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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A possibilidade de mediação em uma unidade de internação de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no Estado do
Rio de Janeiro
Por: Dayse Araujo Santos
Orientador
Prof. Willian Rocha
Rio de Janeiro
2015
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A possibilidade de mediação em uma unidade de internação de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no Estado do
Rio de Janeiro
2015
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Mediação de Conflitos com
Ênfase na Família
Por: Dayse Araujo Santos
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AGRADECIMENTOS A Deus, por me dar força, saúde e condições de enfrentar os desafios na
concretização dos meus ideais.
À Profa. Naura Americano, por seus ensinamentos, incentivos, alertas em sala
de aula que me fizeram acreditar na possibilidade da mediação de conflitos
como resposta às demandas por mim encontradas no ambiente de trabalho.
Ao Prof. Antonio Carlos de Oliveira, pela sua extensa experiência, atenção,
dedicação ao trabalho, contribuindo para meu aperfeiçoamento profissional e
na infinita busca pelo saber.
A todos os professores e colegas de turma, pela troca de informações,
conhecimentos e experiências, colaborando para o crescimento profissional.
As minhas amigas, Elis Regina, Maria de Fátima e Sirley, pela atenção,
carinho, orientação e estímulo que nos momentos mais difíceis me ajudaram a
seguir em frente e superar as dificuldades e aumentar a minha autoestima.
À equipe técnica, demais colegas do Educandário Santo Expedito (ESE) e seus
diretores, Marcos, Marco Aurélio, Joaquim, em especial Cesar Sucupira e
Verônica Valença pelo apoio e incentivo em momentos delicados.
Aos amigos e companheiros de trabalho do CREAS Nilópolis, que em muito me
ajudaram e colaboraram para alcançar meus objetivos.
A minha família, minhas filhas, Rachel Prates e Deborah Prates, esta pela
correção e revisão dos meus textos.
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DEDICATÓRIA
Ao meu pai Alcides Santos Filho (in memoriam), que sempre lutou para nos
oferecer uma vida melhor pelo estudo. Onde quer que esteja com certeza está
se orgulhando de mim.
Aos adolescentes do DEGASE, em especial do ESE e suas famílias, que por
meio dos atendimentos me fizeram acreditar que é possível mudar a história
através do conhecimento.
Aos mestres do curso de Pós Graduação da disciplina Mediação de Conflitos
com Ênfase em Família, da Faculdade Integrada Cândido Mendes.
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RESUMO
O presente trabalho investiga as possibilidades e desafios para aplicação da
mediação de conflito em uma unidade de internação para adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa, no município do Rio de Janeiro. A
hipótese que norteia este trabalho é que o uso da mediação de conflitos no
cotidiano da instituição humaniza as relações entre os sujeitos ativos no
processo socioeducativo. Ela se torna relevante tendo em vista a necessidade
de promover ações que tornem o dia a dia da instituição mais ameno, que as
relações entre os adolescentes e os socioeducadores sejam mais
harmoniosas. Com a implantação da mediação de conflitos, os adolescentes
poderão se sentir mais acolhidos, possam expressar suas angústias,
sentimentos, terão possibilidade de buscar o entendimento, respeitando uns
aos outros, participando das atividades e entendendo seu papel, seus direitos e
deveres enquanto cumprem a medida. A oportunidade de falar e de ser ouvido,
transmite mais autonomia, melhora a autoestima, e a medida será um meio de
mudança para uma melhor qualidade de vida, além de evitar as situações de
conflitos e violência.
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METODOLOGIA
Para a realização do estudo sobre mediação de conflitos, realizamos
uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória. A revisão bibliográfica possibilita
a comparação entre os autores, na medida em que nos deparamos com
diversas alternativas em busca de soluções de problemas.
Nesse lastro estabelecemos um diálogo com Lopes (2015), que discorre
sobre a transição paradigmática na política socioeducativa, além de Fisher;
Ury, Patton e Rosemberg; Muszkat; Netto e Sampaio, cujas obras evidenciam a
importância do conceito de mediação de conflitos na reprodução das relações
sociais, especialmente aquelas voltadas às relações familiares, organizacionais
e de trabalho.
Devido às dificuldades de acesso à literatura que vinculasse
experiências na área socioeducativa com base no conceito de mediação de
conflitos, utilizamos, como materiais complementares, artigos e experiências
divulgados na internet, com o objetivo de identificar as discussões e análises
sobre a aplicação da mediação de conflitos no cotidiano do trabalho com
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação.
O primeiro plano de pesquisa sofreu alterações devido ao período de
licença médica da profissional na unidade de internação Santo Expedido,
localizada em Bangu, na cidade do Rio de Janeiro, impedindo que a pesquisa
de campo fosse realizada.
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Lista de siglas
CRIAAD – Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente
DEGASE – Departamento Geral de Ações Socioeducativas
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ESE – Educandário Santo Expedito
MSE – Medida Socioeducativa
PIA – Plano Individual de Atendimento
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................09
CAPÍTULO 1 - Mediação.................................................................................11
1.1 Mediação de conflitos ...............................................................................11.
1.2 Breve histórico da mediação no Brasil ....................................................14...
1.3 - O papel do mediador...............................................................................15
CAPÍTULO 2 - Medida Socioeducativa...........................................................18
2.1 DEGASE....................................................................................................21
2.2 O perfil dos adolescentes..........................................................................22
CAPÍTULO 3 - Discussão................................................................................20
3.1 Práticas que adotaram a mediação de conflitos........................................27
CONCLUSÃO..................................................................................................31
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.....................................................................33
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INTRODUÇÃO
O presente estudo vem atender a necessidade de apresentação de um
trabalho de conclusão do curso de Mediação de Conflitos com Ênfase na
Família. O interesse surgiu da experiência como assistente social no
Educandário Santo Expedito, unidade do Departamento Geral de Ações
Socioeducativas (DEGASE), entre 2011 e 2015, onde adolescentes do sexo
masculino, com idade entre 16 e 18 anos, que praticaram algum tipo de ato
infracional, cumprem medida socioeducativa de internação.
A partir das situações conflituosas que ocorrem constantemente entre os
adolescentes na unidade, foi despertado o interesse em conhecer os reais
motivos desses conflitos, como estes eram solucionados e principalmente e de
que modo cada um de nós funcionários da instituição poderíamos fazer para
mudar a situação.
Nós sabemos, portanto, que os conflitos quando não solucionados de
forma pacífica, tendem a se tornar algo com caráter mais grave, ou melhor,
podem de alguma forma gerar brigas, confusão, tumulto, comprometendo a
segurança de todos. E, nesse momento, é necessária a intervenção de agentes
socioeducadores para evitar o agravamento da situação.
Deste modo, buscando alguma maneira de evitar atos de violência entre
os adolescentes, pensei na possibilidade da utilização da mediação de conflitos
em situações dessa natureza.
Por questões inerentes à minha vontade, me afastei por um longo
período, justamente quando já havia planejado realizar uma pesquisa de
campo na unidade para aprofundar meu estudo a respeito do assunto. Em
razão da não continuidade no equipamento, concluí que seria viável dedicar-
me a um estudo por meio de pesquisa bibliográfica.
Assim, esse trabalho vem apresentar a ideia da mediação como forma
mais adequada para solucionar os conflitos entre os adolescentes em
cumprimento de medida de internação e não apenas nesse espaço, mas em
todos os lugares possíveis.
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Com a utilização desse recurso visamos uma convivência democrática,
em um ambiente mais humanizado, uma vez que a mediação facilita a
comunicação, ameniza os ânimos e minimiza a violência institucional.
Como proposta inicial, descrevo, no capítulo I, um pouco sobre a
utilização dessa experiência no Brasil. No segundo capítulo falo como se dá a
medida socioeducativa, faço um breve relato sobre a instituição DEGASE, o
Educandário Santo Expedito, unidade em que atuei. Destaco também o perfil
dos adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa de
internação. Em seguida, apresento algumas experiências de mediação de
conflitos na área da educação, e encerro o trabalho sugerindo a implantação de
dessa técnica no DEGASE como forma de melhorar a comunicação e prevenir
situações conflituosas e de violência, além da necessidade de haver uma
capacitação dos servidores que lidam diretamente com os adolescentes na
unidade.
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CAPÍTULO 1
MEDIAÇÃO
2.2- Mediação de Conflitos
Para entender um pouco sobre a prática da mediação, é necessário
conhecer o significado dessa palavra. Ela é procedente do latim: mediare, quer
dizer mediar, dividir ao meio ou intervir. Como ponto de partida, fomos
pesquisar o que dizem alguns autores dos dicionários de referência da língua
portuguesa:
Aurélio: Ato ou efeito de mediar, Intervenção. Houaiss: Ato ou efeito de mediar, ato ou efeito de servir entre intermediário entre pessoas ou grupos. Sacconi: Ato ou efeito de mediar entre partes contrárias, para buscar uma solução do conflito.
Segundo Moore (1996) define como a interferência em uma negociação
ou em um conflito, de uma terceira pessoa que seja aceitável, tendo o poder de
decisão limitado ou não autoritário, e que ajuda as partes envolvidas a
chegarem, voluntariamente, a um acordo, mutuamente, aceitável em relação às
questões em disputa”.1
Na concepção de Adolfo Braga Neto, temos o seguinte:
Mediação é uma técnica não-adversarial de resolução de conflitos, por intermédio da qual duas ou mais pessoas (físicas, jurídicas, públicas, etc) recorrem a um especialista neutro, capacitado, que realiza reuniões conjuntas e/ou separadas, com o intuito de estimulá-las a obter uma solução consensual e satisfatória, salvaguardando o bom relacionamento entre elas (BRAGA NETO, 1999, p.93):
Para Jean-François Six, a “mediação consiste em estabelecer ligações
onde elas ainda não foram feitas, suscitar o agir comunicacional onde não
existe”.
1 MOORE, Christopher W. - The Mediation Process: Practical Strategies for Resolving Conflict - 2° edição, San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996 - p.15.
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Como iremos tratar do tema mediação de conflitos, é importante
destacar também seu significado. Conflito quer dizer oposição de interesses,
sentimentos, ideias, luta, disputa, desentendimento, briga confusão, tumulto,
desordem.
No dicionário Houaiss, encontramos a seguinte concepção de conflito:
1. profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes;
2. choque, enfrentamento, discussão”.
No entanto, sabemos através da história, que os conflitos surgiram entre
os povos antigos, pela luta de terras, questões religiosas, dentre outros
motivos. Contudo, não podemos considerar que sua existência é algo negativo.
Vários autores afirmam que os conflitos são positivos, pois é a partir das
contradições, opiniões diferentes, que podemos criar outras soluções, e assim
somos estimulados a pensar e apresentar novas ideias que nos ajudarão a
enfrentar os problemas.
Os conflitos fazem parte do cotidiano nas relações interpessoais e
acontecem em vários espaços, como: dentro de nossas casas, no trabalho, na
escola, na comunidade, na rua. Porém, nem sempre são solucionados de
forma pacífica e dependendo de sua dimensão estes tendem a gerar a
violência.
A grande dificuldade que percebemos diante tal situação é que as
pessoas nem sempre sabem administrar seus problemas, e por não encontrar
a solução, agem de maneira equivocada, criam mais problemas, perdem o
controle da situação, reagindo de forma agressiva com o outro.
Ainda sobre a definição de conflito, Muszkat, destaca o seguinte:
O conflito geralmente se inicia por um pequeno desentendimento, que dependendo da habilidade e flexibilidade na comunicação entre as partes que se desentenderam, pode vir ou não a se transformar em uma controvérsia, que por sua vez desaguará o conflito, agora como franca disputa (Muszkat, 2008, p 29).
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Voltando ao termo mediação de conflitos, vimos que para a autora, ela é
um meio de reduzir a desigualdade e a violência, e acredita que talvez seja
essa a razão de estar cada vez mais implementada nos mais diversos grupos,
por ser um modelo eficaz para a transformação social.
Schnitman (1999, p 19) afirma que “As mediações podem ser definidas
como práticas emergentes que operam entre o existente e o possível”
A autora Sales,(2003), especialista em mediação de conflitos, aponta
como objetivos da mediação: solução de conflitos, prevenção de conflitos,
inclusão social (conscientização de direitos, acesso à justiça) e paz social. A
autora finaliza, esclarecendo que a prevenção de conflitos por meio de um
acordo justo, fruto da boa administração do impasse e não apenas para evitar a
demanda judicial, constitui o objetivo primordial da mediação.
O segundo objetivo da mediação é a prevenção de conflitos, pois há um
aprofundamento no problema exposto à mediação, possibilitando o encontro e
a solução real do conflito. Com isso quer dizer que a mediação visa levar a
resolução de conflitos futuros.
O terceiro objetivo é a inclusão social, uma vez que oferece aos
cidadãos uma participação ativa na resolução de conflitos, resultando no
crescimento do sentimento de responsabilidade civil e de controle sobre os
problemas vivenciados.
A prevenção de conflitos e a inclusão social proporcionam a
concretização do quarto objetivo que a paz social.
Com essas definições, podemos entender como a utilização da
mediação de conflitos pode auxiliar nos momentos de tensão ocorridos entre os
adolescentes em privação de liberdade, tendo em vista a principal finalidade
que é a prevenção dos conflitos, proporcionando a participação de todos,
tornando-os mais responsáveis na busca pela harmonia e nas relações
interpessoais.
Em vista do momento atual em que vivemos, não só no Brasil, mas em
todo o mundo, os conflitos tendem a crescer e estão tomando proporções de
modo que torna as pessoas mais individualistas, assustadas, doentes. Os
hábitos estão mudando, mas ao mesmo tempo percebe-se que há uma
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organização para geral em busca da paz. São movimentos que exigem dos
governantes mudança nas leis, porém precisamos de muito mais. Precisamos
ter nossos direitos constitucionais garantidos.
2.2- Breve histórico da mediação no Brasil
A mediação teve início nos anos 70, nos E.U.A, em seguida foi se
difundindo para outros lugares como: o Canadá, a China e alguns países da
Europa, que aos poucos se adaptaram na busca de solução de seus próprios
problemas.
No Brasil, a Constituição Imperial de 1824, já previa nos artigos 160 e
161 as relações extrajudiciais, assim como a Carta Magna, de1891, também
citava a conciliação. Contudo, foi a partir da Constituição Federal de 1988, a
chamada Constituição Cidadã, que previa no artigo 98, inciso I e II que a justiça
de paz é:
“composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação. ”
Outro marco importante foi o Projeto de Lei nº 4.827, de 1998, criado por
Zulaiê Cobra Ribeiro, Deputada Federal por São Paulo, que institucionaliza a
disciplina de mediação, como método de prevenção e solução consensual de
conflitos. Vejamos a seguir esse artigo:
Art. L° Para os fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por terceira pessoa, que, escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o propósito de lhes permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos. Parágrafo único. É lícita a mediação em toda matéria que admita’ conciliação, reconciliação, transação, ou acordo de outra ordem, para os fins que consinta a lei civil ou penal.
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Assim sendo, visando a solução dos conflitos de forma eficaz, com mais
agilidade, buscando a participação comunitária e contribuindo para a cultura de
paz, foram criados os Núcleos de Mediação Comunitária. Estes espaços têm
trazido bons resultados, tanto para a comunidade, quanto para o governo, se
levarmos em conta a redução de processos. Eles possibilitam a prática da
cidadania e da inclusão social em suas conquistas individuais e coletivas.
Contudo, podemos dizer que essa experiência no Brasil ainda é
irrelevante, ou seja, pouco utilizada se analisarmos o grande contingente de
processos que poderiam ser solucionados através dessa experiência.
A utilização dessa prática vem atender principalmente os indivíduos que
com suas questões de menor impacto sócio econômico estão aguardando uma
solução na esfera jurídica. Em razão do acúmulo de serviço e a morosidade
para sanar os problemas, a mediação de conflitos tem sido uma grande aliada
de ambas as partes, pois é através dessa alternativa que muitos podem
encontrar de forma mais rápida a solução de forma pacífica através do diálogo
entre as partes com ajuda de um mediador.
É importante destacar quais conflitos podem ser mediados: aqueles
relativos aos direitos transigíveis. Já os vedados são os que dizem respeito à
adoção, filiação, familiar, nulidade de casamento, recuperação judicial e
falência.
2.2- – O papel do mediador
O mediador pode ser qualquer pessoa indicada pelas partes ou por
órgãos estatais. Deve ser alguém preparado para exercer tais funções e que
possua bom senso para o desenvolvimento do processo. No segundo artigo do
Projeto de Lei nº 4.827, de 1998, temos uma maior clareza.
Art. 2° Pode ser mediador qualquer pessoa capaz e que, tenha formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito. § Pode sê-lo também a pessoa jurídica que, nos termos do objeto social, se dedique ao exercício da mediação por intermédio de pessoas físicas que atendam às exigências deste artigo. §’2°’ No desempenho de sua função, o mediador deverá
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proceder, com imparcialidade, independência, competência, diligência e sigilo.
Sampaio e Neto (2007, p 79), citam que para Moore, parte-se do
princípio de que “uma terceira parte será capaz de alterar o poder e a dinâmica
social do relacionamento conflitado, influenciando as crenças ou os
comportamentos das partes individuais”.
O mediador deve estar capacitado a prestar esclarecimentos, assegurar
o equilíbrio entre os mediadores. É necessário que ele tenha habilidade de
compreender os vários pontos de vista, sendo, portanto, imparcial e
principalmente seja sigiloso. Diante os mediados ele será um líder, um agente
transformador para cada uma das partes que terão capacidade de adquirir seus
conhecimentos em outras situações de conflitos. Outro papel importante do
mediador é o de facilitador do processo, quando se refere à utilização da
comunicação, deixando as partes à livres para que elas mesmas possam
perceber seus reais conflitos.
O mediador precisa ter conhecimento de técnicas específicas e ser
qualificado, procurando sempre o aperfeiçoamento profissional. Esse
profissional requer de conhecimentos e habilidades específicos.
Este autor ainda ressalta que apesar do mediador não ser um terapeuta,
ele deve estar familiarizado com as técnicas psicológicas para auxiliar as
partes a lidarem com as suas emoções. Eles ainda devem observar os sinais
como o tom de voz, o ritmo das palavras, as expressões faciais, as mudanças
na postura e os movimentos corporais.
A partir dessas definições, fica claro que o socioeducador precisa ser
capacitado para assumir a posição de mediador. Contudo entendemos que é
preciso romper as barreiras da relação entre eles, mas a mudança tem que
partir do tratamento que é dado ao adolescente, não deixando, portanto, de
ficar estabelecido que existem regras a serem cumpridas.
Não propomos aqui que todos tenham o papel de mediador, pois isso
seria uma utopia, mas acreditamos que de acordo com o perfil desse
socioeducador, pode-se realizar uma seleção uma vez que há agentes que se
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identificam com determinadas tarefas, são mais comunicativos, têm mais
sensibilidade e um olhar diferenciado.
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CAPÍTULO 2
As Medidas socioeducativas e os adolescentes
Constituição Federal Brasileira quando adotou a Doutrina de Proteção
Integral. A Declaração Universal dos Direitos das Crianças da ONU de 1959, já
dava os primeiros passos ao reconhecer crianças e adolescentes como seres
em desenvolvimento, deixando de ser objeto de direitos para sujeitos de
direitos. Estabelecendo que a proteção não seja obrigação apenas da família,
mas também do estado e da sociedade. Mesmo assim, no Brasil, o Código de
Menores de 1979, ainda reconhecia a família como a única responsável pelos
menores de idade. Conhecido como o Código Penal, tinha função meramente
punitiva àqueles que eram considerados em situação irregular
Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis. Isso quer dizer
que não devem cumprir penas como o adulto, que está submetido ao Código
Penal. No que diz respeito aos adolescentes que comentem um ato
considerado violento, estes devem receber um tratamento diferenciado e não
podem sofrer qualquer tipo de punição. Nesses casos, são aplicadas medidas
protetivas e socioeducativas amparados pelo ECA, levando-se- em conta a
gravidade do ato infracional praticado.
As Medidas socioeducativas são medidas aplicadas pelo juiz da infância
e juventude aos adolescentes autores de atos infracionais, previstas no art. 112
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Elas têm o caráter pedagógico
e sancionatório, devendo atentar para a obrigação da escolarização,
profissionalização, além da oferta da assistência integral. Contudo, ainda hoje,
uma parcela da população não conhece seus objetivos.
As medidas previstas são:
Advertência: trata-se de uma repreensão branda; uma admoestação ao
adolescente sobre o ato infracional praticado e do aconselhamento para que
não volte a fazê-lo. Se aplica esta medida ao adolescente autor de ato
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infracional leve, adolescente primário, de modo a presumir-se que seja a
advertência suficiente.
Obrigação de Reparar o Dano: consiste na restituição da coisa, ou no
ressarcimento do dano causado ou na compensação do prejuízo da vítima,
seja através de pagamento pecuniário ou outra forma prevista em lei.
Pela sua natureza esta medida estende-se também aos responsáveis pelo
adolescente.
Vale ressaltar que qualquer dessas alternativas tem caráter eminentemente
pedagógico, quer pelo efeito compensatório imediato, quer pela carga
psicológica positiva no enfrentamento do ato por parte do adolescente.
Prestação de Serviços à Comunidade: Consiste na prestação de serviços
gratuitos e de interesse geral da comunidade, realizados dentro do prazo
determinado pelo juiz, por oito horas semanais. É uma maneira do adolescente
ser útil à sociedade, servindo-a, melhorar a sua socialização e poder refletir
sobre o ato infracional praticado. Este trabalho deverá levar em consideração
as aptidões do adolescente e ser realizado de modo a não prejudicar sua
frequência à escola ou atividade laborativa.
Liberdade Assistida: Esta medida visa acompanhar o adolescente na sua
vida social (escola, trabalho e família), através de um acompanhamento
personalizado ajudando-o a redimensionar a sua convivência familiar e
comunitária. Esta medida pressupõe a indicação de pessoa para
assessoramento da sua execução – é a figura do orientador, que tem a
responsabilidade também de auxiliar e orientar o adolescente (ECA, - Art 118).
A proteção integral deve ser alcançada através de atividades que visem a
inserção comunitária, manutenção dos vínculos familiares, frequência à escola
e inserção no mercado de trabalho através da oferta de cursos de orientação
profissional ou profissionalizantes e formativos.
Inserção em Regime de Semiliberdade: A medida é cumprida em uma
unidade (em regime semiaberto, com direito a frequentar a escola, cursos
profissionalizantes e outras atividades formativas durante o dia, dentro ou fora
da unidade, porém, obedecendo às normas da unidade, quanto ao horário de
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saída e retorno destas atividades. Pressupõe muita responsabilidade e
comprometimento no cumprir a medida sob pena de regressão para a medida
de internação.
Internação: Esta medida é aplicada ao autor de ato infracional grave ou que
tenha conduta de prática reiterativa de atos infracionais graves. Somente é
aplicada se não houver outra medida mais adequada ao caso. Embora sujeita
aos princípios da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição
peculiar do adolescente como de pessoa em desenvolvimento não pode
ultrapassar o prazo de 03 anos. Esta medida deve ser avaliada no máximo a
cada seis meses pelo juiz, após apresentação do relatório da equipe técnica da
unidade de internação.
Como o trabalho se limita a falar sobre a possibilidade de aplicação de
mediação de conflitos com adolescente em restrição de liberdade, daremos
ênfase a essa medida. O cumprimento da medida terá como foco o
atendimento personalizado através da equipe interdisciplinar.
O ECA prevê:
Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Artigo 121: A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º. Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 4º. Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado fim regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. § 5º. A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º. Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
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Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Em consonância ao ECA, vemos que é obrigatório o oferecimento da
escolarização, cursos profissionalizantes, incluindo também atividades
culturais, esportivas e de lazer, além do fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários.
Nesse sentido, o DEGASE, para cumprir com tais determinações,
realizou há pouco tempo um concurso público para diversas áreas, no entanto
ainda assim, há falta de profissionais para cobrir o quadro necessário. Há falta
de técnicos e agentes socioeducativos, uma vez que de acordo com o SINASE,
cada técnico deveria atender no máximo 20 adolescentes e no momento
atendemos mais que o dobro.
A equipe técnica é formada por assistentes sociais, psicólogos e
pedagogos. Há também profissionais como os agentes socioeducativos, os da
área da saúde, educação entre outras.
A reavaliação de medida é realizada pela equipe técnica, que através de
atendimento psicossocial com o adolescente e seu familiar, estudo de caso,
observação, elabora os relatórios técnicos contendo seus pareceres
individuais. De acordo com o desenvolvimento do adolescente e a capacidade
de cumprir a medida, indica ou não a progressão ou a manutenção de medida,
além de enviar em anexo para o Juizado da Infância e da Juventude o
formulário do Plano Individual e Atendimento (PIA).
O PIA – Plano Individual de Atendimento está inserido na Lei do SINASE
(Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012), em seu capítulo IV.
“A ação socioeducativa deve respeitar as fases de desenvolvimento
integral do adolescente levando em consideração suas potencialidades, sua
subjetividade, suas capacidades e suas limitações, garantindo a articularização
no seu acompanhamento. Portanto, o Plano Individual de Atendimento (PIA) é
um instrumento pedagógico fundamental para garantir a equidade no processo
socioeducativo”. (SINASE)
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O plano é atualizado constantemente, junto ao adolescente. Ele deve
ser preenchido em conjunto com a família. Nele são traçadas metas para o
futuro e os passos que precisam ser tomados. Quando o adolescente é
estimulado a participar, refletir sobre sua vida, falar de seus sonhos e
perspectivas, é porque ele está se tornando mais autônomo, exercendo sua
cidadania.
2.1 – DEGASE
O DEGASE – Departamento Geral de Ações Socioeducativas é um
órgão vinculado a Secretaria de Estado de Educação, que tem a
responsabilidade de promover socioeducação no Estado do Rio de Janeiro.
Criado pelo Decreto nº 18.493, de 26/01/93, o Departamento Geral de Ações
Socioeducativas é um órgão do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro,
responsável pela execução das medidas socioeducativas, preconizado pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplicadas pelo Poder Judiciário
aos jovens em conflito com a lei.
A instituição é composta por unidades de privação de liberdade e
restrição de liberdade. Nosso trabalho se limita a falar da unidade de privação
de liberdade, conhecida como Educandário Santo Expedito, (ESE), localizado
na Estrada Guandu do Sena, 1092, Bangu- Rio de Janeiro, onde trabalhei por
quatro anos como assistente social.
O Educandário tem uma característica diferenciada das demais
unidades previstas para acolher os adolescentes, principalmente por estar
localizado dentro do Complexo Penitenciário de Bangu. O Ministério Público há
anos vem tentando interditar a unidade por considerar inapropriada para
execução de medida socioeducativa. Este equipamento mesmo sem estrutura
deveria atender no máximo 90 adolescentes do sexo masculino, mas por
inúmeras razões, que não nos cabe aqui apontar, vem sofrendo com a
superlotação, que recentemente contava com mais de 300.
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No entanto, percebe-se que em razão da superlotação, o acúmulo de
atividades, e o número de profissionais reduzido, o trabalho fica comprometido,
dificultando o a realização de grupos de discussão permanente.
O ESE já foi palco de muitos conflitos, rebeliões, fugas, e na maioria das
vezes por questões justas, ou seja, adolescentes reivindicavam melhores
condições de acomodação, de alimentação, queixas de maus tratos, entre
outros.
O que temos presenciado nesses últimos anos, foi o esforço e empenho
de cada diretor de unidade em proporcionar melhores condições não só para
os adolescentes, como também para os servidores. Algumas reformas foram
realizadas, tais como ampliação de espaço para atendimento individualizado,
que, reforma do refeitório, sala de espera para os familiares, mas ainda assim,
há muito que se fazer.
Existe a possibilidade de transferência da unidade para outro local
também na zona oeste, mas ao que nos parece ainda levará algum tempo.
2.2- O perfil dos adolescentes
Com a promulgação da CF de 1988, crianças e adolescentes passaram
a ter prioridade absoluta. Em 1990, mais outro marco histórico surge no Brasil o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Conhecido como ECA em seu primeiro
artigo já se define bem que criança é a pessoa com idade de 0 a 12
incompletos e adolescente, de 12 a 18 incompletos.
Adolescência é uma etapa intermediária do desenvolvimento humano,
entre a infância e a fase adulta. Este período é marcado por diversas
transformações corporais, hormonais e até mesmo comportamentais. Não se
pode definir com exatidão o início e fim da adolescência (ela varia de pessoa
para pessoa), porém, na maioria dos indivíduos, ela ocorre entre os 10 e 19
anos de idade (período definido pela OMS – Organização Mundial da Saúde).
Chamamos a atenção para o termo muito utilizado, “menor”. Este ainda
hoje tem seu significado pejorativo, pois o chamado “menor” em certos casos é
aquele considerado o infrator, que está em conflito com a lei. Por outro lado, os
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que têm idade entre 12 e 18 anos que não estejam envolvidos em nenhuma
prática ilícita, são chamados de adolescentes. Tais exemplos são vistos todos
os dias na mídia.
Consideramos necessário destacar como se deram as mudanças
relativas às crianças e adolescentes a partir de 1988 com a implementação da
Constituição Federal Brasileira quando adotou a Doutrina de Proteção Integral.
A Declaração Universal dos Direitos das Crianças da ONU de 1959, já
dava os primeiros passos ao reconhecer crianças e adolescentes como seres
em desenvolvimento, deixando de ser objeto de direitos para sujeitos de
direitos. Estabelecendo que a proteção não seja obrigação apenas da família,
mas também do estado e da sociedade. Mesmo assim, no Brasil, o Código de
Menores de 1979, ainda reconhecia a família como a única responsável pelos
menores de idade. Conhecido como o Código Penal, tinha função meramente
punitiva àqueles que eram considerados em situação irregular.
É importante ressaltar que os dados aqui contidos são baseados nos
atendimentos realizados pela assistente social que trabalhou na unidade por
quatro anos elaborando parecer técnico, a ser enviado juntamente com o
parecer psicológico e pedagógico.
Iniciamos destacando que no Educandário Santo Expedito, todos os
adolescentes são do sexo masculino, com idade entre 16 e 18, chegando em
alguns casos até os 21, a grande maioria se declara negros ou pardos,
evadiram da escola, possuem baixa escolaridade, são moradores de
comunidades do Rio de Janeiro e outros municípios, estão fora do mercado de
trabalho, não possuem curso profissionalizante, vindos de famílias
monoparentais, família numerosa, beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Em muitos os casos o genitor não participa da educação dos filhos, alguns já
vivenciaram situações de violência doméstica, há casos de uso de álcool e ou
drogas na família.
Constatamos também um grande número de adolescentes reincidentes,
que descumpriram medidas anteriores, estão em situação de vulnerabilidade
social, perderam os vínculos com seus familiares.
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Esses adolescentes estão em situação de vulnerabilidade social, com
dificuldade de acessar os direitos básicos. Eles alegam que se envolveram em
ato infracional porque queriam se sentir importantes, iguais aos outros, que
precisavam adquirir bens para frequentar bailes, ter muitas mulheres, usar
arma de fogo.
Como vimos anteriormente no ECA, as unidades de internação têm que
oferecer diversas atividades, tais como escolarização, profissionalização,
atendimento psicossocial, médico, esporte, cultura, entre outras. Contudo,
diante ao número elevado de adolescentes ser superior ao que a unidade
comporta, e também a falta de estrutura, a necessidade de dividi-los por
facções rivais, não é possível atender a todos, e assim, alguns ficam um
período ociosos.
Essa ociosidade provoca mudanças no comportamento, uma vez que
devemos lembrar que o adolescente está em fase de desenvolvimento. Ficar
sem atividades causa angústia, revolta, ansiedade, principalmente se fizer uso
abusivo de drogas e outras substâncias ilícitas. Daí é provável que esse estado
de inércia seja um dos motivos para os conflitos gerados entre eles dentro do
alojamento. É preciso compreender porque razões os adolescentes se
desentendem, brigam uns com os outros, se agridem de forma violenta. Há
registros de homicídios provocados por eles mesmos, causado por terem
ficado juntos no mesmo alojamento e pertencerem a facção rival. Parece que
isso é um lema entre eles, que respondem: “se eu não matasse, eu seria
morto”.
Tem sido comum assistirmos vídeos de brigas nas escolas, nos bailes,
nas ruas, e em tantos outros lugares, tornando as cenas um espetáculo
principalmente nas redes sociais. A violência está cada vez mais banalizada.
As pessoas influenciadas pela mídia, aspira por vingança, julgam a todos
mesmo sem conhecer os fatos.
Por esta razão nós profissionais de todas as áreas, temos que estar
atentos ao prejulgamento ao preconceito. Não estamos na unidade para julgar,
mas sim para buscar alternativas em conjunto para melhoria de vida.
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Muitas vezes não encontramos uma resposta para tantos conflitos. Eles
discutem sem motivo e são capazes de agredir quem os contraria. Essa atitude
impensada é uma resposta à sua visão de mundo, a falta de respeito com o
outro, a falta de amor ao próximo, à negligência sofrida, aos maus tratos dentro
da unidade.
A violência é definida como toda e qualquer forma de constrangimento,
coerção ou subordinação exercida sobre outra pessoa por uso abusivo do
poder. Ela é uma resposta a algo que não nos agrada, que nos incomoda.
Essas reações nem sempre são esperadas e as vezes são praticadas por
quem nem imaginamos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso
de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra
pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em
sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.
Analisando todos esses aspectos, percebemos que a violência é uma
herança trazida desde a infância. Alguns estudos afirmam que as crianças
vítimas de negligência, abuso, violência doméstica, conflitos familiares, tendem
a reproduzir tais atos na fase adulta.
Esses sinais também são identificados quando fazemos o estudo social
dos adolescentes, e atendemos suas famílias para elaboração dos relatórios de
reavaliação de medida. Vemos que grande parte dos adolescentes em
cumprimento de medida, como destacamos no perfil, vieram de famílias com
histórico de violência doméstica e grandes conflitos dentro de casa.
Além dos relatórios com parecer social, psicológico e pedagógico,
utilizamos de outro instrumento que é o Plano Individual de Atendimento (PIA).
É o momento em que o adolescente tem a possibilidade refletir sobre o
que deseja alcançar, de traçar metas para o futuro, o que ele deve fazer e o
que fazer para atingir seus objetivos através do apoio da família, da sociedade
e do Estado.
Com esse exercício, entendemos que o adolescente seja capaz de
avaliar sua postura num momento de tensão e não agir precipitadamente.
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CAPÍTULO 3
Práticas que adotaram a mediação de conflitos
Como já dissemos antes, fomos buscar experiências que utilizaram a
mediação de conflitos entre adolescentes.
No texto de Lima e Botarelli2 (2012), encontramos a experiência do
professor que utilizou a mediação escolar entre estudantes da rede estadual de
ensino de São Paulo que apresentavam dificuldade de se relacionar, criando
vários conflitos. O estudo fala da intervenção feita com adolescentes em
conflito com a lei e os educadores. Sua iniciativa foi dialogar com os
profissionais da educação para sensibilizá-los e fazê-los acolher esses alunos
de modo a não os deixar constrangidos, tomando como norte as “Normas
Gerais de Conduta Escolar”, “Manual de Proteção Escolar e Promoção da
Cidadania”, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo; “Estatuto da
Criança e do Adolescente, ECA”, “Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, SINASE”.
O professor destaca que o que mais lhe incomodava era a falta de
diálogo entre educador e aluno, e que até os dias atuais isso acontece.
Na escola pública as mesmas cenas se repetem, os gritos nos corredores com os alunos, a falta de comunicação da entidade escola com os estudantes e com a comunidade, representada pelos profissionais da educação; muitos professores continuam fazendo uso do “eu sei, você é apenas um aluno, está aqui para aprender e eu para ensinar.
Destaca ainda a necessidade de reconhecer o adolescente como um
ser, com suas particularidades, diferente de cada um.
2 Lima, Adenildo de; Botarelli, Adalberto. “Um olhar socioeducativo: relato de experiências em mediação de conflitos no ambiente escolar”. IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario9/PDFs/2.67.pdf> Acesso em: 03/08/15.
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Como professor mediador, tive a oportunidade de acompanhar os conflitos no ambiente escolar. Os alunos considerados “problemas”, agressões por parte dos estudantes, fazendo uso da violência física e psicológica e receber os familiares para conversar. Essas e outras atividades foram passadas para mim. E todos os casos considerados problemáticos, foram resolvidos. E não fiz nada que qualquer educador não possa fazer, fiz uso do diálogo e de um olhar diferenciado que chamo de um olhar socioeducativo. O olhar de um profissional da educação que antes de falar, prefere ouvir, que não toma nenhuma decisão sem ter ouvido as duas partes, que escuta o estudante.
Como pudemos perceber, o professor afirma que através da escuta, de
um olhar diferenciado, de atenção aos familiares, pode resolver os problemas,
e ainda, destaca, que esse tipo de atitude poderia ser feito por qualquer
pessoa. E é exatamente isso que devemos fazer em qualquer situação de
conflito. Não podemos tomar atitudes precipitadas sem antes ouvir as partes
envolvidas.
Outro exemplo que tem sido adotado desde 2012 é do “O projeto Jovens
e seu potencial criativo na resolução de conflitos” — promovido pelo CECIP em
parceria com a Secretaria Municipal de Educação e financiado pela Petrobras.
Esse projeto tem como objetivo contribuir para a ampliação da Cultura de Paz,
buscando respostas efetivas a situações de conflito. Os valores adotados são:
o empoderamento; a responsabilização; o respeito e o diálogo.
O diálogo é uma forma de resolução pacífica de conflitos e o
cumprimento estrito dos direitos fundamentais de todos os sujeitos envolvidos.
Ao lidarem com os conflitos, descartam a punição e buscam conhecer as
causas que levaram cometimento do ato violento.
O Programa Ética e Cidadania do Ministério da Educação, indica a
importância da existência de Fóruns e Assembleias Escolares formados por
estudantes, profissionais da educação, dirigentes, pais e responsáveis,
lideranças comunitárias, associações e conselhos tutelares, etc, como espaço
para resolução de conflitos. Esses Programas educativos, podem de acordo
com Sastre e Moreno:
Formar os(as) alunos(as), desenvolver sua personalidade, fazê-los(as) conscientes de suas ações e das consequências que acarretam,
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conseguir que aprendam a conhecer melhor a si mesmos(as) e às demais pessoas, fomentar a cooperação, a autoconfiança e a confiança em suas companheiras e seus companheiros, com base no conhecimento da forma de agir de cada pessoa, e a beneficiar-se das consequências que estes conhecimentos lhes proporcionam. A realização destes objetivos leva a formas de convivência mais satisfatórias e à melhoria da qualidade de vida das pessoas, qualidade de vida que não se baseia no consumo, e sim em gerir adequadamente os recursos mentais ... intelectuais e emocionais – para alcançar uma convivência humana muito mais satisfatória (2002, p. 58).
No nosso caso, que lidamos com adolescentes em cumprimento de
MSE, o trabalho ainda é mais desafiador, mas vemos pessoas empenhadas
em desenvolver tais ações.
Os profissionais estão sempre buscando aprimoramento e acreditam
que é possível mudar com ações que envolvam tanto os adolescentes quanto
seus familiares.
Os adolescentes estão na unidade para cumprir uma determinação
judicial, ou seja, não estão espontaneamente e então podem até assumir uma
postura de rejeição, de rebeldia, pois não estão habituados a discutir em grupo,
refletir, expor suas ideias.
O que se pretende com a aplicação da medida socioeducativa é que o
adolescente seja capaz de atingir sua autonomia, tornando-se um cidadão
capacitado para o ingresso no mercado de trabalho, que ele se reconheça
como protagonista de sua própria história, que seja visto como uma pessoa em
desenvolvimento que necessita ter seus direitos básicos garantidos.
O professor Antonio Carlos Gomes da Costa aponta que “educar é criar
espaços para que o educando, situado organicamente no mundo, empreenda,
ele próprio, a construção de seu ser em termos individuais e sociais”.
O trabalho socioeducativo tem início no momento da chegada do
adolescente na unidade. Os adolescentes recebem seus novos pertences:
colchão, roupa de cama, de banho, uniforme, produtos de higiene pessoal,
além de um numero, pelo qual será chamado em vários momentos, deixando
sua “identidade” de lado. Essa prática já foi muito criticada e atualmente tem-se
trabalhado para que todos sejam chamados pelo seu nome.
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Em seguida, ele é atendido por um técnico que irá ouvi-lo para o
preenchimento da ficha social. Esse é um dos momentos mais importantes
para o adolescente e para o profissional que com seu olhar diferenciado, é
capaz de identificar várias demandas, conhecer um pouco da dinâmica familiar
e as quem sabe, as razões que o levaram a praticar o ato infracional. Essa
relação deve ser horizontal. O adolescente tem que se sentir bem acolhido,
respeitado, ter confiança em quem está lhe dando atenção.
O trabalho com os adolescentes tende a ser mais eficiente quando se
tem a presença da família no processo socioeducativo. Geralmente a presença
marcante é da mãe, seguida da avó, dos filhos e da companheira. O genitor
nem sempre comparece. As visitas são feitas aos finais de semana, no sábado
para os que têm matrícula impar e no domingo para numeração par.
Há também um encontro com as famílias que acontece mensalmente.
Nesse momento os responsáveis têm a oportunidade de questionar, trocar
experiências, se informar. Ressaltamos que cada família também é atendida
individualmente nos primeiros dias em que o adolescente chega à unidade.
Os atendimentos são realizados semanalmente e preferencialmente com
a presença do adolescente. Elas são informadas sobre a medida, processo,
regras da unidade, relatório e PIA.
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CONCLUSÃO
Como dissemos no início desse trabalho, a implantação da mediação de
conflitos entre os adolescentes em cumprimento de medida de internação, e
demais profissionais na unidade pode se tornar uma ferramenta para
prevenção da violência dentro da unidade. Isto porque os conflitos quando não
resolvidos tendem a tomar uma proporção cada vez maior. Pois geralmente
eles são pouco ouvidos.
Nossos objetivos estão voltados para uma grande mudança a contar dos
profissionais que precisam estar estimulados.
No que diz respeito aos adolescentes em cumprimento de medida,
pensamos que a prática do diálogo horizontal e a forma de tratamento pode
melhorar a relação.
Quando recebemos o adolescente que praticou um ato infracional,
temos que tratá-lo naturalmente, mostrando que está 31li para se ressocializar.
É uma determinação judicial. Terá que ficar em restrição de liberdade por um
tempo indeterminado e nesse período em que estiver na unidade terá a chance
de repensar sobre seus atos.
Sabemos que não é em alguns meses que eles irão mudar
completamente, e nem garantimos que não irão praticar novamente uma
infração, mas vamos trabalhar para que ele tenha acesso a outros
conhecimentos, que aprenda uma profissão, que volte a se interessar pelos
estudos.
Queremos prepará-los para vida em sociedade, para aprender a
respeitar a opinião do outro, saber perder, saber opinar, estimular a
criatividade, saber enfrentar os problemas e pensar nas possibilidades para
solucioná-los.
A utilização da mediação de conflitos deve ser tida como uma prática
que vai melhorar a comunicação, a participação, ajudar na elevação da
autoestima, levar a responsabilização de seus atos.
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Com isso, esperamos melhorar a qualidade de vida dos profissionais,
minimizar os conflitos, reduzir situações de tensão que geram a violência.
Acreditamos que é possível implantar a mediação de conflitos não só
nas unidades de internação, mas em todo o DEGASE, oferecendo capacitação,
cursos, palestras, mostrando experiências concretas que deram resultados
eficazes.
Espero que com esse trabalho possa ter dado uma contribuição ao
processo socioeducativo.
33
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BITTENCOURT, Bianca da Rosa. Mediação: uma alternativa para resolução
de conflitos no direito de família. REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano V – nº
5.Curitiba. Juriá. 2006.
BOTARELLI. Um olhar socioeducativo: relato de experiências em mediação e conflitos no ambiente escolar. IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-51703. BRAGA NETO, Adolfo e SAMPAIO, Lia Regina Castaldi. O que é mediação de conflitos. São Paulo: Editora Brasiliense. 2007.
CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular. Paz em movimento – trajetória do projeto “jovens e seu potencial criativo na resolução de conflitos em escolas municipais do Rio de Janeiro”. Disponível em: www.cecip.org.br.
FISHER, Roger; URY, Willian e PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim. 2 Ed.
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Rio de Janeiro: transição de paradigma. Jundiaí, São Paulo. Paco Editorial.
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RIBEIRO, Zulaiê Cobra. PROJETO DE LEI N 4827/98. Disponível em: http://www.justica.sp.gov.br/downmed/pl4827.pdf. Acessado em 20/07/2015
34
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta. 2 Ed. São Paulo:
Editora Ágora, 2003.
SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
35
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO.........................................................................................02
AGRADECIMENTO.........................................................................................03
DEDICATÓRIA................................................................................................04
RESUMO ........................................................................................................05
METODOLOGIA .............................................................................................06
INTRODUÇÃO ......................................................................................09
CAPÍTULO 1 - Mediação.................................................................................11
1.2 Mediação de conflitos ...............................................................................11.
1.2 Breve histórico da mediação no Brasil ....................................................14...
1.3 - O papel do mediador...............................................................................15
CAPÍTULO 2 - Medida Socioeducativa...........................................................18
2.3 DEGASE....................................................................................................21
2.4 O perfil dos adolescentes..........................................................................22
CAPÍTULO 3 - Discussão................................................................................20
3.1 Práticas que adotaram a mediação de conflitos........................................27
CONCLUSÃO..................................................................................................31
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.....................................................................33