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QUARTA REGIÃO

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QUARTA REGIÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 75, p. 1-355, 2010

QUARTA REGIÃO

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Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Tadaaqui Hirose

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Giovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão e Formatação:Camila Thomaz Telles

Carla Roberta Leon AbrãoLeonardo Schneider

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QUARTA REGIÃO

TADAAQUI HIROSEDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm 15 de março de 2010

Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994 – Vice-Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Corregedor RegionalDesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999 – Diretor da EMAGISDes. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001

Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001 – Vice-Corregedor Regional

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001Des. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003 – Conselheiro da EMAGISDes. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004 – Conselheiro da EMAGIS

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007

Des. Federal Fernando Quadros da Silva – 23.11.2009Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

Juiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

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Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado)

Juiz Federal Artur César de Souza (convocado)Juíza Federal Maria Isabel Pezzi Klein (convocada)

Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri (convocado)

Juiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli (convocado)

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima LabarrèreDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan PaciornikDesa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves GoraiebDesa. Federal Marga Inge Barth TesslerDesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzDes. Federal Fernando Quadros da Silva

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto SilveiraDes. Federal Celso Kipper

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. Federal Rômulo Pizzolatti

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle PereiraJuiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado)

QUARTA SEÇÃODes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausJuiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Joel Ilan Paciornik

Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)

SEGUNDA TURMADesa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – Presidente

Des. Federal Otávio Roberto PamplonaJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juiz Federal Artur César de Souza (convocado)

TERCEIRA TURMADes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Presidente

Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Fernando Quadros da Silva

Juiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)

QUARTA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves GoraiebJuiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Rômulo Pizzolatti – Presidente

Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado)Juíza Federal Maria Isabel Pezzi Klein (convocada)

SEXTA TURMADes. Federal João Batista Pinto Silveira – Presidente

Des. Federal Celso KipperJuiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri (convocado)

TURMA SUPLEMENTARDes. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – Presidente

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleJuiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli (convocado)

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SÉTIMA TURMADes. Federal Tadaaqui Hirose – Presidente

Des. Federal Néfi CordeiroJuiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

OITAVA TURMADes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

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SUMÁRIO

DISCURSOS ......................................................................................15 Joel Ilan Paciornik ................................................................17 Fernando Quadros da Silva .....................................................23

ACÓRDÃOS.......................................................................................29 Direito Administrativo e Direito Civil .....................................31

Direito Penal e Direito Processual Penal .................................69 Direito Previdenciário ............................................................129 Direito Processual Civil .........................................................155 Direito Tributário ...................................................................197

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE .........................251

SÚMULAS .......................................................................................315

RESUMO ..........................................................................................325

ÍNDICE NUMÉRICO .......................................................................329

ÍNDICE ANALÍTICO ......................................................................333

ÍNDICE LEGISLATIVO ..................................................................349

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DISCURSOS

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Discurso*

Joel Ilan Paciornik**

Exmo. Sr. Desembargador Federal Vilson Darós, Presidente do Tri-bunal Regional Federal da 4ª Região; Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, representando a Presidência do Superior Tribunal de Justiça; Exmo. Sr. Des. Dorval Braulio Marques, representando a Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Exmo. Sr. Des. João Ghisleni Filho, Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região; Exmo. Sr. Dr. João Carlos de Carvalho Rocha, Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República na 4ª Região; Exmo. Sr. Des. Ney José de Freitas, Corregedor Regional e Presidente eleito para o biênio 2009/2011, repre-sentando a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região; Exmo. Sr. Des. Sérgio Feltrin, representando a Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e o Conselho Nacional do Ministério Público; Exmo. Sr. Dr. João Batista Linck Figuera, Procurador-Geral do Município de Porto Alegre, representando neste ato o Sr. Prefeito Municipal; Exma. Sra. Dra. Maria Ignes Franco Santos, Procuradora de Justiça, representando a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo De Nardi, Diretor do Foro da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul; Exmo. Sr. Juiz Federal

* Discurso de saudação ao Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva quando da sua posse no TRF da 4ª Região, em 23.11.2009.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Danilo Pereira Júnior, Diretor do Foro da Seção Judiciária do Paraná; Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Cesar Baptista de Mattos, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil; Exma. Sra. Dra. Júlia Mar-tins, Procuradora de Justiça e Vice-Presidente Social da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, representando a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público; Exma. Sra. Dra. Sulamita Santos Cabral, Secretária-Geral da OAB do Rio Grande do Sul, neste ato representando o Exmo. Sr. Presidente, Dr. Cláudio Lamachia; Exmo. Sr. Coronel Carlos José Sampaio Malan, representando o Comando Militar do Sul; caríssimos familiares do empossado; senhoras e senhores:

Reúne-se o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nesta tarde, em Sessão Solene que se destina a dar posse a seu novo integrante, o Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, nomeado Desembargador Fe-deral pelo critério de merecimento, na vaga decorrente da aposentadoria do Eminente Desembargador Federal Amaury Chaves de Athayde.

Foi-me permitida a honrosa missão de saudar, em nome da Corte, o novo Desembargador Federal, fato que me deixou muito feliz, já que se trata de um amigo de mais de duas décadas, cuja trajetória pessoal e profissional sempre acompanhei de uma forma bastante próxima, con-forme relatarei na sequência.

Nascido em 29 de março de 1964, em União da Vitória/PR, filho de Manoel Quadros da Silva, de saudosa memória, e de Romilda Quadros da Silva, graduou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba/PR em 1988, tendo sido meu contemporâneo na aludida escola.

Especialista em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Univer-sidade de Brasília e pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em 1999.

Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná em 2001.

No campo profissional, assistimos de perto à ascendente carreira do Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, que se iniciou como Auxiliar de Cartório na Vara Cível da Comarca de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, de 1983 a 1985. Nessa época, eu estagiava em escritório de advocacia, sendo constantemente atendido na mencionada serventia judicial, sempre de forma muito cordial, pelo então novato servidor.

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A partir do cartório cível, passou a exercer as funções de Assessor Parlamentar da Secretaria de Estado de Planejamento do Paraná, no período de 1985 a 1989.

Inicia-se, então, na vida do já bacharel em Direito Fernando Quadros da Silva uma sucessão de exitosas aprovações em concursos públicos na área jurídica.

Procurador do Estado do Paraná de março de 1989 a dezembro de 1991, tendo atuado nas Procuradorias Regionais de Guarapuava e Curi-tiba. Por obra do destino, em 1989, era eu Juiz de Direito Substituto nas Comarcas Paranaenses de Guarapuava, Pinhão, Pitanga e Palmital, onde o ilustre representante judicial do Estado do Paraná era o Dr. Fernando Quadros da Silva. Nossa convivência nessa época era diária e muito divertida, em face da própria personalidade do Dr. Fernando, sempre alegre, extrovertido, sem prejuízo da seriedade e da competência com que desempenhava suas atividades profissionais.

Foi nessa época, em Guarapuava, que o então Procurador do Estado conheceu Maria Teresa Andrade Arruda, com quem, mais tarde, veio a casar e de cuja união, por mim presenciada, advieram os amados filhos Isabel Arruda Quadros da Silva e Alexandre Quadros da Silva.

Não bastasse a já exitosa carreira, o Dr. Fernando foi aprovado em outro concurso público, vindo a exercer o cargo de Procurador do Minis-tério Público do Trabalho, de 1991 a 1993, junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em Porto Alegre.

Como sua vocação, no entanto, era a Magistratura, foi aprovado no III Concurso Público Regional para o cargo de Juiz Federal Substituto, promovido por esta Corte em 1993, tendo jurisdicionado junto à Subse-ção Judiciária de Maringá até 1998, quando foi removido para Curitiba, onde assumiu junto à 6ª Vara Cível.

Foi Diretor do Foro da Seção Judiciária do Paraná no biênio de 2001 a 2003, tendo relevante atuação na construção do prédio-sede da Justiça Federal de Curitiba.

No biênio de 2004 a 2006, integrou o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná.

Convocado para atuar no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em diversos períodos, sempre demonstrou produtividade e presteza no exercício da jurisdição.

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Integrou, também, o Conselho Nacional do Ministério Público, indica-do pelo Supremo Tribunal Federal, de junho de 2007 a junho de 2009.

Teve, ainda, intensa vida acadêmica, com atividades docentes, cursos de aperfeiçoamento no exterior, bem como livros e artigos publicados, os quais me permito não citar por reverência à brevidade.

Recentemente integrou lista de merecimento juntamente com os bri-lhantes Magistrados Márcio Antônio Rocha e Vânia Hack de Almeida, culminando com a sua nomeação pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República para o cargo de Desembargador Federal, em que toma posse neste momento tão significativo para sua vida profissional e eno-brecimento desta Corte.

O Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva assume suas funções em um momento em que o Poder Judiciário passa por profundas transformações, quando é chamado à implementação de políticas públicas apregoadas pela Constituição Federal, em busca da concretização dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, não raras vezes violados ou sonegados pelos outros Poderes da República.

A preservação dos valores assegurados pela Constituição continua a ser atividade primordial a ser desempenhada pelo Poder Judiciário, na sua missão de dizer o direito aplicável ao caso concreto surgido do conflito de interesses na sociedade.

Essa nova conformação do Judiciário é definida pelo Ministro Apo-sentado do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira, para quem:

“O Judiciário, como poder ou atividade estatal, não pode mais manter-se equi-distante dos debates sociais, devendo assumir seu papel de participante do processo evolutivo das nações, também responsável pelo bem comum, notadamente em temas como dignidade humana, redução das desigualdades sociais, erradicação da miséria e da marginalização, defesa do meio ambiente e valorização do trabalho e da livre iniciativa. Como partícipe, em suma, da construção de uma sociedade mais livre, justa, solidária e fraterna.” (O Juiz: Seleção e Formação do Magistrado no Mundo Contemporâneo, Del Rey, p. 87, 1999)

Este Tribunal tem a certeza de que o Desembargador Federal Fer-nando Quadros da Silva possui todos os atributos pessoais, morais e intelectuais necessários ao desempenho de uma jurisdição com qualida-de, celeridade, efetividade e presteza, que é o anseio do jurisdicionado

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e a grande missão desta Casa.Não nos esqueçamos, porém, que a tarefa de julgar o semelhante, que,

por força da Constituição, foi a nós atribuída, exige dedicação, estudo, renúncias e, sobretudo, consciência da responsabilidade inerente ao cargo de Desembargador Federal e das consequências advenientes das nossas decisões. A justificar tais assertivas, valho-me das palavras do notável Desembargador Federal deste Egrégio Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, em artigo publicado em setembro de 2001, no Jornal da Justiça Federal do Paraná:

“Julgar, por certo, não constitui um atributo divino, é um ato humano, que exige claro entendimento, um reto proceder, acendrado amor ao trabalho e, sobretudo, elevado respeito às leis e seguro senso de justiça.

Exigem-se dos juízes virtudes especialíssimas, a renúncia e a coragem, o desprezo pela incompreensão e pela malícia dos vencidos, e o constante aperfeiçoamento dos seus conhecimentos profissionais.

Todo esse conjunto de requisitos, que se não são raros também não são comuns, formam o lastro indispensável ao exercício da judicatura.”

Caríssimo Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, esse lastro indispensável, nas palavras do colega Thompson Flores, Vossa Excelência o tem com maestria.

Agora, peço licença para falar em nome pessoal, destacando a minha profunda alegria, e de minha família, por sua vinda, caríssimo Fernando, juntamente com a Maria Tereza, a Isabel e o Alexandre, para esta cidade, aqui firmando residência, fato que possibilitará a continuidade dos nossos antigos laços de amizade.

O Tribunal que ora o acolhe expressa seu contentamento com sua pos-se, que, com certeza, virá a engrandecer ainda mais o nome e o conceito que esta Instituição conquistou ao longo de sua existência.

Muito obrigado.

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Discurso*

Fernando Quadros da Silva**

Sr. Presidente Vilson Darós; Sr. Ministro Teori Zavascki; Srs. Con-selheiros do Conselho Nacional do Ministério Público, Cláudio Barros, Sérgio Feltrin e Taís Ferraz; meus familiares queridos, aqui presentes; Sr. Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República, João Carlos de Carvalho Rocha; peço licença ao Presidente da OAB para saudar a combativa classe dos advogados na pessoa dos doutores aqui presentes Luiz Edson Facchin e Edni de Andrade Arruda, que muito abrilhantam a carreira dos advogados na sua luta, na sua colaboração e coparticipa-ção para o engrandecimento da Justiça; saúdo o Sr. Presidente da Ajufe, Fernando de Mattos, na pessoa de quem homenageio os colegas Juízes Federais aqui presentes; Dra. Eloísa Agra Hassen, Diretora-Geral desta Corte, na pessoa de quem saúdo os servidores; Sr. Jorge Samek, Presi-dente da Itaipu Binacional, na pessoa de quem saúdo os homens públicos do Estado do Paraná:

Cabe ao empossado dizer algumas palavras, não muitas, fiquem tranquilos.

A posse no cargo público é, ao mesmo tempo, balanço do que já se fez e compromisso. Momento de se fazer como que “um exame de cons-ciência”. Momento em que olhamos retrospectivamente para a carreira e

* Discurso de posse como Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, em 23.11.2009.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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analisamos o que fizemos e, depois, como acabei de fazer, nos compro-metemos a bem desempenhar a nova função que se abraça.

Na seara do serviço público, temos grandes exemplos de pessoas que se dedicaram e que se doaram integralmente ao engrandecimento da função pública. Nesse passo, faço um parênteses para saudar o nosso Ex-Procurador-Geral da República Dr. Antônio Fernando de Barros e Silva e Souza, que foi meu Presidente quando integrei o Conselho Nacional do Ministério Público e que deu ao país muitos exemplos de atuação séria e firme, sinalizando os caminhos pelos quais o serviço público tinha de caminhar para chegar a um bom termo e para cumprir a sua função.

Agradeço inicialmente as palavras amáveis e generosas do meu amigo e colega Des. Joel Paciornik. Desde a faculdade e, depois, nas lides pro-fissionais, conseguimos trilhar muitos caminhos e desempenhar nossas atividades, sem nunca perder o bom humor e a seriedade. Desejo que continuemos a trilhar nossas carreiras, lado a lado, sempre renovando a nossa profissão de fé: LeShaná HaBa’á B’Yerushalaim (No ano que vem em Jerusalém).

Quero começar pelo fim, aliás, pelo começo – aprendi com alguns colegas, dentre eles o Marcelo Malucelli e o João Pedro Gebran Neto, que se deve saudar a família no começo, porque, no final, a gente acaba se emocionando e chorando. Então, quero agradecer à minha família, de onde a gente vem, onde a gente aprende os valores que devem nortear nossas vidas e para onde, enfim, nos retiramos quando as vaidades, o labor e a luta pela sobrevivência não fazem mais sentido.

Agradeço à minha mãe, Romilda Quadros da Silva, aqui presente, que tem o pragmatismo e a determinação dos “Pereiras”, pessoa inte-ligente e generosa, que me ensinou a acreditar em milagres, que, aliás, acontecem todos os dias. Demorei para aprender a sua maneira indireta de dar conselhos e fazer advertências sérias, sempre por meio de uma história, de algo que aconteceu com certo alguém – demorei muito para descobrir que aquilo era uma advertência do que poderia acontecer co-migo. Gostaria de saudar Maria Tereza Arruda, minha esposa dedicada, companheira nas minhas andanças pelas diversas cidades para as quais, por imposição profissional, sempre me desloco. Também é muito serena nas adversidades e, por ter pai e irmã advogados, está familiarizada com a “causa” da Justiça e com as obrigações de um juiz.

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Isabel, minha filha, nascida aqui em Porto Alegre, em 1993, inteligente e espirituosa, só aceita as ordens se forem devidamente fundamentadas e, agora que terminou de ler o livro “Como ganhar o debate mesmo sem ter razão”, está dificultando muito as minhas atividades de pai. Agora, você, enfim, vai ter a oportunidade de voltar à sua terra natal, da qual saiu com três meses, e, quem sabe, aprender o sotaque. Acredite em mim: você vai gostar da cidade e vai ser muito feliz por aqui. Meu filho Alexandre, nascido em Maringá, é o mais entusiasta com a mudança, porque, com sua inteligência, percebeu que a única maneira de ficar ao lado do pai, que se desloca muito em razão das convocações para o Tribunal, era se mudando com ele para a nova cidade. Tenho certeza também de que vai gostar muito daqui. Uma especial saudação à minha sogra, Sra. Leoni Andrade Arruda, que, do alto dos seus 84 anos e mãe de oito filhos, é um exemplo de fé e de idealismo. Gostaria muito de ter a sua disposição e a sua fé inquebrantável. Meu irmão Eduardo Quadros, aqui presente, como diz ele próprio, é “meu único e melhor irmão”, que me dá bons conselhos e fraterna amizade, como se fosse o irmão mais velho. O irmão que, teimoso como nosso pai, não aceitou o conselho de que não deveria ser professor. E, agora, professor, segue a carreira acadêmica brilhante, na qual tenho certeza de que está realizado, sendo um exemplo para todos da nossa família.

Aos meus primos, cunhadas, cunhados, sobrinhos aqui presentes, meus familiares, obrigado pela generosa presença. Sei que tais solenidades, tão a gosto das carreiras jurídicas, para alguns de vocês são difíceis e cansativas. Agradeço muito a presença de todos e fico muito feliz por estarem presentes aqui.

O Magistrado deve estar sempre atento ao que se passa na sociedade e deve estar em constante aperfeiçoamento. Tanto as atividades acadê-micas, como o magistério, e também os cursos ministrados pelas escolas de magistraturas são um canal de ligação com os avanços da ciência.

Por outro lado, é necessário, de tempo em tempo, uma pausa para refletir, rever os conceitos e trocar experiências. Por vezes, não conse-guimos estudar tudo o que desejamos, não conseguimos nos aperfeiçoar como gostaríamos. O número de processos, a faina diária, as sessões, sessão da Turma, sessão da Seção, sessão do Pleno, sessão da Corte Especial terminam por tomar conta da nossa rotina, mas, como dizem

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os espanhóis: algo és algo.A primeira característica do Tribunal, que mais me afetou, é a cole-

gialidade, a necessidade de computar votos, verificar, a cada julgamento, qual é a tese majoritária. Isso obriga a um exercício de constante aperfei-çoamento e humildade. Por vezes, estamos convictos de uma ideia que, uma vez apresentada ao Colegiado, é fragorosamente derrotada. Isso nos obriga a perceber que aquela não era a melhor ideia.

Muito me honra assumir a vaga do Des. Amaury Chaves de Athayde, que não pôde estar aqui presente. Meticuloso, detalhista e muito prepara-do, examinava com profundidade os processos que lhe eram distribuídos. No trato pessoal, extremamente elegante e cortês, sempre parava para acolher com atenção qualquer que chegasse a seu Gabinete. Entre os colegas desta Corte, era conhecido como “o embaixador”. Fico muito feliz por assumir a sua vaga.

Agradeço ao Tribunal pela confiança e pela inclusão do meu nome em lista tríplice – é o começo, senão eu não estaria aqui. Prometo me dedicar ao máximo para honrar a indicação.

Destaco também, como já o fez o colega Joel Paciornik, a amizade do colega Márcio Rocha, sua competência e sua nobreza de caráter, e também a amizade da colega Vânia Hack de Almeida, que integraram a lista tríplice comigo. Na prática, já estamos juntos há muito tempo e assim permaneceremos. As convocações permitem que convivamos com frequência. É apenas uma questão de tempo a chegada de vocês aqui. Aprendi com meu avô paterno, Abraão, que o provisório vira definitivo.

A Justiça tem muitos desafios. Vivemos em uma sociedade desigual, e nossa constante missão é não perdermos a noção da realidade que nos cerca. O objetivo maior é o ser humano; suas angústias e o anseio por justiça. Por isso, devemos facilitar esse acesso.

Lembro bem que, sob a Presidência do hoje Min. Teori e a coorde-nação do Des. Darós, juntamente com Maria Helena Rau de Souza e o colega Otávio Pamplona, assistimos ao projeto arrojado de nosso então Presidente de instalar Juizados em toda a região, tarefa que parecia impossível, mas foi feita com determinação e idealismo. Acredito tam-bém que precisamos agora de um segundo momento de consolidação e fortalecimento desses Juizados, um fortalecimento das estruturas, ao

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mesmo tempo em que fico tranquilo, porque sei que essa tarefa está em boas mãos, Sr. Presidente, Des. Darós, e agora sob a coordenação do eminente colega Des. Paulo Afonso Brum Vaz.

Quero dizer ainda que, talvez por minha formação no colégio interno, acredito que o dia a dia no Tribunal deve ser harmônico e agradável. A seriedade do trabalho não é comprometida com a alegria do viver, com as obrigações. É na rotina diária, nas conversas informais com os cole-gas, os servidores e os advogados, que vamos aperfeiçoar nosso ideal de justiça e corrigir a rota, abandonando ideias ultrapassadas, na constante dialética, que enriquece e aperfeiçoa nosso ideal de justiça.

Destaco aqui a amizade e o apoio de todos os colegas convocados, sem dúvida formamos uma verdadeira confraria nesses últimos anos, e tenham certeza todos de que em nossos debates aprendi muito e muitos dos meus ideais foram fortalecidos nessas conversas.

Também valorizo e defendo a manutenção do quinto constitucional. É muito importante trazer para os tribunais experiências e vivências diferentes, pontos de vista e aportes de quem percebe a prestação juris-dicional sob outra ótica. Prova disso é a importante contribuição trazida pelos colegas desta Corte oriundos do quinto constitucional.

Acredito também no trabalho das associações de classe. Tenho uma visão, para alguns conservadora, de que o Juiz e o membro do Ministério Público não devem politizar sua atuação, usar o cargo para fazer apologia política. São as associações de classe que devem fazê-lo, ali é o espaço adequado para proposições e um debate fraterno. Destaco o trabalho combativo e sério do nosso colega Fernando Mattos e dos colegas das associações regionais Flávia, Henrique e Wedy, aqui presentes; Wedy, aliás, que me fez um gentil convite para me filiar à Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul, a que prontamente atendi.

Por fim destaco a alegria de ver aqui os Juízes, colegas, ex-integrantes desta Corte. A sua presença é motivo de muita alegria. Peço licença para destacar aqui a presença do Dr. Paim Falcão, Presidente, que me visitava com frequência em Maringá, o Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho, que chamo carinhosamente de um dos pais fundadores, o Dr. Germano, o Dr. Antônio Albino, o Dr. Nylson, o Dr. Vladimir Freitas, meu professor, que me disse um dia que eu tinha vocação para a Magistratura, o Dr. Fábio Rosa, sempre com firmeza e coragem, que não permite olhar para

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trás, sempre olhar para a frente.Enfim, gostaria de agradecer também ao Dr. Nylson Paim de Abreu,

também meu Presidente, e quero dizer que a presença de vocês, constante aqui nas posses do ilustre Tribunal, é um motivo ao mesmo tempo de alegria e também de chamamento à responsabilidade, porque o legado que deixaram para o Judiciário é muito grande, e são modelos para todos nós, tenho certeza.

Concluo, Sr. Presidente, e espero não ter me estendido demais, com-partilhando com todos que vieram aqui as duas mensagens que acho que, se tivesse de resumir, são para mim fontes de inspiração do meu ideal de vida, talvez aquele misto de tentativa de conciliar as atividades com aquela visão interiorana que permeou a minha formação. Como o colega Baltazar sempre diz: “O homem sai do mato, mas o mato não sai do homem”.

Destaco aqui um trecho de Guimarães Rosa, que diz:“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e depois esfria; aperta

e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta, o que ela quer da gente é a coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais no meio da alegria e mais alegre ainda no meio da tristeza. Só assim, de repente, na horinha em que se quer, de propósito, alegre só por coragem.” (Grande Sertão: Veredas)

E também há outro trecho poético de Antonio Carlos Jobim de que gosto muito: “A vida, por um momento, não era dada, era emprestada, tudo é um testamento”.

Muito obrigado.

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ACÓRDÃOS

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.04.01.029745-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha

Apelante: Fundação de Amparo ao Meio Ambiente – FatmaAdvogados: Drs. Rode Anélia Martins e outrosApelantes: Dorival Gonzaga da Silva e outros

Advogado: Dr. Antonio Carlos BoabaidApelado: Ministério Público Federal

Apelada: União FederalAdvogado: Procuradoria Regional da União

Interessado: Município de BombinhasAdvogados: Drs. Luzia Lourdes Coppi Mathias e outro

EMENTA

Área pública de preservação ambiental. Construção em área de faixa de praia. Dano ao meio ambiente. Lei 7.661/88 (PNGC). Decreto 5.300/2004. Zona costeira.

É fato que a construção encontra-se apenas a 10 (dez) metros da linha do mar, avançado sobre aquilo que, costumeiramente, é chamado de fai-xa de praia. O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC – Lei nº 7.661/88), datado de 1988, ainda que regulamentado tão somente em dezembro de 2004, quando expedido o Decreto nº 5.300, apresentava determinações que exigiam dos Estados e Municípios – com competência legislativa concorrente – que, evidentemente, não promovessem, na falta da regulamentação federal, ações contrárias às preocupações traduzidas na

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referida Lei. De seu conteúdo extraem-se disposições legais que tratam de impor, mediante regra de reforço, que a lei está, em alguns de seus aspectos, desde a sua publicação, com seu conteúdo válido e exigível, independente-mente de omissões regulamentares das autoridades do poder executivo.

A construção de obra com proximidade excessiva da linha do mar, ferindo e privatizando a área de praia, é contrária à disposição expressa da Lei 7.661/88, pois:

“Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido. § 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.”

Outrossim, consta do § 3º do art. 10 da Lei nº 7.661/88:“Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas,

acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”

Frente a esse quadro legislativo, as ascensões de qualquer espécie na faixa de praia, com ofensa à possibilidade de fruição por parte de toda a sociedade, não podem ser toleradas, por ser considerada bem público. Se for o caso, devem os proprietários ser indenizados pelas municipalidades que as autorizaram, porém a situação não pode ser coonestada – nota-damente no caso em apreço, onde a obra é posterior à Lei nº 7.661/88, dado que o alvará foi concedido em 01.08.95.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-midade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de novembro de 2009.Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Trata-se de ação civil

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pública, com pedido de liminar, ajuizada pelo Ministério Público Fede-ral, por meio da qual pretende obstar apontado dano ao meio ambiente em razão da ocupação ilegal de área pública, de preservação ambiental (terreno de marinha), na região de Retiro dos Padres, no Município de Bombinhas/SC, em que foi construído o empreendimento Residencial Retiro do Sol. Requer sejam suspensos os efeitos dos alvarás de licença nº 550 e 937, concedidos pela Secretaria de Planejamento, Obras e Sa-neamento da Prefeitura Municipal de Bombinhas/SC; seja determinado aos réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e An-tuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. que se abstenham de adotar quaisquer atos relacionados à execução de obras no imóvel objeto da demanda; seja cominada multa diária pelo descumprimento da liminar a ser concedida; seja notificada a União para que integre o polo ativo se quiser; seja reconhecida a nulidade do contrato de permuta, firmado pelos réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda.; sejam cancelados os alvarás de licença acima mencionados e o Parecer nº 50 F 95, expedido pela Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente – Fatma; sejam canceladas as inscrições imobiliárias, existentes junto à Secretaria de Patrimônio da União, por comprometerem a integridade das áreas de uso comum do povo; seja assegurada a demolição das edificações em alvenaria do empreendimento denominado “Retiro do Sol Nascente”; seja totalmente recuperada a área ambiental objeto da agressão.

Deferida a liminar para suspender os efeitos dos alvarás de licença nº 550 e 937 (fl. 305), concedidos pela secretaria de Planejamento, Obras e Saneamento do Município de Bombinhas/SC; determinar aos réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. que se abstenham de quaisquer atos relativos à execução do empreendimento objeto da ação; determinar a notificação da União para que, se quiser, integre o polo ativo da relação processual.

Oportunizada a produção de prova. Feito devidamente instruído. Sentenciando (fls. 1161-1180), o Juízo a quo julgou procedente o

pedido para efeito de:(a) declarar nulo o contrato de permuta, firmado pelos réus Dorival

Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda.;

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(b) cancelar, em face da reconhecida ilegalidade, os alvarás de licença para a construção civil nos 550 e 937 (fls.101-102), expedidos pela Prefeitura de Bombinhas/SC;

(c) cancelar, por flagrante ilegalidade, o Parecer nº 50 F 95 (fl. 104), expedido pela Fatma;

(d) declarar legal o cancelamento – efetuado pela Secretaria de Pa-trimônio da União – das inscrições imobiliárias que se encontram em nome de Dorival Gonzaga da Silva e de Osvaldo Reinaldo de Melo, por estarem as ocupações concorrendo para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de preservação ambiental, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais;

(e) condenar a ré Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. a pro-ceder, às suas expensas, à demolição integral das edificações de alvenaria do empreendimento Retiro do Sol Nascente e à recuperação total da área degradada, resguardado o direito de regresso contra os demais réus pelos gastos com a demolição, sem exclusão dos demais direitos que possa vir pleitear em juízo.

Estipulado prazo de 90 dias para efetivação da demolição, bem como fixada multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) pelo descumprimento da ordem. Verba honorária fixada em 10% do valor da causa, a ser su-portada pelos réus, pro rata.

Peticiona a Ré Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. a juntada ao feito de cópia de processo-crime (inquérito policial), ajuizado perante a Justiça Federal de Itajaí, pela Justiça Pública, contra seus diretores, para fim de apuração de responsabilidades criminais relativamente aos fatos que ensejaram a presente ação civil pública (fls. 1192-1638).

Rejeitados os embargos de declaração que foram opostos (fls. 1656-1660).

A Fatma interpõe apelo, requerendo a exclusão de parte dispositiva da sentença, relacionada ao direito regressivo da ré contra o órgão ambiental estadual, quanto aos gastos com a demolição (fl. 1663-1669).

Os réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e An-tuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. requerem a reforma integral da sentença, julgando-se improcedente o pleito (fls. 1670-1694).

Após apresentação de contrarrazões, requerem os réus a juntada de novos documentos (fl. 1800), tendo o Ministério Público Federal

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emitido parecer no sentido de que não sejam providos os recursos (fls. 1809-2824).

Em Sessão ocorrida em 07.07.2004, o Relator pediu adiamento do julgamento (certidão fl. 1859).

Levado em mesa, em 22.09.2004, a Quarta Turma deste Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos apelos (fls. 1860-1875).

Em Sessão ocorrida em 10.02.2005, restaram acolhidos, em parte, os embargos de declaração, opostos por Dorival Gonzaga da Silva e outros, apenas para fim de prequestionamento (fls.1884-1888).

Em Sessão ocorrida em 22.06.2005, foram acolhidos novos embargos de declaração para fim de prequestionamento (fls. 1904-1906).

Em Sessão ocorrida em 30.08.2006, a Quarta Turma, mais uma vez, rejeitou novos embargos de declaração (fls. 1919-1922).

Dorival Gonzaga da Silva e outros interpõem recursos especial (fls. 1925-1959) e extraordinário (fls. 1962-2001).

No Superior Tribunal de Justiça, a Segunda Turma deu provimento ao REsp nº 943.858/SC, determinando o retorno dos autos a este Tribunal para nova inclusão em pauta de julgamento, assegurando-se sustentação oral pelo patrono dos recorrentes (fls. 2060-2065).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Por força do julga-mento do REsp nº 943.858/SC, assegurou-se nova inclusão em pauta de julgamentos, neste Tribunal, para que os patronos de Dorival Gonzaga da Silva e outros promovam sustentação oral.

Na Sessão ocorrida em 22.09.2004 (publ. DJU 24.11.2004), a Quarta Turma, de forma unânime, negou provimento aos apelos, restando o julgamento ementado nestes termos:

“OCUPAÇÃO ILEGAL DE ÁREA PÚBLICA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM TERRENO DE MARINHA. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

Ainda que regular o contrato de permuta que embasou o empreendimento imobiliário objeto da lide, comprovadas a repercussão danosa ao meio ambiente e a impossibili-dade de manutenção do projeto sem a ocorrência de novos danos, é de ser demolida a edificação e procedida a recuperação ambiental necessária a restabelecer o equilíbrio

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natural. Tratando-se de dano ambiental, a lei define como sendo objetiva a responsa-bilidade (Lei nº 6.938/81, art. 14, § 1º).”

O voto que integra esse acórdão, da lavra do Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, teve o seguinte teor:

“Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, por meio da qual discute a regularidade e legalidade do empreendimento denominado Residen-cial Retiro do Sol, na região de Retiro dos Padres, no Município de Bombinhas, em Santa Catarina. Pretende provimento judicial que declare nulo o contrato de permuta firmado pelos réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda., assim como o Parecer nº 50 F 95 (fl. 104), expedido pela Fatma, cancele os alvarás de licença para a construção civil nos 550 e 937 (fls.101-102), expedido pela Prefeitura Municipal de Bombinhas, condene a ré – Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. – a proceder, às suas expensas, à demolição integral das edificações de alvenaria do empreendimento Retiro do Sol Nascente e à recuperação total da área degradada, resguardado o direito de regresso contra os demais réus pelos gastos com a demolição.

De início, cumpre salientar o cabimento da ação civil pública em defesa do ambiente e do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, nos termos do art. 1º da Lei n° 7.347/85, verbis:

‘Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;II – ao consumidor;III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico;IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; (...)’Do mesmo modo, considerando a discussão que se apresenta no feito, dano am-

biental, é manifesta a legitimidade do Ministério Público Federal para sua propositura, a teor do que dispõe o art. 129, III, da CF/88.

As questões relativas ao meio ambiente estão disciplinadas no art. 225 e seguintes da Constituição Federal/88 como direito de todos, e isso confere à matéria a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo ao poder pú-blico e à própria coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo. Além disso, a Carta Magna impõe condutas preservacionistas a quantos possam direta ou indiretamente gerar danos ao meio ambiente.

Para tanto, os Constituintes estabeleceram a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 24 da CF, impondo à União o poder de legislar sobre as normas de caráter geral, dentre elas aquelas relativas ao meio ambiente. A competência concorrente consagra o modelo vertical de repartição de competências, no qual a mesma matéria, expressamente prevista na Constituição,

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pode ser subdividida em normas gerais e normas especiais, entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, ficando a cargo da primeira a competência para legislar sobre normas gerais, e aos demais, a competência para editar normas especiais de caráter supletivo. A proteção ao meio ambiente e a preservação das florestas, da fauna e da flora estão inseridas no art. 23 da CF/88 como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Portanto, a análise das questões postas em debate será feita à luz dos princípios maiores consagrados na Constituição Federal, no sentido de proteger e impor a todos condutas protetivas ao meio ambiente, dada a sua relevância e dimensão, consoante acima já colocado.

Antes de tudo, ressalto que em matéria ambiental a prevenção é mais importante que reconstituir o status quo ante. E, a esse respeito, o artigo do Juiz Federal Paulo Afonso Brum Vaz, proferido no Seminário de Direito Ambiental – Ano V, intitulado Reparação do Dano Ambiental – caso concreto: mineração em Santa Catarina e o meio ambiente, realizado pelo Centro de Estudos Judiciários, nos dias 27 e 28 de março de 2003, merece referência:

‘Em matéria ambiental, prevenir é mais importante que reconstituir e obter futura indenização por dano já ocorrido. Os prejuízos ao meio ambiente nem sempre são mensurados, uma vez que têm repercussão em vários campos da atividade humana. A rigor, muitas vezes as lesões ao meio ambiente, conforme o recurso atingido, são irreversíveis, a despeito da possibilidade de condenação do agressor ao ressarcimento do dano causado. Por isso, afigura-se imprescindível a prevenção, como medida que se antecipe às agressões potenciais à natureza. Em vista do perigo iminente ou poten-cial de dano ambiental, deve o Poder Público, assim também como o particular, agir, evitando o surgimento da agressão, ou, ao menos, estancando desde logo seus efeitos deletérios, se já iniciada.’

A matéria vem veiculada no art. 225 da Constituição Federal, que assim estabelece:

‘Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.’

O preceito constitucional é seguido por seis parágrafos que atribuem ao Poder Pú-blico deveres específicos para lhe dar efetividade, sendo certo que o artigo 225 deve ser lido em consonância com os princípios fundamentais inseridos nos artigos 1º a 4º, que fazem da tutela ao meio ambiente um instrumento de realização da cidadania e da dignidade da pessoa humana. A garantia da preservação dessa nova ordem pública foi atribuída pelo constituinte de 1988 ao Ministério Público, alçado a principal agente de promoção dos valores e direitos indisponíveis, o que corrobora sua legitimidade, como já mencionado.

Seguindo, tem-se que o melhor conceito de meio ambiente deve abranger a interação

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do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvi-mento equilibrado da vida em todas as suas formas. E, sobre o tema, vale colher ainda a lição de Édis Milaré, in Direito do Ambiente, 2. ed, p. 201:

‘A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo.

Essa visão faz-nos incluir no conceito de ambiente, além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso em realizações significativas que caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as paisagens de seu entorno.’

Com efeito, a efetividade das normas constitucionais, exercida por meio do Minis-tério Público, encontra-se aparelhada por normas infralegais, como a Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, e a Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Feitas essas colocações, resta aferir, no caso em apreço, a existência de eventual dano ambiental pela construção da edificação denominada Residencial Retiro do Sol, no município de Bombinhas/SC. Relata o Ministério Público Federal ter instaurado procedimento administrativo para o fim de averiguar a ocupação e construção ilegal em área pública – terreno de marinha –, portanto, de uso comum do povo, fato que, em face dos elementos colhidos nos autos, ficou devidamente comprovado, tendo decidido então pela propositura da presente ação civil pública. Tendo a sentença sido pela pro-cedência do pedido, passo à análise das questões ventiladas nos recursos interpostos pelos réus, não sem antes ressaltar que o feito foi devidamente instruído, com produção das provas necessárias e indispensáveis ao deslinde da controvérsia.

Do apelo interposto pelos réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. Da validade do contrato de per-muta firmado entre os réus Dorival Gonzaga da Silva, Osvaldo Reinaldo de Melo e Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. relativamente à ocupação do terreno de marinha, por ausência de qualquer infringência ao disposto no Decreto-Lei nº 9.760/46 e na Lei nº 9.636/98.

Salvo melhor juízo, a análise da questão relativa à validade ou não da transferência de direitos de ocupação sobre a área costeira deve ter em conta os princípios consti-tucionais que tratam da questão de fundo propriamente, qual seja, o dano ambiental ocorrido em razão de construção irregular em área de uso comum do povo (terreno de marinha). E, nesse sentido, ganha relevo a tutela ao meio ambiente em face da suposta irregularidade do contrato de permuta. Mesmo reconhecida sua validade, tal fato não afasta o dano ambiental imposto àquela área pela construção do Residencial Retiro do Sol, como acertadamente reconhecido pelo julgador. E, ocorrido o dano, a Lei nº 9.636,

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de 15 de maio de 1998, que trata sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, assim estabelece:

‘Art. 9º – É vedada a inscrição de ocupações que:(...)II – estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das

áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais, das reservas indígenas, das ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação, das reservadas para construção de hidrelétricas, ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei.

Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o dispos-to nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.

Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis perten-centes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.’ (grifos meus)

À luz das disposições acima, possui a Secretaria do Patrimônio da União – SPU competência para, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, se constatado, pela fiscalização, que o uso ou a ocupação de imóveis pertencentes ao patrimônio da União (como no caso do terreno de marinha) não atende à destinação e ao interesse público. Havendo provas inequívocas acerca do comprometimento da integridade da área de uso comum do povo e ainda de preservação ambiental, tenho como improcedentes as razões recursais, de modo que o ato de cancelamento dos registros de certidão de ocupação existentes sobre a área em nome de Dorival Gonzaga da Silva e Osvaldo Reinaldo de Melo está em plena harmonia com os ditames da lei.

No que diz respeito à regularidade do empreendimento – construção edificada deno-minada Condomínio Retiro do Sol Nascente, no município de Bombinhas, na região de Retiro dos Padres –, tenho-o como irregular, porquanto, além de ter sido edificado em área de preservação permanente – terreno de marinha –, dele decorrem inúmeros danos ao meio ambiente, hipótese comprovada com farta documentação contida nos autos.

Ressalto que a definição de Área de Preservação Permanente está contemplada na Lei nº 4.771/65, que regula o Código Florestal, que a define como a área protegida, nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Na forma do Código Florestal, consideram-se de preservação permanente as florestas e outras formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, desde o seu nível mais alto (com variações em relação

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à sua faixa marginal), as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, ou quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas a atenuar a erosão das terras e a fixar as dunas, tudo conforme redação atribuída aos artigos 2º e 3º da Lei 4.771/65.

O Laudo Técnico de Vistoria (fls. 205-206), elaborado pelo Ibama, Superintendência de Santa Catarina, classifica a área na qual foi edificado o empreendimento como de preservação permanente, como segue:

‘(...) As edificações em construção abrangem terrenos da faixa de marinha, sendo que a obra do prédio da extremidade da praia está situada sobre um pequeno curso d’água (sem denominação), ou seja, está sendo construído integralmente sobre a Área de Preservação Permanente.

O referido curso d’água foi obstruído por barramento de concreto (parte do ali-cerce da edificação), continuando a correr ainda no mesmo curso por poucos metros e, em seguida, o mesmo foi canalizado através de tubos de concreto, sob edificação e posteriormente sob areia, até o mar (praia). A obstrução e a canalização do referido curso d’água ocorrem no interior da edificação, sob a escada de concreto de acesso aos pavimentos superiores (aproximadamente na parte central da construção).

A vistoria permitiu constatar que as atividades de corte no morro, terraplanagem, supressão da vegetação natural, obstrução e canalização do curso d’água causaram e causam significativas ações modificadoras daquele ambiente natural, contribuindo tam-bém de forma direta para a poluição da areia e da água da praia, prejudicando, assim, as condições de balneabilidade daquele ambiente de elevada beleza cênica. (...)’

Muito embora o laudo técnico elaborado pela perita nomeada Gisele Rosa Abrahão mencione não ser a área de preservação permanente, em face do estágio em que se apresenta, tendo sido construída a obra na Mata Atlântica, ainda assim haveria neces-sidade de autorização do órgão competente para retirada de qualquer vegetação do local. E, em relação à vegetação de praia frente à obra, o laudo (fl. 789) diz que esta poderia ser caracterizada como o início de formação de uma restinga, embora localizada à frente da obra, e não no local da mesma. Mesmo sendo uma pequena faixa, deveria ser reservada, pela sua importância ecológica de manutenção da diversidade de fauna e flora que pode apresentar. O biólogo do Réu informa, contudo, que se poderia encontrar vegetação de restinga em encosta do morro, mas isso não caracterizaria esse ambiente. De qualquer modo, informa que a área é de Mata Atlântica já alterada e deveria ser recuperada, com ou sem empreendimento, já que a mesma estaria sofrendo alterações ao longo do tempo.

A esse respeito, o laudo da fl. 812 esclarece que o empreendimento teria sido cons-truído sobre as terras de marinha, caracterizado como vegetação fixadora de dunas, e área de preservação permanente, de acordo com o código florestal. E, ainda, que na área do empreendimento teria sido constatada a presença de dois tipos de vegetação: fixadora de dunas, típica de restinga e vegetação de Mata Atlântica, as quais apresenta-vam importante função de proteção das propriedades costeiras contra a ação de ondas

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de tempestades. E, sobre o impacto do empreendimento, conclui que a implantação dos cinco blocos sobre a única faixa de vegetação fixadora de dunas existentes poderia acarretar descaracterização da vegetação de restinga, redução das áreas de restinga, aumento da população de espécies prejudiciais ao homem, diminuição da biodiversi-dade, enfim. Finalmente, o laudo (fl. 890) dá conta de que a área (incluída vegetação de restinga, vegetação fixadora de duna) estaria inserida como sendo de preservação permanente e reclamaria a proteção ambiental.

Ainda que assim não fosse, tendo sido edificada a construção em Mata Atlântica, estaria plenamente justificada a proteção jurídica.

Seguindo, o laudo técnico das fls.773-787 esclarece sobre o impacto ambiental ao ecossistema pela implantação definitiva do empreendimento, ao qual me reporto:

‘(...) O risco maior na finalização da obra é o tipo de sistema de tratamento de esgoto a ser implantado na área. A Fatma sugere um tratamento de esgotos que pode ser implantado sem que se prejudique a balneabilidade da praia, mas a mesma deve ser rigorosamente fiscalizada para que se certifique de seu funcionamento. (folha 667 do processo)

A questão do empreendimento muito próximo à praia deve ser avaliada. O trânsito de pessoas neste local irá aumentar, e consequentemente aumentarão a quantidade de lixo e a dificuldade da vegetação natural se regenerar. E, ainda, a retirada do solo na base da encosta para construir os pavimentos poderá prejudicar a balneabilidade da praia, já que chuvas fortes podem provocar a lixiviação desse solo para o mar que se encontra a poucos metros da praia.’

Sobre o comprometimento da paisagem cênica com o término da construção, a perita informa:

‘A construção já modificou a paisagem. O seu término poderá ser prejudicial se não houver um sistema de esgoto de tratamento bastante criterioso, comprometendo a balneabilidade da praia. O acesso de pessoas e depósito de resíduos pode afetar as con-dições estéticas e sanitárias deste ambiente. É necessário alertar as autoridades quanto às condições sanitárias e estéticas deste local. Já existe um empreendimento antigo nesta localidade. Não está tão próximo à praia, mas deposita seus resíduos na região próxima ao reservatório de água, e seu sistema de tratamento de esgoto foi encontrado exposto a céu aberto em uma área com erosão e alteração da vegetação. Talvez este já esteja prejudicando a balneabilidade desta praia.’

No que diz respeito às medidas a serem adotadas para a recuperação da área, a perita nomeada refere que ‘Para recuperar toda a área seria necessário demolir o empreendi-mento, retirar a vegetação exótica e replantar vegetação nativa de encosta, típica desta região. Se a obra não for demolida, existe uma área significativa no entorno da mesma que pode e deve ser recuperada.’

E mais: acerca da possibilidade de permanência do empreendimento no local, a perita esclarece sobre a dificuldade de se instalar um sistema de tratamento de esgoto na área, pela proximidade com a praia e a superficialidade do lençol freático (acima

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de 2m). Refere que, por meio das informações recebidas da Engenheira Sanitarista da Fatma, a implantação de uma fossa séptica e um filtro anaeróbico na área – sugerida em caso de manutenção do empreendimento – exigiria um acompanhamento rigoroso, a ser comprovado por meio de fotografias, já que seria necessário rebaixar o lençol freático. Se não fosse possível rebaixá-lo, foi sugerida ou a implantação do sistema de tratamento acima do terreno, ou o recalcamento de todos os efluentes para a área de infiltração, e nesta construir o sistema como um todo, ou seja, tanque séptico, filtro anaeróbico e valas de infiltração.

De acordo com o laudo de fls. 803-847, as medidas a serem adotadas para a recupe-ração da área incluem a retirada total do edifício e dos restos de construção, a retirada das espécies invasoras, a recuperação da área com plantio de espécies características das dunas frontais e isolamento da área. Como medida de recuperação, o laudo recomenda o plantio de espécies nativas, o isolamento das áreas, o replantio de espécies mortas, o acompanhamento das espécies por cinco anos e o monitoramento das espécies até a sua total implantação.

Com efeito, segundo os documentos juntados e os laudos periciais, somados aos depoimentos colhidos em audiência, não há exagero no comando sentencial que de-termina a demolição da obra e a recuperação da área, posto que construída em área de preservação permanente e sem a observância das exigências legais.

A respeito da questão, peço vênia para transcrever o parecer do Ministério Público Federal, segundo o qual‘(...) afere-se a ilegalidade do empreendimento ‘Retiro do Sol Nascente’, posto que localizado em área legalmente protegida. Conforme demonstra o parecer técnico elaborado sobre o terreno em questão (fls. 987-989), bem como as demais informa-ções colhidas durante a instrução processual, constata-se que o empreendimento está situado em área de preservação permanente (dunas), na qual se encontra a presença da formação vegetal denominada restinga. Ademais, toda a vez que houver confronto entre o desenvolvimento econômico e os bens componentes da biota, deve ser aplicado o princípio do desenvolvimento sustentado. Busca-se, assim, uma utilização racional dos recursos naturais existentes no planeta, de forma que se evite ao máximo a de-gradação do meio ambiente e o exaurimento da natureza em todas as suas formas. O objetivo principal é garantir às gerações futuras a possibilidade de sobrevivência em um espaço saudável, onde ainda se encontrem condições naturais que propiciem uma convivência harmônica.’

Na apuração de danos ambientais, ante a natureza difusa do interesse de preservação ambiental, a responsabilidade é objetiva. E a Lei nº 6.938/81 consagra a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental ao dispor em seu art. 14, § 1º:

‘§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou a reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.’

Portanto, também revela-se pertinente a condenação da Fatma pelos danos ambien-

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tais ocorridos devido à sua conduta, já que autorizou o empreendimento sem tomar as devidas precauções, ainda que posteriormente tenha solicitado o embargo da obra quando verificados os danos ambientais. Ora, as obras iniciaram-se sem a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental, que deveria anteceder a realização do empreendi-mento, logo, a sua responsabilidade parece-me evidenciada.

E, nesse sentido, a sentença prolatada está em sintonia com o entendimento desta Corte, conforme demonstra o detalhado aresto abaixo:

‘ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PRESCRIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO ECOLÓGICO. 1. (...) – No mérito. – Quanto à responsabilidade da Prefeitura e dos permissionários, sustenta a Prefeitura Municipal de Itapema, em sua petição recursal, que o atual Governo é dotado da mais alta consciência ecológica e que não caberia a responsabilização da Prefeitura por ato ímprobo do ex-Prefeito, que lavrou certidão falsa acerca da viabilidade da construção do edifício residencial. – Ora, em que pese a alegação de que a Prefeitura atualmente busca incessantemente preservar e defender o meio ambiente – saliente-se que não foi o que se verificou no andamento do processo, como adiante se demonstrará – e de que o ato atacado foi praticado unilateral-mente pelo ex-Prefeito, sem o respaldo da Municipalidade, permanece para a Prefeitura os deveres elencados no § 1º do art. 225 da CF. – O Prefeito, embora seja o Chefe do Executivo Municipal, deve igualmente submeter-se à lei, e a Prefeitura e a Câmara de Vereadores devem zelar para que o mesmo obedeça aos limites estritos da legalidade. Ora, se o ex-Prefeito de Itapema lavrou certidão de conteúdo falso aprovando a execução da obra, tal ato deveria ter sido desconstituído ainda administrativamente, pois cabe ao Poder Público zelar pela preservação do meio ambiente, conforme explicitado no art. 225 da CF. – Ademais, o Poder Público Municipal, mesmo ‘dotado da mais alta cons-ciência ecológica’ – conforme afirma em sua apelação –, descumpriu novamente o que estabelece o art. 225, § 1º, VII, ao permitir que fosse construída no terreno objeto desta lide uma residência, sem que fosse avaliado o impacto ambiental que uma moradia no local, aparentemente sem ligação à rede de tratamento de esgoto, causaria, e tudo isso após instaurado este processo, no qual foi determinada a interrupção da construção do edifício residencial exatamente em face da potencialidade de dano ao meio ambiente, em especial à flora e ao lençol freático. – (...). – E, no que concerne à alegação de que os permissionários jamais desejaram causar dano ou ameaça ao meio ambiente, deve ser destacado que a Constituição Federal prevê a responsabilidade ‘objetiva’, isto é, independentemente de culpa, em casos de dano ao meio ambiente. Isso não impede, como evidente, a responsabilização solidária do Poder Público, por faute du service, o que acarreta apenas a exigência da ocorrência de culpa (responsabilidade subjetiva). – No caso concreto, percebe-se que, enquanto à Municipalidade compete a expedição de certidão atestando a aprovação do órgão ambiental para o início das obras, caberia aos construtores e permissionários do terreno o dever de iniciar as obras apenas após a aprovação de seu projeto pela Fatma. – Evidente que a Municipalidade, pelo fato de atuar no âmbito da autorização para construir, não se despe do seu dever de proteger

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o meio ambiente, direito de toda coletividade e dever imposto ao Poder Público, con-forme se infere do art. 225 da Constituição Federal. – Em tal situação, no momento da autorização deveria exigir do beneficiário todas as medidas necessárias e aptas à defesa do meio ambiente, compatibilizando a atividade de construção civil com as exigên-cias de preservação dos recursos naturais, especialmente a flora e aqueles de natureza hídrica. Não o fazendo ou deixando de exigir a realização das medidas necessárias ao equilíbrio ambiental, deve ser responsabilizada pela omissão. – Os permissionários, do mesmo modo, enquanto titulares da concessão do terreno de marinha em que o edifício seria construído, deveriam condicionar sua autorização para a construtora J. Guesser construir à elaboração de um projeto que respeitasse as normas ambientais. Deste modo, caracteriza-se a condição de infratores também aos permissionários, pois concorreram para a concretização do efeito danoso. Consulte-se:

‘A obrigação de reparação do dano ecológico compete, imediatamente, ao respon-sável pela atividade poluidora. Pode ocorrer, porém, que haja mais de um responsável, ocorrendo solidariedade, conforme a regra do art. 1.518, parágrafo único, do CC.

(...) Rodolfo de Camargo Mancuso, finalmente, aponta o art. 225, § 3º, da CF, que impõe indistintamente a todos os infratores das normas de proteção ambiental, além das sanções penais e administrativas, a obrigação de reparar os danos. (...) – Conforme a doutrina administrativista, a falta de serviço significa ausência, o não funcionamento ou o funcionamento deficiente dos serviços públicos. Importa sempre numa omissão ou, ao menos, num déficit. Muitas vezes, significa a falta do efetivo exercício do poder de polícia. Deixando sem a devida fiscalização determinada atividade, permite-se que seja desrespeitado o regulamento pertinente, sobrevindo o evento danoso. – Respeitáveis autores entendem que, mesmo nessas hipóteses, há responsabilidade da administração pública. – Se a omissão administrativa é a causa única do dano, não há dúvida sobre a incidência da regra constitucional do art. 37, § 6º. Contudo, se entre a falta, v.g., da fiscalização e o dano interpõe-se o ato comissivo do causador direto do evento, parece mais razoável perquirir-se da culpa da administração, como propõe Celso Antônio Bandeira de Mello, ainda que se possa partir de uma presunção juris tantum de responsabilidade.’ (ADALBERTO PASQUALOTTO, Responsabilidade Civil por Dano Ambiental: considerações de ordem material e processual, in Dano Ambiental, Prevenção, Reparação e Repressão, obra coordenada por ANTONIO HERMAN VAS-CONCELOS E BENJAMIM, p. 451-452, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993). – Percebe-se, então, que no caso de faute du service, pelo menos em razão de culpa, está o ente estatal encarregado da fiscalização obrigado a responder solidariamente pelo dano ambiental. – Ademais, está claro nas perícias requeridas e nos pareceres da Fatma o risco de graves danos ao meio ambiente, com perigosa poluição dos recursos hídricos utilizados pela população da região, fato ameaçador para a saúde e a vida de toda ela, conforme é também reconhecido. – E, no tocante à situação atual do terreno, verifica-se que a Prefeitura mais uma vez falhou no seu dever de defesa e preservação do meio ambiente ao permitir que fosse construída no local objeto da presente lide

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uma residência aparentemente não conectada à rede de esgoto – sabe-se que à época da realização das perícias a rede de esgoto não se estendia até o terreno em questão – e que não teve o projeto de sua construção avaliado pelo órgão ambiental competente, a fim de se examinar se a execução do projeto desta casa colocaria em risco o meio ambiente. – De igual forma, os permissionários mais uma vez deram prova de que o discurso de que não desejaram em momento algum causar dano ao meio ambiente nada mais é do que um discurso, sem haver a menor demonstração prática de que os mesmos buscam a tutela ambiental juntamente com a de seus interesses, e não apenas a destes. – Assim, tenho que deve ser interditada a residência construída no terreno em debate até que seja concluído um estudo sobre o impacto ambiental causado pela moradia que se encontra no local com a indicação de procedimentos que tornem aceitável o impacto ambiental e a recuperação do meio ambiente, se aplicável. Isso sem prejuízo da remoção dos materiais referentes à construção do edifício residencial que teve seu projeto reprovado pelo órgão ambiental e da recuperação ecológica da área. – (...).’ (AC 200104010455879/SC, Terceira Turma, DJ de 04.09.2002, p. 811, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz)

Por tudo o que foi exposto, tenho que a solução jurídica mais adequada ao caso não se distancia daquela adotada pelo Julgador.”

Peço vênia para utilizar-me dos fundamentos do voto acima transcrito, fazendo os seguintes acréscimos, e reparos, quanto ao mérito.

De logo, esclareço não ter sido comprovada existência de córrego no local e, embora a lei proíba o corte de encosta com declividade superior a 45º, esse fato não está provado por meio de levantamento topográfico.

Como relevante nos autos, está certo tratar-se de terreno de marinha, pertencente à União. Por outro lado, ainda que a União, juridicamente, possa reconhecer a transferência da ocupação do imóvel aos proprie-tários, quando do início das edificações, não havia regularização dessa ocupação.

No tocante ao problema dos esgotos, atualmente, esse está em vias de solução.

Remanescem, portanto, a par da certeza de se tratar de terreno de marinha, os seguintes pontos importantes para a solução da lide: corte de vegetação de mata atlântica e restinga, bem como proximidade do empreendimento da linha de preamar.

É fato que a construção encontra-se apenas a 10 (dez) metros da linha da preamar, avançando sobre aquilo que, costumeiramente, é chamado área de faixa de praia. Certo também tratar-se de área ambiental que encerra sítio de rara beleza no litoral brasileiro. Edificação, nessa área,

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dadas as diminutas dimensões da enseada, empresta contornos priva-tísticos ao cenário local, defeito constante no litoral catarinense, onde existem porções de litoral completamente tomadas por construções pri-vadas, autorizadas por governos municipais e mesmo com participação do estado. Inarredável tratar-se de sério dano paisagístico, privando a população de ter acesso à área e de contemplar a faixa litorânea, seus acidentes naturais, suas praias, etc.

Embora o processo seja antigo (dada a anulação do acórdão, como visto), soa inusitado que a ocupação sob apreciação não seja de longa data, com expedição de Alvará de Construção em 1º.08.1995 (fl. 36), quando já asseguradas, por força de legislação federal, barreiras jurídi-cas para esse tipo de ocupação. Dentre elas, destaco o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC – Lei nº 7.661/88), datado de 1988, ainda que regulamentado tão somente em dezembro de 2004, quando expedido o Decreto nº 5.300. Desde o advento do PNGC, cujas deter-minações, desde logo, exigiam de Estados e Municípios – com compe-tência concorrente – que, evidentemente, não promovessem, na falta da regulamentação federal, ações contrárias às preocupações traduzidas na Lei 7.661, de 16.05.1988 (PNGC).

Exemplo desse raciocínio pode-se retirar do art. 3º, I, da referida Lei nº 7.661/88, em que “recifes, parcéis, baías e enseadas” são elencados como bens da zona costeira com “prioridade à conservação e proteção”.

Ora, como podem o Município, o Estado-membro e mesmo o parti-cular alegar que, enquanto não regulamentada referida legislação, tais acidentes naturais estariam desprotegidos? Somente por notória omissão ou por ignorância completa sobre temas acerca do meio ambiente é que se poderia, doravante, praticar ações contra esse novo ordenamento, ainda que em fase de regulamentação em âmbito federal, porém com notório dever de atenção pelos municípios.

Outrossim, no artigo 6º da Lei 7.661/88, resta disciplinado que os li-cenciamentos para parcelamento e construção devem respeitar o “disposto nesta lei” e nas demais normas específicas, sejam elas federais, sejam estaduais ou municipais. Essa disposição legal trata de impor, mediante regra de reforço, que a lei está desde a sua publicação com seu conteúdo válido e exigível, independentemente de omissões regulamentares das autoridades do poder executivo.

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Essa desatenção municipal, no caso dos autos, foi completa. Nenhum dos vários laudos produzidos, inclusive pela parte-autora, nega que o empreendimento degrada a paisagem, que está situado em área de mata atlântica em regeneração, frente à faixa de restinga, e que se encontra na faixa de praia.

Essa degradação da paisagem é identificada pela construção em si, não por ser bela ou feia, mas por afrontar paisagem natural. As fotos evidenciam, além do rabisco no quadro paisagístico, pela construção em si, agravada pela condução de “águas pluviais”, em inusitado pro-jeto hidráulico (não juntado aos autos), que coloca a saída dessas águas por debaixo da própria construção (fls. 26, 27, 235, 237, 402), vestindo o escoamento pluvial com a roupagem de um esgoto (fls. 23). Não se consegue compreender como um profissional registrado no Crea poderia, sensatamente, não sendo o referido escoamento um talvegue natural, conduzir águas pluviais dessa forma e nessa disposição.

A proximidade da construção da faixa de praia é notória e não pode ser negada. As fotos de fls. 25, 26, 403, 785 e 784 dizem por si. Também, no laudo judicial, está claro esse dado: “a obra está edificada a aproxi-madamente 10 metros da linha preamar máxima” (fl. 780, quesito 90). E observe-se ainda que, no laudo, não há estudos sérios sobre os regimes de marés locais.

Essa aproximação, em relação à linha de mar, ferindo e privatizando a área de praia, é contrária à disposição expressa da Lei 7.661/88:

“Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado sempre franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido.

§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.”

Embora fosse clara tal agressão, ainda assim o Município de Bom-binhas, a Fatma e o Empreendedor procederam às construções no local, repetindo o erro urbanístico que tanto se vê no belo litoral de Santa Catarina, agredido tantas vezes pelas municipalidades.

A referida faixa de praia é tão agredida que o acesso às residências depende de invasão a essa faixa. As fotos – já indicadas –, novamente, denunciam esse dado. Pontualmente, acrescentam-se as fotos de fls. 176, 745 e 785, ficando claro que os moradores que pretenderem acessar as

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residências, necessariamente, farão uso da faixa de praia. Não há espaço para rua pública. A Sra. Perita confirma o aspecto: “O acesso de carro e pessoas será pela frente da obra, paralelo à vegetação de praia existente no local. Esta vegetação marginal poderia se desenvolver naturalmente se não houvesse acesso de carros e pessoal no local” (quesito 11, fls. 775-776).

Não é por outro motivo que a União, proprietária do imóvel – terreno de marinha –, não concordou, nos autos, com referida obra:

“Diante de tais disposições, somadas ao fato de que a área em questão dista aproximadamente 12 metros da linha de afastamento da preamar máxima (conforme informação emitida pela Fatma, documento anexo), chega-se às seguintes conclusões (sem prejuízo daquela de caráter ambiental): 1. A ocupação em nome de Antuérpia Construtora e Incorporadora Ltda. inexistia no momento do embargo; 2. A área em questão – afastada a discussão sobre a legitimidade da ocupação – está recebendo edificação muito próxima ao mar, fato que afeta a utilização da praia marítima, área de uso comum do povo.” (fls. 594-595)

Por sua vez, o folder do empreendimento anuncia, claramente, que os habitáculos apresentam “garagem privativa”, e a respectiva foto confirma o acesso feito pela praia (fl. 349).

O mesmo documento indica que houve embargo administrativo por parte do DPU, pois não houve autorização da União para a referida obra, sendo que os alvarás de construção foram obtidos pela incorporadora sem consulta ou legal transferência da ocupação.

Ora, a manifestação da União, na qualidade de proprietária, é soberana, e não pode ser ignorada por qualquer faceta sob a qual se olhe a questão. Essa omissão de consulta ao proprietário do imóvel é intransponível, pois, nos termos do artigo 524 do Código Civil, é ao proprietário que cabe disposição e administração do bem.

Outrossim, quanto ao debate sobre existência de restinga e mata atlântica, a definição está clara segundo a legislação, embora os titubeios da perícia. A Sra. Perita parece não querer admitir esse fato, tratando o remanescente de vegetação com variados nomes: “comprometimento da pouca vegetação de praia” (quesito 3, fl. 778); “pode ser caracterizada como início da formação de uma restinga” (fl. 780, quesito 5); “Esta área não se caracteriza como restinga” (quesito 2, fl. 781).

Ocorre que a Sra. Perita enfrenta, com sua posição, as manifestações

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de técnicos do Ibama e não consegue administrar suas próprias conclusões sobre referida faixa de vegetação em frente ao imóvel, verbis: “Mesmo sendo uma pequena faixa, deve ser preservada, pela sua importância ecológica de manutenção da diversidade de fauna e flora que pode apresentar” (fl. 780, quesito 5).

Ora, a interação dessa vegetação, com “importância ecológica”, independentemente de a Sra. Perita querer, francamente, admitir ser ou não restinga, legalmente é a própria faixa de praia que foi ceifada pelo empreendimento.

A lei decide pela Sra. Perita, pois consta do § 3º do art. 10 da Lei nº 7.661/88:

“Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”

Portanto, se foi suprimida mata atlântica no final do imóvel, e é aquela pequena vegetação natural que nomina “faixa de praia” o elemento a fazer a ligação entre os sistemas, fica evidente que essa faixa de praia define-se como a própria praia, segundo a definição legal antes indicada.

Tal vegetação foi ceifada pelas obras e pelo acesso de carros, e a mantença do empreendimento a foi reduzindo aos poucos, conforme se evidencia pelas fotos de fls. 176 e 403. O laudo confirma que o acesso de carros irá impedir o restabelecimento dessa vegetação.

Tenho por certo que ascensões de qualquer espécie na faixa de praia, com ofensa à possibilidade de fruição por parte de toda a sociedade, não podem ser toleradas segundo o ordenamento jurídico, por serem bens públicos, conforme exposto. Se for o caso, devem os proprietários ser indenizados pelas municipalidades, porém a situação não pode ser coonestada. Notadamente no caso em apreço, em que a obra é posterior à Lei nº 7.661/88, dado que o alvará foi concedido em 01.08.95, com liminar paralisando o empreendimento em 10.06.99 (fl. 305), sendo dado prosseguimento às obras por conta e risco do empreendedor. Verifica-se não ser caso de ter-se o fato por consumado, pois, deferida a liminar para paralisação da obra, o empreendedor, a pretexto de fechar a obra com porta e janelas, além de dar completo acabamento à parte dos imóveis,

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inclusive, efetuou a construção de outro bloco de apartamentos.Portanto, do exposto, vê-se que o Empreendedor, a Fatma e o Municí-

pio de Bombinhas não curaram, minimamente, quanto à preservação do meio ambiente, promovendo construção em faixa de praia, sem autori-zação da União, devendo ser condenados à retirada do empreendimento com a reparação dos danos verificados no local.

Por fim, informa a Sra. Perita que o Plano Residencial 3A do Muni-cípio de Bombinhas considera o local como “Zona Residencial 3A, em que o proprietário do terreno pode construir em 40% da área e a 10m da preamar máxima” (quesito 780), pelo que deve ser comunicada referida municipalidade dos termos desta decisão e da evidente afronta do plano diretor, no particular, à legislação federal.

Diante do exposto, voto por negar provimento ao apelo.É o voto.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.000847-1/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Apelante: Universidade Federal de Santa Catarina – UFSCAdvogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região

Apelante: Ministério Público FederalApelado: Claudio Matheus Costa dos Santos

Advogados: Drs. Gabriel Mourão Kazapi e outroDr. Ivo Borchardt

Remetente: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Florianópolis

EMENTA

Administrativo. Universidade federal. Reserva de vagas. Ilegalidade na aplicação pela administração do programa de ações afirmativas.

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Falta de critérios seguros na verificação da situação socioeconômica dos candidatos beneficiados pelo sistema de cotas.

1. Com efeito, no caso em exame, consoante demonstrado na deci-são impugnada, restou comprovada a flagrante ilegalidade na aplicação pela Administração do Programa de Ações Afirmativas, uma vez que a Universidade deixou de adotar critérios seguros de averiguação da situação socioeconômica dos candidatos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas.

A título ilustrativo, em conhecido precedente, ao julgar o leading case Regents of University of California v. Bakke, reconheceu a Corte Suprema dos Estados Unidos o caráter excepcional, a demandar precisa motivação, a legalidade de ações afirmativas com base na distinção de raça ou cor, verbis:

“10. Civil RightsRacial and ethnic distinctions of any sort are inherently suspect and call for the

most exacting judicial examination; such suspect classifications are subject to strict scrutiny and can be justified only if they further a compelling government purpose and, even then, only if no less restrictive alternative is available.

(...)12. A classification with aids persons who are perceived as members of relatively

victimized groups at the expense of other innocent individuals is permissible only when there are judicial, legislative, or administrative findings of constitutional or statutory violations; after such findings have been made, the governmental interest in preferring members of the injured groups at the expense of others is substantial, since the legal rights of the victims must be vindicated.” (In Supreme Court Reporter, St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1980, v. 98-a, p. 2.734)

Em seu voto, disse o Justice Powell, verbis:“We have never approved a classification that aids persons perceived as members of

relatively victimized groups at the expense of other innocent individuals in the absence of judicial, legislative, or administrative findings of constitutional or statutory violations. See, e. g., Teamsters v. United States, 431 U.S. 324, 367-376, 97 S.Ct. 1843, 1870-1875, 52 L.Ed2d 396 (1977); United Jewish Organizations, 430 U.S., at 155-156, 97 S.Ct., at 1004-1005; South Carolina v. Katzenbach, 383 U.S. 301, 308, 86 S.Ct. 803, 808, 15 L.Ed2d 769 (1966). After such findings have been made, the governmental interest in preferring members of the injured groups at the expense of others is substantial, since the legal rights of the victims must be vindicates. In such a case, the extent of the injury and the consequent remedy will have been judicially, legislatively, or administratively defined. Also, the remedial action usually remains subject to continuing oversight to

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assure that it will work the least harm possible to other innocent persons competing for the benefit. Without such findings of constitutional or statutory violations, it cannot be said that the government has any greater interest in helping one individual than in refraining from harming another. Thus, the government has no compelling justification for inflicting such harm.” (Op. cit., p. 2.761)

E, mais adiante, conclui, verbis: “Although a university must have wide discretion in making the sensitive judgments as to who should be admitted, constitutional limitations protecting individual rights may not be disregarded” (Op. cit., p. 2.761).

Com efeito, no regime do Estado de Direito não há lugar para o arbí-trio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade adminis-trativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.

Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigence, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (In Les Grands Textes Administratifs, Paris: Sirey, 1970, p. 376)

Realmente, ao fixar o alcance do art. 37 da CF, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6. ed., Freitas Bastos, 1957, p. 306, n. 300), notadamente quando se trata, como é o caso dos autos, de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à

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frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sem-pre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras sugestões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (In Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. I, p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (In Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897, p. 68)

Ademais, recorde-se a lição do saudoso Ministro Hannemann Gui-marães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica.” (In Revista Forense, v. 127/397).

Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula, não pro-duzindo qualquer efeito jurídico, sendo a declaração de inconstituciona-lidade ex tunc (in RTJ 102/671; 143/859; 146/461 e 147/985-6).

A respeito, pronunciou-se o eminente Ministro Thompson Flores, quando Presidente da Suprema Corte, ao votar no julgamento da Rp. nº 1.014-RJ, verbis:

“A lei ou o ato atingido, porque inconstitucionais são nulos desde o nascedouro; são eles, como afirmava Ruy, como se nunca tivessem existido; seu efeito dessarte, pelo nosso sistema, é sempre ex tunc. E esta é a jurisprudência indiscrepante e reiterada do Supremo Tribunal Federal.” (in RTJ 91/776)

Da mesma forma, manifesta-se a melhor doutrina, verbis:“The general rule is that an unconstitutional statute, though having the form and

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name of law, is in reality no law, but is wholly void, and in legal contemplation is as inoperative as if it had never been passed. Since an unconstitutional law is void, it imposes no duties and confers no power or authority on any one; it affords protection to no one, and no one is bound to obey it, and no courts are bound to enforce it.

When a judgment of any court is based on an unconstitutional law, it has been said that it has no legitimate basis at all, and is not to be treated as a judgement of a competent tribunal, and courts of other states are not required to give to it the full faith and credit commanded by the provisions of the United States constitution as to the public acts recirds and judicial proceedings of other states.”

(in Constitutional Law – Ruling Case Law, Rochester, N.Y.: The Lawyers Coope-rative Publishing Company, 1915, v. 6, p. 117-8, n. 117)

“An unconstitutional act is not a law. It confers no rights; it imposes no duties; it affords no protection; it creates no office. It is, in legal contemplation, as inoperative as though it had never been passed.” (Henry Campbell Black, in Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897, p. 66, n. 46)

No caso em exame, o proceder da Administração Pública ao fazer a aplicação da Decisão nº 1347/07 – CONSUN sem atentar para as par-ticularidades da situação socioeconômica dos candidatos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas, originando verdadeira distorção do Programa de Ações Afirmativas que o inspirou, provocou a violação da letra e do espírito do princípio da legalidade que deve nortear a ação da Administração, nos termos do disposto no art. 37 da CF/88.

2. Apelações e remessa oficial desprovidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de agosto de 2009.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: É este o teor da r. sentença recorrida, a fls. 121/3, verbis:

“Cuida-se de mandado de segurança no qual o impetrante pretende seja assegurado

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o direito de realizar matrícula em curso superior da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de forma que seja considerada a totalidade das vagas oferecidas no vestibular, independentemente de reserva de vagas a alunos negros, índios ou egressos do ensino público.

Apresentando fundamentação de ordem constitucional, requer a declaração inci-dental da inconstitucionalidade da reserva de vagas para negros, índios e estudantes provenientes de escolas públicas, prevista na Resolução Normativa 008/Cun/2007.

Junta instrumento de procuração e documentos (fls. 25-73). Às fls. 74-76 foi deferida a justiça gratuita e a medida liminar, tendo o impetrado

interposto recurso de agravo perante o TRF da 4ª Região (fls. 80-95). As informações foram apresentadas às fls. 99-116. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 118-121.Decido.Tenho que padece de vício de legitimidade a Resolução Normativa nº 008/CUN/2007,

ao introduzir as reservas de vagas para determinadas classes de candidatos, presente a competência privativa da União Federal para legislar acerca de diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CF/88).

Nos termos do art. 37 da CF/88 a Administração Pública direta e indireta está ads-trita ao princípio da legalidade, dentre outros, estando a autonomia administrativa da Universidade restrita ao seu próprio funcionamento, não podendo estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária.

A discriminação imposta pelo sistema de cotas para o ingresso em Universidade, chamada ‘positiva’ sob o aspecto dos candidatos beneficiados, se manifesta restritiva ou ‘negativa’ para os demais, diante da consequente diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando diretamente o princípio da igualdade assegurado no art. 5º da CF/88.

O fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele, por sua vez, apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades. A ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro ou branco.

Não existindo raças, e presente a circunstância de que no Brasil a população resulta da imigração de diversas origens e sua miscigenação, com qual autoridade científica a tal ‘Banca de Validação da Autodeclaração’ estabelecida no art. 14 da referida Resolução poderá apontar quem é negro e quem não é?

Na hipótese prevista de questionamentos da autodeclaração de alguns candidatos, como serão classificados aqueles filhos de negros que apresentam traços europeus ou pela clara, herança de algum antepassado mais distante? Enfim, são inúmeras as hipóteses ensejadoras de casuísmos, o que faz lembrar de uma matéria de capa da revista Veja, apontando dois irmãos gêmeos idênticos, vestibulandos da Universidade de Brasília; um identificado como branco, o outro como negro.

Ainda que adotando termo ultrapassado (raça), a própria Constituição Federal indica

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que não deverá haver preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (art. 3º, IV).

A vedação ao preconceito encontra-se também estampada no inciso XXX do art. 7º: ‘proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil’.

Nesse cenário, no tocante ao critério ‘étnico’, sequer uma Lei ordinária lograria dar validade ao sistema de cotas adotado pela UFSC, dada sua evidente inconstitu-cionalidade.

Ademais, a carência de recursos na idade escolar atinge boa parte da população. O que dizer aos pobres não contemplados pelo benefício aqui em discussão? Que de agora em diante estão ainda mais afastados da possibilidade de alcançar um curso superior?

No tocante à reserva para os candidatos egressos do ensino público, ainda que se reconheça um grau de objetividade bem mais elevado do que o critério ‘étnico’, tenho que tal iniciativa deveria estar amparada em Lei, conforme já exposto.

No âmbito legislativo, espera-se, venha a ser ampliada a discussão sobre o acesso ao ensino superior, evitando-se o simplismo de uma cláusula que apenas atribui 20% das vagas a quem tenha cursado todo o ensino fundamental e médio na escola pública. O enfrentamento sério da questão deverá passar pelo restabelecimento da qualidade do ensino público, dentre inúmeras outras iniciativas.

Quanto às vagas destinadas aos candidatos indígenas, dispõe a Resolução Norma-tiva 008/Cun/2007:

‘Art. 9º Para a implementação do acesso aos candidatos pertencentes aos povos indí-genas, a que se refere o inciso III do art. 2º, serão criadas 5 (cinco) vagas suplementares que serão preenchidas pelos candidatos melhor classificados no vestibular.’

Desse modo, não há propriamente reserva de vagas, uma vez que a Universidade criou novas vagas destinadas exclusivamente a estes, de maneira que não haverá prejuízo à impetrante por não suprimir vagas destinadas aos demais candidatos.

Ante o exposto, concedo parcialmente a segurança para determinar ao Magnífico Reitor da UFSC que observe a classificação obtida pelo impetrante dentro das vagas previstas para o curso escolhido, ignorando-se a preferência concedida pela Resolu-ção Normativa nº 008/2007, de forma a possibilitar a realização de sua matrícula, nos termos da fundamentação.

Custas ex lege. Sem honorários advocatícios.”

Interpostas as apelações, postulam a Universidade e o Parquet a reforma do julgado.

Foram apresentadas contrarrazões.O MPF opinou pelo provimento dos recursos.É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas pelo ilustre Juiz Federal, a fls. 121-3, verbis:

“Tenho que padece de vício de legitimidade a Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, ao introduzir as reservas de vagas para determinadas classes de candidatos, presente a competência privativa da União Federal para legislar acerca de diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CF/88).

Nos termos do art. 37 da CF/88, a Administração Pública direta e indireta está ads-trita ao princípio da legalidade, dentre outros, estando a autonomia administrativa da Universidade restrita ao seu próprio funcionamento, não podendo estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária.

A discriminação imposta pelo sistema de cotas para o ingresso em Universidade, chamada ‘positiva’ sob o aspecto dos candidatos beneficiados, se manifesta restritiva ou ‘negativa’ para os demais, diante da consequente diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando diretamente o princípio da igualdade assegurado no art. 5º da CF/88.

O fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele, por sua vez, apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades. A ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro ou branco.

Não existindo raças, e presente a circunstância de que no Brasil a população resulta da imigração de diversas origens e sua miscigenação, com qual autoridade científica a tal ‘Banca de Validação da Autodeclaração’ estabelecida no art. 14 da referida Resolução poderá apontar quem é negro e quem não é?

Na hipótese prevista de questionamentos da autodeclaração de alguns candidatos, como serão classificados aqueles filhos de negros que apresentam traços europeus ou pele clara, herança de algum antepassado mais distante? Enfim, são inúmeras as hipóteses ensejadoras de casuísmos, o que faz lembrar de uma matéria de capa da revista Veja, apontando dois irmãos gêmeos idênticos, vestibulandos da Universidade de Brasília; um identificado como branco, o outro, como negro.

Ainda que adotando termo ultrapassado (raça), a própria Constituição Federal indica que não deverá haver preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (art. 3º, IV).

A vedação ao preconceito encontra-se também estampada no inciso XXX do art. 7º: ‘proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil’.

Nesse cenário, no tocante ao critério ‘étnico’, sequer uma Lei ordinária lograria dar validade ao sistema de cotas adotado pela UFSC, dada sua evidente inconstitu-cionalidade.

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Ademais, a carência de recursos na idade escolar atinge boa parte da população. O que dizer aos pobres não contemplados pelo benefício aqui em discussão? Que de agora em diante estão ainda mais afastados da possibilidade de alcançar um curso superior?

No tocante à reserva para os candidatos egressos do ensino público, ainda que se reconheça um grau de objetividade bem mais elevado do que o critério ‘étnico’, tenho que tal iniciativa deveria estar amparada em Lei, conforme já exposto.

No âmbito legislativo, espera-se, venha a ser ampliada a discussão sobre o acesso ao ensino superior, evitando-se o simplismo de uma cláusula que apenas atribui 20% das vagas a quem tenha cursado todo o ensino fundamental e médio na escola pública. O enfrentamento sério da questão deverá passar pelo restabelecimento da qualidade do ensino público, dentre inúmeras outras iniciativas.

Quanto às vagas destinadas aos candidatos indígenas, dispõe a Resolução Norma-tiva 008/Cun/2007:

‘Art. 9º Para a implementação do acesso aos candidatos pertencentes aos povos indí-genas, a que se refere o inciso III do art. 2º, serão criadas 5 (cinco) vagas suplementares que serão preenchidas pelos candidatos melhor classificados no vestibular.’

Desse modo, não há propriamente reserva de vagas, uma vez que a Universidade criou novas vagas destinadas exclusivamente a estes, de maneira que não haverá prejuízo à impetrante por não suprimir vagas destinadas aos demais candidatos.”

Com efeito, no caso em exame, consoante demonstrado na decisão impugnada, restou comprovada a flagrante ilegalidade na aplicação pela Administração do Programa de Ações Afirmativas, uma vez que a Universidade deixou de adotar critérios seguros de averiguação da situação socioeconômica dos candidatos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas.

Em caso semelhante ao dos autos, no AI nº 2008.04.00.0072976/RS, anotou a ilustre Desa. Federal Marga Tessler, verbis:

“Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que indeferiu antecipação dos efeitos da tutela requerida para o fim de que fosse determinada a ma-trícula provisória dos requerentes no primeiro semestre letivo de 2008 da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da UFRGS, independentemente do sistema de cotas sociorraciais estabelecido pela Decisão CONSUN nº 137/2007.

Em suas razões, afirma a parte recorrente jamais ter pretendido a declaração de inconstitucionalidade do Programa de Ações Afirmativas. Alega que a causa de pedir da ação é o desvirtuamento do programa, que teria causado resultado completamente diverso daquele que um programa social deve objetivar, uma vez que teria privilegiado estudantes com maior poder aquisitivo. Argumenta ser equivocada a decisão impugnada quando considera presumida a desigualdade dos alunos da rede pública em relação aos

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de escolas particulares. Sustenta que o critério de reserva de cotas pela procedência de escola pública jamais poderia ser absoluto e único, devendo ser aplicado em consonância com a análise da situação socioeconômica. Pondera que a autonomia didático-científica das universidades não as desobriga da observância dos princípios constitucionais.

Requer a antecipação da tutela recursal. É o breve relatório. Decido. No quadro dos princípios básicos do Ensino, elencados a partir do artigo 205 e

seguintes da Constituição Federal de 1988, afiguram-se constitucionais as políticas públicas ou ações afirmativas tendentes a promover o acesso dos menos favorecidos ao ensino superior. O Poder Judiciário não pode instituir políticas públicas, contudo, pode e deve corrigir distorções, desvios de finalidade ou violação de direitos individuais.

Nos termos do item 1.5.4 do Edital de 17 de agosto de 2007 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ‘do total de vagas oferecidas em cada curso de graduação da UFRGS, serão garantidas, no mínimo, 30% (trinta por cento) para candidatos optantes egressos do ensino público’. No item 7.5, garante-se no mínimo 50% (cinquenta por cento) das vagas definidas no item 1.5.4 do Edital aos candidatos optantes egressos do ensino público autodeclarados negros. Finalmente, o item 7.6 dispõe que ‘no caso de não haver candidatos em condições de preencher as vagas garantidas a optantes egres-sos do ensino público autodeclarados negros, estas serão preenchidas por candidatos optantes egressos do ensino público e, se ainda restarem vagas, as mesmas voltarão ao sistema de ingresso por Acesso Universal’. O sistema de cotas adotado pela Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul, assim, é predominantemente social. A cota racial existe, quando coincidente com a social.

A erradicação das desigualdades sociais é objetivo fundamental da República Fe-derativa do Brasil, na forma do artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal. Dentro de sua autonomia administrativa, a UFRGS procurou dar cumprimento ao princípio fundamental, prevendo cotas sociais e raciais para ingresso nos bancos acadêmicos. A prática tem sido sistematicamente considerada constitucional. Para tal resultado, faz-se necessária a ponderação entre o princípio fundamental referido e o do mérito acadêmico, previsto no artigo 208, inciso V, da Constituição Federal.

No sistema adotado pela UFRGS, eminentemente social como visto, parte-se da presunção de que os alunos egressos de instituições públicas de ensino fundamental e médio não competem em igualdade de condições com aqueles egressos de estabeleci-mentos de ensino privado. A presunção, todavia, não é iuris et de jure, mas iuris tantum, admitindo prova em contrário. A documentação que instrui o agravo de instrumento e as razões postas na inicial colocam sérias dúvidas a respeito do cumprimento do objetivo de erradicação das desigualdades sociais pelo certame levado a efeito.

Como ressalta a parte ora agravante, onze alunos cotistas aprovados para o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da UFRGS são egressos do Colégio Militar de Porto Alegre (fl. 21), escola notoriamente reconhecida pela qualidade de ensino. Não bastante, há prova de que tais cotistas teriam, ainda, frequentado cursos pré-vestibular de valor

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elevado para quem supostamente não teria cursado o ensino fundamental e médio em escolas privadas pela falta de recursos. A inicial foi instruída, ainda, com fotos de alunos privilegiados pelas cotas em férias no exterior (fl. 67 e seguintes), bem como cópias da página do Orkut (site de relacionamentos), que parece evidenciar sinais exteriores de pertencerem os contemplados com as vagas ao extrato privilegiado da sociedade.

Ora, os fundamentos e provas postos na ação parecem bem demonstrar que, no caso, o princípio do mérito acadêmico, expressamente previsto no artigo 208, inciso V, da Constituição Federal, está sendo vulnerado sem que, em contrapartida, esteja sendo prestigiado o princípio fundamental da erradicação das desigualdades sociais, pelo contrário, aparentemente e flagrantemente violado.

Reconheço, assim, a relevância na fundamentação dos agravantes. O risco de lesão grave e de difícil reparação, por sua vez, repousa no início do ano letivo e na possibi-lidade de que haja prejuízo na frequência dos recorrentes. Ressalto que o deferimento da antecipação não trará prejuízos para a Universidade ou para os cotistas aprovados. A medida que ora se concede apenas provisoriamente possibilita a frequência às aulas e realização das atividades pedagógicas relativas ao curso. Se, ao final, for procedente a ação, a Universidade não precisará indenizar os autores pela perda de uma chance, acautelando-se, assim, o erário.

O provimento da ação, por outro lado, demanda o ingresso dos cotistas que não preencheriam adequadamente as condições para concorrerem a tais vagas na lide. Ao Judiciário não cabe criar novas vagas em Universidades, de modo que o reconheci-mento do provimento da ação terá como consequência a exclusão dos cotistas que indevidamente ocupariam as vagas pretendidas pelos ora recorrentes. Cabe aos autores, assim, promover a citação dos cotistas referidos na inicial que indevidamente estariam ingressando na UFRGS.

Pelas razões expostas, defiro parcialmente a antecipação da tutela recursal, autori-zando a matrícula provisória dos agravantes no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, autorizando-os a frequentar e participar de todas as atividades acadêmicas.

Intimem-se, sendo que a parte agravada na forma e para os fins do artigo 527, inciso V, do Código de Processo Civil. Comunique-se.”

A respeito, assinalou o ilustre Juiz Federal, a fls. 429-430, verbis:“Para a concessão de antecipação de tutela, exige o art. 273 do CPC a presença de

fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou o manifesto propósito protelatório do réu, bem como a verossimilhança da alegação, a ser fundamentada em prova inequívoca. Evidentemente, tal expressão não pode ser compreendida como uma demonstração definitiva dos fatos – somente atingível após uma cognição exauriente –, mas sim como uma prova robusta, suficiente para evidenciar a matéria fática posta em causa e provocar a formação de um juízo de probabilidade da pretensão esboçada na inicial.

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Primeiramente, tendo em consideração as alegações trazidas pela parte impetrante e as informações prestadas pela demandada, é de se analisar a sistemática das cotas sociais.

Cumpre destacar que, conforme antes salientado, a parte autora obteve pontuação superior aos últimos aprovados pela reserva de vagas.

Por outro lado, conforme já referido em outros casos análogos, a questão das cotas sociais vem despertando inúmeras discussões na mídia e no mundo jurídico, sobretudo no tema relativo à chamada autonomia didático-administrativa constitucionalmente assegurada às universidades.

Com a devida vênia aos entendimentos contrários, contudo, tenho que tal autonomia não é arguível em favor do sistema de cotas, uma vez que a mesma, a meu ver, não se insere nos aspectos administrativos das universidades, menos ainda nos didáticos.

Tenho sim, que, em se tratando de uma universidade pública, e, por levar em conta ser uma autarquia federal, o acesso dos estudantes é questão de interesse público da maior relevância e, seguindo os proclames do Direito Administrativo, é inevitável a vinculação ao Princípio da Legalidade.

Entendo que tal interesse público evidencia que o sistema em questão não poderia estar regrado por normas infralegais, regulamentadas por cada universidade pública de uma forma diferente e supostamente protegidas do alcance do Poder Judiciário pelo invólucro da autonomia.

Para a instituição válida de tal sistema, seria necessária a edição de lei em sentido estrito, que, por sinal, estaria sujeita ao crivo do Poder Judiciário, sob o aspecto da constitucionalidade, tanto quanto mostrar-se-ia adequada pela uniformização dos cri-térios de seleção – por mais discutível que a questão das cotas sociais possa ser em seu aspecto ideológico ou mesmo em seu aspecto de eficiência no combate às desigualdades sociais, o que ora não se encontra em análise.

Em suma, entendo que a lacuna legal em questão não abre espaço para que a au-tonomia das universidades vá, no meu entender, além dos limites que a Constituição Federal lhes assegurou, devendo, assim, ser afastada a reserva de vagas sub judice.

Com o dito afastamento, então, é de ser assegurada, ao menos liminarmente, a matrícula dos autores nos cursos supracitados, para os quais prestaram vestibular e foram aprovados dentro do número geral de vagas existentes.”

Nesse sentido, ainda, recente precedente da Corte, verbis:“PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO VESTIBULAR. COTAS SOCIAIS. MAN-

DADO DE SEGURANÇA. 1. A agravada não teve direito ao privilégio da cota social, pois não estudara no

ensino público, mas alcançara classificação superior a dos aprovados no sistema de-rivado de ingresso.

2. A documentação que instrui o agravo de instrumento e as razões postas na ini-cial colocam sérias dúvidas a respeito do cumprimento do objetivo de erradicação das desigualdades sociais pelo certame levado a efeito.

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3. A política pública por resolução universitária não poderia afrontar relevante e fundamental postulado expressamente consagrado pela Constituição, qual seja o mérito acadêmico, que aqui, inobservado, atingiu o direito subjetivo da estudante.” (TRF 4ª Região, 4ª Turma, AI nº 200804000070724/RS, Rel. p/ o acórdão Desa. Federal Marga Tessler, julg. 04.06.2008, DJ 14.07.2008)

A título ilustrativo, em conhecido precedente, ao julgar o leading case Regents of University of California v. Bakke, reconheceu a Corte Suprema dos Estados Unidos o caráter excepcional, a demandar precisa motivação, a legalidade de ações afirmativas com base na distinção de raça ou cor, verbis:

“10. Civil RightsRacial and ethnic distinctions of any sort are inherently suspect and call for the

most exacting judicial examination; such suspect classifications are subject to strict scrutiny and can be justified only if they further a compelling government purpose and, even then, only if no less restrictive alternative is available.

(...)12. A classification with aids persons who are perceived as members of relatively

victimized groups at the expense of other innocent individuals is permissible only when there are judicial, legislative, or administrative findings of constitutional or statutory violations; after such findings have been made, the governmental interest in preferring members of the injured groups at the expense of others is substantial, since the legal rights of the victims must be vindicated.” (In Supreme Court Reporter, St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1980, v. 98-a, p. 2.734)

Em seu voto, disse o Justice Powell, verbis:“We have never approved a classification that aids persons perceived as members of

relatively victimized groups at the expense of other innocent individuals in the absence of judicial, legislative, or administrative findings of constitutional or statutory violations. See, e.g., Teamsters v. United States, 431 U.S. 324, 367-376, 97 S.Ct. 1843, 1870-1875, 52 L.Ed2d 396 (1977); United Jewish Organizations, 430 U.S., at 155-156, 97 S.Ct., at 1004-1005; South Carolina v. Katzenbach, 383 U.S. 301, 308, 86 S.Ct. 803, 808, 15 L.Ed2d 769 (1966). After such findings have been made, the governmental interest in preferring members of the injured groups at the expense of others is substantial, since the legal rights of the victims must be vindicates. In such a case, the extent of the injury and the consequent remedy will have been judicially, legislatively, or administratively defined. Also, the remedial action usually remains subject to continuing oversight to assure that it will work the least harm possible to other innocent persons competing for the benefit. Without such findings of constitutional or statutory violations, it cannot be said that the government has any greater interest in helping one individual than in

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refraining from harming another. Thus, the government has no compelling justification for inflicting such harm.” (Op. cit., p. 2.761)

E, mais adiante, conclui, verbis: “Although a university must have wide discretion in making the sensitive judgments as to who should be admitted, constitutional limitations protecting individual rights may not be disregarded” (Op. cit., p. 2.761)

Com efeito, no regime do Estado de Direito não há lugar para o arbí-trio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade adminis-trativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.

Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigence, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (In Les Grands Textes Administratifs, Paris: Sirey, 1970, p. 376)

Realmente, ao fixar o alcance do art. 37 da CF, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6. ed., Freitas Bastos, 1957, p. 306, n. 300), notadamente quando se trata, como é o caso dos autos, de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sem-pre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras sugestões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma

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regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (In Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. I, p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (In Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897, p. 68)

Ademais, recorde-se a lição do saudoso Ministro Hannemann Gui-marães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica.” (In Revista Forense, v.127/397)

Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula, não pro-duzindo qualquer efeito jurídico, sendo a declaração de inconstituciona-lidade ex tunc (in RTJ 102/671; 143/859; 146/461 e 147/985-6).

A respeito, pronunciou-se o eminente Ministro Thompson Flores, quando Presidente da Suprema Corte, ao votar no julgamento da Rp. Nº 1.014-RJ, verbis:

“A lei ou o ato atingido, porque inconstitucionais, são nulos desde o nascedouro; são eles, como afirmava Ruy, como se nunca tivessem existido; seu efeito, dessarte, pelo nosso sistema, é sempre ex tunc. E esta é a jurisprudência indiscrepante e reiterada do Supremo Tribunal Federal.” (in RTJ 91/776)

Da mesma forma, manifesta-se a melhor doutrina, verbis:“The general rule is that an unconstitutional statute, though having the form and

name of law, is in reality no law, but is wholly void, and in legal contemplation is as inoperative as if it had never been passed. Since an unconstitutional law is void, it imposes no duties and confers no power or authority on any one; it affords protection

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to no one, and no one is bound to obey it, and no courts are bound to enforce it. When a judgment of any court is based on an unconstitutional law, it has been

said that it has no legitimate basis at all, and is not to be treated as a judgement of a competent tribunal, and courts of other states are not required to give to it the full faith and credit commanded by the provisions of the United States constitution as to the public acts recirds and judicial proceedings of other states.” (in Constitutional Law – Ruling Case Law, Rochester, N.Y.: The Lawyers Cooperative Publishing Company, 1915, v. 6, p. 117-8, n. 117)

“An unconstitutional act is not a law. It confers no rights; it imposes no duties; it affords no protection; it creates no office. It is, in legal contemplation, as inoperative as though it had never been passed.” (Henry Campbell Black, in Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897, p. 66, n. 46)

No caso em exame, o proceder da Administração Pública ao fazer a aplicação da Decisão nº 1347/07 – CONSUN sem atentar para as par-ticularidades da situação socioeconômica dos candidatos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas, originando verdadeira distorção do Programa de Ações Afirmativas que o inspirou, provocou a violação da letra e do espírito do princípio da legalidade que deve nortear a ação da Administração, nos termos do disposto no art. 37 da CF/88.

Por esses motivos, voto por negar provimento às apelações e à re-messa oficial.

É o meu voto.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.70.02.004144-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Apelante: M.M.Advogado: Dr. Washington Luiz Stelle Teixeira

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal. Descaminho. Falsificação de documento. Arts. 334 e 298 do CP. Concurso material. Princípio da insignificância. Dolo. Tentativa. Prescrição. Suspensão condicional do processo. Art. 89 da Lei 9.099/95. Admissibilidade.

1. A importação de mercadoria sem o pagamento dos tributos devidos configura o delito de descaminho.

2. Somente se aplica o princípio da insignificância ao crime de des-caminho quando o valor do tributo não recolhido mostra-se irrelevante, assim entendido quando não ultrapassar R$ 2.500,00. Precedentes desta Corte.

3. Nos delitos de contrabando e descaminho, o dolo consiste na von-tade livre e consciente de realizar alguma das condutas descritas no art. 334 do CP, não se exigindo nenhum elemento subjetivo específico, como a intenção de lesar o fisco.

4. Realizada a apreensão em zona primária, na hipótese dos autos no Posto de Fiscalização do Aeroporto de Foz do Iguaçu/PR, conforme o disposto no art. 33 do Decreto-Lei nº 37/66, deve ser reconhecida a reali-

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zação do delito do art. 334 do CP na forma tentada (art. 14, II, do CP).5. Fixada pena inferior a 01 (um) ano e transcorridos mais de 02 (dois)

anos entre o ilícito e o recebimento da denúncia, deve ser reconhecida a incidência da prescrição e declarada extinta a punibilidade, com aplicação dos arts. 107, IV, 109, VI, e 110, § 1º, todos do CP.

6. Permanecendo a imputação pela prática de delito com pena míni-ma no limite do contido no art. 89 da Lei 9.099/95, um ano, é cabível a remessa dos autos à instância de origem para manifestação da acusação acerca da suspensão condicional do processo. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para, quanto ao crime do art. 334 do CP, reduzir a pena e reconhecer a incidência da prescrição, declarando extinta a punibilidade do réu, e determinar a remessa dos autos à Vara de origem para que, quanto ao delito de que trata o art. 298 do Código Penal, o Ministério Público manifeste-se sobre a previsão contida no art. 89 da Lei 9.099/95, restando prejudicada, por ora, a aná-lise do recurso quanto ao crime remanescente, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de abril de 2007.Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O Minis-tério Público Federal ofereceu denúncia contra M.M. pela prática, em concurso material, dos delitos descritos nos arts. 334, § 1º, alínea d, e 298, ambos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na peça inicial aditada (fls. 07-10):

“No dia 21 de novembro de 2000, por volta das 15h00min, no Posto de Fiscali-zação do Aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu (PR), o Policial Federal Glaucio Marques de Oliveira, juntamente com a Técnica do Tesouro Nacional Sandra Regina Gava Bersoto, após vistoria na bagagem do denunciado M.M., logrou encontrar as mercadorias estrangeiras, oriundas do Paraguai, constantes do auto de apreensão de fl. 28, desacompanhadas da regular documentação de importação, bem como as notas

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fiscais, materialmente e ideologicamente falsas, constante do Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 05.

A mercadoria apreendida foi avaliada em R$ 7.884,00 (sete mil, oitocentos e oi-tenta e quatro reais), conforme Laudo de Exame Merceológico (Avaliação direta) de fls. 116-117.

Com relação à falsidade material da nota fiscal de fl. 21, esta ficou comprovada, uma vez que, de acordo com o ofício nº 65/2001 de fl. 107, verifica-se que a empresa MICRO ELETRÔNICA LTDA. – CNPJ 71785786/0001-48 – teve início de suas ativi-dades em 23.09.1999 e foi cancelada em 30.09.1999, sendo que a empresa não possuía autorização para emissão de documentos fiscais. Assim sendo, a data de emissão da referida nota fiscal (25.11.2000) é posterior à data de encerramento da referida empresa e, ainda, posterior à prisão do denunciado, o que demonstra, pois, a sua falsidade, haja vista que esta foi preenchida pelo próprio denunciado, como ficou comprovado pelos seus depoimentos de fls. 03-04 e 133-134, bem como pelo Laudo de Exame Docu-mentoscópico de fls. 148-150.

Em seu interrogatório em sede policial, o denunciado M.M. declarou que desde meados de agosto tem viajado ao Paraguai, onde efetuou compras de acessórios para telefone, os quais revendia em Cuiabá (MT), e que, na última viagem, adquiriu 15 aparelhos celular Nokia, modelo 8260, mais duas baterias extras, gastando com a referida aquisição US$ 3.781 (três mil, setecentos e oitenta e um dólares). Afirmou, ainda, que recebeu as notas fiscais apreendidas, no Paraguai, como forma de possibilitar a regularização das mercadorias descaminhadas no Brasil, e, ainda, reconheceu que preencheu a nota fiscal de fl. 21 para obter a habilitação do aparelho celular Motorola Time Port nela mencionado.

Dessa forma, verifica-se que o denunciado M.M., de forma livre e consciente, adquiriu em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de pro-cedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, bem como falsificou, no todo, documento particular.”

A peça acusatória e seu aditamento foram recebidos em 13.10.2003 (fls. 12 e 13).

Na sentença, publicada em secretaria em 16.09.2005 (fl. 108), o ma-gistrado a quo, com fundamento no art. 383 do CPP, julgou procedente a pretensão punitiva para condenar o réu, por concurso material de crimes, nas sanções dos arts. 334, caput, e 298, ambos do Código Penal, aplicando as penas de 02 (dois) anos de reclusão, com regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, com valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato. Substituiu a sanção corporal imposta por uma prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e por uma prestação pecuniária (fls. 89-107).

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Irresignado, o acusado apelou. Sustentou, quanto ao delito do art. 334 do CP, ausência de elementos para comprovar seu dolo, ou seja, sua vontade de realizar alguma prática fraudulenta com o fim de iludir tributo. Referiu, ainda, que não há prova de que as mercadorias foram adquiridas para fins comerciais, bem como, caso não seja absolvido, que seja reconhecida a forma tentada. No tocante ao ilícito do art. 298 do Estatuto Repressivo, aduziu não estar presente a potencialidade lesiva do documento tido como falso, por isso atípica a conduta. Alegou, tam-bém, que a acusação não comprovou que o acusado tinha a intenção de utilizar a nota fiscal para os fins previstos no referido tipo penal. Por fim, postulou o reconhecimento da prescrição (fls. 115, 119-134).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 138-144), vieram os autos a esta Corte.

Neste grau de jurisdição, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 154-160).

Expedido ofício à Receita Federal para que esclarecesse os valores dos tributos incidentes nas mercadorias, as informações foram prestadas nas fls. 165 e 166.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Pre-ambularmente, deixo para apreciar a questão da prescrição após análise das penas, pois eventual redução poderá ter reflexo em sua verificação.

Na espécie, quanto ao ilícito do art. 334 do CP, a materialidade da conduta delitiva encontra-se plenamente demonstrada pelo Auto de Apreensão dos produtos (fls. 28 e 29 do apenso), pelo Laudo de Exame Merceológico (fls. 116 e 117 do apenso), confirmando a origem estrangeira, e pelo ofício da Receita Federal, em que é informado o valor dos tributos (R$ 2.989,96, excluídas as multas, fls. 165 e 166).

Da mesma forma, a autoria e o dolo estão comprovados. Não bastasse o Auto de Prisão em Flagrante, por guardar grande proxi-

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midade temporal com os fatos (fls. 02-04 do apenso), tem-se que o réu, em seu interrogatório judicial (fls. 23 e 24), reconheceu que adquiriu os aparelhos e as baterias para celulares no Paraguai, bem como que revendia os produtos em Cuiabá/MT, conforme trechos que transcrevo (fl. 23):

“(...) são verdadeiros os fatos descritos na denúncia. Realmente estava retornando do Paraguai, onde havia adquirido aparelhos celulares, quando fui abordado no aeroporto por agentes federais. As mercadorias foram adquiridas no Paraguai e não possuíam nota fiscal nem documento de importação. Com relação à nota fiscal que estava em meu poder, ela foi por mim preenchida. A nota fiscal da Micro Eletrônica foi adquirida no próprio Paraguai. Na época, efetuava compra de telefones e acessórios no Paraguai e as revendia em Cuiabá/MT. Quanto à denúncia, realmente adquiri quinze aparelhos celulares da Marca Nokia, além de duas baterias, gastando a quantia aproximada de US$ 3.781,00 (três mil, setecentos e oitenta e um dólares). Através das notas fiscais adquiridas no Paraguai, conseguia habilitar os aparelhos no Brasil. (...)”

Em relação à alegada ausência de dolo, registro que sua caracterização, no delito em apreço, consiste na vontade livre e consciente de realizar alguma das condutas descritas no art. 334 do CP, não se exigindo nenhum elemento subjetivo específico, como a intenção de lesar o fisco.

Corroborando o entendimento, transcrevo a decisão:“PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. ART. 334, § 1º, ALÍNEA C,

DO CP. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO. CAPUT DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. MERCADORIAS DE PEQUENO VALOR. LEI Nº 10.522/2002. NOVA REDAÇÃO DO ART. 20. AUTONOMIA ENTRE ESFERA PENAL E FISCAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO DA CONDUTA. ES-TADO DE NECESSIDADE. INOCORRÊNCIA.

(...)

2. O dolo é a vontade livre e consciente direcionada para a realização da conduta, não exigindo o tipo penal nenhum comportamento específico do sujeito ativo para burlar o fisco. (...)” (TRF-4ª Região, 7ª Turma, ACR Nº 2002.71.05.002180-2/RS, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, DJU: 22.06.2005, p. 998)

No que concerne à hipótese de a conduta ser materialmente atípica, registro, inicialmente, quanto ao parâmetro adotado para os crimes considerados como insignificantes, que se pacificou o entendimento da Seção no sentido de que “o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o

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ajuizamento de execuções fiscais, instituídos pela lei nº 11.033/2004, não merece aplicação na esfera criminal, para efeito de reconhecimento do princípio da insignificância, uma vez que destoante da realidade social” (4ª Seção, HC nº 2004.04.01.034885-7/SC, Rel. Des. Néfi Cordeiro, DJU de 18.05.2005).

No caso dos autos, verifico que os valores dos tributos sonegados, excluída a multa, totalizaram R$ 2.989,96 (dois mil, novecentos e oitenta e nove reais e noventa e seis centavos, fls. 165 e 166), hipótese que já afasta a aplicação do princípio da insignificância, por se encontrar além do limite legal adotado por este Tribunal para sua configuração (R$ 2.500,00).

Por oportuno, também importante apontar que não há falar, no presente caso, em absorção do delito de falsificação pelo de des-caminho. A nota fiscal adulterada, acostada na fl. 21 do apenso, refere-se a um aparelho celular Motorola, modelo Time Port, sen-do que este não se encontra dentre os produtos compreendidos no ilícito do art. 334 do CP, conforme consta no Auto de Apreensão (fls. 28 e 29 do apenso).

Dessa forma, comprovada a materialidade e a autoria, deve ser mantida a condenação pelo delito previsto no art. 334 do CP.

No tocante à fixação da pena, tenho que bem analisados os ve-tores do art. 59 do Código Penal pelo magistrado singular, por isso mantenho a pena-base em 01 (um) ano de reclusão.

A apreciação das agravantes e atenuantes também não merece qualquer correção, pois não foi reconhecida a confissão pelo fato da sanção já estar no mínimo legal (Súmula 231 do STJ).

Não há causa de aumento, presente apenas a minorante pela tentativa.

Conforme se depreende das informações dos autos, o réu foi preso em flagrante no Posto de Fiscalização do Aeroporto de Foz do Iguaçu/PR.

O Decreto-Lei nº 37/66, em seu art. 33, incisos I e II, assim regula:

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“Art. 33. A jurisdição dos serviços aduaneiros se estende por todo o território aduaneiro, e abrange:

I – zona primária – compreendendo as faixas internas de portos e aeroportos, recintos alfandegados e locais habilitados nas fronteiras terrestres, bem como outras áreas nas quais se efetuem operações de carga e descarga de mercadoria, ou embarque e desembarque de passageiros, procedentes do exterior ou a ele destinados;

II – zona secundária – compreendendo a parte restante do território nacional, nela incluídas as águas territoriais e o espaço aéreo correspondente.”

Portanto, pelos elementos dos autos, as mercadorias foram apreendidas ainda dentro da referida zona primária aduaneira, local onde se concebe, em tese, a possibilidade de ocorrência da tentativa, porquanto, apesar de estar “dentro” do território nacional, por razões de política de comércio exterior e relações internacionais, a internação efetiva da mercadoria é postergada após a atuação, eficaz ou potencial, da fiscalização.

Sobre o tema, transcrevo os julgados:“PENAL. ART. 334 DO CP. CONTRABANDO DE MUNIÇÃO. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PENA. TENTATIVA. NÃO CONSU-MAÇÃO. ÁREA DE FRONTEIRA.

(...)2. Não tendo havido o ingresso dos produtos no território nacional, pois a prisão

em flagrante ocorreu ainda na Ponte da Amizade, sem ter sido ultrapassada a zona de fiscalização aduaneira, caracteriza-se a tentativa, nos termos do art. 14, inciso II, do CP.” (TRF4, ACR nº 2001.04.01.020190-0/PR, Oitava Turma, Rel. Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro, publicado em 20.02.2002).

“DIREITO PENAL. PREVARICAÇÃO. CONDUTA ATÍPICA. CP-40. ART-319. DESCAMINHO. TENTATIVA. CP-40. ART-334.

1. Inepta a denúncia no crime de prevaricação que não descreve o sentimento pes-soal do agente, no entanto o momento adequado para rejeitá-la é quando ofertada, na sentença deve-se reconhecer como atípica a conduta descrita.

2. Comete o crime de descaminho, na forma tentada, o réu que é preso antes de ultrapassar a zona de fiscalização.” (TRF4, ACR nº 97.04.28330-0, Primeira Turma, Relator Des. Federal Vladimir Passos de Freitas, publicado em 04.03.1998)

Logo, tenho como presente a situação de tentativa, prevista no art. 14, II, do CP.

Quanto ao seu parâmetro (parágrafo único do mencionado artigo), tendo em vista que o caminho delituoso foi percorrido quase na íntegra, ou seja, acaso a fiscalização não fosse diligente, a mercadoria seria internada no País, considero que o índice deve ser aferido no seu mínimo, ou seja,

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1/3 (um terço), o que enseja a diminuição de 04 (quatro) meses.Assim, reduzo a pena final pelo crime do art. 334 do CP para 08 (oito)

meses de reclusão, mantido o regime aberto como o inicial para o seu cumprimento, nos termos do art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal.

Antes de verificar a possibilidade de substituição por restritivas, con-siderando que a pena restou concretizada em 08 (oito) meses de reclusão, deve ser reconhecida a incidência da prescrição, porquanto decorridos mais de 02 (dois) anos entre o fato ilícito, ocorrido em novembro/2000, e a data do recebimento da denúncia (13.10.2003, fls. 12 e 13). Assim, resta extinta a punibilidade do réu pelo crime de descaminho, conforme o disposto nos arts. 107, IV, 109, VI e 110, § 1º, todos do Código Penal.

Diante disso, embora o acusado tenha sido igualmente condenado na sentença pelo delito remanescente (art. 298 do Estatuto Repressivo) resta examinar a hipótese de propositura da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que a pena mínima prevista em abstrato para o apontado ilícito é de 1 (um) ano de reclusão.

Mostra-se pacífica a necessidade da baixa dos autos em diligência, a fim de que o Ministério Público efetue, ou não, a proposta de suspensão do processo, quando acontece a desclassificação do crime descrito na denúncia para outra infração cuja pena mínima esteja enquadrada no limite do artigo 89 da Lei 9.099/95.

Idêntico entendimento tem sido adotado nos casos de absolvição quanto a um dos delitos denunciados em concurso material, não haven-do motivo para distinguir tais situações, porquanto em ambas importa considerar que foi afastado o óbice imposto na denúncia para o sursis processual (requisito objetivo da quantidade de pena) reconhecido judi-cialmente como indevido.

Se tal inteligência ocorre nas hipóteses de absolvição e ou desclassi-ficação, mostra-se igualmente viável o oferecimento da proposta quando ocorre a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa de um dos crimes, pois, como é cediço, esta possui os mesmos efeitos da sentença absolutória.

Portanto, restando superado o obstáculo no que pertine ao requisito objetivo do quantum da pena e não havendo nos autos notícia de qualquer óbice para que se efetue o mencionado benefício, mostra-se pacífica,

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portanto, a necessidade da baixa dos autos em diligência, a fim de que o Ministério Público, na condição de titular do jus persequendi, exerça sua faculdade de propor a suspensão condicional do processo, nada im-portando ter o Juiz de primeiro grau decidido de forma diversa.

Sobre o tema, segue o precedente:“DIREITO PENAL. CONCURSO FORMAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 44 DA

LEI Nº 9.605/98. EXTRAÇÃO DE MINERAIS EM FLORESTA DE DOMÍNIO PÚ-BLICO OU DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91. USUR-PAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. EXPLORAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA PERTENCENTE À UNIÃO. EXTINÇÃO DO CONCURSO MATERIAL. PENA MÍNIMA ABSTRATAMENTE COMINADA IGUAL A UM ANO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE.

1. Considerados os fatos ocorridos na data em que constatados pelo órgão competen-te, é de ser decretada a prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em abstrato, com a consequente extinção da punibilidade, nos termos do disposto no art. 109, VI e 107, IV, do Estatuto Repressivo.

2. ‘Consoante a jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores, mostra-se cabível a remessa dos autos à instância de origem para proposta de suspensão condi-cional do processo quando acontece a desclassificação do crime descrito na denúncia, ou absolvição quanto a um dos delitos imputados em concurso, permanecendo infração cuja pena mínima se encontra dentro do limite previsto no artigo 89 da Lei 9.099/95 (um ano). (...)

Admissibilidade da medida despenalizante, igualmente, quando a desclassificação ou absolvição ocorre em sede de apelo, uma vez que reconhecida somente no Tribu-nal a ausência do óbice imposto pelo Parquet no que pertine ao requisito objetivo do quantum da pena. (...) Da mesma forma, tendo em conta a ocorrência da prescrição retroativa, declarando-se extinta a punibilidade do agente em relação a um dos delitos inscritos na exordial, e remanescendo única imputação cuja pena mínima cominada é de 01 (um) ano de detenção, impõe-se a baixa dos autos ao Juízo de primeiro grau para oportunizar a manifestação do Ministério Público sobre a possibilidade de concessão do sursis processual’.

Precedentes desta Corte.” (TRF4, ACR 2003.71.00.034640-2, Sétima Turma, Relator Des. Federal Tadaaqui Hirose, publicado em 01.11.2006)

Resta prejudicada a análise do apelo quanto ao delito do art. 298 do CP.Isso posto, voto no sentido de dar provimento à apelação para, quan-

to ao crime do art. 334 do CP, reduzir a pena para 08 (oito) meses de reclusão pelo reconhecimento da minorante da tentativa, reconhecer a incidência da prescrição, declarando extinta a punibilidade do réu, e

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determinar a remessa dos autos à Vara de origem para que o Ministério Público manifeste-se sobre a previsão contida no art. 89 da Lei 9.099/95 quanto ao delito de que trata o art. 298 do Código Penal, nos termos da fundamentação. Prejudicado, por ora, o exame do apelo em relação ao crime remanescente. Na hipótese de o benefício não ser proposto, de não ser aceito pelo acusado ou de vir a ser revogado, os autos deverão retornar a esta Corte.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.71.10.003417-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: J.A.Advogado: Dr. Paulo Roberto de Oliveira

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Direito penal e processual penal. Apelação defensiva. Tráfico de drogas. Lei 6.368/76. Preliminar. Cerceamento de defesa. Indeferimento de prova pericial. Inocorrência. Materialidade e autoria comprovadas. Dolo eventual. Assunção de risco. Dosimetria. Revisão de ofício. Subs-tituição da pena corporal por restritivas de direitos. Ordem de habeas corpus concedida de ofício nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal.

1. Em princípio, se a alegação de cerceamento de defesa à vista do indeferimento de prova pericial já fora analisada e solvida em sede de anterior habeas corpus, não poderá ser objeto de rediscussão em apelação criminal, sob pena de indevida reabertura de instância.

2. Materialidade e autoria do crime comprovadas nos termos da sen-tença condenatória recorrida.

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3. Incabível a tese de negativa de dolo pela qual o Réu teria sido con-tratado para acompanhar o transporte de cigarros, e não de maconha, haja vista que a grande quantidade de substância entorpecente apreendida em seu poder deveria ensejar, de sua parte, no mínimo, cautela redobrada no sentido de conferir o que efetivamente fora instado a transportar, circunstância que induz à presença de dolo eventual, haja vista ter, ante a sua negligência, assumido o risco de produzir o resultado lesivo.

4. Apelação a que se nega provimento, sendo deferida, de ofício, ordem de habeas corpus à conta do redimensionamento da reprimenda corporal e sua consequente substituição por duas penas restritivas de direitos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do acusado e, de ofício, conceder a ordem de habeas corpus, consoante o permissivo estatuído no artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, para: (a) reduzir as penas privativa de liberdade e de multa aplicadas; (b) fixar o regime inicial fechado para o cumprimento da pena; e (c) determinar a substi-tuição da sanção corporal por duas restritivas de direitos, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2009.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: O Ministério Público Federal denunciou J.A. (fls. 137-138), devidamente qualificado na inicial acusatória, imputando-lhe a prática do ilícito penal descrito nos artigos 12 e 18, inciso I, da Lei 6.368/76, nestes termos:

“O denunciado, no dia 19 de agosto de 2001, por volta de 21h30min, trazia consigo, após importar, sem autorização, do Paraguai, com destino a Pelotas/RS, 165,4 Kg (cento e sessenta e cinco quilos e quatrocentos gramas) de substância entorpecente conheci-da como maconha (cannabis sativa lineu), que contém como principal componente químico e psicótico o tetrahidrocanabinol, entorpecente capaz de gerar dependência física e psíquica.

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De acordo com os autos, durante as diligências de combate ao contrabando e ao descaminho do Paraguai, ocorreu a interceptação de um ônibus COSTA SUL, de pla-cas IIG-9357, de propriedade da empresa CS Transportes Ltda., no Posto de Gasolina Piratini, localizado na BR-392, próximo à cidade de Canguçu. Na ocasião, foram apreendidas diversas caixas de cigarros, sendo encontrados, posteriormente, 165,4 Kg de maconha, prensada, em forma de tabletes, no interior das caixas identificadas com o nome VANDE, pelas quais o denunciado assumiu a responsabilidade na ocasião da separação das mercadorias pela fiscalização.

A droga foi apreendida, conforme Auto de Apresentação e Apreensão da fl. 11, e submetida à análise que identificou a substância como cannabis sativa lineu (maconha), conforme laudo de exame em substância vegetal das fls. 50-52.

Assim agindo, praticou o denunciado a conduta tipificada no artigo 12, caput, c/c o art. 18, inciso I, ambos da Lei nº 6.368/78, motivo pelo qual o Ministério Público Federal oferece a presente denúncia, requerendo que, após recebida e autuada, seja o denunciado citado para interrogatório e defesa que tiver, inquirindo-se as testemunhas adiante arroladas e prosseguindo-se até final julgamento e condenação.”

A peça incoativa foi recebida aos 24.09.2002 (fl. 131).Regularmente citado (fl. 139), o Réu constituiu advogado (fl. 142),

o qual compareceu na audiência de interrogatório, solicitando que seu cliente fosse ouvido mediante carta precatória a ser expedida para a Jus-tiça Federal de Maringá/PR, tendo em vista que se encontrava recolhido no presídio local em virtude de prisão em flagrante efetivada por suposto envolvimento com o tráfico de entorpecentes.

Deprecada a inquirição do Réu (fl. 172), procedido ao seu interrogatório (fls. 185-189), juntada a sua defesa prévia (fls. 167-168), rejeitados (fls. 239 e 349) os petitórios de incompetência do juízo para o processo e julgamento da causa (fls. 230-232) e de produção de exame grafotécnico (329-330), tomados os depoimentos das demais testemunhas arroladas pelas partes, ultrapassadas as fases dos (hoje revogados) artigos 499 e 500 do Código de Processo Penal, sobreveio sentença (fls. 419-443), publicada em 16.12.2004 (fl. 443-v.) que assim dispôs sobre a imputação, in litteris:

“Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia nos termos da funda-mentação, para condenar o denunciado J.A. como incurso nas sanções do art. 12, caput, c/c art. 18, inciso I, da Lei nº 6.368/76, às penas de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa, correspondendo o valor unitário a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do cometimento do delito, corrigido nos termos do art. 49, § 2º, do CP.

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Deverá o réu cumprir a pena privativa de liberdade integralmente em regime fechado, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

Indefiro ao requerido o direito de apelar em liberdade. Houve condenação por crime equiparado a hediondo, mostrando-se conveniente a manutenção do réu em cárcere estatal. Outrossim, o fato do denunciado encontrar-se, atualmente, recluso em virtude de prisão em flagrante por tráfico de entorpecentes torna recomendável a aludida segregação.

Comunique-se o presídio regional e a 9ª SDP de Maringá-PR, ou onde estiver reco-lhido o réu, acerca da presente decisão condenatória. Da mesma forma, comunique-se o Juízo das Execuções Criminais responsável pelo encarceramento do réu na aludida localidade.

Responderá o acusado pelas custas processuais cabíveis.Ao trânsito em julgado:a) incinere-se o remanescente da substância entorpecente apreendida, mediante

termo a ser lavrado pelo Departamento de Polícia Federal, com posterior ingresso nos autos;

b) comunique-se o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, para fins de cumprimento do art. 15, inciso III, da Constituição Federal;

c) lance-se o nome do réu no rol de culpados;d) cumpra-se o disposto no art. 809, § 3º, do Código de Processo Penal.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Irresignado, o Réu apelou (fls. 452). Em suas razões (fls. 547-563), aduziu, preliminarmente, cerceamento de defesa, na medida em que o indeferimento do pleito de perícia grafotécnica, para fins de elucidar as inscrições “Vande” gravadas nas caixas onde foram encontradas as drogas (cuja letra não seria do Apelante), teria lhe causado prejuízo, já que eventual dúvida que surgisse por ocasião da conclusão dessa perícia deveria ser resolvida em seu favor. Nesse contexto, o Juízo a quo teria proferido a decisão condenatória com base em indícios e suposições, “(...) desconsiderando as provas apresentadas em favor do apelante, somente levando em consideração, além do depoimento do desleixado policial federal a suposição de que o nome Vande estaria intrinsecamente ligado à pessoa de Vanderlei Pereira (fls. 434 e seg.), o fazendo por mera presun-ção” (fl. 549). Além disso, sustentou que a Acusação ou mesmo o Juízo sequer articularam, durante a instrução criminal, a suposta relação havida entre o Réu e a pessoa acima nominada, para que pudesse defender-se provando a sua desvinculação. Aliás, “(...) Vanderlei Pereira pode não ser o tal Vande” (fl. 549).

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No mérito, deduziu que o Ministério Público Federal não logrou comprovar a pretensão aposta à inicial acusatória, sendo, dessarte, inocente da imputação que lhe foi dirigida. Questionou a circunstância de o sentenciante não ter determinado a oitiva de Vanderlei Pereira na condição de testemunha do juízo. Nesse ponto, chegou a falar em má-fé do órgão jurisdicional.

De resto, teceu argumentações no sentido de que não há, nos autos, prova fidedigna de que estivesse, na data do fato, transportando a subs-tância entorpecente vulgarmente conhecida como “maconha”.

Requereu, ao fechamento, a reforma da decisão recorrida, ou, alter-nativamente, o acolhimento da preliminar, para que seja determinada ao juízo de primeiro grau a realização de perícia grafotécnica. Absteve-se, todavia, de se manifestar quanto à denegação do direito de apelar em liberdade, reservando-se para fazê-lo em sede de habeas corpus.

Com contrarrazões (fls. 567-574), subiram os autos a esta Corte, oportunidade em que o Ministério Público Federal exarou parecer pelo desprovimento da apelação (fls. 583-588).

Não verificada hipótese de prevenção (fl. 592), vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus:

1 Preliminar: cerceamento de defesa

A matéria arguida a título de preliminar – cerceamento de defesa ante o indeferimento de perícia grafotécnica – já foi solvida em âmbito judicial, descabendo a sua rediscussão nesta sede sob pena de indevida reabertura de instância.

De fato, no julgamento do HC 2004.04.01.025557-0, este Tribunal consignou, à luz do artigo 184 do Código de Processo Penal, ter o juiz poder de ordenar a produção das provas que julgar convenientes e ne-cessárias, indeferindo as que considere inconvenientes ou protelatórias, acrescentando, ainda, que não só pode como deve ele descartar a produção de perícia quando a matéria já se encontra suficientemente esclarecida ou depende de meio de prova mais simples, a teor do artigo 130 do Código

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de Processo Civil.Ressaltou-se

“(...) haver restado incontroverso nos autos ser o ‘próprio guia da excursão, Márcio Alexandre Antunes Brum, quem colocava a identificação nas caixas, conforme foi expressamente reconhecido, por ele, no depoimento prestado na fl. 294. Dessa forma, a perícia solicitada apenas constataria o que já está claramente demonstrado nos autos. Por outro lado, é evidente que, a essa altura, as caixas onde estavam acondicionados os cigarros contendo a droga já não mais existem, sendo a prova pleiteada, além de inútil, também impossível de ser produzida’ (fl. 273).”

Por fim, que “(...) não é o habeas corpus o meio adequado para a verificação da conveniência ou necessidade da produção de tais provas, se para tanto se fizer necessário, como in casu, o cotejo analítico e apro-fundado dos elementos fático-probatórios contidos nos autos da ação penal” (HC 26655/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, DJ 26.05.2003, p. 00373, 5ª Turma, STJ).

Assim:“HABEAS CORPUS. ANULAÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL. PROVA PERICIAL

INDEFERIDA. SUSPEIÇÃO DO JUÍZO. FATOS CONTROVERTIDOS.1. É inviável a decretação de suspeição da autoridade apontada coatora na via do

habeas corpus, não só porque a análise de tal fato jurídico ensejaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, mas também porque a lei processual prevê procedimento específico para tal aferição, cujas hipóteses são de enumeração taxativa.

2. Pode, e deve, o juiz descartar a produção de prova pericial quando a matéria já se encontra suficientemente esclarecida ou depende de meio de prova mais simples.

3. O habeas corpus não se presta ao exame aprofundado de provas. Assim, os fatos alegados devem ser incontroversos.

4. Ordem denegada.” (7ª Turma, Rel. Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva, DJU 09.09.2004)

2 Mérito: autoria e materialidade

Acerca da autoria e da materialidade, tenho que tais temas foram bem solvidos pelo julgador monocrático, Juiz Federal Cristiano Bauer Sica Diniz, de modo que, para evitar tautologia, adoto a sua fundamentação como razão de decidir:

“(...) Inicio a abordagem do caso sub judice analisando a materialidade do delito de tráfico de entorpecentes (art. 12, caput, da Lei 6.368/76), entendendo que a mesma encontra-se devidamente comprovada pelo laudo toxicológico definitivo acostado às

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fls. 56-58 dos autos, o qual indica que a substância apreendida trata-se de Cannabis sativa Lineu, entorpecente de uso proscrito em território brasileiro, sendo pertinente a transcrição de trecho do aludido exame pericial:

‘II) As análises realizadas na substância vegetal resultaram POSITIVAS para a espé-cie Cannabis Sativa Lineu (MACONHA), em face de suas principais características e da identificação do Tetrahidrocanabinol, seu principal componente químico e psicoativo, e de outros compostos canabinoides na sua composição. O Tetrahidrocanabinol, que é citado na lista F2 de substâncias de uso PROSCRITO no Brasil, é uma substância PSICOTRÓPICA, podendo determinar dependência física ou psíquica, e a Cannabis Sativa Lineu (MACONHA) encontra-se relacionada na lista E de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas, de acordo com a Portaria n° 344, de 12 de maio de 1988, da SECRETARIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA/MS, republicada no D.O.U. em 01.02.99, estando inserida na Resolução n° 147 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 09.08.01, que atualizou as listas de substâncias sujeitas a controle especial da supracitada Portaria.’

Outrossim, no que pertine ao liame entre a droga apreendida e a pessoa do denun-ciado, entendo que tal também se afigura devidamente comprovada, pelas razões a seguir aduzidas.

Assevera o réu ao longo dos seus depoimentos (fls. 45-47 e 186-189) que apenas foi responsável pelo transporte de 15 caixas de cigarros oriundas do Paraguai, as quais vinham assinaladas com a identificação ‘Ademir’, nome daquele que o contratara em Foz do Iguaçu-PR para levar a referida mercadoria até Pelotas-RS, afirmando, portanto, não possuir qualquer ligação com os receptáculos marcados com os dizeres ‘Vande’, nos quais fora encontrada a droga apreendida.

Contudo, inobstante o fato de não haver nos autos prova documental assinada pelo acusado responsabilizando-se pelas 14 caixas nas quais foram achados 167,4 kg de maconha, entendo que a concatenação da prova testemunhal colhida, aliada aos demais fatos noticiados nos autos, conduzem à conclusão de que J.A. era, deveras, o responsável pelo carregamento de entorpecentes apreendido, senão vejamos:

Lê-se no depoimento da testemunha de acusação, APF Cláudio Roberto Pinto Lamb, tomado às fls. 223/224, que:

‘(...) havia diversas pessoas que estavam transportando mercadorias, que, ao início, anunciavam-se como sendo produto de descaminho ou contrabando. Alguns agentes federais ingressaram no ônibus e determinaram que todas as pessoas permanecessem sentadas até que o ônibus fosse levado até a Delegacia de Polícia Federal de Pelotas, e é lá que foi feita a individualização das mercadorias, segundo o proprietário que se apre-sentava. Assim que as pessoas se apresentavam, os agentes federais individualizaram as sacolas, apondo o nome das pessoas que se apresentavam como proprietárias. Dessa maneira foi possível que mais tarde a Polícia Federal, abrindo as sacolas, verificasse que, em algumas daquelas que estavam sendo transportadas por J.A., havia mais do que mercadoria descaminhada/contrabandeada, ou seja, havia maconha (...).’

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Outrossim, as testemunhas de defesa, Antônio Carlos Presa de Oliveira e Luiz Fer-nando Antunes Brum, corroboram a versão dos fatos consubstanciada no depoimento supratranscrito, pelo que reproduzo fragmentos dos aludidos depoimentos:

Antônio Carlos Presa de Oliveira, fls. 345 – ‘(...) A viagem foi feita com o obje-tivo exclusivo de buscar cigarros. No total, eram 5 ou 6 passageiros. Sabiam a quem pertencia a mercadoria porque as caixas eram marcadas com as iniciais do nome do dono da mercadoria. Quando os policiais chegaram, cada passageiro descarregou suas caixas, e aí os policiais tiraram os dados de cada passageiro, relacionando com a respectiva mercadoria (...)’.

Luiz Fernando Antunes Brum, fls. 346 – ‘(...) Não viu quando os policiais apreende-ram a maconha. No momento, eles não apreenderam a maconha, foram encontrá-la uns cinco dias depois no meio das caixas de cigarros. Os policiais apreenderam as caixas e identificaram os donos, depois disso é que pediram a prisão do J.A. (...)’.

Portanto, a verossimilhança das alegações do APF Cláudio Pinto Lamb depreende-se do cotejo do seu depoimento com relação àqueles prestados pelas testemunhas arroladas pela defesa, as quais se encontravam juntamente com J.A. no momento em que o ônibus fora detido pela operação organizada por parte da Polícia Federal.

Dessarte, a congruência dos depoimentos prestados pelas testemunhas de defesa e de acusação apontam, de forma inequívoca, que as mercadorias foram separadas conforme seus proprietários na sede da Polícia Federal em Pelotas, fato esse que dá sustentáculo às alegações constantes na denúncia e no inquérito policial incluso de que o acusado responsabilizou-se tanto pelas caixas contendo a inscrição ‘ADEMIR’, bem como aquelas nas quais constava escrito ‘VANDE’.

Nessa esteira, convém lembrar que o depoimento prestado na fase inquisitorial pelo APF Cláudio Roberto Pinto Lamb manteve-se coeso e consoante com o depoimento prestado na fase judicial, etapa essa na qual foi observado estritamente o princípio do contraditório, oportunizando-se assim a ampla defesa.

Por essa razão, causa espécie a constante tendência de obnubilar os depoimentos prestados pelas testemunhas da denúncia, especialmente quando se trata de membros da Polícia Federal. E, nessa ótica, cumpre esclarecer que o simples fato de revestir-se o depoente da qualidade de policial não estabelece a presunção de invalidade de suas de-clarações. Essa é a interpretação adotada pelos tribunais (sem grifos nos originais):

(...)Assim, ainda que o denunciado diretamente não projete a tendência de uma possível

conspiração, é indesmentível que sugestiona quadro fático dessa natureza. Outra razão não existe para atribuir pechas ao depoimento prestado pela testemunha de acusação, APF Cláudio Roberto Pinto Lamb. Saliente-se, ao ensejo, que quando inquirido nada opôs contra esse cidadão, ou quaisquer outros que compõem o quadro de agentes da Polícia Federal.

De outro lado, crer que alguém que transporta expressiva quantidade de substância entorpecente e que logo após foi preso em flagrante em outro estado pelo mesmo delito

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que ora lhe é imputado, qual seja, o de tráfico de drogas, mereça maior credibilidade que indivíduos contra os quais inexiste qualquer elemento pejorativo não passa de mera cogitação fictícia. Por isso são insustentáveis e incoerentes os argumentos no sentido de desmerecer a prova coligida.

De outra banda, apenas para argumentar, cabe salientar que, na hipótese de que J.A. não houvesse assumido as aludidas caixas, os receptáculos contendo a droga, decerto, sobrariam, chamando assim a atenção dos presentes, o que indubitavelmente levanta-ria suspeitas quanto ao conteúdo dos aludidos recipientes e conduziria à sua imediata inspeção, fato esse indesejado pelo réu, visto que, em virtude de ser exíguo o número de passageiros, facilmente se chegaria até a sua pessoa com a colaboração dos demais indivíduos que ora encontravam-se detidos.

Contudo, é necessário deixar claro que a comprovação da autoria do delito não se assenta apenas nos depoimentos alhures transcritos, os quais, vale repisar, foram co-lhidos na fase judicial observando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa, mas, sim, compõe-se do exame de diversas conjunturas fáticas, que, por inferência lógica, levam à conclusão de que as caixas contendo os dizeres ‘VANDE’ eram, de fato, transportadas pelo denunciado, bem como que este tinha plena cognição do apanágio ilícito da referida mercadoria.

Nesse passo, cumpre trazer à baila fatos que enrobustecem o convencimento deste juízo acerca da participação de J.A. no crime de tráfico ilegal de entorpecentes, vejamos:

Alega o réu desconhecer qualquer indivíduo que atenda pelo apodo de ‘Vande’, epíteto esse aposto nas caixas que estavam repletas de maconha; contudo, estranhamente, em 19 de novembro de 2002, o acusado foi preso em flagrante pela Polícia Federal de Maringá-PR, pelo delito de tráfico de entorpecentes, em companhia de VANDERLEI PEREIRA, o que desabona peremptoriamente a tese de que o autor não possuía qualquer ligação com a droga apreendida.

Por necessário, enxerto trecho dos depoimentos dos policiais lotados na sede da Polícia Federal de Maringá-PR, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, n° 552/2002 (fls. 141-160):

APF Pretextato Vitalino da Silva (fls. 143-144) – ‘QUE os outros ocupantes do Vectra que pararam no Posto Marita foram identificados como sendo J.A., DAVID ALVES CARDOSO e VANDERLEI PEREIRA; QUE nesta Delegacia procedeu-se a uma vistoria completa nos engradados, onde foi possível encontrar ali acondicionados 41 fardos e 54 tijolos de uma substância castanho-esverdeada, com as características de ser maconha; QUE a droga estava acondicionada estrategicamente no meio dos en-gradados, inclusive no assoalho da carroceria do caminhão, dificultando, dessa forma, uma vistoria superficial daquele carregamento; QUE foi de Caçador-SC com destino a Foz do Iguaçu, onde permaneceram por três dias instalados num hotel perto do CEASA, aguardando o carregamento do caminhão, cuja carga desconheciam; QUE diante de tais fatos, após ser encontrada no caminhão a substância entorpecente acima mencionada,

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bem como os ocupantes do veículo GM Vectra servirem de ‘batedores’ para o transporte daquela mercadoria, o depoente deu voz de prisão para MODESTO WILMAR DE BAR-ROS, o condutor do caminhão, LEONIR VIEIRA LOPES , VANDERLEI PEREIRA, proprietários de fato do caminhão onde foi encontrada a droga, J.A., proprietário do veículo Vectra, bem como DAVID ALVES CARDOSO, o qual encontrava-se também no interior do Vectra, acompanhando os demais naquela viagem;’

APF Wellington Dias Moreira (fls. 147-148) – ‘QUE, instantes depois, chegou o caminhão, sendo, então, realizada uma vistoria minuciosa, culminando com a locali-zação, no meio dos engradados, de 581 tabletes de maconha que, pesados, somaram aproximadamente 901 Kg, além de 417 engradados utilizados para o transporte de produtos hortifrutigranjeiros, que se encontravam vazios, utilizados para acobertar o transporte dos fardos e pacotes da substância entorpecente; QUE em razão desse achado, bem como do acompanhamento realizado pelos ocupantes do veículo Vectra, os quais prestavam apoio na forma de ‘batedores’ para o transporte do entorpecente, o APF Pretextato deu voz de prisão para o motorista do caminhão, MODESTO WILMAR DE BARROS, para os proprietários de fato do caminhão onde foi encontrada a droga, srs. LEONIR VIElRA LOPES, VANDERLEI PEREIRA, para o proprietário do veículo Vectra, sr. J.A., bem como para DAVID ALVES CARDOSO, que se encontrava também no interior do Vectra, acompanhando os demais naquela viagem;’

O fato narrado, de por si, mostra de forma inequívoca que J.A. possuía vínculo com Vanderlei Pereira (Vande), o que evidencia ainda a habitualidade delitiva de ambos no que concerne ao tráfico ilícito de entorpecentes, feito esse que impede o acusado de alegar em sua defesa o desconhecimento do conteúdo das caixas nas quais foram achadas as substâncias proibidas.

Portanto, tenho por devidamente comprovada a materialidade do delito, bem como o dolo do acusado no que tange ao ilícito penal que lhe é imputado nestes autos.

Acessoriamente, é mister consignar que é deveras provável que o próprio Vanderlei Pereira tenha entregado a droga pessoalmente para J.A., posto que, conforme averi-guado pela polícia, o mesmo atua no tráfico de entorpecentes na localidade de Foz do Iguaçu-PR, tanto que foi preso em flagrante quando se deslocava de tal cidade rumo a São Paulo (fl. 143). Nessa esteira, segundo depreende-se do documento de fl. 118, o proprietário do Hotel Querência, onde teria sido contratada a empreitada criminosa de transportar a mercadoria apreendida, aduziu em entrevista que:‘(...) não conhecia o Sr. ADEMIR e também não o tinha registrado em seu livro de hóspedes e, ainda, que nunca teve em seu hotel ônibus de excursão vindo do RIO GRANDE DO SUL, apesar de ser gaúcho. Acrescentando, o proprietário do hotel nos revelou que, com relação às mercadorias adquiridas no Paraguai, é comum a inscrição de nome diverso daquele que conduz (laranja), e que os verdadeiros donos, cujos nomes estão escritos nas mercadorias, normalmente não se hospedam no hotel, ficando alguns meses na cidade a fim de despachar a mercadoria e, quando voltam a seu lugar de origem, voltam sem mercadoria, para impossibilitar o flagrante. Funcio-

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naria mais ou menos como um atacadista que compra espaço em ônibus de excursão para despachar o laranja com suas mercadorias, sem ter vínculo, no entanto, com o hoteleiro ou com a excursão em si. (...)’

De outra banda, no tocante à internacionalidade do crime de traficância ora anali-sado, ao contrário do que aduz a defesa, existe, sim, prova cabal a ensejar a aplicação do art. 18, inciso I, da Lei n° 6.368/76, sendo inverossímil a alegação de que o ônibus que transportava o acusado não adentrou território paraguaio, visto que o documento de fl. 63, o qual explicita o roteiro da viagem, demonstra nitidamente que a rota traçada tinha por destino a localidade de Ciudad del Este no Paraguai.

Secundariamente, não é debalde consignar que o fato da mercadoria ilícita encontrar-se escondida dentro dos recipientes contendo produtos de origem paraguaia compradas em Ciudad del Este, aliado à vultosa quantidade da droga apreendida, reforça a crença de que a mesma provenha do estrangeiro.

Portanto, comprovada a materialidade do fato ilícito e a participação dolosa do denunciado, bem como não incidindo qualquer causa de exclusão da antijuridicidade, impõe-se o reconhecimento do delito. Outrossim, não vejo na espécie qualquer razão que elida a culpabilidade do agente (pressuposto de aplicação da pena), pelo que passo, de imediato, à dosimetria da mesma, nos moldes do art. 68 do CP:

(...)”

De resto, labora mui acertadamente o Ministério Público Federal ao refutar a tese de negativa de dolo, pela qual o Réu teria sido contratado para acompanhar o transporte de cigarros, e não de maconha, haja vista que a quantidade de substância entorpecente apreendida em poder deste (165,4 Kg) deveria ensejar, de sua parte, no mínimo, cautela redobrada no sentido de conferir o que efetivamente fora instado a transportar, cir-cunstância que induz à presença de dolo eventual, haja vista ter assumido o risco de produzir o resultado lesivo.

3 Dosimetria

Sem embargo, tenho por bem reexaminar ex officio as sanções im-postas ao Réu.

3.1 1ª FaseO Juízo a quo promoveu um aumento da pena-base à conta dos an-

tecedentes e da conduta social.Todavia, inquéritos e ações penais em curso não poderão ser

sopesados a título de maus antecedentes em respeito ao princí-pio da não culpabilidade (STJ, REsp. 699.923, 5ª Turma, Rel.

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Ministra Laurita Vaz, DJU 09.05.2005).Ainda, a conduta social não deve ser confundida com os antecedentes,

uma vez que tal circunstância compreende a vida do agente em família, no trabalho e na coletividade onde vive. Deve-se levar em conta, aqui, a culpabilidade pelos fatos da vida, e não propriamente pelo só fato co-metido (In: BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 202).

Viável, por outro lado, que os registros existentes em nome do réu sejam valorados no exame da personalidade, conforme entendimento que vem se consolidando nesta Corte (ACR 2003.04.01.043049-1, 4ª Seção, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, DJU 09-03-2005). Tal diretriz está ligada às qualidades morais do criminoso, à boa ou má índole, à agressividade e ao antagonismo com a ordem social intrínseco a seu temperamento. Nesse sentido, há, nos autos, documentos que apontam que o Réu foi indiciado em inquéritos policiais e denunciado em outras ações penais, de forma que a sua personalidade autoriza o aumento da pena-base (fls. 124 e 379).

Assim, sendo desfavorável apenas uma das circunstâncias judiciais, vai a pena-base fixada em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

3.2 2ª FaseDevido à menoridade do Réu ao tempo do fato (fl. 50), correta a re-

dução da pena, a qual torno provisória em 03 (três) anos de reclusão.

3.3 3ª FasePor fim, na terceira etapa, acertada a valoração da causa de aumento

de pena do artigo 18, inciso I, da Lei 6.368/76, pois a internacionalidade do tráfico restou plenamente provada.

Entretanto, à luz do artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06, o qual contém previsão normativa já presente na legislação pretérita – diferentemente da minorante do artigo 33, §4º, que foi atrelada pelo legislador à pena do caput da lei nova, no caso mais gravosa –, tenho como possível que o percentual de acréscimo seja da ordem de 1/6 (um sexto), pois configurada situação jurídico-penal mais favorável ao acusado, e não 1/3 (um terço), resultando definitiva em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

A multa, a fim de guardar a devida simetria com a pena privativa de liberdade arbitrada em sede recursal, resta imposta em 54 (cinquenta e

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quatro) dias-multa, mantido o valor do dia-multa estipulado na sentença (um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime).

4 Regime de cumprimento da pena

Reformo a sentença no tópico em que veda a progressão de regime, tendo em vista que o artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/07, é explícito no sentido de que para o início do cumprimento da pena imposta ao condenado pela prática do crime de tráfico de drogas será observado o regime inicial fechado.

5 Substituição da pena privativa de liberdade

Quanto à imposição de sanções alternativas, a 4ª Seção desta Corte, ao julgar os Embargos Infringentes e de Nulidade em ACR 2004.70.02.006209-2 (DJ 11.12.2006), deixou assentada a possibilidade, via de regra, de substituição da reprimenda corporal por penas restritivas de direitos aos condenados por tráfico de entorpecentes, especificamente em relação aos fatos praticados na vigência da Lei 6.368/76. Porém, se a prognose de suficiência da substituição indicar que o benefício não é apto o bastante para a prevenção e repressão do crime, a medida não deve ser permitida. Cada caso, pois, deve ser analisado individualmente.

Na hipótese em apreço, entendo que o acusado preenche os requisitos objetivos para a substituição da pena, pois a condenação não foi superior a quatro anos, o delito não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa e são favoráveis os requisitos subjetivos exigidos para a substituição. Este Regional tem decidido que é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ainda que a personalidade do réu seja voltada para a prática ilícita, desde que a medida seja suficiente à repressão do ilícito e socialmente recomendável (ACR 2003.04.01.012608-0, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 12.05.2004).

Assim sendo, nos termos do artigo 44, § 2º, do Estatuto Repressivo, a substituição da sanção carcerária dar-se-á por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públi-cas (artigo 43, inciso IV, do Código Penal), pelo período da pena substi-tuída, e prestação pecuniária (artigo 43, inciso I, do Código Penal), fixada no valor de 01 (um) salário mínimo vigente à época do pagamento, em favor de entidade assistencial a ser designada pelo Juízo da Execução.

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As penas restritivas de direitos que melhor atingem a finalidade da persecução criminal são a prestação de serviços à comunidade ou a en-tidades públicas e a prestação pecuniária. A primeira, porque exige do condenado um esforço no sentido de contribuir com o interesse público. A segunda, porque, ao contrário da multa que reverte sempre ao Estado, converte-se em prol da vítima, de seus dependentes ou de entidade pública ou privada com destinação social.

6 Dispositivo

Pelo exposto, voto por negar provimento ao recurso do acusado e, de ofício, conceder a ordem de habeas corpus, consoante o permissivo estatuído no artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, para: (a) reduzir as penas privativa de liberdade e de multa aplicadas; (b) fixar o regime inicial fechado para o cumprimento da pena; e (c) determinar a substituição da sanção corporal por duas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação.

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITONº 2006.71.00.038866-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza

Recorrente: J.J.R. – réu presoAdvogado: Defensoria Pública da UniãoRecorrido: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal. Processo penal. Sentença de pronúncia.Demonstrada a existência de indícios mínimos, deve o réu ser

pronunciado por homicídio qualificado, ficando a cargo do Tribunal

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Popular apreciar a efetiva configuração dos delitos conexos, mormente porque nessa fase o processo penal se rege pelo princípio in dubio pro societate.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso criminal em sentido estrito, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de julho de 2008.Juiz Federal Artur César de Souza, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza: Cuida-se de recurso criminal em sentido estrito interposto por J.J.R. contra a decisão que o pronunciou pela prática do delito insculpido no art. 121, caput e § 2º, V, c/c art. 14, II, ambos do CP, art. 16, parágrafo único, IV, e art. 14, ambos da Lei nº 10.826/2003.

Alega a nulidade da sentença de pronúncia por violação aos princípios da ampla defesa e da soberania do Júri e sustenta que a prova da materialidade não é suficiente para que seja determinado o prosseguimento do feito (fls. 407-417).

Com contrarrazões (fls. 419-426), subiram os autos a esta Corte.

Nesta Instância, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 430-434).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza: Entendeu o ma-gistrado pela existência de prova da materialidade e indícios de autoria e decidiu por submeter o réu ao Tribunal Popular, in verbis (fls. 388-390):

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“(...) Muito embora exista perícia pendente de conclusão, para verificação se os 5 cartuchos deflagrados foram percutidos pela arma de J.J.R., os depoimentos dos poli-ciais que afirmam que os mesmos foram encontrados no tambor do revólver (fls. 102 e 300), bem como o próprio auto de apreensão (fls. 45-46), são suficientes para um juízo acerca da acusação, máxime tendo em vista que o réu já se encontra preso desde outubro/2006. O resultado da perícia será juntado aos autos uma vez apresentado e poderá ser avaliado oportunamente.

O auto de apreensão das fls. 45-46 comprova a apreensão, em poder do de-nunciado por ocasião da prisão em flagrante, de revólver marca Taurus, calibre 38 Special, com a numeração de série raspada, além das 5 cápsulas deflagradas de munição calibre 38 SPL marca CBC. O laudo de exame de arma e munição 1.955/06 (fls. 105-109) atesta a idoneidade da arma para produzir disparos.

Em seus depoimentos, os policiais rodoviários federais Antônio da Silva Lopes da Cruz (fls. 48-49 e 294-297), Fabrício Anjos de Souza (fls. 45-47 e 298-301) e Pedro Valdoir Ramos de Oliveira (fls. 101-103 e 309-312) afirmaram que abordaram o réu J.J.R. e Kalhandra de Almeida Cechin, que trafegavam em uma motocicleta. Após os policiais solicitarem a Kalhandra que mostrasse o conteúdo de mochila portada por essa, o denunciado, sob o pretexto de mos-trar o conteúdo, tomou-a das mãos de Kalhandra e sacou da mesma o revólver anteriormente descrito. Os policiais afirmam que o réu teria atirado contra o PRF Antônio, antes que esse pudesse reagir, sem acertar o alvo. Na fuga, o réu teria ainda se virado e atirado na direção do policial Antônio, mais uma vez sem acertar o alvo. Esses elementos são suficientes para comprovar a tentativa de homicídio.

A tese da defesa é a inexistência do fato. No interrogatório do réu e no de-poimento judicial de Kalhandra (fl. 240) é feita a afirmação de que o acusado não atirou, apenas fugiu. No entanto, essa tese contrasta frontalmente com os elementos anteriormente descritos, pelo que não é suficiente para infirmar a prova da materialidade na presente fase processual, devendo ser avaliada pelo Conselho de Sentença.

A qualificadora da dissimulação e outro recurso que dificultou a reação da vítima (inc. IV do § 2º do art. 121 do CP) deve ser encaminhada ao prudente exame do Conselho de Sentença, pois há notícia de que o acusado teria efetuado os disparos de inopino, logo após fingir que mostraria o conteúdo da mochila ao policial rodoviário federal, o que, no entender dos Jurados, pode caracterizar, ou não, recurso que dificultou a defesa do ofendido.

A qualificadora do inc. IV do § 2º do art. 121 do CP também deve ser acolhida, pois está provado que o réu estava foragido por ocasião do fato (fls. 37-38). Os Jurados de-verão identificar o móvel da conduta e definir se o réu agiu para assegurar a impunidade do crime pelo qual ele fora condenado, como afirmou o Ministério Público, ou não.

Quanto ao porte e ao transporte de uma arma de fogo da marca Taurus, calibre

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38 Special, com a numeração de série raspada, além da respectiva munição, a materialidade está comprovada pelo auto de prisão em flagrante (fls. 11-18), pelo auto de apresentação e apreensão (fls. 22-23), pelos laudos de exame em arma e em munição (fls. 105-109 e 195-197) e pelos depoimentos colhidos (fls. 240, 294-297, 298-301 e 309-312), inclusive ao acusado (fls. 171-188), que admitiu ser o dono da arma.

Da mesma forma, o delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido teve a materialidade comprovada pelo auto de prisão em flagrante (fls. 11-18), pelo auto de apresentação e apreensão (fls. 22-23), pelos laudos de exame em arma e em munição (fls. 105-109 e 195-197) e pelos depoimentos colhidos (fls. 171-188, 240, 294-297, 298-301 e 309-312).

O segundo e o terceiro fatos têm a autoria confessada pelo réu. (...)”

A teor do art. 408 do Código de Processo Penal, a prova da mate-rialidade e a existência de indícios de autoria são suficientes para que o juiz pronuncie o réu. A sentença de pronúncia é decisão de natureza meramente declaratória, proferida sem um exame aprofundado do mérito. Com efeito, pronunciando o acusado, o magistrado está apenas reputando admissível a imputação acerca do fato delituoso e encaminhando-a para julgamento pelo Tribunal do Júri. Vige nesta fase processual o princípio in dubio pro societate, isto é, havendo dúvidas quanto à autoria, ainda assim o juiz deve pronunciar o acusado.

Não procede a alegação da defesa de que o decisum atacado é nulo, uma vez que teria o juízo a quo violado o princípio da ampla defesa e o da soberania do Júri ao decidir pela certeza da materialidade do crime.

A sentença de pronúncia, conforme anteriormente salientado, consiste no exercício de um mero juízo de admissibilidade, afigurando-se neces-sários, para sua prolação, além do convencimento do julgador quanto à existência material do crime, apenas indícios de autoria. A certeza da participação do pronunciado no evento consiste em matéria reservada à decisão definitiva do Júri. Realmente, na fase de pronúncia, desde que “reconhecida a materialidade do delito, qualquer questionamento ou ambiguidade faz incidir a regra do brocardo in dubio pro societate” (STJ, 5ª Turma, REsp nº 485775/DF, Rel. Ministro Félix Fischer, DJU 20.10.2003).

No caso dos autos, o direito à ampla defesa não restou maculado pela decisão que pronunciou o réu, uma vez que a pendência da perícia nos cinco cartuchos deflagrados na ocasião dos fatos denunciados não

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era a única prova acerca da materialidade delitiva. Como bem referiu o sentenciante, a certeza quanto à existência do crime revelou-se pelo depoimento dos policiais e pelo auto de apreensão.

Nesse sentido, o precedente do STJ que ora transcrevo:“CRIMINAL. HC. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PORTE ILEGAL DE ARMA

DE FOGO. PRONÚNCIA. CONEXÃO. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. O RÉU SE DEFENDE DOS FATOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA. INOCOR-RÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. CONVICÇÃO DO MAGISTRADO FORMADA POR OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO LAUDO NO JULGAMENTO PELO JÚRI. ORDEM DENEGADA.

(omissis)É imprópria a alegação de nulidade em razão da ausência de laudo pericial

na prolação da sentença de pronúncia, se o decisum foi suficientemente fundamentado quanto à caracterização da materialidade e autoria do delito, sobressaindo a convicção do julgador embasada em outros elementos probatórios.

Correta a decisão do Magistrado quando utiliza em sua decisão elementos pre-sentes nos autos para a comprovação da materialidade do crime, tais como o próprio interrogatório do réu e as declarações da vítima e das testemunhas.

V. Ordem denegada.” (HC 57116/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, Data do Julgamento 12.06.2006, DJ 01.08.2006, p. 501)

A soberania do Júri, da mesma forma, permanece imaculada, diferentemente do que aduz a defesa. Não obstante tenha o juiz se manifestado acerca da materialidade dos delitos conexos, caberá ao Tribunal do Júri, competente para o julgamento desses crimes, analisá-la e decidir pela sua existência ou não.

Ademais, levando em consideração que “convencendo-se o juiz da existência do crime e de indícios suficientes da autoria (...) a pronúncia é o veredicto que se impõe” (TJ/RS, 3ª Câmara Crimi-nal, RSE nº 70016381212, Rel. Desembargador José Antônio Hirt Preiss, julg. 28.12.2006, grifei), a decisão recorrida não merece reparos.

Pelo exposto, voto por negar provimento ao recurso criminal em sentido estrito.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2008.70.03.002007-5/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Apelante: Ministério Público FederalApelado: T.L.P. – réu preso

Advogado: Dr. Antonio Glaucione de Alencar Arrais

EMENTA

Penal. Tentativa de roubo. Art. 157, caput e § 2º, incisos I, II e V, c/c art. 14, II, do CP. Disparos efetuados pelos assaltantes contra os poli-ciais. Potencialidade letal. Presença de animus necandi. Desclassifica-ção. Latrocínio tentado. Art. 157, caput e § 3º, c/c art. 14, II, do CP.

1. Agente que, em coautoria, mediante o emprego de grave ameaça exercida com arma de fogo, tenta subtrair valores da Agência dos Cor-reios, não levando seu objetivo a efeito apenas em razão da chegada de policiais militares na cena do crime.

2. O conjunto probatório revela claramente que o acusado e seu com-parsa travaram confronto direto e pessoal com os policiais, efetuando diversos disparos letais na direção daqueles, tanto dentro da agência da EBCT quanto durante a tentativa de fuga.

3. Resta claro que a violência foi praticada no contexto fático do assalto, bem como que o réu assumiu, consciente e voluntariamente, o risco de matar os agentes do Estado, resultado que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade.

4. Impõe-se a desclassificação dos fatos do art. 157, caput e § 2º, incisos I, II e V, c/c art. 14, II do CP para o art. 157, caput e § 3º, c/c art. 14, II, ambos do CP.

5. Ainda que o agente não tenha responsabilidade direta pelo disparo de arma de fogo potencialmente letal contra os policiais militares, responde pelo crime de latrocínio tentado, ante a previsibilidade do resultado mais gravoso, situado na linha de desdobramento do tipo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do Ministério Público Federal,

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nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de agosto de 2009.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: O Ministério Público aviou denúncia em desfavor de T.L.P., dando-o como incurso nas sanções do art. 157, caput e §§ 1º e 2º, incisos I e II, do Código Penal (fls. 02-03).

A exordial – acolhida em 11 de junho de 2008 (fl. 10) – narrou a conduta nas seguintes letras:

“Consta dos presentes autos de inquérito policial que em data de 02 de junho de 2008, no período da manhã, o denunciado T.L.P. e o indivíduo Maycon Marques Bueno, ocupando uma motocicleta furtada/roubada, da marca Honda Fan e placas APB 6414, um deles usando um capacete de cor preta, compareceram na Agência dos Correios da Cidade de Santa Fé (PR) e, mediante o uso de arma de fogo (revólver calibre 38) dominaram os funcionários e deram voz de assalto, determinando fosse aberto o cofre para a subtração de dinheiro e valores.

Ocorre que a ação criminosa frustrou-se com a chegada no local de uma equipe da Polícia Militar, comunicada por pessoas das redondezas que notaram movimentação anormal no recinto.

Ressalte-se que os policiais Cabo Valberto e Soldados Eduardo e Jair, tão logo che-garam à referida Agência da ECT para averiguar o que ocorria, teriam sido recebidos com disparos de arma de fogo deflagrados pelo denunciado T.L.P. e pelo elemento Maycon Marques Bueno, que atingiram o vidro da porta de entrada e cujos estilhaços vieram a causar ferimentos em dois policiais.

Ato seguinte, os meliantes acima empreenderam fuga do local, disparando contra os militares e usando como reféns Marileide Xavier Fonseca e Wanderley Pereira Jardim, ambos funcionários dos Correios.

Por conseguinte, o denunciado T.L.P. e seu comparsa Maycon Marques Bueno furtaram na rua um veículo Ford Belina e, mantendo sob o domínio armado os dois reféns, rumaram para a zona rural do município, sendo perseguidos à distância pela equipe policial.

Na altura da ponte sobre o rio Bandeirantes, os meliantes supra se desvencilharam dos reféns, saltaram na água com as armas em punho e passaram a trocar tiros com os policiais militares, os quais saíram no encalço dos mesmos por uma das margens do rio e em troca de disparos com Maycon Marques Bueno alvejaram este último, que veio a óbito, tendo o denunciado T.L.P. conseguido se evadir, embora tenha continuado a ser procurado nas redondezas por inúmeras equipes da polícia.

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No dia seguinte, por volta de 4h, dando prosseguimento às buscas, os policiais mili-tares Milton Rodrigues Teixeira e Valdenir Tomaizine Calvi lograram êxito em capturar o denunciado T.L.P. nas proximidades da cidade de Lobato, no interior de um veículo táxi da marca GM Astra, placa AOG 1038, Nova Esperança/PR, na ocasião conduzido por Quenso Takayama e ocupado por Naiara Fernandes Vicentin e Andrei Ferreira Braz, os dois últimos, nessa ordem, namorada e cunhado do referido imputado.

Dessarte, evidenciou-se nos autos que Naiara Fernandes Vicentin, após contatar por telefone com o denunciado T.L.P., e ocupando o veículo conduzido pelo taxista Quenso Takayama, se deslocou de seu domicílio em Nova Esperança, em companhia de Andrei Ferreira Braz (amásio de Telma, irmã de T.L.P.), até o lugar combinado no Município de Lobato para auxiliar o acusado na sua fuga e assim a se subtrair à ação da autoridade pública.

Conduzido à Delegacia de Polícia Federal em Maringá, o denunciado T.L.P. foi preso e autuado em flagrante delito, oportunidade em que foi inquirido e admitiu a prática delituosa, informando ainda que teria perdido o revólver que portava, no rio Bandei-rantes, e que contatou com familiares, combinando o lugar para que fosse buscado.

A materialidade e a autoria do delito se encontram consubstanciadas nos elementos e provas testemunhais coligidos nos autos, sendo corroboradas pelo relato do denun-ciado T.L.P.

Assim procedendo, incorreu o denunciado T.L.P. como incurso nas penas do artigo 157, caput, §§ 1º e 2º, incisos I e II, do Código Penal, c/c art. 14, inciso II, do mesmo diploma legal.”

Às fls. 140-143 foi exarado despacho, em resumo, com o seguinte conteúdo:

“(...) Os depoimentos indicam que o réu T.L.P. e Maycon Marques Bueno, ao atirarem contra os policiais militares, fizeram-no conscientemente das consequências que poderiam advir, ou seja, era a eles perfeitamente previsível o resultado morte, pelo menos em tese. (...) Considerando que não consta da denúncia a descrição do animus necandi, em tese, e nos termos do art. 384, parágrafo único, do Código de Processo Penal, abra-se vista ao Ministério Público Federal para manifestação.”

O Parquet ofereceu aditamento à denúncia, nos termos previstos no artigo 384 do CPP, visando incluir novos fatos, verbis:

“Consta no inquérito policial em apenso e ficou configurada na instrução criminal que, em data de 02 de junho de 2008, por volta de 08h20min, aproximadamente, o indi-víduo Maycon Marques Bueno e o denunciado T.L.P., ambos ocupando uma motocicleta furtada/roubada, da marca Honda Fan e placas APB 6414, o primeiro com uma toca de blusa ou capuz na cabeça e o outro usando um capacete, se dirigiram até a Agência dos Correios da cidade de Santa Fé (PR) para a prática do crime de roubo.

No local, o indivíduo Maycon entrou primeiro e, mediante o uso de arma de fogo

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(revólver calibre 38) dominou os funcionários, anunciou o assalto e exigiu a entrega de dinheiro.

Ato seguinte, o denunciado T.L.P. ingressou no recinto, também armado com revól-ver, permanecendo no saguão, vigiando a entrada e mantendo sob domínio armado as demais pessoas. Maycon Marques Bueno, por sua vez, deslocou-se com o funcionário da ECT Wanderley até a tesouraria, determinando-lhe que fizesse a abertura do cofre para a subtração de dinheiro e valores, quando então foi informado que o cofre era de ‘retardo’ e estava programado eletronicamente para abrir em 15 (quinze) minutos, ficando resolvido entre Maycon e T.L.P. que aguardariam esse tempo.

Ocorre que a ação criminosa frustrou-se com a chegada nesse local de uma equi-pe da Polícia Militar, composta pelos policiais Cabo Valberto e Soldados Eduardo e Jair, que teria sido comunicada por pessoas das redondezas sobre a ocorrência de um ‘assalto’ naquele recinto.

Assim que a viatura chegou no local, o Policial Militar Jair tentou se aproximar da agência para observar o que ocorria e nesse momento foi surpreendido por disparos de arma de fogo deflagrados na sua direção pelo denunciado T.L.P., mas que vieram a atingir o vidro da porta de entrada. Entretanto, os estilhaços causaram ferimentos no rosto, braços e mãos do policial.

Na sequência, Maycon e o denunciado T.L.P. empreenderam fuga a pé do local, usando como escudos os funcionários da ECT Wanderley Pereira Jardim e Marileide Xavier Fonseca, os quais eram mantidos agarrados pelo pescoço e com as armas apontadas para suas cabeças.

Para êxito na fuga, Maycon e o denunciado T.L.P. alternavam entre atirar na dire-ção dos policiais militares e voltar a mirar a arma na cabeça dos reféns, ao tempo que gritavam para os militares: ‘sai, polícia, senão eu mato’.

Para não colocar em risco a vida dos reféns e de populares, os policiais não revidaram os tiros e passaram a perseguir Maycon e o denunciado T.L.P. à distância. Esses, ainda na rua, furtaram um veículo Ford Belina que estava com o motor ligado e, mantendo sob o domínio armado os dois reféns, rumaram para a zona rural do Município.

Durante a fuga por uma estrada rural, o veículo Ford Belina, conduzido pelo denunciado T.L.P., perdeu o controle e bateu em um barranco, oportunidade em que Maycon, que ocupava o assento do passageiro, efetuou vários disparos na direção da viatura, vindo a atingir uma das portas traseira e dianteira. Na altura da ponte sobre o rio Bandeirantes, Maycon e o denunciado T.L.P. saíram do veículo Belina e deixaram os reféns no seu interior, saltaram nas águas com as armas em punho e dispararam na direção dos policiais militares, os quais, desta feita, revidaram e saíram no encalço dos meliantes por uma das margens do rio. Em troca de tiros com Maycon Marques Bueno alvejaram este último, que veio a óbito, tendo o denunciado T.L.P. conseguido se evadir, mas continuando a ser procurado nas redondezas por equipes da polícia.

No dia seguinte, por volta de 4h, dando prosseguimento às buscas, os Policiais Militares Milton Rodrigues Teixeira e Valdenir Tomaizine Calvi lograram êxito em

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capturar o denunciado T.L.P. nas proximidades da cidade de Lobato, no interior de um veículo táxi da marca GM Astra, placa AOG 1038/Nova Esperança (PR), na ocasião conduzido por Quenso Takayama e ocupado por Naiara Fernandes Vicentin e Andrei Ferreira Braz, os dois últimos, nessa ordem, namorada e cunhado do referido impu-tado. Dessarte, evidenciou-se nos autos que Naiara Fernandes Vicentin, após contatar por telefone com o denunciado T.L.P., e ocupando o veículo conduzido pelo taxista Quenso Takayama, se deslocou de seu domicílio em Nova Esperança, em companhia de Andrei Ferreira Braz (amásio de Telma, irmã de T.L.P.), até o lugar combinado no Município de Lobato para auxiliar o acusado na sua fuga e assim a se subtrair à ação da autoridade pública.

Conduzido à Delegacia de Polícia Federal em Maringá, o denunciado T.L.P. foi preso e autuado em flagrante delito, oportunidade em que foi inquirido e admitiu a prática delituosa, informando que Maycon teria atirado na direção dos policiais por quatro vezes, uma na agência, outra na calçada e duas na ponte. Disse que teria efetu-ado dois tiros na ponte e que teria perdido o revólver que portava no rio Bandeirantes. Enfim, confirmou que de fato contatou com familiares, combinando o lugar para que fosse buscado.”

Em face disto o órgão da acusação alterou a capitulação legal para a figura inscrita no art. 157, caput e § 3º, c/c art. 14, inciso II, ambos do CP.

Regularmente processado e instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 228-240), publicada em 07 de outubro de 2008, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado para condenar T.L.P. a 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, e 40 (quarenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, por infração ao disposto no art. 157, caput e § 2º, incisos I, II e V, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

Não houve substituição da privativa de liberdade por restritivas de di-reitos, porquanto não preenchidos os requisitos objetivo (pena superior a quatro anos e crime não violento) e subjetivos (em razão da personalidade e da reincidência). Da mesma forma, não foi concedido ao réu o direito de apelar em liberdade, porquanto presentes os requisitos autorizadores da manutenção da preventiva (art. 312 do CPP).

A sentença transitou em julgado para a defesa em 21.10.2008, con-forme Certidão de fls. 252, verso.

Irresignado com a decisão, apelou o MPF (fl. 242). Em suas razões (fls. 256-261) requer, em síntese, seja alterada a capitulação dos fatos realizada na sentença (art. 157, caput e § 2º, incisos I, II e V, c/c art.

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14, II do CP) para a figura de latrocínio tentado (art. 157, caput e § 3º, c/c art. 14, II do CP). Argumenta que o conjunto probatório evidencia que T.L.P. desferiu disparos de arma de fogo contra os policiais em três oportunidades diferentes, com o escopo de atingir letalmente os agentes estatais (animus necandi). Alega, paralelamente, que houve, no mínimo, dolo eventual em tal conduta, tendo o recorrido assumido o risco de produzir o resultado morte. Afirma, ainda, que o fato de os tiros terem sido efetuados pelo réu com o objetivo de fugir para evitar a prisão não pode servir de beneplácito para a conduta dos agentes,“os quais, durante o desdobramento dos fatos, em pelo menos três oportunidades distintas, deflagraram vários tiros diretamente contra os policiais, não obtendo êxito no resultado lesivo por razões alheias à vontade dos agentes (a distância do alvo, erro no alvo, os policiais se protegerem, etc.), sendo certo que, in casu, o lugar atingido pelos disparos – porta de vidro da agência e porta da viatura policial – demonstram a presença do dolo direto ou eventual nas condutas de T.L.P. e Maycon.”

O réu apresentou contrarrazões (fls. 270-274). A douta Procuradoria Regional da República, oficiando no feito, manifestou-se pelo provimento do recurso. É o relatório. À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: O Ministério Público ofereceu denúncia contra T.L.P., imputando-lhe a prática de roubo ma-jorado (art. art. 157, caput e § 2º, incisos I, II e V, c/c art. 14, II do CP). Posteriormente, em face de fatos revelados durante a instrução processual, ofereceu aditamento à inicial, nos termos do art. 383 do CPP, postulando, nesta oportunidade, fosse a conduta do acusado capitulada no art. 157, caput e § 3º, c/c art. 14, II do CP.

Analisando as provas angariadas durante a fase instrutória, o Magis-trado a quo, considerando não haver indicativos suficientes do animus necandi na conduta do acusado, afastou a figura do latrocínio tentado, concluindo restar claramente demonstrada apenas a tentativa de subtração de valores da Agência dos Correios da cidade de Santa Fé. Vejam-se os principais argumentos:

“(...) Nos autos não há qualquer dúvida de que ocorreu o crime de roubo tentado e de que ele foi perpetrado dolosamente por T.L.P.

O auto de prisão em flagrante (fls. 02-07-IP), os boletins de ocorrência às fls. 09-

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11 e 53-55-IP, os termos de recolhimento de veículos às fls. 12 e 56-IP, as imagens contidas no CD à fl. 36-IP, o auto de apreensão à fl. 57-IP, o auto de reconhecimento de cadáver (fl. 65-IP) e as fotos às fls. 70-96-IP e 148-175-IP evidenciam a tentativa de duas pessoas subtraírem bens da agência dos Correios em Santa Fé-PR mediante grave ameaça produzida pela utilização de armas de fogo, que só não foi efetivamente concluída em virtude da pronta intervenção policial. Os depoimentos das testemunhas não só confirmam o teor da prova documentada, como também revelam a restrição da liberdade das vítimas, funcionários dos Correios, por período razoável (fls. 87-106 e 135-138). O réu T.L.P. corroborou as provas coletadas ao descrever a empreitada delituosa (fls. 18-19):

‘(...) no dia dos fatos estava em Nova Esperança-PR; Maycon Marques Bueno veio falar comigo, porque ele queria comprar minha moto YAMAHA RD 135, ano 1999. Eu disse que venderia para ele por R$ 1.500,00. Ele disse para irmos a Santa Fé-PR, onde ele me daria o dinheiro. Fomos na moto em que ele estava, que era uma moto HONDA. Ele estava pilotando e fomos direto à agência dos Correios em Santa Fé-PR. Quando entramos na agência dos Correios, Maycon me entregou um revólver e disse para eu ficar despreocupado; ele se dirigiu à funcionária da agência dos Correios e disse que queria o dinheiro. Daí essa funcionária disse que o cofre era eletrônico e teríamos que esperar 15 minutos. Daí Maycon disse que iria esperar. Em pouco tempo a Polícia Militar chegou na frente da agência dos Correios. Daí um policial colocou a cara no vidro e Maycon disparou um tiro. Eu queria me entregar e Maycon disse ‘Pega uma vítima, pega uma vítima!’. Maycon disparou uns 2 tiros dentro da agência. Daí saímos da agência dos Correios usando as vítimas como escudo. Não sei se essas vítimas eram funcionários dos Correios. (...) Tinha uma Belina parada com o motor ligado, Maycon perguntou se eu sabia dirigir e eu disse que mais ou menos; eu entrei na Belina e Maycon jogou as duas vítimas no banco de trás e entrou também. (...) dentro da agência dos Correios, quando Maycon pediu, eu efetivamente peguei uma das vítimas e saí com ela. (...)’

O réu T.L.P. é confesso; e sua confissão está amparada pelas demais provas do processo. Não há, portanto, divergência quanto à autoria delitiva. O roubo tentado (crime-fim) é conduta que deve ser atribuída a T.L.P. que, voluntária e conscientemente, agiu em conluio com Maycon Marques Bueno, morto durante a fuga.

Já no que concerne ao homicídio tentado (crime-meio), a solução não é tão simples, dada a necessidade de investigar-se, pelas circunstâncias, a presença do animus necandi na conduta de T.L.P. e Maycon. Lembre-se que o coautor que participa de roubo armado, responde pelo latrocínio, ainda que o disparo tenha sido efetuado só pelo comparsa, sendo desnecessário saber qual dos coautores desferiu o tiro, pois todos respondem pelo fato (cf. STF, HC 74861, DJ 27.06.97, Relator Sydney Sanches). E, tratando-se de tentativa, a imputação criminal não pode derivar de conduta culposa.

T.L.P. e Maycon adentraram armados na agência dos Correios. Rendidos os funcio-nários pela grave ameaça que lhes era infligida, a subtração de valores foi frustrada pelo

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sistema de segurança, que não permitia a abertura imediata do cofre, e pela conseguinte chegada de policiais militares. Até este momento nenhum tiro havia sido disparado. Segundo relatos das testemunhas e do réu T.L.P., o primeiro disparo decorreu da apro-ximação do policial Jair dos Santos Viana ao local do crime:

– T.L.P. (fl. 18-v): ‘(...) Em pouco tempo a Polícia Militar chegou na frente da agência dos Correios. Daí um policial colocou a cara no vidro e Maycon disparou um tiro. (...)’

– Jair dos Santos Viana (fl. 97-v): ‘(...) Aí chegando no local eu fui o primeiro policial a descer e fui até a janela do Correio, tinha uma Sra. limpando e um rapaz do lado sentado nas poltronas do lado esquerdo, e quando eu olhei pro pessoal do Correio que tava lá dentro, me parece que foi o carteiro que me deu um sinal assim, apontan-do pro rapaz que estava sentado. Eu com a arma em punho, eu ia bater no vidro pra abordá-lo e nesse momento um rapaz de capacete saiu dando tiro em minha direção, o qual um deles pegou uns 20 cm acima da minha cabeça, e os estilhaços entraram na minha testa (...).’

– Valberto Faustino da Silva (fl. 101): ‘(...) Paramos a viatura um pouco antes da porta, o soldado Eduardo e o soldado Viana desceram antes e eu fiquei mais na cobertura, no recuo. Aí quando o soldado Viana chegou próximo à porta pra verificar a situação, aparentemente, estava normal, aparentemente normal. Aí eu só escutei o estampido e o soldado Viana se jogando ao chão; J: Estampido do quê? T: Tiro, tiro de dentro pra fora; (...).’

– Eduardo Martins Guedes (fl. 103-104): ‘(...) Nós tava assumindo o serviço e o meu comandante falou que tava tendo um assalto, aí eu fui com mais dois policiais lá pra atender; J: Que policiais? T: O Valberto e o Viana. E chegou eu e o Viana na porta aí tinha um elemento de capacete, já atirou (...) Ele atirou em nossa direção, o tiro pegou perto da cabeça do Viana; (...) os estilhaços pegou no rosto dele, aí eu me afastei de lado, perguntei se ele tava ferido ele falou que não, aí recuou, e aí eles saíram com os reféns (...).’

O nexo de causalidade entre a chegada dos policiais e o início dos disparos é um primeiro indício de que T.L.P. e Maycon não estavam dispostos a matar para roubar. Indaga-se: se os policiais não chegassem ao local, T.L.P. ou Maycon teriam efetuado disparos? Quanto aos ferimentos no rosto do policial Jair dos Santos Viana (fls. 173-175), que impressionam, pode-se ponderar se foram um resultado querido pelo responsável do disparo ou decorreram de uma aproximação inicial demasiada? Havia fatores de risco a considerar: um assalto, pessoas armadas e desconhecidas, curta distância e portas e janelas de vidro. Quer dizer, tais ferimentos não servem de motivo para de pronto apontar a intenção dos agentes de matar os policiais. Ainda que admitido o resultado morte ou lesões corporais, não se pode dizer ainda existir dolo direto.

As provas colhidas indicam que, frustrada a possibilidade de subtração do dinheiro, T.L.P. e Maycon direcionaram seus esforços para a fuga. Após outros disparos, ainda dentro da agência, T.L.P. e Maycon fizeram dois funcionários dos Correios como

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reféns. Já no lado de fora, ainda houve disparos e a subtração de um veículo, no qual os reféns foram colocados. Dado movimento ao veículo, os tiros cessaram e só con-tinuaram quando T.L.P. e Maycon perderam o controle do carro e tiveram de parar; novos disparos, com a aproximação da polícia. Após dirigirem-se a uma ponte, T.L.P. e Maycon abandonaram os reféns e saltaram no rio. Percebendo os policiais que as vítimas já estavam fora de perigo, foram eles em busca dos assaltantes. Outros disparos foram feitos para garantir a fuga – neste momento T.L.P. e Maycon tomaram rumos diferentes, e aí cessa a comunicação entre as condutas de ambos. Maycon morreu; T.L.P. foi capturado tempo depois.

No que concerne aos depoimentos das testemunhas, note-se que dentre elas es-tão as vítimas do crime – os funcionários dos Correios e os policiais. Portanto, suas declarações quanto às intenções dos agentes merecem ser valoradas com cuidado. E da contraposição de seus termos, exsurge dúvida razoável sobre o dolo, mesmo que eventual, na conduta de T.L.P. e Maycon, que conduz ao inarredável acolhimento da tese da defesa de desclassificação do crime.

Os policias, inquiridos em Juízo, foram categóricos em afirmar que os tiros dis-parados visavam atingi-los, perfurando, inclusive, a porta da viatura utilizada na perseguição. Eduardo Martins Guedes até ouvira a seguinte expressão: ‘Nesses porco, atira pra matar’; o que também teria sido testemunhado pelo funcionário dos Correios Wanderley Pereira Jardim – um dos reféns (fls. 97-106).

Entretanto, não consta dos depoimentos de Wanderley Pereira Jardim a reprodução de tal expressão (fls. 13-14-IP e 87-91-AP). Aliás, Wanderley, em alguns momentos, não foi capaz sequer de opinar sobre a direção dos tiros de T.L.P. e Maycon. Sua narrativa, pelo contrário, evidencia que a primordial intenção de T.L.P. e Maycon era manter os policiais afastados para poderem fugir. Reproduzem-se trechos de seu depoimento judicial (fls. 87-91):

‘(...) J: E depois que a polícia chegou o que é que aconteceu? T: Depois que a polícia chegou um avisou o outro, falou ‘Oh, a polícia’. Aí nos tiraram pra fora da agência e acho que querendo um carro, alguma coisa pra sair em fuga né, foi até que chegou a ter essa Belina que tava um pouco mais abaixo né; J: Tá, conte pra nós a história em detalhes, quando chegaram os policiais o que é que aconteceu? T: Ah, houve tiros né; J: Tá, como é que foi, quem é que atirou? T: Houve tiros de dentro da agência pra fora, agora quem atirou eu não...; J: E atiraram em direção a quem? Ou a quê? T: Ah..., que foram tiros em direção pra fora da agência; J: Sim, mas atirou em alguém ou só deu um tiro de advertência? Como é que foi, o Sr. viu? T: Não, não sei precisar se seria na pessoa, se..., não sei precisar; J: Mas não viu se atiraram no policial? T: Os policiais estavam do lado de fora da agência. Agora não sei se atirou nele ou se foi pra assus-tar..., sei lá, manter distância, não sei; J: O Sr. não sabe? T: Não, não dá pra saber; (...) J: Vocês saíram pra rua e aí? T: Saiu pra rua e parece que deu... deu tiros na polícia e...; J: Quando vocês saíram eles atiraram? T: É depois nós tava na calçada, mais ou menos próximo ali da calçada, deu tiros na polícia sim; (...) J: Certo, quando as portas

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da Belina se abriram e eles saíram, houve algum tiro, ainda nesse momento quando vocês estavam ali dentro? O Sr. lembra? T: Deles não; (...) T: Não, na hora que pulou no rio não; J: Não, pararam a Belina e saíram; T: Sim; J: Eles dispararam mais algum tiro ou não? T: Não; J: Eles já pularam direto no rio? T: Direto no rio; (...).’

Marileide Xavier Fonseca, funcionária dos Correios que estava na agência no mo-mento da abordagem por T.L.P. e Maycon, e foi levada como refém para lhes propiciar a fuga, relata com mais detalhes o nervosismo e desorientação dos assaltantes quando da chegada dos policiais; seu depoimento afasta a intenção dos agentes de matar ou feri-los. Confira-se:

‘(...) J: Houve uma tentativa de roubo lá na agência dos Correios de Santa Fé, a Sra. estava trabalhando lá nesse dia? T: Estava; J: Eu gostaria que a Sra. fizesse uma descrição pra gente do que aconteceu. T: Tá. Eu cheguei normal de manhã às 8 horas mais ou menos né, eu cheguei e outra funcionária chegou junto comigo, a que faz a faxina da agência; daí entrei e a gente tava lá, logo depois chegou outro funcionário, nós ficamos lá, tava conversando...; J: Quem foi o outro funcionário? T: O Vanderlei; J: Vanderlei? T: O Vanderlei é, a outra testemunha. Daí era mais ou menos 8h20min, por volta assim umas 8h20min, o carteiro chegou e ele tava com as mãos cheias de documentos, de papel, ele levou os documentos na outra salinha pra voltar e fechar a porta e nisso chegou um rapaz. Aí ele abriu a porta bem devagarinho assim e encostou. Aí eu falei: ‘Moço, a gente vai começar a atender só às 9, vem às 9’; porque eu achei que ele fosse funcionário da usina que trabalha a noite inteira e de manhã eles vêm pra sacar dinheiro de pagamento né, como era dia 2... aí ele pegou e falou assim ‘Ah tá... sim...’, normal. Nesse momento a gente não desconfiou de nada; J: Tá, mas ele estava usando algum capacete, capuz? T: Ele tava com uma blusa de frio; J: Mas a cabeça, não tinha nada na cabeça? T: É a cabeça dele, ele tinha uma toca; (...) T: Não consigo assim, lembrar certo, mas ele era claro, bem loirinho. Daí ele pegou e fez que deu meia volta assim como se fosse voltar pra porta, levantou a camiseta assim e tirou o revólver de dentro assim e mostrou pra gente né. Aí ele falou assim que era um assalto e que queria o dinheiro; J: Sim, e vocês disseram o quê? T: Nesse momento aí ele chegou e entrou o outro, mas eu não vi na hora que ele entrou. Eu vi na hora que ele tava lá dentro da agência com o capacete né, não sei quem que era...; J: Ah, tá, entrou outra pessoa com capacete? T: Com capacete; J: E essa outra pessoa tinha uma arma também ou não? T: Tinha uma arma também; J: Cada um estava com uma arma? T: Tava com uma arma. Daí ele levou o Vanderlei lá pro fundo... J: Quem levou, o Loirinho ou o de capacete? T: O de capacete; J: E o loirinho estava onde? T: O loirinho ficou cuidando lá na frente, ele mandou a mulher continuar limpando né, o chão lá, e o Vanderlei foi lá pro fundo; ele pegou o Vanderlei e mandou ir lá pro fundo no cofre, mas o cofre tava bloqueado, e quem desbloqueia, desbloqueia não, ele é automático; ele bloqueia e desbloqueia. Mas aí tem que digitar a senha pra acionar o retardo depois do desbloqueio, e tava na hora de desbloquear e pra mim acionar o retardo. Aí o Vanderlei me chamou pra mim ir lá no fundo com ele daí a gente foi. Eu fui lá no fundo, daí o menino tava

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lá com o capacete e com o revólver, revólver eu não sei, com uma arma, e ele pegou e pediu o dinheiro. Daí eu falei: ‘O dinheiro só vai ter daqui mais ou menos uns 15 minutos, que é o tempo do retardo’. Aí ele falou assim ‘É muito tempo, não dá pra esperar, não sei o quê’. Ele tava meio nervoso, os dois tava muito nervoso. Daí eu peguei e falei assim ‘O moço, espera que vai dar certo’; J: Tinha dinheiro no cofre? T: Tinha dinheiro; J: Quanto? T: É, pera aí..., uns 18 mil mais ou menos, uns 20 mil, porque tem cheque, tem dinheiro junto então não dá pra... tem os dados lá certo se você quiser; J: Ah tá. Em espécie a sra. não se recorda quanto seria? T: Não, porque tinha muita moeda tudo né... Ele perguntou também quanto tinha de dinheiro. Aí eu falei que tinha né, uns 18, 20 mil. Aí ele falou assim: ‘Então vamos esperar abrir o cofre’. Aí nós fomos lá pra frente pra ninguém desconfiar porque a agência é toda de vidro. Aí a gente ficou lá assim, encostado no balcão olhando, aí apareceu o policial na janela. Nisso que ele apareceu eles ficaram muito nervosos né; o menino que tava com o ca-pacete assim ficou muito nervoso, muito nervoso, e o outro loirinho também, o loirinho tava do lado de fora do balcão. E, num instante, a hora que eu vi ele já estava do meu lado assim me agarrando. Então essa parte aí eu nem lembro dele passando nem nada. Aí, antes dele pegar o menino, pular e me pegar, o policial chegou e falou assim: tá tudo bem aí? Nisso o rapaz já começou a atirar; J: Aí atirou, mas quem atirou? T: Aí eu não lembro, eu só lembro de alguém segurando aqui e me agarrando; J: A Sra. não viu qual dos dois que atirou, se foi o do capacete ou se foi o outro? T: O loirinho que tava comigo atirou. Esse que me segurou, esse eu sei que atirou bastante porque tava do meu lado né. J: E ele atirou em direção ao policial ou atirou pra cima? T: Pra fora, ele atirou pra fora; J: A Sra. não viu em que ele mirou? T: Não, eu acho que ele não tava mirando em nada, na realidade, porque ele tava muito nervoso. Ele queria, pelo que deu pra ver, ele tava atirando pra manter os policiais longe pra conseguir fugir, porque nisso ele agarrou a gente assim; ele me agarrou e saiu me puxando pra fora da agência e foi descendo, e eu não consegui né, porque eu tava de salto; J: Só a Sra.? T: Eu e o outro funcionário. Cada um pegou um; J: E usaram vocês como escudos como foi? T: Isso, como escudos; J: Quando eles saíram pra fora da agência eles dispararam mais alguma vez? T: Atiraram; J: Atiraram pra cima, pro lado? Se recorda? T: Não, eu não sei te falar certo. Só sei que o loirinho, eu sei que atirou porque...; J: A Sra. viu se a polícia atirou também, os policiais? T: Não, não, nessa hora não, eles atiraram lá na frente; J: Sim tá. Aí saíram pra fora... T: Aí saíram pra fora da agência e desceram com a gente. Nesse momento eu não via o Vanderlei né. Eu até tava comentando com ele, eu não consigo lembrar dessa parte, ele foi me arrastando ele falava: ‘Vamo, moça, anda, moça’; eu falava: ‘calma, eu não consigo andar’, desse jeito que ele tava me puxando né. Daí eu tirei o sapato pra conseguir acompanhar ele né. Aí eles foram de carro em carro, assim, tentando abrir o carro e tava tudo fechado. Aí nós fomos des-cendo, aí desceu até que chegamos em frente duma empresa que tinha um carro do lado de fora ligado e aberto, mas aquele carro não era deles. O carro era da empresa que eu até sei porque é que tava ligado. Pode falar também? J: Pode falar; T: O rapaz,

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o dono do carro, ele tava com o mecânico do lado que ele ia levar a Belina pra reformar. Nisso eles escutaram o tiros, os tiros, muitos tiros né, aí correram dentro da empresa e deixaram o carro ligado. Aí ele olhou o carro assim, eu falava: ‘eu não vou, eu não vou’; aí falava ‘Você vai sim’. Aí esse loirinho me pegou assim e me colocou dentro do carro, aí a gente foi; J: Foi só a Sra. daí? T: Eu e o Vanderlei; J: O Vanderlei foi também? T: Foi também; J: vocês foram onde no carro? T: Onde dentro do carro? J: É, no banco de trás ou na frente? T: Atrás; J: Os dois no banco de trás? T: Isso, atrás; J: E quem assumiu a direção do carro? T: O de capacete; J: Daí vocês saíram dali e foram pra onde? T: Aí a gente passou por um monte de ruas lá pro lado de baixo da avenida que é a avenida principal; J: E rumaram pra onde? A Sra. sabe? T: Pro trevo de Lobato, depois desceu a gente pegou uma estrada, estrada que eu não sei...J: Estra-da? T: No dia falaram estrada Francelina, não sei se é isso; J: Mas é estrada asfaltada ou de chão? T: Não, de chão, de terra; J: E foram? T: Foram nessa estrada perto da vila rural da Água do Ó ali e foram indo; J: Sim; T: E foram indo e os policiais atrás... e posso continuar? J: Pode continuar; T: Daí eles levaram a gente, a gente foi atrás e eles iam planejando que iam pular na ponte. Nessa hora eu achei que eles fossem pular com a gente na ponte; J: Nesse trajeto aí houve troca de tiros com a polícia? T: Eles atiravam pra manter a polícia afastada; J: E em algum momento o carro parou? T: Parou. Uma hora ele parou, é assim tem a estrada de chão e tem tipo uns morros assim com pasto em cima né, aí o carro como ele tava muito rápido, assim pulava naquelas lombadinhas assim mais de metro, eu lembro que eu batia a cabeça toda hora; aí ele bateu na cerca, não na cerca, nesse morro né e encavalou. Aí nisso ele falou assim ‘Nós vamo morrer, nós vamo morrer’. Daí bateu assim e daí nessa hora eu fechei o olho, porque eu tinha certeza que o carro ia virar e a gente ia morrer mesmo, daí o carro morreu né, desligou, e os policiais atrás; daí ‘Dá dois tiros, dá dois tiros pra afastar’, deram dois tiros lá pra polícia ficar afastada; J: E a Sra. viu quem atirou? T: O loirinho, sempre o loirinho, o loirinho atirava pra fora; J: Mas atendendo o pedido do outro? T: É, ou não, eu não lembro assim; eu sei que eles ficavam se combinando lá, eu não fiquei prestando mui-ta atenção porque eu tava com muito medo, eu ficava com o olho fechado e abaixada assim, então nem me concentrava mais; J: Tá certo. Aí o carro conseguiu sair dali e foi até aonde? T: Saiu dali e foi, tava perto da ponte já; J: Até a ponte? T: Existe uma ponte né; J: A Sra. sabe qual rio que era? T: Rio Bandeirantes; J: Ta e aí o que aconte-ceu na ponte? T: Aí foram combinando e, um pouco antes, o loirinho já foi tirando a roupa pra pular. Tava muito frio. Até fiquei..., aí eles abriram a porta assim, nessa hora eu não vi se eles pularam, como foi. Eu sei que pularam porque falaram e depois eu vi os policiais atirando; J: Quando eles abriram a porta e desceram, vocês? T: Eu fiquei dentro do carro, abaixada. Eu não vi nada; J: A tá; T: Eu fiquei esperando pra ver o que que ia acontecer comigo; J: Ouviu barulho de tiros? T: Muitos, muitos tiros; J: Quem tirou vocês do carro? T: O policial; J: Depois que você saiu de dentro do carro, você presenciou alguma troca de tiros, alguma coisa? T: Tinha gente atirando dentro da ponte, em cima da ponte, J: Os policiais estavam atirando, a Sra. chegou a

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ver? Viu as pessoas que estavam sendo alvejadas? Chegou a ver ou não? T: Não; J: Não viu. Não sabe pra que lado eles foram ali? T:Eu sei. Pra baixo; J: Pra baixo? T: Porque a correnteza descia, esse rapaz, o que morreu, ele tava em desvantagem; J: Qual que morreu? T: O loirinho; J: O loirinho que morreu? T: O que me pegou, esse daí que morreu. Ele tava assim dentro do carro mas ele pulou do lado de cima da ponte. Então acho que não deu tempo dele correr né; J: Ta certo; T: Eu esqueci alguma coisa? J: Eles conseguiram subtrair algum valor lá da agência dos Correios? T: Não; J: Nenhum bem? T: Não; J: Tá certo. Depois disso a Sra. não acompanhou mais o que aconteceu? T: Não, acompanhei pelos jornais, conversando; J: Sim, mas, pessoalmente, a Sra. não viu mais nada? T: Não. Depois disso a gente foi com o carro mesmo, com essa Belina, lá pra Colorado e ficou lá. (...)’

A versão de Marileide Xavier Fonseca mostra-se muito confiável. Além de estar amparada pelas demais provas do processo, seu relato aponta detalhes sobre os fatos e as pessoas envolvidas. Sua impressão sobre o comportamento de T.L.P. e Maycon não está maculada pelo nervosismo do funcionário Wanderley e nem pelo temor dos poli-ciais que se sentiam alvos dos disparos. Marileide demonstra que enfrentou a situação com lucidez, tentando até mesmo acalmar T.L.P. e Maycon.

Quanto à direção dos disparos, mister anotar que ‘tiros para cima’ não afastam policiais, nem bandidos. Pelo depoimento de Marileide não é possível afirmar se T.L.P. e Maycon estavam sequer assumindo o risco do evento morte.

O que ressai do contexto probatório é que os disparos de T.L.P. e Maycon tiveram sempre por finalidade ‘a fuga’, ausente demonstração do animus necandi necessário para caracterização do latrocínio tentado. (...) impõe-se a condenação de T.L.P. pela prática do crime previsto no artigo 157, caput e § 2º, incisos I, II e V, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.”

O órgão da acusação interpôs o presente recurso, sustentando que a conduta narrada na denúncia encontra melhor subsunção no § 3º do artigo 157 do Código Penal. Segundo a acusação, o conjunto probatório demonstra inequivocamente que o recorrido, ao desferir os tiros contra os policiais, agiu com dolo direto ou, no mínimo, eventual, de atingi-los letalmente.

A dúvida central que deve ser enfrentada para que se defina em qual das figuras do Código Penal melhor se enquadram os fatos – art. 157, caput e § 2º, incisos I, II e V ou art. 157, caput e § 3º – versa sobre a existência, ou não, da tentativa de matar os policiais.

Para que se configure o delito de latrocínio devem estar presentes, simultaneamente, os seguintes requisitos:

“O latrocínio é um crime específico – um crime autônomo que surge da junção dos

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crimes de roubo e homicídio. Assim, para sua configuração devemos atentar para a coexistência dos seguintes requisitos: a) que durante o roubo o agente intencionalmente empregue violência; esta, portanto, deve ter sido empregada no contexto fático do roubo; b) que exista nexo causal entre a morte e a subtração, ou seja, que a violência tenha sido empregada em razão da prática do roubo – ex: matar a vítima para conseguir subtrair seus pertences, para conseguir fugir do local do crime; para assegurar a posse do bem que acabou de subtrair. Em suma, para que haja latrocínio é necessário que a morte decorra da violência empregada durante e em razão do roubo. Quando estão presentes esses requisitos haverá latrocínio qualquer que tenha sido a pessoa morta: a própria vítima da subtração, alguém que a acompanhava, um segurança de um banco roubado, um policial que interveio para ajudar a vítima que estava sendo assaltada etc.” (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Dos crimes contra o patrimônio. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43)

Nesse mesmo sentido, Mirabete leciona que “consuma-se o crime de roubo com morte, crime complexo, com a efetiva subtração e morte da vítima. Caso ambas sejam apenas tentadas, ocorrerá tentativa de latrocínio. O mesmo se houver tentativa quanto à vida da vítima e a subtração consumada”. O mesmo autor ressalta a irrelevância de que a pessoa morta, ou ferida, no caso do latrocínio tentado, seja a mesma que detenha a posse da coisa subtraída, bastando que o resultado morte tenha conexão com a subtração (Código Penal Interpretado. 5. ed. Atlas, 2005. p. 1415 e 1408).

Segundo se depreende no caso sub judice, Maycon e T.L.P. inva-diram a agência dos Correios de Santa Fé, renderam os funcionários, obrigando-os a entregar-lhes os valores existentes na unidade. Foram, então, informados de que o cofre da agência era de “retardo” e estava programado eletronicamente para abrir em 15 (quinze) minutos, tendo decidido que aguardariam esse tempo. Voltaram, então, ao ambiente de atendimento, para não levantar suspeitas sobre o assalto, momento em que uma equipe da Polícia Militar, composta pelo Cabo Valberto e pelos Soldados Eduardo e Jair, que estava na área externa do prédio, aproximou-se para realizar a abordagem. Nesta oportunidade Maycon realizou disparos contra os mesmos.

Ato subsequente, tomaram como reféns os funcionários da empresa pública, a fim de neutralizar a ação dos policiais, fazendo-os de escudo. Saíram da agência, apoderaram-se de uma Belina nas imediações, tendo T.L.P.assumido a direção do veículo, e iniciaram fuga, indo em direção à

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zona rural do município. Passaram a ser perseguidos pela equipe policial, realizando diversos disparos na direção da viatura.

A certo momento, T.L.P. perdeu o controle e bateu em um barranco, oportunidade em que Maycon, que ocupava o assento do passageiro, efetuou vários disparos na direção da viatura. Como estavam às mar-gens do rio, lançaram-se na água com as armas e continuaram efetuando disparos.

O depoimento dos policiais que atenderam a ocorrência não deixa dúvidas acerca da intenção dos recorrentes:

“J: Qual é seu nome completo? T: Jair dos Santos Viana. J: O senhor conhece o réu T.L.P.? T: Não senhor. J: Mas o senhor ficou sabendo que houve uma tentativa de roubo contra a agência dos Correios de Santa Fé? T: Sim. Eu fui o primeiro policial a chegar na situação. J: Ah tá. O senhor é policial militar? T: Sou. (...) J: E o que aconteceu? Conte para nós com detalhes. T: Eu estava saindo, aí houve um atraso na passagem do serviço (...). Eu estava saindo do plantão e por volta de 08h20min, 08h30min aproxima-damente, já havia passado a chave da viatura pro soldado Eduardo, que também estava entrando, assumindo o plantão, aí veio o Sargento José Carlos que é o comandante nosso e disse que estava tendo um assalto lá na agência dos Correios. Aí o Eduardo ia sair, eu e o cabo Valberto, já tinhamos passado o plantão. A gente falou: ‘não, nós vamos acompanhar junto para atender essa situação’. Aí chegando no local eu fui o primeiro policial a descer e fui até a janela do Correio, tinha uma senhora limpando e um rapaz do lado, sentado nas poltronas do lado esquerdo, e quando eu olhei pro pessoal do Correio que tava lá dentro, me parece que foi o carteiro que meu deu um sinal assim, apontando pro rapaz que estava sentado. Eu com a arma em punho, eu ia bater no vidro para abordá-lo e nesse momento um rapaz de capacete saiu dando tiro em minha direção. Um deles pegou uns 20 cm acima da minha cabeça, e os estilhaços entraram na minha testa, depois tem foto até que prova isso aí, e nisso eu me retirei do lado, num pilar, me joguei ao chão e rastejei até atrás duma árvore. Ele deve ter dado no mínimo uns quatro tiros na minha direção. Momentos após ele segurou um dos reféns, não me lebro qual foi, não sei se foi a mulher ou o Vanderlei, saindo para fora da agência dos Correios e dando tiros, dizendo assim ‘sai pra lá, sai pra lá’, e dava tiros em nossa direção. J: Na direção dos policiais? T: Pra acertar a gente. J: E onde esses tiros acertaram? T: Ah, acertaram no exterior lá. Acertaram na grade, na viatura, agora o tiro ele deu tiro no percurso todo, porque ele tentou subir na moto mas aí tinha um policial perto da moto, ele saiu arrastando, eles saíram os dois arrastando os reféns apontando. J: Cada um com um refém? T: Cada um com um. J: E para onde eles apontavam a arma? T: Na cabeça. Aí quando a gente ia fazer qualquer gesto eles atiravam na gente. Aí não teve como eles pegarem a moto, eles foram arrastando os reféns, uns 30, 40m abaixo tinha uma Belina funcionando, eles entraram e empreen-deram fuga. Nós corremos, entramos na nossa viatura (...). Eu tava machucado. (...)

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Aí peguei no volante da viatura, porque o machucado era leve né, era só estilhaço do vidro (...). A gente foi, acompanhou, passou aí a situação por rádio para outras viaturas fazerem o cerco e informando que tinha refém (...). Eles entraram numa estrada que vai para a vila rural, que é uma estrada de chão, em alta velocidade, eles pulavam aquelas curvas que tem na estrada. Uma hora eles perderam o controle, o carro veio quase a rodar. (...) E a gente acompanhando a uma certa distância, que oferecesse segurança, sem atirar. J: E eles estavam atirando? T: Eles atiravam, colocavam o braço para fora e atiravam. J: (...) Quem atirava era o motorista ou o passageiro? T: O passageiro. T: É, aí em um certo momento o carro deu uma rodada, focou nessa posição. Aí eu parei a viatura e corremos para trás da viatura. Nesse correr para trás da viatura, eles deram mais uns tiros, não sei precisar a quantidade, aí deram uma ré. J: Mas atiraram em direção à viatura, ou o senhor não viu? T: Não, acertaram a viatura, tem um tiro na porta da viatura. Atravesso até, pegou na porta da frente e atrás. E aí conseguiram dar ré na Belina e seguiram em sentido à ponte, em cima da ponte eles pararam e começaram a disparar em nossa direção novamente. Aí os dois disparando, um pulou de um lado e o outro pulou do outro lado da ponte e atirando. Aí nesse momento a gente correu até a ponte e de dentro do rio eles ainda atiravam.” (Jair dos Santos Viana, FLS. 97-100)

“J: Qual o seu nome completo? T: Valberto Faustino da Silva. J: O senhor conhece o réu T.L.P.? T: Não. J: O T.L.P. está sendo acusado de ser um dos autores do crime de tentativa de roubo cometido contra a agência dos Correios de Santa Fé no dia 02 de junho deste ano. Eu vou pedir pro senhor (...) retratar pra nós o que foi que acon-teceu. T: Por volta das 8h o sargento comandante do destacamento lá de Santa Fé, ele recebeu um telefonema que haveria algo de errado na agência dos Correios, se não me engano, na Rua Curitiba. (...) Aí falaram que tinha tentativa de assalto lá ou algo parecido. Então deslocou eu, o Soldado Viana e o Soldado Eduardo para verificar o que estava acontecendo. Paramos a viatura um pouco antes da porta, o soldado Eduardo e o soldado Viana chegaram próximo à porta para verificar a situação, aparentemente estava normal. Aí eu só escutei o estampido e o soldado Viana se jogando no chão. J: Estampido do que? T: Tiro, tiro de dentro pra fora. J: De dentro da agência do correio para fora, em direção ao policial. E eu também tive que me proteger. Eu não sei exato, mas foi mais de 2 ou 3 tiros que foram efetuados de dentro para fora. Foi muito rápido. Aí em seguida as duas pessoas já saíram com os dois funcionários da agência como escudo humano. J: Tinha dois assaltantes? T: Dois. (...) J: E os dois estavam armados? T: Armados e eles falavam assim ‘sai polícia, sai polícia e eles atiravam em direção aos policiais. J: Cada um tinha uma arma? T: Cada um, eu não posso dizer quantas armas, mas cada um tinha uma arma sim. J: Na mão? T: Na mão. Eu até percebia que ele colocava a arma na cabeça do refém e apontava pro lado do policial e falava ‘sai polícia’ pro soldado Eduardo (...). Eu era comandante da equipe, eu gritei para se abrigar, porque eles estavam efetuando disparos contra a equipe. J: Eles estavam disparando? T: Contra os policiais. (...) Foi, aí ele falava ‘sai policial’

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(...). Eu tentei, eu como graduado, eu falei ‘vamos conversar para libertar’. Quando eu falei assim eu já fui recebido a disparo de arma também e eu gritei com os dois soldados, não revidem, porque tem refém também. Vamos facilitar a fuga. Foi graças a Deus, eu não sei, uma Belina, o rapaz foi estacionar lá, acho que ele ficou com medo por causa dos disparos e ele abandonou o carro. Aí eu só percebi que eles entraram na Belina, colocaram os dois reféns (...) e empreenderam fuga. (...) Então, quando eles empreenderam fuga eu falei pro pessoal não efetuar disparo, só acompanhar, porque eu já tava pedindo reforço para fazer cerco. Foi um acompanhamento tático de mais de 8km aí de terra de chão, pegava sentido Lobato, depois do trevo de Santa Fé lá mais uns 5km mais ou menos, eles entraram numa estrada de chão em alta velocidade né, a gente acompanhou e teve um momento, acho que ele se atrapalhou no areial lá e a Belina atravessou, aí enquanto ele manobrava um deles, o carona, não posso dizer qual, saiu do veículo e efetuou um ou dois disparos contra a viatura, momento esse em que eu falei ‘sai da viatura’, porque é o foco deles (...) Tanto é que depois foi notado que tinha uma perfuração na porta do motorista. (...) Aí no momento mais adiante um pouco, em cima da ponte, eles abandonaram a Belina, (...) já virando e atirando na viatura, aí não teve como a gente segurar, teve revide. Em cima da ponte, porque a gente viu que não corriam risco de vida os reféns, porque eles estavam dentro da Belina. Então foi rápido, um deles pulou na margem direita da ponte e o outro na margem esquerda, mesmo dentro da água, a corenteza levando, eles efetuaram disparos ainda contra policiais. Aí foi feito outro revide. J: Tá certo. Os dois estavam atirando ou um só? T: Os dois atiravam (...).” (Valberto Faustino da Silva, fls. 101-103)

“J: Qual é seu nome completo? T: Eduardo Martins Guedes. J: O senhor é policial militar? T: Sim. (...) j: O senhor sabe que houve a tentativa de roubo cometida contra a agência dos Correios de Santa Fé no dia 02 de junho? T: Sim. J: O senhor participou dessa ocorrência, atendeu? T: Sim. J: O senhor pode relatar para nós o que ocorreu lá? Em detalhes, por favor. T: Nós estávamos assumindo o serviço, o meu comandante falou que estava tendo um assalto, aí eu fui com mais dois policiais lá para atender. J: Que policiais? T: O Valberto e o Viana. E chegou eu e o Viana na porta, aí tinha um elemento de capacete, já atirou, o outro estava sentado no banco como se fosse um cliente. J: o que atirou é o de capacete? T: Sim (...). Ele atirou em nossa direção, o tiro pegou perto da cabeça do Viana. J: O senhor tem certeza? T: Sim, aí os estilhaços pegaram no rosto dele, aí eu me afastei de lado, perguntei se ele estava ferido, ele falou que não, aí recuou, aí eles saíram com os reféns (...). Eu estava atrás de uma árvore, ele mandava eu sair de trás da árvore porque eu não tinha reparado que a moto dele estava atrás de mim. Ele deu dois disparos mandando eu sair do local. J: Disparou em direção a que? T: A mim. J: Mirando no senhor? T: Isso. (...) T: Aí eles deram mais uns disparos lá fora. J: E falavam alguma coisa? T: Pra mim, o que tava com o Vanderlei falou ‘sai, sai polícia, e atirou’. J: Mas atirou em quem? T: Atirou em mim. J: Atirou em você? T: Em mim, mas eu tava atrás da árvore, né. Aí mandava sair de novo, aí o Valberto falou para me afastar, daí ele saiu rua abaixo até pegar a Belina. (...) Eles

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desceram a rua e pegaram a Belina e saíram da cidade. (....) Daí eles foram para vila rural, lá na ponte abandonaram a Belina e pularam dentro do rio. (...) J: Nesse trajeto eles trocaram algum tiro com a polícia, deram algum tiro nos policiais? T: O que era passageiro atirou uma vez para cima, aí a Belina, numa curva eles se perderam, a Belina bateu no barranco. (...) o passageiro saiu e deu mais dois disparos. J: Disparos para cima? T: Não, disparo para a viatura. Inclusive pegou na porta da viatura. Daí o motorista conseguiu desenroscar a Belina e eles continuaram a fuga. (...) J: Tá, e aí eles foram até aonde? T: Eles foram até o rio, até a ponte, pararam no meio da ponte e pulou um de cada lado. J: O senhor viu eles pulando? T: Sim. J: E os dois tinham arma na mão? T: Os dois tinham. Inclusive dentro da água ainda atiraram em direção da ponte, ainda. (...) J: E eles estavam com arma na mão dentro do rio? T: Os dois tinham. Inclusive, dentro da água atiraram em direção da ponte ainda.” (Eduardo Martins Guedes, fls. 103-106)

Admite-se que os assaltantes não tenham premeditado atirar nas pes-soas envolvidas no roubo. Contudo, no transcorrer do iter criminis, os policiais acorreram ao local do delito e, estando T.L.P. e seu comparsa Maycon armados, deliberadamente, acionaram os revólveres contra os PMs para tentar fugir, garantindo a impunidade pela tentativa frustrada de assalto. Resta claro, pela análise do conjunto probatório, que houve sim um confronto direto e pessoal entre os policiais e os autores do roubo.

Além disso, existem provas contundentes de que, ao contrário do que afirmou o Magistrado a quo, os disparos não foram efetuados para cima, apenas para dissuadir a ação dos policiais. Há diversas evidências de que os tiros foram desfechados na direção dos agentes estatais. Alguns dos projéteis atingiram: a) a vidraça da fachada da EBCT (documentos de fls. 154-157 e 160-167) passando próximo ao policial Jair, que teve o rosto e braço feridos pelos estilhaços de vidro (documentos de fls. 173-175); b) as portas traseira e dianteira da viatura onde estavam os PMs (documentos de fls. 169-171). A simples observação das fotos acostadas aos autos demonstra que os tiros não foram deflagrados aleatoriamente, mas de forma contínua e frontalmente, na direção dos agentes estatais e, após, no veículo dos mesmos, durante a perseguição, possuindo po-tencialidade letal.

Além disso, Maycon Marques Bueno foi alvejado fatalmente e é impensável que isso tenha ocorrido por puro capricho do destacamento policial. Este dado reforça a ideia de que os disparos efetuados pelos assaltantes não ocorreram “a esmo”, sem qualquer risco a terceiros, pois

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caso assim fosse, não haveria um revide nessa proporção.Resta claro que a violência foi praticada no contexto fático do assalto,

bem como que o réu assumiu, consciente e voluntariamente, o risco de matar os agentes do Estado, resultado que só não ocorreu, reitera-se, por circunstâncias alheias à sua vontade. Esse quadro indica a presença de animus necandi.

Deve ser destacado, por fim, que são irrelevantes maiores digressões acerca do autor dos disparos. Isso porque, pela teoria do domínio do fato, todos aqueles que concorrem para a prática da conduta típica são coautores do delito, devendo responder pelo resultado mais gravoso independente de quem tenha lhe dado causa. Nessa esteira, colaciono os seguintes arestos:

“CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO E LATROCÍNIO. CONCURSO DE AGENTES. PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. INAPLICABI-LICADE. CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. ATENUANTES. MENORIDADE E CONFISSÃO. PENA ABAIXO DO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO À PROGRESSÃO DE REGIME. CONSTITUCIO-NALIDADE. ORDEM DENEGADA. I. Tendo o acórdão transitado em julgado, a via estreita do habeas corpus não é própria para a sua desconstituição, salvo nos casos de flagrante e inequívoca ilegalidade, hipótese não verificada no caso. II. O latrocínio é delito qualificado pelo resultado, sendo que o evento de maior gravidade (morte) pode ser imputado na forma de dolo ou de culpa. Precedente. III. Em se tratando de crime de roubo, praticado com arma de fogo, todos que contribuíram para a execução do tipo fundamental respondem pelo resultado morte, mesmo não agindo diretamente na execução desta, pois assumiram o risco pelo evento mais grave. Precedentes. IV. A incidência de circunstância atenuante genérica não reduz a pena abaixo do mínimo legal. Incidência da Súmula 231/STJ. V. Acórdão que obedeceu o critério trifásico de aplicação da pena, pautando-se pelos ditames do art. 68 do Código Penal, não se podendo falar, nesse aspecto, em constrangimento ilegal. VI. Não se aplica a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e latrocínio, eis que, apesar de serem do mesmo gênero, não são da mesma espécie, pois possuem elementos objetivos e subjetivos distintos, não havendo, portanto, homogeneidade de execução. Precedentes desta Corte e do STF. VII. No delito de roubo, a objetividade jurídica do tipo penal é o patrimônio, ao passo que, no delito de latrocínio, por sua vez, buscar-se proteger, além do patrimônio, a vida da vítima, incidindo a regra do concurso material. Precedentes. VIII. Ordem denegada.” (STJ, HC 37.583/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 01.07.2005)

“PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2º, I E II E ART. 157, § 3º, IN FINE, DO CÓDIGO PENAL. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. LEI Nº 8.072/90. PARTICIPAÇÃO DE SOMENOS IMPORTÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

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I – No roubo, mormente praticado com arma de fogo, respondem, de regra, pelo resul-tado morte, situado evidentemente em pleno desdobramento causal da ação delituosa, todos que, mesmo não agindo diretamente na execução da morte, contribuíram para a execução do tipo fundamental (Precedentes). Se assumiram o risco pelo evento, res-pondem. II – In casu, se o v. acórdão que julgou o recurso de apelação fundamentou, de forma exaustiva, que o paciente assumiu o risco pelo evento, entender em sentido contrário ensejaria impreterivelmente o cotejo minucioso de matéria fático-probatória, procedimento vedado em sede de habeas corpus. (Precedentes). III a V. (omissis) Petição conhecida como habeas corpus, denegando-se a ordem.” (STJ, Pet 3.134/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 20.06.2005)

Destarte, resta autorizada a pretendida desclassificação do crime de tentativa de roubo majorado para o de latrocínio tentado. Em situações similares, assim decidiu esta Corte:

“PENAL. PROCESSO PENAL. LATROCÍNIO TENTADO. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ART. 157, CAPUT, E § 3º, C/C ART. 14, II, DO CP. PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. INVIABILIDADE. COAUTORIA. CONSTRAN-GIMENTO ILEGAL. ART. 146, CAPUT, E §1º, DO CP (DUAS VEZES). MANU-TENÇÃO DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA. 1. Devidamente comprovadas a materialidade e autoria do delito de latrocínio tentado, perpetrado na agência da Caixa Econômica Federal, bem como do delito de constrangimento ile-gal (duas vezes) contra os proprietários dos veículos utilizados no evento delituoso, restando mantida a condenação. 2. Não há falar em roubo majorado, impondo-se a manutenção da condenação dos réus como incursos no art. 157, caput, e § 3º, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal, porquanto todos concorreram na execução do crime de roubo, com tentativa de ocasionar a morte do policial militar, ainda que alguns acusados não tenham responsabilidade direta nesse evento, respondem pelo crime de latrocínio tentado como coautores, ante a previsibilidade do resultado mais gravoso. 3. Não se cuida de aplicação do artigo 29, § 2º, do Código Penal – participação dolosa-mente distinta –, porquanto ainda que não tenham responsabilidade direta pelo disparo de arma de fogo contra o policial militar, respondem pelo crime de latrocínio como coautores, ante a previsibilidade do resultado mais gravoso, encontrando-se na linha de desdobramento do tipo. 4. Manutenção da condenação. Redução da pena privativa de liberdade.” (ACR nº 2004.04.01.039471-5/PR, Sétima Turma, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no DJU de 22.03.2006)

“PENAL. ROUBO QUALIFICADO. LATROCÍNIO TENTADO. COMPETÊN-CIA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CONDUTA SOCIAL DOS RÉUS. Compete à Justiça Federal processar e julgar delito de tentativa de latro-cínio cujas vítimas são policiais federais no exercício da função pública. Inteligência do artigo 109, IV, da Carta Magna. Responde pelo delito de latrocínio tentado quem desfere tiros contra policiais federais em serviço, não causando-lhes a morte por cir-

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cunstâncias alheias à vontade dos agentes, durante assalto à praça de pedágio (...).” (ACR 2004.70.00.005224-0/PR, Oitava Turma, Rel. Juiz José Paulo Baltazar Junior, public. no DJU de 28.06.2006, p. 868)

“PENAL. LATROCÍNIO. TENTATIVA. COAUTORIA. Agente que, em coautoria, mediante o emprego de grave ameaça, tenta subtrair veículo não oficial utilizado pela Polícia Federal em diligência de repressão ao tráfico de entorpecentes e que, após a abordagem da vítima, foge disparando tiros de revólver contra ela (vítima) e demais policiais. Latrocínio tentado que se reconhece. Comprovação, nos autos, de que o réu portava arma de fogo. Irrelevância, ademais, da alegação, pois ‘o coautor, mesmo que não efetue disparos, responde pelo resultado morte’ (STJ, HC 39.423, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 17.11.2005).” (ACR nº 2005.70.00.001722-0/PR, Oitava Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 24.05.2006, p. 939)

Passo à análise da dosimetria da pena. No que pertine à culpabilidade, a conduta apresentada pelo réu deve ser considerada de reprovabilidade normal à espécie.

Não há registros que configurem antecedentes criminais (os que exis-tem, enquadram-se, tecnicamente, na figura da reincidência).

A personalidade está ligada às qualidades morais do criminoso, à boa ou má índole, à agressividade e ao antagonismo com a ordem social in-trínseco a seu temperamento. A respeito do assunto, o recente julgado da 4ª Seção deste Regional, no julgamento dos Embargos Infringentes e de Nulidade em ACR nº 003.04.01.043049-1, j. em 07.02.2005, consolidou o seguinte entendimento:

“(...) Em outras palavras, a ‘tendência’ de o ser humano reiterar a produção de resultados penalmente significantes, detectada através das repetidas vezes em que seu nome esteve, ou está, vinculado a um inquérito policial ou judicial, apresenta-se como um traço externo para aferição da sua ‘personalidade’ pelo magistrado. Essa é, também, a opinião do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar Júnior: ‘(...) A personalidade é formada pelo conjunto dos dados externos e internos que moldam um feitio de agir do réu, instrumental que ele herdou ou adquiriu e com o qual responde às diversas situações que lhe são propostas na vida diária. Foi definida como a ‘organização dinâmica dos sistemas psicofísicos que determinam o ajustamento do indivíduo ao meio circundante’. Quanto mais esse conjunto levou o réu a comporta-mentos reprováveis, tanto mais o crime é um reflexo dessa personalidade, que, por isso mesmo, deve sofrer um juízo-negativo; é o que acontece quando a personalidade do autor revela tendências criminais (...)’ (Revista da AJURIS, nº 70, em setembro/2000, p. 232). Por certo que uma pessoa reiteradamente envolvida em práticas ilícitas revela um traço de personalidade diferenciado daquela que, por alguma eventualidade da vida, acabou envolvida em um crime que, ao invés de lhe servir como elemento inspirador

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de novas ofensivas delitivas (habitualidade), significou o marco de uma reestruturação da vida com uma maior conscientização relativamente às consequências das decisões a serem tomadas.”

Na hipótese, deve ser valorada negativamente esta vetorial, pois o réu foi denunciado em outros feitos: a) processo nº 2005.349-4, incurso nas sanções do art. 180, caput, e art. 171, caput do CP, em andamento perante a Vara Criminal de Nova Esperança/PR; b) processo nº 2007.357-9, incur-so nas sanções do art. 155, § 4º, inc. I, II e IV do CP, estando atualmente em fase recursal (fls. 05-09, 107-111 e 197).

A conduta social, conforme entendimento da Quarta Seção deste Tri-bunal, diz com o comportamento do acusado no meio social em que vive, não se dispondo de elementos suficientes nestes autos para aferi-la.

As circunstâncias do crime revelam-se graves frente aos seguintes elementos: a) número de vítimas, pois, além dos funcionários da Agência dos Correios – Marileide Xavier Fonseca e Wanderley Pereira Jardim –, figuram como vítimas os três policiais federais que foram atender a ocorrência – Valberto Faustino da Silva, Jair dos Santos Viana e Eduardo Martins Guedes –, todos eles sujeitos ao risco de serem mortos pelos disparos efetuados durante a troca de tiros entre os policiais e o denun-ciado; b) concurso de agentes, que facilita a ação delitiva e imprime maior temor nas vítimas; c) privação da liberdade das vítimas Marileide e Wanderley.

Por fim, as consequências do delito não podem ser tidas como negati-vas. O réu não conseguiu subtrair os valores que pretendia, e os disparos sequer chegaram a lesionar as vítimas.

Havendo duas circunstâncias judiciais em desfavor do réu (persona-lidade e circunstâncias do crime) fixo a pena-base em 21 (vinte e um) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Na segunda fase, preenchidos os requisitos da agravante da reincidên-cia, em face das Certidões de fls. 24-25 e 197, indicando a existência de duas condenações com trânsito em julgado, quais sejam: a) Processo-crime nº 2004.31-0, homicídio qualificado tentado (art. 121, § 2º, IV, c/c art. 14, II do CP), condenação à pena de 02 anos, 01 mês e 21 dias de reclusão e 13 dias-multa, trânsito em julgado em 27.03.2006; b) processo nº 2005.359-1, incurso nas sanções do art. 12 da Lei 6.368/76, condenado a 03 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, com trânsito

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em julgado em 12.04.2006.Verifica-se, in casu, concurso entre a reincidência e a atenuante da

confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP). Prevalece a primeira, con-soante dispõe o art. 67 do CP:

“No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite in-dicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.”

Nesse sentido, observem-se ainda os seguintes julgados:“PENAL E PROCESSUAL. DOSIMETRIA. DETENÇÃO. REGIME PRISIONAL.

CONCURSO DE AGRAVANTES E ATENUANTES. RECURSO ESPECIAL. (...) 2. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve obedecer ao limite indicado pelas circunstâncias preponderantes (CP, Art. 67). Reincidência que prevalece sobre a confissão espontânea. (...)” (STJ, REsp 165774/DF, Quinta Turma, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, public. no DJU de 20.03.2000, p. 91)

“PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1°, INCISO I, DA LEI 8.137/90, C/C ART. 71 DO CP. DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO E GANHOS DE CAPITAL OB-TIDOS NA ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA. 1 a 5. ‘Omissis’. 6. A agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea. (...)” (TRF-4, ACR nº 2005.71.07.005081-0, Sétima Turma, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no DJU em 12.03.2008)

Dessarte, aumento a pena provisória em 01 (um) ano por conta da reincidência, atenuando-a em 06 (meses) em razão da confissão espon-tânea, totalizando a reprimenda provisória 21 (vinte e um) anos e 08 (oito) meses de reclusão .

Na terceira etapa, deve ser efetuada a redução pela tentativa. O acusado sequer se apoderou dos valores que objetivava subtrair, pois enquanto esperava a abertura do cofre, ainda no interior da Agência dos Correios de Santa Fé, foi abordado pela equipe de policiais. Por outro lado, tam-bém o ânimo de matar esteve longe de se concretizar, já que os policiais que participaram da perseguição não foram atingidos pelos projéteis. Distantes tanto o resultado morte como a efetiva vantagem patrimonial, e assim tem-se que a minorante deve ser aplicada no índice máximo, qual seja, 2/3 (dois terços), resultando a sanção definitiva em 07 (sete) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclussão.

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A hediondez do crime não comporta a fixação de regime mais brando que o inicial fechado.

Quanto à multa, entendo que, na sua fixação, devem ser sopesadas todas as circunstâncias que determinaram a imposição da pena privativa de liberdade – judiciais, legais, causas de aumento e diminuição, crité-rio que restou consolidado na Quarta Seção deste Tribunal (EINACR 2002.71.13.003146-0/RS, D.E. 05.06.2007). Logo, a fim de resguardar simetria com a privativa de liberdade, a qual restou abaixo do mínimo legal, em face da minorante da tentativa, estabeleço o quantum de 04 (quatro) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, tendo em vista a situação econômica do acusado, cuja profissão é de eletricista automotivo, percebendo salário mensal de R$ 500,00.

A espécie delitiva (crime violento) e o quantitativo da pena impedem a concessão dos benefícios previstos nos arts. 44 e 77 do CP.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo do Ministério Pú-blico para condenar T.L.P. por infração ao disposto no art. 157, caput e § 3º, c/c art. 14, inciso II, ambos do CP.

CORREIÇÃO PARCIAL Nº 2009.04.00.035046-4/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro

Requerente: Ministério Público FederalRequerido: Juízo Substituto da VF e JEF de Francisco Beltrão

EMENTA

Processo penal. Correição parcial. Delação premiada. Limites legais. Extrapolações admitidas em favor do cidadão. Controle. Procedimento.

1. Não seguiu a legislação brasileira modelos do direito comparado

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de delação premiada como negociação do direito de ação, tendo todos os normativos nacionais tratado a colaboração como favor de pena, como minorante ou excludente da punibilidade (perdão judicial), na lavagem de capitais, ainda admitindo o regramento do regime inicial e a substituição da pena privativa de liberdade.

2. No limite legal é simplesmente reconhecida a incidência e dosado o favor correspondente quando da sentença criminal, sem necessidade de prévia intervenção ministerial.

3. A prática tem ampliado os limites legais da delação premiada, seja pela incorporação de modelos do direito comparado, seja pela eficácia in-vestigatória ou segurança ao delator, com a formalização de acordos desde o início das investigações criminais, então homologado pelo juiz.

4. Embora criação extralegal, é ela mantida pela inexistência de inte-resse recursal dos envolvidos – ressalvada hipótese de direito indisponível –, não sendo moral e faltando legitimidade a terceiros em discutir favores concedidos ao delator.

5. Acorda-se a provocação e a manutenção da ação penal, por ne-gociação de seu titular e juízo homologatório de mera legalidade pelo magistrado, na omissão ministerial cabendo o reexame na forma do art. 28 CPP.

6. Acordam-se favores processuais (suspensão do processo, liberdade provisória, dispensa de fiança, obrigações de depor ou de realizar de-terminadas provas pessoais...), penais (redução ou limitação de penas, estipulação de regimes prisionais mais benéficos, ampliação e criação de modalidades alternativas de respostas criminais, exclusão de perdi-mento...), fora dos limites dos fatos (para revelação de outros crimes da quadrilha...), ou mesmo extrapenais (reparando danos do crime, dando imediato atendimento às vítimas...), com plena intervenção do juiz na fixação ou alteração das condições, sujeitas a reexame pelo Tribunal.

7. Formalizado previamente o acordo, com a intervenção do agente ministerial e do delator, com seu advogado, é ele autuado em procedi-mento separado, com sigilo parcial ou total (em fase inicial investigatória onde sua revelação possa prejudicar diligências em andamento), e final reunião à ação penal no limite que envolva os fatos perseguidos.

8. Provido parcialmente o recurso para oportunizar ao magistrado nova análise do acordo ofertado, de sua viabilidade e condições, sujeitas

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as divergências a reexame do juízo de conveniência pelo Tribunal, pois matérias estranhas à titularidade ministerial do direito de ação penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à correição parcial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de novembro de 2009.Des. Federal Néfi Cordeiro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: O Ministério Público Federal ingressa com a presente correição parcial em face da decisão proferida pelo Juízo Substituto da VF e JEF de Francisco Beltrão, que negou exame de acordo de delação premiada.

Argumenta que competiria ao juízo examinar e homologar o acordo de delação realizado entre o Ministério Público Federal e um dos autores de investigada quadrilha de crimes de contrabando (pela introdução no país, distribuição e comercialização de cigarros) no município local; que obrigatória é a intervenção do agente ministerial na delação premiada, porque negociação do direito de ação por seu titular; que possível é a realização do acordo já na fase investigatória, tornando a omissão judicial insegura a condição do réu colaborador.

Requer, inclusive por liminar, a anulação da decisão recorrida para que seja analisado o acordo apresentado, em caso de rejeição encami-nhando-se a decisão à Câmara Ministerial competente (art. 28 CPP), no procedimento intimando-se o colaborador.

Denegada a liminar, foram prestadas informações (fl. 37).O douto órgão do Ministério Público Federal com assento nesta Corte

ofertou parecer (fls. 39-42) pelo deferimento da correição parcial.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: O Ministério Público Federal

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ingressa com a presente correição parcial em face da decisão proferida pelo Juízo Substituto da VF e JEF de Francisco Beltrão, que negou exame de acordo de delação premiada.

Argumenta que competiria ao juízo examinar e homologar o acordo de delação realizado entre o Ministério Público Federal e um dos autores de investigada quadrilha de crimes de contrabando (pela introdução no país, distribuição e comercialização de cigarros) no município local; que obrigatória é a intervenção do agente ministerial na delação premiada, porque negociação do direito de ação por seu titular; que possível é a realização do acordo já na fase investigatória, tornando a omissão judicial insegura a condição do réu colaborador.

Requer, inclusive por liminar, a anulação da decisão recorrida para que seja analisado o acordo apresentado, em caso de rejeição encami-nhando-se a decisão à Câmara Ministerial competente (art. 28 CPP), no procedimento intimando-se o colaborador.

Não seguiu a legislação brasileira modelos do direito comparado de negociação do direito de ação, daí com a direta participação do agente acusador, mas tratou sempre a delação premiada como favor judicial, incidente no momento de fixação da pena, seja especialmente como minorante, seja como excludente da punibilidade (perdão judicial) na lavagem de capitais, ainda admitindo o regramento do regime inicial e a substituição da pena privativa de liberdade.

A Lei de Crimes Hediondos previu a delação eficaz (unicamente pelo desmantelamento da quadrilha) como minorante, de 1/3 a 2/3:

“Art. 8º (...)Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando

ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.” (Lei nº 8.072/90)

A Lei nº 9.807/99, de proteção à testemunha, veio a inserir novas hipóteses de eficácia à delação (identificação de autores, salvamento da vítima e recuperação parcial ou total do produto do crime), com resultado de perdão judicial (ao acusado primário) ou de minorante, no mesmo patamar de 1/3 a 2/3 (se não primário ou ausentes os pressupostos sub-jetivos do parágrafo único do art. 13):

“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão

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judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade

do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.”

O tratamento como minorante foi repetido, sem acréscimos, pela Lei de Tóxicos:

“Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

(...)Art. 49. Tratando-se de condutas tipificadas nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta

Lei, o juiz, sempre que as circunstâncias o recomendem, empregará os instrumentos protetivos de colaboradores e testemunhas previstos na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999.” (Lei 11.343/2006)

Já para as hipóteses de criminalidade organizada (nos termos da Con-venção de Palermo), propiciou-se mais ampla incidência da minorante da delação, embora com iguais parâmetros de redução, ao exigir-se tão só o esclarecimento de infrações penais e sua autoria: “Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclareci-mento de infrações penais e sua autoria” (Lei nº 9.034/95).

Finalmente, na lei sobre os crimes de “lavagem”, repete-se a possibi-lidade de minorante ou perdão judicial, agora com acrescidas permissões de regime mais benéfico e de penas substitutivas, ante o resultado de esclarecimento das infrações penais e de sua autoria ou da localização dos valores objeto do crime:

“Art. 1º (...)

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§ 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.” (Lei nº 9.613/98)

Desse modo, sempre é a delação causa de prêmio na redução da pena, na sua exclusão ou na sua limitação, de modo que possui razão o ma-gistrado a quo ao apontar que sua incidência se dá na fase da sentença criminal – momento em que é valorada a incidência do perdão judicial ou se faz a dosimetria das penas, para incidência da minorante legal.

Todos os normativos da delação preveem a atuação jurisdicional de ofício unicamente no art. 13 da Lei nº 9.807/99, admitindo-se a pro-vocação das partes, de modo que não se cria legalmente hipótese de formalização da delação ou de sua homologação pelo juízo. Também nesses aspectos, pois, com razão o magistrado.

A prática tem criado, porém, ampliação dos limites legais da delação premiada. Seja pela incorporação de modelos do direito comparado, onde efetivamente é o tema tratado como negociação do direito de ação, seja porque os resultados de mais amplos acordos permitem melhor proteger o colaborador e realizar a justiça.

Surgem então termos de acordo de delação premiada, como o exa-minado na espécie, já ao início das investigações e então judicialmente homologados, para segurança dos envolvidos, com ampla estipulação de favores processuais (suspensão do processo, liberdade provisória, dispensa de fiança, obrigações de depor ou de realizar determinadas provas pessoais...), penais (redução ou limitação de penas, estipulação de regimes prisionais mais benéficos, ampliação e criação de modalidades alternativas de respostas criminais, exclusão de perdimento...), fora dos limites dos fatos (para revelação de outros crimes da quadrilha...) ou mesmo extrapenais (reparando danos do crime, dando imediato atendi-mento às vítimas...).

Se é possível discutir a criação extralegal de negociação do direito de ação e do estabelecimento de inovadas condições e favores a autores de crimes, certamente tal avença somente teria legítima impugnação pelo próprio delator ou pelo agente acusador, mas como aquiescem essas partes para o ato, perdem automaticamente o interesse recursal – ressal-

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vada hipótese de direito indisponível – e são assim mantidos os favores acordados. Note-se que aos demais acusados não é moral e lhes falta legitimidade em discutir favores concedidos ao delator.

Dando-se a hipótese de concreta negociação do direito de ação ou de informações de novos crimes, imprescindível é a provocação ou aquies-cência do Ministério Público, realmente nesse limite melhor posicionan-do-se o magistrado como mero conferidor da legalidade do ato. Dando-se hipótese de negociação de limites de pena, de garantias processuais ou de efeitos extrapenais, já não se discute se haverá persecução criminal (limite da titularidade do direito de ação), mas incidência das penas, área decisória de competência do magistrado, intervindo amplamente então o magistrado, valorando e alterando as condições.

Em qualquer caso, os resultados de colaboração têm-se mostrado mais amplos e úteis quando se sente o delator seguro do que foi acordado, das condições estabelecidas, das suas obrigações, dos resultados esperados e necessários para validade do acordo e da concordância dos agentes estatais quanto a esse acordo. Assim é que mais eficaz e segura é a ela-boração de termos de acordo envolvendo o Ministério Público, o delator com seu advogado e, nos limites antes expostos, também o juiz da causa, que homologará o acordo quando dele não diretamente participar.

Em síntese, mesmo corretamente apontando a decisão recorrida que legalmente serve a delação premiada como favor na pena, assim a ser examinado na sentença, sem prévia concordância ministerial ou homolo-gação judicial, não é de ser anulado acordo antecipadamente formalizado e homologado, pela falta de interesse recursal dos legitimados.

Processualmente não se tem qualquer regulação do tema, justamente porque tratada na lei como favor na pena, e assim dispensando qualquer ato prévio. Sendo realizado acordo prévio, porém, na forma crescente-mente admitida, deverá ele ser formalizado (detalhando as obrigações do delator, condições para o recebimento do favor e limites de favore-cimento pela colaboração) com a intervenção do agente ministerial e do delator, com seu advogado, e autuado em procedimento separado, com sigilo parcial ou total (em fase inicial investigatória em que sua revelação possa prejudicar diligências em andamento), e final reunião à ação penal no limite que envolva os fatos perseguidos.

Assim, embora não possa o juiz ser obrigado a aceitar negociações

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extralegais, pela grande utilidade que vem demonstrando o crescimento de limites no instituto da colaboração premiada, penso deva ser ao ma-gistrado oportunizada nova análise do acordo ofertado, para que concre-tamente examine acerca da viabilidade e condições do acordo de delação a ele apresentado, sugerindo cláusulas ou corrigindo as existentes nos aspectos em que extrapolada a negociação da existência da ação penal.

Não havendo admissão dos limites acordados ou pelo juiz emendados, o caminho não será do efeito devolutivo ministerial (do art. 28 do CPP, analogamente), pois não se vê na espécie mera negociação de perseguir ou não alguém por crimes (limite da negociação do direito de ação), mas sim a interposição de ação recursal substitutiva (como habeas corpus, mandado de segurança ou correição parcial), para novo juízo de conveniência da admissibilidade e limites do acordo pelo Tribunal – e não mera conferência da legalidade do ato do juiz, que já se apontou tecnicamente será sempre perfeita ao não admitir criações extrapenais.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à correição parcial, nos termos da fundamentação.

É o voto.

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1999.71.00.006047-1/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Embargado: Luiz Carlos TarasconiAdvogados: Drs. Almiro Regis Matos do Couto e Silva e outros

EMENTA

Aluno-aprendiz. Tempo de serviço para fins previdenciários. Escola agrotécnica federal. Encomendas de terceiros. Retribuição pecuniária pelo trabalho. Súmula 96 do Tribunal de Contas da União. Jurispru-dência dominante do Superior Tribunal de Justiça.

Não tem direito o aluno-aprendiz ao cômputo, como tempo de serviço para fins previdenciários, sem contribuições, do período de atividade em escola agrotécnica federal, quando comprova apenas que recebia, à conta do orçamento público, alimentação, moradia e fardamento, entendendo-se, em caso assim, que tais vantagens constituíam auxílio estatal aos estudos, à falta de prova cabal do efetivo trabalho na execução de encomendas feitas à escola por terceiros e da retribuição pecuniária correspondente, conforme a orientação da Súmula 96 do Tribunal de Contas da União, em sua redação atual, ajustada à jurisprudência domi-nante do Superior Tribunal de Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 1º de outubro de 2009.Des. Federal Rômulo Pizzolatti, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Trata-se de embargos infringentes, interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra acórdão da 5ª Turma deste tribunal, que deu provimento à ape-lação de Luiz Carlos Tarasconi, reconhecendo como tempo de serviço a atividade do embargado como aluno-aprendiz da Escola Agrotécnica Federal de Alegrete-RS, pelo fato de receber da escola pública alimen-tação, moradia e fardamento, à conta do orçamento da União.

Busca o embargante a prevalência do voto vencido do relator do feito, Des. Federal Néfi Cordeiro, que entendeu correta a sentença de primeiro grau no tocante ao não reconhecimento do tempo de serviço de aluno-aprendiz, visto que não comprovada a retribuição por serviços prestados a terceiros, ainda que in natura, mediante o recebimento de alimentação, fardamento, moradia etc.

Intimado, o embargado respondeu ao recurso (fls. 148-156).Admitidos os embargos, foram a mim distribuídos em 22.06.2006.É o relatório. À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: O reconhecimento do tempo de serviço de aluno-aprendiz para efeitos previdenciários, inde-pendentemente de contribuição, deve observar, segundo a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (cf. AgRg no AgRg no REsp nº 852.810, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04.08.2009; REsp nº 413.400, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11.03.2003; REsp nº 585.511, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 02.03.2004; REsp nº 627.051, rel. Min. José Arnaldo, julgado em 25.05.2004), as exigências da Súmula nº 96 do Tribunal de Contas da União (TCU), com a redação aprovada em sessão plenária de 08.12.94 (D.O.U. de 03.01.95), in verbis:

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“Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de tra-balho prestado [1] na condição de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional [2], desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida [3] com a execução de encomendas para terceiros [4].” (os números em colchete não estão no texto original)

Como se vê, a Súmula 96 do TCU exige quatro requisitos para o cômputo do tempo de aluno-aprendiz como tempo de serviço público: 1º) que haja efetivamente trabalho prestado, e não a simples participação em aulas práticas; 2º) que o prestador do trabalho seja aluno-aprendiz em Escola Pública Profissional; 3º) que tenha havido retribuição pelo trabalho, podendo ser em dinheiro (retribuição in specie) ou em utilida-des, tais como alimentação, fardamento, material escolar (retribuição in natura); e 4º) que o trabalho tenha consistido na execução de encomendas para terceiros.

Não basta, portanto, para prova do tempo de serviço, independente-mente de contribuições, que a certidão lavrada por escola pública profis-sional faça referência genérica a “tempo de serviço de aluno-aprendiz”, devendo haver expressa indicação (a) dos terceiros que fizeram as en-comendas, assim como (b) dos dias efetivamente trabalhados pelo aluno na execução dessas encomendas.

É que as escolas públicas profissionais, nos termos do art. 2º do De-creto-Lei nº 8.590, de 1946, combinado com o art. 32 da Lei nº 3.552, de 1959, só podem executar serviços para terceiros mediante “encomenda”, sendo a execução dessas “encomendas” precedida da fixação do respec-tivo preço, mediante orçamento, com a discriminação da matéria prima, da mão de obra, da energia elétrica e dos combustíveis consumidos, bem como a percentagem relativa às despesas de ordem geral.

Por aí se vê que não são todos os alunos-aprendizes que farão jus a computar tempo de serviço, nem o tempo computável coincidirá neces-sariamente com todo o tempo do curso. Há necessidade, primeiro, de que a escola venha de fato a receber “encomendas”, o que dependerá das contingências do mercado (em épocas de crise, certamente não haverá encomendas ou serão raras), e, depois, de que o aluno-aprendiz tenha experiência profissional suficiente para engajar-se (voluntariamente, é certo, porque essa atividade paralela não faz parte do currículo escolar)

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no trabalho coletivo de execução da “encomenda”, sob a direção de um monitor ou professor. Obviamente, os alunos-aprendizes da fase inicial do curso ainda não têm tirocínio para engajar-se num trabalho que exige profissionalismo, tanto mais que o terceiro, que fez a encomenda, pagará pelos produtos encomendados e não se contentará com produtos defei-tuosos ou mal-acabados.

Cabe enfatizar que o engajamento no trabalho coletivo de execução das “encomendas” feitas por terceiros exigirá do aluno-aprendiz, além da necessária experiência profissional – o que ele só alcançará quanto estiver nas séries mais adiantadas do curso, conforme deixa claro o caput do art. 4º do Decreto-Lei nº 8.590, de 1946 –, também disponibilidade de tempo para o trabalho, já que deverá ser desenvolvido normalmente (como não poderia deixar de ser) fora do horário normal das aulas, o que decorre claramente do texto do parágrafo único do art. 32 da Lei nº 3.552, de 1959, segundo o qual a execução dessas encomendas será feita sem prejuízo da aprendizagem sistemática...

Não se pense, por outro lado, que a execução das encomendas de terceiros é feita de cambulhada e de qualquer jeito pelas escolas públicas profissionais. Como se trata de órgãos da burocracia estatal, tudo deve ser previamente organizado e depois registrado e documentado. Aliás, o art. 2º do Decreto-Lei nº 8.590, de 1946, exige que a execução das encomendas seja precedida de orçamento detalhado. Com maior razão, deverá haver registro dos alunos que se engajaram (o engajamento é voluntário, evidentemente) na execução das encomendas, dos dias de trabalho de cada um, da produção individual e do montante da remune-ração destinada a cada um deles.

Ora, no caso dos autos, a certidão trazida pelo autor para compro-vação do trabalho executado na condição de aluno-aprendiz da Escola Agrotécnica Federal de Alegrete (fls. 10), embora lavrada por repartição pública, onde todas as informações relevantes devem ser registradas e arquivadas, estranhamente não nomeia os terceiros que fizeram enco-mendas, não indica os dias de efetivo trabalho do autor, e tampouco o montante da remuneração por ele recebida. Do que se conclui que não se trata, a rigor, de certidão, conforme a técnica jurídica e à luz do que dispõe a legislação (Código Civil de 1916, art. 137; Código Civil de 2002, art. 216; Código de Processo Civil, art. 365, I), pois não é relato

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fiel do que consta de livros, autos ou fichas arquivados em repartição pública, nem tem valor como prova.

Acresce que é totalmente inverossímil, beirando as raias do absurdo, que, já no primeiro dia de aula na escola profissional, o autor, sem nenhum tirocínio, estivesse habilitado a engajar-se profissionalmente na execução de encomendas para terceiros e, mais que isso, iniciasse esse trabalho exatamente no primeiro dia em que pôs os pés na escola profissional, como indica a certidão de fls. 10.

Por tudo isso, calham aqui as palavras do então juiz do TRF da 4ª Região, hoje Ministro do STJ, Ari Pargendler, no voto vencedor que pro-feriu na Apelação Cível nº 90.04.23132-3-RS, julgada por este Tribunal em 24.03.1994: “Ninguém pode reduzir o tempo de serviço exigido para a aposentadoria, em razão de ter sido [somente] aluno de uma escola profissionalizante”.

O caso dos autos, a seu turno, apresenta a peculiaridade de que o autor não estudou em escola técnica ou industrial, mas sim em escola agrotécnica, cujas atividades práticas eram em laboratório e agropecuárias, como especificado na certidão de fls. 10. Difícil imaginar, assim, que espécies de “encomendas” seriam feitas por terceiros a essa escola, e qual o fundamento legal para a aceitação das “encomendas” pela instituição de ensino, visto que, se é certo que o Decreto-Lei nº 8.590, de 1946 (art. 1º), e a Lei nº 3.552, de 1959 (art. 32), autorizaram as escolas técnicas e as industriais a aceitarem encomendas de terceiros, mediante remuneração, o Decreto-Lei nº 9.613, de 1946, que dispõe sobre o ensino agrícola, silencia completamente a esse respeito.

De resto, a certidão de fls. 10 deixa bastante claro, para o bom en-tendedor, que o regime de internato, de que era beneficiário o autor, era all-inclusive, abrangendo alimentação, moradia e fardamento, tudo à conta do orçamento da escola e sem custos para o interno, já que não há nenhuma referência a remuneração por serviços prestados na execu-ção de encomendas para terceiros. Calha aqui a seguinte passagem de acórdão representativo da jurisprudência atual do Tribunal de Contas da União (TCU):

“(...) é de fundamental importância ressaltar que o simples recebimento de ajuda, seja em pecúnia ou em bens (alimentação e fardamento) não caracterizam o engajamento do aluno na atividade produtiva. O recebimento de bens ou dinheiro é condição necessária,

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mas não suficiente, para a configuração da hipótese de aluno-aprendiz, pois deve-se ter presente a possibilidade de o aluno receber bolsa de estudos ou subsídios do Estado para a conclusão de seu curso profissionalizante.” (Acórdão 2024/2005 – Plenário, trecho do voto vencedor do ministro revisor Benjamin Zymler, D.O.U. de 01.12.2005)

Em conclusão, não tem o autor, ora embargado, direito ao cômputo da atividade de aluno-aprendiz como tempo de serviço para fins previ-denciários, independentemente de contribuições, como bem assentou o voto vencido, do Des. Federal Néfi Cordeiro.

Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes, invertidos os ônus de sucumbência.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.04.01.056938-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal José Francisco Andreotti SpizzirriRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional do INSS

Apelado: José Ivan de OliveiraAdvogados: Giovani dos Santos Bochi e outros

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por tempo de contribuição (serviço) proporcional. Atividade especial. Percepção do benefício concedido ad-ministrativamente no curso da ação e execução das parcelas atrasadas do benefício postulado em juízo. Possibilidade.

1. Comprovado o exercício de atividades em condições especiais (limitada a conversão a 28.05.1998), tem o autor direito à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (serviço) pro-porcional, a contar da data do requerimento administrativo, devendo o

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INSS conceder o benefício calculado na forma que for mais vantajosa ao segurado, dentre as que faz jus.

2. É possível a manutenção do benefício concedido administrativa-mente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação admi-nistrativa.

3. Não se trata de aplicação do disposto no art. 18, § 2º, da Lei de Bene-fícios (“O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”), pois este incide sobre situação diversa da dos autos, qual seja, a do aposentado que permanecer em atividade, referindo-se esta, por óbvio, ao trabalho desempenhado após a data em que foi concedida a aposentadoria. E, no presente caso, a aposentadoria pleiteada foi concedida judicialmente, ainda que seu termo inicial seja fixado em data anterior, de forma que o trabalho ocorrente após tal termo inicial não foi desempenhado após a data concessiva da aposentadoria. Em outras palavras, há de se diferenciar a atividade exercida após a concessão da aposentadoria (hipótese de incidência da norma supramen-cionada) daquela exercida antes de tal concessão (situação dos autos), ainda que posteriormente à data inicial da aposentadoria, fixada, de forma retroativa, no julgamento. No primeiro caso, tem-se trabalho voluntário, opcional, após a concessão da aposentadoria; no segundo, o trabalho é obrigatório para a obtenção do indispensável sustento, justamente em razão da não concessão da aposentadoria.

4. Tivesse a autarquia previdenciária concedido a aposentadoria na época devida, não faria jus o segurado a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício da atividade posterior. No entanto, não foi o que ocorreu: o INSS não concedeu a devida aposentadoria na época própria, obrigando o segurado, além de movimentar o Poder Ju-diciário para reconhecer seu direito, a continuar trabalhando por vários anos para buscar o indispensável sustento, quando este já deveria estar sendo assegurado pela autarquia previdenciária.

5. Ora, em casos tais, a situação fática existente por ocasião do jul-gamento costuma ser diferente da que se apresentava à época do reque-

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rimento administrativo ou do ajuizamento da ação: o tempo trabalhado após tais marcos pode, em conjunto com tempo de serviço/contribuição incontroverso, vir a ser suficiente – independentemente do tempo de ser-viço/contribuição pleiteado judicialmente – à obtenção de aposentadoria na esfera administrativa, no curso do processo. A concessão judicial de outra aposentadoria, com diferente termo inicial, traz por consequência a necessidade de disciplinar o direito da parte-autora de forma dinâmica, com consideração das múltiplas variáveis. Neste passo, determinar que a parte-autora simplesmente opte por uma ou por outra aposentadoria, ademais de não encontrar apoio na legislação (o art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, repita-se, trata de hipótese diversa), implicará a consagração de uma injustiça para com o segurado, pois, das duas uma: (a) se optar pela aposentadoria concedida judicialmente, o tempo de serviço desem-penhado posteriormente ao requerimento administrativo (ou ajuizamento da ação) não lhe valerá para aumentar a renda mensal, isso apesar de o exercício da atividade não ter sido propriamente voluntário, mas obrigado pelas circunstâncias ou, mais especificamente, obrigado pela atuação da autarquia previdenciária desgarrada da melhor interpretação das normas legais; (b) se optar pelo benefício que, após novos anos de labuta, lhe foi deferido administrativamente, de nada lhe terá valido a presente ação, a jurisdição terá sido inútil, o Judiciário seria desprestigiado e, mais que isso, a verdadeira paz social, no caso concreto, não seria alcançada.

6. Por tudo isso, as possibilidades de opção do segurado devem ser ampliadas: assegura-se-lhe a percepção dos atrasados decorrentes do benefício deferido judicialmente (com isso prestigiando a aplicação correta do Direito ao caso concreto e justificando a movimentação do aparato judiciário) e possibilita-se-lhe, ademais, a opção pelo benefício deferido administrativamente (com isso prestigiando o esforço adicional desempenhado pelo segurado, consistente na prorrogação forçada de sua atividade laboral). A não ser assim, ter-se-ia o prestigiamento de solução incompatível com os princípios que norteiam a administração pública, pois a autarquia previdenciária seria beneficiada apesar do ilegal ato administrativo de indeferimento do benefício na época oportuna.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, corrigir de ofício erro material da sentença, suprir sua omissão e alterar os juros moratórios e, por maioria, vencido o relator, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de novembro de 2009.Des. Federal Celso Kipper, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri: Trata-se de apelação interposta de sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Ante o exposto, com base no art. 269, I, do CPC, julgo procedente o pedido inicial, formulado por JOSÉ IVAN DE OLIVEIRA contra o INSS – INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL na presente ação, e, em consequência, determino ao réu que conceda ao autor, a partir de 04.06.2002 (data do requerimento do benefício na esfera administrativa), o benefício da aposentadoria especial, condenando o réu, ainda, a pagar ao autor as parcelas devidas a partir de então, devidamente atualizadas, com base nos índices de atualização monetária adotados pelo E. TRF da 4ª Região, mais juros de mora de 0,5% ao mês, estes contados a partir da citação, compensando-se os valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data da concessão administrativa deste benefício (= 03.09.2003), tudo a ser apontado em cálculo de liquidação de sentença.

Condeno o réu, também, a pagar honorários de advogado em favor do patrono do autor, verba esta que arbitro em 10% incidente sobre o valor atualizado das parcelas vencidas objetos da condenação.

Arcará o réu, ainda, com o pagamento das custas processuais, observadas as pres-crições do Regimento de Custas do Estado, não estando isento por litigar perante a Justiça Estadual.”

Não se conformando, apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, alegando ter restado comprovado que o autor, a partir de 1991, não exerceu atividade de soldador, mas sim de encarregado, razão pela qual não é possível o reconhecimento da especialidade do labor. Aduz que o magistrado a quo concedeu o benefício de aposentadoria especial ao demandante, sendo que este, tendo em vista a concessão administra-tiva do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, apenas manifestou interesse no recebimento das parcelas vencidas do aludido

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benefício desde o requerimento administrativo. Caso mantida a sentença, postula que os honorário advocatícios incidam sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri:

Remessa oficial

Em relação à remessa oficial, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial (EREsp 934642/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 30.06.2009), prestigiou a corrente jurisprudencial que sustenta ser inaplicável a exceção contida no § 2º, primeira parte, do art. 475 do CPC aos recursos dirigidos contra sentenças (a) ilíquidas, (b) relativas a relações litigiosas sem natureza econômica, (c) decla-ratórias e (d) constitutivas/desconstitutivas insuscetíveis de produzir condenação certa ou de definir objeto litigioso de valor certo (v.g., REsp 651.929/RS).

Assim, em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.

Não sendo esse o caso dos autos, dou por interposta a remessa oficial.

Considerações iniciais

Verifico a existência de erro material na sentença, ao conceder ao autor o benefício de aposentadoria especial, uma vez que esse benefício exige o exercício de 25 anos em atividades insalubres, e o magistrado a quo mencionou no decisum que, “considerando-se os tempos de servi-ço em atividades insalubres, computados com os tempos de serviço em atividades comuns, à época do requerimento administrativo, ou seja em 04.06.2002, eram suficientes para que o autor fizesse jus ao benefício previdenciário pretendido (...)”.

Dessa forma, corrijo o aludido erro material, entendendo que foi con-

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cedido ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de serviço/con-tribuição.

Tempo de Atividade Especial

Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, é de se ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroa-tivamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGREsp nº 493.458/RS, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJU de 23.06.2003, p. 429, e REsp nº 491.338/RS, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 23.06.2003, p. 457), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto nº 4.827/2003, que alterou a redação do art. 70, § 1º, do Decreto nº 3.048/99.

Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legis-lação vigente quando da prestação da atividade pela parte-autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:

a) no período de trabalho até 28.04.95, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, poste-riormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se

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verificar a nocividade ou não desse agente;b) a partir de 29.04.95, inclusive, foi definitivamente extinto o en-

quadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05.03.97, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, neces-sária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integri-dade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;

c) após 06.03.97, em que vigente o Decreto 2.172, de 1997, que re-gulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória 1.523, de 1996 (convertida na Lei 9.528, de 1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de ser-viço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos, por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

Quanto à possibilidade de conversão de tempo de serviço especial prestado a partir de 28.05.1998, cumpre destacar que a Medida Provi-sória nº 1663-10, editada em 28.05.98, de fato revogou o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, impedindo, a princípio, toda e qualquer conversão de tempo especial para comum. Todavia, a Lei nº 9.711, de 28 de no-vembro de 1998, deixou de convalidar a prefalada revogação do § 5º do art. 57, voltando, assim, suas disposições a terem plena vigência no ordenamento jurídico. Cumpre registrar que, não obstante o art. 28 da Lei 9.711 estabeleça critérios para conversão do tempo especial em comum até 28.05.98, pressupondo a revogação do supradito § 5º, nos termos da MP 1663, o legislador ordinário deixou manifestamente de converter em lei a referida revogação.

Não se diga, ademais, que o § 5º do art. 57 foi revogado tacitamente pelo art. 28, porquanto, tratando-se este último de norma transitória, não poderia subsistir no ordenamento jurídico quando a situação que regu-lamentava já deixara de existir. Significa dizer que, se o art. 28 – norma de transição – veio a lume exclusivamente para regulamentar a situação daqueles segurados que já haviam adquirido o direito à conversão na data da vigência da MP 1663, não há razão para entendê-lo vigente no

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momento em que não convalidada, pela Lei 9.711, a revogação da norma principal – § 5º do art. 57.

Nesse mesmo sentido direciona-se a jurisprudência mais recente do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUL-GAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE.

1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador Segurado da Previdência Social, sendo, portanto, julgados sob tal orientação exegética.

2. Tratando-se de correção de mero erro material do autor e não tendo sido alterada a natureza do pedido, resta afastada a configuração do julgamento extra petita.

3. Tendo o Tribunal a quo apenas adequado os cálculos do tempo de serviço laborado pelo autor aos termos da sentença, não há que se falar em reformatio in pejus, a ensejar a nulidade do julgado.

4. O Trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmen-te, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada, para fins de aposentadoria comum.

5. Recurso Especial improvido.”(REsp 956110/SP, Relator(a) Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, Data do Julgamento 29.08.2007, Data da Publicação/Fonte DJ 22.10.2007 p. 367) (grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODO TRABALHADO.

1. Com as modificações legislativas acerca da possibilidade de conversão do tempo exercido em atividades insalubres, perigosas ou penosas, em atividade comum, infere-se que não há mais qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regras aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, inclusive após 28.05.1998. Precedente desta 5ª Turma.

2. Recurso especial desprovido.” (REsp 1010028/RN, Relator(a) Ministra Lau-rita Vaz, 5ª Turma, Data do Julgamento 28.02.2008. Data da Publicação/Fonte DJe 07.04.2008) (grifei)

Em face dos motivos acima expostos, tenho que descabe qualquer limitação temporal ao direito de reconhecimento de uma atividade como especial e sua respectiva conversão em tempo comum. Porém, ressalvando meu ponto de vista pessoal, admito a conversão do tempo

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especial para comum apenas até 28.05.1998, em face do entendimento já pacificado deste Egrégio Tribunal nesse sentido.

Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Quadro Anexo – 2ª parte) e 83.080/79 (Anexo II) até 28.04.95, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Qua-dro Anexo – 1ª parte) e 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.97 e o Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) no interregno compreendido entre 06.03.97 e 28.05.98. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP nº 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30.06.2003, p. 320).

Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25.03.1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24.01.1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, in verbis:

Período trabalhado Enquadramento Limites de tolerância

Até 05.03.1997 1. Anexo do Decreto nº 53.831/64; 2. Anexo I do Decreto nº 83.080/79

1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB

De 06.03.1997 a 06.05.1999 Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 Superior a 90 dB

De 07.05.1999 a 18.11.2003 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, na redação original Superior a 90 dB

A partir de 19.11.2003 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003

Superior a 85 dB

Quanto ao período anterior a 05.03.97, já foi pacificado, em sede da Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19.02.2003, p. 485) e também do INSS, na esfera administrativa

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(Instrução Normativa nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis, con-comitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos nos 53.831/64 e 83.080/79 até 05.03.97, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto nº 53.831/64.

Todavia, considerando que esse novo critério de enquadramento da atividade especial veio a beneficiar os segurados expostos a ruídos no ambiente de trabalho, bem como tendo em vista o caráter social do direito previdenciário, é cabível a aplicação retroativa da disposição regulamen-tar mais benéfica, considerando-se especial a atividade quando sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis, desde 06.03.97, data da vigência do Decreto nº 2.172/97.

Em resumo, é admitida como especial a atividade em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 80 decibéis até 05.03.1997 e, a partir de então, acima de 85 decibéis, desde que aferidos esses níveis de pres-são sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.

Com relação ao agente nocivo hidrocarboneto (e outros compostos de carbono), o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25.03.1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24.01.1979, e o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, cuidando de detalhar os critérios para efeitos de concessão da aposentadoria especial aos 25 anos de serviço, consi-deravam insalubres as atividades expostas a poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono nas operações executadas com derivados tóxicos do carbono, em que o segurado ficava sujeito habitual e permanentemente (Códigos 1.2.11, 1.2.10; 1.0.3, 1.017 e 1.0.19, na devida ordem).

No caso em apreço, assinalo que a controvérsia diz respeito ao reco-nhecimento da especialidade das atividades exercidas de 02.03.1991 a 30.09.1991 e de 01.06.1992 a 04.06.2002, porquanto os demais períodos já foram devidamente convertidos pela Autarquia, em sede administra-tiva, conforme resumo de documentos de fls. 89-94 e comunicação de decisão (fl. 95). Ademais, no próprio recurso de apelação, o INSS refere que o benefício do autor foi indeferido, por não ter sido reconhecido como especial o período posterior a março de 1991, quando o demandante teria

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exercido a função de encarregado, e não de soldador.Dessa forma, os períodos controversos de atividade laboral exercidos

em condições especiais estão assim detalhados:

Período: a) de 02.03.1991 a 30.09.1991; b) de 01.06.1992 a 04.06.2002

Empresa: São Domingos Ind. e Com. de Coque Ltda.

Função: Soldador mecânico

Categoria profissional: Soldadores

Agentes nocivos: Fumos metálicos, óleos minerais e solda elétrica e a oxiacetileno

Enquadramento legal:

Códigos 1.2.9, 1.2.11 e 2.5.3 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64; códigos 1.2.10 e 1.2.11 do Anexo I e código 2.5.3 do Anexo II do Decreto 83.080/79; códigos 1.0.7 e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto 2.172/97

Provas: Formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais (fl. 22), embasado em laudo técnico-pericial (fls. 24-54).

Conclusão:

Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte-autora, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de seu enquadramento por categoria profissional, até 29.04.1995, e de sua exposição, de forma habitual e permanente, aos agentes agressivos referidos, limitada a conversão a 28.05.1998, nos termos da fundamentação

Assinalo que não merece prosperar a alegação da Autarquia de que não seria possível o reconhecimento da insalubridade das atividades acima elencadas em virtude de constar na CTPS do autor a atividade de encarregado. Ocorre que, no formulário-padrão juntado aos autos (fl. 22), é descrita a atividade do demandante como de soldador e, ainda, à fl. 61, o diretor da respectiva empresa esclarece que a atividade do autor efetivamente era a de soldador.

O resultado da conversão em tempo de serviço comum do tempo de serviço ora reconhecido como especial vai a seguir demonstrado:

Períodos Tempo comum Acréscimo decorrente da conversão*

02.03.1991 a 30.09.1991 00a 06m 29d 00a 02m 24d

01.06.1992 a 28.05.1998 05a 11m 28d 02a 04m 23d

Total 02a 07m 17d *Acréscimo resultante da conversão do tempo de serviço especial em comum (1,40 para

segurado homem e 1,20 para segurada mulher)

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Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição

A aposentadoria por tempo de serviço, que já existia sob a égide da Lei nº 3.807/60, foi mantida pela Lei nº 8.213/91, até o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, que a substituiu pela aposentadoria por tempo de contribuição.

Em face dessa mudança, o tempo de serviço realizado até 16.12.98 foi transformado em tempo de contribuição, para fins de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.

Um segurado pode, em tese, preencher, no máximo até 16.12.98, todos os requisitos necessários para obter sua aposentadoria por tempo de serviço, proporcional ou integral. Preenchendo-os ou não, ele pode também vir a preencher todos os requisitos necessários para obter sua aposentadoria por tempo de contribuição, proporcional ou integral.

Em preenchendo todos os requisitos necessários para obter, em mo-mentos diversos, mais de uma modalidade de aposentadoria, por tempo de serviço ou de contribuição, proporcional ou integral, uma excludente da outra, o segurado terá direito à implantação da aposentadoria que lhe for mais vantajosa.

Com vistas à aferição do direito do segurado à aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição, deve ser verificado se ele preenche os requisitos necessários para tanto, em determinadas datas-base.

As principais datas-base a serem consideradas são as seguintes: a) a data do requerimento administrativo do benefício, em todos os casos; b) o dia 16.12.98, se o requerimento administrativo for posterior a essa data; c) o dia 28.11.99, se o requerimento administrativo for posterior a essa data.

As razões da escolha dessas datas-base são as seguintes: a) a data do requerimento administrativo do benefício constitui, em qualquer caso, a última data-base que pode ser considerada; b) como a aposentadoria por tempo de serviço só existiu até 16.12.98, esta data constituirá a pri-meira data-base a ser considerada, caso o requerimento administrativo seja posterior a ela; c) como, após 28.11.99, entrou em vigor a Lei nº 9.876/99, que criou o fator previdenciário e alterou as regras atinentes aos salários de contribuição a serem considerados no cálculo do salário de benefício, a referida data-base também deverá ser considerada, caso

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o protocolo do requerimento administrativo seja posterior a ela.O resultado da soma, até 16.12.1998, do tempo de serviço reconhecido

pela administração previdenciária e do tempo de serviço reconhecido judicialmente vai a seguir demonstrado:SITUAÇÃO EM 16.12.1998 ANOS MESES DIAS INSS (fls. 89-90) 27 10 24 Acréscimo: conversão de especial p/comum 02 07 17 TOTAL 30 06 11

Na data acima mencionada, a parte-autora: a) possui tempo de serviço suficiente para obter sua aposentadoria por tempo de serviço (artigo 53 da Lei nº 8.213/91: mínimo de 25 anos para a segurada mulher e de 30 anos para o segurado homem); b) preenche a carência necessária (102 meses: artigo 142 da Lei nº 8.213/91); c) tem direito à aposentadoria por tempo de serviço.

O resultado da soma, até 28.11.1999, do tempo de contribuição reco-nhecido pela administração previdenciária e do tempo de serviço/con -tribuição reconhecido judicialmente vai a seguir demonstrado:SITUAÇÃO EM 28.11.1999 ANOS MESES DIAS INSS (fls. 91/92) 28 10 06 Acréscimo: conversão de especial p/comum 02 07 17 TOTAL 31 05 23

Na data acima mencionada, a parte-autora: a) possui tempo de contri-buição suficiente para obter sua aposentadoria por tempo de contribuição proporcional (mínimo de 30 anos para o segurado homem); b) não possui a idade necessária (53 anos para o segurado homem), pois sua data de nascimento recaiu em 08.02.1956 (fl. 08), e sua idade, em 28.11.99, era 43 anos; c) não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, observadas as regras de transição contidas na Emenda Constitucional nº 20/98.

O resultado da soma, até 04.06.2002 (DER), do tempo de contribuição reconhecido pela administração previdenciária e do tempo de serviço/con-tribuição reconhecido judicialmente vai a seguir demonstrado:SITUAÇÃO NA DER ANOS MESES DIAS INSS (fls. 93-94) 31 04 11 Acréscimo: conversão de especial p/comum 02 07 17 TOTAL 33 11 28

Na data acima mencionada, a parte-autora: a) possui tempo de con-

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tribuição suficiente para obter sua aposentadoria por tempo de contri-buição proporcional (mínimo de 30 anos para o segurado homem); b) não possui a idade necessária (53 anos para o segurado homem), pois sua data de nascimento recaiu em 08.02.1956 (fl. 08), e sua idade, em 04.06.2002, era 46 anos; c) não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, observadas as regras de transição contidas na Emenda Constitucional nº 20/98.

O melhor dos benefícios ao qual a parte-autora tem direito deverá ser implantado. Sua data de início recairá na data do protocolo do requeri-mento administrativo.

Assinalo que o pleito da parte-autora, à fl. 108, de continuar per-cebendo a aposentadoria por tempo de contribuição concedida na via administrativa e de receber os valores atrasados, referentes ao benefício ora concedido, desde o requerimento administrativo (04.06.2002), não merece guarida.

Ocorre que inexiste previsão legal concedendo ao autor o direito a perceber parcelas atrasadas referentes à concessão judicial do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição e cumulativamente perceber aposentadoria por contribuição, concedida administrativamente, durante o trâmite do processo judicial.

Ainda, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 assim dispõe:“Art. 18. (...) § 2º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que perma-

necer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.”

Em rigor, o que pretende o autor é, ainda que por via transversa, uma reaposentação, pois legalmente teria sido o segurado aposentado em 1998, obtendo, todavia, novo benefício em data posterior, a partir do segundo requerimento. A reaposentação, todavia, é vedada pelo artigo antes trans-crito, e tem sido negada em diversos precedentes desta Corte.

Dessa forma, a parte-autora poderá optar pela execução desse julgado e, em caso afirmativo, passará a perceber o benefício ora concedido, bem como receberá os atrasados, compensados os valores já recebidos, na via administrativa, a título de aposentadoria.

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Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

a) Atualização Monetária e Juros de Mora: até 30.06.2009, a atuali-zação monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar pelos índices oficiais jurisprudencialmente aceitos, quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64), OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86, de 03/86 a 01/89), BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89), INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91), IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92), URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94), IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94), INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95), IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp nº 1.103.122/PR). Nesses períodos, os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A contar de 01.07.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, para fins de atualização monetária e juros, haverá a inci-dência, uma única vez, até o efetivo pagamento dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

b) Honorários Advocatícios: devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: “Os honorários advocatícios, nas ações previ-denciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.

c) Custas Processuais: o INSS é isento do pagamento no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96), isenção esta que não se aplica quando

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demandado na Justiça Estadual (Súmula 20 do RTF4), devendo ser ressalvado, todavia, que, nos Estados do Rio Grande do Sul (Súmula 02 do extinto TARGS) e de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.

Os juros de mora devem adequar-se, de ofício, aos parâmetros acima mencionados.

Quanto à correção monetária, a sentença é omissa. Logo, deve ser suprida, de ofício, a omissão, fixando-se a atualização monetária nos termos acima definidos.

Os honorários advocatícios e as custas processuais, por força do ree-xame necessário, devem afeiçoar-se aos critérios acima referidos.

Cumpre assinalar que os honorários advocatícios, nesse caso, não in-cidem sobre as importâncias já alcançadas ao segurado fora do processo, ainda que referentes a competências abrangidas inicialmente pela con-denação. Nessas hipóteses, a condenação se revela parcialmente estéril, solapada por um quadro fático-jurídico que, caso trazido ao conhecimento do juízo em momento anterior à prolação do decisum condenatório, ocasionaria a extinção do feito sem julgamento do mérito em relação ao reconhecimento do pedido nessas competências.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por, de ofício, corrigir erro material da sentença, suprir sua omissão e alterar os juros moratórios, e dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, esta tida por interposta.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Após pedido de vista para melhor exame, peço vênia para divergir em parte, pois entendo possível a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício pos-tulado na via judicial até a data da implantação administrativa.

Primeiramente, registro que não se trata de aplicação, na hipótese em apreço, do disposto no art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios (“O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a pres-

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tação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”), pois este incide sobre situação diversa da dos autos, qual seja, a do aposentado que permanecer em atividade, referindo-se esta, por óbvio, ao trabalho desempenhado após a data em que foi concedida a aposentadoria. E, no presente caso, a aposentadoria pleiteada foi con-cedida judicialmente, ainda que seu termo inicial tenha sido fixado em data anterior, de forma que o trabalho ocorrente após tal termo inicial não foi desempenhado após a data concessiva da aposentadoria. Em ou-tras palavras, há de se diferenciar a atividade exercida após a concessão da aposentadoria (hipótese de incidência da norma supramencionada) daquela exercida antes de tal concessão (situação dos autos), ainda que posteriormente à data inicial da aposentadoria, fixada, de forma retroativa, no julgamento. No primeiro caso, tem-se trabalho voluntário, opcional, após a concessão da aposentadoria; no segundo, o trabalho é obrigatório para a obtenção do indispensável sustento, justamente em razão da não concessão da aposentadoria.

Tivesse a autarquia previdenciária concedido a aposentadoria na época devida, não faria jus o segurado a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício da atividade posterior. No entanto, não foi o que ocorreu: o INSS não concedeu a devida aposentadoria na época própria, obrigando o segurado, além de movimentar o Poder Judiciário para reconhecer seu direito, a continuar trabalhando por vários anos para buscar o indispensável sustento, quando este já deveria estar sendo assegurado pela autarquia previdenciária.

Ora, em casos tais, a situação fática existente por ocasião do julga-mento costuma ser diferente da que se apresentava à época do requeri-mento administrativo ou do ajuizamento da ação: o tempo trabalhado após tais marcos pode, em conjunto com tempo de serviço/contribuição incontroverso, vir a ser suficiente – independentemente do tempo de serviço/contribuição pleiteado judicialmente – à obtenção de aposenta-doria na esfera administrativa, no curso do processo. A concessão judicial de outra aposentadoria, com diferente termo inicial, traz por consequência a necessidade de disciplinar o direito da parte-autora de forma dinâmica, com consideração das múltiplas variáveis. Neste passo, determinar que a parte-autora, simplesmente, opte por uma ou por outra aposentadoria,

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ademais de não encontrar apoio na legislação (o art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, repita-se, trata de hipótese diversa), implicará a consagração de uma injustiça para com o segurado, pois, das duas uma: a) se optar pela aposentadoria concedida judicialmente, o tempo de serviço desem-penhado posteriormente ao requerimento administrativo (ou ajuizamento da ação) não lhe valerá para aumentar a renda mensal, isso apesar de o exercício da atividade não ter sido propriamente voluntário, mas obrigado pelas circunstâncias, ou, mais especificamente, obrigado pela atuação da autarquia previdenciária desgarrada da melhor interpretação das normas legais; b) se optar pelo benefício que, após novos anos de labuta, lhe foi deferido administrativamente, de nada lhe terá valido a presente ação, a jurisdição terá sido inútil, o Judiciário seria desprestigiado e, mais que isso, a verdadeira paz social, no caso concreto, não seria alcançada.

Por tudo isso, as possibilidades de opção do segurado devem ser ampliadas, tal como preconizado neste voto: assegura-se-lhe a per-cepção dos atrasados decorrentes do benefício deferido judicialmente (com isso prestigiando a aplicação correta do Direito ao caso concreto e justificando a movimentação do aparato judiciário) e possibilita-se-lhe, ademais, a opção pelo benefício deferido administrativamente (com isso prestigiando o esforço adicional desempenhado pelo segurado, consis-tente na prorrogação forçada de sua atividade laboral). A não ser assim, ter-se-ia o prestigiamento de solução incompatível com os princípios que norteiam a administração pública, pois a autarquia previdenciária seria beneficiada apesar do ilegal ato administrativo de indeferimento do benefício na época oportuna.

Quanto aos demais, acompanho o eminente relator. Ante o exposto, voto por, de ofício, corrigir erro material da sentença,

suprir sua omissão e alterar os juros moratórios, e dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial em menor extensão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Vinha enten-dendo pela inviabilidade de permanência do benefício mais vantajoso concedido na via administrativa nas hipóteses de sobreposição dos salários de contribuição. Contudo, diante das ponderações lançadas no voto-vista, tenho que se afigura mais razoável a orientação ali traçada,

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razão pela qual acompanho a divergência.Ante o exposto, voto por corrigir, de ofício, o erro material da sen-

tença, suprir sua omissão e alterar os juros moratórios, e dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial em menor extensão.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.71.11.007541-3/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Apelante: João Carlos de OliveiraAdvogados: Drs. Peri Silveira Fortes e outro

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Apelada: União FederalAdvogado: Dr. Luis Henrique Martins dos Anjos

Remetente: Juízo Substituto da VF de Santa Cruz do Sul

EMENTA

Constitucional. Processual civil. Previdenciário. Benefício assisten-cial. Reclamação decidida pelo Supremo Tribunal Federal cassando a sentença. Prolação de nova sentença com retomada da marcha proces-sual. Cabimento. Não preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício.

1. O pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em reclamação nem sempre tem efeito substitutivo em relação à decisão que é objeto de questionamento.

2. Quando na reclamação se define somente uma questão jurídica que deve ser considerada para a decisão do processo, o efeito do pro-nunciamento do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de estar sendo questionada sentença, é apenas o de cassá-la.

3. Cassada a sentença nestas circunstâncias, outra deve ser prolatada,

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até porque para o processo de subsunção às balizas jurídicas estabelecidas pela legislação de regência e pela decisão na reclamação, há necessidade de definição da questão fática, que passa pela análise de elementos de prova, podendo, ademais, haver necessidade também de definição de outras questões jurídicas antecedentes, paralelas ou consequentes.

4. Prolatada nova sentença, não há porque se negar o acesso às ins-tâncias superiores para discussão, pelas vias apropriadas, das demais questões jurídicas e fáticas relevantes – conquanto, obviamente, o tanto quando decidido na reclamação não possa mais ser objeto de discussão –, viabilizado, consequentemente, o acesso às instâncias superiores, como decorrência do que dispõe a legislação processual e recomenda o due process of law.

5. Hipótese em que, uma vez adotado o critério objetivo definido na reclamação, não restou comprovada a miserabilidade do demandante, a despeito do que relatado formalmente no estudo social, o qual demonstra um quadro de dificuldades financeiras enfrentados pelo núcleo familiar, pois a renda familiar per capita, objetivamente, é superior a ¼ do salário mínimo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de outubro de 2009.Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: João Carlos de Oliveira, representado por seu pai, Florisbelo Lopes de Oli-veira, ajuizou ação contra o INSS, objetivando a concessão do benefício de Amparo Assistencial, desde a data do requerimento administrativo, em 05.03.2002 (fl. 24).

Durante a instrução processual foi realizada perícia socioeconômica, consoante laudo acostado às fls. 79-81.

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O Ministério Público Federal, às fls. 98 a 105, opinou pela procedência do pedido do autor.

Sentenciando, o MM. Juízo a quo excluiu a União Federal do polo passivo, admitindo sua participação apenas como assistente simples e, no mérito, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o INSS a pagar o benefício desde 05.03.2002, e bem assim os ônus sucumbenciais decorrentes (fls. 106-113).

Ajuizada reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, a sentença, após processamento, restou cassada.(fls. 153-156).

Nova decisão foi proferida, tendo o Magistrado, considerando a renda per capita da família do autor, julgado improcedente o pedido. O autor foi condenado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, os quais restaram suspensos em razão da assistência judiciária gratuita (fls. 163-165).

Irresignada, a parte-autora apela da decisão supra, postulando, em síntese, a sua reforma, visto que é “deficiente mental” e que sua família é composta por mais uma irmã, de nome Veridiana Aparecida de Oli-veira, que é menor e também é “deficiente mental”; seu pai, Florisbelo de Oliveira, que está desempregado e trabalha fazendo alguns serviços esporadicamente; e sua mãe, Juraci de Oliveira, que é aposentada e tem uma renda mensal de R$ 312,18, que recebe do INSS (fl. 170).

O INSS interpôs agravo retido contra a decisão de fl. 174, que recebeu a apelação do autor em ambos os efeitos, tendo em vista decisão proferi-da pelo STF em sede de Reclamação, onde expressamente determinada a observância do requisito da renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo (fls. 176-177).

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Egrégia Corte para julgamento.

Às fls. 186-188, o Ministério Público Federal apresentou parecer, opinando pelo não conhecimento do apelo da parte-autora e pelo provi-mento do agravo retido interposto pelo INSS.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Há

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necessidade de apreciar inicialmente a matéria que é objeto do agravo retido.

O INSS questiona a decisão que recebeu a apelação da parte-autora em ambos os efeitos, aduzindo que:

“De efeito, o r. despacho da fl. 174 recebeu o recurso de apelação, sendo certo que o efeito vinculante que advém da ADI n° 1232 e a autoridade do julgado havido no bojo da Reclamação n° 3731-RS impedem o conhecimento da insurgência recursal da parte adversa, pelo que a reforma daquela decisão é medida que se impõe, data maxima venia.

Além do mais, o quadro fático descrito na sentença não difere daquele em que lastreada a decisão cassada pelo Pretório Excelso, de maneira que admitir-se o pro-cessamento do recurso de apelação interposto desafiará a autoridade da decisão havida pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, o que não se pode admitir.

Logo, requer-se o recebimento do presente recurso de agravo retido, oportunizando-se vista à parte adversa para contra-arrazoá-lo, querendo, a fim de que o e. TRF da 4ª Região venha dele conhecer, forte no artigo 552, § 4º, do CPC.” (fl. 177 – grifado)

A despeito dos fundamentos expostos pelo INSS e pelo Ministério Público Federal no parecer de fls. 186-188, tenho que o recurso merece conhecimento.

Com efeito, em que pese na Reclamação 3.731-2/RS, Relator o Min. Joaquim Barbosa, a decisão então questionada (sentença das fls. 106-113) tenha sido cassada, os efeitos da determinação limitaram-se ao comando para que não seja afastada, por ocasião do exame dos requisitos do be-nefício assistencial, a observância da renda máxima per capita tal como definida em lei. Considerou o Relator da reclamação que a sentença, ao reputar relevante o advento da Lei 9.533/97 para fins de definição da renda familiar per capita, afrontou o que decidido na ADI 1.232, na qual afirmada a constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93.

Consoante estabelece o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a reclamação se destina a preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões. A norma repete, em rigor, o que estatui o artigo 102, I, l, da Constituição Federal. Por outro lado, ao julgar a Reclamação, o STF poderá avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência, cassar a decisão exorbitante de seu julgado ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição (art. 161 do RISTF).

O pronunciamento da Suprema Corte na reclamação, portanto, nem

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sempre tem efeito substitutivo em relação à decisão que é objeto de questionamento.

No caso dos autos, a reclamação teve como foco a sentença, a qual apreciou questões jurídicas e também questões fáticas. Como na re-clamação apenas se definiu uma das questões jurídicas que devem ser consideradas para a decisão do processo, o efeito da decisão do STF, no caso, foi apenas de cassar a sentença.

Cassada a sentença nestas circunstâncias, outra deve ser prolatada, como de fato foi, até porque para o processo de subsunção às balizas jurídicas estabelecidas pela legislação de regência e pela decisão na reclamação, há necessidade de definição da questão fática, que passa pela análise de elementos de prova (o que, obviamente, pelos estrei-tos limites da reclamação, não ocorreu na apreciação do incidente), podendo, ademais, haver necessidade também de definição de outras questões jurídicas antecedentes, paralelas ou consequentes. E prolatada nova sentença, não há porque se negar o acesso às instâncias superiores, para discussão, pelas vias apropriadas, das demais questões jurídicas e fáticas relevantes, conquanto, obviamente, o tanto quando decidido na reclamação não possa mais ser objeto de discussão.

Convém frisar que a própria Constituição Federal, ao tratar no art. 103-A (incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) da Súmula vinculante, instituiu previsão específica de reclamação para o caso de descumprimento, estabelecendo que, ao julgar o incidente, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo-o, “anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso” (§ 3º do art. 103-A).

Como visto, a decisão da reclamação faz coisa julgada, com efeito vinculante, no processo judicial que lhe deu gênese, nos estritos limites do que nela decidido.

A se entender de modo contrário, toda vez que o Supremo Tribunal Federal acolhesse reclamação contra sentença, o processo estaria extinto com resolução de mérito, sem possibilidade de qualquer outro questio-namento e mesmo sem definição, por exemplo, acerca dos ônus sucum-benciais. Parece claro, pois, que a decisão da reclamação, no caso em apreço, teve apenas o efeito de definir uma questão jurídica e de cassar a sentença (como, a propósito, consta no dispositivo – fl. 156), de modo

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que necessário novo pronunciamento do Juiz de primeiro grau – desta feita com observância do que definido pelo STF –, viabilizado, conse-quentemente, o acesso às instâncias superiores como decorrência do que dispõe a legislação processual e recomenda o due process of law.

Vencida esta questão, passa-se à análise da matéria de fundo.Assim dispõe o art. 20 da Lei 8.742/93 ao estabelecer os requisitos

para a concessão de benefício assistencial:“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo

mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de defici-ência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.

§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.

§ 6º A deficiência será comprovada através de avaliação e laudo expedido por ser-viço que conte com equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), credenciados para esse fim pelo Conselho Municipal de Assistência Social.”

Da leitura deste dispositivo, pode-se concluir que dois são os requi-sitos para a concessão do benefício em tela: (a) possuir o beneficiário deficiência incapacitante para a vida independente, e (b) encontrar-se a família do requerente em situação de miserabilidade.

Quanto aos requisitos, algumas observações são necessárias.Primeiramente, no que tange à incapacidade do requerente, deve

ser entendida como aquela que o impede para o exercício de atividade remunerada. Isso porque, ao se exigir além, impondo-se uma situação de total dependência em relação aos familiares, estar-se-ia negando a própria essência do benefício, que é suprir a impossibilidade econômica

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do incapaz. Não é outro, aliás, o entendimento deste Tribunal:“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, DA CF/88.

LEI Nº 8.742/93. MISERABILIDADE E INCAPACIDADE LABORAL. COMPRO-VAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. Concede-se o benefício assistencial, nos moldes do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, quando comprovada a incapacidade da parte-autora para o trabalho, por ser portador de deficiência, e a sua condição de miserabilidade comprometa a sua subsistência por meios próprios, ou a impossibilidade de tê-la provida pela família. (...)” (AC 2003.70.04.001790-7, 6ª Turma, Rel. Des. Rômulo Pizzolatti, DJU 21.06.2006)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSIS-TENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO DEMONSTRADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VEROSSIMI-LHANÇA E PERICULUM IN MORA CONFIGURADOS. IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO. DESCABIMENTO.

1. A concessão do amparo assistencial é devida às pessoas portadoras de deficiên-cia e idosos, mediante a demonstração de não possuírem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. O reconhecimento da capacidade para a prática dos atos da vida diária não impede a percepção do benefício em tela, desde que devidamente comprovada a incapacidade para o trabalho, consideradas as circunstâncias do caso concreto. Precedente desta Turma. (...)” (AG 2004.04.010327271, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Luiz Antônio Bonat, DJU 06.09.2005)

No que se refere ao requisito econômico, este se verifica, conforme o § 3º, quando a renda per capita da família for igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Frise-se que, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, não fere a constituição a disciplina de um conceito legal de baixa renda, sendo este, aliás, o único critério a ser utilizado para a concessão do amparo (ADI 1.232, Plenário, DJU 01.06.2001; Rcl 2.303, DJU 01.04.2005).

No presente caso, o fato de o autor ser deficiente físico e mental é incontroverso, sendo o benefício indeferido administrativamente em razão da renda do grupo familiar (fl. 07).

No que toca ao outro requisito, a despeito do que relatado formalmente no estudo social de fls. 79-81, o qual demonstra um quadro de severas dificuldades financeiras enfrentadas pelo núcleo familiar integrado pelo autor, por seus pais (a mãe é aposentada pelo INSS e o pai vive de “bicos”) e por sua irmã menor (a qual, ao que parece, também sofre de deficiência mental), a miserabilidade do demandante, adotado o critério

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objetivo definido na reclamação, não restou comprovada. Com efeito, sua família, composta por quatro pessoas, recebia, na data em que elaborado o estudo, renda mensal R$ 353,76, acarretando renda mensal per capita de R$ 88,44, superior ao limite legal.

Nessas condições, não merece reforma o decisum.Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e à ape-

lação, nos termos da fundamentação retro.

AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVELNº 2004.71.00.019685-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional do INSS

Apelado: Nilo Rangel de BarrosAdvogados: Drs. Daisson Silva Portanova e outros

Agravada: Decisão de folhas

EMENTA

Constitucional, previdenciário e processual civil. Agravo (art. 557, § 1º, do CPC). Embargos à execução de sentença. Art. 741, parágrafo único, do CPC. Inaplicabilidade. Decisão do STF posterior à formação da coisa julgada.

1. Dispondo a Lei, salvo disposição em contrário e ressalvadas deter-minadas situações, para o futuro, também há de se fixar que o invocado julgamento havido no STF (RE nº 313.382/SC) não pode afetar a coisa julgada regularmente constituída antes de sua prolação, considerado incluso o artigo 741, parágrafo único, do CPC (na redação da MP nº 2.180-35/2001).

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2. O manejo da hipótese do artigo 557, caput, do CPC, pelo Relator, não exige concomitante consonância do entendimento jurisprudencial de seu tribunal com o dos tribunais superiores. Eventual inconsistência na aplicação do permissivo legal, de qualquer sorte, resta suprida por ulterior apreciação, em sede de agravo legal, da matéria de fundo pelo Colegiado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 20 de outubro de 2009.Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Trata-se de agravo interposto pelo INSS (CPC, art. 557, § 1º) contra decisão do precedente Relator que negou seguimento à apelação da autarquia (leg. cit., art. 557, caput).

Pugna o INSS/agravante pela reforma do decisum porque o recurso a que se negou seguimento visa à prevalência de decisão do colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 313.382/SC, resul-tando incabível seu enquadramento na hipótese legal de decisão pelo Relator.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Não merece acolhida a pretensão recursal. Confiro.

É o teor da decisão recorrida, cujos fundamentos adoto como parte integrante deste voto:

“(...) Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 25 a 28, que julgou improcedentes embargos à execução, condenando o embargante ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.

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Em suas razões de apelação (fls. 30-43), sustenta o INSS a inexigibilidade do título judicial, nos termos do artigo 741, parágrafo único, do CPC, uma vez que fundado em interpretação de lei considerada pelo STF como incompatível com a Constituição Federal – RE 313.382-9/SC (sessão plenária de 26.09.2002).

É o relatório.A questão controvertida cinge-se à exigibilidade do título judicial que condenou o

INSS a revisar o benefício da parte-autora, ora embargada, quando da conversão do benefício em URV, pelos valores corrigidos nos meses utilizados na média aritmética, quais sejam, novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994, reajustados pela variação integral do IRSM.

Na hipótese dos autos, a sentença exequenda embasou-se em decisão do Plenário deste Tribunal (Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 97.04.32540-1/RS, Rel. Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJ de 30.09.1998) que declarou inconstitucional a palavra ‘nominal’, contida no artigo 20, I, da Lei nº 8.880/94 – (fl. 98 dos autos em apenso) – disposição legal que posteriormente veio a ser declarada inconstitucional pelo STF.

O parágrafo único do art. 741 do CPC, inserido pela MP nº 2.180-35, de 24.08.2001, estabelece:

‘Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.’

Importa observar que a norma em foco (abstraída a discussão acerca de sua cons-titucionalidade – ADIn nº 2.418/DF) não tem aplicação à espécie, apenas se aplicando às decisões transitadas em julgado a partir da data do pronunciamento do Excelso Pretório em sentido contrário àquele considerado no provimento em que a execução tiver sido fundada. Colaciono ementa da 3ª Seção deste Tribunal, fixando entendimento nesse sentido:

‘PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 20, I DA LEI 8.880/94. CONVERSÃO DOS BENEFÍCIOS EM URV. INCONSTITUCIONALIDADE DA PALAVRA ‘NOMINAL’ DECLARADA POR ESTE TRIBUNAL. DIFERENTE CONCLUSÃO DO STF (RE 313.382/SC). ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. INAPLICABILIDADE.

1. A tese em que se ampara a controvérsia não se reveste de plausibilidade suficiente para alçá-la a uma questão de constitucionalidade, mas sim de mera aplicação, que se resolve pela incidência do parágrafo único do art. 741 do CPC tão somente a casos futuros, é dizer, nunca sobre títulos judiciais que alcançaram a definitividade antes da publicação da MP 2.180-35/2001 (24.08.2001) e, quanto àqueles que a atingiram após a mesma, apenas se posteriormente ao pronunciamento do excelso pretório em sentido contrário àquele considerado no provimento em que a execução tiver sido fundada (RE 313.382/SC – julgado em 26.09.2002).

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2. No caso, transitado em julgado o título judicial exequendo em 21.11.2001, sem aplicação o parágrafo único do art. 741 do CPC.’ (TRF 4ª Região, Embargos Infringentes nº 2003.04.01.040316-5, DJU de 02.08.2006)

In casu, tendo o título judicial transitado em julgado em 09.04.2001 (fl. 182 dos autos em apenso), anteriormente à decisão do STF que declarou inconstitucional a Lei nº 8.880/94 (RE 313.382-9/SC – sessão plenária de 26.09.2002), deve ser mantida a sua exigibilidade.

A parte-autora, por sua vez, insurge-se contra a determinação de compensação dos honorários advocatícios, ao fundamento da impossibilidade no caso, haja vista serem as grandezas julgadas totalmente distintas, pois o que foi improcedente importa em mais de 95% da execução, e o procedente, três meses pagos administrativamente. Sem razão o apelante. Seguindo a esteira do entendimento do STJ, a execução da verba honorária deve ser precedida da devida compensação entre o crédito e o débito de cada parte, de sorte a ser executado apenas o saldo resultante da referida compensação, mesmo sendo a parte-autora beneficiária de Assistência Judiciária Gratuita.

Nesse sentido é pacífica a jurisprudência do STJ:‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍ-

CIOS FIXADOS EM AÇÃO COGNITIVA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ART. 21, CAPUT, DO CPC. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. COMPENSAÇÃO IMEDIATA.

1. omissis 2. omissis 3. Havendo decaimento recíproco (art. 21, caput, do CPC), dar-se-á a compensação

imediata dos honorários advocatícios, mesmo quando um dos litigantes for beneficiário da Assistência Judiciária. Contudo, havendo saldo em favor da autarquia ré, a verba honorária só poderá ser cobrada da autora se for feita a prova de que esta perdeu a condição de necessitada – art. 12 da Lei nº 1.060/50.

4. Admite-se certa dose de discricionariedade do julgador na fixação da verba ho-norária em face das peculiaridades do caso concreto (cf. REsp 10.533/PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 01.06.1992).

5. Para aferir-se a proporção da distribuição dos ônus sucumbenciais, faz-se neces-sário revolver matéria fática, cuja competência é exclusiva das instâncias ordinárias, ficando postergada, no particular, para a fase de execução a definição da responsabi-lidade pela sucumbência.

6. Recurso especial provido.’ (STJ, 2ª Turma, REsp 693741/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 30.05.2005, p. 319)

‘CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ALIMENTOS. MODIFICAÇÃO DE CLÁU-SULAS. CONDENAÇÃO EM CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS AD-VOCATÍCIOS. BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO.

– Havendo sucumbência recíproca, impõe-se a compensação das verbas honorárias,

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regra que também alcança beneficiário da assistência judiciária gratuita. – Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.’ (STJ, 3ª Turma, REsp

488252/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 09.12.2003, p. 281)Ante o exposto, nego seguimento à apelação, nos termos do artigo 557, caput, do

CPC e do inciso II do § 1º do artigo 37 do Regimento Interno deste Tribunal.”

E assim há de prevalecer em definitivo, certo que, salvo expressa disposição em contrário (inexistente na espécie) – e, mesmo assim, respeitados determinados limites –, as disposições legais atuam para o futuro (v.g. LICC, art. 6º, caput).

Daí deriva que a suscitada decisão do Supremo Tribunal Federal não alcança, por retroação, a coisa julgada regularmente constituída antes de sua adveniência, conforme tem-se posicionado este Tribunal (v.g.: AC nº 2003.71.07.003631-1/RS, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, j. 29.06.2004, e AC nº 2003.71.00.034670-0/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, j. 14.04.2004).

Há ainda a considerar que a própria constitucionalidade da norma invocada é alvo de questionamento perante o próprio Supremo Tribunal Federal (ADin nº 2.418/DF), com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, a igual norte se orientando rr. precedentes do Superior Tribunal de Justiça (v.g.: 5ª Turma, REsp nº 711611/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 28.03.2005; 1ª Turma, REsp nº 704111/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 02.05.2005).

Em acréscimo e para não incorrer em omissão, registro que o nor-mativo que serviu de base à decisão do Relator (CPC, art. 557, caput) não exige que o provimento esteja em consonância com o entendimento jurisprudencial de seu tribunal e com o dos tribunais superiores, bastando o embasamento em julgados majoritários de um deles. Ainda que o STJ já tenha interpretado o dispositivo de forma diversa (de que é exemplo o julgamento havido no EREsp nº 223.651/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 01.12.2004), um tal posicionamento evoluiu para situação diversa (Ex: AgRgREsp nº 862.924/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. em 15.05.2007; e AgRgREsp nº 831.722/PR, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. em 12.06.2007).

Impende também referir que eventual inconsistência no manejo do dispositivo legal mencionado restaria suprida pela ulterior apreciação pelo órgão competente para a apreciação do apelo/remessa oficial, em sede de

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agravo (ver REsp 441.153, Rel. Min. Castro Meira, DJ 25.02.2004; REsp 436.315, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.02.2005; AgRgREsp 838.541/RN, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 18.09.2006).

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.12.002296-4/RS

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Apelante: Springer Carrier Ltda.Advogado: Dr. Caio Marcio Zogbi Vitória

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva

Apelados: (Os mesmos)

EMENTA

Embargos à execução fiscal. Agravo retido – não conhecido. Coisa julgada em ação anulatória. Alcance. Julgamento ultra petita. Formação de coisa julgada. Relativização. Cofins. Base de cálculo. Honorários advocatícios.

1. Em face da ausência de requerimento expresso quando da interpo-sição da apelação, não se conhece do agravo retido da embargante (art. 523, caput e § 1º, do CPC).

2. A controvérsia vertida nos autos envolve a delimitação do alcance da decisão transitada em julgado no processo nº 90.0010905-1, ajuizado perante a Seção Judiciária do Distrito Federal. Compulsando os atos processuais exarados naquele feito, observa-se que o egrégio TRF da 1ª Região abordou matéria que não foi exposta na causa, pois a fixação de alíquotas de acordo com a Resolução Ciex nº 2/79 (28%) não foi invocada na causa de pedir ou no pedido da parte. Da mesma forma, o

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recurso não suscitou a questão, resumindo-se a postular a reforma do decisum no que tange à limitação temporal.

3. Logo, irrefutável a existência de vício na decisão transitada em julgado no processo nº 90.0010905-1, por julgamento ultra petita.

4. Em se tratando de questão decidida no âmbito do processo, o cál-culo do crédito-prêmio do IPI pelas alíquotas da Resolução Ciex nº 2/79 encontra-se no dispositivo e passível de formar a coisa julgada. Não se trata, por conseguinte, de mero obiter dictum, conforme exposado pela União. Com efeito, a alíquota cabível confere operacionalidade ao pró-prio creditamento do IPI requerido pela parte, estando dentro do campo da ratio decidendi.

5. Analisando-se as particularidades do feito, o julgamento ultra petita não impede a formação da coisa julgada, inclusive na parte que foi além do pedido, pois o vício configura nulidade, e não inexistência da decisão.

6. Não obstante a formação da coisa julgada, possível cogitar de sua relativização no caso concreto, tendo em vista um juízo de ponderação perante os valores envolvidos (segurança jurídica versus adequada pres-tação jurisdicional). Nesse panorama, de difícil solução, conclui-se que o erro judiciário (error in iudicando) não merece salvaguarda.

7. Logo, a excepcionalidade da hipótese apresentada permite a quebra parcial da coisa julgada formada na ação ordinária nº 90.0010905-1, a fim de consagrar o valor justiça, não merecendo amparo por este Juízo o crédito utilizado pela contribuinte no procedimento compensatório, em alíquota superior àquela efetivamente aplicável.

8. Por outro lado, resta analisar a suposta inexistência do débito objeto da compensação. A embargante evoca a impossibilidade de incidência da Cofins sobre receitas não oriundas da venda de bens e serviços, tendo em vista a inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98.

9. Todavia, o mérito da alegação não comporta maior aprofunda-mento nesta via. A embargante, nos autos do mandado de segurança nº 1999.71.00.007273-4, obteve decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (RE 392.447), desautorizando a incidência tributária sobre a totalidade das receitas auferidas pelos contribuintes.

10. Ao que indica, segundo as informações prestadas no “Relatório da Atividade Fiscal”, o Fisco apurou a base de cálculo da Cofins consideran-

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do o “faturamento bruto” e “outras receitas”. Logo, deve ser delimitada a base de cálculo de incidência da Cofins, limitando-a ao conceito dado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 392.447, ou seja, excluindo os valores que não compõem o conceito de faturamento.

11. Considerando a inviabilidade de se apreciar o valor que será ex-cluído da execução e o fato de envolver somas de grande monta, não se mostra razoável estabelecer a verba honorária sobre o valor da causa ou da condenação. Portanto, caberá à embargada o pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

12. Agravo retido não conhecido. Apelação da União e remessa oficial parcialmente providas. Apelação da embargante desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido, dar parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial e negar provimento da embargante, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de outubro de 2009.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Springer Carrier Ltda. opôs embargos à execução fiscal movida pela Fazenda Nacional postulando a nulidade do título executivo referente ao processo nº 2004.71.12.006291-2.

Narrou a embargante que ajuizou ação declaratória nº 90.0010905-1 perante a Seção Judiciária de Brasília, em que foi reconhecido o direito ao aproveitamento do crédito-prêmio do IPI, observando-se as alíquotas da Resolução Ciex n° 2/79. Disse que, em 16.01.2002, foi autuada pela Receita Federal – processo administrativo nº 11080.000781/2002-86, no qual restaram glosados valores relativos às compensações da Cofins efetuadas pela autora, sob fundamento de que a decisão judicial não autorizara a utilização do crédito no percentual da Resolução. Afirmou que o lançamento encontra-se pendente de julgamento definitivo na via

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administrativa, de modo que permanece com a exigibilidade suspensa. Propugnou pela inconstitucionalidade da Lei nº 9.718/98 para exclusão da base de cálculo da Cofins de quaisquer outras receitas que não aquelas pro-venientes do faturamento, tais como as receitas financeiras e as variações cambiais. Defendeu a ausência de exigibilidade do título e a ilegalidade da execução fiscal. Atribuiu à causa o valor de R$ 86.280.535,72.

O Juízo a quo indeferiu o pedido de produção de prova pericial for-mulado pela parte-autora (fl. 570). Contra a decisão foi interposto agravo retido (fls. 661-667).

Processado o feito, sobreveio sentença julgando procedentes os em-bargos para declarar nulo o título executivo e condenando a embargante ao pagamento de custas e honorários advocatícios, fixados em 1% sobre o valor da causa.

Opostos embargos de declaração pela demandante, foram acolhidos para reconhecer o erro material na sentença e condenar a parte embargada ao pagamento da verba de sucumbência. Na oportunidade, sanou-se a omissão para declarar a impossibilidade de cobrança de outras receitas sobre a Cofins que não aquelas oriundas do faturamento.

Apelou a Springer Carrier Ltda. requerendo a majoração da verba honorária fixada na sentença.

A União (Fazenda Nacional) interpôs apelação sustentando que a sentença prolatada nos autos do processo nº 90.0010905-1 conferiu à embargante o direito ao crédito-prêmio de IPI conforme Termo de Manutenção e Utilização de Incentivo Fiscal nº 027/82, o qual prevê a alíquota de 15%, e não de 28% como pretende a contribuinte. Alegou que a passagem que menciona a aplicação da alíquota exposta na Resolução Ciex configura obter dictum, não abarcada pela tese da transcendência dos motivos determinantes. Asseverou que o pedido vertido naquele feito não abrangia as alíquotas para o cálculo do crédito-prêmio de IPI, mas apenas a definição dos seus limites temporais. Postulou a redução da verba honorária de sucumbência.

Contrarrazões da embargante às fls. 768-808.Em 12 de março do corrente ano, a ilustre Juíza Federal Eloy

Bernst Justo determinou a redistribuição do processo em face da prevenção deste Juízo pelo julgamento do agravo de instrumento nº 2007.04.00.003941-5.

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Vieram os autos conclusos para apreciação dos recursos.É o relatório.

VOTO

Da Remessa Oficial

Não obstante o silêncio da sentença recorrida, tenho por interposta a remessa oficial, haja vista a dívida ativa executada ser de valor superior a sessenta salários mínimos (artigo 475, II, do CPC e Súmula 423 do STF).

Do Agravo Retido

Não conheço do agravo retido interposto pela parte-autora (fls. 661-667), em face da ausência de requerimento expresso quando da interposição da apelação, a teor do art. 523, caput e § 1º, do Código de Processo Civil.

Mérito

Os presentes embargos foram opostos pela Springer Carrier Ltda. em face de executivo fiscal ajuizado pela União (processo nº 2004.71.12.006291-2), cujo débito consolidado (R$ 86.280.535,72) diz respeito à falta de recolhimento da Cofins, decorrente de compensações efetuadas com créditos reconhecidos em decisão transitada em julgado, a qual lhe conferiu o direito ao creditamento do crédito-prêmio de IPI à alíquota de 28%, e não 15%, como entende a Receita Federal.

Em verdade, a controvérsia ora vertida envolve, em primeiro momen-to, a delimitação do alcance da decisão transitada em julgado no processo nº 90.0010905-1, originária dos créditos utilizados na compensação. Nesta oportunidade, a análise passa pelos atos emanados naquela ação.

Tal feito foi ajuizado pela Springer Carrier Ltda. perante a Seção Judiciária do Distrito Federal buscando a“declaração de existência de relação jurídica entre a Autora e a Ré, impedindo que esta última venha a exigir-lhe o estorno do lançamento que efetuou e continuará a efetuar em sua escrita fiscal, do crédito prêmio de IPI, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969, principalmente sobre aquele em que a União Federal encontrava-se em mora, efetuado com correção monetária, assegurado, também, a compensação do referido crédito com outros impostos federais, quando credor nos livros fiscais.” (fl. 94)

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A sentença então proferida julgou parcialmente procedente o pedido “para declarar a existência de relação jurídica que assegure à Autora o direito ao crédito-prêmio do IPI, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 491/69 e seu regula-mento (Decreto nº 64.833/69), no período compreendido entre 30 de março de 1982 a 31 de dezembro de 1989, conforme Termo de Garantia de Manutenção e Utilização de Incentivo Fiscal nº 027/82, ficando também reconhecido o direito de compensação previsto no art. 3º do citado Decreto regulamentar.” (fl. 106)

Ocorre que, em sede de apelação interposta pela Springer Car-rier, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AC n° 1998.01.00.008912-0/DF) deu provimento ao recurso a fim de resguardar à parte o direito ao creditamento durante a vigência do prazo de 10 anos firmado no Termo de Aprovação Befiex, de 30.03.82. Outrossim, deter-minou que as alíquotas do crédito-prêmio do IPI deveriam ser calculadas com base na Resolução Ciex nº 2/79.

Na sequência, conquanto o oferecimento de recurso especial (fls. 200-220), o acórdão transitou em julgado em 10.11.2000 (fl. 264), diante da sua não admissibilidade (reafirmada em sede de agravo de instrumento perante o STJ).

Feitas essas considerações, observa-se que a sentença referiu ex-pressamente o direito à utilização do crédito-prêmio conforme Termo de Garantia de Manutenção e Utilização de Incentivo Fiscal nº 027/82, que estabelece uma alíquota de 15%.

Já o julgado do Tribunal abordou matéria que não foi exposta na exor-dial, pois a fixação de alíquotas de acordo com a Resolução Ciex nº 2/79 (28%) não foi invocada na causa de pedir ou no pedido da parte. Da mesma forma, o recurso da demandante não suscitou a questão, resumindo-se a postular a reforma do decisum no que tange à limitação temporal.

Nesse contexto apresenta-se o debate no tópico: a possibilidade da União executar valores referentes a tributos compensados pela embar-gante, valendo-se da alíquota de 28% (Resolução Ciex n° 2/79), quando o correto seria o cálculo do incentivo pela alíquota de 15% (Termo de Garantia e Manutenção e Utilização de Incentivo Fiscal nº 027/82).

Inicialmente, tenho irrefutável a existência de vício na decisão tran-sitada em julgado do processo nº 90.0010905-1, por julgamento ultra petita.

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O princípio da congruência, expresso nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, estabelece a adstrição do juiz ao pedido, de forma que sua violação enseja a correção da sentença/acórdão aos limites da lide.

Nesse sentido, a doutrina de Elpídio Donizetti:“O limite da sentença é o pedido, com a sua fundamentação. É o que a doutrina

denomina de princípio da adstrição, princípio da congruência ou da conformidade. O afastamento desse limite caracteriza a sentença citra petita, ultra petita e extra petita, o que constituem vícios e portanto acarretam a nulidade do ato decisório.

Sentença citra petita é aquela que não examina em toda a sua amplitude o pedido formulado na inicial (com a sua fundamentação) ou a defesa do réu. (...)

Na sentença ultra petita, o defeito é caracterizado pelo fato de o juiz ter ido além do pedido do autor, dando mais do que fora pedido. Exemplo: se o autor pediu indenização por danos emergentes, não pode o juiz condenar o réu também em lucros cessantes.

Finalmente, a sentença é extra petita quando a providência jurisdicional deferida é diversa da que foi postulada; quando o juiz defere prestação pedida com base em fun-damento não invocado; quando o juiz acolhe defesa não arguida pelo réu, a menos que haja previsão legal para conhecimento de ofício (art. 237, § 3º).” (em Curso Didático de Direito Processual Civil, 11. ed., p. 381)

Na hipótese sub judice, depreende-se do pedido que a embargante visava a “declaração de existência de relação jurídica entre a Autora e a Ré, impedindo que esta última venha a exigir-lhe o estorno do lançamento que efetuou e continuará a efetuar em sua escrita fiscal, do crédito prêmio de IPI”. Ou seja, o pleito da parte tinha por objeto a manutenção do crédito-prêmio de IPI, que, à época, vinha se valendo da alíquota de 15%.

Assinale-se que a questão da alíquota aplicável não foi suscitada naquele processo pela Springer Carrier, mas pela própria União em seu apelo (tal tema será melhor apreciado posteriormente), o que não des-configura o vício ultra petita.

Além disso, por mais que se busque alargar a compreensão do objeto daquela demanda, é preciso ter em conta que o pedido deve ser interpre-tado restritivamente, ex vi do art. 293 do Código de Processo Civil (“Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais.”)

Logo, a inclusão de alíquota diversa no acórdão acarretou o julga-mento ultra petita, mostrando-se pertinente, neste ponto, a alegação da União, visto que o acórdão acolheu pedido além do pleiteado.

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Fixada tal premissa, possível estabelecer os questionamentos sobre os quais pairam a controvérsia: 1) a alíquota aplicável constitui núcleo decisório ou se trata de mero obiter dictum?; 2) houve a formação da coisa julgada no que tange à parte do acórdão que foi além do pedido (ultra petita)?; 3) ainda que configurada a coisa julgada, revela-se justa a manutenção de benefício não requerido judicialmente?

A depender da conclusão adotada em cada um desses questionamen-tos será possível concluir pela subsistência ou não da execução fiscal impugnada.

1) Da delimitação do conteúdo do acórdãoNeste primeiro ponto, a análise envolve o tema limites objetivos da

coisa julgada. Segundo Alexandre Freitas Câmara: “Trata-se da verifica-ção do alcance da imutabilidade e indiscutibilidade da sentença transitada em julgado, vista em seu aspeto objetivo. Em outras palavras, o que se busca aqui é saber o que transitou em julgado” (em Lições de Direito Processual Civil, 9. ed., v. I, p. 471).

Os arts. 468, 469 e 470 do Código de Processo Civil revelam a tese acolhida no direito positivo pátrio:

“Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Art. 469. Não fazem coisa julgada:I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva

da sentença;II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte

o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pres-suposto necessário para o julgamento da lide.”

Ao interpretar tais preceitos, parte da doutrina costuma afirmar que a coisa julgada abrange apenas o dispositivo da decisão, ou seja, não abran-ge o relatório e os fundamentos. Cito a lição de Nelson Nery Junior:

“A sentença é composta por três partes distintas: relatório, fundamentação e dis-positivo (CPC 458). Somente a parte dispositiva da sentença, na qual o juiz decide efetivamente o pedido (lide), proferindo um comando que deve ser obedecido pelas partes, é alcançado pela coisa julgada material (autoridade da coisa julgada).

(...)

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A segunda parte da sentença, a fundamentação, composta pelos motivos de fato e de direito, bem como pela verdade dos fatos estabelecida como premissa para o julgamento, não é atingida pela coisa julgada material, ainda que determinante e imprescindível para demonstrar-se o conteúdo da parte dispositiva da sentença. Utilizando o mesmo raciocínio do item anterior, poder-se-ia dizer que os motivos de fato e de direito con-tidos na petição inicial (causa de pedir) correspondem à fundamentação da sentença. Assim, o conjunto formado pela causa de pedir e fundamentação não seria atingido pela coisa julgada material. Os fundamentos, porque não transitam em julgado, podem ser reapreciados em outra ação, sendo livre o magistrado para dar a eles a interpretação e o valor que entender correto (CPC 131).” (em Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10. ed., p. 701)

No caso dos autos, o acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região dispôs no sentido de “negar provimento ao apelo da União e à remessa e dar provimento ao apelo da autora”.

Ao contrário do que defende a União, o simples resumo da decisão contido no dispositivo do acórdão nada diz acerca do seu conteúdo, de forma que não deve prosperar a simplista conclusão de que somente essa parte faz coisa julgada.

O art. 563 do CPC prevê a ementa como parte integrante do acór-dão (“Todo acórdão conterá ementa”). Dessa forma, a delimitação do que restou decidido pelo Tribunal deve ser avaliado em conjunto com a respectiva ementa. A propósito, colaciono a ementa do julgado em comento:

“TRIBUTÁRIO. CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI. DECRETO-LEI Nº 491/69. ALE-GAÇÃO DE ERRO DE MATÉRIA. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. INOCORRÊN-CIA. DECRETO-LEI Nº 1.724/79. INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO AO CUMPRIMENTO DO CONTRATO. HOMENAGEM AO ATO JURÍDICO PERFEITO. RESOLUÇÃO CIEX Nº 02/79.

1. Não há que se falar em erro de matéria. O MM. Juiz a quo examinou a contro-vérsia nos exatos termos do pedido inicial.

2. O termo a quo do prazo prescricional em relação ao crédito-prêmio do IPI deve ser a data de sua efetiva supressão, e não a da edição da Portaria 279/81.

3. O Plenário do extinto Tribunal Federal de Recursos declarou a inconstituciona-lidade do artigo 1º do Decreto-Lei 1.724/79 e permitiu, de consequência, a incidência do Decreto-Lei 491/69, que concedera o benefício fiscal, não sendo aplicável o texto do Decreto-Lei 1.658/79 à espécie por ser incompatível, durante o período de vigência do contrato discutido, com a do Decreto-Lei 1.894/81, que, posteriormente, abonou o Decreto-Lei 491-69, instituidor do crédito-prêmio.

4. A Portaria 176/82-MF, por ser norma hierarquicamente inferior, não podia revogar

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o Decreto-lei 491/69, muito menos ferir o ato jurídico perfeito (contrato anteriormente celebrado).

5. Correção monetária devida a partir da conversão da moeda estrangeira em moeda nacional, na data da exportação, pelos índices oficiais.

6. As alíquotas do crédito-prêmio do IPI devem ser calculadas com base na Reso-lução Ciex nº 2/79. (Precedentes da Segunda Seção).

7. Apelo da UNIÃO e remessa improvidos.8. Apelo da autora provido.”

Isso posto, em se tratando de questão decidida no âmbito do pro-cesso, tenho que o cálculo do crédito-prêmio do IPI pelas alíquotas da Resolução Ciex nº 2/79 encontra-se no dispositivo e, em tese, passível de formar a coisa julgada.

Não se trata, por conseguinte, de mero obiter dictum, conforme expo-sado pela União. Na verdade, entende-se por obiter dictum a menção de que se vale o Julgador como forma de elucidar seu raciocínio, assumindo papel secundário na decisão proferida.

A alíquota cabível, no entanto, confere operacionalidade ao próprio creditamento do IPI requerido pela parte, estando, a meu ver, dentro do campo da ratio decidendi.

2) Da ocorrência da coisa julgadaO debate referente à possibilidade da decisão ultra petita formar coisa

julgada material invoca intrincada divergência doutrinária acerca da correta definição da espécie de vício caracterizado no julgamento ultra petita: inexistência ou nulidade.

Com efeito, consoante o entendimento adotado, a coisa julgada estará ou não presente. Se o julgamento for considerado “inexistente”, prejudi-cada a formação da coisa julgada material, devido à ausência do pressu-posto lógico (se a decisão não existe, não há o que transitar em julgado). Se for considerado “nulo”, não haveria óbice à coisa julgada (a decisão existe e o efeito sanatório da decisão convalidaria a invalidade).

Nesse passo, constata-se inexistência de consenso doutrinário e juris-prudencial sobre o assunto. Para Cândido Dinamarco, as sentenças ultra petita, por ele enquadradas entre as “transgressões ampliativas”, são nulas (em Instituições de Direito Processual Civil, 5. ed., v. 3, p. 290-292). No mesmo sentido, o entendimento do STJ no REsp nº 263.829 (Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJ de 18.02.2002, p. 526).

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Entretanto, penso que o ensinamento de Eduardo Talamini confere abordagem adequada ao tema, já que analisa as diversas situações que podem se apresentar no curso do processo para fins de enquadramento do vício.

Segundo o insigne jurista, a violação ao princípio da congruência no julgamento ultra petita pode gerar a inexistência jurídica da sentença por “ausência de parte”. Dessa forma, faz-se a distinção: 1) se o pronun-ciamento surgir do nada, sem nenhuma manifestação do autor ou do réu durante a relação processual, caracterizada a inexistência do provimento na parte que exceder os limites do pedido; 2) se o debate sobre a questão exsurgir, de qualquer forma, no curso da ação, configurado o vício de nulidade.

Peço vênia para transcrever a lição exposta na obra Coisa Julgada e sua Revisão (Revista dos Tribunais, p. 350-352):

“O comando ultra petita (decide-se o objeto do processo e algo mais, que lhe era estranho) ou extra petita (decide-se apenas pretensão alheia ao objeto do processo) pode vir a ser juridicamente inexistente por um problema dessa ordem: ausência do liame jurídico com a parte, no que tange ao capítulo da sentença que versou sobre pretensão estranha ao objeto do processo. E o que é mais grave: a falta do vínculo pode dar-se não só relativamente ao autor, mas também em relação ao réu.

Mas como a inexistência ora cogitada não é simples decorrência formal da falta de pedido ou demanda, cumpre identificar se as hipóteses de sentença extra ou ultra petita envolvem propriamente a falta do vínculo com a(s) parte(s).

Exemplo a: considere-se a sentença que se pronuncia sobre pretensão alheia ao objeto processual, a respeito da qual as partes jamais discutiram no curso de todo o processo. Vale dizer: uma pretensão que não foi veiculada na inicial (nem em qualquer medida que permita a superveniente ampliação do objeto do processo); que não foi respondida pelo réu em sua contestação; que não foi, enfim, objeto de qualquer atividade postulatória nem instrutória, jurídica ou probatória. Nesse caso, um pronunciamento a respeito de tal pretensão estará surgindo do nada. Não haverá relação processual que lhe dê respaldo. Em outras palavras: esse comando extra ou ultra petita será estranho à relação processual em que foi emitido. (...) Portanto, o comando extra ou ultra petita será inoponível contra qualquer das partes. Trata-se de inexistência jurídica, de ineficácia não ratificável, nos termos antes expostos.

Dessa hipótese devem ser diferenciadas outras situações em que não caberá falar de inexistência.

Exemplo b: o autor não formula na inicial uma determinada pretensão; o réu, todavia, ao contestar, ‘defende-se’ também daquela pretensão formulada; na réplica, o autor trata inclusive de rebater a defesa feita contra a pretensão que ele não havia

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formulado (sem qualquer ressalva sobre a impertinência da pretensão ante o proces-so) – e as partes passam assim a debater em contraditório também a pretensão não formulada. Ora, em tal caso, pode-se até cogitar de ter havido alteração do pedido e (ou) da causa de pedir por consenso tácito entre as partes (CPC, art. 264) – de modo que o decisum que versa sobre a tal pretensão nem seria ultra ou extra petita. Mas, ainda que por alguma razão não se admita essa alteração tácita de objeto, o certo é que não se tratará de pronunciamento inexistente, pois não se opõe o problema apontado na situação cogitada no exemplo a. Haverá, quando muito (i.e., caso não se admita a alteração tácita), apenas invalidade.

(...)Exemplo d: depois do saneamento do processo, a instrução probatória e a discus-

são entre as partes passa fazer-se a respeito de (ou também a respeito de) pretensão que não constitui objeto do processo. A situação é semelhante à do exemplo b, com a diferença de que, nessa fase processual, já não cabe sequer cogitar de consenso entre as partes para a mudança de pedido ou causa de pedir (CPC, art. 264, parágrafo único). Também nesse caso, ainda que se cogite eventuamente de invalidade da sentença que verse sobre aquela pretensão não integrante do objeto processual, não há de se falar em inexistência.

Em síntese, nos casos em que a sentença extra ou ultra petita implicar apenas ofensa formal ao princípio da congruência, haverá, quando muito, mera invalidade (exemplos b, c e d). Quando, mais do que essa violação, a sentença extra ou ultra petita estiver significando pronunciamento sobre pretensão absolutamente alheia a todo debate e instrução desenvolvido com (e entre) as partes, tem-se inexistência jurídica do capítulo da sentença alheio ao objeto do processo (exemplo a).” (grifos no original)

O arrazoado mostra-se pertinente uma vez que, além de atentar às particularidades ocorridas nos feitos, permite a aferição da espécie de defeito do ato jurídico, preservando os princípios vetores do contraditório e da ampla defesa.

Transpondo-se a orientação para nosso caso, verifica-se que a maté-ria pertinente à alíquota estipulada na Resolução Ciex n° 2/79 não era totalmente alheia ao processo nº 90.0010905-1. Consoante cópia dos documentos das fls. 175 e ss., a União suscitou na apelação o debate da definição da alíquota, bem como a inaplicabilidade da Resolução Ciex nº 2/79, in verbis:

“Aqui já convém contra-argumentar a conclusão a que chegou, data maxima venia, a Terceira Turma desse e. Tribunal, em acórdãos que vêm sendo proferidos, ao decidir que ‘Não é ilegal a Resolução Ciex nº 2, de 17 de juaneiro de 1979, uma vez que es-tabelece as mesmas alíquotas para cálculo do crédito-prêmio IPI, como determinado pelo Decreto-Lei nº 491, de 1969’.

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A confusão é patente:‘A Resolução Ciex nº 2/79 não estabeleceu as mesmas alíquotas para o cálculo do

crédito-prêmio do IPI, como determinado pelo Decreto-Lei nº 491, de 1969. A Portaria nº 26/79, do Ministro da Fazenda adicionou às alíquotas do imposto sobre produtos industrializados, cujo Decreto-Lei nº 491/69 mandou aplicar, as alíquotas do imposto sobre circulação de mercadorias. As alíquotas ficaram majoradas em relação às do IPI, alcançando percentuais que se situaram no intervalo de 25 a 38%. Esse fato caracteriza a ilegalidade da Ciex 2/79, uma vez que o Decreto-Lei nº 491/69 fixou o limite máximo para incentivo em 15% (art. 2º, § 2º)’.” (fl. 179)

Portanto, o acórdão ultra petita emitido no processo nº 90.0010905-1 consubstancia vício de nulidade, estando sujeito à coisa julgada, na linha dos exemplos b e d referidos na tese acima transcrita.

Reitero o mencionado anteriormente: a invocação da alíquota aplicável pela própria União não desconfigura o julgamento ultra petita, visto que a questão não foi objeto do pedido da Springer Carrier. Ao que tudo indica, a alegação, no cotejo das funções institucionais da Advocacia da União, visava resguardar-se da conhecida orientação adotada pelo egrégio TRF da 1ª Região, no sentido de deferir a alíquota constante na Resolução Ciex n° 2/79 (28%).

Todavia, outra dúvida que pode surgir é se a inércia da União naque-les autos teria condão de eliminar a nulidade afirmada. Mais uma vez, socorro-me dos argumentos de Eduardo Talamini:

“Poder-se-ia indagar: a possibilidade de recorrer do pronunciamento ultra ou extra petita não supriria, não eliminaria, o déficit acarretador da inexistência? A resposta é negativa. Primeiro, porque basta à parte apontar que a sentença pronunciou-se sobre pretensão estranha aos ‘limites da lide’. Ela não tem o ônus de impugnar no mérito a parte da decisão que ultrapassa o objeto do processo. Não lhe incumbe discutir o acerto intrínseco do pronunciamento ultra ou extra petita. Aliás, a parte não tem sequer o ônus de apontar quaisquer outros defeitos processuais atinentes a esse comando. Mas mesmo que a parte, além de apontar a ofensa ao princípio da congruência, por cautela também impugne outros aspectos do decisum extra ou ultra petita, tampouco isso servirá para suprir a inexistência. Afirmar o contrário – i.e., dizer que essa discussão em sede recursal consertaria a anterior falta absoluta do contraditório – conduziria a resultado absurdo. A parte mais cautelosa seria submetida a tratamento pior. O recorrente que apenas apontasse que a sentença exorbitou do objeto do processo veria mantido o defeito, em seu grau máximo de gravidade. O recorrente que, em estrita observância ao princípio geral da eventualidade, fosse além em sua impugnação eliminaria o defeito ou atenuaria a sua gravidade. Portanto, e em qualquer caso, o defeito permanece o mesmo. Aliás, a

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situação é facilmente comparável à do réu não citado e ‘revel’ que, tomando ciência da sentença, dela recorre. A interposição do recurso não eliminará nem atenuará o defeito existente – pouco importando que o recurso verse apenas sobre a falta de citação ou, por eventualidade, também trate de outras questões.” (Ob. cit, p. 353)

Isso posto, concluindo o presente tópico, cumpre deixar consignado que houve a formação da coisa julgada material, inclusive na parte que foi além do pedido, no julgado proferido no processo nº 90.0010905-1.

3) Da relativização da coisa julgadaConsiderando-se a formação da coisa julgada, resta solucionar o último

questionamento proposto. Revela-se justo manter a utilização da alíquota majorada quando o intuito inicial da parte, ao socorrer-se do Judiciário, não albergava tal desiderato?

Aqui fixa-se o conflito entre bens jurídicos de suma importância no ordenamento jurídico. De um lado tem-se a coisa julgada, instituto que traz em seu bojo a ideia de segurança jurídica, consagrada em norma constitucional (art. 5º, XXXVI). De outro, encontra-se a devida prestação jurisdicional e, em última instância, a preservação do valor justiça.

Nesse panorama, de difícil solução, parto da ideia de que o erro ju-diciário (error in iudicando) não merece salvaguarda.

Apesar da coisa julgada constituir garantia constitucional e compor um dos fundamentos da Ciência Processual, verdadeiro fator que diferencia a atividade jurisdicional das demais funções estatais, muito tem sido discutido acerca da relativização da coisa julgada, fenômeno que abarca as denominadas coisa julgada injusta e coisa julgada inconstitucional.

A propósito do tema, colaciono a lição de Nelson Nery Junior:“22. Relativização (desconsideração) da coisa julgada. Alegando que a coisa julga-

da tem regulamento em lei ordinária e que a sentença deve ser justa, verifica-se certa tendência de setores da doutrina e da jurisprudência de desconsiderar essa mesma coisa julgada, sob dois argumentos básicos: a) coisa julgada injusta: se a sentença tiver sido justa, faria coisa julgada; se tiver sido injusta, não terá feito coisa julgada; b) coisa julgada inconstitucional: se a coisa julgada for inconstitucional não poderá prevalecer (...).” (Ob. cit., p. 684)

Seus defensores partem do pressuposto de que a coisa julgada não traduz uma garantia absoluta. A despeito da previsão no Texto Constitucional, a proteção do art. 5º, XXXVI, da CF (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”)

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dirige-se contra o legislador ordinário, coibindo-o de alterar aquilo que foi decidido.

Em verdade, o conflito entre “segurança” e “justiça” é apenas aparen-te, porquanto são valores que se complementam. Nesse sentido, afirma Carlos Valder do Nascimento:

“Havendo simetria entre segurança e justiça na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer entre ambas é de mera aparência. De fato, inadmissível a segurança servir de pano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável e absoluta, na percepção dos processualistas mais conservadores. Mas torna-se necessário enfrentar tais resistências, desmitificando essa ideia de superação do Estado de Direito pelo Poder Judiciário.

Deveras, o Direito Constitucional alberga valores supremos, bem como trata da organização político-administrativa dos Poderes circunscritos aos seus desígnios, a fim de viabilizar o equlíbrio social. A decisão como manifestação da vontade do ente fede-rativo não deve retratar visão pessoal do seu prolator. É verdade que o Estado em sua dimensão ética, como assinala José Augusto Delgado, ‘não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos’.

Transparece dissonante, nessa perspectiva, invocar-se a segurança jurídica para acolher a tese de que a coisa julgada faz do preto branco, ao se querer impingir-lhe o caráter de absolutividade de que não é revestida. Os princípios da moralidade, da justiça e da equidade devem ser realçados como apanágio de uma sociedade civilizada, de modo a revelar seu degrau de superioridade em confronto com os demais que povoam o universo jurídico.” (em Coisa Julgada Inconstitucional, 3. ed., p. 11-12)

Na hipótese vertente, poder-se-ia cogitar que a desconsideração da coisa julgada levada à efeito no processo nº 90.0010905-1, na parte além do pedido, configuraria injustiça à parte que se limitou a dar cumprimen-to ao decisum. A meu ver, a mesma dúvida também pode ser analisada sob enfoque diverso: não seria também injusto deferir algo que não foi objeto do pedido?

Embora me pareça temerário avaliar a “justiça” de uma decisão transitada em julgado, especialmente entre órgãos judiciários de mesma hierarquia, não posso me furtar dessa análise no caso concreto.

Para tanto, faz-se necessário um juízo de ponderação perante os valores envolvidos (segurança jurídica versus adequada prestação ju-risdicional), no intuito de estabelecer aquele preponderante.

Nesse contexto, as peculiaridades apresentadas neste feito me

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impingem a ideia de que a flexibilização da coisa julgada é medida imperiosa.

Em princípio, registra-se que o montante alijado dos cofres públicos atinge valores elevados e, em tese, relevantes para a implementação das políticas públicas e consecução das finalidades do Estado.

Outro ponto refere-se à conduta da Springer sob prisma da boa-fé. Antes do ajuizamento da ação ordinária nº 90.0010905-1, a empresa utilizava no cálculo do crédito-prêmio do IPI a alíquota de 15%. No cotejo do pedido formulado, era essa a relação jurídica que buscava ser mantida. Com o trânsito em julgado, é que passou a valer-se da alíquota ali exposta (28%).

Não se está afirmando eventual intuito lesivo da Springer (má-fé), mas sim estimar a boa-fé no seu aspecto objetivo, isto é, um padrão de comportamento condizente com a probidade e a lealdade.

Finalizando, ressalto que o Supremo Tribunal Federal traçou impor-tante parâmetro no RE 577348/RS, levado a Plenário no dia 13.08.2009, em sede de repercussão geral. O relator, Ministro Ricardo Lewandowski, concluiu que:

“Para finalizar, assento que, por ser um incentivo fiscal de cunho setorial, o crédito-prêmio do IPI, para continuar vigorando, deveria ter sido confirmado por lei superve-niente no prazo de dois anos após a publicação da Constituição de 1988. Como isso não ocorreu, ele foi, inexoravelmente, extinto em 5 de outubro de 1990.

Registro, ainda, para que não pairem dúvidas, que, já sob a égide do texto constitu-cional vigente, a Lei 8.402, de 8 de janeiro de 1992, buscou restaurar parte do Decreto-Lei 491/1969, consignando, em seus arts. 1º, II, e 2º, o seguinte:

‘Art. 1º São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais:(...)II – manutenção e utilização do crédito do Imposto sobre ProdutosIndustrializados relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos

exportados, de que trata o art. 5º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969.Art. 2º Os efeitos do disposto no artigo anterior retroagem a 5 de outubro

de1990.’Tal Lei, no entanto, não teve o condão de restabelecer o crédito-prêmio, como

querem alguns. Primeiro, porque ela apenas pretendeu revigorar o art. 5º do Decreto-Lei 491/1969, que assegurava ‘a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem efetivamente utilizados na industrialização dos produtos exportados’, sem fazer qualquer menção ao art. 1º desse diploma, que instituiu o referido incentivo fiscal, o qual, como se recorda,

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reconheceu em favor das empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufa-turados a possibilidade de utilização de ‘créditos tributários sobre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente’.

E, nos termos do art. 2°, § 3°, da Lei de Introdução ao Código Civil, no plano estritamente infraconstitucional, a recuperação do pressuposto de validade e vigência de uma norma revogada exige que a repristinação seja expressamente prevista na lei repristinante, o que não se deu no caso, como visto.

Ademais, a edição da Lei 8.402/1992 ocorreu após o biênio a que se refere o § 1º do art. 41 do ADCT, significando que a pretensão do legislador ordinário de restaurar, com efeitos retroativos a 5 de outubro de 1990, um dos incentivos fiscais previstos no Decreto-Lei 491/1969 vai de encontro à vontade expressa do constituinte originário. De resto, reconhece, de forma implícita, que esse diploma normativo perdeu a vigência em 5 de outubro de 1990, ao estabelecer que os efeitos da Lei 8.402/1992 retroagem a tal data.”

Como se vê, o STF manifestou-se pela extinção do crédito-prêmio do IPI a partir de 05.10.1990. Ou seja, as exportações realizadas a partir dessa data não fariam jus ao benefício previsto no Decreto-Lei nº 469/69.

Contudo, o referido entendimento não deve ser aplicado in totum à hipótese dos autos, a fim de concluir pela exigência de todo o montante utilizado pela parte, no período posterior à data limite do benefício fixada pelo STF. Até porque se trata de decisão tomada em sede de controle difuso de constitucionalidade, cujos efeitos não podem retroagir para afetar a coisa julgada anteriormente estabelecida.

De qualquer forma, ainda em um juízo de ponderação, a decisão do STF acrescenta um intuito restritivo ao benefício fiscal, que deve se adaptar aos limites da controvérsia vertida na atual demanda.

A União não se insurge quanto ao direito ao crédito-prêmio do IPI. A execução fiscal embargada refere-se às diferenças nas alíquotas aplicadas pela embargante no creditamento em suas exportações.

Vale destacar: não se questiona o próprio direito ao crédito-prêmio do IPI, este sim abarcado pela coisa julgada, sem qualquer vício no julgamento. Agora, a alíquota deferida, além de imprópria, permite sua adequação aos limites da lide.

Isso posto, entendo que o crédito utilizado pela Springer Carrier no procedimento compensatório, em alíquota superior àquela efeti-vamente aplicável, não merece amparo por este Juízo. Ao contrário, o não reconhecimento da compensação confere concreção à justiça,

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corrigindo o equívoco incorrido no provimento oriundo do processo nº 90.0010905-1.

Base de Cálculo da Cofins

Consoante disposto no tópico anterior, a compensação realizada pela embargante partiu de crédito indevido (crédito-prêmio do IPI em alíquota superior).

Agora, resta analisar a suposta inexistência do débito objeto da com-pensação. A Springer Carrier evoca a impossibilidade de incidência da Cofins sobre receitas não oriundas da venda de bens e serviços, tendo em vista a inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98.

Todavia, o mérito da alegação não comporta maior aprofundamen-to nesta via. A embargante, nos autos do mandado de segurança nº 1999.71.00.007273-4, obteve decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (RE 392.447):

“O acórdão recorrido, ao proclamar a constitucionalidade da ampliação da base de cálculo da Cofins e do PIS levada a efeito pelo art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98, não se alinha à orientação recentemente fixada pelo Plenário deste Supremo Tribunal na apreciação dos RE 346.084, RE 357.950, RE 358.273 e RE 390.840 (rel. Min. Marco Aurélio, maioria, julgados em 09.11.2005). Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento segundo o qual a noção de faturamento inscrita no art. 195, I, da Constituição de 1988 (na redação anterior à EC 20/98) não autoriza a incidência tributária sobre a totalidade das receitas auferidas pelos contribuintes, não sendo possível a convalidação posterior de tal imposição, ainda que por força da promulgação da EC 20/98.

Ante o exposto, conheço deste recurso extraordinário e o provejo, para conceder a segurança.” (fl. 568)

Ressalto que, quando da realização do procedimento fiscal e do ajuizamento do feito executivo, não havia decisão favorável à Springer (fls. 474-482). O acolhimento da pretensão no STF se deu apenas em 01.12.2005 (trânsito em julgado em 02.03.2006 – fl. 569).

Por outro lado, a matéria não foi aprofundada na sentença, até por-que o juízo a quo optou por acolher o pedido quanto à viabilidade dos créditos reconhecidos na decisão transitada em julgado. Em relação à base de cálculo da Cofins, limitou-se a asseverar em sede de embargos declaratórios:

“Em relação à não manifestação sobre a cobrança de Cofins em relação a outras

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receitas, em que pese já anulado o título executivo, para que não haja qualquer prejuízo à parte, declara este Juízo a impossibilidade de cobrança de outras receitas sobre o Cofins que não aquelas oriundas do faturamento.” (fl. 726)

Ao que indica, segundo as informações prestadas no “Relatório da Atividade Fiscal” (fls. 299-308), o Fisco apurou a base de cálculo da Cofins considerando o “faturamento bruto” e “outras receitas”, excluin-do valores de “exportações, “vendas canceladas” e “IPI”. Dessa forma, do valor inscrito em dívida ativa, consta a Cofins regularmente apurada sobre o faturamento, bem como sobre a receita bruta, em afronta ao comando do STF.

Logo, deve ser delimitada a base de cálculo de incidência da Cofins, limitando-a ao conceito dado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 392.447, ou seja, excluindo os valores que não compõem o conceito de faturamento.

Assim, deverá a União retificar a CDA, recalculando o débito, e o juiz de 1º grau proceder na respectiva liquidação, se necessário, ou na fiscalização dos novos valores apurados.

Conclusão

A análise realizada no presente voto teve por finalidade definir o con-teúdo do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e sua adequação aos limites daquela demanda.

Verificada a ocorrência de julgamento ultra petita e, nas circunstân-cias apresentadas, a configuração da coisa julgada, inclusive na parte que o decisum extrapolou os limites da lide, passou-se a cogitar de sua relativização no caso concreto.

Observe-se que a digressão efetuada quanto à formação da coisa jul-gada não é despropositada. Afinal, não se pode cogitar de relativização se não caracterizada a própria coisa julgada.

A discussão não é simples. A singularidade das circunstâncias apre-sentadas refogem ao plano da dogmática processual tradicional e exigem do operador do direito um posicionamento acerca de valores de maior abstração e, por assim dizer, de maior relevância.

Portanto, a excepcionalidade da hipótese apresentada permite a quebra parcial da coisa julgada formada na ação ordinária nº 90.0010905-1, a fim de consagrar o valor justiça, impondo-se o prosseguimento da execução

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fiscal, ao menos na parte em que não prejudicada pela decisão proferida no RE 392.447.

Dos ônus sucumbenciais

Apesar da reforma parcial do mérito disposta nos tópicos anteriores, cumpre apreciar o montante da condenação imposta a título de ônus sucumbenciais.

Dispõe o § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil que “nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou se for vencida a Fazenda Pública e nas execuções, embar-gadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior”.

A fixação da verba honorária, quando calculada com base nesse pa-rágrafo, não necessita enquadrar-se nos limites percentuais do § 3º do referido artigo, devendo ser arbitrada segundo a apreciação equitativa do juiz. No entanto, os parâmetros que orientam o magistrado neste mister e que indicam o montante suficiente à justa retribuição da atividade do causídico são, do mesmo modo que nas ações condenatórias, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para a prestação do serviço.

Assim, esta Turma tem-se orientado no sentido de estabelecer a con-denação em verba honorária no patamar de 10% sobre o valor da causa, quando a sentença é despida de eficácia preponderante de condenação, sendo admissível a análise, caso a caso, quando tal valor afigura-se exorbitante ou ínfimo.

No presente caso, considerando a inviabilidade de se apreciar o valor que será excluído da execução e o fato de envolver somas de grande monta, não me parece razoável estabelecer a verba honorária sobre o valor da causa ou da condenação.

Portanto, condeno a embargada ao pagamento das custas e dos ho-norários advocatícios, fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), levando em consideração os critérios do art. 20, § 4º, do CPC.

Prequestionamento

Saliento, por fim, que o enfrentamento das questões apontadas em grau

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de recurso, bem como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as embasam. Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por não conhecer do agravo retido e dar parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial para julgar par-cialmente procedentes os embargos à execução, excluindo-se do título executivo os valores que não compõem o conceito de faturamento, bem como para redistribuir a verba honorária de sucumbência, nos termos da fundamentação. Nego provimento ao apelo da embargante.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.72.99.002478-5/SC

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal José Francisco Andreotti SpizzirriRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Apelantes: Silvio Luiz de Costa e outroAdvogados: Dr. Silvio Luiz de Costa

Dr. Olir Marino SavarisApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria Regional do INSS

EMENTA

Extinção do processo de execução por título judicial. Execução de honorários fixados na sentença dos embargos do devedor. Pagamento

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por RPV. Atualização da dívida. Saldo remanescente. Juros de mora e correção monetária.

Incidem correção monetária e juros de mora sobre os honorários advocatícios de sucumbência fixados na sentença em valor fixo ou em percentual incidente sobre o valor da causa, ainda que a decisão não tenha determinado a incidência dos juros da correção. Aplicação da Súmula nº 254 do STF e extensão do seu princípio à correção monetária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, vencido o relator, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2009.Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri: A sen-tença de fls. 60-62 julgou extinto o processo de execução.

Não se conformando, a parte exequente apela. Argumenta que se re-vela possível a incidência de juros moratórios entre a data da conta e a de autuação da RPV no Tribunal, inadmitindo-se a fluência dos mesmos apenas desde então até o pagamento dentro do prazo de 60 dias. Outros-sim, imperioso seja a atualização monetária calculada em conformidade com o índice previsto no título executivo entre a data do cálculo e a da autuação do requisitório.

Apresentadas contrarrazões pelo INSS, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri: A con-ta inicialmente elaborada foi atualizada para pagamento em julho de 2002 (fl. 37).

No entanto, a RPV só foi expedida em 23.02.2007, tendo sido autuada

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no Tribunal em 06.03.2007 (fl. 122), e o respectivo depósito, feito em 23.04.2007 (fl. 39).

Pois bem.O artigo 100, § 3º, da Constituição Federal de 1988, na redação dada

pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000, assim dispõe:“Art. 100. (...)§ 3º. O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não

se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.”

Portanto, as regras constitucionais atinentes aos precatórios não se aplicam às RPVs.

Por sua vez, a Lei nº 10.259/2001, em seu artigo 17, assim dispõe:“Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado

da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.

§ 1º. Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).

§ 2º. Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.

§ 3º. São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1º deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.

§ 4º. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.”

Esta Turma tem entendido, em face disso, que, em se tratando de RPV, a correção monetária e os juros de mora devem fluir, nos moldes estabelecidos no título exequendo, até a data da autuação da RPV no Tribunal.

Confiram-se os seguintes precedentes:“EMENTA: SENTENÇA DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. APELAÇÃO. CO-

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NHECIMENTO PARCIAL. JUROS DE MORA RELATIVOS AO PERÍODO COM-PREENDIDO ENTRE A DATA DA CONTA EXEQUENDA E A DATA DA AUTUA-ÇÃO DA RPV NO TRIBUNAL E ENTRE A DATA DA REFERIDA CONTA E O DIA 1º DE JULHO DO ANO DA INSCRIÇÃO DO PRECATÓRIO EM ORÇAMENTO, PARA PAGAMENTO NO ANO SEGUINTE. Não se conhece da apelação, na parte em que ela veicula controvérsia atinente ao bloqueio parcial da conta exequenda, em decorrência de litígio que está sendo travado, perante a Justiça Estadual, pelos ante-riores e atuais advogados da parte Exequente. São devidos juros de mora no período compreendido entre a data-base em que foi elaborada a conta exequenda e a data: a) da autuação da RPV no Tribunal; b) da inscrição do precatório em orçamento, em 1º de julho, para pagamento no exercício seguinte.” (TRF4, AC 2001.70.01.001063-0, Sexta Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, D.E. 19.09.2008)

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. RE-QUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. SALDO COMPLEMENTAR. JUROS MO-RATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. É devida a apuração de saldo complementar do débito judicial decorrente da incidência de juros moratórios entre a data da feitura do cálculo exequendo e a da autuação da requisição de pequeno valor neste Regional, não sendo devidos apenas nos sessenta dias previstos para o seu pa-gamento. 2. Efetuado o pagamento do débito mediante RPV, são devidos honorários advocatícios em 5% sobre o montante atualizado da execução proposta em face da Fazenda Pública, ainda que não embargada.” (TRF4, AC 2004.71.11.000330-3, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. 14.12.2007)

Ocorre que o caso sob exame apresenta certas peculiaridades, sendo a primeira aquela concernente à natureza do valor executado, que corres-ponde a honorários advocatícios arbitrados em percentual certo sobre o valor atribuído pelo INSS à causa em embargos à execução, consoante deflui do asseverado na exordial da execução (fl. 03).

Tal evidência já se apresenta suficiente para afastar qualquer pretensão dos exequentes à cobrança de juros moratórios, independentemente do período a que se refiram, pois inexiste na sentença dos embargos deter-minação do acréscimo de consectário desse teor sobre o valor arbitrado em favor dos embargados a título de honorários advocatícios.

Já no tocante à atualização monetária de incidência requerida para a hipótese, observo que o título judicial é omisso na indicação de qualquer índice específico, limitando-se a determinar que o embargante deveria pagar aos embargados honorários, os quais fixo em 5% do valor atribuído à causa (fl. 03). Logo, não havia previsão de emprego do IGP-DI para a correção monetária do valor executado nestes autos, consoante pretendido

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em apelação. É intuitivo que o valor executado deveria sofrer atualiza-ção – como de fato ocorreu, pois, quando do depósito da importância requisitada por RPV, essa foi atualizada pelo IPCA-E desde julho/2002 até abril/2007 –, mas, na omissão do título judicial sobre o emprego de diverso índice para tal fim, não há como desmerecer aquele pelo qual foi adrede recomposta a expressão econômica do crédito dos exequentes.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de ape-lação interposta pelos exequentes contra a sentença que julgou extinto o processo de execução, em face do pagamento da Requisição de Pequeno Valor (RPV) relativa aos honorários advocatícios de sucumbência do INSS nos embargos à execução, fixados em percentual sobre o valor atribuído à causa dos embargos.

Sustentam os apelantes que a execução deve ter prosseguimento com base em cálculo que apure o saldo remanescente, composto este de ju-ros de mora e correção monetária pelo IGP-DI entre a data da conta de liquidação e a data de autuação da RPV.

O e. Relator negou provimento à apelação, ao argumento de que inexiste na sentença dos embargos, formadora do título judicial dos honorários, determinação da incidência de juros de mora e de correção monetária sobre o valor fixado a título de honorários (5% sobre o valor da causa). Asseverou o Relator, ainda, quanto à correção monetária, que o pagamento da RPV contemplou correção pelo IPCA-E e que não cabe, assim, a incidência do IGP-DI.

Consoante refere o voto do e. Relator, os honorários em execução correspondem a 5% sobre o valor atribuído pelo INSS aos embargos do devedor, não havendo previsão na sentença de incidência dos pretendidos consectários (juros de mora e correção monetária).

Divirjo do e. Relator, data venia, porquanto tenho apregoado solução diferente quando do julgamento de casos análogos ao presente. Com efei-to, entendo que são cabíveis juros de mora sobre o valor que está sendo liquidado, justamente pela existência de mora do Instituto, ainda que o julgado nada tenha disposto a respeito do assunto, e em face, também, do que dispõe a Súmula nº 254 do STF, que tem a seguinte redação:

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“Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação”.

Dentro do princípio da jurisprudência consolidada em súmula do STF, entendo também, com relação à correção monetária, que tal rubrica incide sobre o principal em execução (honorários dos embargos), por se tratar de mera reposição inflacionária, incidindo a correção sobre o valor obtido pelo percentual ou sobre o valor da causa.

Assim, o fato do título judicial nada dispor sobre a incidência de juros de mora e de correção monetária não impede que o exequente acrescente tais consectários ao valor principal, no caso, os honorários, valendo-se, para tanto, da legislação e da jurisprudência aplicável ao assunto. Dessa forma, os juros de mora devem ser considerados em 1% ao mês e a cor-reção monetária deve atentar à variação do IGP-DI, ambos os acréscimos incidentes a contar da data da conta de liquidação até a data do envio eletrônico a este Tribunal.

Ademais, entendo aplicável esse raciocínio ao caso concreto, pois o fato dos honorários terem sido fixados em percentual sobre o valor da causa não difere da hipótese do juiz arbitrar a verba em valor fixo. Nes-se caso, a correção monetária e os juros de mora, conforme admitidos acima, incidem diretamente sobre o valor fixado pelo juiz. No caso em tela, o valor devido (honorários) é calculado, num primeiro momento, no percentual fixado pelo julgador. Após, em uma segunda etapa, o valor encontrado é corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora.

Refiro, a propósito do assunto, jurisprudência desta Corte:“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCIDÊNCIA DE JUROS. ÍNDICE DE COR-REÇÃO MONETÁRIA.

1. Em se tratando de honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em per-centual do valor que toca à parte-autora (condenação), de regra a alíquota da referida verba recai sobre um montante já atualizado e acrescido de juros. A cobrança de novos juros, assim, configuraria anatocismo, de modo que indevida.

2. Quando os honorários advocatícios são arbitrados em valor fixo, ou em percentual sobre o valor da causa (como no caso dos autos), todavia, a situação é diversa, pois não representam repercussão de valor principal já contemplado com juros; constituem débito autônomo. Assim, os juros são devidos desde o trânsito em julgado da decisão que fixou a verba, nos termos dos artigos 394 e 397 do Código Civil e da Súmula 254 do STF.

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3. Consoante precedente do STF, os honorários advocatícios ostentam natureza alimentar (RE 146318/SP), de modo que os juros de mora, no caso, devem ser apurados à taxa de 1% ao mês, tendo em vista a incidência analógica do DL 2.322/87 (REsp 847587/SP).

4. As Turmas integrantes da 3ª Seção desta Corte têm aplicado o IGP-DI na atua-lização de créditos previdenciários. Assim, em se tratando de honorários advocatícios referentes à causa previdenciária, deve ser utilizado o mesmo indexador para a atuali-zação do valor.” (TRF 4ª R; Embargos à Execução em AR nº 2006.04.00.034452-9/RS; Rel. p/ Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira; D.E. 07.05.2009)

Ante o exposto, divergindo do eminente Relator, voto por dar provi-mento à apelação.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.71.02.000384-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: Serieta Corretora de Seguros Ltda.Advogados: Drs. Elton Francisco Hinterholz e outro

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

EMENTA

Tributário. Processo administrativo fiscal. Prazo para ultimar fiscali-zação. Decadência. Art. 173, I, do CTN. Imposto de Renda. Contribuições sociais. Decadência configurada. Revogação de isenção. Lei Comple-mentar nº 70/91. Lei nº 9.430/96. Omissão de receita. Art. 24 da Lei nº 9.249/95. Art. 44 da Lei nº 8.541/92. Taxa Selic. Multa. Inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996. Refis. Prestação de garantia.

1. Nos termos do art. 7º, § 2º, do Decreto nº 70.235/72, é facultado à Administração valer-se de prorrogações sucessivas para ultimar a fisca-lização de livros, documentos contábeis e fiscais da empresa.

2. Em se tratando de hipótese de dolo, fraude ou simulação, o prazo para que a Fazenda constitua o crédito tributário deve ser o do art. 173, inciso I, do CTN, e não o do art. 150, § 4º, do CTN.

3. O fato gerador do imposto de renda é complexivo, uma vez que compreende um conjunto de fatos materiais sucessivos com projeção temporal, perfectibilizando-se apenas ao final do ano-base.

4. O art. 45 da Lei 8.212/91, ao prever o prazo decadencial de 10 anos

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para que a Seguridade Social apure e constitua seus créditos, adentrou âmbito reservado à lei complementar, inquinando-se de inconstituciona-lidade, consoante reconhecido pelo STF na Súmula Vinculante nº 8.

5. Resta configurada a decadência do direito de o Fisco constituir créditos tributários relativos a contribuições sociais relativas ao exercício de 1994, haja vista a realização do lançamento somente em novembro de 2000.

6. É legítima a revogação, pelo art. 56 da Lei nº 9.430/96, da isenção da COFINS às sociedades civis prestadoras de serviços profissionais de profissão regulamentada, prevista no art. 6º, inciso II, da LC nº 70/91.

7. O art. 24 da Lei nº 9.249/95 alterou a tributação da receita omitida pelas pessoas jurídicas, passando a dispor que o valor do imposto de renda e do adicional, bem como da CSLL, será determinado de acordo com o regime de tributação a que estiver submetida a pessoa jurídica no período-base a cuja omissão corresponder, de forma que, na pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido, o valor da receita omitida será acrescido à receita da atividade para o cálculo do lucro presumido para fins do cálculo do adicional, sendo o coeficiente do lucro presumido aplicável para atividade de corretagem de seguros o de 32%, e a alíquota do imposto, a de 15%.

8. A Lei nº 8.541/92, no seu art. 44, dispunha que, em casos de omissão de receita, eram considerados automaticamente distribuídos aos sócios da empresa, e tributados exclusivamente na fonte à alíquota de 25%, para os períodos de 01.01.93 a 31.12.94, tendo em conta a presunção de transferência de recursos da pessoa jurídica para a pessoa dos sócios.

9. É pacífica a orientação do STJ no sentido de que o art. 161, § 1º, do CTN autoriza a previsão por lei diversa dos juros moratórios, o que permite a adoção da taxa SELIC, não existindo qualquer vício na sua incidência.

10. Não há falar em multa com caráter confiscatório quando não evi-denciada a desproporção entre a penalidade aplicada pelo desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica. A Corte Especial deste Tribunal rejeitou incidente de arguição de inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996 (INAC nº 2005.72.06.001070-1/SC), entendendo que a aplicação de multa no percentual de 150% justifica-se em razão da gravidade das infrações envolvendo sonegação, fraude ou

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conluio, não possuindo caráter confiscatório.11. A adesão ao Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, instituí-

do pela Lei 9.964/2000, que é facultativa ao contribuinte, pressupõe o cumprimento de inúmeros requisitos e a aceitação de diversos ônus, não sendo possível à empresa que deseja optar pelo benefício eximir-se das exigências legais. Assim, inafastável a exigência de garantia prevista no § 4º do art. 3º da Lei nº 9.964/00.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de outubro de 2009.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de ação ordinária ajuizada em face da União Federal por meio da qual a parte-autora objetiva seja declarada a nulidade dos autos de infração relativos ao processo administrativo de nº 1010300.2000.00238-1, referente a débitos de IRPJ, IRRF, PIS, CSLL e COFINS nos anos de 1994 a 1999.

Sustentou a nulidade com base nos seguintes fundamentos: a) desres-peito ao prazo máximo para a lavratura do auto de infração; b) decadência em relação aos lançamentos anteriores a 01.01.1995; c) inobservância dos critérios legais quanto ao levantamento dos valores lançados a título de IRPJ, IRRF, COFINS e PIS; d) isenção quanto à COFINS, com fulcro na LC nº 70/91; e) inconstitucionalidade da taxa SELIC; e f) excesso das multas fiscais. Pediu, ainda, em caso de manutenção do débito, seja incluído no REFIS, sem exigência de garantia, conforme § 5º do art. 3º da Lei nº 9.964/00.

Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida, condenando a parte-autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa.

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Inconformada, a demandante interpôs recurso de apelação, reiterando as alegações veiculadas na exordial.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona:

Da invalidade do auto de infração em decorrência do prazoexcessivo da fiscalização

Não prospera a alegação da parte-autora quanto ao excesso de prazo para a fiscalização.

O prazo máximo para a conclusão dos atos do procedimento fiscal é fixado pelo Decreto nº 70.235/72, em regulamentação ao previsto no art. 196 do CTN, nos seguintes termos:

“Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado

o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros;III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.§ 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em re-

lação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas.

§ 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos.”

Consoante se depreende do trecho grifado, é facultado à Administração valer-se de prorrogações sucessivas para ultimar a fiscalização de livros, documentos contábeis e fiscais da empresa.

Ora, desse expediente se utilizou a Secretaria da Receita Federal no caso dos autos, tendo sido legítima e amparada na lei a fiscalização pro-movida na empresa autora durante um período de cerca de seis meses, entre 03-05-2000 e 09-11-2000.

Da decadência em relação aos lançamentos anteriores a 01.01.1995

Ainda que se trate de contribuições sujeitas ao lançamento por

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homologação e que haja o pagamento antecipado por parte do sujeito passivo, em se tratando de hipótese de dolo, fraude ou simulação, como na espécie, eis que houve omissão na entrega das Declarações de IRRF e IRPJ e restou evidenciado o concilium fraudis, o prazo para que a Fazenda constitua o crédito tributário deve ser o do art. 173, inciso I, do CTN, e não o do art. 150, § 4º, do CTN, ou seja, de 5 anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Durante esse lapso, a autoridade fiscal deve promover o lançamento de ofício em substituição ao lançamento por homologação, sob pena de decair de tal direito.

Observe-se, por oportuno, que o fato gerador do imposto de renda (arts. 44 e 114 do CTN) é complexivo, uma vez que compreende um conjunto de fatos materiais sucessivos com projeção temporal, que se perfectibiliza ao final do ano-base, quando se verifica o último evento integrante da hipótese de incidência do tributo, segundo entendimento sedimentado no Supremo Tribunal Federal.

Na hipótese dos autos, o lançamento relativo aos autos de infração do processo de nº 1010300.2000.00238-1 restaram perfectibilizados em 09.11.2000 (fls. 154, 158, 160, 165 e 169). Os créditos em discussão, por sua vez, por meio deles constituídos, dizem respeito a tributos con-cernentes aos anos de 1994 a 1999.

Ora, em relação ao IRPJ e ao IRRF referentes ao ano de 1994, con-siderando que o fato gerador é complexivo e reputa-se ocorrido em 31.12.1994, tem-se que os lançamentos somente poderiam ser efetuados a partir de 01.01.1995. Aplicando-se a regra do art. 173, I, do CTN, o cômputo do prazo quinquenal tem início em 01.01.1996 – no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado –, findando em 31.12.2000, de modo que, por ocasião das atua-ções fiscais, em novembro de 2000, o Fisco não havia decaído do direito de constituir os créditos tributários correspondentes.

Já em relação às exações PIS, COFINS e Contribuição Social relativas ao ano de 1994, diferentemente, tenho por configurada a decadência.

É que tais contribuições, a partir da Constituição Federal de 1988, passaram a ostentar indiscutível natureza jurídica tributária, submetendo-se aos preceitos regentes do Direito Tributário, dentre os quais aquele insculpido no art. 146, III, b, da CF, a exigir a via da lei complementar

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para estabelecer normas legais relativas à decadência tributária, inclusive no que toca a seu prazo.

Dessarte, infere-se que a Lei nº 8.212/91, em seu art. 45, ao prever o prazo decadencial de 10 anos para que a Seguridade Social apure e constitua seus créditos, adentrou âmbito reservado à lei complementar, inquinando-se de inconstitucionalidade formal em face do referido pre-ceptivo.

Nesse sentido foi o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, dos Recursos Extraordinários 556.664, 559.882, 559.943 e 560.626, na sessão de 11.06.2008, no qual a Corte assentou, definitivamente, a inconstitu-cionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, aprovando, ao fim, a Súmula Vinculante nº 8, in verbis: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.

Em sendo assim, deve ser afastada a aplicação do prazo decadencial de 10 anos previsto no art. 45 da Lei nº 8.212/91, prevalecendo as dispo-sições do CTN a respeito da questão, no caso, a regra do art. 173, I, do CTN, afastando-se a peculiaridade inerente ao imposto de renda quanto à perfectibilização do fato gerador tão somente ao final do exercício.

Assim, em relação às exações do ano de 1994, o início do prazo deca-dencial quinquenal se dá em 01.01.1995 – no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado –, com término em 31.12.1999. Dessarte, quando da realização dos lançamentos em novembro de 2000, já havia restado precluso o direito do Fisco de constituir os créditos tributários.

Nesses termos, merece acolhimento a pretensão da parte-autora no ponto, devendo ser declarada a nulidade dos autos de infração no que se refere à contribuição ao PIS, à COFINS e à Contribuição Social relativas ao exercício de 1994.

Da isenção da COFINS

Não prospera a insurgência da demandante no particular.Segundo entendimento pacificado do egrégio STF, por ocasião do

julgamento da ADC nº 1/DF, em se tratando de contribuições para a seguridade social, a edição de lei complementar só se faz necessária para a instituição de novas fontes de custeio (art. 195, § 4º, c/c art. 154,

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inciso I, da Constituição Federal). Para as exações já previstas no texto constitucional, como é o caso da COFINS, necessária apenas a edição de lei ordinária.

Ademais, verifica-se que em nenhum momento prevê a Constituição Federal a necessidade de edição de lei complementar para a revogação de norma de isenção.

Sendo assim, não há falar em inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio da hierarquia das leis, da revogação da isenção da COFINS, prevista no parágrafo único do art. 11 da Lei Complementar nº 70/91, pelo § 5º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, a qual se deu de forma tácita, em face da incompatibilidade dos referidos regramentos.

Especificamente no que diz respeito ao entendimento do egrégio STJ acerca da impossibilidade de revogação da isenção da COFINS, prevista no art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91, pelo art. 56 da Lei nº 9.430/96, consubstanciado na Súmula nº 276 da referida Corte de Justiça, por ofensa ao princípio da hierarquia das leis, caso análogo ao presente, observo que este restou superado em face da decisão definitiva proferida pelo egrégio STF, no julgamento do RE nº 377.457/PR, cujo acórdão restou assim ementado:

“Contribuição social sobre o faturamento – COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades

civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Legiti-midade.

3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes.

4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721.

5. Recurso extraordinário conhecido, mas negado provimento.” (RE nº 377.457/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.12.2008)

Dos critérios legais quanto ao levantamento dos valores lançados a título de IRPJ, IRRF, CSLL, COFINS e PIS

No ponto, tenho que razão não assiste à parte-autora, sendo irretocá-veis os fundamentos adotados pela sentença recorrida, os quais referendo e adoto como razão de decidir:

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“Com efeito, a Autora, por meio do Auto de Infração de fls. 154-170, foi autuada pela Secretaria da Receita Federal, que, por meio da análise dos livros contábeis e fiscais relativos aos anos-calendário de 1994-1999, apurou as seguintes infrações e procedeu aos seguintes lançamentos: R$ 367.051,96 (trezentos e sessenta e sete mil, cinquenta e um reais e noventa e seis centavos), a título de omissão de declaração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica; R$ 270.800,55 (duzentos e setenta mil, oitocentos reais e cinquenta e cinco centavos), a título de omissão de declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física; R$ 29.884,66 (vinte e nove mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e sessenta e seis centavos), a título de PIS; R$ 318.746,58 (trezentos e dezoito mil, setecentos e quarenta e seis reais e cinquenta e oito centavos), a título de CSLL; e R$ 12.965,58 (doze mil, novecentos e sessenta e cinco reais e cinquenta e oito centavos), totalizando o importe de R$ 999.449,33 (novecentos e noventa e nove mil, quatrocentos e quarenta e nove reais e trinta e três centavos).

Quando da apuração das infrações cometidas pela Autora, a fiscalização fazendária, por meio do relatório de fls. 171-182, concluiu que os valores brutos de comissões apresentados nos relatórios encaminhados pelas empresas de seguros e informados nas Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte para os quais a Demandante prestou serviços de corretagem de seguros e constantes dos documentos de fls. 208 a 259 dos autos, eram superiores aos valores constantes do Livro Razão analítico relativos aos anos-calendário de 1994 a 1999 (fls. 267-269), o que resultou nas diferenças tributáveis constantes do documento de fls. 270-273, que por sua vez representaram valores de omissão de receitas de comissão pela prestação de serviços de corretagem.

Cumpre destacar o fato de que, nos anos-calendário de 1994-1999, a empresa apresentou as declarações de rendimentos com base no lucro presumido, tendo, com razão, a autoridade fazendária apurado a omissão de receita nos anos-calendário de 1994-1995, passando a tributá-los à alíquota de 25%, tomando por base o art. 892 do RIR, que dispunha que, ‘verificada omissão de receita, a autoridade tributária lançará o imposto de renda, à alíquota de 25%, de ofício, com os acréscimos e as penalidades de lei, considerando como base de cálculo o valor da receita omitida’. § 1º. O valor da receita omitida não comporá a determinação do lucro real e o imposto incidente sobre a omissão será definitivo (Lei nº 8.541/92, art. 43, § 2º). O caput do art. 43 da Lei nº 8.541/92 dispõe que a base de cálculo da tributação da omissão de receita é o valor da receita omitida, sendo tributada à alíquota de 25%.

Adiante, a Medida Provisória nº 492 de 05.05.94, art. 3º, e suas posteriores reedições, convertida na Lei nº 9.064/95, deu nova redação ao § 2º do art. 43 da Lei nº 8.541/92, cuja redação afastou quaisquer dúvidas que porventura pudessem existir em relação ao tratamento tributário aplicável às receitas omitidas, assim dispôs: ‘o valor da receita omitida não comporá a determinação do lucro real, presumido ou arbitrado, bem como a base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, e o imposto e a contribuição incidentes serão definitivos’.

Dessa forma, tendo em vista a omissão de receita apurada nos anos-calendário de

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1994-1995, não resta dúvida de que a base de cálculo do imposto de renda e da CSLL para as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado é a totalidade dos valores omitidos, restando fulminada a pretensão da Demandante em ver tributados somente 50% dos valores omitidos.

No entanto, a partir do ano-calendário de 1996, o art. 24 da Lei nº 9.249/95 alterou a tributação da receita omitida pelas pessoas jurídicas, passando a dispor que o valor do imposto de renda e do adicional, bem como da CSLL, será determinado de acordo com o regime de tributação a que estiver submetida a pessoa jurídica no período-base a cuja omissão corresponder, de forma que, na pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido, o valor da receita omitida será acrescida à receita da atividade para o cálculo do lucro presumido para fins do cálculo do adicional, sendo o coeficiente do lucro presumido aplicável para atividade de corretagem de seguros o de 32%, e a alíquota do imposto, a de 15%, razão pela qual concluo que deverá ser tributada a omissão de receita da forma como foi feita no Auto de Infração.

No tocante à falta de recolhimento de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica apurada no 2º e no 3º semestres do ano-calendário de 1998, conforme planilha de fls. 274-278, verifico estar correto o procedimento adotado pela autoridade fazendária, uma vez que a Postulante não comprovou os recolhimentos de forma espontânea, bem como não confessou a dívida, nos termos do art. 5º do Decreto-Lei nº 2.124/84, de forma que o dispositivo legal aplicado foi o art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96, que prevê a impo-sição de multa de 75% nos casos de ‘falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata...’

Concernente à irresignação da Demandante em relação à alegação de que, quando da apuração do IRRF, a autoridade fazendária não teria deduzido da sua base de cál-culo o valor do IRPJ, constituindo, dessa forma, um bis in idem, razão não assiste à Autora, tendo em vista que a Lei nº 8.541/92, no seu art. 44, dispunha que, em casos de omissão de receita, eram considerados automaticamente distribuídos aos sócios da empresa, e tributados exclusivamente na fonte à alíquota de 25%, para os períodos de 01.01.93 a 31.12.94, tendo em conta a presunção de transferência de recursos da pessoa jurídica para a pessoa dos sócios. Dessa forma, a base de cálculo do IRRF é o valor da receita omitida, não havendo previsão legal para dedução para efeito de apuração do montante devido. Por força do disposto no art. 62 da Lei nº 8.981/95, no que se refere aos períodos de 01.01.95 a 31.12.95, incide a alíquota de 35%, importando salientar que a partir de janeiro de 1996 não houve lançamento de IRRF sobre valores de receita omitida, tendo em vista que a Lei 8.981/95 foi revogada pela Lei 9.249/95.

Imperioso destacar que os tópicos abordados e discorridos em relação ao Imposto de Renda da Pessoa Física e Jurídica são estendidos aos valores de bases de cálculos apurados em relação às contribuições apuradas pelo Fisco em relação a PIS, COFINS e CSLL.”

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Taxa SELIC

No que tange à taxa SELIC, dispõe o § 1º do artigo 161 do CTN:“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros

de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta lei ou em lei tributária.

§ 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.”

No caso, existe lei dispondo de modo diferente, qual seja, a Lei nº 9.065/95, que determinou a incidência da taxa SELIC nos débitos tribu-tários. Essa taxa contém elementos de correção monetária, mais taxas de juros reais, não existindo qualquer vício na sua cobrança. Não apresenta, ademais, natureza remuneratória e representa o custo que a Fazenda tem para captar recursos no mercado, o qual é repassado a seus devedores.

Registre-se, outrossim, que essa taxa não afronta o previsto no já revogado, pela EC 40/03, artigo 192, § 3º, da CF/88, seja porque o STF já firmou entendimento de que tal dispositivo é carente de regulamen-tação para ter eficácia, seja porque ele se dirige ao mercado financeiro no que tange à concessão de crédito, e não no que se refere a débitos fiscais. Nem se cogita, de igual forma, ofensa ao artigo 161 do CTN, o qual autoriza o acréscimo de juros de mora ao crédito fazendário não adimplido na data de vencimento, nem a seu § 1º, que estabelece taxa de 1% (um por cento) ao mês, se a lei não dispuser de modo diverso, como já explanado.

Nesse sentido já decidiu esta Segunda Turma: AC 2005.70.09.000969-1, Relator Antônio Albino Ramos de Oliveira, publicado em 05.10.2005; AG 2005.04.01.012622-1, Relator Antônio Albino Ramos de Oliveira, publicado em 17.08.2005; e AC 2006.70.99.000362-4, Relator Dirceu de Almeida Soares, publicado em 10.05.2006.

O e. STJ firmou-se no sentido de considerar legítima a aplicação da SELIC no âmbito tributário, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INOCORRÊN-CIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE COMANDO CAPAZ DE INFIRMAR O ACÓRDÃO RECORRIDO. TRIBUTÁRIO. CONFISSÃO DA DÍVIDA. PARCELAMENTO DO DÉBITO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA NÃO CONFIGURADA. EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.

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TAXA SELIC. LEGALIDADE. (...) 5. É legítima a utilização da taxa SELIC como índice de correção monetária e de

juros de mora, na atualização dos créditos tributários. Precedentes: AGREsp 671494/RS, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 28.03.2005; REsp 547283/MG, 2ª Turma, Min. João Otávio Noronha, DJ de 01.02.2005.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.” (REsp nº 802908, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, decisão unânime, publicada no DJ em 20.03.2006)

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SULEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. NOVA. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ NA APRECIAÇÃO DO ERESP Nº 435.835/SC. LC Nº 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP Nº 327.043/DF. COMPENSAÇÃO. TRIBUTOS DE DIFE-RENTES ESPÉCIES. SUCESSIVOS REGIMES DE COMPENSAÇÃO. APLICAÇÃO RETROATIVA OU EXAME DA CAUSA À LUZ DO DIREITO SUPERVENIENTE. INVIABILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA.

(...) 11. Está assentada nesta Corte a orientação segundo a qual são os seguintes os ín-

dices a serem utilizados na repetição ou compensação de indébito tributário: (a) IPC, de março/1990 a janeiro/1991; (b) INPC, de fevereiro a dezembro/1991; (c) UFIR, a partir de janeiro/1992; (d) taxa SELIC, exclusivamente, a partir de janeiro/1996. (...)” (REsp nº 726.668/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, decisão unânime, publicada no DJ em 1º.07.2005)

Improcede, portanto, a insurgência contra a taxa SELIC.

Do excesso das multas

Compulsando os autos, verifico que a fiscalização aplicou multas de ofício de 75%, com fundamento no art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96, em face da falta ou insuficiência de recolhimento, e de 150%, com base no art. 44, inciso II, da Lei nº 9.430/96, em razão da constatação de intuito de fraude.

Entendo que não há falar em excessividade das multas, pois não restou evidenciada a desproporção entre as penalidades aplicadas pelo desrespeito às normas tributárias e sua consequência jurídica. As multas foram aplicadas em conformidade com a lei, estão dentro dos parâmetros jurisprudenciais e atendem às suas finalidades educativas e de repressão da conduta infratora.

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Nesse sentido:“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. PRECLUSÃO. AGRAVO RETIDO. PRO-

VA PERICIAL. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. REQUISITOS DA CDA. PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA. CONFISCO. LEGALIDADE DA TAXA SELIC. CUMULAÇÃO DA MULTA COM JUROS. CAPITALIZAÇÃO. TJLP.

(...)6. O Supremo Tribunal Federal tem admitido a redução de multa moratória impos-

ta com base em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. No caso, a multa aplicada no percentual de 75% não tem caráter confis-catório, pois é coerente com o tipo de lançamento realizado e atende às suas finalidades educativas e de repressão da conduta infratora. (...)” (AC nº 2002.71.00.032676-9/RS, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, DJU de 18.05.2005)

“INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 35, II, B A D, E III, A A D, DA LEI Nº 8.212/91, COM A REDAÇÃO DADA PELAS LEIS NOS 9.528/97 E 9.876/99. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA VEDAÇÃO AO CONFIS-CO, DA RAZOABILIDADE E DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO. INOCORRÊNCIA. REJEIÇÃO DO INCIDENTE.

1. As multas até o limite de 100% do principal não ofendem o princípio da vedação ao confisco, da razoabilidade e da proibição do excesso.

2. A multa tem como pressuposto o ato ilícito, penalizando o infrator e fazendo o papel de prevenção geral, evitando novas condutas de infração. Pequenos valores de multa, equiparáveis aos juros de mercado, permitiriam fosse a multa incorporada ao gasto empresarial e a infração à lei reiterada (Incidente de Arguição de Inconstitucio-nalidade na AC nº 2000.04.01.063415-0/RS, Rel. para o acórdão Desembargador Néfi Cordeiro).

3. É constitucional o art. 35 da Lei nº 8.212/91.” (TRF4, INAC 2006.71.99.002290-6, Corte Especial, minha relatoria, DE de 12.05.2008)

Ademais, saliente-se que a Corte Especial deste Tribunal, na sessão de 27.08.2009, rejeitou incidente de arguição de inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996, entendendo que a aplicação de multa no percentual de 150% justifica-se em razão da gravidade das infrações envolvendo sonegação, fraude ou conluio, não possuindo ca-ráter confiscatório.

A decisão restou assim ementada:“TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIO-

NALIDADE DO INCISO II DO ART. 44 DA LEI Nº 9.430/1996, NA REDAÇÃO ORIGINAL. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE TRIBUTO COM EFEITO DE CON-FISCO. MULTA DE OFÍCIO. PERCENTUAL DE 150%. INFRAÇÃO SUBJETIVA.

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SONEGAÇÃO, FRAUDE OU CONLUIO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 1. O princípio da proibição de tributo com efeito de confisco aplica-se tanto aos

tributos quanto aos deveres instrumentais ou formais (ainda que esses últimos não pos-suam natureza tributária), na linha dos precedentes do STF (ADIN 551 e ADIN 1.075). Também é aplicável a qualquer espécie de multa, seja de mora, seja de ofício, uma vez que a natureza jurídica de ambas é a mesma: sanção decorrente do descumprimento de deveres jurídicos estabelecidos nas leis tributárias, relativos à obrigação tributária (multa de mora) ou aos deveres instrumentais ou formais (multa de ofício).

2. As normas que preveem infrações podem ser divididas entre objetivas e subjetivas. As primeiras não levam em consideração a vontade do agente; havendo o resultado previsto na norma, independente da intenção do infrator, configura-se o ilícito. As se-gundas exigem o dolo ou a culpa do infrator, que deve ser apurada em conformidade com a hipótese descrita na norma.

3. O inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996 cuida de infração subjetiva de caráter doloso. Os arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/1964, aos quais se refere o dispositivo, definem três ilícitos, em que os infratores dirigem sua vontade com o escopo de im-pedir ou retardar o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador do tributo ou das condições pessoais do contribuinte que afetem o tributo (sonegação); impedir ou retardar o próprio acontecimento tributário ou de excluir ou modificar as suas características, a fim de reduzir o tributo devido ou diferir o seu pa-gamento (fraude); ou realizam ajuste doloso entre duas ou mais pessoas visando aos efeitos da sonegação ou da fraude (conluio).

4. A gravidade das condutas dolosas descritas no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996 justifica o percentual exacerbado da multa. A sanção deve ser proporcional ao ilícito cometido e desestimular a sua prática, para que realize sua função repressiva e punitiva. Os aspectos subjetivos dessas infrações tornam os limites da proibição de efeito confiscatório mais permeáveis e elásticos do que se entenderia como razoável, caso se tratasse de uma infração objetiva. Não se revela consentâneo com o ideal de justiça tributária penalizar em patamar semelhante o contribuinte que deixa de pagar ou de declarar o tributo, sem intuito doloso, e o contribuinte que sonega, frauda ou age em conluio. O que evidencia o caráter confiscatório da multa é a desproporção entre o desrespeito à norma tributária e a sua consequência jurídica. Assim, a resposta do ordenamento jurídico à sonegação, à fraude e ao conluio deve ser muito mais forte do que a resposta aos ilícitos menos gravosos.

5. Outro aspecto da questão diz respeito à ideia de confisco, que envolve verificar se a multa realmente atinge parcela tão significativa do patrimônio ou renda do contri-buinte que equivalha à extinção da propriedade ou ameace a sobrevivência do indivíduo e da empresa. Não se pode olvidar que a sonegação, a fraude e o conluio acarretam o enriquecimento ilícito do contribuinte; na impossibilidade de discernir o que é riqueza lícita e o que é riqueza ilícita, é difícil saber se a multa ultrapassa as possibilidades do contribuinte. Para solucionar esse impasse, cabe recorrer ao princípio da razoabilidade,

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cuja essência é guardar uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Nessa senda, o percentual de 150% a título de multa, nos casos de sonegação, fraude ou conluio, é razoável, justamente porque se dirige a reprimir condutas evidentemente contrárias não apenas aos interesses fiscais, mas aos interesses de toda a sociedade.

6. Arguição de inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996, na redação original, rejeitada.” (INAC nº 2005.72.06.001070-1/SC, Corte Especial, Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik, publicado no D.E. de 15.09.2009)

Nesses termos, não prospera o pleito da requerente também nesse tópico.

Da inclusão no REFIS

O Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, instituído pela Lei 9.964/2000, visa a incentivar os contribuintes com débito perante a Re-ceita Federal ou o INSS a regularizarem sua situação fiscal, parcelando suas dívidas. Trata-se, portanto, de um benefício fiscal, que é regido pela legislação específica que o instituiu.

Não pode ser acolhida a pretensão do contribuinte de aderir ao pro-grama afastando algumas de suas normas, usufruindo dos bônus sem arcar com os ônus correspondentes. Quem adere ao programa deve obedecer às normas a ele pertinentes em contrapartida às benesses dele decorrentes.

A adesão ao REFIS não é uma imposição legal, mas uma opção que fora ofertada ao contribuinte mediante normas legais de conhecimento público. Se adere ao programa, consente com os ônus que lhe foram impostos pela legislação de regência, sem qualquer reserva.

Assim, não merece acolhimento a pretensão da requerente de afastar a aplicação do § 4 do art. 3º da Lei nº 9.964/00, in verbis:

“Art. 3º A opção pelo Refis sujeita a pessoa jurídica a:(...)§ 4º Ressalvado o disposto no § 3º, a homologação da opção pelo Refis é condicio-

nada à prestação de garantia ou, a critério da pessoa jurídica, ao arrolamento dos bens integrantes do seu patrimônio, na forma do art. 64 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.

§ 5º São dispensadas das exigências referidas no § 4º as pessoas jurídicas optantes pelo Simples e aquelas cujo débito consolidado seja inferior a R$ 500.000,00 (qui-nhentos mil reais).”

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Assim, considerando que a parte-autora não é optante do SIMPLES e possui débito em valor superior a R$ 500.000,00, a sua adesão ao REFIS fica condicionada à prestação de garantia, por expressa determinação da legislação pertinente, exigência essa que, como fundamentado acima, não pode ser afastada.

Do dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação para declarar a nulidade dos autos de infração debatidos no que se refere à contribuição ao PIS, à COFINS e à Contribuição Social relativas ao exercício de 1994.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.08.013019-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Apelante: Calçados Azaleia S/AAdvogado: Dr. Danilo Knijnik

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

EMENTA

Tributário. Ação anulatória. Depósito sem origem identificada. Omissão de receitas. Presunção legal relativa. Eficácia civil da sentença penal. Vinculação do depósito a empréstimo tomado junto a instituição bancária no exterior. Operação de blue chip swap para internalização dos valores. Irregularidades. Irrelevância. Concretização do emprésti-mo. Princípio da verdade material. Ilegitimidade do lançamento fiscal. Honorários advocatícios.

1. O artigo 42 da Lei nº 9.430/96, ao estabelecer a presunção de

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existência de receitas ou rendimentos omitidos a partir da apuração de depósitos sem origem identificada, oportuniza ao titular da conta em que encontrados os valores a demonstração da sua procedência, mediante documentação hábil e idônea, o que evidencia tratar-se de presunção legal relativa. Dessa forma, verificada a existência de depósitos sem origem comprovada, apenas se desfaz a presunção de omissão de re-ceitas acaso justificada a origem dos recursos ou, ainda, demonstrada a incompatibilidade do nexo adotado pelo legislador para vincular o fato índice ao fato presumido.

2. Não se cogita da aplicação da Súmula nº 182 do TFR, uma vez que o lançamento, além de encontrar base legal no artigo 42 da Lei nº 9.430/96, o que autoriza a sua lavratura (artigo 149, I, do CTN), não é amparado unicamente na existência dos depósitos em si, mas sim na ausência de elucidação por parte do contribuinte acerca da origem dos valores, a autorizar a sua caracterização como receitas ou rendimentos omitidos. Assim, “o objeto da tributação não são os depósitos bancários em si, mas a omissão de rendimentos representada e exteriorizada por eles” (STJ, REsp 792812/RJ, Ministro Luiz Fux, julgado em 13.03.2007). Precedentes.

3. A regularidade das operações empreendidas para a obtenção e in-ternalização dos valores do empréstimo não é o pressuposto da autuação combatida. A simples constatação de irregularidades dessa ordem, embora pudesse render sanções de cunho administrativo e, mesmo no campo tributário, pudesse ensejar, em tese, a cobrança do imposto devido na operação de câmbio à qual se esquivou com a operação realizada even-tualmente a título de planejamento tributário, não é objeto da autuação fiscal impugnada. Em outras palavras, o descumprimento da legislação cambial relativa ao trânsito internacional de recursos não é fundamento do presente lançamento.

4. O ordenamento jurídico brasileiro consagra a independência entre a responsabilidade civil, penal e administrativa, de maneira que um mesmo fato pode dar origem a consequências diversas nessas três esferas, em sendo também diversos os requisitos para responsabilização em cada uma delas. O CC/2002 regula os efeitos da sentença penal no âmbito cível, ao retirar da discussão travada neste Juízo as “questões que se acharem decididas no juízo criminal” (artigo 935). Não pretende o Có-

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digo, obviamente, impedir a responsabilização civil quando afastada a responsabilidade penal por determinado fato; em verdade, o dispositivo apenas deixa claro que, relativamente à existência do fato em si e à sua autoria, não mais se pode retirar conclusão diversa daquela que restou cabalmente assentada no juízo criminal.

5. No caso, a sentença penal não afastou a existência, em si, dos fatos que motivaram a autuação fiscal. Pelo contrário, toda a operação desenhada pela denúncia, que se baseou, por sua vez, no relatório fiscal, foi tida pelo magistrado como efetivamente existente. A absolvição com base nos artigos 386, III e IV, do CPP (inexistência de prova de ter o réu concorrido para a infração penal e não constituir o fato infração penal) não impede a apuração dos fatos no juízo cível, porque não assentada a sua inexistência material, na linha do que dispõem os artigos 66 e 67, III, do CPP.

6. Não obstante tais considerações, os elementos de prova colhidos no processo penal fornecem valiosas contribuições à formação de um juízo sobre as circunstâncias fáticas que envolveram a contratação do empréstimo e das operações a ele vinculadas. Ainda que não haja vin-culação obrigatória das conclusões a que chegou a sentença absolutória ao juízo a ser formado na presente ação, nada impede, de outro lado, sejam levados em conta os elementos lá colhidos, mormente quando se mostram essenciais à melhor compreensão dos fatos que redundaram na autuação fiscal.

7. Na hipótese, toda a complexa operação montada pelo banco para fins de instrumentalizar o empréstimo, ainda que pudesse não se encon-trar de acordo com as normas legais relativas à internalização de valores no país – o que, repita-se, não é objeto da autuação –, não tinha outro objetivo que não o de viabilizar, na prática, o recebimento dos valores mutuados, os quais, por sua natureza transitória (destinados que são à devolução ao mutuante), não configuram riqueza tributável na forma da autuação. Resta claro, pois, que a empresa foi levada a crer que ine-xistiriam quaisquer irregularidades nas negociações operacionalizadas pela instituição bancária, fundada sobretudo na credibilidade a ela reco-nhecida, bem como na usualidade com que era praticada a operação no mercado. Assim, ainda que formalmente possam ser apontadas máculas na forma de operacionalização do empréstimo, o mútuo materialmente

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se concretizou, por meio do recebimento do dinheiro, da utilização e da posterior devolução, na data do vencimento, dos valores relativos ao principal e aos juros. Neste ponto, é importante notar que em nenhum momento a fiscalização logrou demonstrar que não houve, de fato, a devolução, na data do vencimento, dos valores tomados em empréstimo, na forma em que pactuada no contrato.

8. A presunção criada pelo legislador no artigo 42 da Lei nº 9.430/96 serve unicamente para mitigar o dever de prova do fisco quanto à ocor-rência da omissão de receitas, mas não chega ao ponto de certificar a ocorrência do fato gerador, mormente quando demonstrada a efetiva ocorrência do empréstimo contratado, situação em que as irregularidades formais relativas à operação não podem chegar ao ponto de retirar do empréstimo a sua natureza, que não se amolda à incidência dos tributos lançados no auto de infração em exame. A proteção à praticabilidade e à efetividade da legislação tributária não pode servir de pretexto à tributa-ção de valores cuja natureza não dá azo à incidência tributária.

9. Em atenção ao princípio da verdade material, diante da existência de circunstâncias que indiquem que as irregularidades são de ordem me-ramente formal, ainda que se mostrem cabíveis eventuais sanções pelo descumprimento da legislação específica, não mais se justifica a tributa-ção dos valores como se receita da mutuária fossem, com base apenas na presunção legal. Se não identificada a origem dos valores emprestados, ou mesmo se apurada a sua origem ilícita, é sobre a instituição bancária que poderia recair a tributação, com base na presunção do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, e não sobre a empresa mutuária.

10. Relativamente aos honorários advocatícios, nas hipóteses em que vencida a Fazenda Pública, o artigo 20, § 4º, do CPC permite que sejam arbitrados com base na equidade, valendo-se o julgador dos critérios elencados nas alíneas a, b e c do § 3º desse artigo. A equidade serve como valioso recurso destinado a suprir as lacunas legais e auxiliar a aclarar o sentido e o alcance das leis, atenuando o rigorismo dessas, de molde a compatibilizá-las às circunstâncias sociais, inspirada pelo espírito de justiça. No caso presente, o percentual de 10% sobre o valor da causa representa ônus exacerbado à parte sucumbente. Por esse motivo, devem ser reduzidos os honorários advocatícios para a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

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11. Agravo retido improvido e apelo provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e dar provimento ao apelo, na forma da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de novembro de 2009.Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Trata-se de ação anu-latória ajuizada com o escopo de desconstituição dos créditos tributários apurados no bojo do processo administrativo nº 11065.005758/2002-76.

Relata a autora que, no ano de 2002, foi intimada pela Delegacia da Receita Federal de Novo Hamburgo/RS a prestar esclarecimentos acerca da origem de depósito efetuado em 17.12.1997 em sua conta-corrente na agência do Unibanco de Taquara, no valor de R$ 11.156.642,00. Narra que, de pronto, informou que os valores referiam-se a empréstimo obti-do junto ao Unibanco, por meio de sua agência em Nassau (Bahamas), no valor de US$ 10.000.000,00, que, convertido para reais, resultava na importância depositada à época, estando devidamente registrado em sua contabilidade o recebimento do mútuo, o pagamento dos juros e a quitação do principal. Como permaneceram dúvidas, foi instada a prestar ao fisco informações adicionais acerca da operação contratada junto ao Unibanco. Refere que, sem saber de maiores detalhes sobre a complexa operação de empréstimo, uma vez que todos os contratos e documentos foram elaborados pelo banco, de notável credibilidade no mercado, alertou ao fisco que maiores esclarecimentos sobre as etapas da negociação poderiam ser obtidos junto à instituição. Menciona que a fiscalização apontou diversas irregularidades na operação de blue chip swap subjacente ao negócio e, mesmo sem realizar quaisquer diligências junto ao banco responsável pelo oferecimento do negócio, lavrou em face da autora auto de infração relativo a IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, ao

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argumento de que o depósito cuja origem não fora comprovada firmava presunção de se tratar de receita omitida, com base no artigo 42 da Lei nº 9.430/96. Expõe que, paralelamente ao lançamento fiscal, o mesmo fato foi descrito pelo Ministério Público Federal na denúncia, sobrevin-do sentença absolutória na qual o fato presumido pelo fisco é negado e afastado, revelando que a empresa não teve qualquer responsabilidade pelas irregularidades constatadas na ação fiscal. Defende que eventuais irregularidades perpetradas dentro de ou por um banco não podem trans-formar, nem por presunção, o tomador em sonegador e o valor emprestado em receita omitida, sendo que a origem dos valores depositados em sua conta não era do seu conhecimento, na medida em que concernentes unicamente ao mister da instituição bancária. Aduz que, transitada em julgado a sentença criminal absolutória, o decidido na esfera penal teria derruído a presunção juris tantum do art. 42 da Lei n° 9.430/96, com base no qual se afirmou que o valor depositado na conta-corrente da Azaleia seria omissão de receita ou de rendimento da empresa. Brada, assim, que não se pode voltar a discutir no cível que o valor depositado na conta-corrente da peticionária teria servido para lavar dinheiro que seria da recorrente; e, se o dinheiro não lhe pertencia, cai por terra a presunção relativa do art. 42 da Lei n° 9.430/96, de que o valor depositado na conta-corrente da companhia corresponderia a receitas suas não submetidas a tributação. Sustenta que é materialmente impossível que a ora apelante pratique omissão de receita ou de rendimento que não lhe pertence, pois a própria autoridade afirmou que a “recorrente responde apenas pela origem de suas receitas, e não pela origem de receitas de terceiros”. Sustenta que, se o Unibanco depositou na conta da Azaleia recursos de origem ilícita, como se fossem o próprio crédito do empréstimo que a ela concedeu, é porque esse dinheiro não pertencia à empresa, tanto que pagou principal e juros no vencimento do empréstimo, não possuindo qualquer relação com as demais intermediadoras do negócio.

Sustenta a autora, ainda, que, nos termos do artigo 935 do Código Civil, não se pode questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando essas questões já se encontrem decididas no juízo criminal. Pontua que, na hipótese, a sentença absolutória escorou-se não no inciso VI, mas nos incisos III e IV do artigo 386 do CPP, e, ademais, as conclusões tiradas pelo Juízo criminal são incompatíveis

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com o fato presuntivamente imputado nos autos de infração. Alega que o fato gerador dos tributos lançados pressupõe a prévia existência de receita, decorrente de uma atividade material tributável, sendo certo que qualquer valor recebido a título de empréstimo não se afeiçoa a tal conceito. Refere que o mútuo foi contabilizado no livro diário da empresa e que, no vencimento, a peticionária efetuou o pagamento de juros e do principal, conforme registros no BACEN e no livro diário. Frisa que ja-mais um empréstimo pode ser transformado em fato gerador dos tributos cobrados pela simples circunstância de terem sido depositados na sua conta, a título de liberação do empréstimo, recursos sem origem. Pelo contrário, tal fato apenas levanta indícios de que a instituição bancária estaria utilizando numerários escusos em suas operações, não havendo como imputar a ilicitude à tomadora do empréstimo, que nenhuma ciência ou responsabilidade teve sobre o procedimento.

Brada que o lançamento exige a prova do fato gerador, a teor do ar-tigo 142 do CTN, não cabendo ao fisco substituir tal comprovação pela presunção do artigo 42 da Lei nº 9.430/96. Sublinha que a jurisprudência sempre desconstituiu lançamentos baseados unicamente em extratos, por não revelarem aquisição de renda. Sustenta que a presunção criada não cria a possibilidade de o lançamento dissociar-se do princípio da verda-de material, não sendo dado ao fisco rejeitar esclarecimentos prestados valendo-se unicamente da própria presunção. Pontua que o lançamento deveria, na forma do § 5º do dispositivo antes referido, ter sido efetuado em face do efetivo titular da receita, seja ele a instituição bancária res-ponsável pela engenharia das operações, seja o terceiro responsável pelo depósito. Alega que a autuação não levou em conta que a mesma operação já havia sido realizada pelo Unibanco com outras empresas, sempre com os mesmos mecanismos. Outrossim, de maneira que a Azaleia quitou o empréstimo recebido, devolvendo os recursos tomados ao Unibanco com juros, não se pode erigir o depósito à condição de aquisição de dis-ponibilidade nos termos do artigo 44 do CTN. Pontua que se impunha ao fisco demonstrar a prova do fato gerador não oferecido à tributação (venda de mercadorias sem nota, extração de notas calçadas, etc.), o que não foi feito, pois não se mostra suficiente demonstrar a simulação ocorrida por parte de terceiros, já que o contribuinte não pode responder pela contabilidade alheia.

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Insurge-se, ainda, quanto à multa aplicada no percentual de 150% com fundamento no artigo 44, II, da Lei nº 9.430/96. Sustenta, em síntese, que restou demonstrado ter sido a empresa ludibriada pelo banco, por meio de operações das quais sequer poderia ter conhecimento. Refere que a sanção em tela exige a demonstração do dolo por parte do contribuinte, o que, segundo a sentença absolutória, inexistiu no procedimento engen-drado pelo Unibanco. Defende que foi notório o intuito de cooperação da empresa no bojo da ação fiscal, tendo alcançado ao fisco todos os documentos e informações que detinha.

Devidamente processado o feito, sobreveio sentença que, revogando a tutela antecipada, julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa (R$ 20.000.000,00) atualizado pelo IPCA-e.

Em suas razões recursais, preliminarmente, a recorrente aventa a nu-lidade da sentença por violação aos artigos 330, I, 332 e 400 do CPC e artigo 5º, LIV e LV, da CF, ao argumento do cerceamento de defesa, uma vez que o requerimento para produção de provas, formulado tempesti-vamente, foi indeferido pelo Juízo a quo. Requer, pois, seja analisado e provido o agravo retido que fora interposto da decisão que indeferiu a produção probatória, para o fim de possibilitar a demonstração do equívoco do lançamento. No mais, além de repisar as bem-lançadas ar-gumentações tecidas na peça inicial, aponta o excesso em que fixados os honorários advocatícios, uma vez que chegam a somar R$ 2.000.000,00, quantia que se encontra em desacordo com o § 4º do artigo 20 do CPC, mormente porque julgada antecipadamente a demanda, sendo inadmis-sível a fixação da verba de sucumbência no patamar de 10% do valor da causa. Roga, assim, acaso mantida a sentença de improcedência, sejam reduzidos os honorários a que condenada. Por fim, postula o expresso prequestionamento do artigo 935 do Código Civil, artigo 42, caput e § 5º, da Lei nº 9.430/96, artigos 43, 142 e 149 do CTN, artigos 20, §§ 3º e 4º, 131, 330, I, 332 e 400 do CPC e artigo 5º, LIV e LV, da CF.

Contra a decisão que recebeu a apelação unicamente no efeito devoluti-vo, interpôs a recorrente o agravo de instrumento nº 2007.04.00.018349-6, ao qual atribuí efeito suspensivo, para determinar a suspensão da exigi-bilidade dos créditos até posterior manifestação deste Colegiado.

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Intimada, a União não apresentou contrarrazões ao apelo.Pautado para a sessão de 04 de novembro, após sustentação oral de

ambas as partes, indiquei o adiamento do julgamento, desde então co-municando que traria o processo para a sessão do dia 18 de novembro.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A presente anulatória busca a desconstituição do crédito tributário originado a partir do processo administrativo nº 11065.005758/2002-76.

A ação fiscal referida é decorrência da ação penal nº 2000.71.08.009913-4, que, enquanto ainda se constituía em procedimento criminal diverso, buscou averiguar a regularidade de remessas de divisas para o exterior, por meio de contas CC-5, realizadas pela empresa Calçados Azaleia S.A. Após a realização de diversas diligências, tanto no bojo da ação judicial (v.g., quebra de sigilo bancário – fls. 118-125), como no bojo da ação fiscal (v.g., solicitações de esclarecimentos e juntada de documentos pela Azaleia e pelo Unibanco), sobreveio a lavratura dos autos de infração relativos a IRPJ, CSLL, COFINS e PIS do ano-calendário de 1997.

Segundo apurou a fiscalização, ficou constatado que a Azaleia efetuara remessas ao exterior em pagamento de noticiado empréstimo junto ao Unibanco (agência Nassau – Bahamas). A empresa alegou que o emprés-timo, cujo contrato respectivo fora celebrado em 17.12.1997, no valor de R$ 11.156.420,00 (correspondente a US$ 10.000.000,00 à época), tinha vencimento previsto inicialmente para 17.03.1998 (data em que houve a remessa da quantia de R$ 312.922,50 ao exterior), sendo após prorrogado o vencimento para 15.06.1998 (data da remessa de R$ 11.893.927,50). Verificou-se, por meio do exame da contabilidade da empresa, que o empréstimo fora escriturado a crédito da conta do passivo “Empréstimos Cap Giro Exterior” e a débito da conta do ativo “Unibanco S/A”, sendo que os valores foram depositados na conta de titularidade da empresa na agência do Unibanco em Taquara/RS.

Entretanto, considerando que não constava junto ao BACEN qualquer registro de ingresso das divisas relativamente ao empréstimo noticiado, foi a empresa instada a demonstrar como os recursos haviam ingressado no país. Em esclarecimento, noticiou a Azaleia que, com os recursos

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liberados por ocasião do empréstimo em conta aberta em seu nome na agência do Unibanco de Nassau, adquiriu T-Bills (Títulos do Tesouro Americano), em 16.12.1997, junto à empresa Choy Sing Investments Ltd. e que, na mesma data, vendeu os títulos adquiridos para a empresa Korgg do Brasil Indústria de Equipamentos Pesados Ltda. Esta última, em pagamento pelos títulos, transferira o valor de R$ 11.156.642,00 para a sua conta na agência do Unibanco de Taquara, por meio de depósito interagência.

Cotejando as explicações fornecidas com as informações obtidas a partir da quebra de sigilo bancário, contudo, apurou-se que o referido depósito interagência fora efetuado a partir de agência do Unibanco em São Paulo, sendo utilizado para tanto cheque administrativo do Bank-Boston. Esse banco, de seu lado, informou que o cheque fora tomado pela empresa Crescente Construtora Ltda. Constatou-se, ademais, que tanto esta última quanto a empresa Korgg ostentavam o mesmo quadro societário, sendo que 99,9% do capital de cada uma pertencia à empresa uruguaia Melling Sociedad Anonima e o restante 0,01%, a Roberto Gentil Bianchi, também representante das duas empresas perante a SRF.

Outrossim, apurou a fiscalização que não restara demonstrado que o valor tomado em empréstimo fora utilizado para compra das T-Bills junto à Choy Sing, uma vez que, a partir de ordem expressa da própria Azaleia, os US$ 10.000.000,00 recebidos na agência de Nassau do Unibanco foram creditados não em favor daquela, mas sim em favor de Durant Business Ltd., na agência de Nova Iorque do Banco do Estado do Paraná S/A.

Relativamente à negociação dos Títulos do Tesouro Americano (T-Bills), foi constatado pela fiscalização, a partir de consulta realizada perante o Adido Tributário e Aduaneiro da embaixada brasileira em Washington, a incompatibilidade entre a forma de negociação noticiada pela empresa e o regime de transação dos referidos títulos, bem ainda a inexistência de títulos com as características informadas.

Assim, considerando o fisco não ter sido demonstrada a origem de valores depositados na conta de titularidade da Azaléia, uma vez que não demonstrada a sua ligação com o empréstimo informado, reputou caracterizada a omissão de receitas, na forma do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, tributando os valores com IRPJ, PIS, COFINS e CSLL, e

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aplicou multa de ofício de 150%, calculada sobre o tributo devido, por considerar evidente o intuito de fraude (artigo 44, II, da Lei nº 9.430/96 c/c artigo 71 da Lei nº 4.502/64).

Esses são, em breve síntese, os fatos que deram origem ao lançamento fiscal que ora se busca desconstituir. Passo ao exame dos recursos.

Agravo retido

Relativamente ao agravo retido (fls. 558-559), cuida-se de irresignação contra a decisão que indeferiu o pedido de produção de prova testemu-nhal formulado pela parte-autora. Não merece reforma a decisão. Veja-se que, segundo a dicção do artigo 400, II, do CPC, “o juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos (...) que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados”.

Na hipótese, o afastamento do fundamento legal da autuação que se pretende desconstituir exige a apresentação de “documentação hábil e idônea” a comprovar “a origem dos recursos utilizados nessas operações” (artigo 42, caput, da Lei nº 9.430/96). Assim, a solução da controvérsia no âmbito tributário passa pelo exame da documentação relativa às operações subjacentes aos recursos tidos pela fiscalização como receitas omitidas, a fim de verificar a sucessão das operações que teriam servido de lastro ao depósito dos valores. Não se verifica, portanto, o aventado cerceamento de defesa nem a ofensa aos artigos 5º, LIV e LV, da CF/88 e 131, 330, I, 332 e 400 do CPC. Por esse motivo, não procedem as razões trazidas em sede de agravo retido.

Apelação

A resolução da questão de fundo posta na apelação passa pelo exame de três grandes tópicos, a saber: (a) regularidade do lançamento a partir da adoção da presunção relativa estabelecida pelo artigo 42 da Lei nº 9.430/96, (b) eficácia civil da sentença penal absolutória e, consequente-mente, sua influência sobre a presunção estabelecida no auto de infração e (c) responsabilidade tributária relativamente aos valores depositados na conta da empresa. Passo a enfrentar, um a um, esses temas.

O fundamento da autuação fiscal encontra-se no artigo 42 da Lei nº 9.430/96, assim redigido:

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“Art. 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição finan-ceira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.”

Como se percebe, o legislador, ao estabelecer a presunção de existência de receitas ou rendimentos omitidos a partir da apuração de depósitos de origem não identificada, oportuniza ao titular da conta em que en-contrados os valores a demonstração da sua procedência, mediante do-cumentação hábil e idônea, o que evidencia tratar-se de presunção legal relativa. Serve a presunção, assim, unicamente como técnica para aliviar o ônus probatório do fisco quanto à existência de receitas ou rendimentos omitidos, tornando praticável e garantindo a efetividade da legislação tributária. Nesse sentido, a doutrina pontua que:“as presunções legais relativas, normas jurídicas que fornecem ao magistrado critérios objetivos para a aferição de fatos juridicamente relevantes, que têm um certo paren-tesco com as provas legais, são criadas, normalmente, com o objetivo confesso de se aliviar o ônus probatório de uma das partes (o que não significa que invertam o ônus da prova). O legislador, editando a norma substancial, cria direitos e deveres; instituindo uma presunção legal relativa, torna menos árdua a prova da existência deles (...). Em Direito Tributário, e aprofundaremos o tema em capítulo subsequente, a justificativa do uso de presunções legais relativas não está em que o Estado seja mais débil do que os contribuintes, individualmente considerados, mas, isto sim, tem a ver com o fato de que não tem ele, o mais das vezes, contato imediato com as atividades geradoras de riqueza tributável, além do que, por maior e por mais bem estruturada que seja a máquina de arrecadação, é, nos dias de hoje, praticamente inviável a investigação exaustiva da riqueza tributável de cada contribuinte”. (PAOLA, Leonardo Sperb de. Presunções e ficções no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 92)

O mesmo Autor, a partir da análise da doutrina italiana sobre a legi-timidade do uso de presunções, em especial sob a ótica do seu possível choque com o princípio da capacidade contributiva, assenta que:

“Não podemos, pois, concordar com a opinião de certos doutrinadores estrangeiros, e Moschetti é um deles, como vimos, que consideram indispensável, para que as pre-sunções sejam consideradas válidas, a possibilidade de lhes opor prova em contrário. Sem a camisa de força da discriminação das competências, a questão que se coloca é, basicamente, saber-se se o fato posto como base da presunção absoluta é, em si, um índice capaz de expressar riqueza tributável, sem indagar da sua relação com outro fato embora tal relação, como visto acima, seja relevante em termos de adequação ao

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princípio isonômico ou à capacidade contributiva relativa). Se a resposta a tal questão for negativa, a norma será inconstitucional, mas não devido à impossibilidade de prova em contrário.

Já no que respeita às presunções legais relativas, dá-se o inverso, isto é, o fato descrito na norma que contém a presunção é relevante, enquanto hábil a revelar a capacidade con-tributiva relacionada com o fato previsto em outra norma, que cria a obrigação tributária principal. Nesse caso, ao contribuinte que se sentir prejudicado, cabe a apresentação de contraprova, demonstrando que, no caso concreto, o indício que embasa a presunção relativa não revela a riqueza tributável. Indo mais além, pergunta-se: é possível que, em vez de apresentar contraprova, o contribuinte questione, de forma genérica, quer dizer, sem exclusiva referência ao seu problema, o liame entre os fatos, provando que a presunção, sempre ou no mais das vezes, não leva ao fato presumido? Relativamente às presunções simples, como veremos a seguir, a viabilidade desse questionamento é indiscutível. Mas o fato da relação ter sido posta por lei, como se dá com as presunções legais relativas, não a torna imune à crítica em abstrato? Pensamos que não, e justa-mente devido à existência do princípio da capacidade contributiva, que impõe a busca da riqueza tributável efetiva, mesmo que de forma aproximada. Provado que o indício que fundamenta a presunção relativa não leva, com um razoável grau de segurança, à riqueza tributável, ela, presunção, deve ser abandonada, ou, ao menos, fortalecida por outras provas apresentadas pelo fisco. Pode-se, assim, dizer que, em Direito Tributário, as qualidades que legitimam o uso de presunções simples (gravidade, precisão e con-cordância) também devem ser consideradas no exame das presunções relativas. Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva é resguardado, pois que são colocados à disposição do contribuinte instrumentos que o protegem contra sua ofensa.

(...)Já mencionamos anteriormente as duas maneiras pelas quais a presunção pode

ser combatida: pela apresentação de contraprova, a cargo do contribuinte, que poderá demonstrar que o fato cuja existência é presumida não existe; pela discussão da razoabi-lidade da própria presunção. Este segundo mecanismo é imposto pelo fato da correlação sempre ser uma questão em aberto, o que é exigido, em Direito Tributário, principal-mente pelo princípio da capacidade contributiva e pela discriminação constitucional de competências. Em outras searas jurídicas, exige-se, apenas, que as presunções relativas estejam abertas à contraprova, deixando-se a questão da razoabilidade da presunção para ser discutida apenas em face das presunções simples. No Direito Tributário, por todo o exposto, é preciso ir mais além.” (Op. cit., p. 155-156 e 189)

Por esse motivo, na forma do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, diante da presunção de omissão de receitas, não se exige do fisco a comprovação sobre a efetiva existência dessas receitas omitidas decorrentes de ativida-des não contabilizadas pela empresa. No entanto, verificada a existência de depósitos sem origem comprovada, desfaz-se a presunção de omissão

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de receitas acaso justificada a origem dos recursos ou, ainda, demonstrada a incompatibilidade do nexo adotado pelo legislador para vincular o fato índice ao fato presumido.

Ressalte-se que, nesse caso, não se cogita da aplicação da Súmula nº 182 do TFR, uma vez que o lançamento, além de encontrar base legal no artigo 42 da Lei nº 9.430/96, o que autoriza a sua lavratura (artigo 149, I, do CTN), não é amparado unicamente na existência dos depósitos em si, mas sim na ausência de elucidação por parte do contribuinte acerca da origem dos valores, a autorizar a sua caracterização como receitas ou rendimentos omitidos. Assim, “o objeto da tributação não são os de-pósitos bancários em si, mas a omissão de rendimentos representada e exteriorizada por eles” (STJ, REsp 792812/RJ, Ministro Luiz Fux, julgado em 13.03.2007). A jurisprudência vem reconhecendo a legitimidade da autuação com base na presunção relativa nessas situações:

“TRIBUTÁRIO. OMISSÃO DE RECEITAS. IMPOSTO DE RENDA. ARBITRA-MENTO. ARTIGO 42 DA LEI 9.430/96. AUSÊNCIA DE PROVA DO CONTRIBUIN-TE A DESCARACTERIZAR O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IMPROVIMENTO DO APELO. 1. A presunção de que os valores mantidos em conta-corrente bancária, cuja origem o titular não comprove, após ser intimado para tanto, mediante documentação hábil e idônea, tem fundamento na Lei nº 9.430/96; não há falar, portanto, em arbitra-riedade ou ilegitimidade da conduta fiscal e do lançamento tributário. Na dicção da lei, os depósitos bancários sinalizam o acréscimo patrimonial não declarado, cuja origem cumpre ao contribuinte esclarecer. 2. Para que se aplique o entendimento consubstan-ciado na Súmula nº 182/TFR, é necessário que o lançamento tributário esteja fundado unicamente em depósitos bancários e não tenha sido possibilitada a apresentação de documentos e comprovantes que justifiquem o motivo pelo qual os valores depositados extrapolam a renda declarada do contribuinte. Se a ação fiscal intimou o contribuinte para explicar a origem dos recursos e empreendeu esforços para a investigação e elucidação dos fatos, não há falar em tributação baseada exclusivamente em extratos bancários. Nesse caso, os próprios depósitos bancários prestam-se como prova da omissão de receita. 3. Apelação improvida.” (TRF4, AC 2003.70.00.044173-1, Primeira Turma, Relator Marcos Roberto Araujo dos Santos, D.E. 11.03.2008)

“MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. OMISSÃO DE RECEITAS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. NULIDADE DE PROCEDIMENTO FISCAL. SÚMULA 182 DO TFR. LEI Nº 9.430/1996, ART. 42. O artigo 42 da Lei nº 9.430/1996 prevê a incidência do imposto de renda sobre os valores considerados como omissão de receita, cuja origem dos recursos financeiros o titular da conta-corrente não tenha logrado comprovar. Não há falar em inconstitucionalidade da Lei nº 9.430/1996, porquanto o fato gerador do

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imposto de renda deve ser definido em lei ordinária, de acordo com o princípio da estrita legalidade tributária, nos termos do inciso I do artigo 150 da Constituição Fe-deral de 1988. Inaplicável ao caso a Súmula 182 do extinto TFR, porquanto o objeto da tributação não são os depósitos bancários em si e sim a omissão de rendimentos por meio deles verificada. Instaurado procedimento administrativo, está autorizada a quebra do sigilo bancário, porquanto não é absoluto. Exegese da Lei Complementar nº 105, de 2001. Não há falar, assim, em inconstitucionalidade frente a uma possível discordância existente entre esses normativos e os princípios preconizados no art. 5º, incs. X e XII, da CF/88. É que as informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses do inc. X da CF/88, uma vez que o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. O próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 197, inc. II, preconiza que os bancos são obrigados a prestar todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios e atividades de terceiros à autoridade administrativa. Ademais, tenho que há mera transferência do sigilo, da instituição financeira para o Fisco. O procedimento fiscal não padece de nulidade, tendo em conta não ter a impetrante se desincumbido de comprovar a origem dos valores por ela movimentados.” (TRF4, AMS 2003.04.01.027650-7, Primeira Turma, Relator Vilson Darós, D.E. 10.07.2007)

Nesta esteira, uma vez caracterizado o fato índice que dá suporte à presunção legal, cumpre ao contribuinte demonstrar a regular procedên-cia dos valores depositados, mediante a apresentação de documentação que demonstre o liame lógico entre prévia operação regular e o depósito dos recursos em conta de sua titularidade, sob pena de ser este reputado como receita omitida.

Na hipótese, a empresa justifica os valores creditados em sua conta (R$ 11.156.642,00) em 17.12.1997 como sendo provenientes de contrato de empréstimo celebrado com o Unibanco – agência Nassau, mediante o qual tomou emprestada importância equivalente a US$ 10.000.000,00 (dez milhões de dólares), obrigando-se a devolvê-la, acrescida de juros de 11% a.a., em 17.03.1998, sendo, posteriormente, prorrogado o ven-cimento para 15.06.1998 e alterada a taxa de juros para 9,5%. Segundo a empresa narra, os valores tomados em empréstimo no exterior, depo-sitados em conta gráfica aberta para tal fim na agência do Unibanco nas Bahamas, teriam ingressado em sua conta bancária no Brasil a partir de operação concebida unilateralmente pela instituição bancária e conhecida como blue chip swap, cujas etapas consistiram (i) na aquisição, junto a empresa estrangeira, de títulos da dívida norte-americana, (ii) na venda desses títulos a outra empresa sediada no Brasil e (iii) no recebimento

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do pagamento mediante o depósito direto em sua conta no país.De início, cabe referir que desimporta, para fins de demonstração

da origem dos valores depositados, o fato de ter havido intenção ou mesmo ciência dos representantes da empresa sobre a regularidade das operações concertadas junto ao Unibanco. Ora, a regularidade das operações empreendidas para a obtenção e a internalização dos valores do empréstimo – o regramento legal exigia, à época, “autorização do Banco Central para fechar o negócio, o seu registro perante a autarquia e as providências para que as despesas ingressassem no País por meio de instituição financeira autorizada” (informações fl. 106) – não é o pressu-posto da autuação combatida. A simples constatação de irregularidades dessa ordem, embora pudesse render sanções de cunho administrativo e, mesmo no campo tributário, pudesse ensejar, em tese, a cobrança do imposto devido na operação de câmbio à qual se esquivou com a operação realizada eventualmente a título de planejamento tributário, não é objeto da autuação fiscal impugnada. Em outras palavras, o descumprimento da legislação cambial relativa ao trânsito internacional de recursos não é fundamento do presente lançamento.

Assim, o exame sobre a vinculação do depósito dos valores en-contrados na conta bancária da empresa com o empréstimo noticiado passa pela análise da documentação que daria suporte às operações, bem como dos fatos apurados pelo Juízo criminal no bojo da ação nº 2000.71.08.009913-4.

No bojo desta ação, cuja peça acusatória embasou-se nos mesmos fatos apurados na ação fiscal que deu origem ao crédito tributário ora impugnado, foram denunciados quatro Diretores da empresa Calçados Azaleia S.A. pela suposta prática dos crimes definidos no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional), no artigo 1º, § 2º, I, da Lei nº 9.613/98 (crimes de lavagem de capitais) e nos artigos 1º, II, e 2º, I, da Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária).

Quanto ao crime de que trata o artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, os fatos que embasaram a denúncia seriam que os acusados, na qualidade de Diretores da Azaleia, teriam mantido, sem autorização legal, depósito de divisas no exterior (não declaradas à repartição federal competente), caracterizado pelo recebimento de US$ 10.000.000,00 em

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conta gráfica aberta em seu nome, no Unibanco – agência Nassau, com posterior ordem de crédito desse valor em conta bancária de terceiro (Du-rant Business Ltd.) no Banestado – agência Nova Iorque. A materialidade do crime restou comprovada, e a autoria foi atribuída unicamente a um dos Diretores, sendo declarada, contudo, a extinção da punibilidade em relação a ele, que falecera no curso da ação (artigo 107, I, do CP), o mes-mo tendo ocorrido em relação a outro acusado também falecido. Quanto aos dois outros acusados, foram eles absolvidos com base no artigo 386, IV, do CPP (inexistência de prova de ter o réu concorrido para a infração penal, na redação anterior à Lei nº 11.690/08) – fls. 96-102.

Quanto ao crime de que trata o artigo 1º, § 2º, I, da Lei nº 9.613/98, foi imputada aos réus a conduta de internalização de recursos tomados no mercado financeiro internacional, sem o devido registro junto às autoridades competentes, e aplicação em instituições financeiras dos valores que sabiam ser provenientes de crime contra o sistema financei-ro nacional. Como esclareceu a sentença penal, a configuração do tipo penal de “lavagem de dinheiro” mostra-se condicionada ao cometimento do delito antecedente, que seria, segundo a denúncia, o cometimento do crime contra o sistema financeiro do artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Em relação a esse crime antecedente, embora comprovadas a materialidade e a autoria, atribuída a um dos Diretores que falecera no curso da ação penal, entendeu necessário o Juízo criminal examinar a presença do dolo na conduta do agente, pois, do contrário, “ausente o elemento subjetivo na conduta no agir de Décio, tendo sido comprovada ausência de participação dos demais corréus no fato enquadrado como crime contra o sistema financeiro, não subsistiria o delito de manutenção ilegal de divisas no exterior, e, por conseguinte, o de lavagem” (fl. 104). Neste passo, considerando que a responsabilidade pelas irregularidades da operação foi atribuída à instituição financeira, e “permanecendo dú-vida quanto à ciência da ilegalidade, já que inexigível que detivesse o conhecimento técnico necessário para discernir se a conduta era lícita ou ilícita”, bem como considerando que “somente há responsabilidade penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional na forma dolosa” (fl. 108), considerou inexistente o dolo na conduta do agente a quem atribuída a autoria do crime contra o sistema financeiro, motivo pelo qual inexistiu, também, o crime de lavagem de dinheiro. Assim, também por

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esse crime, foram os acusados absolvidos, com fulcro no artigo 386, III, do CPP (não constituir o fato infração penal).

Em relação aos crimes contra a ordem tributária, tipificados nos artigos 1º, II, da Lei nº 8.137/90 (“fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal”) e 2º, I, da Lei nº 8.137/90 (“fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pa-gamento de tributo”), embora constassem também da denúncia oferecida pelo MPF, ficou prejudicada a análise das infrações em razão de habeas corpus impetrado pelos acusados.

Expostas, em grandes linhas, as conclusões tiradas pela sentença penal, cumpre delinear a sua repercussão no âmbito cível, em especial para a presente ação anulatória. Neste passo, cumpre averbar que o ordenamento jurídico brasileiro consagra a independência entre a responsabilidade civil, penal e administrativa, de maneira que um mesmo fato pode dar origem a consequências diversas nessas três esferas, em sendo também diversos os requisitos para responsabilização em cada uma delas. O CC/2002 regula os efeitos da sentença penal no âmbito cível, ao retirar da discussão travada neste Juízo as “questões que se acharem decididas no juízo criminal”: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”

Não pretende o Código, obviamente, impedir a responsabilização civil quando afastada a responsabilidade penal por determinado fato; em verdade, o dispositivo apenas deixa claro que, relativamente à existência do fato em si e à sua autoria, não mais se pode retirar conclusão diversa daquela que restou cabalmente assentada no juízo criminal. Assentadas tais premissas, vejo que não se verifica, na hipótese, incompatibilidade entre a autuação fiscal e o que restou decidido no âmbito penal.

Com efeito, como se percebe do breve relato sobre as conclusões da sentença penal, não ficou afastada a existência, em si, dos fatos que motivaram a autuação fiscal. Pelo contrário, toda a operação desenhada pela denúncia, que se baseou, por sua vez, no relatório fiscal, foi tida pelo magistrado como efetivamente existente. Sendo assim, ainda que tais

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fatos não tenham dado ensejo à condenação penal, as conclusões tiradas no bojo da ação penal, de per si, não vinculam o juízo a ser realizado nesta seara, em que se examina a presunção ostentada pelo lançamento. O simples fato de terem sido absolvidos os Diretores cuja punibilidade não fora extinta na forma do artigo 107, I, do CP não possui relevância na presente ação, uma vez que o foram com base nos artigos 386, III e IV, do CPP (inexistência de prova de ter o réu concorrido para a infração penal e não constituir o fato infração penal), que não impedem a apuração dos fatos no juízo cível, porque não assentada a sua inexistência material, na linha do que dispõem os artigos 66 e 67, III, do CPP.

Outrossim, como já referido anteriormente, o lançamento tributário em exame parte da premissa de que não ficou demonstrada a ligação entre os valores recebidos pela empresa no exterior por ocasião do empréstimo e o depósito recebido em sua conta no Brasil, o que dá lugar, à míngua de comprovação da origem dos valores, à presunção legal de que constitui-riam receitas omitidas, e daí a sua tributação. Assim, o exame da conduta dos Diretores, no que toca à ilegalidade da manutenção de depósitos no exterior não declarados à repartição federal competente (tipo penal em relação ao qual ficou afastado o dolo no âmbito criminal), não tem qual-quer relevância para a presente controvérsia. Ou, como bem assentou a autoridade julgadora no processo fiscal, “o descumprimento de exigências relativas à legislação cambial seria irrelevante para a caracterização da omissão de receitas, desde que o contribuinte lograsse comprovar que os recursos depositados em sua conta teriam se originado da venda dos títulos adquiridos com o empréstimo externo concedido pelo Unibanco nas Bahamas. Melhor dizendo, se, mesmo que tivesse descumprido a legislação cambial, o contribuinte comprovasse a origem (tributada ou não tributável) dos recursos, nada lhe seria exigido a título de imposto de renda” (fl. 712). Desimporta, por isso, para a presente ação anulatória, tenha ficado assentada a inexistência de dolo específico do representante da Azaleia quanto ao crime definido no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, ou mesmo que tenham sido absolvidos os demais Diretores com fundamento no artigo 386, III e IV, do CPP (na redação anterior à Lei nº 11.690/08). Não se cogita, portanto, da necessária vinculação deste juízo às conclusões tiradas pela sentença penal.

Não obstante tais considerações, tenho que os elementos de prova

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colhidos no processo penal fornecem valiosas contribuições à formação de um juízo sobre as circunstâncias fáticas que envolveram a contratação do empréstimo e das operações a ele vinculadas. Ainda que não haja vinculação obrigatória das conclusões a que chegou a sentença absolutó-ria ao juízo a ser formado na presente ação, nada impede, de outro lado, sejam levados em conta os elementos lá colhidos, mormente quando se mostram essenciais à melhor compreensão dos fatos que redundaram na autuação fiscal.

Nessa linha, o depoimento prestado pelo Superintendente do Uniban-co, Sr. Roberto Nejar, pessoa responsável pelo oferecimento da opera-ção para a Azaleia, elucida definitivamente a forma pela qual as partes contrataram a operação (fls. 376-402):

“DEFENSOR DO RÉU: Em algum momento, excelência, o depoente afirmou e taxativamente declarou que essa operação segundo o entendimento do banco era legí-tima, era legal, ele afirmou isso em algum momento?

DEPOENTE: Sim. Sim. O grande preceito dessa operação é que é uma operação legítima, consagrada pelo mercado, feita durante muito tempo, e onde nós usamos como pressuposto a capacidade de liquidação das contrapartes, ou seja, quem comprou os T-Bills da companhia no Brasil foi uma empresa que pagou com cheque administrativo de um banco de primeiríssima linha. O Unibanco jamais estaria oferecendo uma operação que não fosse obviamente legal.

DEFENSOR DO RÉU: Eu agora, excelência, eu gostaria de me reportar a alguns documentos, antes vou encaminhar uma pergunta de ordem geral, eu pediria assim pro depoente, se ele pode confirmar, se ele levou os contratos dessa operação prontos, preenchidos para a Azaleia assinar.

DEPOENTE: Sim, o contrato de capital de giro, bem como o contrato de compra e venda de T-Bills foram disponibilizados para a companhia através do Unibanco, assim como qualquer outra operação que nós venhamos a contratar com qualquer tipo de cliente, o Unibanco fornece o contrato pra formalizar a operação.

(...)DEFENSOR DO RÉU: Excelência, essas partes que estão mencionadas nesses

contratos, Choy Sing, Korgg, isso veio nos contratos, eu pergunto ao depoente, de onde é que o Unibanco tirou estes contratantes?

DEPOENTE: Na verdade, a minha função enquanto executivo de vendas do Unibanco é vender produtos e serviços financeiros. Existem outras áreas, e aí no caso área internacional do banco, que busca as contrapartes pra uma transação como essa. Existe uma outra área no banco responsável pela busca, né, no caso de investidores, que queriam comprar e vender T-Bills.

(...)

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DEFENSOR DO RÉU: Ele, agora ao responder, vossa excelência perguntou, e ele disse formalmente a empresa deu instruções. A minha pergunta agora, também pra ficar claro, essas instruções que foram dadas, tira o dinheiro dali, põe acolá, isso também foi sob a supervisão, orientação do Unibanco. No caso, especificamente do depoente?

DEPOENTE: Sim, sim. Na verdade a operação de capital de giro e a operação de Blue Chip Swap, nós mandamos um material, discutimos de forma muito didática com o Eduardo Zidanovicks na época, até realização do negócio. Obviamente que existe material, nenhum cliente fecha nenhum tipo de transação conosco sem discutir se é uma boa transação ou não pra ele.

(...)JUÍZA: É que eu quis dizer o seguinte, não foi a empresa que escolheu essas em-

presas no exterior para contratar? Isso faz parte da operação?DEPOENTE: Faz parte da operação.(...)JUÍZA: A assinatura dos contratos, ela se dá como, no banco, são remetidos, quem

trata disso?DEPOENTE: Eu não saberia lhe responder, mais uma vez, a área internacional é

que poderia precisar com maior exatidão essas respostas, eu não saberia responder.DEFENSOR DO RÉU: Então, só pra ficar bem claro, excelência, ele... ao que eu

entendi ele recebeu esses contratos assinados prontos via malote lá do Unibanco e aí levou na Azaleia pra assinar. É isso?

DEPOENTE: Grosso modo os contratos vieram prontos, já assinados pelas partes, e nós providenciamos o envio pra companhia fazer a formalização.”

Como visto, toda a operação de empréstimo – incluindo-se as ope-rações paralelas, destinadas essas à internalização dos valores no país – foi elaborada e instrumentalizada exclusivamente pelo Unibanco, tanto no que se refere à escolha das partes contratantes quanto em relação à elaboração dos contratos. Todas as atitudes da Azaleia foram embasadas nas orientações a ela repassadas pelo Unibanco.

O aspecto de se tratar de operação financeira usualmente efetuada pelo Unibanco junto a diversas empresas fica claro, ademais, pelo exame de processo administrativo instaurado em face da empresa Agropecuária Manacá Ltda., no qual restou apurada a realização de operação em tudo semelhante à operação aqui sob análise, tanto em relação ao modus operandi (empréstimo junto ao Unibanco no exterior com internalização dos valores mediante a compra e venda de títulos públicos, quanto em relação às partes responsáveis pela venda (Choy Sing) e compra (Korgg) das T-Bills (fls. 256-272).

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Diante desse fato, sequer é razoável responsabilizar a Azaleia pela irregularidade das operações relativas às T-Bills, que instrumentalizaram a internalização dos valores no Brasil. Com efeito, segundo a documen-tação trazida pela empresa, em especial no bojo do procedimento fiscal (volumes em apenso), os valores recebidos a título de empréstimo no exterior teriam sido internalizados no Brasil a partir de operação conhe-cida como Blue Chip Swap, envolvendo a aquisição e a venda de títulos da dívida pública americana. A operação é utilizada, na teoria, para via-bilizar a troca de disponibilidades financeiras existentes no exterior em moeda estrangeira por disponibilidades financeiras em moeda nacional no país, ou vice-versa. Ainda que a operação não pareça, em um primeiro olhar, amoldar-se à legislação cambial vigente no país, o fato é que a sua conformidade ao regramento específico não se mostra pertinente ao deslinde da presente anulatória, como dito alhures.

Pois bem, como se constata dos documentos de fls. 98-101 (“Purchase Agreement” e “Contrato de Compra e Venda de Notas do Tesouro dos Estados Unidos”), pelo meio dos quais, respectivamente, a aquisição e a venda dos títulos teriam sido operacionalizadas, a autora teria adquirido as T-Bills junto à empresa Choy Sing Investments Ltd. pela quantia de US$ 10.000.000,00 (dez milhões de dólares) na data de 16.12.1997 e, no mesmo dia, as vendido à empresa Korgg do Brasil Indústria de Equipa-mentos Pesados Ltda. pela quantia de R$ 11.156.642,00 (onze milhões, cento e cinquenta e seis mil, seiscentos e quarenta e dois reais).

Examinando os contratos de compra e venda dos títulos na presente hipótese, observou o Adido Tributário e Aduaneiro da embaixada brasilei-ra em Washington, a partir de pesquisa realizada junto ao Departamento de Tesouro dos EUA (fls. 285-291), que não constaram do documento dois dados fundamentais para a identificação dos títulos negociados: o número CUSIP e o nome da instituição financeira custodiante dos títulos, responsável pela asseguração da identificação do proprietário dos títulos, por meio da confirmation. Ainda, verificou-se, junto ao Bureau da Dívida Pública, que, na data informada como sendo a de vencimento dos títulos negociados (31.11.1999), apenas dois lotes de Notas do Tesouro (Notes) venceram, e não T-Bills. Ademais, considerou-se que a data de emissão (01.12.1997) e vencimento dos títulos supostamente negociados, ao perfazer o prazo de 2 anos, não se mostra compatível com a espécie de

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título da dívida indicada (T-Bills), mas apenas com Notes.A essas irregularidades formais na negociação dos títulos somaram-se

outras inconsistências materiais, apuradas durante o procedimento fiscal. Constatou-se que a empresa adquirente dos títulos, Korgg do Brasil, não foi quem adquiriu o cheque administrativo utilizado para pagamento à Azaleia na forma de depósito interagências, mas sim a empresa Cres-cente Construtora Ltda. (fl. 168). Com relação a esta, a composição do seu quadro social se mostrava idêntica à primeira (99,99% do capital em nome de Melling Sociedad Anonima e 0,01% em nome de Roberto Gentil Bianchini), e, conforme apurado, nenhuma das duas teria capa-cidade econômico-financeira para o negócio formalizado, sendo que o capital social remontava a apenas R$ 10.000,00 (dez mil reais) e ficaram sem atividades durante o ano-calendário de 1997. Em síntese, restou demonstrada a inexistência de fato de ambas as empresas, tanto daquela com quem formalizada a venda dos títulos (Korgg), como daquela que adquiriu o cheque utilizado para pagamento (Crescente Construtora) – fls. 355-357.

Contudo, tais irregularidades formais e materiais na operação rela-tiva à compra e à venda dos títulos não podem ser atribuídas à Azaleia, por razões óbvias. Como já observado, segundo os elementos colhidos no bojo do processo penal, toda a esquematização das operações parale-las – desde a escolha das partes contratantes até a operacionalização das transferências dos valores – foi fruto única e exclusivamente da atuação da instituição bancária de quem a empresa tomou o empréstimo.

Ainda que, como já dito, os elementos apurados naquele processo não vinculem de maneira definitiva o juízo a ser formulado na seara cível, não podem, de outro lado, ser ignorados neste momento. Veja-se que toda a complexa operação montada pelo banco para fins de instru-mentalizar o empréstimo, ainda que pudesse não se encontrar de acordo com as normas legais relativas à internalização de valores no país – o que, repita-se, não é objeto da autuação –, não tinha outro objetivo que não o de viabilizar, na prática, o recebimento dos valores mutuados, os quais, por tal natureza transitória, destinados que são à devolução ao mutuante, não configuram riqueza tributável na forma da autuação.

Resta claro, pois, que a empresa foi levada a crer que inexistiriam quaisquer irregularidades nas negociações operacionalizadas pela institui-

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ção bancária, fundada sobretudo na credibilidade a ela reconhecida, bem como na usualidade com que era praticada a operação no mercado. Nessa ordem de ideias, o conhecimento do fato de o efetivo depósito ter sido realizado por terceira empresa que não aquela para a qual supostamente teria vendido os títulos não pode ser da mutuária exigido, demonstrado que sua participação na operação de empréstimo se resumiu à aceitação dos termos propostos pela instituição bancária, levada pela crença sobre a lisura do negócio.

Em outras palavras, não se pode ignorar que, ainda que formalmente possam ser apontadas máculas na forma de operacionalização do em-préstimo, o mútuo materialmente se concretizou, por meio do recebi-mento do dinheiro, da utilização e da posterior devolução, na data do vencimento, dos valores relativos ao principal e aos juros. Neste ponto, é importante notar que em nenhum momento a fiscalização logrou de-monstrar que não houve, de fato, a devolução, na data do vencimento do empréstimo, dos valores tomados em empréstimo, na forma em que pactuada no contrato.

Pelo contrário, segundo a documentação acostada pela empresa no bojo do procedimento administrativo (fls. 22-89), o recebimento e a devolução dos valores tomados em empréstimo restaram materialmente concretizados. De fato, em 17.12.1997 foi creditada em favor da em-presa, mediante depósito interagência, a quantia tomada em empréstimo junto ao banco (R$ 11.156.642,00 – fls. 23-25 do apenso). Após, em 17.03.1998, data prevista como sendo o vencimento do contrato – poste-riormente prorrogado –, foi feita a remessa da quantia de R$ 315.258,61 ao exterior (fl. 35 do apenso), a título do pagamento de juros até então vencidos e comissão (fl. 36). Finalmente, na data de 15.06.1998, a do-cumentação demonstra a devolução do restante dos valores, relativos ao principal emprestado, juros vencidos e comissão, no montante total de R$ 11.893.927,50 (fls. 61-64 do apenso). Tais operações, devidamente registradas na contabilidade da empresa, não podem ser ignoradas pela fiscalização. Comprovada documentalmente a realização do empréstimo, a menos que demonstrada pelo fisco a simulação absoluta do negócio – o que não foi feito – é que se poderia desconsiderá-lo para fins de tributação dos valores.

Cediço que a presunção de omissão de receitas (artigo 42 da Lei nº

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9.430/96), decorrente do fato de o depósito efetuado na conta da Aza-leia não possuir, em princípio, vinculação formal ao empréstimo, cede diante da constatação de que a operação materialmente se concretizou na forma contratada. Eventuais irregularidades decorrentes da não ob-servância da legislação pertinente à internalização e remessa ao exterior de capitais pode ensejar unicamente a aplicação das sanções próprias, e não a tributação indistinta dos valores, como se não fossem decorrentes do empréstimo tomado junto ao Unibanco.

A presunção criada pelo legislador no artigo 42 da Lei nº 9.430/96 ser-ve unicamente para mitigar o dever de prova do fisco quanto à ocorrência da omissão de receitas, mas não chega ao ponto de certificar a ocorrência do fato gerador, mormente quando demonstrada a efetiva ocorrência do empréstimo contratado, situação em que as irregularidades formais re-lativas à operação não podem chegar ao ponto de retirar do empréstimo a sua natureza, que não se amolda à incidência dos tributos lançados no auto de infração em exame. A proteção à praticabilidade e efetividade da legislação tributária não pode servir de pretexto à tributação de valores cuja natureza não dá azo à incidência tributária.

Causa espécie, aliás, o notório desinteresse da fiscalização na realiza-ção de diligências junto ao próprio banco, a fim de esclarecer a origem dos valores. Ora, diante da documentação apresentada pela Azaleia, a demonstrar a concretização do empréstimo, com o efetivo recebimento dos valores, utilização e posterior devolução, a postura inerte da fiscali-zação não mais se encontra respaldada na presunção legal.

Em atenção ao princípio da verdade material, diante da existência de circunstâncias que indiquem que as irregularidades são de ordem me-ramente formal, ainda que se mostrem cabíveis eventuais sanções pelo descumprimento da legislação específica, não mais se justifica a tributa-ção dos valores como se receita da mutuária fossem, com base apenas na presunção legal. Se não identificada a origem dos valores emprestados, ou mesmo se apurada a sua origem ilícita, é sobre a instituição bancária que poderia recair a tributação, com base na presunção do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, e não sobre a empresa mutuária.

Por tais razões, mantenho o entendimento já manifestado no bojo do agravo de instrumento nº 2007.04.00.018349-6, que ora transcrevo e agrego às razões de decidir até aqui expostas:

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“Quando examinei o Agravo de Instrumento n° 2006.04.00.032464-6, que foi in-terposto pela União contra decisão que concedeu a tutela de urgência à autora, entendi que não se deveria imputar à mutuária a responsabilidade pela origem ilícita dos recursos tomados junto ao UNIBANCO, porquanto o fato de a operação de empréstimo ter sido um ato complexo, envolvendo outras pessoas jurídicas, sobre as quais pairam, inclusive, dúvidas quanto a sua existência de fato, não tem o condão de assegurar que o depósito efetuado na conta da agravada não foi proveniente do Unibanco, pois, ao que tudo indica, embora haja indícios de que a instituição financeira captou os recursos em fontes nebulosas, não detinha a mutuária o encargo de aferir a sua legitimidade. A decisão foi posta nestes termos:

‘Não vejo motivos para alterar a decisão agravada. Isso porque não há, pelo me-nos até o momento, elementos bastantes a, por si sós, desconstituírem a assertiva de que o depósito, no valor de R$ 11.156.642,00, efetuado em 17.12.1997, na conta da agravada, teve origem em contrato de mútuo firmado com o Unibanco, no valor de US$ 10.000.000,00, porquanto, malgrado a causa do empréstimo não esteja de todo esclarecida, não há como imputar à mutuária a responsabilidade pelo origem ilícita dos recursos financeiros tomados junto ao Banco, pois que não se exige dos mutuários que empreguem esforços no sentido de se certificar acerca da origem dos recursos financeiros, visto que esta se presume lícita, haja vista cuidar-se de contrato firmado com uma instituição financeira devidamente constituída. Agora, se a origem do dinheiro dado em empréstimo pela instituição financeira era obscura, pois que a quantia, ao que tudo indica, seria oriunda de um cheque administrativo tomado por empresa fantasma, deveria o Fisco diligenciar junto ao banco, já que não incumbia à agravada o ônus de se certificar acerca da idoneidade do montante mutuado.

Ademais, consoante noticiado no bojo da decisão agravada, na ação penal instaurada pelos mesmos fatos que originaram a autuação fiscal, os sócios da empresa Azaleia restaram absolvidos quanto ao crime contra o sistema financeiro (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86), em face da ausência de provas, e quanto ao crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, § 2º, I, da Lei 9.613/98), ante o reconhecimento da inexistência do fato. No tangente aos crimes contra a ordem tributária (art. 1º, II, e 2º, II, da Lei 8.137/90), sua análise restou prejudicada, dado que não havia decisão final no âmbito administrativo. Dessarte, quanto ao crime de lavagem de dinheiro, este já não comporta mais discussão na seara cível, de acordo com o art. 935 do Código Civil. Subsiste, todavia, a controvérsia acerca dos fatos que foram subsumidos aos preceitos insculpidos nos arts. 1º, II, e 2º, II, da Lei 8.137/90 e no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, ou seja, ainda paira a controvérsia se, em que pese a ausência de condenação na seara penal, mesmo assim, teria restado configurada omissão de receitas. Sucede, todavia, que o fato de a operação de empréstimo ter sido um ato complexo, envolvendo outras pessoas jurídicas, sobre as quais pairam, inclusive, dúvidas quanto a sua existência de fato, não tem o condão de assegurar que o depósito efetuado na conta da agravada não foi proveniente do Unibanco, pois, ao que tudo indica, embora haja indícios de que a

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instituição financeira captou os recursos em fontes nebulosas, não detinha a mutuária o encargo de aferir a sua legitimidade.’

Dessarte, tendo em vista que a principal irregularidade que deflagrou toda a au-tuação fiscal foi a inexistência de registro no Banco Central do Brasil do ingresso de divisas originadas na operação de empréstimo no exterior, firmado junto ao UNIBANCO de Nassau/Bahamas, bem como não olvidando que, em contrapartida, a remessa de divisas ao exterior, efetuada pela Azaleia em pagamento ao montante mutuado, foi documentada no BACEN, não vejo razões para, em juízo sumário, modificar o enten-dimento antes exposto no Agravo de Instrumento n° 2006.04.00.032464-6, pois que, ao que tudo indica, a essencial incorreção partiu do banco, e não da empresa.

Com efeito, à luz do princípio da razoabilidade, impera, por ora, a concessão de tutela de urgência para o fim de suspender a exigibilidade do crédito tributário encartado no processo administrativo n° 11065.005758/2002-76, visto que, neste momento, ante o lançamento, na contabilidade da empresa, a crédito da conta passivo ‘empréstimos cap giro exterior’ e a débito da conta do ativo ‘Unibanco S/A’, do empréstimo efetuado junto ao UNIBANCO, resta solapada a presunção relativa exarada no art. 42 da Lei n° 9.430/96. Isso porque a Receita Federal, a partir da desconsideração da operação de empréstimo, entendeu não comprovada a origem dos recursos, considerando, por conseguinte, que não houve contabilização da operação na escrita fiscal da agravante. Tal contabilização, todavia, consoante afirmado na própria sentença (fl. 566 das cópias em apenso), foi computada na escrita fiscal da empresa, pendendo controvérsia apenas acerca da natureza do montante dito mutuado.

Nessa senda, malgrado não se possa cogitar, ainda que não de todo sem debates, da não incidência ao caso do art. 935 do Código Civil, porquanto não restou atestado no juízo criminal a inexistência do fato, já que apenas restou decidido que o fato não constituía infração penal, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, ante a ausência de dolo, não se configurando, pois, o tipo penal previsto no art. 1°, § 2º, inciso I, da Lei n° 9.613/98, e não olvidando que o Código de Processo Penal preceitua, em seu art. 67, inciso III, que a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime não impedirá a propositura da ação civil, forçoso atentar que, na hipótese em testilha, há uma especial peculiaridade, donde não há como dis-sociar, por inteiro, a questão criminal da administrativa.

Deveras, tenho que, da análise da sentença criminal (fls. 79-136 dos autos em apen-so), a qual, conquanto não tenha o condão de atribuir definitividade à questão, tem, sim, pelo menos nesta seara processual, onde impera o juízo de razoabilidade, o poder de abalar a presunção relativa de que tenha havido omissão de receitas. Atente-se para os seguintes trechos da sentença penal:

‘As afirmativas dos fiscais demonstram a tentativa genuína por parte da Azaleia (na pessoa de seus procuradores, em especial, Décio Schenkel) em esclarecer as in-formações solicitadas pela fiscalização. Além disso, indicam, de um lado, a falta de vontade do Unibanco em esclarecer as inconsistências encontradas pelos fiscais sobre

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o alegado trajeto dos recursos, em contraponto à atitude da Azaleia, que, além de alcançar as informações e documentos de que dispunha, ainda dispôs-se a buscar as repostas às inconsistências verificadas pela fiscalização, sobretudo quando começou a se dar conta de que as operações contratadas com o Unibanco não tinham se realizado da forma acordada.’ (fl.114)

‘É que, como já foi exaustivamente tratado, o depósito que – segundo o contrato de compra e venda de T-Bills apresentado pela Azaleia – deveria ter sido feito pela empresa que adquiriu tais títulos no Brasil (Korgg do Brasil Equipamentos Pesados) acabou sendo efetuado por outra empresa (Crescente Construtora) com a qual a Aza-leia não guardava qualquer espécie de vínculo. Para esse fato estranho, a Azaleia não possuía explicação, nem poderia, porque não tinha conhecimento, à época, de que contratara operações que nunca existiram no plano fático da maneira como deveriam (para obedecer às formalidades legais) nem da forma como lhes foram oferecidas pelo Unibanco.’ (fl.118)

‘Em verdade, o fato de a Azaleia ter ou não efetuado a operação de compra e venda de T-Bills acaba por apresentar-se irrelevante, na medida em que, ainda que tivesse ocorrido aludida transação, caracterizaria um ilícito, como informa o parecer do BACEN. Entretanto, a compra e a venda simuladas daqueles títulos só corrobora que Décio Schenkel, diretor financeiro da empresa e responsável pela operação, foi enganado pelo Unibanco.’ (fl. 120)

‘Apesar de comprovadas a ilegalidade – tanto das supostas compra e venda de T-Bills, como do próprio empréstimo –, Roberto Nejar, responsável por seu oferecimento à Azaleia, em nome do Unibanco, admitiu em juízo que era o banco que intermediava a operação, captando as empresas ‘interessadas’ em comprar e vender tais títulos, além de elaborar as cláusulas do contrato, que posteriormente era confeccionado pela empresa com seu timbre, por ordem expressa do Unibanco.’ (fl. 121)

‘Por fim, além dos elementos acima analisados: sobre a escolha e a responsabilidade do Unibanco pelos contratos ilegais firmados pela Azaleia (tanto do empréstimo como de compra e venda de T-Bills) – sobretudo acerca de seu possível envolvimento com Roberto Bianchini e suas empresas fantasmas –, deve-se mencionar que nos documentos remetidos pelo Banco de Boston (de onde foram tomados os cheques administrativos para depósito nas contas da Azaleia e da Manacá) constam ainda mais informações interessantes. (...)

Todos esses fatos demonstram a plausibilidade da versão dos réus: de que foram utilizados pelo Unibanco para lavar dinheiro sujo (...).’ (fl. 134)

Dessarte, em tendo o Juízo penal consignado que a responsabilidade pelas irre-gularidades foi do Unibanco, bem como tendo aquele Juízo definido que a instituição financeira utilizou-se da Azaleia para lavar dinheiro sujo de terceiros, parece-me restar esvaída a presunção de omissão de receitas insculpida no art. 42, caput, da Lei n° 9.430/96. Isso até mesmo porque o aludido diploma legal evoluiu, no sentido de prever, no parágrafo 5º do art. 42, que, ‘Quando provado que os valores creditados na

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conta de depósito ou de investimento pertencem a terceiro, evidenciando interposição de pessoa, a determinação dos rendimentos ou receitas será efetuada em relação ao terceiro, na condição de efetivo titular da conta de depósito ou de investimento. (In-cluído pela Lei nº 10.637, de 2002)’.”

Relativamente aos honorários advocatícios, nas hipóteses em que vencida a Fazenda Pública, o artigo 20, § 4º, do CPC permite que sejam arbitrados com base na equidade, valendo-se o julgador dos critérios elencados nas alíneas a, b e c do § 3º desse artigo. A equidade serve como valioso recurso destinado a suprir as lacunas legais e auxiliar a aclarar o sentido e o alcance das leis, atenuando o rigorismo dessas, de molde a compatibilizá-las às circunstâncias sociais, inspirada pelo espírito de justiça.

Ao passo que se deve ter em conta o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço, também deve-se remunerar dignamente o causídico, impedindo-se o aviltamento da profissão. A remissão ao § 3º não significa, todavia, que os honorários devam necessariamente ser fixados em percentual sobre o valor da causa, tampouco dentro dos limites ali estabelecidos, principal-mente quando o montante da verba corresponderia a vultosa importância, em descompasso com a complexidade da causa e, consequentemente, com o esforço reclamado do advogado para bem desempenhar seu mister.

Na hipótese, à causa foi atribuído o significativo valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), sendo desnecessárias maiores considerações quanto à complexidade da matéria, cuja discussão envolve a análise de fatos com repercussão não apenas na esfera tributária como também na penal. Não obstante essas considerações, não houve necessi-dade da produção de provas, na medida em que aproveitados os elementos já colhidos no bojo do procedimento fiscal e da ação penal. Sendo assim, não houve necessidade do acompanhamento da produção de outras pro-vas, o que, se não tornou menos árduo o trabalho para os patronos das partes, ao menos abreviou o tempo exigido para seu serviço.

No caso presente, o percentual de 10% do valor da condenação representaria ônus exacerbado à parte sucumbente. Por esse motivo, arbitro os honorários advocatícios em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), atualizado pelo IPCA-E, com fulcro no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

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Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispo-sitivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para esse fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo retido e dar provimento ao apelo, na forma da fundamentação.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2007.70.00.008874-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza

Apelante: Microlab Com. de Produtos para Laboratórios Ltda.Advogado: Dr. Alexandre Bleggi Araujo

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

Apelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 1ª VF de Curitiba

EMENTA

Tributário. Repetição de indébito. Prazo prescricional. IRPJ e CSLL, inclusão do ICMS em sua base de cálculo. Pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido. Possibilidade.

1 – O lapso prescricional para a repetição do indébito é quinquenal quando a demanda foi ajuizada após a vigência da LC nº 118/2005. Pre-cedente desta corte, prolatado em arguição de inconstitucionalidade.

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2 – A base de cálculo do IRPJ e da CSLL da pessoa jurídica tributada sobre o lucro presumido é o “produto da venda de bens nas operações de conta própria”.

3 – O ICMS, mesmo destacado na nota fiscal, traduz incremento pa-trimonial ao contribuinte, sendo, por isso, classificado como “produto da venda” e, assim, integrando a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Inteligência do artigo 25 da Lei nº 9.430/96.

4 – O valor do ICMS não pode, nesse caso, ser compreendido na exceção do parágrafo único do artigo 31 da Lei nº 8.981/95, porquanto a pessoa jurídica não é mera depositária dessa cifra, mas verdadeira contribuinte do aludido tributo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, por dar provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação da União Federal, nos termos da fundamentação, estando pre-judicado o recurso da parte-autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de outubro de 2009.Juiz Federal Artur César de Souza, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza: Trata-se de apelações interpostas pela parte-autora e pela União Federal contra a decisão de primeiro grau que julgou procedente o pedido formulado para declarar o direito da autora de excluir o ICMS devido em cada operação de venda de produtos e mercadorias que realiza da base de cálculo presumida do IRPJ e da CSLL, consoante art. 31, parágrafo único, da Lei 8.981/95, bem como condenar a União à repetição dos tributos pagos indevida-mente a tal título, desde o 1º trimestre de 2002, acrescido de correção monetária correspondente à SELIC. A sentença ressalvou que eventual pedido de compensação somente pode ser admitido após o trânsito em julgado da decisão (art. 170-A do CTN). A União Federal foi condenada ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios no montante de 10% do valor a ser restituído.

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Apresentados embargos de declaração pela empresa autora, o juízo de primeiro grau reconheceu a omissão apontada pelos embargos para julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do art. 7º, inciso VI, da IN - SRF nº 93/97, condenando a autora/embargante em honorários advocatícios de R$ 1.000,00, em razão da sucumbência mínima.

A parte-autora interpôs recurso de apelação com base nos seguintes argumentos: a) necessidade de declaração de ilegalidade ou a incidental inconstitucionalidade do artigo 7º, inciso VI, da Instrução Normativa SRF (IN - SRF) nº 93/97, pois que seu conteúdo normativo é restritivo à norma do artigo 31 e seu parágrafo único da Lei nº 8.981/95, reconhe-cendo, por conseguinte, sua vicissitude em face da norma do artigo 100, inciso I, do CTN, bem como em face dos princípios da estrita legalidade e da tipicidade cerrada das leis tributárias; b) do direito da apelante em corrigir seus indébitos tributários a lhe serem repetidos pelo percentual mínimo, aferido em 1% (um por cento) ao mês, em especial quando a Taxa Selic for fixada em percentual que lhe seja inferior; c) exclusão de sua condenação em honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, uma vez que a sentença lhe foi favorável.

A União Federal também manejou recurso de apelação sustentando, em síntese, a decadência, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 118/2005, e a legalidade e a constitucionalidade do artigo 7º, inciso VI, da IN da SRF nº 93/97, uma vez que, embora possa existir alguma divergência, a sua interpretação deve ser de acordo com o disposto no artigo 31 da Lei 8.981/95. Outrossim, o percentual de presunção do lu-cro, para efeitos de apurar o lucro presumido do IRPJ ou da CSLL, deve incidir sobre a receita bruta, conforme legislação de regência, definição essa que está em conformidade com a matriz constitucional dos tributos em discussão. O ICMS está embutido no valor da venda de mercadorias e do preço dos serviços prestados e, portanto, integra o conceito de receita bruta. Dentre as várias hipóteses de exclusão, não há autorização legal para que o referido imposto seja excluído da receita bruta. O grave erro na interpretação da autora, segundo a apelante, foi desconsiderar que o legislador ordinário estabeleceu como base de cálculo para apuração do lucro presumido receita bruta, e não receita líquida ou algo que ficasse no meio caminho entre os dois termos.

É o relatório do essencial.

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VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Artur César de Souza:

Prescrição – Prazo para postular a repetição

O prazo para a propositura de ação judicial visando à restituição ou à compensação de tributos que, sujeitos a lançamento por homologação, foram recolhidos indevidamente, como é a hipótese dos autos, sofreu substancial interferência das disposições trazidas pela Lei Complementar nº 118/2005. Com efeito, o diploma introduziu no sistema tributário regra de interpretação com eficácia retroativa, fixando, em abstrato, o termo inicial da prescrição quinquenal no momento do pagamento antecipado do tributo sujeito a lançamento por homologação (arts. 3º e 4º).

Nada obstante, por ocasião do julgamento do Incidente de Inconstitu-cionalidade na Apelação Cível nº 2004.72.05.003494-7/SC, em que foi relator o Eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, cuja decisão foi publicada no Diário Eletrônico de 29.11.2006, este Tribunal, por sua Corte Especial, declarou a inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/05.

Assim, restou sedimentado que, nas demandas ajuizadas até 08.06.2005 (termo da vacatio legis da Lei Complementar nº 118/05), ainda incide a regra dos “cinco mais cinco” para a restituição de tributo sujeito ao lançamento por homologação (art. 150, § 4º, c/c o art. 168, I, do CTN), ou seja, de dez anos a contar do fato gerador.

Para as ações ajuizadas após o término da vacatio legis do referido diploma, no entanto, o prazo decadencial/prescricional de cinco anos conta-se da data do pagamento antecipado do tributo, na forma dos arts. 150, § 1º, e 168, inciso I, ambos do CTN, c/c art. 3º da Lei Complementar nº 118/05.

Na hipótese dos autos, tendo sido a demanda ajuizada em 20.04.2007, é de ser aplicado o entendimento trazido pela Lei Complementar nº 118/05.

Merece nota a circunstância de estar o entendimento da Turma dissonante da orientação do egrégio STJ. De fato, a Corte Especial da-

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quele Tribunal, ao apreciar o Agravo de Instrumento nos Embargos de Divergência no REsp nº 644.736/PE (DJ 27.08.2007), relativamente à prescrição, deliberou que o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo.

Não obstante, o resultado do julgamento do Incidente de Inconstitu-cionalidade na Apelação Cível nº 2004.72.05.003494-7/SC vincula os membros deste Tribunal, conforme previsão do artigo 151 do Regimento Interno. Essa decisão prevalece sobre outras, excetuada específica ma-nifestação do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema.

Essa realidade, embora possa causar perplexidade às partes, está em sintonia com o ordenamento jurídico pátrio.

Inclusão do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL

O ponto central da questão posta em juízo diz respeito à incidência ou não do IRPJ e da CSLL, com base no lucro presumido, sobre o ICMS recolhido pela empresa autora.

Os tributos em questão podem ser recolhidos com base no lucro real, no lucro arbitrado ou no lucro presumido.

No Imposto de Renda Pessoa Jurídica incide a alíquota de 15%, bem como o adicional do regime do lucro presumido (10% sobre a parcela do lucro presumido que exceder ao valor de R$ 60.000,00). A base de cálculo, por sua vez, corresponde ao valor resultante da aplicação dos percentuais de presunção de lucro sobre a receita bruta auferida em cada trimestre, acrescidos das demais receitas (ganhos de capitais, variações monetárias ativas, lucro inflacionário, etc.).

A apuração da Contribuição Social sobre Lucro Líquido segue a mesma sistemática da apuração do IRPJ, sendo que a alíquota aplicável é de 9% sobre o percentual da receita bruta auferida no trimestre, com as exclusões legais.

Sobre a forma de cálculo da receita bruta para efeitos de apuração do lucro presumido do IRPJ ou da CSLL, prescreve o artigo 15 da Lei 9.249/95:

“Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente,

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observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.”“Art. 20. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas

pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29 a 34 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente (...).”

Por sua vez, preconizam os artigos 1º e 25 da Lei 9.430/96:“Art. 1º A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas jurí-

dicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei.”

“Art. 25. O lucro presumido será o montante determinado pela soma das seguintes parcelas:

I – o valor resultante da aplicação dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sobre a receita bruta definida pelo art. 31 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, auferida no período de apuração de que trata o art. 1º desta Lei;

II – os ganhos de capital, os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, as demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo inciso anterior e demais valores determinados nesta Lei, auferidos naquele mesmo período.”

Por sua vez, estabelece o artigo 31 da Lei 8.981/95:“Art. 31. A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda

de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia.

Parágrafo único. Na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário.”

Assim, a base de cálculo, tanto do imposto de renda quanto da con-tribuição social sobre o lucro líquido, quando haja opção pelo lucro presumido, é a receita bruta, assim entendida: o produto da venda de bens nas operações de conta própria.

No caso, evidentemente que o recebimento/repasse do ICMS por parte da empresa vendedora (sujeito passivo do imposto estadual) ao consumidor final caracteriza produto da venda de bens, produto esse de

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conteúdo monetário.Note-se ser a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS da empresa

vendedora, conforme estabelece a Constituição Federal em seu artigo 155, II, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:I – (...).II – operações relativas à circulação de mercadorias (...).”

Por sua vez, estabelecem os artigos 1º, 2º, 4º e 5º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996:

“Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre opera-ções relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Art. 2° O imposto incide sobre:I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de

alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;(...)Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com

habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Art. 5º Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo.”

Assim, com base na legislação do ICMS, o contribuinte do imposto é a empresa, pessoa jurídica que, com habitualidade, faça a realização de circulação de mercadorias, e não o consumidor final.

Muito embora o pagamento de fato seja feito por terceiro, a obrigação tributária tem como contribuinte a empresa que realizou a circulação da mercadoria, razão pela qual ela é responsável pelo pagamento do tributo.

Portanto, o recebimento (destacado na nota fiscal) do ICMS por parte da empresa representa um produto da venda, pois acresce em seu patri-mônio valor que seria de sua responsabilidade desembolsar.

Dessa feita, não há dúvida de que o valor a título de ICMS destacado na nota de venda de mercadoria representa lucro auferido pela empresa vendedora, pois percebe quantia que irá fazer às vezes de pagamento de

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tributo que por determinação legal é de sua responsabilidade.Além do mais, o inciso II do artigo 25 da Lei 9.430/96 preconiza

como base de cálculo do imposto de renda sobre lucro presumido os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, as demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo inciso anterior e demais valores determinados nesta Lei, auferidos naquele mesmo período, nas quais se pode enquadrar o ressarcimento pelo pagamento do ICMS por parte da empresa vendedora de mercadorias.

É bem verdade que o parágrafo único do artigo 31 da Lei 8.981/95, preconiza que na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário.

Muito embora o ICMS seja um imposto de natureza não cumulativa, cobrado destacadamente do comprador, o certo é que a empresa vende-dora não pode ser considerada mera depositária do valor cobrado.

Essa característica de mero depositário do valor do ICMS somente se aplica às situações de responsabilidade tributária ou de substituição tributária, na qual o contribuinte do tributo não é o responsável pelo recolhimento, mas sim o terceiro. Daí o motivo pelo qual não se pode considerar como receita o ressarcimento do ICMS nos casos de respon-sável ou substituição tributária, pois nessas hipóteses não há falar em ressarcimento, mas, sim, de mero depositário que faz a ponte entre o contribuinte e o ente público arrecadador.

Aliás, o artigo 6º e seu § 1º da Lei Complementar 87/96, ao tratar do ICMS, fez expressa diferenciação entre contribuinte do imposto e o depositário:

“Art. 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequen-tes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.”

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Dessa feita, em face das argumentações acima expendidas, não se observa qualquer mácula de ilegalidade ou inconstitucionalidade nas legislações normativas tributárias que constituam o valor do ICMS des-tacado na nota fiscal de venda de mercadoria como receita bruta sujeita à incidência do Imposto de Renda Pessoa Jurídica ou Contribuição Social sobre o Lucro Líquido que tenham por fundamento o lucro presumido.

Com base nessa decisão, inverto os ônus de sucumbência, condenando a parte-autora às custas processuais e aos honorários de advogado que, em atenção ao artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, fixo em 10% sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido pelo IPCA-E.

Diante dessas considerações, considero prejudicado o recurso inter-posto pela parte-autora.

Ante o exposto, voto por dar provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação da União Federal, nos termos da fundamentação, estando prejudicado o recurso da parte-autora.

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ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE

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INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO

Nº 2002.72.00.001707-6/SC

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Apelante: Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Serviço Público Federal no Estado de Santa Catarina – SINDPREVS

Advogado: Dr. Luis Fernando SilvaApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Dr. Milton Drumond CarvalhoApelados: (Os mesmos)

Remetente: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Florianópolis

EMENTA

Incidente de arguição de inconstitucionalidade. Artigo 8º da Lei nº 10.355/2001. Gratificação de desempenho de atividade previdenciária – GDAP. Servidores ativos. Percepção de valores correspondentes a 60 pontos até regulamentação (artigo 9º). Extensão aos aposentados e pensionistas na mesma proporção. Art. 40, § 8º, da Constituição Federal, na redação dada pela EC nº 20/98.

1. De acordo com a Lei nº 10.355/2001, a GDAP deverá observar os limites máximo de 100 pontos e mínimo de 30 pontos por servidor (art. 5º, caput), os quais serão atribuídos conforme avaliação de desempenho institucional e coletivo (art. 5º, § 2º). Os critérios gerais de avaliação e de atribuição da GDAP serão fixados por ato do Poder Executivo, e os

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critérios e procedimentos específicos serão fixados em ato do titular do INSS (art. 6º).

2. O art. 9º da indigitada lei, todavia, prevê o seguinte: “Até 31 de março de 2002 e até que seja editado o ato referido no art. 6°, a GDAP será paga aos servidores ocupantes de cargos efetivos ou cargos e funções comissionadas e de confiança que a ela fazem jus, nos valores corres-pondentes a 60 (sessenta) pontos por servidor”.

3. Em relação aos inativos e pensionistas, o art. 8º fixou, contudo, duas situações distintas: a) os servidores que se aposentarem ou falece-rem após a implantação do novo sistema teriam a gratificação calculada sobre a média dos valores recebidos nos últimos 60 meses, ou, acaso percebida a GDAP por período inferior a 60 meses, esta viria a integrar os proventos pelo valor fixo de 30 pontos; b) os servidores ou favoreci-dos que já usufruíam aposentadoria ou pensão quando da edição da lei teriam a gratificação fixada em 30 pontos.

4. A Lei nº 10.355/2001, ao instituir a GDAP, garantiu aos aposen-tados e pensionistas a percepção da garantia no valor correspondente a 30 pontos, equivalente à pontuação mínima conferida aos servidores em atividade. Estes, todavia, tiveram assegurada a garantia no valor correspondente a 60 pontos, enquanto não forem disciplinados os crité-rios da avaliação de desempenho institucional e coletivo, bem como o procedimento de atribuição da GDAP.

5. A diferenciação entre servidores ativos e inativos afronta o art. 40, § 8º, da Constituição Federal, na redação dada pela EC nº 20/98, pois a GDAP, concedida a todos os servidores da categoria e na proporção de 60 pontos enquanto não estabelecidos os critérios de avaliação de desempenho e atribuição de pontuação, constitui verdadeiro reajuste remuneratório, cujo caráter geral impõe que seja estendido, na mesma proporção, aos aposentados e pensionistas, em atenção ao artigo 5º, caput, da CF.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher o incidente de inconstitucionalidade, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo

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parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 22 de outubro de 2009.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado pela Terceira Turma deste Tribunal em face da norma prevista no artigo 8º da Lei nº 10.355/2001, por ofensa ao art. 40, § 8º, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 20/98, uma vez que o dispositivo infraconstitucional discutido prevê cálculo diferente para a concessão da “Gratificação de Desempenho de Atividade Previdenciária” – GDAP, no que tange aos aposentados e pensionistas.

O Ministério Público Federal opinou pelo acolhimento do incidente (fls. 242-245).

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Inicialmente cabe considerar que o princípio da Reserva de Plenário, inserido no artigo 97 da Constituição Federal, é condição de eficácia da decisão a ser proferida pelo tribunal. Desdobrando o referido dispositivo, torna-se evidente que a inconstitucionalidade de qualquer ato normativo estatal só pode ser declarada pela maioria absoluta de todos os membros do Tribunal, em atenção, também, à Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“Súmula Vinculante 10Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário

de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

Feita essa consideração, passo à análise do mérito.A questão ora em exame cinge-se à possibilidade de extensão variável,

com pontuação em graus diferentes, da Gratificação de Desempenho de Atividade Previdenciária – GDAP a servidores em atividade e inativos integrantes da Carreira Previdenciária.

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A Lei nº 10.355/2001 institui, para os integrantes da Carreira Pre-videnciária, a gratificação, devida a partir de 1º de fevereiro de 2002 (artigo 4º): “Art. 4º Fica instituída a Gratificação de Desempenho de Atividade Previdenciária – GDAP, devida aos integrantes da Carreira Previdenciária, a partir de 1º de fevereiro de 2002”.

De acordo com a referida lei, a gratificação deverá observar os limites máximo de 100 pontos e mínimo de 30 pontos por servidor (artigo 5º, caput), os quais serão atribuídos conforme avaliação de desempenho institucional e coletivo (artigo 5º, § 2º). Os critérios gerais de avaliação e de atribuição da GDAP serão fixados por ato do Poder Executivo e os critérios e procedimentos específicos serão fixados em ato do titular do INSS (artigo 6º):

“Art. 5º A GDAP terá como limites:I – máximo, 100 (cem) pontos por servidor; e II – mínimo, 30 (trinta) pontos por servidor, correspondendo cada ponto ao valor

estabelecido no Anexo III. § 1º O limite global de pontuação mensal por nível de que dispõe o INSS para ser

atribuído aos servidores corresponderá a 80 (oitenta) vezes o número de servidores ativos por nível, que faz jus à GDAP, em exercício na entidade.

§ 2º A distribuição dos pontos e a pontuação atribuída a cada servidor observarão o desempenho institucional e coletivo dos servidores.

§ 3º A avaliação de desempenho institucional visa a aferir o desempenho no alcance dos objetivos organizacionais, podendo considerar projetos e atividades prioritárias e condições especiais de trabalho, além de outras características específicas do INSS.

§ 4º A avaliação de desempenho coletivo visa a aferir o desempenho do conjunto de servidores de uma unidade, no exercício das atribuições do cargo ou função, com foco na contribuição do grupo para o alcance dos objetivos organizacionais.

§ 5º As avaliações de desempenho, referidas nos §§ 3º e 4º deste artigo, serão utili-zadas, exclusivamente, para fins de progressão e promoção na Carreira Previdenciária e de pagamento da GDAP.

Art. 6º Ato do Poder Executivo disporá sobre os critérios gerais a serem observados para a realização das avaliações de desempenho institucional e coletivo, e de atribuição da GDAP, inclusive na hipótese de ocupação de cargos e funções comissionadas.

Parágrafo único. Os critérios e procedimentos específicos de avaliação de desem-penho institucional e coletivo e de atribuição da GDAP serão estabelecidos em ato do titular do INSS, observada a legislação vigente.”

Ainda, o artigo 9º prevê o seguinte:“Art. 9º Até 31 de março de 2002 e até que seja editado o ato referido no art. 6°,

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a GDAP será paga aos servidores ocupantes de cargos efetivos ou cargos e funções comissionadas e de confiança que a ela fazem jus, nos valores correspondentes a 60 (sessenta) pontos por servidor.” (Grifado)

Por sua vez, o artigo 8º, objeto da presente arguição de inconstitu-cionalidade, dispõe o seguinte:

“Art. 8º A GDAP integrará os proventos da aposentadoria e as pensões, de acordo com:

I – a média dos valores recebidos nos últimos 60 (sessenta) meses; ou II – o valor correspondente a 30 (trinta) pontos, quando percebida por período

inferior a 60 (sessenta) meses.Parágrafo único. Às aposentadorias e às pensões existentes quando da vigência

desta Lei aplica-se o disposto no inciso II deste artigo.” (Grifado)

Como se vê, em relação aos inativos e pensionistas, o artigo 8º fixou duas situações distintas: a) os servidores que se aposentarem ou falece-rem após a implantação do novo sistema teriam a gratificação calculada sobre a média dos valores recebidos nos últimos 60 meses, ou, acaso percebida a GDAP por período inferior a 60 meses, esta viria a integrar os proventos pelo valor fixo de 30 pontos; b) os servidores ou favoreci-dos que já usufruíam aposentadoria ou pensão quando da edição da lei teriam a gratificação fixada em 30 pontos.

Conforme se depreende dos dispositivos acima mencionados, a Lei nº 10.355/2001, ao instituir a GDAP, garantiu aos aposentados e pensio-nistas a percepção dessa garantia no valor correspondente a 30 pontos, equivalente, portanto, à pontuação mínima conferida aos servidores em atividade. Estes, entretanto, tiveram assegurada a garantia no valor correspondente a 60 pontos, enquanto não forem disciplinados os crité-rios da avaliação de desempenho institucional e coletivo, bem como o procedimento de atribuição da GDAP (artigo 9º).

Com efeito, não resta dúvida que a GDAP tem natureza pro labore faciendo, uma vez que ela é calculada com base num sistema de pontos, fundado em avaliação de desempenho institucional e coletivo.

Entretanto, entendo que, enquanto não for editada a norma regulamen-tadora da avaliação de desempenho, a gratificação não tem, ainda, esta natureza, constituindo-se na prática de um verdadeiro reajuste remune-ratório, em face do seu caráter de generalidade. É que a lei não estabe-leceu uma situação peculiar ou requisito específico para a percepção da

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gratificação, atribuindo-a de forma linear a todo servidor que exerça as funções próprias do cargo.

Neste sentido, tem decidido o Supremo Tribunal Federal, conforme os seguintes precedentes, que ora colaciono. Destaco o recente julgado de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, que apreciou questão similar a dos autos, no tocante à GDASST – Gratificação de Desempenho de Atividade de Seguridade Social e do Trabalho:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE DE SEGURIDADE SOCIAL E DO TRABALHO – GDASST, INSTI-TUÍDA PELA LEI 10.483/2002. EXTENSÃO. SERVIDORES INATIVOS. POSSI-BILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

I – Gratificação de desempenho que deve ser estendida aos inativos no valor de 60 (sessenta) pontos, a partir do advento da Medida Provisória 198/2004, convertida na Lei 10.971/2004, que alterou a sua base de cálculo.

II – Embora de natureza pro labore faciendo, a falta de regulamentação das avaliações de desempenho transmuda a GDASST em uma gratificação de natureza genérica, extensível aos servidores inativos. Inocorrência, na espécie, de violação ao princípio da isonomia.” (RE 572.052, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 11.02.2009, Plenário, DJE de 17.04.2009) (Grifado)

“PROVENTOS DA APOSENTADORIA – VANTAGEM OUTORGADA AOS SERVIDORES EM ATIVIDADE. Uma vez constatado o caráter geral de certa van-tagem outorgada aos servidores em atividade, a extensão aos inativos decorre, sem necessidade de lei específica, do disposto no § 8º do artigo 40 da Carta Política da República.” (RE 466.531-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12.08.2008, DJE de 03.10.2008) (Grifado)

“Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA – instituída pela Lei 10.404/2002: extensão a inativos: pontuação variável conforme a sucessão de leis regentes da vantagem. RE conhecido e provido, em parte, para que a GDATA seja deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei 10.404/2002, para o período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o art. 1º da MPv. 198/2004, a partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos.” (RE 476279/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 19.04.2007)

O Superior Tribunal de Justiça também tem este entendimento:“DIREITO ADMINISTRATIVO. GDATA. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO.

PERCENTUAL.PARIDADE COM SERVIDOR DA ATIVA NÃO AVALIADO. LEI Nº 10.404/2002.

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1. O cálculo da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA relativa aos servidores inativos deve ser feito em percentual idêntico ao uti-lizado para o cômputo do valor devido aos servidores ativos ainda não avaliados, sob pena de violação ao princípio da paridade consagrado no art. 40, § 8º, da CF.

2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1103102/RN, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 23.04.2009, DJe 08.06.2009)

Assim, há de ser reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 10.355/2001, por ofensa ao § 8º do artigo 40 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, que determina o seguinte:

“§ 8º Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e pen-sões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassifi-cação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.”

Percebe-se que o referido dispositivo constitucional traz uma cláu-sula de garantia instituída em favor dos aposentados e pensionistas, assegurando-lhes duas prerrogativas fundamentais: a) direito à revisão dos proventos e pensões, em igual proporção e data que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, e b) direito à extensão de quais-quer benefícios e vantagens concedidos aos servidores em atividade.

Não resta dúvida de que o sentido teleológico da norma não é outro senão proteger a situação jurídico-financeira dos servidores aposentados e pensionistas, afastando qualquer desequiparação injustificada, em atenção ao princípio da igualdade, previsto no artigo 5º, caput, da CF. Cristalino está que a atualização dos benefícios previdenciários é disposição cogente na ordem constitucional brasileira.

Feita a análise da Lei nº 10.355/2001, entendo que o artigo 8º está desigualando os servidores integrantes da carreira Previdenciária, pri-vilegiando os servidores da ativa em detrimento dos aposentados/pen-sionistas, revelando-se a distinção absolutamente destituída de causa. Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, na sua obra Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3. ed., p. 17,“as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas

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e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses presti-giados na Constituição.”

Ressalto que a igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um princípio posto como pilar de sustentação da direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental, não podendo ser olvidado, porque é através dele que se concretiza a justiça: “a aplicação correta da justiça exige, de todo o modo, um tratamento igual para os membros da mesma categoria essencial” (Perelman, Ética e Direito, Martins Fontes, p. 42).

Por fim, é importante referir que o § 8º do artigo 40 da CF agora tem redação dada pela EC nº 41/2003, mas manteve a mesma regra igualitária, o que nos dizeres de José Afonso da Silva, “corta o vezo meio maroto de rever vencimentos de servidores na atividade por meio de alteração (transformação ou reclassificação) de sua escala de referência numérica, elevando-as, de tal sorte que a melhoria não fosse extensiva aos inativos” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 24. ed., p. 694).

Dessarte, constituindo-se a GDAP, até a edição de ato regulamentador do processo de avaliação de desempenho, previsto no art. 6º da Lei nº 10.355/2001, na prática de um verdadeiro reajuste remuneratório, deve ser ela também extensível aos servidores inativos/pensionistas, em ho-menagem ao artigo 40, § 8º, da CF.

Ante o exposto, voto por acolher o incidente de inconstitucionalidade, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 10.355/2001, por ofensa ao artigo 40, § 8º, na redação da Emenda Constitucional nº 20/98, e ao artigo 5º, caput, ambos da Constituição Federal.

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INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.06.001070-1/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Apelante: Lojas CB Discos Ltda.Advogados: Drs. Edezio Henrique Waltrick Caon e outro

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

EMENTA

Tributário. Constitucional. Arguição de inconstitucionalidade do in-ciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, na redação original. Princípio da vedação de tributo com efeito de confisco. Multa de ofício. Percentual de 150%. Infração subjetiva. Sonegação, fraude ou conluio. Princípio da razoabilidade.

1. O princípio da proibição de tributo com efeito de confisco aplica-se tanto aos tributos quanto aos deveres instrumentais ou formais (ainda que esses últimos não possuam natureza tributária), na linha dos preceden-tes do STF (ADIN 551 e ADIN 1.075). Também é aplicável a qualquer espécie de multa, seja de mora, seja de ofício, uma vez que a natureza jurídica de ambas é a mesma: sanção decorrente do descumprimento de deveres jurídicos estabelecidos nas leis tributárias, relativos à obriga-ção tributária (multa de mora) ou aos deveres instrumentais ou formais (multa de ofício).

2. As normas que preveem infrações podem ser divididas entre ob-jetivas e subjetivas. As primeiras não levam em consideração a vontade do agente; havendo o resultado previsto na norma, independente da in-tenção do infrator, configura-se o ilícito. As segundas exigem o dolo ou culpa do infrator, que deve ser apurada em conformidade com a hipótese descrita na norma.

3. O inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96 cuida de infração subjetiva de caráter doloso. Os arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64, aos quais se refere o dispositivo, definem três ilícitos, em que os infratores dirigem sua vontade com o escopo de impedir ou retardar o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador do tributo ou das condições pessoais do contribuinte que afetem o tributo

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(sonegação); impedir ou retardar o próprio acontecimento tributário ou de excluir ou modificar as suas características, a fim de reduzir o tributo devido ou diferir o seu pagamento (fraude); ou realizam ajuste doloso entre duas ou mais pessoas visando aos efeitos da sonegação ou da fraude (conluio).

4. A gravidade das condutas dolosas descritas no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96 justifica o percentual exacerbado da multa. A sanção deve ser proporcional ao ilícito cometido e desestimular a sua prática, para que realize sua função repressiva e punitiva. Os aspectos subjetivos dessas infrações tornam os limites da proibição de efeito confiscatório mais permeáveis e elásticos do que se entenderia como razoável, caso se tratasse de uma infração objetiva. Não se revela consentâneo com o ideal de justiça tributária penalizar em patamar semelhante o contri-buinte que deixa de pagar ou de declarar o tributo, sem intuito doloso, e o contribuinte que sonega, frauda ou age em conluio. O que evidencia o caráter confiscatório da multa é a desproporção entre o desrespeito à norma tributária e a sua consequência jurídica. Assim, a resposta do ordenamento jurídico à sonegação, à fraude e ao conluio deve ser muito mais forte do que a resposta aos ilícitos menos gravosos.

5. Outro aspecto da questão diz respeito à ideia de confisco, que envolve verificar se a multa realmente atinge parcela tão significativa do patrimônio ou renda do contribuinte que equivalha à extinção da propriedade ou ameace a sobrevivência do indivíduo e da empresa. Não se pode olvidar que a sonegação, a fraude e o conluio acarretam o enriquecimento ilícito do contribuinte; na impossibilidade de discernir o que é riqueza lícita e o que é riqueza ilícita, é difícil saber se a multa ultrapassa as possibilidades do contribuinte. Para solucionar esse impas-se, cabe recorrer ao princípio da razoabilidade, cuja essência é guardar uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Nessa senda, o percentual de 150% a título de multa nos casos de sonegação, fraude ou conluio é razoável, justamente porque se dirige a reprimir condutas evidentemente contrárias não apenas aos interesses fiscais, mas aos interesses de toda a sociedade.

6. Arguição de inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, na redação original, rejeitada.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, rejeitar o incidente de arguição de inconstituciona-lidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996, na redação original, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de agosto de 2009.Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A Primeira Turma, por maioria, decidiu arguir a inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/1996, em sua redação original, durante o julgamento de apelação interposta por Lojas CB Discos Ltda. contra sentença que julgou improcedente ação anulatória de lançamento tributário promovido pela Receita Federal. A ementa do julgado foi lavrada pelo Juiz Federal Artur César de Souza, nestes termos:

“TRIBUTÁRIO. ANULATÓRIA. MULTAS DE OFÍCIO CUMULADAS. FALTA DE PAGAMENTO E INTUITO DE FRAUDE. ART. 44, I E II, DA LEI 9.430/96. RAZOABILIDADE. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO. OFENSA. IN-CONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA.

1. Nenhuma norma infraconstitucional pode sobrepor-se ao princípio da vedação ao confisco, insculpido no art. 150, IV, da CF/88.

2. A previsão legal de multa que, cumulada, atinge 225% sobre o valor do tributo, assume nítido contorno confiscatório.

3. A optimização do princípio constitucional do não confisco não se restringe à multa de mora, atinge também a multa de ofício, não havendo diferenciação entre elas (ADIn nº 551/RJ, Min. Ilmar Galvão, j. 24.10.2002).

4. Mesmo que a aplicação cumulada da multa de 75% com a de 150% previstas no art. 44, I e II, da Lei nº 9.430/96 decorra de interpretação equivocada por parte da Autoridade Fiscal, pois a aplicação de uma excetua a outra, o percentual da última, por si só, já é abusivo e confiscatório.

5. A nova redação do art. 44, II, da Lei nº 9.430/96, dada pela Lei nº 11.488/2007, reduziu a multa para o percentual de 50% e, sendo mais benigna, somente não retroage em caso evidente de intuito de fraude.

6. Suscitado incidente de arguição de inconstitucionalidade da redação original do art. 44, II, da Lei nº 9.430/96, que prevê multa de 150% à sonegação de tributos

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devidos em data anterior à vigência da Lei nº 11.488/2007, por violação ao princípio do não confisco insculpido no art. 150, IV, da CF/88.”

O Ministério Público Federal opina pela improcedência do incidente de arguição de inconstitucionalidade.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A Receita Federal empreendeu ação fiscal contra a empresa Lojas CB Discos Ltda., que acarretou apuração de crédito tributário de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, bem como aplicação de multa qualificada e representação fiscal para fins penais.

A maioria da Primeira Turma, ao apreciar a insurgência da apelante contra a aplicação da penalidade de multa, houve por bem suscitar a inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, com fundamento na ofensa ao inciso IV do art. 150 da Constituição Federal. Eis o teor do voto proferido pelo Juiz Federal Artur César de Souza, relator do acórdão:

“Da natureza confiscatória da multa de ofício.No lançamento fiscal foi incluída multa de ofício no valor de 150%, nos termos do

artigo 44, inciso II, da Lei 9.430/96, que assim dispunha na sua redação original:‘Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, cal-

culadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição: (Vide Lei nº 10.892, de 2004) (Vide Mpv nº 303, de 2006) (Vide Medida Provisória nº 351, de 2007)

I – de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte; (Vide Lei nº 10.892, de 2004) (Vide Mpv nº 303, de 2006) (Vide Medida Provisória nº 351, de 2007)

II – cento e cinquenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. (Vide Lei nº 10.892, de 2004) (Vide Mpv nº 303, de 2006) (Vide Medida Provisória nº 351, de 2007).’

No relatório fiscal da fl. 37 ficou assim consignado:‘De acordo com o inciso II do art. 44 da Lei 9.430/96, deve-se aplicar a multa

qualificada de 150%, calculados sobre o valor do imposto lançado de ofício, nos casos de ‘evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 4 73 da Lei nº 4.502, de 30

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de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis’ (...).

Assim, a fiscalização aplicou a multa qualificada de 150% sobre todo o montante dos impostos e contribuições apurados com base nos depósitos bancários de origem não comprovada.’

Observa-se, também, que o Fisco aplicou a multa de 75% prevista no inciso I do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, perfazendo o total de 225%.

Não há dúvida de que as imposições de multa de ofício estão amparadas em previsão legal infraconstitucional.

Contudo, nenhuma norma infraconstitucional pode sobrepor-se ao princípio ins-culpido no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal: ‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – utilizar tributo com efeito de confisco’.

Evidentemente que a União, ao aprovar uma lei tributária que determine a aplicação de multa total de 225% do valor originário do tributo, visa a utilizar essa regulamentação tributária com efeito confiscatório.

Diante desse confronto entre um regra jurídica (multa de 225%) e um princípio Constitucional, deve prevalecer para todos os efeitos a normatização do princípio constitucional.

É bem verdade que se poderia afirmar que a optimização do princípio tributário do não confisco somente se aplica às denominadas multas moratórias, excluídas dessa argumentação as multas denominadas de ofício. Apesar dessa afirmação, entendo que a alegação de natureza confiscatória da multa pode ser em relação tanto à multa mo-ratória quanto à multa de ofício.

É bem verdade que a multa moratória tem por objetivo sancionar a mora no paga-mento do tributo, enquanto a multa de ofício tem por pressuposto a prática de alguma infração legal, como, por exemplo, sonegação fiscal.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ, julgada em 24 de outubro de 2002, relator Ministro Ilmar Galvão, ao analisar os §§ 2º e 3º do art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado do Rio de Janeiro, deparou-se tanto com a denominada multa moratória (pelo não recolhimento do tributo) quanto com a denominada multa de ofício (pela sonegação do tributo), não fazendo qualquer distinção entre uma e outra para o efeito de analisar a questão do caráter confiscatório. Eis o teor da ementa do julgamento:

‘EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2º E 3º DO ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRI-BUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA.

A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica,

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a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do con-tribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.’ (ADI 551/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, j. em 24.10.2002, unânime, DJU de 14.02.2003, p. 58)

Observa-se que o Supremo Tribunal Federal não faz qualquer distinção entre a multa moratória e a multa de ofício para efeito de aplicação do princípio Constitucional do não confisco. Tal afirmação foi confirmada na decisão abaixo transcrita:

‘EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 8.846/94 EDITADA PELA UNIÃO FEDERAL – ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA FEDERAÇÃO E DA SEPARAÇÃO DE PODERES – INOCORRÊNCIA – EXERCÍCIO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE SUA COMPETÊNCIA IMPOSITIVA, COM ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS LIMITES QUE DEFINEM ESSA ATRIBUIÇÃO NORMATIVA – DIPLOMA LEGISLATIVO QUE NÃO USURPA A ESFERA DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS ESTA-DOS-MEMBROS E DOS MUNICÍPIOS – LEGITIMIDADE DO PODER REGULA-MENTAR DEFERIDO AOS MINISTROS DE ESTADO – ATRIBUIÇÃO REGULA-MENTAR DE SEGUNDO GRAU QUE POSSUI EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 87, PARÁGRAFO ÚNICO, II) – INOCORRÊNCIA DE OUTORGA, PELA LEI Nº 8.846/94, DE DELEGAÇÃO LEGISLATIVA AO MINISTRO DA FAZENDA – PODER REGULAMENTAR SECUNDÁRIO DESVESTIDO DE CONTEÚDO NORMATIVO PRIMÁRIO – TRANSGRESSÃO, NO ENTANTO, PELA LEI Nº 8.846/94 (ART. 3º E SEU PARÁGRAFO ÚNICO), AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CONFISCATORIEDADE TRIBUTÁRIA – SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DE TAL PRECEITO LEGAL – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA, EM PARTE.

A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

– É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio cons-titucional da não confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento).

– A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obriga-ções tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.

– O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imodera-

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damente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.

O PODER REGULAMENTAR DEFERIDO AOS MINISTROS DE ESTADO, EMBORA DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL, NÃO LEGITIMA A EDIÇÃO DE ATOS NORMATIVOS DE CARÁTER PRIMÁRIO, ESTANDO NECESSA-RIAMENTE SUBORDINADO, NO QUE CONCERNE AO SEU EXERCÍCIO, CONTEÚDO E LIMITES, AO QUE PRESCREVEM AS LEIS E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

– A competência regulamentar deferida aos Ministros de Estado, mesmo sendo de segundo grau, possui inquestionável extração constitucional (CF, art. 87, parágrafo único, II), de tal modo que o poder jurídico de expedir instruções para a fiel execução das leis compõe, no quadro do sistema normativo vigente no Brasil, uma prerrogativa que também assiste, ope constitutionis, a esses qualificados agentes auxiliares do Chefe do Poder Executivo da União.

– As instruções regulamentares, quando emanarem de Ministro de Estado, quali-ficar-se-ão como regulamentos executivos, necessariamente subordinados aos limites jurídicos definidos na regra legal a cuja implementação elas se destinam, pois o exer-cício ministerial do poder regulamentar não pode transgredir a lei, seja para exigir o que esta não exigiu, seja para estabelecer distinções onde a própria lei não distinguiu, notadamente em tema de direito tributário. Doutrina. Jurisprudência.

– Poder regulamentar e delegação legislativa: institutos de direito público que não se confundem. Inocorrência, no caso, de outorga, ao Ministro da Fazenda, de delegação legislativa. Reconhecimento de que lhe assiste a possibilidade de exercer competência regulamentar de caráter meramente secundário. (destaquei)’ (ADI-MC 1075/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. em 17.06.1998, por maioria, DJU de 24.11.2006, p. 59, RDDT n. 139, 2007, p. 199-211, RDDT n. 137, 2007, p. 236-237)

Após esse esclarecimento, passo à análise da questão propriamente dita.Alega a Apelante a natureza confiscatória da multa de ofício no percentual de 225%

do valor apurado no imposto complementar.Quanto ao alegado efeito confiscatório da multa, o Supremo Tribunal Federal, em

diversas decisões, já reconheceu o efeito confiscatório da penalidade aplicada.Quanto ao tema, vale ressaltar que o confisco existe, não apenas na instituição do

tributo, mas também na aplicação de seus consectários, entre eles a multa moratória ou em decorrência de infração legal.

Ensina o Prof. ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, em sua obra ‘Princípios Constitucionais Tributários e a Cláusula Due Process of Law’ (1964):

‘A faculdade de impor penalidades pela infringência às leis fiscais é atributo inerente ao poder tributário e condição mesma de seu efetivo exercício prático.

Mas, se a legitimidade das penas tributárias, quando convenientemente dosadas, está à margem de qualquer dúvida, não se admitirá que, a pretexto de castigar infrações, o

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legislador confisque a propriedade individual’.A respeito, transcrevo o voto do MINISTRO BILAC PINTO, proferido no RECUR-

SO EXTRAORDINÁRIO nº 80.093-SP, publicado na Revista Trimestral de Jurispru-dência, vol. 82, p. 813-815, quando trata do caráter confiscatório da multa moratória:

‘A esse propósito desejo assinar que em vários países a doutrina e a jurisprudência têm fixado os limites do poder fiscal do Estado, quanto aos tributos que se fundam nesse poder, que não se confunde com o poder de polícia, que também constitui fun-damento de tributos.

Trazendo à colação a jurisprudência das Cortes Supremas dos Estados Unidos e da Argentina, revela o ilustre mestre ALIOMAR BALEEIRO, em sua obra ‘Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar’ (Forense, 4. ed., p. 266-272), o processo de elaboração, pelas respectivas Cortes, dos critérios que acabaram por predominar em ambos os países, no que concerne à confiscatoriedade dos tributos.

Em conferência que proferimos na Faculdade de Direito de Belo Horizonte, em 1940, sobre os ‘Limites ao Poder Fiscal do Estado’, depois de uma parte introdutória, dissemos: ‘Passemos agora a considerar os abusos do Poder Fiscal com relação aos impostos propriamente ditos, aqueles que têm unicamente a finalidade de produzir rendimentos. A transcrição de alguns julgados argentinos e americanos revelará com mais precisão o ponto capital da tese que nos propomos sustentar:

a – a de que o Poder Judiciário pode e deve julgar inexigíveis os tributos excessivos, os desiguais e os não gerais.

A 2ª Câmara Civil de Buenos Aires versus Naciano Moreno decidiu: 1º – É ilegal o tributo em face da desproporção existente entre o seu montante e o custo do serviço prestado; 2º – É desarrazoado o tributo de inspeção, que se não avizinha do custo desse serviço; 3º – Os tributos devem ser razoáveis e devem conciliar-se especialmente com as leis que garantem a liberdade do cidadão e o seu direito de propriedade (Jurispru-dência Argentina, T. 52, p. 486).

Também a Corte Suprema dos Estados Unidos tem, reiteradamente, proclamado que: ‘Quando o montante do tributo exigido do contribuinte é manifestamente excessivo, esse tributo é considerado irracional e nulo’ (Filadélfia versus Atlantic, 102, Fed. 254).

DEVEMOS DEIXAR CLARO, PORÉM, QUE NÃO APENAS OS TRIBUTOS, MAS TAMBÉM AS PENALIDADES FISCAIS, QUANDO EXCESSIVAS OU CONFISCATÓRIAS, ESTÃO SUJEITAS AO MESMO TIPO DE CONTROLE JU-RISDICIONAL.

Para que a multa fiscal se considere confiscatória, é necessário que inexista qual-quer conexão entre a penalidade imposta e a infração cometida, ou que a pena seja desproporcionada ao delito ou infração tributária praticada.

Mais frequente, porém, será a incidência de multas confiscatórias por seu montante excessivo ou despropositado em razão da natureza do delito ou infração tributária. Não só o art. 141, § 3º, da Carta Magna impossibilitaria penalidades assim desarrazoadas, mas a própria diretriz da capacidade contributiva obstaria a imposição de penas que

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exorbitassem da capacidade econômica dos indivíduos. Reconhecida ao judiciário a faculdade de REVER E REDUZIR as multas exigidas pelo fisco, são elas depuradas de seu eventual feitio confiscatório com grande facilidade. Aliás, dessa superintendência sobre a ação repressiva da administração têm nossos tribunais feito largo uso, aparando-lhe os frequentes excessos na matéria.’

Nesta esteira, não pode prosperar o percentual de 225% aplicado como multa de ofício, pelo não pagamento do tributo, sem caracterizar um efetivo confisco na pro-priedade do contribuinte.

Portanto, diante dessa natureza confiscatória, cabe ao Judiciário promover a redução da multa a um percentual razoável para sua imposição. Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, como se pode observar na seguinte passagem do voto proferido pelo Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE no Recurso Extraordinário nº 80.903-SP (Tribunal Pleno), publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 82, à p. 320:

‘Conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para julgar procedente o exe-cutivo fiscal, salvo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos que 100% do imposto devido, assume feição de CONFISCATÓRIA. REDUZO-A PARA 30% (TRINTA POR CENTO), base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte. Inverto o ônus da sucumbência.’

Neste mesmo sentido é a seguinte decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

‘1. ICM. Cooperativa de consumo. Incidência do tributo desde o advento do Dec.-Lei nº 406/68, consoante orientação ultimamente firmada no Supremo Tribunal Federal.

2. Multa moratória de feição confiscatória. Redução a nível compatível com a utilização do instrumento da correção monetária.

3. Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte’. (Recurso Extraordinário nº 81.550-MG, decisão publicada in Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 74, p. 319)

Outrossim, esta própria Corte já teve oportunidade de afirmar, na rejeição do inci-dente de inconstitucionalidade a respeito das penalidades previstas no art. 35 da Lei 8.212/96 (Incidente de Arguição de inconstitucionalidade na AC nº 200671990022906), que ‘multas até o limite de 100% do principal não ofendem o princípio da vedação ao confisco, da razoabilidade e da proibição do excesso’. A decisão restou nestes termos ementada:

‘INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 35, II, B A D, E III, A A D, DA LEI Nº 8.212/91, COM A REDAÇÃO DADA PELAS LEIS Nos 9.528/97 E 9.876/99. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA VEDAÇÃO AO CONFIS-CO, DA RAZOABILIDADE E DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO. INOCORRÊNCIA. REJEIÇÃO DO INCIDENTE.

1. As multas até o limite de 100% do principal não ofendem o princípio da vedação ao confisco, da razoabilidade e da proibição do excesso.

2. A multa tem como pressuposto o ato ilícito, penalizando o infrator e fazendo o

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papel de prevenção geral, evitando novas condutas de infração. Pequenos valores de multa, equiparáveis aos juros de mercado, permitiriam fosse a multa incorporada ao gasto empresarial e a infração à lei reiterada (Incidente de Arguição de Inconstitucio-nalidade na AC nº 2000.04.01.063415-0/RS, Rel. para o acórdão Desembargador Néfi Cordeiro).

3. É constitucional o art. 35 da Lei nº 8.212/91. (grifei) (TRF4. Corte Especial. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AC Nº 2006.71.99.002290-6/RS. Relator: Des. Federal Otávio Roberto Pamplona).’

Essa decisão estabeleceu um limite de não confisco da multa de ofício até o per-centual de 100%. Mutatis mutandis, se o percentual aplicado é de 225%, o efeito confiscatório tornou-se evidente.

Poder-se-ia argumentar que a aplicação da multa prevista no inciso I do art. 44 da Lei nº de 75%, para várias hipóteses, inclusive a falta de declaração ou sua inexatidão, de forma cumulativa com aquela prevista no inciso II, de 150%, aplicável nos casos de evidente intuito de fraude, não desafia inconstitucionalidade passível de ser examinada pela Corte Especial deste Regional, podendo ser afastada pelas Turmas especializadas em Direito Tributário porque houve apenas uma interpretação equivocada e indevido uso cumulado por parte da Autoridade Fiscal.

Com efeito, retornando à leitura do art. 44 da Lei nº 9.430/96, apesar de constar no caput que ‘serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou dife-rença de tributo ou contribuição:’, deve-se atentar para a expressão constante no inciso I, in fine: ‘(...), excetuada a hipótese do inciso seguinte;’. Claramente consignada aqui a vontade do legislador, que expressamente excluiu a aplicação cumulativa da multa prevista no inciso I com aquela prevista no inciso II. Ou seja, constatada a evidência de fraude, a multa aplicável seria substituída por outra, mais rigorosa do que aquela prevista pelo mero inadimplemento ou por descumprimento de obrigação acessória. Não fosse assim, o legislador utilizaria a expressão ‘cumulada’, e não ‘excetuada’.

Todavia, mesmo que a Autoridade Fiscal tivesse aplicado apenas a multa prevista no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, o percentual foi fixado em 150%, o que extrapola o limite tolerável para desconfigurar e afastar o principio constitucional do não confisco.

Mas no caso presente há uma particularidade.Enquanto a antiga redação do artigo 44, inciso II, da Lei 9.430/96 fazia menção à

aplicação de multa de ofício no percentual de 150%, a nova redação do mesmo dispo-sitivo legal, dada pela Lei 11.488, de 2007, reduziu a multa para o percentual de 50%, exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal.

Não se trata de aplicação retroativa de lei mais benigna (uma vez que pode ter ocorrido fraude), mas sim de analisar essa redução sob a ótica do princípio constitu-cional do não confisco.

Desta feita, seguindo a orientação do Supremo Tribunal Federal e da Corte Especial deste Tribunal, na Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 2006.71.99.002290-6/

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RS, que considerou inconstitucional o art. 35, II, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pelas Leis nos 9.528/97 e 9.876/99, por fixar multa acima de 100% (cem por cento) do valor total do tributo, considero a multa fixada no patamar de 225% do valor do débito corrigido monetariamente como de caráter confiscatório.

Nesse compasso, não há como simplesmente desconsiderar ou relevar a multa ex-trapolativa, sem declarar a inconstitucionalidade do dispositivo legal em que prevista, por violação ao princípio da vedação ao confisco, insculpido no artigo 150, IV, da Constituição Federal, ou então dar-lhe plena aplicação, exigindo todos os requisitos nele estampados.

Frente ao exposto, considerando que a declaração de inconstitucionalidade é de competência da Corte Especial, voto por suscitar incidente de arguição de inconstitu-cionalidade do artigo 44, inciso II, da Lei nº 9430/96, em sua redação original, aplicável aos tributos devidos em data anterior à vigência da Lei nº 11.488/2007, que deu nova redação ao dispositivo legal em comento.”

A fim de delimitar precisamente os limites da questão constitucional, é necessário esclarecer que a Receita Federal não aplicou as multas previstas nos incisos I e II do art. 44 de forma cumulativa. O exame dos autos de infração (fls. 68-78, 87-97, 106-121 e 130-141) demonstra que a multa de 150% incidiu sobre base de cálculo distinta da multa de 75%; a penalidade, portanto, não perfaz o percentual de 225%. Essa é a conclusão que se extrai do termo de verificação fiscal, cujos trechos transcrevo a seguir:

“(...) Desta forma, conclui-se que a autuada teve a intenção de ocultar do fisco a movimentação da conta-corrente nº 02-020227-0, pois caso contrário ela a teria man-tido integralmente contabilizada, como manteve as outras contas bancárias citadas no item 5.2 deste termo.

Portanto, a contribuinte impediu o conhecimento, por parte do fisco, de suas condi-ções pessoais, as quais efetivamente afetavam a obrigação tributária principal. Como se percebe claramente, a conduta da contribuinte se enquadra na hipótese prevista no art. 71 da Lei 4.504/64. É, portanto, caso de sonegação, um dos pressupostos para que seja caracterizado o ‘evidente intuito de fraude’, condição necessária e suficiente para a aplicação da multa qualificada.

Assim, a fiscalização aplicou a multa qualificada de 150% sobre todo o montante dos impostos e contribuições apurados com base nos depósitos bancários de origem não comprovada.

Já no caso da infração descrita no item 5.3, restou comprovado que a autuada se utilizou de notas fiscais inidôneas para reduzir indevidamente o Lucro Real e a base de cálculo das contribuições sociais.

Como já exposto, as notas fiscais emitidas por Aquarela Discos Ltda. e por Cdlan-

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dia Discos Ltda. acobertaram devoluções fictícias de mercadorias vendidas. Também já restou comprovado que grande parte da movimentação de mercadorias entre essas empresas não acontecia fisicamente. (...)

Portanto, a conduta dolosa da autuada modificou indevidamente uma característica essencial da obrigação tributária principal: a sua base de cálculo. Essa conduta, que efetivamente reduziu o montante do imposto e das contribuições devidas, é caracterizada como fraude pelo art. 72 da Lei nº 4.502/64, e também se configura numa condição necessária e suficiente para a aplicação da multa qualificada.

Assim, a fiscalização aplicou a multa qualificada de 150% sobre o montante dos impostos e contribuições apurados com base nas glosas de devoluções fictícias de vendas decorrentes de operações com a Aquarela e a Cdlandia.

Salientamos que a multa qualificada não foi aplicada nos casos em que as glosas foram decorrentes da falta de apresentação da nota fiscal de devolução de venda correspondente.” (fls. 38-39)

De qualquer sorte, a controvérsia acerca da aplicação equivocada das disposições do art. 44 da Lei nº 9.430/1996 não constitui fundamento para arguição de inconstitucionalidade. A questão envolve apenas a ofensa ao princípio constitucional da vedação ao confisco, em razão da incidência da multa de 150%.

Não obstante tenha me alinhado ao posicionamento expendido pelo Juiz Artur César de Souza, quando suscitado o incidente, entendo que o inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96 mostra-se em consonância com a Constituição.

Não há dúvida de que o princípio da proibição de tributo com efeito de confisco aplica-se tanto aos tributos quanto aos deveres instrumentais ou formais (ainda que esses últimos não possuam natureza tributária), na linha dos precedentes do STF supracitados. Também é aplicável a qualquer espécie de multa, seja de mora, seja de ofício, uma vez que a natureza jurídica de ambas é a mesma: sanção decorrente do descum-primento de deveres jurídicos estabelecidos nas leis tributárias, relativos à obrigação tributária (multa de mora) ou aos deveres instrumentais ou formais (multa de ofício).

Para aferir a constitucionalidade da multa em questão, será utilizada a distinção proposta por Paulo de Barros Carvalho, que leva em conta a participação subjetiva do agente na descrição hipotética da norma, dividindo as infrações entre subjetivas e objetivas:

“Infração subjetiva é aquela para a configuração de que exige a lei que o autor

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do ilícito tenha operado com dolo ou culpa (esta em qualquer de seus graus). Caso de infração subjetiva é o comportamento do contribuinte do imposto sobre a renda que, ao prestar sua declaração de rendimentos, omite, propositadamente, algumas receitas, com o objetivo de recolher quantia menor do que a devida. As infrações objetivas, de outra parte, são aquelas em que não é preciso apurar a vontade do infrator. Havendo o resultado previsto na descrição normativa, qualquer que seja a intenção do agente, dá-se por configurado o ilícito. Situação típica é a do não pagamento de determinada quantia, a título de imposto predial e territorial urbano, nos prazos fixados na notificação de lançamento. Sendo irrelevante o ânimo do devedor, não realizado o recolhimento até o limite final do prazo, incorrerá ele em juros de mora e multa de mora.” (grifei) (Curso de Direito Tributário. Saraiva, 17. ed., 2005, p. 511-512)

O inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96 cuida, induvidosamente, de infração subjetiva de caráter doloso. Os arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64, aos quais se refere o dispositivo, definem três ilícitos, em que os infratores dirigem sua vontade com o escopo de impedir ou retardar o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador do tributo ou das condições pessoais do contribuinte que afetem o tributo (sonegação); impedir ou retardar o próprio acontecimento tribu-tário ou de excluir ou modificar as suas características, a fim de reduzir o tributo devido ou diferir o seu pagamento (fraude); e realizam ajuste doloso entre duas ou mais pessoas visando aos efeitos da sonegação ou da fraude (conluio).

Além das multas de mora, que decorrem da falta de recolhimento do tributo no prazo legal, a multa de ofício prevista no inciso I do art. 44 da Lei nº 9.430/96 também se enquadra na categoria de infração objetiva. Ainda que o aspecto volitivo da conduta do contribuinte não interesse para configurar a hipótese de incidência das infrações objetivas, a san-ção correspondente considera a conduta e as consequências jurídicas do ilícito. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que se atribui ao contribuinte o dever de apurar o valor do tributo e declará-lo ao fisco, a ausência de declaração do débito merece sanção mais gravosa do que a simples mora, porque o descumprimento do dever de entregar a declaração dificulta a fiscalização tributária. Por isso, o percentual da multa de mora equivale a 20%, e o da multa de ofício, a 75%.

A gravidade das condutas dolosas descritas no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96 justifica o percentual exacerbado da multa. A sanção deve ser proporcional ao ilícito cometido e desestimular a sua prática,

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para que realize sua função repressiva e punitiva. Os aspectos subjetivos dessas infrações tornam os limites da proibição de efeito confiscatório mais permeáveis e elásticos do que se entenderia como razoável, caso se tratasse de uma infração objetiva. Não se revela consentâneo com o ideal de justiça tributária penalizar em patamar semelhante o contribuin-te que deixa de pagar ou de declarar o tributo, sem intuito doloso, e o contribuinte que sonega, frauda ou age em conluio. Esse entendimento retrata a posição do STF, na ADIN 551, supracitada, pois o que evidencia o caráter confiscatório da multa é a desproporção entre o desrespeito à norma tributária e a sua consequência jurídica. Assim, a resposta do ordenamento jurídico à sonegação, à fraude e ao conluio deve ser muito mais forte do que a resposta aos ilícitos menos gravosos.

Outro aspecto da questão diz respeito à ideia de confisco, que envolve verificar se a multa realmente atinge parcela tão significativa do patrimô-nio ou renda do contribuinte que equivalha à extinção da propriedade ou ameace a sobrevivência do indivíduo e da empresa. Não se pode olvidar que a sonegação, a fraude e o conluio acarretam o enriquecimento ilícito do contribuinte; na impossibilidade de discernir o que é riqueza lícita e o que é riqueza ilícita, é difícil saber se a multa ultrapassa as possibilidades do contribuinte. Para solucionar esse impasse, cabe recorrer ao princípio da razoabilidade, cuja essência é guardar uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Nessa senda, o percentual de 150% a título de multa nos casos de sonegação, fraude ou conluio é razoável, justamente porque se dirige a reprimir condutas evidentemente contrárias não apenas aos interesses fiscais, mas aos interesses de toda a sociedade.

Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar o incidente de arguição de inconstitucionalidade do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, na redação original.

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2006.70.11.000309-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo JunqueiraRelatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler

Interessada: Citri Agroindustrial S/AAdvogados: Drs. Alcindo de Souza Franco e outros

Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

Suscitante: 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Arguição de inconstitucionalidade. Direito Constitucional e Tribu-tário. Contribuições sociais. Seguridade Social. Agroindústria. Fato gerador. Remuneração. Substituição. Receita bruta. Nova fonte de custeio. Bitributação. Sujeição passiva. Alargamento. Improcedência. Rejeição.

1. Incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado em face do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, o qual introduziu o artigo 22-A, caput e incisos I e II, na Lei nº 8.212/91.

2. Dispositivo legal que prevê contribuição para a seguridade social a cargo das agroindústrias com incidência sobre a receita bruta em ca-ráter de substituição à contribuição sobre a remuneração paga, devida ou creditada pela empresa (incisos I e II do artigo 22 da Lei nº 8.212/91 e alínea b do inciso I do artigo 195 da CF).

3. Hipótese que representa mera substituição constitucionalmente albergada de uma exigência tributária por outra, sem com isso significar a instituição de nova fonte de custeio da seguridade social, caso que demandaria a edição de lei complementar e a não coincidência com fato gerador ou base de cálculo de contribuição já existente, nesse caso sob pena de vedada bitributação (§ 4º do artigo 195 c/c o inciso I do artigo 154, ambos da CF).

4. Alegação improcedente de indevido alargamento da sujeição passiva tributária contemplada no § 8º do artigo 195 da CF, na medida em que a tratada substituição parte da perspectiva das contribuições devidas pela empresa, no caso específico no ramo da agroindústria.

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5. A substituição empreendida não contraria a matriz constitucional tributária, significando salutar medida alcançada ao contribuinte para o efeito de desonerar a folha de pagamento das pessoas jurídicas que atuam na qualidade de agroindústria, bem como forma de otimizar a fiscalização tributária ante a informalidade das contratações de mão de obra no âmbito rural.

6. Caso que não importa em sobreposição de nova espécie tributária voltada ao custeio da seguridade social, representando, de outra parte, faculdade de substituição com escopo parafiscal. O fato de a empresa optante já pagar a Cofins sobre a mesma base de cálculo não evidencia sobrecarga tributária ante o advento da modalidade discutida, uma vez que ocorre no caso efetiva substituição de modalidades tributárias, não o incremento.

7. Acolhimento da tese de que a substituição em liça encontra via-bilidade no sistema tributário brasileiro desde o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, que implementou o elenco integrado ao inciso I do artigo 195, o qual por sua vez permite tal hermenêutica, e não apenas a contar da Emenda Constitucional nº 42/2003, a qual inseriu o § 13 no aludido preceptivo, efetiva disposição remissiva e não permissiva da debatida substituição.

8. Arguição de inconstitucionalidade rejeitada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, rejeitar o incidente de arguição de incons-titucionalidade do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, que introduziu o artigo 22-A, incisos I e II, na Lei nº 8.212/91, vencidos o Relator e os Desembargadores Federais Silvia Goraieb, Élcio Pinheiro de Castro, Valdemar Capeletti, Luiz Carlos de Castro Lugon, Néfi Cor-deiro e Victor Luiz dos Santos Laus, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de agosto de 2009.Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, Relatora p/acórdão.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Citri Agroin-dustrial S/A ajuizou Ação Declaratória de inexigibilidade de Contri-buição Social Previdenciária sobre receitas decorrentes de operações com produtos destinados à exportação, a partir da vigência da Emenda Constitucional nº 33, de 11.12.2001, em razão da imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal.

A Autarquia contesta o feito, fundada na exigência imposta pelo art. 22-A da Lei nº 8.212/91, acrescentado pelo art. 1º da Lei nº 10.256/2001.

Sobreveio sentença de improcedência da pretensão veiculada na inicial e revogação da liminar, anteriormente concedida, por se tratar de receitas decorrentes de exportação indireta.

Apelou a autora, postulando a antecipação da tutela recursal suspensiva da exigibilidade da contribuição social previdenciária sobre as operações decorrentes de exportações e o fornecimento de Certidão Negativa de Débito. No mérito, pediu a reforma da decisão recorrida e a procedência do pedido inicial, com a inversão dos ônus de sucumbência.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.Atravessou a autora aditamento aos fundamentos do seu recurso,

com embasamento no acórdão que decidiu o incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AMS nº 1999.71.00.021280-5/RS, por se tratar de matéria de ordem pública, integralmente devolvida ao conhecimento do Tribunal, ainda que não enfrentada na sentença apelada (CPC, art. 151 e parágrafos).

A 1ª Turma desta Corte, em razão do efeito translativo ínsito aos recursos, que atua despido de vontade da parte porque ligado à matéria cognoscível de ofício, a exemplo das questões enumeradas no art. 301 do CPC, à exceção do inciso IX, examináveis a qualquer tempo e grau de jurisdição, considerando que a declaração de inconstitucionalidade é de competência da Corte Especial, suscitou incidente de arguição de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 10.256/2001, que introduziu o art. 22-A na Lei nº 8.212/91.

O Ministério Público Federal exara parecer pela improcedência da presente arguição de inconstitucionalidade.

É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de apelação de sentença que julgou improcedente a pretensão inicial, por reconhecer a legitimidade da incidência das contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos somente nos casos em que a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior, revogando liminar anteriormente deferida.

A discussão circunscrita na inicial e travada nestes autos é relativa à imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal, para os produtos destinados à exportação. Na inicial, a autora formulou pedido liminar para a expedição de CND, deferido pela decisão das fls. 121-124, cassada expressamente pela sentença de improcedência (fls. 176-182).

A sentença limitou a não incidência das contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos exclusivamente aos casos em que a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.

A autora é empresa agroindustrial e pretende o afastamento da con-tribuição social sobre as receitas provenientes de suas operações de exportação indireta, via trading company.

O MM Juiz a quo verificou, na decisão das fls. 121-124, “que a parte autora é empresa agroindustrial que tem por objeto a compra e/ou cul-tivo de frutas cítricas e de outros produtos agrícolas; a industrialização de frutas cítricas para a obtenção de polpas, sucos concentrados conge-lados e subprodutos, bem como industrialização de produtos agrícolas em geral; comercialização, exportação e importação de frutas cítricas, de produtos agrícolas, sejam in natura e/ou industrializados, bem como de insumos para a produção agrícola em geral; (...)”, extraído do art. 3º alíneas a, b, c e d, do Estatuto Social, submetendo-se, em razão do seu objetivo social, à contribuição incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.

As notas fiscais emitidas em julho e agosto de 2005 pela Citri (autora) em nome de Sucocítrico Cutrale Ltda. (fls. 44-52) referem expressamente que as laranjas se destinam exclusivamente à exportação; o Memorando de Exportação nº 035, emitido pela última, elenca o número das notas fiscais emitidas pela primeira (fl. 53/53, verso); a Nota Fiscal e docu-

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mentos Siscomex informam como destino o Município de Rotterdam – The Netherlands (fls. 54-60); as notas fiscais emitidas pela Citri para transporte das laranjas do Sítio Aliança, arrendado pela autora (contrato acostado às fls.116-118) e romaneios de embarque de laranja (fls. 61-106) comprovam que o destino da produção é a exportação. Por sua vez, as notas fiscais emitidas pela autora, acostadas às fls. 107-115, informam a compra de produção de terceiros.

De toda forma, o INSS não questiona o destino da produção, inexis-tindo lide ou qualquer controvérsia a respeito.

Acerca da imunidade incidente sobre as receitas decorrentes de exportação indireta de produtos agrícolas, questão de competência da Turma, ficou decidido no acórdão do agravo regimental, prolatado em 25.04.2007 (fls. 238-244), que somente a última operação, entre a trading e a empresa alienígena, envolve contrato de compra e venda, do qual decorre o ingresso de receita de exportação, em razão da interpretação restritiva das normas constitucionais imunizantes recomendada pela hermenêutica, recomendando à autora a se socorrer do depósito judicial para suspender a exigibilidade do crédito tributário debatido, à vista da via processual eleita – Ação Declaratória.

Passo, então, a tratar exclusivamente da aventada inconstitucionali-dade do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, que introduziu o artigo 22-A na Lei nº 8.212/91, regulando especificamente as contribuições sobre a produção rural destinadas à Seguridade Social, especificamente pelas agroindústrias, fundamento da exigência da Autarquia, a saber:

“Art. 22-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: (Incluído pela Lei nº 10.256, de 09.07.2001)

I – dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social;II – zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts.

57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade.”

Após a interposição do pedido de antecipação parcial da tutela judicial

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para obtenção da Certidão Negativa de Débito, a autora colacionou às fls. 229-230 aditamento aos fundamentos do seu recurso (o embasamento do acórdão que decidiu o incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AMS nº 1999.71.00.021280-5/RS, por se tratar de matéria de ordem pública, integralmente devolvida ao conhecimento do Tribunal, ainda que não enfrentada na sentença apelada) (CPC, art. 151 e parágrafos).

De fato, impende observar o efeito translativo, ínsito aos recursos, respeitante à cognição nos Tribunais das lides objeto de apelação. Ao contrário do efeito devolutivo, dependente de expressa manifestação da parte, o efeito translativo atua despido de vontade da parte, porque ligado à matéria cognoscível de ofício, a exemplo das questões enumeradas no art. 301 do CPC, à exceção do inciso IX, examináveis a qualquer tempo e grau de jurisdição. Nesse compasso, a Corte Especial deste Tribunal já decidiu, em situação assemelhada, sobre a inconstitucionalidade do art. 25, caput, incisos I e II e § 1º da Lei 8.870/94, ao enquadrar o empregador, pessoa jurídica, como contribuinte sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção rural, à alíquota de 2,5%, 0,1% para o SAT e 0,25% para o Senar, por ocasionar dupla tributação ao fazer incidir nova contribuição sobre a receita ou o faturamento, base de cálculo da Cofins, já prevista na Constituição, em frontal contrariedade aos artigos 195, §§ 4º e 8º, da CF/88, com voto condutor de minha relatoria, cuja ementa foi assim redigida:

“TRIBUTÁRIO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 25, CA-PUT, INCISOS I E II E § 1º, DA LEI Nº 8.870/94. CONTRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL SOBRE A PRODUÇÃO RURAL, EQUIVALENTE A FATURAMENTO. SAT. SENAR. EMPREGADOR PESSOA JURÍDICA. COFINS. DUPLA INCONS-TITUCIONALIDADE (CF, ART. 195, I E SEU § 4º). BITRIBUTAÇÃO.

1. O STF, ao julgar a ADIn nº 1103-1/DF, em 18.12.96, DJU de 25.04.97, na qual a Confederação Nacional da Indústria visava à declaração de inconstitucionalidade do caput e parágrafos do art. 25 da Lei nº 8.870/94, não conheceu da ação quanto ao caput, ‘por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente e a matéria impugnada’, declarando inconstitucional o § 2º desse dispositivo legal: ‘sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado’, nova fonte de custeio da Seguridade Social não prevista no art. 195, I, somente autorizada pelo art. 195, § 4º, mediante lei complementar, prevista no art. 154, I, da Lei Magna.

2. Na oportunidade, como visto, não foi julgada a inconstitucionalidade do caput e tam-bém dos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.870/94, estes objeto da presente arguição.

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3. A modificação da base de cálculo das contribuições sociais do empregador rural pessoa jurídica para a produção rural foi motivada pelo maior retorno financeiro, pois a contribuição sobre a folha de pagamento, dada a histórica informalidade das relações de trabalho desenvolvidas no meio rural e a mecanização da produção agrícola, não satisfazia a necessária e obrigatória previsão de cobertura total de financiamento da previdência e assistência social do homem do campo.

4. O art. 25, caput, incisos I e II e § 1º, da Lei 8.870/94, ao enquadrar o empregador, pessoa jurídica, como contribuinte sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção rural, à alíquota de 2,5%, 0,1% para o SAT e 0,25% para o Senar, contrariou frontalmente os artigos 195, §§ 4º e 8º, da CF/88, ocasionando dupla incons-titucionalidade sob o aspecto material, não se tratando de um simples alargamento da sujeição passiva para atingir contribuinte diverso, mas também bitributação, porque fez incidir novamente o tributo sobre o faturamento, que é previsto no artigo 195, § 8º, da Carta Magna.

5. O Produtor rural pessoa jurídica é equiparado a empresa, assim como a receita bruta da comercialização da produção rural é equiparada a faturamento, sobre o qual já incide a Cofins (art. 195, I, b), esgotando a possibilidade constitucional de instituição de contribuição, através de lei ordinária, sobre a mesma base de cálculo.

6. O art. 195, § 4º, c/c 154, I, da CF/88 impede a superposição de contribuição à Seguridade Social com mesmo fato gerador. Não se assemelha o caso concreto à admissão constitucional da mesma base de cálculo para a Cofins (art. 195, I), PIS (art. 239), contribuição aos entes de cooperação integrantes do sistema S (art. 240), hipó-teses em que a Carta Magna autoriza a superposição tributária sobre fatos geradores símeis, em razão de terem fundamentos de validade diferenciados, possuindo gênese em dispositivos dispersos.

7. Igualmente atingido pela inconstitucionalidade o § 1º do art. 25 da Lei nº 8.870/94, que modificou a base de cálculo da contribuição ao Senar para 0,1% sobre a produção rural, aumentada para 0,25% pela Lei nº 10.256/2001. Subsiste a contribuição nos moldes do art. 3º, I, da Lei nº 8.315/91, que criou esse serviço, à alíquota de 2,5% sobre a folha de salários.

8. Muito embora entenda o STF que o conceito de faturamento engloba o produto da venda da produção, nos moldes da Lei 8.870/94, há de ser insofismavelmente reco-nhecida a inconstitucionalidade ventilada, porque o art. 195, § 4º, da CF/88 possibilita a genetização de outras fontes de custeio que não aquelas previstas expressamente.

9. Acolhida a arguição de inconstitucionalidade, integralmente, para declarar inconstitucional o art. 25, caput, incisos I e II e § 1º da Lei 8.870/94.” (TRF 4ª Re-gião, Arguição de Inconstitucionalidade na AMS Nº 1999.71.00.021280-5/RS, Corte Especial, Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, j. em 19.10.2006, por maioria, DOU de 06.12.2006)

Destaco o voto de minha autoria:

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“O presente incidente tem por objeto decidir acerca da constitucionalidade dos in-cisos I e II do artigo 25 da Lei nº 8.870/94, que impõe o recolhimento de contribuição social incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural à pessoa ju-rídica dedicada à produção rural. Este artigo continha originalmente o seguinte teor:

‘Art. 25. A contribuição prevista no art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, passa a ser a seguinte:

I – dois e meio por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção;

II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção para o financiamento da complementação das prestações por acidente de trabalho.

§ 1º O disposto no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este artigo, que contribuirá com o adicional de um décimo por cento da receita bruta, proveniente da venda de mercadoria de produção própria, destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

§ 2º O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se dediquem à produção agroindustrial, quanto à folha de salários de sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado.

§ 3º Para os efeitos deste artigo, será observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, com redação dada pela Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992.

§ 4º O adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-rogados nas obrigações do empregador pelo recolhimento das contribuições devidas nos termos deste artigo, salvo no caso do § 2º e de comercialização da produção no exterior ou, diretamente, no varejo, ao consumidor.’

A Confederação Nacional da Indústria interpôs a ADIn nº 1103-1/DF, visando à declaração de inconstitucionalidade do caput e parágrafos do art. 25 da Lei nº 8.870/94. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dessa ADIn, na sessão de 18.12.1996, publicado no DJU de 25.04.97, não conheceu da ação quanto ao caput, ‘por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente e a matéria impug-nada’, declarando inconstitucional o parágrafo 2º do dispositivo legal por genetizar Contribuição à Seguridade Social outra das ordinariamente elencadas, ‘sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado’, fato gerador imprevisto no art. 195, I, da Constituição, espécie alheia à folha de salário, receita ou faturamento e lucro. Com efeito, a criação de nova fonte de custeio da Seguridade Social é autorizada pelo art. 195, § 4º, mas deve obedecer o quorum legislativo qualificado próprio da lei complementar, prevista no art. 154, I, da Lei Magna.

O julgado foi assim ementado:‘EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUI-

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ÇÃO DEVIDA À SEGURIDADE SOCIAL POR EMPREGADOR, PESSOA JURÍ-DICA, QUE SE DEDICA À PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI Nº 8.870, DE 15.04.94, QUE ALTEROU O ART. 22 DA LEI Nº 8.212, DE 24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO QUANTO À PARTE AGRÍCOLA DA EMPRESA, TENDO POR BASE DE CÁLCULO O VALOR ESTIMADO DA PRO-DUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO O SEU PREÇO DE MERCADO. DUPLA INCONSTITUCIONALIDADE (CF, art. 195, I E SEU § 4º) PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA.

1. Preliminar: ação direta conhecida em parte, quanto ao § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94; não conhecida quanto ao caput do mesmo artigo, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente e a matéria impugnada.

2. Mérito. O art. 195, I, da Constituição prevê a cobrança de contribuição social dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; desta forma, quando o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94 cria contribuição social sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado, é ele inconstitucional porque usa uma base de cálculo não prevista na Lei Maior.

3. O § 4º do art. 195 da Constituição prevê que a lei complementar pode instituir outras fontes de receita para a seguridade social; desta forma, quando a Lei nº 8.870/94 serve-se de outras fontes, criando contribuição nova, além das expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria.

4. Ação direta julgada procedente, por maioria, para declarar a inconstituciona-lidade do § 2º da Lei nº 8.870/94.’ (ADIn 1103/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, Rel. p/Acórdão Min. Maurício Corrêa, j. em 18.12.96, maioria, DJU de 25.04.97, p. 15.197)

Da leitura dessa ementa, conclui-se que, na oportunidade, só não foi julgada a inconstitucionalidade também do caput e, caudatariamente, dos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.870/94, por falta de pertinência temática entre o objeto do pedido e o alcance da atividade desenvolvida e do interesse defendido pela Confederação Nacional da Indústria. O parágrafo 2º do dispositivo foi objeto de deliberação porquanto norma impositiva direcionada à agroindústria.

A toda evidência, os legitimados especiais à propositura de Ação Direta de Incons-titucionalidade (art. 103, CF/88), somente poderão requerer a declaração da inconstitu-cionalidade de leis e atos normativos federais se evidente a correspondência temática com os misteres associativos; se não demonstrado interesse jurídico em agir na órbita da matéria disciplinada pela norma infraconstitucional questionada, a ação declaratória não será conhecida pelo Supremo Tribunal Federal. De conseguinte, o fato das agroin-dústrias se acharem vinculadas à Confederação Nacional da Indústria, autora da ação, confere-lhe nexo de legitimidade para deduzir a pretensão constitucional.

Uma vez declarado inconstitucional o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94, ele foi suprimido pela Lei nº 10.256/2001, que inverteu a redação do caput do art. 25, sem, entretanto, modificar-lhe o sentido, não afetando o disposto nos incisos I e II, objeto da

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presente arguição. A alteração mensurativa apenas operou-se em relação à contribuição ao Senar, que passou de 0,1% para 0,25% da receita bruta da produção rural. A nova redação do art. 25 da Lei 8.870/94 passou a ter o seguinte teor:

‘Art. 25. A contribuição devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, em substituição à prevista nos incisos I e II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a ser a seguinte:

I – dois e meio por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção;

II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, para o financiamento da complementação das prestações por acidente de trabalho.

§ 1º O disposto no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este artigo, que contribuirá com o adicional de zero vírgula vinte e cinco por cento da receita bruta proveniente da venda de mercadorias de produção própria, destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

§ 2º (Revogado pela Lei nº 10.256, de 09.07.2001).§ 3º (VETADO).§ 4º (Revogado pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).§ 5º O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de

serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.256, de 09.07.2001)’

Com isso, as contribuições sociais do empregador rural pessoa jurídica, de 20% sobre a folha de salários, prevista no art. 22, I, e ao Senar, prevista no seu § 1º, da Lei nº 8.212/91, foram substituídas pela contribuição sobre sua produção rural, à alíquota de 2,5% e 0,25%, respectivamente.

A alteração produzida pelo art. 25 da Lei nº 8.870/94 contribuiu também na modifi-cação do texto do art. 25 da Lei de Custeio, juntamente com as Leis 8.398/92, 8.540/92, 8.861/94 e 9.528/97, finalmente sintetizado pela Lei 10.256/2001. Com isso, o art. 25 da Lei 8.212/91 possui, nos dias atuais, o seguinte contexto:

‘Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à con-tribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para

financiamento das prestações por acidente do trabalho.§ 1º O segurado especial de que trata este artigo, além da contribuição obrigatória

referida no caput, poderá contribuir, facultativamente, na forma do art. 21 desta Lei. § 2º A pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do art. 12 contribui, também,

obrigatoriamente, na forma do art. 21 desta Lei.

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§ 3º Integram a produção, para os efeitos deste artigo, os produtos de origem animal ou vegetal, em estado natural ou submetidos a processos de beneficiamento ou indus-trialização rudimentar, assim compreendidos, entre outros, os processos de lavagem, limpeza, descaroçamento, pilagem, descascamento, lenhamento, pasteurização, res-friamento, secagem, fermentação, embalagem, cristalização, fundição, carvoejamento, cozimento, destilação, moagem, torrefação, bem como os subprodutos e os resíduos obtidos através desses processos.

§ 4º Não integra a base de cálculo dessa contribuição a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem sobre o produto animal destinado à reprodução ou à criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaias para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e quem a utilize diretamente com essas finalidades, e no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade que, registrada no Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, se dedique ao comércio de sementes e mudas no País.

§ 5º (Vetado).’Como visto, pretendeu o legislador introduzir como base imponível da contribuição

à seguridade social a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural ao empregador, pessoa física ou jurídica, motivado pelo maior retorno financeiro, em detrimento da contribuição prevista sobre a folha de salários, cujos registros são rarefeitos no meio rural, dada a histórica e consabida informalidade das relações de trabalho eventualmente desenvolvidas, contratação de mão de obra sazonal (boia-fria), inclusive por intermediários (gatos) e mecanização da produção agrícola, em virtude da falta de resposta da contribuição social prevista sobre a folha de salários, pois não guarnecia satisfatoriamente a necessária e obrigatória previsão de cobertura total de financiamento da previdência e assistência social do homem do campo, aumentando ano a ano o bilionário déficit orçamentário da Seguridade Social, neste específico campo de atuação do RGPS.

O Advogado-Geral da União, acolhendo manifestação da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, remeteu estes subsídios ao Chefe do Poder Executivo Federal para acompanhamento em sede de informações prestadas na ADIN 1103-1/DF, cujo teor, inclusive, a justificar o dito no parágrafo anterior deste voto, será tangenciado no voto do Ministro Néri da Silveira mais adiante esmiuçado.

A incidência da contribuição sobre a comercialização da produção agrícola era e é prevista ao produtor rural pessoa física, individual ou em regime de economia familiar, o denominado segurado especial, definido no art. 12, VII, da Lei nº 8.212/91, através do art. 25 da Lei de Custeio, em sua redação original, única hipótese prevista expressamente no § 8º do art. 195 da Constituição, justamente para custear os benefícios destinados a pessoa do segurado especial, art. 11, VII, da Lei 8213/91, receita cobertura das benesses direcionadas à espécie de segurado. O § 8º do art. 195 tem a seguinte redação:

‘§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia

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familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.’

Inicialmente, observo a correlação entre contribuinte, sujeito passivo insculpido já na matiz constitucional do tributo e beneficiário das inúmeras prestações da seguridade social na condição de segurado especial, restringindo já no fundamento constitucional a futura norma impositiva no aspecto subjetivo.

O Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30.11.64, já definia quem era produtor rural em regime de economia familiar, certamente inspirando o constituinte na redação do § 8º do art. 195. Eis a redação do seu art. 4º:

‘Artigo 4º – Para os efeitos desta Lei, definem-se:I – omissis.II – ‘Propriedade Familiar’, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado

pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;

(...)’.De sua vez a Lei 8.213/91, art. 11, inciso VII, parágrafo 1º, atentou à necessidade de

definir para fins previdenciários o regime de economia familiar, mas teve sustentáculo no prefalado Estatuto.

‘1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.’

A Lei 8.540/92, modificando a redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, incluiu tam-bém nessa modalidade o contribuinte individual indicado no art. 12, V, a, da mesma lei (produtor empregador, da atividade agropecuária ou pesqueira), mas eximiu-o da contribuição sobre a folha de salários, nos termos da redação dada ao § 5º do art. 22 da Lei 8.212/91, elastecendo o regime próprio do produtor rural individual ou em regime de economia familiar.

Seguindo este norte, a Lei 8.870/94 introduziu novas espécimes de sujeitos passi-vos na Lei 8.212, em seu artigo 25, e respectivos incisos e parágrafos, enquadrando o empregador, pessoa jurídica, dedicado à produção rural, incluindo-o como contribuinte sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, à alíquota de 2,5% e 0,1% para o SAT, certamente mais condizente com a necessidade de abrangência da cobertura da seguridade social do rurícola, sob o aspecto econômico puramente.

No entanto, em assim decidindo, o legislador incorreu na mesma inconstitucionali-dade do § 2º do art. 25 da Lei 8.870/94, já declarada pelo Supremo Tribunal Federal.

A meu ver, não houve um simples alargamento da base de incidência da contribui-ção social de 2,5% da receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, alcançando o produtor rural pessoa jurídica. Trata-se, na verdade, de elastecimento do espectro de sujeição passiva da contribuição incidente sobre a produção rural com

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reflexo imediato na bitributação, porque fez incidir novamente o tributo sobre signo de riqueza que se confunde com o faturamento (leia-se receita bruta auferida com a comercialização da produção rural), fonte pretérita de custeio da seguridade social, destinada aos empregadores, antevista nos incisos I e II do art. 195 da Constituição Federal, a pretexto de substituir a contribuição sobre folha de salários, incisos I e II do art. 22 da Lei 8.212.

Sobre a Seguridade Social, o artigo 194 da Constituição Federal de 1988 dispõe que ‘compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social’. No art. 195 estão elencadas as três espécies de contribuição para a Seguridade Social devidas pelo empregador, após a Emenda Constitucional nº 20/98, a saber:

‘Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qual-quer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; (...)§ 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou

expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.(...)’.Como visto, o legislador não atentou para o fato de que o produtor rural pessoa

jurídica é equiparado a empresa, assim como a receita bruta da comercialização da produção rural é equiparada a faturamento. Nessa condição já arca com uma con-tribuição social incidente sobre o faturamento, a Cofins (art. 195, I, b), esgotando a possibilidade constitucional de instituição de contribuição, através de lei ordinária, sobre o faturamento.

O ordenamento constitucional pátrio veda a instituição de mais de uma contribuição sobre o mesmo fato gerador, nos restritos termos do art. 195, parágrafo 4º da CF/88. A vedação do bis in idem não é somente observada em relação a impostos (art. 154, I), mas, igualmente, é direcionada à superposição de contribuições à seguridade social com idêntico fato gerador. Exemplo muito citado e discutido é a Cofins (art. 195, I) e o PIS (art. 239). Entretanto, a origem da legitimidade de ambas é diversa, arts. 195 e 239 da CF, assim como as contribuições destinadas aos entes de cooperação integrantes do sistema S, art. 240 da CF, hipóteses em que a Carta Magna autoriza a superposição tributária sobre fatos geradores símeis. Os fundamentos de validade dos tributos são diferenciados, possuindo gênese em dispositivos dispersos, admitindo, portanto, a in-

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cidência, tantos quantos forem os fundamentos, não obstante a reprovação econômica da sistemática.

Sobre o tema, o ilustríssimo Ministro Néri da Silveira, encampador de tese diferen-ciada, por ocasião do julgamento da ADIn 1103/DF, lançou voto sustentando ponto de vista outro, porém sem sucesso. Transcrevo trecho, por significativo:

‘(...) Dessa maneira, a Constituição prevê que a contribuição social do empregador, para a seguridade social, possa dar-se sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Ora, no caso, a lei estipula que essa contribuição, em se tratando de pessoas jurídicas que se dediquem à produção agroindustrial, se faça, não com base no valor da folha de salários dos empregados da parte agrícola, mas, sim, quanto a esse setor, se leve em consideração ‘o valor estimado da produção agrícola, própria, considerado seu preço de mercado’. A opção do legislador não a tenho como desautorizada pela Constituição, no que concerne à forma segundo a qual o empregador contribuirá para a seguridade social, a partir das três modalidades previstas no art. 195, I, da Lei Maior. As informações bem esclarecem, às fls. 31-32 as razões dessa opção do legislador, verbis:

‘8. Anteriormente à vigência da atual Constituição, a contribuição cobrada dos produtores rurais correspondia a uma alíquota de 3%, incidente sobre o valor da co-mercialização dos seus produtos; nesta época, o benefício pago ao trabalhador rural, de natureza assistencial, era fixado em apenas (1/2) salário mínimo. Com a Consti-tuição de 1988 e a criação do Regime Geral da Previdência Social, instituiu-se igual tratamento para trabalhadores urbanos e rurais, sendo fixado em um salário mínimo o valor mensal do benefício previdenciário, o que provocou um aumento significativo de recursos para fazer face ao pagamento dos benefícios aos trabalhadores rurais, o que veio determinar uma redefinição das fontes de custeio para a manutenção do necessário equilíbrio entre arrecadação e benefícios. O reflexo dessa situação se evidencia através de recentes levantamentos realizados pelo INSS, onde se constatou a insuficiência da arrecadação do meio rural para o pagamento dos respectivos benefícios. No ano de 1993, por exemplo, a arrecadação do meio rural atingiu a quantia de US$ 284,7 milhões, correspondendo a 1,38% da receita total do Sistema Previdenciário. Naquele ano as despesas do Sistema com benefícios alcançaram a importância de US$ 20,136 bilhões, dos quais cerca de US$ 4,832 bilhões, ou seja, 24% do total, foram pagos a segurados do meio rural, o que representou uma defasagem entre a arrecadação rural e o pagamento de benefícios ao setor, da ordem de 94%. Diante desse quadro, que a perdurar certamente inviabilizaria todo o Sistema de Seguridade Social e, atendendo a diretriz da ‘equidade no custeio’ contemplada no inciso V do art. 194 da CF, é que o legislador instituiu, através do art. 25 da Lei 8.870/94, a alteração do art. 22 da Lei 8.212 de 24.07.91, estabelecendo a receita bruta da produção rural como base para incidência da alíquota de contribuição para a Seguridade Social.’ (...) De outra parte, no que concerne à contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição, esta Corte já afastou alegação de ferir o princípio da não cumulatividade, dentre outros, no julgamento da referida Ação

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Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/610-DF. Está no voto do ilustre Ministro Moreira Alves, verbis:

‘5. De outra parte, sendo a Cofins contribuição social instituída com base no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, e tendo ela natureza tributária diversa da do imposto, as alegações de que ela fere o princípio constitucional da não cumulatividade dos impostos da União e resulta em bitributação por incidir sobre a mesma base de cálculo do PIS/Pasep só teriam sentido se tratasse de contribuição social nova, não artigo 195 que é o dispositivo da Constituição que disciplina, genericamente, as contri-buições sociais, e que permite que, nos termos da lei (e, portanto, de lei ordinária), seja a seguridade social financiada por contribuição social incidente sobre o faturamento dos empregadores’.

É de sinalar, no ponto, anteriormente à Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/610 – DF, já assentara o STF, no RE 148.754, que o PIS/Pasep não se confunde com as contribuições sociais instituídas no art. 195, I, da Constituição Federal. No RE 150.764, o ilustre Ministro Ilmar Galvão, acerca da existência de ambas as contribui-ções, observou:

‘Por outro lado, a existência de duas contribuições sobre o faturamento está prevista na própria Carta (arts. 195, I, e 239), motivo singelo, mas bastante, não apenas para que não se possa falar em inconstitucionalidade, mas também para afirmar a ilação de que a contribuição do art. 239 satisfaz à previsão do art. 195, I, no que toca à contribuição calculada sobre o faturamento.’

Nesse andar, se criada previsão legalmente válida da contribuição do produtor rural pessoa jurídica sobre o faturamento, estar-se-á criando uma terceira contribuição social sobre a mesma base de cálculo. Assim, o produtor rural pessoa jurídica passará a arcar com três contribuições incidentes sobre o faturamento – Cofins, produção rural e PIS – e, o pior, as duas primeiras com fundamento de validade único, enquanto as demais empresas urbanas, a título de ilustração, contribuem somente com duas, em virtual afronta ao princípio da isonomia (art. 150, II, CF/88) sem concorrer para tal qualquer justificativa jurídica, de ordem racional, a não ser o motivo econômico. E isto justamente sobre o setor primário, reconhecidamente o mais deficitário do País. A permitir isso, abrir-se-á precedente pernicioso, afastando peias da União e autori-zando a duplicação ou triplicação de todas as contribuições existentes, tendo por base o mesmo fato gerador, aumentando ainda mais a carga tributária do contribuinte, já insuportável e reconhecida como uma das maiores do mundo em técnica econômica altamente reprovável, sem olvidar da total falta de juridicidade, na atual conjuntura constitucional.

Vislumbro, consequentemente, dupla inconstitucionalidade material, com violação ao art. 195, parágrafo 4º, da CF/88, que permite a criação de outras fontes de custeio. A Constituição falou OUTRAS, obedecido o disposto no art. 154, I, da Carta Magna, e 195, parágrafo 8º, da CF, que restringe os sujeitos passivos da contribuição sobre a produção rural, consoante já traçadas linhas no início do voto.

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Para melhor elucidar a quaestio juris tornando-a de meridiana clareza solar, reporto-me ao sintético voto exarado pelo Ministro Maurício Corrêa, relator para o Acórdão extraído na ADIN 1103-1/DF.

O Sr. Ministro Maurício Corrêa – Sr. Presidente, o artigo 195 da Constituição é expresso:

‘A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;’

O § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870, de 15 de maio de 1994, cuja disposição é im-pugnada, diz:

‘O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se dediquem à produção agroindustrial, quanto à folha de salários de sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerando seu preço de mercado.’

A fonte de arrecadação prevista no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal não pode ser confundida com o ‘valor estimado da produção agrícola própria’ a que se refere a norma contida no artigo 25, que cuida de faturamento. Ademais, não se obedeceu o item estabelecido no § 4º do mencionado dispositivo constitucional. Por outro lado, como salientado nas razões da autora, estabeleceu-se verdadeira iniquidade tendo-se em vista o princípio da equidade, posto que na participação do custeio, impôs-se à agroindústria a instituição de um novo tipo de contribuinte que acaba sendo mais onerado, portanto diferenciado dos outros.

Poderia o Estado editar uma lei dessa natureza sem obedecer o rito do art. 154 da Constituição Federal, que exige lei complementar? Creio que não. Torna-se indispensá-vel a existência dessa formalidade exigida pela Constituição Federal. Por quê? Porque este dispositivo, pelas suas peculiaridades, pelas suas características, pelo seu exotismo, não se enquadra na regra geral de aplicação imediata na forma que foi a contribuição instituída. Por isso, torna-se indispensável a existência de lei complementar, que venha precisamente definir o fato gerador, enfim, a forma da cobrança desse tipo de tributo.

Creio que a ação tributária do Estado não pode ir a tanto. E não é à toa que a indústria alimentícia já suporta excessiva carga fiscal, que já ultrapassa a casa dos 33% (trinta e três por cento) sobre o seu custo, circunstância que sobrecarrega o consumidor, que afinal acaba sendo aquele do nó onde a corda se arrebenta.

Assim sendo, conheço da ação direta de inconstitucionalidade e declaro inconsti-tucional o § 2º do art. 25 da Lei 8.870, de 15 de maio de 1994, com todas as vênias do eminente Ministro Néri da Silveira.

Cabe esclarecer que a contribuição ao Senar era prevista inicialmente no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991, que criou esse serviço, à alíquota de 2,5% sobre a remuneração paga aos empregados. O § 1º do art. 25 da Lei nº 8.870/94

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afastou a aplicação deste normativo legal, determinando que o empregador rural, pes-soa jurídica passasse a contribuir sobre a produção rural, à alíquota de 0,1% e a Lei nº 10.256/2001 aumentou esta contribuição para 0,25% sobre a produção rural.

Como se vê, a contribuição ao Senar, criada expressamente como adicional às con-tribuições previstas no art. 25, I e II, da Lei nº 8.870/94 – contribuição social e SAT –, sofreu o reflexo das modificações introduzidas pelas Leis 8.870/94 e 10.256/2001.

Uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da contribuição social devida pelo empregador rural pessoa jurídica sobre a nova base de cálculo, inaplicável também o adicional incidente sobre base materialmente inconstitucional, por ser acessório e como tal segue o principal, sugerindo a extensão das inconstitucionalidades detectadas ao adicional, pelos mesmos motivos.

Reconheço, portanto, a insubsistência do adicional – contribuição ao Senar – previsto no art. 25, § 1º, da Lei nº 8.870/94.

Necessário tecer algumas linhas sobre conceito de faturamento para fins de in-cidência de contribuição previdenciária até para estabelecer correspondência com a comercialização da produção rural ou receita advinda desta atividade.

O art. 195, I, da Constituição não conceitua o que seja faturamento, de modo que é lícito à legislação ordinária fazê-lo. A matéria atinente a este dispositivo não exige lei complementar. Assim, é a lei ordinária que deve dizer o alcance que tem a expressão faturamento.

Faturamento remete ao termo fatura, documento extraído pelo comerciante, nas vendas a prazo, para apresentação ao comprador (art. 1º da Lei 5.474/68, ‘Lei das Duplicatas’). Mas na linguagem corrente esse conceito foi ampliado para significar o movimento de uma empresa, o total de suas vendas ou operações comerciais.

A identificação do faturamento com a receita operacional surgiu no mundo jurídi-co, aparentemente, através da Lei Complementar nº 07/70, que criou a contribuição para o PIS. O art. 154 do Regulamento do Imposto de Renda baixado pelo Decreto nº 58.400, vigente àquela época, relativamente à tributação das pessoas jurídicas, definia o lucro operacional como ‘o resultado das atividades normais da empresa com personalidade jurídica de direito privado, seja qual for a sua forma ou objeto, e das empresas individuais’, que correspondia à diferença entre a receita bruta operacional e os custos, despesas e perdas autorizadas pelo Regulamento, nos termos do art. 156. Já a receita bruta operacional era integrada pelo produto da venda dos bens e serviços, nas transações ou operações de conta própria; pelo resultado auferido nas operações de conta alheia; pelas recuperações ou devoluções de custos, deduções ou provisões; e pelas subvenções correntes para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais (art. 157). Essa fórmula foi repetida nos arts. 152 a 155 e 201 do Regulamento, baixado pelo Decreto nº 76.186, de 02 de setembro de 1975.

A compreensão de faturamento como receita bruta pacificou-se desde então e ficou ainda mais reforçado quando da criação do Finsocial – Fundo de Investimento

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Social, pelo DL 1.940, de 25.05.82, que seguiu caminho inverso do PIS, ao dizer que a contribuição ao Finsocial incidiria ‘sobre a receita bruta das empresas públicas e privadas que realizam venda de mercadorias, bem como das instituições financeiras e das sociedades seguradoras’ (art. 1º, § 1º), explicitado pelo seu Regulamento, baixado pela Portaria MF nº 119, de 22 de junho de 1982, que, para as empresas que realizam venda de mercadorias e serviços ‘(...) Considera-se receita bruta, para os fins de apli-cação do disposto nesta alínea a, o faturamento deduzido do imposto sobre produtos industrializados e dos impostos únicos sobre minerais’.

Tendo a Constituição de 1988 previsto a contribuição social sobre o faturamento, fácil se tornou a compreensão da sua exata extensão. Não foi por outro motivo que a Lei Complementar nº 70/91, ao criar a Cofins, no seu art. 2º, adotou também como base de cálculo da contribuição sobre o faturamento nada menos que ‘a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza’. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir o alcance da expressão faturamento, considerou que este é a ‘receita bruta das vendas das mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza’, observando o Min. Moreira Alves que a lei, assim dispondo, ‘nada mais fez do que dar conceituação de faturamento para fins fiscais’. Por sua vez, o Min. Ilmar Galvão, no julgamento do RE 150.764, reconheceu que ‘(...) o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias e serviços coincide com o de faturamento, que, para efeitos fiscais, foi sempre entendido como produto de todas as vendas e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão somente nas vendas mercantis a prazo’. Tal entendimento não viola o disposto no art. 187, I e III, da Lei 6.404/76, o art. 279 do Decreto 3.000/99, ou os arts. 109, 110 e 210 do CTN.

Muito embora entendido pelo STF que o conceito de faturamento engloba o pro-duto da venda da produção, nos moldes em que disposto na Lei 8.870/94, há de ser insofismavelmente reconhecida a inconstitucionalidade ventilada, porque o art. 195, parágrafo 4º, da CF/88 possibilita a genetização de outras fontes de custeio que não aquelas previstas expressamente.

Assim, concluindo, o art. 25, caput e incisos I e II e § 1º, da Lei 8.870/94 contraria frontalmente o artigo 195, §§ 4º e 8º, da Constituição Federal, dupla inconstitucionali-dade sob o aspecto material. Isso posto, voto no sentido de acolher a arguição de incons-titucionalidade, integralmente, e declarar estes dispositivos legais inconstitucionais.

É o voto.”

Como visto, pretendeu o legislador introduzir como base imponível da contribuição à seguridade social a receita bruta proveniente da comer-cialização da produção rural ao empregador, pessoa física ou jurídica, motivado pelo maior retorno financeiro, em detrimento da contribuição prevista sobre a folha de salários, cujos registros são rarefeitos no meio rural, dada a histórica e consabida informalidade das relações de traba-

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lho eventualmente desenvolvidas, contratação de mão de obra sazonal (boia-fria), inclusive por intermediários (gatos) e mecanização da pro-dução agrícola, em virtude da falta de resposta da contribuição social prevista sobre a folha de salários, pois não guarnecia satisfatoriamente a necessária e obrigatória previsão de cobertura total de financiamento da previdência e assistência social do homem do campo, aumentando ano a ano o bilionário déficit orçamentário da Seguridade Social, neste específico campo de atuação do RGPS.

Não é outro o caso que se apresenta. A agroindústria é pessoa jurídica, e a receita bruta da comercialização da produção rural é equiparada a faturamento, sobre o qual já incide a Cofins (art. 195, I, b), esgotando a possibilidade constitucional de instituição de contribuição, através de lei ordinária, sobre a mesma base de cálculo, não olvidando da repug-nante bitributação genetizada pelo art. 1º da Lei nº 10.256/2001, que acrescentou o art. 22-A, I e II, na Lei nº 8.212/91, especificamente às agroindústrias, transferindo a contribuição incidente sobre a folha de salários prevista no art. 22, I e II, da Lei nº 8.212/91 para o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção.

A necessidade de arrecadação de contribuições sociais mais substanti-vas para fazer frente ao notório déficit orçamentário da Previdência Social levou o legislador, no passado, a inserir na Lei nº 8.870/94, o art. 25, caput e incisos I e II e § 1º, da Lei 8.870/94, já declarado inconstitucional pela Corte Especial deste Regional, por configurar bitributação com a Cofins. Hodiernamente, o art. 1º da Lei nº 10.256/2001 repetiu a investida e acrescentou o art. 22-A, incisos I e II, na Lei nº 8.212/91, em afronta direta aos artigos 195, I, a, e §§ 4º e 8º, da Constituição Federal.

Diante da resposta judicial, apontando a ausência de respaldo cons-titucional à migração das contribuições incidentes sobre a folha de sa-lários para a produção rural, o Constituinte Derivado, detentor do poder reformador, promulgou a Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, inserindo no art. 195 da Constituição Federal o inciso IV e os §§ 12 e 13, com base na qual, vem-se afirmando, pretendeu dar respaldo cons-titucional à pretendida transferência da base de cálculo da contribuição social.

Eis o teor do inciso IV e dos §§ 12 e 13 do art. 195 da CF/88, inseridos pela EC nº 42/2003:

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“Art. 195. [...][...]IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equi-

parar.[...]§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições

incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas.§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual,

total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.”

Não pode passar desapercebido aos operadores do Direito a estranha formulação do disposto no § 13 do art. 195 da Constituição Federal, inserido pela EC nº 42/2003, cujo texto, sem autorizar expressamente a imposição de mais uma contribuição social sobre a receita ou o fatu-ramento, limitou-se a determinar a aplicação da técnica não cumulativa nos casos em que a lei viesse a prever tal substituição. Saliento que a Constituição Federal autorizou a superposição contributiva em casos excepcionais, e somente após, em complemento, determinou a aplicação da técnica não cumulativa quando tal superposição significasse a subs-tituição da contribuição sobre a folha de salários.

Ora, partindo-se do pressuposto, absolutamente certo, de que o Constituinte Originário aprovou o texto da Constituição de 1988, com as ressalvas nele expressas, adotando o princípio da unicidade de contri-buição, causa estranheza a inserção do § 13 do art. 195 da Carta Magna, pelo Constituinte Derivado, permitindo a migração da contribuição social incidente sobre a folha de salários para a receita ou o faturamen-to de alguns setores de atividade econômica a serem definidos por lei, quando de antemão sabe-se vedado pelo texto constitucional primevo a criação de outra ou mais contribuições sociais tendo por base a receita ou o faturamento.

Num exemplo mais chocante seria o mesmo que uma emenda cons-titucional vir a dispor sobre a forma ou o modo de aplicação da pena de morte, quando sabida e expressamente proibida a pena de morte pelo Constituinte Originário.

Todavia, não é esse o enfoque da questão posta à discussão para apreciação dos eminentes Desembargadores componentes da Corte Especial deste Regional, mas a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei

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nº 10.256/2001 que acrescentou o art. 22-A, incisos I e II, na Lei nº 8.212/91.

Uma vez existente essa nova norma constitucional – e procurando atribuir-lhe significado e alcance compatíveis com a falsa ideia nutrida pelo Constituinte Derivado de que o sistema constitucional promulga-do em 1988 admite a superposição de várias contribuições sobre uma mesma base de cálculo –, deve ser acatada, não obstante sua dicção mal formulada ou incompleta (minus dixit quam voluit), como uma nova autorização constitucional implícita à superposição excepcional de mais outra contribuição incidente sobre a receita ou o faturamento.

De qualquer forma, não será possível atribuir a essa emenda cons-titucional o efeito de norma interpretativa das disposições contidas na Magna Carta, e isto não apenas porque o novel § 13 do art. 195 veio dispor em sentido diametralmente oposto ao que dispunha a respeito a Constituição de 1988, mas principalmente porque é da competência do Poder Judiciário, notadamente do Supremo Tribunal Federal, a interpre-tação da Constituição. Sua aplicação, por conseguinte, fica restrita a leis que vierem a ser editadas posteriormente à vigência da EC nº 42/2003. Leis anteriores prevendo tal substituição já terão nascido com o vício insanável da inconstitucionalidade.

Uma terceira hipótese, seria aplicar a literalidade do disposto no § 13 do art. 195 da CF/88, como uma opção do contribuinte em utilizar como base de cálculo a comercialização da produção rural em detri-mento da folha de salários como base de cálculo da contribuição social. Isto a partir do ponto de vista de que o Constituinte Originário vedou a superposição de contribuição tendo por base de cálculo a mesma fonte já utilizada, aliada ao fato de que o novo texto não autorizou expressa-mente tal superposição, limitando-se a prever que caso tal substituição viesse a ser prevista em lei, deveria ser não cumulativa.

De oportuna lembrança a respeito do tema, mormente no que pertine à impossibilidade de aplicação retroativa do disposto no art. 195, § 13, da Constituição, a lição do eminente Juiz Federal Leandro Paulsen, na obra Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, oitava edição, fl. 533:

“Contribuições em substituição à contribuição sobre o pagamento de empregados e avulsos e ao adicional ao SAT. Apenas após a EC nº 42/2003, que acresceu o § 13

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ao art. 195 da Constituição, é que se passou a ensejar a substituição total ou parcial da contribuição ordinária prevista no art. 195, I, a, pela do art. 195, I, b, como instrumento para a desoneração da contratação formal de trabalhadores. Anteriormente ao advento da EC nº 42/2003, esse tipo de substituição era incompatível com o texto constitucional, pois que só poderiam ser instituídas novas contribuições com observância da técnica de exercício da competência residual, prevista no art. 195, § 4º, que exige lei complemen-tar, não cumulatividade e fato gerador e base de cálculo diversas das contribuições já previstas nos incisos do art. 195. Inobstante a autorização constitucional seja recente, contudo, há muito vinha o legislador procedendo à substituição das contribuições sobre o pagamento de empregados e avulsos (20% sobre a remuneração dos empregados e avulsos mais o adicional de 1% a 3% a título de SAT) por novas contribuições sobre a receita bruta relativamente a diversas atividades. Tal substituição era inconstitucional (não era autorizada a instituição de outras contribuições sobre a receita além da Cofins e do PIS/Pasep, que tinham suporte nos arts. 195, I, b, e 239 da CF, nem a título de substituição, tampouco se podia instituir novas contribuições senão por lei comple-mentar, forte nos condicionamentos constantes do art. 195, § 4º, da CF), de modo que há diversas contribuições inválidas sendo exigidas, devendo se ter bem presente que o advento da EC nº 42/03 não tem o efeito de convalidar tais normas que jamais tiveram validade e que, portanto, não puderam ser recepcionadas.”

Derradeiramente, em questão símil respeitante a diploma legal que padece da mesma anomalia legiferante, o Supremo Tribunal Federal, na pessoa do eminente Ministro Eros Grau, no RE nº 377606/PR, assim decidiu:

“DECISÃO: Discute-se, nestes autos, a legitimidade e constitucionalidade da contribuição ao Funrural, instituída pela Lei nº 8.212/91, incidente sobre o valor da comercialização da produção rural, sobre as operações de compra e venda realizadas. 2. A respeito do tema, tem-se que o produtor rural, pessoa física, é segurado especial desde a LC nº 11/71 (art. 15, I, com a redação dada pela LC nº 16/73), sem a solução de continuidade face ao artigo 59 do ADCT, e é contribuinte da previdência social sobre o valor da comercialização dos produtos rurais, uma vez que a Constituição de 1988 (artigo 195, § 8º) recepcionou a exação até o advento da Lei nº 8.212/91 e esta continuou exigindo o tributo. 3. A partir da edição da Lei nº 8.540/92, a pessoa física empregadora rural passou novamente a contribuir com a seguridade social, e a con-tribuição ao Funrural passou a incidir sobre a comercialização da produção rural. Por sua vez, as pessoas jurídicas com atividade rural, que haviam cessado a contribuição sobre o valor da comercialização da produção rural pela Lei nº 8.212/91, voltaram a contribuir, com o advento da Lei nº 8.870/94, sobre o valor da comercialização. Dispõe a referida lei, em seu artigo 25, § 2º, que a contribuição social incidirá sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado. 4. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI nº 1.103, Redator para

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o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 25.04.97, declarou a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 25 da Lei nº 8.870/94, como se infere da seguinte ementa: ‘EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA À SEGURIDADE SOCIAL POR EMPREGADOR, PESSOA JURÍDICA, QUE SE DEDICA À PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI Nº 8.870, DE 15.04.94, QUE ALTEROU O ART. 22 DA LEI Nº 8.212, DE 24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO QUANTO À PARTE AGRÍCOLA DA EMPRESA, TENDO POR BASE DE CÁLCULO O VALOR ESTIMADO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO O SEU PREÇO DE MERCADO. DUPLA INCONSTI-TUCIONALIDADE (CF, ART. 195, I E SEU § 4º) PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA. 1. Preliminar: ação direta conhecida em parte, quanto ao § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94; não conhecida quanto ao caput do mesmo artigo, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente e a matéria impugnada. 2. Mérito. O art. 195, I, da Constituição prevê a cobrança de contribuição social dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; desta forma, quando o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94 cria contribuição social sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado, é ele inconstitucional porque usa uma base de cálculo não prevista na Lei Maior. 3. O § 4º do art. 195 da Constituição prevê que a lei complementar pode instituir outras fontes de receita para a seguridade social; desta forma, quando a Lei nº 8.870/94 serve-se de outras fontes, criando contribuição nova, além das expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria. 4. Ação direta julgada procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94.’ Ante o exposto, com base no artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil, conheço do recurso e dou-lhe provimento para, no que diz respeito à constitucionalidade da exação, conceder a segurança. Declaro, entretanto, que a compensação de eventuais parcelas recolhidas a título de contribuição para o Funrural é questão afeta à norma infraconstitucional, cujo exame é incabível na instância extraordinária. Intime-se. Brasília, 2 de março de 2005. Ministro Eros Grau Relator” (RE 377606/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 02.03.2005, DJU de 07.04.2005, p. 71)

Nesse compasso, não há como simplesmente desconsiderar ou relevar o art. 22-A da Lei 8.212/91, introduzido pelo art. 1º da Lei nº 10.256/2001, sem declarar-lhe a inconstitucionalidade. Vislumbro a necessidade de afastá-lo por inconstitucional, pelos mesmos fundamentos declinados na Arguição de Inconstitucionalidade na AMS Nº 1999.71.00.021280-5/RS, Corte Especial, de minha relatoria, para declarar inconstitucional o art. 25, caput, incisos I e II e § 1º da Lei 8.870/94.

Impende considerar a violação à base de cálculo restrita à folha de salários, estampada no art. 195, I, a, da Constituição Federal, pela Lei

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nº 10.256/2001, sem o pretenso anteparo da Emenda Constitucional nº 42, promulgada somente em 19 de dezembro de 2003. Ademais, como contribuição nova, teria violado o art. 195, § 4º, da CF/88, pela ausência de lei complementar, e 195, § 8º, da Carta Magna, pois a sujeição passiva neste caso é de produtor rural pessoa física.

Inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material, ou seja, dú-plice, sob qualquer ângulo de observação, tratando o fato gerador como receita bruta resultante de comercialização da produção rural, fonte diversa do faturamento, a ofensa é a sujeição passiva estatuída no art. 195, § 8º, da CF/88. De outro modo, há ofensa ao art. 195, I, a, e § 4º, da mesma Carta.

Frente ao exposto, voto por acolher integralmente o incidente de arguição de inconstitucionalidade e declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, que introduziu o artigo 22-A, incisos I e II, na Lei nº 8.212/91.

É o voto.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler: Entendo que o presente incidente de arguição de inconstitucionalidade a propósito do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, o qual introduziu o artigo 22-A, caput e incisos I e II, na Lei nº 8.212/91, merece rejeição, segundo as razões alinhavadas a seguir.

De início, registro que a hipótese tributária em questão não repre-senta de modo próprio nova fonte de custeio da seguridade social (§ 4º, artigo 195 c/c o inciso I, artigo 154, ambos da CF), tampouco caso de bitributação, consistindo em verdade válida substituição do fato gerador indicado nos incisos I e II do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, qual seja, a remuneração paga, devida ou creditada pela empresa, pela receita bruta, base de cálculo constitucionalmente albergada na alínea b do inciso I do artigo 195. Também não há falar em indevido alargamento da sujeição passiva tributária contemplada no § 8º do artigo 195 da CF, na medida em que a tratada substituição parte da perspectiva das contribuições devidas pela empresa, no caso específico no ramo da agroindústria.

Firmo posição no sentido de que a substituição empreendida não contraria a matriz constitucional tributária, significando, sob outro pris-

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ma, salutar medida alcançada ao contribuinte para o efeito de desonerar a folha de pagamento das pessoas jurídicas que atuam na qualidade de agroindústria, bem como forma de otimizar a fiscalização tributária ante a informalidade das contratações de mão de obra no âmbito rural.

Vale ressaltar, não se trata de sobreposição de nova espécie tributária voltada ao custeio da seguridade social, mas sim de faculdade de subs-tituição com escopo parafiscal. O fato de a empresa optante já pagar a Cofins sobre a mesma base de cálculo não evidencia sobrecarga tributária ante o advento da modalidade ora em debate, uma vez que, destacando uma vez mais, ocorre efetiva substituição de modalidades tributárias, não o incremento.

Com todo respeito quanto aos argumentos em sentido diverso, acolho a tese de que a substituição ora discorrida encontra viabilidade no sis-tema tributário brasileiro desde o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998, que implementou o elenco ora integrado ao inciso I do artigo 195, o qual por sua vez permite tal hermenêutica, e não apenas a contar da Emenda Constitucional nº 42/2003, a qual inseriu o § 13 ao aludido preceptivo, efetiva disposição remissiva e não permissiva da debatida substituição.

Acresço ao presente voto as bem lançadas considerações ministeriais, de lavra do Procurador Regional da República Fábio Bento Alves, as quais adoto à guisa de fundamentação, verbis:

“II – FUNDAMENTAÇÃODebate-se nos presentes autos, ora em sede de Incidente de Arguição de

Inconstitucionalidade, a pretendida inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n° 10.256/2001, que introduziu o artigo 22-A na Lei nº 8.212/91, estabelecendo a contribuição previdenciária devida pela agroindústria (produtor rural pessoa jurídica) incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, bem como da restrição da imunidade tributária somente às receitas provenientes de exportações diretas, nos termos na Instrução Normativa MPS/SRP nº 03/2005.

a) Arguição de Inconstitucionalidade do art. 1° da Lei n° 10.256/2001, que introduziu o artigo 22-A na Lei nº 8.212/91.

O eminente relator, Desembargador Álvaro Eduardo Junqueira, suscitou o presente incidente de arguição de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 10.256/2001, que introduziu o art. 22-A da Lei nº 8.212/91, por suposta violação ao art. 195, § 4, da CF/88. Eis a redação do dispositivo em questão, na parte que interessa à presente arguição:

‘Art. 22-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos des-

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ta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: (Incluído pela Lei nº 10.256, de 09.07.2001)

I – dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; (incluído pela Lei nº 10.256, de 09.07.2001)

II – zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade. (incluído pela Lei nº 10.256, de 09.07.2001)’

A Lei n° 10.256/2001, que acresceu dispositivo à Lei n° 8.212/91 (art. 22-A), foi editada com o intuito de beneficiar as agroindústrias, concedendo-lhes tratamento di-ferenciado. Trata-se da substituição da contribuição incidente sobre a folha de salários (art. 22, inciso I, da Lei n° 8.212/91) e da contribuição ao SAT (art. 22, inciso II, da Lei n° 8.212/91), antes devidas pelas agroindústrias, pela contribuição incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção.

Tal contribuição previdenciária devida pela agroindústria ao INSS (parcela do empregador) tomou como fundamento de validade no art. 195, I, b, da CF/88, posto que incide sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, em subs-tituição ao regime anterior da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários (art. 195, I, a, da CF/88), e não sobre o valor estimado da produção, regime insculpido no art. 25 da Lei n° 8.870/94, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento da ADI n° 1.103/DF.

Veja-se que o art. 195 da Constituição Federal – na redação conferida pela Emenda Constitucional nº 20/98 – regula as fontes de custeio da Seguridade Social na seguinte feição:

‘Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qual-quer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;c) o lucro;(...)§ 4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou

expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, I.’Por sua vez, o art. 154 da Carta Federal dispõe:‘Art. 154. A União poderá instituir:

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I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

(...)’A partir da análise desses preceitos constitucionais, é possível concluir que o

§ 4º do art. 195 refere-se à criação de outras fontes, e por outras fontes se entendem novas contribuições, diferentes daquelas já definidas pelas alíneas a, b e c do mesmo dispositivo. Essas novas contribuições é que estariam sujeitas às limitações do art. 154, I, da Constituição Federal. Ou seja, foi dada expressa autorização ao legislador ordinário para a criação de novas fontes de custeio da Seguridade Social, contanto que obedecido o art. 154, I, da Constituição, que requer o rito legislativo complexo da lei complementar para a implementação de outras contribuições que importem em novas fontes de custeio.

Nada obstante, estou em que a contribuição social debatida nos autos não conforma a instituição de nova fonte de custeio, uma vez que há expressa previsão constitucional para o pagamento pela empresa da contribuição social sobre a receita ou o faturamento (art. 195, I, b), matéria já bem examinada por essa Egrégia Corte, através de sua Colenda 1ª Turma, ao proferir a seguinte decisão:

‘CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – LEI Nº 10.256/2001 – ART. 195, I E § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – OFENSA AO ART. 154, I DA CONSTITUI-ÇÃO FEDERAL/88 NÃO CARACTERIZADA – SENAR – CONTRIBUIÇÃO DE INTERESSE DA CATEGORIA ECONÔMICA – 1. O inciso I do art. 154 da CF/88 veda a instituição de contribuições sociais que sejam cumulativas e que tenham o mesmo fato gerador ou base de cálculo próprio daquelas discriminadas na Constituição. 2. O § 4º do art. 195 refere-se à criação de novas espécies tributárias, que venham a instituir fontes de custeio diversas daquelas definidas nos incisos I a III do art. 195. 3. O tributo do art. 22-A da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 10.256/2001, não se trata de nova hipótese de fonte de custeio, sendo apenas mais uma contribuição instituída com base no inciso I do art. 195 da CF, pelo que não está sujeita às limitações do art. 154, inc. I, da Constituição. 4. Restando a contribuição previdenciária sobre folha de salários dos empregadores rurais substituída pela contribuição sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, e mantendo a Lei nº 10.256/2001 a mesma substituição em relação à contribuição de interesse da categoria econômica, não há qualquer inconstitucionalidade na contribuição cobrada em favor do Senar.’ (TRF 4ª R. – AMS 2001.72.02.004872-4 – 1ª T. – Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – DJU 04.12.2002, p. 319)

No tocante à alegação de que a contribuição social em comento, por incidir sobre a mesma base de cálculo da Cofins, resultaria em bitributação, igualmente não merece prosperar. É que, tendo o art. 22-A da Lei nº 8.212/91 (em face da redação dada pelo art. 1º da Lei nº 10.256/2001) promovido apenas a substituição do fato gerador da exação prevista nos incisos I e II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, enquadrando-o na hipótese de

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incidência da alínea b do inciso I do art. 195 da Constituição (receita ou faturamento) e sem instituir, portanto, nova fonte de custeio para a manutenção da expansão da seguridade social, como já referido, a ele não se aplica a vedação contida no art. 154, I, do texto constitucional.

Desse modo, não ocorre o fenômeno da bitributação relativamente às contribuições sociais, pois ambas as hipóteses estão assentadas no texto da Carta Maior e, em face disso, escapam dos limites traçados pelo § 4º do art. 195. Somente na hipótese de criação de nova contribuição social com base de cálculo não prevista no art. 195, I, da CF/88, é que procederia a tese de ocorrência da bitributação.

De outro giro, entendo não prosperar a tese de que a substituição total ou parcial da contribuição ordinária prevista no art. 195, I, a, pela do art. 195, I, b, como ins-trumento de desoneração do contribuinte, somente seria possível a partir do advento da EC nº 42/2003, que acresceu o § 13 ao texto daquele dispositivo constitucional, o que resultaria por macular a constitucionalidade de diplomas legais anteriores à EC nº 42/2003 que operaram dita substituição, como é o caso do art. 22-A da Lei nº 8.212/91, acrescentado pelo art. 1º da Lei nº 10.256/2001, sendo impossível a convalidação pela posterior edição da referida emenda constitucional.

A possibilidade de substituição estava presente já desde a edição da EC nº 20/98, que alterou a redação original do inciso I do art. 195, garantindo ao legislador infraconstitucional optar, dentro dos demais balizamentos constitucionais, entre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física (alínea a do art. 195, I), a receita ou o faturamento (alínea b) ou ainda simplesmente o lucro (alínea c). A garantia prevista no § 13, acrescentado pela EC nº 42/2003, é a da aplicação do § 12 (não cumulatividade dos incisos I, b, e IV do caput, conforme setores de atividade econômica) inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento (inciso I, b). A salvaguarda de aplicação do regime de não cumulatividade mesmo nas hipóteses de substituição gradual, total ou parcial, deriva de haver sido tal regime, o da não cumulatividade das contribuições, inovação trazida pela EC nº 42/2003, não cabendo daí inferir que também a possibilidade de ditas substituições, com o intuito de desoneração do con-tribuinte, seja sublinhado, decorra da referida emenda, na medida em que já desde a EC nº 20/98 estava implícita no texto constitucional, não havendo restrição expressa, o que sequer foi ressaltado pelo constituinte derivado ao expedir a EC nº 42/2003.

Portanto, considerando que a contribuição previdenciária prevista no artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 foi instituída pela esfera competente e pelo meio jurídico hábil e que não há ofensa ao princípio da bitributação, tem-se que essa exação é legítima e exigível, não se avistando vício material ou formal de inconstitucionalidade em sua instituição.” (fls. 269-71)

Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionalidade a propósito do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, o qual introduziu o artigo

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22-A, caput e incisos I e II, na Lei nº 8.212/91.É o voto.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA ACNº 2007.71.99.009242-1/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Procurador: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

Apelada: Indústria de Calçados Delvan Ltda.

EMENTA

Arguição de inconstitucionalidade. Declaração parcial de inconstitu-cionalidade sem redução de texto. Execução fiscal. Prescrição. Causa de interrupção. Art. 8º, § 2º, da LEF. Norma aplicável somente às dívidas de natureza não tributária. Declaração parcial de inconstitucionalidade em relação às dívidas de natureza tributária, sem redução de texto.

1. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm na-tureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada à lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988).

2. No tocante às dívidas de natureza não tributária, não há exigência, nem pela CF/67 nem pela atual, de regulação da prescrição por lei com-plementar, de modo que não há vício de inconstitucionalidade da causa interruptiva inserta no § 2º do art. 8º da LEF para as dívidas de natureza não tributária.

3. Solução dada à presente arguição mediante a declaração de in-constitucionalidade sem redução de texto. “Se se pretende realçar que

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determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão” (MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Saraiva, 1996, p. 276 e 277). Ademais, este Tribunal tem admitido a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto em arguição de inconstitucionalidade, ou seja, no controle difuso.

4. Acolhido o incidente de arguição de inconstitucionalidade para, sem redução de seu texto, declarar a inconstitucionalidade parcial do § 2º do art. 8º da Lei 6.830/80, limitando-se os efeitos da declaração à dívida de natureza tributária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher o presente incidente de arguição de inconstitucionalidade para, sem redução de texto, declarar a inconsti-tucionalidade parcial do § 2º do art. 8º da Lei 6.830/80, limitando os efeitos da declaração às dívidas de natureza tributária, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de outubro de 2009.Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: A 1ª Turma deste Tribunal suscitou, perante este órgão especial, incidente de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 2º do art. 8º da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), por ocasião do julgamento dos embargos de declaração na apelação interposta pela União Federal (Fazenda Nacional), contra sentença que, reconhecendo a prescrição, extinguiu a execução fiscal, restando a decisão de fls. 166-178 assim ementada:

“PROCESSUAL, CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. § 3º DO ART. 2º DA LEI 6.830/1980. ART. 46 DA LEI 8.212/1991. CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍ-

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PIO DA RESERVA DO PLENÁRIO. OBSERVÂNCIA. JUNTADA DE ACÓRDÃO. PRESCRIÇÃO. HIPÓTESE DE INTERRUPÇÃO. DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO. CONFLITO ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA. IN-CONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 8º DA LEI 6.830/1980. INCIDENTE SUSCITADO PERANTE A CORTE ESPECIAL.

1. A Corte Especial do Tribunal Regional Federal da Quarta Região declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/1980, limitando os efeitos da de-claração à dívida de natureza tributária (Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AC 2003.70.00.038936-8/PR, relator Desembargador Otávio Roberto Pamplona).

2. Prejudicada a alegação de ofensa ao art. 97 da CF 1988, nos termos do § 4º do art. 149 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

3. Não havendo apreciação do Supremo Tribunal Federal a respeito de constitu-cionalidade do dispositivo, cumpre determinar a juntada do inteiro teor do acórdão proferido pelo órgão especial, a fim de possibilitar a interposição de recurso à instância extraordinária.

4. Declarada a inconstitucionalidade do art. 46 da Lei 8.212/1991 pelo Supremo Tribunal Federal, a teor da Súmula Vinculante 8, a Fazenda Pública não tem interesse em interpor recurso extraordinário no que se refere a essa questão.

5. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada à lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (§ 1° do art. 18 da CF 1967/1969) quanto sob a Constituição atual (letra b do inc. III do art. 146 da CF 1988).

6. A lei ordinária que dispõe de matéria reservada à lei complementar usurpa competência fixada na Constituição, incidindo no vício de inconstitucionalidade.

7. O § 2º do art. 8º da Lei 6.830/1980 invadiu espaço reservado pela Constituição de 1967/1969 à lei complementar, razão pela qual é inconstitucional.

8. Sendo o dispositivo aplicável relativamente às dívidas de natureza não tributária, a declaração de inconstitucionalidade deve ser parcial, sem redução de texto.

9. Incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado perante o órgão espe-cial.” (TRF4, AC 2007.71.99.009242-1, Primeira Turma, unânime, Relator Juiz Federal Marcelo De Nardi, D.E. 07.04.2009) (grifei)

O Ministério Público Federal ofereceu parecer às fls. 185-190.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:1. Trata-se de Arguição de Incidente de Inconstitucionalidade parcial,

sem redução de texto, do § 2º do art. 8º da Lei nº 6.830/80 (Lei de Exe-cuções Fiscais – LEF), suscitado por ocasião do julgamento dos embar-gos de declaração na apelação interposta pela União Federal (Fazenda

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Nacional) contra sentença que, reconhecendo a prescrição, extinguiu a execução fiscal.

2. Dispõe o vergastado art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, in verbis:“Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida

com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:

(...)§ 2º – O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.”

A Constituição Federal de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69, vigente à época em que editada a LEF, prescrevia em seu art. 18, § 1º, que:

“Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir:

(...)§ 1º. Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre

os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar. (...)”

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, em seu art. 146, III, b, determina que:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:(...)III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente

sobre:(...)b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (...)”

No plano infraconstitucional, o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), no art. 174, parágrafo único, já com a redação conferida pela Lei Complementar nº 118/2005, estabelece as causas interruptivas da prescrição, silenciando, contudo, no tocante às causas suspensivas:

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II – pelo protesto judicial;III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reco-

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nhecimento do débito pelo devedor.”

Note-se que anteriormente a 09.06.2005, data em que entrou em vigor a Lei Complementar nº 118/2005, o inciso I do referido parágrafo único contava com o seguinte teor:

“I – pela citação pessoal feita ao devedor;”

Neste Incidente questiona-se a constitucionalidade da indigitada lei ordinária em face da exigência de lei complementar para disciplinar o instituto da prescrição em matéria tributária.

3. Não há pronunciamento do STF especificamente sobre a constitu-cionalidade do art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/80.

Todavia, a Suprema Corte já teve oportunidade de se manifestar, em sede de controle difuso, no julgamento do RE 106.217-7/SP, envolvendo a aplicação do art. 40 da mesma Lei, que trata da suspensão da execução do crédito e da prescrição quando não localizado o devedor ou encon-trados bens passíveis de penhora, nos seguintes termos:

“Execução Fiscal. A interpretação dada, pelo acórdão recorrido, ao art. 40 da Lei nº 6.830/80, recusando a suspensão da prescrição por tempo indefinido, é a única susceptível de torná-lo compatível com a norma do art. 174, parágrafo único, do Có-digo Tributário Nacional, a cujas disposições gerais é reconhecida a hierarquia de lei complementar.”

Na ocasião, deliberou que:“Não discrepa o magistério de Carlos da Rocha Guimarães, na obra ‘Prescrição e

Decadência’, ao referir-se ao art. 40 da Lei nº 6.830/80:‘No entanto se, dogmaticamente, esse aspecto do artigo é defensável, sofre ele do

vício de não estar incluído em lei complementar, sendo que a existente (CTN) não prevê esse caso de suspensão do crédito e, portanto, da prescrição.’ (op. cit., 2. ed., Forense, 1984, p. 254)

(...) A Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) foi editada em função da com-petência da União para legislar sobre normas gerais de direito financeiro (art. 5º, XV, h, da carta de 1946) e sobrevive ao advento da Constituição vigente. Segundo o art. 18, § 1º, a lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário. Mas, por isso mesmo, suas regras só podem ser alteradas pelo processo da lei complementar, como anotou o saudoso mestre Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 3. ed., Forense, 1971, p. 59).

Assim, a aplicação dada, pelo acórdão recorrido, ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais é a única susceptível de torná-lo compatível como preceito insculpido no art.

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174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, a que, mesmo sendo mais re-cente, não se pode sobrepor e segundo o qual a citação interrompe a prescrição, sem o condão de suspendê-la por prazo indeterminado.” (Relator Min. Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ 12.09.1986)

Em 12 de junho de 2008 foi aprovada a Súmula Vinculante nº 8, com o seguinte teor:

“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.”

A Lei nº 8.112/90 é posterior à Constituição Federal, de modo a ser diversa aquela situação desta ora em exame.

Resta-nos, contudo, analisar os precedentes no que tange ao Decreto-Lei nº 1.569/77, também publicado sob a égide da Constituição de 1967 (EC nº 1/69) e posterior ao CTN.

4. No RE nº 559.943-4, a Ministra Carmen Lúcia discorreu sobre a evolução do tema na doutrina, desde a Constituição Federal de 1946 até a Constituição Federal de 1988, evidenciando a existência das correntes dicotômica (Geraldo Ataliba, Souto Maior Borges e outros) e tricotômica (Ives Gandra Martins, Hamilton Dias de Souza e outros).

Com efeito, no que diz respeito às normas gerais, relativamente à ex-tensão do art. 18, § 1º, da Constituição Federal de 1967, com a reforma de 1969, existem duas posições: a primeira, dicotômica, sustenta que a lei complementar deve dispor sobre normas gerais em matéria tributária, as quais, por sua vez, estabelecerão unicamente as normas sobre confli-tos de competência e limitações constitucionais ao poder de tributar; e a segunda, chamada tricotômica, defende que compete à lei complementar disciplinar os conflitos de competência em matéria tributária, regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer normas gerais em matéria tributária.

Nessa linha, a lição de Aliomar Baleeiro:“A Constituição de 1988, em seu art. 146, III, b, tornou privativa de lei comple-

mentar federal a definição das normas gerais sobre decadência e prescrição no Direito Tributário. A matéria tornou-se indelegável às leis ordinárias das pessoas competentes, inclusive o prazo nela fixado (arts. 173 e 174) e o rol das causas suspensivas e inter-ruptivas da prescrição. É que, como vimos, é da essência desses institutos a perda do direito, pela inércia de seu titular durante o decurso de certo prazo, legalmente fixado.

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Portanto o prazo e suas causas suspensivas ou interruptivas são matéria específica de lei complementar.

A Constituição Federal encerrou assim polêmica que se instalou nesse País, à luz da Carta anterior. Uma primeira corrente, em nome do federalismo e da autonomia dos entes estatais que o compõe, restringia o papel das normas gerais às funções de dirimir conflitos de competência e de regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar, por isso denominada dicotômica. Os juristas que a compunham preocuparam-se, antes de tudo, em fixar os limites às normas gerais, realçando-lhes o caráter excepcional como competência restritiva da União, a qual não pode sufocar, amesquinhar, reduzir ou anular o exercício do Poder Legislativo de Estados-Membros e Municípios, enfim, a autonomia inerente às pessoas estatais, que compõe o Estado Federal (v. Roque Carraza, Cleber Giardino e outros, especialmente, Geraldo Ataliba, O Direito Tributário e a Autonomia dos Estados-Membros e Municípios, Revista de Direito Público, São Paulo, RT, 20/56; Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 1985).

Uma segunda corrente, entretanto, que prevaleceu na jurisprudência dos tribunais superiores, clamava ainda por uma terceira função, inerente à lei complementar federal, a de padronização e uniformização, em temas centrais tributários, mormente àqueles relativos à decadência e à prescrição, considerando constitucionais todas as normas estabelecidas no Código Tributário Nacional sobre a questão. Foi essa a direção acolhida pela Constituição Federal. Embora, em muitos outros pontos, a carta de 1988 tenha fortalecido o federalismo brasileiro, ela cuidou, paralelamente, de recrudescer o rol dos direitos e garantias do contribuinte, cristalizando os prazos estabelecidos no CTN em lei complementar, a fim de reforçar a segurança e a certeza. Não podem assim as leis ordinárias federais ou estaduais alterar os prazos de decadência ou de prescrição e nem tampouco o rol de causas suspensivas ou interruptivas”. (Direito Tributário Brasileiro, Forense, 2000, p. 910-911)

5. Pondo fim à divergência, o RE nº 556.664-1, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, assim ementado:

“PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS À LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DE-CLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COM-PLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada à lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69)

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quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica.

II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias.

III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclu-sive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tribu-tário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes.

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69.

V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento.” (RE 556664, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12.06.2008, DJe-216 DIVULG 13.11.2008 PUBLIC 14.11.2008 EMENT VOL-02341-10 PP-01886) (grifei)

Tal julgado, claramente adota a corrente tricotômica, de modo que filio-me ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, intérprete maior da Constituição Federal, reconhecendo a impossibilidade de lei ordinária dispor acerca de prescrição e decadência em matéria tributária.

6. Saliente-se, por oportuno, que a jurisprudência do STJ e deste Tribunal já se firmou no sentido de que o art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80 não prevalece sobre o art. 174 do CTN, o qual foi recebido tanto pela Constituição Federal de 1967 quanto pela de 1988, com status de lei complementar:

“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. LANÇAMENTO. NOTIFICA-ÇÃO DO CONTRIBUINTE. ENVIO DO CARNÊ DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. CITAÇÃO. PROPOSITURA DA AÇÃO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LC 118/2005.

1. Entendimento pacífico desta Corte no sentido de que, em se tratando de débitos de IPTU, o simples envio do carnê de recolhimento ao contribuinte é suficiente para considerá-lo como notificado.

2. Em processo de execução fiscal ajuizado anteriormente à Lei Complementar

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118/2005, é pacífico no STJ o entendimento segundo o qual o despacho que ordena a citação não interrompe o prazo prescricional, pois somente a citação produz esse efeito, devendo prevalecer o disposto no artigo 174 do CTN sobre o artigo 8º, § 2º, da Lei 6.830/80.

3. Recurso especial provido.” (REsp 1062061/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.02.2009, DJe 25.03.2009) (grifei)

“EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO DECLARADO PELO PRÓPRIO CONTRI-BUINTE. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 174 DO CTN. INAPLICABILIDADE DO ART. 8º, § 3º, DA LEF E DO ART. 219, § 1º, DO CPC. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito vem decidindo que, em se tratando de débito confessado pelo próprio contribuinte (declaração de rendimentos, DCTF, GFIP), dispensa-se a figura do lançamento, tornando-se exigíveis, a partir da formalização da confissão, os respectivos créditos, podendo ser os mesmos, inclusive, inscritos em dívida ativa independentemente de procedimento administrativo, desde que a cobrança se dê pelo valor declarado. 2. Não há falar, quanto aos valores declarados, em prazo decadencial, uma vez que a confissão constitui definitivamente o crédito tributário. Nesse caso, não existe razão a justificar o aguardo de cinco anos para que se considere homologado o valor objeto de declaração, sendo permitido o imediato ajuizamento da execução fiscal. 3. O prazo de que dispõe o Fisco para cobrar o valor devido é de cinco anos (art. 174 do CTN), contado da data da entrega da declaração. 4. Não há como considerar o despacho que ordena a citação (art. 8, § 2º, da Lei nº 6.830/80) como apto a interromper a prescrição, uma vez que o art. 174 do CTN, o qual tem status de lei complementar, prevalece sobre a LEF. 5. A nova redação do artigo 174 do CTN, alteração operada pela Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, trazendo nova hipótese de interrupção da prescrição, não tem aplicação imediata. 6. Inaplicável o art. 219, § 1º, do CPC, pois nos executivos fiscais é aplicável aos casos de interrupção da prescrição o disposto no art. 174, parágrafo único, do CTN, por se tratar de legislação específica.” (TRF4, APELREEX 1999.70.01.008384-2, Segunda Turma, Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 13.08.2008) (grifei)

7. Contudo, por força dos arts. 1º e 2º da LEF, o dispositivo legal sob exame aplica-se tanto às dívidas de natureza tributária quanto às de natureza não tributária, com o que faço algumas ponderações.

Viu-se, acima, que a exigência de lei complementar para regular prescrição e decadência se restringe à matéria tributária, sendo que, para evitar tautologia sobre esta questão, adoto os fundamentos exarados pelo Des. Federal Otávio Pamplona na Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 2003.70.00.038936-8:

“Entretanto, a aplicabilidade da Lei de Execuções Fiscais se dá tanto em relação às dívidas de natureza tributária quanto à cobrança judicial de dívidas de natureza não tributária, consoante se observa dos dispositivos dessa lei abaixo colacionados:

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‘Art. 1º. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º. A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.’

O art. 201 do CTN conceitua dívida ativa tributária como a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. Compreende, assim, a dívida tributária os impostos, as taxas e contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, multas tributárias e os juros moratórios.

Já a dívida ativa não tributária é decorrente de quaisquer débitos de terceiros perante a Fazenda Pública resultantes de obrigações vencidas e previstas em lei, regulamento ou contrato, que não tenham natureza tributária. Tem-se como exemplo as multas (excetuando-se as tributárias), foros, laudêmios, taxas de ocupação e aluguéis, preços, indenizações, reposições, alcances, créditos de obrigação em moeda estrangeira, sub-rogações de hipoteca, fianças, avais ou outras garantias e contratos.

Constata-se, assim, que, desde que revestidos dos atributos de certeza e liquidez, e mediante prévia e regular inscrição, todas as fontes de receita da Fazenda Pública podem ser executadas na forma da Lei nº 6.830/80.

No tocante às dívidas de natureza não tributária não há exigência, nem pela CF/67 nem pela atual, de regulação da prescrição por lei complementar, de modo que não há vício de inconstitucionalidade da causa suspensiva inserta no § 3º do art. 2º da LEF para as dívidas de natureza não tributária.

Entretanto, tal não ocorre em relação ao crédito de natureza tributária, porquanto a prescrição das dívidas tributárias regula-se por lei complementar, no caso o art. 174 do CTN, a evidenciar a incompatibilidade do § 3º do art. 2º da LEF tanto com a CF/67-EC69 (art. 18, § 1º) quanto com a atual Constituição Federal/88 (art. 146, III, b, CF/88).”

8. Passo à técnica a ser empregada no controle da constituciona-lidade.

É sabido que da supremacia das normas constitucionais e da presunção de constitucionalidade das leis decorre que a declaração de inconstitucio-nalidade é o último recurso do qual o julgador deve se utilizar, buscando,

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sempre que possível, um significado na norma que se compatibilize com a Constituição Federal.

A interpretação conforme à Constituição é utilizada como técnica de interpretação, mas também como técnica de decisão, caso em que é ca-bível quando a norma oferecer diferentes significados. Em sendo único o sentido da norma, mais adequada é a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. A propósito:

“Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme à Constituição, pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente. Quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utili-zação da técnica de concessão da liminar ‘para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal’, técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade ‘sem redução do texto’ em decorrência de este permitir ‘interpretação conforme à Constituição’.” (ADI 1.344-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18.12.95, DJ de 19.04.96)

“Mostra-se, pois, cabível, a todas as luzes, a declaração de inconstitucionalidade parcial ou sem redução de texto, por meio da qual o Supremo Tribunal Federal tem excluído expressamente determinadas hipóteses de aplicação da norma sem altera-ção expressa do texto de lei, como ocorreu nas ADIns 491 (RTJ 137/90), 393 (DJ de 18.03.94, p. 5.165-6); 111 (DJ de 06.05.94, p. 10.485) e 1.089. Tanto é assim que, conforme observa Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição Constitucional, Sarai-va, 1996, p. 276 e 277), a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, assemelhada, em sede de controle concentrado, à interpretação conforme à Constituição, acabou por ganhar autonomia como técnica de decisão, no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ‘Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão (a lei X é in-constitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro).” (ADI 1.600-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 27.08.97, DJ de 06.02.98)

Nesse sentido, novamente valho-me do bem-lançado voto do Des. Pamplona:

“A interpretação conforme à Constituição, como técnica de hermenêutica, pode e

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deve ser procedida por todo e qualquer juízo, monocrático ou colegiado, não necessi-tando, no último caso, de provocação do Plenário.

Já a interpretação conforme à Constituição, como técnica de controle da constitu-cionalidade da lei, somente tem cabimento quando a norma oferecer diferentes signi-ficados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros não. (...) Tal método, no entanto, não é utilizável quando contrariar texto expresso de lei, que não possibilite qualquer interpretação em conformidade com a Constituição Federal, porquanto o Poder Legislativo não poderá ser substituído pelo Poder Judiciário, atuando como legislador positivo. Nesses casos, o Judiciário deverá declarar a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo incompatível com a CF.

De outra parte, a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, técnica de decisão judicial, tem por escopo excluir da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a Constituição. Reduz o alcance valorativo da norma impugnada, adequando-a à Carta Magna. Assim, surgindo a quaestio juris incidental-mente em um órgão fracionário de Tribunal, o incidente deverá ser processado por seu Plenário ou Órgão especial (art. 97 da CF/88), redundando em juízo de procedência da arguição de inconstitucionalidade.” (Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 2003.70.00.038936-8)

9. Assim, tenho que o § 2º do art. 8º da Lei nº 6.830/80, ao dispor sobre causa interruptiva da prescrição em matéria tributária, viola tanto a CF/67 quanto a CF/88, que exigem lei complementar para o estabele-cimento de normas gerais de direito tributário, aí incluída a prescrição e suas causas de interrupção e suspensão.

Ante o exposto, voto por acolher o presente incidente de arguição de inconstitucionalidade para, sem redução de texto, declarar a inconsti-tucionalidade parcial do § 2º do art. 8º da Lei 6.830/80, limitando os efeitos da declaração às dívidas de natureza tributária.

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SÚMULAS

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SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p. 24.184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p. 241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p. 989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

– SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p. 13.385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

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SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os

títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p. 18.987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p. 46.086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%

relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

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SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar

n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 24“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem

por base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se super-

veniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)

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SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do De-

creto-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p. 58.814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p. 89.171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices

relativos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuição

e o salário de benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

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SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97, p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)

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SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária

do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p. 386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de recurso

administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 – com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que ob-

jetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)

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SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)

SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo

para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p. 619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos, não

aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e consequente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

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SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,

a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p. 290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

SÚMULA Nº 79“Cabível a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal nas ações em que os

ex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária rela-tivamente aos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processo de privatização da instituição.” (DE 26.05.2009)

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RESUMO

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ResumoTrata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelen-tíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, arguições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte.

SummaryThis is about an official trimestrial publication of Tribunal Regional

Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Cir-cuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. It also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court.

ResumenEsta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región,

con periodicidad trimestral y distribución nacional. La Revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados com-

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ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, sú-mulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.

SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale

della Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione na-zionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.

RésuméIl s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal

da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux et internationaux renommés.

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ÍNDICE NUMÉRICO

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL2003.04.01.029745-6/SC (AC) Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha .............................. 332009.72.00.000847-1/SC (APELREEX) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ... 52

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL2000.70.02.004144-7/PR (ACR) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado ................ 712001.71.10.003417-0/RS (ACR) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus ..................... 802006.71.00.038866-5/RS (RSE) Rel. Juiz Federal Artur César de Souza ................................. 932008.70.03.002007-5/PR (ACR) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ........................................ 982009.04.00.035046-4/PR (COR) Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro .......................................... 121

DIREITO PREVIDENCIÁRIO1999.71.00.006047-1/RS (EIAC) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti ................................... 1312005.04.01.056938-6/SC (AC) Rel. Des. Federal Celso Kipper ........................................... 136

DIREITO PROCESSUAL CIVIL2003.71.11.007541-3/RS (AC) Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira ........... 1572004.71.00.019685-8/RS (AGVAC) Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva ..................... 1642007.71.12.002296-4/RS (AC) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida ......................... 1692009.72.99.002478-5/SC (AC) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira ...................... 189

DIREITO TRIBUTÁRIO2003.71.02.000384-0/RS (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona....................... 1992006.71.08.013019-2/RS (AC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .................................. 2132007.70.00.008874-0/PR (APELREEX) Rel. Juiz Federal Artur César de Souza ............................... 242

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE2002.72.00.001707-6/SC (ARGINC) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria ......................... 2532005.72.06.001070-1/SC (ARGINC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .................................. 2612006.70.11.000309-7/PR (ARGINC) Rel. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler ...................... 2752007.71.99.009242-1/RS (ARGINC) Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère ........ 303

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ÍNDICE ANALÍTICO

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A

APRENDIZInexistência, direito, contagem, tempo de serviço, sem, contribuição previdenciária, período, atividade, escola técnica federal. Comprovação, recebimento, conta, orçamento, estabelecimento de ensino, alimentação, moradia, fardamento. Caracterização, auxílio, estudo. Insuficiência, certidão, objetivo, comprovação, remuneração, efetividade, trabalho, execução, encomenda, por, terceiro. ........................................................................131

ABSORÇÃO DE CRIMEDescabimento – Vide DESCAMINHO

AÇÃO ANULATÓRIADesconstituição, crédito tributário, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro, Imposto de Renda, PIS. Inexistência, responsabilidade tributária, empresa, qualidade, mutuário, pela, ilicitude, origem, recursos financeiros, correlação, mútuo. Irregularidade, caráter formal, inob-servância, legislação, internalização, remessa para o exterior, divisas. Comprovação, empresa, realização, empréstimo bancário. Ato complexo, envolvimento, mais de uma, pessoa jurídica, compra, venda, título da dívida pública, país estrangeiro, a partir, operação bancária, Blue Chip Swap. Superveniência, sentença absolutória, corréu, diretor. Não, comprovação, crime contra o sistema financeiro. Inexistência, fato, lavagem de dinheiro. Responsabilidade, banco, pela, utilização, empresa, objetivo, lavagem de dinheiro, terceiro. Eficácia, civil, sentença absolutória. Influência, sobre, presunção relativa, auto de infração. Presunção relativa, existência, omissão, receita, ou, rendimento, a partir, depósito bancário, sem, identificação, origem.

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Redução, honorários advocatícios, não, fixação, percentual, sobre, valor da causa. Hipótese, Fazenda Pública, sucumbência, possibilidade, apreciação equitativa do juiz. ..........................................................................................................................213

ACORDODelação premiada – Vide CORREIÇÃO PARCIAL

APOSENTADODiscriminação – Vide GDAP (GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA)

APOSENTADORIA PROPORCIONAL Tempo de contribuição, concessão, decorrência, reconhecimento, tempo de serviço especial. INSS, aplicação, cálculo, mais, vantagem, segurado. Termo inicial, data, requerimento, via administrativa.Possibilidade, manutenção, recebimento, benefício previdenciário, concessão, via administrativa, período, andamento, ação judicial, simultaneidade, execução, parcela, atraso, aposentadoria, requerimento, via judicial. Segurado, obrigatoriedade, continuidade, realização, atividade profissional, período, anterior, concessão, benefício previdenciário, via judicial, decorrência, INSS, indeferimento, aposentadoria, via administrativa. ..................................................136

APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JUIZHonorários advocatícios – Vide AÇÃO ANULATÓRIA

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADELei de Execução Fiscal – Vide EXECUÇÃO FISCAL

AUTO DE INFRAÇÃOValidade – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

AUTORIA DO CRIMEIndício – Vide SENTENÇA DE PRONÚNCIA

AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICACandidato – Vide UNIVERSIDADE FEDERAL

B

BAIXA DOS AUTOSDiligência – Vide DESCAMINHO

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BASE DE CÁLCULOTributo – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

BENEFÍCIO ASSISTENCIALDescabimento, concessão, hipótese, renda familiar, valor superior, previsão legal. STF, cassação, sentença judicial, decorrência, julgamento, reclamação. Necessidade, prolação, nova decisão.Possibilidade, acesso, instância superior, objetivo, discussão, questão de direito, ou, questão de fato, diversidade, matéria, decisão, reclamação. ...................................157

BITRIBUTAÇÃONão ocorrência – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

C

CERTIDÃOInsuficiência – Vide APRENDIZ

CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVARetificação – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

COFINSBase de cálculo – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

Isenção tributária – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

Vide AÇÃO ANULATÓRIA

COMPENSAÇÃOHonorários advocatícios – Vide EXECUÇÃO DE SENTENÇA

COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOCofins – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

CONCURSO DE AGENTESLatrocínio – Vide DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME

CONSTITUCIONALIDADELei – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIODecadência – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

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CONSTRUÇÃO CIVILTerreno de marinha – Vide DANO AMBIENTAL

CONTRIBUIÇÃO SOCIALConstitucionalidade, nova, redação, artigo, lei, previsão, substituição, fato gerador. Enquadramento, como, hipótese de incidência, valor, receita bruta, produtor rural, pessoa jurídica, decorrência, comercialização, exportação, produto rural. Não ocorrência, bitributação. Não caracterização, como, nova, fonte de custeio, para, Seguridade Social. A partir, edição, emenda constitucional, ano, 1998, possibilidade, substituição, contri-buição, incidência, anterior, sobre, folha de salários. Não ocorrência, aumento, sujeito passivo, obrigação tributária. ............................275

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCROLucro presumido – Vide ICMS

Vide AÇÃO ANULATÓRIA

CORREÇÃO MONETÁRIAJuros de mora – Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

CORREIÇÃO PARCIALProvimento parcial. Juiz federal, negação, apreciação, homologação, acordo, delação premiada, Ministério Público, com, apenas um, autor do crime, formação de quadrilha, contrabando, cigarro. Necessidade, oferecimento, nova, oportunidade, magistrado, apreciação, acordo. Insegurança, condição, réu, colaborador, decorrência, omissão, juiz federal. Possibilidade, acordo, fase, investigação criminal. Obrigatoriedade, intervenção, Ministério Público, decorrência, negociação, direito de ação, titular. ....................121

CRÉDITO-PRÊMIOIPI – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

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D

DANO AMBIENTALÁrea de preservação permanente, objeto, ação civil pública, ajuizamento, Ministério Público Federal. Inadmissibilidade, construção civil, proximidade, zona costeira, sem, autorização, União Federal. Ilegalidade, transferência, ocupação, terreno de marinha. Necessidade, demolição, empreendimento imobiliário. Obrigação, recuperação, inte-gralidade, área, comprovação, degradação do meio ambiente. Responsabilidade objetiva, responsabilidade solidária, construtora, município, órgão público, com, responsabilidade, fiscalização, meio ambiente. Comunicação, município, plano diretor, violação, legislação federal. .....................33

DECADÊNCIAConstituição do crédito tributário – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

DECISÃO ULTRA PETITATRF, reconhecimento, utilização, crédito-prêmio, IPI, simultaneidade, fixação, alíquota, previsão, resolução, CIEX. Violação, princípio da correlação. Ocorrência, coisa julgada. Possibilidade, relativização da coisa julgada, decorrência, preservação, justiça da decisão. Impossibilidade, alteração, alíquota.Cabimento, execução fiscal, cobrança, Cofins. Não recolhimento, decorrência, compensação de crédito tributário. Base de cálculo, valor, faturamento. Observância, entendimento, STF.União Federal, retificação, certidão da dívida ativa, com, novo cálculo, débito tributário. .................................................................................................................169

DELAÇÃO PREMIADAVide CORREIÇÃO PARCIAL

DELITOMaterialidade – Vide SENTENÇA DE PRONÚNCIA

DEMOLIÇÃOEmpreendimento imobiliário – Vide DANO AMBIENTAL

DESCAMINHODiminuição da pena, decorrência, tentativa, crime. Apreensão, produto eletrônico, zona primária. Reconhecimento, prescrição, extinção da punibilidade. Inaplicabilidade, princípio da insignificância. Descabimento, absorção de crime, falsificação de documento particular. Baixa dos autos, em, diligência, objetivo, manifestação, Ministério Público, sobre, possibilidade, suspensão condicional do processo. ..........................................................................71

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DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIMETentativa, roubo, para, tentativa, latrocínio. Concurso de agentes, disparo de arma de fogo, interior, agência, ECT, contra, autoridade policial, com, intenção, morte. Caracterização, dolo. Fuga, com, privação, liberdade, funcionário, agência. Furto, carro, particular. Perseguição, zona rural, município. Morte, apenas um, autor do crime. Outro, responsável, pelo, crime. Observância, teoria, domínio do fato. Irrelevância, discussão, sobre, autor, disparo de arma de fogo. Dosimetria da pena, prevalência, circunstância judicial, personalidade do agente, reincidência, circunstância do crime. Consideração, circunstância atenuante, confissão espontânea. Redução da pena, decorrência, tentativa. Regime de cumprimento da pena, regime fechado, decorrência, crime hediondo.Fixação, pena de multa. ............................................................................................98

DIMINUIÇÃO DA PENATentativa – Vide DESCAMINHO

DISPARO DE ARMA DE FOGOETC – Vide DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME

DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIAPrescrição – Vide EXECUÇÃO FISCAL

DOLO EVENTUALNegligência – Vide TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES DOMÍNIO DO FATOTeoria – Vide DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME

DOSIMETRIA DA PENALatrocínio – Vide DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME

Revisão – Vide TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES

E

EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIODemolição – Vide DANO AMBIENTAL

EMPRESAReceita – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

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ENRIQUECIMENTO SEM CAUSAPrevenção – Vide MULTA

EXECUÇÃOVide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

EXECUÇÃO DE SENTENÇAINSS, condenação, revisão de benefício, momento, conversão, em, URV. Valor, com, correção monetária, mês, utilização, média aritmética, novembro, dezembro, ano, 1993, janeiro, fevereiro, ano, 1994, reajuste, variação integral, índice, reajuste, salário mínimo. INSS, interposição, agravo, decorrência, negação, seguimento, apelação. Inaplicabili-dade, decisão judicial, STF, posterior, formação, coisa julgada. Compensação, entre, crédito, débito, cada, parte processual, antes, execução, saldo, honorários advocatícios. Irrelevância, autor, beneficiário, assistência judiciária. ..164

EXECUÇÃO FISCALCausa interruptiva, prescrição, previsão, Lei de Execução Fiscal, aplicação, apenas, para, dívida ativa não tributária. Inaplicabilidade, para, dívida ativa tributária. Constituição Federal, exigência, lei complementar, criação, norma geral, matéria, legislação tributária. Lei ordinária, arguição de inconstitucionalidade, procedência em parte. ...............303

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADEPrescrição – Vide DESCAMINHO

F

FRAUDE FISCALVide MULTA

G

GDAP (GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA)Inconstitucionalidade, lei, previsão, diversidade, pontuação, valor mínimo, cálculo, para, aposentado, pensionista. Caracterização, discriminação. Descabimento, privilégio, servidor público, serviço ativo. Inobservância, princípio da isonomia. Gratificação, caracterização, reajuste, remuneração, caráter geral, pendência, edição, norma regulamentadora, avaliação de desempenho. Interpretação da lei, interpretação teleológica. Reserva de plenário, observância, súmula vinculante, STF. ...................................253

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H

HIPÓTESE DE INCIDÊNCIAReceita bruta – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

HOMICÍDIOPatrulheiro rodoviário federal – Vide SENTENÇA DE PRONÚNCIA

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOSApreciação equitativa do juiz – Vide AÇÃO ANULATÓRIA

Compensação – Vide EXECUÇÃO DE SENTENÇA

Prosseguimento, execução. Base de cálculo, saldo, composição, juros de mora, 1%, mês, mais, correção monetária, pelo, IGP-DI, a partir, data, conta, liquidação, até, data, autuação, Requisição de Pequeno Valor. Irrelevância, sentença judicial, embargos à execução, não, previsão, incidência, cor-reção monetária, mais, juros de mora, sobre, valor, honorários advocatícios, fixação, percentual, valor da causa. Aplicação, súmula, STF, extensão, princípio, correção monetária. .......................189

I

ICMSInclusão, base de cálculo, Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro, pessoa jurídica, tributação, lucro presumido. Repetição do indébito, prescrição quinquenal, termo inicial, data, pagamento antecipado, tributo, sujeição, lançamento por homologação. ....................................................242

IMPOSTO DE RENDAEmpresa – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

Lucro presumido – Vide ICMS

Vide AÇÃO ANULATÓRIA

INCONSTITUCIONALIDADELei – Vide GDAP (GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE PRE-VIDENCIÁRIA)

INSTÂNCIA SUPERIORAcesso – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

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INTERESSE SOCIALVide MULTA

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICAVide UNIVERSIDADE FEDERAL

IPICrédito-prêmio – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

ISENÇÃO TRIBUTÁRIACofins – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

J

JUROS DE MORACorreção monetária – Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

L

LATROCÍNIOTentativa – Vide DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME

LEIConstitucionalidade – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

Inconstitucionalidade – Vide GDAP (GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA)

LEI DE EXECUÇÃO FISCALArguição de inconstitucionalidade – Vide EXECUÇÃO FISCAL

M

MINISTÉRIO PÚBLICOSuspensão condicional do processo – Vide DESCAMINHO

MULTAConfisco – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL Ex officio, percentual, 150%. Hipótese, sonegação fiscal, fraude fiscal, ou, conluio, caracterização, infração, natureza subjetiva, com, dolo. Não, violação, princípio do não confisco. Observância, interesse, Fazenda Pública, interesse social, princípio da razoabilidade.

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Prevenção, enriquecimento sem causa, contribuinte. Rejeição, arguição de inconstitucionalidade, inciso, lei, com, redação anterior. ....261

P

PENSIONISTADiscriminação – Vide GDAP (GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA)

PISVide AÇÃO ANULATÓRIA

PRESCRIÇÃOCausa interruptiva – Vide EXECUÇÃO FISCAL

Dívida ativa não tributária – Vide EXECUÇÃO FISCAL

Extinção da punibilidade – Vide DESCAMINHO

PRESCRIÇÃO QUINQUENALRepetição do indébito – Vide ICMS

PRINCÍPIOIn dubio pro societate – Vide SENTENÇA DE PRONÚNCIA

PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃOVide DECISÃO ULTRA PETITA

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAInaplicabilidade – Vide DESCAMINHO

PRINCÍPIO DA ISONOMIAAposentado - Vide GDAP (GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA)

PRINCÍPIO DA LEGALIDADEViolação – Vide UNIVERSIDADE FEDERAL

PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCOVide MULTA

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PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCALEmpresa, corretagem, seguro, omissão, receita. Incidência, sobre, valor, Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro, PIS, Cofins. Base de cálculo, valor total, omissão, até, ano, 1995. Ano, 1996, observância, valor, tributo, decorrência, regime de tributação, vigência, período, ano, fraude. Ano, 1998, aplicação, multa, decorrência, não recolhimento, Imposto de Renda.Imposto de Renda, não ocorrência, decadência, constituição do crédito tributário, referência, lançamento tributário, anterior, ano, 1995. Aplicação, Código Tributário Nacional. Verificação, ocorrência, fraude, decorrência, não, entrega, declaração de Imposto de Renda.PIS, Cofins, contribuição social, reconhecimento, decadência, referência, exercício, ano, 1994. Lei ordinária, cabimento, revogação, isenção tributária, Cofins, incidência, sociedade civil. Desnecessidade, edição, lei complementar.Aplicação, Taxa Selic. Cabimento, incidência, multa, não caracterização, confisco.Possibilidade, inclusão, Refis. Condição, contribuinte, prestação, garantia. Validade, auto de infração. Não ocorrência, excesso, prazo, fiscalização tributária. ...199

PRODUTOR RURALPessoa jurídica – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

R

REFISVide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

RELATIVAZAÇÃO DA COISA JULGADAJustiça da decisão – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

RENDA FAMILIARPrevisão legal – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

REPETIÇÃO DO INDÉBITOPrescrição quinquenal – Vide ICMS

RESERVA DE VAGARaça – Vide UNIVERSIDADE FEDERAL

RESOLUÇÃOCIEX – Vide DECISÃO ULTRA PETITA

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIAVide DANO AMBIENTAL

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REVISÃO DE BENEFÍCIOCorreção monetária – Vide EXECUÇÃO DE SENTENÇA

ROUBOTentativa – Vide DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME

S

SENTENÇA DE PRONÚNCIANão ocorrência, nulidade. Preenchimento, requisito, comprovação, materialidade, delito, simultaneidade, indício, autoria do crime. Tentativa, homicídio, contra, patrulheiro rodoviário federal, com, conexão, porte ilegal, arma de fogo.Inexistência, violação, princípio da ampla defesa, ou, princípio, soberania do veredicto. Observância, princípio, in dubio pro societate. ........................................................93

SENTENÇA JUDICIALCassação – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

SONEGAÇÃO FISCALVide MULTA

STFReclamação – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

SUBSTITUIÇÃO DA PENAVide TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES

SÚMULASTF – Vide HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSOMinistério Público – Vide DESCAMINHO

T

TAXA SELICVide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

TEMPO DE SERVIÇOContagem – Vide APRENDIZ

TEMPO DE SERVIÇO ESPECIALVide APOSENTADORIA PROPORCIONAL

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TERRENO DE MARINHAConstrução civil – Vide DANO AMBIENTAL

TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTESCaracterização, dolo eventual. Autor do crime, assunção, risco. Negligência, não, verificação, objeto, responsabilidade, transporte. Comprovação, grande quantidade, maconha. Revisão, ex officio, dosimetria da pena. Diminuição da pena, pena privativa de liberdade, pena de multa. Regime de cumprimento da pena, regime inicial, regime fechado. Pena privativa de liberdade, substituição da pena, pena restritiva de direitos. Indeferimento, prova pericial, não caracterização, cerceamento de defesa. .............80

TRIBUTOBase de cálculo – Vide PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL

U

UNIVERSIDADE FEDERALViolação, princípio da legalidade. Aplicação, resolução, Conselho Universitário, sem, critério, seguro, para, avaliação socioeconômica, candidato, com, benefício, reserva de vaga, cota, raça. Interpretação da lei, necessidade, interpretação teleológica. ....................................52

URVRevisão de benefício – Vide EXECUÇÃO DE SENTENÇA

Z

ZONA PRIMÁRIAApreensão – Vide DESCAMINHO

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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Código CivilArtigo 524 ................................................................................................................. 33Artigo 935 ............................................................................................................... 213

Código PenalArtigo 14 ......................................................................................................... 71/93/98Artigo 33 ................................................................................................................... 71Artigo 44 ................................................................................................................... 80Artigo 59 ................................................................................................................... 71Artigo 65 ................................................................................................................... 98Artigo 67 ................................................................................................................... 98Artigo 107 ................................................................................................................. 71Artigo 110 ................................................................................................................. 71Artigo 121 ................................................................................................................. 93Artigo 157 ................................................................................................................. 98Artigo 298 ................................................................................................................. 71Artigo 334 ................................................................................................................. 71

Código de Processo CivilArtigo 20 ................................................................................................................. 213Artigo 128 ............................................................................................................... 169Artigo 293 ............................................................................................................... 169Artigo 400 ............................................................................................................... 213Artigo 460 ............................................................................................................... 169Artigo 468 ............................................................................................................... 169Artigo 469 ............................................................................................................... 169Artigo 470 ............................................................................................................... 169Artigo 557 ............................................................................................................... 164Artigo 741 ............................................................................................................... 164

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Código de Processo PenalArtigo 66 ................................................................................................................. 213Artigo 67 ................................................................................................................. 213Artigo 184 ................................................................................................................. 80Artigo 312 ................................................................................................................. 98Artigo 384 ................................................................................................................. 98Artigo 386 ............................................................................................................... 213Artigo 408 ................................................................................................................. 93

Constituição Federal/1988 Artigo 5º .................................................................................................................. 253Artigo 37 ................................................................................................................... 52Artigo 40 ................................................................................................................. 253Artigo 97 ................................................................................................................. 253Artigo 102 ............................................................................................................... 157Artigo 103-A ........................................................................................................... 157Artigo 146 ............................................................................................................... 303Artigo 149 ............................................................................................................... 275Artigo 150 ............................................................................................................... 261Artigo 154 ............................................................................................................... 275Artigo 195 ........................................................................................................ 169/275Artigo 225 ................................................................................................................. 33

Código Tributário NacionalArtigo 149 ............................................................................................................... 213Artigo 150 ............................................................................................................... 242Artigo 168 ............................................................................................................... 242Artigo 173 ............................................................................................................... 199Artigo 196 ............................................................................................................... 199

Decreto nº 5.300/2004 ............................................................................................. 33

Decreto 70.235/72Artigo 7º .................................................................................................................. 199

Decreto-Lei nº 37/66Artigo 33 ................................................................................................................... 71

Decreto-Lei nº 491/69Artigo 1º .................................................................................................................. 169

Emenda Constitucional nº 1/69Artigo 18 ................................................................................................................. 303

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Emenda Contitucional 20/98 ........................................................................ 253/275

Lei nº 4.502/64Artigo 71 ................................................................................................................. 261Artigo 72 ................................................................................................................. 261Artigo 73 ................................................................................................................. 261

Lei nº 6.368/76Artigo 12 ................................................................................................................... 80Artigo 18 ................................................................................................................... 80

Lei nº 6.830/80Artigo 1º .................................................................................................................. 303Artigo 2º .................................................................................................................. 303Artigo 8º .................................................................................................................. 303

Lei nº 7.492/86Artigo 22 ................................................................................................................. 213

Lei nº 7.661/88Artigo 3º .................................................................................................................... 33Artigo 6º .................................................................................................................... 33Artigo 10 ................................................................................................................... 33

Lei nº 8.212/91 Artigo 22-A ............................................................................................................. 275

Lei nº 8.541/92Artigo 43 ................................................................................................................. 199

Lei nº 8.742/93Artigo 20 ................................................................................................................. 157

Lei nº 9.065/95 ....................................................................................................... 199

Lei nº 9.099/95Artigo 89 ................................................................................................................... 71

Lei nº 9.249/95Artigo 24 ................................................................................................................. 199

Lei nº 9.430/96

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Artigo 25 ................................................................................................................. 242Artigo 42 ................................................................................................................. 213Artigo 44 .......................................................................................................... 199/261Artigo 56 ................................................................................................................. 199

Lei nº 9.718/98Artigo 3º .................................................................................................................. 199

Lei nº 9.964/2000Artigo 3º .................................................................................................................. 199

Lei nº 10.256/2001Artigo 1º .................................................................................................................. 275

Lei nº 10.355/2001Artigo 6º .................................................................................................................. 253Artigo 8º .................................................................................................................. 253

Lei nº 10.826/2003Artigo 14 ................................................................................................................... 93Artigo 16 ................................................................................................................... 93

Lei nº 11.343/2006Artigo 40 ................................................................................................................... 80

Lei nº 11.488/2007 .................................................................................................. 261

Lei Complementar nº 70/91Artigo 6º .................................................................................................................. 199Artigo 11 ................................................................................................................. 199

Lei Complementar nº 118/2005Art. 3º ...................................................................................................................... 242

Regimento Interno do STF Artigo 156 ............................................................................................................... 157Artigo 161 ............................................................................................................... 157

Resolução CIEX 2/79 ........................................................................................... 169

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Súmula do Supremo Tribunal FederalNº 10 ....................................................................................................................... 253Nº 254 ..................................................................................................................... 189

Súmula do Tribunal de Contas da UniãoNº 96 ....................................................................................................................... 131