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0 JULIANA DIONISIO VASCONCELLOS A TUTELA DO DIREITO À SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO PORTO ALEGRE 2011

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JULIANA DIONISIO VASCONCELLOS

A TUTELA DO DIREITO À SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO

PORTO ALEGRE

2011

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JULIANA DIONISIO VASCONCELLOS

A TUTELA DO DIREITO À SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Me. Ana Paula Avila

PORTO ALEGRE

2011

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JULIANA DIONISIO VASCONCELLOS

A TUTELA DO DIREITO À SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO

Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, pela banca examinadora constituída por:

_________________________________________Nome do(a) Professor(a): Me. Ana Paula Avila

_________________________________Nome do(a) Professor(a)

_________________________________Nome do(a) Professor(a)

Porto Alegre 2011

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RESUMO

Versa o presente trabalho sobre a judicialização do direito fundamental à

saúde, abordando-se os complexos temas e obstáculos que permeiam a matéria.

A consciência dos custos necessários à disponibilização dos serviços de

saúde, considerados os medicamentos e os tratamentos indispensáveis à

preservação da vida, demanda cautela do Poder Judiciário, imbuído da função

precípua de aplicação justa da lei.

Daí que necessário lançar mão dos instrumentos definidos na própria ordem

jurídica pátria, utilizando-se do princípio da proporcionalidade como verdadeiro

instrumento de solução de conflitos.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Ativismo judicial. Judicialização,

Constituição Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................5

2 DIREITO SOCIAL À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ....................... 8

3 O PAPEL DO JUDICIÁRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........ 15

3.1 FUNDAMENTO JURÍDICO – ARTIGO 5º, INCISO XXXV, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL .................................................................................. 18

3.2 POLITIZAÇÃO DOS JUÍZES ....................................................................... 21

3.3 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ....................................... 25

4 OS PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO MÍNIMO EXISTENCIAL

30

4.1 A INTROJEÇÃO DISTORCIDA DA DOUTRINA ALEMÃ NO DIREITO

PÁTRIO ................................................................................................................. 31

4.2 MÍNIMO EXISTENCIAL: NÍVEL ESSENCIAL ............................................... 33

4.3 A PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE .................................................................... 37

4.4 PROTEÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E PROIBIÇÃO DO

RETROCESSO ...................................................................................................... 42

4.5 PONDERAÇÃO DE DIREITOS EM FACE DO DIREITO À SAÚDE: RESERVA

DO POSSÍVEL, IGUALDADE E SEPARAÇÃO DOS PODERES ........................... 44

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 48

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1 INTRODUÇÃO

É notória a recalcitrância impingida pelo Estado – aqui empregado em seu

sentido amplo, consideradas, portanto, todas as suas esferas de governo (União,

Estados e Municípios) - em atender às necessidades relativas à saúde dos cidadãos

que, carecedores de meios econômicos próprios, dependem do Sistema Único de

Saúde. Nessa senda, o crescente número de demandas que reclamam assistência

do Estado afirma a negligência na esfera administrativa e a deficiente aplicação de

recursos.

Nesse contexto, a escolha, e consequente delimitação da temática, se

justificam diante do liame intrínseco que o direito social à saúde possui com a

própria vida, e, assim sendo, exige maior cautela e abrangência da atuação

jurisdicional, bem como, conforme se sustentará adiante, fará com que esse direito

fundamental prevaleça quando em conflito com princípios da ordem constitucional.

É importante consignar que não é objeto deste estudo o controle judicial das

políticas públicas de saúde, seja mediante controle de constitucionalidade da lei

orçamentária, seja por participação do Judiciário nas deliberações acerca da

matéria. A temática, aqui, é limitada à judicialização do direito social fundamental à

saúde, cuja efetivação pela via judicial, pretende-se demonstrar, justifica a própria

existência do Poder Judiciário, e, mais além, atinge o fim de um Estado Democrático

de Direito.

Admitir o direito à saúde como direito fundamental reflete o respeito à vida

dos cidadãos, porquanto a existência é intimamente dependente deste, sendo dever

do Estado assegurar a disponibilização ampla e célere dos meios necessários ao

seu gozo.

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O Brasil, como signatário do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, compromete-se a expender esforços tendentes à ampla

disponibilização dos serviços de saúde, de modo que alcancem a todos os

indivíduos que, sozinhos, seriam incapazes de atingir o nível mínimo de saúde

necessário à existência digna, bem assim que o sistema de saúde vigente seja

capaz de atender às demandas em suas peculiaridades, livre de preconceitos e

atento às minorias.

No entanto, por não serem ilimitados os recursos financeiros disponíveis, do

governo espera-se escolhas sérias, no sentido de ampla efetivação desse direito

fundamental. Diante do fracasso, a própria ordem jurídica prevê instrumentos

corretivos, de forma que a demanda encontra abrigo na atividade precípua do Poder

Judiciário, do qual é esperada a aplicação da lei comprometida com a justiça, e com

os fins sociais do próprio direito.

Frente a todo esse contexto, são diversas as posições que podem ser

tomadas, pretendendo se demonstrar que a prevalência do direito fundamental à

saúde, corolário do direito supremo à vida, em detrimento dos argumentos que se

possa formular para barrar a sua efetivação, encontra guarida na ordem

constitucional, sendo o Poder Judiciário protagonista nesta causa.

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2 DIREITO SOCIAL À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A classificação do direito social à saúde como direito fundamental encontra

relevância na disciplina a estes dedicada pela Constituição Federal, a exemplo da

aplicabilidade imediata imposta pelo §2º, do artigo 5º, e da vedação material de

emendas constitucionais tendentes a abolir o conteúdo dos direitos fundamentais

(artigo 60, §4º).

2.1 POSITIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

É necessário definir, primeiramente, quais são os direitos sociais; essa tarefa

foi suprida pelo artigo 6º da Constituição Federal, que os elenca: educação,

saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.1 Por sua

própria natureza, verifica-se que, muito mais que direitos subjetivos do indivíduo, são

direitos que, para serem alcançados, necessitam não só da proteção do Estado,

mas sim de prestações positivas do próprio Estado, as chamadas políticas públicas.

Conforme Andreas Krell, “Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra

o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas

prestações materiais.” (KRELL, 2002, p.19).

Nessa mesma linha de raciocínio é a lição de Ingo Wolfgang Sarlet:

Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não-intervenção na esfera de liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e

1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 17 mai.2011. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos.2

Ainda, a lição de Gilmar Ferreira Mendes:

A moderna dogmática dos direitos fundamentais discute a possibilidade de o Estado vir a ser obrigado a criar os pressupostos fáticos necessários ao exercício efetivo dos direitos constitucionalmente assegurados e sobre a possibilidade de eventual titular do direito dispor de pretensão a prestações por parte do Estado.3

Assim, para além da prestação negativa do Estado – a abstenção de

condutas que atentem ou ameacem os direitos individuais – os direitos sociais

exigem uma prestação positiva deste mesmo Estado, o que equivale dizer, somente

através do Estado é que são realizados. O que se busca é a construção de uma

sociedade mais equilibrada, reduzindo-se as diferenças sociais da população

brasileira,4 “a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes”.5 Daí porque

Daniel Sarmento assume a ideia de dupla dimensão dos direitos fundamentais. Diz:

Fala-se, assim, de uma dupla dimensão dos direitos fundamentais, porque estes constituem, simultaneamente, fonte de direitos subjetivos que podem ser reclamados em juízo e as bases fundamentais da ordem jurídica, que se expandem para todo o direito positivo.6

2.2 APLICABILIDADE IMEDIATA DO À SAÚDE

Em que pese o direito à saúde encontrar-se no rol dos direitos sociais, e não

integrar a redação do artigo 5º, este destinado aos direitos fundamentais individuais,

2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p.184-185.

3 MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual. Brasília. vol.2. n.13. jun, 1999. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_14/direitos_fund.htm>. Acesso em 17 mai 2011.

4 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p.34.

No mesmo sentido, BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.101. “Com eles surgem para o Estado certos deveres de prestações positivas, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material.”

5 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2005. p. 25 .

6 SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais / coord. José Adércio Leite Sampaio. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 254.

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a sua classificação como tal (direito fundamental), tem toda uma implicação prática.

Isso porque o §1º do já referido artigo 5º, determina que os direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata.7 Ainda que não constantes no rol dos direitos

fundamentais individuais, vale lembrar que os direitos sociais elencados no art. 6º

integram o título dos direitos e garantias fundamentais no texto constitucional, donde

se conclui a intenção do legislador constituinte de conferir maior exigibilidade aos

referidos direitos. Fabiana Okchstein Kelbert assim defende:

Dessa forma, negar aos direitos sociais a blindagem oferecida pela norma constitucional em comento significaria voltar as costas às novas perspectivas veiculadas pela proteção reforçada de todos os direitos fundamentais.8

Considerar o direito à saúde como direito fundamental significa, em última

análise, a consecução do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de

elevar a dignidade da pessoa humana como fim primeiro em todas as esferas de

poder, merecendo proteção do indivíduo ante aos demais indivíduos e ao próprio

Estado.

Na prática, a inclusão do direito social como direito fundamental, termina por

afastar a barreira à sua efetivação ao argumento de que as normas definidoras dos

direitos sociais são normas programáticas – entendidas como normas de diretrizes

às políticas de governo, as políticas públicas - e, portanto, de eficácia limitada,

sendo necessária a edição de leis infraconstitucionais que estabeleçam como se

dará essa prestação material, e a conseqüente destinação de recursos públicos aos

fins definidos. Utiliza-se do conceito dado por Flávia Piovesan, apontado por

Fabiana Okchstein Kelbert (apud KELBERT, 2011, p.43.):

Como se sabe, as normas constitucionais programáticas são normas que veiculam programas constitucionais de atuação dos poderes públicos, programas a serem desenvolvidos mediante providências integrativas da vontade do constituinte, visando a consecução dos fins sociais do Estado. Situam-se, as normas programáticas, como verdadeiras normas de “justiça social”.9

7 BRASIL, Constituição Federal, 1988. “Art. 5º, §1º As normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata.” 8 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no

direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p.38. 9 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no

direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.p. 43

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José Afonso da Silva afirma que as normas programáticas dependem de

atividade legislativa futura, como se vê:

Como normas de eficácia limitada, sua aplicação plena, relativamente aos interesses essenciais que exprimem os princípios genéricos e esquemáticos, depende da emissão de uma normatividade futura, em que o legislador ordinário, integrando-lhe a eficácia, mediante lei ordinária (a Constituição vigente, pelo menos nesse aspecto, foi sábia em não exigir a integração por meio de lei complementar, sem sentido próprio), lhes dê capacidade de execução em termos de regulamentação daqueles interesses visados.10

Embora, pela sua própria essência, as normas programáticas necessitem da

atuação do Poder Público, no sentido de editar as leis necessárias à consecução

dos fins naquelas prescritos, ou ainda de pautar a função executiva de acordo com

as diretrizes dadas pelas mesmas, portanto uma dimensão positiva, ou seja um

fazer, defende Luis Roberto Barroso que “indiretamente, como efeito, por assim

dizer, atípico, elas invalidam determinados comportamentos que lhe sejam

antagônicos” 11. Portanto, ainda aquelas normas que não definem direitos, mas

dirigem-se aos órgãos estatais e exigem a sua conduta, guardam a imposição

negativa (não fazer) de não contrariá-los.

Não se pode qualificar, portanto, os direitos sociais como meras normas

programáticas, porquanto a sua aplicabilidade estaria condicionada à existência de

legislação ordinária. O indivíduo - e os direitos sociais, embora coletivos, amparam o

ser humano, individualmente considerado12 -, diante da ineficiência das políticas

10 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. 2ª tir. São Paulo:

Malheiros, 2008, p.164. 11 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e

possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.121. 12 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no

direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.p. 34-35. Em sentido contrário, afirma Luiz Fernando Barzotto que o direito à saúde é um direito “a um justo subjetivo”, entendido de forma coletiva; um bem comum que não pode ser relativizado em prol de um só indivíduo (BARZOTTO, 2006). O autor defende que “pensar que o direito à saúde deve ser determinado do ponto de vista do indivíduo isolado é pensá-lo como uma mônada, é retornar ao modelo liberal de estado de natureza, onde os direitos do indivíduo são determinados à margem da vida social” (BARZOTTO, Luiz Fernando. Os Direitos Humanos como Direitos Subjetivos – da dogmática jurídica à ética: jurisdição e direitos fundamentais - AJURIS coord. Ingo Wolfgang Sarlet. – Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura: Livraria do Advogado, v.1, t.1, 2006.) Ora, não se pode concordar com tal posicionamento porquanto a coletividade é composta por indivíduos e, assim sendo, se não há indivíduos não há coletividade. Logo, se um só indivíduo está deficiente em seu direito à saúde, logo o quociente de saúde da coletividade também está afetado.

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públicas, sob a disciplina das normas programáticas, teria que valer-se do mandado

de injunção, ou da ação de inconstitucionalidade por omissão para a persecução da

efetividade do direito social à saúde. As normas definidoras de direitos sociais teriam

esvaziada a sua efetividade, seriam quase vazias de conteúdo, porquanto a

disposição constitucional destinar-se-ia ao próprio Poder Público, como diretriz para

a instituição de implementação de políticas de governo, ao invés de ser um

instrumento de proteção do indivíduo, reclamado ao Estado. Nessa senda, expõe

Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2003, p.104-105):

[...] as normas constitucionais definidoras de direitos enquadram-se no esquema conceitual retratado acima, a saber: dever jurídico, violabilidade, e pretensão. Delas resultam, portanto, para os seus beneficiários – os titulares do direito – situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, a serem materializadas em prestações positivas ou negativas.13

Não se discute – muito pelo contrário, se afirma – que os direitos sociais são

efetivados mediante a atuação estatal; no entanto, ao considerar os direitos sociais

como normas programáticas se está afastando a atuação jurisdicional quando as

prestações do Estado não alcançarem todos os indivíduos e, mais do que isso,

forem dispensadas de maneira deficiente. Isso porque a definição e organização das

políticas públicas é encargo do Poder Executivo, a partir dos critérios de

oportunidade e conveniência, e ao Poder Judiciário não é dado analisar os critérios

adotados pelo governo, sob pena de ingerência na esfera daquele Poder.14

Por outro lado, enquanto direitos fundamentais, a norma insculpida no

parágrafo primeiro do artigo 5º, assegura o acesso à Justiça e, mais do que isso,

garante a sua proteção e efetivação. Conforme Fabiana Okchstein, “o não

reconhecimento da aplicabilidade imediata dos direitos sociais configuraria um

retrocesso enorme em relação às duras e lentas conquista nessa seara”.15

13 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e

possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 14 Nesse sentido, Luis Roberto Barroso: “[...] dependendo a realização do comando constitucional de

uma atividade estatal, a ser desenvolvida segundo critérios de conveniência e oportunidade, a discricionariedade de tal competência exclui a intervenção judicial para sua concreção efetiva. (BARROSO, op. cit., p.121).

15 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p.48.

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Filia-se ao entendimento de que o direito social à saúde insculpido no artigo

6º da Constituição Federal (também os demais contidos naquele dispositivo) possui

a qualidade de direito fundamental, e, portanto, faz jus à disciplina constitucional a

estes deferida, diferentemente do artigo 196, cujo conteúdo programático é evidente.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (CF, 1988, art. 196.)

Quais são essas políticas sociais e econômicas referidas no dispositivo recém

aludido? A complementação da norma constitucional se dará pela legislação

ordinária, cumprindo a sua qualidade de norma programática. E, ainda que assim o

seja, não serve de sustentáculo legal à inércia do Poder Público, conforme apontado

pelo Ministro Celso de Mello, em decisão proferida no Agravo Regimental em

Recurso Extraordinário nº 393175:

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.16

Conferir aos direitos e garantias fundamentais aplicabilidade imediata, tal qual

o faz o art. 5, §1º, implica reconhecer que a eficácia dessas normas independe de

qualquer disposição adicional. José Afonso da Silva reproduz trecho escrito por Ruy

Barbosa em sua obra, no qual afirma que ‘é supérfluo o auxílio supletivo da lei, para

exprimir tudo o que intenta, e realizar tudo o que exprime’ (apud SILVA, 2007).17 No

mesmo sentido, é a lição de Andreas Krell:

16 BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma. AGRRE 393175-RS. Relator: Min. Celso de

Mello. Julgamento em 12/12/2006, DJ 02-02.2007. disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402582>. Acesso em 17 mai.2011.

17 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008.

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Esse dispositivo [o §1º do artigo 5º, CF 1988] serve para salientar o caráter preceptivo e não programático dessas normas, deixando claro que os Direitos Fundamentais podem ser imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficiência de lei. O seu conteúdo não precisa ser necessariamente concretizado por uma lei; [...] a sua regulamentação legislativa, quando houver, nada acrescentará de essencial: apenas pode ser útil (ou, porventura, necessária) pela certeza e segurança que criar quanto às condições de exercício dos direitos ou quanto à delimitação frente a outros direitos.18

O direito à saúde, reforçando linha de raciocínio já expendida, é corolário do

próprio direito à vida, porquanto, ao não se preservar a saúde de um indivíduo,

indiretamente está se atentando contra a sua vida, vez que somente através da

efetivação do direito a saúde é que se tem a efetivação integral do direito à vida. É

essa a lógica do argumento de Henry Shue, conforme exposta por Maria Clara Dias

(DIAS, 2004, p.93-93):19 Só se tem o direito à vida digna, se preservado o direito

social (básico, na concepção de Shue) à saúde. Faz-se tal consideração com o

objetivo de demonstrar que, atribuindo-se ao direito social à saúde o caráter de

norma programática, automaticamente está-se esvaziando o conteúdo do direito

fundamental à vida, porquanto somente através daquele é que este último será

garantido. Nessa senda é que se defende que os direitos sociais do artigo 6º, da

Constituição Federal, têm de gozar da aplicabilidade imediata definida no artigo 5º,

§1º da Carta Política, como direitos fundamentais que são.

18 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os

descaminhos de um direito constitucional “comparado). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p.37-38.

19 DIAS, Maria Clara. Os direitos sociais básicos: uma investigação filosófica da questão dos direitos humanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

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3 O PAPEL DO JUDICIÁRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

3.1 ATIVIDADE TÍPICA DA JURISDIÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO: concretização dos direitos previstos na ordem jurídica

Qualquer Estado Democrático de Direito, para ser considerado como tal, tem

que ter em sua estrutura um Poder Judiciário firme e desvinculado de qualquer outro

Poder, de modo a garantir a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico ao

caso concreto, dando-se a máxima eficácia possível às garantias individuais, com a

cautela de não invadir a esfera dos demais Poderes.

O Poder Judiciário tem por fim precípuo, e sob a ótica trabalhada neste

estudo, litígios que envolvem o indivíduo e o Estado - diferentemente das demandas

entre particulares - suprimir as omissões originadas de quaisquer dos outros

Poderes, sem, contudo, imiscuir-se nas decisões discricionárias do Poder Executivo

- uma vez que sua atuação é pautada a partir de critérios de conveniência e

oportunidade, e, conforme já mencionado no item antecedente, ao Judiciário não é

dado analisar as decisões administrativas nesse sentido, somente quando

representativas de abuso de poder ou ilegalidade.

Vale referir que não é objeto do presente trabalho a (im)possibilidade de

controle judicial das políticas públicas implementadas pelo Poder Executivo;20 o que

20 Sobre o tema, BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São

Paulo: Saraiva, 2002. p.274-275: Referindo-se à decisão do TJSP, 4ª Câm. Cível, j. 29-10-1992, rel. Vianna Cotrim: “Se, per absurdum, convalidássemos a insólita fiscalização dos atos da Administração Pública pelo Judiciário, sem ressaibo de dúvida teríamos implantado o caos. Este último assumiria um desconcertante monismo funcional, como instância não de reparação das mazelas administrativas, mas órgão reitor de toda a dinâmica executiva.” Sob outra ótica, SARLET: “Outra possibilidade, já referida, diz com o controle (que abrange o dever de aperfeiçoamento, resultante dos deveres de proteção) judicial das opções orçamentárias e da legislação relativa aos gastos públicos em geral (inclusive da que dispõe sobre a responsabilidade fiscal), já que com isso se poderá, também, minimizar os efeitos da reserva do possível, notadamente no que diz com sua componente jurídica, tendo em conta a possibilidade (ainda que manuseada com saudável e necessária cautela) de redirecionar recursos (ou mesmo suplementá-los) no âmbito dos recursos disponíveis e, importa frisar, disponibilizáveis. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos

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se pretende demonstrar é que as decisões judiciais em matéria de direito social

(fundamental) à saúde representam a materialização da função típica de fazer valer

a lei no caso concreto da qual é imbuído o Poder Judiciário. A propósito, não se

pode perder de vista que, em um Estado Democrático de Direito, o controle da

in(eficiência) das políticas de governo passa pelo crivo da população, que elege os

seus representantes para que façam valer as suas vontades, tanto na esfera do

Poder Executivo, quanto na esfera do Poder Legislativo. Sendo assim, uma

população despreparada, sem acesso às condições mínimas de existência digna,

como saúde e educação, não só não possui senso crítico em relação aos serviços

que são dispensados pelo Estado, como também não detém condições intelectuais

de pautar as suas escolhas eleitorais. Nessa linha de raciocínio, expõe Ana Paula de

Barcellos:

Sem o respeito a um conjunto básico de direitos fundamentais, os indivíduos simplesmente não têm condições de exercer sua liberdade, de participar conscientemente do processo político democrático e do diálogo no espaço público. Em outras palavras: o sistema de diálogo democrático não tem como funcionar adequadamente se os indivíduos não dispõem de condições básicas de existência digna.21

Ainda, sobre o tema, completa Dalmo de Abreu Dallari:

É indispensável que o direito formal à cidadania implique, concretamente, o poder da cidadania. Em outras palavras, não é suficiente dar ao povo o direito de eleger os governantes, através de eleições formalmente livres, mas viciadas pela interferência do poder econômico ou por distorções acarretadas pelo uso político-eleitoral dos recursos públicos. Essas práticas, que tiram a autenticidade dos processos formalmente democráticos, são comuns em sociedades em que muitos eleitores são pobres e com educação deficiente [como é o caso do Brasil], sendo, por isso, facilmente manipuláveis pela demagogia, pela corrupção no setor público e pelas pressões econômicas.22

fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 359).

21 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. N.3, 2006. p.26.

22 DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado de Direito e Direitos Fundamentais. Estado de direito e direitos fundamentais: homenagem ao jurista Mário Moacyr Porto / coord. Agassiz de Almeida Filho e Danielle da Rocha Cruz. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.22.

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O controle social, um dos mais importantes fundamentos do estado

democrático, em um País com alto grau de analfabetismo como é o Brasil23, bem

assim onde as pessoas estão alienadas no que diz respeito às questões políticas e

sociais, resta amplamente prejudicado. É então que a atividade jurisdicional serve de

sucedâneo ao exercício integral da cidadania; o direito surge como um verdadeiro

aplicador dos fins sociais a que se presta o próprio Direito.

Nesse sentido, Karl Larenz, citado por Elival da Silva Ramos (apud RAMOS,

2010, p.83-84), eleva a atividade jurisdicional a uma atualização casuística da lei,

muito além da mera positivação, com caráter mutante e flexível:

O juiz, de modo semelhante ao legislador, é de acordo com a sua própria ideia descobridor e ao mesmo tempo conformador do Direito, que ele traz sempre de novo para a realidade num processo interminável a partir da lei, com a lei e, caso necessário, também para além da lei. O Direito (realmente vivo, existente) é o resultado desse processo, no qual colaboram a ciência do direito e finalmente todos aqueles também que exprimem publicamente a sua opinião sobre questões jurídicas e contribuem assim de qualquer modo a definir a ‘consciência jurídica geral’. De uma maneira ou de outra, quer o juiz apenas ‘interprete’ a lei, quer a restrinja ou integre em conformidade com o sentido dela, quer abra lugar pela primeira vez a um ‘novo’ pensamento jurídico que ainda não encontrou expressão na lei – ou só uma muito incompleta -, é sempre a lei na verdade o ponto de partida das suas ponderações, mas ela só determina raras vezes a sua decisão. O que ele acrescenta, nomeadamente, a determinação última, o ‘afinamento’ dos elementos da previsão em vista deste caso concreto, ou ainda o cuidadoso preenchimento duma ‘lacuna da lei’, tudo isto não deixa intacta a lei, como ela ‘vigora’ realmente, mas antes vem determinar a maneira precisa como ela se torna eficaz como factor de ordem. Por este meio, a norma é como que de novo libertada da sua ‘abstracção’ inevitável e irrenunciável e possiblita-se enfim a sua função de regular relações ‘concretas’ da vida.24

Na mesma senda, expõe Sálvio de Figueiredo Teixeira (TEIXEIRA, 2005):

O Estado Democrático de Direito não se contenta mais com uma ação passiva. O Judiciário não mais é visto como mero Poder eqüidistante, mas como efetivo participante dos destinos da Nação e responsável pelo bem comum. Os direitos fundamentais sociais, ao contrário dos direitos fundamentais clássicos, exigem a atuação do Estado, proibindo-lhe a omissão. Essa nova postura repudia as normas constitucionais como meros preceitos programáticos, vendo-as sempre dotadas de eficácia em temas

23 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2009, verificou-se que o índice

de analfabetismo para as pessoas de 15 anos ou mais de idade foi de 9,7% , bem como o índice de analfabetismo funcional para essa mesma faixa etária foi de 20,3%. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1708. Acesso em 31 de maio de 2011.

24RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: Parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p.24

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como dignidade humana, redução das desigualdades sociais, erradicação da miséria e da marginalização [...].25

O juiz, na sociedade moderna, portanto, deve estar atento à realidade que o

cerca, ainda que o processo legislativo não acompanhe os anseios sociais – ou que

a própria população não detenha o integral exercício da cidadania. Não se sustenta,

sob hipótese alguma, o juiz inovador, aquele que atua para além do ordenamento

jurídico, porquanto a importantíssima atividade jurisdicional, ainda que diante de

uma situação legislativa insuficiente, incompleta para a solução da situação

concreta, deve estar sempre calcada nos princípios da ordem constitucional. Daí a

importância das garantias fundamentais, principalmente do fundamento da dignidade

da pessoa humana como instrumento de referência a qualquer atuação do Estado,

seja na função legislativa, executiva ou judiciária.

3.2 FUNDAMENTO JURÍDICO – ARTIGO 5º, INCISO XXXV, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Considerando-se então que o Poder Legislativo tem como função típica a

elaboração das leis, o Executivo, a definição e implementação das políticas de

governo, vinculadas à lei, mas complementada pela adoção de critérios de

conveniência e oportunidade, e ao Poder Judiciário cabe a aplicação do

ordenamento jurídico, bem como, diante de lacunas, a sua integração, como se

procede quando quaisquer desses Poderes falham no exercício das suas

atividades? Mais especificamente: as omissões do Poder Público que prejudicam o

indivíduo, atentam contra as suas garantias vitais como pessoa, por terem origem no

fracasso da implementação de políticas públicas efetivas e satisfatórias pelo governo

(local, regional ou nacional) impedem a atuação judicial?

Admitir-se resposta afirmativa é atentar contra a própria estrutura do estado

democrático de direito, calcado na separação harmônica dos Poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário. Compactuar com a noção de que, diante das falhas de

quaisquer dos Poderes, não há qualquer alternativa de socorro é esvaziar a

25TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O aprimoramento do processo civil como garantia da

cidadania. Estado de direito e direitos fundamentais: homenagem ao jurista Mário Moacyr Porto / coord. Agassiz de Almeida Filho e Danielle da Rocha Cruz. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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atividade do próprio Poder Judiciário, cuja função típica é a aplicação da lei. A

propósito, nem mesmo a lei é capaz de afastar a atuação jurisdicional quando

descobertos atos que atentam ou ameaçam o exercício de um direito.

É imperativo constitucional a atuação do Poder Judiciário: “a lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”26 é esse o

fundamento jurídico para a atuação plena e repressiva do Poder Judiciário quando é

levado a seu conhecimento o descumprimento ou indício de descumprimento futuro

do direito fundamental à saúde na esfera administrativa.

O Princípio da Universalidade da Jurisdição27 é a materialização do Estado

Democrático de Direito; constitui o instrumento pelo qual será assegurada a

independência entre os Poderes, garantindo atividade jurisdicional a quem dela

necessitar. O Judiciário, portanto, tem o dever de prestação jurisdicional quando

provocado.

Por ser princípio processual constitucionalmente instituído, e conforme já

referido, a atividade legiferante não pode afastar a prestação jurisdicional, numa

tentativa de evitar a análise da questão pelo Poder Judiciário. Esclarece Nelson Nery

Junior:

Embora o destinatário principal desta norma [artigo 5º, XXXV, CF] seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.28

É decorrência deste mesmo princípio a imposição aos magistrados que,

mesmo diante de omissão de lei – lacunas no ordenamento jurídico, devem proceder

a integração do direito, a partir da analogia, costumes e princípios gerais de direito,

para a solução no caso concreto, providência disposta no art. 4º, da Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro.29 Verifica-se, portanto, o poder-dever

26 BRASIL, Constituição Federal, 1988, art. 5º, XXXV. 27 Também denominado Princípio da Inafastablidade da Jurisdição ou simplesmente Direito de Ação. 28 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev., ampl.

e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 28. 29 BRASIL, Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de Setembro de 1942. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm> Acesso em: 20 nov. 2011.

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conferido pelo dispositivo constitucional ao Poder Judiciário, porquanto uma vez que

teve conhecimento de lesão ou ameaça de lesão a direito, não pode abster-se da

prestação jurisdicional. Nelson Nery Junior afirma, ainda, que não basta a mera

atuação jurisdicional, mas que a prestação deve ser adequada.30

O Estado (aqui em seu sentido amplo, compreendidos os Municípios,

Estados-membros e União) tem por costume contestar as demandas em que os

indivíduos postulam prestações na área da saúde, desde o fornecimento de

medicamentos até tratamentos para toxicômanos, alegando a carência de ação por

falta de interesse de agir, porquanto não demonstrado o esgotamento da esfera

administrativa antes da interposição da ação judicial. Ora, o dispositivo constitucional

não condiciona o ajuizamento da ação a qualquer conduta pretérita pelo indivíduo;

ou seja, basta a demonstração de que houve lesão ou ameaça de lesão a direito

para a interposição de demanda judicial. Aliás, não é difícil concluir que, uma vez

que o cidadão buscou a proteção judicial, é porque melhor sorte não teve na esfera

administrativa; em outras palavras, se o direito social fundamental à saúde estivesse

integral e coletivamente disponível, não seria necessário recorrer à via judicial.

O argumento aduzido pelo Poder Público é sumária e reiteradamente

afastado pelo Tribunal de Justiça gaúcho, porquanto somente demonstra a

recalcitrância em atender à saúde da população.31

É imperiosa a conclusão, portanto, que a atuação do Poder Judiciário em

demandas que tratam do direito à saúde é tão somente o exercício da sua atividade

Nesse sentido, SÁ, Djanira Maria Radamés de. Teoria Geral do Direito Processual Civil : a lide e sua resolução.2. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1998. p.26: “Por força do princípio da inafastabilidade do controle judiciário não pode o juiz deixar de decidir alegando obscuridade ou lacuna na lei. Havendo lacuna, o processo de integração deve ser deflagrado com utilização da analogia, costumes e princípios gerais de direito.

30 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.132.

31 Veja-se como recentes exemplos: Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Oitava Câmara Cível. AI nº 70042865402. Relator: Des. Alzir Felippe Schmitz. Julgamento em 23/05/2011. DJ 30/05/2011; Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Vigésima Segunda Câmara Cível. AC nº 70039479191. Relator: Desa. Mara Larsen Chechi. Julgamento em 23/05/2011. DJ 30/05/2011; Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Oitava Câmara Cível. AI nº 70042722777. Relator: Des. Rui Portanova. Julgamento em 16/05/2011. DJ 20/05/2011 e; Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Sétima Câmara Cível. AC nº 70039560107. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgamento em 05/05/2011. DJ 13/05/2011.

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típica, que é a prestação jurisdicional.32 Nenhuma lei ou ato emanado de quaisquer

dos outros Poderes tem a força de impedir a propositura de demanda judicial, sob

pena de ser considerada medida inconstitucional; tampouco se exige o esgotamento

da via administrativa como condição para o ajuizamento de demanda judicial.

Assim, a inafastabilidade da prestação jurisdicional garante à população a

proteção judicial contra atos que atentem contra o seu direito fundamental à saúde,

materializando-se assim o fundamento do Estado Democrático de Direito: a

independência harmônica entre os Poderes.

3.3 POLITIZAÇÃO DOS JUÍZES

Em que pese a determinação judicial no sentido de condenar o Estado à

prestação positiva dos serviços de saúde seja meramente a aplicação da Lei Maior,

como se sustenta, não é possível ignorar o caráter político de tais decisões. Ainda

que se tenha em vista a separação entre as funções do Judiciário e do Executivo, ao

qual cabe o planejamento e execução das políticas públicas de saúde, as

condenações judiciais nesse sentido implicam em decisões, também, de cunho

político, porquanto importam em aplicação de dinheiro público. Porém, enquanto o

Executivo deve preocupar-se com o todo, ao Judiciário cabe a análise do caso

concreto. Nesse sentido, leciona Gustavo Amaral:

Dentro deste contexto, a decisão judicial para o indivíduo deve ser sempre circunstancial, respeitando, assim, a pluralidade de opções alocativas existentes, a heterogeneidade da sociedade e seu reflexo necessário sobre as concepções que tem sobre suas necessidades e a deficiência na coleta de informações que é inerente ao procedimento judicial. Com decisões para o caso concreto e não para a generalidade dos casos, como se tem visto nas decisões relacionadas à saúde, mantém-se a flexibilidade para o futuro, o que é uma virtude notável no que diz respeito à saúde, onde a evolução dos tratamentos torna o quadro sempre mutante.33

32 “Ao magistrado, por seu turno, cabe aplicar a Constituição, direta ou indiretamente, já que a

incidência de qualquer norma jurídica será precedida do exame de sua própria constitucionalidade e deve se dar da maneira que melhor realize os fins constitucionais”. (BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. Ano 1, nº3, jul/set. 2006, p. 22).

33 AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 209.

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O Poder Executivo, assim, no exercício da sua função típica, a partir de

critérios de conveniência e oportunidade, deve implementar as políticas públicas

necessárias ao atendimento universal e igualitário à saúde da população, desde

medidas preventivas até os tratamentos recuperatórios necessários à preservação

da saúde dos indivíduos34, sustentáculo de um direito supremo que é a vida.

De outra banda, o Judiciário tem o dever de reparar a omissão praticada pelo

Poder Executivo, caso a caso35, atento às provas do processo, ciente de que a

condenação do Poder Público a suportar os custos do tratamento, da internação, do

fornecimento de medicamentos, por exemplo, importa em redução do erário

público36, mas consciente, também, da realidade política do País; e é notório o

colapso que enfrentamos na área da saúde, decorrente, sustenta-se, da

incapacidade de investimento sério e honesto objetivando a melhoria dos

atendimentos disponibilizados.37

34 BRASIL, Constituição Federal,1988, artigos 196 e seguintes. 35 “Caso a caso” não significa necessariamente demandas individuais. A expressão foi aplicada com o

significado de análise processo a processo, ainda que pessoas em circunstâncias semelhantes integrem litisconsórcio, ou que o Ministério Público promova ação de obrigação de fazer, exigindo do Poder Público que sejam disponibilizados os meios necessários ao atendimento satisfatório da saúde da população, a exemplo da Ação Civil Pública interposta pelo Parquet em face do Hospital Beneficente Nossa Senhora dos Navegantes e do Município de Torres, requerendo atendimento especializado para os casos de violência sexual. Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Oitava Câmara Cível. Apelação Cível nº 70027358092. Relator: Des. Rui Portanova. Julgamento em 12/03/2009. Publicado em 18/03/2009.

Sobre a proteção coletiva dos direitos fundamentais, Gustavo Amaral: “No âmbito da ação civil pública, há um campo mais amplo para atuação do Judiciário, com a notável colaboração do Ministério Público. Através de uma atuação responsável e de uma utilização eficiente dos inquéritos civis, onde não há regras de preclusão para a coleta de provas, torna-se possível um amplo controle social dos critérios e procedimentos de alocação de recursos.” (AMARAL, 2001, p. 210).

36 Fernando Facury Scaff define as decisões judiciais que importam em custos ao Poder Público como “sentenças aditivas. SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, direitos sociais e reserva do possível. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 133.

37 Entende-se que o problema funda-se na inatividade e ineficiência do Poder Executivo em implementar ações satisfatórias na área da saúde, aliado ao descaso com o dinheiro advindo das arrecadações tributárias. A omissão, portanto, cinge-se na seara do Poder Executivo, porquanto a legislação existente - tanto a Constituição Federal, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, mais especificamente o artigo 6° da Carta Magna e artigo 196 e seguintes, quanto as normas infraconstitucionais, a exemplo da Lei nº 8.080/90 -, é suficiente para pautar as políticas de governo de forma mais efetiva e preocupada com o bem-estar da população. É esse também o entendimento de Andreas Krell: “A eficácia social reduzida dos Direitos Fundamentais Sociais não se deve à falta de leis ordinárias; o problema maior é a não-prestação real dos serviços sociais básicos pelo Poder Público”. (KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p.31).

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A atividade do magistrado, portanto, está associada à realidade fática da

sociedade. A consciência da ineficiência das políticas públicas, bem como a atenção

às notícias vinculadas na mídia sobre desvio de dinheiro público38 têm influência

direta nas decisões do Poder Judiciário, uma vez que o argumento da inexistência

de recursos financeiros suficientes, o tão invocado princípio da reserva do possível,

por exemplo, não pode ser aceito.

Mas, vejamos, se o planejamento e implementação das políticas públicas é

encargo do Poder Executivo e o país sustenta um regime democrático, o cidadão é,

também, responsável pela má alocação dos recursos? Não se pode ignorar, para

responder tal pergunta, conforme já referido, o contexto educacional do país. Exigir

do cidadão brasileiro pertencente à massa, ou até mesmo do “homem médio”, o

entendimento de que as suas escolhas políticas terão implicação direta no

atendimento às suas necessidades básicas, ao passo que ao mesmo cidadão não é

disponibilizada a educação necessária para tanto, significa ignorar completamente a

relação de causa e conseqüência entre educação deficiente e exercício parcial da

cidadania. Trata-se de um ciclo vicioso, porquanto a educação é, também, direito de

caráter fundamental.

Ana Paula de Barcellos faz brilhante consideração acerca da matéria:

[...] Em condições de pobreza extrema ou miserabilidade, e na ausência de níveis básicos de educação e informação, a autonomia do indivíduo para avaliar, refletir e participar conscientemente do processo democrático estará amplamente prejudicada. Nesse ambiente, o controle social de que falavam os críticos do controle jurídico apresenta graves problemas de funcionamento.39

Nessa linha de raciocínio e acerca da atuação dos juízes em decisões desta

natureza, impende considerar que os magistrados perpassam toda uma formação

intelectual em decorrência da própria função que exercem, a qual exige graduação

38 Recentemente, a título de exemplo, a Polícia Federal investigou fraude nas licitações para compras

de medicamentos e equipamentos hospitalares, praticada por funcionários públicos e empresas privadas. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Geral&newsID=a3312474.xml>. Acesso em 08/06/2011.

39 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. Ano 1, nº3, jul/set. 2006. p. 26.

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no curso de direito – onde se tem contato com questões de ordem político-social – e

do considerável investimento intelectual necessário à aprovação no concurso para a

magistratura, dado o grau de dificuldade que o exame apresenta.

Ressalte-se que não se defende, aqui, o juiz travestido da função executiva,

mas sim a admissão de uma responsabilidade inerente à função exercida, em prol e

para a própria sociedade, dando-se a maior efetividade possível aos direitos

fundamentais da pessoa, e aproximando-se, cada vez mais, aos objetivos

fundamentais estabelecidos pela ordem constitucional.

A politização do Poder Judiciário, entendida como a prestação da atividade

jurisdicional consciente das conseqüências políticas de suas decisões,

principalmente a condenação ao custeio de serviços de saúde, tem origem,

conforme já se disse, no despreparo intelectual da população para participar do

processo democrático, cuja conseqüência é a inexistência de um controle social apto

a compelir o Poder Público ao cumprimento dos ditames e diretrizes constitucionais,

bem assim no exercício da função típica do magistrado. O Poder Judiciário atua,

dentro dessa sua função típica, para coibir e corrigir as omissões originadas do

Poder Executivo.

Genaro José Baroni Borges, desembargador do Tribunal de Justiça gaúcho,

tem afirmado que “cabe ao Judiciário administrar a carência de recursos à saúde.”40

Ao contrário, cabe ao Executivo administrar a deficiente aplicação de recursos na

área da saúde. No entanto, como é público e notório o fracasso das políticas

públicas em assistir à saúde dos cidadãos, o Judiciário surge como instrumento

corretivo, atento, certamente, às provas apresentadas e às circunstâncias de cada

caso. Nas condenações que importam em alocação de recursos, pelo menos, tem-

se certeza do destino dado ao dinheiro público, que cumpre os fins sociais do estado

brasileiro. É possível, nesse contexto, sustentar que a atuação do Poder Judiciário

implica uma ingerência indevida na esfera do Poder Executivo? Adiante se exporá

que não.

40 Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça, Vigésima Primeira Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº

70029374246. Relator: Des. Genaro José Baroni Borges. Julgamento em 03/06/2009. Publicado em 17/06/2009.

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3.4 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

A Constituição Federal de 1988 surgiu em um momento de anseio pela

democratização do país, provindo de uma sociedade calejada pelo autoritarismo e

desrespeito às liberdades individuais. Nesse ambiente social, a nova ordem

constitucional tinha o objetivo de definir instrumentos de garantia à população contra

os abusos estatais, bem como uma estrutura de estado que assegurasse o pleno

exercício das funções de legislar, executar e julgar de maneira independente, mas

que fossem exercidas essas atividades de maneira harmônica entre si 41.

A doutrina da separação dos poderes propõe a divisão dos órgãos estatais a

partir de um critério funcional. Cada órgão, portanto, terá uma função preponderante

que o identificará na estrutura do Estado, dentre as atividades de legislar,

administrar e julgar. Essa divisão funcional tem por objetivo a delimitação do poder

atribuído a cada órgão, de modo a evitar os abusos que a detenção do poder

sugere. Nesse sentido, ensinou Montesquieu:

[...] pois é uma experiência eterna que todo o homem que detém o poder é levado a dele abusar; e vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não abuse do poder, é necessário que pela disposição das coisas, o poder limite o poder.42

Embora a teoria da separação dos poderes não tenha sido originalmente

desenvolvida por Montesquieu, é uníssona a doutrina no sentido de que foi

consagrada por ele, em seu livro “O espírito das Leis” 43. É claro que as funções de

legislar, executar e julgar sempre se fizeram presentes na organização das 41 Pinto Ferreira expõe que já se encontrava a fórmula da tripartição dos Poderes estatais na

Constituição brasileira de 1891, reproduzida e modificada nas constituições subseqüentes, embora a Constituição Imperial de 1829 tenha traçado suas linhas, inclusive com alusão ao Poder Moderador, o poder neutro. (FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 12. ed. ampl. e. atual. de acordo com as Emendas Constitucionais e a Revisão Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 88-89).

42 MONTESQUIEU, O espírito das leis. Livro Décimo Primeiro: das leis que formam a liberdade política em sua relação com a constituição. Capítulo IV. Coleção Abril Cultural, Os Pensadores. ed. 1. São Paulo: 1973.

43 Nesse sentido, apontaram todos os autores consultados que, antes de Montesquieu, esboçaram a tese Aristóteles e John Locke.

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sociedades. No entanto, eram concentradas na pessoa do soberano; o exercício

dessas atividades, como decorrência óbvia, era pautado pela única e forçosa

vontade do Absoluto. É o que dispõe Michel Temer:

Tais funções sempre foram identificáveis em todas as sociedades, especialmente naquela que a doutrina chama Estado Absoluto. Neste, o soberano concentrava o exercício do poder, exercitando-o por si ou por meio de auxiliares. Todas estas atividades dependiam da vontade do soberano.44

Atualmente e no âmbito pátrio, o artigo 2º da Constituição Federal dispõe que

“são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário”; assim, são funções do Estado, legislar, executar e julgar,

respectivamente45. A independência entre os Poderes assegura o regular exercício

das suas funções, uma vez que suas atitudes prescindem da sanção dos demais,

bem como a harmonia pretendida pelo aludido dispositivo constitucional requer o

desempenho das atividades sem que haja conflito entre esses órgãos. Conforme

afirma Alexandre de Moraes, o preceito constitucional reúne as teorias da separação

dos poderes e dos freios e contrapesos:

Ocorre, porém, que, apesar de independentes, os poderes [em letra minúscula, conforme o autor] de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e lealdade institucional e as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes políticos. Para tanto, a Constituição Federal consagra um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes de forma que, ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado. Esse mecanismo denomina-se teoria dos freios e contrapesos.46

A própria Constituição Federal, no entanto, traz hipóteses em que os Poderes

exercem atividades características dos demais órgãos. O Poder Legislativo, cuja

função precípua é a criação das leis, afasta-se da atividade legiferante quando julga

o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade

(artigo 52, I e II, da Constituição Federal), bem assim afasta-se da típica função de 44 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20 ed. rev. e atual. de acordo com a

Emenda Constitucional 45/2004. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 118. 45 Geraldo Ataliba estabelece uma ordem entre as funções estatais. “A teoria da divisão do poder

conclui por afirmar que a atividade administrativa há de ser precedida pela legislativa e nesta encontra o próprio guia, o próprio fundamento e o próprio limite.” (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. atual. por Rosalea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 50).

46 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7 ed. atual. até a EC nº 55/07. São Paulo: Atlas, 2007. p. 79-80.

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julgar o Poder Judiciário quando edita seus regulamentos internos (artigo 96, I, “a”),

dentre outros exemplos encontrados na Carta Magna. Cada Poder exerce, portanto,

preponderantemente uma função, o que identificará como tal. Ensina Michel Temer:

Cada órgão do Poder exerce, preponderantemente, uma função, e, secundariamente, as duas outras. Da preponderância advém a tipicidade da função; da secundariedade, a atipicidade. As funções típicas do Legislativo, Executivo e Judiciário são, em razão da preponderância, legislar, executar e julgar.47

Então, cada Poder exerce as atividades que constitucionalmente lhe são

atribuídas, ressalte-se, sempre dentro das limitações impostas pela Constituição

Federal, e não é o exercício de atividade atípica que caracteriza a intervenção na

esfera dos demais Poderes. A atribuição de atividades distintas aos Poderes da

União tem como objetivo, repita-se, estruturar o Estado de forma a repelir atitudes

arbitrárias. Conforme afirma Geraldo Ataliba, “quem faz a lei não a aplica. Os que a

aplicam não a fazem”. 48

As teorias da separação dos poderes e dos freios e contrapesos são muito

mais um preceito de organização estatal que barreira à atuação destes mesmos

Poderes. A atuação do Poder Judiciário, nas demandas que buscam a efetivação do

direito à saúde, é correção às falhas protagonizadas pelo Poder Executivo -

conforme já se disse, a problemática tem origem no fracasso do planejamento e

execução das políticas públicas e não da inexistência de uma legislação satisfatória

-, e não caracteriza fuga à sua função típica, que é a solução de conflitos a partir da

disciplina jurídica aplicável.

Como afirma Andreas Krell, em referência à Ana de Fátima Queiroz Santos,

tem-se invocado o princípio da separação dos poderes para barrar a atuação do

Poder Judiciário, diante de evidentes prestações deficitárias na área da saúde, sob o

argumento de que o planejamento e execução das políticas públicas são encargo do

Poder Executivo (o que não se discute) e o “desvio” de recursos financeiros para o

47 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20 ed. rev. e atual. de acordo com a

Emenda Constitucional 45/2004. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 120. 48 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. atual. por Rosalea Miranda Folgosi. São

Paulo: Malheiros, 1998. p. 51.

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atendimento do caso concreto inviabilizaria a estratégia do governo na área da

saúde.

Torna-se cada vez mais evidente que o vetusto princípio da separação dos poderes, idealizado por Montesquieu no século XVIII, está produzindo, com sua grande força simbólica, um efeito paralisante às reivindicações de cunho social e precisa ser submetido a uma nova leitura, para poder continuar servindo ao seu escopo original de garantir direitos fundamentais contra o arbítrio e, hoje também, à omissão estatal. 49

É importante salientar que, enquanto as ações do Poder Executivo na

promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos são pautadas por

critérios de universalidade e igualdade (artigo 196, Constituição Federal), a atividade

jurisdicional tem por fim essencial a análise do caso concreto, a busca da solução

adequada à controvérsia exposta no processo.

A destinação de recursos públicos para o cumprimento da decisão judicial

condenatória não é argumento que sustente a invasão de um Poder na esfera do

outro. O montante necessário ao cumprimento do dispositivo sentencial deveria

estar sendo aplicado na implementação de políticas públicas que satisfizessem a

necessidade da população, o que dispensaria a atuação corretiva do Poder

Judiciário. Se há descumprimento de dispositivo constitucional – conforme alega o

Poder Executivo em demandas desta natureza, no sentido de que as decisões

judiciais ferem o princípio da separação dos poderes -, é por parte da própria

Administração Pública, que não tem assegurado o direito dos indivíduos à saúde

plena.

Não se identifica, pois, qualquer intervenção de um poder na esfera de outro,

até porque a atuação do Judiciário, nesses casos, somente se justifica diante de

uma omissão do Poder Executivo, que falhou em prover os meios necessários à

preservação da saúde dos cidadãos. Aliás, a efetivação da garantia fundamental (à

49 KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Os

(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 88. Nesse mesmo sentido, Victor Abramovich e Christian Courtis: “Apesar da existência de normas de hierarquia constitucional que consagram estes direitos, posições conservadoras acerca do papel institucional do Poder Judiciário e da separação de poderes provocaram uma escassa prática de exigência judicial desses direitos, assim como um menosprezo às normas que os instituem.” (ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian; trad. Luis Carlos Stephanov. Direitos sociais são exigíveis. Porto Alegre: Don Quixote, 2011. p. 164.

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saúde) caso a caso, não inviabiliza o planejamento e execução das políticas

públicas de saúde, no âmbito coletivo, pois só se tem um sistema coletivamente

satisfatório, se a prestação do serviço alcança a todos a quem se destina, conforme

se abordará no ponto subseqüente.

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4 OS PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO MÍNIMO

EXISTENCIAL

Diante da inegável obrigação do Estado em prover os meios necessários à

preservação da saúde dos cidadãos, a partir do seu caráter, por um lado, de direito

fundamental (artigo 5º), e da impositividade constitucional contida no artigo 196, de

outro, e diante da obviedade de que ações impositivas importam em dispêndio

pecuniário, imperioso avaliar o princípio da reserva do possível em confronto direto

com o princípio do mínimo existencial.

O primeiro diz respeito à noção de que os recursos financeiros disponíveis

são escassos e, portanto, condenações pecuniárias limitar-se-iam à sua

disponibilidade; o segundo se refere ao senso do mínimo necessário a uma

existência digna e, por sua própria definição, defende-se, não pode encontrar

obstáculo onde quer que seja.

Assim, se é verdade que a obrigação de prover os meios mínimos

necessários à preservação da vida digna dos indivíduos é expressão do próprio

regime democrático, também o é a afirmativa de que as medidas a serem tomadas

nesse sentido custam dinheiro. A dicotomia que se forma entre o mínimo

indispensável de recursos que cabe a cada ser humano (mínimo existencial) e a

despesa que a disponibilização desses recursos implica (reserva do possível) impõe

uma solução cautelosa.

Por tratar-se de conflito entre princípios, utilizam-se as técnicas de

hermenêutica para a sua devida solução, valendo-se da proporcionalidade para

conferir prevalência de um, em detrimento de outro, a partir dos elementos do

processo e externos a ele, como o panorama econômico do país.

Por primeiro, porém, entende-se necessário contextualizar o surgimento da

teoria, a possibilitar maior compreensão acerca do seu significado.

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4.1 A INTROJEÇÃO DISTORCIDA DA DOUTRINA ALEMÃ NO DIREITO PÁTRIO

A partir da bibliografia consultada, verificou-se que a noção de reserva do

possível foi importada da Alemanha, com origem no julgamento, pelo Tribunal

Constitucional Federal, do caso numerus clausus, que versava sobre o acesso ao

ensino superior. Na oportunidade, consagrou-se a ideia de que a efetivação dos

direitos depende da existência do correspondente em recursos financeiros, de modo

que a proteção de um direito reclamado encontra limite prático nos cofres públicos.

Ocorre que, ao que se percebe, somente parte da doutrina tedesca foi

acolhida pelo direito pátrio, dissociada do seu contexto original, e distorcida da sua

origem, amoldada ao argumento de que, ausente recursos financeiros suficientes,

não se poderia conferir eficácia ao direito fundamental reclamado.

A reserva do possível, contudo, em princípio, representa um vetor de

ponderação, porquanto sujeita a eficácia do direito invocado em face do que pode

razoavelmente ser esperado do Estado. No ponto, é ilustrativa a colocação de Sarlet

e Mariana Filchtiner Figueiredo:

A construção teórica da “reserva do possível” tem, ao que se sabe, origem na Alemanha, especialmente a partir do início dos anos de 1970. De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a “reserva do possível” (Der Vorbehalt dês Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a ideia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público. Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. [...] O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de acordo com a decisão

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referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador.50

Vê-se, portanto, que o princípio da reserva do possível guarda

correspondência com o senso de razoabilidade, sendo limite mínimo, na dimensão

de que há um núcleo essencial dos direitos que deve ser preservado, mesmo ao

arrepio dos recursos financeiros, e limite máximo, no sentido de que não se pode

exigir o extravagante.

Ainda, nas palavras de Andreas Krell, a teoria da reserva do possível limita as

prestações positivas do Estado para além do que é considerado o mínimo exigível

desse mesmo Estado, para além daquilo que “o indivíduo, de maneira racional, pode

esperar da sociedade”.51

Reluz, nessa senda, a má aplicação da lição germânica no direito brasileiro. A

ideia de reserva do possível é utilizada pelos entes federados dissociada da noção

de razoabilidade, invocada indistintamente para justificar a omissão no alcance dos

recursos mínimos exigíveis à existência digna da pessoa.

Nessa mesma linha de raciocínio, tal teoria não é aplicável quando o caso

concreto trata de direitos básicos, inerentes à condição humana, os quais, na ordem

jurídica brasileira, são chamados de direitos fundamentais. Daí então que a teoria

não é aplicável à realidade fática do País, uma vez que a população não desfruta do

fundamental em matéria de saúde, segurança e educação, só para citar alguns

exemplos óbvios.

Resta delimitar, portanto, a partir da noção real de reserva do possível, o que,

afinal, é o mínimo de prestação que se pode impor ao Estado. Aqui, a lição de Sarlet

e Mariana F. Figueiredo exaure a questão:

50 SARLET, Ingo W. e FIGUEIREDO, Mariana F. Reserva do possível, mínimo existencial e direito

à saúde: algumas aproximações. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 29.

51 KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 52.

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A primeira [constatação] diz com o próprio conteúdo do assim designado mínimo existencial, que não pode ser confundido com o que se tem chamado de mínimo vital ou um mínimo de sobrevivência, de vez que este último diz com a garantia da vida humana, sem necessariamente abranger as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto uma vida com certa qualidade. Não deixar alguém sucumbir à fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia de um mínimo existencial, mas não é – e muitas vezes não o é sequer de longe – o suficiente.52

Definir o cerne exigível, demanda considerar o essencial da existência

humana; muito além da mera existência, a existência com dignidade.

4.2 MÍNIMO EXISTENCIAL: NÍVEL ESSENCIAL

A necessidade de se estabelecer um mínimo de efetivação de cada direito

fundamental, intocável pelos obstáculos que se possa elaborar, se justifica na

determinação de uma parcela de disponibilização de recursos pelo Estado que não

esteja submetida às possibilidades financeiras que dispõe o órgão público.

Ou seja, a ideia do mínimo existencial é crucial para, de um lado, assegurar o

grau mínimo de recursos a que faz jus cada ser humano, para além da mera

existência e, de outro, limitar o alcance prático da reserva do possível, cuja

aplicabilidade encontra limite no núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Mais uma vez, o vetor ora referido tem origem no Tribunal Constitucional

Federal da Alemanha.53 O mínimo existencial é diretriz do critério de razoabilidade

para aplicação da reserva do possível, de modo que, conforme já referido, há um

núcleo essencial dos direitos fundamentais imune a qualquer interferência estatal.

52 SARLET, Ingo Wonfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo

existencial e direito à saúde: algumas aproximações. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 23.

53 “A construção da ideia de um mínimo existencial surgiu originariamente na jurisprudência do Tribunal Constitucional da Alemanha, onde restou reconhecida a existência de um direito subjetivo implícito à garantia dos recursos materiais mínimos necessários para uma existência digna.” (KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.p. 102.)

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Para além da teoria, então, qual seria o mínimo indispensável a se esperar do

Estado?

VICTOR ABRAMOVICH e CHRISTIAN COURTIS referem o esforço do

Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por delegação do Conselho

Econômico e Social das Nações Unidas, para interpretar as cláusulas do Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, do qual é

signatário o Brasil.

O PIDESC é um importante tratado de direito internacional, adotado pela

Organização das Nações Unidas no ano de 1966, a partir do qual o país signatário –

como é o caso do Brasil, obriga-se à garantia dos direitos humanos.54

Os autores apresentam o resultado do trabalho interpretativo realizado pelo

Comitê:

Assinala o Comitê que “um Estado no qual um número importante de indivíduos está privado de alimentos essenciais, de atenção primária de saúde essencial, de abrigo e moradia básicos ou das formas mais básicas de ensino, prima facie não está cumprindo suas obrigações. Se o Pacto se há de interpretar de tal maneira que não estabeleça uma obrigação mínima, em grande medida careceria de sua razão de ser” (OG nº 3, ponto 10; em sentido similar, Princípios de Maastricht, princípio 9).55

54 “O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, adotado pela

Assembléia Geral da ONU em 1966, é o principal instrumento internacional de proteção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Consolida uma série de direitos já declarados na Declaração Universal de Direitos Humanos e também, entre estes, o direito ao trabalho, à liberdade de associação sindical, à previdência social, à alimentação, à moradia, ao mais elevado nível de saúde física e mental, à educação, à participação na vida cultural e no progresso científico. Possui 146 signatários, incluindo o Brasil (que o ratificou em 1992) [...]

O Brasil ratificou o PIDESC em 24 de janeiro de 1992, obrigando-se a promover e garantir todos os direitos promovidos no Pacto, tanto para adoção de políticas públicas e programas, quanto para promover ações compatíveis com sua efetivação para todos os seus cidadãos.” Disponível em <http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/index.php?pagina=PIDESC>. Acesso em 21 nov. 2011.

55 Embora o esforço, somente se encontrou a referência feita pelos autores às Observações Gerais do Comitê no idioma inglês: “10. On the basis of the extensive experience gained by the Committee, as well as by the body that preceded it, over a period of more than a decade of examining States parties' reports the Committee is of the view that a minimum core obligation to ensure the satisfaction of, at the very least, minimum essential levels of each of the rights is incumbent upon every State party. Thus, for example, a State party in which any significant number of individuals is deprived of essential foodstuffs, of essential primary health care, of basic shelter and housing, or of the most basic forms of education is, prima facie, failing to discharge its obligations under the Covenant. If the Covenant were to be read in such a way as not to establish such a minimum core obligation, it would be largely deprived of its raison d'être. By the same token, it must be noted that any assessment as to whether a State has discharged its minimum core obligation must also take

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O Comitê tentou definir o conteúdo básico de alguns direitos do Pacto. Por exemplo, em matéria de direito à saúde, estabeleceu que os Estados têm a obrigação fundamental de assegurar como mínimo a satisfação de níveis essenciais de cada um dos direitos enunciados no Pacto, incluída a atenção primária básica de saúde. Entre essas obrigações básicas se encontram, como mínimo, a de garantir o direito de acesso aos centros e bens e serviços de saúde sobre uma base não discriminatória, em especial para os grupos vulneráveis ou marginalizados.56

De acordo com Andreas Krell, “a teoria do ‘mínimo existencial’ tem a função

de atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público em casos de

diminuição da prestação de serviços sociais básicos que garantem a sua existência

digna”.57

O “padrão mínimo existencial”, nas palavras do recém citado autor, guarda

estrita relação com a noção de dignidade humana, ponto de partida para a definição

do quanto, afinal, corresponde ao mínimo exigível do Poder Público. É nesse sentido

a lição de Ingo Sarlet:

O princípio da dignidade da pessoa humana pode vir a assumir, portanto, importante função demarcatória, estabelecendo a fronteira para o que se convenciona denominar de padrão mínimo na esfera dos direitos sociais.58

account of resource constraints applying within the country concerned. Article 2 (1) obligates each State party to take the necessary steps "to the maximum of its available resources". In order for a State party to be able to attribute its failure to meet at least its minimum core obligations to a lack of available resources it must demonstrate that every effort has been made to use all resources that are at its disposition in an effort to satisfy, as a matter of priority, those minimum obligations.” Fonte: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/%28Symbol%29/94bdbaf59b43a424c12563ed0052b664?Opendocument>. Acesso em: 21 nov. 2011. Da mesma forma, o aludido Princípio de Maastricht nº. 9 só foi encontrado no idioma espanhol: “Un Estado incurre en una violación del Pacto cuando no cumple lo que el Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales denomina 'una obligación mínima esencial de asegurar la satisfacción de por lo menos los niveles mínimos esenciales de cada uno de los derechos [...]. Por ejemplo, incurre prima facie en una violación del Pacto un Estado Parte en el cual un número significativo de personas se ven privados de alimentos esenciales, atención básica de salud, habitación y vivienda mínima o las formas más básicas de enseñanza.' Estas obligaciones mínimas esenciales son aplicables independiente de la disponibilidad de recursos en el país de que se trate o cualquier otro factor o dificultad.” Fonte: <http://www.legislacion.bvsalud.org/php/level.php?lang=pt&component=37&item=13> . Acesso em: 21 nov. 2011.

56 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. trad. Luis Carlos Stephanov. Direitos sociais são exigíveis. Porto Alegre: Don Quixote, 2011. p. 112.

57 KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 62.

58 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 349. No mesmo sentido, em outra obra do autor: “É justamente neste contexto que o princípio da dignidade da pessoa humana passa a ocupar lugar de destaque, notadamente pelo fato de que, ao menos para alguns, o conteúdo em dignidade da pessoa humana acaba por ser identificado como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais, ou pela

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Gustavo Amaral, ao descrever uma relação inversa entre excepcionalidade e

essencialidade, em suas graduações, propõe uma correspondência entre o mínimo

essencial e os argumentos formulados para a sua não observância. Estabelece o

autor uma relação entre as condições humanas dignas – grau de essencialidade, e a

complexidade dos argumentos elencados para o não atendimento das necessidades

essenciais – grau de excepcionalidade. Nas palavras do próprio doutrinador, “quanto

mais essencial for a prestação, mais excepcional deverá ser a razão para que ela

não seja atendida”.59

O que expõe o jurista vai ao encontro do entendimento de que não se pode

utilizar da reserva do possível como argumento ao indeferimento desordenado das

prestações relacionadas ao direito à saúde. No entanto, e admitida a ousadia,

discorda-se do autor, porquanto entende-se que o grau essencial dos direitos

fundamentais não pode, jamais, ser alcançado pelos argumentos que se possa

invocar, por mais excepcionais que sejam.

Nessa esteira, ROBERT ALEXY, em verdadeira afirmação do princípio da

proporcionalidade, refere-se à norma constitucional alemã, prevista no art. 19, §2º,

pela qual “em nenhum caso, um direito fundamental poderá ser violado em sua

essência”:60

O art. 19, §2º, da Constituição Alemã parece estabelecer um limite adicional à restrição e à restringibilidade dos direitos fundamentais ao proibir a afetação desses direitos em seu conteúdo essencial.61

circunstância de – mesmo não aceita tal identificação – se considerar que pelo menos (e sempre) o conteúdo em dignidade da pessoa em cada direito fundamental encontra-se imune a restrições.” (SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 130.

59 AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 215.

60Fonte:<http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3254212/Daten/1330556/ConstituicaoPortugues_PDF.pdf>. Acesso em 21 nov.2011.

61 ALEXY, ROBERT. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. SILVA, Virgílio Afonso da. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 296.

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O autor passa a discorrer acerca das teorias interpretativas do dispositivo

constitucional, divindo-as em dois grupos, a primeira pela ótica objetiva e subjetiva, e

a segunda a partir dos sentidos de absoluto e relativo, analisando os efeitos da

aplicação de uma ou outra. Em que pese a notória relevância da discussão, aqui

somente se faz necessário referir a conclusão à qual chegou o jurista:

Com isso, chega-se à conclusão de que a garantia do conteúdo essencial, prevista no art. 19, §2º, da Constituição alemã, não cria, em relação à máxima da proporcionalidade, nenhum limite adicional à restringibilidade dos direitos fundamentais. Visto que ela é equivalente a uma parte da proporcionalidade, fornece ela mais uma razão a favor da vigência dessa máxima.62

Vale dizer, então, que o grau essencial dos direitos fundamentais é parcela

reconhecidamente inafastável e inatingível pelo princípio da reserva do possível63,

mas que somente no caso concreto encontra delimitação precisa, a partir do

exercício da proporcionalidade. Nessa direção, Suzana de Toledo Barros refere que

“o tamanho do conteúdo essencial só poderia ser mensurado em face de um

conteúdo específico, ou seja, quando estivessem em jogo valores comprimindo-se

reciprocamente.”64

Superada essa primeira etapa, consistente na definição de um grau essencial

do direito fundamental reclamado, o critério da proporcionalidade surge, mais uma

vez, como ponto de equilíbrio entre o grau essencial do direito e a reserva do

possível.

4.3 A PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO

DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

62 ALEXY, ROBERT. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. SILVA, Virgílio Afonso da. São

Paulo: Malheiros, 2008. p. 301. 63 Nesse sentido, é o entendimento de Virgílio Afonso da Silva: “Todas as versões das teorias que

defendem a existência de um conteúdo essencial absoluto têm em comum a ideia de que, se fosse possível representar graficamente o âmbito de proteção dos direitos fundamentais, deveria existir um núcleo, cujos limites externos formariam uma barreira intransponível, independentemente da situação e dos interesses que eventualmente possam haver em sua restrição.” (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 187).

64 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília, DF: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996. p. 96.

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O critério da proporcionalidade já foi referido algumas vezes no presente

trabalho, sem que se expendesse arrazoado acerca da sua origem, suas dimensões

e critério de aplicação, justamente por ter-lhe sido dedicado tópico específico.

A sua importância encontra respaldo no conflito que se estabelece entre os

valores que se chocam quando invocada ao Poder Judiciário a tutela do direito

fundamental à saúde. Dessa forma, o conflito entre núcleo essencial do direito à

saúde e reserva do possível, por exemplo, há de ser dirimido, de modo que seja

conferida a máxima aplicação ao primeiro, sem que se ignore o segundo. De acordo

com Fabiana Kelbert:

(...) quando surge uma colisão entre direitos fundamentais, a satisfação de um deles implicará necessariamente na restrição do outro. Especialmente num contexto em que a escassez de recursos parece inafastável, surge a necessidade de se fazer escolhas, tanto políticas quanto judiciais, quando o conflito for levado ao Judiciário. Nessas circunstâncias, o controle das escolhas deverá atender à proporcionalidade.65

Por primeiro, cabe a referência de que não é uníssona a doutrina acerca da

sua natureza jurídica e, por conseguinte, são várias as definições encontradas na

bibliográfica jurídica. Os doutrinadores se dividem, assim, entre qualificações como

“princípio”66, “regra”67 e “postulado”68, citando somente os mais adotados.

Por segundo, e ainda em sede preliminar, é oportuno consignar que

proporcionalidade não é sinônimo de ponderação ou de razoabilidade, havendo

divergência quanto aos seus significados e correlações entre si.

Existe uma rica polêmica sobre as relações entre razoabilidade e proporcionalidade. Há quem veja a razoabilidade como parte da proporcionalidade (GRAU, 1995; MEDAUAR, 1999:146; GUERRA FILHO, 2001; SILVA, 2002). Outros consideram o inverso, a proporcionalidade como elemento do razoável (DI PIETRO, 1999:81). Para Tácito (1996:228), Barroso (1997:69) e Barros (1996:70), os termos se equivalem. Há ainda

65 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no

direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 90. 66 A exemplo de Willis Santiago Guerra Filho. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo

Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2003. p. 63). 67 A exemplo de Virgílio Afonso da Silva. (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais:

conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 168). 68 Conforme Virgílio Afonso da Silva, Humberto Ávila confere à proporcionalidade o caráter de

metanorma, porquanto estabelece critério de aplicação de outras normas; seria, pois, um postulado normativo aplicativo, nas palavras de Ávila. (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais:conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 168).

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posições cambiantes. Assim, para Moraes (1999:133), as duas expressões podem ser usadas indistintamente, se tomarmos o sentido de razoabilidade como juízo de pertinência ou tese de racionalidade, segundo a tríplice manifestação da proporcionalidade (adequação, exigibilidade, proporcionalidade estrita).69

Em relação a essa falta de clareza, por assim dizer, a ausência de consenso

quanto à terminologia, Fabiana Kelbert dirime a controvérsia de maneira bem

singela, e ao mesmo tempo abrangente: a ponderação seria um sopesamento entre

direitos, enquanto a proporcionalidade, pautada por critérios de necessidade,

adequação e razoabilidade. Diz:

A questão do princípio com maior peso no caso concreto pode ser reconduzida à ponderação, que não se confunde com proporcionalidade, pois esta pressupõe a análise dos requisitos da necessidade, adequação e razoabilidade da medida, enquanto ponderação significa privilegiar um determinado direito em detrimento de outro, o que é possível em razão do caráter principiológico dos direitos fundamentais.70

Complementa Guerra Filho que a proporcionalidade consiste em se

estabelecer um equilíbrio entre os direitos em jogo:

É ele [o princípio da proporcionalidade] que permite fazer o “sopesamento” (abwägung balancing) dos princípios e direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se encontram em estado de contradição, solucionando-a de forma que maximize o respeito a todos os envolvidos no conflito.71

No entanto, no presente trabalho, a par da discussão terminológica, a

proporcionalidade é tratada no ponto comum entre todos os que a referem, a partir

da identidade de opiniões quanto à sua função prática, qual seja instrumento de

aplicação de normas jurídicas, mais especificamente, vetor de aplicabilidade dos

direitos fundamentais.

69 SAMPAIO, José Adércio Leite. O retorno às tradições: A razoabilidade como parâmetro

constitucional. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Coord. José Adércio Leite Sampaio. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 63.

70 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 93.

71 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2003. p. 68.

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Nessa linha de raciocínio, e conforme já esboçado nas referências acima, a

proporcionalidade é pautada por três subprincípios ou princípios parciais:

necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, cujas

denominações são foco, também, de divergência doutrinária, sem que atinja, porém,

os seus significados.

Assim, a adequação implica na correspondência entre os meios empregados

à consecução do fim almejado, no sentido de que o meio seja capaz de produzir o

resultado que se espera. Em seguida, a necessidade impõe a escolha do meio

menos gravoso, de modo que o resultado importe na menor prejudicidade possível

aos valores em voga72. E, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito determina

que o meio empregado seja a melhor escolha jurídica disponível73.

A proporcionalidade em sentido estrito reforça a ideia já apontada de que o

núcleo essencial dos direitos fundamentais deve ser preservado, sendo limite

absoluto a qualquer restrição que se possa pretender impor. Extrai-se do

entendimento de Guerra Filho:

O “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” (Wesensgehaldt) de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.74

Como se percebe, a aplicação da proporcionalidade obedece a uma lógica

seqüencial, de modo que deve-se proceder à adequação, necessidade e 72 Importante distinção entre adequação e necessidade: “[...] enquanto o teste da adequação é

absoluto e linear, ou seja, refere-se pura e simplesmente a uma relação meio e fim entre uma medida e um objetivo, o exame da necessidade tem um componente adicional, que é a consideração das medidas alternativas para se obter o mesmo fim.” (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 170.)

73 Nessa direção, Wilson Antônio Steinmetz (STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 153) e Guerra Filho (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2003. p. 70).

74 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2003. p. 70-71.

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proporcionalidade em sentido estrito, nessa exata ordem, porquanto são conceitos

que integram um sistema interpretativo racional, construindo-se o resultado a partir

das suas fases.

Dessa forma, a proporcionalidade deve pautar a atuação dos Poderes de

Estado, principalmente a atividade legiferante e administrativa75. É nessa senda que

SARLET leciona a dupla dimensão da proporcionalidade, como proibição do

excesso e proteção deficiente:

Neste contexto também assume relevo o já referido princípio da proporcionalidade, que deverá presidir a atuação dos órgãos estatais (e dos particulares, se e quando for o caso, como ocorre especialmente nas hipóteses de prestação de serviços públicos por delegação) e que incide na sua dupla dimensão como proibição do excesso e de insuficiência, além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro necessário de controle dos atos do poder público, inclusive dos órgãos jurisdicionais, igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Isto significa, em apertadíssima síntese, que os responsáveis pela proteção e implementação de direitos fundamentais, inclusive e especialmente no caso dos direitos sociais, onde a insuficiência ou inoperância (em virtude da omissão plena ou parcial do legislador e administrador) causa impacto mais direto e expressivo, deverão observar os critérios parciais da adequação (aptidão do meio no que diz com a consecução da finalidade almejada), necessidade (menor sacrifício do direito restringido) e da proporcionalidade em sentido estrito (avaliação da equação custo-benefício – para alguns, da razoabilidade – no que diz com a relação entre os meios e os fins), respeitando sempre o núcleo essencial do(s) direito(s) restringido(s), mas também não poderão, a pretexto de promover algum direito, desguarnecer a proteção de outro(s) – no sentido de ficar aquém de um patamar minimamente eficiente de realização e garantia do direito. Neste contexto, vale o registro de que a proibição de insuficiência assume particular ênfase no plano da dimensão positiva (prestacional) dos direitos fundamentais, o que remete, por sua vez, à questão do mínimo existencial, que volta a assumir um lugar de destaque também por este prisma.76

Ainda que em julgamento sem identidade temática, empresta-se, por

oportuna, a conceituação exposta por GILMAR MENDES, na Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3.112:

Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando-se da expressão de

75KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no

direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 91. 76 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 357.

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Canaris, pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), mas também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote).77

Assim, o princípio da proporcionalidade é verdadeiro equilíbrio das atividades

estatais, de modo que o excesso é limite à limitação dos direitos fundamentais78, no

sentido de restrição à atuação atentatória ao conteúdo dos direitos fundamentais, e

a carência de proteção é omissão do dever amparo.

4.4 PROTEÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E PROIBIÇÃO DO

RETROCESSO

Conforme já exposto anteriormente, admitir o direito à saúde como direito

social fundamental foi um importante progresso à ordem jurídica pátria, porquanto o

caráter constitucional da norma, bem assim a aplicabilidade imediata dos direitos

(sociais) fundamentais trazem conforto à tutela jurisdicional nessa seara.

Nessa vereda de raciocínio, impingir qualquer ato que importe em

regressividade às conquistas progressivas em matéria de direitos fundamentais deve

ser absolutamente rechaçado, sob pena de retrocesso social e, dada a relevância

dos direitos fundamentais, atrofia do próprio estado democrático.

Desta obrigação estatal de implantação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais podem ser extraídas algumas obrigações concretas, possíveis de serem submetidas à revisão judicial em caso de não-cumprimento. A obrigação mínima assumida pelo Estado a respeito é obrigação de não regressividade, ou seja, a proibição de adotar políticas, medidas e, por consequencia, sancionar normas jurídicas que piorem a situação dos direitos econômicos, sociais e culturais dos que usufruía a população no momento de adoção do respectivo tratado internacional ou também em cada melhora “progressiva”. Dado que o Estado se obriga a melhorar a situação destes direitos, simultaneamente assume a proibição de reduzir os níveis de proteção dos direitos vigentes, ou, por outro lado, de derrogar os direitos já existentes.79

77 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI/DF 3.112. 78 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 397.

79 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. trad. Luis Carlos Stephanov. Direitos sociais são exigíveis. Porto Alegre: Don Quixote, 2011. p. 112. p. 117-118.

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Segue Luísa Cristina Pinto e Netto, a respeito do tema:

A aceitação de tal princípio [da vedação do retrocesso social] estaria fundada na idéia de um progresso constante no caminho da emancipação humana e da concretização da dignidade da pessoa humana, não se admitindo “marchas atrás” na consagração e efetivação dos direitos fundamentais. Nesta esteira, todos os direitos fundamentais estariam protegidos contra alterações amesquinhadoras de seu conteúdo e garantias, o que levantaria uma série de interessantes indagações específicas.80

E, nessa esteira, SARLET correlaciona a proibição do retrocesso social com o

princípio da segurança jurídica, no sentido de estabilidade das instituições, a partir

da confiabilidade das pessoas, bem assim de materialização da dignidade da

pessoa humana.81 Diz:

Ademais, há que levar em conta que especialmente o reconhecimento e garantia de direitos fundamentais tem sido consensualmente considerado uma exigência inarredável da dignidade da pessoa humana (assim como da própria noção de Estado de Direito), já que os direitos fundamentais (ao menos em princípio e com intensidade variável) constituem explicitações da dignidade da pessoa, de tal sorte que em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. Portanto, a proteção dos direitos fundamentais, pelo menos no que concerne ao seu núcleo essencial e/ou ao seu conteúdo em dignidade, evidentemente apenas será possível onde estiver assegurado um mínimo em segurança jurídica.82

Pode se cogitar em engessamento da função legislativa, porquanto

obrigatório o progresso em matéria de direito fundamental à saúde, e o é, em última

análise, porquanto o Poder Legislativo fica verdadeiramente vinculado à produção

de leis que agreguem significância ao direito à saúde, ao invés de esvaziá-la. É

esse, aliás, o sentido da vedação de proposta de emenda constitucional tendente a

abolir os direitos e garantias individuais. O artigo 60, §4º, inciso IV, do texto

constitucional, entende-se, é norma concretizadora do progresso em matéria de

direitos fundamentais.83

80 NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio de proibição do retrocesso social. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 111. 81 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 434.

82 Ibdem, p. 434. 83 BRASIL, Constituição Federal, 1988.

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Mas mais do que isso, ou seja, para além da atividade típica do Poder

Legislativo, a proibição do retrocesso impõe um dever de progresso em matéria de

direitos fundamentais enquanto vigente o regime democrático, porquanto, conforme

já sustentado, alicerçado na essencialidade desses direitos.

É ilustrativa a lição de Sarlet:

Em outras palavras, mesmo tendo em conta que o “espaço de prognose e decisão” legislativo seja efetivamente sempre variável, ainda mais no marco de direitos sociais, não se pode admitir que em nome da liberdade de conformação do legislador o valor jurídico dos direitos sociais, assim como a sua própria fundamentalidade, acabem sendo esvaziados.84

Adiante, complementa:

Neste contexto, é correta a percepção de que uma das funções principais do princípio da proibição do retrocesso é a de impedir a recriação de omissões legislativas, ainda que tal função não corresponda, é preciso enfatizar, a integralidade das consequências jurídicas vinculadas à proibição do retrocesso.85

O princípio em voga, assim, significa a certeza de um padrão mínimo de

proteção do indivíduo pelo Estado, ao menos no âmbito do positivismo, sendo

vedada a regressão de direitos já conquistados.

4.5 PONDERAÇÃO DE DIREITOS EM FACE DO DIREITO À SAÚDE:

RESERVA DO POSSÍVEL, IGUALDADE E SEPARAÇÃO DOS

PODERES

Anterior à exposição de possíveis conflitos entre direitos, a partir dos

argumentos comumente invocados pelo Poder Público, estabelece-se a premissa de

que milita em favor do direito à saúde a proteção do mínimo existencial no que tange

ao núcleo essencial do próprio direito. A preliminar é relevante vez que, ressalta-se,

em razão da própria natureza desse direito fundamental, é inafastável a sua

84 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 444.

85 Ibdem, p. 447.

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preponderância em detrimento das restrições que possam ser formuladas, em razão

da relação intrínseca que guarda com a própria vida.

Nesse norte, a quebra do princípio da isonomia em demandas individuais que

buscam a tutela à saúde é argumento preferido expendido pelo Poder Público,

segundo o qual o atendimento a uma situação individualizada impossibilitaria a

concreção do direito à saúde da coletividade.

Ocorre que, só se pode ter um sistema de saúde amplamente satisfatório se,

para cada indivíduo é assegurado o atendimento de suas necessidades, com vistas

à preservação da sua saúde. Assim, antes de se vislumbrar a coletividade, deve-se

ter em vista o indivíduo, único em suas exigências. A propósito, se a coletividade

estivesse sendo atendida, não seria necessário o apelo ao Poder Judiciário.

Por fim, não é possível justificar o não atendimento de uma situação

individualizada, cuja apreciação foi submetida ao Judiciário, com base no Princípio

da Isonomia, uma vez que a não disponibilização dos recursos necessários à

preservação da vida afronta, por si só e de forma mais agressiva, a ordem

constitucional. Não se sustenta tal argumento, ao passo que significaria aceitar a

ofensa a dignidade do indivíduo demandante – e porque não a morte – sob

fundamento de que o senso de coletividade sobrepuja a própria vida. Sarlet advoga

nesse caminho:

Em primeiro lugar, importa recordar que o princípio da igualdade (alegadamente violado nestes casos) não pode implicar na violação da dignidade concreta de cada cidadão, ainda mais quando o impacto negativo para os seus pares (por exemplo, a possível inexistência de recurso para satisfação básica de terceiros) na maior parte dos casos não é objeto de demonstração plausível e, de resto, não impede uma realização de recursos no âmbito do sistema.86

Da mesma sorte, os argumentos de indisponibilidade de recursos e ofensa à

separação dos poderes não têm o condão de afastar a tutela judicial do direito à

saúde.

86 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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Mais uma vez, a assistência à saúde, porquanto agasalha a própria vida,

sobrepõe-se aos argumentos expendidos, ante a potencialidade de extinção da

existência do indivíduo. Enquanto o Estado não decidir quanto gastar e de que forma

gastar, de modo que as necessidades básicas sejam inteiramente atendidas,

continuará sendo determinada a aplicação de recursos na área da saúde de forma

individualizada, e não coletiva.

Quanto à separação dos Poderes de Estado, já demonstrado que a prestação

jurisdicional é a materialização da função precípua do Poder Judiciário, que é a

aplicação da lei. Nessa senda, conferir eficácia ao direito social fundamental à saúde

importa na incidência da norma fundamental ao conteúdo fático trazido no processo.

De outra banda, o princípio da reserva do possível, além da alegação de que

o atendimento ao postulado no caso concreto onera demasiadamente os cofres

públicos, necessita de dilação probatória, providência negligenciada pelo Poder

Público. SARLET aduz:

Além disso, mediante a supressão pura e simples do próprio núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direito social (especialmente dos direitos sociais vinculados ao mínimo existencial) estará sendo afetada, em muitos casos, a própria dignidade da pessoa, o que desde logo se revela inadmissível, ainda mais em se considerando que na seara das prestações mínimas (que constituem o núcleo essencial mínimo judicialmente exigível dos direitos a prestações) para uma vida condigna não poderá prevalecer até mesmo a objeção da reserva do possível e a alegação de uma eventual ofensa ao princípio democrático e da separação dos poderes.87

No particular da escassez dos recursos disponíveis, não se ignora a

repercussão financeira das sentenças aditivas. Nesse ponto, SARLET propõe, em

razão da relevância da proteção à integridade física e moral dos indivíduos, a

realocação de recursos destinados a outros fins.

Da mesma forma, o que se aplica essencialmente ao direito à saúde, prestações inequivocamente tidas como necessárias à preservação da vida ou de uma vida com um mínimo de qualidade (portanto, com dignidade) podem ser extremamente onerosas, de tal sorte que o reconhecimento de

87

SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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direitos subjetivos a prestações nessa seara (do mínimo existencial) não se fundamenta apenas na ausência de comprometimento ou no baixo comprometimento dos recursos públicos, mas também na necessidade (e na imposição constitucional!) de se priorizar as demandas vinculadas ao mínimo existencial, inclusive no que diz com eventual redistribuição de recursos ou sua implementação, inclusive no contexto de uma repartição da responsabilidade pelo corpo social, aspectos que aqui não iremos desenvolver, muito embora – há que reconhecer, desafiem maior aprofundamento.88

A ponderação dos valores em demandas que versam sobre o direito à saúde

impõe ao magistrado, sempre atento às circunstâncias e provas do caso concreto,

que confira a máxima efetividade a esse direito fundamental. A excepcionalidade

dos argumentos tendentes a suprimir-lhe a eficácia, no âmbito conceitual do que

propõe Gustavo Amaral, deve ser sopesada, de modo a não ignorar cegamente os

demais valores, mas até o limite do núcleo essencial do direito à saúde, ainda que

impossível a determinação impessoal do seu alcance, cuja limitação se dará a partir

dos elementos de cada caso.

88 SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl.; 2.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 351.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente trabalho foi a demonstração de que a atuação judicial

na esfera dos direitos sociais fundamentais, especificamente no que toca ao direito à

saúde, encontra guarida na ordem jurídica vigente e não implica desvirtuar a divisão

de poderes estabelecida pela Constituição Federal.

De outra banda, a par do esforço expendido nesse sentido, pode parecer

que o norte deste estudo tenha ignorado princípios balizadores da ordem jurídica

vigente, o que culminaria no total descrédito de tudo o que foi dito. Ao contrário, a

existência do presente trabalho se justifica no reconhecimento dos relevantes

valores que permeiam a discussão da efetivação do direito à saúde. A partir de todo

o exposto, portanto, concluiu-se:

1 – O direito social à saúde goza de caráter de direito fundamental, com toda

a blindagem constitucional que isso significa, bem assim, demanda atuação positiva

do Estado, no sentido de efetivá-lo, e negativa, no sentido de não prejudicá-lo.

2 – A premissa de que o direito social à saúde constitui direito fundamental

implica na sua aplicabilidade imediata, conforme o artigo 5º, §2º, da Constituição

Federal; afastado, portanto, o conteúdo programático, porquanto o direito

fundamental à saúde dispensa, para a sua efetivação, disciplina infraconstitucional.

3 – As decisões do Poder Judiciário, sob o argumento de que impõem

gastos ao Poder Público, não configuram ingerência indevida na esfera do Poder

Legislativo e Executivo. Isso porque o Judiciário tem por atividade precípua a

aplicação da lei, e, inclusive, a omissão significa verdadeira negativa de prestação

jurisdicional, o que é rechaçado a partir do princípio da inafastabiliade da jurisdição.

4 – O despreparo intelectual da população e a consequente inércia nas

deliberações eleitorais motiva o ativismo judicial, assumindo o Poder Judiciário

verdadeira função corretiva às omissões oriundas do Poder Executivo

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5 – A teoria da reserva do possível foi dissociada do seu contexto original,

importada do direito alemão como verdadeiro subterfúgio ao descumprimento do

direito fundamental à saúde plena.

6 – O direito fundamental à saúde tem um núcleo essencial, que é inatingível

por qualquer obstáculo que possa ser intentado pelo Estado. Nessa senda, o mínimo

existencial é aferido a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, e não

detém conteúdo qualitativo pré-definido, sendo aferido de acordo com os elementos

do caso concreto.

7 – A proporcionalidade é instrumento de efetivação do direito social à

saúde, forçando uma relação equilibrada entre o direito à saúde e os demais valores

invocados e possui uma dupla dimensão, consistente na vedação da proteção

deficiente e proibição do excesso.

8 – O progresso verificado em matéria de direitos fundamentais é intocável,

sendo execrável qualquer tentativa de retrocesso social, em função da segurança

jurídica e confiabilidade nas instituições pela população

9 – A ponderação é meio de solução de conflitos entre direitos. Pelo íntimo

liame entre o direito à saúde e a existência da própria vida é que se afastam os

valores de reserva do possível e separação dos poderes, bem como inexiste ofensa

à igualdade, porquanto só há coletividade se há indivíduos considerados

unicamente.

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