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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 6096 MUSEU DA INCONFIDÊNCIA (1960-1988): MISSÃO CULTURAL, HISTÓRICA, SIMBÓLICA E EDUCACIONAL Juliana Cesário Hamdan 1 Betânia dos Anjos do Carmo 2 Este trabalho versa sobre uma pesquisa em andamento 3 que analisa o Museu da Inconfidência 4 em sua função histórica e simbólica, procurando descobrir o porquê de sua importância cultural, desde a sua concepção, dentro do cenário político-nacional. Buscamos compreender, por meio de uma revisão bibliográfica, como foi forjada a criação deste e de outros espaços similares em nosso país, que tinham por objetivo, resgatar os valores históricos, estéticos e tradicionais de forma a cunhar uma identidade nacional a partir da construção de uma memória social. Para nos apropriarmos desse tema, nosso artigo apresenta a concepção ocidental do significado do termo museu, na antiguidade, discorrendo sobre como se deu, na idade média e na era moderna, a formação dos primeiros museus nacionais da Europa. Baseado nestes conceitos, buscamos as convergências e interlocuções voltadas à ideia de um discurso de poder e modernidade que pudesse dar conta de resgatar um passado glorioso voltado à história do nosso país. Neste projeto de construção de uma identidade nacional, vimos surgir o Museu Histórico Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, o Museu Imperial em Petrópolis, o Museu da República em São Paulo além de outros criados ao longo do império e da República. Logo foi percebida a necessidade de se recuperar a essência da história de Vila Rica a partir da sua importância aurífera, sua arte barroca além dos movimentos de resistência e luta por liberdade associada à Inconfidência Mineira. Nesta medida, a cidade de Ouro Preto começa, a partir do início do século XX a ter uma maior visibilidade no que tange os interesses do Estado numa releitura ligada à sua importância 1 Pedagoga, Mestre em Políticas Públicas e Educação (UFMG/FaE/2001), Doutora em História da Educação (UFMG/FaE/2007) e Pós-doutora pela Stanford University, Califórnia, USA (2015). E-Mail: <[email protected]>. 2 Museóloga, Especialista em Docência no Ensino Superior (SENAC/2015), Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Educação do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto. E-Mail: <[email protected]>. 3 Este estudo faz parte da pesquisa que está sendo desenvolvida na dissertação do Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto. 4 Localizado na cidade de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais, esse museu foi, de acordo com o Portal do Sistema Brasileiro de Museus (IBRAM), o segundo museu mais visitado no Brasil no ano de 2016. http://www.museus.gov.br/tag/numeros/acesso em 30/03/2017.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 6096

MUSEU DA INCONFIDÊNCIA (1960-1988): MISSÃO CULTURAL, HISTÓRICA, SIMBÓLICA E EDUCACIONAL

Juliana Cesário Hamdan1

Betânia dos Anjos do Carmo2

Este trabalho versa sobre uma pesquisa em andamento3 que analisa o Museu da

Inconfidência4 em sua função histórica e simbólica, procurando descobrir o porquê de sua

importância cultural, desde a sua concepção, dentro do cenário político-nacional. Buscamos

compreender, por meio de uma revisão bibliográfica, como foi forjada a criação deste e de

outros espaços similares em nosso país, que tinham por objetivo, resgatar os valores

históricos, estéticos e tradicionais de forma a cunhar uma identidade nacional a partir da

construção de uma memória social. Para nos apropriarmos desse tema, nosso artigo

apresenta a concepção ocidental do significado do termo museu, na antiguidade, discorrendo

sobre como se deu, na idade média e na era moderna, a formação dos primeiros museus

nacionais da Europa. Baseado nestes conceitos, buscamos as convergências e interlocuções

voltadas à ideia de um discurso de poder e modernidade que pudesse dar conta de resgatar

um passado glorioso voltado à história do nosso país. Neste projeto de construção de uma

identidade nacional, vimos surgir o Museu Histórico Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, o

Museu Imperial em Petrópolis, o Museu da República em São Paulo além de outros criados

ao longo do império e da República. Logo foi percebida a necessidade de se recuperar a

essência da história de Vila Rica a partir da sua importância aurífera, sua arte barroca além

dos movimentos de resistência e luta por liberdade associada à Inconfidência Mineira. Nesta

medida, a cidade de Ouro Preto começa, a partir do início do século XX a ter uma maior

visibilidade no que tange os interesses do Estado numa releitura ligada à sua importância

1 Pedagoga, Mestre em Políticas Públicas e Educação (UFMG/FaE/2001), Doutora em História da Educação (UFMG/FaE/2007) e Pós-doutora pela Stanford University, Califórnia, USA (2015). E-Mail: <[email protected]>.

2 Museóloga, Especialista em Docência no Ensino Superior (SENAC/2015), Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto. E-Mail: <[email protected]>.

3 Este estudo faz parte da pesquisa que está sendo desenvolvida na dissertação do Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto.

4 Localizado na cidade de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais, esse museu foi, de acordo com o Portal do Sistema Brasileiro de Museus (IBRAM), o segundo museu mais visitado no Brasil no ano de 2016. http://www.museus.gov.br/tag/numeros/acesso em 30/03/2017.

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histórica, simbólica, artística e cultural no contexto nacional. Para inserir Ouro Preto no rol

dos fatos elencados como histórico-nacionais, destacamos o papel fundamental do Diretor do

Museu Histórico Nacional, Gustavo Barroso além do grupo de intelectuais ligados ao

Movimento Modernista brasileiro da década de 20 que contribuíram para trazer a cidade de

Ouro Preto de volta a um patamar de destaque na nossa história. Este movimento que, a

princípio comungava com as ideias de Gustavo Barroso no sentido de se formar no país

espaços voltados a um poder simbólico de identidade nacional, resultou em ações voltadas à

salvaguarda das cidades históricas do país como patrimônio construído a ser restaurado e

preservado. Este pensamento foi o fio condutor para a criação de Panteão em homenagem a

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes e os Inconfidentes. Este espaço viria a se tornar,

mais tarde, o Museu da Inconfidência, concebido a princípio por interesses nacionalistas do

Estado. Para esta análise, o artigo inseriu recuos e avanços históricos temporais dentro da

proposta cronológica da pesquisa para dar conta de traçar os processos pelos quais esta

instituição museal precisou passar para adaptar-se-se às atmosferas políticas, culturais e

sociais de cada período. A pesquisa nos leva a investigarmos as tensões que existiam neste

espaço musealizado pelo fato de ter sido alvo de muitas críticas, no final dos anos 60,

voltadas ao uso da função simbólica deste local que abrigava as memórias ditas oficiais, em

favor do aparato do discurso imposto pelo Regime Militar ocorrido em nosso país. Na década

de 70, com o encontro Latino Americano ocorrido em 1972, promovido pelo Conselho

Internacional de Museus (ICOM – 1948), foi elaborada a Carta de Santiago do Chile que

definia o papel integral e educacional destas instituições não-formais. Surge neste período os

conceitos propostos com a Nova Museologia, que recomendava aos museus histórico-

nacionais do Brasil e da América Latina, modificarem suas bases conceituais e passando a

utilizar os seus espaços institucionalizados a serviço da educação, patrimônio e cultura. Desta

forma, os museus tornam-se agentes ativos da transformação social que ora se apresentavam

nos países da América Latina, a partir da década de 70. Nesse sentido, o Museu da

Inconfidência e outros museus nacionais construídos nestes moldes, deixam de ser uma

instituição baseada no acúmulo de objetos sacralizados e assumem seu papel de instituições

não-formais à serviço de sua função social e educacional por meio da mediação e das práticas

educativas, propostas ao público visitante comum e também ao público visitante advindo de

grupos escolares.

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Lugares de Memórias

Museu é um termo que foi cunhado na Grécia clássica e que vem da palavra museum,

ou “templo das musas”. Segundo o profissional de museu, o francês, Rivière5 (1897-1985), a

suposta origem do termo, na mitologia grega, seria pela criação de espaços sacralizados que

serviriam para abrigar as nove filhas de Zeus e Mnemòsyne, a deusa da memória, por sua vez

filha de Cronos senhor do tempo, e Réia, a terra. Localizados nos “[...] bosques sagrados

dedicados às deusas das artes liberais” para acolher Terpsícore (dança), Clio (história), Érato

(poesia), Euterpe (música), Calíope (ciência), Polímnia (oratória), Urânia (astronomia),

Melpômene (tragédia) e Tália (comédia), esses templos recebiam muitas oferendas em forma

de objetos preciosos ou exóticos, que podiam ser exibidos ao público mediante o pagamento

de uma pequena taxa (RIVIÈRE, 1989, p. 48).

Autoras como as museólogas Manuelina Maria Duarte Cândido e Waldisa Rússio

Camargo Guarnieri (1935 -1990) também defendem a ideia de que esse termo se relaciona

com o templo das musas, criado pelo general Ptolomeu, em Alexandria. De acordo com as

palavras de Cândido:

Em Alexandria, por volta de 285 a.C., o termo museion passou a designar uma instituição pela primeira vez. Era onde se reuniam artistas e sábios, um lugar com salas de reunião, observatório, laboratório, jardim zoológico, jardim botânico e uma notável biblioteca com cerca de 700 mil manuscritos. Pode-se dizer que nessa experiência helenística estava presente a ideia do que hoje são as universidades ou centros culturais. (CÂNDIDO, 2013, p.28)

Já Guarnieri assevera que a história dos museus reconhece a gênese destes, na cidade

de Alexandria. Segundo autora:

Mouseîon, visto como sinônimo de museu, tem como protótipo o museu de Alexandria; esse museu da Antiguidade, de pretensão universalista, preocupado com a “cosmovisão” e com a descoberta e enunciado de verdades universais, pode ser considerado o embrião provável e empírico da universidade e do campus universitário (GUARNIERI, 1982, p.81 apud BRUNO, 2010, p. 279).

Na idade média, o colecionismo foi ligado às relíquias das igrejas e templos,

concentrando-se nos locais de peregrinação e culto dos fiéis. Segundo a historiadora e

Diretora do Museu Histórico Abílio Barreto, entre os anos de 95-1996 e depois de 99 a 2000,

Letícia Julião, referindo-se ao termo museu, “[...] foi pouco usado durante a Idade Média,

5 Georges Henri Rivière foi fundador da National des Arts et Tradições Populaires Musée em Paris. Desempenhou um papel importante no novo museu e no desenvolvimento de museus etnográficos do mundo no Conselho Internacional de Museus (ICOM) e participou dos debates do novo museu e no desenvolvimento de museus etnográficos do mundo.

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reaparecendo por volta do século XV, quando o colecionismo se tornou moda na Europa”

(2006, p.18). O Renascimento, o antropocentrismo e o humanismo da época, associados ao

descobrimento de novas terras, carregam em consigo novas mentalidades que contribuíram

para o gosto pelo colecionismo fazendo surgir a figura do mecenas6 que viam nas coleções

uma forma de demonstrar poder e ostentação.

Na idade moderna, os museus foram criados por volta do século XVII, com o

surgimento de espaços próprios para acondicionamento de objetos, a partir de doações de

coleções particulares. Há também o caso de acervos que se originaram de acontecimentos

históricos, como por exemplo, o caso da Revolução Francesa em que, a partir da Assembleia

Nacional Constituinte Francesa que, criada pelos estados gerais em maio de 1789, decretou,

em 6 de maio de 1791 que o Palácio do Louvre deveria ser um repositório de acervos das

ciências e das artes. Muito embora esta Assembleia tenha sido dissolvida em setembro de

1791, a ideia do museu foi preservada tendo sido inaugurado, inicialmente com o nome de

Museu Central das Artes, em 10 de agosto de 1793.

A partir da sua inauguração, foram organizadas exposições instaladas no Louvre, e teve

como acervo inicial principalmente pinturas, objetos de uso pessoal, de culto e de

colecionismo, todos confiscados, pertencentes à família real francesa e à nobreza.

Esta concepção ocidental de museus, espalhou-se pela Europa, na primeira metade do

século XVII, como foi o caso da Inglaterra, e ampliou seus interesses também para objetos

ligados às ciências naturais, sobretudo os curiosos e exóticos, coletados a partir de

colecionadores e naturalistas. De acordo com Ronald Schaer7:

Com a criação do Ashmolean Museum de Oxford, em 1683, é inaugurado um novo momento da história dos museus, um modelo de museu moderno, aberto ao público, ainda que com restrições, mesmo antes de ser definitivamente legada à Universidade de Oxford. Este estabelecimento é, em sua origem, museu, escola de história natural e laboratório de química o primeiro museu universitário de que se tem notícia (SCHAER, 1993, p.32 apud CÂNDIDO, 2013, p.32).

Entre outras instituições criadas neste período, destacamos, então, o Museu Britânico,

criado em 1759, idealizado por obra do parlamento inglês a partir da aquisição da coleção de

Hans Sloane (1660-1753). Também há o caso do Museu do Louvre que segundo Dominique

Poulot8, citado por Cândido (2013, p.35), afirma que a instituição foi criada pelo Governo

6 Mecenato e um termo ligado a reis e rainhas, clérigos, nobres e burgueses que financiavam a produção artística, incentivando e patrocinando artistas e literatos em suas atividades culturais.

7 Professor de Filosofia e ética, da Ecole du Louvre, foi diretor de desenvolvimento cultural na Biblioteca Nacional da França e chefe do Departamento Cultural do Musée d’Orsay.

8 Historiador francês, professor da Université Paris.

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Revolucionário, que confiscou as coleções particulares de arte, adquiridas por várias gerações

de monarcas, passando a ser de domínio público durante e a partir do ano de 1879.

Referindo-se ainda ao Museu do Louvre, Poulot assevera que:

Em 1791, o Louvre foi destinado a funções artísticas e científicas, concentrando-se nele todas as antigas coleções da Coroa, agora republicanas. Em 1793 foi aberto ao público. É a Revolução Francesa que introduz a ideia de que o direito de entrar nos museus é de todo cidadão. (POULOT, 2005, p. 39 apud CÂNDIDO, 2013, p.35 ).

Cândido afiança, portanto que esta data “[...] é tida como a referência de origem dos

museus nacionais da Europa, com a abertura de coleções da aristocracia e o nascimento da

ideia de o Estado dever ser conservador dos bens culturais” (2013, p. 35). O Louvre passa,

assim, a ser reconhecido, pelas instituições museais, como o primeiro museu público do

mundo, pelo fato de abrigar coleções acessíveis a todos e ter finalidade recreativa, educativa e

cultural.

Além de Cândido, também Julião observa que, as novas ideologias daquele período,

começam a se moldar, difundir e se consolidar de fato no século XIX, com uma acepção

moderna de museus, baseada nas instituições que surgiram em alguns países da Europa e

difundida por outros países e colônias pelo mundo. Julião assevera ainda que,

“[...]concebidos dentro do ‘espírito nacional’, esses museus nasciam imbuídos de uma

ambição pedagógica – formar o cidadão, através do conhecimento do passado – participando

de maneira decisiva do processo de construção das nacionalidades. ” (2006, p. 21).

A partir desse período, e também com doações de coleções particulares, começam a

surgir no século XIX, em outros países, os espaços considerados como os mais importantes e

mais visitados museus em todo o mundo ocidental, dentre eles, o Museu Nacional do Prado,

na Espanha inaugurado em 1819, o Museu Mauritshuis, localizado em Haia, na Holanda, em

1820, e também o Museu Metropolitano de Arte na cidade de Nova York, Estados Unidos no

ano de 1870.

Podemos notar que o Estado passa a ter o interesse em assumir a responsabilidade de

criar teatros, bibliotecas, arquivos, centro de pesquisas e estes espaços de salvaguarda da

memória por meio da aquisição e exposição de objetos e coleções. Cabe ressaltar as relações

de poder e tensões muitas vezes presente nestas negociações feitas entre instituições e

acervos, que nem sempre aconteceram de forma muito lícita no que tange a aquisição de

objetos. Esses espaços deveriam constituírem-se como locais em que pudessem organizar e

apresentar coleções por meio de exposições e ainda, em alguns casos, incentivar a expansão

científica.

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De acordo com Cândido, inicia-se assim, “[...] uma supremacia do Estado em relação à

propriedade das coleções e organização dos museus, com um grande movimento de

transferência de acervos do âmbito privado em direção ao público” (2013, p. 33).

A autora considera o século XIX como sendo a era dos museus e justifica sua posição

tendo como suporte o registro da criação da maior parte dos grandes museus nacionais na

Europa, que seguiu um modelo enciclopedista, classificatório e evolucionista. A maioria

destes museus estavam localizados nas capitais-sedes e disseminados ainda nas metrópoles

coloniais europeias e países emergentes que visavam a construir novas referências de nação.

No entanto, neste processo de institucionalização dos museus, ressaltamos as tensões e

disputas existentes a partir da ampliação de acervos, muitas vezes adquiridos por meio de

interesses e disputas de poder. Cândido trata essas questões como um campo de conflito

forjado nas disputas entre memória e poder. Nesse sentido, para a autora,

[...] os museus do século XIX em geral se caracterizam por nas grandes metrópoles coloniais, profusão de referências a conquistas territoriais, poder político, explorações científicas, gosto estético afinado com a representação das elites e de seus valores. Muitos museus europeus aumentaram enormemente suas coleções nesse século, por intermédio de saques e transferências de bens de suas colônias em todas as partes do mundo (CÂNDIDO, 2013, p.34)

Podemos notar que, neste período, os museus e espaços culturais da Europa estão

passando por um período de ressignificação e valoração tanto dos espaços construídos

quanto da utilização das informações contidas nestes objetos e coleções. O interesse do

Estado em se apropriar destes locais está diretamente voltado ao resgate e preservação dos

feitos do passado para a construção da identidade do povo. Esse ‘controle’ seria refletido nas

narrativas que pudessem contar as histórias ligadas à memória coletiva daquele grupo.

Território Brasil: Influências europeias

Para compreendermos como ocorreram as primeiras iniciativas de criação de espaços

museais e culturais no Brasil, vale ressaltar que, além das mudanças culturais associadas a

esse período histórico, considerado complexo do ponto de vista político e militar, no ano de

1807, Napoleão Bonaparte (1769-1821) ordenou a invasão de Portugal fazendo com que a

Família Real e toda a sua comitiva se refugiasse no Brasil.

Portanto, é nesta atmosfera europeia que, em novembro de 1807, Dom João VI e sua

comitiva se veem forçados à viram para a colônia.

Em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil, tivemos muitas mudanças no

âmbito cultural, econômico, político e social em nosso país. Esse fato, suficientemente

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complexo por si só, acaba por desencadear os processos de constituição de primeiros espaços

apropriados para guardar os acervos que foram trazidos com a comitiva que acompanhou a

Família Real, cerca de quinze mil portugueses.

Como forma de aproximar a experiência cultural europeia, com uma árida realidade

cultural brasileira, considerada pela comitiva, Dom João VI passa a determinar e instituir

diversas iniciativas, sobretudo no que se refere à criação de espaços culturais, inclusive

educativos e de sociabilidades. Podemos elencar alguns deles criados no período Joanino

(1808 a 1822), tais duas academias militares, que deram origem à Real Academia dos

Guardas-Marinhas, pela decisão nº 9, de 05 de maio de 1808 e a Academia Real Militar,

criada pela carta de lei de 04 de dezembro de 1810. Criada a Escola Real de Ciências, Artes e

Ofícios, criada por meio do decreto de 12 de agosto de 1816, com o objetivo de promover e

difundir o ensino de conhecimento nas áreas da agricultura, mineralogia, indústria e

comércio. No ano de 1818, nasceu o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, também

chamado Museu Real9 que, de fato, somente foi aberto ao público em 1821. Vimos surgir

também, bem mais tarde, em outros pontos do país, o Museu Paraense Emílio Goeldi, em

Belém (1866), o Museu Paranaense de Curitiba (1883) e o Museu Paulista, antigo Museu do

Ipiranga, na cidade de São Paulo (1895).

Dentre estes atos, podemos incluir a Missão Francesa que, promovida por D. João VI

em 1816 e possibilitou a criação da Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e

Arquitetura Civil. O escritor, jornalista e crítico de arte Mário Pedrosa (1901-1981), afirma

que o acordo para trazer este grupo ao Brasil baseou-se em questões políticas, quando, em

1815, Napoleão Bonaparte perde o poder. Segundo o autor:

A queda de Napoleão, Waterloo – eis o motivo determinante que impeliu esses nomes brilhantes e já feitos em França a procurar emigrar para tão longe. Sem Waterloo não teria havido a Missão Artística de 1816. O convite teria sido ratificado pelo Ministro dos Assuntos Estrangeiros de Portugal, António de Araújo e Azevedo, o Conde da Barca. Outros, entretanto, estudiosos mencionam uma carta de Nicolas-Antoine Taunay à rainha de Portugal, rogando-lhe o apoio, através de sua mediação junto ao Príncipe-Regente D. João, para a contratação do grupo, uma vez que, como bonapartistas, ou simpatizantes de Napoleão, não se sentem seguros na França que assiste ao retorno da dinastia dos Bourbon ao poder na França. (PEDROSA, 1998, p.130)

Fato é que, em 1816. Por motivações políticas, econômicas ou estéticas, a cidade do Rio

de Janeiro recebeu em 25 de março de 1816 esses artistas, dentre eles, podemos citar,

9 Este museu, abrigou a Casa de história natural, também chamada de Casa dos Pássaros ou Casa Xavier dos Pássaros pelo fato do responsável pela prática da taxidermia (empalhamento) ser Francisco Xavier Cardoso Silveira.

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Joachim Le Breton (1760-1819), o pintor histórico, Jean Baptiste Debret (1768-1848); o

pintor de paisagens e batalhas, Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830); os arquitetos Auguste

Henri Victor Gandjean de Montigny (1776- 1850), Charles de Lavasseur e Louis Ueier, os

escultores Auguste Marie Taunay (1768-1824) e François Bonrepos, o gravador Charles-

Simon Pradier (1783-1847) além de gravador; mecânico; ferreiro; serralheiro; peleteiro;

carpinteiro; Hypolite Roy – carpinteiro; Félix Taunay (1795 — 1881), filho de Nicolas Antoine

e, mais tarde, junta-se ao grupo mais um escultor e um gravador de medalhas.

Podemos asseverar que, embora alguns autores, tais como Azevedo apud Boaventura

(2009, p.129), defenderam que as transformações culturais, advindas da criação de diversos

espaços, por Dom João VI, se limitaram a estes anteriormente mencionados, consideramos

que estes atos favoreceram a criação de outros espaços similares pelo território nacional. Foi

precisamente na continuidade dessa atmosfera cultural que, bem mais tarde, tanto no

Império como na República, outras instituições começam a ganhar vida. O sociólogo e

professor em Educação Edivaldo Machado Boaventura cita Fernando de Azevedo (1964, p.

562) quando este faz uma crítica à forma com que estas instituições são criadas para suprir as

necessidades da coroa, Azevedo trata de forma crítica o que foi chamado de inovações e

acrescenta:

[...] ruínas do velho sistema colonial, limitou-se D. João VI a criar escolas especiais, montadas com o fim de satisfazer o mais depressa possível e com menos despesas a tal ou qual necessidade do meio a que se transportou a corte portuguesa[...] (AZEVEDO, 1964, p. 562 apud BOAVENTURA, 2009, p. 129).

Seja como for, a partir da República, o debate sobre as funções dos espaços museais vão

incluindo a preocupação com o desenvolvimento de pesquisas, associados aos discursos

adotados em torno das questões ligadas às concepções de projetos de Estado e de Nação.

Nesse sentido, pretendemos a seguir, evidenciar como se deu, a articulação entre os espaços

museais e a criação de instituições de cunho científico, explicitando, dessa forma, processos

de convergência e divergência, considerando os diversos contextos políticos.

Para apreendermos esses movimentos voltados à memória e salvaguarda dos

acontecimentos históricos do nosso país, nos deteremos na análise do Museu Histórico

Nacional, criado em 1922, no Rio de Janeiro, por influência e iniciativa de Gustavo Barroso.

Neste trabalho, nossa análise se voltará ao projeto de criação dos museus histórico-

nacionais bem como a alguns dos sujeitos envolvidos nas relações de poder de grupos,

opositores que tinham o interesse de tomar para si a missão de comandar o país rumo à

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modernidade, por meio da preservação da memória e do património histórico. Mesmo sendo

grupos divergentes, concordavam na ideologia vigente baseada na criação de espaços

culturais que pudessem, de alguma maneira, contribuir para a construção e disseminação de

uma narrativa histórica ligada à nação e ao povo brasileiro. Assimilar a instauração da

República no final do século XIX e adentrar o século XX fortalecendo o espírito dos

brasileiros e da busca pela própria identidade era um desejo comum a todos e o que circulava

no país desde as primeiras décadas do um novo século.

História dos museus no Brasil

A história da constituição de um povo pode ser contada de várias maneiras, dentre

algumas, poderíamos citar a história oral, a escrita e ainda por meio de objetos que, de

alguma forma, passam a representar símbolos de identidade para aquele grupo social. Estes

objetos, que podem ser suportes bidimensionais ou tridimensionais, quando apropriados

pelo grupo, organizados em coleções e acervos e acondicionados em espaços públicos,

constituem elementos de identidade comum e possuem um valor coletivo que pode servir de

mediação aos sujeitos de diferentes grupos, tempos e lugares. Quando estão inseridos em um

circuito expositivo de um museu e são apresentados ao público, costumam fazer parte de

acervos que eram ligados a objetos de desejos de personalidades relevantes àquela

comunidade e acabam por serem incorporadas a um contexto e um período histórico, sendo,

desta forma, cuidadosamente selecionados para demonstrar, conforme a intenção do

discurso, força, poder, ostentação, cultura e conhecimento. No caso dos Museus Nacionais, os

objetos sacralizados e expostos servem de fundamentação à construção da nação.

Neste ponto do texto, vale ressaltar a análise de Cândido (2013, p.40) que observou,

em seus estudos, que os desafios contemporâneos ligados à gestão e ao planejamento de

museus, muitas vezes, podem envolver interesses e tensões no que tange a maneira pelas

quais os acervos foram adquiridos por estas instituições e se formaram. Segundo a referida

autora, muitas vezes, estes se constituem a partir de despojos de guerra, que foram retirados

dos seus países de origem, ou seja, dos povos derrotados, saqueados ou ainda colonizados.

Essa prática, por parte dos museus nacionais, sobretudo os europeus, passou a ser comum a

partir da segunda metade do século XVIII e tinha por objetivo dar publicidade a um passado

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histórico dos povos “vitoriosos” ou saqueadores. O discurso expositivo10 era utilizado como

uma forma de apresentar ao público as conquistas e o poder do Estado a outros países.

No Brasil, a ideia da criação de museus nacionais, com o objetivo de produzir uma

determinada narrativa, como forma de condicionar entendimentos da nossa história, surgiu

tardiamente, no século XIX. Os modelos de constituição tentavam adotar referências

europeias para os discursos expositivos dos museus que começavam a se formar em nosso

país ainda na República, tais como o caso do Museu Histórico Nacional. Por isso,

consideramos ser importante para nossa análise localizar os sujeitos responsáveis pelas

escolhas que determinaram os modelos de museu que prevaleceram e ainda, as propostas

que não se sustentaram entre os compassos e descompassos das relações de poder ali

estabelecidas. Toda essa análise culminará na criação do Museu da Inconfidência em 1938,

na cidade de Ouro Preto, estado de Minas Gerais já na era Vargas.

Nesta narrativa, buscaremos mostrar a trajetória da criação do Museu da

Inconfidência nascido no período Vargas, o seu reconhecimento ligado aos órgãos nacionais e

internacionais quando à sua função de preservação do patrimônio histórico nacional,

procurando ainda delinear as contribuições e adaptações pelas quais este museu passou para

se adequar a cada período sem deixar de incorporar voltadas à função histórica, educativa

social e cultural desta Instituição entre 1960 até o final da década de 80.

Na República

De acordo com levantamento do Cadastro Nacional de Museus11, do Instituto

Brasileiro de Museus, ligado ao Ministério da Cultura, no século XIX, o país viu surgir vinte

museus em seu território nacional. Estes museus foram elaborados a partir de apropriações

de ideias e modelos e vindos da Europa e Estados Unidos e que se foram adaptados em nosso

país. O cadastro aponta também que, ao longo do século XX, foram criados no país cerca de

2.700 museus chegando atualmente a mais de 3.200 instituições museológicas em todo o

país, com maior incidência na região sudeste.

A chegada do século XX trouxe consigo a ideia da construção de uma República

moderna e civilizada, com um discurso de deixar a monarquia no passado e vislumbrar um

futuro republicano promissor. Para entendermos quem eram as lideranças que contribuíram

10 Circuito expositivo ou Expografia, é a área da Museologia que trata dos aspectos conceituais dos objetos/acervos a serem expostos, definindo qual a narrativa a ser proposta em uma exposição para contar uma história ao público visitante do museu.

11 http://www.museus.gov.br/sistemas/cadastro-nacional-de-museus/

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para a condução do Brasil rumo à tão sonhada modernidade, precisamos compreender o

contexto histórico do período. Nesse sentido, iremos nos debruçar sobre os feitos das

personalidades políticas e intelectuais brasileiros e estrangeiros da época, e as interlocuções

das ideias que circulavam no período, bem como as possíveis tensões que aconteciam entre

grupos de interesses no que deveria ser tratado como modernidade, para levar adiante os

projetos de um Brasil moderno, em disputa. De forma geral, podemos defender que, na

virada do século, os projetos de criação de espaços culturais voltados à formação da nossa

nação tinham por objetivo fortalecer o espírito nacionalista surgido no final do XIX até

meados do século XX.

O Museu Histórico Nacional: “o embrião”

A formação dos museus nacionais em nosso país passa pela trajetória do Museu

Histórico Nacional, do Rio de Janeiro, uma vez que este museu influenciou diretamente na

campanha para criação de vários outros museus com estas características que viriam a se

estabelecer posteriormente no país. Dentre este modelo de museu voltado ao discurso da

história do nosso país, poderíamos citar o Museu Imperial em Petrópolis, o Museu da

República, em São Paulo, além do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. A antropóloga

Regina Abreu nos dá a dimensão da importância deste Museu para a construção do discurso

que Gustavo Barroso desejava para o Brasil nas primeiras décadas do século XX:

A criação do Museu Histórico Nacional está ligada desde o seu início a um projeto de revisão dos atos dos primeiros republicanos, quando passado o perigo de um movimento de retorno à monarquia, os governantes republicanos começam a incorporar o passado monárquico à própria História do Brasil. A relação do fim do banimento da família imperial com a criação do Museu Histórico Nacional não era, portanto, fortuita, fazia parte de um mesmo projeto, onde o Império era revalorizado, não mais como alternativa política, mas como passado, matéria para a História. (ABREU, 1994, p.253).

A intenção de Barroso era, de fato, resgatar as glórias do passado muito mais do que

projetar um museu com vistas à modernidade e ao futuro do país. Foi esta ideologia que fez

com que, mais tarde, esse integralista simpatizante do nazismo se afastasse do grupo dos

modernistas da qual um dia vislumbrou a criação do que viria a ser o protótipo do que hoje é

o Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional.

Em 2012, para comemorar os noventa anos de fundação do Museu Histórico Nacional,

o Instituto Brasileiro de Museus publicou um catálogo contando a trajetória desta Instituição,

como contribuição à publicação, a diretora do museu, a museóloga e Professora Vera Lúcia

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Bottrel Tostes traçou uma cronologia acerca da história deste Museu elencado os

personagens que cunharam a história desta Instituição. Neste catálogo, podemos

acompanhar como se deu a adaptação dos espaços construídos para abrigar o primeiro

museu idealizado para apresentar ao público os feitos militares e gloriosos da nação.

No ano de 1920, o então prefeito do Rio de Janeiro Carlos Sampaio, sugeriu a reforma

do conjunto da Ponta do Calabouço, que compreendia a Fortaleza de Santiago, Casa do Trem

e o Arsenal de Guerra com o objetivo de abrigar ali os pavilhões da Exposição Comemorativa

do Centenário da Independência. Inicialmente, a exposição ocupou duas salas do Palácio das

Grandes Indústrias, onde foram expostos à época 643 objetos museológicos. Desta forma, o

Museu Histórico Nacional, localizado no centro histórico do Rio de Janeiro, foi inaugurado

em 12 de outubro de 1922 como parte das comemorações do centenário da Independência. A

expansão de suas instalações continuou nos anos seguintes ocupando a Casa do Trem e parte

do Arsenal de Guerra. Esse processo estendeu-se até o final da década de 60 com a ocupação

de todo o conjunto.

Importante ressaltar que a história deste museu se iniciou a partir da primeira

década do século XX quando, entre 1911 e 1912, Gustavo Barroso (1888-1942) escreveu

artigos em que reivindicava a criação de uma instituição que fosse voltada à preservação dos

vestígios do passado e à instrução pública.

Gustavo Adolpho Luiz Guilherme Dodt da Cunha Barroso nasceu em Fortaleza no

ano de 1888, cursou a Faculdade Livre de Direito do Ceará, porém, não chegou a concluir o

curso. Entre 1908 e 1909 foi redator do Jornal do Ceará e no ano seguinte, transferiu-se para

o Rio de Janeiro. Na Capital Federal, tornou-se bacharel pela Faculdade de Direito do Rio de

Janeiro tendo lecionado na Escola de Menores e na Polícia do Distrito Federal e ainda,

trabalhando no Jornal do Commercio entre 1910 e 1913, integrou o Partido Republicano

Federal.

De acordo com a antropóloga Regina Abreu, as estreitas relações entre Gustavo

Barroso e o Presidente Epitácio Pessoa12 (1865-1959), ambos egressos de tradicionais famílias

do norte, contribuiu sobremaneira para que as ideias de Barroso fossem consideradas ao

longo de sua trajetória política e administrativa. Por suas ideologias, apoiou Plínio Salgado

13(1895-1975), na criação da Ação Integralista Brasileira (AIB), inspirada no fascismo. Nas

articulações do Estado Novo, o nome de Gustavo Barroso chegou a ser sugerido pelos

12 Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu em Umbuzeiro, na Paraíba. Formou-se advogado na Faculdade de Direito do Recife em 1887. Sua trajetória política levou-a à presidência da República em 1919.

13 Político, escritor, jornalista e teólogo brasileiro.

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integralistas para assumir o Ministério da Educação. Diferente das ideias de Plínio Salgado,

foi um antissemita simpatizante mais do nazismo alemão do que do fascismo. Transitou pela

política nacional articulando ideias e pensamentos ora à frente dos espaços de poder, ora nos

bastidores, haja vista o envolvimento e participação no levante integralista de maio de 1938

que o levou à prisão, tendo sido liberado logo em seguida por falta de provas. Nesta época,

optou por retirar-se da vida política e assumir a direção do Museu Histórico Nacional,

ficando à frente desta instituição até 1959, o ano de sua morte. Porém, houve um período,

após a Revolução de 1930, que foi afastado da Direção do Museu, por dois anos, pelo fato de

ter apoiado a campanha política à presidência de Júlio Prestes.

Estando à frente deste museu e comandando a instituição de forma centralizadora,

Barroso utilizou a sua influência para priorizar neste espaço buscando criar uma identidade

nacional apoiada em fatos históricos que fosse capaz de resgatar as conquistas militares

brasileiras. Esta política fez com que, os poucos, as coleções de história natural começassem a

dar espaço a pinturas, bustos e estátuas de personalidades cívicas, brasões, armas e símbolos

nacionais. Muitos destes objetos, ora transformados em coleções e acervos, foram produzidos

pela equipe da Missão Francesa, já citada neste trabalho, e das escolas por ela criadas.

Grande parte das obras produzidas por estes artistas, encomendas de pinturas de quadros

que registram a família real, além de brasileiros tidos como notáveis personalidades

nacionais que, de alguma forma, fizeram parte da nossa história ou mesmo o registro das

cenas cotidianas ligadas aos hábitos e costumes dos brasileiros. Com a exposição destes

objetos, todo esse material agora apresentado ao público visitante, poderia se configurar

como páginas e capítulos escritos para contar parte da nossa história, a história do Brasil. O

local tornou-se uma espécie de Panteão Nacional. Modelo que, mais tarde, foi adotado no

conceito de criação do Museu da Inconfidência.

De acordo com a professora e socióloga Myrian Sepúlveda dos Santos, Gustavo Barroso

foi um personagem importante no que se refere à preservação e salvaguarda da memória

nacional. Segundo a autora, Barroso lutou “[...] pela adoção de muitas medidas que visavam à

defesa do patrimônio histórico e artístico da ‘nação’: não só a criação do MHN, como o

estabelecimento da Inspetoria de Monumentos Nacionais e a restauração de Ouro Preto”

(2006, p.40).

Santos apresenta Barroso como um saudosista quando analisa um artigo escrito por

ele, datado de 1911, intitulado Culto à Saudade e também descreve o circuito expositivo do

museu, criado por Barroso, como um espaço de salvaguarda para um passado militarista da

história do país, com ênfase à própria trajetória militar, em que “[...] teve como base objetos

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que remetiam a uma experiência de nação que não mais existia. O museu procurava construir

um elo com o passado, de modo a reconstruí-lo por meio da autoridade fornecida por objetos

e fragmentos colhidos ao redor dos grandes feitos e dos grandes vultos”. (SANTOS, 2006,

p.35)

Baseado nas ideologias do Museu Histórico Nacional e do seu diretor, o Estado

começa a reconhecer a força da instituição museal no que tange o aparato discursivo do

nacionalismo, reforçando o seu papel de educação informal associada à uma história forjada

para ser a história oficial a ser contada nestes espaços e replicada na educação formal.

O Movimento Modernista

Importante ressaltarmos que, além de Gustavo Barroso, que via na criação de museus

nacionais uma forma de exaltar o passado, havia também um grupo de intelectuais

brasileiros que faziam parte do Movimento Modernista. Esse grupo era formado por artistas,

escritores, jornalistas, poetas, que se articularam no sentido de idealizar uma nação

constituída a partir de elementos da cultura brasileira. O movimento modernista brasileiro

nasceu das influências europeias ligadas a um conjunto de escolas, estilos e movimentos

culturais surgidos na primeira metade do século XX que influenciou o campo da arquitetura e

das artes, criando pontos de convergência e divergência entre vários movimentos que se

formaram neste período a partir da Europa. Dentre os artistas que fizeram parte do

modernismo, podemos citar o músico Kandinsky (1866-1944), artistas adeptos ao cubismo,

como Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), as modernas teorias dos

médicos Sigmund Freud (1856-1939) e Carl Gustav Jung (1875-1961) que provocaram uma

ruptura na forma de tratar seus pacientes.

Pesquisando sobre o tema, a doutora em história da arte, Marília Andrés Ribeiro, fez

uma abordagem do contexto social e político do modernismo europeu apontando o reflexo

deste ao modernismo brasileiro, chamando a atenção para a Semana de Arte Moderna que

aconteceu na cidade de São Paulo no ano de1922. Ribeiro apresenta as influencias e

convergências deste movimento apontando as mudanças que ocorreram tanto no âmbito

internacional quanto no nacional:

O modernismo refere-se aos movimentos literários, artísticos e religiosos que ocorreram na Europa desde a segunda metade do século XIX, propondo o rompimento com a tradição passada e a construção de uma nova arte moderna e de uma moderna Igreja Católica. No campo artístico os movimentos modernistas do século XIX — romantismo, impressionismo, pós-impressionismo —, considerando as suas especificidades, tiveram propostas comuns que podem ser sintetizadas nos seguintes princípios: o

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questionamento dos pressupostos básicos da arte acadêmica e da tradição artística oficial [...] (RIBEIRO, 2012, p.117)

No caso da Semana de 1922, como foi chamada, o movimento serviu para aproximar

personalidades ligadas a esferas culturais, artísticas, religiosas e políticas em detrimento de

uma ideologia comum: um projeto de construção de uma nação moderna. Entre as

personalidades ligadas a este grupo, Mario Raul Moraes de Andrade (1893-1945) foi um dos

principais nomes do movimento modernista brasileiro. Mário de Andrade, como era

conhecido, esteve à frente do Movimento e ajudou a organizar a Semana juntamente com

Oswald de Andrade (1890-1954), Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti (1889-1964)

e Menotti del Picchia (1892-1988). Nesta ocasião, Mário de Andrade foi apresentado ao

advogado, jornalista e escritor brasileiro Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), que

se aproximou do grupo dos modernistas e criou laços de amizade e empatia cultural que

serviria de mote para os primeiros movimentos voltados à preservação do patrimônio

histórico e artístico nacional uma década depois.

Podemos observar que, também na década de 30, foi grande a participação de Gustavo

Barroso no que tange a intensificação das suas articulações políticas por meio de elaboração

de projetos de lei de parlamentares e criação de órgãos estaduais de proteção ao patrimônio

histórico. Podemos citar algumas como a criação dos cursos técnicos de Museologia,

Arquivologia e Biblioteconomia, todos criado em 1932, além da criação da Inspetoria dos

Monumentos Históricos Nacionais14, no ano de 1934, todos ligados à estrutura do Museu

Histórico Nacional, sob a direção do próprio Gustavo Barroso.

Tanto Santos (2006) quanto Ribeiro (2012) concordam que todos estes intelectuais

desempenharam um papel decisivo na escolha da cidade de Ouro Preto, como um dos

símbolos nacionais a ser preservado e divulgado, elegendo o Aleijadinho e o Mestre Athayde

como os artistas maiores da representação do Barroco Mineiro. A partir de uma revisão

historiográfica acerca dos atos e fatos que envolviam Joaquim José da Silva Xavier, o

Tiradentes (1746 – 1789), este foi colocado no patamar de líder e mártir do episódio ligado ao

que a história chamou de Inconfidência Mineira. Com todo esse apoio das personalidades

ligadas ao contexto histórico-cultural da época, Ouro Preto volta a ter a atenção das

autoridades nacionais e internacionais, conforme afirma Ribeiro:

O diálogo entre os intelectuais paulistas e mineiros iniciou-se nos anos 20, a partir da viagem da caravana paulista, organizada, em 1924, por Mário de

14 O Decreto n°. 24.735, de 14 de julho de 1934 tinha por finalidade impedir que objetos antigos, referentes à história nacional, fossem retirados do país em virtude do comércio de antiguidades, e ainda que as edificações monumentais fossem destruídas por conta das reformas urbanas, a pretexto de modernização das cidades

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Andrade, Oswald de Andrade, Blaise Cendrais e Tarsila do Amaral, para visitar as cidades históricas de Minas. Essa viagem propiciou o contato dos paulistas com os intelectuais mineiros e a redescoberta da importância do Barroco mineiro. Como consequência imediata desse diálogo tivemos a publicação, em 1925, de A Revista — porta-voz do ideário modernista dos escritores Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Pedro Nava, Martins de Almeida e John Alphonsus. (RIBEIRO, 2012, p.121)

Em nossas pesquisas, encontramos muitos autores que abordaram temas voltados à

construção das identidades e nacionalismo do nosso país. Nos fatos históricos, podemos

descrever o período que Gustavo Barroso acaba por se distanciar do grupo dos Modernistas,

uma vez que as relações de poder se chocaram com as ideologias divergentes criando

conflitos que fizeram prevalecer o modelo de política cultural proposta pelos modernistas,

como aponta Magalhães, no que diz respeito às concepções das diretrizes do patrimônio

nacional:

[...] Ouro Preto, antiga Vila Rica, principal cidade do Ciclo do Ouro nas Minas Gerais, foi uma das primeiras cidades a ser metodologicamente tratadas como monumento nacional. Nesta questão, Barroso e os intelectuais modernistas possuíam a mesma percepção, consideravam Ouro Preto um dos principais exemplos do patrimônio histórico nacional, cujo reconhecimento oficial se deu em 1933. No ano de 1937, a Inspetoria encerra suas atividades, sendo substituída pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), considerado a vitória e a consolidação do grupo organizado em torno de Rodrigo Mello Franco de Andrade e do Gabinete Capanema. (MAGALHÃES, 2006, p. 94-95).

Entretanto, como o foco do nosso estudo é traçar a trajetória dos museus nacionais e,

em particular como se deu a concepção do Museu da Inconfidência, optamos por não nos

aprofundarmos nas questões históricas destes fatos por entendermos que isso iria distanciar-

nos do nosso artigo.

No ano de 1935, o Presidente Getúlio Vargas (1882-1954) decidiu criar um monumento

que fosse capaz de homenagear os personagens envolvidos na Inconfidência Mineira dando

ao episódio o status de precursor da independência brasileira. Apoiado pelos ideais

nacionalistas, o presidente solicita a repatriação dos restos mortais dos inconfidentes, mortos

no exílio na África.

Ao mesmo tempo os artistas e intelectuais foram cooptados para trabalhar em projetos patrocinados pelo Estado Novo, integrados a uma vertente modernizadora do governo de Getúlio Vargas. Dentro dessa vertente destaco a política cultural do ministro Gustavo Capanema, que se orientava pelo ideário nacionalista, exaltando a história mitificada dos heróis nacionais e o culto da autoridade. A crença na força da arte e da cultura foi uma forma de legitimar o convívio entre esses profissionais e o poder durante o Estado Novo, mas nos bastidores muitos proclamavam a libertação social através de sua arte. (RIBEIRO, 2012, p. 121)

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A pedido do então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, no ano 1936,

Mario de Andrade, que dirigia o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo

elaborou um projeto que propunha a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (SPHAN). Foi criado o Decreto-Lei Nº 25, de 30 de novembro de 1937 e indicado o

nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade para assumir a direção do SPHAN, e elaborar a

legislação para criação da instituição.

Ouro Preto passou a ser uma das cidades contempladas pelo SPHAN recebendo o título

de Patrimônio Estadual em 1933, Monumento Nacional em 1938 e Patrimônio Mundial

Humanidade pela UNESCO, título que recebeu em 1980.

O Museu da Inconfidência

O Museu da Inconfidência, está localizado na cidade de Ouro Preto-MG e é uma

instituição federal, atualmente ligada ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). Seu prédio

foi construído a partir de 1785, por ordem do governador e capitão-general Luís da Cunha

Menezes, e foi projetado inicialmente para abrigar a Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica. O

professor e historiador Leandro Benedini Brusadin (2015, p.117) cita o atual Diretor do

Museu, Rui Mourão (1994, p.50), atestando que, para colocar em pratica o projeto de

nacionalização do país, Getúlio determinou, em meados da década de 30 que os restos

mortais dos Inconfidentes degredados para a África fossem trazidos de volta ao Brasil. Ainda

conforme Mourão, esta missão, “[...] de pesquisar a localização das sepulturas, promover as

exumações e o transporte das urnas foi atribuída ao historiador mineiro Augusto de Lima

Júnior” (MOURÃO, 1994, p.50 apud in: BRUSADIN, 2015, p. 117), filho do então governador

de Minas Gerais e segundo Mourão, “um historiador da mesma linha de Gustavo Barroso”.

Cercado de muita polêmica, o traslado ocorreu em 1937, período em que se tornou prioridade

para governo e para os intelectuais, encontrar um espaço que pudesse abrigar tais relíquias.

Em um ponto todos concordavam: O local teria de ser na cidade de Ouro Preto.

Com a transferência da capital do estado para a cidade de Belo Horizonte, no final do

século XIX e ainda com a construção da nova Penitenciária Central na cidade de Neves, nas

proximidades da nova capital, o prédio perdeu sua função original. Como foi colocado neste

trabalho, vimos que o Estado Novo, na pessoa do Presidente da República Getúlio Vargas e

sua equipe já haviam manifestado o interesse de constituir uma identidade nacional a partir

de símbolos e personalidades ligadas a fatos históricos.

Isto posto, com a persistência de Gustavo Barroso e apoio dos intelectuais Modernistas

dos quais faziam parte Gustavo Capanema, Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco de

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Andrade, Getúlio Vargas articula-se e apropria-se do prédio por meio do decreto-lei estadual

n. º 144 de 2 de dezembro de 1938, que transfere o prédio do poder do Estado para a União.

Deste modo e, na sequência, Getúlio determina a criação do museu por meio do Decreto-Lei

nº 965, de 20 de dezembro de 1938, passando o prédio a ser de responsabilidade do Governo

Federal e do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Conforme disposto no artigo 1º, Getúlio cria, em Ouro Preto, o Museu da Inconfidência

“[...] com a finalidade de colecionar coisas de vária natureza, relacionadas com os fatos

históricos da Inconfidência Mineira e com seus protagonistas e bem assim as obras de arte ou

de valor histórico que se constituem documentos expressivos da formação de Minas Gerais. ”

(BRASIL, 1938). Após este ato político, o prédio passou por reformas e adaptações e, em

1942, com o 150º aniversário da sentença de condenação dos Inconfidentes, foi inaugurado o

Panteão dos Inconfidentes15, tendo sido aberto ao público, de fato, somente em 11 de agosto

de 1944, por ocasião do bicentenário do poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga.

Brusadin faz uma reflexão acerca dos reais interesses que haviam por trás da criação

deste museu com vistas ao discurso voltado ao resgate do patrimônio cultural. Neste sentido,

Brusadin assegura que:

As características de Ouro Preto, por mais qualificadas que fossem, necessitavam, na época, de um passo que legitimasse o seu culto como lugar de memória social e como marco da identidade nacional. Diante disso, já é possível perceber o atributo simbólico que se desejava construir no imaginário social do povo brasileiro e o patrimônio cultural passaria, assim, a ser um dos principais mecanismos de consolidar os ideais nacionalistas do governo Vargas. (BRUSADIN, 2014, p.116)

É a partir do que Brusadin chama de mecanismos de legitimidade que surge, no

interior de Minas Gerais, o primeiro museu histórico-nacional institucionalizado e idealizado

para guardar as representações simbólicas ligadas ao a um fato histórico: A Inconfidência

Mineira, fundamentada através dos indícios ainda registrados pela cidade, pela

documentação produzida nos Autos da Devassa16, além da história oral contada e

reproduzida no imaginário coletivo que sustentou a sua narrativa agora transformada em um

circuito expositivo aberto ao público visitante.

Deste modo, podemos observar que tal construção ideológica foi fundamentada a partir

de um discurso elitista, baseado nas relações de poder e voltado aos interesses do Estado que

15 Monumento sacralizado onde são guardados os restos mortais de personalidades ilustres. 16 Foram os autos do processo judicial movido pela Coroa Portuguesa contra Joaquim José da Silva Xavier e os

demais Inconfidentes, dos quais podemos citar, José Álvares Maciel, Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, dentre outros. Os Autos tinham a finalidade de registrar e de apurar crime de traição previsto na lei da época denominada Ordenações Filipinas.

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assumiu para si a missão de devolver à população brasileira a sua história que havia sido

encoberta e esquecida por outros governos. Na pesquisa feita sobre Museus Brasileiros e

Políticas Culturais, Santos faz uma análise acerca das instituições museais do país nas

décadas de 50 a 70, chegando à seguinte análise:

Nas décadas de 1950 e 1960, a grande ênfase era dada à conservação das coleções e ao papel educacional dos museus. Eles, entretanto, entraram em crise na década de 1970, quando se passou a criticá-los como instrumentos de veiculação de discursos oficiais, e, então, novas propostas de intervenção na sociedade surgiram. Segundo Hughes de Varine (VARINE, 1995, p. 18), a mesa-redonda organizada pela Unesco em cooperação com o ICOM, em Santiago de Chile, em 1972, pode ser considerada um marco que estabelece as fronteiras entre a museologia das coleções e aquela que concebe o museu como instrumento de desenvolvimento social. (SANTOS, 2004, p. 58).

Neste sentido, o Museu da Inconfidência consegue acompanhar estes processos de

mudanças e começa a adotar novas práticas voltadas à integração do museu ligadas às

diversas realidades locais, utilizando a defesa do patrimônio cultural como agente social e

ativo voltado às relações de troca com o público. O museu em sua missão integral por meio

das exposições e das ações educativas. A partir desta nova mentalidade, o Museu da

Inconfidência se reinventa como instrumento de desenvolvimento social, em favor da

comunidade que o cerca, passando a estimular o público à uma participação ativa. O projeto

piloto nasceu na década de 80 com o nome de Museu-Escola. Este projeto era voltado ao

público escolar da região, e tinha como objetivo desenvolver nos alunos a consciência crítica

da história do Museu e dos seus ilustres personagens. Com este novo discurso museal nossa

pesquisa pretende, futuramente, analisar não somente o Projeto Museu-escola mas também

as ações educativas que foram implementadas por este museu ao longo dos anos que tenham

servido aos educadores, como suporte pedagógico de educação não-formal, em detrimento

das escolas da região e grupos de escolares, que buscavam nesta instituição um elemento a

mais na formação curricular da educação formal dos alunos.

Referências

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 6115

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