hist cultural

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Cultural, História 1. O nome. Solicite-se uma noção coerente e estruturada de «cultura». Um estudante de ciências exatas, aplicadas e experimentais, em regra tenderá a relevar a linguagem físico-matemática da cultura técnica e científica; se estudar humanidades relevará divergente tendência para identificar cultura com criações filosóficas, historiográficas, artísticas, literárias, nas falas e suportes materiais, gramáticas e simbologias, pois linguagem alguma textual ou não respira fora da sua legibilidade. Daqui a aporia de uma síntese, em linhas, que pense a cultura e a sua história. No tramito dos sécs. XIX e XX, etnologia, antropologia (Tylor, Wissler, L. White) e sociologia (Durkheim), na social legacy evidenciaram complexas lotações culturais comunicativas, educativas, coercivas (repressoras: Rousseau, Nietzsche, Freud, Lacan), que P. Bourdieu leu no habitus teórico, tensão resistente / superadora da historicidade de um sistema de representações simbólicas facultada pela interna ordem / deslocação dos signos. Ao comentar o bíblico episódio da expulsão, o Paraíso Perdido, Kant vislumbrou na cisão Natureza / Cultura a transgressão do instinto (base do «processo civilizacional» sondado por N. Elias, El Proceso de la Civilizácion, 1987), específico momento antropológico autofundador e superador de uma preestabelecida «harmonia natural», conquanto tomasse o ser humano “consciência da razão como faculdade para ultrapassar os limites onde se detêm os outros animais”(Ideas para una historia universal, 1994, p. 61; Sala, Teoria de la Cultura,1999, p. 25). Examinando o rasgo kantiano em Fenomenologia do Espírito, Hegel mobilizou antes a dialética Natureza / História (sondada como discrepância por Nietzsche, Foucault, Ricoeur) e no insuperado limite sintético – a não ser pela entrada posthegeliana e metahistórica do deos ex machina da utopia –, achou a via desimpedida para a cisão hermenêutica ente Natureza e Cultura. C. Lévi-Strauss escavando a antropologia cultural das sociedades proto-históricas leu a apreensão mítica da oposição entre «natural» e «artefacto» cultural, campo semântico integrador de termos como «organização», «hierarquia», «culto», «trabalho» e o seu caráter hominizador (das Teses sobre Feuerbach de Marx; a Elias, H. Arendt). E se, na incisa asserção de Cícero, no étimo cultus ancora a paideia grega e o ideal autoformativo do logos; doutro modo se diferencia o radical da cultura agri (ager, natura) da cultura animi (do espírito), pois a si o Ser se dá a cultivar. A alteridade porém insiste no paradoxo da correlação latina (ars, raiz de «arar», ofício, artifício) e grega (artys, «construção», poiesis, casa): na semiologia da cultura se irmana o campo artístico, incindível pois análoga ars disserendi, criativa dialogia, dela participa (Archer, «Para uma arqueologia do conceito de cultura», 2006). Contestando Hegel, para quem o instante histórico é portador de intrínseca

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  • Cultural, Histria

    1. O nome. Solicite-se uma noo coerente e estruturada de cultura. Um estudante de cincias exatas, aplicadas e experimentais, em regra tender a relevar a linguagem fsico-matemtica da cultura

    tcnica e cientfica; se estudar humanidades relevar divergente tendncia para identificar cultura com

    criaes filosficas, historiogrficas, artsticas, literrias, nas falas e suportes materiais, gramticas e

    simbologias, pois linguagem alguma textual ou no respira fora da sua legibilidade. Daqui a aporia de uma

    sntese, em linhas, que pense a cultura e a sua histria. No tramito dos scs. XIX e XX, etnologia,

    antropologia (Tylor, Wissler, L. White) e sociologia (Durkheim), na social legacy evidenciaram complexas

    lotaes culturais comunicativas, educativas, coercivas (repressoras: Rousseau, Nietzsche, Freud, Lacan),

    que P. Bourdieu leu no habitus terico, tenso resistente / superadora da historicidade de um sistema de

    representaes simblicas facultada pela interna ordem / deslocao dos signos. Ao comentar o bblico episdio da expulso, o Paraso Perdido, Kant vislumbrou na ciso Natureza /

    Cultura a transgresso do instinto (base do processo civilizacional sondado por N. Elias, El Proceso de la

    Civilizcion, 1987), especfico momento antropolgico autofundador e superador de uma preestabelecida

    harmonia natural, conquanto tomasse o ser humano conscincia da razo como faculdade para

    ultrapassar os limites onde se detm os outros animais(Ideas para una historia universal, 1994, p. 61; Sala,

    Teoria de la Cultura,1999, p. 25). Examinando o rasgo kantiano em Fenomenologia do Esprito, Hegel

    mobilizou antes a dialtica Natureza / Histria (sondada como discrepncia por Nietzsche, Foucault, Ricoeur)

    e no insuperado limite sinttico a no ser pela entrada posthegeliana e metahistrica do deos ex machina

    da utopia , achou a via desimpedida para a ciso hermenutica ente Natureza e Cultura. C. Lvi-Strauss

    escavando a antropologia cultural das sociedades proto-histricas leu a apreenso mtica da oposio entre

    natural e artefacto cultural, campo semntico integrador de termos como organizao, hierarquia,

    culto, trabalho e o seu carter hominizador (das Teses sobre Feuerbach de Marx; a Elias, H. Arendt). E

    se, na incisa assero de Ccero, no timo cultus ancora a paideia grega e o ideal autoformativo do logos;

    doutro modo se diferencia o radical da cultura agri (ager, natura) da cultura animi (do esprito), pois a si o Ser

    se d a cultivar. A alteridade porm insiste no paradoxo da correlao latina (ars, raiz de arar, ofcio,

    artifcio) e grega (artys, construo, poiesis, casa): na semiologia da cultura se irmana o campo artstico,

    incindvel pois anloga ars disserendi, criativa dialogia, dela participa (Archer, Para uma arqueologia do

    conceito de cultura, 2006). Contestando Hegel, para quem o instante histrico portador de intrnseca

  • legibilidade, homogeneidade continuidade e significado cultural prprio (objetivao do Esprito no real

    fenomenolgico em que se traduz), Nietzsche abriu a brecha na apreenso conceptual disjuntiva, conflitual,

    descontnua e eruptiva da historicidade da cultura. Obscuro sem o acesso ao estudo do Tempo antropolgico

    e histrico e ao espao das suas transitrias e metamrficas revelaes, a cultura constitui assim o mundo de

    representaes do mundo, humano incluso, fragmentado mesmo ao evidenciar co-incidente locuo histrica

    da temporalidade e objeto essencial dessa historicidade, pois, autentica R. Chartier, se as prprias

    representaes do mundo social so componentes da realidade social, ento a histria da cultura (tambm)

    uma histria das prticas culturais (in Hunt, A nova histria cultural, 1993, pp. 230-33) atida ao estudo da

    produo e circulao de textos, artefactos e saberes e sua receo social e individual. Ora, colere

    (>cultus) associa semas de colheita, esforo, produto: cultura tentativa (escola, escolha, ex-colere) e safra.

    Se a enxndia meditica tende hoje a abater arcanas fronteiras semiticas das biparties, cultura das elites

    e cultura popular; cientfica e de massas, etc., para a perspectiva da histria da cultura nos pares sociolgicos

    resistem teis hipteses tericas. Mas sabendo-se que a subjetivao mesmo no limiar mais normativo do

    texto ocorre no momento da leitura, a dessubjetivao do sujeito cognoscente assim a iluso que o

    paradigma sociolgico, sistmico e naturalista, nutriu enquanto analisou a cultura como scientia iluminista,

    cognitio naturalis rerum omnium, degradando o rasgo da vis libera, vis libertatis que na prpria enunciao se

    anuncia.

    2. A coisa. Demarcados, ao mnimo, os termos do problema, conscincia cultural dado relativamente recente nessa inveno recente escala csmica que o ser humano (Foucault,

    Baudrillard). O movimento da Erudio que precede e segue o Aufklrung, alastra em pequenos crculos

    (mais adequados concentracidade das Luzes) e orienta a conscincia histrica no estudo das letras

    ptrias. Entende-se. Particularismo e providencialismo, vitais teogonia tradicional e ao imaginrio cultural

    e poltico que reflete diferentes nveis de agregao social espartilhando a estrutura, sero refutados pelo

    universalismo das Luzes, melhor, pela sua cultura antropocrtica. Para se lerem aqueles conceitos, diga-se

    que a ideia de nao (diversa ideia de patria), demarca desigualmente a diversa conscincia dos nveis de

    agregao social, dada a hegemonia de sintaxes sociais, no de sintaxes polticas ou religiosas, que

    realam a multiplicidade e relativa alforria das diversas formas e formulaes horizontais e verticais de

    interdependncia social, em detrimento da noo, embrionria mesmo, de solidariedade nacional. S no

    sc. XIX, ou finais de XVIII, na Europa se potencia a luta pela autonomia cultural, no j pela velha alforria

    dos corpos intermdios. A francocntrica civilization voltairiana e a germnica Kulturkampf, luta pela

    civilizao, sero nos prolegmenos romntico e idealista o desafio cultural prpria ideia de civilizao

    material (Elias, Teoria Simblica, 1994), mediando representaes do particular e universal, do concreto e

    abstrato, do emprico-sensvel e inteligvel, matriz que a afirmao dos Estados-nao europeus traduzir

    por diversas formas, mas mais acentuando as culturas e particularismos nacionais.

    3. Limites. Problema outro o de catalogar teores, limites e formulaes histricas de uma identidade e cultura ptria, no caso, portuguesa. Por certo acha mediaes empricas anteriores formao moderna do

    Estado-nao, na prerrogativa medieval unificadora da escrita e seu ensino nos Estudos gerais dionisinos

  • que sobreleva identidades exclusivas, regionais, estamentrias. Nas crnicas do sc. XV o crescente

    estatuto subjetivo do narrador no perde o sentido unvoco da circulao significante > significado, s o humanismo de XVI altera a funo do signo (A. J. Saraiva, O que a Cultura ?, 1994, p. 148; sobre

    Foucault, As palavras e as coisas, 1975), abrindo a cultura diversa expresso da unidade. A autonomia

    poltico-militar do Reino medievo, vassalidade e crena na ancestralidade comum (lusitana, Garcia de

    Resende), avocam-se desde a historiografia de XIX, na origem latina; visigtica; sueva (S. Silva Pinto, G.

    Azevedo); ou, com Herculano, na resistncia concelhia e morabe face ao Islo; ou, com O. Martins, T.

    Braga (moarabismo, lirismo tradicional), na aculturao celta de culturas primitivas, nortistas (A.

    Sampaio), sulistas (A. Sardinha). A Martins , parecia-lhe terem razes clticas os nomes prprios de lugares,

    de pessoas e divindades da Lusitnia, e de ser essa a origem do gnio portugus, no que ele tem, dizia, de

    vago e fugitivo; no herosmo lusitano, o que ele revelava de nobreza; nas nossas letras ou no nosso

    pensamento, uma nota profunda ou sentimental, irnica ou meiga por oposio ao carcter afirmativo,

    fria, e aos caracteres especficos da civilizao castelhana que, ao contrrio da portuguesa, seria

    violenta sem profundidade (Histria de Portugal, 1879, evocado por Mattoso, A Identidade nacional,

    1998). Aos factores da comum identidade, forjada em violentas polticas culturais (Expanso, Inquisio,

    Index prohibitorum) catlicos (reino fidelssimo); europeus e cosmopolitas (mais do mundo do que

    continentais: ia-se mais facilmente a Goa do que a Braga, afirma Gorani no sc. XVIII); a forte atrao

    hispnica das letras sentida entre o siglo de oro e o sc. XVII) , variveis se aliam que singularizam no

    Antigo Regime identidades rurais e regionais, pequenas ptrias: Entre Douro e Minho, de fecundssima

    propagao, a Transmontana frgua; Beiras quints da nobreza rural e das letras em Coimbra; o Sul

    comercial e agrcola do Tejo e o emprio martimo de Lisboa a definir a Estremadura, Alentejo a desbravar,

    Algarves industriosos, as Ilhas errantes entre o velho e o novo Mundo. Refraes do Volksgeist, o

    herderiano esprito do povo, enquanto objetos dos discursos eruditos, sintaxes mticas de identidades

    fixas em circuito fechado, elucidou Sousa Santos (11/ 92, Via Latina, 1991, p. 58), so as ideias gerais

    de um pas sem tradio filosfica nem cientfica. O excesso mtico de interpretao o mecanismo de

    compensao do dfice de realidade tpico de elites culturais restritas, fechadas (e marginalizadas) no brilho

    das suas ideias. Se a difuso da imprensa e do livro, dos caminhos-de-ferro e o Estado normativo e unificador (cdigo, escola, priso, asilo) re-foram a conscincia cultural da identidade, no admira que

    s no sc. XIX, mxime post 1870-90, a invocao cultural tenda entre ns a ter maior expresso, articulada

    no espao ibrico, e no s no contexto da afirmao historiogrfica, no momento em que se aclara intenso

    debate nacionalismo / iberismo nas elites intelectuais e se busca fundamento histrico e cultural para

    legitimar o imprio, mas tambm pelo modo como se elege em XIX do sculo da Histria (G. Menod, Revue

    Historique, 1876), marcado pelo excesso da Histria, mitificando origens e sucessividade, acusa

    Nietzsche, facultado por novas condies sociais e tcnicas, educativas e informativas, da criao e

    comunicao dos bens culturais. Avana hoje o exame do modo como, sob o signo nacionalista (1880-

    1974), o debate historiogrfico e mediaes pedaggicas, cientficas (congressos, simpsios) e sociais

    (comemoraes, hagiografias cvicas), polariza a inveno de identidades e tradies e potencia

  • comunidades imaginadas (Hobsbawm; Gellner, A. Smith; Catroga, S. Campos Matos).

    4. Da Erudio s Luzes. revelia de hagiologias e genealogias que firmavam os poderes na tradio histrica eclesistica e dos grandes, erudio e enciclopedismo tm saliente papel na gestao de uma

    conscincia cultural letrada e elitista. Escoltando o movimento das Academias, desde o sc. XVIII (embora

    dcadas depois agonizante, a Academia Real da Histria funda-se em 1720) reportrios fixam e codificam a

    conscincia e alada lingustica ou inventariam materiais bibliogrficos. No primeiro caso, a lexicografia de

    R. Bluteau, Vocabulrio portugus e latino (1712-1721; 1727; nos arcasmos ampliado no Elucidrio de

    Viterbo, 1798), ou Fonseca (1771) e Ramalho (1855), enquanto Morais (1789), Constncio (1836),

    Domingos Vieira (pstumo, 1871) e outros, dicionarizam o portugus falado e erudito. No segundo, na via

    dos grandes repositrios humanistas de XVI, De Auctoribus Scientorum ou Bibliotheca Universalis, tambm

    entre ns se gizou no sc. XVII o inventrio erudito e ad usum delphini dos escritores portugueses no

    contexto da alegao da autonomia histrica (materializada em Monarchia Lusitana), poltica e cultural face

    aos Filipes, plano um sculo depois vertido por Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana (1741-58),

    coleo de todas as siencias cultivadas pelos engenhos Portugueses e Theatro Litterario das suas

    maiores figuras. O autor confirma goradas ou sumidas anteriores tentativas, de F. Galvo de Mendanha,

    M. Severim de Faria, M. de Faria e Sousa, F. Manuel de Melo, J. Soares de Brito, A. Caetano de Sousa.

    Inventrio dilatado, atualizado e corrigido, em meados de XIX, no Dicionrio Bibliogrfico Portugus, de

    Inocncio F. da Silva, ultimado por Brito Aranha, medida que o movimento gramtico (ideado ainda

    maneira da taxinomia aristotlica) e repositrios primem a conscincia letrada da pertena cultural. Projetos

    de instruo pblica nascem timidamente num pas onde, ainda em 1900, o analfabetismo ronda 80%.

    Entretanto, colees autnomas e a Histria e Memrias da Academia Real das Cincias (I srie, 1779-

    1839), sobretudo Memrias da Literatura, excursam a histria da literatura, da lingustica e do direito

    (Torgal, Mendes & Catroga, Histria da histria em Portugal, 1996, pp. 29-31), indagando e reforando elos

    pertinentes e cadeias perifricas de jurisdio semntica a uma cultura criada literalmente nos e pelos

    centros letrados.

    Mais do que s Cartas sobre a Educao da Mocidade de Ribeiro Sanches, a O Verdadeiro Mtodo de

    Estudar (1746), de Lus Antnio Verney, complementado no Apparatus, traduzido por Teodoro de Almeida

    na Recriao Filosfica, se deve o capital esforo sistemtico por via de um fundo projeto de reforma do

    ensino, de aclarar seno instituir uma matriz da cultura portuguesa e metodizar suas desiguais produes,

    ao mesmo tempo, como salientava Srgio (Ensaios, VII, 1954), que semeava um apostolado cvico.

    Sabe-se como o n da luta ideolgica sem trguas entre Oratorianos e Jesutas se instituiu ao longo dos

    sculos XVII-XVIII, a que no ser alheio o influxo do racionalismo cartesiano (ou at, depois, da fsica

    newtoniana) combatido pelo aristotelismo tomista do Curso conimbricense, filosofia peripattica ministrada

    pela Companhia nos colgios das Artes e no seu prprio. Nova didtica e gramtica, e a enfatizao do

    estudo da histria (Carta VIII) e lngua ptrias (Carta I), em prejuzo da histria eclesistica e do latim

    idioma de tratadistas europeus que em sculos os ligou no comum espao lingustico , incitava ao ensino

    das lnguas modernas, com claro ascendente do francs e italiano, e exigia o estudo comparado e

  • dicionarizao das reciprocidades verbais, lexicais e sintticas com o portugus, cuja disciplina e

    simplificao ortogrfica propunha. Mas o repto foi insuficientemente escutado: se o dilculo racional que o

    pombalismo abriu foi visvel no aprendizado da empiria do mundo e das cincias exatas, pouco mais era do

    que ilusrio nos estudos humansticos. A ampla falha de slida formao filosfica no ensino mdio e

    superior condicionar negativamente a indagao histrica e filolgica da cultura mtria. Atado

    hegemnica matriz cannico-teolgica da universidade portuguesa, progredira o estudo institucional no

    campo do Direito (Histria Eclesistica, Histria do Direito Romano e Portugus, Histria do Direito

    Cannico), mormente pela pena de Pascoal de Melo Freire (Historiae Juris Civilis Lusitani, 1788), mas o

    exame histrico da cultura, objeto autnomo, distante, enunciado ou apenas circunscrito tradio

    literria e ao estudo gramatical, potico, retrico. E no campo historiogrfico, a erudio, o compndio de

    fontes e a diplomtica (Joo Pedro Ribeiro, visconde de Santarm) colhiam lgica prioridade, como em

    meados do sc. XIX Alexandre Herculano ainda certificar nos Portugaliae monumenta historica, empenho

    na retoma da tradio erudita e acadmica que a evanescncia social e poltico-militar do sculo havia

    gorado, como notou Oliveira Martins (Notas sobre a historiografia, Histria de Portugal, 1920).

    5. Cultura nacional. A vaga iluminista cedo foi subsumida por uma burocracia cultural que a degrada em apostilhas universitrias. O movimento das ideias que precede e acompanha o Liberalismo em 1820 e

    1834 no seria estranho a esse anelo constituio de uma Repblica das Letras que regenerasse a

    cultura e nela a sociedade portuguesa. O romantismo e o sema tolerante que lhe munia a mundividncia

    no se omita o impacto formatado e repressor que o tribunal de f figurou no espao cultural ibrico ao

    longo de trs sculos acharam na Histria o papel paidutico da cidadania liberal, matizando perspectivas

    excessivamente abstratas e cosmopolitas tpicas das vulgatas iluministas do sc. XVIII. Silvestre Pinheiro

    Ferreira, em quem Herculano via o mestre, escreveu Reflexes sobre o mtodo de escrever a histria das

    cincias, particularmente o da Filosofia (1844) na linha das suas preocupaes sobre filosofia da

    linguagem e linguagem filosfica (Consideraes sobre a gramtica Filosfica, 1813, Essai sur la

    Psychologie, comprennant la thorie du raisonnement et du language, 1826), induzindo Joaquim de

    Carvalho no arrolamento analtico da historiografia filosfica (1946) a examin-lo mais como filsofo ligado

    ao esprito de sistema do que historiador das ideias. Rareando monografias, ser notvel o magistrio de

    histria da filosofia no antigo Colgio das Artes ao abrir, em contraciclo, as bases filosficas da inquirio da

    cultura que no abstraa de ampla base racional e disputa metafsica. Nova sensibilidade literria e

    historiogrfica nascer para o conhecimento dos costumes dos povos e das suas especificidades

    lingusticas (romances) e psicolgicas. A historiografia cultural ainda vem longe, mas o veio paidutico que

    o romantismo abre com Almeida Garrett (Da Educao, 1829), em intuio genial perscrutando as

    entranhas portuguesas (O. Martins, Portugal Contemporneo, II), apela mediao das mitologias

    nacionais (Catroga & Archer, Sociedade e cultura portuguesas, 1996); conquanto invenes e ideaes das

    culturas nacionais ao longo do sc. XIX no iludam a falha de prticas culturais consistentes e continuadas.

    Arte nacional s se dicionariza nesse sculo e tambm o termo cultura nacional s poca se

    vulgariza: a cultura popular, amassada no cho lendrio do cultivo Romntico, eleita por Garrett no

  • Romanceiro, Cancioneiro Geral e D. Branca, por Herculano em Lendas e Narrativas e no romance histrico,

    modalidade de ndole intimista ou psicohistria do quotidiano. Se a fico, no dramalho histrico e diegese

    romanesca exauridos pelo ultrarromantismo, solicitava buscas e leituras, perdia porm na fantasia narrativa

    e no cnone de gnero qualquer plano de mtodo. Paradigma do inqurito institucional, da Histria da

    origem e estabelecimento da Inquisio em Portugal que no ocaso de XIX nasce o filo do estudo de

    culturas at a marginais em termos historiogrficos mesmos, judaicas, islmicas (M. dos Remdios, A.

    Baio, J. Lcio de Azevedo, C. Michallis, J. de Carvalho, Isral Rvah, A. J. Saraiva, A. Borges Coelho,

    etc). O texto de Herculano (e Cartas sobre a Histria de Portugal) ser o fundo da obstinada diagnose de

    Antero de Quental, Causas da decadncia dos povos peninsulares, a uma sociedade que no desprezo

    liberdade condena o sigo histrico da sua cultura e expectativas de reforma. Da que a Gerao de 70 e o

    Programa de trabalhos para a gerao nova, gizado nas Conferncias Democrticas, proponha uma

    revoluo cultural como didtica superao dessa plis, entre a cidade e as serras, balburdiana e aptica

    na sua (in)conscincia cultural que Ea de Queirs magistralmente talhou em Abranhos e Accios.

    Se o historiador Oliveira Martins (1845-1894) explorou vias interdisciplinares (Catroga, A Historiografia

    de Oliveira Martins, 2001), mobilizou perspetivas culturais da histria seno j uma singular conceo da

    histria da cultura. Muitas pginas, mormente da Biblioteca das Cincias Sociais, caracterizam um modelo

    de aproximao ao estudo comparado da cultura, momento hegeliano da superior objetivao do Spiritus.

    Nos excursos na histria das religies e das ideaes teolgicas, desticas e metafsicas, sob a influncia

    de D. Strauss e E. Renan, como em O Helenismo e a Civilizao Crist (1880) e Sistemas de Mitos

    Religiosos (1882), analisa o momento histrico da ciso racional do determinismo antropolgico (meso-

    etnolgico) operada na relativa indeterminao histrica (acaso, emergncia dos grandes homens) que s o

    recurso a uma tipologia de fundo psicoconstitutivo, o gnio cultural, explicaria. Assim, viu no vrtice da

    historicidade o triunfo da razo e expresso consciente do pensamento, pois a abstrao da espcie e a

    metafsica da Lei, presas na noo categrica da Moral, fundam a razo humana (Oliveira Martins,

    Elementos de Antropologia,1987 (1880), pp. 164-65) sobre a massa instintiva e inconsciente. No caso, o

    cunho particular da civilizao ibrica advm da mescla das culturas primitivas e das ideias indo-

    europeias (Oliveira Martins, Histria da Civilizao Ibrica, 1885,p. XXXIII). E se no final da vida subverte

    os termos em que colocara a questo (A. J. Saraiva, Para a histria da cultura em Portugal, 1946, I),

    abonando o apelo reincarnao do inconsciente colectivo, no invalida a trama complexa de factores

    culturais que decidem o pathos da nao, sntese afetiva de uma histria. Mas ao colocar a histria num

    plano epistmico intermdio e mediador entre as cincias positivas e a metafsica, fora de qualquer

    mimetismo metodolgico e cientfico, visando a apreenso evolutiva das diversas civilizaes (embora a

    compreenso sistemtica da histria no consinta a ideia de uma evoluo rectilnea e progressiva em

    todos os seus pontos), mobilizaria o saber das ideias e produes culturais como elemento central do

    estudo do progresso da humanizao do Esprito (Oliveira Martins, O Helenismo e a Civilizao

    Crist,1985, pp. 1-20); assim, a Histria de Portugal (1879) cessa na interrogao: crepitar latente e

    ignota a chama de um pensamento indefinido ainda?. Antes da Biblioteca, Martins edita o ensaio a vrios

  • ttulos inovador: Cames, Os Lusadas e a Renascena em Portugal (1872;1891), instando a diacronia da

    intuio simblica, sensibilidade e fantasia criativas, no exame do paganismo e neoplatonismo do poema

    (cap. IV) atado biografia e poca de Cames, para explicitar na ptria afetiva o objeto de uma vontade

    coletiva que sobrepuje o etnicismo e ache lio eficaz na histria e no seu prprio hmus cultural. Na

    explorao da vertente psicologista, ao arar a via idiossincrtica da qual a protomemria, Martins marca a

    ulterior obra, aberta a explicitaes ontogenticas e orgnico-evolutivas que ao longo de uma centria

    tiveram cho para medrar. A exegese psicolgica do sebastianismo como manifestao do gnio natural

    ntimo da raa, abdicao da histria, exploso simples da desesperana, criticamente pesada depois

    pelo ensasmo de S. Bruno, A. Srgio, A. J. Saraiva e E. Loureno, persistir como um dos grandes mitos

    culturais (saudade (.) do que ia morrendo aos poucos, J. Serro, Do sebastianismo ao socialismo, 1969-

    1988) ao longo do sc. XX, assim como, noutra vertente, a viso organicista da histria e da nao

    possibilitar a radicao cultural no corporativismo medievo, tema dos temas da historiografia unitarista e

    nacionalista, cartilha que o salazarismo oficializa nas suas escolas, plpitos e tribunas.

    No ltimo quartel do sc. XIX releva a obra de Tefilo Braga (1843-1924), na inovao metodolgica

    eduzida do positivismo francs, do organicismo e evolucionismo sistmico de Mill e Spencer, e por atender

    autonomia do facto cultural, coisificando-o porm. A par do prolixo comentrio do sistema comtiano,

    filtrado do elitismo por Littr (cf. rev. O Positivismo; Traos gerais da filosofia positiva, 1877; Sistema de

    sociologia, 1908), Tefilo evidenciou a urgncia de historiar a produo literria: Histria da literatura

    portuguesa. Introduo, 1870 (e a rplica a Antero, Martins e P. Chagas, Os crticos da Hist. da literatura

    portuguesa, 1872, que o arguam, no dizer de Antero, por suster a escola etnolgica no estudo da cultura),

    Hist. da Poesia Portuguesa, 1870-72, Teoria da histria da literatura portuguesa, 1872; 1895, Manual de

    Hist. da Literatura Portuguesa, 1875, Hist. do romantismo portugus, 1880, Modernas ideias da literatura

    portuguesa, 1892, sem excluir instituies da cultura e ensino, estudo vulgarizado pela historiografia alem

    e francesa, e na senda de J. Silvestre Ribeiro (Histria dos estabelecimentos cientficos, literrios e

    artsticos, 1871-89), sobretudo na Histria da Universidade de Coimbra nas suas relaes com a instruo

    pblica portuguesa (4 vols., 1892-1902), que s um sculo depois ter rplica altura, Universidade(s).

    Histria. Memria. Perspectivas (Coimbra, 1991, VII centenrio). Da matriz positivista e sociologista verteu

    em Histria das ideias republicanas em Portugal (1880) o combate poltico e ideolgico no pice em que a

    estratgia comemoracionista, sntese afetiva das sociedades modernas, escora o republicanismo de que

    era idelogo relevante. Na rea da cultura popular, ao exigir a ontogenia do programa romntico firmado por

    Garrett e Herculano, Tefilo contribui para o catlogo de fontes, por vezes de forma imaginosa (Romanceiro

    geral coligido da tradio, 1867; Hist. da Poesia Popular Portuguesa, 1867: As origens, 1902; Ciclos picos,

    1905; Cancioneiro Popular, 1867; Contos tradicionais do povo portugus, 1883; O Povo Portugus nos seus

    costumes, crenas e tradies, 1885, 2 vols.; Romanceiro Geral Portugus, 1906), campo sondado por

    Adolfo Coelho e Consiglieri Pedroso. Destaque para biobibliografias: Cames (1873; 1880; 1880 bis, 1894;

    1917) Camilo Castelo Branco (1916), o Judeu (Antnio Jos); e coletneas poticas (Cames, Bocage,

    Joo de Deus). Na rea da Histria do Teatro, avultando manifestaes populares, editou materiais e

  • snteses. Dir-se-, na episteme da prtica historiogrfica, que a obra sobredeterminada pelo positivismo

    estreito e condicionada pela agenda poltica do proselitismo republicano que lhe retiram rigor analtico e a

    compreenso desapaixonada dos problemas que debateu. Com inerentes e unilaterais paralaxes do

    programa e vcios mesmos de petio inicial que lhe conferiam aparente solidez, debilitando-a afinal na

    instncia epistemolgica, a obra de Tefilo referncia na transio XIX-XX na histria da cultura, quer

    pelas incurses institucionais, quer literrias, que tentou mover ao plano das grandes snteses

    explicativas. Mas se estas satisfaziam e abriam evidentes propsitos didticos, por outro lado, fechavam-se

    numa suma dogmtica.

    Dada a generalizada constatao, post 1870-90, e denncia intelectual da degenerescncia (M. Nordau),

    verso neodarwinista da decadncia, o dogma ipsesta da cultura portuguesa passar a ser, nas mos

    dos diversos nacionalismos, bastio das batalhas que nacionalizam quase todos os ramos do saber: na

    guia e na Renascena Portuguesa acartam-se materiais, oriundos das estratigrafias lrica e onrica, para

    uma reconstruo mtica, depois encadeada em manifestos ontolgicos por Teixeira de Pascoais

    (Saudosismo; A Arte de ser portugus); Lusitnia o legtimo estandarte do grupo de investigadores que

    indagam estirpes autctones na etnologia, filologia (Leite de Vasconcelos, J. M. Rodrigues, Carolina

    Michallis), em breve abusivamente vertidas na antropologia mugense (Mendes Correia); na arquitetura

    coeva a disputa da casa portuguesa, que Raul Lino provoca; nas artes plsticas descobrem-se

    primitivos portugueses e a infinda contenda dos painis de S. Vicente; por fim, no crescente isolamento

    internacional que a ditadura (e a sociedade portuguesa) vive entre os desfechos da II guerra mundial e das

    guerras coloniais, o achado de uma filosofia portuguesa ser o canto do cisne das excentricidades

    sudocidentais da Europa, poca em que j no faturavam no mercado cultural e expunham o ddalo ex-

    cntrico, perifrico, dessas iluses. No solo literrio, da poesia em particular, a avocada nacionalizao

    seria ilgica, por ser a rea criativa que refrata a funda singularidade lingustica numa arrumao semitica.

    Resumiu-se pois o programa doutrinal coisificao da civilizao portuguesa que reprimia distanciadas

    investigaes. A politique dabord dos autores da Nao Portuguesa, com Antnio Sardinha, ensasta da

    pugna tradicionalista, recatolicizadora e reportuguesadora contra a cultura republicana, laica e liberal,

    recobra chamas velhas da querela setecentista entre castios e estrangeirados; L. Cabral de Moncada na

    polmica seiscentista com A. Srgio e os seareiros melhor encaixa essa denncia das importaes

    ideolgicas e culturais, ao condicionar a restrita agenda da operao, se bem que alargue depois

    qualificadas leituras da histria e da filosofia do Direito, como P. Mera, reas transfronteirias e teis

    histria cultural, ou no campo analtico, no iluminismo portugus de Verney (1941), misticismo (1950) e

    krausismo. Fidelino de Figueiredo (1889-1967), frente da Revista de Histria (1912-28), de Letras (S.

    Paulo, 1938-54) e da Sociedade Nacional de Histria, se vinculou uma historiografia nacionalista f-lo

    atendendo ndole hispanista (Notas para um Idearium Portugus, 1929), colquio com Ganivet (Idearium

    espaol, 1897), qual tentou erigir as traves do debate terico. Mal lido com frequncia (a que no

    estranho o alinhamento acadmico, o pleito da Biblioteca Nacional, a revolta dos fifis), Figueiredo

    interpretou maneira martiniana na Gerao de 70 a heterodoxia regeneradora, que no coube no curto

  • horizonte portugus (As Duas Espanhas, 1932; na ed. de 1959; p. 193). Apegado ao campo humanstico

    e histria da literatura, tambm teoria da histria (O esprito histrico, 1910), visava fundar o esprito

    sinttico e filosfico nos estudos histricos numa organizao interpretadora (Torgal, Mendes & Catroga,

    Histria da histria, 1996, pp. 227-31), da qual dimanariam aproximaes histria literria (Histria da

    crtica literria em Portugal, Estudos de Literatura, 1915-1951, Depois de Ea de Queirs, Antero) e ao

    ensasmo, tipicamente elitista, infludo pela orteguiana rebelio das massas (Menoridade da inteligncia,

    1932, O Dever dos intelectuais, 1935), que tipifica o predomnio da multido, o consequente abaixamento

    do nvel moral e mental do homem mdio, o surto de caudilhos que parasitam nessas inferioridades e as

    adulam, e a inegvel sade nervosa do homem multitudinrio e vegetativo ante o homem de escol (Cultura

    Intervalar, 1944, pp. 17-18), na poca em que a vox populi ensurdecia quem vivia nas torres de marfim.

    Nos scs. XIX-XX a tarefa enciclopdica avana: o Dicionrio Universal Ilustrado, por ex., d lugar em

    meados do ltimo sculo, Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, o mais vasto repositrio

    informativo, de cariz biobibliogrfico mas tambm temtico, ainda hoje til para a propedutica da

    investigao cultural at essa poca. Especfico, o salto qualitativo que o Dicionrio de Histria de

    Portugal ed. (1963-1971) por Joel Serro, traduziu e introduziu na criao acadmica, abrindo novos

    horizontes no campo da histria econmica e social, com clara influncia dos Annales, aditado (em 1999

    por A. Barreto e M. F. Mnica) para o perodo do Estado Novo, agora na perspetiva da sociologia e

    politologia, til instrumento para quem se dedique investigao historiogrfica da cultura, dos movimentos

    culturais e dos intelectuais, embora no encontrem a a nuclearidade. Mencione-se ainda que a sntese da

    Histria de Portugal (D. Peres, 1929-58) pela primeira vez abre captulos s instituies de cultura, a

    cargo de J. Carvalho, contrapeso hegemnica histria poltica e factual, e distante da histria-apologtica

    (J. Ameal, C. Beiro, A. Pimenta) normativa no Estado Novo e do pendor ontologizante que o culturalismo

    (Delfim Santos, . Ribeiro), promovendo leituras ahistricas da identidade, iria esboar, em funo de

    sobredeterminaes outras de teor teleolgico e escatolgico, retirando-lhe histria o que tem de si

    mesma, histor, testemunho antropolgico do tempo. Ao nvel de propostas sintticas, assinala-se o boom

    das Histrias de Portugal que nos anos 80 e 90 veiculavam metodologias e perspetivas radicalmente

    distintas, seno opostas: da nova histria que desloca a histria da cultura para os movimentos

    intelectuais e sociais (eds.: A. Reis, A. H. de Oliveira Marques, Id. e Joel Serro, J. Medina); e da

    embrionria histria psmoderna (ou post serial) que analisa a diacronia das ideias em cortes genealgicos

    e transversais (ed.: J. Mattoso); histria poltica, sucessividade nacional (J. Verssimo Serro, J. H.

    Saraiva), factualista e ipsesta nos tratos historiogrficos, ao isolar a historicidade da cultura no episdico ou

    ao l-la no sarcfago do destino nacional.

    Invivel referenciar as Histrias da Literatura ( justa ressalva da Histria da Literatura Portuguesa, A.

    J. Saraiva / . Lopes, resistente ante a usura) e verses crticas (Reis, C., ed., 1993-2001; Alfa, ed., 2001-

    2003), Histrias da Filosofia (com riscos inerentes, a diligncia global da ed. P. Calafate, 1999-2001, mais

    de um sculo aps a exgua empresa de Lopes Praa), do Ensino (retenham-se R. de Carvalho, 1986, A.

    Nvoa, 1987), Artes, Cincia, movimentos intelectuais e doutrinrios, dicionrios temticos, actas de

  • inmeros congressos e simpsios, monografias, teses, projetos que enunciam qualitativamente a vida

    acadmica e cultural aps a revoluo de 25 de abril e que certificam, no conjunto, a fase exploratria,

    credora e correlata da democratizao do ensino e da exploso da investigao cientfica que novas

    condies post 1974 e a adeso ao projeto europeu em 1986 permitiam. Ora, diga-se: disponvel amplo

    suporte documental, emprico e terico, falha ainda a sistemtica viso transdisciplinar de um tentame que

    convoque snteses diacrnicas da cultura portuguesa e que a libertem do pequeno crculo ensimesmado da cultura nacional.

    6. O ensasmo, original, gil hiptese, exerccio crtico que coabita na dvida cartesiana, na sinopse de Slvio Lima (Ensaio sobre a essncia do ensaio, 1944), exerce relevante diagnose e dialogia na criao das

    indagaes da histria da cultura, abrindo caminho e novas pistas, algumas depois empiricamente

    evidenciadas. Sob a inicial matriz de O. Martins e em dilogo com as suas teses, Antnio Srgio (1883-

    1969), doutrinrio e paideuta, no pode ser expedido nos Ensaios para o stio historiogrfico que no

    buscou, ou apenas teoricamente o fez sem acartar investigao emprica, mas abriu indcios e

    problemticas fundamentais da cultura, desde logo em Espectros (Ensaios [I], 1920) e O Reino

    Cadaveroso ou o problema da cultura em Portugal (1926, Ensaios, II, 1929), e na diversa exegtica a

    autores, obras, temas essenciais, de Cames a Antero ( um dos anterianos da I metade do sculo, com J.

    Carvalho, Leonardo Coimbra, J. Bruno Carreiro) e Oliveira Martins, no ideal da paideia democrtica e da

    cidadania, s constantes divagaes pedaggicas sobre o sebastianismo ou o ideal humanista. No

    promio da obra, condensava assim Srgio o ofcio (Ens. I, pref. 2ed.), com algum acerto: Os caminhos

    da renovao que em nossa histria iniciei consistiram muito menos nas interpretaes alvitradas e nos

    trabalhos de anlise com que pretendi abon-las, do que na prpria circunstncia de querer interpretar e

    entender, do que na nova mentalidade com que encarava as coisas. Perecia-lhe, em viso

    assubstancialista da cultura no isenta de alguma inferncia ntica, que a indagao histrica e cultural,

    como qualquer forma do saber, fosse cego encadeamento de factos e datas, personagens e obras, antes

    kantiana ideao do esprito entre conceitos livremente inventados. O papel nuclear de Srgio com Raul

    Proena, o pensador que na coacta cena portuguesa melhor interpelou o cerco cultura democrtica, ele

    mesmo pice de rsistence dentro da resistncia intelectual ao Estado Novo , no omite a induo

    assertiva do polemista e o jogo de espelhos no qual a sua imagem antecipadamente se sobrepe. Lograria

    o maior desenvolvimento o confronto do ensasmo de Eduardo Loureno (n. 1923) com o racionalismo de matriz sergiana, por em grande parte marcar a agenda da investigao, antes e aps a fuga simblica para

    o imaginrio imperial (Portugal como destino,1999, p. 56): Heterodoxia (I, 1949) inegvel pertena dos

    que a contre coeur Menndez y Pelayo assinala no cho ibrico propenso mstica, e que elegem a heresia

    sobre a aridez monolgica qual s os picos ousam escapar ou, como Loureno, msticos sem f. O

    ciclo aberto em O Labirinto da Saudade (1978), psicanlise mtica do destino portugus (e a discusso

    inacabada a que deu azo, leia-se de J. Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir, 2004) j anunciado em

    Heterodoxia II (1967), continuaria em Portugal como destino (1999), A Nau de caro (1999), enquanto em

    Ns e a Europa (1988), O Esplendor do Caos (1998) ou A Europa Desencantada (1994) debate trilhos

  • construtivos comunidade sobre os escombros da sua mitologia proftica. Tema fundamental do seu

    ensasmo, a cultura, imagologia, ddalo projetivo e prospetivo de hetero e autorrepresentaes, discurso

    crtico sobre as imagens que de ns temos forjado (O labirinto da saudade, 1978, p. 52), pois tal como as

    imagens as ideias tm a sua sombra (Poesia e metafsica, 2002, p. 70), molda-se numa espcie de

    historiografia existencial, como refere (2000), refratria a justificaes apodticas: a minha leitura da

    cultura portuguesa, em geral, do seu sentido, do seu funcionamento, tem pouco a ver com uma leitura

    sociolgica. O simblico invisvel para o olhar sociolgico, pelo menos enquanto a sociologia continua,

    implcita e explicitamente, vinculada ideia durkheimiana de que osfactos sociais so coisas e como tais

    susceptveis de leitura cientfica (Lima, Existncia e filosofia: o ensasmo de Eduardo Loureno, 2008). A

    recusa ao lugar da verdade, e esse o esprito da heterodoxia, implica a prvia recusa das perspetivas que

    pretendem deter a verdade sobre ela (Gil & Catroga, O ensasmo trgico de Eduardo Loureno, 1996, p.

    17), trgica aporia de uma comunidade que em mediaes e figuraes intelectuais angaria clientes

    nostlgicos da ortodoxia, qual seja.

    7. Historiografia da cultura, ou a cultura como investigao histrica. Aps o precursor Curso Superior de Letras (de 1858-61), a reforma republicana que cria as Faculdades de Letras (III-1911)

    reconfigura o impulso objetivo nos estudos historiogrficos. Pela primeira vez, h condies para os

    grandes e dispersos ramos humansticos no s se autodisciplinarem (Cincias Filolgicas, Clssicas e

    Modernas; Cincias Histricas; Cincias Filosficas, subsumindo a Psicologia) mas para contratualizarem

    bases lgicas e metdicas dos liames de sentido epistmico e pedaggico. O plano de Verney, relido por L.

    Mouzinho de Albuquerque (1823), encontraria terra para se espraiar. S possvel esboar o movimento

    nos seus andamentos mais ntidos e marcantes: ser Joaquim de Carvalho (1892-1958) quem primeiro e

    claramente melhor formulou a pergunta metodolgica que a histria da cultura suscita, ao exigir a

    transdisciplinariedade analtica e hermenutica, indo ao patamar historiogrfico mais exigente, o da

    episteme mesma que a esclarece e o da mais slida formao filosfica que a discute. Mas se avalizava o

    esforo neokantiano, mormente de Marburgo, que funda a moderna epistemologia (Wissenschaftslehere,

    traduzido em ingls por epistemology) ao refutar panlogismo e taxilogia extensiva e analgica cientfico-

    natural no campo nosolgico das cincias humanas, J. Carvalho escavou a via metdica mas no a

    teorizou, aberta j por H. Cohen; P. Natorp e E. Cassirer, usufruindo (com Dilthey) da eidtica para

    desembargar a gnosiologia das explicaes cientistas e aclarar aporias do conhecimento

    (Erkenntnisproblem) nos diversos campos das Cincias e da Filosofia, testando-as luz englobante da

    Weltanschauung, viso do mundo cuja vivncia (Erlebnis) daria o quadro compreensivo (mais do que

    explicativo) da atividade espiritual que fizesse uma leitura coerente e consistente que a mole das

    representaes artsticas, filosficas, cientficas, na caoticidade fragmentria ou na disciplinar ortodoxia, no

    permitiria. Assim, seguiu na via de uma histria das ideias qual, com propriedade, dotou os fundamentos e

    a aspirao a uma cincia do rigor, como a exemplaridade de Husserl na convergncia filosfica sugeria.

    Aspecto decisivo, conquanto Carvalho sonda e escreve em pleno sculo da epistemologia (E. Mach,

    Dilthey, Meyerson, B. Russell, Brunschvicg, Bachelard, G. Canguilhem,. Popper,, A. Koyr, Cavaills,

  • Piaget, depois Althusser, Kuhn, Foucault, Suppe), emergente da dupla exploso do saber cientfico desde

    meados do sc. XIX marcada pelo evolucionismo e as teorias da relatividade (1905; 1916) e dos debates

    intensos, em sede gnosiolgica e da teoria da cincia, do materialismo monista ao positivismo lgico, do

    estruturalismo e marxismo restituio kantiana e s filosofias da Existenz. Tudo isto caracterizou tambm

    o crescente interesse das cincias sociais, mormente dos estudos humansticos e filosficos, pelas

    proposies cientficas e pela historicidade dos seus prprios fundamentos, conceitos e concluses, num

    longo debate que simetrizava verdade e progresso cientfico, reacendendo a aporia filosfica do devir e

    do passado humano e melhor estimulando, nessa interrogao, os estudos historiogrficos. Como se

    sumaria no local adequado a histria da cultura, tal como Carvalho metodicamente a entendeu e construiu

    (Bildung), s se possibilitaria na mais larga viso filosfica que disciplinasse numa racionalidade

    hermenutica os diversos campos do saber da histria da cincia histria da literatura e histria da

    filosofia e da a exigente instncia em que constitua uma historiografia qual respostas sectoriais dos

    diversos campos do saber eram essenciais mas assim, per si, insuficientes. A vastssima erudio,

    maneira documentalista e bibliolgica de J. P. Ribeiro e Herculano, a verificao do contributo filolgico, na

    herana de Carolina Michallis, a lio das fontes e seu exame minucioso na linha da escola metdica, a

    sagesse crtica, a episteme autoconstrutiva, se o saber criao e inveno humana, fizeram de Carvalho o

    representante universitrio de uma qualidade ento em vias de extino nas escolas a do clerc, sbio que

    no se sacrifica na ara pblica politique dabord e que arca o rasgo de independncia mental e tica

    contra sopros vrios dos ventos totalitrios e mars ditatoriais que assolavam a Europa post 1917-1922.

    Pioneiro inegvel da Histria das ideias, ao gizar a confederao dos estudos culturais sob a gide

    historiogrfica e ao reforar a base filosfica que lhe escora o pensamento, Carvalho exige a episteme

    correlacional e global para a fenomenologia da cultura sem a qual qualquer esforo parcelar e parcial. Sob

    o seu influxo em Coimbra, e sua revelia, se nutriu o ensasmo de E. Loureno e o magistrio de Slvio

    Lima; em Teoria da Histria, este ir testificar a aptido relacional e racional de interpretao, na sua

    capacidade tradutora de uma arquitetura mental (Hegel). No expulsando o idealismo analtico, Lima

    condiciona o saber do passado s mediaes projetivas de uma razo histrica diltheyana na qual

    histrico j o campo restrito que permite a apreenso do esprito, autoconhecimento da razo

    investigado no domnio da histria da ideias, quanto terreno mesmo onde o raisonner, processo de

    pensamentos, se legitima na sua inteligncia ideadora, assim subtrado substancializao da cultura e a

    culturalismos de diverso cariz que convergiam na sombra da tutela repressiva (. Ribeiro, A. Quadros, A. J.

    Brito) e recusando a sua abusiva entificao. Criador de fundas pginas de original e inovadora histria

    das ideias, caso maior de O Amor Mstico, exegese que cruza a histria das religies com a psicanlise e a

    lio compreensivista e Hermenutica, no a explorou na metdica para antes formular teoricamente o

    modelo analtico.

    Sob o magistrio filosfico de Vieira de Almeida em Lisboa, que no explorou o trilho emprico do estudo

    cultural mas o da teoria da histria, e a influncia ensastica de Srgio, a investigao historiogrfica foi

    impulsionada por uma gerao notvel que desbravou a pesquisa da cultura portuguesa. Vitorino

  • Magalhes Godinho (1918-2011), enveredando pela histria social e econmica, deixou ensaios e pistas

    para novas perspetivas (demografia e criao cultural, comparativismo, histria da historiografia) muito teis

    historiografia da cultura, sobretudo pela solicitao da sociologia que parecia embargada; Antnio Jos

    Saraiva (1917-1993) faz o giro de acesso histria da cultura vindo da literatura e dos estudos

    humansticos (F. Figueiredo, Hernni Cidade, R. Lapa, mesmo banido): contguo a teses marxianas,

    arguidas em crescendo dada a negatividade conferida por Marx instncia ideolgica e a base

    economicista que o materialismo dialtico postulava, no promio a Para a Histria da Cultura em Portugal (II

    vols., 1946-1961) denuncia corajosamente no eclipse da liberdade a ausncia liminar das condies

    culturais para a investigao da histria da cultura e a destituio universitria do livre munus formativo,

    crtico e esclarecedor do estudo de uma cultura que vive desde o sc. XVI de uma srie de irrupes

    descontnuas sem linha directriz interna: a Universidade est destinada a ser ultrapassada pelos

    acontecimentos. J hoje uma pequena ilha resistindo nova ordem das coisas e nova ordem da cultura

    correspondente para a qual ela no est preparada pois se em Portugal se nega a cultura, as suas

    Faculdades de Letras so viveiros de peixes cujo destino ser a morte ao ar livre, problema que no

    dissocia na vasta bibliografia (Histria da Cultura em Portugal, III vols., 1950-62; Herculano e o Liberalismo

    em Portugal, 1949, A tertlia Ocidental,1995, reviso funda das suas prprias teses dos anos 40 a 60) cujo

    melhor situao analtica se opera na Correspondncia (2004) de e para scar Lopes. O heterodoxo

    percurso do apstata do socialismo real (de Dicionrio Crtico, 1960, a Maio e a Crise da Civilizao

    Burguesa; 1969-70), assinala-se na ltima fase vincada tendncia para a semente da subjetividade,

    gnosticismo e misticismo no qual o sujeito antropolgico irrompe como pobre buscador do absoluto

    (Histria e Utopia, 1991; O que a cultura?, 1993; 2003: O homem apenas substituiu a palavra Deus pela

    palavra natureza, pela palavra razo), viso que o acerca do paradoxal profetismo de Agostinho da Silva

    (1906-1994), autor de marcantes leituras a partir do locus pessoano, Um Fernando Pessoa (1959), Reflexo

    margem da literatura portuguesa (1958) que, aps textos e edies crticas de Gaspar Simes, Jorge de

    Sena, A. Casais Monteiro, e antes de J. do Prado Coelho, G. Rudolf Lind, dialoga na hermenutica

    essencialmente nova que E. Loureno elege (1973; 1983, 1986) no poeta de Mensagem e heternimos. O

    achamento exegtico de F. Pessoa, que a Presena (1927-40) veiculara com difcil visibilidade e pblica

    adversidade, uma das grandes tarefas a que a renovao crtica e ensastica e especialistas da literatura

    deitaram mos (M. Aliete Galhoz, L. R. Guyer, E. Prado Coelho, T. Rita Lopes, R. Zenith, M. P. da Silva,

    Silvina R. Lopes) concorrendo a viso da filosofia da linguagem e da filosofia mesma (R. Jakobson, 1973,

    G. Deleuze, J. Gil, 1999) e livrando o poeta do anonimato a que parecia condenado, alvo platnico do fogo-

    cruzado aristotlico entre o nacionalismo pragmtico e o internacionalismo realista.

    Tambm para a nova cena, sob o ponto de vista da histria da cultura, influiu Joel Serro (1919-2008), em edies comentadas de Pessoa (Cartas (.) a Armando Cortes Rodrigues, 1945; Portugal Introduo ao

    problema nacional, 1978, Da Repblica. 1910-1935, 1979; Ultimatum e pginas de Sociologia Poltica,

    1980) e ensaios (F. P. Cidado do imaginrio, 1981). A posio singular que ocupa na historiografia da

    cultura contempornea, na segunda metade do sc. XX, decorre das abordagens sociolgicas da cultura,

  • literria includa (aps um perodo ligado histria econmica e tcnica) que ensaia em Temas de Cultura

    Portuguesa (II vols, 1960-65 e Temas Oitocentistas (II vols, 1959-62) cujo plano metodolgico comea aqui

    a ser explorado (Para a histria cultural do sculo XIX portugus) no propsito do estudo antinmico dos

    grupos sociais, isso mesmo: rotina e inovao na ferramenta do trabalho quotidiano; no suporte lgico

    do pensamento; na linguagem que o exprime; nas reaes afetivas e conflitos peculiares; na ao e na

    passividade; nas ideias, nos sentimentos, no querer, no agir; nas correntes ideolgicas (sobrevivncias do

    passado, necessidades do presente, aspiraes do futuro) (I, p. 45). A orientao e colaborao no referido

    DHP, as sondagens sobre temas eleitos, a Cesrio Verde (1955, 1957; 1964); Sampaio Bruno (1960);

    Antero e a runa do seu programa. 1871-1875 (1988, ressonncia ainda gurvitchiana da leitura de

    Proudhon), alargando o pendor do ensaio diacrnico de conceitos e ideias-fora, como o relativismo crtico

    indicara (Do sebastianismo ao socialismo, 1983), e da histria das ideias (Da Regenerao Repblica,

    1990), acentuou-se numa historiografia que no perdeu o sentido ensastico e o veio dialtico contra

    assertivas ilaes que tendem a fixar doutrina e, mesmo se no o afirmem, a bloquear a crtica. A histria

    da cultura assim instvel terreno de migraes e deslocaes de objetos analticos. Jos-Augusto Frana (n. 1922) vem da arte e da literatura, como praxis e crtica em estudos apurados, para a englobante viso

    da cultura fixando em Os Anos Vinte em Portugal (1992), para alm do prprio repositrio da escritura vivida

    (Memrias para o sculo XXI, 2000), o olhar onde se cruzam veculos conceptuais, a egohistria e o olhar

    analtico do historiador, sem se atropelarem; indo na busca dos factos socioculturais que desde O

    Romantismo em Portugal (1973; 1993) perseguia: o seu Z Povinho (1975) resiste no plano historiogrfico

    com a plstica robustez de Bordalo. Joaquim Barradas de Carvalho (1920-80), cujo interesse pela histria

    da cincia (Esmeraldo in Situ orbis de Duarte Pacheco, 1961; 1991; As invenes tcnicas e a histria da

    Humanidade, s. d.) no descurou a correlao com a cultura Moderna (Portugal e as origens do

    pensamento Moderno, 1980; O Renascimento Portugus, 1981), explora uma anlise sociolgica da cultura que mais o aproxima de Vtor de S (1921-2003), um grande animador do Centro de Histria da

    Universidade do Porto, em quem certa influncia de J. Carvalho se detm no campo metdico que no no

    interpretativo (aps Amorim Viana e Proudhon, 1960), menos de scar Lopes, atento relativa emancipao superestrutural, quando se coteja, caso mais claro, o Antero de Quental (2 ed., 1977) de

    S com o seu Antero de Quental. Vida e legado de uma Utopia (1983). Maria Helena da Rocha Pereira (n. 1925), no sondando a historiografia dura, nas notveis lies (Estudos de Histria da Cultura Clssica, I e

    II), antologias e tradues, finca singular plano para o estudo da cultura clssica, moderna e contempornea

    (da sbias evases em Cames e Pessoa), exigindo um ensino que curricularmente no degrade os

    estudos humansticos, e neles a larga viso cultural que qualquer historiografia carece.

    J. S. Silva Dias (1916-1994) primeiro em Coimbra (1958-79) depois na Universidade Nova de Lisboa

    (FCSH, 1980-86, onde fundaria a revista Cultura Histria e Filosofia), tendeu a ler na histria da cultura a

    histria das ideias, i e., dos grandes movimentos ideolgicos (polticos, religiosos, filosficos, artsticos) em

    analogia ou afinidade com a historiografia filosfica e cultural germnica que, doutro lado, L. Fbvre iniciara

    no estudo monumental de Lutero. Em rigor, coube-lhe em Coimbra iniciar disciplinas, facultadas na reforma

  • universitria de 1957, que pela primeira vez, embora o magistrio de J. Carvalho introduzisse a via, visavam

    a autonomia metodolgica e epistmica, em sede historiogrfica, da histria da cultura (Histria da Cultura

    Portuguesa, Histria da Cultura Moderna; Seminrio de Cultura Portuguesa), projeto que, aps o 25 de abril

    de 1974, lhe possibilitaria fundar e consolidar o Instituto de Histria e Teoria das Ideias (FLUC) e a influente

    Revista de Histria das Ideias (1977), hoje sob direo de F. Catroga. Prximo na juventude das doutrinas

    integristas e integralistas (Escndalo da Verdade; 1943, O problema da Europa, 1945; Humanismo social, 1949),

    Silva Dias da recolha sistemtica de fontes coligiu em Portugal e a Cultura Europeia. Sculos XVI a XVIII

    (1952) vasto material que indiciava j uma das obras de referncia, Correntes do sentimento religioso em

    Portugal. Sculos XVI a XVII (II ts., 1960) cuja ausncia do II vol., no editado, no diminui a viso epocal e

    global ordenada s atitudes e pensamento e das expresses vitais da sensibilidade religiosa, em face dos

    problemas da vivncia e da concepo do Cristianismo nas suas relaes com a realizao do destino do

    homem no Cosmos e suas projees espirituais num ciclo dado de cultura (ib., X). Daqui que a funo

    desambiguadora de A Poltica Cultural da poca de D. Joo III, 1969, Os Descobrimentos e a Problemtica

    cultural do sculo XVI, 1973, O Erasmismo e a Inquisio em Portugal, 1975, se bipolarizassem no corolrio

    semntico sacralizao / dessacralizao (leiam-se Pombalismo e Projeto Poltico, 1984, ou Os Primrdios

    da Maonaria Portuguesa, 1980, de colaborao com Graa Silva Dias) que norteou uma investigao com

    vivo rasto em Coimbra (cf. O Sagrado e o Profano, RHI, 1986 e 87) e Lisboa (na histria das ideias polticas,

    J. Esteves Pereira, Z. Osrio de Castro, esta crescentemente atrada pela histria das ideias no feminino).

    No esforo dessa desambiguao historiogrfica ser representante maior, mas j a partir da dcada de

    setenta, Fernando Catroga, que eleger Morte-Memria-Dessacralizao como o fulcro da sua histria

    cultural.

    Bibliografia: AAVV, Revistas, ideias e doutrinas. Leituras do pensamento contemporneo (ed. Z. Osrio de Castro) Lisboa, Livros Horizonte, 2001; AAVV, Existe uma cultura portuguesa? (coord. A. Santos Silva &

    V. Oliveira Jorge), Porto, Afrontamento, 1993; ARCHER, Paulo, Para uma arqueologia do conceito de

    cultura, Inequaes do tempo verdadeiro (disperses sobre o efmero), Tomar, O Contador de Histrias, c.

    Hmus, n. 4, 2006, pp. 23-48; CARVALHO, Joaquim de, Evoluo da historiografia filosfica em

    Portugal, Obra Completa, 2 ed., Lisboa, F. C. Gulbenkian, 1992, pp. 121-153; CATROGA, Fernando, A

    Historiografia de Oliveira Martins, Separata Revista da Universidade de Coimbra, 2001; CATROGA, F. &

    ARCHER, P., Sociedade e cultura portuguesas, II, Lisboa, Universidade Aberta, 1996; ELIAS, Norbert, El

    Proceso de la Civilizacin. Investigaciones sociogenticas y psicogenticas, Mxico, Fondo de Cultura

    Econmica, 1987; Idem, Teoria Simblica, Lisboa, Celta, 1994; HUNT, Lynn (ed.), A nova histria cultural,

    S. Paulo, Martins Fontes, 1993; KANT, I., Ideas para una historia universal (.) y outros escritos (.), Madrid,

    Tecnos, 1994; LEACH, Edmund, Cultura / Culturas e Natureza / Cultura, Enciclopdia Einaudi, vol. 5

    Anthropos / Homem, Lisboa, IN-CM, 1985; LIMA, Joo T. Pedroso de, Existncia e filosofia: o ensasmo de

    Eduardo Loureno, Porto, Campo das Letras-Iberografias, 2008; MARTINS, J. P. de Oliveira Notas sobre a

    historiografia portuguesa, Histria de Portugal, 4 ed., t. II, Lisboa, P. A. M. Pereira, 1920, pp. 320-329;

  • MATOS, Srgio Campos, Histria, mitologia, imaginrio nacional, Lisboa, Livros Horizonte 1990; Idem,

    Historiografia e memria nacional no Portugal do sculo XIX (1846-1898), Lisboa, Lisboa, Colibri, 1998;

    MATTOSO, Jos, A Identidade nacional, Lisboa, Gradiva, 1998; MAURCIO, Carlos, Histria, Dicionrio

    de Histria de Portugal, vol. VIII, [s.l.], Livraria Figueirinhas, 1999, pp. 172-77; ROSMANINHO, Nuno, A

    Historiografia artstica portuguesa (1846-1993), Coimbra, FLUC, 1993; SALA, Javier San Martin, Teoria de

    la Cultura, Madrid, Editorial Sintesis, Filosofia, 1999; SANTOS, Boaventura Sousa, 11/ 92 (Onze teses por

    ocasio de mais uma descoberta de Portugal), Via Latina, Coimbra, AAC, V-1991, pp. 58-64; Saraiva.

    Antnio Jos, O que a Cultura? , Lisboa, Gradiva, 1994; SERRO, Joel, Historiografia. Na poca

    contempornea, Dicionrio de Histria de Portugal, VI, Porto, Figueirinhas, 1999, pp. 437-446; TORGAL, L.

    R., MENDES, J. M. A. & CATROGA, F., Histria da Histria em Portugal (scs. XIX-XX), [Lisboa], Crculo de

    Leitores, 1996.

    Paulo Archer de Carvalho

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