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  • .,'

    ISAAC ILICH RUBIN

    .I f{'--/

    HISTRIA DOPENSAMENTO ECONMICO

    Traduo para o ingls e organizao

    Donald Filtzer

    Traduo para o portugus

    Rubens Enderle

    Reviso tcnica

    Maria Mello de Malta e Rodrigo CasteloUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO Di: JANEIRO

    Reitor Carlos An:~.io Levi de. Conceio

    \fie,-reitor Antnio Jos Ledo Alves da Cunha

    Co"rclmador da Fr,,", Carlos Bernar co Vainer

    de Ci(l!cia e Culturai,I,II

    Iij

    I

    Apresentao

    Joo Antonio de Paula e Hugo Eduardo A. da Gama CerqueiraEDITORA UFRj

    Dir,tor i'.lichel Misse

    Dretora adj!mta Fernanda Ribeiro

    COi/51I:,O editor;,,1 Eduardo Vivelros de CastroHeloisa BU2~Ge de Hollanda

    Norma Cr.es

    Posfcio edio inglesa

    Catherine Colliot-Thlene

    Renato Lessa

    Roberto Le-i:EDITORA UFRJ

    2014

  • Captulo ~

    A ERA DO CAPITAL MERCANTIL

    A era do capital mercantil (ou capitalismo prirnevo) abrange os sculos'VI e XVII, rendo sido uma era de enormes transformaes na vida econmicada Europa Ocidental, com o desenvolvimento extensivo do comrcio martimo e

    o predomnio do capital comercial. '~

    A economia da Idade Mdia tardia (do sculo XII ao sculo XV) pode sercaracterizada CODO uma economia citadina ou regional.Cada centro urbano, jun-tamente com o distrito agrcola em seu entorno, formava uma regio econmica

    nica, no interior da qual ocorriam todas as trocas entre a cidade e o campo.

    Uma poro substancial daquilo que os camponeses produziam era destinada a

    seu prprio consumo, Uma parte adicional era entregue como talha ao senhor

    feudal, e o pouco que restava era levado cidade mais prxima para ser vendidonos dias de mercado. Todo o dinheiro recebido se destinava aquisio de bensproduzidos por arresos urbanos (bens txteis, metlicos, etc.). O senhor feudal

    recebia a talha - estabelecida pelo costume - dos servos camponeses que viviam

    em suas propriedades. Alm disso, ele tambm recebia o produto da lavoura do

    manso senhoria], cujas terras eram trabalhadas por esses mesmos camponeses, que

    assim prestavarr:: seu trabalho compulsrio (a corveia). Uma grande parte dessesprodutos era destinada ao prprio consumo do senhor feudal ou de seus inumer-

    veis servos e conselheiros domsticos. Tudo o que sobrava era vendido na cidade,

    de modo que as receitas obtidas podiam ser usadas para comprar, sejam artigos

    confeccionados por artesos locais, sejam mercadorias de luxo rrazidas por mer-

    cadores vindos ce pases longnquos, principalmente do Oriente. Assim, o que

    distinguia a economia rural feudal era seu carter predominantemente natural eo fraco desenvo.: .imento da troca monetria.

  • o />.1E R C A N T I L I S 1.1 C SEU DECLiNIO

    Enquanto a economia rural era organizada em torno do manso senhorial,indstria das cidades se organizava em guildas, onde a produo era realizadaJ[ mestres artesos. Cada mestre possua as ferramentas e instrumentos: neces-

    ;.irios para sua atividade e trabalhava pessoalmente em sua prpria oficina cem

    1. ajuda d um pequeno nmero de assistentes e aprendizes. Seus produtos'anto podiam ser feitos por encomenda de consumidores individuais quanto

    .nantidos em estoque para serem vendidos a habitantes locais ou a camponeses

    que viajavam at o mercado. Como o mercado local era limitado, o arteso sabia

    de anrerno o volume da demanda por seu produto, ao mesmo tempo que a

    tcnica primria, esttica da produo arresanal, o permitia adequar o volume da

    produo exatamente quilo que o mercado poderia suportar. Todos os artesos

    de cada profisso pertenciam a uma nica corporao - gulJ.4 -, cujas regrasestritas lhes permitiam regular a produo e tomar qualquer medida necessria

    para eliminar a concorrncia - seja entre os mestres individuais de uma guildadeterminada, seja entre pessoas que no eram membros da guilda. Esse direito

    a um monoplio sobre a produo e a venda no mbito de uma dada regio

    era concedido apenas aos membros da guilda vinculados por suas regras estritas:

    nenhum mestre podia expandir arbitrariamente sua produo ou admitir assisten-

    tes ou aprendizes em nmero maiordo que aquele definido estaturariarnente. Ele

    era obrigado' a preparar produtos d~ uma determinada qualidade e a vend-los

    apen,lS a um p[eo estabelecido. A eliminao da concorrncia significava que os

    arresos podiam comercializar suas mercadorias a preos altos e, assim, garantir

    para si uma existncia relativamente prspera, no obstanre o volume limitado de

    suas vendas.

    No final da Idade Mdia, j se apreselt::avam sinais de que a economia

    regional ou citadina que acabamos de descrever estava em fose de declnio. Porm,foi apenas na poca do capital mercantil (sculos XV1 e :\.'\'1I) que se consolidou

    e difundiu a quebra da velha economia regional e a transio a uma economia

    nacional mais ampla. Como vimos, a economia regional era baseada numa com-

    binao do manso senhorial rural com as guildas urbanas; orranro. a desinrezra-. t>o j~;economia regiomi s podia ocorrer com a decomposio desses dois ele-

    mcnros. Em ambos os G150S, sua decomposio se deu por um mesmo conjunto de

    causas bsicas: o rpido desenvolvimento de UI1)aeconomia monetria, a expansodo '-::rcado e a fora crescente do capital mercantil.

    Com o fim das Cruzadas na Idade Mdia tardia, o comrcio se expandiu

    entre os pases da Europa Ocidental e o Oriente (o comrcio com o Levante). Os

    A ER'A DO CAP1TAL ""~RCANTIL 41

    pases europeus adquiriram, primeiramente, matrias-primas dos pases tropicais

    (especiarias, tinturas, perfumes) e,' num segundo momento, bens acabados pro-

    venientes das indstrias arresanais alrarnente desenvolvidas do Oriente (seda etecidos de algodo, veludo, tapetes, etc.). Tais artigos de luxo, importados para

    a Europa de to longe, eram muito requisitados e comprados predominante-

    mente pela aristocracia feudal. Em sua maior parte, eram as cidades comerciais

    italianas - Veneza e Gnova - que estabeleciam esse comrcio com o Oriente,

    'despachando suas frotas pele .Mediterrneo at Constantinopla, sia Menor e

    Egito, onde compravam mercadorias orientais que eram, em grande parte, for-

    necidas pela ndia. Da Itlia, tais mercadorias eram transportadas a outros paseseuropeus, seja nos comboios comerciais desses mesmos comerciantes italianos,

    seja por via terrestre, em direo ao norte, passando pelas cidades do sul da

    Alemanha (Nuremberg, Augsburg e outras) at chegar s cidades da Alemanha do

    Norte, que haviam se constitudo na Liaa Hansetica e controlavam o comrcio,

    no Bltico e no Mar do Norte.

    As conquistas militares dos turcos no sculo 'XV privaram os italianos de

    seu contato direto com os pases do Oriente. Mas o entusiasmo juvenil dos inte-

    resses do capital comercial demandava a expanso de uma fonte muito lucrativa

    de comrcio, o que levou a Europa a uma intensa procura por rotas ocenicas

    diretas para a ndia - esforos que foram coroados com o mais pleno sucesso.

    Em 1498, o porrugus Vasco da Gama contornou a extremidade sul da frica e

    inaugurou, com isso, uma rota direta para a ndia. Antes, em 1492,Colombo,

    cu}a expedio espanhola tambm estava procura de um caminho direto para

    a India, descobrira acidentalmente a Amrica. Apartir desse momento, o antigo

    comrcio com o Oriente, passando pelo Mediterrneo, deu lugar a um comrcio

    ocenico em duas direes: para o Leste, rumo ndia, e para o Oeste, rumo A""mrica.A hegemonia comercial internacional passou das mos das cidadesitalianas e hnseticas para aqueles pases situados ao longo do Oceano Atlntico:

    '. primeiramente, Espanhn e Portugal; depois, Holanda; e, por fim, Inglaterra.O comrcio colonial trouxe enormes lucros aos mercadores europeus e

    , permitiu-lhes acumular considerveis capitais monetrios, adquirindo matrias--primas coloniais a preos irrisrios e vendendo-as na Europa a um preo muito

    maior. O comrcio colonial era mo noplico: cada governo tentaY~_ estabelecer omonoplio do comrcio com suas prprias colnias, bloqueando aos navios e co-

    . ' l

    mefCIames estrangeirds o acesso a elas. Assim, as riquezas das colnias america-

    nas, por exemplo, s' podiam ser exportadas para a Espanha, do mesmo modo

    ,-:

  • 42 o ~.i E. R C A N T I L I S M O _ SEU O E C L r N I oA: E R A o o C A P I T A L M =. R C A N TIL 43f!

    I;1

    1I

    "

    como apenas os mercadores espanhis tinham o direito de suprir essas colnias

    com mercadorias europias. Os ponugueses fizeram exatamente o mesmo com

    a ndia, assim como os holandeses, depois de terem expulsado os ponugueses

    daquela pane do mundo. Os holandeses confiaram sel,l comrcio com a ndia Companhia Holandesa das ndias Orientais, uma companhia de capital abertoespecial, criada em 1602, que possua o monoplio do comrcio nessa rea."Companhias" similares (isro , companhias de capital aberto) foram fundadas

    por franceses e ingleses, e a cada uma foi conferido o monoplio comercial com

    suas respectivas colnias. Foi com base na rica experincia dessas sociedades que,

    mais tarde, desen~olveu-se a Companhia Inglesa das ndias Orientais, fundada

    em 1600,

    Como uma consequncia do comrcio colonial, enormes quantidades de

    metais preciosos (prlncipalrnenre prata, num primeiro momento) eram embarca-

    das para a Europa, aumentando. assim, a quanridade de moeda em circulao.

    Na Amrica (f'..fxico, Peru), os europeus descobriram enormes minas de prata

    que podiam ser exploradas com muito menos trabalho do que o empregado nas

    pobres e esgotadas minas da Europa, No auge desse processo, a metade do sculo

    XVI assistiu introduo de uma melhoria significativa da tecnologia da extraoda prata - a amalgamao da prata com mercrio -, e a Europa foi inundada com

    enormes quantidades de prata e ouro baratos vindos da Amrica. Seu primeiro

    pomo de chegada foi a Espanha, de posse das colnias americanas. Mas toda essa

    riqueza no permanecia l: atrasada, a Espanha feudal era obrigada a adquirir

    bens industriais, ramo para seu consumo prprio corno para exportao. E foi

    assim que a balana comercial negativa da Espanha resulrou numa evaso de seus

    metais preciosos para rodos os pases da Europa, sendo as maiores quantidades

    acumuladas na Holanda e na Inglaterra, naes erri.que o desenvolvimento do

    capital mercantil e industrial estava mais avanado,

    Se o comrcio com as colnias proporcionou uma fluncia de metais

    preciosos na Europa, tal fluncia trouxe consigo, por sua vez, um aumento nas

    trocas comerciais e o estabelecimento de uma economia monetria. Somente

    durante o sculo XVI os esroques de metais preciosos na Europa mais elo quetriplicaram. Tal aumento na massa. de metais preciosos, cujo valor havia cado

    como consequncia da maior facilidade com que agora podiam ser extrados,

    produziu inevitavelmente um aumento geral dos preos. De faro, a Europa do

    sculo XVI vivenciou uma "revoluo no preo". Todos os preos duplicaram outriplicaram em mdia, mas por vezes mais do que isso. Assim, na ~nglaterra, por

    exemplo, o preo do trigo, que por muit6s sculos mantivera uma constante de

    5 a 6 xelins por quarto, alcanou o preo de 22 xelins em 1)74 e 40 xelins nofinal elo mesmo sculo. Embora tambm tivessem aumentado, os salrios perma-

    neceram consideravelrnenre atrs doaumento dos preos: enquanto as provises

    haviam se tornado duas vezes mais caras (isto , seus preos haviam aumentado

    em 100%), o aumento percentual nos salrios no ultrapassara 30% a 40%.No final elo sculo XVII, os salrios reais haviam cado para aproximadamente

    a metade de seu valor no comeo do sculo XVI. O rpido enriquecimento daburguesia comercia! nos sculos XVI e XVII foi acompanhado de um drsticodeclnio no pairo de vida das classes mais baixas da populao: os camponeses, os

    artesdos e os operrios. O empobrecimento dos camponeses e dos arresos apareceucomo um resultado inevitvel da dissoluo da ordem feudal no campo e das

    guildas nas cidades.

    O crescimento da economia monetria aumentou a demanda dos senhores

    feudais por dinheiro e, ao mesmo tempo, abriu a possibilidade de formao deum extenso mercado de produtos agrcolas. Os senhores feudais das naes co-

    ~erciais mais avanadas (Inglaterra e Itlia) comearam a substituir as obrigaes

    in natura de seus camponeses por uma talha em dinheiro." Os servos campone-ses, cujas obrigaes prvias haviam sido fixadas por um costume de longa data,

    foram gradualmente transformados em livres arrendatrios que exploravam a

    terra com permisso do senhor feudal, Embora tivessem adquirido sua liberdade,

    sua incorporao, a renda mostrou-se um pesado fardo com o passar do tempo.

    Frequentemente o senhor feudal preferia arrendar sua terra no para pequenos,

    mas para grarrdes camponeses, prsperos fazendeiros que possuam recursos para

    realizar melhorias em suas propriedades. Era comum que os senhores rurais in-

    gleses do final do sculo XV e incio do sculo XVI expulsassem de suas terras os

    pequenos camponeses-arrendatrios e "cercassem" as terras cornunais que os cam-

    poneses haviam usado para a criao de gado, uma vez que essas reas - agora

    livres - podiam ser mais bem utiiizadas na criao de ovelhas. medida que asmanufaturas txteis inglesas e flamengas aumentavam sua demanda por l, os

    preos subiam e a criao de ovelhas se tornava um negcio mais rentvel do que

    Nos pases arrasados da Europa (Alemanha, Rssia), o crescimento das trocas monetriaslevou a um desenvolvimento cornpletarnente diferente: os senhores feudais passaram seuscamponeses para um sistema de correia e expandiram a rea sujeita a esse tipo de lavoura.Desse modo,' podiam obter uma quantidade maior de gros par3. a venda.

  • o 1./0 E R C A l-l T I L I S M O E SEU O E C L i N 1 O

    a agricultura. "As ovelhas devoram os prprios homens", disse Thornas More no

    sculo TV1.1 Ou, como escreveu um contemporneo seu:

    Homens de bem no consideram um crime expulsar as pobres pessoas de suas pro-

    priedades. Ao contrrio, insistem que a terra pertence a eles e arrancam os pobres

    de seus abrigos, como se fossem vira-latas. Na Inglaterra, milhares de pessoas,

    antes decentes proprietrios domsticos, andam agora mendigando, cambaleando

    de porta em porta.

    No campo, a ordem feudal estava em processo de decomposio; na cidade,

    o crescimento do capital mercantil causava um simultneo declinio das guildas.O pequeno arteso s podia presen'ar sua independncia enquamo produzia

    para o mercado local e realizava suas trocas entre a cidade e seus arredores mais

    imediatos. Mas, paralelamente ao crescimento do comrcio internacional, ocorria

    tambm o desenvolvimento do comrcio entre as diferentes regies e cidades de

    um mesmo pas. Cenas cidades se especializavam na manufatura de itens particu-

    lares (por exemplo, produtos rxteis e armamentos), que eram produzidos numa

    quantidade grande demais para que sua venda se limitasse apenas a uma regio

    delimitada; da a necessidade de buscar mercados no exterior. Isso valia particular-mente para a indstria txtil, que comeara a florescer nas cidades da Itlia e deFlandres (e, mais tarde, na Ingla,erra) no final da Idade l\fdia. J nessa poca, o

    mestre recelo no podia mais depender do consumo imediato do mercado local

    e tinha, assim, de vender suas peas a um intermedirio, que rransportava grandes

    cargas de mercadoria s reas em que existia demanda. O comprador ocupava,azora uma posico intermediria entre o consumidor e o produtor, estabelecendo",' ,gradualmente sua dominao sobre este ltimo. Inicialmente, ele comprava do

    arteso esroques individuais de mercadorias apenas ocasionalmeme; mais tarde,

    passou a comprar rudo o que ele produzia. Com o passar do tempo, comeou

    a dar ao arteso um adiantamento em dinheiro e, por fim, acabou por fornecer

    ele mesmo as matrias-primas (por exemplo, linha ou l) aos artcsos (fiandei-

    IOS, teceles erc.), a quem ele pagava, ento, uma remunerao por seu trabalho.

    A partir desse momento, o arteso independente COlweneu-se num trabalhadormanual dependente, e o mercador, num mercador-empreendedor [b:!)-eJ" up-putteroutJ. Nesse sentido, o mercador capitalista, retirando-se da esfera do comrcio,passava a atuar, a seu modo, no processo produtivo, organizando e controlando

    A ERA DO CAPITAL MERCAf./TIL 45

    a produo de um grande nmero de arresos que trabalhavam em suas prprias

    casas. As guildas independentes, que haviam dominado a economia das cidades

    no final da Idade Mdia, deram lugar, nos sculos XVI e 'V1I, ao rpido cres-

    cimento da indstria caseira (o assim chamado sistema domstico da indstriacapitalista). Esta realizou um rpido progresso naqueles ramos da produo, tais

    como a manufatura txtil, que produzia para mercados especficos ou para expor-

    tao para outros pases.Camponeses arrancados de suas terras e artesos arruinados engrossavam

    as j numerosas fileiras de mendigos e vagabundos. As medidas adotadas pelo

    Estado contra a vagabundagem eram duras: vagabundos saudveis eram aoitados

    ou tinham o peito queimado com ferro em brasa, e vadios persistentes estavam

    sujeitos execuo. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se por lei o salrio mximo

    que podia ser pago aos trabalhadores. As medidas brutais contra a vagabundagem

    e as leis determinando o valor mximo dos salrios foram tentativas dos governos

    da poca de converter esses elementos sociais desclassificados numa classe disci-

    plinada e obediente de trabalhadores assalariados, que, por uma ninharia, ofere-

    ceriam seu trabalho a um jovem e crescente capitalismo.

    Assim, o que ocorreu na era do capital mercantil (os sculos 'V1 e 'V1I)

    foi a acumulao de enormes quantias de capital nas mos da burguesia comercial

    e um processo de separao dos produtores diretos (artesos e, em parte, campo-

    neses) em relao aos meios de produo - isto , a formao de uma classe de

    trabalhadores assalariados. Uma vez obtido o domnio no campo do comrcio

    exterior, a burguesia penetrou naqueles ramos da indstria voltados exporta-

    o. Os trabalhadores artesos dessas indstrias foram subordinados ao mercador-

    -empreendedor que, com a ajuda do comrcio exterior, impondo seu controle sobrea indstria caseira, proporcionou ao capitalismo celebrar suas primeiras vitrias.

    Essa transio da economia feudal para a capitalista obteve o apoio ativo

    das autoridades estatais, cuja crescente cenualizao corria paralelamente foracada vez maior do capital mercantil. A burguesia comercial sofreu intensamente

    nas mos do antiquado regime feudal: primeiramente, porque a fragmenrao

    do pas em domnios ,feudais separados tornou difceis as relaes comerciais

    entre elas (agress6es por pane dos senhores feudais e seus caYale~:'os, a coleta de

    impostos, etc.); e,.em segundo lugar, porque os direitos de acesso s cidades ,eram

    recusados aos comerciantes de outras cidades.' Para quebrar os privilgios dos

    proprietrios e das cidades, era essencial uma' monarquia fone. Mas a bu!guesia

    "

  • II i: ~

    I

    -.'

    46 A ERA DO CAPITAL MERCAN-:-Il. 47o MERCANTILISMO E SEU DECLIN10/l

    tambm precisava.de um Estado poderoso para proteger seu comrcio internacio-

    nal, conquistar colnias e lutar pela hegemonia sobre o mercado mundial. E foi

    assim que a jO\'ClU burguesia se tornou uma partidria das fones casas reais nas

    lutas destas ltimas contra os senhores feudais. A transio da cidade fechada e da

    economia regional para uma economia verdadeiramente nacional exigia a trans-

    formao da fraca monarquia b udal num Estado centralizado que contasse com

    sua prpria burocracia, exrcito e marinha. Desse modo, a era do capital mercan-

    til foi, tambm, a era da monarquia absoluta.

    Mas se a jovem burguesia apoiava a coroa, esta, por sua vez, tornava medidas

    para alimentar e desenvolver a florescente economia capitalista. Havia tanto

    razes polticas quanto econmicas e financeiras a fazer dessa aliana poltica algo

    essencial para a coroa. Em primeiro lugar, a manuteno de uma burocracia e um

    exrcito demandava gastos enormes, e somente uma rica burguesia poderia dispor

    dos meios para cobri-los com tributos, obrigaes comerciais (tarifas), emprs-timos estatais (tanto compulsrios como voluntrios) e, por fim, taxas pagas ao

    Estado em troca da concesso do direito de arrecadar impostos da populao (ta.y;

    forming). Em segundo lugar, a coroa necessitava do apoio do "terceiro Estado" (a

    burguesia) em sua luta contra os senhores feudais. Foi, portanto, durante a era do

    capitalismo mercantil que seformou uma slida aliana entre o Estado e a burguesia

    comercial, aliana que encontrou expresso na poltica mercantilista.

    A caracterstica bsica da poltica mercanrilista a de que o Estado usaativamente seus poderes para ajudar a implantar e desenvolver os incipientes

    comrcio e indstria capitalistas e, mediante o uso de medidas protecionistas,

    defende-o diligentemente da concorrncia estrangeira. Enquanto a poltica rner-

    cantilisra servia aos interesses dessas duas foras sociais, ela dependia do parceiro

    que se mostrava mais forre nessa unio - o Estado ou a burguesia mercantil -,

    assim como do que assumia maior preponderncia: o fiscal ou o econmico. Em

    sua fase de abertura, o mercahtilismo tinha, acima de tudo, de alimentar os

    objetivos fiscais de enriquecer os cofres do Estado e aumentar sua arrecadao,

    o que ele realizou submetendo a populao a um pesado fardo de impostos e

    atraindo metais preciosos para o pas (rnercantilismo primitivo ou sistema de equi-

    lbrio monetrio). Mas medida que a burguesia se tornava mais forte, o mercan-tilisrno ia se tornando progressivamente um meio de sustentao do comrcio

    e da indstria capitalistas, que ele defendia por meio do protecionismo. E aqui

    temos o mercantilismo desenvolvido, ou o sistema de equilibrio comercial.

    Nota

    1. A cita~o de Thornas More de Utopia, livro 1 fedo bras.: Thomas More, Liopia,So l~alllo: i\ larri ns Fontes, 1993). A citao imediatamente a seguir de au tor no

    identificado e rraduzida do russo.

  • r!fi

    i)

    "-.f

    Captulo 2

    CAPITAL MERCANTIL E POLTICA MERCANTILlSTANA INGLATERRA NOS SCULOS XVI E XVII

    Embora praticamente todos os pases da Europa praticassem uma poltica

    me~cantilista durante o incio do perodo capitalista, com o exemplo da Ingla-

    terra que sua evoluo pode ser traada mais claramente.Comparada a algumas outras naes europeias, tais como a Itlia e a

    Holanda, a Inglaterra foi relativamente tardia na busca por colnias e no desen-volvimento de sua indstria. No comeo do sculo XVI, ela ainda era subdesen-

    volvida na agricultura e no ~omrcio. Suas exportaes eram de matrias-primascomo, por exemplo, peles, metais, peixes e, acima de tudo, l, que era compradapelas mais desenvolvidas indstrias txteis de Flandres. Do estrangeiro chegavamartigos manufaturados, tais como tecidos Bamengos, artigos de cobre, etc. Essecomrcio importador e exportador estava fundamentalmente nas rnos de mer-cadores estrangeiros da Itlia e da Liga Hansetica. Os comerciantes hanseticospossuam un; grande fbrica! em Londres; como eram os seus navios que trans-portavam mercadorias para dentro e fora da Inglaterra, esta era impedida de de-senvolver sua prpria frota. Quando os mercadores ingleses se aventuravam nocontinente (o que no era frequente), era apenas para comprar l nas cidadesBamengas - primeiro, em Bruges, e, a partir do sculo .'Vl, na Anturpia, onde

    tinhal,? sua prpria Fbrica.Sob essas condies, inexisria lima rica classe mercante nativa, e o pas era

    pobre de capital monetrio .. O governo ingls -- ao menos at o fim do sculoXVI - via o comrcio exterior com naes mais ricas de uma pe~pectiva tunda-

    mentalmente fiscal: Tributos eram cobrados sobre a importao e a exportao,especialmente sobre a exportao de l. Toda e qualquer transao entre merca-dores ingleses e estrangeiros estava sujeita a um rgido controle estatal; primeiro,

    t

    IIIi'-, I"

  • 50 o MERCA~T!LISMO E SEU DECllNIO

    para assegurar 5!~e o tesouro receberia os impostos apropriados; segundo, para

    garantir que ne;huma soma de dinheiro seria enuiada para fora do pas. Com o

    governo sempre em situao de escassez de capital monetrio, sendo coristan-

    temente forado, seja a depreciar a 1l10ed3, seja a re~orrer a emprstimos a fim

    de manter a solvncia do tesouro, a evaso de metais preciosos era uma fonte

    de profundo temor. A exportao de ouro e prata era estritamente proibida. De

    acordo com 05 Statutes of employment, os mercadores estrangeiros que traziam

    mercadorias para a Inglaterra eram obrigados a gastar- todo o dinheiro recebidocom as vendas na compra de outras mercadorias no interior do pas. Quando

    um comerciante estrangeiro viajava para a Inglaterra, ele era posto sob o co.ntrole

    de um morador local respeitvel, que agia como seu "anfitrio". O "anfitrio"

    mantinha um olhar atento sobre todas as transaes realizadas pelo "hspede"

    e as registrava num livro especial. O "hspede" tinha um prazo mximo de oito

    meses para vender todos os seus estoques e usar suas receitas para comprar mer-

    cadorias inglesas. -Qualquer tentativa de um mercador estrangeiro de escapar do

    controle do "anfitrio" resultava em priso. Durante a segu~da metade do sculo

    xv, o sistema dos "anfitries" deu lugara um controle exercido por inspetores esupervisores especiais do governo. 2

    Mas no bastava estabelecer um embargo exportao de metais preciososda Inglaterra. Ainda era preciso atrair esses metais do estrangeiro para dentro do

    pas. Para esse fim, a lei obrigava os cornercianr s ingleses que exportavam mer-

    cadorias a repatriar uma determinada poro de suas receitas em dinheiro vivo.

    Para que o governo pudesse manter. o controle sobre as transaes estrangeiras de

    seus mercadores, ele lhes permitia exportar suas mercadorias apenas para certas

    cidades continentais (as assim chamadas stapLes).3 Por exemplo, na Inglaterra do

    incio do sculo XIV, a l s podia ser exportada para Bruges, Anturpia, Saint--Orner e LUe. Nessas staples, o governo ingls instalou oficiais encarregados de

    supervisionarem todas as transaes entre comerciantes ingleses e estrangei.r0s,

    cuidando, primeiramente, para que a quantia correta de impostos fosse paga ao

    tesouro ingles e, em segundo lugar, que uma pane das receitas arrecadadas das

    vendas de mercadorias inglesas fosse enviada de volta Inglarerra, seja em metal,seja em moeda estrangeira.

    A poltica mercantilisra primitiva era, assim, fundamemalmenre fiscaL, cujo

    objetivo principal era enriquecer o tesouro, seja diretamente, por meio da coleta de

    taxas de importao e exportao, seja indiretamente, aumentando a quantidade

    'I

    II

    1

    II,I

    CAPITAL ).'::RCANTtL E POLiTICA M='R.CANTrL1STA. 51,i,

    de metais preciosos present

  • ,") f.tl E H C A N TIL I S 1,,1 O SEU DECLiNJO

    T processada, em pane, em seu pas de origem. No sculo rV1,houve uma..;o na exportao da l crua inglesa e um forte aumento na exportao de

    .,'do ina.cabado.* Sem a l inglesa, a indstria fhmenga de tecido entrou em:lnio e, no comeo do sculo XVII, j havia cedido a liderana Inglaterra.

  • C A P I 'r A L kl E R C A N T I L POL!T1CA ,\.lERCANT1L'isTA.55

    54 o M E R C A N T ! L I S fvl O E SEU O E C L r N I o

    {seu reflexo na p.?ldca estatal. A burguesia procurou cada vezfnais estender suainfluncia sobre 0 Estado e us-lo para acelerar a transio da economia feudalpara a economia capitalista. As duas revolues inglesas do sculo :Arv11 fora;~ antida expresso das aspiraes da burguesia. De sua .p;rte, o Estado tinha uminteresse no rpido desenvolvimento do comrcio e da indstria como um meiode aumentar o seu prprio poder e de enriquecer o tesouro. E, assim, o sistemade equilbrio monetrio, aquele velho, obsoleto conjunto. de medidas restritivas,essencialmente fiscais, deu gradualmente lugar interveno estatal numa amplafreme, bem como alimentou ativamente o crescimento do comrcio capitalista, _

    dos transportes e dei indstria de exportao com o objetivo de consolidar a posioda Inglaterra no mercado mundial, eliminando seus competidores estrangeiros.

    O mercantilisrno maduro foi, acima de tudo, uma poltica de protecio-nismo, isto , o uso de polticas rarilrias p:lfa estimular o crescimento da indstrianativa. Foi o protecionismo que acelerou a transformao da Inglaterra, inicial-mente agrcola, numa nao comercial e industrial. Tarifas alfandegrias come-aram a ser usadas, para fins econmicos e fiscais. Anteriormente, por razes fiscais,

    o governo institura taxas indiscriminadamente sobre todo tipo de item de ex-ponao; agora, no entanto, o Estado comeava a diferenciar entre matrias--primas e produtos acabados. Para fornecer indstria inglesa as matrias-primasbaratas de que ela necessitava, o governo recorria elevao das taxas ou proi-bio total da exportao. Quando ocorria um aumento nos preos do cereal,nem este nem quaisquer outros produtos agrcolas podiam ser vendidos para forado pas. Por outro lado, quando era o caso de produtos acabados, o Estado en-corajava sua exportao por todos os meios possveis, isentando-os de taxas oumesmo oferecendo um subsdio para a exportao. O mesmo tipo de discrimina-o -- embora em direo inversa - era aplicado s importaes. A importao del, algodo, linho, tinturas, couro e outras matrias-primas era no apenas livrede tarifas alfandegrias, como at mesmo subsidiada ou encorajada por outrosmeios. J a importao de produtos acabados era proibida ou submetida a altastarifas. Tal poltica tarifiria significava que a indstria nativo, tinha de serprotegidaem detrimento da agricultura, que produzia matrias-primas. preciso acrescentarque, na Inglaterra, onde o capitalismo penetrara rapidamente na agricultura eonde p:lrte da classe dos senhores rurais formava um bloco com a burguesia, ogoverno se empenhava em introduzir polticas favorveis produo rural. Masna Frana, onde a agricultura ainda era feudal, a coroa (especialmente sob Colberr)

    frequentemente fazia uso de uma poltica mercantilista para atrair as burguesiasmercantil e industrial como aliadas em sua luta contra a aristocracia feudal.

    Livre da oncorrncia esrrangeira, o capital comercial e industrial ingls

    pde estabelecer um monoplio, no apenas sobre o mercado domstico, mastambm sobre as colnias. Uma lei intirulada Ato de Navegao, promulgada porCromwell em 1651, proibiu a exportao de produtos das colnias britnicasa qualquer outro pas que no a Inglaterra; do mesmo modo, mercadorias spoderiam ser entregues s colnias por comerciantes ingleses, usando navios daInglaterra ou ele suas colnias. A mesma lei estabelecia que todas as mercadoriasimportadas para a Inglaterra tinham de ser transportadas por navios ingleses oupertencentes ao pas onde as mercadorias foram produzidas. Essa ltima medidaera dirigida aos holandeses, cuja frota mercante abarcava, quela poca, uma'grande parcela dos transportes mundiais e conferira ao pas o ttulo de "carre-gadores da Europa". O Ato de Navegao desferiu um forte golpe nos transpor-tes holandeses e foi essencial para estimular o crescimento da marinha mercante

    da Inglaterra.As polticas do perodo rnercantilista posterior, implementadas para ex-

    pandir o comrcio exterior e promover o desenvolvimento dos transportes e dasindstrias orientadas exportao - desenvolvimento do qual aquele comrciodependia -, eram mais adequadas a um grau superior do desenvolvimento docapitalismo mercantil do que as polticas da primeira fase do mercari.tilismo. Emcontraste com o rnercantilismo primitivo, em que as exportaes eram limitadasa um pequeno nmero de staples, o mercamilismo desenvolvido era expanso-nista, visando mxima extenso do comrcio exterior, conquista de colniase hegemonia no mercado mundial. O mercantilismo primitivo exercia um

    rgido controle sobre roda transao comercial individual; j o mercantilismoavanado restringiu sua regulao do comrcio e da indstria (ambos cresciamrapidamente) a uma escala mais ampla, nacional. O mercantilismo primitivo

    regulava diretamente o movimento de metais preciosos para dentro e para forado pas; o mercanrilismo avanado buscou. atingir esse mesmo fim regulandoa troca de mercadorias entre o pas e outras naes. Os representantes do mer-

    cantilismo avanado no desejavam em absoluto atrair para o pas o mximovolume de metais preciosos: o Estado visava, fundamentalmenre e antes de maisnada, melhorar as condies das finanas do governo; a classe mercantil consi-derava uma grande massa de metais preciosos uma condio necessria para o

  • I';: E R C A r-< T ! L I S f.'. O SEU OECLINIO

    i, ':Jlo da evoluo comercial; e, finalmente, os senhores rurais esperavam que" abundncia de dinheiro pudesse elevar os preos da produo agrcola e

    't-,ar a, taxa de juros paga por emprstimos, Todos esses diferentes interesses

    .. : classe ajudavam a alimentar a crena mercantilista na necessidade de atrair

    .iinheiro para o pas. Mas os mercantilisras desse perodo entendiam que o fluxo

    ,:,~ entrada e sada de moeda de um pas a outro a consequncia da troca de

    -rcadorias entre e es, e que a moeda aflui para um pas quando suas exporta-

    ,~::'essuperam as importaes. E, assim, viram numa balana comercial positiva-~',irantida por uma poltica que fora a exportao de mercadorias e a reduo

    "a importao - o melhor meio de atingir um equilbrio monetrio favorvel. O

    sistema protecionista inteiro se voltava para a melhoria desse saldo comercial: ele

    limitava as importaes de bens estrangeiros e, por meio de sua poltica colonial e

    sua habilidade de prover matrias-primas e trabalhos baratos, etc., ajudava a fazer

    da indstria nativa uma fora competitiva no mercado mundial. De modo que

    a poltica mercan!ista desse perodo, distinguindo-se do "sistema de equilbrio

    monetrio" do mercantilisrno primitivo, pode ser chamada de um "sistema de

    equilbrio com creia i ",Embora essa transio do mercamilismo primitivo para o sistema baseado

    no equilbrio comercial ateste o crescimento do capital comercial e industrial,

    este ainda no era fone o suficiente para se desvencilhar da tutela do Estado e

    subsistir sem sua assistncia. A poltica rncrcantilisra andava de mos dadas com

    a regulao estatal de rodos os aspectos da vida econmica nacional. O Estado in-terferia no comrcio e na indstria com uma barreira de medidas concebidas para

    gui-Ios na direo desejada (tarifas ou proibio de importao e exportao, "subsdios, tratados comerciais, leis de navegao, etc.). Ele impunha preos fixos aserem pagos pela mo d-eobra e por artigos de subsistncia e proibia o consumo deartigos de luxo. Gaantia a determinados indivduos ou companhias comerciais o

    direito de monopl:o sobre o comrcio ou a produo industrial. Oferecia subsdiose concesses de trib.aos a empreendedores e, para estes ltimos, arregimentava doestrangeiro cxpcr.cnres mestres-artesos, .\ [ais tarde, no Gm do sculo X\!lII,essa compreensvel poltica de regulao econmica acabaria por enfrentar uma

    violenta oposio da emergente e recm-consolid:lda burguesia industrial, mas,

    durante a poca do capitalismo primitivo, quando ela c9rr:Spondia aos interesses

    da bU7guesia comercial, tal poltica encontrou apoio completo e total entre os

    idelogos daquela classe - os 711 erca 17 tilistas ,

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    , ~1!f

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    C A P I T A L I.', E R C A N T I L E P o L r T I C A M E R C A N T : L 1ST A . 57

    Notas

    IIIi

    1. As "fbricas" eram assentamentos comerciais murados, aurossuficicnres, onde mer-

    cadores estrangeiros ficavam alojados e faziam seus negcios. Muito frequentemente,

    todos os mercadores vindos de fora da cidade em questo ficavam hospedados no

    mesmo estabelecimento. Ao mesmo tempo, no entanto, elas se tornaram o pOLto de

    partida para muitas das novas associaes mercantis que iriam nascer nessa poca.

    2, Grande parte desse controle cabia aos Juizados de Paz, que tinham uma ampla gama

    de poderes para regular o comrcio, as taxas salariais, etc. em toda a extenso do pas,

    e no apenas no mbito das guildas municipais,

    3, A poltica da staple era mais do que um simples meio de canalizar e restrinzir oo

    comrcio; por proporcionar um monoplio sobre o mercado local a toda comp ...nhia

    mercantil que dele dispunha, o direito de acesso staple se tornou um objeto avida-mente cobiado na Coroa. O uso que Rubin faz do termo obscurece a verdadeira

    origem da instituio, que era um meio pelo qual cidades particulares tentavam se

    estabelecer como centros comerciais mediante sua transformao em principal "local

    de contrato" (como os italianos o chamavam) para o comrcio de vrias mercado-

    o rias. Uma vez atingido esse objetivo - como em Bruges e na Anturpia, que usaram

    I" d Ia po,Itlca a stape para se constituir em grandes centros de mercado -, o prximo

    passo era tentar usar essa concentrao para alimentar a produo e o comrcio locais,

    i1j

  • Captulo 3

    AS CARACTERSTICAS GERAIS DALITERATURA MERCl\NTILlST.A

    I';I'

    A era do capitalismo primitivo tambm assistiu ao nascimento da cinciaeconmica moderna. verdade que, entre os pensadores da Antiguidade e da IdadeMdia, podem-se encontrar reflexes sobre uma srie de questes econmicas.Mas as consideraes econmicas de filsofos amigos como Plaso ou Arisrrelesso elas mesmas um reflexo da antiga economia escravista, assim como aquelasdos escolsticos medievais refl.etiam a economia do feudalismo. Para ambas, o

    ideal econmico era uma economia autossuhciente de consumidores, em quea troca estava confinada ao excedente produzido por economias individuais evendido 'in natura. Para Aristteles, o comrcio profissional, voltado obtenodo lucro, era algo "contra a natureza"; para os escolsticos medievais, ele era"imoral". So Toms de Aquino, o conhecido escritor canoriista do sculo XIII,cita as palavras de Graciano sobre o absurdo do comrcio: "Quem quer quecompre uma coisa [...] visando obter um ganho vendendo-a tal como a comprouest entre aqueles compradores e vendedores que foram expulsos do templo doSenhor".' Assim, era com grande averso que os pensadores antigos e medievais

    viam o capital usurrio, sob cujo impacto o processo de dissoluo da economianatural se tornaria cada vez mais acelerado. Durante a segunda metade da IdadeMdia, a Igreja promulgou uma srie de decretos que aboliam a obteno de jurossobre emprstimos e ameaavam os agiotas com a excomunho.

    medida que o capitalismo se desenvolveu, essas atitudes medievais emrelao atividade econmica se tornaram obsoletas. O ideal primitivo foraa economia natural autossuhcicnte; agora, a burguesia nascente e a coroa eramtomadas por uma apaixonada sede de dinheiro. Antes, o comrcio profissional foraconsiderado um pecado; agora, o comrcio exterior era visto como aprincipalfonte

    I I

  • o 1.1 E R C A N T I L 1 S I.' O E SEU O E C L I N I O

    , riqueza da nao, e todas as medidas eram aplicadas no esforo para expandi-,). Em rempos anteriores, a cobrana de juros fora banida; agora, a necessidade'::. desenvolver o comrcio e o crescimento da economia monetria significava

    ,~ue,ou se encontravam meios para suprimir essas proibies, oua econ~lhia in-

    .eira sucumbiria com elas.As novas concepes econmicas, que correspondiam aos interesses de um

    capital emergeme e de uma burguesia comercial, encontraram seus proponentesnos mercantilistas. Essa designao aplicada a um vasto nmero de escritores dosculo XVI ao sculo XVIII que viveram nos diversos pases da Europa e trataramde remas econmicos. O volume de seus escritos enorme, embora muitos tenhamrido apenas uma importncia localizada e no sejam mais lembrados. Tampoucose pode dizer que todos os rnercantilistas tenham professado uma "teoria mercan-tilista": em primeiro lugar, porque eles no concordavam de modo algum em todas

    S questes e, em segundo lugar, porque em parte alguma de suas obras se podeencontrar uma "teoria" unificada que abarque todos os fenmenos econmicos.O carter geral da literatura rnercantilista era mais prtico do que terico, estandoela preponderantemente devorada s especficas questes que haviam surgido como desenvolvimento do capitalismo primitivo e que demandavam urgentementeuma soluo prtica. ,O cerco s terras comuns e a exportao de l; os privil-gios dos comerciantes estrangeiros e os monoplios garantidos s companhias' de

    comrcio; as proibies exportao de metais preciosos e os limites impostos staxas de juros; a estabilidade da moeda inglesa em relao s Autuaes das taxasde cmbio das moedas dos outros pases - todas essas questes eram de vital im-porrncia prtica para a burguesia mercantil inglesa da poca e constitua a preo-cupao central da literatura mercantilisra inglesa, a mais avanada na Europa.

    Assim como as prprias questes, tambm as concluses a que se chegavanos escritos mercanrilisras eram fundamentalmente prticas em sua orientao.Seus autores no eram eruditos de ctedra, divorciados da vida real e dedicados discusso de problemas tericos abstratos. Muitos deles participavam ativamentel10s negcios prticos, corno mercadores, membros de associaes e companhiasde comercio (por exemplo; a Coriipanhia.clas ndias Orientais), 011 como oficiaisde comrcio ode alfndega.Abordavam os'problemas que lhes i rreressavam, nocomo tericos buscando desvelar as leis dos fenmenos econmicos, mas comohomens prticos que tinham como objetivo influenciar o curso da vida econmicacom a reivindicao da assistncia ativa do Estado. Muitos dos escritos mercantilis-

    AS CARACTEHlsTICAS GERAIS DA LITERATURA MERCANTILISTA

    tas consistiam em panfletos militantes, defendendo' ou refutando com urgnciamedidas estatais do ponto de vista dos interesses da burguesia mercantil. Maspara poder justificar uma poltica prtica particular, eles tinham de provar queo que defendiam era uma causa de interesse da economia em geral, o que oscompelia a estabelecer o nexo causal entre diferentes fenmenos econmicos.

    E foi assim, desse modo gradual ,e hesitante, que se produziram - na forma deferramentas auxiliares na resoluo de questes relativas poltica econmica - asprimeiras manifestaes daq_uilo que viria a se tornar a cincia contemporneada economia poltica. .

    Notamos anteriormente que a poltica mercantilsta era a expresso daunio entre a Coroa e a burguesia mercantil em desenvolvimento, e que saber seo mercanrilismo assumiria um carter burocrtico ou burgus-capitalista era algoque dependia das foras relativas das duas foras sociais envolvidas nesse blocotemporrio. Em pases atrasados como a Alemanha, onde a burguesia era fraca, era

    o lado burocrtico que predominava; em pases avanados, dos quais a Inglaterraera o mais notvel, preponderava o lado capitalista. Em correspondncia a esseestado de coisas, a literatura mercantilista alem assumiu basicamente a pers-

    pectiva do oficialisrno burocrtico, ao passo que na Inglaterra ela refletia a visodo comrcio e dos negcios. Para usar a descrio altamente apropriada dada porum economista, as obras mercantilistas alems eram ~sencialmente escritas por

    oficiais e para oficiais; as inglesas, escritas por negociantes e para negociantes. Naatrasada Alel~anha, onde o sistema de guildas ainda subsistia tenazmente, deu-seum esplndido Rorescimento da literatura "cameralisra", dedicada principalmentea questes relativas ao gerencian1emp financeiro e ao controle administrativo davida econmica. J na Inglaterra surgiram, a partir de discusses sobre problemasde poltica econmica, os precursores daquelas ideias que mais tarde seriam apro-priadas e desenvolvidas pela escola clssica. Ao tratarmos da literatura rnercanri-lista, teremos sempre em mente essa escola comercial- mercantil que constitui seu

    corpo mais avanado e caracterstico. Recebendo sua mais clara formulao naInglaterra,'" ela exerceu a mais profunda influncia sobre a evoluo futura do pen-samento econmico.

    Ao ltdo das obras do mercamilismo ingls, tambm a literatura mercantilisra italiana dosculo XVI ao sculo X.'lIlI de considervel importncia, especialmente sua discussosobre a circulao monetria.

    61

  • 62I

    i

  • ....

    o fil E R C s-: t>.: T I L I S M O SEU DECLINIO

    Havia, porm, uma questo sobre a qual os interesses de arribas as classes

    . incidiarn e no mostravam o mnimo sinal de divergncia: a explorao da classe;;;;balhadora. As multides de camponeses sem-terra e de arruinados artesos, os~igabundos desclassificados e os mendigos sem-teto descartados pelo colapso da

    conomia rural e das guildas foram um objeto bem-vindo de explorao para a

    indstriaussim como para a agricultura. O limite legal estabelecido para os salriosobteve, em geral, a viva aprovao, tanto do senhor rural quanto do burgus. Os

    rnercantilistas nunca deixaram de se queixar da "indolncia" dos trabalhadores

    ou de sua falta de disciplina e baixa adaptao rotina do trabalho industrial. Seo po est barato, o operrio trabalha apenas dois dias na semana, ou o que for

    necessrio para assegurar as necessidades da vida, e o resto do tempo livre para

    diverso e embriaguez. Para faz-lo trabalhar numa base constante, sem inter-

    rupes, ele tem de ser submetido, mais do que coero estatal, ao duro Bageloda escassez e da necessidade - em suma, coero exerci da pelo alto preo doscereais. No incio do sculo XIX, a burg~esia inglesa confrontaria os propriet-

    rios rurais pela reduo do preo dos cereais e, consequenrernente, reduo do

    preo da fora de trabalho. Mas no sculo XV1I, muitos mercanrilistas ingleses

    estavam em pleno acordo com os proprietrios rurais na defesa" dos altos preos

    dos cereais como um meio de forar os trabalhadores labuta. Chegavam atmesmo afirmao paradoxal de que cereais caros tomam o trabalho barato e vice--versa, uma vez ljue o alro preo dos cereais faz o trabalhador eMpregar suaatividade um esforo maior.

    De acordo com Petry, escrevendo na segunda metade do sculo XV1I:"observado por Clorhiers, e por outros que empregam um grande nmero de

    pessoas pobres, que quando os cereais so abundantes, o trabalho dos pobres

    proporcionalmente caro e difcil de conseguir (pois so to licenciosos que

    trabalham apenas p2.ra comer ou, ..mais ainda, para beber)"." Disso se segue que

    "a lei que estabelece tais salrios [... ] deveria conceder ao trabalhador apenas o

    estritamente necessrio para viver; pois se ela lhe concede o dobro, ele trabalha

    apenas J. metade do que pcder ia ler trabalhado; o que, para o pblico, re'presema

    uma perda dos Iruros de tanto trabalho"," Para Pcuv, nao h J1J.da injusto em

    "limi(a~ os salrios dos pobres, de modo que eles no' tirem nenhuma vantagem

    de seu tempo ocioso , queiram rrabalhar".!? O pblico, na viso de Petry, rem

    de se encarregar desses indivduos inaptos ao trabalho; do mesmo modo que os

    dese,mpregados, elesdeveriam ser encaminhados ao trabalho nas minas, na COJ1S-

    A S C A R A C T E R ! S T I C A S G E R A I S o A L I T E R.=... TU R A I.' E R C A N T I L 1ST A 65

    truo de estradas e edifcios, erc, - uma poltica recomendvel porque capaz

    de "forar suas mentes disciplina e obedincia e seus corpos pacincia paraaguardar o surgimento de um trabalho mais rentvel quando a necessidade assim

    o exigir".ll Em sua defesa dos interesses do jovem capitalis. o e sua preocupa-

    o pela conquista de mercados estrangeiros para os comerciantes e exportadoresingleses, os rnercantilisras estavam naturalmente preocupados com a mobilizao

    de uma base adequada de mo de obra disciplinada e barata. Os mercantilis-

    tas defendiam algo semelhante lei de ferro do.' salrios - embora apenas emforma embrionria. Todavia, de acordo com a natureza geral de sua doutrina, tallei ainda no aparece como proposio terica, mas como prescrio prtica: a

    viso mercantilsta a de que o salrio do trabalhador no deve exceder os meiosmnimos necessrios para a subsistncia.

    O pomo de vista comercial-mercantil da literatura mercantilista inglesa,

    que emerge to claramente em sua atitude com as diferentes classes sociais,tambm deixou suas marcas no conjunto de problemas - e suas solues - que

    constituam seu objeto de interesse. muito frequente a afirmao de que adoutrina rnercantlisra seria redutvel ideia de que os metais preciosos so anica forma de riqueza. Adam Srnith critica duramente "a noo absurda d.os

    rnercantilisras de que a riqueza consiste na moeda". E, no entanto, tal caracteri-

    zao bastante injusta. Os mercanrilisras consideravam o aumento na q\!anti-

    dade de metais preciosos no como uma fome da riqueza da nao, mas como

    um dos sinais de que essa riqueza estava crescendo. Apenas os mercantilisras

    primiti\'os permaneciam intelectualmente confinados na esfera da circulao

    monetria. Os tericos do mercantilisrno desenvolvido, com a doutrina do "equi-

    lbrio comercial", desvelaram a conexo entre o movimento dos metais preciosos

    e o desenvolvimento geral do comrcio e da indstria. Muita coisa ainda restava

    Superficial nessa anlise da inrerconexo entre diferentes fenmenos econmicos,

    mas ela estava livre das noes ingnuas de seus predecessores e, desse modo,

    abria o caminho para o futuro desenvolvimento cientfico. Devemos, agora,

    p8ssar descrio do contedo e da evoluo das vises rnercanrilisras.

    Notas

    1.Aplld R. H. Tawney, Religion and tbe rise 01capii.iiism, Londres: Johnl\1l1rray, 1964,

    p. 34-35.2. Traduzido do russo.

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    66 o MERCANTJL1SMO E SEU OECLiNIO

    Captulo 4

    OS PRIMEIROS MERCANTILlSTAS INGLESES

    A ateno dos primeiros rnercantilistas ingleses do sculo XVI e incio do

    sculo XVII se voltou para a circulao da moeda. quela poca, mudanas deci-sivas estavam ocorrendo nesse setor, prejudicando amplas camadas da populao,

    especialmente a classe mercantil. AmU de mais nada, o influxo de 'ouro e prata

    americanos para a Europa trouxera consigo, obviamente, uma revoluo nospreos:o aumento no valor das mercadorias gerou uma onda de insatisfao quanto inadequao da oferta de moeda. Em segundo lugar, como a Inglaterra era rela-

    tivamente mais atrasada do que a Holanda, a taxa de cmbio usada no comrcioentre os dois pases atuava frequentemente em detrimento da Inglaterra, de modoque uma unidade da moeda holandesa era trocada por uma soma muito maior

    de xelins ingleses. Tornou-se, assim, rentvel exportar moedas inglesas de ouro e

    prata para serem refundidas na Holanda. Observou-se um envio de moeda parafora da Inglaterra e, com isso, difundiu-se a convico de que esse era o fator fun-darnenral da insatisfao universal com a escassez de moeda.

    Para os primeiros rnercantilistas, a inrer-relao entre a circulao de moeda

    e a de mercadorias ainda era desconhecida: ainda lhes faltava compreender que a

    deteriorao da taxa de cmbio inglesa e a consequente fuga de moeda para fora

    do pas era o resultado inevitvel de uma balana comercial desfavorvel. Quando

    esses autores debatiam uma questo tpica, eles o faziam como homens prticos,

    com pouca disposio para buscar as causas ltimas por U2.s dos fatos; 'de modo

    que, na maior parte das vezes, era no reino da circulao monetria, mais preci-

    samente na desvalorizao da moeda, que eles procuravam 25 razes da fuga de

    moeda. No comeo do sculo XVI, a desvalorizao monetria era uma prtica

    comum aos monarcas por toda a Europa, sendo a Coroa inglesa um dos pases

    3. 1homas Mun, no incio do sculo .'VII. r4. Mun, Errgland's treasure by forraign rrade, in: Eirly engli;h tracts on commerce,

    editado por J. R. McCulloch, originalmeme publicado pelo Political EconomyClub, Londres, 1856, reunpresso para a Econornic Hiswr)' SOCiCl}',da Cambridge

    Universiry Press, 1954, p. 188-189.

    5. Ibid., p. 133.

    6. Ibid., p. 142.

    7. Ibid., p. 133.

    8. Sir \Villiam Petry, Polirical arirhmetick, in: lhe economic ioritins ofsir 'Vil/iam Petty,2 V., editado por Charles Henry Hull, reirnpresso por AuguslU5M. Kelly, Nova York,

    1963, v. 1, p. 274 [;d. bras.: Willia.m Perry, Aritmtica poltica, in: Obras econmicas,

    So Paulo: Abril Cultural, 1983, coleo Os Economistas].

    9. Idem, A trearise of taxes and contributions, in: Economic writings, Hull edition,

    p. 87 fedo bras.: William Petey, Tratado dos impostos e conuibuies, in: o

    .' Obras econmicas, So Paulo: Abri! Cultural, 1983, coleo Os Economisras].10. Ibid., p. 20.

    11. Ibid., p. 31.

  • o MERCAt"-lTILISMO E SEU DECLINIO

    'iue recorriam a ela com mais agressividade. A Coroa emitia novas moedas comJ mesmo valor nominal das anteriores, porm contendo uma menor quantidadede metal. Mas uma vez que essas novas moedas, embora mais leves do que as an-teriores de mesmo valor nominal, tinham seu valor fixado legalmente, tornava-se

    rentvel enviar a moeda amiga para fora do pas a fim de serem refundidas outrocadas por moeda estrangeira. O fato de que, assim, a moeda ruim expulsava amoeda boa da circulao domstica e a transferia para o exterior foi notado por

    Thomas Gresharn, um dos primeiros mercanrilistas. em meados do sculo XVI, epassou desde ento a ser conhecido como "lei de Gresham". Foi com base nessadesvalorizao das moedas inglesas que os primeiros mercantilistas explicaram adepreciao da moeda inglesa em relao holandesa (como indicado pela dete-riorao da taxa de cmbio do xelim) e o fato de que metais preciosos estavamsendo exportados. Para remediar os males da desvalorizao da moeda, da piora.da taxa de cmbio e da fuga constante de moeda para fora do pas, os mercantilis-

    tas defenderam a coero e a interveno direta do Estado na esfera da circulaomonetria. Eles reivindicaram que o governo emitisse moedas de peso padroni-zado e recomendaram que a taxa de cmbio fosse regulada compulsoriamente;em outras palavras, que indivduos privados fossem proibidos de comprar moedasestrangeiqs num valor maior do que o nmero fixado de xelins ingleses. Mas oque eles defenderam com uma insistncia crescente foi a proibio da exportaode moeda da Inglaterra e a adoo de medidas rgidas para deter a evaso de metaispreciosos. Seus conselhos no tiveram. qualquer efeito. O Estado no tinha nema habilidade nem a inclinao para emitir moedas de peso padronizado. Quanto;ao restante das recomendaes dos mercantilistas, estas no passavam de umatentativa de reforar ou revitalizar prticas governamentais tradiciom.is que jhaviam se tornado ultrapassadas. Anteriormente, o Estado j impusera uma rgidaproibio exportao de moeda da Inglaterra. De modo semelhante, ele tentarafixar a taxa de cmbio e regul-Ia por meio de "agncias reais de cmbio" [ro)'almoney changersl que trocavam moedas estrangeiras por inglesas a uma taxa fixa.lvlas esses esforos se mo,traram impotemes diante das leis elementares da circu-laco de merodorias e de .moedas, leis que ainda estavam alm da percepo dos, , .

    primeiros mercantilistas.Uma das relquias mais notveis das ideias mercantilisras ges~e perodo

    inicial uma obra imitulada Compndio ou breve exame de cer~Jzsreclamaescomuns de vrios de 7705505 compatriotas.o11 nossos dias; pubiicada. em 1581, com

    os PRIMEIROS MERCANTIL1STAS INGLESES 69

    as iniciais "W. S." Chegou-se a especular que seu autor fosse ningum menos doque \'lilliam Shakespeare, mas a opinio geral acabou por atribu-Ia a \'lilliamStafford. Estudos mais recentes estabeleceram que o livro, embora publicado em1581, foi, na verdade, escrito em 1549 por [obn Hales. Em nossa exposio, o

    designaremos como obra de Hales (Srafford).!A obra foi escrita na forma de uma conversao entre representantes de

    diferentes classes da populao: um cavalheiro (ou proprierrio rural), um fazen-deiro (ou capataz), um mercador, um arteso e um telogo. Fica evidente que oltimo expressa as opinies do autor em sua tentativa de reconciliar os interesses

    dessas classes sociais. Todos os que tomam parte no debate reclamam do altovalor dos preos, e cada um tenta depositar a culpa desse fato no representante deuma outra c.lasse.Do cavalheiro, ouve-se que os mercadores aumentaram tantoos preos das mercadorias que os proprietrios rurais se viam diante da escolhaentre abandonarsuas propriedades ou passar do cultivo do solo atividade maislucrativa da criao de ovelhas. O fazendeiro-capataz queixa-se do cerco das terras. de pasto e da alta renda que ele tinha de pagar aos senhores rurais. O mercador eo arteso parecem aflitos com o aumento crescente dos salrios dos trabalhadores

    e pela queda nocomrcio.O telogo, buscando conciliar os interesses dos vrios partidos, expe-lhes

    as causas gerais do crescente empobrecimento do reino: a depreciao e dete-riorao da moeda inglesa e a e.\portao de dinheiro lquido que dai decorre. Asmoedas inglesas de valor padroniz.ado esto saindo rapidamente do pas: "todasascoisas tendem a afluir para o lugar onde so mais valorizadas, e, por isso, nossotesouro est indo embora em navios".2 Alm disso, essa deteriorao no valor damoeda encareceu muito as mercadorias importadas, uiplicando seus preos. Osmercadores estrangeiros afirmam' que no esto vendendo suas mercadorias porum lucro maior do que antes, mas que so forados a aumentarem seus preosem virtude da eroso no valor da moeda inglesa. Nossa moeda, como se sabe,tem seu preo definido, "no por seu nome, mas [pelo] valor e pela quantidade

    do material de q1le feita" ..3 Por outro lado, os preos das mercadorias que os cs-tral1g~iroscompram na Inglaterra aLll1lent:lr:lmnuma medida menor. Vendemosnossos produtos _ em.especial nossas matrias-primas -- mais baratos, e os estran-geiros os transformam em mercadorias industriais que nos so ve~ldidas de voltamais caras. Assim, com a l inglesa, os estrangeiros fabricam roupas, casacos, xalese mercadorias do gnero; com o couro ingls, faz.em cintos e luvas; com o lato

    Ilfli11.IJI

    i

    I,.

  • 70 o M E R C A N T r L I 5 ~I O E SEU D E C L f N I O

    ingls, fazem colheres e pratos, e todos os artigos acabam importados de volta-i:

    pela Inglaterra.

    Que infelizes somos ns, que vemos e sofremos uma tal espoliao contnua ele

    nossos bens e tesouros [...]. No fim, eles nos fazem pagar de novo por nossos

    prprios materiais; pagamos a taxa alfandegria estrangeira," a fabricao, o ringi-

    menro e, por fim, a segunda taxa alfandegria no retorno das mercadorias para o

    reino; ao passo que, trabalhando essasmesmas matrias no interior do pas, nossos

    homens trabalhariam custa dos c..;rrangeiros;5todas as taxas seriam pagas pelos

    estrangeiros ao rei; e os ganhos lquidos permaneceriam no interior do reino."

    Assim, onde quer que o comrcio exterior esteja fundado na exportao

    de matrias-primas e na importao ele produtos acabados, ele se tornar umavazante de moeda para fora do pas. Isso se aplica, na maior parte, ao comrciode importao. Ao negociar com industriais e mercadores, preciso diferen-

    ciar trs tipos: negociantes, chapeleiros e vendedores de mercadorias importa-

    das (por exemplo, mercadorias trazidas das colnias), que mandam moeda parafora do pais; um segundo grupo, composto por aougueiros, alfaiates, padeiros e

    outros empreendedores, rene aqueles que tanto recebem como gastam sua moeda

    dentro do pas; e, hnalrnenre, um terceiro grupo, que transforma a l em roupas

    e processa o couro. Como esta ltima categoria trabalha para o mercado expor-

    tador e atrai moeda para o pas, ela garante o patrocnio e o incentivo da Coroa.

    necessrio encorajar o processamento domstico das matrias-primas inglesas,para cujo Em recomendvel proibir ou inibir a exportao de matrias-primas

    no processadas e banir a importao de produtos finais manufaturados no ex-

    terior. Para ns, mais rentvel comprar nossas-prprias manufaturas, mesmo

    que sejam mais caras, do que comprar manufaturas estrangeiras. Hales (Srafford)

    d o seguinte exemplo para ilustrar sua viso de que a indstria nativa requer

    tarifas protecionistas para poder se estabelecer:

    um dia perguntei a um encadernador "por que no tnhamos papel branco e

    marrom fabricados no reino, do mesmo modo como eles er;LITIfabricados no

    alm-mar". Ele, ento, respondeu-me que ar pouco rempo houvera fabricao de

    papel no interior do reino. At que o fabricante percebeu que no podia competir

    com o papel mais barato vindo de alm-mar e, assim, foi forado a abandonar [a]

    .JL..-

    . ,,

    o S P R I l

  • -,

    , E R C A N T j L I 5 i.; O a S E V O E C L I N 1 O

    .,o no nmero de bens estrangeiros introduz.idos no pas. Tal concepo

    :,,1 "eondia perfeitamente a um perodo em que o capitalismo ingls ainda noc',' '. 'J. desenvolvido e encontrava-se em rransio; e em que a burguesia inglesa,.' ! ivindicando um corte na exportao de matrias-primas, ainda no' podia..-r esperanas de encontrar amplos mercados no exterior para os produtos deS')~ prpri~ indstria. Essa foi uma poca de protecionismo defemivo, mais do.~u'; agressivo: Hales (Srafford), para quem ainda no existia o sonho da aquisio.nilitante de mercados estrangeiros para manufaturas inglesas, tinha como idealirna indstria nativa suficientemente estabelecida para trabalhar as matrias--primas de seu prprio pas e expulsar do mercado ingls os produtos da indstria

    estrangeira.Podem-se encontrar tais ideias mercantilistas mesmo entre figuras' como

    Misselden, Malynes e Mills, autores que escreveram durante a primeira parte dosculo X\1l1. Carecendo de qualquer compreenso da dependncia em que a taxade cmbio se encontra em relao balana comercial, eles esperavam melhorar

    esta ltima com o uso de medidas diretas de coero estatal. Misselden aconse-

    lhava o governo a h.xar a taxa d~ cmbio com base em tratados com outros Estados.De acordo com Malynes, a taxa poderia ser mamida e a exportao de dinheiro,

    refreada pela. retomada das rgidas restries do mercantilismo primitivo - porexemplo, medi:\llte a "agncia reli de cmbio" e seu direito de fixar compulso-riameme a taxa paga por moedas estrangeiras (isto , a taxa de cmbio), ou pela

    proibio de se pagarem estrangeiros com ouro. Mills chegou a protestar contraa abolio do ~ntigo monoplio das staplcs. E, enquanto Misselden reconheceuesses tipos de restries como ultrapassados, ele levantou sua prpria objeo ca-

    tegrica a toda e qualquer exportao de moeda. Este era o pontO fundamental quereunia todos os mercanti]istas da primeira fase e exemplifica a distino entre eles

    e os mercantilistas do perodo posterior.

    Notas

    1. A obra aqui atribuda :l Hales traz o titulo l[ discOI'l'5( (1tbc C0!i7m071 uica] of the .rcaltn of Englaild e foi reimprcssa pel.i Cam5ridge Universiry Prcss em 1983, O

    livro atibudo a St~fford, puWi,pdo cu 1581 sob o ttulo que consta no texto de

    Rubi~ (a mesma edio a que Marx se refere no prime'iro livro de O capital), diferelevemenre do original. e hoje se considera que "\YJ. S." refere-se s iniciais do editor,

    'seja ele Sr.afford ou no. Todas as ciraces so extradas da edico de Cambridze de, ,o

    os PRIU.2!ROS r,,1ERCANT1LIST':"S INGLESES

    A discourse ofthe comm071 iucal. Difrentemente do caso das obras dos mercantilistas

    posteriores, alteramos a grana do texto para adeq-Ia ao uso moderno, pois, de

    outro modo, o texto dificilmente poderia ser cmprecndido. No entanto, no mo-

    derni:camos a linguagem: onde inseres ou mudanas se rIzeram necessrias, elas

    foram colocadas entre colcheres .

    2. H21es, A discourse of tbe COl11l101J iocal, P: 79.

    3, lbid" p. 102 .4. Isto , as taxas aplicadas p~os pases estrangeiros sobre a importao de matrias-

    -primas lnglesas,

    5. Isro , custa dos estrangeiros,6, Hales, A discoursc of tbe comrnon ioeal, P: 64-65.

    7. Ibid., P: 65-66.

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    73

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    Captulo 5A DOUTRINA MERCANTILlSTA EM SEU APOGEU

    Thomas /vlun

    medida que o comrcio e a indstria se desenvolveram, as incmodas res-rries do perodo inicial do mercantilismo foram se mostrando, como j vimos,"

    cada vez mais arcaicas e foram ou eliminadas ou preservadas em sua existncia

    mzamente formal, desprovidas de todo seu contedo prtico anterior. Quando

    os mercadores ingleses se lanaram procura de novos mercados estrangeiros paral suas mercadorias, as staples foram aboli das. Por outro lado, to logo os comer-ciantes ingleses conseguiram afastar seus concorrentes da Liga Hansetica e da

    Iclia, eles estabeleceram suas conexes diretas com o Oriente, onde compravam

    os produtos das colnias. Para isso, no entanto, eles tinham de enviar dinheirovivo para fora da Inglaterra; as antigas leis que proibiam tais atividades caram emdesuso (embora ainda se mantivessem oficialmente em vigor at 1663). Esse era

    especialmente o caso da Companhia das ndias Orientais inglesa, que estabeleceraum vasto comrcio com a ndia. A comparrhia trazia da ndia especiarias, ndigo,

    tecidos e sedas, dos quais apenas uma pequena parte permanecia na Inglaterra,

    sendo o restante revendido - com grandes lucros - para outros pases europeus.

    Esse comrcio d: rranspone de mercadorias [caTying trade], no qual a Inglaterraatuava como o atravessador para. produtos estrangeiros, era exuaordinariamente

    lucrativo e requeria desse pas a exportao de enormes quantidades de dinheiro

    vivo. Como a massa rota! de importaes da ndia para a Inglaterra era maior do

    que a das exportaes em sentido inverso, essa diferena tinha de se inanifescar

    na exportao de dinheiro y[VQ da Inglaterra. Sem isso, a Companhia das ndias

    Cf. captulo 2.

  • r,~ E R C ,-:...N T I L I S M O E SEU O E C L i N I O

    r> :.,:ntais no teria tido como sustentar suas atividades comerciais. Naturalmente,

    r, ,:':mp8.nhia est~va ==.por sua vez, ao ataque furioso dos defensores do velho,"me resnitivo. Ainda no fim do sculo XV1I, expressava-se a viso ,de que

    'J comrcio com as ndias Orientais causar a runa de grande pane de nossa

    :,ldstria, caso no se faa algo para evit-Ia"; no incio do sculo, tal convico

    ,','a praticamente universal. Era inevitvel que, se os partidrios do comrcio com

    ~S ndias Orientais quisessem argumentar contra a proibio geral da exportar

    ,,:o de moeda, eles teriam de desenvolver uma crtica das vises antiquadas dos

    primeiros mercan tilisras. Para se opor 8.0velho "sistema monetrio", eles apresen-

    taram uma nova teoria do "equilbrio comercial", As novas vises receberam sua

    expresso mais brilhante no livro de um dos diretores da Companhia das ndias

    Orientais, Thornas Mun (1571-1641), intirulado O enriquecimento da Inglaterra

    pelo comrcio exterior [England's treasure by j"raign trade], A obra de Mun - que,apesar de escrita em 1630, s foi publicado. postumamente em 1664 - exernplifica

    melhor do que qualquer outra a literatura mercantilista e se tornou, nas palavras

    de Engels, "o evangelho mercantilista" ,I

    Mun no contesta as doutrinas anteriores sobre os benefcios que a aqui-

    sio de metais preciosos uaz para a nao, ou, como ele chamava, a multiplica-

    o de seus "tesouros", O que ele argumenta que tais "tesouros" no podem ser

    l1lultiplicados por meio de medidas coercitivas do Estado para regulf'), diretamente

    a circulao monetria (proibio da exportao de moeda, taxa de cmbio fixa,

    mudanas no contedo metlico das moedas, etc.). A entrada ou sada de metais

    preciosos condicionada por uma balana comercial positiva ou negativa.

    Portanto, o nico caminho para aumentar nossa riqueza c nosso tesouro o comr-

    cio exterior, no qual remos sempre de observar esta regra: vender para os estrangei-

    ros a um valor maior do que deles compramos, Pois suponhamos que, estando o

    reino suficientemente abastecido de tecido, chumbo, estanho, ao, peixe e outras

    mercadorias nativas, exportemos anualmente o excedente para outros pases pelo

    valor de 2,2 milhes de libra', e que com essa soma possamos atravessar os mares

    e trazer mercadorias cstrangeird.s para nosso consumo, pelo valor de 2 milhes de

    libras: se mantivssemos essa prtica regularmente em nosso comrcio, poderia-i

    mos estar certos de que o reino sf enriqueceria anualmente em 200 mil libras,

    incremenrando o tesouro da nao.?

    A o o U T R I N J., r.t, E R C A N T I L ! S T A E l"; SEU A P o G E U 77

    Em outras palavras, o dinheiro fluir ptl!'i1 o p:is como resultado de uma

    balma comercial positiva, Dessa premissa, segue-se que, se o objetivo intro-

    duzir dinheiro no pas, isso no ser obra das reguhes excessivas do mercan-

    tilismo primitivo, mas o resultado de um8. poltica econmica abrangcnre, que

    melhore o equilbrio comercial por meio da promoco das indstrias orientadas

    ao transporte e exportao. Claramente, o equilbrio comercial pode ser susten-

    tado tanto por cortes na importao de mercadorias quanto pela expanso das

    exportaes. Aqui se nota, uma vez mais, a diferena fundamental entre Mun e

    seus predecessores, Os mercantilistas do perodo inicial defendiam a proibio

    da exportao e uma reduo na importao de mercadorias esuangeiras; Mun,

    por outro lado, aposta suas esperanas no desen\"oh-imemo da exportao de

    mercadorias inglesas, Essa diferena, em seus respectivos pontos de vista, era ela

    mesma um reflexo da transio gradual da Inglaterra, de uma nao que importa

    manufaturas estrangeiras a uma nao que exporta suas prprias manufaturas,

    Nessa conjuntura, Mun aparece como o representa,l1ce de um capital mercantil

    em processo de aquisio de novos mercados e que aspira expanso de suas

    exportaes. Enquanto a preocupao de Hales (Sta.fford) era a de proteger o

    mercado domstico da invaso de mercadorias estrangeiras, Mun se concentra na

    conquista de mercados externos para a Inglaterra. verdade, claro que Mun notem nada contra a reduo da importao de mercadorias esuangeiras; mas ele

    rjeita os mtodos anteriormente usados para atingir esse fim, isto , a proibio

    direta, Para ele, tais medidas apenas incenti\-"m outros pases a fazerem o mesmo,

    o que prejudica, em grande parte, as exportaes inglesas, quando para Mun o

    objetivo principal justamente a expanso dessas exportaes,Mun reivindica urgentementequt o comrcio de exportao e as inds-

    trias de transporte e de exportao sejam encorajados e expandidos, A Inglaterra

    tem de extrair benefcios no apenas de sua produo "natural", de seus exceden-

    tes de matrias-primas, mas tambm da produo "artificial", isto , de artigos

    industriais de sua prpria produco e de mercadorias importadas de outros pases

    (ndia, por exemplo), Para isso, preciso haver incentivo, primeiro, para q\IC 8~

    matrias-primas sejam trabalhadas pela indstria dornst ica c exportadas como

    produtos acabados; e, segundo, para desenvolver o comrcio dr transporte de III(,/,cadorias, no qual aproduo de naes como 3 ndia sei.i illlpml:Hl.l pal,l M1revendida a outros pases a um preo maior, Essa "rcclaborao'

  • "J
  • ....~' -~ ., ..~::_- ,-, '~'

    o 1,/\ E R C A r-.l T I L 1 S r.', O E SEU D E C L I N I O

    . ra -as mercadorias que eram importadas da ndia. E, desse modo, \;un se pro-.. uncia em detalhe sobre os prs e COIlUas da exportao de moeda Fi"a a ndia.

    ~:o exemplo acima, notamos que o excedente das exportaes da rn!;L:;,~~[rasobre

    .uas importaes era de 200 mil libras esterlinas, e que essa soma ir:!;ressava no

    /as C01110 dinheiro vivo, A questo que dai surgia era: o que faze com essedinheiro? Aqueles favorveis proibio completa da exportao ce dinheiro

    aconselhavam que ele deveria permanecer na Inglarerra, posio c:al Mun se

    opunha vigorosamenre:

    Se [... ], uma vez acumulada uma soma de dinheiro por meio do comrcio, decide-

    -se manter essa soma imvel no inrerior do reino, isso far com que outras naes

    consumam uma quantidade maior de nossas mercadorias do que o fuiam ante-

    riormente, de modo que possamos dizer que nosso comrcio est mais intenso e

    maior? No, na verdade isso no produzir tal efeito positivo, mas, antes, com o

    passar do tempo, podemos esperar que se produza o efeito contrrio.>

    Num tal caso, a moeda ficar guardada dentro do pas como tesouro morto

    e s se tornar uma fonte de ganho se for novamente colocada em circulao

    comercial, Suponha-se, por exemplo, que, dessa quantia, 100 mil libras sejam ex-

    porradas para as ndias Orientais, e que as mercadorias compradas co:n essa soma

    sejam, ento, revendidas em outros pases a um preo muito maior ,digamos, a

    300 mil libras). Evidentemente, um lucro considervel ser obtido pela nao

    como resultado dessa operao. E embora seja verdade que o nmero de merca-

    dorias importadas aumentou, isso serviu apenas para gerar, posteriormente, um

    crescimento ainda maior nas exportaes. Os oponentes do comrcio com as

    ndias Orientais objetam que, enquanto o dinheiro enviado para fora do pas,o que se recebe em troca so apenas mercadorias. Mas se essas mercadorias no

    so para nosso prprio consumo, mas para revenda futura, a difeena inteira

    entre seus preos de compra e de venda tem necessariamente de aumentar, "seja

    em moeda, ,ei? em mercadorias a

  • .'

    82 o 1\1 E R C A N TIL I S M O E SEU O E C L r N I or

    substancial da economia para a rbita da troca monerana. A' preocupao em

    aumentar a riqlJ~a nacional no se concentrou na questo do crescimento da

    produo para o uso, ou de valores de uso; mas, antes, no aumento do nmero

    de produtos capazes de serem vendidos ou convertidos em dinheiro, em suma,

    no crescimento do valor de troca. claro que os mercantilistas entendiam per-feitamente bem que as pessoas vivem de po e carne, e no de ouro. Mas numa

    economia em que o desenvolvimento da circulao monetria ainda era fraco,

    sendo o volume total de sua produo de po e carne produzido para o consumb

    direto, e no para ser levado ao mercado, o valor de troca, na viso dos mercan-

    tilisras, no podia residir nos prprios produtos, mas no dtnheiro. Como nem

    todos os produros do trabalho constituem valores de troca, isto , mercadorias

    transformveis em dinheiro, o valor de troca foi naturalmente confundido com a

    forma fsica daqueles produtos que funcionam como dinheiro, isto , o ouro e a

    prata. Embora uma tal confuso fosse teoricamente ingnua, essa busca furiosa

    por metais preciosos to caracterstica dos primeiros rnercantilistas foi, ela mesma,

    um reflexo da dolorosa transio de uma economia natural para a da mercadoria-

    -dinheiro, O influxo de metais preciosos serviu como uma ferramenta para al

    acelerao desse processo no interesse da burguesia comercial. Como o comrcio

    exterior era, quela poca, tanto a arena na qual se desenvolvia extensamente a cir-

    culao de dinheiro, quanto o nico meio pelo qual os pases desprovidos de suas

    prprias minas de ouro e prata podiam absorver metais preciosos, era natural quea intensa disputa pela aquisio desses metais fosse combinada (como na doutrinado equilbrio comercial) com uma poltica de promoo do comrcio exterior e

    de desenvolvimento forado das exportaes.

    O valor desproporcional que os mercanrilisras conferiram ao comrcio

    exterior no pode ser explicado simplesmente por seu grande potencial para trans-

    formar produtos em dinheiro e atrair metais preciosos: os enormes lucros derivados

    do comrcio exterior ajudaram a alimentar a acumulao primitiva do capital pela

    classe mercantil. No era ao crescimento da economia monetria em geral que

    a burguesia comercial aspirava, mas a uma economia monetrio-capitalista. O

    processo de transformao de produtos em dinheiro tinha de ser acompanhado

    da acumulao deste ltimo e de sua converso em dinheiro que gera lucro, isto ,

    em capital. Porm, na maior parte dos casos, lucros realmente grandes s podiam

    ser obtidos nesse perodo por meio do comrcio exterior, especialmente pelo

    comrcio com as colnias. Comprando mercadorias baratas em alguns mercados

    (onde, tal como nas colnias, os mercadores e as companhias de comrcio dos

    .1i:'tiI

    i.!

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    A o o U T R ! N A 1\.1E R C A N TIL r S T A E 11.1 SEU A P o G E U 83

    aO\'ernos particulares costumavam deter um monoplio) e vendendo-as mais caras"em outros, a riqueza e o capital podiam ser rapidamente acumulados - para nomencionar a pilhagem direta das colnias e a apropriao forada da produo de

    seus habitantes. Numa poca em que o mercador ocupa\'a uma posio prxima

    do monoplio entre produtores (por exemplo, servos coloniais ou trabalhadores

    anesos) e consumidores (por exemplo, senhores rurais e camponeses), mesmo

    o comrcio exterior "pacfico" lhe fornecia a chance de explorar ambos para seu

    prprio benefcio. Os mercadores enriqueciam comprando mercadorias dos pro-

    durores abaixo de seu valor e vendendo-as aos consumidores a preos mais altos

    do que seu valor. Nesse perodo, a fome bsica do lucro comercial era a troca ndoequivalente. Era, ento, natural que os mercantilistas erLxergassem o lucro apenas'

    no lucro lquido do comrcio ou no "lucro sobre a alienao", que tinha sua fonte

    na cifra que o mercador adicionava ao preo da mercadoria.

    compreensvel que, quando a origem do lucro a troca no equivalente,as vantagens obtidas por um dos participantes da troca sejam iguais s perdas

    sofridas pelo outro - o ganho de um a perda do outro. Esse tipo de comrcio

    interno gera apenas uma redistribuio da riqueza entre os habitantes individuaisde um pas, mas no faz nada para enriquecer opas como um todo. Isso s pode ser

    alcanado pelo comrcio exterior, em que uma nao enriquecida a expensas de

    outra. "Com o que consumido internamente, perde-se apenas aquilo que outro

    sanha e a naco em zeral no se torna mais rica; mas todo consumo estrangeirot> ' ~ ;::,

    uaz um lucro claro e cerro."12 Com essas palavras, D'Avenant, escrevendo no final

    do sculo XV1, resume a crena geral .mercantilista de que o comrcio exteriore aqueles setores da indstria que produzem para o mercado externo geram

    um lucro maior. "H muito mais a se ganhar com a manufatura do que com a

    atividade rural, e com a fabricao de mercadorias muito mais do que com a ma-

    nufatura."13 "Um marinheiro vale por trs capatazes de fazenda."14 Disso no se

    deve concluir que Perry (o autor dessas palavras) tenha esquecido a importncia

    da agricultura como fonte de abasrecimento de alimentos em um pas. Petty quisapenas dizer que, com o capitalismo totalmente ausente da agricultura e tendo

    penetrado apenas muito timidamente na indstria, a esfera na qual a economia

    capitalista obteria um maior desenvolvimento e que permitiria uma acumulao

    mais vigorosa de capital seria o comrcio e, particularmente, o comrcio exterior.

    Como vimos, a exagerada importncia que os rnercantilistas atriburam

    moeda tem suas raizes nas condies de transio de uma economia natural

    para uma economia da mercadoria-dinheiro; de modo similar, a nfase excessiva

  • ) M i:: F{ C A 1-.1TIL I S :v't O E SEU O E 'c L I '" I O

    . ' eles conferiram ao comrcio exterior o resultado lgico do papel ~este ltimomo uma fonte de lucros imensos e como atividade que proporciona uma rpida.-:mwlaijo de capitais. E embora essas duas ideias rnercantilistas fossem maissrde cruelmente ridicularizadas como absurdas, elas refletiam, no obstante, asc'Jndi(;es histricas da era mercantil-capitalista e os interesses reais daquelas

    .Iasscs sociais para quem os merca1tilistas atuavam como porta-vozes. Visto que

    ;,_preocupao predominante dos mercantlistas era COITl questes de poltica

    ~conmica, e que a teoria econmica estava apenas em sua infncia, eles se con-

    tentavam com frmulas tericas mal desenvolvidas e ingnu:1.s, desde que res-pondessem s demandas prticas de seu tempo. O legado que nos foi deixadopelos mercantilistas no uma teoria econmica que abarque a totalidade dos

    fenmenos da economia capitalista, mas um corpo de obras contendo apenas

    concepes tericas rudimentares cujo desenvolvimento e consolidao foram

    deixados aos economistas posteriores. Assim, as distintas correntes da doutrina

    mercantilista _ uma tratando do valor de troca e da moeda, a outra do lucro e

    do comrcio exterior - tiveram destinos diferentes. medida que as condiescomerciais foram se alterando e o capitalismo industrial se desenvolvendo; o carter

    falacioso da teoria do comrcio exterior como nica fonte de lucro tornou-se bvio.

    A evoluo ulterior do pensamento econmico por obra dos fisiocratas e da escolaclssica acabaria por derrubar a interpretao mercantilisra do comrcio exterior edo lucro. J as teorias embrionrias do valor de troca e da moeda desenvolvidas naliteratura mcrcantilista mostraram-se, ao contrrio, capazes de desenvolvimento

    rcrico adicional: apropriadas por escolas posteriores de economistas e libertas

    da confuso ingnua de valor de troca com dinheiro e de dinheiro com ouro e

    prata, essas teorias embrionrias seriam, mais tarde, retomadas e aperfeioadas. O

    profundo interesse dos mercantilistas pelo problema do comrcio e pelo processo

    mediante o qual as mercadorias so rrocadas por dinheiro permitiu-Ihes formularum nmero considervel de ideias corretas sobre a natureza do valor de troca esua forma monetria. No interior da literatura mercantsta, encontram-se os

    incios de urna teoria do va!or-trab"lhu, que desempenbria um papel de grande

    imponin~ia na evoluo subsequentc: de nossa cincia.

    Notas

    J. Engel~, Anti-Dirbring, Moscou: Progress Puhlishers, 1969 [cd. bras.: .friedrich

    Engels, Anri-Dicbrng, Rio de Janeiro: Paz e Ter sn, 1977]. Na verdade, a frase de

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    IA DOU, R 1NA,"" R C A N TIL 1 S T A E I.' SEU A P o G EU 85

    Marx, e no de Engels, pois foi Marx quem escreveu o captulo sobre o desenvolvi-

    mento histrico da economia poltica do qual a citao extrada (segunda seo,

    C2ptulo 10, "Da histria crtica"). Sobre o livro de Mun, Marx afirma: "Esse escrito

    teve, j em sua primeira edio [A digo";,, of traje ji-om El1gland unto tlie east iudies,1609; a edio de 1621 foi reirnpressa em McCulloch, 1954, P: 1-47 -- N. do T.I.],a importncia especfica de se voltar contra o sistema rnonetdrio primitivo, pocaainda defendido na Inglaterra como prtica estatal, e, desse modo, ele representa a

    autosscpamo do sistema mercantil em relao ao sistema que o gerou. J em sua

    primeira forma, o livro obteve virias edies e exerceu uma influncia direta sobre

    a legislao. Na edio pstuma de 1664 (England'.r treasure ete.) , inteiramente ree-laborada pelo autor, ele ainda se manteria por vrios sculos como o evangelho do

    rnercantilisrno. Assim, se h uma obra do mercantilismo que tenha marcado poca

    [...], trata-se desse livro" (Ami-Dhri1ig, p. 216).

    2. Mun, England's ueasure, in: !\lcCulloch, 1954, P: 125.

    3. Ibid., p. 133-134.

    4. Ibid., P: 128.5. Ibid. Nessa passagem, Rubin parafraseia o texto de Mun.6. Mun, England's treasure, in: 1kCulloch, 1954, P: 130-131 e 136.

    7. Ibid., p. 13l.8. Ibid., p. 138. '\

    9. lbid., p. 137.

    10. lbid., p. 139.J 1. Ibid., p. 14l.12. Charles D'Avcnant, An essay on t11