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Marcuse e a alienação do socialismo PÁG 56 30 2013 ABRIL-JUNHO TRIMESTRAL Lutas do trabalho na Ásia Dossiê organizado por Carlos Santos Por Luis Fazenda PÁG 04-52 10º ANIVERSÁRIO

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A Comuna nr. 30 (Abril-Junho 2013) tem como tema as Lutas do Trabalho na Ásia, um dossier organizado por Carlos Santos. Inclui também um artigo de Adriana Rosa Delgado sobre o filme Playtime (Jacques Tati, 1967) e um artigo de de Lídia Pereira sobre a instrumentalização da utopia. Destaque para o artigo de Luís Fazenda sobre Marcuse e a alienação do socialismo.

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  • Marcuse e a alienao do socialismo PG 56

    N302013 ABRIL-JUNHOTRIMESTRAL

    Lutas do trabalho na siaDossi organizado por Carlos Santos

    Por Luis Fazenda

    PG 04-52

    10ANIVERSRIO

  • 09China em RevoltaEli Friedman

    21ndia: Quando cem milhes de pessoas fazem Greve Geral de dois dias

    25ndia: Operrios da Suzuki lincham gestores e 40 vo para o hospital

    27A revolta dos (i)scravos: as revoltas laborais na Foxconn chinesaLibcom.org

    30Indonsia: Greve geral contra a precariedade, a escravatura modernaCarlos Santos

    33A catstrofe do Bangladesh: uma amostra grtis do capitalismo mundializadoAlejandro Teitelbaum

    43Lutas do trabalho na sia Oriental, no primeiro semestre de 2013

    48Lutas do trabalho na China, no primeiro trimestre 2013

    53Playtime (1967)Adriana Rosa Delgado

    56Marcuse e a alienao do socialismoLuis Fazenda

    61Da instrumentalizao da utopiaLdia Pereira

    PropriedadeUnio DemocrticaPopular-AssociaoPoliticaRua de So Bento, 694 1250-223 Lisboa

    Correio [email protected]

    Sitewww.acomuna.net

    Registo na ERCn124204

    DiretorBruno Gis

    ParticipamAdriana Rosa DelgadoAlejandro TeitelbaumAna CansadoBruno GisCarlos GuedesCarlos SantosEli FriedmanFabian FigueiredoLdia PereiraLus Fazenda

    DesignMaria Joo Barbosa

    PeriodicidadeTrimestral

    cultura teoria teoria

    04A luta dos trabalhadores nas fbricas do mundoCarlos Santos

    dossi

    dossi

    dossi

    dossi

    dossi dossi

    dossi dossi

    dossi

    Carlos Santos

    Libcom.org

    inside

  • Porqu a sia? Porqu os trabalhadores?1. Nesta era de grandes transformaes, a crise financeira de 2007-2009 foi o embate que fez a terra tremer, e toda uma nova geografia que se forma ao calor da luta de classes. Aqui afundam continentes, ali emergem pases.O vento das grandes mobilizaes populares enfrenta as ondas da grande represso. Do outro lado do Atlntico, os protestos iniciados contra o aumento dos transportes em So Paulo logo se estenderam territorialmente e a causas mais amplas. Dos dois lados do Egeu, o parque de Taksim Gezi, na Turquia, e a estao de televiso ERT, na Grcia, erguem-se em bandeira de uma luta maior dos povos contra o autoritarismo e a austeridade.O tempo de lutas mais duras, no de vitrias mais fceis. Cresce a nsia antissistmica frente radicalizao da explorao e da opresso, e nem sempre a esquerda quem ergue a bandeira, muitas caem pelo caminho. Na Hungria avanam o conservadorismo radical e o neonazismo. Na Itlia o anti-poltico Beppe Grillo tem 26%. Na Bulgria desconvocada a Sofia Pride por medo da violncia homofbica. Enquanto, na Grcia e em Frana, o crescimento da extrema-direita, representadas pela Aurora Dourada e pela Frente Nacional, s encontra oposio forte na firmeza da Esquerda Radical grega (SYRIZA) e da Frente de Esquerda francesa. em tempos destes que sentimos que fazemos a nossa prpria histria, mas no a fazemos como queremos, no nas circunstncias escolhidas por ns (Marx 1852). preciso conscincia crtica dessas circunstncias. E quando o centro geopoltico e geoeconmico do mundo gira para o Pacfico, importante a pergunta: O que sabemos ns sobre as lutas do trabalho na sia?2. O segundo nmero do dcimo aniversrio da revista A Comuna pretende contribuir

    para preencher essa lacuna grave para a esquerda europeia, o desconhecimento generalizado das Lutas do Trabalho na sia. Neste nmero, um dossier organizado pelo Carlos Santos leva a saber mais sobre a luta dos trabalhadores nas fbricas do mundo, viajando pela China em revolta, passando pela revolta dos (i)scravos na Foxconn chinesa, assistindo na ndia ao que acontece quando cem milhes de pessoas fazem Greve Geral de dois dias, ou quando os operrios da Suzuki lincham gestores, vendo na Indonsia uma greve geral contra a precariedade, e ficando com uma amostra grtis do capitalismo mundializado na observao critica da catstrofe do Bangladesh. Finalmente profundidade das abordagens anteriores acresce a panormica das lutas do trabalho na sia Oriental, no primeiro semestre de 2013 e das lutas do trabalho na China, no primeiro trimestre 2013.Na seco cultural, Adriana Rosa Delgado analisa o filme Playtime de Jacques Tati (1967), obra em que o autor no olhou a gastos para que o filme fosse a traduo exata do que idealizara e o urbanismo usado para criticar a uniformidade da cidade moderna.Ldia Pereira discute a utopia concreta e coletiva como princpio revolucionrio e aborda a temtica da instrumentalizao da utopia destacando a capacidade do sistema capitalista para cooptar a crtica, privando-a do seu carter emancipatrio, e torna-a uma ferramenta ativa da sua continuidade e manuteno.Em Marcuse e a alienao do socialismo, Lus Fazenda recorda que a ideia de que o socialismo se podia fazer sem os trabalhadores uma originalidade de Herbert Marcuse. Dialogando com a obra do autor, contrape aos arautos da eroso da centralidade do trabalho a defesa da explorao como categoria econmica e a superioridade do contributo de Marx, dado que em 160 anos no foi descoberta outra teoria coerente para superar o capitalismo na roda sinuosa da histria social.Bruno Gis

    editorial

    a comuna 03

    10ANIVERSRIO

  • A luta dos trabalhadores nas fbricas do mundoCarlos Santos

    Para este trabalho, partimos com uma pergunta: Perante o atual crescimento econmico da sia, como esto os trabalhadores desse continente a lutar pelos seus direitos? Ou seja, como esto as lutas pelos direitos no trabalho e pelos direitos sociais na sia de hoje?No tenho pretenso de ter uma ideia completa de

    resposta interrogao. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traos impor-tantes sobre a situao e evoluo das lutas do trabalho naquele continente.

    L como cNo entanto, este trabalho confirmou plenamente o

    que suspeitava: os trabalhadores da sia esto a

    lutar ativamente e cada vez mais e mais organizada-mente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcanaram aps a segunda guerra e que em Portugal s foram alcanadas aps a Revoluo de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika.A luta que travamos atualmente em Portugal e na

    Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da sia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condies de vida, a salrios reais mais elevados, liberdade de organi-zao no trabalho e em sindicatos afinal semel-hante, embora em nveis e situaes muito difer-

    entes, luta de portugueses, espanhis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques s reformas, segurana social, aos salrios. E, por exemplo, as 10 reivindicaes da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na ndia, no permitem qualquer dvida.

    China e ndia duplicam PIB em menos de 20 anosO Relatrio do Desenvolvimento Humano 20131

    assinala a profunda transformao nos pases do Sul, a que chamam a ascenso do Sul, salientando o rpido crescimento econmico de China e ndia nos ltimos 20 anos: A Gr-Bretanha, onde a Revoluo Industrial

    teve origem, levou 150 anos para duplicar o

    (...)os trabalhadores da sia esto a lutar ativamente e cada vez mais e mais organizadamente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcanaram aps a segunda guerra (...)

    produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os pases possuam populaes inferiores a 10 milhes de habitantes no incio do respetivo processo de industrializao. Em contrapartida, a China e a ndia iniciaram a atual fase de cresci-mento econmico com cerca de mil milhes de habitantes cada, tendo cada um dos pases dupli-cado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformao que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revoluo Indus-trial.E essa profunda transformao econmica acarreta

    inevitavelmente alteraes em todos os mbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e at geopolticas.

    As fbricas do mundoNos ltimos 30 anos, a globalizao capitalista

    levou transferncia de grande parte da produo industrial para a sia. Muitas empresas deslo-calizaram a sua produo dos Estados Unidos e da

    Europa para aquele continente. A China foi o pas que mais recebeu novas fbricas,

    mas a industrializao no ficou por aquele pas apenas. A par da China a deslocalizao verificou-se tambm para a ndia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes pases para a Indonsia, Bangladeche, Camboja e outros pases asiticos.As transnacionais, primeiro motor dessas transfer-

    ncias, procuravam com essa migrao duas coisas: em primeiro lugar, mo-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados.Mas essa transferncia, foi muito para alm desses

    objetivos, provocando mudanas na geopoltica, na economia e nas finanas mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhes pessoas.No velho mundo, as deslocalizaes criaram

    cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos pases do mundo industrial, levaram ao aban-dono dos campos e proletarizao de milhes de pessoas. O salrio globalizou-se e desvalorizou-se para

    quem vive e trabalha no velho mundo. Os novos proletrios asiticos enfrentam problemas semelhan-tes aos dos proletrios europeus de h 200 anos, mas com as caratersticas do sculo XXI e daquele continente.Nos ltimos dez anos, estas profundas alteraes

    no trabalho levaram a uma urbanizao acelerada na sia, com todas as consequncias positivas, mas tambm negativas.Por exemplo, entre 2000 e 2012, a populao

    urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailndia de 31,1% para 34,4%, na ndia de 27,7% para 31,6%, na Indonsia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%.Com estas alteraes, o chamado mercado de

    trabalho da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhes de trabalhadores, segundo os dados mais recentes2 , enquanto o da ndia abrange j 498,4 milhes de pessoas.Estas transformaes levaram a que milhes de

    pessoas sassem de uma situao de pobreza extrema. De acordo com o Relatrio do Desenvolvi-

    mento Humano 2013, j citado, a percentagem de populao que vive com menos de 1,25 dlares por dia baixou, nos ltimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na ndia. S na China, entre 1990 e 2008, 510 milhes de pessoas conseguiram sair da situao de pobreza extrema.

    Quando milhes mudam de perspetivas de futuroNo entanto, apesar de arrancados pobreza

    extrema, milhes e milhes de pessoas vivem e trabalham em condies dramticas na sia do crescimento acelerado.Se dvidas pudessem existir, o recente ruir do

    prdio, onde se albergavam cinco fbricas de confees no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa so a maior denncia das condies dramticas em que vive a nova populao incorporada no mercado de trabalho mundial.

    No admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condies de trabalho e por melhores salrios.Nunca, na Histria, as condies de vida e as pers-

    petivas de futuro de tantos indivduos mudaram de forma to considervel e to rapidamente, destaca o relatrio do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro pem em marcha um movimento imparvel de luta por direitos sociais e de combate explorao.

    Precarizao, migrantes e setor informalA industrializao acelerada que se verifica na sia,

    desde h 30 anos e acentuada progressivamente nas ltimas dcadas, no passou no entanto apenas por uma incorporao de milhes de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fbricas em busca de melhores condies de vida.Essa mudana de fundo teve tambm inerente, nos

    ltimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham

    conquistado na sequncia das lutas contra o coloni-alismo e pelas independncias nacionais.Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as

    transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salrios baixos e situaes brutais de explorao. E essas exigncias encontraram resposta positiva em muitas alteraes a legislaes nacionais nesses pases.Na ndia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou

    seja o mercado laboral escravo e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos inter-nacionais, assim como inmeros estudos, pres-sionam no para a alterao da legislao do setor informal, mas para o combate chamada rigidez no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o tm3.Na China, o crescimento acelerado passou por

    criao de zonas especiais, onde os direitos de trabalho so mnimos, situao agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regies mais desenvolvidas. E conhecida a presso das transnacionais contra qualquer alterao favorvel

    aos trabalhadores na legislao do trabalho. Noutros pases, como a Malsia, so os trabal-hadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos.

    A caminho do fim das deslocalizaesNum importante artigo publicado em esquerda.net

    Fim de linha para as empresas deslocalizadas?, Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizaes de empresas est a caminho do fim.Como aquele autor refere as deslocalizaes

    sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos ltimos 30 anos, essa deslocalizao acelerou-se imenso, em particular para a sia, com a globalizao e as novas possibilidades da produo com a revoluo informtica, nas comunicaes e nos transportes.O socilogo refere tambm que as deslocalizaes

    das empresas em busca de salrios mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque a fbrica deslocalizada recruta a sua mo de obra em reas rurais que antes esta-vam menos envolvidas na economia de mercado. E

    salienta que o problema com esta aparente soluo maravilhosa sempre foi a falta de durabili-dade, pois aps 25 anos os trabalhadores na nova localizao comearam a promover ao sindi-cal e o custo do seu trabalho comeou a subir. No entanto, para um dos casos mais recentes, o

    Camboja, os trabalhadores comearam a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam j do benefcio que ganham em transferir a produo da China para aquele pas.Wallerstein conclui que isto no so boas notcias

    para as grandes multinacionais e refere: Este apenas um elemento do que se tornou a crise estru-tural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinao de presses cada vez maiores para a austeridade nos 99% de pases que tm um sistema capitalista que j no to lucrativo. Esta combinao significa que o capitalismo, como sistema-mundo, est de sada.

    Lutas em crescendoDo que acima j dissemos e de que os artigos

    deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as

    lutas dos trabalhadores esto a crescer na sia. O combate explorao e o protesto contra as condies miserveis de trabalho so hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente.Mais importante ainda que tanto na China, como

    na ndia ou na Indonsia se verifica uma crescente ampliao e unificao de lutas. As greves gerais na ndia e na Indonsia so disso um exemplo.Em todo este movimento verifica-se igualmente um

    papel decisivo dos sindicatos, rgos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos econmicos e contra a explorao. A luta pela liber-dade de organizao sindical mesmo uma questo chave para os trabalhadores da sia atualmente, confrontando-se com proibies e vazios tremen-dos na legislao do trabalho. Na ndia, o movimento luta pela ratificao das

    convenes 87 e 98 da OIT, na China os trabal-hadores confrontam-se com uma legislao onde a greve no um direito, nem proibida, o que permite a atuao arbitrria dos poderes nacional e locais.Onde os trabalhadores no tm liberdade de

    organizao sindical, eles procuram e encontram outras formas de associao. Porm, flagrante a necessidade de existncia de sindicatos livres e de liberdade de associao sindical, assim como a luta por estas reivindicaes essencial para o movi-mento dos trabalhadores.Este nvel de luta, econmico e sindical, um passo

    que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a explorao. Mas tambm um movi-mento objetivo que tende a ser inevitvel, por mais obstculos que enfrente.As perspetivas de futuro dos trabalhadores da sia

    dependem, no entanto, de muito mais e das respos-tas ao nvel poltico. Equacionar esta questo vai para alm deste trabalho.Contudo, muito provvel que quase todos os

    pases asiticos estejam confrontados com um desafio essencial. At agora quase todos aqueles pases dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportaes para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situao alterou-se qualitativamente. No futuro, o

    desenvolvimento dos mercados internos dos pases

    asiticos ser decisivo para que a economia desses pases se desenvolva. E o desenvolvimento dos mer-cados internos coloca como absolutamente necessrio o aumento dos salrios.Os trabalhadores da ndia inscreveram nas 10

    reivindicaes da sua greve geral a exigncia do fim do desinvestimento nas empresas pblica estratgi-cas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiticos passa exatamente por reivindicaes, como essa, e passa, na minha opinio, pela luta poltica por uma sociedade no assente na explorao, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos

    1 Disponvel na net em http://hdr.undp.org/

    2 Segundo The World Factbook, elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html

    3 O artigo Labour in India na wikipedia em ingls (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), d conta destas presses e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.

    dossi

    a comuna 04

  • Para este trabalho, partimos com uma pergunta: Perante o atual crescimento econmico da sia, como esto os trabalhadores desse continente a lutar pelos seus direitos? Ou seja, como esto as lutas pelos direitos no trabalho e pelos direitos sociais na sia de hoje?No tenho pretenso de ter uma ideia completa de

    resposta interrogao. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traos impor-tantes sobre a situao e evoluo das lutas do trabalho naquele continente.

    L como cNo entanto, este trabalho confirmou plenamente o

    que suspeitava: os trabalhadores da sia esto a

    lutar ativamente e cada vez mais e mais organizada-mente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcanaram aps a segunda guerra e que em Portugal s foram alcanadas aps a Revoluo de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika.A luta que travamos atualmente em Portugal e na

    Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da sia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condies de vida, a salrios reais mais elevados, liberdade de organi-zao no trabalho e em sindicatos afinal semel-hante, embora em nveis e situaes muito difer-

    entes, luta de portugueses, espanhis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques s reformas, segurana social, aos salrios. E, por exemplo, as 10 reivindicaes da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na ndia, no permitem qualquer dvida.

    China e ndia duplicam PIB em menos de 20 anosO Relatrio do Desenvolvimento Humano 20131

    assinala a profunda transformao nos pases do Sul, a que chamam a ascenso do Sul, salientando o rpido crescimento econmico de China e ndia nos ltimos 20 anos: A Gr-Bretanha, onde a Revoluo Industrial

    teve origem, levou 150 anos para duplicar o

    No velho mundo, as deslocalizaes criaram cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos pases do mundo industrial, levaram ao abandono dos campos e proletarizao de milhes de pessoas

    produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os pases possuam populaes inferiores a 10 milhes de habitantes no incio do respetivo processo de industrializao. Em contrapartida, a China e a ndia iniciaram a atual fase de cresci-mento econmico com cerca de mil milhes de habitantes cada, tendo cada um dos pases dupli-cado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformao que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revoluo Indus-trial.E essa profunda transformao econmica acarreta

    inevitavelmente alteraes em todos os mbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e at geopolticas.

    As fbricas do mundoNos ltimos 30 anos, a globalizao capitalista

    levou transferncia de grande parte da produo industrial para a sia. Muitas empresas deslo-calizaram a sua produo dos Estados Unidos e da

    Europa para aquele continente. A China foi o pas que mais recebeu novas fbricas,

    mas a industrializao no ficou por aquele pas apenas. A par da China a deslocalizao verificou-se tambm para a ndia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes pases para a Indonsia, Bangladeche, Camboja e outros pases asiticos.As transnacionais, primeiro motor dessas transfer-

    ncias, procuravam com essa migrao duas coisas: em primeiro lugar, mo-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados.Mas essa transferncia, foi muito para alm desses

    objetivos, provocando mudanas na geopoltica, na economia e nas finanas mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhes pessoas.No velho mundo, as deslocalizaes criaram

    cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos pases do mundo industrial, levaram ao aban-dono dos campos e proletarizao de milhes de pessoas. O salrio globalizou-se e desvalorizou-se para

    quem vive e trabalha no velho mundo. Os novos proletrios asiticos enfrentam problemas semelhan-tes aos dos proletrios europeus de h 200 anos, mas com as caratersticas do sculo XXI e daquele continente.Nos ltimos dez anos, estas profundas alteraes

    no trabalho levaram a uma urbanizao acelerada na sia, com todas as consequncias positivas, mas tambm negativas.Por exemplo, entre 2000 e 2012, a populao

    urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailndia de 31,1% para 34,4%, na ndia de 27,7% para 31,6%, na Indonsia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%.Com estas alteraes, o chamado mercado de

    trabalho da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhes de trabalhadores, segundo os dados mais recentes2 , enquanto o da ndia abrange j 498,4 milhes de pessoas.Estas transformaes levaram a que milhes de

    pessoas sassem de uma situao de pobreza extrema. De acordo com o Relatrio do Desenvolvi-

    mento Humano 2013, j citado, a percentagem de populao que vive com menos de 1,25 dlares por dia baixou, nos ltimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na ndia. S na China, entre 1990 e 2008, 510 milhes de pessoas conseguiram sair da situao de pobreza extrema.

    Quando milhes mudam de perspetivas de futuroNo entanto, apesar de arrancados pobreza

    extrema, milhes e milhes de pessoas vivem e trabalham em condies dramticas na sia do crescimento acelerado.Se dvidas pudessem existir, o recente ruir do

    prdio, onde se albergavam cinco fbricas de confees no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa so a maior denncia das condies dramticas em que vive a nova populao incorporada no mercado de trabalho mundial.

    No admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condies de trabalho e por melhores salrios.Nunca, na Histria, as condies de vida e as pers-

    petivas de futuro de tantos indivduos mudaram de forma to considervel e to rapidamente, destaca o relatrio do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro pem em marcha um movimento imparvel de luta por direitos sociais e de combate explorao.

    Precarizao, migrantes e setor informalA industrializao acelerada que se verifica na sia,

    desde h 30 anos e acentuada progressivamente nas ltimas dcadas, no passou no entanto apenas por uma incorporao de milhes de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fbricas em busca de melhores condies de vida.Essa mudana de fundo teve tambm inerente, nos

    ltimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham

    conquistado na sequncia das lutas contra o coloni-alismo e pelas independncias nacionais.Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as

    transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salrios baixos e situaes brutais de explorao. E essas exigncias encontraram resposta positiva em muitas alteraes a legislaes nacionais nesses pases.Na ndia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou

    seja o mercado laboral escravo e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos inter-nacionais, assim como inmeros estudos, pres-sionam no para a alterao da legislao do setor informal, mas para o combate chamada rigidez no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o tm3.Na China, o crescimento acelerado passou por

    criao de zonas especiais, onde os direitos de trabalho so mnimos, situao agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regies mais desenvolvidas. E conhecida a presso das transnacionais contra qualquer alterao favorvel

    aos trabalhadores na legislao do trabalho. Noutros pases, como a Malsia, so os trabal-hadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos.

    A caminho do fim das deslocalizaesNum importante artigo publicado em esquerda.net

    Fim de linha para as empresas deslocalizadas?, Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizaes de empresas est a caminho do fim.Como aquele autor refere as deslocalizaes

    sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos ltimos 30 anos, essa deslocalizao acelerou-se imenso, em particular para a sia, com a globalizao e as novas possibilidades da produo com a revoluo informtica, nas comunicaes e nos transportes.O socilogo refere tambm que as deslocalizaes

    das empresas em busca de salrios mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque a fbrica deslocalizada recruta a sua mo de obra em reas rurais que antes esta-vam menos envolvidas na economia de mercado. E

    salienta que o problema com esta aparente soluo maravilhosa sempre foi a falta de durabili-dade, pois aps 25 anos os trabalhadores na nova localizao comearam a promover ao sindi-cal e o custo do seu trabalho comeou a subir. No entanto, para um dos casos mais recentes, o

    Camboja, os trabalhadores comearam a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam j do benefcio que ganham em transferir a produo da China para aquele pas.Wallerstein conclui que isto no so boas notcias

    para as grandes multinacionais e refere: Este apenas um elemento do que se tornou a crise estru-tural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinao de presses cada vez maiores para a austeridade nos 99% de pases que tm um sistema capitalista que j no to lucrativo. Esta combinao significa que o capitalismo, como sistema-mundo, est de sada.

    Lutas em crescendoDo que acima j dissemos e de que os artigos

    deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as

    lutas dos trabalhadores esto a crescer na sia. O combate explorao e o protesto contra as condies miserveis de trabalho so hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente.Mais importante ainda que tanto na China, como

    na ndia ou na Indonsia se verifica uma crescente ampliao e unificao de lutas. As greves gerais na ndia e na Indonsia so disso um exemplo.Em todo este movimento verifica-se igualmente um

    papel decisivo dos sindicatos, rgos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos econmicos e contra a explorao. A luta pela liber-dade de organizao sindical mesmo uma questo chave para os trabalhadores da sia atualmente, confrontando-se com proibies e vazios tremen-dos na legislao do trabalho. Na ndia, o movimento luta pela ratificao das

    convenes 87 e 98 da OIT, na China os trabal-hadores confrontam-se com uma legislao onde a greve no um direito, nem proibida, o que permite a atuao arbitrria dos poderes nacional e locais.Onde os trabalhadores no tm liberdade de

    organizao sindical, eles procuram e encontram outras formas de associao. Porm, flagrante a necessidade de existncia de sindicatos livres e de liberdade de associao sindical, assim como a luta por estas reivindicaes essencial para o movi-mento dos trabalhadores.Este nvel de luta, econmico e sindical, um passo

    que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a explorao. Mas tambm um movi-mento objetivo que tende a ser inevitvel, por mais obstculos que enfrente.As perspetivas de futuro dos trabalhadores da sia

    dependem, no entanto, de muito mais e das respos-tas ao nvel poltico. Equacionar esta questo vai para alm deste trabalho.Contudo, muito provvel que quase todos os

    pases asiticos estejam confrontados com um desafio essencial. At agora quase todos aqueles pases dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportaes para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situao alterou-se qualitativamente. No futuro, o

    desenvolvimento dos mercados internos dos pases

    asiticos ser decisivo para que a economia desses pases se desenvolva. E o desenvolvimento dos mer-cados internos coloca como absolutamente necessrio o aumento dos salrios.Os trabalhadores da ndia inscreveram nas 10

    reivindicaes da sua greve geral a exigncia do fim do desinvestimento nas empresas pblica estratgi-cas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiticos passa exatamente por reivindicaes, como essa, e passa, na minha opinio, pela luta poltica por uma sociedade no assente na explorao, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos

    1 Disponvel na net em http://hdr.undp.org/

    2 Segundo The World Factbook, elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html

    3 O artigo Labour in India na wikipedia em ingls (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), d conta destas presses e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.

    dossi A luta dos trabalhadores nas fbricas do mundo

    a comuna 05

  • Para este trabalho, partimos com uma pergunta: Perante o atual crescimento econmico da sia, como esto os trabalhadores desse continente a lutar pelos seus direitos? Ou seja, como esto as lutas pelos direitos no trabalho e pelos direitos sociais na sia de hoje?No tenho pretenso de ter uma ideia completa de

    resposta interrogao. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traos impor-tantes sobre a situao e evoluo das lutas do trabalho naquele continente.

    L como cNo entanto, este trabalho confirmou plenamente o

    que suspeitava: os trabalhadores da sia esto a

    lutar ativamente e cada vez mais e mais organizada-mente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcanaram aps a segunda guerra e que em Portugal s foram alcanadas aps a Revoluo de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika.A luta que travamos atualmente em Portugal e na

    Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da sia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condies de vida, a salrios reais mais elevados, liberdade de organi-zao no trabalho e em sindicatos afinal semel-hante, embora em nveis e situaes muito difer-

    entes, luta de portugueses, espanhis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques s reformas, segurana social, aos salrios. E, por exemplo, as 10 reivindicaes da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na ndia, no permitem qualquer dvida.

    China e ndia duplicam PIB em menos de 20 anosO Relatrio do Desenvolvimento Humano 20131

    assinala a profunda transformao nos pases do Sul, a que chamam a ascenso do Sul, salientando o rpido crescimento econmico de China e ndia nos ltimos 20 anos: A Gr-Bretanha, onde a Revoluo Industrial

    teve origem, levou 150 anos para duplicar o

    Os novos proletrios asiticos enfrentam problemas semelhantes aos dos proletrios europeus de h 200 anos, mas com as caratersticas do sculo XXI e daquele

    continente.

    produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os pases possuam populaes inferiores a 10 milhes de habitantes no incio do respetivo processo de industrializao. Em contrapartida, a China e a ndia iniciaram a atual fase de cresci-mento econmico com cerca de mil milhes de habitantes cada, tendo cada um dos pases dupli-cado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformao que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revoluo Indus-trial.E essa profunda transformao econmica acarreta

    inevitavelmente alteraes em todos os mbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e at geopolticas.

    As fbricas do mundoNos ltimos 30 anos, a globalizao capitalista

    levou transferncia de grande parte da produo industrial para a sia. Muitas empresas deslo-calizaram a sua produo dos Estados Unidos e da

    Europa para aquele continente. A China foi o pas que mais recebeu novas fbricas,

    mas a industrializao no ficou por aquele pas apenas. A par da China a deslocalizao verificou-se tambm para a ndia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes pases para a Indonsia, Bangladeche, Camboja e outros pases asiticos.As transnacionais, primeiro motor dessas transfer-

    ncias, procuravam com essa migrao duas coisas: em primeiro lugar, mo-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados.Mas essa transferncia, foi muito para alm desses

    objetivos, provocando mudanas na geopoltica, na economia e nas finanas mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhes pessoas.No velho mundo, as deslocalizaes criaram

    cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos pases do mundo industrial, levaram ao aban-dono dos campos e proletarizao de milhes de pessoas. O salrio globalizou-se e desvalorizou-se para

    quem vive e trabalha no velho mundo. Os novos proletrios asiticos enfrentam problemas semelhan-tes aos dos proletrios europeus de h 200 anos, mas com as caratersticas do sculo XXI e daquele continente.Nos ltimos dez anos, estas profundas alteraes

    no trabalho levaram a uma urbanizao acelerada na sia, com todas as consequncias positivas, mas tambm negativas.Por exemplo, entre 2000 e 2012, a populao

    urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailndia de 31,1% para 34,4%, na ndia de 27,7% para 31,6%, na Indonsia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%.Com estas alteraes, o chamado mercado de

    trabalho da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhes de trabalhadores, segundo os dados mais recentes2 , enquanto o da ndia abrange j 498,4 milhes de pessoas.Estas transformaes levaram a que milhes de

    pessoas sassem de uma situao de pobreza extrema. De acordo com o Relatrio do Desenvolvi-

    mento Humano 2013, j citado, a percentagem de populao que vive com menos de 1,25 dlares por dia baixou, nos ltimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na ndia. S na China, entre 1990 e 2008, 510 milhes de pessoas conseguiram sair da situao de pobreza extrema.

    Quando milhes mudam de perspetivas de futuroNo entanto, apesar de arrancados pobreza

    extrema, milhes e milhes de pessoas vivem e trabalham em condies dramticas na sia do crescimento acelerado.Se dvidas pudessem existir, o recente ruir do

    prdio, onde se albergavam cinco fbricas de confees no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa so a maior denncia das condies dramticas em que vive a nova populao incorporada no mercado de trabalho mundial.

    No admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condies de trabalho e por melhores salrios.Nunca, na Histria, as condies de vida e as pers-

    petivas de futuro de tantos indivduos mudaram de forma to considervel e to rapidamente, destaca o relatrio do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro pem em marcha um movimento imparvel de luta por direitos sociais e de combate explorao.

    Precarizao, migrantes e setor informalA industrializao acelerada que se verifica na sia,

    desde h 30 anos e acentuada progressivamente nas ltimas dcadas, no passou no entanto apenas por uma incorporao de milhes de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fbricas em busca de melhores condies de vida.Essa mudana de fundo teve tambm inerente, nos

    ltimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham

    conquistado na sequncia das lutas contra o coloni-alismo e pelas independncias nacionais.Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as

    transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salrios baixos e situaes brutais de explorao. E essas exigncias encontraram resposta positiva em muitas alteraes a legislaes nacionais nesses pases.Na ndia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou

    seja o mercado laboral escravo e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos inter-nacionais, assim como inmeros estudos, pres-sionam no para a alterao da legislao do setor informal, mas para o combate chamada rigidez no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o tm3.Na China, o crescimento acelerado passou por

    criao de zonas especiais, onde os direitos de trabalho so mnimos, situao agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regies mais desenvolvidas. E conhecida a presso das transnacionais contra qualquer alterao favorvel

    aos trabalhadores na legislao do trabalho. Noutros pases, como a Malsia, so os trabal-hadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos.

    A caminho do fim das deslocalizaesNum importante artigo publicado em esquerda.net

    Fim de linha para as empresas deslocalizadas?, Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizaes de empresas est a caminho do fim.Como aquele autor refere as deslocalizaes

    sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos ltimos 30 anos, essa deslocalizao acelerou-se imenso, em particular para a sia, com a globalizao e as novas possibilidades da produo com a revoluo informtica, nas comunicaes e nos transportes.O socilogo refere tambm que as deslocalizaes

    das empresas em busca de salrios mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque a fbrica deslocalizada recruta a sua mo de obra em reas rurais que antes esta-vam menos envolvidas na economia de mercado. E

    salienta que o problema com esta aparente soluo maravilhosa sempre foi a falta de durabili-dade, pois aps 25 anos os trabalhadores na nova localizao comearam a promover ao sindi-cal e o custo do seu trabalho comeou a subir. No entanto, para um dos casos mais recentes, o

    Camboja, os trabalhadores comearam a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam j do benefcio que ganham em transferir a produo da China para aquele pas.Wallerstein conclui que isto no so boas notcias

    para as grandes multinacionais e refere: Este apenas um elemento do que se tornou a crise estru-tural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinao de presses cada vez maiores para a austeridade nos 99% de pases que tm um sistema capitalista que j no to lucrativo. Esta combinao significa que o capitalismo, como sistema-mundo, est de sada.

    Lutas em crescendoDo que acima j dissemos e de que os artigos

    deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as

    lutas dos trabalhadores esto a crescer na sia. O combate explorao e o protesto contra as condies miserveis de trabalho so hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente.Mais importante ainda que tanto na China, como

    na ndia ou na Indonsia se verifica uma crescente ampliao e unificao de lutas. As greves gerais na ndia e na Indonsia so disso um exemplo.Em todo este movimento verifica-se igualmente um

    papel decisivo dos sindicatos, rgos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos econmicos e contra a explorao. A luta pela liber-dade de organizao sindical mesmo uma questo chave para os trabalhadores da sia atualmente, confrontando-se com proibies e vazios tremen-dos na legislao do trabalho. Na ndia, o movimento luta pela ratificao das

    convenes 87 e 98 da OIT, na China os trabal-hadores confrontam-se com uma legislao onde a greve no um direito, nem proibida, o que permite a atuao arbitrria dos poderes nacional e locais.Onde os trabalhadores no tm liberdade de

    organizao sindical, eles procuram e encontram outras formas de associao. Porm, flagrante a necessidade de existncia de sindicatos livres e de liberdade de associao sindical, assim como a luta por estas reivindicaes essencial para o movi-mento dos trabalhadores.Este nvel de luta, econmico e sindical, um passo

    que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a explorao. Mas tambm um movi-mento objetivo que tende a ser inevitvel, por mais obstculos que enfrente.As perspetivas de futuro dos trabalhadores da sia

    dependem, no entanto, de muito mais e das respos-tas ao nvel poltico. Equacionar esta questo vai para alm deste trabalho.Contudo, muito provvel que quase todos os

    pases asiticos estejam confrontados com um desafio essencial. At agora quase todos aqueles pases dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportaes para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situao alterou-se qualitativamente. No futuro, o

    desenvolvimento dos mercados internos dos pases

    asiticos ser decisivo para que a economia desses pases se desenvolva. E o desenvolvimento dos mer-cados internos coloca como absolutamente necessrio o aumento dos salrios.Os trabalhadores da ndia inscreveram nas 10

    reivindicaes da sua greve geral a exigncia do fim do desinvestimento nas empresas pblica estratgi-cas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiticos passa exatamente por reivindicaes, como essa, e passa, na minha opinio, pela luta poltica por uma sociedade no assente na explorao, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos

    1 Disponvel na net em http://hdr.undp.org/

    2 Segundo The World Factbook, elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html

    3 O artigo Labour in India na wikipedia em ingls (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), d conta destas presses e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.

    dossi A luta dos trabalhadores nas fbricas do mundo

    a comuna 06

  • Para este trabalho, partimos com uma pergunta: Perante o atual crescimento econmico da sia, como esto os trabalhadores desse continente a lutar pelos seus direitos? Ou seja, como esto as lutas pelos direitos no trabalho e pelos direitos sociais na sia de hoje?No tenho pretenso de ter uma ideia completa de

    resposta interrogao. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traos impor-tantes sobre a situao e evoluo das lutas do trabalho naquele continente.

    L como cNo entanto, este trabalho confirmou plenamente o

    que suspeitava: os trabalhadores da sia esto a

    lutar ativamente e cada vez mais e mais organizada-mente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcanaram aps a segunda guerra e que em Portugal s foram alcanadas aps a Revoluo de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika.A luta que travamos atualmente em Portugal e na

    Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da sia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condies de vida, a salrios reais mais elevados, liberdade de organi-zao no trabalho e em sindicatos afinal semel-hante, embora em nveis e situaes muito difer-

    entes, luta de portugueses, espanhis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques s reformas, segurana social, aos salrios. E, por exemplo, as 10 reivindicaes da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na ndia, no permitem qualquer dvida.

    China e ndia duplicam PIB em menos de 20 anosO Relatrio do Desenvolvimento Humano 20131

    assinala a profunda transformao nos pases do Sul, a que chamam a ascenso do Sul, salientando o rpido crescimento econmico de China e ndia nos ltimos 20 anos: A Gr-Bretanha, onde a Revoluo Industrial

    teve origem, levou 150 anos para duplicar o

    produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os pases possuam populaes inferiores a 10 milhes de habitantes no incio do respetivo processo de industrializao. Em contrapartida, a China e a ndia iniciaram a atual fase de cresci-mento econmico com cerca de mil milhes de habitantes cada, tendo cada um dos pases dupli-cado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformao que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revoluo Indus-trial.E essa profunda transformao econmica acarreta

    inevitavelmente alteraes em todos os mbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e at geopolticas.

    As fbricas do mundoNos ltimos 30 anos, a globalizao capitalista

    levou transferncia de grande parte da produo industrial para a sia. Muitas empresas deslo-calizaram a sua produo dos Estados Unidos e da

    Europa para aquele continente. A China foi o pas que mais recebeu novas fbricas,

    mas a industrializao no ficou por aquele pas apenas. A par da China a deslocalizao verificou-se tambm para a ndia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes pases para a Indonsia, Bangladeche, Camboja e outros pases asiticos.As transnacionais, primeiro motor dessas transfer-

    ncias, procuravam com essa migrao duas coisas: em primeiro lugar, mo-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados.Mas essa transferncia, foi muito para alm desses

    objetivos, provocando mudanas na geopoltica, na economia e nas finanas mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhes pessoas.No velho mundo, as deslocalizaes criaram

    cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos pases do mundo industrial, levaram ao aban-dono dos campos e proletarizao de milhes de pessoas. O salrio globalizou-se e desvalorizou-se para

    quem vive e trabalha no velho mundo. Os novos proletrios asiticos enfrentam problemas semelhan-tes aos dos proletrios europeus de h 200 anos, mas com as caratersticas do sculo XXI e daquele continente.Nos ltimos dez anos, estas profundas alteraes

    no trabalho levaram a uma urbanizao acelerada na sia, com todas as consequncias positivas, mas tambm negativas.Por exemplo, entre 2000 e 2012, a populao

    urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailndia de 31,1% para 34,4%, na ndia de 27,7% para 31,6%, na Indonsia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%.Com estas alteraes, o chamado mercado de

    trabalho da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhes de trabalhadores, segundo os dados mais recentes2 , enquanto o da ndia abrange j 498,4 milhes de pessoas.Estas transformaes levaram a que milhes de

    pessoas sassem de uma situao de pobreza extrema. De acordo com o Relatrio do Desenvolvi-

    mento Humano 2013, j citado, a percentagem de populao que vive com menos de 1,25 dlares por dia baixou, nos ltimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na ndia. S na China, entre 1990 e 2008, 510 milhes de pessoas conseguiram sair da situao de pobreza extrema.

    Quando milhes mudam de perspetivas de futuroNo entanto, apesar de arrancados pobreza

    extrema, milhes e milhes de pessoas vivem e trabalham em condies dramticas na sia do crescimento acelerado.Se dvidas pudessem existir, o recente ruir do

    prdio, onde se albergavam cinco fbricas de confees no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa so a maior denncia das condies dramticas em que vive a nova populao incorporada no mercado de trabalho mundial.

    No admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condies de trabalho e por melhores salrios.Nunca, na Histria, as condies de vida e as pers-

    petivas de futuro de tantos indivduos mudaram de forma to considervel e to rapidamente, destaca o relatrio do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro pem em marcha um movimento imparvel de luta por direitos sociais e de combate explorao.

    Precarizao, migrantes e setor informalA industrializao acelerada que se verifica na sia,

    desde h 30 anos e acentuada progressivamente nas ltimas dcadas, no passou no entanto apenas por uma incorporao de milhes de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fbricas em busca de melhores condies de vida.Essa mudana de fundo teve tambm inerente, nos

    ltimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham

    conquistado na sequncia das lutas contra o coloni-alismo e pelas independncias nacionais.Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as

    transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salrios baixos e situaes brutais de explorao. E essas exigncias encontraram resposta positiva em muitas alteraes a legislaes nacionais nesses pases.Na ndia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou

    seja o mercado laboral escravo e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos inter-nacionais, assim como inmeros estudos, pres-sionam no para a alterao da legislao do setor informal, mas para o combate chamada rigidez no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o tm3.Na China, o crescimento acelerado passou por

    criao de zonas especiais, onde os direitos de trabalho so mnimos, situao agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regies mais desenvolvidas. E conhecida a presso das transnacionais contra qualquer alterao favorvel

    Wallerstein: Estamos a viver uma combinao de presses cada vez maiores para a austeridade nos 99% de pases que tm um sistema capitalista que j no to lucrativo.

    aos trabalhadores na legislao do trabalho. Noutros pases, como a Malsia, so os trabal-hadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos.

    A caminho do fim das deslocalizaesNum importante artigo publicado em esquerda.net

    Fim de linha para as empresas deslocalizadas?, Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizaes de empresas est a caminho do fim.Como aquele autor refere as deslocalizaes

    sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos ltimos 30 anos, essa deslocalizao acelerou-se imenso, em particular para a sia, com a globalizao e as novas possibilidades da produo com a revoluo informtica, nas comunicaes e nos transportes.O socilogo refere tambm que as deslocalizaes

    das empresas em busca de salrios mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque a fbrica deslocalizada recruta a sua mo de obra em reas rurais que antes esta-vam menos envolvidas na economia de mercado. E

    salienta que o problema com esta aparente soluo maravilhosa sempre foi a falta de durabili-dade, pois aps 25 anos os trabalhadores na nova localizao comearam a promover ao sindi-cal e o custo do seu trabalho comeou a subir. No entanto, para um dos casos mais recentes, o

    Camboja, os trabalhadores comearam a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam j do benefcio que ganham em transferir a produo da China para aquele pas.Wallerstein conclui que isto no so boas notcias

    para as grandes multinacionais e refere: Este apenas um elemento do que se tornou a crise estru-tural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinao de presses cada vez maiores para a austeridade nos 99% de pases que tm um sistema capitalista que j no to lucrativo. Esta combinao significa que o capitalismo, como sistema-mundo, est de sada.

    Lutas em crescendoDo que acima j dissemos e de que os artigos

    deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as

    lutas dos trabalhadores esto a crescer na sia. O combate explorao e o protesto contra as condies miserveis de trabalho so hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente.Mais importante ainda que tanto na China, como

    na ndia ou na Indonsia se verifica uma crescente ampliao e unificao de lutas. As greves gerais na ndia e na Indonsia so disso um exemplo.Em todo este movimento verifica-se igualmente um

    papel decisivo dos sindicatos, rgos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos econmicos e contra a explorao. A luta pela liber-dade de organizao sindical mesmo uma questo chave para os trabalhadores da sia atualmente, confrontando-se com proibies e vazios tremen-dos na legislao do trabalho. Na ndia, o movimento luta pela ratificao das

    convenes 87 e 98 da OIT, na China os trabal-hadores confrontam-se com uma legislao onde a greve no um direito, nem proibida, o que permite a atuao arbitrria dos poderes nacional e locais.Onde os trabalhadores no tm liberdade de

    organizao sindical, eles procuram e encontram outras formas de associao. Porm, flagrante a necessidade de existncia de sindicatos livres e de liberdade de associao sindical, assim como a luta por estas reivindicaes essencial para o movi-mento dos trabalhadores.Este nvel de luta, econmico e sindical, um passo

    que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a explorao. Mas tambm um movi-mento objetivo que tende a ser inevitvel, por mais obstculos que enfrente.As perspetivas de futuro dos trabalhadores da sia

    dependem, no entanto, de muito mais e das respos-tas ao nvel poltico. Equacionar esta questo vai para alm deste trabalho.Contudo, muito provvel que quase todos os

    pases asiticos estejam confrontados com um desafio essencial. At agora quase todos aqueles pases dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportaes para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situao alterou-se qualitativamente. No futuro, o

    desenvolvimento dos mercados internos dos pases

    asiticos ser decisivo para que a economia desses pases se desenvolva. E o desenvolvimento dos mer-cados internos coloca como absolutamente necessrio o aumento dos salrios.Os trabalhadores da ndia inscreveram nas 10

    reivindicaes da sua greve geral a exigncia do fim do desinvestimento nas empresas pblica estratgi-cas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiticos passa exatamente por reivindicaes, como essa, e passa, na minha opinio, pela luta poltica por uma sociedade no assente na explorao, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos

    1 Disponvel na net em http://hdr.undp.org/

    2 Segundo The World Factbook, elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html

    3 O artigo Labour in India na wikipedia em ingls (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), d conta destas presses e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.

    dossi A luta dos trabalhadores nas fbricas do mundo

    a comuna 07

  • Para este trabalho, partimos com uma pergunta: Perante o atual crescimento econmico da sia, como esto os trabalhadores desse continente a lutar pelos seus direitos? Ou seja, como esto as lutas pelos direitos no trabalho e pelos direitos sociais na sia de hoje?No tenho pretenso de ter uma ideia completa de

    resposta interrogao. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traos impor-tantes sobre a situao e evoluo das lutas do trabalho naquele continente.

    L como cNo entanto, este trabalho confirmou plenamente o

    que suspeitava: os trabalhadores da sia esto a

    lutar ativamente e cada vez mais e mais organizada-mente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcanaram aps a segunda guerra e que em Portugal s foram alcanadas aps a Revoluo de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika.A luta que travamos atualmente em Portugal e na

    Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da sia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condies de vida, a salrios reais mais elevados, liberdade de organi-zao no trabalho e em sindicatos afinal semel-hante, embora em nveis e situaes muito difer-

    entes, luta de portugueses, espanhis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques s reformas, segurana social, aos salrios. E, por exemplo, as 10 reivindicaes da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na ndia, no permitem qualquer dvida.

    China e ndia duplicam PIB em menos de 20 anosO Relatrio do Desenvolvimento Humano 20131

    assinala a profunda transformao nos pases do Sul, a que chamam a ascenso do Sul, salientando o rpido crescimento econmico de China e ndia nos ltimos 20 anos: A Gr-Bretanha, onde a Revoluo Industrial

    teve origem, levou 150 anos para duplicar o

    produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os pases possuam populaes inferiores a 10 milhes de habitantes no incio do respetivo processo de industrializao. Em contrapartida, a China e a ndia iniciaram a atual fase de cresci-mento econmico com cerca de mil milhes de habitantes cada, tendo cada um dos pases dupli-cado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformao que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revoluo Indus-trial.E essa profunda transformao econmica acarreta

    inevitavelmente alteraes em todos os mbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e at geopolticas.

    As fbricas do mundoNos ltimos 30 anos, a globalizao capitalista

    levou transferncia de grande parte da produo industrial para a sia. Muitas empresas deslo-calizaram a sua produo dos Estados Unidos e da

    Europa para aquele continente. A China foi o pas que mais recebeu novas fbricas,

    mas a industrializao no ficou por aquele pas apenas. A par da China a deslocalizao verificou-se tambm para a ndia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes pases para a Indonsia, Bangladeche, Camboja e outros pases asiticos.As transnacionais, primeiro motor dessas transfer-

    ncias, procuravam com essa migrao duas coisas: em primeiro lugar, mo-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados.Mas essa transferncia, foi muito para alm desses

    objetivos, provocando mudanas na geopoltica, na economia e nas finanas mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhes pessoas.No velho mundo, as deslocalizaes criaram

    cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos pases do mundo industrial, levaram ao aban-dono dos campos e proletarizao de milhes de pessoas. O salrio globalizou-se e desvalorizou-se para

    quem vive e trabalha no velho mundo. Os novos proletrios asiticos enfrentam problemas semelhan-tes aos dos proletrios europeus de h 200 anos, mas com as caratersticas do sculo XXI e daquele continente.Nos ltimos dez anos, estas profundas alteraes

    no trabalho levaram a uma urbanizao acelerada na sia, com todas as consequncias positivas, mas tambm negativas.Por exemplo, entre 2000 e 2012, a populao

    urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailndia de 31,1% para 34,4%, na ndia de 27,7% para 31,6%, na Indonsia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%.Com estas alteraes, o chamado mercado de

    trabalho da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhes de trabalhadores, segundo os dados mais recentes2 , enquanto o da ndia abrange j 498,4 milhes de pessoas.Estas transformaes levaram a que milhes de

    pessoas sassem de uma situao de pobreza extrema. De acordo com o Relatrio do Desenvolvi-

    mento Humano 2013, j citado, a percentagem de populao que vive com menos de 1,25 dlares por dia baixou, nos ltimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na ndia. S na China, entre 1990 e 2008, 510 milhes de pessoas conseguiram sair da situao de pobreza extrema.

    Quando milhes mudam de perspetivas de futuroNo entanto, apesar de arrancados pobreza

    extrema, milhes e milhes de pessoas vivem e trabalham em condies dramticas na sia do crescimento acelerado.Se dvidas pudessem existir, o recente ruir do

    prdio, onde se albergavam cinco fbricas de confees no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa so a maior denncia das condies dramticas em que vive a nova populao incorporada no mercado de trabalho mundial.

    No admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condies de trabalho e por melhores salrios.Nunca, na Histria, as condies de vida e as pers-

    petivas de futuro de tantos indivduos mudaram de forma to considervel e to rapidamente, destaca o relatrio do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro pem em marcha um movimento imparvel de luta por direitos sociais e de combate explorao.

    Precarizao, migrantes e setor informalA industrializao acelerada que se verifica na sia,

    desde h 30 anos e acentuada progressivamente nas ltimas dcadas, no passou no entanto apenas por uma incorporao de milhes de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fbricas em busca de melhores condies de vida.Essa mudana de fundo teve tambm inerente, nos

    ltimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham

    conquistado na sequncia das lutas contra o coloni-alismo e pelas independncias nacionais.Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as

    transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salrios baixos e situaes brutais de explorao. E essas exigncias encontraram resposta positiva em muitas alteraes a legislaes nacionais nesses pases.Na ndia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou

    seja o mercado laboral escravo e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos inter-nacionais, assim como inmeros estudos, pres-sionam no para a alterao da legislao do setor informal, mas para o combate chamada rigidez no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o tm3.Na China, o crescimento acelerado passou por

    criao de zonas especiais, onde os direitos de trabalho so mnimos, situao agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regies mais desenvolvidas. E conhecida a presso das transnacionais contra qualquer alterao favorvel

    aos trabalhadores na legislao do trabalho. Noutros pases, como a Malsia, so os trabal-hadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos.

    A caminho do fim das deslocalizaesNum importante artigo publicado em esquerda.net

    Fim de linha para as empresas deslocalizadas?, Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizaes de empresas est a caminho do fim.Como aquele autor refere as deslocalizaes

    sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos ltimos 30 anos, essa deslocalizao acelerou-se imenso, em particular para a sia, com a globalizao e as novas possibilidades da produo com a revoluo informtica, nas comunicaes e nos transportes.O socilogo refere tambm que as deslocalizaes

    das empresas em busca de salrios mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque a fbrica deslocalizada recruta a sua mo de obra em reas rurais que antes esta-vam menos envolvidas na economia de mercado. E

    salienta que o problema com esta aparente soluo maravilhosa sempre foi a falta de durabili-dade, pois aps 25 anos os trabalhadores na nova localizao comearam a promover ao sindi-cal e o custo do seu trabalho comeou a subir. No entanto, para um dos casos mais recentes, o

    Camboja, os trabalhadores comearam a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam j do benefcio que ganham em transferir a produo da China para aquele pas.Wallerstein conclui que isto no so boas notcias

    para as grandes multinacionais e refere: Este apenas um elemento do que se tornou a crise estru-tural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinao de presses cada vez maiores para a austeridade nos 99% de pases que tm um sistema capitalista que j no to lucrativo. Esta combinao significa que o capitalismo, como sistema-mundo, est de sada.

    Lutas em crescendoDo que acima j dissemos e de que os artigos

    deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as

    lutas dos trabalhadores esto a crescer na sia. O combate explorao e o protesto contra as condies miserveis de trabalho so hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente.Mais importante ainda que tanto na China, como

    na ndia ou na Indonsia se verifica uma crescente ampliao e unificao de lutas. As greves gerais na ndia e na Indonsia so disso um exemplo.Em todo este movimento verifica-se igualmente um

    papel decisivo dos sindicatos, rgos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos econmicos e contra a explorao. A luta pela liber-dade de organizao sindical mesmo uma questo chave para os trabalhadores da sia atualmente, confrontando-se com proibies e vazios tremen-dos na legislao do trabalho. Na ndia, o movimento luta pela ratificao das

    convenes 87 e 98 da OIT, na China os trabal-hadores confrontam-se com uma legislao onde a greve no um direito, nem proibida, o que permite a atuao arbitrria dos poderes nacional e locais.Onde os trabalhadores no tm liberdade de

    No futuro, o desenvolvimento dos mercados internos dos pases asiticos ser decisivo para que a economia desses pases se desenvolva [e consequente necessidade do] o aumento dos salrios.

    organizao sindical, eles procuram e encontram outras formas de associao. Porm, flagrante a necessidade de existncia de sindicatos livres e de liberdade de associao sindical, assim como a luta por estas reivindicaes essencial para o movi-mento dos trabalhadores.Este nvel de luta, econmico e sindical, um passo

    que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a explorao. Mas tambm um movi-mento objetivo que tende a ser inevitvel, por mais obstculos que enfrente.As perspetivas de futuro dos trabalhadores da sia

    dependem, no entanto, de muito mais e das respos-tas ao nvel poltico. Equacionar esta questo vai para alm deste trabalho.Contudo, muito provvel que quase todos os

    pases asiticos estejam confrontados com um desafio essencial. At agora quase todos aqueles pases dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportaes para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situao alterou-se qualitativamente. No futuro, o

    desenvolvimento dos mercados internos dos pases

    asiticos ser decisivo para que a economia desses pases se desenvolva. E o desenvolvimento dos mer-cados internos coloca como absolutamente necessrio o aumento dos salrios.Os trabalhadores da ndia inscreveram nas 10

    reivindicaes da sua greve geral a exigncia do fim do desinvestimento nas empresas pblica estratgi-cas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiticos passa exatamente por reivindicaes, como essa, e passa, na minha opinio, pela luta poltica por uma sociedade no assente na explorao, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos

    1 Disponvel na net em http://hdr.undp.org/

    2 Segundo The World Factbook, elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2095rank.html

    3 O artigo Labour in India na wikipedia em ingls (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), d conta destas presses e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.

    dossi A luta dos trabalhadores nas fbricas do mundo

    a comuna 08

  • China em RevoltaArtigo de Eli Friedman*

    Poucos no Ocidente esto cientes do drama que se desenrola no atual epicentro da agitao do trabalho global. Um acadmico, cujo objeto de estudo a China, expe as suas tumultuosas polticas de trabalho e respetivas lies para a Esquerda.A classe operria chinesa interpreta um papel

    semelhante ao de Janus no imaginrio poltico do neoliberalismo. Por um lado, concebida como a competitiva vencedora da globalizao capitalista, a potncia conquistadora cuja ascenso representa a derrota das classes trabalhadoras do mundo desen-volvido. Que esperana h para as lutas dos trabal-hadores de Detroit ou Rennes quando o migrante do Sichuan se contenta em trabalhar por uma frao do preo?Ao mesmo tempo, os trabalhadores chineses so

    representados como as pobres vtimas da globali-zao, como a conscincia pesada dos consumidores do Primeiro Mundo. Na sua labuta, passivos e explo-rados, sofrem estoicamente pelos nossos iPhones e toalhas de banho. E apenas ns podemos salv-los, absorvendo a sua torrente de exportaes, ou benevolamente promovendo campanhas pelo seu

    tratamento humanamente digno s mos das nossas multinacionais.Para algumas das partes da esquerda do mundo

    desenvolvido, a moral destas narrativas que se opem que, nas nossas sociedades, a resistncia laboral foi remetida ao caixote do lixo da histria. Tal resistncia , antes de mais, perversa e decadente. O que legitima as significativas reivindicaes dos mimados trabalhadores do Norte, com os seus problemas do Primeiro Mundo, exigindo de um sistema que j tanta abundncia lhes oferece, conce-dida pelos desgraados da Terra? E, em qualquer dos casos, a resistncia contra to representativa ameaa competitiva ser, certamente, ftil.Representando os trabalhadores chineses como os

    Outros - enquanto subalternos abjetos ou antagonis-tas competitivos - este retrato falha redondamente na exposio da realidade do trabalho na China atual. Longe de serem vencedores triunfantes, os trabal-hadores chineses sofrem as mesmas pesadas presses competitivas que os trabalhadores ociden-tais, frequentemente s mos dos mesmos capitalis-tas. Mais importante ainda, dificilmente o seu estoi-

    Representando os trabalhadores chineses como os Outros - enquanto subalternos abjetos ou antagonistas competitivos - este retrato falha redondamente na

    exposio da realidade do trabalho na China atual.

    cismo que os distingue de ns.

    A China o epicentro da agitao do trabalho globalHoje, a classe operria chinesa est em luta. Em mais de trinta anos do projeto de reforma de mer-cado do Partido Comunista, a China , inquestionav-elmente, o epicentro da agitao do trabalho global. Apesar de no haver estatsticas oficiais, certo que milhares, se no mesmo dezenas de milhares de greves tm lugar todos os anos. Todas elas so greves arriscadas - o conceito de greve legal inex-istente na China. Assim, num dia tpico, qualquer coisa como meia dzia a vrias dzias de greves tero, provavelmente, lugar. da maior importncia salientar que os trabal-hadores esto a ganhar, com muitos grevistas a conquistar grandes aumentos salariais acima e para alm de quaisquer requisitos legais. A resistncia operria tem sido um srio problema para o Estado e capital chineses e, como nos Estados Unidos em 1930, o governo central viu-se obrigado a aprovar uma srie de leis de trabalho. Os salrios mnimos

    tm tido aumentos na casa dos dois dgitos em vrias cidades do pas e muitos trabalhadores esto a receber os pagamentos de seguros sociais pela primeira vez.A agitao laboral tem registado crescimento nas duas ltimas dcadas, e os ltimos dois anos, por si s, representaram um avano qualitativo na natureza das lutas laborais.Mas se h lies para a esquerda do norte na experincia dos trabalhadores chineses, encontr-las exige um exame das condies nicas que estes trabalhadores enfrentam - condies que hoje so causa tanto para um grande otimismo, como para um grande pessimismo.

    Catlogo de tticas de resistncia laboralAo longo destas duas dcadas de insurgncias, um catlogo relativamente coerente de tticas de resistncia laboral emergiu. Quando surge uma queixa, o primeiro passo dos trabalhadores frequentemente o de falar diretamente com as administraes. Estas solicitaes so quase sempre ignoradas, especialmente quando se encon-

    tram relacionadas com questes salariais. As greves, por outro lado, funcionam. Mas estas nunca so organizadas pelos sindicatos chineses oficiais, que se encontram formalmente subordinados ao Partido Comunista, sendo geralmente controlados pela administrao ao nvel da empresa. Todas as greves na China so organizadas de forma autnoma e frequentemente em oposio direta ao sindicato oficial, que encoraja os trabalhadores a resolver as suas queixas atravs dos mecanismos legais.O sistema legal, que compreende mediao do local de trabalho, intermediao e processos judiciais, tenta individualizar o conflito. Este facto, combinado com o conluio entre estado e capital, traduz-se na incapacidade geral do sistema na resoluo das queixas dos trabalhadores. Est projetado, em grande medida, para prevenir as greves. At 2010, o motivo mais comum de greve era o

    no-pagamento dos salrios. A reivindicao nestas greves clara e direta: paguem-nos os salrios a que temos direito. As reivindicaes de melhorias acima e para alm da lei existente eram raras.

    Sendo que as violaes legais eram e continuam a ser endmicas, tem havido solo frtil para a existn-cia destas lutas defensivas. As greves comeam geralmente com os trabalhadores a pousar os seus instrumentos de trabalho e a permanecer dentro da fbrica, ou pelo menos nas suas imediaes. Surpreendentemente, os fura-greves so pouco utilizados na China, e por isso os piquetes rara-mente so usados1 . Quando confrontados com uma administrao

    recalcitrante, ocasionalmente os trabalhadores demarcam-se levando a luta para a rua. Esta ttica dirigida ao governo: afetando a ordem pblica, atraem imediatamente a ateno do Estado. Por vezes os trabalhadores marcham at s instalaes do governo local ou bloqueiam simplesmente a rua. Tais tticas so arriscadas, uma vez que o governo pode at apoiar os grevistas, mas com igual frequncia recorre violncia. Mesmo que seja atingido um compromisso, as manifestaes pbli-cas resultaro frequentemente na deteno, espan-camento e priso dos organizadores da greve.Mais arriscado, e ainda comum, a sabotagem e

    destruio de propriedade, a organizao de motins, o assassnio dos patres e confrontos fsicos com a polcia. Tais tticas parecem ter uma maior prevalncia na resposta a despedimentos em massa ou falncias. Uma srie de confrontos particular-mente intensos teve lugar em finais de 2008 e incios de 2009, em resposta a despedimentos em massa no sector de processamento de exportaes, devido crise econmica ocidental. Como explicarei mais adiante, os trabalhadores podero estar agora a desenvolver uma conscincia antagnica em relao polcia.Mas o item menos espetacular deste catlogo de

    resistncia constitui o pano de fundo essencial a todos os outros: os migrantes tm vindo a recusar, em nmero crescente, os maus empregos nas zonas de processamento de exportaes no sudeste, aos quais costumavam acorrer em massa. Uma insuficincia na mo-de-obra verificou-se pela

    primeira vez em 2004, e num pas que continua a ter mais de 700 milhes de residentes rurais, muitos assumiram que se trataria de uma casualidade de curto-prazo. Oito anos depois, clara a ocorrncia

    de uma mudana estrutural. Os economistas lanaram-se num intenso debate acerca das causas desta insuficincia, debate esse que no recapitula-rei aqui. Ser suficiente dizer que uma grande parte dos fabricantes nas provncias costeiras, tais como Guangdond, Zheijang e Jiangsu, no tm sido capazes de atrair e manter trabalhadores. Independentemente de razes especficas, o ponto

    a salientar que esta insuficincia conduziu a um aumento salarial e consolidou o poder dos trabal-hadores no mercado - vantagem essa que estes tm vindo a explorar.

    Ponto de viragem no vero de 2010Um ponto de viragem foi registado no vero de

    2010, marcado por uma importante onda de greves que se iniciou numa fbrica de transmisso da Honda em Nanhai.Desde ento, tem havido uma mudana na

    natureza da resistncia laboral, desenvolvimento esse notado por muitos analistas. Ainda mais impor-tante, as reivindicaes dos trabalhadores passaram a ser feitas de uma perspetiva mais ofen-

    siva. Os trabalhadores tm pedido aumentos sala-riais acima e para alm daquilo a que legalmente tm direito e em muitas greves tm comeado a exigir a eleio dos seus representantes sindicais. No tm sido convocados sindicatos independentes no pertencentes Federao de Sindicatos da China, uma vez que tal certamente incitaria represso estatal. Mas a insistncia na exigncia de eleies representa o germinar de reivindicaes polticas, ainda que esta reivindicao seja feita apenas ao nvel da empresa.A onda de greves explodiu em Nanhai, onde

    durante semanas os trabalhadores tinham vindo a queixar-se dos baixos salrios, discutindo a ideia de uma paralisao. A 17 de maio de 2010, quase todos desconheciam que um nico empregado - o qual vrios relatos entretanto apelidaram de Tan Zhiqing, um pseudnimo - convocaria a greve por sua prpria iniciativa, premindo, muito simples-mente, o boto de paragem de emergncia, desli-gando ambas as linhas de produo da fbrica.Os trabalhadores saram da fbrica. Nessa mesma

    tarde, a administrao suplicava-lhes que voltassem

    ao trabalho e abrissem negociaes. A produo foi, de facto, retomada nesse dia. Mas os trabalhadores haviam formulado a sua reivindicao inicial: um aumento salarial de 800 renminbis por ms, corre-spondente a um aumento de 50% para os trabal-hadores permanentes.Mais exigncias se seguiram: a reorganizao do

    sindicato oficial da empresa, que na prtica no oferecia qualquer apoio luta dos trabalhadores, bem como a readmisso de dois trabalhadores despedidos. Aquando das negociaes, os trabal-hadores saram novamente para a rua, e, aps uma semana de greve, todas as fbricas de montagem da Honda na China tinham fechado devido falta de peas.Entretanto, as notcias da greve de Nanhai

    comearam a gerar uma onda de agitao que se alastrou aos trabalhadores industriais de todo o pas. As manchetes dos jornais chineses contaram a histria: Uma Onda Maior que a Prxima, a Greve irrompe tambm na fbrica de Fechaduras da Honda; Onda de Greves em Dalian com 70 Mil Participantes, Afetando 73 Empresas, Termina Com

    Aumentos Salariais na Ordem dos 34,5%; Greves Salariais na Honda So um Choque para o Modelo de Fabrico Barato. Em cada greve, a principal reivindi-cao foi a de aumentos salariais, embora em muitos casos tenham sido ouvidas exigncias no sentido da reorganizao sindical - um desenvolvi-mento poltico de grande importncia.Uma destas greves de contgio foi especialmente

    notvel pela sua militncia e organizao. Durante o fim-de-semana de 19 a 20 de junho, um grupo de cerca de duzentos trabalhadores da Denso, uma empresa de peas automveis detida por particu-lares japoneses, fornecedora da Toyota, encontrou-se secretamente para debater planos de ao. Nesta reunio, delinearam a estratgia dos trs nos: durante trs dias no haveria trabalho, exigncias ou representantes. Estes trabalhadores sabiam que interrompendo a

    cadeia de abastecimento, a fbrica de montagem da Toyota seria obrigada a fechar numa questo de dias. Comprometendo-se a fazer greve durante trs dias sem exigncias, previram perdas crescentes para as maiores cadeias de produo, tanto da

    Denso como da Toyota.O seu plano funcionou. Na segunda-feira de

    manh, iniciaram a greve saindo da fbrica e impedindo a sada dos camies da mesma. tarde, outras seis fbricas na mesma zona industrial tinham fechado e, no dia seguinte, a falta de peas forou ao encerramento da fbrica de montagem da Toyota.No terceiro dia, tal como haviam planeado, os

    trabalhadores elegeram vinte e sete representantes e entraram em negociaes com a exigncia central de um aumento salarial de 800 renminbis. Aps trs dias de conversaes, onde o CEO da Denso, vindo do Japo, esteve envolvido, foi anunciada a conquista do aumento salarial de 800 renminbis.Se o vero de 2010 foi caracterizado pela resistn-

    cia radical mas relativamente ordeira ao capital, o vero de 2011 gerou duas insurreies massivas contra o Estado.Na mesma semana, em Junho de 2011, enormes

    motins de trabalhadores agitaram as reas fabris suburbanas de Chaozhou e Guangszhou, em ambos os casos conduzindo a uma alargada e altamente

    direcionada destruio de propriedade. Na cidade de Guxiang, Chaozhou, um trabalhador do Sichuan exigindo a devoluo de salrios foi brutalmente atacado por mercenrios portadores de armas brancas e pelo seu ex-patro. Reagindo a isto, milhares de outros migrantes comearam a manifestar-se junto das instalaes do governo local, muitos dos quais haviam sofrido anos de discriminao e explorao por parte de patres que trabalhavam em conluio com oficiais.O protesto foi, supostamente, organizado por uma

    associao cidad de pessoas do Sichuan, vaga-mente organizada - uma dessas organizaes tipo mfia que proliferam em ambientes onde a asso-ciao livre no permitida. Aps terem cercado as instalaes governamentais, os migrantes rapida-mente dirigiram a sua fria contra os residentes locais, sentindo que estes os haviam discriminado. Aps terem incendiado dzias de carros e saqueado lojas, a polcia armada foi forada a abafar o motim e dispersar os locais que se haviam organizado em grupos de vigilncia.Apenas uma semana mais tarde, uma insurreio

    ainda mais surpreendente teve lugar nos subrbios de Guangzhou em Zengcheng. Uma mulher grvida do Sichuan, apregoando mercadorias na rua, foi abordada pela polcia e violentamente atirada ao cho. Os rumores de que ela teria sofrido um aborto em consequncia da altercao comearam a circu-lar imediatamente entre os trabalhadores fabris da zona; a veracidade ou no destes rumores rapida-mente se tornou irrelevante.Enraivecidos por outro incidente de agresso

    policial, os trabalhadores indignados amotinaram-se por toda a parte em Zengcheng durante vrios dias, incendiando uma esquadra, enfrentando a polcia de choque, e bloqueando uma autoestrada nacional. Segundo relatos, outros migrantes do Sichuan da rea de Guangdong afluram a Zengcheng para se juntar aos motins. No final, o Exrcito de Libertao Popular foi convocado para pr um fim insurreio, disparando munies reais sob as pessoas que protestavam. Apesar de o governo o negar, provvel que tenha havido vtimas mortais.Em apenas alguns anos, a resistncia laboral

    passou de defensiva a ofensiva. Incidentes

    aparentemente insignificantes desencadearam insurreies em massa, indicativas da clera gener-alizada. E a continuada falta de mo-de-obra nas reas costeiras aponta para mudanas estruturais mais profundas que provocaram, tambm elas, mudanas na dinmica das polticas laborais.Tudo isto constitui um srio desafio ao modelo de

    desenvolvimento baseado nas exportaes e represso salarial que caracterizou a economia poltica das regies costeiras do sudeste chins durante mais de duas dcadas. Por volta do fim da onda de greves de 2010, os comentadores dos media Chineses declaravam que a era do trabalho barato tinha chegado ao fim.Embora vitrias to significativas sejam motivo de

    otimismo, a despolitizao enraizada significa que os trabalhadores no podem extrair muita satisfa-o das mesmas. Qualquer tentativa de articulao de uma poltica explcita por parte dos trabal-hadores instantaneamente esmagada efetiva-mente pela Direita e pelos seus aliados estatais, atravs da ameaa do espectro do Senhor do Desgoverno: querem mesmo regressar ao caos da

    Revoluo Cultural?Se no Ocidente no h alternativa, na China as

    duas alternativas oficiais so uma tecnocracia capi-talista eficiente e sem obstculos (a fantasia de Singapura) ou uma violncia poltica absoluta, selvagem e profundamente irracional. Como resul-tado, os trabalhadores submetem-se consciente-mente segregao das lutas polticas e econmi-cas imposta pelo Estado, apresentando as suas reivindicaes como econmicas, legais e de acordo com a embrutecedora ideologia de harmonia. Agir de outra maneira desencadearia uma dura represso estatal.Talvez os trabalhadores consigam um aumento

    salarial numa fbrica, seguros sociais noutra. Mas esta espcie de insurgncia dispersa, efmera e no-subjetivada falhou na cristalizao de formas duradouras de organizao contra-hegemnica, capaz de coagir o Estado ou o capital ao nvel da classe.O resultado que, quando o Estado intervm em

    nome dos trabalhadores - quer atravs do apoio de reivindicaes imediatas durante as negociaes da

    greve, quer atravs da aprovao de legislao que vise a melhoria das suas condies materiais - a sua imagem de leviat benevolente reforada: agiu de tal maneira no porque os trabalhadores assim o exigiram, mas porque se preocupa com os grupos frgeis e em desvantagem (assim so designados os trabalhadores no lxico oficial).No entanto apenas atravs da separao

    ideolgica ao nvel simblico entre a causa e o efeito que o Estado capaz de manter a farsa de que os trabalhadores so, de facto, fracos. Dado o rela-tivo sucesso deste projeto, a classe trabalhadora poltica, mas alienada da sua prpria atividade poltica.

    Migrantes a nova classe trabalhadora impossvel compreender como que esta

    situao se mantm sem entender a posio poltica e social da atual classe trabalhadora. O trabalhador chins de hoje em dia est longe dos proletrios hericos e hiper-masculinizados dos cartazes de propaganda da Revoluo Cultural. No setor pblico, os trabalhadores nunca foram realmente donos da

    empresa, como alegado pelo Estado. Mas era-lhes garantido emprego duradouro e a sua unidade de trabalho suportava tambm o custo de reproduo social, providenciando habitao, educao, assistncia mdica, penses e at servios fnebres e de casamento.Nos anos 90, o governo central deu incio a um

    esforo massivo de privatizao, reduo ou cortes da subsidiao de muitas empresas detidas pelo Estado, o que conduziu a importantes deslocaes sociais e econmicas na zona industrial do nordeste chins (Rust Belt). Embora as condies materiais para os trabalhadores nas empresas ainda detidas pelo Estado continuem a ser melhores em termos relativos, hoje a gesto dessas firmas encontra-se em crescente concordncia com a lgica de maximi-zao de lucros.De maior interesse imediato a nova classe trabal-

    hadora, composta por migrantes rurais que acorre-ram em massa s cidades do sudeste chins (Sun Belt). Com a transio para o capitalismo iniciada em 1978, os agricultores obtiveram, a princpio, bons resultados, uma vez que o mercado atribua

    preos mais elevados do que o Estado aos bens agrcolas. Porm, em meados dos anos 80, estes ganhos comearam a ser arrasados pela inflao desenfreada, comeando a populao rural a procurar novas fontes de rendimento. abertura da China produo orientada para a exportao nas regies costeiras do sudeste, correspondeu a transformao destes agricultores em trabal-hadores migrantes.Ao mesmo tempo, o Estado descobriu que uma

    srie de instituies herdadas da economia de comando eram teis ao reforo da acumulao privada. Entre estas, a que mais se destacava era o siste