jogos de linguagem e semelhanÇas de famÍlia em...

42
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ CAMPUS DE UNIÃO DA VITÓRIA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS COLEGIADO DE MATEMÁTICA JACKSON RODRIGO SOARES JOGOS DE LINGUAGEM E SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA EM ATIVIDADES DE MODELAGEM MATEMÁTICA UNIÃO DA VITÓRIA 2015

Upload: hahuong

Post on 16-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

0

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ –

CAMPUS DE UNIÃO DA VITÓRIA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS

COLEGIADO DE MATEMÁTICA

JACKSON RODRIGO SOARES

JOGOS DE LINGUAGEM E SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA EM ATIVIDADES DE

MODELAGEM MATEMÁTICA

UNIÃO DA VITÓRIA

2015

1

JACKSON RODRIGO SOARES

JOGOS DE LINGUAGEM E SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA EM ATIVIDADES DE

MODELAGEM MATEMÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para

obtenção do grau de Licenciado em Matemática pela

Universidade Estadual do Paraná, campus de União

da Vitória.

Orientadora: Prof. Dra. Michele Regiane Dias

Veronez.

UNIÃO DA VITÓRIA

2015

2

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus primeiramente, o amparo de todas as horas, por me proporcionar este

momento, que, ao indicar sempre o melhor caminho à seguir, tornou isso possível.

À minha família, por ser tudo o que eu tenho e necessito, por estarem comigo em cada

momento desta caminhada, me dando forças, me completando e me fazendo uma pessoa

melhor.

À minha orientadora, Michele Regiane Dias Veronez, por ser a melhor orientadora que

alguém poderia ter, por estar sempre disponível caso eu precisasse, pela sua paciência, por me

acompanhar neste estudo desde o início da graduação, e, por ser a maior incentivadora deste

trabalho.

Aos meus amigos, que tive a sorte de conhecer nesta caminhada, por serem os

melhores, por estarem presentes em cada etapa da construção deste trabalho, criticando,

incentivando, colaborando, enfim, por serem as pessoas que são.

Novamente aos meus amigos, colegas do quarto ano do curso de Licenciatura em

Matemática da UNESPAR, campus de União da Vitória, e, à professora Gabriele Granada

Veleda, por participarem desta pesquisa, pela compreensão e colaboração.

E à todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram com a construção deste

trabalho.

Agradeço à todos sinceramente.

3

“Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo.”

Ludwig Wittgenstein

4

RESUMO

No ambiente de uma sala de aula de matemática, professores e alunos se deparam com a

necessidade de estabelecer uma comunicação em que todos os indivíduos se entendam da forma

mais clara possível e que se possa abordar os conceitos matemáticos de forma que ocorra

significação destes conceitos. Porém, a linguagem utilizada pelos sujeitos presentes na aula é

diversificada, variando entre a linguagem natural, que é a linguagem usada pelas pessoas ao se

comunicarem no dia a dia, e a linguagem matemática acadêmica, e, portanto, podem ser

analisadas a fim de ser compreendida. Alicerçados nos pressupostos teóricos do filósofo

Ludwig Wittgenstein apresentamos, neste trabalho, uma interpretação dos jogos de linguagem

e das semelhanças de família entre esses jogos, a partir das linguagens utilizadas por alunos e

professor em um ambiente de Modelagem Matemática.

Palavras-chave: Jogos de Linguagem; Semelhanças de Família; Modelagem Matemática.

5

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Elementos que caracterizam uma atividade de Modelagem Matemática ................. 19

Figura 2: Material disponibilizado pelos apresentadores ......................................................... 24

Figura 3:Tabela disponibilizada pelo apresentador. ................................................................. 29

Figura 4: Material disponibilizados na Atividade 3. ................................................................ 34

6

SUMÁRIO

SOBRE A PESQUISA .............................................................................................................. 7

1 LINGUAGEM: MEIO DE ACESSO AO MUNDO ........................................................... 9

1.1 A PERSPECTIVA WITTGENSTEINIANA DE LINGUAGEM .................................. 10

1.1.1 Jogos de linguagem: caracterização e relação entre uso e significado. .................... 11

1.1.2 Semelhanças de família ............................................................................................ 14

2 MODELAGEM MATEMÁTICA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS PRESENTES NA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ............................................................................................. 16

2.1 PROFESSOR E ALUNOS NO CONTEXTO DA MODELAGEM MATEMÁTICA .. 17

2.2 CARACTERÍSTICAS DE UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM

MATEMÁTICA....................................................................................................................19

3 AS ANÁLISES: OPÇÕES METODOLÓGICAS E NOSSAS INTERPRETAÇÕES .. 22

3.1 UMA INTERPRETAÇÃO ACERCA DOS DADOS COLETADOS ........................... 23

3.1.1 Atividade 1: Energia Elétrica ....................................................................................... 23

3.1.2 Atividade 2: Horário De Verão. ................................................................................... 29

3.1.3 Atividade 3: Intensidade Sonora .................................................................................. 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 37

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 39

7

SOBRE A PESQUISA

Em um ambiente de sala de aula a comunicação entre professores e alunos se faz

indispensável. Assim, os discursos produzidos nos contextos das aulas precisam ser

compreendidos e, nesse sentido, a linguagem, ou as linguagens recorrentes. Tais linguagens,

para além de atender a necessidade de comunicar conceitos matemáticos, precisam ser

compreendidas por alunos e professores.

Em uma sala de aula de matemática, Garnica e Pinto (2010) identificam duas

manifestações de linguagem: a da linguagem natural, materna, ou seja, a linguagem utilizada

no cotidiano e a linguagem matemática, da matemática acadêmica, que é familiar àqueles que

possuem formação específica. Considerando essa afirmação, é pertinente ao professor o

cuidado para que as linguagens que compõem os discursos da sala de aula ocorram de modo

que tanto locutores quanto interlocutores se façam entender da forma mais clara possível.

É esse contexto de linguagens que direcionou o desenvolvimento deste trabalho que

tem como foco a seguinte questão: quais são as linguagens recorrentes nos discursos de

professores e alunos nas aulas de Matemática?

Estudos feitos, durante a realização de um projeto de pesquisa, sobre os pressupostos

teóricos de Ludwig Wittgenstein, filósofo austríaco que viveu no século XIX, originaram o

presente trabalho que, se subsidia na sua obra intitulada Investigações Filosóficas, a qual trata

a linguagem a partir dos usos que fazemos dela. Ao discutir sobre os modos de conceber a

linguagem, esse renomado filósofo contemporâneo traz terminologias como jogos de

linguagem e semelhanças de família, e os denota como atividades que estão entrelaçadas ao uso

da linguagem e a sua totalidade.

Considerando o que foi elucidado, com este trabalho objetiva-se realizar uma análise

acerca dos jogos de linguagem e das semelhanças de família presentes nos discursos dos

acadêmicos do quarto ano de um curso de licenciatura em matemática. Esses discursos foram

transcritos e correspondem ao período de dez aulas da disciplina de Introdução à Modelagem

Matemática. Nosso interesse era, primeiramente, identificar nesses discursos as linguagens

presentes nas interações entre alunos e na interação deles com a professora durante o

desenvolvimento de atividades de modelagem matemática.

Em um segundo momento, buscamos semelhanças de família entre os jogos de

linguagem identificados, procurando estabelecer em que os jogos de linguagem assemelhavam-

8

se uns aos outros, quais as características que cada jogo de linguagem possuía e em que medida

as linguagens materna e acadêmica apareciam e se completavam na formação dos registros e

discursos apresentados.

Diante dos objetivos estabelecidos, dividimos este trabalho em três capítulos além da

presente introdução e das considerações finais.

No capítulo 1 abordamos os pressupostos teóricos que embasaram as análises que

compõem este trabalho, ou seja, discutimos a concepção de linguagem trazida por Wittgenstein

na obra Investigações Filosóficas e elucidamos os conceitos de jogos de linguagem e

semelhanças de família adotados pelo autor.

No capítulo 2 fazemos considerações acerca da Modelagem Matemática, procurando

elucidar o que é uma atividade de modelagem matemática, bem como o papel do professor e

dos alunos nesse contexto.

As análises dos registros verbais das aulas que foram gravados e dos registros escritos

produzidos pelos alunos estão presentes no capítulo 3, ao longo do texto desse capítulo

procuramos apresentar as atividades de modelagem que forneceram os registros, bem como

analisamos tais registros a partir das intenções que compõem os objetivos deste trabalho.

Para finalizar, trazemos as considerações finais. Nelas são apresentadas as conclusões e

reflexões acerca das linguagens utilizadas pelos alunos no desenvolvimento das atividades,

levando em conta a questão que originou este trabalho.

Por fim, encontram-se as referências utilizadas neste trabalho.

9

1 LINGUAGEM: MEIO DE ACESSO AO MUNDO

A linguagem faz parte da vivência de cada indivíduo, cantar uma música, ler, dar uma

ordem, contar uma história, são exemplos de usos da linguagem que realizamos no cotidiano.

Se faz tão presente, que é a partir dela que nos comunicamos e podemos interagir com o mundo

e com as pessoas.

O desenvolvimento da linguagem se deu com a necessidade dos seres humanos se

comunicarem e, desde então, pode-se perceber diversas formas de expressões linguísticas como

a oral, gestual, escrita, entre outras, enfim, tornou-se um meio do homem interagir com o

mundo. Mas o que é a linguagem?

A linguagem não é um simples veículo para expressar nossas ideias, nem uma simples

roupagem para vestir nosso pensamento quando o manifestamos publicamente. Ela é

a própria condição do nosso pensamento e, para entender esse último, temos que nos

concentrar nas características da linguagem em vez de contemplar o suposto mundo

interior de nossas ideias. Nosso conhecimento do mundo não se radica nas ideias que

dele fazemos; ele se abriga, sim, nos enunciados que a linguagem nos permite

construir para representar o mundo (Gracia, 2004, p. 33, apud VILELA e MENDES

2011, p. 8).

Vilela e Mendes (2011) acrescentam que a linguagem pode ser vista de duas formas:

como representação e descrição das coisas e como constitutiva das coisas.

Quando entendida como representação, seja de ideias, seja daquilo que se procura

discutir como sendo realidade, ela é colocada como descritiva do mundo, dos

conceitos e dos objetos. É um veículo que carrega e representa nossas ideias, num

lugar marginal em relação ao mundo que ela descreve ou ao sujeito que a usa. Outra

possibilidade é a linguagem ser vista em termos de atividade, como constitutiva das

coisas, e não como meramente “descritiva” delas (VILELA e MENDES, 2011, p.8).

Sendo a linguagem reconhecida como algo tão importante, alguns estudiosos

dedicaram-se a estudá-la. Entre eles, destaca-se o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein

(1889- 1951).

10

1.1 A PERSPECTIVA WITTGENSTEINIANA DE LINGUAGEM

Segundo Condé (1998) o pensamento de Wittgenstein é dividido em duas fases

distintas marcadas pelas obras: Tractatus Logico-Philosophicos que se constitui na primeira

fase do pensamento wittgensteiniano e a obra Investigações Filosóficas, que é reconhecida

como sendo a segunda fase.

Na primeira fase do pensamento wittgensteiniano a linguagem era estudada com o

intuito de descobrir o que é a linguagem. Ou seja, a pergunta orientadora nessa fase era: qual a

essência da linguagem? Assim, o foco do estudo acerca da linguagem tratado na obra

Tractatatus Logico-Philosophicos, era o cerne da linguagem, de onde ela vinha e o que era. Já

na segunda fase, segundo Condé (1998), trazida na obra Investigações Filosóficas, o pensar

sobre a linguagem não está em pensarmos o que é a linguagem, mas no modo como ela

funciona, nos usos que fazemos dela. Nessa fase, Wittgenstein (2012) nos diz que não há uma

linguagem, mas linguagens, ou seja, diversos usos da linguagem. Nesse contexto, o estudo da

linguagem está focado nos usos que fazemos dela, em detrimento ao que subsidiava a primeira

fase, que focalizava uma definição para linguagem.

Para Wittgenstein, segundo Condé (1998), a linguagem está diretamente associada ao

uso que fazemos dela. Daí a afirmação de que a significação de uma palavra se dá no contexto

que em ela emerge.

No contexto dos usos da linguagem, na sua pluralidade de usos e nas regras que regem

os diferentes discursos, o que faz ou não sentido no uso da linguagem obedece às regras que

compõem a gramática.

Na filosofia de Wittgenstein, isso nos remete à noção de gramática e de proposição

gramatical que determina os usos possíveis e inteligíveis de uma palavra. A gramática,

nesse contexto, não tem seu significado usual. Ela comporta as regras e a estruturada

linguagem e, assim, indica como podem ser usadas as expressões em diferentes

contextos. Indica as regras de uso das palavras, o que faz sentido e o que é certo ou

errado (VILELA e MENDES, 2011, p. 13).

O exemplo proposto por Vilela e Mendes (2011, p. 14) em relação a palavra

“triângulo” esclarece que “seu significado depende do jogo de linguagem em que ocorre, isto

é, podemos falar em ‘triângulo amoroso’ ou numa figura geométrica denominada triângulo,

ambos pertinentes em nossa gramática e não associados necessariamente a um referente”. Ou

seja, podemos falar em triângulo em um jogo de linguagem, pertinente a nossa gramática, como

11

sendo uma figura geométrica de três lados e, em outro jogo de linguagem, no qual a palavra

triângulo e amoroso remete à relação amorosa entre três pessoas, considerando outras regras

gramaticais estabelecidas.

Nesse exemplo, no caso em que a palavra “triângulo” foi utilizada como sendo uma

figura geométrica, está evidente o jogo de linguagem da matemática e na expressão “triângulo

amoroso” o jogo de linguagem do cotidiano, da língua materna.

Ao olhar para os usos da linguagem, Wittgenstein nos traz, na obra Investigações

Filosóficas, os termos: jogos de linguagem, formas de vida e semelhanças de família, que serão

tratados a seguir.

1.1.1 Jogos de linguagem: caracterização e relação entre uso e significado

Na obra Investigações Filosóficas, Wittgenstein denomina os diversos usos da

linguagem, cada qual inserido em um contexto, de jogos de linguagem,

podemos imaginar também que todo o processo de uso de palavras [...] seja um dos

jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna. Quero chamar

esses jogos de “jogos de linguagem” [...]. Chamarei de “jogos de linguagem” também

a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem

entrelaçada (WITTGENSTEIN, 2012, p. 18 e 19).

Nessa perspectiva, são os jogos de linguagem que definem então a linguagem ou as

linguagens que cada indivíduo emprega durante as diversas funções que precisa realizar na

interação com o meio em que vive. Baseado nesse pensamento, devido ao grande número de

jogos de linguagens, ocorre a existência de linguagens.

Essas linguagens, portanto, tem papéis diferentes, dependendo do contexto em que

estão inseridas e da forma que estão sendo utilizadas. Palavras, gestos e outras manifestações

da linguagem se modificam e ganham diferentes significados de acordo com o contexto em que

elas são usadas.

Os jogos de linguagem se constituem, então, com os usos que os indivíduos fazem da

linguagem, baseados em certas regras que estabelecem esse uso como um jogo. Sendo assim, o

indivíduo aprende que é preciso o conhecimento de regras específicas do jogo para sua efetiva

participação no jogo. Os jogos de linguagem fazem parte da vivência das pessoas e se baseiam

e se sustentam no que Wittgenstein (2012) chama de formas de vida. Nas palavras do filósofo:

12

“a expressão jogos de linguagem deve salientar aqui que falar de uma língua é a parte de uma

atividade ou de uma forma de vida” (p.27).

Segundo Gottschalk (2008, p.80 apud Tortola 2012, p. 48) a expressão formas de vida

(Lebensformen) é utilizada por Wittgenstein “para designar nossos hábitos, costumes, ações e

instituições que fundamentam nossas atividades em geral, envolvidas com a linguagem”. Sendo

assim, as formas de vida se constituem através das ações dos indivíduos, nas atividades que eles

realizam com a linguagem (e com as linguagens) baseados em seus hábitos, crenças, modo de

viver.

As formas de vida elucidam, portanto, os usos da linguagem feitos pelos indivíduos e

determinam as regras que regem os jogos, pois os indivíduos presentes na forma de vida em

que o jogo de linguagem está inserido conhecem os hábitos, crenças e fatores necessários para

que o jogo seja entendido pelos jogadores. Segundo Condé (1998), as formas de vida são o

ancoradouro último da linguagem; onde a linguagem se assenta, ou seja, é na forma de vida que

a linguagem se sustenta, e as palavras que constituem essa linguagem (e o jogo de linguagem)

recebem significado. É no uso da linguagem, alicerçada na forma vida e nas regras estabelecidas

por essa forma, que a linguagem encontra significação.

Vilela e Mendes (2011, p. 12) expõem que “os significados se dão no contexto, como

parte do universo do discurso, e, nesse sentido, um novo uso sempre é possível, em oposição a

um significado previamente determinado, fixado independentemente da situação”. Para essas

autoras, a linguagem “traz uma lógica para ver o mundo e, ainda, pode ser reveladora porque

expressa o que é importante numa forma de vida; ela dá indícios das características culturais de

uma comunidade”. A linguagem utilizada em uma forma de vida pode influenciar, moldar as

interações entres as pessoas de uma comunidade, ou seja, entre as pessoas que compartilham

da mesma forma de vida.

Sendo assim, são nas formas de vida que as regras dos jogos de linguagem tomam

forma, já que as regras dos jogos precisam ser conhecidas por todos os indivíduos que estão

jogando. Caso contrário, a linguagem deixa de fazer sentido. Isso porque são nas formas de vida

que residem as características sociais e culturais; são nas formas de vida que ocorrem os usos

da linguagem e consequentemente significação.

Wittgenstein (2012) explica como se dão os usos da linguagem, quais são as

transformações que ocorrem quando nos comunicamos com as pessoas e como a linguagem se

dá nos diferentes discursos pautado no conceito de significação. Para o autor , o significado das

palavras e expressões que pronunciamos não está pré-determinado, ele depende do contexto (do

13

jogo de linguagem) em que está inserido. Como nos diz Wittgenstein (2012, p.38), “para uma

grande classe de casos - mesmo que não para todos - de utilização da palavra “significado”,

pode-se explicar esta palavra do seguinte modo: O significado de uma palavra é o seu uso na

linguagem”.

Isso nos remete a pensar que o uso da linguagem depende do contexto em que a pessoa

está inserida, ou seja,

o uso depende de uma série de fatores, tais como meio, necessidades, desejos,

emoções, capacidades sensórias, que sugerirão quais conceitos são mais adequados.

O que uma pessoa expressa não depende só do que ela diz, mas das circunstâncias que

mostram qual jogo de linguagem está sendo jogado (ARAÚJO, 2004, p. 111, apud

TORTOLA, 2012, p.45).

De modo geral, as palavras podem servir para designar um objeto, rotulá-lo, mas

quando usamos a palavra em um contexto de uma linguagem (de um jogo de linguagem), seu

significado vai depender do contexto em que o indivíduo que faz uso da linguagem está e da

interpretação que as pessoas que participam do jogo de linguagem fazem do que foi expressado.

“Na prática do uso da linguagem, uma parte grita as palavras, a outra age de acordo com elas”

(WITTGENSTEIN, 2012, p.18). Essa consideração se assemelha às ideias de Vigotski (2008,

p. 156) quando expõe que “os significados das palavras são formações dinâmicas, e não

estáticas [..] se alteram em sua natureza intrínseca, então a relação entre o pensamento e palavra

também se modifica”. Sendo assim, é na variação dos usos das palavras e das manifestações

linguísticas em cada forma de vida, em cada jogo de linguagem e alicerçadas nas regras

gramaticais que aquele contexto impõe, que ocorre a atribuição de significado.

Se pensarmos, por exemplo, no uso da palavra “racional” em um contexto do dia a dia

pode-se associar a algo ou alguém que age de acordo com a razão. Porém, a palavra racional

no jogo de linguagem da sala de aula de matemática vai assumir outro significado. Isso porque,

os jogos de linguagem em que a palavra racional está sendo empregada são distintos; as regras

que regem ambos os jogos são diferentes.

Contudo, apesar dos jogos de linguagem serem distintos, alguns jogos podem

apresentar características em comum ou semelhanças. Tais semelhanças são denominadas por

Wittgenstein de semelhanças de família e são discutidas na próxima seção.

14

1.1.2 Semelhanças de família

Wittgenstein (2012) ao falar sobre a pluralidade de usos da linguagem nas

manifestações linguísticas dos indivíduos em cada contexto, inseridos nas suas respectivas

formas de vida, ou seja, na existência de linguagens, nos coloca o seguinte questionamento: Se

os jogos podem variar dependendo do contexto, como caracterizar todos como jogos?

Por mais distintos que sejam, os jogos de linguagem passam por constantes

transformações atendendo às necessidades de cada “forma de vida” e a necessidade de

comunicação e adaptação das regras pelos indivíduos. Para Wittgenstein (2012), estes jogos

apresentam semelhanças, ou como o filósofo chama, “semelhanças de família”.

Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que por meio das palavras

“semelhanças familiares”; pois assim se sobrepõem e se entrecruzam as várias

semelhanças que existem entre os membros de uma família: estatura, traços

fisionômicos, cor dos olhos, andar, temperamento etc. etc. – E eu direi: os “jogos”

formam uma família (WITTGENSTEIN, 2012, p. 52).

Para elucidar essa caracterização de semelhança de família

olhe, por exemplo, os jogos de tabuleiro, com seus variados parentescos. Passe agora

para os jogos de cartas: aqui você encontra muitas correspondências com aquela

primeira classe, mas muitos traços comuns desaparecem, outros se apresentam. Se

passarmos agora para os jogos de bola, veremos que certas coisas comuns são

mantidas, ao passo que muitas se perdem. – Prestam-se todos eles ao

“entretenimento”? Compare o xadrez com o ludo. Ou há, por toda parte, ganhar e

perder, ou uma concorrência dos jogadores? Pense nas paciências. Nos jogos de bola

há ganhar e perder; mas, se uma criança atira a bola contra a parede e a agarra

novamente, neste caso este traço desapareceu. Veja que papel desempenham

habilidade e sorte. E quão diferente é habilidade no jogo de xadrez e habilidade no

jogo de tênis. Pense agora nas brincadeiras de roda: aqui se encontra o elemento

entretenimento, mas quantos dos outros traços característicos desapareceram! E assim

podemos percorrer os muitos, muitos outros grupos de jogos, ver as semelhanças

aparecerem e desaparecerem (WITTGENSTEIN, 2012, p. 51-52).

Sendo assim, as semelhanças de família seriam “parentescos” entre os jogos,

semelhanças que percebemos entre uns com outros, mas não necessariamente entre todos.

Podemos ver então cada jogo de linguagem como uma “peça” da linguagem, em que suas

semelhanças e familiaridades se tornam as linguagens.

As semelhanças presentes num determinado grupo de jogos de linguagem se estendem

a todos os seus componentes, como em uma família, podendo haver certas

semelhanças entre um primeiro e segundo jogo de linguagem, as quais podem

15

desaparecer e dar lugar a novas semelhanças quando comparamos o primeiro, ou, o

segundo, com um terceiro jogo, e assim sucessivamente, esses entrelaçamentos se

estendem aos outros jogos de linguagem (TORTOLA,2012, p.48)

Os diversos jogos de linguagem encontrados em cada forma de vida e nas suas

variações não têm uma definição ou uma universalidade em todos os jogos, mas ocorrem

semelhanças, coisas que os jogos possuem em comum entre si, porém não necessariamente

comum a todos os jogos.

Assim, as semelhanças de família podem ser vistas como os traços mutáveis que

impedem que uma proposição ou conjunto de proposições que descrevam ou orientem

uma ação funcione(m) uniformemente como uma descrição. Essa noção de

semelhança de família tem a tarefa de descentrar o problema dos universais, baseados

na identificação de características comuns (BELLO, 2010, p. 544).

As semelhanças de família não são algo que universalizam os jogos de linguagem ou

as linguagens, nem algo que podemos encontrar em todos os jogos, mas são parentescos;

semelhanças que percebemos entre os jogos. Alguns jogos, apresentam semelhanças com

alguns jogos (são, de certa forma, aparentados à estes), mas podem ser completamente distintos

a outros, bem como alguns jogos de linguagem podem aparentar-se a outros apenas pelo

contexto (pela forma de vida) em que estão inseridos e quando, por conveniência, as regras do

jogo se modificam, as semelhanças com estes jogos podem desaparecer e tornar-se aparentados

(apresentar semelhanças de famílias) com jogos que antes eram totalmente distintos.

No próximo capítulo abordaremos algumas concepções teóricas de Modelagem

Matemática na Educação Matemática, além disso, descreveremos o nosso entendimento com

relação a uma atividade de modelagem, bem como o papel do professor e do aluno ao

desenvolverem modelagem matemática na sala de aula.

16

2 MODELAGEM MATEMÁTICA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS PRESENTES NA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

A Modelagem Matemática no âmbito da Educação Matemática vem sendo discutida

por diversos autores e, por esse motivo, se apresenta sob diferentes perspectivas e se consolida

a partir de diversas concepções. Apresentaremos nesta seção uma breve descrição das

concepções de Dionísio Burak, Ademir Donizeti Caldeira, Lourdes Werle de Almeida e Jonei

Cerqueira Barbosa.

No trabalho de Klüber e Burak (2008), a concepção de Burak acerca da Modelagem

Matemática é descrita como um “conjunto de procedimentos” em que se objetiva tentar explicar

matematicamente fenômenos do cotidiano do ser humano, para ajudá-lo a tomar decisões. Esta

concepção de Burak é encontrada em sua tese em 1992, entretanto, durante a fase de mestrado,

em 1987, Burak entendia modelagem como um trabalho centrado na construção de um modelo,

ou seja, a prioridade da Modelagem Matemática era obter um modelo que melhor resolvesse o

problema que estava sendo estudado. Com o desenvolvimento da pesquisa na área, e dada sua

experiência em Modelagem Matemática, Burak repensou durante o doutoramento a concepção

citada anteriormente e ao centrar sua atenção às questões da Educação Matemática, focou sua

‘nova’ concepção no interesse do grupo e nas interações dos indivíduos envolvidos com a

modelagem.

A concepção de Caldeira, trazida em Klüber e Burak (2008), situa a Modelagem

enquanto uma concepção de Educação Matemática. Nesta concepção, professor e aluno se

inserem em um sistema de aprendizagem à medida que podem (re)conhecer aplicações da

matemática, elucidar conceitos e conferir-lhes sentido. Nesse entendimento a Modelagem

Matemática se configura como uma oportunidade de estudar aspectos da matemática presente

na vida das pessoas.

Para Almeida (2010), a Modelagem Matemática é uma atividade associada à busca por

uma solução para uma situação-problema e “pode ser descrita em termos de uma situação inicial

(problemática), de uma situação final desejada (que representa uma solução para a situação

inicial) e de um conjunto de procedimentos e conceitos necessários para passar da situação

inicial para a final” (ALMEIDA, 2010, p.399).

17

Por sua vez, para Barbosa (2004, p.3), a Modelagem Matemática é assumida como

“um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados a problematizar e investigar,

por meio da matemática, situações com referência na realidade”.

Embora essas concepções pareçam se distanciar no modo como são descritas por esses

autores, podemos perceber que há convergências entre elas no que se refere à participação do

aluno no processo de modelagem e na abordagem da modelagem como meio de resolver

matematicamente problemas da realidade. Tais convergências oportunizam e favorecem o

crescimento da área de estudo no âmbito da Educação Matemática.

Visando esclarecer nosso ponto de vista acerca da Modelagem Matemática trazemos,

a seguir, a concepção de Modelagem Matemática que adotamos na realização deste trabalho,

bem como a caracterização de uma atividade de modelagem e o papel do professor e de alunos

nesse contexto.

2.1 PROFESSOR E ALUNOS NO CONTEXTO DA MODELAGEM MATEMÁTICA

Na abordagem das concepções identificamos que a modelagem está, de modo geral,

relacionada com o tratamento de problemas oriundos de situações do cotidiano, ou seja, com a

realidade, por meio da matemática. Sendo assim, como metodologia de ensino, o professor tem

a oportunidade de proporcionar aos alunos um ambiente no qual seja possível investigar

matematicamente uma situação de interesse dos alunos e que está presente no seu contexto de

vida.

De acordo com Almeida, Silva e Vertuan (2012, p.15):

segundo o dicionário Houaiss (2009), o termo “modelagem” significa dar forma por

meio de um modelo. Seguindo este entendimento podemos dizer que a Modelagem

Matemática visa propor soluções para problemas por meio de modelos matemáticos.

O modelo matemático, neste caso, é o que “dá forma” à solução do problema e a

Modelagem Matemática é a “atividade” de busca por essa solução.

Disto, neste trabalho, adotamos a Modelagem Matemática como sendo a atividade que

proporciona a busca de uma solução para um problema da realidade. Durante a transição da

situação inicial (que pode ser reconhecida como uma problemática) para uma situação final

(reconhecida como uma possível solução para a situação inicial) acontece a modelagem

matemática.

18

No contexto de sala de aula, a atividade dos alunos na busca por uma solução para uma

problemática oriunda da realidade em que estão inseridos, orientados pelo professor, utilizando

conhecimentos matemáticos que já possuem bem como novos conceitos necessários para a

solução do problema, configura-se em uma atividade de modelagem matemática.

Como nos diz Meyer, Caldeira e Malheiros (2011), referente à modelagem em sala de

aula, o aluno tem a oportunidade de fazer as perguntas, a si mesmo, ao professor e aos demais

alunos, e junto com estes, aprender e usar ferramentas matemáticas já existentes, ao invés de

apenas usar ferramentas predeterminadas.

Com relação ao papel do professor na condução de uma atividade de modelagem

matemática, Almeida, Silva e Vertuan (2012), enfatizam que ele deve ser acima de tudo um

orientador, no sentido de indicar caminhos, sugerir procedimentos. Por outro lado, não deve

deixar os alunos sozinhos e favorecer que eles sigam exemplos, tampouco dar respostas prontas.

Um professor que trabalha com Modelagem Matemática jamais deve despir-se de suas

responsabilidades de ensinar. Veronez (2013, p.28) acrescenta que “em Modelagem

Matemática compete ao professor orientar os alunos, principalmente, no sentido de promover

que eles estabeleçam relações entre seus conhecimentos, seja da situação em estudo, seja da

matemática, ou entre ambos”.

Sendo assim, no desenvolvimento de atividades de modelagem em sala de aula o

professor deve assumir um papel de orientador, de mediador, intervindo no trabalho de

investigação do aluno, de modo a auxiliar na elaboração de estratégias e de proporcionar um

ambiente em que os alunos possam aprender matemática através da investigação de problemas

do cotidiano, “é na transição da situação inicial (problemática) para a situação final (solução

para a situação inicial) que o professor tem oportunidade de ensinar Matemática” (VERONEZ,

2013, p. 25).

Reconhecendo o professor como um orientador das ações dos alunos, no

desenvolvimento de atividades de modelagem matemática em sala da aula, ele deve fomentar

que os alunos assumam um papel mais autônomo, que se tornem resolvedores, “o aluno tem,

portanto, papel central no que se refere à articulação entre definição, investigação e resolução”

(ALMEIDA e SILVA, 2014, p.11).

No desenvolvimento de atividades de modelagem matemática na sala de aula, o aluno

tem o papel de, com o auxílio do professor, buscar soluções, por meio da matemática, para

situações que emergem da realidade, e nessa busca revisar e aprender novos conceitos.

19

2.2 CARACTERÍSTICAS DE UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA

Uma atividade de modelagem matemática

pode ser descrita em termos de uma situação inicial (problemática), de uma situação

final desejada (que representa uma solução para a situação inicial) e de um conjunto

de procedimentos e conceitos necessários para passar da situação inicial para a final.

Nesse sentido, realidade (origem da situação inicial) e Matemática (área em que os

conceitos e os procedimentos estão fundamentados) são domínios diferentes que

passam a se integrar, e, em diferentes momentos, conhecimentos matemáticos e não

matemáticos são acionados e/ou produzidos e integrados (ALMEIDA, 2010, p.399,

apud VERONEZ, 2013, p.21).

Sendo assim, conforme salientam Almeida e Dias (2007), primeiramente, é necessário

que haja a compreensão de uma situação-problema, organizando as informações referentes a

ela para, a seguir, levantar hipóteses e procurar analisá-las. Depois, é preciso definir as variáveis

envolvidas no problema, cujas relações conduzem ao problema matemático que se precisa

resolver. Por fim, se faz necessário avaliar e julgar as respostas encontradas.

Com relação aos elementos que permeiam uma atividade de modelagem matemática,

Almeida, Silva e Vertuan (2012) defendem que são quatro os elementos que caracterizam tal

atividade. Esses elementos estão ilustrados na Figura 1.

Figura 1: Elementos que caracterizam uma atividade de Modelagem Matemática

Fonte: ALMEIDA; SILVA; VERTUAN, 2011, p. 17.

A situação problema trazida enquanto um elemento de uma atividade de modelagem

matemática é entendida como sendo um problema com origem no cotidiano, na realidade, e da

qual são coletados dados que fornecem informações sobre as variáveis envolvidas no problema,

que, após um processo investigativo, por meio da matemática, são elaboradas estratégias que

levam à obtenção de modelos matemáticos que podem resolver o problema inicial. Para o

reconhecimento dessa solução como resposta ao problema é necessária uma avaliação da

20

respostas obtidas, bem como sua validação e isso somente é possível através de uma análise

interpretativa.

Sendo assim, em uma atividade de modelagem matemática partimos de uma situação

inicial – um problema da realidade –, coletamos dados referentes ao contexto do tema,

elaboramos estratégias que conduzirão à elaboração de um modelo matemático e, por fim,

analisamos se esse modelo pode vir a resolver o problema em estudo.

É a partir da definição do problema que ocorre a busca por modelos que melhor

solucionem a problemática inicial, e, segundo Almeida e Silva (2014), são abordados conceitos

matemáticos que evidenciam o problema matemático a ser resolvido, ou seja ocorre uma

transição da situação inicial representada em linguagem natural para outra, representada em

linguagem matemática.

A busca e a elaboração de uma representação matemática são mediadas por relações

entre as características da situação e os conceitos, técnicas e procedimentos

matemáticos adequados para representar matematicamente estas características

(ALMEIDA e SILVA, 2014, p.5).

Realizada a transição do problema inicial para um problema representado

matematicamente, ocorre o processo de investigação, onde são analisadas as informações

referentes ao problema, bem como os conceitos matemáticos que serão utilizados para a

construção do modelo que resolva a problemática inicial. Durante o processo investigativo, que

pode evocar conhecimentos matemáticos já vistos e também novos conceitos. Ao aluno cabe o

papel de criar conjecturas, revisar aspectos relevantes à resolução do problema, estabelecer

estratégias e então elaborar soluções que melhor atendam a problemática inicial.

Realizado o processo de investigação e elaboração das resoluções, Almeida, Silva e

Vertuan (2012) orientam que uma análise das respostas obtidas deve ser realizada com a

participação de todos os envolvidos na atividade. Essa análise deve ser no sentido de aceitar ou

não a solução encontrada, ou seja, ocorre uma avaliação das respostas obtidas, verificando se

elas respondem satisfatoriamente ao problema.

Com relação à importância da análise dos resultados e da análise das resoluções,

Veronez (2013, p.29) enfatiza que

é importante que os alunos comuniquem os resultados da atividade de modelagem

aceitos pelo grupo como resposta para o problema. É nessa comunicação que os alunos

têm oportunidade de argumentar acerca dos encaminhamentos assumidos por eles na

obtenção de tais resultados, além de se configurar em um espaço para os alunos se

convencerem e convencerem aos demais alunos da sala e ao professor de que a solução

21

obtida é consistente em relação aos conceitos matemáticos utilizados e à situação em

estudo.

Em atividades de modelagem matemática o aluno tem a oportunidade de interagir com

os outros alunos e com o professor, o que proporciona a utilização de linguagens diversas, tanto

matemática quanto língua materna, e dessa utilização diferentes jogos de linguagem podem se

fazer presentes. Na próxima seção, analisaremos os jogos de linguagem que emergiram nos

registros de alunos envolvidos com atividades de modelagem, buscando identificar possíveis

semelhanças de família entre eles.

22

3 AS ANÁLISES: OPÇÕES METODOLÓGICAS E NOSSAS INTERPRETAÇÕES

Neste capítulo apresentamos nosso olhar acerca dos registros obtidos1 durante a

realização de três atividades de modelagem matemática, em uma turma do quarto ano do curso

de Licenciatura em Matemática, que ocorreram em dez aulas da disciplina intitulada Introdução

à Modelagem Matemática. A interpretação ora apresentada foi realizada à luz dos jogos de

linguagem presentes nos discursos orais e registros escritos dos acadêmicos, enquanto

interagiam no desenvolvimento das atividades.

As três atividades de modelagem analisadas foram apresentadas, cada uma, por dois

alunos, e as discussões que orientaram o desenvolvimento das mesmas também foi de

responsabilidade das duplas. Cabe ressaltar que essas atividades estão presentes em artigos

científicos2 que foram disponibilizados para estudo pela professora responsável pela disciplina.

Como a turma foi dividida em duplas, outras atividades foram realizadas seguindo o

mesmo processo descrito no parágrafo anterior, entretanto, as três atividades presentes neste

trabalho foram selecionadas porque ocorreram no tempo determinado no cronograma do TCC

para a coleta de dados.

Os episódios que subsidiaram as nossas interpretações e que aparecem descritos nas

subseções deste capítulo são recortes das transcrições dos áudios utilizados como instrumentos

de coleta dos dados. Nem sempre os episódios apresentados seguem a ordem cronológica do

momento da aula, contudo, foram assim organizados por conterem informações consideradas

relevantes no nosso processo de análise. Como forma de explicitar o diálogo dos grupos usamos

nos episódios a designação A11 para se referir ao aluno 1 do grupo 1, da mesma forma, A21

refere-se ao aluno 2 do grupo 1 e A13 ao aluno 1 do grupo 3. Quando nos referimos aos alunos

1 Os alunos foram consultados se tinham interesse em participar da coleta de dados, e para isso, assinaram um

Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando o uso de suas falas e anotações produzidas

durante a aula. Vide TCLE no anexo A. 2 Atividade 1: TORTOLA, E.; REZENDE, V. Analisando a conta de energia elétrica: o estudo de função afim

por meio de uma sequência de atividades. In: IV EPMEM - Encontro Paranaense de Modelagem em Educação

Matemática. Maringá – PR, 2010.

Atividade 2: ALMEIDA, L.M.W.de; BRITO, D. dos S. Modelagem Matemática na sala de aula: algumas

implicações para o ensino e aprendizagem da matemática. In: XI CIAEM - Conferência Interamericana de

Educação Matemática. Blumenau – SC, 2003.

Atividade 3: ALMEIDA, L. M. W. de; Mapas conceituais e modelagem matemática: uma associação possível

na busca de um avançar na aprendizagem significativa do conceito de função. In: I CNEM - Congresso

Nacional de Educação Matemática. Anais...2008.

23

responsáveis por apresentar a atividade de modelagem matemática utilizamos a letra S e para a

professora da disciplina, que sempre participou das discussões orientadas pelos alunos

apresentadores, usamos a letra P.

Os temas que originaram as atividades de modelagem matemática descritas e

analisadas foram: energia elétrica, horário de verão e intensidade sonora. A que tinha como

tema a energia elétrica envolvia um estudo de função afim, a segunda, que buscava determinar

o dia mais adequado para o início e término do horário de verão sugeria um estudo de função

trigonométrica e a terceira, a partir de uma função exponencial, pretendia indicar o tempo que

um indivíduo pode ficar exposto ao som de uma furadeira pneumática sem sofrer danos à saúde.

3.1 UMA INTERPRETAÇÃO ACERCA DOS DADOS COLETADOS

3.1.1 Atividade 1: Energia Elétrica

Para a discussão dessa atividade de modelagem matemática os alunos apresentadores

disponibilizaram para os demais alunos da turma uma folha conforme Figura 2.

24

Figura 2: Material disponibilizado pelos apresentadores

25

Fonte: REZENDE e TORTOLA, (2010). Adaptado pelos alunos apresentadores.

26

Neste material era sugerido o estudo da lei de formação e o comportamento da função

afim a partir do questionamento de como calculamos o valor da conta de energia elétrica, ou

seja, de que forma o valor a ser pago pelo consumo de energia é calculado. Além disso, era

solicitado que fosse realizado um estudo da função afim com relação às características desse

tipo de função (domínio, contradomínio e imagem, crescimento e decrescimento) e análise da

representação gráfica dessa função.

A questão que originou o desenvolvimento dessa atividade tinha como foco a

representação algébrica e gráfica do custo do uso da energia elétrica em um mês qualquer.

Assim, os acadêmicos que conduziram a atividade disponibilizaram o valor de R$ 0,72 como

sendo o valor de um quilowatt/hora, informação que se fez necessária na resolução da atividade.

A seguir trazemos alguns episódios segundo os quais identificamos diferentes usos da

linguagem e sob os quais fazemos uma interpretação, pautados no referencial teórico adotado.

Episódio 1

A11: como calcular o valor a ser pago em reais em uma conta de energia elétrica?

A21: consumo de energia em quilowatt multiplicado pelo valor do quilowatt...

A11: consumo de energia em quilowatts por hora multiplicado pelo valor do quilowatt hora...

A21: a energia que você gastou no mês vezes (...)

A11: expresse a função que você obteve para representar o valor pago em reais para calcular

o consumo em quilowatt...

A21: 0,72 vezes….

A11: o consumo de energia...

A21: o consumo de energia, daí a gente pode atribuir um valor, então vamos colocar o vezes

0,72...0,72 vezes x.

A11: quando x é igual ao valor do consumo de energia....

No Episódio 1 identificamos a presença do jogo de linguagem da língua natural e do

jogo de linguagem da linguagem matemática. Podemos perceber que os alunos utilizam o jogo

de linguagem da língua natural e da linguagem matemática, ao tentar procurar uma relação entre

o consumo e o preço do quilowatt/hora e quando se referem à relação que determina o custo

para um valor de quilowatt/hora qualquer. Neste diálogo identificamos semelhanças de família

da linguagem natural com o jogo de linguagem da matemática, de modo que os acadêmicos

procuram uma representação algébrica para o consumo de energia, e se referem a esse consumo

tanto na linguagem natural quanto matematicamente, porém nessa última utilizando a variável

x.

Na realização da atividade, quando solicitado que se representasse o domínio,

contradomínio e imagem da função, os alunos recorreram ao uso de palavras externas ao

contexto matemático como ilustrado no Episódio 2.

27

Episódio 2

A11: isso? Então, qual é o domínio, contradomínio e imagem dessa função? Especifique quais

os conjuntos numéricos...domínio.... Domínio é esse aqui? É daqui que leva pra lá...

A21: então vai ser os números...

A11: naturais?

A21: é, ou os inteiros não sei...

A11: mas eu posso consumir energia quebrada né, então os reais...

A21: a imagem também são os reais né, positivos...

A utilização da palavra “quebrada” representa uma semelhança de família do jogo de

linguagem da matemática com o jogo de linguagem da língua natural, de forma que a palavra

“quebrada” elucida algo que não está inteiro no contexto da língua natural e faz lembrar um

número decimal, quando usada no contexto matemático. Aqui fica evidente a influência da

forma de vida dos sujeitos que praticam o uso da linguagem.

Também, ao procurar elucidar a relação entre o domínio e contradomínio de uma

função o Aluno1 utiliza de linguagem natural para representar algo matemático. A expressão

“é daqui que leva pra lá” possui significado matemático, uma vez que faz alusão à relação

existente entre domínio e contradomínio. Notamos que ambos os alunos estão inseridos tanto

no jogo de linguagem da língua natural quanto no jogo de linguagem da linguagem matemática

porque eles parecem se entender no diálogo produzido. Entendemos, alicerçados nas asserções

de Wittgenstein (2012), que há semelhança de família nesses dois jogos de linguagem porque

a utilização dessa expressão faz com que o discurso venha carregado de significado.

Em outro grupo, os alunos, ao tentarem escrever o conjunto que representa o domínio,

contradomínio e imagem da função, encontraram alguns percalços na definição dos conjuntos

citados, como podemos observar no Episódio 3:

Episódio 3

A22: esse é o domínio? E essa é a imagem... qual que é a diferença de contradomínio e imagem?

A12: a imagem são os elementos que você pode pegar do contradomínio, a imagem são os

elementos específicos, essa é a imagem: todo o conjunto.

A22: então a imagem são todos os reais?

A12: o contradomínio são os reais e a imagem é esse conjunto aqui, daí o domínio pode ser

considerado os inteiros positivos mais o zero ou os naturais...

S: a reta do x é o domínio, do y é contradomínio e a imagem vai ser os pares ordenados.

A12: os pontos específicos.

Podemos perceber que ao procurar uma definição de cada conjunto os alunos recorrem

a expressões como: “pegar do contradomínio”, “a reta do x”, “a do y” que fazem parte do jogo

de linguagem da língua natural, mas que evocam ideias matemáticas. A expressão “pegar do

contradomínio” refere-se à ideia de selecionar elementos no conjunto do contradomínio

28

pertencentes à da imagem da função. Quando o aluno diz “a reta do y” e “a reta do x”, faz

referência ao eixo das ordenadas e o eixo das abscissas, respectivamente. Tais expressões

possuem significado no contexto do jogo de linguagem da matemática, muito embora não

tenham sido pronunciadas segundo o rigor matemático. Essas expressões vêm, portanto,

imbricadas de significado e, nesse sentido, podemos considerar que elas carregam as regras do

jogo de linguagem da matemática.

Como os alunos estão inseridos em ambos os jogos de linguagem e conhecem as regras

que regem os dois jogos, comunicam-se utilizando expressões que fazem parte de um jogo, mas

que possuem significado que é pertinente a outro. Além disso, ambos os alunos fazem parte da

mesma forma de vida em que os jogos de linguagem estão inseridos. Os hábitos, costumes e

crenças que compõem a forma de vida em questão são comuns aos dois alunos. Os jogos

ocorrem simultaneamente e o discurso que os compõem é entendido por cada jogador.

Com relação à atribuição de significado, enquanto a turma realizava uma discussão

acerca das respostas que consideram como solução para a atividade, ocorreram divergências

com relação à palavra “figura”:

Episódio 4

P: qual figura representa melhor os pontos distribuídos no gráfico? Qual é o problema com

essa pergunta?

A12: a gente colocou triângulo.

A13: eu escrevi reta...

A12: se for ver a figura que forma é um triângulo...

S: é, essa palavra figura que ficou meio estranho.

A13: eu coloquei reta, mas reta não é uma figura...

A21: é, reta é uma reta.

A11: mas podia ser tanta coisa, como não pediu pra traçar uma reta, podia ser só pontinhos...

Identificamos que houve diferentes interpretações com relação à palavra figura. Para

alguns alunos a figura solicitada era um triângulo, para outros uma reta, ou ainda, qualquer

coisa, sendo que não havia sido solicitado que fosse realizada a ligação dos pontos na malha

quadriculada. Concluímos então que a palavra figura não se caracteriza como semelhança de

família nos jogos de linguagem envolvidos, devido à falta de atribuição de um significado no

jogo de linguagem da matemática

No que se refere à atribuição de significado da palavra “figura”, alicerçados no que

Wittgenstein (2012) diz sobre significado de algo estar em relação ao uso que fazemos dele,

identificamos que o uso da palavra “figura” naquele contexto não produziu semelhança de

família entre o jogo de linguagem da língua natural com o jogo de linguagem da linguagem

29

matemática e que o uso desta palavra naquele contexto não trouxe significado a todos os

integrantes do jogo.

3.1.2 Atividade 2: Horário De Verão.

A segunda atividade desenvolvida, que consistia em determinar qual seria a data mais

apropriada para o início e o término do horário de verão, foi apresentada por um aluno, devido

ao fato de que o outro aluno que compunha a dupla desistiu de cursar a disciplina.

Para o desenvolvimento desta atividade a turma foi dividida em duplas e alguns trios.

Cada grupo recebeu uma tabela (Figura 3), contendo a duração do dia do nascer ao pôr do sol,

e a partir destes dados deveriam criar um modelo que indicasse a data mais apropriada para o

início e término do horário de verão.

Figura 3:Tabela disponibilizada pelo apresentador.

Fonte: ALMEIDA e BRITO, 2003, p.6

Enquanto os alunos discutiam a resolução da problemática inicial, a professora interviu

e questionou uma das duplas com relação às conclusões que eles haviam obtido até aquele

ponto, questionando-os com relação à função que poderia se configurar como modelo que

descreveria a resolução da situação estudada.

30

Episódio 5

P: que conclusão vocês chegaram?

A11: que vai ser uma função seno. A primeira ideia que a gente teve...primeiro a gente pensou

numa parábola, numa parábola crescente...

P: como assim uma parábola crescente?

A21: como assim se ela vai para os dois lados?

A11: então não. É uma função que descreve...

P: com uma concavidade para cima, que você tem um crescente até o vértice e do vértice ela é

decrescente, ok? E por que que não deu?

A11: esse valor aqui vai decrescer de novo...

P: vai voltar no início...

A11: vai ter um período... função seno...

P: por que não daria pra ser várias parábolas grudadinhas? porque isso aqui varia um ano,

né? E se o janeiro não poderia emendar aqui? Não sei, tô perguntando...

A21: não dá bem certinho... como é que ela vai se encontrar aqui?

No Episódio 5 reconhecemos que a professora recorre a termos como “grudadinha”,

“emendar” que fazem parte do jogo de linguagem da língua natural, utilizada no cotidiano, para

explicitar o fato de que, se o problema fosse descrito por uma função que possuiria períodos,

de modo que haveriam intervalos de crescimento e de decrescimento, os dados não

necessariamente deveriam ser traduzidos em termos de uma função trigonométrica, mas, que

estes intervalos poderiam ser representados por mais de uma função quadrática, representadas

graficamente por parábolas que se seguiam imediatamente umas ao lado das outras, que o

“grudadinha” dito pela professora procurava elucidar.

Na gramática presente nos usos da linguagem do Episódio 5, que comporta as regras

de determinados jogos, as palavras “grudadinhas” e “emendar” contém significado com

referência a algo matemático. Por outro lado, quando o A11 se refere à parábola como

“crescente”, as regras que regem o jogo de linguagem da linguagem matemática não são

obedecidas, já que matematicamente uma parábola não se classifica como crescente ou

decrescente.

Episódio 6

A12: imaginamos que ela passe aqui depois suba de novo. Uma parábola?

A22: sim.

A12: pode ser uma parábola, como pode ser uma função Seno de... Cosseno de...porque ela

tem um ciclo né...

A22: é ela volta na verdade, ela só tem isso aqui depois ela começa a repetir...

A12: mas tem que trabalhar com a do segundo grau...

P: talvez se vocês desenharem melhor, não sei que tipo de função é essa...concordo que

possivelmente vai repetir, vai emendar lá e ele vai ser sempre o mesmo comportamento, mas

que comportamento é esse?

31

Analisando esse episódio identificamos que no jogo de linguagem presente nos

discursos dos alunos e da professora, ao se referirem ao comportamento da função que descreve

a situação estudada, são usadas diferentes expressões que pertencem a diferentes jogos de

linguagem. As expressões como “passa aqui depois suba”, “tem um ciclo”, “ela volta” e “vai

repetir, vai emendar” procuram elucidar o comportamento da função e elas possuem significado

nos diferentes usos devido à semelhança de família caracterizada pela utilização destas

expressões, presente entre o jogo de linguagem da linguagem matemática com o jogo de

linguagem da língua natural. Como todos os integrantes do jogo de linguagem conhecem as

regras que regem os discursos e determinam a atribuição ou não de significado inferimos que a

utilização de diferentes termos ou expressões não limita a comunicação entre eles e ainda, que

eles atribuem significado nesses usos.

Após as duplas debaterem a fim de definir o melhor modelo para a situação, foi

realizada uma discussão geral, de modo que os grupos, juntamente com a professora e o aluno

responsável pelo encaminhamento da atividade, discutiram as conclusões obtidas pelos grupos

ao investigarem a situação problema.

Episódio 7

A13: Você pode observar que num período ele começa a... ele vai crescendo e daí ele chega

num ponto e decresce, daí ele começa a crescer de novo.

S: tem um período de máximo e de mínimo...e entre esse período tem o que?

A14: ponto médio?

A13: dia mais longo?

S: entre o período de máximo e de mínimo? Se você pensar numa função? O que vai acontecer?

A22: ponto de inflexão?

S: ponto de inflexão!

P: o que é um ponto de inflexão?

A22: ponto de inflexão no caso seria onde a minha função começa a mudar.

P: muda o que?

A23: o formato.

A11: o gráfico.

A22: o comportamento.

A13: era crescente passa a ser decrescente.

S: pode ser uma aplicação da derivada...

A12: o ponto da reta tangente...

A22: ele cai até aqui depois começa a subir de novo.

Ao serem questionados sobre o que era um ponto de inflexão, conceito matemático

que surgiu das observações realizadas em relação ao comportamento da função que descrevia

a situação problema em estudo, os alunos utilizaram-se da linguagem natural como forma de

32

elucidar o que entendem como sendo este conceito. As expressões: “a função começa a mudar”,

“o formato”, “o gráfico”, “o comportamento”, “era crescente passa ser decrescente” e “o ponto

da reta tangente” são diversos usos da linguagem, que neste contexto procuram assumir o

mesmo significado, ou seja, procuram definir o que os alunos entendem por ponto de inflexão.

As expressões que surgiram nos discursos presentes no episódio 7, fazem parte dos

dois jogos de linguagem identificados nos discursos obtidos durante a realização da atividade

de modelagem: o jogo de linguagem da linguagem matemática e o jogo de linguagem da língua

natural, a língua do cotidiano, e estas expressões possuem semelhanças de família, porque são

ditas em um contexto (uma forma de vida) que permite que sejam usadas para fazer

compreender algo matemático e mesmo compondo dois jogos de linguagens distintos, ocorre

a atribuição de significado por parte dos jogadores, já que estes conhecem as regras de cada

jogo e fazem parte da forma de vida em que os jogos estão acontecendo.

No decorrer da atividade, os grupos chegaram a uma função trigonométrica como

modelo para o problema proposto, mais especificamente a função Seno, entretanto, ocorreram

dificuldades com relação ao entendimento da forma genérica deste tipo de função e a influência

dos seus parâmetros. O Episódio 8 descreve a discussão realizada entre todos os grupos em

relação a interpretação da influência de um dos parâmetros da função Seno:

Episódio 8

P: e mais alguma coisa que faz?

Alunos: ela desloca....

P: desloca?

A12: no eixo vertical.

P: o que que é o eixo y? que tipo de deslocamento é esse?

A13: vertical.

P: vertical. Vamos ver como é que funciona, se eu colocar um, a minha função vai para cima

ou vai para baixo? No a? o que aconteceu?

Alunos: subiu.

P: quantas unidades?

A23: uma unidade.

P: então, o a se for positivo desloca... pra cima, se o a for negativo...pra baixo? Será? Bota lá

no menos um pra ver

(...)

P: então, se colocar o a no menos um deslocou uma unidade...

Alunos: pra baixo.

P: pra baixo. Então se eu quiser deslocar três unidades pra cima?

A21: o a tem que ser três.

P: hum? O a tem que ser três. E se eu quiser deslocar cinco unidades para baixo?

A21: a igual a menos cinco.

33

Neste episódio identificamos a presença do jogo de linguagem da língua natural no

discurso da professora e dos alunos ao tentar descrever o comportamento da função propondo

a alteração de um dos parâmetros, denominado, neste caso, de a. Além disso, encontramos

presente o jogo de linguagem matemático, de modo que nos discursos produzidos estão sendo

transmitidos conceitos matemáticos no que é pertinente à análise e interpretação gráfica de uma

função Seno.

Na elaboração dos discursos, por exemplo, nas expressões “bota lá no menos um pra

ver” e “se colocar no um”, que fazem referência à atribuição do valor menos um e um para o

parâmetro a na função Seno e da análise da influência destas atribuições na representação

gráfica, encontramos semelhanças de família entre o jogo de linguagem da língua natural com

o jogo de linguagem da linguagem matemática. A professora utiliza tais expressões que fazem

parte da língua natural, mas procura significar algo matemático.

Os discursos presentes no Episódio 8, são regidos pelas regras que compõem os jogos

identificados acima, e tais regras são conhecidas pelos integrantes dos jogos, sendo que os

jogadores destes jogos compõem, segundo o que nos traz Wittgenstein (2012), uma forma de

vida, já que todos os sujeitos que aparecem neste Episódio estão imersos em uma atividade de

Modelagem Matemática, atividade esta que determina o contexto em que os discursos são

formados e as linguagens produzidas decorrem das necessidades que permeiam a resolução do

problema.

3.1.3 Atividade 3: Intensidade Sonora

No início da atividade, que foi encaminhada por uma dupla de alunos, os demais alunos

da turma foram divididos em duplas, recebendo uma tabela (Figura 4) com os dados que seriam

necessários para a resolução do problema. Essa tabela contém o tempo máximo que uma pessoa

pode se expor à determinada intensidade sonora sem sofrer danos à saúde.

34

Figura 4: Material disponibilizados na Atividade 3.

Fonte: FONTANINI e ALMEIDA, 2008.

A atividade foi desenvolvida no laboratório de informática, de modo que foi possível

a utilização de softwares como auxílio na resolução da situação problema. Na realização da

modelagem em questão, um dos grupos de alunos percebeu que o quadro continha valores que

guardavam entre si uma relação de dependência e disto poderiam descrever uma função que

representasse esta dependência.

Episódio 9

A11: nível sonoro em função da hora né?

A21: quanto maior o nível sonoro menos horas.

A11: acho que daqui pra cá, quantos menos horas menor o nível.

A21: como seria a função?

A11: chama de t, vamos fazer assim, t o tempo máximo de exposição daí Db nível sonoro, agora

é t em função do Db... né.

A21: o tempo seria Db vezes algum valor, o tempo vezes alguma coisa?

S: isso, e quem depende de quem?

A11: o tempo depende do nível sonoro.

S: isso, então a primeira parte já dá pra escrever: t de Db, agora vocês podem usar o

computador...

Reconhecemos nos discursos produzidos que os alunos utilizam tanto de linguagem

natural quanto de linguagem matemática, ou seja, neste caso estão presentes ambos os jogos de

linguagem. Na fala dos alunos são utilizados termos que fazem parte da linguagem do cotidiano,

da língua natural, porém no contexto da matemática, de forma que os termos presentes no

35

discursos fazem referência à ideia da formação de uma função em termos de uma variável

dependente e independente, ou seja, da relação entre duas grandezas, caracterizando assim,

semelhanças de família entre a linguagem natural e a linguagem matemática e seus usos

caracterizam o jogo de linguagem jogado durante a descrição da função que resolveria o

problema.

Já que os alunos estão participando da atividade de modelagem, além dos alunos que

estavam responsáveis pelo encaminhamento da mesma, o contexto em que os discursos

ocorreram garante que possa ser tratados como “t” e “t de Db”, as variáveis presentes nos dados

utilizados e a relação entre eles respectivamente, de forma que quando tratados por “t”, “Db” e

“t de Db” o significado que estas expressões possuem fazem referência aos dados da tabela e a

relação entre eles.

Ao utilizarem um software com o objetivo de, a partir dos dados, construir uma função

que descrevesse a situação problema, os alunos se depararam com uma função que continha o

número irracional e.

Episódio 10

A12: dois e elevado....

A22: o que significa? Qual o significado desse e?

A13: o e é elevado...dois vezes dez...não, o e é dez, dois vezes dez elevado ao próximo número

A12: então como é, dois vezes dez elevado...

A13: à tudo isso aí.

S: e esse e ali?

A12: tem outro significado?

S: tem um valor né dele, mas ele tá no expoente?

A22: não, ele está junto com o seis aqui.

S: sim, o seis é o expoente do dez, mas e o e?

A22: o e ta multiplicando?

S: esse e ta...como que é uma função exponencial? Não é um valor elevado à outro? Então,

esse dez elevado a zero seis vai me dar dois milhões, não é isso que eu tenho...

Neste episódio observamos que os alunos procuram entender o porquê da presença do

número e na função que foi obtida, utilizando de linguagem matemática e linguagem natural ao

discutir o papel deste número na função, ou seja, se ele é uma constante multiplicada na função

ou um expoente. Dentro do jogo de linguagem em que estão inseridos durante a realização da

tarefa se fez necessária a utilização de ambas as linguagens para que pudessem traduzir

verbalmente suas ideias.

Além disso, um dos alunos responsáveis pelo encaminhamento da atividade, procura

explicitar o que seria uma função exponencial usando a expressão “um valor elevado à outro”.

Essa expressão descreve em linguagem natural a forma algébrica, evidenciando uma

36

característica da função exponencial, ou seja, mesmo não contemplando todos os aspectos de

uma função exponencial, a expressão utilizada pelo aluno apresentador, neste contexto (neste

uso), vem elucidar a forma algébrica desta função.

A expressão “um valor elevado à outro” pretende elucidar uma função do tipo

exponencial, que descreveria a função, entretanto em outro contexto poderia representar apenas

uma potência.

Episódio 11

A13: eu quero lembrar como que interpola...

A23: se você me falar o que você quer fazer talvez eu possa te ajudar...

A13: é que quando a gente interpola, a gente pega os valores entre esses caras e acha o valor

médio. Olha, eu tenho esse, um valor acima, um valor abaixo eu quero achar este cara do meio,

só que pra achar esse cara do meio eu tenho que considerar esses outros dois elementos.

A23: ah, se você pegar ali na proporção, noventa e sete pra cento e dois, seria dois de

diferença, eu poderia pensar que é meio, é metade, entre o três e o um virgula cinco.

A13:é que a interpolação é quase uma regra de três composta...que daí eu pego esse e diminuo

do primeiro, pego esse e diminuo do primeiro...que daí ele dá um arredondamento bem menor...

Para procurar esclarecer o processo de interpolação, o aluno A13 utiliza-se de

linguagem natural quando diz “o valor entre esses caras e acha o valor médio”, “quero achar

esse cara do meio”. Nesses dizeres procura elucidar uma ideia matemática, de como é realizada

a interpolação. Assim, o jogo de linguagem da linguagem matemática se faz presente porque

os discursos produzidos são elaborados a partir das regras dos dois jogos de linguagem, e

quando um dos jogadores faz uso de língua natural para representar algo matemático conhece

as regras dos dois jogos e quem ouve o que é dito também, para que o discurso seja

compreendido.

Outra maneira de explicar o que seria uma interpolação é mencionada por A11. Esse

aluno faz uso de termos que elucidam outro conceito matemático, ou seja, quando diz “quase

uma regra de três composta”, procura dentro do mesmo jogo de linguagem (o da matemática)

fazer relação com a ideia que pretende transmitir, sendo que nas regras que comportam o jogo

de linguagem da matemática, ao dizer “uma regra de três composta” traz significação, e seu uso

neste contexto tenta esclarecer o entendimento do que seria uma interpolação.

37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os discursos presentes durante as interações em uma aula de matemática estão

alicerçados na língua natural, que é a linguagem utilizada no cotidiano, e na linguagem

matemática, que é a linguagem acadêmica, que possui rigor científico. Os indivíduos atuantes

na aula de matemática regida por atividades de modelagem matemática ao se comunicarem

utilizam de ambas as linguagens e desta utilização, que preserva as características das duas

linguagens citadas, surgem os jogos de linguagens. Ao jogar estes jogos, professores e alunos

se fazem compreender uma vez que estes jogos guardam semelhanças de família entre eles.

Com este Trabalho de Conclusão de Curso identificamos os jogos de linguagens que

permearam as interações entre os indivíduos que realizavam as atividades de modelagem

matemática e, consequentemente, as semelhanças de família presentes entre eles.

Uma das nossas observações é que quando os sujeitos que fazem parte de um ambiente

(forma de vida) de uma sala de aula, onde ocorrem atividades de modelagem matemática, se

comunicam, os discursos que são elaborados para se expressarem são formados por termos

próprios da linguagem natural, que é a linguagem que tais indivíduos utilizam para comunicar-

se no dia a dia, no cotidiano, e por termos próprios da linguagem matemática, que é o contexto

no qual os jogos de linguagem se formam.

Na interpretação que realizamos, ao interagirem em uma atividade de modelagem,

alunos e professora, utilizam-se de linguagem natural e de linguagem matemática para se

expressarem e exporem suas ideias e, em muitos momentos, fazem uso de expressões próprias

da linguagem natural para elucidarem um conceito matemático.

Ao jogarem com a linguagem em um ambiente de modelagem, professor e alunos

deixam transparecer que conhecem as regras que regem os jogos de linguagem suscitados e,

sendo assim, que os termos e expressões proferidas são compreendidas no processo de

comunicação.

As análises também indicaram que os jogos de linguagem presentes nas falas dos

sujeitos envolvidos com atividades de modelagem matemática guardam semelhanças de família

entre si, de forma que os discursos elaborados apresentam termos que carregam parentescos

entre os jogos de linguagem citados. Por exemplo, ao se referirem à objetos matemáticos, alunos

e professora faziam uso de termos da língua natural e suas falas eram entendidas, indicando que

os jogadores destes jogos conheciam as regras regidas por esses jogos, necessárias para atribuir

significado ao que era dito em cada jogo.

38

Podemos concluir que no encaminhamento de uma atividade de modelagem

matemática, professores e alunos se encontram imersos no jogo de linguagem da linguagem

matemática, que é a linguagem utilizada para procurar um modelo que resolva a situação inicial

e modele a situação matematicamente e no jogo de linguagem da língua natural, que é usada

para comunicar as ideias matemáticas. Em ambos os jogos os discursos ganham significado,

pois de um modo ou de outro carregam semelhanças de família.

39

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, L. M. W. de; SILVA, K.P. da. Modelagem Matemática em foco. Rio de Janeiro –

Editora Ciência Moderna, 2014.

ALMEIDA, L. M. W. de; SILVA, K.P. da; VERTUAN, R. E. M. Modelagem Matemática na

educação básica. São Paulo - Contexto, 2012.

ALMEIDA, L. M. W. de. Um olhar semiótico sobre modelos e modelagens: metáforas como

foco de análise. Zetetiké. FE – Unicamp. Campinas, v. 18, número temático, p. 387-414, 2010.

ALMEIDA, L. M. W. de; DIAS, M. R. Modelagem Matemática em cursos de formação de

professores. In: BARBOSA, J. C.; CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J de L. (Org.) Modelagem

Matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais; Recife:

SBEM, 2007.

ALMEIDA, L.M.W.de; BRITO, D. dos S. Modelagem Matemática na sala de aula: algumas

implicações para o ensino e aprendizagem da matemática. In: XI CIAEM - Conferência

Interamericana de Educação Matemática. Blumenau – SC, 2003.

ALMEIDA, L. M. W. de; FONTANINI, M. L. de C. Mapas conceituais e modelagem

matemática: uma associação possível na busca de um avançar na aprendizagem significativa do

conceito de função. I Congresso Nacional de Educação Matemática. Anais...2008.

BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática: O que é? Por que? Como? Veritati, n. 4, p. 73-80,

2004.

BELLO, S. E. L. Jogos de linguagem, práticas discursivas e produção de verdade: contribuições

para a educação (matemática) contemporânea; Zetetiké – FE – Unicamp – v. 18, Número

Temático 2010.

CONDÉ, M. L. L. Wittgenstein linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998.

GARNICA, A. V. M.; PINTO, T. P.; Considerações sobre a linguagem e seus usos na sala de

aula de matemática; Zetetiké – FE – Unicamp; v. 18; 2010.

KLÜBER, T. E.; BURAK, D. Concepções de modelagem matemática: contribuições teóricas.

Educação Matemática. Pesquisa, São Paulo, v. 10, n. 1, pp. 17-34, 2008.

MEYER, J. F. da C.de, CALDEIRA, A. D., MALHEIROS, A. P. dos S. Modelagem em

Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

TORTOLA, E. Os usos da linguagem em atividades de modelagem matemática nos anos

iniciais do ensino fundamental. Dissertação de mestrado (Pós-Graduação em Ensino de

Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina – Londrina, 2012.

TORTOLA, E.; REZENDE, V. Analisando a conta de energia elétrica: o estudo de função afim

por meio de uma sequência de atividades. In: IV EPMEM – Encontro Paranaense de

Modelagem em Educação Matemática. Maringá – PR, 2010.

40

VERONEZ, M. R. D. As funções dos signos em atividades de modelagem matemática. 2013.

176p. Tese de Doutorado (Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática) –

Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.

VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem (tradução de Jefferson Luiz Camargo); 4 ed.; São

Paulo: Martins Fontes, 2008.

VILELA, D. S. MENDES, J. R. A linguagem como eixo da pesquisa em educação matemática:

contribuições da filosofia e dos estudos do discurso. Zetetiké, FE/Unicamp, Campinas, v. 19, n.

36, jul./dez. 2011.

WITTGENSTEIN, L.; Investigações Filosóficas (tradução de Marcos G. Montagnoli); 7 ed.;

Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2012.

41

Anexo A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Tendo em vista a necessidade de coleta de dados para o desenvolvimento do trabalho de

conclusão de curso de Jackson Rodrigo Soares, acadêmico do curso de Licenciatura em

Matemática da UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná – Campus de União da Vitória,

declaro que consinto que o mesmo registre as minhas respostas durante as aulas de Introdução

à Modelagem Matemática bem como utilize, parcial ou integralmente, registros dessas aulas,

gravações em áudio ou vídeo de minhas falas ou imagem, minhas anotações, para fins de

pesquisa, podendo divulgá-las em publicações, congressos e eventos da área.

Referente à condição de anonimato, pode-se referir a mim usando de pseudônimos, ou se referir

a mim apenas como participante da pesquisa, garantido o anonimato no relato da pesquisa.

Declaro ainda, que fui devidamente informado (a) e esclarecido(a) quanto à pesquisa que será

desenvolvida.

União da Vitória, 14 de agosto de 2015.

NOME:_________________________________________

RG:____________________________________________

ASS.:___________________________________________

________________________________

Jackson Rodrigo Soares