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Simp.TCC/Sem.IC.2017(12);305-320 305 AGRONOMIA A FLORESTA COMO MODELO: PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS A SERVIÇO DA SUSTENTABILIDADE FOREST AS A MODEL: AGROECOLOGICAL APPROACHES TOWARDS SUSTAINABILITY MARCOS PALHARES COUTO THIAGO VINÍCIUS PEREIRA LEITE Resumo Introdução: O tema sustentabilidade parece cada vez mais conduzir a humanidade rumo a mudanças em sua forma de viver. O planeta tem mostrado evidências de que algo deve mudar urgentemente: sintomas como desmatamento e desertificação, crise hídrica, perda de biodiversidade, aquecimento global, declínio na qualidade dos solos, dependência de insumos externos e qualidade ruim dos alimentos são apenas alguns sinais. Outros envolvem complexas questões sociais, econômicas e, por fim, psicológicas. Considerando o elevado potencial de impacto das atividades agrícolas nos ecossistemas, a agroecologia desponta como ciência com papel crucial neste momento, em virtude de seu amplo poder de abrangência e visão sistêmica. Nesse contexto, abordagens agroecológicas que se inspiram nas florestas - comunidades que funcionam como sistemas de produção em equilíbrio dinâmico, podem representar interessante opção, especialmente na região dos trópicos. Objetivo: Analisar e expor o caminho percorrido pelo ser humano, desde a origem da agricultura até a busca pela reconexão com a natureza, representada pelas Agriculturas Alternativas que utilizam a floresta como modelo. Metodologia: Realizou-se revisão de literatura desde a origem da agricultura até a análise das agriculturas alternativas que utilizam a floresta como modelo, mais especificamente, a Agricultura Sintrópica e os Sistemas Agroflorestais Sucessionais/Biodiversos. A busca dos artigos foi realizada em bases de dados como o SciELO e o Google Acadêmico, além de livros, cartilhas, circulares técnicas, sites e legislação pertinente. Considerações finais: Esta revisão de literatura sinaliza que qualquer proposta de sustentabilidade deve adotar visão sistêmica e transdisciplinar. A análise de parâmetros e princípios do modelo-floresta, alguns de forma mais objetiva, outros nem tanto, supostamente sugere que o Homo sapiens adote postura humilde e alinhe sua inteligência à da natureza, resgatando sua função original no funcionamento do macroecossistema: colocar-se a serviço dos processos de geração de vida. Palavras-Chave: Agroecologia; sistemas agroflorestais sucessionais; agricultura sintrópica, agricultura sustentável; ecopsicologia Abstract Introduction: The subject sustainability seems to increasingly lead mankind towards changes in their way of living. The planet has been showing evidences that something must change urgently: symptoms such as deforestation and desertification, water crisis, loss of biodiversity, global warming, decline in soil quality, dependence on external inputs and poor quality of food are just a few signs. Others involve complex social, economic and psychological issues. Considering that agricultural activities have a high impact potential on natural ecosystems, agroecology emerges as a major science with crucial role at this moment, due to its holistic approach. In this context, agroecological approaches that are inspired by forests - perfect communities that function as production systems in absolute equilibrium, can represent an interesting option, especially in the tropics. Objective: Analyze and expose the path humanity has trod, since the origin of agriculture up until the search for reconnection with nature, represented by sustainable agricultural approaches that use forests as models. Methodology: A literature review was carried out since the origin of agriculture up to the analysis of alternative agriculture approaches that use forests as a model, specially Syntropic Farming and Successional Agroforestry Systems. The search for articles was done in databases such as SciELO and Google Scholar, as well as in books, booklets, technical literature, websites and relevant local legislation. Conclusion: This essay indicates that any sustainable proposal must adopt a systemic and transdisciplinary approach. The analysis of parameters and principles of forest based approaches, some in a more objective way, others not so much, supposedly suggests that Homo sapiens should adopt humble posture and align their intelligence with that of nature, rescuing mankind’s original function in the macroecosystem: serve life generation processes. Keywords: Agroecology; sucessional agroforestry systems; syntropic farming; sustainable agriculture; ecopsychology. INTRODUÇÃO A palavra ecologia deriva da combinação do grego oikos, que significa “casa”, com logos, que significa “estudo”. De acordo com Odum e Barret (2011), o termo casa se refere a nossa casa ambiental, que inclui todos os organismos vivos, bem como os processos funcionais que tornam esta casa habitável. Sua importância remonta aos primórdios da humanidade, quando o homem precisava conhecer o ambiente a sua volta para sobreviver. Existe, atualmente, um consenso entre autores de renome, que o planeta Terra, a casa maior da humanidade, encontra-se em situação crítica generalizada e que o cenário de degradação ambiental correlaciona-se com questões econômicas, sociais, culturais e psicológicas (SHELDRAKE, 1991; ROSZAK, 1995; ALTIERI, 2009; LOVELOCK, 2010; ODUM e BARRET, 2011; BOFF, 2012; RICKLEFS, 2013). Lovelock (2007), através de sua hipótese em que Gaia é um organismo vivo, defende que o planeta Terra está doente e necessita fazer uso de uma medicina planetária: caso a humanidade não implemente mudanças em sua forma de se relacionar com a Terra, a vida está ameaçada – incluindo a própria espécie humana. Do ponto de vista agronômico, a situação pode ser analisada levando-se em consideração duas perspectivas, não necessariamente antagônicas: de um lado figura uma agricultura de larga escala, voltada para obter cada vez mais ganhos de produtividade, especialmente em monocultivos. Nas últimas décadas, esta modalidade acarretou grande crise ambiental e socioeconômica no Brasil e no mundo, em virtude do uso intensivo da terra e de seus recursos (GAMA-RODRIGUES et al., 2006). De outro lado, desponta a emergente Agroecologia. Com seu enfoque holístico e abordagem sistêmica, a nova ciência estabelece fortes vínculos entre ecologia e a produção de alimentos, destacando a ética da solidariedade como postura básica de qualquer proposta de desenvolvimento sustentável (CAPORAL et al. 2009).

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AGRONOMIA

A FLORESTA COMO MODELO: PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS A SERVIÇO DA SUSTENTABILIDADE

FOREST AS A MODEL: AGROECOLOGICAL

APPROACHES TOWARDS SUSTAINABILITY

MARCOS PALHARES COUTO

THIAGO VINÍCIUS PEREIRA LEITE

Resumo Introdução: O tema sustentabilidade parece cada vez mais conduzir a humanidade rumo a mudanças em sua forma de viver. O planeta tem mostrado evidências de que algo deve mudar urgentemente: sintomas como desmatamento e desertificação, crise hídrica, perda de biodiversidade, aquecimento global, declínio na qualidade dos solos, dependência de insumos externos e qualidade ruim dos alimentos são apenas alguns sinais. Outros envolvem complexas questões sociais, econômicas e, por fim, psicológicas. Considerando o elevado potencial de impacto das atividades agrícolas nos ecossistemas, a agroecologia desponta como ciência com papel crucial neste momento, em virtude de seu amplo poder de abrangência e visão sistêmica. Nesse contexto, abordagens agroecológicas que se inspiram nas florestas - comunidades que funcionam como sistemas de produção em equilíbrio dinâmico, podem representar interessante opção, especialmente na região dos trópicos. Objetivo: Analisar e expor o caminho percorrido pelo ser humano, desde a origem da agricultura até a busca pela reconexão com a natureza, representada pelas Agriculturas Alternativas que utilizam a floresta como modelo. Metodologia: Realizou-se revisão de literatura desde a origem da agricultura até a análise das agriculturas alternativas que utilizam a floresta como modelo, mais especificamente, a Agricultura Sintrópica e os Sistemas Agroflorestais Sucessionais/Biodiversos. A busca dos artigos foi realizada em bases de dados como o SciELO e o Google Acadêmico, além de livros, cartilhas, circulares técnicas, sites e legislação pertinente. Considerações finais: Esta revisão de literatura sinaliza que qualquer proposta de sustentabilidade deve adotar visão sistêmica e transdisciplinar. A análise de parâmetros e princípios do modelo-floresta, alguns de forma mais objetiva, outros nem tanto, supostamente sugere que o Homo sapiens adote postura humilde e alinhe sua inteligência à da natureza, resgatando sua função original no funcionamento do macroecossistema: colocar-se a serviço dos processos de geração de vida. Palavras-Chave: Agroecologia; sistemas agroflorestais sucessionais; agricultura sintrópica, agricultura sustentável; ecopsicologia Abstract Introduction: The subject sustainability seems to increasingly lead mankind towards changes in their way of living. The planet has been showing evidences that something must change urgently: symptoms such as deforestation and desertification, water crisis, loss of biodiversity, global warming, decline in soil quality, dependence on external inputs and poor quality of food are just a few signs. Others involve complex social, economic and psychological issues. Considering that agricultural activities have a high impact potential on natural ecosystems, agroecology emerges as a major science with crucial role at this moment, due to its holistic approach. In this context, agroecological approaches that are inspired by forests - perfect communities that function as production systems in absolute equilibrium, can represent an interesting option, especially in the tropics. Objective: Analyze and expose the path humanity has trod, since the origin of agriculture up until the search for reconnection with nature, represented by sustainable agricultural approaches that use forests as models. Methodology: A literature review was carried out since the origin of agriculture up to the analysis of alternative agriculture approaches that use forests as a model, specially Syntropic Farming and Successional Agroforestry Systems. The search for articles was done in databases such as SciELO and Google Scholar, as well as in books, booklets, technical literature, websites and relevant local legislation. Conclusion: This essay indicates that any sustainable proposal must adopt a systemic and transdisciplinary approach. The analysis of parameters and principles of forest based approaches, some in a more objective way, others not so much, supposedly suggests that Homo sapiens should adopt humble posture and align their intelligence with that of nature, rescuing mankind’s original function in the macroecosystem: serve life generation processes. Keywords: Agroecology; sucessional agroforestry systems; syntropic farming; sustainable agriculture; ecopsychology. INTRODUÇÃO

A palavra ecologia deriva da combinação do grego oikos, que significa “casa”, com logos, que significa “estudo”. De acordo com Odum e Barret (2011), o termo casa se refere a nossa casa ambiental, que inclui todos os organismos vivos, bem como os processos funcionais que tornam esta casa habitável. Sua importância remonta aos primórdios da humanidade, quando o homem precisava conhecer o ambiente a sua volta para sobreviver.

Existe, atualmente, um consenso entre autores de renome, que o planeta Terra, a casa maior da humanidade, encontra-se em situação crítica generalizada e que o cenário de degradação ambiental correlaciona-se com questões econômicas, sociais, culturais e psicológicas (SHELDRAKE, 1991; ROSZAK, 1995; ALTIERI, 2009; LOVELOCK, 2010; ODUM e BARRET, 2011; BOFF, 2012; RICKLEFS, 2013).

Lovelock (2007), através de sua hipótese em que Gaia é um organismo vivo, defende que o planeta Terra está doente e necessita fazer uso de

uma medicina planetária: caso a humanidade não implemente mudanças em sua forma de se relacionar com a Terra, a vida está ameaçada – incluindo a própria espécie humana.

Do ponto de vista agronômico, a situação pode ser analisada levando-se em consideração duas perspectivas, não necessariamente antagônicas: de um lado figura uma agricultura de larga escala, voltada para obter cada vez mais ganhos de produtividade, especialmente em monocultivos. Nas últimas décadas, esta modalidade acarretou grande crise ambiental e socioeconômica no Brasil e no mundo, em virtude do uso intensivo da terra e de seus recursos (GAMA-RODRIGUES et al., 2006).

De outro lado, desponta a emergente Agroecologia. Com seu enfoque holístico e abordagem sistêmica, a nova ciência estabelece fortes vínculos entre ecologia e a produção de alimentos, destacando a ética da solidariedade como postura básica de qualquer proposta de desenvolvimento sustentável (CAPORAL et al. 2009).

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Diversas são as abordagens e escolas agroecológicas. De alguma forma, todas elas compartilham o interesse geral em reintegrar uma racionalidade ecológica à produção agrícola, e em “fazer ajustes mais abrangentes na agricultura convencional, para torná-la ambiental, social e economicamente viável e compatível” (ALTIERI, 2009).

Aquino e Assis (2005) elencam as principais modalidades de Agriculturas Alternativas (AAs): Agricultura Orgânica, Agricultura Biodinâmica, Agricultura Biológica, Agricultura Ecológica, Agricultura Natural, Permacultura, Agricultura Regenerativa, e Agricultura Sustentável.

Considerando o enfoque do presente estudo, cabe destaque especial à agricultura regenerativa, que associa a produção agrícola à recuperação de áreas degradadas. Em tese, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) se enquadram nesta categoria, dado seu elevado poder de regeneração dos ecossistemas (NAIR, 1993).

Nair (1993) define os SAFs como sistemas de uso da terra que combinam espécies lenhosas perenes com culturas agrícolas e/ou animais, num determinado arranjo espacial e temporal. Tais sistemas são dotados de alto poder de regeneração dos ambientes, devido à presença de espécies lenhosas, que contribui com a ciclagem de nutrientes, gerando efeitos benéficos para o solo.

Theodoro et al. (2009) apresentam os SAFs como abordagem agroecológica, destacando que se trata de uma antiga prática de agricultura: Agrofloresta é um sistema ancestral de uso da terra que vem sendo praticado há milhares de anos por agricultores de todo o mundo. No entanto, nos anos mais recentes, também tem sido desenvolvida como uma ciência que se compromete a ajudar os agricultores a incrementar a produtividade, rentabilidade e sustentabilidade da produção em sua terra.

Miccolis et al. (2016) apontam que existem vários tipos de SAFs (a serem listados no decorrer deste estudo), e que o tipo que mais se assemelha às florestas naturais são os SAFs sucessionais ou biodiversos, visto que favorecem a sucessão ecológica, sendo caracterizados por alta diversidade biológica.

Sobre os SAFs sucessionais, Ernst Götsch1 afirma que praticar agrofloresta é uma tentativa de encontrar para cada planta as condições em que ela melhor se desenvolve, aproximando nossos sistemas agrícolas o máximo possível do ecossistema natural (GÖTSCH, 1994).

Recentemente, Götsch passou a adotar o termo Agricultura Sintrópica em substituição a SAFs sucessionais. Seu objetivo foi mudar o ponto de vista da abordagem e dar maior ênfase ao seu enfoque holístico, ressaltando seus aspectos complexos relacionados ao conceito de sintropia -

1 Pesquisador-agricultor suíço. Radicado no Brasil há cerca de 40 anos, vem trabalhando com SAFs sucessionais e difundindo seu conhecimento e experiência em diversas regiões do país.

grau de organização, energia e matéria que envolve os sistemas de vida2 (GÖTSCH, 2017).

Diante do desafio enfrentado pela espécie humana rumo à sustentabilidade efetiva, o objetivo deste estudo é analisar e expor o caminho percorrido pelo ser humano, desde a origem da agricultura até a busca pela reconexão com a natureza, representada pelas Agriculturas Alternativas que utilizam a floresta como modelo.

Como objetivos específicos buscou-se propor um modelo-floresta para expor as práticas agroecológicas que se inspiram nas florestas naturais, ressaltando a importância do aspecto holístico e de transdisciplinaridade dessas abordagens. Metodologia

Realizou-se revisão de literatura desde a origem da agricultura até a análise das agriculturas alternativas que utilizam a floresta como modelo, mais especificamente, a Agricultura Sintrópica e os Sistemas Agroflorestais Sucessionais/Biodiversos.

A busca dos artigos foi realizada em bases de dados como o SciELO e o Google Acadêmico, além de livros, cartilhas, circulares técnicas, sites e legislação pertinente.

Os artigos deveriam ter sido publicados a partir da 1990; esse intervalo foi determinado levando-se em consideração que algumas fontes bibliográficas sobre a agricultura e sua origem são mais antigas e porque foi a partir desse período que as primeiras fontes sobre Sistemas Agroflorestais Sucessionais/Biodiversos começaram a ser publicadas.

Os termos pesquisados ou descritores utilizados na pesquisa são listados a seguir, sendo que a combinação foi realizada com a utilização dos operadores booleanos “AND” e “OR”. São eles: Agricultura AND Sintrópica; SAFs OR Sistemas Agroflorestais Sucessionais Biodiversos; Agroecologia; Sustentabilidade; História AND Agricultura; Ecopsicologia.

Foram utilizados filtros como país/região, idioma, ano de publicação, tipo de documento. A busca foi feita pelo pesquisador/autor do artigo e foram pesquisados aproximadamente 40 artigos, 60 livros, e 30 outras fontes.

Não foram utilizados softwares de análise das fontes pesquisadas, esta foi feita através de resumos e anotações do pesquisador/autor. Foram incluídos não só artigos publicados em periódicos, mas também teses e dissertações. Revisão de literatura A origem da Agricultura

O ser humano, heterótrofo por natureza, depende das plantas, direta ou indiretamente, para obtenção da energia que utiliza, bem como do ar que respira. Durante a fotossíntese, considerado o

2 O conceito de sintropia será explorado mais adiante neste es-tudo, no tópico Sintropia, sistemas vivos e complexidade.

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processo mais importante que ocorre na Terra, as plantas são capazes de converter moléculas simples (CO2 e H2O) em moléculas orgânicas complexas, utilizando a energia luminosa do sol (DIAS-FILHO, 2006).

O homem primitivo sobrevivia graças à caça de animais herbívoros que viviam na abundante vegetação que vira a surgir na Eurásia e América do Norte, no fim da última era glacial, por volta de 30 mil anos atrás. Com o passar do tempo, essa oferta de animais veio a minguar-se, fato que fez com que o homem se tornasse nômade e passasse a incluir frutas, raízes, ervas e sementes em sua dieta (PONS, 2008). Raven et al. (2010) destacam, inclusive, que provavelmente essa ação nômade do homem acarretou a extinção de espécies de animais.

Pons (2008) expõe também que em algum momento, durante sua fase nômade, o ser humano passou a perceber sementes germinando, crescendo, dando frutos com novas sementes que por sua vez iniciavam um novo ciclo de vida. Seu poder de observação foi, portanto, determinante como marco do surgimento da agricultura na história da humanidade.

Neste contexto, cabe destacar a importância dada por Ernst Götsch à função que cada organismo desempenha em seu ecossistema, a fim de que o funcionamento deste seja ótimo. Em seu texto “A Vida: um modo de Ser”, o agricultor-pesquisador escreve, sobre o papel do homem: Aprofunda-te na matéria! Abre os teus sensos! Tenta perceber as formas dadas pela própria natureza! E tu chegarás a criar laços mais íntimos com ela. Isto acarretará mais sensibilidade nos tratos, nas relações com nossos irmãos (seres vivos) no campo e na floresta, bem como nas relações entre os seres humanos (GÖTSCH, 1995).

Desta forma, para Götsch (1995), a função da espécie homem na Terra é interagir junto ao ecossistema de forma a favorecer os processos geradores de vida, funcionando especialmente como um grande dispersor de sementes.

Tal ponto de vista de Götsch, o de que predomina hoje na humanidade um estado de desconexão – de si mesmo, dos outros seres humanos, bem como da natureza – é compartilhado, de diferentes formas, por vários outros autores, conforme será ressaltado neste estudo. Distúrbios no macroecossistema Terra

De acordo com Teixeira et al. (2003), o advento da agricultura proporciona ao homem a possibilidade de fixar moradia, criando civilizações. Dessa forma, inicia-se o processo de crescimento populacional. Visando atender suas crescentes demandas, a humanidade inicia seu processo de exploração dos recursos naturais da Terra, causando desequilíbrio em ecossistemas. Os autores destacam também a relação direta existente entre o desenvolvimento da agricultura e o crescimento populacional.

Nesse contexto, ganha importância o conceito de agroecossistemas, que Marques et al. (2003) definem como ambientes naturais com distúrbios decorrentes da intervenção do homem, objetivando a produção de alimentos e outros produtos agropecuários. Tais intervenções com o meio ambiente, entretanto, nem sempre foram ecologicamente eficientes. Por este motivo, inclusive, muitas civilizações não se mostraram sustentáveis e entraram em colapso, a exemplo da civilização Maia, na América Central, onde o mau uso do solo acarretou processos de erosão e escassez de água.

Segundo Teixeira et al. (2003), supõe-se que o consumo de energia por habitante aumenta à medida que os povos se desenvolvem, em virtude do consumo e demanda por matérias-primas minerais e energéticas. Os autores acrescentam que tal demanda pelo homem, visando possibilitar seu conforto, tem superado a capacidade de suporte da Terra, e que tal constatação coloca a humanidade como o mais importante modificador dos ecossistemas do planeta na atualidade.

Dias (2002) destaca que um conceito bastante difundido na área de ecologia é o da Pegada Ecológica, que é o desgaste que o ser humano provoca no meio ambiente para atender suas necessidades. Ao discorrer sobre o tema, o autor alerta: Populações crescentes, analfabetismo ambiental, consumos exagerados e comportamentos egoísticos formam uma amálgama temerosa para a configuração de um estádio de declínio da qualidade da experiência humana, via degradação ambiental, concentração de renda e exclusão social.

Nos tempos atuais, os impactos causados pela humanidade no meio ambiente são amplamente divulgados cotidianamente pela mídia. Mapeamento revela, por exemplo, que entre 2000 e 2012, o mundo perdeu 2,3 milhões de quilômetros quadrados de florestas (ASSOCIAÇÃO O ECO, 2013).

Zamberlam e Froncheti (2012) destacam algumas estatísticas alarmantes, como a chuva ácida, que afeta cerca de 650 milhões de pessoas. A quantidade de lixo tóxico jogadas no meio ambiente anualmente é em torno de 388 milhões de toneladas, e cerca de 97% da água do planeta não é mais potável, em decorrência da poluição. Por fim, nos últimos 20 anos o uso de fertilizantes nitrogenados cresceu 135%, cerca de três vezes mais do que a produção de alimentos.

Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alertou para os altos índices de mortes prematuras associadas à degradação ambiental. Anualmente, cerca de sete milhões de pessoas morrem por exposição à poluição ambiental e cerca de mil crianças morrem por dia em virtude do consumo de água contaminada (PNUMA-ONU, 2016).

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Um planeta vivo, autorregulação e capacidade de suporte

Muitos autores defendem a ideia de que o planeta Terra é um organismo vivo, e como tal tem determinada capacidade de suporte e de se autorregenerar frente a perturbações, tanto aquelas causadas pelo homem como aquelas de origem natural.

Lovelock (2007) afirma que a vida na Terra é uma rede de relações complexas, que são determinantes para a existência da vida em si. Em sua Teoria de Gaia, concebida no final dos anos 60, o autor expõe que: A vida é resultado das condições do meio que é produzido pelos sistemas vivos em interação com os não vivos; a vida é resultado da própria vida (...) a evolução dos organismos se encontra tão intimamente articulada com a evolução do seu ambiente físico e químico, que juntas constituem um único processo evolutivo, que é autorregulador.

Para ilustrar sua teoria, Lovelock (2007) compara diversas formas de vida considerando características normalmente observadas em organismos vivos (Quadro 1).

Quadro 1. Características de formas de vida

Característica Bactéria Mamífero Árvore Colméia Gaia

Reprodução + + + - -

Metabolismo + + + + +

Evolução + + + + +

Termostase - + - + +

Quimiostase + + + - +

Autocura + + + + +

Fonte: Lovelock, (2007). Quando contemplada, a característica

recebe o sinal “+”. Gaia, por exemplo, conta com metabolismo próprio, capacidade de evolução, regulação térmica e química e capacidade de autorregeneração, só não sendo capaz de se reproduzir.

Teixeira et al. (2003) também compartilham a ideia de que o Planeta Terra é um sistema vivo, já que conta com sua dinâmica evolutiva própria, especialmente em virtude da ação vulcânica, intemperismo e ações climáticas. Em decorrência da evolução ao longo de bilhões de anos, a Terra proporcionou condições para a humanidade habitá-la3.

3 Cabe ressaltar que, de acordo com o “Ano-Terra”, proposto por Gradstein e Ogg (1996, apud TEIXEIRA et al., 2003), que mostra a escala do tempo geológico e os principais eventos da evolução da Terra como se tivessem ocorrido no intervalo de um ano,

Dias (2002) destaca que os ecossistemas desempenham funções básicas e essenciais à sobrevivência humana, bem como da vida em geral. O controle dos gases da atmosfera, por exemplo, é realizado pelos ecossistemas. A maior parte do O2 que os animais - incluindo os humanos - respiram é produzido por algas. O teor de N2 presente na atmosfera é controlado pelas algas cianofíceas e pelas bactérias fixadoras de nitrogênio, que o convertem e o disponibilizam para uso pelas plantas. Esse nitrogênio entra na composição de todas as proteínas dos seres que se seguem na cadeia alimentar. Cabe lembrar: sem proteína não existe vida.

Diversas outras funções de autorregulação são desempenhadas pelos ecossistemas, como o controle climático, a ciclagem da água e a ciclagem de nutrientes. Tais mecanismos serão abordados mais adiante neste estudo. Biodiversidade, extinção de espécies e a perda da capacidade de autorregulação

Ao discorrer sobre princípios da Ecologia, Capra (2005) afirma que a capacidade de recuperação de um ecossistema está diretamente relacionada à biodiversidade, à riqueza e complexidade de suas teias ecológicas.

Lovelock (2007) alerta para o risco iminente da perda da capacidade de autorregeneração do planeta. O autor faz analogia entre um ser humano que teve 70% de sua pele queimada – e corre risco de vida, e a superfície do planeta Terra, que se encontra com aproximadamente 65% de florestas eliminadas nas regiões dos trópicos, para a implantação de ineficientes terras agrícolas. Quando mais de 70% de um ecossistema é afetado, o restante pode não ser capaz de sustentar o ambiente necessário para a sua própria sobrevivência, e o restante das árvores pode também morrer.

Para Lovelock (2010), o planeta Terra caminha em direção a uma catástrofe climática e a sobrevivência humana será possível somente em algumas regiões do globo.

Ao abordar o tema autorregulação, Boff (2012) ressalta o fator ganância do ser humano: O assalto aos Commons, quer dizer, aos bens comuns (água, solos, ar puro, sementes, comunicação, saúde, educação entre outros) privatizados por grandes corporações nacionais e multinacionais, está depauperando de forma perigosa a Mãe Terra, cada vez mais incapaz de se autorregenerar.

Kempf (2010) também alerta que a humanidade está começando a esgotar a capacidade de recuperação do planeta. O autor exemplifica destacando o efeito causado pelo ritmo acelerado de crescimento econômico da China nos

nossa espécie teria surgido apenas nas últimas horas do dia 31 de dezembro.

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últimos 15 anos. O impacto causado nos ecossistemas do planeta é grande, em virtude da elevada densidade populacional do país. O país sofre com altos índices de contaminação da água, do ar, avanços no processo de desertificação, déficit hídrico e racionamento de água em grandes cidades.

Zanetti (2010) aponta que a regeneração de espécies depende do grau de perturbação ou distúrbio em um sistema. Qualquer tipo de intervenção em ecossistemas deve ser cuidadosamente planejado, de forma que se possa permitir ou até contribuir para que as suas funções permaneçam ativas e possam ser recuperadas com o passar do tempo.

Considerando o elevado poder de impacto das atividades agrícolas sobre os ecossistemas, a seguir será apresentado um breve histórico sobre a intensificação da agricultura. A intensificação da agricultura: Agricultura Industrial e Revolução Verde

No início do século XX iniciam-se processos de intensificação da agricultura nos países desenvolvidos. Conhecida como agricultura convencional ou ainda agricultura industrial (AI), a proposta baseia-se em três pilares fundamentais: agroquímica, motomecanização e manipulação genética, todos eles objetivando maximizar a produção em monoculturas (AQUINO e ASSIS, 2005). Ainda segundo esses autores: A agricultura industriaI [...] não cumpriu seu objetivo de melhorar a vida da população rural, marginalizando contingentes enormes dessa população, que vivem o drama do êxodo e da vida marginal nos grandes centros urbanos, com as consequências em termos de qualidade de vida e de deterioração ambiental.

Tal padrão de desenvolvimento agrícola moderno foi disseminado nos anos 70 pela chamada Revolução Verde, com o objetivo de intensificação da produção de alimentos, visando resolver o problema da fome no mundo (ALTIERI, 2009). O modelo adotado contemplou especialmente o uso intensivo de agroquímicos (fertilizantes e defensivos), a alta mecanização, a biotecnologia (produção de sementes geneticamente modificadas), e o uso intensivo de irrigação.

Altieri (2009) destaca que o modelo adotado aumentou a produtividade agrícola, mas acarretou inúmeros problemas ambientais e socioeconômicos. Solos degradaram-se, águas, alimentos e trabalhadores rurais foram contaminados por agroquímicos. Em consequência, a produtividade caiu e o agricultor perdeu autonomia em virtude da dependência externa de insumos.

Para Altieri (2009), a Revolução Verde beneficiou os agricultores maiores e mais ricos,

4 O termo commodities é utilizado para se referir a produtos com baixo valor agregado, normalmente utilizados como matéria-

visto que controlam o capital e detêm a maior parte das terras férteis. O autor complementa afirmando que qualquer estratégia de desenvolvimento deve ir além da dimensão tecnológica e contemplar aspectos sociais e econômicos.

No caso específico do Brasil, Theodoro et al. (2009) destacam que a produção agrícola do país segue atualmente duas vertentes supostamente antagônicas: de um lado, ruralistas praticantes de uma agricultura moderna, voltada essencialmente para a monocultura e baseada em princípios capitalistas; de outro, ambientalistas e agricultores familiares, com proposta efetivamente sustentável de produção agrícola. Fazendo referência ao primeiro grupo, os autores atestam: O Brasil é frequentemente apontado como o celeiro do mundo no que se refere à produção de alimentos. Para sustentar esse desempenho, tornou-se um grande importador de fertilizantes, (...) sendo atualmente o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo.

A maior parte dessa produção de larga escala é de commodities4 agrícolas, conquistados às custas de elevada degradação ambiental e distorções sociais. Diante desse contexto, os autores questionam os seguintes aspectos: (1) a vulnerabilidade de um modelo de produção que depende de insumos externos, dominado por poucos grupos privados com grande domínio a nível de mercados nacional e internacional; e (2) até que ponto se justifica o uso intensivo de fertilizantes solúveis, sendo que a maior parte dos alimentos produzidos e consumidos no país é proveniente da agricultura familiar (THEODORO et al., 2009).

Aquino e Assis (2005) acrescentam que a agricultura industrial marginalizou contingentes enormes da população, que vivem o drama do êxodo e da vida empobrecida em grandes centros urbanos. A Agroecologia

Todo o contexto justifica, pois, a necessidade de um novo paradigma, considerando que a agricultura moderna não pôde resolver os complexos problemas rurais e urbanos: Só uma compreensão mais profunda da ecologia humana dos sistemas agrícolas pode levar a medidas coerentes com uma agricultura sustentável. Assim, a emergência da agroecologia como uma nova e dinâmica ciência representa um enorme salto na direção certa. A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis (ALTIERI, 1987 apud ALTIERI, 2009).

Torna-se premente, portanto, a compreensão e aplicação do conceito de sustentabilidade

prima, e que são negociados na bolsa de valores.

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agrícola, que, segundo Altieri (2009), é a capacidade de um agroecossistema de manter-se produtivo com o passar do tempo.

Como justificativa, o autor destaca a contraposição existente entre o modelo convencional-industrial, voltado para agricultores com muitos recursos e acesso à tecnologia, e o grupo de pequenos agricultores, com poucos recursos e limitado acesso a insumos externos e tecnologia (Figura 1). Finaliza expondo que a Agroecologia percebe nestes um grande potencial para implementação de estratégias de desenvolvimento rural sustentável (ALTIERI, 2009).

Figura 1. Agricultores em relação à tecnologia e aos mercados. Fonte: ALTIERI, 2009

Theodoro et al. (2009) expõem os avanços práticos da Agroecologia, concretizados através dos movimentos das Agriculturas Alternativas (AAs) praticados por agricultores em vários pontos do mundo. Inicialmente, tais propostas eram vistas como retrógradas, supostamente por não entenderem os benefícios da produção industrial. Entretanto, aos poucos, os problemas ambientais e a deterioração da qualidade de vida e dos alimentos sinalizaram a necessidade de mudança rumo à efetiva sustentabilidade, fato que fez com que se passasse a valorizar os princípios ecologicamente sadios adotados por tais práticas.

Algumas dessas principais abordagens agroecológicas (ou modalidades de AAs) são listadas por Zamberlam e Froncheti (2012), como a Agricultura Biodinâmica, a Agricultura Orgânica, a Agricultura Biológica e a Agricultura Natural.

Conforme exposto, a Permacultura também é apontada como forma de agricultura alternativa (AQUINO e ASSIS, 2005), visto que propõe uma forma do ser humano viver em harmonia com o meio ambiente5 (MOLLISON, 1978 apud MARÍN, 2015).

Tais abordagens agroecológicas buscam sempre uma maior consonância com as leis naturais. A Biodinâmica, por exemplo, faz uso de preparados voltados para o fortalecimento da microbiologia do solo; a Agricultura Orgânica, além da rotação de culturas e do controle biológico de

5 O autor optou por não considerar a Permacultura como abor-dagem modelo-floresta. Apesar do fato da inclusão dos Sistemas Agroflorestais em sua proposta, a literatura consultada não for-neceu subsídios suficientes para que fosse estabelecida uma

pragas, utiliza-se de adubos orgânicos de origem animal (estercos) e vegetal (adubação verde), visando o incremento de matéria orgânica no solo (ZAMBERLAM e FRONCHETI, 2012).

Aquino e Assis (2005) expõem que a Agricultura Biológica (AB) se assemelha muito à Agricultura Orgânica ao apontar para métodos mais equilibrados de produção. A AB sugere que desequilíbrios nutricionais nas plantas são decorrentes dos excessos de adubação com fertilizantes solúveis e do uso de agrotóxicos.

O termo Agricultura Natural (AN) é utilizado, segundo (AQUINO e ASSIS, 2005), para referir-se tanto a Mokiti Okada como ao método Fukuoka. O primeiro, através da sua Fundação Mokiti Okada (MOA), propõe a saúde e a qualidade das plantas e dos alimentos através do cuidado com o solo, observando seus aspectos físicos, químicos e biológicos (FUNDAÇÃO MOKITI OKADA - MOA).

Já o método Fukuoka defende a prática do plantio direto e propõe a não utilização de adubos ou composto orgânico, não utilização de agroquímicos e a não aração da terra6 (JESUS, 1985 apud AQUINO e ASSIS, 2005).

Os sistemas agroflorestais são classificados por Aquino e Assis (2005) como Agricultura Regenerativa e por Zamberlam e Froncheti, (2012) como Agricultura Natural. De toda sorte, importa para o presente estudo ressaltar o fato de que tais abordagens se inspiram no funcionamento das florestas. Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) sucessionais e a Agricultura Sintrópica (AS)

De acordo com Nair (1993), os SAFs podem ser classificados da seguinte forma: os sistemas agrossilviculturais, quando se combinam árvores com culturas agrícolas; os silvipastoris, voltados para a criação de animais em combinação com pastagens e espécies arbóreas; e os agrossilvipastoris, quando se combinam animais com árvores e culturas agrícolas.

Peneireiro (2007) acrescenta que existem diferentes configurações de SAFs: Há SAFs elaborados como consórcios caracterizados como combinações de espécies, procurando aproveitar melhor o espaço e recursos (luz, água, nutrientes); e há SAFs que buscam reproduzir a lógica de construção de uma floresta produtiva, baseados na sucessão ecológica (denominados SAFs sucessionais).

Os SAFs sucessionais despontam como opção que coloca a espécie humana com importante papel no contexto exposto, especialmente considerando a atual precária capacidade da natureza se autorregenerar em algumas situações. O agricultor, ao manejar

correlação direta entre essa abordagem e os princípios que re-gem os ecossistemas de florestas tropicais. 6 O método de Masanobu Fukuoka, biólogo e agricultor japonês, ficou conhecido como o “método do não fazer”, por visar não in-terferir nos processos da natureza.

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espécies de animais e vegetais que dificilmente se estabeleceriam sozinhas em uma dada situação, migra da função de mero produtor de alimentos para a de mantenedor e restaurador dos serviços ambientais (MICCOLIS et al., 2016).

Götsch (1995) complementa, afirmando que o agricultor só deve fazer uma intervenção em sua plantação quando souber que o resultado de sua ação acarretará um balanço energético positivo no sistema, com consequente aumento da vida e favorecimento dos processos de sucessão.

O termo Agricultura Sintrópica (AS) foi introduzido por Ernst Götsch, com o objetivo de dar destaque ao aspecto da relação homem-sistema natural/agroecológico, em que deve prevalecer a dinâmica do amor incondicional, contrapondo a meros interesses econômicos. Segundo Götsch, o agricultor deve buscar colocar-se a serviço das plantas, buscando atender suas necessidades (GÖTSCH, 2017).

Götsch (2017) dá especial destaque ao fato de que o agricultor que pratica as abordagens modelo-floresta é movido pelo prazer interno de fazê-lo. O autor costuma se referir à Agricultura Sintrópica utilizando a expressão peace farming7.

Para Götsch (1995), os SAFs representam grande potencial de sustentabilidade efetiva, visto que a prática sugere não somente o alinhamento do agroecossistema em questão ao potencial natural do local, mas também incorpora o personagem agricultor ao processo, valorizando o conhecimento local. Por este motivo não existe e nunca existirá um modelo padrão, mas sim princípios básicos a serem seguidos.

No que se refere à recuperação de áreas protegidas por lei, cabe ressaltar que o Novo Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2012) prevê a introdução de sistemas agroflorestais para recomposição de Áreas de Proteção Permanente (APPs), bem como áreas de Reserva Legal (RL), em propriedades voltadas para a agricultura familiar, desde que sejam observados os critérios previstos na legislação.

Nesse contexto, Leite (2014) apresenta um estudo de caso conduzido em propriedade em Brasília-DF, onde compara a recuperação de duas áreas de um trecho degradado: uma utilizando os SAFs e outra deixada em pousio, sem intervenções. Importa para o presente estudo que os resultados obtidos nas áreas tratadas com os SAFs mostraram resultados melhores do que os da área em pousio, considerando quesitos fitossociológicos, florísticos, edáficos, bem como em relação ao banco de sementes. Princípios e fundamentos dos SAFs sucessionais e da AS

Para Steenbock (2013), os SAFs devem ser vistos como mais do que a mera combinação entre árvores e cultivos agrícolas. Fazer agrofloresta implica em potencializar os processos naturais para 7 Traduzindo do inglês, agricultura da paz.

a otimização da produção, tanto das espécies de interesse como da biodiversidade como um todo.

Para tanto, são necessários o entendimento e a aplicação de princípios que regem o funcionamento dos ecossistemas naturais. Peneireiro (2007) aponta os principais fundamentos a serem observados quando da implantação e manejo de SAFs sucessionais: a biodiversidade, a sucessão natural, e a ciclagem de nutrientes.

Para fins de comparação dos ecossistemas naturais com as propostas modelo-floresta, tais princípios são detalhados a seguir. Para tanto, serão expostos tanto o embasamento teórico da literatura relacionada à ciência da ecologia, bem como o da literatura que discorre sobre os SAFs e a AS. Biodiversidade

Segundo Ricklefs (2013) nas florestas tropicais a alta incidência de raios solares proporciona altas taxas de fotossíntese e, portanto, maior produtividade primária. O aumento na quantidade de matéria vegetal e de energia do sistema proporciona condições para sustentação de um maior número de espécies. Ou seja: maior complexidade, maior biodiversidade.

Peneireiro (2007) afirma que quanto maior a diversidade biológica, maior será a sustentabilidade de um sistema de produção. A perenidade e o equilíbrio observados nas florestas naturais acontecem por conta que cada espécie desempenha seu papel no ecossistema.

Cabe lembrar que o homem é uma das espécies envolvidas em tais relações ecológicas - inter e intraespecíficas. E, como tal, também lhe é atribuída uma função. Para Götsch (1995), o papel do homem no macrorganismo Terra é interagir de forma a favorecer os processos geradores de vida (incrementando a fotossíntese e favorecendo os processos sucessionais), funcionando também como um grande dispersor de sementes.

Em termos práticos, Steenbock (2013), destaca que as intervenções do homem no sistema devem valorizar ao máximo o aproveitamento da luz solar, a sucessão natural, a ciclagem de nutrientes e as relações ecológicas do ambiente. Sucessão ecológica

A sucessão ecológica (ou natural) é o processo de construção ou de reconstrução de uma comunidade em um ecossistema que sofreu algum tipo de perturbação, como incêndios, desmatamentos, alagamentos etc. No caso da abertura de uma clareira em uma floresta, por exemplo, espécies pioneiras colonizarão o ambiente; essas, por sua vez, proporcionarão condições para o surgimento de novas espécies, fazendo com que o ambiente evolua até uma condição de equilíbrio, onde prevalecerá uma comunidade clímax (RICKLEFS, 2013).

Para Miccolis (2016), a sucessão ecológica é

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a “mola propulsora” para o desenvolvimento e evolução dos ecossistemas: Neste processo, diferentes conjuntos de espécies se sucedem ao longo do tempo. As espécies surgem, se desenvolvem, se estabelecem, se reproduzem e morrem, transformando o ambiente para as próximas espécies que as sucederão. Essa dinâmica se dá em função das espécies terem diferentes ciclos de vida, necessidades ecofisiológicas (... luz, umidade, temperatura, nutrientes etc), e capacidades de colonização de ambientes.

Götsch (1994) expõe a importância da escolha das espécies, que catalisarão o processo de sucessão ecológica. É necessário observar as plantas que ocorrem nas imediações, para utilizar as mesmas ou outras com funções e capacidade de adaptação semelhantes. Nas fases iniciais, deve-se utilizar espécies pioneiras colonizadoras, que irão recuperar o solo. Essas serão substituídas pelas secundárias e, por fim, as espécies clímax.

O homem deve aprender com a natureza e plantar consórcios de espécies diversificadas, em vez de monoculturas. Nos consórcios, nenhuma espécie produz menos que as outras; ao contrário, cada espécie contribui para que as outras prosperem, formando as etapas sucessionais até atingir o clímax da vegetação do local. O autor utiliza como exemplo um plantio de milho com feijão, onde podem ser introduzidos também banana, capim, mandioca, inhame, e espécies arbóreas como leucena, mangueira, mulungu e sapucaia (GÖTSCH, 1995).

Ainda segundo Götsch (1992), as plantas espontâneas nativas protegem e melhoram o solo, aumentando sua fertilidade, melhorando o teor de matéria orgânica e corrigindo seu pH. Muitas delas são também boas companheiras para espécies agrícolas, por afastar pragas e doenças.

O manejo da poda em SAFs tem papel preponderante para o bom desempenho do sistema, pois visa o aproveitamento máximo da luz solar pelas plantas, incrementando a fotossíntese e aumentando a quantidade de biomassa do ambiente (MICCOLIS et al., 2016). O autor atesta que a poda imita os processos naturais na forma de distúrbios ocasionados por ventos, raios, ou por outras espécies, como formigas cortadeiras e cupins.

Ainda segundo Miccolis et al. (2016), é importante que sejam escolhidas espécies geradoras de biomassa e com alta capacidade de disponibilização de nutrientes, para que a melhoria na fertilidade do solo seja eficiente.

Reforçando a tese de que o homem tem realmente uma função a ser desempenhada junto ao macroecossistema Terra, Steenbock (2013) destaca que a poda tem o poder de potencializar a sucessão ecológica, promovendo o incremento das espécies do sub-bosque de forma ainda mais intensa do que no ecossistema natural.

Ciclagem de nutrientes

Enquanto que em regiões frias a maior parte dos nutrientes encontra-se no solo, na região dos trópicos estes se concentram na biomassa. Odum (2011) atesta que os fatores temperatura e umidade altas das florestas tropicais proporcionam condições para que a reciclagem dessa estrutura orgânica ocorra de forma rápida.

Primavesi (2002) complementa afirmando que o “acolchoamento” do solo com cobertura morta, além de funcionar como eficiente combate à erosão, beneficia a microvida. A autora defende que o solo é um ambiente onde os seres vivos coexistem na forma de sociedades intimamente inter-relacionadas.

Nair (1993) expõe que a presença de espécies lenhosas nos SAFs é determinante para a melhoria da fertilidade do solo, visto que em geral os solos de florestas tropicais são pobres. A fertilidade do solo advém, portanto, da decomposição de todo o material (galhos, folhas e frutos) que cai no chão. As plantas utilizam-se desses nutrientes para crescer e se desenvolver, e assim o ciclo se recomeça (PENEIREIRO, 2007).

Segundo Francisco Neto (2002) afirma que a ciclagem de nutrientes depende da cobertura vegetal da floresta. Os solos de florestas contam com várias camadas protetoras: as copas das árvores e arbustos, as plantas herbáceas, e um depósito de folhas e ramos mortos. Steenbock (2013) complementa, afirmando que tal disposição da vegetação, em estratos (Figura 2), não só protege o solo contra a insolação e o impacto das gotas de chuva, mas também permite maior absorção e retenção das águas: A maior parte da chuva atinge as copas, escorrendo lentamente, evitando a erosão e contribuindo, assim, para a manutenção da estrutura do solo. (...) bem estruturado, o solo permite a infiltração e a manutenção de água em seus microporos e nos lençóis freáticos.

Sintropia, sistemas vivos e complexidade

O termo sintropia (também denominado negentropia) pode ser definido como o contrário de

Figura 2. Proteção do solo contra o impacto da chuva Fonte: Steenbock (2013)

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entropia. Conforme atestado por Clausius (1865, apud MONTE, 2013), o conceito de entropia está relacionado à segunda lei da termodinâmica, e diz respeito à perda energética de um determinado sistema cujo trabalho foi convertido em calor e energia térmica. Entropia, portanto, está relacionada à perda do grau de organização, energia e matéria em sistemas.

Em contrapartida, sintropia se refere à complexificação (Figura 3) dos sistemas de vida. Segundo Götsch (1995), Os princípios em que a vida se baseia são processos que levam do simples para o complexo, onde cada uma das milhares de espécies, a humana entre elas, tem uma função dentro de um conceito maior. A vida neste planeta é uma só, é um macrorganismo cujo metabolismo gira num balanço energético positivo, em processos que vão do simples para o complexo, na sintropia.

Figura 3. Aumento da complexidade de um ecossistema.Fonte: Miccolis et al. (2016)

Götsch (1995) expõe que apesar da inerente realidade entrópica dos seres vivos, quanto analisados de forma individual, esses contribuem para o aumento e fortalecimento da sintropia quando investidos em seus papéis no funcionamento dos ecossistemas como um todo.

O autor utiliza o exemplo de uma abelha, que ao longo da vida consome mais pólen e néctar do que produz. Entretanto, o serviço por ela prestado em termos de processos geradores de vida, como a polinização de milhares de flores (e, portanto, a preservação de espécies e da variabilidade genética das mesmas), gera um saldo positivo no balanço final dos sistemas vivos, em termos de complexificação, manutenção e evolução da biodiversidade – a sintropia (GÖTSCH, 1995).

Dito de outra forma, Capra (2005) escreve que as trocas em um ecossistema são baseadas em uma “cooperação generalizada”. Ao discorrer sobre a Teia da Vida, o autor afirma que, apesar de os organismos serem fechados no que se refere a sua estrutura física, por possuírem um limite físico, os sistemas vivos são abertos em relação ao constante fluxo de energia e matéria entre eles.

Monte (2013) afirma que o princípio da

entropia ganhou importância quando da avaliação da sustentabilidade em agroecossistemas, visto que possibilita a percepção das perdas energéticas, tanto físicas quanto biológicas.

Qualquer proposta de SAFs sucessionais (em ecossistemas de florestas tropicais) que siga os fundamentos que regem os sistemas naturais conduzirá invariavelmente o ambiente a uma condição de floresta adulta. As abordagens modelo-floresta, portanto, têm o potencial de promover inúmeros serviços ecossistêmicos, como o sequestro de carbono, a manutenção dos recursos hídricos, o combate à desertificação, a formação de microclimas e a conservação dos solos (MICCOLIS et al., 2016).

Zanetti (2010) aponta alguns outros exemplos dos serviços ambientais proporcionados pelas florestas naturais: disponibilizam madeira para fins diversos, proporcionam locais para recreação, agregam beleza à região, promovem a purificação da água, absorvem outros resíduos gasosos da atmosfera, fornecem plantas medicinais, promovem a ciclagem de importantes nutrientes e proporcionam condições de vida a grande biodiversidade.

Primavesi (2002) mostra, por exemplo, que as florestas funcionam como termostatos naturais do planeta. A autora expõe que a amplitude térmica nas florestas é extremamente reduzida, devido à elevada umidade do ar. A planta, ao perder água para o ar, absorve calor do mesmo, fenômeno que refrigera a superfície das folhas. Os SAFs, a AS e a Agricultura Familiar

O Ministério do Desenvolvimento Agrário do governo brasileiro define Agricultura Familiar da seguinte forma: A agricultura familiar tem dinâmica e características distintas em comparação à agricultura não familiar. Nela, a gestão da propriedade é compartilhada pela família e a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte geradora de renda. Além disso, o agricultor familiar tem uma relação particular com a terra, seu local de trabalho e moradia (MDA-BRASIL, 2016).

De acordo com o Censo Agropecuário 2006 (IBGE-BRASIL, 2009), existem cerca de 4,4 milhões de estabelecimentos de Agricultura Familiar no Brasil (84,4% do total de estabelecimentos de produção agrícola no país), sendo que tais comunidades tradicionais ocupam apenas 24,3% da área total cultivada.

Zamberlam e Froncheti (2012) ressaltam que a Agricultura Familiar é responsável pela produção da maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira, como mandioca, feijão, milho, aves, suínos e leite.

Peneireiro et al. (2008) afirmam que a agricultura familiar diz respeito a uma forma de estar na terra e se relacionar com a natureza, que envolve toda a família. Os autores destacam a importância da cooperação - traduzida no cuidado com os recursos naturais e com os companheiros

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das outras famílias, bem como da preservação dos conhecimentos tradicionais.

Para Miccolis et al. (2016), a adoção dos SAFs para a agricultura familiar no Brasil agrega vantagens econômicas. Os autores destacam vários fatores, como justificativa, como a diversificação da produção, o aumento na fertilidade dos solos, a maior segurança alimentar, o melhor aproveitamento da mão-de-obra familiar e a redução gradativa nos custos de produção.

Miccolis et al. (2016) destacam ainda que os SAFs têm o potencial de melhorar a qualidade de vida do homem do campo, visto que promovem o “resgate dos saberes tradicionais”, incrementam o sentimento de pertencimento do agricultor, fortalecem os laços comunitários e aumentam a solidariedade entre as pessoas - especialmente em decorrência dos mutirões de plantio. O modelo-floresta

Francisco Neto (2002) aponta que qualquer proposta de agricultura na região dos trópicos, para ser permanente, deve buscar imitar o

funcionamento das florestas, como ecossistema em equilíbrio dinâmico.

O presente estudo buscou, portanto, correlacionar as características e princípios de funcionamento das florestas com os sistemas de cultivo que a elas se assemelham, ou nelas se inspiram. Com base no exposto por Götsch (2017) e Miccolis et al. (2016), as práticas agroecológicas que mais se aproximam de um modelo-floresta são, os SAFs sucessionais e a AS8.

A Tabela 1 procura sintetizar os princípios que regem os SAFs (1ª coluna), ressaltando aspectos desses em relação aos ecossistemas naturais/florestas tropicais (2ª coluna), bem como em relação aos sistemas de cultivo modelo-floresta (3ª coluna). Na coluna pertinente aos agroecossistemas são listadas também algumas práticas culturais envolvidas no planejamento, implantação, manejo e escoamento da produção (escolha de espécies, poda, mutirões, feiras etc.).

Tabela 1. Os princípios da biodiversidade, da suces são natural e da ciclagem de nutrientes e suas

relações com os ecossistemas naturais e os sistemas de cultivo modelo-floresta Princípio s dos

SAFs/AS Ecossistema natural Florestas tropicais

Sistema de cultivo modelo-floresta (SAFs sucessionais e AS) 9

Princípio da biodiversidad

e

Alta biodiversidade Alta biodiversidade, com espécies escolhidas pelo agricultor

Relações ecológicas intra e interespecíficas: prevalece a lógica da cooperação e a evolução do sistema

Relações interespecíficas: espécie homem investido em sua função (implantando e manejando o sistema), cooperando com o meio ambiente (plantas e animais); Relações intraespecíficas: mutirões e feiras imitam os sistemas naturais, visto que proporcionam relações sociais; prevalece a cooperação, a solidariedade e a evolução

Complexidade e abundância Complexidade e abundância, alcançados por agroflorestas maduras

Alto teor de biomassa e matéria orgânica (Carbono)

Sistemas adultos = produção de materiais diversos, como madeira, bambu, medicinais, ornamentais, artesanato etc.

Saúde, perenidade e estabilidade do ecossistema

Manejos dos SAFs/AS visam a manutenção da saúde e estabilidade do ecossistema: reflexos na saúde do agricultor e consumidor; Homem estreita seus laços com a terra, criando vínculos através do cuidado: melhora na sua autoestima e qualidade de vida

Arquitetura da floresta, ocupando diferentes estratos: permite o aproveitamento máximo da luz solar, bem como a proteção contra insolação direta e impactos das gotas de chuva

Escolha de espécies e manejo da poda: distribuição da vegetação em estratos (baixo, médio, alto e emergente) = aproveitamento máximo da luz solar e proteção do solo contra insolação e impacto da chuva

8 Na visão do autor, SAFs e AS são de fato propostas semelhan-tes, desde que contemplem todos os princípios ecológicos aqui apontados, bem como os aspectos humanos, éticos e filosóficos da questão.

9 Os benefícios e serviços dos SAFs variam de acordo com o contexto, o tipo de sistema e o manejo (MICCOLIS et al., 2016)

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Princípio s dos SAFs/AS

Ecossistema natural Florestas tropicais

Sistema de cultivo modelo-floresta (SAFs sucessionais e AS) 9

Infinitas configurações: cada floresta é única

Adaptabilidade a diferentes contextos: cada SAF/AS é único

Espécies convivendo em equilíbrio: ambiente livre de pragas e doenças

Agroecossistema em equilíbrio: pragas e doenças são indicadores para o agricultor

Ventos não afetam os ecossistemas: ajudam na dispersão de espécies

Manejo e escolha das espécies gera proteção contra ventos.

Princípio da sucessão

natural

Autorregeneração frente a distúrbios (clareiras, incêndios, inundações etc): ecossistema evolui naturalmente rumo à complexificação = sequestro de carbono e controle dos gases atmosféricos

Agricultor investido em sua função no ecossistema, escolhendo espécies e fazendo o manejo: potencialização dos processos geradores de vida = maximização da fotossíntese; sequestro de C; controle de gases da atmosfera

Preservação de espécies e habitats SAFs/AS: criação e recuperação de habitats

Princípio da ciclagem de nutrientes

Cobertura vegetal permanente = microclima (temperatura, pH e umidade do solo): proteção e preservação da vida no solo e infiltração da água da chuva

Implantação e manejo do sistema (poda) proporciona cobertura vegetal permanente = microclima = proteção e preservação da vida no solo e infiltração da água da chuva

Solo vivo = decomposição da matéria orgânica e disponibilização de nutrientes

Solo vivo = decomposição da matéria orgânica e disponibilização de nutrientes

Autossuficiência energética

Recuperação dos solos de SAFs/AS = redução/eliminação da necessidade de insumos externos; autossuficiência energética

Controle da erosão e assoreamento Controle da erosão e assoreamento A busca pela sustentabilidade

Marques et al. (2003) escrevem que as diversas definições de sustentabilidade contemplam os aspectos ecológico, econômico e social. Do ponto de vista ecológico, a utilização do ecossistema deve preservar suas características fundamentais; do econômico, a proposta deve contemplar rentabilidade estável; e do ponto de vista social, os valores culturais e éticos devem ser valorizados.

Os autores destacam que o fator que entrava o desenvolvimento sustentável efetivo é a prevalência da lógica de mercado, fruto de uma sociedade consumista, contrastando com os limites de suporte da natureza (MARQUES et al., 2003).

Odum (2011) correlaciona o conceito de sustentabilidade ao conceito de capacidade de suporte10. Goodland (1995, apud ODUM, 2011) definiu sustentabilidade como sendo a manutenção do capital natural, que, por sua vez, é definido como o conjunto de benefícios fornecidos às sociedades humanas pelos ecossistemas da Terra, essenciais à sobrevivência humana e à dos demais seres vivos.

Apesar de tanto se falar em desenvolvimento sustentável, em termos práticos pouco se tem evoluído: a população humana segue em crescimento, o consumo (por parte

10 Capacidade no sentido de sustentação da vida proporcionada por um determinado habitat

daqueles que gozam de situação financeira minimamente razoável) tende a aumentar, vigora o analfabetismo ambiental, predomina a desigualdade social, a degradação ambiental só aumenta e a qualidade de vida da humanidade decai, predominando o estresse nas civilizações (DIAS, 2002).

Para Zamberlam e Froncheti (2012), predominam atualmente no planeta sociedades enfermas, que produzem precária qualidade de vida para os próprios seres humanos, bem como para os demais seres vivos. Somente no século XX, morreram cerca de 200 milhões de pessoas em guerras e campos de concentração, além da grande degeneração da base de recursos naturais não renováveis.

Boff (1999) aborda o tema sustentabilidade e defende a necessidade de mudança do paradigma de desenvolvimento adotado pela humanidade: Sustentável é a sociedade ou o planeta que produz o suficiente para si e para os seres dos ecossistemas onde se situa; que toma da natureza somente o que ela pode repor; que mostra um sentido de solidariedade generacional ao preservar para as sociedades futuras os recursos naturais de que elas precisarão.

Para tanto, segue o autor, faz-se necessária a remodelação do paradigma civilizacional do

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planeta Terra. O modelo “Estado-nação” deve migrar para a “Pátria-Mátria”, nossa casa comum, onde a espécie Homo sapiens formará uma única sociedade, com uma única história, na consciência de um mesmo destino, a partir de uma mesma origem (BOFF, 1999).

O grau de desconexão que permeia o ser humano e suas relações atingiu tal ponto que a busca pela felicidade e o bem-estar teve de ser institucionalizada e incluída no rol das abordagens holísticas de desenvolvimento. Aprovada pela Assembleia Geral da ONU, de 16 de janeiro de 2013, a resolução Happiness: towards a holistic approach to development aponta o seguinte11: Consciente de que a busca da felicidade é um objetivo humano fundamental, reconheceu-se que o indicador Produto Interno Bruto (PIB) não foi projetado e não reflete adequadamente a felicidade e bem-estar das pessoas. Por conseguinte, a Assembleia convidou os Estados-Membros a proceder a elaboração de medidas adicionais que melhoram a importância da busca da felicidade e do bem-estar no desenvolvimento, com o objetivo de guiar seus políticas publicas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2013). As abordagens modelo-floresta e a busca pela vida em harmonia

Nos últimos anos, estudos relacionados aos benefícios do contato da espécie homem com a natureza têm ganhado importância no meio acadêmico. Song, Ikei e Miyazaki (2016) expõem que a espécie humana evoluiu ao longo de 6 a 7 milhões de anos e que passou 99,99% desse tempo vivendo em ambientes naturais.

Os autores defendem que nossos corpos são melhores adaptados aos ambientes naturais e que a urbanização e a artificialização dos espaços contribuem para o atual estado de estresse das pessoas. Nesse sentido, a terapia da natureza, através da exposição a estímulos naturais como florestas, espaços verdes urbanos, plantas e outros materiais naturais podem proporcionar relaxamento e consequente melhoria da saúde.

Diversas outras pesquisas e abordagens discorrem sobre o distanciamento e a desconexão do homem com a natureza. O biólogo e filósofo da natureza Rupert Sheldrake (1997) afirma que a humanidade vive hoje num mundo dessacralizado, dominado por avanços da ciência, onde valores simbólicos e religiosos tradicionais foram substituídos por valores monetários.

O autor defende que persiste, entretanto, no íntimo de cada ser humano um vago sentimento da sacralidade da natureza, que pode ser vivenciado com maior intensidade na solidão do mundo particular e não-oficial12 de cada um. Tal mundo 11 Tradução livre. 12 Para Sheldrake, o mundo oficial é o mundo do trabalho, dos negócios e da política, onde as pessoas desempenham seus papéis frente à sociedade; é sujeito à abordagem mecanicista e todos os seres humanos são influenciados por ele. Em con-trapartida, o mundo não-oficial é o mundo vivo, onde a natureza

vivo se manifesta por vezes através de uma ligação emocional com determinados lugares, ou através de relações com animais ou plantas, ou ainda na forma de um sentimento místico de unidade com o mundo natural; é também, muitas vezes, refletido em poemas, canções e obras de arte.

Sheldrake (1997) aponta, portanto, a premente necessidade do ser humano se reconectar à natureza – um religare13.

Viver em mais harmonia com o mundo natural pode não somente salvar o planeta da destruição, mas também melhorar a saúde mental e o grau de felicidade e realização da espécie humana. É o que afirma também a nova ciência da Ecopsicologia, ao defender uma profunda conexão entre a psique humana e Gaia (ROSZAK, 1995): Seu objetivo (da Ecopsicologia) é superar o histórico e persistente abismo entre o psicológico e o ecológico, para ver as necessidades do planeta e as da pessoa como um continuum [...] de uma certa forma, nesse mútuo tecer da ciência, psiquiatria, poesia e política, as prioridades ecológicas do planeta passam a ser expressas por meio do mais privado trabalho espiritual. O grito da Terra por ajuda contra o peso punitivo do sistema industrial que nós criamos é o nosso próprio grito por uma vida em escala e qualidade que liberte a cada um para tornarmo-nos a pessoa completa que, sabemos, nascemos para ser (ROSZAK, 2017).

Diante do contexto exposto, cabe a reflexão se várias histórias de sucesso e depoimentos de praticantes de agrofloresta mundo afora (citados a seguir) não seriam indicadores de alcance do mencionado processo de religare. Há que se ressaltar, para fins de avaliação, que diversas são as escalas de necessidades do ser humano, variando desde aquelas relacionadas à sua fisiologia e sobrevivência, até as ditas mais nobres, como a felicidade, o bem-estar e a autorrealização.

Goudel (2008), por exemplo, transcreve depoimentos de agricultores da Associação de Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo/SP (Cooperafloresta), que relatam melhoras em diversos aspectos de suas vidas: Ah! Melhorou muito! Antes a gente tinha arroz e feijão e uma saladinha ou outra, agora é muita fruta, é muita comida. Que nem lá em casa agora, olha a quantidade de coisa que tem lá pra fazer!

é mais fortemente identificada com a zona rural e com regiões selvagens e intactas. 13 Termo em latim que significa religação, reunião, no sentido de reconexão com suposta força suprema de vida.

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É mais trabalho sim, limpa e poda direto, planta sempre, não tem mês que não tem serviço, se quer ter uma área boa tem que ter serviço direto, plantar um caroço de fruta, plantar mudas, fazer saquinho de mudas com as sementes, tem que ser assim (...) Mas é melhor, porque ta vendo a plantinha crescer e todo mês tira o sustento... e a sombra também porque a gente não aguenta sol direto, na agrofloresta a gente tem onde se esconder. Antes eu não sabia que ciscos (tocos de madeira) era adubo e quando eu trabalhava nas roça grande de milho eu queimava tudo, imagina! Agora eu não faço isso de jeito nenhum! A natureza pode ajudar a gente (...) a poda melhorou muito a terra e sem gastar tanto como seria comprando adubo (...) essa era uma terra dura... agora olha só! Quando a terra é boa tem esse cheiro forte. Eu não to destruindo como quando trabalhava pra fazendeiro, to cuidando do que é meu, plantando pra mim e protegendo a minha terra pro meu futuro e pro futuro dos meus filhos, pra gente sempre ter o que colher, sempre te água pra beber, do jeito que tava isso aqui, a terra ia secar toda a água, a gente ia ta sem água. (...) os bichos que nós não tínhamos e agora temo! É tucano, quati, tatu, uru, um monte de pássaro... Aumentou muito a quantidade de pássaro aqui em casa, os sem-açú e os tucanos vem aqui no inverno (que tem pouca fruta) e come tudo as sementes da roça. Tem área minha que a água voltou, antes era tudo seco e agora já aparece olho d’água (...) se precisar a gente abre uma clareira na capoeira, uma clareira pra plantar arroz, feijão, uma roçinha, mas, eu tenho área pra ainda começar e as áreas que ainda tão grandes, com floresta, deixa pra natureza, pros pássaros, pra água, e nesses lugares ainda dá pra colher juçara, as sementes dela, umas frutas.

O World Agroforestry Centre14, em uma de suas publicações que relatam histórias de sucesso de sistemas agroflorestais no mundo, expõe que até pouco tempo atrás a Nigéria era manchete de jornais apenas por motivos degradantes. O país é considerado um dos lugares mais pobres do mundo, com baixa expectativa de vida, alta mortalidade infantil, acometido por severas secas e precária produção alimentar (PYE-SMITH, 2013).

Ali Miko, um agricultor da região de Dan Saga, na Nigéria, comemora as mudanças conquistadas decorrentes da prática da agrofloresta:

14 Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (ICRAF), en-tidade que atua junto a pequenos produtores rurais do terceiro mundo, orientando-os no sentido de aumentar a utilização de

Esta prática mudou totalmente nosso modo de viver. (...) as famílias têm mais madeira para vender; as mulheres gastam menos tempo buscando conseguir lenha; há mais forragem para o gado; as rendas familiares aumentaram. Trinta anos atrás havia muito poucos carros na aldeia; agora, quase todas as famílias podem comprar um automóvel (PYE-SMITH, 2013).

Nos últimos 20 anos, agricultores das regiões de Maradi e Zinder, ao sul do Deserto do Sahara, na Nigéria, têm sido responsáveis pela recuperação de aproximadamente 5 milhões de ha de terras agrícolas degradadas (PYE-SMITH, 2013). Ao potencializar a regeneração de árvores e arbustos, dezenas de milhares de famílias têm ajudado a restaurar o meio ambiente e melhorar seu próprio bem-estar (Figuras 4 e 5).

Figuras 4 e 5. Melhoria na qualidade de vida de agricultoras Nigerianas Fonte: World Agroforestry

árvores em agroecossistemas, visando melhorar a segurança alimentar, a nutrição, a renda, a saúde, a coesão social, os re-cursos energéticos e a sustentabilidade ambiental.

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Center (2013) Ao que tudo indica, a humanidade está

tomando consciência da importância desse processo de reconexão à natureza, como se estivesse buscando retornar, como qualquer outra espécie, ao convívio harmônico com os outros seres. Nesse sentido, há que se considerar a hipótese de que diversos agricultores praticantes de SAFs ou AS, em diferentes partes do mundo, estejam instintivamente buscando tal reconexão, ao optarem pelos sistemas de uso da terra que se inspiram nas florestas.

Considerações finais

É notório o contexto de crise generalizada por que passa a espécie humana, que abrange aspectos sociais, econômicos, ambientais, culturais, políticos e éticos. Predomina a escassez de alimentos, de água e ar de qualidade; de saúde, bem-estar e qualidade de vida em geral; e especialmente de solidariedade.

A temática a que se refere a ciência da Agronomia, conforme exposto, ultrapassa os limites do meio rural e dos conhecimentos técnico-científicos relacionados ao cultivo da terra.

A efetiva sustentabilidade, portanto, abrange também os campos da psicologia e da ecologia, contemplando aspectos fundamentados na ética e na solidariedade. A emergência da complexa ciência da Agroecologia nos mostra isso, como uma tendência irrefutável.

Mudanças na agricultura implicam em mudanças na cultura do ser humano: no jeito de ser, de se relacionar com o próximo e com a natureza, nos arranjos sociais, nos valores. Conforme afirmado por Götsch (1995), “para conseguirmos isso, é preciso que haja em nós mesmos uma mudança fundamental na nossa compreensão de vida”.

Aparentemente, a inteligência da natureza tem mostrado que o Homo sapiens deve adotar postura humilde e resgatar sua função original no funcionamento do macroecossistema Terra: colocar-se a serviço dos processos de geração de vida, restabelecendo a harmonia consigo mesmo, com o próximo e com o meio ambiente – um religare.

A proposta das abordagens modelo-floresta vai além de questões técnico-científicas ao substituir, de forma sutil, gradual e pacífica, o modelo vigente - grande parte baseado meramente em consumo e interesses materialistas - pelo da ética, do cuidado e do amor incondicional. Experiências apontam que tais abordagens contemplam as necessidades básicas dos seres humanos, em termos de materiais e energia, associados ao resgate dos serviços ambientais, essenciais ao bem-estar da humanidade.

Tamanha mudança nos arranjos sociais, culturais, econômicos e filosóficos vigentes, rumo à sustentabilidade efetiva, requer o envolvimento de toda a humanidade.

Em realidade, resultados apontados neste

estudo sinalizam no sentido de que as mudanças já estão acontecendo. Depoimentos sobre vidas e ambientes transformados e sorrisos em rostos, onde antes figurava a tristeza e a miséria, corroboram nesse sentido.

Diversos são os indicativos de que os camponeses envolvidos e praticantes da agricultura da paz estão, de fato, experimentando o prazer interno a que se refere Ernst Götsch. Considerando que o prazer potencializa o querer, supõe-se que haja força motriz suficiente para quaisquer mudanças em direção à sustentabilidade efetiva, visto que reside dentro de cada ser humano um desejo pelo resgate de uma vida com mais paz, saúde e amor.

Por fim, cabe levantar a possibilidade de que agricultores de diversas partes do planeta estejam de fato sendo guiados por instintos de sobrevivência e perpetuação da espécie humana. Tal movimento poderia significar a reconstrução de um mundo melhor, onde predomina a suficiência de recursos, alimentos e paz para todos, metaforicamente ilustrado pelo Jardim do Éden.

Agradecimentos

A Deus e a todos os seres que sustentam as Forças de Vida.

Ao Prof. Thiago Leite, por ter me mostrado, com paciência, dedicação, profissionalismo e competência no tema, o caminho da pesquisa científica.

A todos os agrofloresteiros do planeta, especialmente os mais próximos e com os quais tive contato: Rômulo Araújo, Felipe Pasini e Daiane, da Agenda Götsch.

Aos também agrofloresteiros André Zanela e Marcelino Barberato e Abadia, pelos ensinamentos e especialmente pela amizade e contagiante energia de vida, advinda da conexão maior que todos buscamos.

A Fabiana Peneireiro, pelas contribuições pontuais, pelos ensinamentos nos mutirões que participei, e especialmente pela coragem de abraçar tão nobre missão de vida, disseminando humildade, paz e simplicidade.

A David S. McKenzie (in memorian), por uma semente em mim plantada, há 33 anos.

Manifesto minha profunda gratidão a meus pais, meus filhos e sua mãe, irmãos e demais familiares e amigos: pelo amor incondicional, força, confiança, apoio e compreensão. Referências 1. ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. 2. AQUINO, A. M. D.; ASSIS, R. L. D. Agroecologia: princípios e técnicas para uma agricultura orgânica sustentável. Brasília-DF: Embrapa, 2005. 3. ASSOCIAÇÃO O ECO. O Eco. Esforço internacional mapeia desmatamento no mundo , 19 Novembro 2013. Disponivel em:

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