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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
MARIA CLAUDIA VIDAL BARCELOS
REGIMES DE SENTIDOS EM ESPAÇOS TEMÁTICOS PAULISTANOS:
CONSUMO DE MÓVEIS E OBJETOS DE DECORAÇÃO
SÃO PAULO
2014
MARIA CLAUDIA VIDAL BARCELOS
REGIMES DE SENTIDOS EM ESPAÇOS TEMÁTICOS PAULISTANOS:
CONSUMO DE MÓVEIS E OBJETOS DE DECORAÇÃO
Texto apresentado à banca de qualificação do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação e Semiótica.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira.
SÃO PAULO
2014
BANCA EXAMINADORA
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Para meu filho Victor, que está sempre em
meus pensamentos.
Agradecimentos
Ao Claudio, meu marido, por todo seu incentivo, apoio e amor nessa jornada.
À minha orientadora, Ana Claudia de Oliveira, que entre tantos afazeres me conduziu pela
pesquisa com extrema dedicação.
Às professoras Sylvia Demetresco e Valdenise Martyniuk, pelos apontamentos essenciais.
Aos novos amigos Mariana Albuquerque e Marc Bogo, pelo acolhimento e pelos momentos
compartilhados.
Ao nosso grupo de pesquisa Centro de Pesquisa Sociossemióticas, por ampliar meus
horizontes.
Ao Rafael Lenzi, pelas correções tão necessárias.
Às minhas amigas queridas de longa data, Sy, Tatã, Macá, Rô, Marylza, Pati e Nora que
souberam compreender minha ausência em alguns momentos de convívio.
À Fundação PUC São Paulo, pela bolsa concedida.
E finalmente, agradeço à Deus pela minha vida e por proporcionar todos esses encontros
sensíveis sem os quais não seria possível chegar até aqui.
RESUMO
A presente pesquisa estuda o comércio de móveis e objetos de decoração da cidade de São
Paulo. Objetivamos compreender e sistematizar a produção de sentido no contexto do
consumo desse segmento a partir de como são estabelecidas as relações intersubjetivas entre
sujeitos e espaços temáticos. Indagamos assim, como os sujeitos se dão a ver pela ocupação
desses espaços temáticos e fazem ser o sentido para o comércio de decoração paulistano?
Como corpus foram tomadas duas ruas temáticas da cidade, a Rua Teodoro Sampaio e
Alameda Gabriel Monteiro da Silva, em trechos específicos, nos quais a concentração de lojas
do segmento de decoração é maior. Nossa hipótese é que as lojas organizam-se de modo
estratégico em consonância aos valores praticados nas ruas que estão alocadas. Essas vias são
tomadas como destinadores fortes que vão intervir nos modos de presença dos sujeitos. Para
complementar nossa investigação analisamos a empresa Dunélli House que se faz vista por
três lojas nesses trechos selecionados. Nesses espaços temáticos ocorrem diferentes modos de
sociabilidade presentificados em seus enunciados que fazem ser o sentido do consumo,
promovendo identidades e regimes de interação social. O referencial teórico e metodológico
adotado é a semiótica discursiva a partir do legado de A.J. Greimas, com sua proposição do
percurso gerativo de sentido e da gramática narrativa. O desdobramento dessa teoria na
sociossemiótica de E. Landowski embasa a análise dos regimes de visibilidade e regimes de
sentido a partir dos tipos de interação que ocorrem nesses espaços, bem como a abordagem da
semiótica plástica realizada por J.M. Floch e A. C. de Oliveira. A conclusão é que essas vias
temáticas são destinadores fortes capazes de delinear os tipos de sujeitos que se dão a ver nos
trechos selecionados e fazem ser o sentido para o comércio de decoração paulistano.
Palavras-chave: São Paulo. Práticas de consumo. Móveis e objetos de decoração.
Visibilidade. Regimes de interação e de sentido. Sociossemiotica.
ABSTRACT
The present study regards São Paulo’s city commerce of furniture and decoration objects. We
aim to understand and systematize sense production on the context of this segment’s
consumption from the way intersubjective relations are settled between subjects and thematic
spaces. In that way we question how do subjects allow themselves to be seen by the
occupation of these thematic spaces and give meaning to sense for Paulistano’s decoration
commerce? As corpora were taken two thematic streets of the city, RuaTeodoro Sampaio and
Alameda Gabriel Monteiro da Silva, on specific sites where concentration of decoration
segment stores is bigger. As hypothesis we assume that stores organize themselves in a
strategic way, according to the values practiced on the spaces where these stores are placed.
These streets are presumed as strong Addressers that will interfere on subjects’ presence way.
As a complement to our investigation we analyze Dunélli House Company, that makes itself
seen by three stores on the selected sites. On these thematic spaces occur different sociability
ways presentified in their enunciates that make the consumption sense to be, promoting
identities and social interaction regimes. The theoretical and referential basis adopted is
Discursive Semiotics, from A. J. Greimas’ legacy, with his proposition concerning sense
generative path and narrative grammar. The development of this theory on E. Landowski’s
Sociossemiotics founds visibility regimes and sense regimes’ analysis from the kinds of
interaction that happen on these spaces, as well as J.M. Floch and A. C. de Oliveira’s
approach on Plastic Semiotics. The conclusion points that these thematic routes are strong
Addressers, able to delineate the kinds of subjects that come to be seen on selected sites and
give meaning to sense regarding Paulistano’s decoration commerce.
Keywords: São Paulo. Consumption practices. Furniture and decoration objects.Visibility.
Sense interaction regimes. Sociossemiotics.
LISTA DE FIGURAS
Figura1- Mapa dos polos comerciais de rua da cidade de São Paulo.............................
Figura 2 - Rua das Noivas..............................................................................................
Figura 3 - Rua dos eletrônicos........................................................................................
Figura 4 - Rua Oscar Freire............................................................................................
Figura 5- Lustres Bobadilha...........................................................................................
Figura 6 – A divulgação da CASACOR 2012.................................................................
Figura 7- O estilo de morar dos bandeirantes.................................................................
Figura 8 – A moradia no final do século XIX................................................................
Figura 9 – Loja Mappin: anúncios e espaços internos...................................................
Figura10- Art Déco na arquitetura e no mobiliário........................................................
Figura 12- Símbolo da modernidade: Edifício Ester......................................................
Figura 12: A era do Rádio..............................................................................................
Figura 13- A televisão dentro de casa............................................................................
Figura 14- Edição da revista Casa e Jardim..................................................................
Figura 15- Ícones dos anos 50........................................................................................
Figura 16- Poltrona Paulistana......................................................................................
Figura 17: Móveis Hobjeto.............................................................................................
Figura 18- Decoração dos anos 70.................................................................................
Figura 19 – O conceito de moradia e trabalho, atualizado.............................................
Figura 20- Uma das lojas Tok Stok................................................................................
Figura 21- Shopping Lar Center....................................................................................
Figura 22- O D&D- Decoração e Design Center..........................................................
Figura 23 – Loja Conceito Dedon..................................................................................
Figura 24 – o Bairro Pinheiros.......................................................................................
Figura 25- Jardim Paulistano..........................................................................................
Figura 26- Delimitações dos bairros e vias....................................................................
Figura 27- Av. Brigadeiro Faria Lima............................................................................
Figura 28- O Largo da Batata........................................................................................
Figura 29- Início da Rua Teodoro Sampaio...................................................................
Figura 30- Trecho selecionado.......................................................................................
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Figura 31- A Alameda Gabriel Monteiro da Silva.........................................................
Figura 32- Alameda Gabriel comercial..........................................................................
Figura 33 – O andar pela Alameda.................................................................................
Figura 34- Alameda comercial arborizada.....................................................................
Figura 35- Estabelecimentos comerciais na Alameda....................................................
Figura 36- Consumidora na Alameda............................................................................
Figura 37- As lojas e suas fachadas................................................................................
Figura 38- Cuidados dispensados...................................................................................
Figura 39- Inovação nas fachadas..................................................................................
Figura 40- Preservação da arquitetura da casa...............................................................
Figura 41- Nomes como diferenciação de serviço.........................................................
Figura 42: A loja Firma Casa........................................................................................
Figura 43- Conceito: Firma Casa..................................................................................
Figura 44- Marcas renomadas na Alameda Gabriel.......................................................
Figura 45- Lojas de grifes internacionais.......................................................................
Figura 46: Loja conceitual Moss para a Casa...............................................................
Figura 47- Evento Avant Gabriel Chandon...................................................................
Figura 48- Pontos comerciais na Teodoro dos móveis...................................................
Figura 49- O elemento cromático na diferenciação.......................................................
Figura 50- A passagem entre exterior e o interior.....................................................
Figura 51- Fachadas diferenciadas.................................................................................
Figura 52-Loja Garimpo................................................................................................
Figura 53- Exposição nas calçadas.................................................................................
Figura 54- Faixas promocionais.....................................................................................
Figura 55- Sujeitos consumidores em circulação...........................................................
Figura 56- Cópias de mobiliário.....................................................................................
Figura 57- Casa & Móvel...............................................................................................
Figura 58- Espaços internos do Casa & Móvel Outlet...................................................
Figura 59- Divulgação no Casa & Móvel Outlet...........................................................
Figura 60- Fachadas da Dunélli House..........................................................................
Figura 61- Logo da marca em frente às lojas.................................................................
Figura 62- Vitrinas em relação.......................................................................................
Figura 63- Cartões da loja..............................................................................................
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Figura 64- Serviço de café das lojas...............................................................................
Figura 65- Mesas de atendimento..................................................................................
Figura 66: Indicação do Espaço Goumet no piso superior.............................................
Figura 67- Ambientes internos da Dunélli Teodoro.......................................................
Figura 67- Composições internas da Dunélli Gabriel....................................................
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................................
São Paulo e os segmentos de decoração............................................................................
Abordagem semiótica dos espaços temáticos de São Paulo..............................................
Do objeto de estudo, o corpus...........................................................................................
Organização do trabalho....................................................................................................
CAPÍTULO I: MÓVEIS E A DECORAÇÃO NA CULTURA PAULISTANA.......
I.1. O ponto de venda do segmento de decoração.........................................................
CAPÍTULO II: AS RUAS TEMÁTICAS DO SEGMENTO......................................
II.1. Bairros e entornos..................................................................................................
II.2. Os modos de presença da Alameda comercial......................................................
II.3. Os modos de presença da Teodoro dos móveis.....................................................
CAPÍTULO III: PRESENÇAS DA DUNÉLLI HOUSE.............................................
III.1. A empresa e localizações.....................................................................................
III.2. Estratégias de visibilidade....................................................................................
III.3. Entre a identidade e os valores assumidos...........................................................
CAPÍTULO IV: TIPOLOGIAS E INTERAÇÕES DOS SUJEITOS........................
IV.1. Tipologia dos sujeitos..........................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................
REFERÊNCIAS...............................................................................................................
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Com 460 anos, São Paulo pode ser considerada uma cidade jovem e inovadora.
Marcada por um grande polo de consumo que não para de crescer, a cidade de São Paulo
mostra-se para o Brasil, América Latina, enfim, para o mundo, como cidade das novidades e
das possibilidades em diversos segmentos. Não é raro ouvir: “São Paulo tem de tudo”! A
própria prefeitura, na criação do novo slogan da cidade enquanto marca, convida: “Viva tudo
isso” (SP TURIS) ofertando o “tudo” da cidade aos seus moradores e visitantes1. Esses são
então, consumidores em potencial do que a cidade tem a oferecer, capital socioeconômico
cultural, vivificado no grande polo comercial da megalópole.
Sede de muitas filiais de empresas multinacionais e instituições financeiras, São
Paulo é o centro da economia brasileira. Local onde as ideias nascem e amadurecem mais
rapidamente em comparação às outras regiões do país. É assim que, em ritmo acelerado, a
cidade acompanha as mudanças internas ou aquelas impostas pelo mercado internacional, que
propicia em seus polos comerciais uma constante mudança nos modos de consumir.
Esses aglomerados comerciais formam-se a partir da evolução das cidades. No início
da metrópole paulistana era na região central que concentrava as atividades principais do
município. No artigo “Polos comerciais de rua”, J. Parente ressalta o motivo da sua origem
central:
[...] o centro concentrava todas as principais atividades da cidade, pois ali se localizavam os terminais de transporte coletivo, os órgãos de gestão pública,
as atividades financeiras e empresariais, o polo varejista, assim como as
residências da população de maior poder aquisitivo. (2007, p.50)
Com o crescimento e o desenvolvimento urbano, a área comercial central expandiu-
se dando origem aos polos comerciais localizadas em bairros. Assim, espalhados em todos os
bairros da cidade de São Paulo, os pontos de vendas estão alocados para atender sujeitos
moradores ou passantes em busca de diversos produtos e serviços (Fig.1).
1 Para aprofundamento consultar A. C. de Oliveira no texto: “ Viva tudo isso”( In caderno de texto de XVIII Colóquio Centro de Pesquisas Sociossemioticas. SP, 2012..
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Figura1- Mapa dos polos comerciais de rua da cidade de São Paulo
O mapa mostra destacado, em círculos, os diversos polos comerciais de rua espalhados nas regiões da cidade de
São Paulo.
Fonte: Parente – Varejo&Pesquisa.
É característica do comércio de São Paulo a formação de ruas especializadas em
diversas segmentações: rua das noivas (Fig.2) rua dos eletrônicos (Fig.3), rua das autopeças,
rua da moda (Fig.4) entre tantas outras ruas temáticas. Contam-se 79 ruas especializadas em
mais de 51 segmentos2. Nessas ruas vemos inúmeras lojas em diversos formatos, instaladas
lado a lado, praticando a livre concorrência, ofertando mercadorias de um mesmo tema.
2 Dado segundo site oficial de turismo da cidade de São Paulo (VISITE SÃO PAULO). Acessado 26/08/2014.
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Figura 2 - Rua das Noivas
Rua São Caetano conhecida como a "Rua das Noivas", está localizada na região central de São Paulo, no bairro da Luz. O bairro é constituído por construções antigas que na sua maioria foram reformadas para abrigar as lojas
de artigos para casamento que podem ser identificadas pelas amplas vitrinas as quais permitem visibilidade de
fora para dentro.
Fonte: http://monicacerimonialista.blogspot.com.br/
Figura 3 - Rua dos eletrônicos
Rua Santa Efigênia, no centro de São Paulo. Especializada em eletrônicos, a rua movimenta milhares de
empregos e leva outros milhares de consumidores do país a frequentar a região. A rua é bastante movimentada.
As lojas utilizam fachadas coloridas como recurso para o diferenciamento de uma loja da outra.
Fonte: http://www.guiadasemana.com.br/turismo/noticia/lugares-para-musicos-em-sao-paulo
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Figura 4 - Rua Oscar Freire
Localizada na zona oeste da cidade, a Rua Oscar Freire sedia várias grifes de luxo que estão lado a lado e
instauram uma prática de passeio e apreciação dos arranjos expostos não somente para os paulistanos mas
também para os turistas. Na rua arborizada as calçadas largas permitem a instalação de bancos que propiciam os
sujeitos instalarem-se para comtemplar as vitrinas e a circulação de pessoas pelo local.
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/
São Paulo e os segmentos de decoração
Para uma São Paulo cujo trânsito é caótico, a existência de ruas comerciais temáticas
facilita muito a vida de quem está em busca de produtos específicos. A concorrência traz
vantagens, não somente pela possível pesquisa na tomada de preço e na comparação entre os
modelos expostos como também possibilita uma concorrência saudável entre os comerciantes.
De acordo com P. Kotler (2012, p.296) a concorrência direta acontece quando as empresas
procuram satisfazer os mesmos consumidores e suas necessidades com ofertas similares. Por
estarem agrupadas em uma mesma rua ou região as lojas atraem os consumidores pela
variedade de ofertas dentro do mesmo tema melhorando o movimento de vendas de todos os
comerciantes. Essa característica também faz com que as transformações e adequações dos
polos comerciais de ruas sejam mais dinâmicas. Um bom exemplo é a Rua da Consolação, no
trecho próximo ao cemitério, que a partir da loja Lustres Bobadilha, instalada ali nos anos
1953, deu origem à formação de um polo de comércio do segmento de iluminação, o que
levou essa rua ser conhecida como “rua dos lustres e luminárias” de São Paulo (Fig.5).
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Figura 5- Lustres Bobadilha
Fachada da loja Lustres Bobadilha na Rua da Consolação na década de 50. A loja que ocupava o andar térreo de
um prédio residencial chegou a vender móveis, mas especializou-se na venda de lustres e luminárias.
Fonte: arquivo pessoal de Silva Bobadilha.
Muito embora, após 60 anos de existência, a Lustres Bobadilha tenha fechado suas
portas no ano de 2013, o segmento de decoração tem crescido na cidade de São Paulo.
Somente neste mesmo ano, o aumento do setor foi em torno de 8% em relação ao ano
anterior, o que representa valores entre R$ 4 e 5 bilhões, alavancando assim a instalação de
novos pontos de venda ou propondo a readequação dos já existentes na cidade de São Paulo
(GOUVÊA DE SOUZA, 2013).
A expansão desse comércio é dada também pelo aumento constante de eventos e
feiras do segmento realizadas na cidade. Considerada a “capital dos eventos”, São Paulo
abriga muitas exposições por ano. Mais precisamente a cada seis minutos um novo evento é
realizado e a cada três dias uma feira de negócios é aberta em segmentos distintos3. De acordo
com o site Visite São Paulo, a cada ano, circulam 13 milhões de visitantes na cidade para
3 Dados publicados na revista impressa Brasileiros - edição especial- expo 2020/eventos, maio 2013.
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alavancar os negócios ou estreitar contatos profissionais, fazer compras ou aproveitar o
calendário cultural4.
No que abrange o segmento que envolve a decoração são realizadas feiras e
exposições que vão desde a apresentação de novos materiais de construção básicos aos
acabamentos refinados, feiras do setor moveleiro e de objetos decorativos, assim como
mostras de decoração que fazem circular milhões de sujeitos em busca dos lançamentos e
novidades. Como exemplos, a Feicom Batimat, evento que está na 20ª edição em 2014, é o
principal salão da construção da América Latina: reunindo expositores do segmento da
construção civil, apresenta lançamentos de produtos e serviços e oferece conferências e
palestras sobre o tema aos visitantes. Outro evento, que acontece simultaneamente à Feicom,
é a Expo Revestir, considerada a Fashion Week 5da arquitetura e construção dada sua
importância e atuação na divulgação de tendências. No ano de 2013 o evento, que está na sua
12ª edição, foi encerrado com um número recorde de visitação na marca de 51 mil pessoas,
6% a mais que no ano anterior, o que comprova o aquecimento do segmento.
Na categoria de mostras de decoração a precursora e mais importante é a CASACOR
São Paulo. No ano de 1987 a idéia de reunir arquitetos e decoradores para montar 22
ambientes, distribuídos numa residência no Jardim Europa, deu início a uma série de mostras
similares. Atualmente a CASACOR está presente em 19 cidades brasileiras e seis países
latino-americanos, trazendo as novidades da indústria moveleira e de acabamentos lançados,
conforme relatam seus dirigentes: O resultado é um evento que possibilita aos visitantes a
experiência única de desfrutar a exposição de novidade em decoração, design, peças, materiais
tecnologias, e equipamentos de altíssimo nível, para que vivenciem um momento de sonho e bem
estar. (CASACOR)
A CASACOR São Paulo acontece anualmente entre os meses de maio e junho.
Vinculados à sua abertura, outros eventos acontecem em paralelo a fim de estimular o
comércio e as práticas do consumir móveis e objetos de decoração. Inúmeras lojas do
segmento divulgam a mostra com cartazes informativos em suas vitrinas, como voz delegada
do bom gosto e das novidades (Fig.6). Na ocasião, as vitrinas são montadas com as últimas
tendências de decoração, muitas delas presentes nos ambientes decorados do evento.
Apropriando-se dessa data esperada pelos vários profissionais da área e até mesmo pelos
4 Dado publicado no site Visite São Paulo- http://www.visitesaopaulo.com/o-que-define-sao-paulo.asp. Aceeso em 26/08/2014. 5 Fashion week é um evento da indústria da moda que dura aproximadamente uma semana e acontece em
diversas cidades do mundo.
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sujeitos que possuem afinidade com o tema da decoração, as indústrias e marcas aguardam a
primeira semana da abertura para lançar a nova coleção ou produtos. Esses são apresentados
nas lojas com brunches e coquetéis para arquitetos, designers e clientes de todo o Brasil. É
desse modo que a cidade de São Paulo tornar-se referência na divulgação de tendências para
as demais cidades brasileiras.
Figura 6 – A divulgação da CASACOR 2012
A CASACOR é reconhecida como a maior mostra de decoração das América Latina. No ano de 2012, em São
Paulo, o tema foi “Moda, Estilo e Tecnologia”. Na imagem, exemplar de um dos diversos cartazes que
apresentam a mostra CASACOR São Paulo. O cartaz aparece nas vitrinas das fachadas das lojas de decoração da cidade, cujo publicizar é reiterado em cada ponto de venda. Nesta vitrine a loja Dunélli House da Alameda
Gabriel Monteiro da Silva comunica o evento aos passantes e assim coloca-se como loja integrante do evento o
que a qualifica também como sujeito do bom gosto.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
A partir do sucesso da CASACOR, eventos e mostras similares do segmento são
lançados a cada ano na cidade. É o caso da recente MostraBlack, evento anual desde 2011,
que reúne profissionais da área de decoração para montar ambientes de residências escolhidas
pelos organizadores do evento. Também, tem sido cada vez mais frequente as lojas de móveis
oferecerem os espaços de suas vitrinas para arquitetos e designers de interiores comporem
ambientes com os produtos da loja, transformando-as em pequenas mostras de decoração. É
neste contexto que a figura do designer de interiores, cuja função é planejar e organizar os
espaços, escolher móveis e elementos de um ambiente de forma harmônica e estética, pode
atuar na definição de estratégias em conjunto com a indústria da moda de decoração e no
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comércio do segmento, elevando assim, o número de consumidores de móveis e objetos de
decoração.
A cidade de São Paulo se faz não só como promotora de eventos distintos que
reforçam o comércio de decoração, mas também como local cuja dinamicidade desse
comércio faz ser possível o encontro do sujeito com aquilo que ele busca, exercendo assim
seu fascínio (VARGAS, 2001, p 14).
Abordagem semiótica dos espaços temáticos de São Paulo
No dicionário Houaiss o comércio é definido como atividade que consiste em trocar,
vender ou comprar produtos, mercadorias e valores. Essa troca entre sujeitos concretiza-se
num dado espaço. Segundo H. C. Vargas (2001) “a necessidade de encontro para a realização
da troca, vai levar a atividade comercial a procurar lugares mais propícios a esse encontro”
(p.20). Portanto o comércio tem uma relação original com a cidade constituída por suas ruas e
espaços urbanos.
Na relação entre cidade e comércio torna-se relevante projetar cidades a partir da
observação da vida em sua manifestação cotidiana. O arquiteto norte americano K.Lynch
afirma no seu livro: A imagem da cidade (1997), que nós, enquanto usuários dos vários
espaços urbanos que constituem uma cidade, podemos apreender as relações que são
estabelecidas quer seja pelos modos como as pessoas andam e atravessam cruzamentos quer
seja pelo modo como interagem com os diversos espaços e com os demais sujeitos. O autor
afirma que: “Não somos meros observadores desse espetáculo, mas parte dele:
compartilhamos o mesmo palco com outros participantes [...] todos os sentidos estão em
operação, e a imagem é uma combinação de todos eles.” (1997, p.2). Assim o autor destaca
que a população não apenas torma parte de uma dada cidade como também a percebe pelos
seus sentidos.
Uma cidade pode ser apreendida a partir dos modos como ela é percebida pelos seus
habitantes ou visitantes que a identificam não somente através das possíveis leituras de seus
espaços urbanos, dada pela competência do saber e poder decodificá-las, mas também pelas
competências sensíveis que são neles e por eles estabelecidas. Conforme, A.C. de Oliveira
descreve, essa construção de sentido,
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se faz não apenas pela via do inteligível, que atribui aos espaços da cidade
valores quanto aos usos e crenças, mas principalmente pelos encontros
sensíveis, no lançar do citadino ou visitante pelos espaços em processos interativos capazes de gerar outros significados. (2012, p.5)
Desse modo o viver a cidade passa a ser apreendido tanto pela ordem do sensível
como também pela ordem do inteligível, conforme propôs A.J.Greimas na sua obra Da
Imperfeição (2002), que a partir de então, comenta Landowski, possibilitou “uma via para
uma série de investigações complementares que abordam outras formas de encontro entre o
homem e o mundo” (2010, p.94). Além dos encontros inteligíveis, a análise semiótica integra
esses encontros sensíveis, observando como esses modos opostos são articulados no fazer
sentido da urbe.
A semiótica discursiva propõe procedimentos para entender os mecanismos do
sentido da vida nas unidades de sua manifestação. A descrição e análise por meio do percurso
gerativo de sentido permite a construção de uma teoria semiótica da significação. Entendido
como uma representação dinâmica da produção de sentido, essa geração organiza-se em um
percurso em três níveis pressupostos: o discursivo, o narrativo e o fundamental que vão
reoperar a apreensão de tudo aquilo que está no mundo e nos toca fazendo-nos sentir e
construir a significação.
Essa pesquisa tem o intuito de compreender e sistematizar a produção de sentido no
consumo de móveis e objetos de decoração em duas ruas temáticas da cidade de São Paulo, a
Rua Teodoro Sampaio e a Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Nesses espaços urbanos o
social se faz presente estabelecendo práticas de vida e de consumo que são manifestas e
podem ser apreendidas pela observação dos modos de presença dos pontos comerciais, dos
comportamentos entre sujeitos e sujeitos e dos sujeitos e objetos que são definidos pelas
interações entre eles. Para apreender e compreender as relações que são estabelecidas nessas
ruas temáticas e entre elas no exame das lojas do segmento e dos sujeitos consumidores que
circulam nesses espaços urbanos da cidade, o conceito de interação em seus modos de
ocorrências é fundante dos tipos de construção de sentido.
No bojo dessas conceituações, indagamos como é consumir nessas ruas temáticas da
cidade de São Paulo? Como os sujeitos se dão a ver pela ocupação desses espaços urbanos? E
como fazem ser o sentido no comércio de decoração paulistano?
Para responder esse problema de investigação lançamos como primeira hipótese a ser
tratada que as lojas organizam-se de modo estratégico em consonância com os valores
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praticados nas ruas que estão alocadas. Por essa razão as ruas são tomadas como destinadores
fortes que vão intervir nos modos de presença dessas lojas. Modelados os pontos de comércio,
esses na concepção semiótica de pares pressupostos formam o sujeito complexo: destinador e
destinatário. Por essa concepção de sujeito complexo assumimos se possível, pela definição
de um definir o outro.
A partir das práticas que se dão a ver nesses espaços temáticos é possível entender
como esse comércio faz sentido. De acordo com A.C. de Oliveira (2014, p.5) entende-se por
prática de vida os atos de um fazer diário de uma cidade, de um grupo social, de um
estabelecimento comercial, ou mesmo de uma rua, cujos elementos carregam nessa repetição,
isotopias que os qualificam. Esses atos são, pois, praticados e tomados como indicadores de
uma série de encadeamentos de programas narrativos que contam as narrativas desse tipo de
comércio.
Entendemos que o consumo não se resume apenas ao ato da compra com seu valor
prático, mas sim que a esse são atribuídos valores simbólicos. Consideramos assim que o
sujeito busca bens de consumo, quaisquer que esses sejam, muito mais pelo significado
simbólico, conforme explica G. McCracken: “Usam o significado dos bens de consumo para
expressar categorias e princípios culturais, cultivar ideias, criar e sustentar estilos de vida,
construir noções de si e criar [e sobreviver a] mudanças sociais.” (2003, p.11).
Ainda o ato de comprar, como ato de consumo, significa pelo próprio gosto do
consumo dotado de uma estesia que desenvolve o querer cultivá-lo. É assim que qualquer
produto, além de ser um bem de consumo, torna-se símbolos que agrega gostos que remetem
a estilos de vida, como A. Volpi escreve:
É possível comprar roupas, mas também é possível adquirir um estilo
despojado. É possível colocar um piercing no nariz, mas é possível também adquirir um ar contestador na vida [...]. É possível comprar um relógio de
grife, mas também é possível sentir-se único. É possível praticar golfe, mas
também é possível fazer parte de um grupo de pessoas ricas e influentes. (1971, p.92)
O gosto pode ser definido semióticamente, pois é o ato de classificação dos objetos
relacionando-os de acordo com a preferência do sujeito que pode querer estar ou não em
conjunção com eles. Essa manifestação do gosto produz identificação uma vez que declarar
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aquilo que nos agrada é um modo de identificar-nos tanto diante de nós mesmos como dos
demais sujeitos que fazem parte desse grupo de pertença.
O espaço social é articulado e segmentado pela moda que coloca em circulação
formas que alinham o significado de pertencimento. Muito embora não seja a moda que crie
as diferenças sociais e culturais entre sujeitos, é através dela que as diferenças são manifestas
e valorizadas, afinal postula Landowski: “seguir uma moda é adotar as marcas com auxílio
das quais determinado meio declina figurativamente sua identidade” (1997, p. 96).
Para E. Landowski, somente por meio da análise dos arranjos figurativos podemos
explicar os efeitos que as coisas exercem sobre nós ou no mundo em “termos impressivos”
(2004, p.106). Nesses termos, o conceito de figuratividade torna-se basilar para análise dos
modos de presença, tanto das ruas temáticas, das lojas alocadas nessas vias e dos sujeitos que
circulam por esses espaços.
A sociossemiótica desenvolvida por E. Landowski, como continuidade da teoria
semiótica projetada por A.J. Greimas, além de proporcionar a possibilidade de analisar a
imagem de uma rua com lojas alocadas, como “presença sensível” cujo sentido imediato é
apreendido pelos passantes, explora também as estratégias utilizadas para identificar a
visibilidade e a sociabilidade presentificadas nos espaços urbanos, nos quais o sentido não só
se constrói à distância do sujeito, mas também é vivido. Para as interações de vários tipos essa
teoria fornece fundamentos para descrevê-las e analisá-las, assim como as práticas de vida e,
entre essas, as de consumo de móveis e objetos de decoração presentes nesses espaços
urbanos da cidade de São Paulo. Como afirma E. Landowski a semiótica passou a dar conta
do vivido e está ainda desenvolvendo caminhos de estudo para compreender e descrever os
objetos significantes a fim de compreender a significação no mundo. Para o autor, a semiótica
pode ser entendida como “uma prática reflexiva e crítica de questionamento sobre nós
mesmos enquanto sujeitos permanentemente comprometidos em atividades de construção de
sentido”. (LANDOWSKI, 2002, p.127). Concordando por essa via de entendimento é que
adotamos esse arcabouço teórico para analisar o nosso objeto de estudo.
Do objeto de estudo, o corpus
Uma vez apresentado o nosso tema e a fundamentação teórica dessa pesquisa,
trataremos da definição do corpus. No site de turismo da cidade de São Paulo estão descritos
23
quatro endereços referentes ao tema de móveis e objetos de decoração no município: a Rua
Teodoro Sampaio, a Rua Normandia, a Alameda Gabriel Monteiro da Silva e a Praça
Benedito Calixto6. No entanto, embora a Rua Normandia, localizada no bairro de Moema, e a
Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, apareçam listadas no site como ruas
especializadas no segmento, ao fazermos nossa investigação in loco, verificou-se que
atualmente poucas são as lojas de móveis e de objetos de decoração instaladas nesses
endereços. Na Rua Normandia conhecida como ponto turístico na época de natal, cuja
decoração natalina faz levar inúmeros visitantes ao local, encontramos muitas lojas de roupas
e acessórios femininos que tomaram o espaço das lojas de decoração antes existentes. Muito
provavelmente essa substituição aconteceu em consequência da existência de diversas lojas de
roupas femininas instaladas na Rua Bem-te-vi, a poucas quadras dessa rua, comprovando a
tendência de formação e adequação de polos comerciais na cidade.
No entorno da Praça Benedito Calixto encontram-se poucas lojas do segmento
instaladas. Neste espaço urbano acontece a tradicional feira de antiguidades e artesanato da
cidade, a Feira de Artes, Cultura e lazer da Praça Benedito Calixto todos os sábados. São
mais de 300 expositores de segmentos diversos, entre eles, brinquedos, roupas, discos,
comidas, objetos pessoais, além de móveis e objetos decorativos, que nos leva a crer que seja
por esse motivo que o endereço apareça como local temático do segmento. Porém, uma vez
que o local transforma-se num grande evento semanal que leva milhares de habitantes e
visitantes da cidade e por tornar difícil a investigação exclusiva dos modos de consumir
móveis e objetos de decoração entre tantos outros interesses ali revelados, optamos por
excluí-lo de nossa pesquisa.
Limitamos então, nossa escolha pela Rua Teodoro Sampaio e Alameda Gabriel
Monteiro da Silva, em trechos específicos por serem vias muito extensas e de comércio
variado. Na Rua Teodoro Sampaio selecionamos uma parte que é compreendida por cinco
quarteirões entre as ruas Fradique Coutinho e Francisco Leitão. Na Alameda Gabriel
Monteiro da Silva o recorte foi feito entre a Av. Brigadeiro Faria Lima e Av. Brasil. Tal
escolha foi pelo fato desses trechos apresentarem a maior concentração de lojas de varejo do
segmento e poderem ser comparados de modo relacional.
Entende-se por varejo um conjunto de atividades de negócios que adiciona valor a
produtos e serviços vendidos à consumidores para seu uso pessoal e familiar (LEVY;WEITZ,
2000, p.27). Dentro do varejo estão as lojas de varejo especializadas, ou seja são aquelas que
6 Disponível em: http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/guia-de-compras/ruas-de-comercio-especializado.
24
vendem uma linha estreita de produtos com um profundo sortimento dentro dessa linha. São
essas que nos interessa investigar.
Ao longo desses trechos específicos, inúmeras lojas de móveis e objetos decorativos
estão alocadas uma ao lado da outra, que foram investigadas pelos modos como se mostram
no primeiro contato com os sujeitos passantes nessas vias. A relação estabelecida entre esses
sujeitos nos permitirá saber como essas vias temáticas fazem sentido para o comércio de
decoração. Aprofundando nossa análise selecionamos as lojas de móveis e objetos de
decoração da Dunélli House, presentes tanto na Rua Teodoro Sampaio como na Alameda
Gabriel Monteiro da Silva com o propósito de identificar quais são os procedimentos que a
mesma empresa utiliza em cada um desses endereços. Desse modo testaremos nossa hipótese
sobre essas vias serem destinadores fortes capazes de intervir nos modos de presença dos
sujeitos.
Organização do trabalho
Para alcançar nossos objetivos, após a apresentação do tema, da fundamentação
teórica e metodológica e do corpus nessas considerações iniciais, organizamos esse trabalho
em mais quatro capítulos e considerações finais. No primeiro capítulo, desenvolvemos o
comércio de decoração correlacionado às mudanças nos modos de morar na cultura paulistana
que embasam a formação dos polos comerciais do segmento. No segundo capítulo são
analisadas de modo relacional a Rua Teodoro Sampaio e Alameda Gabriel Monteiro da Silva.
Como ponto de partida, investigamos seus bairros e entornos, as suas origens e os valores que
são nelas praticados. O terceiro capítulo, intitulado “Presenças da Dunélli House”
complementa nossa investigação sobre o tema do comércio de decoração, trazendo análises de
três lojas da empresa localizadas nos trechos selecionados com o intuito de verificar como ela
se apresenta e quais são os procedimentos que recorre no mostra-se de suas lojas de acordo
com o endereço em que estão posicionadas. No quarto capítulo propomos tipologias dos
sujeitos a partir das relações estabelecidas entre os modos de mostra-se das lojas e dos sujeitos
passantes, que na interação constroem o sentido desse comércio.
Encerramos nossa pesquisa com as considerações finais delineando os tipos de
sujeitos que se dão a ver nesses espaços temáticos e as interações em seus modos de
ocorrência na construção do sentido.
25
CAPÍTULO I. MÓVEIS E A DECORAÇÃO NA CULTURA PAULISTANA
São Paulo apresenta-se como uma babel de possibilidades7, fruto do
desenvolvimento marcado pelo ecletismo cultural que contribuiu (e ainda contribui) para o
surgimento de novos e distintos modos de morar e do consequente modo de consumir móveis
e objetos de decoração.
Desde uma São Paulo antiga, com casinhas de taipa de pilão pintadas de branco, sem
ostentação e parcamente mobiliadas, que compunham o homogêneo cenário da capital
paulista da época, passando pela explosão das casas ecléticas e bem decoradas da belle
époque, pelos atuais condomínios de prédios e de casas até chegar às formações de casas auto
construídas, mudanças nos modos de morar foram vistas e sentidas por aqueles que residem
ou não na cidade de São Paulo.
Foi somente no final do século XIX que o desenvolvimento dos modos de produção
avançou no Brasil em decorrência das indústrias de pequeno e médio porte instaladas, em sua
maioria, no sudeste do país, que aliadas às estradas de ferro, foram cruciais nas
transformações sociais e econômicas que ocorriam. Nessa mesma época as primeiras
multinacionais começaram a chegar ao Brasil com novos conceitos que impulsionaram o
mercado consumidor. A mola propulsora de novos modos de morar e consumir paulistano foi
sem dúvida o início do intercâmbio cultural que favoreceu a comunicação do Brasil com o
mundo e, desde então, não para mais de ocorrer.
Antes, na São Paulo dos bandeirantes (Fig.7), o interior das casas era despojado com
pouquíssimos móveis e objetos decorativos, qualquer ostentação era ausente. Tal
configuração era usual, e se manteve por muito tempo para todas as classes econômicas que,
com hábitos domésticos que remetiam a uma cultura indígena, dispensavam qualquer tipo de
conforto em suas moradias.
7 Termo usado por Guilherme Wismik entrevista para revista Folha São Paulo Casa&decoração 2013.
26
Figura 7- O estilo de morar dos bandeirantes
Simplicidade da casa dos Bandeirantes, um exemplar típico das habitações rurais paulistas entre os séculos XVII
e XVIII. Mobiliário da casa paulistana do século XIX, banco rústico de madeira com toda a irregularidade do fazer manual.
Fonte: Elvio Romero e Maria Angélica Santi.
Com a vinda da Família Real portuguesa ao Brasil no ano de 1808, as famílias
brasileiras mais abastadas passaram a tomar contato com a cultura europeia e adotar os modos
de morar europeus, sobretudo com a imitação de mobiliários e serviços de mesa. Em meados
do século XVIII os mobiliários começaram a ser inspirados nos modelos ingleses que
chegavam via Portugal, embora fossem reproduzidos sem um acabamento primoroso por falta
de ferramental. Surgia assim uma nova demanda para a execução de um mobiliário que não
somente cumpria a função utilitária, mas também uma função estética.
O processo de modernização do país trouxe inúmeras mudanças, sobretudo para o
governo de São Paulo, que para acompanhar a expansão da cidade viu-se obrigado a
modificar o seu traçado urbanístico a partir de novas vias e espaços destinados para dar lugar
tanto as novas moradias como também a um novo comércio que se instalava na cidade.
Na medida em que a abastada sociedade paulistana que se formava mostrava-se
aberta às novas ideias e costumes trazidos da cultura europeia, desejando sair do campo e vir
morar na cidade, e também ansiando por construções de tijolos em nada parecidas com as
moradias singelas feitas de taipa de pilão com móveis rústicos do campo. São Paulo, então,
passou a valorizar moradias com fachadas diferenciadas, tanto pelos novos materiais de
construção empregados como pelos projetos de arquitetos estrangeiros e mestres de obras
italianos, e assim transformaram a paisagem da cidade conforme ilustra muito bem o trecho
do livro “Da taipa ao concreto” de A.C. Lemos:
27
[...] importantíssima à vida cultural de São Paulo foi a estrada de ferro; por
ela desceu o café e subiu o progresso avassalador. Subiram os imigrantes,
equipamentos mil aperfeiçoados pela Revolução Industrial, inclusive materiais de construção, que desbancaram a taipa mameluca. Subiu o
ecletismo, os novos estilos que tornaram as diferenças qualitativas na
apreciação arquitetônica, enquanto, anteriormente, as diferenças eram
simplesmente quantitativas, pois a taipa, as telhas, as rótulas eram as mesma tanto nas grandes casas ricas como nas pobres de portas e janelas. (2013,
p.86)
Tais mudanças arquitetônicas não ficaram somente nas fachadas, mas estenderam-se
para os espaços internos das casas, modificando hábitos dos moradores. Como exemplo das
transformações internas, as alcovas, pequenos locais sem ventilação e luz comuns nas antigas
moradias, foram substituídas por dormitórios maiores, arejados e iluminados por janelas. Uma
nova sala denominada gabinete, reservada às atividades intelectuais masculinas, era
incorporada à frente da casa e ao lado desta, era adicionada uma sala maior destinada para
receber visitas, que antes eram recebidas apenas nos alpendres. Ainda como parte do processo
de transformação das moradias paulistanas, novos mobiliários passaram a compor os
ambientes, tais como pianos, cômodas com tampo de mármore, armários com espelhos nas
portas, entre outros artefatos mais elaborados que substituíam o tosco mobiliário de antes.
No final do século XIX, as moradias mais abastadas da cidade eram finamente
decoradas com requintes de detalhes, ambientadas com mobiliário trazido da França e
complementos como papéis de parede, tapetes orientais, tecidos adamascados e cristais
também importados. Com essas novas possibilidades de pensar a moradia, as pessoas
voltavam à atenção aos arranjos e composições dos ambientes, desejando consumir objetos
decorativos e mobiliários mais refinados (Fig.8), conforme explica Paulo de Freitas Costa, no
seu livro Sinfonia de objetos,
[...] o processo de modernização das cidades do período, já justificava a criação de ambientes domésticos sofisticados, resultado da acumulação
burguesa, onde os objetos selecionados tornavam-se signos de aristocracia,
prosperidade e atualização (2007, p.39).
28
Figura 8 – A moradia no final do século XIX
Avenida Paulista na década de 1920 com as fileiras de ipês e os palacetes construídos ao logo dela, marcando o
ecletismo na arquitetura.
Fonte: Ebe Reale
Sala de estar da residência do prefeito Fabio Prado finamente decorada, que se tornou símbolo da prosperidade
paulistana. A casa está na Av. Brigadeiro Faria Lima que na época era local de referência das novas residências
de alto padrão. Hoje o edificio abriga o Museu da Casa Brasileira.
Fonte: Acervo Museu Casa Brasileira.
Em conjunto com esses novos modos de morar que surgiam na cidade, o comércio
paulistano expandia-se para atender uma sociedade ávida por novidades no segmento de
29
móveis e objetos de decoração. Foi neste contexto que em 1911, o Mappin, loja de
departamento inglesa, foi trazida pelos irmãos Walter John Mappin e Hebert Joseph Mappin,
e instalou-se na rua XV de Novembro, no centro da cidade de São Paulo, para atender a elite
paulistana. Posteriormente, acompanhando o desenvolvimento da cidade, mudou-se para a
Praça Ramos de Azevedo que formava em conjunto com a Rua Direita e a Rua São Bento, um
local sinônimo de bom gosto e sofisticação. Apesar do Mappin ser considerada uma loja de
elite, desde sempre procurou atrair os consumidores pela inovação. Foi pioneira no país,
seguindo os moldes de lojas europeias e norte-americanas, na colocação de vitrinas próximas
aos clientes, na publicação dos preços das peças, além de anunciar sempre as suas ofertas e
novidades em vários segmentos (Fig.9).
Figura 9 – Loja Mappin: anúncios e espaços internos
Anúncio veiculado na Revista da Semana, com ofertas de cortinas recém-chegadas de Londres. Ao lado, a
fotografia tirada entre 1916 e 1917 mostra as dependências internas da loja no setor de vendas de móveis. Fontes: Acervo Folhapress e http://www.saopauloantiga.com.br/mappin
O crescimento acelerado que o país viveu entre os anos 1910 e 1914, aliado a
interrupção da importação de produtos decorrente da primeira guerra mundial e o aumento de
mão de obra preparada para trabalhar nas indústrias foram fatores que contribuíram para que o
setor moveleiro deslanchasse. Nessa época, destacava-se o Liceu de Artes e Ofícios de São
30
Paulo, a Casa Alemã e a Móveis Tepermam que fabricavam móveis sob encomenda para os
clientes. Fundadas, na maioria por imigrantes, as indústrias de móveis iniciaram suas
atividades numa estrutura familiar com pequenas oficinas de produção artesanal e foram
expandindo suas empresas. Algumas dessas atuam até hoje no mercado, como a Móveis
Paschoal Bianco, Móveis Bergamo, Riccó Móveis, Móveis Teperman, entre outras.
São Paulo acompanhou o movimento que defendia o retorno às tradições lusitanas,
na tentativa de reconhecê-lo como o verdadeiro estilo brasileiro em oposição ao ecletismo da
arquitetura da belle époque, no período entre guerras. Porém, não demorou muito para que o
Art Déco, nome dado à moda das artes decorativas que surgiu em Paris na década de 1920 e
apresentado na Exposição Internacional de Artes Decorativas das Indústrias Modernas, fosse
adotado pela cidade. O estilo Art Déco trazia tanto a inventividade tecnológica como a
precisão manual dos artesãos, combinados na confecção de peças decorativas, na produção
dos mobiliários e na arquitetura. O estilo ganhou maior contorno nos Estados Unidos na
década de 1930, e devido a uma ampla divulgação da indústria do cinema norte-americano
tornou-se bastante popular no Brasil. Os traços retos e as formas geométricas que marcam
esse estilo instauraram a modernidade na cidade de São Paulo por meio dos seus prédios e
viadutos, além do mobiliário comercializado nas lojas (Fig. 10).
Figura10- Art Déco na arquitetura e no mobiliário
31
O Viaduto do Chá localizado no centro da cidade de São Paulo é um importante exemplar do estilo Art Déco na
arquitetura da cidade, construído em 1938. Abaixo, modelo de poltrona em madeira com detalhe em aço, com
formas geométricas precisas que marcam o estilo. Fontes:http://www.insidesaopaulo.com/2010_12_01_archive.html e Acervo Casa Museu Brasileira.
A construção do Edifício Esther, no ano de 1936, foi um marco dessa modernidade
na arquitetura, que instaurou um novo modo de morar paulistano (Fig.11). Localizado na
Praça da República no centro da cidade, projetado pelos arquitetos Vital Brazil e Adhemar
Marinho, o prédio de onze andares foi inspirado nos ideais da escola alemã Bauhaus8
(LEMOS, 2013, p. 218). O edifício previa o uso multifuncional que enfatizava áreas livres, a
circulação e terraços com jardins. Reunia-se a moradia, o lazer e o trabalho. Esta edificação
não somente tornou-se um símbolo da modernidade na cidade de São Paulo, como também
contribuiu para a disseminação de um novo modo de morar, em prédios de apartamentos,
espaço esse compartilhado por diferentes famílias. Antes, tal ideia era vinculada apenas às
moradias em cortiços destinadas aos menos favorecidos.
8 A escola Bauhaus foi fundada em 25 de abril de 1919. No início era uma escola de arquitetura e academia de
artes. Hoje considerada uma das maiores e mais importantes expressões do que é
chamado Modernismo no design e na arquitetura, sendo a primeira escola de design do mundo.
32
Figura 12- Símbolo da modernidade: Edifício Ester
Fachada do Edifício Esther, localizado na Praça da República e construído em 1936, dando início às
verticalizações modernas em São Paulo. A construção em concreto com a predominância das linhas horizontais é
característica da escola Bauhaus.
Fonte: Carlos A.C. Lemos
As novas tendências de moradia que São Paulo absorvia gerava uma necessidade de
buscar móveis mais adequados para mobiliá-las. Foi a partir dos anos 30, que a indústria
moveleira desenvolveu-se muito no Brasil, sobretudo na cidade de São Paulo. De acordo com
A. Santi no ano de 1938, São Paulo produziu por volta de 8.046.800 peças enquanto o Rio de
Janeiro, que era o segundo polo mais industrializado, produziu apenas 1.360.700. (2013, p.
134), número bastante expressivo que constata o polo empreendedor que São Paulo sempre
foi e continua a ser.
Após a segunda Guerra mundial foram rápidas as transformações que ocorreram na
cidade de São Paulo. Os avanços tecnológicos e o aumento do número de construções civis
33
fizeram com que a cidade iniciasse o seu processo mais intenso de verticalização, tendo como
consequência o crescimento desordenado da cidade, conforme relata A.C. Lemos:
Após a Segunda Guerra veio o grande surto imobiliário, quando a cidade se
renovou toda em concreto armado, crescendo verticalmente sobre si mesma
em sua área já definida em épocas anteriores e crescendo desordenadamente pelas áreas periféricas através de loteamentos sem controle, onde
proliferaram as casas populares autoconstruídas, agora já sob a
responsabilidade de outro tipo de imigrante: o nordestino. (2013, p.139)
As mudanças nos modos de morar não somente apareciam em decorrência do
desenvolvimento da cidade, que forçosamente precisava alterar o seu traçado urbanístico para
alargar ruas e avenidas gerando desapropriações, mas também eram estimulados pelas
descobertas tecnológicas e inovações que a sociedade absorvia e passava a consumir.
A substituição do rádio individual por um aparelho maior e coletivo, que
proporcionava a reunião de pessoas num mesmo ambiente, marcou uma mudança tanto no
convívio social como nos modos de morar (Fig.12). Nessa época, as residências passaram a
ter mais um cômodo: a copa. Esse local centralizava a reunião da família e passou a ser
incorporado nas casas de todas as classes sociais. Além disso, as salas passaram a ser
organizadas de modo que proporcionassem o “ouvir” de forma mais confortável possível.
Lojas de móveis, como a loja de departamento Mappin, vendiam sofás e poltronas com o
argumento do conforto exigido para esta nova prática de vida das famílias paulistanas e
brasileiras, ou seja, a reunião em torno do rádio.
34
Figura 12: A era do Rádio
Os primeiros rádios vieram a ser um fenômeno nacional. Milhares de ouvintes se reuniam ao redor do rádio para ouvir os concursos de talentos, que revelaram grandes nomes da música popular brasileira.
Fonte: colunamiolodepote.blogspot.com.br
A década de 1950, conhecida como Anos Dourados, foi marcada pelo otimismo do
pós-guerra e pelo consumo estimulado pela economia que prosperava. Em 1950, Assis
Chateaubriand inaugura o primeiro canal de televisão na cidade de São Paulo, a rede TUPI,
que instaurou novos costumes na sociedade, não somente pelo fato das famílias deixarem o
rádio e passarem a reunir-se em frente ao aparelho televisivo, mas principalmente pelo fato da
televisão representar um canal de comunicação capaz de proporcionar mudanças mais velozes
na sociedade, intervindo nos modos de consumir. Os hábitos de lazer das pessoas se
modificaram mais uma vez e os modos de organização das moradias também sofreram
alterações (Fig.13). O comércio por sua vez, acompanhava essa nova prática de vida e
ofertava aos consumidores não somente os aparelhos de televisão, mas também os mobiliários
mais adequados para que estas novas tecnologias fossem desfrutadas com maior conforto.
Como exemplo, as poltroninhas chamadas “Pullman” revestidas em couro de porco com
almofadas de veludo e os sofás Chesterfield, que eram comercializadas em larga escala por
diversas lojas de móveis na cidade.
35
Figura 13- A televisão dentro de casa
A televisão entrava pela primeira vez em muitos lares paulistanos. Esse modelo de televisão, com “pé palito”,
marcou um estilo nos anos 50.
Fontes: Evert F. Baumgardner/Wiki Commons
Acompanhando esse momento próspero na comunicação e do consumo, em 1953
surge a primeira revista de decoração do Brasil a Casa e Jardim da Editora Globo. Os modos
de morar eram pela primeira vez tratados para uma realidade brasileira por meio de uma mídia
impressa, que trouxe a possibilidade dos leitores “entrarem” nas casas de pessoas influentes
da época. Na primeira edição, a revista publicou a matéria: “Entre o céu e a vegetação pousa
a casa de dois artistas” que mostrava a casa de Lina Bo Bardi, arquiteta do conhecido e
36
emblemático prédio que abriga o Museu de Arte de São Paulo, o MASP. A proposta da
revista era trazer aos leitores aquilo que havia de mais novo na arquitetura, design e
mobiliário (Fig.14). Com as publicações era possível tomar conhecimento sobre os
lançamentos de mobiliários, eletrodomésticos e demais produtos que revigoravam os modos
de morar. Nas palavras de A.C. Lemos, os cinquenta anos dessa revista contribuíram não
somente nos modos de morar mas também no convívio e nas relações humanas:
A revista Casa e Jardim, nesses cinquenta anos de vida, perpassou décadas fundamentais na definição do ato de morar e por esse tempo a significação
maior esteve no aperfeiçoamento a que chegaram os meios de comunicação.
Tal progresso influiu bastante nos programas habitacionais, porém,
curiosamente chegou a interferir também no convívio ou nas relações entre as pessoas, tanto as aproximando como as afastando fisicamente. (2013,
p.270)
Figura 14- Edição da revista Casa e Jardim
37
Publicada na edição nº 32 de Casa e Jardim, esta casa cujo projeto é de Oscar Niemeyer e paisagismo de
Roberto Burle Marx, mostrava aos leitores a impressionante beleza plástica da arquitetura e decoração dos
ambientes da residência.
Fonte: casaejardim.globo.com
A comemoração dos quatrocentos anos da cidade de São Paulo foi marcada pela
arrojada concepção do Parque Ibirapuera. A inovadora arquitetura de Oscar Niemeyer foi
apresentada para os paulistanos, que passaram a adotar o “estilo Bienal” no interior de suas
casas. De acordo com Milly Teperman, em entrevista concedida para Maria Angélica Santi a
indústria moveleira brasileira foi estimudada e iniciou a produção de mobiliários inspirados
nas novas formas arquitetônicas que passaram a ser vistas e admiradas.
Na década de 50 a construção de Brasília resultou numa grande demanda de
mobiliário de acordo com os princípios da arquitetura moderna: peças mais
funcionais, com um desenho limpo, sem ornamentações. (2013, p. 136).
Foi assim que os móveis de “pés palitos”, caracterizados por linhas retas, em
conjunto com outros mobiliários, renovaram o gosto paulistano de decorar suas casas.
Arquitetos como Sérgio Rodrigues, Zanine Caldas e Joaquim Tenreiro contribuíram muito
para disseminar a moda da decoração a partir de mobiliários desenhados por eles, que se
tornaram ícones da época e são bastante procurados até os dias de hoje (Fig.15).
38
Figura 15- Ícones dos anos 50
Um ícone da época, a poltrona de pé palito, até hoje reproduzida em larga escala. Poltronas que marcaram o
estilo da modernidade dos anos 50. As poltronas dos arquitetos: a Mole de Sérgio Rodrigues, poltrona do “mestre
das madeiras” Joaquim Tenreiro e os traços característicos em forma de “z” dos móveis de Zanine Caldas.
Fontes: http://www.domusrepresentacoes.com.br/ http://casa.abril.com.br/materia/23-moveis-que-possuem-pes-
palito,http://designdemoveis.blogspot.com.br/2008/05/poltrona-mole-por-millr.html,
39
A partir de então, as empresas brasileiras de móveis passaram a dar mais atenção ao
design de seus produtos. Como a fábrica Tepermam que inicia a produção de móveis
licenciados pela empresa norte-americana Herman Miller, responsável pela produção de peças
modernas que virariam clássicos do design industrial, entre elas as produções de Charles e
Ray Eames. O momento favorecia a criação de móveis e objetos de decoração pelos
designers, além da abertura de lojas como showroom das suas produções. Surgiam assim,
novas empresas na cidade de São Paulo, como a marca L’Atelier e a Hobjeto. Fundada pelo
designer Jorge Zalszupin, a L’Atelier foi pioneira na fabricação de móveis de plásticos além
de outras produções em série, algumas dessas tonaram-se peças emblemáticas dos anos 60,
como a cadeira Paulistana até hoje reeditada (Fig.16). Segundo o designer a necessidade de
expor suas produções fez com que abrisse uma loja na cidade para que os clientes tivesse
oportunidade de conhecer os modelos fabricados.9
Figura 16- Poltrona Paulistana
Poltrona Paulistana de Jorge Zalszupin, inspirada nas linhas da poltrona de Charles Eames, que entre outros
mobiliários criados pelo designer eram produzidos pela L’Atelier fundada em 1959 na cidade de São Paulo.
Fonte: Etel interiores
9 http://www.revistacliche.com.br/2012/03/jorge-zalszupin/
40
Seguindo o momento aquecido do comércio de móveis, em 1964, Geraldo de Barros
funda com sócios, a Hobjeto Indústria de Móveis. A Hobjeto trazia a proposta de produzir
móveis em larga escala e de modo menos elitizado, sem contudo deixar de seguir as
tendências internacionais que eram lançadas em feiras conceituadas no exterior. A moda da
decoração passa a ser mais acessível (Fig.17).
Figura 17: Móveis Hobjeto
Ambientação com móveis da Hobjeto do designer Geraldo de Barros. A empresa sempre esteve ligada às
tendências internacionais, principalmente aos lançamentos da feira de Colônia, na Alemanha. Fonte: Acervo Hobjeto
As novas expressões que surgem em respostas ao momento atual vivido, e que são
veiculadas pelos meios de comunicação, cooperam na disseminação da moda dos novos
modos de morar, que repercutirão nos modos de consumir a moda da decoração. Os anos
1970 foram de muita expressão pessoal e de rebeldia que repercutiram na moda, música e
costumes da época. As casas tornaram-se locais propícios para que a individualidade de seus
moradores fosse expressa, em oposição submissão das gerações passadas. Os modos de
projetar e organizar os espaços valorizava essa liberdade de escolhas. Cores fortes, muitas
estampas, novos materiais incorporados nos ambientes, nos mobiliários e objetos de
decoração, como o plástico, o acrílico e o metal entre outros eram usados juntos, sem
restrições. Se nos anos 50 a novidade do aparelho de televisão reunia os familiares, nos anos
70 era o aparelho que unificava a função do toca-discos, toca-fitas e rádio (3 em 1), o mais
cobiçado, que era atração das moradias modernas. Tornou-se prática a reunião de amigos em
41
casa para ouvir os lançamentos musicais nos discos de vinil. O móvel comum em todas as
ambientações e estilos da época era a estante, que em destaque nas salas, acomodava a
televisão, o aparelho de som, os vários discos de vinil e objetos decorativos, e alguns modelos
mais sofisticados incorporavam um barzinho. As casas dos anos 70 tinham estilos que iam
desde os mais despojados com almofadões espalhados pelos chãos até os mais sofisticados
compostos por móveis inovadores (Fig. 18).
Figura 18- Decoração dos anos 70
Os ambientes das casas da década de 70 eram bastante coloridos e utilizavam muitas estampas. Novos materiais
como plástico, acrílicos, metais eram empregados nos mobiliários e objetos decorativos. A estante era o centro
da sala, móvel utilizado para colocar a televisão, o aparelho de som, coleção de discos de vinil e objetos de
decoração. As samambaias traziam o verde para o interior das casa. Fonte: http://decoracaodoquarto.blogspot.com.br/
42
Podemos dizer que seguir algum estilo entre os vários estilos propostos pela moda da
decoração, pode ser entendido como “a maneira mais espontânea de afirmar quem somos e de
fazer saber a outro o que somos” (LANDOWSLKI, 1997, p. 98). No entanto, cabe refletir que
o processo da moda da moradia, diferentemente de outros, é sem dúvida lento uma vez que
envolve um alto investimento na compra de um imóvel e de esforços para equipá-lo. Mesmo
assim, temos visto cada vez a disseminação dela por meio de simulacros de modos de morar
que se repetem para todas as camadas sociais.
No ano de 1958, São Paulo conheceu uma novidade nos modos de morar com a
inauguração do Conjunto Nacional na Avenida Paulista. Prédio de uso misto, destinado tanto
à moradia como ao uso comércial, está numa quadra inteira da avenida que até 1952 era
ocupada pela mansão da família Horácio Sabino. A concepção do projeto era inovadora por
dividir a construção em duas lâminas, uma vertical com apartamentos e outra horizontal com
uma galeria para estabelecimentos comerciais. O Conjunto Nacional é considerado o primeiro
shopping center da América Latina (PAIVA) além de ser um ponto emblemático da cidade10.
David Libeskind, arquiteto responsável pelo projeto, inspirou-se em conceitos que eram
utilizados nos Estados Unidos adequando-os às necessidades da cidade de São Paulo que se
expandia, conforme explica:
Eu estava sempre lendo publicações estrangeiras e sabia que nos Estados Unidos, naquela época, estavam sendo construídos muitos centros
comerciais. Propus a idéia de uma construção que combinasse uma parte
horizontal, para lojas, com um jardim suspenso e uma lâmina vertical, para
apartamentos. (LIBESKIND apud MORAES)
É interessante notar que após cinquenta anos, a cidade de São Paulo acompanhou o
lançamento de um empreendimento imobiliário com conceitos semelhantes, embora
atualizados: o Parque Cidade Jardim. Numa área de 189 mil m2 localizada às margens do
Rio Pinheiros, estão nove torres residenciais com apartamentos de 235 a 594 m2, um centro
empresarial com três torres comerciais equipadas com heliporto, tudo isso entremeado por
extensos e bem cuidados jardins. O emprendimento tem acesso exclusivo ao Shopping Center
Cidade Jardim, considerado o mais luxuoso da cidade. Toda a área é cercada por muros altos
e um forte monitoramente de segurança. Ambos os empreendimentos trazem a moradia, o
trabalho, o lazer e o consumo agregados numa mesma área. A verticalidade e horizontalidade
10 http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/o-que-visitar/atrativos/pontos-turisticos/2079-conjunto-nacional
43
são elementos presentes nos dois empreendimentos, porém no Conjunto Nacional o bloco
sólido que constitui uma única torre indica espaços mais integrados que favorecem o convívio
dos sujeitos que circulam por ali. No Parque Cidade Jardim, no entanto, dá-se a ver várias
torres que reforça o sentido da exclusão, advinda de necessidade de uma minoria que pode e
quer isolar-se. Muito embora o conceito desses dois tipos de empreendimento sejam o
mesmo, os valores praticados não o são (Fig.19).
Figura 19 – O conceito de moradia e trabalho, atualizado
O Conjunto Nacional construído na década de 1950, está localizado na Av. Paulista. O projeto foi inovador no
conceito de reunir apartamentos residenciais e galerias com estabelecimentos comerciais num único prédio. Ao
lado a maquete do empreendimento Parque Cidade Jardim, com as torres residenciais em cima do luxuoso
shopping Cidade Jardim, localizado na Marginal Pinheiros.
Fontes: arquivo Folha e arquivo JHSF
Dentre os diversos lançamentos imobiliários que acontecem na cidade de São Paulo,
tem crescido a oferta de imóveis com pouca metragem seguindo tendência que já acontece nas
cidades de Tóquio, Paris e Nova York. Segundo o Renato Cymbalista, desde as décadas de 50
e 60 o mercado imobiliário lançava apartamentos pequenos, conhecidos como quitinetes que
foram abolidas dos empreendimentos novos a partir da década de 7011. (2014, p. 42) No
entanto, os novos apartamentos pequenos possuem plantas modificadas para o gosto e
costumes atuais dos paulistanos. Se nas versões das quitinetes antigas encontramos banheiros
11 Fonte Revista da Folha de São Paulo, 31 de agosto de 2014. Casa & Decoração.
44
e cozinhas amplos, nas versões atuais esses são diminutos e se destacam espaços sociais mais
integrados.
As construtoras lançam no mercado empreendimentos que seguem padrões de
construções consagradas sejam essas para um público de alto poder aquisitivo ou para quem
possui recursos mais modestos. É o que ocorre atualmente com a explosão de
empreendimentos residenciais que possuem varandas como diferencial e atrativo de vendas.
Segundo a Geoimovel12, empresa de informações imobiliárias, desde o ano de 2008, em todos
os lançamentos de prédios residenciais acima de 65 m2 que oconteceram na cidade de São
Paulo, elas foram incluídas. Um dos motivos para esse aumento está na propagação do
conceito de um estilo de vida para morar numa cidade de concreto como São Paulo, que
empreendimentos de luxo trouxeram. As varandas oferecem possibilidades, quer seja de um
convívio social, por meio das churrasqueiras instaladas ou do paisagismo que integra o verde
quase inexistente na cidade paulistana.
Atrelado a todos esses novos ou atualizados conceitos de moradia está a moda de
decoração que se faz presente também nos lançamentos imobiliários. Muitos deles, para
valorizar o empreendimento montam, nos stands de vendas, apartamentos muito bem
decorados com o máximo de aproveitamento possível dos espaços. Além disso, por meio da
divulgação impressa, nomes de arquitetos, designers e paisagistas renomados, responsáveis
pela ambientação das áreas comuns do empreedimento, são estampados como voz delegada
do bom gosto.
O segmento de móveis e objetos de decoração cresce acompanhando o crescimento
do setor imobiliário. Em São Paulo a venda de unidades residenciais novas cresceu 23,6% no
ano de 2013 em relação ao anterior, segundo o SECOVI (SECOVI-SP, 2014). Nos últimos dez
anos, os gastos com a aquisição de móveis aumentaram 56,8%, movimentando valores por
volta de 41,7 bilhoes de reais. A classe C é responsável pela metade desse aumento, enquanto,
a classe A e B, juntas, representam 33,8% e a classe D 19,7%, segundo dados do Instituto
Data Popular (AGUILHAR, 2012). Esse número representativo do aumento de consumo do
segmento pela classe C está pautado na mudança dos modos de consumir dessa classe, que
passou a equipar suas casas com o mesmo privilégio que as classes mais altas, conforme
explica Renato Meirelles (apud AGUILHAR, 2012), diretor do Instituto Data Popular:
12 Fonte Jornal Folha de São Paulo, 29 de dezembro de 2013. Caderno imóveis.
45
Movida pelo chamado consumo de aspiração, a classe C procura o que antes
era privilégio das classes mais altas: design, personalização, funcionalidade e
peças inspiradas nas principais tendências do mercado. “Esse consumidor deixa de ter móveis herdados e hoje pode organizar a decoração da própria
casa”. (AGUILHAR, 2012)
Neste contexto, o segmento da decoração torna-se aquecido e justifica não só o
aumento de inúmeras lojas do setor, mas também a adequação dos polos comerciais na cidade
de São Paulo, que se transformam continuamente para atender as exigências do mercado da
moda em decoração. Como exemplo, podemos citar a Loja Tok Stok, considerada a maior rede
brasileira de móveis e utensilhos domésticos, e um caso de sucesso na forma de vendê-los.
Atualmente a marca tem em São Paulo doze lojas localizadas tanto nas ruas como nos
shoppings da cidade.
Há trinta e cinco anos atrás, com a abertura da loja Tok Stok na Avenida São Gabriel,
a cidade de São Paulo conheceu uma novidade nos modos de consumir móveis e objetos de
decoração. A marca fazia-se inédita, pois propunha a venda de móveis de forma individual e
não em conjunto, como era a fórmula empregada pela maioria das lojas do segmento. A
primeira unidade da marca, com um espaço de apenas 80 m2, se fazia ser vista pelos
ambientes montados e decorados para que os consumidores pudessem ver e sentir as diversas
possibilidades de decoração para suas casas. Apropriando-se da fórmula do autoatendimento
dos supermercados, colocava pela primeira vez uma variedade de objetos de decoração em
gôndolas, possibilitando também a pronta entrega dos móveis, o que facilitava a vida do
consumidor que não precisaria mais aguardar a entrega dos bens adquiridos (Fig.20).
Figura 20- Uma das lojas Tok Stok
46
Fachada da loja Tok Stok localizada na Marginal Pinheiros em São Paulo e o espaço interno da loja com
ambientes organizados e decorados com os produtos que vende de forma que o consumidor veja e sinta a
decoração como um todo.
Fonte: Felipe Crescenti Arquitetura
A expansão do segmento de decoração aliado à aceitação cada vez maior do formato
shopping na cultura paulistana, em 1987, o Shopping Lar Center foi inaugurado. Dentro do
complexo Center Norte, localizado na Vila Guilherme próximo a Marginal Tiete, o Lar
Center reune lojas do segmento que vão desde a venda de materiais básicos para construção,
presentes, móveis e decoração, móveis planejados para cozinha e quartos, entre lojas
específicas de cortinas, tapetes, colchões, iluminação e eletrodomésticos (Fig. 21).
Figura 21- Shopping Lar Center
Vista da fachada do Shopping Lar Center que faz parte do complexo Center Norte, na Vila Guilherme. Espaço
interno do shopping cujas lojas expõem produtos em oferta nos corredores para atrair os consumidores.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
47
Um momento importante para o comércio brasileiro aconteceu com a abertura para a
importação no país na década de 1990, que acirrou a concorrência entre os fabricantes locais e
competidores internacionais. Nesta época, pudemos ver uma grande expansão do mercado de
móveis e objetos de decoração, através de novas lojas fixadas em endereços elegantes da
cidade de São Paulo, oferecendo móveis importados com qualidade superior aos fabricados
em solo nacional. Pela primeira vez, tínhamos acesso a um mobiliário com design inovador de
qualidade a preços competitivos, que deixavam os móveis nacionais em desvantagem. Com o
mercado abalado pela concorrência estrangeira, a necessária modernização das indústrias no
processo produtivo era inevitável para a sobrevivência. As indústrias moveleiras, de tecidos e
de objetos de decoração, assim como todas as demais indústrias nacionais, passavam a
valorizar o design e a qualidade de seus produtos, investindo também nas instalações de suas
lojas, na apresentação dos produtos e nos cuidados com o atendimento ao consumidor, antes
desprezados.
A partir desses consumidores mais exigentes e dispostos a pagar por artigos mais
sofisticados, juntamente com a preferência pelo comércio no formato shoppings, o D&D –
Decoração e Design Center, foi inaugurado em 1995, na zona sul da cidade (Fig.22). O
empreendimento anexo ao WTC- World Trade Center, considerado o maior complexo de
negócios da América Latina, reúne 95 lojas de decoração, ingressando assim no rol dos
endereços especializados do segmento na cidade.
48
Figura 22- O D&D- Decoração e Design Center
Fachada do D&D instalado na Marginal Pinheiros, integrando o complexo do WTC (World Trade Center) e seus
espaços internos distribuídos em dois andares.
Fonte: http://boomspdesign.com.br/
O mercado varejista de materiais de construção também foi inovado por meio dos
Home Centers, que se apropriaram do conceito de autoatendimento e pronta entrega. Lojas
como a Leroy Merlin, Telhanorte e C&C, são exemplos desse formato de varejo que não
apenas vendem materiais básicos para a construção e reforma, mas também oferecem
produtos para decoração, todos esses separados em departamentos. Esse processo de
convergência reafirma a preocupação de empresas do segmento em atender às demandas de
consumidores que estão construindo ou reformando e que também desejam seguir a moda em
decoração a um preço acessível. A Leroy Merlin, marca francesa, apresenta-se no seu site
como capaz de atender tais anseios dos consumidores:
Desde que chegou ao Brasil, em 1998, a Leroy Merlin vem trazendo inovações para o mercado de material de construção. Focadas
na qualidade de produtos, no atendimento e nos serviços prestados, as lojas
da rede oferecem ambientes espaçosos e agradáveis para receber melhor seus clientes. Não tenha dúvidas: a Leroy Merlin pode te ajudar em todas as
etapas de sua obra. Afinal, é especializada nas áreas de Construção,
Acabamento, Decoração, Jardinagem e Bricolagem. (LEROY MERLIN)
49
A presença de computadores ligados à internet nos lares interferiu tanto nos modos
de consumir como nos modos de morar. A possibilidade de trabalhar à distância fez com que
a casa fosse repensada para abrigar um cômodo para essa função. Hoje, o antigo gabinete ou
escritório, local que era dedicado ao estudo ou leitura transformou-se em home office, uma
realidade que veio para ficar sobretudo em São Paulo, cuja mobilidade na cidade é um
problema.
A possibilidade de consumir produtos por meio da internet também facilitou e ainda
facilita a vida dos sujeitos que desejam pesquisá-los ou comprá-los. Nesse contexto, cujo
comércio eletrônico integra os canais de vendas que as marcas utilizam, a competitividade
torna-se mais acirrada. Como consequência desse comportamento, um novo consumidor
surgiu, agora mais informado e conectado, e principalmente mais exigente.
No que se refere ao segmento de móveis e decoração, segundo a empresa de
consultoria E-Bit, que realiza pesquisas sobre internet, no ano de 2012, o setor apareceu pela
primeira vez entre as cinco categorias mais vendidas pela web (APPLE, 2013). No entanto,
existem muitos aspectos que impedem sua evolução de modo mais agressivo como ocorre
com outros segmentos. A principal causa é a limitação de visualizar perfeitamente os
produtos. Fatores como as distorções das imagens e das cores dos itens, a venda de móveis de
forma isolada e a falta do contato físico com o produto, levam os consumidores preferirem ir
até as lojas físicas. A loja física, portanto, ainda é o canal de compras mais utilizado na venda
de móveis e objetos de decoração, pois permite não só que o sujeito tenha o contato com os
produtos como também visualize a composição como um todo, fatores primordiais no
processo de seleção.
I.1. O ponto de venda do segmento de decoração
Na década de 90, assistimos a abertura econômica no país que em conjunto à
implantação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), no ano de 1991, e a estabilidade do
Plano Real, proporcionaram mudanças, em curto prazo de tempo, nas relações de consumo na
virada do século XX. Em decorrência dessas mudanças, o comércio passou a focalizar suas
ações no encantamento do consumidor, uma vez que o ato de consumir produtos não trazia
satisfação apenas pela posse dos mesmos. Era preciso agregar outros valores aos produtos,
50
conforme escreve A. C. de Oliveira na apresentação do livro A Marca pós-moderna de A.
Semprini:
O ato de comprar e o ato de consumir na sua reiteração foram perdendo o
valor de uma novidade com a força vetor capaz de surpreender. Como todo
ato repetitivo, o maravilhamento dos bens de consumo desgastou-se, tornando-se mais uma das atividades rotineiras que o sujeito experimenta em
busca do encontro de si mesmo. (2010, p.13)
Segundo A. Semprini o imaterial e o imaginário passam a ser uma dimensão do
consumo pós-moderno em conjunto com o individualismo, o corpo e a mobilidade. Os
sujeitos passam assim a valorizar aspectos abstratos dos produtos, consumindo-os com certa
dose de fantasia. É desse modo que os móveis, por exemplo, passam não somente a cumprir
uma função, mas também a ter outros valores incorporados a eles, como o estético e o estésico
marcado pelo sentir conforto e bem estar, conforme explica o autor:
[...] o conforto, tornou um argumento de venda importante, em numerosos setores de consumo. Esta busca de conforto, benefício imaterial por
excelência, é frequentemente associada a uma base concreta e material muito
importante, mas cujo papel é funcional, pois ela está subordinada à procura do máximo bem estar. (2010, p.60)
No acirrado cenário da concorrência e com o desgaste pela dessemantização do ato
de consumir, algumas empresas notaram que era inevitável surpreender os sujeitos e passaram
a agregar o valor da experiência no ato de consumir seus produtos. Assim, concentraram seus
esforços na tentativa de provocar reações emocionais nos sujeitos enquanto consumidores em
potencial, deixando de serem apenas nomes para ganhar corpo e personalidade. Para tanto, era
preciso não somente saber quem era o seu cliente, mas compreendê-lo, antecipando seus
desejos, bem como moldar os pontos de venda, principal local de aproximação das marcas
com o consumidor final.
Um bom exemplo disso está na ação sensorial que a varejista sueca de mobiliário e
decoração, Ikea, realizou em 2007 na cidade de Oslo, resultante de uma pesquisa que
identificou que muitas pessoas de outras regiões incluíam a loja Ikea como ponto turístico a
ser visitado na cidade. A ação consistiu na montagem de ambientes especiais dentro da loja,
para que clientes convidados pudessem usufruí-los durantes quatro noites como hóspedes. No
final da estadia os convidados podiam levar para casa os roupões, toalhas de banho e roupas
de cama que foram utilizados, com o propósito de fortalecer a experiência com a marca.
51
Assim o vetor experiência passa ganhar importante lugar e vai sendo desbravador de modos
vários.
Nesta dimensão do consumo imaginário, os pontos de vendas passaram a ser mais
valorizados. Quer esteja nele instalado uma loja de varejo que venda sua própria marca ou
várias outras, esses espaços são planejados para sensibilizar o sujeito consumidor. No
desdobramento das estratégias que as lojas utilizam para se fazer ser vista e sentida, o Visual
Merchandising entendido como “técnica de trabalhar o ambiente do ponto de venda criando
identidade e personificando decorativamente” (BLESSA, 2009, p.6) reforça os modos de
diferenciação pelas quais procuram mostrar-se ao consumidor. Atualmente, mais do que ir até
uma loja para adquirir um produto, a valorização do contato com o espaço da loja é
priorizada. As estratégias e as sensibilizações de modos de arranjo tornam-se fundamentais
para impactar os sujeitos. Para tanto o design, arquitetura e decoração, são capazes de
produzir um ambiente de compartilhamento e envolvimento que motivem e induzam os
consumidores a apreender e construir os valores que a loja deseja passar. Segundo
Demetresco, o visual merchandiser “cria efeitos de sentido e cenas de ilusão na decoração do
comércio” (2012, p.11).
Foi por esse caminho que as lojas conceito surgiram como um formato inovador das
lojas de marca. Esse tipo de loja diferencia das demais por terem espaços organizados não
apenas visando a venda de seus produtos, mas principalmente para que o conceito da marca
seja apreendido em ato. A marca é considerada um ativo intangível da empresa o que a torna
não só um nome e uma imagem, mas sim todo um jeito de ser, pensar e agir. Portanto, em sua
natureza semiótica, segundo A. Semprini, ela é capaz de construir, veicular significados e
articular um projeto de sentido a uma promessa concreta e materializada pelas ofertas,
produtos e serviços que disponibiliza aos sujeitos consumidores (2010, p.97). Em nossa
sociedade contemporânea a busca de sentido a partir de projetos de vida que tragam
significados tem sido cada vez mais valorizada, e é nesse contexto que a marca pode operar
enquanto sujeito de fazer e tornar-se forte. De acordo V. L. Martyniuk, a marca é o que
concentra o sentido, construído como resultado da operação conjunta de suas manifestações
(2008, p.9).
Como exemplo de loja conceito do segmento de decoração, tem-se a marca alemã
Dedon, fabricante de móveis de luxo para ambientes externos. Para ganhar uma maior
visibilidade, a marca inaugurou a Dedon Island resort, ilha localizada no Siargão, Filipinas,
aberta para um público de convidados restrito com a finalidade de fazê-los experienciar o que
a marca propõe como estilo de vida: “O luxo de viver com os pés descalços”, oferecendo aos
52
visitantes a oportunidade de passar momentos inspiradores e renovadores junto à natureza,
conforme informa Bobby Dekeyser (2012) seu proprietário. O conceitual dessa marca se faz
ser sentido pelos enormes painéis fotográficos que trazem a imagem de sujeitos descontraídos
e alegres usufruindo os espaços da ilha, que, instalados no interior de suas lojas na cidade,
trazem a Dedon Island aos olhos “urbanos” de quem a contempla. Em São Paulo, a Dedon
está instalada na elegante rua temática da cidade, a Alameda Gabriel Monteiro da Silva, que
organiza seus espaços internos explorando as emoções e sensações dos clientes que percorrem
a loja, não somente estimulando o consumo de seus produtos, mas também, e principalmente,
evocando um estilo de vida proposto pela marca, presentificado na ambiência da loja. Vemos
assim os enormes painéis fotográficos espalhados nas paredes, com o tema recorrente do
clima de descontração da praia, com pessoas sorridentes, vestidas de forma despojada, que
remetem à sensação de liberdade e alegria de viver, sem deixar de lado a sofisticação e
exclusividade do produto, presentificadas tanto no design e nos materiais empregados em seus
produtos como também nos complementos decorativos da loja e no atendimento diferenciado
(Fig.23). Podemos dizer que a Dedon, por meio de sua loja conceito, conta sua história de
forma intencional para seduzir o sujeito consumidor, colocando-o por painéis fotográficos
dizendo claramente onde ele gostaria de estar.
Figura 23 – Loja Conceito Dedon
Os paineis fotográficos de grandes proporções que estão nas paredes da loja Dedon, instalada na Rua Gabriel
Monteiro da Silva, que seduzem os sujeitos consumidores com um estilo de vida proposto pela marca.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
53
Paco Underhill, em seu livro A Magia dos Shoppings (2004) reforça a ideia de como
uma loja de varejo, seja ela de uma única marca ou que venda outras, por meio de seus
espaços pode estruturar-se aos moldes de uma construção de narrativas:
A história da marca deve ser contada ao longo de toda loja [...] Os cliente
devem ser atraídos para dentro e seduzidos aos poucos, enquanto percorrem
o espaço da loja.[...]Quando entramos em uma loja pela primeira vez, nossos sentidos são aguçados,e nossos olhos varrem todo o lugar. Cheiramos o ar, e
nossos ouvidos procuram sinais que nos digam claramente onde estamos.
(2004, p.208)
Por narrativa entende-se a característica de narrar por meio de sequências de
enunciados de estado que são transformados pelos enunciados de fazer. Tratadas como
percurso narrativo, compreendem uma sequência de programas narrativos simples ou
complexos do sujeito em busca de um objeto de valor. Para isso, o sujeito é modalizado por
outro sujeito doador de competências para a realização da performance do fazer, podendo ser
sancionado positiva ou negativamente. A semiótica é uma teoria de ação e estuda como o
fazer faz ser o sujeito. Para ela existem dois tipos de percurso narrativo: o que está no nível
narrativo do sujeito, que corresponde ao enunciado e o que está no nível discursivo, no
domínio da enunciação. O nível narrativo do sujeito é constituído por dois sintagmas: a
competência e a performance, em que modalização e a manipulação fazem o sujeito fazer. No
percurso discursivo, identificável por figuras, encontramos as marcas da negociação do
contrato em que a troca efetiva do objeto de valor ocorreu. Assim, o sujeito que entra na loja
da Dedon, não apenas busca comprar um móvel diferenciado para sua casa, mas procura
também estar em conjunção com o estilo de vida que a marca enuncia e que lhe proporciona
experiências de sentir pelos painéis e “pelos pés descalços” se ele for um daqueles a viver em
ato o que a marca propõe.
O ponto de venda é capaz de em um dado espaço reunir as qualidades sensíveis, que
podem ser da ordem do visual, olfativa, sonora e térmica, que em conjunto e organizadas de
modo apropriado venham a manifestar uma realidade significante. Assim, uma loja enuncia
seu modo de ser e a apreensão do sentido pode ser captada e fazer sentido ou não ao sujeito
consumidor que circula por estes espaços. Temos, pois, um encadeamento de enunciados de
estado e de transformação que constituem narrativas de uma cidade, de ruas, de lojas ou da
relação entre elas.
54
As estratégias que a empresa utiliza são definidoras das diretrizes de todas as
interações desenvolvidas com os consumidores e a sociedade como um todo (Martyniuk,
2008, p.10). Os destinadores fazem escolhas sobre onde e como irão instalar suas lojas, de
modo que se faça comunicar aos seus destinatários para o que vieram. Tais escolhas, tanto no
endereço escolhido como nas formas arquitetônicas e arranjos dos seus espaços internos, são
usadas como força de persuasão. Podemos dizer que uma loja se faz ser vista por meio da
imagem que os sujeitos formam ao vê-la e reconhecê-la, conforme explica A. C. de Oliveira,
[...] como a imagem sentida e percebida chega então a levar o passante a
conhecer o produto, formar uma imagem da loja e, por fim, poder se auto-
identificar são tópicos de extrema relevância compreender, pois no sentir e no perceber, se instaura a significação. (1997, p.44)
Para a semiótica, um dos componentes que determina o processo comunicacional é o
fazer crer do enunciador com o propósito de persuadir o enunciatário no convencimento de
seu discurso. Nessa relação, o fazer crer implica na modalidade da volição, no fazer querer do
sujeito enunciador apoiado no crer do enunciatário sobre o discurso verdadeiro. A persuasão é
feita por meio de um conjunto de procedimentos argumentativos que estão presentes nesta
relação, num jogo complexo de manipulação a fim de efetivar a interação entre as partes. Os
modos de presença das lojas no contexto da rua em que estão alocadas, como nos modos de se
fazerem ser vistas pelo passante, pelos arranjos arquitetônicos externos de sua fachada e
vitrinas, pela exposição do mobiliário e objetos no interior da loja, entre outros aspectos, são
organizados com a finalidade de trazer o sujeito consumidor para perto do objeto de venda,
estabelecendo uma relação entre a combinação daquilo que deseja mostrar com aquilo que é
visto, posições que vão estruturar os procedimentos dos regimes de visibilidade. Assim, o
destinador escolhe quais as estratégias utilizará para que seja apreendida pelos passantes, seu
destinatário.
O ponto de venda assumido nesta construção enunciativa é, sem dúvida, poderoso
para que o contrato seja efetivado entre o destinador e destinatário. Ele é assim constituído
por um conjunto de ações planejadas com a intenção de atingir seu público alvo com
vivências inteligíveis e sensíveis que põem o consumidor na experiência mesma do sentido
que é assim presentificado.
55
O nome de uma loja ou de uma marca ao ser enunciado traz consigo sentidos e
valores associados ao mundo que ela cria. Elas podem assim, construir “mundos possíveis” 13
para seus destinatários. É desse modo que a marca alemã Dedon muito além de oferecer
móveis de boa qualidade com design apurado faz o sujeito querer um estilo de vida que a
marca enuncia. Ou ainda, sentir que pertence ao mundo que a varejista Ikea cria. São vários os
caminhos nas estratégias da diferenciação que as marcas utilizam. No entanto, dentre todas as
estratégias que as marcas podem utilizar para atingir seus consumidores em potencial a
escolha da localização de suas lojas é parte constituinte importante da sua enunciação, como
veremos a seguir.
13 Termo utilizado por G. W. Leibniz, cujo conceito central da filosofia é a Harmonia Universal identificada com Deus para vivemos no melhor dos mundos possíveis.
56
CAPÍTULO II. AS RUAS TEMÁTICAS DO SEGMENTO DE DECORAÇÃO
A busca de móveis e objetos de decoração é o programa narrativo comum que
sustenta a narrativa nos trechos selecionados da Rua Teodoro Sampaio e Alameda Gabriel
Monteiro da Silva. Cada uma dessas vias temáticas organiza-se de forma a atingir os sujeitos
consumidores em potencial no intuito de persuadi-los a firmar uma troca. Segundo A.J.
Greimas (2011, p.514) a troca constitui uma das formas da comunicação ou transferência de
objetos de valor. Centrado num “fazer-fazer”, o programa narrativo pode ser analisado como
estrutura contratual e estrutura modal (OLIVEIRA, 1997, p.135). Nesses termos podemos
investigar quais são os arranjos postos nesses trechos e relacioná-los, conforme propõe
Greimas, que afirma que um local só pode ser apreendido se o fixarmos em relação a um
lugar diferente, que ele só se define por aquilo que não é (1981, p.115).
II.1 Bairros e entornos
Embora a Rua Teodoro Sampaio e Alameda Gabriel Monteiro da Silva estejam
relativamente próximas uma da outra, essas vias estão inseridas em diferentes bairros que
também são distintos por características peculiares desde suas origens e posterior
desenvolvimento. Segundo M. de Certeau os bairros de uma cidade constituem-se para os
sujeitos que circulam por eles, como “uma parcela conhecida do espaço urbano na qual,
positiva ou negativamente, ele se sente reconhecido” (2009, p.40), assim um bairro é
apreendido pelas particularidades existentes e pelo uso que ele é capaz de proporcionar aos
habitantes e visitantes.
A Rua Teodoro Sampaio está localizada no bairro de Pinheiros, uma das regiões
mais antigas da cidade. Desde a sua formação e, durante muito tempo, esse bairro foi
considerado um núcleo sem muita importância para a capital, o que resultou no seu
desenvolvimento tardio e lento. Foi por volta do final do século XIX, que as primeiras
transformações aconteceram na região, tendo como ponto de partida a chegada da linha de
bonde que possibilitou o acesso e a consequente circulação de um maior número de pessoas
pelo bairro, que na época já era conhecido pela concentração da venda de vários produtos
agrícolas, sobretudo por reunir produtores de batatas. A comercialização era realizada a céu
57
aberto num ponto espefícico do bairro, o que levou esse local ser conhecido por “Largo da
Batata”, nome esse oficializado somente em julho de 2012. Com o fortalecimento desse
comércio agrícola na região, a prefeitura inaugurou o Mercado de Pinheiros. No início, esse
mercado era apenas um galpão destinado aos comerciantes e produtores que vinham do
interior para vender seus produtos, que fez com que a população o apelidasse de “Mercado
dos Caipiras” (REALE, 1982, p.73). O lançamento do loteamento da Chácara Água Branca
dos Pinheiros mesclou a característica comercial agrícola do bairro com a construção de
residências destinadas para a classe média (Fig.26). Aos poucos a região foi desenvolvendo-
se, principalmente com o comércio local que se instalou ao longo da Rua Teodoro Sampaio.
Figura 24 – o Bairro Pinheiros
O Mercado de Pinheiros inaugurado em 1929, um galpão destinado para a venda de produtos agrícolas que
vinham do interior, sendo apelidado pelos paulistanos de “Mercado dos Caipiras”. O bairro de Pinheiros guarda,
até os dias de hoje, suas características comerciais desde a sua origem.
Fonte: Raul Goldschmidt
Não muito distante desse trecho da Rua Teodoro Sampaio está a Alameda Gabriel
Monteiro da Silva localizada no bairro nobre do Jardim Paulistano. Planejado pela
Companhia City, a partir de 1912, o bairro foi loteado para dar continuidade ao modelo
proposto dos bairros vizinhos, o Jardim América e Jardim Europa. O projeto urbanístico
desses bairros previa alamedas e a construção de residências em grandes lotes proporcionando
uma configuração privilegiada em relação aos bairros mais antigos da cidade. Na década de
1920, embora a linha do bonde passasse por ela, transformando-a na via mais movimentada
do bairro, a Alameda Gabriel Monteiro da Silva continuava essencialmente residencial e
mantinha as características bucólicas do Jardim Paulistano (REALE, 1982, p.109).
58
Nesses aspectos o bairro Jardim Paulistano pouco mudou com o passar dos anos.
Ainda podemos ver belas e bem cuidadas casas entre uma massa de árvores, algo raro na
cidade de São Paulo, dominar a paisagem. Muitas dessas casas continuam sendo utilizadas
para fins residências, embora existam aquelas que cederam lugar aos escritórios e
estabelecimentos comerciais.
Figura 25- Jardim Paulistano
O bairro Jardim Paulistano preserva sua constituição original de prédios baixos construídos em grandes lotes e
principalmente a sua área verde.
Fonte: http://marleneacayaba.blogspot.com.br/
Tanto a Alameda Gabriel Monteiro da Silva como a Rua Teodoro Sampaio são vias
delimitadas pelas mesmas avenidas de acesso: a Av. Brigadeiro Faria Lima, a Av. Rebouças e
a Av. Brasil, cuja certa altura vira extensão da Av. Henrique Schaumamm (Fig.26). Porém, ao
cruzarmos os bairros onde estão inseridas, notamos diferenças significativas que são vistas e
sentidas por aqueles que ali circulam. Para identificá-las propomos um trajeto pela Av.
Brigadeiro Faria Lima tendo como ponto de partida a Av. Juscelino Kubitschek, em direção
ao bairro de Pinheiros.
59
Figura 26- Delimitações dos bairros e vias
Os dois bairros vizinhos, Jardim Paulistano e Pinheiros, separados pela Av. Rebouças, limitadas pela Marginal
Pinheiros e Av. Brasil/Henrique Schaumann. A Av. Rebouças, em destaque se faz ser vista como um marco
divisor entre os distintos modos de presença desses bairros
Fonte: www.google.com.br
Considerada um dos centros financeiros da cidade de São Paulo, a Av. Brigadeiro
Faria Lima foi construída a partir do Largo da Batata, em meados dos anos 60. É nela que
está o shopping Iguatemi, considerado o primeiro empreendimento de grande porte, instalado
no Brasil seguindo os moldes norte-americanos. Num segundo momento, por volta dos anos
90, essa avenida sofreu alterações no seu traçado pelo seu prolongamento tanto na direção do
bairro de Pinheiros como na direção do bairro da Vila Olímpia. Essa avenida se faz ser vista
por um corredor de prédios de escritórios e instituições financeiras marcada por duas épocas
distintas. Para o lado do bairro de Pinheiros vemos uma concentração deles com aspectos
mais antigos em comparação aos novos prédios que estão próximos a Av. Juscelino
Kubitschek.
Seguindo então da Av. Juscelino Kubitschek em direção ao bairro de Pinheiros, a
Av. Brigadeiro Faria Lima apresenta um tráfego intenso de carros, ônibus e pedestres. A via
de mão dupla com quatro pistas de cada lado é separada por um canteiro central com jardim
bem cuidado. Em alguns trechos desse canteiro central existe uma ciclovia devidamente
sinalizada. As faixas que demarcam o espaço destinado aos veículos são largas e recém-
pintadas com placas indicativas e sinalizações que propiciam o ordenamento do trânsito e dos
pedestres, marcas essas que conferem a esse espaço urbano um modo organizado de ser e
estar.
60
Durante o dia, nota-se um movimento intenso de pessoas que circulam a pé,
sobretudo no horário de almoço. Os corpos vestidos em sua maioria com roupas de trabalho,
geralmente andando em grupos, concentram-se nos sinais de pedestres, tendo como destino os
restaurantes da região. Podemos ver também alguns poucos corpos em trajes esportivos que
circulam pela avenida aproveitando a pista de cooper e ciclovia do canteiro central (Fig.27).
Esses modos de presença repetem-se com relativa frequência, instaurando uma prática no
circular pela Av. Faria Lima até chegarmos à esquina da Av. Rebouças. É nesse ponto que
essas avenidas oferecem caminhos alternativos para outras vias e saídas da cidade. Seguindo a
mesma direção do trajeto proposto do início, é nesse cruzamento, que passamos do bairro
Jardim Paulistano para o bairro de Pinheiros. A quantidade de ônibus que passam a circular
nesse trecho é maior, tendo em vista o terminal de Pinheiros que concentra várias linhas de
ônibus está muito próximo desse ponto. Com isso, o trânsito torna-se caótico, uma vez que os
carros parecem “brigar” com esses ônibus pelo direito a um espaço na via. A circulação de
pedestre é também maior dada á região ser basicamente comercial. Os corpos andam mais
apressados pelas calçadas, muito provavelmente em direção ao terminal ou estação de metrô
Faria Lima, ou mesmo para realizar suas compras. No trecho próximo ao terminal,
ambulantes passam a frequentar as calçadas, ofertando produtos, comidas, bebidas e outros
itens para aqueles que circulam na região (Fig.28).
Figura 27- Av. Brigadeiro Faria Lima
Um dos centros financeiros da cidade de São Paulo, a Avenida Faria Lima arborizada, é uma via bem cuidada,
com canteiro central para cooper e ciclovia, faixas bem sinalizadas e trânsito ordenado. Fonte: www.google.com.br
61
Figura 28- O Largo da Batata
Corpos que circulam no início da Rua Teodoro Sampaio, a partir do Largo da Batata, onde está o acesso ao
metro Faria Lima e terminal de ônibus. Local de grande circulação de pedestres favorece o comércio formal e
informal na região.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
A Rua Teodoro Sampaio nasce de um cruzamento entre as Ruas Paes Leme e Rua
Butantã para depois passar pelo Largo da Batata, e é nesse ponto que iniciamos nossa
investigação. Via de um único sentido, essa longa e reta rua é bastante movimentada, quer
seja por veículos ou por sujeitos que circulam por ali. Corredor de passagem para os demais
pontos da cidade, nessa via há ônibus, carros particulares e utilitários, motos, circulando
incessantemente, fazendo o trânsito ser lento e conturbado na maioria dos dias da semana e
em diversos horários. Para avançar pela rua de carro é necessário driblar o congestionamento
contínuo e o estreitamento da via, em consequência tanto da faixa exclusiva de ônibus ao lado
direito, como pela “zona azul” 14 que permite estacionamento de veículos ao lado esquerdo.
O comércio instalado nos primeiros quarteirões é muito diversificado e popular.
Vários ambulantes, com carrinhos abarrotados de produtos, dividem as calçadas com os
pedestres, que andam apressados esbarrando-se uns aos outros. Muitos desses pedestres
andam e atravessam a rua de modo apressado e muitas vezes até de modo descuidado.
Podemos ouvir sons de buzina e de freadas bruscas por parte dos motoristas com relativa
frequência. Alguns pontos comerciais utilizam som com alto-falantes para anunciar ofertas e
tocar músicas na tentativa de sobressaírem-se um dos outros. Nesses primeiros quarteirões um
14 Zona Azul é o estacionamento rotativo pago, criado em 30/12/1974, através do Decreto 11.661, com o objetivo de promover a rotatividade das vagas existentes, racionalizando o uso do solo em áreas adensadas,
disciplinando o espaço urbano e permitindo maior oferta de estacionamento.
62
sentido agitado é apreendido, que permanece até chegar ao cruzamento com a Rua Fradique
Coutinho (Fig.29) A partir dessa rua até a Av. Henrique Schaumann, o caos parece ceder
lugar a certa ordenação que parece produzir alívio e reconforto para quem não está
acostumado a tanto barulho.
Figura 29- Início da Rua Teodoro Sampaio
A concentração de lojas populares é maior nos primeiros quarteirões da Rua Teodoro Sampaio a partir do Largo
da Batata. Calçadas possuem espaço reservado para barracas de ambulantes que transformam a passagem num
caminho muito estreito prejudicado pelo excesso de pessoas que circulam. Via de um único sentido, que tem
faixa exclusiva de onibus e zona azul e faz com que o congestionamento seja constante.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
A conhecida Av. Henrique Schaumann corta a Rua Teodoro Sampaio, separando-a
em parte alta e parte baixa da via. A partir dessa avenida, nos próximos cinco quarteirões,
lojas de instrumentos musicais podem ser vistas lado a lado, o que a faz ser também uma rua
temática do segmento. Na parte baixa, mais precisamente entre as ruas Fradique Coutinho e
Francisco Leitão, dá-se a ver uma maior concentração de lojas de móveis e objetos de
decoração, cujo trecho nos interessa investigar.
Nesse trecho específico mencionado, o polo de comércio temático iniciou-se na
década de 1950, a partir de pontos de manufatura de móveis rústicos com o aproveitamento de
madeiras que se instalaram na região. Com a circulação cada vez maior de sujeitos
interessados em comprar móveis desse tipo na região, aos poucos, os quarteirões passaram a
serem constituídos por inúmeras e diversificadas lojas do segmento moveleiro fortalecendo
ainda mais esse polo comercial (Fig.30).
63
Figura 30- Trecho selecionado
Trecho da Rua Teodoro Sampiao, entre as ruas Fradique Coutinho e Francisco Leitão, que se dá a ver maior
concentração de lojas especializadas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Voltando para o bairro do Jardim Paulistano, a Alameda Gabriel Monteiro da Silva
tem nas suas extremidades o Rio Pinheiros e a Av. Rebouças. Essa via é bastante longa,
atravessando importantes avenidas da cidade, como Av. Brigadeiro Faria Lima e Av. Brasil.
Para quem inicia o trajeto pela Marginal Pinheiros o sentido é de mão dupla até a Av. Brasil,
que depois passa a ser mão única até chegar ao encontro com a Av. Rebouças. Nesse primeiro
trecho, o trânsito é bastante calmo dado pela circulação reduzida de carros. Nas imediações da
64
Av. Brigadeiro Faria Lima até Av. Rebouças, a alameda passa a ter maior circulação de
carros, sem contudo, causar tumulto. Os carros, em sua maioria, são de passeio entre os raros
caminhões e poucos ônibus, que juntos fazem o percurso de forma bastante controlada e lenta.
Não ouvimos som de buzinas ou freadas bruscas algo frequente no trânsito paulistano. O
movimento geralmente é calmo e ordenado, mesmo quando o tráfico é intenso uma vez que
essa via liga duas avenidas importantes da cidade (Fig. 31).
Figura 31- A Alameda Gabriel Monteiro da Silva
A Alameda Gabriel Monteiro da Silva no cruzamento com a Av. Brigadeiro Faria Lima, cujo percurso é feito de
modo calmo sem grandes concentrações de carros e ônibus.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos.
A transformação de uma parte da alameda em polo comercial é recente. Foi partir de
1990 que algumas casas residenciais cederam lugar aos inúmeros estabelecimentos comerciais
que vemos em maior quantidade no trecho entre as Avenidas Brigadeiro Faria Lima e Av.
Brasil. De acordo com A.C. Lemos isso foi possível pela ação dos especuladores que
burlaram a lei de zoneamento, conforme denuncia:
E o comércio e os escritórios em zonas proibidas? Qual a explicação, por
exemplo, da Alameda Gabriel Monteiro da Silva estar repleta de lojas? A
origem dessas irregularidades, como suspeitamos, está na trama organizada de influências lastreadas do poder público. (2013, p.90)
65
Apesar da queixa, essa transformação tornou-se uma prática constante levando
inclusive alguns dos pontos comerciais iniciarem suas atividades apenas com liminares, sem
alvará dado pela Prefeitura de São Paulo. Somente em 2004, com a aprovação pela Câmara
dos novos planos diretores regionais, algumas atividades comerciais foram admitidas e
regularizadas, sobretudo as galerias de arte e lojas de decoração. Polêmicas à parte, o fato é
que o preço do metro quadrado na Alameda Gabriel Monteiro da Silva é um dos mais caros da
cidade de São Paulo, que com o valor médio entre R$12.500,00 a R$ 12.460,00 (VERONESI,
2013), não foi impeditivo o fato dos casarões, construídos em grandes lotes, serem
transformados em pontos comerciais. A paisagem da Alameda Gabriel Monteiro da Silva
nesse trecho específico modificou-se dada pela concentração de lojas diferenciadas e
específicas do segmento de decoração que se dão a ver uma ao lado da outra (Fig.32).
Figura 32- Alameda Gabriel comercial
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Alameda Gabriel Monteiro da Silva entre as Avenidas Brigadeiro Faria Lima e Brasil. Dá-se a ver inúmeras
lojas de decoração instaladas em grandes lotes, uma ao lado da outra, que deram uma nova paisagem a via.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Nesse trecho, poucos são os sujeitos que circulam pelas calçadas. Quando os vemos,
em horários específicos, podemos julgar que são moradores da região, pois em trajes
esportivos denotam uma atitude de lazer, levando seus cachorros para passear ou praticando
algum tipo de esporte. Outro momento específico que a circulação de sujeitos nas calçadas
torna-se mais intensa e nos quarteirões próximos a Rua Juquiá, é durante o horário de entrada
e saída da escola britânica de São Paulo, Saint’s Paul School. Nas imediações da escola,
nesses horários apenas, identificamos os alunos uniformizados indo e vindo, acompanhados
ou não entrarem nos carros. Em menor quantidade, outros passantes indicam serem
funcionários das lojas por estarem de uniformes ou pedestres em direção as avenidas que
cortam a Alameda (Fig. 33).
67
Figura 33 – O andar pela Alameda
Pouca circulação de sujeitos nas calçadas. Alguns desses, em trajes esportivos, indicam serem moradores do
bairro. Próximo da Alameda, na altura da Rua Laerte Assunpção, está a Praça Gastão Vidigal utilizada para
lazer dos moradores do bairro.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Temos, pois, dois bairros da cidade de São Paulo com identidades próprias. Embora
o tema da decoração seja um denominador comum entre eles, por meio dos trechos
sinalizados, buscamos saber como esses espaços temáticos fazem sentido para o comércio do
segmento. Para a apreensão do sentido, a análise do modos de mostra-se de cada um deles,
por meio das relações entre os actantes, sujeitos, lojas e espaços, se faz necessária.
II. 3. Os modos de presença da Alameda comercial
O que define uma via ser uma alameda é a existência de árvores plantadas ao longo
dela. No trecho compreendido pelas Avenidas Brigadeiro Faria Lima e Brasil, que nos
interessa investigar podemos vê-las em harmonia com o paisagismo das lojas e demais
estabelecimentos comerciais como prova de resistência do verde característico desse bairro
paulistano (Fig.34).
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Figura 34- Alameda comercial arborizada
Vista da Alameda Gabriel Monteiro da Silva na altura do número 1.500. Ao lado direito da imagem, o muro do
Colégio Madre Alix cercado por árvores em frente a loja de tecido Regatta.
Fonte: www.google.com.br
Conforme mencionamos anteriormente, nesse trecho específico, poucas são as casas
cuja função permanece para moradia. Muitas delas são hoje lojas de móveis, de tecidos,
objetos de arte, enfim de itens relativos ao tema da decoração que estão mescladas por outros
estabelecimentos comerciais distintos. É exatamente nesse trecho que faz a Alameda Gabriel
Monteiro da Silva ser uma via comercial.
Quase sempre, nos polos comerciais de ruas das cidades encontramos
estabelecimentos comerciais que prestam serviços para os sujeitos moradores ou
frequentadores do local. São agências bancárias, farmácias, restaurantes, supermercados, entre
outros, que fazem parte do contexto comercial garantindo a manutenção das relações que são
estabelecidas ali. Nesse trecho selecionado não é diferente. Tais estabelecimentos estão
presentes, muito embora sejam poucos exemplares. Entre as agências bancárias, encontramos
o Personalitté, o Primer e o Select, nomeações respectivas para os bancos Itaú, Bradesco e
Santander, nas suas versões destinadas ao atendimento diferenciado para poucos. Na
continuidade de nossa investigação, vemos o supermercado, o Pão de Açúcar “terceira
geração” 15, a farmácia Drogasil e a imobiliária Kauffmann. Todos esses estabelecimentos
comerciais são organizados de modo que ofereça um atendimento direcionado a um público
de gosto que parece ser mais exigente, e se fazem ser vistos por características distintivas
dado o zelo como se mostram aos sujeitos passantes (Fig. 35).
15 O conceito “terceira geração” é baseado na oferta de mais serviços e criação de ambientes nas lojas do Pão de Açúcar.
69
Figura 35- Estabelecimentos comerciais na Alameda
A agência do Itaú Personalité e a farmácia Drogasil, alguns exemplares de estabelecimentos diferenciados que se fazem ser vistos pela organização de suas fachadas conforme o contexto da Alameda. O restaurante Z-Deli na
esquina da R. Juquiá reitera a tendência da moda em decoração presentes nas lojas vizinhas, por meio do
emprego de composições cromáticas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Muito embora uma rua comercial seja marcada pela circulação intensa de pessoas a
pé, na Alameda raramente vemos sujeitos que andam por ela com a intenção de olhar as
vitrinas das lojas ali presentes. A identificação dos possíveis sujeitos consumidores ocorre
70
pelo carro que sinaliza para entrar ou sair do estacionamento da loja, ou pelo curto trajeto
entre o carro e a porta do estabelecimento e vice-versa. Pouquíssimos são aqueles sujeitos que
carregam sacolas na saída da loja em direção ao carro. Nesses raros momentos, são sempre
assistidos por um funcionário da loja que os ajudam nessa atividade (Fig.36).
Figura 36- Consumidora na Alameda
Poucos são os sujeitos que circulam pelas calçadas da Alameda. O sujeito é identificado como um provável
consumidor ao estacionar seu carro em frente à loja, e pela rara ação de levar sacolas, como essa cliente que
provavelmente adquiriu algum produto e está sendo ajudada por um funcionário da loja.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Embora as lojas sejam vizinhas uma das outras, a distância entre elas é generosa dada
pela configuração dos terrenos em grandes lotes, característica do bairro Jardim Paulistano. A
maioria das lojas que encontramos nesses quarteirões possuem uma fachada larga e espaço
reservado para o estacionamento de veículos. Mesmo com essa disponibilidade ofertada de
forma gratuita, algo raro na cidade de São Paulo, é usual, na maioria das lojas, o serviço de
manobrista que recepciona os carros dos clientes. Esse serviço pode ser identificado
facilmente pelos ombrelones abertos em frente às lojas, que abriga o funcionário fardado à
espera dos clientes (Fig.37).
71
Figura 37- As lojas e suas fachadas
Área disponível para o estacionamento dos carros em frente às lojas e o serviço de manobristas à disposição dos
clientes, que são facilmente identificados pelos ombrelones abertos ou pelo manobrista uniformizado à espera do
cliente.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
72
Na maioria das lojas, em frente as suas fachadas bem cuidadas, estão posicionados
sujeitos vestidos em ternos pretos que desempenham função de segurança e/ou funcionários
uniformizados que varrendo às calçadas ou cuidando dos jardins integram a paisagem. Esses
modos de presença indicam cuidados que são praticados pelos pontos comerciais, que
privilegiam tanto com a segurança como a aparência externa do estabelecimento. Um efeito
de sentido de calma e tranquilidade é portanto desfrutada por quem quer que passe por esse
trecho (Fig. 38).
Figura 38- Cuidados dispensados
Funcionários uniformizados em ternos pretos desempenham a função de segurança das lojas. Outros também
devidamente uniformizados varrem as calçadas ou cuidam dos jardins em frente às lojas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Padrão recorrente nas diversas lojas presentes na Alameda Monteiro da Silva é o
mostra-se por meio de fachadas bem cuidadas e trabalhadas com revestimentos elaborados. A
fachada é o elemento arquitetônico que se estende por toda a área externa que compõe o
visual de um edifício. É, portanto, nela que estão os elementos estéticos, como revestimentos,
cores, formas, nomes da loja ou da marca, entre outros, que em conjunto são essenciais para a
comunicação da identidade de um estabelecimento comercial. Por meio dela que o sujeito
passante pode pressupor que tipo de estabelecimento está diante dele. Nessa via temática tanto
a inovação nas formas arquitetônicas como a preservação das características da construção
original estão presentes. É o caso da loja Decameron que inova com a utilização de conteiners
marítimos pintados em cores contrastantes. Esses foram empilhados um sobre o outro e
73
incorporados à estrutura do prédio. O bloco sólido e colorido tem dois planos, um que está no
nível da rua formando um túnel utilizado como entrada da loja, e outro no alto, como vitrina.
Entre outras fachadas arrojadas recorremos a da Galeria Bia Dória. Inspirado no origami, arte
japonesa de dobrar papel, a casa é envolvida por estruturas metálicas revestidas com painéis
de alumínio composto, na cor preta. O sujeito passante direciona seu olhar para o enorme
bloco multifacetado posicionado na esquina da Rua Mariana Correia que traz a modernidade
para a Alameda sem saber que por debaixo da estrutura ainda está a construção original (Fig.
39).
Figura 39- Inovação nas fachadas
Exemplares de lojas localizadas no trecho selecionado da Alameda cuja fachada arrojada é estratégia de
diferenciação nos modos de mostrar-se. A Decameron inova na escolha da fachada colorida, feita com módulos
de contêiners empilhados, e a Galeria Bia Dória com formas inspiradas no origami.
Fonte:www.google.com.br
74
Entre as lojas com fachadas arrojadas, existem também aquelas que mantém de modo
visível as características originais da casa, valorando a tradicionalidade do bairro. Duas delas
nos chama atenção, a Armando Cerello e a Quarto e etc., ambas marcas com apenas uma loja
na cidade de São Paulo. A primeira, marca tradicional na produção de móveis em fibras
naturais e sintéticas, há 100 anos no mercado, mostra-se por meio de uma fachada pouco
alterada. A cor pêssego empregada nas paredes externas contrasta muito pouco com o
contorno branco da porta de entrada e duas janelas que recebem toldos na cor grafite. O nome
da marca aparece no alto da fachada de modo discreto. A marca Quarto e Etc. presente na
Alameda desde 1993, escolhe seguir a mesma linha da preservação dos traços originais da
casa. A loja mantém o ar bucólico do bairro por meio da fachada na cor terracota e do
paisagismo cujas plantas, em crescimento, vão encobrindo as paredes frontais do prédio. As
duas marcas escolhem vitrinas muito discretas cuja a visibilidade de fora para dentro do
sujeito passante é limitada do mesmo modo como não visualizamos o interior de uma
residência, indicando reserva. O efeito de sentido da exclusividade é apreendido (Fig. 40).
Figura 40- Preservação da arquitetura da casa
75
Fachada da única loja da marca Armando Cerello na cidade de São Paulo. A loja preserva os traços originais da
casa, apenas com pequenas transformações. A loja da Quarto e etc. especializada em quartos mostra-se por
meio de uma fachada intimista que mantém os traços bucólicos do bairro com paisagismo bem cuidado.
Fontes: Acervo Armando Cerello e Maria Claudia Vidal Barcelos.
Percebemos então, a utilização de cores, formas, materiais, iluminação, paisagismo,
entre outros recursos explorados pelo enunciador combinados para manipular o olhar do
sujeito passante. É nessa combinatória que o tipo de loja está enunciado ao sujeito
consumidor antes mesmo dele entrar nela. Por meio desses atributos o sujeito passante pode
formar uma ideia do que encontrará no da interior.
Os sujeitos que percorrem esse trecho da Alameda pode reconhecer facilmente uma
mesma marca que se faz ser vista por duas lojas distintas. Nesse contexto, o reconhecimento
não se faz pelas fachadas das lojas, uma vez que não são padronizadas, mas pelo nome
principal da marca acrescido de outro, indicando que cada loja parece oferecer produtos
específicos ou serviços diferenciados. Algumas vezes a identificação dessa diferenciação é
óbvia, neste caso podemos citar a Casual exteriores e Casual interiores ou as lojas Q e etc. e
a Q e etc. bebê, que no próprio complemento do nome da marca está enunciado o que
encontrará no interior de cada loja. Em outros, no entanto é preciso entrar nas lojas para saber
o que as distingue. É o caso da Brentwood e a Brentwood Natural. A empresa, há 20 anos no
mercado, tem quatro lojas na cidade de São Paulo que recebem o nome de Brentwood e vende
os mesmos produtos em todas as suas unidades. O acrescimento da palavra Natural ao nome é
usado para distinguir a linha de produtos que a empresa passou a vender e expor nessa única
loja alocada na Alameda. A linha desse mobiliário é diferenciada por traz um conceito mais
despojado com móveis sustentáveis, algo tão valorado na atualidade. De mesmo modo a By
Kamy, diferencia seu atendimento e tipos de produtos por meio de duas lojas distintas. A
empresa que comercializa tapetes destina a By Kamy Studio para a exposição de tapetes de
76
tamanhos menores e preços mais acessíveis, enquanto que a By Kamy Maison, a menos de um
quarteirão, oferece uma linha de tapete mais diferenciada tanto nos tamanhos como nos
valores por metro quadrado (Fig.41).
Figura 41- Nomes como diferenciação de serviço
A marca Bretwood possui duas lojas na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, uma que oferta mobiliários iguais aos expostos nas demais lojas da marca e outras que é direcionado ao estilo mais despojado. Fachada das lojas
da marca By Kamy, uma direcionada para a vende de tapetes menores e a preços acessíveis, a nomeada Ky
Kamy Studio, e a By Kamy Maison, que oferta tapetes maiores e mais caros.
Fontes: www.google.com.br e By Kamy
Duas outras lojas também chama atenção do sujeito passante que as identifica pelo
nome quase igual: a Firma Casa e a Conceito: Firma Casa. Instalada no número 1487, a
Firma Casa mostra-se pelo arrojado teto revestido por vasos com “espadas de São Jorge”
77
que integram a paisagem verde da Alameda. Quase em frente a essa loja, está a Conceito:
Firma Casa, que se mostra ao sujeito passante por uma fachada contemporânea. A primeira
oferece uma linha de móveis e objetos que ela denomina de design high-end, termo utilizado
para definir produtos sofisticados e fabricados com alta tecnologia (Fig. 42). A outra também
oferece tanto móveis como objetos decorativos diferenciados, mas a sua abordagem de venda
está apoiada no conceito de que “tudo é diferente, tudo combina” (Fig. 43). Para identificar
essas diferenças propostas entre as lojas é necessário entrar nelas, desfrutar de seus espaços
internos, e percebe-las. Podemos dizer ainda que a empresa coloca-se para públicos distintos
por meio de cada uma dessas lojas, porém mantem o conceito central, que é trazer novidades
assinadas por designers reconhecidos ou não aos seus clientes.
Figura 42: A loja Firma Casa
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A fachada da loja Firma Casa criação dos irmãos Campana que constituído por 2.500 vasos de alumínio com
mais de nove mil sementes da planta Espada de São Jorge. O ambiente interno da loja que expõe mobiliário e
peças assinadas por designers reconhecidos internacionalmente.
Fonte: arquivo Firma Casa
Figura 43- Conceito: Firma Casa
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A loja Conceito: Firma Casa localizada em frente a outra loja da empresa mostra-se por meio de uma fachada
contemporânea e organiza seus espaços de modo despojado sem preocupação com combinações padronizadas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
A Alameda Gabriel Monteiro da Silva também se faz pela escolha de empresas que
já possuem uma loja consagrada alocada nela, instalarem outros espaços para abrigar uma
nova marca. É o caso da Montenapoleone, empresa responsável pela distribuição das marcas
italianas Cassina e Poltrona Frau, ligados ao grupo da escuderia da Ferrari, que apresenta e
comercializa tais móveis na loja de mesmo nome. Recentemente, o grupo Montenapoleone
abriu um novo espaço para a venda dos produtos da marca italiana Kartell que possui uma
variedade grande de objetos de decoração. De modo similar, a loja Collectania distribuidora
da marca holandesa Auping reconhecida pela fabricação de camas de alto padrão em conforto
e tecnologia, que está na Alameda Gabriel Monteiro da Silva desde 1994, inaugurou uma loja
conceito para a venda de móveis para ambientes externos da marca alemã, Dedon. Nos dois
casos a divulgação dessas marcas associadas a um único grupo está apenas no site das
empresas. Essas ações reforçam a valorização do endereço para a venda de móveis e objetos
de decoração diferenciados (Fig. 44).
80
Figura 44- Marcas renomadas na Alameda Gabriel
O grupo Montenapoleone, possui uma loja que oferece produtos das marcas renomadas Poltrona Frau e
Cassina e outro show-room exclusivo da marca Kartell. A loja Collectania representante da marca Auping
também criou um novo espaço para a venda dos produtos da marca alemã Dedon, muito próximo da primeira.
Fontes: www.google.com.br e Maria Claudia Vidal Barcelos
De modo recorrente, no trecho em questão, podemos ver as lojas de marcas
internacionais renomadas do segmento de decoração. Temos a Armani Casa, as francesas
81
Ligne Roset e Cristais Baccarat, norte-americana Holly Hunt entre outras ao lado de marcas
nacionais de prestígio que em conjunto reúnem “o mundo da decoração” na Alameda Gabriel
Monteiro da Silva (Fig.45). A escolha desse endereço pelas empresas internacionais pode ser
ilustrada a partir da marca Armani Casa, presente nesse endereço desde junho de 2013 com a
sua primeira loja no Brasil. A decisão de vir tanto para a cidade de São Paulo como instalar
sua loja nessa via foi baseada no fato do crescimento do mercado de luxo e do status que é
conferido a Alameda, conforme a assessoria de imprensa da marca afirma:
A decisão de abrir uma loja Armani Casa se deve principalmente ao
crescente interesse do público brasileiro por design de interiores. Uma
tendência comprovada pelo grande afluxo de profissionais do setor nas edições mais recentes do Salão do Móvel de Milão. Outro fator relevante é o
boom da construção que está ocorrendo nas maiores cidades do País. A
decisão de abrir a Armani Casa na Gabriel Monteiro da Silva ocorreu de
forma natural, uma vez que consideramos a área o distrito de design da cidade (LIMA, 2013).
Figura 45- Lojas de grifes internacionais
82
Vizinhas uma das outras, marcas nacionais e estrangeiras estão ao logo da Alameda Gabriel Monteiro da Silva.
A marca francesa Cristais Baccarat com a loja Maison Baccarat e a Armani Casa, grife italiana, são exemplares
de marcas de luxo recém-inaugurados em São Paulo.
Fonte: www.google.com.br e Maria Claudia Vidal Barcelos
Esse endereço também parece ser a escolha ideal para uma marca alocar sua loja
conceitual. Conforme mencionamos anteriormente, esse tipo de loja diferencia das demais por
terem espaços organizados não apenas visando a venda de seus produtos, mas principalmente
por apresentarem espaços planejados e trabalhados para que o conceito da marca seja
apreendido pelo sujeito consumidor. Desse modo os ambientes são trabalhados para criar um
veículo emocional entre os sujeitos e a marca, por meio de arranjos associados a um estilo de
vida, por exemplo. No número 1556 da Alameda, a norte-americana Moss para a Casa,
empresa de móveis planejados de alto padrão, mostra-se por meio de sua loja conceitual. Ela
organiza sua loja em ambiente por estilos definidos como: Natural, Urbano e Provençal. As
linhas dos desenhos do mobiliário e as composições acompanham cada um desses estilos
propostos pela marca. Assim no estilo Urbano, formas retas, puras do mobiliário em
ambientes bem definidos e práticos, se fazem vistos, em oposição, ao estilo Provençal, cujas
linhas arredondadas estão presentes nos móveis de cores claras que são combinados com
tecidos em estampas delicadas e românticas. Os quatros elementos da natureza: fogo, água,
terra e ar são as inspirações para os desenhos do mobiliário da linha Natural (fig.46).
83
Figura 46: Loja conceitual Moss para a Casa
Fachada comtemporânea da loja conceito da marca norte-americana Moss para Casa e o interior da loja dividido
em estilos definidos pela marca como natural, urbano e provençal.
Fonte: acervo Moss para casa
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A reiteração dessas escolhas enunciativas faz com que a Alameda Gabriel Monteiro
da Silva seja vista como via temática da decoração de luxo. De acordo com Kotler (2012) o
denominador das marcas de luxo são qualidade e exclusividade. Nesse conceito os sujeitos
que buscam mobiliários de luxo devem sentir que estão comprando algo realmente especial,
que embora possa ser pelo design e durabilidade fatores que justificam o alto preço do
produto, são os valores simbólicos que tais produtos carregam que determinam a sua compra.
Os aspectos que envolvem o plano de marketing das marcas de luxo devem estar alinhados
para garantir qualidades de bens e serviços e experiências agradáveis de compra e consumo.
Para o autor as associações secundárias como eventos e entidades, por exemplo, podem ser
impulsionadores do brand equity, definido como o valor agregado atribuído a bens e serviços
(p.260), nesse contexto é possível fazer escolhas de ações que agregam valor quer seja à uma
marca, uma loja ou mesmo a uma via comercial.
O evento Avant Gabriel Chandon é um modo pelo qual o valor é também agregado à
Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Inspirado em festivais de Paris e Nova York, o evento
está na terceira edição e tem apoio da Prefeitura de São Paulo. Na ocasião o trecho entre as
ruas Cônego Eugênio Leite e Dr. Carlos Assumpção recebe um longo tapete vermelho,
transformando-o numa enorme passarela cultural ao ar livre. Nela são instalados vários
quiosques de comidas e bebidas, além de locais destinados às atividades infantis. Ao mesmo
tempo as lojas permanecem abertas promovendo atividades relacionadas à arte, gastronomia,
música e design. De acordo com o idealizador do projeto, João Doria Jr: “O Avant Gabriel é
lúdico, comunitário, sustentável e integrador. Ele evoca a cidadania pelo direito de usufruto
da sua cidade, de forma humana e fraterna” (AVANT, 2013). Podemos afirmar que essa via
temática projeta-se não só como um espaço de vanguarda da moda da decoração, mas também
nos modos de viver a cidade de São Paulo (Fig.47).
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Figura 47- Evento Avant Gabriel Chandon
Evento Avant Gabriel Chandon, entre as ruas Eugênio Leite e Dr. Carlos Assumpção. Ação conjunta dos lojistas
e da Prefeitura de São Paulo, em que parte da alameda recebe um tapete vermelho formando um enorme
calçadão de pedestres que passeiam e interagem com as diversas atividades que estão ali colocadas.
Fonte: www.google.com.br
A visibilidade do tema de decoração se faz pelo site oficial da Alameda Gabriel
Monteiro da Silva, denominado: Gabriel Online (GABRIEL). Nele estão informações
relativas às últimas tendências do segmento de decoração e dicas de como decorar ou usar
objetos decorativos. Por meio da seção Vitrine o consumidor virtual pode visualizar os
produtos e móveis vendidos nas lojas alocadas na Alameda. Em decorrência do sucesso desse
site, surgiu a revista digital: Gabriel, direcionada para as classes A e B. O conteúdo da revista
86
trata de design, decoração, paisagismo e arquitetura, a partir das tendências dos modos de
morar bem e dos estilos de vida. De forma interativa, os produtos que são citados nas matérias
estão ligados à seção Vitrine do site Gabriel Online, e podem ser acessados pelo leitor
interessado, que pode usufruir da Alameda Gabriel sem sair de casa.
Independente do estilo adotado na decoração de um ambiente, para compô-lo se faz
necessário agregar diversos itens para alcançar a ambiência que se deseja. Cortinas, tapetes,
iluminação, revestimentos, móveis, peças decorativas e utilitárias, obras de arte, entre outros
itens, fazem em conjunto, parte da composição de um dado ambiente. Assim, o sujeito que
está imbuído nessa missão de decorar um espaço precisa recorrer a diversas lojas e
fornecedores na busca de itens específicos. Nessa via temática é possível encontrar uma
variedade de lojas que vão desde galerias de arte até lojas muito específicas. Temos pois, a
Bali Express e Espaço Til, ambas especializadas em móveis e objetos decorativos orientais,
produtos específicos como a Maison Caves, que comercializa adegas, a Viking, marca
prestigiada de eletrodomésticos norte-americanos, Fast Frame que emoldura quadros na
hora, papéis de parede na loja Bucallo, entre outros. Essa imagem da Alameda comercial de
capaz de oferecer diversos itens destinados à decoração é reforçada e promovida pela
Associação Alameda Gabriel, que a descreve em seu site do seguinte modo:
A famosa Alameda Gabriel é um convite para os que querem decorar e
redecorar seu lar, seu escritório, seu local de lazer, pois reune as maiores marcas de decoração do país. Os profissionais e clientes ficam extremamente
satisfeitos em encontrar num único local todas suas necessidades, como:
luminárias; tapetes e carpetes; porcelanato, revestimentos, cerâmicos,
mármores, granitos e pisos; tecidos; persianas; galerias de arte; objetos de decoração; movelaria (clássicos, contemporâneos e linhas inovadoras),
cozinhas; banheiros; acessórios; molduras; adegas; utilidades de cozinha;
cama, mesa e banho, e muito mais.
Por meio dessas marcas textuais da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, enquanto
endereço temático, podemos perceber a sua presença no comércio do segmento de decoração
que estabelece uma prática de consumo que tende a ser mais elitizada.
87
II. 3. Os modos de presença da Teodoro dos móveis
A Rua Teodoro Sampaio é uma estreita e longa reta cortada por muitas ruas
transversais. É no trecho entre as ruas Fradique Coutinho e Francisco Leitão, área que abrange
cinco quarteirões, que encontramos diversas lojas de móveis uma ao lado da outra, entre
outros estabelecimentos comerciais, que nos interessa investigar.
A paisagem neste trecho é marcada por prédios, construções antigas, que estão lado a
lado, sem recuo entre elas, tanto nas laterais como na fachada frontal. Não é raro ver, lojas de
móveis de pequeno porte posicionadas no andar térreo de um mesmo prédio que compartilha
moradia ou outro tipo de estabelecimento comercial. Nesses casos, o acesso é sinalizado e
independente, localizado quase sempre, ao lado da fachada da loja. A enorme quantidade de
pontos comerciais que ocupam as estreitas calçadas faz com que um emaranhado de fios
elétricos e cabos telefônicos presos aos postes incorpore no cenário dessa via temática. Nessas
mesmas calçadas, vemos resistentes árvores, pontos de ônibus, que formam filas em horários
de picos, lixeiras, bancas de jornal que “dividem” esse mesmo espaço com os sujeitos
passantes interessados em olhar as diversas lojas de móveis.
Em quase todas as construções com pontos comerciais que estão alocados não há
recuo entre a calçada e sua fachada. Portanto, não há como ter um espaço destinado para o
estacionamento de carros em frente a eles. Dado ao fluxo constante de veículos nessa via,
esses pontos comerciais não conseguem oferecer o serviço de manobrista a seus clientes. A
escassez de locais para estacionar faz com que os sujeitos consumidores tenham que procurar
por um estacionamento particular ou vaga de zona azul16 antes de seguir a seus destinos. No
caso do sujeito consumidor optar pela vaga disponível na rua, precisa antes de tudo
preocupar-se em ter em mãos o cartão de estacionamento antes de seguir em frente na sua
busca. Também são raras as lojas que possuem convênios com os estacionamento para
clientes. Muitos desses estacionamentos, que estão na própria Rua Teodoro Sampaio, utilizam
espaços de prédios particulares. Esses apresentam entradas estreitas e de difícil acesso que
causam tumulto no fluxo das calçadas e rua (Fig.48).
16 Zona Azul é o estacionamento rotativo pago, criado em 30/12/1974, através do Decreto 11.661, com o
objetivo de promover a rotatividade das vagas existentes, racionalizando o uso do solo em áreas adensadas,
disciplinando o espaço urbano e permitindo maior oferta de estacionamento.
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Figura 48- Pontos comerciais na Teodoro dos móveis
Um dos quarteirões que abrange o trecho selecionado da Rua Teodoro Sampaio, entre as Ruas Fradique
Coutinho e Francisco Leitão, em que vemos a maior concentração de lojas de móveis. Muitas delas
compartilham o mesmo prédio com outros estabelecimentos comerciais. Garagens dos edifícios são utilizadas
como estacionamentos particulares com acesso difícil de entrada estreita.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Conforme mencionamos anteriormente, a primeira identificação do tipo de comércio
que se apresenta diante de nós começa pela fachada da loja. O nome dela, componentes
matéricos, vitrinas, produtos expostos, entre outros recursos persuasivos são marcas
enunciativas que o enunciador escolhe para comunicar-se ao sujeito passante. De modo
intencional o destinador loja quer captar atenção do seu destinador e assim a fachada assume
89
um papel importante como sujeito operador no “fazer ver para crer”17. Nesse movimentado
trecho da Rua Teodoro Sampaio, cujas lojas estão muito próximas umas das outras, vemos a
maior parte delas optar em manter as características originais da construção antiga apenas
modificando-a com pequenas adaptações necessárias para cumprir a função comercial. Parece
haver pouco investimento na fachada principal do prédio, quer sejam de grande ou pequeno
porte.
O elemento cromático é o mais utilizado para que uma loja sobressaia-se aos prédios
vizinhos. É o caso da marca Copel de colchões que por meio de sua fachada azul escuro, cor
essa padronizada em todas as lojas de rua da rede, destaca-se das demais lojas vizinhas. O
recurso da utilização das cores são em alguns casos compostos com outros que nos parece ser
um investimento econômico nos modos delas se destacarem, como um simples portal feito
com bexigas coloridas que enfeitam a entrada da loja. A loja Sun House, faz uso da cor coral
ao máximo para valoriza-se. Aplicada não só na fachada o emprego dessa cor estende para o
poste, canteiro da árvore e vaso de planta em frente a loja ( Fig. 49). A loja apropria-se da
calçada, área pública, incorporando-a na comunicação de sua marca envolvendo e
direcionando o sujeito passante.
Figura 49- O elemento cromático na diferenciação
17 Para maior aprofundamento, consultar o livro “Vitrinas: acidentes estéticos da contemporaneidade” A.C. de Oliveira.
90
A cor como recurso de diferenciação é utilizada nas fachadas frontais de diversos tamanhos das lojas ao longo
da Rua Teodoro Sampaio. A loja da Copel utiliza a cor azul escuro na fachada que está ao lado de um prédio
que utiliza a cor laranja destacar-se. A loja Sun House estende o uso da cor coral de sua fachada para a calçada.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Os prédios geminados, construídos em pequenos lotes, fazem com que os pontos
comerciais alocados nesse trecho temático tenham suas fachadas rentes à calçada. Não existe
91
portanto, um recuo que favoreça a parada para olhar vitrinas com distanciamento necessário.
O que ocorre nessa interação é estar de um lado da calçada e a avistar a loja ou vitrina do
outro lado da rua. A maioria das construções apresenta uma frente estreita que impossibilita a
colocação de porta de entrada e vitrinas separadas. Com essa configuração muitas delas optam
em não tê-las, que faz com que o sujeito passante esteja posicionado a poucos passos da
exposição dos produtos no interior da loja. O universo da loja mistura-se assim, ao
movimento externo da rua, com seus barulhos, odores e outros passantes que andam
apresados. Outras lojas escolhem colocar planos de vidro fechando parte da frente do prédio e
reservam uma abertura para a entrada da loja e mantem suas portas sempre abertas. Nesse
caso o sujeito pode visualizar toda a loja com os arranjos expostos e o movimento que
acontece no interior dela (Fig. 50).
Figura 50- A passagem entre exterior e interior
92
As portas e vitrines são rentes à calçada estreita e o sujeito consumidor visualiza o interior da loja da calçada. O
universo da loja é assim misturado aos movimentos característicos da rua, com barulhos e odores. De modo
bastante informal a mesma funcionária que vende faz a limpeza da porta de entrada.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Raras são as lojas que se organizam de modo mais elaborado no trecho selecionado.
Em menor número, podemos visualizar algumas que sobressaem na paisagem por meio da
fachada principal modificada por elementos arquitetônicos que as valorizam. Por terem a
frente do prédio mais larga podem instalar portas de vidro e vitrinas separadas, que favorece a
circulação e a visualização das composições expostas no interior da loja. Podemos dizer que
essas lojas são simulacros das lojas renomadas do segmento, localizadas em outras áreas da
cidade. É o caso das lojas Clami e Kaza & Estilo que se destacam entre as demais lojas da rua.
A Clami presentes nos dois shoppings temáticos da cidade, o Lar Center e o D&D, escolhe
mostra-se nessa via pela fachada em estilo arrojado, com estrutura de aço pintada na cor
93
marrom escuro. Enormes vitrinas no nível da rua permitem a visualização dos ambientes
compostos no espaço interno. No andar superior vemos planos de vidro fixados e com
persianas, sem nenhum mobiliário exposto. A Kaza & Estilo, loja única na cidade de São
Paulo, recorre à elementos mais clássicos para compor sua fachada. Visualizamos faixas
largas horizontais que parecem lembrar tábuas de madeira distribuídas ao longo da frente do
prédio. A porta posicionada no lado direito está separada da vitrina, que permite ao sujeito
que a vê não atrapalhar aquele que entra ou sai da loja. Embora o emprego de duas cores, a
branca e o ocre faça um contraste marcante, não causa estranheza, sobretudo por que a mesma
cor que está no prédio vizinho. O efeito de sentido criado é de harmonia, algo que se torna
mais valorizado ainda por não ser o padrão recorrente nesse trecho (Fig.51).
Figura 51- Fachadas diferenciadas
94
Loja Clami localizada no número 1650 da Rua Teodoro Sampaio se faz ser vista por uma fachada elaborada e
atualizada com enormes vitrinas que permite a visualização do interior da loja. O padrão de organização segue os
moldes das demais lojas da empresa. Seguindo uma linha mais clássica a Kaza & Estilo valoriza a fachada da
loja com linhas horizontais e mescla duas cores contrastantes que cria um efeito harmonioso na paisagem.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Outra fachada que se destaca na paisagem está no cruzamento da Rua Teodoro
Sampaio com a Dr. Virgílio de Carvalho Pinto. O prédio novo de três andares, uma espaçosa
construção de esquina, mostra-se por meio de uma fachada recoberta por vidros com elemento
arquitetônico revestido em pedras que remete a um pórtico. No alto e no centro da fachada
frontal do prédio, está colocado um banner na cor vermelha com a palavra inglesa “Outlet”
escrita em branco. Logo abaixo estão os logos das marcas: Ilustre e Sierra. No jargão do
comércio varejista essa palavra indica que nessa loja podemos encontrar produtos
descontinuados das marcas sinalizadas. Esse indicativo é reforçado pelo nome: Sierra que está
impresso no vidro da porta dupla de entrada de modo bem discreto, que nos leva a crer que
seja uma loja da marca. No entanto, essa loja de móveis chama-se Garimpo. De fato nesse
lugar funcionava uma loja da marca Sierra, fabricante de móveis e estofados com um design
apurado e sofisticado direcionado a um público diferenciado. A marca retirou-se da Rua
Teodoro Sampaio enquanto loja Sierra e a substituiu por essa outra loja, a Garimpo. A ação
de garimpar significa fazer seleção de coisas, muitas dessas preciosas, a partir da coleta ou
95
reunião de determinado material, de modo sugestivo a marca enuncia que nessa loja é possível
“garimpar” móveis, almofadas, tapetes, adornos da marca Sierra a preços reduzidos e na
pronta entrega (Fig.52). Podemos supor que essa decisão está ligada ao fato da Rua Teodoro
Sampaio parecer ser mais competitiva quanto a oferta de produtos pelo preço do que pela
qualidade da marca.
Figura 52-Loja Garimpo
No cruzamento da Rua Teodoro Sampaio com a Dr Virgílio Carvalho Pinto a loja Garimpo se dá a ver por uma
fachada mais elaborada que contrasta com as lojas vizinhas. Essa loja é do grupo Sierra fabricante de móveis e
estofados sofisticados. No vidro das vitrinas está gravado de modo bastante discreto o nome da loja Sierra, que
antes estava alocada nesse endereço.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
96
A competitividade na disputa de atrair o olhar do sujeito passante com a intenção de
que ele passe da calçada para o interior da loja é acirrada nesse trecho. Recorrer a modos de
exposição de produtos de maneira pouco tradicional parece ser a maneira utilizada por
algumas lojas para que sejam notadas. Desse modo aproveitam tanto o degrau que separa a
calçada da vitrina como a própria calçada para expor seus produtos. Essa prática da invasão
das lojas para os espaços coletivos demonstram pouco importar-se com a obstrução do
caminho que já é estreito. De modo impositivo o móvel é colocado no trajeto do sujeito
passante que precisa desviar dos mesmos para seguir na direção que deseja. (Fig.53).
Figura 53- Exposição nas calçadas
Algumas lojas expõem móveis no lado externo sem a preocupação com a obstrução da passagem na calçada ou
mesmo da entrada de suas lojas, como faz a Sun House. Sem reserva e de modo declarado o mobiliário está
exposto bem a vista de quem passa pela calçada ou rua. Na loja da Cintubro um sujeito usufrui da poltrona se
constrangimento.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
97
Diante da forte concorrência dada pela variedade de lojas ofertando produtos
similares ao longo do trecho selecionado, essas lojas recorrem à faixas promocionais
sinalizando descontos nos produtos ou facilidades no pagamento com intuito de chamar à
atenção dos sujeitos que circulam pelas calçadas. Banners posicionados no alto em frente da
loja ou colados nas vitrina são chamativos e em grandes proporções, provavelmente para que
possam ser vistos imediatamente e lidas até mesmo pelo sujeito que passa de automóvel. Não
existe a preocupação com a interferência que tais faixas ou cartazes colados fazem com a
fachada da loja ou com as vitrinas. Esse modo de destacar-se é centrado na valorização do
preço que vem antes da valorização da qualidade do produto ou mesmo da marca. A loja que
ser lembrada pela condição facilitada ou pela vantagem que ela pode proporcionar ao sujeito
que busca algum tipo de produto (Fig.54).
Figura 54- Faixas promocionais
98
99
Faixas promocionais para atrair o público são colocadas no interior da loja sem preocupação com a estética da
fachada da loja ou ponto comercial. Essas sinalizam descontos ou vantagens no pagamento facilitado com
atrativo para o consumidor comprar.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
A circulação a pé nesse trecho da rua é sem dúvida intensa. Andar pelas calçadas
requer cuidados uma vez que no passeio encontramos alguns obstáculos que estreitam o
caminho, como bancas de jornal, pontos de ônibus, postes, além do número elevado de
sujeitos que circulam por elas. Acontecem, com relativa frequência, esbarrões entre sujeitos
que param abruptamente para olhar algo que está no interior da loja ou que saem distraídos
delas com aqueles que andam apresados para algum destino. Na maioria das vezes, vemos
sujeitos andando em pares ou grupos. Pelo gestual indicam serem casais, famílias ou amigos
que compartilham juntos a busca de algum tipo de móvel para comprar. Não é raro presenciar
as pessoas segurando papéis e cartões de lojas, possíveis orçamentos, entrando e saindo delas,
em conversas paralelas sobre os produtos vistos com seus companheiros. O caminhar é quase
sempre acelerado, o que indica uma atitude de quem precisa ganhar tempo na visitação das
lojas em busca do produto desejado, quer seja essa pelo uso, modelo ou preço. Para enfrentar
as longas caminhadas ou mesmo carregar os produtos os sujeitos estão vestidos de modo
informal e confortável. Sapatos baixos ou tênis, bermudas em dias quentes ou calças jeans e
camisetas parecem formar o uniforme de todos, assim como carregar as bolsas cruzadas ou
mochilas que deixam as mãos livres para tocar nos produtos e quem sabe agilizar os
movimentos (Fig.55).
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Figura 55- Sujeitos consumidores em circulação
101
Banca de jornal que estreita o caminho e força os sujeitos desviarem dela e dos demais sujeitos que circulam pela
calçada. As pessoas são vistas, em sua maioria em grupos ou duplas indicando serem famílias ou amigos, que
entram e saem das lojas conversando sobre os produtos ou possibilidades de compra.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Um atrativo que essa rua temática proporciona é quantidade de lojas que vendem
produtos para o mesmo uso. No trecho selecionado, podemos ver três lojas da marca Copel,
três lojas Bella Colchões, a loja Sleep House, entre lojas menores que vendem o mesmo item.
Também, chama atenção aquelas lojas que oferecem produtos inspirados nos modelos de
designers famosos ou mesmo cópias daqueles vendidos em lojas credenciadas pela marca
original. Nesse caso, os sujeitos que buscam um móvel com design similar aquele que foi
visto em lojas mais sofisticadas ou em revistas de decoração, esperam encontrar uma
reprodução a um preço mais acessível. A maioria das lojas, cuja visualização dos espaços
internos é visto do lado de fora, vemos exposições muito semelhantes com produtos iguais,
que marca uma homogeneidade e padronização dos modos de decorar ambientes. Por essas
marcas enunciativas a Rua Teodoro Sampaio favorece a pesquisa de preço de um móvel, seja
esse utilitário ou não (Fig.56).
102
Figura 56- Cópias de mobiliário
Nas imediações da Rua Teodoro Sampaio consumidores carregam cadeiras cujo modelo é inspirado na criação
do Designer italiano Henry Bertoia e que são vendidas em diversas lojas vizinhas uma das outras. A loja Makdesign comercializa cópias de modelos bastante procurados para compor ambientações.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
A Rua Teodoro Sampaio ganha maior visibilidade como rua temática de móveis,
com o empreendimento Casa & Móvel, localizado na altura do número 1400, esquina com a
Rua Conego Eugênio Leite. O prédio de dois andares, que abrange boa parte do quarteirão,
sobressai-se pela fachada horizontal que possui duas entradas, uma delas localizada na
103
esquina. Na cor vermelha banners colados nas paredes de entrada, dão boas vindas aos
sujeitos passantes e indicam a entrada do piso “Teodoro”. Esse centro de compras tem apenas
vinte lojas de móveis e acessórios decorativos e possui também um pequeno café central, um
espaço para exposição e estacionamento próprio (Fig.57). Recentemente o empreendimento
mudou seu nome de Shopping Casa & Móvel para Casa & Móvel Outlet, embora a maioria
das lojas continue praticando a comercialização de produtos por encomenda como era antes,
contrariando assim a definição do termo “Outlet” que significa vender produtos
descontinuados.
Figura 57- Casa & Móvel
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O empreendimento, antes chamado de Shopping Casa & Móvel, agora é Casa & Móvel Outlet. Localizado num
prédio de dois andares que se destaca pela dimensão extensa em relação às demais lojas presentes na rua, possui
duas entradas, uma pela Rua Teodoro Sampaio e a entrada de esquina com a Rua Conego Eugênio Leite.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos.
Os espaços internos no Casa & Móvel Outlet são padronizados pela utilização de
tablados que determinam o espaço entre uma loja e outra, o que causa uma primeira
impressão de serem lojas montadas em stands de vendas provisórios. Não existem portas ou
vitrinas como elemento de separação entre o interior das lojas e os corredores. Apesar desse
modo de organização ser atualmente uma tendência difundida por algumas marcas
prestigiadas na apresentação de seus produtos, nessas lojas eles não são atualizados. Essa
percepção é dada, tanto pelo uso de materiais que revestem o espaço projetado como no
mobiliário ultrapassado ofertado (Fig.58).
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Figura 58- Espaços internos do Casa & Móvel Outlet
Lojas separadas por tablados que parecem ser stands de vendas provisórios.Apesar desse conceito ser hoje
adotado por algumas marcas de prestígio, o efeito de sentido nesse empreendimento não é no entanto da atualização. Ao contrário, pelos elementos plásticos que marcaram uma época passada e pelos tipos de móveis
ofertados indicam ser móveis populares.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
As faixas promocionais, que encontramos nas fachadas das lojas ao longo do trecho
selecionado, também estão presentes na porta de entrada e dentro do shopping com intuito de
chamar atenção dos consumidores. Uma faixa na cor vermelha posicionada na entrada
principal enuncia a possibilidade de comprar móveis a um “preço justo”. Os principais
argumentos que o Casa & Móvel Outlet traz aos consumidores é a vantagem de poder
estacionar e o pagamento facilitado, muito antes que estes conheçam as lojas e os produtos
que poderão encontrar ali (Fig.59). Por meio desses argumentos iniciais, da enunciação tanto
106
verbal como visual o sujeito passante crê no dizer verdadeiro e prossegue para dentro do
shopping para conferir outras possibilidades de contrato que cada loja oferece.
Figura 59- Divulgação no Casa & Móvel Outlet
A utilização de faixas promocionais no interior e na frente da entrada do shopping, ação de vendas adotada com
frequência pelas diversas lojas alocada nesse trecho da Rua Teodoro Sampaio. Fonte: Maria Claudia Vida Barcelos
A concorrência dos shoppings do segmento, como o Lar Center e Shopping D&D,
assim como o modelo de polo de comércio de rua que a Alameda Gabriel Monteiro da Silva
apresenta fizeram com que a revitalização desse trecho da rua fosse cogitada. Em 2002, a
associação de lojistas do setor moveleiro que atua na área, contrata a arquiteta urbanista
Flávia Ralston para elaborar um projeto urbanístico para a rua com foco no trecho do
segmento de móveis. Nessa ocasião, a arquiteta definiu as impressões que a rua causava como
a seguinte: "O que existe hoje é uma rua deteriorada, sem segurança, cheia de propaganda
irregular, calçadas quebradas e árvores em péssimo estado”18. A urbanista apresentou um
projeto que previa uma nova identidade visual para a Rua Teodoro Sampaio. Por meio da
reforma do calçamento, do aterramento da fiação elétrica, de um projeto luminotécnico e das
fachadas laterais dos prédios, as quais receberiam instalações de obras de arte reproduzidas
em chapas de alumínio, completaria a ambientação da rua. A ação conjunta entre os lojistas e
a Prefeitura da cidade de São Paulo, no entanto, não foi adiante.
18 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u60626.shtml acessado em 12/02/2014.
107
A Rua Teodoro Sampaio, enquanto rua do segmento de móveis e objetos de
decoração mantém características de polo comercial de rua tendendo mais ao gosto popular do
que ao gosto diferenciado dos consumidores. Ela assume esse modo de presença para o
comércio de decoração e para a cidade por meio dessas marcas textuais apreendidas.
II. 3. Destinadores em relação
Parte do nosso trabalho, enquanto semioticistas é identificar quais são os padrões que
se repetem nas narrativas desses dois trechos temáticos. A identificação de qualquer lugar
pode ser feita por meio do levantamento dos arranjos figurativos em termos da seleção de
figuras encadeadas, formantes do plano da expressão, e de temas formantes do plano do
conteúdo que o enunciador escolhe com intuito de fazer parecer. O enunciador é um produtor
do discurso que é colocado por meio de investimentos semânticos cada vez mais complexos e
particulares (FLOCH, 2001, p.27). Ao longo dos trechos selecionados investigamos o sistema
de articulações entre os eixos pragmáticos e sintagmáticos que resultam na identificação dos
traços que são reiterados nesses espaços temáticos.
Na Alameda Gabriel Monteiro da Silva a constância de marcas nacionais e
internacionais renomadas que ofertam produtos específicos para decoração e que fazem ser
vistas por meio de suas lojas com fachadas elaboradas e suntuosas parecem indicar ser
possível encontrar um móvel ou objeto de decoração de qualidade comprovada. O trecho
marcado pelos amplos estacionamentos, manobristas, porteiros e seguranças fardados, jardins
e calçadas bem cuidadas em frente as fachadas das diversas lojas, que integram a paisagem
conferem um modo de consumir móveis e objetos de decoração apoiada no conforto. A
circulação dos sujeitos consumidores é por meio de veículos e ocorre de forma pontual, ou
seja, na maioria das vezes, o sujeito dirige-se primeiro a uma loja para depois seguir para
alguma outra que lhe chamou atenção. A pesquisa do produto pela marca parece ser o que
motiva os sujeitos irem até a Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Não há tensão nessa via. O
efeito de sentido é da tranquilidade.
A configuração do trecho selecionado da Rua Teodoro Sampaio dada pelos vários
pontos comerciais de pequeno porte posicionados próximos um dos outros privilegia a
circulação a pé dos sujeitos consumidores, que entram e saem das lojas com relativa
facilidade marcando um modo acelerado de consumir. Tendo isso em vista, as lojas
organizam-se para que o sujeito passante tome contato quase que imediato com aquilo que
108
elas possam oferecer. A constância de ofertas anunciadas seja por faixas promocionais que
indicam preços “imbatíveis” ou crédito facilitado, móveis expostos próximos à calçada,
ausência de vitrinas como mediadoras entre o dentro e fora, são recursos que favorecem a
pesquisa de preços e modelos similares. Por todos esses aspectos o efeito de sentido da
urgência no encontro do sujeito com o objeto que se deseja achar é assim apreendido nesse
trecho temático.
Tendo como base as articulações discursivas e os valores postos em circulação que
produzem efeitos de sentido distintos em cada um desses espaços temáticos apresentamos
abaixo um quadro esquemático comparativo de suas distinções:
Rua Teodoro Sampaio Alameda Gabriel Monteiro da Silva
Tempo acelerado Tempo desacerelado
Circulação intensa de pessoas Pouca circulação de pessoas
Circulação a pé de loja em loja Circulação de carro - pontual
Urgência nos modos de consumir Tranquilidade nos modos de consumir
Lojas pequeno porte Lojas renomadas
Pouco investimento nas fachadas Alto investimento nas fachadas
Diferenciação pelo elemento cromático Diferenciação pelo elemento eidético
Homogeneidade de produtos Diversidade de produto
Oferta do produto Marca do produto
Tende ao popular Tende ao elitizado
↓ ↓
Favorece a prática da pesquisa do produto Favorece a prática da pesquisa do produto
pelo preço pela marca
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Uma vez identificado os valores e as práticas que se dão a ver nesses trechos
temáticos da Rua Teodoro Sampaio e da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, faltava-nos
saber se eles, enquanto destinadores fortes, são capazes de modelar os modos de mostrar-se
das lojas. Para responder essa questão escolhemos uma mesma empresa, a Dunélli House que
se faz ser vista por lojas distintas nos trechos apontados.
110
CAPÍTULO III. PRESENÇAS DA DUNÉLLI HOUSE
Conforme A.C. de Oliveira escreve: cada empreendimento na sua trama de sociabilidade
configura ainda uma intrincada rede de estratégias de visibilidade tanto da empresa, marcas e
produtos, quanto do público consumidor (2014, p. 21). A escolha da localização em conjunto com
a organização externa e interna de seus espaços faz parte das estratégicas de visibilidade que
as empresas escolhem com a intenção de se comunicarem com seu público alvo.
Aspectos arquitetônicos, formas, cores, materialidade, vitrinas, produtos expostos e
seus arranjos, relações interpessoais entre vendedores e consumidores, na combinatória de
todos esses elementos escolhidos, produzem sentidos que fazem a Dunélli House apresentar-
se com um modo de ser caracterizador de sua identidade.
III.1. A empresa e localizações
Com mais de 30 anos no mercado de móveis, a Dunélli House define-se no seu site
como empresa que vende “alta decoração” e como sinônimo de bom gosto, qualidade e
conforto. Há muitos anos com três lojas na cidade de São Paulo, sendo uma alocada na Av.
Rebouças, outra na Rua Teodoro Sampaio e a terceira no bairro de Moema, em meados do
ano de 2013, decidiu inaugurar a quarta loja na Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Essa loja
está localizada próxima a Av. Brigadeiro Faria Lima e possui uma área expositiva de 500m2.
Pouco mais de seis meses após a inauguração dessa loja, a empresa abriu mais uma unidade
com uma área superior a 1.500m2, na mesma via. Essas duas lojas, distantes a poucas quadras
uma da outra, são consideradas conceituais pela empresa muito embora ofereçam os mesmos
produtos que estão nas demais lojas, com exceção da localizada na Av. Rebouças que
recentemente tornou-se outlet ofertando produtos descontinuados.
Entre tantos endereços que a marca escolhe fixar suas lojas na cidade de São Paulo
estaremos investigando comparativamente aquelas que estão localizadas nos trechos que
compreendem o corpus de nossa pesquisa, ou seja, uma na Rua Teodoro Sampaio e as outras
duas, mais recentes, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Nosso questionamento é como a
Dunélli House mostra-se em cada um desses endereços? Quais são os procedimentos que a
empresa recorre para aproximar-se dos valores praticados nesses trechos temáticos sem,
contudo, descaracterizá-la enquanto empresa? Identificá-los testa a nossa hipótese de que
111
essas ruas temáticas são destinadores fortes intervindo nos modos de presença das lojas e no
consequente modo de consumir dos sujeitos assim sendo dos próprios sujeitos.
III.2. Estratégias de visibilidade
A loja da Dunélli House na Rua Teodoro Sampaio se faz vista por um prédio de
esquina localizado no cruzamento da Rua Teodoro Sampaio com a Rua Fradique Coutinho
que preserva elementos da construção original. Foram introduzidas muitas aberturas nas
fachadas para a função de amplas vitrinas, que estão posicionadas na extensão inferior e
superior das laterais do prédio. Um anexo de três andares foi incorporado ao prédio que está
na Rua Fradique Coutinho. Na ação da expansão de sua atuação no mercado, a empresa
instalou suas recentes unidades dos Jardins, em prédios já existentes. As duas lojas na
Alameda Gabriel Monteiro da Silva estão em prédios mais novos de dois andares e de
tamanhos diferentes. A loja localizada próxima a Av. Faria Lima é um retângulo com grandes
vitrinas, enquanto a outra, bem maior, é de esquina e parece ter sofrido muitas intervenções
para chegar à arquiteura que apresenta.
A cor preta é reiterada em todas as fachadas das lojas da Dunelli House o que
presentifica o valor que a marca atribui a si. Para a semiótica a cor é uma categoria
constituinte do visual que está relacionada às sensações que ela provoca nos sujeitos, capazes,
portanto de efeitos de sentido variados. No texto Cor e sentido, Diana Luz Pessoa de Barros
escreve sobre a cor preta que:
[...] ora relacionado com a noção de ausência de falta (de luz), ora com excesso, de saturação (de pigmento), como é próprio do nome; daí ter os
sentidos de sobriedade, dignidade, mistério, fantasia, sofisticação,
elegância...( 2012, p. 7).
A cor é um dos elementos que corporifica os efeitos de sentido que o discurso da
empresa, no primeiro momento feito, a partir da fachada, busca causar nos sujeitos passantes
(OLIVEIRA, 1997, p.95). Pela cor preta a Dunélli House busca assim, enunciar a sofisticação,
tradição e responsabilidade do ato de vender móveis e objetos de decoração, seja qual for seu
endereço, almejando que os sujeitos passantes a reconheça imediatamente (Fig. 60).
112
Figura 60- Fachadas da Dunélli House
113
As lojas da marca Dunélli House em três endereços distintos: na primeira imagem a loja de esquina da Rua
Teodoro Sampaio. Prédio mais antigo que os demais na Alameda Gabriel Monteiro da Silva. A loja localizada no
número 1718 é menor que a loja que está no número 2069, ambas sofreram intervenções para vitrinas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
O logo da marca prioriza o nome “Dunélli” escrito na fonte itálica na cor branca a
cima de três listas finas na cor vermelha, amarela e verde, que separa a palavra “House” na
cor verde. A utilização da língua inglesa parece ser um posicionamento de que a marca está
em conexão com as últimas tendências de decoração que vem de fora do país. Colocados em
frente às lojas, esses estão direcionados em relação ao trajeto do sujeito passante. Na loja da
Rua Teodoro Sampaio, que fica na esquina, o logo está posicionado de modo que seja visto
nos dois ângulos do trajeto percorrido, seja a pé ou de carro. No entanto como o fundo do
logo é também na cor preta, como é a cor da fachada, apenas o nome Dunélli fica em
destaque. Nas lojas localizadas na Alameda Gabriel Monteiro a escolha deu-se em fixá-lo em
suportes no passeio que proporciona uma grande visibilidade para os passantes, na maioria
das vezes de carro, nos dois sentidos dessa via (Fig. 61).
114
Figura 61- Logo da marca em frente às lojas
Logo da marca Dunélli House localizado em frente a loja facilita a visualização de quem está de carro ou a pé
nos dois sentido da via. Na loja da Rua Teodoro Sampaio o logo está na fachada de esquina. A cor preta do
fundo do logo destaca apenas o nome da loja.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
Em frente às duas lojas da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, é possível identificar
o serviço de manobrista por meio dos ombrelones e funcionários uniformizados, seguindo o
mesmo padrão das demais lojas que ocupam essa via temática, algo que está ausente na loja
da Rua Teodoro Sampaio dado o tráfego intenso e a dificuldade em estacionar o carro na
região.
Os modos de visualização das vitrinas variam de acordo com a estrutura do prédio de
cada loja. As vitrinas enquanto mediadoras entre o fora e o dentro das lojas, são “fonte de
sedução e espaço de manipulação”, conforme aponta A. C. de Oliveira (1997, p. 16). É por
meio delas que o passante toma contato com o que a marca tem a oferecer no seu interior. Na
loja Dunélli House da Rua Teodoro Sampaio é necessário um distanciamento para enxergar
aquelas que estão posicionadas no alto. Essas possuem formatos variados e são salientes
aproveitando o máximo do espaço. Para os sujeitos que estão andando pelas calçadas as
vitrinas térreas permitem a visão para o interior da loja, que apresenta uma grande variedade
de produtos arranjados em vários ambientes que se misturam um aos outros. Nas lojas da
Alameda Gabriel Monteiro da Silva as vitrinas são enormes retângulos que deixam aparente o
115
fundo branco das paredes internas destacando as composições do mobiliário exposto. Na
primeira loja, no entanto a horizontalidade da vitrina permite visualizar uma composição
inteira, enquanto na loja maior, elas são verticais, valorizando o pé direito duplo da loja. As
composições formadas nessas lojas são com poucos produtos que possibilitam uma maior
amplitude na visualização do conjunto todo (Fig. 62).
Figura 62- Vitrinas em relação
Vitrina da loja alocada na Alameda Gabriel Monteiro da Silva em contraposição às vitrinas da loja da Rua
Teodoro Sampaio. A primeira segue um padrão mais atual, cuja composição de um único ambiente dá-se a ver,
enquanto em formatos variados as vitrinas da loja da Rua Teodoro Sampaio, expõem vários produtos e permite a
visualização do interior da loja que também expõe muitos produtos compostos em ambiente.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
116
Os sujeitos que aceitam o convite da Dunélli House para entrar numa de suas lojas
encontrarão vendedores solícitos no atendimento. Uniformizados de calça e camisa na cor
preta, destacando apenas a função superior da gerência pelo uso do terno preto, os vendedores
percorrem a loja ao lado do sujeito consumidor o tempo todo. Quase sempre o atendimento é
iniciado pelas perguntas clássicas na área de vendas: “Em que posso ajudar ?” ou “O que você
procura?”, após esse primeiro contato, eles buscam auxiliar direcionando-os rapidamente para
algumas opções expostas. O “passeio” pelos ambientes da loja é sempre acompanhado pelo
ávido vendedor que sugere peças e modelos o tempo todo. Caso nenhum dos produtos
expostos atenda as expectativas do sujeito consumidor existe ainda a possibilidade de vê-los
por catálogos dos vários fabricantes. Nas mesas que estão à venda dá-se a ver cartões com o
nome da loja emoldurado por suportes de acrílico que estão misturados com os objetos
decorativos que não só lembram ao sujeito consumidor onde ele está como também o
acompanha durante sua busca (Fig.63).
Figura 63- Cartões da loja
As mesas que estão à venda servem de suporte para os vários cartões com o nome da loja que estão mesclados
entre os objetos de decoração que a loja comercializa.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
117
O oferecimento de café e água, usual em diversas lojas do segmento, é aqui marcado
pela fartura de acompanhamentos comestíveis que estão expostos em cima de um balcão e
podem ser pegos à vontade ou entregues pelas funcionárias da loja. No entanto, há distinções
entre as duas lojas localizadas na Alameda Gabriel Monteiro da Silva em relação a que está na
Rua Teodoro Sampaio. Aos sábados, nessa última loja, vemos uma fartura de petiscos com
vinho sobre o balcão que é servido por copeiras uniformizadas. Essas ficam em conjunto com
as muitas vendedoras e consumidores que circulam pela loja. De modo bem menos ostensivo,
nas duas lojas da Alameda, o balcão é organizado com mais parcimônia e reserva (Fig. 64).
Figura 64- Serviço de café das lojas
Balcão que cumpre a função de bar nas lojas da Dunélli House da Alameda Gabriel Monteiro da Silva e na Rua
Teodoro Sampaio. Em cima deles estão dispostos acompanhamentos comestíveis para o café, que são oferecidos
pelas funcionárias da loja.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
O sujeito consumidor que estiver interessado em saber mais informações sobre um
móvel ou objeto de decoração é conduzido pelo vendedor para uma mesa de atendimento,
entre várias, que ficam agrupadas de modo muito próximas uma das outras. Nelas estão
118
dispostos computadores que serão utilizados para a verificação das condições de pagamento,
prazos de entrega, ou qualquer outro assunto relativo ao produto desejado. Posicionadas lado
a lado, faz com que a privacidade seja restrita, uma vez que as conversas podem ser
facilmente ouvidas por todos ao redor. Prática usual nas tratativas de negociações sobre os
valores é o vendedor perguntar como o sujeito consumidor pretende pagar pelo produto. O
valor de um produto é variável em relação aos números de vezes do parcelamento do
pagamento, podendo gerar descontos significativos. Muitas vezes nessa hora, ocorre a
interferência do gerente que assume a negociação com o sujeito interessado na compra
Um diferencial que a empresa disponibiliza para seus clientes, principalmente para
aqueles que estão indecisos com a compra do produto, é a possibilidade trazer a planta do
ambiente que desejam decorar para que um vendedor-decorador dê sugestões de arranjos com
produtos vendidos nas lojas. Nessas condições a loja só oferta esse serviço personalizado caso
o sujeito que realmente tenha interesse em comprar algum móvel e, somente entrega a planta
com o layout sugerido quando a compra for efetivada (Fig.65).
Figura 65- Mesas de atendimento
As mesas de atendimento bem próximas uma das outras colocando os consumidores lado a lado nas negociações
com o vendedor. Na loja da Alameda Gabriel Monteiro da Silva o estilo mais moderno das mesas e cadeiras na
cor branca compõe o cenário da loja em contraposição a escolha de mesas e cadeiras na madeira escura, na loja
da Rua Teodoro Sampaio.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
119
Nas lojas localizadas na Alameda Gabriel Monteiro da Silva a porta automática de
vidro é incorporada à arquitetura do prédio, que é acionada quando o sujeito consumidor se
aproxima dela. Embora, na loja da Rua Teodoro Sampaio exista uma porta dupla de vidro que
separa a calçada do seu espaço interior, essa está constantemente aberta convidando o sujeito
passante a entrar sem reservas. O aromatizador de ambiente, ausente nessa loja, é incorporado
à ambiência das outras duas, aguçando o sentido olfativo dos sujeitos assim que entram por
elas.
Cada uma das construções que estão alocadas essas unidades possuem aspectos
arquitetônicos que definem os modos pelos quais o sujeito toma contato com o interior da
loja. Na Alameda Gabriel Monteiro da Silva o acesso da loja maior é dado por uma escada
pouco inclinada ladeada por coqueiros altos que coloca aquele que entra num hall de entrada
com pé direito duplo, que permite o tempo necessário para que ele desacelere dos movimentos
agitados da rua. Na menor, dessa mesma rua temática, esse tempo não existe, pois um único
degrau separa o fora e o dentro dos espaços. No instante em que a porta se abre é possível ver
todo o andar térreo com suas composições. Nessas duas lojas, os vendedores estão
posicionados ao fundo e demoram um pouco mais para virem ao encontro daqueles que
transpõem as portas de entrada.
Diferentemente desse modo de mostra-se, na Dunélli House da Rua Teodoro
Sampaio, a porta de entrada está sempre aberta, e é possível visualizar uma sala decorada
muito próxima à calçada. Os vendedores ficam posicionados juntos e perto do vão de entrada,
o que permite agilidade no contato com os sujeitos consumidores que passam por ela. Ao
entrar é possível ver muitas composições agrupadas umas ao lado das outras. No centro da
loja dá-se a ver uma escada vazada que conduz aos dois andares superiores. No primeiro
andar mais salas de estar e jantar arranjadas em composições que seguem o mesmo padrão de
organização do andar de baixo. No último pavimento, estão expostos os móveis para uso
externo, ambientados em composições para varandas, terraços e os espaços gourmets. A
indicação desse espaço se faz por um cartaz informativo apoiado sobre uma mesa localizada
estrategicamente na saída da escada do primeiro andar (Fig.66).
120
Figura 66: Indicação do Espaço Goumet no piso superior
Em frente á escada do primeiro andar está uma mesa estrategicamente colocada com um aviso informativo de
que no piso superior a loja expõe móveis destinados a áreas externas e varandas gourmet, como um convite ao
sujeito consumidor conhecer esse espaço.
Fontes: Maria Claudia Vidal Barcelos
Há um excesso de mobiliários e objetos decorativos. Eles parecem ser superiores ao
espaço físico da loja. Com isso, a circulação é prejudicada pelos caminhos estreitos que se
formam entre as diversas composições que são vistas. A falta de distanciamento entre os
vários ambientes montados dificulta a visualização das composições como um todo. Essas se
misturam uma às outras, o que torna difícil imaginar um ambiente isolado sem interferências
de outros elementos presentes no mesmo espaço. O recurso utilizado para a delimitação de
cada ambiente é a cor. O uso de acessórios coloridos, como almofadas, quadros, porta
revistas, vasos entre outros objetos decorativos, que também estão à venda, é o modo pelo
qual o olhar é orientado para cada composição arranjada (Fig.67).
121
Figura 67- Ambientes internos da Dunélli Teodoro
122
As composições no interior da loja da Rua Teodoro Sampaio. Ambientes são formados com muitos produtos
expostos quer sejam esses móveis ou objetos decorativos. O recurso da cor determina o inicio e término de cada
ambiente, orientando o olhar o sujeito que percorre a lojas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
123
Apesar da metragem das lojas localizadas na Alameda Gabriel Monteiro da Silva ser
diferentes, afinal uma delas tem o triplo do tamanho da outra, os padrões de exposição são
similares. De modo bem mais intimista e reservado as duas lojas organizam seus espaços com
uma quantidade bem menor de móveis e objetos decorativos expostos. Nelas é possível
visualizar o todo do ambiente montando, assim como focalizar um produto específico. O olhar
do sujeito é direcionado para uma composição sem tanta interferência do ambiente que está
montando mais adiante. A delimitação “forçada” de cada ambiente pela cor como acontece na
loja da Rua Teodoro Sampaio já não é mais necessária. O efeito de sentido da harmonia é
apreendido
Em comum, no espaço interno dessas duas lojas, escadas posicionadas nas laterais
conduzem ao segundo piso. No piso superior a disposição dos mobiliários expostos mantém o
mesmo padrão de organização do andar de baixo, ou seja, ambientes mais amplos e com
menos quantidade de produtos expostos. O “verde” dos jardins bem cuidados, característica
recorrente do bairro Jardim Paulistano, é incorporado à ambientação dessas duas lojas, algo
ausente na loja da Rua Teodoro Sampaio. (Fig.67).
Figura 67- Composições internas da Dunélli Gabriel
124
Ambientes nas lojas da Dunélli House da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, cujas composições são mais amplas e favorece o ângulo de visão do sujeito que percorre a loja. O verde, característico do bairro Jardim
Paulistanos é trazido para dentro das lojas.
Fonte: Maria Claudia Vidal Barcelos
125
III. 3. Entre a identidade e os valores assumidos
A identidade da empresa Dunélli House é marcada pela escolha em manter a mesma
cor na fachada de suas lojas, a mesma linha de mobiliário, os mesmos preços e o atendimento
de modo similar, seja qual for o endereço que esteja. Porém, a empresa vai assumir um modo
particular para apresenta-se por meio de suas lojas a partir dos valores assumidos que
identificamos anteriormente em cada um dos trechos temáticos.
Na Rua Teodoro Sampaio, cujo excesso de ofertas é visto e sentido, a pesquisa de
preço e modelos é favorecida e o tempo é acelerado, a Dunélli House mostra-se apropriando
desses valores, tanto pela farta variedade de produtos e excesso de arranjos expostos nos
ambientes internos. Enormes painéis de vidros permitem a visualização dessas ofertas e
enuncia assim, ao sujeito passante que ali é possível encontrar de tudo, em todos os estilos e
gostos. As duas lojas presentes na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, no entanto,
organizam-se de modo menos ostensivo. Suas fachadas mais elaboradas, tal como apresentam
as lojas vizinhas, permite a visualização do espaço interno que é mediado por vitrinas que
deixam transparecer algumas ambientações com um número menor de produtos, assim como
restringem a visibilidade do que acontece no interior dessas lojas. Nesse modo de mostra-se
parece não haver a necessidade da urgência em mostrar imediatamente tudo que a loja pode
oferecer ao sujeito passante.
Por esses modos de se fazer vista julgamos que a empresa Dunélli House quer “fazer
crer sobre seu modo de ser e de estar no mercado” (OLIVEIRA, 1997, p.117). Pela ação de
estar com lojas nos dois trechos mencionados cujos valores e práticas diferem-se, reforça o
fato dela sentir-se apta para transitar em dois universos distintos que eles proporcionam, sem
constrangimento. O universo elitizado das marcas e produtos diferenciados da Alameda
Gabriel Monteiro da Silva em contraoposição ao mundo das ofertas de mobiliários e objetos
decorativos enunciados na Rua Teodoro Sampaio, que tendem ao popular, são aproximados
por ela que adequa seus modos de mostra-se assumindo os valores praticados nesses trechos.
Cada uma dessas vias temáticas passa a ser então um destinador forte capaz de moldar os
modos de mostra-se de outro destinador forte que é a empresa Dunélli House.
126
CAPÍTULO IV: TIPOLOGIAS E INTERAÇÕES DOS SUJEITOS
Constatada essa relação de subordinação entre destinadores, tendo em vista que as
lojas adequam-se aos valores manifestos em cada um dos trechos analisados, e a partir da
visibilidade como critério que define os modos de presença das lojas e dos sujeitos
consumidores nesses espaços temáticos, intentamos alcançar uma tipologia desses sujeitos.
Para tal recorremos ao quadrado semiótico, representação visual que coloca em
relação os traços distintivos das categorias semânticas levantadas. De acordo com J-M.Floch,
o interesse do quadrado semiótico,
[...] claramente se coloca na organização de um universo cultural coerente,
mesmo aquele que não seja considerador como racional. Permite a antecipação de ambos caminhos que o sentido pode tomar, e posições de
sentido que são logicamente presentes, mas ainda não se encontram em
vigor. Acima de tudo, temas, imagens, conceitos e expressões posicionados
no quadrado semiótico sempre existem em definições lógicos-semânticas (2014, p.11)
A sua construção se dá pela oposição de dois termos que são pressupostos e que
mantém uma relação de contrariedade entre eles. Por sua vez, esses termos podem ser
negados e gerar novos termos, que são contraditórios, e portanto não podem coexisir. Pela
operação de asserção, os termos contraditórios que estão em oposição ao seu contrário, são
complementares pela operação de implicação de um termo com o outro.
Isso posto, utilizaremos essa ferramenta de análise que nos será útil na proposição uma
possível tipologia de sujeitos que pelos modos de interação irão construir o sentido do
comércio de decoração paulistano.
IV.1. Tipologias dos sujeitos
Ao longo dos trechos que percorremos pudemos identificar quatro matrizes nos
modos de mostrar-se das lojas ao sujeito passante. As lojas assumem valores na plásticidade e
figuratividade que, colocados em relação com os sujeitos do enunciado, criam possíveis
simulacros. Em nossas análises chegamos a termos definidos que organizam os tipos de lojas
nesses espaços temáticos.
127
Para as lojas que são organizadas de modo que o sujeito passante rapidamente seja
colocado em contato com aquilo que ofertam atribuímos o termo “Declarada”. Esse tipo de
loja se faz pela ausência de portas e vitrinas que favorecem a visualização da exposição dos
arranjos propostos, pelas faixas promocionais indicando descontos ou pelo nome da loja que
enuncia o produto vendido. Todos esses são recursos utilizados para que o sujeito saiba
rapidamente que poderá encontrar ali. Como exemplos as lojas: Só camas, Sun House e
Country House localizadas na Rua Teodoro Sampaio.
Em oposição a esse modo de organizar-se, vemos lojas cujo acesso é limitado dado
pelo modo intimista que se fazem ser vistas. Portas recuadas e fechadas, que são abertas
apenas por vendedores após o acionamento da campainha, em conjunto com vitrinas que
expõem poucos produtos e não permitem visualizar o movimento no interior da loja, nomes
que pouco indicam o produto que vendem, são aquelas que identificamos como loja
“Enigmática”. Essas lojas tendem a ser mais elitizadas, como a Firma Casa, a Moss para
casa, Decameron todas localizadas na Alameda Gabriel Monteiro da Silva.
Conforme mencionamos na dinâmica do quadrado semiótico cada um desses termos
pode ser negado e gerar outro termo. Desse modo temos ocupando a posição subcontrária ao
“Oculta” o termo “Reveladora”. Essas lojas assim designadas são aquelas que mostram o que
está no interior de seus espaços por portas de vidro que se abrem de modo automático e pelas
vitrinas amplas que permitem a visualização das composições arranjadas e a movimentação
que acontece entre consumidores e vendedores no interior da loja, sem reserva. A passagem
de fora para dentro é feita de modo manipulatório por sedução. Esse tipo de loja é
exemplificado pela Kaza&Estilo e Clami, que alocadas na Rua Teodoro Sampaio destoam na
paisagem e as lojas Brentwood e Dunélli House na Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Por
sua vez as lojas que atribuímos o termo “Desvelada”, organizam-se de modo que o sujeito
passante possa apenas vislumbrar o que se passa no interior da loja. Nem tudo é mostrado
para ele, porém é possível que esse seja tocado pelo que está a sua frente e aceite o convide
para explorá-la. É o caso das lojas Conceito: Firma Casa e Garimpo.
A partir desses tipos de lojas que delineamos podemos supor os simulacros de
sujeitos consumidores. O sujeito “Modelado” que valoriza o simulacro do padronizado
identifica-se com as lojas do tipo “Declarada”, uma vez que seguem uma regularidade no
padrão de mostra-se e de modo direto e sugere decorações previsíveis pelo uso de produtos
seriados. Uma vez que a maioria delas está localizada na Rua Teodoro Sampaio, esse sujeito
provavelmente frequenta apenas essa via temática na busca de algum móvel ou objeto
decorativo. Por sua vez, em oposição a esse, está o sujeito “Exclusivista” que valoriza o
128
simulacro do diferenciado. Muito provavelmente tal sujeito frequenta apenas o trecho
temático da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, cujas lojas do tipo “Enigmáticas” se fazem
ver vistas pela aleatoriedade dos seus arranjos e de suas propostas.
Dois outros sujeitos foram esboçados a partir dessas relações estabelecidas, são eles o
“Estrategista” e o “Antenado”. Assumimos que esses sujeitos frequentem ambos os espaços
temáticos, embora por motivações diferentes. O primeiro, valorizando o simulacro das ofertas,
dada pelo custo-benefício, identifica-se pelas lojas do tipo “Revelada”, as quais se mostram
por meio de vitrinas amplas que permitem a visualização de composições atuais colocando-o
em conjunção com a moda da decoração. A relação de troca está apoiada no convencimento
da volição de um sujeito pela manipulação de outro sujeito. É pelo tipo de loja que
denominamos “Desvelada”, que o sujeito “Antenado”, vai valorizar o simulacro que encontre
o seu modo de ser. Sem objeções esse sujeito é capaz de frequentar todos os espaços
temáticos, pois a ação dele é movida pela sensibilidade (Oliveira, 2013, p.28). São pois, por
esses modos distintos de ação dos sujeitos que se constrói a identidade dos mesmos.
Abaixo apresentamos a representação gráfica com base no modelo propositivo de
Landowski, que permite estabelecer relações entre as ações dos sujeitos nesses espaços
temáticos:
129
Risco
Sob
controle
Declarada Enigmática
Programação nos arranjos Aleatoriedade nos arranjos
Só camas Firma Casa
Country House Moss para casa
Sun House Decameron
Previsibilidade nas ações Aventura proporcionada
Sujeito Modelado Sujeito Exclusivista
Valoriza o simulacro Valoriza o simulacro
padronizado diferenciado
Frequenta a Teodoro Sampaio Frequenta a Gabriel M. Da Silva
Revelada Desvelada Manipulação por sedução Ajustamento pela descoberta
Dunélli House Conceito: Firma Casa
Brentwood Garimpo
Clami
Intencionalidade nas ações Sensibilidade nas ações
Sujeito Estrategista Sujeito Antenado
Valoriza o simulacro Valoriza o simulacro que
da oferta (custo benefício) encontre seu modo de ser
Frequentas as duas vias Frequentas as duas vias
Não Controle do
risco
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos nossa pesquisa afirmando o quanto é dinâmico o comércio paulistano, que
em constante mudança não para de crescer e procura atender a demanda de gostos variados
dos sujeitos habitantes e visitantes que circulam pela cidade de São Paulo. De fato, no que
confere o comércio de móveis e objetos de decoração temos visto, à um curto prazo de tempo,
as transformações desse segmento estimuladas por fatores multiplos. Citamos, por exemplo,
como o mercado imobiliário impõe novos modos de morar ou como as novas expressões
embassam estilos de vida, estímulos esses que desempenham um papel preponderante na
moda da decoração e no consequente consumo do segmento.
Ultimamente, temos sido colocados diante de um espetáculo de distintos modos de
morar e organizar nossos espaços. Os meios de comunicação apropriam-se desse momento e
disseminam novos modos de consumir móveis e objetos de decoração. Podemos assistir uma
variedade de programas de televisão destinados ao tema de decorar ambientes, ler as inúmeras
revistas especializadas, acessar blogs de arquitetos e decoradores que disponibilizam ideias,
entre tantas outras opções. Em resposta à essa demanda, o comércio oferta diversas
possibilidades e seguimos acompanhando as novidades do segmento pelas marcas
estrangeiras que instalam-se na cidade, pelas lojas reconhecidas que ampliam seus espaços,
pelas empresas que focam em temas específicos... Não importa, seja qual for o meio, o gosto
pela decoração está na moda.
Nesse cenário nos damos conta das inúmeras lojas do segmento instaladas em centros
comerciais e ruas da cidade de São Paulo. O ponto de venda revela-se como detentor da
possibilidade do encontro do sujeito consumidor com o objeto de seu desejo. É por meio dele
que a empresa poderá proporcionar uma experiência agradável para que esse sujeito tome
contato com aquilo que ela oferece. Essa relação de troca, no entanto, tem seu início antes
mesmo do sujeito consumidor entrar na loja.
As escolhas que envolvem a localização são pensadas de modo estratégico pelas
empresas no fazer ser vistas por meio de suas lojas. Entre tantas possibilidades as ruas
temáticas do segmento de decoração parecem ser atrativas para muitas empresas e marcas
alocarem suas lojas, uma vez elas proporcionam uma grande circulação de consumidores em
busca de algum móvel ou objeto decorativo.
Uma relação complexa é assim, estabelecida que envolvem dois destinadores fortes,
a rua e a loja, que organizam para seus destinatários, seu público alvo. A figuratividade
131
manifesta na rua tem como base os gostos e valores dos sujeitos que a frequenta. Ao passar
por trechos temáticos o sujeito passante encontra diversas lojas que por meio de seus arranjos
constituíntes irão sinalizar sua identidade. Nesse processo de construção identitária as lojas
apropriam-se dos mesmos gostos e valores que estão colocados na rua. Desse modo, uma
relação modeladora é estabelecida, cujo destinador-rua age sobre o destinador-loja, sem
contudo que essa última perca sua identidade.
A imagem que o sujeito consumidor faz desses espaços temáticos é centrada nos
modos pelos quais os arranjos são constituídos e pelas interações que ali são estabelecidas, e o
sentido é assim construído.
Tanto a Alameda Gabriel Monteiro da Silva como a Rua Teodoro Sampaio estão
relacionadas a uma prática de manipulação que se desdobra para uma programação,
fundamentada na regularidade, cujos papéis temáticos das lojas e marcas enunciam para seu
público. A estratégia da manipulação, fundamentada na intencionalidade de fazer o sujeito
consumidor ir até uma dessas vias está no valor que cada uma delas define. Quer seja a
conjunção ou disjunção com a marca, com a loja reconhecida, com o produto específico, que
são possíveis de encontrar na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, ou na tomada de preço e na
farta oferta de modelos similares, que são favorecidos na Rua Teodoro Sampaio, esses valores
estão postos nessas vias por meio dos modos como as diversas lojas ocupam esses espaços
temáticos.
As lojas que parecem não estar em consonância com os valores praticados nessas
vias, que aqui definimos como “estrangeiras”, estão fundamentadas no regime de acidente,
que consiste na aleatoriedade e, portanto, existe um grande risco em serem rejeitadas. O
ajustamento, regido pela sensibilidade da união de sujeitos que interagem juntos na
construção do sentido, acontece pelo moldar-se das lojas em consonância com os valores
praticados nesses espaços temáticos, que por sua vez também se ajustam ao movimento
próprio da cidade de São Paulo.
Os polos comerciais de rua parecem perder suas forças em meio a tantos shoppings
centers existentes e por aqueles que são inaugurados a cada ano na cidade de São Paulo.
Entretanto, eles ainda respondem por uma grande fatia das vendas do varejo, o que significa
que continuam levando milhares de sujeitos consumidores à circular por eles. Nesse contexto,
esses aglomerados comerciais permanecem uma opção próspera para as empresas varejistas.
Apesar de todos esses indicativos, enfatizamos a necessidade deles estarem em constante
renovação para que não se tornem espaços deteriorados. Vínculados ao destinador-cidade,
eles estão à mercê de investimentos públicos que dão sustentação a sua preservação e
132
manutenção. Muitas vezes com esse recurso público escasso adicionado aos vários desafios de
uma grande cidade, como é São Paulo, as parcerias público-privadas são alternativas. Essas
parcerias podem trazer beneficios para que eles sejam fortalecidos como centro de compras.
Isso ocorre, por exemplo, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva como mencionamos
anteriormente. Por meio da Associação Alameda Gabriel que representa os estabelecimentos
comerciais alocados nela, essa via temática ganha força e maior visibilidade com eventos que
tem apoio da Prefeitura de São Paulo. De outro lado, sem grande força, a Rua Teodoro
Sampaio, no trecho investigado, precionada pela concorrência dos shoppings temáticos e da
Alameda Gabriel Monteiro da Silva, no ano de 2002 buscou alternativas para a revitalização
de seus espaços com um projeto financiado por alguns empresários do setor moveleiro, que
teria apoio da prefeitura, no entanto ele não avançou.
Podemos constatar que tanto a revitalização como a manutenção dos polos
comerciais de ruas é um desafio constante por exigir grandes investimentos de capital e
mudança de mentalidade dos empresários e da administração pública, conforme J. Parente
aponta,
Iniciativas interessantes de parcerias entre o poder público e a iniciativa
privada e entre associações rgionais de comércio, observadas em algumas
cidades brasileiras, têm gerado bons resultados para a comunidade em que estão inseridas, para o poder público, graças a maior geração de impostos, e
para os empresários –repercutindo no aumento de vendas.(2007, p. 54).
Com base nesses desafios acreditamos que nossa pesquisa venha trazer um pouco de
luz na compreensão desses espaços temáticos, uma vez que pela ação dos sujeitos que se dão
a ver neles, o sentido dos mesmos é construído.
Nos propusemos entender como são estabelecidas as relações intersubjetivas entre
sujeitos e esses espaços temáticos. Pudemos sinalizar as diferenças existentes entre os trechos
selecionados por meio de suas figuratividades que são carregadas de sentido (LANDOWSKI,
2012, p. X). Na continuidade da pesquisa identificamos os tipos de sujeitos que se dão a ver
nesses espaços e como interagem entre si. Por meio do modelo proposto por Landowski,
apresentado na sua obra Interacciones arriesgadas(2009) estabelecemos de modo dinâmico a
construção dos tipos de sentidos nesses dois espaços temáticos.
Chegamos ao fim de nossa pesquisa sabendo que muitos outros caminhos se abrem
a partir dela. Tendo em vista a dinamicidade do universo do comércio paulistano de móveis e
objetos de decoração, sabemos que novas lojas serão instaladas nesses espaços temáticos e
133
levarão mais sujeitos consumidores a percorrê-los, trazendo outros sentidos. Então nos
apoiamos nessa citação de Landowski para encerramos,
[...] mais que pretender dizer o sentido (tarefa impossível),tratar-se-á agora
de observar as condições de sua presença numa série de contextos
intersubjetivos,e, portanto, interativos, precisos.Não mais que em outra parte, o sentido não é dado ai. Como se sabe,ele está sempre a se construir.
Ou melhor a se conquistar... (2015, p.XIV).
134
REFERÊNCIAS
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