com aposentadoria do beneficiário.”

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008234

Inconformado com a decisão proferida, o INSS interpôs o presente recurso, buscando ver prevalecer o voto vencido da lavra do i. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado), alegando ser aplicável ao caso o axioma tempus regit actum, porquanto à data do óbito do segurado, originador da pensão pleiteada, vigia legislação que não permitia a acumulação de pensão por morte com aposentadoria por velhice ou invalidez.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo:

PreliminarmenteNos termos do contido no art. 341, c, do RITRF4 R., “...caberá ao

novo Relator proferir inclusive o juízo de conhecimento a que se referem o § 1º do art. 229 e o art. 234 deste Regimento”, assim, conheço dos presentes embargos infringentes posto que atendidas as disposições do art. 530 do CPC com a redação dada pela Lei nº 10.352/01.

MéritoPretende o embargante ver prevalecer o voto vencido, ao argumento

de que o acórdão atacado não teria observado o axioma jurídico tempus regit actum e, assim, incorrido em erro.

O voto condutor do acórdão, da lavra do e. Des. Federal, hoje apo-sentado, Vladimir Passos de Freitas, teve o seguinte conteúdo:

“A questão central restringe-se na possibilidade ou não de cumulação de aposenta-doria por velhice com benefício de pensão por morte. Compulsados os autos, verifica-se que o óbito do cônjuge da demandante ocorreu em 17.09.1990 (fl. 10). Em 04.01.1990, a autora passou a receber aposentadoria por velhice – trabalhadora rural, conforme consta no site dataprev. Ao requerer administrativamente o benefício de pensão por morte em 30.04.2004 e 15.06.2004, restou indeferido.

No tocante às concessões de pensões no sistema previdenciário rural, anteriormente à edição da Lei 8.213/91 a matéria era regida pela Lei Complementar 11/71, que criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), a ser executado pelo FUNRURAL, com personalidade jurídica de natureza autárquica. A referida LC 11/71 instituiu as regras para a concessão e manutenção de vários benefícios ao trabalhador rural, dentre eles a pensão por morte.

Posteriormente foi editada a Lei Complementar 16/73 que, entre outras alterações que promoveu na LC 11/71, estabeleceu a impossibilidade de cumulação de pensão rural

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com aposentadoria também rural, conforme reza o art. 6º, § 2º, daquele dispositivo legal:‘Art. 6 - (caput)§ 1º (...) § 2º Fica vedada a acumulação do benefício da pensão com o da aposentadoria por

velhice ou por invalidez de que tratam os artigos 4 e 5 da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, ressalvado ao novo chefe ou arrimo da unidade familiar o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior.’

Por fim, sobreveio a Lei 7.604, de 26 de maio de 1987, que, pelo seu art. 4º, estendeu aos dependentes de trabalhador rural falecido em data anterior à vigência da LC 11/71 o direito à pensão, devida no entanto a partir de 1º de abril de 1987.

A Lei 8.213/91 veio a unificar os dois sistemas previdenciários, o urbano e o rural, e, por seu artigo 124 (com as alterações instituídas pela Lei 9.032/95), estabeleceu as vedações à cumulação de benefícios previdenciários, dentre as quais não se encontra proibição à percepção conjunta de aposentadoria e pensão, sejam da área urbana ou rural.

O conflito de leis no tempo gerou dúvidas sobre o direito de recebimento do bene-fício. Neste Tribunal os julgados não foram uniformes, havendo decisões contra (p. ex. AC 9504441688/RS, Relatora Des. Virgínia Scheibe, 5ª Turma, DJU, de 18.11.1998) e a favor (p. ex. AC nº 9604438166/SC, Relator Des. Nylson Paim de Abreu, 6ª Tur-ma, DJU, de 09.07.1997). Todavia, o Superior Tribunal de Justiça veio a consolidar sua jurisprudência no sentido da possibilidade do recebimento da pensão por morte, inclusive de forma cumulativa com a aposentadoria. Confirma-se:

‘PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS. ACUMULAÇÃO DE APOSENTADORIA E PENSÃO POR MORTE DE NATUREZA RURAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO. DISCIPLINA E RESPEITO.

I - Tendo em vista a orientação majoritária da Terceira Seção e a disciplina que deve prevalecer em casos tais, com ressalva do ponto de vista contrário do Relator, acompanha o voto condutor do acórdão embargado.

II - Em decorrência da relevância da questão social e do caráter benéfico da lei de benefícios previdenciários, é legítima a acumulação de aposentadoria e pensão de natureza rural.

III - Embargos rejeitados.’ (EREsp nº 268166, Rel. Min. Gilson Dipp, 3ª Seção, DJU, de 08.10.2001, p. 162)

Assim, pacificada a jurisprudência, não tem mais cabimento a discussão acerca da possibilidade de concessão de pensão por morte para segurada que goza do benefício de aposentadoria por idade rural.

Decorrentemente, deve ser reformada a sentença para julgar procedente o pedido.O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do óbito, respeitada a

prescrição qüinqüenal, nos termos do art. 103 da Lei 8.213/91, redação original. (...)Pelas razões expostas, voto no sentido de dar provimento à apelação, nos termos

da fundamentação retro.”

O voto vencido, por sua vez, foi assim lavrado pelo i. Juiz Federal

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Ricardo Teixeira do Valle Pereira:“Peço vênia para divergir do eminente Relator.Em homenagem ao princípio tempus regit actum, segundo o qual a lei rege os

fatos praticados durante a sua vigência, cumpre consignar que o presente caso deve ser analisado à luz dos Decretos nos 83.080/79 e 89.312/84, haja vista que o óbito do de cujus ocorreu em 12.08.1962, momento no qual aqueles dois normativos vigiam e regulamentavam a matéria posta nos autos, por força da Lei 7.604/87, que fez retroagir os efeitos da LC 11/71, assegurando efeitos financeiros apenas a partir de 01.04.1987.

Desde que a lei entra em vigor, até que cesse a sua vigência, está ela a regular todos os fatos abrangidos por suas disposições, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 04.09.1942).

O artigo 67 do Decreto nº 83.080/79, antigo Regulamento dos Benefícios da Pre-vidência Social, tinha a seguinte redação:

‘A pensão por morte do trabalhador rural é devida aos seus dependentes, a contar da data do óbito, e consiste numa renda mensal de 50% (cinqüenta por cento) do maior salário-mínimo do País, arredondada a fração de cruzeiro para a unidade imediatamente superior.’

Com efeito, a concessão do benefício de pensão naquela época dependia do pre-enchimento dos seguintes requisitos: a ocorrência do evento morte, a demonstração da qualidade de trabalhador rural do de cujus e a condição de dependente de quem objetivava a pensão.

Todavia, o mesmo Decreto 83.080/79 previa, em seu artigo 333, II, que:‘Art. 333. No caso do trabalhador rural, não é admitida a acumulação: (...) II - de pensão com aposentadoria por velhice ou por invalidez, ressalvado ao novo

chefe ou arrimo da unidade familiar o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus, sem prejuízo do disposto no §1º do artigo 300.’

No caso dos autos a autora pretende a percepção de pensão por morte, mas é apo-sentada como trabalhadora rural conforme as condições previstas pelo art. 297, § 3º, II, b, do Decreto 83.080/79 (fl. 18). Não pode, assim, o pedido ser atendido, pois vedada a cumulação de benefícios rurais, um de aposentadoria por velhice e outro de pensão por morte, anteriormente à edição da Lei nº 8.213/91. Nesse sentido, os seguintes julgados:

‘PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE RURÍCOLA CUMULADA COM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO LEGAL.

- Por força das disposições constantes no artigo 6º, § 2º, da LC 16/73 e 333, inciso II, do Decreto 83.080/79, é impossível cumular o recebimento dos benefícios de pen-são por morte rural e aposentadoria por invalidez de trabalhador rural. Precedentes da Corte.’ (AC nº 2000.71.04.004751-2/RS, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 5ª Turma do TRF 4ª Região, DJ 10.07.2002, p. 448)

‘PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE E APOSENTADORIA POR

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VELHICE. TRABALHADOR RURAL. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO SOMENTE APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 8.213/91. LEI Nº 7.604/87. ÓBITO OCOR-RIDO ANTES DE 26.05.71. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A teor do disposto na Lei nº 7.604/87, foi estendido o benefício de pensão por morte aos dependentes do trabalhador rural cujo óbito tenha ocorrido antes de 26.05.71.

2. Impossibilidade de acumulação do benefício de pensão por morte (rural) com aposentadoria por velhice, quando o óbito e a concessão daquela tenham ocorrido antes da vigência da Lei 8.213/91 (Lei Complementar nº 16/73, e art. 333, do Decreto nº 83.080/79).

3. Em ações previdenciárias, a verba honorária de 10% sobre o valor atualizado da causa está adequada ao disposto no art. 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.’ (AC nº 1999.04.01.012399-0/RS, Relatora Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, 5ª Turma do TRF 4ª Região, DJ de 07.06.2000, p. 218)

‘PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO RURAL POR MORTE DO MARIDO. IMPOS-SIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA RURAL.

No regime da Lei Complementar nº 11/71 havia óbice à cumulação de benefício de pensão rural e aposentadoria por idade rural, porquanto existente vedação expressa nesse sentido.’ (EIAC 10270. Processo: 199804010860293. 3ª Seção. Relator(a) Juíza Virgínia Scheibe)

‘PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DO MARIDO. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS RURAIS ANTERIORMENTE À LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE.

No regime da LCP-11/71 havia expressa vedação à cumulação de dois benefícios previdenciários de natureza rural. Sendo a autora detentora de aposentadoria rural por idade, deferida anteriormente à Lei 8.213/91, falece-lhe o direito à pensão por morte do marido.’ (AC nº 96.04.54804-2/RS, Relatora Desa. Federal Virgínia Scheibe, 5ª Turma do TRF 4ª Região, DJ de 28.04.1999, p. 1276)

Logo, restando demonstrada a impossibilidade de cumulação de aposentadoria e pensão rurais, anteriormente à edição da Lei 8.213/91, não merece reforma a r. sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício.

Diante de todo o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação retro.”

Em que pese a acuidade com que proferido o voto vencido, tenho que merece ser mantido o acórdão atacado, porquanto a jurisprudência da Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, como já constou do voto vencedor, firmou-se no sentido de que, em decorrência da relevân-cia social e do caráter benéfico da lei de benefícios previdenciários, Lei nº 8.213/91, é legítima a acumulação dos benefícios de aposentadoria e pensão de natureza rural.

Nesse sentido os julgados a seguir transcritos:

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008238

“PREVIDENCIÁRIO. ACUMULAÇÃO DE APOSENTADORIA COM PENSÃO POR MORTE, DE NATUREZA RURAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPRO-VIDO.

I - A Terceira Seção desta Corte tem entendimento assente no sentido de que, em decorrência da relevância da questão social e do caráter benéfico da legislação de benefícios previdenciários, é legítima a acumulação de aposentadoria com pensão por morte, de natureza rural. Precedentes.

II - Agravo desprovido.” (AgRg no REsp nº 437.965/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., un., DJ 10.03.2003)

“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. RURÍCOLA. PENSÃO POR MORTE. APOSENTADORIA POR VELHICE. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. A Terceira Seção desta Corte tem entendimento assente no sentido de que, em decorrência da relevância da questão social e do caráter benéfico da Lei nº 8.213/91, é legítima a acumulação de aposentadoria e benefício de natureza rural.

2. Recurso conhecido.” (REsp nº 425.329/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª T., un., DJ 02.09.2002)

Assim, deve ser mantido o acórdão atacado.Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento aos embargos

infringentes.É o voto.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Surreaux Chagas (Presidente da 3ª Seção): Peço vênia à Juíza Federal Eloy Bernst Justo, Relatora, e aos Desembargadores Federais Victor Luiz dos Santos Laus e João Batista Pinto Silveira.

Em voto de desempate, acolho os embargos infringentes de julgado para julgar improcedente a ação, nos termos da sentença de 1º grau.

Acompanho o voto dos Desembargadores Federais Ricardo Teixeira do Valle Pereira (à época Juiz Federal), Rômulo Pizzolatti e Celso Kipper.

A autora é beneficiária de aposentadoria rural por velhice desde 01.03.1981 (fl. 20). Pleiteia a concessão de pensão rural em regime de acumulação com a aposentadoria rural por velhice desde o óbito de seu marido, ocorrido em 17.09.1990 (fl. 10).

No regime jurídico atual, inexiste óbice à cumulação de pensão e apo-sentadoria por idade, conforme se constata da leitura do art. 124 da Lei

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 239

8.213/91. No regime anterior, entretanto, a percepção cumulativa de aposenta-

doria por velhice e pensão, ambas de natureza rural, era expressamente proibida pelo art. 6º, parágrafo 2º, da Lei Complementar nº 16, de 30 de outubro de 1973, que possuía a seguinte redação:

“Art. 6º É fixada, a partir de janeiro de 1974, em 50% (cinqüenta por cento) do salário mínimo de maior valor vigente no País, a mensalidade da pensão de que trata o artigo 6º da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971.

§ 1º (...)§ 2º Fica vedada a acumulação do benefício da pensão com o da aposentadoria

por velhice ou por invalidez de que tratam os artigos 4º e 5º da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, ressalvado ao novo chefe ou arrimo da unidade familiar o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior.”

Tal dispositivo foi praticamente reproduzido no art. 333, inciso II, do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979.

Em função da disparidade de tratamento sobre a questão, dada pela legislação atual e pela precedente, a posição deste Tribunal, em relação à lei aplicável ao caso concreto quando o óbito do segurado ocorreu na vigência da lei anterior, oscilou no curso do tempo.

Mais recentemente, as Turmas componentes da Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento esposado pelo e. STJ, vinham julgando no sentido de que a lei previdenciária, em razão de seu caráter social e protetivo, deve ser aplicada de forma imediata aos casos pendentes de concessão de benefício quando mais benéfica para os segurados e seus dependentes.

Ocorre que, em matéria similar (revisão do coeficiente de cálculo do benefício de pensão por morte), o Colendo STF, em sua composi-ção plenária, ao julgar os Recursos Extraordinários nos 416.827/SC e 415.454/SC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em 08.02.2007, decidiu, por maioria, que o cálculo do benefício deve ser efetuado de acordo com a legislação vigente à época em que atendidos os requisitos necessários à concessão, consoante se vê do Informativo nº 455 daquela Corte, assim posto:

“Concessão de Benefício Previdenciário e Legislação Aplicável - 5Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a dois re-

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008240

cursos extraordinários interpostos pelo INSS para cassar acórdão de Turma Recursal de Juizado Especial Federal que determinara a revisão da renda mensal de benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei 9.032/95, independen-temente da norma em vigor ao tempo do óbito do segurado – v. Informativos 402, 423 e 438. Considerou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de que, se o direito ao benefício foi adquirido anteriormente à edição da nova lei, o seu cálculo deve se efetuar de acordo com a legislação vigente à época em que atendidos os requisitos ne-cessários (princípio tempus regit actum). Asseverou-se, também, que a fonte de custeio da seguridade prevista no art. 195, § 5º, da CF assume feição típica de elemento insti-tucional, de caráter dinâmico, estando a definição de seu conteúdo aberta a múltiplas concretizações. Dessa forma, cabe ao legislador regular o complexo institucional da seguridade, assim como suas fontes de custeio, compatibilizando o dever de contribuir do indivíduo com o interesse da comunidade. Afirmou-se que, eventualmente, o legisla-dor, no caso, poderia ter previsto de forma diferente, mas desde que houvesse fonte de custeio adequada para tanto. Por fim, tendo em vista esse perfil do modelo contributivo da necessidade de fonte de custeio, aduziu-se que o próprio sistema previdenciário constitucionalmente adequado deve ser institucionalizado com vigência, em princí-pio, para o futuro. Concluiu-se, assim, ser inadmissível qualquer interpretação da Lei 9.032/95 que impute a aplicação de suas disposições a benefícios de pensão por morte concedidos em momento anterior a sua vigência, salientando que, a rigor, não houve concessão a maior, tendo o legislador se limitado a dar nova conformação, doravante, ao sistema de concessão de pensões. Vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, que negavam provimento aos recursos.”

Tal decisão deve ser respeitada pelos demais Tribunais, já que àquela Corte compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal (art. 102), a fim de se resguardar os princípios da economia processual, cele-ridade e racionalidade dos serviços judiciários, bem como da segurança jurídica e da igualdade.

Entendo que as mesmas razões adotadas pelo Colendo STF em relação ao coeficiente da pensão se aplicam ao regime de vedação de acumulação de benefício.

Se o cálculo do direito deve ser efetuado de acordo com a lei vigente à época de sua concessão, de acordo com o princípio tempus regit ac-tum, o mesmo deve ocorrer quanto às demais regras, inclusive sobre a concessão de benefício e o regime de vedação de acumulação.

Desde que a lei entra em vigor, até que cesse a sua vigência, está ela a regular todos os fatos abrangidos por suas disposições, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 04.09.1942).

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 241

O art. 67 do Decreto nº 83.080/79, antigo Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, tinha a seguinte redação: “A pensão por morte do trabalhador rural é devida aos seus dependentes, a contar da data do óbito, e consiste numa renda mensal de 50% (cinqüenta por cento) do maior salário-mínimo do País, arredondada a fração de cruzeiro para a unidade imediatamente superior”.

Com efeito, a concessão do benefício de pensão naquela época depen-dia do preenchimento dos seguintes requisitos: a ocorrência do evento morte, a demonstração da qualidade de trabalhador rural do de cujus e a condição de dependente de quem objetivava a pensão.

Todavia, o mesmo Decreto 83.080/79 previa, em seu artigo 333, II, que:

“Art. 333. No caso do trabalhador rural, não é admitida a acumulação: (...)II - de pensão com aposentadoria por velhice ou por invalidez, ressalvado ao novo

chefe ou arrimo da unidade familiar o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus, sem prejuízo do disposto no §1º do artigo 300.”

No caso dos autos a autora pretende a percepção de pensão por morte, mas é aposentada como trabalhadora rural conforme as condições pre-vistas pelo art. 297, § 3º, II, b, do Decreto 83.080/79 (fl. 18).

Não pode, assim, o pedido ser atendido, pois vedada a cumulação de benefícios rurais, um de aposentadoria por velhice e outro de pensão por morte, anteriormente à edição da Lei nº 8.213/91.

Nesse sentido, os seguintes julgados:“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE RURÍCOLA CUMULADA

COM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO LEGAL.

- Por força das disposições constantes no artigo 6º, § 2º, da LC 16/73 e 333, inciso II, do Decreto 83.080/79, é impossível cumular o recebimento dos benefícios de pensão por morte rural e de aposentadoria por invalidez de trabalhador rural. Precedentes da Corte.” (AC nº 2000.71.04.004751-2/RS, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 5ª Turma do TRF 4ª Região, DJ 10.07.2002, p. 448)

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE E APOSENTADORIA POR VELHICE. TRABALHADOR RURAL. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO SOMENTE APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 8.213/91. LEI Nº 7.604/87. ÓBITO OCOR-RIDO ANTES DE 26.05.71. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A teor do disposto na Lei nº 7.604/87, foi estendido o benefício de pensão por

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008242

morte aos dependentes do trabalhador rural cujo óbito tenha ocorrido antes de 26.05.71. 2. Impossibilidade de acumulação do benefício de pensão por morte (rural) com

aposentadoria por velhice, quando o óbito e a concessão daquela tenham ocorrido antes da vigência da Lei 8.213/91 (Lei Complementar nº 16/73 e art. 333 do Decreto nº 83.080/79).

3. Em ações previdenciárias, a verba honorária de 10% sobre o valor atualizado da causa está adequada ao disposto no art. 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.” (AC nº 1999.04.01.012399-0/RS, Relatora Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, 5ª Turma do TRF 4ª Região, DJ de 07.06.2000, p. 218)

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO RURAL POR MORTE DO MARIDO. IMPOS-SIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA RURAL.

No regime da Lei Complementar nº 11/71 havia óbice à cumulação de benefício de pensão rural e aposentadoria por idade rural, porquanto existente vedação expressa nesse sentido.” (EIAC 10270. Processo: 199804010860293. 3ª Seção. Relator(a) Desa. Federal Virgínia Scheibe)

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DO MARIDO. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS RURAIS ANTERIORMENTE À LEI-8213/91. IMPOSSIBILIDADE.

No regime da LCP-11/71 havia expressa vedação à cumulação de dois benefícios previdenciários de natureza rural. Sendo a autora detentora de aposentadoria rural por idade, deferida anteriormente à Lei 8.213/91, falece-lhe o direito à pensão por morte do marido.” (AC nº 96.04.54804-2/RS, Relatora Desa. Federal Virgínia Scheibe, 5ª Turma do TRF 4ª Região, DJ de 28.04.1999, p. 1.276)

Ademais, recentemente o Colendo STJ editou a Súmula 340 (que teve como referência questão diversa da dos autos, mas igualmente relativa à lei aplicável em matéria de pensão por morte), com o seguinte teor: “Súmula nº 340 - A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado”.

Os efeitos retroativos que teve a Lei n 8.213/91 são limitados até 05 de abril de 1991, na forma do art. 145, in verbis:

“Art. 145 - Os efeitos desta Lei retroagirão a 5 de abril de 1991, devendo os bene-fícios de prestação continuada concedidos pela Previdência Social a partir de então, terem, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, suas rendas mensais iniciais recalculadas e atualizadas de acordo com as regras estabelecidas nesta Lei.”

Na hipótese, a retroação não alcança o caso dos autos, visto que a data do óbito do marido da autora ocorreu em 17.09.90 (fl. 10).

Admitir-se a aplicação em matéria de Previdência Social do princípio da norma mais favorável ao segurado, independentemente de previsão legal, data da aquisição do direito e da legislação vigente à época, seria

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 243

o caos, pois importaria na possibilidade de revisão de todos os benefícios previdenciários.

No caso de pensão por morte, a lei aplicável é a vigente na data do óbito do segurado, devendo ser aplicados na espécie a Lei Complementar nº 16/73 e o Decreto nº 83.080/79, que vedavam a percepção cumulativa de pensão e aposentadoria por velhice, de natureza rural.

Ante o exposto, em voto de desempate, acolho os embargos in-fringentes do INSS para julgar improcedente a ação, nos termos da sentença de 1º grau.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: No presente caso, a autora, beneficiária de aposentadoria rural por velhice desde 04.01.1990 (con-forme extrato da DATAPREV em anexo), pleiteia a concessão de pensão rural desde o óbito de seu marido, ocorrido em 17.09.1990 (fl. 10).

No regime jurídico atual, inexiste óbice à cumulação de pensão e apo-sentadoria por idade, conforme se constata da leitura do art. 124 da Lei 8.213/91.

No regime anterior, entretanto, a percepção cumulativa de aposenta-doria por velhice e pensão, ambas de natureza rural, era expressamente proibida pelo art. 6º, parágrafo 2º, da Lei Complementar nº 16, de 30 de outubro de 1973, que possuía a seguinte redação:

“Art. 6º É fixada, a partir de janeiro de 1974, em 50% (cinqüenta por cento) do salário mínimo de maior valor vigente no País, a mensalidade da pensão de que trata o artigo 6º da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971.

§ 1º (...) § 2º Fica vedada a acumulação do benefício da pensão com o da aposentadoria

por velhice ou por invalidez de que tratam os artigos 4º e 5º da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, ressalvado ao novo chefe ou arrimo da unidade familiar o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior.”

Tal dispositivo foi praticamente reproduzido no art. 333, inciso II, do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979.

Em função da disparidade de tratamento sobre a questão, dada pela legislação atual e pela precedente, a posição deste Tribunal (inclusive a deste magistrado), em relação à lei aplicável ao caso concreto – quando

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008244

o óbito do segurado ocorreu durante a vigência da lei anterior –, oscilou no curso do tempo. Mais recentemente, as Turmas componentes da Ter-ceira Seção desta Corte, seguindo entendimento esposado pelo e. STJ, vinham julgando no sentido de que a lei previdenciária, em razão de seu caráter social e protetivo, deve ser aplicada de forma imediata aos casos pendentes de concessão de benefício quando mais benéfica para os segurados e seus dependentes.

Ocorre que, em matéria similar (revisão do coeficiente de cálculo do benefício de pensão por morte), o e. STF, em sua composição plenária, ao julgar os Recursos Extraordinários nos 416.827/SC e 415.454/SC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em 08.02.2007, decidiu, por maioria, que o cálculo do benefício deve ser efetuado de acordo com a legislação vigente à época em que atendidos os requisitos necessários à concessão, consoante se vê do Informativo nº 455 daquela Corte, assim posto:

“Concessão de Benefício Previdenciário e Legislação Aplicável - 5 Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a dois re-

cursos extraordinários interpostos pelo INSS para cassar acórdão de Turma Recursal de Juizado Especial Federal que determinara a revisão da renda mensal de benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei 9.032/95, independen-temente da norma em vigor ao tempo do óbito do segurado – v. Informativos 402, 423 e 438. Considerou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de que, se o direito ao benefício foi adquirido anteriormente à edição da nova lei, o seu cálculo deve se efetuar de acordo com a legislação vigente à época em que atendidos os requisitos ne-cessários (princípio tempus regit actum). Asseverou-se, também, que a fonte de custeio da seguridade prevista no art. 195, § 5º, da CF assume feição típica de elemento insti-tucional, de caráter dinâmico, estando a definição de seu conteúdo aberta a múltiplas concretizações. Dessa forma, cabe ao legislador regular o complexo institucional da seguridade, assim como suas fontes de custeio, compatibilizando o dever de contribuir do indivíduo com o interesse da comunidade. Afirmou-se que, eventualmente, o legisla-dor, no caso, poderia ter previsto de forma diferente, mas desde que houvesse fonte de custeio adequada para tanto. Por fim, tendo em vista esse perfil do modelo contributivo da necessidade de fonte de custeio, aduziu-se que o próprio sistema previdenciário constitucionalmente adequado deve ser institucionalizado com vigência, em princí-pio, para o futuro. Concluiu-se, assim, ser inadmissível qualquer interpretação da Lei 9.032/95 que impute a aplicação de suas disposições a benefícios de pensão por morte concedidos em momento anterior a sua vigência, salientando que, a rigor, não houve concessão a maior, tendo o legislador se limitado a dar nova conformação, doravante,

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 245

ao sistema de concessão de pensões. Vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, que negavam provimento aos recursos.”

Tal decisão deve ser respeitada pelos demais Tribunais, já que àquela Corte compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal (art. 102), a fim de se resguardar os princípios da economia processual, da celeridade e da racionalidade dos serviços judiciários, bem como da segurança jurídica e da igualdade.

Ademais, recentemente o STJ editou a Súmula 340 (que teve como referência questão diversa da dos autos, mas igualmente relativa à lei aplicável em matéria de pensão por morte), com o seguinte teor: “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado”.

Considerando, pois, que em matéria de pensão por morte a lei aplicável é a vigente na data do óbito do segurado, devem ser aplicados, no pre-sente caso, a Lei Complementar nº 16/73 e o Decreto nº 83.080/79, que vedam a percepção cumulativa de pensão e aposentadoria por velhice, de natureza rural. Logo, o pleito da autora deve ser julgado improcedente.

Em razão do acima exposto e pedindo vênia aos que votaram em sentido contrário, voto por acompanhar a divergência inaugurada pelo Desembargador Ricardo Teixeira do Vale Pereira, no sentido de dar provimento aos embargos infringentes.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Pelo que se vê dos autos, a autora aposentou-se como trabalhadora rural em 17.09.1990 (fls. 20), sendo-lhe negado pelo INSS o direito de acumular esse benefício com a pensão por morte do marido, também trabalhador rural, e beneficiário de aposentadoria por velhice concedida sob o regime do PRORURAL, instituído pela Lei Complementar nº 11, de 1971 (fls. 10 e 13).

Ora, como ambos os benefícios – a aposentadoria por velhice da autora e a aposentadoria por velhice do marido, como trabalhadores rurais – foram concedidos antes da Lei nº 8.213, de 1991, incide a proibição de acumulação dos benefícios de aposentadoria e pensão, prevista no §2º do artigo 6º da Lei Complementar nº 16, de 1973 (“§ 2º Fica vedada a acumulação do benefício da pensão com o da aposentadoria por velhice ou por invalidez de que tratam os artigos 4º e 5º da Lei Complementar

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008246

nº 11, de 25 de maio de 1971, ressalvado ao novo chefe ou arrimo da unidade familiar o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior”).

Embora a lei nova – Lei nº 8.213, de 1991 (LBPS) – permita, como regra geral, a acumulação dos benefícios de pensão e de aposentadoria (art. 124), certo é que a concessão de pensão por morte regula-se pela lei vigente à data do óbito (tempus regit actum), ou seja, a Lei Complementar nº 16, de 1973.

Por outro lado, os benefícios em questão – aposentadoria e pensão por morte sob o regime do PRORURAL – são de natureza assistencial (cf. FERNANDES, Anníbal. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social: PRORURAL: acidentes do trabalho rural. São Pau-lo: Atlas, 1986, p. 226), caso em que a acumulação iria contra a própria lógica do assistencialismo, que é distribuir os parcos recursos disponíveis ao maior número de beneficiários, evitando a concentração de benefícios em mãos de poucos.

Nem se há cogitar da extensão jurisprudencial das hipóteses legais de acumulação de benefícios, indicadas pelo art. 124 da Lei nº 8.213, de 1991, uma vez que a evolução do regime republicano brasileiro se dá justamente no sentido da abolição ou, quando menos, restrição dos privilégios de todo o gênero – especialmente no que respeita à acumula-ção remunerada de cargos, empregos e funções públicos, bem como de proventos, benefícios ou vantagens do Poder Público, aliás duramente criticada, nos primórdios da República, por Lima Barreto, na sátira “Os bruzundangas” (capítulo II).

Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.99.010065-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 247

Apelante: Feliciano Presse PereiraAdvogado: Dr. André Ernani Bortolotti

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Previdenciário. Concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Laudo pericial. Doença preexistente à filiação ao RGPS. Art. 59 da Lei 8.213/91. Improcedência.

1. Nas ações em que se objetiva o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial.

2. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. Parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.213/91.

3. Hipótese na qual o autor foi acometido por AVC em 31.07.2000 e a sua filiação ao RGPS somente ocorreu posteriormente a esse evento.

4. Não está a parte autora, contudo, obrigada a restituir os valores recebidos, seja pelo caráter alimentar dos benefícios previdenciários (cf. STJ, REsp 728728 - RS - 5ª T. - Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca - j. 07.04.2005- DJ 09.05.2005; REsp 446892 - 5ª T. - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima - j. 28.11.2006 - DJ 18.12.2006), seja por não comprovado que agiu de má-fé para obter esse provimento judicial.

5. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de abril de 2008.Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

RELATÓRIO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008248

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Feliciano Presse Pereira propôs ação ordinária contra o INSS, em 22.09.2004, objetivando o restabelecimento do benefício de auxílio-doença, ou, al-ternativamente, o benefício de acidente de trabalho, com sua conversão em aposentadoria por invalidez, se for o caso. Postulou a antecipação dos efeitos da tutela.

O laudo pericial foi acostado às fls. 144-151 dos autos.O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento

de que o autor não detinha a qualidade de segurado no momento em que foi acometido por sua moléstia incapacitante. Condenou o demandante no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 380,00, suspendendo a exigibilidade dessas verbas em face da concessão da AJG.

A parte autora apelou, sustentando que a sua doença não é preexistente ao início das contribuições. Pugnou, assim, pela reforma da r. sentença para julgar procedente o pedido inicial.

Com contra-razões vieram os autos a esta e. Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: No mérito, controverte-se sobre a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

Quanto à aposentadoria por invalidez, assim dispõe o art. 42 da Lei 8.213/91:

“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a ca-rência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.”

Com relação ao auxílio-doença, prevê o art. 59 da referida lei: “Art. 59 - O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapa-citado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos”.

O art. 25 do referido diploma legal estabelece:

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 249

“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:

I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;”

Da análise dos dispositivos acima elencados, pode-se concluir que são quatro os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade laboral: (a) a qualidade de segurado do requerente; (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) a superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) o caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio--doença).

Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.

Durante a instrução processual realizou-se perícia médica no segurado, em 05.06.2006, cujo laudo técnico das fls. 145-151 informa o seguinte:

“1. Dr. Fábio Raphaelli (médico-perito - CRM/RS 21653):a – enfermidade: seqüela neurológica por acidente vascular cerebral (AVC), apresen-

tando debilidade/déficit de equilíbrio (vertigens), discinesia (dificuldade na realização de movimentos finos, incoordenação, perturbação da motilidade) e disartria (articulação imperfeita da palavra, inclusive podendo ser por lesão central);

b – incapacidade: existente;c – grau da incapacidade: total;d – prognóstico da incapacidade: permanente;e – início da incapacidade: desde 31.07.2000, data da ocorrência da enfermidade

(AVC), comprovada por prontuário médico/exame complementar (tomografia compu-tadorizada), realizado no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre.”

Pelos documentos das fls. 12 e 15, verifica-se que o benefício de auxílio-doença foi concedido ao autor desde 31.07.2001, na mesma data do seu requerimento administrativo, o qual comprovou a carência mínima exigida por ocasião da sua solicitação perante o INSS.

A Seção do Gerenciamento de Benefícios por Incapacidade - GBENIN da Gerência Pelotas/RS não homologou a sugestão do limite indefinido para a continuidade do pagamento do benefício, fixado em 26.01.2004 pelo médico credenciado, Dr. Pedro O. Hohmann, sob o fundamento de que o início da doença do autor é anterior ao ingresso na Previdência Social. Assim, suspendeu o pagamento do referido benefício e determinou a devolução dos valores recebidos indevidamente pelo segurado (fl. 12).

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008250

Compulsando os autos, verifica-se que a moléstia do demandante iniciou-se em 31.07.2000, data da ocorrência do AVC, comprovada por prontuário médico/exame complementar (tomografia computadorizada), realizado no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, consoante in-formado no laudo pericial das fls. 145-151.

As Guias da Previdência Social (GPS) das fls. 17-22 demonstram o recolhimento de contribuições dos meses de maio a outubro de 2001.

Ao dispor sobre o pagamento do auxílio-doença quando a moléstia do segurado for preexistente ao início do benefício, o parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.213/91 assim estabeleceu: “Não será devido auxílio--doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”.

Com efeito, não obstante as conclusões periciais dando conta de que a parte autora está acometida por seqüela neurológica por acidente vas-cular cerebral (AVC), referida moléstia teve início em 31.07.2000, isto é, anterior à sua filiação ao RGPS, de modo que indevido o benefício postulado em razão da vedação contida no parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.213/91.

Logo, com razão o INSS ao revisar o benefício do autor na esfera administrativa, suspendendo o seu pagamento a partir de então.

Portanto, não procede a irresignação da parte autora, devendo ser mantida a r. sentença que julgou improcedente o pedido inicial.

Por outro lado, não está a parte autora, contudo, obrigada a restituir os valores recebidos, seja pelo caráter alimentar dos benefícios previ-denciários (cf. STJ, REsp 728728 - RS - 5ª T. - Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca - j. 07.04.2005 - DJ 09.05.2005; REsp 446892 - 5ª T. - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima - j. 28.11.2006 - DJ 18.12.2006), seja por não comprovado que agiu de má-fé para obter esse provimento judicial.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.10.000792-3/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Apelante: Bernardo Frederico ScholzAdvogada: Dra. Orlane Regina Lazarotto

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Previdenciário. Revisão de benefício. Aposentadoria por tempo de contribuição. Cálculo da RMI. Alegação de diminuição do salário--de-benefício em razão de indevida aplicação do art. 30, § 4º, da Lei 8.212/91. Impropriedade da alegação. Hipótese em que o INSS limitou-se a aplicar corretamente a lei 9.876/99, que introduziu o fator previden-ciário no cálculo da RMI. Improcedência do pedido.

1. O § 4º do artigo 30 da Lei 8.212/91 (introduzido pela Lei 9.876/99) permitiu aos segurados contribuintes individuais que prestam serviços a empresas o abatimento, no valor das contribuições sob sua responsabili-dade, de parte das contribuições recolhidas pelos respectivos tomadores de serviços, como forma de equiparar sua situação à dos segurados empregados e dos contribuintes individuais que não têm vínculos com pessoas jurídicas (os quais recolhem contribuição própria de no máximo 11% – arts. 20 e 21, § 2º, da Lei 8.212/91).

2. O cálculo da RMI, todavia, não tem qualquer relação com a dedução acima referida, pois o que conta para este fim é o salário-de-contribuição, que não se confunde com valor efetivamente recolhido.

3. Hipótese em que não comprovou o autor qualquer irregularidade no cálculo de sua RMI em decorrência de indevida aplicação do art. 30, § 4º, da Lei 8.212/91, tendo a redução do salário-de-benefício básico combatida decorrido apenas da correta aplicação da Lei 9.876/99 e, em especial, do fator previdenciário por ela introduzido, com observância ainda das regras de transição previstas nos artigos 3º e 5º desse Diploma.

4. O Supremo Tribunal Federal já sinalizou no sentido da constitu-cionalidade do fator previdenciário, considerando, à primeira vista, não estar caracterizada violação ao art. 201, § 7º, da CF, dado que, com o advento da EC 20/98, os critérios para o cálculo do benefício foram

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delegados ao legislador ordinário (ADInMC 2.110-DF e ADInMC 2.111-DF, rel. Min. Sydney Sanches, 16.03.2000 - Informativo 181 - 13 a 17 de março de 2000).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de abril de 2008.Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Bernar-do Frederico Scholz ajuizou em 14.03.2007 a presente ação ordinária contra o INSS, pretendendo a revisão de sua aposentadoria por tempo de contribuição (NB 121.398.565-7, DIB 18.07.2001). Alega, para tanto, ter recolhido suas contribuições, durante o PBC, na condição de segurado autônomo e que, efetuada a compensação prevista no art. 30, § 4º, da Lei 8.212/91, o INSS teria abatido o mesmo percentual de seu salário--de-benefício. Requereu, dessa forma, a recomposição de seu salário--de-benefício, mediante a incorporação do valor abatido pela autarquia.

Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das despesas proces-suais, cuja exigibilidade restou suspensa em face da concessão da AJG.

Irresignado, apelou o demandante, pugnando pela total procedência da demanda.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: O recurso não pode ser provido.

Alega o autor que ao calcular a RMI de seu benefício o INSS operou redução no salário-de-benefício no percentual de 45%, aplicando incor-

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retamente o artigo 35, § 4º, da Lei 9.876/99, norma que faculta somente a dedução, quando do recolhimento da contribuição pelo contribuinte individual, de parte do que foi recolhido pelo tomador do serviço.

O dispositivo referido pelo autor não existe. Em verdade, a Lei 9.876/99 (que introduziu o fator previdenciário) alterou o artigo 30 da Lei 8.212/91, inserindo um § 4º no referido dispositivo, com a seguinte redação:

“Art. 30. (...) § 4º Na hipótese de o contribuinte individual prestar serviço a uma ou mais empresas,

poderá deduzir, da sua contribuição mensal, quarenta e cinco por cento da contribuição da empresa, efetivamente recolhida ou declarada, incidente sobre a remuneração que esta lhe tenha pago ou creditado, limitada a dedução a nove por cento do respectivo salário-de-contribuição.”

Como visto, a norma acima transcrita trata apenas da possibilidade de dedução, da contribuição mensal, por parte do contribuinte individual, de parte da contribuição da empresa, viabilizando um pagamento menor.

Em verdade, a legislação previdenciária simplesmente permitiu aos segurados contribuintes individuais que prestam serviços a empresas o abatimento, do valor das contribuições sob sua responsabilidade, de parte das contribuições recolhidas pelos respectivos tomadores de serviços, como forma de equiparar sua situação à dos segurados empregados e dos contribuintes individuais que não têm vínculos com pessoas jurídicas. Ocorre que estes últimos recolhem contribuição própria de no máximo 11% (arts. 20 e 21, § 2º, da Lei 8.212/91). A dedução de até 9% possibilita aos segurados contribuintes individuais que prestam serviços a empresas recolher, de fato, percentual idêntico (20%-11%=9%).

O cálculo da RMI, todavia, não tem qualquer relação com a dedução acima referida, pois o que conta para este fim é o salário-de-contribuição, que não se confunde com valor efetivamente recolhido, de modo que os fundamentos da sentença, no particular, não se sustentam.

De qualquer maneira, e no particular correta a sentença, não houve qualquer demonstração por parte do autor no sentido de que seu salário--de-benefício foi reduzido em 45% por força de incorreta aplicação do artigo 30, § 4º, da Lei 8.212/91.

A análise da carta de concessão da fl. 62 demonstra que, em verdade,

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o INSS, à vista do advento da EC 20/98 e, na seqüência, da Lei 9.876/99, verificou o direito adquirido à aposentadoria proporcional por tempo de serviço até 16.12.98 e também o direito à aposentadoria integral na DER, que é de 18.07.01, apurando uma RMI maior na segunda hipótese. Esta, pois, foi a renda implantada. Observe-se que o autor, em 28.11.99, não tinha 35 anos de contribuição ou muito menos a idade mínima (53 anos) para a obtenção de aposentadoria proporcional nos termos do art. 9º da EC 20/98, de modo que não se cogitou na carta de concessão de direito adquirido antes da Lei 9.876/99.

Como o tempo apurado para a concessão encerrou-se em 2001, foi aplicada no cálculo da RMI implantada a Lei 9.876/99, a qual deu a seguinte redação ao artigo 29 da Lei 8.213/91:

“Art. 29. O salário-de-benefício consiste:I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média

aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (...)” (destaquei)

Houve, pois, aplicação do fator previdenciário, o qual, nos termos do anexo da Lei 9.876/99, tem a seguinte fórmula:

F = Tc x a/Es[1+(Id+Tc x a/100)]Onde: F = fator previdenciário; Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria; Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria; Id = idade no momento da aposentadoria; a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31.Por outro lado, considerou a autarquia, no caso do autor, corretamen-

te, as regras de transição previstas no caput do artigo 3º e no artigo 5º, ambos da Lei 9.876/99, a saber:

“Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, cor-respondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei nº 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

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(...)Art. 5º Para a obtenção do salário-de-benefício, o fator previdenciário de que trata

o art. 29 da Lei nº 8.213, de 1991, com redação desta Lei, será aplicado de forma progressiva, incidindo sobre um sessenta avos da média aritmética de que trata o art. 3º desta Lei, por mês que se seguir a sua publicação, cumulativa e sucessivamente, até completar sessenta/sessenta avos da referida média.”

A carta de concessão da fl. 62 demonstra que foram considerados os maiores salários-de-contribuição a partir de julho de 1994, descartando--se 17 dos 67 apurados. Por outro lado, como do total de 60 salários-de--contribuição 20 eram posteriores a 11/99, somente sobre estes houve a aplicação do fator previdenciário. Com efeito, sabendo-se que o fator previdenciário, no caso, é igual a 0,7003 e que o salário-de-benefício básico era de R$ 416,07, uma vez aplicada a fórmula determinada temos a seguinte situação:

Salário-de-benefício = [(60-20) x 416,07/60] + (20 x 416,07 x 0,7003/60).

Foi o que o INNS fez, obtendo uma RMI de R$ 374,50, exatamente o resultado da equação acima.

Como visto, a redução do salário-de-benefício básico combatida pelo autor decorreu apenas da correta aplicação da Lei 9.876/99 e, em especial, do fator previdenciário por ela introduzido e, ademais, implicou redução de cerca de 11,10%, e não de 45%, como alegado.

Ao arremate convém registrar, a despeito de não estar em discussão no caso dos autos a licitude do fator previdenciário, que o Supremo Tri-bunal Federal, ao apreciar pedido formulado nas ADIs 2.110 e 2.111, já sinalizou no sentido da sua constitucionalidade, pois

“indeferiu o pedido de medida cautelar relativamente ao art. 2º da Lei 9.876/99,

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1998.04.01.056581-7/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler

Embargante: Ely Barbosa da SilvaAdvogados: Drs. Cristiano Diehl Xavier e outrosEmbargada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Embargos Infringentes. Direito Administrativo e Processual Civil. União. Domínio imobiliário. Terrenos de marinha. Município de Tor-res. Demarcação. Taxa de ocupação. Prova pericial. Quesito faltante. Cassação da sentença. Retorno à origem. Complementação da prova. Isonomia perante o Poder Judiciário.

1. Nos termos dos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 9.760/1946, são terrenos de marinha aqueles situados em uma profundidade de trinta e três metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha de preamar média de 1831, e seus acrescidos aqueles que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

2. A partir da determinação da posição da linha de preamar média do ano de 1831 pelo Serviço do Patrimônio da União - SPU, tem vez a demarcação dos terrenos de marinha, procedimento administrativo para o qual os interessados são convidados por edital para o oferecimento de documentos e de esclarecimentos.

3. A presente demanda foi proposta por particular com o escopo de ver

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reconhecida a insubsistência da propriedade da União, essa anteriormente afirmada em procedimento administrativo, sobre imóveis alegadamente seus, situados no Município de Torres em torno do Rio Mampituba, assim como afastada a cobrança da taxa de ocupação contemplada no Decreto-Lei nº 9.760/1946, artigo 127 e seguintes.

4. Na etapa instrutória do processo foi constatada por meio da prova pericial produzida a incorreção da fixação da linha de preamar média de 1831 quanto aos imóveis debatidos, tendo o autor, por sua vez, omitido a formulação de quesito sucessivo específico no sentido da verificação se, a partir da identificação do lapso na aludida fixação, os seus alegados imóveis, com base no parâmetro correto, figurariam na condição de terrenos de marinha.

5. O juízo de primeiro grau, à vista da omissão do autor, firmou posi-ção no sentido de que não estaria obrigado a formular o referido quesito, tendo em linha de conta que a representação processual do demandante se mostrou de considerável qualificação, e o custo do quesito de que se trata seria substancialmente elevado e suportado inicialmente pelo autor, a quem cumpriria a opção, no caso operada pela negativa.

6. A Seção, muito embora reputando em tese correta a posição do juízo de primeiro grau em não formular o quesito sucessivo, concluiu, com base na prevalência do direito fundamental à igualdade a propósito das relações dos indivíduos situados em posições equivalentes perante o Poder Judiciário, no sentido da necessidade de complementação da prova, uma vez que, em demanda similar a respeito de imóveis situados em idêntica localidade e sujeitos à mesma fixação da linha de preamar média de 1831, com tramitação conjunta ao presente feito, inclusive com produção de prova pericial unificada, houve solução pela necessidade da complementação probatória.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 12 de junho de 2008.

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.95-368, 2008 261

Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de recurso de embargos infringentes interposto em face de acórdão de lavra da 4ª Turma deste Regional, com publicação em 21.02.2001, que decidiu, por maioria, no sentido da negativa de provimento ao recurso de apelação apresentado pelo ora embargante e ao recurso adesivo da União.

Por obra do acórdão ora recorrido houve a manutenção da sentença de improcedência, julgado esse lançado em ação movida para o efeito de haver a declaração de insubsistência da propriedade da União sobre imóveis alegadamente do autor, situados no Município de Torres/RS em torno do Rio Mampituba, qualificados como terrenos de marinha, assim como da cobrança da taxa de ocupação respectiva.

Teve primazia perante a Turma o entendimento no sentido de que: a) ante a omissão do autor em formular quesito específico quanto à prova pericial para o efeito de que em face da constatação de eventual incorreção da fixação da linha de preamar média de 1831, efetivamente identificada, o experto verificasse sucessivamente com base no parâmetro correto, se os imóveis discutidos representam terrenos de marinha, o Juízo não estaria obrigado a fazê-lo com suporte no artigo 130 do CPC, já que a representação processual do autor se mostrou de elevada qualificação, e o custo de tal trabalho pericial seria substancialmente elevado e suportado inicialmente pelo demandante, ao qual cumpriria a escolha, que no caso foi pela não-formulação; e b) para a determinação da linha de preamar média de 1831 e a demarcação dos terrenos de marinha não é obrigatória a notificação pessoal dos interessados, bastando a expedição de editais, na forma do previsto na Seção específica do Decreto-Lei nº 9.760/46, compreensiva dos artigos 9º a 14. Tal posição foi defendida pelo Juiz Federal Hermes da Conceição Júnior.

A posição vencida, sustentada pela Desembargadora Federal Silvia Goraieb, cuja prevalência ora é pleiteada pelo embargante, segue a li-nha segundo a qual: a) a sentença deve ser cassada, para que no retorno dos autos à origem seja formulado o quesito mencionado acima, com a definição pericial se os imóveis em liça configuram terrenos de marinha ou não à luz da linha de preamar média de 1831 fixada corretamente; e

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b) na demarcação dos terrenos de marinha deve haver intimação pessoal dos interessados, sob pena de ofensa ao devido processo legal.

Admitido o recurso, os autos foram redistribuídos.Apresentadas contra-razões.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler:

Do juízo de admissibilidade recursal à luz do artigo 530 do CPC

Saliento que a irresignação ora vertida sob a forma de embargos in-fringentes se acomoda plenamente ao enunciado do artigo 530 do CPC em vigor quando da publicação do acórdão embargado, tendo em conta que a respeito da matéria recorrida houve, em sede de apelação, cível julgamento por maioria, circunstâncias que notadamente autorizam a admissão da súplica apresentada.

Do mérito recursal

Identificado pela perícia produzida na origem o lapso por parte da União na determinação da linha de preamar média de 1831 a propósito dos imóveis em debate nestes autos, resta avaliar quanto à obrigatorie-dade ou conveniência de o Juízo de origem, em face da omissão da parte autora a respeito, proceder à formulação de quesito sucessivo, relacio-nado à eventual descaracterização da condição de terrenos de marinha dos mencionados imóveis a partir da correta linha de preamar média de 1831 obtida na perícia.

Entendo que na espécie sob exame bem andou o Juízo de origem ao asseverar, à luz do artigo 130 do CPC e das circunstâncias identificadas nos autos, no sentido da inadequação da formulação judicial do aludido quesito sucessivo, consoante as razões desenvolvidas pelo eminente Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, as quais passo a transcrever, in verbis:

“Portanto, a perícia realmente concluiu que houve imprecisão na escolha de 2,00 metros como nível do preamar média. Houve erro, pois, na linha utilizada pelo SPU. Devia ter se utilizado de um índice menor. É isso que está provado nos autos. Mas é só isso que está provado nos autos!

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A parte autora não formulou quesito como aquele n° 05 da União (fls. 558 do pro-cesso 91.0016884-0), que foi indeferido por este Juízo, conforme consta da decisão de saneamento (item d de fls. 430-431 do processo 91.0016884-0). A parte autora foi diligente e zelosa na condução do processo, formulou adequadamente os demais que-sitos, soube apresentar sua argumentação de forma jurídica e lógica. Realmente, seus interesses estão adequadamente representados em juízo, por profissional do direito que conhece a matéria que está tratando, que conduziu com zelo e diligência a defesa do seu cliente, que realizou vasta pesquisa, inclusive quanto à documentação e legislação aplicável, etc.

Mas apenas não quis a parte autora formular dito quesito, que esclareceria de forma conclusiva a questão central da lide, que poderia ser formulado como o foi o quesito indeferido da União: ‘entendendo o perito que existe erro na demarcação da SPU, suscetível de excluir os imóveis dos autores da faixa de marinha e observado que essa exclusão somente pode ser feita após nova demarcação, seja esta realizada pelo expert, com observação de todas as determinações técnicas (acompanhamento das marés, observação das alterações da geografia do local, utilização de mapas, fotos e demais documentos antigos existentes)’ (fls. 558 do processo 91.0016884-0).

Ou então, como teria talvez preferido este Juízo, ‘se utilizado para demarcação de que trata o art. 9° do DL 9.760/46 a cota de + 0,87 metros, os imóveis da parte autora encontram-se ou não dentro da faixa de terrenos de marinha de propriedade da União?’

O quesito da União foi indeferido por este Juízo, pelas razões que constam da de-cisão de saneamento antes referido. A parte autora não formulou o quesito. Este Juízo também não formulou o quesito.

Este Juízo não formulou o quesito por uma razão muito singela. Embora o art. 130 do CPC lhe permitisse a diligência, entendeu este Juízo que, no caso dos autos, não havia nenhuma circunstância excepcional que sinalizasse a conveniência de interferir na produção da prova e formular o quesito. Era a parte autora quem devia formular o quesito. Ao juízo só é dado intervir na produção da prova, na forma do art. 130 do CPC, quando alguma circunstância especial a tanto lhe autoriza. Estas circunstâncias excepcionais são aquelas do art. 125 do CPC ou quando há a indisponibilidade dos direitos envolvidos.

Por exemplo, este Juízo já formulou quesitos em perícias que se desenvolviam em processos em que uma das partes estava enfraquecida diante da força da outra parte, como é o caso, por exemplo, de quando a parte é beneficiária da assistência judiciária, quando seu advogado não lhe dá a devida e necessária atenção, quando do outro lado há órgão público, com departamento jurídico bem estruturado, que consegue lhe dar a devida assistência, etc. Ou mesmo quando, ao contrário, o Poder Público está representado por procurador que não lhe dá a devida assistência, seja pelo excesso de trabalho, seja pela falta de zelo, etc. Nenhuma dessas circunstâncias ocorreu nos autos.

Este Juízo não se nega a interferir, na forma que a lei processual lhe permite e impõe (arts. 125 e 130 do CPC), na produção da prova, inclusive formulando quesitos

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e determinando diligências ex officio.No caso dos autos, entretanto, pela qualidade do trabalho apresentado por ambas

as partes, pela capacidade demonstrada pelos procuradores das duas partes, pareceu a este Juízo que não era caso de sua intervenção, não havendo, por isso, porque formular o quesito antes referido, se a parte autora não o quis formular.

Além disso, não se tratava de formular apenas um quesito. O quesito, não obstante sua aparente simplicidade, esconde a necessidade de monumental ampliação do objeto da perícia que a parte autora requereu e se dispõe a custear! O próprio perito dá notícia disso: a petição de fls. 422-423 do processo 91.0016884-0 e fls. 438-439 do processo 88.0008168-1 mostra que, deferido o quesito, a perícia ampliará seu alcance.

Isso significa mais despesas, que seriam suportadas pela parte autora. Mais que isso, significa uma grande elevação no custo da perícia, valores que deveriam ser antecipados e desembolsados pela parte autora. Ela quer isso? Se não formulou o quesito, é porque não quer. Certamente deve ter pesado os prós e contras (o direito é disponível, a produção de provas também o é) e optado pela não-ampliação da perícia. Assume o risco daí decorrente (art. 333 do CPC), mas pelo menos não gasta com a nova perícia. Tinha este Juízo direito de interferir nesta opção da parte autora? Claro que não. Nada de excepcional havia nos autos nem no comportamento das partes que indicasse a necessidade da intervenção ex officio deste Juízo num processo tão bem debatido e proposto pelas partes.

Ora, a parte autora tinha ciência de tudo isso. Certamente, acompanhada por dili-gentes procuradores, deve ter feito a comparação entre custo e beneficio e optou por não apresentar o quesito. Assumiu os riscos daí decorrentes, porque seus procuradores são diligentes e certamente devem ter-lhe advertido sobre os riscos do art. 333 do CPC, o ônus probatório que sobre si recairia.

Ou então, quem sabe, outra hipótese: talvez a parte autora pudesse saber de antemão qual seria a resposta ao quesito e preferiu não o revelar em juízo. É simples suposição deste Juízo, sem reflexos no julgamento. Se está apenas, com isso, justificando a con-duta deste Juízo e o respeito que devotou à opção da parte autora em não formular o quesito referido. A resposta àquele quesito poderia lhe ser desfavorável. Quantas vezes um réu, em processo criminal, não prefere silenciar, deixando ao acusador todo o ônus probatório? Isso não significa que esteja sendo inadequadamente defendido. Pelo con-trário, geralmente é uma estratégia de defesa. Nessa hipótese, prefere-se então deixar a decisão à sorte, não trazendo aos autos uma prova que certamente lhe prejudicaria. É uma outra possibilidade que deve ser considerada por este Juízo não para julgar a ação, mas para não formular o quesito que a parte autora optou por não formular.

Portanto, no caso dos autos, considerando que nenhuma circunstância excepcional (art. 125 do CPC) indicava fosse necessária a intervenção deste Juízo na produção da prova (art. 130 do CPC); considerando que a parte autora estava adequadamente representada por profissional competente, zeloso e diligente; considerando que a parte autora não formulou o quesito antes mencionado, este Juízo preferiu deixar às partes o ônus e a iniciativa de requererem as provas que entendiam pertinentes e não formulou

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o quesito em questão.” (fls. 712-4)

De outro vértice, contudo, não posso deixar de considerar sobre deter-minadas circunstâncias de relevo dizentes à espécie versada. Estes autos tiveram tramitação conjunta com os de nº 91.00.16884-0, motivo pelo qual, em virtude do anterior apensamento, a prova pericial foi efetivada nesse processo, com serventia aos dois feitos, cujo objeto era similar. O mencionado processo de nº 91.00.16884-0 logrou neste Regional o nº 1998.04.01.057312-7/RS, tendo sido julgado em grau de apelação pela 4ª Turma na mesma oportunidade que o presente, alcançando decisão idêntica a este. Ocorrido o desapensamento dos autos, no processo de nº 1998.04.01.057312-7/RS houve igualmente oposição de embargos infringentes, os quais foram apreciados por esta Seção em 09.08.2004, sob a relatoria do Desembargador Federal Carlos Eduardo Lenz, com veredicto no sentido do provimento do recurso para a cassação da sen-tença e o retorno dos autos à origem a fim de que complementada a prova pericial. Desse acórdão não houve recurso, tendo o feito baixado ao Juízo de primeiro grau, onde, após a complementação da prova pericial, alcançou apreciação no sentido da procedência do pedido em 26.05.2008.

A teor do contido no caput do artigo 5º da Constituição Federal, a igualdade constitui direito fundamental, merecendo ser garantido, entre as suas várias dimensões, nas relações dos indivíduos situados em posições equivalentes perante o Poder Judiciário.

Nesse diapasão, configurada a equivalência das posições jurídicas do recorrente no feito de nº 1998.04.01.057312-7/RS e do ora embargante nesta causa, assim como da União, sobretudo no que atine ao aspecto processual, ainda mais quando o laudo pericial produzido atendeu à necessidade probatória de ambas as demandas em atenção à economia processual, avulta de parte desta Seção, em resguardo ao direito funda-mental à isonomia, o dever de dizer o direito de modo uniforme para todos os litigantes. No caso, reputo que em exercício de ponderação deve ceder ao referido imperativo constitucional a convicção no sentido da mitigação do poder-dever de instrução do Juízo de origem na espécie.

Tal concluo tendo em linha de conta ainda que inexiste por ora motivo para eventual discriminação no trato jurisdicional das questões postas, bastando para tanto considerar que se trata de imóveis sujeitos à mesma fixação da linha de preamar média de 1831, verificada conforme determi-

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nação datada de 1950, em idêntica localidade, qual seja aquela em torno do Rio Mampituba, situado no Município de Torres/RS, reconhecida em laudo probatório uno como equivocada.

Argumentando ao modo absurdo, não é ponderável, desejável, tam-pouco recomendável a este Poder da República que resultem da prestação jurisdicional conclusões injustificadamente dissonantes a respeito de de-mandas equivalentes, de forma que vizinhos de praia titulares de direitos sobre imóveis igualmente distanciados da beira do mar, sem qualquer fator discriminatório razoável interveniente, tenham logrado da jurisdi-ção julgamentos distintos, um na condição de legítimo proprietário da área ocupada, o outro na qualidade de ocupante de terreno de marinha.

À toda evidência, entendo que por ora a dicção desta Seção para o caso deve encontrar limite na apreciação anteriormente levada a efeito quanto ao caso similar, de modo a alcançar provimento aos embargos infringentes para fazer prevalecer a posição vencida perante a Turma, com a cassação da sentença e a determinação para o retorno dos autos à origem, a fim de que seja complementada a prova pericial.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso.É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.07.001975-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Apelante: Lucas Antonio de MedeirosAdvogados: Drs. Megalvio Mussi Junior e outro

Apelado: Instituto Nacional Do Seguro Social – INSSAdvogado: Milton Drumond Carvalho

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EMENTA

Previdenciário. Ação de revisão ajuizada pelo INSS. Desistência. Possibilidade diante da injustificada não-concordância do réu. Sentença homologatória mantida.

1. A desistência da ação é instituto de natureza eminentemente proces-sual, que possibilita a extinção do processo, sem julgamento do mérito, até a prolação da sentença. Após a citação, o pedido somente pode ser deferido com a anuência do réu ou, a critério do magistrado, se a parte contrária deixar de anuir sem motivo justificado.

2. Tendo em vista o caráter precário do benefício de auxílio-doença (art. 59 c/c art. 101 da Lei 8.213/91), pode a autarquia previdenciária, concluindo pela capacidade laborativa do segurado, cancelar adminis-trativamente o benefício, ainda que exista decisão judicial anterior com trânsito em julgado.

3. No caso dos autos, pelos documentos juntados, tem-se que seria desnecessário o ajuizamento da presente ação, pois, tendo transitado em julgado a decisão que, em ação anterior, concedeu o benefício, poderia o INSS tê-lo cancelado na via administrativa, como efetivamente o fez, sem que ocorresse qualquer violação à coisa julgada.

4. Assim, realmente foi injustificada a não-concordância do réu com a desistência da ação de revisão pelo INSS, devendo ser mantida a sen-tença homologatória.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relató-rio, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de maio de 2008.Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Cuida-se de ação ordinária de revisão ajuizada pelo INSS contra Lucas Antonio de

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Medeiros em 26.05.88, na qual postula o cancelamento do auxílio-doença concedido judicialmente.

Contestado e instruído o feito, foi proferida sentença de improcedência da ação (fls. 72/74).

O INSS recorreu e, após as contra-razões, os autos subiram a esta Corte, tendo a 6ª Turma decidido dar provimento ao recurso e à remessa oficial para anular a sentença, na sessão de 04.04.2000 (acórdão de fls. 92/97).

Os autos retornaram à vara de origem e o INSS requereu a desistência da ação (fl. 113), tendo sido proferida a sentença que homologou a de-sistência, condenando o INSS no pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa (fls. 136/137).

Recorre a parte ré, alegando, em suma, que não concordou com o pedi-do de desistência, pois tem interesse em ver julgada improcedente a ação de revisão, já que permanece incapacitado para o trabalho, tendo o INSS cancelado o benefício que foi restabelecido mediante ação judicial e que procedeu novamente ao cancelamento arbitrariamente em 30.06.2001, pois o benefício objeto da presente ação havia sido restabelecido mediante processo judicial já anteriormente mencionado.

Com contra-razões, subiram os autos a este Tribunal.O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso

(fls. 159/162).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Cuida-se de apelação interposta contra a sentença que homologou pedido de desis-tência da ação de revisão ajuizada pelo INSS.

Primeiramente, é certo que o autor pode desistir do pleito, o que im-plica a extinção sem julgamento do mérito, na forma como previsto no artigo 267, inc. VIII, do CPC.

Entretanto, tal poderá ocorrer sem a anuência da parte adversa, se ainda não decorrido o prazo para a resposta, na esteira do § 4º do mesmo artigo. Após, somente com o consentimento do réu. E o consentimento não ocorre no presente caso, uma vez que o segurado/réu insurgiu-se contra o pedido de desistência, pelas razões constantes do requerimento

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de fls. 132/135.Não se pode olvidar que, a partir da formação da relação processual,

com a citação do requerido, a este também assiste o direito ao julga-mento, com a solução da controvérsia, prestigiando-se a bilateralidade do processo.

Não obstante, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo o controle judicial da negativa do réu em anuir com a desistência, a fim de possi-bilitar a verificação da plausibilidade dos motivos por ele invocados.

Nesse sentido a manifestação de Nelson Nery Júnior (In: Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 7. ed., São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 630-631), verbis: “O réu, depois de citado, tem de ser ouvido sobre o pedido de desistência formulado pelo autor. Somente pode opor-se a ele se fundada sua oposição. A resistência pura e simples, destituída de fundamento razoável, não pode ser aceita porque importa em abuso de direito.”

O Superior Tribunal de Justiça registra precedentes de controle judi-cial dos argumentos do demandado para não concordar com o pedido de desistência do feito. É o que refletem as ementas que seguem:

“PROCESSUAL CIVIL. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. ANUÊNCIA DO RÉU. BILATERALIDADE DO PROCESSO. CPC, ART. 267, § 4º INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. DOUTRINA. DISCORDÂNCIA FUNDAMENTADA. NECES-SIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

I - Segundo anota a boa doutrina, a norma do art. 267, § 4º, do CPC decorre da própria bilateralidade do processo, no sentido de que este não é apenas do autor. Com efeito, é direito do réu, que foi judicialmente acionado, também pretender desde logo a solução do conflito. Diante disso, a desistência da ação pelo autor deve ficar vinculada ao consentimento do réu desde o momento em que ocorre invasão na sua esfera jurídica e não apenas após a contestação ou o escoamento do prazo desta.

II - A recusa do réu ao pedido de desistência deve ser fundamentada e justificada, não bastando a simples alegação de discordância, sem a indicação de motivo relevante.” (REsp 241.780/PR, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 17.02.2000, DJ 03.04.2000, p. 157)

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DESISTÊNCIA X RENÚNCIA. DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A desistência da ação é instituto de natureza eminentemente processual, que possibilita a extinção do processo, sem julgamento do mérito, até a prolação da sen-tença. Após a citação, o pedido somente pode ser deferido com a anuência do réu ou, a critério do magistrado, se a parte contrária deixar de anuir sem motivo justificado.

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A demanda poderá ser proposta novamente e, se existirem depósitos judiciais, estes poderão ser levantados pela parte autora. Antes da citação o autor somente responde pelas despesas processuais e, tendo sido a mesma efetuada, deve arcar com os hono-rários do advogado do réu.

2. A desistência do recurso, nos termos do art. 501 do CPC, independe da concor-dância do recorrido ou dos litisconsortes e somente pode ser formulado até o julga-mento do recurso. Neste caso, há extinção do processo com julgamento do mérito, prevalecendo a decisão imediatamente anterior, inclusive no que diz respeito a custas e honorários advocatícios.

3. A renúncia é ato privativo do autor, que pode ser exercido em qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente da anuência da parte contrária, ensejando a ex-tinção do feito com julgamento do mérito, o que impede a propositura de qualquer outra ação sobre o mesmo direito. É instituto de natureza material, cujos efeitos equivalem aos da improcedência da ação e, às avessas, aos do reconhecimento do pedido pelo réu. Havendo depósitos judiciais, estes deverão ser convertidos em renda da União. O autor deve arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios, a serem arbitrados de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC (‘causas em que não houver condenação’).

4. Agravo regimental provido em parte.” (Ag. Rg. no REsp 319894/SC; Relatora Mi-nistra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18.11.2003, DJ 01.03.2004, p. 154)

“O réu não pode, sem motivo legítimo, devidamente comprovado, opor-se ao pedido de desistência, condicionando-o à renúncia do direito em que se funda a ação.” (RT 758/374) (apud NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. CPC e legislação processual em vigor. 36 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 362)

“PROCESSUAL CIVIL. DESISTÊNCIA DA AÇÃO APÓS CONTESTAÇÃO. DISCORDÂNCIA DO RÉU SEM NENHUM FUNDAMENTO.

1. Não fere o art. 267, par. 4º, do CPC o acórdão que, confirmando decisão mono-crática, não leva na devida linha de conta manifestação do réu, desprovida de qualquer motivação, discordando do pedido de desistência da ação, máxime quando satisfeita a formalidade do art. 26 deste diploma.

2. Recurso especial não conhecido.”(REsp 115642/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em

22.09.1997, DJ 13.10.1997, p. 51.660)

Cumpre, pois, analisar os fundamentos apresentados pelo réu para apresentar oposição à desistência do feito.

Alega a parte ré que não concordou com o pedido de desistência, pois tem interesse em ver julgada improcedente a ação de revisão, já que per-manece incapacitado para o trabalho, tendo o INSS cancelado o benefício que foi restabelecido mediante ação judicial e que procedeu novamente ao cancelamento arbitrariamente em 30.06.2001, pois o benefício objeto

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da presente ação havia sido restabelecido mediante processo judicial já anteriormente mencionado.

Sem razão, no entanto.Tendo em vista o caráter precário do benefício de auxílio-doença

(art. 59 c/c art. 101 da Lei 8.213/91), pode a autarquia previdenciária, concluindo pela capacidade laborativa do segurado, cancelar adminis-trativamente o benefício, ainda que exista decisão judicial anterior.

Assim, tem entendido este Tribunal, conforme o seguinte precedente da 3ª Seção:

“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO NA VIA JUDICIAL. CANCELAMENTO. Ainda que o auxílio-doença tenha sido concedido por sentença, a Previdência Social pode cancelar administrativamente o benefício quando apurar que o segurado recuperou a capacidade para o trabalho, consoante determina o art. 71 da Lei 8.212/91. Admitir-se que o INSS somente poderia sustar o benefício depois do reconhecimento judicial da recuperação da capacidade do segurado seria dar tratamento diferenciado ao segurado em detrimento dos demais, que receberam o benefício através da via administrativa. Ademais, teria o risco de proporcionar um enriquecimento sem causa ao segurado, caso venha a ser reconhecida judicialmente a cessação da incapa-cidade depois de longa tramitação do processo. Além disso, estimularia indevidamente o segurado a ingressar diretamente com pedido de auxílio-doença perante a Justiça, para manter indefinidamente o benefício até novo julgamento. Embargos infringen-tes acolhidos.” (EIAC nº 1999.04.01.024704-6/RS, Rel. Des. Federal João Surreaux Chagas, DJU 15.08.2001)

Por outro lado, tenho que o art. 101 da Lei 8.213/91 não tem aplicação quando se trata de benefício previdenciário concedido em decorrência de tutela antecipatória, isto é, benefício que se encontra sub judice. Portanto, somente após a decisão final sobre o caso concreto é que a Autarquia pode agir no sentido de, periodicamente, verificar as condições laborais do segurado e, em conseqüência, cancelar ou não o benefício.

No caso dos autos, pelos documentos juntados, tem-se que seria desnecessário o ajuizamento da presente ação, pois, tendo transitado em julgado a decisão que, em ação anterior, concedeu o benefício, poderia o INSS tê-lo cancelado na via administrativa, como efetivamente o fez, sem que ocorresse qualquer violação à coisa julgada.

Assim, realmente foi injustificada a não-concordância do réu com a desistência da ação de revisão pelo INSS, não merecendo reforma a decisão recorrida.

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Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO Nº 2006.70.13.001010-1/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat

Excipiente: Valdeci Silva – SucessãoAdvogada: Dra. Patrícia Scandolo Mano

Excepto: Juízo Federal da VF e JEF de JacarezinhoInteressado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Dr. Milton Drumond Carvalho

EMENTA

Questão de Ordem. Exceção de Suspeição. Juiz de Juizado Especial Federal. Competência.

A exceção de suspeição interposta em face de Juiz do Juizado Especial Federal, relacionada a processo que tramita sob o rito próprio do Juiza-do Especial, é de competência da Turma Recursal respectiva, conforme direcionamento imposto pela interpretação do art. 98, inc. I, c/c 108, inc. I, c, Constituição Federal, e arts. 41 e § 1º, Lei 9.099/95; 1º e 21, Lei 10.259/01.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, solver questão de ordem no sentido de declinar da competência para a Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Estado do Paraná, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de junho de 2008.

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Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat: Trata-se de exceção de suspeição, interposta pela Advogada Patrícia Scandolo Mano, contra o Juiz Federal do Juizado Especial Federal da Subseção Judiciária de Jacarezinho, PR, incidente esse interposto nos próprios autos originá-rios (fls. 196/198), de ação em que perseguida a concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença ou, alternativamente, de aposentadoria por invalidez.

Pretende a Excipiente, ao final, seja reconhecida a suspeição do Juiz citado, determinando-se a remessa dos autos ao substituto legal.

Pelo Excepto, foi proferido o despacho de fls. 200-202, não reconhe-cendo a suspeição e, nos termos do art. 313 do CPC, determinando a remessa dos autos ao TRF da 4ª Região para julgamento.

Dispensada a revisão (art. 37, inc. IX, Regimento Interno TRF 4ª Re-gião).

QUESTÃO DE ORDEM

O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat: Na verdade, o presente incidente de exceção de suspeição foi interposto contra o Juiz Federal que exerce jurisdição junto ao Juizado Especial Federal da Subseção Judiciária de Jacarezinho, PR. E mais, relativamente a feito que lá tramita sob o rito do Juizado Especial Federal.

Em conseqüência, deve ser considerado que os recursos relativamente aos atos praticados por Juiz Federal de Juizado Especial Federal, na ver-dade, estão afetos a exame pelas respectivas Turmas Recursais, consoante interpretação do art. 98, I, c/c art. 108, I, c, da Constituição Federal, o que é reafirmado pela previsão do art. 41 e § 1º da Lei 9.099/95, aplicá-vel por força do art. 1º, Lei 10.259/01, além do artigo 21 desta última.

É certo que o Excepto procedeu ao encaminhamento dos autos a este Regional, assim o fazendo sob o fundamento de que não se trata de ques-tão eminentemente jurisdicional e, portanto, alheia à competência das Turmas Recursais, podendo vir a acarretar até mesmo eventual respon-sabilidade funcional do juiz, a ser apurada e julgada pelo órgão próprio, junto ao E. TRF 4ª Região, o que recomendaria o exame por esta Corte.

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Entrementes, assim não compreendo. Isso porque, se todos os recur-sos interpostos relativamente ao Juizado Especial Federal são julgados pelas respectivas Turmas Recursais, também assim deve ocorrer em se tratando de Exceção de Suspeição, eis que nada mais é do que um incidente relativo ao próprio feito que tramita sob o rito do juizado es-pecial, muito embora relacionado ao Juiz que o preside, em relação ao qual se pretende o afastamento. Do contrário, estar-se-ia criando uma dupla instância para o julgamento de recursos relacionados ao Juizado Especial Federal, o que não encontra guarida na previsão constitucional e no próprio direcionamento imposto pela legislação respectiva.

Não pode ser ignorado, outrossim, que inclusive estar-se-ia sujeitando o caso à eventual ocorrência de decisões conflitantes, máxime quando a decisão que acabou por gerar o presente incidente já está sendo objeto de exame, pela Colenda Turma Recursal do Estado do Paraná, em face da interposição de Mandado de Segurança, em que proferida decisão liminar assim consignando:

“Percebe-se, em mero juízo de cognição sumária, que a impetrante obstou que a parte autora, sua cliente, recebesse o bem da vida que lhe foi expressamente reconhecido em decisão judicial, qual seja, o recebimento do valor integral da condenação. No caso, o resultado final que se esperava do processo foi completamente prejudicado em função da cobrança ilegítima de honorários da parte autora (que, além de cobrar os valores devidos por seu trabalho no processo judicial, também descontou valores para terceira pessoa, devidos a título de serviços prestados administrativamente ao falecido marido).

Nesse ponto, entendo que incumbe, sim, ao juízo competente para a causa previden-ciária, garantir que a prestação jurisdicional seja entregue por completo à parte autora, ainda mais quando se trata de demanda dessa natureza, em que as partes contratantes são, via de regra, pessoas sem elevada escolaridade, e que se tornam vítimas fáceis de atos como o presente. Ademais, tratando-se de verbas de natureza alimentar, mais um motivo existe para legitimar essa proteção efetiva à entrega da prestação jurisdicional.

São descabidas as alegações de nulidade da decisão por inexistência de processo e por cerceamento de defesa, pois, como já se disse, seria um contra-senso determinar a instauração de demanda autônoma para tutelar o direito da parte autora no presente caso, o que torna possível, dentro dos critérios que norteiam os Juizados Especiais Federais, a determinação de devolução dos valores nos próprios autos da ação previdenciária. Ademais, houve plena oportunidade da impetrante se manifestar nos autos originários, sem que lhe tenham sido subtraídos quaisquer direitos a ensejar prejuízo em sua defesa.

Por fim, a alegação de que o meio utilizado pela parte autora é inadequado para a discussão do tema também é afastada pela conclusão de que a restituição dos valores cobrados indevidamente, dadas as peculiaridades do caso concreto, pode ser feita no

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próprio procedimento executivo instituído na demanda previdenciária.” (fls. 212 verso)

Ademais, em abono ao entendimento, em razão do sistema próprio dos Juizados Especiais, verifica-se estar já consolidado que até mesmo os Mandados de Segurança, relativamente a atos praticados por Juízes Federais que jurisdicionam Juizado Especial Federal, tem o processo e o julgamento afetos à competência das respectivas Turmas Recursais, cabendo transcrição:

“EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO VOLTADA CONTRA JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ES-PECIAL CRIMINAL. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL. PRECEDENTES.

Nos termos dos precedentes desta Corte de Justiça, a competência para rever deci-sões proferidas pelos Juizados Especiais é da turma recursal, mesmo que se cuide de ação mandamental. Recurso desprovido.”

(ROMS 18949 - 5ª T. - Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca - unânime - DJ 21.02.2005 - p. 194)

“EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DE JUIZ FEDERAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. SUBSTI-TUTIVO RECURSAL. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL. 1. Compete à Turma Recursal do Juizado Especial Federal examinar o cabimento do mandado de segurança impetrado contra decisão de Juiz Federal no exercício da jurisdição do Juizado Especial Federal, quando substitutivo recursal. 2. Admitir a competência do Tribunal Regional Federal para processar e julgar os mandados de segurança interpostos contra decisões de cunho jurisdicional implicaria transformar a Corte em instância ordinária para a reapreciação de decisões proferidas pelos Juizados Especiais, o que afrontaria os princípios insculpidos nas Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001. 3. Questão de ordem acolhida no sentido de declinar da competência para a Turma Recursal do Juizado Es-pecial Federal do Rio Grande do Sul.” (TRF4, QUOMS 2005.04.01.042205-3, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, DJ 13.10.2005)

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE JUIZ TITULAR DE JUI-ZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS. Malgrado não haja disposição legal expressa, deve ser entendido que compete à Turma Recursal do Juizado Especial Federal examinar o cabimento do mandado de segurança impetrado contra decisão de Juiz Federal no exercício da jurisdição do Juizado Especial Federal, quando substitutivo recursal.” (TRF4, QUOMS 2007.04.00.042263-6, Turma Suplementar, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 25.01.2008)

Assim, é de ser concluído que falece competência a este Colegiado para o processo e o julgamento do presente incidente de Exceção de Suspeição, uma vez que interposto em face de feito presidido por Juiz

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Federal de Juizado Especial Federal, e sob o rito das Leis 9.099/95 e 10.259/01.

Ante o exposto, voto por suscitar a presente questão de ordem, sol-vendo-a no sentido de declinar da competência para a Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Estado do Paraná, competente para conhecer e julgar o presente incidente.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.003706-6/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior

Agravante: Ministério Público FederalAgravada: União Federal

Advogado: Dr. Luis Antônio Alcoba de FreitasAgravados: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL

Roberto Requião de Mello e SilvaMarcos Antonio Batista

Rádio e Televisão Educativa do Paraná

EMENTA

Ação Civil Pública. Ressarcimento do erário. Utilização dos meios de comunicação. Conteúdo veiculado. Desvio de finalidade. Antecipação de tutela. Iminência de dano irreparável. Imputação de multa.

- Embargos de declaração, opostos pela parte agravada (Marcos Antonio Batista), não-conhecidos em face de julgamento de recurso açambarcando a matéria.

- Garantia constitucional da liberdade de expressão/manifestação. Colisão com princípios constitucionais (impessoalidade, eficiência) além da caracterização de manifesto abuso de direito. Balanceamento hermenêutico que mitiga como relativa a garantia individual. Demons-

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trada a utilização indevida por agente político de meios de comunicação que estão disponíveis à prestação de serviço de ordem pública, cultura e educação, e não a serviço de interesses de ordem pessoal, notadamente, promocional e de cunho agressivo.

- Deferida, em parte, a tutela recursal, determinado ao Governador do Estado do Paraná (Sr. Roberto Requião de Mello e Silva) que se abste-nha de utilizar a Rádio e a TV Educativa do Paraná com finalidades de promoção pessoal e/ou de ofensa à imprensa, a adversários políticos e a instituições; imposta multa a cada promoção pessoal ou agressão profe-rida, elevada em caso de reincidência (CDC, art. 84, § 6º); assegurado o exercício do direito de resposta em âmbito coletivo e outras.

- Fatos novos: demonstrados descumprimento da decisão judicial e continuidade de abuso de poder (desvio de finalidade da TV pública), cabível o reconhecimento da incidência de multa imposta, bem como sua majoração, além da extração de peças processuais para envio ao Mi-nistério Público, com finalidade de instauração de procedimento penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido, em parte, o Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, não conhecer dos embargos de declaração, bem como dar parcial provi-mento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2008.Desembargador Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior: Trata--se de agravo de instrumento lançado contra decisão monocrática que deferiu, parcialmente, pedido de antecipação de tutela, em ação civil pública envolvendo as partes acima mencionadas, objetivando a conde-nação dos Requeridos ao ressarcimento ao erário público do montante indevidamente gasto em razão do uso indevido da Rádio e TV Educa-tiva do Paraná, para sua promoção pessoal e agressão aos desafetos do Agravado Roberto Requião, que ocupa o cargo de Governador daquele

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Estado, bem como determinada a condenação à perda da função pública do Agravado Marcos Antonio Batista, Diretor Presidente do referido meio público de comunicação social, em razão do desvio de finalidade.

Ao proferir o despacho inicial (fls. 284/7), foi deferida, em parte, a tutela recursal para elevar a multa, inicialmente fixada em R$ 10.000,00, para R$ 50.000,00, a cada promoção pessoal ou agressão proferida, e para R$ 200.000,00 na hipótese de reincidência, além de deferido o direito de resposta coletivo. Após nova manifestação do Agravante, foi profe-rido o despacho de fls. 351/2, reconhecendo a violação da decisão deste Relator, impondo a multa ali fixada, além de determinar a veiculação da “Nota de Desagravo” da AJUFE. Finalmente, após nova manifestação do Agravante, proferiu-se o despacho de fls. 364/5, vedando-se a produção e distribuição das imagens “ao vivo” da “Escola de Governo”, geradas pela Rádio e TV Educativa do Paraná, para outras emissoras.

Compareceu, novamente, o Ministério Público Federal requerendo, diante do reiterado descumprimento das decisões antes referidas, a ex-tração de peças para a instauração de procedimento penal contra o Agra-vado Marcos Antonio Batista, bem como seja deferido novo exercício de direito de resposta coletivo, com a veiculação das notas da AJUFE e da ANMP a ser veiculado no dia 12 de fevereiro próximo, ainda a aplicação da multa pessoal pela reincidência.

Como a matéria tratada neste agravo de instrumento gerou imensa polêmica, especialmente pelas inusitadas tentativas de se agredir as de-cisões da Justiça Federal, na forma como dispõe o art. 37, IV, de nosso Regimento Interno, foi afetado o exame quanto a possível ratificação das decisões anteriores, bem como das novas postulações, ao colegiado da eg. 4ª Turma, sendo que, na sessão de 30.01.2008, esta eg. 4ª Turma, por unanimidade, acatou a questão de ordem, inclusive para deferir extração de peças para instauração de procedimento penal contra o Agravado Marcos Antonio Batista (Diretor da Rádio e TV Educativa), bem como para assegurar o direito de resposta coletivo com a divulgação de notas da AJUFE e ANMP no dia 12.02.08, a cada 60 minutos.

Inexiste nos autos qualquer recurso interposto contra as decisões anteriormente proferidas, das quais os Agravados foram devidamente intimados.

Apresentadas contra-razões, tempestivamente, apenas pela ANATEL,

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pela Rádio e TV Educativa e por Marcos Antonio Batista.Interposto embargos de declaração contra o v. acórdão de fl. 487.Este, em síntese, o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior:I - Desentranhem-se as contra-razões/pedido de reconsideração apre-

sentadas pelo Agravado Roberto Requião de Mello e Silva, seja porque apócrifa, seja porque serôdia, haja vista que a intimação, cujo mandado sob sua alegação teria justificado o termo ad quem (fl. 606), é apenas da decisão de fls. 351/352, e não daquela que deferiu a tutela recursal com intimação para contra-razões (fls. 284/7), logo, manifestamente intempestivas.

II - Quanto aos embargos de declaração opostos pelo Agravado Mar-cos Antonio Batista, não é de se conhecer pelo fato de que está sendo procedido nesta data ao julgamento do mérito do presente recurso, de sorte que se eventualmente os pontos ali mencionados subsistirem nada obsta seja renovada tal possibilidade, até porque os pontos em que alegada possível obscuridade das decisões anteriores não foram objeto de recurso adequado no tempo e modo como previsto na Lei Adjetiva.

III - Passo ao exame do agravo de instrumento:

Preliminarmente: Competência da Justiça Federal

Alegam, tanto a ANATEL como o Agravado Marcos Antonio Batista em suas contra-razões, que faleceria legitimidade passiva para a UNIÃO e para a ANATEL atuarem no feito, isso porque ambas não deteriam o dever de fiscalizar conteúdo de programação da Rádio e TV Educativa do Paraná, uma vez que fora das competências legais definidas no artigo 19 da Lei Geral de Telecomunicações, motivo pelo qual, em razão da exclu-são das mesmas, o feito deveria tramitar perante a eg. Justiça Estadual.

Pela simples leitura da peça vestibular da ação civil pública, constata--se que a intervenção dos referidos entes públicos teria respaldo no art. 221 CF/88 e Decreto Legislativo 53/2005, além da Lei nº 9.472/97 (art. 19, inc. VI), tudo isso agregado à circunstância de que o Ministério Pú-blico Federal é parte ativa na relação processual, de sorte que competente é a eg. Justiça Federal.

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Sem pretender esgotar a questão, até porque estamos diante de matéria de ordem pública, logo, cognoscível a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (art. 267, § 3º, do CPC), tenho por manter tanto a le-gitimação de tais entes públicos na lide como a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da ação principal.

Meritoriamente

À guisa de fundamentação reproduzo o voto proferido na Questão de Ordem examinada na sessão de 30.01.2008.

“Quando proferi o despacho inaugural, deferindo, em parte, a tutela recursal pos-tulada pelo Agravante, o fiz com base nos seguintes fundamentos:

‘Trata-se de agravo de instrumento lançado contra decisão monocrática que deferiu, parcialmente, pedido de antecipação de tutela, tirada de ação civil pública envolvendo as partes em epígrafe, objetivando a condenação dos Requeridos ao ressarcimento ao erário público do montante indevidamente gasto em razão do uso indevido da TV EDUCATIVA DO PARANÁ, para sua promoção pessoal e agressão aos desafetos do Agravado Roberto Requião, bem como determinada a condenação da perda da função pública do Agravado Marcos Antonio Batista, responsável pela Agravada Rádio e Televisão Educativa do Paraná, em razão do desvio de finalidade.

Na referida ação civil pública foi postulado o pedido de antecipação de tutela contra a União, ANATEL e Roberto Requião de Mello e Silva, para que este seja impedido de utilizar indevidamente a Rádio e TV Educativa do Paraná em qualquer programa, propaganda ou comercial veiculado pela emissora que configure promoção pessoal, ofensas à imprensa, a adversários políticos e a instituições públicas, sob pena, na hipótese de desobediência, de multa no valor de R$ 100.000,00, elevada para R$ 500.000,00 em caso de reincidência, bem como, ainda, o direito de resposta aos ofendidos e, cumula-tivamente, a retirada do ar de publicidade que concretize promoção pessoal e outros.

A liminar foi deferida, em parte, para suspender os comerciais veiculados inde-vidamente, fixando a multa no valor de R$ 10.000,00 por propaganda transmitida, para o caso de descumprimento. Contra a parcela que restou indeferida, insurge-se o Ministério Público Federal com o presente recurso.

Inicialmente, em regime de plantão, negado seguimento ao recurso (fls. 256 e verso), reconsiderado pelo despacho de fls. 280/1, permitindo-se o seu normal prosseguimento, postergando-se, todavia, o exame do pedido de tutela recursal formulado pelo Agravante quando distribuído regularmente o recurso.

Passo ao exame do pedido de agregação do efeito suspensivo ativo ao recurso. Em juízo de delibação, inicialmente, registro meu posicionamento de que apenas em casos extremos releva-se pertinente a intervenção da instância superior na inferior, providên-cia que objetiva salvaguardar não apenas o prestígio que deve desfrutar as decisões

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judiciais, como também a segurança das relações jurídico-processuais. No presente caso, contudo, tenho que a douta decisão monocrática objurgada merece reparos, sem embargo, por óbvio, a invejável cultura jurídica da ilustre Magistrada Federal prolatora.

Com efeito, neste juízo preambular, registro como incontroversas as seguintes cir-cunstâncias: (i) a Rádio e TV Educativa do Paraná é um empresa pública, integrante, portanto, da rede pública de comunicação, cujo ato de concessão para exploração foi editado pela União Federal, cabendo ainda à ANATEL o dever de zelar e fiscalizar pelo cumprimento dos objetivos da atividade concedida; (ii) que tanto elas, como sua Excelência, o Sr. Governador do Estado do Paraná, Agravado Roberto Requião de Mello e Silva, bem como, ainda, o seu não menos ilustre Diretor Presidente, Agravado Marcos Antonio Batista, encontram-se jungidos aos princípios constitucionais da admi-nistração pública (art. 37 CF/88); (iii) que é fato público que o Agravado, Governador do Estado do Paraná, Sr. Roberto Requião, é useiro e vezeiro em tecer críticas ácidas tanto à imprensa paranaense, políticos desafetos, bem como às instituições públicas, especialmente o Ministério Público e a alguns de seus integrantes, não poupando nem a Justiça Federal (1º e 2º graus), quando proferem decisões em desfavor aos interesses do Estado do Paraná, conclusão esta explicitamente mencionada na douta decisão monocrática objurgada, como também as incontáveis condenações que sofreu, tanto na eg. Justiça Eleitoral (v.g. Representação 1577), como na eg. Justiça Estadual (v.g. AI 426.587-0, TJ/PR, Rel. Eduardo Sarrão), etc.

Tais circunstâncias me levam a deferir o pedido de tutela recursal, não ignorando a garantia constitucional da liberdade de manifestação de pensamento e da liberdade de imprensa (direito de opinião, art. 5º, IV, IX e XIV). Tenho que no caso em exame tal liberdade não deve ser interpretada de modo absoluto, sob pena de caracterizar verdadeira outorga de ‘salvo conduto’ para se denegrir, indiscriminada e impunemente, a integridade moral de pessoas físicas ou de instituições. Com efeito, neste juízo pre-facial, reconheço como relevante a tese suscitada na exordial quanto à ocorrência do risco de dano irreparável, também porque os atos atentatórios perpetrados pelo citado Agravado ganham especial conotação quando veiculados por emissora integrante da rede pública de comunicação, concessionária do serviço público federal de radiodifu-são e televisão, através do programa semanal ‘Escola de Governo’ onde participam, além do multi citado Agravado, outras pessoas, como Secretários de Estado. Razoável que tais críticas, sujeitas a um controle a posteriori, possam ser emitidas em reuniões governamentais reservadas, ou emitidas esporadicamente em entrevistas ou eventos públicos, todavia, não de modo sistemático como vem procedendo, lançando mão de instrumento que detém sob seu império como chefe do executivo estadual, atitude que transborda, escancaradamente, dos limites da função “educativa” ínsita a tal rede pública (além do caráter de ser res pública). Seria como o Sr. Governador do Estado do Paraná tivesse uma ‘rede/fórum particular’ de comunicação social ao seu dispor para destilar, impunemente, o ódio, o desrespeito, o desapreço pelas instituições públicas e seus integrantes, seus desafetos e assim por diante, atitudes que podem induzir em

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possíveis atos de improbidade administrativa como alegado pelo Agravante.Tenho que, em situações como essa, as garantias constitucionais devem ser ba-

lanceados numa hermenêutica prudente envolvendo, também, os princípios da admi-nistração pública, conforme insculpido ao artigo 37 da Lei Marior, tais como os da impessoalidade, da moralidade, da legalidade, dentre outros, os quais podem obliterar a amplitude do conceito da livre manifestação da vontade. Tenho que, em razão das indigitadas imprecações cometidas pelo referido Agravado, tal atitude poderia advir-lhe como conseqüência, tanto o direito de resposta dos acusados como, também, a possível reparação por danos morais às possíveis vítimas. Preponderam aqui, s.m.j., os princípios da eficiência e da cautela. Porque se consentir com uma situação fática que de antemão se sabe potencialmente danosa à comunidade para, somente depois, reprimi-la?

Desde logo gostaria de registrar que tal decisão não importa, máxima vênia, em possível cerceamento ao direito de livre expressão (censura prévia). O que se pretende é fazer retornar à normalidade, afastando o desvio de finalidade da atividade dos meios de comunicação social estatal, como é a Radio e Televisão Educativa do Paraná, não obstando que sua Excelência, o Sr. Governador do Estado, ora Agravado, continue se utilizando do referido serviço público federal dentro dos estritos limites da concessão outorgada pela União Federal, com a devida fiscalização dos agentes públicos com-petentes, corolário do Estado Democrático de Direito. Destaco nesse aspecto nítida distinção que deve haver entre o exercício natural e regular dos direitos assegurados constitucionalmente e o abuso desses direitos.

Em face do exposto, porque presentes os requisitos legais da relevância dos fundamentos, bem como o risco de dano irreparável, defiro, em parte, o pedido de tutela recursal (efeito suspensivo ativo ao recurso) para o fim de impor ao Agravado, Roberto Requião de Mello e Silva, se abstenha de praticar atos que impliquem em promoção pessoal, ofensas à imprensa, adversários políticos e instituições, com a utilização indevida de qualquer programa, propaganda ou comercial veiculado pela Rádio e TV Educativa do Paraná, especificamente, no programa ‘Escola de Governo’, impondo a multa no valor de R$ 50.000,00 (cincoenta mil reais) a cada promoção pessoal ou agressão proferida, elevando-a para R$ 200.000,00 para a hipótese de possível reincidência (art. 84, § 6º, CDC), providências essas cumulativas com o deferimento do exercício do direito de resposta coletivo como requerido na exordial. Quanto ao pedido de suspensão do programa ‘Escola de Governo’, fica postergado para momento ulterior.’

Na seqüência, diante da ausência de recurso contra tal decisão, atendendo às pos-tulações do Agravante, dando conta do descumprimento da tutela recursal já referida, proferi o seguinte despacho:

‘Após a prolação da decisão que deferiu, parcialmente, pedido de antecipação de tutela recursal, conforme despacho de fls. 286/9, comparece o Agravante trazendo fatos novos, acompanhado de cópias de reportagens veiculadas, a respeito do último programa da ‘Escola de Governo’ da TVE do Paraná, realizada em 15 de janeiro último,

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postulando seja reconhecida (i) a incidência da multa cumulada pelo número de ofensas proferidas, observada a reincidência; (ii) suspensão imediata do referido programa; e (iii) veiculação da ‘Nota de Desagravo’ emitida pela AJUFE, como exercício do direito de resposta coletivo.

Passo ao exame do pedido, porque ainda inexiste nos autos qualquer irresignação dos Agravados contra a decisão de fls. 286/9.

Observando os novos elementos trazidos aos autos com a manifestação retro, além da ampla divulgação nacional dada pela grande mídia, que se insere como fato público, tenho que as premissas lançadas na decisão que deferiu a tutela interdital restaram positivadas, não se mostrando novidade a postura pouco democrática, para não dizer educada, com que age o ilustre detentor do cargo de Chefe do Poder Executivo Estadual do Paraná, afinal não seria agora que sua Excelência agiria de forma distinta, não poupando sequer o Sr. Oficial de Justiça ao qual foi atribuído o encargo de cumprir o mandado de intima-ção, o qual informou sobre as dificuldades de encontrar o referido Agravado, e inclusive mereceu comentário destacado no programa levado ao ar.

Apenas a título de ilustração registro que muito embora o 1º Agravado – sua Ex-celência, o Sr. Governador do Paraná – tivesse conclamado publicamente a sociedade civil, as instituições, a se manifestar contra possível ‘cerceamento à liberdade de im-prensa’, na prática o resultado, ao que parece, lhe foi sensivelmente desfavorável, vide nesse sentido o editorial dos maiores jornais diários do Paraná e matérias veiculadas pela grande mídia nacional, além da pesquisa encartada à fl. 599 dos autos, resultado advindo, talvez, porque desprovidos dos atributos culinários do ilustre Agravado.

Examinando os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal, reconheço como caracterizada a violação da decisão judicial objeto do despacho de fls. 286/9, conforme matéria veiculada pela TV Educativa do Paraná, edição de 15.01.08, in-clusive reproduzida na íntegra na desastrada utilização da TV em canal aberto (Rede Mercosul, canal 21), conclusão essa que não é exclusiva deste Relator, mas de toda a grande mídia nacional, no sentido de que a conduta do ilustre Agravado teve nítido caráter vexatório ao Poder Judiciário, especialmente ao se utilizar do ‘artifício’ de se auto censurar (que jamais constou no decisum anterior) invocando, nominalmente, o prolator da referida decisão. Assim, cabível, por ora, o reconhecimento da incidência da multa de R$ 50.000,00 (cincoenta mil reais), a ser suportada pelo 1º Agravado, pessoa física, bem como a veiculação na Rádio e TV Educativa do Paraná, da ‘Nota de Desagravo’ emitida pela Associação dos Juízes Federais - AJUFE, no dia 22.01.08, a cada 15 minutos, no decorrer de toda sua programação, com intimação pessoal do Agravado Marcos Antonio Batista, Diretor da referida emissora pública, advertindo--se, inclusive, para possível prática de crime de desobediência, conforme já deferido no despacho de fls. 286/9.

Quanto à possível ocorrência de reincidência, bem como quanto ao exame do pe-dido de suspensão do programa ‘Escola de Governo’, aguarde-se até o dia 22.01.08.’

Finalmente, a fim de evitar nova burla quanto ao cumprimento das decisões anterio-

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res, atendendo nova solicitação do Agravante, proferi despacho nos seguintes termos:‘Complementando o pedido de fls. 333/8, o douto representante do Ministério

Público Regional comparece aos autos postulando que, diante da configuração de burla quanto ao efetivo cumprimento das decisões proferidas no presente recurso, seja: (i) determinado que o programa ‘Escola de Governo’ seja produzido, gerado e retransmitido exclusivamente pela Rádio e TV Educativa do Paraná, vedando-se sua retransmissão por qualquer outra emissora de comunicação pública ou privada, e (ii) intimação à Rede Mercosul (Canal 21) vedando-a a retransmitir tal programa, desde que em seu conteúdo contenha promoção pessoal ou afrontas praticadas pelo Agravado, Governador Roberto Requião.

Examinando os fatos e fundamentos aduzidos na douta promoção ministerial, reconheço que, efetivamente, as providências postuladas, em parte, merecem ser defe-ridas. Efetivamente, é fato público que, objetivando frustrar o cumprimento integral da decisão desta Corte de Justiça, que deferiu, em parte, a tutela interdital, os Agravados, além de se utilizarem no referido ‘programa’ de matéria com conteúdo diverso daquele constante do despacho de fls. 284/7 (já renumerado) – v.g. a expressão ‘censurado’ por decisão deste Relator, inclusive retirando-se o áudio –, utilizando-se de ardil, passaram a retransmitir, na íntegra, todo o programa, perante a Rede Mercosul (canal 21) – se-gundo consta dos autos pertenceria a integrante do Secretaria do Governo Estadual –, com chamada veiculada abaixo da tarja.

Evidentemente que tal abuso merece ser coibido, haja vista o manifesto propósito em burlar a decisão antes referida, permitindo-se que sua Exª o Governador do Estado (2º Agravado) continue a impunemente destilar suas sandices. Registro, todavia, que devido ao fato de a emissora privada de televisão não integrar a relação processual, tenho como interdita a possibilidade de vir a cumprir eventual provimento judicial, até porque a determinação adiante deferida fatalmente atingirá seu desiderato.

Em face do exposto determino seja imediatamente intimado o Sr. Marcos Antonio Batista, atual Diretor-Presidente da Rádio e TV Educativa do Paraná, ou quem por ela responda na eventual ausência, sob pena de desobediência e responsabilidade, que fica expressamente vedada à mesma tanto a distribuição como a retransmissão ‘ao vivo’ do referido programa ‘Escola de Governo’ para qualquer emissora de comunicação, sendo que a eventual cessão de imagens para posterior veiculação deverá se dar da mesma for-ma e com os mesmos caracteres visuais e de áudio conforme veiculados originalmente. Tal determinação não importa, por óbvio, que eventuais meios de comunicação (escrito, falado ou televisado) possam gerar, diretamente e às suas expensas, seus programas de divulgação diretamente do local onde se realiza a ‘Escola de Governo’.

Muito embora os Agravados, especialmente o Sr. Governador do Estado, Sr. Ro-berto Requião, tenham tentado se utilizar da vitimologia para se ‘auto censurar’, o que em nenhum momento constou, seja explícita, seja implicitamente, nas decisões antes referidas, até porque a questão das garantias constitucionais individuais e coletivas não possuem a amplitude como se pretendeu divulgar. Aqui um parêntesis, a questão

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sobre as tutelas inibitórias, matéria versada na ação civil pública, foi brilhantemente objeto de monografia do festejado processualista paranaense, Prof. SÉRGIO CRUZ ARENHART, sob o título ‘A Tutela Inibitória da Vida Privada’, ed. RT.

Quanto ao pedido do Agravante tenho, por ora, em deferir a extração de peças para a deflagração de procedimento penal perante a Polícia Federal do Paraná, contra o Agravado Marcos Antonio Batista, Diretor da emissora Agravada, haja vista que, pelos elementos contidos aos autos, em tese, está caracterizado o crime de desobediência (art. 330 CP). Defiro, também, o direito de resposta coletivo frustrado por ato dos Agravados, para a divulgação das notas da AJUFE e da ANMP no dia 12.02.08, a cada 60 minutos da programação diária. Quanto aos demais pedidos, serão objeto de apreciação quando do julgamento do mérito do presente agravo de instrumento.

Ante o exposto, voto por propor a presente questão de ordem a fim de que a Turma ratifique as decisões anteriormente proferidas, na forma da fundamentação supra, bem como sejam deferidos os pedidos antes examinados.”

Examinados os contornos da movimentação processual, tenho que é de se manter a posição já mencionada na referida Questão de Ordem, afinal conforme reiteradamente constante dos autos, em nenhum momen-to se procurou cercear o direito de expressão e manifestação do ilustre Agravado, Roberto Requião, até porque sua Excelência tem inúmeras outras formas de divulgá-las. O que se evidencia, como pontual, é a forma indevida de utilização de bem público (Rádio e TV Educativa) em gritante desvio de finalidade, para se destilar idiossincrasias contra seus desafetos – a grande maioria da imprensa paranaense e nacional; políticos adversários e instituições, não poupando nem mesmo o Poder Judiciário (seja ele estadual ou federal), sendo público o fato de que, em passado não muito remoto, sua Excelência manifestou, de forma gros-seira e indelicada, desapreço pela decisão proferida pelo eminente Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, em questão envolvendo o pedágio no Paraná.

Quanto a este aspecto, gostaria de ilustrar este julgamento com o lúcido e coerente comentário feito pelo articulista Fábio Campana, no jornal estadual Gazeta do Paraná, edição de 23.01.08.

“Mas é necessário entender que a liberdade a ser respeitada acima de tudo não é apenas e unicamente a do Requião. Quando a liberdade está em jogo, trata-se da liber-dade de todos. A liberdade de Requião só é real e justa se for a de todos os cidadãos, o que só é possível quando a máquina do Estado é usada pelo governante transitório de forma republicana. Ou seja, com respeito às leis que determinam o seu uso por quem quer que seja. Instituições políticas bem equilibradas e firmes são necessárias porque

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os chefes de governo não podem ser sempre invariavelmente bons, competentes e justos. Na verdade, a democracia não pretende garantir a escolha invariável de bons governantes; ela apenas torna os maus menos desastrosos e fornece à sociedade os meios para defender-se eficazmente deles.

(...) Quando Requião usa a TV Educativa, um instrumento do Estado, para subor-dinar e desmoralizar as demais instituições democráticas, ele destrói pressupostos fundamentais para a sobrevivência de condições mínimas de vida democrática. Quando Requião usa a TV Educativa como instrumento pessoal para atacar, denegrir, destruir a respeitabilidade alheia, restringe a liberdade de todos.”

Retornando ao tema principal, também para ilustrar este julgamento trago à consideração que, sem prejuízo de entendimentos em contrário, os elementos contidos aos autos dão mostras evidentes de que o destempero verbal, para não dizer a falta de respeito e de educação com as pessoas e as instituições públicas e privadas, por parte de sua Excelência, o Agra-vado Roberto Requião, estão exuberantemente demonstrados nos autos, culminando com o fato do pedido de demissão da ilustre Procuradora Geral do Estado, a respeitada jurista Dra. Josélia Nogueira Broliani, em cuja carta de demissão textualmente admite: “...as agressões verbais ultrapassavam todos os limites de tolerância, de civilidade e, com todo o respeito e sinceridade, de educação também.”

Aliás, esses “atributos” do ilustre Governador do Estado do Paraná, além de amplamente divulgados pela grande mídia nacional, constando inclusive em editoriais (v.g. Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, etc.), logo, não restritos àquela do Estado do Paraná, foram ressaltados em recente obra sobre o tema “Código da Vida”, de autoria do ilustre jurista nacional, Dr. Saulo Ramos, editora Planeta, onde a atuação do, na época, Senador Requião, como relator na CPI dos Precatórios, lhe rendeu todo o capítulo 152, cujos comentários me permito não reproduzir, pois foram amplamente divulgados pela grande mídia nacional. Concluiu--se com a seguinte indagação. É legítima a intervenção judicial onde se busca assegurar o integral cumprimento das finalidades da Rádio e TV Educativa, ou, a pretexto de se assegurar pretensa garantia constitucional da liberdade de expressão e manifestação, deve-se tolerar condutas como as noticiadas nestes autos? Tenho que prepondera a primeira.

Superados esses comentários fáticos, concluindo quanto à legitimidade das decisões judiciais antes proferidas neste agravo de instrumento, trago

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à consideração comentários do ilustre jurista paranaense, Prof. Sérgio Cruz Arenhart, na festejada monografia “A Tutela Inibitória da Vida Privada”, ed. RT, onde, dissecando o tema, preleciona:

“Como então compatibilizar as necessidades de proteção preventiva do direito à vida privada (bem como do direito à honra, à imagem e à intimidade) com a proibição da prévia extirpação de abusos cometidos em nome da liberdade de informação?

A tentativa de superação desse conflito deve passar, necessariamente, pela depu-ração dos conceitos com que se trabalha, especialmente interessa a noção de direito e de abuso de direito, até porque, ocorrente este último, impróprio falar-se em situação juridicamente protegida e, portanto, incabível a aplicação das regras retromencionadas.”

O ilustre jurista percorre a doutrina nacional, dentre os quais os ilus-tre juristas compatriotas: Orlando Gomes, Paulo Dourado de Gusmão, Ricardo Luis Lorenzetti, dentre outros, concluindo:

“Quanto às conseqüências do ato cometido com abuso de direito, evidente que este se equipara ao ato ilícito. Como ilícito que é, obviamente, não pode gerar proteção jurídica, razão pela qual, em se verificando o abuso do direito (ou da liberdade) de in-formação, não se há de cogitar na incidência da regra constitucional (ou mesmo legal), nem mesmo da vedação da censura prévia.

(...) Como alerta Gilmar Ferreira Mendes, ‘tem-se, pois, aqui expressa reserva legal qualificada, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos da personalidade.’”

Arrematando essas breves considerações, anoto que, num estado de-mocrático de direito, os governantes (chefes de poderes e instituições), dentro do princípio dos “freios e contra-pesos”, devem ter equilíbrio e sensatez em suas ações, daí porque, no presente caso, ao invés de se utilizar dos recursos processuais cabíveis, utilizou-se – por si ou por in-terpostas pessoas – de expedientes pouco recomendáveis (dossiês) para se desqualificar prolator de decisão judicial, o que deve ser prontamente repelido.

Ante a ausência de recurso pelos interessados, pela inércia é de se presumir a aceitação da imposição das astreintes impostas, sendo que, além daquela pela primeira violação da tutela recursal deferida pela decisão de fls. 284/7, conforme contido no despacho de fls. 351/2, reconheceu-se a incidência da multa no valor de R$ 50.000,00 (cinco-enta mil reais), como houve reiteração do descumprimento, inclusive

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com a arbitrária retirada do ar da Rádio e TV Educativa no dia 22.01.08, frustrando-se a veiculação do direito de resposta coletivo, o que justifica a incidência da multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), além das sanções já deferidas na Questão de Ordem objeto do acórdão de fl. 487, exigíveis após o trânsito em julgado desta decisão.

Como consta dos autos, ainda, que o Agravado Roberto Requião, além de criar obstáculo para o efetivo cumprimento da decisão, ao dar ordem para que o Agravado Marcos Antonio Batista inicialmente veiculasse corte do áudio do programa “Escola de Governo” do dia 15.01.08, com inserção de “tarja” sobre sua imagem fazendo alusão a possível censura imposta por decisão deste Tribunal Regional Federal e, ainda, no mesmo programa, agora do dia 22.01.08, retirasse do ar a TV Educativa, bem como, ainda, satirizasse tanto o Relator deste recurso como a ilustre Pro-curadora da República signatária da peça inaugural da ação civil pública, seja ao oferecer “receita de ovo frito”, seja ao fazer acintosa equiparação da decisão deste Sodalício com uma “maça”. Assim, como tais atitudes importam em possível prática, além de crime de desobediência (art. 330 CP), também em crime de responsabilidade (art. 12, nos 1 e 2, c/c 74, da Lei nº 1.079/50), na forma como dispõe o artigo 40 do Código de Processo Penal, determina-se a extração de peças para posterior envio ao eminente Procurador-Geral da República para as providências que entenda como necessárias.

Por fim, tendo em vista que o programa “Escola de Governo”, ex-tirpado os excessos ora reconhecidos, se enquadra, em tese, dentro das finalidades da concessão pública outorgada, mantém-se sua veiculação, inclusive com a participação do Agravado, Roberto Requião, do qual se espera o equilíbrio e a moderação como ora examinado.

Em face do exposto, não conheço dos embargos de declaração e dou parcial provimento ao agravo de instrumento, na forma da fundamentação supra.

É o voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União, a Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL e Roberto Requião

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de Mello e Silva, foi interposto agravo de instrumento em face de decisão monocrática que deferiu, parcialmente, pedido de antecipação de tutela, para suspender os comerciais veiculados indevidamente, fixando, para o caso de descumprimento, multa no valor de R$ 10.000,00 por propaganda transmitida. O Exmo. Relator, ao apreciar o pedido de tutela, deferiu-o, em parte, a fim de elevar a multa, inicialmente fixada em R$ 10.000,00, para R$ 50.000,00, a cada promoção pessoal ou agressão proferida, elevada para R$ 200.000,00 para a hipótese de reincidência, além de deferido o direito de resposta coletivo.

O eminente Relator, mantendo a decisão que deferiu parcialmente a tutela antecipada, está dando parcial provimento ao agravo de instrumento para: (a) inicialmente, determinar o desentranhamento das contra-razões/pedido de reconsideração apresentados pelo Agravado Roberto Requião de Mello e Silva, e não conhecer dos embargos de declaração opostos pelo Agravado Marcos Antônio Batista; (b) determinar que o Governa-dor do Estado do Paraná abstenha-se de praticar atos que impliquem em promoção pessoal, ofensas à imprensa, adversários políticos e institui-ções, com a utilização indevida de qualquer programa, propaganda ou comercial veiculado pela Rádio e TV Educativa do Paraná, reconhecendo a incidência da multa no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), bem como da multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) decorrente da reincidência acima referida, e (c) na forma como dispõe o artigo 40 do Código de Processo Penal, determinar a extração de peças para posterior envio ao eminente Procurador-Geral da República, para as providências que entenda como necessárias.

Com todo respeito, peço vênia para divergir, em parte, da solução apresentada pelo eminente Relator, tendo em vista que não reconheço, neste momento, a reincidência da multa. Ocorre que, embora arbitrária a retirada do ar da Rádio e TV Educativa no dia 22.01.08, entendo que esta não estaria albergada pela liminar que determinava ao Governador Roberto Requião abster-se, conforme já mencionado, de praticar atos que impliquem promoção pessoal, ofensas à imprensa, adversários políticos e instituições, com a utilização indevida de qualquer programa, propa-ganda ou comercial veiculado pela Rádio e TV Educativa do Paraná, especificamente, no programa “Escola de Governo”.

Assim, em virtude de não reconhecer que tenha havido reincidência

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por parte do agravado Roberto Requião de Mello e Silva, entendo ser incabível a aplicação da multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Estou acompanhando o voto-condutor no que se refere à majoração da multa, para a primeira infração, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Ante o exposto, voto no sentido de não conhecer dos embargos de declaração e dar parcial provimento ao agravo de instrumento, em menor extensão, nos termos da fundamentação.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.005985-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi

Agravante: Elizabeth Chalupp SoaresAdvogado: Dr. João Francisco Rogowski

Agravada: União FederalAdvogado: Dr. Luis Antônio Alcoba de Freitas

EMENTA

Agravo de Instrumento. Processual. Encaminhamento de petições por e-mail, assinadas digitalmente. Impossibilidade. Lei 11.419/2006. Art. 154 do CPC.

1. Nos termos do art. 2º da Lei 11.419/2006, as atividades de “envio de petições”, “envio de recursos” ou de “prática de atos processuais em geral” que sejam veiculadas “por meio eletrônico” estão vinculadas a “credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos”.

2. Não há obrigatoriedade de se disciplinar o uso de meios eletrônicos para a prática de atos processuais, tampouco prazo para sua efetivação.

3. Na informatização do processo judicial devem ser sopesados o di-

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reito à duração razoável do processo e o princípio da instrumentalidade das formas com a necessidade de adaptação da infra-estrutura dos órgãos do Poder Judiciário e de segurança na transmissão dos documentos, para garantia das próprias partes. Além do mais, o serviço há de ser universa-lizado, disponível a todos os que dele pretendam se utilizar, e não restrito à conveniência de alguns.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o pedido de reconsideração, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de abril de 2008.Juiz Federal Marcelo De Nardi, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pedido de encami-nhamento de petições via e-mail, mensagem eletrônica de uso corrente na rede de computadores Internet, assinadas digitalmente.

A agravante historia o seguinte:“Que no dia 10 de fevereiro de 2008, a autora enviou ao juízo a quo petição por

seu procurador, assinada digitalmente pelo sistema de chaves públicas ICP-BRASIL, pedindo a elaboração dos cálculos de liquidação provisória de sentença, bem como a juntada de cópia de documento comprovando a idade avançada, e a agilização dos trâmites processuais.

Antes, porém, o procurador da agravante enviou uma mensagem pessoal, por correio eletrônico, ao MM. Juiz Titular da vara expondo informalmente fatos de sua vida privada e pelo qual (sic) necessitaria adotar o envio de petições relacionadas a esse processo em especial, por meio eletrônico, e, em anexo, a título de celeridade, já acompanhou a própria petição.

Por estar de férias, o MM. Juiz titular pediu que a petição fosse reencaminhada à sua substituta, o que foi feito.

No dia 13.02.2008, a autora peticionou novamente requerendo a juntada de acórdão do eg. STJ, publicado naquela mesma data, cuja decisão favorável à agravante repercute

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nos cálculos de liquidação de sentença.”

Após receber as petições, a magistrada de origem proferiu a decisão agravada, argumentando não haver regulamentação a autorizar o enca-minhamento de petições por meio eletrônico.

A agravante sustenta haver violação aos princípios da duração razoável do processo (inc. LXXVIII do art. 5º da CF 1988) e da instrumentalidade das formas (art. 154 do CPC) e aos arts. 8º da Convenção Americana So-bre Direitos Humanos e 25 do Pacto de São José da Costa Rica, segundo os quais toda a pessoa tem direito a um recurso simples e rápido. Aduz que o Tribunal Regional Federal da Quarta Região adota, por analogia, o procedimento do fax para protocolo de petições encaminhadas via e--mail. Alega que a Lei 11.419/2006 admite a assinatura eletrônica de documentos. Afirma que o perigo na demora consiste no fato de que a agravante tem idade avançada.

Contra a decisão que indeferiu a medida antecipativa, a agravante interpôs pedido de reconsideração.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi: O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmis-são de peças processuais é admitido nos termos da L. 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. O art. 2º estabelece:

“Art. 2º O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.”

Vê-se claramente que as atividades de “envio de petições”, “envio de recursos” ou de “prática de atos processuais em geral” que sejam veicu-ladas “por meio eletrônico” estão vinculadas a “credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos”. Significa dizer que, sem organização prévia, pelo órgão do Poder Judi-ciário respectivo, do serviço de envio de petições, envio de recursos ou de prática de atos processuais pela via eletrônica, não é possível executar tais atos por esse instrumento de comunicação.

Não se restringe nisso o limite: uma vez implementado o serviço pelo

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órgão do Poder Judiciário, deverá o interessado credenciar-se previamen-te, segundo prévios requisitos que se estabeleçam.

O estabelecimento de sistemas de “processo eletrônico” pelos órgãos do Poder Judiciário constitui uma faculdade, na forma do art. 8º da Lei 11.419:

“Art. 8º Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas”.

No mesmo sentido é a disposição do parágrafo único do art. 154 do CPC:“Art. 154. [...] Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar

a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil.”

Não há, portanto, obrigatoriedade de se disciplinar o uso de meios eletrônicos para a prática de atos processuais, tampouco prazo para sua efetivação. Na informatização do processo judicial devem ser sopesados o direito à duração razoável do processo e o princípio da instrumentali-dade das formas com a necessidade de adaptação da infra-estrutura dos órgãos do Poder Judiciário e de segurança na transmissão dos documen-tos, para garantia das próprias partes. Além do mais, o serviço há de ser

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2002.70.03.000394-4/PR

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogada: Dra. Sibele Regina Luz Grecco

Apelada: CTO Construtora Técnica de Obras Civis Ltda.Advogados: Drs. Nelto Luiz Renzetti e outro

Remetente: Juízo Federal da 1ª VF de Maringá

EMENTA

Tributário. Contribuições previdenciárias. Obra. Complementação. CND. Art. 148 do CTN. Art. 33, § 4º, da Lei 8.212/91. IN INSS/DC 18/2000.

Em tese, não se pode vislumbrar ofensa à excepcionalidade dos arbi-tramentos no sistema de certificação da regularidade da obra, indepen-dentemente de ação fiscal, mediante o cotejo com valores presumidos e a possibilidade de o dono da obra, mesmo no caso de não se enquadrar em tal critério, optar por tal forma simplificada de controle. Isso porque a norma não impõe, de modo taxativo, o pagamento de montante míni-mo presumido. Aliás, não se enquadrando o contribuinte naquilo que é presumido, ocorre a ação fiscal para a verificação em concreto, na reali-dade, dos valores da remuneração dos segurados em comparação com os demais elementos contábeis apresentados. Não havendo tais controles ou não merecendo fé, então acaba-se procedendo ao lançamento conforme

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as tabelas presumidas.É verdade que podem ocorrer abusos em determinados casos concretos ou

mesmo aplicação temerária das normas, implicando desqualificação indevi-da de elementos contábeis etc., a merecerem consideração individualizada, mas não se pode dizer que, em tese, a sistemática adotada seja contrária à possibilidade de arbitramento prevista no art. 148 do CTN e no art. 33, § 4º, da Lei 8.212/91.

Inválida, por ilegalidade e inconstitucionalidade (arts. 205 do CTN e 5º, XXXIV, b, da CF), contudo, a cláusula do parágrafo único do art. 40 da IN INSS/DC 18/2000 na parte em que impõe o reconhecimento do débito e a renúncia à repetição e à compensação de eventuais valores indevidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de junho de 2008.Juíza Federal Eloy Bernst Justo, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra o Chefe do Posto do INSS em Maringá, para que sejam afastadas as exigências contidas na IN nº 18/2000/INSS, permitindo a expedição de CND.

A sentença concedeu a segurança, confirmando a liminar, para deter-minar que a autoridade impetrada abstenha-se de negar CND à impe-trante sem prévia constituição de crédito ou de exigir, como condição à concessão de CND, sem prévia ação fiscalizatória, o recolhimento de contribuição previdenciária em patamar mínimo, nos termos do art. 39 da IN nº 18/2000/INSS, sucedido pelo art. 61 da IN nº 69, de 10.05.02.

O INSS apelou, afirmando que o contribuinte deve comprovar o cum-primento das obrigações estabelecidas na legislação tributária, sendo a não-apresentação da GFIP uma das condições impeditivas de expedição

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da CND.Com contra-razões, subiram os autos.O Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Eloy Bernst Justo: Não se discute, aqui, a matrícula individualizada do imóvel, que a legislação exige e é legítima. Discute-se é o modo de apuração da contribuição para fins de certificação da regularidade da obra.

Dispõe o CTN quanto ao arbitramento:“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração,

o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.”

Vê-se, pois, que a legislação pressupõe omissão ou inidoneidade das declarações, esclarecimentos e documentos prestados ou expedidos pelo contribuinte.

Aí merece interpretação a Lei 8.212/91 sob o prisma de invalidade por contrariedade à norma geral sob reserva de lei complementar, nos termos do art. 146, III, b, da CF.

Dispõe o art. 33, § 4º, da Lei 8.212/91, que regula a matéria:“Art. 33. Ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS compete arrecadar, fiscali-

zar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 (...)

§ 4º Na falta de prova regular e formalizada, o montante dos salários pagos pela execução de obra de construção civil pode ser obtido mediante cálculo da mão-de--obra empregada, proporcional à área construída e ao padrão de execução da obra, cabendo ao proprietário, dono da obra, condômino da unidade imobiliária ou empresa co-responsável o ônus da prova em contrário.”

O que ocorre é que as empresas substituídas se deparavam sistema-ticamente com a exigência de complementação das contribuições pelo fato de não corresponderem ao valor presumido constante da IN INSS/DC 18/2000, posteriormente revogada pela IN 69/02, hoje também já

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revogada e substituída por outras. Dispunha a referida IN:“Art. 39. A obra de construção civil poderá ser considerada regular para fins de ob-

tenção da CND - Certidão Negativa de Débito, sem prévia ação fiscal, se a remuneração dos segurados decorrente dos recolhimentos comprovados corresponder no mínimo a setenta por cento do valor da mão-de-obra apurada com base na área construída e respectivo padrão na forma prevista na Seção IX ou da remuneração obtida de acordo com os incisos II e III do art. 49.

Art. 40. A obra que estiver sujeita a ação fiscal de acordo com o artigo anterior poderá ainda ser considerada regular para fins de obtenção da CND, sem prévia fiscalização, desde que seja complementado o recolhimento a fim de atingir o limite mínimo de setenta por cento do valor da mão-de-obra apurada na forma prevista no artigo anterior.

Parágrafo único. A adoção do procedimento previsto neste artigo ficará condi-cionada à solicitação por parte do responsável pelo recolhimento, que, através de requerimento, expressamente manifestará o interesse pela regularização da obra através da constituição e recolhimento das contribuições sociais devidas incidentes sobre a remuneração da mão-de-obra apurada na forma do artigo 49, reconhecendo como devidas e renunciando a qualquer pedido de restituição ou de compensação das contribuições, inclusive daquelas decorrentes da complementação, recolhidas e utilizadas para fins de obtenção da CND na forma deste artigo, declarando ainda estar ciente do disposto no artigo 42.

Art. 41. Será deduzido da remuneração obtida na forma dos incisos II e III do art. 49 o valor da mão-de-obra relativo ao recolhimento comprovado, observando o disposto no § 2º do art. 58 quando se tratar de edificação predial.

Art. 42. Independentemente da expedição de CND, fica ressalvado ao INSS o direito de cobrar qualquer importância que venha a ser considerada devida em futura ação fiscal.

Art. 43. A obra de construção civil cuja execução tenha sido inteiramente realizada através da contratação de empreitadas, portanto, não havendo utilização de mão-de-obra própria, e o contratante proprietário, incorporador ou dono da obra efetuado a devida retenção de todo o faturamento e o respectivo recolhimento, será considerada regular para fins de obtenção da CND, não aplicando o disposto nos artigos 38, 39 e 40, desde de que atendidos os seguintes requisitos:

I - apresentar a Declaração e Informação Sobre Obra - DISO devidamente preen-chida em duas vias;

II - apresentar todas as notas fiscais, faturas ou recibos com vinculação inequí-voca à obra;

III - comprovar o faturamento do valor total contratado; IV - apresentar as GPS relativas aos recolhimentos das retenções efetuadas; e V - registrar na escrituração contábil, em títulos próprios, todas as notas fiscais,

faturas ou recibos e demais despesas com a obra, observadas as disposições do item 31 da OS/INSS/DAF nº 209/99.

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§ 1º Quando adotado o procedimento de realizar a retenção da diferença, na forma prevista no item 20 da OS/INSS/DAF nº 209/99, o contratante deverá apresentar cópia da nota fiscal, fatura ou recibo que foi utilizada para dedução e a cópia autenticada da GPS/GRPS na qual a contratada recolheu a retenção respectiva.

§ 2º Sendo utilizada ainda a mão-de-obra de cooperados contratados com a inter-mediação de cooperativa de trabalho, deverão ser apresentadas ainda as notas fiscais ou faturas vinculadas à obra e as GPS com os respectivos recolhimentos.

Art. 44. A empresa construtora responsável pela matrícula na execução de obra por empreitada total, que não tendo utilizado mão-de-obra própria, para os fins de regularização da obra na forma prevista no artigo anterior, deverá comprovar também que houve retenção e o respectivo recolhimento de todo o faturamento que emitiu para o contratante.

§ 1º Havendo a utilização de mão-de-obra própria pela empresa construtora res-ponsável pela matrícula, para os fins previstos no caput, deverá comprovar ainda o recolhimento das contribuições incidentes sobre a remuneração dos segurados empre-gados que foram também utilizados para a execução da obra.

§ 2º A escrituração contábil de empresa construtora responsável pela matrícula deverá estar com conformidade com as disposições do item 31 e subitem 31.1 e do item 39 e subitem 39.1 da OS/INSS/DAF nº 209/99.

Art. 45. Ocorrendo o término da obra no lapso de noventa dias previsto no § 13 do art. 225 do Regulamento da Previdência Social e para os fins de liberação da CND da obra na forma prevista nos artigos 43 e 44, a exigência da escrituração contábil formalizada para o período, excepcionalmente, poderá ser suprida com a apresentação do demonstrativo mensal de que tratam os subitens 31.2 e 39.2 da OS/INSS/DAF nº 209/99.

Parágrafo único. Havendo contratação de mão-de-obra de cooperados por intermédio de cooperativa de trabalho, as notas fiscais ou faturas serão inseridas no demonstrativo de que trata o caput deste artigo, e em substituição ao disposto na alínea c do item 31.2 e 39.2 da referida OS, deverá ser informado o valor bruto e o valor da contribuição.

Art. 46. A ação fiscal e a expedição da CND - Certidão Negativa de Débito são da competência da Gerência Executiva da Previdência Social circunscricionante do local do estabelecimento centralizador do responsável pela matrícula.

Parágrafo único. Tratando-se de obra matriculada na forma do artigo 10, a ação fiscal e a expedição da CND são da competência da Gerência Executiva da Previdência Social circunscricionante do local do estabelecimento centralizador da empresa líder.

Art. 47. As contribuições incidentes sobre a remuneração da mão-de-obra utilizada na empreitada ou subempreitada de que tratam o inciso IV do art. 38 e o artigo 43, devi-das pelas empresas que tenham participado da execução da obra ou serviço, será objeto de apuração e cobrança de possível crédito previdenciário em oportuna ação fiscal.

Seção VII - FISCALIZAÇÃO DE OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL Art. 48. A obra de construção civil de responsabilidade de pessoa jurídica deverá

ser fiscalizada com base na escrituração contábil e na documentação relativa às obras ou aos serviços.

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Parágrafo único. Considera-se empresa com escrita contábil aquela que apresenta o livro Diário devidamente escriturado e formalizado.

Art. 49. Se não houver escrituração contábil, mesmo quando a empresa estiver desobrigada da apresentação, ou quando a contabilidade não espelhar a realidade econômico-financeira da empresa por omissão de qualquer lançamento contábil ou por não registrar o movimento real da remuneração dos segurados a seu serviço, do faturamento e do lucro, a remuneração dos segurados utilizados para a execução da obra ou para a prestação dos serviços será obtida:

I - pelo cálculo do valor da mão-de-obra empregada, proporcional à área cons-truída e ao padrão em relação à obra de sua responsabilidade, somente em relação às edificações prediais;

II - mediante a aplicação dos percentuais previstos na Seção VIII deste Capítulo sobre o valor da nota fiscal de serviço, fatura ou recibo de empreitada ou de subempreitada; e

III - por outra forma julgada apropriada com base em contratos, informações pres-tadas aos contratantes em licitação, publicações especializadas ou outros elementos.

Parágrafo único. Ocorrendo recusa ou sonegação de qualquer documento ou in-formação ou apresentação deficiente aplicar-se-á o disposto neste artigo, lavrando-se ainda o Auto de Infração - AI.”

Em tese, não se pode vislumbrar em tais dispositivos uma ofensa à excepcionalidade dos arbitramentos. Isso porque estabelece um critério presumido para a certificação da regularidade da obra, independente-mente de ação fiscal e a possibilidade de o dono da obra, mesmo no caso de não se enquadrar em tal critério, optar por tal forma simplificada de controle. Mas não impõe, de modo taxativo, o pagamento de montante mínimo presumido. Aliás, não se enquadrando o contribuinte naquilo que é presumido, ocorre a ação fiscal para a verificação em concreto, na realidade, dos valores da remuneração dos segurados em comparação com os demais elementos contábeis apresentados. Não havendo tais con-troles ou não merecendo fé, então acaba-se procedendo ao lançamento conforme as tabelas presumidas.

É claro que podem ocorrer abusos em determinados casos concretos ou mesmo aplicação temerária das normas, implicando desqualificação indevida de elementos contábeis etc., a merecerem consideração indivi-dualizada, mas não se pode dizer que, em tese, a sistemática adotada seja contrária à possibilidade de arbitramento prevista no art. 148 do CTN e no art. 33, § 4º, da Lei 8.212/91.

Violador do direito constitucional a certidões (art. 5º, XXXIV, b) e do art. 205 do CTN, isso sim, é a parte do parágrafo único do art. 40 da

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IN INSS/DC 18/2000 quando condiciona a expedição de CND ao com-plemento do recolhimento a fim de atingir o limite mínimo “reconhe-cendo como devidas e renunciando a qualquer pedido de restituição ou de compensação das contribuições, inclusive daquelas decorrentes da complementação, recolhidas e utilizadas para fins de obtenção da CND”. Isso porque a obrigação tributária é ex lege (art. 150, I, da CF e art. 3º do CTN) e não se pode condicionar a certificação da regularidade fiscal à renúncia ao direito de discussão quanto à adequação do valor devido à efetiva previsão legal ou mesmo da validade desta.

O Ministério Público Federal, aliás, opinando pelo improvimento do recurso, destacou tal questão:

“Da simples leitura dos referidos artigos percebe-se a ilegalidade da cobrança pré-via, acompanhada de renúncia à repetição, para que seja expedida certidão negativa de débitos. O art. 5º da Constituição Federal, inciso XXXIV, b, garante a todos o direito à certidão, não podendo o mesmo ser negado em face da dificuldade do INSS em proceder à correta fiscalização, conforme se depreende das informações da autoridade coatora.”

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial para o efeito de conceder parcialmente a segurança, afastando apenas a restrição contida no parágrafo único do artigo 40 da INSS/DC 18/2000.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.70.14.001098-1/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: Dissenha S/A Ind. e Com.Advogados: Drs. Rogério Luis Stasiak e outroApelada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

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EMENTA

Tributário. Imposto Territorial Rural - ITR. Reserva legal. Aumento voluntário. Possibilidade. Averbação de parte de imóvel na condição de reserva extrativa. Erro material. Inocorrência. Cumprimento do plano de manejo. Falta de prova robusta.

1. Hipótese em que o Fisco entendeu que o mínimo da reserva legal previsto em lei (20%) representava a área a ser considerada de utilização limitada para fins de apuração do ITR, enquanto a área declarada volun-tariamente, por equívoco, segundo o proprietário, como de “exploração extrativa”, deveria assim ser considerada, tendo lavrado o auto de infração por falta de cumprimento do cronograma do Plano de Manejo.

2. A apelante alegou a ocorrência de erro material quando da decla-ração de ITR, defendendo a possibilidade de aumento da reserva legal por ato voluntário. Subsidiariamente, sustenta o cumprimento do Plano de Manejo.

3. Era possível, na época do fato gerador (1999), mediante ato pri-vado e voluntário, aumentar-se a área de reserva legal para fins de obter isenção tributária (ITR), de acordo com a legislação ambiental. Ou seja, o mínimo de 20% determinado pela lei como de reserva legal poderia ser aumentado não só pelo legislador, mas também por ato privado e voluntário do proprietário mediante averbação na matrícula do imóvel ou outra forma compatível. Precedente da Turma.

4. No caso em apreço, não houve equívoco na declaração do ITR no tocante à área de 2.430,00 ha, porquanto a apelante já tinha procedido por ato privado e voluntário à averbação desta área na matrícula do imóvel como de utilização limitada, não como reserva legal, mas, sim, na condição de exploração extrativa. A apelante ao fazer a declaração do ITR seguiu a destinação a que havia dado por ocasião dessa averba-ção, evidenciando-se por demais frágil a alegação da ocorrência de erro material. Assim, ainda que pudesse aumentar a área de reserva legal, por ato privado e voluntário, a apelante assim não procedeu em relação à área de 2.430,00 ha, pois averbou-a na condição de reserva extrativa.

5. No tocante ao pedido subsidiário, inexiste prova robusta quanto ao cumprimento do Plano de Manejo em relação à área de 434 ha, devendo, pois, prevalecer o Auto de Infração impugnado.

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6. Mantida a verba honorária. Apelo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, desprover o apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de junho de 2008.Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Dissenha S/A Indústria e Comércio ajuizou ação objetivando a declaração da nulidade do auto de infração gerador do processo administrativo nº 10925.001951/2003-89 e da inexistência da obrigação tributária dele decorrente (ITR), com o reconhecimento de que a área de 2.430,00 ha é de utilização limitada (não tributável) ou, subsidiariamente, o reconhe-cimento da efetiva exploração da referida área e, portanto, da inaplicabi-lidade da glosa imposta pela Receita Federal. Postulou a procedência da ação com a liberação do valor integral do débito depositado na cautelar nº 2005.70.14.000502-0.

Aduziu a autora o seguinte: a) é proprietária de imóvel rural com área total de 4.500,00 hectares; b) na matrícula do imóvel de Termo de Manutenção de Floresta Manejada, datada de 30.04.1991, efetuou, em 03.06.91, a seguinte averbação (AV. 14): “tendo em vista o que dispõe a legislação florestal vigente, que a floresta ou forma de vegetação existente na área de 2.432,46 ha, correspondente a parte da área da propriedade, fica gravada como de utilização limitada, podendo nela ser feita exploração racional sob regime de manejo sustentado, desde que autorizado pelo IBAMA. O atual proprietário compromete-se por si, seus herdeiros ou sucessores, a fazer o presente gravame sempre bom, firme e valioso”; c) na matrícula do imóvel, referente a uma área correspondente a 900 ha, procedeu a outra averbação (AV.16): “tendo em vista o que dispõe a Lei 4.771/65 (Código Florestal), que a floresta ou forma de vegetação, em área não inferior a 20% da propriedade, conforme delimitação em croqui anexo, fica gravada como de utilização limitada, na condição de

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reserva legal, não podendo nela ser feita, no presente ou futuro, qualquer exploração florestal, salvo casos em que a autoridade florestal libera a exploração pretendida, obrigando-se o atual proprietário, seus herdeiros ou sucessores a fazer o presente gravame sempre firme e valioso”; d) ao declarar o imposto territorial rural (DITR - ano base 1999), o fez apenas em relação à área de 900 ha no item “utilização limitada” da declaração, indicando, por equívoco, a área de 2.430 ha no item “exploração extrati-va”; e) diante da declaração feita, a Receita Federal glosou o lançamento da área de 2.430 ha, entendendo não ter havido a efetiva utilização da área; f) em que pese ter declarado a área de 2.430 ha como de exploração extrativa na declaração do ITR referente ao ano base de 1999, a referida área, em verdade, é reserva legal e, portanto, não tributável, e isso porque na averbação do imóvel tal área consta como de utilização limitada; g) ainda que a área não seja considerada como reserva legal, ainda assim não é tributável, porque o órgão ambiental autorizou a exploração em área do Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS de 434 ha, quantidade total de 896,06 metros cúbicos de imbuia e 260 metros cúbicos de lenha, conforme Autorização nº 051/99, com validade no período de 18.03.1999 a 18.03.2000; a área foi efetivamente explorada, conforme comprova por notas fiscais de saída de produtos e autorizações para transporte de produtos florestais - ATPF emitidas no ano de 1999; a glosa foi feita ao fundamento de que “o entendimento fazendário condiciona a aceitação como área de utilização ao cumprimento do cronograma, que, no caso, impõe exploração anual e contínua durante determinado período”, con-tudo, como referido, a exploração anual e contínua está comprovada nos autos, sendo que a legislação não exige apresentação de relatórios que atestem o cumprimento do Plano de Manejo.

Sobreveio sentença de improcedência da ação, que entendeu inexistir quanto à parcela de 2.430,00 ha direito à isenção tributária pretendi-da e que deve prevalecer a presunção de veracidade e legitimidade do Auto de Infração impugnado no que respeita a não-ocorrência de exploração anual e contínua da área de propriedade da autora, ante a falta de prova robusta. Condenou a parte autora ao ressarcimento das custas judiciais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 38.000,00, em conformidade com o art. 20, §§ 3º e 4º do CPC. Determinou, ao final, após o trânsito em julgado, a conversão

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em renda dos depósitos efetuados em conta vinculada à ação cautelar nº 2005.70.14.000502-0, em apenso (fls. 318/324).

Irresignada, apela a parte autora. Sustenta, em síntese, o que segue: a) a área de 2.432,46 ha constante da matrícula é de reserva legal por definição da própria lei; b) a utilização limitada da área, por definição, é de reserva legal, conforme prevê a legislação em vigor (Lei nº 4.771/65, art. 16 e § 2º), quando define o que é reserva legal; c) a Lei nº 4.771/65 prevê no mínimo 20% da área como reserva legal, não limitando a área máxima; d) o Decreto 4.382/02 define as áreas de reserva legal (arts. 10 e 12, II), sendo que reserva legal é a soma da área prevista na lei (obrigatória – de no mínimo 20% do total do imóvel), acrescida da área que o proprietário declara como sendo de utilização limitada, ou seja, passível de manejo somente com autorização do IBAMA; e) há a possibilidade de aumentar-se a área de reserva legal, mesmo sem a autorização do órgão competente, conforme prevê o art. 10, § 7º, da Lei 9.393/96, com a redação dada pela MP 2166-67, de 24.08.01, que prevê claramente que o gravame da reserva legal do imóvel pode ser feito pelo contribuinte sem a autorização prévia do IBAMA; f) o ca-ráter interpretativo do art. 10, § 7º, da Lei nº 9.393/96, instituída pela MP 1956-50/00, possui o condão da retroatividade, nos termos do art. 106, I, do CTN; g) sendo de reserva legal a área sob discussão, há que se excluir da base de cálculo tal área, nos termos do art. 10, inc. II, a e b, da Lei 9.393/96.

Conclui como frágeis os fundamentos da sentença para manutenção do auto de infração e da multa aplicada, em face de a área de reserva legal poder ser aumentada, mesmo sem a autorização do IBAMA (e no caso consta da própria matrícula a autorização para tal aumento), e de não ser intransponível o percentual de 20%, já que a própria legislação autoriza o aumento da restrição de área, gravando-se como de reserva legal (art. 10, II, a e b).

Pede a reforma da sentença para anulação do auto de infração e de-claração da inexigibilidade da multa imposta. Acaso desprovida a ape-lação, requer o afastamento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios sob o fundamento de vedação legal expressa (Lei 9.527/97, art. 4º e art. 21 da Lei 8.906/94) a arbitramento de honorários em favor de procurador da União e de reversão a essa pessoa jurídica de direito

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público (fls. 337/355).Contra-razões apresentadas às fls. 359/363.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de apelação da parte autora objetivando a reforma da sentença de improce-dência para o fim de obter a anulação do auto de infração por ausência de recolhimento do Imposto Territorial Rural - ITR, ano-base 1999, lavrado por glosa de área declarada como de “exploração extrativa”, pelo não cumprimento do cronograma previsto no Plano de Manejo. Subsidiariamente, pretende o reconhecimento de que houve a efetiva exploração da área objeto do auto de infração, sendo indevida a glosa imposta pela Receita Federal.

Auto de infração

O auto de infração foi lavrado nos seguintes termos:“IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL - ITRFALTA DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TER-

RITORIAL RURALFalta de recolhimento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, apurado

conforme demonstrativo, pela glosa de área de 2.430,00 hectares declarados como ‘ex-ploração extrativa’, pelo não cumprimento do cronograma previsto no Plano de Manejo.

Fato Gerador Valor Tributável ou imposto Multa (%)01.01.1999 R$ 130.157,28 75,00 Enquadramento legalArts. 1º, 7º, 9º, 10, 11 e 14 da Lei nº 9.393/96. (fl. 53)(...)ContextoDa referida ação fiscal foi apurado o crédito tributário abaixo descrito, oriundo da

declaração indevida de 2.430,00 hectares como área de ‘exploração extrativa’ no item 09 do quadro 10 da Declaração do ITR do Exercício 1999.

O cronograma do Plano de Manejo não foi cumprido no ano objeto da análise (...), conforme disposto na Instrução Normativa SRF nº 43, de 07 de maio de 1997, que vigorava na época do fato gerador e em parte reproduzimos:

‘Cálculo da Área Utilizada:

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Art. 16. A área utilizada será obtida pela soma das áreas mencionadas nos incisos I a VII do art. 12, observado o seguinte:

(...)III - a área objeto de exploração extrativa será o somatório das áreas aceitas utilizadas

com extratismo vegetal ou florestal. A área utilizada aceita será:a) (...)b) a prevista no plano de manejo, no caso de exploração extrativa com plano de

manejo sustentado, aprovado pelo IBAMA, desde que o cronograma, que no caso, impõe exploração anual e contínua durante determinado período.’

Crédito Tributário Apurado:Imposto s/ Propriedade Territorial Rural...........................R$ 320.668,49 (fl. 56)’”

Argumentos das partes

Aduz a parte autora a ocorrência de erro fiscal, porque a área de 2.430,00 ha teria sido gravada por ato particular no registro de imóveis como de reserva legal, consoante legislação pertinente (Lei 4.771/65 - Código Florestal), não obstante conste na declaração de ITR como de “exploração extrativa”, o que alega ter feito por equívoco a que o pró-prio fisco induziu. Esclarece que tal área seria somada àquela reserva mínima de 20%, também averbada (delimitada) no registro de imóveis e que, mediante interpretação sistemática da legislação tributária e do Código Florestal, deve ser tida também como isenta para apuração do ITR. Ressalta que o manual de declaração do ITR, exercício 1999, leva o contribuinte a erro, por inviabilizar a classificação de qualquer área superior ao percentual mínimo (20%) na condição de área de reserva legal, indicando deva ser classificada como área de exploração extrati-vista. Desse modo, não seria tal área tributável, conforme art. 10, II, a e b, da Lei nº 9.393/96.

Por sua vez, a autoridade administrativa considerou tal área declarada como de exploração extrativa, sujeita a cumprimento de Plano de Manejo, dando-o como não cumprido.

O decidido na sentença

A sentença de improcedência entendeu que o que constitui o direito à isenção é a indicação pelo proprietário como de reserva legal de de-terminada área na própria declaração do ITR, e de não haver tal direito quando, como no caso em apreço, não há declaração da área como reserva

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legal pelo proprietário. Também o fato de que, ainda que não necessária a averbação, inexistiu o alegado equívoco da parte autora quanto ao erro material na declaração do ITR quando declarou como “reserva extrativa” a área de 2.430,00 ha, em face das destinações diferentes das duas áreas averbadas no registro de imóveis. Por fim, afirmou faltar prova robusta quanto ao cumprimento do cronograma previsto no Plano de Manejo.

Transcreve-se abaixo trecho da sentença quanto ao primeiro aspecto para melhor elucidação (fls. 321v./322):

“(...) Em síntese, e exclusivamente no que toca ao Direito Tributário, pode-se con-cluir que: a reserva legal não é necessariamente uma área com características naturais específicas, e sim é a definição de uma porção do imóvel à qual será dada proteção específica (vedação de corte raso); portanto, reserva legal é aquela área que assim foi indicada pelo proprietário na sua declaração de ITR, e sua declaração se presume ver-dadeira até prova em contrário (§ 7º do art.10 da Lei nº 9.393/96, incluído pela MP nº 2.166-67, de 24.08.2001); assim, a indicação pelo proprietário de determinada área como sendo reserva legal na declaração do ITR é o que constitui o direito à isenção tributária, porque cria a obrigação de preservar de forma específica a área ali indi-cada; logo, não havendo declaração da área como reserva legal pelo proprietário, não há direito à isenção.

Tal é o caso dos autos, porque na declaração do ITR ano base 1999 a parte autora deixou de definir a área de 2.430 hectares de seu imóvel como reserva legal; assim, não se pode postular que essa parcela da propriedade não sofra a incidência do imposto. (...)”

Legislação sobre a apuração do ITR

Dispõe a Lei nº 9.393/96 sobre o imposto sobre a Propriedade Territo-rial Rural, transcrevendo-se abaixo os dispositivos pertinentes à questão trazida nestes autos:

“Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se à homolo-gação posterior.

§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:I - VTN, o valor do imóvel, excluídos os valores relativos a:a) construções, instalações e benfeitorias;b) culturas permanentes e temporárias;c) pastagens cultivadas e melhoradas;d) florestas plantadas;II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:

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a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989;

b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas me-diante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;

c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;

d) as áreas sob regime de servidão florestal (acrescido pela MP 2.166-67/2001).III - VTNt, o valor da terra nua tributável, obtido pela multiplicação do VTN pelo

quociente entre a área tributável e a área total;IV - área aproveitável, a que for passível de exploração agrícola, pecuária, granjeira,

aqüícola ou florestal, excluídas as áreas:a) ocupadas por benfeitorias úteis e necessárias;b) de que tratam as alíneas a, b e c do inciso II;V - área efetivamente utilizada, a porção do imóvel que no ano anterior tenha:a) sido plantada com produtos vegetais;b) servido de pastagem, nativa ou plantada, observados índices de lotação por zona

de pecuária;c) sido objeto de exploração extrativa, observados os índices de rendimento por

produto e a legislação ambiental;d) servido para exploração de atividades granjeira e aqüícola;e) sido o objeto de implantação de projeto técnico, nos termos do art. 7º da Lei n.º

8.629, de 25 de fevereiro de 1993;VI - Grau de Utilização - GU, a relação percentual entre a área efetivamente utili-

zada e a área aproveitável.§ 2º As informações que permitam determinar o GU deverão constar do DIAT.§ 3º Os índices a que se referem as alíneas b e c do inciso V do § 1º serão fixados,

ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola, pela Secretaria da Receita Federal, que dispensará da sua aplicação os imóveis com área inferior a:

a) 1.000 ha, se localizados em municípios compreendidos na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense;

b) 500 ha, se localizados em municípios compreendidos no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental;

c) 200 ha, se localizados em qualquer outro município.§ 4º Para os fins do inciso V do § 1º, o contribuinte poderá valer-se dos dados sobre a

área utilizada e respectiva produção, fornecidos pelo arrendatário ou parceiro, quando o imóvel, ou parte dele, estiver sendo explorado em regime de arrendamento ou parceria.

§ 5º Na hipótese de que trata a alínea c do inciso V do § 1º, será considerada a área total objeto de plano de manejo sustentado, desde que aprovado pelo órgão competente, e cujo cronograma esteja sendo cumprido pelo contribuinte.

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§ 6º Será considerada como efetivamente utilizada a área dos imóveis rurais que, no ano anterior, estejam:

I - comprovadamente situados em área de ocorrência de calamidade pública decretada pelo Poder Público, de que resulte frustração de safras ou destruição de pastagens;

II - oficialmente destinados à execução de atividades de pesquisa e experimentação que objetivem o avanço tecnológico da agricultura.

§ 7º A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas a e d do inciso II, § 1º, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto cor-respondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis.” (acrescido pela MP 2.166-67/2001)

As isenções tributárias devem ser instituídas por lei, devendo as condi-cionadas conter expressamente na lei concessiva de isenção os requisitos a serem preenchidos pelo contribuinte. No tocante às isenções para fins de ITR, a legislação ambiental (artigo 104, parágrafo único, da Lei de Política Agrícola - Lei 8.171/91) prevê como isentas da tributação as áreas de preservação permanente, de reserva legal e de interesse ecoló-gico para a proteção dos ecossistemas. Também, a legislação tributária, mais especificamente o artigo 10 da Lei 9.393/96, tem por isentas do ITR (além daquelas áreas enumeradas pela Lei de Política Agrícola), as comprovadamente imprestáveis (que tenham sido declaradas de interesse ecológico pelo órgão ambiental competente) e as áreas sob regime de servidão florestal.

Reserva legal e tributação do ITR

Consoante a Lei 9.393/96, o regime da reserva legal, para fins de cobrança do ITR, deve ser obtido no Código Florestal (Lei 4.771/65), em razão de haver remissão expressa nesse sentido (art. 10, §1º, II, a).

O art. 16, na redação original, com as alterações dadas pela Lei 7.803/89, dispunha o seguinte:

“Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização li-mitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2° e 3° desta lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:

(...)§ 2º A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento)

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de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à mar-gem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área. (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.07.1989) (...)”

A MP 2.166-67/2001, dando nova redação ao art. 16 do Código Flo-restal, assim dispôs:

“Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

(...)§ 2º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser uti-

lizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3o deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.

(...)§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrí-

cula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código. (...)”

Conceito de reserva legal e Manejo Florestal Sustentável

São consideradas como áreas de reserva legal aquelas cuja vegeta-ção não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos, devendo estar averbadas à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente. (Lei nº 4.771, de 1965, art. 16, com a redação dada pela Medida Provi-sória nº 2.166-67, de 2001, art. 1º; RITR/2002, art. 12; IN SRF nº 256, de 2002, art. 11).

Como se vê, de acordo com o Código Florestal o conceito de reserva legal pressupõe regime de utilização limitada, e não de preservação. Devem, assim, as atividades do proprietário observar um manejo flo-restal sustentável, entendendo-se como tal a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos e sociais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo (Decreto nº 1.282, de 19 de outubro de 1994, art. 1º, § 2º).

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Ressalte-se que para o regime de exploração extrativa também havia a necessidade de apresentação e cumprimento de cronograma quanto ao plano de manejo florestal sustentável (art. 19 do Código Florestal, redação da Lei 7.803/89).

Possibilidade de aumento voluntário da reserva legal

Cinge-se a questão dos autos acerca da possibilidade legal de, mediante ato voluntário e privado, aumentar-se a área de reserva legal para fins de obtenção da isenção como efeito tributário (ITR).

Já na época do fato gerador (ano de 1999) era possível o aumento voluntário da reserva legal no imóvel e a conseqüente isenção para fins tributários (ITR), conforme decidiu esta 2ª Turma na Apelação Cível nº 2005.72.03.000322-6/SC, Des. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, DE 26.07.2007, cujo trecho pertinente do voto abaixo segue transcrito:

“A própria interpretação literal dos dispositivos do Código Florestal (tanto na reda-ção original quanto nas posteriores alterações) revela o contínuo uso do termo ‘mínimo’ para delimitar o percentual aplicável (20% no caso dos autos). Assim, logicamente, tal percentual mínimo poderia ser aumentado. Como? Por iniciativa do legislador, é claro, mas também por iniciativa do próprio proprietário, pois imperativa a interpretação dos princípios constitucionais protetivos do meio ambiente, isto é, o ordenamento jurídico e o próprio estado brasileiro estimulam o aumento da reserva legal pelo próprio particular ou a utilização de outro instituto jurídico que produz efeitos semelhantes.

Assim, do aumento voluntário do percentual da reserva legal deve decorrer um benéfico efeito tributário.

A base de cálculo do ITR, consoante o art. 153, VI, da CF/88 deve considerar o conceito de propriedade previsto no Código Civil (uso, gozo e fruição) condicionado aos princípios ambientais explícitos ou implícitos no texto constitucional. Ou seja, a revelação de riqueza para fins de apuração do ITR é a propriedade de imóvel rural consoante sua função ambiental. Quanto maior a proteção/preservação/uso sustentável das florestas e recursos naturais, menor deve ser a tributação.

Tanto é assim que esse foi o vetor da recente legislação ambiental sobre o tema. (...)Em suma, até 1999, além do percentual mínimo (obrigatório) de reserva legal, o

proprietário poderia expandir a área de utilização limitada através do próprio instituto da reserva legal. Em 2000, embora sob regime mais rigoroso de uso (preservação), poderia fazer uso da RPPN e, a partir de 2001, a ele foi permitida a instituição da ser-vidão florestal (e da cota de reserva florestal). Em todas as situações, o efeito tributário é idêntico: isenção da respectiva área para cálculo do ITR..”

Dessarte, podia a apelante na matrícula do imóvel averbar área maior

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que o percentual de 20%, determinado como o mínimo pela legislação, por ato privado e voluntário, não sendo, portanto, somente a “indica-ção pelo proprietário de determinada área como sendo reserva legal na declaração do ITR o que constitui o direito à isenção tributária”, como entendeu o Juízo sentenciante.

Do Ato Declaratório Ambiental - ADA

Por fim, cumpre referir que não se faz mais necessária a apresentação do ADA para a configuração de áreas de reserva legal e a conseqüente exclusão do ITR incidente sobre tais áreas, a teor do § 7º do art. 10 da Lei nº 9393/96 (redação da MP 2.166-67/01). Tal regra, por ter cunho interpretativo (art. 106, I, CTN), retroage para beneficiar os contribuintes.

Confira-se o seguinte aresto do STJ:“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ITR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PER-

MANENTE. EXCLUSÃO. DESNECESSIDADE DE ATO DECLARATÓRIO DO IBAMA. MP 2.166-67/2001. APLICAÇÃO DO ART. 106, DO CTN. RETROOPE-RÂNCIA DA LEX MITIOR.

1. Autuação fiscal calcada no fato objetivo da exclusão da base de cálculo do ITR de área de preservação permanente, sem prévio ato declaratório do IBAMA, consoante autorização da norma interpretativa de eficácia ex tunc consistente na Lei 9.393/96.

2. A MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, ao inserir § 7º ao art. 10 da Lei 9.393/96, dispensando a apresentação, pelo contribuinte, de ato declaratório do IBA-MA, com a finalidade de excluir da base de cálculo do ITR as áreas de preservação permanente e de reserva legal, é de cunho interpretativo, podendo, de acordo com o permissivo do art. 106, I, do CTN, aplicar-se a fatos pretéritos, pelo que indevido o lançamento complementar, ressalvada a possibilidade da Administração demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte.

3. Consectariamente, forçoso concluir que a MP 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que dispôs sobre a exclusão do ITR incidente sobre as áreas de preservação permanente e de reserva legal, consoante § 7º do art. 10 da Lei 9.393/96, veicula regra mais benéfica ao contribuinte, devendo retroagir, a teor do disposto nos incisos do art. 106 do CTN, porquanto referido diploma autoriza a retrooperância da lex mitior.

4. (...)” (REsp 668.001/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 13.02.2006 p. 674)

Do caso em apreço

Tendo o proprietário a possibilidade de por ato voluntário e privado aumentar a área de reserva legal como se afirmou acima, cumpre verificar

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no caso concreto a sua regular efetivação.Diz a apelante que procedeu ao aumento da reserva legal mediante

averbações na matrícula do imóvel rural, nos seguintes termos:Em 18.08.1991 (área de 900 ha)“AV. 16-06.261: De acordo com o Termo de Averbação de Reserva Legal, firmado

na cidade de União da Vitória-PR, DISSENHA S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, acima qualificada, declara, tendo em vista o que dispõe a Lei 4771/65 (Código Flores-tal), que a floresta ou forma de vegetação, em área não inferior a 20% da propriedade, conforme delimitação em croqui anexo, fica gravada como de utilização limitada, na condição de reserva legal, não podendo nela ser feita, no presente ou futuro, qualquer exploração florestal, salvo casos em que a autoridade florestal libera a exploração pretendida, obrigando-se o atual proprietário, seus herdeiros ou sucessores a fazer o presente gravame sempre firme e valioso”.

Em 03.06.1991 (área de 2.430,00 ha) “AV. 14.06.261: De acordo com o Termo de Manutenção de Floresta Manejada,

datado de 30.04.1991, AGROPINUS MADEIRAS LTDA., já qualificada na referida matrícula, representada por seu Diretor José Fernando Dissenha, declara perante a Autoridade Florestal, tendo em vista o que dispõe a legislação florestal vigente, que a floresta ou forma de vegetação existente na área de 2.432,46 ha, correspondente a parte da área da propriedade, fica gravada como de utilização limitada, podendo nela ser feita exploração racional sob regime de manejo sustentado, desde que autorizado pelo IBAMA. O atual proprietário compromete-se por si, seus herdeiros ou sucessores, a fazer o presente gravame sempre bom, firme e valioso”.

A área de 900 ha corresponde aos 20% determinados como mínimo pela legislação (declarados no ITR como de reserva legal) e a área de 2.430,00 ha ao adicional voluntário (declarados no ITR como de explo-ração extrativa, por equívoco, segundo a apelante).

Ocorre que, no caso concreto, ainda que a legislação do ITR induzisse a erro material para a feitura da declaração como alega a apelante, não se evidencia equívoco quando das averbações das respectivas áreas na matrícula do imóvel, essas realizadas anteriormente àquela declaração para apuração de imposto. Neste particular, correta a sentença, pois analisou perfeitamente ambas averbações, concluindo pela existência de diferenças substancias entre uma e outra.

Como afirmado pelo Juízo sentenciante:“(...) é importante notar que as averbações feitas pelo autor são substancialmente

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diferentes, sendo que uma delas faz menção expressa à ‘reserva legal’ e à legislação de regência dessa área protegida, o que demonstra mais uma vez que a parcela de 2.430 ha não foi destinada para a mesma finalidade. Não houve meramente imprecisão terminológica na averbação da área de 2.430 ha, pois na outra averbação da mesma matrícula a terminologia é inequívoca.

Ademais, na averbação da área de 2.430 ha consta expressamente que essa área seria destinada à exploração sob regime de manejo sustentado, fazendo-se inclusive referência a Termo de Manutenção de Floresta Manejada firmado em 30 de abril de 1991. A porção de 2.430 ha, como se vê, não foi delimitada pelo proprietário como de reserva legal, e sim como área de exploração florestal.

Assim, pode-se concluir com segurança que não houve erro material na declaração do ITR quando a parte autora declarou uma das parcelas do imóvel como ‘reserva legal’ e a área de 2.430 ha como ‘reserva extrativa’, porque efetivamente foram dadas destinações diferentes para as duas áreas.

Portanto, em relação à parcela de 2.430, não existe direito à isenção tributária pretendida.”

Não há como entender ter havido equívoco na declaração do ITR no tocante à área de 2.430,00 ha, porquanto a apelante já tinha procedido por ato privado e voluntário à averbação dessa área na matrícula do imóvel como de utilização limitada, não como reserva legal, mas, sim, na condição de exploração extrativa. A apelante ao fazer a declaração do ITR seguiu a destinação a que havia dado por ocasião dessa averba-ção, evidenciando-se por demais frágil a alegação da ocorrência de erro material. Assim, ainda que pudesse aumentar a área de reserva legal, por ato privado e voluntário, a apelante assim não procedeu em relação à área de 2.430,00 ha, pois averbou-a na condição de reserva extrativa.

Por fim, pretende a apelante, subsidiariamente, a declaração de que parcela dessa área (434 ha) foi efetivamente utilizada mediante explora-ção extrativa autorizada pelo órgão ambiental. Tem como indevida a glosa feita pela Receita Federal sob o fundamento de não ter sido cumprido o cronograma previsto no Plano de Manejo.

Refere a apelante ter o órgão ambiental autorizado a exploração em área do Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS de 434 ha, quan-tidade total de 896,06 metros cúbicos de imbuia e 260 metros cúbicos de lenha, conforme Autorização nº 051/99, com validade no período de 18.3.1999 a 18.3.2000. Alega ter sido efetivamente explorada tal área, conforme comprova por notas fiscais de saída de produtos e autorizações

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para transporte de produtos florestais - ATPF emitidas no ano de 1999. Afirma que a glosa foi feita ao fundamento de que “o entendimento fazendário condiciona a aceitação como área de utilização ao cumpri-mento do cronograma, que, no caso, impõe exploração anual e contínua durante determinado período”, mas que a exploração anual e contínua está comprovada nos autos, não exigindo a legislação a apresentação de relatórios que atestem o cumprimento do Plano de Manejo.

Quanto ao cumprimento do cronograma previsto no Plano de Manejo, o Juízo sentenciante bem analisou a questão, transcrevendo-se abaixo seus fundamentos como razões de decidir:

“Cumprimento do cronograma previsto no Plano de ManejoSubsidiariamente, a autora pede que, caso não se entenda que a área em comento é

reserva legal, seja declarado que parte dessa área – 434 ha – constitui área efetivamente utilizada, por ter sido objeto de exploração extrativa autorizada pelo órgão ambiental, e, portanto, seja reconhecida como indevida a glosa feita pela Receita Federal sob o fundamento de ‘não cumprimento do cronograma previsto no Plano de Manejo’ (fl.53).

Primeiramente, cabe observar que, ainda que seja reconhecido judicialmente que os 434 hectares foram objeto de efetiva exploração extrativa, obedecendo ao referido cronograma, tal não afastaria a legalidade do Auto de Infração em relação ao restante da área, pois a parte autora declarou indevidamente como de exploração extrativa a totalidade dos 2.430 hectares. É fato incontroverso, portanto, que o restante dos 2.430 hectares não foi objeto de exploração extrativa, pois em relação ao restante da área o autor sequer faz menção nos autos à existência de autorização de exploração ou de plano de manejo.

A Lei nº 9.393, de 19.12.1996, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e estabelece as respectivas isenções, assim estabelece (grifei):

‘Art. 10.§ 1º. Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:(...)II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas nas Lei nº 4.771, de 15

de setembro de 1965, com a redação dada pela Lei nº 7803, de 18 de julho de 1989;(...)V - área efetivamente utilizada, a porção do imóvel que no ano anterior tenha:(...)c) sido objeto de exploração extrativa, observados os índices de rendimento por

produto e a legislação ambiental;(...)VI - grau de utilização - GU, a relação percentual entre a área efetivamente utilizada

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e a área aproveitável.§2º. As informações que permitam determinar o GU deverão constar do DIAT.(...)§ 5º. Na hipótese de que trata a alínea c do inciso V do §1º, será considerada a área

total objeto de plano de manejo sustentado, desde que aprovado pelo órgão competente, e cujo cronograma esteja sendo cumprido pelo contribuinte.

(...)Art. 11. O valor do imposto será apurado aplicando-se sobre o Valor da Terra Nua

Tributável - VTNt a alíquota correspondente, prevista no Anexo desta Lei, considerados a área total do imóvel e o Grau de utilização - GU. (...)’

Compulsando os autos, verifico que consta no Auto de Infração ora impugnado:‘Falta de recolhimento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, apurado

conforme demonstrativo, pela glosa de área de 2.430,00 hectares declarados como ‘exploração extrativa’, pelo não-cumprimento do cronograma previsto no Plano de Manejo’ (fl.53).

‘Da referida ação fiscal foi apurado o crédito tributário abaixo descrito, oriundo da declaração indevida de 2.430,00 hectares como área de exploração extrativa no item 09 do quadro 10 da declaração do ITR do exercício 1.999.

O cronograma do Plano de Manejo não foi cumprido no ano objeto da análise (vide fls....), conforme disposto na Instrução Normativa SRF nº 43, de 107 de maio de 1997, que vigorava na época do fato gerador e em parte reproduzimos:

‘Cálculo da área utilizada:Art. 16. A área utilizada será obtida pela soma das áreas mencionadas nos incisos

I a VII do art. 12, observado o seguinte:(...)III - a área objeto de exploração extrativa será o somatório das áreas aceitas utilizadas

com extrativismo vegetal ou florestal. A área utilizada aceita será:a) (...)b) a prevista no plano de manejo, no caso de exploração extrativa com plano de

manejo sustentado, aprovado pelo IBAMA, desde que o cronograma esteja sendo cumprido.’

Ficando assim evidenciado que o entendimento fazendário condiciona a aceitação como área utilizada ao cumprimento do cronograma, que, no caso, impõe exploração anual e contínua durante determinado período’. (fl.56)

Nesse ponto, entendo que não pode prosperar a insurgência da autora contra as exigências feitas pela Receita Federal de comprovação do cumprimento do cronograma estabelecido no plano de manejo. Tal exigência, ao contrário do afirmado na inicial, não é ilegal, pois apenas cumpre o disposto no § 5º do art. 10 da Lei nº 9393/96, como segue (grifei):

‘Art.10.§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:

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§ 5º Na hipótese de que trata a alínea c do inciso V do § 1º, será considerada a área total objeto de plano de manejo sustentado, desde que aprovado pelo órgão competente, e cujo cronograma esteja sendo cumprido pelo contribuinte.’

Observo que a autora trouxe aos autos apenas a autorização para exploração florestal, na forma de manejo florestal sustentável, concedida pelo órgão ambiental (Autorização nº 051/99, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, fl. 151 e 151-v), diversas notas fiscais de saída de produtos e autorizações para transporte de produtos florestais referentes ao ano da autorização (fl.150/286). Tais documentos não são suficientes, no entender deste Juízo, para comprovar o cumprimento do cronograma estabelecido no Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS.

Ademais, entre a documentação que acompanha a petição inicial, observa-se do-cumento em que a própria autora reconhece perante a Receita Federal que não vem explorando a referida área desde o ano de 1994 e que não cumpriu o Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS, como se lê no recurso apresentado ao Conselho de Contribuintes da Receita Federal em relação ao auto de infração ora impugnado (fl. 72), do qual transcrevo a seguinte passagem:

‘E, partindo-se, ainda, do pressuposto de admissão da existência de um PMFS, o citado PMFS, conforme ficou realçado nos presentes autos, não chegou a ser executado no exercício de 1999, aliás, conforme ficou dito alhures, a recorrente houve por bem em suspender toda e qualquer atividade de exploração da citada área a partir do ano de 1994.’ (fl. 72 - grifei)

Assim, e por ausência de prova robusta em contrário, há que prevalecer a presunção de veracidade e legitimidade do Auto de Infração ora impugnado no que respeita à não--ocorrência de exploração anual e contínua da área de propriedade da autora, conforme cronograma previsto no Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS.”

Conclusão

A conclusão é a de que, não obstante tivesse a apelante o direito de aumentar a área de reserva legal (e aqui o fundamento é diverso da sentença), assim não procedeu em relação à área de 2.430,00 ha, pois averbou-a e declarou-a no ITR como de exploração extrativa, inexistindo o alegado erro material, de modo que não há direito à isenção pretendida pelo fundamento da possibilidade de aumento de área de reserva legal.

E, ainda, de inexistir prova robusta no tocante ao cumprimento do Plano de Manejo em relação a área de 434 ha, de modo a fazer prevalecer o Auto de Infração impugnado.

Dessarte, resta mantida a sentença, ainda que por fundamento diverso em relação ao primeiro ponto.

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Honorários advocatícios

Por fim, requer o afastamento da condenação ao pagamento de ho-norários advocatícios sob o fundamento de vedação legal expressa (Lei 9.527/97, art. 4º e art. 21 da Lei 8.906/94) a arbitramento de honorários em favor de procurador da União e de reversão a essa pessoa jurídica de direito público.

Também em relação aos honorários não merece reforma a sentença, porquanto a legislação trazida pelo apelante apenas obsta que o valor relativo aos honorários advocatícios seja incorporado ao patrimônio parti-cular do advogado que integra os quadros da Advocacia-Geral da União, não induzindo à conclusão, contudo, de que não são devidos honorários de sucumbência quando a parte vencedora for a União. Aliás, o próprio CPC contempla no art. 20 os requisitos para fixação da verba honorária, nas hipóteses em que vencida a Fazenda Pública ou não.

Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao apelo, nos termos da fundamen-tação retro.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.00.002500-1/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelados: Valdir Oliveira e outrosAdvogados: Drs. Alexandre Santana e outros

Remetente: Juízo Federal Da 1ª Vara Federal de Florianópolis

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EMENTA

Tributário. Imposto de Renda Pessoa Física. Fundo de Previdên-cia Privada. IRRF. Lei nº 7.713/88. Não incidência no resgate. Lei n° 9.250/95. MP n° 1.459/96. Liquidação do julgado. RPV. Precatório. Art. 100, CF/88. Consectários legais.

1. Não incide imposto de renda no resgate parcial ou integral das reservas matemáticas ou na percepção da aposentadoria complementar privada, determinado pela Lei nº 9.250/95, sobre as contribuições verti-das exclusivamente pelos beneficiários na vigência da Lei nº 7.713/88, 01.01.1989 a 31.12.1995, posto que já incidiu o tributo no momento do recolhimento das parcelas ao fundo (EIAC nº 2000.70.00.010546-8/PR, 1ª Seção desta Corte).

2. A MP nº 1.459/96 excluiu a incidência do imposto de renda no resgate das contribuições vertidas entre 1989 e 1995 pelos beneficiários que se desligaram do plano de benefícios da entidade, por demissão ou desistência.

3. Quem contribuiu para o fundo de previdência complementar pela Lei nº 4.506/64 e se aposentou antes ou durante a vigência da Lei nº 7.713/88 não sofreu bitributação a partir de 1996 e não tem direito à restituição do IRRF.

4. Havendo contribuições e aposentadoria na vigência da Lei nº 7.713/88, devem ser consideradas as contribuições vertidas até a jubi-lação.

5. Contribuições vertidas em ano de rendimentos abaixo do limite de isenção não devem ser somadas àquelas que sofreram tributação, a fim de assegurar a restituição apenas do imposto de renda efetivamente recolhido.

6. Os portadores de alguma doença alcançada pela isenção do Imposto de Renda prevista na legislação de regência não sofrem bis in idem e não fazem jus, portanto, à restituição.

7. Ajuizado o feito em data anterior a 09.06.2005, não se aplica à hipótese a nova regra instituída pela LC nº 118/2005 e, ocorrida a bitri-butação somente a partir de 1996, não há parcelas prescritas.

8. Na liquidação do julgado devem ser atualizadas as contribuições, desde a data de cada recolhimento até o encontro de contas do primeiro

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ano-base de incidência do Imposto de Renda, a partir de 1996, pela OTN, BTN e INPC, observados os limites de isenção, e o total assim obtido deve ser abatido da base de cálculo anual do IRRF incidente sobre o benefício complementar.

9. Resultando saldo de contribuições superior no primeiro ano-base em que deduzidas da base de cálculo do IRRF, o imposto devido neste ano é zero e o valor recolhido nesse ano deve ser restituído ao beneficiário. A operação deverá ser repetida no ano seguinte e, assim, sucessivamente, até esgotá-lo.

10. Havendo depósitos judiciais, serão levantados até o limite do cré-dito, e o valor porventura remanescente, convertido em Renda da União.

11. Inexistente rendimento de benefício complementar superior ao limite de isenção, em algum exercício financeiro a partir de 1996, não ocorre bitributação nesse ano-base e o encontro de contas deve se dar no ano seguinte.

12. As contribuições pagas à previdência privada complementar após o jubilamento devem ser desconsideradas porque não integraram o aporte de recursos para a formação do fundo de reserva.

13. Existindo parcelas do IRRF recolhido em duplicidade atingidas pela preclusão, devem ser abatidas do crédito a ser restituído.

14. Cabe ao Fisco comprovar eventual restituição parcial através de ajuste anual de declaração de renda, na liquidação de sentença, por não se tratar de fato constitutivo do direito do autor, e sim extintivo ou impeditivo.

15. Imperativa a restituição do indébito porventura existente por meio de precatório ou RPV, nos moldes do art. 100 da CF/88.

16. Apelação e remessa oficial parcialmente providas, para, afastada a decadência, limitar o direito à restituição de dois autores até a data da jubilação, ocorrida antes da vigência da Lei nº 9250/95, e declarar o direito dos demais autores à restituição da exação por eles recolhida na vigência da Lei nº 7713/88, mantendo a condenação da União nos ônus de sucumbência.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,

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por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de julho de 2008. Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de ação ordinária na qual quatro autores objetivam a tutela antecipada para suspender os efeitos do art. 33 da Lei nº 9.250/95, que obriga a entidade de previdência privada a reter o imposto de renda sobre o benefício de aposentadoria complementar e, caso deferida, o depósito judicial dos valores correspondentes. No mérito, buscam a declaração de inexigibi-lidade do Imposto de Renda incidente sobre os valores recebidos a título de previdência complementar, correspondente proporcionalmente às contribuições recolhidas pelos autores no período de vigência da Lei nº 7.713/88. Postulam a restituição do indébito nos últimos dez anos, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês e a condenação da União em honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação. Atribuíram à causa o valor de R$ 16.000,00.

Indeferida a antecipação de tutela (fl. 51).Devidamente citada, contestou a União, argüindo, preliminarmente,

a falta de documentos essenciais à propositura da ação. Como prejudi-cial de mérito alegou a prescrição, defendendo a validade das regras de tributação dos valores recebidos por entidade de previdência privada, em observância ao princípio da legalidade. Argumentou que o imposto incidiu sobre o rendimento do trabalho assalariado e que a contribuição à previdência complementar é uma despesa como outra qualquer, volun-tariamente feita pelos interessados, e não está isenta de imposto.

A sentença afastou a preliminar e a prescrição das parcelas posteriores a 22.03.1995. No mérito, julgou procedente o feito para afastar a incidên-cia do Imposto de Renda sobre o valor da complementação de aposenta-doria e deferir o pedido de repetição do indébito, proporcionalmente às contribuições vertidas no período de 01.01.1989 a 31.12.1995, cujo ônus tenha sido dos autores, atualizado a partir de cada retenção indevida pelo IPC/INPC/UFIR, acrescidos dos expurgos do IPC (Súmulas 32 e 37 do

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TRF da 4ª Região) e, a partir de 01.01.1996, pela SELIC. Condenou a União nas custas em devolução e em honorários advocatícios de 10% do valor da causa, atualizado desde o ajuizamento, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Submeteu a sentença ao reexame necessário.

Apelou a União, invocando a prescrição prevista no art. 3º da LC nº 118/2005, defendendo a legitimidade da tributação, a ausência de bitri-butação, a revogação da isenção da Lei nº 7.713/88 pela Lei nº 9.250/95 e o descabimento da pretensão da restituição do imposto de renda em sua totalidade. No caso de ser considerada indevida parcela do imposto, entende que deve ser deduzida da base de cálculo do imposto de renda, utilizando-se dos mecanismos próprios da legislação do imposto de renda pessoa física, bem como a restituição deverá ser feita perante a autoridade fazendária. Por fim, pede a inversão da sucumbência.

Sem contra-razões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira:

Imposto de Renda Pessoa Física sobre contribuições em Fundo de Previdência Privada

O regime de repasse das contribuições destinadas a entidades de previdência privada sofreu severas alterações legislativas no tocante à dedução da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física relativamente às contribuições vertidas para o sistema. Pois bem, ao tempo da Lei nº 4.506/64 as contribuições repassadas às entidades de previdência privada eram deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, ocorrendo a incidência quando o contribuinte recebesse o benefício de aposentadoria complementar, conforme dispunham o art. 16, caput e inciso XI, e o art. 18, caput e inciso I, desta lei. Essa regra foi mantida pela Lei nº 6.435/77 e pelo Decreto-Lei nº 1.642/78.

Com o advento da Lei nº 7.713/88, essas contribuições não mais podiam ser abstraídas da base de cálculo e o imposto de renda passou a incidir na fonte, sobre o rendimento bruto. A contribuição para a previ-dência privada complementar passou, então, a ser deduzida do rendimento líquido, após já ter sofrido a retenção do Imposto de Renda na Fonte,

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juntamente com o rendimento bruto. Em contrapartida, os rendimen-tos recebidos de entidades de previdência privada, correspondentes às contribuições vertidas pela própria pessoa física, ficavam isentos desse imposto, conforme o disposto nos arts. 3º e 6º, caput e inciso VII, b, desta Lei, a saber:

“Art. 3º. O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (...)”

“Art. 6º. Ficam isentos do imposto sobre a renda os seguintes rendimentos perce-bidos por pessoas físicas:

(...) VII - os benefícios recebidos de entidades de previdência privada: (...) b) relativamente ao valor correspondente às contribuições cujo ônus tenha sido do

participante, desde que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte.”

Não se trata propriamente de isenção, mas de não incidência do impos-to sobre contribuição tributada na fonte, evitando a sobrecarga tributária em cima da mesma disponibilidade econômica. Aqui cabe esclarecer que participante isento é o contribuinte pessoa física, afastada qualquer inter-pretação no sentido de considerar o fundo de pensão como beneficiário dessa isenção.

Essa sistemática, que vinha vigorando desde 01.01.1989, foi alte-rada sobremaneira com a edição da Lei nº 9.250/95, vigente a partir de 01.01.96, com a inversão do momento da incidência do imposto de renda. A nova regra autorizou o contribuinte pessoa física a deduzir as contribuições recolhidas à previdência privada da base de cálculo do imposto de renda, com a restauração do modelo anteriormente intro-duzido pela Lei nº 4.506/64, passando a incidir o imposto somente no momento do recebimento do benefício complementar de aposentadoria, rateio ou do resgate das contribuições vertidas ao fundo de previdência privada, na fonte e na declaração do ajuste anual.

A nova disciplina sobre a matéria é tratada nos arts. 4º, V, e 33 da Lei nº 9.250/95, nos seguintes termos:

“Art. 4º. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:

(...)

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V - as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social; (...)”.

“Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidades de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições”.

Dessa forma, com a vigência da lei nova, que cria regime semelhante ao instituído pelas leis anteriores à Lei nº 7.713/88, surge situação de anomalia diante da dúplice incidência do tributo, sobre as contribuições recolhidas pelo beneficiário do plano de previdência privada, no perío-do de 01.01.1989 a 31.12.1995. Isso porque incidiu o imposto de renda sobre os valores recolhidos na fonte, sem dedução da base de cálculo, e agora, na vigência da Lei nº 9.250/95, incide novamente no momento da percepção do benefício ou mesmo resgate total ou parcial dos valores repassados para o fundo, porque essas fontes normativas tratam a hipótese de incidibilidade material do imposto em momentos diversos.

Cabe referir que as contribuições vertidas à Previdência Complementar em data anterior à vigência da Lei nº 7.713/88 não sofriam a retenção do Imposto de Renda na fonte, e sim no resgate, nos mesmos moldes da sistemática introduzida pela Lei nº 9.250/95, e sobre elas não ocorre bitributação.

Também não ocorre o indesejado fenômeno do bis in idem quanto às contribuições vertidas pela patrocinadora (empregadora) e aos ganhos de capital do fundo. Com efeito, essas verbas, independentemente de já terem sido, ou não, tributadas, ao ingressarem no patrimônio do benefici-ário, sob a forma de aposentadoria complementar, devem ser tributadas, nos termos da Lei 9.250/95. Logo, a parcela do benefício decorrente daquelas verbas representa, para o beneficiário, riqueza nova (acréscimo patrimonial), sujeita, portanto, à incidência de Imposto de Renda.

A matéria tratada nesta ação já sofreu ampla discussão no âmbito do Colendo STJ, sendo assim ementada:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. IMPOSTO DE RENDA. LEIS Nos 7.713/1988 E 9.250/1995. ISENÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.159-70/2001 (ORIGINÁRIA Nº 1.459/1996). (...)

1. (omissis).

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2. O resgate das contribuições recolhidas sob a égide da Lei nº 7.713/88, anterior à Lei nº 9.250/95, não constitui aquisição de renda, já que não configura acréscimo patri-monial. Ditos valores recolhidos a título de contribuição para entidade de previdência privada, antes da edição da Lei nº 9.250/95, eram parcelas deduzidas do salário líquido dos beneficiários, que já havia sofrido tributação de imposto de renda na fonte. Daí porque a incidência de nova tributação por ocasião do resgate configuraria bitributação.

3. A Lei nº 9.250/95 só vale em relação aos valores de poupança resgatados con-cernentes ao ano de 1996, ficando livres da incidência do imposto de renda, ‘os valores cujo ônus tenha sido da pessoa física, recebidos por ocasião do seu desligamento do plano de previdência, correspondentes às parcelas das contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1995’, nos moldes do art. 7º da MP nº 1559-22 (hoje nº 2.159-70/01).

4. Não incide o Imposto de Renda sobre o resgate das contribuições recolhidas pelo contribuinte para planos de previdência privada quando o valor corresponde aos períodos anteriores à vigência do art. 33, da Lei nº 9.250/95, o qual não pode ter aplicação retroativa.

5. O sistema adotado pelo art. 33, em combinação com os arts. 4º, V, e 8º, II, e, da Lei nº 9.250/95, deve ser preservado, por assim permitir o ordenamento jurídico tributário, além de constituir incentivo à previdência privada.

6. Os dispositivos supra-indicados, por admitirem a dedutibilidade, para o efeito ou apuração do cálculo do imposto de renda, das contribuições pagas pelos contribuintes a entidades de previdência privada, legitimam a exigência do mesmo contribuinte sujeitar-se ao imposto de renda, na fonte e na declaração, quando receber os benefícios ou por ocasião dos resgates das operações efetuadas. As regras acima, porém, só se aplicam aos recolhimentos e recebimentos operados após a vigência da referida Lei.

7. Os recebimentos de benefícios e resgates decorrentes de recolhimentos feitos antes da Lei nº 9.250/95, conforme exposto, não estão sujeitos ao imposto de renda, mesmo que a operação ocorra após a vigência da lei. Precedentes desta Corte Superior.(...) - REsp. 493.793/José Delgado.” (REsp 479783/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 26.08.2003, unânime, DJU de 15.09.2003, p. 243)

Tal entendimento já havia sido adotado pela Primeira Seção deste Tribunal, especializada em matéria tributária, por ocasião do julgamen-to dos EIAC nº 2000.70.00.010546-8/PR, em 03.04.2002, por maioria de votos, Relator para o acórdão o Eminente Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, quando se decidiu que o imposto de renda incidente sobre as complementações de aposentadoria, de natureza privada, deve se limitar às parcelas referentes aos valores não atingidos pela isenção instituída pela Lei nº 7.713/88, vigente no período de 01.01.89 a 31.12.95.

De conseguinte, os aderentes a plano de aposentadoria complementar

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que contribuíram para o fundo nos termos da Lei nº 4.506/1964 e se aposentaram antes da vigência da Lei nº 7.713/1988 não sofreram bitri-butação pela aplicação da Lei nº 9.250/95, a partir de 1996, considerando que, à época, o IRRF incidia sobre o resgate e não sobre as contribuições.

Aqueles que passaram a perceber o benefício complementar na vi-gência da Lei nº 7.713/1988 também não sofreram bitributação sobre a parte correspondente às contribuições vertidas ao fundo pelo próprio beneficiário, porque não havia previsão de incidibilidade do Imposto de Renda no resgate, ou seja, “isenção” prevista no art. 6º, inciso VI, alínea b, desse mesmo diploma legal. Em outras palavras, não ocorreu recolhi-mento indevido de imposto de renda sobre as contribuições e também sobre as aposentadorias complementares pagas durante a vigência da Lei nº 7.713/88.

Os beneficiários que sofreram a incidência do IRRF sobre as contri-buições vertidas na vigência da Lei nº 7.713/88 e foram jubilados ainda na vigência dessa lei, somente sofrem o bis in idem, a partir de 1996, pela aplicação da Lei nº 9.250/95, tão-somente sobre as contribuições recolhi-das até a data da concessão do benefício de aposentadoria complementar.

Todavia, se em algum ano-base entre 1989 e 1995 o beneficiário não sofreu retenção do imposto de renda, em razão de seus rendimentos não ultrapassarem o limite de isenção, as contribuições vertidas ao fundo de previdência privada nesse ano não devem ser somadas ao montante das contribuições em cujo ano-base ocorreu a retenção do imposto. Dessa forma, assegura-se a restituição apenas daquilo que efetivamente foi recolhido e que, posteriormente, a partir de 1996, ocorrerá a bitributação pela aplicação da Lei nº 9.250/95.

Cabe referir, aqueles beneficiários de aposentadoria complementar portadores de alguma doença alcançada pela isenção do Imposto de Renda prevista na legislação de regência não sofrem bis in idem ao receber o valor do benefício complementar e não fazem jus, portanto, à restituição.

Exclusão do Imposto de Renda pela MP 1.459, de 21.05.1996

Para reparar a dupla incidência do imposto de renda sobre o mesmo fato gerador, ocasionada no resgate dos aportes financeiros ou do re-cebimento em trato sucessivo do benefício complementar, foi editada originalmente a Medida Provisória nº 1.459, de 21 de maio de 1996,

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através do art. 7º, cuja matéria veio sendo tratada por diversas medidas provisórias e hoje encontra-se em vigor através da Medida Provisória nº 2.159-70, de 24 de agosto de 2001, com status perene por força da EC 32/2001, que assim dispõe:

“Art. 7º. Exclui-se da incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de rendimentos o valor do resgate de contribuições de previdência privada, cujo ônus tenha sido da pessoa física, recebido por ocasião de seu desligamento do plano de benefícios da entidade, que corresponder às parcelas de contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1995.”

Como visto, essa medida provisória somente exclui a incidência do imposto de renda sobre as contribuições do participante que venha a se desligar do plano de benefícios da entidade, por demissão ou desistência, sem contemplar os beneficiários de aposentadoria complementar privada e aqueles que optem pelo resgate integral das reservas matemáticas, após o jubilamento.

Todavia, a medida provisória em comento serviu ao mesmo tempo como instrumento de reconhecimento e confissão por parte do Poder Executivo da ocorrência de dúplice incidência do imposto de renda sobre as contribuições vertidas à previdência privada no período de 01.01.1989 a 31.12.1995 e também, por petição de princípio, para dissipar toda e qualquer discussão a respeito da situação gerada pela sucessão legislativa em discussão.

Decadência/prescrição

O imposto de renda também é tributo sujeito a lançamento por homo-logação. No caso concreto, seu pagamento foi antecipado pela retenção na fonte e, sem notícia nos autos da ocorrência de homologação expressa do lançamento, considera-se homologado tacitamente e extinto defini-tivamente o crédito no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). A extinção do direito de pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando esta não se efetiva de forma expressa, só ocorre após o transcurso do prazo de cinco anos (art. 168, I, do CTN), contados da data da homologação tácita, entendimento esse respaldado pela massiva jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça - STJ, consubstanciada no REsp nº 312199/SP, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ de 17.11.03, pg. 243, para

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as ações ajuizadas até 08 de junho de 2005. Explicito que o Decreto 20.910/32, norma de caráter geral, não se aplica na hipótese dos autos.

Com efeito, a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, mais especificamente no seu art. 3º, que nada tem de interpretativo e literalmente imprime exegese a dispositivo, de caráter tributário, dispõe claramente que o prazo decadencial fixado no art. 168, I, do CTN come-ça a fluir a partir da data do pagamento antecipado previsto no art. 150, caput e seu § 1º, do CTN e o art. 4º observa que o disposto no art. 106, I, do CTN se aplica ao art. 3º. Os artigos 3º e 4º têm a seguinte redação:

“Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.”

“Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.”

Significa, na prática, a redução para cinco anos do prazo para o contribuinte pleitear o indébito de tributos sujeitos a lançamento por homologação, suplantando a construção jurisprudencial pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça da necessidade do decurso de cinco anos a partir do fato gerador para a homologação tácita do lançamento (CTN, art. 150, § 1º) e mais cinco anos para postular a restituição (CTN, art. 168, I).

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou a jurisprudência daquele Sodalício sobre a matéria, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 539212/RS, quando decidiu, por unanimidade, manter a tese dos “cinco mais cinco” para as ações ajuizadas em data anterior a 09 de junho de 2005 e firmou orien-tação, mais recentemente altercada, pela aplicação do disposto no art. 3º da LC 118/2005 somente às ações ajuizadas a partir da sua vigência, cuja ementa tem o seguinte teor:

“TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. TER-MO INICIAL. TESE DOS CINCO MAIS CINCO. LEI COMPLEMENTAR 118, DE 09 DE FEVEREIRO DE 2005. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. TAXA SELIC. CORREÇÃO MONETÁRIA.

1. A Primeira Seção reconsolidou a jurisprudência desta Corte acerca da cognomi-nada tese dos cinco mais cinco para a definição do termo a quo do prazo prescricional

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das ações de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a lançamento por homologação, desde que ajuizadas até 09 de junho de 2005 (EREsp 327043/DF, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 27.04.2005).

(...) 18. Consectário desse raciocínio é que a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro

de 2005, aplica-se, tão-somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, pelo que o novo regramento não é retroativo mercê de interpretativo. É que toda lei interpretativa, como toda lei, não pode retroagir. Outrossim, as lições de outrora coadunam-se com as novas conquistas constitucionais, notadamente a segurança jurídica da qual é corolário a vedação à denominada “surpresa fiscal”. Na lúcida percepção dos doutrinadores, “Em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal.” (Humberto Ávila in Sistema Constitucional Tributário, 2004, pág. 295 a 300). (...)” (EREsp 539212/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 08.06.2005, unânime, DJU de 27.06.2005, p. 216)

A Corte Especial deste Tribunal, por sua vez, reconheceu a inconsti-tucionalidade da segunda parte do art. 4º da LC 118/2005, na Argüição de Inconstitucionalidade na AC nº 2004.72.05.003494-7/SC, da relatoria do eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, julgada por unanimidade em 16.11.2006, cujo acórdão foi publicado no DJU de 29.11.2006, nas seguintes letras:

“ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 4º DA LEI COM-PLEMENTAR Nº 118, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005. VIOLAÇÃO AO INCISO XXXVI DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

1 - Mesmo as leis que ostentem pretensão interpretativa, a despeito do que dispõe o art. 106 do Código Tributário Nacional, sujeitam-se ao inciso XXXVI do art. 5º da Constituição de 1988, segundo o qual ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.

2 - É inconstitucional a expressão ‘observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966-Código Tributário Nacional’, cons-tante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/2005.

3 - O art. 3º da Lei Complementar nº 118 entrou em vigor em 9 de junho de 2005, passando a ser aplicável somente a partir de então”.

A decisão prolatada no aludido Incidente de Inconstitucionalidade foi complementada pela Corte Especial em sede de embargos de declaração:

“EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ACÓRDÃO QUE CONTÉM ERROS DE

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DATAS. CORREÇÃO ADMISSÍVEL. LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005. INÍCIO DA SUA VIGÊNCIA.

1 - Contendo o acórdão visíveis erros de datas, ao fazer referência ao termo inicial de vigência da Lei Complementar nº 118/2005, cabe sua corrigenda pela via dos em-bargos declaratórios.

2 - Embargos acolhidos para retificar o voto e a ementa do acórdão para retificação desses erros.

3 - O art. 3º da Lei Complementar nº 118/2005 aplica-se a todos os requerimentos administrativos formulados ou ações ajuizadas a partir do dia 09.06.2005, pouco im-portando que os fatos geradores dos tributos indevidamente recolhidos sejam anteriores a essa data.

4 - Aos requerimentos e ações ajuizadas antes de 09.06.2005 aplica-se o prazo de 10 (dez) anos para a devolução do indébito.” (ED nos EDAC nº 2004.72.05.003494-7/SC, Corte Especial, Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU de 07.05.2007)

Como visto, descabe a aplicação retroativa da LC 118, de 09.02.2005, às ações ajuizadas em data anterior a sua vigência, pois nelas estão embutidas pretensões de direito material com sustentáculo em fatos geradores preté-ritos à eficácia da Lei. Como a primeira parte do art. 4º da LC 118/2005 previu expressamente um período de 120 (cento e vinte) dias de vacatio legis após sua publicação, passou a ter vigência, portanto, somente a partir de 09 de junho de 2005 e só pode ter eficácia prospectiva, inci-dindo apenas sobre situações ocorridas após o início de sua vigência, e porque na essência, como dito acima, não possui índole interpretativa como insinuado no art. 4º.

À postura desta Corte estou algemado por força do art. 151 do Regi-mento Interno do TRF da 4ª Região.

No caso concreto, considerando que este feito foi ajuizado em 22.03.2005, não se aplica à hipótese a nova regra de contagem do pra-zo decadencial de indébito tributário instituída pela LC nº 118/2005, pelo que se encontram decaídos os recolhimentos cujo fato gerador é anterior a 22 de março de 1995.

Como a bitributação ocorreu somente a partir de 1996, com a aplica-ção da Lei nº 9.250/95, não há parcelas prescritas. Com efeito, a actio nata, o direito de ação nasceu somente a partir do primeiro pagamento do benefício que sofreu a retenção do Imposto de Renda com base na Lei nº 9.250/95, a partir 1º de janeiro de 1996, e, em razão da data do

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ajuizamento da ação (22.03.2005), não ocorreu a decadência de nenhuma das parcelas.

O pólo ativo desta ação é composto por quatro autores, e os benefícios tiveram início nas seguintes datas:

01) Elizeu Lorenzetti: 28.11.1994 (fl. 85/89); 02) Romacilda D’Ávila Dias: 31.10.1995 (fls. 31 e 34/35); 03) Adilson Cesar Damiani: 21.01.1997 (fl. 75); 04) Valdir Oliveira: 01.01.1999 (fl. 26);De conseguinte, Elizeu Lorenzetti tem direito à restituição apenas das

parcelas de imposto de renda incidentes sobre as contribuições por ele exclusivamente vertidas ao fundo de previdência privada no período de 01.01.1989 a 27.11.1994 (05 anos e 11 meses) e Romacilda D’Ávila Dias até 30.10.1995 (06 anos e 10 meses), pois passaram a receber o benefício no dia seguinte, justamente porque ocorre o bis in idem somente a partir de 01.01.1996, pela incidência do imposto de renda exigido com base na Lei nº 9.250/95, sobre o valor do benefício de aposentadoria.

Têm direito à restituição do Imposto de Renda incidente, na forma da Lei nº 9.250/95, sobre o montante representativo das contribuições vertidas exclusivamente pelos beneficiários de aposentadoria comple-mentar, em todo o período de vigência da Lei nº 7.713/88, de 01.01.1989 a 31.12.1995, os autores Adilson Cesar Damiani e Valdir Oliveira, em razão da data de seu jubilamento.

Forma de liquidação do julgado

O Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os valores vertidos ao fundo de previdência privada, no período de 01.01.1989 a 31.12.1995, com base na Lei nº 7.713/88, incidiu legitimamente. A hipótese de inci-dência prevista na Lei nº 9.250/95 também é revestida de legalidade, mas gerou um involuntário e indesejável bis in idem, a partir de 01.01.1996. Trata-se, a toda evidência, de indébito tributário que deve ser restituí-do/compensado de pleno jure ao contribuinte lesado, e o referencial de mensuração, o aspecto quantitativo do montante, é calculado a partir de recolhimentos efetuados sob a égide da Lei nº 7.713/88.

A orientação da Primeira Seção deste Tribunal, especializada em maté-ria tributária, por ocasião do julgamento dos EIAC nº 2000.70.00.010546-8/PR, em 03.04.2002, e na AC nº 2006.72.00.008608-0/SC, na qual foi

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acolhida questão de ordem para afetar o julgamento à Primeira Seção, para uniformizar os critérios da decadência e liquidação, cuja relatoria coube ao eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, à qual me filio, consiste no direito de o contribuinte deduzir da base de cálculo do imposto de renda, incidente sobre as prestações do benefício de aposentadoria complementar, o valor das contribuições que verteu ao fundo de previdência privada entre 1989 e 1995.

Dessa maneira, o valor total correspondente às contribuições verti-das pela parte autora, no período entre 1989 e 1995 (ou até a data da sua aposentadoria, se ocorrida antes do término da vigência da Lei nº 7.713/88), deve ser atualizado desde a data de cada recolhimento até a data do encontro de contas, a partir do primeiro ano-base de dupla incidência do Imposto de Renda, para aqueles que se aposentaram na vigência da Lei nº 7.713/88, ou no ano de 1996. Esse montante deve ser abatido do valor que constitui a base de cálculo do IRRF da aposenta-doria complementar já paga ao beneficiário no ano-base de 1996. Para os beneficiários jubilados a partir de 1997, a atualização também deve se estender até a data do encontro de contas, e, assim, sucessivamente.

A opção pela atualização anual e não mensal visa simplificar o cálculo de liquidação. Não se desconhece que a base de cálculo e os valores do IRRF retidos entre janeiro e dezembro de cada ano não sofrem correção monetária e que o ajuste anual, entregue até 30 de abril do exercício fiscal, retrata a situação geral do ano-base imediatamente anterior, sem atualização monetária. Justifica-se essa metodologia de cálculo em razão da retirada da disponibilidade do patrimônio do beneficiário de numerário que poderia ter sido utilizado na satisfação de alguma necessidade, básica ou não, ou simplesmente aplicado na poupança ou mercado financeiro, gerando rendimentos.

Acaso o montante da soma anual das contribuições mensais a ser de-duzido seja superior ao valor da base de cálculo do IRRF do benefício de aposentadoria complementar no primeiro ano-base a ser considerado, o Imposto de Renda devido neste ano é igual a zero e o valor recolhido deve ser atualizado e restituído ao beneficiário. A operação deverá ser repetida no ano seguinte com o valor remanescente e, assim, sucessivamente, até esgotá-lo.

Quanto às ações em que houve o depósito judicial mensal do Imposto

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de Renda incidente sobre o benefício, no curso da lide, o procedimento é o mesmo acima adotado. Confrontados os montantes, ano a ano, o autor tem direito ao levantamento dos depósitos até o limite do seu crédito, e o valor porventura remanescente deverá ser convertido em renda da União.

A fim de ilustrar, colaciono o mesmo exemplo prático utilizado pelo eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:

“(...) Por exemplo: suponha-se que o crédito relativo às contribuições vertidas entre 1989 e 1995 corresponda a R$ 150.000,00, e que o beneficiário aposentou-se em 1º de janeiro de 1996, iniciando, assim, a percepção da aposentadoria complementar. Suponha-se, também, que o valor total do benefício suplementar, recebido naquele ano, seja de R$ 50.000,00. Assim, este último valor deve ser totalmente deduzido. Então, o imposto devido naquele ano é zero. Logo, o valor de IR que foi efetivamente descontado da aposentadoria complementar, no ano de 1996, deve ser integralmente restituído. Resta, ainda, um crédito de R$ 100.000,00.

No ano seguinte, repete-se a operação. Suponha-se que os rendimentos auferidos em 1997 correspondam a R$ 50.000,00. Esse valor deve ser totalmente deduzido, o imposto devido será zero, e, por conseqüência, o IR efetivamente descontado da apo-sentadoria complementar, no ano de 1997, deve ser integralmente restituído. Resta, ainda, um crédito de R$ 50.000,00.

A operação deve ser repetida, sucessivamente, até o esgotamento do crédito. Na hipótese de, após restituídos todos os valores pretéritos, ainda restar crédito, a dedução do saldo pode ser efetuada diretamente nas prestações mensais do benefício. Logo, a) o beneficiário não pagará IR, até o esgotamento do saldo a ser deduzido; e b) o que tiver sido pago será objeto de repetição.

Examinemos, agora, como equacionar a situação quando, no curso da lide, houve depósito do IR incidente sob benefício. Voltemos ao exemplo já dado. O ‘crédito de contribuições’ original era de R$ 150.000,00. A aposentadoria ocorreu em 1999 e a ação foi proposta em 2004. Em janeiro/2004 começaram a ser feitos os depósitos. Nessa data, após deduzidas as restituições relativas aos exercícios de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, ainda restavam R$ 50.000,00 de ‘créditos de contribuições’. No exercício de 2004 e seguinte, os pagamentos do benefício complementar corresponderiam a reem-bolso desse crédito, até seu esgotamento; assim, os depósitos deverão ser liberados ao beneficiário, até esse limite. Esgotado ele, e remanescendo depósitos, deverão ser convertidos em renda da União. (...)”

Registro, apenas para facilitar o entendimento na liquidação do jul-gado, a necessidade de uma pequena contribuição ao exemplo acima. Supondo a existência de um crédito de contribuições de R$ 150.000,00 e valor total do benefício suplementar de R$ 50.000,00, este último valor deve ser deduzido integralmente.

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Cabe referir, se o beneficiário não sofreu retenção do imposto de renda em algum ano-base entre 1989 e 1995, em razão de seus rendi-mentos não ultrapassarem o limite de isenção, as contribuições vertidas ao fundo de previdência privada nesse ano não devem ser somadas ao montante das contribuições em cujo ano-base incidiu a tributação. Em outras palavras, no caso de um determinado beneficiário ter vertido contribuições para o fundo durante os sete anos de vigência da Lei nº 7.713/88 e, em dois desses anos os seus rendimentos não ultrapassaram a faixa de isenção, não ocorreu bitributação a partir de 1996. Nessa hipótese, apenas as contribuições vertidas em cinco anos formarão o montante do crédito a ser deduzido da base de cálculo do IRRF incidente sobre o benefício de aposentadoria complementar. Assegura-se, assim, a restituição apenas do imposto recolhido em duplicidade, a partir de 1996, pela incidência da Lei nº 9.250/95, sobre as contribuições efeti-vamente vertidas ao fundo na vigência da Lei nº 7.713/88.

De outro norte, se o beneficiário não auferiu rendimentos de apo-sentadoria complementar superiores ao limite de isenção em algum dos exercícios financeiros a partir de 1996, nesse ano-base em questão não ocorreu bitributação e a operação deve ser efetuada no ano seguinte. Registre-se que não basta ter havido retenção do Imposto de Renda em um determinado ano-base. É necessário que a incidência tenha ocorrido nos rendimentos de aposentadoria complementar privada e não sobre o benefício previdenciário de aposentadoria recebido do INSS. A situação jurídico-tributária dos proventos de aposentadoria da Previdência Social é diversa e não está em discussão nestes autos.

Nesse caso, surgem algumas situações que poderão dificultar sobre-maneira o cálculo de liquidação, cuja solução dada é a seguinte: a) o aposentado que recebeu rendimentos pelos sistemas público e privado dentro dos limites de isenção, mas, em razão da soma dos dois rendi-mentos no ajuste anual, pagou imposto de renda, somente a parcela atribuída aos rendimentos provenientes do benefício complementar deve ser descontada do imposto a restituir; b) as alíquotas de imposto de ren-da (15%, 25%, 26,6% ou 27,5%) incidentes sobre o valor do benefício complementar são desimportantes para o deslinde da questão, uma vez que a sistemática adotada para a apuração do indébito confronta a base de cálculo das contribuições com a base de cálculo do benefício para obter

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os valores efetivamente recolhidos e não hipótese de incidência; c) os valores pagos à previdência privada complementar após o jubilamento não devem ser considerados como integrantes da contribuição, porque não se trata de aporte de recursos para a formação do fundo de reserva. Retratam situação jurídica diversa e posterior à aquisição do direito à aposentadoria complementar, condizente com as políticas públicas de financiamento e manutenção desses sistemas privados.

Em que pese a peculiaridade da solução jurídica encontrada, existindo parcelas do IRRF recolhido em duplicidade atingidas pela preclusão, contadas retroativamente ao ajuizamento da ação, a base de cálculo do benefício complementar dessas exações deve ser abatida do montante do crédito de contribuições, mas o IRRF correspondente não será restituído, porquanto devem ser respeitados os institutos tributários da decadência e da prescrição. Novamente, servindo-se dos mesmos valores do exemplo acima, existente um crédito de R$ 150.000,00 e benefício suplementar anual de R$ 50.000,00 no primeiro ano-base a ser considerado, cujas par-celas foram todas atingidas pela preclusão, abate-se este valor, resultando num saldo de R$ 100.000,00, mas nada será restituído ao beneficiário relativamente a este ano. Na hipótese de, no ano seguinte, a preclusão ter atingido seis meses, abate-se do saldo de contribuições remanescente os R$ 50.000,00 relativos ao benefício complementar anual, restando um saldo de R$ 50.000,00, e o IRRF a ser restituído nesse ano será apenas aquele incidente sobre os últimos seis meses.

Definida essa questão, se ainda restarem valores a restituir a salvo da preclusão, tem o autor-exeqüente o direito à restituição por meio de precatório ou RPV, se for o caso.

Dessa forma, assegura-se a restituição do IRRF incidente em dupli-cidade sobre o valor do benefício correspondente proporcionalmente às contribuições vertidas pelo beneficiário, no período de 01.01.1989 a 31.12.1995, de forma mais equânime possível, evitando a perenização do abatimento de percentual do imposto de renda incidente sobre o be-nefício mensal da aposentadoria complementar.

Preferindo o autor a compensação do crédito remanescente, devida-mente corrigido, poderá ser deduzido diretamente das prestações mensais do benefício até o integral encontro de contas.

O próprio Regulamento do imposto de renda - RIR, Decreto nº 3.000,

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de 26.03.99, nos arts. 895 e 896, admite expressamente a possibilidade do contribuinte optar entre a restituição ou a compensação de seu valor.

Declarações Retificadoras de Rendimentos Anuais

De outro norte, inexistente no Código Tributário Nacional qualquer previsão de rito especial para a repetição de imposto de renda, cabe à parte autora apresentar a conta de liquidação por meio de simples cál-culo, com a necessária observância do Livro I, Título VIII, Capítulo IX, do Código de Processo Civil, incluído pela Lei nº 11.232, de 2005. À Fazenda Nacional cabe, acaso alegue eventualmente já ter efetuado a compensação ou restituição do imposto de renda em exercícios anteriores, fazer a juntada das declarações de ajuste anual, porque não se amolda, a toda evidência, a fato constitutivo do direito da parte autora; ao contrário, perfaz fato extintivo parcial de seu direito, cuja comprovação constitui ônus exclusivo da autoridade fazendária, nos termos do art. 333, I e II, do CPC.

Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que pa-cificou sua jurisprudência no âmbito da Primeira Seção, e tem afastado reiteradamente essa forma de restituição, privilegiando a via do precatório, como se vê pelos precedentes da Primeira e Segunda Turmas, os quais enumero, à guisa de exemplo: REsp nº 775323/PR, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 06.03.2006; REsp nº 244972/DF, 1ª T., Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 25.03.2002; REsp nº 313048/DF, 2ª T., Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 11.03.2002; REsp nº 801218/SC, 2ª T., Rel. Min. Eliana Cal-mon, DJ 22.03.2006; REsp nº 733104/SC, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 09.05.2005.

Neste contexto, uma vez pacificada a matéria nas duas Turmas de Direito Público do egrégio Superior Tribunal de Justiça, ocioso seria insistir em interpretação contrária.

Correção monetária

Tratando-se de indébito tributário, que deve ser restituído ou compen-sado, entendia eu que os indexadores a serem adotados seriam aqueles relacionados com a esfera tributária e, no caso, a aplicação da UFIR entre janeiro de 1992 e dezembro de 1995 e, a partir de janeiro de 1996, a Taxa SELIC.

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Todavia, a Primeira Seção deste Tribunal, no julgamento da Apelação Cível nº 2006.72.00.008608-0/SC, encerrado em 03.04.2008, uniformi-zou a forma de liquidação do julgado e a dissidência jurisprudencial a respeito da correção monetária a ser aplicada na atualização das contri-buições vertidas sob a égide da Lei nº 7.713/88, posicionando-se pela adoção do INPC até o encontro de contas, em detrimento da UFIR, no período de janeiro de 1992 a dezembro de 1995, e da SELIC, a partir de janeiro de 1996, por não se tratar de atualização de tributos a serem restituídos, mas da sua base de cálculo, postura à qual me filio.

Dessa maneira, para operacionalizar a restituição do Imposto de Renda recolhido em duplicidade, as contribuições vertidas exclusi-vamente pelo beneficiário à Previdência Complementar, entre 1989 a 1995, devem ser corrigidas desde a data de cada recolhimento (Súmula nº 162 do STJ) até a data do encontro de contas de cada ano-base de incidência do IRRF sobre o benefício de aposentadoria complemen-tar, enquanto houver saldo positivo de contribuições, pela variação da OTN em janeiro de 1989, do BTN, de fevereiro de 1989 até fevereiro de 1991, extinto pela Lei nº 8.177, de 01 de março de 1991, incluídos os expurgos do IPC, nos meses de janeiro de 1989, março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991, apontados nas Súmulas 32 e 37 do TRF da 4ª Região. A partir de março de 1991, o indexador é o INPC.

Todavia, não deve ser corrigida a base de cálculo do IRRF sobre o benefício de aposentadoria complementar até a data do encontro de contas, porque, desde a retirada do numerário do patrimônio do benefi-ciário, utilizou-se dele o Fisco e a atualização, além de não ser prevista na legislação regulatória do Imposto de Renda, redundaria em vantagem indevida.

Se o encontro de contas entre o montante das contribuições com a base de cálculo do imposto de renda da aposentadoria complementar resultar saldo positivo em favor do autor, o imposto de renda devido naquele ano é zero e os valores recolhidos deverão ser restituídos ou compensados. Estes sim, por se tratar de indébito tributário, devem ser atualizado por indexador relacionado com a esfera tributária.

Conseqüentemente, o imposto de renda recolhido indevidamente deve ser atualizado pelos juros da Taxa SELIC, indexador oficial a partir de 01.01.1996, para a compensação ou restituição do crédito do contribuin-

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te, em virtude da regra insculpida no artigo 39, § 4º, da Lei 9.250/95, acumulados mensalmente, a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% no mês em que estiver sendo efetuada, excluindo-se qualquer indexador, porque a SELIC tem natureza mista, englobando correção monetária e juros.

Ônus de sucumbência

A sentença condenou a União nas custas em devolução e em honorários advocatícios de 10% do valor da causa, atualizados desde o ajuizamento, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. A União postula a inversão desse ônus.

Os autores pediram a declaração de inexigibilidade do Imposto de Renda incidente sobre os valores recebidos a título de previdência com-plementar, correspondente proporcionalmente às contribuições recolhidas pelos autores no período de vigência da Lei nº 7.713/88, e a restituição do indébito nos últimos dez anos. O pleito dos quatro autores foram aten-didos, somente com a limitação de dois deles, em razão de a data de sua aposentadoria ter ocorrido um pouco antes do término da vigência da Lei nº 7.713/88, o que não lhes retira a condição de terem logrado êxito na quase totalidade da demanda.

Dessa forma, por ter decaído a União da maior parte do pedido, inviável a inversão da sucumbência, motivo pelo qual mantenho sua condenação nos ônus de sucumbência, na forma posta pela sentença, acrescendo somente que o indexador a ser utilizado na atualização é o IPCA-E.

Dispositivo

Frente ao exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, para, afastando a decadência, declarar o direito dos autores Adilson Cesar Damiani e Valdir Oliveira, em razão do jubila-mento posterior à vigência da Lei nº 7713/88, à restituição do imposto de renda incidente na forma da Lei nº 9250/95, sobre o montante repre-sentativo das contribuições vertidas exclusivamente pelos beneficiários de aposentadoria complementar, em todo o período de vigência da Lei nº 7713/88, de 01.01.1989 a 31.12.1995, e limitar o direito de Elizeu Lorenzetti e Romacilda D’Ávila Dias à restituição apenas das parcelas

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da exação recolhidas até a data imediatamente anterior à aposentadoria, ocorrida antes da vigência da Lei nº 9250/95, mantendo a sucumbência exclusiva da União, por terem os autores decaído de parcela mínima do pedido, na forma da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2006.71.00.021817-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelante: Centro Shopping Empreendimentos e Participações Ltda.Advogado: Dr. Paulo Henrique da Costa Nagelstein

Apelados: Cia. Estadual de Energia Elétrica - CEEE-GT (CEEE Geração e Transmissão) e outro

Advogados: Drs. Luciano José da Silva e outrosApelada: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

Advogada: Karine Lyra Correa

EMENTA

Tarifa binômia de energia elétrica. Demanda contratada e demanda consumida. Resolução nº 456/00 da ANEEL. Decreto nº 62.724/68. Revogação. CDC. Natureza tributária.

A forma de cálculo devida pela autora, classificada no Grupo “A” (art. 2, inciso XXII, da Resolução nº 456/00), nos termos contratados com a concessionária, é binômia, ou seja, é formada pelo “conjunto de tarifas de fornecimento constituído por preços aplicáveis ao consumo de energia elétrica ativa e à demanda faturável” – inciso XXXVI do art. 2º da Resolução nº 456/00 da ANEEL. Há, nesse caso, a disponibilização de uma cota de potência no período de apuração da tarifa.

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A Lei nº 8.631/93, que “dispõe sobre a fixação dos níveis das tarifas para o serviço público de energia elétrica, extingue o regime de remunera-ção garantida e dá outras providências”, não revogou ou trouxe alterações substanciais na forma de cálculo da tarifa binômia. No seu art. 7º foi veiculada tão-somente a extinção do regime de remuneração garantida e no art. 17, dispositivo que traz um rol de revogações expressas, não se prevê qualquer alteração no Decreto nº 62.724/68. Aliás, ao contrário do sustentado pela empresa, a Lei nº 8.631/93 recepcionou de forma clara a tarifa binômia ao prever que as tarifas serão dimensionadas de acordo com os valores necessários para o fornecimento do serviço e levando em consideração as características específicas de cada concessionário.

Mesmo que o consumidor não utilize a totalidade da energia contra-tada, deve arcar com o potencial disponibilizado em razão dos custos com que a concessionária teve para lhe assegurar a prestação do serviço, situação que não ofende as garantias veiculadas no Código de Defesa do Consumidor. Precedente do STJ – REsp 609332/SC.

A exação em análise não têm um dos traços característicos dos tributos, a compulsoriedade (art. 3º do Código Tributário Nacional). Isso porque o consumidor não é obrigado a utilizar-se do serviço pú-blico de distribuição de energia fornecido pela concessionária, mas, em caso de contratação, a obrigatoriedade somente surge na forma de cálculo da tarifa, segundo o enquadramento do art. 2º, inciso XXII, da Resolução nº 456/00.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 04 de junho de 2008.Desembargador Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Centro Shopping Empreen-dimentos e Participações Ltda. impetrou mandado de segurança, com

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pedido liminar, dirigido contra ato do Diretor da CEEE, visando obter provimento judicial que suspenda os efeitos da Resolução nº 456/2000 de forma que seja afastada a cobrança de valores referentes à demanda contratada (demanda de potência) e tarifa de ultrapassagem (demanda de ultrapassagem).

O exame da liminar foi postergado para momento posterior às infor-mações – fl. 43.

Notificada, a Autoridade prestou informações às fls. 47-77. Alegou preliminares e, quanto ao mérito, informou que o sistema de cobrança da tarifa impugnada pela empresa tem previsão legal e visa a cobrir riscos de apagões.

A ANEEL contestou (fls. 118-32) suscitando preliminares e, no mérito, defendeu a legalidade da Resolução atacada. Sustentou que o normativo tem base legal e está balizado nos princípios regulamentadores do serviço de fornecimento de energia no país.

Indeferida a liminar pela decisão de fls. 133-6.Sobreveio sentença (fls. 152-56) rejeitando as preliminares alegadas

e, no mérito, denegando a segurança pleiteada.Inconformada, apelou a impetrante (fls. 159-79) pugnando pela re-

forma da sentença e procedência da ação.Contra-razões pela CEEE às fls. 187-94 e pela ANEEL às fls. 196-216.O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso

(fls. 223-4).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Trata-se de apelo da impe-trante atacando sentença que julgou improcedente pedido para que seja declarada a inexigibilidade da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda contratada, exigida com base na Resolução nº 456/00 da ANEEL e no Decreto nº 62.724/68.

Inicialmente, registro que, no âmbito da Corte Especial deste Regional, a jurisprudência firmou-se no sentido de que as causas versando acerca da tarifa ou taxa de demanda instituída pela Resolução nº 456/2000 da ANEEL, por veicularem discussão sobre a natureza tributária do en-cargo, o que se configura no caso em tela, devem ser examinadas pelas

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Turmas integrantes da 1ª Seção, conforme bem evidenciam os seguintes excertos, verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ENERGIA ELÉTRI-CA. TAXA DE DEMANDA.

- Em havendo, na Subseção Judiciária de Porto Alegre, especialização de Vara Tri-butária, a esta há de competir writ of mandamus em que se discute matéria pertinente à determinação da natureza tributária, ou não, da taxa de demanda e seus consectários.” (TRF4, CC 2005.04.01.016373-4, Corte Especial, Relator Des. Federal Valdemar Capeletti, DJ 03.08.2005)

“PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. VARA ESPECIALIZA-DA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA.

- Versando a demanda sobre a cobrança de ‘taxa de demanda’ prevista na Resolução nº 456/00 da ANEEL, cabe às varas especializadas em Direito Tributário a competência para dizer se a exação tem ou não natureza tributária.

- Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitante.” (TRF4, CC 2005.04.01.008267-9, Corte Especial, Relator João Surreaux Chagas, DJ 06.07.2005)

Esclarecido isso, passo a tecer algumas observações a respeito do sistema de fornecimento e cobrança de energia elétrica ao qual a empresa autora está submetida.

Diferentemente da maioria dos consumidores, que somente pagam a tarifa de energia elétrica pelo efetivo consumo, a forma de cálculo devida pela autora, classificada no Grupo “A” (art. 2º, inciso XXII, da Resolução nº 456/00), nos termos contratados com a concessionária, é binômia, ou seja, é formada pelo “conjunto de tarifas de fornecimento constituído por preços aplicáveis ao consumo de energia elétrica ativa e à demanda faturáveis” – inciso XXXVI do art. 2º da Resolução nº 456/00 da ANEEL. Há, nesse caso, a disponibilização de uma cota de potência no período de apuração da tarifa.

Em dado período, caso o consumidor ultrapasse referida cota, será cobrada a chamada tarifa de ultrapassagem que é “aplicável sobre a diferença positiva entre a demanda medida e a demanda contratada, quando exceder os limites estabelecidos” – XXXVII do art. 2º da Re-solução nº 456/00 da ANEEL. Em outros períodos, pode ocorrer de o consumidor não utilizar a totalidade da cota de energia disponibilizada pelo contrato. Neste último caso, mesmo que o consumidor não utilize a totalidade de energia contratada e disponibilizada no período, paga o

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valor contratado – demanda contratada. Dessa forma, a conta de energia a ser apresentada pela concessionária será guiada sempre pelo valor maior entre: a) demanda contratada, que é a “demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW)” – inciso IX do art. 2º da Resolução nº 456/00 da ANEEL; ou b) demanda medida, que é o efetivo consumo.

Essa sistemática de cobrança justifica-se na medida em que a Con-cessionária, ao firmar contrato com os usuários, dimensiona a rede de transmissão elétrica de forma a atender às peculiaridades de cada região de acordo com a demanda de energia exigida. Há um investimento pré-vio da Concessionária para atender à necessidade dos usuários e, nos casos de grandes consumidores, como a empresa autora, necessita-se a implementação ainda maior de capacidade de transmissão. Por essa razão, caso a empresa não utilize parte da demanda contratada (energia disponibilizada), faz com que o sistema fique ocioso, causando prejuízos à companhia. Assim, a forma de cobrança, no caso de tarifa binômia, visa assegurar à Concessionária o retorno financeiro dos investimentos por ela realizados na rede de transmissão para atender à demanda dos con-sumidores enquadrados no Grupo “A” (art. 2, inciso XXII, da Resolução nº 456/00), que são os consumidores que necessitam da disponibilização de uma grande quantidade de energia.

Em outras palavras, a contratação nos termos descritos acima firma um compromisso entre as partes (consumidores do Grupo “A” e Conces-sionária): a Concessionária compromete-se em realizar os investimentos necessários para a disponibilização da demanda de energia exigida pelo consumidor e este, por sua vez, compromete-se a pagar um valor mínimo na tarifa (demanda contratada) para cobrir esses custos.

Registre-se, ainda, que essa forma de cálculo da tarifa para os consu-midores classificados no Grupo “A” (art. 2, inciso XXII, da Resolução nº 456/00), no qual a autora é enquadrada, é obrigatória aos consumidores que demandem o nível de consumo ali previsto, não havendo a opção pelo cálculo da tarifa normal – efetivo consumo tão-somente.

Feitos os esclarecimentos acima, é justamente nessa peculiar forma

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de cálculo da tarifa (inicialmente trazida pelo Decreto nº 62.724/68) a inconformidade da autora que, ao seu entendimento, foi extinta pela Lei nº 8.631/93. Assim, sustenta que a Resolução nº 456/00 da ANEEL foi editada ao arrepio do ordenamento legal.

Contudo, ao confrontar os dispositivos indicados como conflitantes, tenho por concluir de forma oposta ao entendimento sustentado pela empresa. Explico.

O Decreto nº 62.724/68 dispõe sobre a questão da seguinte forma:“Art. 2º Para fins de análise de custo do serviço e fixação de tarifas, as classes de

consumidores de que trata o art. 177, Capítulo VII, Título IV, do Decreto nº 41.019, de 26 de fevereiro de 1957, deverão ser grupadas da seguinte forma:

1 - Grupo A; consumidores ligados em tensão igual ou superior a 2.300 volts;2 - Grupo B; consumidores ligados em tensão inferior a 2.300 volts.” (grifei)“Art 11. As tarifas a serem aplicadas aos consumidores do Grupo A serão estrutu-

radas sob forma binômia, com uma componente de demanda de potência e outra de consumo de energia.

§ 1º A demanda de potência, bem como o consumo de energia de cada usuário desse grupo, deverão ser verificados, sempre por medição.

§ 2º O consumidor do Grupo A, cuja capacidade de transformadores for igual a uma vez e meia o limite permitido para ligação de consumidores do Grupo B, poderá optar por mudança de grupamento para efeito de medição da energia consumida e aplicação da tarifa relativa à respectiva classe, se houver, do Grupo B.

§ 3º O consumidor do Grupo A, cuja potência contratada for igual ou inferior a uma vez e meia a máxima demanda de potência permitida para a ligação de consumidores do Grupo B, poderá optar por mudança de grupamento para efeito de medição da energia consumida e aplicação da tarifa relativa à respectiva classe, se houver, do Grupo B.

§ 4º As portarias de fixação de tarifas poderão estabelecer blocos nas taxas de de-manda de potência e consumo de energia, aplicáveis aos consumidores do Grupo A, levando-se em consideração o valor da carga demandada e a sua distribuição, com base em estudos a serem apresentados pelo concessionário, à Fiscalização.”

A Resolução nº 456/00 da ANEEL foi editada na esteira do Decreto nestes termos:

“Art. 2º. Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais:

(...)XXII - Grupo A: grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimen-

to em tensão igual ou superior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão inferior a 2,3 kV a partir de sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo nos termos

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definidos no art. 82, caracterizado pela estruturação tarifária binômia e subdividido nos seguintes subgrupos:

a) Subgrupo A1 - tensão de fornecimento igual ou superior a 230 kV;b) Subgrupo A2 - tensão de fornecimento de 88 kV a 138 kV;c) Subgrupo A3 - tensão de fornecimento de 69 kV;d) Subgrupo A3a - tensão de fornecimento de 30 kV a 44 kV;e) Subgrupo A4 - tensão de fornecimento de 2,3 kV a 25 kV;f) Subgrupo AS - tensão de fornecimento inferior a 2,3 kV, atendidas a partir de

sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo em caráter opcional.(...)XXVIII - Potência disponibilizada: potência de que o sistema elétrico da conces-

sionária deve dispor para atender aos equipamentos elétricos da unidade consumidora, segundo os critérios estabelecidos nesta Resolução e configurada nos seguintes parâ-metros: (Redação dada pela Resolução ANEEL nº 614, de 06.11.2002)

a) unidade consumidora do Grupo A: a demanda contratada, expressa em qui-lowatts (kW);

b) unidade consumidora do Grupo B: a potência em kVA, resultante da multiplicação da capacidade nominal ou regulada, de condução de corrente elétrica do equipamento de proteção geral da unidade consumidora pela tensão nominal, observado no caso de fornecimento trifásico, o fator específico referente ao número de fases. (...)”

Por sua vez, a Lei nº 8.631/93, que “dispõe sobre a fixação dos níveis das tarifas para o serviço público de energia elétrica, extingue o regime de remuneração garantida e dá outras providências”, não revogou ou trouxe alterações substanciais na forma de cálculo da tarifa binômia. No seu art. 7º foi veiculada tão-somente a extinção do regime de remuneração garantida e no art. 17, dispositivo que traz um rol de revogações expres-sas, não se prevê qualquer alteração no Decreto nº 62.724/68. Vejamos:

“Art. 7º O regime de remuneração garantida e, em conseqüência, a Conta de Re-sultados a Compensar - CRC e a Reserva Nacional de Compensação de Remuneração - RENCOR ficarão extintos na data de publicação do decreto regulamentador desta Lei. (...)”

“Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogados o art. 1º e a alínea e do § 2º do art. 2º da Lei nº 5.655, de 20 de maio de 1971, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.506, de 23 de dezembro de 1976; o parágrafo único do art. 7º da Lei nº 5.899, de 5 de julho de 1973; os arts. 1º, 2º, 3º e 13 do Decreto-Lei nº 2.432, de 17 de maio de 1988; a alínea d do art. 4º do Decreto-Lei nº 1.383, de 26 de dezembro de 1974, e demais disposições em contrário.”

Aliás, ao contrário do sustentado pela empresa, penso que a Lei nº

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8.631/93 recepcionou de forma clara a tarifa binômia ao prever que as tarifas serão dimensionadas de acordo com os valores necessários para o fornecimento do serviço e levando em consideração as características específicas de cada concessionário. É o que se depreende dos arts. 1º e 2º da Lei:

“Art. 1º Os níveis das tarifas de fornecimento de energia elétrica a serem cobradas de consumidores finais serão propostos pelo concessionário ao Poder Concedente, que os homologará, observado o disposto nesta Lei.

(...)§ 2º Os níveis das tarifas a que se refere o caput deste artigo corresponderão aos

valores necessários para a cobertura do custo do serviço de cada concessionário distribuidor, segundo suas características específicas, de modo a garantir a prestação dos serviços adequados.

(...)Art. 2º Os níveis das tarifas a serem praticadas no suprimento de energia elétrica

serão propostos pelo concessionário supridor e homologados pelo Poder Concedente, como dispõe esta Lei.

(...)” (grifei)

Deve ser afastada, ainda, a aludida ofensa pela forma de cálculo da tarifa aos §§ do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor - CDC. Tais dispositivos enumeram rol de clausulas abusivas em contratos de prestação de serviços e produtos. Vejamos a redação dos dispositivos:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato,

de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a na-

tureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

§ 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

§ 3º (Vetado).§ 4º É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer

ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não

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assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.”

O STJ já se pronunciou especificamente sobre essa questão apon-tando que a remuneração paga pela tarifa binômia baseia-se na idéia de disponibilização do potencial energético contratado. Assim, mesmo que o consumidor não utilize a totalidade da energia contratada, deve arcar com o potencial disponibilizado em razão dos custos com que a con-cessionária teve para lhe assegurar a prestação do serviço, situação que não ofende as garantias veiculadas no CDC. Veja-se o seguinte julgado:

“ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. TARIFA-ÇÃO. COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA. LEGITIMIDADE.

1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da admi-nistração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do Consumidor.

2. A prestação de serviço de energia elétrica é tarifada a partir de um binômio entre a demanda de potência disponibilizada e a energia efetivamente medida e consumida, conforme o Decreto 62.724/68 e a Portaria DNAEE 466, de 12.11.1997.

3. A continuidade do serviço fornecido ou colocado à disposição do consumidor mediante altos custos e investimentos e, ainda, a responsabilidade objetiva por parte do concessionário, sem a efetiva contraposição do consumidor, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito.

4. Recurso especial improvido.” (STJ, REsp 609332/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 354)

Improcede, ainda, a tentativa de caracterização da natureza tributária da exação (tarifa binômia), porquanto a adesão ao plano de fornecimento de energia pela concessionária é desprovida de obrigatoriedade.

Consoante o § 4º do artigo 176 da Constituição Federal: “não depende-rá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia elétrica renovável de capacidade reduzida”. Desse modo, a utilização do serviço não é compulsória.

Sobre a facultatividade da utilização do fornecimento de energia elétrica, o Ministro Moreira Alves ensina:

“O problema, sim, é o de saber se o indivíduo, diante do serviço público prestado pelo Estado, tem, pelo menos, o direito de não usar dele, sem sofrer punição por isso. Assim, por exemplo, o serviço de eletricidade é prestado pelo Estado ou por conces-sionário dele, mas não é compulsório, porque se alguém quiser não usar dele (preferir usar de fogão a carvão ou a gás engarrafado, e iluminar-se com vela ou lampião) não

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está obrigado a valer-se desse serviço e, portanto, não está obrigado a pagar por ele. O mesmo sucede com a passagem de ônibus, que só é devida se o indivíduo se utiliza do veículo, sem estar obrigado a essa utilização, porque poderá ir ao seu destino a pé, de bicicleta, de táxi, de carro próprio, ou até mesmo não ir.” (STF, Pleno, RE nº 89.876/RJ. Relator Min. Moreira Alves. j. 04.09.1980)

No fornecimento de energia elétrica, os deveres e direitos dos usuá-rios e prestadores de serviço nascem de um contrato de adesão. A tarifa de energia elétrica corresponde à venda de um bem, não configurando obrigação ex lege, mas sim obrigação contratual nascida de relação ju-rídica de direito privado.

Segundo o artigo 3º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda cujo valor nela se possa ex-primir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. É, portanto, obrigação compulsória decorrente de lei. Como já visto, a utilização dos serviços de energia elétrica é facultativa, o que afasta a natureza tributária da contraprestação, seja na forma binômia, seja na monômia.

Portanto, a exação em análise não tem um dos traços característicos dos tributos, a compulsoriedade (art. 3º do Código Tributário Nacional). Em outros termos, o consumidor não é obrigado a utilizar-se do serviço público de distribuição de energia fornecido pela concessionária, mas, em caso de contratação, a obrigatoriedade somente surge na forma de cálculo da tarifa, segundo o enquadramento do art. 2º, inciso XXII, da Resolução nº 456/00.

Por fim, trago precedentes desta Corte que sufragam as razões acima esposadas:

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE DEMANDA E TARIFA DE ULTRAPASSAGEM. RESOLUÇÃO Nº 456/2000. LEGALIDADE DA COBRANÇA. CDC. PRINCÍPIO DA MODICIDADE.

1. A Lei nº 8.631/93 não revogou expressa ou tacitamente o Decreto nº 62.724/68 e não regulou o regime de cobrança da tarifa exigida do consumidor final.

2. A tarifa de energia elétrica é composta por dois elementos, um referente à demanda de potência e outro referente ao consumo efetivo de energia. Esta é a tarifa binômia. Para oferecer esta potência a concessionária deve instalar e manter equipamentos de transmissão dimensionados adequadamente (cabos condutores, torres, transformadores) e gerar a eletricidade demandada.

3. A Lei nº 8.631/93 não alterou as modalidades tarifárias do setor elétrico, vigendo

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a tarifa binômia para os consumidores do Grupo A e a tarifa monômia para os consu-midores do Grupo B, conforme a quantidade de demanda requerida pelo consumidor.

4. A Resolução nº 456/2000 foi editada em consonância com a Lei nº 9.427/96, que instituiu a ANEEL e passou a disciplinar o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica.

5. A taxa de demanda é preço público, uma vez que decorre de contrato ao qual adere voluntariamente o consumidor ao solicitar sua ligação à rede, tendo como destinatário da contraprestação – pagamento compulsório de todos os itens que compõem a tarifa de energia do Grupo em que se enquadra – a própria prestadora do serviço.

6. Inexistência de ofensa ao Código de Defesa do Consumidor e ao princípio da modicidade.

7. Apelação improvida.” (TRF4, Primeira Turma, AMS Nº 2006.72.00.003149-2/SC, Rel. Des. Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, por unanimidade, D.E. Publicado em 23.04.2008)

“MANDADO DE SEGURANÇA. TARIFA DE DEMANDA E TARIFA DE UL-TRAPASSAGEM. RESOLUÇÃO Nº 456/2000.

O regime de tarifa binômia, instituído pela Resolução nº 456/2000 da ANEEL, constitui preço público, sem natureza tributária, regulamentado no âmbito das atribui-ções da referida agência.

Inexiste conflito normativo entre a aludida resolução e a legislação vigente, mor-mente a Lei nº 8.631/1993.

Inexiste ofensa ao Código de Defesa do Consumidor e ao princípio da modicidade.” (TRF4, Primeira Turma, AMS Nº 2005.70.00.024916-6/PR, Rel. Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS, por unanimidade, D.E. publicado em 27.02.2008)

Com a finalidade específica de evitar não sejam conhecidos eventuais recursos a serem manejados nas instâncias superiores, explicita-se que esta decisão não violou os seguintes dispositivos legais: artigos 1º, § 1º, do Decreto 774/93; 7º da Lei nº 8.631/93; 2º, § 1º da LICC; 9º da Lei nº 8.987/95; 2º e 3º da Lei nº 9.427/96; 39, I, V e X, do § 1º, e 51, ambos do CDC; 3º e 4º do CTN; 2º, 5º, II, 22, IV, 84, IV, e 175, IV, da Constituição Federal, para efeitos de prequestionamento.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.00.000342-7/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelada: DAP Telecomunicações Energia e Construção Civil Ltda.Advogados: Drs. Rafael de Assis Horn e outros

EMENTA

Tributário. Embargos à execução fiscal. Confissão de tributos. Dis-cussão judicial. Possibilidade. IRPJ e CSLL. Arbitramento. Ausência de caráter punitivo. Busca da verdade material. Regularização da conta-bilidade em momento posterior ao encerramento da via administrativa. Lançamento. Regularidade. Adequação do título executivo. Honorários advocatícios.

1. A confissão de débitos na via administrativa não implica a impos-sibilidade de discutir a sua legalidade ou inconstitucionalidade em ação judicial, se o contribuinte não concorda com a imposição tributária. As conseqüências desse ato de vontade não se estendem à esfera judicial, pois a pretensão jurisdicional em nada se assemelha ao ato administrativo ocorrido perante a Receita Federal. Em razão da unidade de jurisdição, a administração tributária não tem poder para decidir sobre a legalidade ou constitucionalidade do débito. Por conseguinte, a confissão de dívida não exclui a apreciação, pelo Poder Judiciário, da controvérsia, consoante preconiza o art. 5º, XXXV, da Constituição. Assim, a embargante não se encontra impedida de discutir judicialmente as exigências cobradas no presente auto de infração, sendo desarrazoado reputar-se tal atitude como litigância de má-fé, como quer fazer crer a recorrente. Eventuais conseqüências da não-desistência das ações em que se discuta o débito parcelado encontram-se adstritas à esfera administrativa, não possuindo repercussão na via judicial.

2. O arbitramento não constitui uma modalidade de lançamento, mas uma técnica, um critério substitutivo que a legislação permite, excep-cionalmente, quando o contribuinte não cumpre com seus deveres de manter a contabilidade em ordem e em dia e de apresentar as declara-ções obrigatórias por lei. Não tem, em atenção ao princípio da verdade

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material, qualquer caráter punitivo, apenas sendo justificado quando, em razão do não-exercício ou exercício deficiente do dever de colaboração do contribuinte, impossível a análise da prova direta da base de cálculo do tributo (escrituração regular). O fisco deve buscar sempre aproximar--se da realidade econômica da matéria tributável, valendo-se dos meios de pesquisa ao seu alcance. Somente quando restarem eliminadas todas as possibilidades de descoberta direta da base real do tributo legitima--se a desclassificação da escrituração oferecida pelo contribuinte e, de conseqüência, o arbitramento.

3. Na hipótese, após o esgotamento da discussão na via adminis-trativa, promoveu a autora a regularização da sua contabilidade, o que ocasionou, segundo a perícia judicial realizada nos autos da medida cautelar de produção antecipada de provas, a possibilidade de aferição do lucro real da empresa no período fiscalizado. Contudo, da conclusão do referido laudo não se pode retirar a ilação de que o lançamento por arbitramento foi apressado ou mesmo equivocado, e isto porque não foi examinada, pelo perito judicial, a contabilidade oferecida e retificada pela empresa no curso da fiscalização, mas sim outra, contendo a com-plementação daquelas. Em verdade, o resultado da perícia unicamente demonstra que o contribuinte promoveu a regularização da sua escrita contábil, possibilitando a apuração do montante tributável de acordo com as determinações do Regulamento do Imposto de Renda, e forne-ceu os elementos de investigação que tornariam possível a descoberta da verdade material. Mas disso não decorre a conclusão de que, à época da fiscalização, a contabilidade permitia a apuração do lucro real, o que tornaria insubsistente o lançamento por arbitramento.

4. Considerando que a embargante não logrou infirmar as conclusões da fiscalização mediante prova pericial técnica que afirmasse a possibili-dade de apuração do lucro real com base naquela escrituração oferecida ao fisco, conclui-se pela regularidade do procedimento administrativo que culminou na lavratura do lançamento por arbitramento, pois outra opção não restava ao agente fiscal a fim de apurar o quantum devido pela empresa a título de IRPJ e CSLL. Assim, neste ponto, merece reforma a sentença que anulou o lançamento por arbitramento.

5. Não obstante tais considerações, as circunstâncias do caso concreto autorizam a adequação do título executivo, em atenção ao princípio da

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verdade material que norteia a constituição e cobrança do crédito tribu-tário, a fim de que prossiga a execução apenas em relação aos valores apurados pela perícia judicial, valores esses que não restaram contestados pelo assistente técnico da União, a não ser em relação à particularidade de aquele ter examinado contabilidade diversa daquela oferecida à fis-calização. O fato de a empresa ter suprido as omissões e regularizado a contabilidade apenas após o encerramento da ação fiscal não se sobrepõe ao direito, legalmente assegurado, de avaliação contraditória, que, no caso, foi realizada apenas na via judicial. A norma do artigo 148 do CTN tem o escopo de aproximar os valores arbitrados o máximo possível da verdadeira base de cálculo do tributo, na medida em que o direito ao contraditório limita a discricionariedade da autoridade fiscal. Firma-se uma presunção relativa quanto à tributação com base no arbitramento, porquanto o contribuinte sempre poderá fazer, como na hipótese o fez, prova em contrário, demonstrando a possibilidade de apuração da ver-dadeira base de cálculo do tributo.

6. Considerando a sucumbência mínima da parte autora, a União deve suportar integralmente os honorários advocatícios. O art. 20, § 4º, do CPC permite que se arbitre os honorários com base na eqüidade, valendo-se dos critérios elencados nas alíneas a, b e c do § 3º desse artigo. A eqüi-dade serve como valioso recurso destinado a suprir as lacunas legais e auxiliar a aclarar o sentido e o alcance das leis, atenuando o rigorismo dessas, de molde a compatibilizá-las às circunstâncias sociais, inspirada pelo espírito de justiça. A matéria posta em juízo, embora abranja várias questões, não é demasiadamente intrincada, restringindo-se a provas documentais existentes na via administrativa. Tendo em mente que a lide envolve um ente público, a moderação deve imperar, adotando-se valor que não onere demasiadamente o vencido e remunere merecidamente o patrono do vencedor na demanda.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da União e à re-messa oficial, tida por interposta, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 02 de abril de 2008.Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença (fls. 94-96) que, apreciando Embargos à Execução, julgou procedente o pedido, anulando o lança-mento decorrente do processo administrativo nº 11516.000457/2004-62 e determinando a extinção da execução fiscal nº 2005.72.00.012861-6. A União foi condenada a pagar honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da execução (R$ 20.265.514,52 em outubro de 2005).

Alega a recorrente que a sentença entendeu que o lançamento por arbitramento foi medida desnecessária, baseando-se, para tanto, no laudo pericial elaborado por expert nos autos da Ação Cautelar de Produção Antecipada de Prova nº 2006.72.00.000436-1. Contudo, uma análise “sistêmica e imparcial” do referido laudo leva à conclusão totalmente inversa, ou seja, da absoluta imprescindibilidade do arbitramento, pois houve obediência às regras previstas no art. 148 do CTN e legislação específica. Ademais, sinala que o apelado requereu e obteve o parcela-mento (MP nº 303/2006) dos débitos objeto da execução fiscal embargada, o que, a teor do § 6º do art. 1º da referida medida provisória, implica confissão irrevogável e irretratável de todos os débitos existentes em nome da pessoa jurídica, configurando confissão extrajudicial na forma dos arts. 348, 353 e 354 do CPC. Outrossim, o disposto no art. 3º, II, do referido diploma legal exige a expressa e irrevogável desistência de eventual ação em que se discuta o débito e a renúncia ao direito em que se funda a ação, sendo que o apelado, assim, agiu de má-fé ao não desistir da presente ação. Por fim, requer a redução da verba honorária fixada na sentença, que remonta a mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), para o patamar de 1% do valor da causa, além da condenação do apelado por litigância de má-fé.

Às fls. 111-112 a União apresenta “emenda à petição de recurso de apelação”, para fazer constar, ao invés do pedido de redução dos hono-rários para 1% do valor da causa, o pedido de redução para o patamar máximo de 0,1% (um décimo por cento) do valor da causa.

Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.

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É o relatório.

VOTO

De início, ressalto que, conquanto não tenha havido menção na sentença recorrida a respeito da remessa oficial, a hipótese em apreço enquadra-se na previsão contida no art. 475, II, do CPC. Conheço-a, portanto, de ofício, procedendo à sua apreciação.

A exigência fiscal discutida neste recurso tem origem no auto de infração lavrado contra a empresa Dap Redes Elétricas e Telefônicas Ltda., em 02.03.2004, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, dos anos-calendário de 2000 e 2001 (processo administrativo nº 11516.000457/2004-62). A autuação decorreu do arbitramento do lucro, em razão de a escrituração mantida pela empresa ter sido considerada imprestável para a determinação do lucro real, mesmo após a realização de diversas intimações e análise das respostas fornecidas pelo contribuinte (fls. 1083-1099).

Cumpre, antes de adentrar no exame da controvérsia, traçar um breve histórico do processo administrativo originário.

Após a análise da documentação disponibilizada pelo contribuinte em resposta ao Termo de Início de Ação Fiscal (fls. 108-110), foi constatada pela fiscalização grande diferença entre a movimentação bancária refle-tida na apuração da CPMF e a registrada na contabilidade da empresa, bem como a existência de movimentação bancária não escriturada na contabilidade. Assim, foram solicitados esclarecimentos através do Termo de Intimação 01/2003 (fls. 201-202), prestados oportunamente pelo contribuinte, que reconheceu que seus registros contábeis diver-giam em parte da movimentação financeira devidamente realizada, pois foram desconsideradas pelos contadores as operações de descontos de duplicatas junto aos bancos Bradesco e BBM, e que todos os créditos oriundos dessa última instituição financeira poderiam ser verificados na conta corrente mantida pela empresa no Banco Bradesco (fls. 238-239).

A fim de verificar a possibilidade de identificar as operações relati-vas à movimentação bancária junto ao BBM e Unibanco, foi lavrado o Termo de Intimação nº 04/2003 (fls. 438-442), no qual requisitado ao contribuinte que (a) informasse se possuía livros com lançamentos diários ou livros auxiliares, (b) que identificasse alguns lançamentos constantes

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de extratos bancários junto ao Unibanco, (c) que confirmasse o modo de contabilização do desconto de duplicatas, e (d) que justificasse as diferenças apontadas nos valores descontados. Como resposta, o contri-buinte informou que, de maneira que não possuía livros auxiliares, não havia como identificar os registros constantes do extrato bancário, bem como que as diferenças apontadas poderiam estar figurando em outras contas (fl. 477).

Ainda no curso da fiscalização, requereu o contribuinte prazo para refazer sua contabilidade dos anos de 2000 e 2001, o que foi deferido pela autoridade em 04.12.2003 (fl. 480). Retificada a contabilidade, e constatando a fiscalização alterações substanciais nas contas patrimoniais e de resultado e que o contribuinte havia debitado diversas saídas de recursos sem comprovação em uma conta de “despesas não dedutíveis”, foi lavrado o Termo de Intimação nº 05/2004 (fls. 551-553), no qual solicitado que justificasse as diferenças entre a contabilidade original e a nova, além de juntar os documentos comprobatórios de lançamentos contábeis, extratos bancários, notas fiscais e duplicatas. Como não fos-sem satisfatórias as informações prestadas pelo contribuinte em resposta, novamente foi esse instado, através do Termo de Intimação nº 06/2004 (fls. 571-573), a identificar alguns dos lançamentos contábeis de ambos os anos fiscalizados nos extratos bancários, justificando eventuais dife-renças detectadas e juntando os documentos necessários.

Não se satisfazendo mais uma vez com os esclarecimentos prestados pela empresa, e diante da grande inconsistência da contabilidade, a fis-calização desclassificou a contabilidade da empresa, sob a justificativa de que“a contabilidade, mesmo após o prazo concedido ao contribuinte para saneá-la, é im-prestável para a auditoria da apuração do Lucro Real nos anos calendário 2000 e 2001. Novamente, reafirmamos que empreendemos esforços para verificar os registros das operações do contribuinte, mesmo tendo constatado desde o início que a contabilidade tinha grandes deficiências. Tais deficiências foram reconhecidas desde o primeiro mo-mento pelo próprio contribuinte, porém, mesmo com todo o esforço da fiscalização e a boa vontade do contribuinte em tentar atender às intimações, com o passar do tempo foi ficando evidente que não era possível auditar a contabilidade nas condições apre-sentadas. As justificativas do contribuinte não encontram suporte na contabilidade. As diferenças apontadas não conseguem ser sanadas. O contribuinte não consegue – ele próprio – identificar operações bancárias de vulto em sua contabilidade. São dezenas

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de operações bancárias que não consegue identificar. As listas colocadas nos termos de intimação eram apenas exemplificativas, reunindo algumas das operações de débito e crédito mais vultosas. O ativo foi inflado indevidamente ao longo de 2000, fato não contestado pelo contribuinte. Por fim, o reconhecimento do contribuinte de que não é possível identificar registros e justificar diferenças por falta dos livros auxiliares, ou seja, porque os lançamentos contábeis por totais mensais não permitem a auditagem” (fls. 1078-1079).

Assim, foi lavrado o auto de infração ora contestado que, impugna-do na via administrativa, foi mantido pela 3ª Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal em Florianópolis/SC, em 04.03.2005 (fls. 1119-1137).

Posteriormente, em 17.01.2006, ingressou a empresa com a medida cautelar de produção antecipada de provas nº 2006.72.00.000436-1, alegando, em síntese, que o Auditor Fiscal não teria esgotado “as dili-gências necessárias à apuração da verdade material e do lucro tributável dos períodos considerados, pois, apesar das irregularidades verificadas na contabilidade da empresa, a documentação de suporte permitia a de-terminação dos seus resultados, dispensando-se o arbitramento” e que “o próprio arbitramento levado a efeito pela fiscalização prescindiu da necessária e exigida avaliação contraditória, em flagrante violação às disposições do Código Tributário Nacional” (fl. 52). Assim, requereu a autora fosse realizada perícia técnica em seus livros e documentos contá-beis/fiscais “para evidenciar: (a) a desnecessidade do arbitramento ilegi-timamente efetuado pela fiscalização, assim como (b) a possibilidade de se determinar os efetivos resultados da empresa nos períodos de apuração considerados, com base nos elementos existentes à época da fiscalização, apesar das irregularidades identificadas em sua contabilidade”.

Devidamente processada a ação cautelar, com a nomeação do expert pelo i. Magistrado e a formulação de quesitos e indicação de assistentes técnicos pelas partes, sobreveio laudo pericial (juntado às fls. 1851-2905). A parte autora, apesar de consignar a discordância quanto aos valores apurados pelo perito, que divergiam daqueles calculados pelo seu assis-tente técnico, informou que utilizaria o montante calculado pela perícia para fins de inclusão no PAEX (fl. 1761). De seu lado, a União discordou das conclusões do laudo pericial, apresentando relatório elaborado por seu assistente técnico, que consignava que “a perícia efetivamente não

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recaiu sobre a contabilidade refeita durante a fiscalização, e sim sobre uma versão produzida/engendrada depois do seu encerramento. Este fato compromete sobremaneira suas avaliações e conclusões, considerando que nem ao menos teve acesso à escrita exibida à fiscalização, à qual sempre se reporta” (fl. 1768).

Prestados esclarecimentos adicionais pelo perito (fls. 1810-1819) em relação às impugnações apresentadas pelas partes, sobreveio sentença homologando a prova pericial, uma vez que realizada de acordo com as normas processuais que regulam a matéria.

Este é o relato dos acontecimentos que circundaram a formação do auto de infração na via administrativa e a realização da prova pericial nos autos da ação cautelar nº 2006.72.00.000436-1. Passo, neste momento, ao exame das questões colocadas nos embargos.

Inicialmente, não conheço da “emenda à apelação” intercalada pela recorrente, tendo em conta a preclusão consumativa operada com a in-terposição do recurso, ou seja, “uma vez exercido o direito de recorrer, consumou-se a oportunidade para fazê-lo” (Nery Junior, Nelson, Teoria Geral dos Recursos, 6. ed., RT, 2004, p. 192). Em suma, interposto o recurso, descabe falar-se na sua complementação, mesmo que a título de correção de suposto “equívoco” contido nas razões recursais.

Prosseguindo, atento que a confissão de débitos na via administrativa não implica a impossibilidade de discutir a sua legalidade ou incons-titucionalidade em ação judicial, se o contribuinte não concorda com a imposição tributária. As conseqüências desse ato de vontade não se estendem à esfera judicial, pois a pretensão jurisdicional em nada se assemelha ao ato administrativo ocorrido perante a Receita Federal. Em razão da unidade de jurisdição, a administração tributária não tem poder para decidir sobre a legalidade ou constitucionalidade do débito. Por conseguinte, a confissão de dívida não exclui a apreciação, pelo Poder Judiciário, da controvérsia, consoante preconiza o art. 5º, XXXV, da Constituição. A matéria foi comentada pelo ilustre Juiz Federal Leandro Paulsen, in verbis:

“Obrigação ex lege. Confissão de dívida tributária não impede a discussão da obrigação tributária.

Justamente porque a obrigação tributária decorre da lei, e não da vontade do contribuinte, a confissão de dívida tributária não impede a sua discussão em juízo,

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fundada, e. g., em inconstitucionalidade, não-incidência ou isenção. A confissão não inibe o questionamento da relação jurídico-tributária. Isso não significa que a confissão seja desprovida de valor. Terá valor, sim, mas quanto aos fatos, que não poderão ser infirmados por simples reconsideração do contribuinte, mas apenas se demonstrado vício de vontade. A irrevogabilidade e irretratabilidade terá apenas essa dimensão. Assim, e. g., se confessada dívida relativamente a contribuição sobre o faturamento, será irrevogável e irretratável no que diz respeito ao fato de que houve, efetivamente, faturamento no montante considerado; entretanto, se a multa era ou não devida, se a legislação era ou não válida, são questões que poderão ser discutidas.” (in Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 8. ed., 2006, p. 700)

Assim, a embargante não se encontra impedida de discutir judicial-mente as exigências cobradas no presente auto de infração, sendo desar-razoado reputar-se tal atitude como litigância de má-fé, como quer fazer crer a recorrente. Eventuais conseqüências da não-desistência das ações em que se discuta o débito parcelado encontram-se adstritas à esfera administrativa, não possuindo repercussão na via judicial.

Em verdade, o desate da controvérsia perpassa, necessariamente, pela legalidade do lançamento por arbitramento, cujo regramento se encontra no art. 148 do CTN, in verbis:

“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.”

Como se percebe da leitura do dispositivo, o pressuposto para que a autoridade fiscal se valha do arbitramento é a omissão do sujeito passivo ou a irregularidade das declarações, esclarecimentos ou documentos que devem ser utilizados para o cálculo do tributo. Se a contabilidade da empresa não for confiável ou houver ausência de dados que possibilitem apurar a base de cálculo real do imposto de renda, o CTN outorga ao fisco a faculdade de realizar a aferição indireta, arbitrando o valor do lucro tributável.

O arbitramento não constitui uma modalidade de lançamento, mas uma técnica, um critério substitutivo que a legislação permite, excep-cionalmente, quando o contribuinte não cumpre com seus deveres de

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manter a contabilidade em ordem e em dia e de apresentar as declara-ções obrigatórias por lei. Não tem, em atenção ao princípio da verdade material, qualquer caráter punitivo, apenas sendo justificado quando, em razão do não-exercício ou exercício deficiente do dever de colaboração do contribuinte, impossível a análise da prova direta da base de cálculo do tributo (escrituração regular). Nesse sentido, a impecável lição de Alberto Xavier:

“A determinação do lucro real envolve, pois, um complexo, mas harmonioso, equi-líbrio entre os deveres de colaboração dos contribuintes e os deveres de investigação do Fisco.

O dever de determinação do lucro real incumbe primariamente ao contribuinte, obrigado a demonstrá-lo analiticamente com dados extraídos de sua contabilidade regular, de tal modo que o dever de investigação do Fisco atua subsidiariamente.

Caso, porém, o contribuinte não tenha cumprido o seu dever de colaboração, pela inexistência ou insuficiência do ‘instrumento de medição da renda’, que é a contabili-dade, a lei teve que optar por mecanismos subsidiários a que denominou genericamente de ‘arbitramento’, mas que na realidade se decompõem, primeiro, na determinação de uma base de cálculo legal substitutiva (um percentual da receita bruta) e, depois, na impossibilidade de determinação desta, na autorização do recurso à prova indiciária.” (in Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, 2. ed. tot. ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 136)

O fisco deve buscar sempre aproximar-se da realidade econômica da matéria tributável, valendo-se dos meios de pesquisa ao seu alcance. So-mente quando restarem eliminadas todas as possibilidades de descoberta direta da base real do tributo, legitima-se a desclassificação da escritu-ração oferecida pelo contribuinte e, de conseqüência, o arbitramento.

É por essa razão que a jurisprudência tem entendido que não subsiste o lançamento por arbitramento nos casos em que o contribuinte impugna o lançamento e, antes de esgotada a fase de julgamento, corrige os vícios encontrados pela fiscalização e apresenta as declarações de rendimentos exigidas, pois deve a autoridade fiscal, mesmo neste momento, apreciar os documentos, a fim de verificar se têm valor probatório, se condizem com as determinações legais e se o montante tributável apurado está correto. Neste sentido:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ARBITRAMENTO. AUSÊNCIA DE CARÁTER PUNITIVO. BUSCA DA VERDADE MATERIAL. REGULARIZAÇÃO DA CONTABILIDADE E APRESENTAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE RENDI-

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MENTOS NA FASE DE IMPUGNAÇÃO DO LANÇAMENTO. DESCONSIDERA-ÇÃO. NÃO EFETIVAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. CTN, ART. 148. TRIBUTAÇÃO REFLEXA DO SÓCIO E PIS/DEDUÇÃO. ANULAÇÃO DO LANÇAMENTO. 1. O arbitramento não constitui uma modalidade de lançamento, mas uma técnica, um critério substitutivo que a legislação permite, excepcionalmente, quando o contribuinte não cumpre com seus deveres de manter a contabilidade em ordem e em dia e de apre-sentar as declarações obrigatórias por lei. Não tem o caráter punitivo que o fisco lhe conferiu, pois a empresa fiscalizada, ao promover a regularização da escrita contábil e apurar o montante tributável de acordo com as determinações do Regulamento do Imposto de Renda, reconheceu o equívoco e forneceu os elementos de investigação que tornariam possível a descoberta da verdade material, ainda na fase de impugnação do lançamento. 2. A norma do art. 148 do CTN tem o escopo de aproximar os valores arbitrados o máximo possível da verdadeira base de cálculo do tributo, na medida em que o direito ao contraditório limita a discricionariedade da autoridade fiscal. Firma--se uma presunção relativa quanto à tributação com base no arbitramento, porquanto o contribuinte sempre poderá fazer prova em contrário. A conduta do fisco, na hipótese em exame, desvirtuou o princípio da finalidade que norteia os atos administrativos, pois ignorou os elementos oferecidos pelo contribuinte, ao contestar o lançamento, não se efetivando o contraditório. (...)” (TRF4, AC 2002.04.01.014827-6, Primeira Turma, Relator Wellington Mendes de Almeida, DJ 20.07.2005)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LUCRO ARBITRADO. APRESEN-TAÇÃO POSTERIOR DO BALANÇO GERAL, DURANTE O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL, DEMONSTRANDO A APURAÇÃO DE PREJUÍZO. HONORÁRIOS. PERCENTUAL INFERIOR A 5% (CINCO POR CENTO). IMPOS-SIBILIDADE.

Mesmo nas hipóteses que autorizam o arbitramento do lucro pelo Fisco, se a empresa, após ser notificada do lançamento de ofício, oferece impugnação no âmbito administrativo, com a entrega das suas demonstrações financeiras, comprovando ter apurado prejuízo real, resulta ilegítima a imposição fiscal, quer em relação à pessoa jurídica, quer quanto aos sócios, pois, sem um resultado positivo no encerramento do período-base, não há base de cálculo para os tributos incidentes sobre o lucro. (...)” (AC 96.04.42616-8/PR, Segunda Turma, DJ 27.11.1996 p. 91432, Relatora Des. Federal Tania Terezinha Cardoso Escobar)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ARBITRAMENTO DO LUCRO. RE-GULARIZAÇÃO DA ESCRITA.

Se a escrita é regularizada dentro do prazo para a impugnação do lançamento, o arbitramento do lucro não pode subsistir. Remessa ex officio improvida.” (REO 90.04.24402-6/PR, Primeira Turma, DJ 29.04.1992 p. 10644, Relator Des. Federal Ari Pargendler)

Na hipótese, a sentença de procedência dos embargos, tendo em

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conta o resultado da perícia contábil realizada na ação cautelar nº 2006.72.00.000436-1, considerou que “foi apressada e equivocada a desclassificação de toda a escrita do embargante” (fl. 95-verso), con-cluindo, assim, pela anulação do ato de lançamento.

Não obstante essas considerações, vejo que a ilação a ser retirada do laudo pericial elaborado nos autos da referida ação cautelar possui contornos distintos daqueles emprestados pela sentença ora impugnada. Com efeito, esta foi a conclusão do laudo pericial (fl. 1861):

“Pela análise da documentação contábil, bem como seu suporte constituído da do-cumentação fiscal, a perícia conclui: a) Que é possível apurar-se o lucro contábil real trimestral, com vistas ao cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social (CSSL) devidos pela empresa fiscalizada, atinentes aos exercícios de 2000 e 2001; b) que, observadas as alterações apontadas na presente perícia, a escrituração contábil da empresa fiscalizada é idônea para fins fiscais (...).”

Contudo, conforme restou suficientemente esclarecido pelo perito, este examinou a contabilidade elaborada pelo contador Marcelo Val do Santos, CRC: 1SP 193958/O-2. Ocorre que esta escrita, oferecida ao perito nos autos da cautelar, não é a mesma que foi submetida à fiscali-zação durante o processo administrativo que culminou na lavratura do lançamento por arbitramento. Deveras, segundo afirmação da União,

“o profissional de contabilidade que assina a escrita reprocessada no curso da fiscalização é Ildefonso Assing, conforme cópia dos Termos de Abertura dos Livros Razão às fls. 568 e 632, anos 2000 e 2001, respectivamente. A contabilidade a que se refere o Sr. Perito deve ser a mesma que foi exibida agora ao Assistente Técnico, com cópia de algumas páginas em anexo. Essa escrita, além de não contemplar o registro no órgão competente, claramente foi produzida após o início da fiscalização, e é totalmente diferente da outrora apresentada, no tamanho e conteúdo.” (fl. 1678)

Tal circunstância foi, em sede de esclarecimento, confirmada pelo perito, que afirmou que “de fato, a escrita examinada é diferente daquela submetida à fiscalização” (fl. 1811), sendo que “a escrituração da autora, quando da fiscalização, não atendia aos ditames da lei” (fl. 1812). Como visto, a contabilidade original da empresa foi, no curso da fiscalização, retificada e, quando já esgotada a discussão na via administrativa, com-plementada. Apenas em relação a esta última é que se manifestou o perito em sentido favorável à possibilidade de apuração do lucro real.

Assim, da conclusão do referido laudo não se pode retirar a ilação de

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que o lançamento por arbitramento foi apressado ou mesmo equivocado, e isto porque não foi examinada, pelo perito judicial, a contabilidade oferecida e retificada pela empresa no curso da fiscalização, mas sim outra, contendo a complementação daquelas.

Em verdade, o resultado da perícia unicamente demonstra que o con-tribuinte promoveu a regularização da sua escrita contábil, possibilitando a apuração do montante tributável de acordo com as determinações do Regulamento do Imposto de Renda, e forneceu os elementos de inves-tigação que tornariam possível a descoberta da verdade material. Mas disso não decorre a conclusão de que, à época da fiscalização, a conta-bilidade permitia a apuração do lucro real, o que tornaria insubsistente o lançamento por arbitramento.

Desta forma, ao menos pelo que se colhe das informações do processo administrativo, a contabilidade, mesmo após a sua retificação no curso da fiscalização, revelava-se, àquela época, imprestável para fins de apu-ração do lucro real do período analisado, situação que permaneceu, no mínimo, até o esgotamento das instâncias administrativas, o que, a rigor, justifica o lançamento por arbitramento. Considerando que a embargante não logrou infirmar as conclusões da fiscalização mediante prova pericial técnica que afirmasse a possibilidade de apuração do lucro real com base naquela escrituração oferecida ao fisco, conclui-se pela regularidade do procedimento administrativo que culminou na lavratura do lançamento por arbitramento, pois outra opção não restava ao agente fiscal a fim de apurar o quantum devido pela empresa a título de IRPJ e CSLL. Assim, neste ponto, merece reforma a sentença que anulou o lançamento por arbitramento.

Não obstante tais considerações, o caso em análise possui a peculia-ridade de que, após o esgotamento da discussão na via administrativa, promoveu a autora a regularização da sua contabilidade, o que ocasionou, segundo a perícia judicial, a possibilidade de aferição do lucro real da empresa no período fiscalizado.

As circunstâncias do caso concreto autorizam a adequação do título executivo, em atenção ao princípio da verdade material que norteia a constituição, e a cobrança do crédito tributário, a fim de que prossiga a execução apenas em relação aos valores apurados pela perícia judicial, valores estes que não restaram contestados pelo assistente técnico da

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União, a não ser em relação à particularidade de aquele ter examinado contabilidade diversa daquela oferecida à fiscalização. O fato de a em-presa ter suprido as omissões e regularizado a contabilidade apenas após o encerramento da ação fiscal não se sobrepõe ao direito, legalmente assegurado, de avaliação contraditória, que, no caso, foi realizada apenas na via judicial.

O lançamento, por certo, é ato singular, não se confundindo com o procedimento administrativo, embora algumas vezes seja precedido de atos preparatórios. O art. 148 do CTN, contudo, não encerra a possibi-lidade de prova em contrário no momento de formação do lançamento; o legislador estendeu a garantia do contraditório também à ocasião pos-terior ao arbitramento, seja na via administrativa, seja na judicial. Este é o espírito do dispositivo, quando estabelece: “ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”.

A norma do art. 148 do CTN tem o escopo de aproximar os valores arbitrados o máximo possível da verdadeira base de cálculo do tributo, na medida em que o direito ao contraditório limita a discricionariedade da autoridade fiscal. Firma-se uma presunção relativa quanto à tributação com base no arbitramento, porquanto o contribuinte sempre poderá fazer, como na hipótese o fez, prova em contrário, demonstrando a possibilidade de apuração da verdadeira base de cálculo do tributo.

Dessa forma, deverá prosseguir a execução apenas em relação aos valores apurados pela perícia contábil realizada nos autos da medida cautelar nº 2006.72.00.000436-1, devidamente corrigidos e remunerados segundo os índices oficiais. Mas isso, por óbvio, apenas no caso de não existirem causas suspensivas da exigibilidade do crédito, uma vez que a parte informa a inclusão dos valores apurados pela perícia no parce-lamento criado pela MP nº 303/06, sendo certo que a regularidade dos pagamentos deverá ser fiscalizada pela autoridade.

Honorários advocatícios

Com o parcial acolhimento dos embargos à execução, houve signi-ficativa redução do montante exeqüendo, ao adotar-se como devidos os valores apurados na perícia contábil em oposição à exigência fiscal im-pugnada (respectivamente, R$ 549.174,51 – fl. 1862 – e R$ 14.065.603,68 – fls. 1083 e 1091, ambos valores históricos). Considerando a sucum-

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bência mínima da parte autora, a União deve suportar integralmente os honorários advocatícios.

O art. 20, § 4º, do CPC, permite que se arbitre os honorários com base na eqüidade, valendo-se dos critérios elencados nas alíneas a, b e c do § 3º desse artigo. A eqüidade serve como valioso recurso destinado a suprir as lacunas legais e auxiliar a aclarar o sentido e o alcance das leis, atenuando o rigorismo dessas, de molde a compatibilizá-las às cir-cunstâncias sociais, inspirada pelo espírito de justiça.

Ao passo que se deve ter em conta o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e importância da causa, o traba-lho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço, também deve-se remunerar dignamente o causídico, impedindo-se o aviltamento da profissão.

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ARGÜIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE

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INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AMS Nº 2005.70.00.000594-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: ALL – América Latina Logística Intermodal S/AAdvogados: Drs. Henrique Gaede e outros

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 8ª VF de Curitiba

EMENTA

Tributário. Incidente de argüição de inconstitucionalidade. Siste-mática não cumulativa do PIS e da COFINS. Creditamento referente à depreciação de bens incorporados ao ativo imobilizado. Art. 31, caput, da Lei 10.865/2004. Limitação temporal. Ofensa ao direito adquirido e à irretroatividade da lei tributária. Princípio da segurança jurídica. Inconstitucionalidade.

1 - A não-cumulatividade do PIS/COFINS depende, para sua efetiva-ção, de um conjunto de deduções, previstas em lei, que digam respeito a determinadas operações realizadas pela empresa, que possam representar a incidência de contribuições em etapas anteriores da cadeia produtiva.

2 - As deduções elencadas no art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 não figuram na ordem tributária como benesse fiscal, mas como pressupostos da não-cumulatividade, uma contrapartida ao aumento

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das alíquotas de PIS e COFINS. Outra não pode ser a interpretação, pois, pretendendo a lei criar um sistema não-cumulativo, deve estabelecer as hipóteses em que o contribuinte terá direito a créditos compensáveis, como uma decorrência da regra da não-cumulatividade.

3 - A ocorrência de qualquer das hipóteses mencionadas no caput do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 é por si suficiente para fazer surgir o direito de crédito em favor do contribuinte, que se incorpora ao patrimônio da empresa.

4 - O art. 31, caput, da Lei 10.865/2004 limitou temporalmente o aproveitamento dos créditos decorrentes das aquisições de bens para o ativo imobilizado realizadas até 30 de abril de 2004.

5 - No entanto, os créditos decorrentes da aquisição de bens para o ativo imobilizado se tornaram parte do patrimônio da empresa antes da edição da Lei 10.865/2004. Assim, as disposições do art. 31, caput, da referida lei, acabaram por atingir fatos pretéritos, ofendendo o direito adquirido e a regra da irretroatividade da lei tributária.

6 - A vedação do aproveitamento de créditos, instituída por lei no curso da sistemática da não-cumulatividade, quando inúmeros contribuintes já haviam realizado investimentos em maquinário, equipamentos, entre outros, ofende o Princípio da Segurança Jurídica e a regra da não-surpresa, implícitos na Carta de 1988.

7 - Declarada a inconstitucionalidade do art. 31, caput, da Lei 10.865/2004.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria de votos, declarar a inconstitucionalidade do artigo 31, caput, da Lei nº 10.865, de 2004, vencido em parte o Des. Federal Néfi Cordeiro, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de junho de 2008.Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: ALL - América

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Latina Logística Intermodal S/A pretende, pela via mandamental, o reconhecimento do direito ao aproveitamento dos créditos de PIS/CO-FINS referentes à depreciação do valor de bens incorporados a seu ativo imobilizado, nos termos do art. 3º, VI e § 1º, III, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, sem a limitação temporal imposta pelo caput do art. 31 da Lei 10.865/2004. Sustenta que o referido dispositivo padece de vício de inconstitucionalidade, por infringir as regras da não-cumulatividade, do direito adquirido, da segurança jurídica, da razoabilidade e da pro-porcionalidade.

Prestadas as informações, sobreveio sentença que concedeu em parte a segurança, reconhecendo apenas a ilegalidade da vedação imposta pelo art. 1º, § 3º, da IN nº 457/03, permitindo o aproveitamento de créditos de PIS/COFINS, a partir de maio de 2004, referentes à depreciação de bens usados, não pertencentes ao ativo imobilizado de outra empresa.

Houve apelo de ambas as partes.A impetrante repisou os argumentos da inicial, quanto à inconstitu-

cionalidade do art. 31 da Lei nº 10.865/04, acrescentando haver ofensa ao princípio da irretroatividade. A União sustentou a legalidade da IN nº 457/03.

A Segunda Turma, em dezembro de 2006, suscitou a inconstitucio-nalidade do caput do art. 31 da Lei nº 10.865/04, por afronta ao direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), à garantia da irretroatividade (CF, art. 150, III, a) e ao princípio da segurança jurídica.

O Ministério Público Federal opinou pela declaração de inconstitu-cionalidade.

Os autos foram distribuídos ao Desembargador Antônio Albino Ra-mos de Oliveira e, em decorrência de sua aposentadoria, foram a mim redistribuídos.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: A Constituição de 1988, em seu texto original, prestigiou a regra da não-cumulatividade apenas em relação ao ICMS e ao IPI, que têm incidência sobre produtos em circulação no território nacional. Nessa sistemática, o montante do tributo devido em operação anterior torna-se crédito fiscal a ser utilizado

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na transação seguinte, evitando-se, assim, o chamado “efeito cascata”.O regramento legal da não-cumulatividade do ICMS e do IPI diz

respeito a fatos relacionados com a formação de determinado produto ao longo da cadeia produtiva, tendo como pressuposto de fato um ato específico do contribuinte, que realiza operação de compra e venda, por meio da qual tem-se a circulação da mercadoria ou do produto industria-lizado. Trata-se de uma sistemática de compensação de “imposto sobre imposto”, na qual o exato valor devido na etapa anterior e destacado em nota fiscal se torna crédito compensável para a próxima operação.

O ônus tributário, que vem embutido no valor final da operação, cir-cula pela cadeia produtiva até alcançar o consumidor final, que arcará com o valor total do tributo como contribuinte de fato. Portanto, a não--cumulatividade aplicada ao IPI e ao ICMS visa desonerar o setor produ-tivo, evitando a incidência sobreposta de tributos no curso da produção.

Por sua vez, as contribuições destinadas ao PIS/COFINS foram concebidas tendo por base o faturamento das empresas e, posterior-mente à EC nº 20/1998, o faturamento ou a receita. Sendo assim, não guardam relação específica com determinado produto, atividade ou ato do contribuinte, mas dizem respeito ao conjunto de elementos da vida da empresa em determinado período, que, juntos, formam uma unidade contábil chamada faturamento ou receita. Sua exigência sempre ocorreu de forma cumulativa, incidindo sobre o faturamento/receita de todas as empresas, independentemente do fato de, para a realização de suas atividades, terem elas adquirido bens ou serviços de outras empresas tributadas pelo PIS/COFINS.

Contudo, a cumulatividade produzia uma distribuição desigual dos encargos tributários entre os ramos da atividade econômica. Empresas que dependiam, para a realização de seu objeto social, da aquisição de um grande volume de bens e serviços de outros contribuintes do PIS/COFINS viam-se obrigadas a arcar de forma indireta, como contribuintes de fato, com o ônus tributário das antecessoras, além de recolherem contribuições sobre seu próprio faturamento. De outro lado, empresas que prescindiam de um elevado número de aquisições, principalmente as prestadoras de serviços, tinham reduzida ou nenhuma carga tributária indireta.

Nesse contexto, foi instituída a não-cumulatividade do PIS/COFINS, visando justamente beneficiar aquelas empresas, tendo como base legal

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as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003. No entanto, tratando-se de contri-buições incidentes sobre a receita, a sistemática da não-cumulatividade não se aproxima da mesma aplicada ao ICMS e ao IPI, tendo traços próprios. Enquanto a regra da não-cumulatividade, no caso do IPI e do ICMS, visa transferir o ônus tributário para o contribuinte final, desonerando o produtor, no caso do PIS/COFINS, busca neutralizar, pelo menos de forma parcial, a tributação indireta sobre as empresas que adquirem bens e serviços de outros contribuintes.

Portanto, para os impostos não cumulativos, como a incidência tributária recai sobre o valor do produto objeto da operação de venda, a compensação entre o tributo destacado na nota fiscal e o devido na próxima transação é uma decorrência lógica da vedação constitucional da cumulatividade. Tem-se dois fatos divididos no tempo: uma operação anterior tributada que produz créditos fiscais e uma operação posterior, também tributada, na qual se fará o aproveitamento dos mesmos.

No caso do PIS/COFINS, como a receita é uma unidade contábil construída por um conjunto de fatos apurados em série temporal, não há correlação direta entre o valor recolhido por determinada empresa a título de contribuição para o PIS/COFINS e o valor da operação de venda de seus produtos e serviços, como ocorre nas transações tributadas pelo IPI e o ICMS. Assim, não é possível determinar de forma direta o quantum de créditos fiscais que foram “transferidos” de uma empresa a outra, nos moldes do que ocorre com os impostos não cumulativos destacados em nota fiscal.

Por isso, a não-cumulatividade do PIS/COFINS depende, para sua efetivação, de um conjunto de deduções, previstas em lei, que digam respeito a determinadas operações realizadas pela empresa, que possam representar a incidência de contribuições em etapas anteriores da cadeia produtiva. Coube, portanto, ao legislador estabelecer esse rol, que vem definido pelo art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

Esse dispositivo, de redação quase idêntica em ambos os diplomas legais, traz uma série de despesas, normalmente realizadas pelas empresas no exercício de suas atividades, que dão origem a créditos fiscais de PIS/COFINS. Atualmente, o rol estabelecido pelo caput do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 tem a seguinte redação:

“Lei 10.637/2002

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(...) Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:

a) nos incisos III e IV do § 3º do art. 1º desta Lei; e b) no § 1º do art. 2º desta Lei;II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou

fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI;

III - (VETADO)IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utili-

zados nas atividades da empresa;V - valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa

jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Con-tribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES;

VI - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços.

VII - edificações e benfeitorias em imóveis de terceiros, quando o custo, inclusive de mão-de-obra, tenha sido suportado pela locatária;

VIII - bens recebidos em devolução, cuja receita de venda tenha integrado fatura-mento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei.

IX - energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica.”

“Lei 10.833/2003(...)Art. 3º - Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar

créditos calculados em relação a:I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos

referidos: nos incisos III e IV do § 3º do art. 1º desta Lei; e b) no § 1º do art. 2º desta Lei; II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou

fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI;

III - energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica;

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IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utili-zados nas atividades da empresa;

V - valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Con-tribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES;

VI - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços;

VII - edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas atividades da empresa;

VIII - bens recebidos em devolução cuja receita de venda tenha integrado fatura-mento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei;

IX - armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.”

Note-se que o legislador buscou relacionar aquelas operações que são indispensáveis ao funcionamento da grande maioria das empresas e, portanto, concorrem para a formação de suas receitas. Ou seja, para citar exemplos, a compra de insumos, a aquisição de máquinas, a locação de estabelecimentos, o pagamento de juros do passivo, entre outras, são despesas necessárias à consecução dos objetivos sociais e, por conse-qüência, condição sine qua non para a existência de renda tributável, sendo, por isso, eleitas pelo legislador como pressupostos fáticos ao surgimento de créditos fiscais na sistemática da não-cumulatividade aplicada ao PIS/COFINS.

Após definir os casos em relação aos quais o contribuinte terá di-reito a crédito, o legislador estabeleceu a forma de apurar o montante do crédito e o momento de seu aproveitamento. Dependendo do papel desempenhado, na atividade produtiva, pelos diversos tipos de despesas, seja para utilização imediata, como os gastos com insumos consumidos na produção, seja para uso diferido no tempo, como o valor despendido na compra de maquinário, o legislador estabeleceu formas diferentes de apuração e aproveitamento dos créditos, nos termos do §1º do mesmo art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, in verbis:

“§ 1º Observado o disposto no § 15 deste artigo e no § 1º do art. 52 desta Lei, o crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do art. 2º desta Lei sobre o valor:

I - dos itens mencionados nos incisos I e II do caput, adquiridos no mês;II - dos itens mencionados nos incisos III a V e IX do caput, incorridos no mês;

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III - dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados nos incisos VI e VII do caput, incorridos no mês;

IV - dos bens mencionados no inciso VIII do caput, devolvidos no mês.”

Na verdade, como bem apontou Marco Aurélio Greco (GRECO, Mar-co Aurélio. Não-cumulatividade no PIS e na COFINS. in: Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Horizonte, a. 2, n. 12, p. 29-52, nov./dez. 2004) a lei distinguiu três “subconjuntos de regras”: (1) quanto à geração do crédito, (2) quanto à apuração do montante e (3) quanto ao momento de seu aproveitamento. Cada qual figura no sistema da não--cumulatividade de forma autônoma, com um regime jurídico próprio.

Como exemplo, tomemos uma determinada empresa que tenha ad-quirido insumos para a produção de outra pessoa jurídica tributada pelo PIS/COFINS. Nos termos do art. 3º, caput e inciso II, tem-se a aquisição do crédito relacionado a esta operação, incorporando-se ao patrimônio da empresa. Após, por meio do inciso I do §1º do mesmo art. 3º, o cré-dito será quantificado pela aplicação da regra ali descrita, qual seja, “o crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota (...) sobre o valor dos itens mencionados nos incisos I e II do caput”. Ao final, o mesmo dispositivo define em que momento o crédito será aproveitado, qual seja, no mês de aquisição.

Portanto, a ocorrência de qualquer das hipóteses mencionadas no caput do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 é por si suficiente para fazer surgir o direito de crédito em favor do contribuinte, que se incorpora ao patrimônio da empresa. Esse independe da quantificação do crédito ou do seu efetivo aproveitamento, pois são etapas posteriores regidas por “subconjuntos” diferentes, aplicáveis quando já há direito em favor da empresa.

Note-se que as deduções elencadas no referido art. 3º não figuram na ordem tributária como benesse fiscal, como quer fazer pensar a Fazenda Nacional, mas como pressupostos da não-cumulatividade, uma con-trapartida ao aumento das alíquotas de PIS e COFINS, de 0,65% para 1,65% e de 3% para 7,6%, respectivamente. Outra não pode ser a inter-pretação, pois, pretendendo a lei criar um sistema não-cumulativo, deve ela estabelecer as hipóteses em que o contribuinte terá direito a créditos compensáveis, como uma decorrência da regra da não-cumulatividade, que veio a ser constitucionalizada para o PIS/COFINS com o § 12 do

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art. 195 da CF/88, acrescentado pela EC nº 42/2003, in verbis:“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta

e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições

incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”

Mais esclarecedoras as palavras de Marco Aurélio Greco (GRECO, Marco Aurélio. Não-cumulatividade no PIS e na COFINS. in: Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Horizonte, ano 2, n. 12, p. 40, nov./dez. 2004), ao discorrer sobre o tema:

“A principal conseqüência desta análise consiste em concluir que, desde a ocor-rência do evento previsto nas regras de geração, o direito ao crédito passa a integrar o patrimônio jurídico do contribuinte e, portanto, não pode ser afetado por alteração legislativa superveniente. A circunstância de a regra de aproveitamento só vir a incidir na vigência de lei que preveja outro critério de geração do direito ao crédito não elimina o direito ao crédito gerado segundo a lei anterior.”

Feitas essas considerações, cabe analisar as peculiaridades do caso concreto.

A parte impetrante atua no ramo de transporte e logística, sendo indis-pensável para o exercício de suas atividades a aquisição de veículos de grande porte. Como são equipamentos destinados à prestação do serviço de transporte e incorporam-se ao ativo permanente da empresa, a sua aquisição dá origem a créditos de PIS/COFINS, nos termos do art. 3º, inciso VI, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003:

“Art. 2º Para determinação do valor da COFINS aplicar-se-á, sobre a base de cál-culo apurada conforme o disposto no art. 1º, a alíquota de 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento).

(...)Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar

créditos calculados em relação a:(...)VI - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado

adquiridos para utilização na produção de bens destinados à venda, ou na prestação de serviços;”

A sua quantificação e o seu aproveitamento dependem dos custos de depreciação e amortização de tais bens, sendo regulados pelo § 1º, inciso

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III, do mesmo artigo:“(...) § 1º O crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no

art. 2º sobre o valor:(...)III - dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados nos incisos

VI e VII do caput, incorridos no mês; (...)”

No entanto, com a edição da Lei 10.865/2004, passou a vigorar o seguinte dispositivo, in verbis:

“Art. 31. É vedado, a partir do último dia do terceiro mês subseqüente ao da publi-cação desta Lei, o desconto de créditos apurados na forma do inciso III do § 1º do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados adquiridos até 30 de abril de 2004.

§ 1º Poderão ser aproveitados os créditos referidos no inciso III do § 1º do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, apurados sobre a depreciação ou amortização de bens e direitos de ativo imobilizado adquiridos a partir de 1º de maio.”

O referido artigo limitou temporalmente o aproveitamento dos crédi-tos decorrentes da aquisição de bens para o ativo imobilizado, tomando como referência a data de aquisição dos mesmos. Assim, mesmo que a impetrante tenha adquirido bens na forma do art. 3º, caput e inciso VI, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, não seria possível o creditamento de PIS/COFINS.

Contudo, como antes destacado, os bens de ativo imobilizado ad-quiridos pela impetrante na vigência da não-cumulatividade deram origem a créditos, que, apesar de ainda não quantificados e passíveis de aproveitamento, se incorporaram ao patrimônio jurídico da empresa. Mesmo que ainda não tenha ocorrido a depreciação, o direito ao crédito já existe, pois os bens foram adquiridos de outra empresa, contribuinte de PIS/COFINS, sendo “transferido” à impetrante o ônus tributário indireto, que será futuramente compensado nos termos do §1º do art. 3º das referidas leis.

Transcrevo, por oportuno, trecho do voto proferido pelo Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, o qual acompanhei na 2ª Turma, quando, por unanimidade, foi suscitada a presente argüição, verbis:

“A sistemática, no ponto, é de simples execução. A repercussão econômica é que

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pode variar significativamente, em face da definição dos bens passíveis de gerarem créditos pela depreciação, a saber:

a) todo o ativo imobilizado, sem a limitação temporal do caput do art. 31 acima citado; a.1) todo o ativo imobilizado, com a limitação temporal do caput do art. 31 (dedução dos créditos até a noventena da Lei nº 10.865/04);

b) apenas as aquisições realizadas na vigência da não-cumulatividade, sem a limita-ção temporal do caput do art. 31; b.1) apenas as aquisições desde a não-cumulatividade, com a limitação temporal imposta pelo caput do art. 31.

Note-se que, para as aquisições a partir de 01.05.2004, nos termos do § 1º do art. 31, não há disputa quanto à possibilidade de aproveitamento.

A título de exemplo, demonstra-se o efeito, mensalmente, da repercussão média (hipótese ‘b’), ou seja, cômputo do ativo imobilizado representando aquisições na vigência da não-cumulatividade.

Determinada empresa, sujeita ao sistema da não-cumulatividade, estimulada pela nova sistemática e confiante na manutenção dos critérios postos, cujo faturamento mensal seja, por exemplo, de R$ 1.000.000,00, deveria recolher mensalmente aos cofres públicos, a título de PIS, o montante de R$ 16.500,00 (faturamento x alíquota de 1,65%) e R$ 76.000,00, a título de COFINS (faturamento x alíquota de 7,6%), o que totalizaria R$ 92.500,00.

Todavia, em virtude da não-cumulatividade, computando-se apenas a redução contemplada pela depreciação e amortização, se esta empresa possui bens adquiridos e incorporados no ativo imobilizado na vigência da não-cumulatividade, com vida útil, por hipótese, de 10 anos, no montante, suponha-se, de R$ 3.000.000,00, deverá aplicar sobre esse valor o fator de depreciação (10% ao ano), dividir o resultado por 12 (creditamento mensal) e aplicar o percentual de 9,25% (1,65% de PIS + 7,6% de COFINS), alcançando o direito a um crédito de R$ 2.312,50. Ressalte-se que a taxa efetiva de depreciação a ser considerada é fixada pela Secretaria da Receita Federal (SRF) em função do prazo de vida útil do bem, nos termos das IN/SRF 162/98 e 130/99, conforme estipula a já referida IN/SRF 457/04; para caminhões, a vida útil estipulada pela Fazenda é de 4 anos, com depreciação anual de 25%.

Veja-se, para que se tenha noção do impacto financeiro, que a empresa mencionada no exemplo supra, após a implementação da sistemática da não-cumulatividade, não fosse o creditamento, passaria a recolher aos cofres públicos R$ 92.500,00 a título de PIS e COFINS (faturamento de R$ 1.000.000,00), enquanto recolhia, na sistemática anterior (Lei 9.718/98), apenas R$ 36.500,00 (0,65% + 3,0%). Significativa, pois, a elevação da carga tributária; eis o motivo das medidas compensatórias previstas nas Leis 10.637/02 e 10.833/03 – que, também por isso, devem ser admitidas na integralidade.

Confirma-se, com o demonstração prática acima, a assertiva de que o aproveitamento dos créditos – especialmente aqueles relativos à depreciação dos bens adquiridos na vigência da sistemática da não-cumulatividade – não representa mero benefício fiscal, mas direito adquirido.

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Com a aquisição dos bens e a inserção deles no ativo imobilizado, incorpora-se ao patrimônio jurídico do contribuinte o direito de aproveitar – integralmente – os créditos relativos à depreciação. O que se protrai no tempo é a fruição desse direito. O contribuinte, ao adquirir bens e computá-los no ativo imobilizado, preencheu o suporte fático da norma, adquirindo o direito subjetivo de aproveitar – integralmente, repita-se – os efeitos da depreciação, devendo o Estado suportar – e resguardar – a eficácia desse direito, ainda que a fruição se prolongue no tempo. A depreciação não é marco do surgimento do crédito, mas momento de exigibilidade de direito já nascido sob a lei anterior, porém exercitável, segundo essa mesma lei, em etapas sucessivas.

Ainda que se considerasse o creditamento como benefício fiscal e se aplicasse, por analogia, o art. 178 do CTN (‘A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104’), não poderia ter sido revogado, por condicional e a prazo certo: a condição era adquirir bens para o ativo imobilizado; o prazo certo era o da depreciação integral.

Todavia, uma questão deve ser esclarecida: a caracterização do ativo permanente anterior à vigência da não-cumulatividade do PIS e da COFINS. Como as Leis 10.637/02 e 10.833/03 não impuseram uma limitação expressa aos bens cuja depreciação pode-ria ser aproveitada, duas interpretações são possíveis: 1) todo o ativo imobilizado; 2) apenas aquele adquirido na vigência da não-cumulatividade. Do que precede, resta demonstrado que o creditamento da depreciação dos bens adquiridos desde a mudança da sistemática compõe a estrutura da não-cumulatividade estabelecida pelo legislador, devendo ser respeitado o creditamento integral. Já o creditamento da depreciação dos bens adquiridos anteriormente à nova sistemática poderia, numa interpretação muito favorável ao contribuinte, ser tida por benefício fiscal incondicionado, revogável a qualquer tempo; ou, noutro entendimento que se fundasse na mudança da sistemática, seria de se afastar tal creditamento, porque os benefícios, como as isenções, devem ser interpretados restritivamente.

Do que precede, entendo, primeiro, que apenas o creditamento relativo às aquisições na vigência da não-cumulatividade representam direito a ser assegurado; segundo, o ativo imobilizado existente anteriormente à mudança de sistemática não pode ser considerado para fins de creditamento pela depreciação.

Portanto, o caput do art. 31 da Lei nº 10.865/04: (1) arrostou direito adquirido do contribuinte – representado na garantia de aproveitar integralmente os créditos de-correntes da depreciação das aquisições, na vigência da não-cumulatividade, de bens incorporados ao ativo imobilizado; (2) incidiu sobre fato pretérito: a anterior aquisição de bens e a incorporação ao ativo imobilizado; e, (3) frustrou a esperada segurança jurídica, especialmente necessária nas relações entre o Fisco e o contribuinte.

A Lei nº 10.865/04 contrapõe-se diretamente ao inciso XXXVI do art. 5º da Consti-tuição, pois desrespeita a regra segundo a qual ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.

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Da mesma forma, afrontou a irretroatividade da norma tributária, prevista no art. 150, III, a, da Constituição. O caput do art. 31 incidiu sobre fatos anteriores à própria Lei nº 10.865/04 – aquisições de bens utilizados para a produção ou prestação de serviços incorporados ao ativo imobilizado – tolhendo os efeitos previstos pelas leis anteriores, segundo as quais tais aquisições davam direito ao creditamento e redução do valor devido a título de PIS e COFINS.

Leandro Paulsen assegura:‘A irretroatividade tributária, tal como posta no art. 150, III, a, da Constituição,

implica a impossibilidade de que lei tributária impositiva mais onerosa seja aplicada relativamente a situações pretéritas, independentemente de qualquer outro condicio-namento.

Ao prescrever que os entes políticos não podem instituir tributos ‘em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’, o art. 150, III, a, da CRFB visa a garantir o contribuinte contra exigências tributárias sobre atos, fatos ou situações passados relativamente aos quais já suportou ou suportará os ônus tributários estabelecidos ou que não ensejaram imposições tributárias pelas leis vigentes à época, que eram do seu conhecimento.

Deflui, claramente, pois, que a irretroatividade da lei tributária vem preservar o passado da atribuição de novos efeitos tributários, reforçando a própria garantia da legalidade, porquanto resulta na exigência de lei prévia. (Segurança Jurídica, Certeza do Direito e Tributação, Livraria do Advogado, 2006, p. 120-21)’

Se a lógica da não-cumulatividade é desonerar a parcela sobre a qual já incidiu o tributo, como a aquisição de bens representa faturamento para o vendedor, o adquirente já suportou o ônus tributário (e sob alíquota majorada), ostentando, assim, o direito de se creditar, integralmente, da depreciação do bem adquirido como forma de evitar a cumulatividade, ainda que o creditamento se prolongue no tempo. Tal aproveitamento, por certo, não pode sofrer a incidência de norma posterior à aquisição, sob pena de retroação onerosa constitucionalmente proibida; corolário da irretroatividade como vedação de se onerar situações pretéritas é a proibição de se atingir fatos anteriores que desoneram o contribuinte, pois o afastamento desses últimos também implica majoração de tributo.

Embora, em matéria tributária, a própria Constituição preveja exceções à legalidade e à anterioridade, não o faz em relação à anterioridade [sic - leia-se irretroatividade]. Mesmo que, a despeito da inexistência de exceções, se admitisse a possibilidade de retroação, haveria ela de ser excepcionalíssima e justificada cabalmente em princípios maiores que a garantia de irretroatividade. Não é esse, no entanto, o caso dos autos. Bem ao contrário, pois a vedação sequer conta com razoabilidade.

Com efeito, ao mesmo tempo em que o caput do art. 31 da Lei nº 10.865/04 vedou o aproveitamento das aquisições anteriores a 30 de abril de 2004, o parágrafo primeiro instituiu, com a aplicação das mesmas regras anteriores, o creditamento da depreciação daqueles bens adquiridos a partir do dia seguinte ao da vedação – 1º de maio de 2004.

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Sintomático dessa irrazoabilidade é o trecho seguinte das informações da autoridade impetrada:

‘45. E por que o legislador, quanto a isso, não criou alguma espécie de ‘regra de transição’, permitindo em situações que tais o creditamento pelas alíquotas anteriores? Ou por que não autorizou, pela própria Lei nº 10.865, o creditamento em relação às despesas de depreciação/amortização de bens do ativo permanente imobilizado adqui-ridos a partir da publicação da Lei nº 10.833/2003, evidenciando assim a correção que se estaria ora operando?

46. A isso tampouco podemos responder.’ (fl. 11)Inapelavelmente, a limitação é arbitrária e irrazoável.A restrição imposta pela mencionada lei também frusta a segurança jurídica, repu-

tada por Leandro Paulsen como sendo princípio constitucional implícito; invocando ensinamento de Humberto Bergmann Ávila, transcreve:

‘O princípio da segurança jurídica é constituído de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretação dedutiva do princípio maior do Estado de Direito (art. 1º). Em segun-do lugar, pela interpretação indutiva de outras regras constitucionais, nomeadamente as de proteção ao direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (art. 5º XXXVI) e das regras da legalidade (art. 5º, II, e art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, a) e da anterioridade (art. 150, III, b).

Em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal. (Idem, p. 32)’

Paulo de Barros Carvalho, citado por Leandro Paulsen, enfatizando a importância da segurança jurídica na dinâmica das relações sociais, refere-a como cânone:

‘(...) dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidirecionalidade passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de segurança das relações jurídicas (...). (Idem, p. 27)’

Especialmente em matéria tributária, a previsibilidade do tributo e a confiança no respeito à norma e à situação posta são essenciais para se planejar e investir, condições do desenvolvimento tão intensamente perseguido.

A solução da lide passa, então, por três questões principais: validade da restrição imposta na IN/SRF 457/04, determinação dos bens cuja depreciação/amortização é passível de aproveitamento em função do período de aquisição e afastamento da regra restritiva da Lei nº 10.865/04. Esta última questão é, formalmente, prejudicial às demais,

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pois a desconsideração de norma legal, materialmente afrontosa à Constituição, requer o pronunciamento do órgão especial dos Colegiados Judiciais.”

Logo, tenho como inegável que os créditos decorrentes da aquisição de bens para o ativo imobilizado se tornaram parte do patrimônio da empresa antes da edição da Lei 10.865/2004. Assim, as disposições do art. 31, caput, da referida lei acabaram por atingir fatos pretéritos, ofendendo o direito adquirido e a regra da irretroatividade tributária.

Ademais, a vedação ao aproveitamento de créditos, instituída por lei no curso da sistemática da não-cumulatividade, quando inúmeros contribuintes já haviam realizado investimentos em maquinário, equipa-mentos, entre outros, ofende o Princípio da Segurança Jurídica e a regra da não-surpresa, implícitos na Carta de 1988.

Portanto, tenho que o caput do art. 31 da Lei 10.865/2004 padece de vício de inconstitucionalidade por afronta ao direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), à garantia da irretroatividade (CF, art. 150, III, a) e ao princípio da segurança jurídica.

Em face do exposto, voto no sentido de declarar a inconstitucio-nalidade do artigo 31, caput, da Lei 10.865, de 2004, nos termos da fundamentação.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Pedi vista dos autos em razão de haver julgados da 1ª Turma, em agravos de instrumento, nos quais se aplicou o art. 31, caput, da Lei nº 10.865/2004, sem reconhecer a sua inconstitucionalidade.

Após examinar com percuciência a questão, passo a partilhar da mes-ma solução alvitrada no bem-lançado voto do ilustre Relator.

Contudo, julgo ser importante destacar que a sistemática de não--cumulatividade do PIS e da COFINS, prevista nas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, não consiste em um benefício fiscal, mas em um novo regime jurídico a dispor sobre todos os elementos da obrigação tributária. A ampliação ou restrição dos créditos dedutíveis do valor devido acarreta inequivocamente a redução ou aumento da base de cálculo; prova disso é que a própria Lei nº 10.865/2004 observa o princípio da anterioridade nonagesimal. Assim, esboroa-se a tese da Fazenda de que o benefício poderia ser revogado discricionariamente, sem respeitar o direito à

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dedução de crédito cuja gênese ocorreu sob a vigência da lei pretérita.Outrossim, o fato de as mencionadas Leis serem anteriores à Emenda

Constitucional nº 42/2003 não afasta a conclusão de que a não-cumu-latividade do PIS e da COFINS passou a ter sede constitucional, cuja aplicação deve ocorrer nos termos da lei então vigente.

Quanto às demais questões aventadas no voto condutor, entendo não ser necessário expender maiores considerações, pois seria repisar os fundamentos já irretocavelmente apresentados.

Por fim, no que concerne ao alcance desse incidente, firmo opinião no sentido de que deve ser declarada a inconstitucionalidade do caput do art. 31 da Lei nº 10.865/2004, o que não impede, todavia, que a Turma, ao julgar o caso concreto, delimite o direito ao crédito proveniente da depreciação e amortização de bens imobilizados. Aliás, tal solução, ao que penso, decorre da interpretação das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, uma vez que a possibilidade de deduzir tais créditos surgiu somente após a edição dessas Leis. Logo, aplica-se somente aos bens adquiridos e incorporados ao ativo imobilizado durante a sua vigência.

Ante o exposto, voto no sentido de declarar a inconstitucionalidade do caput do artigo 31 da Lei nº 10865/2004.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Acabei por firmar convicção e assim antecipo voto.

Vejo com razão o eminente Relator na violação à segurança jurídica, à irretroatividade e ao direito adquirido, mas apenas em face dos bens adquiridos após a vigência das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003, res-pectivamente, pois antes não existia previsão normativa para compensar a desvalorização. Ou seja, somente têm quebrada a segurança jurídica, a estabilidade, aqueles que adquiriram bens considerando o direito de compensar a desvalorização e vieram a ser surpreendidos por norma que retirou esse direito para o passado.

Se isso não é admissível, e com isso concordo, tampouco se pode por esse fundamento gerar lucro sem causa aos que adquiriram bens em época anterior, onde não havia qualquer direito à compensação da desvalorização.

Há realmente vício de inconstitucionalidade do caput do art. 31 da

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Lei 10.865/2004, por afronta ao direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), à garantia da irretroatividade (CF, art. 150, III, a) e ao princípio da segu-rança jurídica, mas apenas em face dos bens adquiridos após a vigência das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003.

Ante o exposto, voto por reconhecer parcialmente a inconstituciona-

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SÚMULAS

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.389-398, 2008 391

SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p.24184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p.241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p.3665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p.989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

- SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p.13385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p.35897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 11

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p.389-398, 2008392

“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18986) (Rep. DJ 14.06.93, p.22907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p.18987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p.18987) (DJ 31.08.94, p.47563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p.43516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p.46086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p.52558) (DJ 19.06.95, p. 38484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p.52558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 21

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“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 24“São auto-aplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem por

base o salário mínimo de NCz$120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se su-

perveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p.30113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p.32675)

SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

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à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p.38484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-

-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p.58814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p.89171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relati-

vos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p.15388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p.48558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário-de-contribuição

e o salário-de-benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o seqüestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97,

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p.24642-43) (DJ 19.05.97, p.34755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p.330) (Rep. DJ 11.02.98, p.725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários-de-contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p.382) (DJ 07.10.2003, p.202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53

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“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p.382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p.386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de

recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 - com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 - e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que

objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p.518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p.339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p.290) (DJ 07.07.2004, p.240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p.578) (DJ 08.10.2004, p.586 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p.657)

SÚMULA Nº 64

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“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p.619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,

não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p.459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p.586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75

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“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p.290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

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RESUMO

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ResumoTrata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelen-tíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, argüições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte.

SummaryThis is about an official trimestrial publication of Tribunal Regional

Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Cir-cuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. It also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court.

ResumenEsta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región,

con periodicidad trimestral y distribución nacional. La Revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados com-

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ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, sú-mulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.

SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale

della Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione na-zionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.

RésuméIl s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal

da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux

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ÍNDICE NUMÉRICO

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL2002.71.00.052091-4/RS (AC) Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha .................................992005.71.00.021962-0/RS (AGAC) Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ............... 1142007.04.00.001791-2/SC (AG) Rel. Juiz Federal Roger Raupp Rios ......................................1272007.04.00.009342-2/PR (MS) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon ....................1352008.04.00.010160-5/PR (AG) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria ............................147

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL2004.71.04.001047-6/RS (AGEPN) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado ................1912008.04.00.003045-3/SC (HC) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro............................1942008.04.00.010010-8/PR (HC) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz ............................198

DIREITO PREVIDENCIÁRIO2001.71.00.000071-9/RS (EIAC) Rel. Juiz Federal Alcides Vettorazzi ......................................2132002.71.00.034377-9/RS (AC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus......................2262005.04.01.035249-0/RS (EIAC) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti .....................................2322007.71.99.010065-0/RS (AC) Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva ........................2462007.72.10.000792-3/SC (AC) Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira ..............250

DIREITO PROCESSUAL CIVIL1998.04.01.056581-7/RS (EIAC) Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler.................................2592000.72.07.001975-2/SC (AC) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira ........................2662006.70.13.001010-1/PR (EXSUSP) Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat ....................................2722007.04.00.003706-6/PR (AG) Rel. Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior .............2762008.04.00.005985-6/RS (AG) Rel. Juiz Federal Marcelo De Nardi ......................................290

DIREITO TRIBUTÁRIO2002.70.03.000394-4/PR (AMS) Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo......................................2972005.70.14.001098-1/PR (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona .........................3032005.72.00.002500-1/SC (AC) Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira.........................3212006.71.00.021817-6/RS (AMS) Rel. Des. Federal Vilson Darós ..............................................3412007.72.00.000342-7/SC (AC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .....................................352

ARGÜIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE2005.70.00.000594-0/PR (INAMS) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona ........................ 371

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ÍNDICE ANALÍTICO

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A

ABUSO DE PODERGovernador – Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

AÇÃO CIVIL PÚBLICADefesa do meio ambiente – Vide REMOÇÃO DE BEM

ACUMULAÇÃOProventos – Vide TETO CONSTITUCIONAL

ADCT (ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS)Vide DESAPROPRIAÇÃO

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Alvará de funcionamento – Vide REMOÇÃO DE BEM

ADVOGADOHonorários – Vide EXECUÇÃO FISCAL

ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO Administração Pública – Vide REMOÇÃO DE BEM

AMPLA DEFESAVide DESAPROPRIAÇÃO

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APOSENTADORIAServidor público – Vide TETO CONSTITUCIONAL

Tempo de contribuição – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

APOSENTADORIA POR IDADETrabalhador rural. Regime jurídico. Prorural (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural). Acumulação. Pensão por morte. Descabimento. Impedimento legal. Vigência. Data. Morte. Tempus regit actum.Lei nova. Plano de benefícios. Previdência Social. Possibilidade. Acumulação. Benefício previdenciário. Irretroatividade. ...........................................................232

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇODescabimento. Impossibilidade. Reconhecimento. Tempo de serviço. Aspirante à vida religiosa. Não. Comprovação. Vínculo empregatício. Estabelecimento de ensino.Estudante. Religião. Caracterização. Segurado facultativo. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Atraso. Descabimento.Prova material. Validade. Não. Simultaneidade. Ocorrência. Fato. Irrelevância. .......... 226

Trabalhador autônomo. Indeferimento. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Período pretérito. Finalidade. Reconhecimento. Tempo de serviço. Impedimento legal. .....................................................................................................................213

APOSENTADORIA PROPORCIONALDireito adquirido – Vide SERVIDOR PÚBLICO

ÁREAPreservação permanente – Vide REMOÇÃO DE BEM

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADELei ordinária – Vide PIS

ASPIRANTE À VIDA RELIGIOSAVínculo empregatício – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

ASTREINTEAumento – Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

ATIVO IMOBILIZADOCrédito – Vide PIS

AUTO DE INFRAÇÃO

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Legalidade – Vide ITR

AUTORPossibilidade – Vide DESISTÊNCIA DA AÇÃO

AUXÍLIO-DOENÇAAposentadoria por invalidez. Concessão. Descabimento. Laudo pericial. Comprovação. Doença preexistente. Filiação. RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Restituição. Valor. Recebimento indevido. Desnecessidade. Natureza alimentar. Benefício previdenciário. ......................................................................................246

B

BEM PÚBLICO DE USO COMUMConstrução – Vide REMOÇÃO DE BEM

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIORecebimento indevido – Vide AUXÍLIO-DOENÇA

C

CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITODeterminação. Expedição.Inconstitucionalidade. Ilegalidade. Artigo. Instrução normativa.Reconhecimento. Débito tributário. Contribuição previdenciária. Obra civil. Irrelevância. Possibilidade. Discussão. Posterior. Pedido de restituição. Ou. Compensação. .......................................................................................................297

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDORVide TARIFA DE DEMANDA

COFINSRegime de tributação – Vide PIS

COMPENSAÇÃODiscussão – Vide CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO

COMPETÊNCIATurma Recursal. Exceção de suspeição. Juiz. Juizado Especial Federal. Processo

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judicial. Tramitação. Juizado Especial.TRF. Declinação de competência. Finalidade. Impedimento. Nova decisão. Oposição. Decisão. Anterior. Mandado de segurança. Mesmo. Objeto. Tramitação. Turma Recursal. Juizado Especial Federal. ......................................................................272

COMPLEMENTAÇÃOErro – Vide PROVA PERICIAL

COMUNIDADEConsulta prévia – Vide DESAPROPRIAÇÃO

CONFISSÃO DE DÍVIDAProcesso administrativo – Vide EXECUÇÃO FISCAL

CONSTITUCIONALIDADEDecreto – Vide DESAPROPRIAÇÃO

CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIOCondição de procedibilidade – Vide SONEGAÇÃO FISCAL

Desnecessidade – Vide DESCAMINHO

CONSTRUÇÃOBem público de uso comum – Vide REMOÇÃO DE BEM

CONSULTA PRÉVIAComunidade – Vide DESAPROPRIAÇÃO

CONTRADITÓRIOVide DESAPROPRIAÇÃO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAObra civil – Vide CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO

Recolhimento – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

Segurado facultativo – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

Vide SONEGAÇÃO FISCAL

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCROArbitramento – Vide EXECUÇÃO FISCAL

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CONVENÇÃO INTERNACIONALOrganização do trabalho – Vide DESAPROPRIAÇÃO

CRÉDITOAtivo imobilizado – Vide PIS

CUMPRIMENTO DA PENAIntegralidade – Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

D

DANO AMBIENTALResponsabilidade objetiva – Vide REMOÇÃO DE BEM

DECADÊNCIARevisão de benefício – Vide SERVIDOR PÚBLICO

DECRETOConstitucionalidade – Vide DESAPROPRIAÇÃO

DEFESA DO MEIO AMBIENTEAção civil pública – Vide REMOÇÃO DE BEM

DEMARCAÇÃOTerreno de Marinha – Vide PROVA PERICIAL

DESAPROPRIAÇÃOProcedimento administrativo. Seguimento. Área. Quilombo. Objetivo. Reconhecimento. Propriedade. Possuidor. Simultaneidade. Proteção. Patrimônio cultural. ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Observância.Decreto. Regulamentação. Comunidade. Lugar. Constitucionalidade. Lei formal. Desnecessidade. Observância. Lei estrangeira. Previsão. Proibição. Preconceito de raça. Garantia. Titularidade. Terreno. Ocupação.Convenção internacional. Organização do trabalho. Aplicação.Ministério Público. Obrigatoriedade. Intervenção. Processo judicial. Contraditório. Ampla defesa. Violação. Inocorrência.Notificação. Ocupante. Confinante. Área. Demarcação.Consulta prévia. Membro. Comunidade. Necessidade.Tradutor. Atividade cultural. Utilização. Possibilidade. .......................................147

DESCAMINHOCrime formal. Crime comum. Desnecessidade. Encerramento. Processo administrativo.

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Lançamento definitivo. Constituição do crédito tributário. Diferença. Crime contra a ordem tributária.Habeas corpus. Finalidade. Trancamento de ação penal. Descabimento. Inexistência. Ilegalidade. ............................................................................................................198

DESISTÊNCIA DA AÇÃO Pedido. Autor. INSS. Possibilidade. Processo judicial. Revisão de benefício. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Insubsistência jurídica. Justificativa. Divergência. Réu. Beneficiário.Auxílio-doença. Cancelamento. Via administrativa. Possibilidade. Ação judicial. Anterior. Concessão. Beneficio previdenciário. Irrelevância. Violação. Coisa julgada. Inocorrência. .........................................................................................................266

DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIALAumento. Valor. Astreinte. Decorrência. Continuidade. Abuso de poder. Governador. Estado. Uso indevido. Programa de rádio. Programa de televisão. Objetivo. Promoção pessoal. Agressão. Imprensa. Dissidente político. Órgão público. Desvio de finalidade. Meio de comunicação. Caracterização. Remessa. Peça processual. Procurador-Geral da República. Instauração. Processo penal. Possibilidade. Crime de desobediência. Crime de responsabilidade. Ponderação. Princípio constitucional. Liberdade de expressão. Liberdade de imprensa. Liberdade de manifestação do pensamento. Prevalência. Princípio. Administração Pública. Impessoalidade. Moralidade. Legalidade. Eficiência. ................................. 276

DESVIO DE FINALIDADEMeio de comunicação–Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

DEVIDO PROCESSO LEGALVide SERVIDOR PÚBLICO

DIREITO À SAÚDEAplicação imediata. Estado. Fornecimento. Medicamento. Diversidade. Disponibilidade. SUS. Possibilidade. Direito fundamental. Prevalência. Princípio. Previsão orçamentária. Aplicação. Condição. Inexistência. Violação. Outro. Princípio constitucional. Ou. Direito fundamental. Interesse individual. Ou. Interesse coletivo. ...................................127

DIREITO ADQUIRIDOAposentadoria proporcional – Vide SERVIDOR PÚBLICO

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Inexistência – Vide TETO CONSTITUCIONAL

Vide PIS

DIREITO FUNDAMENTALAplicação imediata – Vide DIREITO À SAÚDE

Igualdade – Vide PROVA PERICIAL

DOENÇA PREEXISTENTERGPS (Regime Geral de Previdência Social) – Vide AUXÍLIO-DOENÇA

E

EMENDA CONSTITUCIONALEfeito jurídico – Vide TETO CONSTITUCIONAL

ENERGIA ELÉTRICADisponibilidade – Vide TARIFA DE DEMANDA

EQÜIDADE Vide EXECUÇÃO FISCAL

ERRO Complementação – Vide PROVA PERICIAL

ESTUDANTEReligião – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃOJuizado Especial Federal – Vide COMPETÊNCIA

EXECUÇÃO FISCALProsseguimento. Adequação. Título executivo. Valor. Apuração. Perícia. Imposto de

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Renda. Pessoa jurídica. Contribuição social sobre o lucro.Lançamento tributário. Arbitramento. Regularidade. Impossibilidade. Cálculo. Tributo. Regime periódico de apuração. Lucro real. Época. Fiscalização tributária. Existência. Prova pericial.Observância. Princípio da Verdade Real.Confissão de dívida. Processo administrativo. Não. Exclusão. Apreciação. Via judicial. Inexistência. Litigância de má-fé.Honorários. Advogado. Arbitramento. 2%. Valor. Atualização. Execução. Eqüidade. Observância. ..........................................................................................................352

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITORevisão de benefício – Vide DESISTÊNCIA DA AÇÃO

F

FATOR PREVIDENCIÁRIOAplicação – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADARecolhimento na fonte – Vide IMPOSTO DE RENDA

G

GOVERNADORPromoção pessoal – Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

H

HONORÁRIOSAdvogado – Vide EXECUÇÃO FISCAL

I

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IMPOSTO DE RENDANão-incidência. Resgate. Contribuição. Aposentadoria. Fundo de previdência privada. Decorrência. Alteração. Legislação tributária. Recolhimento na fonte. Anterior. Verificação. Bitributação. Descabimento.Repetição do indébito. Precatório. Cabimento. Decadência. Inocorrência.Correção monetária. INPC. Taxa Selic. Aplicação.Ônus da sucumbência. Condenação. Exclusividade. União Federal. Manutenção. ......... 321

Pessoa jurídica – Vide EXECUÇÃO FISCAL

INSTRUÇÃO NORMATIVAInconstitucionalidade – Vide CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO

INTERNETImpossibilidade – Vide PETIÇÃO

ISENÇÃO TRIBUTÁRIADescabimento – Vide ITR

ITRExigibilidade. Contribuinte. Averbação. Aumento. Área. Reserva extrativista. Imóvel. Descumprimento. Condição. Ibama. Isenção tributária. Descabimento.Erro. Declaração. Inexistência.Auto de infração. Legalidade ................................................................................303

J

JUIZADO ESPECIAL FEDERALExceção de suspeição – Vide COMPETÊNCIA

L

LANÇAMENTO TRIBUTÁRIORegularidade – Vide EXECUÇÃO FISCAL

LEGALIDADECobrança – Vide TARIFA DE DEMANDA

LEI ORDINÁRIAArgüição de inconstitucionalidade – Vide PIS

LIBERDADE DE EXPRESSÃOVide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

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LIBERDADE DE IMPRENSAVide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTOVide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

M

MANDADO DE SEGURANÇATurma Recursal – Vide COMPETÊNCIA

MEDICAMENTOFornecimento – Vide DIREITO À SAÚDE

MEIO DE COMUNICAÇÃODesvio de finalidade – Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

MINISTÉRIO PÚBLICOIntervenção – Vide DESAPROPRIAÇÃO

N

NÃO-INCIDÊNCIAResgate – Vide IMPOSTO DE RENDA

NATUREZA TRIBUTÁRIANão caracterização – Vide TARIFA DE DEMANDA

NOTIFICAÇÃOOcupante – Vide DESAPROPRIAÇÃO

O

OBRA CIVILContribuição previdenciária – Vide CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO

OMISSÃOQuesito suplementar – Vide PROVA PERICIAL

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHOConvenção internacional – Vide DESAPROPRIAÇÃO

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P

PATRIMÔNIO CULTURALProteção – Vide DESAPROPRIAÇÃO

PEDIDO DE RESTITUIÇÃODiscussão – Vide CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO

PENA PRIVATIVA DE LIBERDADEConversão – Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

PENSÃO POR MORTEAcumulação – Vide APOSENTADORIA POR IDADE

PESSOA JURÍDICAImposto de Renda – Vide EXECUÇÃO FISCAL

PETIÇÃOEncaminhamento. Utilização. Internet. Assinatura. Sistema eletrônico. Impossibilidade. Justiça Federal. Dependência. Regulamentação. Procedimento. Exigibilidade. Credenciamento. Anterior. Poder Judiciário.Parte processual. Não. Favorecimento. Necessidade. Encaminhamento. Documento original. Prazo. Cinco dias. Analogia. Procedimento. Recebimento. Fac-símile. Informatização. Ponderação. Entre. Princípio da Razoável Duração do Processo. Princípio da Instrumentalidade. Necessidade. Garantia. Segurança. Transmissão. Documento. ..........................................................................................................290

PISCofins. Possibilidade. Aproveitamento. Valor. Crédito. Decorrência. Aquisição. Bem. Incorporação. Ativo imobilizado. Regime de tributação. Não-cumulatividade. Independência. Depreciação de bens. Constituição. Crédito. Antes. Edição. Lei. Previsão. Limite. Tempo.Não-cumulatividade. Pressuposto. Previsão legal. Operação comercial. Realização. Empresa comercial. Incidência. Contribuição. Fase. Anterior.Princípio da Segurança Jurídica. Direito Adquirido. Princípio da Irretroatividade da Lei. Violação.Argüição de inconstitucionalidade. Artigo. Lei ordinária. Procedência. .............371

PRECATÓRIORepetição do indébito – Vide IMPOSTO DE RENDA

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PRESERVAÇÃO PERMANENTEÁrea – Vide REMOÇÃO DE BEM

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADEDescumprimento. Totalidade. Pena restritiva de direitos. Conversão. Pena privativa de liberdade. Cabimento. Condenado. Não. Apresentação. Justificativa. Suficiência. Impossibilidade. Extinção da punibilidade. Necessidade. Intimação. Réu. Cumprimento da pena. Integralidade. Princípio da Economia Processual. Proporcionalidade. Inaplicabilidade. ....................................................................................................191

PRINCÍPIO Administração Pública – Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

Previsão orçamentária – Vide DIREITO À SAÚDE

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANAVide SERVIDOR PÚBLICO

PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUALInaplicabilidade – Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADEVide PETIÇÃO

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEIVide PIS

PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSOVide PETIÇÃO

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICAVide PIS

Vide SERVIDOR PÚBLICO

PRINCÍPIO DA VERDADE REAL Vide EXECUÇÃO FISCAL

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVOQuilombo – Vide DESAPROPRIAÇÃO

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PROCESSO ADMINISTRATIVO Confissão de dívida – Vide EXECUÇÃO FISCAL

PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCALExigibilidade – Vide SONEGAÇÃO FISCAL

PROGRAMA DE RÁDIOUso indevido – Vide DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL

PRORURAL (PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA AO TRABALHADOR RURAL)Pensão por morte – Vide APOSENTADORIA POR IDADE

PROTEÇÃOPatrimônio cultural – Vide DESAPROPRIAÇÃO

PROVA PERICIAL Complementação. Necessidade. Objetivo. Verificação. Eventualidade. Erro. Fixação. Linha divisória. Demarcação. Terreno de Marinha. Localização. Proximidade. Rio.Autor. Omissão. Pedido. Quesito suplementar. Juízo. Não. Determinação. Ex officio. Decorrência. Relevância. Custo. Opção. Parte processual. Sentença judicial. Cassação. Remessa dos autos. Direito fundamental. Igualdade. Observância. ..........................................................................................................259

Vide EXECUÇÃO FISCAL

PROVENTOSAcumulação – Vide TETO CONSTITUCIONAL

Q

QUESITO SUPLEMENTAROmissão – Vide PROVA PERICIAL

QUILOMBOProcedimento administrativo – Vide DESAPROPRIAÇÃO

R

REGIME DE TRIBUTAÇÃONão-cumulatividade – Vide PIS

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REMOÇÃO DE BEM Desocupação. Demolição. Exigibilidade. Bar. Construção. Restinga. Área. Preservação permanente. Zona contígua. Mar. Bem público de uso comum.Administração Pública. Município. Fornecimento. Licença. Alvará de funcionamento. Convalidação. Ilicitude. Impossibilidade. Necessidade. Autorização. Serviço do Patrimônio da União. Observância. Legislação. Defesa do meio ambiente. Ação civil pública. Ajuizamento. Ministério Público Federal. Ministério Público Estadual. Responsabilidade objetiva. Responsabilidade solidária. Proprietário. Município. Reparação de danos. Dano ambiental. Flora nativa. Responsabilidade civil do Estado. União Federal. Inocorrência. Não. Comprovação. Nexo de causalidade. Indenização. Natureza pecuniária. Descabimento. Não caracterização. Dano irreparável. ............................................................................99

REPARAÇÃO DE DANOS Responsabilidade solidária – Vide REMOÇÃO DE BEM

REPETIÇÃO DO INDÉBITOPrecatório – Vide IMPOSTO DE RENDA

RESGATENão-incidência – Vide IMPOSTO DE RENDA

RESPONSABILIDADE OBJETIVA Dano ambiental – Vide REMOÇÃO DE BEM

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIAReparação de danos – Vide REMOÇÃO DE BEM

RÉUDivergência – Vide DESISTÊNCIA DA AÇÃO

REVISÃO DE BENEFÍCIOAposentadoria. Tempo de contribuição. Descabimento. Cálculo. RMI (Renda Mensal Inicial). Redução. Salário-de-benefício. Decorrência. Alteração. Legislação previdenciária. Fator previdenciário. Aplicação. STF. Sinalização. Constitucionalidade. .............................................................................................250

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Extinção do processo sem julgamento do mérito – Vide DESISTÊNCIA DA AÇÃO

S

SALÁRIO-DE-BENEFÍCIORedução – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SEGURADO FACULTATIVOContribuição previdenciária – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

SENTENÇA JUDICIALCassação – Vide PROVA PERICIAL

SERVIDOR PÚBLICOAposentado. Revisão de benefício. Aposentadoria proporcional. Decadência. Decurso de prazo. Superioridade. Cinco anos. Entre. Data. Concessão. Benefício previdenciário. Data. Intimação. Determinação. Comprovação. Recolhimento. Contribuição previdenciária. Tempo de serviço. Atividade rural. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Princípio da Segurança Jurídica. Devido processo legal. Direito adquirido. Observância. Competência jurisdicional. Corte Especial. Mandado de segurança. Contra. Ato administrativo. Presidente. TRF. Observância. Decisão. TCU. ...........................135

Aposentadoria – Vide TETO CONSTITUCIONAL

SONEGAÇÃO FISCALContribuição previdenciária. Trancamento de ação penal. Falta de justa causa. Constituição do crédito tributário. Lançamento definitivo. Inocorrência. Condição de procedibilidade. Inexistência. Processo administrativo-fiscal. Apuração. Valor da dívida. Exigibilidade. .........194

SUSMedicamento – Vide DIREITO À SAÚDE

T

TARIFA BINÔMIATarifa de ultrapassagem – Vide TARIFA DE DEMANDA

TARIFA DE DEMANDATarifa de ultrapassagem. Tarifa binômia. Legalidade. Cobrança. Pagamento. Valor.

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Cota. Fixação. Contrato. Contraprestação. Disponibilidade. Energia elétrica. Impossibilidade. Cálculo. Consumo. Efetividade. Utilização.Contrato. Fornecimento. Energia elétrica. Adesão. Ato voluntário. Não caracterização. Natureza tributária. Código de Defesa do Consumidor. Inexistência. Violação. .................................341

TARIFA DE ULTRAPASSAGEMTarifa binômia – Vide TARIFA DE DEMANDA

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃOAposentadoria – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

TERRENO DE MARINHADemarcação – Vide PROVA PERICIAL

TETO CONSTITUCIONALAplicação. Legalidade. Administração Pública. Manutenção. Desconto. Proventos. Aposentadoria. Acumulação. Pensão. Servidor público.Emenda constitucional. Efeito jurídico. Aplicação imediata. Direito adquirido. Inexistência. Princípio da Isonomia. Violação. Inocorrência. ............................... 114 TRABALHADOR AUTÔNOMOIndeferimento – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

TRADUTORAtividade cultural – Vide DESAPROPRIAÇÃO

TRANCAMENTO DE AÇÃO PENALDescabimento – Vide DESCAMINHO

Falta de justa causa – Vide SONEGAÇÃO FISCAL

TURMA RECURSALMandado de segurança – Vide COMPETÊNCIA

V

VÍNCULO EMPREGATÍCIOAspirante à vida religiosa – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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Ato das Disposições Constitucionais TransitóriasArtigo 68 ..................................................................................................................147

Código de Defesa do ConsumidorArtigo 51 ..................................................................................................................341

Código de Processo CivilArtigo 5º ...................................................................................................................276Artigo 20 ..................................................................................................................352Artigo 37 ..................................................................................................................276Artigo 125 ................................................................................................................259Artigo 130 ................................................................................................................259Artigo 154 ................................................................................................................290Artigo 267 ........................................................................................................ 266/276Artigo 530 ................................................................................................................259

Código de Processo PenalArtigo 40 ..................................................................................................................276

Código PenalArtigo 44 ..................................................................................................................191Artigo 334 ................................................................................................................198Artigo 337-A ............................................................................................................194

Código Tributário NacionalArtigo 3º ...................................................................................................................341Artigo 106 ................................................................................................................303Artigo 148 ........................................................................................................ 297/352Artigo 205 ................................................................................................................297

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Constituição Federal/1988Artigo 5º ............................................................................... 127/147/259/290/297/352Artigo 23 ....................................................................................................................99Artigo 37 ..................................................................................................................114Artigo 98 ..................................................................................................................272Artigo 108 ................................................................................................................272Artigo 150 ................................................................................................................371Artigo 176 ................................................................................................................341Artigo 195 ........................................................................................................ 213/371Artigo 201 ................................................................................................................250Artigo 215 ................................................................................................................147Artigo 216 ................................................................................................................147Artigo 221 ................................................................................................................276Artigo 225 .......................................................................................................... 99/147Artigo 231 ................................................................................................................147

Convenção da Organização Internacional do Trabalho nº 169Artigo 1º ...................................................................................................................147Artigo 2º ...................................................................................................................147Artigo 6º ...................................................................................................................147Artigo 12 ..................................................................................................................147Artigo 13 ..................................................................................................................147Artigo 14 ..................................................................................................................147Artigo 16 ..................................................................................................................147Artigo 17 ..................................................................................................................147

Decreto nº 62.724/68Artigo 2º ...................................................................................................................341

Decreto nº 4.887/2003Artigo 2º ...................................................................................................................147Artigo 3º ...................................................................................................................147Artigo 5º ...................................................................................................................147Artigo 7º ...................................................................................................................147Artigo 9º ...................................................................................................................147Artigo 17 ..................................................................................................................147

Decreto nº 6.040/2007Artigo 3º ...................................................................................................................147

Decreto-Lei nº 3.365/41Artigo 5º ...................................................................................................................147

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p. 427-434, 2008 431

Emenda Constitucional nº 19/98 ..........................................................................114

Emenda Constitucional nº 41/2003 ......................................................................114

Instrução Normativa INSS/DC 18/2000Artigo 40 ..................................................................................................................297

Lei nº 3.807/60Artigo 2º ...................................................................................................................226Artigo 4º ...................................................................................................................226Artigo 5º ...................................................................................................................226

Lei nº 4.771/65Artigo 2º .....................................................................................................................99Artigo 16 ..................................................................................................................303

Lei nº6.696/79Artigo 1º ...................................................................................................................226

Lei nº 6.938/81Artigo 14 ....................................................................................................................99

Lei nº 7.661/88Artigo 3º .....................................................................................................................99Artigo 6º .....................................................................................................................99

Lei nº 7.713/88Artigo 3º ...................................................................................................................321Artigo 6º ...................................................................................................................321

Lei nº 8.137/90Artigo 1º ........................................................................................................... 194/198

Lei nº 8.212/91Artigo 30 ..................................................................................................................250Artigo 33 ..................................................................................................................297

Lei nº 8.213/91

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 19, n. 69, p. 427-434, 2008432

Artigo 11 ..................................................................................................................226Artigo 25 ..................................................................................................................246Artigo 27 ..................................................................................................................216Artigo 29 ..................................................................................................................250Artigo 55 ..................................................................................................................226Artigo 59 .......................................................................................................... 246/266Artigo 101 ................................................................................................................266

Lei nº 8.631/93Artigo 1º ...................................................................................................................341Artigo 2º ...................................................................................................................341Artigo 7º ...................................................................................................................341Artigo 17 ..................................................................................................................341

Lei nº 9.099/95Artigo 41 ..................................................................................................................272

Lei nº 9.249/95Artigo 34 ..................................................................................................................198

Lei nº 9.250/95Artigo 4º ...................................................................................................................321Artigo 33 ..................................................................................................................321Artigo 39 ..................................................................................................................321

Lei nº 9.393/96Artigo 10 ..................................................................................................................303Artigo 11 ..................................................................................................................303

Lei nº 9.430/96Artigo 83 ..................................................................................................................198

Lei nº 9.472/97Artigo 19 ..................................................................................................................276

Lei nº 9.636/98Artigo 22 ....................................................................................................................99Artigo 33 ....................................................................................................................99

Lei nº 9.784/99Artigo 54 ..................................................................................................................135

Lei nº 9.876/99 .......................................................................................................250

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Lei nº 10.259/2001Artigo 1º ...................................................................................................................272Artigo 21 ..................................................................................................................272

Lei nº 10.637/2002Artigo 3º ...................................................................................................................371

Lei nº 10.684/2003Artigo 9º ...................................................................................................................198

Lei nº 10.833/2003Artigo 3º ...................................................................................................................371

Lei nº 10.865/2004Artigo 31 ..................................................................................................................371

Lei nº 11.419/2006Artigo 2º ...................................................................................................................290Artigo 8º ...................................................................................................................290

Lei Complementar nº 11/71 ..................................................................................232

Lei Complementar nº 16/73Artigo 6º ...................................................................................................................232

Lei Complementar nº 75/93Artigo 6º ...................................................................................................................147

Medida Provisória nº 2159-70/2001Artigo 7º ...................................................................................................................321

Medida Provisória nº 2186-16/2001 .....................................................................147 Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoArtigo 4º ...................................................................................................................135

Resolução da ANEEL nº 456/2000Artigo 2º ...................................................................................................................341

Súmula do Superior Tribunal de Justiça

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Nº 162 ......................................................................................................................321

Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoNº 78 ........................................................................................................................194