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PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DES. FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 1 de 29 APTE : MARIA DE FATIMA CESAR PALMEIRA ADV/PROC : MARIO CESAR JUCA FILHO (AL009274) E OUTROS APTE : JOAO FERRO NOVAES NETO APTE : ENÉAS DE ALENCASTRO NETO ADV/PROC : BRUNO SANTA MARIA NORMANDE (AL004726) E OUTROS APTE : GIL JACO CARAVALHO SANTOS APTE : ABELARDO SAMPAIO LOPES FILHO ADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROS APTE : ROSEVALDO PEREIRA DE MELO ADV/PROC : BRUNO SORIANO CARDOSO (AL007040) E OUTRO APTE : ZULEIDO SOARES DE VERAS ADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROS APTE : DENISON DE LUNA TENÓRIO ADV/PROC : JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI (AL004118) E OUTROS ADV/PROC : GEDIR MEDEIROS CAMPOS JÚNIOR (AL006001) ADV/PROC : BRUNO DE OMENA CELESTINO (AL010706) APTE : ADEILSON TEIXEIRA BEZERRA (AL004719) APTE : MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES ADV/PROC : SAULO LIMA BRITO (AL009737) E OUTRO APTE : ERNANI SOARES GOMES FILHO ADV/PROC : LUÍS ALEXANDRE RASSI (DF023299) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : OS MESMOS ORIGEM : 13ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS - AL RELATOR : DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO RELATOR : Juiz Federal IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO EM AUXÍLIO) RELATÓRIO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (Na relatoria, convocado em auxílio): Em processo que teve regular processamento perante a 13ª Vara Federal de Alagoas, decorrente de desmembramento de ação penal originária que se inaugurou perante o Superior Tribunal de Justiça, em razão de privilégio de foro de um dos inicialmente denunciados, foram os ora RECORRENTES condenados por infração aos seguintes tipos do Código Penal, às sanções também aqui listadas:

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PODER JUDICIáRIOTRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO

GABINETE DO DES. FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 1 de 29APTE : MARIA DE FATIMA CESAR PALMEIRAADV/PROC : MARIO CESAR JUCA FILHO (AL009274) E OUTROSAPTE : JOAO FERRO NOVAES NETOAPTE : ENÉAS DE ALENCASTRO NETOADV/PROC : BRUNO SANTA MARIA NORMANDE (AL004726) E OUTROSAPTE : GIL JACO CARAVALHO SANTOSAPTE : ABELARDO SAMPAIO LOPES FILHOADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROSAPTE : ROSEVALDO PEREIRA DE MELOADV/PROC : BRUNO SORIANO CARDOSO (AL007040) E OUTROAPTE : ZULEIDO SOARES DE VERASADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROSAPTE : DENISON DE LUNA TENÓRIOADV/PROC : JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI (AL004118) E OUTROSADV/PROC : GEDIR MEDEIROS CAMPOS JÚNIOR (AL006001)ADV/PROC : BRUNO DE OMENA CELESTINO (AL010706)APTE : ADEILSON TEIXEIRA BEZERRA (AL004719)APTE : MARCIO FIDELSON MENEZES GOMESADV/PROC : SAULO LIMA BRITO (AL009737) E OUTROAPTE : ERNANI SOARES GOMES FILHOADV/PROC : LUÍS ALEXANDRE RASSI (DF023299)APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPDO : OS MESMOSORIGEM : 13ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS - ALRELATOR : DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETORELATOR : Juiz Federal IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO EM AUXÍLIO)

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (Narelatoria, convocado em auxílio):

Em processo que teve regular processamento perante a 13ª Vara Federal deAlagoas, decorrente de desmembramento de ação penal originária que seinaugurou perante o Superior Tribunal de Justiça, em razão de privilégio de forode um dos inicialmente denunciados, foram os ora RECORRENTES condenadospor infração aos seguintes tipos do Código Penal, às sanções também aquilistadas:

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GABINETE DO DES. FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 2 de 29ZULEIDO SOARES DE VERAS (art. 333, parágrafo único, cc o art. 71, 7a)anos, 8 meses e 12 dias, com 188 dias-multa);

MARIA DE FÁTIMA CESAR PALMEIRA (art. art. 333, parágrafo único, cc ob)art. 71, 4 anos, 2 meses e 5 dias, com 65 dias-multa);

JOÃO FERRO DE NOVAES NETO (art. 317, § 1º, 5 anos, 9 meses e 10 dias,c)com 121 dias-multa);

ENEAS DE ALENCASTRO NETO (art. 317, § 1º, 6 anos, 8 meses e 24 dias,d)com 153 dias-multa;

GIL JACO CARVALHO SANTOS (art. 333, 4 anos, 2 meses e 5 dias, com 65e)dias-multa);

ABELARDO SAMPAIO LOPES FILHO (art. 333, parágrafo único, 3 anos, 7f)meses e 10 dias, com 45 dias-multa);

ROSEVALDO PEREIRA DE MELO (art. 312, 3 anos, 7 meses e 10 dias, comg)45 dias-multa);

DENISON LUNA TENÓRIO (art. 317, § 1º, 6 anos, 8 meses e 24 dias, comh)153 dias-multa);

ADEILSON TEIXEIRA BEZERRA (art. 317, § 1º, 5 anos, 9 meses e 10 dias,i)com 121 dias-multa);

MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES (art. 317, § 1º, 5 anos, 9 meses e 10j)dias, com 121 dias-multa);

ERNANI SOARES GOMES FILHO (art. 317, § 1º, 6 anos, 8 meses e 24 dias,k)com 153 dias-multa).

Recorto partes do início da sentença, que reportam os fundamentos dadeflagração da ação penal em apreciação:

em face de supostos ilícitos penais praticados durante a execução das obras eserviços de ampliação do sistema de abastecimento d'água do Rio Pratagy (1ª etapa),objeto do Convênio nº 715/2005, celebrado entre a União, por meio do Ministério daIntegração Nacional, e o Estado de Alagoas, no valor de R$ 77.780.000,00 (setenta esete milhões, setecentos e oitenta mil reais), dos quais 70 (setenta) milhões foramfinanciados pelo Governo Federal.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 3 de 29...

3. Neste passo, importa registrar que a presente ação penal é um desmembramentoda Ação Penal nº 536/BA (2006/0258867-9), que tramita junto ao Superior Tribunal deJustiça - em função da presença de acusados com foro privilegiado -, e trata desupostas infrações penais envolvendo a Construtora Gautama em diversos Estados doNordeste, inclusive Alagoas. Os diversos volumes da referida ação penal, assim comoseus apensos, foram enviados a esta Seção Judiciária pelo STJ em formato digital (3DVD's), cf. fl. 04 do vol. 01, e distribuídos para a 4ª Vara Federal, procedendo-se,posteriormente, a requerimento do MPF em Alagoas (fls. 09/10, vol. 01), à impressãoda denúncia, das respostas à acusação apresentadas pelos acusados ainda peranteaquele Sodalício, e de alguns anexos, papéis esses que foram encartados nos volumesde 01 a 06 dos autos.

...

8. Na denúncia, relata o MPF que investigações iniciadas no Estado da Bahialevaram à descoberta de um grupo organizado voltado à obtenção ilícita de lucrosatravés da contratação e execução de obras públicas, praticando, para tanto, diversoscrimes autônomos, como fraudes a licitações, peculato, corrupção ativa e passiva,crimes contra o SFN, entre outros delitos. Ainda segundo o MPF, no curso dasinvestigações foram feitas interceptações telefônicas pela Polícia Federal, através dasquais ficou clara a ocorrência de esquemas ilícitos de desvio de recursos públicos nosEstados de Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe, protagonizadas pelo sócio-diretor daConstrutora Gautama, ZULEIDO SOARES VERAS (que seria o chefe da quadrilha) e porseus empregados, com envolvimento de empresários, servidores públicos e agentespolíticos.

...

9. Segundo a denúncia, o esquema se iniciava nos Ministérios, onde eraobtido, mediante oferecimento de vantagens indevidas, o direcionamento de verbaspúblicas da União para Estados e Municípios, nos quais a Construtora Gautamaatuava, e se estendia por todo o processo de destinação e aplicação dos recursos,com fraudes em procedimentos licitatórios e desvio de recursos de obras nãoexecutadas ou executadas irregularmente.

10. Ainda nos termos da inicial acusatória, existiria uma quadrilha comandadapor ZULEIDO SOARES VERAS e integrada por empregados da Construtora Gautama,que constituía o núcleo central da atividade delituosa, voltada para a prática doscrimes de peculato, corrupção ativa e fraude à licitação. Paralelamente, nos Estadosem que a Gautama atuava, formaram-se outras quadrilhas, integradas por servidorespúblicos e agentes políticos, voltadas para atender os propósitos ilícitos do grupocomandado por ZULEIDO SOARES VERAS.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 4 de 29

11. No que diz respeito especificamente ao chamado "EVENTO ALAGOAS",narra a denúncia (fls. 68-93, vol. 1), em suma, que, em abril de 2006, a ConstrutoraGautama executava as obras da construção da Barragem de Duas Bocas/ Santa Luzia,no Rio Pratagy, objeto do Convênio nº 715/2005, celebrado entre a União, através doMinistério da Integração Nacional, e o Estado de Alagoas, no valor de R$77.780.000,00 (setenta e sete milhões, setecentos e oitenta mil reais), dos quais70.000.000,00 (setenta milhões de reais) foram financiados pelo Governo Federal.

12. Além disso, a análise dos diálogos monitorados no curso das investigações,no período de abril a setembro de 2006, teria mostrado que ZULEIDO SOARES VERASmantinha no Estado de Alagoas um esquema ilícito para o desvio de recursospúblicos, através de superfaturamento de obras, pagamentos indevidos à ConstrutoraGautama, na forma de antecipações, com base em medições e saldos contratuaisfictícios.

13. Com arrimo no Convênio nº 715/2005, teria sido liberada, irregularmente,em favor da GAUTAMA, a quantia de 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), uma vezque não havia sido apresentado o projeto técnico detalhado, tampouco olicenciamento ambiental para execução das obras.

14. As planilhas constantes do Relatório de Ação de Controle nº00190.034133/2007-74, elaborado pela Controladoria Geral da União em Alagoas -CGU/AL (citadas às fls. 80-81, vol. 01) mostram que os pagamentos feitos aConstrutora Gautama em relação à adutora envolveram: o superfaturamento depreços dos tubos, peças e conexões hidráulicas, comparativamente aos preçosconstantes de planilha orçamentária do plano de trabalho do convênio, levando emconta as notas fiscais de fornecimento de materiais e os boletins de medição deserviço; sobrepreço; acréscimo de 170% nos itens de serviços para a construção daadutora; irregularidades na execução da adutora e da subadutora. Em relação àBarragem de Duas Bocas/Santa Luzia, o relatório concluiu que: houve pagamentoantecipado da 18ª medição, por serviços não prestados; acréscimos da ordem de800% nos itens de serviços prestados na 19ª medição; alteração do projeto comredução de serviços, sem abatimento no preço da obra; pagamento do item serviçode transporte e descarga de material correspondente a trecho de 5km, quando, naverdade, o trecho percorrido era de 1 km; pagamento da medição 19ª sem que seatestasse a completa execução do serviço.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 5 de 29 15. Ainda segundo a denúncia, apurou-se que os valores das medições foramnegociados entre os membros da quadrilha (ZULEIDO, MARIA DE FÁTIMA, BOLÍVAR,ABELARDO e ROSEVALDO), e os servidores públicos do Estado de Alagoasencarregados de avalizar as medições, liberar as verbas correspondentes e efetivarpagamentos (MÁRCIO FIDELSON, DENISON DE LUNA TENÓRIO, ADEILSON TEIXEIRABEZERRA e JOSÉ CRISPIM), tudo mediante recebimento de propina. Teriam sido feitosos pagamentos relativos aos serviços da 12ª até a 17ª Medições, sem que os serviçostivessem sido realizados. Assim como os serviços referentes à 18ª e 19ª medições.

16. Conversa entre ZULEIDO e ABELARDO (fl. 88) evidenciaria que, embora aconstrutora tivesse recebido grande soma de dinheiro em 28/02/07, as obrascontratadas não haviam sido realizadas. Não havia sequer o projeto definitivo daBarragem de Duas Bocas/Santa Luzia. Daí serem fraudulentas as medições.

17. Para rematar, o MPF aduziu que a função de cada um dos integrantes dasquadrilhas que agiram no Estado de Alagoas era bem delimitada, tendo funcionado noperíodo de 2006 a 2007, com a finalidade preestabelecida de praticar reiteradamentecrimes contra a Administração Pública, os quais culminaram com o desvio de recursospúblicos da ordem de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

Contrariados os argumentos da acusação – em defesa inicial e após a instrução– adveio a sentença, com o enquadramento das condutas a aplicação das penasacima mencionadas, sendo operada também algumas absolvições de pessoaslistadas no rol inaugural da denúncia que foi reratificada em perante a JustiçaFederal em Alagoas.

Seguiram-se as apelações agora em apreciação, com extenso volume de tesesjurídicas e de destaques fáticos, com realce para i) a necessidade da nulificaçãoda prova conseguida através de interceptação telefônica; ii) a inexistência detipicidade das condutas; iii) fragilidade das provas; iv) injustiça na quantificaçãodas penas; iv) incorreção na dosimentria; v) omissão na consideração deatenuantes; vi) estrito cumprimento do dever legal ou coação hierárquica.

O Parquet também recorreu, buscando a ampliação do rol de condenados, bemassim indicando a ocorrência de erro na aplicação do princípio da consunção;

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 6 de 29no afastamento do crime de quadrilha; e no reconhecimento de circunstânciasatenuantes.

O MPF com ofício perante este Regional opinou i) pelo parcial provimento dorecurso de ZULEIDO VERAS, para a retirada de uma condenação por corrupçãoativa em relação a JOÃO FERRO, já que está propondo a reclassificação do crimedesse réu para o de advocacia administrativa; ii) pelo parcial provimento dorecurso de ABELARDO SAMPAIO e GIL JACO, para reconhecer que ambospraticaram o crime de peculato em concurso de agentes e para que sejamextirpadas das penas básicas as circunstâncias constantes da sentença, salvo asconsequências do crime; iii) pelo provimento parcial dos recursos de ERNANI ede ENÉAS, para o reconhecimento, por parte de ambos, de um único crime decorrupção passiva, bem assim a retirada, da pena-base, das circunstânciasjudiciais consideradas, salvo as consequências do crime; iv) pelo provimentoparcial do recurso de JOÃO FERRO, sendo desclassificada a sua conduta para ade crime de advocacia administrativa qualificada, com a retirada, da pena-base,das circunstâncias judiciais consideradas, salvo as consequências do crime; v)pelo provimento do recurso do MPF, para que seja reconhecida aimpossibilidade de consunção da corrupção, ativa ou passiva, com peculato,sendo aplicado aos réus a pena desse último crime; vi) pelo reconhecimento daformação de quadrilha.

É o relatório.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 7 de 29APTE : MARIA DE FATIMA CESAR PALMEIRAADV/PROC : MARIO CESAR JUCA FILHO (AL009274) E OUTROSAPTE : JOAO FERRO NOVAES NETOAPTE : ENÉAS DE ALENCASTRO NETOADV/PROC : BRUNO SANTA MARIA NORMANDE (AL004726) E OUTROSAPTE : GIL JACO CARAVALHO SANTOSAPTE : ABELARDO SAMPAIO LOPES FILHOADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROSAPTE : ROSEVALDO PEREIRA DE MELOADV/PROC : BRUNO SORIANO CARDOSO (AL007040) E OUTROAPTE : ZULEIDO SOARES DE VERASADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROSAPTE : DENISON DE LUNA TENÓRIOADV/PROC : JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI (AL004118) E OUTROSADV/PROC : GEDIR MEDEIROS CAMPOS JÚNIOR (AL006001)ADV/PROC : BRUNO DE OMENA CELESTINO (AL010706)APTE : ADEILSON TEIXEIRA BEZERRA (AL004719)APTE : MARCIO FIDELSON MENEZES GOMESADV/PROC : SAULO LIMA BRITO (AL009737) E OUTROAPTE : ERNANI SOARES GOMES FILHOADV/PROC : LUÍS ALEXANDRE RASSI (DF023299)APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPDO : OS MESMOSORIGEM : 13ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS - ALRELATOR : DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETORELATOR : Juiz Federal IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO EM AUXÍLIO)

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (Narelatoria, convocado em auxílio):

Há matéria de preâmbulo agitada no sentido de que seja decretada a nulidadedo feito, na origem, por cerceamento de defesa, consistente na dificuldadeimposta aos APELANTES para o manuseio dos elementos documentais quederam base ao processo, acondicionado em caixas. Não vejo plausibilidadenessa afirmativa. Ao prolatar a sentença, o juiz explicou esse aspectosatisfatoriamente, verbis:

213. No que tange ao suposto cerceamento de defesa, tenho que não merece guaridaa tese dos acusados, uma vez que neste Juízo Federal sempre foi franqueado àspartes, tanto acusação quanto defesa, total acesso aos autos e aos seus apensos,inclusive aos diversos papéis apreendidos durante a "Operação Navalha",acondicionados em "16 (dezesseis) caixas de papelão, de forma avulsa, isto é, sem aformação de volumes ou apensos", e atualmente arquivadas nas dependências desta13ª Vara Federal/AL, conforme Ofício nº 002205/2010-CESP/STJ e certidão emitida

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 8 de 29pela 4ª Vara Federal/AL (fls. 1293-1299, vol. 06), não havendo, pois, qualquer prejuízoà defesa (ou mesmo à acusação), até porque deles estão cientes há bastante tempo,já tendo tido as partes, pois, tempo mais do que suficiente para a análise, apreciação,contestação, defesa e digitalização (se o caso) dos documentos e das demais provascolacionadas aos autos.

214. Entendo que também não merece guarida a preliminar de cerceamentode defesa pela alegada ausência dos documentos que embasaram o Relatório deAção de Controle nº 00190.034133/2007-74, da CGU, uma vez que já constam dospresentes autos, também em meio digital (DVD's), cópias integrais dos 37 (trinta esete) volumes e dos 232 (duzentos e trinta e dois) apensos da Ação Penal nº 536/BA edo IPL nº 544 (cf. fls. 4180/4183, vol. 17), de modo a assegurar a análise, tanto pelaacusação quanto pela defesa, dos papéis e demais elementos probatórios queembasaram a denúncia.

215. De mais a mais, o ônus de infirmar as provas trazidas pela acusaçãocompete ao acusado, a quem cabe diligenciar no sentido de obter as provasnecessárias à sua defesa, máxime quando se sabe que a Lei nº 12.527/2011 assegurao acesso do cidadão às informações e documentos não sigilosos constantes nosarquivos dos órgãos e entidades públicas. A intervenção judicial, no sentido derequisitar os "papéis de trabalho" que embasaram o relatório fustigado diretamente àCGU/AL, só se faria necessária caso este magistrado estivesse convencido da realnecessidade de tais documentos, e desde que demonstrada a negativa do indigitadoórgão federal frente à solicitação dos acusados, o que não se verifica no caso subexamine.

216. Além disso, não se perca de vista que diversos papéis apreendidosdurante a "Operação Navalha" e referentes aos fatos ora debatidos, encontravam-seà disposição das partes desde agosto de 2010, acondicionados em "16 (dezesseis)caixas de papelão, de forma avulsa, isto é, sem a formação de volumes ou apensos" eatualmente arquivados nas dependências desta 13ª Vara Federal/AL, conforme Ofícionº 002205/2010-CESP/STJ e certidão emitida pela 4ª Vara Federal/AL (fls. 1293/1299 -vol. 06), não havendo, pois, qualquer prejuízo à defesa (ou mesmo à acusação), atéporque, refrise-se, deles estavam cientes há bastante tempo, já tendo tido as partes,pois, tempo mais do que suficiente para a análise, apreciação, contestação, defesa edigitalização (se o caso) de todo esse acervo probatório.

Não há, portanto, neste ponto, qualquer nulidade a ser sanada.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 9 de 29Argumenta-se também que a denúncia é imprestável, por não descreverminuciosamente as condutas dos APELANTES. Igualmente não procede essaafirmação. A leitura da peça inaugural leva à conclusão de que foram atendidassatisfatoriamente as exigências do art. 41 do CPP, tendo estatura regular parapermitir o desenvolvimento do processo-crime e a produção da defesa – o quede fato aconteceu no presente caso.

Analiso, agora, a provocação dirigida pelos recorrentes ADAILSON TEIXEIRA,ZULEIDO VERAS, GIL JACÓ, E ABELARDO SAMPAIO LOPES FILHO, no sentido deque seja declarada a imprestabilidade das interceptações telefônicas que derambase a parte da denúncia, já que a referida prova teria sido autorizada em juízoincompetente. Alegam os requerentes que a ministra CARMEN LÚCIA, doSupremo Tribunal Federal, ao abordar a viabilidade de acolhimento de açãopenal deflagrada contra o deputado federal PAULO MAGALHÃES, acostadas aoInquérito 3732, do Distrito Federal, teria declarado nula toda a provadecorrente das mencionadas interceptações telefônicas. Nessa linha, sendo aprova essencialmente nula, não poderia ser usada naquela tentativa de açãopenal perante a Corte Suprema, mas também em todo e qualquer processopenal instaurado para apurar fatos que envolvessem pessoas não sujeitas aoprivilégio do foro no STF.

Veja-se a ementa do julgado invocado:

EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA CONTRA DEPUTADO FEDERAL. CRIME DE TRÁFICODE INFLUÊNCIA (ART. 332 DO CP). OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DOCÓDIGO DE

PROCESSO PENAL. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICAAUTORIZADA POR JUIZ INCOMPETENTE, DE ACORDO COM O ART. 102, INC. I, AL. b DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO ART. 1° DA LEI N. 9.296/1996. COMPETÊNCIA DOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA EXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO CLARA E OBJETIVA EMRELATÓRIO DA POLÍCIA FEDERAL DE POSSÍVEL PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DOTRIBUNAL DE CONTAS E, POSTERIORMENTE, DE MEMBRO DO CONGRESSONACIONAL. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ILICITUDE DAS PROVASDERIVADAS DA INTERCEPTAÇÃO ILICITAMENTE REALIZADA POR AUTORIDADEJUDICIAL INCOMPETENTE. CONFIGURAÇÃO DA HIPÓTESE DO ART. 395, INC. III, DOCÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 10 de 291. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal,individualiza a conduta do denunciado no contexto fático, expõe de formapormenorizada todos os elementos indispensáveis à demonstração de existência, emtese, do crime de tráfico de influência, sem apresentar a contradição apontada peladefesa.

2. A prova encontrada, fortuitamente, durante a investigação criminal é válida, salvose comprovado vício ensejador de sua nulidade.

3. Nulidade da interceptação telefônica determinada por autoridade judicialincompetente, nos termos do art. 102, inc. I, al. b, da Constituição da República e doart. 1.º da Lei n. 9.296/1996.

4. Ausência de remessa dos autos da investigação para o Supremo Tribunal Federal,depois de apresentados elementos mínimos caracterizadores da participação, emtese, de Ministro do Tribunal de Contas da União e de membro do Congresso Nacionalna prática de ilícito objeto de investigação.

5. Contaminação das provas produzidas, por derivação, por não configuradas asexceções previstas no § 1° e no § 2° do art. 157 do Código de Processo Penal.

6. Denúncia rejeitada, por não estar comprovada, de forma lícita, a existência de justacausa para o exercício da ação penal, caracterizando a hipótese prevista no art. 395,inc. III, daquela lei processual. (DJe 22.03.2016).

Não desconhece esta relatoria a importância de uma decisão como a que aquifoi noticiada, no âmbito de definição de qualidade de prova, principalmente deconteúdos que são apanhados através da relativização de garantiasfundamentais, como o direito à privacidade, lançado no art. 5º, inciso XII, daCarta Política.

Entretanto, é preciso que se entenda com clareza o que ficou consignadonaquela decisão do Supremo Tribunal Federal e o alcance que aquele julgadopode ter em outros feitos que tenham sido derivados do mesmo fato queensejou a denúncia contra o deputado em apreço.

Assegura o acórdão que é o viável a preservação da prova encontradafortuitamente, tendente a inculpar pessoa que não era alvo da investigaçãooriginalmente autorizada pelo juízo de primeiro grau. No caso presente, o focoprimeiro era na conduta de Delegados da Polícia Federal suspeito de ações

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 11 de 29criminosas, mas as interceptações mostraram o envolvimento de um DeputadoFederal. Daí a cautela com que se houve a Ministra Relatora no STF, dizendo:“2. A prova encontrada, fortuitamente, durante a investigação criminal é válida,salvo se comprovado vício ensejador de sua nulidade” (grifei),

Na espécie, a ressalva da parte final da sentença já desdiz, in concreto, avalidade da prova. E assim ocorre em razão do que sustenta o restante doacórdão, traduzindo-se na ementa:

3. Nulidade da interceptação telefônica determinada por autoridade judicialincompetente, nos termos do art. 102, inc. I, al. b, da Constituição da República e doart. 1.º da Lei n. 9.296/1996.

4. Ausência de remessa dos autos da investigação para o Supremo Tribunal Federal,depois de apresentados elementos mínimos caracterizadores da participação, emtese, de Ministro do Tribunal de Contas da União e de membro do Congresso Nacionalna prática de ilícito objeto de investigação.

5. Contaminação das provas produzidas, por derivação, por não configuradas asexceções previstas no § 1° e no § 2° do art. 157 do Código de Processo Penal.

Conclusão inexorável do julgado do STF:

a) a interceptação determinada pelo Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciáriada Bahia é nula, por carência competencial, já que teve por alvo autoridadesjurisdicionadas constitucionalmente perante o Supremo Tribunal Federal(Deputado Federal e Ministros do Tribunal de Contas da União – CF, art. 102, I,“b” e “c”);

b) nulidade também da prova, pois em continuação, foi o feito deslocado para oSuperior Tribunal de Justiça – onde as autorizações de interceptação tiveramprosseguimento – incidindo na mesma carência competencial, pois o temaestava reservado ao Supremo Tribunal Federal, intuito personae dos sindicados;

c) nulas as provas apanhadas nas interceptações telefônicas, nulas também asprovas que delas derivaram, “por não configuradas as exceções previstas no §1° e no § 2° do art. 157 do Código de Processo Penal”.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 12 de 29

Sobre a nulidade da prova, per se (e não nulidade da prova em relação a certaspessoas...), nos termos postos no acórdão, dúvida não há. In claris cessatinterpretatio, princípio que secunda o postulado da clareza, que por sua vezcompõe o princípio da legalidade, incontornável quando se trata de normasrestritivas de direitos. É nula toda a prova apanhada no contexto dasinterceptações telefônicas, não podendo ser usada na ação penal que seensaiou a partir do Inquérito 3732, junto ao Supremo Tribunal Federal, comtambém não pode ser usada em eventual ação penal perante o SuperiorTribunal de Justiça (acaso confirmados investigados com reserva de foroperante aquela Corte). E, por imperativo óbvio, não pode ser usada tambémperante a Justiça Federal de primeiro grau – como ocorreu na ação penal agorasubmetida à apelação, desenvolvida no âmbito da 13ª Vara Federal de Alagoas.

No corpo do voto da Ministra CARMEM LÚCIA, proferido no paradigmático INQ3772, encontra-se abordagem que fortalece o caminho que agora é tomado.Verbis:

18. Debate-se na espécie em exame ter o juízo aparentemente competente para aautorização das interceptações telefônicas, no curso das investigações, no dia18.5.2006, recebido elementos de prova indicadores da real possibilidade departicipação em eventual prática criminosa, de pessoa cujo foro, por prerrogativa defunção, é da competência deste Supremo Tribunal Federal.

Analisando idêntico pedido ao agora formulado pela defesa do denunciado emmedida cautelar interposta no HC n. 113.145/BA, subscrito pelo mesmo advogado,em favor de Flávio Conceição de Oliveira Neto, o Relator, Ministro Gilmar Mendes,afirmou:

“Em determinados casos, o encontro fortuito desses elementos seráfundamental para definir ou afirmar a competência de determinado órgãojudicial. De resto, questão relativa à competência para determinar ainterceptação telefônica tem como ponto de partida o crime suspeitado, o quepode resultar num quadro de incompetência superveniente por ocasião daconclusão das investigações.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 13 de 29À guisa de ilustração, quanto à competência do juiz para autorizar ainterceptação telefônica, este Supremo Tribunal Federal já teve aoportunidade de afirmar, no julgamento HC 81.260/ES, que “não induz àilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorizaçãoprovenha de Juiz Federal — aparentemente competente, à vista do objeto dasinvestigações policiais em curso, ao tempo da decisão — que, posteriormente,se haja declarado incompetente, à vista do andamento delas”. Confira-se aementa desse julgado:

“(...) IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do juiz competenteda ação principal (L. 9296/96, art. 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter aautorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, nãosuscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da L. 9296/96: só ao juiz daação penal condenatória - e que dirige toda a instrução-, caberá deferir amedida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônicaconstituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigaçõescriminais, a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicadacom temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto departida à determinação da competência para a ordem judicial deinterceptação - não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia,eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dosprocedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da provaresultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de JuizFederal – aparentemente competente, à vista do objeto das investigaçõespoliciais em curso, ao tempo da decisão - que, posteriormente, se hajadeclarado incompetente, à vista do andamento delas”. (HC 81.260/ES, Rel.Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 19.4.2002).

Por fim, a despeito de a defesa sustentar a competência do STF, dada asuposta participação na empreitada criminosa de Ministros do TCU e deGovernadores Federais, é certo que o magistrado de primeiro grau, aoproceder a um cotejo analítico dos elementos probatórios até então colhidosna medida cautelar, reputou, a princípio, pela ausência de circunstânciarazoável que pudesse excluir a sua competência.

Posteriormente, no desdobramento da persecução criminal, é que declinou desua competência em favor do STJ, em razão de indícios de envolvimento degovernadores do Estado de Sergipe e do Maranhão” (grifos nossos).

Naquele caso, do habeas corpus, a medida cautelar foi indeferida, porque o pacientetinha foro justamente no Superior Tribunal de Justiça, que conduzia o inquéritoàquela altura, por ser Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 14 de 29Na espécie vertente, instaurado o procedimento preparatório, mesmo sendo o “crimesuspeitado” de competência do Supremo Tribunal Federal, o juiz entendeu-secompetente em uma análise realizada “a princípio”, mas que mostrou-se equivocada,ao final e, quando ele declinou da sua competência, o fez remetendo os autos para oSuperior Tribunal de Justiça, sendo este Inquérito distribuído neste Supremo Tribunalapenas em 5.8.2013.

A vedação probante da qual aqui se cuida está circunscrita ao princípio dainadmissibilidade de provas ilícitas, que tem sede no art. 5º, inciso LVI da CartaPolítica1. Abordando o tema, leciona LUIZ FLÁVIO GOMES2:

Provas ilícitas, por força da nova redação dada ao art. 157 do CPP, são as obtidas emviolação a normas constitucionais ou legais. Em outras palavras: prova ilícita é a queviola regra de direito material, seja constitucional ou legal, no momento da suaobtenção (confissão mediante tortura, v.g.). Impõe-se observar que a noção de provailícita está diretamente vinculada com o momento da obtenção da prova (não com omomento da sua produção, dentro do processo).

A eiva de ilicitude que se abate sobre a prova questionada decorre dainconformidade entre os atos jurisdicionais que a autorizaram (da JustiçaFederal da Bahia e do Superior Tribunal de Justiça) e o estabelecido naConstituição (art. 102, I, letras “b” e “c”). Não se cogita, portanto, de provacriminosa ou obtida por meio criminoso (p. ex., tortura ou escuta clandestina).De prova ilícita, contrária ao direito posto em linhas da Constituição, sim.

Em casos tais, não é da maior perfeição técnica que se cuide de declaração danulidade da prova ilícita; mister que seja ela excluída do processo, por comandodo que solta do art. 157 do CPP (“Art. 157. São inadmissíveis, devendo serdesentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas emviolação a normas constitucionais ou legais.”), que na reforma de 2008 fez claraopção pelo sistema da inadmissibilidade da prova ilícita, distanciando-se dosistema da admissibilidade da prova ilícita, para ser valorada ao momento do

1 Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.2 Provas ilícitas e ilegítimas: distinções fundamentais. Jusbrasil. Disponível na Internet em

https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1972597/provas-ilicitas-e-ilegitimas-distincoes-fundamentais. Acesso a 21 out. 2017.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 15 de 29julgamento, advindo, inclusive, a declaração da sua nulidade. A antiga dicção doart. 157 do CPP3 amoldava-se ao sistema da admissibilidade; a atual redação domesmo código consagra o outro sistema.

Sobre o assunto, novos ensinamentos de LUIZ FLÁVIO GOMES4:

Por força do sistema da inadmissibilidade a prova ilícita, portanto, deve ser excluídadesde logo dos autos do processo (CPP, art. 157). Pelo sistema da admissibilidade aprova não é retirada do processo, sendo certo que no final o juiz declara sua nulidade(derivando disso responsabilidade penal ou penal e civil a quem usou a prova ilícita).O sistema da inadmissibilidade não permite que a prova permaneça no processo: eladeve ser prontamente excluída. Exclusão a priori ou imediata (sistema dainadmissibilidade) e declaração da nulidade a posteriori (sistema da admissibilidade):nisso reside a diferença entre os dois sistemas.

Conjugando-se a CF (art. 5º, inciso LVI) com o Código de Processo Penal (novo art.157) não há dúvida que o primeiro (sistema da inadmissibilidade da prova ilícita) é oque hoje vigora (com exclusividade) no direito brasileiro vigente. O segundo (sistemada admissibilidade da prova ilícita e sua conseqüente declaração de nulidade) já nãoencontra nele nenhum espaço. É totalmente inconstitucional um juiz não determinaro desentranhamento da prova ilícita. É totalmente inconstitucional um juiz afirmarque a prova ilícita deve permanecer nos autos, para, no final, ser julgada inválida(nula). Para a prova ilícita não vigora o sistema da nulidade (que é típico das provasilegítimas) nem o da admissibilidade (male captum, bene retentum). Para as provasilícitas o sistema atual vigente é o da inadmissibilidade.

Obviamente, a determinação de exclusão da prova ilícita há que ser enxergadacom as peculiaridades que o caso concreto reclama. Riscando-as, comoclassicamente ocorria ao tempo dos processos exclusivamente físicos?Extirpando os documentos incabíveis? Deletando as mídias informáticas que assuportam? Destruindo as transcrições documentadas? Resposta: todas essaformas e mais algumas que se apresentem razoáveis. O essencial é adesconsideração; a ignorância; o desprezo. De uma forma ou de forma vária, asprovas com essa mácula exigem tangenciamento pelos atores do processo, jáque, como ensina ADA PELEGRINI GRINOVER5,

3 Art. 157. O juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova.4 Obra citada.5 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. São Paulo: Forense Universitária, 1996, p. 47 a 48.

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sendo consideradas pela Constituição inadmissíveis, não são por esta tida comoprovas. Trata-se de não-ato, de não-prova, que as conduz à categoria da inexistência.Elas simplesmente não existem como provas: não têm aptidão para surgirem comoprovas”.

No presente caso, com autos físicos que já montam os trinta e quatro volumes,com alentado número de anexos, com mídias informáticas e uma miríade dedegravações, o mais prático é o desapreço à prova ilícita no momento dojulgamento da apelação, sem olvidar da destruição física ulterior, de deverá serfeita à luz do art. 157, § 3º, do C. P. Penal6.

Incontroversa a inexistência de força probante para tudo que foi carreado aoprocesso através das interceptações telefônicas aqui analisadas (da ordem doJuiz Federal da 2ª Vara da SJ Bahia e da Ministra ELIANA CALMON, do STJ), restaanalisar se existe algum elemento de prova que possa remanescerautonomamente, descolado das informações írritas. Considerando que nãohouve prova testemunhal produzida a requerimento da acusação, remanescemas informações extraídas das agendas dos RECORRENTES GIL JACÓ, ABELARDOSAMPAIO e ROSEVALDO PEREIRA, além do denunciado FLORÊNCIO BRITOVIEIRA (que não foi condenado). Sindica-se, assim, a existência da chamada“fonte independente”7, ou seja, aquela que poderia ter vindo ao processoindependentemente de ligação com a prova tida como imprestável ouinexistente.

Seriam as agendas em epígrafe repositórios de “fonte independente” de prova?Ou teriam o sinete da “prova ilícita por derivação”?

Uma atenta e respeitosa leitura da sentença mostra que a base central dascondenações são os resultados das interceptações telefônicas aqui cuidadas.Secundariamente, em claro liame, estão as informações apuradas nas agendas6 § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por

decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.7 § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios

da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 17 de 29apreendidas. Uma fonte primária (as interceptações), contando com acolaboração da fonte secundária (as agendas) para que o juiz chegasse àsconclusões que chegou.

A título de exemplo, ao iniciar a sua fundamentação sobre a ocorrência docrime de corrupção ativa, o magistrado fez a seguinte fundamentaçãopreambular:

262. A partir do cabedal de elementos de convicção constantes dosautos, notadamente as transcrições de fls. 71, 77, 87-88, asinterceptações telefônicas gravadas nos arquivos de áudio6181110046_2007030916550_5_1988325 e6181110046_20070323155616_1_1091954 (HD Externo de fl. 5578), asinformações de fls. 46, 58 e 110 do Apenso nº 45 da Ação Penal nº536/BA, os interrogatórios gravados nos DVD's de fl. 5278, asInformações Policiais nºs 003/2007 e 017/2007, assim como o Relatóriode Inteligência nº 031/2007 (cf. fls. 136-138, 144-153 e 156-161 doApenso I dos presentes autos), dados extraídos de uma agendaapreendida pela Polícia Federal (cf. fls. 93, 104 e 107 do Apenso 47 daAção Penal nº 536/BA), o extrato bancário da conta vinculada aoConvênio nº 715/2005 (cf. fls. 4412-4413), é possível verificar amaterialidade do delito de corrupção ativa.

Ora, se o interrogatório – solteiro – não pode dar azo à condenação; se oRelatório de Inteligência da Polícia Federal espelha a movimentação física dealguns dos RECORRENTES (tipo de carro usado, horário de voo e companhias noembarque, trajeto entre aeroporto e escritório de trabalho), sem óbvia exibiçãode prova da autoria dos crimes e se o extrato bancário carreado ao processo é oespelho da movimentação financeira do próprio Convênio 715/2015, sobejaapenas o conteúdo das agendas.

E, sozinhas, elas provam alguma coisa?

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 18 de 29Como é curial em situações como as da espécie, essas agendas são anotadasem códigos, em cifras, em informações fechadas. Quando muito, delas partemindícios, que per se são insuficientes para dar base a uma condenação8.

Exemplos da inservibilidade das anotações das agendas para lastrearem ainculpação dos RECORRENTES, estão em trechos da sentença:

288. Não bastasse a promessa da entrega de vultosa quantia por ZULEIDO, opagamento das importâncias de R$ 100.000,00 (cento mil reais) e de R$ 30.000,00(trinta mil reais) à ERNANI SOARES são confirmados pela anotação constante em umadas agendas pertencentes a GIL JACÓ CARVALHO SANTOS apreendidas pela PolíciaFederal em sua sala (cf. fl. 58 do Apenso nº 45 da Ação Penal nº 536/BA, reproduzidodigitalmente no DVD I, acostado à fl. 04 do vol. 01 destes autos).

289. Entrementes, sem maiores elementos de prova, não é possível imputar aoacusado o crime de corrupção ativa pelas anotações em sua agenda atinentes avalores de 100 e 200 em favor de "TEO" e de 500 em favor de "MF", consoante fl. 46do Apenso nº 45 da Ação Penal nº 536/BA, reproduzido digitalmente no DVD I,acostado à fl. 04 do vol. 01 destes autos. (DESTAQUEI).

265. Exemplo disso é o diálogo gravado no dia 13.07.2006, às 12h 05min e 08s (cf. fl.71)7, entre ZULEIDO SOARES DE VERAS e ERNANI SOARES GOMES FILHO, que, àépoca, era servidor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e estava àdisposição da Câmara Federal:

"ZULEIDO: olhe, aquele negócio dos 'trinta', eu levo segunda-feira, tá?

ERNANI: tá bom. Ok.

ZULEIDO: aqueles 'cem' chegaram ontem, né?

ERNANI: chegou, chegou, é."

266. Não bastasse a promessa da entrega de vultosa quantia, os pagamentos dasimportâncias de R$ 100.000,00 (cento mil reais) e de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) àERNANI SOARES, a meu ver parcelas de uma mesma promessa, são confirmados pela

8 CPP, art. 239: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.”

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 19 de 29anotação constante em uma das agendas apreendidas pela Polícia Federal na sala doacusado GIL JACÓ CARVALHO Santos, que era Diretor Financeiro da ConstrutoraGAUTAMA (cf. fl. 58 do Apenso nº 45 da Ação Penal nº 536/BA, reproduzidadigitalmente no DVD I, acostado à fl. 04 do vol. 01 destes autos). O cotejo da conversaacima transcrita com o teor da anotação supracitada infirma, inclusive, a tese dadefesa de que os R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) se destinariam aopagamento de um "Professor ERNANI", que teria sido contratado pela GAUTAMApara elaborar o primeiro projeto executivo da barragem de Duas Bocas/Santa Luzia(fls. 6439-6443, vol. 24).

267. Também há elementos que confirmam a destinação de vantagem ilícita, no valorde pelo menos R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a JOÃO FERRO NOVAES NETO (atravésde sua empresa J. F. Novaes), que, à época dos fatos, era assessor do então Senadorda República Teotônio Vilela Filho, conforme anotação encontrada em agendaapreendida na sala do acusado FLORÊNCIO BRITO VIEIRA (doc. de fl. 110 do Apenso nº45) e diálogos abaixo transcritos (fl. 77, vol. 01)9:

"ZULEIDO: é cinquenta para João Ferro, cinquenta para Fátima lá em Brasília ecinquenta pra Sergipe.

FOCA: posso já... ativar tudo direitinho, né?"

[07/07/2006 10:22:07]

FLORENCIO: eu to aqui com o pessoal aqui na produção, mas conseguimos aqui 30.

ZULEIDO: temos que conseguir, também, 50 de BRASÍLIA. Fale com JOÃO FERRO, falecom o pessoal de FLAVIO, entendeu? Que vai levar segunda-feira, tá?

(...)

ZULEIDO: vê se consegue, pelo menos 50 pra BRASÍLIA.

(...)

ZULEIDO: então leva pra FATIMA levar pro nosso amigo lá, tá? Segunda-feira vai mais,tá?

(...)

ZULEIDO: fale com JOAO FERRO que vai levar segunda-feira, tá?

[07/07/2006 16:01:59]"

308. É que em relação a essas duas parcelas, como já sublinhado ao se tratardos crimes de corrupção ativa praticados por ZULEIDO SOARES DE VERAS, consta um

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 20 de 29diálogo gravado no dia 13.07.2006, às 12h 05min e 08s (cf. fl. 71)17, entre este(ZULEIDO) e ERNANI SOARES GOMES FILHO, do qual se conclui claramente a aceitaçãoda importância de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e a confirmação do recebimento deR$ 100.000,00 (cem mil reais), como se vê abaixo:

"ZULEIDO: olhe, aquele negócio dos 'trinta', eu levo segunda-feira, tá?

ERNANI: tá bom. Ok.

ZULEIDO: aqueles 'cem' chegaram ontem, né?

ERNANI: chegou, chegou, é."

309. Mais uma vez realço: não bastasse a promessa da entrega de vultosaquantia, o pagamento das importâncias de R$ 100.000,00 (cento mil reais) e de R$30.000,00 (trinta mil reais) à ERNANI SOARES são confirmados pela anotaçãoconstante em uma das agendas apreendidas pela Polícia Federal na sala do acusadoGIL JACÓ CARVALHO SANTOS, que era Diretor Financeiro da Construtora GAUTAMA(cf. fl. 58 do Apenso nº 45 da Ação Penal nº 536/BA, reproduzida digitalmente no DVDI, acostado à fl. 04 do vol. 01 destes autos). O cotejo da conversa acima transcrita como teor da anotação supracitada infirma, inclusive, a tese da defesa de que os R$130.000,00 (cento e trinta mil reais) se destinariam ao pagamento de um "ProfessorERNANI", que teria sido contratado pela GAUTAMA para elaborar o primeiro projetoexecutivo da barragem de Duas Bocas/Santa Luzia (fls. 6439-6443, vol. 24)18.

316. Nada obstante a linha argumentativa da acusação, tenho que, em relação àsuposta "propina" no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), não existemelementos suficientes para a formação do convencimento deste magistrado (pelomenos não a ponto de superar as dúvidas existentes sobre este determinado fatoilícito). Isso porque a anotação na agenda de GIL JACÓ, como já destacadoanteriormente, referente a um "ADIANT. MF - 500", não se me afigura capaz, por sisó, de embasar um decreto condenatório.

317. Por outro lado, as ilações do MPF se justificam em relação a uma vantagemindevida no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), haja vista as circunstâncias docaso, somadas à anotação "COMPROMISSOS (...) SECRET. ANTIGO (MARCIO) -15.000", datada de 27.01.2007, encontrada na agenda de ABELARDO SAMPAIO LOPESFILHO (funcionário da GAUTAMA em Alagoas), apreendida pela Polícia Federal (fl. 93do Apenso 47 da Ação Penal nº 536/BA). Tal anotação confirma o recebimento de

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 21 de 29vantagem indevida pelo acusado após ter deixado o cargo de Secretário deInfraestrutura (segundo o próprio acusado, em audiência, sua gestão à frente daSEINFRA durou de 19.06.2006 a 31.12.2006), mas ainda em razão de sua atuação emfavor da GAUTAMA no período em que esteve à frente da Secretaria de Estado, comoserá melhor abordado quando do exame da acusação de peculato. Entretanto, no quetoca à segunda anotação ("EX-SECRETÁRIO + GOV - 2 + 5"), datada do dia 28.01.2007,tenho que a mesma não traz em seu conteúdo dados suficientes para identificar oacusado e nem a efetiva alusão a um valor monetário ou percentual de qualquernatureza. De igual modo, entendo que as referências a uma "devolução com Márcio"e a uma "quantidade de xerox", aliadas às movimentações de FLORÊNCIO e FÁTIMAentre Salvador, Brasília e Maceió, não são capazes de configurar o pagamento depropina neste caso específico.

271. Ainda assim, até aqui não se poderia dizer que existem provas suficientespara respaldar a pretensão ministerial. Contudo, na vereda das chamadas provasindiciárias, a tese do MPF passa a se robustecer a partir da constatação das anotaçõesexistentes na agenda de ABELARDO SAMPAIO (cópia em anexo a esta sentença, daqual passa a fazer parte - doc. 01) (apreendida pela Polícia Federal, cf. fl. 93 doApenso 47 da Ação Penal nº 536/BA)10. Nessa agenda, com data de 28.01.2007,consta a seguinte anotação: "SUB-SECRET. - 1". Coincidentemente, foram tambémencontrados pela Polícia Federal 02 (dois) "Memorandos Internos", e um rascunho,datados de 06.03.2007 e 04.04.2007, assinados por ABELARDO e dirigidos a GIL JÁCÓe FLORÊNCIO (Setor Financeiro da GAUTAMA em Salvador/BA), requisitando aliberação de numerário para, dentre outros, o pagamento de valores ao "SUB", novalor de "29.100,00", e, novamente, ao "SUB", no percentual de "(1,0)" e no valor de"26.000,00" (cópias em anexo - doc. 02) (fls. 104-107 do mesmo Apenso 47)11. Paraespancar qualquer dúvida acerca da destinação dos referidos numerários para opagamento de vantagens indevidas a DENISON DE LUNA, que era Subsecretário deEstado de Infraestrutura, basta atentar para o fato de que justamente nos dias01.03.2007 e 03.04.2007 a GAUTAMA resgatou da Conta do Convênio, no Banco doBrasil (Conta nº 5.711-8), respectivamente, as importâncias de R$ 2.909.728,21 (doismilhões, novecentos e nove mil, setecentos e vinte e oito reais e vinte e um centavos)e de R$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais) (cf. fls. 4412-4413, vol. 18).Ou seja, os montantes destinados ao Sub-Secretário coincidem exatamente com opercentual de 1% (um por cento) sobre os valores pagos à GAUTAMA pelas mediçõesnos meses de março e abril/2007.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 22 de 29280. Com já visto, a tese do MPF passa a se robustecer a partir da constatação dasanotações existentes na agenda de ABELARDO SAMPAIO (apreendida pela PolíciaFederal, cf. fl. 93 do Apenso 47 da Ação Penal nº 536/BA) 12. Nessa agenda, com datade 28.01.2007, consta a seguinte anotação: "SUB-SECRET. - 1". Coincidentemente,foram também encontrados pela Polícia Federal 02 (dois) "Memorandos Internos",datados de 06.03.2007 e 04.04.2007, assinados por ABELARDO e dirigidos a GIL JÁCÓe FLORÊNCIO (Setor Financeiro da GAUTAMA em Salvador/BA), requisitando aliberação de numerário para, dentre outros, o pagamento de valores ao "SUB", novalor de "29.100,00", e, novamente, ao "SUB", no percentual de "(1,0)" e no valor de"26.000,00" (fls. 104-107 do mesmo Apenso 47)13. Para espancar qualquer dúvidaacerca da destinação dos referidos numerários para o pagamento de vantagensindevidas a DENISON DE LUNA, que era Subsecretário de Estado de Infraestrutura,basta atentar para o fato de que justamente nos dias 01.03.2007 e 03.04.2007 aGAUTAMA resgatou da Conta do Convênio, no Banco do Brasil (Conta nº 5.711-8),respectivamente, as importâncias de R$ 2.909.728,21 (dois milhões, novecentos enove mil, setecentos e vinte e oito reais e vinte e um centavos) e de R$ 2.600.000,00(dois milhões e seiscentos mil reais) (cf. fls. 4412-4413, vol. 18). Ou seja, os montantesdestinados ao Sub-Secretário coincidem exatamente com o percentual de 1% (um porcento) sobre os valores pagos à GAUTAMA pelas medições nos meses de março eabril/2007.

284. Mas não apenas nisso. Como visto acima, quando da análise das condutasde ZULEIDO VERAS e MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, no dia 13.02.2007, esta seencontrou no Aeroporto de Brasília/DF com ZULEIDO para repassar o numerário queeste levaria para ABELARDO, que, por sua vez, entregaria a DENISON DE LUNA.Ademais, como também já explicado, constava na agenda do próprio ABELARDO(apreendida pela Polícia Federal, cf. fl. 93 do Apenso 47 da Ação Penal nº 536/BA),anotação que confirma o pagamento de "propina", no percentual de 1% ao entãoSub-Secretário da SEINFRA (DENISSON DE LUNA), sendo tal fato corroborado pelos 02(dois) "Memorandos Internos", datados de 06.03.2007 e 04.04.2007, assinados porABELARDO e dirigidos a GIL JÁCÓ e FLORÊNCIO (Setor Financeiro da GAUTAMA emSalvador/BA), requisitando a liberação de numerário para, dentre outros, opagamento de valores ao "SUB", no valor de "29.100,00", e, novamente, ao "SUB", nopercentual de "(1,0)" e no valor de "26.000,00" (fls. 104-107), e também pelosextratos bancários da Conta nº 5.711-8, acostados às fls. 4412-4413 (vol. 18), segundoos quais, justamente nos dias 01.03.2007 e 03.04.2007 a GAUTAMA resgatou daConta do Convênio, no Banco do Brasil (Conta nº 5.711-8), respectivamente, asimportâncias de R$ 2.909.728,21 (dois milhões, novecentos e nove mil, setecentos evinte e oito reais e vinte e um centavos) e de R$ 2.600.000,00 (dois milhões e

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 23 de 29seiscentos mil reais), valores estes que coincidem com a base de cálculo dopercentual de 1% (um por cento) devido à DENISON DE LUNA.

382. Constam dos autos, ainda, provas de que, por sua atuação, o acusado recebiavantagem indevida paga por ZULEIDO VERAS e entregue por ABELARDO SAMPAIO,que, inclusive, mantinha em sua agenda o registro do percentual (1%) devido àDENISON sobre os valores das parcelas liberadas em favor da GAUTAMA, como vistoquando da análise da materialidade e autoria dos delitos de corrupção ativa e passiva,às fls. retro.

424. Como engenheiro da GAUTAMA, que atuava diretamente junto às obras e àSEINFRA/AL, o acusado ocupava posição de destaque na empresa, estando envolvidona organização do esquema de pagamento de vantagens indevidas a funcionários eagentes públicos, conforme explicado no item 2.3.1.3. deste decisum. Fazem provadessa colaboração do acusado as transcrições reproduzidas às fls. 87-88, e asanotações existentes em uma agenda de sua propriedade e em dois memorandosinternos subscritos pelo mesmo, tudo apreendido pela Polícia Federal, cf. fls. 93, 104-107 do Apenso 47 da Ação Penal nº 536/BA. Além disso, descabe olvidar a ingerênciado acusado no âmbito da SEINFRA/AL, inclusive junto à Fiscal de Obras Sílvia Valéria,responsável pelas medições da adutora do Sistema Pratagy, como já abordado nestasentença (item 2.3.3). E não se diga que a verdadeira intenção do acusado era tãosomente de receber pela execução dos serviços da Construtora GAUTAMA. É que astranscrições anteriores já cuidaram de afastar esta tese de sua defesa, pois uma coisaé apresentar corretamente todos os serviços executados (e a serem medidos parapagamento pela Administração Pública); outra coisa é querer receber por serviçoscomprovadamente não executados, executados parcialmente ou cobrados a maior.

389. Em diálogo gravado logo após o acusado assumir a SEINFRA, ROSEVALDO("ROSE"), informa a ZULEIDO que havia formalizado convite a MÁRCIO e ao DeputadoEstadual Antônio Albuquerque (deputado este que é cunhado do acusado MÁRCIOFIDELSON), para irem, juntamente com suas esposas, passar um final de semana emSalvador/BA, o que demonstra o interesse da GAUTAMA de introduzir o novoSecretário no esquema de corrupção. Além disso, em conversa com MÁRCIO,ROSEVALDO busca interferir, inclusive, na composição dos quadros da Secretaria, afim de resguardar os interesses escusos da construtora. Segue transcrição:

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 24 de 29

ROSE diz que conversara com MÁRCIO (NOVO SEINFRA/AL) e que este lhe dissera que"quer fazer o negócio com a gente"; diz que MÁRCIO não quer se envolver com a obrado "CANAL DO SERTÃO", pois esta licitação vai dar problema e não tem interesse;ROSE diz que o informou sobre a existência de um aditivo de R$ 50 milhões; diz queMÁRCIO disse que não teria problema e disse que TONHO está querendo ir aSALVADOR conversar com ZULEIDO; ROSE diz também que formalizou o convite, pororientação de ZULEIDO, para que MÁRCIO e TONHO fossem a SALVADOR no outrofinal de semana (01 e 02/07); diz também que quando falou do volume de recursosque ZULEIDO pretende alocar (R$ 55 milhões) MÁRCIO "endoidou", mas ROSE deixouclaro que precisava haver a "velocidade de desembolso". Em seguida fala dasmudanças de pessoal que MÁRCIO deverá fazer. Relata que MARCIO disse: "... ofinanceiro não fica. O de obras não fica. O PAULO ... ", interrompe e continua dizendoque teve (MARCIO) uma reunião com o GOVERNADOR onde mostrou uma agenda edisse que problema de licitação, caixa e pagamento são com ele exclusivamente e quenão abre mão, que seriam somente dele (MARCIO) e do FINANCEIRO que estátrazendo junto (uma mulher). ROSE diz que querem falar com ZULEIDO e que ROSEdisse a eles que não poderia acertar nada porque a empresa não é dele. MARCIOdisse que ROSE estaria para ZULEIDO assim como ELE (MARCIO) estaria para TONHO.ROSE diz que sugeriu de irem para SALVADOR. Depois disso, ZULEIDO lembra que elestêm que pagar R$ 3 milhões no dia seguinte e que o "cara" da SECRETARIA estámandando. ROSE diz que alertara MÁRCIO sobre isso e dissera que já tem a mediçãopronta. ZULEIDO pede que ROSE veja com BOLIVAR como isso vai ficar, pois "o cara"mandava por meio de PAULO PIMENTEL e este tem a linha do Governador e doSecretário da Fazenda, então "o cara" vai ficar vendido, no meio dos dois. ROSE dizque conversará com BOLIVAR no dia seguinte. (Grifos nossos) (Dia 19.06.2006.Horário: a partir das 21h44min13seg. Arquivo6181210053_20060619214413_1_405982)

Como visto, de forma isolada, as notas das agendas não servem para basearuma condenação, como é desejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Aliás, essafragilidade probante já havia sido constatada pela Ministra CARMEM LÚCIA, aovotar pela rejeição da denúncia vinculada ao INQ 3732, especificamente emrelação à agenda de GIL JACÓ, só que em relação ao Deputado Federal alidelatado. Diz o voto:

Registre-se, também, que as anotações encontradas na agenda de Gil Jacó CarvalhoSantos, apreendida pela Polícia Federal, não são aptas, por si sós, a demonstrarem aexistência de elementos mínimos caracterizadores da materialidade e autoria delitiva,

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 25 de 29necessários à indicação da necessidade do prosseguimento da ação penal, nos termosdo art. 41 do Código de Processo Penal.

Então, não sendo “fontes independentes” de prova, as agendas e os seusrespectivos conteúdos estão marcados pela imprestabilidade material, já quecontaminados pela fonte primária – a interceptação telefônica – registradacomo inadimissível para o processo. A propósito dessa conclusão, tem ela amesma linha do comando exarado no voto da Ministra CARMEM LÚCIA nomulticitado INQ 3732, verbis:

Ademais, estas provas foram obtidas por derivação da interceptação realizada sem aautorização do Supremo Tribunal Federal, o juízo competente para determinaçãodaquele ato, nos termos do art. 102, inc. I, al. b, da Constituição da República e do art.1º da Lei n. 9.296/1996.

Neste sentido é claro o posicionamento deste Tribunal traduzido no julgamentorealizado no HC n. 93.050, Relator o Ministro Celso de Mello:

“A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da árvore envenenada”)repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, nãoobstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, noentanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite,contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dadosprobatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anteriortransgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitarama garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.

- Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, oselementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão daprova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentespúblicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante,no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordemjurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.

- Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve,legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma deprova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da provaoriginariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 26 de 29probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pelamácula da ilicitude originária”.

Considere-se, no caso particular dos dados advindos da agenda de ABELARDOSAMPAIO, que mesmo que dali fosse retirado embasamento probante hábil ainculpá-lo, tal prova seria írrita, em atenção ao PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTARICA9, que veda a autoincriminação.

Por tudo que aqui exposto, voto dando provimento às apelações dosPARTICULARES e negando provimento ao apelo do MINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL.

É como voto.

9 Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, que internalizou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 27 de 29APTE : MARIA DE FATIMA CESAR PALMEIRAADV/PROC : MARIO CESAR JUCA FILHO (AL009274) E OUTROSAPTE : JOAO FERRO NOVAES NETOAPTE : ENÉAS DE ALENCASTRO NETOADV/PROC : BRUNO SANTA MARIA NORMANDE (AL004726) E OUTROSAPTE : GIL JACO CARAVALHO SANTOSAPTE : ABELARDO SAMPAIO LOPES FILHOADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROSAPTE : ROSEVALDO PEREIRA DE MELOADV/PROC : BRUNO SORIANO CARDOSO (AL007040) E OUTROAPTE : ZULEIDO SOARES DE VERASADV/PROC : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA (DF021932) E OUTROSAPTE : DENISON DE LUNA TENÓRIOADV/PROC : JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI (AL004118) E OUTROSADV/PROC : GEDIR MEDEIROS CAMPOS JÚNIOR (AL006001)ADV/PROC : BRUNO DE OMENA CELESTINO (AL010706)APTE : ADEILSON TEIXEIRA BEZERRA (AL004719)APTE : MARCIO FIDELSON MENEZES GOMESADV/PROC : SAULO LIMA BRITO (AL009737) E OUTROAPTE : ERNANI SOARES GOMES FILHOADV/PROC : LUÍS ALEXANDRE RASSI (DF023299)APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPDO : OS MESMOSORIGEM : 13ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS - ALRELATOR : DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO

EMENTA

APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO.CORRUPÇÃO ATIVA, CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO.PROVIMENTO DO APELO DOS RÉUS E DESPROVIMENTO DAAPELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

I – Em processo que teve regular processamento perante a 13ªVara Federal de Alagoas, decorrente de desmembramento de açãopenal originária que se inaugurou perante o Superior Tribunal deJustiça, em razão de privilégio de foro de alguns dos inicialmentedenunciados, foram os ora RECORRENTES condenados por práticade corrupção ativa, corrupção passiva e peculato.

II – A acusação foi desferida ao argumento de que os APELANTESparticiparam de complexa teia criminosa, com alcance de dinheirospúblicos decorrentes de celebrado entre a UNIÃO, por meio doMINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, e o ESTADO DE ALAGOAS,no valor de R$ 77.780.000,00 (setenta e sete milhões, setecentos e

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 28 de 29oitenta mil reais), dos quais 70 (setenta) milhões foram financiadospelo GOVERNO FEDERAL.

III – Os elementos probantes que deram suporte às condenaçõesforam primordialmente conseguidos através de interceptaçõestelefônicas ordenadas por juízos incompetentes (inicialmente naJustiça Federal da Bahia e posteriormente no Superior Tribunal deJustiça). Reconhecimento da inadmissibilidade da prova colhida pordeterminação de autoridades incompetentes. Ilicitude que nãopode ser convalidada, já que a decisão da Corte Suprema incidesobre a prova em si.

IV – Conclusão inexorável do julgado do STF: a) a interceptaçãodeterminada pelo Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária daBahia é nula, por carência competencial, já que teve por alvoautoridades jurisdicionadas constitucionalmente perante oSupremo Tribunal Federal (Deputado Federal e Ministros doTribunal de Contas da União – CF, art. 102, I, “b” e “c”); b) nulidadetambém da prova, pois em continuação, foi o feito deslocado parao Superior Tribunal de Justiça – onde as autorizações deinterceptação tiveram prosseguimento – incidindo na mesmacarência competencial, pois o tema estava reservado ao SupremoTribunal Federal, intuito personae dos sindicados; c) nulas as provasapanhadas nas interceptações telefônicas, nulas também as provasque delas derivaram, “por não configuradas as exceções previstasno § 1° e no § 2° do art. 157 do Código de Processo Penal”.

V – A eiva de ilicitude que se abate sobre a prova questionadadecorre da inconformidade entre os atos jurisdicionais que aautorizaram (da Justiça Federal da Bahia e do Superior Tribunal deJustiça) e o estabelecido na Constituição (art. 102, I, letras “b” e“c”). Não se cogita, portanto, de prova criminosa ou obtida pormeio criminoso (p. ex., tortura ou escuta clandestina). De provailícita, contrária ao direito posto em linhas da Constituição, sim.

VI – Em casos tais, não é da maior perfeição técnica que se cuidede declaração da nulidade da prova ilícita; mister que seja ela

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12706/AL (0002186-27.2010.4.05.8000) 29 de 29excluída do processo, por comando do que solta do art. 157 do CPP(“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas doprocesso, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas emviolação a normas constitucionais ou legais.”), que na reforma de2008 fez clara opção pelo sistema da inadmissibilidade da provailícita, distanciando-se do sistema da admissibilidade da provailícita, para ser valorada ao momento do julgamento, advindo,inclusive, a declaração da sua nulidade. A antiga dicção do art. 157do CPP amoldava-se ao sistema da admissibilidade; a atual redaçãodo mesmo código consagra o outro sistema.

VII – As anotações lançadas em agendas encontradas na posse dealguns dos APELANTES não servem para dar base às condenaçõesperseguidas pelo MPF, a uma porque sozinhas nada provam; a duasporque estão de tal forma imbricadas com a prova ilícitadecorrente das interceptações telefônicas que atraem para si,também, a pecha de inadmissíveis.

VIII – Provimento das apelações dos RÉUS e desprovimento daapelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região,por unanimidade, dar provimento às apelações dos réus e negar provimento às apelações doMinistério Público Federal, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantes dosautos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 12 de dezembro de 2017.(Data de julgamento)

Juiz Federal IVAN LIRA DE CARVALHO

RELATOR CONVOCADO (Em auxílio)