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Temas em Neurociências José Luciano Tavares da Silva Josiane Cecília Luzia (Organizadores)

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Page 1: Temas em Neurociências - UEL...áreas do conhecimento, especialmente das áreas biológicas e da saúde. Josiane Cecília Luzia Doutora em Neuropsicologia Clínica pela Universidad

Temas em Neurociecircncias

Joseacute Luciano Tavares da SilvaJosiane Ceciacutelia Luzia

(Organizadores)

9 786556 680057

ISBN 978-655668005-7

Temas em Neurociecircncias

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Josiane Ceciacutelia Luzia

(Organizadores)

2020

Copyright copy 2020 ndash Todos os direitos reservados

Si381t Silva Joseacute Luciano Tavares da Luzia Josiane CeciacuteliaTemas em Neurociecircncias Joseacute Luciano Tavares da Silva Josiane

Ceciacutelia Luzia (Orgs) ndash Editora Scienza 2020 ndash Satildeo Carlos SP Brasil

362 p

ISBN - 978-65-5668-015-6DOI - httpdxdoiorg1026626978-65-5668-015-6B0001

Disponiacutevel em httpwwwuelbrccbfisiologicasportalpagespublicacoesphphttpwwwuelbrccbpgacpagespublicacoesphp

1 Fisiologia humana 2 Neuropsicologia 3 Neurociecircncias 4 Sistema Nervoso I Orgs II Tiacutetulo

CDD 612

Revisatildeo Editoraccedilatildeo E-book e Impressatildeo

Rua Juca Sabino 21 ndash Satildeo Carlos SP(16) 3364-3346 | (16) 9 9285-3689

wwweditorascienzacombrgustavoeditorascienzacom

ReitorDr Seacutergio Carlos de Carvalho

Vice-reitorDr Deacutecio Sabbatini Barbosa

Comissatildeo CientiacuteficaOs capiacutetulos desta obra foram avaliados e receberam pareceres

ad hoc dos seguintes membros da comissatildeo cientiacutefica

bull Dr Amauri Gouveia Juacutenior | Universidade Federal do Paraacute-Paraacute

bull Dra Caacutessia Thais Bussamra Vieira Zaia | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Claacuteudia Bueno dos Reis Martinez | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dr Ernane Torres Uchoa | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Magda Solange Vanzo Pestun | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dr Mauro Leonelli | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Doutorando Mayron Piccolo | Universidade de Fribourg Fribourg Suiacuteccedila

bull Doutoranda Nancy Nazareth Gatzke Correcirca | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Regina Ceacutelia Bueno Rezende Machado | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Mestre Vanessa Santiago Ximenes | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Mestre Vivian Senegalia Morete | Varas de Famiacutelia e de Infacircncia e JuventudeTribunal de Justiccedila do Estado do Paranaacute

Organizadores

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Doutor em Ciecircncias (Fisiologia Humana) pela Universidade de Satildeo Paulo - Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncia do Movimento Humano (Fisiologia do Exerciacutecio) pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e dos Cursos de Poacutes-graduaccedilatildeo em Neurociecircncias e em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilaCoordenador do Programa de Formaccedilatildeo Complementar Temas em Neurociecircncias destinado a estudantes de graduaccedilatildeo poacutes-graduaccedilatildeo e profissionais de diversas aacutereas do conhecimento especialmente das aacutereas bioloacutegicas e da sauacutede

Josiane Ceciacutelia Luzia

Doutora em Neuropsicologia Cliacutenica pela Universidad de Salamanca Espanha Mestre em Neurociecircncias e Comportamento pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Mental da Universidade Estadual de Londrina Colaboradora do Programa de Formaccedilatildeo Complementar Temas em Neurociecircncias

Organizadores | 5

Sobre os Autores | 7

Sobre os Autores

Acauatilde Galdino Vieira SilvaGraduaccedilatildeo em Psicologia pela Universidade de Mariacutelia (UNIMAR)

Mariacutelia-Satildeo Paulo Psicoacutelogo Cliacutenico

Andreacute Demambre BacchiDoutor em Ciecircncias Fisioloacutegicas pela Universidade Estadual de

Londrina Docente da Universidade Federal de Rondonoacutepolis - MT

Andressa de Freitas Mendes DionisioDoutora em Farmacologia pela Universidade de Satildeo Paulo

Ribeiratildeo Preto - Satildeo Paulo Poacutes-doutorado pela Universidade do Alabama em Birmingham Estados Unidos da Ameacuterica e pela Faculdade de Medicina pela Universidade de Satildeo Paulo Ribeiratildeo Preto - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e do Programa Multicecircntrico de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias Fisioloacutegicas da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Celio Roberto EstanislauDoutor em Psicobiologia pela Universidade de Satildeo Paulo e Poacutes-

doutor pela Universitat Autoacutenoma de Barcelona Espanha Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Anaacutelise do Comportamento e Neurociecircncias da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Clay BritesDoutor em Ciecircncias Meacutedicas pela UNICAMP ndash Campinas -Satildeo

Paulo Pediatra e Neurologista Infantil do Instituto Neurosaber Londrina-Paranaacute Membro Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) Membro e Vice-Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissotildees Afins (ABENEPI) - Paranaacute

8 | Temas em Neurociecircncias

Decircnis Augusto Santana ReisMestre em Farmacologia pela Faculdade de Medicina de

Ribeiratildeo Preto-USP Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina Pesquisador do Nuacutecleo de Estudos Violecircncia e Relaccedilotildees de Gecircnero - NEVIRG- UNESPASSIS- Satildeo Paulo

Denise Albieri Jodas SalvagioniDoutora em Sauacutede Coletiva pela Universidade Estadual de

Londrina Docente do Departamento de Enfermagem do Instituto Federal do Paranaacute Londrina-Paranaacute

Edneacuteia Aparecida PeresDoutora em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio

de Mesquita Filho-Campus Mariacutelia Mariacutelia ndash Satildeo Paulo Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Guilherme Machado BorgesEspecialista em Anaacutelise do Comportamento Aplicado pelo

Centro Universitaacuterio Filadeacutelfia Docente Coordenador de Estaacutegios do Curso de Psicologia da Faculdade de Jandaia do Sul ndash FafiJan Jandaia do Sul - Paranaacute

Isis Amanda Andrade AmadeuEstudante do Curso de Psicologia pela Universidade Estadual de

Londrina Londrina-Paranaacute

Jayme Marrone JuacuteniorDoutorando em Ensino de Ciecircncias pela Universidade Estadual

de Londrina Londrina-Paranaacute Docente do Instituto Federal do Paranaacute Astorga-Paranaacute

Joseacute Luciano Tavares da SilvaDoutor em Ciecircncias pela Universidade de Satildeo Paulo (USP)-Satildeo

Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Neurociecircncias (UEL) Docente e coordenador do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedila e coordenador do Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Sobre os Autores | 9

Josiane Ceciacutelia LuziaDoutora em Neuropsicologia Cliacutenica pela Universidad de

Salamanca Espanha Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Mental da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Lucas Aleacutecio GomesDoutor em Ciecircncias pela Faculdade de Medicina Veterinaacuteria

e Zootecnia da Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo Docente do Departamento de Cliacutenicas Veterinaacuterias e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncia Animal da Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

Mauro LeonelliDoutor em Fisiologia pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo

Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e da Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilada Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Rodrigo Moreno KleinDoutorando pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da

Sauacutede da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Roberta EkuniDoutora em Ciecircncias pela Universidade Federal de Satildeo Paulo -

Satildeo Paulo Docente da Universidade Estadual do Norte do Paranaacute e do Programa de Mestrado em Educaccedilatildeo (PPEd) Jacarezinho - Paranaacute

Selma Maffei de AndradeDoutorado em Sauacutede Puacuteblica pela Universidade de Satildeo Paulo-

Satildeo Paulo Docente do Departamento de Sauacutede Coletiva e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Silvia Alves SantosDoutora em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Satildeo Carlos

(UFSCar) Satildeo Carlos - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

10 | Temas em Neurociecircncias

Silvia PonzoniDoutora em Ciecircncias pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo

e Poacutes-Doutorado pela Universita degli Studi - Modena USMOD Itaacutelia e Universitagrave Degli Studi Di Parma UDSPR Itaacutelia Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e da Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilada Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Thiago Soares CampoliMestre em Anaacutelise do Comportamento pela Universidade

Estadual de Londrina Psicoacutelogo cliacutenico em Londrina-Paranaacute

Wagner Ferreira LimaDoutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de

Mesquita Filho Assis - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Letras Vernaacuteculas e Claacutessicas Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Apresentaccedilatildeo | 11

Apresentaccedilatildeo

O aprimoramento notadamente nas duas uacuteltimas deacutecadas da divulgaccedilatildeo cientiacutefica relacionada agraves Neurociecircncias seja por intermeacutedio de manchetes indicando novas descobertas na aacuterea livros voltados exclusivamente a este fim ou ainda por meio de filmes ou seacuteries de TV como ldquoBrain Gamesrdquo (ldquoTruques da Menterdquo no Brasil produzida pela Natgeo) colaborou de forma inequiacutevoca para o crescente interesse despertado no puacuteblico de forma geral Afinal quem natildeo conhece algueacutem mais ou menos proacuteximo que esteja acometido por disfunccedilotildees como doenccedila de Alzheimer ou Parkinson mais comuns a cada ano devido ao envelhecimento populacional Pode ser que na famiacutelia haja uma pessoa que sofra com transtorno obsessivo-compulsivo transtorno de deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividade um filho para o qual aprender a ler eacute um desafio quase intransponiacutevel ou mesmo um tio que sente dor em uma perna que fora amputada e natildeo existe mais Quem sabe algueacutem tenha passado pelo terror de sentir-se paralisado sem poder mover um muacutesculo sequer ao acordar de madrugada podendo jurar que embora sozinho sentira a presenccedila de algo ldquosobrenaturalrdquo

Eacute fascinante saber que tais exemplos e muitos outros que fazem parte de nosso dia a dia podem ser explicados por alteraccedilotildees no funcionamento dessa massa tortuosa com consistecircncia gelatinosa e cerca de 15 kg contida pelo cracircnio Mesmo com sua aparecircncia relativamente estranha quando comparada aos outros oacutergatildeos do corpo tudo o que pensamos sentimos e experimentamos natildeo passa de mera atividade eletroquiacutemica presente nas trilhotildees de conexotildees entre as ceacutelulas que a compotildee O delicioso cheiro e sabor daquela pizza que acabou de sair do forno a visatildeo da pessoa amada e os sentimentos e emoccedilotildees a ela relacionados o amor incondicional pelos filhos e o medo aterrorizante de perdecirc-los a raiva pelo tracircnsito na hora do rush e a alegria de finalmente chegar em casa ou seja absolutamente tudo aquilo que somos de tal maneira que ao morrermos tudo isso tambeacutem morre conosco Ou seraacute que natildeo

12 | Temas em Neurociecircncias

Torna-se portanto natural o desejo de saber mais sobre o sistema nervoso e assim poder vislumbrar de maneira um pouco mais profunda sua espetacular complexidade Logo natildeo surpreende que o desenvolvimento de um programa complementar de ensino nesta aacuterea tenha obtido tanto sucesso com cerca de 1300 participantes inscritos desde sua primeira ediccedilatildeo em 2010

Com o objetivo de comemoraccedilatildeo ao aniversaacuterio de dez anos do programa de formaccedilatildeo complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo esta obra reuacutene os conteuacutedos trabalhados por alguns de seus colaboradores que dentro de suas aacutereas de conhecimento ministraram palestras orientaram grupos de estudos ou ambos ao longo desta uacuteltima deacutecada Considerando a caracteriacutestica diversificada do programa em relaccedilatildeo aos diferentes temas abordados optamos por organizar os 14 capiacutetulos que compotildeem o livro em trecircs seccedilotildees

A Seccedilatildeo 1 ldquoTeoria e Neurociecircnciasrdquo eacute composta pelos capiacutetulos 1 a 5 em que satildeo apresentadas consideraccedilotildees sobre as caracteriacutesticas do programa desde seu lanccedilamento em 2010 no capiacutetulo 1 os aspectos relacionados agrave evoluccedilatildeo do sistema nervoso no capiacutetulo 2 os denominados ldquoneuromitosrdquo e como estatildeo arraigados na populaccedilatildeo que neles creem no capiacutetulo 3 conjecturas relacionadas agrave associaccedilatildeo entre as Neurociecircncias e a fiacutesica quacircntica no capiacutetulo 4 e uma revisatildeo bibliograacutefica acerca da relaccedilatildeo entre as Neurociecircncias e as denominadas ldquoexperiecircncias paranormaisrdquo no capiacutetulo 5

A Seccedilatildeo 2 ldquoProcessos Baacutesicos em Neurociecircnciasrdquo eacute constituiacuteda pelos capiacutetulos 6 a 9 e apresenta as bases para a dependecircncia quiacutemica no capiacutetulo 6 aspectos neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor no capiacutetulo 7 possiacuteveis alteraccedilotildees no sistema nervoso presentes no criminoso no capiacutetulo 8 e aspectos evolucionistas e neurobiologia do transtorno obsessivo-compulsivo no capiacutetulo 9

A Seccedilatildeo 3 ldquoAspectos Cliacutenicos em Neurociecircnciasrdquo eacute constituiacuteda pelos capiacutetulos 10 a 14 em que satildeo apresentados aspectos neurobioloacutegicos da dislexia no capiacutetulo 10 o distuacuterbio psiacutequico associado ao trabalho denominado ldquoSiacutendrome de Burnoutrdquo no capiacutetulo 11 os aspectos farmacoloacutegicos relacionados ao tratamento da dor crocircnica nociceptiva no capiacutetulo 12 a epilepsia em catildees no capiacutetulo 13 e a abordagem do transtorno de ansiedade social sob o ponto de vista da anaacutelise do comportamento no capiacutetulo 14

Apresentaccedilatildeo | 13

Gostaria de manifestar meu reconhecimento e agradecimento a todos os colaboradores palestrantes e orientadores de grupos de estudos que ao longo destes dez anos enalteceram o programa com seus conhecimentos sem os quais o programa e esta obra natildeo existiriam Particularmente agradeccedilo os autores e revisores responsaacuteveis por cada capiacutetulo os quais estatildeo vinculados em sua maioria a Instituiccedilotildees de Ensino Superior seja na categoria de docente estudante de poacutes-graduaccedilatildeo ou iniciaccedilatildeo cientiacutefica e tambeacutem aos profissionais liberais cujos princiacutepios de atuaccedilatildeo estatildeo pautados nos conhecimentos atuais das Neurociecircncias

Tenham todos uma oacutetima leitura

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Sumaacuterio | 15

Sumaacuterio

Seccedilatildeo I

Capiacutetulo 1Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo

Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso 19Joseacute Luciano Tavares da Silva Silvia Alves Santos Wagner Ferreira Lima e Josiane Ceciacutelia Luzia

Capiacutetulo 2 Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees 35

Silvia Ponzoni

Capiacutetulo 3Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro 61

Roberta Ekuni

Capiacutetulo 4A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as

Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas 79Jayme Marrone Juacutenior

Capiacutetulo 5 As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os

Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto 107Joseacute Luciano Tavares da Silva e Josiane Ceciacutelia Luzia

Seccedilatildeo II

Capiacutetulo 6Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica 163

Andreacute Demambre Bacchi

16 | Temas em Neurociecircncias

Capiacutetulo 7 Dor Aguda e Dor Crocircnica 185

Mauro Leonelli

Capiacutetulo 8 A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova

Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso 209Decircnis Augusto Santana Reis

Capiacutetulo 9Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva

Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos 239Celio Roberto Estanislau Thiago Soares Campoli Rodrigo Moreno Klein Acauatilde Galdino Vieira Silva Isis Amanda Andrade Amadeu e Guilherme Machado Borges

Seccedilatildeo III

Capiacutetulo 10 Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees

da Neuroimagem 259Clay Brites

Capiacutetulo 11 Siacutendrome de Burnout 275

Denise Albieri Jodas Salvagioni e Selma Maffei de Andrade

Capiacutetulo 12 Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no

Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva 293Andressa de Freitas Mendes Dionisio

Capiacutetulo 13 Epilepsia em Catildees 319

Lucas Aleacutecio Gomes

Capiacutetulo 14 Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso 341

Josiane Ceciacutelia Luzia Edneacuteia Aparecida Peres e Joseacute Luciano Tavares da Silva

SECcedilAtildeO I

TEORIA E NEUROCIEcircNCIAS

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Silvia Alves SantosUniversidade Estadual de Londrina

Wagner Ferreira LimaUniversidade Estadual de Londrina

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado (1990-2000) foi considerada a ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo devido ao avanccedilo exponencial das pesquisas cientiacuteficas neste campo Desde 1996 a Fundaccedilatildeo Dana (The Dana Foundation) localizada em Nova York nos Estados Unidos promove anualmente uma campanha global a ldquoSemana do Ceacuterebrordquo (Brain Awareness Week) no decorrer da qual satildeo repassadas ao puacuteblico em geral informaccedilotildees relacionadas ao progresso e benefiacutecios das pesquisas cientiacuteficas sobre o ceacuterebro objetivando conscientizaccedilatildeo acerca de sua importacircncia Aderindo agrave campanha todos os anos diversas instituiccedilotildees do Brasil (universidades hospitais e outras) realizam a ldquoSemana do Ceacuterebrordquo durante o mecircs de marccedilo

O presente programa de formaccedilatildeo complementar em neurociecircncias da Universidade Estadual de Londrina eacute voltado exclusivamente aos estudantes matriculados em instituiccedilotildees de ensino superior tanto em niacutevel de graduaccedilatildeo quanto de poacutes-graduaccedilatildeo e aos profissionais atuantes no mercado de trabalho Como princiacutepio baacutesico apresenta a divulgaccedilatildeo do que se sabe

Autor para correspondecircncia jlucianotavares

gmailcom

1

20 | Temas em Neurociecircncias

atualmente sobre determinados temas baacutesicos e tambeacutem cliacutenicos que estejam direta ou indiretamente relacionados agraves neurociecircncias

Sua importacircncia reside no fato de que a prevenccedilatildeo tratamento e entendimento de alteraccedilotildees funcionais relacionadas ao sistema nervoso requerem noccedilotildees sobre sua funccedilatildeo normal e o que se poderia esperar em caso de anormalidades Isto implica que de maneira direta ou indireta e de forma mais ou menos aprofundada profissionais da aacuterea da sauacutede e de aacutereas afins que lidam com desenvolvimento humano ndash como psicoacutelogos pedagogos assistentes sociais entre outros ndash precisam dispor desta compreensatildeo Eacute evidente por exemplo a dificuldade de muitos professores do ensino fundamental em como proceder para o melhor atendimento agraves crianccedilas que apresentam deficiecircncias eou limitaccedilotildees fiacutesicas e intelectuais apoacutes a sua inclusatildeo em turmas cuja maioria se encaixa nos padrotildees aceitos como normais

Sob o ponto de vista do desenvolvimento tecnoloacutegico no acircmbito industrial o qual se apresenta em franca expansatildeo e envolve desde a confecccedilatildeo de proacuteteses interligadas ao sistema nervoso ateacute a substituiccedilatildeo de oacutergatildeos sensoriais por equivalentes roboacuteticos eacute visiacutevel a necessidade de profissionais capacitados a fazer as interconexotildees entre esta aacuterea e a tecnologia biomeacutedica

Mesmo que por enquanto esteja relativamente longe de explicar de maneira convincente como a consciecircncia em toda sua complexidade adveacutem de uma massa formada por bilhotildees de neurocircnios e outras ceacutelulas que perfazem o enceacutefalo humano o conjunto de ciecircncias relacionadas ao estudo e compreensatildeo do sistema nervoso ou seja as ldquoNeurociecircnciasrdquo tecircm feito progressos inegaacuteveis para tal compreensatildeo

Fundamentada na premissa de que todo comportamento e vida mental originam-se da estrutura e funccedilatildeo do sistema nervoso (Squire Berg Bloom Du Lac Ghosh amp Spitzer 2008) ela se abre aos diversos ramos de pesquisa cada um dos quais regidos por um ponto de vista distinto Com a compreensatildeo dos diferentes aspectos relacionados agrave fisiologia agrave bioquiacutemica agrave farmacologia e agrave estrutura do ceacuterebro de vertebrados a disciplina de neurociecircncias apesar de relativamente nova apresentou grande evoluccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas (Goswami 2004)

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 21

Neste conjunto de partes que se complementam pode-se citar dentre outros o ramo que estuda sua anatomia ou neuroanatomia a interaccedilatildeo entre o sistema nervoso e o sistema endoacutecrino ou neuroendocrinologia a accedilatildeo de drogas sobre o sistema nervoso ou neurofarmacologia as funccedilotildees do sistema nervoso ou neurofisiologia as patologias do sistema nervoso ou neurologia os distuacuterbios neuroloacutegicos em associaccedilatildeo com distuacuterbios psiquiaacutetricos ou neuropsiquiatria e as relaccedilotildees entre o ceacuterebro e funccedilotildees mentais vale dizer a neuropsicologia (Herculano-Houzel 2008)

Nota-se contudo que o prefixo ldquoneurordquo vem sendo apropriado de maneira no miacutenimo questionaacutevel por diversos setores da sociedade (Neves 2016) Com objetivos oportunistas ou para conquistar maior audiecircncia a imprensa e outros grupos (propositalmente ou natildeo) muitas vezes simplificam fatos e resultados cientiacuteficos podendo inclusive colocar em risco a sauacutede da populaccedilatildeo que crecirc no que eacute divulgado

Assim sendo extrapolando o aspecto profissional o esclarecimento do puacuteblico em geral sobre o papel das neurociecircncias no dia a dia mostra-se essencial para o desenvolvimento cultural e social da sociedade evitando que a populaccedilatildeo seja talhada segundo o interesse comercial de grupos diversos baseados em boatos ou crenccedilas infundadas os denominados ldquoneuromitosrdquo (Ekuni amp Pompeacuteia 2016)

Ao longo dos uacuteltimos anos tem havido grande nuacutemero de concepccedilotildees errocircneas acerca do ceacuterebro as quais satildeo divulgadas pela miacutedia de forma geral muitas relacionadas ao processo de aprendizagem Considerando-se que frequentemente originam-se de elementos cientiacuteficos mesmo que mal interpretados incompletos ou extrapolados para aleacutem das evidecircncias observadas em pesquisas sua refutaccedilatildeo torna-se mais difiacutecil como os exemplos que seguem (OECD 2007)

a) ldquoNatildeo haacute tempo a perder pois tudo que eacute importante acerca do ceacuterebro eacute decidido ateacute a idade de trecircs anosrdquo

b) ldquoExistem periacuteodos criacuteticos nos quais certas mateacuterias devem ser ensinadas e aprendidasrdquo

c) ldquoNoacutes utilizamos normalmente apenas 10 da capacidade de nosso ceacuterebrordquo

22 | Temas em Neurociecircncias

d) ldquoExistem pessoas que utilizam mais o hemisfeacuterio esquerdo e outras o hemisfeacuterio direito do ceacuterebrordquo

e) ldquoHomens e meninos possuem ceacuterebros diferentes de mulheres e meninasrdquo

f) ldquoO ceacuterebro de uma crianccedila pequena eacute capaz de aprender apenas um idioma por vezrdquo entre outros

Por conta de concepccedilotildees como estas observa-se que muitas escolas podem utilizar meacutetodos de ensino baseados em crenccedilas cientificamente infundadas (Brockington amp Mesquita 2016)

Aleacutem dos ldquoneuromitosrdquo pode-se ainda salientar crenccedilas aceitas como verdadeiras por parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo tais como ldquoexperiecircncias de quase-morterdquo ldquoabduccedilotildees alieniacutegenasrdquo e outras do gecircnero para as quais existem explicaccedilotildees embasadas na neurociecircncia (Mobbs amp Watt 2011) Em relaccedilatildeo a esta uacuteltima o esclarecimento sobre como o sistema nervoso pode gerar alteraccedilotildees na percepccedilatildeo eou consciecircncia muitas vezes inoacutecuas mas quando apontadas de maneira equivocada como indiacutecios de manifestaccedilotildees sobrenaturais ou de doenccedilas graves poderia acarretar o sensacionalismo que sempre as caracterizam

Considerando a importacircncia de desmistificar tais crenccedilas e esclarecer profissionais e futuros profissionais da aacuterea da sauacutede e afins os quais satildeo (ou ao menos deveriam ser) o elo entre a pesquisa cientiacutefica seacuteria e o puacuteblico em geral este programa de formaccedilatildeo complementar objetiva possibilitar a aquisiccedilatildeo de noccedilotildees baacutesicas fundamentais acerca das funccedilotildees normal e anormal relacionadas ao sistema nervoso

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Aspectos Histoacutericos

O Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo foi iniciado na forma de projeto de pesquisa em ensino em agosto de 2010 sendo entatildeo denominado de ldquoEstudos de Casos em Neurociecircncia Cliacutenicardquo

A princiacutepio foi direcionado apenas aos estudantes de graduaccedilatildeo do terceiro e quarto anos do curso de Psicologia da UEL com 43 estudantes inscritos A ideia partiu da necessidade de incrementar a

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 23

parte de fisiologia do sistema nervoso inserida na disciplina ldquoFisiologia Humanardquo voltada ao curso de Psicologia e que estava vigente na eacutepoca atualmente substituiacuteda pela disciplina ldquoNeurofisiologiardquo

Aleacutem da parte de neurofisiologia o programa englobava toacutepicos cliacutenicos pouco vistos no decorrer da graduaccedilatildeo Na eacutepoca o programa tambeacutem atraiu a atenccedilatildeo de estudantes do curso como mais uma opccedilatildeo para participaccedilatildeo em projeto de ensino e indiretamente como uma porta para projetos de pesquisa de docentes orientadores de casos cliacutenicos em neurociecircncias Tendo em vista a pouca oferta de vagas o projeto foi desenvolvido em salas de aula do departamento de ciecircncias fisioloacutegicas do CCBUEL com baixa capacidade de lotaccedilatildeo Considerando que as palestras e desenvolvimento de estudos foram realizados por docentes colaboradores do projeto que recebiam carga horaacuteria para tal ou por consultores externos convidados natildeo houve necessidade de conseguir financiamento para seu desenvolvimento

No ano seguinte iniciou-se a segunda turma desta vez aberta tambeacutem a estudantes de Fisioterapia do segundo ano sendo formada por 63 estudantes sendo 23 estudantes de Psicologia e 40 estudantes de Fisioterapia A terceira e uacuteltima turma ainda como projeto de pesquisa em ensino foi aberta em 2012 sendo formada por 76 estudantes de graduaccedilatildeo de cursos diversos da UEL e dois estudantes de outras instituiccedilotildees

Encerrado na forma de projeto de pesquisa em ensino no ano de 2012 deu-se origem ao Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo em formato de palestras em um semestre e de estudos em grupos no semestre seguinte Em 2013 no seu primeiro ano como Programa de Formaccedilatildeo Complementar obteve o total de 115 estudantes inscritos dos quais 107 estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL e oito participantes externos A turma seguinte em 2014 obteve 121 inscriccedilotildees sendo 59 estudantes de graduaccedilatildeo de cursos diversos da UEL e 62 participantes externos

A turma de 2015 apresentou 166 inscriccedilotildees das quais 94 de estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL e 72 participantes externos A turma seguinte de 2016 obteve 220 inscriccedilotildees das quais 120 inscriccedilotildees de estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e cem inscriccedilotildees de participantes externos Em 2017 houve 188 inscriccedilotildees das quais

24 | Temas em Neurociecircncias

101 de estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e 88 participantes externos Finalmente em 2018 foram realizadas 245 inscriccedilotildees das quais 139 estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e 106 participantes externos

O Programa mostra-se um espaccedilo profiacutecuo para o desenvolvimento de temas de pesquisa para alunos e comunidade externa isso significa afirmarmos que sua consolidaccedilatildeo como espaccedilo formativo acadecircmico eacute de grande valia para a sociedade Corroborando tal afirmaccedilatildeo a partir de um grupo de estudos voltado para o tema ldquoSuiciacutediordquo coordenado por uma das colaboradoras do programa foi desenvolvido o evento de extensatildeo Suiciacutedio vocecirc jaacute parou para pensar no formato de ldquomesas redondasrdquo o qual obteve nuacutemero expressivo de inscriccedilotildees gerando livro homocircnimo escrito pelos palestrantes

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Aspectos Metodoloacutegicos

O Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo caracteriza-se por palestras diversas relacionadas de maneira direta ou indireta agraves neurociecircncias As atividades ocorrem aos saacutebados no periacuteodo da manhatilde no Centro de Ciecircncias Bioloacutegicas da Universidade Estadual de Londrina (CCBUEL) no decorrer do segundo semestre do ano letivo Aos estudantes de graduaccedilatildeo regularmente matriculados na instituiccedilatildeo e que tenham participado de um nuacutemero miacutenimo de 70 das palestras do semestre anterior eacute oferecida a oportunidade de permanecer no programa no semestre seguinte para participaccedilatildeo em grupos de estudos os quais estatildeo sob a orientaccedilatildeo de docentes ou estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo de mestrado ou doutorado tambeacutem da instituiccedilatildeo e tecircm por objetivo o estudo mais aprofundado sobre temas diversos propostos pelos orientadores

Acredita-se que desta maneira seratildeo fortalecidos os conhecimentos acerca do funcionamento global do sistema nervoso visto por diferentes aspectos e abordagens Havendo vagas remanescentes para participaccedilatildeo em grupos de estudos estas satildeo ofertadas a colaboradores externos O criteacuterio utilizado para preferecircncia de participaccedilatildeo eacute o mesmo utilizado para estudantes

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 25

da UEL ou seja os que apresentam maior participaccedilatildeo na fase de palestras

Desde que se iniciou como programa de formaccedilatildeo complementar em 2013 ateacute o teacutermino do cronograma de 2018 foram ministradas 140 palestras sendo 23 em 2013 25 em 2014 21 em 2015 22 em 2016 26 em 2017 e 23 em 2018 com duraccedilatildeo de 90 a 180 minutos dependendo da complexidade do tema tratado Tendo em vista que atualmente o puacuteblico participante eacute composto por estudantes e profissionais de diversas aacutereas do conhecimento optou-se a partir da turma de 2015 por ministrarem-se palestras relacionadas tanto agrave aacuterea cliacutenica quanto agrave Neurofisiologia baacutesica

As palestras relacionadas agrave Neurofisiologia baacutesica que ocorreram previamente agraves relacionadas agrave aacuterea cliacutenica foram ministradas por docentes das disciplinas de ldquoNeurofisiologiardquo ldquoNeuroendocrinologiardquo e ldquoPsicofarmacologiardquo do curso de Psicologia da UEL e docentes externos e foram as seguintes ldquoAntidepressivosrdquo ldquoCaccediladores de neuromitos o que vocecirc sabe sobre seu ceacuterebro eacute verdaderdquo ldquoControle neuroendoacutecrino da fome e saciedaderdquo ldquoFarmacologia no tratamento da dor crocircnicardquo ldquoNeurotransmissatildeo na dor crocircnicardquo ldquoNeurotransmissatildeo e organizaccedilatildeo do sistema nervosordquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas sensoriaisrdquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas motoresrdquo ldquoNeurofisiologia das emoccedilotildeesrdquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas de memoacuteriardquo ldquoNeurofisiologia do ciclo sono-vigiacuteliardquo e ldquoOrigem e evoluccedilatildeo da vidardquo

As palestras relacionadas agrave neurociecircncia cliacutenica foram ministradas por docentes convidados todos especialistas na aacuterea cujo tema foi abordado vale dizer graduados e poacutes-graduados nas aacutereas de Biomedicina Enfermagem Farmaacutecia Fisioterapia Medicina (Anestesiologia Cirurgia bariaacutetrica Endocrinologia Geriatria Neurocirurgia Neurologia Neuropediatria e Psiquiatria) Medicina Veterinaacuteria Odontologia Psicologia e Psicopedagogia

Os temas das palestras foram os seguintes (em ordem alfabeacutetica) ldquoApneia do sonordquo ldquoAspectos farmacoloacutegicos da analgesia e anestesiardquo ldquoAspectos psicoloacutegicos das emoccedilotildeesrdquo ldquoAtendimento odontoloacutegico ao paciente especialrdquo ldquoBullying consequecircncias psicoloacutegicasrdquo ldquoCirurgia bariaacutetrica aspectos cliacutenicos e psicoloacutegicosrdquo ldquoDemecircncias senisrdquo ldquoDependecircncia quiacutemica e compulsatildeordquo ldquoDepressatildeo

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e suiciacutediordquo ldquoDistuacuterbios do processamento auditivo centralrdquo ldquoDoenccedilas neuromuscularesrdquo ldquoDoenccedila de Parkinsonrdquo ldquoDor e analgesia aspectos emocionaisrdquo ldquoDor neuropaacuteticardquo ldquoEsclerose muacuteltiplardquo ldquoEsquizofreniardquo ldquoFalando sobre surdocegueirardquo ldquoNeuroetologia em epilepsiardquo ldquoNeurologia da aprendizagemrdquo ldquoNeuromarketing e a loacutegica do consumordquo ldquoNeuropatia diabeacuteticardquo ldquoNeuroplasticidade modificaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do sistema nervosordquo ldquoNeuro-zoonosesrdquo ldquoParalisia cerebralrdquo ldquoPsiquiatria forenserdquo ldquoPsico-neuro-endocrino-imunologiardquo ldquoReconexatildeo de tratos medulares via sistemas inteligentesrdquo ldquoSiacutendrome de anorexia e bulimiardquo ldquoSiacutendrome de burnoutrdquo ldquoSiacutendromes corticaisrdquo ldquoSiacutendrome de Prader-Willyrdquo ldquoTDAH visatildeo do cliacutenicordquo ldquoTDAH visatildeo do psicoacutelogordquo ldquoTDAH visatildeo do psicopedagogordquo ldquoToxina botuliacutenica uso cliacutenicordquo ldquoTranstorno bipolarrdquo ldquoTranstorno obsessivo-compulsivo e siacutendrome de Touretterdquo ldquoTranstornos do sonordquo e ldquoTrauma raqui-medularrdquo

Destacamos que o trabalho realizado no Programa de Formaccedilatildeo Complementar conta tambeacutem com grupos de estudos que auxiliam no aprofundamento dos temas bem como incorporam outros que se relacionam agrave temaacutetica geral da pesquisa em Neurociecircncias

Desde o iniacutecio ainda na forma de projeto de ensino em 2010 ateacute o presente os grupos de estudos se organizaram em torno do aprofundamento dos seguintes temas ldquoAccedilatildeo de drogas sobre ingestatildeo alimentar e gasto energeacuteticordquo ldquoAcidente vascular encefaacutelicordquo ldquoAdaptaccedilotildees fisioloacutegicas do atleta no paradesporterdquo ldquoAntidepressivos e desenvolvimentordquo ldquoAplicaccedilatildeo de conceitos de neurociecircncias na sauacutede coletiva em UBSrdquo ldquoAspectos bioloacutegicos do comportamento sexual e maternalrdquo ldquoAspectos neurobioloacutegicos da criminalidaderdquo ldquoAspectos neurofisioloacutegicos da obesidaderdquo ldquoAspectos neuropsicoloacutegicos do cacircncerrdquo ldquoAspectos psicoloacutegicos da doenccedila de Alzheimerrdquo ldquoAspectos sociais e neuroquiacutemicos de comportamentos suicidasrdquo ldquoAtletas paraliacutempicos e suas particularidadesrdquo ldquoBulimiardquo ldquoContribuiccedilotildees das neurociecircncias agrave educaccedilatildeo especialrdquo ldquoControle neural da funccedilatildeo cardiacuteaca e disfunccedilotildees associadasrdquo ldquoDepressatildeo fisiopatologia e tratamentordquo ldquoDiferenciaccedilatildeo sexual pelo sistema nervoso centralrdquo ldquoDoenccedilas encefaacutelicas em catildees e gatosrdquo ldquoDoenccedila de Parkinsonrdquo ldquoEmoccedilotildees e hipertensatildeordquo ldquoEmpatia e fobia socialrdquo ldquoEpilepsiardquo ldquoEstresse memoacuteria e aprendizagemrdquo ldquoEtologia psicofarmacologia neuropsicologia psicologia evolucionista e psicobiologia da

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 27

depressatildeordquo ldquoFisiologia do envelhecimentordquo ldquoFunccedilotildees executivas memoacuteria de trabalho velocidade de processamento e atenccedilatildeordquo ldquoLinguagem e cogniccedilatildeo corpoacutereardquo ldquoMecanismos neuroendoacutecrinos relacionados agrave obesidaderdquo ldquoMedo e transtornos de ansiedaderdquo ldquoModelo Psicobioloacutegico e suas relaccedilotildees com o desempenho motorrdquo ldquoNeuroarte e arteterapiardquo ldquoNeurobiologia e farmacologia das drogas de abusordquo ldquoNeurobiologia da linguagemrdquo ldquoNeurociecircncias e espiritualidaderdquo ldquoNeurologia cliacutenica em animais de companhiardquo ldquoNeuropsicologia da empatiardquo ldquoPatologia das disfunccedilotildees linguiacutesticasrdquo ldquoPlantas psicoativasrdquo ldquoProposiccedilatildeo de procedimentos preacute-cliacutenicos com vistas agrave prevenccedilatildeo da recidiva ao consumo de drogasrdquo ldquoSelf mente e comunicaccedilatildeo a reflexividade nas relaccedilotildees interpessoaisrdquo ldquoSentidos e realidade aspectos fiacutesicos e neurocientiacuteficosrdquo ldquoSistema nervoso autocircnomo e metabolismordquo ldquoSubstacircncias psicoativas e comportamentordquo ldquoSuiciacutedio Vocecirc jaacute parou para pensarrdquo ldquoTranstorno bipolarrdquo ldquoTranstorno de deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividaderdquo e ldquoUso de faacutermacos antidepressivos e gravidezrdquo

Expectativas e Impressotildees do Puacuteblico Participante aobre o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo

Objetivando identificar o perfil dos participantes do programa e seus interesses dentro das neurociecircncias no primeiro dia dos trabalhos de uma das ediccedilotildees do programa foram aplicados questionaacuterios com questotildees sobre a formaccedilatildeo acadecircmica ou natildeo dos sujeitos participantes quais os motivos levaram o participante a optar por esse Programa qual a relevacircncia do Programa para seu curso para sua profissatildeo ou sua vida e por uacuteltimo quais as expectativas com relaccedilatildeo ao aprendizado obtido pelo Programa

Houve 123 questionaacuterios respondidos dentre os quais 74 estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL sendo 21 estudantes de Psicologia 18 de Medicina 9 de Fisioterapia 7 de Biomedicina 5 de Pedagogia 4 de Ciecircncias Bioloacutegicas 4 de Medicina veterinaacuteria 2 de Enfermagem 2 de Farmaacutecia 1 de Engenharia eleacutetrica e 1 de Fiacutesica Aleacutem desses 49 participantes da comunidade externa agrave UEL sendo 20 estudantes de Psicologia 5 estudantes de Medicina 2

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estudantes de Biomedicina 2 estudantes de Fisioterapia 1 estudante de Medicina veterinaacuteria 1 teacutecnico administrativo 4 psicoacutelogos 1 bacharel em Educaccedilatildeo Fiacutesica 1 fisioterapeuta 1 meacutedico veterinaacuterio 1 pedagogo 1 professor de biologia e 9 estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo (dois em niacutevel de mestrado e dois de doutorado)

Todas as respostas possuem caracteriacutesticas especiacuteficas acerca do lugar e da situaccedilatildeo em que fala o sujeito No entanto neste trabalho elencamos algumas respostas que trouxeram mais elementos justificaacuteveis em cada uma das questotildees apresentadas

A primeira questatildeo pautou-se na necessidade de colher informaccedilotildees sobre qual seria a relevacircncia do conhecimento dentro da aacuterea de neurociecircncias para o curso a profissatildeo ou para a vida do sujeito

De modo geral as respostas confirmam a ubiquidade das neurociecircncias na vida das pessoas fato que tem despertado o interesse dos acadecircmicos por este Programa de Formaccedilatildeo Complementar Cada qual focaliza um dos aspectos das neurociecircncias que diz respeito agrave sua aacuterea potencial de atuaccedilatildeo O estudante de Psicologia destaca a importacircncia da relaccedilatildeo entre processos cerebrais e psicoloacutegicos (neuropsicologia) para sua carreira profissional

ldquoPenso em futuramente ir para a aacuterea de neuropsico-logia sendo assim o programa de formaccedilatildeo complementar tem muito que me acrescentar aleacutem de ser uma aacuterea muito interessante e o conhecimento aqui adquirido teraacute sua importacircncia para minha profissatildeo independente da aacuterea que eu sigardquo (estudante do 3ordm ano de Psicologia da UEL)

De fato as pesquisas neurocientiacuteficas tecircm jogado uma luz sobre o funcionamento da mente humana por exemplo especificamente no tocante agrave mente emocional trabalhos sobre o papel dos neurotransmissores e do uso de faacutermacos na regulaccedilatildeo do humor e comportamentos satildeo fundamentais Assim as palestras do projeto que tecircm versado direta ou indiretamente sobre tal relaccedilatildeo conseguem atender agraves expectativas dos estudantes de Psicologia

Outro aspecto das pesquisas neurocientiacuteficas mencionado no questionaacuterio concerne ao emprego de conhecimentos neuropsicoloacutegicos na educaccedilatildeo formal As palavras abaixo expressam essa relaccedilatildeo

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 29

ldquoAtraveacutes da aacuterea de neurociecircncias posso compreender melhor o comportamento de meus possiacuteveis alunos (as) penso que unindo a aacuterea em questatildeo mais os conhecimentos que tenho em Psicologia posso buscar entender de um jeito mais aprofundado os meus alunosrdquo (estudante do 5ordm ano de Pedagogia da UEL)

Essa eacute uma aacuterea a qual as neurociecircncias tecircm muito a oferecer e dessa maneira ela surge como um novo instrumento diagnoacutestico para problemas de aprendizado E natildeo soacute pois fundamental tem sido tambeacutem compreender os problemas comportamentais apresentados por crianccedilas e adolescentes Muitos deles tecircm a ver natildeo apenas com condiccedilotildees socioculturais mas com o amadurecimento cerebral pois o processo de ldquoadolescerrdquo por exemplo tem sido encarado pelas neurociecircncias como um processo acontecendo no ceacuterebro e refletindo-se nas accedilotildees e condutas dos jovens (Herculano-Houzel 2005)

Nesse sentido palestras e grupos de estudo que direta ou indiretamente abordam questotildees relacionadas agrave formaccedilatildeo cognitiva e emocional conseguem dar conta de problemas comportamentais em geral e de crianccedilas e adolescentes em particular no campo da educaccedilatildeo

Outra resposta faz menccedilatildeo a outra forma de aplicaccedilatildeo dos conhecimentos neurocientiacuteficos Trata-se de um ramo profissional muito especiacutefico e teacutecnico mas significativo quanto a abrangecircncia das neurociecircncias nos dias atuais

ldquoA neurociecircncia forma um par excepcional com a Engenharia Eleacutetrica criando a neuroengenharia uma aacuterea que me cativa pela sua importacircncia na mudanccedila de vida das pessoas seja no desenvolvimento de proacuteteses ou na recuperaccedilatildeo de traumas Acredito que por meio da neuroengenharia um dia natildeo existiratildeo pessoas desabilitadas por conta de traumas fiacutesicosrdquo (estudante do 5ordm ano de Engenharia Eleacutetrica da UEL)

Essa percepccedilatildeo alude a um dos campos mais promissores de emprego das neurociecircncias que eacute o da neuroengenharia Nesse tocante destacam-se por exemplo os trabalhos de Nicolelis e colaboradores (2011) os quais mostram ser possiacutevel conectar a atividade de ceacutelulas nervosas com artefatos roboacuteticos e controla-los usando o ldquopoder da menterdquo Atualmente essas pesquisas tecircm se voltado para a confecccedilatildeo de proacuteteses avanccediladas e outros

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procedimentos para a recuperaccedilatildeo de traumas raquidianos e outros (Pruszynsk amp Diedrichsen 2015 King Wang Mccrimmon et al 2015 Bouton Shaikhouni ampAnnetta et al 2016)

Conquanto o programa ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo natildeo tenha esse objetivo especiacutefico como alvo ele colabora de algum modo para a formaccedilatildeo de alunos que se interessam pelo assunto da neuroengenharia As palestras de maneira geral contribuem nesse sentido pois a primeira condiccedilatildeo para trabalhar com a interface ceacuterebro-maacutequina eacute conhecer os princiacutepios de funcionamento da maacutequina mais complexa e maravilhosa do universo ndash o ceacuterebro humano

Outra percepccedilatildeo lembra a importacircncia das neurociecircncias para uma das aacutereas mais carentes de compreensatildeo e demandantes de intervenccedilotildees produtivas vale dizer a educaccedilatildeo especial Embora lacocircnicas as participantes opinam sobre a utilidade do projeto para o progresso profissional

ldquoMelhorar a compreensatildeo dos processos neurofisioloacute-gicos que permeiam as demandas dos estudantes que atendo propiciando assim intervenccedilotildees mais produtivasrdquo (psicoacuteloga atuante na aacuterea de educaccedilatildeo especial)

ldquoTrabalho na educaccedilatildeo especial com educandos que tecircm deacuteficits neuroloacutegicos Assim compreender o funcionamento neuroloacutegico oportunizaraacute elaborar planos e accedilotildees que forneceratildeo a melhoria da qualidade de vida dos educandosrdquo (pedagoga com especializaccedilatildeo em educaccedilatildeo especial e sauacutede mental)

Os interessados em educaccedilatildeo especial tecircm se beneficiado bastante das palestras e dos grupos de estudo Esse campo educacional lida com uma clientela bastante heterogecircnea do ponto de vista das disfunccedilotildees neuropsicoloacutegicas e requer natildeo apenas novos insights sobre essas disfunccedilotildees como tambeacutem formas de intervenccedilatildeo mais eficientes Nesse sentido a pressatildeo eacute cada vez maior por conta das exigecircncias poliacuteticas pela chamada educaccedilatildeo inclusiva Em contrapartida o projeto tem oferecido uma ampla base de conhecimentos especiacuteficos que podem auxiliar os futuros profissionais dessa aacuterea Como visto acima ele tem abordado temas neuropsicoloacutegicos os mais diversos relacionados agrave miriacuteade de problemas que a educaccedilatildeo especial vem encarando

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 31

Na aacuterea meacutedica o conhecimento neurocientiacutefico eacute absoluta-mente necessaacuterio para o correto diagnoacutestico e tratamento natildeo apenas a profissionais meacutedicos mas a outros profissionais que estejam direta ou indiretamente ligados aos cuidados com o paciente como enfatizam os estudantes abaixo

ldquoNo meu curso e profissatildeo seraacute necessaacuterio o contato direto e constante com pessoas Entender um pouco de neurologia eacute necessaacuterio para poder ajudar bioloacutegica e socialmente os pacientes Aleacutem disso para minha vida isso tambeacutem tem uma importacircncia socialrdquo (estudante do 1ordm ano do curso de Medicina da UEL)

Dentro da enfermagem noacutes trabalhamos com promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Como pacientes neuroloacutegicos estatildeo sempre presentes nos serviccedilos de sauacutede eacute fundamental para a enfermagem ter conhecimento sobre a aacuterea para dar mais qualidade agrave assistecircncia prestadardquo (estudante do 4ordm ano de Enfermagem da UEL)

O esclarecimento da etiopatogenia de transtornos da aacuterea de psiquiatria e neurologia e o desenvolvimento de tratamentos satisfatoriamente eficazes satildeo tarefas multidisciplinares que requerem a colaboraccedilatildeo de pesquisadores tanto da aacuterea de neurociecircncias baacutesicas quanto aplicadas (Busatto Filho Britto amp Leite 2012) Ao propiciar informaccedilotildees de ambas por intermeacutedio de palestras e grupos de estudos o programa ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo colabora mesmo que de forma modesta para tal desenvolvimento

Finalmente mesmo profissionais da aacuterea teacutecnico-administrativa vislumbram benefiacutecios na obtenccedilatildeo de conhecimentos dentro da aacuterea neurocientiacutefica

ldquoA todo momento lidamos com diferentes pessoas tanto na vida profissional como pessoal e percebemos a complexidade de lidar com cada uma Considero muito importante ter conhecimento na aacuterea de neurociecircncias por mais baacutesico que for Como estou me especializando em gerenciamento estrateacutegico de pessoas acredito que ampliaraacute minha visatildeo sobre essa aacutereardquo (teacutecnica administrativa em administraccedilatildeo hospitalar)

As percepccedilotildees expressas em tais respostas confirmam a interferecircncia das neurociecircncias no cotidiano das pessoas e reforccedila a importacircncia do programa ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo oferecido como complemento de ensino Como sugerem as respostas analisadas

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conhecimentos neurocientiacuteficos perpassam diferentes campos do saber ldquoressignificandordquo conhecimentos estabelecidos e criando novas frentes de atuaccedilatildeo profissional

Consideraccedilotildees Finais

Considerando-se o nuacutemero crescente de participantes desde a primeira turma em 2010 ateacute o presente ano apoacutes ano nota-se a carecircncia e ao mesmo tempo a avidez por conhecimentos dentro da aacuterea de neurociecircncias mesmo em se tratando de estudantes e profissionais da aacuterea de sauacutede Neste aspecto o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo vem colaborando para a formaccedilatildeo dos participantes e para a divulgaccedilatildeo cientiacutefica que por vezes poderia ficar restrita apenas a especialistas e pesquisadores da aacuterea diminuindo a disseminaccedilatildeo de conhecimentos equivocados e perpetuaccedilatildeo dos chamados ldquoneuromitosrdquo

A caracteriacutestica ecleacutetica do puacuteblico participante torna ainda mais ricas as discussotildees realizadas seja no decorrer de palestras ou dos grupos de estudos ultrapassando-se eventuais barreiras relacionadas agraves aacutereas de formaccedilatildeo e colaborando de forma mais ou menos aprofundada para o enaltecimento da formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profissionais

Finalmente pode-se concluir que o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo veio preencher mais uma lacuna em se tratando de divulgaccedilatildeo cientiacutefica junto agrave sociedade cooperando agrave sua maneira para a solidez do trinocircmio Ensino Pesquisa e Extensatildeo papel essencial da universidade puacuteblica

Agradecimentos

Os autores agradecem aos profissionais de diversas aacutereas do conhecimento que desde a primeira ediccedilatildeo do programa contribuiacuteram para a divulgaccedilatildeo cientiacutefica dos inuacutemeros temas apresentados no formato de palestras eou discutidos em grupos de estudos sem os quais o programa natildeo existiria

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 33

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Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees

Silvia PonzoniUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A evoluccedilatildeo do primeiro sistema nervoso muito provavelmente se deu apoacutes a mudanccedila evolutiva de formas unicelulares para multicelulares A questatildeo que se apresenta eacute a quais desafios os organismos uni e pluricelulares satildeo submetidos para as suas sobrevivecircncias

Os desafios presentes para a sobrevivecircncia de organismos uni e pluricelulares satildeo basicamente os mesmos alimentaccedilatildeo defesa e reproduccedilatildeo As estrateacutegias utilizadas pelos dois organismos diferem As respostas do organismo unicelular dependem da interaccedilatildeo de sua membrana com o meio externo havendo a necessidade de integraccedilatildeo entre o sinal externo e a resposta Uma bacteacuteria eacute capaz de identificar a fonte de alimento como accediluacutecar ou contaminantes como metais em seu ambiente por meio de quimioceptores e eacute capaz de desviar de obstaacuteculos utilizando as informaccedilotildees provenientes de seus mecanoceptores Estas informaccedilotildees satildeo integradas e por meio de uma cadeia complexa de reaccedilotildees quiacutemicas direcionam o movimento de seus flagelos ou ciacutelios Desta forma mesmo o organismo mais primitivo apresenta componentes para o controle adaptativo de seu comportamento (Roth amp Dicke 2013) Um organismo formado por muitas ceacutelulas apresenta a necessidade de divisatildeo de trabalho implicando na diferenciaccedilatildeo de ceacutelulas com funccedilotildees especiacuteficas formando tecidos e oacutergatildeos As respostas do organismo multicelular para a garantia de sua sobrevivecircncia dependem da coordenaccedilatildeo das diferentes ceacutelulas A associaccedilatildeo de ceacutelulas com funccedilotildees diferenciadas estabelece um novo desafio a eficiecircncia na comunicaccedilatildeo entre elas

Autor para correspondecircncia

ponzauelbr

2

36 | Temas em Neurociecircncias

para garantir a sobrevivecircncia do indiviacuteduo e a seguranccedila de que todas as ceacutelulas adequaratildeo as suas funccedilotildees agrave necessidade presente Como exemplo utilizemos a reaccedilatildeo ou resposta diante de uma situaccedilatildeo de estresse agudo na qual existe risco de vida real ou fictiacutecio Quando estamos sob ameaccedila observamos aumento no nuacutemero de batimentos cardiacuteacos normalmente congelamos e apresentamos alerta maacuteximo enquanto avaliamos a situaccedilatildeo para decidir se fugir enfrentar que pode significar lutar ou quem sabe em nosso caso tentamos uma negociaccedilatildeo Eacute importante lembrar que o batimento cardiacuteaco aumentado facilitaraacute o aporte de oxigecircnio ao tecido muscular esqueleacutetico no caso de fuga ou luta e de nada adiantaraacute maior quantidade de oxigecircnio se o tecido muscular esqueleacutetico natildeo estiver com disponibilidade de ATP Para aumentar a oferta de ATP as ceacutelulas musculares esqueleacuteticas devem alterar o seu metabolismo ativando quebra de glicogecircnio e concomitantemente inibir sua siacutentese No exemplo acima temos a participaccedilatildeo do ramo simpaacutetico do sistema nervoso neurovegetativo responsaacutevel pela ativaccedilatildeo cardiacuteaca e estimulaccedilatildeo da medula da suprarrenal para liberaccedilatildeo da adrenalina A adrenalina liberada na corrente sanguiacutenea atuando como hormocircnio seraacute o sinal responsaacutevel pela integraccedilatildeo da resposta da ceacutelula muscular agraves necessidades deste animal diante da ameaccedila real ou fictiacutecia

O sistema nervoso para a nossa espeacutecie eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para a nossa vida e identidade geralmente consideramos o nosso ceacuterebro o sistema nervoso perfeito o aacutepice evolutivo Buscamos o entendimento do funcionamento do nosso ceacuterebro muitas vezes desconhecendo a sua histoacuteria evolutiva

Consideraccedilotildees Sobre Evoluccedilatildeo

Normalmente quando se pensa em evoluccedilatildeo de algum sistema ou em evoluccedilatildeo em sentido geral a tendecircncia eacute acreditar

1 ndash Que evoluir significa sempre sair de uma condiccedilatildeo simples para uma condiccedilatildeo mais complexa ndash nem sempre este eacute o caminho muitas vezes o derivado eacute mais simples que o ancestral

2 ndash Que a evoluccedilatildeo traz sempre acreacutescimo de estrutura e funccedilatildeo - muitas vezes a espeacutecie derivada perde caracteres presentes no seu ancestral e

Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees | 37

3 - Que a evoluccedilatildeo eacute um processo finalista ou seja o ganho de funccedilatildeo decorre da necessidade da mesma frente a um novo desafio ndash a evoluccedilatildeo eacute um processo aleatoacuterio as pressotildees seletivas direcionaram e direcionam a permanecircncia ou perda de caracteres mas natildeo acarretaram o aparecimento destes para a soluccedilatildeo de um desafio a espeacutecie que apresenta este ou aquele caractere que melhor a adapta a determinada condiccedilatildeo apresenta maior chance de sobrevivecircncia (Striedter 2005) Adaptaccedilatildeo eacute a chave para a evoluccedilatildeo

Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso - Breve Consideraccedilatildeo

Qual eacute a origem do sistema nervoso Resposta definitiva a esta pergunta ainda natildeo existe os avanccedilos obtidos nos uacuteltimos anos com os avanccedilos obtidos a partir da deacutecada de 1990 com o desenvolvimento da filogeneacutetica molecular trouxe a formulaccedilatildeo de novas hipoacuteteses e teorias As novas metodologias trazem consigo a possibilidade de novos dados e novas interpretaccedilotildees A dificuldade que existe no estudo da filogecircnese do sistema nervoso decorre da inexistecircncia de foacutesseis deste sistema uma vez que o tecido nervoso se decompotildee Foacutesseis de cracircnios permitem apenas inferir sobre tamanho do ceacuterebro os moldes obtidos do interior destes cracircnios natildeo fornecem informaccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo funcional do sistema nervoso pertencente ao animal extinto Na verdade conhecer a organizaccedilatildeo e funcionamento de qualquer sistema nervoso a partir de moldes de cracircnios eacute impossiacutevel mesmo para os animais existentes em nossa era

A proposta do presente capitulo eacute apresentar alguns dados e sua interpretaccedilatildeo existentes na literatura que permitam levantar mais questotildees do que respostas sobre a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Discorrer sobre toda evoluccedilatildeo de sistema tatildeo complexo e variado considerando a sua estrutura organizaccedilatildeo e funccedilatildeo em invertebrados e vertebrados foge do escopo do presente capiacutetulo

O sistema nervoso encontrado nas espeacutecies existentes invertebrados e vertebrados apresenta uma gama variada de designs como sistema nervoso radial ou rede difusa ou cadeia ganglionar ou ceacuterebro Do ponto de vista bioloacutegico natildeo haacute design vencedor uma vez que cada um atende as demandas da espeacutecie que o possui

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Teria a evoluccedilatildeo dos sistemas nervosos de invertebrados e vertebrados se dado a partir de um ancestral comum ou satildeo independentes em suas origens evolutivas A evoluccedilatildeo a partir de um ancestral comum eacute a hipoacutetese monofileacutetica que pressupotildee que o sistema nervoso evoluiu uma uacutenica vez portanto todos os sistemas nervosos existentes nos animais derivariam de um uacutenico ancestral comum A independecircncia na origem evolutiva constitui a hipoacutetese polifileacutetica a qual pressupotildee que a evoluccedilatildeo do sistema nervoso se deu por convergecircncia ocorrendo independentemente em vaacuterias clades (por clade entende-se um grupo constituiacutedo por uma espeacutecie ancestral e todos os seus descendentes compondo um ramo distinto em uma aacutervore filogeneacutetica Hickman et al 2016) Existe intenso debate com defensores de ambas as hipoacuteteses e o tema foge do escopo do presente capiacutetulo

Qual pressatildeo seletiva direcionou a evoluccedilatildeo e permanecircncia deste sistema complexo e energeticamente dispendioso Seria o sistema nervoso causa ou efeito da relaccedilatildeo presa-predador O sistema nervoso apresenta grande complexidade tanto em sua organizaccedilatildeo quanto em seu funcionamento O ceacuterebro humano constitui 2 do peso corporal e o seu consumo de energia para o funcionamento adequado utiliza 25 do consumo corporal de glicose (Magistretti 1999)

Algumas teorias afirmam que a defesa ou a predaccedilatildeo tenham sido pressotildees que influenciaram o direcionamento da evoluccedilatildeo do sistema nervoso Animais de vida seacutessil ou parasitaacuteria apresentam sistemas nervosos pouco complexos quando comparados a animais com atividade predatoacuteria Eacute interessante observar que alguns antozoaacuterios possuem sistema nervoso na fase larvaacuteria quando apresentam vida livre Este sistema nervoso eacute desmontado apoacutes a metamorfose para a vida adulta quando apresentam vida seacutessil (Monk amp Paulin 2014) Estas constataccedilotildees natildeo garantem que a predaccedilatildeo tenha sido a forccedila direcionadora para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso

O raciociacutenio inverso pode tambeacutem ser levado em consideraccedilatildeo a predaccedilatildeo como produto de um sistema nervoso mais complexo e agora ao inveacutes de direcionar o processo passa a ser consequecircncia do mesmo Eacute provaacutevel que a predaccedilatildeo e defesa tenham sido pressotildees

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que contribuiacuteram para a seleccedilatildeo de determinados caracteres e que ambas tenham sido contemporacircneas

Afinal o que eacute o sistema nervoso Quais vantagens este sistema trouxe consigo O que eacute um neurocircnio Qual a origem do neurocircnio Quando aparece o primeiro neurocircnio

Por sistema nervoso entendemos tecido composto por ceacutelulas que apresentam a propriedade de serem excitaacuteveis os neurocircnios e a glia (glia = cola) A glia eacute composta por diferentes tipos celulares que realizam diferentes funccedilotildees como defesa realizada pela microacuteglia manutenccedilatildeo da composiccedilatildeo do liquido cefalorraquidiano pelas ceacutelulas gliais que constituem a barreira hematoencefaacutelica comunicaccedilatildeo em ganho de velocidade de transmissatildeo do impulso nervoso por meio da mielina constituinte da membrana plasmaacutetica de oligodendroacutecitos no sistema nervoso central e ceacutelulas de Schwann no sistema nervoso perifeacuterico limpeza da regiatildeo sinaacuteptica pelos astroacutecitos participaccedilatildeo na siacutentese de neurotransmissores como glutamato e GABA Anatomicamente entendemos o sistema nervoso como um sistema que possui uma regiatildeo central composta por aglomerado de neurocircnios funcionalmente especializados que formam nuacutecleos que por sua vez satildeo interconectados por tratos axonais A existecircncia de uma central para o sistema nervoso que na verdade representa a cefalizaccedilatildeo deste sistema natildeo eacute criteacuterio universal para a definiccedilatildeo de sistema nervoso Animais com simetria radial apresentam sistema nervoso difuso no qual o processamento da informaccedilatildeo se daacute no local da estimulaccedilatildeo com a propriedade de integrar as informaccedilotildees sensoriais provenientes da periferia permitindo resposta comportamental adequada

As vantagens da existecircncia de sistema nervoso em um organismo poderiam ser descritas como rapidez precisatildeo e adequaccedilatildeo nas respostas dos organismos agraves variaccedilotildees de seu ambiente interno e externo garantindo melhor capacidade adaptativa e portanto maior chance de sobrevivecircncia

Por neurocircnio entendemos a ceacutelula polarizada (porccedilatildeo receptora ndash corpo celular dendritos porccedilatildeo transmissora ndash axocircnio) de origem ectodeacutermica que apresenta longos processos (axocircnio) com a propriedade de gerar potencial de accedilatildeo que recebe (de receptores outros neurocircnios) e envia informaccedilotildees para outras

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ceacutelulas (neurocircnios muacutesculos glacircndulas) por meio das sinapses Lembrando que a comunicaccedilatildeo dentro do sistema nervoso se daacute pela geraccedilatildeo e propagaccedilatildeo do potencial de accedilatildeo de uma ceacutelula a outra com a qual estabelece contato por meio das junccedilotildees frouxas nas sinapses eleacutetricas e nas sinapses quiacutemicas o potencial de accedilatildeo eacute o responsaacutevel pela liberaccedilatildeo de sinal quiacutemico do terminal preacute-sinaacuteptico que atuando no elemento poacutes-sinaacuteptico poderaacute facilitar ou dificultar a geraccedilatildeo de novo potencial de accedilatildeo As regiotildees sinaacutepticas apresentam especializaccedilotildees tanto no terminal axocircnio regiatildeo preacute-sinaacuteptica quanto no corpo celular ou dendrito regiatildeo poacutes-sinaacuteptica As regiotildees preacute e poacutes-sinaacutepticas apresentam proteiacutenas especiacuteficas para o funcionamento da transmissatildeo quiacutemica Na regiatildeo preacute-sinaacuteptica satildeo importantes as proteiacutenas que participam na ancoragem da vesiacutecula contendo o neurotransmissor na membrana do terminal axocircnico proteiacutenas canal iocircnico voltagem dependente para o iacuteon caacutelcio proteiacutenas que funcionam como sensores de caacutelcio auto receptores que modulam enzimas importantes no metabolismo do neurotransmissor liberado pelo terminal sinaacuteptico transportadores e recaptadores Para a regiatildeo poacutes-sinaacuteptica o complexo proteico eacute denominado de densidade poacutes-sinaacuteptica (PSD) composto por complexos multiproteicos organizados por diferentes classes de proteiacutenas como canais iocircnicos receptores proteiacutenas de adesatildeo e de citoesqueleto quinases fosfatases e moleacuteculas de sinalizaccedilatildeo

As propriedades descritas para sistema nervoso resumidamente definidas como a capacidade de responder a estiacutemulos e processar informaccedilotildees natildeo eacute exclusiva do sistema nervoso todas as ceacutelulas apresentam estas propriedades

A definiccedilatildeo dada ao neurocircnio estabelece algumas exclusotildees como por exemplo daqueles neurocircnios que natildeo possuem longos processos assim como daqueles que natildeo geram potenciais de accedilatildeo e sim se comunicam por potencial graduado como as ceacutelulas horizontais amaacutecrinas e bipolares da retina humana

A propriedade de gerar potencial de accedilatildeo natildeo eacute exclusiva de neurocircnios Em algumas aacuteguas-vivas as ceacutelulas epiteliais geram potenciais de accedilatildeo que se propagam por meio de junccedilotildees frouxas (gap junctions sinapses eleacutetricas) as ceacutelulas geradoras do ritmo cardiacuteaco existentes no noacutedulo sinoatrial de mamiacuteferos natildeo satildeo neurocircnios A origem epideacutermica do neurocircnio natildeo eacute universal em

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alguns cnidaacuterios alguns neurocircnios tecircm origem endodeacutermica e satildeo ceacutelulas mioepiteliais especializadas que apresentam propriedades mecanoceptoras e contrateis

O problema eacute que ao tentarmos definir o neurocircnio o fazemos por meio de suas propriedades e estas natildeo sendo exclusivas acabam por natildeo defini-lo Uma alternativa para a definiccedilatildeo deste tipo celular seria a existecircncia de moleacuteculas-neurocircnio exclusivas que poderiam ser aquelas que compotildeem os canais iocircnicos voltagem dependentes ou proteiacutenas especiacuteficas de regiotildees sinaacutepticas tanto no elemento preacute quanto no elemento poacutes Infelizmente a busca por estas moleacuteculas de uso exclusivo dos neurocircnios eacute infrutiacutefera uma vez que satildeo encontradas em ceacutelulas que por definiccedilatildeo natildeo satildeo neurocircnios Moleacuteculas homoacutelogas aos canais iocircnicos voltagem dependentes e regiotildees sinaacutepticas foram encontradas em coanoflagelados e bacteacuterias sugerindo que estes genes estavam presentes no ancestral comum procarionteeucarionte haacute aproximadamente 4 bilhotildees de anos atraacutes

Qual poderia ser a funccedilatildeo de canais voltagem dependentes em organismos unicelulares Uma hipoacutetese provaacutevel reside na manutenccedilatildeo do volume celular apresentada pelo ancestral comum que habitava meio hipotocircnico Considerando que a origem da vida ocorre em ambiente aquaacutetico podemos supor que o primeiro organismo unicelular possuiacutea o seu meio interno com a mesma composiccedilatildeo iocircnica que o meio externo O mar primordial era rico em potaacutessio e os organismos unicelulares possuiacuteam o seu meio interno com a mesma composiccedilatildeo do mar externo O metabolismo deste organismo unicelular poderia ter as suas enzimas dependentes de elevadas concentraccedilotildees de potaacutessio As alteraccedilotildees atmosfeacutericas podem ter acarretado a precipitaccedilatildeo do potaacutessio deste meio externo alterando a sua composiccedilatildeo iocircnica com elevadas concentraccedilotildees de soacutedio em relaccedilatildeo ao potaacutessio Desta forma este organismo agora teria duas possibilidades 1- alterar a sua composiccedilatildeo interna para a mesma do meio externo ou 2 ndash estabelecer mecanismos de manutenccedilatildeo da sua composiccedilatildeo interna diferente do meio externo Considerando que o metabolismo deste animal tem dependecircncia de potaacutessio para o oacutetimo funcionamento de suas enzimas a estrateacutegia com melhor resultado parece ter sido a manutenccedilatildeo do soacutedio no ambiente externo e concentrar potaacutessio no seu ambiente interno O iacuteon soacutedio

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apresenta raio menor que o iacuteon potaacutessio desta forma eacute um iacuteon com grande quantidade de moleacuteculas de aacutegua conhecida como aacutegua de solvataccedilatildeo A entrada do soacutedio para o interior celular traz consigo aumento de moleacuteculas de aacutegua alterando o volume celular A bomba ATP ase soacutedio potaacutessio dependente que expulsa 3 iacuteons soacutedio do meio intracelular para o meio extracelular e coloca 2 iacuteons potaacutessio do meio extracelular para o intracelular pode ter sido o mecanismo adaptativo para a manutenccedilatildeo do volume celular encontrado pelos organismos unicelulares ancestrais O mecanismo de troca iocircnica acima descrito natildeo eacute realizado por canal iocircnico voltagem dependente contudo a assimetria no transporte iocircnico garante o estabelecimento e manutenccedilatildeo de gradiente eletroquiacutemico importante para a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo em ceacutelulas excitaacuteveis Todas as ceacutelulas mantecircm seu volume intracelular constante todas as ceacutelulas apresentam diferenccedila de potencial as ceacutelulas excitaacuteveis utilizam esta diferenccedila para a geraccedilatildeo de corrente iocircnica que eacute o impulso nervoso O fato interessante eacute que canais iocircnicos voltagem dependentes e trocadores iocircnicos de membrana podem ter sido em um primeiro momento soluccedilotildees para o problema de manutenccedilatildeo do volume celular e estas soluccedilotildees podem mais tarde terem se especializado para uma funccedilatildeo totalmente diferente como a comunicaccedilatildeo celular Bacteacuterias que formam biofilme utilizam canais de potaacutessio voltagem dependentes para informar a sua parceira sobre a presenccedila de metaboacutelitos no meio O metaboacutelito ativa a bacteacuteria que como resposta libera potaacutessio O potaacutessio liberado pela bacteacuteria sinalizadora despolariza as ceacutelulas vizinhas por ativaccedilatildeo do canal de potaacutessio voltagem dependente esta ativaccedilatildeo causa a liberaccedilatildeo de potaacutessio que teraacute o mesmo efeito na bacteacuteria vizinha propagando a informaccedilatildeo de metabolito presente atraveacutes do biofilme Eacute possiacutevel que o canal de potaacutessio voltagem dependente tenha sido o uacutenico canal presente nos primeiros organismos e sua funccedilatildeo mais provaacutevel era a regulaccedilatildeo do volume celular permitindo a alteraccedilatildeo do conteuacutedo iocircnico da ceacutelula em resposta ao estiramento da membrana plasmaacutetica causado por aumento na quantidade de aacutegua no seu interior Provavelmente o proacuteximo canal iocircnico voltagem dependente a ter aparecido tenha sido o canal de caacutelcio como mecanismo de controle do estado metaboacutelico deste organismo unicelular e posteriormente em organismos mais tardios estes canais passaram a participar na regulaccedilatildeo do batimento ciliar e contraccedilatildeo muscular A

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combinaccedilatildeo adequada de canais voltagem dependentes de potaacutessio e caacutelcio existentes em alguns organismos unicelulares pode ter permitido a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo expandindo a capacidade deste organismo em diferentes direccedilotildees

Os canais de potaacutessio e caacutelcio eram suficientes para a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo quais as vantagens adicionadas pelo canal de soacutedio voltagem dependente Uma hipoacutetese sugere que os canais de soacutedio voltagem dependentes poderiam integrar estrateacutegias para reduccedilatildeo das concentraccedilotildees intracelulares de caacutelcio impedindo sua accedilatildeo toacutexica outra hipoacutetese sugere que com a participaccedilatildeo do iacuteon soacutedio na geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo os iacuteons caacutelcio poderiam participar de outras funccedilotildees celulares como a liberaccedilatildeo de transmissores e contraccedilatildeo muscular Uma possibilidade alternativa poderia ser a duraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo que eacute menor e sua conduccedilatildeo mais raacutepida com a participaccedilatildeo dos canais de soacutedio quando comparado agravequeles com a participaccedilatildeo dos canais de caacutelcio Um dado interessante eacute que os canais voltagem dependentes para soacutedio potaacutessio e caacutelcio satildeo compostos por subunidades homoacutelogas os genes responsaacuteveis pela siacutentese das proteiacutenas que formam os canais de soacutedio e caacutelcio satildeo produtos da duplicaccedilatildeo do gene que codifica o canal de potaacutessio (Kristan Jr 2016 Liebeskind et al 2017)

Uma estrateacutegia interessante de controle da musculatura corporal eacute apresentada pelo grupo das medusas (cnidaacuterios) Estes animais possuem simetria radial o sistema nervoso eacute composto por diferentes tipos celulares como neurocircnio sensorial interneurocircnio e neurocircnio motor Os cnidaacuterios possuem conexotildees sinaacutepticas estabelecidas entre neurocircnios e entre neurocircnios e ceacutelulas musculares A medusa do gecircnero Aglantha apresenta dois tipos de nado um lento e fraco que apresenta contraccedilotildees riacutetmicas da umbrela que movimenta o corpo ritmicamente e outro raacutepido no qual contraccedilotildees mais fortes movimentam o animal de maneira mais raacutepida O segundo tipo de nado ocorre em resposta agrave estimulaccedilatildeo mecacircnica intensa em alguma regiatildeo do animal Tanto as contraccedilotildees fracas quanto a forte satildeo resultantes de um uacutenico potencial de accedilatildeo no mesmo neurocircnio motor gigante Estes neurocircnios apresentam a habilidade de gerarem potencial de accedilatildeo usando tanto canais de soacutedio voltagem dependentes quanto canais de caacutelcio voltagem dependentes Quando os neurocircnios motores satildeo ativados pelos interneurocircnios

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geradores de ritmo a despolarizaccedilatildeo eacute baixa e suficiente para ativar os canais de caacutelcio voltagem dependentes que apresentam baixo limiar O potencial de accedilatildeo propaga-se pelo axocircnio e causa a contraccedilatildeo fraca dos muacutesculos da umbrela nado lento Um estiacutemulo sensorial de maior intensidade acarreta despolarizaccedilatildeo de maior amplitude que ativa os canais de soacutedio voltagem dependentes produzindo potenciais de accedilatildeo de maior amplitude mais raacutepidos no mesmo axocircnio A natureza do potencial de accedilatildeo implica na quantidade de neurotransmissor liberado O potencial de accedilatildeo com a participaccedilatildeo dos canais de soacutedio apresenta maior amplitude e causa maior liberaccedilatildeo de neurotransmissores o que gera maior forccedila na contraccedilatildeo muscular nado raacutepido O mesmo neurocircnio motor controla dois comportamentos distintos pela ativaccedilatildeo de dois canais iocircnicos voltagem dependentes (Kristan Jr 2016 Castelfranco amp Hartline 2016)

A seleccedilatildeo dos canais de soacutedio voltagem dependente parece ter ocorrido quando a predaccedilatildeo com movimentos mais raacutepidos se torna extremamente beneacutefica Pode ser que a seleccedilatildeo por potenciais de accedilatildeo com menor duraccedilatildeo tenha contribuiacutedo para a evoluccedilatildeo de canais de potaacutessio voltagem dependentes com cineacuteticas mais raacutepidas Desta forma a raacutepida despolarizaccedilatildeo causada pelos canais de soacutedio voltagem dependentes terminaria de forma mais precoce com canais de potaacutessio mais raacutepidos permitindo a existecircncia de comportamentos mais velozes uma vez que a duraccedilatildeo das fases do potencial de accedilatildeo seria reduzida (Kristan Jr 2016) Neste contexto tanto a predaccedilatildeo quanto a defesa necessitam de comportamentos que possam ser engatilhados e expressos em curtos intervalos de tempo O gatilho para o comportamento predatoacuterio ou defensivo dependeraacute da capacidade de detecccedilatildeo da presa por parte do predador e do predador por parte da presa o que sugere a existecircncia de sistema eficaz na percepccedilatildeo e sinalizaccedilatildeo Os canais iocircnicos voltagem dependentes para o potaacutessio e caacutelcio podem ter sido eficientes para organismos unicelulares e pequenos animais multicelulares eacute provaacutevel que esta eficiecircncia tenha sido colocada agrave prova com o aumento do tamanho dos animais multicelulares Existe correlaccedilatildeo entre o aumento no tamanho corporal dos animais velocidade de reaccedilatildeo e o estabelecimento dos canais de soacutedio voltagem dependentes

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Mielina ndash Breve Consideraccedilatildeo Sobre sua Evoluccedilatildeo

Os neurocircnios existentes nos vertebrados podem ser amieliacutenicos sem a bainha de mielina (na verdade existe mielina contudo em quantidade muito menor quando comparada agravequela existente nos neurocircnios mieliacutenicos) e mieliacutenicos com a presenccedila desta A diferenccedila entre ambos reside na velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso sendo maior no neurocircnio que apresenta a bainha de mielina Maior velocidade de conduccedilatildeo favorece os organismos cuja prioridade seja a raacutepida reaccedilatildeo aos eventos ambientais

A descriccedilatildeo da mielina se deu em 1838 por Remak que atribui uma funccedilatildeo de proteccedilatildeo ao axocircnio a esta membrana A principal funccedilatildeo da mielina eacute aumentar a velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso as funccedilotildees de nutriccedilatildeo e manutenccedilatildeo da integridade neuronal tambeacutem tecircm sido propostas (Zalc 2016) A presenccedila da bainha de mielina confere toleracircncia teacutermica como fator de seguranccedila para a conduccedilatildeo e reduccedilatildeo do custo energeacutetico da atividade neuronal Em muitas espeacutecies de invertebrados e vertebrados o diacircmetro axonal varia de 03 a 30 microm A velocidade de propagaccedilatildeo do potencial de accedilatildeo no axocircnio amieliacutenico de invertebrado de 10 microm de diacircmetro eacute menor do que 1ms Esta velocidade de conduccedilatildeo eacute suficiente para organismos com tamanho entre 01 a 30 cm portanto animais pequenos Esta velocidade de conduccedilatildeo se aplicada para animais maiores oferece risco de comprometimento da integridade e sobrevivecircncia destes (Castelfranco amp Hartline 2016)

Os cefaloacutepodes (polvo lula seacutepia) apresentam axocircnios com diacircmetros iguais ou superiores a 1 mm conhecidos como axocircnios gigantes que apresentam raacutepida velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso Importante ressaltar que estes neurocircnios com axocircnios gigantes participam de respostas raacutepidas de escape destes cefaloacutepodes Com o aumento da velocidade de conduccedilatildeo os cefaloacutepodes aumentaram o tamanho corporal O recurso de aumento de diacircmetro axonal para aumento de velocidade de conduccedilatildeo encontra nos vertebrados um fator limitante O cracircnio confina o ceacuterebro e as veacutertebras confinam a medula espinhal Para o ser humano manter uma velocidade de conduccedilatildeo de 50ms apenas pelo aumento do diacircmetro de seus axocircnios a medula espinhal precisaria ter 1 metro de diacircmetro A aquisiccedilatildeo da mielina por manter o diacircmetro

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axonal entre 10-15 microm possibilita a espeacutecie humana possuir uma medula espinhal de 6 a 7 cm no maacuteximo (Zalc 2016) A mielinizaccedilatildeo eacute apontada como um dos principais fatores que permitiram o aumento do tamanho corporal por garantir que partes distantes dos organismos pudessem ser integradas em curtos intervalos de tempo juntamente com os canais de soacutedio voltagem dependentes

A mielina natildeo eacute exclusividade dos vertebrados aneliacutedeos da classe oligoqueta (minhocas) crustaacuteceos como camaratildeo e copeacutepodas apresentam mielina embora diferente da existente nos vertebrados desempenha a mesma funccedilatildeo Uma questatildeo importante na mielinizaccedilatildeo axonal seja em neurocircnios do sistema nervoso central ou perifeacuterico eacute a necessidade de interaccedilatildeo entre a ceacutelula glial e o neurocircnio Os neurocircnios mielinizados apresentam maior densidade de canais iocircnicos voltagem dependentes nos noacutedulos de Ranvier e nos segmentos internodulares a densidade eacute baixa Os neurocircnios amieliacutenicos que apresentam densidade de canais iocircnicos constante em toda extensatildeo axonal Esta distribuiccedilatildeo diferenciada de canais iocircnicos indica a existecircncia de sinal do neurocircnio atraindo ou repelindo a ceacutelula glial para a siacutentese de bainha de mielina e envelopamento de segmento axonal como tambeacutem da glia para o neurocircnio sinalizando a inserccedilatildeo de canais iocircnicos em locais corretos da membrana para garantir a conduccedilatildeo do impulso nervoso saltatoacuteria observada nos neurocircnios mieliacutenicos e contiacutenua nos amieliacutenicos

Qual seria o caminho evolutivo para esta interaccedilatildeo entre neurocircnio e as ceacutelulas gliais responsaacuteveis pela mielinizaccedilatildeo do axocircnio

Sinapse Quiacutemica - Breve Consideraccedilatildeo Sobre a sua Evoluccedilatildeo

Seria a sinapse quiacutemica uma invenccedilatildeo de organismos multicelulares

Um dado interessante e ao mesmo tempo surpreendente eacute a presenccedila de genes tanto para moleacuteculas presumidamente sinapse-especiacuteficas em organismos unicelulares quanto de enzimas para a produccedilatildeo e liberaccedilatildeo de transmissores e proteiacutenas estruturais responsaacuteveis pelas respostas poacutes-sinaacutepticas ao transmissor Dados obtidos em estudos eletrofisioloacutegicos e filogeneacuteticos realizados em

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cnidaacuterios e ctenoacuteforos sugerem que a ancestral de uma sinapse quiacutemica tenha sido provavelmente peptideacutergica

Um possiacutevel precursor da transmissatildeo sinaacuteptica eacute observado em coanoflagelados clado com mais de 125 espeacutecies unicelulares Em algumas espeacutecies de coanoflagelados as ceacutelulas se agregam em colocircnias O indiviacuteduo agora passa a ser a colocircnia no sentido de que a sua sobrevivecircncia dependeraacute da accedilatildeo coordenada de cada ceacutelula para a manutenccedilatildeo da colocircnia Como satildeo animais marinhos haacute a necessidade de passagem de aacutegua pela colocircnia que eacute dado pelo movimento flagelar de cada indiviacuteduo Cada ceacutelula eacute capaz de liberar transmissores que atuaratildeo nos receptores dos indiviacuteduos vizinhos produzindo movimento flagelar em toda a colocircnia Esta caracteriacutestica proto-hormonal eacute tambeacutem observada em algumas esponjas As esponjas satildeo animais que natildeo possuem sistema nervoso sendo a maioria marinha de vida seacutessil A alimentaccedilatildeo depende da passagem do ambiente pelo animal que eacute possiacutevel pela existecircncia de muitos poros que compotildee o seu corpo Estes poros satildeo constituiacutedos por ceacutelulas que apresentam flagelos conhecidas como coanoacutecitos dada a sua semelhanccedila com o coanoflagelados O fluxo de aacutegua se daacute pelo batimento flagelar que forccedila a aacutegua para dentro dos poros permitindo que a mesma flua pelo aacutetrio grande cavidade interna sendo eliminada para o meio ambiente pelo oacutesculo (pequena boca) Uma forte estimulaccedilatildeo mecacircnica no corpo da esponja promove a liberaccedilatildeo de glutamato GABA (aacutecido gama-amino-butiacuterico) e oacutexido niacutetrico pelos coanoacutecitos Estes sinalizadores satildeo transportados pela aacutegua causando a coordenaccedilatildeo da contraccedilatildeo da musculatura da parede corporal e oacutesculo As esponjas utilizam os transmissores como hormocircnios e o fluxo de aacutegua se comporta como sistema circulatoacuterio Os receptores para os sinalizadores encontrados em esponjas coanoflagelados e bacteacuterias satildeo metabotroacutepicos ou seja a ligaccedilatildeo da moleacutecula sinalizadora ao seu receptor ativa uma cascata de sinalizaccedilatildeo intracelular na ceacutelula alvo Este tipo de transmissatildeo gera movimentos lentos e prolongados Alguns autores sugerem que a primeira forma de sinalizaccedilatildeo sinaacuteptica tenha sido metabotroacutepica (Kristan Jr 2016)

O placozoa Tricoplax adherens natildeo apresenta ceacutelulas que se assemelhem a neurocircnios ou muacutesculos contudo esta espeacutecie apresenta genes que satildeo responsaacuteveis pela expressatildeo de canais iocircnicos voltagem dependentes estruturas preacute e poacutes-sinaacutepticas e mesmo transmissores

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Proteiacutenas que compotildee a sinapse em espeacutecies que natildeo apresentam neurocircnios sugerem que estas evoluiacuteram antes das ceacutelulas nervosas Genes que codificam proteiacutenas homoacutelogas agraves que compotildee as zonas ativas dos terminais preacute-sinaacutepticos que integram as vesiacuteculas sinaacutepticas que participam do processo de exocitose e da sinalizaccedilatildeo satildeo encontrados em coanoflagelados grupo proacuteximo aos metazoaacuterios Uma vez que estas proteiacutenas nestes grupos natildeo constituem sinapse satildeo denominadas de proto-sinaacutepticas A presenccedila destas proteiacutenas proto-sinaacutepticas em espeacutecies proacuteximas aos metazoaacuterios sugere que o arcabouccedilo molecular criacutetico para a transmissatildeo sinaacuteptica evoluiu antes da origem da sinapse A comunicaccedilatildeo neuronal ocorre pela interaccedilatildeo entre regiotildees preacute-sinaacuteptica e poacutes-sinaacuteptica especializadas que transformam as correntes eleacutetricas da membrana do neurocircnio preacute-sinaacuteptico em sinais quiacutemicos liberados que por sua vez seratildeo transformados em corrente eleacutetrica ou sinal intracelular no neurocircnio poacutes-sinaacuteptico Pouco se conhece sobre as funccedilotildees ancestrais das proteiacutenas sinaacutepticas A primeira sinapse verdadeira pode ter sido a neuromuscular esta poderia ser uma especializaccedilatildeo para curta-distacircncia derivada de interaccedilotildees semelhantes agraves neuroendoacutecrinas utilizadas por coanoflagelados e poriacuteferas (Kristan Jr 2016)

A presenccedila de canais iocircnicos voltagem dependentes e moleacuteculas sinaacutepticas natildeo transforma uma ceacutelula automaticamente em neurocircnio Em linhas gerais estas moleacuteculas devem ser produzidas em nuacutemero adequado terem localizaccedilatildeo e inserccedilatildeo adequada na membrana A capacidade de influenciar ceacutelulas localizadas a grandes distacircncias implica na existecircncia de processos longos e finos e os terminais destes processos devem ser localizados no local adequado do seu parceiro sinaacuteptico Estes dados natildeo podem ser obtidos de foacutesseis Moleacuteculas que participam do desenvolvimento neuronal crescimento axonal e formaccedilatildeo das sinapses tecircm sido investigadas como marcadores para neurocircnios Estas moleacuteculas tecircm evoluccedilatildeo paralela agrave evoluccedilatildeo dos canais iocircnicos voltagem dependentes apresentando significante expansatildeo no Periacuteodo Cambriano Eacute importante ressaltar que os foacutesseis existentes do periacuteodo preacute-cambriano indicam que os primeiros animais fossilizados (560-540 milhotildees de anos atraacutes) foram provavelmente animais sesseis e filtradores apresentando sinais de atividade de cavar o substrato no iniacutecio da explosatildeo cambriana

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(540 milhotildees de anos atraacutes) A escassez de fosseis de animais antes do periacuteodo cambriano pode ser explicada pela condiccedilatildeo ambiental inoacutespita eras glaciais com restriccedilatildeo de oxigecircnio atmosfeacuterico Haacute 525 milhotildees de anos atraacutes os animais filtradores foram substituiacutedos por animais com coberturas externas riacutegidas nas mais variadas formas como espinhos conchas e placas Este rico arranjo de armadura externa e armas de defesa sugere que neste periacuteodo teve iniacutecio a predaccedilatildeo O aumento do tamanho destes animais tornou arriscado deixar sem coordenaccedilatildeo as suas diferentes partes O comportamento predatoacuterio pode ter favorecido animais capazes de movimentos raacutepidos para a obtenccedilatildeo de alimento e claro para escapar de se tornar alimento para outro animal (Kristan Jr 2016) Novamente vale a pena ressaltar que natildeo necessariamente a pressatildeo pela sobrevivecircncia forjou a organizaccedilatildeo do sistema nervoso a existecircncia de sistema nervoso pode ter permitido a emergecircncia de comportamento predatoacuterio e defensivo A pressatildeo por alimento e natildeo virar alimento pode ter favorecido a evoluccedilatildeo e permanecircncia de sistemas de conduccedilatildeo raacutepida como os neurocircnios A primeira indicaccedilatildeo de tecido nervoso eacute o aparecimento de olhos bem definidos e contornos de sistemas nervosos em fosseis de 525 milhotildees de anos (Kristan Jr 2016)

A origem do primeiro sistema nervoso eacute territoacuterio de intensa disputa Das espeacutecies existentes de Radiata (Ctenoacutefora e Cnidaacuteria) e Bilateria todas possuem neurocircnios ao passo que Placozoa e Poriacutefera natildeo A pergunta que se coloca eacute qual eacute o grupo basal Ou seja qual eacute o grupo com menor derivaccedilatildeo que deu origem aos demais grupos Caracteriacutesticas morfoloacutegicas e moleculares sugerem relaccedilotildees entre os quatro grupos Bilateria Cnidaacuteria Placozoa e Poriacutefera a posiccedilatildeo do grupo Ctenophora ainda eacute discutiacutevel Resultados de estudos moleculares mais extensos permitem colocar o grupo Ctenophora como o grupo mais basal dos cinco clados Os Ctenoacuteforos teriam se separado dos metazoaacuterios muito antes do grupo Poriacutefera A definiccedilatildeo do grupo basal eacute importante para a reconstruccedilatildeo dos eventos evolutivos que implicaram nos diferentes desenhos de sistema nervoso Caso o grupo Ctenophora seja o grupo basal para as esponjas a origem do neurocircnio apresenta dois cenaacuterios plausiacuteveis No primeiro cenaacuterio o ancestral comum de todos os maiores clados possuiacutea neurocircnio que foi perdido nos clados Poriacutefera e Placozoa No

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segundo cenaacuterio os neurocircnios teriam duas origens independentes uma no ancestral de Ctenophora e a segunda no ancestral compartilhado pelos ramos Cnidaacuteria e Bilateria (Moroz LL 2009 Budd GE 2016 Castelfranco amp Hartline 2016 Kristan Jr 2016)

A anaacutelise genocircmica permitiraacute o estudo de detalhes destes eventos evolutivos e quem sabe nos traga a resposta de qual o grupo basal a ser considerado para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Outra possibilidade eacute a cooptaccedilatildeo de proteiacutenas com funccedilotildees totalmente distintas das neuronais em grupos basais para esta nova funccedilatildeo em grupos derivados e este evento pode ter ocorrido independentemente em diferentes grupos que convergiram para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso (Burkhardt amp Sprecher 2017)

Consideraccedilotildees Sobre a Organizaccedilatildeo do Sistema Nervoso e Repertoacuterio Comportamental

Eacute inegaacutevel que a existecircncia do sistema nervoso permite a emergecircncia de comportamentos complexos Este sistema apresenta a propriedade de armazenar as informaccedilotildees e combinaacute-las nas mais diferentes formas para a soluccedilatildeo de desafios Consideramos inteligentes as espeacutecies que apresentam grandes enceacutefalos a ateacute haacute alguns anos atraacutes a laminaccedilatildeo cortical era sinocircnimo de possibilidade de inteligecircncia para muitos a uacutenica

Noacutes os humanos sempre nos consideramos o topo evolutivo a inteligecircncia suprema relegando as demais espeacutecies a condiccedilatildeo de animais uma vez que temos dificuldade de nos enxergarmos como uma espeacutecie animal

Para a grande maioria das pessoas soacute eacute capaz de sentir dor aquele que possui um ceacuterebro igual ao nosso Para muitos com esta concepccedilatildeo de sistema nervoso resumida a enceacutefalo os invertebrados por natildeo possuiacuterem ceacuterebro igual ao nosso natildeo devem sentir dor e como apresentam poucos neurocircnios em seus sistemas nervosos devem ser incapazes de aprendizado e seus comportamentos devem ser reflexos e natildeo elaborados

As aves por natildeo possuiacuterem neocoacutertex natildeo satildeo inteligentes Por inteligecircncia normalmente entendemos a capacidade de soluccedilatildeo de

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problemas matemaacuteticos falar diversos idiomas interpretar textos e por aiacute afora Muitos indiviacuteduos negam a teoria da evoluccedilatildeo De certa forma eacute muito incomodo um ser tatildeo perfeito como o humano derivar de um ancestral primata natildeo humano A divindade se sente ameaccedilada

Durante muito tempo os paradigmas utilizados para avaliar a inteligecircncia de outros animais foram inadequados por desconsiderar a biologia da espeacutecie em estudo Particularmente considero a inteligecircncia como a capacidade de soluccedilatildeo de problemas biologicamente relevantes As diferentes espeacutecies ocupam diferentes habitats e cada uma enfrenta diferentes problemas para a sua sobrevivecircncia Costumo dizer que se fosse possiacutevel estabelecer diaacutelogo com as outras espeacutecies as visotildees de mundo e vida seriam as mais variadas

Antes de apresentar alguns exemplos de comportamentos elaborados em invertebrados e aves eacute importante esclarecer que a laminaccedilatildeo cortical sempre considerada como o diferencial da nossa espeacutecie natildeo eacute exclusiva desta O peixe dourado a carpa e o peixe paulistinha da famiacutelia dos cipriniacutedeos possuem uma estrutura cerebral laminada o lobo vagal composta por 15 camadas importante para o comportamento alimentar desta famiacutelia permitindo a separaccedilatildeo da boa comida daquela ruim As camadas mais superficiais desta estrutura constituem o componente sensorial (informaccedilotildees gustativas do interior da boca e oacutergatildeo palatal) sendo homoacuteloga ao nuacutecleo do trato solitaacuterio de outros vertebrados as camadas mais profundas constituem o componente motor controla os muacutesculos bucais e eacute homoacuteloga a porccedilotildees do nuacutecleo ambiacuteguo de outros vertebrados Os Gymnotiformes peixes eleacutetricos neotropicais apresentam laminaccedilatildeo no torus semicircularis estrutura mesencefaacutelica importante para a decodificaccedilatildeo dos sinais eleacutetricos emitidos pelo proacuteprio peixe e por outros Esta estrutura apresenta 12 lacircminas e 48 tipos celulares e integra informaccedilotildees nos dois eixos vertical e horizontal O corpo geniculado lateral estrutura integrante da via visual em mamiacuteferos e alguns marsupiais eacute laminado A laminaccedilatildeo traz consigo as seguintes vantagens 1- reduccedilatildeo no comprimento das conexotildees 2 ndash o arranjo retangular das lacircminas reduz o volume da estrutura e 3 ndash facilita a emergecircncia de funccedilatildeo mais complexa uma vez que as lacircminas satildeo passiacuteveis de integraccedilatildeo das informaccedilotildees tanto no eixo vertical quanto horizontal A organizaccedilatildeo laminar promove economia de espaccedilo tempo de conduccedilatildeo e energia sendo portanto uma estrateacutegia

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evolutiva que pode ter ocorrido de maneira independente nas diferentes espeacutecies (Striedter 2005)

Comportamentos Puramente Inatos ou Elaborados

No grupo dos invertebrados os cefaloacutepodes (polvo lula e seacutepia) apresentam sistema nervoso altamente desenvolvido que se caracteriza pela fusatildeo de gacircnglios e o subsequente desenvolvimento destes em loacutebulos formando ceacuterebro complexo proacuteximo ao esocircfago O lobo vertical nos polvos eacute considerado a regiatildeo de maior complexidade Os polvos satildeo considerados os invertebrados mais inteligentes vaacuterios viacutedeos estatildeo disponiacuteveis demonstrando a capacidade de soluccedilatildeo de problemas aprendizado por observaccedilatildeo de outro polvo na soluccedilatildeo do paradigma experimental habilidade de fuga e recentemente o registro de polvos carregando cascas de coco vazias para serem utilizadas como abrigos sugerindo a utilizaccedilatildeo de ferramentas por esta espeacutecie

Outro invertebrado cujo comportamento sugere ser elaborado eacute o caranguejo eremita Pagurus bernhardus Este caranguejo por natildeo possuir carapaccedila habita conchas deixadas por moluscos apresentando predileccedilatildeo pela concha Littorina obtusata a busca por uma nova residecircncia eacute constante havendo competiccedilatildeo entre dois indiviacuteduos da mesma espeacutecie pela posse da concha predileta A escolha pela nova concha implica natildeo soacute na exploraccedilatildeo visual como tambeacutem no abandono da velha concha e entrada na nova para testar se esta preenche os requisitos que satisfaccedilam o novo inquilino O sistema nervoso dos caranguejos eacute constituiacutedo por um gacircnglio denominado de cefaacutelico que desempenha funccedilatildeo na percepccedilatildeo olfativa visual antenal e de equiliacutebrio O gacircnglio cefaacutelico conecta-se ao cordatildeo nervoso ventral por meio do cordatildeo circumesofageano O cordatildeo nervoso ventral nos braquiuacuteros eacute resultante da fusatildeo dos gacircnglios toraacutecicos e abdominais O cordatildeo nervoso ventral integra as informaccedilotildees provenientes do gacircnglio cefaacutelico e adequa o controle motor das pernas ambulatoacuterias e queliacutepodes permitindo resposta comportamental adequada tanto de locomoccedilatildeo quanto de defesa O gacircnglio estomatogaacutestrico situado na regiatildeo dorsal do estomago

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controla os seus movimentos de trituraccedilatildeo e esvaziamento O nuacutemero de neurocircnios que compotildeem o sistema nervoso central de crustaacuteceos eacute pequeno contudo estes animais com poucos neurocircnios e sistema nervoso de organizaccedilatildeo simples satildeo capazes de sentir dor e reagir a ela bem como de blefarem quando o que estaacute em jogo eacute evitar o embate corporal Para muitos de noacutes imaginar que um caranguejo sinta dor soa bastante bizarro talvez se definirmos melhor esta percepccedilatildeo e estabelecermos criteacuterios para constatar esta propriedade de percepccedilatildeo em outras espeacutecies bizarro talvez se torne natildeo termos levado esta possibilidade em conta

A dor pode ser descrita como uma sensaccedilatildeo e sentimento aversivos associados a dano potencial ou real do tecido (Broom2001) A dor conteacutem dois componentes 1 - a capacidade de detectar o estiacutemulo doloroso nocicepccedilatildeo que permitiraacute ao animal a emissatildeo de comportamento adequado e 2- a interpretaccedilatildeo emocional interna que corresponde ao sofrimento desta percepccedilatildeo Os criteacuterios para a demonstraccedilatildeo de dor em outras espeacutecies incluindo vaacuterios invertebrados satildeo

1 ndash Existecircncia de sistema nervoso e receptores

2 ndash Reaccedilatildeo de esquiva

3 ndash Reaccedilotildees motoras protetivas que incluem uso reduzido da aacuterea afetada claudicaccedilatildeo friccionar a aacuterea afetada ou autotomia (em crustaacuteceos a perda das pernas ou queliacutepodes eacute fenocircmeno defensivo de sobrevivecircncia e o processo eacute controlado por dopamina) A autotomia difere da retirada de pernas ou queliacutepodes feitas muitas vezes com a justificativa de pesca de preservaccedilatildeo Na autotomia existe a coagulaccedilatildeo da hemolinfa em concomitacircncia agrave perda do apecircndice na retirada dos apecircndices feitos por exemplo por um humano a hemolinfa leva mais tempo para coagular podendo levar o animal agrave morte por perda do seu suprimento de oxigecircnio

4 ndash Alteraccedilotildees de paracircmetros fisioloacutegicos como glicemia concentraccedilatildeo de lactato

5 ndash Existecircncia de receptores opioides e evidencias de reduccedilatildeo da dor com o uso de anesteacutesicos locais ou analgeacutesicos (Elwood Barr amp Patterson 2009)

Em um artigo publicado por Elwood e Appel em 2009 realizado com o caranguejo eremita estes autores demonstraram nesta espeacutecie a experiencia de nocicepccedilatildeo Os experimentos consistiam em retirar os indiviacuteduos de suas e oferecer a concha predileta para ser ocupada

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O artifiacutecio utilizado pelos autores foi a colocaccedilatildeo de eletrodos no interior das conchas que permitiam a aplicaccedilatildeo de choques eleacutetricos em intensidade inferior agravequela que causa danos teciduais Foram utilizados dois grupos de caranguejos o grupo controle que natildeo recebeu nenhum choque e o grupo experimental que recebeu o choque eleacutetrico Nova concha predileta sem eletrodos era oferecida 20 segundos apoacutes o choque a 5 cm de distacircncia do caranguejo com a sua abertura para baixo Os paracircmetros medidos foram tempo de aproximaccedilatildeo e investigaccedilatildeo da nova concha nuacutemero de vezes que o queliacutepodes era colocada dentro da nova concha Os caranguejos que natildeo receberam choques natildeo abandonaram suas conchas aqueles pertencentes ao grupo experimental demonstraram resistecircncia para abandonar a preferida concha indicando competiccedilatildeo motivacional entre abandonar um recurso precioso e sentir dor O abandono de conchas eacute mais frequente quando o choque eacute realizado em conchas que natildeo satildeo as preferidas Alguns animais do grupo experimental abandonaram as conchas apoacutes o choque limpando o abdocircmen batendo o abdocircmen contra uma concha vazia comportamento usual desta espeacutecie quando deseja expulsar o ocupante de uma concha para fazer uso dela Este comportamento de bater em concha desocupada pode indicar agressatildeo desencadeada por um estiacutemulo nocivo

O comportamento de blefe muito utilizado em jogos de carta como o pocircquer tem o objetivo de enganar o adversaacuterio No caso o jogador sabe o que tem na matildeo desconhece mas suspeita o que contem a matildeo de seu adversaacuterio A fim de evitar ter que mostrar o seu jogo e enganar o adversaacuterio aquele que faraacute uso de blefe assume postura de quem estaacute com o jogo ganho muitas vezes fazendo altas apostas tentando dissuadir o seu oponente a permanecer no jogo O blefe eacute trapaccedila e o caranguejo eremita faz uso desta artimanha para dissuadir o seu oponente do confronto fiacutesico A concha eacute fundamental para a sobrevivecircncia desta espeacutecie As disputas pelas conchas envolvem comportamentos denominados de preacute luta cujo objetivo eacute a mudanccedila do comportamento do oponente Na fase de preacute luta os oponentes exprimem diversos comportamentos que podem resultar na aproximaccedilatildeo ou retirada de seu oponente A preacute luta eacute portanto o momento adequado para a manipulaccedilatildeo do oponente Um dos comportamentos expressos na fase de preacute luta eacute a apresentaccedilatildeo da queliacutepoda A apresentaccedilatildeo honesta eacute aquela que permite ao opositor

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avaliar o seu tamanho estando a queliacutepoda aberta perpendicular ao solo A apresentaccedilatildeo desonesta impede ao oponente a avaliaccedilatildeo do tamanho real uma vez que a queliacutepoda aberta eacute apresentada em posiccedilatildeo frontal acima do opositor Esta eacute a blefe Experimentos onde caranguejos de menor tamanho receberam conchas de tamanho preferido dos caranguejos de maior tamanho e aos caranguejos de maior tamanho foram ofertadas conchas de menor preferecircncia e menores demonstraram que a apresentaccedilatildeo de blefe foi frequentemente utilizada pelos indiviacuteduos de menor tamanho quando confrontados com os maiores A manipulaccedilatildeo utilizada pelos indiviacuteduos menores reduz a probabilidade dos indiviacuteduos de maior tamanho atacarem e se o ataque acontecer haacute reduccedilatildeo das chances de o atacante vencer a disputa (Elwood et al 2005)

Os resultados acima descritos sugerem que apesar de poucos neurocircnios e estrutura pobre em complexidade estes crustaacuteceos parecem conhecer as suas limitaccedilotildees e avaliar as potencialidades de seus adversaacuterios

Durante muito tempo as aves foram consideradas animais sem capacidade de raciociacutenio dada a organizaccedilatildeo de seus ceacuterebros que natildeo apresenta neocoacutertex As novas metodologias permitiram importantes mudanccedilas nestas consideraccedilotildees uma vez que a organizaccedilatildeo nuclear das estruturas cerebrais de aves apresenta homologia com estruturas laminares corticais da nossa espeacutecie

Os corvos possuem sofisticada capacidade mental e utilizam a loacutegica para a soluccedilatildeo de problemas Pedaccedilos de carne pendurados por uma corda amarrada em um poleiro foram oferecidos a corvos situaccedilatildeo pouco provaacutevel na natureza Apoacutes alguns minutos de estudo da situaccedilatildeo corvos adultos resolveram o problema em 30 segundos

A ave com auxiacutelio do bico ergueu a corda utilizando o peacute para segurar o pedaccedilo de corda erguido deixou o pedaccedilo de carne amarrado cair novamente novamente com o bico ergueu a corda soltando a anterior do peacute e segurando o novo segmento as etapas foram repetidas ateacute o comprimento da corda ser o suficiente para permitir agrave ave segurar com o peacute o pedaccedilo de carne e degusta-lo O problema natildeo foi resolvido por tentativa e erro e sim por anaacutelise da situaccedilatildeo e soluccedilatildeo loacutegica uma vez que a tarefa foi realizada na primeira tentativa e em vaacuterias etapas Corvos com um ano de idade necessitaram de seis

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minutos para resolverem o problema utilizando vaacuterias estrateacutegias como voar no alimento tentar cortar ou torcer a corda durante este periacuteodo Vale ressaltar que as aves natildeo foram recompensadas com alimento em nenhuma etapa do processo de erguer-segurar a corda para comer o corvo cumpria a sequecircncia ateacute o fim

Algumas espeacutecies de corvos se alimentam de carne obtida de caccedila abatida por lobos Existe competiccedilatildeo pelo alimento portanto os corvos precisam de adaptaccedilatildeo a um ambiente imprevisiacutevel Quando jovens estas aves praticamente ldquobrincam com o inimigordquo rolando de costas na neve com seus peacutes para o ar proacuteximos aos lobos e agrave caccedila abatida Este comportamento luacutedico prepara o animal a reaccedilotildees raacutepidas e plaacutesticas tornando familiar uma situaccedilatildeo perigosa

Uma caracteriacutestica de o comportamento alimentar dos corvos eacute esconder o pedaccedilo de alimento obtido e o corvo o faz totalmente em privado ou seja longe de seus co- especiacuteficos Este comportamento de esconder o alimento sem dar pistas do esconderijo se justifica uma vez que eacute comum um corvo roubar o alimento escondido por outro Aleacutem da logica estas aves satildeo oportunistas

Em um experimento pesquisadores colocaram dois corvos em uma gaiola um dos corvos podia ser visto pelos corvos soltos em uma aacuterea contendo alimento e locais para esconder o mesmo O outro corvo da gaiola natildeo podia ser visto pelas aves livres pela existecircncia de uma cortina que o escondia Quando os corvos da gaiola foram soltos os autores observaram que o corvo que estava exposto era controlado pelos corvos livres enquanto aquele que ficou atraacutes da cortina era ignorado pelos demais Estes resultados sugerem que os corvos satildeo capazes de identificar e memorizar o indiviacuteduo que oferece risco no caso roubo do alimento escondido (Heinrich amp Bugnyar 2007)

Algumas aves recolhem alimentos na eacutepoca em que estes estatildeo disponiacuteveis como vermes sementes e os escondem para periacuteodos de escassez Experimentos realizados em laboratoacuterio permitiram a verificaccedilatildeo de que estas aves quando lhes eacute dado acesso aos alimentos escondidos ingerem primeiro os vermes que satildeo pereciacuteveis e depois as sementes indicando conhecerem o onde esconderam e quando o fizeram (Clayton et al 2003)

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A vida social pode ter sido o fator que direcionou a evoluccedilatildeo da inteligecircncia uma vez que possuir a habilidade de prever as respostas de outros animais da mesma e de outras espeacutecies torna-se fator extremamente importante A capacidade de resolver problemas biologicamente relevantes permite plasticidade comportamental uma vez que os ambientes habitados pelas diferentes espeacutecies satildeo complexos e imprevisiacuteveis nos quais comportamentos preestabelecidos podem ser inapropriados

Consideraccedilotildees Finais

O sistema nervoso trouxe muitas possibilidades mas natildeo eacute essencial agrave vida uma vez que animais que natildeo o possuem ainda habitam este planeta como as esponjas A simplicidade em sua organizaccedilatildeo ou o nuacutemero reduzido em suas ceacutelulas a sua organizaccedilatildeo ganglionar nuclear ou laminar difuso ou concentrado formando ceacuterebros nada informa sobre a inteligecircncia do animal que possui o sistema Os paradigmas para investigar dor inteligecircncia ndash sempre no sentido de soluccedilatildeo de problemas de relevacircncia bioloacutegica eacute que devem ser adequados agrave espeacutecie em estudo

ldquoA ausecircncia de evidencia natildeo eacute evidencia de ausecircnciardquo (Sherwin 2001) eacute uma frase que tenho sempre em mente e que me auxilia a perguntar sempre que me deparo com afirmaccedilotildees categoacutericas e privadas de dados experimentais confiaacuteveis A evoluccedilatildeo da ciecircncia traz consigo novas metodologias que se adequadamente utilizadas permitiratildeo responder muitas perguntas natildeo soacute sobre a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Quem sabe se em um futuro natildeo muito distante a nossa espeacutecie entenda que a sua existecircncia depende do respeito agraves demais espeacutecies existentes em nosso planeta por ser ela mais uma espeacutecie e natildeo a espeacutecie dona do planeta

A trajetoacuteria evolutiva do sistema nervoso eacute longa controversa e ainda em grande parte desconhecida eacute um sistema de alto custo energeacutetico e importante para todas as espeacutecies que o possuem Talvez conhecendo melhor a sua histoacuteria evolutiva entenderemos que eacute imperioso fazer uso do mesmo da melhor maneira possiacutevel afinal desperdiccedilar esta construccedilatildeo da evoluccedilatildeo seria ldquoirracionalrdquo natildeo muito coerente para uma espeacutecie que se julga a mais inteligente do planeta

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Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro

Roberta EkuniUniversidade Estadual do Norte do Paranaacute

Introduccedilatildeo

Feche os olhos e tente lembrar de mateacuterias de divulgaccedilatildeo cientiacutefica que viu recentemente Provavelmente dentre as que pensou alguma envolvia o ceacuterebro1 certo Desde a ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo (anos 1990) a Neurociecircncia se popularizou ao ocupar tanto capas de revistas cientiacuteficas de alto impacto como ldquoSciencerdquo e ldquoNaturerdquo quanto revistas e jornais populares (Ansari Coch amp De Smedt 2011) Esses estudos exercem um fasciacutenio nas pessoas fenocircmeno conhecido como neurofilia (apetite pelo ceacuterebro) (Fuller 2012) que tambeacutem estaacute presente em programas televisivos e filmes Inclusive como cita Fuller (2012) devido ao grande interesse geral nas questotildees que envolvem ldquoneurordquo no seriado Dr House (uma seacuterie que se passa em um hospital com casos meacutedicos interessantes que devem ser diagnosticados para que o paciente seja salvo) quase 30 dos episoacutedios envolvem casos de siacutendromes neuroloacutegicas Entretanto a expertise do personagem principal eacute nefrologia e doenccedilas infecciosas e natildeo neurologia

Em consonacircncia com essa neurofilia na aacuterea meacutedica a maioria dos livros ranqueados no site da Amazon satildeo da Neurociecircncia sendo que 20 estatildeo no top 100 dos livros de medicina mais vendidos (Fuller 2012) Isso se repete em publicaccedilotildees de uma revista meacutedica de alto impacto no qual a maior porcentagem de artigos publicados

1 No Brasil a traduccedilatildeo de brain eacute enceacutefalo (telenceacutefalo ponte e cerebelo) Entretanto o termo popularmente conhecido eacute ceacuterebro (telenceacutefalo) Como popularmente o termo ceacuterebro eacute utilizado em accedilotildees de divulgaccedilatildeo cientiacutefica (por exemplo em accedilotildees como a Semana do Ceacuterebro chancelada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Neurociecircncias e Comportamento - SBNeC) no presente capiacutetulo o termo ceacuterebro seraacute utilizado para se referir agrave traduccedilatildeo popular do termo brain

Autor para correspondecircncia

robertaekuniuenpedubr

Universidade Estadual do Norte do Paranaacute Centro

de Ciecircncias Bioloacutegicas

Rodovia BR-369 Km-54 CP 269Vila Maria CEP

86360-000 Bandeirantes - PR

(43) 3542-8008

Agradecimentos Ao Fundo de Combate aos

Neuromitos por auxiliar o Projeto

ldquoCaccediladores de neuromitosrdquo ao

qual a autora faz parte Aos

queridos Orlando Francisco

Amodeo Bueno (in memorian) e Larissa Zeggio

parceiros do Projeto

Caccediladores de Neuromitos

3

62 | Temas em Neurociecircncias

envolvem neurologia (Fuller 2012) Aleacutem disso haacute muitas informaccedilotildees que antes eram explicadas pelo campo da Psicologia tentando ser substituiacutedas por explicaccedilotildees neurocientiacuteficas (Baron 2018) Talvez isso se deva ao fato de que haacute uma tendecircncia em achar que a Neurociecircncia seja o melhor meacutetodo para explicar fenocircmenos psicoloacutegicos (Weisberg Hopkins amp Taylor 2018)

Frente a esse apetite pelo ceacuterebro temos um fenocircmeno conhecido como neuromitos que de modo geral satildeo informaccedilotildees incorretas sobre o ceacuterebro mais especificamente um ldquoequiacutevoco gerado pelo entendimento incorreto uma maacute interpretaccedilatildeo ou maacute citaccedilatildeo de fatos estabelecidos cientificamente (pela ciecircncia do ceacuterebro)rdquo (OECD 2002 p 111) Um exemplo claacutessico de neuromito eacute que usamos cerca de 10 do ceacuterebro inclusive virou tema de filmes (Lucy filme de Luc Besson e Sem limites filme de Neil Burger) Na Argentina esse foi o neuromito que os professores mais acreditavam ser correto (40) (Hermida Segretin Soni Garciacutea amp Lipina 2016) Em um levantamento 14 dos norte-americanos que diziam ter alto treinamento em Neurociecircncia acreditavam nessa afirmaccedilatildeo (Macdonald Germine Anderson Christodoulou amp McGrath 2017) Outro questionaacuterio realizado com neurocientistas mostrou que uma pequena parcela (6) acreditava nesse mito (Herculano-Houzel 2002) Entretanto em ambos os casos comparado com educadores ou com a populaccedilatildeo em geral a porcentagem de neurocientistas ou pessoas com treinamentos em Neurociecircncia que acreditavam nesse neuromito eacute bem menor De forma breve talvez esse neuromito persista tanto por ser otimista ou seja se o ser humano usasse pouco imagine o que ele poderia fazer se desbloqueasse outras porcentagens Outro fator pode se dar ao fato de que quando as pessoas veem neuroimagem geralmente uma pequena parte estaacute colorida podendo dar uma falsa impressatildeo que o ceacuterebro natildeo estaacute sendo todo utilizado (para desmitificaccedilatildeo completa desse mito ver Abrahatildeo 2017)

Diante disso o objetivo desse capiacutetulo eacute discutir os neuromitos sua origem motivo pelo qual as pessoas tendem a acreditar nessas informaccedilotildees incorretas potenciais prejuiacutezos e como combatecirc-los

Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro | 63

Neuromitos Qual a sua Origem

Os neuromitos podem surgir devido a afirmaccedilotildees duvidosas vindas de interpretaccedilotildees de leigos sobre imagens cerebrais ou dados de experimentos neurocientiacuteficos (Lalancette amp Campbell 2012) Aleacutem disso por ignorarem a interconectividade do ceacuterebro ou seja que este funciona de forma conjunta simplificam os achados cientiacuteficos gerando uma divulgaccedilatildeo incorreta dos mesmos (Geake 2008)

Natildeo eacute novidade que haacute um grande aumento do nuacutemero de publicaccedilotildees envolvendo o ceacuterebro nas miacutedias populares (OrsquoConnor Rees amp Joffe 2012) Uma pesquisa mostrou que a miacutedia eacute a maior responsaacutevel por espalhar informaccedilotildees sobre o ceacuterebro para os professores e estudantes inclusive informaccedilotildees erradas (Tardif Doudin amp Meylan 2015) Natildeo eacute a intenccedilatildeo da mesma mas para se fazer entendida muitas vezes ela generaliza e publica informaccedilotildees parciais sobre as descobertas neurocientiacuteficas produzindo interpretaccedilotildees equivocadas (neuromitos) sobre o funcionamento do ceacuterebro que se espraiaram (Pasquinelli 2012) Outro ponto eacute que a miacutedia tende a ser sensacionalista a oferecer informaccedilotildees relevantes (mesmo quando natildeo satildeo) e a omitir informaccedilotildees relevantes (Pasquinelli 2012 Racine Waldman Rosenberg amp Illes 2010) Contudo natildeo se pode julgar que a miacutedia eacute somente ruim visto que a mesma tem efeito positivo para informar a populaccedilatildeo em geral via jornalismo cientiacutefico de qualidade (Ekuni amp Pompeia 2016 Watts 2014)

Ressalta-se que a miacutedia natildeo eacute a uacutenica responsaacutevel pela criaccedilatildeo e propagaccedilatildeo de mitos A ciecircncia estaacute em constante mudanccedila e muitas vezes uma teoria cientiacutefica que eacute aceita em um determinado momento frente a novas evidecircncias passa a natildeo ser mais aceita (OECD 2007) Eacute preciso acompanhar essas mudanccedilas para natildeo manter informaccedilotildees ultrapassadas como corretas Por exemplo antigamente acreditava-se que no ceacuterebro adulto natildeo havia neurogecircnese (produccedilatildeo de novos neurocircnios) mas hoje sabe-se que haacute (OECD 2007)

Aleacutem disso uma pesquisa com professores do Canadaacute apontou que as maiores fontes de aquisiccedilatildeo dos neuromitos investigados por ela (a saber estilos de aprendizagem inteligecircncias muacuteltiplas dominacircncia hemisfeacuterica exerciacutecios coordenados e uso de 10

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do ceacuterebro) foram em cursos de treinamento para professores e vieses cognitivos (por exemplo pela informaccedilatildeo parecer loacutegica ou pela proacutepria experiecircncia do professor em ensinar) (Sarrasin Riopel amp Masson 2019) Nesse sentido eacute necessaacuterio voltar a atenccedilatildeo para os cursos de formaccedilatildeo de docentes para evitar a propagaccedilatildeo de neuromitos

Por Que as Pessoas Acreditam nos Neuromitos

Haacute uma tendecircncia da miacutedia publicar assuntos que estatildeo em voga (OrsquoConnor et al 2012) Entretanto os estudos que mostram que ainda precisam de maiores evidecircncias para fazer recomendaccedilotildees praacuteticas natildeo viram manchetes de notiacutecia (Ekuni amp Pompeia 2016) o que acaba influenciando o julgamento das pessoas devido ao fato delas terem mais acesso aquelas informaccedilotildees De acordo com a Psicologia Cognitiva pelo vieacutes de disponibilidade algo vem agrave mente com mais facilidade devido a familiaridade (Tversky amp Kahneman 1973) assim as pessoas tendem a lembrar mais das informaccedilotildees familiares e repetidas o que influencia seu julgamento

Haacute uma tendecircncia em julgar uma informaccedilatildeo como verdadeira quando a mesma eacute vista pela segunda vez fenocircmeno conhecido como efeito da verdade (the truth effect) (Dechecircne Stahl Hansen amp Waumlnke 2010) Assim como os autores pontuam uma informaccedilatildeo ambiacutegua ou seja que a pessoa tem duacutevida se eacute fato ou natildeo tem mais chances de se tornar percebida como verdadeira se ela for repetida E isso tambeacutem acontece com os neuromitos jaacute que os mesmos estatildeo espalhados em vaacuterios locais (na miacutedia internet e ateacute em cursos voltado para professores) (Goswami 2006) Com isso o indiviacuteduo acaba ouvindo repetidas vezes a mesma informaccedilatildeo e por ela se tornar familiar ela pode pensar ldquohum jaacute ouvi isso em algum lugar deve ser verdaderdquo

Outro fator que pode explicar a crenccedila das pessoas em neuromitos pode se dar diante do termo conhecido como ldquopoacutes-verdaderdquo (post-truth) definido pelo dicionaacuterio Oxford como um adjetivo ldquoque se relaciona ou denota circunstacircncias nas quais fatos objetivos tecircm menos influecircncia em moldar a opiniatildeo puacuteblica do que

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apelos agrave emoccedilatildeo e a crenccedilas pessoaisrdquo2 Haacute indicaccedilatildeo que as crenccedilas por exemplo as religiosas poderiam influenciar para maior crenccedila em neuromitos (Hermida et al 2016) Assim haacute uma tendecircncia de interpretar os resultados das pesquisas de maneira que confirmem a crenccedila anterior da pessoa um fenocircmeno conhecido como vieacutes de confirmaccedilatildeo (Nickerson 1998) Isso faz com que a crenccedila em alguns mitos se mantenham com mais vigor por exemplo quando buscam informaccedilotildees online as pessoas tendem a ignorar informaccedilotildees conflitantes com as crenccedilas delas (Del Vicario et al 2016) Isso eacute relevante pois aumenta ainda mais as crenccedilas em neuromitos visto que as pessoas costumam a acreditar neles de forma agrupada (van Dijk amp Lane 2018) Ou seja se uma pessoa acredita que ouvir Mozart deixaraacute seus filhos mais inteligentes buscaraacute outras informaccedilotildees sobre como melhorar a inteligecircncia podendo encontrar outros neuromitos e tomaacute-los todos como verdade

Aleacutem desses vieses cognitivos outro ponto que pode explicar o motivo pelo qual as pessoas acreditam em neuromitos se deve ao fato de que as explicaccedilotildees que envolvem Neurociecircncia tendem a ser mais crediacuteveis para as pessoas que a leem para explicar fenocircmenos psicoloacutegicos mesmo que a explicaccedilatildeo seja irrelevante (Weisberg Keil Goodstein Rawson amp Gray 2008) Isso pode ser elucidado pelo ldquoefeito do fasciacutenio sedutorrdquo (seductive allure effect) no qual pessoas leigas preferem explicaccedilotildees que envolvam Neurociecircncia para fenocircmenos psicoloacutegicos (Weisberg et al 2018) Isso pode ser explicado pelo fato das pessoas poderem ter a percepccedilatildeo de que a Neurociecircncia estaacute mais conectada com diversas aacutereas do conhecimento (Weisberg et al 2018) Em suma parafraseando ldquoraio gourmetizadorrdquo meme que ficou conhecido na aacuterea da alimentaccedilatildeo que transforma comidas simples em verdadeiros objetos de desejos com elevado valor financeiro temos o ldquoraio neurotizadorrdquo Basta colocar o prefixo NEURO em qualquer informaccedilatildeo para ela virar uma ldquoNeuroInformaccedilatildeordquo mais atrativa com uma ldquopegadardquo de neurociecircncias e consequentemente com mais pessoas se interessando pelo assunto (Ekuni Zeggio amp Bueno 2017)

2 httpsenoxforddictionariescomword-of-the-yearword-of-the-year-2016

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Em consequecircncia disso produtos que remetem ao ceacuterebro tendem a ser mais avaliados como mais cientiacuteficas interessantes e efetivas do que o mesmo produto sem remeter ao ceacuterebro (Lindell amp Kidd 2013) Essa avaliaccedilatildeo foi realizada por estudantes de aacutereas diferentes do conhecimento por pais e por estudantes de Psicologia sendo que os alunos de Psicologia julgaram melhor comparado com os pais e alunos de outros cursos Isso mostra o efeito sedutor do ceacuterebro mas tambeacutem que uma formaccedilatildeo adequada pode ter um efeito protetor em relaccedilatildeo agrave crenccedila nos neuromitos (Lindell amp Kidd 2013) Contudo achados com professores da Coreacuteia do Sul concluem que saber Psicologia aumenta o conhecimento geral sobre o ceacuterebro mas natildeo diminui a crenccedila em neuromitos (Im Cho Dubinsky amp Varma 2018) Ou seja haacute indicaccedilatildeo de que natildeo basta apenas aumentar o conhecimento geral sobre Neurociecircncia eacute preciso tambeacutem desmitificar os neuromitos

Por Que os Neuromitos satildeo Prejudiciais

Acreditar em informaccedilotildees erradas sobre o ceacuterebro pode ser prejudicial No caso dos neuromitos potencialmente sim (Dekker Lee Howard-Jones amp Jolles 2012) Um dos motivos se deve ao fato de que as pessoas que adotam praacuteticas baseadas neles investem seu tempo e dinheiro em praacuteticas fadadas ao fracasso ao inveacutes de por exemplo focarem em praacuteticas que podem realmente melhorar a aprendizagem (Busso amp Pollack 2015 Macdonald et al 2017 Pasquinelli 2012) Um exemplo ocorreu na Irlanda do Norte onde houve uma tentativa de implementaccedilatildeo de uma reforma do curriacuteculo educacional supostamente baseada na Neurociecircncia mas que continha muitos equiacutevocos (neuromitos) (Purdy amp Morrison 2009) Por exemplo o neuromito de que as pessoas satildeo naturalmente propensas a aprender melhor se as instruccedilotildees dadas pelos professores forem congruentes com seu estilo de aprendizagem (visuais auditivas ou sinesteacutesicas ndash VAK) (Purdy 2008) Assim pessoas que satildeo visuais aprenderiam melhor se as instruccedilotildees fossem dadas por estiacutemulos visuais vendo graacuteficos imagens etc pessoas auditivas por informaccedilotildees auditivas e pessoas cinesteacutesicas (kinaesthetic) por movimentos por fazer na praacutetica Entretanto natildeo haacute evidecircncias cientiacuteficas que comprovem

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esse efeito de congruecircncia entre instruccedilatildeo e estilo de aprendizagem visto que haacute poucas pesquisas que usam meacutetodo cientiacutefico adequado para estudar esse fenocircmeno e os que usam natildeo possuem efeito de congruecircncia (Pashler McDaniel Rohrer amp Bjork 2009 Rohrer amp Pashler 2012)

Essa reforma curricular realizada na Irlanda do Norte foi amplamente criticada por natildeo ser baseada em Neurociecircncia como a mesma afirmava ser o que levou o Conselho Educacional retirar das propostas posteriores que a reforma curricular era baseada em Neurociecircncias (Purdy 2008) No entanto o Conselho que propocircs a reforma manteve seu apoio em cartilhas destinadas a professores com toacutepicos como estilos de aprendizagem conectar o ceacuterebro direito e esquerdo e Brain Gymreg para melhorar a aprendizagem (Purdy 2008) Infelizmente todos esses neuromitos satildeo amplamente difundidos na campo educacional (eg Dekker et al 2012)

Brevemente em relaccedilatildeo a crenccedila de que haacute exerciacutecios para conectar os hemisfeacuterios cerebrais (ceacuterebro direito e o esquerdo) natildeo haacute evidencias que exerciacutecios possam conectar ambos lados (Spaulding Mostert amp Beam 2010) ateacute porque na maioria da populaccedilatildeo haacute um feixe de fibras nervosas o corpo caloso que conecta os hemisfeacuterios cerebrais (Roland et al 2017) Complementarmente a esse neuromito haacute o equiacutevoco de que pessoas que satildeo racionais possuem o lado esquerdo mais dominante e pessoas criativas possuem dominacircncia hemisfeacuterica direita As evidecircncias de neuroimagem com anaacutelise de mais de 1000 pessoas mostram que natildeo haacute uma predominacircncia de ativaccedilatildeo de um hemisfeacuterio especiacutefico (Nielsen Zielinski Ferguson Lainhart amp Anderson 2013)

Jaacute em relaccedilatildeo ao neuromito de que ginaacutestica cerebral mais especificamente o Programa Brain Gymreg supostamente baseado na Neurociecircncia afirma que podem melhorar o aprendizado por meio de exerciacutecios massagens pressotildees em pontos especiacuteficos do corpo As evidecircncias apontam que o programa eacute baseado em suposiccedilotildees teoacutericas invaacutelidas e natildeo haacute pesquisas baseadas no meacutetodo cientiacutefico que comprove a eficaacutecia da mesma (Spaulding et al 2010 Zeggio amp Malloy-Diniz 2015)

Em meio a esse bombardeio de informaccedilotildees que supostamente podem melhorar a educaccedilatildeo somado com uma formaccedilatildeo

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neurocientiacutefica muitas vezes inadequadas com a sede que os educadores tem que inovar o ensino e de conectar o ceacuterebro com a educaccedilatildeo (Geake 2005 Goswami 2006) os educadores podem se apressar em fazer a ponte entre Neurociecircncias e Educaccedilatildeo Ao serem implantadas abordagens no contexto educacional baseadas em neuromitos pode ateacute haver uma percepccedilatildeo positiva dos alunos o que pode aumentar a crenccedila nos mitos entretanto a estrateacutegia natildeo seraacute efetiva (Howard-Jones 2014a) Infelizmente ainda falta conhecimento cientiacutefico para que os educadores possam acessar criticamente as pesquisas (Hook amp Farah 2013) Aleacutem disso as praacuteticas supostamente baseadas na Neurociecircncia ameaccedilam os programas baseados em evidecircncias jaacute que as pessoas podem natildeo acreditar em algo que contradiz o neuromito (Pasquinelli 2012 van Dijk amp Lane 2018)

O Que as Pessoas Sabem Sobre o Ceacuterebro

Muito se fala sobre a ponte entre Neurociecircncia e Educaccedilatildeo e da importacircncia dessa conexatildeo para melhorar a educaccedilatildeo (Sigman Pentildea Goldin amp Ribeiro 2014) Entretanto talvez a Educaccedilatildeo seja a aacuterea que mais sofre com os neuromitos Os educadores mais interessados em neurociecircncias sentem urgecircncia em colocar em praacutetica os conhecimentos das neurociecircncias em salas de aula o que os torna alvos faacuteceis de programas baseados em neuromitos (Dekker et al 2012) E isso se torna um ciclo vicioso pois os educadores acabam difundindo esses conhecimentos inveriacutedicos alguns inclusive em cursos de treinamento para professores (Sarrasin et al 2019)

Diante disso questionaacuterios tecircm sido administrados em vaacuterios paiacuteses para verificar o que os educadores acreditam sobre o ceacuterebro Entretanto devido a diferenccedilas culturais e tamanho da amostra esses dados natildeo satildeo generalizaacuteveis para toda a populaccedilatildeo (van Dijk amp Lane 2018) Mas haacute um ponto em comum as anaacutelises realizadas com educadores no Reino Unido e Holanda (Dekker et al 2012) Portugal (Rato Abreu amp Castro-Caldas 2013) Turquia Greacutecia e China (Howard-Jones 2014b) Brasil (Bartoszeck amp Bartoszeck 2016 Silvia Zeggio amp Ekuni 2014) Turquia (Karakus Howard-Jones amp Jay 2015) Suiacuteccedila (Tardif et al 2015) Ameacuterica Latina (predominantemente da Argentina Chile e Peru alguns participantes do Meacutexico Nicaraacutegua Colocircmbia

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e Uruguai) (Gleichgerrcht Lira Luttges Salvarezza amp Campos 2015) Espanha (Ferrero Garaizar amp Vadillo 2016) na Argentina (Hermida et al 2016) Estados Unidos (Macdonald et al 2017 van Dijk amp Lane 2018) e Coreacuteia do Sul (Im et al 2018) mostram que os educadores tendem a acreditar em vaacuterios neuromitos associados ao aprendizado

Eacute difiacutecil dizer quais os neuromitos que as pessoas mais acreditam pois ateacute mesmo levantamentos realizados no mesmo paiacutes tiveram resultados diferentes Por exemplo em um estudo realizado nos EUA os trecircs neuromitos que os educadores mais acreditavam foram que haacute exerciacutecios para integrar o ceacuterebro direito e esquerdo (89) Brain Gymreg ajuda os estudantes a lerem e usarem melhor a linguagem (80) se os alunos aprenderam de forma congruente com seu estilo de aprendizagem predominante aprenderaacute melhor (76) (Macdonald et al 2017) Enquanto que no estudo de van Dijk e Lane (2018) tambeacutem realizado nos EUA a prevalecircncia maior foi que ambientes enriquecidos estimulam o desenvolvimento cerebral de crianccedilas preacute-escolares (94) haacute exerciacutecios para integrar o ceacuterebro direito e esquerdo (78) e a crenccedila de que consumir comidas e bebidas com muito accediluacutecar deixam as crianccedilas inatentas (68) Ou seja como van Dijk e Lane indicam talvez a prevalecircncia da crenccedila em neuromitos dependa da amostra estudada da cultura formaccedilatildeo e outros fatores

Como Combater os Neuromitos Direccedilotildees da Psicologia Cognitiva

As evidecircncias que contrariam neuromitos satildeo publicadas quase que exclusivamente em perioacutedicos especializados em Neurociecircncia aos quais o grande puacuteblico natildeo tem acesso (Howard-Jones 2014b) Contrariamente ao estudo que mostrou que quem lia mais informaccedilotildees sobre o ceacuterebro acreditavam mais em neuromitos (Dekker et al 2012) saber mais fatos sobre Neurociecircncia pode ser um fator preditivo de menor crenccedila nessas informaccedilotildees incorretas (van Dijk amp Lane 2018) Corroborando com isso um estudo que comparou a crenccedila em neuromitos da populaccedilatildeo em geral educadores e pessoas com treinamento em neurociecircncia apontou para o fato de

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que as pessoas com treinamento em Neurociecircncia acreditavam menos em neuromitos (46) quando comparado com educadores (56) e o puacuteblico em geral (68) (Macdonald et al 2017) O mesmo estudo apontou que os preditores de apontar que uma informaccedilatildeo era um neuromito foi ter graduaccedilatildeo ler perioacutedicos cientiacuteficos revisado por pares e ter frequentado vaacuterios cursos de Neurociecircncia Somente ler jornalismo cientiacutefico natildeo eacute o suficiente para identificar um neuromito (Macdonald et al 2017) Ou seja a formaccedilatildeo cientiacutefica adequada pode auxiliar na melhor identificaccedilatildeo do que eacute um fato ou um mito

Eacute dever dos cientistas popularizar a ciecircncia ou seja transformar as descobertas cientiacuteficas em linguagem adequada para natildeo-cientistas (Bueno 2010) Diante disso primeiramente eacute preciso fortalecer a divulgaccedilatildeo neurocientiacutefica Haacute diversas iniciativas espalhadas no Brasil por meio de accedilotildees da extensatildeo universitaacuteria (eg Carvalho Macacare Rocha amp Ekuni 2020 Macacare et al 2018 Martins amp Mello-Carpes 2014 Rocha Macacare Cesaacuterio Benassi-Werke amp Ekuni 2019 Silva Grandi Castro amp Ekuni 2017 Vieira et al 2018 para uma revisatildeo ver Aranha Chichierchio amp Sholl-Franco 2015) Tambeacutem haacute iniciativas globais como ldquoBrain Awareness Weekrdquo promovido pela Dana Foundation e chancelada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Neurociecircncia e Comportamento (SBNeC) que incentiva instituiccedilotildees a organizarem eventos que visem popularizar a ciecircncia do ceacuterebro No que diz respeito especificamente aos neuromitos tambeacutem haacute iniciativas de divulgaccedilatildeo cientiacutefica no formato de livros (eg Ekuni Zeggio amp Bueno 2015 Zeggio Ekuni amp Bueno 2017) Macdonald et al (2017) apontam que as pessoas que acreditam em um neuromito tendem a acreditar em vaacuterios de forma agrupada assim no momento de desmitificar deve-se explicar sobre vaacuterios neuromitos juntos

Uma vez que as pessoas comeccedilam a acreditar nos neuromitos mesmo que essas informaccedilotildees incorretas sejam corrigidas ainda pode-se prevalecer a crenccedila na informaccedilatildeo anterior fenocircmeno conhecido com o influecircncia do efeito contiacutenuo da desinformaccedilatildeo (Continued Influence Effect of misinformation) (Ecker Hogan amp Lewandowsky 2017) Para evitar que isso aconteccedila deve-se buscar tentar preencher as lacunas do conhecimento via explicaccedilotildees

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alternativas e sempre que possiacutevel repetir essas explicaccedilotildees sem reforccedilar o mito (Lewandowsky Ecker Seifert Schwarz amp Cook 2012)

Pesquisas de memoacuteria que buscam compreender qual a melhor forma que corrigir uma informaccedilatildeo errada mostram que haacute maior probabilidade de correccedilatildeo da informaccedilatildeo se a fonte que corrige eacute dada por uma pessoa de confianccedila que natildeo necessariamente precisa ser expert no assunto (Guillory amp Geraci 2013) Apesar do estudo ser feito no campo de informaccedilotildees poliacuteticas os autores extrapolam esse achado para outras aplicaccedilotildees praacuteticas como desmitificar o fato de que vacina MMR [sarampo (measles) caxumba (mumps) e rubeacuteola (rubella)] natildeo causa autismo Diante disso podemos pensar na importacircncia da divulgaccedilatildeo cientiacutefica se mais pessoas forem alcanccediladas pela divulgaccedilatildeo cientiacutefica de qualidade haacute maior probabilidade de elas poderem corrigir informaccedilotildees erradas para outras pessoas Se a pessoa for de confianccedila possibilidade de corrigir possiacuteveis equiacutevocos eacute ainda maior

Alguns estudos mostram que para evitar o efeito da repeticcedilatildeo natildeo se deve reapresentar o mito antes de desmitificaacute-lo porque ao repeti-lo pode tornaacute-lo mais forte (Dechecircne et al 2010) Por exemplo um estudo em que se apresentava mitos e fatos sobre vacina teve como consequecircncia o efeito de contra-ataque (backfire effect) ou seja fortaleceu a crenccedila no mito da vacinaccedilatildeo (Pluviano Watt Ragazzini amp Della Sala 2019) Contudo outro experimento realizado dando uma informaccedilatildeo incorreta para o participante e depois apontando que a mesma era incorreta mostrou que a correccedilatildeo da informaccedilatildeo foi melhor do que quando natildeo havia essa repeticcedilatildeo da informaccedilatildeo incorreta (Ecker et al 2017) Ou seja ainda haacute controveacutersias na literatura sobre a melhor forma de corrigir uma informaccedilatildeo incorreta

Uma vez que eacute comum no meio jornaliacutestico e na divulgaccedilatildeo cientiacutefica apresentar mitos e fatos na tentativa de desmitificar uma informaccedilatildeo incorreta pode-se usar uma estrateacutegia cognitiva de solicitar que o leitor faccedila um julgamento da informaccedilatildeo enquanto lecirc o que pode evitar o efeito do contra-ataque quando comparado a solicitar um julgamento baseado na memoacuteria tempo depois de lido (Peter amp Koch 2015) Essa diferenccedila temporal de julgamento pode ser crucial para corrigir uma informaccedilatildeo incorreta jaacute que os autores pontuam que haacute uma tendecircncia de esquecer os argumentos lidos

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que explicam porque a informaccedilatildeo eacute falsa Outra forma de evitar o efeito do contra-ataque eacute enfatizar o fato com poucos argumentos repeti-lo e quando for falar do mito avisar explicitamente o leitor que falaraacute uma informaccedilatildeo incorreta (Lewandowsky et al 2012)

Recomenda-se tambeacutem evitar que a manchete seja sobre o mito em si por exemplo ldquoUsamos soacute 10 do ceacuterebrordquo e soacute no texto dizer algo como ldquocientistas comprovam que essa informaccedilatildeo eacute falsa poisrdquo O motivo pelo qual deve-se evitar destacar o mito se deve ao efeito da distintividade ou seja eventos que se sobressaem que satildeo destacados satildeo mais distintivos assim essas informaccedilotildees tendem a ser mais lembradas do que as que natildeo se sobressaem (Tulving amp Rosenbaum 2012)

Depois da miacutedia a segunda fonte pelo qual os educadores dizem que aprendem informaccedilotildees sobre o ceacuterebro sendo que algumas dessas satildeo equivocadas vem de curso de formaccedilatildeo de professores (Tardif et al 2015) Uma pesquisa no Canadaacute apontou essa fonte como uma das fontes principais de informaccedilotildees incorretas (Sarrasin et al 2019) Isso eacute preocupante e chama a atenccedilatildeo da formaccedilatildeo de qualidade para prevenccedilatildeo da crenccedila em neuromitos (Ekuni amp Pompeia 2016) Como exposto anteriormente uma formaccedilatildeo cientiacutefica adequada pode fazer com que as pessoas se protejam do efeito sedutor da Neurociecircncia (Lindell amp Kidd 2013) Assim outras frentes de combate estariam na melhoria da formaccedilatildeo cientiacutefica dos educadores bem como na ampliaccedilatildeo do diaacutelogo entre cientistas e professores (Ansari et al 2011) Tambeacutem sugere-se a necessidade de uma rede de comunicadores de pesquisa neurocientiacutefica para ampliar a ponte entre Neurociecircncias e Educaccedilatildeo e a oferta de conteuacutedo acessiacutevel e de alta qualidade para a sociedade (Goswami 2006) No Brasil a Rede Ciecircncia para Educaccedilatildeo (Rede CpE)3 eacute uma das redes que visam atingir essa meta

Consideraccedilotildees Finais

Neuromitos satildeo informaccedilotildees duvidosas equivocadas que envolvem a ciecircncia do ceacuterebro Haacute uma alta crenccedila nessas

3 httpcienciaparaeducacaoorg

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informaccedilotildees principalmente no campo educacional o que pode levar os educadores a adotarem estrateacutegias potencialmente fadadas ao fracasso Uma das explicaccedilotildees plausiacuteveis pelo qual os neuromitos satildeo espalhados e perpetuados se deve agrave neurofilia e agraves notiacutecias que a miacutedia lanccedila com explicaccedilotildees super simplificadas sobre as pesquisas das Neurociecircncias (Pasquinelli 2012) Como falta formaccedilatildeo (neuro)cientiacutefica adequada haacute pouco senso criacutetico para julgar essas se essas informaccedilotildees satildeo equivocadas ou natildeo Somado a isso haacute fenocircmenos que influenciam o julgamento e haacute variaacuteveis que interferem na correccedilatildeo da informaccedilatildeo incorreta Por exemplo o efeito da repeticcedilatildeo faz com que informaccedilotildees incorretas reapresentadas vaacuterias vezes tendem a ser julgadas como corretas pela familiaridade a poacutes-verdade no qual as crenccedilas individuais satildeo mais fortes do que os fatos e argumentos que contrapotildeem essa crenccedila Aleacutem disso haacute vaacuterios vieses cognitivos que podem fazer com que a crenccedila nessas informaccedilotildees incorretas perpetue como o vieacutes de confirmaccedilatildeo ignorando fatos conflitantes com a crenccedila e focando atenccedilatildeo em fatos que possam confirmar a crenccedila

Outra forma de combater os neuromitos pode se dar por meio de accedilotildees de divulgaccedilatildeo cientiacutefica de qualidade jaacute que por meio dela pode-se aumentar o conhecimento neurocientiacutefico da populaccedilatildeo Haacute diversas accedilotildees voltadas para isso espalhadas no mundo e no Brasil Entretanto para desmitificar as informaccedilotildees incorretas deve-se fazecirc-lo baseadas em evidecircncias cientiacuteficas levando em consideraccedilatildeo os processos dos estudos de memoacuteria para corrigir uma informaccedilatildeo incorreta tais como tomar cuidado com o efeito do contra-ataque Aleacutem disso deve-se ampliar o diaacutelogo entre Neurociecircncia e Educaccedilatildeo bem como melhorar a formaccedilatildeo cientiacutefica dos educadores

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A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas

Jayme Marrone Juacutenior

Introduccedilatildeo

Nos uacuteltimos anos a abordagem neurocientiacutefica se tornou uma referecircncia em pesquisas que buscam entender o ser humano em niacuteveis que vatildeo do fisioloacutegico ao social O caminho para se conseguir uma explicaccedilatildeo razoaacutevel acerca do funcionamento e da capacidade do ceacuterebro bem como sua influecircncia em nosso comportamento exige uma composiccedilatildeo de conteuacutedos que transcendem a especificidade de cada aacuterea do saber e mobilizam uma gama de cientistas que trabalham e pesquisam de forma multirreferencial

Diante deste cenaacuterio acreditamos que a Fiacutesica possa contribuir com algumas discussotildees principalmente com os conceitos da fiacutesica moderna mais especificamente da mecacircnica quacircntica No entanto se algueacutem diz compreender a mecacircnica quacircntica eacute porque verdadeiramente natildeo a conhece (Feynman 1985) Natildeo obstante entendendo nossa limitaccedilatildeo e ainda assim com intenccedilatildeo de favorecer a discussatildeo configuramos uma hipoacutetese que talvez possa acomodar algumas questotildees dentre elas aquela que mais nos incomoda que eacute a percepccedilatildeo da realidade

Os elementos fisioloacutegicos que captam a realidade e formam nossos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo tato olfato paladar) satildeo manipulados e interpretados por uma extensa e complexa rede neural O caminho desta percepccedilatildeo inicia quando o estimulo eacute detectado por um neurocircnio sensitivo que converte (luz som cheiro toque) em potenciais de accedilatildeo que desencadeiam um sinal de origem eletroquiacutemica O sinal

Autor para correspondecircncia jaymemarrone

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eacute conduzido a uma aacuterea de processamento primaacuterio de acordo com a natureza do estiacutemulo que por sua vez elabora as caracteriacutesticas iniciais da informaccedilatildeo tal como forma textura cor etc A partir daiacute a informaccedilatildeo elaborada por comparaccedilatildeo eacute transmitida aos centros de processamento secundaacuterio da regiatildeo talacircmica onde se incorpora agrave outras informaccedilotildees de origem liacutembica relacionadas com experiecircncias passadas (memoacuterias) Por fim chega ao seu centro cortical especiacutefico (visual olfativo etc) jaacute deveras alterado

Segundo Maturana amp Varela (1995) eacute possiacutevel observar que mesmo neste breve e simplificado resumo do caminho percorrido pelo estiacutemulo a enorme quantidade de variaacuteveis que podem afetar a percepccedilatildeo da realidade e ainda a dependecircncia que a mesma possui de uma lembranccedila anaacuteloga para que a informaccedilatildeo possa ser classificada e compreendida cognitivamente Desta maneira eacute razoaacutevel afirmar que cores sabores cheiros texturas existem apenas em nossa mente de acordo com os modelos que construiacutemos de nossas experiecircncias do mundo Mesmo sensaccedilotildees de objetos inexistentes podem ser experimentados dependendo da aacuterea cortical estimulada (Blanke 2004) Uma experiecircncia realizada com uma jovem epileacutetica de 22 anos pela equipe de Olaf Blanke da Escola Politeacutecnica Federal de Lausanne na Suiacuteccedila mostrou que ao aplicar estimulaccedilatildeo eleacutetrica localizada perto da regiatildeo de origem dos ataques epileacutepticos (junccedilatildeo temporoparietal esquerda) a paciente revelou sentir que algueacutem estava postado exatamente atraacutes dela

Experiecircncias deste tipo revelam que as percepccedilotildees por vezes diferem qualitativamente do estiacutemulo fiacutesico pois o ceacuterebro eacute sensibilizado pelos dados e os interpreta baseado em experiecircncias anteriores que servem de suporte cognitivo para acomodaacute-los e consequentemente atribuir algum significado em sua associaccedilatildeo

A informaccedilatildeo que natildeo se adequa ao modelo construiacutedo ou que natildeo pode ser apropriada com o arcabouccedilo de memoacuterias preacutevias eacute interpretada como uma perturbaccedilatildeo que pode levar agrave sua dispensa e consequente natildeo percepccedilatildeo ou sua incorporaccedilatildeo por meio de uma remodelaccedilatildeo das estruturas sinaacutepticas reorganizando os circuitos neurais de acordo com a conveniecircncia na necessidade de sua percepccedilatildeo essa eacute nossa premissa

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Compreender a relaccedilatildeo entre percepccedilatildeo e realidade foi a inspiraccedilatildeo para nossa pesquisa que tem a priori a pretensatildeo de investigar as causas que permeiam essa relaccedilatildeo articulando as propriedades fiacutesicas da mateacuteria com a dinacircmica das redes neurais

Eacute com o intuito de promover essa discussatildeo que descreveremos brevemente os temas que pautaram o desenvolvimento destes estudos iniciais chamado a priori de Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional (HCF) cujo objetivo eacute acrescentar elementos que permitam uma descriccedilatildeo da realidade vinculada agrave materialidade dos objetos fiacutesicos

A percepccedilatildeo desta materialidade eacute uma experiecircncia da consciecircncia e racionalmente explicada em termos de partiacuteculas subatocircmicas tais como proacutetons necircutrons e eleacutetrons

Tais partiacuteculas satildeo definidas a partir de propriedades fiacutesicas como massa e carga eleacutetrica que diante do paradigma atual satildeo consideradas inerentes agrave mateacuteria ou segundo (Moreira 2009) ditas propriedades fundamentais da mateacuteria Quando usamos o termo inerente sugerimos uma existecircncia taacutecita independente de qualquer outro elemento e isso parece natildeo se adequar aos princiacutepios da mecacircnica quacircntica no que tange agrave relaccedilatildeo entre observador e observado O problema eacute que de forma macroscoacutepica toda realidade construiacuteda pode parecer independente de quem observa o que leva o senso comum a concluir que um preacutedio existe independente de qualquer mente consciente que o observe

Esse eacute um ponto a ser discutido jaacute que entendemos a materialidade como consequecircncia da conveniecircncia funcional de uma rede ou sistema O viacutenculo entre observador e observado eacute funcional a ambos pois permite a manifestaccedilatildeo da materialidade dos dois e de todo o sistema

Os conceitos de materialidade e realidade tem na Fiacutesica um campo frutiacutefero de discussatildeo diante da proposta das interaccedilotildees fundamentais1 cuja evoluccedilatildeo parece que caminha a uma unificaccedilatildeo

1 Haacute quatro tipos de interaccedilotildees fundamentais eletromagneacutetica gravitacional forte e fraca A interaccedilatildeo entre um eleacutetron e um nuacutecleo atocircmico (eletromagneacutetica) a atraccedilatildeo entre quarks eacute do tipo interaccedilatildeo forte o decaimento β exemplifica a interaccedilatildeo fraca a interaccedilatildeo gravitacional atua entre todas as partiacuteculas massivas e eacute a que governa o movimento dos corpos celestes

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destas interaccedilotildees o que explicaria o Universo sob uma perspectiva muito mais simples No entanto na busca por um bloco fundamental de mateacuteria percebemos que quanto mais tentamos isolaacute-los mais elementos aparecem por exemplo ao olhamos para uma moleacutecula e percebemos aacutetomos olhando para o aacutetomo percebemos eleacutetrons e nuacutecleo olhando para o nuacutecleo percebemos proacutetons e necircutrons olhando para estes percebemos os quarks e assim parece ser infinita a busca

Cada vez que aprimorarmos nossas lentes sobre o mundo encontraremos mais elementos natildeo por que eles existem por si soacute mas porque convenientemente atribuiacutemos a eles uma funccedilatildeo um significado justificando nossa percepccedilatildeo dos mesmos Eacute essa a ideia inicial para nossa proposiccedilatildeo

Se conseguimos interagir com as coisas e adjetivaacute-las como realidade eacute porque para noacutes sua existecircncia eacute conveniente A manifestaccedilatildeo dessa realidade ocorre na conveniecircncia do observador onde ele proacuteprio eacute resultado desta conveniecircncia em relaccedilatildeo a um sistema mais complexo e assim indefinidamente

Associamos essa conveniecircncia ao termo funcional pois percebemos a realidade naquilo que para noacutes eacute conveniente aquilo que para noacutes tem alguma funccedilatildeo de existir Se isso natildeo ocorrer natildeo percebemos natildeo eacute real

Esta concepccedilatildeo de realidade pautada em uma relaccedilatildeo entre observadorobservado eacute verificada tambeacutem a partir da hipoacutetese de Copenhagen2 que atribui ao ato de observar uma accedilatildeo que provoca o colapso da funccedilatildeo de onda Significa que embora antes da mediccedilatildeo o estado do sistema permita muitas possibilidades o processo de mediccedilatildeo elege apenas uma delas aleatoriamente e a funccedilatildeo de onda modifica-se para o resultado dessa escolha

A contribuiccedilatildeo da HCF eacute que consideramos que natildeo haacute aleatoriedade no colapso da funccedilatildeo de onda e sim uma funcionalidade pressuposta devido ao contexto em que a partiacutecula

2 Desenvolvida por Niels Bohr e Werner Heisenberg que trabalhavam juntos em Copenhague em 1927 Considera sem sentido perguntas como ldquoonde estava a partiacutecula antes de a sua posiccedilatildeo ter sido medida Ela defende que em Mecacircnica Quacircntica os resultados satildeo indeterminiacutesticos e que o ato de observar provoca o ldquocolapso da funccedilatildeo de onda

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se encontra As relaccedilotildees necessaacuterias agrave subsistecircncia do sistema satildeo que determinam qual ou quais qualidades da partiacutecula seratildeo mais adequadas agrave manifestaccedilatildeo

Acreditamos que os sistemas tendem a se auto organizarem para que sejam funcionais e a explicaccedilatildeo para isso eacute a conveniecircncia de sua proacutepria existecircncia A ideia da reorganizaccedilatildeo dos circuitos neurais para construir nossa percepccedilatildeo da realidade encontra na HCF um respaldo que reforccedila sua pertinecircncia uma vez que o rearranjo sinaacuteptico eacute consequecircncia da necessidade de aprimorar ou substituir funccedilotildees neurais fenocircmeno que remete agrave plasticidade cerebral base da memoacuteria e da aprendizagem

Ao considerarmos realidade como um aspecto da materialidade das coisas e essa por sua vez a consequecircncia da manifestaccedilatildeo das propriedades fundamentais das partiacuteculas entatildeo compreender tais propriedades eacute o caminho escolhido por noacutes para investigar essa relaccedilatildeo

Referenciais Teoacutericos

Em nossa revisatildeo bibliograacutefica encontramos vaacuterias definiccedilotildees e classificaccedilotildees do conceito massa Os mais comuns estatildeo associados ainda agraves concepccedilotildees de Isaac Newton em sua obra Princiacutepios Matemaacuteticos da Filosofia Natural de acordo com Castellani (2001) que incorpora a dificuldade de modificar o estado de repouso ou movimento de um objeto com sua massa a chamada Ineacutercia dos corpos Temos ainda uma associaccedilatildeo com um gradiente de energia mas mesmo na Teoria da Relatividade Geral podemos natildeo encontrar uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria para massa

Quando procuramos uma definiccedilatildeo de carga eleacutetrica encontramos os mesmos obstaacuteculos ou seja a comunidade cientifica parece direcionar a compreensatildeo de carga eleacutetrica a uma propriedade fundamental da partiacutecula ou uma qualidade da partiacutecula observada experimentalmente pelos desvios em suas trajetoacuterias quando em movimento no interior de um campo magneacutetico

Segundo Young e Freedman (2004) natildeo eacute possiacutevel especificar exatamente o que eacute a carga eleacutetrica mas eacute possiacutevel descrever seu comportamento e suas propriedades Os autores afirmam ainda que

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a carga eleacutetrica eacute uma das principais propriedades das partiacuteculas que constituem a mateacuteria tal como a massa Sobre isto (Nussenzveig 2001) afirma que a carga eleacutetrica eacute uma propriedade intriacutenseca de partiacuteculas que constituem a mateacuteria

O mundo fiacutesico como conhecemos estaacute baseado nessas duas propriedades ditas fundamentais e atribuiacutemos a noccedilatildeo de realidade agrave manifestaccedilatildeo delas ou seja eacute real aquilo que eacute sensiacutevel aos nossos sentidos e que de alguma maneira interage conosco (introspecccedilatildeo)

Sobre a realidade do mundo passamos por vaacuterios pensadores de Aristoacuteteles ateacute Heisenberg no entanto o fiacutesico teoacuterico italiano Carlo Rovelli consegue chegar bem proacuteximo de nossa expectativa acerca do mundo como construccedilatildeo mental

Em seu livro A realidade natildeo eacute o que parece (Rovelli 2017) ele discute alguns desdobramentos da mecacircnica quacircntica no sentido de que a mesma natildeo descreve os objetos como satildeo mas como acontecem e como influenciam uns nos outros O mundo real eacute o mundo das interaccedilotildees possiacuteveis onde a realidade eacute reduzida a relaccedilatildeo Segundo o autor ldquonatildeo satildeo as coisas que podem entrar em relaccedilatildeo mas satildeo as relaccedilotildees que datildeo origem agrave noccedilatildeo de coisardquo (Rovelli 2017 p113)

A mecacircnica quacircntica ainda segundo Rovelli amplia essa relatividade dizendo que todas as caracteriacutesticas (para noacutes qualidades) de um objeto soacute existem em relaccedilatildeo a outros objetos Em nosso trabalho esta relaccedilatildeo eacute a questatildeo da funcionalidade entre os integrantes do sistema

A Teoria Quacircntica coloca algumas questotildees fundamentais diante do paradigma mecanicista de Newton dentre elas duas nos chamam atenccedilatildeo O fato de que o ato de observar influencia o fenocircmeno e a outra chamada de princiacutepio da incerteza de Heisenberg diz que jamais saberemos com exatidatildeo a posiccedilatildeo e o movimento de partiacuteculas Heisenberg deixa claro que o determinismo da natureza eacute uma ilusatildeo A natureza natildeo nos fornece certezas mas probabilidades e assim sendo o mundo eacute apenas uma aproximaccedilatildeo da realidade

Foi Albert Einstein quem inicialmente questionou o caraacuteter inerentemente incerto da natureza em sua criacutetica ao indeterminismo da Teoria Quacircntica Segundo a explicaccedilatildeo para natildeo encontramos o bloco fundamental da mateacuteria natildeo eacute porque a natureza eacute probabiliacutestica

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mas porque natildeo criamos ainda um instrumento adequado para medi-la (Einstein 1936) Neste aspecto a HCF confirma o que Einstein diz jaacute que se conseguimos medir algo eacute porque atribuiacutemos a ele uma funccedilatildeo e desta forma as propriedades fiacutesicas da mateacuteria necessaacuterias agrave percepccedilatildeo satildeo manifestas natildeo porque jaacute existem mas porque eacute conveniente ao sistema que sejam medidas ou percebidas o que chamamos de realidade Essa conveniecircncia eacute um aspecto sutil natildeo atribuiacuteda especificamente a um observador mas ao sistema ao qual esteja associado

No que se refere agrave construccedilatildeo da realidade pelo indiviacuteduo consciente escolhemos a Teoria dos Construtos Pessoais do Fiacutesico Matemaacutetico e Psicoacutelogo americano George Kelly jaacute citado anteriormente Embora Kelly sustente um universo alheio ao observador a maneira como o ser se relaciona e constroacutei seu proacuteprio universo a partir da sua conveniecircncia eacute ponto chave do nosso trabalho A conveniecircncia estaacute associada agrave necessidade de previsatildeo e por consequecircncia de controle cujo intuito eacute a proacutepria manutenccedilatildeo da existecircncia O indiviacuteduo participante do sistema e consciente dele constroacutei sua proacutepria interpretaccedilatildeo do mundo a partir de suas experiecircncias e as modula de acordo com sua conveniecircncia na tentativa de preservar essa construccedilatildeo e com isso consegue atribuir a si mesmo uma funccedilatildeo

Na questatildeo da consciecircncia buscamos em David Chalmers3 que coloca a informaccedilatildeo como uma propriedade tatildeo essencial da realidade quanto a mateacuteria e a energia sendo a experiecircncia consciente uma caracteriacutestica fundamental irredutiacutevel a qualquer coisa baacutesica (Chalmers 1995)

Em (Damaacutesio 2000) a consciecircncia estaacute associada agrave capacidade de percepccedilatildeo de si e do ambiente explicando assim que a materialidade de quem observa eacute por ele manifesta de acordo com o padratildeo neural que possui de si mesmo Em outras palavras criamos a realidade e somos por ela criados compondo um sistema que se auto alimenta diante da materializaccedilatildeo do que venha a ser real

3 Professor de Filosofia Diretor do Centro de Consciecircncia na Universidade Nacional da Austraacutelia

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Desta forma podemos apenas descrever o estado do sistema em um dado ponto da linha temporal de seu desenvolvimento ressaltando eacute claro o estado presente mas podendo sim transitar entre as memoacuterias do passado e as projeccedilotildees das previsotildees futuras seguindo a linha dos construtos pessoais (Kelly 1963)

Natildeo podemos deixar de citar o fiacutesico indiano Amit Goswani4 que em seu livro ldquoO Universo Autoconscienterdquo afirma que eacute a consciecircncia que cria a mateacuteria e natildeo o oposto (Goswami 1998) Para ele a consciecircncia pode ser definida como o agente que afeta objetos quacircnticos para lhes tornar o comportamento apreensiacutevel pelos sentidos o que daacute origem ao que denominamos realidade

Para exemplificarmos um eleacutetron eacute considerado um objeto quacircntico pois seu comportamento por vezes eacute descrito como partiacutecula e por outras como onda

Para a Fiacutesica Moderna natildeo eacute possiacutevel afirmar que um objeto quacircntico se manifeste no espaccedilo-tempo ateacute que o observemos como uma partiacutecula e eacute neste ponto que Goswani (1998) afirma ser a consciecircncia o fator responsaacutevel por produzir o colapso da funccedilatildeo de onda ou em outras palavras eacute a consciecircncia que provoca a materializaccedilatildeo do observador e do objeto simultaneamente entrelaccedilados A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional complementa a afirmaccedilatildeo de Goswani ao supor que o fenocircmeno da consciecircncia surge da necessidade de quem a tenha de atribuir a si eou ao meio uma funccedilatildeo que contribui com a existecircnciamanutenccedilatildeo da rede que os conteacutem

Para discutir a questatildeo formaccedilatildeo dos sistemas natildeo apenas do ponto de vista geomeacutetrico em sua estrutura fiacutesica mas tambeacutem sob a perspectiva das organizaccedilotildees buscamos em (Debrun 1996) os conceitos de Organizaccedilatildeo e Auto-organizaccedilatildeo (AO) Para o autor uma organizaccedilatildeo ou ldquoformardquo eacute auto-organizada quando se produz a si proacutepria Debrun distingue dois tipos de Auto-organizaccedilatildeo

a) Primaacuteria ocorre quando um novo sistema se forma a partir do encontro de elementos que pertenciam a outros sistemas Ex origem da vida

4 PhD em fiacutesica quacircntica autor de inuacutemeros artigos cientiacuteficos aleacutem de pro fessor titular de fiacutesica no Instituto de Fiacutesica Teoacuterica da Universidade do Oregon

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 87

b) Secundaacuteria ocorre em um sistema jaacute constituiacutedo quando um novo padratildeo de organizaccedilatildeo se forma a partir das interaccedilotildees entre seus componentes e com o ambiente Ex jogo de basquete

Dado que toda organizaccedilatildeo tem como base elementos discretos conveacutem apreciar que a forma auto-organizada natildeo se produz no vazio mas a partir de tais elementos Consideramos as influecircncias do meio externo como um dos fatores que desencadeiam o rearranjo sistecircmico mas este soacute ocorre mediante as relaccedilotildees entre os integrantes

Em nossa concepccedilatildeo de auto-organizaccedilatildeo natildeo haacute nenhum tipo de controle imposto pelo meio na configuraccedilatildeo do sistema cujo uacutenico intuito eacute a subsistecircncia do todo O proacuteprio sistema reconhece o meio e consequentemente cria a demanda de reestruturaccedilatildeo Isto ocorre porque eacute na necessidade de refletir sobre as relaccedilotildees novas e antigas entre os integrantes do sistema que eacute pautada a existecircncia do mesmo

Se aplicarmos a hipoacutetese em nosso cotidiano podemos dizer que os problemas que surgem no dia a dia servem apenas para atribuir a noacutes mesmos a funcionalidade de sua resoluccedilatildeo ou seja criamos os problemas para que convenientemente o sistema nos confira uma funccedilatildeo e desta forma possamos pertencer a ele

O fenocircmeno da auto-organizaccedilatildeo tambeacutem eacute discutido por (Prigogine amp Glansdorff 1971)5 a partir da segunda lei da termodinacircmica e mostra que ele gera estruturas dissipativas criadas e mantidas atraveacutes de trocas de energia com o meio externo em condiccedilotildees de natildeo-equiliacutebrio Estas estruturas dissipativas satildeo dependentes de uma nova ordem denominada pelos autores de ordem por flutuaccedilotildees Nestes processos auto-organizadores a estrutura eacute mantida por meio de dissipaccedilotildees energeacuteticas na qual a energia se desloca gerando simultaneamente a estrutura atraveacutes de um processo contiacutenuo Se as flutuaccedilotildees satildeo pequenas o sistema as acomoda natildeo modificando a sua estrutura organizacional mas se as flutuaccedilotildees atingem um tamanho criacutetico desencadeiam um desequiliacutebrio no sistema ocasionando novas interaccedilotildees e

5 Ilya Prigogine quiacutemico russo naturalizado belga Recebeu o Nobel de Quiacutemica de 1977 pelos seus estudos em termodinacircmica de processos irreversiacuteveis com a formulaccedilatildeo da teoria das estruturas dissipativas

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reorganizaccedilotildees intra-sistecircmicas Os antigos modelos interagem entre eles de novas maneiras e estabelecem novas conexotildees As partes se reorganizam em um novo todo e o sistema alcanccedila uma ordem mais elevada

Note que os autores envolvem o ambiente a partir da necessi-dade de troca energeacutetica com os constituintes do sistema e natildeo como elemento influenciador do processo de auto-organizaccedilatildeo Para o nosso estudo essa nova ordem sistecircmica eacute que determina a materialidade funcional e consequentemente qual ou quais propriedades da partiacutecula deveratildeo se manifestar de acordo com sua conveniecircncia

Desenvolvimento

A Proposta

Se a materialidade das coisas eacute atribuiacuteda pelo emaranhado composto pelo observador observado e ambiente e que a necessidade de funcionalidade determina a manifestaccedilatildeo das propriedades fundamentais propomos que a realidade seja uma consequecircncia da conveniecircncia funcional deste sistema onde as relaccedilotildees eacute que satildeo determiniacutesticas e natildeo os objetos O proacuteprio sistema cria e eacute criado a todo instante diante de uma uacutenica proposiccedilatildeo associar-se para existir

Essa conveniecircncia eacute ratificada por exemplo quando acreditamos na continuidade dos objetos que percebemos em nosso redor Na verdade as imagens formadas em nossa retina persistem no local em torno de 01s ateacute que se possa receber outro estimulo visual ou seja aquilo que acreditamos ser continuo na verdade eacute fragmentado

Se tiveacutessemos que lidar com a consciecircncia dessa fragmentaccedilatildeo isso levaria todo o sistema a um colapso de energia (Kist amp Garattoni 2012) Para evitar isso eacute conveniente ao organismo que o ceacuterebro atue na complementaccedilatildeo das lacunas visuais na formaccedilatildeo de imagens com uma memoacuteria experiencial similar da situaccedilatildeo Eacute necessaacuteria uma modulaccedilatildeo das estruturas que compotildeem a percepccedilatildeo da realidade para que o sistema continue funcional e que o Todo se torne mais importante que as partes

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Sob a mesma lente na tentativa de compreender o Universo como um sistema funcional criamos as interaccedilotildees fundamentais para que separadamente pudeacutessemos dar conta de uma descriccedilatildeo apropriada a cada contexto observado ou seja criamos a ideia de que estas interaccedilotildees existem por serem inerentes agrave natureza pois esquecemos que elas surgem quando tentamos delimitar um fenocircmeno

A tentativa de isolarmos determinado evento para simplificar sua compreensatildeo tem como consequecircncia o aparecimento de qualidades decorrentes da separaccedilatildeo Precisamos entender que a atitude de delimitaccedilatildeo eacute possiacutevel mas sempre tendo em mente que algumas variaacuteveis surgem natildeo por serem intriacutensecas ao objeto de estudo mas resultado desta delimitaccedilatildeo Eacute como se imaginaacutessemos uma rede sendo rompida e as pontas soltas satildeo anaacutelogas as variaacuteveis que surgem mas que ao retomar suas conexotildees desaparecem reorganizando a formaccedilatildeo do Todo ou seja de uma rede iacutentegra novamente

Natildeo haacute motivo para descrevermos o Universo em versotildees de massa carga cor ou sabor Estas qualidades satildeo suprimidas quando equacionarmos a associaccedilatildeo o que significa que natildeo precisamos entender o que eacute massa para descrever a accedilatildeo gravitacional mas compreender qual a funccedilatildeo da massa dentro do contexto nem do caraacuteter carga eleacutetrica mas da funccedilatildeo carga e assim sucessivamente

De acordo com a HCF a realidade do Universo eacute consequecircncia de sua funcionalidade e a incerteza bem como as propriedades fundamentais da mateacuteria satildeo recursos necessaacuterios para convenientemente expandir os limites de suas funccedilotildees A expansatildeo do Universo eacute a ampliaccedilatildeo de seus atributos funcionais justamente porque tentamos medi-lo e ao fazecirc-lo oferecemos a ele mais uma funccedilatildeo Isso tambeacutem se aplica a existecircncia dos quarks e outras subpartiacuteculas

A natureza pode ser descrita por sua conveniente funccedilatildeo sendo as propriedades fundamentais da mateacuteria apenas traccedilos elegantes decorrentes da criaccedilatildeo de subsistemas (rupturas do todo) e cuja percepccedilatildeo se natildeo considerarmos o contexto revela apenas versotildees aproximadas de sua existecircncia A partir disso a busca por uma

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unificaccedilatildeo se torna inoacutecua ao inveacutes disso temos outro desafio que eacute descobrir o referencial ao qual tal manifestaccedilatildeo eacute funcional

As coisas satildeo o que satildeo e estatildeo onde estatildeo porque para algueacutem ou algo aquela situaccedilatildeo eacute convenientemente funcional que assim sejam e estejam Assim podemos apenas refletir e compreender que podem ser e podem estar e que natildeo haacute essecircncia em ser e estar

Para ajudar na compreensatildeo dessa proposta reunimos algumas informaccedilotildees jaacute aceitas pelo paradigma cientiacutefico atual direta ou por consequecircncia sob forma de postulados

I A existecircnciarealidade eacute funccedilatildeo direta da observaccedilatildeo Efeito Zeno Quacircntico (Patil Chakram amp Vengalattore 2015)

II A observaccedilatildeo nunca eacute isenta de motivaccedilatildeo A utilidade e a funccedilatildeo (Araujo 2006)

III A Forma eacute uma qualidade de partiacuteculas que agrega funcionalidade tal qual a massa e carga eleacutetrica

Assim a propriedade massa ocorre quando a funccedilatildeo de ser mateacuteria (interaccedilotildees gravitacionais e inerciais) eacute mais conveniente Por exemplo uma pessoa que deseja sentar busca ao seu redor uma cadeira Se no ambiente houver alguma probabilidade de partiacuteculas formarem um sistema que tem por funccedilatildeo ser uma cadeira a qualidade massa daquelas partiacuteculas que constituem o sistema se manifesta no campo de probabilidade local

A carga eleacutetrica tambeacutem se manifesta quando as interaccedilotildees eletromagneacuteticas satildeo mais convenientes como exemplo a repulsatildeo eleacutetrica entre as eletrosferas dos aacutetomos da cadeira e da pessoa jaacute que a repulsatildeo eletromagneacutetica eacute cerca de 1040 vezes mais intensa que a atraccedilatildeo gravitacional evita-se desta forma que a pessoa atravesse a cadeira possibilitando exercer a funccedilatildeo de acondicionar algueacutem sentado

Propomos que tal qual a massa e a carga eleacutetrica o arranjo das partiacuteculas mediante sua funccedilatildeo dentro do contexto eacute uma propriedade fundamental da mateacuteria e como tal deve ser considerada como variaacutevel sistecircmica que tem como premissa representar a relaccedilatildeo

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entre observador e observado em sua disposiccedilatildeo espaccedilo-temporal6 ou melhor dizendo em sua predisposiccedilatildeo espaccedilo-temporal

De certa forma enquanto natildeo for funcional para o sistemarede tudo eacute uma questatildeo de potencial (probabilidade) e a partir daiacute a concepccedilatildeo de onda de probabilidade faz sentido pois elimina a necessidade de atribuirmos inerecircncia agraves coisas

Incorporamos assim o fato de que se de alguma forma um elemento for uacutetil (funcional) as propriedades da mateacuteria se manifestam se natildeo fica na forma de potencial criando a partir do observador consciente um campo de possibilidades

No que diz respeito a este observador ele soacute eacute parte integrante de um sistema se sua funccedilatildeo integrativa contribuir para a subsistecircncia do todo Eacute essa funccedilatildeo integrativa ou seja a dependecircncia entre os constituintes da rede que de forma hieraacuterquica elege uma entre tantas possibilidades descritas na funccedilatildeo de onda explicando desta forma porque indiviacuteduos diferentes manifestam a mesma realidade Caso um deles manifeste algo diferente este evento natildeo contribui para a formaccedilatildeo do grupo Aquele que natildeo comunga da mesma manifestaccedilatildeo se exclui

A maior probabilidade no colapso da funccedilatildeo de onda natildeo eacute uma caracteriacutestica intriacutenseca ao ambiente ou especificamente do observador mas uma necessidade do conjunto que os envolve ao qual denominamos rede ou sistema

Participar de um grupo ou arranjo parece ser mais vantajoso em termos de subsistecircncia do que permanecer isolado jaacute que um conjunto do ponto de vista organiacutesmico possui propriedades especificas que isolados seus integrantes natildeo tecircm Como contempladores da realidade que somos fazemos isso a todo instante criando oportunidades sobrepostas a oportunidades e se acercando delas na tentativa de evitar o risco de natildeo ter funccedilatildeo o que estaacute atrelado agrave inexistecircncia

6 Sistema de coordenadas utilizado como base para o estudo da relatividade restrita e relatividade geral O tempo e o espaccedilo tridimensional satildeo concebidos em conjunto como uma uacutenica variedade de quatro dimensotildees a que se daacute o nome de espaccedilo-tempo Um ponto no espaccedilo-tempo pode ser designado como um ldquoacontecimentordquo Cada acontecimento tem quatro coordenadas (t x y z) ou em coordenadas angulares t r θ e φ que dizem o local e a hora em que ele ocorreu ocorre ou ocorreraacute

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Desta maneira este arranjo denominado por noacutes como Forma possui as mesmas atribuiccedilotildees das grandezas fiacutesicas descritas como massa e carga desde suas transmissotildees via campo ateacute sua mediaccedilatildeo como partiacutecula

Forma uma Questatildeo Ontoloacutegica

De acordo com o contexto Forma pode ser empregada em diversas s i tuaccedilotildees Seu uso comum serve para demonstrar uma f igura externa de um material soacutelido Eacute por isso que podemos classificar os diferentes objetos em quadrados esferas ciacuterculos entre outros Neste sentido a classificaccedilatildeo das formas se refere agraves formas geomeacutetricas Por outro lado o conceito de forma estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo das coisas em nossa mente A maneira como algo eacute estabelecido ou entatildeo o modo como eacute feito tambeacutem eacute conhecido como forma

Segundo a metafiacutesica aristoteacutelica mateacuteria e forma satildeo princiacutepios distintos mas absolutamente complementares (Zingano 2003) A mateacuteria se define por aquilo que uma coisa existe ou quando algo for feito e representa a essecircncia da substacircncia Por exemplo se uma mesa foi feita de pedra sendo esta sua principal substacircncia a pedra eacute por natureza o fundamento da essecircncia eacute a mateacuteria Por outro lado a mesa ao ser feita adquiriu um determinado modelo eacute justamente essa determinaccedilatildeo que se entende por forma Entatildeo a forma faz com que uma coisa seja isso ou aquilo e seu aspecto referencial eacute meramente acidental e natildeo substancial

Mas a que serve a natureza da mesa (pedra) Sua funcionalidade (forma) parece ser mais uacutetil pois se pensarmos em apoiar pratos ou panelas efetivamente natildeo importa se a mesa eacute de pedra ou madeira Entendemos claramente que o conjunto de peacutes e tampo juntos eacute mais efetivo do que separados uma vez que se estivessem simplesmente amontoados natildeo teriam a forma de mesa e portanto sem funccedilatildeo No entanto de acordo com nossa premissa se de alguma maneira interagirmos com os mesmos tornam-se potenciais de ser mesa (funccedilatildeo) o que de maneira consciente passam a ser realidade

A forma parece mais sutil do que a essecircncia Tatildeo sutil e imaterial a ponto de natildeo ser sensiacutevel aos sentidos Ela surge em nossa mente

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e natildeo requer nada material exceto uma experiecircncia anterior daquilo que supostamente como no exemplo chamamos de mesa Sendo assim sobre sua propagaccedilatildeo jaacute que natildeo arrasta mateacuteria pode ser transmitida como onda tal qual a luz Mas a luz em sua propagaccedilatildeo eacute uma interaccedilatildeo de campos eleacutetrico e magneacutetico entatildeo talvez a Forma tambeacutem possa se propagar da mesma maneira Um campo que transporta a forma que daacute origem a ela quando as partiacuteculas que satildeo por ele sensibilizadas se encontram em seu interior um campo MORFO (forma) GENETICO (radical indo-europeu gen-gne- nascer gerar) um campo que gera a forma

Como em nossa proposta colocamos a Forma como uma qualidade da partiacutecula tal qual a massa e a carga eleacutetrica e ainda lembrando que essas qualidades satildeo propagadas atraveacutes de seus respectivos campos recorremos ao trabalho do bioacutelogo Rupert Sheldrake7 (1981) sobre campos morfogeneacuteticos Segundo ele

Eles satildeo campos natildeo fiacutesicos que exercem influecircncia sobre sistemas que apresentam algum tipo de organizaccedilatildeo inerente Todas estas coisas satildeo organizadas por si mesmas Um aacutetomo natildeo tem que ser criado por algum agente externo ele se organiza soacuterdquo ldquoEsta teoria trata sistemas naturais auto-organizados e a origem das formas E eu assumo que a causa das formas eacute a influecircncia de campos organizacionais campos formativos que eu chamo de campos moacuterficos A caracteriacutestica principal eacute que a forma das sociedades ideias cristais e moleacuteculas dependem do modo em que tipos semelhantes foram organizados no passado Haacute uma espeacutecie de memoacuteria integrada nos campos moacuterficos de cada coisa organizada Eu concebo as regularidades da natureza como haacutebitos mais que por coisas governadas por leis matemaacuteticas eternas que existem de algum modo fora da natureza (Sheldrake 1981)

Reconhecemos a contribuiccedilatildeo do autor nesta nova perspectiva sobre os Campos Morfogeneacuteticos no entanto em nosso trabalho noacutes os consideramos como campos fiacutesicos e acreditamos que seu tratamento formal deveraacute seguir os mesmos moldes dos campos gravitacional e eleacutetrico Se cada qualidade da partiacutecula (massa e carga) desenvolve seu proacuteprio campo a Forma natildeo deve ser diferente

7 Bioacutelogo bioquiacutemico parapsicoacutelogo escritor e palestrante inglecircs mais conhecido por sua teoria da morfogecircnese Pesquisador em bioquiacutemica e fisiologia vegetal descobriu junto com Philip Rubery o mecanismo de transporte da auxina

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A analogia dos campos morfogeneacuteticos com os campos fiacutesicos estaacute em sua existecircnciacomprovaccedilatildeo uma vez que o campo gravitacional soacute eacute observaacutevel em seus efeitos sobre partiacuteculas dotadas de massa assim como o campo eletromagneacutetico soacute eacute comprovado por seu efeito sobre cargas eleacutetricas propomos que o campo morfogeneacutetico tenha seu efeito observado sobre a Forma das partiacuteculas Se a mudanccedila no comportamento de partiacuteculas dotadas de carga eou massa quando imersas em seus respectivos campos ratifica a existecircncia desses campos a modificaccedilatildeo na Forma ou organizaccedilatildeo das mesmas tambeacutem comprovaria a existecircncia dos campos morfogeneacuteticos

De acordo com nosso terceiro postulado8 o conceito de campo morfogeneacutetico bem como sua comprovaccedilatildeo fica atrelado agrave causa da forma dos sistemas e sua influecircncia tem por si soacute maior ou menor intensidade de acordo com a necessidade eou importacircncia que a organizaccedilatildeo da particulasistema tem em relaccedilatildeo ao contexto

Entendemos tambeacutem que o aspecto final de um agrupamento pode ser representado em funccedilatildeo de sua estabilidade mecacircnica funcional (massa) estabilidade eletromagneacutetica (carga eleacutetrica) ou ainda estabilidade organizacional (forma) dependendo na necessidade de subsistecircncia do sistema em sua conexatildeo com o ambiente

Essa necessidade natural dos sistemas em se acomodar diante das variaccedilotildees do ambiente eacute melhor compreendida se lanccedilarmos matildeo do conceito de auto-organizaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo e Auto-Organizaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo do grego organon eacute uma palavra relacionada a agrupamentos que tendo elementos (composiccedilatildeo) juntos (conectividade) se constroem (estrutura) formando nuacutecleos subsistemas (Integralidade) que permitem desta maneira o surgimento de funccedilotildeespropriedades singulares ao conjunto (Funcionalidade)

8 A Forma eacute uma qualidade dos sistemas que agrega funcionalidade tal qual a massa e carga eleacutetrica

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Graccedilas agrave organizaccedilatildeo um sistema assume propriedades que natildeo podem ser encontradas nas entidades isoladas ou mesmo na simples reuniatildeo delas Quando um elemento externo ao sistema provoca a reuniatildeo das partes entendemos que o evento ocorre a custas de um fornecimento de energia e desta maneira temos uma organizaccedilatildeo forccedilada cuja manutenccedilatildeo remete agrave instabilidade (Figura 1)

A probabilidade das bolas se organizarem em uma pilha eacute muito pequena sugerindo entatildeo que algueacutem (elemento externo) faccedila isso ou seja algueacutem forneceu energia para que o sistema se organizasse daquela maneira Observemos ainda que o conjunto possui uma energia potencial devido agrave sua organizaccedilatildeo No entanto quando um sistema eacute sujeito a um estimulo (ruiacutedo) miacutenimo externo (algueacutem tira uma bola da base) este se acomoda de maneira mais estaacutevel (Figura 2) o que eacute comum estar associado a uma desorganizaccedilatildeo que indica um grau mais alto de entropia

Organizado Instaacutevel

Figura 1 Fonte httpsptdreamstimecomfoto-de-stock-equipamento-de-esporte-das-bolas-de-tC3AAnis-no-fundo-branco-image94280211

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Desorganizado Estaacutevel

Figura 2 Fonte httpsbrdepositphotoscom90881494stock-photo-basket- of-tennis-balls-scatteredhtml

Quando isso ocorre o sistema libera energia ao meio externo (Figura 3) e eacute nesse contexto que o ser humano demonstra sua maior habilidade que eacute reconhecer as transformaccedilotildees de energia e utilizaacute-las em seu benefiacutecio pois compreende que ao observar a tendecircncia dos sistemas agrave desorganizaccedilatildeo pode usufruir da energia liberada a seu favor

Verificamos que a maneira como o sistema se estabiliza parece desorganizado no entanto se prestarmos um pouco mais de atenccedilatildeo perceberemos que de todas as possibilidades de desorganizaccedilatildeo uma em especial foi escolhida Eacute como se os integrantes do sistema produzissem o resultado final de acordo com a necessidade de adaptaccedilatildeo ao ambiente para atingir sua estabilidade

Nesse contexto entendemos que a desorganizaccedilatildeo de um sistema eacute o resultado de um processo de auto-organizaccedilatildeo ou seja um evento espontacircneo natildeo aleatoacuterio e com a caracteriacutestica de que a repeticcedilatildeo aumenta sua recorrecircncia

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Ao se desorganizar o sistema liberaenergia ao meio como uma queda

dacuteaacutegua fornece eletricidade

SISTEMA

O sistema recebe energia do meioexterno para se organizar

DesorganizadoEstaacutevel

OrganizadoInstaacutevel

Figura 3 Fonte Do autor

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Um sistema para ser auto-organizado tem algumas caracteriacutesticas especiacuteficas que definem para noacutes as condiccedilotildees fundamentais para o surgimento das propriedades fiacutesicas da mateacuteria Satildeo elas

bull Redundacircncia Estrutural Eacute a repeticcedilatildeo dos elementos baacutesicos constituintes

bull Redundacircncia Funcional Semelhanccedila entre os processos executados

bull Adaptaccedilatildeo Funcional Capacidade do sistema de deslocar e distribuir funccedilotildees

bull Confiabilidade Sistemaacutetica Quando sistemas altamente complexos possuem as trecircs primeiras caracteriacutesticas eles adquirem a capacidade de aceitar um certo niacutevel de intromissatildeo (ruiacutedodesordem) em sua organizaccedilatildeo sem que a estrutura entre em colapso Na verdade o sistema utiliza esse fator de desequiliacutebrio como elemento de complexificaccedilatildeo para que se auto organize em um niacutevel superior de estabilidade o que chamamos de evoluccedilatildeo

Eacute como se o sistema ao evoluir incorporasse outros subsistemas causadores de tais interferecircncias ampliando sua rede e de certa maneira garantindo sua existecircncia Somente pela auto-organizaccedilatildeo eacute possiacutevel promover essa independecircncia pois a organizaccedilatildeo exige de um elemento externo sempre uma certa quantidade de energia para manter seu status de detentor da ordem

Como dissemos anteriormente uma Forma eacute dita auto-organizada quando se produz a si proacutepria o que significa apresentar a capacidade de criar padrotildees de comportamentos natildeo previsiacuteveis descentralizados e em alguns casos de crescente adaptaccedilatildeo Uma vez auto-organizado sistemas semelhantes teratildeo mais chances de repetir a mesma configuraccedilatildeo o que explicaria a memoacuteria integrada nos campos moacuterficos no trabalho de Sheldrake (1981) quando ele cita a cristalizaccedilatildeo espontacircnea de substacircncias

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 99

A competiccedilatildeo entre as formas pode ser explicada pela estabilidade termodinacircmica no entanto a transmissatildeo dessa informaccedilatildeo fica a criteacuterio da ressonacircncia moacuterfica9

Outros exemplos de comparaccedilatildeo entre sistemas organizados e auto-organizados mais tangiacuteveis agrave nossa experiecircncia cotidiana satildeo os semaacuteforos e rotatoacuterias Um conjunto de semaacuteforos (organizado) regula o tracircnsito em um cruzamento

Jaacute as rotatoacuterias (auto-organizado) a decisatildeo de passar esperar eacute transferida para os proacuteprios motoristas (internos ao sistema) Os mesmos orientar-se-atildeo por algumas regras simples internas que iratildeo determinar quando eacute permitido entrar na rotatoacuteria

Para que ocorra a manutenccedilatildeo do sistema a auto-organizaccedilatildeo acaba por determinar qual ou quais propriedades sistecircmicas seratildeo mais apropriadas agrave manifestaccedilatildeo Em alguns casos natildeo satildeo os estados de menor energia as melhores opccedilotildees por vezes a necessidade da forma supera a estabilidade energeacutetica Um exemplo disso eacute a aacutegua cuja moleacutecula possui geometria angular porque o aacutetomo central (oxigecircnio) tem dois pares de eleacutetrons natildeo ligantes

H H

H HH H

OO

104rsquo5ordm

Foacutermulaeletrocircnica

da aacutegua

4 nuvenseletrocircnicas Geometria

angular

Fonte httpsmundoeducacaoboluolbrquimicadeterminacao-geometria-molecularhtm

9 O conhecimento adquirido por um conjunto de indiviacuteduos agrega-se ao patrimocircnio coletivo provocando um acreacutescimo de consciecircncia que passa a ser compartilhado por toda a espeacutecie E esse processo de coletivizaccedilatildeo da informaccedilatildeo foi denominado por Sheldrake de ldquoressonacircncia moacuterficardquo Eacute atraveacutes dela que as informaccedilotildees se propagam no interior do campo moacuterfico alimentando uma espeacutecie de memoacuteria coletiva

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Supondo que a moleacutecula de aacutegua tivesse o formato linear isso satisfaria a repulsatildeo eleacutetrica e a estabilidade estrutural No entanto a aacutegua na forma linear seria considerada apolar sendo classificada como um gaacutes nas CNTP10 A substacircncia natildeo faria ligaccedilatildeo de hidrogecircnio natildeo se associaria e toda vida que conhecemos hoje natildeo existiria uma vez que a mesma supostamente surgiu na aacutegua em seu estado liacutequido

Entendemos que a Teoria da Repulsatildeo dos pares de eleacutetrons da camada de valecircncia explica de maneira cabal a geometria da moleacutecula dado que a repulsatildeo entre pares natildeo-ligantes eacute maior que entre ligantes mas isso eacute a explicaccedilatildeo partindo da preacute-existecircncia das qualidades massa e carga eleacutetrica de seus constituintes O que estamos propondo eacute que a conveniecircncia funcional desta geometria eacute anterior agrave manifestaccedilatildeo de tais propriedades A Forma (a auto-organizaccedilatildeo) se torna mais importante que a configuraccedilatildeo de miacutenima energia para que toda vida sistecircmica seja materializada

Ressaltamos que a persistecircncia na formaccedilatildeo de moleacuteculas de aacutegua eacute mais um exemplo de repeticcedilatildeo de padrotildees formativos que Sheldrake (1981) chama de ressonacircncia moacuterfica e continua ocorrendo para sustentar a vida funccedilatildeo maior do sistema Se ampliarmos nossa atenccedilatildeo e se pudermos romper com o paradigma que manteacutem a moleacutecula de aacutegua com angular e ainda soacute por um momento considerarmos a possibilidade de uma nova geometria perceberemos que a forma da mesma natildeo eacute inerente a ela mas resultado das infinitas vezes que o evento ocorreu e por isso tem muito mais possibilidade de continuar ocorrendo

Essa recorrecircncia faz com que interpretemos de forma ilusoacuteria que a moleacutecula de aacutegua seja estaacutevel e natural acreditando como consequecircncia que ela existe independente de noacutes Insistimos em dizer que ela soacute eacute assim porque eacute conveniente ao sistema que assim seja e que nossa interaccedilatildeo a faz real

10 As condiccedilotildees normais de temperatura e pressatildeo (cuja sigla eacute CNTP no Brasil) referem-se agrave condiccedilatildeo experimental com temperatura e pressatildeo de 27315 K (0 degC) e 101 325 Pa (101325 kPa = 101325 bar = 1 atm = 760 mmHg) respectivamente Esta condiccedilatildeo eacute comumente empregada para medidas de gases em condiccedilotildees atmosfeacutericas (ou de atmosfera padratildeo)

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A todo momento aacutetomos surgem eleacutetrons preenchem as mesmas oacuterbitas ao redor do nuacutecleo aacutetomos se combinam repetidamente para produzir as mesmas formas moleculares Essa repeticcedilatildeo pode ser explicada natildeo porque existem leis fiacutesicas imutaacuteveis que determinam formas eternas mas por conta de uma influecircncia de causa formativa anterior ou seja o campo morfogeneacutetico de sistemas passados aumenta a possibilidade de formas futuras se manifestarem

Uma das consequecircncias de nossa hipoacutetese seria fato de que se todas as propriedades ditas fundamentais ateacute agora sejam resultado da conveniecircncia funcional o tempo seria a uacutenica medida verdadeiramente inerente agrave realidade

A HCF nas Relaccedilotildees Sociais

No acircmbito da convivecircncia entre indiviacuteduos partimos da premissa de que o ser humano tem a tendecircncia a se agrupar se associar Essa tendecircncia provavelmente tem origem na intuiccedilatildeo de que ao formar grupos teremos maior chance de sobreviver agraves influecircncias externas Desta forma quando compartilhamos de uma mesma realidade temos a possibilidade de nos conectar a partir dela ou seja temos algo em comum que nos motiva a formar um grupo (um sistema) Quanto mais pontos em comum tivermos mais forte nossas conexotildees

Vamos voltar ao exemplo da cadeira onde a conveniecircncia de um observador em encontrar um objeto que tenha a funccedilatildeo de acomodaacute-lo sentado faz com que se manifeste massa e carga eleacutetrica nas partiacuteculas que podem a partir do seu campo produzir a materializaccedilatildeo de uma cadeira Outro indiviacuteduo pode percebecirc-la tambeacutem talvez natildeo para sentar mas para compartilhar da mesma conveniecircncia criando uma experiecircncia em comum e consequentemente a possibilidade de associaccedilatildeo Temos entatildeo uma explicaccedilatildeo bastante simples sobre o motivo de indiviacuteduos diferentes produzirem a mesma realidade Isso ocorre porque o objeto em si natildeo eacute o elemento mais importante e sim o fato de que sua realidade seja compartilhada com outro constituinte do sistema Eacute a associaccedilatildeo gerada pelo compartilhamento desta manifestaccedilatildeo que os mantecircm em conexatildeo garantindo aos integrantes uma funcionalidade que eacute a razatildeo de sua existecircncia

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Entendemos que a materialidade natildeo eacute algo intriacutenseco mas resultado da necessidade de associaccedilatildeo Desta maneira tal qual um arranjo molecular todo sistema social eacute pautado nessa concepccedilatildeo uma vez que criamos grupos porque comungamos de uma mesma conveniecircncia A existecircncia de um evento comum eacute sustentada pela necessidade de manter o grupo A crenccedila compartilhada de que algo exista fornece uma qualidade que sustenta o sistema natildeo pela existecircncia do objeto ou evento propriamente dito mas pelo agrupamento motivado por esta crenccedila

A partir deste momento para manter a associaccedilatildeo cada elemento toma para si uma funccedilatildeo baseada em sua proacutepria conveniecircncia e constroacutei sua proacutepria concepccedilatildeo de universo A manutenccedilatildeo das conexotildees garante sua importacircncia diante do sistema por ele criado Eacute por isso que o indiviacuteduo desenvolve seus valores e prerrogativas sempre na tentativa de sustentar seu mundo Esta atitude eacute uma maneira de garantir o controle das interaccedilotildees que ele manteacutem com o sistema

Estar consciente de sua funccedilatildeo frente a uma determinada organizaccedilatildeo eacute o maior desafio do indiviacuteduo Um mesmo indiviacuteduo pode participar de sistemas diferentes com funccedilotildees diferentes por exemplo no trabalho ele pode ser um teacutecnico em informaacutetica em casa ser pai na escola ser professor ou aluno

Natildeo haacute uma essecircncia uacutenica e sim uma habilidade fantaacutestica de modular funccedilotildees no entanto esta habilidade passa despercebida pela maioria das pessoas que acreditam ter uma soacute face uma base primordial soacute que na verdade temos muacuteltiplas faces Ao assumir que possuiacutemos uma essecircncia rejeitamos o exerciacutecio de modularmos nossas funccedilotildees em prol de uma busca quixotesca de nosso bloco fundamental tal qual a ciecircncia o fez sem sucesso Essa postura de dizer que nossa essecircncia permite ou natildeo tal coisa eacute uma maneira de terceirizar nossa responsabilidade diante das nossas relaccedilotildees

A manutenccedilatildeo destas relaccedilotildees exige adaptaccedilotildees funcionais pois caso um dos integrantes natildeo consiga mais executar dada funccedilatildeo outros poderatildeo exercecirc-la (anaacutelogo agrave plasticidade cerebral) Para responder a um certo niacutevel de interferecircncia o sistema entra em um movimento auto-organizativo onde eacute necessaacuterio por vezes uma

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 103

adaptaccedilatildeo na execuccedilatildeo de tarefas o que chamamos anteriormente de redundacircncia funcional

A partir desta necessidade sistecircmica os integrantes tecircm duas possibilidades promover conscientemente esta modulaccedilatildeo funcional e o conjunto evolui ou insistir em manter a mesma funccedilatildeo o que significa buscar outro sistema para exercecirc-la

A insistecircncia em manter a mesma funccedilatildeo eacute causada pela estabilidade energeacutetica e sendo assim desprovidos desta reflexatildeo indiviacuteduos que natildeo desenvolvem essa habilidade preferem mudar de ambiente a modular suas funccedilotildees As vezes essa falta de percepccedilatildeo eacute tamanha que o indiviacuteduo natildeo se encaixa em nenhum outro sistema perdendo efetivamente sua funccedilatildeo e consequentemente sua importacircncia e razatildeo de existir A hipoacutetese vem mostrar que como qualquer conjunto de elementos noacutes como seres sociais fazemos essas adaptaccedilotildees a todo momento A crenccedila em uma uacutenica funccedilatildeo eacute o que determina o individualismo e atribui ao elemento uma importacircncia intriacutenseca que ele verdadeiramente natildeo tem exatamente da mesma forma que atribuiacutemos qualidades intriacutensecas agrave mateacuteria

Na verdade quando uma ou mais qualidades se manifestam naquele lapso temporal elas satildeo uacutenicas e isto faz com que acreditemos que sejam inerentes mas soacute o satildeo diante da necessidade daquele instante

Consideraccedilotildees Finais

O intuito do trabalho foi sugerir argumentos que permitam uma descriccedilatildeo da realidade vinculada agrave necessidade de associaccedilatildeo e formaccedilatildeo de sistemas fiacutesicos

A percepccedilatildeo da realidade eacute resultado de um processo auto organizativo das redes neurais desencadeada por elementos influenciadores que podem ser captados por nossos sentidos ou estimulados diretamente em vias corticais

A HCF revela que importacircncia da associaccedilatildeo natildeo deve ser considerada apenas como requisito de nossa construccedilatildeo da realidade mas sugere que todas as manifestaccedilotildees daquilo que entendemos

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como propriedades intriacutensecas da mateacuteria satildeo resultados desta necessidade de formaccedilatildeo de sistemas

Tais propriedades dependem do seu estado peculiar de associaccedilatildeo e manifestam-se naquilo que for mais funcional e portanto mais conveniente agrave formaccedilatildeo de sistemas Desta maneira propomos que a funcionalidade seja a causa do arranjo espaccedilo-temporal (Forma) de um conjunto de partiacuteculas e que a predisposiccedilatildeo deste arranjo seja considerada uma propriedade das mesmas tal qual a massa carga eleacutetrica cor sabor

Na verdade intuiacutemos que estas propriedades satildeo recursos que a partiacutecula desenvolve para se associar e assim sendo natildeo satildeo proacuteprias da partiacutecula mas resultado de suas conexotildees Sob esta perspectiva as qualidades da mateacuteria satildeo criadas mediante a necessidade de se auto-organizar em um arranjo funcional no contexto do sistema no qual observador e observado integram o que chamamos de realidade A uacutenica propriedade fundamental do sistema seja ele constituiacutedo por partiacuteculas ou pessoas eacute a associaccedilatildeo o arranjo a auto-organizaccedilatildeo que em nosso trabalho denominamos de Forma

A causaccedilatildeo formativa (campo moacuterfico) parece se antecipar a todas as propriedades da mateacuteria desmistificando a inerecircncia das mesmas e vinculando-as a conveniecircncia funcional Daiacute o nome de Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional A existecircncia estaacute no funcional e a realidade encontra-se na conveniecircncia do sistema

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 105

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As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Uma coleccedilatildeo de anotaccedilotildees e cartas escritas por pessoas prestes a serem executadas apoacutes serem acusadas de ajudar judeus a sobreviver no decorrer da segunda guerra mundial mostra algo interessante Todos os relatos escritos por pessoas com muita feacute ou crianccedilas apresentam uma semelhanccedila entre si (de esperanccedila talvez) exceto pelo relato de um homem ateu de dezenove anos que se envolvera com o movimento de resistecircncia em busca de aventura Suas cartas diferiam de todas as outras pois ele era o uacutenico que tinha medo da morte (Mlodinow 2012)

Aparentemente a maioria dos seres humanos eacute constituiacuteda para acreditar que a morte natildeo eacute o final da existecircncia Isso nos eacute inerente considerando que eacute muito difiacutecil conceber que um dia simplesmente ldquodeixaremos de existirrdquo Provavelmente a maioria tambeacutem haacute de concordar que tudo aquilo que vivenciamos no decorrer da vida (pensamentos sensaccedilotildees lembranccedilas sonhos emoccedilotildees e outros) devemos agrave atividade cerebral

Todavia muita gente acredita que embora relacionada ao ceacuterebro a ldquomenterdquo poderia existir de forma independente de sua atividade possuindo um aspecto ldquoeteacutereordquo ou ldquodivinordquo que lhe possibilitaria sobreviver apoacutes a morte encefaacutelica Ou seja Deus criou

Autor para correspondecircncia jlucianotavares

gmailcom

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o ceacuterebro e a mente que satildeo relacionados entre si mas apenas ateacute certo ponto

Para as neurociecircncias no entanto a coisa natildeo eacute bem assim Natildeo foi Deus quem criou o ceacuterebro mas sim o ceacuterebro quem criou Deus Ou seja a religiosidade e crenccedila na vida apoacutes a morte nada mais eacute que um subterfuacutegio criado pelo ceacuterebro para nos consolar frente ao fim inevitaacutevel

De forma semelhante ao fato de todas as culturas demonstrarem propensatildeo para desenvolver um idioma todas demonstram claramente propensatildeo para desenvolver uma religiatildeo e crenccedila numa realidade espiritual O termo ldquoespiritualrdquo eacute geralmente aplicado a qualquer essecircncia humana que nos conecte a um mundo invisiacutevel que desafia a mediccedilatildeo cientiacutefica mas que no entanto acreditamos e sentimos existir deixando vestiacutegios aqui e ali Pode referir-se ainda a qualquer coisa transcendente ou algo que nos move ou transporta profundamente e nos conecta de uma maneira ou de outra a algo maior que noacutes mesmos (Nelson 2012)

Enquanto a espiritualidade apresenta um contexto individual o aspecto religioso apresenta contexto social como participar de uma organizaccedilatildeo com tradiccedilotildees costumes doutrinas e crenccedilas (Nelson 2012) Os impulsos religiosos e espirituais geralmente trabalham simultaneamente para ajudar a fortalecer a crenccedila em um deus e na igreja pois certos costumes religiosos como contemplaccedilatildeo canto oraccedilatildeo e engajamento em rituais podem evocar experiecircncias espirituais (Alper 2008)

Embora o aspecto espiritual apresente iacutentima relaccedilatildeo com o religioso tal relaccedilatildeo natildeo eacute exclusiva considerando que a espiritualidade pode existir sem a presenccedila obrigatoacuteria das doutrinas religiosas (Niekerk 2018) Assim eacute possiacutevel uma pessoa ser altamente religiosa (devotada agrave doutrina e ao ritual da igreja) embora completamente incapaz de ter uma experiecircncia espiritual Inversamente eacute igualmente possiacutevel que algueacutem seja altamente espiritual embora nem um pouco religioso (Alper 2008)

Historicamente muito do que seria agora experiecircncia espiritual aconteceu dentro de religiotildees estabelecidas (a palavra ldquoespiacuteritordquo por exemplo eacute mencionada em toda a Biacuteblia judaico-cristatilde) mas com a ascensatildeo do secularismo no final do seacuteculo XIX e no iniacutecio do

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seacuteculo XX a palavra ldquoespiritualrdquo adquiriu significados fora da religiatildeo organizada uma podendo existir de forma independente da outra (Nelson 2012)

Todavia muitas tentativas de definir religiatildeo pareciam estar definindo na verdade a espiritualidade jaacute que esta tambeacutem pode pressupor algumas doutrinas (meditaccedilatildeo ou ldquoreza contemplativardquo por exemplo) que sobrepotildeem-se agraves doutrinas religiosas Assim parece que aqueles que se declaram ldquoespirituais mas natildeo religiososrdquo apresentam uma compreensatildeo empobrecida da espiritualidade (Carey 2018)

As religiotildees de forma geral pregam a existecircncia de ldquovida apoacutes a morterdquo de maneira que a morte pode representar um novo comeccedilo uma passagem para uma outra vida onde nos reunimos com os entes queridos e vivemos eternamente em um paraiacuteso fantaacutestico Esta crenccedila eacute comum na maioria das doutrinas teoloacutegicas sendo solidificadas pelos relatos de pessoas que passaram pelas denominadas ldquoexperiecircncias de quase-morterdquo que seratildeo discutidas adiante Apesar dessas experiecircncias deixarem uma marca indeleacutevel na vida do indiviacuteduo muitas vezes reduzindo qualquer medo de morte preacute-existente haacute quem defenda que todos seus aspectos apresentem base neurofisioloacutegica ou psicoloacutegica (Mobbs amp Watt 2011)

Determinados estados de consciecircncia atingidos por motivos neuroloacutegicos ou mesmo induzidos em laboratoacuterio podem promover a experiecircncia de certos aspectos da realidade que natildeo estatildeo disponiacuteveis em outros estados descartando possiacutevel fingimento ou confabulaccedilatildeo de quem passa pela experiecircncia (Beauregard amp OrsquoLeary 2007)

Mesmo neurocientistas renomados e portanto em sua maioria ceacuteticos em relaccedilatildeo agrave existecircncia do mundo espiritual podem em algum momento viver experiecircncias que os fazem mudar de opiniatildeo De fato o neurocirurgiatildeo e neurocientista da Universidade Harvard Eben Alexander III em livro publicado no Brasil com o tiacutetulo ldquoUma prova do ceacuteurdquo relata sua experiecircncia transcendente apoacutes permanecer entre a vida e a morte (Alexander 2013) Tal fato indica que sendo as experiecircncias espirituais ou religiosas natildeo importando o niacutevel de transcendecircncia que esta alcance apenas fenocircmenos criados pela atividade encefaacutelica sem duacutevida alguma podem convencer mesmo

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aqueles que cuja vida profissional resuma-se a estudar o sistema nervoso de que vecircm de ldquoforardquo deste imitando de forma prodigiosa a percepccedilatildeo do mundo real

Para o psicoacutelogo e escritor Michael Shermer famoso por suas criacuteticas ao que ele denomina ldquopseudociecircnciasrdquo os sistemas que nos fazem crer em algo sobrenatural satildeo poderosos Funcionando como uma espeacutecie de ldquomaacutequina de crenccedilardquo o ceacuterebro busca e encontra padrotildees para os quais infunde significado com objetivo de obter explicaccedilotildees sobre o porquecirc das coisas acontecerem Tais padrotildees significativos tornar-se-atildeo as crenccedilas que uma vez constituiacutedas induzem o ceacuterebro a procurar e encontrar evidecircncias que as reforcem e confirmem (Shermer 2012) A capacidade de encontrar padrotildees eacute tatildeo importante para a sobrevivecircncia que o ceacuterebro passa a identificar alguns padrotildees imaginaacuterios sem considerar exemplos genuiacutenos de causa e efeito (Wiseman 2017)

Enquanto o princiacutepio religioso ou espiritual aceita determinados fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo pela crenccedila ou feacute um dos princiacutepios fundamentais da ciecircncia eacute que toda accedilatildeo produz um efeito e todo efeito apresenta uma causa a princiacutepio explicaacutevel do ponto de vista cientiacutefico Natildeo haacute portanto espaccedilo para a possibilidade de determinados fenocircmenos considerados por muitos como ldquoparanormaisrdquo serem outra coisa a natildeo ser ilusotildees criadas pelo ceacuterebro

Contudo nem todos os fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo apresentam soacutelida base neurocientiacutefica tendo em vista existirem algumas evidecircncias cujas causas ainda encontram-se aleacutem da explicaccedilatildeo pelos meacutetodos investigativos utilizados natildeo significando contudo que natildeo poderatildeo ser explicados posteriormente (Greyson Holden amp Lommel 2012)

Objetivo Geral

Estabelecer ateacute que ponto fenocircmenos considerados espirituais sob o ponto de vista religioso ou ldquoparanormaisrdquo podem ser explicados pelas neurociecircncias

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Objetivos Especiacuteficos

bull Enumerar fenocircmenos que podem ser considerados pelo puacuteblico em geral como indicativos de paranormalidade

bull Confrontar tais fenocircmenos a princiacutepio paranormais com estudos publicados e que inferem para estes explicaccedilotildees plausiacuteveis do ponto de vista cientiacutefico

bull Verificar ateacute que ponto tais fenocircmenos podem ou natildeo ser explicados agrave luz das neurociecircncias e o que pode-se concluir a partir de tal verificaccedilatildeo

Desenvolvimento

Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo

O falecido astrofiacutesico Carl Sagan em uma das passagens do livro ldquoO mundo assombrado pelos democircniosrdquo (Sagan 2006) relata a suposiccedilatildeo de algueacutem afirmando o seguinte ldquoum dragatildeo que cospe fogo pelas ventas vive em minha garagemrdquo Na esperanccedila de verificar por si mesmo a existecircncia de um dragatildeo ao vivo e a cores vocecirc pede a quem afirmou que lhe mostre o bicho O problema eacute que o dragatildeo eacute invisiacutevel e vocecirc natildeo pode vecirc-lo Daiacute vocecirc propotildee espalhar farinha no chatildeo da garagem para tornar visiacuteveis as pegadas do dragatildeo O problema eacute que ele flutua pelo ar e natildeo deixa pegadas Em seguida a proposta eacute utilizar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisiacutevel O problema eacute que o fogo que o dragatildeo produz eacute desprovido de calor A proposta entatildeo eacute borrifar tinta no dragatildeo para tornaacute-lo visiacutevel O problema eacute que trata-se de um dragatildeo incorpoacutereo e a tinta natildeo iraacute aderir e assim por diante Qual seria entatildeo a diferenccedila entre o suposto dragatildeo e um dragatildeo inexistente

ldquoTodos os processos mentais mesmo os processos psicoloacutegicos mais complexos adveacutem de operaccedilotildees no ceacuterebrordquo A afirmaccedilatildeo de Erik Kandel (Kandel Schwartz Jessell Siegelbaum amp Siegelbaum 2014) um dos mais renomados neurocientistas da atualidade eacute incisiva no que tange agraves experiecircncias aparentemente ldquosem explicaccedilatildeordquo pelas ciecircncias naturais

Ainda nos primoacuterdios da ciecircncia ocidental no seacuteculo XVII Reneacute Descartes apresentava uma visatildeo dualiacutestica com distinccedilatildeo entre o que

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seria denominado ldquomenterdquo e ldquoceacuterebrordquo Nesta interpretaccedilatildeo o ldquoceacuterebrordquo exerceria funccedilotildees tambeacutem observadas em animais inferiores tais como percepccedilatildeo memoacuteria atividades motoras desejos e paixotildees ao passo que a ldquomenterdquo teria uma conotaccedilatildeo ldquoeteacutereardquo exclusiva do ser humano Tal conotaccedilatildeo representaria a ldquoalmardquo ou ldquoespiacuteritordquo cuja comunicaccedilatildeo com o ldquoceacuterebro animalrdquo ocorreria por intermeacutedio da glacircndula pineal localizada no centro do ceacuterebro No entanto apoacutes casos documentados de pacientes neuroloacutegicos afetados por lesotildees encefaacutelicas e que deixaram claro que a separaccedilatildeo entre ldquomenterdquo e ldquoceacuterebrordquo natildeo fazia o menor sentido tal dualidade caiu por terra (Damaacutesio 2005)

Mesmo assim as propriedades da mente aparentam ser tatildeo radicalmente diferentes das propriedades da mateacuteria viva um fenocircmeno agrave parte quando em comparaccedilatildeo com os encontrados nos tecidos bioloacutegicos que por vezes eacute difiacutecil acreditar que a primeira deriva desta uacuteltima

A mente dotada de subjetividade eacute denominada ldquomente conscienterdquo ou apenas ldquoconsciecircnciardquo (Damaacutesio 2011) cuja construccedilatildeo misteriosa pelo ceacuterebro humano eacute um tema que certamente ainda renderaacute deacutecadas de pesquisa cientiacutefica Sendo a mente derivada do ceacuterebro nossas lembranccedilas e personalidade estatildeo armazenadas em seus padrotildees e coacutedigos neuronais Se este morre obviamente os neurocircnios e tais padrotildees e conexotildees se rompem destruindo irreversivelmente nossas lembranccedilas e personalidade natildeo restando absolutamente nada no que diz respeito agrave consciecircncia a qual simplesmente deixa de existir O problema eacute que ldquodeixar de existirrdquo pode parecer agrave primeira vista simplesmente inconcebiacutevel levando agrave crenccedila de que apoacutes a morte do corpo a mente continuaria existindo de uma forma eteacuterea como alma ou espiacuterito

Assim o ceacuterebro seria apenas o lado ldquofisicordquo ao passo que a ldquomenterdquo seria representada pela ldquoalmardquo A explicaccedilatildeo da mente com base na atividade encefaacutelica eacute a crenccedila dos denominados ldquomonistasrdquo ao passo que os ldquodualistasrdquo defendem a existecircncia de mente e ceacuterebro separadamente Diferente do monismo que eacute contraintuitivo a crenccedila no dualismo eacute intuitivo e por isso atribuia atividade mental a uma fonte independente da funccedilatildeo cerebral (Shermer 2012)

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Pensando na proacutepria finitude e preocupados com o que nos aguarda de maneira inevitaacutevel num futuro mais ou menos proacuteximo talvez tenhamos simplesmente ldquoinventadordquo a ldquovida apoacutes a morterdquo ou ldquovida espiritualrdquo Por outro lado inuacutemeros relatos de pessoas que vivenciaram fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo ou natildeo explicaacuteveis pelas ciecircncias naturais (pelo menos para tais pessoas) datildeo a entender que tais fenocircmenos satildeo a prova da existecircncia do ldquooutro ladordquo

A seguir abordaremos alguns fenocircmenos considerados por muitos como paranormais e como a neurociecircncia pode (ou natildeo) explicaacute-los

Familiaridade com o que Ainda natildeo Havia Ocorrido o deacutejagrave vu

O termo deacutejagrave vu trata-se da expressatildeo no idioma francecircs para ldquo jaacute vistordquo ou seja eacute a impressatildeo de que determinado momento jaacute foi vivenciado anteriormente (poreacutem sabendo por intermeacutedio de lembranccedila consciente que tal fato natildeo ocorreu realmente) O fenocircmeno geralmente eacute acompanhado por crenccedilas de prediccedilatildeo ou profecia incluindo lembranccedilas de encarnaccedilotildees passadas sonhos profeacuteticos ou outros fatores sejam estes naturais ou sobrenaturais

Na verdade o deacutejagrave vu eacute uma experiecircncia bastante comum e normal sendo que a maioria das pessoas jaacute o vivenciaram ao menos uma vez na vida (OacuteConnor Barnier amp Cox 2008) mas cujo mecanismo exato ainda eacute desconhecido

Uma das teorias que foram associadas agrave ocorrecircncia de deacutejagrave vu a denominada ldquoteoria da via duplardquo tornou-se popular no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX sendo ainda frequentemente citada como a explicaccedilatildeo do fenocircmeno devido agrave sua plausibilidade intuitiva A teoria propotildee que o deacutejagrave vu eacute experimentado quando sinais sensoriais transmitidos por mais de uma via neuronal natildeo convergem nas aacutereas corticais no mesmo momento preciso fazendo com que o ceacuterebro interprete mal um uacutenico encontro como uma experiecircncia duplicada Como a diferenccedila entre a entrada das duas vias tem apenas milissegundos de duraccedilatildeo a primeira experiecircncia neuronal natildeo eacute codificada como um evento em si e portanto natildeo eacute lembrada desencadeando uma sensaccedilatildeo de familiaridade com um passado

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indefinido quando a segunda experiecircncia neuronal eacute encontrada Foi proposto que a sensaccedilatildeo origina-se nos nervos oacutepticos e portanto o deacutejagrave vu resultaria de um atraso no percurso das vias oacutepticas O problema com esta explicaccedilatildeo eacute que o fenocircmeno tambeacutem ocorre com a participaccedilatildeo de outros sentidos como audiccedilatildeo tato e olfaccedilatildeo aleacutem de ocorrer tambeacutem em pessoas cegas (OacuteConnor amp Moulin 2006)

Embora outras explicaccedilotildees tenham sido sugeridas como processos cognitivos momentaneamente fora de sincronia ou desatenccedilatildeo (Brown 2003) sabe-se atualmente que o deacutejagrave vu estaacute associado a alteraccedilotildees fisioloacutegicas normais e tambeacutem patoloacutegicas em determinadas aacutereas encefaacutelicas Do ponto de vista fisioloacutegico relaciona-se com atividade momentaneamente anormal de aacutereas associadas direta ou indiretamente agrave sensaccedilatildeo de familiaridade e memoacuteria Em condiccedilotildees patoloacutegicas pode estar presente tanto em disfunccedilotildees neuroloacutegicas como a epilepsia do lobo temporal (onde se localizam as estruturas que respondem pela memoacuteria e familiaridade) que seraacute abordada nesta revisatildeo quanto anormalidades de fundo psiquiaacutetrico como a esquizofrenia (Pašić et al 2018)

Em estudo com pacientes epileacuteticos pacientes neuroloacutegicos e pessoas normais Warren-Gash e Zeman (2014) avaliaram a prevalecircncia de deacutejagrave vu em 150 indiviacuteduos sendo 50 pacientes epileacuteticos 50 pacientes neuroloacutegicos sem epilepsia e 50 estudantes saudaacuteveis verificando que 100 dos pacientes epileacuteticos 735 dos pacientes neuroloacutegicos e 88 dos estudantes haviam experimentado o deacutejagrave vu ao menos uma vez na vida Segundo Brown (2003) a frequecircncia tende a diminuir com a idade o que explica a maior frequecircncia em estudantes (mais jovens) quando em comparaccedilatildeo com pacientes neuroloacutegicos

Haacute contudo diferenccedilas entre os sintomas do deacutejagrave vu normal ou fisioloacutegico e o patoloacutegico Diferentemente do deacutejagrave vu fisioloacutegico (onde a sensaccedilatildeo restringe-se agrave familiaridade com determinada situaccedilatildeo ainda natildeo vivenciada) no fenocircmeno associado agrave epilepsia (deacutejagrave vu ictal) os pacientes apresentam maior propensatildeo a relatar sintomas como fadiga preacutevia desrealizaccedilatildeo alucinaccedilotildees olfativas e gustativas dores de cabeccedila sensaccedilotildees abdominais e medo (Warren-Gash amp Zeman 2014)

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O deacutejagrave vu ictal geralmente origina-se em uma rede neural que inclui estruturas do lobo temporal medial notadamente o coacutertex rinal constituiacutedo pelos coacutertices perirrinal e entorrinal responsaacuteveis pela sensaccedilatildeo de ldquofamiliaridaderdquo (Guedj Aubert McGonigal Mundler amp Bartolomei 2010 Takeda et al 2011 Bartolomei et al 2012 Brandt Eysenck Nielsen amp Oertzen 2016) os quais localizam-se adjacentes ao hipocampo estrutura relacionada agrave memoacuteria expliacutecita

Ao estudar aacutereas encefaacutelicas associadas ao reconhecimento de faces e palavras sejam estas familiares ou natildeo Brandt et al (2016) confirmaram que dano ao coacutertex entorrinal esquerdo acarreta prejuiacutezo no processo de familiaridade em relaccedilatildeo a uma lista de palavras deixando contudo o processo de lembranccedila intacto Esses resultados sugerem que o coacutertex entorrinal suporta a memoacuteria de reconhecimento baseada na familiaridade (livre de contexto) e que a familiaridade e a lembranccedila satildeo subservidas por regiotildees distintas dentro dos lobos temporais mediais

Takeda et al (2011) relatam a presenccedila de constante deacutejagrave vu em paciente cujo exame de Cintilografia de Perfusatildeo Cerebral (conhecida pelo acrocircnomo SPECT que vem do inglecircs Single Photon Emission Computed Tomography) indicava hiperperfusatildeo e foco epileacutetico localizado no coacutertex rinal mais especificamente coacutertex entorrinal esquerdo A sensaccedilatildeo de familiaridade era de tal maneira persistente que o paciente descrevia seu estado como se estivesse vivendo a mesma vida que jaacute havia vivido anteriormente (neste caso denominado usualmente como deacutejagrave veacutecu ou ldquo jaacute vividordquo) O paciente relatava que quando via algueacutem pela primeira vez sentia que jaacute conhecia a pessoa antes quando visitava algum lugar pela primeira vez sentia que jaacute estivera laacute e mesmo quando via notiacutecias na TV ou jornal sentia que jaacute sabia de todas elas com antecedecircncia

Estudando o caso de uma paciente com grave foco epileacutetico seletivo para a mesma regiatildeo (coacutertex entorrinal lateral esquerdo) Brandt Conway James e Oertzen (2018) confirmaram a existecircncia de uma relaccedilatildeo direta entre a atividade anormal desta aacuterea e as experiecircncias de deacutejagrave vu e deacutejagrave veacutecu De maneira semelhante Martin et al (2019) estudando casos de epilepsia de lobo temporal medial tambeacutem relacionada ao coacutertex rinal (peririnal e entorrinal) verificaram que a falsa sensaccedilatildeo de familiaridade no decorrer das crises deve-se agrave atividade do coacutertex rinal mas a preservaccedilatildeo da

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lembranccedila (funccedilatildeo do hipocampo) natildeo eacute obrigatoacuteria para a ocorrecircncia do fenocircmeno Corroborando tais achados o estudo de Curot et al (2019) relata o caso de paciente epileacutetico com danos bilaterais exclusivamente no hipocampo mas com a regiatildeo perirrinal estrutural e funcionalmente intacta Apesar de apresentar amneacutesia grave o paciente ainda relatava episoacutedios tanto de deacutejagrave vu quanto de deacutejagrave veacutecu mostrando que os fenocircmenos podem ocorrer mesmo em casos de hipocampos massivamente danificados e confirmando que a regiatildeo do coacutertex perirrinal apresenta papel central em sua ocorrecircncia

Em se tratando do deacutejagrave vu fisioloacutegico o estudo de Braacutezdil et al (2012) realizado em sujeitos saudaacuteveis com ou sem relatos do fenocircmeno mostrou quantidade significativamente menor de substacircncia cinzenta em regiotildees corticais (com predomiacutenio no lobo temporal medial) e subcorticais de indiviacuteduos que relataram passar pela experiecircncia Nessas regiotildees o volume de massa cinzenta foi inversamente correlacionado com a frequecircncia dos episoacutedios apoiando uma explicaccedilatildeo neuroloacutegica para o fenocircmeno

Pešlovaacute et al (2018) tambeacutem encontraram relaccedilotildees entre o deacutejagrave vu fisioloacutegico e a diminuiccedilatildeo no volume de substacircncia cinzenta de determinados subaacutereas do hipocampo Como a funccedilatildeo de memoacuteria parece exigir o envolvimento coordenado do hipocampo com toda a rede localizada no lobo temporal medial eacute possiacutevel que o deacutejagrave vu fisioloacutegico resulte de sinalizaccedilatildeo aberrante dentro desse circuito envolvendo interaccedilotildees neurais que produzem um sentimento errocircneo de familiaridade (Shaw Marecek amp Braacutezdil 2016)

Aparentemente tambeacutem haacute uma relaccedilatildeo entre a incidecircncia de episoacutedios de deacutejagrave vu e niacuteveis elevados de estresse e fadiga conforme demonstrado por Wells OrsquoConnor e Moulin (2018) que observaram maior frequecircncia do fenocircmeno em pessoas com ansiedade cliacutenica notadamente em periacuteodos em que esta ansiedade estaacute mais exacerbada Tais pacientes tambeacutem apresentam maior anguacutestia durante os episoacutedios em comparaccedilatildeo a controles saudaacuteveis

Urquhart Sivakumaran Macfarlane e OrsquoConnor (2018) utilizaram metodologia para gerar familiaridade e novidade dentro de um anaacutelogo deacutejagrave vu em sujeitos neurologicamente saudaacuteveis Por intermeacutedio da combinaccedilatildeo de familiaridade gerada experimentalmente e sugestotildees que indicavam que esta estava incorreta foi gerado um conflito

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cognitivo nos participantes Foram coletados dados de ressonacircncia magneacutetica funcional (fMRI) e comportamentais de 21 participantes 16 dos quais relataram deacutejagrave vu Os autores inferiram que o deacutejagrave vu trata-se de uma experiecircncia impulsionada por conflitos mnemocircnicos com a participaccedilatildeo dos coacutertices cingulado anterior preacute-frontal medial e parietal Assim regiotildees frontais envolvidas no controle cognitivo monitoramento e resoluccedilatildeo de conflitos podem tambeacutem apresentar um papel na fenomenologia da experiecircncia

Eacute possiacutevel portanto inferir que apesar da possiacutevel participaccedilatildeo de outras estruturas corticais e subcorticais no deacutejagrave vu aparentemente alteraccedilotildees funcionais da atividade no lobo temporal medial mais especificamente do coacutertex rinal apresentam importante papel no advento do fenocircmeno em situaccedilotildees fisioloacutegicas normais mas tambeacutem em determinadas condiccedilotildees patoloacutegicas que envolvam tais aacutereas Contudo conforme indicam Pašić et al (2018) apesar de comum o deacutejagrave vu ainda eacute um fenocircmeno que merece maior investigaccedilatildeo principalmente por meio de abordagens multidisciplinares via cooperaccedilatildeo entre neurobioacutelogos neurologistas neurocientistas psiquiatras e psicoacutelogos experimentais que certamente poderatildeo colaborar de maneira mais eficaz para sua melhor elucidaccedilatildeo

Fenocircmenos Relacionados ao Esquema Corporal

Seres humanos satildeo indiviacuteduos autoconscientes cujo pensamento e comportamento satildeo baseados em processos corporais baacutesicos que transcendem os domiacutenios de sensaccedilatildeo corporal (somatosensaccedilatildeo) e accedilatildeo motora Nosso corpo pode ser visto e suas partes podem ser localizadas no espaccedilo mesmo na escuridatildeo total sabemos para onde estamos indo e podemos sentir o coraccedilatildeo batendo O espaccedilo corporal eacute um espaccedilo multissensorial constituiacutedo continuamente por impressotildees exteroceptivas (taacuteteis visuais olfativas auditivas) proprioceptivas (vestibulares muscularesmotoras) e interoceptivas (viscerais) A sensaccedilatildeo de self ou ldquoeurdquo localizado em determinado lugar no espaccedilo eacute constituiacutedo pelas muacuteltiplas interaccedilotildees entre essas impressotildees (Brugger amp Lenggenhager 2014 Dieguez amp Lopes 2017)

Consequentemente a variedade de distuacuterbios que afetam o corpo de uma pessoa eacute consideraacutevel podendo este ser

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experimentado como ldquoperdidordquo ldquosem pertencerrdquo ldquosem controlerdquo ldquovaziordquo ldquofeiordquo ldquodesapegadordquo ou ateacute mesmo ldquoduplicadordquo Tais distuacuterbios do self abrangem todos os niacuteveis de representaccedilatildeo corporal de membros uacutenicos a todo o corpo em um contexto social (Brugger amp Lenggenhager 2014) e satildeo denominados como distuacuterbios do ldquoesquema corporalrdquo

Os distuacuterbios do esquema corporal podem envolver apenas um lado do corpo sendo classificados como unilaterais ou podem se estender ao corpo todo sendo denominados distuacuterbios natildeo-lateralizados Dentre os distuacuterbios unilaterais pode-se citar os denominados ldquomembros fantasmas supranumeraacuteriosrdquo onde o paciente refere a niacutetida sensaccedilatildeo de apresentar membros adicionais embora invisiacuteveis as ldquohemiassomatognosiasrdquo ou apenas ldquoassomatognosiasrdquo inconsciente e consciente onde na primeira o paciente ignora um dos lados do corpo como se este nunca houvesse existido e na segunda apresenta viacutevida sensaccedilatildeo de que uma parte do corpo desapareceu e por uacuteltimo a ldquosomatoparafreniardquo onde o paciente refere partes de seu corpo como pertencentes a outras pessoas (Dieguez amp Lopes 2017)

A sensaccedilatildeo de membros fantasmas supranumeraacuterios pode ser causada por vaacuterios tipos de lesotildees cerebrais que resultem no comprometimento do sistema de feedback sensorial para o esquema corporal interno e para o movimento (Kim et al 2017) ao passo que as assomatognosias podem resultar de grandes lesotildees envolvendo muacuteltiplos setores temporoparietais e fronto-mediais (Feinberg Venneri Simone Fan amp Northoff 2010)

A assomatognosia e a somatoparafrenia satildeo distuacuterbios semelhantes O primeiro compromete o senso de propriedade sendo caracterizado pela falha do paciente em ter uma sensaccedilatildeo sentimento ou julgamento contiacutenuo de que a parte do corpo (normalmente o membro comprometido) lhe pertence A somatoparafrenia estaacute tipicamente associada a deacuteficits motores e somatossensoriais profundos Com lesotildees maiores envolvendo aleacutem da aacuterea temporoparietal tambeacutem a aacuterea orbitofrontal esta disfunccedilatildeo propicia ao paciente forte senso de desapropriaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao membro comprometido (asomatognosia) juntamente com a atribuiccedilatildeo ilusoacuteria desse membro a outra pessoa (Romano amp Maravita 2019 Feinberg et al 2010)

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Sabe-se haacute deacutecadas que disfunccedilotildees numa determinada regiatildeo encefaacutelica no hemisfeacuterio direito denominada ldquo junccedilatildeo temporoparietalrdquo (JTP) associa-se ao fenocircmeno de somatoparafrenia (Bisiach Rusconi amp Vallar 1991) observando-se a presenccedila de lesotildees nesta aacuterea em vaacuterios pacientes sintomaacuteticos (Vallar amp Ronchi 2009)

Considerando a funccedilatildeo da JTP na integraccedilatildeo das diversas informaccedilotildees sensoriais advindas da periferia ou ldquointegraccedilatildeo multissensorialrdquo (Vallar amp Ronchi 2009) aleacutem de ser forte candidata agrave fonte da autoconsciecircncia e o local onde o self eacute representado (Ionta et al 2011 Cheyne amp Girard 2009) o papel da JTP no ldquoesquema corporalrdquo eacute particularmente relevante

Apesar de ainda natildeo haver um consenso em relaccedilatildeo agrave sua anatomia precisa geralmente a JTP eacute considerada uma aacuterea cortical situada na junccedilatildeo do loacutebulo parietal inferior coacutertex occipital lateral e sulco temporal superior posterior (Mars et al 2012 Donaldson Rinehart amp Enticott 2015) Seja a JTP uma regiatildeo cortical precisamente identificaacutevel ou um grupamento de sub-regiotildees com funccedilotildees separadas sabe-se que ela apresenta papel crucial para o processamento e integraccedilatildeo de muacuteltiplas modalidades sensoriais aleacutem de gerar uma percepccedilatildeo coerente das alteraccedilotildees na autolocalizaccedilatildeo e espaccedilo extrapessoal por intermeacutedio dos diversos referenciais sensoriais que a ela convergem (Kheradmand amp Winnick 2017)

Em se tratando das disfunccedilotildees do esquema corporal natildeo-lateralizadas ou que se estendem ao corpo todo podem-se citar a macrosomatognosia onde o paciente refere que alguma parte de seu corpo aumenta de tamanho podendo por exemplo ldquoocupar o espaccedilo de uma salardquo (Dieguez amp Lopez 2017) aleacutem de outras percepccedilotildees bizarras como alteraccedilatildeo de tamanho e formato do corpo e ilusotildees de mudanccedilas nas formas dimensotildees e movimentos de objetos Por conta disso a macrosomatognosia tambeacutem eacute denominda ldquoSiacutendrome de Alice no Paiacutes das Maravilhasrdquo considerando que as ilusotildees e alucinaccedilotildees se assemelham aos fenocircmenos estranhos que a personagem Alice apresentava no famoso conto de Charles Lutwidge Dodgson (cujo pseudocircnimo era Lewis Carroll) experimentando ele mesmo tais sintomas A anomalia pode derivar de crises epileacuteticas parciais complexas enxaqueca infecccedilotildees ou intoxicaccedilotildees (Fine 2013)

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Outras disfunccedilotildees do esquema corporal que envolvem o corpo todo satildeo os denominados ldquofenocircmenos autoscoacutepicosrdquo ou autoscopia (Dieguez amp Lopez 2017) que culturalmente costumam apresentam explicaccedilotildees ldquosobrenaturaisrdquo e seratildeo tratados detalhadamente a seguir

Autoscopia ou ldquoFenocircmenos Autoscoacutepicosrdquo

O termo ldquoautoscopiardquoderiva do grego autos que significa ldquoegordquo e skopeo que significa ldquoolhar parardquo e eacute utilizado para descrever diferentes fenocircmenos de vaacuterias etiologias e mecanismos (Anzellotti et al 2011)

Do ponto de vista cultural o conceito de autoscopia estaacute incorporado a um grupo de crenccedilas relacionadas agrave ldquobilocaccedilatildeordquo ou suposta capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo Considerado por muitos como paranormal e natildeo meacutedico postula que as pessoas podem se dissociar em dois corpos materiais ou em um corpo material e outro com caracteriacutestica ldquoeteacutereardquo Tambeacutem se relaciona agrave noccedilatildeo paranormal de hipoteacuteticos ldquocorpos astraisrdquo que ligam o corpo terrestre a uma representaccedilatildeo astral superior supostamente portadora de energia psiacutequica (Dening amp Berrios 1994)

Na verdade os fenocircmenos autoscoacutepicos tambeacutem fazem parte da gama de disfunccedilotildees relacionadas ao esquema corporal caracterizando-se por experiecircncias visuais ilusoacuterias que consistem na percepccedilatildeo da imagem do proacuteprio corpo no espaccedilo seja de um ponto de vista interno como de um espelho ou de um ponto de vista externo (Anzellotti et al 2011)

A forma mais simples de fenocircmeno autoscoacutepico envolve a sensaccedilatildeo de ldquopresenccedilardquo de algueacutem proacuteximo sem contudo que tal presenccedila seja vista No denominado efeito doppelganger1 o sujeito o percebe como sendo o proacuteprio corpo um ldquoduplordquo tambeacutem visualmente O corpo reduplicado eacute visto ou sua presenccedila eacute ldquosentidardquo a uma distacircncia especiacutefica do proacuteprio corpo uma distacircncia

1 doppelgaumlnger eacute uma palavra advinda da junccedilatildeo em alematildeo de doppel que significa ldquoduplordquo ldquoreacuteplicardquo ou ldquoduplicatardquo e ganger que significa ldquoandanterdquo ldquocaminhanterdquo ou ldquoaquele que vairdquo

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frequentemente estaacutevel dentro de um determinado episoacutedio (Brugger 2002)

A mente literaacuteria geralmente retrata o doppelgaumlnger como um ser que eacute ldquoparte eurdquo ldquoparte outrordquo como um pressaacutegio de morte ou calamidade Agraves vezes este eacute a projeccedilatildeo visiacutevel e tangiacutevel de uma consciecircncia culpada que se torna cada vez mais intoleraacutevel ateacute que por fim a viacutetima ataca violentamente seu duplo e descobre que atacou a si mesma Agraves vezes o duplo eacute invisiacutevel e intangiacutevel mas ainda assim evidencia sua existecircncia (por exemplo bebendo a aacutegua que o sujeito coloca agrave noite na moringa) (Sacks 2013)

As experiecircncias autoscoacutepicas podem ser classificadas principalmente em quatro tipos distintos sensaccedilatildeo de presenccedila alucinaccedilatildeo autoscoacutepica heautoscopia e experiecircncia extracorpoacuterea (Brugger 2002)

Sensaccedilatildeo de ldquoPresenccedilardquo

Nesta sensaccedilatildeo nenhuma impressatildeo visual estaacute envolvida mas frequentemente a presenccedila eacute sentida ldquoagrave margem da visatildeordquo e pode ser relatada por pessoas saudaacuteveis em condiccedilotildees de privaccedilatildeo sensorial ou isolamento social Frequentemente satildeo relatadas sensaccedilotildees referentes a ldquopresenccedilas fantasmagoacutericasrdquo (como se algueacutem ou alguma coisa ldquoinvisiacutevelrdquo estivesse muito proacuteximo) Eacute comumente relatada por pessoas submetidas a niacuteveis intensos de stress como montanhistas exploradores sobreviventes e apoacutes a perda de algueacutem muito proacuteximo como o cocircnjuge por exemplo Tambeacutem podem estar presentes em situaccedilotildees de exaustatildeo e privaccedilatildeo de oxigecircnio e em pessoas acometidas por doenccedilas psiquiaacutetricas ou neuroloacutegicas (Anzellotti et al 2011 Blanke et al 2014)

Pessoas perfeitamente normais por vezes viram-se para surpreender quem a espreita de maneira bem proacutexima mas natildeo veem ningueacutem Embora natildeo experimentem ver a ldquopresenccedilardquo estatildeo convencidos desta podendo inclusive descrever sua localizaccedilatildeo espacial com muita precisatildeo (Blanke Arzy amp Landis 2008)

Apesar de ser comumente associada agrave presenccedila real de algo sobrenatural uma situaccedilatildeo bastante comum que pode acarretar tal sensaccedilatildeo eacute a ldquoparalisia do sonordquo fenocircmeno comum tambeacutem presente

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em pessoas normais e caracterizado por paralisia motora enquanto o sistema sensorial estaacute ativo Tal condiccedilatildeo comumente inclui de maneira simultacircnea a presenccedila de alucinaccedilotildees denominadas hipnagoacutegicas ou hipnopocircmpicas (se no iniacutecio ou final do sono respectivamente) as quais envolvem aleacutem de ver e ouvir tambeacutem sentir uma presenccedila intrusa e ameaccediladora (Jalal amp Ramachandran 2014)

A paralisia do sono vem sendo documentada haacute seacuteculos Em 1664 o meacutedico holandecircs Isbrand Van Diemerbroeck (1609-1674) publicou uma coleccedilatildeo de histoacuterias de casos sendo que uma das quais com o tiacutetulo Of the Night Mare (ldquoDo Pesadelordquo) descreve as experiecircncias noturnas de uma mulher de 50 anos relatando os sintomas claacutessicos da paralisia do sono acompanhados por alucinaccedilotildees hipnagoacutegicas (Kompanje 2008)

durante a noite quando estava se recompondo para dormir agraves vezes acreditava que o diabo estava sobre ela e a segurava agraves vezes que era sufocada por um grande cachorro ou ladratildeo deitado sobre o peito para que mal pudesse falar ou respirar e quando ela se esforccedilou para jogar fora a carga ela natildeo foi capaz de agitar seus membros E enquanto ela estava naquele conflito agraves vezes com grande dificuldade ela acordava Essa afecccedilatildeo eacute denominada iacutencubus ou o night-mare2 que eacute um interceptador do movimento da voz e da respiraccedilatildeo com um sonho falso de algo repousando pesadamente sobre o peito impedindo o livre influxo dos espiacuteritos para os nervos

O medo associa-se a tais alucinaccedilotildees notadamente com a sensaccedilatildeo de presenccedila detectada e contribuem para a elaboraccedilatildeo de outras alucinaccedilotildees em especial as que envolvem experiecircncias visuais (Cheyne Newby-Clark amp Rueffer 1999) Neste ponto a ldquopresenccedila intrusardquo pode assumir formas diversas podendo-se citar os inuacutemeros relatos de pessoas que descrevem de maneira sincera e altamente emotiva a experiecircncia que tiveram ao serem sequestradas por seres extraterrestres Muitos destes relatos aleacutem de absolutamente sinceros apresentam em comum o sentimento aterrorizante de que

2 Mare vem do inglecircs antigo maere que significa gnomo ou iacutencubo (em portuguecircs sonho aflitivo que produz sensaccedilatildeo opressiva pesadelo) Acreditava-se que o tal maere (gnomo) atacava os seres humanos enquanto eles estavam dormindo sentavam-se em seus peitos e produziam uma sensaccedilatildeo de sufocaccedilatildeo dificultando o sono (Barbosa 2010)

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o sujeito encontra-se totalmente paralisado enquanto determinadas criaturas providenciam para que este flutue no ar enquanto ascende em direccedilatildeo a determinada espaccedilonave (Sagan 2006)

No entanto embora sem duacutevida alguma particularmente aterrorizadoras as sensaccedilotildees de presenccedilas intrusivas satildeo explicadas pela neurociecircncia e podem ser recriadas por intermeacutedio de estimulaccedilatildeo eleacutetrica na JTP mesma regiatildeo que pode participar da somatoparafrenia e outras alucinaccedilotildees Ao estudarem o caso de uma jovem que estava sendo avaliada para tratamento de epilepsia com eletrodos colocados sobre a superfiacutecie cortical Arzy Seeck Ortigue Spinelli e Blanke (2006) verificaram que apoacutes estimulaccedilatildeo eleacutetrica na JTP esquerda a paciente relatava tais presenccedilas Estimulaccedilotildees leves com a jovem deitada propiciavam a sensaccedilatildeo de que havia algueacutem deitado atraacutes dela Estiacutemulos mais intensos propiciavam a sensaccedilatildeo mais detalhada de que a presenccedila era de algueacutem jovem poreacutem de sexo inderterminado e tambeacutem deitado na mesma posiccedilatildeo A repeticcedilatildeo do estiacutemulo com ela sentada com os joelhos entre os braccedilos provocava a sensaccedilatildeo de que um ldquohomemrdquo estava sentado atraacutes dela com seus braccedilos ao seu redor Procedendo em seguida a leitura de um texto o ldquohomemrdquo desta vez colocava-se a seu lado direito mas desta vez provocando a sensaccedilatildeo de que a presenccedila tinha intenccedilotildees agressivas Os autores concluiacuteram que a falta de integraccedilatildeo multissensorial eou sensoacuterio-motora na JTP devido agrave estimulaccedilatildeo eleacutetrica pode levar a uma ilusatildeo do proacuteprio corpo como sendo de outra pessoa no espaccedilo extrapessoal proacuteximo Embora a paciente estivesse ciente da semelhanccedila entre seus proacuteprios traccedilos posturais e posicionais e os da pessoa ilusoacuteria ela natildeo reconheceu que essa pessoa era uma ilusatildeo de seu proacuteprio corpo de maneira semelhante ao que ocorre com muitos pacientes esquizofrecircnicos

Aleacutem da JTP aparentemente outras regiotildees encefaacutelicas tambeacutem apresentam funccedilatildeo no processo de integraccedilatildeo multissensorial Tsakiris Hesse Boy Haggard e Fink (2007) verificaram atividade da iacutensula posterior na integraccedilatildeo de informaccedilotildees multissensoriais para decidir sobre a atribuiccedilatildeo de partes do corpo que lhe pertencem mesmo na ausecircncia de informaccedilotildees eferentes (motoras) O estudo de Blanke et al (2014) mostrou que lesotildees no coacutertex insular e especialmente no coacutertex frontoparietal tambeacutem estatildeo associadas agrave maacute-interpretaccedilatildeo da fonte e identidade dos sinais sensoacuterio-

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motores (taacuteteis proprioceptivos e motores) do proacuteprio corpo o que pode gerar a falsa sensaccedilatildeo de presenccedila Neste mesmo estudo os autores tambeacutem induziram tais sensaccedilotildees em pessoas normais por intermeacutedio de um mecanismo roboacutetico que gerou conflitos sensoacuterio-motores nos participantes permitindo induzir nestes a mesma sensaccedilatildeo de presenccedila observada nos pacientes

Outros estudos poreacutem caracterizam a sensaccedilatildeo de presenccedila por motivos diferentes dos observados na autoscopia como o caso descrito por Picard (2010) no qual uma paciente com foco epileacutetico no hemisfeacuterio esquerdo relatou sentir muacuteltiplas presenccedilas inexistentes poreacutem reconhecendo estas como ldquomembros da famiacuteliardquo Como o caso pareceu contradizer a hipoacutetese de fenocircmeno autoscoacutepico que envolve a ldquoreduplicaccedilatildeo neural do proacuteprio corpordquo a autora propocircs que poderia tratar-se de um tipo de alucinaccedilatildeo diferente da autoscopia A parestesia lateralizada no hemicorpo direito juntamente com dados neurorradioloacutegicos indicou provaacutevel origem na iacutensula esquerda que tambeacutem poderia participar do componente emocional relacionado a tais sensaccedilotildees

A sensaccedilatildeo de presenccedila tambeacutem pode ocorrer em doenccedilas neurodegenerativas como a Doenccedila de Parkinson e tambeacutem parece natildeo ir ao encontro do que eacute observado em situaccedilotildees de autoscopia Em muitos casos a sensaccedilatildeo de presenccedila foi identificada como a de um parente preciso iniciando ocasionalmente quando este parente deixa a presenccedila do paciente indicando um gatilho externo Aleacutem disso embora a presenccedila pudesse ser sentida nas proximidades do paciente agraves vezes era localizada em outro cocircmodo ou fora da casa Finalmente em um caso a presenccedila sentida era de um catildeo o que dificilmente eacute consistente com um ldquoeu ilusoacuteriordquo (Fenelon Soulas Langavant Trinkler amp Bachoud-Levi 2011)

Pode-se portanto inferir que atividades anocircmalas de aacutereas neurais que estejam associadas agrave autoconsciecircncia poderiam responder pela falsa sensaccedilatildeo de presenccedila Sabendo-se que a JTP iacutensula e coacutertex frontoparietal integram sinais corporais multissensoriais e satildeo considerados como locais neurais da autoconsciecircncia corporal aparentemente a sensaccedilatildeo de presenccedila de origem autoscoacutepica pode ser consequecircncia de alteraccedilotildees em tais estruturas acarretando uma percepccedilatildeo errocircnea da fonte e identidade dos sinais do proacuteprio corpo (Case Solcagrave Blanke amp Faivre 2020) Contudo em determinadas

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disfunccedilotildees neuropatoloacutegicas eacute possiacutevel que tais sensaccedilotildees possam tambeacutem derivar de fontes diferentes das observadas na autoscopia

Alucinaccedilatildeo Autoscoacutepica

Durante uma alucinaccedilatildeo autoscoacutepica (AH) a pessoa experimenta ver seu ldquooutro corpordquo ou ldquoduplordquo no espaccedilo extracorpoacutereo mas sem a sensaccedilatildeo de ldquosair do proacuteprio corpordquo (ou desencarnaccedilatildeo) Os indiviacuteduos com AH experimentam ver o mundo atraveacutes de sua perspectiva visuo-espacial habitual e experimentam seu self ou ldquocentro de consciecircnciardquo dentro de seus corpos fiacutesicos (Mohr amp Blanke 2005) Este tipo de alucinaccedilatildeo tambeacutem denominada ldquoalucinaccedilatildeo em espelhordquo (do inglecircs mirror-hallucination) geralmente apresenta duraccedilatildeo de apenas alguns minutos e consiste na percepccedilatildeo visual exata de uma imagem de si mesmo como visto num espelho poreacutem natildeo localizando-se como na posiccedilatildeo do outro corpo ilusoacuterio (Anzellotti et al 2011)

A auto-identificaccedilatildeo a auto-localizaccedilatildeo e a perspectiva da primeira pessoa permanecem centradas no corpo fiacutesico com o corpo alucinatoacuterio frequentemente experimentado de maneira invertida como no espelho Considerando a relaccedilatildeo da AH com lesotildees em aacutereas corticais associadas a aspectos visuais a alucinaccedilatildeo eacute vista do lado do campo visual deficiente oposto ao do lado da lesatildeo encefaacutelica (Heydrich amp Blanke 2013)

Brugger (2002) cita o caso de um homem de 41 anos que oito dias depois de ficar cego em consequumlecircncia de um tumor de hipoacutefise repentinamente notou um rosto em sua frente que olhava para ele a uma distacircncia estimada de 60-100 cm A experiecircncia foi inicialmente assustadora mas se acalmou ao reconhecer que o que via era a imagem do proacuteprio rosto Em uma inspeccedilatildeo mais minuciosa notou que sempre via o rosto de frente e que este imitava instantaneamente suas proacuteprias expressotildees faciais O paciente natildeo tinha duacutevidas sobre a ldquoqualidade do espelhordquo da alucinaccedilatildeo enfatizando que quaisquer movimentos faciais produzidos ldquoexperimentalmenterdquo foram copiados em tempo real ldquoexatamente como no espelhordquo

Zamboni Budriesi e Nichelli (2005) descrevem o caso de uma paciente de 30 anos que sofreu hemorragia nos polos occipitais estendendo-se agrave junccedilatildeo parieto-occipital direita por complicaccedilotildees

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cardiovasculares decorrentes de eclampsia Trecircs meses apoacutes a ocorrecircncia a paciente relatou a visatildeo de uma imagem como se estivesse olhando para um espelho que estava constantemente em frente a ela agrave distacircncia de cerca de um metro A imagem era transparente e acompanhava sua visatildeo de tal maneira que aparecia deitada no chatildeo se olhasse para baixo ou no teto se olhasse para cima Usualmente apresentava apenas cabeccedila e ombros mas tambeacutem o restante do corpo se a paciente a explorasse movendo o olhar para baixo aleacutem de vestir-se exatamente como ela Desaparecia quando fechava os olhos e progressivamente desapareceu por completo apoacutes trecircs meses O exame neuroloacutegico durante o periacuteodo de AH mostrou fraqueza do membro inferior direito heminegligecircncia visuo-espacial esquerda3 ataxia oacuteptica4 apraxia ocular5 percepccedilatildeo de profundidade prejudicada agnosia6 grave para objetos prosopagnosia7 e alexia8

Em relato de caso Joshi Thapa e Shakya (2017) verificaram a presenccedila de AH no estado de abstinecircncia de aacutelcool onde o indiviacuteduo enquanto consciente se viu como se olhasse para um espelho por cerca de 3 segundos durante o periacuteodo do amanhecer e do anoitecer O caso indicou possiacutevel associaccedilatildeo entre autoscopia e a siacutendrome de dependecircncia de aacutelcool

Malik Mehra e Jangra (2019) descrevem o caso de uma pessoa jovem do sexo feminino que dentre outros sintomas psiquiaacutetricos como alucinaccedilatildeo auditiva e ilusatildeo de perseguiccedilatildeo eventualmente apresentava medo apontando os dedos em direccedilatildeo agrave parede Ao ser perguntada a razatildeo disso ela dizia ver uma coacutepia sua agrave sua frente a cerca de um metro e meio de distacircncia de seu corpo Ela descreveu a imagem com caracteriacutesticas faciais semelhantes agrave sua como cor e estilo de cabelo dizendo ldquoeacute outro eurdquo Ela dizia que seu duplo aparecia nu para ela e era como sua ldquoimagem no espelhordquo Posteriormente

3 Heminegligecircncia ndash Falta de atenccedilatildeo aos estiacutemulos advindos do lado oposto ao da lesatildeo encefaacutelica com falha em relatar responder ou orientar-se a estiacutemulos significativos A disfunccedilatildeo adveacutem de lesotildees que atingem coacutertex parietal direito e giro supramarginal estendendo-se a aacutereas subcorticais

4 Ataxia Oacuteptica ndash Incapacidade de alcanccedilar corretamente objetos guiados pela visatildeo5 Apraxia Ocular ndash Ausecircncia ou defeito no movimento ocular controlado voluntaacuterio e

intencional6 Agnosia ndash Incapacidade de identificaccedilatildeo7 Prosopagnosia ndash Incapacidade de identificaccedilatildeo de rostos8 Alexia ndash Incapacidade de leitura (Koob Moal amp Thompson 2010)

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foi realizado diagnoacutestico de esquizofrenia e apoacutes alguns meses com tratamento farmacoloacutegico observou-se melhora de 70 a 80

A presenccedila de AH estaacute associada com lesotildees em aacutereas encefaacutelicas mais posteriores nas regiotildees corticais occipito-parietal e occipto-temporal (Blanke amp Mohr 2005) Considerando a normalidade da autoconsciecircncia corporal durante as alucinaccedilotildees os autores especulam se estas satildeo caracterizadas por um distuacuterbio da representaccedilatildeo do proacuteprio corpo causada por danos agraves vias visuais ventrais associadas com a percepccedilatildeo e reconhecimento do corpo humano partes do corpo e faces (Heydrich amp Blanke 2013)

Jonas et al (2014) descrevem os casos de dois pacientes de neurocirurgia por conta de epilepsia o primeiro do sexo masculino e 46 anos e a segunda uma mulher de 24 anos Nenhum dos pacientes relatava AH no decorrer de suas crises e foram submetidos agrave delineaccedilatildeo dos focos epileacuteticos por intermeacutedio de implantaccedilatildeo de eletrodos no lobo temporal medial do paciente 1 e iacutensula posterior do paciente 2 Foram realizadas estimulaccedilotildees intracerebrais visando localizar a zona epileacutetica sem que os pacientes soubessem quando a estimulaccedilatildeo iniciava ou terminava Ao iniciar a estimulaccedilatildeo na parte mais lateral do sulco occiptoparietal direito do primeiro paciente este imediatamente ralatou estar vendo sua proacutepria face e busto no campo visual esquerdo Se a estimulaccedilatildeo ocorresse fora deste local especiacutefico o paciente relatava alucinaccedilotildees com faces desconhecidas A estimulaccedilatildeo tambeacutem no sulco occiptoparietal direito da paciente 2 propiciou alucinaccedilotildees semelhantes em que a paciente relatou estar vendo sua proacutepria imagem como num espelho

Os autores concluiacuteram que a junccedilatildeo occipitoparietal medial regiatildeo que apresenta papel central em vaacuterias operaccedilotildees de autoprocessamento e especialmente no reconhecimento de faces mais particularmente da proacutepria face tambeacutem eacute fundamental na geraccedilatildeo de AH Tal representaccedilatildeo visual do proacuteprio rosto pode ser uacutetil para processos de reconhecimento de face e cogniccedilatildeo social que envolvem julgamento de semelhanccedila facial com outras pessoas

Tambeacutem foram relatadas AHs em desordens neuroloacutegicas (como epilepsia enxaqueca deliacuterio tumor cerebral isquemia e infecccedilatildeo) no contexto de desordens psiquiaacutetricas (como desordens psicoacuteticas desordens do humor distuacuterbios de ansiedade e desordem de

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identidade dissociativa) bem como durante os estados hipnagoacutegicos ou hipnopocircmpicos do sono Aleacutem disso existem alguns relatos de casos de AHs que se manifestam no campo hemianoacutepsico na hemianopsia (perda parcial ou total de metade do campo visual de um ou ambos os olhos) (Blom 2010)

Eacute possivel portanto inferir que AHs tratam-se principalmente de fenocircmenos visuais (com componentes multissensoriais) geralmente de pouca duraccedilatildeo (alguns segundos ou minutos) e podendo ocorrer repetidamente poreacutem sem alteraccedilatildeo no self corporal em que um ldquoeu verdadeirordquo ldquoresiderdquo no ldquomeurdquo corpo e percebe o mundo da perspectiva desse corpo (Case et al 2020)

Heautoscopia

A heautoscopia estaacute localizada em algum ponto entre a autoscopia e a experiecircncia fora do corpo A principal caracteriacutestica desse fenocircmeno eacute alternacircncia entre perceber a proacutepria imagem corporal no espaccedilo extracorpoacutereo da perspectiva do corpo interno e perceber o proacuteprio corpo fiacutesico da perspectiva do duplo extracorpoacutereo (Hoepner et al 2012)

Trata-se de um fenocircmeno autoscoacutepico caracterizado por forte distuacuterbio da auto-consciecircncia corporal incluindo alteraccedilotildees na auto-identificaccedilatildeo alteraccedilotildees emocionais e afinidade com o corpo autoscoacutepico frequentemente associado a alteraccedilotildees na perspectiva da primeira pessoa e na auto-localizaccedilatildeo (Heydrich amp Blanke 2013) Uma alucinaccedilatildeo autoscoacutepica ou ldquoem espelhordquo envolve a reduplicaccedilatildeo puramente visual das proacuteprias caracteriacutesticas enquanto a heautoscopia tambeacutem envolve a projeccedilatildeo de aspectos somesteacutesicos e motores na figura alucinada (Brugger 2005)

A ldquoposse do corpordquo eacute definida como uma experiecircncia imediata e contiacutenua de que nosso corpo pertence a noacutes ao passo que a auto-localizaccedilatildeo eacute definida como a experiecircncia na qual o self (ou personificaccedilatildeo) estaacute localizado em determinada posiccedilatildeo no espaccedilo Neste tipo de alucinaccedilatildeo o paciente observa um ldquoduplordquo de si mesmo no espaccedilo extra pessoal Todavia este ldquoduplordquo natildeo se trata de uma mera imagem ou alucinaccedilatildeo visual pois o self pode ser experimentado como presente na posiccedilatildeo do corpo fiacutesico (quadro

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de referecircncia centrado no corpo) e simultaneamente ou em raacutepida alternacircncia na posiccedilatildeo do corpo duplicado no espaccedilo extra pessoal (Lopez amp Blanke 2007)

Martiacutenez-Horta et al (2020) em estudo de caso com paciente jovem (31 anos) portador de mutaccedilatildeo geneacutetica relacionada agrave doenccedila de Huntington descrevem a presenccedila de sintomas psiquiaacutetricos associados agrave autoscopia (iniciando com a sensaccedilatildeo de presenccedila e daiacute progredindo para experiecircncia extracorpoacuterea e heautoscopia) antes do iniacutecio de sintomas motores O paciente relata que em diversas ocasiotildees quando em relaccedilatildeo sexual com sua parceira foi ldquoexpulso de-repenterdquo de seu corpo por uma terceira pessoa que de fato era ele mesmo mas a quem referiu por ldquooutrordquo Seu self estava localizado em uma perspectiva visuo-espacial elevada da qual foi capaz de olhar para o ldquooutrordquo sendo progressivamente mais agressivo durante a relaccedilatildeo sexual Desta perspectiva extracorporal foi incapaz de retornar a seu corpo fiacutesico sendo preenchido pelo sentimento extremamente frustrante de observar sua parceira tendo relaccedilotildees sexuais com ldquooutro homemrdquo A experiecircncia foi finalizada drasticamente com sua parceira gritando e perguntando porque ele estava sendo tatildeo agressivo

Brugger Agosti Regard Wieser e Landis (1994) descrevem o caso de um sujeito que aos 15 anos comeccedilou a apresentar sinais de epilepsia com crises parciais complexas cujos exames mostraram foco epileptogecircnico no lobo temporal esquerdo Pela manhatilde o paciente sentiu-se tonto e virando-se ele se viu ainda deitado na cama Ele ficou zangado com ldquoesse cara que eu sabia que era eu mesmo e que natildeo acordava e portanto arriscava chegar atrasado no trabalhordquo Ele tentou acordar o corpo na cama primeiro gritando com ele depois tentando sacudi-lo e pulando sobre ele repetidamente O corpo deitado natildeo mostrou reaccedilatildeo Soacute entatildeo o paciente comeccedilou a ficar intrigado com sua dupla existecircncia e a ficar cada vez mais assustado com o fato de natildeo poder mais dizer qual dos dois realmente era Vaacuterias vezes sua consciecircncia corporal passou do que estava de peacute para o que ainda estava deitado na cama quando estava deitado na cama sentia-se bastante acordado mas completamente paralisado e assustado pela figura de si mesmo curvando-se e batendo nele Sua uacutenica intenccedilatildeo era tornar-se uma uacutenica pessoa novamente e olhando pela janela (de onde ainda podia ver seu corpo deitado na cama) ele de repente decidiu pular ldquopara impedir a intoleraacutevel sensaccedilatildeo de

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se dividir em doisrdquo Ao mesmo tempo ele esperava que ldquoessa accedilatildeo realmente desesperada amedrontasse a pessoa na cama e o instasse a se fundir comigo novamenterdquo A proacutexima coisa que ele lembra eacute ldquoacordar com dor no hospitalrdquo

Modelos explicativos para a heautoscopia sugerem um distuacuterbio da integraccedilatildeo de sinais multissensoriais incluindo tambeacutem sinais interoceptivos (viscerais) e motores Eacute importante ressaltar que o ldquooutrordquo eacute frequentemente relatado como ofensivo e agressivo em alguns casos dando a impressatildeo de progressivamente se tornar mais autocircnomo e eventualmente controlar e interferir nas accedilotildees e movimentos do paciente Tambeacutem haacute associaccedilatildeo entre a heautoscopia e episoacutedios dramaacuteticos que tecircm um profundo impacto emocional e em alguns casos tem sido associada a ideacuteias de referecircncia paranoacuteia e suiciacutedio (Anzellotti et al 2011)

Segundo Lopez e Blanke (2007) uma integraccedilatildeo central coerente de informaccedilotildees sensoriais e motoras eacute necessaacuteria para o processamento acurado do proacuteprio corpo self e ldquoautoconsciecircnciardquo No entanto tal integraccedilatildeo estaacute anormal em sujeitos que apresentam os fenocircmenos de heautoscopia e de ldquoexperiecircncia extracorpoacutereardquo sugerindo uma integraccedilatildeo multissensorial deficiente em relaccedilatildeo aos planos de referecircncias de tais pacientes Segundo os autores sinais vestibulares que proveem concomitantemente informaccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do corpo e movimento deste no espaccedilo e que apresentam papel-chave na integraccedilatildeo de sinais da gravidade e referecircncia de localizaccedilatildeo do corpo natildeo estatildeo funcionando de maneira adequada em tais pacientes

A presenccedila de disfunccedilotildees natildeo eacute contudo um preacute-requisito para que algueacutem possa experimentar o fenocircmeno da heautoscopia como demonstrado no estudo de Ionta et al (2011) que utilizando tecnologia roboacutetica em sujeitos saudaacuteveis aliada a determinadas simulaccedilotildees criaram nos participantes o sentimento de ser uma entidade localizada em outra posiccedilatildeo no espaccedilo e de perceber o mundo a partir dessa posiccedilatildeo e perspectiva alterando sua auto-localizaccedilatildeo

Aymerich-Franch Petit Ganesh e Kheddar (2016) foram mais aleacutem ao utilizar realidade virtual juntamente com um robocirc humanoide recriando uma experiecircncia de reduplicaccedilatildeo do proacuteprio corpo percebido simultaneamente no corpo fiacutesico e no corpo do robocirc Os

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voluntaacuterios apresentaram uma ilusatildeo que se assemelha fortemente agrave heautoscopia sugerindo que uma mente humana saudaacutevel tambeacutem eacute capaz de se bilocar em dois corpos diferentes simultaneamente

Aleacutem de propiciar a ilusatildeo de mudanccedila na autolocalizaccedilatildeo e perspectiva em sujeitos saudaacuteveis o estudo de Ionta et al (2011) tambeacutem os comparou com pacientes que apresentavam experiecircncias autoscoacutepicas Por intermeacutedio de Imagens por Ressonacircncia Magneacutetica Funcional (fMRI) verificaram quais aacutereas encefaacutelicas respondiam pelas experiecircncias relatadas em um ou outro caso Assim como observado nos estudos de Arzy et al (2006) e Blanke et al (2014) em relaccedilatildeo agrave ldquosensaccedilatildeo de presenccedilardquo as mudanccedilas subjetivas verificadas sobre a localizaccedilatildeo e perspectiva do self foram refletidas na atividade da JTP bilateralmente Os autores observaram ligaccedilatildeo causal entre o dano desta mesma aacuterea no grupo de pacientes neuroloacutegicos fornecendo evidecircncias de que esta aacuterea tambeacutem codifica a auto-localizaccedilatildeo refletindo um dos sentimentos subjetivos mais fundamentais dos seres humanos o sentimento de ser uma entidade localizada em certa posiccedilatildeo no espaccedilo de onde percebe o mundo

Uma forma simples de se manipular a sensaccedilatildeo de ter um corpo cujas partes lhe pertencem eacute por meio da denominada ldquoilusatildeo da matildeo de borrachardquo na qual participantes experimentam a sensaccedilatildeo de posse de uma matildeo artificial (como se fosse sua proacutepria matildeo) quando a matildeo real eacute escondida de seu campo de visatildeo e substituiacuteda por uma falsa matildeo de borracha O fenocircmeno ocorre quando tanto a matildeo real escondida quanto a matildeo falsa visiacutevel satildeo tocadas da mesma maneira e de forma sincronizada propiciando a ilusatildeo de que a matildeo de borracha eacute na verdade a matildeo verdadeira Quando a ilusatildeo eacute produzida observa-se (dentre outras aacutereas) a ativaccedilatildeo da JTP (Wawrzyniak Klingbeil Zeller Saur amp Classen 2018) Considerando a funccedilatildeo desta aacuterea na integraccedilatildeo multissensorial (Kheradmand amp Winnick 2017) a falha em integrar aspectos mecanorreceptivos e visuais (por exemplo estimular a matildeo real e a matildeo de borracha de maneira natildeo sincronizada) pode causar a inabilidade em incorporar a matildeo de borracha na representaccedilatildeo do corpo tal como eacute observado em pacientes com determinadas lesotildees encefaacutelicas (Wawrzyniak et al 2018)

Para criar uma representaccedilatildeo central do proacuteprio corpo o ceacuterebro deve integrar e pesar as evidecircncias de diferentes fontes sensoriais

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(como informaccedilotildees visuais taacuteteis proprioceptivas e vestibulares) e chegar rapidamente a uma decisatildeo Isso envolve mecanismos para impor coerecircncia agraves informaccedilotildees de diferentes fontes sensoriais e mecanismos para diminuir incoerecircncias para evitar incertezas Assim o ceacuterebro deve criar representaccedilotildees sensoriais-centrais do movimento e posiccedilatildeo do corpo e sua posiccedilatildeo no espaccedilo extrapessoal mesmo que isso exija a inibiccedilatildeo temporaacuteria de entradas discrepantes Por exemplo entradas proprioceptivas discrepantes podem ser descartadas (e consideradas como ruiacutedo) se entradas visuais taacuteteis e vestibulares sobre a posiccedilatildeo e o movimento do proacuteprio corpo concordarem entre si (Melzack 1990)

Aleacutem da JTP o cortex insular posterior tambeacutem trata-se de uma aacuterea multimodal no que diz respeito agrave integraccedilatildeo de diversas informaccedilotildees sensoriais incluindo sinais somatossensoriais visuais auditivos e vestibulares aleacutem de relacionar-se com funccedilotildees motoras e liacutembicas ou emocionais (Flynn Benson amp Ardilas 1999)

De fato Heydrich e Blanke (2013) identificaram que danos no coacutertex insular posterior esquerdo pode relacionar-se ao fenocircmeno da heautoscopia Aparentemente a falta de integraccedilatildeo entre os sinais corporais exteroceptivos somatossensoriais e visuais juntamente com sinais viscerais e emocionais resulta numa auto-identificaccedilatildeo errocircnea dos pacientes com heautoscopia aumentando a afinidade emocional destes com o ldquocorpo autoscoacutepicordquo

A atividade de aacutereas corticais relacionadas agrave integraccedilatildeo multissensorial eacute suficiente para redefinir os limites do corpo e incorporaccedilatildeo de ateacute mesmo um espaccedilo vazio mesmo que a informaccedilatildeo visual contradiga diretamente a presenccedila de um membro fiacutesico (Guterstam Gentile amp Ehrsson 2013) de maneira semelhante com o que ocorre no fenocircmeno do membro fantasma

A sensaccedilatildeo viacutevida de presenccedila de determinado membro apoacutes sua amputaccedilatildeo (podendo tambeacutem ocorrer apoacutes amputaccedilatildeo de outras partes inervadas do corpo tais como mama ou pecircnis) apoacutes a destruiccedilatildeo de suas raiacutezes sensoriais ou mesmo apoacutes secccedilatildeo completa da medula espinhal (que pode levar agrave sensaccedilatildeo de um corpo fantasma abaixo do niacutevel da lesatildeo) eacute relativamente comum As experiecircncias do membro fantasma apresentam-se como sensaccedilotildees reais considerando que satildeo produzidas pelos mesmos processos

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encefaacutelicos (ou redes neurais) que fundamentam a experiecircncia do corpo quando este estaacute intacto (Melzack 1990)

Embora as experiecircncias corporais envolvam um acreacutescimo agrave faixa normal de percepccedilatildeo o ganho perceptivo parece apresentar mais problemas do que sua perda considerando que o primeiro eacute mais propenso a ser envolto no manto do paranormal do que o segundo Em terminologia mais convencional existe uma maior disponibilidade para relacionar a perda de funccedilatildeo agrave perda de estrutura do que interpretar novas funccedilotildees para as quais natildeo haacute equivalente estrutural evidente (Wade 2009)

Ambos os conjuntos de fenocircmenos podem ser interpretados em termos sobrenaturais mas os membros fantasmas provaram ser mais passiacuteveis de incorporaccedilatildeo no corpo da ciecircncia normal Caixas de espelhos tecircm sido empregadas para fornecer estimulaccedilatildeo visual que poderia corresponder agravequela decorrente da falta de uma parte do corpo O deslocamento visual no espelho de todo o corpo apresenta semelhanccedilas com a autoscopia e portanto pode fornecer uma ponte conceitual e experimental entre membros fantasmas e fenocircmenos autoscoacutepicos (Wade 2009)

Experiecircncia Extracorpoacuterea

Uma das crenccedilas metafiacutesicas sobrenaturais mais difundidas eacute a de uma alma que consiste em um self essencial e um self fundamental que transcende o corpo fiacutesico e sua explicaccedilatildeo pelas ciecircncias naturais (Cheyne amp Girard 2009) A maioria das pessoas jaacute ouviu falar do termo ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo (EQM) seja em programas de TV ou reportagens ou porque jaacute vivenciou o fenocircmeno em algum momento da vida Dentre outros sintomas (que seratildeo tratados mais adiante em toacutepico especiacutefico) aquele que eacute relatado com bastante frequecircncia eacute a experiecircncia extracorpoacuterea (EEC) considerada como sendo a sensaccedilatildeo de sair do corpo fiacutesico e em muitos casos vendo a si mesmo de um ponto de vista situado acima deste Assim como outros fenocircmenos autoscoacutepicos a EEC relaciona-se com distuacuterbios da percepccedilatildeo e cogniccedilatildeo do corpo ou imagem corporal que depende de informaccedilotildees proprioceptivas taacuteteis visuais

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e vestibulares bem como em sua integraccedilatildeo com informaccedilotildees sensoriais do espaccedilo extrapessoal (BLANKE et al 2004)

Segundo Sacks (2013) haacute seacuteculos existem histoacuterias sobre pessoas que passaram por EECs mas o termo soacute foi introduzido nos anos 60 pela psicoacuteloga de Oxford Celia Green que examinou sistematicamente relatos feitos por mais de quatrocentas pessoas que as vivenciaram

Embora a EEC possa fazer parte da EQM na maioria das vezes natildeo requer que o sujeito esteja agrave beira da morte para ser experimentada Um dos primeiros registros de EEC ocorreu durante craniotomia acordada9 realizada pelo neurocirurgiatildeo Wilder Penfield Durante o procedimento um paciente com histoacuterico de epilepsia habitual experimentou uma EEC no momento em que o giro temporal superior direito foi estimulado eletricamente Na ocasiatildeo o paciente registrou a sensaccedilatildeo como se estivesse flutuando para longe de si mesmo exclamando ldquoOh meu Deus Estou deixando meu corpordquo (Penfield 1955) A experiecircncia de Penfield em neurocirurgia foi repetida apenas cerca de 70 anos depois quando num procedimento de craniotomia realizada tambeacutem com o paciente acordado este reportou a sensaccedilatildeo de EEC apoacutes estiacutemulo realizado na JTP esquerda (Bos Spoor Smits Schouten amp Vincent 2016)

Contudo o fenocircmeno da EEC tambeacutem pode ser induzido ao se utilizar determinados procedimentos natildeo invasivos que possam alterar as informaccedilotildees sensoriais provocando divergecircncias entre as informaccedilotildees que chegam ao sistema nervoso Sinais multissensoriais sincronizados poreacutem manipulados por espelhos viacutedeos ou realidade virtual de forma a propiciar conflitos localizacionais podem induzir uma mente humana saudaacutevel a perceber sua auto-localizaccedilatildeo fora das fronteiras corporais produzindo uma ilusatildeo que se assemelha a uma EEC (Blanke amp Metzinger 2009 Ionta et al 2011 Bourdin Barberia Oliva amp Slater 2017 Guterstam Bjoumlrnsdotter Gentile amp Ehrsson 2015)

9 Craniotomia trata-se de procedimento ciruacutergico em que um retalho oacutesseo do cracircnio eacute temporariamente removido para acesso ao ceacuterebro A craniotomia acordada eacute usada principalmente para mapeamento e ressecccedilatildeo de lesotildees em aacutereas cerebrais de importacircncia vital (aacutereas motoras e de linguagem) nas quais a imagem natildeo eacute suficientemente sensiacutevel (Zhang amp Gelb 2018)

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Utilizando a hipnose Facco et al (2019) tambeacutem obtiveram um meacutetodo natildeo-invasivo para induccedilatildeo da EEC de maneira controlada Os sujeitos que participaram do experimento relataram que claramente haviam deixado o corpo na cadeira e flutuaram perto do teto da sala com a consciecircncia neste mesmo local mostrando vaacuterias caracteriacutesticas fenomenoloacutegicas das EECs espontacircneas Utilizando anaacutelise de ondas de eletroencefalograma os autores tambeacutem observaram papel-chave na atividade da JTP em sua induccedilatildeo

Considerando que a JTP tambeacutem apresenta importante papel no processamento de sensaccedilotildees vestibulares (Buumlnning amp Blanke 2005 Blanke amp Arzy 2005) alteraccedilotildees no funcionamento dessa aacuterea seja por lesatildeo drogas ou estados neurais espontacircneos como sono REM poderiam gerar experiecircncias corporais vestibulares anocircmalas como alucinaccedilotildees de flutuaccedilatildeo de voo e motoras Se suficientemente intensas tais alteraccedilotildees tambeacutem podem evocar sensaccedilotildees mais elaboradas como de ldquocorpo desencarnadordquo que por sua vez preparam o cenaacuterio para a experiecircncia autoscoacutepica de EEC na qual pode-se ver o corpo fiacutesico de um ponto de vista externo (Cheyne amp Girard 2009)

Conforme indicam Lopez Halje e Blanke (2008) a EEC estaacute fortemente associada a alteraccedilotildees funcionais na regiatildeo central do coacutertex vestibular (ldquocoacutertex vestibular parieto-insularrdquo) Logo estimulaccedilotildees vestibulares em pessoas normais podem ser um meio eficiente de alterar a integraccedilatildeo multissensorial com objetivo de investigar a base neural da sensaccedilatildeo de posse do proacuteprio corpo

Lopez e Elziegravere (2018) mostram o papel de distuacuterbios vestibulares perifeacutericos como fatores desencadeantes da EEC a qual pode surgir a partir de uma combinaccedilatildeo de incoerecircncia perceptiva (devido a sinais vestibulares conflitantes com outros sinais sensoriais sobre orientaccedilatildeo e movimento do corpo) com fatores psicoloacutegicos (despersonalizaccedilatildeo desrealizaccedilatildeo depressatildeo e ansiedade) e neuroloacutegicos (enxaqueca) Outras alteraccedilotildees neuroloacutegicas podem induzir a EEC em certas situaccedilotildees conforme demonstrado por Blanke Landis Spinelli e Seeck (2004) ao estudar pacientes epileacuteticos que relatavam experiecircncias autoscoacutepicas principalmente EEC Durante as crises ou no decorrer de avaliaccedilatildeo por eletroestimulaccedilatildeo os autores verificaram a presenccedila de dano ou disfunccedilatildeo cerebral localizados na JTP Os resultados sugeriram que os processos de percepccedilatildeo e cogniccedilatildeo do corpo e a criaccedilatildeo inconsciente de representaccedilotildees centrais deste satildeo preacute-

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requisitos para uma accedilatildeo raacutepida e eficaz com o meio ambiente Havendo dados ambiacuteguos de diferentes sistemas sensoriais segue-se a experiecircncia intrigante de ver o proacuteprio corpo em uma posiccedilatildeo que natildeo coincide com aquela que eacute sentida

Eacute contudo possiacutevel que outras aacutereas encefaacutelicas tambeacutem apresentem importantes interconexotildees com a JTP e com isso possam tambeacutem participar do fenocircmeno da EEC conforme indica Hiromitsu Shinoura Yamada e Midorikawa (2020) em estudo de caso onde uma paciente acometida por tumor no coacutertex cingulado posterior (PCC) apresentou vaacuterios episoacutedios de EEC Os episoacutedios foram abolidos apoacutes neurocirurgia para extirpaccedilatildeo do tumor sugerindo que o PCC contribui para a auto-localizaccedilatildeo dependendo da perspectiva visual Os resultados vatildeo ao encontro do estudo de Guterstam et al (2015) o qual sugere papel-chave do PCC na integraccedilatildeo de representaccedilotildees neurais da auto-localizaccedilatildeo e propriedade do corpo

Yu et al (2018) estudando o caso de uma adolescente com epilepsia intrataacutevel verificaram a ocorrecircncia de EEC ao se proceder estimulaccedilatildeo do coacutertex insular anterior esquerdo por eletrodos intracranianos Apoacutes a destruiccedilatildeo de vaacuterios locais precisamente localizados nesta aacuterea via termocoagulaccedilatildeo por radiofrequecircncia as crises da paciente desapareceram e a EEC natildeo mais pode ser reproduzida mesmo estimulando esses locais repetidamente Os autores sugerem que o envolvimento do coacutertex insular anterior na EEC deve-se agrave funccedilatildeo desta aacuterea na integraccedilatildeo de sinais multissensoriais e seu importante papel na autoconsciecircncia aleacutem do JTP

O estudo de Ridder Laere Dupont Menovsky e Heyning (2007) mostra o advento de EEC mediado pela estimulaccedilatildeo da parte posterior do giro temporal superior direito em paciente com eletrodos implantados nesta aacuterea para tratamento de zumbido Exames de imagem mostraram ativaccedilatildeo na JTP (mais especificamente nos giros angular e supramarginal que fazem parte desta aacuterea)

O uso abusivo de certas drogas tais como maconha LSD e principalmente a ketamina tambeacutem classicamente relacionam-se com o advento de EEC e outros fenocircmenos relacionados (Wilkins Girard amp Cheyne 2011) Aleacutem disso o uso tanto da maconha quanto da ketamina satildeo considerados como modelos de induccedilatildeo de sintomas

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de esquizofrenia (Fletcher amp Honey 2006) dentre os quais eacute possiacutevel a manifestaccedilatildeo de alucinaccedilotildees autoscoacutepicas (Malik et al 2019)

Finalmente apoacutes o exposto eacute possiacutevel afirmar que de acordo com estudos de vaacuterios grupos de pesquisa a EEC juntamente com os demais fenocircmenos autoscoacutepicos apresentam-se muito bem fundamentados em alteraccedilotildees (patoloacutegicas ou natildeo) da atividade encefaacutelica notadamente em se tratando da atividade da JTP e outras aacutereas adjacentes eou que influenciem sua funccedilatildeo A importacircncia destas regiotildees encefaacutelicas para o processamento e integraccedilatildeo de muacuteltiplas modalidades sensoriais que a ela convergem gerando a partir daiacute uma percepccedilatildeo coerente da autolocalizaccedilatildeo e espaccedilo extrapessoal parece ser indiscutiacutevel

Eacute provaacutevel que algumas aacutereas encefaacutelicas envolvidas nos fenocircmenos autoscoacutepicos tambeacutem sejam ativadas na denominada ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo que seraacute tratada a seguir Contudo apesar desta geralmente apresentar a EEC dentre os fenocircmenos observados sua natureza eacute heterogecircnea e de mais difiacutecil explicaccedilatildeo face agrave complexidade das sensaccedilotildees relatadas por aqueles que a vivenciaram

Experiecircncia de Quase-Morte

O termo ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo (EQM) foi introduzido pelo meacutedico e filoacutesofo Raymond A Moody autor do livro Live after life (ldquoA vida depois da vidardquo na ediccedilatildeo em portuguecircs) em 1975 O livro acabou fazendo muito sucesso mostrando o grande desejo pela existecircncia de uma ldquooutra vidardquo que viria apoacutes a vida terrena Considerando a formaccedilatildeo do autor na aacuterea meacutedica e psicoloacutegica o fato da ciecircncia natildeo poder explicar os fenocircmenos relatados seria de certa maneira um aval para a realidade daquilo que eacute descrito (Kasten amp Geier 2014) Assim natildeo apenas este mas muitos livros populares sobre EQM tornaram-se best-sellers provavelmente porque um grande nuacutemero de pessoas quer acreditar que a imortalidade da ldquoalmardquo eacute cientificamente possiacutevel tornando mais toleraacutevel a inevitabilidade da morte (Agrillo 2011)

Certamente a tentativa da civilizaccedilatildeo moderna de explicar tudo em bases cientiacuteficas enfraquece racionalmente a esperanccedila de

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uma existecircncia de vida ou ldquoalmardquo apoacutes a morte Assim de maneira simultacircnea o medo do inevitaacutevel fim da vida cresce conforme avanccedila o progresso tecnoloacutegico (Kasten amp Geier 2014)

As EQMs satildeo caracterizadas por eventos psicoloacutegicos profundos com elementos transcendentais e miacutesticos que de certa maneira transcendem o ego pessoal incluindo inefabilidade e um sentimento de uniatildeo com um princiacutepio divino ou superior Tais eventos ocorreriam tipicamente em indiviacuteduos proacuteximos agrave morte ou em situaccedilotildees de intenso perigo fiacutesico ou emocional (Greyson 2000)

Moody (1975) analisou centenas de casos de EQM desenvolvendo uma ideacuteia da sequecircncia em que ocorrem os fenocircmenos pelos que os experimentaram Assim a EQM iniciaria por determinado sentimento (muito diacuteficil de ser explicado) para em seguida ouvir algueacutem (o meacutedico por exemplo) relatar sua morte Apoacutes o reconhecimento da situaccedilatildeo de morte10 seguiria um sentimento de paz e quietude percepccedilatildeo de um ruiacutedo (por exemplo zumbido sinos ou muacutesica) sensaccedilatildeo de ser puxado para um tuacutenel escuro sensaccedilatildeo de sair do corpo (EEC) encontro com outros (seres espirituais) visatildeo de luz muito brilhante ver as memoacuterias de experiecircncias que teve na vida passar diante de si (em ordem cronoloacutegica ou natildeo) e daiacute alcanccedilar um certo ldquolimiterdquo ou ldquobordardquo para chegar a algum lugar (uma porta neacutevoa linha cerca ou algo assim) e finalmente o ldquoretorno de volta agrave vidardquo

Uma visatildeo mais cientiacutefica e sistemaacutetica do fenocircmeno foi examinada pelo cientista Bruce Greyson da Universidade de Virgiacutenia que passou anos estudando aspectos psiquiaacutetricos da EQM Em uma de suas pesquisas estudando 67 pessoas que estiveram agrave beira da morte e utilizando 80 manifestaccedilotildees caracteriacutesticas de EQM formulou 16 questotildees de muacuteltipla escolha divididas em quatro caracteriacutesticas gerais Cognitiva (pensamentos) Afetiva (sentimentos) Paranormal (ex EEC) e Transcedental (ex encontro com espiacuteritos) A partir destas questotildees com pontuaccedilatildeo variando de zero a dois dependendo da resposta chegando ao maacuteximo de 32 pontos formulou um score miacutenimo de sete pontos para que determinado evento possa ser

10 Apesar do ldquoreconhecimento de que se estaacute mortordquo fazer parte das EQMs tal situaccedilatildeo natildeo eacute limitada a tais experiecircncias pois uma intrigante e rara siacutendrome denominada ldquoSiacutendrome de Cotardrdquo ou ldquoSiacutendrome do Cadaacutever Ambulanterdquo faz com que o sujeito acredite que estaacute morto mesmo que todas as evidecircncias indiquem o contraacuterio (Grover Aneja Mahajan amp Varma 2014)

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considerado uma EQM (Greyson 1983 Nelson 2012) Serralta Cony Cembranel Greyson e Szobot (2010) adaptaram a escala de Greyson para a cultura brasileira mantendo equivalecircncia semacircntica entre a versatildeo original e a nacional podendo segundo os autores ser utilizada para pesquisas dentro desta aacuterea no Brasil

Apesar de comuns as EQM ainda apresentam etiologia desconhecida (Peinkhofer Dreier amp Kondziella 2019) e face agrave complexidade dos relatos com suas implicaccedilotildees cientiacuteficas teoloacutegicas e filosoacuteficas o estudo deste fenocircmeno representa um dos principais desafios da neurociecircncia moderna Para complicar ainda mais mesmo considerando o termo ldquoquase morterdquo as experiecircncias tambeacutem podem ocorrer a pessoas que embora possam estar doentes natildeo estatildeo nem perto da morte considerando os dados em seus registros meacutedicos Muitas dessas pessoas podem temer que estejam prestes a morrer mesmo que natildeo estejam (Stevenson Cook amp McClean-Rice 1989)

Para Lake (2019) natildeo existe dicotomia real entre as chamadas verdadeiras EQMs desencadeadas por situaccedilotildees de real risco agrave vida e as experiecircncias semelhantes agraves EQMs que natildeo estatildeo associadas a uma emergecircncia meacutedica Ambas satildeo provavelmente mediadas pela sobreposiccedilatildeo de aspectos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e culturais podendo propiciar efeitos semelhantes nos valores e comportamentos que influenciam a aptidatildeo do ponto de vista evolutivo

Contudo as EQM podem ser experimentadas de forma diferente dependendo do sujeito estar ou natildeo realmente proacuteximo da morte Um estudo foi realizado em um grupo de 58 pacientes dos quais 28 considerados tatildeo proacuteximos da morte que teriam morrido sem intervenccedilatildeo meacutedica e 30 sem risco de morrer embora muitos pensassem que a morte era iminente Os pacientes de ambos os grupos relataram EQM muito semelhantes mas os pacientes que realmente estavam perto da morte eram mais propensos a relatar uma percepccedilatildeo aprimorada da presenccedila de uma luz e tambeacutem um aprimoramento da capacidade cognitiva (Owens Cook amp Stevenson 1990) Para Lake (2019) o funcionamento cognitivo aprimorado nestes momentos poderia permitir a transmissatildeo de valores emocionais e espirituais positivos entre parentes e entes queridos Tais valores seriam posteriormente conservados na populaccedilatildeo resultando em aumento da aptidatildeo do grupo reduzindo o medo de morrer e da morte

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Apesar de pouco ser conhecido sobre a personalidade das pessoas que experienciaram a EQM segundo Martial Cassol Charland-Verville Merckelbach e Laureys (2018) uma das caracteriacutesticas poderia ser a propensatildeo agrave fantasia Os autores utilizaram a escala de Greyson para selecionar pessoas que passaram pela experiecircncia comparando aqueles que alcanccedilaram escore miacutenimo de 7 pontos com outro instrumento de pesquisa para medir tal propensatildeo o ldquoQuestionaacuterio de Experiecircncias Criativasrdquo (CEQ) Desenvolvido por Merckelbach Horselenberg e Muris (2001) o CEQ apresenta correlaccedilotildees substanciais com medidas de esquizotipia e dissociaccedilatildeo intimamente ligadas agrave propensatildeo agrave fantasia

No entanto segundo Martial et al (2018) as pessoas que relataram EQMs sem risco de morte tiveram uma pontuaccedilatildeo mais alta na propensatildeo agrave fantasia quando em comparaccedilatildeo com pessoas que relataram EQMs claacutessicas (com risco real de morte) indiviacuteduos cujas experiecircncias natildeo atenderam aos criteacuterios de EQM e controles correspondentes Indiviacuteduos que relataram EQMs claacutessicas demonstraram envolvimento na fantasia de forma semelhante a sujeitos controles correspondentes

Embora natildeo seja num preacute-requisito eacute possiacutevel que a crenccedila na transcendecircncia espiritual e vida apoacutes a morte seja importante para que as EQM ocorram conforme indica Chandradasa Wijesinghe Kuruppuarachchi e Perera (2018) que avaliaram a prevalecircncia de EQM em hospital caracterizado pelo atendimento de pacientes seguidores de diversas religiotildees diferentes A maior prevalecircncia de EQM foi em pacientes seguidores das religiotildees teiacutestas (que afirmam a crenccedila da existecircncia de Deus) cristianismo islamismo e hunduismo quando em comparaccedilatildeo com o budismo uma religiatildeo natildeo teiacutesta (que natildeo inclui a ideacuteia de um deus)

Num estudo prospectivo Lommel Wees Meyers e Elfferich (2001) estudaram o advento de EQM em pacientes que foram submetidos a ressuscitaccedilatildeo cardiopulmonar e que passaram pela experiecircncia em comparaccedilatildeo com outros submetidos ao mesmo procedimento sem contudo relatar EQM Concluiacuteram que apenas fatores meacutedicos natildeo poderiam explicar a ocorrecircncia de EQM pois embora todos os pacientes estivessem segundo os autores ldquoclinicamente mortosrdquo a maioria natildeo passou pelo fenocircmeno Verificaram ainda que a gravidade da crise natildeo estava relacionada agrave ocorrecircncia ou profundidade da

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experiecircncia natildeo sendo tambeacutem possiacutevel considerar carecircncia de oxigenaccedilatildeo cerebral medicaccedilatildeo ou fatores psicoloacutegicos como agentes causadores do fenocircmeno Aleacutem disso segundo os autores seria impossiacutevel haver consciecircncia e posterior memoacuteria dos fenocircmenos ocorridos considerando situaccedilotildees em que o registro da atividade eleacutetrica de coacutertex e tronco encefaacutelico por eletroencefalografia (EEG) se mostraria horizontal (sem atividade eleacutetrica)

French (2001) contudo contesta tal impossibilidade afirmando que natildeo haacute como saber se as EQM reportadas pelos pacientes realmente ocorreram quando natildeo havia atividade eleacutetrica encefaacutelica ou se ocorreram rapidamente antes ou quando estes estavam gradualmente se recuperando do evento Considerando que memoacuterias falsas relacionadas por exemplo agrave simples imaginaccedilatildeo podem ser indistinguiacuteveis das verdadeiras (Shaw 2016) tais fenocircmenos poderiam estar relacionados com memoacuterias daquilo que na verdade natildeo ocorreu realmente

Lake (2019) considera a possibilidade do ceacuterebro ainda estar em funcionamento nos momentos que antecedem ou se seguem agrave perda de consciecircncia mesmo que a EEG indique o contraacuterio Aleacutem disso Martens (1994) mostra que alteraccedilotildees da memoacuteria sob a influecircncia de hipoacutexia e hipercarbia (excesso de CO2) ocorrem somente apoacutes vaacuterios minutos de isquemia cerebral Consequentemente a ocorrecircncia e a recuperaccedilatildeo de EQMs satildeo limitadas a uma janela de tempo estreita permitindo um certo grau de hipoacutexia cerebral e hipercarbia necessaacuteria para desencadear a experiecircncia mas com restauraccedilatildeo oportuna do suprimento de oxigecircnio e diminuiccedilatildeo do CO2 para preservar a memoacuteria de curto prazo

Por outro lado eacute comum quem passa por uma EQM referir que natildeo apresenta nenhuma duacutevida sobre a realidade dos fenocircmenos vicenciados descrevendo sua experiecircncia como ldquomais real do que a realidaderdquo ou ldquomais real do que qualquer outra coisa que jaacute experimenteirdquo (Greyson 2014) De fato Thonnard et al (2013) mostram que as memoacuterias de EQM conteacutem mais caracteriacutesticas fenomenoloacutegicas (sensoriais e emocionais) do que as memoacuterias de eventos reais e de coma sugerindo que natildeo podem ser consideradas apenas como lembranccedilas imaginadas de eventos Pelo contraacuterio suas origens fisioloacutegicas poderiam levaacute-las a serem percebidas como absolutamente reais

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Palmieri et al (2014) investigando o fenocircmeno das memoacuterias de EQM serem declaradas como sendo ldquomais reais que a realidaderdquo adotaram uma abordagem integrada O estudo envolveu hipnose para melhorar a recuperaccedilatildeo e diminuir erros de memoacuteria e dados de EEG com objetivo de comparar as caracteriacutesticas das memoacuterias de EQM e seus marcadores neurais com memoacuterias de eventos reais e imaginados Os resultados indicaram que as memoacuterias de EQM satildeo diferentes das memoacuterias autobiograacuteficas imaginadas e muito semelhantes agraves memoacuterias de eventos reais em termos de riqueza de detalhes informaccedilotildees autorreferenciais e emoccedilotildees

No entanto nada pode garantir que as memoacuterias de EQM natildeo possam ser de certa forma ldquoexageradasrdquo ou ldquofloreadasrdquo com o passar dos anos de tal maneira que os relatos dos sujeitos que passaram pela experiecircncia natildeo apresente um vieacutes voltado para o que a miacutedia coloca em relaccedilatildeo a tais experiecircncias Com o objetivo de investigar este aspecto Greyson (2007) comparou memoacuterias de EQM quando estas aconteceram e vinte anos apoacutes o evento concluindo que ao contraacuterio do esperado relatos de EQM e particularmente relatos de seus efeitos positivos mantiveram suas caracteriacutesticas mostrando que aparentemente tais memoacuterias parecem ser mais estaacuteveis do que lembranccedilas de outros eventos traumaacuteticos

Em relaccedilatildeo aos seus efeitos positivos na vida de quem a experimentou a EQM parece ter efeitos protetores no bem-estar psicoloacutegico dos pacientes (Cant Cooper Chung amp OrsquoConnor 2012) Tais efeitos satildeo geralmente associados a transformaccedilotildees positivas com maior senso de significado e interesse em alguns aspectos da vida dentre os quais menos medo da morte (geralmente perda completa do medo da morte) maior sensaccedilatildeo de altruiacutesmo como amor empatia e responsabilidade em relaccedilatildeo aos outros e tambeacutem de estar mais conectado com outras pessoas maior feacute e interesse no significado da vida e menor materialidade (Klemenc-Ketis 2013 Greyson 2014) aleacutem de conversatildeo religiosa e impacto positivo na sauacutede mental inclusive por ex-detentos (Braghetta Santana Cordeiro Rigonatti amp Lucchetti 2013) Algumas pessoas podem lutar por anos para tentar entender e integrar suas experiecircncias mas essas satildeo raras exceccedilotildees (Greyson 2014)

Greyson e Khanna (2014) utilizaram a ldquoescala de transformaccedilatildeo espiritualrdquo desenvolvida originalmente para testar mudanccedilas

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espirituais em pacientes apoacutes diagnoacutestico de cacircncer (Cole Hopkins Tisak Steel amp Carr 2008) para comparar a transformaccedilatildeo espiritual entre experimentadores de EQM e controles Quem experimentou a EQM apresentou pontuaccedilatildeo significativamente maior indicando maior transformaccedilatildeo espiritual ao se comparar com os que natildeo passaram pela experiecircncia Assim o crescimento espiritual apoacutes trauma estaacute associado natildeo apenas agrave sobrevivecircncia apoacutes o evento traumaacutetico mas tambeacutem agrave ocorrecircncia e profundidade de EQMs durante o evento desencadeante A relevacircncia da transformaccedilatildeo espiritual para a vida cotidiana dos indiviacuteduos e as associaccedilotildees com o bem-estar sugerem que mais pesquisas nesse sentido satildeo justificadas e que estrateacutegias para melhorar o crescimento espiritual podem acarretar benefiacutecios ao paciente se incorporadas agrave praacutetica terapecircutica

Mas ateacute que ponto pode-se conjeturar que todos os fenocircmenos observados na EQM podem ou poderatildeo um dia ser totalmente explicados pela ciecircncia Como poderia ser criado um traccedilo tatildeo niacutetido de memoacuteria da EQM em situaccedilotildees em que os processos cerebrais funcionariam com capacidades diminuiacutedas Como as teorias atuais da memoacuteria podem explicar essas experiecircncias Seriam necessaacuterios fatores adicionais para explicar totalmente a memoacuteria criada em situaccedilotildees criacuteticas (Martial Cassol Laureys amp Gosseries 2020)

Uma ampla gama de teorias orgacircnicas da EQM eacute apresentada incluindo aquelas baseadas em hipoacutexia cerebral anoacutexia e hipercarbia endorfinas e outros neurotransmissores e atividade anormal nos lobos temporais (French 2005) Haacute contudo que se ponderar que apesar de determinadas pesquisas relacionadas agraves EQMs especularem sobre as possiacuteveis causas do fenocircmeno este ainda apresenta-se como uma incoacutegnita face agrave ausecircncia de dados neuroloacutegicos As condiccedilotildees meacutedicas e neuroloacutegicas associadas agraves EQMs e relacionadas agrave interferecircncia cerebral ou dano cerebral satildeo parada cardiacuteaca anestesia geral epilepsia do lobo temporal estimulaccedilatildeo eleacutetrica do ceacuterebro e anormalidades do sono como por exemplo intrusotildees REM (Blanke Faivre amp Diegues 2016)

Mesmo adotando uma rigorosa metodologia cientiacutefica o debate teoacuterico eacute amplamente aberto e natildeo eacute possiacutevel tirar conclusotildees firmes sobre a origem de tais experiecircncias (Agrillo 2011) As teorias espirituais assumem que a consciecircncia pode se separar do substrato neural do ceacuterebro e que a EQM pode fornecer um vislumbre de uma vida

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apoacutes a morte As teorias psicoloacutegicas incluem a proposta de que a EQM eacute um mecanismo de defesa dissociativo que ocorre em tempos de extremo perigo ou menos plausivelmente que a EQM reflete memoacuterias de nascer (French 2005)

Haacute grande nuacutemero de relatos que associam previamente a EQM agrave sensaccedilatildeo de calma e euforia Assim dado que muitas EQM ocorrem como o nome sugere quando haacute perigo real de morte faria sentido que o corpo liberasse substacircncias quiacutemicas que induzissem um estado de calma e serenidade Por exemplo se algueacutem apresenta uma hemorragia com risco de morte entrar em pacircnico acelerando a atividade cardiacuteaca apenas aceleraria a perda de sangue Seria portanto uma vantagem o corpo induzir um estado de calma e euforia desacelerando desta maneira a frequecircncia cardiacuteaca e consequentemente a perda de sangue Esta seria provavelmente uma funccedilatildeo adaptativa de uma EQM levando em consideraccedilatildeo que a calma em meio a eventos ameaccediladores da vida reforccedila as chances de sobrevivecircncia (Alper 2008)

De fato o vieacutes positivo para a vida apoacutes uma EQM relaciona-se com os aspectos positivos e agradaacuteveis experimentados no decorrer do fenocircmeno tais como tranquilidade paz e senso de harmonia com o universo (Charland-Verville et al 2014)

Poreacutem nem sempre as experiecircncias satildeo agradaacuteveis e por assim dizer ldquoharmoniosasrdquo pois embora mais raras experiecircncias verdadeiramente aterradoras ou ldquoinfernaisrdquo tambeacutem foram relatadas sendo possiacutevel que tais experiecircncias estejam na verdade sub-documentadas por motivos diversos tais como memoacuterias ldquodolorosasrdquo ou risco de estigmatizaccedilatildeo (Cassol et al 2019)

Quem passa por EQMs angustiantes natildeo diferem em termos de gecircnero e idade em comparccedilatildeo com as EQMs claacutessicas As experiecircncias angustiantes contudo incluem mais sobreviventes de suiciacutedio ao passo as claacutessicas parecem incluir pessoas mais velhas (Cassol et al 2019) As narrativas relacionadas a experiecircncias angustiantes tambeacutem podem conter recursos pertencentes ao tipo positivo (visatildeo de luz e tuacutenel EEC e revisatildeo da vida) todavia interpretadas pelos que a vivenciaram como ldquoterriacuteveisrdquo ao inveacutes de confortantes Tambeacutem ocorrem situaccedilotildees em que a experiecircncia eacute de ldquonatildeo-existecircnciardquo ou de ser condenado a um ldquovazio inexpressivo

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para a eternidaderdquo com o desespero de sentir natildeo apenas que a vida como a conhecia natildeo mais existe mas tambeacutem que nunca existiu A experiecircncia tambeacutem inclui imagens e sons terriacuteveis tais como avistar uma paisagem feia ou agourenta eou a presenccedila de seres demoniacuteacos ouvir ruiacutedos altos eou irritantes ver animais assustadores eou encontrar outros seres em extrema anguacutestia (Greyson amp Bush 1992)

Natildeo obstante a crenccedila popular acerca das caracteriacutesticas aparentemente paranormais das EQMs sejam estas positivas ou negativas Mobbs e Watt (2011) em revisatildeo sobre o tema apresentam explicaccedilotildees cientiacuteficas para (segundo eles) ldquotodosrdquo os fenocircmenos relatados por quem vivenciou a EQM sugerindo que natildeo haacute nada paranormal nessas experiecircncias Considerando que seriam apenas manifestaccedilatildeo de funccedilatildeo cerebral anocircmala durante um evento traumaacutetico e agraves vezes inofensivo os autores defendem ainda que todos os aspectos da experiecircncia tecircm uma base neurofisioloacutegica ou psicoloacutegica A experiecircncia extra-corpoacuterea revisatildeo da vida e visatildeo de pessoas falecidas estariam por exemplo relacionadas a intrusotildees do sono REM (tambeacutem defendido por Nelson Mattingly Lee e Schmitt em 2006) ao passo que o prazer viacutevido e a euforia poderiam ser o resultado da liberaccedilatildeo de opioides provocada pelo medo

Quanto agraves alucinaccedilotildees visuais ou outras tambeacutem frequentemente presentes nas experiecircncias Mobbs e Watt (2011) explicam que estas tambeacutem ocorrem em pessoas acometidas por doenccedilas neurodegenerativas do sistema nervoso tais como Alzheimer e Parkinson Assim as visotildees de entidades e pessoas falecidas poderiam indicar uma anormalidade pontual nas mesmas aacutereas acometidas nestas doenccedilas Em se tratando da visatildeo de luzes brilhantes e de tuacutenel especulam que estas poderiam ser o resultado de um colapso perifeacuterico agrave foacutevea do sistema visual por meio da privaccedilatildeo de oxigecircnio

Esse estudo foi contudo criticado pelo grupo do Dr Bruce Greyson (Greyson Holden amp Lommel 2012) pois ao afirmarem que ldquotodosrdquo os aspectos das EQM poderiam ser explicados os autores ignoraram muitos aspectos que natildeo poderiam explicar negligenciando um corpo substancial de pesquisa empiacuterica sobre o Assunto Natildeo considerando indiacutecios de possiacuteveis caracteriacutesticas natildeo explicaacuteveis pelas ciecircncias naturais nas EQMs a alegaccedilatildeo de que natildeo

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haacute nada paranormal nestes fenocircmenos natildeo pode ser considerada como baseada em evidecircncias

Em relaccedilatildeo agrave intrusatildeo do sono REM natildeo haveria condiccedilotildees para tal pois nas condiccedilotildees onde as experiecircncias satildeo geralmente vivenciadas este estaria na verdade totalmente inibido Aleacutem disso a oferta de oxigecircnio ao enceacutefalo estaacute igual ou ateacute maior e as alucinaccedilotildees associadas a doenccedilas degenerativas do enceacutefalo geralmente satildeo associadas a sentimentos de medo sem apresentar a riqueza de sensaccedilotildees e interatividade das observadas nas EQM que aleacutem de vistas podem tambeacutem ser ouvidas cheiradas e tocadas sendo na maior parte dos casos muito bem-vindas

Haacute tambeacutem que se ponderar a existecircncia de relatos de EQMs nos quais pacientes relataram visotildees de pessoas falecidas mas cuja morte natildeo tinham conhecimento que faleceram momentos antes ou no exato momento em que ocorria a EQM ou mesmo pessoas falecidas que nunca conheceram desafiando portanto a interpretaccedilatildeo dessas visotildees como meras alucinaccedilotildees (Greyson 2010)

Parece portanto indiscutiacutevel que as EQMs natildeo podem ser simplesmente reduzidas agrave imaginaccedilatildeo medo da morte alucinaccedilatildeo psicose uso de drogas ou deficiecircncia de oxigecircnio (Lommel 2011) Na tentativa de explicar o que ao menos aparentemente natildeo apresenta explicaccedilatildeo Blanke Faivre e Diegues (2016) propotildeem que os estudos futuros sobre EQMs possam ser concentrados mais nos mecanismos funcionais e neurais dos fenocircmenos tanto em populaccedilotildees de pacientes quanto indiviacuteduos saudaacuteveis Agindo desta maneira a ciecircncia poderia ajudar a desvendar ao menos parcialmente os mecanismos neurofisioloacutegicos de aspectos ainda natildeo compreendidos das EQMs que tanto intrigam cientistas estudiosos e leigos

Sem duacutevida eacute um desafio cientiacutefico consideraacutevel discutir novas hipoacuteteses que possam explicar a possibilidade de uma consciecircncia clara e aprimorada abrangendo memoacuterias identidade proacutepria cogniccedilatildeo e emoccedilotildees durante um periacuteodo de aparente coma Talvez a mera visatildeo materialista da relaccedilatildeo entre consciecircncia e ceacuterebro como defendida pela maioria dos meacutedicos filoacutesofos e psicoacutelogos seja muito restrita para uma compreensatildeo adequada desse fenocircmeno que apesar de poder durar apenas alguns minutos pode acarretar mudanccedilas profundas em quem o vivenciou (Lommel 2011)

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Para finalmente ratificar as mudanccedilas no modus vivendi extensivamente relatadas conveacutem citar o estudo em formato de testemunho de Woollacott e Peyton (2020) baseado em um estudo de caso detalhado extensivamente verificado e documentado de uma meacutedica (e autora do estudo) que sofreu uma EQM durante o nascimento de seu terceiro filho aos 32 anos de idade Com os olhos fechados com uma fita ela referiu seis percepccedilotildees durante a parada cardiacuteaca que foram verificadas pelos funcionaacuterios do hospital Sem possibilidade de explicaccedilatildeo pela perspectiva fisioloacutegica o caso obteve uma pontuaccedilatildeo pela escala de Greyson igual a 23 caracterizando uma EQM profunda

As autoras sugerem que tais experiecircncias abrem uma porta para uma consciecircncia mais alta ou expandida associada agrave tranquilizaccedilatildeo da atividade cerebral Os dados mostram que essa experiecircncia inicial tem um efeito imediato eacute ldquoplantada uma sementerdquo que transforma a compreensatildeo do indiviacuteduo sobre a natureza da consciecircncia Aleacutem disso serve como um gatilho para um processo de transformaccedilatildeo espiritual de longo prazo incluindo a busca para encontrar um caminho de volta para essa experiecircncia que no caso citado levou a um estudo aprofundado da meditaccedilatildeo e espiritualidade e uma transformaccedilatildeo na sua abordagem como meacutedica aos cuidados paliativos voltados ao paciente no final da vida

De fato experiecircncias espiritualmente transformadoras espontacircneas ou procuradas de maneira intencional levam as pessoas a perceber a si mesmas e ao mundo de maneiras profundamente diferentes expandindo sua identidade aumentando suas sensibilidades e alterando seus valores prioridades senso de significado e propoacutesito na vida (Greison 2014)

Consideraccedilotildees Finais

Embora a plena compreensatildeo de como o ceacuterebro cria a consciecircncia e a experiecircncia do self ainda esteja muito longe de ser alcanccedilada a evoluccedilatildeo das neurociecircncias nas uacuteltimas deacutecadas permitiu um aumento exponencial do conhecimento sobre suas funccedilotildees e conexotildees Tal evoluccedilatildeo propiciou melhora substancial no tratamento prognoacutestico e qualidade de vida de milhotildees de pessoas

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que sofrem de distuacuterbios neuroloacutegicos e psiquiaacutetricos Poreacutem mesmo com tudo o que jaacute se pesquisou e descobriu desde a denominada ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo nos anos 90 ateacute os dias atuais o ceacuterebro ainda eacute capaz de surpreender e maravilhar quem dedica a vida a estudaacute-lo

Sabe-se por exemplo que determinados fenocircmenos considerados por muitos como ldquoparanormaisrdquo e aparentemente inexplicaacuteveis pelas ciecircncias naturais como o deacutejagrave vu e os fenocircmenos autoscoacutepicos (experiecircncia extra-corpoacuterea e outros) apresentam explicaccedilatildeo cientiacutefica convincente podendo inclusive serem reproduzidos de maneira experimental Natildeo existe contudo um uacutenico ldquomoacutedulo especializadordquo no ceacuterebro que tenha como funccedilatildeo a criaccedilatildeo de crenccedilas e experiecircncias sobrenaturais embora algumas aacutereas parecem ter uma importacircncia especial na criaccedilatildeo de alguns desses fenocircmenos como a junccedilatildeo temporoparietal em experiecircncias autoscoacutepicas e o coacutertex rinal na experiecircncia do deacuteja vuacute

Outros fenocircmenos relativamente comuns na populaccedilatildeo como certos aspectos das ldquoexperiecircncias de quase morterdquo (EQM) tambeacutem apresentam teorias que podem explicar parcialmente sua origem seja por anomalias momentacircneas ou disfunccedilotildees de determinadas aacutereas encefaacutelicas Entretanto muitos destes aspectos apresentam lacunas do ponto de vista cientiacutefico ao passo que outros ainda satildeo uma completa incoacutegnita Isso natildeo significa obviamente que natildeo poderatildeo ser explicados no futuro por mais estranhas e ldquoreaisrdquo que sejam as sensaccedilotildees referidas por quem jaacute passou pela experiecircncia

Poreacutem mesmo que num futuro mais ou menos distante possamos compreender todos os aspectos da consciecircncia e comprovar que todos os fenocircmenos vivenciados por quem passou pela EQM podem ser inequivocamente atribuiacutedos agrave atividade encefaacutelica ainda natildeo seraacute possiacutevel nem haveraacute motivo para simplesmente descartar a possibilidade de existecircncia de algo que transcenda o aspecto fiacutesico e que sobreviva agrave morte do corpo

Embora desde o iniacutecio da histoacuteria da humanidade ateacute o momento em que este texto eacute escrito a alma ou espiacuterito de quem quer que seja que tenha passado pela morte definitiva jamais tenha comprovadamente retornado para relatar a respeito natildeo eacute possiacutevel descartar tal possibilidade simplesmente porque natildeo haacute prova cabal de que apoacutes a morte natildeo haacute nada aleacutem da ldquonatildeo-existecircnciardquo

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Muitos pacientes em estado grave sem possibilidade de cura e pouco tempo de vida ainda apresentam a esperanccedila de que espiritualmente continuaratildeo a existir simplesmente considerando que a ldquonatildeo-existecircnciardquo natildeo lhes eacute mentalmente concebiacutevel Se apenas a crenccedila sem prova alguma de que a morte natildeo eacute o final de tudo de que haacute possibilidade de reencontrar pessoas amadas que faleceram e de que em breve natildeo mais existiraacute dor ou tristeza num paraiacuteso perfeito puder elevar a qualidade do tempo de vida que resta ao paciente jaacute seria motivo mais do que suficiente para incentivaacute-la

Sem duacutevida alguma meacutedicos e outros profissionais da sauacutede devem ter um comprometimento eacutetico com a ciecircncia e com a divulgaccedilatildeo cientiacutefica procurando evitar arqueacutetipos relacionados a crendices infundadas Mas destruir em nome da ciecircncia a feacute que pode ser a uacutenica coisa que resta aquele que sofre natildeo parece ser muito eacutetico ou profissional

Concordando com Kyriacou (2018) noacutes seres humanos fomos abenccediloados com um corpo e uma mente e natildeo honrariacuteamos a feacute negligenciando a ciecircncia Pelo contraacuterio entendemos que a feacute comeccedila onde a ciecircncia termina sem perder de vista os limites do que nos eacute possiacutevel saber Mas tambeacutem se faz necessaacuteria suficiente humildade para natildeo refutar em nome da ciecircncia o que para muitos pode ser tudo o que resta a realidade da feacute

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SECcedilAtildeO II

PROCESSOS BAacuteSICOS EM NEUROCIEcircNCIAS

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica

Andreacute Demambre Bacchi

Introduccedilatildeo

O uso de substancias psicoativas tem feito parte da vida do ser humano haacute milecircnios (Austin 1978) Enquanto aproximadamente metade da populaccedilatildeo mundial utiliza ao menos uma substacircncia psicoativa o consumo de aacutelcool tabaco e outras drogas figuram entre as principais causas de morte evitaacuteveis no planeta (World Health Organization 2004)

Segundo a quinta ediccedilatildeo do Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais - DSM-V os transtornos relacionados ao uso de substacircncias abrangem classes distintas de drogas como aacutelcool cafeiacutena cannabis alucinoacutegenos inalantes opioacuteides hipnosedativos ansioliacuteticos estimulantes tabaco entre outras substacircncias De modo geral eacute possiacutevel afirmar que a maioria das drogas que provocam dependecircncia possuem em comum a ativaccedilatildeo do sistema de recompensa cerebral que estaacute envolvido no reforccedilo de comportamentos e na produccedilatildeo de memoacuterias (American Psychiatric Association 2013) A ativaccedilatildeo desse sistema pelo uso de determinadas substacircncias pode ser intensa a ponto de ldquosequestrarrdquo os circuitos cerebrais envolvidos na aquisiccedilatildeo de recompensas naturais relevantes agrave sobrevivecircncia enquanto indiviacuteduo (como a busca por alimentos) ou enquanto espeacutecie (oportunidades de acasalamento) (Hyman 2005)

Os mecanismos de accedilatildeo farmacoloacutegicos pelos quais cada droga produz recompensa diferem entre si mas geralmente acabam levando agrave ativaccedilatildeo desse sistema produzindo sensaccedilatildeo de prazer frequentemente denominada de ldquobaratordquo (do inglecircs hight) ou ldquoviagemrdquo (do inglecircs trip) Aleacutem disso deficiecircncias em mecanismos cerebrais inibitoacuterios e determinados contextos sociais podem fazer com

Autor para correspondecircncia bacchiufredubr

Professor de Farmacologia do

Curso de Medicina da Universidade

Federal de Rondonoacutepolis

Instituto de Ciecircncias Exatas e Naturais Avenida

dos Estudantes 5055 - Cidade

Universitaacuteria Rondonoacutepolis - MT

CEP 78735-901

6

164 | Temas em Neurociecircncias

que certos indiviacuteduos sejam particularmente mais vulneraacuteveis ao desenvolvimento de transtornos por uso de substacircncias (American Psychiatric Association 2013)

Contudo mesmo constituindo um problema de sauacutede puacuteblica haacute escassez de tratamentos para esses transtornos se comparados a outros como depressatildeo e ansiedade Essa falta de tratamentos psicofarmacoloacutegicos efetivos pode ter provocado certo grau de omissatildeo terapecircutica quanto agrave abordagem medicamentosa para o manejo da dependecircncia Infelizmente parece haver certo ceticismo quando se fala em desenvolvimento de faacutermacos para o tratamento do abuso de substacircncias Esse raciociacutenio pode ter diversas origens entre elas o fato de que haacute um grande nuacutemero de usuaacuterios que natildeo conseguem atingir a abstinecircncia total eou que sofrem frequentes recaiacutedas Aleacutem disso haacute tambeacutem o estigma com consequente preconceito por parte de cientistas e profissionais de sauacutede que leva agrave crenccedila equivocada de que ao contraacuterio de outras doenccedilas ou transtornos ldquoo dependente quiacutemico se coloca voluntariamente nessa situaccedilatildeordquo e por esse motivo deve ter menor prioridade em relaccedilatildeo aos demais pacientes (Stahl 2013)

Nesse contexto um dos pontos de partida para se discutir a eficaacutecia e o desenvolvimento de tratamentos efetivos para os transtornos por uso de substacircncia eacute o conhecimento da base neurocientiacutefica dos circuitos de recompensa Assim o objetivo deste capiacutetulo eacute municiar o leitor com a base bioloacutegica que possibilitaraacute a compreensatildeo de como o abuso de drogas eacute capaz de promover neuroadaptaccedilotildees disfuncionais no dependente quiacutemico tornando-o ldquorefeacutem de si mesmordquo

A Dependecircncia Quiacutemica como Fenocircmeno Multidimensional

Sem uma droga de abuso ou sem um circuito cerebral de recompensa natildeo haveria dependecircncia quiacutemica Contudo embora esses sejam os elementos-chave desse transtorno esse fenocircmeno sofre influecircncia de muitos outros fatores Afinal nem todas as pessoas que fazem uso de uma droga tornam-se dependentes dela

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica | 165

A Figura 1 mostra que aleacutem dos aspectos neurobioloacutegicos os aspectos comportamentais geneacuteticos e ambientais satildeo cruciais para o desenvolvimento da dependecircncia quiacutemica

Neurobiologia

Comportamento

Ambiente

Geneacutetica

Figura 1 Dependecircncia quiacutemica como fenocircmeno multidimensional Embora as caracteriacutesticas farmacoloacutegicas de cada droga de abuso e as neuroadaptaccedilotildees dos neurocircuitos sejam aspectos fundamentais envolvidos na dependecircncia quiacutemica os fatores geneacuteticos ambientais e comportamentais satildeo capazes de modificar e interferir significativamente nesse processo

Por um lado algumas substacircncias parecem ser intrinsecamente mais aditivas do que outras Por outro algumas pessoas podem ser mais impulsivas ou podem apresentar um sistema de recompensa geneticamente disfuncional Em outras palavras traccedilos impulsivos e disfunccedilotildees no sistema de recompensa podem facilitar o uso abusivo de substacircncias e alguns indiviacuteduos podem ser naturalmente mais vulneraacuteveis a se tornarem compulsivos com o uso frequente (Ersche Turton Pradhan Bullmore amp Robbins 2010)

Impulsividade e Compulsividade na Dependecircncia Quiacutemica

A dependecircncia pode ser descrita neuroquimicamente como uma transiccedilatildeo de accedilotildees compulsivas para accedilotildees compulsivas

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(Volkow Wang Fowler Tomasi amp Telang 2011) No transtorno por uso de substacircncias estaacute presente um conjunto de sintomas cognitivos comportamentais e fisioloacutegicos caracterizados pela incapacidade em adiar recompensas (impulsividade) e pelo uso contiacutenuo da droga apesar das consequecircncias significativamente negativas (compulsividade) De maneira simplificada podemos afirmar que impulsividade e compulsividade satildeo sintomas que derivam da dificuldade do ceacuterebro em ldquodizer natildeordquo (Everitt et al 2008 Moeller Barratt Dougherty Schmitz amp Swann 2017)

De modo mais preciso impulsividade pode ser definida como uma accedilatildeo sem reflexatildeo preacutevia ou ausecircncia de reflexatildeo sobre as consequecircncias de determinado comportamento Haacute portanto grande dificuldade em se adiar recompensas com predileccedilatildeo a uma recompensa imediata em detrimento agrave outra potencialmente mais beneacutefica poreacutem tardia Seria o que na linguagem coloquial chamariacuteamos de ldquofalta de forccedila de vontade para resistir a tentaccedilotildeesrdquo (Moeller et al 2017) Por outro lado a compulsividade eacute caracterizada por presenccedila de accedilotildees inapropriadas a certa situaccedilatildeo mas que persistem mesmo produzindo consequecircncias nocivas (Everitt et al 2008)

Embora relacionadas com aacutereas ligeiramente distintas no ceacuterebro tanto impulsividade como compulsividade podem ser consideradas como impulsos neurobioloacutegicos ldquode baixo para cimardquo (por exemplo da aacuterea tegmental ventral para o nuacutecleo accumbens) que podem sofrer supressatildeo por estiacutemulos ldquode cima para baixordquo (oriundos do coacutertex preacute-frontal) Nesse contexto impulsividade e compulsividade seriam resultado da falha na resposta dos sistemas de inibiccedilatildeo ldquode cima pra baixordquo ou da ativaccedilatildeo excessiva ldquode baixo pra cimardquo (Goldstein amp Volkow 2002) Diversos estudos de neuroimagem tecircm dado suporte a esse modelo (Limbrick-Oldfield Van Holst amp Clark 2013) e essas alteraccedilotildees parecem ser a fonte das constantes recaiacutedas do usuaacuterio de drogas que caracterizam a dependecircncia quiacutemica (Koob 2013)

Podemos considerar que o uso inicial de uma droga eacute em geral voluntaacuterio e estaacute ligado ao traccedilo de impulsividade Esse contato inicial com a substacircncia provoca uma sensaccedilatildeo de prazer e satisfaccedilatildeo Se isso ocorre com pouca frequecircncia e intensidade a busca e o consumo podem permanecer sob controle caracterizando

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um usuaacuterio ldquoocasionalrdquo Contudo as primeiras doses costumam ser as mais reforccediladoras pois satildeo praticamente isentas de penalidades Isso pode facilitar que o uso se torne frequente evoluindo para o uso compulsivo caracterizado pela necessidade de maiores doses para a obtenccedilatildeo do efeito desejado (toleracircncia) e a necessidade de utilizaccedilatildeo para reduzir os sintomas incocircmodos de abstinecircncia na ausecircncia da droga (Clark Robbins Ersche amp Sahakian 2006)

O fenocircmeno de toleracircncia ocorre com frequecircncia para drogas de abuso e diversas formas de toleracircncia podem ocorrer durante o consumo crocircnico de uma droga A toleracircncia varia de acordo com a geneacutetica individual bem como com o grau de exposiccedilatildeo agrave substacircncia Um dos tipos de toleracircncia que pode ocorrer eacute a toleracircncia farmacocineacutetica Nesse caso a toleracircncia resulta de maior eliminaccedilatildeo da substacircncia pelo organismo Esse tipo de toleracircncia estaacute associada ao fenocircmeno de induccedilatildeo de enzimas hepaacuteticas apoacutes o uso repetitivo da droga Quanto maior atividade biotransformadora enzimaacutetica maior eacute a eliminaccedilatildeo da substacircncia e maior dose eacute necessaacuteria para obter o mesmo efeito de antes

Outros tipos de toleracircncia como a toleracircncia farmacodinacircmica (relacionada aos receptores nos quais a substacircncia atua) e toleracircncia funcional (quando o organismo compensa certos efeitos por meio de uma desregulaccedilatildeo endoacutegena) podem tambeacutem participar dos mecanismos de toleracircncia agraves drogas

Poreacutem independentemente do tipo o fenocircmeno de toleracircncia eacute um processo reversiacutevel Ou seja apoacutes um periacuteodo de abstinecircncia a toleracircncia pode ser revertida podendo levar a overdoses acidentais (Golan Tashjian Jr Armstrong amp Armstrong 2012)

Para ilustrar esse processo podemos utilizar como exemplo o caso da cantora Amy Winehouse Amy utilizou grandes quantidades de etanol de forma crocircnica durante sua vida desenvolvendo toleracircncia agrave bebida Por esse motivo conseguia (e sentia necessidade de) consumir uma grande quantia de aacutelcool diariamente Contudo apoacutes cessar o uso da droga por algumas semanas em uma tentativa de se manter ldquolivre do viacuteciordquo seu organismo foi capaz de retornar ao estado basal Assim sua toleracircncia ao aacutelcool diminuiu drasticamente Poreacutem em um episoacutedio de recaiacuteda consumiu a mesma quantidade que estava habituada anteriormente Sem estar tolerante ao etanol

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Amy acabou sofrendo uma superdosagem alcooacutelica que culminou em seu oacutebito (Bacchi 2020)

James Olds Peter Milner e a Descoberta do ldquoCentro de Recompensa Cerebralrdquo

As bases neurobioloacutegicas da dependecircncia quiacutemica tecircm sido alvo de crescente interesse uma vez que o melhor entendimento dos mecanismos cerebrais ligados ao comportamento de dependecircncia tecircm permitido a busca de tratamentos medicamentosos mais eficazes para o comportamento repetitivo da busca pelas substacircncias assim como para a siacutendrome de abstinecircncia (Figlie Bordin amp Laranjeira 2014)

Na metade do seacuteculo XIX algumas teorias sobre motivaccedilatildeo afirmavam que o ldquocomportamento dependenterdquo resultava de instintos subconscientes Essas teorias eram pouco claras e natildeo demonstravam de maneira satisfatoacuteria quais elementos materiais estariam envolvidos na dependecircncia quiacutemica No iniacutecio da deacutecada de 40 contudo uma nova explicaccedilatildeo surgiu abrangendo conceitos de psicologia e psiquiatria Essa teoria chamada de teoria do reforccedilo teve como pioneiro o trabalho realizado por Spragg (1940) no qual apoacutes receberem repetidamente drogas opioides chimpanzeacutes trabalhavam voluntariamente para ter acesso a estas substacircncias contrariando o esperado de seus comportamentos inatos

Essas pesquisas despertaram o interesse da comunidade cientiacutefica pelo tema e em 1954 os pesquisadores James Olds e Peter Milner observaram que ratos com eletrodos introduzidos em regiotildees especiacuteficas do ceacuterebro pressionavam uma barra para receber estiacutemulos eleacutetricos nessas regiotildees Esse comportamento de autoestimulaccedilatildeo chegava a ser tatildeo intenso a ponto de os animais deixarem de se alimentar ou dormir para continuar pressionando a barra Essas e outras observaccedilotildees levaram agrave descoberta de que as regiotildees cerebrais relacionadas ao comportamento de autoestimulaccedilatildeo eram as mesmas regiotildees responsaacuteveis pelo consumo de aacutegua e comida e estariam portanto relacionadas com recompensa e motivaccedilatildeo (Olds amp Milner 1954) Portanto as vias dopamineacutergicas mesoliacutembica e mesocortical estariam envolvidas com a recompensa e seriam provavelmente estimuladas pelas

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drogas de abuso Assim acredita-se que o sistema dopamineacutergico mesocorticoliacutembico desempenhe um papel central nas siacutendromes de dependecircncia (Volkow amp Fowler 2000 Volkow Fowler amp Wang 2003)

Dopamina e a Neurobiologia da Recompensa

Cada droga de abuso possui seu proacuteprio mecanismo de accedilatildeo mas geralmente atuam direta ou indiretamente ativando um mesmo circuito cerebral o sistema dopamineacutergico de recompensa a via final comum de reforccedilo e recompensa no ceacuterebro A via dopamineacutergica mesoliacutembica parte da aacuterea tegmental ventral e projeta-se ao nuacutecleo accumbens um dos principais componentes do estriado que tem sido considerado estrutura fundamental na mediaccedilatildeo de processos motivacionais emocionais e nos efeitos de certas drogas psicoativas Alguns autores consideram portanto que este seja o ldquocentro do prazerrdquo do ceacuterebro (Nestler 2005) Por conta disso a dopamina frequentemente eacute descrita popularmente como sendo ldquoo neurotransmissor do prazerrdquo uma definiccedilatildeo reducionista e imprecisa Eacute mais adequado conforme visto ateacute aqui considerar que a dopamina possui um papel de destaque na recompensa e na motivaccedilatildeo

Haacute diversas maneiras de desencadear ldquonaturalmenterdquo a liberaccedilatildeo de dopamina na via mesoliacutembica Realizar com sucesso tarefas intelectuais ou atleacuteticas degustar uma boa refeiccedilatildeo atingir o orgasmo apaixonar-se ou ateacute mesmo ouvir suas muacutesicas favoritas podem ser alguns desses exemplos As substacircncias que provocam dependecircncia tambeacutem seguem essa loacutegica neurobioloacutegica Contudo elas produzem um grau de disparo dopamineacutergico muito mais intenso do que aquele gerado por substacircncias ou comportamentos mais elementares relativos agrave sobrevivecircncia Esse estiacutemulo mais acentuado provocado por algumas drogas pode levar a alteraccedilotildees no circuito de recompensa conduzindo a um ciclo de busca pela substacircncia fissura dependecircncia e abstinecircncia na retirada da droga (Hyman Malenka amp Nestler 2006)

Ademais a gratificaccedilatildeo experimentada inicialmente quando a droga eacute consumida tende a diminuir com o decorrer do tempo (por mecanismos de toleracircncias farmacocineacutetica e farmacodinacircmica) podendo exigir aumento da dose para obtenccedilatildeo do mesmo efeito e

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intensificando o processo de dependecircncia quiacutemica (Kalivas amp Volkow 2005)

Coloquialmente poderiacuteamos dizer que o ceacuterebro ldquoperceberdquo que natildeo eacute necessaacuterio ganhar essa recompensa naturalmente uma vez que eacute possiacutevel consegui-la de maneira mais intensa e com menor esforccedilo pelo uso de uma substacircncia quiacutemica Natildeo apenas drogas mas comportamentos potencialmente desadaptativos como jogo patoloacutegico uso intenso de internet compras compulsivas entre outros podem tambeacutem levar agrave liberaccedilatildeo de dopamina na via mesoliacutembica de maneira semelhante (Balodis et al 2012)

Com o passar do tempo natildeo apenas a recompensa mas tambeacutem a antecipaccedilatildeo da recompensa associa-se agrave busca da droga ou de situaccedilotildees envolvidas nos transtornos impulsivos-compulsivos Ou seja os neurocircnios dopamineacutergicos deixam de responder apenas ao reforccedilador inicial (como a droga de abuso) e passam a responder ao estiacutemulo condicionado (ver a droga ou as pessoas ou locais que se relacionam ao seu consumo) Isso corresponde neurobiologicamente agrave migraccedilatildeo do aumento de dopamina do nuacutecleo accumbens para o estriado dorsal caracterizando a transiccedilatildeo da impulsividade para a compulsividade (Dalley Everitt amp Robbins 2011 Everitt amp Robbins 2013)

A dopamina estaacute portanto associada agrave motivaccedilatildeo para a busca e consumo de drogas caracteriacutesticas centrais do dependente quiacutemico Assim o indiviacuteduo apresenta foco e motivaccedilatildeo quando busca obter a droga poreacutem demonstra apatia quando envolvido em atividades que natildeo se relacionam com ela A dissonacircncia entre expectativa dos efeitos da droga e os efeitos cada vez mais atenuados da dopamina manteacutem o uso compulsivo da substacircncia como uma tentativa de conquista da recompensa esperada (Melis Spiga amp Diana 2005)

A Forma de Utilizaccedilatildeo e o Risco de Dependecircncia

A velocidade com a qual uma droga atinge seu siacutetio de accedilatildeo pode determinar a intensidade dos efeitos e o grau da experiecircncia subjetiva do indiviacuteduo e portanto tambeacutem contribui para aumentar ou reduzir as chances de uma pessoa se tornar dependente Eacute por isso que muitas das drogas de abuso satildeo injetadas ou inaladas

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sendo consideravelmente mais reforccediladoras assim do que se fossem utilizadas por outras vias como a via oral Sendo assim a maneira mais raacutepida e potente de fazer com que uma substacircncia alcance o sistema nervoso central de maneira simples e natildeo invasiva eacute fumando aquelas que satildeo compatiacuteveis com essa via Por isso o cigarro de tabaco maconha crack metanfetamina entre outras costumam ser utilizadas por essa via levando a descargas faacutesicas (e em grande quantidade) de dopamina (Ferris et al 2012)

Desse modo os efeitos reforccediladores da droga dependem natildeo apenas da presenccedila de dopamina no circuito de recompensa cerebral mas tambeacutem da intensidade da sua liberaccedilatildeo Essa intensidade por sua vez depende intrinsecamente do mecanismo de accedilatildeo de cada droga e tambeacutem eacute determinada pela via de administraccedilatildeo adotada Um aumento abrupto e pronunciado de dopamina mimetiza a liberaccedilatildeo dopamineacutergica faacutesica associada agrave recompensa e motivaccedilatildeo favorecendo a dependecircncia (Lodge amp Grace 2006)

Por outro lado alguns faacutermacos que tambeacutem provocam essa liberaccedilatildeo de dopamina quando administradas por via oral e em baixas doses atuam pouco como reforccediladores e podem ser utilizados no tratamento de alguns transtornos Esse eacute o exemplo do uso da Ritalinareg (metilfenidato) para o tratamento do transtorno do deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividade (TDAH) Isso natildeo extingue a possibilidade de o metilfenidato provocar dependecircncia mas certamente confere a esse faacutermaco um efeito menos reforccedilador que a cocaiacutena ou metanfetamina por exemplo (Volkow 2006 Volkow Fowler Wang Ding amp Gatley 2002)

Nem soacute de Dopamina Vive um Ceacuterebro ldquoDependenterdquo

Ateacute aqui af irmamos que a dopamina eacute o principal neurotransmissor envolvido na motivaccedilatildeo e recompensa Entretanto se diferentes classes de drogas de abuso possuem mecanismos de accedilatildeo distintos podendo provocar diversos tipos de efeitos como todas elas de alguma forma aumentam dopamina

Ainda que o sistema dopamineacutergico mesocorticoliacutembico represente o sistema de recompensa cerebral neurotransmissores

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como serotonina noradrenalina acetilcolina glutamato e o aacutecido gama-aminobutiacuterico (GABA) satildeo tambeacutem responsaacuteveis pela modulaccedilatildeo dos neurocircnios dopamineacutergicos da via mesoliacutembica e estatildeo envolvidos nesse sistema Endorfinas e opioides endoacutegenos bem como endocanabinoacuteides (como anandamida) tambeacutem influenciam esse circuito favorecendo atividade dopamineacutergica (Koob amp Volkow 2010)

Sendo assim diversas substacircncias psicotroacutepicas de uso abusivo possuem a capacidade de mimetizar esses sinalizadores endoacutegenos atuando como agonistas de receptores cerebrais no sistema de recompensa tendo como efeito final a liberaccedilatildeo ldquoartificialrdquo de dopamina Assim o aacutelcool (que reforccedila os efeitos do GABA e opioides) os proacuteprios opioides exoacutegenos (como a morfina) os estimulantes (que aumentam a liberaccedilatildeo e inibem recaptaccedilatildeo da proacutepria dopamina) a maconha (que estimula receptores canabinoacuteides) os benzodiazepiacutenicos (que reforccedilam accedilatildeo do GABA) os alucinoacutegenos (que estimulam receptores serotonineacutergicos) e a nicotina (que mimetiza a accedilatildeo da acetilcolina) satildeo capazes de afetar e desregular o sistema dopamineacutergico mesoliacutembico favorecendo a dependecircncia (Stahl 2013)

A Figura 2 resume essa complexa relaccedilatildeo Neurocircnios dopamineacutergicos projetam-se da aacuterea tegmental ventral para o nuacutecleo accumbens Conforme mencionamos anteriormente o aumento da liberaccedilatildeo de dopamina nessa aacuterea estaacute associado agrave recompensa e motivaccedilatildeo Esses neurocircnios dopamineacutergicos sofrem regulaccedilotildees negativas e positivas por diversos outros neurocircnios (natildeo mostrados na figura) e seus neurotransmissores Faacutermacos estimulantes cocaiacutena metanfetamina aumentam diretamente a disponibilidade sinaacuteptica de dopamina Opioides e drogas sedativas inibem interneurocircnios inibitoacuterios o que leva a uma desinibiccedilatildeo dos neurocircnios dopamineacutergicos enquanto o cigarro e drogas alucinoacutegenas estimulam esses neurocircnios Poreacutem independente do mecanismo de accedilatildeo o resultado final eacute o aumento de dopamina no nuacutecleo accumbens

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica | 173

Nucleo Accumbens

Aacuterea Tegmental Ventral

Interneurocircnio gabaeacutergico

ndash Opioides endoacutegenos e exoacutegenosndash GABA (e Hipnosedativos)ndash Aacutelcool

ndash Acetilcolina (e Nicotina)ndash Serotonina (e Alucinoacutegenos)

DOPAMINA(recompensa) ndash Faacutermacos Estimulantes

ndash Cocaiacutena

Figura 2 A ldquofarmaacuteciardquo cerebral no circuito da recompensa A via dopamineacutergica mesoliacutembica eacute regulada por diversos neurotransmissores As drogas de abuso mimetizam e potencializam a accedilatildeo dessas moleacuteculas favorecendo direta ou indiretamente o aumento de dopamina no nuacutecleo accumbens

Aspectos Comportamentais e Ambientais da Dependecircncia

Resumidamente um comportamento ou resposta tem maior probabilidade de voltar a ocorrer por meio de um processo comportamental chamado reforccedilo Isso acontece tanto quando haacute a inserccedilatildeo de uma estimulaccedilatildeo apetitiva para o sujeito (reforccedilo positivo) que pode vir acompanhada de uma sensaccedilatildeo de prazer ou quando haacute a retirada de uma estimulaccedilatildeo aversiva (reforccedilo negativo) que gera uma sensaccedilatildeo de aliacutevio (Baron amp Galizio 2005)

Um jeito simples de entender esses conceitos eacute imaginar um alimento Por exemplo para uma pessoa que goste muito de chocolate buscar sempre esse alimento que traz para ela uma sensaccedilatildeo prazerosa ateacute mesmo quando ela natildeo estaacute com fome mostra que o doce estaacute atuando como reforccedilo positivo Por outro lado podemos comer uma comida que nem gostamos porque estamos com muita

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fome e este eacute o uacutenico recurso disponiacutevel Nesse caso a comida estaacute aliviando um desconforto (fome) e atuando como reforccedilo negativo

De modo semelhante sabemos que as drogas de abuso aumentam a liberaccedilatildeo de dopamina no nuacutecleo accumbens Dessa forma as pessoas podem utilizar as drogas em busca de uma sensaccedilatildeo de bem-estar e euforia (reforccedilo positivo) ou podem usar drogas para aliviar sensaccedilotildees ruins como ansiedade depressatildeo estados de tristeza ou mesmo para aliviar a siacutendrome de abstinecircncia (reforccedilo negativo) Isso certamente aumenta a chance de a droga ser utilizada novamente

Nos estados de abstinecircncia em geral a pessoa apresenta sintomas opostos aos observados quando estaacute sob o efeito agudo da droga abusada Por exemplo na ausecircncia de benzodiazepiacutenicos - drogas que induzem o sono - o indiviacuteduo pode experienciar um quadro de insocircnia intensa Esses sintomas satildeo acompanhados pela depleccedilatildeo dos niacuteveis de dopamina no nuacutecleo accumbens que estaacute relacionada com o forte desejo de utilizar a droga novamente (fissura) (Schulteis Stinus Risbrough amp Koob 1998)

Fissura - ou craving - eacute definida como um sentimento de desejo urgente e ldquoincontrolaacutevelrdquo de usar a substacircncia com pensamentos intrusivos que alteram o humor do usuaacuterio e provocam sensaccedilotildees fiacutesicas e alteraccedilotildees de seu comportamento Estudos apontam que a fissura estaacute relacionada tanto a desencadeadores externos (por exemplo a proacutepria droga) quanto internos (como ansiedade) (Tiffany Carter amp Singleton 2000)

Quando falamos em abuso e dependecircncia haacute vaacuterios indiacutecios que estiacutemulos ambientais possam influenciar no risco de utilizar droga (condicionamento ao ambiente) Um animal de estimaccedilatildeo que ouccedila ou veja seu dono pegando a vasilha da raccedilatildeo costuma se agitar e correr em direccedilatildeo ao local antecipando a recompensa Podemos considerar que com as drogas de abuso algo semelhante aconteccedila a visatildeo do local no qual o usuaacuterio costumava utilizar a droga por exemplo pode ser suficiente para desencadear a vontade de usaacute-la novamente uma vez que ocorre a associaccedilatildeo entre o ambiente e o efeito da droga (Rehman Mahabadi amp Rehman 2019)

Haacute relatos por exemplo de que a cantora e compositora Janis Joplin estava haacute algum tempo sem consumir heroiacutena buscando a

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abstinecircncia completa quando reencontrou uma amiga com a qual utilizava a droga no passado juntamente com seu antigo fornecedor Isso foi suficiente para que ela tivesse uma recaiacuteda que a levou a uma overdose fatal (Bacchi 2020)

O papel do estresse na dependecircncia tambeacutem demonstra a importacircncia do ambiente para o abuso de drogas Natildeo eacute raro observarmos o comportamento de pessoas abusando de bebidas alcooacutelicas para relaxar e aliviar o estresse Certamente parte desse comportamento eacute socialmente aprendido enquanto outra parte se relaciona com as propriedades ansioliacuteticas do aacutelcool

Contudo eacute necessaacuterio frisar que nem sempre as condiccedilotildees ambientais favorecem o consumo de drogas Viver em um ambiente rico em estiacutemulos positivos com maior interaccedilatildeo social com acesso a mais recursos eou com estresse diminuiacutedo pode na verdade reduzir a autoadministraccedilatildeo de drogas (Alexander Beyerstein Hadaway amp Coambs 1981)

Geneacutetica e Dependecircncia Quiacutemica

Eacute certo que fatores geneacuteticos desempenham importante papel na dependecircncia quiacutemica Estudos epidemioloacutegicos mostram que a dependecircncia ao aacutelcool por exemplo possui um forte componente familiar com parte dessa influecircncia relacionada a caracteriacutesticas herdadas por meio de genes Essa maior vulnerabilidade geneacutetica natildeo implica necessariamente em uma dependecircncia futura mas sim no aumento do risco para dependecircncia somado aos outros fatores abordados neste capiacutetulo Nesse contexto estima-se que fatores geneacuteticos possam contribuir com em meacutedia 40 dos transtornos por abuso de substacircncias variando valores de acordo com o sexo e com a substacircncia utilizada (Swendsen amp Le Moal 2011)

Existem genes identificados que potencializam alteraccedilotildees metaboacutelicas em resposta a substacircncias especiacuteficas (facilitando ou dificultando sua toleracircncia por exemplo) e genes que influenciam diretamente a funccedilatildeo do sistema de recompensa cerebral (Agrawal et al 2012) Sobre estes uacuteltimos indiviacuteduos podem apresentar predisposiccedilotildees geneacuteticas que aumentem a chance de provocar um mau funcionamento da via mesoliacutembica de recompensa - por

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reduccedilatildeo na expressatildeo de receptores de dopamina - resultando em um estado ldquohipodopamineacutergicordquo que facilita a dependecircncia compulsatildeo e impulsividade Assim pesquisadores cunharam o termo ldquoSiacutendrome da deficiecircncia de recompensardquo para representar esse desbalanccedilo neuroquiacutemico geneacutetico (Blum et al 1990 Blum et al 2012) Contudo esse tipo de influecircncia geneacutetica provavelmente natildeo se restringe apenas a genes especiacuteficos do circuito de recompensa mas tambeacutem se estende interaccedilotildees entre muacuteltiplos genes e em diferentes vias bioloacutegicas (Lobo amp Kennedy 2006)

Sendo assim a personalizaccedilatildeo de intervenccedilotildees terapecircuticas com base na geneacutetica individual tem deixado de ser algo ldquofuturistardquo para se tornar realidade em diversas especialidades meacutedicas e isso natildeo exclui os tratamentos na aacuterea de sauacutede mental (Malhotra Zhang amp Lencz 2012)

Bases do Tratamento da Dependecircncia Quiacutemica

O tratamento da dependecircncia eacute algo ainda muito incipiente considerando que foi soacute a partir do seacuteculo XXI que comeccedilamos a ter um entendimento mais soacutelido sobre a neurobiologia da dependecircncia (Oliveira Schwartz amp Stahl 2015)

Tendo em vista o que foi exposto neste capiacutetulo seria razoaacutevel imaginar que pacientes que sofram de dependecircncia quiacutemica possam se beneficiar de intervenccedilotildees farmacoloacutegicas e psicoteraacutepicas Contudo tratamentos baseados em evidecircncias com esse objetivo ainda estatildeo comeccedilando a surgir

O tratamento da dependecircncia quiacutemica se divide atualmente entre as abordagens farmacoloacutegicas e as psicossociais A maior parte dos autores e dos estudos sugere que a administraccedilatildeo isolada de faacutermacos natildeo deve ser o tratamento definitivo nos casos de dependecircncia sendo geralmente recomendada em conjunto com as abordagens psicossociais (Oliveira et al 2015)

Dentre as abordagens farmacoloacutegicas temos a divisatildeo entre terapias de substituiccedilatildeo e as terapias de natildeo substituiccedilatildeo A terapia de substituiccedilatildeo envolve o uso de um medicamento da mesma classemecanismo da droga que era utilizada em sua substituiccedilatildeo Por exemplo eacute possiacutevel substituir a heroiacutena (uma droga opioide injetaacutevel

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de meia-vida curta) pela metadona (um medicamento opioide via oral com longa meia-vida) Essa troca auxilia a aliviar os sintomas de abstinecircncia e promove reduccedilatildeo de danos pois o paciente natildeo utilizaraacute a via injetaacutevel (com o risco de contaminaccedilatildeo por compartilhamento de seringas) nem estaraacute exposto a picos plasmaacuteticos muito intensos e de curta duraccedilatildeo que favorecem o consumo compulsivo da heroiacutena Posteriormente trabalha-se a substituiccedilatildeo da metadona por um opioide de accedilatildeo parcial como buprenorfina e por fim a abstinecircncia O uso de adesivos ou gomas de nicotina no tratamento do tabagismo segue uma loacutegica semelhante

Jaacute as terapias de natildeo substituiccedilatildeo envolvem o tratamento dos sintomas de abstinecircncia No mesmo exemplo da dependecircncia por heroiacutena pode-se usar clonidina para controlar o aumento da pressatildeo arterial benzodiazepiacutenicos para reduzir ansiedade e insocircnia analgeacutesicos para dor etc (Golan et al 2012)

A dependecircncia por cada droga especiacutefica teraacute um conjunto de ferramentas farmacoloacutegicas mais indicado para ser utilizado Contudo aleacutem da dependecircncia por heroiacutena citada anteriormente os tratamentos farmacoloacutegicos mais bem estabelecidos e com base em evidecircncia se restringem agrave dependecircncia por etanol e nicotina

Na dependecircncia por aacutelcool utiliza-se aleacutem do tratamento sintomaacutetico principalmente

bull Dissulfiram um faacutermaco que impede que um produto toacutexico da biotransformaccedilatildeo do etanol (o acetaldeiacutedo) seja corretamente eliminado fazendo com o que o paciente sinta naacuteusea e outros sintomas desconfortaacuteveis durante o consumo de aacutelcool

bull Naltrexona antagonista opioide utilizado para evitar recaiacuteda por dependentes de heroiacutena ou aacutelcool jaacute desintoxicados

bull Acamprosato um faacutermaco com accedilatildeo semelhante ao aacutelcool nos receptores de GABA e glutamato Funciona como um ldquoaacutelcool falsordquo que visa aliviar os sintomas de abstinecircncia

Assim como nas demais dependecircncias os tratamentos farmacoloacutegicos na dependecircncia do etanol satildeo mais efetivos quando integrados com a psicoterapia (Anton et al 2006 De Witte Littleton Parot amp Koob 2005 Roozen et al 2006)

O tratamento da dependecircncia por nicotina tambeacutem eacute complexo em especial pelo seu alto poder de adicccedilatildeo Mesmo interrompido o uso do cigarro a duraccedilatildeo da ldquonecessidadevontade de fumarrdquo

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pode ser muito longa chegando a durar anos Os tratamentos farmacoloacutegicos especiacuteficos aprovados no contexto da dependecircncia agrave nicotina envolvem

bull Nicotina na forma de adesivos gomas ou pastilhas substituiccedilatildeo da nicotina fumada pelo cigarro de maneira mais controlada de modo a tentar reduzir a fissura e abstinecircncia (Stahl 2013)

bull Bupropiona faacutermaco antidepressivo que aumenta levemente a biodisponibilidade de dopamina ldquosuprindordquo parcialmente a necessidade dopamineacutergica do circuito de recompensa que estaacute hipoativo apoacutes a cessaccedilatildeo do tabagismo (Culbertson et al 2011)

bull Vareniclina substitui parcialmente a accedilatildeo da nicotina ao mesmo tempo estimulando de modo mais brando o circuito de recompensa (aliviando a fissura) e impedindo a accedilatildeo da nicotina fumada (reduzindo o reforccedilo associado ao uso da droga) (Crunelle Miller Booij amp van den Brink 2010)

Para drogas estimulantes como cocaiacutena crack e metanfetamina natildeo haacute tratamento farmacoloacutegico especiacutefico aprovado Por um raciociacutenio bioloacutegico e anaacutelogo ao dos tratamentos citados anteriormente substituiccedilatildeo por bupropiona d-anfetamina e modafinil foram cogitadas sem conclusotildees significativas (Castells et al 2010) Antidepressivos tambeacutem foram estudados com melhor resposta para os antidepressivos triciacuteclicos (Pani Trogu Vecchi amp Amato 2011) Uma vez que os estudos conduzidos ateacute agora natildeo satildeo suficientes para apoiar o uso desses faacutermacos enquanto protocolo oficial o tratamento farmacoloacutegico das dependecircncias por drogas estimulantes se restringe ao controle dos sintomas de abstinecircncia

Os tratamentos psicossociais constituem parte importantiacutessima no manejo dos transtornos por uso de substacircncias psicoativas Haacute diversas abordagens possiacuteveis que podem ter melhor desempenho dependendo da substacircncia e das necessidades particulares do paciente e podem ser aplicadas tanto no contexto individual quanto em grupo A Terapia Cognitivo-Comportamental e a Anaacutelise do Comportamento parecem ser abordagens funcionais para a grande maioria dos transtornos por abuso de substacircncia enquanto a Entrevista Motivacional tem demonstrado eficaacutecia para dependecircncia ao aacutelcool nicotina e THC (Cannabis) O programa de 12 passos tem sido tradicionalmente utilizado com maior sucesso nas dependecircncias de aacutelcool opioides e drogas estimulantes enquanto a terapia familiar parece exercer um impacto significativo na adesatildeo ao tratamento farmacoloacutegico nas dependecircncias por aacutelcool e opioides (Stahl amp Grady 2016)

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica | 179

Em linhas nota-se que frequentemente o melhor tratamento psicoteraacutepico para as dependecircncias depende mais do psicoterapeuta em si do que da abordagem ou teacutecnica especiacutefica adotada Talvez isso ajude a explicar o motivo de os ldquoProgramas de 12 passosrdquo serem tatildeo populares enquanto modalidade de tratamento das dependecircncias uma vez que satildeo administrados muitas vezes por pessoas que se recuperaram e que de fato se importam com essa experiecircncia em contraste com o julgamento e preconceito que ainda podem permear a praacutetica de alguns profissionais

Consideraccedilotildees Finais

O conhecimento soacutelido sobre as bases neurobioloacutegicas envolvidas na dependecircncia bem como sua integraccedilatildeo com aspectos psicoloacutegicos comportamentais e geneacuteticos eacute de fundamental importacircncia para o desenvolvimento e adoccedilatildeo de estrateacutegias preventivas e terapecircuticas para os transtornos relacionados ao uso de substacircncias

A maioria dos aspectos neurobioloacutegicos das dependecircncias podem resultar da desregulaccedilatildeo de mecanismos moleculares relacionados agrave recompensa motivaccedilatildeo e memoacuteria e nesse contexto alguns faacutermacos tecircm sido utilizados para auxiliar a ldquocorrigirrdquo esse desbalanccedilo e aliviar crises de abstinecircncia Jaacute os comportamentos relacionados a essa desregulaccedilatildeo podem ser suprimidos por mecanismos de controle que requerem a accedilatildeo do coacutertex preacute-frontal e que podem ser exercitados treinados e desenvolvidos por meio de teacutecnicas de tratamento psicoteraacutepico (Anton et al 2006)

Todavia mesmo com o uso dessas ferramentas recaiacutedas ocorrem Portanto aleacutem dos avanccedilos na aacuterea psicofarmacoloacutegica e psicoteraacutepica eacute provaacutevel que o maior esclarecimento do papel da expressatildeo gecircnica na dependecircncia quiacutemica possa trazer novas abordagens como avanccedilos na farmacogeneacutetica para o tratamento e prevenccedilatildeo desse complexo fenocircmeno (Maze amp Nestler 2011)

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Dor Aguda e Dor Crocircnica

Mauro LeonelliUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A dor eacute uma das queixas mais comuns entre os pacientes que buscam atendimento meacutedico O sofrimento que a dor causa ao paciente pode levar a alteraccedilotildees do comportamento do humor e da regulaccedilatildeo de funccedilotildees dos sistemas cardiacuteaco circulatoacuterio e endoacutecrino entre outros A dor tambeacutem tem potencial de gerar alteraccedilotildees na maneira que o indiviacuteduo cuida de si proacuteprio como ele se relaciona com outras pessoas e tambeacutem na sua capacidade de trabalho Nesse sentido a dor eacute uma das principais causas de afastamento do trabalho aleacutem de gerar gastos consideraacuteveis para o seu controle

Neste capiacutetulo nossos objetivos incluembull A compreensatildeo da dor e dos processos que podem levar a sua

cronificaccedilatildeo

bull Os mecanismos baacutesicos para o desenvolvimento das dores agudas e crocircnicas

bull As aacutereas do enceacutefalo que satildeo importantes para a percepccedilatildeo da dor

bull A importacircncia que a dor pode ter quando ocorre em concordacircncia com algum estiacutemulo lesivo ou potencialmente lesivo

Desenvolvimento

O que eacute a Dor e Por Que a Sentimos

A dor eacute um dos toacutepicos da fisiologia do sistema nervoso que mais desperta interesse das pessoas ao longo dos seacuteculos uma vez que eacute a modalidade sensorial que tem inerentemente grande capacidade de direcionar a atenccedilatildeo do indiviacuteduo para ela proacutepria

Autor para correspondecircncia

mauroleonelliuelbr

Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas

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Km 380 Caixa Postal 10011 -

CEP 86057-970 - Londrina-PR

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Uma busca simples pelo termo ldquopainrdquo em uma ferramenta online como o pubmedgov identifica quase oitocentos mil artigos cientiacuteficos catalogados naquela base de dados (acesso em 12 agosto de 2019) o que indica o enorme esforccedilo cientiacutefico despendido para seu estudo Resumidamente a dor surge como expressatildeo da atividade neuronal que informa ao nosso ceacuterebro que algo estaacute errado em nosso corpo seja uma lesatildeo verdadeira ou mesmo alguma alteraccedilatildeo da atividade neuronal que interfere na sinalizaccedilatildeo das vias sensoriais da dor A dor eacute portanto muito mais do que apenas um sinal sensorial que gera uma percepccedilatildeo definida e analisaacutevel de forma objetiva Ao se expressar como percepccedilatildeo gera tambeacutem alteraccedilotildees emocionais e neurovegetativas (Craig 2003) de forma que nosso sistema nervoso seja capaz de identificar o possiacutevel local de origem do estiacutemulo doloroso e paralelamente iniciar a atividade de outras regiotildees do enceacutefalo que permitem o alerta por ativar circuitos que aumentam a atividade neuronal basal de aacutereas essenciais do sistema nervoso de forma que nossos outros sentidos tambeacutem fiquem mais sensiacuteveis a estiacutemulos e nossas respostas motoras mais raacutepidas e vigorosas a programaccedilatildeo motora para proteger a aacuterea supostamente lesionada a aversatildeo um estado emocional subjetivo que nos informa de que algo estaacute errado com o nosso organismo as respostas neurovegetativas que incluem a modulaccedilatildeo do sistema nervoso simpaacutetico e liberaccedilatildeo de hormocircnios ligados a situaccedilotildees de estresse como aqueles estimulados pelo eixo hipotalacircmico-hipofisaacuterio-adrenal e o aprendizado seja para evitar no futuro o que causou a dor ou para amplificar ou controlar as outras respostas geradas pela dor

Definiccedilotildees de Dor

Definir a dor natildeo eacute algo trivial Sabemos que se perguntarmos a uma pessoa sobre um som puro ela daraacute informaccedilotildees como a intensidade se eacute agudo ou grave e talvez sobre o timbre Se o som for muito grave provavelmente vai dizer que o som eacute soturno ou triste e se for muito agudo sentiraacute incocircmodo e se queixaraacute que o som eacute irritante Se perguntarmos sobre a cor azul talvez usaraacute o frio como referecircncia para expor a emoccedilatildeo que a lembranccedila da percepccedilatildeo daquela cor gera Assim os diversos sentidos podem gerar

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percepccedilotildees bem definidas e de relativa facilidade de se reproduzir em outros indiviacuteduos (um objeto com temperatura a zero grau Celsius seraacute sentido como frio pela grande maioria das pessoas se natildeo por todas) mas podem gerar tambeacutem respostas mais complexas que dependem do momento em que o estiacutemulo estaacute sendo realizado do grau de alerta do indiviacuteduo do seu estado emocional e das memoacuterias e associaccedilotildees que obteve com suas experiecircncias de vida

A dor tambeacutem envolve desde respostas relativamente simples como reflexos motores a outras muito elaboradas como identificaccedilatildeo do local do estiacutemulo intensidade duraccedilatildeo e grau de sofrimento que gera aleacutem de alteraccedilotildees comportamentais e neurovegetativas que podem ser severas dentre outras caracteriacutesticas e assim carece de definiccedilatildeo ampla Segundo a Associaccedilatildeo Internacional para o Estudo da Dor (IASP - International association for the study of pain) a dor pode ser definida como ldquouma experiecircncia sensorial e emocional desagradaacutevel associada a lesatildeo tecidual verdadeira ou potencial ou descrita com os mesmos termos de tal lesatildeordquoa (Bonica 1979) Por essa definiccedilatildeo nota-se que eacute esperado que a dor por si inclua a alteraccedilatildeo emocional do paciente e como tal tem alto potencial de gerar alteraccedilotildees neurovegetativas mesmo que o paciente as negue ou mesmo que mascare as alteraccedilotildees comportamentais que seriam esperadas pelo quadro Assim mesmo que o paciente natildeo se queixe da dor que sente eacute de se esperar que seu estado emocional e consequentemente suas funccedilotildees neurovegetativas sejam condizentes com uma situaccedilatildeo de estresse seja ele agudo ou crocircnico (exemplos em Nordin amp Fagius 1995 Hannibal amp Bishop 2014) Pela mesma definiccedilatildeo o estabelecimento da dor e de suas respostas precede em importacircncia a sua causa por um aspecto a necessidade primordial de se reconhecer a dor

A dor pode estar associada a lesatildeo de tecidos do organismo ou mesmo a situaccedilotildees de lesatildeo potencial como por exemplo quando comprimimos a matildeo com forccedila e temos dor enquanto a compressatildeo permanece mas cessa assim que a compressatildeo tambeacutem eacute reduzida Adicionalmente um paciente pode ter dor mesmo na ausecircncia de

a Traduccedilatildeo livre da definiccedilatildeo da IASP para dor ldquoan unpleasant sensory and emotional experience associated with actual or potential tissue damage or described in terms of such damagerdquo Disponiacutevel em httpswwwiasp-painorg Acesso em 1 ago 2019

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causas mais comuns que causariam a dor como eacute observado nas dores neuropaacuteticas Nesse caso a dor eacute gerada por mecanismos que afetam o funcionamento das vias de transmissatildeo e processamento da dor como regiotildees de nervos ou locais de transmissatildeo entre neurocircnios de nuacutecleos cerebrais de controle da dor e dessa forma o paciente se queixa da dor mesmo que uma lesatildeo natildeo exista ou seja o paciente descreve a dor e tem a sensaccedilatildeo de que uma lesatildeo existe mas aparentemente eacute o sistema nervoso do paciente que interpreta de forma atiacutepica os sinais que recebe De qualquer forma a pessoa sente a dor e sofre com ela devendo ter acesso a tratamento adequado assim como a pessoa que tem uma lesatildeo verdadeira e a dor resultante dela

Dessa forma fica claro que a definiccedilatildeo da dor inclui fatores objetivos e outros subjetivos e ambos satildeo essenciais para que natildeo haja exclusatildeo de casos em que a expressatildeo dor seja encontrada em um paciente que a expresse de forma atiacutepica Outros autores tentam estabelecer definiccedilotildees mais abrangentes para a dor Por exemplo segundo Cohen et al (2018) ldquoa dor eacute uma experiecircncia somaacutetica mutuamente reconheciacutevel que reflete a apreensatildeo de uma pessoa de ameaccedila agrave sua integridade fiacutesica ou existencialrdquob Por essa definiccedilatildeo o caraacuteter emocional da dor eacute ainda mais valorizado bem como a capacidade que a dor tem de funcionar como linguagem Pelos sinais que gera em um indiviacuteduo a dor pode ser reconhecida entre membros da mesma espeacutecie ou mesmo de espeacutecies diferentes e assim pode ser capaz de alterar o comportamento natildeo soacute daquele indiviacuteduo que a sofre como de algum observador gerando respostas sociais adaptativas

Essas respostas sociais causadas pela dor incluem aquilo que chamamos de empatia que eacute a resposta que um indiviacuteduo pode ter ao observar nesse caso o sofrimento do outro Essas respostas satildeo comuns em humanos mesmo naqueles que nascem sem a capacidade para sentir dor Aparentemente a incapacidade de sentir dor natildeo impede que a pessoa entenda o sofrimento (Danziger et al 2009) que faz parte das alteraccedilotildees causadas pela dor mas natildeo eacute exclusiva a ela (Chen 2018) Jaacute foi demonstrado inclusive que animais expressam empatia pelo sofrimento de outros da mesma

b Traduccedilatildeo livre de ldquoPain is a mutually recognizable somatic experience that reflects a personrsquos apprehension of threat to their bodily or existential integrityrdquo (Cohen et al 2018)

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espeacutecie dessa forma reagindo ao perceber que um semelhante estaacute em sofrimento e mesmo libertando-o de situaccedilotildees estressantes (Ben-Ami Bartal et al 2011)

Quando comparamos a dor com outras modalidades sensoriais percebemos enormes diferenccedilas com relaccedilatildeo agraves respostas que os estiacutemulos de dor podem gerar nas pessoas Possivelmente se um colega tocar na palma da sua matildeo com uma bola de algodatildeo vocecirc perceberaacute o estiacutemulo localizado sua textura e forccedila de compressatildeo sobre a matildeo Caso quem te faccedila o estiacutemulo seja uma pessoa que vocecirc natildeo tem ligaccedilatildeo afetiva possivelmente nenhuma emoccedilatildeo te ocorreraacute durante o estiacutemulo Se esse estiacutemulo ocorrer de forma constante provavelmente vocecirc natildeo o perceberaacute apoacutes alguns segundos pois por vaacuterios mecanismos moleculares locais ou mesmo por outros mais complexos processados pelo seu sistema nervoso central ele perde sua relevacircncia ao natildeo variar com o tempo Jaacute um estiacutemulo doloroso pode ativar maior nuacutemero de aacutereas do seu sistema nervoso central e assim geralmente eacute um estiacutemulo de maior relevacircncia funcional para seu enceacutefalo A dor pelos circuitos que ativa em uma resposta padratildeo a uma lesatildeo tem maior capacidade de gerar respostas mais abrangentes intensas e de difiacutecil adaptaccedilatildeo

Parte dos circuitos neuronais envolvidos na percepccedilatildeo da dor satildeo organizados de forma que sua atividade tambeacutem eacute capaz de gerar as respostas a dor ou de recrutar outras aacutereas do enceacutefalo para tanto sendo que grande parte dessas respostas satildeo essenciais para a proteccedilatildeo do organismo exatamente contra as possiacuteveis causas da dor Por exemplo as estruturas encefaacutelicas responsaacuteveis pela cogniccedilatildeo ou seja pela aquisiccedilatildeo processamento estoque e geraccedilatildeo de respostas pelo sistema nervoso central em parte tambeacutem satildeo utilizadas pelos sistemas que permitem a percepccedilatildeo e resposta agrave dor (Lawlor 2002) A dor em si eacute um processo cognitivo uma vez que eacute utilizada como forma de avaliaccedilatildeo das condiccedilotildees do organismo Diversas regiotildees encefaacutelicas que sabidamente satildeo importantes para a percepccedilatildeo possuem outras funccedilotildees em outros processos cognitivos assim tanto a dor eacute capaz de alterar as funccedilotildees cognitivas do indiviacuteduo como tambeacutem o proacuteprio indiviacuteduo e seu estado mental em determinado momento tem a possibilidade de modular a percepccedilatildeo da dor conscientemente (Moriarty et al 2011) Esses conceitos satildeo coerentes com a visatildeo atual de que a dor assim como outros sistemas natildeo

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depende exclusivamente de uma aacuterea encefaacutelica para sua expressatildeo embora vaacuterias sejam essenciais para que a dor se expresse de forma completa em um indiviacuteduo Assim o funcionamento coordenado de diversas regiotildees encefaacutelicas inicialmente codificados geneticamente e posteriormente adaptados pelas experiecircncias do indiviacuteduo (Melzack 1990) parece ser o substrato de toda a plecirciade de respostas observadas pela dor ao contraacuterio da visatildeo mais claacutessica de circuitos bem isolados para cada sistema

A memoacuteria da Dor natildeo eacute Apenas Dor

Com as deacutecadas e o avanccedilo dos estudos sobre dor fica cada vez mais difiacutecil de ela ser comparada diretamente com outros sistemas sensoriais Para exemplificar a evocaccedilatildeo da memoacuteria da dor vamos utilizar como exemplos estiacutemulos no sistema auditivo e nos sistemas da olfaccedilatildeo e paladar Se lembrarmos de uma muacutesica que nos cause emoccedilatildeo podemos lembrar-nos dos acordes da letra e podemos nos emocionar inclusive como se a estiveacutessemos ouvindo no momento Podemos lembrar-nos da casa da nossa matildee que possuiacutea um cheiro caracteriacutestico do ambiente daquele prato preferido que vocecirc devorava haacute anos o que poderaacute despertar inclusive alteraccedilotildees emocionais incluindo as parassimpaacuteticas se for o caso Mas vocecirc natildeo se lembraraacute do sabor de forma exata e teraacute de provar novamente para ter a mesma sensaccedilatildeo o que provavelmente seraacute muito mais intenso que a simples evocaccedilatildeo da memoacuteria

As respostas emocionais e neurovegetativas da recordaccedilatildeo da dor natildeo necessariamente teratildeo valecircncia negativa apenas por estarem associadas agrave dor Em trageacutedias acidentes tratamentos meacutedicos natildeo-eletivos e outras situaccedilotildees claramente negativas a memoacuteria da dor resultaraacute em uma recordaccedilatildeo negativa pelo paciente (Williams e Baird 2016) Por outro lado eacute sugerido que a experiecircncia da dor em mulheres durante o parto por exemplo uma situaccedilatildeo associada agrave maternidade e a todos os valores positivos que esse momento pode ser capaz de gerar pode alterar o modo como a experiecircncia da dor eacute memorizada de forma que parece haver reduccedilatildeo da valecircncia negativa da experiecircncia da dor nesse processo (Babel et al 2015)

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A pessoa ao recordar a dor natildeo se lembra apenas dos seus aspectos fiacutesicos mas dos psicoloacutegicos e daqueles referentes ao local condiccedilatildeo e fatores que a levaram a sentir dor de forma que esses fatores em conjunto e natildeo a percepccedilatildeo dolorosa isolada eacute que levam agrave recriaccedilatildeo do contexto e da recordaccedilatildeo do sofrimento Isso ocorre pois o que uma pessoa sente quando estaacute com alguma dor natildeo eacute reflexo da ativaccedilatildeo de uma regiatildeo do ceacuterebro apenas mas da ativaccedilatildeo de uma sequecircncia coordenada de regiotildees do enceacutefalo que acabam por gerar a percepccedilatildeo da dor e de seus contextos cognitivos emocionais e neurovegetativos ao mesmo tempo e grande parte da interpretaccedilatildeo ocorre de forma paralela e interdependente (Becker et al 2019)

Em consequecircncia para as situaccedilotildees mais amenas a que estamos expostos na vida e mesmo para as mais graves poreacutem evitaacuteveis pela voliccedilatildeo a memoacuteria associada a um evento doloroso pode ser fisiologicamente didaacutetica na medida em que pode gerar mudanccedilas de comportamentos por meio do aprendizado a fim de que o indiviacuteduo natildeo se exponha a situaccedilotildees que causem dor no futuro Adicionalmente esses fatores aumentam o leque de possibilidades para a terapecircutica aplicada agrave analgesia uma vez que se mais regiotildees estatildeo envolvidas na geraccedilatildeo dos aspectos negativos da dor maior nuacutemero de mecanismos moleculares pode se tornar alvos farmacoloacutegicos para seu tratamento direto e de suas consequecircncias sobre o comportamento do indiviacuteduo com dor (Alvarado et al 2015)

O Processamento da Dor se Inicia como a Detecccedilatildeo de Padrotildees Potencialmente Associados a Lesotildees

Como todo sistema sensorial a dor eacute organizada de forma que o estiacutemulo inicial eacute inicialmente detectado por ceacutelulas especializadas e haacute a propagaccedilatildeo da informaccedilatildeo sensorial detectada por neurocircnios que projetam para outros neurocircnios de regiotildees especiacuteficas do sistema nervoso central que vatildeo gerar a percepccedilatildeo e respostas associadas ao estiacutemulo Os receptores que detectam a dor satildeo chamados de nociceptores Satildeo neurocircnios especializados em detectar estiacutemulos potencialmente nocivos As fibras dessas ceacutelulas natildeo formam oacutergatildeos especializados e assim as terminaccedilotildees nervosas livres desses

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neurocircnios se localizam na pele e em tecidos profundos do organismo Interessantemente o sistema nervoso central eacute desprovido de nociceptores Qualquer dor associada aos processos inflamatoacuterios infecciosos traumaacuteticos ou de tumores no sistema nervoso central se daacute pela ativaccedilatildeo de nociceptores nas membranas que revestem esse tecido nos vasos sanguiacuteneos ou por lesotildees causadas em nuacutecleos de processamento da dor

Nociceptores satildeo associados a dois tipos de fibras nervosas Os nociceptores que possuem mielina satildeo ceacutelulas mais raacutepidas chamadas de fibras A-delta enquanto as fibras mais lentas que natildeo possuem mielina satildeo as fibras do tipo C Essas fibras respondem a diferentes estiacutemulos e satildeo classificadas de acordo com os estiacutemulos que as ativam Os nociceptores do tipo A-delta ativados por temperatura acima de 43ordmC e abaixo de 5ordmC satildeo os nociceptores teacutermicos enquanto os nociceptores mecacircnicos satildeo aqueles ativados por estiacutemulos mecacircnicos como a pressatildeo intensa Os receptores polimodais satildeo fibras do tipo C ativadas por fortes estiacutemulos mecacircnicos pelo frio e calor intensos ou por estiacutemulos quiacutemicos como a queda do pH extracelular O quarto tipo satildeo os nociceptores silenciosos que satildeo encontrados em viacutesceras e natildeo satildeo normalmente ativados Sua ativaccedilatildeo eacute mais proeminente quando haacute um processo inflamatoacuterio ou liberaccedilatildeo de agentes quiacutemicos (Bell 2018)

A dor que temos quando um nociceptor eacute ativado por um estiacutemulo como os citados anteriormente eacute chamada de dor nociceptiva pois necessariamente haacute a ativaccedilatildeo de fibras nervosas perifeacutericas para a sua deflagraccedilatildeo Esse tipo de dor geralmente perdura enquanto o estiacutemulo inicial continua ativando o nociceptor e cessa assim que o estiacutemulo for removido Quando um nociceptor teacutermico eacute exposto a uma temperatura acima de 43ordmC por exemplo quando vocecirc aquece demais a aacutegua do chuveiro e verifica com a matildeo se estaacute quente demais uma classe de moleacuteculas da superfiacutecie dessa fibra eacute ativada Satildeo proteiacutenas que formam canais que permitem a passagem de caacutetions pela membrana celular os canais do tipo TRPV1 Essas proteiacutenas satildeo ativadas por temperatura alta (gt43ordm) e sua ativaccedilatildeo excita os nociceptores que disparam potenciais eleacutetricos que percorrem toda a fibra sensorial em direccedilatildeo ao sistema nervoso central Os canais TRPV1 tambeacutem podem ser ativados pelo pH aacutecido tiacutepico de tecidos inflamados (Caterina et al 1997) Assim cada moleacutecula desencadeadora de estiacutemulos nos nociceptores

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funciona como batedores que satildeo capazes de gerar a ativaccedilatildeo dos nociceptores a diversos estiacutemulos associados a lesatildeo celular real ou potencial A importacircncia dessas proteiacutenas eacute tatildeo grande que mutaccedilotildees em uma delas um canal para soacutedio chamado Nav17 pode fazer com que os nociceptores simplesmente natildeo respondam a estiacutemulos e que o indiviacuteduo natildeo sinta dor (Cox et al 2006) O potaacutessio extracelular elevado pode levar a ativaccedilatildeo dos dois tipos de nociceptores A loacutegica por traacutes desse processo eacute que o aumento de potaacutessio extracelular ocasionado por exemplo pela lesatildeo e morte de ceacutelulas altera a dinacircmica do fluxo de iacuteons atraveacutes da membrana dos nociceptores reduzindo o escape natural de potaacutessio que ocorreria nos nociceptores dessa forma ativando essa ceacutelula mais facilmente

O processo inflamatoacuterio tambeacutem produz substacircncias que podem ativar e amplificar a resposta dos nociceptores o que chamamos de dor inflamatoacuteria ou dor com componente inflamatoacuterio Nesse caso a intensidade de ativaccedilatildeo do nociceptor seraacute maior mesmo para um estiacutemulo que anteriormente era inoacutecuo Por exemplo se sairmos pela manhatilde com um sapato novo provavelmente ele natildeo incomodaraacute muito mas se com o passar do dia for gerada uma inflamaccedilatildeo no calcanhar o mesmo toque do sapato que antes natildeo causara nenhuma sensaccedilatildeo ruim agora causaraacute dor pois o tecido estaacute inflamado Essa condiccedilatildeo eacute chamada de hiperalgesia O processo inflamatoacuterio recruta ceacutelulas que produzem localmente substacircncias como prostaglandinas leucotrienos ATP bradicinina serotonina histamina entre outras que aumentam a sensibilidade dos nociceptores ao atuar direta ou indiretamente em canais iocircnicos como o TRPV1 e outras moleacuteculas de sinalizaccedilatildeo celular Vaacuterias dessas moleacuteculas satildeo derivadas do aacutecido araquidocircnico e tem a sua produccedilatildeo reduzida por anti-inflamatoacuterios o que justifica sua utilizaccedilatildeo no tratamento desse tipo de dor A ativaccedilatildeo repetida dos nociceptores tambeacutem acarreta uma maior eficiecircncia na sinapse entre nociceptores e neurocircnios de segunda ordem de forma que esse evento plaacutestico tambeacutem resulta em aumento da sensibilidade das vias de transmissatildeo da dor (Costigan et al 2009)

Circuitos Neuronais para a Dor

As vias de transmissatildeo de dor em direccedilatildeo ao enceacutefalo satildeo rotas formadas por neurocircnios que levam informaccedilatildeo da medula espinhal

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em direccedilatildeo a centros de processamento da informaccedilatildeo Uma dessas vias eacute o trato espinotalacircmico cujas fibras de neurocircnios de segunda ordem chegam ao taacutelamo fazendo nova sinapse com neurocircnios que iratildeo projetar para regiotildees do coacutertex cerebral A ativaccedilatildeo desse trato naturalmente ou experimentalmente pode levar o paciente a sentir dor Ainda em alguns casos de dor crocircnica esse trato pode ser excisado cirurgicamente na tentativa de reduccedilatildeo do quadro algeacutesico (Romanelli et al 2004) Outras vias levam informaccedilatildeo para outras aacutereas essenciais para as respostas fisioloacutegicas da dor O trato espinoreticular atinge a formaccedilatildeo reticular do bulbo e algumas de suas fibras fazem sinapse com neurocircnios de terceira ordem que atingem o taacutelamo onde nova sinapse com neurocircnios de quarta ordem vatildeo atingir regiotildees do coacutertex cerebral O trato espinomesencefaacutelico eacute composto por fibras que projetam para a formaccedilatildeo reticular do mesenceacutefalo substacircncia cinzenta periaqueductal e nuacutecleo parabraquial onde fazem sinapse com neurocircnios que projetam para as amiacutegdalas de forma que participam nas respostas afetivas e emocionais da dor O trato espino-hipotalacircmico possui axocircnios que projetam para o hipotaacutelamo uma regiatildeo diencefaacutelica essencial para a regulaccedilatildeo neurovegetativa do organismo regulando a funccedilatildeo autonocircmica hormonal e alguns comportamentos baacutesicos e essenciais ligados agrave sobrevivecircncia do indiviacuteduo e da espeacutecie

Quais Regiotildees do Enceacutefalo satildeo Ativadas pelos Estiacutemulos Dolorosos

O processo de detecccedilatildeo da dor de forma consciente eacute muito complexo e envolve a ativaccedilatildeo de diversas regiotildees em niacuteveis diferentes do SNC O processo inicial de ativaccedilatildeo dos nociceptores e ativaccedilatildeo inicial das vias de projeccedilatildeo a aacutereas mais superioras do SNC eacute chamada de nocicepccedilatildeo que eacute a detecccedilatildeo e processamento inicial do estiacutemulo doloroso Embora essencial para vaacuterios mecanismos de controle comportamental e neurovegetativo essa fase inicial ainda natildeo implica que a pessoa percebe conscientemente o estiacutemulo Para que haja percepccedilatildeo consciente de um estiacutemulo doloroso eacute necessaacuteria que haja a ativaccedilatildeo de vias que levam a informaccedilatildeo para taacutelamo e regiotildees especiacuteficas do coacutertex cerebral Somente com a

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ativaccedilatildeo dessas regiotildees eacute que o indiviacuteduo eacute capaz de reportar que sente dor e assim pode reagir a ela

As regiotildees talacircmicas que processam a informaccedilatildeo de dor satildeo essenciais para a percepccedilatildeo consciente da dor Um tipo de dor que pode ser desenvolvida eacute a dor central causada por lesotildees talacircmicas ou de suas projeccedilotildees para o coacutertex As projeccedilotildees talacircmicas atingem vaacuterias regiotildees corticais direta e indiretamente (Garcia-Larrea amp Bastuji 2018) As regiotildees de coacutertex somatossensorial primaacuterio e secundaacuterio satildeo aquelas mais envolvidas com as funccedilotildees de localizaccedilatildeo do estiacutemulo da dor Aacutereas corticais motoras tambeacutem satildeo ativadas e refletem a complexidade que a percepccedilatildeo dolorosa pode gerar uma vez que essas regiotildees quando ativadas estatildeo potencialmente relacionadas com a programaccedilatildeo motora que pode fazer com que o indiviacuteduo se proteja da dor O coacutertex cingulado anterior participa da adequaccedilatildeo das respostas emocionais agrave dor A remoccedilatildeo ciruacutergica dessa regiatildeo liacutembica reduz a percepccedilatildeo dolorosa (Sharim amp Pouratian 2016) Outra regiatildeo ativada por estiacutemulos dolorosos eacute o coacutertex insular Essa regiatildeo eacute essencial para a percepccedilatildeo consciente da dor Pacientes com lesotildees nessa regiatildeo satildeo capazes de perceber e de relatar a dor mas apresentam severo deacuteficit na geraccedilatildeo de respostas emocionais agrave dor estado conhecido como assimbolia para a dor (Berthier et al 1988)

Por Que a Intensidade de uma Dor Varia no Dia

A percepccedilatildeo da dor varia muito entre pessoas e tambeacutem para a mesma pessoa na dependecircncia do contexto na qual ela estaacute exposta como a hora do dia se ela estaacute em uma situaccedilatildeo de estresse se ela estaacute motivada se estaacute com alguma outra doenccedila sistecircmica dentre vaacuterias outras situaccedilotildees Os mecanismos que podem estar por traacutes disso satildeo vaacuterios Um deles eacute um sistema neuronal que parte do tronco encefaacutelico em direccedilatildeo a diversos niacuteveis medulares onde modula a capacidade de transmissatildeo de informaccedilatildeo na primeira sinapse das aferecircncias sensoriais relacionadas agrave dor O sistema de controle endoacutegeno da dor inclui a substacircncia cinzenta periaqueductal (PAG) uma regiatildeo mesencefaacutelica que quando estimulada pode gerar intensa analgesia A PAG se conecta com outros nuacutecleos do tronco

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encefaacutelico incluindo vias noradreneacutergicas que partem do locus ceruleus e serotonineacutergicas que partem dos nuacutecleos da rafe Esses nuacutecleos participam de grande nuacutemero de funccedilotildees no sistema nervoso central aleacutem do controle da dor Fibras descendentes partindo desses nuacutecleos se encaminham ao corno dorsal da medula espinhal onde agem direta e indiretamente nas sinapses entre os nociceptores e os neurocircnios de segunda ordem das vias nociceptivas A accedilatildeo pode ser predominantemente inibitoacuteria no caso da noradrenalina ou no caso da serotonina na dependecircncia do tipo de receptor onde age pode ser de accedilatildeo inibitoacuteria ou excitatoacuteria (Bannister amp Dickenson 2017)

As fibras descendentes tambeacutem fazem sinapses com interneurocircnios inibitoacuterios localizados no corno dorsal da medula Esses interneurocircnios produzem opioides endoacutegenos principalmente encefalinas e dinorfinas Usadas como neurotransmissores essas moleacuteculas ativam receptores acoplados a proteiacutenas G do tipo inibitoacuterias (proteiacutenas Gi) cuja ativaccedilatildeo acaba por inibir a liberaccedilatildeo do neurotransmissor excitatoacuterio glutamato utilizado na sinapse entre os nociceptores e os neurocircnios de segunda ordem das vias de dor A ativaccedilatildeo de receptores para opioides na preacute-sinapse ativa canais para potaacutessio o que faz com que o terminal preacute-sinaacuteptico tenda a natildeo despolarizar e ainda bloqueia canais para caacutelcio dependentes de voltagem o que reduz a liberaccedilatildeo de glutamato A ativaccedilatildeo desse receptor na poacutes-sinapse leva a eventos similares mas culmina na geraccedilatildeo de potenciais inibitoacuterios poacutes-sinaacutepticos o que pode reduzir a excitabilidade dos neurocircnios de segunda ordem A ativaccedilatildeo desse mesmo sistema por opioides exoacutegenos eacute muito potente no controle da dor e ateacute mesmo soldados do exeacutercito de alguns paiacuteses satildeo treinados para se auto aplicar medicamentos opioides o mais comum sendo a morfina no caso de lesotildees em campo de batalha para o controle da dor (Williams amp Baird 2016)

Situaccedilotildees relacionadas ao aumento da motivaccedilatildeo podem fazer com que os nuacutecleos onde se situam os neurocircnios noradreneacutergicos e serotonineacutergicos tenham sua atividade modulada assim resultando em alteraccedilatildeo da excitabilidade da primeira sinapse das vias nociceptivas como por exemplo durante o exerciacutecio (Lima et al 2017) A ativaccedilatildeo das vias descendentes do controle de dor tambeacutem pode ser ocasionada por situaccedilotildees de estresse muito intenso Lesotildees extensas normalmente causariam dor muito intensa em qualquer

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indiviacuteduo mas o estresse e a motivaccedilatildeo podem levar agrave ativaccedilatildeo dos mesmos nuacutecleos fazendo com que a percepccedilatildeo da dor seja em muito atenuada (Butler amp Finn 2009) Em proporccedilotildees menores o mesmo sistema de controle endoacutegeno da dor nos permite suportar a dor mesmo conscientemente por exemplo quando seguramos algum objeto que nos eacute precioso e ele estaacute muito quente Nosso movimento estereotipado seria o de largar o objeto para reduzir a percepccedilatildeo de dor mas podemos conscientemente garantir a atividade de nuacutecleos motores que determinam que continuemos a segurar o objeto e outros os sistemas descendentes que atenuam em parte a sensaccedilatildeo dolorosa enquanto segurarmos o objeto que estaacute causando dor Isso ocorre pois as vias que geram a percepccedilatildeo da dor bem como os mecanismos inerentes de controle da dor satildeo muito conectados a outras aacutereas funcionais do sistema nervoso que podem assim influenciar na percepccedilatildeo dolorosa

A Dor Referida

Ao nos chocarmos contra um peacute de mesa por exemplo a primeira resposta que temos eacute um reflexo natural o reflexo de retirada que faz com que nossa perna que sofreu o choque flexione enquanto que a perna contralateral iraacute estender mantendo nossa postura ao mesmo tempo em que afasta o peacute da fonte de lesatildeo Paralelamente satildeo ativadas vias que levam a informaccedilatildeo ao nosso coacutertex somatossensorial de forma que possamos localizar a dor com maior precisatildeo Na superfiacutecie do corpo em locais muito especiacuteficos como na cavidade oral possuiacutemos um nuacutemero grande de nociceptores Ocorre que tambeacutem possuiacutemos nociceptores profundos em viacutesceras e eles tambeacutem projetam para neurocircnios de segunda ordem Poreacutem grande parte dos nociceptores que projetam a partir de viacutesceras e cavidades do nosso corpo compartilham os neurocircnios secundaacuterios dos nociceptores da superfiacutecie do corpo de forma que se temos uma lesatildeo interna os nociceptores ativados iratildeo recrutar na medula espinhal os neurocircnios de segunda ordem que informaratildeo sobre a superfiacutecie do corpo Assim uma lesatildeo no coraccedilatildeo causada por exemplo for um infarto do miocaacuterdio ativaraacute neurocircnios de segunda ordem que mapeiam a superfiacutecie cutacircnea da

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regiatildeo da claviacutecula e braccedilo esquerdo gerando o que eacute chamado de dor referida Uma lesatildeo em ureter causada pela passagem de um caacutelculo provavelmente geraraacute dor que pode se estender desde o final do gradil costal da regiatildeo lombar do paciente se encaminhando para a regiatildeo anterior e descendo ateacute a regiatildeo genital dependendo da localizaccedilatildeo do caacutelculo

Dor Adaptativa e Dor natildeo Adaptativa

A dor sendo um possiacutevel sinal de lesatildeo ao organismo organiza respostas comportamentais e neurovegetativas que tendem a proteger o indiviacuteduo contra a suposta agressatildeo Se pisamos em um caco de vidro a dor gerada nos faraacute proteger o peacute lesionado nos proacuteximos passos Quando a resposta agrave dor eacute coerente com a lesatildeo temos um exemplo do que eacute chamado de dor adaptativa A dor adaptativa eacute aquela que tem iniacutecio com um estiacutemulo nociceptivo verdadeiro podendo ou natildeo ser potencializada por algum processo inflamatoacuterio mas que cessa assim que o estiacutemulo ou a inflamaccedilatildeo tecidual tiver a sua resoluccedilatildeo Dessa forma ela funciona como um aviso real ao organismo natildeo apenas informando que algo natildeo estaacute bem mas principalmente podendo organizar respostas do organismo que tendem agrave proteccedilatildeo ao reparo do dano e agraves mudanccedilas comportamentais e neurovegetativas necessaacuterias para essas respostas serem possiacuteveis As dores do tipo adaptativas estatildeo geralmente associadas mecanisticamente agrave dor nociceptiva e dor inflamatoacuteria ambas jaacute discutidas

Em outras situaccedilotildees um paciente pode se queixar que sente dor mas essa natildeo informa adequadamente sobre a origem da suposta lesatildeo e muito menos eacute capaz de servir como substrato para a organizaccedilatildeo de uma resposta que possibilite a resoluccedilatildeo dessa dor Esse eacute o caso da dor natildeo-adaptativa Esse tipo de dor estaacute geralmente associado ao aumento da atividade neuronal das vias nociceptivas e que por muitas vezes natildeo apresentam correlaccedilatildeo direta com a atividade dos nociceptores em si Satildeo ocasionadas por mecanismos plaacutesticos das vias de dor que aumentam a excitabilidade neuronal dessas vias o que pode ocorrer em diversos niacuteveis do sistema nervoso Assim mesmo na ausecircncia de um estiacutemulo que

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possa causar dor as vias nociceptivas podem ser ativadas levando agrave percepccedilatildeo de dor pelo indiviacuteduo Mais do que isso a percepccedilatildeo de dor nesse caso tambeacutem geraraacute alteraccedilatildeo comportamental e neurovegetativa no paciente mas que natildeo resultaraacute em benefiacutecio para a resoluccedilatildeo da dor Um exemplo claacutessico eacute a lesatildeo de nervos perifeacutericos que pode ocasionar dor intensa mesmo depois de a lesatildeo ter sua resoluccedilatildeo A dor desenvolvida nesse caso eacute percebida pelo paciente e sua origem se daacute pelo aumento da excitabilidade de neurocircnios das vias nociceptivas Por mais que o paciente proteja o membro e que haja alteraccedilatildeo neurovegetativa condizente com o grau da dor nenhuma dessas respostas seraacute capaz de reduzir a percepccedilatildeo da dor ou de reduzir a excitabilidade dessas vias O gasto energeacutetico ocasionado com as mudanccedilas comportamentais e neurovegetativas ocasionados pelas respostas geradas pela dor nesse caso seraacute muito alto comparado com algum possiacutevel benefiacutecio que o paciente poderia ter dessa situaccedilatildeo Aleacutem disso essas alteraccedilotildees podem gerar tambeacutem reduccedilatildeo da qualidade de vida do paciente como padratildeo de sono capacidade de concentraccedilatildeo entre outras respostas que afetam de forma direta o seu desempenho no trabalho seu prazer nas atividades diaacuterias e sua capacidade de se relacionar com outros indiviacuteduos afetando negativamente a qualidade de vida As dores natildeo-adaptativas podem estar associadas a mecanismos plaacutesticos que ocorrem por toda a via nociceptiva como por exemplo na dor neuropaacutetica ou ainda por ativaccedilatildeo de mesma via por mecanismos desconhecidos como na dor disfuncional (Costigan et al 2009)

Classificaccedilatildeo da Dor Segundo os Mecanismos que a Causam

Qualquer dos tipos de dor mencionados anteriormente podem ou natildeo gerar dor crocircnica Eacute faacutecil imaginar que os tipos de dor nociceptiva e dor inflamatoacuteria satildeo os que possuem menor probabilidade de se cronificarem uma vez que a resoluccedilatildeo do processo que iniciou a dor ou a inflamaccedilatildeo iraacute cessar o estiacutemulo dos nociceptores Por outro lado em alguns casos como na artrite reumatoide o processo inflamatoacuterio pode perdurar e dessa forma o paciente iraacute continuar com dor havendo sua cronificaccedilatildeo

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As dores do tipo neuropaacutetica e as dores disfuncionais possuem como caracteriacutestica a cronificaccedilatildeo Os mecanismos associados agrave ativaccedilatildeo das vias sensoriais da dor parecem nesse caso serem intensos e de mais difiacutecil resoluccedilatildeo natural A dor neuropaacutetica eacute definida como sendo a dor que resulta inicialmente da lesatildeo de vias nociceptivas perifeacutericas e centrais e de consequentes mecanismos plaacutesticos subjacentes de forma que essas vias ficam ativas ou podem ser ativadas por estiacutemulos muito mais fracos ou mesmo na ausecircncia de estiacutemulos ou seja espontacircnea Nesse caso a doenccedila de base eacute a proacutepria alteraccedilatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do sistema nociceptivo (Colloca et al 2017) Algumas doenccedilas ou situaccedilotildees que podem levar agrave dor neuropaacutetica satildeo aquelas que causam por conseguinte lesotildees no sistema nociceptivo como a neuropatia diabeacutetica a infecccedilatildeo pelo HIV hanseniacutease a neuralgia poacutes-herpeacutetica as radiculopatias amputaccedilotildees e lesotildees nervosas perifeacutericas entre outras Aleacutem disso os mecanismos plaacutesticos que ocorrem podem levar a alodinia uma situaccedilatildeo em que estiacutemulos inofensivos como toque leve temperaturas amenas e outros podem levar a ativaccedilatildeo de vias nociceptivas e percepccedilatildeo de dor pelo paciente (Jensen amp Finnerup 2014)

Ainda uma quarta classificaccedilatildeo inclui a dor natildeo adaptativa chamada dor disfuncional Nela natildeo satildeo observados sinais de inflamaccedilatildeo perifeacutericos ou alguma modificaccedilatildeo plaacutestica molecular ou estrutural dos circuitos centrais que controlam a dor Exemplos de dores disfuncionais incluem a cistite intersticial e a fibromialgia Nesses casos as teorias mais aceitas indicam que a dor surge devido agrave amplificaccedilatildeo de sinais nociceptivos em circuitos centrais e alteraccedilatildeo do padratildeo natural de processamento sensorial (Costigan et al 2009) Tanto as dores neuropaacuteticas quanto as dores disfuncionais possuem em comum algumas caracteriacutesticas como o aumento da intensidade agrave dor para estiacutemulos repetidos a reduccedilatildeo dos limiares para a dor e o espalhamento da dor para aacutereas mais abrangentes (Von Hehn et al 2012)

Em diversas situaccedilotildees a dor pode apresentar um padratildeo misto Por exemplo no decorrer da instalaccedilatildeo de tumores malignos o tecido em crescimento pode acarretar lesatildeo em nervos perifeacutericos ao mesmo tempo em que ativa nociceptores dessa forma apresentando tanto o componente neuropaacutetico quanto o nociceptivo

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Cronificaccedilatildeo da Dor

Por muito tempo se imaginou que a dor deveria ser considerada como crocircnica caso ela perdurasse aleacutem do tempo esperado para a resoluccedilatildeo do quadro primaacuterio que a causou ou ainda seria considerada crocircnica no caso de uma dor que natildeo tem a funccedilatildeo de alertar para uma possiacutevel lesatildeo Esse conceito foi aos poucos sendo substituiacutedo por definiccedilotildees mais abrangentes por causa de diversos fatores Por exemplo o tempo para que haja a resoluccedilatildeo de um quadro de dor em um paciente que realizou uma cirurgia simples pode ser razoavelmente predito muito embora ele varie dadas as respostas inerentes do indiviacuteduo como a capacidade de cicatrizaccedilatildeo do seu organismo e por fatores ambientais outros como a volta ao trabalho Em outras situaccedilotildees como em um paciente que sofreu fratura oacutessea e lesotildees de nervos em acidente automobiliacutestico o tempo de recuperaccedilatildeo e a cessaccedilatildeo da dor natildeo pode ser predito e o desenvolvimento de processos complicadores para a dor como a dor neuropaacutetica podem ser causas de permanecircncia da dor por periacuteodos longos ou mesmo por toda a vida Por essas razotildees os criteacuterios usados para que a dor seja considerada crocircnica independem da causa da dor de forma que se a dor eacute recorrente ou permanece por mais de 90 dias jaacute eacute considerada crocircnica inclusive dentro das definiccedilotildees da classificaccedilatildeo estatiacutestica internacional de doenccedilas e problemas relacionados agrave sauacutede (CID-11 Treede et al 2019) O protocolo cliacutenico e diretrizes terapecircuticas para dor crocircnica (PCDT) publicado pelo Ministeacuterio da Sauacutede de 2012 indica que a dor passa a ser considerada crocircnica quando prevalece por mais de 30 dias (Portaria SASMS nordm 1083 de 02 de outubro de 2012 retificada em 27 de novembro de 2015)

Como visto anteriormente as causas de cronificaccedilatildeo da dor satildeo vaacuterias e podem se sobrepor Por essas razotildees muitos foram os esforccedilos dos uacuteltimos anos para a adequaccedilatildeo de criteacuterios para a classificaccedilatildeo da dor crocircnica (Treede et al 2019) A versatildeo atualizada da classificaccedilatildeo estatiacutestica internacional de doenccedilas e problemas relacionados agrave sauacutede o CID-11 que seraacute colocada em praacutetica a partir de janeiro de 2022 pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede dispotildee de um coacutedigo apenas para a dor crocircnica (MG30) e para as doenccedilas mais comuns desse grupo dessa forma incluindo a dor crocircnica primaacuteria e

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as siacutendromes de dor crocircnica secundaacuteria ou seja aquelas associadas a outras doenccedilas como sua causa primaacuteria sendo elas a dor crocircnica relacionada ao cacircncer a dor crocircnica poacutes-ciruacutergica ou poacutes-traumaacutetica a dor crocircnica neuropaacutetica a dor crocircnica secundaacuteria agrave enxaqueca ou orofacial a dor crocircnica visceral secundaacuteria e a dor crocircnica secundaacuteria musculoesqueleacutetica

A dor crocircnica tem consequecircncias mais amplas e severas para o paciente Aleacutem das respostas comportamentais incluindo as respostas emocionais e neurovegetativas discutidas anteriormente os quadros de dor crocircnica frequentemente causam interferecircncia na vida diaacuteria e na sauacutede geral do paciente ocasionando incapacidades e distresse O distresse eacute por definiccedilatildeo a resposta de estresse que tem reflexos negativos para o paciente Uma vez que a causa inicial do distresse permanece essas respostas podem adicionar ao quadro inicial do paciente outras comorbidades que agravam ainda mais a sua sauacutede geral e reduzem a capacidade de melhora do quadro (Carstens amp Moberg 2000)

Nem sempre as alteraccedilotildees que a dor crocircnica traz agrave vida de uma pessoa satildeo notadas por seus proacuteximos ou mesmo pela proacutepria pessoa A cronificaccedilatildeo da dor e a necessidade que a pessoa tem de continuar vivendo tendo sua rotina e trabalho propiciam que o paciente crie mecanismos para poder lidar com a sua condiccedilatildeo e enquanto esses mecanismos se desenvolvem paralelamente aos processos normais da vida do indiviacuteduo os sintomas da dor crocircnica podem passar despercebidos por quem observa o paciente em algumas situaccedilotildees Mesmo se o paciente natildeo se queixe mais da dor ela ainda o pode influenciar psicologicamente alterando seus processos cognitivos levando a preocupaccedilotildees e catastrofizaccedilatildeo a alteraccedilotildees comportamentais e emocionais como medo e raiva com seus reflexos sociais como mudanccedilas nos padrotildees de relacionamento com outras pessoas (Turk et al 2016)

As formas que o paciente encontra para aprender a lidar com a dor crocircnica e a alteraccedilatildeo decorrente no comportamento do paciente podem fazer com que a dor natildeo seja notada pelas pessoas mais proacuteximas do paciente como causa dessas proacuteprias alteraccedilotildees comportamentais Principalmente em idosos com perda cognitiva mesmo as pessoas mais proacuteximas podem ter dificuldade em acessar se o paciente estaacute com dor (Cravello et al 2019) Essa

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mesma dificuldade de associaccedilatildeo da dor crocircnica com alteraccedilatildeo de comportamento tambeacutem jaacute foi reportada para animais de companhia e parece que sua causa eacute o desconhecimento do repertoacuterio de respostas naturais a dor que outras espeacutecies tecircm em comparaccedilatildeo aos humanos o que dificulta a interpretaccedilatildeo dos sinais da dor pelo cuidador (Merola amp Mills 2015)

Seria Bom Entatildeo natildeo Sentir Dor ( ou )

Se a dor gera respostas aparentemente negativas eacute um tanto quanto justo se perguntar se natildeo seria mais interessante entatildeo natildeo a sentir E a resposta eacute direta natildeo Uma vez que a dor avisa o sistema nervoso que algo estaacute possivelmente ocorrendo de forma errada no organismo ou que ele estaacute sendo lesionado por um agente externo a dor eacute essencial para que possamos nos afastar de estiacutemulos nocivos para nossa proteccedilatildeo fiacutesica e por informar inclusive que algo estaacute errado com um oacutergatildeo interno Pessoas que nascem sem poder sentir dor natildeo possuem uma vantagem sobre a maioria dos indiviacuteduos que sentem dor quando por exemplo acertamos a ponta de um dedo de um peacute contra uma parede Indiviacuteduos que natildeo sentem dor podem se desenvolver desde o nascimento com seacuterios prejuiacutezos exatamente pela falta das correccedilotildees de comportamento incluindo as correccedilotildees posturais que a dor nos exige Se vocecirc ficar com a coluna vertebral inclinada para um lado provavelmente sentiraacute dor jaacute nos primeiros minutos A pessoa que natildeo sente dor natildeo corrigiraacute sua postura e isso traz seacuterias consequecircncias com os anos e ainda mais seacuterias por ocorrer desde a infacircncia Quando mastigamos o alimento evitamos certos movimentos pois sabemos que morder a liacutengua causa dor intensa e que perdura por dias Isso natildeo ocorre em quem natildeo sente dor Uma coacutelica uma lesatildeo maior interna um incocircmodo esofaacutegico causado por refluxo uma simples lsquoassadurarsquo de pele em um bebecirc natildeo gera reclamaccedilotildees na crianccedila que nasce sem sentir dor Todas essas situaccedilotildees obrigam os pais dessas crianccedilas a desenvolver meacutetodos de vigilacircncia muito mais intensos pois o sistema de dor o alarme natural que a crianccedila teria natildeo cumpre a sua funccedilatildeo (Cox et al 2006 Mannes amp Iadarola 2007)

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Consideraccedilotildees Finais

Alguns dos principais pontos hoje que permeiam os estudos sobre a dor abordam mecanismos moleculares envolvidos na dor e estudo de alvos potenciais farmacoloacutegicos mecanismos neuroplaacutesticos responsaacuteveis pelo desenvolvimento da cronificaccedilatildeo da dor e possiacuteveis manobras moleculares para reverter ou atenuar seu processo de desenvolvimento expressatildeo de genes nas mais diversas condiccedilotildees de desenvolvimento da dor nos diversos niacuteveis do sistema nervoso perifeacuterico e central envolvimento de regiotildees especiacuteficas do sistema nervoso central na geraccedilatildeo dos padrotildees de comportamento associados agrave dor e a influecircncia de comorbidades no desenvolvimento e manutenccedilatildeo da dor como distuacuterbios metaboacutelicos sepse depressatildeo entre outros Por parte da cliacutenica muito eacute estudado tambeacutem a respeito da prevenccedilatildeo da dor e dos processos plaacutesticos que podem levar a alteraccedilotildees moleculares e morfoloacutegicas de difiacutecil reparo o que pode reduzir as chances de cronificaccedilatildeo em algumas situaccedilotildees Inuacutemeras outras frentes de estudo sobre os mecanismos envolvidos na dor e sobre o seu tratamento satildeo realizadas diariamente Esses estudos satildeo realizados em culturas celulares em animais de laboratoacuterios em animais silvestres e domesticados em humanos e mesmo em modelos computacionais

Enquanto natildeo forem exauridas as possibilidades de estudo e de descobertas na aacuterea eacute justificado por nossa capacidade de empatia que grandes esforccedilos sejam realizados no sentido de amenizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e consequentemente de seus mais proacuteximos tambeacutem reduzindo seus gastos pessoais com tratamentos meacutedicos e o custo social que essa demanda gera

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A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso

Decircnis Augusto Santana Reis

Criminologia

A palavra criminologia remonta da palavra latina crimino (crime) e da palavra grega logos (estudo tratado) significando o ldquoestudo do crimerdquo

O termo ldquocriminologiardquo foi usado por Garoacutefalo para designar ldquociecircncia do crimerdquo apoacutes vieram outros estudiosos que aprimoraram o significado do termo criminologia1

No ponto de vista de Shecaira (2012) a criminologia pode ser conceituada como

Estudo e a explicaccedilatildeo da infraccedilatildeo legal os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com os atos desviantes a natureza das posturas com que as viacutetimas desses crimes satildeo atendidas pela sociedade e por derradeiro o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes (Shecaira 2012 p 35)

Desse modo a criminologia pode ser conceituada como uma ciecircncia empiacuterica e interdisciplinar que tem por objeto o estudo do delito em todas as suas circunstacircncias tais como a anaacutelise do delito da personalidade do ofensor do comportamento delitivo da viacutetima e o controle social das condutas tidas como criminosas

A interdisciplinaridade da criminologia decorre da sua proacutepria consolidaccedilatildeo histoacuterica uma vez que recebeu influecircncia de outras ciecircncias tais como a sociologia a psicologia o direito a medicina legal dentre outras

1 GAROFALO R Criminologia estudo sobre o direito e a repressatildeo penal seguido de apecircndice sobre os termos do problema penal Ed Peacutetrias Campinas 1997

Autor para correspondecircncia denisaugustosr

gmailcom

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Feitos tais esclarecimentos eacute importante salientar que a criminologia possui os seguintes objetos de estudo o delito delinquente a viacutetima e o controle social

Por outro lado enquanto o direito penal eacute uma ciecircncia normativa que tem por objeto o delito como regra anormal de conduta que deve ser sancionada A criminologia eacute uma ciecircncia causal-explicativa que tem por objeto estudar o delito o delinquente e montar esquemas de combate da criminalidade desenvolver meios preventivos e meacutetodos que impeccedilam a reincidecircncia do delinquente2 bem como desenvolvendo pesquisas teoacutericas acerca da etiologia do delito

No que tange o conceito legal de crime o art 1ordm da Lei de Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal3 dispotildee que o crime eacute a infraccedilatildeo penal punida com pena de reclusatildeo ou detenccedilatildeo contrapondo-se agrave contravenccedilatildeo penal que por sua vez eacute a infraccedilatildeo penal para a qual a lei comina pena de prisatildeo simples

Ressalte-se que o conceito de crime para a criminologia natildeo eacute o mesmo do direito penal enquanto para segundo o crime em sentido analiacutetico seria uma accedilatildeo ou omissatildeo tiacutepica iliacutecita e culpaacutevel merecedora de puniccedilatildeo para a primeira o crime seria um fenocircmeno comunitaacuterio e um problema social

Em relaccedilatildeo ao delinquente Schecaria (2012) ensina que eacute um ser histoacuterico real e complexo um ser normal e que estaacute sujeito agraves influecircncias do meio descartando qualquer determinismo4 seja ele social ou bioloacutegico

Cesare Lombroso ndash O Nascimento da Teoria Bioloacutegica da Criminalidade

O fundador da criminologia moderna foi Cesare Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro ldquoO homem delinquenterdquo

2 Fernandes Valter Criminologia Integrada 4ordf Ediccedilatildeo Satildeo Paulo Revistas dos Tribunais 2012 p 30

3 Art 1ordm Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de reclusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infraccedilatildeo penal a que a lei comina isoladamente pena de prisatildeo simples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

4 Schecaria Seacutergio Salomatildeo Criminologia 4ordf ed rev e atual Ed Revista dos tribunais Satildeo Paulo 2012 p 46

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 211

Nessa obra e em outras que a sucederam Lombroso (2010)atraveacutes do meacutetodo empiacuterico indutivo sistematizou e reuniu de forma articulada uma seacuterie de conhecimentos que estavam esparsos e por isso eacute considerado o pai e maior expoente da Antropologia Criminal conforme assevera Antocircnio Garcia Pablo Molina

A contribuiccedilatildeo principal de Lombroso para a Criminologia natildeo reside tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do ldquodelinquente natordquo) ou em sua teoria criminoloacutegica senatildeo no meacutetodo que utilizou em suas investigaccedilotildees o meacutetodo empiacuterico Sua teoria do ldquodelinquente natordquo foi formulada com base nos resultados de mais de quatrocentas autoacutepsias de delinquentes e seis mil anaacutelises de delinquentes vivos e o atavismo que conforme seu ponto de vista caracteriza o tipo criminoso ndash ao que parece ndash contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisotildees europeias (Molina 2002 p 191)

De acordo com Viana (2018) o sistema lombrosiano possui trecircs pontos centrais

bull O criminoso diferencia-se dos natildeo criminosos por meio de inuacutemeros sinais fiacutesicos e psiacutequicos

bull O criminoso eacute uma variante da espeacutecie humana um ser ataacutevico

bull O atavismo pode ser transmitido ao longo das geraccedilotildees (Viana 2018 p 57)

Em suma Lombroso (2010) natildeo refutava os fatores exoacutegenos da gecircnese criminal ambientais e sociais (o clima o abuso de aacutelcool a educaccedilatildeo o trabalho e etc) mas defendia enfaticamente que eram os fatores endoacutegenos os bioloacutegicos que levavam os indiviacuteduos a cometerem delitos ao passo que os exoacutegenos apenas desencadeariam a propulsatildeo interna para o delito pois o criminoso jaacute nasce criminoso (determinismo bioloacutegico)

A Criminologia Moderna

Segundo Molina (2002) a evoluccedilatildeo da criminologia culminou no surgimento de trecircs orientaccedilotildees teoacutericas as psicoloacutegicas as socioloacutegicas e as bioloacutegicas

A teoacuterica psicoloacutegica busca a explicaccedilatildeo para o comportamento delitivo na mente do indiviacuteduo nos processos psiacutequicos anormais

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(psicopatologia) ou nas vivecircncias subconscientes que tecircm origem no passado remoto do indiviacuteduo

A teoria socioloacutegica entende o delito como um fenocircmeno social aplicando em sua anaacutelise diversos marcos teoacutericos como o ecoloacutegico estrutural funcionalista subcultural conflitual internacionalista e etc

A teoria bioloacutegica5 busca localizar e identificar em alguma parte do corpo ou no funcionamento do sistema nervoso a existecircncia de algum fator diferencial que explique a conduta delitiva supondo sempre que o delito seja resultado de alguma patologia disfunccedilatildeo ou transtorno orgacircnico

Frisa-se que o presente ater-se-aacute a uacuteltima orientaccedilatildeo uma vez que tem como norte a investigaccedilatildeo dos aspectos neurobioloacutegicos da criminalidade com ecircnfase nos estudos de neurociecircncias mas antes eacute importante demonstrar de forma sucinta como as teorias bioloacutegicas da criminalidade se desenvolveram

Os primeiros estudos criminoloacutegicos de cunho bioloacutegico foram desenvolvidos pelo frenologista Franz Joseph Gall seguido por Cesare Lombroso a partir da anaacutelise morfoloacutegica de delinquentes Frisa-se que esses estudos serviram de base para a antropometria que estudava a criminalidade analisando as medidas e proporccedilotildees do corpo humano para fins de estatiacutestica e comparaccedilatildeo

Esses estudos serviram de substrato para o desenvolvimento da fase poacutes-lombrosiana da criminologia materializada pelos estudos biotipoloacutegicos endocrinoloacutegicos e psicopatoloacutegicos relacionados com a criminologia cliacutenica

Entretanto apesar de todo esforccedilo e rigor cientiacutefico desses estudos os mesmos mostraram-se insuficientes para explicar a causalidade criminal sobretudo porque tinham forte tendecircncia discriminatoacuteria haja vista que esses estudos relacionavam a existecircncia

5 As causas bioloacutegicas sempre seratildeo referidas como neurobioloacutegicas ou neurocientiacuteficas ao longo desse trabalho por uma questatildeo de singularidade do toma que versa o estudo da influecircncia do substrato cerebral com a criminologia

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de certas caracteriacutesticas corporais com a propensatildeo em cometer crimes6

Em siacutentese essas teorias bioloacutegicas da criminalidade defendiam que existem indiviacuteduos predispostos para o crime cuja propensatildeo depende de sua formaccedilatildeo orgacircnica e que o criminoso eacute diferente de um cidadatildeo normal natildeo criminoso bem como desconsiderava os demais fatores que comprovadamente estatildeo relacionados com a criminalidade como os sociais7

As teorias acima citadas culminaram nos modernos estudos criminoloacutegicos desenvolvidos pela neurociecircncia envolvendo aspectos geneacuteticos neurofisioloacutegicos bioquiacutemicos moleculares visando entender o funcionamento do ceacuterebro dos criminosos e os motivos que os levam a cometer crimes

Neurociecircncia e Criminologia

Por muito tempo a pobreza a desigualdade social a baixa escolaridade e as maacutes companhias foram considerados os principais fatores criminoacutegenos

Atualmente sabe-se que esses fatores desempenhem um papel relevante nada obstante tem-se reconhecido que fatores neurobioloacutegicos tambeacutem satildeo importantes na modelagem do comportamento criminoso por conseguinte no cometimento de crimes

De acordo com Vold (1998) a variaacutevel bioloacutegica da criminalidade pode ser definida como

6 Kretschmer (2015) diferenciou quatro tipos de constituiccedilatildeo corporal1 Leptossocircmicos alta estatura toacuterax largo peito fundo cabeccedila pequena peacutes e matildeos

curtos cabelos crespos (propensatildeo ao furto e estelionato)2 Atleacuteticos estatura meacutedia toacuterax largo musculoso forte estrutura oacutessea rosto uniforme

peacutes e matildeos grandes cabelos fortes (crimes violentos)3 Piacutecnicos toacuterax pequeno fundo curvado formas arredondadas e femininas pescoccedilo

curto cabeccedila grande e redonda rosto largo e peacutes matildeos e cabelos curtos (menor propensatildeo ao crime)

4 Displaacutesicos pessoas com corpo desproporcional com crescimento anormal (crimes sexuais) (Penteado Filho Nestor Sampaio Manual de Criminologia 3ordfed Saraiva Satildeo Paulo 2013 p 102)

7 Farias Juacutenior Joatildeo Manual de criminologia 3 ed Juruaacute Curitiba 2006 p 58

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Algumas dessas caracteriacutesticas bioloacutegicas satildeo geneacuteticas e herdadas () Outras resultam de mutaccedilotildees geneacuteticas que ocorrem no momento da concepccedilatildeo ou se desenvolvem enquanto o feto estaacute no uacutetero Essas caracteriacutesticas bioloacutegicas satildeo geneacuteticas mas natildeo herdadas Finalmente outras podem se desenvolver como resultado do ambiente das pessoas que vai desde lesotildees a uma dieta inadequada Essas caracteriacutesticas bioloacutegicas natildeo satildeo geneacuteticas nem herdadasrdquo (Vold 1998 p 68)

Apesar dos estudos dos caracteres bioloacutegicos da criminalidade terem entrado em crise Serrano Maiacutello assegura que haacute uns anos ndash dez ou quinze aproximadamente ndash vem sendo levado agrave seacuterio as variaacuteveis de caraacuteter bioloacutegico em criminalidade (Serrano 2016)

Serrano (2016) tambeacutem aponta que uma das razotildees para o renascimento das variaacuteveis bioloacutegicas da criminalidade pode ser o fato de que ateacute o momento houve o predomiacutenio das teorias de orientaccedilatildeo socioloacutegica8 poreacutem as explicaccedilotildees do fenocircmeno delitivo dada por elas natildeo satildeo consideradas integralmente satisfatoacuterias ou seja essas teorias natildeo tecircm sido capazes de explicar satisfatoriamente importantes diferenccedilas individuais no acircmbito da criminalidade

As teorias de orientaccedilatildeo socioloacutegica natildeo conseguem explicar como indiviacuteduos exposto a ambientes semelhantes se comportem de maneira tatildeo diferente e que sujeitos que crescemdesenvolvem-se em ambientes criminoacutegenos natildeo delinquam ao passo que outros que vivem em ambientes com riscos ambientais miacutenimos cometam delitos

8 Teoria da Desorganizaccedilatildeo Social entende que o crime eacute fruto da ruptura e maacute estruturaccedilatildeo das unidades familiares que controlariam o crime A desorganizaccedilatildeo social causa uma perturbaccedilatildeo da cultura existente por mudanccedila social evidenciada por falha dos controlos sociais tradicionais morais conflitantes e no decliacutenio da confianccedila dessas instituiccedilotildees

Teoria da Subcultura Delinquente prega a existecircncia de uma subcultura da violecircncia o que leva algumas sociedades a aceitar a violecircncia como uma maneira normal de resolver conflitos sociais e tambeacutem sustenta que alguns grupos ateacute valorizam a violecircncia

Teoria da Anomia sustenta que o crime eacute um fenocircmeno normal e intriacutenseco da estrutura social considerando que ateacute um certo ponto o crime eacute tido como necessaacuterio e uacutetil para o equiliacutebrio social A anomia eacute caracterizada por uma situaccedilatildeo social onde falta coesatildeo e ordem especialmente no tocante a normas e valores

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Nesse liame foi natural o ressurgimento de pesquisas envolvendo neurociecircncias e criminologia merecendo destaque os estudos desenvolvidos por Adrian Raine9

Tal ressurgimento pode ser constatado pelo levantamento realizado pela MacArthur Foundation Research Network on Law and Neuroscience da Vanderbilt University que mostra o aumento no nuacutemero de publicaccedilotildees envolvendo direito e neurociecircncias entre os anos de 1984-201710

Segundo Ventura (2010) a neurociecircncia compreende o estudo do sistema nervoso e suas ligaccedilotildees com toda a fisiologia do organismo incluindo a relaccedilatildeo entre ceacuterebro e comportamento O controle neural das funccedilotildees vegetativas11 das funccedilotildees sensoriais e motoras da locomoccedilatildeo reproduccedilatildeo alimentaccedilatildeo e ingestatildeo de aacutegua os mecanismos da atenccedilatildeo e memoacuteria aprendizagem emoccedilatildeo linguagem e comunicaccedilatildeo satildeo temas de estudo da neurociecircncia

Robert Lent (2010) assevera que ldquoo que chamamos simplificadamente como neurociecircncia eacute na verdade neurociecircnciasrdquo em virtude da interdisciplinaridade que envolve o estudo do ceacuterebro e de modo esquemaacutetico essa aacuterea do conhecimento pode ser dividida em cinco grandes disciplinas neurocientiacuteficas a saber neurociecircncia molecular neurociecircncia celular neurociecircncia sistecircmica neurociecircncia comportamental e neurociecircncia cognitiva12

Apesar do termo mais adequado ser neurociecircncias doravante apenas nomearemos essa ciecircncia no singular ou seja como neurociecircncia

9 Disponiacutevel em lthttpspsychologysasupennedupeopleadrian-rainegt Acesso em 21 jan 2019

10 Evoluccedilatildeo das publicaccedilotildees envolvendo direito e neurociecircncias entre os anos de 1984 a 2017 Disponiacutevel em httpwwwlawneuroorgbibliographyphp Acesso em 22 jan 2019

11 Digestatildeo circulaccedilatildeo respiraccedilatildeo homeostase temperatura12 Grossi (2014) explica que a neurociecircncia pode ser compreendida por meio de cinco

abordagens 1 Neurociecircncia Molecular investiga a quiacutemica e a fiacutesica envolvidas na funccedilatildeo neural Estuda as diversas moleacuteculas de importacircncia funcional no sistema nervoso 2 Neurociecircncia Celular investiga os tipos celulares sistema nervoso e o funcionamento de cada um 3 Neurociecircncia Sistecircmica estuda as regiotildees do sistema nervoso dos processos como a percepccedilatildeo o discernimento a atenccedilatildeo e o pensamento 4 Neurociecircncia Comportamental estuda a interaccedilatildeo entre os sistemas que influenciam o comportamento explica as capacidades mentais que produzem comportamentos como o sono emoccedilotildees sensaccedilotildees visuais dentre outros 5 Neurociecircncia Cognitiva estuda as capacidades mentais mais complexas como aprendizagem linguagem memoacuteria e planejamento

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Sobre esse tema Fernandes (2010) ensina que a aplicaccedilatildeo da neurociecircncia ao direito possibilitaraacute o entendimento da conduta humana de maneira iacutempar

Neurociecircncias e Direito constituem sem duacutevida um tema novo Um tema com implicaccedilotildees sociais ontoloacutegicas e metodoloacutegicas de uma dimensatildeo natildeo comparaacutevel com nenhum outro pois se refere especificamente agrave relaccedilatildeo entre os mecanismos que geram a conduta humana o ceacuterebro e as consequecircncias em sociedade dessa conduta () E ainda quando a Neurociecircncias e o Direito parecem ter distintos objetivos e interesses no sentido de que a primeira busca entender a conduta humana (pensamento emoccedilatildeo etc) e o segundo julgaacute-la (intencionalidade culpabilidade responsabilidade etc) resulta evidente que ambas as disciplinas tambeacutem podem ajudar-se mutuamente Apesar de que entender e julgar satildeo atividades diferentes os esforccedilos por entender o comportamento humano suas causas motivaccedilotildees limites e fatores condicionantes podem ser de grande apoio natildeo somente nos juiacutezos sobre culpabilidade ou inocecircncia senatildeo tambeacutem no proacuteprio processo de realizaccedilatildeo praacutetico-concreta (interpretaccedilatildeo justificaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo) do Direito (Fernandes 2010)13

Atualmente com o advento das tecnologias de imagens cerebrais aliada a todo conhecimento acerca do funcionamento cerebral da neurociecircncia e aacutereas correlatas tem-se um instrumento muito sensiacutevel para investigar a anatomia cerebral da violecircncia

Segundo Daile Valančienė (2013) os meacutetodos e teacutecnicas de imageamento cerebral podem ser divididos em teacutecnicas de imagens funcionais que determinam funccedilotildees fisioloacutegicas e que utilizam de tomografia computadorizada por emissatildeo de foacuteton uacutenico (SCPECT) tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (PET scan) ressonacircncia magneacutetica funcional (fMRI) eletroencefalografia (EEG) magnetoencefalografia (MEG) e tomografia por impedacircncia eleacutetrica (EIT) e teacutecnicas de imagens estruturais que procuram identificar informaccedilotildees anatocircmicas feitas por

13 Fernandes Atahualpa Os labirintos neuronais do Direito livre-arbiacutetrio responsabilidade racionalidade Disponiacutevel em httpswwwresearchgatenetprofileAtahualpa_Fernandez2publication237065374_os_labirintos_neuronais_do_direito_livrearbitrio_responsabilidade_racionalidadelinks00b7d51b1f54f5ff6b000000os-labirintos-neuronais-do-direito-livre-arbitrio-responsabilidade-racionalidadeorigin=publication_detail Acesso em 23 mar 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 217

radiografia tomografia computadorizada (CT) ressonacircncia magneacutetica (MRI) e ultrassonografia (US)

A tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (PET scan) destaca-se uma vez que permite medir simultaneamente a atividade metaboacutelica de diversas regiotildees do ceacuterebro14 sendo possiacutevel investigar se haacute alteraccedilotildees no funcionamento cerebral especialmente em regiotildees envolvidas com inibiccedilatildeo modulaccedilatildeo comportamental como o coacutertex preacute-frontal e a amigdala

Com efeito a utilizaccedilatildeo de utilizaccedilatildeo de teacutecnicas de imageamento cerebral tem permitido compreensatildeo delinquente bem como tem possibilitado a aplicaccedilatildeo adequada da sanccedilatildeo pois conforme veremos a seguir o indiviacuteduo pode cometer crimes baacuterbaros influenciados por alguma disfunccedilatildeo cerebral e natildeo muitas vezes sequer consegue se controlar ou entende o caraacuteter iliacutecito da sua contduta

Nessa perspectiva Adrian Raine (2015) sugere ldquo() devemos ser cautelosos A violecircncia eacute extremamente complexa ()rdquo de modo que disfunccedilotildees de uma determinada regiatildeo cerebral pode ajudar a

14 PET scan eacute a sigla em inglecircs para a tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (Positron Emission Tomography) e eacute uma modalidade de diagnoacutestico por imagem que permite o mapeamento de diferentes substacircncias quiacutemicas radioativas no organismo

Esse exame foi desenvolvido na Universidade de Washington em 1973 pelos meacutedicos Edward Hoffman e Michael E Phelps

A PET Scan eacute um exame que une os recursos da medicina nuclear e da radiologia uma vez que sobrepotildee imagens metaboacutelicas agraves imagens anatocircmicas produzindo assim um terceiro tipo de imagem

A PET Scan mede a atividade metaboacutelica celular de qualquer regiatildeo do corpo demonstrando assim o de atividade delas podendo mostrar a presenccedila de alteraccedilotildees funcionais antes mesmo das morfoloacutegicas permitindo um diagnoacutestico ainda mais precoce de doenccedilas ou disfunccedilotildees

Na preparaccedilatildeo para o exame eacute necessaacuterio jejum de quatro a seis horas bem como uma alimentaccedilatildeo pobre em carboidratos na noite que o antecede Antecedendo o exame o paciente deve receber uma injeccedilatildeo de glicose ligada a um elemento radioativo (quase sempre fluacuteor radioativo) e cerca de sessenta minutos depois deve submeter-se a uma tomografia computadorizada

A PET Scan capta os sinais de radiaccedilatildeo emitidos pelo elemento radioativo transformando-os em imagens e determinando assim os locais onde haacute presenccedila deste accediluacutecar demonstrando que neste local haacute um metabolismo acentuado

Entatildeo as regiotildees que metabolizam essa glicose em excesso regiotildees do ceacuterebro em intensa atividade e o coraccedilatildeo apareceratildeo em vermelho numa imagem criada por computador Ao passo que regiotildees pouco ativas apresentaratildeo coloraccedilotildees frias azul verde

(Adaptado de ABC MED Disponiacutevel em lthttpswwwabcmedbrpexames-e-procedimentos740267pet+scan+o+que+e+por+que+fazer+como+e+feita+quem+deve+e+quem+ nao+deve+fazer+quais+sao+as+possiveis+complicacoeshtmgt Acesso em 20 jan 2019

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entender um tipo de crime mas a mesma explicaccedilatildeo natildeo pode ser estendida aos demais

Conforme tambeacutem veremos a seguir os estudos em que ceacuterebros de criminosos foram submetidos a exames com PET scan em sua maioria natildeo demonstram causalidade apenas associaccedilotildees entre a disfunccedilatildeo de determinada aacuterea cerebral e o cometimento de algum delito

Plea Bargain ndash Resultados de Exames de Imagens Cerebrais Possibilitaram a Realizaccedilatildeo de um Acordo na Fase de Preacute-Julgamento

De acordo com a mateacuteria publicada no jornal New York Times (200715) e com a anaacutelise do caso People v Weinstein (Supreme Court New York County 1992)16 Herbert Weinstein 65 anos era um executivo de sucesso na aacuterea de publicidade

Em 07011991 envolveu-se em uma discussatildeo com sua esposa mas no meio da discussatildeo decidiu parar de discutir e afastar-se poreacutem a cocircnjuge foi atraacutes do mesmo e arranhando a sua face O mencionado golpe foi decisivo para que Weinstein estrangulasse a esposa e a jogasse pela janela do apartamento que ficava no 12ordm andar

Ao analisarem o caso os advogados de defesa ficaram intrigados pelo fato de Weinstein natildeo possuir qualquer histoacuterico de violecircncia o que foi motivo suficiente para submetecirc-lo a um exame de ressonacircncia magneacutetica cerebral e PET scan

15 Disponiacutevel em httpswwwnytimescom20070311magazine11Neurolawthtml Acesso em 23 mar 2019

16 156 Misc2d 34 People v Weinstein Supreme Court New York County1992 Disponiacutevel em lthttpswwwleaglecomdecision1992190156misc2d341186gt Acesso em 10 jan 2019

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O resultado foi estarrecedor o executivo ora criminoso possuiacutea um cisto aracnoide17 no lobo frontal esquerdo e que comprimia o coacutertex frontal e temporal

Os resultados foram apresentados numa audiecircncia preacutevia e analisados pelo neurologista Antonio Damaacutesio que foi contundente ao defender que o Reacuteu tinha uma reduccedilatildeo na capacidade de regular suas emoccedilotildees e tomar decisotildees racionais

Apoacutes o parecer do expert e acusaccedilatildeo que pleiteava nada menos do que 25 anos de prisatildeo concordou com a tese da defesa de homiciacutedio culposo impondo-lhe uma pena de 7 anos de prisatildeo

Essa foi a primeira vez acusaccedilatildeo e defesa por meio do plea bargain negociaram a reduccedilatildeo da pena e a reclassificaccedilatildeo do crime cometido diante das provas obtidas atraveacutes de exames de imagens cerebrais e analisadas a luz da neurociecircncia

Esclarece Adrian Raine (2015) que

O caso de Herbert Weinstein destaca mais uma vez a importacircncia do ceacuterebro na predisposiccedilatildeo agrave violecircncia Mais especificamente o caso sugere que deacuteficit estrutural do coacutertex preacute-frontal esquerdo resulta em uma anormalidade do oacutergatildeo que por sua vez resulta em violecircncia A causa dos cistos como o de Weinstein eacute desconhecida e eles podem crescer durante um longo periacuteodo de tempo Tambeacutem podem benignos mas especialistas no caso testemunharam que o cisto resultou em uma disfunccedilatildeo cerebral que afetou de modo substancial a capacidade de Weinstein de pensar racionalmente Isso reforccedilou a credibilidade de sua defesa que alegava insanidade (Raine 2015 p 133)

Analisando o caso e as caracteriacutesticas bioloacutegicas de Weinstein fica evidente que o episoacutedio de violecircncia que culminou na morte de sua esposa deu-se pela falta do controle do coacutertex preacute-frontal sobre as regiotildees liacutembicas do ceacuterebro as quais satildeo sabidamente envolvidas

17 Os cistos aracnoacuteides satildeo coleccedilotildees intraracnoacuteides de liacutequido ceacutefalo raquiano (LCR) Satildeo de natureza congecircnita e se formam graccedilas a defeito valvular das membranas aracnoacuteides que facilita a passagem do LCR para o interior do cisto e dificulta a saiacuteda1 Embora muitos podem constituir achados incidentais outros podem causar sintomas por compressatildeo do parecircnquima cerebral ou aumento da pressatildeo intracraniana (Castro Samuel Caputo de Cistos aracnoacuteides intracranianos tratamento pela neuroendoscopia Arq Neuro-Psiquiatr Satildeo Paulo v 57 n 1 p 63-67 mar 1999)

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com o processamento das emoccedilotildees que por sua vez satildeo moduladas e processadas pelo coacutertex preacute-frontal

Logo a anormalidade estrutural e funcional do ceacuterebro de Weinstein natildeo permitiria que ele esboccedilasse respostas natildeo violentas a anormalidade foi determinante para o cometimento do crime

A Classificaccedilatildeo de Criminosos sob Prisma da Atividade do Coacutertex Preacute-Frontal ndash Criminosos Reativos e Proativos

Atualmente os criminosos podem ser classificados em proativos ou reativos a depender do modo como cometem crimes e do perfil de funcionamento do coacutertex preacute-frontal (Raine 2006 Dodge 1991 Meloy 1988)

Criminosos proativamente agressivos conseguem planejar suas accedilotildees satildeo equilibrados controlados movidos por recompensas externas (materiais) ou internas (psicoloacutegicas) tem sangue frio e natildeo possuem compaixatildeo alguma sendo essas caracteriacutesticas encontradas em assassinos em seacuterie18 Os agressivos reativos possuem sangue quente natildeo conseguem apresentar respostas controladas e racionais quando se deparam a ocasiotildees estressantes ou ateacute mesmo quando satildeo repreendidos

Com base nessa classificaccedilatildeo Raine et al (1998 2006)conseguiram classificar criminosos reativos e proativos de acordo com a atividade do coacutertex preacute-frontal em um estudo intitulado Reduced prefrontal and increased subcortical brain functioning assessed using positron emission tomography in predatory and affective murderers

Nesse trabalho a pesquisa foi iniciada com 41 criminosos e para classificaacute-los em reativosproativos foram analisadas as fichas criminais registros advocatiacutecios depoimentos perante as autoridades policiais e nos tribunais reportagens relatos de psicoacutelogos psiquiatras e assistentes sociais Ao final dos 41 24 foram classificados como

18 ldquoUm monte de assassinos em seacuterie se ajusta a isso ndash como Harold Shipman na Inglaterra que matou um nuacutemero de 284 pessoas a maior parte delas mulheres idosas Ted Kaczynski o Unabomber cuja campanha de terror foi realizada por meio de bombas enviadas pelo correio Peter Sutcliffe que eliminou 13 mulheres no norte da Inglaterra e Ted Bundy que cuidadosamente matou cerca de 35 mulheres jovens muitas delas estudantes universitaacuteriasrdquo (Raine 2015 p 75)

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criminosos reativos e 15 como criminosos proativos alguns possuiacuteam ambas as caracteriacutesticas e foram excluiacutedos do estudo

Tambeacutem foi constatado que o criminoso reativo possui baixo funcionamento da regiatildeo ventral do coacutertex preacute-frontal em contraste com o proativo que possui uma ativaccedilatildeo expressiva na referida regiatildeo o que explicaria porque apenas os uacuteltimos conseguem planejar o crime e ainda obteacutem certa satisfaccedilatildeo psicoloacutegica ao obterem ecircxito

Adrian Raine sugere que as caracteriacutesticas dos criminosos proativos podem ter relaccedilatildeo com as condutas dos terroristas que reagem a um insulto sociopoliacutetico ideoloacutegico planejando cuidadosamente um contra-ataque (Raine 2015)

Eacute importante esclarecer que o coacutertex preacute-frontal estaacute envolvido nas funccedilotildees executivas as quais estatildeo relacionadas com as habilidades para diferenciar pensamentos conflitantes tomada de decisotildees previsatildeo de fatos expectativas baseadas em accedilotildees e controle social de modo que deacuteficits no coacutertex preacute-frontal conduzem a uma maior impulsividade agressividade e inadequaccedilatildeo social em outras palavras eacute responsaacutevel pelo surgimento de um fator criminoloacutegico de muita relevacircncia e ateacute entatildeo desconhecido (Rolls 2004 Holbrook et al 2015)

Aleacutem disso esses achados tambeacutem sugerem que o coacutertex preacute-frontal age controlando as emoccedilotildees desenfreadas geradas por estruturas liacutembicas no caso dos criminosos reativos bem como tambeacutem eacute responsaacutevel pela sofisticaccedilatildeo e planejamento dos crimes cometidos pelos proativos os quais satildeo guiados por uma satisfaccedilatildeo abstrata

Assim as descobertas dos estudos de neuroimagem satildeo corroboradas pelos resultados em neurociecircncias demonstram a existecircncia de uma base neurobioloacutegica para criminalidade e o coacutertex preacute-frontal estaacute envolvido

Pedofilia o Elo entre o Desenvolvimento de um Tumor no Ceacuterebro e o Cometimento de Crimes

Burns amp Swerdlow (2003) relatam a histoacuteria de Michael professor infantil casado tinha uma enteada de 12 anos sem antecedentes psiquiaacutetricos ou de qualquer comportamento desviante era um tiacutepico cidadatildeo estadunidense

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Por volta dos 40 anos de idade o comportamento de Michael comeccedilou a mudar interessando-se por pornografia infantil e culminando no abuso sexual da enteada

Apoacutes foi diagnosticado como pedoacutefilo e condenado pela agressatildeo sexual podendo optar por submeter-se a um tratamento para pedoacutefilos ou cumprir uma pena em regime fechado

Michael optou pelo tratamento mas natildeo demorou para ser expulso do programa uma vez que as tentativas de satisfazer os seus desejos sexuais eram constantes

Um dia antes de iniciar o cumprimento da pena procurou um hospital queixando-se de dor de cabeccedila Apoacutes ser atendido e quando estava prestes a ser liberado alegou que acaso fosse liberado estupraria a dona do local onde estava morando O que forccedilou a equipe meacutedica a internaacute-lo na ala psiquiaacutetrica

O neurologista Russell Swerdlow percebeu problemas na marcha e que Michael urinava sobre si mesmo sem qualquer preocupaccedilatildeo sintomas que o levaram a fazer um exame de Ressonacircncia Magneacutetica do ceacuterebro do paciente

O exame mostrou que Michael tinha um tumor crescendo na base do coacutertex orbitofrontal (sub-regiatildeo do coacutertex preacute-frontal) e comprimindo a regiatildeo preacute-frontal direita conforme observa-se a seguir

Figura 1 ndash Imagem de ressonacircncia magneacutetica do ceacuterebro do Sr Oft Presenccedila de um tumor na regiatildeo do coacutertex orbitofrontal (dentro do ciacuterculo vermelho) A B e C referem-se aos diversos planos do exame Fonte Adaptado - Disponiacutevel em httpsdxdoiorg101001archneur603437 Acesso em 26 jan 2019

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Apoacutes a retirada do tumor pelos neurocirurgiotildees a emoccedilatildeo a cogniccedilatildeo e a atividade sexual de Michael voltaram ao normal e a culpa pelo que havia feito com a enteada vieram agrave tona19

Michael recebeu alta meacutedica concluiu o programa de tratamento de pedoacutefilos e apoacutes alguns meses voltou a residir com a esposa e a enteada

Entretanto apoacutes certo tempo o comportamento de Michael retornou a mesma situaccedilatildeo de antes da retirada do tumor apoacutes exames a mesma equipe meacutedica constatou a recidiva do tumor

Apoacutes a nova cirurgia para retirada o tumor o comportamento voltou a melhorar dessa vez a recuperaccedilatildeo foi completa

O coacutertex orbitofrontal eacute uma sub-regiatildeo do coacutertex preacute-frontal envolvida com a regulaccedilatildeo do controle social Lesotildees nessa regiatildeo comprometem o desenvolvimento do sensojulgamento social e moral resultando no empobrecimento nas tomadas de decisotildees impulsividade e sociopatia Tambeacutem eacute de conhecimento que o coacutertex orbitofrontal eacute uma das estruturas responsaacuteveis pela inibiccedilatildeo dos impulsos sexuais (Eslinger e Damasio 1985 Beauregard et al 2001)

Nesse liame assevera Priscilla Placha Saacute que a pedofilia enseja um julgamento bastante severo em face de quem o pratica no caso em comento para que o juiacutezo de reprovabilidade eacute menor pelo fato de que haacute uma ldquoexplicaccedilatildeordquo neurobioloacutegica bastante razoaacutevel e que natildeo estaacute no domiacutenio do sujeito o tumor eacute o responsaacutevel pela libido pervertida do sujeito e a doenccedila eacute o mal ou seja o conhecimento do fator criminoacutegeno neurobioloacutegico o tumor torna desnecessaacuteria a imposiccedilatildeo de qualquer pena mas impotildee o tratamento adequado caso exista

Assim tem-se que o surgimento de diferentes paradigmas cliacutenicos da neurociecircncia estaacute convergindo para a mesma conclusatildeo de que haacute uma significativa base neurobioloacutegica para a criminalidade

19 O caso descrito foi publicado no artigo cientiacutefico intitulado ldquoRight Orbitofrontal Tumor With Pedophilia Symptom and Constructional Apraxia Signrdquo publicado na revista Archives of Neurology em 2003

224 | Temas em Neurociecircncias

Relaccedilatildeo Temporal entre Lesotildees Cerebrais e o Cometimento de Crimes

Com o intuito de demonstrar que disfunccedilotildees no funcionamento cerebral podem ter um papel relevante para o cometimento de crimes pode-se observar na Tabela 1 alguns casos de correlaccedilatildeo entre a ocorrecircncia de lesotildees cerebrais e o aparecimento do comportamento desviantecometimento de crimes

Tabela 1 - Relaccedilatildeo entre cometimento de crimes apoacutes a lesatildeo de determinadas regiotildees cerebrais (continua)

Caso Comportamento EtiologiaLesatildeo

(idade)Crime

(idade)Referecircncia

1Raiva agressatildeo e incecircndio criminoso

Ressecccedilatildeo de abscesso cerebral

16 48Tonkonogy 1991

2Raiva agressatildeo e destruiccedilatildeo de propriedade

Trauma 23 42Tonkonogy 1991

3Raiva agressatildeo e destruiccedilatildeo de propriedade

Desconhecido 21 42Tonkonogy 1991

4

Agressatildeo verbalfiacutesica mentira roubo falta de empatia culpa remorso e comportamento sexual de risco

Trauma 15 3Anderson et al 1999

5

Agressatildeo verbalfiacutesica mentira roubo falta de empatia culpa remorso e comportamento sexual de risco

Tumor 1 9Anderson et al 1999

6Mentira roubo fraude e crimes financeiros

Tumor 33 33Meyers et al 1992

7Mentira decisotildees financeiras ilegais

Tumor 35 35Eslinger e Damasio 1985

8Roubo agressatildeo e violecircncia

Tumor 56 56Blair e Cipolotti 2000

Fonte Adaptado de Darby 2018 p 601-606

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 225

Tabela 1 - Relaccedilatildeo entre cometimento de crimes apoacutes a lesatildeo de determinadas regiotildees cerebrais (conclusatildeo)

Caso Comportamento EtiologiaLesatildeo

(idade)Crime

(idade)Referecircncia

9Decisotildees financeiras ilegais e desonestidade

Trauma 54 54Tranel et al 2002

10Decisotildees financeiras ilegais e desonestidade

Acidente vascular encefaacutelico

32 32Tranel et al 2002

11Agressatildeo violecircncia roubo e suiciacutedio

Hemorragia sub-aracnoacuteide

5 14Nakaji et al 2003

12 Violecircncia e agressatildeo Tumor 4 6Nakaji et al 2004

13 Estupro (3 vezes) Tumor 26 naMitchell et al 2006

14 Homiciacutedio e estupro Trauma 32 32Mitchell et al 2006

15Homiciacutedio e estupro (2 vezes)

Tumor 14 18Mitchell 2006

16Homiciacutedio da matildee apoacutes tentar o mesmo crime 2 anos antes

Lesatildeo ciruacutergica

40 62Orellana et al 2013

17 Homiciacutedio Trauma 7 34Sener et al 2015

Fonte Adaptado de Darby 2018 p 601-606

Analisando-se a tabela acima eacute possiacutevel constatar a existecircncia do nexo de causalidade entre o aparecimento de tumores traumas lesotildees ciruacutergicas acidentes vasculares encefaacutelicos hemorragias sub-aracnoacuteide ressecccedilatildeo de abscesso cerebral com significativas mudanccedilas comportamentais e com o cometimento de crimes

A Influecircncia da Neurociecircncia nas Decisotildees da Suprema Corte dos EUA ndash Decisotildees Acerca da Culpabilidade Criminal de Adolescentes

A Suprema Corte dos EUA ao longo dos uacuteltimos anos ao julgar casos envolvendo a culpabilidade criminal de jovens fundamentou

226 | Temas em Neurociecircncias

suas decisotildees em estudos de neurociecircncias20 Thompson vOklahoma 487 US 815 (1988)21 Roper v Simmons 543 US 551 (2005)22 Graham v Florida 560 US 48 (2010)23

No caso mais recente (2010) a Corte decidiu que as decisotildees condenavam adolescentes a prisatildeo sem a possibilidade de liberdade condicional satildeo inconstitucionais Neste caso a decisatildeo da Suprema Corte foi baseada em estudos cientiacuteficos que demonstram que os ceacuterebros de adolescentes ainda natildeo estatildeo totalmente desenvolvidos satildeo imaturos no aspecto psicoloacutegico e neurobioloacutegico natildeo sendo portanto plenamente responsaacuteveis pelo seu comportamento como os adultos

Frisa-se que os crimes cometidos por adolescentes normalmente decorrem de decisotildees impulsivas seja porque seus coacutertex preacute-frontais ainda natildeo estatildeo totalmente desenvolvidos seja porque o corpo estriado ventral eacute mais responsivo a recompensas ou estiacutemulos emocionais os levando a assumirem mais riscos24

Jaacute foi constatado que o estriado ventral e o coacutertex ventromedial estatildeo mais ativados durante a adolescecircncia em relaccedilatildeo a infacircncia ou a vida adulta Considerando que essas regiotildees satildeo relevantes no processamento das emoccedilotildees avaliaccedilatildeo das recompensas e puniccedilotildees tudo indica que natildeo eacute plausiacutevel impor uma pena tatildeo severa para um agente que ainda natildeo possui o desenvolvimento mental completo (Hare et al 2008)

Desse modo a neurociecircncia natildeo apenas auxilia a compreender os motivos que levaram o indiviacuteduo a cometer determinado crime podendo tambeacutem ser uma ferramenta de grande valia para aplicar adequadamente as puniccedilotildees agravequeles que violam as leis

20 Steinberg L The influence of neuroscience on US Supreme Court decisions about adolescentsamp39 criminal culpability Nature Reviews Neuroscience v 14 p 513 0612online 2013

21 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus487815gt Acesso em 7 abr 2019

22 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus543551gt Acesso em 7 abr 2019

23 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus56048gt Acesso em 7 abr 2019

24 Steinberg L Should the science of adolescent brain development inform public policy American Psychologist US v 64 n 8 p 739-750 2009 ISSN 1935-990X

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 227

A influecircncia da Neurociecircncia no Direito Penal

Primeiramente eacute importante que nas palavras do professor Luiz Regis Prado (2013) ldquoo delito analiticamente eacute a accedilatildeo ou omissatildeo tiacutepica iliacutecita e culpaacutevelrdquo ou seja possuem trecircs elementos essenciais e necessaacuterios

Tais elementos podem ser melhor compreendidos com a liccedilatildeo de Rogeacuterio Greco que discorre o seguinte

A tipicidade a antijuridicidade e a culpabilidade satildeo trecircs elementos que convertem uma accedilatildeo em um delito A culpabilidade ndash a responsabilidade pessoal por um fato antijuriacutedico ndash pressupotildee a antijuridicidade do fato do mesmo modo que a antijuridicidade por sua vez tem de estar concretizada em tipos legais A tipicidade a antijuridicidade por sua vez tem de estarem concretizadas em tipos legais A tipicidade a antijuridicidade e a culpabilidade estatildeo relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupotildee o anterior (Greco apud Hans Welzel 2012 p 29)

Nesse liame ressalta-se que esse toacutepico ater-se-aacute ao uacuteltimo elemento acima mencionado a culpabilidade

Ao longo dos anos a doutrina tem estudado e formulado diversas teorias sobre acerca da culpabilidade culminando na criaccedilatildeo a teoria limitada da culpabilidade que considera que a culpabilidade eacute composta pelos elementos imputabilidade potencial consciecircncia da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa25 (Masson 2016)

Masson (2016) esclarece a partir da anaacutelise do tratamento do erro (arts 19 e 21 do CP) e do item 19 da Exposiccedilatildeo de motivos da Nova Parte Geral do Coacutedigo Penal eacute possiacutevel constatar que a legislaccedilatildeo Paacutetria acolheu a teoria limitada da culpabilidade

Repete o Projeto as normas do Coacutedigo de 1940 pertinentes agraves denominadas ldquodescriminantes putativasrdquo Ajusta-se assim o Projeto agrave teoria limitada pela culpabilidade que distingue o erro incidente sobre os pressupostos faacuteticos de uma causa de justificaccedilatildeo do que incide sobre a norma permissiva Tal como no

25 Analisando as circunstacircncias judiciais do art 59 caput do Coacutedigo Penal conclui-se que a culpabilidade que ldquose determina pela imputabilidade exigibilidade de conduta diversa e possibilidade do conhecimento do injustordquo (STF - HC 73097 MS)

228 | Temas em Neurociecircncias

Coacutedigo vigente admite-se nesta aacuterea a figura culposa (artigo 17 sect 1ordm)26

De acordo com a doutrina de Miguel Reale Juacutenior (2000) que ldquoculpabilidade eacute a reprovaccedilatildeo por ter o agente agido antijuridicamente optando assim por um desvalor quando podia abster -se de fazecirc-lo jaacute que lhe era facultado motivar-se pelo valor imposto pela norma e pelo valor da norma como deverrdquo

Assim pode-se conceituar a culpabilidade como sendo o juiacutezo de censura o juiacutezo de reprovabilidade que incide sobre a formaccedilatildeo e exteriorizaccedilatildeo da vontade do responsaacutevel por um fato tiacutepico e iliacutecito com o propoacutesito de aferir a necessidade de pena de modo a culpabilidade tambeacutem eacute o fundamento e limite da pena

Quanto ao elemento imputabilidade conforme assevera Nucci (2016) corresponde ao conjunto de condiccedilotildees pessoais envolvendo a inteligecircncia e vontade que permite ao agente ter entendimento do caraacuteter iliacutecito do fato comportando-se de acordo com esse conhecimento possuindo como binocircmio necessaacuterio para a formaccedilatildeo das condiccedilotildees pessoais do imputaacutevel a sanidade mental e maturidade

Nucci (2016) tambeacutem ensina que o inimputaacutevel (doente mental ou imaturo que o menor) natildeo comete crime mas pode ser sancionado penalmente aplicando secirc-lhe medida de seguranccedila27 que se baseia no juiacutezo de periculosidade diverso portanto da culpabilidade nos termos do arts 96 e seguintes do Coacutedigo Penal

Caso o agente natildeo tenha as condiccedilotildees acima mencionadas seraacute considerado inimputaacutevel por faltar-lhe a culpabilidade

Por outro lado se o agente em virtude de perturbaccedilatildeo de sauacutede mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado natildeo era inteiramente capaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento seraacute considerado

26 Disponiacutevel em lthttpswww2camaralegbrleginfeddeclei1940-1949decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-exposicaodemotivos-148972-pehtmlgt Acesso em 1 maio 2019

27 Medida de seguranccedila eacute uma espeacutecie de sanccedilatildeo penal destinada aos inimputaacuteveis e excepcionalmente aos semi-imputaacuteveis autores de fato tiacutepico e antijuriacutedico embora natildeo possam ser considerados criminosos por natildeo sofrerem o juiacutezo de culpabilidade mas sim de periculosidade devendo ser submetidos a internaccedilatildeo ou a tratamento ambulatorial pelo miacutenimo de um a trecircs anos sem prazo maacuteximo definido

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 229

semi-imputaacutevel podendo a pena ser reduzida de um a dois terccedilos (art 26 paraacutegrafo uacutenico CP)28

Como demonstrado anteriormente muitos indiviacuteduos natildeo conseguem entender ou se controlar em situaccedilotildees estressantes natildeo conseguindo exprimir resposta que natildeo seja violenta explosiva e sem qualquer valoraccedilatildeo entre certoerrado ou melhor natildeo conseguem pautar-se por tal compreensatildeo ou sendo ela incompletaparcial e muitas vezes acabam praticando fato tiacutepico e antijuriacutedico mas natildeo culpaacutevel sendo o agente considerado inimputaacutevel ou semi-imputaacutevel a depender da analise concreta

Desse modo um indiviacuteduo que comete um fato tiacutepico e antijuriacutedico sem a plena compreensatildeo do que fazia natildeo merece ser considerado criminoso mas deve ser submetido a medida de seguranccedila

Nesse liame Nucci (2016) esclarece que a medida de seguranccedila natildeo eacute pena mas natildeo deixa de ser uma espeacutecie de sanccedilatildeo penal aplicaacutevel aos inimputaacuteveis ou semi-imputaacuteveis que praticam fatos tiacutepicos e iliacutecitos (injustos) e precisam ser internados ou submetidos a tratamento tratando-se pois de medida de defesa social

Eacute de suma importacircncia a anaacutelise das condiccedilotildees pessoais do agente maturidade (18 anos ou mais) e higidez biopsiacutequica compreendida pela sauacutede mental e capacidade de apreciar a criminalidade do fato para compreender-se adequadamente a culpabilidade

No caso em comento para se averiguar a imputabilidade ou melhor a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade de algum acusado face alguma evidecircncia neurocientiacutefica faz-se necessaacuterio compreender melhor a higidez mental que pode ser avaliada com o auxiacutelio dos seguintes criteacuterios

28 Art 26 - Eacute isento de pena o agente que por doenccedila mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era ao tempo da accedilatildeo ou da omissatildeo inteiramente incapaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

Reduccedilatildeo de pena Paraacutegrafo uacutenico - A pena pode ser reduzida de um a dois terccedilos se o agente em

virtude de perturbaccedilatildeo de sauacutede mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado natildeo era inteiramente capaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

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bull Bioloacutegico leva-se em conta exclusivamente a sauacutede mental do agente isto eacute se o agente eacute ou natildeo doente mental ou possui ou natildeo um desenvolvimento mental incompleto ou retardado A adoccedilatildeo restrita desse criteacuterio faz com que o juiz fique absolutamente dependente do laudo pericial

bull Psicoloacutegico leva-se me consideraccedilatildeo unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caraacuteter iliacutecito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento Acolhido esse criteacuterio de maneira exclusiva torna-se o juiz a figura de destaque nesse contexto podendo apreciar a imputabilidade com imenso arbiacutetrio

bull Biopsicoloacutegico leva-se em conta os dois criteacuterios anteriores ou seja verifica-se se o agente eacute mentalmente satildeo e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento Eacute o princiacutepio adotado pelo Coacutedigo Penal como se pode vislumbrar no art 26 () Logo natildeo eacute suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental mas que exista prova de que esse transtorno afetou realmente a capacidade de compreensatildeo do iliacutecito ou de determinaccedilatildeo segundo esse conhecimento (Nucci 2016 p 269)

No Brasil os juristas ainda satildeo muito resilientes diante da possibilidade de levar situaccedilotildees baseadas na neurociecircncia aos tribunais possivelmente por desconhecimento da infinidade de oportunidades dessa ciecircncia especialmente por permitir o melhor entendimento do crime e do criminoso

A oportunidade de utilizar a neurociecircncia na praacutetica forense pauta-se no criteacuterio biopsicoloacutegico da inimputabilidade (art 26 do CP) e do instrumento processual para dirimir tal controversa corresponde ao incidente da insanidade mental (art 149 e seguintes do CPP) mas acredito que o uacuteltimo ainda natildeo eacute utilizado em sua plenitude pois as modernas teacutecnicas de neuroimagens ainda natildeo satildeo utilizadas

Como demonstramos e defendemos que os crimes podem ter uma origem neurobioloacutegica que decorre de algum defeito congecircnito geneacutetico ou traumaacutetico que altera o funcionamento cerebral

Eacute fato que essas sutis alteraccedilotildees no padratildeo de funcionamento do ceacuterebro soacute podem ser identificadas ao utilizar-se a metodologia adequada como exames de imagens cerebrais de modo que questionamentos ou testes realizados por meacutedicos forenses satildeo incapazes de identificar tais alteraccedilotildees

Eacute importante ressaltar que nesse liame objetivo dos advogados deve ser o de diminuir a responsabilidade legal dos criminosos

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 231

alegando e provando que as anormalidades neurobioloacutegicas afetam o comportamento e a tomada de decisotildees ou seja demonstrando que eacute inimputaacutevel ou semi-imputaacutevel sendo vedada a arguiccedilatildeo geneacuterica sob pena de banalizar-se esse instituto e cair em descreacutedito perante os operadores do direito

Por outro lado promotores de justiccedila podem utilizar a neurociecircncia para demonstrar a periculosidade futura dos criminosos uma vez que a causa bioloacutegica que contribuiu para o cometimento do crime sempre estaraacute presente no indiviacuteduo natildeo restaurando-se com o cumprimento de pena restritiva de liberdade ou tampouco com apoacutes a aplicaccedilatildeo de uma pena alternativamedida de seguranccedila

Assim caberaacute ao juiz ou ao corpo de jurados dependendo do tipo de crime avaliar todas peculiaridades do crime do criminoso e as informaccedilotildees obtidas atraveacutes de exames de imagens em outras palavras o sucesso da defesa estaraacute pautada na escolha do exame de imagem adequado desafiando a aacuterea afetada com o intuito de mostrar a contribuiccedilatildeo da sua disfunccedilatildeo com o cometimento do delito bem como toda a fundamentaccedilatildeoargumentaccedilatildeo neurobioloacutegica a convencer o juiz ou os jurados

No que tange a prova no processo penal assevera Lima (2015) que a confiabilidade eacute o ponto crucial para as provas periciais nos tribunais Em casos que envolvem transtornos mentais os juiacutezes geralmente apoiam as decisotildees em opiniotildees e depoimentos de testemunhas ou de profissionais especializados no cruzamento da sauacutede mental com a lei

Aleacutem disso Nucci (2016) ensina que lei penal adotou o criteacuterio misto (biopsicoloacutegico) sendo indispensaacutevel a existecircncia de laudo meacutedico para comprovar a doenccedila mental ou mesmo o desenvolvimento mental incompleto ou retardado (eacute a parte bioloacutegica) situaccedilatildeo natildeo passiacutevel de verificaccedilatildeo direta pelo juiz

Nada obstante ainda remanesce o lado psicoloacutegico que consiste na capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento compreendendo o caraacuteter iliacutecito do fato Cabendo a anaacutelise desse criteacuterio ao magistrado analisando as provas colhidas ao longo da instruccedilatildeo natildeo ficando adstrito ao laudo podendo aceitaacute-lo ou rejeitaacute-lo no todo ou em parte (art 182 do CPP) ou ateacute mesmo substituir o expert

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A relevacircncia dos exames de imagens e da neurociecircncia na praacutetica forense estaacute justamente em se observar a criminalidade isto eacute observar o substrato neural responsaacutevel pelo delinquente cometer determinado delito observar o que haacute de errado se haacute soluccedilotildees natildeo havendo aplicar-lhe a medida de seguranccedila adequada

Ainda de acordo com Lima (2013) os indiviacuteduos que estudados ateacute o momento podem ser tratados como biodelinquentes que satildeo distinguidos do demais por cometerem a praacutetica delituosa alheios agrave proacutepria voliccedilatildeo e que agem pressionados por transtornos neuroloacutegicos originaacuterios de doenccedilas preacute-existentes adquiridas ou traumatizantes da caixa craniana natildeo alcanccedilaacuteveis ou natildeo pelas teacutecnicas de neuroimagem atuais

Esses biodelinquentes ou apenas criminosos natildeo possuem desenvolvimento mental incompleto ou retardado muitas vezes natildeo sendo abobalhados ou expressando qualquer exteriorizaccedilatildeo dessa disfunccedilatildeo mas conforme ensina Nucci (2016) esses criminosos possuem uma diminuta capacidade de compreensatildeo do iliacutecito ou falta de condiccedilotildees de se autodeterminar conforme o precaacuterio entendimento tendo em vista ainda natildeo ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e fiacutesica seja por conta da idade seja porque apresenta alguma caracteriacutestica particular como o silviacutecola natildeo civilizado ou o surdo-mudo sem capacidade de comunicaccedilatildeo

Ainda sobre a oacutetica da imputabilidade Eagleman (2012) defende que os criminosos que possuem alguma disfunccedilatildeo cerebral deveriam sempre serrem tratados como incapazes de ter atuado de outra maneira de modo que a atividade criminosa deve ser compreendida como produto de uma anormalidade cerebral

Eduardo Demetrio Crespo e Manuel Moroto Calatayud fazem o seguinte alerta

No caso em que novos conhecimentos empiacutericos obtidos por exemplo atraveacutes das modernas teacutecnicas de neuroimagem demonstrem que se vinha imponde penas a suspeitos cuja conduta delitiva agora sabemos se devia a deacuteficits cerebrais isso deve ser levado em conta a favor do autor Em particular eacute muito provaacutevel que os novos conhecimentos deem lugar a uma ampliaccedilatildeo dos casos de inimputabilidade e semi-imputabilidade (Crespo amp Calatayud 2013 p 39)

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 233

Arremata Placha Saacute dizendo que muitos sujeitos foram tratados como crueacuteis e malvados sem na verdade o serem pois natildeo se conhecianatildeo se aplicava a neurociecircncia na praacutetica forense como no caso do homem que comeccedilou a se comportar como um pedoacutefilo quando na verdade era um tumor cerebral que pressionava uma aacuterea responsaacutevel pela libido ou seja o criminoso era o tumor e natildeo o agente

Nessa linha de raciociacutenio eacute que a neurociecircncia por ser tida como uma veia libertadora ao se constatar que a causa do (f)ato eacute uma doenccedila que pode ser extirpada e que pode ser tratada libera-se o sujeito de sua responsabilidade por que natildeo haveria necessidade de imposiccedilatildeo de qualquer imposiccedilatildeo de qualquer consequecircncia juriacutedico-penal por algo que eacute eventual e fora do domiacutenio e do controle de sua vontade Parece que essa possibilidade poderia ser compreendida a parir de uma leitura ampliada do que descrito nos art 26 caput e 28 sect1ordm do Coacutedigo Penal em que a questatildeo do fortuito e da forccedila maior que toma o livre-arbiacutetrio do sujeito excluem sua responsabilidade penal Eacute possiacutevel notar que para alguns haacute certo pesar pelo fato de esse conhecimento neurocientiacuteficos ter sido descoberto soacute mais recentemente o que faria pensar que muitos sujeitos foram tratados como crueacuteis e malvados sem na verdade o serem (Placha Saacute 2014 p 221)

Em decisatildeo que limitou o prazo maacuteximo de cumprimento de medida de seguranccedila tambeacutem eacute importante ressaltar que pelo fato das disfunccedilotildees neurobioloacutegicas em via de regra serem permanentes mesmo apoacutes o cumprimento integral da medida de seguranccedila imposta o agente continuaraacute a ter a disfunccedilatildeo neurobioloacutegica que foi responsaacutevel pelo crime anteriormente cometido

Apesar do agente submetido a excepcional medida de seguranccedila natildeo ter cura ou natildeo se regenerar com os passar os anos veda-se a sua internaccedilatildeo ou enclausuramento por tempo indeterminado nos termos do art 5ordm XLVII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica garantia constitucional abolidora das prisotildees perpeacutetuas

Nesse diapasatildeo o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a medida de seguranccedila tem natureza punitiva razatildeo pela qual a ela se aplicam o instituto da prescriccedilatildeo e o tempo maacuteximo de duraccedilatildeo de 30 anos esse uacuteltimo decorrente da vedaccedilatildeo constitucional agraves penas perpeacutetuas (HC 98360 Rel Min Ricardo Lewandowski Primeira Turma Dje 23102009)

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Feitos tais esclarecimentos pode-se concluir que a neurociecircncia precisa ser inserida na praacutetica forense brasileira a exemplo dos Estados Unidos

Natildeo obstante eacute fato que a utilizaccedilatildeo da neurociecircncia na praacutetica forense depende da participaccedilatildeo e interesse dos seus principais operadores (peritos assistentes teacutecnicos advogados promotores e juiacutezes) possibilitara a evoluccedilatildeo da justiccedila criminal brasileira elevando-a para um novo patamar permitindo a melhor compreensatildeo dos crimes e dos criminosos e por conseguinte lhes seraacute imposta a sanccedilatildeo correta seja ela uma pena seja ela uma medida de seguranccedila Portanto propiciaraacute o alcance da justiccedila criminal

Consideraccedilotildees Finais

A utilizaccedilatildeo da neurociecircncia na praacutetica forense tem o potencial de melhorar a precisatildeo das decisotildees judiciais diminuindo os erros e permitindo a aplicaccedilatildeo sanccedilatildeo adequada e justa aos criminosos bem como possibilita entender as possiacuteveis causas neurobioloacutegicas que levaram criminosos a delinquir

Nada obstante eacute importante ressaltar que que a neurociecircncia seraacute uma relevante ferramenta a serviccedilo da justiccedila ao passo que advogados poderatildeo utilizaacute-la para diminuir a pena e atenuar a responsabilidade dos reacuteus alegando e provando que as anormalidades neurobioloacutegicas afetaram o comportamento e a tomada de decisotildees dos acusados Os promotores poderatildeo demonstrar a periculosidade futura dos acusados uma vez que a causa neurobioloacutegica que contribuiu para o cometimento do crime sempre estaraacute presente no indiviacuteduo natildeo restaurando-se com o cumprimento de qualquer tipo de sanccedilatildeo

Portanto a aplicaccedilatildeo da neurociecircncia a praacutetica forense brasileira seraacute de grnde valia pois aumentaraacute a profundidade das decisotildees judiciais cabendo ao julgador avaliar todas as suas peculiaridades analisar robustos exames de imagens cerebrais e as possiacuteveis influecircncias neurobioloacutegicas bem como sopesar os argumentos e provas produzidas por advogados e promotores ao longo dos processos criminais tudo a fim de se atingir a justiccedila criminal

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 235

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Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos1

Celio Roberto EstanislauUniversidade Estadual de Londrina

Thiago Soares CampoliUniversidade Estadual de Londrina

Rodrigo Moreno KleinUniversidade Estadual de Londrina

Acauatilde Galdino Vieira SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Isis Amanda Andrade AmadeuUniversidade Estadual de Londrina

Guilherme Machado BorgesUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) eacute caracterizado por obsessotildees e compulsotildees As obsessotildees satildeo compostas por conteuacutedos intrusivos tais como pensamentos imagens etc As compulsotildees assumem a forma de atos que podem ser repetitivos estereotipados e perseverantes As compulsotildees constituem tentativas de aliacutevio ainda que temporaacuterio da ansiedade induzida pelas obsessotildees A conexatildeo entre elas eacute no entanto muitas vezes pobre e pouco razoaacutevel (American Psychiatric Association 2013)

A visatildeo tradicional apresenta o TOC como uma doenccedila mental Essa concepccedilatildeo deriva da observaccedilatildeo de que pessoas que preenchem os criteacuterios diagnoacutesticos para o transtorno apresentam disfunccedilatildeo psicoloacutegica sofrimento e resposta culturalmente atiacutepica (Barlow amp Durand 2008)

Autor para correspondecircncia celioestanislau

gmailcom

1 Durante a elaboraccedilatildeo do capiacutetulo nosso grupo contou

com apoio de Fundaccedilatildeo

Araucaacuteria (prot 38134) e Conselho

Nacional de Desenvolvimento

Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

(CNPq) (proc 4712142014-0)

CE recebeu bolsa de pesquisa

do CNPq (proc 3073882015-8) IAAA recebeu

bolsa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica da

Fundaccedilatildeo Araucaacuteria

9

240 | Temas em Neurociecircncias

Com prevalecircncia ao longo da vida de 12 (Kessler et al 2005) e taxas crescentes entre parentes de primeiro grau gecircmeos dizigoacuteticos e monozigoacuteticos respectivamente o TOC seguramente sofre importantes influecircncias de fatores geneacuteticos (American Psychiatric Association 2013) De forma geral caracteres que satildeo transmitidos geneticamente estatildeo por certo sujeitos aos efeitos da seleccedilatildeo com o passar das geraccedilotildees Ou seja o TOC pode evidenciar algum mecanismo que eacute produto da seleccedilatildeo natural Pode o TOC ter raiacutezes em mecanismos originalmente beneacuteficos A resposta a essa pergunta passa por algumas pistas Uma delas eacute a de que eacute notaacutevel a quantidade de pessoas que sem preencher plenamente os criteacuterios para o diagnoacutestico de TOC ainda assim apresentam alguns sintomas ldquosubcliacutenicosrdquo do transtorno (Ruscio Stein Chiu amp Kessler 2010) Outra pista decorre de observaccedilotildees de que na infacircncia eacute comum se observar algumas manifestaccedilotildees que se assemelham a sintomas de TOC Essas manifestaccedilotildees aleacutem de envolverem temaacuteticas como seguranccedila limpeza e acumulaccedilatildeo podem tambeacutem envolver algo que eacute na literatura em inglecircs referenciado como um senso de ldquo just rightrdquo ou seja uma aparente necessidade que a crianccedila pode apresentar de que determinados objetos sejam posicionados de formas especiacuteficas do contraacuterio haacute manifestaccedilotildees de desconforto (Evans amp Leckman 2006) Essas informaccedilotildees oriundas de populaccedilotildees natildeo-cliacutenicas de adultos e de crianccedilas sugerem que o TOC pode consistir de um mau funcionamento de algum mecanismo que estaacute presente nas pessoas em geral

Objetivo

Tendo em conta suas caracteriacutesticas e o papel de fatores geneacuteticos no TOC o objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar uma leitura evolucionista do transtorno baseada num modelo em que convergem modelos funcionais dados neurobioloacutegicos e explicaccedilotildees evolucionistas

Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista | 241

Um Olhar Evolucionista sobre o TOC

Eacute possiacutevel que os comportamentos presentes no TOC tenham efetivamente sido conservados durante a evoluccedilatildeo (Stein 2000) De modo geral pode-se ter como hipoacutetese de trabalho que a forma que caracteriacutesticas psicoloacutegicas assumem atualmente decorre de as mesmas terem sido boas soluccedilotildees para problemas de sobrevivecircncia ou reproduccedilatildeo no passado (Goldfinch 2015) Assim comportamento de limpeza e acumulaccedilatildeo por exemplo teriam trazido algumas vantagens de sobrevivecircncia e portanto foram selecionados No TOC poreacutem satildeo observadas manifestaccedilotildees disfuncionais dos mesmos

Eacute muito conhecida a frase segundo a qual ldquonada na Biologia faz sentido exceto agrave luz da evoluccedilatildeordquo (Dobzhansky 1973) A perspectiva evolucionista aleacutem de como veremos originar teorias e concepccedilotildees sobre os transtornos cumpre um importante papel de princiacutepio integrador Ou seja mesmo teorias que natildeo se originam diretamente dessa perspectiva se tornam mais soacutelidas se sobrevivem ao crivo do olhar evolucionista

Os defensores de um olhar evolucionista apresentam um leque de possiacuteveis explicaccedilotildees para os transtornos (Glass 2012) Um transtorno pode por exemplo representar uma combinaccedilatildeo desastrosa de caracteriacutesticas que individualmente satildeo cada uma adaptativa ou pode constituir um extremo populacional de uma caracteriacutestica que na maior parte da populaccedilatildeo eacute vantajosa ou ainda o que aparece como transtorno em ambiente urbano no seacuteculo XXI eacute constituiacutedo por respostas que seriam adaptativas em ambiente ancestral Isso satildeo apenas exemplos de explicaccedilotildees evolucionistas possiacuteveis

As pressotildees seletivas podem assumir diferentes formas Os seres vivos encaram diversos desafios que podem acarretar danos para sua vida e de seus coespeciacuteficos Predadores contaminaccedilotildees quedas hierarquia social e outras situaccedilotildees podem diminuir a chance de sucesso reprodutivo Alguns desses riscos podem ser ao mesmo tempo extremamente danosos e improvaacuteveis de forma que podem nem mesmo ocorrer no periacuteodo de vida da maioria dos indiviacuteduos Por outro lado a capacidade de antecipar e evitar riscos mesmo que pouco provaacuteveis tem oacutebvia vantagem evolutiva Considerando que o

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TOC eacute uma patologia que envolve obsessotildees e compulsotildees muitas vezes relacionadas agrave seguranccedila do indiviacuteduo e de pessoas proacuteximas a ele pode ser produtivo examinaacute-lo enquanto funcionamento anormal de um sistema psicoloacutegico selecionado para evitar riscos futuros em potencial Tal mecanismo estaria presente nas pessoas em geral

O fenocircmeno cliacutenico das obsessotildees apresenta grande semelhanccedila com algo experimentado por grande parte da populaccedilatildeo os pensamentos intrusivos No estudo de Rachman amp De Silva (1978) aproximadamente 80 da amostra de indiviacuteduos natildeo-psiquiaacutetricos reportaram em um questionaacuterio ter experimentado pensamentos intrusivos O achado foi replicado (Salkovskis amp Harrison 1984) e teve importante impacto na aacuterea (Rassin amp Muris 2007)

Na esteira dos achados de Rachman e De Silva (1978) Muris (1997) estudou se tambeacutem alguns comportamentos ritualiacutesticos semelhantes agraves compulsotildees de pacientes com TOC estariam presentes em indiviacuteduos natildeo-psiquiaacutetricos O autor encontrou que 547 dos entrevistados relataram ter comportamentos ritualiacutesticos como checagem limpeza repetida ou ainda comportamentos de proteccedilatildeo ldquomaacutegicardquo (tocar um objeto de sorte dizer algum nuacutemero em particular ou contar nuacutemeros) Adicionalmente Freeston Ladouceur Thibodeau e Gagnon (1991) relataram que 92 dos estudantes universitaacuterios entrevistados em seu estudo disseram ter desenvolvido alguma atividade sistemaacutetica em resposta a pensamentos intrusivos experimentados Comportamentos ritualiacutesticos como os descritos nesses estudos apresentam semelhanccedilas com as compulsotildees apresentadas por indiviacuteduos com TOC

Conjuntamente essas observaccedilotildees apontam para um continuum entre a populaccedilatildeo cliacutenica e indiviacuteduos sem qualquer transtorno psiquiaacutetrico no que se refere agraves obsessotildees e compulsotildees Aleacutem disso tais observaccedilotildees se alinham agrave noccedilatildeo de que essas caracteriacutesticas foram favorecidas ao longo da evoluccedilatildeo humana

Um curioso aspecto do TOC que merece apreciaccedilatildeo a partir da perspectiva evolucionista satildeo as diferenccedilas de gecircnero Nesse sentido diferenccedilas entre homens e mulheres quanto ao conteuacutedo e forma de obsessotildees e compulsotildees podem estar relacionados com diferenccedilas quanto ao que cada sexo teria enquanto desafios para a promoccedilatildeo de aptidatildeo inclusiva (ou seja a promoccedilatildeo da

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multiplicaccedilatildeo e sobrevivecircncia de coacutepias de seus genes) Dessa forma desafios relacionados agrave formaccedilatildeo de casal e ao cuidado da cria poderiam explicar pelo menos parte das diferenccedilas sexuais A perspectiva evolucionista pode ser aplicada ainda a variaccedilotildees em um dos gecircneros por exemplo ao abordar alteraccedilotildees na intensidade das obsessotildees de contaminaccedilatildeo ao longo do ciclo menstrual de uma mulher Assim a perspectiva evolucionista eacute capaz de gerar hipoacuteteses sobre diferenccedilas de gecircnero que talvez jamais se originariam a partir apenas de investigaccedilatildeo de mecanismos proximais (Saad 2006)

O TOC eacute bastante heterogecircneo de forma que haacute diversas manifestaccedilotildees de obsessotildees e compulsotildees Assim curiosamente duas pessoas diagnosticadas com TOC podem apresentar sintomas que natildeo coincidem Em um estudo epidemioloacutegico dos sintomas obsessivo-compulsivos realizado na National Comorbidity Survey Replication foram entrevistados face a face 9282 indiviacuteduos com idade de 18 anos ou mais sendo que 22 responderam jaacute terem apresentado algum sintoma obsessivo-compulsivo em algum momento da vida e reportaram a seguinte incidecircncia checagem (793) acumulaccedilatildeo (623) ordenaccedilatildeo (57) questotildees morais (43) questotildees sexuaisreligiosas (302) contaminaccedilatildeo (257) preocupaccedilotildees com doenccedilas (143) e outros (19) com 81 dos participantes apresentando sintomas de muacuteltiplos tipos (Ruscio et al 2010)

Os Sintomas de TOC se Agrupam em Torno de Determinados temas

A Yale-Brown Obsessive Compulsive Disorder Symptom Checklist (Y-BOCS) eacute uma lista que abrange 50 tipos de obsessotildees e compulsotildees que representam a maior parte dos sintomas obsessivos-compulsivos observados clinicamente (Goodman et al 1989) Apoacutes seu desenvolvimento houve algumas tentativas de classificar empiricamente os sintomas listados A primeira tentativa ocorreu com Baer (1994) que por meio de anaacutelise fatorial identificou trecircs fatores simetriaacumulaccedilatildeo contaminaccedilatildeochecagem e obsessotildees puras A categoria de obsessotildees puras incluiu obsessotildees relacionadas agrave

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religiatildeo sexualidade eou agressividade em contextos onde suas compulsotildees natildeo fossem prontamente identificaacuteveis

Leckman amp cols (1997) fizeram outra anaacutelise das categorias listadas na Y-BOCS e descrevem um modelo de quatro fatores que envolvem agrupamentos de sintomas obsessivo-compulsivos Esses fatores constituem o que eacute conhecido como as dimensotildees de sintomas do TOC O primeiro agrupamento de sintomas indica associaccedilatildeo entre obsessotildees relacionadas a comportamentos agressivos dirigidos a si e aos outros bem como obsessotildees sexuais e morais ou religiosas Essas obsessotildees satildeo acompanhadas por compulsotildees de checagem O segundo grupo inclui obsessotildees relacionadas agrave simetria exatidatildeo repeticcedilatildeo e compulsotildees de contagem e de ordem O terceiro grupo envolve obsessotildees de contaminaccedilatildeo e compulsotildees de lavagem ou de limpeza O quarto grupo eacute composto pelas obsessotildees e compulsotildees de acumulaccedilatildeo

Se satildeo produto da seleccedilatildeo natural seraacute que esses temas das dimensotildees de sintomas correspondem a possiacuteveis ameaccedilas que poderiam ser prevenidas antecipadamente Glass (2012) faz algumas intrigantes especulaccedilotildees a respeito Em alguns casos eacute mais faacutecil aplicar esse raciociacutenio Por exemplo eacute plausiacutevel conceber que pressotildees seletivas relacionadas agrave contaminaccedilatildeo possam ter favorecido traccedilos que levam a compulsotildees de limpeza Da mesma forma a sazonalidade de determinados recursos ou seja o fato de que em determinadas eacutepocas se tornavam escassos pode ter representado uma pressatildeo para um traccedilo que no extremo leva a compulsotildees de acumulaccedilatildeo Talvez o raciociacutenio de que dimensotildees de sintomas refletem o efeito de uma pressatildeo seletiva deva ir um pouco aleacutem Nesse sentido obsessotildees relacionadas com pensamentos lsquoproibidosrsquo de conteuacutedo moral sexual ou religioso e compulsotildees de checagem que muitas vezes as acompanham talvez reflitam o funcionamento de um mecanismo que resultou de pressotildees por um ceacuterebro que escrutina relaccedilotildees causais e que antecipa possiacuteveis ameaccedilas De forma aproximadamente similar obsessotildees e compulsotildees de repeticcedilatildeo contagem ordem e simetria podem refletir pressotildees seletivas que favoreceram ceacuterebros que buscavam padrotildees regularidades etc

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Aspectos Neurobioloacutegicos do TOC

Se eacute verdade que no TOC ocorre hiper ou mau funcionamento de alguns mecanismos que em sua essecircncia satildeo adaptativos informaccedilotildees provenientes da neurobiologia e da neuropsicologia satildeo pertinentes para a compreensatildeo desses mecanismos em seu funcionamento normal e patoloacutegico Com efeito diversos circuitos e estruturas estatildeo envolvidos no TOC

Uma infinidade de estudos implicam o coacutertex orbitofrontal no TOC Essa aacuterea estaacute associada agrave funccedilatildeo de planejamento e raciociacutenio aleacutem de comportamentos socialmente aceitaacuteveis de forma que sua hipoatividade estaacute relacionada a condutas inapropriadas falhas no planejamento rigidez e inflexibilidade do aprendizado A hiperatividade do coacutertex orbitofrontal por sua vez teria a capacidade de propiciar sintomas como preocupaccedilatildeo social excessiva meticulosidade evitaccedilatildeo e haacutebitos escrupulosos caracteriacutesticas muitas vezes associadas ao TOC (Bruno Basabilbaso amp Cursack 2013) Aleacutem disso a hiperatividade dessa regiatildeo foi vinculada a alguns sintomas caracteriacutesticos do TOC como a apariccedilatildeo de sequecircncias repetitivas observaacuteveis nos rituais compulsivos a rigidez cognitiva o aumento da preocupaccedilatildeo e os sentimentos de culpa que acompanham as obsessotildees (Bruno et al 2013)

O circuito orbitofrontal-estriatal-talacircmico-orbitofrontal eacute relacionado a funccedilotildees executivas as quais satildeo responsaacuteveis por modular processos mentais de alto niacutevel sendo eles sensoriais motores cognitivos mnemocircnicos e afetivos Por meio das funccedilotildees executivas eacute possiacutevel o indiviacuteduo executar tarefas de planejamento monitorar o proacuteprio comportamento e alterar respostas frente a mudanccedilas ambientais A tomada de decisotildees vantajosas exige que essas funccedilotildees trabalhem adequadamente em articulaccedilatildeo com a memoacuteria e a atenccedilatildeo (Cavedini Gorini amp Bellodi 2006)

Os nuacutecleos da base cumprem papel chave nos sintomas de TOC pois participam de um repertoacuterio de padrotildees fixos relacionando-se com funccedilotildees especificamente adaptativas Aleacutem disso organizam-se em um sistema que integra aferecircncias sensoriais (Bruno et al 2013)

A amiacutegdala atua na expressatildeo de respostas de medo de forma que a hiperativaccedilatildeo da amiacutegdala pode causar manifestaccedilotildees

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excessivas dessa emoccedilatildeo mantendo relaccedilatildeo com os transtornos de ansiedade e com o TOC Entretanto enquanto em transtornos de ansiedade os pacientes apresentam conectividade reduzida entre amiacutegdala e coacutertex preacute-frontal pacientes com TOC possuem esta conectividade aumentada O hipocampo por sua vez participa da modulaccedilatildeo das respostas da amiacutegdala proporcionando informaccedilotildees contextuais acerca da situaccedilatildeo de medo (Diniz et al 2012)

Investigaccedilotildees neuropsicoloacutegicas indicam que pacientes com TOC podem apresentar deacuteficits cognitivos em funccedilotildees executivas especialmente quanto ao controle inibitoacuterio e agrave flexibilidade cognitiva (Diniz et al 2012) Em um teste cujo objetivo era avaliar as estrateacutegias utilizadas na tomada de decisatildeo pessoas com TOC tiveram tendecircncia por tomar decisotildees desvantajosas encorajados por possiacuteveis ganhos imediatos enquanto o grupo controle foi haacutebil em selecionar decisotildees vantajosas e evitar as desvantajosas (Cavedini et al 2006) Em comparaccedilatildeo com pacientes portadores de transtorno do pacircnico os pacientes com TOC tambeacutem apresentaram deacuteficits significativos quanto agraves funccedilotildees executivas aleacutem de deacuteficits quanto a habilidades motoras (Diniz et al 2012) Outros estudos apontam que a ativaccedilatildeo dos nuacutecleos da base estaria comprometida devido a alteraccedilotildees no fluxo sanguiacuteneo cerebral de pacientes com TOC Aleacutem disso foi reportado um decreacutescimo na resposta fronto-estriatal de pacientes com TOC durante atividades de planejamento (Cavedini et al 2006)

Como se pode ver a partir desses exemplos de aacutereas cerebrais e funccedilotildees que podem estar alteradas no TOC esse eacute um transtorno complexo resultante de diferentes tipos de disfunccedilotildees A fim de buscar explicar os principais elementos do mau funcionamento observado no TOC modelos explicativos satildeo desenvolvidos A seguir trataremos de um modelo que tem ganhado destaque

Modelos Explicativos do TOC o Sistema Motivacional de Seguranccedila

Vimos que o TOC pode ser expressatildeo de algo moldado pela seleccedilatildeo que crianccedilas e a populaccedilatildeo em geral apresentam por vezes comportamentos semelhantes a sintomas de TOC que esses sintomas podem ser vistos a partir de quatro agrupamentos principais

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(as dimensotildees de sintomas) e vimos que determinadas estruturas encefaacutelicas estatildeo diretamente relacionadas com o transtorno Agora nos direcionaremos para o sistema que teria um mau funcionamento no TOC

Se os sintomas do transtorno estatildeo relacionados com prevenccedilatildeo de alguma adversidade haacute de haver um sistema responsaacutevel pela identificaccedilatildeo desse tipo de cenaacuterio Ao executar essa tarefa o sistema poderia cometer o erro de deixar de identificar uma ameaccedila que de fato iraacute se concretizar ou o erro de identificar como perigoso algo que na verdade eacute inofensivo Dado que o prejuiacutezo no primeiro tipo de erro eacute bem maior que o desperdiacutecio de energia no segundo tipo eacute razoaacutevel que a seleccedilatildeo tenha favorecido um sistema inclinado a apresentar alarmes falsos

Existem diferentes sistemas relacionados agrave defesa e autopreservaccedilatildeo Um cuidado importante ao se descrever a relevacircncia de aspectos emocionais relacionados ao TOC eacute o de diferenciaacute-lo dos transtornos de ansiedade e do proacuteprio medo Por mais que os sintomas se entrelacem o TOC pode ser apresentado como um subproduto do medo tal como a ansiedade Pois sob o ponto de vista das teorias das emoccedilotildees o medo pode ser considerado uma emoccedilatildeo simples e discreta mesmo que seja fundamental e pode aparecer em qualquer sujeito a qualquer fase da vida Jaacute a ansiedade se trata de uma mistura de emoccedilotildees na qual o medo se torna algo predominante (Baptista Carvalho amp Lory 2005 Plutchik 2003)

A hipoacutetese de que a evoluccedilatildeo selecionou um sistema psicoloacutegico dedicado a detecccedilatildeo e prevenccedilatildeo de riscos natildeo eacute nova Abed Pauw e Karel (1999) chamaram de Sistema Involuntaacuterio Gerador de Cenaacuterios de Risco o mecanismo que produziria aprendizagem de esquiva de situaccedilotildees potencialmente danosas ou fatais a partir de cenaacuterios imaginados gerados involuntariamente Esse sistema permitiria que uma pessoa aprendesse a evitar situaccedilotildees de risco potencial sem nunca estar efetivamente na presenccedila de tal perigo De acordo com os autores a excessiva ativaccedilatildeo desse sistema seria o responsaacutevel pelas obsessotildees e compulsotildees no TOC

De forma semelhante Szechtman e Woody (2004) propuseram o sistema motivacional de seguranccedila (SMS) o qual seria dedicado agrave detecccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de perigos potenciais aleacutem da geraccedilatildeo de

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respostas a esses De acordo com essa proposta o sistema possui trecircs moacutedulos o de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais o de motivaccedilatildeo de seguranccedila e o de programaccedilatildeo relacionada a seguranccedila atividade dos quais pode culminar na execuccedilatildeo de respostas viscerais e motoras (Figura 1) Assim inicialmente pistas ambientais mesmo que extremamente sutis satildeo detectadas e avaliadas Se detectadas ameaccedilas para si ou para outros o moacutedulo de motivaccedilatildeo de seguranccedila eacute ativado Ele eacute prontamente ativado e muito lentamente desativado produzindo um sustentado estado emocional de ansiedade e alerta Esse estado emocional estimula a alccedila de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais a continuar buscando pistas ambientais que sinalizam perigo Por fim o subsistema de motivaccedilatildeo de seguranccedila ativa o de programaccedilatildeo relacionada a seguranccedila que conteacutem a programaccedilatildeo espeacutecie-especiacutefica para proteccedilatildeo do indiviacuteduo e de outros Respostas de precauccedilatildeo adequadas aos perigos potenciais satildeo apresentadas A desativaccedilatildeo do sistema ocorreria de duas formas por meio de sinais de seguranccedila produzidos pelas respostas de precauccedilatildeo ou por meio de algo equivalente a um senso de ldquoobjetivo cumpridordquo provocado pela proacutepria emissatildeo dessas respostas

Senso de ldquoobjetivo cumpridordquo

Avaliaccedilatildeo de riscos potenciais

Sinais doambiente

Motivaccedilatildeo de seguranccedila

Programaccedilatildeorelacionadaagrave seguranccedila

Respostasviscerais

e motoras

Figura 1 Visatildeo esquemaacutetica do sistema motivacional de seguranccedila Baseado em Szechtman e Woody (2004)

Para Szechtman e Woody (2004) problemas no SMS poderiam explicar tanto a sintomatologia do TOC quanto a de transtornos de ansiedade em especial a do de ansiedade generalizada Em relaccedilatildeo ao TOC os autores salientam que as compulsotildees seriam consequecircncia de uma inefetiva desativaccedilatildeo do sistema devido agrave ausecircncia do senso de ldquoobjetivo cumpridordquo acima mencionado

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Sem a desativaccedilatildeo produzida por esse sinal comportamentos de prevenccedilatildeo de possiacuteveis riscos seriam continuamente apresentados Jaacute o transtorno de ansiedade generalizada ocorreria pela excessiva ativaccedilatildeo do primeiro moacutedulo o de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais mas com efetiva desativaccedilatildeo por emissatildeo de comportamentos de proteccedilatildeo

O SMS portanto participaria da avaliaccedilatildeo e gerenciamento de risco potencial sendo uacutetil para a compreensatildeo dos sintomas do TOC os quais muitas vezes estatildeo relacionados com proteccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de risco como quando assumem a forma de pensamentos recorrentes e persistentes ou comportamentos repetitivos e rituais Com isso o TOC aparenta decorrer de disfunccedilatildeo nesse sistema Essa disfunccedilatildeo pode decorrer de problemas de iniciaccedilatildeo dos comportamentos relacionados agrave seguranccedila (haveria excitaccedilatildeo do sistema em intensidade patoloacutegica) ou de problemas de interrupccedilatildeo dos mesmos (por falha no processo normal de finalizaccedilatildeo) (Szechtman amp Woody 2004) O TOC seria assim produto da falha de um mecanismo de ldquosaciedaderdquo para comportamentos relacionados agrave prevenccedilatildeo de ameaccedilas

A esse sistema correspondem circuitos neurobioloacutegicos (Woody amp Szechtman 2011) que se baseiam em alccedilas envolvendo conexotildees coacutertico-estriado-paacutelido-taacutelamo-corticais em interaccedilatildeo com o tronco encefaacutelico Dessa forma existe a alccedila de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais que processa diversos inputs sensoriais e emocionais e por isso deve receber inputs de regiotildees corticais e liacutembicas Comporiam essa alccedila o hipocampo a amiacutegdala e o nuacutecleo leito da estria terminal Passando para a segunda a alccedila de afeto e motivaccedilatildeo de seguranccedila a qual seria composta por um circuito nuacutecleos da base-taacutelamo-cortical Esse circuito envolveria uma parte liacutembica do estriado Essa alccedila teria a capacidade de prolongar e sustentar a ativaccedilatildeo uma propriedade fundamental da motivaccedilatildeo A reverberaccedilatildeo dessa alccedila ativaria a terceira alccedila A alccedila de programaccedilatildeo relacionada agrave seguranccedila implementaria seus programas por meio de outro circuito nuacutecleos da base-taacutelamo-cortical Esse circuito envolveria uma parte motora do estriado Por fim haacute a rede de outputs do tronco Nuacutecleos do tronco encefaacutelico servem de mediadores entre programas motores relacionados agrave seguranccedila e respostas comportamentais Aleacutem disso outputs do tronco atingem a parte liacutembica do estriado bem como as

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regiotildees medial e orbital do coacutertex preacute-frontal Dessa forma o tronco teria um papel importante na produccedilatildeo de retroalimentaccedilatildeo negativa para a motivaccedilatildeo de seguranccedila o que eacute experimentado como o senso de objetivo cumprido

O funcionamento do SMS se desdobraria ainda em respostas fisioloacutegicas em termos de atividade endoacutecrina e autonocircmica Pelo fato do sistema ser ativado por ameaccedilas potenciais e estar voltado para a accedilatildeo satildeo necessaacuterios recursos energeacuteticos para o trabalho fiacutesico e que potencializem os mecanismos psicoloacutegicos de detecccedilatildeo de ameaccedilas (Woody amp Szechtman 2011)

Portanto de acordo com essa perspectiva o TOC seria uma disfunccedilatildeo do SMS a qual resultaria de uma accedilatildeo insuficiente da rede de outputs do tronco a qual eacute responsaacutevel por um mecanismo especiacutefico equivalente ao de saciedade poreacutem relacionado agrave seguranccedila O hipofuncionamento desse mecanismo faria com que natildeo ocorresse a inibiccedilatildeo normal das alccedilas de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais e de motivaccedilatildeo de seguranccedila

Implicaccedilotildees para a Compreensatildeo do Transtorno

Um conceito que pode contribuir para a reflexatildeo sobre o caraacuteter patoloacutegico do TOC eacute o de disfunccedilatildeo prejudicial (Wakefield 1992) Esse conceito estabelece dois criteacuterios para que uma alteraccedilatildeo possa verdadeiramente ser considerada um transtorno A alteraccedilatildeo deveria consistir de uma disfunccedilatildeo ou seja de um mau funcionamento de algum sistema e em acreacutescimo a isso a alteraccedilatildeo deveria tambeacutem causar algum tipo de prejuiacutezo para o indiviacuteduo ou para a sociedade Dessa forma por exemplo a tendecircncia que as pessoas tecircm por preferirem alimentos doces e gordurosos embora certamente seja prejudicial natildeo constituiria disfunccedilatildeo psicoloacutegica pois eacute uma manifestaccedilatildeo de comportamento adaptativo (ie funcional) em ambiente ancestral Assim essa tendecircncia natildeo deveria ser considerada um transtorno De forma reversa alguma alteraccedilatildeo que representasse uma alteraccedilatildeo no funcionamento (disfunccedilatildeo) mas que natildeo resultasse em prejuiacutezos tambeacutem natildeo deveria ser considerada um transtorno

Ainda que se possa conceber uma origem adaptativa para o TOC ao se aplicar a noccedilatildeo de disfunccedilatildeo prejudicial chega-se a

Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista | 251

conclusatildeo de que o TOC constitui verdadeiramente um transtorno pois gera sofrimento (prejuiacutezo) e consiste de um exagero ou mau funcionamento de um mecanismo que originalmente pode ter sido beneacutefico Nesse sentido pode ser uacutetil o conceito de SMS (Szechtman amp Woody 2004) abordado anteriormente o qual acionaria comportamentos que garantiriam a prevenccedilatildeo de ameaccedilas Um sistema motivacional como esse aumentaria a aptidatildeo de seu portador por tratar antecipadamente de ameaccedilas que possam vir a se materializar Natildeo obstante seu valor de sobrevivecircncia um mecanismo como esse ao apresentar um mau funcionamento poderia constituir a base para a manifestaccedilatildeo de diversos sintomas de TOC

As dimensotildees de sintomas tambeacutem podem ter implicaccedilotildees para a compreensatildeo do TOC Conforme apresentado em outra parte desse texto os sintomas de TOC formam quatro agrupamentos principais Esses agrupamentos podem ter sido selecionados de forma paralela posto que se relacionam com problemas de sobrevivecircncia especiacuteficos Essas dimensotildees de sintomas levantam inclusive a possibilidade de que estejam sendo tratados de forma unitaacuteria fenocircmenos de categorias diferentes Algo que poderaacute ser determinado por estudos futuros eacute se cada uma das dimensotildees de sintomas constituiria um transtorno a parte com bases geneacuteticas e neurobioloacutegicas distintas

Atualmente o tratamento do TOC eacute feito por meio de terapias farmacoloacutegicas e psicoloacutegicas Dentre os tratamentos mais efetivos estatildeo a farmacoterapia com inibidores seletivos de recaptaccedilatildeo de serotonina (Soomro Altman Rajagopal amp Oakley Browne 2008) e terapias cognitivas e comportamentais (Gava et al 2007) Em alguns casos recorre-se ainda a faacutermacos antipsicoacuteticos e ateacute mesmo agrave neurocirurgia (Dougherty et al 2002 Stahl 2000) O fato de que eacute difiacutecil prever qual desses eacute o tratamento mais recomendaacutevel para determinada pessoa combinado agrave heterogeneidade que o transtorno apresenta a qual eacute ilustrada pelas diferentes dimensotildees de sintomas previamente abordadas eacute algo que fortalece a suspeita de que possa haver subtipos de TOC cada um talvez com resposta diferente para cada tratamento

Isso ilustra que as implicaccedilotildees da visatildeo evolucionaacuteria sobre o TOC podem atingir o niacutevel da prevenccedilatildeo e do tratamento Com efeito em um artigo que aborda a lsquoPsicologia cliacutenica evolucionaacuteriardquo Glass

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(2012) faz uma seacuterie de apontamentos nesse terreno A seguir alguns deles satildeo brevemente apresentados

Em primeiro lugar a leitura evolucionista do transtorno aponta e dados empiacutericos suportam (Ruscio et al 2010) que caracteriacutesticas de TOC estatildeo presentes na populaccedilatildeo em geral em niacuteveis abaixo do lsquolimiarrsquo patoloacutegico Essa noccedilatildeo pode contribuir para que os profissionais de sauacutede sejam mais empaacuteticos com pessoas diagnosticadas com o transtorno

Havendo o entendimento de que os sintomas de TOC consistem de disfunccedilatildeo de mecanismos que em sua essecircncia satildeo adaptativos uma possiacutevel abordagem ao problema seria no lugar de se tentar erradicar os sintomas se buscar a sua reduccedilatildeo para niacuteveis aceitaacuteveis Programas de tratamento poderiam ser consideravelmente diferentes ao se adotar esse ponto de vista

No plano da prevenccedilatildeo na infacircncia o autor faz alguma recomendaccedilatildeo tambeacutem Essa se daacute com base na observaccedilatildeo de que as compulsotildees na infacircncia estatildeo muitas vezes relacionadas ao tema da seguranccedila como por exemplo com relaccedilatildeo agrave proximidade da figura de apego Assim a prevenccedilatildeo passaria por garantir por meio de diferentes estrateacutegias que a crianccedila natildeo se sentisse ameaccedilada de forma que sentimentos de seguranccedila pudessem se perpetuar tanto quanto possiacutevel

Consideraccedilotildees Finais

O TOC eacute um transtorno com componentes cognitivos e comportamentais que se por um lado pode envolver consideraacutevel grau de sofrimento e comprometer o funcionamento individual por outro lado aparenta ter elementos presentes de forma branda na populaccedilatildeo natildeo-cliacutenica Os sintomas de TOC se agrupam em torno de determinados temas os quais podem ter relaccedilatildeo com prevenccedilatildeo de ameaccedilas potenciais Essas observaccedilotildees combinadas agrave participaccedilatildeo do fator geneacutetico no TOC fazem da perspectiva evolucionista um prisma importante para a compreensatildeo desse transtorno Com efeito essa perspectiva tem contribuiacutedo para a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e o desenvolvimento da pesquisa desde os aspectos de caracterizaccedilatildeo do transtorno ateacute agrave sua prevenccedilatildeo e tratamento

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SECcedilAtildeO III

ASPECTOS CLIacuteNICOS E NEUROCIEcircNCIAS

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem

Clay Brites

Introduccedilatildeo

Desde o final do seacuteculo XIX surgiram vaacuterias evidecircncias de que indiviacuteduos com lesotildees cerebrais em determinadas aacutereas poderiam apresentar perda da fluecircncia da fala e na capacidade de entender a linguagem falada lida ou escrita (Shaywitz 2006) Broca (1861) e Wernicke (1874) foram os primeiros a estudar e concluir que lesotildees nas regiotildees correspondentes ldquo`a base da leiturardquo que eacute a fala e a linguagem (Figura 1) poderiam resultar em deficiecircncias motoras e de compreensatildeo ou expressatildeo de linguagem e observaram que estes pacientes - antes leitores fluentes - perdiam a capacidade de ler e de entender textos pela leitura (Shaywitz 2006) Esta associaccedilatildeo de causa e efeito adquirida foi o primeiro passo dado na neurologia para se entender como o ceacuterebro lecirc e a relaccedilatildeo entre o processamento cerebral da leitura e habilidades correlacionadas

Com o tempo as pesquisas comeccedilaram a mostrar que algumas pessoas - provenientes de algumas famiacutelias - natildeo conseguiam aprender a ler e escrever mesmo sem qualquer motivo aparente nem sinais quaisquer de comprometimento neuroloacutegico Este cenaacuterio de ldquoproblema congecircnito e geneacuteticordquo uma condiccedilatildeo inata passou a ser amplamente avaliada a fim de se buscar causas e explicaccedilotildees desde o iniacutecio do seacuteculo passado Esta condiccedilatildeo passou a ser denominada de dislexia do desenvolvimento onde a leitura por motivos ainda desconhecidos natildeo se desenvolve normalmente mesmo na ausecircncia de lesotildees cerebrais visiacuteveis Sem lesotildees ou cicatrizes a rede neuronal na dislexia natildeo apresenta bom funcionamento estando associado a problemas de conexatildeo nas aacutereas essenciais para o processamento da

Autor para correspondecircncia

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260 | Temas em Neurociecircncias

leitura (Finn et al 2014 Xu Yang Siok amp Tan 2015 Paz-Alonso et al 2018)

Loacutebulo parietalAacuterea Wernicke

Loacutebulo occipital

Loacutebulo temporal

Aacuterea Broca

Loacutebulo frontal

Figura 1 Ilustraccedilatildeo mostrando as referidas aacutereas descritas por Broca e Wernicke que lesadas levam a comprometimento da fala e da linguagem e portanto a problemas na habilidade de ler

Neste sentido a busca pela rede disfuncional levaram os pesquisadores meacutedicos e natildeo meacutedicos a um longo caminho ateacute o final dos anos 1970 quando o banco de ceacuterebros post-mortem criado pelo neurologista Drake Duane para pesquisar e comparar ceacuterebros de disleacutexicos com os de indiviacuteduos normais permitiu concluir que existia diferenccedilas nas estruturas ligadas `a linguagem no hemisfeacuterio esquerdo (Galaburda et al 1985)

Esta constataccedilatildeo deu iniacutecio a sucessivas pesquisas acerca das bases neurobioloacutegicas da dislexia desencadeando vaacuterias abordagens de investigaccedilatildeo nas mais diversas aacutereas do conhecimento meacutedico e interdisciplinar nestes pacientes estudos prospectivos e retrospectivos do desenvolvimento neuropsicomotor e da linguagem estudos cliacutenicos comparativos com grupos controle resposta evolutiva a determinados tipos especiacuteficos de intervenccedilatildeo estudos randomizados avaliaccedilotildees geneacuteticas de genes-candidatos estudos

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de interaccedilatildeo gene-ambiente resposta evolutiva a faacutermacos etc (Rotta Riesgo amp Ohlweiler 2006 Hoeft et al 2006 Hoeft et al 2011 Hosseini et al 2013 Finn et al 2014 Norton et al 2014 Ma et al 2015 Peterson amp Penningtton 2015) Dentre tantos tipos de estudos mais recentemente somado aos avanccedilos tecnoloacutegicos para visualizaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento cerebrais destacam-se os estudos que envolvem a utilizaccedilatildeo da neuroimagem

A neuroimagem eacute uma modalidade de investigaccedilatildeo meacutedica que tem a finalidade de permitir por meio de teacutecnicas radioloacutegicas mais avanccediladas uma compreensatildeo mais detalhada do processamento de informaccedilotildees nas redes neuronais durante determinadas accedilotildees sequenciais comportamentos especiacuteficos e reaccedilotildees emocionais ou cognitivas de maior ou menor resposta A magnitude e a frequecircncia das ativaccedilotildees podem revelar se houver significacircncia estatiacutestica se o cruzamento e a comparaccedilatildeo dos padrotildees de ativaccedilatildeo satildeo normais patoloacutegicos eou disfuncionais (Galaburda amp Kemper 1979) Os avanccedilos tecnoloacutegicos e neurocientiacuteficos das uacuteltimas deacutecadas aliados ao desenvolvimento cada vez maior e mais amplo do campo da neuropsiquiatria neurodesenvolvimento infantil e da neuropsicologia tem transformado a neuroimagem num instrumento fortuito e eficaz para o estudo mais estruturado e objetivo de condiccedilotildees meacutedicas que ainda natildeo apresentam marcadores bioloacutegicos especiacuteficos eou onde o distuacuterbio estudado tem caraacuteter cliacutenico dimensional e disfuncional e que assim necessitam de descriccedilotildees endofenotiacutepicas como referecircncia para um diagnoacutestico mais seguro como os transtornos neuropsiquiaacutetricos e os transtornos de aprendizagem (Eckert et al 2003)

Meacutetodos de Investigaccedilatildeo em Neuroimagem na Dislexia

Desde a introduccedilatildeo da Tomografia Computadorizada em 1971 (Kingsley 2001) as teacutecnicas de neuroimagem tem avanccedilado rapidamente passando da avaliaccedilatildeo anatocircmica macroscoacutepica para uma anaacutelise microscoacutepica e funcional Este desenvolvimento - que envolveu tecnologia estatiacutestica e biologia molecular - permitiu aprofundar os estudos de distuacuterbios funcionais ou conectivos do

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sistema nervoso central (SNC) aleacutem de condiccedilotildees patoloacutegicas do comportamento e da aprendizagem A tomografia de emissatildeo de poacutesitrons (PET) foi a primeira tecnologia desenvolvida para estudar o ceacuterebro em funcionamento (Tuchman 1999) ela envolve a mensuraccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo para regiotildees do ceacuterebro por meio do uso de um composto radioativo inoacutecuo injetado na corrente sanguiacutenea (Figura 2) Devido a dificuldades teacutecnicas e por ser invasiva aos poucos ela foi sendo suplantada pela ressonacircncia magneacutetica funcional (RMf) a qual permite que se visualize o funcionamento interno do ceacuterebro de forma completamente natildeo-invasiva (Figura 3)

Figura 2 PET (Tomografia por Emissatildeo de Proacutetons)

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Figura 3 RMf (Ressonacircncia Magneacutetica Funcional)

Figura 4 SPECT (Single Photon Emission CT)

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Figura 5 Tractografia

Atualmente a RMf eacute o meacutetodo mais utilizado para estudar o SNC em funcionamento (Shaywitz 2006) e detecta alteraccedilotildees regionais de fluxo sanguiacuteneo eou do niacutevel de oxigenaccedilatildeo do sangue sinalizando o niacutevel de atividade neuronal Ele proporciona maior resoluccedilatildeo espacial e permite maior acuraacutecia na elucidaccedilatildeo de alteraccedilotildees dinacircmicas e de redes conectivas do SNC onde a base neurobioloacutegica ainda eacute incerta A imagem resultante auxilia muito no cruzamento de dados com testes neuropsicoloacutegicos tratamentos farmacoloacutegicos e intervenccedilotildees comportamentais assim como tem tambeacutem sido utilizado em cruzamento com testes geneacuteticos nos distuacuterbios do desenvolvimento ou nos ldquofenoacutetipos cognitivosrdquo (Seyffert amp Silva 2005)

Aleacutem dos meacutetodos anteriores haacute tambeacutem a tractografia (Figura 4) o qual eacute oriundo da tecnologia da ressonacircncia magneacutetica onde o princiacutepio se baseia em detectar a movimentaccedilatildeo das moleacuteculas de aacutegua intracelulares dos tecidos da substacircncia branca cerebral Como estas moleacuteculas se deslocam mais raacutepido no sentido das fibras neuronais do que lateralmente a estas fibras eacute possiacutevel que a imagem impressa evidencie as vias neuronais e suas conexotildees e estas aparecem em 3D com seus prolongamentos (Ribas amp Teixeira 2011) Esta portanto tem o intuito de analisar a integridade das redes e possiacuteveis anormalidades estruturais das vias anatocircmicas envolvidas nas mais diversas funccedilotildees cerebrais siacutendromes conectivas ou geneacuteticas como a Dislexia (Hosseini et al 2013)

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Enfim haacute tambeacutem o SPECT (em inglecircs ldquoSingle Photon Emission Computer Tomographyrdquo na Figura 5) o qual consiste na injeccedilatildeo endovenosa de radiofaacutermacos lipossoluacuteveis os quais atravessam a barreira hemato-encefaacutelica e se concentram dentro das ceacutelulas cerebrais (Tuchman 1999) Sua concentraccedilatildeo local aumenta com a intensidade do metabolismo cerebral que significa proporcionalmente maior atividade ou vice-versa

Os recursos de neuroimagem ainda natildeo podem ser utilizados como meio de confirmaccedilatildeo diagnoacutestica mas satildeo ferramentas fundamentais para pesquisa cientiacutefica cujo papel eacute auxiliar na localizaccedilatildeo da anormalidade funcional quando se compara imagens de indiviacuteduos afetados com indiviacuteduos normais ou em estado distinto de desenvolvimento Permitem observar modificaccedilotildees amplificaccedilotildees ou reduccedilotildees de aacutereas funcionais e vias neuronais em vaacuterias situaccedilotildees como 1) descriccedilatildeo de um processo relacionado ao desenvolvimento cerebral 2) indicar uma lesatildeo congecircnita ou adquirida (aguda ou crocircnica) 3) recurso para avaliarexplicar mecanismos de accedilatildeo de medicaccedilotildees psicofarmacoloacutegicas 4) auxiliar na observaccedilatildeo evolutiva de teacutecnicas de reabilitaccedilatildeo apoacutes o indiviacuteduo ser submetido a um longo processo de intervenccedilatildeo nos transtornos neuropsiquiaacutetricos ou de remediaccedilatildeo nos transtornos de desenvolvimento

Na Dislexia a neuroimagem tem tido um papel cada vez mais proeminente e decisivo na pesquisa cientiacutefica pois desponta como meacutetodo objetivo e comparativo de identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo das heterogecircneas disfunccedilotildees cerebrais que fazem parte de sua fisiopatologia e como recurso para testar a eficaacutecia de meacutetodos de intervenccedilatildeo psicoeducacionais metacognitivas e de remediaccedilatildeo fonoloacutegica Os tipos de neuroimagem mais utilizados para este fim satildeo os de perfil de anaacutelise funcional os quais foram descritos sumariamente acima

Pesquisas em Dislexia e Neuroimagem

A Dislexia sob o ponto de vista etioloacutegico desenvolvimental e neuropsicoloacutegico eacute considerada uma disfunccedilatildeo do SNC com comprometimento nas conexotildees e vias neuronais responsaacuteveis pelo desenvolvimento da habilidade de leitura as quais agem em

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dupla-via simultaneamente e sincronizada uma eacute de nomeaccedilatildeo raacutepida (visuoespacial) a outra de habilidade fonoloacutegica (auditivo-linguiacutestica) (Hosseini et al 2013 Paz-Alonso et al 2018) Deve-se excluir os transtornos do espectro autista (TEA) deficiecircncia intelectual deacuteficits sensoriais (visual e auditivo) eou condiccedilotildees supostamente inadequadas de alfabetizaccedilatildeo e de processos insuficientes de ensino-aprendizagem da leitura eou acrescido de problemas psicossociais segundo o DSM-V (2013) Diante deste panorama e de diversas condiccedilotildees que podem se sobrepor no contexto escolar e cliacutenico eacute relevante considerar no meio cientiacutefico a dificuldade que se tem quanto ao diagnoacutestico da mesma pois acresce-se ainda que a Dislexia natildeo tem um marcador bioloacutegico (Peterson amp Penningtton 2015)

Na literatura nacional e internacional nota-se que a Dislexia eacute acompanhada por alteraccedilotildees em funccedilotildees cognitivas como na organizaccedilatildeo percepto-motora processamento visual e auditivo e no complexo sistema fonoloacutegico da informaccedilatildeo (tanto linguiacutestico como executivo) indicando disfunccedilotildees na regiatildeo associativa tecircmporo-parieto-occipital Simos et al 2005 Maisog Einbinder Flowers Turkeltalb amp Eden 2008 Hosseini et al 2013 Norton et al 2014 Ma et al 2015 Xu et al 2015 Paz-Alonso et al 2018) caracterizando maior comprometimento em acesso ao leacutexico mental e levando assim a uma significativa dificuldade em produzir e aprender por meio dos processos que envolvem leitura

Em seu trabalho pioneiro Galaburda e cols (1979 e 1985) descreveram anormalidades em regiotildees perisylvianas e taacutelamo e a ausecircncia da assimetria direita-esquerda do plano temporal (Figura 6) ao examinar um pequeno nuacutemero de ceacuterebros post-mortem de pacientes disleacutexicos (Xu et al 2015) Desde entatildeo vaacuterios estudos com tomografia computadorizada e ressonacircncia magneacutetica cerebrais surgiram no sentido de pesquisar as correlaccedilotildees neuroanatocircmicas (Galaburda amp Kempe 1979) A despeito das inconsistecircncias trecircs regiotildees foram descritas como anormais e associadas ao distuacuterbio (Eckert et al 2003) o giro frontal inferior o giro temporal superior giro frontotemporal esquerdo (Hoeft 2011) o coacutertex temporo-parietal (Eckert et al 2003 Dufor Serniclaes Sprenger-Charolles amp Deacutemonet 2007) e o cerebelo (Eckert et al 2003) Mais tarde Rumsey et al (1997) acharam por estudos de imagem neurofuncional o envolvimento de regiotildees temporais e temporoparietais na dislexia (Carter et al 2009)

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A

Sulco lateral

Planum temporaleB

Figura 6 Ilustraccedilatildeo mostra a sequecircncia de cortes realizados no ceacuterebro mostrando os hemisfeacuterios e depois novo corte expondo os planos temporais direito e esquerdo (B) Este esquema reproduz a pesquisa de Galaburda e cols Aqui observa-se a assimetria normal

Assim desde entatildeo progressivamente os meacutetodos de neuroima-gem estrutural microestrutual e de novas teacutecnicas comparativas tem sido combinados para proporcionar uma anaacutelise simultacircnea tanto da estrutura quanto da funccedilatildeo de forma a ampliar a identificaccedilatildeo de regiotildees cerebrais anatomicamente intactas (Frederickson Goodwin Savage Smith amp Tuersley 2005) A anaacutelise por estes meacutetodos permitem que se avalie a estrutura cerebral observando quais aacutereas cerebrais se ativam ou natildeo durante uma determinada tarefa Durante a tarefa de leitura por exemplo eacute possiacutevel ativar as regiotildees cerebrais esperadas para esta atividade simultaneamente ou em sequecircncia (Norton et al 2014) Num ceacuterebro normal eacute exatamente isto que se

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espera mas no ceacuterebro de um disleacutexico estas ativaccedilotildees podem natildeo acontecer ou o recrutamento das vias neuronais pode ser diferente (Figura 7) (Xu et al 2015)

Leitor habitual

Leitor dislexo

Maacutexima

Moderada

Miacutenima

Nenhuma

Figura 7 Nesta ilustraccedilatildeo observa-se a diferenccedila de ativaccedilatildeo de regiotildees cerebrais durante a atividade de leitura entre um leitor normal (acima) e um leitor disleacutexico (abaixo) Ela reproduz esquematicamente um exame de imagem funcional (Rotta 2006)

Quando se avalia indiviacuteduos com dislexia em exames funcionais como a RMf ou o PET estas diferenccedilas ocorrem nitidamente Nestes pacientes as regiotildees temporo-occiptais e temporo-parietais natildeo se ativam durante a leitura e observa-se uma maior ativaccedilatildeo frontal compensatoacuteria quando comparados com indiviacuteduos

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 269

normais (Norton et al 2014 Stern amp Shalev 2013) (Figura 8) Outras investigaccedilotildees mostraram diferenccedilas comparado aos controles no cerebelo (Vaughn et al 2006) e estudos com SPECT tem mostrado que crianccedilas com distuacuterbios de decodificaccedilatildeo tem menor ativaccedilatildeo da regiatildeo perisilviana (Lou Henriksen amp Bruhn 1990)

Desta forma estudos mais pormenorizados na dislexia (Wang Yang Ying Chen Liu amp Luo 2013 McCarthy Skokauskas amp Frodl 2013) trazem novos conhecimentos a respeito da natureza e localizaccedilatildeo de anormalidades estruturais como observado pelo menor volume de substacircncia cinzenta no giro fusiforme bilateral em indiviacuteduos com dislexia em liacutenguas alfabeacuteticas e funcionais contribuindo para a compreensatildeo da neuropatologia de alteraccedilotildees neuropsicoloacutegicas e possiacuteveis formas de intervenccedilatildeo nestes quadros (Galaburda amp Kempe 1979 Eckert et al 2003 Ma et al 2015)

Estudos nacionais (Heim amp Keil 2004 Arduini Capellini amp Ciasca 2006) e internacionais (Cao Bitan amp Booth 2008 Gabrieli 2009) utilizam diversos paradigmas relacionando as alteraccedilotildees neuropsicoloacutegicas e diferentes anaacutelises por imagem como por exemplo o processamento auditivo e SPECT onde haacute diferenccedilas significativas quanto ao funcionamento na regiatildeo temporal esquerda entre indiviacuteduos com dislexia e controles (Frederickson Goodwin Savage Smith amp Tuersley 2005) hipoperfusatildeo de lobo temporal e alteraccedilotildees em leitura escrita e memoacuteria (Arduini Capellini amp Ciasca 2006) bem como diminuiccedilatildeo na conexatildeo entre o giro fusiforme esquerdo e o lobo parietal inferior sendo este uacuteltimo relacionado a integraccedilatildeo da ortografia e fonologia (Cao Bitan amp Booth 2008) No entanto o funcionamento de aacutereas cerebrais na dislexia tambeacutem deve ser relacionado agrave liacutengua na qual o indiviacuteduo foi exposto jaacute que haacute diferenccedilas no funcionamento de aacutereas relacionadas agrave estrutura alfabeacutetica ou logograacutefica (Siok Niu Jin Perfetti amp Tan 2008 Xu et al 2015)

As atividades cognitivas realizadas com diferentes tipos de exames de neuroimagem evidenciam as aacutereas relacionadas no coacutertex cerebral nos pacientes com dislexia como em tarefas de discriminaccedilatildeo de fonemas onde eacute possiacutevel observar menor ativaccedilatildeo de regiotildees frontal e parietal quando comparados a controles leitura de palavras e textos nomeaccedilatildeo automaacutetica raacutepida e rima em exames de ressonacircncia magneacutetica funcional PET e tensatildeo de difusor (Sauer Pereira Ciasca Pestun amp Guerreiro 2006 Schulz et al 2008 Desroches Cone Bolger

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Bitan Burman amp Booth JR 2010 Dimitriadis et al 2013 Norton et al 2014 Xu et al 2015 7 Paz-Alonso et al 2018)

Num amplo de estudo de metanaacutelise realizado por Maisog et al (2008) por meio de meacutetodo de probabilidade estimada de ativaccedilatildeo (ou ldquoactivation likelihood estimaterdquo (ALE) foram reunidas as principais regiotildees hiperativadas e hipoativadas quando comparados leitores normais com disleacutexicos ao se analisarem 15 publicaccedilotildees Aleacutem das teacutecnicas jaacute citadas neste trabalho foram tambeacutem verificados os dados em magnetoencefalografia e potencial evocado (ldquoevent-related potencialsrdquo) meacutetodos tambeacutem empregados na avaliaccedilatildeo qualitativa de disleacutexicos Os resultados mostraram que o coacutertex do hemisfeacuterio esquerdo eacute a aacuterea predominantemente afetada nos disleacutexicos especialmente o giro fusiforme coacutertex poacutes-central e giro temporal superior ipsilaterais Surpreendentemente nem o cerebelo nem o coacutertex frontal esquerdo tiveram alteraccedilotildees comparativas significativas (Dufor et al 2007 Maisog et al 2008)

Outro foco de estudos de neuroimagem situa-se na orientaccedilatildeo da terapecircutica e na observaccedilatildeo de seus efeitos (ver Figura 8) Nesta perspectiva em casos de dislexia meacutetodos de neuroimagem permitem analisar os resultados de intervenccedilotildees cognitivas baseadas na velocidade do processamento de estiacutemulos linguiacutesticos resultados estes que se revelaram em termos de mudanccedilas dinacircmicas do padratildeo de ativaccedilatildeo em regiotildees criacuteticas para a linguagem expressiva (Simos et al 2002 Gabrieli et al 2009)

(A) Crianccedilasnormais

(B) Crianccedilasdisleacutexicas (preacute)

(C) Crianccedilasdisleacutexicas (poacutes)

Figura 8 Ilustra a diferenccedila entre padrotildees de ativaccedilatildeo cerebral entre crianccedilas normais (A) e disleacutexicas antes da intervenccedilatildeo (B) e depois da intervenccedilatildeo (C) Observe a hipoativaccedilatildeo posterior em (B) comparado aos normais (A) e o aumento da ativaccedilatildeo frontal e parieto-occiptal apoacutes intervenccedilatildeo em (C)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 271

Ainda no que se refere ao processo de intervenccedilatildeo na leitura estudos apontam que o uso de identificaccedilatildeo de fonemas por meio da representaccedilatildeo fonoloacutegica em sujeitos com dislexia pode se mostrar eficaz no periacuteodo de oito semanas de atividades diretivas evidenciando a eficaacutecia atraveacutes da preacute e poacutes-testagem sob diferentes aspectos da linguagem e plasticidade cerebral (Galaburda amp Kemper 1979 Krafnick Flowers Napoliello Eden amp Gray 2011) bem como estudos de respostas agrave intervenccedilatildeo (RTI) que proporcionam em um periacuteodo especiacutefico as camadas a serem adquiridas no desenvolvimento da habilidade fonoloacutegica proporcionando a qualidade no diagnoacutestico e principalmente na intervenccedilatildeo (Rumsey Horwitz Donohue Nace Maisog amp Anderson 1997a Galaburda amp Kemper 1979 Koeda Seki Uchiyama amp Sadato 2011) Outros estudos mostraram que pode haver um atraso na maturaccedilatildeo de aacutereas essenciais para o advento e consolidaccedilatildeo da aquisiccedilatildeo da leitura nos indiviacuteduos com histoacuteria familiar de Dislexia nas fases de preacute-alfabetizaccedilatildeo e leitura inicial (Hoeft et al 2006 Hoeft et al 2011)

Enfim as pesquisas em neuroimagem tem proporcionado um melhor entendimento da Dislexia e sua utilizaccedilatildeo tem direcionado o aparecimento de cada vez mais evidecircncias de sua patogenia dimensatildeo de sua influecircncia no desenvolvimento da aprendizagem da leitura na prevenccedilatildeo e na remediaccedilatildeo e na abordagem terapecircutica multidisciplinar A perspectiva em longo prazo eacute extremamente otimista jaacute que a tecnologia empregada a objetividade dos meacutetodos e os recursos estatiacutesticos estatildeo cada vez mais sofisticados e afinados

Este contexto estaacute permitindo que os especialistas na aacuterea tenham a oportunidade real junto aos professores alfabetizadores e gestores puacuteblicos de decidir sob diretrizes mais seguras e estruturadas para o manejo de uma condiccedilatildeo crocircnica de alta morbidade e que leva a impacto significativo na evoluccedilatildeo acadecircmica e na carreira profissional de quem a apresenta

272 | Temas em Neurociecircncias

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Siacutendrome de Burnout

Denise Albieri Jodas SalvagioniInstituto Federal do Paranaacute

Selma Maffei de AndradeUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Nesse capiacutetulo vamos discutir a siacutendrome de burnout alguns aspectos histoacuterico-conceituais fatores relacionados e medidas preventivas

Ao final da leitura espera-se que o leitorbull Compreenda o conceito de burnout

bull Reflita sobre os principais modelos teoacuterico-explicativos de burnout

bull Discuta fatores individuais e ocupacionais associados agrave siacutendrome

bull Conheccedila as principais medidas preventivas relacionadas ao burnout

Desenvolvimento

Aspectos Histoacuterico-Conceituais e Instrumentos Avaliativos da Siacutendrome de Burnout

A siacutendrome de burnout eacute um distuacuterbio psiacutequico provocado por estressores crocircnicos do trabalho que leva as pessoas a se sentirem tensas exaustas e frustradas (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008) De acordo com Schaufeli e Buunk (1996) o trabalhador em burnout pode manifestar humor depressivo desesperanccedila ansiedade impotecircncia baixa autoestima irritabilidade hostilidade dificuldade de concentraccedilatildeo perda de memoacuteria presenccedila de tiques nervosos e agitaccedilatildeo

Autor para correspondecircncia

denisesalvagioniifpredubr

11

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Apesar de apresentarem sintomas semelhantes burnout natildeo pode ser confundido com estresse O burnout ocorre de uma experiecircncia constante ou prolongada de estresse com origem no trabalho que gera atitudes negativas do indiviacuteduo apenas no ambiente laboral (Maslach amp Jackson 1981) Por sua vez o estresse natildeo envolve tais atitudes e condutas caracterizando-se como uma reaccedilatildeo do organismo diante de situaccedilotildees que exigem esforccedilo emocional que provoca esgotamento pessoal e gera atitudes negativas do indiviacuteduo em qualquer ambiente (Schaufeli 1999)

No conceito psicossocial atualmente o mais aceito por estudiosos burnout se caracteriza por trecircs dimensotildees sintomatoloacutegicas a) a exaustatildeo emocional b) a despersonalizaccedilatildeo ou cinismo e c) a reduzida realizaccedilatildeo profissional ou falta de envolvimento no trabalho ou ineficaacutecia profissional (Schaufeli Leiter amp Maslach 2009 Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A exaustatildeo emocional representa o esgotamento fiacutesico e psicoloacutegico do trabalhador captura a experiecircncia do estresse laboral e tambeacutem pode ser descrita como desgaste perda de energia debilitaccedilatildeo ou fadiga O trabalhador em despersonalizaccedilatildeo apresenta-se insensiacutevel e emocionalmente duro com outras pessoas em seu trabalho Indiviacuteduos com sensaccedilatildeo reduzida de realizaccedilatildeo profissional apresentam discursos de incompetecircncia baixa produtividade e fracasso profissional demonstrando prejuiacutezos na relaccedilatildeo afeto-trabalho ndash Figura 1 (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008 Maslach amp Leiter 2016)

EXAUSTAtildeO EMOCIONAL

fadiga desgaste

Estresse laboral

insensibilidade cinismo

Problemas nos relacionamentos

interpessoaisno trabalho

BAIXA REALIZACcedilAtildeOPROFISSIONAL

sentimento deincompetecircncia

Relaccedilatildeo afeto-trabalhoprejudicada

DESPERSONALIZACcedilAtildeO

Figura 1 Dimensotildees da siacutendrome de burnout Fonte Maslach Leiter amp Schaufeli 2008 Maslach amp Leiter 2016

Siacutendrome de burnout | 277

Estudiosos atribuem ao psiquiatra Herbert Freudenberger o termo ldquostaff burnoutrdquo utilizado na deacutecada de 1970 em uma perspectiva cliacutenica para definir um fenocircmeno negativo que acometia trabalhadores voluntaacuterios de uma cliacutenica para dependentes de substacircncias quiacutemicas Apoacutes um tempo esses trabalhadores natildeo se sentiam mais motivados e comprometidos com a atividade inicialmente adotada por livre escolha Este estado de desgaste gradativo do trabalhador com perda de energia e forccedila de trabalho foi denominado por ele como burnout1 (Ahola 2007 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Nessa eacutepoca a psicologia cliacutenica estudava os aspectos individuais dos trabalhadores natildeo levando em consideraccedilatildeo o contexto ocupacionalorganizacional

Poucos anos depois em 1976 a psicoacuteloga social Christina Maslach realizou um estudo exploratoacuterio sobre estresse emocional no trabalho com meacutedicos e enfermeiros (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) Identificou nos discursos dos sujeitos que aqueles profissionais que tinham contato direto e frequente com pacientes eram mais propensos a desenvolver a siacutendrome Aleacutem disso a autora percebeu que o fenocircmeno burnout tinha algumas caracteriacutesticas repetitivas a exaustatildeo emocional e o cinismo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

No contexto estudado por Maslach a exaustatildeo emocional foi uma resposta comum agraves experiecircncias negativas no relacionamento com pacientes familiares colegas de trabalho ou superiores assim como lidar com a morte (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A despersonalizaccedilatildeo ou cinismo emergiu das falas em que o trabalhador explicava como lidava com os problemas no trabalho Ao longo do tempo o trabalhador se distanciava emocionalmente de outras pessoas como maneira de se proteger das tensotildees emocionais do trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001 Schaufeli Maslach amp Marek 1993)

Com o intuito de validar essas ideias um novo estudo exploratoacuterio e qualitativo foi realizado com guardas prisionais professores enfermeiros e advogados (trabalhadores de diversos segmentos) Apesar das diferenccedilas ocupacionais as falas apresentaram aspectos semelhantes A exaustatildeo emocional apareceu em situaccedilotildees de sobrecarga de trabalho e a despersonalizaccedilatildeo foi relatada como forma

1 O termo ldquoburnoutrdquo origina-se da liacutengua inglesa e metaforicamente traduz uma situaccedilatildeo de ldquoqueima completardquo ldquoexplosatildeordquo ldquoesgotamentordquo do trabalhador

278 | Temas em Neurociecircncias

de autoproteccedilatildeo emocional (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) Maslach e colaboradores demonstraram com seus estudos que aleacutem dos aspectos individuais o contexto de trabalho tem importante influecircncia no desenvolvimento do burnout (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 diversos instrumentos foram desenvolvidos a fim de realizar pesquisas com teacutecnicas padronizadas e atingir um maior nuacutemero de indiviacuteduos (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) O Maslach Burnout Inventory (MBI) foi a primeira escala a ser desenvolvida e eacute considerada como padratildeo-ouro nas pesquisas que envolvem burnout (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008) Atualmente o MBI eacute de propriedade da Mind Gardenreg sendo necessaacuterio comprar a licenccedila para aplicaccedilatildeo de cada questionaacuterio

A linha do tempo do burnout pode ser acompanhada no Quadro 1 em que se descreve a fase pioneira nas deacutecadas de 1950 a 1970 e a fase empiacuterica nas deacutecadas de 1980 e 1990

Quadro 1 Linha do tempo do burnout

1953 ndash Publicaccedilatildeo do primeiro estudo de caso descrevendo sintomas que se assemelhavam com burnout

1969 ndash Brandley utilizou o termo ldquofenocircmeno psicoloacutegicordquo para descrever um problema com trabalhadores

1970 ndash Primeiro uso do termo ldquostaff burnoutrdquo pelo psiquiatra H Freudenberger

1976 ndash Iniacutecio dos estudos qualitativos de C Maslach Surgem a exaustatildeo emocional e despersonalizaccedilatildeo como principais dimensotildees de burnout

Deacutecada de 1980 ndash Desenvolvimento do Maslach Burnout Inventory (MBI) instrumento quantitativo com inclusatildeo da categoria sobre realizaccedilatildeo profissional entre as dimensotildees de burnout

Deacutecada de 1990 ndash Propostas teoacuterico-explicativas sobre burnout

Siacutendrome de burnout | 279

A partir da deacutecada de 1990 em consonacircncia com o crescimento de pesquisas quantitativas sobre o tema foram propostos alguns modelos teoacuterico-explicativos do processo de burnout

Modelo Trabalho Demanda-Controle

O Modelo Trabalho Demanda-Controle (Job Demand-control Model) foi proposto por Robert Karasek e Toumlres Theorell para avaliar as relaccedilotildees sociais do ambiente de trabalho e fontes geradoras de estresse (Karasek amp Theorell 1990) Baseia-se em dois aspectos demanda e controle As demandas satildeo pressotildees de natureza psicoloacutegica referente a tempo disponiacutevel e velocidade para realizaccedilatildeo do trabalho O controle eacute a possibilidade de o trabalhador utilizar suas habilidades intelectuais e autoridade na tomada de decisatildeo sobre o processo de trabalho (Karasek amp Theorell 1990) Bakker e Demeroutti (2007) sugerem que as demandas psicoloacutegicas do trabalho podem ser toleradas se o controle sobre o processo de trabalho se mantiver alto No entanto indiviacuteduos expostos a altas demandas com baixo controle de trabalho em um contexto de insuficiecircncia de recursos pessoais e organizacionais podem estar mais vulneraacuteveis ao desenvolvimento de burnout

Teoria de Conservaccedilatildeo de Recursos

A Teoria de Conservaccedilatildeo de Recursos (Conservation of Resources Theory) tem como base a motivaccedilatildeo humana De acordo com essa teoria os indiviacuteduos se esforccedilam para manter ou obter coisas que eles valorizam os chamados recursos (por exemplo seguranccedila no trabalho dinheiro apoio social suporte sucesso na carreira) (Hobfoll amp Freedy 1993) O estresse ocorre quando os recursos satildeo ameaccedilados ou perdidos A perda de recursos eacute mais estressante que a falta de ganhos Aplicado ao burnout a teoria defende que a sobrecarga de trabalho ameaccedila os recursos individuais causa estresse e eventualmente leva a exaustatildeo emocional e fiacutesica (Hobfoll amp Freedy 1993) Essa teoria deu origem ao instrumento Shirom-Melamed Burnout Measure (SMBM) composto de 14 itens distribuiacutedos em trecircs dimensotildees sendo exaustatildeo emocional (trecircs itens) fadiga fiacutesica (seis itens) e cansaccedilo cognitivo (cinco itens) em que o trabalhador assinala

280 | Temas em Neurociecircncias

a frequecircncia de seus sentimentos por meio de uma escala likert (Shirom amp Melamed 2006)

Modelo do Processo de Burnout

O Modelo do Processo de burnout defende que a siacutendrome inicia-se com a exaustatildeo emocional desencadeada pela sobrecarga de trabalho e pelos conflitos interpessoais ao passo que os recursos estatildeo mais associados agrave despersonalizaccedilatildeo e agrave realizaccedilatildeo profissional (Leiter 1993) Autores admitem relaccedilatildeo sequencial entre exaustatildeo e despersonalizaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) ou seja inicialmente o trabalhador se sente exausto emocionalmente e posteriormente instala-se o processo de despersonalizaccedilatildeo No entanto a reduzida realizaccedilatildeo profissional eacute uma dimensatildeo paralela influenciada pela falta de recursos pessoais eou organizacionais que interferem no comprometimento com o trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) O MBI foi desenvolvido com base neste modelo teoacuterico-explicativo por Maslach e colaboradores

Em sua primeira versatildeo a escala contava com 47 itens Apoacutes anaacutelises fatoriais o MBI foi reduzido para 22 itens distribuiacutedos nas trecircs dimensotildees do burnout exaustatildeo emocional despersonalizaccedilatildeo e reduzida realizaccedilatildeo profissional (Leiter 1993 Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A consistecircncia interna da escala foi satisfatoacuteria com coeficientes de Cronbach de 090 para exaustatildeo emocional 079 para despersonalizaccedilatildeo e 071 para realizaccedilatildeo profissional (Maslach amp Jackson 1981)

No MBI o entrevistado tambeacutem declara a frequecircncia de seus sentimentos e atitudes por meio de uma escala likert Satildeo nove itens correspondentes agrave exaustatildeo emocional cinco itens relacionados agrave despersonalizaccedilatildeo e oito itens que questionam sentimentos de competecircncia e realizaccedilatildeo profissional do indiviacuteduo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Assim os itens das duas primeiras dimensotildees possuem afirmaccedilotildees negativas em que maiores escores traduzem piores situaccedilotildees enquanto que na realizaccedilatildeo profissional os itens possuem afirmaccedilotildees positivas ou seja quanto menor o escore pior a situaccedilatildeo (escore inverso) (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008)

Siacutendrome de burnout | 281

Autores afirmam que altos escores de exaustatildeo emocional ou despersonalizaccedilatildeo correspondem ao risco aumentado de experimentar burnout pois essas duas dimensotildees se correlacionam moderadamente (Maslach amp Jackson 1981) Posteriores estudos longitudinais tambeacutem mostraram evidecircncias de que exaustatildeo emocional e despersonalizaccedilatildeo possuem forte relaccedilatildeo entre si sendo partes importantes na explicaccedilatildeo do constructo de Maslach (Schaufeli amp Taris 2005 Taris Le Blanc Schaufeli amp Schreurs 2005)

De acordo com os propositores do MBI os escores de burnout devem ser calculados em cada dimensatildeo e natildeo combinados em escore total (unidimensional) possibilitando em estudos epidemioloacutegicos a classificaccedilatildeo do trabalhador em cada dimensatildeo de burnout quanto ao niacutevel baixo meacutedio ou alto a partir do ponto de corte matemaacutetico estabelecido pelo pesquisador (Maslach Jackson amp Leiter 1997 Maslach amp Jackson 1986)

Modelo Trabalho-Demanda-Recurso

O Modelo Trabalho-Demanda-Recurso (Job Demands-Resources model) enfatiza que o burnout surge quando os indiviacuteduos estatildeo expostos a altas demandas de trabalho e inadequados recursos organizacionais O pressuposto dessa teoria eacute que cada ocupaccedilatildeo tem fatores de risco proacuteprios associados ao estresse no trabalho ou seja demandas e recursos especiacuteficos (Bakker amp Demeroutti 2007) A definiccedilatildeo de demandas de trabalho eacute a mesma do Modelo Trabalho Demanda-Controle (Karasek amp Theorell 1990) Os recursos correspondem aos aspectos fiacutesicos psicoloacutegicos sociais ou organizacionais do trabalho (metas de trabalho atingiacuteveis demanda de trabalho que natildeo gere prejuiacutezos psicoloacutegicos e fisioloacutegicos estiacutemulo ao crescimento pessoal e profissional) (Bakker amp Demeroutti 2007) A escala Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) foi desenvolvida com base nesse fundamento teoacuterico e compotildee-se de 16 itens com duas dimensotildees exaustatildeo que corresponde ao esgotamento fiacutesico e sobrecarga de trabalho (8 itens) e cinismo que avalia comportamentos e atitudes no ambiente laboral (8 itens) (Demerouti amp Bakker 2008)

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Fatores Individuais Ocupacionais e Organizacionais Relacionados ao Burnout

Apesar de burnout ser uma experiecircncia particular nota-se que eacute um fenocircmeno complexo multidimensional resultante da interaccedilatildeo entre aspectos individuais e do ambiente de trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Muitas caracteriacutesticas individuais abordadas nesse capiacutetulo podem se confundir com caracteriacutesticas ocupacionais como por exemplo a predominacircncia de determinado sexo em um tipo de ocupaccedilatildeo

Os fatores individuais satildeo entendidos como facilitadores ou inibidores da accedilatildeo de agentes estressores natildeo podendo atribuir apenas a eles o surgimento de burnout (Pereira 2002) No entanto fatores ocupacionais e organizacionais tais como ocupaccedilatildeo carga de trabalho controle do processo de trabalho apoio social conflito de papeacuteis conflito com valores pessoais remuneraccedilatildeo e clima organizacional foram amplamente estudados e apresentam evidecircncias mais consistentes na literatura no que diz respeito agrave sua relaccedilatildeo com burnout Alguns desses fatores satildeo apresentados a seguir

Idade

Observa-se em estudos desenvolvidos por Maslach Schaufeli amp Leiter (2001) uma maior incidecircncia de burnout em profissionais jovens principalmente entre os menores de 30 anos A idade e os anos de experiecircncia de trabalho parecem ser convergentes Nos primeiros anos de trabalho as pessoas apresentam maior inseguranccedila e pouca experiecircncia na profissatildeo fazendo com que elas tenham maior dificuldade de enfrentar os problemas podendo ateacute abandonar a profissatildeo (Cherniss 1980 Maslach amp Jackson 1981)

Sexo

Na deacutecada de 1980 acreditava-se que a mulher era mais propensa ao burnout do que o homem pelo fato de elas mais frequentemente se envolverem com os problemas de seus pacientesclientes trabalharem com maior frequecircncia em ocupaccedilotildees que demandam contato intenso com outras pessoas (por exemplo

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enfermagem e docecircncia) e ainda administrarem as necessidades de sua famiacutelia (Maslach amp Jackson 1985) Embora os argumentos pareccedilam plausiacuteveis natildeo haacute consenso sobre essa relaccedilatildeo De modo geral mulheres tecircm apresentado maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional (Innstrand Langballe Falkum amp Aasland 2011 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001 Pu et al 2017) enquanto homens de despersonalizaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) A dupla jornada de atividades (trabalho e lar) predominante entre mulheres pode justificar maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional O fato de os homens por questotildees culturais expressarem menos frequentemente os sentimentos de raiva hostilidade e indignaccedilatildeo pode explicar maiores niacuteveis de despersonalizaccedilatildeo (Pereira 2002) A predominacircncia de um determinado sexo nas diferentes ocupaccedilotildees pode ter papel confundidor nessa relaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Niacutevel Educacional

Normalmente as pessoas com maior niacutevel educacional possuem maiores responsabilidades que combinadas aos altos niacuteveis de estresse podem desencadear burnout Em adiccedilatildeo tais profissionais podem se frustrar ao construir expectativas laborais que natildeo se tornam realidade (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Eacute importante salientar que a relaccedilatildeo entre niacutevel educacional e burnout natildeo eacute consistente na literatura e pode ser confundida com a posiccedilatildeo que o trabalhador ocupa na instituiccedilatildeo (Maslach amp Jackson 1981)

Situaccedilatildeo Conjugal

Geralmente aqueles que tem um companheiro estaacutevel parecem ser menos propensos ao burnout (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Os solteiros parecem experimentar niacuteveis maiores de burnout do que os divorciados (Maslach 2009) A relaccedilatildeo entre situaccedilatildeo conjugal e burnout no entanto ainda natildeo eacute comprovada por estudiosos (Lindblom Linton Fedeli amp Bryngelsson 2006 Llorent amp Ruiz-Calzado 2016 Maslach amp Jackson 1985 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

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Caracteriacutesticas da Personalidade

Estudos evidenciam que indiviacuteduos introvertidos com dificuldade de se posicionar diante da vida com alto neuroticismo (com traccedilos de ansiedade hostilidade depressatildeo baixa autoconsciecircncia alta vulnerabilidade) baixa amabilidade e baixa consciensiosidade (dificuldade em planejamento e gestatildeo do tempo no trabalho) satildeo mais propensos a desenvolver a siacutendrome (Alarcon Eschleman amp Bowling 2009 Armon Shirom amp Melamed 2012 Swider amp Zimmerman 2010) Especificamente estudo com professores iranianos de escolas puacuteblicas encontrou que neuroticismo relacionou-se agrave exaustatildeo emocional baixa amabilidade se associou agrave despersonalizaccedilatildeo e baixa consciensiosidade agrave reduzida realizaccedilatildeo profissional (Pishghadam amp Sahebjam 2012)

Estrateacutegias de Enfrentamento (Coping)

Eacute consistente na literatura que a forma como o indiviacuteduo lida com situaccedilotildees estressantes pode ser protetora ou desencadeante de burnout (Carlotto amp Cacircmara 2008) Em suma estrateacutegias de controle mostram-se importantes na prevenccedilatildeo de burnout enquanto que as de evitaccedilatildeo e fuga facilitam seu surgimento (Leiter 1991)

Normalmente profissionais que evitam ou fogem dos estressores laborais apresentam maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional enquanto indiviacuteduos que se utilizam de estrateacutegias de afastamento frente agraves dificuldades demonstram maiores niacuteveis de despersonalizaccedilatildeo quando comparados agravequeles centrados na resoluccedilatildeo do problema (Carlotto amp Cacircmara 2008 Hernaacutendez-Zamora Olmedo-Castejoacuten amp Ibaacutentildeez-Fernaacutendez 2004)

Crenccedila de Autoeficaacutecia

A duacutevida sobre a capacidade de fazer o que lhe eacute exigido ou a expectativa negativa sobre os resultados de seus esforccedilos para resoluccedilatildeo dos problemas aumentam o risco de burnout (Costa 2003) Os indiviacuteduos com percepccedilatildeo de alta autoeficaacutecia resolvem problemas empregando estrateacutegias que melhoram seu trabalho Em contrapartida aqueles com baixa autoeficaacutecia ocupacional

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(considerada mediador do burnout) natildeo buscam alternativas para mudanccedila do problema (Ferreira amp Azzi 2010)

Ocupaccedilatildeo

Segundo Pereira (2002) a siacutendrome de burnout eacute um fenocircmeno disseminado e pode acometer qualquer profissatildeo As profissotildees mais apontadas satildeo aquelas em que os profissionais lidam com outras pessoas em seu cotidiano ou em sua atividade laboral (por exemplo meacutedicos professores profissionais da aacuterea de enfermagem policiais e psicoacutelogos) Em 2005 foi publicado um estudo que comparou a experiecircncia de estresse laboral em 26 ocupaccedilotildees Seis segmentos ocupacionais (trabalhadores de ambulacircncia professores profissionais do serviccedilo social atendentes de call centers guardas prisionais e policiais) apresentaram piores niacuteveis de sauacutede fiacutesica psicoloacutegica e satisfaccedilatildeo no trabalho (Johnson Cooper Cartwright Taylor amp Millet 2005)

Carga de Trabalho (Alta Demanda de Trabalho)

O fato do indiviacuteduo ter muito trabalho para pouco tempo de execuccedilatildeo associa-se fortemente ao burnout em especial com a exaustatildeo emocional (Demerouti Le Blanc Bakker Schaufeli amp Hox 2009 Janssen Schaufeli amp Houkes 1999 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Demandas qualitativas do trabalho (por exemplo gravidade dos problemas dos clientespacientes) tambeacutem apresentam correlaccedilotildees na mesma direccedilatildeo (Demerouti Le Blanc Bakker Schaufeli amp Hox 2009 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Controle Sobre o Processo de Trabalho

A associaccedilatildeo entre perda de controle no processo de trabalho e burnout eacute consistente Isso ocorre quando os trabalhadores natildeo se percebem participativos nas decisotildees do trabalho e com dificuldades em exercer sua autonomia profissional (Maslach amp Leiter 2016) A falta de controle estaacute normalmente relacionada com a reduzida realizaccedilatildeo profissional (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

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Apoio Social

O apoio social no trabalho pode ser definido como uma funccedilatildeo de auxiacutelio exercido por pessoas significativas em relaccedilatildeo agrave provisatildeo material de informaccedilotildees ou de assistecircncia emocional em situaccedilotildees de estresse (Birolim et al 2019) Niacuteveis maiores de apoio social estatildeo associados a um menor sofrimento profissional (Birolim et al 2019) Assim quando as relaccedilotildees interpessoais no trabalho satildeo caracterizadas pela falta de apoio desconfianccedila e conflitos natildeo resolvidos haacute um risco maior de desenvolver burnout (Janssen Schaufeli amp Houkes 1999 Maslach amp Leiter 2016)

Conflito de Papeacuteis

As funccedilotildees expectativas e condutas que uma pessoa deve desempenhar em seu trabalho constitui-se seu papel profissional (Pereira 2002) O conflito ocorre quando o desempenho do trabalhador em determinado cargo natildeo corresponde agraves expectativas da organizaccedilatildeo Quanto maior o conflito de papeacuteis maior o risco de desenvolver burnout (Maslach amp Leiter 2016)

Conflito com Valores Pessoais

Valores satildeo ideais e motivaccedilotildees que atraem as pessoas para o trabalho O conflito ocorre quando o trabalhador se sente constrangido ao ser solicitado para fazer alguma accedilatildeo que considera antieacutetica ou em natildeo conformidade com seus valores individuais podendo levar ao desgaste emocional (Maslach amp Leiter 2016)

Recompensa (Remuneraccedilatildeo)

A recompensa recebida pelo exerciacutecio da profissatildeo pode ser insuficiente ou incompatiacutevel com as necessidades do trabalhador Em alguns casos pode ser visto como falta de reconhecimento social Normalmente estaacute associada a sentimentos de reduzida realizaccedilatildeo profissional (Maslach amp Leiter 2016)

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Clima Organizacional

O clima de trabalho influencia na relaccedilatildeo de respeito confianccedila e bem-estar entre as pessoas (Koponen et al 2010) Se a organizaccedilatildeo natildeo se mostra favoraacutevel a desenvolver uma poliacutetica de adaptabilidade flexibilidade agraves demandas internas e externas e satisfatoacuteria integraccedilatildeo entre os empregados tem-se um risco aumentado para burnout (Pereira 2002)

Medidas Preventivas Relacionadas ao Burnout

Sugere-se que o enfrentamento da siacutendrome de burnout seja multissetorial com intervenccedilotildees centradas em trecircs niacuteveis a) na resposta do indiviacuteduo frente aos estressores laborais b) na melhoria do contexto organizacional e c) na interaccedilatildeo do indiviacuteduo com seu trabalho As intervenccedilotildees no contexto organizacional ou agravequelas combinadas com aspectos individuais satildeo as mais adequadas para ambientes com grande variabilidade de estressores laborais (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Resposta do Indiviacuteduo Frente aos Estressores Laborais

No niacutevel individual o primeiro passo eacute a compreensatildeo de conceitos e consequecircncias de burnout julgados imprescindiacuteveis para reconhecer o problema futuro (autodiagnoacutestico) e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento (coping) (Carlotto 2014 Hernaacutendez et al 2002)

De modo geral a resposta de um indiviacuteduo frente a um problema pode ser movida pela emoccedilatildeo ou focada em sua resoluccedilatildeo Quando influenciada pela emoccedilatildeo as estrateacutegias normalmente adotadas pelos sujeitos englobam evitaccedilatildeo minimizaccedilatildeo distanciamento atenccedilatildeo seletiva e atribuiccedilatildeo de valores positivos aos acontecimentos negativos (Hernaacutendez et al 2002) Essas estrateacutegias satildeo eficazes quando os estressores natildeo podem ser modificados e haacute necessidade de se conviver com eles (Hernaacutendez et al 2002) Para atuar diretamente na resoluccedilatildeo de problemas o indiviacuteduo pode desenvolver habilidades comportamentais e cognitivas de enfrentamento com ou sem apoio de

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psicoterapia utilizando a valorizaccedilatildeo da autoeficaacutecia e autoconfianccedila a capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos e o controle efetivo de tarefas e funccedilotildees (Hernaacutendez et al 2002 Maslach amp Leiter 2016)

Aleacutem disso mudanccedilas na rotina de vida ou adoccedilatildeo de terapias complementares satildeo beneacuteficas na prevenccedilatildeo do burnout tais como meditaccedilatildeo teacutecnicas de relaxamento terapia cognitivo-comportamental educaccedilatildeo em sauacutede realizaccedilatildeo de exerciacutecios fiacutesicos dieta equilibrada boa qualidade de sono e aproveitamento do tempo livre (Hernaacutendez et al 2002 Maslach amp Leiter 2016 Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Na Melhoria do Contexto Organizacional

A siacutendrome de burnout tem origem no trabalho de modo que a inflexibilidade do processo institucional e as riacutegidas exigecircncias comprometem a versatilidade psiacutequica do trabalhador (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011) Os programas centrados na melhoria do contexto ocupacional compreendem accedilotildees modificadoras no processo e relaccedilotildees de trabalho com foco nos ajustes das condiccedilotildees fiacutesicas e psicossociais (Hernaacutendez et al 2002)

Dentre os fatores fiacutesicos os principais aspectos a serem revistos satildeo ruiacutedos odores iluminaccedilatildeo sinalizaccedilatildeo temperatura umidade e infraestrutura do ambiente de trabalho No acircmbito psicossocial melhorias na autonomia e participaccedilatildeo nas decisotildees na comunicaccedilatildeo no processo de trabalho na carga de atividades e na organizaccedilatildeo do tempo satildeo importantes para a integraccedilatildeo interpessoal e satisfaccedilatildeo do profissional (Hernaacutendez et al 2002)

Dessa forma um paracircmetro ideal consiste em intervenccedilotildees com accedilotildees diretas na cultura institucional e nas condiccedilotildees de trabalho a fim de proporcionar ambiente de trabalho salubre recursos humanos suficientes disponibilidade de materiais autonomia e participaccedilatildeo na tomada de decisatildeo liacutederes com escuta ativa agraves reivindicaccedilotildees dos trabalhadores avaliaccedilotildees perioacutedicas do processo de trabalho planejamento estrateacutegico que norteiem metas institucionais lotaccedilatildeo do funcionaacuterio em local que melhor se adapte ao seu perfil resoluccedilatildeo de conflitos de forma imparcial e justa e investimento em educaccedilatildeo permanente (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

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Interaccedilatildeo do Indiviacuteduo com seu Trabalho

Os programas centrados na interaccedilatildeo do indiviacuteduo com seu trabalho tecircm como objetivo promover intervenccedilotildees combinadas para a modificaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e no modo de enfrentamento do indiviacuteduo diante das situaccedilotildees de estresse tais como accedilotildees para melhoria na comunicaccedilatildeo e trabalho em equipe reuniotildees para discussotildees reflexotildees dos problemas e grupos de apoio psicoloacutegico (Carlotto 2014 Hernaacutendez et al 2002 Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Consideraccedilotildees Finais

Apesar do conhecimento construiacutedo sobre burnout ateacute o momento a siacutendrome tem se apresentado crescente no mundo e gera inuacutemeras preocupaccedilotildees Sabe-se que o burnout impacta na vida do trabalhador podendo ocasionar consequecircncias fiacutesicas psicoloacutegicas e ocupacionais Estudos epidemioloacutegicos longitudinais comprovam que doenccedilas cardiovasculares dores musculoesqueleacuteticas sintomas depressivos insatisfaccedilatildeo no trabalho e absenteiacutesmo satildeo implicaccedilotildees consistentes entre trabalhadores com burnout (Salvagioni et al 2017)

Por este motivo o conhecimento sobre os aspectos contextuais da siacutendrome eacute essencial para que o indiviacuteduo possa identificar que algo estaacute errado na relaccedilatildeo com seu trabalho e buscar o enfrentamento Ainda eacute urgente que as organizaccedilotildees tenham poliacuteticas de sauacutede do trabalhador com implantaccedilatildeo de medidas que visem melhores condiccedilotildees de trabalho e administraccedilatildeo de estressores Ampliar o conhecimento sobre fatores relacionados ao contexto socioeconocircmico e laboral que favorecem o desenvolvimento da siacutendrome de burnout tambeacutem eacute fundamental haja vista a escassez de estudos com essa perspectiva

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Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva

Andressa de Freitas Mendes DionisioUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A dor crocircnica eacute uma condiccedilatildeo debilitante que acomete 20-50 da populaccedilatildeo mundial e representa um dos maiores problemas de sauacutede puacuteblica com grande repercussatildeo na produtividade (de Souza et al 2017) Dados demonstram que apenas nos Estados Unidos a dor crocircnica acomete 31 da populaccedilatildeo sendo que 75 desses indiviacuteduos apresentam incapacidade total ou parcial (Kreling da Cruz amp Pimenta 2006) Embora no Brasil os estudos epidemioloacutegicos sobre dor sejam escassos o estudo realizado por Souza e colaboradores mostrou incidecircncia de dor crocircnica em 39 da populaccedilatildeo estudada sendo a meacutedia de idade acometida de 41 anos com predomiacutenio no sexo feminino (56) Dos entrevistados que relataram dor crocircnica 49 relataram insatisfaccedilatildeo com o tratamento da dor (Souza et al 2017)

A dor de origem crocircnica persiste por meses ou anos e estaacute relacionada a presenccedila de doenca crocircnica ou de uma dor aguda natildeo tratada de modo adequado como a que frequentemente ocorre apoacutes um procedimento ciruacutergico ou trauma Neste contexto dados demonstram que a dor aguda apoacutes cirurgia ou trauma pode evoluir para um quadro de dor crocircnica em 10 dos pacientes (Roe amp Sehgal 2016 Glare Aubrey amp Myles 2019)

A dor pode ser classificada em nociceptiva ou neuropaacutetica A dor nociceptiva estaacute relacionada a dano tecidual e estaacute presente por exemplo na osteoartrite artrite reumatoide lombalgia e dor poacutes- ciruacutergica Este tipo de dor possui resposta satisfatoacuteria aos anti-inflamatoacuterios natildeo esteroidais (AINEs) paracetamol dipirona e opioides

Autor para correspondecircncia andressauelbr

Laboratoacuterio de Farmacologia

da Inflamaccedilatildeo - Departamento

de Ciecircncias Fisioloacutegicas

Centro de Ciecircncias Bioloacutegicas -

CCB Campus Universitaacuterio

Rodovia Celso Garcia CidPR

445 Km 380 Caixa Postal 10011 -

CEP 86057-970 - Londrina-PR

Fone 55 43 3371- 4650

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A dor neuropaacutetica tem origem na lesatildeo ou disfunccedilatildeo de nervos e ocorre na neuropatia perifeacuterica diabeacutetica na neuralgia poacutes herpeacutetica e natildeo responde de forma satisfatoacuteria aos analgeacutesicos utilizados no tratamento da dor nociceptiva no entanto apresenta melhor resposta terapecircutica com o uso de antidepressivos e anticonvulsivantes (Golan Tashjian JR Armstrong Armstrong 2014 Rang Dale Ritter Flower amp Henderson 2016)

Uma vez que a dor crocircnica tem um curso de longo prazo pode ter origem nociceptiva ou neuropaacutetica estando frequentemente associada a alteraccedilotildees fiacutesicas emocionais sociais e todos esses fatores contribuem com a persistecircncia da dor o paciente necessita de um tratamento adequado que melhore suas funccedilotildees e com isso permita uma melhor qualidade de vida Desta forma o tratamento deve possuir caraacuteter multidisciplinar abordando o impacto psicoloacutegico social e fiacutesico patoloacutegico (Roe amp Sehgal 2016) Neste capiacutetulo seratildeo abordados os aspectos farmacoloacutegicos do tratamento da dor crocircnica Atualmente estatildeo disponiacuteveis diversas classes de faacutermacos que satildeo utilizados para esta finalidade os quais incluem os AINEs paracetamol dipirona opioides antidepressivos anticonvulsivantes toxina botuliacutenica canabinoides A abordagem deste capiacutetulo teraacute como foco o estudo dos AINEs e dos opioides

Objetivos

Este capiacutetulo abordaraacute o tratamento farmacoloacutegico da dor crocircnica de origem nociceptiva com ecircnfase nos AINEs e nos opioides

Desenvolvimento

Anti-inflamatoacuterios natildeo Esteroidais (AINEs)

Papel dos Prostanoides na Hiperalgesia

Entre os anti-inflamatoacuterios mais prescritos em todo o mundo estatildeo os AINEs os quais possuem accedilatildeo analgeacutesica anti-inflamatoacuteria e antipireacutetica atuam na dor leve a moderada Essa classe de faacutermacos eacute a mais prescrita na Reumatologia e eacute utilizada no tratamento da dor

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 295

de origem nociceptiva tanto aguda quanto crocircnica sendo eficazes por exemplo no tratamento da lombalgia crocircnica na dor crocircnica causada pela osteoartrite artrite reumatoide dor poacutes-operatoacuteria crocircnica (van Tulder Scholten Koes amp Deyo 2000 Myers et al 2014)

A prostaglandina eacute um dos mediadores envolvidos na sensibilizaccedilatildeo perifeacuterica do neurocircnio aferente primaacuterios ou nociceptores promovendo reduccedilatildeo do limiar das respostas dolorosas e surgimento da hiperalgesia primaacuteria que eacute a sensaccedilatildeo aumentada de dor a um estiacutemulo que jaacute eacute doloroso Quando a lesatildeo tecidual eacute curada ou o paciente eacute submetido a tratamento farmacoloacutegico para a dor o limiar de resposta retorna ao normal No entanto a dor pode permanecer mesmo tendo passado o periacuteodo da resoluccedilatildeo da lesatildeo tecidual e tornar-se crocircnica As prostaglandinas tambeacutem estatildeo envolvidas na sensibilizaccedilatildeo central e no surgimento de hiperalgesia secundaacuteria ou seja dor fora da aacuterea da lesatildeo inicial (Woolf amp Salter 2000 Woolf amp Ma 2007) O mecanismo de accedilatildeo dos AINEs baseia-se na inibiccedilatildeo da enzima ciclo-oxigenase (COX) e consequente reduccedilatildeo da siacutentese de prostanoides os quais englobam as prostaglandinas prostaciclinas (PGI2) e tromboxanos (TXA2) As prostaglandinas satildeo consideradas mediadores finais da dor inflamatoacuteria e atuam sensibilizando os nociceptores agrave estimulaccedilatildeo posterior (Ferreira 1972) Assim as prostaglandinas atuam nos nociceptores reduzindo o limiar necessaacuterio para desencadear a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo gerando a hiperalgesia que eacute o aumento da resposta dolorosa a um estiacutemulo nociceptivo o qual normalmente causa dor (Ferreira 1972)

Siacutentese de Prostanoides

Para que ocorra a siacutentese de prostanoides o aacutecido araquidocircnico deve ser inicialmente hidrolisado dos fosfolipiacutedeos de membrana atraveacutes da enzima fosfolipase A2 (PLA2) Existem diversas isoformas da enzima PLA2 sendo a isoforma citosoacutelica a mais importante durante o processo inflamatoacuterio Eacute importante mencionar que o aacutecido araquidocircnico livre eacute substrato para duas vias enzimaacuteticas distintas a via da COX que daraacute origem aos prostanoides e a via da lipoxigenase que daraacute origem aos leucotrienos Neste capiacutetulo o nosso foco seraacute o estudo da via da COX Assim uma vez hidrolisado o aacutecido

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araquidocircnico tem acesso ao siacutetio cataliacutetico da COX onde inicialmente eacute convertido em prostaglandina G2 (PGG2) atraveacutes da oxigenaccedilatildeo e ciclizaccedilatildeo do aacutecido araquidocircnico Subsequentemente a PGG2 eacute convertida tambeacutem por accedilatildeo da COX em prostaglandina H2 (PGH2) Tanto a PGG2 quanto a PGH2 satildeo altamente instaacuteveis e uma vez a PGH2 formada esta eacute rapidamente convertida por accedilatildeo enzimaacutetica em PGI2 TXA2 e diferentes subtipos de prostaglandinas dependendo o tecido onde a PGH2 tenha sido originada O TXA2 eacute formado nas plaquetas e atua como agregante plaquetaacuterio e vasoconstritor jaacute a PGI2 eacute produzida principalmente no endoteacutelio vascular a partir da PGH2 e possui accedilatildeo antiagregante plaquetaacuteria e vasodilatadora Desta forma o TXA2 e a PGI2 atuam como antagonistas fisioloacutegicos Com relaccedilatildeo aos subtipos de prostaglandinas a prostaglandina E2 (PGE2) possui um papel chave tanto no processo inflamatoacuterio quanto na dor e eacute formada em diversos tipos celulares como por exemplo nos macroacutefagos (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Como jaacute mencionado a PGE2 atua como mediador final da dor inflamatoacuteria uma vez que os nociceptores expressam receptores para prostaglandinas os quais quando ativados promovem a sensibilizaccedilatildeo direta Os receptores de prostaglandinas estatildeo expressos em fibras nociceptoras do tipo C (Teixeira Alves-Neto Costa amp Siqueira 2009) Dessa forma impedir que a prostaglandina atue sensibilizando os nociceptores possui um papel crucial no tratamento farmacoloacutegico da dor Um dos mecanismos para impedir esse processo eacute atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos AINEs os quais atuam atraveacutes da inibiccedilatildeo da COX e consequentemente impedem a formaccedilatildeo de prostanoides entre estes a PGE2 (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Para entendermos melhor o mecanismo de accedilatildeo dos AINEs bem como os efeitos adversos desencadeados por esses faacutermacos precisamos compreender a enzima COX Haacute duas isoformas da COX bem caracterizadas COX-1 e COX-2 que embora sejam produtos de genes distintos compartilham entre si 60 de homologia A COX-1 e COX-2 satildeo estruturalmente semelhantes Ambas isoformas estatildeo anexadas a membrana interna celular e apresentam um canal hidrofoacutebico interno por onde o aacutecido araquidocircnico hidrolisado

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tem acesso ao siacutetio ativo da enzima para ser metabolizado em prostanoides (Fonseca Brunton Hilal-Dandan Knollmann 2018)

A COX-1 cujo gene localiza-se no cromossomo 9 eacute uma isoforma expressa de forma constitutiva ou fisioloacutegica na maioria das ceacutelulas e eacute responsaacutevel em originar prostanoides com funccedilatildeo da manutenccedilatildeo da homeostasia Por exemplo a COX-1 presente nas ceacutelulas do trato gastrointestinal eacute responsaacutevel pela proteccedilatildeo da mucosa gaacutestrica e duodenal A PGE2 e PGI2 formadas a partir da COX-1contribuem com a reduccedilatildeo da secreccedilatildeo de aacutecido cloriacutedrico promove secreccedilatildeo de muco e bicarbonato e aumenta o fluxo sanguiacuteneo para o estocircmago A niacutevel renal a PGE2 e a PGI2 derivadas da COX-1 promovem manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal enquanto a niacutevel plaquetaacuterio o TXA2 eacute responsaacutevel pelo processo de agregaccedilatildeo plaquetaacuteria (Oates et al 1988 Johnson Nguyen amp Day 1994 Warner Mitchell amp Vane 2002 Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Por outro lado a COX-2 produto gecircnico do cromossomo 1 eacute praticamente indetectaacutevel na maioria dos tecidos tendo sua expressatildeo induzida na inflamaccedilatildeo Mediadores inflamatoacuterios podem atuar em diversos tipos celulares como macroacutefagos ceacutelulas endoteliais e induzirem a transcriccedilatildeo e posterior siacutentese proteiacuteca da COX-2 nessas ceacutelulas Desta forma a COX-2 estaacute fortemente implicada no processo inflamatoacuterio (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Recentemente foi descrito a existecircncia da terceira isoforma da COX a COX-3 A COX-3 eacute produto gecircnico do cromossomo 9 e estaria expressa em altos niacuteveis no sistema nervoso central sendo alvo de faacutermacos analgeacutesicos e antipireacuteticos como paracetamol e dipirona No momento mais estudos estatildeo sendo conduzidos para caracterizar a expressatildeo e funccedilotildees dessa isoforma 3 da COX (Chandrasekharan et al 2002)

Os AINEs satildeo classificados em inibidores natildeo seletivos da COX e inibidores seletivos para a COX-2 ou coxibes Os inibidores natildeo seletivos da COX tambeacutem conhecidos como AINEs tradicionais inibem tanto a COX-1 quanto a COX-2 em diferentes graus Por outro lado os inibidores seletivos da COX-2 ou coxibes atuam na inibiccedilatildeo da isoforma 2 da COX (Golan et al 2014)

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Mecanismo de Accedilatildeo dos AINEs Natildeo Seletivos

Embora os AINEs natildeo seletivos representem um grupo heterogecircneo de faacutermacos e por isso satildeo agrupados de acordo com caracteriacutesticas quiacutemicas comuns como por exemplo classe do aacutecido aceacutetico (indometacina diclofenaco) classe do aacutecido propiocircnico (ibuprofeno cetoprofeno) classe do oxicam (piroxicam meloxicam) todos atuam atraveacutes do mesmo mecanismo de accedilatildeo Tanto a COX-1 quanto a COX-2 apresentam um resiacuteduo de arginina na posiccedilatildeo 120 Para que a COX seja bloqueada o AINE precisa penetrar o canal hidrofoacutebico da COX para ter acesso a este resiacuteduo de arginina da enzima onde faraacute uma ligaccedilatildeo reversiacutevel Essa ligaccedilatildeo reversiacutevel do AINE tanto na COX-1 quanto na COX-2 impede o acesso do aacutecido araquidocircnico livre ao siacutetio cataliacutetico da enzima e consequentemente o aacutecido araquidocircnico natildeo eacute metabolizado em prostanoides como a PGE2 Assim o tratamento com AINEs reduziraacute a sensibilizaccedilatildeo da terminaccedilatildeo nervosa nociceptiva promovida pelo PGE2 (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017 Fonseca et al 2018)

A aspirina eacute o representante mais antigo dos AINEs no entanto ao inveacutes de formar uma ligaccedilatildeo reversiacutevel com o resiacuteduo de arginina na posiccedilatildeo 120 da COX-1 e COX-2 como os outros AINEs natildeo seletivos a aspirina acetila uma serina na posiccedilatildeo 530 tanto da COX-1 quanto da COX-2 A acetilaccedilatildeo eacute uma ligaccedilatildeo covalente forte irreversiacutevel Desta forma a aspirina atua tambeacutem como inibidor natildeo seletivo da COX-1 e COX-2 mas como a ligaccedilatildeo eacute irreversiacutevel seu efeito permanece ateacute que novas enzimas da COX sejam sintetizadas (Fonseca et al 2018)

Caracteriacutesticas Farmacocineacuteticas

Embora os AINEs tradicionais pertenccedilam a diferentes classes quiacutemicas todos compartilham os mesmos efeitos adversos bem como as mesmas accedilotildees terapecircuticas as quais incluem reduccedilatildeo do processo inflamatoacuterio analgesia e diminuiccedilatildeo da febre Os AINEs satildeo aacutecidos fracos cujo pH do estocircmago favorece o processo de absorccedilatildeo (chegada do faacutermaco ateacute a corrente sanguiacutenea) no entanto a maior parte do faacutermaco ingerido por via oral eacute absorvida no intestino delgado o qual possui maior superfiacutecie de contato para a absorccedilatildeo

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Uma vez o AINE na corrente sanguiacutenea este apresenta alto grau de ligaccedilatildeo a albumina proteiacutena plasmaacutetica aproximadamente 98 de ligaccedilatildeo Devido ao alto grau de ligaccedilatildeo a proteiacutenas plasmaacuteticas a fraccedilatildeo livre do faacutermaco (fraccedilatildeo natildeo ligada a proteiacutenas) eacute pequena tornado o volume de distribuiccedilatildeo do AINE no organismo baixo uma vez que apenas a fraccedilatildeo livre do faacutermaco eacute capaz de distribuir-se dos vasos sanguiacuteneos para os tecidos Em virtude do caraacuteter aacutecido desses faacutermacos estes concentram-se no tecido inflamado Como essa classe de faacutermacos liga-se muito agraves proteiacutenas plasmaacuteticas fatores que desloquem o AINE da ligaccedilatildeo agraves proteiacutenas plasmaacuteticas como por exemplo a hipoalbuminemia ou interaccedilotildees entre faacutermacos podem levar ao aumento da fraccedilatildeo livre e assim gerar a efeitos adversos (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

Uma vez exercido o efeito farmacoloacutegico os AINEs precisam ser eliminados do organismo e para que isso ocorra eacute necessaacuterio a metabolizaccedilatildeo e excreccedilatildeo do faacutermaco O metabolismo dos AINEs ocorre principalmente no fiacutegado atraveacutes de enzimas que promovem alteraccedilotildees quiacutemicas na estrutura do faacutermaco que permite que este seja excretado sendo a principal forma de excreccedilatildeo pela via renal (Golan et al 2014) Como os AINEs satildeo aacutecidos fracos a alcalinizaccedilatildeo da urina permite uma maior taxa de excreccedilatildeo Com relaccedilatildeo ao tempo de meia vida de eliminaccedilatildeo dos faacutermacos do organismo os AINEs satildeo classificados em curta e longa Como exemplo de compostos que apresentam meia vida de eliminaccedilatildeo curta ou seja menor que 6 horas temos ibuprofeno diclofenaco cetoprofeno indometacina jaacute o naproxeno e o piroxicam satildeo exemplos de AINEs que apresentam longa meia vida de eliminaccedilatildeo maior que 10 horas Algumas situaccedilotildees podem afetar o tempo de meia vida dos faacutermacos como disfunccedilatildeo hepaacutetica e renal essas alteraccedilotildees prolongam a meia vida (Rang et al 2016)

Principais Efeitos Adversos Associados ao Uso Crocircnico dos AINES Natildeo Seletivos

O uso crocircnico de AINEs principalmente para o tratamento de afecccedilotildees crocircnicas relaciona-se com inuacutemeros efeitos adversos uma vez que os prostanoides participam de inuacutemeros processos fisioloacutegicos Os principais efeitos indesejaacuteveis com o uso crocircnico

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satildeo observados a niacutevel do trato gastrointestinal renal e plaquetaacuterio (Fonseca et al 2018)

Distuacuterbios Gastrointestinais

O efeito adverso mais comum dos AINEs ocorre no trato gastrointestinal o que dificulta a adesatildeo do paciente com enfermidades reumaacuteticas crocircnicas ao tratamento A inibiccedilatildeo da COX-1 nas ceacutelulas gaacutestricas pelos AINEs natildeo seletivos reduz a produccedilatildeo de prostaglandinas citoprotetoras consequentemente ocorre inibiccedilatildeo da secreccedilatildeo de muco e bicarbonato aumento da secreccedilatildeo aacutecida e reduccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo da mucosa (Brenol Xavier amp Marasca 2000) Como os AINEs natildeo seletivos inibem tambeacutem a COX-1 presente nas plaquetas isso favorece o risco de sangramentos O paciente pode apresentar dispepsia vocircmitos e naacuteuseas diarreia ulceraccedilotildees risco de hemorragia eou perfuraccedilatildeo gaacutestrica Dados demonstram que 34-46 dos usuaacuterios de AINEs satildeo acometidos por algum comprometimento do trato digestoacuterio Neste contexto eacute importante entendermos que o efeito do AINE natildeo seletivo no trato gastrointestinal ocorre independente da via de administraccedilatildeo ou seja a inibiccedilatildeo da COX-1 iraacute ocorrer se esta classe de faacutermacos for administrada por via oral intramuscular ou endovenosa Desta forma pacientes com alto risco de complicaccedilotildees gastrointestinais ou que necessitem fazer uso por longos periacuteodos podem necessitar a prescriccedilatildeo de agentes gastroprotetores (Estes Fuhs Heaton amp Butwinick 1993 Wolfe Polhamus Kubik Robinson amp Clement 1994 Rang et al 2016)

Efeito Renal

Tanto a PGE2 quanto a PGI2 satildeo prostanoides importantes para a manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal Essa importacircncia torna-se mais evidente em pacientes que apresentam doenccedilas renais preacutevias insuficiecircncia cardiacuteaca hipertensatildeo diabetes cirrose pois esses indiviacuteduos apresentam uma maior dependecircncia dos prostanoides produzidos a niacutevel renal com accedilatildeo vasodilatadora para que tenham um adequado funcionamento dos rins Nesses pacientes o uso de AINEs a meacutedio e longo prazo estaacute associado com maior incidecircncia de

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efeitos colaterais renais como retenccedilatildeo de soacutedio e aacutegua reduccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal e da taxa de filtraccedilatildeo glomerular No entanto essas complicaccedilotildees renais satildeo reversiacuteveis com a suspensatildeo do uso dos AINEs Em situaccedilotildees mais graves o uso dos AINEs pode desencadear insuficiecircncia renal aguda siacutendrome nefroacutetica nefrite intersticial ou necrose papilar renal complicaccedilotildees conhecidas no passado como nefropatia analgeacutesica (Maher 1984 Clive amp Stoff 1984 Oates et al 1998 Whelton 1999)

O uso crocircnico de AINEs tambeacutem pode promover elevaccedilatildeo de 5 mmHg da pressatildeo arterial meacutedia Este aumento da pressatildeo arterial ocorre principalmente em indiviacuteduos que satildeo hipertensos e indiviacuteduos hipertensos que fazem uso de anti-hipertensivos como diureacuteticos inibidores da enzima conversora de angiotensina e betabloqueadores Estudos mostraram que o aumento da pressatildeo arterial desencadeado pelo uso crocircnico de AINEs estaacute associado a reduccedilatildeo dos niacuteveis de prostanoides vasodilatadores a niacutevel renal (Johnson et al 1994 Batlouni 2010)

Accedilatildeo nas Plaquetas

Uma vez que as plaquetas expressam apenas a COX-1 pois essas ceacutelulas natildeo possuem nuacutecleo natildeo sendo possiacutevel a induccedilatildeo da COX-2 o uso de AINEs natildeo seletivos pode promover prolongamento do tempo de sangramento pela inibiccedilatildeo da COX-1 e consequente inibiccedilatildeo da formaccedilatildeo de TXA2 pelas plaquetas Eacute importante ressaltar que o efeito da aspirina sobre as plaquetas eacute mais evidente quando comparado ao uso dos outros representantes dos AINEs tradicionais uma vez que a inibiccedilatildeo da COX-1 pela aspirina permaneceraacute pelo tempo de meia vida das plaquetas aproximadamente 10 dias A plaqueta natildeo possuindo nuacutecleo mesmo cessado o uso da aspirina a COX-1 continuaraacute inibida pela ligaccedilatildeo irreversiacutevel promovida pela aspirina e a plaqueta natildeo teraacute como sintetizar novas COX-1 (Golan et al 2014)

Inibidores Seletivos para a COX-2 ou Coxibes

Os efeitos adversos principalmente a niacutevel de trato gastrointestinal decorrentes do uso dos AINEs natildeo seletivos

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limitavam a utilizaccedilatildeo a meacutedio e longo prazo em pacientes com dores crocircnicas como os pacientes com artrite reumatoide e osteoartrite Neste contexto a demonstraccedilatildeo da existecircncia da COX-2 a qual teria a expressatildeo induzida durante o processo inflamatoacuterio e parecia natildeo estar expressa de forma constitutiva nas ceacutelulas levou a busca do desenvolvimento de faacutermacos seletivos para esta isoforma O desenvolvimento de um inibidor seletivo para a COX-2 representaria um faacutermaco com accedilotildees anti-inflamatoacuterias analgeacutesicas e antipireacuteticas mas com a ausecircncia das complicaccedilotildees gastrointestinais dos AINEs natildeo seletivos e tambeacutem natildeo afetariam o tempo de sangramento (Abraham El-Serag Hartman Richardson amp Deswal 2007)

Os pesquisadores perceberam uma diferenccedila estrutural entre a COX-1 e COX-2 que poderia permitir o desenvolvimento dos inibidores seletivos para a COX-2 A COX-1 apresenta em seu canal hidrofoacutebico o aminoaacutecido isoleucina na posiccedilatildeo 523 enquanto a COX-2 apresenta na mesma posiccedilatildeo 523 o aminoaacutecido valina A presenccedila da valina na posiccedilatildeo 523 da COX-2 gera a presenccedila de uma bolsa lateral dentro do canal hidrofoacutebico que torna uma porccedilatildeo do canal hidrofoacutebico da COX-2 mais larga do que a da COX-1 Essa bolsa lateral permitiu o desenvolvimento de faacutermacos com a estrutura quiacutemica volumosa os coxibes que penetram no canal hidrofoacutebico e se encaixam na bolsa lateral da COX-2 impedindo que o aacutecido araquidocircnico tenha acesso ao siacutetio cataliacutetico desta isoforma No entanto o grupamento volumoso dos coxibes natildeo permite a entrada no canal hidrofoacutebico da COX-1 pois estaacute natildeo possui a bolsa lateral e consequentemente essa isoforma natildeo eacute inibida por esta classe de faacutermacos Em 1999 menos de uma deacutecada apoacutes a descoberta da COX-2 os coxibes comeccedilaram a ser comercializados (Rang et al 2016 Fonseca et al 2018)

Coxibes e Seguranccedila Gastrointestinal

Para demonstrar que os coxibes eram mais seguros a niacutevel do trato gastrointestinal foi conduzido um amplo estudo que envolveu aproximadamente 8000 pacientes com artrite reumatoide Os pacientes foram tratados com celecoxibe (coxibe) ou AINEs natildeo seletivos por 01 ano e foram acompanhados durante este periacuteodo para determinar o surgimento de uacutelceras Os dados demonstraram que os coxibes satildeo mais seguros quanto a incidecircncia de uacutelceras quando

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comparados aos AINEs natildeo seletivos No entanto embora reduzidos os efeitos gastrointestinais natildeo desapareceram por completo com a inibiccedilatildeo seletiva da COX-2 isso porque a COX-2 estaacute envolvida com a cicatrizaccedilatildeo de uacutelceras preexistente isso provavelmente ocorreu em pacientes que jaacute possuiacuteam uacutelceras antes de iniciar o tratamento com o coxibe e a utilizaccedilatildeo desta classe retardou a cicatrizaccedilatildeo das lesotildees jaacute existentes (Bombardier et al 2000)

Coxibes e Efeitos Cardiovasculares

Embora os inibidores seletivos da COX-2 sejam mais seguros a niacutevel gastrointestinal estudos cliacutenicos conduzidos em pacientes usuaacuterios crocircnicos desses faacutermacos demonstraram graves efeitos cardiovasculares e tromboemboacutelicos (Bombardier et al 2000 Saraiva 2007) Esses efeitos no sistema cardiovascular levaram a proibiccedilatildeo da venda do Rofecoxibe em 2004 do Valdecoxibe em 2005 e do Lumiracoxibe em 2008

Assim como os AINEs natildeo seletivos os coxibes tambeacutem inibem a produccedilatildeo da PGE2 e PGI2 a niacutevel renal em pacientes que apresentam doenccedilas renais preacutevias insuficiecircncia cardiacuteaca hipertensatildeo diabetes cirrose Acredita-se que o papel beneacutefico da PGE2 e PGI2 nesses pacientes deve-se a induccedilatildeo da COX-2 com a finalidade de contrapor os efeitos vasoconstritores preexistentes nesses indiviacuteduos e obter uma vasodilataccedilatildeo compensatoacuteria para manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal e da taxa de filtraccedilatildeo glomerular (Fonseca et al 2018) Neste momento verificamos que a COX-2 natildeo eacute induzida apenas durante o processo inflamatoacuterio

No entanto com o avanccedilo dos estudos dos efeitos cardiovasculares dos coxibes verificou-se que no endoteacutelio dos vasos a fonte de PGI2 eacute a COX-2 e natildeo a COX-1 O fluxo sanguiacuteneo normal dentro dos vasos sanguiacuteneos promove um fenocircmeno chamado estresse de cisalhamento que ocorre devido o contato do fluxo de sangue com as ceacutelulas endoteliais esse estresse mecacircnico gerado nas ceacutelulas endoteliais induz a expressatildeo da COX-2 no endoteacutelio com consequente produccedilatildeo de PGI2 que promove vasodilataccedilatildeo e inibe a agregaccedilatildeo plaquetaacuteria nos vasos A prostaciclna formada dentro do vaso possui um papel fundamental para manter um ambiente vasodilatador e antitrombogecircnico (Mendes 2012 Fonseca et al 2018)

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Assim o uso de coxibe iraacute inibir natildeo apenas a COX-2 induzida durante o processo inflamatoacuterio mas tambeacutem a COX-2 produzida em decorrecircncia do estresse de cisalhamento no endoteacutelio dos vasos reduzindo a produccedilatildeo de PGI2 o que reduz a vasodilataccedilatildeo e a inibiccedilatildeo da agregaccedilatildeo plaquetaacuteria Um ponto importante eacute que com o uso dos inibidores seletivos da COX-2 a isoforma da COX-1 natildeo eacute inibida diferente do que ocorre com os AINEs natildeo seletivos e com o uso de coxibes o TXA2 que possui papel agregante plaquetaacuterio e vasoconstritor continua a ser produzido pelas plaquetas Desta forma com o uso de inibidores seletivos da COX-2 haacute o favorecimento de um ambiente trombogecircnico e vasoconstritor devido a inibiccedilatildeo da PGI2 e natildeo bloqueio do TXA2 (Golan et al 2014)

Atualmente o uso de coxibes eacute restrito a pacientes nos quais os AINEs natildeo seletivos promoveriam efeitos gastrointestinais graves e soacute satildeo prescritos apoacutes rigorosa avaliaccedilatildeo de risco cardiovascular O celecoxib eacute indicado para pacientes com osteoartrite artrite reumatoide espondilite anquilosaste dor poacutes-operatoacuteria desde que natildeo apresentem risco cardiovascular O parecoxibe eacute utilizado em ambiente hospitalar para tratamento em curto prazo da dor poacutes-operatoacuteria A dispensaccedilatildeo de coxibes em farmaacutecias eacute realizada com retenccedilatildeo da receita meacutedica e recomenda-se a menor dose possiacutevel e o uso em curto periacuteodo de tempo (Golan et al 2014 Fonseca et al 2018)

Opioides

Opioides Consideraccedilotildees Gerais

Historicamente os opioides satildeo indicados nos casos de dor aguda moderada a intensa dor poacutes-operatoacuteria controle da dor causada pelo cacircncer bem como nos casos de dores presentes em doenccedilas em estaacutegios terminais sendo considerado parte essencial do plano global de tratamento em pacientes com dor intensa No entanto ainda natildeo haacute amplo suporte para a prescriccedilatildeo de opioides para dor crocircnica pois o uso a longo prazo de opioides possui inuacutemeras implicaccedilotildees como potencial risco de abuso overdose acidental depressatildeo respiratoacuteria constipaccedilatildeo sedaccedilatildeo toleracircncia e em alguns casos o desenvolvimento de hiperalgesia induzida por opioides como

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veremos ao longo do capiacutetulo (Chou et al 2015 Dowell Haegerich amp Chou 2016a Dowell Zhang Noonan amp Hockenberry 2016b Katzung amp Trevor 2017) Estudos demonstram que uma pequena proporccedilatildeo de pacientes portadores de dor crocircnica se beneficiam com o uso de opioides Uma das recomendaccedilotildees eacute que o tratamento com opioides para a dor crocircnica seja utilizado como o uacuteltimo recurso ou seja quando outras terapias medicamentosas como o uso de AINEs falharam no aliacutevio da dor No entanto nas uacuteltimas deacutecadas o uso de opioides como ferramenta para o manejo da dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica tem aumentado a niacutevel mundial (Roe amp Sehgal 2016)

O acesso ao tratamento com opioides para o aliacutevio da dor eacute utilizado como um dos fatores que entra no caacutelculo do iacutendice de desenvolvimento humano (IDH) pois significa que o indiviacuteduo tem uma melhor qualidade de vida quando recebe um tratamento adequado para a dor (httpwwwpaliativoorgbr recuperado em 12 agosto 2019) Entre os paiacuteses que apresentam maiores taxas de prescriccedilatildeo de opioides no mundo estatildeo os Estados Unidos da America e o Canadaacute enquanto o Brasil em 2011 possuiacutea uma das menores taxas mundiais de prescriccedilatildeo desta classe de faacutermacos (Seya et al 2011) No entanto essas informaccedilotildees merecem cautela uma vez que os Estados Unidos e o Canadaacute registraram nas uacuteltimas duas deacutecadas um crescente nuacutemero de overdose por opioides Entre 2000 e 2015 aproximadamente meio milhatildeo de pessoas morreram nos Estados Unidos da Ameacuterica em decorrecircncia de overdose por opioides sendo esta situaccedilatildeo classificada como uma epidemia decorrente do uso de opioides ocasionada pelo aumento das prescriccedilotildees usos inadequados e dependecircncia (Dowell et al 2016a Dowell et al 2016b Krawczyk Greene Zorzanelli amp Bastos 2018)

Nos uacuteltimos anos o consumo dos opioides estaacute passando por alteraccedilotildees tanto na America Latina quanto no Brasil um dos fatores responsaacuteveis por esse aumento eacute a defesa crescente de melhorar a qualidade de vida do paciente tanto com dor oncoloacutegica quanto com dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica (Garcia 2014) Dados publicados em 2018 na revista American Journal of Public Health mostraram que a venda de opioides atraveacutes de prescriccedilotildees meacutedicas em farmaacutecias no Brasil aumentou de 1601043 em 2009 para 9045945 em 2015 o que representa um aumento de 465 nas prescriccedilotildees no periacuteodo de 06 anos (Krawczyk et al 2018)

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Para prescriccedilatildeo de opioides eacute necessaacuterio considerar as caracteriacutesticas do paciente como comorbidades mentais e o risco potencial de abuso por opioides como por exemplo consumo de drogas histoacuterico familiar e histoacuteria de abuso sexual (Kahan Wilson Mailis-Gagnon Srivastava amp Group 2011) Quando os opioides satildeo prescritos os objetivos funcionais do tratamento devem ser estabelecidos antes do iniacutecio da terapia esse planejamento deve envolver natildeo apenas o paciente mas tambeacutem seus familiares e inclui um programa de monitoramento de prescriccedilatildeo de faacutermacos que compreende prescriccedilatildeo com data na receita fornecimento de quantidade para 01 mecircs ou o que baste ateacute a proacutexima consulta contagem dos comprimidos exames na urina para determinar a adesatildeo do paciente e presenccedila de outras substacircncias inesperadas e acompanhamento da reduccedilatildeo da dor e melhora da funccedilatildeo Desta forma os pacientes que necessitem fazer uso de opioides a longo prazo para tratamento de dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica devem ser cuidadosamente e rigorosamente monitorados para reavaliar continuamente o benefiacutecio-risco do tratamento (Centers for Disease Control and Prevention 2017 Schuchat Houry amp Guy 2017)

Origem dos Faacutermacos Opioides

O uso de opioides para o aliacutevio da dor possui mais de 5000 anos e teve iniacutecio com o uso do oacutepio O oacutepio eacute obtido da semente da papoula Papaver somniferum Mas apenas em 1803 o farmacecircutico Freidrich Wilhelm Adam Serturner conseguiu isolar e identificar um dos componentes do oacutepio responsaacutevel pelas propriedades analgeacutesicas O composto isolado por Frederick Sertuumlrner promovia natildeo somente analgesia mas tambeacutem promovia bastante sonolecircncia e por isso foi batizado de morfina em homenagem ao Deus grego dos sonhos Morpheu Aleacutem da morfina no oacutepio estatildeo presentes inuacutemeros outros alcaloides como a codeiacutena Um tempo apoacutes o isolamento da morfina o quiacutemico inglecircs Alder Wright sintetizou a partir da morfina a diacetilmorfina a qual foi posteriormente testada e desenvolvida por Heinrich Dreser da Bayer para ser utilizada como um potente analgeacutesico Em 1898 a Bayer comeccedilou a comercializar diacetilmorfina como heroiacutena nome dado pela ldquoheroacuteicardquo capacidade de promover o aliacutevio da dor No entanto apoacutes alguns anos do iniacutecio da

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comercializaccedilatildeo da heroiacutena para a analgesia foi verificado a grande capacidade de gerar dependecircncia sendo retirada do mercado em 1913 (Guitart 2014) O primeiro dos compostos endoacutegenos com accedilatildeo opioide conhecido coletivamente como endorfinas foi isolado em 1975 por Hughes e Kosterlitz (Rang et al 2018)

Classificaccedilatildeo dos Opioides

No decorrer da histoacuteria os opioides jaacute possuiacuteram inuacutemeras denominaccedilotildees como narcoacuteticos hipnoanalgeacutesicos narcoanalgeacutesicos Atualmente esses termos natildeo satildeo mais utilizados pois tambeacutem abrangeriam outras substacircncias com capacidade de gerar narcose sono (Gozzani 1994)

A terminologia opiaacuteceo eacute designada apenas para os compostos que possuem origem natural ou seja que satildeo extraiacutedos da papoula como a morfina e codeiacutena Uma vez que existem compostos de origem natural (opiaacuteceo) semissinteacuteticos (heroiacutena hidromorfona) e sinteacuteticos (fentanil buprenorfina metadona sulfentanil) criou-se a terminologia oipioides Os opioides abrangem as substacircncias encontradas naturalmente na papoula (opiaacuteceos) os compostos semissinteacutetico sinteacuteticos e os compostos produzidos endogenamente (endorfinas) Assim para serem classificados como opioides esses compostos devem interagir com receptores para opioides produzir efeitos semelhantes aos da morfina e esses efeitos serem bloqueados por um faacutermaco antagonista para o receptor opioide (Martin 1983 Rang et al 2016)

Principais Opioides

A morfina eacute o opioide de referecircncia ainda amplamente utilizado no entanto existem outros faacutermacos pertencentes a essa classe como fentanil sulfentanil remifentanil metadona oxicodona codeiacutena tramadol buprenorfina Esses faacutermacos compartilham accedilotildees analgeacutesicas e efeitos adversos No entanto existem diferenccedilas relacionados a potecircncia eficaacutecia afinidade por receptor opioide latecircncia metabolismo e duraccedilatildeo de accedilatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

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O fentanil eacute 80 a 100 vezes mais potente que a morfina ou seja para desencadear o mesmo efeito analgeacutesico eacute necessaacuterio uma dose 100 vezes menor do fentanil quando comparado a dose da morfina O fentanil eacute extremamente lipossoluacutevel por isso possui o iniacutecio de accedilatildeo raacutepido apoacutes a administraccedilatildeo no entanto possui uma curta duraccedilatildeo de accedilatildeo A lipossolubilidade permite que o fentanil seja administrado atraveacutes da mucosa bucal na forma de pastilha ou pirulitos para pacientes pediaacutetricos e na forma de adesivos transdeacutermicos que permitem a liberaccedilatildeo prolongada em pacientes com dores crocircnicas (Fonseca et al 2018 Manica 2018)

A morfina possui extenso metabolismo de primeira passsagem dessa forma apoacutes a administraccedilatildeo por via oral a morfina eacute metabolizada no fiacutegado e tem sua estrutura quiacutemica alterada antes de chegar a corrente sanguiacutenea e ser distribuiacuteda pelo organismo esse fenocircmeno reduz a biodisponibilidade ou seja diminui a quantidade do faacutermaco original sem alteraccedilotildees metaboacutelicas que chega ateacute a corrente sanguiacutenea Por isso a administraccedilatildeo de morfina eacute preferiacutevel atraveacutes das vias parenterais injetaacuteveis (Rang et al 2016)

A metadona eacute um opioide que possui a maior meia vida plasmaacutetica entre 25 a 35 horas sendo utilizada para o tratamento de pacientes com dor crocircnica de origem oncoloacutegica e no tratamento de dependentes de opioides (Golan et al 2014)

O opioide codeiacutena eacute 20 menos potente que a morfina sendo indicado para dores moderadas como cefaleia e lombalgia e para suprimir a tosse A codeiacutena eacute um proacute-faacutermaco da morfina ou seja uma fraccedilatildeo da moleacutecula da codeiacutena eacute transformada no organismo em morfina atraveacutes de enzimas presentes no fiacutegado (Rang et al 2016)

Receptores Opioides e Distribuiccedilatildeo no Organismo

Existem 04 tipos de receptores opioides denominados de acordo com a terminologia claacutessica de mu kappa delta e nociceptinaorfanina FQ (NOP) cuja descoberta teve iniacutecio em 1973 (Finck 1979) Os opioides como morfina fentanil sulfentanil oxicodona entre outros opioides possuem maior afinidade pelo receptor mu do que pelos outros receptores opioides Assim tanto o efeito analgeacutesico quanto os efeitos adversos destes agonistas satildeo consequentes da

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interaccedilatildeo desses compostos principalmente com o receptor mu por isso esse receptor eacute conhecido como o receptor claacutessico da morfina (Rang et al 2016 Fonseca et al 2018) Desta forma no decorrer do capiacutetulo o foco principal seraacute nas accedilotildees mediadas pelo receptor mu

O receptor mu encontra-se amplamente distribuiacutedo no ceacuterebro (substacircncia cinzenta periaquedutal no mesenceacutefalo) medula espinal (terminaccedilatildeo nervosa central de neurocircnio de primeira ordem e em neurocircnio de segunda ordem presentes no corno dorsal da medula) terminaccedilatildeo nervosa perifeacuterica livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor (apoacutes lesatildeo ou inflamaccedilatildeo) trato gastrointestinal nervo oculomotor (Golan et al 2014)

Mecanismo de Accedilatildeo Analgeacutesico dos Opioides

Todos os opiodes apresentam efeitos cliacutenicos semelhantes Os opioides promovem analgesia a niacutevel supraespinal (ceacuterebro) a niacutevel espinal (corno dorsal) e perifeacuterico (terminaccedilatildeo nervosa livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor) (Golan et al 2014 Katzung 2018)

Em niacutevel supraespinal os opioides promovem a ativaccedilatildeo da via descendente inibitoacuteria da dor Esta via que inibe a dor tem iniacutecio na substacircncia cinzenta periaquedutal (PAG) no mesenceacutefalo e sua ativaccedilatildeo exerce o papel inibindo a dor a niacutevel da medula espinal Fisiologicamente a via descendente inibitoacuteria da dor estaacute inibida pois a dor eacute um mecanismo de defesa sendo importante a sua manifestaccedilatildeo O neurotransmissor que eacute liberado fisiologicamente e inibe a via inibitoacuteria da dor ou seja que permite que conseguimos sentir dor por inibir essa via eacute o aacutecido gama-aminobutiacuterico (GABA) um neurotransmissor inibitoacuterio Na PAG haacute alta expressatildeo dos receptores opioides do tipo mu A ativaccedilatildeo dos receptores mu da PAG por agonistas como a morfina ou opioides endoacutegenos impede a liberaccedilatildeo do GABA Desta forma com a ativaccedilatildeo dos receptores mu na PAG ocorre inibiccedilatildeo da liberaccedilatildeo do GABA e consequentemente a via descendente que inibe a dor a niacutevel espinal eacute liberada promovendo analgesia Contribuindo tambeacutem com a analgesia a niacutevel cerebral a ativaccedilatildeo dos receptores mu pelos opioides reduz o componente afetivo vinculado a dor bem como o modo pelo qual a dor eacute percebida pelo indiviacuteduo (Katzung 2018)

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Na medula espinal atuam a niacutevel do corno dorsal A terminaccedilatildeo nervosa central do neurocircnio aferente primaacuterio (nociceptor) encontra-se no corno dorsal e expressa receptores opioides do tipo mu A ativaccedilatildeo dos receptores mu na terminaccedilatildeo nervosa central inibe a liberaccedilatildeo de vesiacuteculas sinaacutepticas que conteacutem mediadores excitatoacuterios (glutamato substacircncia P) que estatildeo envolvidos na via ascendente da dor No corno dorsal os receptores mu tambeacutem estatildeo expressos em neurocircnios de segunda ordem A ativaccedilatildeo dos receptores mu no neurocircnio de segunda ordem leva a hiperpolarizaccedilatildeo desse neurocircnio ou seja seu interior fica mais negativo dificultando a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo consequentemente a informaccedilatildeo dolorosa (geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo) natildeo seraacute gerada e natildeo seraacute transmitida ao ceacuterebro (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung 2018)

Em termos perifeacutericos na ausecircncia de lesatildeo ou processo inflamatoacuterio a terminaccedilatildeo nervosa livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor natildeo expressa receptores opioides No entanto apoacutes injuacuteria ou inflamaccedilatildeo haacute induccedilatildeo da expressatildeo de receptores do tipo mu A ativaccedilatildeo desses receptores a niacutevel perifeacuterico leva a hiperpolarizaccedilatildeo do nociceptor dificultando a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo e consequentemente a informaccedilatildeo dolorosa (potencial de accedilatildeo) natildeo eacute transmitida da periferia para o corno dorsal da medula espinal (Oaklander 2011)

Principais Efeitos Adversos Opioides

Tanto o efeito analgeacutesico quanto os efeitos adversos dos diferentes opioides satildeo semelhantes o que pode ocorrer satildeo variaccedilotildees em relaccedilatildeo a intensidade desses efeitos (Golan et al 2014) O surgimento de efeitos adversos reduz a adesatildeo do paciente ao tratamento da mesma forma que a reduccedilatildeo da dose para tentar minimizar os efeitos adversos compromete a analgesia satisfatoacuteria (Benyamin et al 2008)

No sistema nervoso central os opioides promovem sedaccedilatildeo que pode reduzir a capacidade de concentraccedilatildeo e gerar acidentes e em pacientes ambulatoriais e idosos a sedaccedilatildeo pode levar a queda Os agonistas dos receptores mu tambeacutem podem promover euforia que gera bem-estar e contentamento e este efeito estaacute associado a procura pelo opioide por alguns pacientes O principal e mais

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preocupante efeito adverso eacute a depressatildeo respiratoacuteria Os opioides atuam atraveacutes da ativaccedilatildeo dos receptores mu no centro do controle respiratoacuterio no bulbo reduzindo a resposta respiratoacuteria ao dioacutexido de carbono levando a depressatildeo respiratoacuteria O risco de depressatildeo respiratoacuteria aumenta com doses maiores quando combinados a outros faacutermacos depressores do sistema nervoso central como benzodiazepiacutenicos e tambeacutem na presenccedila de doenccedilas respiratoacuterias Os opioides atuam no centro da tosse deprimindo o reflexo da tosse (Fonseca et al 2018 Manica 2018)

Essa classe de faacutermacos tambeacutem promovem miose atuam na zona quimiorreceptora bulbar promovendo naacuteuseas e vocircmitos no trato gastrointestinal gerando constipaccedilatildeo diminuem o esvaziamento gaacutestrico promovem retenccedilatildeo urinaacuteria induzem liberaccedilatildeo de prolactina somatotropina hormocircnio luteizante diminuem tocircnus simpaacutetico o que pode resultar em hipotensatildeo ortostaacutetica e geram bradicardia Principalmente a morfina quando administrada por via endovenosa pode promover a degranulaccedilatildeo de mastoacutecitos e liberaccedilatildeo de histamina que pode gerar hipotensatildeo prurido e broncoconstriccedilatildeo (Golan et al 2014) Estudos demonstram que a administraccedilatildeo crocircnica de opioides pode reduzir a resposta imune inata e a adaptativa predispondo a infecccedilotildees (Peterson Molitor amp Chao 1998 Dimitrijević et al 2000 Sehgal Colson amp Smith 2013)

Toleracircncia

Em termos gerais a toleracircncia para a analgesia clinicamente manifesta-se 2 a 3 semanas apoacutes o iniacutecio da terapia com doses terapecircuticas habituais de opioides (Katzung et al 2018) Com o surgimento da toleracircncia observa-se a perda da eficaacutecia sendo necessaacuterio o aumento da dose do opioide para a obtenccedilatildeo da analgesia inicial e frente a esse cenaacuterio muitas vezes a toleracircncia acaba sendo confundida com dependecircncia jaacute que o paciente solicita doses maiores para a obtenccedilatildeo da analgesia (Benyamin et al 2008 Golan et al 2014 Angst 2015) A toleracircncia pode ocorrer mais raacutepido com o uso de doses elevadas em intervalos curtos de administraccedilatildeo (Katzung et al 2018)

O receptor mu opioide eacute um receptor acoplado a proteina G do tipo inibitoacuteria A ativaccedilatildeo frequente desse receptor pelos agonistas

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opioides promove dessensibilizaccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo do receptor ou seja ocorreraacute a diminuiccedilatildeo da expressatildeo do receptor na superfiacutecie celular em decorrecircncia do uso dos opioides com essa reduccedilatildeo de receptores haacute a reduccedilatildeo do efeito analgeacutesico (Williams et al 2013 Varrassi et al 2018) Com o surgimento da toleracircncia eacute necessaacuterio aumentar a dose ou realizar a rotaccedilatildeo que eacute a troca de um opioide por outro na praacutetica a realizaccedilatildeo da rotaccedilatildeo de opioides varia entre 15 a 40 (Nalamachu 2012) A toleracircncia acontece para analgesia depressatildeo respiratoacuteria euforia Contudo natildeo haacute toleracircncia para miose e constipaccedilatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

Dependecircncia Fiacutesica

Frequentemente junto com a toleracircncia eacute observado a dependecircncia fiacutesica A dependecircncia fiacutesica por opioides ocorre quando haacute a interrupccedilatildeo abrupta do uso ou quando eacute administrado um antagonista dos receptores opioides resultando na siacutendrome de abstinecircncia A siacutendrome de abstinecircncia eacute caracterizada por agitaccedilatildeo ansiedade insocircnia anorexia bocejo transpiraccedilatildeo febre vocircmito diarreia coacutelica rinorreia respiraccedilatildeo ofegante hipertensatildeo dilataccedilatildeo pupilar tremor dor muscular e convulsatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

A dependecircncia fiacutesica eacute comum entre pacientes que fazem uso de opioides possuir dependecircncia fiacutesica natildeo eacute sinocircnimo de adicccedilatildeo pois um paciente tratado com opioide pode ser dependente fiacutesico sem ser dependente psicoloacutegico (Rang et al 2016)

Tendo como exemplo a morfina a siacutendrome de abstinecircncia comeccedila a se manifestar entre 6 a 10 horas apoacutes a uacuteltima dose administrada sendo os efeitos maacuteximos da siacutendrome de abstinecircncia observados em 36 a 48 horas e pode perdurar por alguns dias (Rang et al 2016)

Quando o tratamento com opioides pode ser finalizado eacute importante realizar uma descontinuaccedilatildeo do faacutermaco de forma gradual reduzindo as doses administradas para que a siacutendrome de abstinecircncia seja minimizada (Benyamin et al 2008)

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Adicccedilatildeo ou Dependecircncia Psicoloacutegica

O risco de adicccedilatildeo eacute uma das principais preocupaccedilotildees para a prescriccedilatildeo de opioides Na adicccedilatildeo por opioides ocorre alteraccedilotildees nas vias de recompensa cerebrais que culmina com o uso abusivo e o comportamento compulsivo de busca pela substacircncia independente dos danos gerados pelo uso abusivo ou dos riscos decorrentes da busca por opioides (Golan 2014) A adiccedilatildeo constitui um efeito adverso potencial da administraccedilatildeo de opioides e o desejo compulsivo por esta classe de faacutermacos pode persistir por meses ou ateacute anos apoacutes a uacuteltima administraccedilatildeo (Rang et a 2016)

Hiperalgesia Induzida por Uso Crocircnico de Opioides

Na hiperalgesia induzida por opioides ocorre aumento da dor em pacientes em terapia crocircnica com essa classe de faacutermacos A hiperalgesia induzida por opioides eacute diferente da toleracircncia para a analgesia Na hiperalgesia por opioides a dor permanece mesmo com o aumento de doses haacute dor com uso de opioide na ausecircncia da progressatildeo da doenccedila e presenccedila de dor natildeo associada agrave dor original Um dos mecanismos envolvidos na hiperalgesia por opioides envolve a ativaccedilatildeo do sistema glumateacutergico e os receptores NMDA Um dos tratamentos para evitar ou reduzir a hiperalgesia consiste no uso de antagonistas do receptor NMDA como a cetamina (Silverman 2009 Angst 2015)

Tratamento da Intoxicaccedilatildeo Aguda por Opioides

Para o tratamento de overdose e reversatildeo da depressatildeo respiratoacuteria por intoxicaccedilatildeo aguda de opioides eacute necessaacuterio o uso de antagonistas do receptor mu como a naloxona por via endovenosa O antagonista possui alta afinidade pelos receptores mu e com isso impede que o opioide interaja e ative o receptor (Golan et al 2014 Fonseca et al 2018 Manica 2018)

A naloxona possui a meia vida menor do que dos opioides assim o paciente precisa ser monitorado para que natildeo ocorra retorno da depressatildeo respiratoacuteria ateacute que o opioide tenha sido eliminado do organismo (Golan et al 2014)

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A naltrexona eacute um antagonista que possui uma meia vida de eliminaccedilatildeo maior eacute administrado por via oral em pacientes dependentes de opioides para o tratamento de desintoxicaccedilatildeo (Fonseca et al 2018)

Consideraccedilotildees Finais

A dor crocircnica eacute uma condiccedilatildeo debilitante afeta a produtividade e a qualidade de vida do paciente Entre os faacutermacos mais utilizados no tratamento da dor crocircnica estatildeo os AINEs que atuam atraveacutes da inibiccedilatildeo da siacutentese de prostanoides diminuindo os sinais e sintomas da inflamaccedilatildeo e reduzindo a dor Essa classe de faacutermacos natildeo gera dependecircncia fiacutesica nem psicoloacutegica no entanto estaacute relacionada com alta incidecircncia de efeitos adversos particularmente distuacuterbios no trato gastrointestinal de pacientes que fazem uso crocircnico o que dificulta a adesatildeo ao tratamento Em diversos paiacuteses como Estados Unidos e Canadaacute os opioides satildeo usados para o tratamento da dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica no entanto o benefiacutecio do uso de opioides para o tratamento da dor crocircnica ainda necessita cautela Os opiodes promovem inuacutemeros efeitos adversos como naacuteusea vocircmitos constipaccedilatildeo sedaccedilatildeo depressatildeo respiratoacuteria o que propicia ao paciente a interrupccedilatildeo do tratamento Aleacutem disso o uso de opioides estaacute relacionado ao desenvolvimento de toleracircncia dependecircncia fiacutesica possiacutevel dependecircncia psicoloacutegica hiperalgesia e alteraccedilotildees no sistema imune Desta forma o tratamento para a dor crocircnica deve possuir uma abordagem multidisciplinar que considere as caracteriacutesticas individuais do paciente para que o tratamento mais adequado para a reduccedilatildeo da dor seja empregado

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Epilepsia em Catildees

Lucas Aleacutecio GomesUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Neste capiacutetulo os termos crise epileacutetica e convulsatildeo epileacutetica seratildeo utilizados como sinocircnimos surgindo ao longo do texto de forma mesclada Essa escolha se deve a orientaccedilotildees presentes na literatura consultada a exemplo do ldquoInternational veterinary task force consensus report on epilepsy definition classification and terminology in companion animalsrdquo (publicado em 2015) do ldquo2015 ACVIM small animal consensus statement on seizure management in dogs rdquo (publicado em 2016) e tambeacutem em consideraccedilatildeo ao senso comum cujo termo convulsatildeo ainda permanece amplamente utilizado tanto por meacutedicos veterinaacuterios quanto pelos tutores dos animais

A crise epileacutetica ou convulsatildeo epileacutetica ocorre devido a um distuacuterbio eleacutetrico transitoacuterio excessivo ou sincrocircnico envolvendo neurocircnios cerebrais Quando um animal apresenta crise epileacutetica a localizaccedilatildeo neuroanatocircmica corresponde ao prosenceacutefalo (ceacuterebro) (Heller 2018 Prada 2014) A causa de base poderaacute ser estrutural ou quiacutemica e poderaacute ocasionar desequiliacutebrio entre os mecanismos de excitaccedilatildeo e inibiccedilatildeo cerebral que por vezes iraacute culminar com uma disfunccedilatildeo do prosenceacutefalo Quando as crises epileacuteticas se tornam recorrentes entatildeo elas passam a ser denominadas de epilepsia cuja causa pode ser idiopaacutetica ou primaacuteria geneacutetica (na qual genes especiacuteficos para doenccedila satildeo detectados ou quando haacute fortes evidencias do problema dentro de uma linhagem familiar) estrutural (alteraccedilotildees estruturais no ceacuterebro por exemplo inflamaccedilatildeo infecccedilatildeo neoplasia) ou reativa (denominada anteriormente de secundaacuteria) Assim sendo destaca-se que a epilepsia idiopaacutetica eacute considerada quando exames de sangue imagens de ressonacircncia magneacutetica

Autor para correspondecircncia

lucasaleciogmailcom

Departamento de Cliacutenicas

Veterinaacuterias Rod Celso Garcia Cid

PR 445 Km 380 CEP 86051-980

Londrina - Paranaacute ndash Brasil fone 55+

(43) 3371-4559

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do enceacutefalo e anaacutelise de liacutequido cerebrospinal satildeo normais poreacutem o diagnoacutestico cliacutenico eacute aceitaacutevel se nenhuma doenccedila de base for identificada a idade for entre 6 meses e 6 anos e natildeo houver alteraccedilotildees neuroloacutegicas entre os periacuteodos de criseconvulsatildeo epileacutetica (Berendt et al 2015 Coates amp Orsquobrien 2017 Kaczmarska et al 2020 Fisher et al 2005 2014 Lavely 2014 Platt 2012 Podell et al 2016 Thomas amp Dewey 2016) Entretanto a causa etioloacutegica em muitos casos permanece natildeo esclarecida (Seppaumlllauml et al 2012)

O termo idiopaacutetico significa uma doenccedila de causa desconhecida mas para ser mais didaacutetico o termo deve claramente definir uma entidade Em pessoas algumas epilepsias previamente classificadas como ldquoidiopaacuteticasrdquo passaram a ser associadas a aspectos geneacuteticos Seguindo esta linha de raciociacutenio sugere-se que o sistema preacutevio de classificaccedilatildeo da epilepsia elaborado pela International League Against Epilepsy (ILAE) no qual a epilepsia era denominada idiopaacutetica sintomaacutetica e criptogecircnica seja reconsiderado e tais nomeaccedilotildees redefinidas para geneacutetica estruturalmetaboacutelica e as de causa desconhecida Para que haja uniformidade na nomenclatura utilizada a respeito de epilepsia a Medicina Veterinaacuteria tem seguido alguns modelos propostos pela ILAE a qual se refere a seres humanos entretanto ainda permanece em parte a ausecircncia de um consenso uma vez que nem todos os termos utilizados pela ILAE se adequam ao que ocorre na Medicina Veterinaacuteria (Berendt et al 2015 Charalambous et al 2017 Coates amp Orsquobrien 2017 Thomas amp Dewey 2016)

Estima-se que a ocorrecircncia de epilepsia na populaccedilatildeo de catildees em geral corresponda a 06 a 075 embora natildeo exista ainda uma quantificaccedilatildeo exata confirmada (Berendt et al 2015 Coates amp Orsquobrien 2017) A maioria dos catildees com epilepsia tem causa idiopaacutetica enquanto que apenas 0-22 dos gatos apresentam a doenccedila na sua forma idiopaacutetica Em relaccedilatildeo ao sexo os catildees machos satildeo ligeiramente mais acometidos que as fecircmeas poreacutem em se tratando de gatos ateacute o momento natildeo foi identificada qualquer influecircncia quanto ao sexo Eacute importante destacar que em cadelas no periacuteodo do estro parece haver diminuiccedilatildeo do limiar para convulsatildeo tornando-se assim um fator de risco importante a ser considerado condiccedilatildeo essa bem documentada em seres humanos com epilepsia catamenial (De Lahunta amp Glass 2009 Herzog et al 1997 Van Meervenne et al

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2015) A idade de manifestaccedilatildeo das crises epileacuteticas idiopaacuteticas nos catildees ocorre usualmente entre 6 meses a 6 anos de idade sendo que em um estudo a meacutedia foi de 26 anos enquanto que em outro grande estudo envolvendo 407 catildees a meacutedia de ocorrecircncia da primeira crise epileacutetica foi aos 39 anos de idade (Coates amp Orsquobrien 2017 Jaggy amp Bernardini 1998 Wahle et al 2014) Entretanto haacute casos em que a doenccedila se manifesta aos 3 meses ou aos 10 anos de idade demonstrando assim que ela pode ter uma amplitude grande no que diz respeito a idade Algumas raccedilas satildeo predispostas a epilepsia idiopaacutetica como o Pastor belga Poodle Beagle Retriever Bernese Boxer Dachshund Setter irlandecircs Schnauzer miniatura Satildeo Bernardo Cocker Spaniel Pastor alematildeo Keeshond Vizla Husky siberiano Lagotto Romagnolo Wolfhound irlandecircs etc (Berendt amp Gram 1999 Berendt et al 2015 Heske et al 2014 Platt (2012) Jaggy amp Bernardini 1998 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

A epilepsia eacute um processo enfermo heterogecircneo complicado pela incapacidade de obter um diagnoacutestico definitivo para todos os pacientes como consequecircncia dos desafios proporcionados pela limitaccedilatildeo dos testes diagnoacutesticos devido a restriccedilotildees financeiras imprevisibilidade da progressatildeo da doenccedila e lacunas no conhecimento da sua fisiopatologia (Armaşu et al 2014 Berendt et al 2015)

Estaacutegios da CriseConvulsatildeo Epileacutetica

As crisesconvulsotildees epileacuteticas apresentam estaacutegios ou fases diferentes que satildeo

Proacutedromo ndash essa fase precede a criseconvulsatildeo e pode durar de horas ou dias Ela se caracteriza por alteraccedilotildees comportamentais como se esconder agitaccedilatildeo ansiedade medo etc

Aura - eacute uma sensaccedilatildeo subjetiva que caracteriza o iniacutecio da criseconvulsatildeo Atualmente a International Veterinary Epilepsy Task Force recomenda que o termo ldquoaurardquo natildeo seja utilizado supondo que as alteraccedilotildees observadas pelo tutor do animal antes da convulsatildeo ocorrer na realidade jaacute eacute o iniacutecio da crise epileacutetica

Ictus ndash eacute a criseconvulsatildeo per se

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Poacutes-ictus ndash essa fase eacute caracterizada por comportamento atiacutepico logo apoacutes a crise epileacutetica como andar compulsivo cegueira salivaccedilatildeo ingestatildeo compulsiva de aacutegua eou comida desorientaccedilatildeo letargia agressatildeo deliacuterio e eventualmente ato de micccedilatildeo inapropriado (Berendt amp Gram 1999 Berendt et al 2015 De Lahunta amp Glass 2009 Heller 2018 Platt 2012 Podell et al 1995 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

Quanto agrave forma de manifestaccedilatildeo ou seja os sinais observados nos catildees em crise epileacuteticas elas podem ser generalizadas focais ou focais complexas As generalizadas satildeo caracterizadas pela perda de consciecircncia e por envolver o corpo todo (figura 1 e 2) As focais causam alteraccedilotildees de movimento em uma parte do corpo e pode ou natildeo haver alteraccedilatildeo de consciecircncia As crises focais complexas satildeo descritas com alteraccedilatildeo de consciecircncia andar ou correr de forma anormal ptialismo movimentos faciais e mudanccedilas repentinas no estado mental (Berendt amp Gram 1999 Heller 2018 Platt 2012 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

Figura 1 Imagem obtida a partir de viacutedeo ndash crise epileacutetica generalizada Evidencia-se sialorreia

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Figura 2 Imagem obtida a partir de viacutedeo Crise epileacutetica generalizada

Um outro tipo de convulsatildeo epileacutetica chamada de convulsotildees reflexas nos seres humanos pode ser desencadeada por uma variedade de funccedilotildees sensoriais motoras e cognitivas Estiacutemulos visuais auditivos somaacutetico sensoriais associados com crises incluem luzes ldquopiscantesrdquo muacutesica aacutegua quente e sustos Essas convulsotildees tambeacutem podem ser induzidas por pensamento excessivo ou pela realizaccedilatildeo de tarefas complexas ligadas agrave cogniccedilatildeo A exemplo do que ocorre em seres humanos os animais tambeacutem podem apresentar criseconvulsatildeo epileacutetica reflexa que pode ser desencadeada por estiacutemulo sonoro (ex muacutesica) visual (ex foacutetico) ou taacutetil (ex durante o banho) Essas convulsotildees epileacuteticas podem ser focais (o mais comum) ou generalizadas Recentemente foi descrita em catildees um tipo de convulsatildeo reflexa desencadeada pelo ato de se alimentar e o no referido estudo os autores observaram que a causa pode ser idiopaacutetica ou estrutural (Brocal et al 2020) Convulsotildees reflexas satildeo incomuns em catildees poreacutem existem alguns relatos demonstrando que luz som e movimentos nos campos visuais satildeo bem conhecidos como gatilhos para a ocorrecircncia de epilepsia mioclocircnica em catildees com doenccedila de Lafora (Berendt et al 2015 Engel 2001 Lowrie et al 2016 Lowrie et al 2017 Potschka at al 2013 Okudan amp Oumlzkara 2018 Wolf 2017)

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Diagnoacutestico

A International Veterinary Epilepsy Task Force realizou um consenso em 2015 e elaborou alguns passos fundamentais na abordagem diagnoacutestica para um paciente com crisesconvulsotildees epileacuteticas O iniacutecio dessa abordagem depende de se estabelecer se a convulsatildeo eacute realmente uma crise epileacutetica excluindo portanto a presenccedila de possiacuteveis alteraccedilotildees episoacutedicas paroxiacutesticas (siacutencope distuacuterbios do movimento narcolepsia cataplexia etc) Outro aspecto considerado elementar eacute identificar a causa de base das crises epileacuteticas e assim classificaacute-las em crises reativas (metaboacutelicas ndash ex hipoglicemia encefalopatia hepaacutetica alteraccedilotildees de eletroacutelitos uremia hipertensatildeo ou toacutexicas ndash ex organofosforadocarbamato estricnina intoxicaccedilatildeo por chumbo etc) estrutural (infecccedilatildeo inflamaccedilatildeo anomalia degeneraccedilatildeo neoplasia trauma acidente vascular) e idiopaacutetica cujo diagnoacutestico se daacute por exclusatildeo levando em consideraccedilatildeo a idade exame fiacutesico e neuroloacutegico normais entre os episoacutedios de crise epileacutetica e exames complementares sem alteraccedilotildees (Brauer et al 2011 De Risio et al 2015 Paacutekozdy et al 2008)

O histoacuterico do paciente deve ser obtido de forma detalhada e a descriccedilatildeo de como as convulsotildees ocorrem eacute de suma importacircncia para que o meacutedico veterinaacuterio possa avaliar se a condiccedilatildeo descrita eacute realmente uma crise epileacutetica Atualmente eacute comum e sensato solicitar que o responsaacutevel pelo animal registre o episoacutedio por meio de viacutedeo o que facilita a interpretaccedilatildeo do problema O histoacuterico familiar de crises epileacuteticas eacute um forte indicativo de base geneacutetica associada ao problema e testes geneacuteticos podem confirmar o diagnoacutestico quando disponiacuteveis Por outro lado informaccedilotildees sobre a ingestatildeo de plantas uso de pesticidas ou dedetizaccedilatildeo do ambiente banhos com produtos ectoparasiticidas fornecimento de medicaccedilotildees recentemente acesso agrave rua traumatismos viagens situaccedilotildees estressantes aumento na ingestatildeo de aacutegua eou do apetite maior produccedilatildeo de urina cansaccedilo faacutecil espirros tosse secreccedilatildeo nasal eou ocular claudicaccedilatildeo entre outras alteraccedilotildees a priori deveratildeo ser tratados como indiacutecios de relaccedilatildeo com a crise epileacutetica ateacute que contraacuterio seja estabelecido (Berendt et al 2009 De Risio et al 2015 Thomas Dewey 2016)

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A idade do animal bem como a raccedila podem dar indiacutecios de possiacuteveis doenccedilas o que otimiza a lista de diagnoacutesticos diferenciais a ser elaborada Por exemplo filhotes satildeo mais acometidos por doenccedilas infecciosas e traumatismo adultos podem ser mais propensos a doenccedilas metaboacutelicas ou epilepsia idiopaacutetica se as crises ocorrem entre 6 meses e 6 anos de idade Por outro lado catildees e gatos acima de 8 anos que apresentem convulsotildees epileacuteticas possuem grande chance de neoplasia intracraniana Entretanto eacute necessaacuterio destacar que essas satildeo diretrizes que auxiliam na abordagem do paciente epileacuteptico a fim de organizar o raciociacutenio cliacutenico na abordagem de pacientes com crisesconvulsotildees epileacuteticas com o objetivo de extrair o melhor das informaccedilotildees oriundas do histoacuterico e da resenha do animal (Heller 2018 Lavely 2014 Platt 2012 Paacutekozdy et al 2008 Thomas amp Dewey 2016)

O proacuteximo passo eacute a realizaccedilatildeo de exame fiacutesico minucioso para confirmar ou excluir alteraccedilotildees na coloraccedilatildeo de mucosas sangramento superficial espontacircneo aumento de volume abdominal dispneia crepitaccedilotildees pulmonares e assim por diante as quais possam sugerir doenccedilas sistecircmicasmetaboacutelicas A identificaccedilatildeo de problemas eacute fundamental para otimizar o raciociacutenio cliacutenico a lista de diagnoacutesticos diferenciais e o plano diagnoacutestico a ser elaborado poupando tempo e custos desnecessaacuterios para o responsaacutevel pelo animal Aleacutem disso auxiliaraacute a definir se haacute algum sistema acometido e confirmar ou excluir uma possiacutevel relaccedilatildeo com as crises epileacuteticas (De Lahunta amp Glass 2009 Heller 2018 Lavely 2014 Paacutekozdy et al 2008 Thomas amp Dewey 2016)

A etapa seguinte compreende o exame neuroloacutegico a fim de identificar ou excluir alteraccedilotildees neuroloacutegicas evidentes ou sutis e a partir disso localizar a lesatildeo essa etapa eacute denominada de diagnoacutestico neuroanatocircmico e as causas do problema ou seja diagnoacutestico etioloacutegico podem ser variadas O diagnoacutestico neuroanatocircmico eacute de suma importacircncia uma vez que representa a base da neurologia cliacutenica e portanto forneceraacute informaccedilotildees para que o meacutedico veterinaacuterio priorize a sua lista de diagnoacutesticos diferentes perante o paciente Por exemplo se o animal estaacute com crises epileacuteticas e outras alteraccedilotildees neuroloacutegicas como sinais vestibulares ou cerebelares a siacutendrome eacute classificada como multifocal por outro lado se a uacutenica manifestaccedilatildeo satildeo as crises epileacuteticas considera-se que o problema

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acomete apenas o ceacuterebro Esses elementos e informaccedilotildees ajudaratildeo nas decisotildees seguintes e quanto aos exames a serem solicitados com o objetivo de se estabelecer diagnoacutestico definitivo ou se aproximar dele por meio de exclusotildees Quando entre as crises epileacuteticas natildeo haacute qualquer alteraccedilatildeo neuroloacutegica apoacutes a recuperaccedilatildeo da consciecircncia haacute grande chance de se estar diante de um caso de epilepsia idiopaacutetica poreacutem faz-se novamente necessaacuterio destacar a importacircncia da resenha e histoacuterico como pilares na fundamentaccedilatildeo desse raciociacutenio (De Lahunta amp Glass 2009 Schatzberg 2017)

Diagnoacutesticos Diferenciais

Apoacutes as todas as informaccedilotildees tenham sido colhidas estabelecer uma lista de diagnoacutesticos diferenciais iraacute otimizar a abordagem cliacutenica e minimizaraacute as chances de erros uma vez que um plano diagnoacutestico sequencial deve ser estabelecido com base nas possiacuteveis causas listadas O diagnoacutestico diferencial deve se basear no algoritmo mnemocircnico chamado de DINAMITE o qual seraacute explicado a seguir ldquoDrdquo estaacute para doenccedilas degenerativas ldquoIrdquo para infecciosas e inflamatoacuterias ldquoNrdquo para neoplaacutesicas e nutricionais ldquoArdquo para anomalias ldquoMrdquo metaboacutelicas ldquoIrdquo idiopaacuteticas ldquoTrdquo para traumaacuteticas e toacutexicas e ldquoErdquo para endoteliais como acidente vascular cerebral trombos hipoacutexia vasculite

Exames Complementares

Os exames laboratoriais de rotina como hemograma urinaacutelise e bioquiacutemicos seacutericos devem ser realizados com o objetivo de identificar causas intracranianas ou extracranianas

Quando a suspeita eacute de causa intracraniana aleacutem dos exames citados podem ser solicitados Ressonacircncia Magneacutetica ou Tomografia do ceacuterebro bem como anaacutelise de liacutequido cerebrospinal (LCE) Caso haja sinais de inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo no LCE eou na imagem exames de PCRsorologiascitologias poderatildeo ser solicitados No processo de investigaccedilatildeo para confirmar ou excluir neoplasias primaacuterias ou metastaacuteticas a imagens de toacuterax e abdome deveratildeo ser consideradas

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Por outro lado se a suspeita for de causa extracraniana alteraccedilotildees bioquiacutemicas e na urinaacutelise podem ser mais comuns e testes especiacuteficos como dosagem de aacutecidos biliares podem ajudar a direcionar o caso quanto a possiacutevel desvio portossistecircmico entretanto causas infecciosas podem estar presentes assim sendo exames de PCRsorologiascitologias devem ser considerados tambeacutem (Schatzberg 2017 Coates amp OrsquoBrien 2017)

Nos casos de epilepsia idiopaacutetica os resultados dos exames seratildeo normais e natildeo haveraacute alteraccedilotildees no exame fiacutesico e no exame neuroloacutegico no periacuteodo entre as convulsotildees epileacuteticas Embora a realizaccedilatildeo de exames de RM ou TC e anaacutelise de LCE sejam preconizados para pacientes com suspeita de epilepsia idiopaacutetica quando da impossibilidade de realizaccedilatildeo deles eacute aceitaacutevel que o diagnoacutestico seja sustentado com base nas seguintes caracteriacutesticas idade adequada hemograma normal bioquiacutemicos normais e crises epileacuteticas usualmente generalizadas ou seja essas condiccedilotildees podem servir de elementos para que o cliacutenico se baseie na elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico presuntivo de epilepsia idiopaacutetica Poreacutem alguns catildees podem apresentar alteraccedilotildees nas imagens de RM ou TC do ceacuterebro bem como no LCE devido as proacuteprias crises epileacuteticas ocasionarem danos neuronais sendo que este fenocircmeno eacute transitoacuterio (De Lahunta 2014 Dewey amp Da Costa 2016 Mellema et al 1999 Platt 2012 Paacutekozdy et al 2008 Podell 2013 Podel et al 2016)

Tratamento

O objetivo do tratamento para um catildeo com epilepsia deve ser baseado no equiliacutebrio entre a habilidade de eliminar as crises epileacuteticas e a qualidade de vida do paciente Frequentemente a eliminaccedilatildeo total das crises epileacuteticas eacute algo pouco provaacutevel Por outro lado realisticamente se objetiva a reduccedilatildeo na quantidade duraccedilatildeo e gravidade das crises epileacuteticas com o menor toleraacutevel ou nenhum efeito colateral das medicaccedilotildees preservando ao maacuteximo a qualidade de vida dos animais Eacute muito importante que seja esclarecido para o responsaacutevel pelo animal que mesmo com o tratamento provavelmente as crises ainda ocorreratildeo e esta condiccedilatildeo estaraacute frequentemente presente perante a casos suspeitos ou confirmados

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de epilepsia idiopaacutetica ou doenccedila estrutural sem perspectiva de cura (por exemplo alguns tipos de neoplasias intracranianas Bhattiet al 2015 Changet al 2006 Dewey amp Da Costa 2016 Thomas 2010)

A decisatildeo em iniciar o tratamento com medicaccedilotildees anticonvulsivantes deve ser guiada pelas seguintes diretrizes

bull A presenccedila de lesatildeo estrutural identificaacutevel ou histoacuteria preacutevia de doenccedilatrauma cerebral crises recorrentes agudas ou status epilepticus (duraccedilatildeo de uma crise por 5 minutos ou mais ou 3 ou mais crises epileacuteticas generalizadas num periacuteodo de 24 horas)

bull Duas ou mais crises convulsivas estatildeo ocorrendo dentro de um periacuteodo de 6 meses

bull Estado poacutes-ictal eacute grave incompatiacutevel (por exemplo agressividade cegueira) ou dura por mais de 24 horas

bull A frequecircncia das crises estaacute aumentando eou a gravidade se torna maior durante longo de 3 periacuteodos interictais (Bhatti et al 2015 Platt 2012 Podell et al 2016)

Pacientes com apenas uma convulsatildeo epileacutetica com convulsotildees induzidas ou com convulsotildees intercaladas por um periacuteodo prolongado (mais que 6 meses) usualmente natildeo necessitam de tratamento de manutenccedilatildeo (Thomas 2010)

A escolha da medicaccedilatildeo antiepileacutetica para iniciar o tratamento deve ser pautada em fatores tanto relacionados ao paciente quanto ao responsaacutevel pelo animal Assim sendo aspectos como tolerabilidade efeitos colaterais seguranccedila frequecircncia de administraccedilatildeo interaccedilotildees medicamentosas o tipo de crise epileacutetica a frequecircncia e etiologia bem como doenccedilas de base renais hepaacuteticas gastrintestinais e outras satildeo levadas em consideraccedilatildeo para que a escolha do medicamento seja adequada Quanto ao responsaacutevel pelo animal os aspectos a serem considerados incluem disponibilidade de horaacuterios para administrar a (s) medicaccedilatildeo (otildees) e a condiccedilatildeo financeira (Bhatti et al 2015 Brauer et al 2011 Coates amp OrsquoBrien 2017 Platt 2012 Podell et al 2016)

O tratamento para um catildeo com epilepsia obviamente seraacute dependente do diagnoacutestico confirmado ou presuntivo por exemplo doenccedilas inflamatoacuterias satildeo tratadas com anti-inflamatoacuteriosimunossupressores doenccedilas infecciosas com medicaccedilotildees especiacuteficas como antibioacuteticos antifuacutengicos protozoaricidas entre outros e a epilepsia idiopaacutetica com antiepileacutepticos e assim

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sucessivamente Independente da causa de base abolir as crises ou pelo menos diminuir a intensidade de suas manifestaccedilotildees eacute um consenso na abordagem desses pacientes e para tanto se faz necessaacuterio a administraccedilatildeo de faacutermacos com accedilatildeo antiepileacutetica Apoacutes os controles das crises se a doenccedila de base for resolvida chance de o animal natildeo apresentar novos episoacutedios eacute consideraacutevel e portanto teraacute uma vida normal (Brauer et al 2011 Brodie 2010 Thomas 2010 Wessmann et al 2016)

Medicaccedilotildees Antiepileacuteticas

Nesse toacutepico seratildeo apresentadas apenas as medicaccedilotildees mais utilizadas no tratamento de manutenccedilatildeo para catildees com epilepsia ou seja natildeo seratildeo abordados protocolos para situaccedilotildees de emergecircncia como nos casos de ldquostatus epilepticusrdquo tatildeo pouco no referente aos medicamentos utilizados com menor frequecircncia

Fernobarbital

O faacutermaco mais amplamente utilizado no controle das crises epileacuteticas eacute o fenobarbital o qual pertence agrave classe dos barbituacutericos e foi descrito como medicaccedilatildeo anticonvulsivante em 1912 A dosagem da medicaccedilatildeo eacute padronizada poreacutem em alguns casos ela poderaacute ser individualizada ou seja alguns animais poderatildeo necessitar de dose menor (infrequente) e outros de dose maior sendo que este medicamento usualmente eacute bem tolerado Alteraccedilotildees como sedaccedilatildeo fraqueza generalizada ataxia sonolecircncia podem ocorrer logo no iniacutecio do tratamento e usualmente desaparecem entre 7 a 14 dias e destaca-se que estes problemas parecem natildeo ter relaccedilatildeo com a dose utilizada Eacute necessaacuterio destacar que a qualidade de vida de catildees recebendo tratamento antiepileacutetico pode em alguns casos permanecer de leve a moderadamente prejudicada por situaccedilotildees como maior periacuteodo de sono e eventualmente fraqueza muscularperda discreta de equiliacutebrio Alteraccedilotildees mais crocircnicas como poliuacuteria polidipsia e polifagia tambeacutem satildeo registradas Problemas hematoloacutegicos como trombocitopenia anemia imunomediada e

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neutropenia tambeacutem foram documentados e ocorrem com baixa frequecircncia Quanto a possiacuteveis alteraccedilotildees bioquiacutemicas o mais comum eacute o aumento da fosfatase alcalina o qual se torna evidente jaacute nas primeiras semanas apoacutes iniciar o tratamento Na literatura estaacute bem documentado embora seja mais raro de ocorrer a presenccedila de hepatotoxicidade a qual usualmente se manifesta quando as concentraccedilotildees seacutericas do fenobarbital ultrapassem o limite superior recomentado (35 a 45 microgmL) (Cochrane et al 1990a Cochrane et al 1990b Charalambous et al 2016 Finnerty et al 2014 Hauptmann 1912 Heller 2018 Podell 2013 Bunch et al 1984 Thomas amp Dewey 2016 Wessmann et al 2016)

Apoacutes iniciar a terapia concentraccedilotildees seacutericas de fenobarbital devem ser obtidas com o objetivo de avaliar se os valores terapecircuticos estatildeo adequados prevenir hepatotoxidade e estabelecer esquema terapecircutico individualizado caso seja necessaacuterio Esse procedimento deve ser realizado 15 dias apoacutes o iniacutecio do tratamento com o animal em jejum a antes de fornecer a primeira dose do dia embora esteja documentado que animais com concentraccedilatildeo seacuterica estaacutevel e adequada usualmente natildeo apresentam alteraccedilotildees seacutericas importantes ao longo do dia Depois devem ser realizadas dosagens seacutericas aos 45 dias e a cada 180 dias para fins de acompanhamento (Podell et al 2016 Ravis et al 1989 Thurman et al 1990)

Quando um animal em tratamento apresenta crises novamente eacute muito importante em primeiro lugar verificar se houve alteraccedilatildeofalha no manejo de fornecimento da medicaccedilatildeo e a dosagem seacuterica deve ser verificada A dosagem seacuterica tambeacutem estaacute indicada quando se pretende realizar ajustes na dose fornecida (Bhatti et al 2015 Dewey amp Da Costa 2016 Podell 2013 Podell et al 2016 Thomas 2010)

Brometo de Potaacutessio

Outra medicaccedilatildeo antiepileacutetica utilizada eacute o brometo de potaacutessio poreacutem com frequecircncia menor quando comparado ao fenobarbital Esta substacircncia foi usada para tratar pessoas com crises epileacuteticas em 1857 e na Medicina Veterinaacuteria a sua utilizaccedilatildeo somente se iniciou na deacutecada de 80 Ele tambeacutem demonstra bons resultados quando associado ao fenobarbital nos casos em que o controle das crises

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epileacuteticas natildeo foi satisfatoacuterio apenas com o uso do fenobarbital O brometo possui meia vida longa (25 a 46 dias) e para atingir o seu niacutevel plasmaacutetico adequado em curto prazo haacute necessidade de uma dose de ataque A estrateacutegia em utilizar a dose de ataque por 5 dias eacute recomendada quando o produto eacute utilizado por via oral a fim de minimizar problemas gastrintestinais principalmente vocircmitos Nos casos de utilizaccedilatildeo injetaacutevel do brometo de potaacutessio natildeo haacute necessidade de fracionamento da dose de ataque em 5 dias poreacutem essa apresentaccedilatildeo do produto ateacute o momento estaacute disponiacutevel no Brasil Apoacutes esse periacuteodo a dose de manutenccedilatildeo usualmente eacute administrada via oral a cada 24 horas Este faacutermaco pode ser utilizado como monoterapia entretanto usualmente recomenda-se a associaccedilatildeo com o fenobarbital Em um estudo os autores comparam a eficaacutecia e seguranccedila como medicamentos de primeira linha em catildees com epilepsia e verificaram que tanto o fenobarbital quanto o brometo de potaacutessio satildeo escolhas razoaacuteveis poreacutem o fenobarbital foi mais eficaz e melhor tolerado (Bhatti et al 2015 Boothe 2012 Brodie 2010 Maguire et al 2000 Podell et al 2016 Podell amp Fenner 1993 Sieveking 1857 Trepanier et al 1998 Trepanier amp Babish 1995)O brometo de potaacutessio pode sofrer flutuaccedilotildees em seus niacuteveis sanguiacuteneos devido a influecircncia de dietas ricas em cloretos o que iraacute acarretar maior excreccedilatildeo desta medicaccedilatildeo via renal e consequentemente ocasionaraacute diminuiccedilatildeo das concentraccedilotildees seacutericas do brometo Portanto o responsaacutevel pelo animal deveraacute ser informado sobre esta caracteriacutestica do brometo de potaacutessio e orientado a comunicar previamente qualquer necessidade de alteraccedilatildeo na dieta de seu catildeo (Chang et al 2006 Dewey amp Da Costa 2016 Podell et al 2016 Podell amp Fenner 1993)

Uma das vantagens no uso do brometo de potaacutessio eacute que sua metabolizaccedilatildeo natildeo eacute hepaacutetica e desta maneira eacute uma boa opccedilatildeo de medicaccedilatildeo antiepileacutetica para animais portadores de doenccedilas hepaacuteticas (Bhatti et al 2015 Boothe 2012 Trepanier amp Babish 1995)

Levotiracetam

O levotiracetam eacute um derivado da pirrolidona e foi apresentado como medicamento anticonvulsivante para humanos em 1999

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Sugere-se que esse faacutermaco atue como um modulador nas vesiacuteculas sinaacutepticas poreacutem o mecanismo de accedilatildeo exato ainda natildeo eacute completamente conhecido Apresenta raacutepida absorccedilatildeo via oral natildeo eacute metabolizado pelo fiacutegado o que representa uma oacutetima indicaccedilatildeo para catildees com hepatopatias e grande parte do produto eacute eliminado via renal A medicaccedilatildeo usualmente eacute administrada via oral a cada 8 horas Os sinais colaterais mais comuns satildeo ataxia sedaccedilatildeo e sonolecircncia portanto o responsaacutevel pelo animal deve ser alertado para que possa identificar prontamente essas alteraccedilotildees se elas ocorrerem (Dewey et al 2008 Dewey amp Da Costa 2016 Halley amp Platt 2012 Moore et al 2010 Moore et al 2011 Patterson et al 2008 Peters et al 2014 Podell et al 2016 Volk et al 2008) Em um estudo envolvendo catildees com epilepsia os autores compararam o uso do levotiracetam e do fenobarbital ambos como monoterapia concluiacuteram que o levotiracetam natildeo foi eficaz no controle das crises epileacuteticas Portanto ateacute o momento o levotiracetam natildeo deve ser utilizado como monoterapia para catildees e sim apenas com associaccedilotildees (Fredsoslash et al 2016)

Em um estudo no qual comparou-se a eficaacutecia e toleracircncia do levotiracetam com o fenobarbital no tratamento de gatos com suspeita de crise epileacutetica reflexa mioclocircnica e observou-se uma reduccedilatildeo igual ou maior que 50 no nuacutemero de dias de crises em 100 dos pacientes que foram tratados com levetiracetam poreacutem no grupo que recebeu fenobarbital a reduccedilatildeo foi de apenas 3 Os efeitos colaterais mais frequentes foram letargia inapetecircncia e ataxia sem diferenccedila entre o levetiracetam versus o fenobarbital Aleacutem disso os efeitos colaterais foram mais brandos e transitoacuterios com o levetiracetam poreacutem persistentes com fenobarbital (Lowrie et al 2017)

Haacute evidecircncias de que a eficaacutecia do levotiracetam pode se tornar menor nos casos em que catildees epileacutepticos satildeo tratados com fenobarbital ou seja foi demonstrado que a associaccedilatildeo entre ambos culminou com alteraccedilotildees farmacocineacuteticas resultando em menor concentraccedilatildeo plasmaacutetica do levotiracetam ao longo do tempo em catildees (Muntildeana et al 2015 Moore et al 2011)

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Outros Medicamentos Anticonvulsivantes

Diazepam eacute contraindicado para terapia de manutenccedilatildeo para catildees sendo recomendado apenas na emergecircncia poreacutem pode ser utilizado para gatos como terapia de manutenccedilatildeo ndash cuidado especial para espeacutecie uma vez que haacute relatos de falecircncia hepaacutetica fulminante quando o produto eacute administrado via oral (Center et al 1996 Hughes et al 1996) Natildeo haacute relatos de necrose hepaacutetica fulminante em felinos tratados com diazepam por outras vias de administraccedilatildeo tornando o produto seguro para intravenoso em situaccedilotildees emergenciais Primidona imepitoina (aprovada para uso na Europa e Austraacutelia ateacute o momento) zonizamida clorazepato felbamato e topiramato Todas essas medicaccedilotildees podem ser utilizadas como adjuvantes na terapia poreacutem o protocolo a ser adotado deve sempre se basear em evidecircncias por meio de estudos controlados

Tratamento Antiepileacutetico e Nutriccedilatildeo

A associaccedilatildeo entre dieta cetogecircnica rica em trigliceriacutedeos de cadeia meacutedia e tratamento para epilepsia idiopaacutetica em crianccedilas foi descrita por Peterman em 1925 Na Medicina Veterinaacuteria estudos tem sido conduzidos com o objetivo de demonstrar que uma dieta rica em trigliceriacutedeos de cadeia meacutedia potencialmente podem diminuir a frequecircncia de crises epileacuteticas em catildees diagnosticados com epilepsia idiopaacutetica (Berk et al 2020 Law et al 2015 Martleacute et al 2014) No estudo de Law et al (2015) os autores encontraram resultados significantes do ponto de vista estatiacutestico e cliacutenico de catildees com epilepsia idiopaacutetica tratados com a referida dieta por um periacuteodo de 6 meses Por outro lado no estudo de Berk et al (2020) embora a confirmaccedilatildeo estatiacutestica tenha sido fraca alguns catildees demonstraram evidente melhora (diminuiccedilatildeo das convulsotildees) no controle das crises epileacuteticas e devem ser analisados como casos de sucesso quando analisados de forma descritiva e isolada Esses resultados futuramente poderatildeo contribuir para a melhoria da qualidade de vida de catildees com epilepsia idiopaacutetica

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Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Edneacuteia Aparecida PeresUniversidade Estadual de Londrina

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Consideraccedilotildees Preliminares

Este capiacutetulo descreve um relato de caso cliacutenico apresentado em forma de palestra no Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo cujo objetivo eacute possibilitar a estudantes e profissionais de diversas aacutereas o acesso ao conhecimento de aspectos baacutesicos e cliacutenicos do Sistema Nervoso O caso relatado refere-se a um atendimento realizado em um projeto de extensatildeo que visa atender adolescentes no contexto escolar com Transtorno de Ansiedade Social (TAS)

Medo e Ansiedade Aspectos Fisiopatoloacutegicos

O medo e a ansiedade satildeo respostas normais que ocorrem nos organismos de animais humanos e animais natildeo humanos em situaccedilotildees de perigoameaccedila real ou potencial agrave integridade fiacutesica ou ao bem-estar emocional Uma ameaccedila eacute caracterizada como real se a situaccedilatildeo puder trazer prejuiacutezo agrave sobrevivecircncia do organismo por exemplo encontrar-se diante de um assaltante armado Na ameaccedila potencial haacute componentes de incerteza sobre o risco a que estaacute submetido um exemplo seria um indiviacuteduo escutar um ruiacutedo diferente ao caminhar durante a noite em uma rua sem iluminaccedilatildeo

Autor para correspondecircncia

josicecilia3gmailcom

Departamento de Psicologia

Geral e Anaacutelise do Comportamento

Universidade Estadual de

Londrina Rod Celso Garcia Cid Km 380 Campus

Universitaacuterio Caixa Postal 10011

CEP86057-970 Londrina PR

Brasil

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que natildeo lhe eacute familiar e minutos depois averiguar que era um gambaacute a procura de alimentos (Graeff amp Brandatildeo 1996 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

As respostas agraves ameaccedilas reais satildeo tidas como medo e agraves ameaccedilas potenciais ansiedade embora em ambas as situaccedilotildees ocorram a ativaccedilatildeo do sistema nervoso central e perifeacuterico (Gonzaacutelez Gonzaleacutez amp Fadoacuten Martiacuten 2019) Tanto no medo quanto na ansiedade observa-se o envolvimento de diferentes circuitos no sistema nervoso bem como a retroalimentaccedilatildeo da periferia a qual contribuiria na intensidade emocional (LeDoux 1996 Davidson Jackson amp Kalin 2000)

Os transtornos de ansiedade satildeo definidos pelas caracteriacutesticas em comum de medo e ansiedade exagerados e intensos Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) esse transtorno eacute observado em todo o mundo e no Brasil esse iacutendice eacute elevado sendo que em 2017 93 da populaccedilatildeo foi diagnosticada com esse transtorno

O que ocorre na atualidade para que esses iacutendices que se referem aos transtornos de ansiedade sejam tatildeo elevados Natildeo eacute objetivo desse capiacutetulo discutir as variaacuteveis envolvidas mas cabe ressaltar que Skinner (1981) se referiu a trecircs niacuteveis de seleccedilatildeo e variaccedilatildeo para compreender o comportamento humano seja ele esperado socialmente ou os com prejuiacutezos e excessos Para esse cientista os niacuteveis se referem agrave histoacuteria filogeneacutetica da espeacutecie agrave histoacuteria ontogeneacutetica e agrave cultura1 pois satildeo nas interaccedilotildees do organismo com o ambiente considerando inclusive as variaacuteveis histoacutericas e atuais que a compreensatildeo da aquisiccedilatildeo do comportamento denominado ansioso em excesso e que traz prejuiacutezos ao indiviacuteduo foi sendo construiacutedo e eacute mantido Portanto cabe assinalar que um estiacutemulo natildeo eacute ansiogecircnico por si mesmo o que induz a quadros ansiosos em uma pessoa natildeo necessariamente iraacute induzir em outra

Assim aqueles que com suas histoacuterias em interaccedilatildeo com o ambiente em que foram expostos a situaccedilotildees que podem gerar

1 O niacutevel filogeneacutetico refere-se agraves variaacuteveis de sobrevivecircncia da espeacutecie animal humana o niacutevel ontogeneacutetico envolve a histoacuteria de vida de cada pessoa e como estaacute vai se relacionando com a autopercepccedilatildeo percepccedilatildeo do mundo dentre outros processos e assim influenciando suas accedilotildees pensamentos sentimentos enfim comportamentos e o niacutevel cultural que se refere aacutes praacuteticas como o nome diz daquela cultura que o individuo estaacute inserido em geral atraveacutes de modelo de comportamentos e de comportamentos verbais por exemplo (Skinner 1981)

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ansiedade (falar em puacuteblico por exemplo) podem apresentar maior atividade em aacutereas encefaacutelicas subcorticais (amiacutegdala e coacutertex periamigdaloacuteide estendendo-se ao hipocampo) e diminuiccedilatildeo na atividade em aacutereas encefaacutelicas corticais (coacutertex orbitofrontal e outras) quando em comparaccedilatildeo com pessoas natildeo-foacutebicas (Tillfors et al 2001) Investigaccedilotildees com animais mostram que o substrato neural que participa do medo e do comportamento defensivo (ldquofreezingrdquo ou reaccedilatildeo de congelamentoficar paralisado) estaacute relacionado agrave amiacutegdala em interaccedilatildeo com a substacircncia cinzenta periquedutal (PAG) do mesenceacutefalo ao passo que ao interagir com o sistema septo-hipocampal a amiacutegdala induz ao comportamento de avaliaccedilatildeo de riscos ou ansiedade (Gorman Kent Sullivan amp Coplan 2000 Brandatildeo amp Graeff 2014 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

Composta por grupos distintos de ceacutelulas formando aproximadamente 12 nuacutecleos (LeDoux amp Damasio 2013) certamente a amiacutegdala exerce papel-chave na patofisiologia de distuacuterbios de ansiedade Os nuacutecleos lateral basal e acessoacuterio constituem a ldquoamiacutegdala basolateralrdquo ao passo que diversas estruturas ao redor como os nuacutecleos central medial e cortical satildeo tradicionalmente incluiacutedos no ldquocomplexo amigdaloacuteiderdquo Tais estruturas juntamente com a amiacutegdala basolateral satildeo denominadas simplesmente como ldquoa amiacutegdalardquo (Davies amp Whalen 2001)

As aacutereas e sistemas neuromodulatoacuterios da amiacutegdala que contribuem para o medo e a ansiedade exibem grande sobreposiccedilatildeo e os circuitos de saiacuteda finais podem ser amplamente compartilhados entre ambos (Tovote Fadok amp Luumlthi 2015) A neurocircuitaria implicada nas respostas de medo e ansiedade eacute prontamente ativada por estiacutemulos que natildeo sejam necessariamente ameaccediladores mas que transmitem informaccedilotildees relacionadas agrave presenccedila de ameaccedilas no ambiente ou relacionadas aos estados emocionais de outras pessoas (Shin amp Liberzon 2010)

Estudos em humanos e em animais sugerem que a disfunccedilatildeo da amiacutegdala pode surgir em parte devido ao controle inadequado de cima para baixo por regiotildees como o coacutertex preacute-frontal medial (Forster et al 2012) A conectividade intriacutenseca entre os subnuacutecleos da amiacutegdala juntamente com a rede neural de regiotildees corticais e subcorticais que supostamente exercem influecircncia modulatoacuteria em sua atividade estatildeo relacionadas agrave inibiccedilatildeo social (Blackford

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et al 2014) Aleacutem da amiacutegdala cenas relacionadas ao transtorno de ansiedade versus cenas neutras estatildeo relacionadas agraves hiperativaccedilotildees em outras regiotildees subcorticais como iacutensula globo paacutelido e taacutelamo e corticais como coacutertex preacute-frontal ventro-medial precuacuteneo e coacutertex cingulado posterior em pacientes com TAS (Heitmann et al 2016)

Aparentemente a falta de conectividade entre as regiotildees modulatoacuterias propicia uma situaccedilatildeo de hiperatividade da amiacutegdala em resposta aos estiacutemulos sociais Tal suposiccedilatildeo eacute corroborada pela observaccedilatildeo de que indiviacuteduos com niacuteveis menores de inibiccedilatildeo social apresentam maior conectividade entre tais regiotildees quando em comparaccedilatildeo com indiviacuteduos com niacuteveis de inibiccedilatildeo social mais elevados (Blackford et al 2014)

No geral a amiacutegdala desempenha um papel criacutetico nos transtornos de ansiedade e a compreensatildeo de como a disfunccedilatildeo nesta estrutura resulta em transtornos de ansiedade eacute fundamental para melhorar os resultados de intervenccedilotildees a longo prazo (Forster et al 2012) Ao projetar-se a sistemas inespeciacuteficos envolvidos na regulaccedilatildeo da excitaccedilatildeo cortical a amiacutegdala influencia respostas corporais comportamentais autonocircmicas e endoacutecrinas (LeDoux 2003) Projetando-se a determinados nuacutecleos hipotalacircmicos e PAG influencia as respostas do organismo ao medo e ansiedade (LeDoux amp Damasio 2013) exemplificadas na Tabela 1

Tabela 1 Exemplos dos diferentes sintomas do medo e da ansiedade

Sintomas cardiovascularesSintomas respiratoacuterios

Taquicardia hipertensatildeo e sensaccedilatildeo de pressatildeo no toacuteraxHiperventilaccedilatildeo e falta de ar

Sintomas gastrointestinais Dificuldade para deglutir vocircmitos e diarreiaSintomas neurovegetativos Sudorese excessiva e ressecamento de mucosas

Sintomas neuroloacutegicosParestesia (formigamento) em membros calafrios cefaleias tensionais contraturas e vertigens

Sintomas psicofiacutesicos

Medo intenso terror ou pacircnico sensaccedilatildeo de inseguranccedila preocupaccedilatildeo excessiva incapacidade de resoluccedilatildeo de problemas indecisatildeo dificuldade ou falta de concentraccedilatildeo evitaccedilatildeo de contato visual gagueira tristeza inquietude ou hiperatividade e comportamentos relacionados agrave fugaesquiva

modificado a partir de Gonzaacutelez Gonzaleacutez amp Fadoacuten Martiacuten (2019)

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Transtorno de Ansiedade Social Definiccedilatildeo e Prevalecircncia

No DSM V (APA 2014) o conceito de TAS baseia-se na noccedilatildeo de medo persistente irracional e acentuado A classificaccedilatildeo de TAS eacute aplicaacutevel quando esse medo estaacute relacionado agraves situaccedilotildees sociais ou ao desempenho em puacuteblico sendo marcado por temor de que a situaccedilatildeo seja humilhante eou embaraccedilosa E que essas situaccedilotildees causem prejuiacutezos para a pessoa sejam eles em relacionamentos interpessoais acadecircmicos laborais etc (Nardi 2000 Tillfors Furmark Marteinsdottir amp Fredrikson 2002 Beidel amp Turner 2007 Gauer et al 2010 Hyman amp Cohen 2013 Luzia 2015)

Diferindo de estiacutemulos aversivos de forma geral os estiacutemulos socialmente relevantes apresentam importacircncia particular nos sintomas relacionados ao TAS conforme indica Kraus et al (2018) Os autores observaram reatividade aumentada da amiacutegdala de maneira especiacutefica aos estiacutemulos com estas caracteriacutesticas tais como cenas de faces expressando emoccedilotildees negativas conforme tambeacutem verificado em estudos semelhantes (Stein et al 2002 Frick et al 2013 Prater et al 2013)

Frick et al (2013) verificaram maior reatividade do giro fusiforme direito em sujeitos submetidos agrave visualizaccedilatildeo de imagens de faces exibindo medo em relaccedilatildeo a faces neutras O estudo indica que o TAS estaacute relacionado agrave conectividade entre o giro fusiforme e a amiacutegdala de forma proporcional agrave sua severidade aleacutem de menor conectividade entre amiacutegdala e o coacutertex preacute-frontal ventro-medial

Dentre os vaacuterios transtornos de ansiedade o TAS mostra alta prevalecircncia ao longo da vida Segundo Kessler et al (2005) nos Estados Unidos 121 da populaccedilatildeo foi ou seraacute diagnosticada com esse transtorno comportamental Em um estudo com pacientes com transtornos de ansiedade tratados ambulatoriamente 10 a 20 apresentavam TAS (APA 2013) Em outra pesquisa Luzia (2015) mostrou que na amostra de 975 adolescentes entre 12 e 17 anos de ambos os sexos provenientes das regiotildees Sul e Sudeste do Brasil 10 2 apresentaram TAS Esses dados podem contudo sofrer variaccedilotildees dependendo dos instrumentos utilizados para avaliar ansiedade e medo

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A definiccedilatildeo de fobia social eacute a mesma utilizada para o TAS no entanto Bobes Garciacutea Gonzaacuteles G-Portilla Saiacutez Martiacutenez Bascaraacuten Fernaacutendez e Bousontildeo Garciacutea (2001) recomendaram a troca para TAS pois esse uacuteltimo descreve melhor a natureza do fenocircmeno e rompe com a ideia de banalidade que a fobia pode trazer em seu bojo e o diagnoacutestico diferencial com a fobia simples

Esse transtorno pode ter iniacutecio precoce jaacute na infacircncia (Nardi 2000 Beidel amp Turner 2007) no entanto estudos mostram que a idade de iniacutecio mais frequente eacute na faixa dos 15 anos (Nardi 2000 Beidel Ferrell Alfano amp Yeganeh 2001 Luzia 2015) O TAS como jaacute citado pode acarretar prejuiacutezos nos relacionamentos interpessoais e interaccedilotildees sociais no contexto escolaracadecircmico e profissional por exemplo e estaacute relacionado a muito sofrimento (Luzia 2006 Fernandes amp Terra 2008 Luzia 2015 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

Observam-se ainda situaccedilotildees em que o sofrimento se torna tatildeo intenso que a pessoa pode recusar-se a executar novas tarefas e pedir demissatildeo de um emprego por ter sido promovida pois o novo cargo exigiraacute algumas exposiccedilotildees verbais de relatoacuterios para a equipe (para mais detalhes ver Beidel amp Turner 2007)

Perspectiva da Anaacutelise do Comportamento para os Transtornos Psiquiaacutetricos

Segundo os princiacutepios comportamentais provenientes da ciecircncia do comportamento com base na filosofia do Behaviorismo Radical (Skinner 1982) o comportamento eacute produto de seleccedilatildeo por consequecircncias ou seja quando um indiviacuteduo age sobre o ambiente sofre accedilatildeo deste de forma contiacutenua (Skinner 19531998) Dessa maneira a denominada ldquodoenccedila mentalrdquo eacute entendida como o resultado de interaccedilotildees entre variaacuteveis filogeneacuteticas ontogeneacuteticas e culturais Assim o comportamento dito patoloacutegico deve ser considerado como qualquer outro comportamento que acontece em um determinado contexto (Gongora 2003) Assim o terapeuta com base na Anaacutelise do Comportamento deve considerar na avaliaccedilatildeo comportamental aspectos relacionados ao repertoacuterio de comportamentos geral do cliente para realizar e propor intervenccedilotildees que aumentem a probabilidade de desenvolvimento e

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ou aperfeiccediloamento de repertoacuterio comportamental alternativo mais adequado e reforccedilador para ele Outro aspecto a ser considerado nessa praacutetica se refere ao fato de o cliente ser sujeito de sua proacutepria accedilatildeo quando entra em contato com as contingecircncias e se tornar responsaacutevel pelo seu processo de melhora (Gongora 2003)

Na sequecircncia apresenta-se a descriccedilatildeo resumida do caso em que o cliente foi diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Social A intervenccedilatildeo foi conduzida com base na Anaacutelise do Comportamento com contribuiccedilatildeo de um docente da aacuterea de fisiologia humana nas sessotildees de psicoeducaccedilatildeo para os temas relacionados agrave ansiedade e ao medo

Descriccedilatildeo do caso

Identificaccedilatildeo

Andreacute (nome fictiacutecio) tinha 17 anos no iniacutecio do atendimento cursava o segundo ano do Ensino Meacutedio em uma escola puacuteblica da cidade de Londrina estado do Paranaacute Morava com a avoacute (Laura - nome fictiacutecio) de 72 anos e o irmatildeo (Alexandre - nome fictiacutecio) de 20 anos

Diagnoacutestico e Queixa Principal

Foi encaminhado para o atendimento psicoloacutegico pela coordenadora pedagoacutegica da escola que estudava porque segundo ela ele apresentava comportamentos ldquoapaacuteticosrdquo e baixo rendimento escolar A terapeuta que realizou a triagem solicitou a realizaccedilatildeo de exames meacutedicos para descartar hipoacuteteses de ordem orgacircnica O meacutedico um cliacutenico geral que o assistiu depois da solicitaccedilatildeo da psicoacuteloga a Andreacute o encaminhou para um psiquiatra uma vez que os resultados das anaacutelises cliacutenicas natildeo estavam alteradas de acordo com o cliacutenico Segundo o cliacutenico geral o paciente parecia ter comportamentos relacionados agrave ansiedade e agrave depressatildeo O diagnoacutestico foi realizado em conjunto entre a psicoacuteloga e o psiquiatra como Transtorno de Ansiedade Social apoacutes as avaliaccedilotildees psiquiaacutetricas e comportamentais entrevistas com familiares e professoras

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Histoacuteria de Vida Pessoal e Familiar

Na eacutepoca do atendimento segundo relato do cliente ele natildeo conheceu seu pai pois esse se suicidou quando o paciente era um bebecirc com aproximadamente oito meses O contato com sua matildee foi ldquoesporaacutedicordquo que a cada dois ou trecircs meses o visitava chegando a casa onde ele morava com o irmatildeo e os avoacutes no saacutebado e indo embora domingo de manhatilde Ela o deixou aos dois anos juntamente com o irmatildeo na eacutepoca com cinco anos aos cuidados dos avoacutes maternos que viviam em uma fazenda na regiatildeo de Londrina Ateacute os sete anos Andreacute viveu na fazenda com os avoacutes e seu irmatildeo sem muito contato com pessoas diferentes e poucas idas agrave cidade de Londrina ou agraves cidades proacuteximas A famiacutelia dos avoacutes era do interior do estado de Minas Gerais e segundo o cliente a viagem era cara tanto para eles irem a Minas como para os familiares virem para a fazenda

A matildee natildeo tinha o haacutebito de visitaacute-los regularmente mas mandava dinheiro para os avoacutes para que natildeo faltasse o baacutesico por exemplo comida roupa e remeacutedio caso necessaacuterio Segundo Andreacute o viacutenculo com os avocircs era muito bom Ele gostava muito de ajudar o avocirc no cultivo de soja basicamente fazendo companhia e em outras ocasiotildees ajudar a avoacute a fazer bolo auxiliando-a a pegar os ingredientes no armaacuterio Tambeacutem brincava agraves vezes com o irmatildeo apoacutes seus afazeres como a tarefa da escola Relatou que brigavam tambeacutem pois ldquotoda famiacutelia tem suas brigasrdquo (sic - segundo informaccedilatildeo do cliente) mas nada que ele julgasse anormal

Quando completou seis anos ingressou na escola e seu irmatildeo o acompanhava no ocircnibus ateacute a chegada agrave escola Andreacute relatou que tinha vergonha de ficar perto dos colegas de falar com eles e que tinha medo da professora embora ela nunca o tivesse tratado mal No entanto suas dificuldades se intensificaram no primeiro ano do Ensino Fundamental quando se mudou para a cidade de Londrina em uma escola que tinha poucas crianccedilas que moravam na zona rural

Ele relatou que os colegas falavam de coisas que ele natildeo conhecia e tiravam ldquoondardquo (sic) com ele Outros diziam que ele era caipira mesmo fato que o deixava ruborizado e retroalimentava o comportamento dos colegas que riam de sua reaccedilatildeo Na eacutepoca

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disse que chorava muito e natildeo queria ir para a escola Todavia seus avocircs natildeo diziam nada apenas davam biscoito de chocolate e ligavam a TV com desenhos animados Contou que sua avoacute sempre dizia ldquotem que deixar tudo limpo os tecircnis a mochila a roupa porque o povo da cidade natildeo pode pensar mal de vocecirc porque veio da fazendardquo (sic)

Andreacute comeccedilou a ter dificuldades para fazer amizades e interagir com os colegas de classe pois sentia vergonha de ter morado na fazenda de natildeo saber ldquoas coisasrdquo (sic) e se sentir inferior Tal dificuldade parece ter se estabelecido e se fortalecido durante toda a vida escolar na qual ele sempre apresentou comportamentos tidos como caracteriacutesticos de timidez excessiva e isolamento Segundo o relato de Andreacute desde os sete anos ateacute os dias dos primeiros atendimentos disse sentir-se diferente das outras pessoas porque fica vermelho quando falam qualquer coisa que ele se sinta envergonhado e pensa que as pessoas sabem o que ele pensa e sente ldquoai piora tudo tenho vontade de sair correndo e natildeo voltar nunca maisrdquo (sic) Essa situaccedilatildeo desencadeava uma sensaccedilatildeo de taquicardia e medo aleacutem de sentimento de inferioridade intelectual (pois suas notas estavam sempre na meacutedia) Tambeacutem detestava morar na fazenda porque ldquotiravam sarrordquo (sic) dele Assinalou que quando comeccedilou o primeiro ano do Ensino Meacutedio passou a ter sensaccedilatildeo de ansiedade medo e que agraves vezes sentia vontade de vomitar com fortes dores de estocircmago aleacutem da visatildeo ficar ldquopretardquo necessitando sentar-se Desde entatildeo os sintomas e sentimentos soacute pioraram pois agora tinha medo de se relacionar com as garotas evitando ir a qualquer lugar que tenha muita gente sentindo-se ldquoburrordquo (sic) e acreditando ser uma pessoa ldquosem graccedilardquo (sic)

Andre tambeacutem contou que o irmatildeo quando era menor de idade natildeo conversava muito com ele e ao completar dezoito anos comeccedilou a trabalhar de pacoteiro em um supermercado Quando fica em casa o irmatildeo estaacute sempre na companhia da namorada e quando era mais jovem apoacutes a mudanccedila para a cidade natildeo se relacionava com o cliente segundo ele porque Andreacute era muito calado e o irritava A avoacute muito preocupada com limpeza natildeo conversava muito pois tambeacutem pareceu ser muito introvertida durante as sessotildees e vaacuterias vezes relatou que preferia ldquorespeitar o jeito de Andreacuterdquo natildeo se intrometendo nas suas coisas porque brigas lhe causavam muita ldquobatedeirardquo e medo assim preferia ficar quieta A matildee era provedora

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e mudou-se para o estado de Satildeo Paulo e raramente o visitava ou ligava para falar com os filhos e mesmo com a avoacute O avocirc faleceu quando ele tinha oito anos e tambeacutem era bem calado segundo a avoacute o irmatildeo e o proacuteprio cliente

Pode-se hipotetizar que a histoacuteria de condicionamento do cliente o conduziu a um padratildeo de comportamentos de isolamento aleacutem de fugaesquiva passando a ter outros sintomas fisioloacutegicos intensos por volta dos 14 anos e evitando locais com aglomeraccedilatildeo de pessoas por exemplo cinema Relatou ainda que natildeo gosta de ir agrave igreja pois cantam muito alto

Hipoacuteteses Funcionais a Partir da Histoacuteria de Vida do Cliente

Apoacutes a coleta de dados que totalizou 20 sessotildees aleacutem de ser realizada com alguns professores que o conheciam desde o Ensino Fundamental com a avoacute com o irmatildeo com o psiquiatra e o proacuteprio relato do cliente levantaram-se hipoacuteteses

Andreacute natildeo tinha relaccedilotildees que estimulassem o desenvolvimento de repertoacuterios comportamentais como o autoconhecimento a resoluccedilatildeo de problemas e o enfrentamento de contextos em que era submetido a interaccedilotildees sociais distintas das relaccedilotildees familiares

A avoacute era muito dedicada em relaccedilatildeo aos cuidados relacionados agrave alimentaccedilatildeo limpeza da casa enfim mantenedora do lar mas parece que possui um padratildeo de comportamento que denominamos Inibiccedilatildeo Comportamental pois nas entrevistas ficou claro que emitia comportamentos de fugaesquiva nas interaccedilotildees inclusive familiares e apresentava reaccedilotildees fisioloacutegicas de ansiedade como ficar vermelha na frente da terapeuta em vaacuterias situaccedilotildees em que algumas perguntas foram feitas como por exemplo como era o relacionamento dela com Andreacute e os outros membros da famiacutelia com a filha sobre a rotina etc Ainda nas sessotildees quando se investigou a histoacuteria de vida de Andreacute a avoacute natildeo demonstrou repertoacuterio para solucionar conflitos pois de acordo com seu relato quando tinha algum problema ldquoela preferia ficar quieta e deixar o tempo ir resolvendordquo Dessa maneira parece que Andreacute desde crianccedila emitia comportamento inibido e natildeo aprendeu a enfrentar seus medos e desmistificar suas regras

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(regras podem ser definidas como estiacutemulo discriminativo Skinner 1966) e autorregeras (autorregras podem ser consideradas como descriccedilotildees de contingecircncias formuladas pela proacutepria pessoa Skinner 1982)

Outras hipoacuteteses se referem ao fato de que provavelmente Andreacute natildeo teve modelo para solucionar conflitos e natildeo havia espaccedilo para escuta de suas anguacutestias e conflitos que podem ocorrer em qualquer fase da vida em especial na adolescecircncia fase de muitas mudanccedilas estruturais em niacutevel cerebral hormonal etc E na escola Andreacute emite em menor frequecircncia comportamentos da classe das habilidades sociais (as habilidades sociais podem ser entendidas como classe de respostas sociais que satildeo aprendidas que o possibilita manejar as exigecircncias do cotidiano em diferentes situaccedilotildees por exemplo habilidades sociais de comunicaccedilatildeo que se refere a fazer e responder perguntas pedir feedback etc Del Prette amp Del Prete 2005) dificultando o acesso a possiacuteveis reforccediladores como estar na presenccedila de amigos e ter um conviacutevio social amistoso

Hipotetiza-se ainda que repertoacuterios de comportamentos sociais de Andreacute natildeo foram modelados (reforccedilados diferencialmente) possivelmente porque as pessoas ao redor dele estavam pouco sensiacuteveis agraves necessidades e demandas do cliente ou porque para elas atitudes como timidez pouca tomada de iniciativa e quietude de Andreacute natildeo eram vistas como comportamentos problemaacuteticos dentro do ambiente familiar Apenas quando ele vai para um novo ambiente (escola) eacute que outras classes de comportamentos satildeo requisitadas (como interagir com pessoas de fora da famiacutelia fazer e responder perguntas iniciar manter e encerrar conversaccedilatildeo) e entatildeo Andreacute entra em uma condiccedilatildeo de sofrimento devido aos significativos deacuteficits de comportamentos (tomada de decisatildeo iniciativa pedido de ajuda identificaccedilatildeo se sentimentos habilidades sociais)

Parece que o repertoacuterio atual de autoconhecimento o impossibilita de se comportar de forma a modificar as contingecircncias nos contextos cotidianos e assim ldquosonharrdquo (sic) conforme relatou na nona sessatildeo Parece portanto que a probabilidade de seus comportamentos serem reforccedilados positivamente diminui jaacute que na comunidade verbal a que estaacute exposto natildeo se comporta de maneira ldquoadequadardquo e se empenha em comportamentos de fugaesquiva o que parece amplificar seus sentimentos negativos e assim natildeo

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enfrenta as situaccedilotildees aversivas que vivencia e apesar do custo das respostas serem altas se comportar desse modo demonstra ser muito reforccedilador para ele Aleacutem disso parece que quando suas notas despencaram ele recebeu atenccedilatildeo e seu sofrimento comeccedilou a ser validado

Intervenccedilatildeo Psicoloacutegica

O atendimento psicoloacutegico foi realizado apoacutes um mecircs e meio que o cliente iniciou o tratamento medicamentoso com o psiquiatra em que a Sertralina foi utilizada Os atendimentos psicoloacutegicos ocorreram a princiacutepio duas vezes por semana em sessotildees com duraccedilatildeo de 60 minutos por uma terapeuta em uma sala preparada para atendimento na proacutepria escola O objetivo terapecircutico inicial foi o estabelecimento de viacutenculo Foram realizadas no total 20 sessotildees de atendimento psicoloacutegico dentre elas 15 realizadas com Andreacute e cinco sessotildees foram realizadas com os informantes externos ou seja com a avoacute com a coordenadora e com duas professoras cujo objetivo era levantamento de dados

A primeira sessatildeo foi realizada com o cliente para averiguar sua motivaccedilatildeo para o atendimento esclarecer o que era o trabalho do profissional da psicologia o contrato e o sigilo regras de atendimento na escola o estabelecimento de viacutenculo Aleacutem disso foi solicitado ao cliente o seu consentimento para realizaccedilatildeo de sessotildees com a avoacute com seu irmatildeo com a coordenadora e com duas professoras as quais ministravam aulas para ele Dessa maneira aleacutem de avaliar contingecircncias relacionadas agrave queixa da coordenadora pedagoacutegica outras dimensotildees do comportamento de Andreacute poderiam ser averiguadas como por exemplo comportamentos assertivos em sala de aula em casa etc

As professoras de portuguecircs e inglecircs que foram entrevistadas separadamente relataram que Andreacute sempre foi muito quieto e apesar de natildeo fazer perguntas em sala de aula e natildeo participar das atividades em grupo fato que chamava a atenccedilatildeo delas tinha o rendimento na meacutedia Nunca se preocuparam ao ponto de fazer algum tipo de encaminhamento como psiquiaacutetrico ou psicoloacutegico entretanto quando suas notas passaram a ser abaixo da meacutedia a

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coordenadora se preocupou porque ele estaacute na fase da adolescecircncia e deveria ser assistido por profissionais uma vez que ele natildeo fala sobre seus sentimentos ou alguma situaccedilatildeo problemaacutetica que podia estar passando

Na sessatildeo com a coordenadora os relatos acima foram corroborados entretanto ela disse que se preocupa com estudantes que satildeo muito quietos pois podem ter dificuldades e ldquonatildeo serem vistos uma vez que natildeo incomodamrdquo e que as notas abaixo da meacutedia a fez buscar ajuda pois agora ldquotinha um motivo concreto aos olhos de todos inclusive familiaresrdquo (sic)

Na sessatildeo com a avoacute ela relatou que e Andreacute ldquosempre foi muito bonzinho e quietordquo (sic) e que ldquoo avocirc tambeacutem era assim bem quieto e natildeo gostava de sair e ficar de ldquoconverseiro com os vizinhos de fazendardquo (sic) e que ela ldquotambeacutem gostava de ter uma vida mais mansardquo e natildeo sabia o motivo de Andreacute precisar de psicoacutelogo ldquopois ele soacute estava com notas baixasrdquo (sic)

Laura disse que talvez por ter sido deixado pela matildee muito cedo agora estivesse tendo problemas mas que ele nunca havia reclamado disso e perguntou a terapeuta o que ela achava

Ela natildeo se lembrava de nada que tivesse podido causar ldquotraumardquo em Andreacute (sic)

O irmatildeo de Andreacute natildeo pode comparecer nas sessotildees que foram agendadas pois natildeo foi dispensado do trabalho

Na segunda sessatildeo com Andreacute o cliente respondeu os seguintes instrumentos Inventaacuterio de Ansiedade e de depressatildeo de Beck (BAIBDI) Inventaacuterio de Habilidades Sociais (IHS ndash Del-Prette) Inventaacuterio de Fobia Social (SPIN) o objetivo dessa sessatildeo foi o de avaliar o repertoacuterio de Habilidades Sociais de Andreacute e sua pontuaccedilatildeo nos testes de ansiedade depressatildeo e fobia social

Os resultados mostraram que os iacutendices no Inventaacuterio de Ansiedade de Beck (BAI) foram moderados no de Depressatildeo (BDI) as respostas descartaram essa hipoacutetese No de Fobia Social a pontuaccedilatildeo foi bem alta e na escala de Habilidades Sociais muitos prejuiacutezos foram observados em relaccedilatildeo agraves classes de comportamentos

As outras quatro sessotildees com Andreacute foram realizadas utilizando-se recursos terapecircuticos como a ldquoLocomotivardquo e ldquoPorta-Retratosrdquo pois esses recursos permitem trabalhar o viacutenculo terapeuta-cliente facilita

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a autoexposiccedilatildeo como falar o que sente pensa etc permite investigar um pouco mais sobre a histoacuteria de vida do cliente e a relaccedilatildeo com o comportamentordquoproblemardquo em linhas gerais permite explorar o comportamento verbal do cliente Outro recurso aplicado foi o ldquoGostar x Fazerrdquo o qual permite exploraridentificar comportamentos de fuga-esquiva comportamentos que em determinadas condiccedilotildees se tornam mais reforccediladores ou aversivos fornece dicas sobre autoconhecimento etc

Nestas sessotildees o cliente ficou ruborizado quando relatou sobre o que natildeo gosta e natildeo faz disse ldquonatildeo gosto de ser viso pelas pessoasrdquo (sic) a terapeuta pediu para explicar melhor e ele acrescentou ldquopor exemplo que me olhem quando estou fazendo qualquer coisa como escrever no meu caderno ou quando ando no paacutetio ateacute o refeitoacuterio me entenderdquo e apoacutes explicar fez longas pausas quando a terapeuta perguntava sobre outros aspectos da atividade como o que gosta e faz Gradualmente com a ajuda da terapeuta como demonstrar que ela natildeo havia passado por situaccedilotildees como a dele mas imaginava o quanto era difiacutecil falar sobre ele mesmo etc Andreacute relatou fatos importantes sobre suas relaccedilotildees na escola na famiacutelia e do seu cotidiano A partir dos dados obtidos por observaccedilatildeo direta durante a sessatildeo hipotetizou-se que o cliente possuiacutea prejuiacutezos no repertoacuterio comportamental de autoconhecimento jaacute que natildeo conseguiu descrever as contingecircncias operantes e definir metas para sua vida Conforme foi observado o cliente natildeo teve a oportunidade de aprender a partir de modelos procedimentos que modelassem seu comportamento de autoconhecimento jaacute que a comunidade verbal a qual foi exposto tambeacutem parece ter prejuiacutezos nessa aacuterea

Na seacutetima e oitava sessotildees o objetivo principal foi desenvolver comportamentos de autoconhecimento no cliente por meio da teacutecnica da ldquoRoseirardquo e tambeacutem continuar com a atividade ldquoGosto e Natildeo Gostordquo com a qual se pode observar que sentimentos como medo ansiedade e comportamentos de esquiva Andreacute disse que quando tem algum passeio na escola como ida ao cinema ldquoele passa mal e ldquotem diarreiardquo (sic) e aiacute a avoacute deixa ficar em casa e outras vezes ele mente ldquodiz que estaacute passando mal com muita dor no estocircmagordquo (sic) Outros sentimentos foram relatados como baixa autoestima falta de esperanccedila no futuro vergonha sentir-se mal na frente de pessoas estranhas na frente dos colegas gostar de ficar sozinho sentimentos

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de inferioridade falta de metas Aleacutem disso durante a oitava sessatildeo Andreacute se sentiu mal disse que ldquoprecisava parar um pouco pois sua visatildeo estava ficando escura seu coraccedilatildeo disparando e sua pressatildeo parecia ter baixadordquo (sic) Comportamentos respondentes parecem ter concomitantemente ao relato sobre episoacutedios de como se sentia em relaccedilatildeo aos colegas de sala A terapeuta interrompeu a sessatildeo ofereceu aacutegua e aguardou alguns minutos Andreacute disse que estava bem e talvez tivesse passado mal porque natildeo tinha comido nada no almoccedilo pois estava chateado com sua nota abaixo da meacutedia na avaliaccedilatildeo de histoacuteria A terapeuta tambeacutem perguntou se ele queria que avisasse algueacutem para ir buscaacute-lo na escola ou quisesse ajuda para ir para sua casa Andreacute disse que estava bem e quis continuar a sessatildeo Ele relatou que tem vergonha de responder perguntas que os professores fazem na frente dos colegas pois natildeo os conhecem prefere ldquoficar na delerdquo (sic)

Na nona sessatildeo o objetivo foi fornecer informaccedilotildeesconhecimento por meio da psicoeducaccedilatildeo Utilizou-se de slides teoacutericos e ilustrativos sobre os aspectos bioloacutegicos e comportamentais relacionados agrave ansiedademedo e agrave fobia social Para a montagem desse toacutepico um docente da aacuterea de fisiologia humana auxiliou na apresentaccedilatildeo e descriccedilatildeo da definiccedilatildeo dos mecanismos de accedilatildeo caracteriacutesticas etiologia da ansiedademedo as partes cerebrais envolvidas na fobia social e a reatividade emocional envolvida por exemplo Muitos sintomas relatados por Andreacute na sessatildeo anterior foram explorados inclusive sua possiacutevel queda de pressatildeo durante a sessatildeo Andreacute participou muito da sessatildeo com perguntas sobre ansiedade sentir-se envergonhado Dentre os vaacuterios relatos do cliente vale a pena ressaltar que ao final da explicaccedilatildeo do mecanismo de accedilatildeo da ansiedade ele disse ldquoolha eu achava que isso soacute acontecia comigo natildeo sabia que o corpo ateacute de outros bichos funciona assimrdquo (sic) ldquoentatildeo isso tudo que sinto natildeo eacute frescura minha que aliacuteviordquo (sic)

Na deacutecima sessatildeo Andreacute quis retomar aspectos relacionados agrave ansiedade medo reaccedilotildees fisioloacutegicas normais e exageradas do medo e da ansiedade da psicoeducaccedilatildeo e do autoconhecimento Nessa sessatildeo pode-se perceber que o repertoacuterio relacionado agrave autoconfianccedila tambeacutem apresentou prejuiacutezos O cliente relatou em vaacuterios momentos que natildeo se sentia capaz de enfrentar suas dificuldades por exemplo ldquoacho que nunca vou conseguir perguntar

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alguma coisa para a donardquo (sic) se referindo agrave professora e completou ldquotodo mundo ia rir da minha pergunta pois nasci na fazenda vocecirc saberdquo (sic) se dirigindo agrave terapeuta Parece funcional emitir esse tipo de comportamento no contexto escolar assim ele se esquiva de enfrentar a situaccedilatildeo e suas consequecircncias se mantendo provavelmente pelo reforccedilo negativo

Nas quatro sessotildees seguintes o objetivo foi o de as teacutecnicas de modelagem para o desenvolvimento de repertoacuterio de auto-observaccedilatildeo autoconhecimento e autoconfianccedila jaacute que parece ficar mais evidente que esses comportamentos foram pouco desenvolvidos Abordaram-se tambeacutem as tarefas para casa por exemplo a atividade ldquoQuem sou eurdquo e ldquoDiaacuterio de rotinardquo com o objetivo de que o cliente pudesse se auto-observar e observar como se comportava em algumas situaccedilotildees o que sentia (eventos privados que eram evocados) o que pensava e as consequecircncias de seus atos

A deacutecima quarta sessatildeo foi realizada em um saacutebado de manhatilde em um shopping apoacutes a autorizaccedilatildeo da avoacute de Andreacute Nesse contexto a terapeuta pode observar se haveria generalizaccedilatildeo de alguns comportamentos que foram trabalhados em sessotildees anteriores como tomada de decisatildeo iniciativa escolher o que gosta do cardaacutepio de uma lanchonete e fazer o pedido para o atendente Apesar de o cliente ter hesitado bastante na escolha do seu lanche pois natildeo sabia o que escolher porque segundo ele e se o lanche tivesse muito molho e escorresse pelo seu rosto o que iam pensar dele (sic) e ter se ruborizado ao chamar a atendente Andreacute descreveu que sabia que estava vermelho de vergonha pois seu rosto ldquoardiardquo e tinha medo que a ldquomoccedilardquo percebesse o seu medo e vergonha Ele conseguiu realizar a tarefa de escolher o que queria e chamar a atendente Antes do pedido de Andreacute e da terapeuta chegar foi possiacutevel realizar a anaacutelise funcional do que ocorreu descrevendo juntamente com o cliente seus comportamentos puacuteblicos e privados de ansiedade seus pensamentos e consequecircncias desses No final do encontro o cliente relatou ldquoHoje eu fiquei vermelho senti meu rosto ferver mas a garccedilonete nem viu me senti um pouco melhorrdquo (sic) Andreacute compreendeu que ficar ldquovermelhordquo eacute uma reaccedilatildeo normal e que iraacute diminuindo a frequecircncia conforme ele for se expondo e pode produzir consequecircncias reforccediladoras como pedir o que quer natildeo ter medo do que vatildeo pensar se ele ficar ruborizado etc

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Nas sessotildees quinze a dezoito o objetivo foi o de modelar comportamentos de observaccedilatildeo e descriccedilatildeo de classes de dificuldades interpessoais como falar e ouvir dentro e fora da sessatildeo terapecircutica A terapeuta contou uma histoacuteria ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo e depois fez uma seacuterie de perguntas por exemplo qual o nome da histoacuteria que foi contada agora Qual o nome do menino da estoacuteria O que a matildee do menino queria vender para conseguir dinheiro etc

Foram realizadas vaacuterias atividades em forma de Roleplay com feedback imediatos seguidos de anaacutelises funcionais dos comportamentos de falar e ouvir como solicitar um lanche sem cebola em uma padaria lotada Reivindicar o direito ao troco correto uma vez que foi cobrado mais etc

Na vigeacutesima sessatildeo Andreacute relatou que estava se sentindo ldquobem e tranquilo depois de muitos anosrdquo (sic) contudo demonstrou dificuldades em descrever seus sentimentos apenas relatou que se sentia ldquobem e tranquilordquo (sic) colocando a matildeo no peito e assinalou ldquoaqui natildeo doacuteirdquo (sic) Disse tambeacutem que estava se sentindo diferente porque sabia que ateacute o catildeo da famiacutelia pode sentir ansiedade e natildeo se sente mais esquisito Nota-se que o cliente comeccedilou a apresentar melhoras em relaccedilatildeo ao seu sofrimento apesar de ainda demonstrar dificuldades para descrever seus sentimentos Questotildees relacionadas agrave medicaccedilatildeo tambeacutem foram trabalhadas e Andreacute afirmou que ldquoremeacutedio me deixa calmo e sei que preciso mudar tipo fazer pergunta sem ter vergonha mais eacute difiacutecil pra mimrdquo (sic) Apesar de se observar melhora na expressatildeo de sentimentos do cliente muito trabalho ainda deveraacute ser conduzido uma vez que diante de sentimentos aversivos haacute dificuldade no manejo conforme se observa na fala de Andreacute

Nessas 15 sessotildees com Andreacute pode-se realizar a avaliaccedilatildeo comportamental por meio das teacutecnicas aplicadas vivecircncias instrumentos formalizados entrevistas com os familiares e professores aleacutem de conversas sobre o caso com o psiquiatra Durante o processo foi descartada a hipoacutetese de depressatildeo uma vez que a supressatildeo de comportamentos mau desempenho e ldquoapatiardquo se devem agrave vergonha ao medo e agrave ansiedade de fazer perguntas aos professores e se colocar diante dos colegas Hipotetizando-se assim que os criteacuterios do DSM 5 os testes padronizados e as avaliaccedilotildees psicoloacutegicas apontam para o transtorno de ansiedade social

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Devido ao periacuteodo de feacuterias da escola natildeo foi possiacutevel dar continuidade ao atendimento ateacute o iniacutecio do ano letivo seguinte Foram dadas algumas tarefas para casa nesse periacuteodo como confeccionar um RG gigante em uma folha A4 em que deveriam constar seus dados pessoais em outro espaccedilo da folha o cliente deveria se desenhar outro espaccedilo pequeno deveria ter sua assinatura e do lado de traacutes da folha Andreacute deveria colocar aspectos relacionados a suas dificuldades por exemplo uma coisa que quero mudar em mim e se eu tivesse amigos eue assim sucessivamente Os objetivos dessa tarefa satildeo os de facilitar o autoconhecimento a autoexposiccedilatildeo averiguar como ele se percebe e se representa Outra tarefa se refere agrave Tabela de Registro Comportamental Especiacutefico a qual atividade permite ao cliente observar um dado comportamento no caso de Andreacute o seu comportamento de esquiva atentando-se agrave frequecircncia agrave intensidade e agrave duraccedilatildeo antecedentes e consequentes Andreacute concordou em realizar as tarefas e se precisasse ligar para a terapeuta relatou que o faria mesmo com vergonha jaacute que disse estar ldquogostando de saber que natildeo eacute um ETrdquo (sic) pois aprendeu que tem muita gente que enfrenta as mesmas dificuldades que ele

No ano seguinte Andreacute mudou-se com a famiacutelia para outra cidade perto de alguns parentes da avoacute pois ela estava doente e o atendimento foi encerrado

Consideraccedilotildees Finais

O atendimento realizado de forma geral pode ser considerado como importante para a melhora do cliente ainda que muitas classes de comportamentos como falar ouvir pedir elogiar resolver problemas tomar decisotildees fazer amizades lidar com criacuteticas por exemplo devam ser desenvolvimentos eou aperfeiccediloados

Outra consideraccedilatildeo a ser feita consiste no trabalho em parceria com o profissional da aacuterea da fisiologia que auxiliou na montagem do material didaacutetico da sessatildeo psicopedagoacutegica e assessorou nas respostas para as perguntas teacutecnicas que o cliente fez durante a sessatildeo Portanto pode-se considerar que a parceria foi importante para a compreensatildeo do cliente do que era normal ou exagerado em suas reaccedilotildees fisioloacutegicasrespondentes

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Apesar de o caso ter sido atendido por uma terapeuta considerando sua urgecircncia as discussotildees foram realizadas em grupo jaacute que o atendimento fez parte de um projeto de extensatildeo que atende adolescentes com TAS Tal dinacircmica de trabalho possibilitou o ensino aos estudantes de graduaccedilatildeo envolvidos no projeto dos princiacutepios baacutesicos da Anaacutelise do Comportamento aplicado ao contexto cliacutenico e o aprendizado do uso do procedimento de anaacutelises funcionais bem como a importacircncia da coleta de dados com diferentes fontes de informaccedilotildees como familiares professores e o meacutedico psiquiatra pois como se sabe o comportamento eacute multideterminado e dinacircmico

Andreacute foi atendido em 15 sessotildees pela Psicologia durante cerca de quatro meses Durante esse periacuteodo foram realizadas trecircs consultas psiquiaacutetricas inclusive para ajuste da medicaccedilatildeo Apesar da complexidade do caso e do nuacutemero reduzido de sessotildees a avaliaccedilatildeo foi de que houve engajamento aos tratamentos psicoteraacutepico e medicamentoso por parte do cliente que sempre chegou no horaacuterio aderiu agraves tarefas dentro e fora da sessatildeo e tomava adequadamente a medicaccedilatildeo

Em siacutentese pode-se dizer que a psicoterapia com base na Anaacutelise do Comportamento considera o repertoacuterio do cliente e pode contribuir para o desenvolvimento de repertoacuterio mais adequado para os comportamentos classificados como excessivos eou que causam prejuiacutezos sendo considerados e diagnosticados como transtornos psiquiaacutetricos Relatos como o apresentado no presente capiacutetulo podem contribuir para a compreensatildeo de como diferentes aacutereas de conhecimento auxiliam e ajudam inclusive na adesatildeo ao tratamento desses casos

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Temas em Neurociecircncias

Joseacute Luciano Tavares da SilvaJosiane Ceciacutelia Luzia

(Organizadores)

9 786556 680156

ISBN 978-655668015-6

  • Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso
    • Joseacute Luciano Tavares da Silva
    • Silvia Alves Santos
    • Wagner Ferreira Lima
    • Josiane Ceciacutelia Luzia
      • Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees
        • Silvia Ponzoni
          • Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro
            • Roberta Ekuni
              • A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas
                • Jayme Marrone Juacutenior
                  • As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto
                    • Joseacute Luciano Tavares da Silva
                    • Josiane Ceciacutelia Luzia
                      • Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica
                        • Andreacute Demambre Bacchi
                          • Dor Aguda e Dor Crocircnica
                            • Mauro Leonelli
                              • A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso
                                • Decircnis Augusto Santana Reis
                                  • Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos1
                                    • Celio Roberto Estanislau
                                    • Thiago Soares Campoli
                                    • Rodrigo Moreno Klein
                                    • Acauatilde Galdino Vieira Silva
                                    • Isis Amanda Andrade Amadeu
                                    • Guilherme Machado Borges
                                      • Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem
                                        • Clay Brites
                                          • Siacutendrome de Burnout
                                            • Denise Albieri Jodas Salvagioni
                                            • Selma Maffei de Andrade
                                              • Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva
                                                • Andressa de Freitas Mendes Dionisio
                                                  • Epilepsia em Catildees
                                                    • Lucas Aleacutecio Gomes
                                                      • Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso
                                                        • Josiane Ceciacutelia Luzia
                                                        • Edneacuteia Aparecida Peres
                                                        • Joseacute Luciano Tavares da Silva
                                                          • _Hlk518570981
                                                          • _Hlk491869373
                                                          • _Hlk15812080
                                                          • _Hlk15382527
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                                                          • _Hlk8678538
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                                                          • _Hlk46168589
                                                          • Paacutegina em branco
                                                          • Paacutegina em branco
                                                              1. Botatildeo 4
                                                              2. Botatildeo 6
                                                              3. Botatildeo 9
                                                              4. Botatildeo 11
                                                              5. Botatildeo 8
                                                              6. Botatildeo 10
                                                              7. Botatildeo 13
                                                              8. Botatildeo 15
                                                              9. Botatildeo 12
                                                              10. Botatildeo 14
                                                              11. Botatildeo 17
                                                              12. Botatildeo 19
                                                              13. Botatildeo 16
                                                              14. Botatildeo 18
                                                              15. Botatildeo 21
                                                              16. Botatildeo 23
                                                              17. Botatildeo 20
                                                              18. Botatildeo 22
                                                              19. Botatildeo 25
                                                              20. Botatildeo 27
                                                              21. Botatildeo 24
                                                              22. Botatildeo 26
                                                              23. Botatildeo 29
                                                              24. Botatildeo 31
                                                              25. Botatildeo 28
                                                              26. Botatildeo 30
                                                              27. Botatildeo 33
                                                              28. Botatildeo 35
                                                              29. Botatildeo 32
                                                              30. Botatildeo 34
                                                              31. Botatildeo 37
                                                              32. Botatildeo 39
                                                              33. Botatildeo 36
                                                              34. Botatildeo 38
                                                              35. Botatildeo 41
                                                              36. Botatildeo 43
                                                              37. Botatildeo 40
                                                              38. Botatildeo 42
                                                              39. Botatildeo 45
                                                              40. Botatildeo 47
                                                              41. Botatildeo 44
                                                              42. Botatildeo 46
                                                              43. Botatildeo 49
                                                              44. Botatildeo 51
                                                              45. Botatildeo 48
                                                              46. Botatildeo 50
                                                              47. Botatildeo 53
                                                              48. Botatildeo 55
                                                              49. Botatildeo 52
                                                              50. Botatildeo 54
                                                              51. Botatildeo 57
                                                              52. Botatildeo 59
                                                              53. Botatildeo 56
                                                              54. Botatildeo 58
                                                              55. Botatildeo 61
                                                              56. Botatildeo 63
                                                              57. Botatildeo 64
                                                              58. Botatildeo 66
                                                              59. Botatildeo 69
                                                              60. Botatildeo 71
                                                              61. Botatildeo 68
                                                              62. Botatildeo 70
                                                              63. Botatildeo 73
                                                              64. Botatildeo 75
                                                              65. Botatildeo 72
                                                              66. Botatildeo 74
                                                              67. Botatildeo 77
                                                              68. Botatildeo 79
                                                              69. Botatildeo 76
                                                              70. Botatildeo 78
                                                              71. Botatildeo 81
                                                              72. Botatildeo 83
                                                              73. Botatildeo 80
                                                              74. Botatildeo 82
                                                              75. Botatildeo 85
                                                              76. Botatildeo 87
                                                              77. Botatildeo 84
                                                              78. Botatildeo 86
                                                              79. Botatildeo 89
                                                              80. Botatildeo 91
                                                              81. Botatildeo 88
                                                              82. Botatildeo 90
                                                              83. Botatildeo 93
                                                              84. Botatildeo 95
                                                              85. Botatildeo 92
                                                              86. Botatildeo 94
                                                              87. Botatildeo 97
                                                              88. Botatildeo 99
                                                              89. Botatildeo 96
                                                              90. Botatildeo 98
                                                              91. Botatildeo 101
                                                              92. Botatildeo 103
                                                              93. Botatildeo 100
                                                              94. Botatildeo 102
                                                              95. Botatildeo 105
                                                              96. Botatildeo 107
                                                              97. Botatildeo 104
                                                              98. Botatildeo 106
                                                              99. Botatildeo 109
                                                              100. Botatildeo 111
                                                              101. Botatildeo 108
                                                              102. Botatildeo 110
                                                              103. Botatildeo 113
                                                              104. Botatildeo 115
                                                              105. Botatildeo 60
                                                              106. Botatildeo 62
                                                              107. Botatildeo 65
                                                              108. Botatildeo 67
Page 2: Temas em Neurociências - UEL...áreas do conhecimento, especialmente das áreas biológicas e da saúde. Josiane Cecília Luzia Doutora em Neuropsicologia Clínica pela Universidad

Temas em Neurociecircncias

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Josiane Ceciacutelia Luzia

(Organizadores)

2020

Copyright copy 2020 ndash Todos os direitos reservados

Si381t Silva Joseacute Luciano Tavares da Luzia Josiane CeciacuteliaTemas em Neurociecircncias Joseacute Luciano Tavares da Silva Josiane

Ceciacutelia Luzia (Orgs) ndash Editora Scienza 2020 ndash Satildeo Carlos SP Brasil

362 p

ISBN - 978-65-5668-015-6DOI - httpdxdoiorg1026626978-65-5668-015-6B0001

Disponiacutevel em httpwwwuelbrccbfisiologicasportalpagespublicacoesphphttpwwwuelbrccbpgacpagespublicacoesphp

1 Fisiologia humana 2 Neuropsicologia 3 Neurociecircncias 4 Sistema Nervoso I Orgs II Tiacutetulo

CDD 612

Revisatildeo Editoraccedilatildeo E-book e Impressatildeo

Rua Juca Sabino 21 ndash Satildeo Carlos SP(16) 3364-3346 | (16) 9 9285-3689

wwweditorascienzacombrgustavoeditorascienzacom

ReitorDr Seacutergio Carlos de Carvalho

Vice-reitorDr Deacutecio Sabbatini Barbosa

Comissatildeo CientiacuteficaOs capiacutetulos desta obra foram avaliados e receberam pareceres

ad hoc dos seguintes membros da comissatildeo cientiacutefica

bull Dr Amauri Gouveia Juacutenior | Universidade Federal do Paraacute-Paraacute

bull Dra Caacutessia Thais Bussamra Vieira Zaia | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Claacuteudia Bueno dos Reis Martinez | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dr Ernane Torres Uchoa | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Magda Solange Vanzo Pestun | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dr Mauro Leonelli | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Doutorando Mayron Piccolo | Universidade de Fribourg Fribourg Suiacuteccedila

bull Doutoranda Nancy Nazareth Gatzke Correcirca | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Regina Ceacutelia Bueno Rezende Machado | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Mestre Vanessa Santiago Ximenes | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Mestre Vivian Senegalia Morete | Varas de Famiacutelia e de Infacircncia e JuventudeTribunal de Justiccedila do Estado do Paranaacute

Organizadores

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Doutor em Ciecircncias (Fisiologia Humana) pela Universidade de Satildeo Paulo - Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncia do Movimento Humano (Fisiologia do Exerciacutecio) pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e dos Cursos de Poacutes-graduaccedilatildeo em Neurociecircncias e em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilaCoordenador do Programa de Formaccedilatildeo Complementar Temas em Neurociecircncias destinado a estudantes de graduaccedilatildeo poacutes-graduaccedilatildeo e profissionais de diversas aacutereas do conhecimento especialmente das aacutereas bioloacutegicas e da sauacutede

Josiane Ceciacutelia Luzia

Doutora em Neuropsicologia Cliacutenica pela Universidad de Salamanca Espanha Mestre em Neurociecircncias e Comportamento pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Mental da Universidade Estadual de Londrina Colaboradora do Programa de Formaccedilatildeo Complementar Temas em Neurociecircncias

Organizadores | 5

Sobre os Autores | 7

Sobre os Autores

Acauatilde Galdino Vieira SilvaGraduaccedilatildeo em Psicologia pela Universidade de Mariacutelia (UNIMAR)

Mariacutelia-Satildeo Paulo Psicoacutelogo Cliacutenico

Andreacute Demambre BacchiDoutor em Ciecircncias Fisioloacutegicas pela Universidade Estadual de

Londrina Docente da Universidade Federal de Rondonoacutepolis - MT

Andressa de Freitas Mendes DionisioDoutora em Farmacologia pela Universidade de Satildeo Paulo

Ribeiratildeo Preto - Satildeo Paulo Poacutes-doutorado pela Universidade do Alabama em Birmingham Estados Unidos da Ameacuterica e pela Faculdade de Medicina pela Universidade de Satildeo Paulo Ribeiratildeo Preto - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e do Programa Multicecircntrico de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias Fisioloacutegicas da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Celio Roberto EstanislauDoutor em Psicobiologia pela Universidade de Satildeo Paulo e Poacutes-

doutor pela Universitat Autoacutenoma de Barcelona Espanha Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Anaacutelise do Comportamento e Neurociecircncias da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Clay BritesDoutor em Ciecircncias Meacutedicas pela UNICAMP ndash Campinas -Satildeo

Paulo Pediatra e Neurologista Infantil do Instituto Neurosaber Londrina-Paranaacute Membro Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) Membro e Vice-Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissotildees Afins (ABENEPI) - Paranaacute

8 | Temas em Neurociecircncias

Decircnis Augusto Santana ReisMestre em Farmacologia pela Faculdade de Medicina de

Ribeiratildeo Preto-USP Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina Pesquisador do Nuacutecleo de Estudos Violecircncia e Relaccedilotildees de Gecircnero - NEVIRG- UNESPASSIS- Satildeo Paulo

Denise Albieri Jodas SalvagioniDoutora em Sauacutede Coletiva pela Universidade Estadual de

Londrina Docente do Departamento de Enfermagem do Instituto Federal do Paranaacute Londrina-Paranaacute

Edneacuteia Aparecida PeresDoutora em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio

de Mesquita Filho-Campus Mariacutelia Mariacutelia ndash Satildeo Paulo Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Guilherme Machado BorgesEspecialista em Anaacutelise do Comportamento Aplicado pelo

Centro Universitaacuterio Filadeacutelfia Docente Coordenador de Estaacutegios do Curso de Psicologia da Faculdade de Jandaia do Sul ndash FafiJan Jandaia do Sul - Paranaacute

Isis Amanda Andrade AmadeuEstudante do Curso de Psicologia pela Universidade Estadual de

Londrina Londrina-Paranaacute

Jayme Marrone JuacuteniorDoutorando em Ensino de Ciecircncias pela Universidade Estadual

de Londrina Londrina-Paranaacute Docente do Instituto Federal do Paranaacute Astorga-Paranaacute

Joseacute Luciano Tavares da SilvaDoutor em Ciecircncias pela Universidade de Satildeo Paulo (USP)-Satildeo

Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Neurociecircncias (UEL) Docente e coordenador do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedila e coordenador do Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Sobre os Autores | 9

Josiane Ceciacutelia LuziaDoutora em Neuropsicologia Cliacutenica pela Universidad de

Salamanca Espanha Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Mental da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Lucas Aleacutecio GomesDoutor em Ciecircncias pela Faculdade de Medicina Veterinaacuteria

e Zootecnia da Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo Docente do Departamento de Cliacutenicas Veterinaacuterias e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncia Animal da Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

Mauro LeonelliDoutor em Fisiologia pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo

Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e da Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilada Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Rodrigo Moreno KleinDoutorando pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da

Sauacutede da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Roberta EkuniDoutora em Ciecircncias pela Universidade Federal de Satildeo Paulo -

Satildeo Paulo Docente da Universidade Estadual do Norte do Paranaacute e do Programa de Mestrado em Educaccedilatildeo (PPEd) Jacarezinho - Paranaacute

Selma Maffei de AndradeDoutorado em Sauacutede Puacuteblica pela Universidade de Satildeo Paulo-

Satildeo Paulo Docente do Departamento de Sauacutede Coletiva e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Silvia Alves SantosDoutora em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Satildeo Carlos

(UFSCar) Satildeo Carlos - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

10 | Temas em Neurociecircncias

Silvia PonzoniDoutora em Ciecircncias pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo

e Poacutes-Doutorado pela Universita degli Studi - Modena USMOD Itaacutelia e Universitagrave Degli Studi Di Parma UDSPR Itaacutelia Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e da Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilada Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Thiago Soares CampoliMestre em Anaacutelise do Comportamento pela Universidade

Estadual de Londrina Psicoacutelogo cliacutenico em Londrina-Paranaacute

Wagner Ferreira LimaDoutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de

Mesquita Filho Assis - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Letras Vernaacuteculas e Claacutessicas Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Apresentaccedilatildeo | 11

Apresentaccedilatildeo

O aprimoramento notadamente nas duas uacuteltimas deacutecadas da divulgaccedilatildeo cientiacutefica relacionada agraves Neurociecircncias seja por intermeacutedio de manchetes indicando novas descobertas na aacuterea livros voltados exclusivamente a este fim ou ainda por meio de filmes ou seacuteries de TV como ldquoBrain Gamesrdquo (ldquoTruques da Menterdquo no Brasil produzida pela Natgeo) colaborou de forma inequiacutevoca para o crescente interesse despertado no puacuteblico de forma geral Afinal quem natildeo conhece algueacutem mais ou menos proacuteximo que esteja acometido por disfunccedilotildees como doenccedila de Alzheimer ou Parkinson mais comuns a cada ano devido ao envelhecimento populacional Pode ser que na famiacutelia haja uma pessoa que sofra com transtorno obsessivo-compulsivo transtorno de deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividade um filho para o qual aprender a ler eacute um desafio quase intransponiacutevel ou mesmo um tio que sente dor em uma perna que fora amputada e natildeo existe mais Quem sabe algueacutem tenha passado pelo terror de sentir-se paralisado sem poder mover um muacutesculo sequer ao acordar de madrugada podendo jurar que embora sozinho sentira a presenccedila de algo ldquosobrenaturalrdquo

Eacute fascinante saber que tais exemplos e muitos outros que fazem parte de nosso dia a dia podem ser explicados por alteraccedilotildees no funcionamento dessa massa tortuosa com consistecircncia gelatinosa e cerca de 15 kg contida pelo cracircnio Mesmo com sua aparecircncia relativamente estranha quando comparada aos outros oacutergatildeos do corpo tudo o que pensamos sentimos e experimentamos natildeo passa de mera atividade eletroquiacutemica presente nas trilhotildees de conexotildees entre as ceacutelulas que a compotildee O delicioso cheiro e sabor daquela pizza que acabou de sair do forno a visatildeo da pessoa amada e os sentimentos e emoccedilotildees a ela relacionados o amor incondicional pelos filhos e o medo aterrorizante de perdecirc-los a raiva pelo tracircnsito na hora do rush e a alegria de finalmente chegar em casa ou seja absolutamente tudo aquilo que somos de tal maneira que ao morrermos tudo isso tambeacutem morre conosco Ou seraacute que natildeo

12 | Temas em Neurociecircncias

Torna-se portanto natural o desejo de saber mais sobre o sistema nervoso e assim poder vislumbrar de maneira um pouco mais profunda sua espetacular complexidade Logo natildeo surpreende que o desenvolvimento de um programa complementar de ensino nesta aacuterea tenha obtido tanto sucesso com cerca de 1300 participantes inscritos desde sua primeira ediccedilatildeo em 2010

Com o objetivo de comemoraccedilatildeo ao aniversaacuterio de dez anos do programa de formaccedilatildeo complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo esta obra reuacutene os conteuacutedos trabalhados por alguns de seus colaboradores que dentro de suas aacutereas de conhecimento ministraram palestras orientaram grupos de estudos ou ambos ao longo desta uacuteltima deacutecada Considerando a caracteriacutestica diversificada do programa em relaccedilatildeo aos diferentes temas abordados optamos por organizar os 14 capiacutetulos que compotildeem o livro em trecircs seccedilotildees

A Seccedilatildeo 1 ldquoTeoria e Neurociecircnciasrdquo eacute composta pelos capiacutetulos 1 a 5 em que satildeo apresentadas consideraccedilotildees sobre as caracteriacutesticas do programa desde seu lanccedilamento em 2010 no capiacutetulo 1 os aspectos relacionados agrave evoluccedilatildeo do sistema nervoso no capiacutetulo 2 os denominados ldquoneuromitosrdquo e como estatildeo arraigados na populaccedilatildeo que neles creem no capiacutetulo 3 conjecturas relacionadas agrave associaccedilatildeo entre as Neurociecircncias e a fiacutesica quacircntica no capiacutetulo 4 e uma revisatildeo bibliograacutefica acerca da relaccedilatildeo entre as Neurociecircncias e as denominadas ldquoexperiecircncias paranormaisrdquo no capiacutetulo 5

A Seccedilatildeo 2 ldquoProcessos Baacutesicos em Neurociecircnciasrdquo eacute constituiacuteda pelos capiacutetulos 6 a 9 e apresenta as bases para a dependecircncia quiacutemica no capiacutetulo 6 aspectos neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor no capiacutetulo 7 possiacuteveis alteraccedilotildees no sistema nervoso presentes no criminoso no capiacutetulo 8 e aspectos evolucionistas e neurobiologia do transtorno obsessivo-compulsivo no capiacutetulo 9

A Seccedilatildeo 3 ldquoAspectos Cliacutenicos em Neurociecircnciasrdquo eacute constituiacuteda pelos capiacutetulos 10 a 14 em que satildeo apresentados aspectos neurobioloacutegicos da dislexia no capiacutetulo 10 o distuacuterbio psiacutequico associado ao trabalho denominado ldquoSiacutendrome de Burnoutrdquo no capiacutetulo 11 os aspectos farmacoloacutegicos relacionados ao tratamento da dor crocircnica nociceptiva no capiacutetulo 12 a epilepsia em catildees no capiacutetulo 13 e a abordagem do transtorno de ansiedade social sob o ponto de vista da anaacutelise do comportamento no capiacutetulo 14

Apresentaccedilatildeo | 13

Gostaria de manifestar meu reconhecimento e agradecimento a todos os colaboradores palestrantes e orientadores de grupos de estudos que ao longo destes dez anos enalteceram o programa com seus conhecimentos sem os quais o programa e esta obra natildeo existiriam Particularmente agradeccedilo os autores e revisores responsaacuteveis por cada capiacutetulo os quais estatildeo vinculados em sua maioria a Instituiccedilotildees de Ensino Superior seja na categoria de docente estudante de poacutes-graduaccedilatildeo ou iniciaccedilatildeo cientiacutefica e tambeacutem aos profissionais liberais cujos princiacutepios de atuaccedilatildeo estatildeo pautados nos conhecimentos atuais das Neurociecircncias

Tenham todos uma oacutetima leitura

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Sumaacuterio | 15

Sumaacuterio

Seccedilatildeo I

Capiacutetulo 1Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo

Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso 19Joseacute Luciano Tavares da Silva Silvia Alves Santos Wagner Ferreira Lima e Josiane Ceciacutelia Luzia

Capiacutetulo 2 Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees 35

Silvia Ponzoni

Capiacutetulo 3Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro 61

Roberta Ekuni

Capiacutetulo 4A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as

Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas 79Jayme Marrone Juacutenior

Capiacutetulo 5 As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os

Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto 107Joseacute Luciano Tavares da Silva e Josiane Ceciacutelia Luzia

Seccedilatildeo II

Capiacutetulo 6Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica 163

Andreacute Demambre Bacchi

16 | Temas em Neurociecircncias

Capiacutetulo 7 Dor Aguda e Dor Crocircnica 185

Mauro Leonelli

Capiacutetulo 8 A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova

Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso 209Decircnis Augusto Santana Reis

Capiacutetulo 9Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva

Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos 239Celio Roberto Estanislau Thiago Soares Campoli Rodrigo Moreno Klein Acauatilde Galdino Vieira Silva Isis Amanda Andrade Amadeu e Guilherme Machado Borges

Seccedilatildeo III

Capiacutetulo 10 Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees

da Neuroimagem 259Clay Brites

Capiacutetulo 11 Siacutendrome de Burnout 275

Denise Albieri Jodas Salvagioni e Selma Maffei de Andrade

Capiacutetulo 12 Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no

Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva 293Andressa de Freitas Mendes Dionisio

Capiacutetulo 13 Epilepsia em Catildees 319

Lucas Aleacutecio Gomes

Capiacutetulo 14 Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso 341

Josiane Ceciacutelia Luzia Edneacuteia Aparecida Peres e Joseacute Luciano Tavares da Silva

SECcedilAtildeO I

TEORIA E NEUROCIEcircNCIAS

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Silvia Alves SantosUniversidade Estadual de Londrina

Wagner Ferreira LimaUniversidade Estadual de Londrina

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado (1990-2000) foi considerada a ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo devido ao avanccedilo exponencial das pesquisas cientiacuteficas neste campo Desde 1996 a Fundaccedilatildeo Dana (The Dana Foundation) localizada em Nova York nos Estados Unidos promove anualmente uma campanha global a ldquoSemana do Ceacuterebrordquo (Brain Awareness Week) no decorrer da qual satildeo repassadas ao puacuteblico em geral informaccedilotildees relacionadas ao progresso e benefiacutecios das pesquisas cientiacuteficas sobre o ceacuterebro objetivando conscientizaccedilatildeo acerca de sua importacircncia Aderindo agrave campanha todos os anos diversas instituiccedilotildees do Brasil (universidades hospitais e outras) realizam a ldquoSemana do Ceacuterebrordquo durante o mecircs de marccedilo

O presente programa de formaccedilatildeo complementar em neurociecircncias da Universidade Estadual de Londrina eacute voltado exclusivamente aos estudantes matriculados em instituiccedilotildees de ensino superior tanto em niacutevel de graduaccedilatildeo quanto de poacutes-graduaccedilatildeo e aos profissionais atuantes no mercado de trabalho Como princiacutepio baacutesico apresenta a divulgaccedilatildeo do que se sabe

Autor para correspondecircncia jlucianotavares

gmailcom

1

20 | Temas em Neurociecircncias

atualmente sobre determinados temas baacutesicos e tambeacutem cliacutenicos que estejam direta ou indiretamente relacionados agraves neurociecircncias

Sua importacircncia reside no fato de que a prevenccedilatildeo tratamento e entendimento de alteraccedilotildees funcionais relacionadas ao sistema nervoso requerem noccedilotildees sobre sua funccedilatildeo normal e o que se poderia esperar em caso de anormalidades Isto implica que de maneira direta ou indireta e de forma mais ou menos aprofundada profissionais da aacuterea da sauacutede e de aacutereas afins que lidam com desenvolvimento humano ndash como psicoacutelogos pedagogos assistentes sociais entre outros ndash precisam dispor desta compreensatildeo Eacute evidente por exemplo a dificuldade de muitos professores do ensino fundamental em como proceder para o melhor atendimento agraves crianccedilas que apresentam deficiecircncias eou limitaccedilotildees fiacutesicas e intelectuais apoacutes a sua inclusatildeo em turmas cuja maioria se encaixa nos padrotildees aceitos como normais

Sob o ponto de vista do desenvolvimento tecnoloacutegico no acircmbito industrial o qual se apresenta em franca expansatildeo e envolve desde a confecccedilatildeo de proacuteteses interligadas ao sistema nervoso ateacute a substituiccedilatildeo de oacutergatildeos sensoriais por equivalentes roboacuteticos eacute visiacutevel a necessidade de profissionais capacitados a fazer as interconexotildees entre esta aacuterea e a tecnologia biomeacutedica

Mesmo que por enquanto esteja relativamente longe de explicar de maneira convincente como a consciecircncia em toda sua complexidade adveacutem de uma massa formada por bilhotildees de neurocircnios e outras ceacutelulas que perfazem o enceacutefalo humano o conjunto de ciecircncias relacionadas ao estudo e compreensatildeo do sistema nervoso ou seja as ldquoNeurociecircnciasrdquo tecircm feito progressos inegaacuteveis para tal compreensatildeo

Fundamentada na premissa de que todo comportamento e vida mental originam-se da estrutura e funccedilatildeo do sistema nervoso (Squire Berg Bloom Du Lac Ghosh amp Spitzer 2008) ela se abre aos diversos ramos de pesquisa cada um dos quais regidos por um ponto de vista distinto Com a compreensatildeo dos diferentes aspectos relacionados agrave fisiologia agrave bioquiacutemica agrave farmacologia e agrave estrutura do ceacuterebro de vertebrados a disciplina de neurociecircncias apesar de relativamente nova apresentou grande evoluccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas (Goswami 2004)

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 21

Neste conjunto de partes que se complementam pode-se citar dentre outros o ramo que estuda sua anatomia ou neuroanatomia a interaccedilatildeo entre o sistema nervoso e o sistema endoacutecrino ou neuroendocrinologia a accedilatildeo de drogas sobre o sistema nervoso ou neurofarmacologia as funccedilotildees do sistema nervoso ou neurofisiologia as patologias do sistema nervoso ou neurologia os distuacuterbios neuroloacutegicos em associaccedilatildeo com distuacuterbios psiquiaacutetricos ou neuropsiquiatria e as relaccedilotildees entre o ceacuterebro e funccedilotildees mentais vale dizer a neuropsicologia (Herculano-Houzel 2008)

Nota-se contudo que o prefixo ldquoneurordquo vem sendo apropriado de maneira no miacutenimo questionaacutevel por diversos setores da sociedade (Neves 2016) Com objetivos oportunistas ou para conquistar maior audiecircncia a imprensa e outros grupos (propositalmente ou natildeo) muitas vezes simplificam fatos e resultados cientiacuteficos podendo inclusive colocar em risco a sauacutede da populaccedilatildeo que crecirc no que eacute divulgado

Assim sendo extrapolando o aspecto profissional o esclarecimento do puacuteblico em geral sobre o papel das neurociecircncias no dia a dia mostra-se essencial para o desenvolvimento cultural e social da sociedade evitando que a populaccedilatildeo seja talhada segundo o interesse comercial de grupos diversos baseados em boatos ou crenccedilas infundadas os denominados ldquoneuromitosrdquo (Ekuni amp Pompeacuteia 2016)

Ao longo dos uacuteltimos anos tem havido grande nuacutemero de concepccedilotildees errocircneas acerca do ceacuterebro as quais satildeo divulgadas pela miacutedia de forma geral muitas relacionadas ao processo de aprendizagem Considerando-se que frequentemente originam-se de elementos cientiacuteficos mesmo que mal interpretados incompletos ou extrapolados para aleacutem das evidecircncias observadas em pesquisas sua refutaccedilatildeo torna-se mais difiacutecil como os exemplos que seguem (OECD 2007)

a) ldquoNatildeo haacute tempo a perder pois tudo que eacute importante acerca do ceacuterebro eacute decidido ateacute a idade de trecircs anosrdquo

b) ldquoExistem periacuteodos criacuteticos nos quais certas mateacuterias devem ser ensinadas e aprendidasrdquo

c) ldquoNoacutes utilizamos normalmente apenas 10 da capacidade de nosso ceacuterebrordquo

22 | Temas em Neurociecircncias

d) ldquoExistem pessoas que utilizam mais o hemisfeacuterio esquerdo e outras o hemisfeacuterio direito do ceacuterebrordquo

e) ldquoHomens e meninos possuem ceacuterebros diferentes de mulheres e meninasrdquo

f) ldquoO ceacuterebro de uma crianccedila pequena eacute capaz de aprender apenas um idioma por vezrdquo entre outros

Por conta de concepccedilotildees como estas observa-se que muitas escolas podem utilizar meacutetodos de ensino baseados em crenccedilas cientificamente infundadas (Brockington amp Mesquita 2016)

Aleacutem dos ldquoneuromitosrdquo pode-se ainda salientar crenccedilas aceitas como verdadeiras por parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo tais como ldquoexperiecircncias de quase-morterdquo ldquoabduccedilotildees alieniacutegenasrdquo e outras do gecircnero para as quais existem explicaccedilotildees embasadas na neurociecircncia (Mobbs amp Watt 2011) Em relaccedilatildeo a esta uacuteltima o esclarecimento sobre como o sistema nervoso pode gerar alteraccedilotildees na percepccedilatildeo eou consciecircncia muitas vezes inoacutecuas mas quando apontadas de maneira equivocada como indiacutecios de manifestaccedilotildees sobrenaturais ou de doenccedilas graves poderia acarretar o sensacionalismo que sempre as caracterizam

Considerando a importacircncia de desmistificar tais crenccedilas e esclarecer profissionais e futuros profissionais da aacuterea da sauacutede e afins os quais satildeo (ou ao menos deveriam ser) o elo entre a pesquisa cientiacutefica seacuteria e o puacuteblico em geral este programa de formaccedilatildeo complementar objetiva possibilitar a aquisiccedilatildeo de noccedilotildees baacutesicas fundamentais acerca das funccedilotildees normal e anormal relacionadas ao sistema nervoso

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Aspectos Histoacutericos

O Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo foi iniciado na forma de projeto de pesquisa em ensino em agosto de 2010 sendo entatildeo denominado de ldquoEstudos de Casos em Neurociecircncia Cliacutenicardquo

A princiacutepio foi direcionado apenas aos estudantes de graduaccedilatildeo do terceiro e quarto anos do curso de Psicologia da UEL com 43 estudantes inscritos A ideia partiu da necessidade de incrementar a

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 23

parte de fisiologia do sistema nervoso inserida na disciplina ldquoFisiologia Humanardquo voltada ao curso de Psicologia e que estava vigente na eacutepoca atualmente substituiacuteda pela disciplina ldquoNeurofisiologiardquo

Aleacutem da parte de neurofisiologia o programa englobava toacutepicos cliacutenicos pouco vistos no decorrer da graduaccedilatildeo Na eacutepoca o programa tambeacutem atraiu a atenccedilatildeo de estudantes do curso como mais uma opccedilatildeo para participaccedilatildeo em projeto de ensino e indiretamente como uma porta para projetos de pesquisa de docentes orientadores de casos cliacutenicos em neurociecircncias Tendo em vista a pouca oferta de vagas o projeto foi desenvolvido em salas de aula do departamento de ciecircncias fisioloacutegicas do CCBUEL com baixa capacidade de lotaccedilatildeo Considerando que as palestras e desenvolvimento de estudos foram realizados por docentes colaboradores do projeto que recebiam carga horaacuteria para tal ou por consultores externos convidados natildeo houve necessidade de conseguir financiamento para seu desenvolvimento

No ano seguinte iniciou-se a segunda turma desta vez aberta tambeacutem a estudantes de Fisioterapia do segundo ano sendo formada por 63 estudantes sendo 23 estudantes de Psicologia e 40 estudantes de Fisioterapia A terceira e uacuteltima turma ainda como projeto de pesquisa em ensino foi aberta em 2012 sendo formada por 76 estudantes de graduaccedilatildeo de cursos diversos da UEL e dois estudantes de outras instituiccedilotildees

Encerrado na forma de projeto de pesquisa em ensino no ano de 2012 deu-se origem ao Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo em formato de palestras em um semestre e de estudos em grupos no semestre seguinte Em 2013 no seu primeiro ano como Programa de Formaccedilatildeo Complementar obteve o total de 115 estudantes inscritos dos quais 107 estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL e oito participantes externos A turma seguinte em 2014 obteve 121 inscriccedilotildees sendo 59 estudantes de graduaccedilatildeo de cursos diversos da UEL e 62 participantes externos

A turma de 2015 apresentou 166 inscriccedilotildees das quais 94 de estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL e 72 participantes externos A turma seguinte de 2016 obteve 220 inscriccedilotildees das quais 120 inscriccedilotildees de estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e cem inscriccedilotildees de participantes externos Em 2017 houve 188 inscriccedilotildees das quais

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101 de estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e 88 participantes externos Finalmente em 2018 foram realizadas 245 inscriccedilotildees das quais 139 estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e 106 participantes externos

O Programa mostra-se um espaccedilo profiacutecuo para o desenvolvimento de temas de pesquisa para alunos e comunidade externa isso significa afirmarmos que sua consolidaccedilatildeo como espaccedilo formativo acadecircmico eacute de grande valia para a sociedade Corroborando tal afirmaccedilatildeo a partir de um grupo de estudos voltado para o tema ldquoSuiciacutediordquo coordenado por uma das colaboradoras do programa foi desenvolvido o evento de extensatildeo Suiciacutedio vocecirc jaacute parou para pensar no formato de ldquomesas redondasrdquo o qual obteve nuacutemero expressivo de inscriccedilotildees gerando livro homocircnimo escrito pelos palestrantes

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Aspectos Metodoloacutegicos

O Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo caracteriza-se por palestras diversas relacionadas de maneira direta ou indireta agraves neurociecircncias As atividades ocorrem aos saacutebados no periacuteodo da manhatilde no Centro de Ciecircncias Bioloacutegicas da Universidade Estadual de Londrina (CCBUEL) no decorrer do segundo semestre do ano letivo Aos estudantes de graduaccedilatildeo regularmente matriculados na instituiccedilatildeo e que tenham participado de um nuacutemero miacutenimo de 70 das palestras do semestre anterior eacute oferecida a oportunidade de permanecer no programa no semestre seguinte para participaccedilatildeo em grupos de estudos os quais estatildeo sob a orientaccedilatildeo de docentes ou estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo de mestrado ou doutorado tambeacutem da instituiccedilatildeo e tecircm por objetivo o estudo mais aprofundado sobre temas diversos propostos pelos orientadores

Acredita-se que desta maneira seratildeo fortalecidos os conhecimentos acerca do funcionamento global do sistema nervoso visto por diferentes aspectos e abordagens Havendo vagas remanescentes para participaccedilatildeo em grupos de estudos estas satildeo ofertadas a colaboradores externos O criteacuterio utilizado para preferecircncia de participaccedilatildeo eacute o mesmo utilizado para estudantes

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 25

da UEL ou seja os que apresentam maior participaccedilatildeo na fase de palestras

Desde que se iniciou como programa de formaccedilatildeo complementar em 2013 ateacute o teacutermino do cronograma de 2018 foram ministradas 140 palestras sendo 23 em 2013 25 em 2014 21 em 2015 22 em 2016 26 em 2017 e 23 em 2018 com duraccedilatildeo de 90 a 180 minutos dependendo da complexidade do tema tratado Tendo em vista que atualmente o puacuteblico participante eacute composto por estudantes e profissionais de diversas aacutereas do conhecimento optou-se a partir da turma de 2015 por ministrarem-se palestras relacionadas tanto agrave aacuterea cliacutenica quanto agrave Neurofisiologia baacutesica

As palestras relacionadas agrave Neurofisiologia baacutesica que ocorreram previamente agraves relacionadas agrave aacuterea cliacutenica foram ministradas por docentes das disciplinas de ldquoNeurofisiologiardquo ldquoNeuroendocrinologiardquo e ldquoPsicofarmacologiardquo do curso de Psicologia da UEL e docentes externos e foram as seguintes ldquoAntidepressivosrdquo ldquoCaccediladores de neuromitos o que vocecirc sabe sobre seu ceacuterebro eacute verdaderdquo ldquoControle neuroendoacutecrino da fome e saciedaderdquo ldquoFarmacologia no tratamento da dor crocircnicardquo ldquoNeurotransmissatildeo na dor crocircnicardquo ldquoNeurotransmissatildeo e organizaccedilatildeo do sistema nervosordquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas sensoriaisrdquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas motoresrdquo ldquoNeurofisiologia das emoccedilotildeesrdquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas de memoacuteriardquo ldquoNeurofisiologia do ciclo sono-vigiacuteliardquo e ldquoOrigem e evoluccedilatildeo da vidardquo

As palestras relacionadas agrave neurociecircncia cliacutenica foram ministradas por docentes convidados todos especialistas na aacuterea cujo tema foi abordado vale dizer graduados e poacutes-graduados nas aacutereas de Biomedicina Enfermagem Farmaacutecia Fisioterapia Medicina (Anestesiologia Cirurgia bariaacutetrica Endocrinologia Geriatria Neurocirurgia Neurologia Neuropediatria e Psiquiatria) Medicina Veterinaacuteria Odontologia Psicologia e Psicopedagogia

Os temas das palestras foram os seguintes (em ordem alfabeacutetica) ldquoApneia do sonordquo ldquoAspectos farmacoloacutegicos da analgesia e anestesiardquo ldquoAspectos psicoloacutegicos das emoccedilotildeesrdquo ldquoAtendimento odontoloacutegico ao paciente especialrdquo ldquoBullying consequecircncias psicoloacutegicasrdquo ldquoCirurgia bariaacutetrica aspectos cliacutenicos e psicoloacutegicosrdquo ldquoDemecircncias senisrdquo ldquoDependecircncia quiacutemica e compulsatildeordquo ldquoDepressatildeo

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e suiciacutediordquo ldquoDistuacuterbios do processamento auditivo centralrdquo ldquoDoenccedilas neuromuscularesrdquo ldquoDoenccedila de Parkinsonrdquo ldquoDor e analgesia aspectos emocionaisrdquo ldquoDor neuropaacuteticardquo ldquoEsclerose muacuteltiplardquo ldquoEsquizofreniardquo ldquoFalando sobre surdocegueirardquo ldquoNeuroetologia em epilepsiardquo ldquoNeurologia da aprendizagemrdquo ldquoNeuromarketing e a loacutegica do consumordquo ldquoNeuropatia diabeacuteticardquo ldquoNeuroplasticidade modificaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do sistema nervosordquo ldquoNeuro-zoonosesrdquo ldquoParalisia cerebralrdquo ldquoPsiquiatria forenserdquo ldquoPsico-neuro-endocrino-imunologiardquo ldquoReconexatildeo de tratos medulares via sistemas inteligentesrdquo ldquoSiacutendrome de anorexia e bulimiardquo ldquoSiacutendrome de burnoutrdquo ldquoSiacutendromes corticaisrdquo ldquoSiacutendrome de Prader-Willyrdquo ldquoTDAH visatildeo do cliacutenicordquo ldquoTDAH visatildeo do psicoacutelogordquo ldquoTDAH visatildeo do psicopedagogordquo ldquoToxina botuliacutenica uso cliacutenicordquo ldquoTranstorno bipolarrdquo ldquoTranstorno obsessivo-compulsivo e siacutendrome de Touretterdquo ldquoTranstornos do sonordquo e ldquoTrauma raqui-medularrdquo

Destacamos que o trabalho realizado no Programa de Formaccedilatildeo Complementar conta tambeacutem com grupos de estudos que auxiliam no aprofundamento dos temas bem como incorporam outros que se relacionam agrave temaacutetica geral da pesquisa em Neurociecircncias

Desde o iniacutecio ainda na forma de projeto de ensino em 2010 ateacute o presente os grupos de estudos se organizaram em torno do aprofundamento dos seguintes temas ldquoAccedilatildeo de drogas sobre ingestatildeo alimentar e gasto energeacuteticordquo ldquoAcidente vascular encefaacutelicordquo ldquoAdaptaccedilotildees fisioloacutegicas do atleta no paradesporterdquo ldquoAntidepressivos e desenvolvimentordquo ldquoAplicaccedilatildeo de conceitos de neurociecircncias na sauacutede coletiva em UBSrdquo ldquoAspectos bioloacutegicos do comportamento sexual e maternalrdquo ldquoAspectos neurobioloacutegicos da criminalidaderdquo ldquoAspectos neurofisioloacutegicos da obesidaderdquo ldquoAspectos neuropsicoloacutegicos do cacircncerrdquo ldquoAspectos psicoloacutegicos da doenccedila de Alzheimerrdquo ldquoAspectos sociais e neuroquiacutemicos de comportamentos suicidasrdquo ldquoAtletas paraliacutempicos e suas particularidadesrdquo ldquoBulimiardquo ldquoContribuiccedilotildees das neurociecircncias agrave educaccedilatildeo especialrdquo ldquoControle neural da funccedilatildeo cardiacuteaca e disfunccedilotildees associadasrdquo ldquoDepressatildeo fisiopatologia e tratamentordquo ldquoDiferenciaccedilatildeo sexual pelo sistema nervoso centralrdquo ldquoDoenccedilas encefaacutelicas em catildees e gatosrdquo ldquoDoenccedila de Parkinsonrdquo ldquoEmoccedilotildees e hipertensatildeordquo ldquoEmpatia e fobia socialrdquo ldquoEpilepsiardquo ldquoEstresse memoacuteria e aprendizagemrdquo ldquoEtologia psicofarmacologia neuropsicologia psicologia evolucionista e psicobiologia da

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depressatildeordquo ldquoFisiologia do envelhecimentordquo ldquoFunccedilotildees executivas memoacuteria de trabalho velocidade de processamento e atenccedilatildeordquo ldquoLinguagem e cogniccedilatildeo corpoacutereardquo ldquoMecanismos neuroendoacutecrinos relacionados agrave obesidaderdquo ldquoMedo e transtornos de ansiedaderdquo ldquoModelo Psicobioloacutegico e suas relaccedilotildees com o desempenho motorrdquo ldquoNeuroarte e arteterapiardquo ldquoNeurobiologia e farmacologia das drogas de abusordquo ldquoNeurobiologia da linguagemrdquo ldquoNeurociecircncias e espiritualidaderdquo ldquoNeurologia cliacutenica em animais de companhiardquo ldquoNeuropsicologia da empatiardquo ldquoPatologia das disfunccedilotildees linguiacutesticasrdquo ldquoPlantas psicoativasrdquo ldquoProposiccedilatildeo de procedimentos preacute-cliacutenicos com vistas agrave prevenccedilatildeo da recidiva ao consumo de drogasrdquo ldquoSelf mente e comunicaccedilatildeo a reflexividade nas relaccedilotildees interpessoaisrdquo ldquoSentidos e realidade aspectos fiacutesicos e neurocientiacuteficosrdquo ldquoSistema nervoso autocircnomo e metabolismordquo ldquoSubstacircncias psicoativas e comportamentordquo ldquoSuiciacutedio Vocecirc jaacute parou para pensarrdquo ldquoTranstorno bipolarrdquo ldquoTranstorno de deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividaderdquo e ldquoUso de faacutermacos antidepressivos e gravidezrdquo

Expectativas e Impressotildees do Puacuteblico Participante aobre o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo

Objetivando identificar o perfil dos participantes do programa e seus interesses dentro das neurociecircncias no primeiro dia dos trabalhos de uma das ediccedilotildees do programa foram aplicados questionaacuterios com questotildees sobre a formaccedilatildeo acadecircmica ou natildeo dos sujeitos participantes quais os motivos levaram o participante a optar por esse Programa qual a relevacircncia do Programa para seu curso para sua profissatildeo ou sua vida e por uacuteltimo quais as expectativas com relaccedilatildeo ao aprendizado obtido pelo Programa

Houve 123 questionaacuterios respondidos dentre os quais 74 estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL sendo 21 estudantes de Psicologia 18 de Medicina 9 de Fisioterapia 7 de Biomedicina 5 de Pedagogia 4 de Ciecircncias Bioloacutegicas 4 de Medicina veterinaacuteria 2 de Enfermagem 2 de Farmaacutecia 1 de Engenharia eleacutetrica e 1 de Fiacutesica Aleacutem desses 49 participantes da comunidade externa agrave UEL sendo 20 estudantes de Psicologia 5 estudantes de Medicina 2

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estudantes de Biomedicina 2 estudantes de Fisioterapia 1 estudante de Medicina veterinaacuteria 1 teacutecnico administrativo 4 psicoacutelogos 1 bacharel em Educaccedilatildeo Fiacutesica 1 fisioterapeuta 1 meacutedico veterinaacuterio 1 pedagogo 1 professor de biologia e 9 estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo (dois em niacutevel de mestrado e dois de doutorado)

Todas as respostas possuem caracteriacutesticas especiacuteficas acerca do lugar e da situaccedilatildeo em que fala o sujeito No entanto neste trabalho elencamos algumas respostas que trouxeram mais elementos justificaacuteveis em cada uma das questotildees apresentadas

A primeira questatildeo pautou-se na necessidade de colher informaccedilotildees sobre qual seria a relevacircncia do conhecimento dentro da aacuterea de neurociecircncias para o curso a profissatildeo ou para a vida do sujeito

De modo geral as respostas confirmam a ubiquidade das neurociecircncias na vida das pessoas fato que tem despertado o interesse dos acadecircmicos por este Programa de Formaccedilatildeo Complementar Cada qual focaliza um dos aspectos das neurociecircncias que diz respeito agrave sua aacuterea potencial de atuaccedilatildeo O estudante de Psicologia destaca a importacircncia da relaccedilatildeo entre processos cerebrais e psicoloacutegicos (neuropsicologia) para sua carreira profissional

ldquoPenso em futuramente ir para a aacuterea de neuropsico-logia sendo assim o programa de formaccedilatildeo complementar tem muito que me acrescentar aleacutem de ser uma aacuterea muito interessante e o conhecimento aqui adquirido teraacute sua importacircncia para minha profissatildeo independente da aacuterea que eu sigardquo (estudante do 3ordm ano de Psicologia da UEL)

De fato as pesquisas neurocientiacuteficas tecircm jogado uma luz sobre o funcionamento da mente humana por exemplo especificamente no tocante agrave mente emocional trabalhos sobre o papel dos neurotransmissores e do uso de faacutermacos na regulaccedilatildeo do humor e comportamentos satildeo fundamentais Assim as palestras do projeto que tecircm versado direta ou indiretamente sobre tal relaccedilatildeo conseguem atender agraves expectativas dos estudantes de Psicologia

Outro aspecto das pesquisas neurocientiacuteficas mencionado no questionaacuterio concerne ao emprego de conhecimentos neuropsicoloacutegicos na educaccedilatildeo formal As palavras abaixo expressam essa relaccedilatildeo

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 29

ldquoAtraveacutes da aacuterea de neurociecircncias posso compreender melhor o comportamento de meus possiacuteveis alunos (as) penso que unindo a aacuterea em questatildeo mais os conhecimentos que tenho em Psicologia posso buscar entender de um jeito mais aprofundado os meus alunosrdquo (estudante do 5ordm ano de Pedagogia da UEL)

Essa eacute uma aacuterea a qual as neurociecircncias tecircm muito a oferecer e dessa maneira ela surge como um novo instrumento diagnoacutestico para problemas de aprendizado E natildeo soacute pois fundamental tem sido tambeacutem compreender os problemas comportamentais apresentados por crianccedilas e adolescentes Muitos deles tecircm a ver natildeo apenas com condiccedilotildees socioculturais mas com o amadurecimento cerebral pois o processo de ldquoadolescerrdquo por exemplo tem sido encarado pelas neurociecircncias como um processo acontecendo no ceacuterebro e refletindo-se nas accedilotildees e condutas dos jovens (Herculano-Houzel 2005)

Nesse sentido palestras e grupos de estudo que direta ou indiretamente abordam questotildees relacionadas agrave formaccedilatildeo cognitiva e emocional conseguem dar conta de problemas comportamentais em geral e de crianccedilas e adolescentes em particular no campo da educaccedilatildeo

Outra resposta faz menccedilatildeo a outra forma de aplicaccedilatildeo dos conhecimentos neurocientiacuteficos Trata-se de um ramo profissional muito especiacutefico e teacutecnico mas significativo quanto a abrangecircncia das neurociecircncias nos dias atuais

ldquoA neurociecircncia forma um par excepcional com a Engenharia Eleacutetrica criando a neuroengenharia uma aacuterea que me cativa pela sua importacircncia na mudanccedila de vida das pessoas seja no desenvolvimento de proacuteteses ou na recuperaccedilatildeo de traumas Acredito que por meio da neuroengenharia um dia natildeo existiratildeo pessoas desabilitadas por conta de traumas fiacutesicosrdquo (estudante do 5ordm ano de Engenharia Eleacutetrica da UEL)

Essa percepccedilatildeo alude a um dos campos mais promissores de emprego das neurociecircncias que eacute o da neuroengenharia Nesse tocante destacam-se por exemplo os trabalhos de Nicolelis e colaboradores (2011) os quais mostram ser possiacutevel conectar a atividade de ceacutelulas nervosas com artefatos roboacuteticos e controla-los usando o ldquopoder da menterdquo Atualmente essas pesquisas tecircm se voltado para a confecccedilatildeo de proacuteteses avanccediladas e outros

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procedimentos para a recuperaccedilatildeo de traumas raquidianos e outros (Pruszynsk amp Diedrichsen 2015 King Wang Mccrimmon et al 2015 Bouton Shaikhouni ampAnnetta et al 2016)

Conquanto o programa ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo natildeo tenha esse objetivo especiacutefico como alvo ele colabora de algum modo para a formaccedilatildeo de alunos que se interessam pelo assunto da neuroengenharia As palestras de maneira geral contribuem nesse sentido pois a primeira condiccedilatildeo para trabalhar com a interface ceacuterebro-maacutequina eacute conhecer os princiacutepios de funcionamento da maacutequina mais complexa e maravilhosa do universo ndash o ceacuterebro humano

Outra percepccedilatildeo lembra a importacircncia das neurociecircncias para uma das aacutereas mais carentes de compreensatildeo e demandantes de intervenccedilotildees produtivas vale dizer a educaccedilatildeo especial Embora lacocircnicas as participantes opinam sobre a utilidade do projeto para o progresso profissional

ldquoMelhorar a compreensatildeo dos processos neurofisioloacute-gicos que permeiam as demandas dos estudantes que atendo propiciando assim intervenccedilotildees mais produtivasrdquo (psicoacuteloga atuante na aacuterea de educaccedilatildeo especial)

ldquoTrabalho na educaccedilatildeo especial com educandos que tecircm deacuteficits neuroloacutegicos Assim compreender o funcionamento neuroloacutegico oportunizaraacute elaborar planos e accedilotildees que forneceratildeo a melhoria da qualidade de vida dos educandosrdquo (pedagoga com especializaccedilatildeo em educaccedilatildeo especial e sauacutede mental)

Os interessados em educaccedilatildeo especial tecircm se beneficiado bastante das palestras e dos grupos de estudo Esse campo educacional lida com uma clientela bastante heterogecircnea do ponto de vista das disfunccedilotildees neuropsicoloacutegicas e requer natildeo apenas novos insights sobre essas disfunccedilotildees como tambeacutem formas de intervenccedilatildeo mais eficientes Nesse sentido a pressatildeo eacute cada vez maior por conta das exigecircncias poliacuteticas pela chamada educaccedilatildeo inclusiva Em contrapartida o projeto tem oferecido uma ampla base de conhecimentos especiacuteficos que podem auxiliar os futuros profissionais dessa aacuterea Como visto acima ele tem abordado temas neuropsicoloacutegicos os mais diversos relacionados agrave miriacuteade de problemas que a educaccedilatildeo especial vem encarando

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 31

Na aacuterea meacutedica o conhecimento neurocientiacutefico eacute absoluta-mente necessaacuterio para o correto diagnoacutestico e tratamento natildeo apenas a profissionais meacutedicos mas a outros profissionais que estejam direta ou indiretamente ligados aos cuidados com o paciente como enfatizam os estudantes abaixo

ldquoNo meu curso e profissatildeo seraacute necessaacuterio o contato direto e constante com pessoas Entender um pouco de neurologia eacute necessaacuterio para poder ajudar bioloacutegica e socialmente os pacientes Aleacutem disso para minha vida isso tambeacutem tem uma importacircncia socialrdquo (estudante do 1ordm ano do curso de Medicina da UEL)

Dentro da enfermagem noacutes trabalhamos com promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Como pacientes neuroloacutegicos estatildeo sempre presentes nos serviccedilos de sauacutede eacute fundamental para a enfermagem ter conhecimento sobre a aacuterea para dar mais qualidade agrave assistecircncia prestadardquo (estudante do 4ordm ano de Enfermagem da UEL)

O esclarecimento da etiopatogenia de transtornos da aacuterea de psiquiatria e neurologia e o desenvolvimento de tratamentos satisfatoriamente eficazes satildeo tarefas multidisciplinares que requerem a colaboraccedilatildeo de pesquisadores tanto da aacuterea de neurociecircncias baacutesicas quanto aplicadas (Busatto Filho Britto amp Leite 2012) Ao propiciar informaccedilotildees de ambas por intermeacutedio de palestras e grupos de estudos o programa ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo colabora mesmo que de forma modesta para tal desenvolvimento

Finalmente mesmo profissionais da aacuterea teacutecnico-administrativa vislumbram benefiacutecios na obtenccedilatildeo de conhecimentos dentro da aacuterea neurocientiacutefica

ldquoA todo momento lidamos com diferentes pessoas tanto na vida profissional como pessoal e percebemos a complexidade de lidar com cada uma Considero muito importante ter conhecimento na aacuterea de neurociecircncias por mais baacutesico que for Como estou me especializando em gerenciamento estrateacutegico de pessoas acredito que ampliaraacute minha visatildeo sobre essa aacutereardquo (teacutecnica administrativa em administraccedilatildeo hospitalar)

As percepccedilotildees expressas em tais respostas confirmam a interferecircncia das neurociecircncias no cotidiano das pessoas e reforccedila a importacircncia do programa ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo oferecido como complemento de ensino Como sugerem as respostas analisadas

32 | Temas em Neurociecircncias

conhecimentos neurocientiacuteficos perpassam diferentes campos do saber ldquoressignificandordquo conhecimentos estabelecidos e criando novas frentes de atuaccedilatildeo profissional

Consideraccedilotildees Finais

Considerando-se o nuacutemero crescente de participantes desde a primeira turma em 2010 ateacute o presente ano apoacutes ano nota-se a carecircncia e ao mesmo tempo a avidez por conhecimentos dentro da aacuterea de neurociecircncias mesmo em se tratando de estudantes e profissionais da aacuterea de sauacutede Neste aspecto o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo vem colaborando para a formaccedilatildeo dos participantes e para a divulgaccedilatildeo cientiacutefica que por vezes poderia ficar restrita apenas a especialistas e pesquisadores da aacuterea diminuindo a disseminaccedilatildeo de conhecimentos equivocados e perpetuaccedilatildeo dos chamados ldquoneuromitosrdquo

A caracteriacutestica ecleacutetica do puacuteblico participante torna ainda mais ricas as discussotildees realizadas seja no decorrer de palestras ou dos grupos de estudos ultrapassando-se eventuais barreiras relacionadas agraves aacutereas de formaccedilatildeo e colaborando de forma mais ou menos aprofundada para o enaltecimento da formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profissionais

Finalmente pode-se concluir que o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo veio preencher mais uma lacuna em se tratando de divulgaccedilatildeo cientiacutefica junto agrave sociedade cooperando agrave sua maneira para a solidez do trinocircmio Ensino Pesquisa e Extensatildeo papel essencial da universidade puacuteblica

Agradecimentos

Os autores agradecem aos profissionais de diversas aacutereas do conhecimento que desde a primeira ediccedilatildeo do programa contribuiacuteram para a divulgaccedilatildeo cientiacutefica dos inuacutemeros temas apresentados no formato de palestras eou discutidos em grupos de estudos sem os quais o programa natildeo existiria

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 33

Referecircncias

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Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees

Silvia PonzoniUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A evoluccedilatildeo do primeiro sistema nervoso muito provavelmente se deu apoacutes a mudanccedila evolutiva de formas unicelulares para multicelulares A questatildeo que se apresenta eacute a quais desafios os organismos uni e pluricelulares satildeo submetidos para as suas sobrevivecircncias

Os desafios presentes para a sobrevivecircncia de organismos uni e pluricelulares satildeo basicamente os mesmos alimentaccedilatildeo defesa e reproduccedilatildeo As estrateacutegias utilizadas pelos dois organismos diferem As respostas do organismo unicelular dependem da interaccedilatildeo de sua membrana com o meio externo havendo a necessidade de integraccedilatildeo entre o sinal externo e a resposta Uma bacteacuteria eacute capaz de identificar a fonte de alimento como accediluacutecar ou contaminantes como metais em seu ambiente por meio de quimioceptores e eacute capaz de desviar de obstaacuteculos utilizando as informaccedilotildees provenientes de seus mecanoceptores Estas informaccedilotildees satildeo integradas e por meio de uma cadeia complexa de reaccedilotildees quiacutemicas direcionam o movimento de seus flagelos ou ciacutelios Desta forma mesmo o organismo mais primitivo apresenta componentes para o controle adaptativo de seu comportamento (Roth amp Dicke 2013) Um organismo formado por muitas ceacutelulas apresenta a necessidade de divisatildeo de trabalho implicando na diferenciaccedilatildeo de ceacutelulas com funccedilotildees especiacuteficas formando tecidos e oacutergatildeos As respostas do organismo multicelular para a garantia de sua sobrevivecircncia dependem da coordenaccedilatildeo das diferentes ceacutelulas A associaccedilatildeo de ceacutelulas com funccedilotildees diferenciadas estabelece um novo desafio a eficiecircncia na comunicaccedilatildeo entre elas

Autor para correspondecircncia

ponzauelbr

2

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para garantir a sobrevivecircncia do indiviacuteduo e a seguranccedila de que todas as ceacutelulas adequaratildeo as suas funccedilotildees agrave necessidade presente Como exemplo utilizemos a reaccedilatildeo ou resposta diante de uma situaccedilatildeo de estresse agudo na qual existe risco de vida real ou fictiacutecio Quando estamos sob ameaccedila observamos aumento no nuacutemero de batimentos cardiacuteacos normalmente congelamos e apresentamos alerta maacuteximo enquanto avaliamos a situaccedilatildeo para decidir se fugir enfrentar que pode significar lutar ou quem sabe em nosso caso tentamos uma negociaccedilatildeo Eacute importante lembrar que o batimento cardiacuteaco aumentado facilitaraacute o aporte de oxigecircnio ao tecido muscular esqueleacutetico no caso de fuga ou luta e de nada adiantaraacute maior quantidade de oxigecircnio se o tecido muscular esqueleacutetico natildeo estiver com disponibilidade de ATP Para aumentar a oferta de ATP as ceacutelulas musculares esqueleacuteticas devem alterar o seu metabolismo ativando quebra de glicogecircnio e concomitantemente inibir sua siacutentese No exemplo acima temos a participaccedilatildeo do ramo simpaacutetico do sistema nervoso neurovegetativo responsaacutevel pela ativaccedilatildeo cardiacuteaca e estimulaccedilatildeo da medula da suprarrenal para liberaccedilatildeo da adrenalina A adrenalina liberada na corrente sanguiacutenea atuando como hormocircnio seraacute o sinal responsaacutevel pela integraccedilatildeo da resposta da ceacutelula muscular agraves necessidades deste animal diante da ameaccedila real ou fictiacutecia

O sistema nervoso para a nossa espeacutecie eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para a nossa vida e identidade geralmente consideramos o nosso ceacuterebro o sistema nervoso perfeito o aacutepice evolutivo Buscamos o entendimento do funcionamento do nosso ceacuterebro muitas vezes desconhecendo a sua histoacuteria evolutiva

Consideraccedilotildees Sobre Evoluccedilatildeo

Normalmente quando se pensa em evoluccedilatildeo de algum sistema ou em evoluccedilatildeo em sentido geral a tendecircncia eacute acreditar

1 ndash Que evoluir significa sempre sair de uma condiccedilatildeo simples para uma condiccedilatildeo mais complexa ndash nem sempre este eacute o caminho muitas vezes o derivado eacute mais simples que o ancestral

2 ndash Que a evoluccedilatildeo traz sempre acreacutescimo de estrutura e funccedilatildeo - muitas vezes a espeacutecie derivada perde caracteres presentes no seu ancestral e

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3 - Que a evoluccedilatildeo eacute um processo finalista ou seja o ganho de funccedilatildeo decorre da necessidade da mesma frente a um novo desafio ndash a evoluccedilatildeo eacute um processo aleatoacuterio as pressotildees seletivas direcionaram e direcionam a permanecircncia ou perda de caracteres mas natildeo acarretaram o aparecimento destes para a soluccedilatildeo de um desafio a espeacutecie que apresenta este ou aquele caractere que melhor a adapta a determinada condiccedilatildeo apresenta maior chance de sobrevivecircncia (Striedter 2005) Adaptaccedilatildeo eacute a chave para a evoluccedilatildeo

Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso - Breve Consideraccedilatildeo

Qual eacute a origem do sistema nervoso Resposta definitiva a esta pergunta ainda natildeo existe os avanccedilos obtidos nos uacuteltimos anos com os avanccedilos obtidos a partir da deacutecada de 1990 com o desenvolvimento da filogeneacutetica molecular trouxe a formulaccedilatildeo de novas hipoacuteteses e teorias As novas metodologias trazem consigo a possibilidade de novos dados e novas interpretaccedilotildees A dificuldade que existe no estudo da filogecircnese do sistema nervoso decorre da inexistecircncia de foacutesseis deste sistema uma vez que o tecido nervoso se decompotildee Foacutesseis de cracircnios permitem apenas inferir sobre tamanho do ceacuterebro os moldes obtidos do interior destes cracircnios natildeo fornecem informaccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo funcional do sistema nervoso pertencente ao animal extinto Na verdade conhecer a organizaccedilatildeo e funcionamento de qualquer sistema nervoso a partir de moldes de cracircnios eacute impossiacutevel mesmo para os animais existentes em nossa era

A proposta do presente capitulo eacute apresentar alguns dados e sua interpretaccedilatildeo existentes na literatura que permitam levantar mais questotildees do que respostas sobre a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Discorrer sobre toda evoluccedilatildeo de sistema tatildeo complexo e variado considerando a sua estrutura organizaccedilatildeo e funccedilatildeo em invertebrados e vertebrados foge do escopo do presente capiacutetulo

O sistema nervoso encontrado nas espeacutecies existentes invertebrados e vertebrados apresenta uma gama variada de designs como sistema nervoso radial ou rede difusa ou cadeia ganglionar ou ceacuterebro Do ponto de vista bioloacutegico natildeo haacute design vencedor uma vez que cada um atende as demandas da espeacutecie que o possui

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Teria a evoluccedilatildeo dos sistemas nervosos de invertebrados e vertebrados se dado a partir de um ancestral comum ou satildeo independentes em suas origens evolutivas A evoluccedilatildeo a partir de um ancestral comum eacute a hipoacutetese monofileacutetica que pressupotildee que o sistema nervoso evoluiu uma uacutenica vez portanto todos os sistemas nervosos existentes nos animais derivariam de um uacutenico ancestral comum A independecircncia na origem evolutiva constitui a hipoacutetese polifileacutetica a qual pressupotildee que a evoluccedilatildeo do sistema nervoso se deu por convergecircncia ocorrendo independentemente em vaacuterias clades (por clade entende-se um grupo constituiacutedo por uma espeacutecie ancestral e todos os seus descendentes compondo um ramo distinto em uma aacutervore filogeneacutetica Hickman et al 2016) Existe intenso debate com defensores de ambas as hipoacuteteses e o tema foge do escopo do presente capiacutetulo

Qual pressatildeo seletiva direcionou a evoluccedilatildeo e permanecircncia deste sistema complexo e energeticamente dispendioso Seria o sistema nervoso causa ou efeito da relaccedilatildeo presa-predador O sistema nervoso apresenta grande complexidade tanto em sua organizaccedilatildeo quanto em seu funcionamento O ceacuterebro humano constitui 2 do peso corporal e o seu consumo de energia para o funcionamento adequado utiliza 25 do consumo corporal de glicose (Magistretti 1999)

Algumas teorias afirmam que a defesa ou a predaccedilatildeo tenham sido pressotildees que influenciaram o direcionamento da evoluccedilatildeo do sistema nervoso Animais de vida seacutessil ou parasitaacuteria apresentam sistemas nervosos pouco complexos quando comparados a animais com atividade predatoacuteria Eacute interessante observar que alguns antozoaacuterios possuem sistema nervoso na fase larvaacuteria quando apresentam vida livre Este sistema nervoso eacute desmontado apoacutes a metamorfose para a vida adulta quando apresentam vida seacutessil (Monk amp Paulin 2014) Estas constataccedilotildees natildeo garantem que a predaccedilatildeo tenha sido a forccedila direcionadora para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso

O raciociacutenio inverso pode tambeacutem ser levado em consideraccedilatildeo a predaccedilatildeo como produto de um sistema nervoso mais complexo e agora ao inveacutes de direcionar o processo passa a ser consequecircncia do mesmo Eacute provaacutevel que a predaccedilatildeo e defesa tenham sido pressotildees

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que contribuiacuteram para a seleccedilatildeo de determinados caracteres e que ambas tenham sido contemporacircneas

Afinal o que eacute o sistema nervoso Quais vantagens este sistema trouxe consigo O que eacute um neurocircnio Qual a origem do neurocircnio Quando aparece o primeiro neurocircnio

Por sistema nervoso entendemos tecido composto por ceacutelulas que apresentam a propriedade de serem excitaacuteveis os neurocircnios e a glia (glia = cola) A glia eacute composta por diferentes tipos celulares que realizam diferentes funccedilotildees como defesa realizada pela microacuteglia manutenccedilatildeo da composiccedilatildeo do liquido cefalorraquidiano pelas ceacutelulas gliais que constituem a barreira hematoencefaacutelica comunicaccedilatildeo em ganho de velocidade de transmissatildeo do impulso nervoso por meio da mielina constituinte da membrana plasmaacutetica de oligodendroacutecitos no sistema nervoso central e ceacutelulas de Schwann no sistema nervoso perifeacuterico limpeza da regiatildeo sinaacuteptica pelos astroacutecitos participaccedilatildeo na siacutentese de neurotransmissores como glutamato e GABA Anatomicamente entendemos o sistema nervoso como um sistema que possui uma regiatildeo central composta por aglomerado de neurocircnios funcionalmente especializados que formam nuacutecleos que por sua vez satildeo interconectados por tratos axonais A existecircncia de uma central para o sistema nervoso que na verdade representa a cefalizaccedilatildeo deste sistema natildeo eacute criteacuterio universal para a definiccedilatildeo de sistema nervoso Animais com simetria radial apresentam sistema nervoso difuso no qual o processamento da informaccedilatildeo se daacute no local da estimulaccedilatildeo com a propriedade de integrar as informaccedilotildees sensoriais provenientes da periferia permitindo resposta comportamental adequada

As vantagens da existecircncia de sistema nervoso em um organismo poderiam ser descritas como rapidez precisatildeo e adequaccedilatildeo nas respostas dos organismos agraves variaccedilotildees de seu ambiente interno e externo garantindo melhor capacidade adaptativa e portanto maior chance de sobrevivecircncia

Por neurocircnio entendemos a ceacutelula polarizada (porccedilatildeo receptora ndash corpo celular dendritos porccedilatildeo transmissora ndash axocircnio) de origem ectodeacutermica que apresenta longos processos (axocircnio) com a propriedade de gerar potencial de accedilatildeo que recebe (de receptores outros neurocircnios) e envia informaccedilotildees para outras

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ceacutelulas (neurocircnios muacutesculos glacircndulas) por meio das sinapses Lembrando que a comunicaccedilatildeo dentro do sistema nervoso se daacute pela geraccedilatildeo e propagaccedilatildeo do potencial de accedilatildeo de uma ceacutelula a outra com a qual estabelece contato por meio das junccedilotildees frouxas nas sinapses eleacutetricas e nas sinapses quiacutemicas o potencial de accedilatildeo eacute o responsaacutevel pela liberaccedilatildeo de sinal quiacutemico do terminal preacute-sinaacuteptico que atuando no elemento poacutes-sinaacuteptico poderaacute facilitar ou dificultar a geraccedilatildeo de novo potencial de accedilatildeo As regiotildees sinaacutepticas apresentam especializaccedilotildees tanto no terminal axocircnio regiatildeo preacute-sinaacuteptica quanto no corpo celular ou dendrito regiatildeo poacutes-sinaacuteptica As regiotildees preacute e poacutes-sinaacutepticas apresentam proteiacutenas especiacuteficas para o funcionamento da transmissatildeo quiacutemica Na regiatildeo preacute-sinaacuteptica satildeo importantes as proteiacutenas que participam na ancoragem da vesiacutecula contendo o neurotransmissor na membrana do terminal axocircnico proteiacutenas canal iocircnico voltagem dependente para o iacuteon caacutelcio proteiacutenas que funcionam como sensores de caacutelcio auto receptores que modulam enzimas importantes no metabolismo do neurotransmissor liberado pelo terminal sinaacuteptico transportadores e recaptadores Para a regiatildeo poacutes-sinaacuteptica o complexo proteico eacute denominado de densidade poacutes-sinaacuteptica (PSD) composto por complexos multiproteicos organizados por diferentes classes de proteiacutenas como canais iocircnicos receptores proteiacutenas de adesatildeo e de citoesqueleto quinases fosfatases e moleacuteculas de sinalizaccedilatildeo

As propriedades descritas para sistema nervoso resumidamente definidas como a capacidade de responder a estiacutemulos e processar informaccedilotildees natildeo eacute exclusiva do sistema nervoso todas as ceacutelulas apresentam estas propriedades

A definiccedilatildeo dada ao neurocircnio estabelece algumas exclusotildees como por exemplo daqueles neurocircnios que natildeo possuem longos processos assim como daqueles que natildeo geram potenciais de accedilatildeo e sim se comunicam por potencial graduado como as ceacutelulas horizontais amaacutecrinas e bipolares da retina humana

A propriedade de gerar potencial de accedilatildeo natildeo eacute exclusiva de neurocircnios Em algumas aacuteguas-vivas as ceacutelulas epiteliais geram potenciais de accedilatildeo que se propagam por meio de junccedilotildees frouxas (gap junctions sinapses eleacutetricas) as ceacutelulas geradoras do ritmo cardiacuteaco existentes no noacutedulo sinoatrial de mamiacuteferos natildeo satildeo neurocircnios A origem epideacutermica do neurocircnio natildeo eacute universal em

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alguns cnidaacuterios alguns neurocircnios tecircm origem endodeacutermica e satildeo ceacutelulas mioepiteliais especializadas que apresentam propriedades mecanoceptoras e contrateis

O problema eacute que ao tentarmos definir o neurocircnio o fazemos por meio de suas propriedades e estas natildeo sendo exclusivas acabam por natildeo defini-lo Uma alternativa para a definiccedilatildeo deste tipo celular seria a existecircncia de moleacuteculas-neurocircnio exclusivas que poderiam ser aquelas que compotildeem os canais iocircnicos voltagem dependentes ou proteiacutenas especiacuteficas de regiotildees sinaacutepticas tanto no elemento preacute quanto no elemento poacutes Infelizmente a busca por estas moleacuteculas de uso exclusivo dos neurocircnios eacute infrutiacutefera uma vez que satildeo encontradas em ceacutelulas que por definiccedilatildeo natildeo satildeo neurocircnios Moleacuteculas homoacutelogas aos canais iocircnicos voltagem dependentes e regiotildees sinaacutepticas foram encontradas em coanoflagelados e bacteacuterias sugerindo que estes genes estavam presentes no ancestral comum procarionteeucarionte haacute aproximadamente 4 bilhotildees de anos atraacutes

Qual poderia ser a funccedilatildeo de canais voltagem dependentes em organismos unicelulares Uma hipoacutetese provaacutevel reside na manutenccedilatildeo do volume celular apresentada pelo ancestral comum que habitava meio hipotocircnico Considerando que a origem da vida ocorre em ambiente aquaacutetico podemos supor que o primeiro organismo unicelular possuiacutea o seu meio interno com a mesma composiccedilatildeo iocircnica que o meio externo O mar primordial era rico em potaacutessio e os organismos unicelulares possuiacuteam o seu meio interno com a mesma composiccedilatildeo do mar externo O metabolismo deste organismo unicelular poderia ter as suas enzimas dependentes de elevadas concentraccedilotildees de potaacutessio As alteraccedilotildees atmosfeacutericas podem ter acarretado a precipitaccedilatildeo do potaacutessio deste meio externo alterando a sua composiccedilatildeo iocircnica com elevadas concentraccedilotildees de soacutedio em relaccedilatildeo ao potaacutessio Desta forma este organismo agora teria duas possibilidades 1- alterar a sua composiccedilatildeo interna para a mesma do meio externo ou 2 ndash estabelecer mecanismos de manutenccedilatildeo da sua composiccedilatildeo interna diferente do meio externo Considerando que o metabolismo deste animal tem dependecircncia de potaacutessio para o oacutetimo funcionamento de suas enzimas a estrateacutegia com melhor resultado parece ter sido a manutenccedilatildeo do soacutedio no ambiente externo e concentrar potaacutessio no seu ambiente interno O iacuteon soacutedio

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apresenta raio menor que o iacuteon potaacutessio desta forma eacute um iacuteon com grande quantidade de moleacuteculas de aacutegua conhecida como aacutegua de solvataccedilatildeo A entrada do soacutedio para o interior celular traz consigo aumento de moleacuteculas de aacutegua alterando o volume celular A bomba ATP ase soacutedio potaacutessio dependente que expulsa 3 iacuteons soacutedio do meio intracelular para o meio extracelular e coloca 2 iacuteons potaacutessio do meio extracelular para o intracelular pode ter sido o mecanismo adaptativo para a manutenccedilatildeo do volume celular encontrado pelos organismos unicelulares ancestrais O mecanismo de troca iocircnica acima descrito natildeo eacute realizado por canal iocircnico voltagem dependente contudo a assimetria no transporte iocircnico garante o estabelecimento e manutenccedilatildeo de gradiente eletroquiacutemico importante para a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo em ceacutelulas excitaacuteveis Todas as ceacutelulas mantecircm seu volume intracelular constante todas as ceacutelulas apresentam diferenccedila de potencial as ceacutelulas excitaacuteveis utilizam esta diferenccedila para a geraccedilatildeo de corrente iocircnica que eacute o impulso nervoso O fato interessante eacute que canais iocircnicos voltagem dependentes e trocadores iocircnicos de membrana podem ter sido em um primeiro momento soluccedilotildees para o problema de manutenccedilatildeo do volume celular e estas soluccedilotildees podem mais tarde terem se especializado para uma funccedilatildeo totalmente diferente como a comunicaccedilatildeo celular Bacteacuterias que formam biofilme utilizam canais de potaacutessio voltagem dependentes para informar a sua parceira sobre a presenccedila de metaboacutelitos no meio O metaboacutelito ativa a bacteacuteria que como resposta libera potaacutessio O potaacutessio liberado pela bacteacuteria sinalizadora despolariza as ceacutelulas vizinhas por ativaccedilatildeo do canal de potaacutessio voltagem dependente esta ativaccedilatildeo causa a liberaccedilatildeo de potaacutessio que teraacute o mesmo efeito na bacteacuteria vizinha propagando a informaccedilatildeo de metabolito presente atraveacutes do biofilme Eacute possiacutevel que o canal de potaacutessio voltagem dependente tenha sido o uacutenico canal presente nos primeiros organismos e sua funccedilatildeo mais provaacutevel era a regulaccedilatildeo do volume celular permitindo a alteraccedilatildeo do conteuacutedo iocircnico da ceacutelula em resposta ao estiramento da membrana plasmaacutetica causado por aumento na quantidade de aacutegua no seu interior Provavelmente o proacuteximo canal iocircnico voltagem dependente a ter aparecido tenha sido o canal de caacutelcio como mecanismo de controle do estado metaboacutelico deste organismo unicelular e posteriormente em organismos mais tardios estes canais passaram a participar na regulaccedilatildeo do batimento ciliar e contraccedilatildeo muscular A

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combinaccedilatildeo adequada de canais voltagem dependentes de potaacutessio e caacutelcio existentes em alguns organismos unicelulares pode ter permitido a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo expandindo a capacidade deste organismo em diferentes direccedilotildees

Os canais de potaacutessio e caacutelcio eram suficientes para a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo quais as vantagens adicionadas pelo canal de soacutedio voltagem dependente Uma hipoacutetese sugere que os canais de soacutedio voltagem dependentes poderiam integrar estrateacutegias para reduccedilatildeo das concentraccedilotildees intracelulares de caacutelcio impedindo sua accedilatildeo toacutexica outra hipoacutetese sugere que com a participaccedilatildeo do iacuteon soacutedio na geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo os iacuteons caacutelcio poderiam participar de outras funccedilotildees celulares como a liberaccedilatildeo de transmissores e contraccedilatildeo muscular Uma possibilidade alternativa poderia ser a duraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo que eacute menor e sua conduccedilatildeo mais raacutepida com a participaccedilatildeo dos canais de soacutedio quando comparado agravequeles com a participaccedilatildeo dos canais de caacutelcio Um dado interessante eacute que os canais voltagem dependentes para soacutedio potaacutessio e caacutelcio satildeo compostos por subunidades homoacutelogas os genes responsaacuteveis pela siacutentese das proteiacutenas que formam os canais de soacutedio e caacutelcio satildeo produtos da duplicaccedilatildeo do gene que codifica o canal de potaacutessio (Kristan Jr 2016 Liebeskind et al 2017)

Uma estrateacutegia interessante de controle da musculatura corporal eacute apresentada pelo grupo das medusas (cnidaacuterios) Estes animais possuem simetria radial o sistema nervoso eacute composto por diferentes tipos celulares como neurocircnio sensorial interneurocircnio e neurocircnio motor Os cnidaacuterios possuem conexotildees sinaacutepticas estabelecidas entre neurocircnios e entre neurocircnios e ceacutelulas musculares A medusa do gecircnero Aglantha apresenta dois tipos de nado um lento e fraco que apresenta contraccedilotildees riacutetmicas da umbrela que movimenta o corpo ritmicamente e outro raacutepido no qual contraccedilotildees mais fortes movimentam o animal de maneira mais raacutepida O segundo tipo de nado ocorre em resposta agrave estimulaccedilatildeo mecacircnica intensa em alguma regiatildeo do animal Tanto as contraccedilotildees fracas quanto a forte satildeo resultantes de um uacutenico potencial de accedilatildeo no mesmo neurocircnio motor gigante Estes neurocircnios apresentam a habilidade de gerarem potencial de accedilatildeo usando tanto canais de soacutedio voltagem dependentes quanto canais de caacutelcio voltagem dependentes Quando os neurocircnios motores satildeo ativados pelos interneurocircnios

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geradores de ritmo a despolarizaccedilatildeo eacute baixa e suficiente para ativar os canais de caacutelcio voltagem dependentes que apresentam baixo limiar O potencial de accedilatildeo propaga-se pelo axocircnio e causa a contraccedilatildeo fraca dos muacutesculos da umbrela nado lento Um estiacutemulo sensorial de maior intensidade acarreta despolarizaccedilatildeo de maior amplitude que ativa os canais de soacutedio voltagem dependentes produzindo potenciais de accedilatildeo de maior amplitude mais raacutepidos no mesmo axocircnio A natureza do potencial de accedilatildeo implica na quantidade de neurotransmissor liberado O potencial de accedilatildeo com a participaccedilatildeo dos canais de soacutedio apresenta maior amplitude e causa maior liberaccedilatildeo de neurotransmissores o que gera maior forccedila na contraccedilatildeo muscular nado raacutepido O mesmo neurocircnio motor controla dois comportamentos distintos pela ativaccedilatildeo de dois canais iocircnicos voltagem dependentes (Kristan Jr 2016 Castelfranco amp Hartline 2016)

A seleccedilatildeo dos canais de soacutedio voltagem dependente parece ter ocorrido quando a predaccedilatildeo com movimentos mais raacutepidos se torna extremamente beneacutefica Pode ser que a seleccedilatildeo por potenciais de accedilatildeo com menor duraccedilatildeo tenha contribuiacutedo para a evoluccedilatildeo de canais de potaacutessio voltagem dependentes com cineacuteticas mais raacutepidas Desta forma a raacutepida despolarizaccedilatildeo causada pelos canais de soacutedio voltagem dependentes terminaria de forma mais precoce com canais de potaacutessio mais raacutepidos permitindo a existecircncia de comportamentos mais velozes uma vez que a duraccedilatildeo das fases do potencial de accedilatildeo seria reduzida (Kristan Jr 2016) Neste contexto tanto a predaccedilatildeo quanto a defesa necessitam de comportamentos que possam ser engatilhados e expressos em curtos intervalos de tempo O gatilho para o comportamento predatoacuterio ou defensivo dependeraacute da capacidade de detecccedilatildeo da presa por parte do predador e do predador por parte da presa o que sugere a existecircncia de sistema eficaz na percepccedilatildeo e sinalizaccedilatildeo Os canais iocircnicos voltagem dependentes para o potaacutessio e caacutelcio podem ter sido eficientes para organismos unicelulares e pequenos animais multicelulares eacute provaacutevel que esta eficiecircncia tenha sido colocada agrave prova com o aumento do tamanho dos animais multicelulares Existe correlaccedilatildeo entre o aumento no tamanho corporal dos animais velocidade de reaccedilatildeo e o estabelecimento dos canais de soacutedio voltagem dependentes

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Mielina ndash Breve Consideraccedilatildeo Sobre sua Evoluccedilatildeo

Os neurocircnios existentes nos vertebrados podem ser amieliacutenicos sem a bainha de mielina (na verdade existe mielina contudo em quantidade muito menor quando comparada agravequela existente nos neurocircnios mieliacutenicos) e mieliacutenicos com a presenccedila desta A diferenccedila entre ambos reside na velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso sendo maior no neurocircnio que apresenta a bainha de mielina Maior velocidade de conduccedilatildeo favorece os organismos cuja prioridade seja a raacutepida reaccedilatildeo aos eventos ambientais

A descriccedilatildeo da mielina se deu em 1838 por Remak que atribui uma funccedilatildeo de proteccedilatildeo ao axocircnio a esta membrana A principal funccedilatildeo da mielina eacute aumentar a velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso as funccedilotildees de nutriccedilatildeo e manutenccedilatildeo da integridade neuronal tambeacutem tecircm sido propostas (Zalc 2016) A presenccedila da bainha de mielina confere toleracircncia teacutermica como fator de seguranccedila para a conduccedilatildeo e reduccedilatildeo do custo energeacutetico da atividade neuronal Em muitas espeacutecies de invertebrados e vertebrados o diacircmetro axonal varia de 03 a 30 microm A velocidade de propagaccedilatildeo do potencial de accedilatildeo no axocircnio amieliacutenico de invertebrado de 10 microm de diacircmetro eacute menor do que 1ms Esta velocidade de conduccedilatildeo eacute suficiente para organismos com tamanho entre 01 a 30 cm portanto animais pequenos Esta velocidade de conduccedilatildeo se aplicada para animais maiores oferece risco de comprometimento da integridade e sobrevivecircncia destes (Castelfranco amp Hartline 2016)

Os cefaloacutepodes (polvo lula seacutepia) apresentam axocircnios com diacircmetros iguais ou superiores a 1 mm conhecidos como axocircnios gigantes que apresentam raacutepida velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso Importante ressaltar que estes neurocircnios com axocircnios gigantes participam de respostas raacutepidas de escape destes cefaloacutepodes Com o aumento da velocidade de conduccedilatildeo os cefaloacutepodes aumentaram o tamanho corporal O recurso de aumento de diacircmetro axonal para aumento de velocidade de conduccedilatildeo encontra nos vertebrados um fator limitante O cracircnio confina o ceacuterebro e as veacutertebras confinam a medula espinhal Para o ser humano manter uma velocidade de conduccedilatildeo de 50ms apenas pelo aumento do diacircmetro de seus axocircnios a medula espinhal precisaria ter 1 metro de diacircmetro A aquisiccedilatildeo da mielina por manter o diacircmetro

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axonal entre 10-15 microm possibilita a espeacutecie humana possuir uma medula espinhal de 6 a 7 cm no maacuteximo (Zalc 2016) A mielinizaccedilatildeo eacute apontada como um dos principais fatores que permitiram o aumento do tamanho corporal por garantir que partes distantes dos organismos pudessem ser integradas em curtos intervalos de tempo juntamente com os canais de soacutedio voltagem dependentes

A mielina natildeo eacute exclusividade dos vertebrados aneliacutedeos da classe oligoqueta (minhocas) crustaacuteceos como camaratildeo e copeacutepodas apresentam mielina embora diferente da existente nos vertebrados desempenha a mesma funccedilatildeo Uma questatildeo importante na mielinizaccedilatildeo axonal seja em neurocircnios do sistema nervoso central ou perifeacuterico eacute a necessidade de interaccedilatildeo entre a ceacutelula glial e o neurocircnio Os neurocircnios mielinizados apresentam maior densidade de canais iocircnicos voltagem dependentes nos noacutedulos de Ranvier e nos segmentos internodulares a densidade eacute baixa Os neurocircnios amieliacutenicos que apresentam densidade de canais iocircnicos constante em toda extensatildeo axonal Esta distribuiccedilatildeo diferenciada de canais iocircnicos indica a existecircncia de sinal do neurocircnio atraindo ou repelindo a ceacutelula glial para a siacutentese de bainha de mielina e envelopamento de segmento axonal como tambeacutem da glia para o neurocircnio sinalizando a inserccedilatildeo de canais iocircnicos em locais corretos da membrana para garantir a conduccedilatildeo do impulso nervoso saltatoacuteria observada nos neurocircnios mieliacutenicos e contiacutenua nos amieliacutenicos

Qual seria o caminho evolutivo para esta interaccedilatildeo entre neurocircnio e as ceacutelulas gliais responsaacuteveis pela mielinizaccedilatildeo do axocircnio

Sinapse Quiacutemica - Breve Consideraccedilatildeo Sobre a sua Evoluccedilatildeo

Seria a sinapse quiacutemica uma invenccedilatildeo de organismos multicelulares

Um dado interessante e ao mesmo tempo surpreendente eacute a presenccedila de genes tanto para moleacuteculas presumidamente sinapse-especiacuteficas em organismos unicelulares quanto de enzimas para a produccedilatildeo e liberaccedilatildeo de transmissores e proteiacutenas estruturais responsaacuteveis pelas respostas poacutes-sinaacutepticas ao transmissor Dados obtidos em estudos eletrofisioloacutegicos e filogeneacuteticos realizados em

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cnidaacuterios e ctenoacuteforos sugerem que a ancestral de uma sinapse quiacutemica tenha sido provavelmente peptideacutergica

Um possiacutevel precursor da transmissatildeo sinaacuteptica eacute observado em coanoflagelados clado com mais de 125 espeacutecies unicelulares Em algumas espeacutecies de coanoflagelados as ceacutelulas se agregam em colocircnias O indiviacuteduo agora passa a ser a colocircnia no sentido de que a sua sobrevivecircncia dependeraacute da accedilatildeo coordenada de cada ceacutelula para a manutenccedilatildeo da colocircnia Como satildeo animais marinhos haacute a necessidade de passagem de aacutegua pela colocircnia que eacute dado pelo movimento flagelar de cada indiviacuteduo Cada ceacutelula eacute capaz de liberar transmissores que atuaratildeo nos receptores dos indiviacuteduos vizinhos produzindo movimento flagelar em toda a colocircnia Esta caracteriacutestica proto-hormonal eacute tambeacutem observada em algumas esponjas As esponjas satildeo animais que natildeo possuem sistema nervoso sendo a maioria marinha de vida seacutessil A alimentaccedilatildeo depende da passagem do ambiente pelo animal que eacute possiacutevel pela existecircncia de muitos poros que compotildee o seu corpo Estes poros satildeo constituiacutedos por ceacutelulas que apresentam flagelos conhecidas como coanoacutecitos dada a sua semelhanccedila com o coanoflagelados O fluxo de aacutegua se daacute pelo batimento flagelar que forccedila a aacutegua para dentro dos poros permitindo que a mesma flua pelo aacutetrio grande cavidade interna sendo eliminada para o meio ambiente pelo oacutesculo (pequena boca) Uma forte estimulaccedilatildeo mecacircnica no corpo da esponja promove a liberaccedilatildeo de glutamato GABA (aacutecido gama-amino-butiacuterico) e oacutexido niacutetrico pelos coanoacutecitos Estes sinalizadores satildeo transportados pela aacutegua causando a coordenaccedilatildeo da contraccedilatildeo da musculatura da parede corporal e oacutesculo As esponjas utilizam os transmissores como hormocircnios e o fluxo de aacutegua se comporta como sistema circulatoacuterio Os receptores para os sinalizadores encontrados em esponjas coanoflagelados e bacteacuterias satildeo metabotroacutepicos ou seja a ligaccedilatildeo da moleacutecula sinalizadora ao seu receptor ativa uma cascata de sinalizaccedilatildeo intracelular na ceacutelula alvo Este tipo de transmissatildeo gera movimentos lentos e prolongados Alguns autores sugerem que a primeira forma de sinalizaccedilatildeo sinaacuteptica tenha sido metabotroacutepica (Kristan Jr 2016)

O placozoa Tricoplax adherens natildeo apresenta ceacutelulas que se assemelhem a neurocircnios ou muacutesculos contudo esta espeacutecie apresenta genes que satildeo responsaacuteveis pela expressatildeo de canais iocircnicos voltagem dependentes estruturas preacute e poacutes-sinaacutepticas e mesmo transmissores

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Proteiacutenas que compotildee a sinapse em espeacutecies que natildeo apresentam neurocircnios sugerem que estas evoluiacuteram antes das ceacutelulas nervosas Genes que codificam proteiacutenas homoacutelogas agraves que compotildee as zonas ativas dos terminais preacute-sinaacutepticos que integram as vesiacuteculas sinaacutepticas que participam do processo de exocitose e da sinalizaccedilatildeo satildeo encontrados em coanoflagelados grupo proacuteximo aos metazoaacuterios Uma vez que estas proteiacutenas nestes grupos natildeo constituem sinapse satildeo denominadas de proto-sinaacutepticas A presenccedila destas proteiacutenas proto-sinaacutepticas em espeacutecies proacuteximas aos metazoaacuterios sugere que o arcabouccedilo molecular criacutetico para a transmissatildeo sinaacuteptica evoluiu antes da origem da sinapse A comunicaccedilatildeo neuronal ocorre pela interaccedilatildeo entre regiotildees preacute-sinaacuteptica e poacutes-sinaacuteptica especializadas que transformam as correntes eleacutetricas da membrana do neurocircnio preacute-sinaacuteptico em sinais quiacutemicos liberados que por sua vez seratildeo transformados em corrente eleacutetrica ou sinal intracelular no neurocircnio poacutes-sinaacuteptico Pouco se conhece sobre as funccedilotildees ancestrais das proteiacutenas sinaacutepticas A primeira sinapse verdadeira pode ter sido a neuromuscular esta poderia ser uma especializaccedilatildeo para curta-distacircncia derivada de interaccedilotildees semelhantes agraves neuroendoacutecrinas utilizadas por coanoflagelados e poriacuteferas (Kristan Jr 2016)

A presenccedila de canais iocircnicos voltagem dependentes e moleacuteculas sinaacutepticas natildeo transforma uma ceacutelula automaticamente em neurocircnio Em linhas gerais estas moleacuteculas devem ser produzidas em nuacutemero adequado terem localizaccedilatildeo e inserccedilatildeo adequada na membrana A capacidade de influenciar ceacutelulas localizadas a grandes distacircncias implica na existecircncia de processos longos e finos e os terminais destes processos devem ser localizados no local adequado do seu parceiro sinaacuteptico Estes dados natildeo podem ser obtidos de foacutesseis Moleacuteculas que participam do desenvolvimento neuronal crescimento axonal e formaccedilatildeo das sinapses tecircm sido investigadas como marcadores para neurocircnios Estas moleacuteculas tecircm evoluccedilatildeo paralela agrave evoluccedilatildeo dos canais iocircnicos voltagem dependentes apresentando significante expansatildeo no Periacuteodo Cambriano Eacute importante ressaltar que os foacutesseis existentes do periacuteodo preacute-cambriano indicam que os primeiros animais fossilizados (560-540 milhotildees de anos atraacutes) foram provavelmente animais sesseis e filtradores apresentando sinais de atividade de cavar o substrato no iniacutecio da explosatildeo cambriana

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(540 milhotildees de anos atraacutes) A escassez de fosseis de animais antes do periacuteodo cambriano pode ser explicada pela condiccedilatildeo ambiental inoacutespita eras glaciais com restriccedilatildeo de oxigecircnio atmosfeacuterico Haacute 525 milhotildees de anos atraacutes os animais filtradores foram substituiacutedos por animais com coberturas externas riacutegidas nas mais variadas formas como espinhos conchas e placas Este rico arranjo de armadura externa e armas de defesa sugere que neste periacuteodo teve iniacutecio a predaccedilatildeo O aumento do tamanho destes animais tornou arriscado deixar sem coordenaccedilatildeo as suas diferentes partes O comportamento predatoacuterio pode ter favorecido animais capazes de movimentos raacutepidos para a obtenccedilatildeo de alimento e claro para escapar de se tornar alimento para outro animal (Kristan Jr 2016) Novamente vale a pena ressaltar que natildeo necessariamente a pressatildeo pela sobrevivecircncia forjou a organizaccedilatildeo do sistema nervoso a existecircncia de sistema nervoso pode ter permitido a emergecircncia de comportamento predatoacuterio e defensivo A pressatildeo por alimento e natildeo virar alimento pode ter favorecido a evoluccedilatildeo e permanecircncia de sistemas de conduccedilatildeo raacutepida como os neurocircnios A primeira indicaccedilatildeo de tecido nervoso eacute o aparecimento de olhos bem definidos e contornos de sistemas nervosos em fosseis de 525 milhotildees de anos (Kristan Jr 2016)

A origem do primeiro sistema nervoso eacute territoacuterio de intensa disputa Das espeacutecies existentes de Radiata (Ctenoacutefora e Cnidaacuteria) e Bilateria todas possuem neurocircnios ao passo que Placozoa e Poriacutefera natildeo A pergunta que se coloca eacute qual eacute o grupo basal Ou seja qual eacute o grupo com menor derivaccedilatildeo que deu origem aos demais grupos Caracteriacutesticas morfoloacutegicas e moleculares sugerem relaccedilotildees entre os quatro grupos Bilateria Cnidaacuteria Placozoa e Poriacutefera a posiccedilatildeo do grupo Ctenophora ainda eacute discutiacutevel Resultados de estudos moleculares mais extensos permitem colocar o grupo Ctenophora como o grupo mais basal dos cinco clados Os Ctenoacuteforos teriam se separado dos metazoaacuterios muito antes do grupo Poriacutefera A definiccedilatildeo do grupo basal eacute importante para a reconstruccedilatildeo dos eventos evolutivos que implicaram nos diferentes desenhos de sistema nervoso Caso o grupo Ctenophora seja o grupo basal para as esponjas a origem do neurocircnio apresenta dois cenaacuterios plausiacuteveis No primeiro cenaacuterio o ancestral comum de todos os maiores clados possuiacutea neurocircnio que foi perdido nos clados Poriacutefera e Placozoa No

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segundo cenaacuterio os neurocircnios teriam duas origens independentes uma no ancestral de Ctenophora e a segunda no ancestral compartilhado pelos ramos Cnidaacuteria e Bilateria (Moroz LL 2009 Budd GE 2016 Castelfranco amp Hartline 2016 Kristan Jr 2016)

A anaacutelise genocircmica permitiraacute o estudo de detalhes destes eventos evolutivos e quem sabe nos traga a resposta de qual o grupo basal a ser considerado para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Outra possibilidade eacute a cooptaccedilatildeo de proteiacutenas com funccedilotildees totalmente distintas das neuronais em grupos basais para esta nova funccedilatildeo em grupos derivados e este evento pode ter ocorrido independentemente em diferentes grupos que convergiram para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso (Burkhardt amp Sprecher 2017)

Consideraccedilotildees Sobre a Organizaccedilatildeo do Sistema Nervoso e Repertoacuterio Comportamental

Eacute inegaacutevel que a existecircncia do sistema nervoso permite a emergecircncia de comportamentos complexos Este sistema apresenta a propriedade de armazenar as informaccedilotildees e combinaacute-las nas mais diferentes formas para a soluccedilatildeo de desafios Consideramos inteligentes as espeacutecies que apresentam grandes enceacutefalos a ateacute haacute alguns anos atraacutes a laminaccedilatildeo cortical era sinocircnimo de possibilidade de inteligecircncia para muitos a uacutenica

Noacutes os humanos sempre nos consideramos o topo evolutivo a inteligecircncia suprema relegando as demais espeacutecies a condiccedilatildeo de animais uma vez que temos dificuldade de nos enxergarmos como uma espeacutecie animal

Para a grande maioria das pessoas soacute eacute capaz de sentir dor aquele que possui um ceacuterebro igual ao nosso Para muitos com esta concepccedilatildeo de sistema nervoso resumida a enceacutefalo os invertebrados por natildeo possuiacuterem ceacuterebro igual ao nosso natildeo devem sentir dor e como apresentam poucos neurocircnios em seus sistemas nervosos devem ser incapazes de aprendizado e seus comportamentos devem ser reflexos e natildeo elaborados

As aves por natildeo possuiacuterem neocoacutertex natildeo satildeo inteligentes Por inteligecircncia normalmente entendemos a capacidade de soluccedilatildeo de

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problemas matemaacuteticos falar diversos idiomas interpretar textos e por aiacute afora Muitos indiviacuteduos negam a teoria da evoluccedilatildeo De certa forma eacute muito incomodo um ser tatildeo perfeito como o humano derivar de um ancestral primata natildeo humano A divindade se sente ameaccedilada

Durante muito tempo os paradigmas utilizados para avaliar a inteligecircncia de outros animais foram inadequados por desconsiderar a biologia da espeacutecie em estudo Particularmente considero a inteligecircncia como a capacidade de soluccedilatildeo de problemas biologicamente relevantes As diferentes espeacutecies ocupam diferentes habitats e cada uma enfrenta diferentes problemas para a sua sobrevivecircncia Costumo dizer que se fosse possiacutevel estabelecer diaacutelogo com as outras espeacutecies as visotildees de mundo e vida seriam as mais variadas

Antes de apresentar alguns exemplos de comportamentos elaborados em invertebrados e aves eacute importante esclarecer que a laminaccedilatildeo cortical sempre considerada como o diferencial da nossa espeacutecie natildeo eacute exclusiva desta O peixe dourado a carpa e o peixe paulistinha da famiacutelia dos cipriniacutedeos possuem uma estrutura cerebral laminada o lobo vagal composta por 15 camadas importante para o comportamento alimentar desta famiacutelia permitindo a separaccedilatildeo da boa comida daquela ruim As camadas mais superficiais desta estrutura constituem o componente sensorial (informaccedilotildees gustativas do interior da boca e oacutergatildeo palatal) sendo homoacuteloga ao nuacutecleo do trato solitaacuterio de outros vertebrados as camadas mais profundas constituem o componente motor controla os muacutesculos bucais e eacute homoacuteloga a porccedilotildees do nuacutecleo ambiacuteguo de outros vertebrados Os Gymnotiformes peixes eleacutetricos neotropicais apresentam laminaccedilatildeo no torus semicircularis estrutura mesencefaacutelica importante para a decodificaccedilatildeo dos sinais eleacutetricos emitidos pelo proacuteprio peixe e por outros Esta estrutura apresenta 12 lacircminas e 48 tipos celulares e integra informaccedilotildees nos dois eixos vertical e horizontal O corpo geniculado lateral estrutura integrante da via visual em mamiacuteferos e alguns marsupiais eacute laminado A laminaccedilatildeo traz consigo as seguintes vantagens 1- reduccedilatildeo no comprimento das conexotildees 2 ndash o arranjo retangular das lacircminas reduz o volume da estrutura e 3 ndash facilita a emergecircncia de funccedilatildeo mais complexa uma vez que as lacircminas satildeo passiacuteveis de integraccedilatildeo das informaccedilotildees tanto no eixo vertical quanto horizontal A organizaccedilatildeo laminar promove economia de espaccedilo tempo de conduccedilatildeo e energia sendo portanto uma estrateacutegia

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evolutiva que pode ter ocorrido de maneira independente nas diferentes espeacutecies (Striedter 2005)

Comportamentos Puramente Inatos ou Elaborados

No grupo dos invertebrados os cefaloacutepodes (polvo lula e seacutepia) apresentam sistema nervoso altamente desenvolvido que se caracteriza pela fusatildeo de gacircnglios e o subsequente desenvolvimento destes em loacutebulos formando ceacuterebro complexo proacuteximo ao esocircfago O lobo vertical nos polvos eacute considerado a regiatildeo de maior complexidade Os polvos satildeo considerados os invertebrados mais inteligentes vaacuterios viacutedeos estatildeo disponiacuteveis demonstrando a capacidade de soluccedilatildeo de problemas aprendizado por observaccedilatildeo de outro polvo na soluccedilatildeo do paradigma experimental habilidade de fuga e recentemente o registro de polvos carregando cascas de coco vazias para serem utilizadas como abrigos sugerindo a utilizaccedilatildeo de ferramentas por esta espeacutecie

Outro invertebrado cujo comportamento sugere ser elaborado eacute o caranguejo eremita Pagurus bernhardus Este caranguejo por natildeo possuir carapaccedila habita conchas deixadas por moluscos apresentando predileccedilatildeo pela concha Littorina obtusata a busca por uma nova residecircncia eacute constante havendo competiccedilatildeo entre dois indiviacuteduos da mesma espeacutecie pela posse da concha predileta A escolha pela nova concha implica natildeo soacute na exploraccedilatildeo visual como tambeacutem no abandono da velha concha e entrada na nova para testar se esta preenche os requisitos que satisfaccedilam o novo inquilino O sistema nervoso dos caranguejos eacute constituiacutedo por um gacircnglio denominado de cefaacutelico que desempenha funccedilatildeo na percepccedilatildeo olfativa visual antenal e de equiliacutebrio O gacircnglio cefaacutelico conecta-se ao cordatildeo nervoso ventral por meio do cordatildeo circumesofageano O cordatildeo nervoso ventral nos braquiuacuteros eacute resultante da fusatildeo dos gacircnglios toraacutecicos e abdominais O cordatildeo nervoso ventral integra as informaccedilotildees provenientes do gacircnglio cefaacutelico e adequa o controle motor das pernas ambulatoacuterias e queliacutepodes permitindo resposta comportamental adequada tanto de locomoccedilatildeo quanto de defesa O gacircnglio estomatogaacutestrico situado na regiatildeo dorsal do estomago

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controla os seus movimentos de trituraccedilatildeo e esvaziamento O nuacutemero de neurocircnios que compotildeem o sistema nervoso central de crustaacuteceos eacute pequeno contudo estes animais com poucos neurocircnios e sistema nervoso de organizaccedilatildeo simples satildeo capazes de sentir dor e reagir a ela bem como de blefarem quando o que estaacute em jogo eacute evitar o embate corporal Para muitos de noacutes imaginar que um caranguejo sinta dor soa bastante bizarro talvez se definirmos melhor esta percepccedilatildeo e estabelecermos criteacuterios para constatar esta propriedade de percepccedilatildeo em outras espeacutecies bizarro talvez se torne natildeo termos levado esta possibilidade em conta

A dor pode ser descrita como uma sensaccedilatildeo e sentimento aversivos associados a dano potencial ou real do tecido (Broom2001) A dor conteacutem dois componentes 1 - a capacidade de detectar o estiacutemulo doloroso nocicepccedilatildeo que permitiraacute ao animal a emissatildeo de comportamento adequado e 2- a interpretaccedilatildeo emocional interna que corresponde ao sofrimento desta percepccedilatildeo Os criteacuterios para a demonstraccedilatildeo de dor em outras espeacutecies incluindo vaacuterios invertebrados satildeo

1 ndash Existecircncia de sistema nervoso e receptores

2 ndash Reaccedilatildeo de esquiva

3 ndash Reaccedilotildees motoras protetivas que incluem uso reduzido da aacuterea afetada claudicaccedilatildeo friccionar a aacuterea afetada ou autotomia (em crustaacuteceos a perda das pernas ou queliacutepodes eacute fenocircmeno defensivo de sobrevivecircncia e o processo eacute controlado por dopamina) A autotomia difere da retirada de pernas ou queliacutepodes feitas muitas vezes com a justificativa de pesca de preservaccedilatildeo Na autotomia existe a coagulaccedilatildeo da hemolinfa em concomitacircncia agrave perda do apecircndice na retirada dos apecircndices feitos por exemplo por um humano a hemolinfa leva mais tempo para coagular podendo levar o animal agrave morte por perda do seu suprimento de oxigecircnio

4 ndash Alteraccedilotildees de paracircmetros fisioloacutegicos como glicemia concentraccedilatildeo de lactato

5 ndash Existecircncia de receptores opioides e evidencias de reduccedilatildeo da dor com o uso de anesteacutesicos locais ou analgeacutesicos (Elwood Barr amp Patterson 2009)

Em um artigo publicado por Elwood e Appel em 2009 realizado com o caranguejo eremita estes autores demonstraram nesta espeacutecie a experiencia de nocicepccedilatildeo Os experimentos consistiam em retirar os indiviacuteduos de suas e oferecer a concha predileta para ser ocupada

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O artifiacutecio utilizado pelos autores foi a colocaccedilatildeo de eletrodos no interior das conchas que permitiam a aplicaccedilatildeo de choques eleacutetricos em intensidade inferior agravequela que causa danos teciduais Foram utilizados dois grupos de caranguejos o grupo controle que natildeo recebeu nenhum choque e o grupo experimental que recebeu o choque eleacutetrico Nova concha predileta sem eletrodos era oferecida 20 segundos apoacutes o choque a 5 cm de distacircncia do caranguejo com a sua abertura para baixo Os paracircmetros medidos foram tempo de aproximaccedilatildeo e investigaccedilatildeo da nova concha nuacutemero de vezes que o queliacutepodes era colocada dentro da nova concha Os caranguejos que natildeo receberam choques natildeo abandonaram suas conchas aqueles pertencentes ao grupo experimental demonstraram resistecircncia para abandonar a preferida concha indicando competiccedilatildeo motivacional entre abandonar um recurso precioso e sentir dor O abandono de conchas eacute mais frequente quando o choque eacute realizado em conchas que natildeo satildeo as preferidas Alguns animais do grupo experimental abandonaram as conchas apoacutes o choque limpando o abdocircmen batendo o abdocircmen contra uma concha vazia comportamento usual desta espeacutecie quando deseja expulsar o ocupante de uma concha para fazer uso dela Este comportamento de bater em concha desocupada pode indicar agressatildeo desencadeada por um estiacutemulo nocivo

O comportamento de blefe muito utilizado em jogos de carta como o pocircquer tem o objetivo de enganar o adversaacuterio No caso o jogador sabe o que tem na matildeo desconhece mas suspeita o que contem a matildeo de seu adversaacuterio A fim de evitar ter que mostrar o seu jogo e enganar o adversaacuterio aquele que faraacute uso de blefe assume postura de quem estaacute com o jogo ganho muitas vezes fazendo altas apostas tentando dissuadir o seu oponente a permanecer no jogo O blefe eacute trapaccedila e o caranguejo eremita faz uso desta artimanha para dissuadir o seu oponente do confronto fiacutesico A concha eacute fundamental para a sobrevivecircncia desta espeacutecie As disputas pelas conchas envolvem comportamentos denominados de preacute luta cujo objetivo eacute a mudanccedila do comportamento do oponente Na fase de preacute luta os oponentes exprimem diversos comportamentos que podem resultar na aproximaccedilatildeo ou retirada de seu oponente A preacute luta eacute portanto o momento adequado para a manipulaccedilatildeo do oponente Um dos comportamentos expressos na fase de preacute luta eacute a apresentaccedilatildeo da queliacutepoda A apresentaccedilatildeo honesta eacute aquela que permite ao opositor

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avaliar o seu tamanho estando a queliacutepoda aberta perpendicular ao solo A apresentaccedilatildeo desonesta impede ao oponente a avaliaccedilatildeo do tamanho real uma vez que a queliacutepoda aberta eacute apresentada em posiccedilatildeo frontal acima do opositor Esta eacute a blefe Experimentos onde caranguejos de menor tamanho receberam conchas de tamanho preferido dos caranguejos de maior tamanho e aos caranguejos de maior tamanho foram ofertadas conchas de menor preferecircncia e menores demonstraram que a apresentaccedilatildeo de blefe foi frequentemente utilizada pelos indiviacuteduos de menor tamanho quando confrontados com os maiores A manipulaccedilatildeo utilizada pelos indiviacuteduos menores reduz a probabilidade dos indiviacuteduos de maior tamanho atacarem e se o ataque acontecer haacute reduccedilatildeo das chances de o atacante vencer a disputa (Elwood et al 2005)

Os resultados acima descritos sugerem que apesar de poucos neurocircnios e estrutura pobre em complexidade estes crustaacuteceos parecem conhecer as suas limitaccedilotildees e avaliar as potencialidades de seus adversaacuterios

Durante muito tempo as aves foram consideradas animais sem capacidade de raciociacutenio dada a organizaccedilatildeo de seus ceacuterebros que natildeo apresenta neocoacutertex As novas metodologias permitiram importantes mudanccedilas nestas consideraccedilotildees uma vez que a organizaccedilatildeo nuclear das estruturas cerebrais de aves apresenta homologia com estruturas laminares corticais da nossa espeacutecie

Os corvos possuem sofisticada capacidade mental e utilizam a loacutegica para a soluccedilatildeo de problemas Pedaccedilos de carne pendurados por uma corda amarrada em um poleiro foram oferecidos a corvos situaccedilatildeo pouco provaacutevel na natureza Apoacutes alguns minutos de estudo da situaccedilatildeo corvos adultos resolveram o problema em 30 segundos

A ave com auxiacutelio do bico ergueu a corda utilizando o peacute para segurar o pedaccedilo de corda erguido deixou o pedaccedilo de carne amarrado cair novamente novamente com o bico ergueu a corda soltando a anterior do peacute e segurando o novo segmento as etapas foram repetidas ateacute o comprimento da corda ser o suficiente para permitir agrave ave segurar com o peacute o pedaccedilo de carne e degusta-lo O problema natildeo foi resolvido por tentativa e erro e sim por anaacutelise da situaccedilatildeo e soluccedilatildeo loacutegica uma vez que a tarefa foi realizada na primeira tentativa e em vaacuterias etapas Corvos com um ano de idade necessitaram de seis

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minutos para resolverem o problema utilizando vaacuterias estrateacutegias como voar no alimento tentar cortar ou torcer a corda durante este periacuteodo Vale ressaltar que as aves natildeo foram recompensadas com alimento em nenhuma etapa do processo de erguer-segurar a corda para comer o corvo cumpria a sequecircncia ateacute o fim

Algumas espeacutecies de corvos se alimentam de carne obtida de caccedila abatida por lobos Existe competiccedilatildeo pelo alimento portanto os corvos precisam de adaptaccedilatildeo a um ambiente imprevisiacutevel Quando jovens estas aves praticamente ldquobrincam com o inimigordquo rolando de costas na neve com seus peacutes para o ar proacuteximos aos lobos e agrave caccedila abatida Este comportamento luacutedico prepara o animal a reaccedilotildees raacutepidas e plaacutesticas tornando familiar uma situaccedilatildeo perigosa

Uma caracteriacutestica de o comportamento alimentar dos corvos eacute esconder o pedaccedilo de alimento obtido e o corvo o faz totalmente em privado ou seja longe de seus co- especiacuteficos Este comportamento de esconder o alimento sem dar pistas do esconderijo se justifica uma vez que eacute comum um corvo roubar o alimento escondido por outro Aleacutem da logica estas aves satildeo oportunistas

Em um experimento pesquisadores colocaram dois corvos em uma gaiola um dos corvos podia ser visto pelos corvos soltos em uma aacuterea contendo alimento e locais para esconder o mesmo O outro corvo da gaiola natildeo podia ser visto pelas aves livres pela existecircncia de uma cortina que o escondia Quando os corvos da gaiola foram soltos os autores observaram que o corvo que estava exposto era controlado pelos corvos livres enquanto aquele que ficou atraacutes da cortina era ignorado pelos demais Estes resultados sugerem que os corvos satildeo capazes de identificar e memorizar o indiviacuteduo que oferece risco no caso roubo do alimento escondido (Heinrich amp Bugnyar 2007)

Algumas aves recolhem alimentos na eacutepoca em que estes estatildeo disponiacuteveis como vermes sementes e os escondem para periacuteodos de escassez Experimentos realizados em laboratoacuterio permitiram a verificaccedilatildeo de que estas aves quando lhes eacute dado acesso aos alimentos escondidos ingerem primeiro os vermes que satildeo pereciacuteveis e depois as sementes indicando conhecerem o onde esconderam e quando o fizeram (Clayton et al 2003)

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A vida social pode ter sido o fator que direcionou a evoluccedilatildeo da inteligecircncia uma vez que possuir a habilidade de prever as respostas de outros animais da mesma e de outras espeacutecies torna-se fator extremamente importante A capacidade de resolver problemas biologicamente relevantes permite plasticidade comportamental uma vez que os ambientes habitados pelas diferentes espeacutecies satildeo complexos e imprevisiacuteveis nos quais comportamentos preestabelecidos podem ser inapropriados

Consideraccedilotildees Finais

O sistema nervoso trouxe muitas possibilidades mas natildeo eacute essencial agrave vida uma vez que animais que natildeo o possuem ainda habitam este planeta como as esponjas A simplicidade em sua organizaccedilatildeo ou o nuacutemero reduzido em suas ceacutelulas a sua organizaccedilatildeo ganglionar nuclear ou laminar difuso ou concentrado formando ceacuterebros nada informa sobre a inteligecircncia do animal que possui o sistema Os paradigmas para investigar dor inteligecircncia ndash sempre no sentido de soluccedilatildeo de problemas de relevacircncia bioloacutegica eacute que devem ser adequados agrave espeacutecie em estudo

ldquoA ausecircncia de evidencia natildeo eacute evidencia de ausecircnciardquo (Sherwin 2001) eacute uma frase que tenho sempre em mente e que me auxilia a perguntar sempre que me deparo com afirmaccedilotildees categoacutericas e privadas de dados experimentais confiaacuteveis A evoluccedilatildeo da ciecircncia traz consigo novas metodologias que se adequadamente utilizadas permitiratildeo responder muitas perguntas natildeo soacute sobre a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Quem sabe se em um futuro natildeo muito distante a nossa espeacutecie entenda que a sua existecircncia depende do respeito agraves demais espeacutecies existentes em nosso planeta por ser ela mais uma espeacutecie e natildeo a espeacutecie dona do planeta

A trajetoacuteria evolutiva do sistema nervoso eacute longa controversa e ainda em grande parte desconhecida eacute um sistema de alto custo energeacutetico e importante para todas as espeacutecies que o possuem Talvez conhecendo melhor a sua histoacuteria evolutiva entenderemos que eacute imperioso fazer uso do mesmo da melhor maneira possiacutevel afinal desperdiccedilar esta construccedilatildeo da evoluccedilatildeo seria ldquoirracionalrdquo natildeo muito coerente para uma espeacutecie que se julga a mais inteligente do planeta

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Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro

Roberta EkuniUniversidade Estadual do Norte do Paranaacute

Introduccedilatildeo

Feche os olhos e tente lembrar de mateacuterias de divulgaccedilatildeo cientiacutefica que viu recentemente Provavelmente dentre as que pensou alguma envolvia o ceacuterebro1 certo Desde a ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo (anos 1990) a Neurociecircncia se popularizou ao ocupar tanto capas de revistas cientiacuteficas de alto impacto como ldquoSciencerdquo e ldquoNaturerdquo quanto revistas e jornais populares (Ansari Coch amp De Smedt 2011) Esses estudos exercem um fasciacutenio nas pessoas fenocircmeno conhecido como neurofilia (apetite pelo ceacuterebro) (Fuller 2012) que tambeacutem estaacute presente em programas televisivos e filmes Inclusive como cita Fuller (2012) devido ao grande interesse geral nas questotildees que envolvem ldquoneurordquo no seriado Dr House (uma seacuterie que se passa em um hospital com casos meacutedicos interessantes que devem ser diagnosticados para que o paciente seja salvo) quase 30 dos episoacutedios envolvem casos de siacutendromes neuroloacutegicas Entretanto a expertise do personagem principal eacute nefrologia e doenccedilas infecciosas e natildeo neurologia

Em consonacircncia com essa neurofilia na aacuterea meacutedica a maioria dos livros ranqueados no site da Amazon satildeo da Neurociecircncia sendo que 20 estatildeo no top 100 dos livros de medicina mais vendidos (Fuller 2012) Isso se repete em publicaccedilotildees de uma revista meacutedica de alto impacto no qual a maior porcentagem de artigos publicados

1 No Brasil a traduccedilatildeo de brain eacute enceacutefalo (telenceacutefalo ponte e cerebelo) Entretanto o termo popularmente conhecido eacute ceacuterebro (telenceacutefalo) Como popularmente o termo ceacuterebro eacute utilizado em accedilotildees de divulgaccedilatildeo cientiacutefica (por exemplo em accedilotildees como a Semana do Ceacuterebro chancelada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Neurociecircncias e Comportamento - SBNeC) no presente capiacutetulo o termo ceacuterebro seraacute utilizado para se referir agrave traduccedilatildeo popular do termo brain

Autor para correspondecircncia

robertaekuniuenpedubr

Universidade Estadual do Norte do Paranaacute Centro

de Ciecircncias Bioloacutegicas

Rodovia BR-369 Km-54 CP 269Vila Maria CEP

86360-000 Bandeirantes - PR

(43) 3542-8008

Agradecimentos Ao Fundo de Combate aos

Neuromitos por auxiliar o Projeto

ldquoCaccediladores de neuromitosrdquo ao

qual a autora faz parte Aos

queridos Orlando Francisco

Amodeo Bueno (in memorian) e Larissa Zeggio

parceiros do Projeto

Caccediladores de Neuromitos

3

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envolvem neurologia (Fuller 2012) Aleacutem disso haacute muitas informaccedilotildees que antes eram explicadas pelo campo da Psicologia tentando ser substituiacutedas por explicaccedilotildees neurocientiacuteficas (Baron 2018) Talvez isso se deva ao fato de que haacute uma tendecircncia em achar que a Neurociecircncia seja o melhor meacutetodo para explicar fenocircmenos psicoloacutegicos (Weisberg Hopkins amp Taylor 2018)

Frente a esse apetite pelo ceacuterebro temos um fenocircmeno conhecido como neuromitos que de modo geral satildeo informaccedilotildees incorretas sobre o ceacuterebro mais especificamente um ldquoequiacutevoco gerado pelo entendimento incorreto uma maacute interpretaccedilatildeo ou maacute citaccedilatildeo de fatos estabelecidos cientificamente (pela ciecircncia do ceacuterebro)rdquo (OECD 2002 p 111) Um exemplo claacutessico de neuromito eacute que usamos cerca de 10 do ceacuterebro inclusive virou tema de filmes (Lucy filme de Luc Besson e Sem limites filme de Neil Burger) Na Argentina esse foi o neuromito que os professores mais acreditavam ser correto (40) (Hermida Segretin Soni Garciacutea amp Lipina 2016) Em um levantamento 14 dos norte-americanos que diziam ter alto treinamento em Neurociecircncia acreditavam nessa afirmaccedilatildeo (Macdonald Germine Anderson Christodoulou amp McGrath 2017) Outro questionaacuterio realizado com neurocientistas mostrou que uma pequena parcela (6) acreditava nesse mito (Herculano-Houzel 2002) Entretanto em ambos os casos comparado com educadores ou com a populaccedilatildeo em geral a porcentagem de neurocientistas ou pessoas com treinamentos em Neurociecircncia que acreditavam nesse neuromito eacute bem menor De forma breve talvez esse neuromito persista tanto por ser otimista ou seja se o ser humano usasse pouco imagine o que ele poderia fazer se desbloqueasse outras porcentagens Outro fator pode se dar ao fato de que quando as pessoas veem neuroimagem geralmente uma pequena parte estaacute colorida podendo dar uma falsa impressatildeo que o ceacuterebro natildeo estaacute sendo todo utilizado (para desmitificaccedilatildeo completa desse mito ver Abrahatildeo 2017)

Diante disso o objetivo desse capiacutetulo eacute discutir os neuromitos sua origem motivo pelo qual as pessoas tendem a acreditar nessas informaccedilotildees incorretas potenciais prejuiacutezos e como combatecirc-los

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Neuromitos Qual a sua Origem

Os neuromitos podem surgir devido a afirmaccedilotildees duvidosas vindas de interpretaccedilotildees de leigos sobre imagens cerebrais ou dados de experimentos neurocientiacuteficos (Lalancette amp Campbell 2012) Aleacutem disso por ignorarem a interconectividade do ceacuterebro ou seja que este funciona de forma conjunta simplificam os achados cientiacuteficos gerando uma divulgaccedilatildeo incorreta dos mesmos (Geake 2008)

Natildeo eacute novidade que haacute um grande aumento do nuacutemero de publicaccedilotildees envolvendo o ceacuterebro nas miacutedias populares (OrsquoConnor Rees amp Joffe 2012) Uma pesquisa mostrou que a miacutedia eacute a maior responsaacutevel por espalhar informaccedilotildees sobre o ceacuterebro para os professores e estudantes inclusive informaccedilotildees erradas (Tardif Doudin amp Meylan 2015) Natildeo eacute a intenccedilatildeo da mesma mas para se fazer entendida muitas vezes ela generaliza e publica informaccedilotildees parciais sobre as descobertas neurocientiacuteficas produzindo interpretaccedilotildees equivocadas (neuromitos) sobre o funcionamento do ceacuterebro que se espraiaram (Pasquinelli 2012) Outro ponto eacute que a miacutedia tende a ser sensacionalista a oferecer informaccedilotildees relevantes (mesmo quando natildeo satildeo) e a omitir informaccedilotildees relevantes (Pasquinelli 2012 Racine Waldman Rosenberg amp Illes 2010) Contudo natildeo se pode julgar que a miacutedia eacute somente ruim visto que a mesma tem efeito positivo para informar a populaccedilatildeo em geral via jornalismo cientiacutefico de qualidade (Ekuni amp Pompeia 2016 Watts 2014)

Ressalta-se que a miacutedia natildeo eacute a uacutenica responsaacutevel pela criaccedilatildeo e propagaccedilatildeo de mitos A ciecircncia estaacute em constante mudanccedila e muitas vezes uma teoria cientiacutefica que eacute aceita em um determinado momento frente a novas evidecircncias passa a natildeo ser mais aceita (OECD 2007) Eacute preciso acompanhar essas mudanccedilas para natildeo manter informaccedilotildees ultrapassadas como corretas Por exemplo antigamente acreditava-se que no ceacuterebro adulto natildeo havia neurogecircnese (produccedilatildeo de novos neurocircnios) mas hoje sabe-se que haacute (OECD 2007)

Aleacutem disso uma pesquisa com professores do Canadaacute apontou que as maiores fontes de aquisiccedilatildeo dos neuromitos investigados por ela (a saber estilos de aprendizagem inteligecircncias muacuteltiplas dominacircncia hemisfeacuterica exerciacutecios coordenados e uso de 10

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do ceacuterebro) foram em cursos de treinamento para professores e vieses cognitivos (por exemplo pela informaccedilatildeo parecer loacutegica ou pela proacutepria experiecircncia do professor em ensinar) (Sarrasin Riopel amp Masson 2019) Nesse sentido eacute necessaacuterio voltar a atenccedilatildeo para os cursos de formaccedilatildeo de docentes para evitar a propagaccedilatildeo de neuromitos

Por Que as Pessoas Acreditam nos Neuromitos

Haacute uma tendecircncia da miacutedia publicar assuntos que estatildeo em voga (OrsquoConnor et al 2012) Entretanto os estudos que mostram que ainda precisam de maiores evidecircncias para fazer recomendaccedilotildees praacuteticas natildeo viram manchetes de notiacutecia (Ekuni amp Pompeia 2016) o que acaba influenciando o julgamento das pessoas devido ao fato delas terem mais acesso aquelas informaccedilotildees De acordo com a Psicologia Cognitiva pelo vieacutes de disponibilidade algo vem agrave mente com mais facilidade devido a familiaridade (Tversky amp Kahneman 1973) assim as pessoas tendem a lembrar mais das informaccedilotildees familiares e repetidas o que influencia seu julgamento

Haacute uma tendecircncia em julgar uma informaccedilatildeo como verdadeira quando a mesma eacute vista pela segunda vez fenocircmeno conhecido como efeito da verdade (the truth effect) (Dechecircne Stahl Hansen amp Waumlnke 2010) Assim como os autores pontuam uma informaccedilatildeo ambiacutegua ou seja que a pessoa tem duacutevida se eacute fato ou natildeo tem mais chances de se tornar percebida como verdadeira se ela for repetida E isso tambeacutem acontece com os neuromitos jaacute que os mesmos estatildeo espalhados em vaacuterios locais (na miacutedia internet e ateacute em cursos voltado para professores) (Goswami 2006) Com isso o indiviacuteduo acaba ouvindo repetidas vezes a mesma informaccedilatildeo e por ela se tornar familiar ela pode pensar ldquohum jaacute ouvi isso em algum lugar deve ser verdaderdquo

Outro fator que pode explicar a crenccedila das pessoas em neuromitos pode se dar diante do termo conhecido como ldquopoacutes-verdaderdquo (post-truth) definido pelo dicionaacuterio Oxford como um adjetivo ldquoque se relaciona ou denota circunstacircncias nas quais fatos objetivos tecircm menos influecircncia em moldar a opiniatildeo puacuteblica do que

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apelos agrave emoccedilatildeo e a crenccedilas pessoaisrdquo2 Haacute indicaccedilatildeo que as crenccedilas por exemplo as religiosas poderiam influenciar para maior crenccedila em neuromitos (Hermida et al 2016) Assim haacute uma tendecircncia de interpretar os resultados das pesquisas de maneira que confirmem a crenccedila anterior da pessoa um fenocircmeno conhecido como vieacutes de confirmaccedilatildeo (Nickerson 1998) Isso faz com que a crenccedila em alguns mitos se mantenham com mais vigor por exemplo quando buscam informaccedilotildees online as pessoas tendem a ignorar informaccedilotildees conflitantes com as crenccedilas delas (Del Vicario et al 2016) Isso eacute relevante pois aumenta ainda mais as crenccedilas em neuromitos visto que as pessoas costumam a acreditar neles de forma agrupada (van Dijk amp Lane 2018) Ou seja se uma pessoa acredita que ouvir Mozart deixaraacute seus filhos mais inteligentes buscaraacute outras informaccedilotildees sobre como melhorar a inteligecircncia podendo encontrar outros neuromitos e tomaacute-los todos como verdade

Aleacutem desses vieses cognitivos outro ponto que pode explicar o motivo pelo qual as pessoas acreditam em neuromitos se deve ao fato de que as explicaccedilotildees que envolvem Neurociecircncia tendem a ser mais crediacuteveis para as pessoas que a leem para explicar fenocircmenos psicoloacutegicos mesmo que a explicaccedilatildeo seja irrelevante (Weisberg Keil Goodstein Rawson amp Gray 2008) Isso pode ser elucidado pelo ldquoefeito do fasciacutenio sedutorrdquo (seductive allure effect) no qual pessoas leigas preferem explicaccedilotildees que envolvam Neurociecircncia para fenocircmenos psicoloacutegicos (Weisberg et al 2018) Isso pode ser explicado pelo fato das pessoas poderem ter a percepccedilatildeo de que a Neurociecircncia estaacute mais conectada com diversas aacutereas do conhecimento (Weisberg et al 2018) Em suma parafraseando ldquoraio gourmetizadorrdquo meme que ficou conhecido na aacuterea da alimentaccedilatildeo que transforma comidas simples em verdadeiros objetos de desejos com elevado valor financeiro temos o ldquoraio neurotizadorrdquo Basta colocar o prefixo NEURO em qualquer informaccedilatildeo para ela virar uma ldquoNeuroInformaccedilatildeordquo mais atrativa com uma ldquopegadardquo de neurociecircncias e consequentemente com mais pessoas se interessando pelo assunto (Ekuni Zeggio amp Bueno 2017)

2 httpsenoxforddictionariescomword-of-the-yearword-of-the-year-2016

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Em consequecircncia disso produtos que remetem ao ceacuterebro tendem a ser mais avaliados como mais cientiacuteficas interessantes e efetivas do que o mesmo produto sem remeter ao ceacuterebro (Lindell amp Kidd 2013) Essa avaliaccedilatildeo foi realizada por estudantes de aacutereas diferentes do conhecimento por pais e por estudantes de Psicologia sendo que os alunos de Psicologia julgaram melhor comparado com os pais e alunos de outros cursos Isso mostra o efeito sedutor do ceacuterebro mas tambeacutem que uma formaccedilatildeo adequada pode ter um efeito protetor em relaccedilatildeo agrave crenccedila nos neuromitos (Lindell amp Kidd 2013) Contudo achados com professores da Coreacuteia do Sul concluem que saber Psicologia aumenta o conhecimento geral sobre o ceacuterebro mas natildeo diminui a crenccedila em neuromitos (Im Cho Dubinsky amp Varma 2018) Ou seja haacute indicaccedilatildeo de que natildeo basta apenas aumentar o conhecimento geral sobre Neurociecircncia eacute preciso tambeacutem desmitificar os neuromitos

Por Que os Neuromitos satildeo Prejudiciais

Acreditar em informaccedilotildees erradas sobre o ceacuterebro pode ser prejudicial No caso dos neuromitos potencialmente sim (Dekker Lee Howard-Jones amp Jolles 2012) Um dos motivos se deve ao fato de que as pessoas que adotam praacuteticas baseadas neles investem seu tempo e dinheiro em praacuteticas fadadas ao fracasso ao inveacutes de por exemplo focarem em praacuteticas que podem realmente melhorar a aprendizagem (Busso amp Pollack 2015 Macdonald et al 2017 Pasquinelli 2012) Um exemplo ocorreu na Irlanda do Norte onde houve uma tentativa de implementaccedilatildeo de uma reforma do curriacuteculo educacional supostamente baseada na Neurociecircncia mas que continha muitos equiacutevocos (neuromitos) (Purdy amp Morrison 2009) Por exemplo o neuromito de que as pessoas satildeo naturalmente propensas a aprender melhor se as instruccedilotildees dadas pelos professores forem congruentes com seu estilo de aprendizagem (visuais auditivas ou sinesteacutesicas ndash VAK) (Purdy 2008) Assim pessoas que satildeo visuais aprenderiam melhor se as instruccedilotildees fossem dadas por estiacutemulos visuais vendo graacuteficos imagens etc pessoas auditivas por informaccedilotildees auditivas e pessoas cinesteacutesicas (kinaesthetic) por movimentos por fazer na praacutetica Entretanto natildeo haacute evidecircncias cientiacuteficas que comprovem

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esse efeito de congruecircncia entre instruccedilatildeo e estilo de aprendizagem visto que haacute poucas pesquisas que usam meacutetodo cientiacutefico adequado para estudar esse fenocircmeno e os que usam natildeo possuem efeito de congruecircncia (Pashler McDaniel Rohrer amp Bjork 2009 Rohrer amp Pashler 2012)

Essa reforma curricular realizada na Irlanda do Norte foi amplamente criticada por natildeo ser baseada em Neurociecircncia como a mesma afirmava ser o que levou o Conselho Educacional retirar das propostas posteriores que a reforma curricular era baseada em Neurociecircncias (Purdy 2008) No entanto o Conselho que propocircs a reforma manteve seu apoio em cartilhas destinadas a professores com toacutepicos como estilos de aprendizagem conectar o ceacuterebro direito e esquerdo e Brain Gymreg para melhorar a aprendizagem (Purdy 2008) Infelizmente todos esses neuromitos satildeo amplamente difundidos na campo educacional (eg Dekker et al 2012)

Brevemente em relaccedilatildeo a crenccedila de que haacute exerciacutecios para conectar os hemisfeacuterios cerebrais (ceacuterebro direito e o esquerdo) natildeo haacute evidencias que exerciacutecios possam conectar ambos lados (Spaulding Mostert amp Beam 2010) ateacute porque na maioria da populaccedilatildeo haacute um feixe de fibras nervosas o corpo caloso que conecta os hemisfeacuterios cerebrais (Roland et al 2017) Complementarmente a esse neuromito haacute o equiacutevoco de que pessoas que satildeo racionais possuem o lado esquerdo mais dominante e pessoas criativas possuem dominacircncia hemisfeacuterica direita As evidecircncias de neuroimagem com anaacutelise de mais de 1000 pessoas mostram que natildeo haacute uma predominacircncia de ativaccedilatildeo de um hemisfeacuterio especiacutefico (Nielsen Zielinski Ferguson Lainhart amp Anderson 2013)

Jaacute em relaccedilatildeo ao neuromito de que ginaacutestica cerebral mais especificamente o Programa Brain Gymreg supostamente baseado na Neurociecircncia afirma que podem melhorar o aprendizado por meio de exerciacutecios massagens pressotildees em pontos especiacuteficos do corpo As evidecircncias apontam que o programa eacute baseado em suposiccedilotildees teoacutericas invaacutelidas e natildeo haacute pesquisas baseadas no meacutetodo cientiacutefico que comprove a eficaacutecia da mesma (Spaulding et al 2010 Zeggio amp Malloy-Diniz 2015)

Em meio a esse bombardeio de informaccedilotildees que supostamente podem melhorar a educaccedilatildeo somado com uma formaccedilatildeo

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neurocientiacutefica muitas vezes inadequadas com a sede que os educadores tem que inovar o ensino e de conectar o ceacuterebro com a educaccedilatildeo (Geake 2005 Goswami 2006) os educadores podem se apressar em fazer a ponte entre Neurociecircncias e Educaccedilatildeo Ao serem implantadas abordagens no contexto educacional baseadas em neuromitos pode ateacute haver uma percepccedilatildeo positiva dos alunos o que pode aumentar a crenccedila nos mitos entretanto a estrateacutegia natildeo seraacute efetiva (Howard-Jones 2014a) Infelizmente ainda falta conhecimento cientiacutefico para que os educadores possam acessar criticamente as pesquisas (Hook amp Farah 2013) Aleacutem disso as praacuteticas supostamente baseadas na Neurociecircncia ameaccedilam os programas baseados em evidecircncias jaacute que as pessoas podem natildeo acreditar em algo que contradiz o neuromito (Pasquinelli 2012 van Dijk amp Lane 2018)

O Que as Pessoas Sabem Sobre o Ceacuterebro

Muito se fala sobre a ponte entre Neurociecircncia e Educaccedilatildeo e da importacircncia dessa conexatildeo para melhorar a educaccedilatildeo (Sigman Pentildea Goldin amp Ribeiro 2014) Entretanto talvez a Educaccedilatildeo seja a aacuterea que mais sofre com os neuromitos Os educadores mais interessados em neurociecircncias sentem urgecircncia em colocar em praacutetica os conhecimentos das neurociecircncias em salas de aula o que os torna alvos faacuteceis de programas baseados em neuromitos (Dekker et al 2012) E isso se torna um ciclo vicioso pois os educadores acabam difundindo esses conhecimentos inveriacutedicos alguns inclusive em cursos de treinamento para professores (Sarrasin et al 2019)

Diante disso questionaacuterios tecircm sido administrados em vaacuterios paiacuteses para verificar o que os educadores acreditam sobre o ceacuterebro Entretanto devido a diferenccedilas culturais e tamanho da amostra esses dados natildeo satildeo generalizaacuteveis para toda a populaccedilatildeo (van Dijk amp Lane 2018) Mas haacute um ponto em comum as anaacutelises realizadas com educadores no Reino Unido e Holanda (Dekker et al 2012) Portugal (Rato Abreu amp Castro-Caldas 2013) Turquia Greacutecia e China (Howard-Jones 2014b) Brasil (Bartoszeck amp Bartoszeck 2016 Silvia Zeggio amp Ekuni 2014) Turquia (Karakus Howard-Jones amp Jay 2015) Suiacuteccedila (Tardif et al 2015) Ameacuterica Latina (predominantemente da Argentina Chile e Peru alguns participantes do Meacutexico Nicaraacutegua Colocircmbia

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e Uruguai) (Gleichgerrcht Lira Luttges Salvarezza amp Campos 2015) Espanha (Ferrero Garaizar amp Vadillo 2016) na Argentina (Hermida et al 2016) Estados Unidos (Macdonald et al 2017 van Dijk amp Lane 2018) e Coreacuteia do Sul (Im et al 2018) mostram que os educadores tendem a acreditar em vaacuterios neuromitos associados ao aprendizado

Eacute difiacutecil dizer quais os neuromitos que as pessoas mais acreditam pois ateacute mesmo levantamentos realizados no mesmo paiacutes tiveram resultados diferentes Por exemplo em um estudo realizado nos EUA os trecircs neuromitos que os educadores mais acreditavam foram que haacute exerciacutecios para integrar o ceacuterebro direito e esquerdo (89) Brain Gymreg ajuda os estudantes a lerem e usarem melhor a linguagem (80) se os alunos aprenderam de forma congruente com seu estilo de aprendizagem predominante aprenderaacute melhor (76) (Macdonald et al 2017) Enquanto que no estudo de van Dijk e Lane (2018) tambeacutem realizado nos EUA a prevalecircncia maior foi que ambientes enriquecidos estimulam o desenvolvimento cerebral de crianccedilas preacute-escolares (94) haacute exerciacutecios para integrar o ceacuterebro direito e esquerdo (78) e a crenccedila de que consumir comidas e bebidas com muito accediluacutecar deixam as crianccedilas inatentas (68) Ou seja como van Dijk e Lane indicam talvez a prevalecircncia da crenccedila em neuromitos dependa da amostra estudada da cultura formaccedilatildeo e outros fatores

Como Combater os Neuromitos Direccedilotildees da Psicologia Cognitiva

As evidecircncias que contrariam neuromitos satildeo publicadas quase que exclusivamente em perioacutedicos especializados em Neurociecircncia aos quais o grande puacuteblico natildeo tem acesso (Howard-Jones 2014b) Contrariamente ao estudo que mostrou que quem lia mais informaccedilotildees sobre o ceacuterebro acreditavam mais em neuromitos (Dekker et al 2012) saber mais fatos sobre Neurociecircncia pode ser um fator preditivo de menor crenccedila nessas informaccedilotildees incorretas (van Dijk amp Lane 2018) Corroborando com isso um estudo que comparou a crenccedila em neuromitos da populaccedilatildeo em geral educadores e pessoas com treinamento em neurociecircncia apontou para o fato de

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que as pessoas com treinamento em Neurociecircncia acreditavam menos em neuromitos (46) quando comparado com educadores (56) e o puacuteblico em geral (68) (Macdonald et al 2017) O mesmo estudo apontou que os preditores de apontar que uma informaccedilatildeo era um neuromito foi ter graduaccedilatildeo ler perioacutedicos cientiacuteficos revisado por pares e ter frequentado vaacuterios cursos de Neurociecircncia Somente ler jornalismo cientiacutefico natildeo eacute o suficiente para identificar um neuromito (Macdonald et al 2017) Ou seja a formaccedilatildeo cientiacutefica adequada pode auxiliar na melhor identificaccedilatildeo do que eacute um fato ou um mito

Eacute dever dos cientistas popularizar a ciecircncia ou seja transformar as descobertas cientiacuteficas em linguagem adequada para natildeo-cientistas (Bueno 2010) Diante disso primeiramente eacute preciso fortalecer a divulgaccedilatildeo neurocientiacutefica Haacute diversas iniciativas espalhadas no Brasil por meio de accedilotildees da extensatildeo universitaacuteria (eg Carvalho Macacare Rocha amp Ekuni 2020 Macacare et al 2018 Martins amp Mello-Carpes 2014 Rocha Macacare Cesaacuterio Benassi-Werke amp Ekuni 2019 Silva Grandi Castro amp Ekuni 2017 Vieira et al 2018 para uma revisatildeo ver Aranha Chichierchio amp Sholl-Franco 2015) Tambeacutem haacute iniciativas globais como ldquoBrain Awareness Weekrdquo promovido pela Dana Foundation e chancelada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Neurociecircncia e Comportamento (SBNeC) que incentiva instituiccedilotildees a organizarem eventos que visem popularizar a ciecircncia do ceacuterebro No que diz respeito especificamente aos neuromitos tambeacutem haacute iniciativas de divulgaccedilatildeo cientiacutefica no formato de livros (eg Ekuni Zeggio amp Bueno 2015 Zeggio Ekuni amp Bueno 2017) Macdonald et al (2017) apontam que as pessoas que acreditam em um neuromito tendem a acreditar em vaacuterios de forma agrupada assim no momento de desmitificar deve-se explicar sobre vaacuterios neuromitos juntos

Uma vez que as pessoas comeccedilam a acreditar nos neuromitos mesmo que essas informaccedilotildees incorretas sejam corrigidas ainda pode-se prevalecer a crenccedila na informaccedilatildeo anterior fenocircmeno conhecido com o influecircncia do efeito contiacutenuo da desinformaccedilatildeo (Continued Influence Effect of misinformation) (Ecker Hogan amp Lewandowsky 2017) Para evitar que isso aconteccedila deve-se buscar tentar preencher as lacunas do conhecimento via explicaccedilotildees

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alternativas e sempre que possiacutevel repetir essas explicaccedilotildees sem reforccedilar o mito (Lewandowsky Ecker Seifert Schwarz amp Cook 2012)

Pesquisas de memoacuteria que buscam compreender qual a melhor forma que corrigir uma informaccedilatildeo errada mostram que haacute maior probabilidade de correccedilatildeo da informaccedilatildeo se a fonte que corrige eacute dada por uma pessoa de confianccedila que natildeo necessariamente precisa ser expert no assunto (Guillory amp Geraci 2013) Apesar do estudo ser feito no campo de informaccedilotildees poliacuteticas os autores extrapolam esse achado para outras aplicaccedilotildees praacuteticas como desmitificar o fato de que vacina MMR [sarampo (measles) caxumba (mumps) e rubeacuteola (rubella)] natildeo causa autismo Diante disso podemos pensar na importacircncia da divulgaccedilatildeo cientiacutefica se mais pessoas forem alcanccediladas pela divulgaccedilatildeo cientiacutefica de qualidade haacute maior probabilidade de elas poderem corrigir informaccedilotildees erradas para outras pessoas Se a pessoa for de confianccedila possibilidade de corrigir possiacuteveis equiacutevocos eacute ainda maior

Alguns estudos mostram que para evitar o efeito da repeticcedilatildeo natildeo se deve reapresentar o mito antes de desmitificaacute-lo porque ao repeti-lo pode tornaacute-lo mais forte (Dechecircne et al 2010) Por exemplo um estudo em que se apresentava mitos e fatos sobre vacina teve como consequecircncia o efeito de contra-ataque (backfire effect) ou seja fortaleceu a crenccedila no mito da vacinaccedilatildeo (Pluviano Watt Ragazzini amp Della Sala 2019) Contudo outro experimento realizado dando uma informaccedilatildeo incorreta para o participante e depois apontando que a mesma era incorreta mostrou que a correccedilatildeo da informaccedilatildeo foi melhor do que quando natildeo havia essa repeticcedilatildeo da informaccedilatildeo incorreta (Ecker et al 2017) Ou seja ainda haacute controveacutersias na literatura sobre a melhor forma de corrigir uma informaccedilatildeo incorreta

Uma vez que eacute comum no meio jornaliacutestico e na divulgaccedilatildeo cientiacutefica apresentar mitos e fatos na tentativa de desmitificar uma informaccedilatildeo incorreta pode-se usar uma estrateacutegia cognitiva de solicitar que o leitor faccedila um julgamento da informaccedilatildeo enquanto lecirc o que pode evitar o efeito do contra-ataque quando comparado a solicitar um julgamento baseado na memoacuteria tempo depois de lido (Peter amp Koch 2015) Essa diferenccedila temporal de julgamento pode ser crucial para corrigir uma informaccedilatildeo incorreta jaacute que os autores pontuam que haacute uma tendecircncia de esquecer os argumentos lidos

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que explicam porque a informaccedilatildeo eacute falsa Outra forma de evitar o efeito do contra-ataque eacute enfatizar o fato com poucos argumentos repeti-lo e quando for falar do mito avisar explicitamente o leitor que falaraacute uma informaccedilatildeo incorreta (Lewandowsky et al 2012)

Recomenda-se tambeacutem evitar que a manchete seja sobre o mito em si por exemplo ldquoUsamos soacute 10 do ceacuterebrordquo e soacute no texto dizer algo como ldquocientistas comprovam que essa informaccedilatildeo eacute falsa poisrdquo O motivo pelo qual deve-se evitar destacar o mito se deve ao efeito da distintividade ou seja eventos que se sobressaem que satildeo destacados satildeo mais distintivos assim essas informaccedilotildees tendem a ser mais lembradas do que as que natildeo se sobressaem (Tulving amp Rosenbaum 2012)

Depois da miacutedia a segunda fonte pelo qual os educadores dizem que aprendem informaccedilotildees sobre o ceacuterebro sendo que algumas dessas satildeo equivocadas vem de curso de formaccedilatildeo de professores (Tardif et al 2015) Uma pesquisa no Canadaacute apontou essa fonte como uma das fontes principais de informaccedilotildees incorretas (Sarrasin et al 2019) Isso eacute preocupante e chama a atenccedilatildeo da formaccedilatildeo de qualidade para prevenccedilatildeo da crenccedila em neuromitos (Ekuni amp Pompeia 2016) Como exposto anteriormente uma formaccedilatildeo cientiacutefica adequada pode fazer com que as pessoas se protejam do efeito sedutor da Neurociecircncia (Lindell amp Kidd 2013) Assim outras frentes de combate estariam na melhoria da formaccedilatildeo cientiacutefica dos educadores bem como na ampliaccedilatildeo do diaacutelogo entre cientistas e professores (Ansari et al 2011) Tambeacutem sugere-se a necessidade de uma rede de comunicadores de pesquisa neurocientiacutefica para ampliar a ponte entre Neurociecircncias e Educaccedilatildeo e a oferta de conteuacutedo acessiacutevel e de alta qualidade para a sociedade (Goswami 2006) No Brasil a Rede Ciecircncia para Educaccedilatildeo (Rede CpE)3 eacute uma das redes que visam atingir essa meta

Consideraccedilotildees Finais

Neuromitos satildeo informaccedilotildees duvidosas equivocadas que envolvem a ciecircncia do ceacuterebro Haacute uma alta crenccedila nessas

3 httpcienciaparaeducacaoorg

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informaccedilotildees principalmente no campo educacional o que pode levar os educadores a adotarem estrateacutegias potencialmente fadadas ao fracasso Uma das explicaccedilotildees plausiacuteveis pelo qual os neuromitos satildeo espalhados e perpetuados se deve agrave neurofilia e agraves notiacutecias que a miacutedia lanccedila com explicaccedilotildees super simplificadas sobre as pesquisas das Neurociecircncias (Pasquinelli 2012) Como falta formaccedilatildeo (neuro)cientiacutefica adequada haacute pouco senso criacutetico para julgar essas se essas informaccedilotildees satildeo equivocadas ou natildeo Somado a isso haacute fenocircmenos que influenciam o julgamento e haacute variaacuteveis que interferem na correccedilatildeo da informaccedilatildeo incorreta Por exemplo o efeito da repeticcedilatildeo faz com que informaccedilotildees incorretas reapresentadas vaacuterias vezes tendem a ser julgadas como corretas pela familiaridade a poacutes-verdade no qual as crenccedilas individuais satildeo mais fortes do que os fatos e argumentos que contrapotildeem essa crenccedila Aleacutem disso haacute vaacuterios vieses cognitivos que podem fazer com que a crenccedila nessas informaccedilotildees incorretas perpetue como o vieacutes de confirmaccedilatildeo ignorando fatos conflitantes com a crenccedila e focando atenccedilatildeo em fatos que possam confirmar a crenccedila

Outra forma de combater os neuromitos pode se dar por meio de accedilotildees de divulgaccedilatildeo cientiacutefica de qualidade jaacute que por meio dela pode-se aumentar o conhecimento neurocientiacutefico da populaccedilatildeo Haacute diversas accedilotildees voltadas para isso espalhadas no mundo e no Brasil Entretanto para desmitificar as informaccedilotildees incorretas deve-se fazecirc-lo baseadas em evidecircncias cientiacuteficas levando em consideraccedilatildeo os processos dos estudos de memoacuteria para corrigir uma informaccedilatildeo incorreta tais como tomar cuidado com o efeito do contra-ataque Aleacutem disso deve-se ampliar o diaacutelogo entre Neurociecircncia e Educaccedilatildeo bem como melhorar a formaccedilatildeo cientiacutefica dos educadores

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A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas

Jayme Marrone Juacutenior

Introduccedilatildeo

Nos uacuteltimos anos a abordagem neurocientiacutefica se tornou uma referecircncia em pesquisas que buscam entender o ser humano em niacuteveis que vatildeo do fisioloacutegico ao social O caminho para se conseguir uma explicaccedilatildeo razoaacutevel acerca do funcionamento e da capacidade do ceacuterebro bem como sua influecircncia em nosso comportamento exige uma composiccedilatildeo de conteuacutedos que transcendem a especificidade de cada aacuterea do saber e mobilizam uma gama de cientistas que trabalham e pesquisam de forma multirreferencial

Diante deste cenaacuterio acreditamos que a Fiacutesica possa contribuir com algumas discussotildees principalmente com os conceitos da fiacutesica moderna mais especificamente da mecacircnica quacircntica No entanto se algueacutem diz compreender a mecacircnica quacircntica eacute porque verdadeiramente natildeo a conhece (Feynman 1985) Natildeo obstante entendendo nossa limitaccedilatildeo e ainda assim com intenccedilatildeo de favorecer a discussatildeo configuramos uma hipoacutetese que talvez possa acomodar algumas questotildees dentre elas aquela que mais nos incomoda que eacute a percepccedilatildeo da realidade

Os elementos fisioloacutegicos que captam a realidade e formam nossos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo tato olfato paladar) satildeo manipulados e interpretados por uma extensa e complexa rede neural O caminho desta percepccedilatildeo inicia quando o estimulo eacute detectado por um neurocircnio sensitivo que converte (luz som cheiro toque) em potenciais de accedilatildeo que desencadeiam um sinal de origem eletroquiacutemica O sinal

Autor para correspondecircncia jaymemarrone

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eacute conduzido a uma aacuterea de processamento primaacuterio de acordo com a natureza do estiacutemulo que por sua vez elabora as caracteriacutesticas iniciais da informaccedilatildeo tal como forma textura cor etc A partir daiacute a informaccedilatildeo elaborada por comparaccedilatildeo eacute transmitida aos centros de processamento secundaacuterio da regiatildeo talacircmica onde se incorpora agrave outras informaccedilotildees de origem liacutembica relacionadas com experiecircncias passadas (memoacuterias) Por fim chega ao seu centro cortical especiacutefico (visual olfativo etc) jaacute deveras alterado

Segundo Maturana amp Varela (1995) eacute possiacutevel observar que mesmo neste breve e simplificado resumo do caminho percorrido pelo estiacutemulo a enorme quantidade de variaacuteveis que podem afetar a percepccedilatildeo da realidade e ainda a dependecircncia que a mesma possui de uma lembranccedila anaacuteloga para que a informaccedilatildeo possa ser classificada e compreendida cognitivamente Desta maneira eacute razoaacutevel afirmar que cores sabores cheiros texturas existem apenas em nossa mente de acordo com os modelos que construiacutemos de nossas experiecircncias do mundo Mesmo sensaccedilotildees de objetos inexistentes podem ser experimentados dependendo da aacuterea cortical estimulada (Blanke 2004) Uma experiecircncia realizada com uma jovem epileacutetica de 22 anos pela equipe de Olaf Blanke da Escola Politeacutecnica Federal de Lausanne na Suiacuteccedila mostrou que ao aplicar estimulaccedilatildeo eleacutetrica localizada perto da regiatildeo de origem dos ataques epileacutepticos (junccedilatildeo temporoparietal esquerda) a paciente revelou sentir que algueacutem estava postado exatamente atraacutes dela

Experiecircncias deste tipo revelam que as percepccedilotildees por vezes diferem qualitativamente do estiacutemulo fiacutesico pois o ceacuterebro eacute sensibilizado pelos dados e os interpreta baseado em experiecircncias anteriores que servem de suporte cognitivo para acomodaacute-los e consequentemente atribuir algum significado em sua associaccedilatildeo

A informaccedilatildeo que natildeo se adequa ao modelo construiacutedo ou que natildeo pode ser apropriada com o arcabouccedilo de memoacuterias preacutevias eacute interpretada como uma perturbaccedilatildeo que pode levar agrave sua dispensa e consequente natildeo percepccedilatildeo ou sua incorporaccedilatildeo por meio de uma remodelaccedilatildeo das estruturas sinaacutepticas reorganizando os circuitos neurais de acordo com a conveniecircncia na necessidade de sua percepccedilatildeo essa eacute nossa premissa

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Compreender a relaccedilatildeo entre percepccedilatildeo e realidade foi a inspiraccedilatildeo para nossa pesquisa que tem a priori a pretensatildeo de investigar as causas que permeiam essa relaccedilatildeo articulando as propriedades fiacutesicas da mateacuteria com a dinacircmica das redes neurais

Eacute com o intuito de promover essa discussatildeo que descreveremos brevemente os temas que pautaram o desenvolvimento destes estudos iniciais chamado a priori de Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional (HCF) cujo objetivo eacute acrescentar elementos que permitam uma descriccedilatildeo da realidade vinculada agrave materialidade dos objetos fiacutesicos

A percepccedilatildeo desta materialidade eacute uma experiecircncia da consciecircncia e racionalmente explicada em termos de partiacuteculas subatocircmicas tais como proacutetons necircutrons e eleacutetrons

Tais partiacuteculas satildeo definidas a partir de propriedades fiacutesicas como massa e carga eleacutetrica que diante do paradigma atual satildeo consideradas inerentes agrave mateacuteria ou segundo (Moreira 2009) ditas propriedades fundamentais da mateacuteria Quando usamos o termo inerente sugerimos uma existecircncia taacutecita independente de qualquer outro elemento e isso parece natildeo se adequar aos princiacutepios da mecacircnica quacircntica no que tange agrave relaccedilatildeo entre observador e observado O problema eacute que de forma macroscoacutepica toda realidade construiacuteda pode parecer independente de quem observa o que leva o senso comum a concluir que um preacutedio existe independente de qualquer mente consciente que o observe

Esse eacute um ponto a ser discutido jaacute que entendemos a materialidade como consequecircncia da conveniecircncia funcional de uma rede ou sistema O viacutenculo entre observador e observado eacute funcional a ambos pois permite a manifestaccedilatildeo da materialidade dos dois e de todo o sistema

Os conceitos de materialidade e realidade tem na Fiacutesica um campo frutiacutefero de discussatildeo diante da proposta das interaccedilotildees fundamentais1 cuja evoluccedilatildeo parece que caminha a uma unificaccedilatildeo

1 Haacute quatro tipos de interaccedilotildees fundamentais eletromagneacutetica gravitacional forte e fraca A interaccedilatildeo entre um eleacutetron e um nuacutecleo atocircmico (eletromagneacutetica) a atraccedilatildeo entre quarks eacute do tipo interaccedilatildeo forte o decaimento β exemplifica a interaccedilatildeo fraca a interaccedilatildeo gravitacional atua entre todas as partiacuteculas massivas e eacute a que governa o movimento dos corpos celestes

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destas interaccedilotildees o que explicaria o Universo sob uma perspectiva muito mais simples No entanto na busca por um bloco fundamental de mateacuteria percebemos que quanto mais tentamos isolaacute-los mais elementos aparecem por exemplo ao olhamos para uma moleacutecula e percebemos aacutetomos olhando para o aacutetomo percebemos eleacutetrons e nuacutecleo olhando para o nuacutecleo percebemos proacutetons e necircutrons olhando para estes percebemos os quarks e assim parece ser infinita a busca

Cada vez que aprimorarmos nossas lentes sobre o mundo encontraremos mais elementos natildeo por que eles existem por si soacute mas porque convenientemente atribuiacutemos a eles uma funccedilatildeo um significado justificando nossa percepccedilatildeo dos mesmos Eacute essa a ideia inicial para nossa proposiccedilatildeo

Se conseguimos interagir com as coisas e adjetivaacute-las como realidade eacute porque para noacutes sua existecircncia eacute conveniente A manifestaccedilatildeo dessa realidade ocorre na conveniecircncia do observador onde ele proacuteprio eacute resultado desta conveniecircncia em relaccedilatildeo a um sistema mais complexo e assim indefinidamente

Associamos essa conveniecircncia ao termo funcional pois percebemos a realidade naquilo que para noacutes eacute conveniente aquilo que para noacutes tem alguma funccedilatildeo de existir Se isso natildeo ocorrer natildeo percebemos natildeo eacute real

Esta concepccedilatildeo de realidade pautada em uma relaccedilatildeo entre observadorobservado eacute verificada tambeacutem a partir da hipoacutetese de Copenhagen2 que atribui ao ato de observar uma accedilatildeo que provoca o colapso da funccedilatildeo de onda Significa que embora antes da mediccedilatildeo o estado do sistema permita muitas possibilidades o processo de mediccedilatildeo elege apenas uma delas aleatoriamente e a funccedilatildeo de onda modifica-se para o resultado dessa escolha

A contribuiccedilatildeo da HCF eacute que consideramos que natildeo haacute aleatoriedade no colapso da funccedilatildeo de onda e sim uma funcionalidade pressuposta devido ao contexto em que a partiacutecula

2 Desenvolvida por Niels Bohr e Werner Heisenberg que trabalhavam juntos em Copenhague em 1927 Considera sem sentido perguntas como ldquoonde estava a partiacutecula antes de a sua posiccedilatildeo ter sido medida Ela defende que em Mecacircnica Quacircntica os resultados satildeo indeterminiacutesticos e que o ato de observar provoca o ldquocolapso da funccedilatildeo de onda

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 83

se encontra As relaccedilotildees necessaacuterias agrave subsistecircncia do sistema satildeo que determinam qual ou quais qualidades da partiacutecula seratildeo mais adequadas agrave manifestaccedilatildeo

Acreditamos que os sistemas tendem a se auto organizarem para que sejam funcionais e a explicaccedilatildeo para isso eacute a conveniecircncia de sua proacutepria existecircncia A ideia da reorganizaccedilatildeo dos circuitos neurais para construir nossa percepccedilatildeo da realidade encontra na HCF um respaldo que reforccedila sua pertinecircncia uma vez que o rearranjo sinaacuteptico eacute consequecircncia da necessidade de aprimorar ou substituir funccedilotildees neurais fenocircmeno que remete agrave plasticidade cerebral base da memoacuteria e da aprendizagem

Ao considerarmos realidade como um aspecto da materialidade das coisas e essa por sua vez a consequecircncia da manifestaccedilatildeo das propriedades fundamentais das partiacuteculas entatildeo compreender tais propriedades eacute o caminho escolhido por noacutes para investigar essa relaccedilatildeo

Referenciais Teoacutericos

Em nossa revisatildeo bibliograacutefica encontramos vaacuterias definiccedilotildees e classificaccedilotildees do conceito massa Os mais comuns estatildeo associados ainda agraves concepccedilotildees de Isaac Newton em sua obra Princiacutepios Matemaacuteticos da Filosofia Natural de acordo com Castellani (2001) que incorpora a dificuldade de modificar o estado de repouso ou movimento de um objeto com sua massa a chamada Ineacutercia dos corpos Temos ainda uma associaccedilatildeo com um gradiente de energia mas mesmo na Teoria da Relatividade Geral podemos natildeo encontrar uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria para massa

Quando procuramos uma definiccedilatildeo de carga eleacutetrica encontramos os mesmos obstaacuteculos ou seja a comunidade cientifica parece direcionar a compreensatildeo de carga eleacutetrica a uma propriedade fundamental da partiacutecula ou uma qualidade da partiacutecula observada experimentalmente pelos desvios em suas trajetoacuterias quando em movimento no interior de um campo magneacutetico

Segundo Young e Freedman (2004) natildeo eacute possiacutevel especificar exatamente o que eacute a carga eleacutetrica mas eacute possiacutevel descrever seu comportamento e suas propriedades Os autores afirmam ainda que

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a carga eleacutetrica eacute uma das principais propriedades das partiacuteculas que constituem a mateacuteria tal como a massa Sobre isto (Nussenzveig 2001) afirma que a carga eleacutetrica eacute uma propriedade intriacutenseca de partiacuteculas que constituem a mateacuteria

O mundo fiacutesico como conhecemos estaacute baseado nessas duas propriedades ditas fundamentais e atribuiacutemos a noccedilatildeo de realidade agrave manifestaccedilatildeo delas ou seja eacute real aquilo que eacute sensiacutevel aos nossos sentidos e que de alguma maneira interage conosco (introspecccedilatildeo)

Sobre a realidade do mundo passamos por vaacuterios pensadores de Aristoacuteteles ateacute Heisenberg no entanto o fiacutesico teoacuterico italiano Carlo Rovelli consegue chegar bem proacuteximo de nossa expectativa acerca do mundo como construccedilatildeo mental

Em seu livro A realidade natildeo eacute o que parece (Rovelli 2017) ele discute alguns desdobramentos da mecacircnica quacircntica no sentido de que a mesma natildeo descreve os objetos como satildeo mas como acontecem e como influenciam uns nos outros O mundo real eacute o mundo das interaccedilotildees possiacuteveis onde a realidade eacute reduzida a relaccedilatildeo Segundo o autor ldquonatildeo satildeo as coisas que podem entrar em relaccedilatildeo mas satildeo as relaccedilotildees que datildeo origem agrave noccedilatildeo de coisardquo (Rovelli 2017 p113)

A mecacircnica quacircntica ainda segundo Rovelli amplia essa relatividade dizendo que todas as caracteriacutesticas (para noacutes qualidades) de um objeto soacute existem em relaccedilatildeo a outros objetos Em nosso trabalho esta relaccedilatildeo eacute a questatildeo da funcionalidade entre os integrantes do sistema

A Teoria Quacircntica coloca algumas questotildees fundamentais diante do paradigma mecanicista de Newton dentre elas duas nos chamam atenccedilatildeo O fato de que o ato de observar influencia o fenocircmeno e a outra chamada de princiacutepio da incerteza de Heisenberg diz que jamais saberemos com exatidatildeo a posiccedilatildeo e o movimento de partiacuteculas Heisenberg deixa claro que o determinismo da natureza eacute uma ilusatildeo A natureza natildeo nos fornece certezas mas probabilidades e assim sendo o mundo eacute apenas uma aproximaccedilatildeo da realidade

Foi Albert Einstein quem inicialmente questionou o caraacuteter inerentemente incerto da natureza em sua criacutetica ao indeterminismo da Teoria Quacircntica Segundo a explicaccedilatildeo para natildeo encontramos o bloco fundamental da mateacuteria natildeo eacute porque a natureza eacute probabiliacutestica

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mas porque natildeo criamos ainda um instrumento adequado para medi-la (Einstein 1936) Neste aspecto a HCF confirma o que Einstein diz jaacute que se conseguimos medir algo eacute porque atribuiacutemos a ele uma funccedilatildeo e desta forma as propriedades fiacutesicas da mateacuteria necessaacuterias agrave percepccedilatildeo satildeo manifestas natildeo porque jaacute existem mas porque eacute conveniente ao sistema que sejam medidas ou percebidas o que chamamos de realidade Essa conveniecircncia eacute um aspecto sutil natildeo atribuiacuteda especificamente a um observador mas ao sistema ao qual esteja associado

No que se refere agrave construccedilatildeo da realidade pelo indiviacuteduo consciente escolhemos a Teoria dos Construtos Pessoais do Fiacutesico Matemaacutetico e Psicoacutelogo americano George Kelly jaacute citado anteriormente Embora Kelly sustente um universo alheio ao observador a maneira como o ser se relaciona e constroacutei seu proacuteprio universo a partir da sua conveniecircncia eacute ponto chave do nosso trabalho A conveniecircncia estaacute associada agrave necessidade de previsatildeo e por consequecircncia de controle cujo intuito eacute a proacutepria manutenccedilatildeo da existecircncia O indiviacuteduo participante do sistema e consciente dele constroacutei sua proacutepria interpretaccedilatildeo do mundo a partir de suas experiecircncias e as modula de acordo com sua conveniecircncia na tentativa de preservar essa construccedilatildeo e com isso consegue atribuir a si mesmo uma funccedilatildeo

Na questatildeo da consciecircncia buscamos em David Chalmers3 que coloca a informaccedilatildeo como uma propriedade tatildeo essencial da realidade quanto a mateacuteria e a energia sendo a experiecircncia consciente uma caracteriacutestica fundamental irredutiacutevel a qualquer coisa baacutesica (Chalmers 1995)

Em (Damaacutesio 2000) a consciecircncia estaacute associada agrave capacidade de percepccedilatildeo de si e do ambiente explicando assim que a materialidade de quem observa eacute por ele manifesta de acordo com o padratildeo neural que possui de si mesmo Em outras palavras criamos a realidade e somos por ela criados compondo um sistema que se auto alimenta diante da materializaccedilatildeo do que venha a ser real

3 Professor de Filosofia Diretor do Centro de Consciecircncia na Universidade Nacional da Austraacutelia

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Desta forma podemos apenas descrever o estado do sistema em um dado ponto da linha temporal de seu desenvolvimento ressaltando eacute claro o estado presente mas podendo sim transitar entre as memoacuterias do passado e as projeccedilotildees das previsotildees futuras seguindo a linha dos construtos pessoais (Kelly 1963)

Natildeo podemos deixar de citar o fiacutesico indiano Amit Goswani4 que em seu livro ldquoO Universo Autoconscienterdquo afirma que eacute a consciecircncia que cria a mateacuteria e natildeo o oposto (Goswami 1998) Para ele a consciecircncia pode ser definida como o agente que afeta objetos quacircnticos para lhes tornar o comportamento apreensiacutevel pelos sentidos o que daacute origem ao que denominamos realidade

Para exemplificarmos um eleacutetron eacute considerado um objeto quacircntico pois seu comportamento por vezes eacute descrito como partiacutecula e por outras como onda

Para a Fiacutesica Moderna natildeo eacute possiacutevel afirmar que um objeto quacircntico se manifeste no espaccedilo-tempo ateacute que o observemos como uma partiacutecula e eacute neste ponto que Goswani (1998) afirma ser a consciecircncia o fator responsaacutevel por produzir o colapso da funccedilatildeo de onda ou em outras palavras eacute a consciecircncia que provoca a materializaccedilatildeo do observador e do objeto simultaneamente entrelaccedilados A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional complementa a afirmaccedilatildeo de Goswani ao supor que o fenocircmeno da consciecircncia surge da necessidade de quem a tenha de atribuir a si eou ao meio uma funccedilatildeo que contribui com a existecircnciamanutenccedilatildeo da rede que os conteacutem

Para discutir a questatildeo formaccedilatildeo dos sistemas natildeo apenas do ponto de vista geomeacutetrico em sua estrutura fiacutesica mas tambeacutem sob a perspectiva das organizaccedilotildees buscamos em (Debrun 1996) os conceitos de Organizaccedilatildeo e Auto-organizaccedilatildeo (AO) Para o autor uma organizaccedilatildeo ou ldquoformardquo eacute auto-organizada quando se produz a si proacutepria Debrun distingue dois tipos de Auto-organizaccedilatildeo

a) Primaacuteria ocorre quando um novo sistema se forma a partir do encontro de elementos que pertenciam a outros sistemas Ex origem da vida

4 PhD em fiacutesica quacircntica autor de inuacutemeros artigos cientiacuteficos aleacutem de pro fessor titular de fiacutesica no Instituto de Fiacutesica Teoacuterica da Universidade do Oregon

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b) Secundaacuteria ocorre em um sistema jaacute constituiacutedo quando um novo padratildeo de organizaccedilatildeo se forma a partir das interaccedilotildees entre seus componentes e com o ambiente Ex jogo de basquete

Dado que toda organizaccedilatildeo tem como base elementos discretos conveacutem apreciar que a forma auto-organizada natildeo se produz no vazio mas a partir de tais elementos Consideramos as influecircncias do meio externo como um dos fatores que desencadeiam o rearranjo sistecircmico mas este soacute ocorre mediante as relaccedilotildees entre os integrantes

Em nossa concepccedilatildeo de auto-organizaccedilatildeo natildeo haacute nenhum tipo de controle imposto pelo meio na configuraccedilatildeo do sistema cujo uacutenico intuito eacute a subsistecircncia do todo O proacuteprio sistema reconhece o meio e consequentemente cria a demanda de reestruturaccedilatildeo Isto ocorre porque eacute na necessidade de refletir sobre as relaccedilotildees novas e antigas entre os integrantes do sistema que eacute pautada a existecircncia do mesmo

Se aplicarmos a hipoacutetese em nosso cotidiano podemos dizer que os problemas que surgem no dia a dia servem apenas para atribuir a noacutes mesmos a funcionalidade de sua resoluccedilatildeo ou seja criamos os problemas para que convenientemente o sistema nos confira uma funccedilatildeo e desta forma possamos pertencer a ele

O fenocircmeno da auto-organizaccedilatildeo tambeacutem eacute discutido por (Prigogine amp Glansdorff 1971)5 a partir da segunda lei da termodinacircmica e mostra que ele gera estruturas dissipativas criadas e mantidas atraveacutes de trocas de energia com o meio externo em condiccedilotildees de natildeo-equiliacutebrio Estas estruturas dissipativas satildeo dependentes de uma nova ordem denominada pelos autores de ordem por flutuaccedilotildees Nestes processos auto-organizadores a estrutura eacute mantida por meio de dissipaccedilotildees energeacuteticas na qual a energia se desloca gerando simultaneamente a estrutura atraveacutes de um processo contiacutenuo Se as flutuaccedilotildees satildeo pequenas o sistema as acomoda natildeo modificando a sua estrutura organizacional mas se as flutuaccedilotildees atingem um tamanho criacutetico desencadeiam um desequiliacutebrio no sistema ocasionando novas interaccedilotildees e

5 Ilya Prigogine quiacutemico russo naturalizado belga Recebeu o Nobel de Quiacutemica de 1977 pelos seus estudos em termodinacircmica de processos irreversiacuteveis com a formulaccedilatildeo da teoria das estruturas dissipativas

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reorganizaccedilotildees intra-sistecircmicas Os antigos modelos interagem entre eles de novas maneiras e estabelecem novas conexotildees As partes se reorganizam em um novo todo e o sistema alcanccedila uma ordem mais elevada

Note que os autores envolvem o ambiente a partir da necessi-dade de troca energeacutetica com os constituintes do sistema e natildeo como elemento influenciador do processo de auto-organizaccedilatildeo Para o nosso estudo essa nova ordem sistecircmica eacute que determina a materialidade funcional e consequentemente qual ou quais propriedades da partiacutecula deveratildeo se manifestar de acordo com sua conveniecircncia

Desenvolvimento

A Proposta

Se a materialidade das coisas eacute atribuiacuteda pelo emaranhado composto pelo observador observado e ambiente e que a necessidade de funcionalidade determina a manifestaccedilatildeo das propriedades fundamentais propomos que a realidade seja uma consequecircncia da conveniecircncia funcional deste sistema onde as relaccedilotildees eacute que satildeo determiniacutesticas e natildeo os objetos O proacuteprio sistema cria e eacute criado a todo instante diante de uma uacutenica proposiccedilatildeo associar-se para existir

Essa conveniecircncia eacute ratificada por exemplo quando acreditamos na continuidade dos objetos que percebemos em nosso redor Na verdade as imagens formadas em nossa retina persistem no local em torno de 01s ateacute que se possa receber outro estimulo visual ou seja aquilo que acreditamos ser continuo na verdade eacute fragmentado

Se tiveacutessemos que lidar com a consciecircncia dessa fragmentaccedilatildeo isso levaria todo o sistema a um colapso de energia (Kist amp Garattoni 2012) Para evitar isso eacute conveniente ao organismo que o ceacuterebro atue na complementaccedilatildeo das lacunas visuais na formaccedilatildeo de imagens com uma memoacuteria experiencial similar da situaccedilatildeo Eacute necessaacuteria uma modulaccedilatildeo das estruturas que compotildeem a percepccedilatildeo da realidade para que o sistema continue funcional e que o Todo se torne mais importante que as partes

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Sob a mesma lente na tentativa de compreender o Universo como um sistema funcional criamos as interaccedilotildees fundamentais para que separadamente pudeacutessemos dar conta de uma descriccedilatildeo apropriada a cada contexto observado ou seja criamos a ideia de que estas interaccedilotildees existem por serem inerentes agrave natureza pois esquecemos que elas surgem quando tentamos delimitar um fenocircmeno

A tentativa de isolarmos determinado evento para simplificar sua compreensatildeo tem como consequecircncia o aparecimento de qualidades decorrentes da separaccedilatildeo Precisamos entender que a atitude de delimitaccedilatildeo eacute possiacutevel mas sempre tendo em mente que algumas variaacuteveis surgem natildeo por serem intriacutensecas ao objeto de estudo mas resultado desta delimitaccedilatildeo Eacute como se imaginaacutessemos uma rede sendo rompida e as pontas soltas satildeo anaacutelogas as variaacuteveis que surgem mas que ao retomar suas conexotildees desaparecem reorganizando a formaccedilatildeo do Todo ou seja de uma rede iacutentegra novamente

Natildeo haacute motivo para descrevermos o Universo em versotildees de massa carga cor ou sabor Estas qualidades satildeo suprimidas quando equacionarmos a associaccedilatildeo o que significa que natildeo precisamos entender o que eacute massa para descrever a accedilatildeo gravitacional mas compreender qual a funccedilatildeo da massa dentro do contexto nem do caraacuteter carga eleacutetrica mas da funccedilatildeo carga e assim sucessivamente

De acordo com a HCF a realidade do Universo eacute consequecircncia de sua funcionalidade e a incerteza bem como as propriedades fundamentais da mateacuteria satildeo recursos necessaacuterios para convenientemente expandir os limites de suas funccedilotildees A expansatildeo do Universo eacute a ampliaccedilatildeo de seus atributos funcionais justamente porque tentamos medi-lo e ao fazecirc-lo oferecemos a ele mais uma funccedilatildeo Isso tambeacutem se aplica a existecircncia dos quarks e outras subpartiacuteculas

A natureza pode ser descrita por sua conveniente funccedilatildeo sendo as propriedades fundamentais da mateacuteria apenas traccedilos elegantes decorrentes da criaccedilatildeo de subsistemas (rupturas do todo) e cuja percepccedilatildeo se natildeo considerarmos o contexto revela apenas versotildees aproximadas de sua existecircncia A partir disso a busca por uma

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unificaccedilatildeo se torna inoacutecua ao inveacutes disso temos outro desafio que eacute descobrir o referencial ao qual tal manifestaccedilatildeo eacute funcional

As coisas satildeo o que satildeo e estatildeo onde estatildeo porque para algueacutem ou algo aquela situaccedilatildeo eacute convenientemente funcional que assim sejam e estejam Assim podemos apenas refletir e compreender que podem ser e podem estar e que natildeo haacute essecircncia em ser e estar

Para ajudar na compreensatildeo dessa proposta reunimos algumas informaccedilotildees jaacute aceitas pelo paradigma cientiacutefico atual direta ou por consequecircncia sob forma de postulados

I A existecircnciarealidade eacute funccedilatildeo direta da observaccedilatildeo Efeito Zeno Quacircntico (Patil Chakram amp Vengalattore 2015)

II A observaccedilatildeo nunca eacute isenta de motivaccedilatildeo A utilidade e a funccedilatildeo (Araujo 2006)

III A Forma eacute uma qualidade de partiacuteculas que agrega funcionalidade tal qual a massa e carga eleacutetrica

Assim a propriedade massa ocorre quando a funccedilatildeo de ser mateacuteria (interaccedilotildees gravitacionais e inerciais) eacute mais conveniente Por exemplo uma pessoa que deseja sentar busca ao seu redor uma cadeira Se no ambiente houver alguma probabilidade de partiacuteculas formarem um sistema que tem por funccedilatildeo ser uma cadeira a qualidade massa daquelas partiacuteculas que constituem o sistema se manifesta no campo de probabilidade local

A carga eleacutetrica tambeacutem se manifesta quando as interaccedilotildees eletromagneacuteticas satildeo mais convenientes como exemplo a repulsatildeo eleacutetrica entre as eletrosferas dos aacutetomos da cadeira e da pessoa jaacute que a repulsatildeo eletromagneacutetica eacute cerca de 1040 vezes mais intensa que a atraccedilatildeo gravitacional evita-se desta forma que a pessoa atravesse a cadeira possibilitando exercer a funccedilatildeo de acondicionar algueacutem sentado

Propomos que tal qual a massa e a carga eleacutetrica o arranjo das partiacuteculas mediante sua funccedilatildeo dentro do contexto eacute uma propriedade fundamental da mateacuteria e como tal deve ser considerada como variaacutevel sistecircmica que tem como premissa representar a relaccedilatildeo

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entre observador e observado em sua disposiccedilatildeo espaccedilo-temporal6 ou melhor dizendo em sua predisposiccedilatildeo espaccedilo-temporal

De certa forma enquanto natildeo for funcional para o sistemarede tudo eacute uma questatildeo de potencial (probabilidade) e a partir daiacute a concepccedilatildeo de onda de probabilidade faz sentido pois elimina a necessidade de atribuirmos inerecircncia agraves coisas

Incorporamos assim o fato de que se de alguma forma um elemento for uacutetil (funcional) as propriedades da mateacuteria se manifestam se natildeo fica na forma de potencial criando a partir do observador consciente um campo de possibilidades

No que diz respeito a este observador ele soacute eacute parte integrante de um sistema se sua funccedilatildeo integrativa contribuir para a subsistecircncia do todo Eacute essa funccedilatildeo integrativa ou seja a dependecircncia entre os constituintes da rede que de forma hieraacuterquica elege uma entre tantas possibilidades descritas na funccedilatildeo de onda explicando desta forma porque indiviacuteduos diferentes manifestam a mesma realidade Caso um deles manifeste algo diferente este evento natildeo contribui para a formaccedilatildeo do grupo Aquele que natildeo comunga da mesma manifestaccedilatildeo se exclui

A maior probabilidade no colapso da funccedilatildeo de onda natildeo eacute uma caracteriacutestica intriacutenseca ao ambiente ou especificamente do observador mas uma necessidade do conjunto que os envolve ao qual denominamos rede ou sistema

Participar de um grupo ou arranjo parece ser mais vantajoso em termos de subsistecircncia do que permanecer isolado jaacute que um conjunto do ponto de vista organiacutesmico possui propriedades especificas que isolados seus integrantes natildeo tecircm Como contempladores da realidade que somos fazemos isso a todo instante criando oportunidades sobrepostas a oportunidades e se acercando delas na tentativa de evitar o risco de natildeo ter funccedilatildeo o que estaacute atrelado agrave inexistecircncia

6 Sistema de coordenadas utilizado como base para o estudo da relatividade restrita e relatividade geral O tempo e o espaccedilo tridimensional satildeo concebidos em conjunto como uma uacutenica variedade de quatro dimensotildees a que se daacute o nome de espaccedilo-tempo Um ponto no espaccedilo-tempo pode ser designado como um ldquoacontecimentordquo Cada acontecimento tem quatro coordenadas (t x y z) ou em coordenadas angulares t r θ e φ que dizem o local e a hora em que ele ocorreu ocorre ou ocorreraacute

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Desta maneira este arranjo denominado por noacutes como Forma possui as mesmas atribuiccedilotildees das grandezas fiacutesicas descritas como massa e carga desde suas transmissotildees via campo ateacute sua mediaccedilatildeo como partiacutecula

Forma uma Questatildeo Ontoloacutegica

De acordo com o contexto Forma pode ser empregada em diversas s i tuaccedilotildees Seu uso comum serve para demonstrar uma f igura externa de um material soacutelido Eacute por isso que podemos classificar os diferentes objetos em quadrados esferas ciacuterculos entre outros Neste sentido a classificaccedilatildeo das formas se refere agraves formas geomeacutetricas Por outro lado o conceito de forma estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo das coisas em nossa mente A maneira como algo eacute estabelecido ou entatildeo o modo como eacute feito tambeacutem eacute conhecido como forma

Segundo a metafiacutesica aristoteacutelica mateacuteria e forma satildeo princiacutepios distintos mas absolutamente complementares (Zingano 2003) A mateacuteria se define por aquilo que uma coisa existe ou quando algo for feito e representa a essecircncia da substacircncia Por exemplo se uma mesa foi feita de pedra sendo esta sua principal substacircncia a pedra eacute por natureza o fundamento da essecircncia eacute a mateacuteria Por outro lado a mesa ao ser feita adquiriu um determinado modelo eacute justamente essa determinaccedilatildeo que se entende por forma Entatildeo a forma faz com que uma coisa seja isso ou aquilo e seu aspecto referencial eacute meramente acidental e natildeo substancial

Mas a que serve a natureza da mesa (pedra) Sua funcionalidade (forma) parece ser mais uacutetil pois se pensarmos em apoiar pratos ou panelas efetivamente natildeo importa se a mesa eacute de pedra ou madeira Entendemos claramente que o conjunto de peacutes e tampo juntos eacute mais efetivo do que separados uma vez que se estivessem simplesmente amontoados natildeo teriam a forma de mesa e portanto sem funccedilatildeo No entanto de acordo com nossa premissa se de alguma maneira interagirmos com os mesmos tornam-se potenciais de ser mesa (funccedilatildeo) o que de maneira consciente passam a ser realidade

A forma parece mais sutil do que a essecircncia Tatildeo sutil e imaterial a ponto de natildeo ser sensiacutevel aos sentidos Ela surge em nossa mente

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e natildeo requer nada material exceto uma experiecircncia anterior daquilo que supostamente como no exemplo chamamos de mesa Sendo assim sobre sua propagaccedilatildeo jaacute que natildeo arrasta mateacuteria pode ser transmitida como onda tal qual a luz Mas a luz em sua propagaccedilatildeo eacute uma interaccedilatildeo de campos eleacutetrico e magneacutetico entatildeo talvez a Forma tambeacutem possa se propagar da mesma maneira Um campo que transporta a forma que daacute origem a ela quando as partiacuteculas que satildeo por ele sensibilizadas se encontram em seu interior um campo MORFO (forma) GENETICO (radical indo-europeu gen-gne- nascer gerar) um campo que gera a forma

Como em nossa proposta colocamos a Forma como uma qualidade da partiacutecula tal qual a massa e a carga eleacutetrica e ainda lembrando que essas qualidades satildeo propagadas atraveacutes de seus respectivos campos recorremos ao trabalho do bioacutelogo Rupert Sheldrake7 (1981) sobre campos morfogeneacuteticos Segundo ele

Eles satildeo campos natildeo fiacutesicos que exercem influecircncia sobre sistemas que apresentam algum tipo de organizaccedilatildeo inerente Todas estas coisas satildeo organizadas por si mesmas Um aacutetomo natildeo tem que ser criado por algum agente externo ele se organiza soacuterdquo ldquoEsta teoria trata sistemas naturais auto-organizados e a origem das formas E eu assumo que a causa das formas eacute a influecircncia de campos organizacionais campos formativos que eu chamo de campos moacuterficos A caracteriacutestica principal eacute que a forma das sociedades ideias cristais e moleacuteculas dependem do modo em que tipos semelhantes foram organizados no passado Haacute uma espeacutecie de memoacuteria integrada nos campos moacuterficos de cada coisa organizada Eu concebo as regularidades da natureza como haacutebitos mais que por coisas governadas por leis matemaacuteticas eternas que existem de algum modo fora da natureza (Sheldrake 1981)

Reconhecemos a contribuiccedilatildeo do autor nesta nova perspectiva sobre os Campos Morfogeneacuteticos no entanto em nosso trabalho noacutes os consideramos como campos fiacutesicos e acreditamos que seu tratamento formal deveraacute seguir os mesmos moldes dos campos gravitacional e eleacutetrico Se cada qualidade da partiacutecula (massa e carga) desenvolve seu proacuteprio campo a Forma natildeo deve ser diferente

7 Bioacutelogo bioquiacutemico parapsicoacutelogo escritor e palestrante inglecircs mais conhecido por sua teoria da morfogecircnese Pesquisador em bioquiacutemica e fisiologia vegetal descobriu junto com Philip Rubery o mecanismo de transporte da auxina

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A analogia dos campos morfogeneacuteticos com os campos fiacutesicos estaacute em sua existecircnciacomprovaccedilatildeo uma vez que o campo gravitacional soacute eacute observaacutevel em seus efeitos sobre partiacuteculas dotadas de massa assim como o campo eletromagneacutetico soacute eacute comprovado por seu efeito sobre cargas eleacutetricas propomos que o campo morfogeneacutetico tenha seu efeito observado sobre a Forma das partiacuteculas Se a mudanccedila no comportamento de partiacuteculas dotadas de carga eou massa quando imersas em seus respectivos campos ratifica a existecircncia desses campos a modificaccedilatildeo na Forma ou organizaccedilatildeo das mesmas tambeacutem comprovaria a existecircncia dos campos morfogeneacuteticos

De acordo com nosso terceiro postulado8 o conceito de campo morfogeneacutetico bem como sua comprovaccedilatildeo fica atrelado agrave causa da forma dos sistemas e sua influecircncia tem por si soacute maior ou menor intensidade de acordo com a necessidade eou importacircncia que a organizaccedilatildeo da particulasistema tem em relaccedilatildeo ao contexto

Entendemos tambeacutem que o aspecto final de um agrupamento pode ser representado em funccedilatildeo de sua estabilidade mecacircnica funcional (massa) estabilidade eletromagneacutetica (carga eleacutetrica) ou ainda estabilidade organizacional (forma) dependendo na necessidade de subsistecircncia do sistema em sua conexatildeo com o ambiente

Essa necessidade natural dos sistemas em se acomodar diante das variaccedilotildees do ambiente eacute melhor compreendida se lanccedilarmos matildeo do conceito de auto-organizaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo e Auto-Organizaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo do grego organon eacute uma palavra relacionada a agrupamentos que tendo elementos (composiccedilatildeo) juntos (conectividade) se constroem (estrutura) formando nuacutecleos subsistemas (Integralidade) que permitem desta maneira o surgimento de funccedilotildeespropriedades singulares ao conjunto (Funcionalidade)

8 A Forma eacute uma qualidade dos sistemas que agrega funcionalidade tal qual a massa e carga eleacutetrica

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Graccedilas agrave organizaccedilatildeo um sistema assume propriedades que natildeo podem ser encontradas nas entidades isoladas ou mesmo na simples reuniatildeo delas Quando um elemento externo ao sistema provoca a reuniatildeo das partes entendemos que o evento ocorre a custas de um fornecimento de energia e desta maneira temos uma organizaccedilatildeo forccedilada cuja manutenccedilatildeo remete agrave instabilidade (Figura 1)

A probabilidade das bolas se organizarem em uma pilha eacute muito pequena sugerindo entatildeo que algueacutem (elemento externo) faccedila isso ou seja algueacutem forneceu energia para que o sistema se organizasse daquela maneira Observemos ainda que o conjunto possui uma energia potencial devido agrave sua organizaccedilatildeo No entanto quando um sistema eacute sujeito a um estimulo (ruiacutedo) miacutenimo externo (algueacutem tira uma bola da base) este se acomoda de maneira mais estaacutevel (Figura 2) o que eacute comum estar associado a uma desorganizaccedilatildeo que indica um grau mais alto de entropia

Organizado Instaacutevel

Figura 1 Fonte httpsptdreamstimecomfoto-de-stock-equipamento-de-esporte-das-bolas-de-tC3AAnis-no-fundo-branco-image94280211

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Desorganizado Estaacutevel

Figura 2 Fonte httpsbrdepositphotoscom90881494stock-photo-basket- of-tennis-balls-scatteredhtml

Quando isso ocorre o sistema libera energia ao meio externo (Figura 3) e eacute nesse contexto que o ser humano demonstra sua maior habilidade que eacute reconhecer as transformaccedilotildees de energia e utilizaacute-las em seu benefiacutecio pois compreende que ao observar a tendecircncia dos sistemas agrave desorganizaccedilatildeo pode usufruir da energia liberada a seu favor

Verificamos que a maneira como o sistema se estabiliza parece desorganizado no entanto se prestarmos um pouco mais de atenccedilatildeo perceberemos que de todas as possibilidades de desorganizaccedilatildeo uma em especial foi escolhida Eacute como se os integrantes do sistema produzissem o resultado final de acordo com a necessidade de adaptaccedilatildeo ao ambiente para atingir sua estabilidade

Nesse contexto entendemos que a desorganizaccedilatildeo de um sistema eacute o resultado de um processo de auto-organizaccedilatildeo ou seja um evento espontacircneo natildeo aleatoacuterio e com a caracteriacutestica de que a repeticcedilatildeo aumenta sua recorrecircncia

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Ao se desorganizar o sistema liberaenergia ao meio como uma queda

dacuteaacutegua fornece eletricidade

SISTEMA

O sistema recebe energia do meioexterno para se organizar

DesorganizadoEstaacutevel

OrganizadoInstaacutevel

Figura 3 Fonte Do autor

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Um sistema para ser auto-organizado tem algumas caracteriacutesticas especiacuteficas que definem para noacutes as condiccedilotildees fundamentais para o surgimento das propriedades fiacutesicas da mateacuteria Satildeo elas

bull Redundacircncia Estrutural Eacute a repeticcedilatildeo dos elementos baacutesicos constituintes

bull Redundacircncia Funcional Semelhanccedila entre os processos executados

bull Adaptaccedilatildeo Funcional Capacidade do sistema de deslocar e distribuir funccedilotildees

bull Confiabilidade Sistemaacutetica Quando sistemas altamente complexos possuem as trecircs primeiras caracteriacutesticas eles adquirem a capacidade de aceitar um certo niacutevel de intromissatildeo (ruiacutedodesordem) em sua organizaccedilatildeo sem que a estrutura entre em colapso Na verdade o sistema utiliza esse fator de desequiliacutebrio como elemento de complexificaccedilatildeo para que se auto organize em um niacutevel superior de estabilidade o que chamamos de evoluccedilatildeo

Eacute como se o sistema ao evoluir incorporasse outros subsistemas causadores de tais interferecircncias ampliando sua rede e de certa maneira garantindo sua existecircncia Somente pela auto-organizaccedilatildeo eacute possiacutevel promover essa independecircncia pois a organizaccedilatildeo exige de um elemento externo sempre uma certa quantidade de energia para manter seu status de detentor da ordem

Como dissemos anteriormente uma Forma eacute dita auto-organizada quando se produz a si proacutepria o que significa apresentar a capacidade de criar padrotildees de comportamentos natildeo previsiacuteveis descentralizados e em alguns casos de crescente adaptaccedilatildeo Uma vez auto-organizado sistemas semelhantes teratildeo mais chances de repetir a mesma configuraccedilatildeo o que explicaria a memoacuteria integrada nos campos moacuterficos no trabalho de Sheldrake (1981) quando ele cita a cristalizaccedilatildeo espontacircnea de substacircncias

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A competiccedilatildeo entre as formas pode ser explicada pela estabilidade termodinacircmica no entanto a transmissatildeo dessa informaccedilatildeo fica a criteacuterio da ressonacircncia moacuterfica9

Outros exemplos de comparaccedilatildeo entre sistemas organizados e auto-organizados mais tangiacuteveis agrave nossa experiecircncia cotidiana satildeo os semaacuteforos e rotatoacuterias Um conjunto de semaacuteforos (organizado) regula o tracircnsito em um cruzamento

Jaacute as rotatoacuterias (auto-organizado) a decisatildeo de passar esperar eacute transferida para os proacuteprios motoristas (internos ao sistema) Os mesmos orientar-se-atildeo por algumas regras simples internas que iratildeo determinar quando eacute permitido entrar na rotatoacuteria

Para que ocorra a manutenccedilatildeo do sistema a auto-organizaccedilatildeo acaba por determinar qual ou quais propriedades sistecircmicas seratildeo mais apropriadas agrave manifestaccedilatildeo Em alguns casos natildeo satildeo os estados de menor energia as melhores opccedilotildees por vezes a necessidade da forma supera a estabilidade energeacutetica Um exemplo disso eacute a aacutegua cuja moleacutecula possui geometria angular porque o aacutetomo central (oxigecircnio) tem dois pares de eleacutetrons natildeo ligantes

H H

H HH H

OO

104rsquo5ordm

Foacutermulaeletrocircnica

da aacutegua

4 nuvenseletrocircnicas Geometria

angular

Fonte httpsmundoeducacaoboluolbrquimicadeterminacao-geometria-molecularhtm

9 O conhecimento adquirido por um conjunto de indiviacuteduos agrega-se ao patrimocircnio coletivo provocando um acreacutescimo de consciecircncia que passa a ser compartilhado por toda a espeacutecie E esse processo de coletivizaccedilatildeo da informaccedilatildeo foi denominado por Sheldrake de ldquoressonacircncia moacuterficardquo Eacute atraveacutes dela que as informaccedilotildees se propagam no interior do campo moacuterfico alimentando uma espeacutecie de memoacuteria coletiva

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Supondo que a moleacutecula de aacutegua tivesse o formato linear isso satisfaria a repulsatildeo eleacutetrica e a estabilidade estrutural No entanto a aacutegua na forma linear seria considerada apolar sendo classificada como um gaacutes nas CNTP10 A substacircncia natildeo faria ligaccedilatildeo de hidrogecircnio natildeo se associaria e toda vida que conhecemos hoje natildeo existiria uma vez que a mesma supostamente surgiu na aacutegua em seu estado liacutequido

Entendemos que a Teoria da Repulsatildeo dos pares de eleacutetrons da camada de valecircncia explica de maneira cabal a geometria da moleacutecula dado que a repulsatildeo entre pares natildeo-ligantes eacute maior que entre ligantes mas isso eacute a explicaccedilatildeo partindo da preacute-existecircncia das qualidades massa e carga eleacutetrica de seus constituintes O que estamos propondo eacute que a conveniecircncia funcional desta geometria eacute anterior agrave manifestaccedilatildeo de tais propriedades A Forma (a auto-organizaccedilatildeo) se torna mais importante que a configuraccedilatildeo de miacutenima energia para que toda vida sistecircmica seja materializada

Ressaltamos que a persistecircncia na formaccedilatildeo de moleacuteculas de aacutegua eacute mais um exemplo de repeticcedilatildeo de padrotildees formativos que Sheldrake (1981) chama de ressonacircncia moacuterfica e continua ocorrendo para sustentar a vida funccedilatildeo maior do sistema Se ampliarmos nossa atenccedilatildeo e se pudermos romper com o paradigma que manteacutem a moleacutecula de aacutegua com angular e ainda soacute por um momento considerarmos a possibilidade de uma nova geometria perceberemos que a forma da mesma natildeo eacute inerente a ela mas resultado das infinitas vezes que o evento ocorreu e por isso tem muito mais possibilidade de continuar ocorrendo

Essa recorrecircncia faz com que interpretemos de forma ilusoacuteria que a moleacutecula de aacutegua seja estaacutevel e natural acreditando como consequecircncia que ela existe independente de noacutes Insistimos em dizer que ela soacute eacute assim porque eacute conveniente ao sistema que assim seja e que nossa interaccedilatildeo a faz real

10 As condiccedilotildees normais de temperatura e pressatildeo (cuja sigla eacute CNTP no Brasil) referem-se agrave condiccedilatildeo experimental com temperatura e pressatildeo de 27315 K (0 degC) e 101 325 Pa (101325 kPa = 101325 bar = 1 atm = 760 mmHg) respectivamente Esta condiccedilatildeo eacute comumente empregada para medidas de gases em condiccedilotildees atmosfeacutericas (ou de atmosfera padratildeo)

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 101

A todo momento aacutetomos surgem eleacutetrons preenchem as mesmas oacuterbitas ao redor do nuacutecleo aacutetomos se combinam repetidamente para produzir as mesmas formas moleculares Essa repeticcedilatildeo pode ser explicada natildeo porque existem leis fiacutesicas imutaacuteveis que determinam formas eternas mas por conta de uma influecircncia de causa formativa anterior ou seja o campo morfogeneacutetico de sistemas passados aumenta a possibilidade de formas futuras se manifestarem

Uma das consequecircncias de nossa hipoacutetese seria fato de que se todas as propriedades ditas fundamentais ateacute agora sejam resultado da conveniecircncia funcional o tempo seria a uacutenica medida verdadeiramente inerente agrave realidade

A HCF nas Relaccedilotildees Sociais

No acircmbito da convivecircncia entre indiviacuteduos partimos da premissa de que o ser humano tem a tendecircncia a se agrupar se associar Essa tendecircncia provavelmente tem origem na intuiccedilatildeo de que ao formar grupos teremos maior chance de sobreviver agraves influecircncias externas Desta forma quando compartilhamos de uma mesma realidade temos a possibilidade de nos conectar a partir dela ou seja temos algo em comum que nos motiva a formar um grupo (um sistema) Quanto mais pontos em comum tivermos mais forte nossas conexotildees

Vamos voltar ao exemplo da cadeira onde a conveniecircncia de um observador em encontrar um objeto que tenha a funccedilatildeo de acomodaacute-lo sentado faz com que se manifeste massa e carga eleacutetrica nas partiacuteculas que podem a partir do seu campo produzir a materializaccedilatildeo de uma cadeira Outro indiviacuteduo pode percebecirc-la tambeacutem talvez natildeo para sentar mas para compartilhar da mesma conveniecircncia criando uma experiecircncia em comum e consequentemente a possibilidade de associaccedilatildeo Temos entatildeo uma explicaccedilatildeo bastante simples sobre o motivo de indiviacuteduos diferentes produzirem a mesma realidade Isso ocorre porque o objeto em si natildeo eacute o elemento mais importante e sim o fato de que sua realidade seja compartilhada com outro constituinte do sistema Eacute a associaccedilatildeo gerada pelo compartilhamento desta manifestaccedilatildeo que os mantecircm em conexatildeo garantindo aos integrantes uma funcionalidade que eacute a razatildeo de sua existecircncia

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Entendemos que a materialidade natildeo eacute algo intriacutenseco mas resultado da necessidade de associaccedilatildeo Desta maneira tal qual um arranjo molecular todo sistema social eacute pautado nessa concepccedilatildeo uma vez que criamos grupos porque comungamos de uma mesma conveniecircncia A existecircncia de um evento comum eacute sustentada pela necessidade de manter o grupo A crenccedila compartilhada de que algo exista fornece uma qualidade que sustenta o sistema natildeo pela existecircncia do objeto ou evento propriamente dito mas pelo agrupamento motivado por esta crenccedila

A partir deste momento para manter a associaccedilatildeo cada elemento toma para si uma funccedilatildeo baseada em sua proacutepria conveniecircncia e constroacutei sua proacutepria concepccedilatildeo de universo A manutenccedilatildeo das conexotildees garante sua importacircncia diante do sistema por ele criado Eacute por isso que o indiviacuteduo desenvolve seus valores e prerrogativas sempre na tentativa de sustentar seu mundo Esta atitude eacute uma maneira de garantir o controle das interaccedilotildees que ele manteacutem com o sistema

Estar consciente de sua funccedilatildeo frente a uma determinada organizaccedilatildeo eacute o maior desafio do indiviacuteduo Um mesmo indiviacuteduo pode participar de sistemas diferentes com funccedilotildees diferentes por exemplo no trabalho ele pode ser um teacutecnico em informaacutetica em casa ser pai na escola ser professor ou aluno

Natildeo haacute uma essecircncia uacutenica e sim uma habilidade fantaacutestica de modular funccedilotildees no entanto esta habilidade passa despercebida pela maioria das pessoas que acreditam ter uma soacute face uma base primordial soacute que na verdade temos muacuteltiplas faces Ao assumir que possuiacutemos uma essecircncia rejeitamos o exerciacutecio de modularmos nossas funccedilotildees em prol de uma busca quixotesca de nosso bloco fundamental tal qual a ciecircncia o fez sem sucesso Essa postura de dizer que nossa essecircncia permite ou natildeo tal coisa eacute uma maneira de terceirizar nossa responsabilidade diante das nossas relaccedilotildees

A manutenccedilatildeo destas relaccedilotildees exige adaptaccedilotildees funcionais pois caso um dos integrantes natildeo consiga mais executar dada funccedilatildeo outros poderatildeo exercecirc-la (anaacutelogo agrave plasticidade cerebral) Para responder a um certo niacutevel de interferecircncia o sistema entra em um movimento auto-organizativo onde eacute necessaacuterio por vezes uma

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adaptaccedilatildeo na execuccedilatildeo de tarefas o que chamamos anteriormente de redundacircncia funcional

A partir desta necessidade sistecircmica os integrantes tecircm duas possibilidades promover conscientemente esta modulaccedilatildeo funcional e o conjunto evolui ou insistir em manter a mesma funccedilatildeo o que significa buscar outro sistema para exercecirc-la

A insistecircncia em manter a mesma funccedilatildeo eacute causada pela estabilidade energeacutetica e sendo assim desprovidos desta reflexatildeo indiviacuteduos que natildeo desenvolvem essa habilidade preferem mudar de ambiente a modular suas funccedilotildees As vezes essa falta de percepccedilatildeo eacute tamanha que o indiviacuteduo natildeo se encaixa em nenhum outro sistema perdendo efetivamente sua funccedilatildeo e consequentemente sua importacircncia e razatildeo de existir A hipoacutetese vem mostrar que como qualquer conjunto de elementos noacutes como seres sociais fazemos essas adaptaccedilotildees a todo momento A crenccedila em uma uacutenica funccedilatildeo eacute o que determina o individualismo e atribui ao elemento uma importacircncia intriacutenseca que ele verdadeiramente natildeo tem exatamente da mesma forma que atribuiacutemos qualidades intriacutensecas agrave mateacuteria

Na verdade quando uma ou mais qualidades se manifestam naquele lapso temporal elas satildeo uacutenicas e isto faz com que acreditemos que sejam inerentes mas soacute o satildeo diante da necessidade daquele instante

Consideraccedilotildees Finais

O intuito do trabalho foi sugerir argumentos que permitam uma descriccedilatildeo da realidade vinculada agrave necessidade de associaccedilatildeo e formaccedilatildeo de sistemas fiacutesicos

A percepccedilatildeo da realidade eacute resultado de um processo auto organizativo das redes neurais desencadeada por elementos influenciadores que podem ser captados por nossos sentidos ou estimulados diretamente em vias corticais

A HCF revela que importacircncia da associaccedilatildeo natildeo deve ser considerada apenas como requisito de nossa construccedilatildeo da realidade mas sugere que todas as manifestaccedilotildees daquilo que entendemos

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como propriedades intriacutensecas da mateacuteria satildeo resultados desta necessidade de formaccedilatildeo de sistemas

Tais propriedades dependem do seu estado peculiar de associaccedilatildeo e manifestam-se naquilo que for mais funcional e portanto mais conveniente agrave formaccedilatildeo de sistemas Desta maneira propomos que a funcionalidade seja a causa do arranjo espaccedilo-temporal (Forma) de um conjunto de partiacuteculas e que a predisposiccedilatildeo deste arranjo seja considerada uma propriedade das mesmas tal qual a massa carga eleacutetrica cor sabor

Na verdade intuiacutemos que estas propriedades satildeo recursos que a partiacutecula desenvolve para se associar e assim sendo natildeo satildeo proacuteprias da partiacutecula mas resultado de suas conexotildees Sob esta perspectiva as qualidades da mateacuteria satildeo criadas mediante a necessidade de se auto-organizar em um arranjo funcional no contexto do sistema no qual observador e observado integram o que chamamos de realidade A uacutenica propriedade fundamental do sistema seja ele constituiacutedo por partiacuteculas ou pessoas eacute a associaccedilatildeo o arranjo a auto-organizaccedilatildeo que em nosso trabalho denominamos de Forma

A causaccedilatildeo formativa (campo moacuterfico) parece se antecipar a todas as propriedades da mateacuteria desmistificando a inerecircncia das mesmas e vinculando-as a conveniecircncia funcional Daiacute o nome de Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional A existecircncia estaacute no funcional e a realidade encontra-se na conveniecircncia do sistema

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 105

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As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Uma coleccedilatildeo de anotaccedilotildees e cartas escritas por pessoas prestes a serem executadas apoacutes serem acusadas de ajudar judeus a sobreviver no decorrer da segunda guerra mundial mostra algo interessante Todos os relatos escritos por pessoas com muita feacute ou crianccedilas apresentam uma semelhanccedila entre si (de esperanccedila talvez) exceto pelo relato de um homem ateu de dezenove anos que se envolvera com o movimento de resistecircncia em busca de aventura Suas cartas diferiam de todas as outras pois ele era o uacutenico que tinha medo da morte (Mlodinow 2012)

Aparentemente a maioria dos seres humanos eacute constituiacuteda para acreditar que a morte natildeo eacute o final da existecircncia Isso nos eacute inerente considerando que eacute muito difiacutecil conceber que um dia simplesmente ldquodeixaremos de existirrdquo Provavelmente a maioria tambeacutem haacute de concordar que tudo aquilo que vivenciamos no decorrer da vida (pensamentos sensaccedilotildees lembranccedilas sonhos emoccedilotildees e outros) devemos agrave atividade cerebral

Todavia muita gente acredita que embora relacionada ao ceacuterebro a ldquomenterdquo poderia existir de forma independente de sua atividade possuindo um aspecto ldquoeteacutereordquo ou ldquodivinordquo que lhe possibilitaria sobreviver apoacutes a morte encefaacutelica Ou seja Deus criou

Autor para correspondecircncia jlucianotavares

gmailcom

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o ceacuterebro e a mente que satildeo relacionados entre si mas apenas ateacute certo ponto

Para as neurociecircncias no entanto a coisa natildeo eacute bem assim Natildeo foi Deus quem criou o ceacuterebro mas sim o ceacuterebro quem criou Deus Ou seja a religiosidade e crenccedila na vida apoacutes a morte nada mais eacute que um subterfuacutegio criado pelo ceacuterebro para nos consolar frente ao fim inevitaacutevel

De forma semelhante ao fato de todas as culturas demonstrarem propensatildeo para desenvolver um idioma todas demonstram claramente propensatildeo para desenvolver uma religiatildeo e crenccedila numa realidade espiritual O termo ldquoespiritualrdquo eacute geralmente aplicado a qualquer essecircncia humana que nos conecte a um mundo invisiacutevel que desafia a mediccedilatildeo cientiacutefica mas que no entanto acreditamos e sentimos existir deixando vestiacutegios aqui e ali Pode referir-se ainda a qualquer coisa transcendente ou algo que nos move ou transporta profundamente e nos conecta de uma maneira ou de outra a algo maior que noacutes mesmos (Nelson 2012)

Enquanto a espiritualidade apresenta um contexto individual o aspecto religioso apresenta contexto social como participar de uma organizaccedilatildeo com tradiccedilotildees costumes doutrinas e crenccedilas (Nelson 2012) Os impulsos religiosos e espirituais geralmente trabalham simultaneamente para ajudar a fortalecer a crenccedila em um deus e na igreja pois certos costumes religiosos como contemplaccedilatildeo canto oraccedilatildeo e engajamento em rituais podem evocar experiecircncias espirituais (Alper 2008)

Embora o aspecto espiritual apresente iacutentima relaccedilatildeo com o religioso tal relaccedilatildeo natildeo eacute exclusiva considerando que a espiritualidade pode existir sem a presenccedila obrigatoacuteria das doutrinas religiosas (Niekerk 2018) Assim eacute possiacutevel uma pessoa ser altamente religiosa (devotada agrave doutrina e ao ritual da igreja) embora completamente incapaz de ter uma experiecircncia espiritual Inversamente eacute igualmente possiacutevel que algueacutem seja altamente espiritual embora nem um pouco religioso (Alper 2008)

Historicamente muito do que seria agora experiecircncia espiritual aconteceu dentro de religiotildees estabelecidas (a palavra ldquoespiacuteritordquo por exemplo eacute mencionada em toda a Biacuteblia judaico-cristatilde) mas com a ascensatildeo do secularismo no final do seacuteculo XIX e no iniacutecio do

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seacuteculo XX a palavra ldquoespiritualrdquo adquiriu significados fora da religiatildeo organizada uma podendo existir de forma independente da outra (Nelson 2012)

Todavia muitas tentativas de definir religiatildeo pareciam estar definindo na verdade a espiritualidade jaacute que esta tambeacutem pode pressupor algumas doutrinas (meditaccedilatildeo ou ldquoreza contemplativardquo por exemplo) que sobrepotildeem-se agraves doutrinas religiosas Assim parece que aqueles que se declaram ldquoespirituais mas natildeo religiososrdquo apresentam uma compreensatildeo empobrecida da espiritualidade (Carey 2018)

As religiotildees de forma geral pregam a existecircncia de ldquovida apoacutes a morterdquo de maneira que a morte pode representar um novo comeccedilo uma passagem para uma outra vida onde nos reunimos com os entes queridos e vivemos eternamente em um paraiacuteso fantaacutestico Esta crenccedila eacute comum na maioria das doutrinas teoloacutegicas sendo solidificadas pelos relatos de pessoas que passaram pelas denominadas ldquoexperiecircncias de quase-morterdquo que seratildeo discutidas adiante Apesar dessas experiecircncias deixarem uma marca indeleacutevel na vida do indiviacuteduo muitas vezes reduzindo qualquer medo de morte preacute-existente haacute quem defenda que todos seus aspectos apresentem base neurofisioloacutegica ou psicoloacutegica (Mobbs amp Watt 2011)

Determinados estados de consciecircncia atingidos por motivos neuroloacutegicos ou mesmo induzidos em laboratoacuterio podem promover a experiecircncia de certos aspectos da realidade que natildeo estatildeo disponiacuteveis em outros estados descartando possiacutevel fingimento ou confabulaccedilatildeo de quem passa pela experiecircncia (Beauregard amp OrsquoLeary 2007)

Mesmo neurocientistas renomados e portanto em sua maioria ceacuteticos em relaccedilatildeo agrave existecircncia do mundo espiritual podem em algum momento viver experiecircncias que os fazem mudar de opiniatildeo De fato o neurocirurgiatildeo e neurocientista da Universidade Harvard Eben Alexander III em livro publicado no Brasil com o tiacutetulo ldquoUma prova do ceacuteurdquo relata sua experiecircncia transcendente apoacutes permanecer entre a vida e a morte (Alexander 2013) Tal fato indica que sendo as experiecircncias espirituais ou religiosas natildeo importando o niacutevel de transcendecircncia que esta alcance apenas fenocircmenos criados pela atividade encefaacutelica sem duacutevida alguma podem convencer mesmo

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aqueles que cuja vida profissional resuma-se a estudar o sistema nervoso de que vecircm de ldquoforardquo deste imitando de forma prodigiosa a percepccedilatildeo do mundo real

Para o psicoacutelogo e escritor Michael Shermer famoso por suas criacuteticas ao que ele denomina ldquopseudociecircnciasrdquo os sistemas que nos fazem crer em algo sobrenatural satildeo poderosos Funcionando como uma espeacutecie de ldquomaacutequina de crenccedilardquo o ceacuterebro busca e encontra padrotildees para os quais infunde significado com objetivo de obter explicaccedilotildees sobre o porquecirc das coisas acontecerem Tais padrotildees significativos tornar-se-atildeo as crenccedilas que uma vez constituiacutedas induzem o ceacuterebro a procurar e encontrar evidecircncias que as reforcem e confirmem (Shermer 2012) A capacidade de encontrar padrotildees eacute tatildeo importante para a sobrevivecircncia que o ceacuterebro passa a identificar alguns padrotildees imaginaacuterios sem considerar exemplos genuiacutenos de causa e efeito (Wiseman 2017)

Enquanto o princiacutepio religioso ou espiritual aceita determinados fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo pela crenccedila ou feacute um dos princiacutepios fundamentais da ciecircncia eacute que toda accedilatildeo produz um efeito e todo efeito apresenta uma causa a princiacutepio explicaacutevel do ponto de vista cientiacutefico Natildeo haacute portanto espaccedilo para a possibilidade de determinados fenocircmenos considerados por muitos como ldquoparanormaisrdquo serem outra coisa a natildeo ser ilusotildees criadas pelo ceacuterebro

Contudo nem todos os fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo apresentam soacutelida base neurocientiacutefica tendo em vista existirem algumas evidecircncias cujas causas ainda encontram-se aleacutem da explicaccedilatildeo pelos meacutetodos investigativos utilizados natildeo significando contudo que natildeo poderatildeo ser explicados posteriormente (Greyson Holden amp Lommel 2012)

Objetivo Geral

Estabelecer ateacute que ponto fenocircmenos considerados espirituais sob o ponto de vista religioso ou ldquoparanormaisrdquo podem ser explicados pelas neurociecircncias

As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo | 111

Objetivos Especiacuteficos

bull Enumerar fenocircmenos que podem ser considerados pelo puacuteblico em geral como indicativos de paranormalidade

bull Confrontar tais fenocircmenos a princiacutepio paranormais com estudos publicados e que inferem para estes explicaccedilotildees plausiacuteveis do ponto de vista cientiacutefico

bull Verificar ateacute que ponto tais fenocircmenos podem ou natildeo ser explicados agrave luz das neurociecircncias e o que pode-se concluir a partir de tal verificaccedilatildeo

Desenvolvimento

Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo

O falecido astrofiacutesico Carl Sagan em uma das passagens do livro ldquoO mundo assombrado pelos democircniosrdquo (Sagan 2006) relata a suposiccedilatildeo de algueacutem afirmando o seguinte ldquoum dragatildeo que cospe fogo pelas ventas vive em minha garagemrdquo Na esperanccedila de verificar por si mesmo a existecircncia de um dragatildeo ao vivo e a cores vocecirc pede a quem afirmou que lhe mostre o bicho O problema eacute que o dragatildeo eacute invisiacutevel e vocecirc natildeo pode vecirc-lo Daiacute vocecirc propotildee espalhar farinha no chatildeo da garagem para tornar visiacuteveis as pegadas do dragatildeo O problema eacute que ele flutua pelo ar e natildeo deixa pegadas Em seguida a proposta eacute utilizar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisiacutevel O problema eacute que o fogo que o dragatildeo produz eacute desprovido de calor A proposta entatildeo eacute borrifar tinta no dragatildeo para tornaacute-lo visiacutevel O problema eacute que trata-se de um dragatildeo incorpoacutereo e a tinta natildeo iraacute aderir e assim por diante Qual seria entatildeo a diferenccedila entre o suposto dragatildeo e um dragatildeo inexistente

ldquoTodos os processos mentais mesmo os processos psicoloacutegicos mais complexos adveacutem de operaccedilotildees no ceacuterebrordquo A afirmaccedilatildeo de Erik Kandel (Kandel Schwartz Jessell Siegelbaum amp Siegelbaum 2014) um dos mais renomados neurocientistas da atualidade eacute incisiva no que tange agraves experiecircncias aparentemente ldquosem explicaccedilatildeordquo pelas ciecircncias naturais

Ainda nos primoacuterdios da ciecircncia ocidental no seacuteculo XVII Reneacute Descartes apresentava uma visatildeo dualiacutestica com distinccedilatildeo entre o que

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seria denominado ldquomenterdquo e ldquoceacuterebrordquo Nesta interpretaccedilatildeo o ldquoceacuterebrordquo exerceria funccedilotildees tambeacutem observadas em animais inferiores tais como percepccedilatildeo memoacuteria atividades motoras desejos e paixotildees ao passo que a ldquomenterdquo teria uma conotaccedilatildeo ldquoeteacutereardquo exclusiva do ser humano Tal conotaccedilatildeo representaria a ldquoalmardquo ou ldquoespiacuteritordquo cuja comunicaccedilatildeo com o ldquoceacuterebro animalrdquo ocorreria por intermeacutedio da glacircndula pineal localizada no centro do ceacuterebro No entanto apoacutes casos documentados de pacientes neuroloacutegicos afetados por lesotildees encefaacutelicas e que deixaram claro que a separaccedilatildeo entre ldquomenterdquo e ldquoceacuterebrordquo natildeo fazia o menor sentido tal dualidade caiu por terra (Damaacutesio 2005)

Mesmo assim as propriedades da mente aparentam ser tatildeo radicalmente diferentes das propriedades da mateacuteria viva um fenocircmeno agrave parte quando em comparaccedilatildeo com os encontrados nos tecidos bioloacutegicos que por vezes eacute difiacutecil acreditar que a primeira deriva desta uacuteltima

A mente dotada de subjetividade eacute denominada ldquomente conscienterdquo ou apenas ldquoconsciecircnciardquo (Damaacutesio 2011) cuja construccedilatildeo misteriosa pelo ceacuterebro humano eacute um tema que certamente ainda renderaacute deacutecadas de pesquisa cientiacutefica Sendo a mente derivada do ceacuterebro nossas lembranccedilas e personalidade estatildeo armazenadas em seus padrotildees e coacutedigos neuronais Se este morre obviamente os neurocircnios e tais padrotildees e conexotildees se rompem destruindo irreversivelmente nossas lembranccedilas e personalidade natildeo restando absolutamente nada no que diz respeito agrave consciecircncia a qual simplesmente deixa de existir O problema eacute que ldquodeixar de existirrdquo pode parecer agrave primeira vista simplesmente inconcebiacutevel levando agrave crenccedila de que apoacutes a morte do corpo a mente continuaria existindo de uma forma eteacuterea como alma ou espiacuterito

Assim o ceacuterebro seria apenas o lado ldquofisicordquo ao passo que a ldquomenterdquo seria representada pela ldquoalmardquo A explicaccedilatildeo da mente com base na atividade encefaacutelica eacute a crenccedila dos denominados ldquomonistasrdquo ao passo que os ldquodualistasrdquo defendem a existecircncia de mente e ceacuterebro separadamente Diferente do monismo que eacute contraintuitivo a crenccedila no dualismo eacute intuitivo e por isso atribuia atividade mental a uma fonte independente da funccedilatildeo cerebral (Shermer 2012)

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Pensando na proacutepria finitude e preocupados com o que nos aguarda de maneira inevitaacutevel num futuro mais ou menos proacuteximo talvez tenhamos simplesmente ldquoinventadordquo a ldquovida apoacutes a morterdquo ou ldquovida espiritualrdquo Por outro lado inuacutemeros relatos de pessoas que vivenciaram fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo ou natildeo explicaacuteveis pelas ciecircncias naturais (pelo menos para tais pessoas) datildeo a entender que tais fenocircmenos satildeo a prova da existecircncia do ldquooutro ladordquo

A seguir abordaremos alguns fenocircmenos considerados por muitos como paranormais e como a neurociecircncia pode (ou natildeo) explicaacute-los

Familiaridade com o que Ainda natildeo Havia Ocorrido o deacutejagrave vu

O termo deacutejagrave vu trata-se da expressatildeo no idioma francecircs para ldquo jaacute vistordquo ou seja eacute a impressatildeo de que determinado momento jaacute foi vivenciado anteriormente (poreacutem sabendo por intermeacutedio de lembranccedila consciente que tal fato natildeo ocorreu realmente) O fenocircmeno geralmente eacute acompanhado por crenccedilas de prediccedilatildeo ou profecia incluindo lembranccedilas de encarnaccedilotildees passadas sonhos profeacuteticos ou outros fatores sejam estes naturais ou sobrenaturais

Na verdade o deacutejagrave vu eacute uma experiecircncia bastante comum e normal sendo que a maioria das pessoas jaacute o vivenciaram ao menos uma vez na vida (OacuteConnor Barnier amp Cox 2008) mas cujo mecanismo exato ainda eacute desconhecido

Uma das teorias que foram associadas agrave ocorrecircncia de deacutejagrave vu a denominada ldquoteoria da via duplardquo tornou-se popular no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX sendo ainda frequentemente citada como a explicaccedilatildeo do fenocircmeno devido agrave sua plausibilidade intuitiva A teoria propotildee que o deacutejagrave vu eacute experimentado quando sinais sensoriais transmitidos por mais de uma via neuronal natildeo convergem nas aacutereas corticais no mesmo momento preciso fazendo com que o ceacuterebro interprete mal um uacutenico encontro como uma experiecircncia duplicada Como a diferenccedila entre a entrada das duas vias tem apenas milissegundos de duraccedilatildeo a primeira experiecircncia neuronal natildeo eacute codificada como um evento em si e portanto natildeo eacute lembrada desencadeando uma sensaccedilatildeo de familiaridade com um passado

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indefinido quando a segunda experiecircncia neuronal eacute encontrada Foi proposto que a sensaccedilatildeo origina-se nos nervos oacutepticos e portanto o deacutejagrave vu resultaria de um atraso no percurso das vias oacutepticas O problema com esta explicaccedilatildeo eacute que o fenocircmeno tambeacutem ocorre com a participaccedilatildeo de outros sentidos como audiccedilatildeo tato e olfaccedilatildeo aleacutem de ocorrer tambeacutem em pessoas cegas (OacuteConnor amp Moulin 2006)

Embora outras explicaccedilotildees tenham sido sugeridas como processos cognitivos momentaneamente fora de sincronia ou desatenccedilatildeo (Brown 2003) sabe-se atualmente que o deacutejagrave vu estaacute associado a alteraccedilotildees fisioloacutegicas normais e tambeacutem patoloacutegicas em determinadas aacutereas encefaacutelicas Do ponto de vista fisioloacutegico relaciona-se com atividade momentaneamente anormal de aacutereas associadas direta ou indiretamente agrave sensaccedilatildeo de familiaridade e memoacuteria Em condiccedilotildees patoloacutegicas pode estar presente tanto em disfunccedilotildees neuroloacutegicas como a epilepsia do lobo temporal (onde se localizam as estruturas que respondem pela memoacuteria e familiaridade) que seraacute abordada nesta revisatildeo quanto anormalidades de fundo psiquiaacutetrico como a esquizofrenia (Pašić et al 2018)

Em estudo com pacientes epileacuteticos pacientes neuroloacutegicos e pessoas normais Warren-Gash e Zeman (2014) avaliaram a prevalecircncia de deacutejagrave vu em 150 indiviacuteduos sendo 50 pacientes epileacuteticos 50 pacientes neuroloacutegicos sem epilepsia e 50 estudantes saudaacuteveis verificando que 100 dos pacientes epileacuteticos 735 dos pacientes neuroloacutegicos e 88 dos estudantes haviam experimentado o deacutejagrave vu ao menos uma vez na vida Segundo Brown (2003) a frequecircncia tende a diminuir com a idade o que explica a maior frequecircncia em estudantes (mais jovens) quando em comparaccedilatildeo com pacientes neuroloacutegicos

Haacute contudo diferenccedilas entre os sintomas do deacutejagrave vu normal ou fisioloacutegico e o patoloacutegico Diferentemente do deacutejagrave vu fisioloacutegico (onde a sensaccedilatildeo restringe-se agrave familiaridade com determinada situaccedilatildeo ainda natildeo vivenciada) no fenocircmeno associado agrave epilepsia (deacutejagrave vu ictal) os pacientes apresentam maior propensatildeo a relatar sintomas como fadiga preacutevia desrealizaccedilatildeo alucinaccedilotildees olfativas e gustativas dores de cabeccedila sensaccedilotildees abdominais e medo (Warren-Gash amp Zeman 2014)

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O deacutejagrave vu ictal geralmente origina-se em uma rede neural que inclui estruturas do lobo temporal medial notadamente o coacutertex rinal constituiacutedo pelos coacutertices perirrinal e entorrinal responsaacuteveis pela sensaccedilatildeo de ldquofamiliaridaderdquo (Guedj Aubert McGonigal Mundler amp Bartolomei 2010 Takeda et al 2011 Bartolomei et al 2012 Brandt Eysenck Nielsen amp Oertzen 2016) os quais localizam-se adjacentes ao hipocampo estrutura relacionada agrave memoacuteria expliacutecita

Ao estudar aacutereas encefaacutelicas associadas ao reconhecimento de faces e palavras sejam estas familiares ou natildeo Brandt et al (2016) confirmaram que dano ao coacutertex entorrinal esquerdo acarreta prejuiacutezo no processo de familiaridade em relaccedilatildeo a uma lista de palavras deixando contudo o processo de lembranccedila intacto Esses resultados sugerem que o coacutertex entorrinal suporta a memoacuteria de reconhecimento baseada na familiaridade (livre de contexto) e que a familiaridade e a lembranccedila satildeo subservidas por regiotildees distintas dentro dos lobos temporais mediais

Takeda et al (2011) relatam a presenccedila de constante deacutejagrave vu em paciente cujo exame de Cintilografia de Perfusatildeo Cerebral (conhecida pelo acrocircnomo SPECT que vem do inglecircs Single Photon Emission Computed Tomography) indicava hiperperfusatildeo e foco epileacutetico localizado no coacutertex rinal mais especificamente coacutertex entorrinal esquerdo A sensaccedilatildeo de familiaridade era de tal maneira persistente que o paciente descrevia seu estado como se estivesse vivendo a mesma vida que jaacute havia vivido anteriormente (neste caso denominado usualmente como deacutejagrave veacutecu ou ldquo jaacute vividordquo) O paciente relatava que quando via algueacutem pela primeira vez sentia que jaacute conhecia a pessoa antes quando visitava algum lugar pela primeira vez sentia que jaacute estivera laacute e mesmo quando via notiacutecias na TV ou jornal sentia que jaacute sabia de todas elas com antecedecircncia

Estudando o caso de uma paciente com grave foco epileacutetico seletivo para a mesma regiatildeo (coacutertex entorrinal lateral esquerdo) Brandt Conway James e Oertzen (2018) confirmaram a existecircncia de uma relaccedilatildeo direta entre a atividade anormal desta aacuterea e as experiecircncias de deacutejagrave vu e deacutejagrave veacutecu De maneira semelhante Martin et al (2019) estudando casos de epilepsia de lobo temporal medial tambeacutem relacionada ao coacutertex rinal (peririnal e entorrinal) verificaram que a falsa sensaccedilatildeo de familiaridade no decorrer das crises deve-se agrave atividade do coacutertex rinal mas a preservaccedilatildeo da

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lembranccedila (funccedilatildeo do hipocampo) natildeo eacute obrigatoacuteria para a ocorrecircncia do fenocircmeno Corroborando tais achados o estudo de Curot et al (2019) relata o caso de paciente epileacutetico com danos bilaterais exclusivamente no hipocampo mas com a regiatildeo perirrinal estrutural e funcionalmente intacta Apesar de apresentar amneacutesia grave o paciente ainda relatava episoacutedios tanto de deacutejagrave vu quanto de deacutejagrave veacutecu mostrando que os fenocircmenos podem ocorrer mesmo em casos de hipocampos massivamente danificados e confirmando que a regiatildeo do coacutertex perirrinal apresenta papel central em sua ocorrecircncia

Em se tratando do deacutejagrave vu fisioloacutegico o estudo de Braacutezdil et al (2012) realizado em sujeitos saudaacuteveis com ou sem relatos do fenocircmeno mostrou quantidade significativamente menor de substacircncia cinzenta em regiotildees corticais (com predomiacutenio no lobo temporal medial) e subcorticais de indiviacuteduos que relataram passar pela experiecircncia Nessas regiotildees o volume de massa cinzenta foi inversamente correlacionado com a frequecircncia dos episoacutedios apoiando uma explicaccedilatildeo neuroloacutegica para o fenocircmeno

Pešlovaacute et al (2018) tambeacutem encontraram relaccedilotildees entre o deacutejagrave vu fisioloacutegico e a diminuiccedilatildeo no volume de substacircncia cinzenta de determinados subaacutereas do hipocampo Como a funccedilatildeo de memoacuteria parece exigir o envolvimento coordenado do hipocampo com toda a rede localizada no lobo temporal medial eacute possiacutevel que o deacutejagrave vu fisioloacutegico resulte de sinalizaccedilatildeo aberrante dentro desse circuito envolvendo interaccedilotildees neurais que produzem um sentimento errocircneo de familiaridade (Shaw Marecek amp Braacutezdil 2016)

Aparentemente tambeacutem haacute uma relaccedilatildeo entre a incidecircncia de episoacutedios de deacutejagrave vu e niacuteveis elevados de estresse e fadiga conforme demonstrado por Wells OrsquoConnor e Moulin (2018) que observaram maior frequecircncia do fenocircmeno em pessoas com ansiedade cliacutenica notadamente em periacuteodos em que esta ansiedade estaacute mais exacerbada Tais pacientes tambeacutem apresentam maior anguacutestia durante os episoacutedios em comparaccedilatildeo a controles saudaacuteveis

Urquhart Sivakumaran Macfarlane e OrsquoConnor (2018) utilizaram metodologia para gerar familiaridade e novidade dentro de um anaacutelogo deacutejagrave vu em sujeitos neurologicamente saudaacuteveis Por intermeacutedio da combinaccedilatildeo de familiaridade gerada experimentalmente e sugestotildees que indicavam que esta estava incorreta foi gerado um conflito

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cognitivo nos participantes Foram coletados dados de ressonacircncia magneacutetica funcional (fMRI) e comportamentais de 21 participantes 16 dos quais relataram deacutejagrave vu Os autores inferiram que o deacutejagrave vu trata-se de uma experiecircncia impulsionada por conflitos mnemocircnicos com a participaccedilatildeo dos coacutertices cingulado anterior preacute-frontal medial e parietal Assim regiotildees frontais envolvidas no controle cognitivo monitoramento e resoluccedilatildeo de conflitos podem tambeacutem apresentar um papel na fenomenologia da experiecircncia

Eacute possiacutevel portanto inferir que apesar da possiacutevel participaccedilatildeo de outras estruturas corticais e subcorticais no deacutejagrave vu aparentemente alteraccedilotildees funcionais da atividade no lobo temporal medial mais especificamente do coacutertex rinal apresentam importante papel no advento do fenocircmeno em situaccedilotildees fisioloacutegicas normais mas tambeacutem em determinadas condiccedilotildees patoloacutegicas que envolvam tais aacutereas Contudo conforme indicam Pašić et al (2018) apesar de comum o deacutejagrave vu ainda eacute um fenocircmeno que merece maior investigaccedilatildeo principalmente por meio de abordagens multidisciplinares via cooperaccedilatildeo entre neurobioacutelogos neurologistas neurocientistas psiquiatras e psicoacutelogos experimentais que certamente poderatildeo colaborar de maneira mais eficaz para sua melhor elucidaccedilatildeo

Fenocircmenos Relacionados ao Esquema Corporal

Seres humanos satildeo indiviacuteduos autoconscientes cujo pensamento e comportamento satildeo baseados em processos corporais baacutesicos que transcendem os domiacutenios de sensaccedilatildeo corporal (somatosensaccedilatildeo) e accedilatildeo motora Nosso corpo pode ser visto e suas partes podem ser localizadas no espaccedilo mesmo na escuridatildeo total sabemos para onde estamos indo e podemos sentir o coraccedilatildeo batendo O espaccedilo corporal eacute um espaccedilo multissensorial constituiacutedo continuamente por impressotildees exteroceptivas (taacuteteis visuais olfativas auditivas) proprioceptivas (vestibulares muscularesmotoras) e interoceptivas (viscerais) A sensaccedilatildeo de self ou ldquoeurdquo localizado em determinado lugar no espaccedilo eacute constituiacutedo pelas muacuteltiplas interaccedilotildees entre essas impressotildees (Brugger amp Lenggenhager 2014 Dieguez amp Lopes 2017)

Consequentemente a variedade de distuacuterbios que afetam o corpo de uma pessoa eacute consideraacutevel podendo este ser

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experimentado como ldquoperdidordquo ldquosem pertencerrdquo ldquosem controlerdquo ldquovaziordquo ldquofeiordquo ldquodesapegadordquo ou ateacute mesmo ldquoduplicadordquo Tais distuacuterbios do self abrangem todos os niacuteveis de representaccedilatildeo corporal de membros uacutenicos a todo o corpo em um contexto social (Brugger amp Lenggenhager 2014) e satildeo denominados como distuacuterbios do ldquoesquema corporalrdquo

Os distuacuterbios do esquema corporal podem envolver apenas um lado do corpo sendo classificados como unilaterais ou podem se estender ao corpo todo sendo denominados distuacuterbios natildeo-lateralizados Dentre os distuacuterbios unilaterais pode-se citar os denominados ldquomembros fantasmas supranumeraacuteriosrdquo onde o paciente refere a niacutetida sensaccedilatildeo de apresentar membros adicionais embora invisiacuteveis as ldquohemiassomatognosiasrdquo ou apenas ldquoassomatognosiasrdquo inconsciente e consciente onde na primeira o paciente ignora um dos lados do corpo como se este nunca houvesse existido e na segunda apresenta viacutevida sensaccedilatildeo de que uma parte do corpo desapareceu e por uacuteltimo a ldquosomatoparafreniardquo onde o paciente refere partes de seu corpo como pertencentes a outras pessoas (Dieguez amp Lopes 2017)

A sensaccedilatildeo de membros fantasmas supranumeraacuterios pode ser causada por vaacuterios tipos de lesotildees cerebrais que resultem no comprometimento do sistema de feedback sensorial para o esquema corporal interno e para o movimento (Kim et al 2017) ao passo que as assomatognosias podem resultar de grandes lesotildees envolvendo muacuteltiplos setores temporoparietais e fronto-mediais (Feinberg Venneri Simone Fan amp Northoff 2010)

A assomatognosia e a somatoparafrenia satildeo distuacuterbios semelhantes O primeiro compromete o senso de propriedade sendo caracterizado pela falha do paciente em ter uma sensaccedilatildeo sentimento ou julgamento contiacutenuo de que a parte do corpo (normalmente o membro comprometido) lhe pertence A somatoparafrenia estaacute tipicamente associada a deacuteficits motores e somatossensoriais profundos Com lesotildees maiores envolvendo aleacutem da aacuterea temporoparietal tambeacutem a aacuterea orbitofrontal esta disfunccedilatildeo propicia ao paciente forte senso de desapropriaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao membro comprometido (asomatognosia) juntamente com a atribuiccedilatildeo ilusoacuteria desse membro a outra pessoa (Romano amp Maravita 2019 Feinberg et al 2010)

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Sabe-se haacute deacutecadas que disfunccedilotildees numa determinada regiatildeo encefaacutelica no hemisfeacuterio direito denominada ldquo junccedilatildeo temporoparietalrdquo (JTP) associa-se ao fenocircmeno de somatoparafrenia (Bisiach Rusconi amp Vallar 1991) observando-se a presenccedila de lesotildees nesta aacuterea em vaacuterios pacientes sintomaacuteticos (Vallar amp Ronchi 2009)

Considerando a funccedilatildeo da JTP na integraccedilatildeo das diversas informaccedilotildees sensoriais advindas da periferia ou ldquointegraccedilatildeo multissensorialrdquo (Vallar amp Ronchi 2009) aleacutem de ser forte candidata agrave fonte da autoconsciecircncia e o local onde o self eacute representado (Ionta et al 2011 Cheyne amp Girard 2009) o papel da JTP no ldquoesquema corporalrdquo eacute particularmente relevante

Apesar de ainda natildeo haver um consenso em relaccedilatildeo agrave sua anatomia precisa geralmente a JTP eacute considerada uma aacuterea cortical situada na junccedilatildeo do loacutebulo parietal inferior coacutertex occipital lateral e sulco temporal superior posterior (Mars et al 2012 Donaldson Rinehart amp Enticott 2015) Seja a JTP uma regiatildeo cortical precisamente identificaacutevel ou um grupamento de sub-regiotildees com funccedilotildees separadas sabe-se que ela apresenta papel crucial para o processamento e integraccedilatildeo de muacuteltiplas modalidades sensoriais aleacutem de gerar uma percepccedilatildeo coerente das alteraccedilotildees na autolocalizaccedilatildeo e espaccedilo extrapessoal por intermeacutedio dos diversos referenciais sensoriais que a ela convergem (Kheradmand amp Winnick 2017)

Em se tratando das disfunccedilotildees do esquema corporal natildeo-lateralizadas ou que se estendem ao corpo todo podem-se citar a macrosomatognosia onde o paciente refere que alguma parte de seu corpo aumenta de tamanho podendo por exemplo ldquoocupar o espaccedilo de uma salardquo (Dieguez amp Lopez 2017) aleacutem de outras percepccedilotildees bizarras como alteraccedilatildeo de tamanho e formato do corpo e ilusotildees de mudanccedilas nas formas dimensotildees e movimentos de objetos Por conta disso a macrosomatognosia tambeacutem eacute denominda ldquoSiacutendrome de Alice no Paiacutes das Maravilhasrdquo considerando que as ilusotildees e alucinaccedilotildees se assemelham aos fenocircmenos estranhos que a personagem Alice apresentava no famoso conto de Charles Lutwidge Dodgson (cujo pseudocircnimo era Lewis Carroll) experimentando ele mesmo tais sintomas A anomalia pode derivar de crises epileacuteticas parciais complexas enxaqueca infecccedilotildees ou intoxicaccedilotildees (Fine 2013)

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Outras disfunccedilotildees do esquema corporal que envolvem o corpo todo satildeo os denominados ldquofenocircmenos autoscoacutepicosrdquo ou autoscopia (Dieguez amp Lopez 2017) que culturalmente costumam apresentam explicaccedilotildees ldquosobrenaturaisrdquo e seratildeo tratados detalhadamente a seguir

Autoscopia ou ldquoFenocircmenos Autoscoacutepicosrdquo

O termo ldquoautoscopiardquoderiva do grego autos que significa ldquoegordquo e skopeo que significa ldquoolhar parardquo e eacute utilizado para descrever diferentes fenocircmenos de vaacuterias etiologias e mecanismos (Anzellotti et al 2011)

Do ponto de vista cultural o conceito de autoscopia estaacute incorporado a um grupo de crenccedilas relacionadas agrave ldquobilocaccedilatildeordquo ou suposta capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo Considerado por muitos como paranormal e natildeo meacutedico postula que as pessoas podem se dissociar em dois corpos materiais ou em um corpo material e outro com caracteriacutestica ldquoeteacutereardquo Tambeacutem se relaciona agrave noccedilatildeo paranormal de hipoteacuteticos ldquocorpos astraisrdquo que ligam o corpo terrestre a uma representaccedilatildeo astral superior supostamente portadora de energia psiacutequica (Dening amp Berrios 1994)

Na verdade os fenocircmenos autoscoacutepicos tambeacutem fazem parte da gama de disfunccedilotildees relacionadas ao esquema corporal caracterizando-se por experiecircncias visuais ilusoacuterias que consistem na percepccedilatildeo da imagem do proacuteprio corpo no espaccedilo seja de um ponto de vista interno como de um espelho ou de um ponto de vista externo (Anzellotti et al 2011)

A forma mais simples de fenocircmeno autoscoacutepico envolve a sensaccedilatildeo de ldquopresenccedilardquo de algueacutem proacuteximo sem contudo que tal presenccedila seja vista No denominado efeito doppelganger1 o sujeito o percebe como sendo o proacuteprio corpo um ldquoduplordquo tambeacutem visualmente O corpo reduplicado eacute visto ou sua presenccedila eacute ldquosentidardquo a uma distacircncia especiacutefica do proacuteprio corpo uma distacircncia

1 doppelgaumlnger eacute uma palavra advinda da junccedilatildeo em alematildeo de doppel que significa ldquoduplordquo ldquoreacuteplicardquo ou ldquoduplicatardquo e ganger que significa ldquoandanterdquo ldquocaminhanterdquo ou ldquoaquele que vairdquo

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frequentemente estaacutevel dentro de um determinado episoacutedio (Brugger 2002)

A mente literaacuteria geralmente retrata o doppelgaumlnger como um ser que eacute ldquoparte eurdquo ldquoparte outrordquo como um pressaacutegio de morte ou calamidade Agraves vezes este eacute a projeccedilatildeo visiacutevel e tangiacutevel de uma consciecircncia culpada que se torna cada vez mais intoleraacutevel ateacute que por fim a viacutetima ataca violentamente seu duplo e descobre que atacou a si mesma Agraves vezes o duplo eacute invisiacutevel e intangiacutevel mas ainda assim evidencia sua existecircncia (por exemplo bebendo a aacutegua que o sujeito coloca agrave noite na moringa) (Sacks 2013)

As experiecircncias autoscoacutepicas podem ser classificadas principalmente em quatro tipos distintos sensaccedilatildeo de presenccedila alucinaccedilatildeo autoscoacutepica heautoscopia e experiecircncia extracorpoacuterea (Brugger 2002)

Sensaccedilatildeo de ldquoPresenccedilardquo

Nesta sensaccedilatildeo nenhuma impressatildeo visual estaacute envolvida mas frequentemente a presenccedila eacute sentida ldquoagrave margem da visatildeordquo e pode ser relatada por pessoas saudaacuteveis em condiccedilotildees de privaccedilatildeo sensorial ou isolamento social Frequentemente satildeo relatadas sensaccedilotildees referentes a ldquopresenccedilas fantasmagoacutericasrdquo (como se algueacutem ou alguma coisa ldquoinvisiacutevelrdquo estivesse muito proacuteximo) Eacute comumente relatada por pessoas submetidas a niacuteveis intensos de stress como montanhistas exploradores sobreviventes e apoacutes a perda de algueacutem muito proacuteximo como o cocircnjuge por exemplo Tambeacutem podem estar presentes em situaccedilotildees de exaustatildeo e privaccedilatildeo de oxigecircnio e em pessoas acometidas por doenccedilas psiquiaacutetricas ou neuroloacutegicas (Anzellotti et al 2011 Blanke et al 2014)

Pessoas perfeitamente normais por vezes viram-se para surpreender quem a espreita de maneira bem proacutexima mas natildeo veem ningueacutem Embora natildeo experimentem ver a ldquopresenccedilardquo estatildeo convencidos desta podendo inclusive descrever sua localizaccedilatildeo espacial com muita precisatildeo (Blanke Arzy amp Landis 2008)

Apesar de ser comumente associada agrave presenccedila real de algo sobrenatural uma situaccedilatildeo bastante comum que pode acarretar tal sensaccedilatildeo eacute a ldquoparalisia do sonordquo fenocircmeno comum tambeacutem presente

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em pessoas normais e caracterizado por paralisia motora enquanto o sistema sensorial estaacute ativo Tal condiccedilatildeo comumente inclui de maneira simultacircnea a presenccedila de alucinaccedilotildees denominadas hipnagoacutegicas ou hipnopocircmpicas (se no iniacutecio ou final do sono respectivamente) as quais envolvem aleacutem de ver e ouvir tambeacutem sentir uma presenccedila intrusa e ameaccediladora (Jalal amp Ramachandran 2014)

A paralisia do sono vem sendo documentada haacute seacuteculos Em 1664 o meacutedico holandecircs Isbrand Van Diemerbroeck (1609-1674) publicou uma coleccedilatildeo de histoacuterias de casos sendo que uma das quais com o tiacutetulo Of the Night Mare (ldquoDo Pesadelordquo) descreve as experiecircncias noturnas de uma mulher de 50 anos relatando os sintomas claacutessicos da paralisia do sono acompanhados por alucinaccedilotildees hipnagoacutegicas (Kompanje 2008)

durante a noite quando estava se recompondo para dormir agraves vezes acreditava que o diabo estava sobre ela e a segurava agraves vezes que era sufocada por um grande cachorro ou ladratildeo deitado sobre o peito para que mal pudesse falar ou respirar e quando ela se esforccedilou para jogar fora a carga ela natildeo foi capaz de agitar seus membros E enquanto ela estava naquele conflito agraves vezes com grande dificuldade ela acordava Essa afecccedilatildeo eacute denominada iacutencubus ou o night-mare2 que eacute um interceptador do movimento da voz e da respiraccedilatildeo com um sonho falso de algo repousando pesadamente sobre o peito impedindo o livre influxo dos espiacuteritos para os nervos

O medo associa-se a tais alucinaccedilotildees notadamente com a sensaccedilatildeo de presenccedila detectada e contribuem para a elaboraccedilatildeo de outras alucinaccedilotildees em especial as que envolvem experiecircncias visuais (Cheyne Newby-Clark amp Rueffer 1999) Neste ponto a ldquopresenccedila intrusardquo pode assumir formas diversas podendo-se citar os inuacutemeros relatos de pessoas que descrevem de maneira sincera e altamente emotiva a experiecircncia que tiveram ao serem sequestradas por seres extraterrestres Muitos destes relatos aleacutem de absolutamente sinceros apresentam em comum o sentimento aterrorizante de que

2 Mare vem do inglecircs antigo maere que significa gnomo ou iacutencubo (em portuguecircs sonho aflitivo que produz sensaccedilatildeo opressiva pesadelo) Acreditava-se que o tal maere (gnomo) atacava os seres humanos enquanto eles estavam dormindo sentavam-se em seus peitos e produziam uma sensaccedilatildeo de sufocaccedilatildeo dificultando o sono (Barbosa 2010)

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o sujeito encontra-se totalmente paralisado enquanto determinadas criaturas providenciam para que este flutue no ar enquanto ascende em direccedilatildeo a determinada espaccedilonave (Sagan 2006)

No entanto embora sem duacutevida alguma particularmente aterrorizadoras as sensaccedilotildees de presenccedilas intrusivas satildeo explicadas pela neurociecircncia e podem ser recriadas por intermeacutedio de estimulaccedilatildeo eleacutetrica na JTP mesma regiatildeo que pode participar da somatoparafrenia e outras alucinaccedilotildees Ao estudarem o caso de uma jovem que estava sendo avaliada para tratamento de epilepsia com eletrodos colocados sobre a superfiacutecie cortical Arzy Seeck Ortigue Spinelli e Blanke (2006) verificaram que apoacutes estimulaccedilatildeo eleacutetrica na JTP esquerda a paciente relatava tais presenccedilas Estimulaccedilotildees leves com a jovem deitada propiciavam a sensaccedilatildeo de que havia algueacutem deitado atraacutes dela Estiacutemulos mais intensos propiciavam a sensaccedilatildeo mais detalhada de que a presenccedila era de algueacutem jovem poreacutem de sexo inderterminado e tambeacutem deitado na mesma posiccedilatildeo A repeticcedilatildeo do estiacutemulo com ela sentada com os joelhos entre os braccedilos provocava a sensaccedilatildeo de que um ldquohomemrdquo estava sentado atraacutes dela com seus braccedilos ao seu redor Procedendo em seguida a leitura de um texto o ldquohomemrdquo desta vez colocava-se a seu lado direito mas desta vez provocando a sensaccedilatildeo de que a presenccedila tinha intenccedilotildees agressivas Os autores concluiacuteram que a falta de integraccedilatildeo multissensorial eou sensoacuterio-motora na JTP devido agrave estimulaccedilatildeo eleacutetrica pode levar a uma ilusatildeo do proacuteprio corpo como sendo de outra pessoa no espaccedilo extrapessoal proacuteximo Embora a paciente estivesse ciente da semelhanccedila entre seus proacuteprios traccedilos posturais e posicionais e os da pessoa ilusoacuteria ela natildeo reconheceu que essa pessoa era uma ilusatildeo de seu proacuteprio corpo de maneira semelhante ao que ocorre com muitos pacientes esquizofrecircnicos

Aleacutem da JTP aparentemente outras regiotildees encefaacutelicas tambeacutem apresentam funccedilatildeo no processo de integraccedilatildeo multissensorial Tsakiris Hesse Boy Haggard e Fink (2007) verificaram atividade da iacutensula posterior na integraccedilatildeo de informaccedilotildees multissensoriais para decidir sobre a atribuiccedilatildeo de partes do corpo que lhe pertencem mesmo na ausecircncia de informaccedilotildees eferentes (motoras) O estudo de Blanke et al (2014) mostrou que lesotildees no coacutertex insular e especialmente no coacutertex frontoparietal tambeacutem estatildeo associadas agrave maacute-interpretaccedilatildeo da fonte e identidade dos sinais sensoacuterio-

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motores (taacuteteis proprioceptivos e motores) do proacuteprio corpo o que pode gerar a falsa sensaccedilatildeo de presenccedila Neste mesmo estudo os autores tambeacutem induziram tais sensaccedilotildees em pessoas normais por intermeacutedio de um mecanismo roboacutetico que gerou conflitos sensoacuterio-motores nos participantes permitindo induzir nestes a mesma sensaccedilatildeo de presenccedila observada nos pacientes

Outros estudos poreacutem caracterizam a sensaccedilatildeo de presenccedila por motivos diferentes dos observados na autoscopia como o caso descrito por Picard (2010) no qual uma paciente com foco epileacutetico no hemisfeacuterio esquerdo relatou sentir muacuteltiplas presenccedilas inexistentes poreacutem reconhecendo estas como ldquomembros da famiacuteliardquo Como o caso pareceu contradizer a hipoacutetese de fenocircmeno autoscoacutepico que envolve a ldquoreduplicaccedilatildeo neural do proacuteprio corpordquo a autora propocircs que poderia tratar-se de um tipo de alucinaccedilatildeo diferente da autoscopia A parestesia lateralizada no hemicorpo direito juntamente com dados neurorradioloacutegicos indicou provaacutevel origem na iacutensula esquerda que tambeacutem poderia participar do componente emocional relacionado a tais sensaccedilotildees

A sensaccedilatildeo de presenccedila tambeacutem pode ocorrer em doenccedilas neurodegenerativas como a Doenccedila de Parkinson e tambeacutem parece natildeo ir ao encontro do que eacute observado em situaccedilotildees de autoscopia Em muitos casos a sensaccedilatildeo de presenccedila foi identificada como a de um parente preciso iniciando ocasionalmente quando este parente deixa a presenccedila do paciente indicando um gatilho externo Aleacutem disso embora a presenccedila pudesse ser sentida nas proximidades do paciente agraves vezes era localizada em outro cocircmodo ou fora da casa Finalmente em um caso a presenccedila sentida era de um catildeo o que dificilmente eacute consistente com um ldquoeu ilusoacuteriordquo (Fenelon Soulas Langavant Trinkler amp Bachoud-Levi 2011)

Pode-se portanto inferir que atividades anocircmalas de aacutereas neurais que estejam associadas agrave autoconsciecircncia poderiam responder pela falsa sensaccedilatildeo de presenccedila Sabendo-se que a JTP iacutensula e coacutertex frontoparietal integram sinais corporais multissensoriais e satildeo considerados como locais neurais da autoconsciecircncia corporal aparentemente a sensaccedilatildeo de presenccedila de origem autoscoacutepica pode ser consequecircncia de alteraccedilotildees em tais estruturas acarretando uma percepccedilatildeo errocircnea da fonte e identidade dos sinais do proacuteprio corpo (Case Solcagrave Blanke amp Faivre 2020) Contudo em determinadas

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disfunccedilotildees neuropatoloacutegicas eacute possiacutevel que tais sensaccedilotildees possam tambeacutem derivar de fontes diferentes das observadas na autoscopia

Alucinaccedilatildeo Autoscoacutepica

Durante uma alucinaccedilatildeo autoscoacutepica (AH) a pessoa experimenta ver seu ldquooutro corpordquo ou ldquoduplordquo no espaccedilo extracorpoacutereo mas sem a sensaccedilatildeo de ldquosair do proacuteprio corpordquo (ou desencarnaccedilatildeo) Os indiviacuteduos com AH experimentam ver o mundo atraveacutes de sua perspectiva visuo-espacial habitual e experimentam seu self ou ldquocentro de consciecircnciardquo dentro de seus corpos fiacutesicos (Mohr amp Blanke 2005) Este tipo de alucinaccedilatildeo tambeacutem denominada ldquoalucinaccedilatildeo em espelhordquo (do inglecircs mirror-hallucination) geralmente apresenta duraccedilatildeo de apenas alguns minutos e consiste na percepccedilatildeo visual exata de uma imagem de si mesmo como visto num espelho poreacutem natildeo localizando-se como na posiccedilatildeo do outro corpo ilusoacuterio (Anzellotti et al 2011)

A auto-identificaccedilatildeo a auto-localizaccedilatildeo e a perspectiva da primeira pessoa permanecem centradas no corpo fiacutesico com o corpo alucinatoacuterio frequentemente experimentado de maneira invertida como no espelho Considerando a relaccedilatildeo da AH com lesotildees em aacutereas corticais associadas a aspectos visuais a alucinaccedilatildeo eacute vista do lado do campo visual deficiente oposto ao do lado da lesatildeo encefaacutelica (Heydrich amp Blanke 2013)

Brugger (2002) cita o caso de um homem de 41 anos que oito dias depois de ficar cego em consequumlecircncia de um tumor de hipoacutefise repentinamente notou um rosto em sua frente que olhava para ele a uma distacircncia estimada de 60-100 cm A experiecircncia foi inicialmente assustadora mas se acalmou ao reconhecer que o que via era a imagem do proacuteprio rosto Em uma inspeccedilatildeo mais minuciosa notou que sempre via o rosto de frente e que este imitava instantaneamente suas proacuteprias expressotildees faciais O paciente natildeo tinha duacutevidas sobre a ldquoqualidade do espelhordquo da alucinaccedilatildeo enfatizando que quaisquer movimentos faciais produzidos ldquoexperimentalmenterdquo foram copiados em tempo real ldquoexatamente como no espelhordquo

Zamboni Budriesi e Nichelli (2005) descrevem o caso de uma paciente de 30 anos que sofreu hemorragia nos polos occipitais estendendo-se agrave junccedilatildeo parieto-occipital direita por complicaccedilotildees

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cardiovasculares decorrentes de eclampsia Trecircs meses apoacutes a ocorrecircncia a paciente relatou a visatildeo de uma imagem como se estivesse olhando para um espelho que estava constantemente em frente a ela agrave distacircncia de cerca de um metro A imagem era transparente e acompanhava sua visatildeo de tal maneira que aparecia deitada no chatildeo se olhasse para baixo ou no teto se olhasse para cima Usualmente apresentava apenas cabeccedila e ombros mas tambeacutem o restante do corpo se a paciente a explorasse movendo o olhar para baixo aleacutem de vestir-se exatamente como ela Desaparecia quando fechava os olhos e progressivamente desapareceu por completo apoacutes trecircs meses O exame neuroloacutegico durante o periacuteodo de AH mostrou fraqueza do membro inferior direito heminegligecircncia visuo-espacial esquerda3 ataxia oacuteptica4 apraxia ocular5 percepccedilatildeo de profundidade prejudicada agnosia6 grave para objetos prosopagnosia7 e alexia8

Em relato de caso Joshi Thapa e Shakya (2017) verificaram a presenccedila de AH no estado de abstinecircncia de aacutelcool onde o indiviacuteduo enquanto consciente se viu como se olhasse para um espelho por cerca de 3 segundos durante o periacuteodo do amanhecer e do anoitecer O caso indicou possiacutevel associaccedilatildeo entre autoscopia e a siacutendrome de dependecircncia de aacutelcool

Malik Mehra e Jangra (2019) descrevem o caso de uma pessoa jovem do sexo feminino que dentre outros sintomas psiquiaacutetricos como alucinaccedilatildeo auditiva e ilusatildeo de perseguiccedilatildeo eventualmente apresentava medo apontando os dedos em direccedilatildeo agrave parede Ao ser perguntada a razatildeo disso ela dizia ver uma coacutepia sua agrave sua frente a cerca de um metro e meio de distacircncia de seu corpo Ela descreveu a imagem com caracteriacutesticas faciais semelhantes agrave sua como cor e estilo de cabelo dizendo ldquoeacute outro eurdquo Ela dizia que seu duplo aparecia nu para ela e era como sua ldquoimagem no espelhordquo Posteriormente

3 Heminegligecircncia ndash Falta de atenccedilatildeo aos estiacutemulos advindos do lado oposto ao da lesatildeo encefaacutelica com falha em relatar responder ou orientar-se a estiacutemulos significativos A disfunccedilatildeo adveacutem de lesotildees que atingem coacutertex parietal direito e giro supramarginal estendendo-se a aacutereas subcorticais

4 Ataxia Oacuteptica ndash Incapacidade de alcanccedilar corretamente objetos guiados pela visatildeo5 Apraxia Ocular ndash Ausecircncia ou defeito no movimento ocular controlado voluntaacuterio e

intencional6 Agnosia ndash Incapacidade de identificaccedilatildeo7 Prosopagnosia ndash Incapacidade de identificaccedilatildeo de rostos8 Alexia ndash Incapacidade de leitura (Koob Moal amp Thompson 2010)

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foi realizado diagnoacutestico de esquizofrenia e apoacutes alguns meses com tratamento farmacoloacutegico observou-se melhora de 70 a 80

A presenccedila de AH estaacute associada com lesotildees em aacutereas encefaacutelicas mais posteriores nas regiotildees corticais occipito-parietal e occipto-temporal (Blanke amp Mohr 2005) Considerando a normalidade da autoconsciecircncia corporal durante as alucinaccedilotildees os autores especulam se estas satildeo caracterizadas por um distuacuterbio da representaccedilatildeo do proacuteprio corpo causada por danos agraves vias visuais ventrais associadas com a percepccedilatildeo e reconhecimento do corpo humano partes do corpo e faces (Heydrich amp Blanke 2013)

Jonas et al (2014) descrevem os casos de dois pacientes de neurocirurgia por conta de epilepsia o primeiro do sexo masculino e 46 anos e a segunda uma mulher de 24 anos Nenhum dos pacientes relatava AH no decorrer de suas crises e foram submetidos agrave delineaccedilatildeo dos focos epileacuteticos por intermeacutedio de implantaccedilatildeo de eletrodos no lobo temporal medial do paciente 1 e iacutensula posterior do paciente 2 Foram realizadas estimulaccedilotildees intracerebrais visando localizar a zona epileacutetica sem que os pacientes soubessem quando a estimulaccedilatildeo iniciava ou terminava Ao iniciar a estimulaccedilatildeo na parte mais lateral do sulco occiptoparietal direito do primeiro paciente este imediatamente ralatou estar vendo sua proacutepria face e busto no campo visual esquerdo Se a estimulaccedilatildeo ocorresse fora deste local especiacutefico o paciente relatava alucinaccedilotildees com faces desconhecidas A estimulaccedilatildeo tambeacutem no sulco occiptoparietal direito da paciente 2 propiciou alucinaccedilotildees semelhantes em que a paciente relatou estar vendo sua proacutepria imagem como num espelho

Os autores concluiacuteram que a junccedilatildeo occipitoparietal medial regiatildeo que apresenta papel central em vaacuterias operaccedilotildees de autoprocessamento e especialmente no reconhecimento de faces mais particularmente da proacutepria face tambeacutem eacute fundamental na geraccedilatildeo de AH Tal representaccedilatildeo visual do proacuteprio rosto pode ser uacutetil para processos de reconhecimento de face e cogniccedilatildeo social que envolvem julgamento de semelhanccedila facial com outras pessoas

Tambeacutem foram relatadas AHs em desordens neuroloacutegicas (como epilepsia enxaqueca deliacuterio tumor cerebral isquemia e infecccedilatildeo) no contexto de desordens psiquiaacutetricas (como desordens psicoacuteticas desordens do humor distuacuterbios de ansiedade e desordem de

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identidade dissociativa) bem como durante os estados hipnagoacutegicos ou hipnopocircmpicos do sono Aleacutem disso existem alguns relatos de casos de AHs que se manifestam no campo hemianoacutepsico na hemianopsia (perda parcial ou total de metade do campo visual de um ou ambos os olhos) (Blom 2010)

Eacute possivel portanto inferir que AHs tratam-se principalmente de fenocircmenos visuais (com componentes multissensoriais) geralmente de pouca duraccedilatildeo (alguns segundos ou minutos) e podendo ocorrer repetidamente poreacutem sem alteraccedilatildeo no self corporal em que um ldquoeu verdadeirordquo ldquoresiderdquo no ldquomeurdquo corpo e percebe o mundo da perspectiva desse corpo (Case et al 2020)

Heautoscopia

A heautoscopia estaacute localizada em algum ponto entre a autoscopia e a experiecircncia fora do corpo A principal caracteriacutestica desse fenocircmeno eacute alternacircncia entre perceber a proacutepria imagem corporal no espaccedilo extracorpoacutereo da perspectiva do corpo interno e perceber o proacuteprio corpo fiacutesico da perspectiva do duplo extracorpoacutereo (Hoepner et al 2012)

Trata-se de um fenocircmeno autoscoacutepico caracterizado por forte distuacuterbio da auto-consciecircncia corporal incluindo alteraccedilotildees na auto-identificaccedilatildeo alteraccedilotildees emocionais e afinidade com o corpo autoscoacutepico frequentemente associado a alteraccedilotildees na perspectiva da primeira pessoa e na auto-localizaccedilatildeo (Heydrich amp Blanke 2013) Uma alucinaccedilatildeo autoscoacutepica ou ldquoem espelhordquo envolve a reduplicaccedilatildeo puramente visual das proacuteprias caracteriacutesticas enquanto a heautoscopia tambeacutem envolve a projeccedilatildeo de aspectos somesteacutesicos e motores na figura alucinada (Brugger 2005)

A ldquoposse do corpordquo eacute definida como uma experiecircncia imediata e contiacutenua de que nosso corpo pertence a noacutes ao passo que a auto-localizaccedilatildeo eacute definida como a experiecircncia na qual o self (ou personificaccedilatildeo) estaacute localizado em determinada posiccedilatildeo no espaccedilo Neste tipo de alucinaccedilatildeo o paciente observa um ldquoduplordquo de si mesmo no espaccedilo extra pessoal Todavia este ldquoduplordquo natildeo se trata de uma mera imagem ou alucinaccedilatildeo visual pois o self pode ser experimentado como presente na posiccedilatildeo do corpo fiacutesico (quadro

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de referecircncia centrado no corpo) e simultaneamente ou em raacutepida alternacircncia na posiccedilatildeo do corpo duplicado no espaccedilo extra pessoal (Lopez amp Blanke 2007)

Martiacutenez-Horta et al (2020) em estudo de caso com paciente jovem (31 anos) portador de mutaccedilatildeo geneacutetica relacionada agrave doenccedila de Huntington descrevem a presenccedila de sintomas psiquiaacutetricos associados agrave autoscopia (iniciando com a sensaccedilatildeo de presenccedila e daiacute progredindo para experiecircncia extracorpoacuterea e heautoscopia) antes do iniacutecio de sintomas motores O paciente relata que em diversas ocasiotildees quando em relaccedilatildeo sexual com sua parceira foi ldquoexpulso de-repenterdquo de seu corpo por uma terceira pessoa que de fato era ele mesmo mas a quem referiu por ldquooutrordquo Seu self estava localizado em uma perspectiva visuo-espacial elevada da qual foi capaz de olhar para o ldquooutrordquo sendo progressivamente mais agressivo durante a relaccedilatildeo sexual Desta perspectiva extracorporal foi incapaz de retornar a seu corpo fiacutesico sendo preenchido pelo sentimento extremamente frustrante de observar sua parceira tendo relaccedilotildees sexuais com ldquooutro homemrdquo A experiecircncia foi finalizada drasticamente com sua parceira gritando e perguntando porque ele estava sendo tatildeo agressivo

Brugger Agosti Regard Wieser e Landis (1994) descrevem o caso de um sujeito que aos 15 anos comeccedilou a apresentar sinais de epilepsia com crises parciais complexas cujos exames mostraram foco epileptogecircnico no lobo temporal esquerdo Pela manhatilde o paciente sentiu-se tonto e virando-se ele se viu ainda deitado na cama Ele ficou zangado com ldquoesse cara que eu sabia que era eu mesmo e que natildeo acordava e portanto arriscava chegar atrasado no trabalhordquo Ele tentou acordar o corpo na cama primeiro gritando com ele depois tentando sacudi-lo e pulando sobre ele repetidamente O corpo deitado natildeo mostrou reaccedilatildeo Soacute entatildeo o paciente comeccedilou a ficar intrigado com sua dupla existecircncia e a ficar cada vez mais assustado com o fato de natildeo poder mais dizer qual dos dois realmente era Vaacuterias vezes sua consciecircncia corporal passou do que estava de peacute para o que ainda estava deitado na cama quando estava deitado na cama sentia-se bastante acordado mas completamente paralisado e assustado pela figura de si mesmo curvando-se e batendo nele Sua uacutenica intenccedilatildeo era tornar-se uma uacutenica pessoa novamente e olhando pela janela (de onde ainda podia ver seu corpo deitado na cama) ele de repente decidiu pular ldquopara impedir a intoleraacutevel sensaccedilatildeo de

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se dividir em doisrdquo Ao mesmo tempo ele esperava que ldquoessa accedilatildeo realmente desesperada amedrontasse a pessoa na cama e o instasse a se fundir comigo novamenterdquo A proacutexima coisa que ele lembra eacute ldquoacordar com dor no hospitalrdquo

Modelos explicativos para a heautoscopia sugerem um distuacuterbio da integraccedilatildeo de sinais multissensoriais incluindo tambeacutem sinais interoceptivos (viscerais) e motores Eacute importante ressaltar que o ldquooutrordquo eacute frequentemente relatado como ofensivo e agressivo em alguns casos dando a impressatildeo de progressivamente se tornar mais autocircnomo e eventualmente controlar e interferir nas accedilotildees e movimentos do paciente Tambeacutem haacute associaccedilatildeo entre a heautoscopia e episoacutedios dramaacuteticos que tecircm um profundo impacto emocional e em alguns casos tem sido associada a ideacuteias de referecircncia paranoacuteia e suiciacutedio (Anzellotti et al 2011)

Segundo Lopez e Blanke (2007) uma integraccedilatildeo central coerente de informaccedilotildees sensoriais e motoras eacute necessaacuteria para o processamento acurado do proacuteprio corpo self e ldquoautoconsciecircnciardquo No entanto tal integraccedilatildeo estaacute anormal em sujeitos que apresentam os fenocircmenos de heautoscopia e de ldquoexperiecircncia extracorpoacutereardquo sugerindo uma integraccedilatildeo multissensorial deficiente em relaccedilatildeo aos planos de referecircncias de tais pacientes Segundo os autores sinais vestibulares que proveem concomitantemente informaccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do corpo e movimento deste no espaccedilo e que apresentam papel-chave na integraccedilatildeo de sinais da gravidade e referecircncia de localizaccedilatildeo do corpo natildeo estatildeo funcionando de maneira adequada em tais pacientes

A presenccedila de disfunccedilotildees natildeo eacute contudo um preacute-requisito para que algueacutem possa experimentar o fenocircmeno da heautoscopia como demonstrado no estudo de Ionta et al (2011) que utilizando tecnologia roboacutetica em sujeitos saudaacuteveis aliada a determinadas simulaccedilotildees criaram nos participantes o sentimento de ser uma entidade localizada em outra posiccedilatildeo no espaccedilo e de perceber o mundo a partir dessa posiccedilatildeo e perspectiva alterando sua auto-localizaccedilatildeo

Aymerich-Franch Petit Ganesh e Kheddar (2016) foram mais aleacutem ao utilizar realidade virtual juntamente com um robocirc humanoide recriando uma experiecircncia de reduplicaccedilatildeo do proacuteprio corpo percebido simultaneamente no corpo fiacutesico e no corpo do robocirc Os

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voluntaacuterios apresentaram uma ilusatildeo que se assemelha fortemente agrave heautoscopia sugerindo que uma mente humana saudaacutevel tambeacutem eacute capaz de se bilocar em dois corpos diferentes simultaneamente

Aleacutem de propiciar a ilusatildeo de mudanccedila na autolocalizaccedilatildeo e perspectiva em sujeitos saudaacuteveis o estudo de Ionta et al (2011) tambeacutem os comparou com pacientes que apresentavam experiecircncias autoscoacutepicas Por intermeacutedio de Imagens por Ressonacircncia Magneacutetica Funcional (fMRI) verificaram quais aacutereas encefaacutelicas respondiam pelas experiecircncias relatadas em um ou outro caso Assim como observado nos estudos de Arzy et al (2006) e Blanke et al (2014) em relaccedilatildeo agrave ldquosensaccedilatildeo de presenccedilardquo as mudanccedilas subjetivas verificadas sobre a localizaccedilatildeo e perspectiva do self foram refletidas na atividade da JTP bilateralmente Os autores observaram ligaccedilatildeo causal entre o dano desta mesma aacuterea no grupo de pacientes neuroloacutegicos fornecendo evidecircncias de que esta aacuterea tambeacutem codifica a auto-localizaccedilatildeo refletindo um dos sentimentos subjetivos mais fundamentais dos seres humanos o sentimento de ser uma entidade localizada em certa posiccedilatildeo no espaccedilo de onde percebe o mundo

Uma forma simples de se manipular a sensaccedilatildeo de ter um corpo cujas partes lhe pertencem eacute por meio da denominada ldquoilusatildeo da matildeo de borrachardquo na qual participantes experimentam a sensaccedilatildeo de posse de uma matildeo artificial (como se fosse sua proacutepria matildeo) quando a matildeo real eacute escondida de seu campo de visatildeo e substituiacuteda por uma falsa matildeo de borracha O fenocircmeno ocorre quando tanto a matildeo real escondida quanto a matildeo falsa visiacutevel satildeo tocadas da mesma maneira e de forma sincronizada propiciando a ilusatildeo de que a matildeo de borracha eacute na verdade a matildeo verdadeira Quando a ilusatildeo eacute produzida observa-se (dentre outras aacutereas) a ativaccedilatildeo da JTP (Wawrzyniak Klingbeil Zeller Saur amp Classen 2018) Considerando a funccedilatildeo desta aacuterea na integraccedilatildeo multissensorial (Kheradmand amp Winnick 2017) a falha em integrar aspectos mecanorreceptivos e visuais (por exemplo estimular a matildeo real e a matildeo de borracha de maneira natildeo sincronizada) pode causar a inabilidade em incorporar a matildeo de borracha na representaccedilatildeo do corpo tal como eacute observado em pacientes com determinadas lesotildees encefaacutelicas (Wawrzyniak et al 2018)

Para criar uma representaccedilatildeo central do proacuteprio corpo o ceacuterebro deve integrar e pesar as evidecircncias de diferentes fontes sensoriais

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(como informaccedilotildees visuais taacuteteis proprioceptivas e vestibulares) e chegar rapidamente a uma decisatildeo Isso envolve mecanismos para impor coerecircncia agraves informaccedilotildees de diferentes fontes sensoriais e mecanismos para diminuir incoerecircncias para evitar incertezas Assim o ceacuterebro deve criar representaccedilotildees sensoriais-centrais do movimento e posiccedilatildeo do corpo e sua posiccedilatildeo no espaccedilo extrapessoal mesmo que isso exija a inibiccedilatildeo temporaacuteria de entradas discrepantes Por exemplo entradas proprioceptivas discrepantes podem ser descartadas (e consideradas como ruiacutedo) se entradas visuais taacuteteis e vestibulares sobre a posiccedilatildeo e o movimento do proacuteprio corpo concordarem entre si (Melzack 1990)

Aleacutem da JTP o cortex insular posterior tambeacutem trata-se de uma aacuterea multimodal no que diz respeito agrave integraccedilatildeo de diversas informaccedilotildees sensoriais incluindo sinais somatossensoriais visuais auditivos e vestibulares aleacutem de relacionar-se com funccedilotildees motoras e liacutembicas ou emocionais (Flynn Benson amp Ardilas 1999)

De fato Heydrich e Blanke (2013) identificaram que danos no coacutertex insular posterior esquerdo pode relacionar-se ao fenocircmeno da heautoscopia Aparentemente a falta de integraccedilatildeo entre os sinais corporais exteroceptivos somatossensoriais e visuais juntamente com sinais viscerais e emocionais resulta numa auto-identificaccedilatildeo errocircnea dos pacientes com heautoscopia aumentando a afinidade emocional destes com o ldquocorpo autoscoacutepicordquo

A atividade de aacutereas corticais relacionadas agrave integraccedilatildeo multissensorial eacute suficiente para redefinir os limites do corpo e incorporaccedilatildeo de ateacute mesmo um espaccedilo vazio mesmo que a informaccedilatildeo visual contradiga diretamente a presenccedila de um membro fiacutesico (Guterstam Gentile amp Ehrsson 2013) de maneira semelhante com o que ocorre no fenocircmeno do membro fantasma

A sensaccedilatildeo viacutevida de presenccedila de determinado membro apoacutes sua amputaccedilatildeo (podendo tambeacutem ocorrer apoacutes amputaccedilatildeo de outras partes inervadas do corpo tais como mama ou pecircnis) apoacutes a destruiccedilatildeo de suas raiacutezes sensoriais ou mesmo apoacutes secccedilatildeo completa da medula espinhal (que pode levar agrave sensaccedilatildeo de um corpo fantasma abaixo do niacutevel da lesatildeo) eacute relativamente comum As experiecircncias do membro fantasma apresentam-se como sensaccedilotildees reais considerando que satildeo produzidas pelos mesmos processos

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encefaacutelicos (ou redes neurais) que fundamentam a experiecircncia do corpo quando este estaacute intacto (Melzack 1990)

Embora as experiecircncias corporais envolvam um acreacutescimo agrave faixa normal de percepccedilatildeo o ganho perceptivo parece apresentar mais problemas do que sua perda considerando que o primeiro eacute mais propenso a ser envolto no manto do paranormal do que o segundo Em terminologia mais convencional existe uma maior disponibilidade para relacionar a perda de funccedilatildeo agrave perda de estrutura do que interpretar novas funccedilotildees para as quais natildeo haacute equivalente estrutural evidente (Wade 2009)

Ambos os conjuntos de fenocircmenos podem ser interpretados em termos sobrenaturais mas os membros fantasmas provaram ser mais passiacuteveis de incorporaccedilatildeo no corpo da ciecircncia normal Caixas de espelhos tecircm sido empregadas para fornecer estimulaccedilatildeo visual que poderia corresponder agravequela decorrente da falta de uma parte do corpo O deslocamento visual no espelho de todo o corpo apresenta semelhanccedilas com a autoscopia e portanto pode fornecer uma ponte conceitual e experimental entre membros fantasmas e fenocircmenos autoscoacutepicos (Wade 2009)

Experiecircncia Extracorpoacuterea

Uma das crenccedilas metafiacutesicas sobrenaturais mais difundidas eacute a de uma alma que consiste em um self essencial e um self fundamental que transcende o corpo fiacutesico e sua explicaccedilatildeo pelas ciecircncias naturais (Cheyne amp Girard 2009) A maioria das pessoas jaacute ouviu falar do termo ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo (EQM) seja em programas de TV ou reportagens ou porque jaacute vivenciou o fenocircmeno em algum momento da vida Dentre outros sintomas (que seratildeo tratados mais adiante em toacutepico especiacutefico) aquele que eacute relatado com bastante frequecircncia eacute a experiecircncia extracorpoacuterea (EEC) considerada como sendo a sensaccedilatildeo de sair do corpo fiacutesico e em muitos casos vendo a si mesmo de um ponto de vista situado acima deste Assim como outros fenocircmenos autoscoacutepicos a EEC relaciona-se com distuacuterbios da percepccedilatildeo e cogniccedilatildeo do corpo ou imagem corporal que depende de informaccedilotildees proprioceptivas taacuteteis visuais

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e vestibulares bem como em sua integraccedilatildeo com informaccedilotildees sensoriais do espaccedilo extrapessoal (BLANKE et al 2004)

Segundo Sacks (2013) haacute seacuteculos existem histoacuterias sobre pessoas que passaram por EECs mas o termo soacute foi introduzido nos anos 60 pela psicoacuteloga de Oxford Celia Green que examinou sistematicamente relatos feitos por mais de quatrocentas pessoas que as vivenciaram

Embora a EEC possa fazer parte da EQM na maioria das vezes natildeo requer que o sujeito esteja agrave beira da morte para ser experimentada Um dos primeiros registros de EEC ocorreu durante craniotomia acordada9 realizada pelo neurocirurgiatildeo Wilder Penfield Durante o procedimento um paciente com histoacuterico de epilepsia habitual experimentou uma EEC no momento em que o giro temporal superior direito foi estimulado eletricamente Na ocasiatildeo o paciente registrou a sensaccedilatildeo como se estivesse flutuando para longe de si mesmo exclamando ldquoOh meu Deus Estou deixando meu corpordquo (Penfield 1955) A experiecircncia de Penfield em neurocirurgia foi repetida apenas cerca de 70 anos depois quando num procedimento de craniotomia realizada tambeacutem com o paciente acordado este reportou a sensaccedilatildeo de EEC apoacutes estiacutemulo realizado na JTP esquerda (Bos Spoor Smits Schouten amp Vincent 2016)

Contudo o fenocircmeno da EEC tambeacutem pode ser induzido ao se utilizar determinados procedimentos natildeo invasivos que possam alterar as informaccedilotildees sensoriais provocando divergecircncias entre as informaccedilotildees que chegam ao sistema nervoso Sinais multissensoriais sincronizados poreacutem manipulados por espelhos viacutedeos ou realidade virtual de forma a propiciar conflitos localizacionais podem induzir uma mente humana saudaacutevel a perceber sua auto-localizaccedilatildeo fora das fronteiras corporais produzindo uma ilusatildeo que se assemelha a uma EEC (Blanke amp Metzinger 2009 Ionta et al 2011 Bourdin Barberia Oliva amp Slater 2017 Guterstam Bjoumlrnsdotter Gentile amp Ehrsson 2015)

9 Craniotomia trata-se de procedimento ciruacutergico em que um retalho oacutesseo do cracircnio eacute temporariamente removido para acesso ao ceacuterebro A craniotomia acordada eacute usada principalmente para mapeamento e ressecccedilatildeo de lesotildees em aacutereas cerebrais de importacircncia vital (aacutereas motoras e de linguagem) nas quais a imagem natildeo eacute suficientemente sensiacutevel (Zhang amp Gelb 2018)

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Utilizando a hipnose Facco et al (2019) tambeacutem obtiveram um meacutetodo natildeo-invasivo para induccedilatildeo da EEC de maneira controlada Os sujeitos que participaram do experimento relataram que claramente haviam deixado o corpo na cadeira e flutuaram perto do teto da sala com a consciecircncia neste mesmo local mostrando vaacuterias caracteriacutesticas fenomenoloacutegicas das EECs espontacircneas Utilizando anaacutelise de ondas de eletroencefalograma os autores tambeacutem observaram papel-chave na atividade da JTP em sua induccedilatildeo

Considerando que a JTP tambeacutem apresenta importante papel no processamento de sensaccedilotildees vestibulares (Buumlnning amp Blanke 2005 Blanke amp Arzy 2005) alteraccedilotildees no funcionamento dessa aacuterea seja por lesatildeo drogas ou estados neurais espontacircneos como sono REM poderiam gerar experiecircncias corporais vestibulares anocircmalas como alucinaccedilotildees de flutuaccedilatildeo de voo e motoras Se suficientemente intensas tais alteraccedilotildees tambeacutem podem evocar sensaccedilotildees mais elaboradas como de ldquocorpo desencarnadordquo que por sua vez preparam o cenaacuterio para a experiecircncia autoscoacutepica de EEC na qual pode-se ver o corpo fiacutesico de um ponto de vista externo (Cheyne amp Girard 2009)

Conforme indicam Lopez Halje e Blanke (2008) a EEC estaacute fortemente associada a alteraccedilotildees funcionais na regiatildeo central do coacutertex vestibular (ldquocoacutertex vestibular parieto-insularrdquo) Logo estimulaccedilotildees vestibulares em pessoas normais podem ser um meio eficiente de alterar a integraccedilatildeo multissensorial com objetivo de investigar a base neural da sensaccedilatildeo de posse do proacuteprio corpo

Lopez e Elziegravere (2018) mostram o papel de distuacuterbios vestibulares perifeacutericos como fatores desencadeantes da EEC a qual pode surgir a partir de uma combinaccedilatildeo de incoerecircncia perceptiva (devido a sinais vestibulares conflitantes com outros sinais sensoriais sobre orientaccedilatildeo e movimento do corpo) com fatores psicoloacutegicos (despersonalizaccedilatildeo desrealizaccedilatildeo depressatildeo e ansiedade) e neuroloacutegicos (enxaqueca) Outras alteraccedilotildees neuroloacutegicas podem induzir a EEC em certas situaccedilotildees conforme demonstrado por Blanke Landis Spinelli e Seeck (2004) ao estudar pacientes epileacuteticos que relatavam experiecircncias autoscoacutepicas principalmente EEC Durante as crises ou no decorrer de avaliaccedilatildeo por eletroestimulaccedilatildeo os autores verificaram a presenccedila de dano ou disfunccedilatildeo cerebral localizados na JTP Os resultados sugeriram que os processos de percepccedilatildeo e cogniccedilatildeo do corpo e a criaccedilatildeo inconsciente de representaccedilotildees centrais deste satildeo preacute-

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requisitos para uma accedilatildeo raacutepida e eficaz com o meio ambiente Havendo dados ambiacuteguos de diferentes sistemas sensoriais segue-se a experiecircncia intrigante de ver o proacuteprio corpo em uma posiccedilatildeo que natildeo coincide com aquela que eacute sentida

Eacute contudo possiacutevel que outras aacutereas encefaacutelicas tambeacutem apresentem importantes interconexotildees com a JTP e com isso possam tambeacutem participar do fenocircmeno da EEC conforme indica Hiromitsu Shinoura Yamada e Midorikawa (2020) em estudo de caso onde uma paciente acometida por tumor no coacutertex cingulado posterior (PCC) apresentou vaacuterios episoacutedios de EEC Os episoacutedios foram abolidos apoacutes neurocirurgia para extirpaccedilatildeo do tumor sugerindo que o PCC contribui para a auto-localizaccedilatildeo dependendo da perspectiva visual Os resultados vatildeo ao encontro do estudo de Guterstam et al (2015) o qual sugere papel-chave do PCC na integraccedilatildeo de representaccedilotildees neurais da auto-localizaccedilatildeo e propriedade do corpo

Yu et al (2018) estudando o caso de uma adolescente com epilepsia intrataacutevel verificaram a ocorrecircncia de EEC ao se proceder estimulaccedilatildeo do coacutertex insular anterior esquerdo por eletrodos intracranianos Apoacutes a destruiccedilatildeo de vaacuterios locais precisamente localizados nesta aacuterea via termocoagulaccedilatildeo por radiofrequecircncia as crises da paciente desapareceram e a EEC natildeo mais pode ser reproduzida mesmo estimulando esses locais repetidamente Os autores sugerem que o envolvimento do coacutertex insular anterior na EEC deve-se agrave funccedilatildeo desta aacuterea na integraccedilatildeo de sinais multissensoriais e seu importante papel na autoconsciecircncia aleacutem do JTP

O estudo de Ridder Laere Dupont Menovsky e Heyning (2007) mostra o advento de EEC mediado pela estimulaccedilatildeo da parte posterior do giro temporal superior direito em paciente com eletrodos implantados nesta aacuterea para tratamento de zumbido Exames de imagem mostraram ativaccedilatildeo na JTP (mais especificamente nos giros angular e supramarginal que fazem parte desta aacuterea)

O uso abusivo de certas drogas tais como maconha LSD e principalmente a ketamina tambeacutem classicamente relacionam-se com o advento de EEC e outros fenocircmenos relacionados (Wilkins Girard amp Cheyne 2011) Aleacutem disso o uso tanto da maconha quanto da ketamina satildeo considerados como modelos de induccedilatildeo de sintomas

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de esquizofrenia (Fletcher amp Honey 2006) dentre os quais eacute possiacutevel a manifestaccedilatildeo de alucinaccedilotildees autoscoacutepicas (Malik et al 2019)

Finalmente apoacutes o exposto eacute possiacutevel afirmar que de acordo com estudos de vaacuterios grupos de pesquisa a EEC juntamente com os demais fenocircmenos autoscoacutepicos apresentam-se muito bem fundamentados em alteraccedilotildees (patoloacutegicas ou natildeo) da atividade encefaacutelica notadamente em se tratando da atividade da JTP e outras aacutereas adjacentes eou que influenciem sua funccedilatildeo A importacircncia destas regiotildees encefaacutelicas para o processamento e integraccedilatildeo de muacuteltiplas modalidades sensoriais que a ela convergem gerando a partir daiacute uma percepccedilatildeo coerente da autolocalizaccedilatildeo e espaccedilo extrapessoal parece ser indiscutiacutevel

Eacute provaacutevel que algumas aacutereas encefaacutelicas envolvidas nos fenocircmenos autoscoacutepicos tambeacutem sejam ativadas na denominada ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo que seraacute tratada a seguir Contudo apesar desta geralmente apresentar a EEC dentre os fenocircmenos observados sua natureza eacute heterogecircnea e de mais difiacutecil explicaccedilatildeo face agrave complexidade das sensaccedilotildees relatadas por aqueles que a vivenciaram

Experiecircncia de Quase-Morte

O termo ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo (EQM) foi introduzido pelo meacutedico e filoacutesofo Raymond A Moody autor do livro Live after life (ldquoA vida depois da vidardquo na ediccedilatildeo em portuguecircs) em 1975 O livro acabou fazendo muito sucesso mostrando o grande desejo pela existecircncia de uma ldquooutra vidardquo que viria apoacutes a vida terrena Considerando a formaccedilatildeo do autor na aacuterea meacutedica e psicoloacutegica o fato da ciecircncia natildeo poder explicar os fenocircmenos relatados seria de certa maneira um aval para a realidade daquilo que eacute descrito (Kasten amp Geier 2014) Assim natildeo apenas este mas muitos livros populares sobre EQM tornaram-se best-sellers provavelmente porque um grande nuacutemero de pessoas quer acreditar que a imortalidade da ldquoalmardquo eacute cientificamente possiacutevel tornando mais toleraacutevel a inevitabilidade da morte (Agrillo 2011)

Certamente a tentativa da civilizaccedilatildeo moderna de explicar tudo em bases cientiacuteficas enfraquece racionalmente a esperanccedila de

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uma existecircncia de vida ou ldquoalmardquo apoacutes a morte Assim de maneira simultacircnea o medo do inevitaacutevel fim da vida cresce conforme avanccedila o progresso tecnoloacutegico (Kasten amp Geier 2014)

As EQMs satildeo caracterizadas por eventos psicoloacutegicos profundos com elementos transcendentais e miacutesticos que de certa maneira transcendem o ego pessoal incluindo inefabilidade e um sentimento de uniatildeo com um princiacutepio divino ou superior Tais eventos ocorreriam tipicamente em indiviacuteduos proacuteximos agrave morte ou em situaccedilotildees de intenso perigo fiacutesico ou emocional (Greyson 2000)

Moody (1975) analisou centenas de casos de EQM desenvolvendo uma ideacuteia da sequecircncia em que ocorrem os fenocircmenos pelos que os experimentaram Assim a EQM iniciaria por determinado sentimento (muito diacuteficil de ser explicado) para em seguida ouvir algueacutem (o meacutedico por exemplo) relatar sua morte Apoacutes o reconhecimento da situaccedilatildeo de morte10 seguiria um sentimento de paz e quietude percepccedilatildeo de um ruiacutedo (por exemplo zumbido sinos ou muacutesica) sensaccedilatildeo de ser puxado para um tuacutenel escuro sensaccedilatildeo de sair do corpo (EEC) encontro com outros (seres espirituais) visatildeo de luz muito brilhante ver as memoacuterias de experiecircncias que teve na vida passar diante de si (em ordem cronoloacutegica ou natildeo) e daiacute alcanccedilar um certo ldquolimiterdquo ou ldquobordardquo para chegar a algum lugar (uma porta neacutevoa linha cerca ou algo assim) e finalmente o ldquoretorno de volta agrave vidardquo

Uma visatildeo mais cientiacutefica e sistemaacutetica do fenocircmeno foi examinada pelo cientista Bruce Greyson da Universidade de Virgiacutenia que passou anos estudando aspectos psiquiaacutetricos da EQM Em uma de suas pesquisas estudando 67 pessoas que estiveram agrave beira da morte e utilizando 80 manifestaccedilotildees caracteriacutesticas de EQM formulou 16 questotildees de muacuteltipla escolha divididas em quatro caracteriacutesticas gerais Cognitiva (pensamentos) Afetiva (sentimentos) Paranormal (ex EEC) e Transcedental (ex encontro com espiacuteritos) A partir destas questotildees com pontuaccedilatildeo variando de zero a dois dependendo da resposta chegando ao maacuteximo de 32 pontos formulou um score miacutenimo de sete pontos para que determinado evento possa ser

10 Apesar do ldquoreconhecimento de que se estaacute mortordquo fazer parte das EQMs tal situaccedilatildeo natildeo eacute limitada a tais experiecircncias pois uma intrigante e rara siacutendrome denominada ldquoSiacutendrome de Cotardrdquo ou ldquoSiacutendrome do Cadaacutever Ambulanterdquo faz com que o sujeito acredite que estaacute morto mesmo que todas as evidecircncias indiquem o contraacuterio (Grover Aneja Mahajan amp Varma 2014)

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considerado uma EQM (Greyson 1983 Nelson 2012) Serralta Cony Cembranel Greyson e Szobot (2010) adaptaram a escala de Greyson para a cultura brasileira mantendo equivalecircncia semacircntica entre a versatildeo original e a nacional podendo segundo os autores ser utilizada para pesquisas dentro desta aacuterea no Brasil

Apesar de comuns as EQM ainda apresentam etiologia desconhecida (Peinkhofer Dreier amp Kondziella 2019) e face agrave complexidade dos relatos com suas implicaccedilotildees cientiacuteficas teoloacutegicas e filosoacuteficas o estudo deste fenocircmeno representa um dos principais desafios da neurociecircncia moderna Para complicar ainda mais mesmo considerando o termo ldquoquase morterdquo as experiecircncias tambeacutem podem ocorrer a pessoas que embora possam estar doentes natildeo estatildeo nem perto da morte considerando os dados em seus registros meacutedicos Muitas dessas pessoas podem temer que estejam prestes a morrer mesmo que natildeo estejam (Stevenson Cook amp McClean-Rice 1989)

Para Lake (2019) natildeo existe dicotomia real entre as chamadas verdadeiras EQMs desencadeadas por situaccedilotildees de real risco agrave vida e as experiecircncias semelhantes agraves EQMs que natildeo estatildeo associadas a uma emergecircncia meacutedica Ambas satildeo provavelmente mediadas pela sobreposiccedilatildeo de aspectos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e culturais podendo propiciar efeitos semelhantes nos valores e comportamentos que influenciam a aptidatildeo do ponto de vista evolutivo

Contudo as EQM podem ser experimentadas de forma diferente dependendo do sujeito estar ou natildeo realmente proacuteximo da morte Um estudo foi realizado em um grupo de 58 pacientes dos quais 28 considerados tatildeo proacuteximos da morte que teriam morrido sem intervenccedilatildeo meacutedica e 30 sem risco de morrer embora muitos pensassem que a morte era iminente Os pacientes de ambos os grupos relataram EQM muito semelhantes mas os pacientes que realmente estavam perto da morte eram mais propensos a relatar uma percepccedilatildeo aprimorada da presenccedila de uma luz e tambeacutem um aprimoramento da capacidade cognitiva (Owens Cook amp Stevenson 1990) Para Lake (2019) o funcionamento cognitivo aprimorado nestes momentos poderia permitir a transmissatildeo de valores emocionais e espirituais positivos entre parentes e entes queridos Tais valores seriam posteriormente conservados na populaccedilatildeo resultando em aumento da aptidatildeo do grupo reduzindo o medo de morrer e da morte

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Apesar de pouco ser conhecido sobre a personalidade das pessoas que experienciaram a EQM segundo Martial Cassol Charland-Verville Merckelbach e Laureys (2018) uma das caracteriacutesticas poderia ser a propensatildeo agrave fantasia Os autores utilizaram a escala de Greyson para selecionar pessoas que passaram pela experiecircncia comparando aqueles que alcanccedilaram escore miacutenimo de 7 pontos com outro instrumento de pesquisa para medir tal propensatildeo o ldquoQuestionaacuterio de Experiecircncias Criativasrdquo (CEQ) Desenvolvido por Merckelbach Horselenberg e Muris (2001) o CEQ apresenta correlaccedilotildees substanciais com medidas de esquizotipia e dissociaccedilatildeo intimamente ligadas agrave propensatildeo agrave fantasia

No entanto segundo Martial et al (2018) as pessoas que relataram EQMs sem risco de morte tiveram uma pontuaccedilatildeo mais alta na propensatildeo agrave fantasia quando em comparaccedilatildeo com pessoas que relataram EQMs claacutessicas (com risco real de morte) indiviacuteduos cujas experiecircncias natildeo atenderam aos criteacuterios de EQM e controles correspondentes Indiviacuteduos que relataram EQMs claacutessicas demonstraram envolvimento na fantasia de forma semelhante a sujeitos controles correspondentes

Embora natildeo seja num preacute-requisito eacute possiacutevel que a crenccedila na transcendecircncia espiritual e vida apoacutes a morte seja importante para que as EQM ocorram conforme indica Chandradasa Wijesinghe Kuruppuarachchi e Perera (2018) que avaliaram a prevalecircncia de EQM em hospital caracterizado pelo atendimento de pacientes seguidores de diversas religiotildees diferentes A maior prevalecircncia de EQM foi em pacientes seguidores das religiotildees teiacutestas (que afirmam a crenccedila da existecircncia de Deus) cristianismo islamismo e hunduismo quando em comparaccedilatildeo com o budismo uma religiatildeo natildeo teiacutesta (que natildeo inclui a ideacuteia de um deus)

Num estudo prospectivo Lommel Wees Meyers e Elfferich (2001) estudaram o advento de EQM em pacientes que foram submetidos a ressuscitaccedilatildeo cardiopulmonar e que passaram pela experiecircncia em comparaccedilatildeo com outros submetidos ao mesmo procedimento sem contudo relatar EQM Concluiacuteram que apenas fatores meacutedicos natildeo poderiam explicar a ocorrecircncia de EQM pois embora todos os pacientes estivessem segundo os autores ldquoclinicamente mortosrdquo a maioria natildeo passou pelo fenocircmeno Verificaram ainda que a gravidade da crise natildeo estava relacionada agrave ocorrecircncia ou profundidade da

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experiecircncia natildeo sendo tambeacutem possiacutevel considerar carecircncia de oxigenaccedilatildeo cerebral medicaccedilatildeo ou fatores psicoloacutegicos como agentes causadores do fenocircmeno Aleacutem disso segundo os autores seria impossiacutevel haver consciecircncia e posterior memoacuteria dos fenocircmenos ocorridos considerando situaccedilotildees em que o registro da atividade eleacutetrica de coacutertex e tronco encefaacutelico por eletroencefalografia (EEG) se mostraria horizontal (sem atividade eleacutetrica)

French (2001) contudo contesta tal impossibilidade afirmando que natildeo haacute como saber se as EQM reportadas pelos pacientes realmente ocorreram quando natildeo havia atividade eleacutetrica encefaacutelica ou se ocorreram rapidamente antes ou quando estes estavam gradualmente se recuperando do evento Considerando que memoacuterias falsas relacionadas por exemplo agrave simples imaginaccedilatildeo podem ser indistinguiacuteveis das verdadeiras (Shaw 2016) tais fenocircmenos poderiam estar relacionados com memoacuterias daquilo que na verdade natildeo ocorreu realmente

Lake (2019) considera a possibilidade do ceacuterebro ainda estar em funcionamento nos momentos que antecedem ou se seguem agrave perda de consciecircncia mesmo que a EEG indique o contraacuterio Aleacutem disso Martens (1994) mostra que alteraccedilotildees da memoacuteria sob a influecircncia de hipoacutexia e hipercarbia (excesso de CO2) ocorrem somente apoacutes vaacuterios minutos de isquemia cerebral Consequentemente a ocorrecircncia e a recuperaccedilatildeo de EQMs satildeo limitadas a uma janela de tempo estreita permitindo um certo grau de hipoacutexia cerebral e hipercarbia necessaacuteria para desencadear a experiecircncia mas com restauraccedilatildeo oportuna do suprimento de oxigecircnio e diminuiccedilatildeo do CO2 para preservar a memoacuteria de curto prazo

Por outro lado eacute comum quem passa por uma EQM referir que natildeo apresenta nenhuma duacutevida sobre a realidade dos fenocircmenos vicenciados descrevendo sua experiecircncia como ldquomais real do que a realidaderdquo ou ldquomais real do que qualquer outra coisa que jaacute experimenteirdquo (Greyson 2014) De fato Thonnard et al (2013) mostram que as memoacuterias de EQM conteacutem mais caracteriacutesticas fenomenoloacutegicas (sensoriais e emocionais) do que as memoacuterias de eventos reais e de coma sugerindo que natildeo podem ser consideradas apenas como lembranccedilas imaginadas de eventos Pelo contraacuterio suas origens fisioloacutegicas poderiam levaacute-las a serem percebidas como absolutamente reais

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Palmieri et al (2014) investigando o fenocircmeno das memoacuterias de EQM serem declaradas como sendo ldquomais reais que a realidaderdquo adotaram uma abordagem integrada O estudo envolveu hipnose para melhorar a recuperaccedilatildeo e diminuir erros de memoacuteria e dados de EEG com objetivo de comparar as caracteriacutesticas das memoacuterias de EQM e seus marcadores neurais com memoacuterias de eventos reais e imaginados Os resultados indicaram que as memoacuterias de EQM satildeo diferentes das memoacuterias autobiograacuteficas imaginadas e muito semelhantes agraves memoacuterias de eventos reais em termos de riqueza de detalhes informaccedilotildees autorreferenciais e emoccedilotildees

No entanto nada pode garantir que as memoacuterias de EQM natildeo possam ser de certa forma ldquoexageradasrdquo ou ldquofloreadasrdquo com o passar dos anos de tal maneira que os relatos dos sujeitos que passaram pela experiecircncia natildeo apresente um vieacutes voltado para o que a miacutedia coloca em relaccedilatildeo a tais experiecircncias Com o objetivo de investigar este aspecto Greyson (2007) comparou memoacuterias de EQM quando estas aconteceram e vinte anos apoacutes o evento concluindo que ao contraacuterio do esperado relatos de EQM e particularmente relatos de seus efeitos positivos mantiveram suas caracteriacutesticas mostrando que aparentemente tais memoacuterias parecem ser mais estaacuteveis do que lembranccedilas de outros eventos traumaacuteticos

Em relaccedilatildeo aos seus efeitos positivos na vida de quem a experimentou a EQM parece ter efeitos protetores no bem-estar psicoloacutegico dos pacientes (Cant Cooper Chung amp OrsquoConnor 2012) Tais efeitos satildeo geralmente associados a transformaccedilotildees positivas com maior senso de significado e interesse em alguns aspectos da vida dentre os quais menos medo da morte (geralmente perda completa do medo da morte) maior sensaccedilatildeo de altruiacutesmo como amor empatia e responsabilidade em relaccedilatildeo aos outros e tambeacutem de estar mais conectado com outras pessoas maior feacute e interesse no significado da vida e menor materialidade (Klemenc-Ketis 2013 Greyson 2014) aleacutem de conversatildeo religiosa e impacto positivo na sauacutede mental inclusive por ex-detentos (Braghetta Santana Cordeiro Rigonatti amp Lucchetti 2013) Algumas pessoas podem lutar por anos para tentar entender e integrar suas experiecircncias mas essas satildeo raras exceccedilotildees (Greyson 2014)

Greyson e Khanna (2014) utilizaram a ldquoescala de transformaccedilatildeo espiritualrdquo desenvolvida originalmente para testar mudanccedilas

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espirituais em pacientes apoacutes diagnoacutestico de cacircncer (Cole Hopkins Tisak Steel amp Carr 2008) para comparar a transformaccedilatildeo espiritual entre experimentadores de EQM e controles Quem experimentou a EQM apresentou pontuaccedilatildeo significativamente maior indicando maior transformaccedilatildeo espiritual ao se comparar com os que natildeo passaram pela experiecircncia Assim o crescimento espiritual apoacutes trauma estaacute associado natildeo apenas agrave sobrevivecircncia apoacutes o evento traumaacutetico mas tambeacutem agrave ocorrecircncia e profundidade de EQMs durante o evento desencadeante A relevacircncia da transformaccedilatildeo espiritual para a vida cotidiana dos indiviacuteduos e as associaccedilotildees com o bem-estar sugerem que mais pesquisas nesse sentido satildeo justificadas e que estrateacutegias para melhorar o crescimento espiritual podem acarretar benefiacutecios ao paciente se incorporadas agrave praacutetica terapecircutica

Mas ateacute que ponto pode-se conjeturar que todos os fenocircmenos observados na EQM podem ou poderatildeo um dia ser totalmente explicados pela ciecircncia Como poderia ser criado um traccedilo tatildeo niacutetido de memoacuteria da EQM em situaccedilotildees em que os processos cerebrais funcionariam com capacidades diminuiacutedas Como as teorias atuais da memoacuteria podem explicar essas experiecircncias Seriam necessaacuterios fatores adicionais para explicar totalmente a memoacuteria criada em situaccedilotildees criacuteticas (Martial Cassol Laureys amp Gosseries 2020)

Uma ampla gama de teorias orgacircnicas da EQM eacute apresentada incluindo aquelas baseadas em hipoacutexia cerebral anoacutexia e hipercarbia endorfinas e outros neurotransmissores e atividade anormal nos lobos temporais (French 2005) Haacute contudo que se ponderar que apesar de determinadas pesquisas relacionadas agraves EQMs especularem sobre as possiacuteveis causas do fenocircmeno este ainda apresenta-se como uma incoacutegnita face agrave ausecircncia de dados neuroloacutegicos As condiccedilotildees meacutedicas e neuroloacutegicas associadas agraves EQMs e relacionadas agrave interferecircncia cerebral ou dano cerebral satildeo parada cardiacuteaca anestesia geral epilepsia do lobo temporal estimulaccedilatildeo eleacutetrica do ceacuterebro e anormalidades do sono como por exemplo intrusotildees REM (Blanke Faivre amp Diegues 2016)

Mesmo adotando uma rigorosa metodologia cientiacutefica o debate teoacuterico eacute amplamente aberto e natildeo eacute possiacutevel tirar conclusotildees firmes sobre a origem de tais experiecircncias (Agrillo 2011) As teorias espirituais assumem que a consciecircncia pode se separar do substrato neural do ceacuterebro e que a EQM pode fornecer um vislumbre de uma vida

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apoacutes a morte As teorias psicoloacutegicas incluem a proposta de que a EQM eacute um mecanismo de defesa dissociativo que ocorre em tempos de extremo perigo ou menos plausivelmente que a EQM reflete memoacuterias de nascer (French 2005)

Haacute grande nuacutemero de relatos que associam previamente a EQM agrave sensaccedilatildeo de calma e euforia Assim dado que muitas EQM ocorrem como o nome sugere quando haacute perigo real de morte faria sentido que o corpo liberasse substacircncias quiacutemicas que induzissem um estado de calma e serenidade Por exemplo se algueacutem apresenta uma hemorragia com risco de morte entrar em pacircnico acelerando a atividade cardiacuteaca apenas aceleraria a perda de sangue Seria portanto uma vantagem o corpo induzir um estado de calma e euforia desacelerando desta maneira a frequecircncia cardiacuteaca e consequentemente a perda de sangue Esta seria provavelmente uma funccedilatildeo adaptativa de uma EQM levando em consideraccedilatildeo que a calma em meio a eventos ameaccediladores da vida reforccedila as chances de sobrevivecircncia (Alper 2008)

De fato o vieacutes positivo para a vida apoacutes uma EQM relaciona-se com os aspectos positivos e agradaacuteveis experimentados no decorrer do fenocircmeno tais como tranquilidade paz e senso de harmonia com o universo (Charland-Verville et al 2014)

Poreacutem nem sempre as experiecircncias satildeo agradaacuteveis e por assim dizer ldquoharmoniosasrdquo pois embora mais raras experiecircncias verdadeiramente aterradoras ou ldquoinfernaisrdquo tambeacutem foram relatadas sendo possiacutevel que tais experiecircncias estejam na verdade sub-documentadas por motivos diversos tais como memoacuterias ldquodolorosasrdquo ou risco de estigmatizaccedilatildeo (Cassol et al 2019)

Quem passa por EQMs angustiantes natildeo diferem em termos de gecircnero e idade em comparccedilatildeo com as EQMs claacutessicas As experiecircncias angustiantes contudo incluem mais sobreviventes de suiciacutedio ao passo as claacutessicas parecem incluir pessoas mais velhas (Cassol et al 2019) As narrativas relacionadas a experiecircncias angustiantes tambeacutem podem conter recursos pertencentes ao tipo positivo (visatildeo de luz e tuacutenel EEC e revisatildeo da vida) todavia interpretadas pelos que a vivenciaram como ldquoterriacuteveisrdquo ao inveacutes de confortantes Tambeacutem ocorrem situaccedilotildees em que a experiecircncia eacute de ldquonatildeo-existecircnciardquo ou de ser condenado a um ldquovazio inexpressivo

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para a eternidaderdquo com o desespero de sentir natildeo apenas que a vida como a conhecia natildeo mais existe mas tambeacutem que nunca existiu A experiecircncia tambeacutem inclui imagens e sons terriacuteveis tais como avistar uma paisagem feia ou agourenta eou a presenccedila de seres demoniacuteacos ouvir ruiacutedos altos eou irritantes ver animais assustadores eou encontrar outros seres em extrema anguacutestia (Greyson amp Bush 1992)

Natildeo obstante a crenccedila popular acerca das caracteriacutesticas aparentemente paranormais das EQMs sejam estas positivas ou negativas Mobbs e Watt (2011) em revisatildeo sobre o tema apresentam explicaccedilotildees cientiacuteficas para (segundo eles) ldquotodosrdquo os fenocircmenos relatados por quem vivenciou a EQM sugerindo que natildeo haacute nada paranormal nessas experiecircncias Considerando que seriam apenas manifestaccedilatildeo de funccedilatildeo cerebral anocircmala durante um evento traumaacutetico e agraves vezes inofensivo os autores defendem ainda que todos os aspectos da experiecircncia tecircm uma base neurofisioloacutegica ou psicoloacutegica A experiecircncia extra-corpoacuterea revisatildeo da vida e visatildeo de pessoas falecidas estariam por exemplo relacionadas a intrusotildees do sono REM (tambeacutem defendido por Nelson Mattingly Lee e Schmitt em 2006) ao passo que o prazer viacutevido e a euforia poderiam ser o resultado da liberaccedilatildeo de opioides provocada pelo medo

Quanto agraves alucinaccedilotildees visuais ou outras tambeacutem frequentemente presentes nas experiecircncias Mobbs e Watt (2011) explicam que estas tambeacutem ocorrem em pessoas acometidas por doenccedilas neurodegenerativas do sistema nervoso tais como Alzheimer e Parkinson Assim as visotildees de entidades e pessoas falecidas poderiam indicar uma anormalidade pontual nas mesmas aacutereas acometidas nestas doenccedilas Em se tratando da visatildeo de luzes brilhantes e de tuacutenel especulam que estas poderiam ser o resultado de um colapso perifeacuterico agrave foacutevea do sistema visual por meio da privaccedilatildeo de oxigecircnio

Esse estudo foi contudo criticado pelo grupo do Dr Bruce Greyson (Greyson Holden amp Lommel 2012) pois ao afirmarem que ldquotodosrdquo os aspectos das EQM poderiam ser explicados os autores ignoraram muitos aspectos que natildeo poderiam explicar negligenciando um corpo substancial de pesquisa empiacuterica sobre o Assunto Natildeo considerando indiacutecios de possiacuteveis caracteriacutesticas natildeo explicaacuteveis pelas ciecircncias naturais nas EQMs a alegaccedilatildeo de que natildeo

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haacute nada paranormal nestes fenocircmenos natildeo pode ser considerada como baseada em evidecircncias

Em relaccedilatildeo agrave intrusatildeo do sono REM natildeo haveria condiccedilotildees para tal pois nas condiccedilotildees onde as experiecircncias satildeo geralmente vivenciadas este estaria na verdade totalmente inibido Aleacutem disso a oferta de oxigecircnio ao enceacutefalo estaacute igual ou ateacute maior e as alucinaccedilotildees associadas a doenccedilas degenerativas do enceacutefalo geralmente satildeo associadas a sentimentos de medo sem apresentar a riqueza de sensaccedilotildees e interatividade das observadas nas EQM que aleacutem de vistas podem tambeacutem ser ouvidas cheiradas e tocadas sendo na maior parte dos casos muito bem-vindas

Haacute tambeacutem que se ponderar a existecircncia de relatos de EQMs nos quais pacientes relataram visotildees de pessoas falecidas mas cuja morte natildeo tinham conhecimento que faleceram momentos antes ou no exato momento em que ocorria a EQM ou mesmo pessoas falecidas que nunca conheceram desafiando portanto a interpretaccedilatildeo dessas visotildees como meras alucinaccedilotildees (Greyson 2010)

Parece portanto indiscutiacutevel que as EQMs natildeo podem ser simplesmente reduzidas agrave imaginaccedilatildeo medo da morte alucinaccedilatildeo psicose uso de drogas ou deficiecircncia de oxigecircnio (Lommel 2011) Na tentativa de explicar o que ao menos aparentemente natildeo apresenta explicaccedilatildeo Blanke Faivre e Diegues (2016) propotildeem que os estudos futuros sobre EQMs possam ser concentrados mais nos mecanismos funcionais e neurais dos fenocircmenos tanto em populaccedilotildees de pacientes quanto indiviacuteduos saudaacuteveis Agindo desta maneira a ciecircncia poderia ajudar a desvendar ao menos parcialmente os mecanismos neurofisioloacutegicos de aspectos ainda natildeo compreendidos das EQMs que tanto intrigam cientistas estudiosos e leigos

Sem duacutevida eacute um desafio cientiacutefico consideraacutevel discutir novas hipoacuteteses que possam explicar a possibilidade de uma consciecircncia clara e aprimorada abrangendo memoacuterias identidade proacutepria cogniccedilatildeo e emoccedilotildees durante um periacuteodo de aparente coma Talvez a mera visatildeo materialista da relaccedilatildeo entre consciecircncia e ceacuterebro como defendida pela maioria dos meacutedicos filoacutesofos e psicoacutelogos seja muito restrita para uma compreensatildeo adequada desse fenocircmeno que apesar de poder durar apenas alguns minutos pode acarretar mudanccedilas profundas em quem o vivenciou (Lommel 2011)

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Para finalmente ratificar as mudanccedilas no modus vivendi extensivamente relatadas conveacutem citar o estudo em formato de testemunho de Woollacott e Peyton (2020) baseado em um estudo de caso detalhado extensivamente verificado e documentado de uma meacutedica (e autora do estudo) que sofreu uma EQM durante o nascimento de seu terceiro filho aos 32 anos de idade Com os olhos fechados com uma fita ela referiu seis percepccedilotildees durante a parada cardiacuteaca que foram verificadas pelos funcionaacuterios do hospital Sem possibilidade de explicaccedilatildeo pela perspectiva fisioloacutegica o caso obteve uma pontuaccedilatildeo pela escala de Greyson igual a 23 caracterizando uma EQM profunda

As autoras sugerem que tais experiecircncias abrem uma porta para uma consciecircncia mais alta ou expandida associada agrave tranquilizaccedilatildeo da atividade cerebral Os dados mostram que essa experiecircncia inicial tem um efeito imediato eacute ldquoplantada uma sementerdquo que transforma a compreensatildeo do indiviacuteduo sobre a natureza da consciecircncia Aleacutem disso serve como um gatilho para um processo de transformaccedilatildeo espiritual de longo prazo incluindo a busca para encontrar um caminho de volta para essa experiecircncia que no caso citado levou a um estudo aprofundado da meditaccedilatildeo e espiritualidade e uma transformaccedilatildeo na sua abordagem como meacutedica aos cuidados paliativos voltados ao paciente no final da vida

De fato experiecircncias espiritualmente transformadoras espontacircneas ou procuradas de maneira intencional levam as pessoas a perceber a si mesmas e ao mundo de maneiras profundamente diferentes expandindo sua identidade aumentando suas sensibilidades e alterando seus valores prioridades senso de significado e propoacutesito na vida (Greison 2014)

Consideraccedilotildees Finais

Embora a plena compreensatildeo de como o ceacuterebro cria a consciecircncia e a experiecircncia do self ainda esteja muito longe de ser alcanccedilada a evoluccedilatildeo das neurociecircncias nas uacuteltimas deacutecadas permitiu um aumento exponencial do conhecimento sobre suas funccedilotildees e conexotildees Tal evoluccedilatildeo propiciou melhora substancial no tratamento prognoacutestico e qualidade de vida de milhotildees de pessoas

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que sofrem de distuacuterbios neuroloacutegicos e psiquiaacutetricos Poreacutem mesmo com tudo o que jaacute se pesquisou e descobriu desde a denominada ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo nos anos 90 ateacute os dias atuais o ceacuterebro ainda eacute capaz de surpreender e maravilhar quem dedica a vida a estudaacute-lo

Sabe-se por exemplo que determinados fenocircmenos considerados por muitos como ldquoparanormaisrdquo e aparentemente inexplicaacuteveis pelas ciecircncias naturais como o deacutejagrave vu e os fenocircmenos autoscoacutepicos (experiecircncia extra-corpoacuterea e outros) apresentam explicaccedilatildeo cientiacutefica convincente podendo inclusive serem reproduzidos de maneira experimental Natildeo existe contudo um uacutenico ldquomoacutedulo especializadordquo no ceacuterebro que tenha como funccedilatildeo a criaccedilatildeo de crenccedilas e experiecircncias sobrenaturais embora algumas aacutereas parecem ter uma importacircncia especial na criaccedilatildeo de alguns desses fenocircmenos como a junccedilatildeo temporoparietal em experiecircncias autoscoacutepicas e o coacutertex rinal na experiecircncia do deacuteja vuacute

Outros fenocircmenos relativamente comuns na populaccedilatildeo como certos aspectos das ldquoexperiecircncias de quase morterdquo (EQM) tambeacutem apresentam teorias que podem explicar parcialmente sua origem seja por anomalias momentacircneas ou disfunccedilotildees de determinadas aacutereas encefaacutelicas Entretanto muitos destes aspectos apresentam lacunas do ponto de vista cientiacutefico ao passo que outros ainda satildeo uma completa incoacutegnita Isso natildeo significa obviamente que natildeo poderatildeo ser explicados no futuro por mais estranhas e ldquoreaisrdquo que sejam as sensaccedilotildees referidas por quem jaacute passou pela experiecircncia

Poreacutem mesmo que num futuro mais ou menos distante possamos compreender todos os aspectos da consciecircncia e comprovar que todos os fenocircmenos vivenciados por quem passou pela EQM podem ser inequivocamente atribuiacutedos agrave atividade encefaacutelica ainda natildeo seraacute possiacutevel nem haveraacute motivo para simplesmente descartar a possibilidade de existecircncia de algo que transcenda o aspecto fiacutesico e que sobreviva agrave morte do corpo

Embora desde o iniacutecio da histoacuteria da humanidade ateacute o momento em que este texto eacute escrito a alma ou espiacuterito de quem quer que seja que tenha passado pela morte definitiva jamais tenha comprovadamente retornado para relatar a respeito natildeo eacute possiacutevel descartar tal possibilidade simplesmente porque natildeo haacute prova cabal de que apoacutes a morte natildeo haacute nada aleacutem da ldquonatildeo-existecircnciardquo

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Muitos pacientes em estado grave sem possibilidade de cura e pouco tempo de vida ainda apresentam a esperanccedila de que espiritualmente continuaratildeo a existir simplesmente considerando que a ldquonatildeo-existecircnciardquo natildeo lhes eacute mentalmente concebiacutevel Se apenas a crenccedila sem prova alguma de que a morte natildeo eacute o final de tudo de que haacute possibilidade de reencontrar pessoas amadas que faleceram e de que em breve natildeo mais existiraacute dor ou tristeza num paraiacuteso perfeito puder elevar a qualidade do tempo de vida que resta ao paciente jaacute seria motivo mais do que suficiente para incentivaacute-la

Sem duacutevida alguma meacutedicos e outros profissionais da sauacutede devem ter um comprometimento eacutetico com a ciecircncia e com a divulgaccedilatildeo cientiacutefica procurando evitar arqueacutetipos relacionados a crendices infundadas Mas destruir em nome da ciecircncia a feacute que pode ser a uacutenica coisa que resta aquele que sofre natildeo parece ser muito eacutetico ou profissional

Concordando com Kyriacou (2018) noacutes seres humanos fomos abenccediloados com um corpo e uma mente e natildeo honrariacuteamos a feacute negligenciando a ciecircncia Pelo contraacuterio entendemos que a feacute comeccedila onde a ciecircncia termina sem perder de vista os limites do que nos eacute possiacutevel saber Mas tambeacutem se faz necessaacuteria suficiente humildade para natildeo refutar em nome da ciecircncia o que para muitos pode ser tudo o que resta a realidade da feacute

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SECcedilAtildeO II

PROCESSOS BAacuteSICOS EM NEUROCIEcircNCIAS

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica

Andreacute Demambre Bacchi

Introduccedilatildeo

O uso de substancias psicoativas tem feito parte da vida do ser humano haacute milecircnios (Austin 1978) Enquanto aproximadamente metade da populaccedilatildeo mundial utiliza ao menos uma substacircncia psicoativa o consumo de aacutelcool tabaco e outras drogas figuram entre as principais causas de morte evitaacuteveis no planeta (World Health Organization 2004)

Segundo a quinta ediccedilatildeo do Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais - DSM-V os transtornos relacionados ao uso de substacircncias abrangem classes distintas de drogas como aacutelcool cafeiacutena cannabis alucinoacutegenos inalantes opioacuteides hipnosedativos ansioliacuteticos estimulantes tabaco entre outras substacircncias De modo geral eacute possiacutevel afirmar que a maioria das drogas que provocam dependecircncia possuem em comum a ativaccedilatildeo do sistema de recompensa cerebral que estaacute envolvido no reforccedilo de comportamentos e na produccedilatildeo de memoacuterias (American Psychiatric Association 2013) A ativaccedilatildeo desse sistema pelo uso de determinadas substacircncias pode ser intensa a ponto de ldquosequestrarrdquo os circuitos cerebrais envolvidos na aquisiccedilatildeo de recompensas naturais relevantes agrave sobrevivecircncia enquanto indiviacuteduo (como a busca por alimentos) ou enquanto espeacutecie (oportunidades de acasalamento) (Hyman 2005)

Os mecanismos de accedilatildeo farmacoloacutegicos pelos quais cada droga produz recompensa diferem entre si mas geralmente acabam levando agrave ativaccedilatildeo desse sistema produzindo sensaccedilatildeo de prazer frequentemente denominada de ldquobaratordquo (do inglecircs hight) ou ldquoviagemrdquo (do inglecircs trip) Aleacutem disso deficiecircncias em mecanismos cerebrais inibitoacuterios e determinados contextos sociais podem fazer com

Autor para correspondecircncia bacchiufredubr

Professor de Farmacologia do

Curso de Medicina da Universidade

Federal de Rondonoacutepolis

Instituto de Ciecircncias Exatas e Naturais Avenida

dos Estudantes 5055 - Cidade

Universitaacuteria Rondonoacutepolis - MT

CEP 78735-901

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164 | Temas em Neurociecircncias

que certos indiviacuteduos sejam particularmente mais vulneraacuteveis ao desenvolvimento de transtornos por uso de substacircncias (American Psychiatric Association 2013)

Contudo mesmo constituindo um problema de sauacutede puacuteblica haacute escassez de tratamentos para esses transtornos se comparados a outros como depressatildeo e ansiedade Essa falta de tratamentos psicofarmacoloacutegicos efetivos pode ter provocado certo grau de omissatildeo terapecircutica quanto agrave abordagem medicamentosa para o manejo da dependecircncia Infelizmente parece haver certo ceticismo quando se fala em desenvolvimento de faacutermacos para o tratamento do abuso de substacircncias Esse raciociacutenio pode ter diversas origens entre elas o fato de que haacute um grande nuacutemero de usuaacuterios que natildeo conseguem atingir a abstinecircncia total eou que sofrem frequentes recaiacutedas Aleacutem disso haacute tambeacutem o estigma com consequente preconceito por parte de cientistas e profissionais de sauacutede que leva agrave crenccedila equivocada de que ao contraacuterio de outras doenccedilas ou transtornos ldquoo dependente quiacutemico se coloca voluntariamente nessa situaccedilatildeordquo e por esse motivo deve ter menor prioridade em relaccedilatildeo aos demais pacientes (Stahl 2013)

Nesse contexto um dos pontos de partida para se discutir a eficaacutecia e o desenvolvimento de tratamentos efetivos para os transtornos por uso de substacircncia eacute o conhecimento da base neurocientiacutefica dos circuitos de recompensa Assim o objetivo deste capiacutetulo eacute municiar o leitor com a base bioloacutegica que possibilitaraacute a compreensatildeo de como o abuso de drogas eacute capaz de promover neuroadaptaccedilotildees disfuncionais no dependente quiacutemico tornando-o ldquorefeacutem de si mesmordquo

A Dependecircncia Quiacutemica como Fenocircmeno Multidimensional

Sem uma droga de abuso ou sem um circuito cerebral de recompensa natildeo haveria dependecircncia quiacutemica Contudo embora esses sejam os elementos-chave desse transtorno esse fenocircmeno sofre influecircncia de muitos outros fatores Afinal nem todas as pessoas que fazem uso de uma droga tornam-se dependentes dela

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica | 165

A Figura 1 mostra que aleacutem dos aspectos neurobioloacutegicos os aspectos comportamentais geneacuteticos e ambientais satildeo cruciais para o desenvolvimento da dependecircncia quiacutemica

Neurobiologia

Comportamento

Ambiente

Geneacutetica

Figura 1 Dependecircncia quiacutemica como fenocircmeno multidimensional Embora as caracteriacutesticas farmacoloacutegicas de cada droga de abuso e as neuroadaptaccedilotildees dos neurocircuitos sejam aspectos fundamentais envolvidos na dependecircncia quiacutemica os fatores geneacuteticos ambientais e comportamentais satildeo capazes de modificar e interferir significativamente nesse processo

Por um lado algumas substacircncias parecem ser intrinsecamente mais aditivas do que outras Por outro algumas pessoas podem ser mais impulsivas ou podem apresentar um sistema de recompensa geneticamente disfuncional Em outras palavras traccedilos impulsivos e disfunccedilotildees no sistema de recompensa podem facilitar o uso abusivo de substacircncias e alguns indiviacuteduos podem ser naturalmente mais vulneraacuteveis a se tornarem compulsivos com o uso frequente (Ersche Turton Pradhan Bullmore amp Robbins 2010)

Impulsividade e Compulsividade na Dependecircncia Quiacutemica

A dependecircncia pode ser descrita neuroquimicamente como uma transiccedilatildeo de accedilotildees compulsivas para accedilotildees compulsivas

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(Volkow Wang Fowler Tomasi amp Telang 2011) No transtorno por uso de substacircncias estaacute presente um conjunto de sintomas cognitivos comportamentais e fisioloacutegicos caracterizados pela incapacidade em adiar recompensas (impulsividade) e pelo uso contiacutenuo da droga apesar das consequecircncias significativamente negativas (compulsividade) De maneira simplificada podemos afirmar que impulsividade e compulsividade satildeo sintomas que derivam da dificuldade do ceacuterebro em ldquodizer natildeordquo (Everitt et al 2008 Moeller Barratt Dougherty Schmitz amp Swann 2017)

De modo mais preciso impulsividade pode ser definida como uma accedilatildeo sem reflexatildeo preacutevia ou ausecircncia de reflexatildeo sobre as consequecircncias de determinado comportamento Haacute portanto grande dificuldade em se adiar recompensas com predileccedilatildeo a uma recompensa imediata em detrimento agrave outra potencialmente mais beneacutefica poreacutem tardia Seria o que na linguagem coloquial chamariacuteamos de ldquofalta de forccedila de vontade para resistir a tentaccedilotildeesrdquo (Moeller et al 2017) Por outro lado a compulsividade eacute caracterizada por presenccedila de accedilotildees inapropriadas a certa situaccedilatildeo mas que persistem mesmo produzindo consequecircncias nocivas (Everitt et al 2008)

Embora relacionadas com aacutereas ligeiramente distintas no ceacuterebro tanto impulsividade como compulsividade podem ser consideradas como impulsos neurobioloacutegicos ldquode baixo para cimardquo (por exemplo da aacuterea tegmental ventral para o nuacutecleo accumbens) que podem sofrer supressatildeo por estiacutemulos ldquode cima para baixordquo (oriundos do coacutertex preacute-frontal) Nesse contexto impulsividade e compulsividade seriam resultado da falha na resposta dos sistemas de inibiccedilatildeo ldquode cima pra baixordquo ou da ativaccedilatildeo excessiva ldquode baixo pra cimardquo (Goldstein amp Volkow 2002) Diversos estudos de neuroimagem tecircm dado suporte a esse modelo (Limbrick-Oldfield Van Holst amp Clark 2013) e essas alteraccedilotildees parecem ser a fonte das constantes recaiacutedas do usuaacuterio de drogas que caracterizam a dependecircncia quiacutemica (Koob 2013)

Podemos considerar que o uso inicial de uma droga eacute em geral voluntaacuterio e estaacute ligado ao traccedilo de impulsividade Esse contato inicial com a substacircncia provoca uma sensaccedilatildeo de prazer e satisfaccedilatildeo Se isso ocorre com pouca frequecircncia e intensidade a busca e o consumo podem permanecer sob controle caracterizando

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um usuaacuterio ldquoocasionalrdquo Contudo as primeiras doses costumam ser as mais reforccediladoras pois satildeo praticamente isentas de penalidades Isso pode facilitar que o uso se torne frequente evoluindo para o uso compulsivo caracterizado pela necessidade de maiores doses para a obtenccedilatildeo do efeito desejado (toleracircncia) e a necessidade de utilizaccedilatildeo para reduzir os sintomas incocircmodos de abstinecircncia na ausecircncia da droga (Clark Robbins Ersche amp Sahakian 2006)

O fenocircmeno de toleracircncia ocorre com frequecircncia para drogas de abuso e diversas formas de toleracircncia podem ocorrer durante o consumo crocircnico de uma droga A toleracircncia varia de acordo com a geneacutetica individual bem como com o grau de exposiccedilatildeo agrave substacircncia Um dos tipos de toleracircncia que pode ocorrer eacute a toleracircncia farmacocineacutetica Nesse caso a toleracircncia resulta de maior eliminaccedilatildeo da substacircncia pelo organismo Esse tipo de toleracircncia estaacute associada ao fenocircmeno de induccedilatildeo de enzimas hepaacuteticas apoacutes o uso repetitivo da droga Quanto maior atividade biotransformadora enzimaacutetica maior eacute a eliminaccedilatildeo da substacircncia e maior dose eacute necessaacuteria para obter o mesmo efeito de antes

Outros tipos de toleracircncia como a toleracircncia farmacodinacircmica (relacionada aos receptores nos quais a substacircncia atua) e toleracircncia funcional (quando o organismo compensa certos efeitos por meio de uma desregulaccedilatildeo endoacutegena) podem tambeacutem participar dos mecanismos de toleracircncia agraves drogas

Poreacutem independentemente do tipo o fenocircmeno de toleracircncia eacute um processo reversiacutevel Ou seja apoacutes um periacuteodo de abstinecircncia a toleracircncia pode ser revertida podendo levar a overdoses acidentais (Golan Tashjian Jr Armstrong amp Armstrong 2012)

Para ilustrar esse processo podemos utilizar como exemplo o caso da cantora Amy Winehouse Amy utilizou grandes quantidades de etanol de forma crocircnica durante sua vida desenvolvendo toleracircncia agrave bebida Por esse motivo conseguia (e sentia necessidade de) consumir uma grande quantia de aacutelcool diariamente Contudo apoacutes cessar o uso da droga por algumas semanas em uma tentativa de se manter ldquolivre do viacuteciordquo seu organismo foi capaz de retornar ao estado basal Assim sua toleracircncia ao aacutelcool diminuiu drasticamente Poreacutem em um episoacutedio de recaiacuteda consumiu a mesma quantidade que estava habituada anteriormente Sem estar tolerante ao etanol

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Amy acabou sofrendo uma superdosagem alcooacutelica que culminou em seu oacutebito (Bacchi 2020)

James Olds Peter Milner e a Descoberta do ldquoCentro de Recompensa Cerebralrdquo

As bases neurobioloacutegicas da dependecircncia quiacutemica tecircm sido alvo de crescente interesse uma vez que o melhor entendimento dos mecanismos cerebrais ligados ao comportamento de dependecircncia tecircm permitido a busca de tratamentos medicamentosos mais eficazes para o comportamento repetitivo da busca pelas substacircncias assim como para a siacutendrome de abstinecircncia (Figlie Bordin amp Laranjeira 2014)

Na metade do seacuteculo XIX algumas teorias sobre motivaccedilatildeo afirmavam que o ldquocomportamento dependenterdquo resultava de instintos subconscientes Essas teorias eram pouco claras e natildeo demonstravam de maneira satisfatoacuteria quais elementos materiais estariam envolvidos na dependecircncia quiacutemica No iniacutecio da deacutecada de 40 contudo uma nova explicaccedilatildeo surgiu abrangendo conceitos de psicologia e psiquiatria Essa teoria chamada de teoria do reforccedilo teve como pioneiro o trabalho realizado por Spragg (1940) no qual apoacutes receberem repetidamente drogas opioides chimpanzeacutes trabalhavam voluntariamente para ter acesso a estas substacircncias contrariando o esperado de seus comportamentos inatos

Essas pesquisas despertaram o interesse da comunidade cientiacutefica pelo tema e em 1954 os pesquisadores James Olds e Peter Milner observaram que ratos com eletrodos introduzidos em regiotildees especiacuteficas do ceacuterebro pressionavam uma barra para receber estiacutemulos eleacutetricos nessas regiotildees Esse comportamento de autoestimulaccedilatildeo chegava a ser tatildeo intenso a ponto de os animais deixarem de se alimentar ou dormir para continuar pressionando a barra Essas e outras observaccedilotildees levaram agrave descoberta de que as regiotildees cerebrais relacionadas ao comportamento de autoestimulaccedilatildeo eram as mesmas regiotildees responsaacuteveis pelo consumo de aacutegua e comida e estariam portanto relacionadas com recompensa e motivaccedilatildeo (Olds amp Milner 1954) Portanto as vias dopamineacutergicas mesoliacutembica e mesocortical estariam envolvidas com a recompensa e seriam provavelmente estimuladas pelas

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drogas de abuso Assim acredita-se que o sistema dopamineacutergico mesocorticoliacutembico desempenhe um papel central nas siacutendromes de dependecircncia (Volkow amp Fowler 2000 Volkow Fowler amp Wang 2003)

Dopamina e a Neurobiologia da Recompensa

Cada droga de abuso possui seu proacuteprio mecanismo de accedilatildeo mas geralmente atuam direta ou indiretamente ativando um mesmo circuito cerebral o sistema dopamineacutergico de recompensa a via final comum de reforccedilo e recompensa no ceacuterebro A via dopamineacutergica mesoliacutembica parte da aacuterea tegmental ventral e projeta-se ao nuacutecleo accumbens um dos principais componentes do estriado que tem sido considerado estrutura fundamental na mediaccedilatildeo de processos motivacionais emocionais e nos efeitos de certas drogas psicoativas Alguns autores consideram portanto que este seja o ldquocentro do prazerrdquo do ceacuterebro (Nestler 2005) Por conta disso a dopamina frequentemente eacute descrita popularmente como sendo ldquoo neurotransmissor do prazerrdquo uma definiccedilatildeo reducionista e imprecisa Eacute mais adequado conforme visto ateacute aqui considerar que a dopamina possui um papel de destaque na recompensa e na motivaccedilatildeo

Haacute diversas maneiras de desencadear ldquonaturalmenterdquo a liberaccedilatildeo de dopamina na via mesoliacutembica Realizar com sucesso tarefas intelectuais ou atleacuteticas degustar uma boa refeiccedilatildeo atingir o orgasmo apaixonar-se ou ateacute mesmo ouvir suas muacutesicas favoritas podem ser alguns desses exemplos As substacircncias que provocam dependecircncia tambeacutem seguem essa loacutegica neurobioloacutegica Contudo elas produzem um grau de disparo dopamineacutergico muito mais intenso do que aquele gerado por substacircncias ou comportamentos mais elementares relativos agrave sobrevivecircncia Esse estiacutemulo mais acentuado provocado por algumas drogas pode levar a alteraccedilotildees no circuito de recompensa conduzindo a um ciclo de busca pela substacircncia fissura dependecircncia e abstinecircncia na retirada da droga (Hyman Malenka amp Nestler 2006)

Ademais a gratificaccedilatildeo experimentada inicialmente quando a droga eacute consumida tende a diminuir com o decorrer do tempo (por mecanismos de toleracircncias farmacocineacutetica e farmacodinacircmica) podendo exigir aumento da dose para obtenccedilatildeo do mesmo efeito e

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intensificando o processo de dependecircncia quiacutemica (Kalivas amp Volkow 2005)

Coloquialmente poderiacuteamos dizer que o ceacuterebro ldquoperceberdquo que natildeo eacute necessaacuterio ganhar essa recompensa naturalmente uma vez que eacute possiacutevel consegui-la de maneira mais intensa e com menor esforccedilo pelo uso de uma substacircncia quiacutemica Natildeo apenas drogas mas comportamentos potencialmente desadaptativos como jogo patoloacutegico uso intenso de internet compras compulsivas entre outros podem tambeacutem levar agrave liberaccedilatildeo de dopamina na via mesoliacutembica de maneira semelhante (Balodis et al 2012)

Com o passar do tempo natildeo apenas a recompensa mas tambeacutem a antecipaccedilatildeo da recompensa associa-se agrave busca da droga ou de situaccedilotildees envolvidas nos transtornos impulsivos-compulsivos Ou seja os neurocircnios dopamineacutergicos deixam de responder apenas ao reforccedilador inicial (como a droga de abuso) e passam a responder ao estiacutemulo condicionado (ver a droga ou as pessoas ou locais que se relacionam ao seu consumo) Isso corresponde neurobiologicamente agrave migraccedilatildeo do aumento de dopamina do nuacutecleo accumbens para o estriado dorsal caracterizando a transiccedilatildeo da impulsividade para a compulsividade (Dalley Everitt amp Robbins 2011 Everitt amp Robbins 2013)

A dopamina estaacute portanto associada agrave motivaccedilatildeo para a busca e consumo de drogas caracteriacutesticas centrais do dependente quiacutemico Assim o indiviacuteduo apresenta foco e motivaccedilatildeo quando busca obter a droga poreacutem demonstra apatia quando envolvido em atividades que natildeo se relacionam com ela A dissonacircncia entre expectativa dos efeitos da droga e os efeitos cada vez mais atenuados da dopamina manteacutem o uso compulsivo da substacircncia como uma tentativa de conquista da recompensa esperada (Melis Spiga amp Diana 2005)

A Forma de Utilizaccedilatildeo e o Risco de Dependecircncia

A velocidade com a qual uma droga atinge seu siacutetio de accedilatildeo pode determinar a intensidade dos efeitos e o grau da experiecircncia subjetiva do indiviacuteduo e portanto tambeacutem contribui para aumentar ou reduzir as chances de uma pessoa se tornar dependente Eacute por isso que muitas das drogas de abuso satildeo injetadas ou inaladas

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sendo consideravelmente mais reforccediladoras assim do que se fossem utilizadas por outras vias como a via oral Sendo assim a maneira mais raacutepida e potente de fazer com que uma substacircncia alcance o sistema nervoso central de maneira simples e natildeo invasiva eacute fumando aquelas que satildeo compatiacuteveis com essa via Por isso o cigarro de tabaco maconha crack metanfetamina entre outras costumam ser utilizadas por essa via levando a descargas faacutesicas (e em grande quantidade) de dopamina (Ferris et al 2012)

Desse modo os efeitos reforccediladores da droga dependem natildeo apenas da presenccedila de dopamina no circuito de recompensa cerebral mas tambeacutem da intensidade da sua liberaccedilatildeo Essa intensidade por sua vez depende intrinsecamente do mecanismo de accedilatildeo de cada droga e tambeacutem eacute determinada pela via de administraccedilatildeo adotada Um aumento abrupto e pronunciado de dopamina mimetiza a liberaccedilatildeo dopamineacutergica faacutesica associada agrave recompensa e motivaccedilatildeo favorecendo a dependecircncia (Lodge amp Grace 2006)

Por outro lado alguns faacutermacos que tambeacutem provocam essa liberaccedilatildeo de dopamina quando administradas por via oral e em baixas doses atuam pouco como reforccediladores e podem ser utilizados no tratamento de alguns transtornos Esse eacute o exemplo do uso da Ritalinareg (metilfenidato) para o tratamento do transtorno do deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividade (TDAH) Isso natildeo extingue a possibilidade de o metilfenidato provocar dependecircncia mas certamente confere a esse faacutermaco um efeito menos reforccedilador que a cocaiacutena ou metanfetamina por exemplo (Volkow 2006 Volkow Fowler Wang Ding amp Gatley 2002)

Nem soacute de Dopamina Vive um Ceacuterebro ldquoDependenterdquo

Ateacute aqui af irmamos que a dopamina eacute o principal neurotransmissor envolvido na motivaccedilatildeo e recompensa Entretanto se diferentes classes de drogas de abuso possuem mecanismos de accedilatildeo distintos podendo provocar diversos tipos de efeitos como todas elas de alguma forma aumentam dopamina

Ainda que o sistema dopamineacutergico mesocorticoliacutembico represente o sistema de recompensa cerebral neurotransmissores

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como serotonina noradrenalina acetilcolina glutamato e o aacutecido gama-aminobutiacuterico (GABA) satildeo tambeacutem responsaacuteveis pela modulaccedilatildeo dos neurocircnios dopamineacutergicos da via mesoliacutembica e estatildeo envolvidos nesse sistema Endorfinas e opioides endoacutegenos bem como endocanabinoacuteides (como anandamida) tambeacutem influenciam esse circuito favorecendo atividade dopamineacutergica (Koob amp Volkow 2010)

Sendo assim diversas substacircncias psicotroacutepicas de uso abusivo possuem a capacidade de mimetizar esses sinalizadores endoacutegenos atuando como agonistas de receptores cerebrais no sistema de recompensa tendo como efeito final a liberaccedilatildeo ldquoartificialrdquo de dopamina Assim o aacutelcool (que reforccedila os efeitos do GABA e opioides) os proacuteprios opioides exoacutegenos (como a morfina) os estimulantes (que aumentam a liberaccedilatildeo e inibem recaptaccedilatildeo da proacutepria dopamina) a maconha (que estimula receptores canabinoacuteides) os benzodiazepiacutenicos (que reforccedilam accedilatildeo do GABA) os alucinoacutegenos (que estimulam receptores serotonineacutergicos) e a nicotina (que mimetiza a accedilatildeo da acetilcolina) satildeo capazes de afetar e desregular o sistema dopamineacutergico mesoliacutembico favorecendo a dependecircncia (Stahl 2013)

A Figura 2 resume essa complexa relaccedilatildeo Neurocircnios dopamineacutergicos projetam-se da aacuterea tegmental ventral para o nuacutecleo accumbens Conforme mencionamos anteriormente o aumento da liberaccedilatildeo de dopamina nessa aacuterea estaacute associado agrave recompensa e motivaccedilatildeo Esses neurocircnios dopamineacutergicos sofrem regulaccedilotildees negativas e positivas por diversos outros neurocircnios (natildeo mostrados na figura) e seus neurotransmissores Faacutermacos estimulantes cocaiacutena metanfetamina aumentam diretamente a disponibilidade sinaacuteptica de dopamina Opioides e drogas sedativas inibem interneurocircnios inibitoacuterios o que leva a uma desinibiccedilatildeo dos neurocircnios dopamineacutergicos enquanto o cigarro e drogas alucinoacutegenas estimulam esses neurocircnios Poreacutem independente do mecanismo de accedilatildeo o resultado final eacute o aumento de dopamina no nuacutecleo accumbens

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Nucleo Accumbens

Aacuterea Tegmental Ventral

Interneurocircnio gabaeacutergico

ndash Opioides endoacutegenos e exoacutegenosndash GABA (e Hipnosedativos)ndash Aacutelcool

ndash Acetilcolina (e Nicotina)ndash Serotonina (e Alucinoacutegenos)

DOPAMINA(recompensa) ndash Faacutermacos Estimulantes

ndash Cocaiacutena

Figura 2 A ldquofarmaacuteciardquo cerebral no circuito da recompensa A via dopamineacutergica mesoliacutembica eacute regulada por diversos neurotransmissores As drogas de abuso mimetizam e potencializam a accedilatildeo dessas moleacuteculas favorecendo direta ou indiretamente o aumento de dopamina no nuacutecleo accumbens

Aspectos Comportamentais e Ambientais da Dependecircncia

Resumidamente um comportamento ou resposta tem maior probabilidade de voltar a ocorrer por meio de um processo comportamental chamado reforccedilo Isso acontece tanto quando haacute a inserccedilatildeo de uma estimulaccedilatildeo apetitiva para o sujeito (reforccedilo positivo) que pode vir acompanhada de uma sensaccedilatildeo de prazer ou quando haacute a retirada de uma estimulaccedilatildeo aversiva (reforccedilo negativo) que gera uma sensaccedilatildeo de aliacutevio (Baron amp Galizio 2005)

Um jeito simples de entender esses conceitos eacute imaginar um alimento Por exemplo para uma pessoa que goste muito de chocolate buscar sempre esse alimento que traz para ela uma sensaccedilatildeo prazerosa ateacute mesmo quando ela natildeo estaacute com fome mostra que o doce estaacute atuando como reforccedilo positivo Por outro lado podemos comer uma comida que nem gostamos porque estamos com muita

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fome e este eacute o uacutenico recurso disponiacutevel Nesse caso a comida estaacute aliviando um desconforto (fome) e atuando como reforccedilo negativo

De modo semelhante sabemos que as drogas de abuso aumentam a liberaccedilatildeo de dopamina no nuacutecleo accumbens Dessa forma as pessoas podem utilizar as drogas em busca de uma sensaccedilatildeo de bem-estar e euforia (reforccedilo positivo) ou podem usar drogas para aliviar sensaccedilotildees ruins como ansiedade depressatildeo estados de tristeza ou mesmo para aliviar a siacutendrome de abstinecircncia (reforccedilo negativo) Isso certamente aumenta a chance de a droga ser utilizada novamente

Nos estados de abstinecircncia em geral a pessoa apresenta sintomas opostos aos observados quando estaacute sob o efeito agudo da droga abusada Por exemplo na ausecircncia de benzodiazepiacutenicos - drogas que induzem o sono - o indiviacuteduo pode experienciar um quadro de insocircnia intensa Esses sintomas satildeo acompanhados pela depleccedilatildeo dos niacuteveis de dopamina no nuacutecleo accumbens que estaacute relacionada com o forte desejo de utilizar a droga novamente (fissura) (Schulteis Stinus Risbrough amp Koob 1998)

Fissura - ou craving - eacute definida como um sentimento de desejo urgente e ldquoincontrolaacutevelrdquo de usar a substacircncia com pensamentos intrusivos que alteram o humor do usuaacuterio e provocam sensaccedilotildees fiacutesicas e alteraccedilotildees de seu comportamento Estudos apontam que a fissura estaacute relacionada tanto a desencadeadores externos (por exemplo a proacutepria droga) quanto internos (como ansiedade) (Tiffany Carter amp Singleton 2000)

Quando falamos em abuso e dependecircncia haacute vaacuterios indiacutecios que estiacutemulos ambientais possam influenciar no risco de utilizar droga (condicionamento ao ambiente) Um animal de estimaccedilatildeo que ouccedila ou veja seu dono pegando a vasilha da raccedilatildeo costuma se agitar e correr em direccedilatildeo ao local antecipando a recompensa Podemos considerar que com as drogas de abuso algo semelhante aconteccedila a visatildeo do local no qual o usuaacuterio costumava utilizar a droga por exemplo pode ser suficiente para desencadear a vontade de usaacute-la novamente uma vez que ocorre a associaccedilatildeo entre o ambiente e o efeito da droga (Rehman Mahabadi amp Rehman 2019)

Haacute relatos por exemplo de que a cantora e compositora Janis Joplin estava haacute algum tempo sem consumir heroiacutena buscando a

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abstinecircncia completa quando reencontrou uma amiga com a qual utilizava a droga no passado juntamente com seu antigo fornecedor Isso foi suficiente para que ela tivesse uma recaiacuteda que a levou a uma overdose fatal (Bacchi 2020)

O papel do estresse na dependecircncia tambeacutem demonstra a importacircncia do ambiente para o abuso de drogas Natildeo eacute raro observarmos o comportamento de pessoas abusando de bebidas alcooacutelicas para relaxar e aliviar o estresse Certamente parte desse comportamento eacute socialmente aprendido enquanto outra parte se relaciona com as propriedades ansioliacuteticas do aacutelcool

Contudo eacute necessaacuterio frisar que nem sempre as condiccedilotildees ambientais favorecem o consumo de drogas Viver em um ambiente rico em estiacutemulos positivos com maior interaccedilatildeo social com acesso a mais recursos eou com estresse diminuiacutedo pode na verdade reduzir a autoadministraccedilatildeo de drogas (Alexander Beyerstein Hadaway amp Coambs 1981)

Geneacutetica e Dependecircncia Quiacutemica

Eacute certo que fatores geneacuteticos desempenham importante papel na dependecircncia quiacutemica Estudos epidemioloacutegicos mostram que a dependecircncia ao aacutelcool por exemplo possui um forte componente familiar com parte dessa influecircncia relacionada a caracteriacutesticas herdadas por meio de genes Essa maior vulnerabilidade geneacutetica natildeo implica necessariamente em uma dependecircncia futura mas sim no aumento do risco para dependecircncia somado aos outros fatores abordados neste capiacutetulo Nesse contexto estima-se que fatores geneacuteticos possam contribuir com em meacutedia 40 dos transtornos por abuso de substacircncias variando valores de acordo com o sexo e com a substacircncia utilizada (Swendsen amp Le Moal 2011)

Existem genes identificados que potencializam alteraccedilotildees metaboacutelicas em resposta a substacircncias especiacuteficas (facilitando ou dificultando sua toleracircncia por exemplo) e genes que influenciam diretamente a funccedilatildeo do sistema de recompensa cerebral (Agrawal et al 2012) Sobre estes uacuteltimos indiviacuteduos podem apresentar predisposiccedilotildees geneacuteticas que aumentem a chance de provocar um mau funcionamento da via mesoliacutembica de recompensa - por

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reduccedilatildeo na expressatildeo de receptores de dopamina - resultando em um estado ldquohipodopamineacutergicordquo que facilita a dependecircncia compulsatildeo e impulsividade Assim pesquisadores cunharam o termo ldquoSiacutendrome da deficiecircncia de recompensardquo para representar esse desbalanccedilo neuroquiacutemico geneacutetico (Blum et al 1990 Blum et al 2012) Contudo esse tipo de influecircncia geneacutetica provavelmente natildeo se restringe apenas a genes especiacuteficos do circuito de recompensa mas tambeacutem se estende interaccedilotildees entre muacuteltiplos genes e em diferentes vias bioloacutegicas (Lobo amp Kennedy 2006)

Sendo assim a personalizaccedilatildeo de intervenccedilotildees terapecircuticas com base na geneacutetica individual tem deixado de ser algo ldquofuturistardquo para se tornar realidade em diversas especialidades meacutedicas e isso natildeo exclui os tratamentos na aacuterea de sauacutede mental (Malhotra Zhang amp Lencz 2012)

Bases do Tratamento da Dependecircncia Quiacutemica

O tratamento da dependecircncia eacute algo ainda muito incipiente considerando que foi soacute a partir do seacuteculo XXI que comeccedilamos a ter um entendimento mais soacutelido sobre a neurobiologia da dependecircncia (Oliveira Schwartz amp Stahl 2015)

Tendo em vista o que foi exposto neste capiacutetulo seria razoaacutevel imaginar que pacientes que sofram de dependecircncia quiacutemica possam se beneficiar de intervenccedilotildees farmacoloacutegicas e psicoteraacutepicas Contudo tratamentos baseados em evidecircncias com esse objetivo ainda estatildeo comeccedilando a surgir

O tratamento da dependecircncia quiacutemica se divide atualmente entre as abordagens farmacoloacutegicas e as psicossociais A maior parte dos autores e dos estudos sugere que a administraccedilatildeo isolada de faacutermacos natildeo deve ser o tratamento definitivo nos casos de dependecircncia sendo geralmente recomendada em conjunto com as abordagens psicossociais (Oliveira et al 2015)

Dentre as abordagens farmacoloacutegicas temos a divisatildeo entre terapias de substituiccedilatildeo e as terapias de natildeo substituiccedilatildeo A terapia de substituiccedilatildeo envolve o uso de um medicamento da mesma classemecanismo da droga que era utilizada em sua substituiccedilatildeo Por exemplo eacute possiacutevel substituir a heroiacutena (uma droga opioide injetaacutevel

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de meia-vida curta) pela metadona (um medicamento opioide via oral com longa meia-vida) Essa troca auxilia a aliviar os sintomas de abstinecircncia e promove reduccedilatildeo de danos pois o paciente natildeo utilizaraacute a via injetaacutevel (com o risco de contaminaccedilatildeo por compartilhamento de seringas) nem estaraacute exposto a picos plasmaacuteticos muito intensos e de curta duraccedilatildeo que favorecem o consumo compulsivo da heroiacutena Posteriormente trabalha-se a substituiccedilatildeo da metadona por um opioide de accedilatildeo parcial como buprenorfina e por fim a abstinecircncia O uso de adesivos ou gomas de nicotina no tratamento do tabagismo segue uma loacutegica semelhante

Jaacute as terapias de natildeo substituiccedilatildeo envolvem o tratamento dos sintomas de abstinecircncia No mesmo exemplo da dependecircncia por heroiacutena pode-se usar clonidina para controlar o aumento da pressatildeo arterial benzodiazepiacutenicos para reduzir ansiedade e insocircnia analgeacutesicos para dor etc (Golan et al 2012)

A dependecircncia por cada droga especiacutefica teraacute um conjunto de ferramentas farmacoloacutegicas mais indicado para ser utilizado Contudo aleacutem da dependecircncia por heroiacutena citada anteriormente os tratamentos farmacoloacutegicos mais bem estabelecidos e com base em evidecircncia se restringem agrave dependecircncia por etanol e nicotina

Na dependecircncia por aacutelcool utiliza-se aleacutem do tratamento sintomaacutetico principalmente

bull Dissulfiram um faacutermaco que impede que um produto toacutexico da biotransformaccedilatildeo do etanol (o acetaldeiacutedo) seja corretamente eliminado fazendo com o que o paciente sinta naacuteusea e outros sintomas desconfortaacuteveis durante o consumo de aacutelcool

bull Naltrexona antagonista opioide utilizado para evitar recaiacuteda por dependentes de heroiacutena ou aacutelcool jaacute desintoxicados

bull Acamprosato um faacutermaco com accedilatildeo semelhante ao aacutelcool nos receptores de GABA e glutamato Funciona como um ldquoaacutelcool falsordquo que visa aliviar os sintomas de abstinecircncia

Assim como nas demais dependecircncias os tratamentos farmacoloacutegicos na dependecircncia do etanol satildeo mais efetivos quando integrados com a psicoterapia (Anton et al 2006 De Witte Littleton Parot amp Koob 2005 Roozen et al 2006)

O tratamento da dependecircncia por nicotina tambeacutem eacute complexo em especial pelo seu alto poder de adicccedilatildeo Mesmo interrompido o uso do cigarro a duraccedilatildeo da ldquonecessidadevontade de fumarrdquo

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pode ser muito longa chegando a durar anos Os tratamentos farmacoloacutegicos especiacuteficos aprovados no contexto da dependecircncia agrave nicotina envolvem

bull Nicotina na forma de adesivos gomas ou pastilhas substituiccedilatildeo da nicotina fumada pelo cigarro de maneira mais controlada de modo a tentar reduzir a fissura e abstinecircncia (Stahl 2013)

bull Bupropiona faacutermaco antidepressivo que aumenta levemente a biodisponibilidade de dopamina ldquosuprindordquo parcialmente a necessidade dopamineacutergica do circuito de recompensa que estaacute hipoativo apoacutes a cessaccedilatildeo do tabagismo (Culbertson et al 2011)

bull Vareniclina substitui parcialmente a accedilatildeo da nicotina ao mesmo tempo estimulando de modo mais brando o circuito de recompensa (aliviando a fissura) e impedindo a accedilatildeo da nicotina fumada (reduzindo o reforccedilo associado ao uso da droga) (Crunelle Miller Booij amp van den Brink 2010)

Para drogas estimulantes como cocaiacutena crack e metanfetamina natildeo haacute tratamento farmacoloacutegico especiacutefico aprovado Por um raciociacutenio bioloacutegico e anaacutelogo ao dos tratamentos citados anteriormente substituiccedilatildeo por bupropiona d-anfetamina e modafinil foram cogitadas sem conclusotildees significativas (Castells et al 2010) Antidepressivos tambeacutem foram estudados com melhor resposta para os antidepressivos triciacuteclicos (Pani Trogu Vecchi amp Amato 2011) Uma vez que os estudos conduzidos ateacute agora natildeo satildeo suficientes para apoiar o uso desses faacutermacos enquanto protocolo oficial o tratamento farmacoloacutegico das dependecircncias por drogas estimulantes se restringe ao controle dos sintomas de abstinecircncia

Os tratamentos psicossociais constituem parte importantiacutessima no manejo dos transtornos por uso de substacircncias psicoativas Haacute diversas abordagens possiacuteveis que podem ter melhor desempenho dependendo da substacircncia e das necessidades particulares do paciente e podem ser aplicadas tanto no contexto individual quanto em grupo A Terapia Cognitivo-Comportamental e a Anaacutelise do Comportamento parecem ser abordagens funcionais para a grande maioria dos transtornos por abuso de substacircncia enquanto a Entrevista Motivacional tem demonstrado eficaacutecia para dependecircncia ao aacutelcool nicotina e THC (Cannabis) O programa de 12 passos tem sido tradicionalmente utilizado com maior sucesso nas dependecircncias de aacutelcool opioides e drogas estimulantes enquanto a terapia familiar parece exercer um impacto significativo na adesatildeo ao tratamento farmacoloacutegico nas dependecircncias por aacutelcool e opioides (Stahl amp Grady 2016)

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Em linhas nota-se que frequentemente o melhor tratamento psicoteraacutepico para as dependecircncias depende mais do psicoterapeuta em si do que da abordagem ou teacutecnica especiacutefica adotada Talvez isso ajude a explicar o motivo de os ldquoProgramas de 12 passosrdquo serem tatildeo populares enquanto modalidade de tratamento das dependecircncias uma vez que satildeo administrados muitas vezes por pessoas que se recuperaram e que de fato se importam com essa experiecircncia em contraste com o julgamento e preconceito que ainda podem permear a praacutetica de alguns profissionais

Consideraccedilotildees Finais

O conhecimento soacutelido sobre as bases neurobioloacutegicas envolvidas na dependecircncia bem como sua integraccedilatildeo com aspectos psicoloacutegicos comportamentais e geneacuteticos eacute de fundamental importacircncia para o desenvolvimento e adoccedilatildeo de estrateacutegias preventivas e terapecircuticas para os transtornos relacionados ao uso de substacircncias

A maioria dos aspectos neurobioloacutegicos das dependecircncias podem resultar da desregulaccedilatildeo de mecanismos moleculares relacionados agrave recompensa motivaccedilatildeo e memoacuteria e nesse contexto alguns faacutermacos tecircm sido utilizados para auxiliar a ldquocorrigirrdquo esse desbalanccedilo e aliviar crises de abstinecircncia Jaacute os comportamentos relacionados a essa desregulaccedilatildeo podem ser suprimidos por mecanismos de controle que requerem a accedilatildeo do coacutertex preacute-frontal e que podem ser exercitados treinados e desenvolvidos por meio de teacutecnicas de tratamento psicoteraacutepico (Anton et al 2006)

Todavia mesmo com o uso dessas ferramentas recaiacutedas ocorrem Portanto aleacutem dos avanccedilos na aacuterea psicofarmacoloacutegica e psicoteraacutepica eacute provaacutevel que o maior esclarecimento do papel da expressatildeo gecircnica na dependecircncia quiacutemica possa trazer novas abordagens como avanccedilos na farmacogeneacutetica para o tratamento e prevenccedilatildeo desse complexo fenocircmeno (Maze amp Nestler 2011)

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Dor Aguda e Dor Crocircnica

Mauro LeonelliUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A dor eacute uma das queixas mais comuns entre os pacientes que buscam atendimento meacutedico O sofrimento que a dor causa ao paciente pode levar a alteraccedilotildees do comportamento do humor e da regulaccedilatildeo de funccedilotildees dos sistemas cardiacuteaco circulatoacuterio e endoacutecrino entre outros A dor tambeacutem tem potencial de gerar alteraccedilotildees na maneira que o indiviacuteduo cuida de si proacuteprio como ele se relaciona com outras pessoas e tambeacutem na sua capacidade de trabalho Nesse sentido a dor eacute uma das principais causas de afastamento do trabalho aleacutem de gerar gastos consideraacuteveis para o seu controle

Neste capiacutetulo nossos objetivos incluembull A compreensatildeo da dor e dos processos que podem levar a sua

cronificaccedilatildeo

bull Os mecanismos baacutesicos para o desenvolvimento das dores agudas e crocircnicas

bull As aacutereas do enceacutefalo que satildeo importantes para a percepccedilatildeo da dor

bull A importacircncia que a dor pode ter quando ocorre em concordacircncia com algum estiacutemulo lesivo ou potencialmente lesivo

Desenvolvimento

O que eacute a Dor e Por Que a Sentimos

A dor eacute um dos toacutepicos da fisiologia do sistema nervoso que mais desperta interesse das pessoas ao longo dos seacuteculos uma vez que eacute a modalidade sensorial que tem inerentemente grande capacidade de direcionar a atenccedilatildeo do indiviacuteduo para ela proacutepria

Autor para correspondecircncia

mauroleonelliuelbr

Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas

Rodovia Celso Garcia CidPr 445

Km 380 Caixa Postal 10011 -

CEP 86057-970 - Londrina-PR

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Uma busca simples pelo termo ldquopainrdquo em uma ferramenta online como o pubmedgov identifica quase oitocentos mil artigos cientiacuteficos catalogados naquela base de dados (acesso em 12 agosto de 2019) o que indica o enorme esforccedilo cientiacutefico despendido para seu estudo Resumidamente a dor surge como expressatildeo da atividade neuronal que informa ao nosso ceacuterebro que algo estaacute errado em nosso corpo seja uma lesatildeo verdadeira ou mesmo alguma alteraccedilatildeo da atividade neuronal que interfere na sinalizaccedilatildeo das vias sensoriais da dor A dor eacute portanto muito mais do que apenas um sinal sensorial que gera uma percepccedilatildeo definida e analisaacutevel de forma objetiva Ao se expressar como percepccedilatildeo gera tambeacutem alteraccedilotildees emocionais e neurovegetativas (Craig 2003) de forma que nosso sistema nervoso seja capaz de identificar o possiacutevel local de origem do estiacutemulo doloroso e paralelamente iniciar a atividade de outras regiotildees do enceacutefalo que permitem o alerta por ativar circuitos que aumentam a atividade neuronal basal de aacutereas essenciais do sistema nervoso de forma que nossos outros sentidos tambeacutem fiquem mais sensiacuteveis a estiacutemulos e nossas respostas motoras mais raacutepidas e vigorosas a programaccedilatildeo motora para proteger a aacuterea supostamente lesionada a aversatildeo um estado emocional subjetivo que nos informa de que algo estaacute errado com o nosso organismo as respostas neurovegetativas que incluem a modulaccedilatildeo do sistema nervoso simpaacutetico e liberaccedilatildeo de hormocircnios ligados a situaccedilotildees de estresse como aqueles estimulados pelo eixo hipotalacircmico-hipofisaacuterio-adrenal e o aprendizado seja para evitar no futuro o que causou a dor ou para amplificar ou controlar as outras respostas geradas pela dor

Definiccedilotildees de Dor

Definir a dor natildeo eacute algo trivial Sabemos que se perguntarmos a uma pessoa sobre um som puro ela daraacute informaccedilotildees como a intensidade se eacute agudo ou grave e talvez sobre o timbre Se o som for muito grave provavelmente vai dizer que o som eacute soturno ou triste e se for muito agudo sentiraacute incocircmodo e se queixaraacute que o som eacute irritante Se perguntarmos sobre a cor azul talvez usaraacute o frio como referecircncia para expor a emoccedilatildeo que a lembranccedila da percepccedilatildeo daquela cor gera Assim os diversos sentidos podem gerar

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percepccedilotildees bem definidas e de relativa facilidade de se reproduzir em outros indiviacuteduos (um objeto com temperatura a zero grau Celsius seraacute sentido como frio pela grande maioria das pessoas se natildeo por todas) mas podem gerar tambeacutem respostas mais complexas que dependem do momento em que o estiacutemulo estaacute sendo realizado do grau de alerta do indiviacuteduo do seu estado emocional e das memoacuterias e associaccedilotildees que obteve com suas experiecircncias de vida

A dor tambeacutem envolve desde respostas relativamente simples como reflexos motores a outras muito elaboradas como identificaccedilatildeo do local do estiacutemulo intensidade duraccedilatildeo e grau de sofrimento que gera aleacutem de alteraccedilotildees comportamentais e neurovegetativas que podem ser severas dentre outras caracteriacutesticas e assim carece de definiccedilatildeo ampla Segundo a Associaccedilatildeo Internacional para o Estudo da Dor (IASP - International association for the study of pain) a dor pode ser definida como ldquouma experiecircncia sensorial e emocional desagradaacutevel associada a lesatildeo tecidual verdadeira ou potencial ou descrita com os mesmos termos de tal lesatildeordquoa (Bonica 1979) Por essa definiccedilatildeo nota-se que eacute esperado que a dor por si inclua a alteraccedilatildeo emocional do paciente e como tal tem alto potencial de gerar alteraccedilotildees neurovegetativas mesmo que o paciente as negue ou mesmo que mascare as alteraccedilotildees comportamentais que seriam esperadas pelo quadro Assim mesmo que o paciente natildeo se queixe da dor que sente eacute de se esperar que seu estado emocional e consequentemente suas funccedilotildees neurovegetativas sejam condizentes com uma situaccedilatildeo de estresse seja ele agudo ou crocircnico (exemplos em Nordin amp Fagius 1995 Hannibal amp Bishop 2014) Pela mesma definiccedilatildeo o estabelecimento da dor e de suas respostas precede em importacircncia a sua causa por um aspecto a necessidade primordial de se reconhecer a dor

A dor pode estar associada a lesatildeo de tecidos do organismo ou mesmo a situaccedilotildees de lesatildeo potencial como por exemplo quando comprimimos a matildeo com forccedila e temos dor enquanto a compressatildeo permanece mas cessa assim que a compressatildeo tambeacutem eacute reduzida Adicionalmente um paciente pode ter dor mesmo na ausecircncia de

a Traduccedilatildeo livre da definiccedilatildeo da IASP para dor ldquoan unpleasant sensory and emotional experience associated with actual or potential tissue damage or described in terms of such damagerdquo Disponiacutevel em httpswwwiasp-painorg Acesso em 1 ago 2019

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causas mais comuns que causariam a dor como eacute observado nas dores neuropaacuteticas Nesse caso a dor eacute gerada por mecanismos que afetam o funcionamento das vias de transmissatildeo e processamento da dor como regiotildees de nervos ou locais de transmissatildeo entre neurocircnios de nuacutecleos cerebrais de controle da dor e dessa forma o paciente se queixa da dor mesmo que uma lesatildeo natildeo exista ou seja o paciente descreve a dor e tem a sensaccedilatildeo de que uma lesatildeo existe mas aparentemente eacute o sistema nervoso do paciente que interpreta de forma atiacutepica os sinais que recebe De qualquer forma a pessoa sente a dor e sofre com ela devendo ter acesso a tratamento adequado assim como a pessoa que tem uma lesatildeo verdadeira e a dor resultante dela

Dessa forma fica claro que a definiccedilatildeo da dor inclui fatores objetivos e outros subjetivos e ambos satildeo essenciais para que natildeo haja exclusatildeo de casos em que a expressatildeo dor seja encontrada em um paciente que a expresse de forma atiacutepica Outros autores tentam estabelecer definiccedilotildees mais abrangentes para a dor Por exemplo segundo Cohen et al (2018) ldquoa dor eacute uma experiecircncia somaacutetica mutuamente reconheciacutevel que reflete a apreensatildeo de uma pessoa de ameaccedila agrave sua integridade fiacutesica ou existencialrdquob Por essa definiccedilatildeo o caraacuteter emocional da dor eacute ainda mais valorizado bem como a capacidade que a dor tem de funcionar como linguagem Pelos sinais que gera em um indiviacuteduo a dor pode ser reconhecida entre membros da mesma espeacutecie ou mesmo de espeacutecies diferentes e assim pode ser capaz de alterar o comportamento natildeo soacute daquele indiviacuteduo que a sofre como de algum observador gerando respostas sociais adaptativas

Essas respostas sociais causadas pela dor incluem aquilo que chamamos de empatia que eacute a resposta que um indiviacuteduo pode ter ao observar nesse caso o sofrimento do outro Essas respostas satildeo comuns em humanos mesmo naqueles que nascem sem a capacidade para sentir dor Aparentemente a incapacidade de sentir dor natildeo impede que a pessoa entenda o sofrimento (Danziger et al 2009) que faz parte das alteraccedilotildees causadas pela dor mas natildeo eacute exclusiva a ela (Chen 2018) Jaacute foi demonstrado inclusive que animais expressam empatia pelo sofrimento de outros da mesma

b Traduccedilatildeo livre de ldquoPain is a mutually recognizable somatic experience that reflects a personrsquos apprehension of threat to their bodily or existential integrityrdquo (Cohen et al 2018)

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espeacutecie dessa forma reagindo ao perceber que um semelhante estaacute em sofrimento e mesmo libertando-o de situaccedilotildees estressantes (Ben-Ami Bartal et al 2011)

Quando comparamos a dor com outras modalidades sensoriais percebemos enormes diferenccedilas com relaccedilatildeo agraves respostas que os estiacutemulos de dor podem gerar nas pessoas Possivelmente se um colega tocar na palma da sua matildeo com uma bola de algodatildeo vocecirc perceberaacute o estiacutemulo localizado sua textura e forccedila de compressatildeo sobre a matildeo Caso quem te faccedila o estiacutemulo seja uma pessoa que vocecirc natildeo tem ligaccedilatildeo afetiva possivelmente nenhuma emoccedilatildeo te ocorreraacute durante o estiacutemulo Se esse estiacutemulo ocorrer de forma constante provavelmente vocecirc natildeo o perceberaacute apoacutes alguns segundos pois por vaacuterios mecanismos moleculares locais ou mesmo por outros mais complexos processados pelo seu sistema nervoso central ele perde sua relevacircncia ao natildeo variar com o tempo Jaacute um estiacutemulo doloroso pode ativar maior nuacutemero de aacutereas do seu sistema nervoso central e assim geralmente eacute um estiacutemulo de maior relevacircncia funcional para seu enceacutefalo A dor pelos circuitos que ativa em uma resposta padratildeo a uma lesatildeo tem maior capacidade de gerar respostas mais abrangentes intensas e de difiacutecil adaptaccedilatildeo

Parte dos circuitos neuronais envolvidos na percepccedilatildeo da dor satildeo organizados de forma que sua atividade tambeacutem eacute capaz de gerar as respostas a dor ou de recrutar outras aacutereas do enceacutefalo para tanto sendo que grande parte dessas respostas satildeo essenciais para a proteccedilatildeo do organismo exatamente contra as possiacuteveis causas da dor Por exemplo as estruturas encefaacutelicas responsaacuteveis pela cogniccedilatildeo ou seja pela aquisiccedilatildeo processamento estoque e geraccedilatildeo de respostas pelo sistema nervoso central em parte tambeacutem satildeo utilizadas pelos sistemas que permitem a percepccedilatildeo e resposta agrave dor (Lawlor 2002) A dor em si eacute um processo cognitivo uma vez que eacute utilizada como forma de avaliaccedilatildeo das condiccedilotildees do organismo Diversas regiotildees encefaacutelicas que sabidamente satildeo importantes para a percepccedilatildeo possuem outras funccedilotildees em outros processos cognitivos assim tanto a dor eacute capaz de alterar as funccedilotildees cognitivas do indiviacuteduo como tambeacutem o proacuteprio indiviacuteduo e seu estado mental em determinado momento tem a possibilidade de modular a percepccedilatildeo da dor conscientemente (Moriarty et al 2011) Esses conceitos satildeo coerentes com a visatildeo atual de que a dor assim como outros sistemas natildeo

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depende exclusivamente de uma aacuterea encefaacutelica para sua expressatildeo embora vaacuterias sejam essenciais para que a dor se expresse de forma completa em um indiviacuteduo Assim o funcionamento coordenado de diversas regiotildees encefaacutelicas inicialmente codificados geneticamente e posteriormente adaptados pelas experiecircncias do indiviacuteduo (Melzack 1990) parece ser o substrato de toda a plecirciade de respostas observadas pela dor ao contraacuterio da visatildeo mais claacutessica de circuitos bem isolados para cada sistema

A memoacuteria da Dor natildeo eacute Apenas Dor

Com as deacutecadas e o avanccedilo dos estudos sobre dor fica cada vez mais difiacutecil de ela ser comparada diretamente com outros sistemas sensoriais Para exemplificar a evocaccedilatildeo da memoacuteria da dor vamos utilizar como exemplos estiacutemulos no sistema auditivo e nos sistemas da olfaccedilatildeo e paladar Se lembrarmos de uma muacutesica que nos cause emoccedilatildeo podemos lembrar-nos dos acordes da letra e podemos nos emocionar inclusive como se a estiveacutessemos ouvindo no momento Podemos lembrar-nos da casa da nossa matildee que possuiacutea um cheiro caracteriacutestico do ambiente daquele prato preferido que vocecirc devorava haacute anos o que poderaacute despertar inclusive alteraccedilotildees emocionais incluindo as parassimpaacuteticas se for o caso Mas vocecirc natildeo se lembraraacute do sabor de forma exata e teraacute de provar novamente para ter a mesma sensaccedilatildeo o que provavelmente seraacute muito mais intenso que a simples evocaccedilatildeo da memoacuteria

As respostas emocionais e neurovegetativas da recordaccedilatildeo da dor natildeo necessariamente teratildeo valecircncia negativa apenas por estarem associadas agrave dor Em trageacutedias acidentes tratamentos meacutedicos natildeo-eletivos e outras situaccedilotildees claramente negativas a memoacuteria da dor resultaraacute em uma recordaccedilatildeo negativa pelo paciente (Williams e Baird 2016) Por outro lado eacute sugerido que a experiecircncia da dor em mulheres durante o parto por exemplo uma situaccedilatildeo associada agrave maternidade e a todos os valores positivos que esse momento pode ser capaz de gerar pode alterar o modo como a experiecircncia da dor eacute memorizada de forma que parece haver reduccedilatildeo da valecircncia negativa da experiecircncia da dor nesse processo (Babel et al 2015)

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A pessoa ao recordar a dor natildeo se lembra apenas dos seus aspectos fiacutesicos mas dos psicoloacutegicos e daqueles referentes ao local condiccedilatildeo e fatores que a levaram a sentir dor de forma que esses fatores em conjunto e natildeo a percepccedilatildeo dolorosa isolada eacute que levam agrave recriaccedilatildeo do contexto e da recordaccedilatildeo do sofrimento Isso ocorre pois o que uma pessoa sente quando estaacute com alguma dor natildeo eacute reflexo da ativaccedilatildeo de uma regiatildeo do ceacuterebro apenas mas da ativaccedilatildeo de uma sequecircncia coordenada de regiotildees do enceacutefalo que acabam por gerar a percepccedilatildeo da dor e de seus contextos cognitivos emocionais e neurovegetativos ao mesmo tempo e grande parte da interpretaccedilatildeo ocorre de forma paralela e interdependente (Becker et al 2019)

Em consequecircncia para as situaccedilotildees mais amenas a que estamos expostos na vida e mesmo para as mais graves poreacutem evitaacuteveis pela voliccedilatildeo a memoacuteria associada a um evento doloroso pode ser fisiologicamente didaacutetica na medida em que pode gerar mudanccedilas de comportamentos por meio do aprendizado a fim de que o indiviacuteduo natildeo se exponha a situaccedilotildees que causem dor no futuro Adicionalmente esses fatores aumentam o leque de possibilidades para a terapecircutica aplicada agrave analgesia uma vez que se mais regiotildees estatildeo envolvidas na geraccedilatildeo dos aspectos negativos da dor maior nuacutemero de mecanismos moleculares pode se tornar alvos farmacoloacutegicos para seu tratamento direto e de suas consequecircncias sobre o comportamento do indiviacuteduo com dor (Alvarado et al 2015)

O Processamento da Dor se Inicia como a Detecccedilatildeo de Padrotildees Potencialmente Associados a Lesotildees

Como todo sistema sensorial a dor eacute organizada de forma que o estiacutemulo inicial eacute inicialmente detectado por ceacutelulas especializadas e haacute a propagaccedilatildeo da informaccedilatildeo sensorial detectada por neurocircnios que projetam para outros neurocircnios de regiotildees especiacuteficas do sistema nervoso central que vatildeo gerar a percepccedilatildeo e respostas associadas ao estiacutemulo Os receptores que detectam a dor satildeo chamados de nociceptores Satildeo neurocircnios especializados em detectar estiacutemulos potencialmente nocivos As fibras dessas ceacutelulas natildeo formam oacutergatildeos especializados e assim as terminaccedilotildees nervosas livres desses

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neurocircnios se localizam na pele e em tecidos profundos do organismo Interessantemente o sistema nervoso central eacute desprovido de nociceptores Qualquer dor associada aos processos inflamatoacuterios infecciosos traumaacuteticos ou de tumores no sistema nervoso central se daacute pela ativaccedilatildeo de nociceptores nas membranas que revestem esse tecido nos vasos sanguiacuteneos ou por lesotildees causadas em nuacutecleos de processamento da dor

Nociceptores satildeo associados a dois tipos de fibras nervosas Os nociceptores que possuem mielina satildeo ceacutelulas mais raacutepidas chamadas de fibras A-delta enquanto as fibras mais lentas que natildeo possuem mielina satildeo as fibras do tipo C Essas fibras respondem a diferentes estiacutemulos e satildeo classificadas de acordo com os estiacutemulos que as ativam Os nociceptores do tipo A-delta ativados por temperatura acima de 43ordmC e abaixo de 5ordmC satildeo os nociceptores teacutermicos enquanto os nociceptores mecacircnicos satildeo aqueles ativados por estiacutemulos mecacircnicos como a pressatildeo intensa Os receptores polimodais satildeo fibras do tipo C ativadas por fortes estiacutemulos mecacircnicos pelo frio e calor intensos ou por estiacutemulos quiacutemicos como a queda do pH extracelular O quarto tipo satildeo os nociceptores silenciosos que satildeo encontrados em viacutesceras e natildeo satildeo normalmente ativados Sua ativaccedilatildeo eacute mais proeminente quando haacute um processo inflamatoacuterio ou liberaccedilatildeo de agentes quiacutemicos (Bell 2018)

A dor que temos quando um nociceptor eacute ativado por um estiacutemulo como os citados anteriormente eacute chamada de dor nociceptiva pois necessariamente haacute a ativaccedilatildeo de fibras nervosas perifeacutericas para a sua deflagraccedilatildeo Esse tipo de dor geralmente perdura enquanto o estiacutemulo inicial continua ativando o nociceptor e cessa assim que o estiacutemulo for removido Quando um nociceptor teacutermico eacute exposto a uma temperatura acima de 43ordmC por exemplo quando vocecirc aquece demais a aacutegua do chuveiro e verifica com a matildeo se estaacute quente demais uma classe de moleacuteculas da superfiacutecie dessa fibra eacute ativada Satildeo proteiacutenas que formam canais que permitem a passagem de caacutetions pela membrana celular os canais do tipo TRPV1 Essas proteiacutenas satildeo ativadas por temperatura alta (gt43ordm) e sua ativaccedilatildeo excita os nociceptores que disparam potenciais eleacutetricos que percorrem toda a fibra sensorial em direccedilatildeo ao sistema nervoso central Os canais TRPV1 tambeacutem podem ser ativados pelo pH aacutecido tiacutepico de tecidos inflamados (Caterina et al 1997) Assim cada moleacutecula desencadeadora de estiacutemulos nos nociceptores

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funciona como batedores que satildeo capazes de gerar a ativaccedilatildeo dos nociceptores a diversos estiacutemulos associados a lesatildeo celular real ou potencial A importacircncia dessas proteiacutenas eacute tatildeo grande que mutaccedilotildees em uma delas um canal para soacutedio chamado Nav17 pode fazer com que os nociceptores simplesmente natildeo respondam a estiacutemulos e que o indiviacuteduo natildeo sinta dor (Cox et al 2006) O potaacutessio extracelular elevado pode levar a ativaccedilatildeo dos dois tipos de nociceptores A loacutegica por traacutes desse processo eacute que o aumento de potaacutessio extracelular ocasionado por exemplo pela lesatildeo e morte de ceacutelulas altera a dinacircmica do fluxo de iacuteons atraveacutes da membrana dos nociceptores reduzindo o escape natural de potaacutessio que ocorreria nos nociceptores dessa forma ativando essa ceacutelula mais facilmente

O processo inflamatoacuterio tambeacutem produz substacircncias que podem ativar e amplificar a resposta dos nociceptores o que chamamos de dor inflamatoacuteria ou dor com componente inflamatoacuterio Nesse caso a intensidade de ativaccedilatildeo do nociceptor seraacute maior mesmo para um estiacutemulo que anteriormente era inoacutecuo Por exemplo se sairmos pela manhatilde com um sapato novo provavelmente ele natildeo incomodaraacute muito mas se com o passar do dia for gerada uma inflamaccedilatildeo no calcanhar o mesmo toque do sapato que antes natildeo causara nenhuma sensaccedilatildeo ruim agora causaraacute dor pois o tecido estaacute inflamado Essa condiccedilatildeo eacute chamada de hiperalgesia O processo inflamatoacuterio recruta ceacutelulas que produzem localmente substacircncias como prostaglandinas leucotrienos ATP bradicinina serotonina histamina entre outras que aumentam a sensibilidade dos nociceptores ao atuar direta ou indiretamente em canais iocircnicos como o TRPV1 e outras moleacuteculas de sinalizaccedilatildeo celular Vaacuterias dessas moleacuteculas satildeo derivadas do aacutecido araquidocircnico e tem a sua produccedilatildeo reduzida por anti-inflamatoacuterios o que justifica sua utilizaccedilatildeo no tratamento desse tipo de dor A ativaccedilatildeo repetida dos nociceptores tambeacutem acarreta uma maior eficiecircncia na sinapse entre nociceptores e neurocircnios de segunda ordem de forma que esse evento plaacutestico tambeacutem resulta em aumento da sensibilidade das vias de transmissatildeo da dor (Costigan et al 2009)

Circuitos Neuronais para a Dor

As vias de transmissatildeo de dor em direccedilatildeo ao enceacutefalo satildeo rotas formadas por neurocircnios que levam informaccedilatildeo da medula espinhal

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em direccedilatildeo a centros de processamento da informaccedilatildeo Uma dessas vias eacute o trato espinotalacircmico cujas fibras de neurocircnios de segunda ordem chegam ao taacutelamo fazendo nova sinapse com neurocircnios que iratildeo projetar para regiotildees do coacutertex cerebral A ativaccedilatildeo desse trato naturalmente ou experimentalmente pode levar o paciente a sentir dor Ainda em alguns casos de dor crocircnica esse trato pode ser excisado cirurgicamente na tentativa de reduccedilatildeo do quadro algeacutesico (Romanelli et al 2004) Outras vias levam informaccedilatildeo para outras aacutereas essenciais para as respostas fisioloacutegicas da dor O trato espinoreticular atinge a formaccedilatildeo reticular do bulbo e algumas de suas fibras fazem sinapse com neurocircnios de terceira ordem que atingem o taacutelamo onde nova sinapse com neurocircnios de quarta ordem vatildeo atingir regiotildees do coacutertex cerebral O trato espinomesencefaacutelico eacute composto por fibras que projetam para a formaccedilatildeo reticular do mesenceacutefalo substacircncia cinzenta periaqueductal e nuacutecleo parabraquial onde fazem sinapse com neurocircnios que projetam para as amiacutegdalas de forma que participam nas respostas afetivas e emocionais da dor O trato espino-hipotalacircmico possui axocircnios que projetam para o hipotaacutelamo uma regiatildeo diencefaacutelica essencial para a regulaccedilatildeo neurovegetativa do organismo regulando a funccedilatildeo autonocircmica hormonal e alguns comportamentos baacutesicos e essenciais ligados agrave sobrevivecircncia do indiviacuteduo e da espeacutecie

Quais Regiotildees do Enceacutefalo satildeo Ativadas pelos Estiacutemulos Dolorosos

O processo de detecccedilatildeo da dor de forma consciente eacute muito complexo e envolve a ativaccedilatildeo de diversas regiotildees em niacuteveis diferentes do SNC O processo inicial de ativaccedilatildeo dos nociceptores e ativaccedilatildeo inicial das vias de projeccedilatildeo a aacutereas mais superioras do SNC eacute chamada de nocicepccedilatildeo que eacute a detecccedilatildeo e processamento inicial do estiacutemulo doloroso Embora essencial para vaacuterios mecanismos de controle comportamental e neurovegetativo essa fase inicial ainda natildeo implica que a pessoa percebe conscientemente o estiacutemulo Para que haja percepccedilatildeo consciente de um estiacutemulo doloroso eacute necessaacuteria que haja a ativaccedilatildeo de vias que levam a informaccedilatildeo para taacutelamo e regiotildees especiacuteficas do coacutertex cerebral Somente com a

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ativaccedilatildeo dessas regiotildees eacute que o indiviacuteduo eacute capaz de reportar que sente dor e assim pode reagir a ela

As regiotildees talacircmicas que processam a informaccedilatildeo de dor satildeo essenciais para a percepccedilatildeo consciente da dor Um tipo de dor que pode ser desenvolvida eacute a dor central causada por lesotildees talacircmicas ou de suas projeccedilotildees para o coacutertex As projeccedilotildees talacircmicas atingem vaacuterias regiotildees corticais direta e indiretamente (Garcia-Larrea amp Bastuji 2018) As regiotildees de coacutertex somatossensorial primaacuterio e secundaacuterio satildeo aquelas mais envolvidas com as funccedilotildees de localizaccedilatildeo do estiacutemulo da dor Aacutereas corticais motoras tambeacutem satildeo ativadas e refletem a complexidade que a percepccedilatildeo dolorosa pode gerar uma vez que essas regiotildees quando ativadas estatildeo potencialmente relacionadas com a programaccedilatildeo motora que pode fazer com que o indiviacuteduo se proteja da dor O coacutertex cingulado anterior participa da adequaccedilatildeo das respostas emocionais agrave dor A remoccedilatildeo ciruacutergica dessa regiatildeo liacutembica reduz a percepccedilatildeo dolorosa (Sharim amp Pouratian 2016) Outra regiatildeo ativada por estiacutemulos dolorosos eacute o coacutertex insular Essa regiatildeo eacute essencial para a percepccedilatildeo consciente da dor Pacientes com lesotildees nessa regiatildeo satildeo capazes de perceber e de relatar a dor mas apresentam severo deacuteficit na geraccedilatildeo de respostas emocionais agrave dor estado conhecido como assimbolia para a dor (Berthier et al 1988)

Por Que a Intensidade de uma Dor Varia no Dia

A percepccedilatildeo da dor varia muito entre pessoas e tambeacutem para a mesma pessoa na dependecircncia do contexto na qual ela estaacute exposta como a hora do dia se ela estaacute em uma situaccedilatildeo de estresse se ela estaacute motivada se estaacute com alguma outra doenccedila sistecircmica dentre vaacuterias outras situaccedilotildees Os mecanismos que podem estar por traacutes disso satildeo vaacuterios Um deles eacute um sistema neuronal que parte do tronco encefaacutelico em direccedilatildeo a diversos niacuteveis medulares onde modula a capacidade de transmissatildeo de informaccedilatildeo na primeira sinapse das aferecircncias sensoriais relacionadas agrave dor O sistema de controle endoacutegeno da dor inclui a substacircncia cinzenta periaqueductal (PAG) uma regiatildeo mesencefaacutelica que quando estimulada pode gerar intensa analgesia A PAG se conecta com outros nuacutecleos do tronco

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encefaacutelico incluindo vias noradreneacutergicas que partem do locus ceruleus e serotonineacutergicas que partem dos nuacutecleos da rafe Esses nuacutecleos participam de grande nuacutemero de funccedilotildees no sistema nervoso central aleacutem do controle da dor Fibras descendentes partindo desses nuacutecleos se encaminham ao corno dorsal da medula espinhal onde agem direta e indiretamente nas sinapses entre os nociceptores e os neurocircnios de segunda ordem das vias nociceptivas A accedilatildeo pode ser predominantemente inibitoacuteria no caso da noradrenalina ou no caso da serotonina na dependecircncia do tipo de receptor onde age pode ser de accedilatildeo inibitoacuteria ou excitatoacuteria (Bannister amp Dickenson 2017)

As fibras descendentes tambeacutem fazem sinapses com interneurocircnios inibitoacuterios localizados no corno dorsal da medula Esses interneurocircnios produzem opioides endoacutegenos principalmente encefalinas e dinorfinas Usadas como neurotransmissores essas moleacuteculas ativam receptores acoplados a proteiacutenas G do tipo inibitoacuterias (proteiacutenas Gi) cuja ativaccedilatildeo acaba por inibir a liberaccedilatildeo do neurotransmissor excitatoacuterio glutamato utilizado na sinapse entre os nociceptores e os neurocircnios de segunda ordem das vias de dor A ativaccedilatildeo de receptores para opioides na preacute-sinapse ativa canais para potaacutessio o que faz com que o terminal preacute-sinaacuteptico tenda a natildeo despolarizar e ainda bloqueia canais para caacutelcio dependentes de voltagem o que reduz a liberaccedilatildeo de glutamato A ativaccedilatildeo desse receptor na poacutes-sinapse leva a eventos similares mas culmina na geraccedilatildeo de potenciais inibitoacuterios poacutes-sinaacutepticos o que pode reduzir a excitabilidade dos neurocircnios de segunda ordem A ativaccedilatildeo desse mesmo sistema por opioides exoacutegenos eacute muito potente no controle da dor e ateacute mesmo soldados do exeacutercito de alguns paiacuteses satildeo treinados para se auto aplicar medicamentos opioides o mais comum sendo a morfina no caso de lesotildees em campo de batalha para o controle da dor (Williams amp Baird 2016)

Situaccedilotildees relacionadas ao aumento da motivaccedilatildeo podem fazer com que os nuacutecleos onde se situam os neurocircnios noradreneacutergicos e serotonineacutergicos tenham sua atividade modulada assim resultando em alteraccedilatildeo da excitabilidade da primeira sinapse das vias nociceptivas como por exemplo durante o exerciacutecio (Lima et al 2017) A ativaccedilatildeo das vias descendentes do controle de dor tambeacutem pode ser ocasionada por situaccedilotildees de estresse muito intenso Lesotildees extensas normalmente causariam dor muito intensa em qualquer

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indiviacuteduo mas o estresse e a motivaccedilatildeo podem levar agrave ativaccedilatildeo dos mesmos nuacutecleos fazendo com que a percepccedilatildeo da dor seja em muito atenuada (Butler amp Finn 2009) Em proporccedilotildees menores o mesmo sistema de controle endoacutegeno da dor nos permite suportar a dor mesmo conscientemente por exemplo quando seguramos algum objeto que nos eacute precioso e ele estaacute muito quente Nosso movimento estereotipado seria o de largar o objeto para reduzir a percepccedilatildeo de dor mas podemos conscientemente garantir a atividade de nuacutecleos motores que determinam que continuemos a segurar o objeto e outros os sistemas descendentes que atenuam em parte a sensaccedilatildeo dolorosa enquanto segurarmos o objeto que estaacute causando dor Isso ocorre pois as vias que geram a percepccedilatildeo da dor bem como os mecanismos inerentes de controle da dor satildeo muito conectados a outras aacutereas funcionais do sistema nervoso que podem assim influenciar na percepccedilatildeo dolorosa

A Dor Referida

Ao nos chocarmos contra um peacute de mesa por exemplo a primeira resposta que temos eacute um reflexo natural o reflexo de retirada que faz com que nossa perna que sofreu o choque flexione enquanto que a perna contralateral iraacute estender mantendo nossa postura ao mesmo tempo em que afasta o peacute da fonte de lesatildeo Paralelamente satildeo ativadas vias que levam a informaccedilatildeo ao nosso coacutertex somatossensorial de forma que possamos localizar a dor com maior precisatildeo Na superfiacutecie do corpo em locais muito especiacuteficos como na cavidade oral possuiacutemos um nuacutemero grande de nociceptores Ocorre que tambeacutem possuiacutemos nociceptores profundos em viacutesceras e eles tambeacutem projetam para neurocircnios de segunda ordem Poreacutem grande parte dos nociceptores que projetam a partir de viacutesceras e cavidades do nosso corpo compartilham os neurocircnios secundaacuterios dos nociceptores da superfiacutecie do corpo de forma que se temos uma lesatildeo interna os nociceptores ativados iratildeo recrutar na medula espinhal os neurocircnios de segunda ordem que informaratildeo sobre a superfiacutecie do corpo Assim uma lesatildeo no coraccedilatildeo causada por exemplo for um infarto do miocaacuterdio ativaraacute neurocircnios de segunda ordem que mapeiam a superfiacutecie cutacircnea da

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regiatildeo da claviacutecula e braccedilo esquerdo gerando o que eacute chamado de dor referida Uma lesatildeo em ureter causada pela passagem de um caacutelculo provavelmente geraraacute dor que pode se estender desde o final do gradil costal da regiatildeo lombar do paciente se encaminhando para a regiatildeo anterior e descendo ateacute a regiatildeo genital dependendo da localizaccedilatildeo do caacutelculo

Dor Adaptativa e Dor natildeo Adaptativa

A dor sendo um possiacutevel sinal de lesatildeo ao organismo organiza respostas comportamentais e neurovegetativas que tendem a proteger o indiviacuteduo contra a suposta agressatildeo Se pisamos em um caco de vidro a dor gerada nos faraacute proteger o peacute lesionado nos proacuteximos passos Quando a resposta agrave dor eacute coerente com a lesatildeo temos um exemplo do que eacute chamado de dor adaptativa A dor adaptativa eacute aquela que tem iniacutecio com um estiacutemulo nociceptivo verdadeiro podendo ou natildeo ser potencializada por algum processo inflamatoacuterio mas que cessa assim que o estiacutemulo ou a inflamaccedilatildeo tecidual tiver a sua resoluccedilatildeo Dessa forma ela funciona como um aviso real ao organismo natildeo apenas informando que algo natildeo estaacute bem mas principalmente podendo organizar respostas do organismo que tendem agrave proteccedilatildeo ao reparo do dano e agraves mudanccedilas comportamentais e neurovegetativas necessaacuterias para essas respostas serem possiacuteveis As dores do tipo adaptativas estatildeo geralmente associadas mecanisticamente agrave dor nociceptiva e dor inflamatoacuteria ambas jaacute discutidas

Em outras situaccedilotildees um paciente pode se queixar que sente dor mas essa natildeo informa adequadamente sobre a origem da suposta lesatildeo e muito menos eacute capaz de servir como substrato para a organizaccedilatildeo de uma resposta que possibilite a resoluccedilatildeo dessa dor Esse eacute o caso da dor natildeo-adaptativa Esse tipo de dor estaacute geralmente associado ao aumento da atividade neuronal das vias nociceptivas e que por muitas vezes natildeo apresentam correlaccedilatildeo direta com a atividade dos nociceptores em si Satildeo ocasionadas por mecanismos plaacutesticos das vias de dor que aumentam a excitabilidade neuronal dessas vias o que pode ocorrer em diversos niacuteveis do sistema nervoso Assim mesmo na ausecircncia de um estiacutemulo que

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possa causar dor as vias nociceptivas podem ser ativadas levando agrave percepccedilatildeo de dor pelo indiviacuteduo Mais do que isso a percepccedilatildeo de dor nesse caso tambeacutem geraraacute alteraccedilatildeo comportamental e neurovegetativa no paciente mas que natildeo resultaraacute em benefiacutecio para a resoluccedilatildeo da dor Um exemplo claacutessico eacute a lesatildeo de nervos perifeacutericos que pode ocasionar dor intensa mesmo depois de a lesatildeo ter sua resoluccedilatildeo A dor desenvolvida nesse caso eacute percebida pelo paciente e sua origem se daacute pelo aumento da excitabilidade de neurocircnios das vias nociceptivas Por mais que o paciente proteja o membro e que haja alteraccedilatildeo neurovegetativa condizente com o grau da dor nenhuma dessas respostas seraacute capaz de reduzir a percepccedilatildeo da dor ou de reduzir a excitabilidade dessas vias O gasto energeacutetico ocasionado com as mudanccedilas comportamentais e neurovegetativas ocasionados pelas respostas geradas pela dor nesse caso seraacute muito alto comparado com algum possiacutevel benefiacutecio que o paciente poderia ter dessa situaccedilatildeo Aleacutem disso essas alteraccedilotildees podem gerar tambeacutem reduccedilatildeo da qualidade de vida do paciente como padratildeo de sono capacidade de concentraccedilatildeo entre outras respostas que afetam de forma direta o seu desempenho no trabalho seu prazer nas atividades diaacuterias e sua capacidade de se relacionar com outros indiviacuteduos afetando negativamente a qualidade de vida As dores natildeo-adaptativas podem estar associadas a mecanismos plaacutesticos que ocorrem por toda a via nociceptiva como por exemplo na dor neuropaacutetica ou ainda por ativaccedilatildeo de mesma via por mecanismos desconhecidos como na dor disfuncional (Costigan et al 2009)

Classificaccedilatildeo da Dor Segundo os Mecanismos que a Causam

Qualquer dos tipos de dor mencionados anteriormente podem ou natildeo gerar dor crocircnica Eacute faacutecil imaginar que os tipos de dor nociceptiva e dor inflamatoacuteria satildeo os que possuem menor probabilidade de se cronificarem uma vez que a resoluccedilatildeo do processo que iniciou a dor ou a inflamaccedilatildeo iraacute cessar o estiacutemulo dos nociceptores Por outro lado em alguns casos como na artrite reumatoide o processo inflamatoacuterio pode perdurar e dessa forma o paciente iraacute continuar com dor havendo sua cronificaccedilatildeo

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As dores do tipo neuropaacutetica e as dores disfuncionais possuem como caracteriacutestica a cronificaccedilatildeo Os mecanismos associados agrave ativaccedilatildeo das vias sensoriais da dor parecem nesse caso serem intensos e de mais difiacutecil resoluccedilatildeo natural A dor neuropaacutetica eacute definida como sendo a dor que resulta inicialmente da lesatildeo de vias nociceptivas perifeacutericas e centrais e de consequentes mecanismos plaacutesticos subjacentes de forma que essas vias ficam ativas ou podem ser ativadas por estiacutemulos muito mais fracos ou mesmo na ausecircncia de estiacutemulos ou seja espontacircnea Nesse caso a doenccedila de base eacute a proacutepria alteraccedilatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do sistema nociceptivo (Colloca et al 2017) Algumas doenccedilas ou situaccedilotildees que podem levar agrave dor neuropaacutetica satildeo aquelas que causam por conseguinte lesotildees no sistema nociceptivo como a neuropatia diabeacutetica a infecccedilatildeo pelo HIV hanseniacutease a neuralgia poacutes-herpeacutetica as radiculopatias amputaccedilotildees e lesotildees nervosas perifeacutericas entre outras Aleacutem disso os mecanismos plaacutesticos que ocorrem podem levar a alodinia uma situaccedilatildeo em que estiacutemulos inofensivos como toque leve temperaturas amenas e outros podem levar a ativaccedilatildeo de vias nociceptivas e percepccedilatildeo de dor pelo paciente (Jensen amp Finnerup 2014)

Ainda uma quarta classificaccedilatildeo inclui a dor natildeo adaptativa chamada dor disfuncional Nela natildeo satildeo observados sinais de inflamaccedilatildeo perifeacutericos ou alguma modificaccedilatildeo plaacutestica molecular ou estrutural dos circuitos centrais que controlam a dor Exemplos de dores disfuncionais incluem a cistite intersticial e a fibromialgia Nesses casos as teorias mais aceitas indicam que a dor surge devido agrave amplificaccedilatildeo de sinais nociceptivos em circuitos centrais e alteraccedilatildeo do padratildeo natural de processamento sensorial (Costigan et al 2009) Tanto as dores neuropaacuteticas quanto as dores disfuncionais possuem em comum algumas caracteriacutesticas como o aumento da intensidade agrave dor para estiacutemulos repetidos a reduccedilatildeo dos limiares para a dor e o espalhamento da dor para aacutereas mais abrangentes (Von Hehn et al 2012)

Em diversas situaccedilotildees a dor pode apresentar um padratildeo misto Por exemplo no decorrer da instalaccedilatildeo de tumores malignos o tecido em crescimento pode acarretar lesatildeo em nervos perifeacutericos ao mesmo tempo em que ativa nociceptores dessa forma apresentando tanto o componente neuropaacutetico quanto o nociceptivo

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Cronificaccedilatildeo da Dor

Por muito tempo se imaginou que a dor deveria ser considerada como crocircnica caso ela perdurasse aleacutem do tempo esperado para a resoluccedilatildeo do quadro primaacuterio que a causou ou ainda seria considerada crocircnica no caso de uma dor que natildeo tem a funccedilatildeo de alertar para uma possiacutevel lesatildeo Esse conceito foi aos poucos sendo substituiacutedo por definiccedilotildees mais abrangentes por causa de diversos fatores Por exemplo o tempo para que haja a resoluccedilatildeo de um quadro de dor em um paciente que realizou uma cirurgia simples pode ser razoavelmente predito muito embora ele varie dadas as respostas inerentes do indiviacuteduo como a capacidade de cicatrizaccedilatildeo do seu organismo e por fatores ambientais outros como a volta ao trabalho Em outras situaccedilotildees como em um paciente que sofreu fratura oacutessea e lesotildees de nervos em acidente automobiliacutestico o tempo de recuperaccedilatildeo e a cessaccedilatildeo da dor natildeo pode ser predito e o desenvolvimento de processos complicadores para a dor como a dor neuropaacutetica podem ser causas de permanecircncia da dor por periacuteodos longos ou mesmo por toda a vida Por essas razotildees os criteacuterios usados para que a dor seja considerada crocircnica independem da causa da dor de forma que se a dor eacute recorrente ou permanece por mais de 90 dias jaacute eacute considerada crocircnica inclusive dentro das definiccedilotildees da classificaccedilatildeo estatiacutestica internacional de doenccedilas e problemas relacionados agrave sauacutede (CID-11 Treede et al 2019) O protocolo cliacutenico e diretrizes terapecircuticas para dor crocircnica (PCDT) publicado pelo Ministeacuterio da Sauacutede de 2012 indica que a dor passa a ser considerada crocircnica quando prevalece por mais de 30 dias (Portaria SASMS nordm 1083 de 02 de outubro de 2012 retificada em 27 de novembro de 2015)

Como visto anteriormente as causas de cronificaccedilatildeo da dor satildeo vaacuterias e podem se sobrepor Por essas razotildees muitos foram os esforccedilos dos uacuteltimos anos para a adequaccedilatildeo de criteacuterios para a classificaccedilatildeo da dor crocircnica (Treede et al 2019) A versatildeo atualizada da classificaccedilatildeo estatiacutestica internacional de doenccedilas e problemas relacionados agrave sauacutede o CID-11 que seraacute colocada em praacutetica a partir de janeiro de 2022 pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede dispotildee de um coacutedigo apenas para a dor crocircnica (MG30) e para as doenccedilas mais comuns desse grupo dessa forma incluindo a dor crocircnica primaacuteria e

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as siacutendromes de dor crocircnica secundaacuteria ou seja aquelas associadas a outras doenccedilas como sua causa primaacuteria sendo elas a dor crocircnica relacionada ao cacircncer a dor crocircnica poacutes-ciruacutergica ou poacutes-traumaacutetica a dor crocircnica neuropaacutetica a dor crocircnica secundaacuteria agrave enxaqueca ou orofacial a dor crocircnica visceral secundaacuteria e a dor crocircnica secundaacuteria musculoesqueleacutetica

A dor crocircnica tem consequecircncias mais amplas e severas para o paciente Aleacutem das respostas comportamentais incluindo as respostas emocionais e neurovegetativas discutidas anteriormente os quadros de dor crocircnica frequentemente causam interferecircncia na vida diaacuteria e na sauacutede geral do paciente ocasionando incapacidades e distresse O distresse eacute por definiccedilatildeo a resposta de estresse que tem reflexos negativos para o paciente Uma vez que a causa inicial do distresse permanece essas respostas podem adicionar ao quadro inicial do paciente outras comorbidades que agravam ainda mais a sua sauacutede geral e reduzem a capacidade de melhora do quadro (Carstens amp Moberg 2000)

Nem sempre as alteraccedilotildees que a dor crocircnica traz agrave vida de uma pessoa satildeo notadas por seus proacuteximos ou mesmo pela proacutepria pessoa A cronificaccedilatildeo da dor e a necessidade que a pessoa tem de continuar vivendo tendo sua rotina e trabalho propiciam que o paciente crie mecanismos para poder lidar com a sua condiccedilatildeo e enquanto esses mecanismos se desenvolvem paralelamente aos processos normais da vida do indiviacuteduo os sintomas da dor crocircnica podem passar despercebidos por quem observa o paciente em algumas situaccedilotildees Mesmo se o paciente natildeo se queixe mais da dor ela ainda o pode influenciar psicologicamente alterando seus processos cognitivos levando a preocupaccedilotildees e catastrofizaccedilatildeo a alteraccedilotildees comportamentais e emocionais como medo e raiva com seus reflexos sociais como mudanccedilas nos padrotildees de relacionamento com outras pessoas (Turk et al 2016)

As formas que o paciente encontra para aprender a lidar com a dor crocircnica e a alteraccedilatildeo decorrente no comportamento do paciente podem fazer com que a dor natildeo seja notada pelas pessoas mais proacuteximas do paciente como causa dessas proacuteprias alteraccedilotildees comportamentais Principalmente em idosos com perda cognitiva mesmo as pessoas mais proacuteximas podem ter dificuldade em acessar se o paciente estaacute com dor (Cravello et al 2019) Essa

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mesma dificuldade de associaccedilatildeo da dor crocircnica com alteraccedilatildeo de comportamento tambeacutem jaacute foi reportada para animais de companhia e parece que sua causa eacute o desconhecimento do repertoacuterio de respostas naturais a dor que outras espeacutecies tecircm em comparaccedilatildeo aos humanos o que dificulta a interpretaccedilatildeo dos sinais da dor pelo cuidador (Merola amp Mills 2015)

Seria Bom Entatildeo natildeo Sentir Dor ( ou )

Se a dor gera respostas aparentemente negativas eacute um tanto quanto justo se perguntar se natildeo seria mais interessante entatildeo natildeo a sentir E a resposta eacute direta natildeo Uma vez que a dor avisa o sistema nervoso que algo estaacute possivelmente ocorrendo de forma errada no organismo ou que ele estaacute sendo lesionado por um agente externo a dor eacute essencial para que possamos nos afastar de estiacutemulos nocivos para nossa proteccedilatildeo fiacutesica e por informar inclusive que algo estaacute errado com um oacutergatildeo interno Pessoas que nascem sem poder sentir dor natildeo possuem uma vantagem sobre a maioria dos indiviacuteduos que sentem dor quando por exemplo acertamos a ponta de um dedo de um peacute contra uma parede Indiviacuteduos que natildeo sentem dor podem se desenvolver desde o nascimento com seacuterios prejuiacutezos exatamente pela falta das correccedilotildees de comportamento incluindo as correccedilotildees posturais que a dor nos exige Se vocecirc ficar com a coluna vertebral inclinada para um lado provavelmente sentiraacute dor jaacute nos primeiros minutos A pessoa que natildeo sente dor natildeo corrigiraacute sua postura e isso traz seacuterias consequecircncias com os anos e ainda mais seacuterias por ocorrer desde a infacircncia Quando mastigamos o alimento evitamos certos movimentos pois sabemos que morder a liacutengua causa dor intensa e que perdura por dias Isso natildeo ocorre em quem natildeo sente dor Uma coacutelica uma lesatildeo maior interna um incocircmodo esofaacutegico causado por refluxo uma simples lsquoassadurarsquo de pele em um bebecirc natildeo gera reclamaccedilotildees na crianccedila que nasce sem sentir dor Todas essas situaccedilotildees obrigam os pais dessas crianccedilas a desenvolver meacutetodos de vigilacircncia muito mais intensos pois o sistema de dor o alarme natural que a crianccedila teria natildeo cumpre a sua funccedilatildeo (Cox et al 2006 Mannes amp Iadarola 2007)

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Consideraccedilotildees Finais

Alguns dos principais pontos hoje que permeiam os estudos sobre a dor abordam mecanismos moleculares envolvidos na dor e estudo de alvos potenciais farmacoloacutegicos mecanismos neuroplaacutesticos responsaacuteveis pelo desenvolvimento da cronificaccedilatildeo da dor e possiacuteveis manobras moleculares para reverter ou atenuar seu processo de desenvolvimento expressatildeo de genes nas mais diversas condiccedilotildees de desenvolvimento da dor nos diversos niacuteveis do sistema nervoso perifeacuterico e central envolvimento de regiotildees especiacuteficas do sistema nervoso central na geraccedilatildeo dos padrotildees de comportamento associados agrave dor e a influecircncia de comorbidades no desenvolvimento e manutenccedilatildeo da dor como distuacuterbios metaboacutelicos sepse depressatildeo entre outros Por parte da cliacutenica muito eacute estudado tambeacutem a respeito da prevenccedilatildeo da dor e dos processos plaacutesticos que podem levar a alteraccedilotildees moleculares e morfoloacutegicas de difiacutecil reparo o que pode reduzir as chances de cronificaccedilatildeo em algumas situaccedilotildees Inuacutemeras outras frentes de estudo sobre os mecanismos envolvidos na dor e sobre o seu tratamento satildeo realizadas diariamente Esses estudos satildeo realizados em culturas celulares em animais de laboratoacuterios em animais silvestres e domesticados em humanos e mesmo em modelos computacionais

Enquanto natildeo forem exauridas as possibilidades de estudo e de descobertas na aacuterea eacute justificado por nossa capacidade de empatia que grandes esforccedilos sejam realizados no sentido de amenizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e consequentemente de seus mais proacuteximos tambeacutem reduzindo seus gastos pessoais com tratamentos meacutedicos e o custo social que essa demanda gera

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A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso

Decircnis Augusto Santana Reis

Criminologia

A palavra criminologia remonta da palavra latina crimino (crime) e da palavra grega logos (estudo tratado) significando o ldquoestudo do crimerdquo

O termo ldquocriminologiardquo foi usado por Garoacutefalo para designar ldquociecircncia do crimerdquo apoacutes vieram outros estudiosos que aprimoraram o significado do termo criminologia1

No ponto de vista de Shecaira (2012) a criminologia pode ser conceituada como

Estudo e a explicaccedilatildeo da infraccedilatildeo legal os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com os atos desviantes a natureza das posturas com que as viacutetimas desses crimes satildeo atendidas pela sociedade e por derradeiro o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes (Shecaira 2012 p 35)

Desse modo a criminologia pode ser conceituada como uma ciecircncia empiacuterica e interdisciplinar que tem por objeto o estudo do delito em todas as suas circunstacircncias tais como a anaacutelise do delito da personalidade do ofensor do comportamento delitivo da viacutetima e o controle social das condutas tidas como criminosas

A interdisciplinaridade da criminologia decorre da sua proacutepria consolidaccedilatildeo histoacuterica uma vez que recebeu influecircncia de outras ciecircncias tais como a sociologia a psicologia o direito a medicina legal dentre outras

1 GAROFALO R Criminologia estudo sobre o direito e a repressatildeo penal seguido de apecircndice sobre os termos do problema penal Ed Peacutetrias Campinas 1997

Autor para correspondecircncia denisaugustosr

gmailcom

8

210 | Temas em Neurociecircncias

Feitos tais esclarecimentos eacute importante salientar que a criminologia possui os seguintes objetos de estudo o delito delinquente a viacutetima e o controle social

Por outro lado enquanto o direito penal eacute uma ciecircncia normativa que tem por objeto o delito como regra anormal de conduta que deve ser sancionada A criminologia eacute uma ciecircncia causal-explicativa que tem por objeto estudar o delito o delinquente e montar esquemas de combate da criminalidade desenvolver meios preventivos e meacutetodos que impeccedilam a reincidecircncia do delinquente2 bem como desenvolvendo pesquisas teoacutericas acerca da etiologia do delito

No que tange o conceito legal de crime o art 1ordm da Lei de Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal3 dispotildee que o crime eacute a infraccedilatildeo penal punida com pena de reclusatildeo ou detenccedilatildeo contrapondo-se agrave contravenccedilatildeo penal que por sua vez eacute a infraccedilatildeo penal para a qual a lei comina pena de prisatildeo simples

Ressalte-se que o conceito de crime para a criminologia natildeo eacute o mesmo do direito penal enquanto para segundo o crime em sentido analiacutetico seria uma accedilatildeo ou omissatildeo tiacutepica iliacutecita e culpaacutevel merecedora de puniccedilatildeo para a primeira o crime seria um fenocircmeno comunitaacuterio e um problema social

Em relaccedilatildeo ao delinquente Schecaria (2012) ensina que eacute um ser histoacuterico real e complexo um ser normal e que estaacute sujeito agraves influecircncias do meio descartando qualquer determinismo4 seja ele social ou bioloacutegico

Cesare Lombroso ndash O Nascimento da Teoria Bioloacutegica da Criminalidade

O fundador da criminologia moderna foi Cesare Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro ldquoO homem delinquenterdquo

2 Fernandes Valter Criminologia Integrada 4ordf Ediccedilatildeo Satildeo Paulo Revistas dos Tribunais 2012 p 30

3 Art 1ordm Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de reclusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infraccedilatildeo penal a que a lei comina isoladamente pena de prisatildeo simples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

4 Schecaria Seacutergio Salomatildeo Criminologia 4ordf ed rev e atual Ed Revista dos tribunais Satildeo Paulo 2012 p 46

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 211

Nessa obra e em outras que a sucederam Lombroso (2010)atraveacutes do meacutetodo empiacuterico indutivo sistematizou e reuniu de forma articulada uma seacuterie de conhecimentos que estavam esparsos e por isso eacute considerado o pai e maior expoente da Antropologia Criminal conforme assevera Antocircnio Garcia Pablo Molina

A contribuiccedilatildeo principal de Lombroso para a Criminologia natildeo reside tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do ldquodelinquente natordquo) ou em sua teoria criminoloacutegica senatildeo no meacutetodo que utilizou em suas investigaccedilotildees o meacutetodo empiacuterico Sua teoria do ldquodelinquente natordquo foi formulada com base nos resultados de mais de quatrocentas autoacutepsias de delinquentes e seis mil anaacutelises de delinquentes vivos e o atavismo que conforme seu ponto de vista caracteriza o tipo criminoso ndash ao que parece ndash contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisotildees europeias (Molina 2002 p 191)

De acordo com Viana (2018) o sistema lombrosiano possui trecircs pontos centrais

bull O criminoso diferencia-se dos natildeo criminosos por meio de inuacutemeros sinais fiacutesicos e psiacutequicos

bull O criminoso eacute uma variante da espeacutecie humana um ser ataacutevico

bull O atavismo pode ser transmitido ao longo das geraccedilotildees (Viana 2018 p 57)

Em suma Lombroso (2010) natildeo refutava os fatores exoacutegenos da gecircnese criminal ambientais e sociais (o clima o abuso de aacutelcool a educaccedilatildeo o trabalho e etc) mas defendia enfaticamente que eram os fatores endoacutegenos os bioloacutegicos que levavam os indiviacuteduos a cometerem delitos ao passo que os exoacutegenos apenas desencadeariam a propulsatildeo interna para o delito pois o criminoso jaacute nasce criminoso (determinismo bioloacutegico)

A Criminologia Moderna

Segundo Molina (2002) a evoluccedilatildeo da criminologia culminou no surgimento de trecircs orientaccedilotildees teoacutericas as psicoloacutegicas as socioloacutegicas e as bioloacutegicas

A teoacuterica psicoloacutegica busca a explicaccedilatildeo para o comportamento delitivo na mente do indiviacuteduo nos processos psiacutequicos anormais

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(psicopatologia) ou nas vivecircncias subconscientes que tecircm origem no passado remoto do indiviacuteduo

A teoria socioloacutegica entende o delito como um fenocircmeno social aplicando em sua anaacutelise diversos marcos teoacutericos como o ecoloacutegico estrutural funcionalista subcultural conflitual internacionalista e etc

A teoria bioloacutegica5 busca localizar e identificar em alguma parte do corpo ou no funcionamento do sistema nervoso a existecircncia de algum fator diferencial que explique a conduta delitiva supondo sempre que o delito seja resultado de alguma patologia disfunccedilatildeo ou transtorno orgacircnico

Frisa-se que o presente ater-se-aacute a uacuteltima orientaccedilatildeo uma vez que tem como norte a investigaccedilatildeo dos aspectos neurobioloacutegicos da criminalidade com ecircnfase nos estudos de neurociecircncias mas antes eacute importante demonstrar de forma sucinta como as teorias bioloacutegicas da criminalidade se desenvolveram

Os primeiros estudos criminoloacutegicos de cunho bioloacutegico foram desenvolvidos pelo frenologista Franz Joseph Gall seguido por Cesare Lombroso a partir da anaacutelise morfoloacutegica de delinquentes Frisa-se que esses estudos serviram de base para a antropometria que estudava a criminalidade analisando as medidas e proporccedilotildees do corpo humano para fins de estatiacutestica e comparaccedilatildeo

Esses estudos serviram de substrato para o desenvolvimento da fase poacutes-lombrosiana da criminologia materializada pelos estudos biotipoloacutegicos endocrinoloacutegicos e psicopatoloacutegicos relacionados com a criminologia cliacutenica

Entretanto apesar de todo esforccedilo e rigor cientiacutefico desses estudos os mesmos mostraram-se insuficientes para explicar a causalidade criminal sobretudo porque tinham forte tendecircncia discriminatoacuteria haja vista que esses estudos relacionavam a existecircncia

5 As causas bioloacutegicas sempre seratildeo referidas como neurobioloacutegicas ou neurocientiacuteficas ao longo desse trabalho por uma questatildeo de singularidade do toma que versa o estudo da influecircncia do substrato cerebral com a criminologia

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 213

de certas caracteriacutesticas corporais com a propensatildeo em cometer crimes6

Em siacutentese essas teorias bioloacutegicas da criminalidade defendiam que existem indiviacuteduos predispostos para o crime cuja propensatildeo depende de sua formaccedilatildeo orgacircnica e que o criminoso eacute diferente de um cidadatildeo normal natildeo criminoso bem como desconsiderava os demais fatores que comprovadamente estatildeo relacionados com a criminalidade como os sociais7

As teorias acima citadas culminaram nos modernos estudos criminoloacutegicos desenvolvidos pela neurociecircncia envolvendo aspectos geneacuteticos neurofisioloacutegicos bioquiacutemicos moleculares visando entender o funcionamento do ceacuterebro dos criminosos e os motivos que os levam a cometer crimes

Neurociecircncia e Criminologia

Por muito tempo a pobreza a desigualdade social a baixa escolaridade e as maacutes companhias foram considerados os principais fatores criminoacutegenos

Atualmente sabe-se que esses fatores desempenhem um papel relevante nada obstante tem-se reconhecido que fatores neurobioloacutegicos tambeacutem satildeo importantes na modelagem do comportamento criminoso por conseguinte no cometimento de crimes

De acordo com Vold (1998) a variaacutevel bioloacutegica da criminalidade pode ser definida como

6 Kretschmer (2015) diferenciou quatro tipos de constituiccedilatildeo corporal1 Leptossocircmicos alta estatura toacuterax largo peito fundo cabeccedila pequena peacutes e matildeos

curtos cabelos crespos (propensatildeo ao furto e estelionato)2 Atleacuteticos estatura meacutedia toacuterax largo musculoso forte estrutura oacutessea rosto uniforme

peacutes e matildeos grandes cabelos fortes (crimes violentos)3 Piacutecnicos toacuterax pequeno fundo curvado formas arredondadas e femininas pescoccedilo

curto cabeccedila grande e redonda rosto largo e peacutes matildeos e cabelos curtos (menor propensatildeo ao crime)

4 Displaacutesicos pessoas com corpo desproporcional com crescimento anormal (crimes sexuais) (Penteado Filho Nestor Sampaio Manual de Criminologia 3ordfed Saraiva Satildeo Paulo 2013 p 102)

7 Farias Juacutenior Joatildeo Manual de criminologia 3 ed Juruaacute Curitiba 2006 p 58

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Algumas dessas caracteriacutesticas bioloacutegicas satildeo geneacuteticas e herdadas () Outras resultam de mutaccedilotildees geneacuteticas que ocorrem no momento da concepccedilatildeo ou se desenvolvem enquanto o feto estaacute no uacutetero Essas caracteriacutesticas bioloacutegicas satildeo geneacuteticas mas natildeo herdadas Finalmente outras podem se desenvolver como resultado do ambiente das pessoas que vai desde lesotildees a uma dieta inadequada Essas caracteriacutesticas bioloacutegicas natildeo satildeo geneacuteticas nem herdadasrdquo (Vold 1998 p 68)

Apesar dos estudos dos caracteres bioloacutegicos da criminalidade terem entrado em crise Serrano Maiacutello assegura que haacute uns anos ndash dez ou quinze aproximadamente ndash vem sendo levado agrave seacuterio as variaacuteveis de caraacuteter bioloacutegico em criminalidade (Serrano 2016)

Serrano (2016) tambeacutem aponta que uma das razotildees para o renascimento das variaacuteveis bioloacutegicas da criminalidade pode ser o fato de que ateacute o momento houve o predomiacutenio das teorias de orientaccedilatildeo socioloacutegica8 poreacutem as explicaccedilotildees do fenocircmeno delitivo dada por elas natildeo satildeo consideradas integralmente satisfatoacuterias ou seja essas teorias natildeo tecircm sido capazes de explicar satisfatoriamente importantes diferenccedilas individuais no acircmbito da criminalidade

As teorias de orientaccedilatildeo socioloacutegica natildeo conseguem explicar como indiviacuteduos exposto a ambientes semelhantes se comportem de maneira tatildeo diferente e que sujeitos que crescemdesenvolvem-se em ambientes criminoacutegenos natildeo delinquam ao passo que outros que vivem em ambientes com riscos ambientais miacutenimos cometam delitos

8 Teoria da Desorganizaccedilatildeo Social entende que o crime eacute fruto da ruptura e maacute estruturaccedilatildeo das unidades familiares que controlariam o crime A desorganizaccedilatildeo social causa uma perturbaccedilatildeo da cultura existente por mudanccedila social evidenciada por falha dos controlos sociais tradicionais morais conflitantes e no decliacutenio da confianccedila dessas instituiccedilotildees

Teoria da Subcultura Delinquente prega a existecircncia de uma subcultura da violecircncia o que leva algumas sociedades a aceitar a violecircncia como uma maneira normal de resolver conflitos sociais e tambeacutem sustenta que alguns grupos ateacute valorizam a violecircncia

Teoria da Anomia sustenta que o crime eacute um fenocircmeno normal e intriacutenseco da estrutura social considerando que ateacute um certo ponto o crime eacute tido como necessaacuterio e uacutetil para o equiliacutebrio social A anomia eacute caracterizada por uma situaccedilatildeo social onde falta coesatildeo e ordem especialmente no tocante a normas e valores

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 215

Nesse liame foi natural o ressurgimento de pesquisas envolvendo neurociecircncias e criminologia merecendo destaque os estudos desenvolvidos por Adrian Raine9

Tal ressurgimento pode ser constatado pelo levantamento realizado pela MacArthur Foundation Research Network on Law and Neuroscience da Vanderbilt University que mostra o aumento no nuacutemero de publicaccedilotildees envolvendo direito e neurociecircncias entre os anos de 1984-201710

Segundo Ventura (2010) a neurociecircncia compreende o estudo do sistema nervoso e suas ligaccedilotildees com toda a fisiologia do organismo incluindo a relaccedilatildeo entre ceacuterebro e comportamento O controle neural das funccedilotildees vegetativas11 das funccedilotildees sensoriais e motoras da locomoccedilatildeo reproduccedilatildeo alimentaccedilatildeo e ingestatildeo de aacutegua os mecanismos da atenccedilatildeo e memoacuteria aprendizagem emoccedilatildeo linguagem e comunicaccedilatildeo satildeo temas de estudo da neurociecircncia

Robert Lent (2010) assevera que ldquoo que chamamos simplificadamente como neurociecircncia eacute na verdade neurociecircnciasrdquo em virtude da interdisciplinaridade que envolve o estudo do ceacuterebro e de modo esquemaacutetico essa aacuterea do conhecimento pode ser dividida em cinco grandes disciplinas neurocientiacuteficas a saber neurociecircncia molecular neurociecircncia celular neurociecircncia sistecircmica neurociecircncia comportamental e neurociecircncia cognitiva12

Apesar do termo mais adequado ser neurociecircncias doravante apenas nomearemos essa ciecircncia no singular ou seja como neurociecircncia

9 Disponiacutevel em lthttpspsychologysasupennedupeopleadrian-rainegt Acesso em 21 jan 2019

10 Evoluccedilatildeo das publicaccedilotildees envolvendo direito e neurociecircncias entre os anos de 1984 a 2017 Disponiacutevel em httpwwwlawneuroorgbibliographyphp Acesso em 22 jan 2019

11 Digestatildeo circulaccedilatildeo respiraccedilatildeo homeostase temperatura12 Grossi (2014) explica que a neurociecircncia pode ser compreendida por meio de cinco

abordagens 1 Neurociecircncia Molecular investiga a quiacutemica e a fiacutesica envolvidas na funccedilatildeo neural Estuda as diversas moleacuteculas de importacircncia funcional no sistema nervoso 2 Neurociecircncia Celular investiga os tipos celulares sistema nervoso e o funcionamento de cada um 3 Neurociecircncia Sistecircmica estuda as regiotildees do sistema nervoso dos processos como a percepccedilatildeo o discernimento a atenccedilatildeo e o pensamento 4 Neurociecircncia Comportamental estuda a interaccedilatildeo entre os sistemas que influenciam o comportamento explica as capacidades mentais que produzem comportamentos como o sono emoccedilotildees sensaccedilotildees visuais dentre outros 5 Neurociecircncia Cognitiva estuda as capacidades mentais mais complexas como aprendizagem linguagem memoacuteria e planejamento

216 | Temas em Neurociecircncias

Sobre esse tema Fernandes (2010) ensina que a aplicaccedilatildeo da neurociecircncia ao direito possibilitaraacute o entendimento da conduta humana de maneira iacutempar

Neurociecircncias e Direito constituem sem duacutevida um tema novo Um tema com implicaccedilotildees sociais ontoloacutegicas e metodoloacutegicas de uma dimensatildeo natildeo comparaacutevel com nenhum outro pois se refere especificamente agrave relaccedilatildeo entre os mecanismos que geram a conduta humana o ceacuterebro e as consequecircncias em sociedade dessa conduta () E ainda quando a Neurociecircncias e o Direito parecem ter distintos objetivos e interesses no sentido de que a primeira busca entender a conduta humana (pensamento emoccedilatildeo etc) e o segundo julgaacute-la (intencionalidade culpabilidade responsabilidade etc) resulta evidente que ambas as disciplinas tambeacutem podem ajudar-se mutuamente Apesar de que entender e julgar satildeo atividades diferentes os esforccedilos por entender o comportamento humano suas causas motivaccedilotildees limites e fatores condicionantes podem ser de grande apoio natildeo somente nos juiacutezos sobre culpabilidade ou inocecircncia senatildeo tambeacutem no proacuteprio processo de realizaccedilatildeo praacutetico-concreta (interpretaccedilatildeo justificaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo) do Direito (Fernandes 2010)13

Atualmente com o advento das tecnologias de imagens cerebrais aliada a todo conhecimento acerca do funcionamento cerebral da neurociecircncia e aacutereas correlatas tem-se um instrumento muito sensiacutevel para investigar a anatomia cerebral da violecircncia

Segundo Daile Valančienė (2013) os meacutetodos e teacutecnicas de imageamento cerebral podem ser divididos em teacutecnicas de imagens funcionais que determinam funccedilotildees fisioloacutegicas e que utilizam de tomografia computadorizada por emissatildeo de foacuteton uacutenico (SCPECT) tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (PET scan) ressonacircncia magneacutetica funcional (fMRI) eletroencefalografia (EEG) magnetoencefalografia (MEG) e tomografia por impedacircncia eleacutetrica (EIT) e teacutecnicas de imagens estruturais que procuram identificar informaccedilotildees anatocircmicas feitas por

13 Fernandes Atahualpa Os labirintos neuronais do Direito livre-arbiacutetrio responsabilidade racionalidade Disponiacutevel em httpswwwresearchgatenetprofileAtahualpa_Fernandez2publication237065374_os_labirintos_neuronais_do_direito_livrearbitrio_responsabilidade_racionalidadelinks00b7d51b1f54f5ff6b000000os-labirintos-neuronais-do-direito-livre-arbitrio-responsabilidade-racionalidadeorigin=publication_detail Acesso em 23 mar 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 217

radiografia tomografia computadorizada (CT) ressonacircncia magneacutetica (MRI) e ultrassonografia (US)

A tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (PET scan) destaca-se uma vez que permite medir simultaneamente a atividade metaboacutelica de diversas regiotildees do ceacuterebro14 sendo possiacutevel investigar se haacute alteraccedilotildees no funcionamento cerebral especialmente em regiotildees envolvidas com inibiccedilatildeo modulaccedilatildeo comportamental como o coacutertex preacute-frontal e a amigdala

Com efeito a utilizaccedilatildeo de utilizaccedilatildeo de teacutecnicas de imageamento cerebral tem permitido compreensatildeo delinquente bem como tem possibilitado a aplicaccedilatildeo adequada da sanccedilatildeo pois conforme veremos a seguir o indiviacuteduo pode cometer crimes baacuterbaros influenciados por alguma disfunccedilatildeo cerebral e natildeo muitas vezes sequer consegue se controlar ou entende o caraacuteter iliacutecito da sua contduta

Nessa perspectiva Adrian Raine (2015) sugere ldquo() devemos ser cautelosos A violecircncia eacute extremamente complexa ()rdquo de modo que disfunccedilotildees de uma determinada regiatildeo cerebral pode ajudar a

14 PET scan eacute a sigla em inglecircs para a tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (Positron Emission Tomography) e eacute uma modalidade de diagnoacutestico por imagem que permite o mapeamento de diferentes substacircncias quiacutemicas radioativas no organismo

Esse exame foi desenvolvido na Universidade de Washington em 1973 pelos meacutedicos Edward Hoffman e Michael E Phelps

A PET Scan eacute um exame que une os recursos da medicina nuclear e da radiologia uma vez que sobrepotildee imagens metaboacutelicas agraves imagens anatocircmicas produzindo assim um terceiro tipo de imagem

A PET Scan mede a atividade metaboacutelica celular de qualquer regiatildeo do corpo demonstrando assim o de atividade delas podendo mostrar a presenccedila de alteraccedilotildees funcionais antes mesmo das morfoloacutegicas permitindo um diagnoacutestico ainda mais precoce de doenccedilas ou disfunccedilotildees

Na preparaccedilatildeo para o exame eacute necessaacuterio jejum de quatro a seis horas bem como uma alimentaccedilatildeo pobre em carboidratos na noite que o antecede Antecedendo o exame o paciente deve receber uma injeccedilatildeo de glicose ligada a um elemento radioativo (quase sempre fluacuteor radioativo) e cerca de sessenta minutos depois deve submeter-se a uma tomografia computadorizada

A PET Scan capta os sinais de radiaccedilatildeo emitidos pelo elemento radioativo transformando-os em imagens e determinando assim os locais onde haacute presenccedila deste accediluacutecar demonstrando que neste local haacute um metabolismo acentuado

Entatildeo as regiotildees que metabolizam essa glicose em excesso regiotildees do ceacuterebro em intensa atividade e o coraccedilatildeo apareceratildeo em vermelho numa imagem criada por computador Ao passo que regiotildees pouco ativas apresentaratildeo coloraccedilotildees frias azul verde

(Adaptado de ABC MED Disponiacutevel em lthttpswwwabcmedbrpexames-e-procedimentos740267pet+scan+o+que+e+por+que+fazer+como+e+feita+quem+deve+e+quem+ nao+deve+fazer+quais+sao+as+possiveis+complicacoeshtmgt Acesso em 20 jan 2019

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entender um tipo de crime mas a mesma explicaccedilatildeo natildeo pode ser estendida aos demais

Conforme tambeacutem veremos a seguir os estudos em que ceacuterebros de criminosos foram submetidos a exames com PET scan em sua maioria natildeo demonstram causalidade apenas associaccedilotildees entre a disfunccedilatildeo de determinada aacuterea cerebral e o cometimento de algum delito

Plea Bargain ndash Resultados de Exames de Imagens Cerebrais Possibilitaram a Realizaccedilatildeo de um Acordo na Fase de Preacute-Julgamento

De acordo com a mateacuteria publicada no jornal New York Times (200715) e com a anaacutelise do caso People v Weinstein (Supreme Court New York County 1992)16 Herbert Weinstein 65 anos era um executivo de sucesso na aacuterea de publicidade

Em 07011991 envolveu-se em uma discussatildeo com sua esposa mas no meio da discussatildeo decidiu parar de discutir e afastar-se poreacutem a cocircnjuge foi atraacutes do mesmo e arranhando a sua face O mencionado golpe foi decisivo para que Weinstein estrangulasse a esposa e a jogasse pela janela do apartamento que ficava no 12ordm andar

Ao analisarem o caso os advogados de defesa ficaram intrigados pelo fato de Weinstein natildeo possuir qualquer histoacuterico de violecircncia o que foi motivo suficiente para submetecirc-lo a um exame de ressonacircncia magneacutetica cerebral e PET scan

15 Disponiacutevel em httpswwwnytimescom20070311magazine11Neurolawthtml Acesso em 23 mar 2019

16 156 Misc2d 34 People v Weinstein Supreme Court New York County1992 Disponiacutevel em lthttpswwwleaglecomdecision1992190156misc2d341186gt Acesso em 10 jan 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 219

O resultado foi estarrecedor o executivo ora criminoso possuiacutea um cisto aracnoide17 no lobo frontal esquerdo e que comprimia o coacutertex frontal e temporal

Os resultados foram apresentados numa audiecircncia preacutevia e analisados pelo neurologista Antonio Damaacutesio que foi contundente ao defender que o Reacuteu tinha uma reduccedilatildeo na capacidade de regular suas emoccedilotildees e tomar decisotildees racionais

Apoacutes o parecer do expert e acusaccedilatildeo que pleiteava nada menos do que 25 anos de prisatildeo concordou com a tese da defesa de homiciacutedio culposo impondo-lhe uma pena de 7 anos de prisatildeo

Essa foi a primeira vez acusaccedilatildeo e defesa por meio do plea bargain negociaram a reduccedilatildeo da pena e a reclassificaccedilatildeo do crime cometido diante das provas obtidas atraveacutes de exames de imagens cerebrais e analisadas a luz da neurociecircncia

Esclarece Adrian Raine (2015) que

O caso de Herbert Weinstein destaca mais uma vez a importacircncia do ceacuterebro na predisposiccedilatildeo agrave violecircncia Mais especificamente o caso sugere que deacuteficit estrutural do coacutertex preacute-frontal esquerdo resulta em uma anormalidade do oacutergatildeo que por sua vez resulta em violecircncia A causa dos cistos como o de Weinstein eacute desconhecida e eles podem crescer durante um longo periacuteodo de tempo Tambeacutem podem benignos mas especialistas no caso testemunharam que o cisto resultou em uma disfunccedilatildeo cerebral que afetou de modo substancial a capacidade de Weinstein de pensar racionalmente Isso reforccedilou a credibilidade de sua defesa que alegava insanidade (Raine 2015 p 133)

Analisando o caso e as caracteriacutesticas bioloacutegicas de Weinstein fica evidente que o episoacutedio de violecircncia que culminou na morte de sua esposa deu-se pela falta do controle do coacutertex preacute-frontal sobre as regiotildees liacutembicas do ceacuterebro as quais satildeo sabidamente envolvidas

17 Os cistos aracnoacuteides satildeo coleccedilotildees intraracnoacuteides de liacutequido ceacutefalo raquiano (LCR) Satildeo de natureza congecircnita e se formam graccedilas a defeito valvular das membranas aracnoacuteides que facilita a passagem do LCR para o interior do cisto e dificulta a saiacuteda1 Embora muitos podem constituir achados incidentais outros podem causar sintomas por compressatildeo do parecircnquima cerebral ou aumento da pressatildeo intracraniana (Castro Samuel Caputo de Cistos aracnoacuteides intracranianos tratamento pela neuroendoscopia Arq Neuro-Psiquiatr Satildeo Paulo v 57 n 1 p 63-67 mar 1999)

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com o processamento das emoccedilotildees que por sua vez satildeo moduladas e processadas pelo coacutertex preacute-frontal

Logo a anormalidade estrutural e funcional do ceacuterebro de Weinstein natildeo permitiria que ele esboccedilasse respostas natildeo violentas a anormalidade foi determinante para o cometimento do crime

A Classificaccedilatildeo de Criminosos sob Prisma da Atividade do Coacutertex Preacute-Frontal ndash Criminosos Reativos e Proativos

Atualmente os criminosos podem ser classificados em proativos ou reativos a depender do modo como cometem crimes e do perfil de funcionamento do coacutertex preacute-frontal (Raine 2006 Dodge 1991 Meloy 1988)

Criminosos proativamente agressivos conseguem planejar suas accedilotildees satildeo equilibrados controlados movidos por recompensas externas (materiais) ou internas (psicoloacutegicas) tem sangue frio e natildeo possuem compaixatildeo alguma sendo essas caracteriacutesticas encontradas em assassinos em seacuterie18 Os agressivos reativos possuem sangue quente natildeo conseguem apresentar respostas controladas e racionais quando se deparam a ocasiotildees estressantes ou ateacute mesmo quando satildeo repreendidos

Com base nessa classificaccedilatildeo Raine et al (1998 2006)conseguiram classificar criminosos reativos e proativos de acordo com a atividade do coacutertex preacute-frontal em um estudo intitulado Reduced prefrontal and increased subcortical brain functioning assessed using positron emission tomography in predatory and affective murderers

Nesse trabalho a pesquisa foi iniciada com 41 criminosos e para classificaacute-los em reativosproativos foram analisadas as fichas criminais registros advocatiacutecios depoimentos perante as autoridades policiais e nos tribunais reportagens relatos de psicoacutelogos psiquiatras e assistentes sociais Ao final dos 41 24 foram classificados como

18 ldquoUm monte de assassinos em seacuterie se ajusta a isso ndash como Harold Shipman na Inglaterra que matou um nuacutemero de 284 pessoas a maior parte delas mulheres idosas Ted Kaczynski o Unabomber cuja campanha de terror foi realizada por meio de bombas enviadas pelo correio Peter Sutcliffe que eliminou 13 mulheres no norte da Inglaterra e Ted Bundy que cuidadosamente matou cerca de 35 mulheres jovens muitas delas estudantes universitaacuteriasrdquo (Raine 2015 p 75)

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 221

criminosos reativos e 15 como criminosos proativos alguns possuiacuteam ambas as caracteriacutesticas e foram excluiacutedos do estudo

Tambeacutem foi constatado que o criminoso reativo possui baixo funcionamento da regiatildeo ventral do coacutertex preacute-frontal em contraste com o proativo que possui uma ativaccedilatildeo expressiva na referida regiatildeo o que explicaria porque apenas os uacuteltimos conseguem planejar o crime e ainda obteacutem certa satisfaccedilatildeo psicoloacutegica ao obterem ecircxito

Adrian Raine sugere que as caracteriacutesticas dos criminosos proativos podem ter relaccedilatildeo com as condutas dos terroristas que reagem a um insulto sociopoliacutetico ideoloacutegico planejando cuidadosamente um contra-ataque (Raine 2015)

Eacute importante esclarecer que o coacutertex preacute-frontal estaacute envolvido nas funccedilotildees executivas as quais estatildeo relacionadas com as habilidades para diferenciar pensamentos conflitantes tomada de decisotildees previsatildeo de fatos expectativas baseadas em accedilotildees e controle social de modo que deacuteficits no coacutertex preacute-frontal conduzem a uma maior impulsividade agressividade e inadequaccedilatildeo social em outras palavras eacute responsaacutevel pelo surgimento de um fator criminoloacutegico de muita relevacircncia e ateacute entatildeo desconhecido (Rolls 2004 Holbrook et al 2015)

Aleacutem disso esses achados tambeacutem sugerem que o coacutertex preacute-frontal age controlando as emoccedilotildees desenfreadas geradas por estruturas liacutembicas no caso dos criminosos reativos bem como tambeacutem eacute responsaacutevel pela sofisticaccedilatildeo e planejamento dos crimes cometidos pelos proativos os quais satildeo guiados por uma satisfaccedilatildeo abstrata

Assim as descobertas dos estudos de neuroimagem satildeo corroboradas pelos resultados em neurociecircncias demonstram a existecircncia de uma base neurobioloacutegica para criminalidade e o coacutertex preacute-frontal estaacute envolvido

Pedofilia o Elo entre o Desenvolvimento de um Tumor no Ceacuterebro e o Cometimento de Crimes

Burns amp Swerdlow (2003) relatam a histoacuteria de Michael professor infantil casado tinha uma enteada de 12 anos sem antecedentes psiquiaacutetricos ou de qualquer comportamento desviante era um tiacutepico cidadatildeo estadunidense

222 | Temas em Neurociecircncias

Por volta dos 40 anos de idade o comportamento de Michael comeccedilou a mudar interessando-se por pornografia infantil e culminando no abuso sexual da enteada

Apoacutes foi diagnosticado como pedoacutefilo e condenado pela agressatildeo sexual podendo optar por submeter-se a um tratamento para pedoacutefilos ou cumprir uma pena em regime fechado

Michael optou pelo tratamento mas natildeo demorou para ser expulso do programa uma vez que as tentativas de satisfazer os seus desejos sexuais eram constantes

Um dia antes de iniciar o cumprimento da pena procurou um hospital queixando-se de dor de cabeccedila Apoacutes ser atendido e quando estava prestes a ser liberado alegou que acaso fosse liberado estupraria a dona do local onde estava morando O que forccedilou a equipe meacutedica a internaacute-lo na ala psiquiaacutetrica

O neurologista Russell Swerdlow percebeu problemas na marcha e que Michael urinava sobre si mesmo sem qualquer preocupaccedilatildeo sintomas que o levaram a fazer um exame de Ressonacircncia Magneacutetica do ceacuterebro do paciente

O exame mostrou que Michael tinha um tumor crescendo na base do coacutertex orbitofrontal (sub-regiatildeo do coacutertex preacute-frontal) e comprimindo a regiatildeo preacute-frontal direita conforme observa-se a seguir

Figura 1 ndash Imagem de ressonacircncia magneacutetica do ceacuterebro do Sr Oft Presenccedila de um tumor na regiatildeo do coacutertex orbitofrontal (dentro do ciacuterculo vermelho) A B e C referem-se aos diversos planos do exame Fonte Adaptado - Disponiacutevel em httpsdxdoiorg101001archneur603437 Acesso em 26 jan 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 223

Apoacutes a retirada do tumor pelos neurocirurgiotildees a emoccedilatildeo a cogniccedilatildeo e a atividade sexual de Michael voltaram ao normal e a culpa pelo que havia feito com a enteada vieram agrave tona19

Michael recebeu alta meacutedica concluiu o programa de tratamento de pedoacutefilos e apoacutes alguns meses voltou a residir com a esposa e a enteada

Entretanto apoacutes certo tempo o comportamento de Michael retornou a mesma situaccedilatildeo de antes da retirada do tumor apoacutes exames a mesma equipe meacutedica constatou a recidiva do tumor

Apoacutes a nova cirurgia para retirada o tumor o comportamento voltou a melhorar dessa vez a recuperaccedilatildeo foi completa

O coacutertex orbitofrontal eacute uma sub-regiatildeo do coacutertex preacute-frontal envolvida com a regulaccedilatildeo do controle social Lesotildees nessa regiatildeo comprometem o desenvolvimento do sensojulgamento social e moral resultando no empobrecimento nas tomadas de decisotildees impulsividade e sociopatia Tambeacutem eacute de conhecimento que o coacutertex orbitofrontal eacute uma das estruturas responsaacuteveis pela inibiccedilatildeo dos impulsos sexuais (Eslinger e Damasio 1985 Beauregard et al 2001)

Nesse liame assevera Priscilla Placha Saacute que a pedofilia enseja um julgamento bastante severo em face de quem o pratica no caso em comento para que o juiacutezo de reprovabilidade eacute menor pelo fato de que haacute uma ldquoexplicaccedilatildeordquo neurobioloacutegica bastante razoaacutevel e que natildeo estaacute no domiacutenio do sujeito o tumor eacute o responsaacutevel pela libido pervertida do sujeito e a doenccedila eacute o mal ou seja o conhecimento do fator criminoacutegeno neurobioloacutegico o tumor torna desnecessaacuteria a imposiccedilatildeo de qualquer pena mas impotildee o tratamento adequado caso exista

Assim tem-se que o surgimento de diferentes paradigmas cliacutenicos da neurociecircncia estaacute convergindo para a mesma conclusatildeo de que haacute uma significativa base neurobioloacutegica para a criminalidade

19 O caso descrito foi publicado no artigo cientiacutefico intitulado ldquoRight Orbitofrontal Tumor With Pedophilia Symptom and Constructional Apraxia Signrdquo publicado na revista Archives of Neurology em 2003

224 | Temas em Neurociecircncias

Relaccedilatildeo Temporal entre Lesotildees Cerebrais e o Cometimento de Crimes

Com o intuito de demonstrar que disfunccedilotildees no funcionamento cerebral podem ter um papel relevante para o cometimento de crimes pode-se observar na Tabela 1 alguns casos de correlaccedilatildeo entre a ocorrecircncia de lesotildees cerebrais e o aparecimento do comportamento desviantecometimento de crimes

Tabela 1 - Relaccedilatildeo entre cometimento de crimes apoacutes a lesatildeo de determinadas regiotildees cerebrais (continua)

Caso Comportamento EtiologiaLesatildeo

(idade)Crime

(idade)Referecircncia

1Raiva agressatildeo e incecircndio criminoso

Ressecccedilatildeo de abscesso cerebral

16 48Tonkonogy 1991

2Raiva agressatildeo e destruiccedilatildeo de propriedade

Trauma 23 42Tonkonogy 1991

3Raiva agressatildeo e destruiccedilatildeo de propriedade

Desconhecido 21 42Tonkonogy 1991

4

Agressatildeo verbalfiacutesica mentira roubo falta de empatia culpa remorso e comportamento sexual de risco

Trauma 15 3Anderson et al 1999

5

Agressatildeo verbalfiacutesica mentira roubo falta de empatia culpa remorso e comportamento sexual de risco

Tumor 1 9Anderson et al 1999

6Mentira roubo fraude e crimes financeiros

Tumor 33 33Meyers et al 1992

7Mentira decisotildees financeiras ilegais

Tumor 35 35Eslinger e Damasio 1985

8Roubo agressatildeo e violecircncia

Tumor 56 56Blair e Cipolotti 2000

Fonte Adaptado de Darby 2018 p 601-606

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 225

Tabela 1 - Relaccedilatildeo entre cometimento de crimes apoacutes a lesatildeo de determinadas regiotildees cerebrais (conclusatildeo)

Caso Comportamento EtiologiaLesatildeo

(idade)Crime

(idade)Referecircncia

9Decisotildees financeiras ilegais e desonestidade

Trauma 54 54Tranel et al 2002

10Decisotildees financeiras ilegais e desonestidade

Acidente vascular encefaacutelico

32 32Tranel et al 2002

11Agressatildeo violecircncia roubo e suiciacutedio

Hemorragia sub-aracnoacuteide

5 14Nakaji et al 2003

12 Violecircncia e agressatildeo Tumor 4 6Nakaji et al 2004

13 Estupro (3 vezes) Tumor 26 naMitchell et al 2006

14 Homiciacutedio e estupro Trauma 32 32Mitchell et al 2006

15Homiciacutedio e estupro (2 vezes)

Tumor 14 18Mitchell 2006

16Homiciacutedio da matildee apoacutes tentar o mesmo crime 2 anos antes

Lesatildeo ciruacutergica

40 62Orellana et al 2013

17 Homiciacutedio Trauma 7 34Sener et al 2015

Fonte Adaptado de Darby 2018 p 601-606

Analisando-se a tabela acima eacute possiacutevel constatar a existecircncia do nexo de causalidade entre o aparecimento de tumores traumas lesotildees ciruacutergicas acidentes vasculares encefaacutelicos hemorragias sub-aracnoacuteide ressecccedilatildeo de abscesso cerebral com significativas mudanccedilas comportamentais e com o cometimento de crimes

A Influecircncia da Neurociecircncia nas Decisotildees da Suprema Corte dos EUA ndash Decisotildees Acerca da Culpabilidade Criminal de Adolescentes

A Suprema Corte dos EUA ao longo dos uacuteltimos anos ao julgar casos envolvendo a culpabilidade criminal de jovens fundamentou

226 | Temas em Neurociecircncias

suas decisotildees em estudos de neurociecircncias20 Thompson vOklahoma 487 US 815 (1988)21 Roper v Simmons 543 US 551 (2005)22 Graham v Florida 560 US 48 (2010)23

No caso mais recente (2010) a Corte decidiu que as decisotildees condenavam adolescentes a prisatildeo sem a possibilidade de liberdade condicional satildeo inconstitucionais Neste caso a decisatildeo da Suprema Corte foi baseada em estudos cientiacuteficos que demonstram que os ceacuterebros de adolescentes ainda natildeo estatildeo totalmente desenvolvidos satildeo imaturos no aspecto psicoloacutegico e neurobioloacutegico natildeo sendo portanto plenamente responsaacuteveis pelo seu comportamento como os adultos

Frisa-se que os crimes cometidos por adolescentes normalmente decorrem de decisotildees impulsivas seja porque seus coacutertex preacute-frontais ainda natildeo estatildeo totalmente desenvolvidos seja porque o corpo estriado ventral eacute mais responsivo a recompensas ou estiacutemulos emocionais os levando a assumirem mais riscos24

Jaacute foi constatado que o estriado ventral e o coacutertex ventromedial estatildeo mais ativados durante a adolescecircncia em relaccedilatildeo a infacircncia ou a vida adulta Considerando que essas regiotildees satildeo relevantes no processamento das emoccedilotildees avaliaccedilatildeo das recompensas e puniccedilotildees tudo indica que natildeo eacute plausiacutevel impor uma pena tatildeo severa para um agente que ainda natildeo possui o desenvolvimento mental completo (Hare et al 2008)

Desse modo a neurociecircncia natildeo apenas auxilia a compreender os motivos que levaram o indiviacuteduo a cometer determinado crime podendo tambeacutem ser uma ferramenta de grande valia para aplicar adequadamente as puniccedilotildees agravequeles que violam as leis

20 Steinberg L The influence of neuroscience on US Supreme Court decisions about adolescentsamp39 criminal culpability Nature Reviews Neuroscience v 14 p 513 0612online 2013

21 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus487815gt Acesso em 7 abr 2019

22 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus543551gt Acesso em 7 abr 2019

23 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus56048gt Acesso em 7 abr 2019

24 Steinberg L Should the science of adolescent brain development inform public policy American Psychologist US v 64 n 8 p 739-750 2009 ISSN 1935-990X

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 227

A influecircncia da Neurociecircncia no Direito Penal

Primeiramente eacute importante que nas palavras do professor Luiz Regis Prado (2013) ldquoo delito analiticamente eacute a accedilatildeo ou omissatildeo tiacutepica iliacutecita e culpaacutevelrdquo ou seja possuem trecircs elementos essenciais e necessaacuterios

Tais elementos podem ser melhor compreendidos com a liccedilatildeo de Rogeacuterio Greco que discorre o seguinte

A tipicidade a antijuridicidade e a culpabilidade satildeo trecircs elementos que convertem uma accedilatildeo em um delito A culpabilidade ndash a responsabilidade pessoal por um fato antijuriacutedico ndash pressupotildee a antijuridicidade do fato do mesmo modo que a antijuridicidade por sua vez tem de estar concretizada em tipos legais A tipicidade a antijuridicidade por sua vez tem de estarem concretizadas em tipos legais A tipicidade a antijuridicidade e a culpabilidade estatildeo relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupotildee o anterior (Greco apud Hans Welzel 2012 p 29)

Nesse liame ressalta-se que esse toacutepico ater-se-aacute ao uacuteltimo elemento acima mencionado a culpabilidade

Ao longo dos anos a doutrina tem estudado e formulado diversas teorias sobre acerca da culpabilidade culminando na criaccedilatildeo a teoria limitada da culpabilidade que considera que a culpabilidade eacute composta pelos elementos imputabilidade potencial consciecircncia da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa25 (Masson 2016)

Masson (2016) esclarece a partir da anaacutelise do tratamento do erro (arts 19 e 21 do CP) e do item 19 da Exposiccedilatildeo de motivos da Nova Parte Geral do Coacutedigo Penal eacute possiacutevel constatar que a legislaccedilatildeo Paacutetria acolheu a teoria limitada da culpabilidade

Repete o Projeto as normas do Coacutedigo de 1940 pertinentes agraves denominadas ldquodescriminantes putativasrdquo Ajusta-se assim o Projeto agrave teoria limitada pela culpabilidade que distingue o erro incidente sobre os pressupostos faacuteticos de uma causa de justificaccedilatildeo do que incide sobre a norma permissiva Tal como no

25 Analisando as circunstacircncias judiciais do art 59 caput do Coacutedigo Penal conclui-se que a culpabilidade que ldquose determina pela imputabilidade exigibilidade de conduta diversa e possibilidade do conhecimento do injustordquo (STF - HC 73097 MS)

228 | Temas em Neurociecircncias

Coacutedigo vigente admite-se nesta aacuterea a figura culposa (artigo 17 sect 1ordm)26

De acordo com a doutrina de Miguel Reale Juacutenior (2000) que ldquoculpabilidade eacute a reprovaccedilatildeo por ter o agente agido antijuridicamente optando assim por um desvalor quando podia abster -se de fazecirc-lo jaacute que lhe era facultado motivar-se pelo valor imposto pela norma e pelo valor da norma como deverrdquo

Assim pode-se conceituar a culpabilidade como sendo o juiacutezo de censura o juiacutezo de reprovabilidade que incide sobre a formaccedilatildeo e exteriorizaccedilatildeo da vontade do responsaacutevel por um fato tiacutepico e iliacutecito com o propoacutesito de aferir a necessidade de pena de modo a culpabilidade tambeacutem eacute o fundamento e limite da pena

Quanto ao elemento imputabilidade conforme assevera Nucci (2016) corresponde ao conjunto de condiccedilotildees pessoais envolvendo a inteligecircncia e vontade que permite ao agente ter entendimento do caraacuteter iliacutecito do fato comportando-se de acordo com esse conhecimento possuindo como binocircmio necessaacuterio para a formaccedilatildeo das condiccedilotildees pessoais do imputaacutevel a sanidade mental e maturidade

Nucci (2016) tambeacutem ensina que o inimputaacutevel (doente mental ou imaturo que o menor) natildeo comete crime mas pode ser sancionado penalmente aplicando secirc-lhe medida de seguranccedila27 que se baseia no juiacutezo de periculosidade diverso portanto da culpabilidade nos termos do arts 96 e seguintes do Coacutedigo Penal

Caso o agente natildeo tenha as condiccedilotildees acima mencionadas seraacute considerado inimputaacutevel por faltar-lhe a culpabilidade

Por outro lado se o agente em virtude de perturbaccedilatildeo de sauacutede mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado natildeo era inteiramente capaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento seraacute considerado

26 Disponiacutevel em lthttpswww2camaralegbrleginfeddeclei1940-1949decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-exposicaodemotivos-148972-pehtmlgt Acesso em 1 maio 2019

27 Medida de seguranccedila eacute uma espeacutecie de sanccedilatildeo penal destinada aos inimputaacuteveis e excepcionalmente aos semi-imputaacuteveis autores de fato tiacutepico e antijuriacutedico embora natildeo possam ser considerados criminosos por natildeo sofrerem o juiacutezo de culpabilidade mas sim de periculosidade devendo ser submetidos a internaccedilatildeo ou a tratamento ambulatorial pelo miacutenimo de um a trecircs anos sem prazo maacuteximo definido

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 229

semi-imputaacutevel podendo a pena ser reduzida de um a dois terccedilos (art 26 paraacutegrafo uacutenico CP)28

Como demonstrado anteriormente muitos indiviacuteduos natildeo conseguem entender ou se controlar em situaccedilotildees estressantes natildeo conseguindo exprimir resposta que natildeo seja violenta explosiva e sem qualquer valoraccedilatildeo entre certoerrado ou melhor natildeo conseguem pautar-se por tal compreensatildeo ou sendo ela incompletaparcial e muitas vezes acabam praticando fato tiacutepico e antijuriacutedico mas natildeo culpaacutevel sendo o agente considerado inimputaacutevel ou semi-imputaacutevel a depender da analise concreta

Desse modo um indiviacuteduo que comete um fato tiacutepico e antijuriacutedico sem a plena compreensatildeo do que fazia natildeo merece ser considerado criminoso mas deve ser submetido a medida de seguranccedila

Nesse liame Nucci (2016) esclarece que a medida de seguranccedila natildeo eacute pena mas natildeo deixa de ser uma espeacutecie de sanccedilatildeo penal aplicaacutevel aos inimputaacuteveis ou semi-imputaacuteveis que praticam fatos tiacutepicos e iliacutecitos (injustos) e precisam ser internados ou submetidos a tratamento tratando-se pois de medida de defesa social

Eacute de suma importacircncia a anaacutelise das condiccedilotildees pessoais do agente maturidade (18 anos ou mais) e higidez biopsiacutequica compreendida pela sauacutede mental e capacidade de apreciar a criminalidade do fato para compreender-se adequadamente a culpabilidade

No caso em comento para se averiguar a imputabilidade ou melhor a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade de algum acusado face alguma evidecircncia neurocientiacutefica faz-se necessaacuterio compreender melhor a higidez mental que pode ser avaliada com o auxiacutelio dos seguintes criteacuterios

28 Art 26 - Eacute isento de pena o agente que por doenccedila mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era ao tempo da accedilatildeo ou da omissatildeo inteiramente incapaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

Reduccedilatildeo de pena Paraacutegrafo uacutenico - A pena pode ser reduzida de um a dois terccedilos se o agente em

virtude de perturbaccedilatildeo de sauacutede mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado natildeo era inteiramente capaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

230 | Temas em Neurociecircncias

bull Bioloacutegico leva-se em conta exclusivamente a sauacutede mental do agente isto eacute se o agente eacute ou natildeo doente mental ou possui ou natildeo um desenvolvimento mental incompleto ou retardado A adoccedilatildeo restrita desse criteacuterio faz com que o juiz fique absolutamente dependente do laudo pericial

bull Psicoloacutegico leva-se me consideraccedilatildeo unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caraacuteter iliacutecito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento Acolhido esse criteacuterio de maneira exclusiva torna-se o juiz a figura de destaque nesse contexto podendo apreciar a imputabilidade com imenso arbiacutetrio

bull Biopsicoloacutegico leva-se em conta os dois criteacuterios anteriores ou seja verifica-se se o agente eacute mentalmente satildeo e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento Eacute o princiacutepio adotado pelo Coacutedigo Penal como se pode vislumbrar no art 26 () Logo natildeo eacute suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental mas que exista prova de que esse transtorno afetou realmente a capacidade de compreensatildeo do iliacutecito ou de determinaccedilatildeo segundo esse conhecimento (Nucci 2016 p 269)

No Brasil os juristas ainda satildeo muito resilientes diante da possibilidade de levar situaccedilotildees baseadas na neurociecircncia aos tribunais possivelmente por desconhecimento da infinidade de oportunidades dessa ciecircncia especialmente por permitir o melhor entendimento do crime e do criminoso

A oportunidade de utilizar a neurociecircncia na praacutetica forense pauta-se no criteacuterio biopsicoloacutegico da inimputabilidade (art 26 do CP) e do instrumento processual para dirimir tal controversa corresponde ao incidente da insanidade mental (art 149 e seguintes do CPP) mas acredito que o uacuteltimo ainda natildeo eacute utilizado em sua plenitude pois as modernas teacutecnicas de neuroimagens ainda natildeo satildeo utilizadas

Como demonstramos e defendemos que os crimes podem ter uma origem neurobioloacutegica que decorre de algum defeito congecircnito geneacutetico ou traumaacutetico que altera o funcionamento cerebral

Eacute fato que essas sutis alteraccedilotildees no padratildeo de funcionamento do ceacuterebro soacute podem ser identificadas ao utilizar-se a metodologia adequada como exames de imagens cerebrais de modo que questionamentos ou testes realizados por meacutedicos forenses satildeo incapazes de identificar tais alteraccedilotildees

Eacute importante ressaltar que nesse liame objetivo dos advogados deve ser o de diminuir a responsabilidade legal dos criminosos

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 231

alegando e provando que as anormalidades neurobioloacutegicas afetam o comportamento e a tomada de decisotildees ou seja demonstrando que eacute inimputaacutevel ou semi-imputaacutevel sendo vedada a arguiccedilatildeo geneacuterica sob pena de banalizar-se esse instituto e cair em descreacutedito perante os operadores do direito

Por outro lado promotores de justiccedila podem utilizar a neurociecircncia para demonstrar a periculosidade futura dos criminosos uma vez que a causa bioloacutegica que contribuiu para o cometimento do crime sempre estaraacute presente no indiviacuteduo natildeo restaurando-se com o cumprimento de pena restritiva de liberdade ou tampouco com apoacutes a aplicaccedilatildeo de uma pena alternativamedida de seguranccedila

Assim caberaacute ao juiz ou ao corpo de jurados dependendo do tipo de crime avaliar todas peculiaridades do crime do criminoso e as informaccedilotildees obtidas atraveacutes de exames de imagens em outras palavras o sucesso da defesa estaraacute pautada na escolha do exame de imagem adequado desafiando a aacuterea afetada com o intuito de mostrar a contribuiccedilatildeo da sua disfunccedilatildeo com o cometimento do delito bem como toda a fundamentaccedilatildeoargumentaccedilatildeo neurobioloacutegica a convencer o juiz ou os jurados

No que tange a prova no processo penal assevera Lima (2015) que a confiabilidade eacute o ponto crucial para as provas periciais nos tribunais Em casos que envolvem transtornos mentais os juiacutezes geralmente apoiam as decisotildees em opiniotildees e depoimentos de testemunhas ou de profissionais especializados no cruzamento da sauacutede mental com a lei

Aleacutem disso Nucci (2016) ensina que lei penal adotou o criteacuterio misto (biopsicoloacutegico) sendo indispensaacutevel a existecircncia de laudo meacutedico para comprovar a doenccedila mental ou mesmo o desenvolvimento mental incompleto ou retardado (eacute a parte bioloacutegica) situaccedilatildeo natildeo passiacutevel de verificaccedilatildeo direta pelo juiz

Nada obstante ainda remanesce o lado psicoloacutegico que consiste na capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento compreendendo o caraacuteter iliacutecito do fato Cabendo a anaacutelise desse criteacuterio ao magistrado analisando as provas colhidas ao longo da instruccedilatildeo natildeo ficando adstrito ao laudo podendo aceitaacute-lo ou rejeitaacute-lo no todo ou em parte (art 182 do CPP) ou ateacute mesmo substituir o expert

232 | Temas em Neurociecircncias

A relevacircncia dos exames de imagens e da neurociecircncia na praacutetica forense estaacute justamente em se observar a criminalidade isto eacute observar o substrato neural responsaacutevel pelo delinquente cometer determinado delito observar o que haacute de errado se haacute soluccedilotildees natildeo havendo aplicar-lhe a medida de seguranccedila adequada

Ainda de acordo com Lima (2013) os indiviacuteduos que estudados ateacute o momento podem ser tratados como biodelinquentes que satildeo distinguidos do demais por cometerem a praacutetica delituosa alheios agrave proacutepria voliccedilatildeo e que agem pressionados por transtornos neuroloacutegicos originaacuterios de doenccedilas preacute-existentes adquiridas ou traumatizantes da caixa craniana natildeo alcanccedilaacuteveis ou natildeo pelas teacutecnicas de neuroimagem atuais

Esses biodelinquentes ou apenas criminosos natildeo possuem desenvolvimento mental incompleto ou retardado muitas vezes natildeo sendo abobalhados ou expressando qualquer exteriorizaccedilatildeo dessa disfunccedilatildeo mas conforme ensina Nucci (2016) esses criminosos possuem uma diminuta capacidade de compreensatildeo do iliacutecito ou falta de condiccedilotildees de se autodeterminar conforme o precaacuterio entendimento tendo em vista ainda natildeo ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e fiacutesica seja por conta da idade seja porque apresenta alguma caracteriacutestica particular como o silviacutecola natildeo civilizado ou o surdo-mudo sem capacidade de comunicaccedilatildeo

Ainda sobre a oacutetica da imputabilidade Eagleman (2012) defende que os criminosos que possuem alguma disfunccedilatildeo cerebral deveriam sempre serrem tratados como incapazes de ter atuado de outra maneira de modo que a atividade criminosa deve ser compreendida como produto de uma anormalidade cerebral

Eduardo Demetrio Crespo e Manuel Moroto Calatayud fazem o seguinte alerta

No caso em que novos conhecimentos empiacutericos obtidos por exemplo atraveacutes das modernas teacutecnicas de neuroimagem demonstrem que se vinha imponde penas a suspeitos cuja conduta delitiva agora sabemos se devia a deacuteficits cerebrais isso deve ser levado em conta a favor do autor Em particular eacute muito provaacutevel que os novos conhecimentos deem lugar a uma ampliaccedilatildeo dos casos de inimputabilidade e semi-imputabilidade (Crespo amp Calatayud 2013 p 39)

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 233

Arremata Placha Saacute dizendo que muitos sujeitos foram tratados como crueacuteis e malvados sem na verdade o serem pois natildeo se conhecianatildeo se aplicava a neurociecircncia na praacutetica forense como no caso do homem que comeccedilou a se comportar como um pedoacutefilo quando na verdade era um tumor cerebral que pressionava uma aacuterea responsaacutevel pela libido ou seja o criminoso era o tumor e natildeo o agente

Nessa linha de raciociacutenio eacute que a neurociecircncia por ser tida como uma veia libertadora ao se constatar que a causa do (f)ato eacute uma doenccedila que pode ser extirpada e que pode ser tratada libera-se o sujeito de sua responsabilidade por que natildeo haveria necessidade de imposiccedilatildeo de qualquer imposiccedilatildeo de qualquer consequecircncia juriacutedico-penal por algo que eacute eventual e fora do domiacutenio e do controle de sua vontade Parece que essa possibilidade poderia ser compreendida a parir de uma leitura ampliada do que descrito nos art 26 caput e 28 sect1ordm do Coacutedigo Penal em que a questatildeo do fortuito e da forccedila maior que toma o livre-arbiacutetrio do sujeito excluem sua responsabilidade penal Eacute possiacutevel notar que para alguns haacute certo pesar pelo fato de esse conhecimento neurocientiacuteficos ter sido descoberto soacute mais recentemente o que faria pensar que muitos sujeitos foram tratados como crueacuteis e malvados sem na verdade o serem (Placha Saacute 2014 p 221)

Em decisatildeo que limitou o prazo maacuteximo de cumprimento de medida de seguranccedila tambeacutem eacute importante ressaltar que pelo fato das disfunccedilotildees neurobioloacutegicas em via de regra serem permanentes mesmo apoacutes o cumprimento integral da medida de seguranccedila imposta o agente continuaraacute a ter a disfunccedilatildeo neurobioloacutegica que foi responsaacutevel pelo crime anteriormente cometido

Apesar do agente submetido a excepcional medida de seguranccedila natildeo ter cura ou natildeo se regenerar com os passar os anos veda-se a sua internaccedilatildeo ou enclausuramento por tempo indeterminado nos termos do art 5ordm XLVII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica garantia constitucional abolidora das prisotildees perpeacutetuas

Nesse diapasatildeo o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a medida de seguranccedila tem natureza punitiva razatildeo pela qual a ela se aplicam o instituto da prescriccedilatildeo e o tempo maacuteximo de duraccedilatildeo de 30 anos esse uacuteltimo decorrente da vedaccedilatildeo constitucional agraves penas perpeacutetuas (HC 98360 Rel Min Ricardo Lewandowski Primeira Turma Dje 23102009)

234 | Temas em Neurociecircncias

Feitos tais esclarecimentos pode-se concluir que a neurociecircncia precisa ser inserida na praacutetica forense brasileira a exemplo dos Estados Unidos

Natildeo obstante eacute fato que a utilizaccedilatildeo da neurociecircncia na praacutetica forense depende da participaccedilatildeo e interesse dos seus principais operadores (peritos assistentes teacutecnicos advogados promotores e juiacutezes) possibilitara a evoluccedilatildeo da justiccedila criminal brasileira elevando-a para um novo patamar permitindo a melhor compreensatildeo dos crimes e dos criminosos e por conseguinte lhes seraacute imposta a sanccedilatildeo correta seja ela uma pena seja ela uma medida de seguranccedila Portanto propiciaraacute o alcance da justiccedila criminal

Consideraccedilotildees Finais

A utilizaccedilatildeo da neurociecircncia na praacutetica forense tem o potencial de melhorar a precisatildeo das decisotildees judiciais diminuindo os erros e permitindo a aplicaccedilatildeo sanccedilatildeo adequada e justa aos criminosos bem como possibilita entender as possiacuteveis causas neurobioloacutegicas que levaram criminosos a delinquir

Nada obstante eacute importante ressaltar que que a neurociecircncia seraacute uma relevante ferramenta a serviccedilo da justiccedila ao passo que advogados poderatildeo utilizaacute-la para diminuir a pena e atenuar a responsabilidade dos reacuteus alegando e provando que as anormalidades neurobioloacutegicas afetaram o comportamento e a tomada de decisotildees dos acusados Os promotores poderatildeo demonstrar a periculosidade futura dos acusados uma vez que a causa neurobioloacutegica que contribuiu para o cometimento do crime sempre estaraacute presente no indiviacuteduo natildeo restaurando-se com o cumprimento de qualquer tipo de sanccedilatildeo

Portanto a aplicaccedilatildeo da neurociecircncia a praacutetica forense brasileira seraacute de grnde valia pois aumentaraacute a profundidade das decisotildees judiciais cabendo ao julgador avaliar todas as suas peculiaridades analisar robustos exames de imagens cerebrais e as possiacuteveis influecircncias neurobioloacutegicas bem como sopesar os argumentos e provas produzidas por advogados e promotores ao longo dos processos criminais tudo a fim de se atingir a justiccedila criminal

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 235

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Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos1

Celio Roberto EstanislauUniversidade Estadual de Londrina

Thiago Soares CampoliUniversidade Estadual de Londrina

Rodrigo Moreno KleinUniversidade Estadual de Londrina

Acauatilde Galdino Vieira SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Isis Amanda Andrade AmadeuUniversidade Estadual de Londrina

Guilherme Machado BorgesUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) eacute caracterizado por obsessotildees e compulsotildees As obsessotildees satildeo compostas por conteuacutedos intrusivos tais como pensamentos imagens etc As compulsotildees assumem a forma de atos que podem ser repetitivos estereotipados e perseverantes As compulsotildees constituem tentativas de aliacutevio ainda que temporaacuterio da ansiedade induzida pelas obsessotildees A conexatildeo entre elas eacute no entanto muitas vezes pobre e pouco razoaacutevel (American Psychiatric Association 2013)

A visatildeo tradicional apresenta o TOC como uma doenccedila mental Essa concepccedilatildeo deriva da observaccedilatildeo de que pessoas que preenchem os criteacuterios diagnoacutesticos para o transtorno apresentam disfunccedilatildeo psicoloacutegica sofrimento e resposta culturalmente atiacutepica (Barlow amp Durand 2008)

Autor para correspondecircncia celioestanislau

gmailcom

1 Durante a elaboraccedilatildeo do capiacutetulo nosso grupo contou

com apoio de Fundaccedilatildeo

Araucaacuteria (prot 38134) e Conselho

Nacional de Desenvolvimento

Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

(CNPq) (proc 4712142014-0)

CE recebeu bolsa de pesquisa

do CNPq (proc 3073882015-8) IAAA recebeu

bolsa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica da

Fundaccedilatildeo Araucaacuteria

9

240 | Temas em Neurociecircncias

Com prevalecircncia ao longo da vida de 12 (Kessler et al 2005) e taxas crescentes entre parentes de primeiro grau gecircmeos dizigoacuteticos e monozigoacuteticos respectivamente o TOC seguramente sofre importantes influecircncias de fatores geneacuteticos (American Psychiatric Association 2013) De forma geral caracteres que satildeo transmitidos geneticamente estatildeo por certo sujeitos aos efeitos da seleccedilatildeo com o passar das geraccedilotildees Ou seja o TOC pode evidenciar algum mecanismo que eacute produto da seleccedilatildeo natural Pode o TOC ter raiacutezes em mecanismos originalmente beneacuteficos A resposta a essa pergunta passa por algumas pistas Uma delas eacute a de que eacute notaacutevel a quantidade de pessoas que sem preencher plenamente os criteacuterios para o diagnoacutestico de TOC ainda assim apresentam alguns sintomas ldquosubcliacutenicosrdquo do transtorno (Ruscio Stein Chiu amp Kessler 2010) Outra pista decorre de observaccedilotildees de que na infacircncia eacute comum se observar algumas manifestaccedilotildees que se assemelham a sintomas de TOC Essas manifestaccedilotildees aleacutem de envolverem temaacuteticas como seguranccedila limpeza e acumulaccedilatildeo podem tambeacutem envolver algo que eacute na literatura em inglecircs referenciado como um senso de ldquo just rightrdquo ou seja uma aparente necessidade que a crianccedila pode apresentar de que determinados objetos sejam posicionados de formas especiacuteficas do contraacuterio haacute manifestaccedilotildees de desconforto (Evans amp Leckman 2006) Essas informaccedilotildees oriundas de populaccedilotildees natildeo-cliacutenicas de adultos e de crianccedilas sugerem que o TOC pode consistir de um mau funcionamento de algum mecanismo que estaacute presente nas pessoas em geral

Objetivo

Tendo em conta suas caracteriacutesticas e o papel de fatores geneacuteticos no TOC o objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar uma leitura evolucionista do transtorno baseada num modelo em que convergem modelos funcionais dados neurobioloacutegicos e explicaccedilotildees evolucionistas

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Um Olhar Evolucionista sobre o TOC

Eacute possiacutevel que os comportamentos presentes no TOC tenham efetivamente sido conservados durante a evoluccedilatildeo (Stein 2000) De modo geral pode-se ter como hipoacutetese de trabalho que a forma que caracteriacutesticas psicoloacutegicas assumem atualmente decorre de as mesmas terem sido boas soluccedilotildees para problemas de sobrevivecircncia ou reproduccedilatildeo no passado (Goldfinch 2015) Assim comportamento de limpeza e acumulaccedilatildeo por exemplo teriam trazido algumas vantagens de sobrevivecircncia e portanto foram selecionados No TOC poreacutem satildeo observadas manifestaccedilotildees disfuncionais dos mesmos

Eacute muito conhecida a frase segundo a qual ldquonada na Biologia faz sentido exceto agrave luz da evoluccedilatildeordquo (Dobzhansky 1973) A perspectiva evolucionista aleacutem de como veremos originar teorias e concepccedilotildees sobre os transtornos cumpre um importante papel de princiacutepio integrador Ou seja mesmo teorias que natildeo se originam diretamente dessa perspectiva se tornam mais soacutelidas se sobrevivem ao crivo do olhar evolucionista

Os defensores de um olhar evolucionista apresentam um leque de possiacuteveis explicaccedilotildees para os transtornos (Glass 2012) Um transtorno pode por exemplo representar uma combinaccedilatildeo desastrosa de caracteriacutesticas que individualmente satildeo cada uma adaptativa ou pode constituir um extremo populacional de uma caracteriacutestica que na maior parte da populaccedilatildeo eacute vantajosa ou ainda o que aparece como transtorno em ambiente urbano no seacuteculo XXI eacute constituiacutedo por respostas que seriam adaptativas em ambiente ancestral Isso satildeo apenas exemplos de explicaccedilotildees evolucionistas possiacuteveis

As pressotildees seletivas podem assumir diferentes formas Os seres vivos encaram diversos desafios que podem acarretar danos para sua vida e de seus coespeciacuteficos Predadores contaminaccedilotildees quedas hierarquia social e outras situaccedilotildees podem diminuir a chance de sucesso reprodutivo Alguns desses riscos podem ser ao mesmo tempo extremamente danosos e improvaacuteveis de forma que podem nem mesmo ocorrer no periacuteodo de vida da maioria dos indiviacuteduos Por outro lado a capacidade de antecipar e evitar riscos mesmo que pouco provaacuteveis tem oacutebvia vantagem evolutiva Considerando que o

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TOC eacute uma patologia que envolve obsessotildees e compulsotildees muitas vezes relacionadas agrave seguranccedila do indiviacuteduo e de pessoas proacuteximas a ele pode ser produtivo examinaacute-lo enquanto funcionamento anormal de um sistema psicoloacutegico selecionado para evitar riscos futuros em potencial Tal mecanismo estaria presente nas pessoas em geral

O fenocircmeno cliacutenico das obsessotildees apresenta grande semelhanccedila com algo experimentado por grande parte da populaccedilatildeo os pensamentos intrusivos No estudo de Rachman amp De Silva (1978) aproximadamente 80 da amostra de indiviacuteduos natildeo-psiquiaacutetricos reportaram em um questionaacuterio ter experimentado pensamentos intrusivos O achado foi replicado (Salkovskis amp Harrison 1984) e teve importante impacto na aacuterea (Rassin amp Muris 2007)

Na esteira dos achados de Rachman e De Silva (1978) Muris (1997) estudou se tambeacutem alguns comportamentos ritualiacutesticos semelhantes agraves compulsotildees de pacientes com TOC estariam presentes em indiviacuteduos natildeo-psiquiaacutetricos O autor encontrou que 547 dos entrevistados relataram ter comportamentos ritualiacutesticos como checagem limpeza repetida ou ainda comportamentos de proteccedilatildeo ldquomaacutegicardquo (tocar um objeto de sorte dizer algum nuacutemero em particular ou contar nuacutemeros) Adicionalmente Freeston Ladouceur Thibodeau e Gagnon (1991) relataram que 92 dos estudantes universitaacuterios entrevistados em seu estudo disseram ter desenvolvido alguma atividade sistemaacutetica em resposta a pensamentos intrusivos experimentados Comportamentos ritualiacutesticos como os descritos nesses estudos apresentam semelhanccedilas com as compulsotildees apresentadas por indiviacuteduos com TOC

Conjuntamente essas observaccedilotildees apontam para um continuum entre a populaccedilatildeo cliacutenica e indiviacuteduos sem qualquer transtorno psiquiaacutetrico no que se refere agraves obsessotildees e compulsotildees Aleacutem disso tais observaccedilotildees se alinham agrave noccedilatildeo de que essas caracteriacutesticas foram favorecidas ao longo da evoluccedilatildeo humana

Um curioso aspecto do TOC que merece apreciaccedilatildeo a partir da perspectiva evolucionista satildeo as diferenccedilas de gecircnero Nesse sentido diferenccedilas entre homens e mulheres quanto ao conteuacutedo e forma de obsessotildees e compulsotildees podem estar relacionados com diferenccedilas quanto ao que cada sexo teria enquanto desafios para a promoccedilatildeo de aptidatildeo inclusiva (ou seja a promoccedilatildeo da

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multiplicaccedilatildeo e sobrevivecircncia de coacutepias de seus genes) Dessa forma desafios relacionados agrave formaccedilatildeo de casal e ao cuidado da cria poderiam explicar pelo menos parte das diferenccedilas sexuais A perspectiva evolucionista pode ser aplicada ainda a variaccedilotildees em um dos gecircneros por exemplo ao abordar alteraccedilotildees na intensidade das obsessotildees de contaminaccedilatildeo ao longo do ciclo menstrual de uma mulher Assim a perspectiva evolucionista eacute capaz de gerar hipoacuteteses sobre diferenccedilas de gecircnero que talvez jamais se originariam a partir apenas de investigaccedilatildeo de mecanismos proximais (Saad 2006)

O TOC eacute bastante heterogecircneo de forma que haacute diversas manifestaccedilotildees de obsessotildees e compulsotildees Assim curiosamente duas pessoas diagnosticadas com TOC podem apresentar sintomas que natildeo coincidem Em um estudo epidemioloacutegico dos sintomas obsessivo-compulsivos realizado na National Comorbidity Survey Replication foram entrevistados face a face 9282 indiviacuteduos com idade de 18 anos ou mais sendo que 22 responderam jaacute terem apresentado algum sintoma obsessivo-compulsivo em algum momento da vida e reportaram a seguinte incidecircncia checagem (793) acumulaccedilatildeo (623) ordenaccedilatildeo (57) questotildees morais (43) questotildees sexuaisreligiosas (302) contaminaccedilatildeo (257) preocupaccedilotildees com doenccedilas (143) e outros (19) com 81 dos participantes apresentando sintomas de muacuteltiplos tipos (Ruscio et al 2010)

Os Sintomas de TOC se Agrupam em Torno de Determinados temas

A Yale-Brown Obsessive Compulsive Disorder Symptom Checklist (Y-BOCS) eacute uma lista que abrange 50 tipos de obsessotildees e compulsotildees que representam a maior parte dos sintomas obsessivos-compulsivos observados clinicamente (Goodman et al 1989) Apoacutes seu desenvolvimento houve algumas tentativas de classificar empiricamente os sintomas listados A primeira tentativa ocorreu com Baer (1994) que por meio de anaacutelise fatorial identificou trecircs fatores simetriaacumulaccedilatildeo contaminaccedilatildeochecagem e obsessotildees puras A categoria de obsessotildees puras incluiu obsessotildees relacionadas agrave

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religiatildeo sexualidade eou agressividade em contextos onde suas compulsotildees natildeo fossem prontamente identificaacuteveis

Leckman amp cols (1997) fizeram outra anaacutelise das categorias listadas na Y-BOCS e descrevem um modelo de quatro fatores que envolvem agrupamentos de sintomas obsessivo-compulsivos Esses fatores constituem o que eacute conhecido como as dimensotildees de sintomas do TOC O primeiro agrupamento de sintomas indica associaccedilatildeo entre obsessotildees relacionadas a comportamentos agressivos dirigidos a si e aos outros bem como obsessotildees sexuais e morais ou religiosas Essas obsessotildees satildeo acompanhadas por compulsotildees de checagem O segundo grupo inclui obsessotildees relacionadas agrave simetria exatidatildeo repeticcedilatildeo e compulsotildees de contagem e de ordem O terceiro grupo envolve obsessotildees de contaminaccedilatildeo e compulsotildees de lavagem ou de limpeza O quarto grupo eacute composto pelas obsessotildees e compulsotildees de acumulaccedilatildeo

Se satildeo produto da seleccedilatildeo natural seraacute que esses temas das dimensotildees de sintomas correspondem a possiacuteveis ameaccedilas que poderiam ser prevenidas antecipadamente Glass (2012) faz algumas intrigantes especulaccedilotildees a respeito Em alguns casos eacute mais faacutecil aplicar esse raciociacutenio Por exemplo eacute plausiacutevel conceber que pressotildees seletivas relacionadas agrave contaminaccedilatildeo possam ter favorecido traccedilos que levam a compulsotildees de limpeza Da mesma forma a sazonalidade de determinados recursos ou seja o fato de que em determinadas eacutepocas se tornavam escassos pode ter representado uma pressatildeo para um traccedilo que no extremo leva a compulsotildees de acumulaccedilatildeo Talvez o raciociacutenio de que dimensotildees de sintomas refletem o efeito de uma pressatildeo seletiva deva ir um pouco aleacutem Nesse sentido obsessotildees relacionadas com pensamentos lsquoproibidosrsquo de conteuacutedo moral sexual ou religioso e compulsotildees de checagem que muitas vezes as acompanham talvez reflitam o funcionamento de um mecanismo que resultou de pressotildees por um ceacuterebro que escrutina relaccedilotildees causais e que antecipa possiacuteveis ameaccedilas De forma aproximadamente similar obsessotildees e compulsotildees de repeticcedilatildeo contagem ordem e simetria podem refletir pressotildees seletivas que favoreceram ceacuterebros que buscavam padrotildees regularidades etc

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Aspectos Neurobioloacutegicos do TOC

Se eacute verdade que no TOC ocorre hiper ou mau funcionamento de alguns mecanismos que em sua essecircncia satildeo adaptativos informaccedilotildees provenientes da neurobiologia e da neuropsicologia satildeo pertinentes para a compreensatildeo desses mecanismos em seu funcionamento normal e patoloacutegico Com efeito diversos circuitos e estruturas estatildeo envolvidos no TOC

Uma infinidade de estudos implicam o coacutertex orbitofrontal no TOC Essa aacuterea estaacute associada agrave funccedilatildeo de planejamento e raciociacutenio aleacutem de comportamentos socialmente aceitaacuteveis de forma que sua hipoatividade estaacute relacionada a condutas inapropriadas falhas no planejamento rigidez e inflexibilidade do aprendizado A hiperatividade do coacutertex orbitofrontal por sua vez teria a capacidade de propiciar sintomas como preocupaccedilatildeo social excessiva meticulosidade evitaccedilatildeo e haacutebitos escrupulosos caracteriacutesticas muitas vezes associadas ao TOC (Bruno Basabilbaso amp Cursack 2013) Aleacutem disso a hiperatividade dessa regiatildeo foi vinculada a alguns sintomas caracteriacutesticos do TOC como a apariccedilatildeo de sequecircncias repetitivas observaacuteveis nos rituais compulsivos a rigidez cognitiva o aumento da preocupaccedilatildeo e os sentimentos de culpa que acompanham as obsessotildees (Bruno et al 2013)

O circuito orbitofrontal-estriatal-talacircmico-orbitofrontal eacute relacionado a funccedilotildees executivas as quais satildeo responsaacuteveis por modular processos mentais de alto niacutevel sendo eles sensoriais motores cognitivos mnemocircnicos e afetivos Por meio das funccedilotildees executivas eacute possiacutevel o indiviacuteduo executar tarefas de planejamento monitorar o proacuteprio comportamento e alterar respostas frente a mudanccedilas ambientais A tomada de decisotildees vantajosas exige que essas funccedilotildees trabalhem adequadamente em articulaccedilatildeo com a memoacuteria e a atenccedilatildeo (Cavedini Gorini amp Bellodi 2006)

Os nuacutecleos da base cumprem papel chave nos sintomas de TOC pois participam de um repertoacuterio de padrotildees fixos relacionando-se com funccedilotildees especificamente adaptativas Aleacutem disso organizam-se em um sistema que integra aferecircncias sensoriais (Bruno et al 2013)

A amiacutegdala atua na expressatildeo de respostas de medo de forma que a hiperativaccedilatildeo da amiacutegdala pode causar manifestaccedilotildees

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excessivas dessa emoccedilatildeo mantendo relaccedilatildeo com os transtornos de ansiedade e com o TOC Entretanto enquanto em transtornos de ansiedade os pacientes apresentam conectividade reduzida entre amiacutegdala e coacutertex preacute-frontal pacientes com TOC possuem esta conectividade aumentada O hipocampo por sua vez participa da modulaccedilatildeo das respostas da amiacutegdala proporcionando informaccedilotildees contextuais acerca da situaccedilatildeo de medo (Diniz et al 2012)

Investigaccedilotildees neuropsicoloacutegicas indicam que pacientes com TOC podem apresentar deacuteficits cognitivos em funccedilotildees executivas especialmente quanto ao controle inibitoacuterio e agrave flexibilidade cognitiva (Diniz et al 2012) Em um teste cujo objetivo era avaliar as estrateacutegias utilizadas na tomada de decisatildeo pessoas com TOC tiveram tendecircncia por tomar decisotildees desvantajosas encorajados por possiacuteveis ganhos imediatos enquanto o grupo controle foi haacutebil em selecionar decisotildees vantajosas e evitar as desvantajosas (Cavedini et al 2006) Em comparaccedilatildeo com pacientes portadores de transtorno do pacircnico os pacientes com TOC tambeacutem apresentaram deacuteficits significativos quanto agraves funccedilotildees executivas aleacutem de deacuteficits quanto a habilidades motoras (Diniz et al 2012) Outros estudos apontam que a ativaccedilatildeo dos nuacutecleos da base estaria comprometida devido a alteraccedilotildees no fluxo sanguiacuteneo cerebral de pacientes com TOC Aleacutem disso foi reportado um decreacutescimo na resposta fronto-estriatal de pacientes com TOC durante atividades de planejamento (Cavedini et al 2006)

Como se pode ver a partir desses exemplos de aacutereas cerebrais e funccedilotildees que podem estar alteradas no TOC esse eacute um transtorno complexo resultante de diferentes tipos de disfunccedilotildees A fim de buscar explicar os principais elementos do mau funcionamento observado no TOC modelos explicativos satildeo desenvolvidos A seguir trataremos de um modelo que tem ganhado destaque

Modelos Explicativos do TOC o Sistema Motivacional de Seguranccedila

Vimos que o TOC pode ser expressatildeo de algo moldado pela seleccedilatildeo que crianccedilas e a populaccedilatildeo em geral apresentam por vezes comportamentos semelhantes a sintomas de TOC que esses sintomas podem ser vistos a partir de quatro agrupamentos principais

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(as dimensotildees de sintomas) e vimos que determinadas estruturas encefaacutelicas estatildeo diretamente relacionadas com o transtorno Agora nos direcionaremos para o sistema que teria um mau funcionamento no TOC

Se os sintomas do transtorno estatildeo relacionados com prevenccedilatildeo de alguma adversidade haacute de haver um sistema responsaacutevel pela identificaccedilatildeo desse tipo de cenaacuterio Ao executar essa tarefa o sistema poderia cometer o erro de deixar de identificar uma ameaccedila que de fato iraacute se concretizar ou o erro de identificar como perigoso algo que na verdade eacute inofensivo Dado que o prejuiacutezo no primeiro tipo de erro eacute bem maior que o desperdiacutecio de energia no segundo tipo eacute razoaacutevel que a seleccedilatildeo tenha favorecido um sistema inclinado a apresentar alarmes falsos

Existem diferentes sistemas relacionados agrave defesa e autopreservaccedilatildeo Um cuidado importante ao se descrever a relevacircncia de aspectos emocionais relacionados ao TOC eacute o de diferenciaacute-lo dos transtornos de ansiedade e do proacuteprio medo Por mais que os sintomas se entrelacem o TOC pode ser apresentado como um subproduto do medo tal como a ansiedade Pois sob o ponto de vista das teorias das emoccedilotildees o medo pode ser considerado uma emoccedilatildeo simples e discreta mesmo que seja fundamental e pode aparecer em qualquer sujeito a qualquer fase da vida Jaacute a ansiedade se trata de uma mistura de emoccedilotildees na qual o medo se torna algo predominante (Baptista Carvalho amp Lory 2005 Plutchik 2003)

A hipoacutetese de que a evoluccedilatildeo selecionou um sistema psicoloacutegico dedicado a detecccedilatildeo e prevenccedilatildeo de riscos natildeo eacute nova Abed Pauw e Karel (1999) chamaram de Sistema Involuntaacuterio Gerador de Cenaacuterios de Risco o mecanismo que produziria aprendizagem de esquiva de situaccedilotildees potencialmente danosas ou fatais a partir de cenaacuterios imaginados gerados involuntariamente Esse sistema permitiria que uma pessoa aprendesse a evitar situaccedilotildees de risco potencial sem nunca estar efetivamente na presenccedila de tal perigo De acordo com os autores a excessiva ativaccedilatildeo desse sistema seria o responsaacutevel pelas obsessotildees e compulsotildees no TOC

De forma semelhante Szechtman e Woody (2004) propuseram o sistema motivacional de seguranccedila (SMS) o qual seria dedicado agrave detecccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de perigos potenciais aleacutem da geraccedilatildeo de

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respostas a esses De acordo com essa proposta o sistema possui trecircs moacutedulos o de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais o de motivaccedilatildeo de seguranccedila e o de programaccedilatildeo relacionada a seguranccedila atividade dos quais pode culminar na execuccedilatildeo de respostas viscerais e motoras (Figura 1) Assim inicialmente pistas ambientais mesmo que extremamente sutis satildeo detectadas e avaliadas Se detectadas ameaccedilas para si ou para outros o moacutedulo de motivaccedilatildeo de seguranccedila eacute ativado Ele eacute prontamente ativado e muito lentamente desativado produzindo um sustentado estado emocional de ansiedade e alerta Esse estado emocional estimula a alccedila de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais a continuar buscando pistas ambientais que sinalizam perigo Por fim o subsistema de motivaccedilatildeo de seguranccedila ativa o de programaccedilatildeo relacionada a seguranccedila que conteacutem a programaccedilatildeo espeacutecie-especiacutefica para proteccedilatildeo do indiviacuteduo e de outros Respostas de precauccedilatildeo adequadas aos perigos potenciais satildeo apresentadas A desativaccedilatildeo do sistema ocorreria de duas formas por meio de sinais de seguranccedila produzidos pelas respostas de precauccedilatildeo ou por meio de algo equivalente a um senso de ldquoobjetivo cumpridordquo provocado pela proacutepria emissatildeo dessas respostas

Senso de ldquoobjetivo cumpridordquo

Avaliaccedilatildeo de riscos potenciais

Sinais doambiente

Motivaccedilatildeo de seguranccedila

Programaccedilatildeorelacionadaagrave seguranccedila

Respostasviscerais

e motoras

Figura 1 Visatildeo esquemaacutetica do sistema motivacional de seguranccedila Baseado em Szechtman e Woody (2004)

Para Szechtman e Woody (2004) problemas no SMS poderiam explicar tanto a sintomatologia do TOC quanto a de transtornos de ansiedade em especial a do de ansiedade generalizada Em relaccedilatildeo ao TOC os autores salientam que as compulsotildees seriam consequecircncia de uma inefetiva desativaccedilatildeo do sistema devido agrave ausecircncia do senso de ldquoobjetivo cumpridordquo acima mencionado

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Sem a desativaccedilatildeo produzida por esse sinal comportamentos de prevenccedilatildeo de possiacuteveis riscos seriam continuamente apresentados Jaacute o transtorno de ansiedade generalizada ocorreria pela excessiva ativaccedilatildeo do primeiro moacutedulo o de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais mas com efetiva desativaccedilatildeo por emissatildeo de comportamentos de proteccedilatildeo

O SMS portanto participaria da avaliaccedilatildeo e gerenciamento de risco potencial sendo uacutetil para a compreensatildeo dos sintomas do TOC os quais muitas vezes estatildeo relacionados com proteccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de risco como quando assumem a forma de pensamentos recorrentes e persistentes ou comportamentos repetitivos e rituais Com isso o TOC aparenta decorrer de disfunccedilatildeo nesse sistema Essa disfunccedilatildeo pode decorrer de problemas de iniciaccedilatildeo dos comportamentos relacionados agrave seguranccedila (haveria excitaccedilatildeo do sistema em intensidade patoloacutegica) ou de problemas de interrupccedilatildeo dos mesmos (por falha no processo normal de finalizaccedilatildeo) (Szechtman amp Woody 2004) O TOC seria assim produto da falha de um mecanismo de ldquosaciedaderdquo para comportamentos relacionados agrave prevenccedilatildeo de ameaccedilas

A esse sistema correspondem circuitos neurobioloacutegicos (Woody amp Szechtman 2011) que se baseiam em alccedilas envolvendo conexotildees coacutertico-estriado-paacutelido-taacutelamo-corticais em interaccedilatildeo com o tronco encefaacutelico Dessa forma existe a alccedila de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais que processa diversos inputs sensoriais e emocionais e por isso deve receber inputs de regiotildees corticais e liacutembicas Comporiam essa alccedila o hipocampo a amiacutegdala e o nuacutecleo leito da estria terminal Passando para a segunda a alccedila de afeto e motivaccedilatildeo de seguranccedila a qual seria composta por um circuito nuacutecleos da base-taacutelamo-cortical Esse circuito envolveria uma parte liacutembica do estriado Essa alccedila teria a capacidade de prolongar e sustentar a ativaccedilatildeo uma propriedade fundamental da motivaccedilatildeo A reverberaccedilatildeo dessa alccedila ativaria a terceira alccedila A alccedila de programaccedilatildeo relacionada agrave seguranccedila implementaria seus programas por meio de outro circuito nuacutecleos da base-taacutelamo-cortical Esse circuito envolveria uma parte motora do estriado Por fim haacute a rede de outputs do tronco Nuacutecleos do tronco encefaacutelico servem de mediadores entre programas motores relacionados agrave seguranccedila e respostas comportamentais Aleacutem disso outputs do tronco atingem a parte liacutembica do estriado bem como as

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regiotildees medial e orbital do coacutertex preacute-frontal Dessa forma o tronco teria um papel importante na produccedilatildeo de retroalimentaccedilatildeo negativa para a motivaccedilatildeo de seguranccedila o que eacute experimentado como o senso de objetivo cumprido

O funcionamento do SMS se desdobraria ainda em respostas fisioloacutegicas em termos de atividade endoacutecrina e autonocircmica Pelo fato do sistema ser ativado por ameaccedilas potenciais e estar voltado para a accedilatildeo satildeo necessaacuterios recursos energeacuteticos para o trabalho fiacutesico e que potencializem os mecanismos psicoloacutegicos de detecccedilatildeo de ameaccedilas (Woody amp Szechtman 2011)

Portanto de acordo com essa perspectiva o TOC seria uma disfunccedilatildeo do SMS a qual resultaria de uma accedilatildeo insuficiente da rede de outputs do tronco a qual eacute responsaacutevel por um mecanismo especiacutefico equivalente ao de saciedade poreacutem relacionado agrave seguranccedila O hipofuncionamento desse mecanismo faria com que natildeo ocorresse a inibiccedilatildeo normal das alccedilas de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais e de motivaccedilatildeo de seguranccedila

Implicaccedilotildees para a Compreensatildeo do Transtorno

Um conceito que pode contribuir para a reflexatildeo sobre o caraacuteter patoloacutegico do TOC eacute o de disfunccedilatildeo prejudicial (Wakefield 1992) Esse conceito estabelece dois criteacuterios para que uma alteraccedilatildeo possa verdadeiramente ser considerada um transtorno A alteraccedilatildeo deveria consistir de uma disfunccedilatildeo ou seja de um mau funcionamento de algum sistema e em acreacutescimo a isso a alteraccedilatildeo deveria tambeacutem causar algum tipo de prejuiacutezo para o indiviacuteduo ou para a sociedade Dessa forma por exemplo a tendecircncia que as pessoas tecircm por preferirem alimentos doces e gordurosos embora certamente seja prejudicial natildeo constituiria disfunccedilatildeo psicoloacutegica pois eacute uma manifestaccedilatildeo de comportamento adaptativo (ie funcional) em ambiente ancestral Assim essa tendecircncia natildeo deveria ser considerada um transtorno De forma reversa alguma alteraccedilatildeo que representasse uma alteraccedilatildeo no funcionamento (disfunccedilatildeo) mas que natildeo resultasse em prejuiacutezos tambeacutem natildeo deveria ser considerada um transtorno

Ainda que se possa conceber uma origem adaptativa para o TOC ao se aplicar a noccedilatildeo de disfunccedilatildeo prejudicial chega-se a

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conclusatildeo de que o TOC constitui verdadeiramente um transtorno pois gera sofrimento (prejuiacutezo) e consiste de um exagero ou mau funcionamento de um mecanismo que originalmente pode ter sido beneacutefico Nesse sentido pode ser uacutetil o conceito de SMS (Szechtman amp Woody 2004) abordado anteriormente o qual acionaria comportamentos que garantiriam a prevenccedilatildeo de ameaccedilas Um sistema motivacional como esse aumentaria a aptidatildeo de seu portador por tratar antecipadamente de ameaccedilas que possam vir a se materializar Natildeo obstante seu valor de sobrevivecircncia um mecanismo como esse ao apresentar um mau funcionamento poderia constituir a base para a manifestaccedilatildeo de diversos sintomas de TOC

As dimensotildees de sintomas tambeacutem podem ter implicaccedilotildees para a compreensatildeo do TOC Conforme apresentado em outra parte desse texto os sintomas de TOC formam quatro agrupamentos principais Esses agrupamentos podem ter sido selecionados de forma paralela posto que se relacionam com problemas de sobrevivecircncia especiacuteficos Essas dimensotildees de sintomas levantam inclusive a possibilidade de que estejam sendo tratados de forma unitaacuteria fenocircmenos de categorias diferentes Algo que poderaacute ser determinado por estudos futuros eacute se cada uma das dimensotildees de sintomas constituiria um transtorno a parte com bases geneacuteticas e neurobioloacutegicas distintas

Atualmente o tratamento do TOC eacute feito por meio de terapias farmacoloacutegicas e psicoloacutegicas Dentre os tratamentos mais efetivos estatildeo a farmacoterapia com inibidores seletivos de recaptaccedilatildeo de serotonina (Soomro Altman Rajagopal amp Oakley Browne 2008) e terapias cognitivas e comportamentais (Gava et al 2007) Em alguns casos recorre-se ainda a faacutermacos antipsicoacuteticos e ateacute mesmo agrave neurocirurgia (Dougherty et al 2002 Stahl 2000) O fato de que eacute difiacutecil prever qual desses eacute o tratamento mais recomendaacutevel para determinada pessoa combinado agrave heterogeneidade que o transtorno apresenta a qual eacute ilustrada pelas diferentes dimensotildees de sintomas previamente abordadas eacute algo que fortalece a suspeita de que possa haver subtipos de TOC cada um talvez com resposta diferente para cada tratamento

Isso ilustra que as implicaccedilotildees da visatildeo evolucionaacuteria sobre o TOC podem atingir o niacutevel da prevenccedilatildeo e do tratamento Com efeito em um artigo que aborda a lsquoPsicologia cliacutenica evolucionaacuteriardquo Glass

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(2012) faz uma seacuterie de apontamentos nesse terreno A seguir alguns deles satildeo brevemente apresentados

Em primeiro lugar a leitura evolucionista do transtorno aponta e dados empiacutericos suportam (Ruscio et al 2010) que caracteriacutesticas de TOC estatildeo presentes na populaccedilatildeo em geral em niacuteveis abaixo do lsquolimiarrsquo patoloacutegico Essa noccedilatildeo pode contribuir para que os profissionais de sauacutede sejam mais empaacuteticos com pessoas diagnosticadas com o transtorno

Havendo o entendimento de que os sintomas de TOC consistem de disfunccedilatildeo de mecanismos que em sua essecircncia satildeo adaptativos uma possiacutevel abordagem ao problema seria no lugar de se tentar erradicar os sintomas se buscar a sua reduccedilatildeo para niacuteveis aceitaacuteveis Programas de tratamento poderiam ser consideravelmente diferentes ao se adotar esse ponto de vista

No plano da prevenccedilatildeo na infacircncia o autor faz alguma recomendaccedilatildeo tambeacutem Essa se daacute com base na observaccedilatildeo de que as compulsotildees na infacircncia estatildeo muitas vezes relacionadas ao tema da seguranccedila como por exemplo com relaccedilatildeo agrave proximidade da figura de apego Assim a prevenccedilatildeo passaria por garantir por meio de diferentes estrateacutegias que a crianccedila natildeo se sentisse ameaccedilada de forma que sentimentos de seguranccedila pudessem se perpetuar tanto quanto possiacutevel

Consideraccedilotildees Finais

O TOC eacute um transtorno com componentes cognitivos e comportamentais que se por um lado pode envolver consideraacutevel grau de sofrimento e comprometer o funcionamento individual por outro lado aparenta ter elementos presentes de forma branda na populaccedilatildeo natildeo-cliacutenica Os sintomas de TOC se agrupam em torno de determinados temas os quais podem ter relaccedilatildeo com prevenccedilatildeo de ameaccedilas potenciais Essas observaccedilotildees combinadas agrave participaccedilatildeo do fator geneacutetico no TOC fazem da perspectiva evolucionista um prisma importante para a compreensatildeo desse transtorno Com efeito essa perspectiva tem contribuiacutedo para a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e o desenvolvimento da pesquisa desde os aspectos de caracterizaccedilatildeo do transtorno ateacute agrave sua prevenccedilatildeo e tratamento

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SECcedilAtildeO III

ASPECTOS CLIacuteNICOS E NEUROCIEcircNCIAS

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem

Clay Brites

Introduccedilatildeo

Desde o final do seacuteculo XIX surgiram vaacuterias evidecircncias de que indiviacuteduos com lesotildees cerebrais em determinadas aacutereas poderiam apresentar perda da fluecircncia da fala e na capacidade de entender a linguagem falada lida ou escrita (Shaywitz 2006) Broca (1861) e Wernicke (1874) foram os primeiros a estudar e concluir que lesotildees nas regiotildees correspondentes ldquo`a base da leiturardquo que eacute a fala e a linguagem (Figura 1) poderiam resultar em deficiecircncias motoras e de compreensatildeo ou expressatildeo de linguagem e observaram que estes pacientes - antes leitores fluentes - perdiam a capacidade de ler e de entender textos pela leitura (Shaywitz 2006) Esta associaccedilatildeo de causa e efeito adquirida foi o primeiro passo dado na neurologia para se entender como o ceacuterebro lecirc e a relaccedilatildeo entre o processamento cerebral da leitura e habilidades correlacionadas

Com o tempo as pesquisas comeccedilaram a mostrar que algumas pessoas - provenientes de algumas famiacutelias - natildeo conseguiam aprender a ler e escrever mesmo sem qualquer motivo aparente nem sinais quaisquer de comprometimento neuroloacutegico Este cenaacuterio de ldquoproblema congecircnito e geneacuteticordquo uma condiccedilatildeo inata passou a ser amplamente avaliada a fim de se buscar causas e explicaccedilotildees desde o iniacutecio do seacuteculo passado Esta condiccedilatildeo passou a ser denominada de dislexia do desenvolvimento onde a leitura por motivos ainda desconhecidos natildeo se desenvolve normalmente mesmo na ausecircncia de lesotildees cerebrais visiacuteveis Sem lesotildees ou cicatrizes a rede neuronal na dislexia natildeo apresenta bom funcionamento estando associado a problemas de conexatildeo nas aacutereas essenciais para o processamento da

Autor para correspondecircncia

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leitura (Finn et al 2014 Xu Yang Siok amp Tan 2015 Paz-Alonso et al 2018)

Loacutebulo parietalAacuterea Wernicke

Loacutebulo occipital

Loacutebulo temporal

Aacuterea Broca

Loacutebulo frontal

Figura 1 Ilustraccedilatildeo mostrando as referidas aacutereas descritas por Broca e Wernicke que lesadas levam a comprometimento da fala e da linguagem e portanto a problemas na habilidade de ler

Neste sentido a busca pela rede disfuncional levaram os pesquisadores meacutedicos e natildeo meacutedicos a um longo caminho ateacute o final dos anos 1970 quando o banco de ceacuterebros post-mortem criado pelo neurologista Drake Duane para pesquisar e comparar ceacuterebros de disleacutexicos com os de indiviacuteduos normais permitiu concluir que existia diferenccedilas nas estruturas ligadas `a linguagem no hemisfeacuterio esquerdo (Galaburda et al 1985)

Esta constataccedilatildeo deu iniacutecio a sucessivas pesquisas acerca das bases neurobioloacutegicas da dislexia desencadeando vaacuterias abordagens de investigaccedilatildeo nas mais diversas aacutereas do conhecimento meacutedico e interdisciplinar nestes pacientes estudos prospectivos e retrospectivos do desenvolvimento neuropsicomotor e da linguagem estudos cliacutenicos comparativos com grupos controle resposta evolutiva a determinados tipos especiacuteficos de intervenccedilatildeo estudos randomizados avaliaccedilotildees geneacuteticas de genes-candidatos estudos

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de interaccedilatildeo gene-ambiente resposta evolutiva a faacutermacos etc (Rotta Riesgo amp Ohlweiler 2006 Hoeft et al 2006 Hoeft et al 2011 Hosseini et al 2013 Finn et al 2014 Norton et al 2014 Ma et al 2015 Peterson amp Penningtton 2015) Dentre tantos tipos de estudos mais recentemente somado aos avanccedilos tecnoloacutegicos para visualizaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento cerebrais destacam-se os estudos que envolvem a utilizaccedilatildeo da neuroimagem

A neuroimagem eacute uma modalidade de investigaccedilatildeo meacutedica que tem a finalidade de permitir por meio de teacutecnicas radioloacutegicas mais avanccediladas uma compreensatildeo mais detalhada do processamento de informaccedilotildees nas redes neuronais durante determinadas accedilotildees sequenciais comportamentos especiacuteficos e reaccedilotildees emocionais ou cognitivas de maior ou menor resposta A magnitude e a frequecircncia das ativaccedilotildees podem revelar se houver significacircncia estatiacutestica se o cruzamento e a comparaccedilatildeo dos padrotildees de ativaccedilatildeo satildeo normais patoloacutegicos eou disfuncionais (Galaburda amp Kemper 1979) Os avanccedilos tecnoloacutegicos e neurocientiacuteficos das uacuteltimas deacutecadas aliados ao desenvolvimento cada vez maior e mais amplo do campo da neuropsiquiatria neurodesenvolvimento infantil e da neuropsicologia tem transformado a neuroimagem num instrumento fortuito e eficaz para o estudo mais estruturado e objetivo de condiccedilotildees meacutedicas que ainda natildeo apresentam marcadores bioloacutegicos especiacuteficos eou onde o distuacuterbio estudado tem caraacuteter cliacutenico dimensional e disfuncional e que assim necessitam de descriccedilotildees endofenotiacutepicas como referecircncia para um diagnoacutestico mais seguro como os transtornos neuropsiquiaacutetricos e os transtornos de aprendizagem (Eckert et al 2003)

Meacutetodos de Investigaccedilatildeo em Neuroimagem na Dislexia

Desde a introduccedilatildeo da Tomografia Computadorizada em 1971 (Kingsley 2001) as teacutecnicas de neuroimagem tem avanccedilado rapidamente passando da avaliaccedilatildeo anatocircmica macroscoacutepica para uma anaacutelise microscoacutepica e funcional Este desenvolvimento - que envolveu tecnologia estatiacutestica e biologia molecular - permitiu aprofundar os estudos de distuacuterbios funcionais ou conectivos do

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sistema nervoso central (SNC) aleacutem de condiccedilotildees patoloacutegicas do comportamento e da aprendizagem A tomografia de emissatildeo de poacutesitrons (PET) foi a primeira tecnologia desenvolvida para estudar o ceacuterebro em funcionamento (Tuchman 1999) ela envolve a mensuraccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo para regiotildees do ceacuterebro por meio do uso de um composto radioativo inoacutecuo injetado na corrente sanguiacutenea (Figura 2) Devido a dificuldades teacutecnicas e por ser invasiva aos poucos ela foi sendo suplantada pela ressonacircncia magneacutetica funcional (RMf) a qual permite que se visualize o funcionamento interno do ceacuterebro de forma completamente natildeo-invasiva (Figura 3)

Figura 2 PET (Tomografia por Emissatildeo de Proacutetons)

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Figura 3 RMf (Ressonacircncia Magneacutetica Funcional)

Figura 4 SPECT (Single Photon Emission CT)

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Figura 5 Tractografia

Atualmente a RMf eacute o meacutetodo mais utilizado para estudar o SNC em funcionamento (Shaywitz 2006) e detecta alteraccedilotildees regionais de fluxo sanguiacuteneo eou do niacutevel de oxigenaccedilatildeo do sangue sinalizando o niacutevel de atividade neuronal Ele proporciona maior resoluccedilatildeo espacial e permite maior acuraacutecia na elucidaccedilatildeo de alteraccedilotildees dinacircmicas e de redes conectivas do SNC onde a base neurobioloacutegica ainda eacute incerta A imagem resultante auxilia muito no cruzamento de dados com testes neuropsicoloacutegicos tratamentos farmacoloacutegicos e intervenccedilotildees comportamentais assim como tem tambeacutem sido utilizado em cruzamento com testes geneacuteticos nos distuacuterbios do desenvolvimento ou nos ldquofenoacutetipos cognitivosrdquo (Seyffert amp Silva 2005)

Aleacutem dos meacutetodos anteriores haacute tambeacutem a tractografia (Figura 4) o qual eacute oriundo da tecnologia da ressonacircncia magneacutetica onde o princiacutepio se baseia em detectar a movimentaccedilatildeo das moleacuteculas de aacutegua intracelulares dos tecidos da substacircncia branca cerebral Como estas moleacuteculas se deslocam mais raacutepido no sentido das fibras neuronais do que lateralmente a estas fibras eacute possiacutevel que a imagem impressa evidencie as vias neuronais e suas conexotildees e estas aparecem em 3D com seus prolongamentos (Ribas amp Teixeira 2011) Esta portanto tem o intuito de analisar a integridade das redes e possiacuteveis anormalidades estruturais das vias anatocircmicas envolvidas nas mais diversas funccedilotildees cerebrais siacutendromes conectivas ou geneacuteticas como a Dislexia (Hosseini et al 2013)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 265

Enfim haacute tambeacutem o SPECT (em inglecircs ldquoSingle Photon Emission Computer Tomographyrdquo na Figura 5) o qual consiste na injeccedilatildeo endovenosa de radiofaacutermacos lipossoluacuteveis os quais atravessam a barreira hemato-encefaacutelica e se concentram dentro das ceacutelulas cerebrais (Tuchman 1999) Sua concentraccedilatildeo local aumenta com a intensidade do metabolismo cerebral que significa proporcionalmente maior atividade ou vice-versa

Os recursos de neuroimagem ainda natildeo podem ser utilizados como meio de confirmaccedilatildeo diagnoacutestica mas satildeo ferramentas fundamentais para pesquisa cientiacutefica cujo papel eacute auxiliar na localizaccedilatildeo da anormalidade funcional quando se compara imagens de indiviacuteduos afetados com indiviacuteduos normais ou em estado distinto de desenvolvimento Permitem observar modificaccedilotildees amplificaccedilotildees ou reduccedilotildees de aacutereas funcionais e vias neuronais em vaacuterias situaccedilotildees como 1) descriccedilatildeo de um processo relacionado ao desenvolvimento cerebral 2) indicar uma lesatildeo congecircnita ou adquirida (aguda ou crocircnica) 3) recurso para avaliarexplicar mecanismos de accedilatildeo de medicaccedilotildees psicofarmacoloacutegicas 4) auxiliar na observaccedilatildeo evolutiva de teacutecnicas de reabilitaccedilatildeo apoacutes o indiviacuteduo ser submetido a um longo processo de intervenccedilatildeo nos transtornos neuropsiquiaacutetricos ou de remediaccedilatildeo nos transtornos de desenvolvimento

Na Dislexia a neuroimagem tem tido um papel cada vez mais proeminente e decisivo na pesquisa cientiacutefica pois desponta como meacutetodo objetivo e comparativo de identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo das heterogecircneas disfunccedilotildees cerebrais que fazem parte de sua fisiopatologia e como recurso para testar a eficaacutecia de meacutetodos de intervenccedilatildeo psicoeducacionais metacognitivas e de remediaccedilatildeo fonoloacutegica Os tipos de neuroimagem mais utilizados para este fim satildeo os de perfil de anaacutelise funcional os quais foram descritos sumariamente acima

Pesquisas em Dislexia e Neuroimagem

A Dislexia sob o ponto de vista etioloacutegico desenvolvimental e neuropsicoloacutegico eacute considerada uma disfunccedilatildeo do SNC com comprometimento nas conexotildees e vias neuronais responsaacuteveis pelo desenvolvimento da habilidade de leitura as quais agem em

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dupla-via simultaneamente e sincronizada uma eacute de nomeaccedilatildeo raacutepida (visuoespacial) a outra de habilidade fonoloacutegica (auditivo-linguiacutestica) (Hosseini et al 2013 Paz-Alonso et al 2018) Deve-se excluir os transtornos do espectro autista (TEA) deficiecircncia intelectual deacuteficits sensoriais (visual e auditivo) eou condiccedilotildees supostamente inadequadas de alfabetizaccedilatildeo e de processos insuficientes de ensino-aprendizagem da leitura eou acrescido de problemas psicossociais segundo o DSM-V (2013) Diante deste panorama e de diversas condiccedilotildees que podem se sobrepor no contexto escolar e cliacutenico eacute relevante considerar no meio cientiacutefico a dificuldade que se tem quanto ao diagnoacutestico da mesma pois acresce-se ainda que a Dislexia natildeo tem um marcador bioloacutegico (Peterson amp Penningtton 2015)

Na literatura nacional e internacional nota-se que a Dislexia eacute acompanhada por alteraccedilotildees em funccedilotildees cognitivas como na organizaccedilatildeo percepto-motora processamento visual e auditivo e no complexo sistema fonoloacutegico da informaccedilatildeo (tanto linguiacutestico como executivo) indicando disfunccedilotildees na regiatildeo associativa tecircmporo-parieto-occipital Simos et al 2005 Maisog Einbinder Flowers Turkeltalb amp Eden 2008 Hosseini et al 2013 Norton et al 2014 Ma et al 2015 Xu et al 2015 Paz-Alonso et al 2018) caracterizando maior comprometimento em acesso ao leacutexico mental e levando assim a uma significativa dificuldade em produzir e aprender por meio dos processos que envolvem leitura

Em seu trabalho pioneiro Galaburda e cols (1979 e 1985) descreveram anormalidades em regiotildees perisylvianas e taacutelamo e a ausecircncia da assimetria direita-esquerda do plano temporal (Figura 6) ao examinar um pequeno nuacutemero de ceacuterebros post-mortem de pacientes disleacutexicos (Xu et al 2015) Desde entatildeo vaacuterios estudos com tomografia computadorizada e ressonacircncia magneacutetica cerebrais surgiram no sentido de pesquisar as correlaccedilotildees neuroanatocircmicas (Galaburda amp Kempe 1979) A despeito das inconsistecircncias trecircs regiotildees foram descritas como anormais e associadas ao distuacuterbio (Eckert et al 2003) o giro frontal inferior o giro temporal superior giro frontotemporal esquerdo (Hoeft 2011) o coacutertex temporo-parietal (Eckert et al 2003 Dufor Serniclaes Sprenger-Charolles amp Deacutemonet 2007) e o cerebelo (Eckert et al 2003) Mais tarde Rumsey et al (1997) acharam por estudos de imagem neurofuncional o envolvimento de regiotildees temporais e temporoparietais na dislexia (Carter et al 2009)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 267

A

Sulco lateral

Planum temporaleB

Figura 6 Ilustraccedilatildeo mostra a sequecircncia de cortes realizados no ceacuterebro mostrando os hemisfeacuterios e depois novo corte expondo os planos temporais direito e esquerdo (B) Este esquema reproduz a pesquisa de Galaburda e cols Aqui observa-se a assimetria normal

Assim desde entatildeo progressivamente os meacutetodos de neuroima-gem estrutural microestrutual e de novas teacutecnicas comparativas tem sido combinados para proporcionar uma anaacutelise simultacircnea tanto da estrutura quanto da funccedilatildeo de forma a ampliar a identificaccedilatildeo de regiotildees cerebrais anatomicamente intactas (Frederickson Goodwin Savage Smith amp Tuersley 2005) A anaacutelise por estes meacutetodos permitem que se avalie a estrutura cerebral observando quais aacutereas cerebrais se ativam ou natildeo durante uma determinada tarefa Durante a tarefa de leitura por exemplo eacute possiacutevel ativar as regiotildees cerebrais esperadas para esta atividade simultaneamente ou em sequecircncia (Norton et al 2014) Num ceacuterebro normal eacute exatamente isto que se

268 | Temas em Neurociecircncias

espera mas no ceacuterebro de um disleacutexico estas ativaccedilotildees podem natildeo acontecer ou o recrutamento das vias neuronais pode ser diferente (Figura 7) (Xu et al 2015)

Leitor habitual

Leitor dislexo

Maacutexima

Moderada

Miacutenima

Nenhuma

Figura 7 Nesta ilustraccedilatildeo observa-se a diferenccedila de ativaccedilatildeo de regiotildees cerebrais durante a atividade de leitura entre um leitor normal (acima) e um leitor disleacutexico (abaixo) Ela reproduz esquematicamente um exame de imagem funcional (Rotta 2006)

Quando se avalia indiviacuteduos com dislexia em exames funcionais como a RMf ou o PET estas diferenccedilas ocorrem nitidamente Nestes pacientes as regiotildees temporo-occiptais e temporo-parietais natildeo se ativam durante a leitura e observa-se uma maior ativaccedilatildeo frontal compensatoacuteria quando comparados com indiviacuteduos

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 269

normais (Norton et al 2014 Stern amp Shalev 2013) (Figura 8) Outras investigaccedilotildees mostraram diferenccedilas comparado aos controles no cerebelo (Vaughn et al 2006) e estudos com SPECT tem mostrado que crianccedilas com distuacuterbios de decodificaccedilatildeo tem menor ativaccedilatildeo da regiatildeo perisilviana (Lou Henriksen amp Bruhn 1990)

Desta forma estudos mais pormenorizados na dislexia (Wang Yang Ying Chen Liu amp Luo 2013 McCarthy Skokauskas amp Frodl 2013) trazem novos conhecimentos a respeito da natureza e localizaccedilatildeo de anormalidades estruturais como observado pelo menor volume de substacircncia cinzenta no giro fusiforme bilateral em indiviacuteduos com dislexia em liacutenguas alfabeacuteticas e funcionais contribuindo para a compreensatildeo da neuropatologia de alteraccedilotildees neuropsicoloacutegicas e possiacuteveis formas de intervenccedilatildeo nestes quadros (Galaburda amp Kempe 1979 Eckert et al 2003 Ma et al 2015)

Estudos nacionais (Heim amp Keil 2004 Arduini Capellini amp Ciasca 2006) e internacionais (Cao Bitan amp Booth 2008 Gabrieli 2009) utilizam diversos paradigmas relacionando as alteraccedilotildees neuropsicoloacutegicas e diferentes anaacutelises por imagem como por exemplo o processamento auditivo e SPECT onde haacute diferenccedilas significativas quanto ao funcionamento na regiatildeo temporal esquerda entre indiviacuteduos com dislexia e controles (Frederickson Goodwin Savage Smith amp Tuersley 2005) hipoperfusatildeo de lobo temporal e alteraccedilotildees em leitura escrita e memoacuteria (Arduini Capellini amp Ciasca 2006) bem como diminuiccedilatildeo na conexatildeo entre o giro fusiforme esquerdo e o lobo parietal inferior sendo este uacuteltimo relacionado a integraccedilatildeo da ortografia e fonologia (Cao Bitan amp Booth 2008) No entanto o funcionamento de aacutereas cerebrais na dislexia tambeacutem deve ser relacionado agrave liacutengua na qual o indiviacuteduo foi exposto jaacute que haacute diferenccedilas no funcionamento de aacutereas relacionadas agrave estrutura alfabeacutetica ou logograacutefica (Siok Niu Jin Perfetti amp Tan 2008 Xu et al 2015)

As atividades cognitivas realizadas com diferentes tipos de exames de neuroimagem evidenciam as aacutereas relacionadas no coacutertex cerebral nos pacientes com dislexia como em tarefas de discriminaccedilatildeo de fonemas onde eacute possiacutevel observar menor ativaccedilatildeo de regiotildees frontal e parietal quando comparados a controles leitura de palavras e textos nomeaccedilatildeo automaacutetica raacutepida e rima em exames de ressonacircncia magneacutetica funcional PET e tensatildeo de difusor (Sauer Pereira Ciasca Pestun amp Guerreiro 2006 Schulz et al 2008 Desroches Cone Bolger

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Bitan Burman amp Booth JR 2010 Dimitriadis et al 2013 Norton et al 2014 Xu et al 2015 7 Paz-Alonso et al 2018)

Num amplo de estudo de metanaacutelise realizado por Maisog et al (2008) por meio de meacutetodo de probabilidade estimada de ativaccedilatildeo (ou ldquoactivation likelihood estimaterdquo (ALE) foram reunidas as principais regiotildees hiperativadas e hipoativadas quando comparados leitores normais com disleacutexicos ao se analisarem 15 publicaccedilotildees Aleacutem das teacutecnicas jaacute citadas neste trabalho foram tambeacutem verificados os dados em magnetoencefalografia e potencial evocado (ldquoevent-related potencialsrdquo) meacutetodos tambeacutem empregados na avaliaccedilatildeo qualitativa de disleacutexicos Os resultados mostraram que o coacutertex do hemisfeacuterio esquerdo eacute a aacuterea predominantemente afetada nos disleacutexicos especialmente o giro fusiforme coacutertex poacutes-central e giro temporal superior ipsilaterais Surpreendentemente nem o cerebelo nem o coacutertex frontal esquerdo tiveram alteraccedilotildees comparativas significativas (Dufor et al 2007 Maisog et al 2008)

Outro foco de estudos de neuroimagem situa-se na orientaccedilatildeo da terapecircutica e na observaccedilatildeo de seus efeitos (ver Figura 8) Nesta perspectiva em casos de dislexia meacutetodos de neuroimagem permitem analisar os resultados de intervenccedilotildees cognitivas baseadas na velocidade do processamento de estiacutemulos linguiacutesticos resultados estes que se revelaram em termos de mudanccedilas dinacircmicas do padratildeo de ativaccedilatildeo em regiotildees criacuteticas para a linguagem expressiva (Simos et al 2002 Gabrieli et al 2009)

(A) Crianccedilasnormais

(B) Crianccedilasdisleacutexicas (preacute)

(C) Crianccedilasdisleacutexicas (poacutes)

Figura 8 Ilustra a diferenccedila entre padrotildees de ativaccedilatildeo cerebral entre crianccedilas normais (A) e disleacutexicas antes da intervenccedilatildeo (B) e depois da intervenccedilatildeo (C) Observe a hipoativaccedilatildeo posterior em (B) comparado aos normais (A) e o aumento da ativaccedilatildeo frontal e parieto-occiptal apoacutes intervenccedilatildeo em (C)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 271

Ainda no que se refere ao processo de intervenccedilatildeo na leitura estudos apontam que o uso de identificaccedilatildeo de fonemas por meio da representaccedilatildeo fonoloacutegica em sujeitos com dislexia pode se mostrar eficaz no periacuteodo de oito semanas de atividades diretivas evidenciando a eficaacutecia atraveacutes da preacute e poacutes-testagem sob diferentes aspectos da linguagem e plasticidade cerebral (Galaburda amp Kemper 1979 Krafnick Flowers Napoliello Eden amp Gray 2011) bem como estudos de respostas agrave intervenccedilatildeo (RTI) que proporcionam em um periacuteodo especiacutefico as camadas a serem adquiridas no desenvolvimento da habilidade fonoloacutegica proporcionando a qualidade no diagnoacutestico e principalmente na intervenccedilatildeo (Rumsey Horwitz Donohue Nace Maisog amp Anderson 1997a Galaburda amp Kemper 1979 Koeda Seki Uchiyama amp Sadato 2011) Outros estudos mostraram que pode haver um atraso na maturaccedilatildeo de aacutereas essenciais para o advento e consolidaccedilatildeo da aquisiccedilatildeo da leitura nos indiviacuteduos com histoacuteria familiar de Dislexia nas fases de preacute-alfabetizaccedilatildeo e leitura inicial (Hoeft et al 2006 Hoeft et al 2011)

Enfim as pesquisas em neuroimagem tem proporcionado um melhor entendimento da Dislexia e sua utilizaccedilatildeo tem direcionado o aparecimento de cada vez mais evidecircncias de sua patogenia dimensatildeo de sua influecircncia no desenvolvimento da aprendizagem da leitura na prevenccedilatildeo e na remediaccedilatildeo e na abordagem terapecircutica multidisciplinar A perspectiva em longo prazo eacute extremamente otimista jaacute que a tecnologia empregada a objetividade dos meacutetodos e os recursos estatiacutesticos estatildeo cada vez mais sofisticados e afinados

Este contexto estaacute permitindo que os especialistas na aacuterea tenham a oportunidade real junto aos professores alfabetizadores e gestores puacuteblicos de decidir sob diretrizes mais seguras e estruturadas para o manejo de uma condiccedilatildeo crocircnica de alta morbidade e que leva a impacto significativo na evoluccedilatildeo acadecircmica e na carreira profissional de quem a apresenta

272 | Temas em Neurociecircncias

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Siacutendrome de Burnout

Denise Albieri Jodas SalvagioniInstituto Federal do Paranaacute

Selma Maffei de AndradeUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Nesse capiacutetulo vamos discutir a siacutendrome de burnout alguns aspectos histoacuterico-conceituais fatores relacionados e medidas preventivas

Ao final da leitura espera-se que o leitorbull Compreenda o conceito de burnout

bull Reflita sobre os principais modelos teoacuterico-explicativos de burnout

bull Discuta fatores individuais e ocupacionais associados agrave siacutendrome

bull Conheccedila as principais medidas preventivas relacionadas ao burnout

Desenvolvimento

Aspectos Histoacuterico-Conceituais e Instrumentos Avaliativos da Siacutendrome de Burnout

A siacutendrome de burnout eacute um distuacuterbio psiacutequico provocado por estressores crocircnicos do trabalho que leva as pessoas a se sentirem tensas exaustas e frustradas (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008) De acordo com Schaufeli e Buunk (1996) o trabalhador em burnout pode manifestar humor depressivo desesperanccedila ansiedade impotecircncia baixa autoestima irritabilidade hostilidade dificuldade de concentraccedilatildeo perda de memoacuteria presenccedila de tiques nervosos e agitaccedilatildeo

Autor para correspondecircncia

denisesalvagioniifpredubr

11

276 | Temas em Neurociecircncias

Apesar de apresentarem sintomas semelhantes burnout natildeo pode ser confundido com estresse O burnout ocorre de uma experiecircncia constante ou prolongada de estresse com origem no trabalho que gera atitudes negativas do indiviacuteduo apenas no ambiente laboral (Maslach amp Jackson 1981) Por sua vez o estresse natildeo envolve tais atitudes e condutas caracterizando-se como uma reaccedilatildeo do organismo diante de situaccedilotildees que exigem esforccedilo emocional que provoca esgotamento pessoal e gera atitudes negativas do indiviacuteduo em qualquer ambiente (Schaufeli 1999)

No conceito psicossocial atualmente o mais aceito por estudiosos burnout se caracteriza por trecircs dimensotildees sintomatoloacutegicas a) a exaustatildeo emocional b) a despersonalizaccedilatildeo ou cinismo e c) a reduzida realizaccedilatildeo profissional ou falta de envolvimento no trabalho ou ineficaacutecia profissional (Schaufeli Leiter amp Maslach 2009 Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A exaustatildeo emocional representa o esgotamento fiacutesico e psicoloacutegico do trabalhador captura a experiecircncia do estresse laboral e tambeacutem pode ser descrita como desgaste perda de energia debilitaccedilatildeo ou fadiga O trabalhador em despersonalizaccedilatildeo apresenta-se insensiacutevel e emocionalmente duro com outras pessoas em seu trabalho Indiviacuteduos com sensaccedilatildeo reduzida de realizaccedilatildeo profissional apresentam discursos de incompetecircncia baixa produtividade e fracasso profissional demonstrando prejuiacutezos na relaccedilatildeo afeto-trabalho ndash Figura 1 (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008 Maslach amp Leiter 2016)

EXAUSTAtildeO EMOCIONAL

fadiga desgaste

Estresse laboral

insensibilidade cinismo

Problemas nos relacionamentos

interpessoaisno trabalho

BAIXA REALIZACcedilAtildeOPROFISSIONAL

sentimento deincompetecircncia

Relaccedilatildeo afeto-trabalhoprejudicada

DESPERSONALIZACcedilAtildeO

Figura 1 Dimensotildees da siacutendrome de burnout Fonte Maslach Leiter amp Schaufeli 2008 Maslach amp Leiter 2016

Siacutendrome de burnout | 277

Estudiosos atribuem ao psiquiatra Herbert Freudenberger o termo ldquostaff burnoutrdquo utilizado na deacutecada de 1970 em uma perspectiva cliacutenica para definir um fenocircmeno negativo que acometia trabalhadores voluntaacuterios de uma cliacutenica para dependentes de substacircncias quiacutemicas Apoacutes um tempo esses trabalhadores natildeo se sentiam mais motivados e comprometidos com a atividade inicialmente adotada por livre escolha Este estado de desgaste gradativo do trabalhador com perda de energia e forccedila de trabalho foi denominado por ele como burnout1 (Ahola 2007 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Nessa eacutepoca a psicologia cliacutenica estudava os aspectos individuais dos trabalhadores natildeo levando em consideraccedilatildeo o contexto ocupacionalorganizacional

Poucos anos depois em 1976 a psicoacuteloga social Christina Maslach realizou um estudo exploratoacuterio sobre estresse emocional no trabalho com meacutedicos e enfermeiros (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) Identificou nos discursos dos sujeitos que aqueles profissionais que tinham contato direto e frequente com pacientes eram mais propensos a desenvolver a siacutendrome Aleacutem disso a autora percebeu que o fenocircmeno burnout tinha algumas caracteriacutesticas repetitivas a exaustatildeo emocional e o cinismo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

No contexto estudado por Maslach a exaustatildeo emocional foi uma resposta comum agraves experiecircncias negativas no relacionamento com pacientes familiares colegas de trabalho ou superiores assim como lidar com a morte (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A despersonalizaccedilatildeo ou cinismo emergiu das falas em que o trabalhador explicava como lidava com os problemas no trabalho Ao longo do tempo o trabalhador se distanciava emocionalmente de outras pessoas como maneira de se proteger das tensotildees emocionais do trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001 Schaufeli Maslach amp Marek 1993)

Com o intuito de validar essas ideias um novo estudo exploratoacuterio e qualitativo foi realizado com guardas prisionais professores enfermeiros e advogados (trabalhadores de diversos segmentos) Apesar das diferenccedilas ocupacionais as falas apresentaram aspectos semelhantes A exaustatildeo emocional apareceu em situaccedilotildees de sobrecarga de trabalho e a despersonalizaccedilatildeo foi relatada como forma

1 O termo ldquoburnoutrdquo origina-se da liacutengua inglesa e metaforicamente traduz uma situaccedilatildeo de ldquoqueima completardquo ldquoexplosatildeordquo ldquoesgotamentordquo do trabalhador

278 | Temas em Neurociecircncias

de autoproteccedilatildeo emocional (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) Maslach e colaboradores demonstraram com seus estudos que aleacutem dos aspectos individuais o contexto de trabalho tem importante influecircncia no desenvolvimento do burnout (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 diversos instrumentos foram desenvolvidos a fim de realizar pesquisas com teacutecnicas padronizadas e atingir um maior nuacutemero de indiviacuteduos (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) O Maslach Burnout Inventory (MBI) foi a primeira escala a ser desenvolvida e eacute considerada como padratildeo-ouro nas pesquisas que envolvem burnout (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008) Atualmente o MBI eacute de propriedade da Mind Gardenreg sendo necessaacuterio comprar a licenccedila para aplicaccedilatildeo de cada questionaacuterio

A linha do tempo do burnout pode ser acompanhada no Quadro 1 em que se descreve a fase pioneira nas deacutecadas de 1950 a 1970 e a fase empiacuterica nas deacutecadas de 1980 e 1990

Quadro 1 Linha do tempo do burnout

1953 ndash Publicaccedilatildeo do primeiro estudo de caso descrevendo sintomas que se assemelhavam com burnout

1969 ndash Brandley utilizou o termo ldquofenocircmeno psicoloacutegicordquo para descrever um problema com trabalhadores

1970 ndash Primeiro uso do termo ldquostaff burnoutrdquo pelo psiquiatra H Freudenberger

1976 ndash Iniacutecio dos estudos qualitativos de C Maslach Surgem a exaustatildeo emocional e despersonalizaccedilatildeo como principais dimensotildees de burnout

Deacutecada de 1980 ndash Desenvolvimento do Maslach Burnout Inventory (MBI) instrumento quantitativo com inclusatildeo da categoria sobre realizaccedilatildeo profissional entre as dimensotildees de burnout

Deacutecada de 1990 ndash Propostas teoacuterico-explicativas sobre burnout

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A partir da deacutecada de 1990 em consonacircncia com o crescimento de pesquisas quantitativas sobre o tema foram propostos alguns modelos teoacuterico-explicativos do processo de burnout

Modelo Trabalho Demanda-Controle

O Modelo Trabalho Demanda-Controle (Job Demand-control Model) foi proposto por Robert Karasek e Toumlres Theorell para avaliar as relaccedilotildees sociais do ambiente de trabalho e fontes geradoras de estresse (Karasek amp Theorell 1990) Baseia-se em dois aspectos demanda e controle As demandas satildeo pressotildees de natureza psicoloacutegica referente a tempo disponiacutevel e velocidade para realizaccedilatildeo do trabalho O controle eacute a possibilidade de o trabalhador utilizar suas habilidades intelectuais e autoridade na tomada de decisatildeo sobre o processo de trabalho (Karasek amp Theorell 1990) Bakker e Demeroutti (2007) sugerem que as demandas psicoloacutegicas do trabalho podem ser toleradas se o controle sobre o processo de trabalho se mantiver alto No entanto indiviacuteduos expostos a altas demandas com baixo controle de trabalho em um contexto de insuficiecircncia de recursos pessoais e organizacionais podem estar mais vulneraacuteveis ao desenvolvimento de burnout

Teoria de Conservaccedilatildeo de Recursos

A Teoria de Conservaccedilatildeo de Recursos (Conservation of Resources Theory) tem como base a motivaccedilatildeo humana De acordo com essa teoria os indiviacuteduos se esforccedilam para manter ou obter coisas que eles valorizam os chamados recursos (por exemplo seguranccedila no trabalho dinheiro apoio social suporte sucesso na carreira) (Hobfoll amp Freedy 1993) O estresse ocorre quando os recursos satildeo ameaccedilados ou perdidos A perda de recursos eacute mais estressante que a falta de ganhos Aplicado ao burnout a teoria defende que a sobrecarga de trabalho ameaccedila os recursos individuais causa estresse e eventualmente leva a exaustatildeo emocional e fiacutesica (Hobfoll amp Freedy 1993) Essa teoria deu origem ao instrumento Shirom-Melamed Burnout Measure (SMBM) composto de 14 itens distribuiacutedos em trecircs dimensotildees sendo exaustatildeo emocional (trecircs itens) fadiga fiacutesica (seis itens) e cansaccedilo cognitivo (cinco itens) em que o trabalhador assinala

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a frequecircncia de seus sentimentos por meio de uma escala likert (Shirom amp Melamed 2006)

Modelo do Processo de Burnout

O Modelo do Processo de burnout defende que a siacutendrome inicia-se com a exaustatildeo emocional desencadeada pela sobrecarga de trabalho e pelos conflitos interpessoais ao passo que os recursos estatildeo mais associados agrave despersonalizaccedilatildeo e agrave realizaccedilatildeo profissional (Leiter 1993) Autores admitem relaccedilatildeo sequencial entre exaustatildeo e despersonalizaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) ou seja inicialmente o trabalhador se sente exausto emocionalmente e posteriormente instala-se o processo de despersonalizaccedilatildeo No entanto a reduzida realizaccedilatildeo profissional eacute uma dimensatildeo paralela influenciada pela falta de recursos pessoais eou organizacionais que interferem no comprometimento com o trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) O MBI foi desenvolvido com base neste modelo teoacuterico-explicativo por Maslach e colaboradores

Em sua primeira versatildeo a escala contava com 47 itens Apoacutes anaacutelises fatoriais o MBI foi reduzido para 22 itens distribuiacutedos nas trecircs dimensotildees do burnout exaustatildeo emocional despersonalizaccedilatildeo e reduzida realizaccedilatildeo profissional (Leiter 1993 Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A consistecircncia interna da escala foi satisfatoacuteria com coeficientes de Cronbach de 090 para exaustatildeo emocional 079 para despersonalizaccedilatildeo e 071 para realizaccedilatildeo profissional (Maslach amp Jackson 1981)

No MBI o entrevistado tambeacutem declara a frequecircncia de seus sentimentos e atitudes por meio de uma escala likert Satildeo nove itens correspondentes agrave exaustatildeo emocional cinco itens relacionados agrave despersonalizaccedilatildeo e oito itens que questionam sentimentos de competecircncia e realizaccedilatildeo profissional do indiviacuteduo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Assim os itens das duas primeiras dimensotildees possuem afirmaccedilotildees negativas em que maiores escores traduzem piores situaccedilotildees enquanto que na realizaccedilatildeo profissional os itens possuem afirmaccedilotildees positivas ou seja quanto menor o escore pior a situaccedilatildeo (escore inverso) (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008)

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Autores afirmam que altos escores de exaustatildeo emocional ou despersonalizaccedilatildeo correspondem ao risco aumentado de experimentar burnout pois essas duas dimensotildees se correlacionam moderadamente (Maslach amp Jackson 1981) Posteriores estudos longitudinais tambeacutem mostraram evidecircncias de que exaustatildeo emocional e despersonalizaccedilatildeo possuem forte relaccedilatildeo entre si sendo partes importantes na explicaccedilatildeo do constructo de Maslach (Schaufeli amp Taris 2005 Taris Le Blanc Schaufeli amp Schreurs 2005)

De acordo com os propositores do MBI os escores de burnout devem ser calculados em cada dimensatildeo e natildeo combinados em escore total (unidimensional) possibilitando em estudos epidemioloacutegicos a classificaccedilatildeo do trabalhador em cada dimensatildeo de burnout quanto ao niacutevel baixo meacutedio ou alto a partir do ponto de corte matemaacutetico estabelecido pelo pesquisador (Maslach Jackson amp Leiter 1997 Maslach amp Jackson 1986)

Modelo Trabalho-Demanda-Recurso

O Modelo Trabalho-Demanda-Recurso (Job Demands-Resources model) enfatiza que o burnout surge quando os indiviacuteduos estatildeo expostos a altas demandas de trabalho e inadequados recursos organizacionais O pressuposto dessa teoria eacute que cada ocupaccedilatildeo tem fatores de risco proacuteprios associados ao estresse no trabalho ou seja demandas e recursos especiacuteficos (Bakker amp Demeroutti 2007) A definiccedilatildeo de demandas de trabalho eacute a mesma do Modelo Trabalho Demanda-Controle (Karasek amp Theorell 1990) Os recursos correspondem aos aspectos fiacutesicos psicoloacutegicos sociais ou organizacionais do trabalho (metas de trabalho atingiacuteveis demanda de trabalho que natildeo gere prejuiacutezos psicoloacutegicos e fisioloacutegicos estiacutemulo ao crescimento pessoal e profissional) (Bakker amp Demeroutti 2007) A escala Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) foi desenvolvida com base nesse fundamento teoacuterico e compotildee-se de 16 itens com duas dimensotildees exaustatildeo que corresponde ao esgotamento fiacutesico e sobrecarga de trabalho (8 itens) e cinismo que avalia comportamentos e atitudes no ambiente laboral (8 itens) (Demerouti amp Bakker 2008)

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Fatores Individuais Ocupacionais e Organizacionais Relacionados ao Burnout

Apesar de burnout ser uma experiecircncia particular nota-se que eacute um fenocircmeno complexo multidimensional resultante da interaccedilatildeo entre aspectos individuais e do ambiente de trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Muitas caracteriacutesticas individuais abordadas nesse capiacutetulo podem se confundir com caracteriacutesticas ocupacionais como por exemplo a predominacircncia de determinado sexo em um tipo de ocupaccedilatildeo

Os fatores individuais satildeo entendidos como facilitadores ou inibidores da accedilatildeo de agentes estressores natildeo podendo atribuir apenas a eles o surgimento de burnout (Pereira 2002) No entanto fatores ocupacionais e organizacionais tais como ocupaccedilatildeo carga de trabalho controle do processo de trabalho apoio social conflito de papeacuteis conflito com valores pessoais remuneraccedilatildeo e clima organizacional foram amplamente estudados e apresentam evidecircncias mais consistentes na literatura no que diz respeito agrave sua relaccedilatildeo com burnout Alguns desses fatores satildeo apresentados a seguir

Idade

Observa-se em estudos desenvolvidos por Maslach Schaufeli amp Leiter (2001) uma maior incidecircncia de burnout em profissionais jovens principalmente entre os menores de 30 anos A idade e os anos de experiecircncia de trabalho parecem ser convergentes Nos primeiros anos de trabalho as pessoas apresentam maior inseguranccedila e pouca experiecircncia na profissatildeo fazendo com que elas tenham maior dificuldade de enfrentar os problemas podendo ateacute abandonar a profissatildeo (Cherniss 1980 Maslach amp Jackson 1981)

Sexo

Na deacutecada de 1980 acreditava-se que a mulher era mais propensa ao burnout do que o homem pelo fato de elas mais frequentemente se envolverem com os problemas de seus pacientesclientes trabalharem com maior frequecircncia em ocupaccedilotildees que demandam contato intenso com outras pessoas (por exemplo

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enfermagem e docecircncia) e ainda administrarem as necessidades de sua famiacutelia (Maslach amp Jackson 1985) Embora os argumentos pareccedilam plausiacuteveis natildeo haacute consenso sobre essa relaccedilatildeo De modo geral mulheres tecircm apresentado maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional (Innstrand Langballe Falkum amp Aasland 2011 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001 Pu et al 2017) enquanto homens de despersonalizaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) A dupla jornada de atividades (trabalho e lar) predominante entre mulheres pode justificar maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional O fato de os homens por questotildees culturais expressarem menos frequentemente os sentimentos de raiva hostilidade e indignaccedilatildeo pode explicar maiores niacuteveis de despersonalizaccedilatildeo (Pereira 2002) A predominacircncia de um determinado sexo nas diferentes ocupaccedilotildees pode ter papel confundidor nessa relaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Niacutevel Educacional

Normalmente as pessoas com maior niacutevel educacional possuem maiores responsabilidades que combinadas aos altos niacuteveis de estresse podem desencadear burnout Em adiccedilatildeo tais profissionais podem se frustrar ao construir expectativas laborais que natildeo se tornam realidade (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Eacute importante salientar que a relaccedilatildeo entre niacutevel educacional e burnout natildeo eacute consistente na literatura e pode ser confundida com a posiccedilatildeo que o trabalhador ocupa na instituiccedilatildeo (Maslach amp Jackson 1981)

Situaccedilatildeo Conjugal

Geralmente aqueles que tem um companheiro estaacutevel parecem ser menos propensos ao burnout (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Os solteiros parecem experimentar niacuteveis maiores de burnout do que os divorciados (Maslach 2009) A relaccedilatildeo entre situaccedilatildeo conjugal e burnout no entanto ainda natildeo eacute comprovada por estudiosos (Lindblom Linton Fedeli amp Bryngelsson 2006 Llorent amp Ruiz-Calzado 2016 Maslach amp Jackson 1985 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

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Caracteriacutesticas da Personalidade

Estudos evidenciam que indiviacuteduos introvertidos com dificuldade de se posicionar diante da vida com alto neuroticismo (com traccedilos de ansiedade hostilidade depressatildeo baixa autoconsciecircncia alta vulnerabilidade) baixa amabilidade e baixa consciensiosidade (dificuldade em planejamento e gestatildeo do tempo no trabalho) satildeo mais propensos a desenvolver a siacutendrome (Alarcon Eschleman amp Bowling 2009 Armon Shirom amp Melamed 2012 Swider amp Zimmerman 2010) Especificamente estudo com professores iranianos de escolas puacuteblicas encontrou que neuroticismo relacionou-se agrave exaustatildeo emocional baixa amabilidade se associou agrave despersonalizaccedilatildeo e baixa consciensiosidade agrave reduzida realizaccedilatildeo profissional (Pishghadam amp Sahebjam 2012)

Estrateacutegias de Enfrentamento (Coping)

Eacute consistente na literatura que a forma como o indiviacuteduo lida com situaccedilotildees estressantes pode ser protetora ou desencadeante de burnout (Carlotto amp Cacircmara 2008) Em suma estrateacutegias de controle mostram-se importantes na prevenccedilatildeo de burnout enquanto que as de evitaccedilatildeo e fuga facilitam seu surgimento (Leiter 1991)

Normalmente profissionais que evitam ou fogem dos estressores laborais apresentam maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional enquanto indiviacuteduos que se utilizam de estrateacutegias de afastamento frente agraves dificuldades demonstram maiores niacuteveis de despersonalizaccedilatildeo quando comparados agravequeles centrados na resoluccedilatildeo do problema (Carlotto amp Cacircmara 2008 Hernaacutendez-Zamora Olmedo-Castejoacuten amp Ibaacutentildeez-Fernaacutendez 2004)

Crenccedila de Autoeficaacutecia

A duacutevida sobre a capacidade de fazer o que lhe eacute exigido ou a expectativa negativa sobre os resultados de seus esforccedilos para resoluccedilatildeo dos problemas aumentam o risco de burnout (Costa 2003) Os indiviacuteduos com percepccedilatildeo de alta autoeficaacutecia resolvem problemas empregando estrateacutegias que melhoram seu trabalho Em contrapartida aqueles com baixa autoeficaacutecia ocupacional

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(considerada mediador do burnout) natildeo buscam alternativas para mudanccedila do problema (Ferreira amp Azzi 2010)

Ocupaccedilatildeo

Segundo Pereira (2002) a siacutendrome de burnout eacute um fenocircmeno disseminado e pode acometer qualquer profissatildeo As profissotildees mais apontadas satildeo aquelas em que os profissionais lidam com outras pessoas em seu cotidiano ou em sua atividade laboral (por exemplo meacutedicos professores profissionais da aacuterea de enfermagem policiais e psicoacutelogos) Em 2005 foi publicado um estudo que comparou a experiecircncia de estresse laboral em 26 ocupaccedilotildees Seis segmentos ocupacionais (trabalhadores de ambulacircncia professores profissionais do serviccedilo social atendentes de call centers guardas prisionais e policiais) apresentaram piores niacuteveis de sauacutede fiacutesica psicoloacutegica e satisfaccedilatildeo no trabalho (Johnson Cooper Cartwright Taylor amp Millet 2005)

Carga de Trabalho (Alta Demanda de Trabalho)

O fato do indiviacuteduo ter muito trabalho para pouco tempo de execuccedilatildeo associa-se fortemente ao burnout em especial com a exaustatildeo emocional (Demerouti Le Blanc Bakker Schaufeli amp Hox 2009 Janssen Schaufeli amp Houkes 1999 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Demandas qualitativas do trabalho (por exemplo gravidade dos problemas dos clientespacientes) tambeacutem apresentam correlaccedilotildees na mesma direccedilatildeo (Demerouti Le Blanc Bakker Schaufeli amp Hox 2009 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Controle Sobre o Processo de Trabalho

A associaccedilatildeo entre perda de controle no processo de trabalho e burnout eacute consistente Isso ocorre quando os trabalhadores natildeo se percebem participativos nas decisotildees do trabalho e com dificuldades em exercer sua autonomia profissional (Maslach amp Leiter 2016) A falta de controle estaacute normalmente relacionada com a reduzida realizaccedilatildeo profissional (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

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Apoio Social

O apoio social no trabalho pode ser definido como uma funccedilatildeo de auxiacutelio exercido por pessoas significativas em relaccedilatildeo agrave provisatildeo material de informaccedilotildees ou de assistecircncia emocional em situaccedilotildees de estresse (Birolim et al 2019) Niacuteveis maiores de apoio social estatildeo associados a um menor sofrimento profissional (Birolim et al 2019) Assim quando as relaccedilotildees interpessoais no trabalho satildeo caracterizadas pela falta de apoio desconfianccedila e conflitos natildeo resolvidos haacute um risco maior de desenvolver burnout (Janssen Schaufeli amp Houkes 1999 Maslach amp Leiter 2016)

Conflito de Papeacuteis

As funccedilotildees expectativas e condutas que uma pessoa deve desempenhar em seu trabalho constitui-se seu papel profissional (Pereira 2002) O conflito ocorre quando o desempenho do trabalhador em determinado cargo natildeo corresponde agraves expectativas da organizaccedilatildeo Quanto maior o conflito de papeacuteis maior o risco de desenvolver burnout (Maslach amp Leiter 2016)

Conflito com Valores Pessoais

Valores satildeo ideais e motivaccedilotildees que atraem as pessoas para o trabalho O conflito ocorre quando o trabalhador se sente constrangido ao ser solicitado para fazer alguma accedilatildeo que considera antieacutetica ou em natildeo conformidade com seus valores individuais podendo levar ao desgaste emocional (Maslach amp Leiter 2016)

Recompensa (Remuneraccedilatildeo)

A recompensa recebida pelo exerciacutecio da profissatildeo pode ser insuficiente ou incompatiacutevel com as necessidades do trabalhador Em alguns casos pode ser visto como falta de reconhecimento social Normalmente estaacute associada a sentimentos de reduzida realizaccedilatildeo profissional (Maslach amp Leiter 2016)

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Clima Organizacional

O clima de trabalho influencia na relaccedilatildeo de respeito confianccedila e bem-estar entre as pessoas (Koponen et al 2010) Se a organizaccedilatildeo natildeo se mostra favoraacutevel a desenvolver uma poliacutetica de adaptabilidade flexibilidade agraves demandas internas e externas e satisfatoacuteria integraccedilatildeo entre os empregados tem-se um risco aumentado para burnout (Pereira 2002)

Medidas Preventivas Relacionadas ao Burnout

Sugere-se que o enfrentamento da siacutendrome de burnout seja multissetorial com intervenccedilotildees centradas em trecircs niacuteveis a) na resposta do indiviacuteduo frente aos estressores laborais b) na melhoria do contexto organizacional e c) na interaccedilatildeo do indiviacuteduo com seu trabalho As intervenccedilotildees no contexto organizacional ou agravequelas combinadas com aspectos individuais satildeo as mais adequadas para ambientes com grande variabilidade de estressores laborais (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Resposta do Indiviacuteduo Frente aos Estressores Laborais

No niacutevel individual o primeiro passo eacute a compreensatildeo de conceitos e consequecircncias de burnout julgados imprescindiacuteveis para reconhecer o problema futuro (autodiagnoacutestico) e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento (coping) (Carlotto 2014 Hernaacutendez et al 2002)

De modo geral a resposta de um indiviacuteduo frente a um problema pode ser movida pela emoccedilatildeo ou focada em sua resoluccedilatildeo Quando influenciada pela emoccedilatildeo as estrateacutegias normalmente adotadas pelos sujeitos englobam evitaccedilatildeo minimizaccedilatildeo distanciamento atenccedilatildeo seletiva e atribuiccedilatildeo de valores positivos aos acontecimentos negativos (Hernaacutendez et al 2002) Essas estrateacutegias satildeo eficazes quando os estressores natildeo podem ser modificados e haacute necessidade de se conviver com eles (Hernaacutendez et al 2002) Para atuar diretamente na resoluccedilatildeo de problemas o indiviacuteduo pode desenvolver habilidades comportamentais e cognitivas de enfrentamento com ou sem apoio de

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psicoterapia utilizando a valorizaccedilatildeo da autoeficaacutecia e autoconfianccedila a capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos e o controle efetivo de tarefas e funccedilotildees (Hernaacutendez et al 2002 Maslach amp Leiter 2016)

Aleacutem disso mudanccedilas na rotina de vida ou adoccedilatildeo de terapias complementares satildeo beneacuteficas na prevenccedilatildeo do burnout tais como meditaccedilatildeo teacutecnicas de relaxamento terapia cognitivo-comportamental educaccedilatildeo em sauacutede realizaccedilatildeo de exerciacutecios fiacutesicos dieta equilibrada boa qualidade de sono e aproveitamento do tempo livre (Hernaacutendez et al 2002 Maslach amp Leiter 2016 Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Na Melhoria do Contexto Organizacional

A siacutendrome de burnout tem origem no trabalho de modo que a inflexibilidade do processo institucional e as riacutegidas exigecircncias comprometem a versatilidade psiacutequica do trabalhador (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011) Os programas centrados na melhoria do contexto ocupacional compreendem accedilotildees modificadoras no processo e relaccedilotildees de trabalho com foco nos ajustes das condiccedilotildees fiacutesicas e psicossociais (Hernaacutendez et al 2002)

Dentre os fatores fiacutesicos os principais aspectos a serem revistos satildeo ruiacutedos odores iluminaccedilatildeo sinalizaccedilatildeo temperatura umidade e infraestrutura do ambiente de trabalho No acircmbito psicossocial melhorias na autonomia e participaccedilatildeo nas decisotildees na comunicaccedilatildeo no processo de trabalho na carga de atividades e na organizaccedilatildeo do tempo satildeo importantes para a integraccedilatildeo interpessoal e satisfaccedilatildeo do profissional (Hernaacutendez et al 2002)

Dessa forma um paracircmetro ideal consiste em intervenccedilotildees com accedilotildees diretas na cultura institucional e nas condiccedilotildees de trabalho a fim de proporcionar ambiente de trabalho salubre recursos humanos suficientes disponibilidade de materiais autonomia e participaccedilatildeo na tomada de decisatildeo liacutederes com escuta ativa agraves reivindicaccedilotildees dos trabalhadores avaliaccedilotildees perioacutedicas do processo de trabalho planejamento estrateacutegico que norteiem metas institucionais lotaccedilatildeo do funcionaacuterio em local que melhor se adapte ao seu perfil resoluccedilatildeo de conflitos de forma imparcial e justa e investimento em educaccedilatildeo permanente (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

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Interaccedilatildeo do Indiviacuteduo com seu Trabalho

Os programas centrados na interaccedilatildeo do indiviacuteduo com seu trabalho tecircm como objetivo promover intervenccedilotildees combinadas para a modificaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e no modo de enfrentamento do indiviacuteduo diante das situaccedilotildees de estresse tais como accedilotildees para melhoria na comunicaccedilatildeo e trabalho em equipe reuniotildees para discussotildees reflexotildees dos problemas e grupos de apoio psicoloacutegico (Carlotto 2014 Hernaacutendez et al 2002 Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Consideraccedilotildees Finais

Apesar do conhecimento construiacutedo sobre burnout ateacute o momento a siacutendrome tem se apresentado crescente no mundo e gera inuacutemeras preocupaccedilotildees Sabe-se que o burnout impacta na vida do trabalhador podendo ocasionar consequecircncias fiacutesicas psicoloacutegicas e ocupacionais Estudos epidemioloacutegicos longitudinais comprovam que doenccedilas cardiovasculares dores musculoesqueleacuteticas sintomas depressivos insatisfaccedilatildeo no trabalho e absenteiacutesmo satildeo implicaccedilotildees consistentes entre trabalhadores com burnout (Salvagioni et al 2017)

Por este motivo o conhecimento sobre os aspectos contextuais da siacutendrome eacute essencial para que o indiviacuteduo possa identificar que algo estaacute errado na relaccedilatildeo com seu trabalho e buscar o enfrentamento Ainda eacute urgente que as organizaccedilotildees tenham poliacuteticas de sauacutede do trabalhador com implantaccedilatildeo de medidas que visem melhores condiccedilotildees de trabalho e administraccedilatildeo de estressores Ampliar o conhecimento sobre fatores relacionados ao contexto socioeconocircmico e laboral que favorecem o desenvolvimento da siacutendrome de burnout tambeacutem eacute fundamental haja vista a escassez de estudos com essa perspectiva

290 | Temas em Neurociecircncias

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Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva

Andressa de Freitas Mendes DionisioUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A dor crocircnica eacute uma condiccedilatildeo debilitante que acomete 20-50 da populaccedilatildeo mundial e representa um dos maiores problemas de sauacutede puacuteblica com grande repercussatildeo na produtividade (de Souza et al 2017) Dados demonstram que apenas nos Estados Unidos a dor crocircnica acomete 31 da populaccedilatildeo sendo que 75 desses indiviacuteduos apresentam incapacidade total ou parcial (Kreling da Cruz amp Pimenta 2006) Embora no Brasil os estudos epidemioloacutegicos sobre dor sejam escassos o estudo realizado por Souza e colaboradores mostrou incidecircncia de dor crocircnica em 39 da populaccedilatildeo estudada sendo a meacutedia de idade acometida de 41 anos com predomiacutenio no sexo feminino (56) Dos entrevistados que relataram dor crocircnica 49 relataram insatisfaccedilatildeo com o tratamento da dor (Souza et al 2017)

A dor de origem crocircnica persiste por meses ou anos e estaacute relacionada a presenccedila de doenca crocircnica ou de uma dor aguda natildeo tratada de modo adequado como a que frequentemente ocorre apoacutes um procedimento ciruacutergico ou trauma Neste contexto dados demonstram que a dor aguda apoacutes cirurgia ou trauma pode evoluir para um quadro de dor crocircnica em 10 dos pacientes (Roe amp Sehgal 2016 Glare Aubrey amp Myles 2019)

A dor pode ser classificada em nociceptiva ou neuropaacutetica A dor nociceptiva estaacute relacionada a dano tecidual e estaacute presente por exemplo na osteoartrite artrite reumatoide lombalgia e dor poacutes- ciruacutergica Este tipo de dor possui resposta satisfatoacuteria aos anti-inflamatoacuterios natildeo esteroidais (AINEs) paracetamol dipirona e opioides

Autor para correspondecircncia andressauelbr

Laboratoacuterio de Farmacologia

da Inflamaccedilatildeo - Departamento

de Ciecircncias Fisioloacutegicas

Centro de Ciecircncias Bioloacutegicas -

CCB Campus Universitaacuterio

Rodovia Celso Garcia CidPR

445 Km 380 Caixa Postal 10011 -

CEP 86057-970 - Londrina-PR

Fone 55 43 3371- 4650

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A dor neuropaacutetica tem origem na lesatildeo ou disfunccedilatildeo de nervos e ocorre na neuropatia perifeacuterica diabeacutetica na neuralgia poacutes herpeacutetica e natildeo responde de forma satisfatoacuteria aos analgeacutesicos utilizados no tratamento da dor nociceptiva no entanto apresenta melhor resposta terapecircutica com o uso de antidepressivos e anticonvulsivantes (Golan Tashjian JR Armstrong Armstrong 2014 Rang Dale Ritter Flower amp Henderson 2016)

Uma vez que a dor crocircnica tem um curso de longo prazo pode ter origem nociceptiva ou neuropaacutetica estando frequentemente associada a alteraccedilotildees fiacutesicas emocionais sociais e todos esses fatores contribuem com a persistecircncia da dor o paciente necessita de um tratamento adequado que melhore suas funccedilotildees e com isso permita uma melhor qualidade de vida Desta forma o tratamento deve possuir caraacuteter multidisciplinar abordando o impacto psicoloacutegico social e fiacutesico patoloacutegico (Roe amp Sehgal 2016) Neste capiacutetulo seratildeo abordados os aspectos farmacoloacutegicos do tratamento da dor crocircnica Atualmente estatildeo disponiacuteveis diversas classes de faacutermacos que satildeo utilizados para esta finalidade os quais incluem os AINEs paracetamol dipirona opioides antidepressivos anticonvulsivantes toxina botuliacutenica canabinoides A abordagem deste capiacutetulo teraacute como foco o estudo dos AINEs e dos opioides

Objetivos

Este capiacutetulo abordaraacute o tratamento farmacoloacutegico da dor crocircnica de origem nociceptiva com ecircnfase nos AINEs e nos opioides

Desenvolvimento

Anti-inflamatoacuterios natildeo Esteroidais (AINEs)

Papel dos Prostanoides na Hiperalgesia

Entre os anti-inflamatoacuterios mais prescritos em todo o mundo estatildeo os AINEs os quais possuem accedilatildeo analgeacutesica anti-inflamatoacuteria e antipireacutetica atuam na dor leve a moderada Essa classe de faacutermacos eacute a mais prescrita na Reumatologia e eacute utilizada no tratamento da dor

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 295

de origem nociceptiva tanto aguda quanto crocircnica sendo eficazes por exemplo no tratamento da lombalgia crocircnica na dor crocircnica causada pela osteoartrite artrite reumatoide dor poacutes-operatoacuteria crocircnica (van Tulder Scholten Koes amp Deyo 2000 Myers et al 2014)

A prostaglandina eacute um dos mediadores envolvidos na sensibilizaccedilatildeo perifeacuterica do neurocircnio aferente primaacuterios ou nociceptores promovendo reduccedilatildeo do limiar das respostas dolorosas e surgimento da hiperalgesia primaacuteria que eacute a sensaccedilatildeo aumentada de dor a um estiacutemulo que jaacute eacute doloroso Quando a lesatildeo tecidual eacute curada ou o paciente eacute submetido a tratamento farmacoloacutegico para a dor o limiar de resposta retorna ao normal No entanto a dor pode permanecer mesmo tendo passado o periacuteodo da resoluccedilatildeo da lesatildeo tecidual e tornar-se crocircnica As prostaglandinas tambeacutem estatildeo envolvidas na sensibilizaccedilatildeo central e no surgimento de hiperalgesia secundaacuteria ou seja dor fora da aacuterea da lesatildeo inicial (Woolf amp Salter 2000 Woolf amp Ma 2007) O mecanismo de accedilatildeo dos AINEs baseia-se na inibiccedilatildeo da enzima ciclo-oxigenase (COX) e consequente reduccedilatildeo da siacutentese de prostanoides os quais englobam as prostaglandinas prostaciclinas (PGI2) e tromboxanos (TXA2) As prostaglandinas satildeo consideradas mediadores finais da dor inflamatoacuteria e atuam sensibilizando os nociceptores agrave estimulaccedilatildeo posterior (Ferreira 1972) Assim as prostaglandinas atuam nos nociceptores reduzindo o limiar necessaacuterio para desencadear a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo gerando a hiperalgesia que eacute o aumento da resposta dolorosa a um estiacutemulo nociceptivo o qual normalmente causa dor (Ferreira 1972)

Siacutentese de Prostanoides

Para que ocorra a siacutentese de prostanoides o aacutecido araquidocircnico deve ser inicialmente hidrolisado dos fosfolipiacutedeos de membrana atraveacutes da enzima fosfolipase A2 (PLA2) Existem diversas isoformas da enzima PLA2 sendo a isoforma citosoacutelica a mais importante durante o processo inflamatoacuterio Eacute importante mencionar que o aacutecido araquidocircnico livre eacute substrato para duas vias enzimaacuteticas distintas a via da COX que daraacute origem aos prostanoides e a via da lipoxigenase que daraacute origem aos leucotrienos Neste capiacutetulo o nosso foco seraacute o estudo da via da COX Assim uma vez hidrolisado o aacutecido

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araquidocircnico tem acesso ao siacutetio cataliacutetico da COX onde inicialmente eacute convertido em prostaglandina G2 (PGG2) atraveacutes da oxigenaccedilatildeo e ciclizaccedilatildeo do aacutecido araquidocircnico Subsequentemente a PGG2 eacute convertida tambeacutem por accedilatildeo da COX em prostaglandina H2 (PGH2) Tanto a PGG2 quanto a PGH2 satildeo altamente instaacuteveis e uma vez a PGH2 formada esta eacute rapidamente convertida por accedilatildeo enzimaacutetica em PGI2 TXA2 e diferentes subtipos de prostaglandinas dependendo o tecido onde a PGH2 tenha sido originada O TXA2 eacute formado nas plaquetas e atua como agregante plaquetaacuterio e vasoconstritor jaacute a PGI2 eacute produzida principalmente no endoteacutelio vascular a partir da PGH2 e possui accedilatildeo antiagregante plaquetaacuteria e vasodilatadora Desta forma o TXA2 e a PGI2 atuam como antagonistas fisioloacutegicos Com relaccedilatildeo aos subtipos de prostaglandinas a prostaglandina E2 (PGE2) possui um papel chave tanto no processo inflamatoacuterio quanto na dor e eacute formada em diversos tipos celulares como por exemplo nos macroacutefagos (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Como jaacute mencionado a PGE2 atua como mediador final da dor inflamatoacuteria uma vez que os nociceptores expressam receptores para prostaglandinas os quais quando ativados promovem a sensibilizaccedilatildeo direta Os receptores de prostaglandinas estatildeo expressos em fibras nociceptoras do tipo C (Teixeira Alves-Neto Costa amp Siqueira 2009) Dessa forma impedir que a prostaglandina atue sensibilizando os nociceptores possui um papel crucial no tratamento farmacoloacutegico da dor Um dos mecanismos para impedir esse processo eacute atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos AINEs os quais atuam atraveacutes da inibiccedilatildeo da COX e consequentemente impedem a formaccedilatildeo de prostanoides entre estes a PGE2 (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Para entendermos melhor o mecanismo de accedilatildeo dos AINEs bem como os efeitos adversos desencadeados por esses faacutermacos precisamos compreender a enzima COX Haacute duas isoformas da COX bem caracterizadas COX-1 e COX-2 que embora sejam produtos de genes distintos compartilham entre si 60 de homologia A COX-1 e COX-2 satildeo estruturalmente semelhantes Ambas isoformas estatildeo anexadas a membrana interna celular e apresentam um canal hidrofoacutebico interno por onde o aacutecido araquidocircnico hidrolisado

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 297

tem acesso ao siacutetio ativo da enzima para ser metabolizado em prostanoides (Fonseca Brunton Hilal-Dandan Knollmann 2018)

A COX-1 cujo gene localiza-se no cromossomo 9 eacute uma isoforma expressa de forma constitutiva ou fisioloacutegica na maioria das ceacutelulas e eacute responsaacutevel em originar prostanoides com funccedilatildeo da manutenccedilatildeo da homeostasia Por exemplo a COX-1 presente nas ceacutelulas do trato gastrointestinal eacute responsaacutevel pela proteccedilatildeo da mucosa gaacutestrica e duodenal A PGE2 e PGI2 formadas a partir da COX-1contribuem com a reduccedilatildeo da secreccedilatildeo de aacutecido cloriacutedrico promove secreccedilatildeo de muco e bicarbonato e aumenta o fluxo sanguiacuteneo para o estocircmago A niacutevel renal a PGE2 e a PGI2 derivadas da COX-1 promovem manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal enquanto a niacutevel plaquetaacuterio o TXA2 eacute responsaacutevel pelo processo de agregaccedilatildeo plaquetaacuteria (Oates et al 1988 Johnson Nguyen amp Day 1994 Warner Mitchell amp Vane 2002 Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Por outro lado a COX-2 produto gecircnico do cromossomo 1 eacute praticamente indetectaacutevel na maioria dos tecidos tendo sua expressatildeo induzida na inflamaccedilatildeo Mediadores inflamatoacuterios podem atuar em diversos tipos celulares como macroacutefagos ceacutelulas endoteliais e induzirem a transcriccedilatildeo e posterior siacutentese proteiacuteca da COX-2 nessas ceacutelulas Desta forma a COX-2 estaacute fortemente implicada no processo inflamatoacuterio (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Recentemente foi descrito a existecircncia da terceira isoforma da COX a COX-3 A COX-3 eacute produto gecircnico do cromossomo 9 e estaria expressa em altos niacuteveis no sistema nervoso central sendo alvo de faacutermacos analgeacutesicos e antipireacuteticos como paracetamol e dipirona No momento mais estudos estatildeo sendo conduzidos para caracterizar a expressatildeo e funccedilotildees dessa isoforma 3 da COX (Chandrasekharan et al 2002)

Os AINEs satildeo classificados em inibidores natildeo seletivos da COX e inibidores seletivos para a COX-2 ou coxibes Os inibidores natildeo seletivos da COX tambeacutem conhecidos como AINEs tradicionais inibem tanto a COX-1 quanto a COX-2 em diferentes graus Por outro lado os inibidores seletivos da COX-2 ou coxibes atuam na inibiccedilatildeo da isoforma 2 da COX (Golan et al 2014)

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Mecanismo de Accedilatildeo dos AINEs Natildeo Seletivos

Embora os AINEs natildeo seletivos representem um grupo heterogecircneo de faacutermacos e por isso satildeo agrupados de acordo com caracteriacutesticas quiacutemicas comuns como por exemplo classe do aacutecido aceacutetico (indometacina diclofenaco) classe do aacutecido propiocircnico (ibuprofeno cetoprofeno) classe do oxicam (piroxicam meloxicam) todos atuam atraveacutes do mesmo mecanismo de accedilatildeo Tanto a COX-1 quanto a COX-2 apresentam um resiacuteduo de arginina na posiccedilatildeo 120 Para que a COX seja bloqueada o AINE precisa penetrar o canal hidrofoacutebico da COX para ter acesso a este resiacuteduo de arginina da enzima onde faraacute uma ligaccedilatildeo reversiacutevel Essa ligaccedilatildeo reversiacutevel do AINE tanto na COX-1 quanto na COX-2 impede o acesso do aacutecido araquidocircnico livre ao siacutetio cataliacutetico da enzima e consequentemente o aacutecido araquidocircnico natildeo eacute metabolizado em prostanoides como a PGE2 Assim o tratamento com AINEs reduziraacute a sensibilizaccedilatildeo da terminaccedilatildeo nervosa nociceptiva promovida pelo PGE2 (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017 Fonseca et al 2018)

A aspirina eacute o representante mais antigo dos AINEs no entanto ao inveacutes de formar uma ligaccedilatildeo reversiacutevel com o resiacuteduo de arginina na posiccedilatildeo 120 da COX-1 e COX-2 como os outros AINEs natildeo seletivos a aspirina acetila uma serina na posiccedilatildeo 530 tanto da COX-1 quanto da COX-2 A acetilaccedilatildeo eacute uma ligaccedilatildeo covalente forte irreversiacutevel Desta forma a aspirina atua tambeacutem como inibidor natildeo seletivo da COX-1 e COX-2 mas como a ligaccedilatildeo eacute irreversiacutevel seu efeito permanece ateacute que novas enzimas da COX sejam sintetizadas (Fonseca et al 2018)

Caracteriacutesticas Farmacocineacuteticas

Embora os AINEs tradicionais pertenccedilam a diferentes classes quiacutemicas todos compartilham os mesmos efeitos adversos bem como as mesmas accedilotildees terapecircuticas as quais incluem reduccedilatildeo do processo inflamatoacuterio analgesia e diminuiccedilatildeo da febre Os AINEs satildeo aacutecidos fracos cujo pH do estocircmago favorece o processo de absorccedilatildeo (chegada do faacutermaco ateacute a corrente sanguiacutenea) no entanto a maior parte do faacutermaco ingerido por via oral eacute absorvida no intestino delgado o qual possui maior superfiacutecie de contato para a absorccedilatildeo

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 299

Uma vez o AINE na corrente sanguiacutenea este apresenta alto grau de ligaccedilatildeo a albumina proteiacutena plasmaacutetica aproximadamente 98 de ligaccedilatildeo Devido ao alto grau de ligaccedilatildeo a proteiacutenas plasmaacuteticas a fraccedilatildeo livre do faacutermaco (fraccedilatildeo natildeo ligada a proteiacutenas) eacute pequena tornado o volume de distribuiccedilatildeo do AINE no organismo baixo uma vez que apenas a fraccedilatildeo livre do faacutermaco eacute capaz de distribuir-se dos vasos sanguiacuteneos para os tecidos Em virtude do caraacuteter aacutecido desses faacutermacos estes concentram-se no tecido inflamado Como essa classe de faacutermacos liga-se muito agraves proteiacutenas plasmaacuteticas fatores que desloquem o AINE da ligaccedilatildeo agraves proteiacutenas plasmaacuteticas como por exemplo a hipoalbuminemia ou interaccedilotildees entre faacutermacos podem levar ao aumento da fraccedilatildeo livre e assim gerar a efeitos adversos (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

Uma vez exercido o efeito farmacoloacutegico os AINEs precisam ser eliminados do organismo e para que isso ocorra eacute necessaacuterio a metabolizaccedilatildeo e excreccedilatildeo do faacutermaco O metabolismo dos AINEs ocorre principalmente no fiacutegado atraveacutes de enzimas que promovem alteraccedilotildees quiacutemicas na estrutura do faacutermaco que permite que este seja excretado sendo a principal forma de excreccedilatildeo pela via renal (Golan et al 2014) Como os AINEs satildeo aacutecidos fracos a alcalinizaccedilatildeo da urina permite uma maior taxa de excreccedilatildeo Com relaccedilatildeo ao tempo de meia vida de eliminaccedilatildeo dos faacutermacos do organismo os AINEs satildeo classificados em curta e longa Como exemplo de compostos que apresentam meia vida de eliminaccedilatildeo curta ou seja menor que 6 horas temos ibuprofeno diclofenaco cetoprofeno indometacina jaacute o naproxeno e o piroxicam satildeo exemplos de AINEs que apresentam longa meia vida de eliminaccedilatildeo maior que 10 horas Algumas situaccedilotildees podem afetar o tempo de meia vida dos faacutermacos como disfunccedilatildeo hepaacutetica e renal essas alteraccedilotildees prolongam a meia vida (Rang et al 2016)

Principais Efeitos Adversos Associados ao Uso Crocircnico dos AINES Natildeo Seletivos

O uso crocircnico de AINEs principalmente para o tratamento de afecccedilotildees crocircnicas relaciona-se com inuacutemeros efeitos adversos uma vez que os prostanoides participam de inuacutemeros processos fisioloacutegicos Os principais efeitos indesejaacuteveis com o uso crocircnico

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satildeo observados a niacutevel do trato gastrointestinal renal e plaquetaacuterio (Fonseca et al 2018)

Distuacuterbios Gastrointestinais

O efeito adverso mais comum dos AINEs ocorre no trato gastrointestinal o que dificulta a adesatildeo do paciente com enfermidades reumaacuteticas crocircnicas ao tratamento A inibiccedilatildeo da COX-1 nas ceacutelulas gaacutestricas pelos AINEs natildeo seletivos reduz a produccedilatildeo de prostaglandinas citoprotetoras consequentemente ocorre inibiccedilatildeo da secreccedilatildeo de muco e bicarbonato aumento da secreccedilatildeo aacutecida e reduccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo da mucosa (Brenol Xavier amp Marasca 2000) Como os AINEs natildeo seletivos inibem tambeacutem a COX-1 presente nas plaquetas isso favorece o risco de sangramentos O paciente pode apresentar dispepsia vocircmitos e naacuteuseas diarreia ulceraccedilotildees risco de hemorragia eou perfuraccedilatildeo gaacutestrica Dados demonstram que 34-46 dos usuaacuterios de AINEs satildeo acometidos por algum comprometimento do trato digestoacuterio Neste contexto eacute importante entendermos que o efeito do AINE natildeo seletivo no trato gastrointestinal ocorre independente da via de administraccedilatildeo ou seja a inibiccedilatildeo da COX-1 iraacute ocorrer se esta classe de faacutermacos for administrada por via oral intramuscular ou endovenosa Desta forma pacientes com alto risco de complicaccedilotildees gastrointestinais ou que necessitem fazer uso por longos periacuteodos podem necessitar a prescriccedilatildeo de agentes gastroprotetores (Estes Fuhs Heaton amp Butwinick 1993 Wolfe Polhamus Kubik Robinson amp Clement 1994 Rang et al 2016)

Efeito Renal

Tanto a PGE2 quanto a PGI2 satildeo prostanoides importantes para a manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal Essa importacircncia torna-se mais evidente em pacientes que apresentam doenccedilas renais preacutevias insuficiecircncia cardiacuteaca hipertensatildeo diabetes cirrose pois esses indiviacuteduos apresentam uma maior dependecircncia dos prostanoides produzidos a niacutevel renal com accedilatildeo vasodilatadora para que tenham um adequado funcionamento dos rins Nesses pacientes o uso de AINEs a meacutedio e longo prazo estaacute associado com maior incidecircncia de

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efeitos colaterais renais como retenccedilatildeo de soacutedio e aacutegua reduccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal e da taxa de filtraccedilatildeo glomerular No entanto essas complicaccedilotildees renais satildeo reversiacuteveis com a suspensatildeo do uso dos AINEs Em situaccedilotildees mais graves o uso dos AINEs pode desencadear insuficiecircncia renal aguda siacutendrome nefroacutetica nefrite intersticial ou necrose papilar renal complicaccedilotildees conhecidas no passado como nefropatia analgeacutesica (Maher 1984 Clive amp Stoff 1984 Oates et al 1998 Whelton 1999)

O uso crocircnico de AINEs tambeacutem pode promover elevaccedilatildeo de 5 mmHg da pressatildeo arterial meacutedia Este aumento da pressatildeo arterial ocorre principalmente em indiviacuteduos que satildeo hipertensos e indiviacuteduos hipertensos que fazem uso de anti-hipertensivos como diureacuteticos inibidores da enzima conversora de angiotensina e betabloqueadores Estudos mostraram que o aumento da pressatildeo arterial desencadeado pelo uso crocircnico de AINEs estaacute associado a reduccedilatildeo dos niacuteveis de prostanoides vasodilatadores a niacutevel renal (Johnson et al 1994 Batlouni 2010)

Accedilatildeo nas Plaquetas

Uma vez que as plaquetas expressam apenas a COX-1 pois essas ceacutelulas natildeo possuem nuacutecleo natildeo sendo possiacutevel a induccedilatildeo da COX-2 o uso de AINEs natildeo seletivos pode promover prolongamento do tempo de sangramento pela inibiccedilatildeo da COX-1 e consequente inibiccedilatildeo da formaccedilatildeo de TXA2 pelas plaquetas Eacute importante ressaltar que o efeito da aspirina sobre as plaquetas eacute mais evidente quando comparado ao uso dos outros representantes dos AINEs tradicionais uma vez que a inibiccedilatildeo da COX-1 pela aspirina permaneceraacute pelo tempo de meia vida das plaquetas aproximadamente 10 dias A plaqueta natildeo possuindo nuacutecleo mesmo cessado o uso da aspirina a COX-1 continuaraacute inibida pela ligaccedilatildeo irreversiacutevel promovida pela aspirina e a plaqueta natildeo teraacute como sintetizar novas COX-1 (Golan et al 2014)

Inibidores Seletivos para a COX-2 ou Coxibes

Os efeitos adversos principalmente a niacutevel de trato gastrointestinal decorrentes do uso dos AINEs natildeo seletivos

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limitavam a utilizaccedilatildeo a meacutedio e longo prazo em pacientes com dores crocircnicas como os pacientes com artrite reumatoide e osteoartrite Neste contexto a demonstraccedilatildeo da existecircncia da COX-2 a qual teria a expressatildeo induzida durante o processo inflamatoacuterio e parecia natildeo estar expressa de forma constitutiva nas ceacutelulas levou a busca do desenvolvimento de faacutermacos seletivos para esta isoforma O desenvolvimento de um inibidor seletivo para a COX-2 representaria um faacutermaco com accedilotildees anti-inflamatoacuterias analgeacutesicas e antipireacuteticas mas com a ausecircncia das complicaccedilotildees gastrointestinais dos AINEs natildeo seletivos e tambeacutem natildeo afetariam o tempo de sangramento (Abraham El-Serag Hartman Richardson amp Deswal 2007)

Os pesquisadores perceberam uma diferenccedila estrutural entre a COX-1 e COX-2 que poderia permitir o desenvolvimento dos inibidores seletivos para a COX-2 A COX-1 apresenta em seu canal hidrofoacutebico o aminoaacutecido isoleucina na posiccedilatildeo 523 enquanto a COX-2 apresenta na mesma posiccedilatildeo 523 o aminoaacutecido valina A presenccedila da valina na posiccedilatildeo 523 da COX-2 gera a presenccedila de uma bolsa lateral dentro do canal hidrofoacutebico que torna uma porccedilatildeo do canal hidrofoacutebico da COX-2 mais larga do que a da COX-1 Essa bolsa lateral permitiu o desenvolvimento de faacutermacos com a estrutura quiacutemica volumosa os coxibes que penetram no canal hidrofoacutebico e se encaixam na bolsa lateral da COX-2 impedindo que o aacutecido araquidocircnico tenha acesso ao siacutetio cataliacutetico desta isoforma No entanto o grupamento volumoso dos coxibes natildeo permite a entrada no canal hidrofoacutebico da COX-1 pois estaacute natildeo possui a bolsa lateral e consequentemente essa isoforma natildeo eacute inibida por esta classe de faacutermacos Em 1999 menos de uma deacutecada apoacutes a descoberta da COX-2 os coxibes comeccedilaram a ser comercializados (Rang et al 2016 Fonseca et al 2018)

Coxibes e Seguranccedila Gastrointestinal

Para demonstrar que os coxibes eram mais seguros a niacutevel do trato gastrointestinal foi conduzido um amplo estudo que envolveu aproximadamente 8000 pacientes com artrite reumatoide Os pacientes foram tratados com celecoxibe (coxibe) ou AINEs natildeo seletivos por 01 ano e foram acompanhados durante este periacuteodo para determinar o surgimento de uacutelceras Os dados demonstraram que os coxibes satildeo mais seguros quanto a incidecircncia de uacutelceras quando

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comparados aos AINEs natildeo seletivos No entanto embora reduzidos os efeitos gastrointestinais natildeo desapareceram por completo com a inibiccedilatildeo seletiva da COX-2 isso porque a COX-2 estaacute envolvida com a cicatrizaccedilatildeo de uacutelceras preexistente isso provavelmente ocorreu em pacientes que jaacute possuiacuteam uacutelceras antes de iniciar o tratamento com o coxibe e a utilizaccedilatildeo desta classe retardou a cicatrizaccedilatildeo das lesotildees jaacute existentes (Bombardier et al 2000)

Coxibes e Efeitos Cardiovasculares

Embora os inibidores seletivos da COX-2 sejam mais seguros a niacutevel gastrointestinal estudos cliacutenicos conduzidos em pacientes usuaacuterios crocircnicos desses faacutermacos demonstraram graves efeitos cardiovasculares e tromboemboacutelicos (Bombardier et al 2000 Saraiva 2007) Esses efeitos no sistema cardiovascular levaram a proibiccedilatildeo da venda do Rofecoxibe em 2004 do Valdecoxibe em 2005 e do Lumiracoxibe em 2008

Assim como os AINEs natildeo seletivos os coxibes tambeacutem inibem a produccedilatildeo da PGE2 e PGI2 a niacutevel renal em pacientes que apresentam doenccedilas renais preacutevias insuficiecircncia cardiacuteaca hipertensatildeo diabetes cirrose Acredita-se que o papel beneacutefico da PGE2 e PGI2 nesses pacientes deve-se a induccedilatildeo da COX-2 com a finalidade de contrapor os efeitos vasoconstritores preexistentes nesses indiviacuteduos e obter uma vasodilataccedilatildeo compensatoacuteria para manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal e da taxa de filtraccedilatildeo glomerular (Fonseca et al 2018) Neste momento verificamos que a COX-2 natildeo eacute induzida apenas durante o processo inflamatoacuterio

No entanto com o avanccedilo dos estudos dos efeitos cardiovasculares dos coxibes verificou-se que no endoteacutelio dos vasos a fonte de PGI2 eacute a COX-2 e natildeo a COX-1 O fluxo sanguiacuteneo normal dentro dos vasos sanguiacuteneos promove um fenocircmeno chamado estresse de cisalhamento que ocorre devido o contato do fluxo de sangue com as ceacutelulas endoteliais esse estresse mecacircnico gerado nas ceacutelulas endoteliais induz a expressatildeo da COX-2 no endoteacutelio com consequente produccedilatildeo de PGI2 que promove vasodilataccedilatildeo e inibe a agregaccedilatildeo plaquetaacuteria nos vasos A prostaciclna formada dentro do vaso possui um papel fundamental para manter um ambiente vasodilatador e antitrombogecircnico (Mendes 2012 Fonseca et al 2018)

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Assim o uso de coxibe iraacute inibir natildeo apenas a COX-2 induzida durante o processo inflamatoacuterio mas tambeacutem a COX-2 produzida em decorrecircncia do estresse de cisalhamento no endoteacutelio dos vasos reduzindo a produccedilatildeo de PGI2 o que reduz a vasodilataccedilatildeo e a inibiccedilatildeo da agregaccedilatildeo plaquetaacuteria Um ponto importante eacute que com o uso dos inibidores seletivos da COX-2 a isoforma da COX-1 natildeo eacute inibida diferente do que ocorre com os AINEs natildeo seletivos e com o uso de coxibes o TXA2 que possui papel agregante plaquetaacuterio e vasoconstritor continua a ser produzido pelas plaquetas Desta forma com o uso de inibidores seletivos da COX-2 haacute o favorecimento de um ambiente trombogecircnico e vasoconstritor devido a inibiccedilatildeo da PGI2 e natildeo bloqueio do TXA2 (Golan et al 2014)

Atualmente o uso de coxibes eacute restrito a pacientes nos quais os AINEs natildeo seletivos promoveriam efeitos gastrointestinais graves e soacute satildeo prescritos apoacutes rigorosa avaliaccedilatildeo de risco cardiovascular O celecoxib eacute indicado para pacientes com osteoartrite artrite reumatoide espondilite anquilosaste dor poacutes-operatoacuteria desde que natildeo apresentem risco cardiovascular O parecoxibe eacute utilizado em ambiente hospitalar para tratamento em curto prazo da dor poacutes-operatoacuteria A dispensaccedilatildeo de coxibes em farmaacutecias eacute realizada com retenccedilatildeo da receita meacutedica e recomenda-se a menor dose possiacutevel e o uso em curto periacuteodo de tempo (Golan et al 2014 Fonseca et al 2018)

Opioides

Opioides Consideraccedilotildees Gerais

Historicamente os opioides satildeo indicados nos casos de dor aguda moderada a intensa dor poacutes-operatoacuteria controle da dor causada pelo cacircncer bem como nos casos de dores presentes em doenccedilas em estaacutegios terminais sendo considerado parte essencial do plano global de tratamento em pacientes com dor intensa No entanto ainda natildeo haacute amplo suporte para a prescriccedilatildeo de opioides para dor crocircnica pois o uso a longo prazo de opioides possui inuacutemeras implicaccedilotildees como potencial risco de abuso overdose acidental depressatildeo respiratoacuteria constipaccedilatildeo sedaccedilatildeo toleracircncia e em alguns casos o desenvolvimento de hiperalgesia induzida por opioides como

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veremos ao longo do capiacutetulo (Chou et al 2015 Dowell Haegerich amp Chou 2016a Dowell Zhang Noonan amp Hockenberry 2016b Katzung amp Trevor 2017) Estudos demonstram que uma pequena proporccedilatildeo de pacientes portadores de dor crocircnica se beneficiam com o uso de opioides Uma das recomendaccedilotildees eacute que o tratamento com opioides para a dor crocircnica seja utilizado como o uacuteltimo recurso ou seja quando outras terapias medicamentosas como o uso de AINEs falharam no aliacutevio da dor No entanto nas uacuteltimas deacutecadas o uso de opioides como ferramenta para o manejo da dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica tem aumentado a niacutevel mundial (Roe amp Sehgal 2016)

O acesso ao tratamento com opioides para o aliacutevio da dor eacute utilizado como um dos fatores que entra no caacutelculo do iacutendice de desenvolvimento humano (IDH) pois significa que o indiviacuteduo tem uma melhor qualidade de vida quando recebe um tratamento adequado para a dor (httpwwwpaliativoorgbr recuperado em 12 agosto 2019) Entre os paiacuteses que apresentam maiores taxas de prescriccedilatildeo de opioides no mundo estatildeo os Estados Unidos da America e o Canadaacute enquanto o Brasil em 2011 possuiacutea uma das menores taxas mundiais de prescriccedilatildeo desta classe de faacutermacos (Seya et al 2011) No entanto essas informaccedilotildees merecem cautela uma vez que os Estados Unidos e o Canadaacute registraram nas uacuteltimas duas deacutecadas um crescente nuacutemero de overdose por opioides Entre 2000 e 2015 aproximadamente meio milhatildeo de pessoas morreram nos Estados Unidos da Ameacuterica em decorrecircncia de overdose por opioides sendo esta situaccedilatildeo classificada como uma epidemia decorrente do uso de opioides ocasionada pelo aumento das prescriccedilotildees usos inadequados e dependecircncia (Dowell et al 2016a Dowell et al 2016b Krawczyk Greene Zorzanelli amp Bastos 2018)

Nos uacuteltimos anos o consumo dos opioides estaacute passando por alteraccedilotildees tanto na America Latina quanto no Brasil um dos fatores responsaacuteveis por esse aumento eacute a defesa crescente de melhorar a qualidade de vida do paciente tanto com dor oncoloacutegica quanto com dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica (Garcia 2014) Dados publicados em 2018 na revista American Journal of Public Health mostraram que a venda de opioides atraveacutes de prescriccedilotildees meacutedicas em farmaacutecias no Brasil aumentou de 1601043 em 2009 para 9045945 em 2015 o que representa um aumento de 465 nas prescriccedilotildees no periacuteodo de 06 anos (Krawczyk et al 2018)

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Para prescriccedilatildeo de opioides eacute necessaacuterio considerar as caracteriacutesticas do paciente como comorbidades mentais e o risco potencial de abuso por opioides como por exemplo consumo de drogas histoacuterico familiar e histoacuteria de abuso sexual (Kahan Wilson Mailis-Gagnon Srivastava amp Group 2011) Quando os opioides satildeo prescritos os objetivos funcionais do tratamento devem ser estabelecidos antes do iniacutecio da terapia esse planejamento deve envolver natildeo apenas o paciente mas tambeacutem seus familiares e inclui um programa de monitoramento de prescriccedilatildeo de faacutermacos que compreende prescriccedilatildeo com data na receita fornecimento de quantidade para 01 mecircs ou o que baste ateacute a proacutexima consulta contagem dos comprimidos exames na urina para determinar a adesatildeo do paciente e presenccedila de outras substacircncias inesperadas e acompanhamento da reduccedilatildeo da dor e melhora da funccedilatildeo Desta forma os pacientes que necessitem fazer uso de opioides a longo prazo para tratamento de dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica devem ser cuidadosamente e rigorosamente monitorados para reavaliar continuamente o benefiacutecio-risco do tratamento (Centers for Disease Control and Prevention 2017 Schuchat Houry amp Guy 2017)

Origem dos Faacutermacos Opioides

O uso de opioides para o aliacutevio da dor possui mais de 5000 anos e teve iniacutecio com o uso do oacutepio O oacutepio eacute obtido da semente da papoula Papaver somniferum Mas apenas em 1803 o farmacecircutico Freidrich Wilhelm Adam Serturner conseguiu isolar e identificar um dos componentes do oacutepio responsaacutevel pelas propriedades analgeacutesicas O composto isolado por Frederick Sertuumlrner promovia natildeo somente analgesia mas tambeacutem promovia bastante sonolecircncia e por isso foi batizado de morfina em homenagem ao Deus grego dos sonhos Morpheu Aleacutem da morfina no oacutepio estatildeo presentes inuacutemeros outros alcaloides como a codeiacutena Um tempo apoacutes o isolamento da morfina o quiacutemico inglecircs Alder Wright sintetizou a partir da morfina a diacetilmorfina a qual foi posteriormente testada e desenvolvida por Heinrich Dreser da Bayer para ser utilizada como um potente analgeacutesico Em 1898 a Bayer comeccedilou a comercializar diacetilmorfina como heroiacutena nome dado pela ldquoheroacuteicardquo capacidade de promover o aliacutevio da dor No entanto apoacutes alguns anos do iniacutecio da

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comercializaccedilatildeo da heroiacutena para a analgesia foi verificado a grande capacidade de gerar dependecircncia sendo retirada do mercado em 1913 (Guitart 2014) O primeiro dos compostos endoacutegenos com accedilatildeo opioide conhecido coletivamente como endorfinas foi isolado em 1975 por Hughes e Kosterlitz (Rang et al 2018)

Classificaccedilatildeo dos Opioides

No decorrer da histoacuteria os opioides jaacute possuiacuteram inuacutemeras denominaccedilotildees como narcoacuteticos hipnoanalgeacutesicos narcoanalgeacutesicos Atualmente esses termos natildeo satildeo mais utilizados pois tambeacutem abrangeriam outras substacircncias com capacidade de gerar narcose sono (Gozzani 1994)

A terminologia opiaacuteceo eacute designada apenas para os compostos que possuem origem natural ou seja que satildeo extraiacutedos da papoula como a morfina e codeiacutena Uma vez que existem compostos de origem natural (opiaacuteceo) semissinteacuteticos (heroiacutena hidromorfona) e sinteacuteticos (fentanil buprenorfina metadona sulfentanil) criou-se a terminologia oipioides Os opioides abrangem as substacircncias encontradas naturalmente na papoula (opiaacuteceos) os compostos semissinteacutetico sinteacuteticos e os compostos produzidos endogenamente (endorfinas) Assim para serem classificados como opioides esses compostos devem interagir com receptores para opioides produzir efeitos semelhantes aos da morfina e esses efeitos serem bloqueados por um faacutermaco antagonista para o receptor opioide (Martin 1983 Rang et al 2016)

Principais Opioides

A morfina eacute o opioide de referecircncia ainda amplamente utilizado no entanto existem outros faacutermacos pertencentes a essa classe como fentanil sulfentanil remifentanil metadona oxicodona codeiacutena tramadol buprenorfina Esses faacutermacos compartilham accedilotildees analgeacutesicas e efeitos adversos No entanto existem diferenccedilas relacionados a potecircncia eficaacutecia afinidade por receptor opioide latecircncia metabolismo e duraccedilatildeo de accedilatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

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O fentanil eacute 80 a 100 vezes mais potente que a morfina ou seja para desencadear o mesmo efeito analgeacutesico eacute necessaacuterio uma dose 100 vezes menor do fentanil quando comparado a dose da morfina O fentanil eacute extremamente lipossoluacutevel por isso possui o iniacutecio de accedilatildeo raacutepido apoacutes a administraccedilatildeo no entanto possui uma curta duraccedilatildeo de accedilatildeo A lipossolubilidade permite que o fentanil seja administrado atraveacutes da mucosa bucal na forma de pastilha ou pirulitos para pacientes pediaacutetricos e na forma de adesivos transdeacutermicos que permitem a liberaccedilatildeo prolongada em pacientes com dores crocircnicas (Fonseca et al 2018 Manica 2018)

A morfina possui extenso metabolismo de primeira passsagem dessa forma apoacutes a administraccedilatildeo por via oral a morfina eacute metabolizada no fiacutegado e tem sua estrutura quiacutemica alterada antes de chegar a corrente sanguiacutenea e ser distribuiacuteda pelo organismo esse fenocircmeno reduz a biodisponibilidade ou seja diminui a quantidade do faacutermaco original sem alteraccedilotildees metaboacutelicas que chega ateacute a corrente sanguiacutenea Por isso a administraccedilatildeo de morfina eacute preferiacutevel atraveacutes das vias parenterais injetaacuteveis (Rang et al 2016)

A metadona eacute um opioide que possui a maior meia vida plasmaacutetica entre 25 a 35 horas sendo utilizada para o tratamento de pacientes com dor crocircnica de origem oncoloacutegica e no tratamento de dependentes de opioides (Golan et al 2014)

O opioide codeiacutena eacute 20 menos potente que a morfina sendo indicado para dores moderadas como cefaleia e lombalgia e para suprimir a tosse A codeiacutena eacute um proacute-faacutermaco da morfina ou seja uma fraccedilatildeo da moleacutecula da codeiacutena eacute transformada no organismo em morfina atraveacutes de enzimas presentes no fiacutegado (Rang et al 2016)

Receptores Opioides e Distribuiccedilatildeo no Organismo

Existem 04 tipos de receptores opioides denominados de acordo com a terminologia claacutessica de mu kappa delta e nociceptinaorfanina FQ (NOP) cuja descoberta teve iniacutecio em 1973 (Finck 1979) Os opioides como morfina fentanil sulfentanil oxicodona entre outros opioides possuem maior afinidade pelo receptor mu do que pelos outros receptores opioides Assim tanto o efeito analgeacutesico quanto os efeitos adversos destes agonistas satildeo consequentes da

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interaccedilatildeo desses compostos principalmente com o receptor mu por isso esse receptor eacute conhecido como o receptor claacutessico da morfina (Rang et al 2016 Fonseca et al 2018) Desta forma no decorrer do capiacutetulo o foco principal seraacute nas accedilotildees mediadas pelo receptor mu

O receptor mu encontra-se amplamente distribuiacutedo no ceacuterebro (substacircncia cinzenta periaquedutal no mesenceacutefalo) medula espinal (terminaccedilatildeo nervosa central de neurocircnio de primeira ordem e em neurocircnio de segunda ordem presentes no corno dorsal da medula) terminaccedilatildeo nervosa perifeacuterica livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor (apoacutes lesatildeo ou inflamaccedilatildeo) trato gastrointestinal nervo oculomotor (Golan et al 2014)

Mecanismo de Accedilatildeo Analgeacutesico dos Opioides

Todos os opiodes apresentam efeitos cliacutenicos semelhantes Os opioides promovem analgesia a niacutevel supraespinal (ceacuterebro) a niacutevel espinal (corno dorsal) e perifeacuterico (terminaccedilatildeo nervosa livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor) (Golan et al 2014 Katzung 2018)

Em niacutevel supraespinal os opioides promovem a ativaccedilatildeo da via descendente inibitoacuteria da dor Esta via que inibe a dor tem iniacutecio na substacircncia cinzenta periaquedutal (PAG) no mesenceacutefalo e sua ativaccedilatildeo exerce o papel inibindo a dor a niacutevel da medula espinal Fisiologicamente a via descendente inibitoacuteria da dor estaacute inibida pois a dor eacute um mecanismo de defesa sendo importante a sua manifestaccedilatildeo O neurotransmissor que eacute liberado fisiologicamente e inibe a via inibitoacuteria da dor ou seja que permite que conseguimos sentir dor por inibir essa via eacute o aacutecido gama-aminobutiacuterico (GABA) um neurotransmissor inibitoacuterio Na PAG haacute alta expressatildeo dos receptores opioides do tipo mu A ativaccedilatildeo dos receptores mu da PAG por agonistas como a morfina ou opioides endoacutegenos impede a liberaccedilatildeo do GABA Desta forma com a ativaccedilatildeo dos receptores mu na PAG ocorre inibiccedilatildeo da liberaccedilatildeo do GABA e consequentemente a via descendente que inibe a dor a niacutevel espinal eacute liberada promovendo analgesia Contribuindo tambeacutem com a analgesia a niacutevel cerebral a ativaccedilatildeo dos receptores mu pelos opioides reduz o componente afetivo vinculado a dor bem como o modo pelo qual a dor eacute percebida pelo indiviacuteduo (Katzung 2018)

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Na medula espinal atuam a niacutevel do corno dorsal A terminaccedilatildeo nervosa central do neurocircnio aferente primaacuterio (nociceptor) encontra-se no corno dorsal e expressa receptores opioides do tipo mu A ativaccedilatildeo dos receptores mu na terminaccedilatildeo nervosa central inibe a liberaccedilatildeo de vesiacuteculas sinaacutepticas que conteacutem mediadores excitatoacuterios (glutamato substacircncia P) que estatildeo envolvidos na via ascendente da dor No corno dorsal os receptores mu tambeacutem estatildeo expressos em neurocircnios de segunda ordem A ativaccedilatildeo dos receptores mu no neurocircnio de segunda ordem leva a hiperpolarizaccedilatildeo desse neurocircnio ou seja seu interior fica mais negativo dificultando a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo consequentemente a informaccedilatildeo dolorosa (geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo) natildeo seraacute gerada e natildeo seraacute transmitida ao ceacuterebro (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung 2018)

Em termos perifeacutericos na ausecircncia de lesatildeo ou processo inflamatoacuterio a terminaccedilatildeo nervosa livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor natildeo expressa receptores opioides No entanto apoacutes injuacuteria ou inflamaccedilatildeo haacute induccedilatildeo da expressatildeo de receptores do tipo mu A ativaccedilatildeo desses receptores a niacutevel perifeacuterico leva a hiperpolarizaccedilatildeo do nociceptor dificultando a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo e consequentemente a informaccedilatildeo dolorosa (potencial de accedilatildeo) natildeo eacute transmitida da periferia para o corno dorsal da medula espinal (Oaklander 2011)

Principais Efeitos Adversos Opioides

Tanto o efeito analgeacutesico quanto os efeitos adversos dos diferentes opioides satildeo semelhantes o que pode ocorrer satildeo variaccedilotildees em relaccedilatildeo a intensidade desses efeitos (Golan et al 2014) O surgimento de efeitos adversos reduz a adesatildeo do paciente ao tratamento da mesma forma que a reduccedilatildeo da dose para tentar minimizar os efeitos adversos compromete a analgesia satisfatoacuteria (Benyamin et al 2008)

No sistema nervoso central os opioides promovem sedaccedilatildeo que pode reduzir a capacidade de concentraccedilatildeo e gerar acidentes e em pacientes ambulatoriais e idosos a sedaccedilatildeo pode levar a queda Os agonistas dos receptores mu tambeacutem podem promover euforia que gera bem-estar e contentamento e este efeito estaacute associado a procura pelo opioide por alguns pacientes O principal e mais

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preocupante efeito adverso eacute a depressatildeo respiratoacuteria Os opioides atuam atraveacutes da ativaccedilatildeo dos receptores mu no centro do controle respiratoacuterio no bulbo reduzindo a resposta respiratoacuteria ao dioacutexido de carbono levando a depressatildeo respiratoacuteria O risco de depressatildeo respiratoacuteria aumenta com doses maiores quando combinados a outros faacutermacos depressores do sistema nervoso central como benzodiazepiacutenicos e tambeacutem na presenccedila de doenccedilas respiratoacuterias Os opioides atuam no centro da tosse deprimindo o reflexo da tosse (Fonseca et al 2018 Manica 2018)

Essa classe de faacutermacos tambeacutem promovem miose atuam na zona quimiorreceptora bulbar promovendo naacuteuseas e vocircmitos no trato gastrointestinal gerando constipaccedilatildeo diminuem o esvaziamento gaacutestrico promovem retenccedilatildeo urinaacuteria induzem liberaccedilatildeo de prolactina somatotropina hormocircnio luteizante diminuem tocircnus simpaacutetico o que pode resultar em hipotensatildeo ortostaacutetica e geram bradicardia Principalmente a morfina quando administrada por via endovenosa pode promover a degranulaccedilatildeo de mastoacutecitos e liberaccedilatildeo de histamina que pode gerar hipotensatildeo prurido e broncoconstriccedilatildeo (Golan et al 2014) Estudos demonstram que a administraccedilatildeo crocircnica de opioides pode reduzir a resposta imune inata e a adaptativa predispondo a infecccedilotildees (Peterson Molitor amp Chao 1998 Dimitrijević et al 2000 Sehgal Colson amp Smith 2013)

Toleracircncia

Em termos gerais a toleracircncia para a analgesia clinicamente manifesta-se 2 a 3 semanas apoacutes o iniacutecio da terapia com doses terapecircuticas habituais de opioides (Katzung et al 2018) Com o surgimento da toleracircncia observa-se a perda da eficaacutecia sendo necessaacuterio o aumento da dose do opioide para a obtenccedilatildeo da analgesia inicial e frente a esse cenaacuterio muitas vezes a toleracircncia acaba sendo confundida com dependecircncia jaacute que o paciente solicita doses maiores para a obtenccedilatildeo da analgesia (Benyamin et al 2008 Golan et al 2014 Angst 2015) A toleracircncia pode ocorrer mais raacutepido com o uso de doses elevadas em intervalos curtos de administraccedilatildeo (Katzung et al 2018)

O receptor mu opioide eacute um receptor acoplado a proteina G do tipo inibitoacuteria A ativaccedilatildeo frequente desse receptor pelos agonistas

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opioides promove dessensibilizaccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo do receptor ou seja ocorreraacute a diminuiccedilatildeo da expressatildeo do receptor na superfiacutecie celular em decorrecircncia do uso dos opioides com essa reduccedilatildeo de receptores haacute a reduccedilatildeo do efeito analgeacutesico (Williams et al 2013 Varrassi et al 2018) Com o surgimento da toleracircncia eacute necessaacuterio aumentar a dose ou realizar a rotaccedilatildeo que eacute a troca de um opioide por outro na praacutetica a realizaccedilatildeo da rotaccedilatildeo de opioides varia entre 15 a 40 (Nalamachu 2012) A toleracircncia acontece para analgesia depressatildeo respiratoacuteria euforia Contudo natildeo haacute toleracircncia para miose e constipaccedilatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

Dependecircncia Fiacutesica

Frequentemente junto com a toleracircncia eacute observado a dependecircncia fiacutesica A dependecircncia fiacutesica por opioides ocorre quando haacute a interrupccedilatildeo abrupta do uso ou quando eacute administrado um antagonista dos receptores opioides resultando na siacutendrome de abstinecircncia A siacutendrome de abstinecircncia eacute caracterizada por agitaccedilatildeo ansiedade insocircnia anorexia bocejo transpiraccedilatildeo febre vocircmito diarreia coacutelica rinorreia respiraccedilatildeo ofegante hipertensatildeo dilataccedilatildeo pupilar tremor dor muscular e convulsatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

A dependecircncia fiacutesica eacute comum entre pacientes que fazem uso de opioides possuir dependecircncia fiacutesica natildeo eacute sinocircnimo de adicccedilatildeo pois um paciente tratado com opioide pode ser dependente fiacutesico sem ser dependente psicoloacutegico (Rang et al 2016)

Tendo como exemplo a morfina a siacutendrome de abstinecircncia comeccedila a se manifestar entre 6 a 10 horas apoacutes a uacuteltima dose administrada sendo os efeitos maacuteximos da siacutendrome de abstinecircncia observados em 36 a 48 horas e pode perdurar por alguns dias (Rang et al 2016)

Quando o tratamento com opioides pode ser finalizado eacute importante realizar uma descontinuaccedilatildeo do faacutermaco de forma gradual reduzindo as doses administradas para que a siacutendrome de abstinecircncia seja minimizada (Benyamin et al 2008)

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Adicccedilatildeo ou Dependecircncia Psicoloacutegica

O risco de adicccedilatildeo eacute uma das principais preocupaccedilotildees para a prescriccedilatildeo de opioides Na adicccedilatildeo por opioides ocorre alteraccedilotildees nas vias de recompensa cerebrais que culmina com o uso abusivo e o comportamento compulsivo de busca pela substacircncia independente dos danos gerados pelo uso abusivo ou dos riscos decorrentes da busca por opioides (Golan 2014) A adiccedilatildeo constitui um efeito adverso potencial da administraccedilatildeo de opioides e o desejo compulsivo por esta classe de faacutermacos pode persistir por meses ou ateacute anos apoacutes a uacuteltima administraccedilatildeo (Rang et a 2016)

Hiperalgesia Induzida por Uso Crocircnico de Opioides

Na hiperalgesia induzida por opioides ocorre aumento da dor em pacientes em terapia crocircnica com essa classe de faacutermacos A hiperalgesia induzida por opioides eacute diferente da toleracircncia para a analgesia Na hiperalgesia por opioides a dor permanece mesmo com o aumento de doses haacute dor com uso de opioide na ausecircncia da progressatildeo da doenccedila e presenccedila de dor natildeo associada agrave dor original Um dos mecanismos envolvidos na hiperalgesia por opioides envolve a ativaccedilatildeo do sistema glumateacutergico e os receptores NMDA Um dos tratamentos para evitar ou reduzir a hiperalgesia consiste no uso de antagonistas do receptor NMDA como a cetamina (Silverman 2009 Angst 2015)

Tratamento da Intoxicaccedilatildeo Aguda por Opioides

Para o tratamento de overdose e reversatildeo da depressatildeo respiratoacuteria por intoxicaccedilatildeo aguda de opioides eacute necessaacuterio o uso de antagonistas do receptor mu como a naloxona por via endovenosa O antagonista possui alta afinidade pelos receptores mu e com isso impede que o opioide interaja e ative o receptor (Golan et al 2014 Fonseca et al 2018 Manica 2018)

A naloxona possui a meia vida menor do que dos opioides assim o paciente precisa ser monitorado para que natildeo ocorra retorno da depressatildeo respiratoacuteria ateacute que o opioide tenha sido eliminado do organismo (Golan et al 2014)

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A naltrexona eacute um antagonista que possui uma meia vida de eliminaccedilatildeo maior eacute administrado por via oral em pacientes dependentes de opioides para o tratamento de desintoxicaccedilatildeo (Fonseca et al 2018)

Consideraccedilotildees Finais

A dor crocircnica eacute uma condiccedilatildeo debilitante afeta a produtividade e a qualidade de vida do paciente Entre os faacutermacos mais utilizados no tratamento da dor crocircnica estatildeo os AINEs que atuam atraveacutes da inibiccedilatildeo da siacutentese de prostanoides diminuindo os sinais e sintomas da inflamaccedilatildeo e reduzindo a dor Essa classe de faacutermacos natildeo gera dependecircncia fiacutesica nem psicoloacutegica no entanto estaacute relacionada com alta incidecircncia de efeitos adversos particularmente distuacuterbios no trato gastrointestinal de pacientes que fazem uso crocircnico o que dificulta a adesatildeo ao tratamento Em diversos paiacuteses como Estados Unidos e Canadaacute os opioides satildeo usados para o tratamento da dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica no entanto o benefiacutecio do uso de opioides para o tratamento da dor crocircnica ainda necessita cautela Os opiodes promovem inuacutemeros efeitos adversos como naacuteusea vocircmitos constipaccedilatildeo sedaccedilatildeo depressatildeo respiratoacuteria o que propicia ao paciente a interrupccedilatildeo do tratamento Aleacutem disso o uso de opioides estaacute relacionado ao desenvolvimento de toleracircncia dependecircncia fiacutesica possiacutevel dependecircncia psicoloacutegica hiperalgesia e alteraccedilotildees no sistema imune Desta forma o tratamento para a dor crocircnica deve possuir uma abordagem multidisciplinar que considere as caracteriacutesticas individuais do paciente para que o tratamento mais adequado para a reduccedilatildeo da dor seja empregado

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Epilepsia em Catildees

Lucas Aleacutecio GomesUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Neste capiacutetulo os termos crise epileacutetica e convulsatildeo epileacutetica seratildeo utilizados como sinocircnimos surgindo ao longo do texto de forma mesclada Essa escolha se deve a orientaccedilotildees presentes na literatura consultada a exemplo do ldquoInternational veterinary task force consensus report on epilepsy definition classification and terminology in companion animalsrdquo (publicado em 2015) do ldquo2015 ACVIM small animal consensus statement on seizure management in dogs rdquo (publicado em 2016) e tambeacutem em consideraccedilatildeo ao senso comum cujo termo convulsatildeo ainda permanece amplamente utilizado tanto por meacutedicos veterinaacuterios quanto pelos tutores dos animais

A crise epileacutetica ou convulsatildeo epileacutetica ocorre devido a um distuacuterbio eleacutetrico transitoacuterio excessivo ou sincrocircnico envolvendo neurocircnios cerebrais Quando um animal apresenta crise epileacutetica a localizaccedilatildeo neuroanatocircmica corresponde ao prosenceacutefalo (ceacuterebro) (Heller 2018 Prada 2014) A causa de base poderaacute ser estrutural ou quiacutemica e poderaacute ocasionar desequiliacutebrio entre os mecanismos de excitaccedilatildeo e inibiccedilatildeo cerebral que por vezes iraacute culminar com uma disfunccedilatildeo do prosenceacutefalo Quando as crises epileacuteticas se tornam recorrentes entatildeo elas passam a ser denominadas de epilepsia cuja causa pode ser idiopaacutetica ou primaacuteria geneacutetica (na qual genes especiacuteficos para doenccedila satildeo detectados ou quando haacute fortes evidencias do problema dentro de uma linhagem familiar) estrutural (alteraccedilotildees estruturais no ceacuterebro por exemplo inflamaccedilatildeo infecccedilatildeo neoplasia) ou reativa (denominada anteriormente de secundaacuteria) Assim sendo destaca-se que a epilepsia idiopaacutetica eacute considerada quando exames de sangue imagens de ressonacircncia magneacutetica

Autor para correspondecircncia

lucasaleciogmailcom

Departamento de Cliacutenicas

Veterinaacuterias Rod Celso Garcia Cid

PR 445 Km 380 CEP 86051-980

Londrina - Paranaacute ndash Brasil fone 55+

(43) 3371-4559

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do enceacutefalo e anaacutelise de liacutequido cerebrospinal satildeo normais poreacutem o diagnoacutestico cliacutenico eacute aceitaacutevel se nenhuma doenccedila de base for identificada a idade for entre 6 meses e 6 anos e natildeo houver alteraccedilotildees neuroloacutegicas entre os periacuteodos de criseconvulsatildeo epileacutetica (Berendt et al 2015 Coates amp Orsquobrien 2017 Kaczmarska et al 2020 Fisher et al 2005 2014 Lavely 2014 Platt 2012 Podell et al 2016 Thomas amp Dewey 2016) Entretanto a causa etioloacutegica em muitos casos permanece natildeo esclarecida (Seppaumlllauml et al 2012)

O termo idiopaacutetico significa uma doenccedila de causa desconhecida mas para ser mais didaacutetico o termo deve claramente definir uma entidade Em pessoas algumas epilepsias previamente classificadas como ldquoidiopaacuteticasrdquo passaram a ser associadas a aspectos geneacuteticos Seguindo esta linha de raciociacutenio sugere-se que o sistema preacutevio de classificaccedilatildeo da epilepsia elaborado pela International League Against Epilepsy (ILAE) no qual a epilepsia era denominada idiopaacutetica sintomaacutetica e criptogecircnica seja reconsiderado e tais nomeaccedilotildees redefinidas para geneacutetica estruturalmetaboacutelica e as de causa desconhecida Para que haja uniformidade na nomenclatura utilizada a respeito de epilepsia a Medicina Veterinaacuteria tem seguido alguns modelos propostos pela ILAE a qual se refere a seres humanos entretanto ainda permanece em parte a ausecircncia de um consenso uma vez que nem todos os termos utilizados pela ILAE se adequam ao que ocorre na Medicina Veterinaacuteria (Berendt et al 2015 Charalambous et al 2017 Coates amp Orsquobrien 2017 Thomas amp Dewey 2016)

Estima-se que a ocorrecircncia de epilepsia na populaccedilatildeo de catildees em geral corresponda a 06 a 075 embora natildeo exista ainda uma quantificaccedilatildeo exata confirmada (Berendt et al 2015 Coates amp Orsquobrien 2017) A maioria dos catildees com epilepsia tem causa idiopaacutetica enquanto que apenas 0-22 dos gatos apresentam a doenccedila na sua forma idiopaacutetica Em relaccedilatildeo ao sexo os catildees machos satildeo ligeiramente mais acometidos que as fecircmeas poreacutem em se tratando de gatos ateacute o momento natildeo foi identificada qualquer influecircncia quanto ao sexo Eacute importante destacar que em cadelas no periacuteodo do estro parece haver diminuiccedilatildeo do limiar para convulsatildeo tornando-se assim um fator de risco importante a ser considerado condiccedilatildeo essa bem documentada em seres humanos com epilepsia catamenial (De Lahunta amp Glass 2009 Herzog et al 1997 Van Meervenne et al

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2015) A idade de manifestaccedilatildeo das crises epileacuteticas idiopaacuteticas nos catildees ocorre usualmente entre 6 meses a 6 anos de idade sendo que em um estudo a meacutedia foi de 26 anos enquanto que em outro grande estudo envolvendo 407 catildees a meacutedia de ocorrecircncia da primeira crise epileacutetica foi aos 39 anos de idade (Coates amp Orsquobrien 2017 Jaggy amp Bernardini 1998 Wahle et al 2014) Entretanto haacute casos em que a doenccedila se manifesta aos 3 meses ou aos 10 anos de idade demonstrando assim que ela pode ter uma amplitude grande no que diz respeito a idade Algumas raccedilas satildeo predispostas a epilepsia idiopaacutetica como o Pastor belga Poodle Beagle Retriever Bernese Boxer Dachshund Setter irlandecircs Schnauzer miniatura Satildeo Bernardo Cocker Spaniel Pastor alematildeo Keeshond Vizla Husky siberiano Lagotto Romagnolo Wolfhound irlandecircs etc (Berendt amp Gram 1999 Berendt et al 2015 Heske et al 2014 Platt (2012) Jaggy amp Bernardini 1998 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

A epilepsia eacute um processo enfermo heterogecircneo complicado pela incapacidade de obter um diagnoacutestico definitivo para todos os pacientes como consequecircncia dos desafios proporcionados pela limitaccedilatildeo dos testes diagnoacutesticos devido a restriccedilotildees financeiras imprevisibilidade da progressatildeo da doenccedila e lacunas no conhecimento da sua fisiopatologia (Armaşu et al 2014 Berendt et al 2015)

Estaacutegios da CriseConvulsatildeo Epileacutetica

As crisesconvulsotildees epileacuteticas apresentam estaacutegios ou fases diferentes que satildeo

Proacutedromo ndash essa fase precede a criseconvulsatildeo e pode durar de horas ou dias Ela se caracteriza por alteraccedilotildees comportamentais como se esconder agitaccedilatildeo ansiedade medo etc

Aura - eacute uma sensaccedilatildeo subjetiva que caracteriza o iniacutecio da criseconvulsatildeo Atualmente a International Veterinary Epilepsy Task Force recomenda que o termo ldquoaurardquo natildeo seja utilizado supondo que as alteraccedilotildees observadas pelo tutor do animal antes da convulsatildeo ocorrer na realidade jaacute eacute o iniacutecio da crise epileacutetica

Ictus ndash eacute a criseconvulsatildeo per se

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Poacutes-ictus ndash essa fase eacute caracterizada por comportamento atiacutepico logo apoacutes a crise epileacutetica como andar compulsivo cegueira salivaccedilatildeo ingestatildeo compulsiva de aacutegua eou comida desorientaccedilatildeo letargia agressatildeo deliacuterio e eventualmente ato de micccedilatildeo inapropriado (Berendt amp Gram 1999 Berendt et al 2015 De Lahunta amp Glass 2009 Heller 2018 Platt 2012 Podell et al 1995 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

Quanto agrave forma de manifestaccedilatildeo ou seja os sinais observados nos catildees em crise epileacuteticas elas podem ser generalizadas focais ou focais complexas As generalizadas satildeo caracterizadas pela perda de consciecircncia e por envolver o corpo todo (figura 1 e 2) As focais causam alteraccedilotildees de movimento em uma parte do corpo e pode ou natildeo haver alteraccedilatildeo de consciecircncia As crises focais complexas satildeo descritas com alteraccedilatildeo de consciecircncia andar ou correr de forma anormal ptialismo movimentos faciais e mudanccedilas repentinas no estado mental (Berendt amp Gram 1999 Heller 2018 Platt 2012 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

Figura 1 Imagem obtida a partir de viacutedeo ndash crise epileacutetica generalizada Evidencia-se sialorreia

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Figura 2 Imagem obtida a partir de viacutedeo Crise epileacutetica generalizada

Um outro tipo de convulsatildeo epileacutetica chamada de convulsotildees reflexas nos seres humanos pode ser desencadeada por uma variedade de funccedilotildees sensoriais motoras e cognitivas Estiacutemulos visuais auditivos somaacutetico sensoriais associados com crises incluem luzes ldquopiscantesrdquo muacutesica aacutegua quente e sustos Essas convulsotildees tambeacutem podem ser induzidas por pensamento excessivo ou pela realizaccedilatildeo de tarefas complexas ligadas agrave cogniccedilatildeo A exemplo do que ocorre em seres humanos os animais tambeacutem podem apresentar criseconvulsatildeo epileacutetica reflexa que pode ser desencadeada por estiacutemulo sonoro (ex muacutesica) visual (ex foacutetico) ou taacutetil (ex durante o banho) Essas convulsotildees epileacuteticas podem ser focais (o mais comum) ou generalizadas Recentemente foi descrita em catildees um tipo de convulsatildeo reflexa desencadeada pelo ato de se alimentar e o no referido estudo os autores observaram que a causa pode ser idiopaacutetica ou estrutural (Brocal et al 2020) Convulsotildees reflexas satildeo incomuns em catildees poreacutem existem alguns relatos demonstrando que luz som e movimentos nos campos visuais satildeo bem conhecidos como gatilhos para a ocorrecircncia de epilepsia mioclocircnica em catildees com doenccedila de Lafora (Berendt et al 2015 Engel 2001 Lowrie et al 2016 Lowrie et al 2017 Potschka at al 2013 Okudan amp Oumlzkara 2018 Wolf 2017)

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Diagnoacutestico

A International Veterinary Epilepsy Task Force realizou um consenso em 2015 e elaborou alguns passos fundamentais na abordagem diagnoacutestica para um paciente com crisesconvulsotildees epileacuteticas O iniacutecio dessa abordagem depende de se estabelecer se a convulsatildeo eacute realmente uma crise epileacutetica excluindo portanto a presenccedila de possiacuteveis alteraccedilotildees episoacutedicas paroxiacutesticas (siacutencope distuacuterbios do movimento narcolepsia cataplexia etc) Outro aspecto considerado elementar eacute identificar a causa de base das crises epileacuteticas e assim classificaacute-las em crises reativas (metaboacutelicas ndash ex hipoglicemia encefalopatia hepaacutetica alteraccedilotildees de eletroacutelitos uremia hipertensatildeo ou toacutexicas ndash ex organofosforadocarbamato estricnina intoxicaccedilatildeo por chumbo etc) estrutural (infecccedilatildeo inflamaccedilatildeo anomalia degeneraccedilatildeo neoplasia trauma acidente vascular) e idiopaacutetica cujo diagnoacutestico se daacute por exclusatildeo levando em consideraccedilatildeo a idade exame fiacutesico e neuroloacutegico normais entre os episoacutedios de crise epileacutetica e exames complementares sem alteraccedilotildees (Brauer et al 2011 De Risio et al 2015 Paacutekozdy et al 2008)

O histoacuterico do paciente deve ser obtido de forma detalhada e a descriccedilatildeo de como as convulsotildees ocorrem eacute de suma importacircncia para que o meacutedico veterinaacuterio possa avaliar se a condiccedilatildeo descrita eacute realmente uma crise epileacutetica Atualmente eacute comum e sensato solicitar que o responsaacutevel pelo animal registre o episoacutedio por meio de viacutedeo o que facilita a interpretaccedilatildeo do problema O histoacuterico familiar de crises epileacuteticas eacute um forte indicativo de base geneacutetica associada ao problema e testes geneacuteticos podem confirmar o diagnoacutestico quando disponiacuteveis Por outro lado informaccedilotildees sobre a ingestatildeo de plantas uso de pesticidas ou dedetizaccedilatildeo do ambiente banhos com produtos ectoparasiticidas fornecimento de medicaccedilotildees recentemente acesso agrave rua traumatismos viagens situaccedilotildees estressantes aumento na ingestatildeo de aacutegua eou do apetite maior produccedilatildeo de urina cansaccedilo faacutecil espirros tosse secreccedilatildeo nasal eou ocular claudicaccedilatildeo entre outras alteraccedilotildees a priori deveratildeo ser tratados como indiacutecios de relaccedilatildeo com a crise epileacutetica ateacute que contraacuterio seja estabelecido (Berendt et al 2009 De Risio et al 2015 Thomas Dewey 2016)

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A idade do animal bem como a raccedila podem dar indiacutecios de possiacuteveis doenccedilas o que otimiza a lista de diagnoacutesticos diferenciais a ser elaborada Por exemplo filhotes satildeo mais acometidos por doenccedilas infecciosas e traumatismo adultos podem ser mais propensos a doenccedilas metaboacutelicas ou epilepsia idiopaacutetica se as crises ocorrem entre 6 meses e 6 anos de idade Por outro lado catildees e gatos acima de 8 anos que apresentem convulsotildees epileacuteticas possuem grande chance de neoplasia intracraniana Entretanto eacute necessaacuterio destacar que essas satildeo diretrizes que auxiliam na abordagem do paciente epileacuteptico a fim de organizar o raciociacutenio cliacutenico na abordagem de pacientes com crisesconvulsotildees epileacuteticas com o objetivo de extrair o melhor das informaccedilotildees oriundas do histoacuterico e da resenha do animal (Heller 2018 Lavely 2014 Platt 2012 Paacutekozdy et al 2008 Thomas amp Dewey 2016)

O proacuteximo passo eacute a realizaccedilatildeo de exame fiacutesico minucioso para confirmar ou excluir alteraccedilotildees na coloraccedilatildeo de mucosas sangramento superficial espontacircneo aumento de volume abdominal dispneia crepitaccedilotildees pulmonares e assim por diante as quais possam sugerir doenccedilas sistecircmicasmetaboacutelicas A identificaccedilatildeo de problemas eacute fundamental para otimizar o raciociacutenio cliacutenico a lista de diagnoacutesticos diferenciais e o plano diagnoacutestico a ser elaborado poupando tempo e custos desnecessaacuterios para o responsaacutevel pelo animal Aleacutem disso auxiliaraacute a definir se haacute algum sistema acometido e confirmar ou excluir uma possiacutevel relaccedilatildeo com as crises epileacuteticas (De Lahunta amp Glass 2009 Heller 2018 Lavely 2014 Paacutekozdy et al 2008 Thomas amp Dewey 2016)

A etapa seguinte compreende o exame neuroloacutegico a fim de identificar ou excluir alteraccedilotildees neuroloacutegicas evidentes ou sutis e a partir disso localizar a lesatildeo essa etapa eacute denominada de diagnoacutestico neuroanatocircmico e as causas do problema ou seja diagnoacutestico etioloacutegico podem ser variadas O diagnoacutestico neuroanatocircmico eacute de suma importacircncia uma vez que representa a base da neurologia cliacutenica e portanto forneceraacute informaccedilotildees para que o meacutedico veterinaacuterio priorize a sua lista de diagnoacutesticos diferentes perante o paciente Por exemplo se o animal estaacute com crises epileacuteticas e outras alteraccedilotildees neuroloacutegicas como sinais vestibulares ou cerebelares a siacutendrome eacute classificada como multifocal por outro lado se a uacutenica manifestaccedilatildeo satildeo as crises epileacuteticas considera-se que o problema

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acomete apenas o ceacuterebro Esses elementos e informaccedilotildees ajudaratildeo nas decisotildees seguintes e quanto aos exames a serem solicitados com o objetivo de se estabelecer diagnoacutestico definitivo ou se aproximar dele por meio de exclusotildees Quando entre as crises epileacuteticas natildeo haacute qualquer alteraccedilatildeo neuroloacutegica apoacutes a recuperaccedilatildeo da consciecircncia haacute grande chance de se estar diante de um caso de epilepsia idiopaacutetica poreacutem faz-se novamente necessaacuterio destacar a importacircncia da resenha e histoacuterico como pilares na fundamentaccedilatildeo desse raciociacutenio (De Lahunta amp Glass 2009 Schatzberg 2017)

Diagnoacutesticos Diferenciais

Apoacutes as todas as informaccedilotildees tenham sido colhidas estabelecer uma lista de diagnoacutesticos diferenciais iraacute otimizar a abordagem cliacutenica e minimizaraacute as chances de erros uma vez que um plano diagnoacutestico sequencial deve ser estabelecido com base nas possiacuteveis causas listadas O diagnoacutestico diferencial deve se basear no algoritmo mnemocircnico chamado de DINAMITE o qual seraacute explicado a seguir ldquoDrdquo estaacute para doenccedilas degenerativas ldquoIrdquo para infecciosas e inflamatoacuterias ldquoNrdquo para neoplaacutesicas e nutricionais ldquoArdquo para anomalias ldquoMrdquo metaboacutelicas ldquoIrdquo idiopaacuteticas ldquoTrdquo para traumaacuteticas e toacutexicas e ldquoErdquo para endoteliais como acidente vascular cerebral trombos hipoacutexia vasculite

Exames Complementares

Os exames laboratoriais de rotina como hemograma urinaacutelise e bioquiacutemicos seacutericos devem ser realizados com o objetivo de identificar causas intracranianas ou extracranianas

Quando a suspeita eacute de causa intracraniana aleacutem dos exames citados podem ser solicitados Ressonacircncia Magneacutetica ou Tomografia do ceacuterebro bem como anaacutelise de liacutequido cerebrospinal (LCE) Caso haja sinais de inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo no LCE eou na imagem exames de PCRsorologiascitologias poderatildeo ser solicitados No processo de investigaccedilatildeo para confirmar ou excluir neoplasias primaacuterias ou metastaacuteticas a imagens de toacuterax e abdome deveratildeo ser consideradas

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Por outro lado se a suspeita for de causa extracraniana alteraccedilotildees bioquiacutemicas e na urinaacutelise podem ser mais comuns e testes especiacuteficos como dosagem de aacutecidos biliares podem ajudar a direcionar o caso quanto a possiacutevel desvio portossistecircmico entretanto causas infecciosas podem estar presentes assim sendo exames de PCRsorologiascitologias devem ser considerados tambeacutem (Schatzberg 2017 Coates amp OrsquoBrien 2017)

Nos casos de epilepsia idiopaacutetica os resultados dos exames seratildeo normais e natildeo haveraacute alteraccedilotildees no exame fiacutesico e no exame neuroloacutegico no periacuteodo entre as convulsotildees epileacuteticas Embora a realizaccedilatildeo de exames de RM ou TC e anaacutelise de LCE sejam preconizados para pacientes com suspeita de epilepsia idiopaacutetica quando da impossibilidade de realizaccedilatildeo deles eacute aceitaacutevel que o diagnoacutestico seja sustentado com base nas seguintes caracteriacutesticas idade adequada hemograma normal bioquiacutemicos normais e crises epileacuteticas usualmente generalizadas ou seja essas condiccedilotildees podem servir de elementos para que o cliacutenico se baseie na elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico presuntivo de epilepsia idiopaacutetica Poreacutem alguns catildees podem apresentar alteraccedilotildees nas imagens de RM ou TC do ceacuterebro bem como no LCE devido as proacuteprias crises epileacuteticas ocasionarem danos neuronais sendo que este fenocircmeno eacute transitoacuterio (De Lahunta 2014 Dewey amp Da Costa 2016 Mellema et al 1999 Platt 2012 Paacutekozdy et al 2008 Podell 2013 Podel et al 2016)

Tratamento

O objetivo do tratamento para um catildeo com epilepsia deve ser baseado no equiliacutebrio entre a habilidade de eliminar as crises epileacuteticas e a qualidade de vida do paciente Frequentemente a eliminaccedilatildeo total das crises epileacuteticas eacute algo pouco provaacutevel Por outro lado realisticamente se objetiva a reduccedilatildeo na quantidade duraccedilatildeo e gravidade das crises epileacuteticas com o menor toleraacutevel ou nenhum efeito colateral das medicaccedilotildees preservando ao maacuteximo a qualidade de vida dos animais Eacute muito importante que seja esclarecido para o responsaacutevel pelo animal que mesmo com o tratamento provavelmente as crises ainda ocorreratildeo e esta condiccedilatildeo estaraacute frequentemente presente perante a casos suspeitos ou confirmados

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de epilepsia idiopaacutetica ou doenccedila estrutural sem perspectiva de cura (por exemplo alguns tipos de neoplasias intracranianas Bhattiet al 2015 Changet al 2006 Dewey amp Da Costa 2016 Thomas 2010)

A decisatildeo em iniciar o tratamento com medicaccedilotildees anticonvulsivantes deve ser guiada pelas seguintes diretrizes

bull A presenccedila de lesatildeo estrutural identificaacutevel ou histoacuteria preacutevia de doenccedilatrauma cerebral crises recorrentes agudas ou status epilepticus (duraccedilatildeo de uma crise por 5 minutos ou mais ou 3 ou mais crises epileacuteticas generalizadas num periacuteodo de 24 horas)

bull Duas ou mais crises convulsivas estatildeo ocorrendo dentro de um periacuteodo de 6 meses

bull Estado poacutes-ictal eacute grave incompatiacutevel (por exemplo agressividade cegueira) ou dura por mais de 24 horas

bull A frequecircncia das crises estaacute aumentando eou a gravidade se torna maior durante longo de 3 periacuteodos interictais (Bhatti et al 2015 Platt 2012 Podell et al 2016)

Pacientes com apenas uma convulsatildeo epileacutetica com convulsotildees induzidas ou com convulsotildees intercaladas por um periacuteodo prolongado (mais que 6 meses) usualmente natildeo necessitam de tratamento de manutenccedilatildeo (Thomas 2010)

A escolha da medicaccedilatildeo antiepileacutetica para iniciar o tratamento deve ser pautada em fatores tanto relacionados ao paciente quanto ao responsaacutevel pelo animal Assim sendo aspectos como tolerabilidade efeitos colaterais seguranccedila frequecircncia de administraccedilatildeo interaccedilotildees medicamentosas o tipo de crise epileacutetica a frequecircncia e etiologia bem como doenccedilas de base renais hepaacuteticas gastrintestinais e outras satildeo levadas em consideraccedilatildeo para que a escolha do medicamento seja adequada Quanto ao responsaacutevel pelo animal os aspectos a serem considerados incluem disponibilidade de horaacuterios para administrar a (s) medicaccedilatildeo (otildees) e a condiccedilatildeo financeira (Bhatti et al 2015 Brauer et al 2011 Coates amp OrsquoBrien 2017 Platt 2012 Podell et al 2016)

O tratamento para um catildeo com epilepsia obviamente seraacute dependente do diagnoacutestico confirmado ou presuntivo por exemplo doenccedilas inflamatoacuterias satildeo tratadas com anti-inflamatoacuteriosimunossupressores doenccedilas infecciosas com medicaccedilotildees especiacuteficas como antibioacuteticos antifuacutengicos protozoaricidas entre outros e a epilepsia idiopaacutetica com antiepileacutepticos e assim

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sucessivamente Independente da causa de base abolir as crises ou pelo menos diminuir a intensidade de suas manifestaccedilotildees eacute um consenso na abordagem desses pacientes e para tanto se faz necessaacuterio a administraccedilatildeo de faacutermacos com accedilatildeo antiepileacutetica Apoacutes os controles das crises se a doenccedila de base for resolvida chance de o animal natildeo apresentar novos episoacutedios eacute consideraacutevel e portanto teraacute uma vida normal (Brauer et al 2011 Brodie 2010 Thomas 2010 Wessmann et al 2016)

Medicaccedilotildees Antiepileacuteticas

Nesse toacutepico seratildeo apresentadas apenas as medicaccedilotildees mais utilizadas no tratamento de manutenccedilatildeo para catildees com epilepsia ou seja natildeo seratildeo abordados protocolos para situaccedilotildees de emergecircncia como nos casos de ldquostatus epilepticusrdquo tatildeo pouco no referente aos medicamentos utilizados com menor frequecircncia

Fernobarbital

O faacutermaco mais amplamente utilizado no controle das crises epileacuteticas eacute o fenobarbital o qual pertence agrave classe dos barbituacutericos e foi descrito como medicaccedilatildeo anticonvulsivante em 1912 A dosagem da medicaccedilatildeo eacute padronizada poreacutem em alguns casos ela poderaacute ser individualizada ou seja alguns animais poderatildeo necessitar de dose menor (infrequente) e outros de dose maior sendo que este medicamento usualmente eacute bem tolerado Alteraccedilotildees como sedaccedilatildeo fraqueza generalizada ataxia sonolecircncia podem ocorrer logo no iniacutecio do tratamento e usualmente desaparecem entre 7 a 14 dias e destaca-se que estes problemas parecem natildeo ter relaccedilatildeo com a dose utilizada Eacute necessaacuterio destacar que a qualidade de vida de catildees recebendo tratamento antiepileacutetico pode em alguns casos permanecer de leve a moderadamente prejudicada por situaccedilotildees como maior periacuteodo de sono e eventualmente fraqueza muscularperda discreta de equiliacutebrio Alteraccedilotildees mais crocircnicas como poliuacuteria polidipsia e polifagia tambeacutem satildeo registradas Problemas hematoloacutegicos como trombocitopenia anemia imunomediada e

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neutropenia tambeacutem foram documentados e ocorrem com baixa frequecircncia Quanto a possiacuteveis alteraccedilotildees bioquiacutemicas o mais comum eacute o aumento da fosfatase alcalina o qual se torna evidente jaacute nas primeiras semanas apoacutes iniciar o tratamento Na literatura estaacute bem documentado embora seja mais raro de ocorrer a presenccedila de hepatotoxicidade a qual usualmente se manifesta quando as concentraccedilotildees seacutericas do fenobarbital ultrapassem o limite superior recomentado (35 a 45 microgmL) (Cochrane et al 1990a Cochrane et al 1990b Charalambous et al 2016 Finnerty et al 2014 Hauptmann 1912 Heller 2018 Podell 2013 Bunch et al 1984 Thomas amp Dewey 2016 Wessmann et al 2016)

Apoacutes iniciar a terapia concentraccedilotildees seacutericas de fenobarbital devem ser obtidas com o objetivo de avaliar se os valores terapecircuticos estatildeo adequados prevenir hepatotoxidade e estabelecer esquema terapecircutico individualizado caso seja necessaacuterio Esse procedimento deve ser realizado 15 dias apoacutes o iniacutecio do tratamento com o animal em jejum a antes de fornecer a primeira dose do dia embora esteja documentado que animais com concentraccedilatildeo seacuterica estaacutevel e adequada usualmente natildeo apresentam alteraccedilotildees seacutericas importantes ao longo do dia Depois devem ser realizadas dosagens seacutericas aos 45 dias e a cada 180 dias para fins de acompanhamento (Podell et al 2016 Ravis et al 1989 Thurman et al 1990)

Quando um animal em tratamento apresenta crises novamente eacute muito importante em primeiro lugar verificar se houve alteraccedilatildeofalha no manejo de fornecimento da medicaccedilatildeo e a dosagem seacuterica deve ser verificada A dosagem seacuterica tambeacutem estaacute indicada quando se pretende realizar ajustes na dose fornecida (Bhatti et al 2015 Dewey amp Da Costa 2016 Podell 2013 Podell et al 2016 Thomas 2010)

Brometo de Potaacutessio

Outra medicaccedilatildeo antiepileacutetica utilizada eacute o brometo de potaacutessio poreacutem com frequecircncia menor quando comparado ao fenobarbital Esta substacircncia foi usada para tratar pessoas com crises epileacuteticas em 1857 e na Medicina Veterinaacuteria a sua utilizaccedilatildeo somente se iniciou na deacutecada de 80 Ele tambeacutem demonstra bons resultados quando associado ao fenobarbital nos casos em que o controle das crises

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epileacuteticas natildeo foi satisfatoacuterio apenas com o uso do fenobarbital O brometo possui meia vida longa (25 a 46 dias) e para atingir o seu niacutevel plasmaacutetico adequado em curto prazo haacute necessidade de uma dose de ataque A estrateacutegia em utilizar a dose de ataque por 5 dias eacute recomendada quando o produto eacute utilizado por via oral a fim de minimizar problemas gastrintestinais principalmente vocircmitos Nos casos de utilizaccedilatildeo injetaacutevel do brometo de potaacutessio natildeo haacute necessidade de fracionamento da dose de ataque em 5 dias poreacutem essa apresentaccedilatildeo do produto ateacute o momento estaacute disponiacutevel no Brasil Apoacutes esse periacuteodo a dose de manutenccedilatildeo usualmente eacute administrada via oral a cada 24 horas Este faacutermaco pode ser utilizado como monoterapia entretanto usualmente recomenda-se a associaccedilatildeo com o fenobarbital Em um estudo os autores comparam a eficaacutecia e seguranccedila como medicamentos de primeira linha em catildees com epilepsia e verificaram que tanto o fenobarbital quanto o brometo de potaacutessio satildeo escolhas razoaacuteveis poreacutem o fenobarbital foi mais eficaz e melhor tolerado (Bhatti et al 2015 Boothe 2012 Brodie 2010 Maguire et al 2000 Podell et al 2016 Podell amp Fenner 1993 Sieveking 1857 Trepanier et al 1998 Trepanier amp Babish 1995)O brometo de potaacutessio pode sofrer flutuaccedilotildees em seus niacuteveis sanguiacuteneos devido a influecircncia de dietas ricas em cloretos o que iraacute acarretar maior excreccedilatildeo desta medicaccedilatildeo via renal e consequentemente ocasionaraacute diminuiccedilatildeo das concentraccedilotildees seacutericas do brometo Portanto o responsaacutevel pelo animal deveraacute ser informado sobre esta caracteriacutestica do brometo de potaacutessio e orientado a comunicar previamente qualquer necessidade de alteraccedilatildeo na dieta de seu catildeo (Chang et al 2006 Dewey amp Da Costa 2016 Podell et al 2016 Podell amp Fenner 1993)

Uma das vantagens no uso do brometo de potaacutessio eacute que sua metabolizaccedilatildeo natildeo eacute hepaacutetica e desta maneira eacute uma boa opccedilatildeo de medicaccedilatildeo antiepileacutetica para animais portadores de doenccedilas hepaacuteticas (Bhatti et al 2015 Boothe 2012 Trepanier amp Babish 1995)

Levotiracetam

O levotiracetam eacute um derivado da pirrolidona e foi apresentado como medicamento anticonvulsivante para humanos em 1999

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Sugere-se que esse faacutermaco atue como um modulador nas vesiacuteculas sinaacutepticas poreacutem o mecanismo de accedilatildeo exato ainda natildeo eacute completamente conhecido Apresenta raacutepida absorccedilatildeo via oral natildeo eacute metabolizado pelo fiacutegado o que representa uma oacutetima indicaccedilatildeo para catildees com hepatopatias e grande parte do produto eacute eliminado via renal A medicaccedilatildeo usualmente eacute administrada via oral a cada 8 horas Os sinais colaterais mais comuns satildeo ataxia sedaccedilatildeo e sonolecircncia portanto o responsaacutevel pelo animal deve ser alertado para que possa identificar prontamente essas alteraccedilotildees se elas ocorrerem (Dewey et al 2008 Dewey amp Da Costa 2016 Halley amp Platt 2012 Moore et al 2010 Moore et al 2011 Patterson et al 2008 Peters et al 2014 Podell et al 2016 Volk et al 2008) Em um estudo envolvendo catildees com epilepsia os autores compararam o uso do levotiracetam e do fenobarbital ambos como monoterapia concluiacuteram que o levotiracetam natildeo foi eficaz no controle das crises epileacuteticas Portanto ateacute o momento o levotiracetam natildeo deve ser utilizado como monoterapia para catildees e sim apenas com associaccedilotildees (Fredsoslash et al 2016)

Em um estudo no qual comparou-se a eficaacutecia e toleracircncia do levotiracetam com o fenobarbital no tratamento de gatos com suspeita de crise epileacutetica reflexa mioclocircnica e observou-se uma reduccedilatildeo igual ou maior que 50 no nuacutemero de dias de crises em 100 dos pacientes que foram tratados com levetiracetam poreacutem no grupo que recebeu fenobarbital a reduccedilatildeo foi de apenas 3 Os efeitos colaterais mais frequentes foram letargia inapetecircncia e ataxia sem diferenccedila entre o levetiracetam versus o fenobarbital Aleacutem disso os efeitos colaterais foram mais brandos e transitoacuterios com o levetiracetam poreacutem persistentes com fenobarbital (Lowrie et al 2017)

Haacute evidecircncias de que a eficaacutecia do levotiracetam pode se tornar menor nos casos em que catildees epileacutepticos satildeo tratados com fenobarbital ou seja foi demonstrado que a associaccedilatildeo entre ambos culminou com alteraccedilotildees farmacocineacuteticas resultando em menor concentraccedilatildeo plasmaacutetica do levotiracetam ao longo do tempo em catildees (Muntildeana et al 2015 Moore et al 2011)

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Outros Medicamentos Anticonvulsivantes

Diazepam eacute contraindicado para terapia de manutenccedilatildeo para catildees sendo recomendado apenas na emergecircncia poreacutem pode ser utilizado para gatos como terapia de manutenccedilatildeo ndash cuidado especial para espeacutecie uma vez que haacute relatos de falecircncia hepaacutetica fulminante quando o produto eacute administrado via oral (Center et al 1996 Hughes et al 1996) Natildeo haacute relatos de necrose hepaacutetica fulminante em felinos tratados com diazepam por outras vias de administraccedilatildeo tornando o produto seguro para intravenoso em situaccedilotildees emergenciais Primidona imepitoina (aprovada para uso na Europa e Austraacutelia ateacute o momento) zonizamida clorazepato felbamato e topiramato Todas essas medicaccedilotildees podem ser utilizadas como adjuvantes na terapia poreacutem o protocolo a ser adotado deve sempre se basear em evidecircncias por meio de estudos controlados

Tratamento Antiepileacutetico e Nutriccedilatildeo

A associaccedilatildeo entre dieta cetogecircnica rica em trigliceriacutedeos de cadeia meacutedia e tratamento para epilepsia idiopaacutetica em crianccedilas foi descrita por Peterman em 1925 Na Medicina Veterinaacuteria estudos tem sido conduzidos com o objetivo de demonstrar que uma dieta rica em trigliceriacutedeos de cadeia meacutedia potencialmente podem diminuir a frequecircncia de crises epileacuteticas em catildees diagnosticados com epilepsia idiopaacutetica (Berk et al 2020 Law et al 2015 Martleacute et al 2014) No estudo de Law et al (2015) os autores encontraram resultados significantes do ponto de vista estatiacutestico e cliacutenico de catildees com epilepsia idiopaacutetica tratados com a referida dieta por um periacuteodo de 6 meses Por outro lado no estudo de Berk et al (2020) embora a confirmaccedilatildeo estatiacutestica tenha sido fraca alguns catildees demonstraram evidente melhora (diminuiccedilatildeo das convulsotildees) no controle das crises epileacuteticas e devem ser analisados como casos de sucesso quando analisados de forma descritiva e isolada Esses resultados futuramente poderatildeo contribuir para a melhoria da qualidade de vida de catildees com epilepsia idiopaacutetica

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Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Edneacuteia Aparecida PeresUniversidade Estadual de Londrina

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Consideraccedilotildees Preliminares

Este capiacutetulo descreve um relato de caso cliacutenico apresentado em forma de palestra no Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo cujo objetivo eacute possibilitar a estudantes e profissionais de diversas aacutereas o acesso ao conhecimento de aspectos baacutesicos e cliacutenicos do Sistema Nervoso O caso relatado refere-se a um atendimento realizado em um projeto de extensatildeo que visa atender adolescentes no contexto escolar com Transtorno de Ansiedade Social (TAS)

Medo e Ansiedade Aspectos Fisiopatoloacutegicos

O medo e a ansiedade satildeo respostas normais que ocorrem nos organismos de animais humanos e animais natildeo humanos em situaccedilotildees de perigoameaccedila real ou potencial agrave integridade fiacutesica ou ao bem-estar emocional Uma ameaccedila eacute caracterizada como real se a situaccedilatildeo puder trazer prejuiacutezo agrave sobrevivecircncia do organismo por exemplo encontrar-se diante de um assaltante armado Na ameaccedila potencial haacute componentes de incerteza sobre o risco a que estaacute submetido um exemplo seria um indiviacuteduo escutar um ruiacutedo diferente ao caminhar durante a noite em uma rua sem iluminaccedilatildeo

Autor para correspondecircncia

josicecilia3gmailcom

Departamento de Psicologia

Geral e Anaacutelise do Comportamento

Universidade Estadual de

Londrina Rod Celso Garcia Cid Km 380 Campus

Universitaacuterio Caixa Postal 10011

CEP86057-970 Londrina PR

Brasil

14

342 | Temas em Neurociecircncias

que natildeo lhe eacute familiar e minutos depois averiguar que era um gambaacute a procura de alimentos (Graeff amp Brandatildeo 1996 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

As respostas agraves ameaccedilas reais satildeo tidas como medo e agraves ameaccedilas potenciais ansiedade embora em ambas as situaccedilotildees ocorram a ativaccedilatildeo do sistema nervoso central e perifeacuterico (Gonzaacutelez Gonzaleacutez amp Fadoacuten Martiacuten 2019) Tanto no medo quanto na ansiedade observa-se o envolvimento de diferentes circuitos no sistema nervoso bem como a retroalimentaccedilatildeo da periferia a qual contribuiria na intensidade emocional (LeDoux 1996 Davidson Jackson amp Kalin 2000)

Os transtornos de ansiedade satildeo definidos pelas caracteriacutesticas em comum de medo e ansiedade exagerados e intensos Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) esse transtorno eacute observado em todo o mundo e no Brasil esse iacutendice eacute elevado sendo que em 2017 93 da populaccedilatildeo foi diagnosticada com esse transtorno

O que ocorre na atualidade para que esses iacutendices que se referem aos transtornos de ansiedade sejam tatildeo elevados Natildeo eacute objetivo desse capiacutetulo discutir as variaacuteveis envolvidas mas cabe ressaltar que Skinner (1981) se referiu a trecircs niacuteveis de seleccedilatildeo e variaccedilatildeo para compreender o comportamento humano seja ele esperado socialmente ou os com prejuiacutezos e excessos Para esse cientista os niacuteveis se referem agrave histoacuteria filogeneacutetica da espeacutecie agrave histoacuteria ontogeneacutetica e agrave cultura1 pois satildeo nas interaccedilotildees do organismo com o ambiente considerando inclusive as variaacuteveis histoacutericas e atuais que a compreensatildeo da aquisiccedilatildeo do comportamento denominado ansioso em excesso e que traz prejuiacutezos ao indiviacuteduo foi sendo construiacutedo e eacute mantido Portanto cabe assinalar que um estiacutemulo natildeo eacute ansiogecircnico por si mesmo o que induz a quadros ansiosos em uma pessoa natildeo necessariamente iraacute induzir em outra

Assim aqueles que com suas histoacuterias em interaccedilatildeo com o ambiente em que foram expostos a situaccedilotildees que podem gerar

1 O niacutevel filogeneacutetico refere-se agraves variaacuteveis de sobrevivecircncia da espeacutecie animal humana o niacutevel ontogeneacutetico envolve a histoacuteria de vida de cada pessoa e como estaacute vai se relacionando com a autopercepccedilatildeo percepccedilatildeo do mundo dentre outros processos e assim influenciando suas accedilotildees pensamentos sentimentos enfim comportamentos e o niacutevel cultural que se refere aacutes praacuteticas como o nome diz daquela cultura que o individuo estaacute inserido em geral atraveacutes de modelo de comportamentos e de comportamentos verbais por exemplo (Skinner 1981)

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ansiedade (falar em puacuteblico por exemplo) podem apresentar maior atividade em aacutereas encefaacutelicas subcorticais (amiacutegdala e coacutertex periamigdaloacuteide estendendo-se ao hipocampo) e diminuiccedilatildeo na atividade em aacutereas encefaacutelicas corticais (coacutertex orbitofrontal e outras) quando em comparaccedilatildeo com pessoas natildeo-foacutebicas (Tillfors et al 2001) Investigaccedilotildees com animais mostram que o substrato neural que participa do medo e do comportamento defensivo (ldquofreezingrdquo ou reaccedilatildeo de congelamentoficar paralisado) estaacute relacionado agrave amiacutegdala em interaccedilatildeo com a substacircncia cinzenta periquedutal (PAG) do mesenceacutefalo ao passo que ao interagir com o sistema septo-hipocampal a amiacutegdala induz ao comportamento de avaliaccedilatildeo de riscos ou ansiedade (Gorman Kent Sullivan amp Coplan 2000 Brandatildeo amp Graeff 2014 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

Composta por grupos distintos de ceacutelulas formando aproximadamente 12 nuacutecleos (LeDoux amp Damasio 2013) certamente a amiacutegdala exerce papel-chave na patofisiologia de distuacuterbios de ansiedade Os nuacutecleos lateral basal e acessoacuterio constituem a ldquoamiacutegdala basolateralrdquo ao passo que diversas estruturas ao redor como os nuacutecleos central medial e cortical satildeo tradicionalmente incluiacutedos no ldquocomplexo amigdaloacuteiderdquo Tais estruturas juntamente com a amiacutegdala basolateral satildeo denominadas simplesmente como ldquoa amiacutegdalardquo (Davies amp Whalen 2001)

As aacutereas e sistemas neuromodulatoacuterios da amiacutegdala que contribuem para o medo e a ansiedade exibem grande sobreposiccedilatildeo e os circuitos de saiacuteda finais podem ser amplamente compartilhados entre ambos (Tovote Fadok amp Luumlthi 2015) A neurocircuitaria implicada nas respostas de medo e ansiedade eacute prontamente ativada por estiacutemulos que natildeo sejam necessariamente ameaccediladores mas que transmitem informaccedilotildees relacionadas agrave presenccedila de ameaccedilas no ambiente ou relacionadas aos estados emocionais de outras pessoas (Shin amp Liberzon 2010)

Estudos em humanos e em animais sugerem que a disfunccedilatildeo da amiacutegdala pode surgir em parte devido ao controle inadequado de cima para baixo por regiotildees como o coacutertex preacute-frontal medial (Forster et al 2012) A conectividade intriacutenseca entre os subnuacutecleos da amiacutegdala juntamente com a rede neural de regiotildees corticais e subcorticais que supostamente exercem influecircncia modulatoacuteria em sua atividade estatildeo relacionadas agrave inibiccedilatildeo social (Blackford

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et al 2014) Aleacutem da amiacutegdala cenas relacionadas ao transtorno de ansiedade versus cenas neutras estatildeo relacionadas agraves hiperativaccedilotildees em outras regiotildees subcorticais como iacutensula globo paacutelido e taacutelamo e corticais como coacutertex preacute-frontal ventro-medial precuacuteneo e coacutertex cingulado posterior em pacientes com TAS (Heitmann et al 2016)

Aparentemente a falta de conectividade entre as regiotildees modulatoacuterias propicia uma situaccedilatildeo de hiperatividade da amiacutegdala em resposta aos estiacutemulos sociais Tal suposiccedilatildeo eacute corroborada pela observaccedilatildeo de que indiviacuteduos com niacuteveis menores de inibiccedilatildeo social apresentam maior conectividade entre tais regiotildees quando em comparaccedilatildeo com indiviacuteduos com niacuteveis de inibiccedilatildeo social mais elevados (Blackford et al 2014)

No geral a amiacutegdala desempenha um papel criacutetico nos transtornos de ansiedade e a compreensatildeo de como a disfunccedilatildeo nesta estrutura resulta em transtornos de ansiedade eacute fundamental para melhorar os resultados de intervenccedilotildees a longo prazo (Forster et al 2012) Ao projetar-se a sistemas inespeciacuteficos envolvidos na regulaccedilatildeo da excitaccedilatildeo cortical a amiacutegdala influencia respostas corporais comportamentais autonocircmicas e endoacutecrinas (LeDoux 2003) Projetando-se a determinados nuacutecleos hipotalacircmicos e PAG influencia as respostas do organismo ao medo e ansiedade (LeDoux amp Damasio 2013) exemplificadas na Tabela 1

Tabela 1 Exemplos dos diferentes sintomas do medo e da ansiedade

Sintomas cardiovascularesSintomas respiratoacuterios

Taquicardia hipertensatildeo e sensaccedilatildeo de pressatildeo no toacuteraxHiperventilaccedilatildeo e falta de ar

Sintomas gastrointestinais Dificuldade para deglutir vocircmitos e diarreiaSintomas neurovegetativos Sudorese excessiva e ressecamento de mucosas

Sintomas neuroloacutegicosParestesia (formigamento) em membros calafrios cefaleias tensionais contraturas e vertigens

Sintomas psicofiacutesicos

Medo intenso terror ou pacircnico sensaccedilatildeo de inseguranccedila preocupaccedilatildeo excessiva incapacidade de resoluccedilatildeo de problemas indecisatildeo dificuldade ou falta de concentraccedilatildeo evitaccedilatildeo de contato visual gagueira tristeza inquietude ou hiperatividade e comportamentos relacionados agrave fugaesquiva

modificado a partir de Gonzaacutelez Gonzaleacutez amp Fadoacuten Martiacuten (2019)

Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso | 345

Transtorno de Ansiedade Social Definiccedilatildeo e Prevalecircncia

No DSM V (APA 2014) o conceito de TAS baseia-se na noccedilatildeo de medo persistente irracional e acentuado A classificaccedilatildeo de TAS eacute aplicaacutevel quando esse medo estaacute relacionado agraves situaccedilotildees sociais ou ao desempenho em puacuteblico sendo marcado por temor de que a situaccedilatildeo seja humilhante eou embaraccedilosa E que essas situaccedilotildees causem prejuiacutezos para a pessoa sejam eles em relacionamentos interpessoais acadecircmicos laborais etc (Nardi 2000 Tillfors Furmark Marteinsdottir amp Fredrikson 2002 Beidel amp Turner 2007 Gauer et al 2010 Hyman amp Cohen 2013 Luzia 2015)

Diferindo de estiacutemulos aversivos de forma geral os estiacutemulos socialmente relevantes apresentam importacircncia particular nos sintomas relacionados ao TAS conforme indica Kraus et al (2018) Os autores observaram reatividade aumentada da amiacutegdala de maneira especiacutefica aos estiacutemulos com estas caracteriacutesticas tais como cenas de faces expressando emoccedilotildees negativas conforme tambeacutem verificado em estudos semelhantes (Stein et al 2002 Frick et al 2013 Prater et al 2013)

Frick et al (2013) verificaram maior reatividade do giro fusiforme direito em sujeitos submetidos agrave visualizaccedilatildeo de imagens de faces exibindo medo em relaccedilatildeo a faces neutras O estudo indica que o TAS estaacute relacionado agrave conectividade entre o giro fusiforme e a amiacutegdala de forma proporcional agrave sua severidade aleacutem de menor conectividade entre amiacutegdala e o coacutertex preacute-frontal ventro-medial

Dentre os vaacuterios transtornos de ansiedade o TAS mostra alta prevalecircncia ao longo da vida Segundo Kessler et al (2005) nos Estados Unidos 121 da populaccedilatildeo foi ou seraacute diagnosticada com esse transtorno comportamental Em um estudo com pacientes com transtornos de ansiedade tratados ambulatoriamente 10 a 20 apresentavam TAS (APA 2013) Em outra pesquisa Luzia (2015) mostrou que na amostra de 975 adolescentes entre 12 e 17 anos de ambos os sexos provenientes das regiotildees Sul e Sudeste do Brasil 10 2 apresentaram TAS Esses dados podem contudo sofrer variaccedilotildees dependendo dos instrumentos utilizados para avaliar ansiedade e medo

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A definiccedilatildeo de fobia social eacute a mesma utilizada para o TAS no entanto Bobes Garciacutea Gonzaacuteles G-Portilla Saiacutez Martiacutenez Bascaraacuten Fernaacutendez e Bousontildeo Garciacutea (2001) recomendaram a troca para TAS pois esse uacuteltimo descreve melhor a natureza do fenocircmeno e rompe com a ideia de banalidade que a fobia pode trazer em seu bojo e o diagnoacutestico diferencial com a fobia simples

Esse transtorno pode ter iniacutecio precoce jaacute na infacircncia (Nardi 2000 Beidel amp Turner 2007) no entanto estudos mostram que a idade de iniacutecio mais frequente eacute na faixa dos 15 anos (Nardi 2000 Beidel Ferrell Alfano amp Yeganeh 2001 Luzia 2015) O TAS como jaacute citado pode acarretar prejuiacutezos nos relacionamentos interpessoais e interaccedilotildees sociais no contexto escolaracadecircmico e profissional por exemplo e estaacute relacionado a muito sofrimento (Luzia 2006 Fernandes amp Terra 2008 Luzia 2015 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

Observam-se ainda situaccedilotildees em que o sofrimento se torna tatildeo intenso que a pessoa pode recusar-se a executar novas tarefas e pedir demissatildeo de um emprego por ter sido promovida pois o novo cargo exigiraacute algumas exposiccedilotildees verbais de relatoacuterios para a equipe (para mais detalhes ver Beidel amp Turner 2007)

Perspectiva da Anaacutelise do Comportamento para os Transtornos Psiquiaacutetricos

Segundo os princiacutepios comportamentais provenientes da ciecircncia do comportamento com base na filosofia do Behaviorismo Radical (Skinner 1982) o comportamento eacute produto de seleccedilatildeo por consequecircncias ou seja quando um indiviacuteduo age sobre o ambiente sofre accedilatildeo deste de forma contiacutenua (Skinner 19531998) Dessa maneira a denominada ldquodoenccedila mentalrdquo eacute entendida como o resultado de interaccedilotildees entre variaacuteveis filogeneacuteticas ontogeneacuteticas e culturais Assim o comportamento dito patoloacutegico deve ser considerado como qualquer outro comportamento que acontece em um determinado contexto (Gongora 2003) Assim o terapeuta com base na Anaacutelise do Comportamento deve considerar na avaliaccedilatildeo comportamental aspectos relacionados ao repertoacuterio de comportamentos geral do cliente para realizar e propor intervenccedilotildees que aumentem a probabilidade de desenvolvimento e

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ou aperfeiccediloamento de repertoacuterio comportamental alternativo mais adequado e reforccedilador para ele Outro aspecto a ser considerado nessa praacutetica se refere ao fato de o cliente ser sujeito de sua proacutepria accedilatildeo quando entra em contato com as contingecircncias e se tornar responsaacutevel pelo seu processo de melhora (Gongora 2003)

Na sequecircncia apresenta-se a descriccedilatildeo resumida do caso em que o cliente foi diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Social A intervenccedilatildeo foi conduzida com base na Anaacutelise do Comportamento com contribuiccedilatildeo de um docente da aacuterea de fisiologia humana nas sessotildees de psicoeducaccedilatildeo para os temas relacionados agrave ansiedade e ao medo

Descriccedilatildeo do caso

Identificaccedilatildeo

Andreacute (nome fictiacutecio) tinha 17 anos no iniacutecio do atendimento cursava o segundo ano do Ensino Meacutedio em uma escola puacuteblica da cidade de Londrina estado do Paranaacute Morava com a avoacute (Laura - nome fictiacutecio) de 72 anos e o irmatildeo (Alexandre - nome fictiacutecio) de 20 anos

Diagnoacutestico e Queixa Principal

Foi encaminhado para o atendimento psicoloacutegico pela coordenadora pedagoacutegica da escola que estudava porque segundo ela ele apresentava comportamentos ldquoapaacuteticosrdquo e baixo rendimento escolar A terapeuta que realizou a triagem solicitou a realizaccedilatildeo de exames meacutedicos para descartar hipoacuteteses de ordem orgacircnica O meacutedico um cliacutenico geral que o assistiu depois da solicitaccedilatildeo da psicoacuteloga a Andreacute o encaminhou para um psiquiatra uma vez que os resultados das anaacutelises cliacutenicas natildeo estavam alteradas de acordo com o cliacutenico Segundo o cliacutenico geral o paciente parecia ter comportamentos relacionados agrave ansiedade e agrave depressatildeo O diagnoacutestico foi realizado em conjunto entre a psicoacuteloga e o psiquiatra como Transtorno de Ansiedade Social apoacutes as avaliaccedilotildees psiquiaacutetricas e comportamentais entrevistas com familiares e professoras

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Histoacuteria de Vida Pessoal e Familiar

Na eacutepoca do atendimento segundo relato do cliente ele natildeo conheceu seu pai pois esse se suicidou quando o paciente era um bebecirc com aproximadamente oito meses O contato com sua matildee foi ldquoesporaacutedicordquo que a cada dois ou trecircs meses o visitava chegando a casa onde ele morava com o irmatildeo e os avoacutes no saacutebado e indo embora domingo de manhatilde Ela o deixou aos dois anos juntamente com o irmatildeo na eacutepoca com cinco anos aos cuidados dos avoacutes maternos que viviam em uma fazenda na regiatildeo de Londrina Ateacute os sete anos Andreacute viveu na fazenda com os avoacutes e seu irmatildeo sem muito contato com pessoas diferentes e poucas idas agrave cidade de Londrina ou agraves cidades proacuteximas A famiacutelia dos avoacutes era do interior do estado de Minas Gerais e segundo o cliente a viagem era cara tanto para eles irem a Minas como para os familiares virem para a fazenda

A matildee natildeo tinha o haacutebito de visitaacute-los regularmente mas mandava dinheiro para os avoacutes para que natildeo faltasse o baacutesico por exemplo comida roupa e remeacutedio caso necessaacuterio Segundo Andreacute o viacutenculo com os avocircs era muito bom Ele gostava muito de ajudar o avocirc no cultivo de soja basicamente fazendo companhia e em outras ocasiotildees ajudar a avoacute a fazer bolo auxiliando-a a pegar os ingredientes no armaacuterio Tambeacutem brincava agraves vezes com o irmatildeo apoacutes seus afazeres como a tarefa da escola Relatou que brigavam tambeacutem pois ldquotoda famiacutelia tem suas brigasrdquo (sic - segundo informaccedilatildeo do cliente) mas nada que ele julgasse anormal

Quando completou seis anos ingressou na escola e seu irmatildeo o acompanhava no ocircnibus ateacute a chegada agrave escola Andreacute relatou que tinha vergonha de ficar perto dos colegas de falar com eles e que tinha medo da professora embora ela nunca o tivesse tratado mal No entanto suas dificuldades se intensificaram no primeiro ano do Ensino Fundamental quando se mudou para a cidade de Londrina em uma escola que tinha poucas crianccedilas que moravam na zona rural

Ele relatou que os colegas falavam de coisas que ele natildeo conhecia e tiravam ldquoondardquo (sic) com ele Outros diziam que ele era caipira mesmo fato que o deixava ruborizado e retroalimentava o comportamento dos colegas que riam de sua reaccedilatildeo Na eacutepoca

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disse que chorava muito e natildeo queria ir para a escola Todavia seus avocircs natildeo diziam nada apenas davam biscoito de chocolate e ligavam a TV com desenhos animados Contou que sua avoacute sempre dizia ldquotem que deixar tudo limpo os tecircnis a mochila a roupa porque o povo da cidade natildeo pode pensar mal de vocecirc porque veio da fazendardquo (sic)

Andreacute comeccedilou a ter dificuldades para fazer amizades e interagir com os colegas de classe pois sentia vergonha de ter morado na fazenda de natildeo saber ldquoas coisasrdquo (sic) e se sentir inferior Tal dificuldade parece ter se estabelecido e se fortalecido durante toda a vida escolar na qual ele sempre apresentou comportamentos tidos como caracteriacutesticos de timidez excessiva e isolamento Segundo o relato de Andreacute desde os sete anos ateacute os dias dos primeiros atendimentos disse sentir-se diferente das outras pessoas porque fica vermelho quando falam qualquer coisa que ele se sinta envergonhado e pensa que as pessoas sabem o que ele pensa e sente ldquoai piora tudo tenho vontade de sair correndo e natildeo voltar nunca maisrdquo (sic) Essa situaccedilatildeo desencadeava uma sensaccedilatildeo de taquicardia e medo aleacutem de sentimento de inferioridade intelectual (pois suas notas estavam sempre na meacutedia) Tambeacutem detestava morar na fazenda porque ldquotiravam sarrordquo (sic) dele Assinalou que quando comeccedilou o primeiro ano do Ensino Meacutedio passou a ter sensaccedilatildeo de ansiedade medo e que agraves vezes sentia vontade de vomitar com fortes dores de estocircmago aleacutem da visatildeo ficar ldquopretardquo necessitando sentar-se Desde entatildeo os sintomas e sentimentos soacute pioraram pois agora tinha medo de se relacionar com as garotas evitando ir a qualquer lugar que tenha muita gente sentindo-se ldquoburrordquo (sic) e acreditando ser uma pessoa ldquosem graccedilardquo (sic)

Andre tambeacutem contou que o irmatildeo quando era menor de idade natildeo conversava muito com ele e ao completar dezoito anos comeccedilou a trabalhar de pacoteiro em um supermercado Quando fica em casa o irmatildeo estaacute sempre na companhia da namorada e quando era mais jovem apoacutes a mudanccedila para a cidade natildeo se relacionava com o cliente segundo ele porque Andreacute era muito calado e o irritava A avoacute muito preocupada com limpeza natildeo conversava muito pois tambeacutem pareceu ser muito introvertida durante as sessotildees e vaacuterias vezes relatou que preferia ldquorespeitar o jeito de Andreacuterdquo natildeo se intrometendo nas suas coisas porque brigas lhe causavam muita ldquobatedeirardquo e medo assim preferia ficar quieta A matildee era provedora

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e mudou-se para o estado de Satildeo Paulo e raramente o visitava ou ligava para falar com os filhos e mesmo com a avoacute O avocirc faleceu quando ele tinha oito anos e tambeacutem era bem calado segundo a avoacute o irmatildeo e o proacuteprio cliente

Pode-se hipotetizar que a histoacuteria de condicionamento do cliente o conduziu a um padratildeo de comportamentos de isolamento aleacutem de fugaesquiva passando a ter outros sintomas fisioloacutegicos intensos por volta dos 14 anos e evitando locais com aglomeraccedilatildeo de pessoas por exemplo cinema Relatou ainda que natildeo gosta de ir agrave igreja pois cantam muito alto

Hipoacuteteses Funcionais a Partir da Histoacuteria de Vida do Cliente

Apoacutes a coleta de dados que totalizou 20 sessotildees aleacutem de ser realizada com alguns professores que o conheciam desde o Ensino Fundamental com a avoacute com o irmatildeo com o psiquiatra e o proacuteprio relato do cliente levantaram-se hipoacuteteses

Andreacute natildeo tinha relaccedilotildees que estimulassem o desenvolvimento de repertoacuterios comportamentais como o autoconhecimento a resoluccedilatildeo de problemas e o enfrentamento de contextos em que era submetido a interaccedilotildees sociais distintas das relaccedilotildees familiares

A avoacute era muito dedicada em relaccedilatildeo aos cuidados relacionados agrave alimentaccedilatildeo limpeza da casa enfim mantenedora do lar mas parece que possui um padratildeo de comportamento que denominamos Inibiccedilatildeo Comportamental pois nas entrevistas ficou claro que emitia comportamentos de fugaesquiva nas interaccedilotildees inclusive familiares e apresentava reaccedilotildees fisioloacutegicas de ansiedade como ficar vermelha na frente da terapeuta em vaacuterias situaccedilotildees em que algumas perguntas foram feitas como por exemplo como era o relacionamento dela com Andreacute e os outros membros da famiacutelia com a filha sobre a rotina etc Ainda nas sessotildees quando se investigou a histoacuteria de vida de Andreacute a avoacute natildeo demonstrou repertoacuterio para solucionar conflitos pois de acordo com seu relato quando tinha algum problema ldquoela preferia ficar quieta e deixar o tempo ir resolvendordquo Dessa maneira parece que Andreacute desde crianccedila emitia comportamento inibido e natildeo aprendeu a enfrentar seus medos e desmistificar suas regras

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(regras podem ser definidas como estiacutemulo discriminativo Skinner 1966) e autorregeras (autorregras podem ser consideradas como descriccedilotildees de contingecircncias formuladas pela proacutepria pessoa Skinner 1982)

Outras hipoacuteteses se referem ao fato de que provavelmente Andreacute natildeo teve modelo para solucionar conflitos e natildeo havia espaccedilo para escuta de suas anguacutestias e conflitos que podem ocorrer em qualquer fase da vida em especial na adolescecircncia fase de muitas mudanccedilas estruturais em niacutevel cerebral hormonal etc E na escola Andreacute emite em menor frequecircncia comportamentos da classe das habilidades sociais (as habilidades sociais podem ser entendidas como classe de respostas sociais que satildeo aprendidas que o possibilita manejar as exigecircncias do cotidiano em diferentes situaccedilotildees por exemplo habilidades sociais de comunicaccedilatildeo que se refere a fazer e responder perguntas pedir feedback etc Del Prette amp Del Prete 2005) dificultando o acesso a possiacuteveis reforccediladores como estar na presenccedila de amigos e ter um conviacutevio social amistoso

Hipotetiza-se ainda que repertoacuterios de comportamentos sociais de Andreacute natildeo foram modelados (reforccedilados diferencialmente) possivelmente porque as pessoas ao redor dele estavam pouco sensiacuteveis agraves necessidades e demandas do cliente ou porque para elas atitudes como timidez pouca tomada de iniciativa e quietude de Andreacute natildeo eram vistas como comportamentos problemaacuteticos dentro do ambiente familiar Apenas quando ele vai para um novo ambiente (escola) eacute que outras classes de comportamentos satildeo requisitadas (como interagir com pessoas de fora da famiacutelia fazer e responder perguntas iniciar manter e encerrar conversaccedilatildeo) e entatildeo Andreacute entra em uma condiccedilatildeo de sofrimento devido aos significativos deacuteficits de comportamentos (tomada de decisatildeo iniciativa pedido de ajuda identificaccedilatildeo se sentimentos habilidades sociais)

Parece que o repertoacuterio atual de autoconhecimento o impossibilita de se comportar de forma a modificar as contingecircncias nos contextos cotidianos e assim ldquosonharrdquo (sic) conforme relatou na nona sessatildeo Parece portanto que a probabilidade de seus comportamentos serem reforccedilados positivamente diminui jaacute que na comunidade verbal a que estaacute exposto natildeo se comporta de maneira ldquoadequadardquo e se empenha em comportamentos de fugaesquiva o que parece amplificar seus sentimentos negativos e assim natildeo

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enfrenta as situaccedilotildees aversivas que vivencia e apesar do custo das respostas serem altas se comportar desse modo demonstra ser muito reforccedilador para ele Aleacutem disso parece que quando suas notas despencaram ele recebeu atenccedilatildeo e seu sofrimento comeccedilou a ser validado

Intervenccedilatildeo Psicoloacutegica

O atendimento psicoloacutegico foi realizado apoacutes um mecircs e meio que o cliente iniciou o tratamento medicamentoso com o psiquiatra em que a Sertralina foi utilizada Os atendimentos psicoloacutegicos ocorreram a princiacutepio duas vezes por semana em sessotildees com duraccedilatildeo de 60 minutos por uma terapeuta em uma sala preparada para atendimento na proacutepria escola O objetivo terapecircutico inicial foi o estabelecimento de viacutenculo Foram realizadas no total 20 sessotildees de atendimento psicoloacutegico dentre elas 15 realizadas com Andreacute e cinco sessotildees foram realizadas com os informantes externos ou seja com a avoacute com a coordenadora e com duas professoras cujo objetivo era levantamento de dados

A primeira sessatildeo foi realizada com o cliente para averiguar sua motivaccedilatildeo para o atendimento esclarecer o que era o trabalho do profissional da psicologia o contrato e o sigilo regras de atendimento na escola o estabelecimento de viacutenculo Aleacutem disso foi solicitado ao cliente o seu consentimento para realizaccedilatildeo de sessotildees com a avoacute com seu irmatildeo com a coordenadora e com duas professoras as quais ministravam aulas para ele Dessa maneira aleacutem de avaliar contingecircncias relacionadas agrave queixa da coordenadora pedagoacutegica outras dimensotildees do comportamento de Andreacute poderiam ser averiguadas como por exemplo comportamentos assertivos em sala de aula em casa etc

As professoras de portuguecircs e inglecircs que foram entrevistadas separadamente relataram que Andreacute sempre foi muito quieto e apesar de natildeo fazer perguntas em sala de aula e natildeo participar das atividades em grupo fato que chamava a atenccedilatildeo delas tinha o rendimento na meacutedia Nunca se preocuparam ao ponto de fazer algum tipo de encaminhamento como psiquiaacutetrico ou psicoloacutegico entretanto quando suas notas passaram a ser abaixo da meacutedia a

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coordenadora se preocupou porque ele estaacute na fase da adolescecircncia e deveria ser assistido por profissionais uma vez que ele natildeo fala sobre seus sentimentos ou alguma situaccedilatildeo problemaacutetica que podia estar passando

Na sessatildeo com a coordenadora os relatos acima foram corroborados entretanto ela disse que se preocupa com estudantes que satildeo muito quietos pois podem ter dificuldades e ldquonatildeo serem vistos uma vez que natildeo incomodamrdquo e que as notas abaixo da meacutedia a fez buscar ajuda pois agora ldquotinha um motivo concreto aos olhos de todos inclusive familiaresrdquo (sic)

Na sessatildeo com a avoacute ela relatou que e Andreacute ldquosempre foi muito bonzinho e quietordquo (sic) e que ldquoo avocirc tambeacutem era assim bem quieto e natildeo gostava de sair e ficar de ldquoconverseiro com os vizinhos de fazendardquo (sic) e que ela ldquotambeacutem gostava de ter uma vida mais mansardquo e natildeo sabia o motivo de Andreacute precisar de psicoacutelogo ldquopois ele soacute estava com notas baixasrdquo (sic)

Laura disse que talvez por ter sido deixado pela matildee muito cedo agora estivesse tendo problemas mas que ele nunca havia reclamado disso e perguntou a terapeuta o que ela achava

Ela natildeo se lembrava de nada que tivesse podido causar ldquotraumardquo em Andreacute (sic)

O irmatildeo de Andreacute natildeo pode comparecer nas sessotildees que foram agendadas pois natildeo foi dispensado do trabalho

Na segunda sessatildeo com Andreacute o cliente respondeu os seguintes instrumentos Inventaacuterio de Ansiedade e de depressatildeo de Beck (BAIBDI) Inventaacuterio de Habilidades Sociais (IHS ndash Del-Prette) Inventaacuterio de Fobia Social (SPIN) o objetivo dessa sessatildeo foi o de avaliar o repertoacuterio de Habilidades Sociais de Andreacute e sua pontuaccedilatildeo nos testes de ansiedade depressatildeo e fobia social

Os resultados mostraram que os iacutendices no Inventaacuterio de Ansiedade de Beck (BAI) foram moderados no de Depressatildeo (BDI) as respostas descartaram essa hipoacutetese No de Fobia Social a pontuaccedilatildeo foi bem alta e na escala de Habilidades Sociais muitos prejuiacutezos foram observados em relaccedilatildeo agraves classes de comportamentos

As outras quatro sessotildees com Andreacute foram realizadas utilizando-se recursos terapecircuticos como a ldquoLocomotivardquo e ldquoPorta-Retratosrdquo pois esses recursos permitem trabalhar o viacutenculo terapeuta-cliente facilita

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a autoexposiccedilatildeo como falar o que sente pensa etc permite investigar um pouco mais sobre a histoacuteria de vida do cliente e a relaccedilatildeo com o comportamentordquoproblemardquo em linhas gerais permite explorar o comportamento verbal do cliente Outro recurso aplicado foi o ldquoGostar x Fazerrdquo o qual permite exploraridentificar comportamentos de fuga-esquiva comportamentos que em determinadas condiccedilotildees se tornam mais reforccediladores ou aversivos fornece dicas sobre autoconhecimento etc

Nestas sessotildees o cliente ficou ruborizado quando relatou sobre o que natildeo gosta e natildeo faz disse ldquonatildeo gosto de ser viso pelas pessoasrdquo (sic) a terapeuta pediu para explicar melhor e ele acrescentou ldquopor exemplo que me olhem quando estou fazendo qualquer coisa como escrever no meu caderno ou quando ando no paacutetio ateacute o refeitoacuterio me entenderdquo e apoacutes explicar fez longas pausas quando a terapeuta perguntava sobre outros aspectos da atividade como o que gosta e faz Gradualmente com a ajuda da terapeuta como demonstrar que ela natildeo havia passado por situaccedilotildees como a dele mas imaginava o quanto era difiacutecil falar sobre ele mesmo etc Andreacute relatou fatos importantes sobre suas relaccedilotildees na escola na famiacutelia e do seu cotidiano A partir dos dados obtidos por observaccedilatildeo direta durante a sessatildeo hipotetizou-se que o cliente possuiacutea prejuiacutezos no repertoacuterio comportamental de autoconhecimento jaacute que natildeo conseguiu descrever as contingecircncias operantes e definir metas para sua vida Conforme foi observado o cliente natildeo teve a oportunidade de aprender a partir de modelos procedimentos que modelassem seu comportamento de autoconhecimento jaacute que a comunidade verbal a qual foi exposto tambeacutem parece ter prejuiacutezos nessa aacuterea

Na seacutetima e oitava sessotildees o objetivo principal foi desenvolver comportamentos de autoconhecimento no cliente por meio da teacutecnica da ldquoRoseirardquo e tambeacutem continuar com a atividade ldquoGosto e Natildeo Gostordquo com a qual se pode observar que sentimentos como medo ansiedade e comportamentos de esquiva Andreacute disse que quando tem algum passeio na escola como ida ao cinema ldquoele passa mal e ldquotem diarreiardquo (sic) e aiacute a avoacute deixa ficar em casa e outras vezes ele mente ldquodiz que estaacute passando mal com muita dor no estocircmagordquo (sic) Outros sentimentos foram relatados como baixa autoestima falta de esperanccedila no futuro vergonha sentir-se mal na frente de pessoas estranhas na frente dos colegas gostar de ficar sozinho sentimentos

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de inferioridade falta de metas Aleacutem disso durante a oitava sessatildeo Andreacute se sentiu mal disse que ldquoprecisava parar um pouco pois sua visatildeo estava ficando escura seu coraccedilatildeo disparando e sua pressatildeo parecia ter baixadordquo (sic) Comportamentos respondentes parecem ter concomitantemente ao relato sobre episoacutedios de como se sentia em relaccedilatildeo aos colegas de sala A terapeuta interrompeu a sessatildeo ofereceu aacutegua e aguardou alguns minutos Andreacute disse que estava bem e talvez tivesse passado mal porque natildeo tinha comido nada no almoccedilo pois estava chateado com sua nota abaixo da meacutedia na avaliaccedilatildeo de histoacuteria A terapeuta tambeacutem perguntou se ele queria que avisasse algueacutem para ir buscaacute-lo na escola ou quisesse ajuda para ir para sua casa Andreacute disse que estava bem e quis continuar a sessatildeo Ele relatou que tem vergonha de responder perguntas que os professores fazem na frente dos colegas pois natildeo os conhecem prefere ldquoficar na delerdquo (sic)

Na nona sessatildeo o objetivo foi fornecer informaccedilotildeesconhecimento por meio da psicoeducaccedilatildeo Utilizou-se de slides teoacutericos e ilustrativos sobre os aspectos bioloacutegicos e comportamentais relacionados agrave ansiedademedo e agrave fobia social Para a montagem desse toacutepico um docente da aacuterea de fisiologia humana auxiliou na apresentaccedilatildeo e descriccedilatildeo da definiccedilatildeo dos mecanismos de accedilatildeo caracteriacutesticas etiologia da ansiedademedo as partes cerebrais envolvidas na fobia social e a reatividade emocional envolvida por exemplo Muitos sintomas relatados por Andreacute na sessatildeo anterior foram explorados inclusive sua possiacutevel queda de pressatildeo durante a sessatildeo Andreacute participou muito da sessatildeo com perguntas sobre ansiedade sentir-se envergonhado Dentre os vaacuterios relatos do cliente vale a pena ressaltar que ao final da explicaccedilatildeo do mecanismo de accedilatildeo da ansiedade ele disse ldquoolha eu achava que isso soacute acontecia comigo natildeo sabia que o corpo ateacute de outros bichos funciona assimrdquo (sic) ldquoentatildeo isso tudo que sinto natildeo eacute frescura minha que aliacuteviordquo (sic)

Na deacutecima sessatildeo Andreacute quis retomar aspectos relacionados agrave ansiedade medo reaccedilotildees fisioloacutegicas normais e exageradas do medo e da ansiedade da psicoeducaccedilatildeo e do autoconhecimento Nessa sessatildeo pode-se perceber que o repertoacuterio relacionado agrave autoconfianccedila tambeacutem apresentou prejuiacutezos O cliente relatou em vaacuterios momentos que natildeo se sentia capaz de enfrentar suas dificuldades por exemplo ldquoacho que nunca vou conseguir perguntar

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alguma coisa para a donardquo (sic) se referindo agrave professora e completou ldquotodo mundo ia rir da minha pergunta pois nasci na fazenda vocecirc saberdquo (sic) se dirigindo agrave terapeuta Parece funcional emitir esse tipo de comportamento no contexto escolar assim ele se esquiva de enfrentar a situaccedilatildeo e suas consequecircncias se mantendo provavelmente pelo reforccedilo negativo

Nas quatro sessotildees seguintes o objetivo foi o de as teacutecnicas de modelagem para o desenvolvimento de repertoacuterio de auto-observaccedilatildeo autoconhecimento e autoconfianccedila jaacute que parece ficar mais evidente que esses comportamentos foram pouco desenvolvidos Abordaram-se tambeacutem as tarefas para casa por exemplo a atividade ldquoQuem sou eurdquo e ldquoDiaacuterio de rotinardquo com o objetivo de que o cliente pudesse se auto-observar e observar como se comportava em algumas situaccedilotildees o que sentia (eventos privados que eram evocados) o que pensava e as consequecircncias de seus atos

A deacutecima quarta sessatildeo foi realizada em um saacutebado de manhatilde em um shopping apoacutes a autorizaccedilatildeo da avoacute de Andreacute Nesse contexto a terapeuta pode observar se haveria generalizaccedilatildeo de alguns comportamentos que foram trabalhados em sessotildees anteriores como tomada de decisatildeo iniciativa escolher o que gosta do cardaacutepio de uma lanchonete e fazer o pedido para o atendente Apesar de o cliente ter hesitado bastante na escolha do seu lanche pois natildeo sabia o que escolher porque segundo ele e se o lanche tivesse muito molho e escorresse pelo seu rosto o que iam pensar dele (sic) e ter se ruborizado ao chamar a atendente Andreacute descreveu que sabia que estava vermelho de vergonha pois seu rosto ldquoardiardquo e tinha medo que a ldquomoccedilardquo percebesse o seu medo e vergonha Ele conseguiu realizar a tarefa de escolher o que queria e chamar a atendente Antes do pedido de Andreacute e da terapeuta chegar foi possiacutevel realizar a anaacutelise funcional do que ocorreu descrevendo juntamente com o cliente seus comportamentos puacuteblicos e privados de ansiedade seus pensamentos e consequecircncias desses No final do encontro o cliente relatou ldquoHoje eu fiquei vermelho senti meu rosto ferver mas a garccedilonete nem viu me senti um pouco melhorrdquo (sic) Andreacute compreendeu que ficar ldquovermelhordquo eacute uma reaccedilatildeo normal e que iraacute diminuindo a frequecircncia conforme ele for se expondo e pode produzir consequecircncias reforccediladoras como pedir o que quer natildeo ter medo do que vatildeo pensar se ele ficar ruborizado etc

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Nas sessotildees quinze a dezoito o objetivo foi o de modelar comportamentos de observaccedilatildeo e descriccedilatildeo de classes de dificuldades interpessoais como falar e ouvir dentro e fora da sessatildeo terapecircutica A terapeuta contou uma histoacuteria ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo e depois fez uma seacuterie de perguntas por exemplo qual o nome da histoacuteria que foi contada agora Qual o nome do menino da estoacuteria O que a matildee do menino queria vender para conseguir dinheiro etc

Foram realizadas vaacuterias atividades em forma de Roleplay com feedback imediatos seguidos de anaacutelises funcionais dos comportamentos de falar e ouvir como solicitar um lanche sem cebola em uma padaria lotada Reivindicar o direito ao troco correto uma vez que foi cobrado mais etc

Na vigeacutesima sessatildeo Andreacute relatou que estava se sentindo ldquobem e tranquilo depois de muitos anosrdquo (sic) contudo demonstrou dificuldades em descrever seus sentimentos apenas relatou que se sentia ldquobem e tranquilordquo (sic) colocando a matildeo no peito e assinalou ldquoaqui natildeo doacuteirdquo (sic) Disse tambeacutem que estava se sentindo diferente porque sabia que ateacute o catildeo da famiacutelia pode sentir ansiedade e natildeo se sente mais esquisito Nota-se que o cliente comeccedilou a apresentar melhoras em relaccedilatildeo ao seu sofrimento apesar de ainda demonstrar dificuldades para descrever seus sentimentos Questotildees relacionadas agrave medicaccedilatildeo tambeacutem foram trabalhadas e Andreacute afirmou que ldquoremeacutedio me deixa calmo e sei que preciso mudar tipo fazer pergunta sem ter vergonha mais eacute difiacutecil pra mimrdquo (sic) Apesar de se observar melhora na expressatildeo de sentimentos do cliente muito trabalho ainda deveraacute ser conduzido uma vez que diante de sentimentos aversivos haacute dificuldade no manejo conforme se observa na fala de Andreacute

Nessas 15 sessotildees com Andreacute pode-se realizar a avaliaccedilatildeo comportamental por meio das teacutecnicas aplicadas vivecircncias instrumentos formalizados entrevistas com os familiares e professores aleacutem de conversas sobre o caso com o psiquiatra Durante o processo foi descartada a hipoacutetese de depressatildeo uma vez que a supressatildeo de comportamentos mau desempenho e ldquoapatiardquo se devem agrave vergonha ao medo e agrave ansiedade de fazer perguntas aos professores e se colocar diante dos colegas Hipotetizando-se assim que os criteacuterios do DSM 5 os testes padronizados e as avaliaccedilotildees psicoloacutegicas apontam para o transtorno de ansiedade social

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Devido ao periacuteodo de feacuterias da escola natildeo foi possiacutevel dar continuidade ao atendimento ateacute o iniacutecio do ano letivo seguinte Foram dadas algumas tarefas para casa nesse periacuteodo como confeccionar um RG gigante em uma folha A4 em que deveriam constar seus dados pessoais em outro espaccedilo da folha o cliente deveria se desenhar outro espaccedilo pequeno deveria ter sua assinatura e do lado de traacutes da folha Andreacute deveria colocar aspectos relacionados a suas dificuldades por exemplo uma coisa que quero mudar em mim e se eu tivesse amigos eue assim sucessivamente Os objetivos dessa tarefa satildeo os de facilitar o autoconhecimento a autoexposiccedilatildeo averiguar como ele se percebe e se representa Outra tarefa se refere agrave Tabela de Registro Comportamental Especiacutefico a qual atividade permite ao cliente observar um dado comportamento no caso de Andreacute o seu comportamento de esquiva atentando-se agrave frequecircncia agrave intensidade e agrave duraccedilatildeo antecedentes e consequentes Andreacute concordou em realizar as tarefas e se precisasse ligar para a terapeuta relatou que o faria mesmo com vergonha jaacute que disse estar ldquogostando de saber que natildeo eacute um ETrdquo (sic) pois aprendeu que tem muita gente que enfrenta as mesmas dificuldades que ele

No ano seguinte Andreacute mudou-se com a famiacutelia para outra cidade perto de alguns parentes da avoacute pois ela estava doente e o atendimento foi encerrado

Consideraccedilotildees Finais

O atendimento realizado de forma geral pode ser considerado como importante para a melhora do cliente ainda que muitas classes de comportamentos como falar ouvir pedir elogiar resolver problemas tomar decisotildees fazer amizades lidar com criacuteticas por exemplo devam ser desenvolvimentos eou aperfeiccediloados

Outra consideraccedilatildeo a ser feita consiste no trabalho em parceria com o profissional da aacuterea da fisiologia que auxiliou na montagem do material didaacutetico da sessatildeo psicopedagoacutegica e assessorou nas respostas para as perguntas teacutecnicas que o cliente fez durante a sessatildeo Portanto pode-se considerar que a parceria foi importante para a compreensatildeo do cliente do que era normal ou exagerado em suas reaccedilotildees fisioloacutegicasrespondentes

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Apesar de o caso ter sido atendido por uma terapeuta considerando sua urgecircncia as discussotildees foram realizadas em grupo jaacute que o atendimento fez parte de um projeto de extensatildeo que atende adolescentes com TAS Tal dinacircmica de trabalho possibilitou o ensino aos estudantes de graduaccedilatildeo envolvidos no projeto dos princiacutepios baacutesicos da Anaacutelise do Comportamento aplicado ao contexto cliacutenico e o aprendizado do uso do procedimento de anaacutelises funcionais bem como a importacircncia da coleta de dados com diferentes fontes de informaccedilotildees como familiares professores e o meacutedico psiquiatra pois como se sabe o comportamento eacute multideterminado e dinacircmico

Andreacute foi atendido em 15 sessotildees pela Psicologia durante cerca de quatro meses Durante esse periacuteodo foram realizadas trecircs consultas psiquiaacutetricas inclusive para ajuste da medicaccedilatildeo Apesar da complexidade do caso e do nuacutemero reduzido de sessotildees a avaliaccedilatildeo foi de que houve engajamento aos tratamentos psicoteraacutepico e medicamentoso por parte do cliente que sempre chegou no horaacuterio aderiu agraves tarefas dentro e fora da sessatildeo e tomava adequadamente a medicaccedilatildeo

Em siacutentese pode-se dizer que a psicoterapia com base na Anaacutelise do Comportamento considera o repertoacuterio do cliente e pode contribuir para o desenvolvimento de repertoacuterio mais adequado para os comportamentos classificados como excessivos eou que causam prejuiacutezos sendo considerados e diagnosticados como transtornos psiquiaacutetricos Relatos como o apresentado no presente capiacutetulo podem contribuir para a compreensatildeo de como diferentes aacutereas de conhecimento auxiliam e ajudam inclusive na adesatildeo ao tratamento desses casos

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Temas em Neurociecircncias

Joseacute Luciano Tavares da SilvaJosiane Ceciacutelia Luzia

(Organizadores)

9 786556 680156

ISBN 978-655668015-6

  • Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso
    • Joseacute Luciano Tavares da Silva
    • Silvia Alves Santos
    • Wagner Ferreira Lima
    • Josiane Ceciacutelia Luzia
      • Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees
        • Silvia Ponzoni
          • Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro
            • Roberta Ekuni
              • A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas
                • Jayme Marrone Juacutenior
                  • As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto
                    • Joseacute Luciano Tavares da Silva
                    • Josiane Ceciacutelia Luzia
                      • Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica
                        • Andreacute Demambre Bacchi
                          • Dor Aguda e Dor Crocircnica
                            • Mauro Leonelli
                              • A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso
                                • Decircnis Augusto Santana Reis
                                  • Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos1
                                    • Celio Roberto Estanislau
                                    • Thiago Soares Campoli
                                    • Rodrigo Moreno Klein
                                    • Acauatilde Galdino Vieira Silva
                                    • Isis Amanda Andrade Amadeu
                                    • Guilherme Machado Borges
                                      • Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem
                                        • Clay Brites
                                          • Siacutendrome de Burnout
                                            • Denise Albieri Jodas Salvagioni
                                            • Selma Maffei de Andrade
                                              • Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva
                                                • Andressa de Freitas Mendes Dionisio
                                                  • Epilepsia em Catildees
                                                    • Lucas Aleacutecio Gomes
                                                      • Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso
                                                        • Josiane Ceciacutelia Luzia
                                                        • Edneacuteia Aparecida Peres
                                                        • Joseacute Luciano Tavares da Silva
                                                          • _Hlk518570981
                                                          • _Hlk491869373
                                                          • _Hlk15812080
                                                          • _Hlk15382527
                                                          • _Hlk15383486
                                                          • _Hlk15813431
                                                          • _Hlk15885380
                                                          • _Hlk15816921
                                                          • _Hlk15816854
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                                                          • _Hlk42607118
                                                          • _Hlk40277666
                                                          • _Hlk20927873
                                                          • _Hlk42259309
                                                          • _Hlk41997015
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                                                          • _Hlk8640877
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                                                          • Paacutegina em branco
                                                              1. Botatildeo 4
                                                              2. Botatildeo 6
                                                              3. Botatildeo 9
                                                              4. Botatildeo 11
                                                              5. Botatildeo 8
                                                              6. Botatildeo 10
                                                              7. Botatildeo 13
                                                              8. Botatildeo 15
                                                              9. Botatildeo 12
                                                              10. Botatildeo 14
                                                              11. Botatildeo 17
                                                              12. Botatildeo 19
                                                              13. Botatildeo 16
                                                              14. Botatildeo 18
                                                              15. Botatildeo 21
                                                              16. Botatildeo 23
                                                              17. Botatildeo 20
                                                              18. Botatildeo 22
                                                              19. Botatildeo 25
                                                              20. Botatildeo 27
                                                              21. Botatildeo 24
                                                              22. Botatildeo 26
                                                              23. Botatildeo 29
                                                              24. Botatildeo 31
                                                              25. Botatildeo 28
                                                              26. Botatildeo 30
                                                              27. Botatildeo 33
                                                              28. Botatildeo 35
                                                              29. Botatildeo 32
                                                              30. Botatildeo 34
                                                              31. Botatildeo 37
                                                              32. Botatildeo 39
                                                              33. Botatildeo 36
                                                              34. Botatildeo 38
                                                              35. Botatildeo 41
                                                              36. Botatildeo 43
                                                              37. Botatildeo 40
                                                              38. Botatildeo 42
                                                              39. Botatildeo 45
                                                              40. Botatildeo 47
                                                              41. Botatildeo 44
                                                              42. Botatildeo 46
                                                              43. Botatildeo 49
                                                              44. Botatildeo 51
                                                              45. Botatildeo 48
                                                              46. Botatildeo 50
                                                              47. Botatildeo 53
                                                              48. Botatildeo 55
                                                              49. Botatildeo 52
                                                              50. Botatildeo 54
                                                              51. Botatildeo 57
                                                              52. Botatildeo 59
                                                              53. Botatildeo 56
                                                              54. Botatildeo 58
                                                              55. Botatildeo 61
                                                              56. Botatildeo 63
                                                              57. Botatildeo 64
                                                              58. Botatildeo 66
                                                              59. Botatildeo 69
                                                              60. Botatildeo 71
                                                              61. Botatildeo 68
                                                              62. Botatildeo 70
                                                              63. Botatildeo 73
                                                              64. Botatildeo 75
                                                              65. Botatildeo 72
                                                              66. Botatildeo 74
                                                              67. Botatildeo 77
                                                              68. Botatildeo 79
                                                              69. Botatildeo 76
                                                              70. Botatildeo 78
                                                              71. Botatildeo 81
                                                              72. Botatildeo 83
                                                              73. Botatildeo 80
                                                              74. Botatildeo 82
                                                              75. Botatildeo 85
                                                              76. Botatildeo 87
                                                              77. Botatildeo 84
                                                              78. Botatildeo 86
                                                              79. Botatildeo 89
                                                              80. Botatildeo 91
                                                              81. Botatildeo 88
                                                              82. Botatildeo 90
                                                              83. Botatildeo 93
                                                              84. Botatildeo 95
                                                              85. Botatildeo 92
                                                              86. Botatildeo 94
                                                              87. Botatildeo 97
                                                              88. Botatildeo 99
                                                              89. Botatildeo 96
                                                              90. Botatildeo 98
                                                              91. Botatildeo 101
                                                              92. Botatildeo 103
                                                              93. Botatildeo 100
                                                              94. Botatildeo 102
                                                              95. Botatildeo 105
                                                              96. Botatildeo 107
                                                              97. Botatildeo 104
                                                              98. Botatildeo 106
                                                              99. Botatildeo 109
                                                              100. Botatildeo 111
                                                              101. Botatildeo 108
                                                              102. Botatildeo 110
                                                              103. Botatildeo 113
                                                              104. Botatildeo 115
                                                              105. Botatildeo 60
                                                              106. Botatildeo 62
                                                              107. Botatildeo 65
                                                              108. Botatildeo 67
Page 3: Temas em Neurociências - UEL...áreas do conhecimento, especialmente das áreas biológicas e da saúde. Josiane Cecília Luzia Doutora em Neuropsicologia Clínica pela Universidad

Copyright copy 2020 ndash Todos os direitos reservados

Si381t Silva Joseacute Luciano Tavares da Luzia Josiane CeciacuteliaTemas em Neurociecircncias Joseacute Luciano Tavares da Silva Josiane

Ceciacutelia Luzia (Orgs) ndash Editora Scienza 2020 ndash Satildeo Carlos SP Brasil

362 p

ISBN - 978-65-5668-015-6DOI - httpdxdoiorg1026626978-65-5668-015-6B0001

Disponiacutevel em httpwwwuelbrccbfisiologicasportalpagespublicacoesphphttpwwwuelbrccbpgacpagespublicacoesphp

1 Fisiologia humana 2 Neuropsicologia 3 Neurociecircncias 4 Sistema Nervoso I Orgs II Tiacutetulo

CDD 612

Revisatildeo Editoraccedilatildeo E-book e Impressatildeo

Rua Juca Sabino 21 ndash Satildeo Carlos SP(16) 3364-3346 | (16) 9 9285-3689

wwweditorascienzacombrgustavoeditorascienzacom

ReitorDr Seacutergio Carlos de Carvalho

Vice-reitorDr Deacutecio Sabbatini Barbosa

Comissatildeo CientiacuteficaOs capiacutetulos desta obra foram avaliados e receberam pareceres

ad hoc dos seguintes membros da comissatildeo cientiacutefica

bull Dr Amauri Gouveia Juacutenior | Universidade Federal do Paraacute-Paraacute

bull Dra Caacutessia Thais Bussamra Vieira Zaia | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Claacuteudia Bueno dos Reis Martinez | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dr Ernane Torres Uchoa | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Magda Solange Vanzo Pestun | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dr Mauro Leonelli | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Doutorando Mayron Piccolo | Universidade de Fribourg Fribourg Suiacuteccedila

bull Doutoranda Nancy Nazareth Gatzke Correcirca | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Dra Regina Ceacutelia Bueno Rezende Machado | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Mestre Vanessa Santiago Ximenes | Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

bull Mestre Vivian Senegalia Morete | Varas de Famiacutelia e de Infacircncia e JuventudeTribunal de Justiccedila do Estado do Paranaacute

Organizadores

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Doutor em Ciecircncias (Fisiologia Humana) pela Universidade de Satildeo Paulo - Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncia do Movimento Humano (Fisiologia do Exerciacutecio) pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e dos Cursos de Poacutes-graduaccedilatildeo em Neurociecircncias e em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilaCoordenador do Programa de Formaccedilatildeo Complementar Temas em Neurociecircncias destinado a estudantes de graduaccedilatildeo poacutes-graduaccedilatildeo e profissionais de diversas aacutereas do conhecimento especialmente das aacutereas bioloacutegicas e da sauacutede

Josiane Ceciacutelia Luzia

Doutora em Neuropsicologia Cliacutenica pela Universidad de Salamanca Espanha Mestre em Neurociecircncias e Comportamento pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Mental da Universidade Estadual de Londrina Colaboradora do Programa de Formaccedilatildeo Complementar Temas em Neurociecircncias

Organizadores | 5

Sobre os Autores | 7

Sobre os Autores

Acauatilde Galdino Vieira SilvaGraduaccedilatildeo em Psicologia pela Universidade de Mariacutelia (UNIMAR)

Mariacutelia-Satildeo Paulo Psicoacutelogo Cliacutenico

Andreacute Demambre BacchiDoutor em Ciecircncias Fisioloacutegicas pela Universidade Estadual de

Londrina Docente da Universidade Federal de Rondonoacutepolis - MT

Andressa de Freitas Mendes DionisioDoutora em Farmacologia pela Universidade de Satildeo Paulo

Ribeiratildeo Preto - Satildeo Paulo Poacutes-doutorado pela Universidade do Alabama em Birmingham Estados Unidos da Ameacuterica e pela Faculdade de Medicina pela Universidade de Satildeo Paulo Ribeiratildeo Preto - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e do Programa Multicecircntrico de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias Fisioloacutegicas da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Celio Roberto EstanislauDoutor em Psicobiologia pela Universidade de Satildeo Paulo e Poacutes-

doutor pela Universitat Autoacutenoma de Barcelona Espanha Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Anaacutelise do Comportamento e Neurociecircncias da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Clay BritesDoutor em Ciecircncias Meacutedicas pela UNICAMP ndash Campinas -Satildeo

Paulo Pediatra e Neurologista Infantil do Instituto Neurosaber Londrina-Paranaacute Membro Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) Membro e Vice-Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissotildees Afins (ABENEPI) - Paranaacute

8 | Temas em Neurociecircncias

Decircnis Augusto Santana ReisMestre em Farmacologia pela Faculdade de Medicina de

Ribeiratildeo Preto-USP Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina Pesquisador do Nuacutecleo de Estudos Violecircncia e Relaccedilotildees de Gecircnero - NEVIRG- UNESPASSIS- Satildeo Paulo

Denise Albieri Jodas SalvagioniDoutora em Sauacutede Coletiva pela Universidade Estadual de

Londrina Docente do Departamento de Enfermagem do Instituto Federal do Paranaacute Londrina-Paranaacute

Edneacuteia Aparecida PeresDoutora em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio

de Mesquita Filho-Campus Mariacutelia Mariacutelia ndash Satildeo Paulo Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Guilherme Machado BorgesEspecialista em Anaacutelise do Comportamento Aplicado pelo

Centro Universitaacuterio Filadeacutelfia Docente Coordenador de Estaacutegios do Curso de Psicologia da Faculdade de Jandaia do Sul ndash FafiJan Jandaia do Sul - Paranaacute

Isis Amanda Andrade AmadeuEstudante do Curso de Psicologia pela Universidade Estadual de

Londrina Londrina-Paranaacute

Jayme Marrone JuacuteniorDoutorando em Ensino de Ciecircncias pela Universidade Estadual

de Londrina Londrina-Paranaacute Docente do Instituto Federal do Paranaacute Astorga-Paranaacute

Joseacute Luciano Tavares da SilvaDoutor em Ciecircncias pela Universidade de Satildeo Paulo (USP)-Satildeo

Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Neurociecircncias (UEL) Docente e coordenador do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedila e coordenador do Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Sobre os Autores | 9

Josiane Ceciacutelia LuziaDoutora em Neuropsicologia Cliacutenica pela Universidad de

Salamanca Espanha Docente do Departamento de Psicologia Geral e Anaacutelise do Comportamento e do Curso de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Mental da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Lucas Aleacutecio GomesDoutor em Ciecircncias pela Faculdade de Medicina Veterinaacuteria

e Zootecnia da Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo Docente do Departamento de Cliacutenicas Veterinaacuterias e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncia Animal da Universidade Estadual de Londrina-Paranaacute

Mauro LeonelliDoutor em Fisiologia pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo

Paulo Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e da Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilada Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Rodrigo Moreno KleinDoutorando pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da

Sauacutede da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Roberta EkuniDoutora em Ciecircncias pela Universidade Federal de Satildeo Paulo -

Satildeo Paulo Docente da Universidade Estadual do Norte do Paranaacute e do Programa de Mestrado em Educaccedilatildeo (PPEd) Jacarezinho - Paranaacute

Selma Maffei de AndradeDoutorado em Sauacutede Puacuteblica pela Universidade de Satildeo Paulo-

Satildeo Paulo Docente do Departamento de Sauacutede Coletiva e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Silvia Alves SantosDoutora em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Satildeo Carlos

(UFSCar) Satildeo Carlos - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

10 | Temas em Neurociecircncias

Silvia PonzoniDoutora em Ciecircncias pela Universidade de Satildeo Paulo- Satildeo Paulo

e Poacutes-Doutorado pela Universita degli Studi - Modena USMOD Itaacutelia e Universitagrave Degli Studi Di Parma UDSPR Itaacutelia Docente do Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas e da Poacutes-graduaccedilatildeo em Fisiologia Translacional da sauacutede agrave doenccedilada Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Thiago Soares CampoliMestre em Anaacutelise do Comportamento pela Universidade

Estadual de Londrina Psicoacutelogo cliacutenico em Londrina-Paranaacute

Wagner Ferreira LimaDoutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de

Mesquita Filho Assis - Satildeo Paulo Docente do Departamento de Letras Vernaacuteculas e Claacutessicas Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Londrina Londrina-Paranaacute

Apresentaccedilatildeo | 11

Apresentaccedilatildeo

O aprimoramento notadamente nas duas uacuteltimas deacutecadas da divulgaccedilatildeo cientiacutefica relacionada agraves Neurociecircncias seja por intermeacutedio de manchetes indicando novas descobertas na aacuterea livros voltados exclusivamente a este fim ou ainda por meio de filmes ou seacuteries de TV como ldquoBrain Gamesrdquo (ldquoTruques da Menterdquo no Brasil produzida pela Natgeo) colaborou de forma inequiacutevoca para o crescente interesse despertado no puacuteblico de forma geral Afinal quem natildeo conhece algueacutem mais ou menos proacuteximo que esteja acometido por disfunccedilotildees como doenccedila de Alzheimer ou Parkinson mais comuns a cada ano devido ao envelhecimento populacional Pode ser que na famiacutelia haja uma pessoa que sofra com transtorno obsessivo-compulsivo transtorno de deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividade um filho para o qual aprender a ler eacute um desafio quase intransponiacutevel ou mesmo um tio que sente dor em uma perna que fora amputada e natildeo existe mais Quem sabe algueacutem tenha passado pelo terror de sentir-se paralisado sem poder mover um muacutesculo sequer ao acordar de madrugada podendo jurar que embora sozinho sentira a presenccedila de algo ldquosobrenaturalrdquo

Eacute fascinante saber que tais exemplos e muitos outros que fazem parte de nosso dia a dia podem ser explicados por alteraccedilotildees no funcionamento dessa massa tortuosa com consistecircncia gelatinosa e cerca de 15 kg contida pelo cracircnio Mesmo com sua aparecircncia relativamente estranha quando comparada aos outros oacutergatildeos do corpo tudo o que pensamos sentimos e experimentamos natildeo passa de mera atividade eletroquiacutemica presente nas trilhotildees de conexotildees entre as ceacutelulas que a compotildee O delicioso cheiro e sabor daquela pizza que acabou de sair do forno a visatildeo da pessoa amada e os sentimentos e emoccedilotildees a ela relacionados o amor incondicional pelos filhos e o medo aterrorizante de perdecirc-los a raiva pelo tracircnsito na hora do rush e a alegria de finalmente chegar em casa ou seja absolutamente tudo aquilo que somos de tal maneira que ao morrermos tudo isso tambeacutem morre conosco Ou seraacute que natildeo

12 | Temas em Neurociecircncias

Torna-se portanto natural o desejo de saber mais sobre o sistema nervoso e assim poder vislumbrar de maneira um pouco mais profunda sua espetacular complexidade Logo natildeo surpreende que o desenvolvimento de um programa complementar de ensino nesta aacuterea tenha obtido tanto sucesso com cerca de 1300 participantes inscritos desde sua primeira ediccedilatildeo em 2010

Com o objetivo de comemoraccedilatildeo ao aniversaacuterio de dez anos do programa de formaccedilatildeo complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo esta obra reuacutene os conteuacutedos trabalhados por alguns de seus colaboradores que dentro de suas aacutereas de conhecimento ministraram palestras orientaram grupos de estudos ou ambos ao longo desta uacuteltima deacutecada Considerando a caracteriacutestica diversificada do programa em relaccedilatildeo aos diferentes temas abordados optamos por organizar os 14 capiacutetulos que compotildeem o livro em trecircs seccedilotildees

A Seccedilatildeo 1 ldquoTeoria e Neurociecircnciasrdquo eacute composta pelos capiacutetulos 1 a 5 em que satildeo apresentadas consideraccedilotildees sobre as caracteriacutesticas do programa desde seu lanccedilamento em 2010 no capiacutetulo 1 os aspectos relacionados agrave evoluccedilatildeo do sistema nervoso no capiacutetulo 2 os denominados ldquoneuromitosrdquo e como estatildeo arraigados na populaccedilatildeo que neles creem no capiacutetulo 3 conjecturas relacionadas agrave associaccedilatildeo entre as Neurociecircncias e a fiacutesica quacircntica no capiacutetulo 4 e uma revisatildeo bibliograacutefica acerca da relaccedilatildeo entre as Neurociecircncias e as denominadas ldquoexperiecircncias paranormaisrdquo no capiacutetulo 5

A Seccedilatildeo 2 ldquoProcessos Baacutesicos em Neurociecircnciasrdquo eacute constituiacuteda pelos capiacutetulos 6 a 9 e apresenta as bases para a dependecircncia quiacutemica no capiacutetulo 6 aspectos neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor no capiacutetulo 7 possiacuteveis alteraccedilotildees no sistema nervoso presentes no criminoso no capiacutetulo 8 e aspectos evolucionistas e neurobiologia do transtorno obsessivo-compulsivo no capiacutetulo 9

A Seccedilatildeo 3 ldquoAspectos Cliacutenicos em Neurociecircnciasrdquo eacute constituiacuteda pelos capiacutetulos 10 a 14 em que satildeo apresentados aspectos neurobioloacutegicos da dislexia no capiacutetulo 10 o distuacuterbio psiacutequico associado ao trabalho denominado ldquoSiacutendrome de Burnoutrdquo no capiacutetulo 11 os aspectos farmacoloacutegicos relacionados ao tratamento da dor crocircnica nociceptiva no capiacutetulo 12 a epilepsia em catildees no capiacutetulo 13 e a abordagem do transtorno de ansiedade social sob o ponto de vista da anaacutelise do comportamento no capiacutetulo 14

Apresentaccedilatildeo | 13

Gostaria de manifestar meu reconhecimento e agradecimento a todos os colaboradores palestrantes e orientadores de grupos de estudos que ao longo destes dez anos enalteceram o programa com seus conhecimentos sem os quais o programa e esta obra natildeo existiriam Particularmente agradeccedilo os autores e revisores responsaacuteveis por cada capiacutetulo os quais estatildeo vinculados em sua maioria a Instituiccedilotildees de Ensino Superior seja na categoria de docente estudante de poacutes-graduaccedilatildeo ou iniciaccedilatildeo cientiacutefica e tambeacutem aos profissionais liberais cujos princiacutepios de atuaccedilatildeo estatildeo pautados nos conhecimentos atuais das Neurociecircncias

Tenham todos uma oacutetima leitura

Joseacute Luciano Tavares da Silva

Sumaacuterio | 15

Sumaacuterio

Seccedilatildeo I

Capiacutetulo 1Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo

Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso 19Joseacute Luciano Tavares da Silva Silvia Alves Santos Wagner Ferreira Lima e Josiane Ceciacutelia Luzia

Capiacutetulo 2 Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees 35

Silvia Ponzoni

Capiacutetulo 3Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro 61

Roberta Ekuni

Capiacutetulo 4A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as

Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas 79Jayme Marrone Juacutenior

Capiacutetulo 5 As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os

Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto 107Joseacute Luciano Tavares da Silva e Josiane Ceciacutelia Luzia

Seccedilatildeo II

Capiacutetulo 6Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica 163

Andreacute Demambre Bacchi

16 | Temas em Neurociecircncias

Capiacutetulo 7 Dor Aguda e Dor Crocircnica 185

Mauro Leonelli

Capiacutetulo 8 A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova

Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso 209Decircnis Augusto Santana Reis

Capiacutetulo 9Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva

Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos 239Celio Roberto Estanislau Thiago Soares Campoli Rodrigo Moreno Klein Acauatilde Galdino Vieira Silva Isis Amanda Andrade Amadeu e Guilherme Machado Borges

Seccedilatildeo III

Capiacutetulo 10 Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees

da Neuroimagem 259Clay Brites

Capiacutetulo 11 Siacutendrome de Burnout 275

Denise Albieri Jodas Salvagioni e Selma Maffei de Andrade

Capiacutetulo 12 Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no

Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva 293Andressa de Freitas Mendes Dionisio

Capiacutetulo 13 Epilepsia em Catildees 319

Lucas Aleacutecio Gomes

Capiacutetulo 14 Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso 341

Josiane Ceciacutelia Luzia Edneacuteia Aparecida Peres e Joseacute Luciano Tavares da Silva

SECcedilAtildeO I

TEORIA E NEUROCIEcircNCIAS

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Silvia Alves SantosUniversidade Estadual de Londrina

Wagner Ferreira LimaUniversidade Estadual de Londrina

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A uacuteltima deacutecada do seacuteculo passado (1990-2000) foi considerada a ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo devido ao avanccedilo exponencial das pesquisas cientiacuteficas neste campo Desde 1996 a Fundaccedilatildeo Dana (The Dana Foundation) localizada em Nova York nos Estados Unidos promove anualmente uma campanha global a ldquoSemana do Ceacuterebrordquo (Brain Awareness Week) no decorrer da qual satildeo repassadas ao puacuteblico em geral informaccedilotildees relacionadas ao progresso e benefiacutecios das pesquisas cientiacuteficas sobre o ceacuterebro objetivando conscientizaccedilatildeo acerca de sua importacircncia Aderindo agrave campanha todos os anos diversas instituiccedilotildees do Brasil (universidades hospitais e outras) realizam a ldquoSemana do Ceacuterebrordquo durante o mecircs de marccedilo

O presente programa de formaccedilatildeo complementar em neurociecircncias da Universidade Estadual de Londrina eacute voltado exclusivamente aos estudantes matriculados em instituiccedilotildees de ensino superior tanto em niacutevel de graduaccedilatildeo quanto de poacutes-graduaccedilatildeo e aos profissionais atuantes no mercado de trabalho Como princiacutepio baacutesico apresenta a divulgaccedilatildeo do que se sabe

Autor para correspondecircncia jlucianotavares

gmailcom

1

20 | Temas em Neurociecircncias

atualmente sobre determinados temas baacutesicos e tambeacutem cliacutenicos que estejam direta ou indiretamente relacionados agraves neurociecircncias

Sua importacircncia reside no fato de que a prevenccedilatildeo tratamento e entendimento de alteraccedilotildees funcionais relacionadas ao sistema nervoso requerem noccedilotildees sobre sua funccedilatildeo normal e o que se poderia esperar em caso de anormalidades Isto implica que de maneira direta ou indireta e de forma mais ou menos aprofundada profissionais da aacuterea da sauacutede e de aacutereas afins que lidam com desenvolvimento humano ndash como psicoacutelogos pedagogos assistentes sociais entre outros ndash precisam dispor desta compreensatildeo Eacute evidente por exemplo a dificuldade de muitos professores do ensino fundamental em como proceder para o melhor atendimento agraves crianccedilas que apresentam deficiecircncias eou limitaccedilotildees fiacutesicas e intelectuais apoacutes a sua inclusatildeo em turmas cuja maioria se encaixa nos padrotildees aceitos como normais

Sob o ponto de vista do desenvolvimento tecnoloacutegico no acircmbito industrial o qual se apresenta em franca expansatildeo e envolve desde a confecccedilatildeo de proacuteteses interligadas ao sistema nervoso ateacute a substituiccedilatildeo de oacutergatildeos sensoriais por equivalentes roboacuteticos eacute visiacutevel a necessidade de profissionais capacitados a fazer as interconexotildees entre esta aacuterea e a tecnologia biomeacutedica

Mesmo que por enquanto esteja relativamente longe de explicar de maneira convincente como a consciecircncia em toda sua complexidade adveacutem de uma massa formada por bilhotildees de neurocircnios e outras ceacutelulas que perfazem o enceacutefalo humano o conjunto de ciecircncias relacionadas ao estudo e compreensatildeo do sistema nervoso ou seja as ldquoNeurociecircnciasrdquo tecircm feito progressos inegaacuteveis para tal compreensatildeo

Fundamentada na premissa de que todo comportamento e vida mental originam-se da estrutura e funccedilatildeo do sistema nervoso (Squire Berg Bloom Du Lac Ghosh amp Spitzer 2008) ela se abre aos diversos ramos de pesquisa cada um dos quais regidos por um ponto de vista distinto Com a compreensatildeo dos diferentes aspectos relacionados agrave fisiologia agrave bioquiacutemica agrave farmacologia e agrave estrutura do ceacuterebro de vertebrados a disciplina de neurociecircncias apesar de relativamente nova apresentou grande evoluccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas (Goswami 2004)

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 21

Neste conjunto de partes que se complementam pode-se citar dentre outros o ramo que estuda sua anatomia ou neuroanatomia a interaccedilatildeo entre o sistema nervoso e o sistema endoacutecrino ou neuroendocrinologia a accedilatildeo de drogas sobre o sistema nervoso ou neurofarmacologia as funccedilotildees do sistema nervoso ou neurofisiologia as patologias do sistema nervoso ou neurologia os distuacuterbios neuroloacutegicos em associaccedilatildeo com distuacuterbios psiquiaacutetricos ou neuropsiquiatria e as relaccedilotildees entre o ceacuterebro e funccedilotildees mentais vale dizer a neuropsicologia (Herculano-Houzel 2008)

Nota-se contudo que o prefixo ldquoneurordquo vem sendo apropriado de maneira no miacutenimo questionaacutevel por diversos setores da sociedade (Neves 2016) Com objetivos oportunistas ou para conquistar maior audiecircncia a imprensa e outros grupos (propositalmente ou natildeo) muitas vezes simplificam fatos e resultados cientiacuteficos podendo inclusive colocar em risco a sauacutede da populaccedilatildeo que crecirc no que eacute divulgado

Assim sendo extrapolando o aspecto profissional o esclarecimento do puacuteblico em geral sobre o papel das neurociecircncias no dia a dia mostra-se essencial para o desenvolvimento cultural e social da sociedade evitando que a populaccedilatildeo seja talhada segundo o interesse comercial de grupos diversos baseados em boatos ou crenccedilas infundadas os denominados ldquoneuromitosrdquo (Ekuni amp Pompeacuteia 2016)

Ao longo dos uacuteltimos anos tem havido grande nuacutemero de concepccedilotildees errocircneas acerca do ceacuterebro as quais satildeo divulgadas pela miacutedia de forma geral muitas relacionadas ao processo de aprendizagem Considerando-se que frequentemente originam-se de elementos cientiacuteficos mesmo que mal interpretados incompletos ou extrapolados para aleacutem das evidecircncias observadas em pesquisas sua refutaccedilatildeo torna-se mais difiacutecil como os exemplos que seguem (OECD 2007)

a) ldquoNatildeo haacute tempo a perder pois tudo que eacute importante acerca do ceacuterebro eacute decidido ateacute a idade de trecircs anosrdquo

b) ldquoExistem periacuteodos criacuteticos nos quais certas mateacuterias devem ser ensinadas e aprendidasrdquo

c) ldquoNoacutes utilizamos normalmente apenas 10 da capacidade de nosso ceacuterebrordquo

22 | Temas em Neurociecircncias

d) ldquoExistem pessoas que utilizam mais o hemisfeacuterio esquerdo e outras o hemisfeacuterio direito do ceacuterebrordquo

e) ldquoHomens e meninos possuem ceacuterebros diferentes de mulheres e meninasrdquo

f) ldquoO ceacuterebro de uma crianccedila pequena eacute capaz de aprender apenas um idioma por vezrdquo entre outros

Por conta de concepccedilotildees como estas observa-se que muitas escolas podem utilizar meacutetodos de ensino baseados em crenccedilas cientificamente infundadas (Brockington amp Mesquita 2016)

Aleacutem dos ldquoneuromitosrdquo pode-se ainda salientar crenccedilas aceitas como verdadeiras por parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo tais como ldquoexperiecircncias de quase-morterdquo ldquoabduccedilotildees alieniacutegenasrdquo e outras do gecircnero para as quais existem explicaccedilotildees embasadas na neurociecircncia (Mobbs amp Watt 2011) Em relaccedilatildeo a esta uacuteltima o esclarecimento sobre como o sistema nervoso pode gerar alteraccedilotildees na percepccedilatildeo eou consciecircncia muitas vezes inoacutecuas mas quando apontadas de maneira equivocada como indiacutecios de manifestaccedilotildees sobrenaturais ou de doenccedilas graves poderia acarretar o sensacionalismo que sempre as caracterizam

Considerando a importacircncia de desmistificar tais crenccedilas e esclarecer profissionais e futuros profissionais da aacuterea da sauacutede e afins os quais satildeo (ou ao menos deveriam ser) o elo entre a pesquisa cientiacutefica seacuteria e o puacuteblico em geral este programa de formaccedilatildeo complementar objetiva possibilitar a aquisiccedilatildeo de noccedilotildees baacutesicas fundamentais acerca das funccedilotildees normal e anormal relacionadas ao sistema nervoso

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Aspectos Histoacutericos

O Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo foi iniciado na forma de projeto de pesquisa em ensino em agosto de 2010 sendo entatildeo denominado de ldquoEstudos de Casos em Neurociecircncia Cliacutenicardquo

A princiacutepio foi direcionado apenas aos estudantes de graduaccedilatildeo do terceiro e quarto anos do curso de Psicologia da UEL com 43 estudantes inscritos A ideia partiu da necessidade de incrementar a

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 23

parte de fisiologia do sistema nervoso inserida na disciplina ldquoFisiologia Humanardquo voltada ao curso de Psicologia e que estava vigente na eacutepoca atualmente substituiacuteda pela disciplina ldquoNeurofisiologiardquo

Aleacutem da parte de neurofisiologia o programa englobava toacutepicos cliacutenicos pouco vistos no decorrer da graduaccedilatildeo Na eacutepoca o programa tambeacutem atraiu a atenccedilatildeo de estudantes do curso como mais uma opccedilatildeo para participaccedilatildeo em projeto de ensino e indiretamente como uma porta para projetos de pesquisa de docentes orientadores de casos cliacutenicos em neurociecircncias Tendo em vista a pouca oferta de vagas o projeto foi desenvolvido em salas de aula do departamento de ciecircncias fisioloacutegicas do CCBUEL com baixa capacidade de lotaccedilatildeo Considerando que as palestras e desenvolvimento de estudos foram realizados por docentes colaboradores do projeto que recebiam carga horaacuteria para tal ou por consultores externos convidados natildeo houve necessidade de conseguir financiamento para seu desenvolvimento

No ano seguinte iniciou-se a segunda turma desta vez aberta tambeacutem a estudantes de Fisioterapia do segundo ano sendo formada por 63 estudantes sendo 23 estudantes de Psicologia e 40 estudantes de Fisioterapia A terceira e uacuteltima turma ainda como projeto de pesquisa em ensino foi aberta em 2012 sendo formada por 76 estudantes de graduaccedilatildeo de cursos diversos da UEL e dois estudantes de outras instituiccedilotildees

Encerrado na forma de projeto de pesquisa em ensino no ano de 2012 deu-se origem ao Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo em formato de palestras em um semestre e de estudos em grupos no semestre seguinte Em 2013 no seu primeiro ano como Programa de Formaccedilatildeo Complementar obteve o total de 115 estudantes inscritos dos quais 107 estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL e oito participantes externos A turma seguinte em 2014 obteve 121 inscriccedilotildees sendo 59 estudantes de graduaccedilatildeo de cursos diversos da UEL e 62 participantes externos

A turma de 2015 apresentou 166 inscriccedilotildees das quais 94 de estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL e 72 participantes externos A turma seguinte de 2016 obteve 220 inscriccedilotildees das quais 120 inscriccedilotildees de estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e cem inscriccedilotildees de participantes externos Em 2017 houve 188 inscriccedilotildees das quais

24 | Temas em Neurociecircncias

101 de estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e 88 participantes externos Finalmente em 2018 foram realizadas 245 inscriccedilotildees das quais 139 estudantes de graduaccedilatildeo da UEL e 106 participantes externos

O Programa mostra-se um espaccedilo profiacutecuo para o desenvolvimento de temas de pesquisa para alunos e comunidade externa isso significa afirmarmos que sua consolidaccedilatildeo como espaccedilo formativo acadecircmico eacute de grande valia para a sociedade Corroborando tal afirmaccedilatildeo a partir de um grupo de estudos voltado para o tema ldquoSuiciacutediordquo coordenado por uma das colaboradoras do programa foi desenvolvido o evento de extensatildeo Suiciacutedio vocecirc jaacute parou para pensar no formato de ldquomesas redondasrdquo o qual obteve nuacutemero expressivo de inscriccedilotildees gerando livro homocircnimo escrito pelos palestrantes

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Aspectos Metodoloacutegicos

O Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo caracteriza-se por palestras diversas relacionadas de maneira direta ou indireta agraves neurociecircncias As atividades ocorrem aos saacutebados no periacuteodo da manhatilde no Centro de Ciecircncias Bioloacutegicas da Universidade Estadual de Londrina (CCBUEL) no decorrer do segundo semestre do ano letivo Aos estudantes de graduaccedilatildeo regularmente matriculados na instituiccedilatildeo e que tenham participado de um nuacutemero miacutenimo de 70 das palestras do semestre anterior eacute oferecida a oportunidade de permanecer no programa no semestre seguinte para participaccedilatildeo em grupos de estudos os quais estatildeo sob a orientaccedilatildeo de docentes ou estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo de mestrado ou doutorado tambeacutem da instituiccedilatildeo e tecircm por objetivo o estudo mais aprofundado sobre temas diversos propostos pelos orientadores

Acredita-se que desta maneira seratildeo fortalecidos os conhecimentos acerca do funcionamento global do sistema nervoso visto por diferentes aspectos e abordagens Havendo vagas remanescentes para participaccedilatildeo em grupos de estudos estas satildeo ofertadas a colaboradores externos O criteacuterio utilizado para preferecircncia de participaccedilatildeo eacute o mesmo utilizado para estudantes

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 25

da UEL ou seja os que apresentam maior participaccedilatildeo na fase de palestras

Desde que se iniciou como programa de formaccedilatildeo complementar em 2013 ateacute o teacutermino do cronograma de 2018 foram ministradas 140 palestras sendo 23 em 2013 25 em 2014 21 em 2015 22 em 2016 26 em 2017 e 23 em 2018 com duraccedilatildeo de 90 a 180 minutos dependendo da complexidade do tema tratado Tendo em vista que atualmente o puacuteblico participante eacute composto por estudantes e profissionais de diversas aacutereas do conhecimento optou-se a partir da turma de 2015 por ministrarem-se palestras relacionadas tanto agrave aacuterea cliacutenica quanto agrave Neurofisiologia baacutesica

As palestras relacionadas agrave Neurofisiologia baacutesica que ocorreram previamente agraves relacionadas agrave aacuterea cliacutenica foram ministradas por docentes das disciplinas de ldquoNeurofisiologiardquo ldquoNeuroendocrinologiardquo e ldquoPsicofarmacologiardquo do curso de Psicologia da UEL e docentes externos e foram as seguintes ldquoAntidepressivosrdquo ldquoCaccediladores de neuromitos o que vocecirc sabe sobre seu ceacuterebro eacute verdaderdquo ldquoControle neuroendoacutecrino da fome e saciedaderdquo ldquoFarmacologia no tratamento da dor crocircnicardquo ldquoNeurotransmissatildeo na dor crocircnicardquo ldquoNeurotransmissatildeo e organizaccedilatildeo do sistema nervosordquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas sensoriaisrdquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas motoresrdquo ldquoNeurofisiologia das emoccedilotildeesrdquo ldquoNeurofisiologia dos sistemas de memoacuteriardquo ldquoNeurofisiologia do ciclo sono-vigiacuteliardquo e ldquoOrigem e evoluccedilatildeo da vidardquo

As palestras relacionadas agrave neurociecircncia cliacutenica foram ministradas por docentes convidados todos especialistas na aacuterea cujo tema foi abordado vale dizer graduados e poacutes-graduados nas aacutereas de Biomedicina Enfermagem Farmaacutecia Fisioterapia Medicina (Anestesiologia Cirurgia bariaacutetrica Endocrinologia Geriatria Neurocirurgia Neurologia Neuropediatria e Psiquiatria) Medicina Veterinaacuteria Odontologia Psicologia e Psicopedagogia

Os temas das palestras foram os seguintes (em ordem alfabeacutetica) ldquoApneia do sonordquo ldquoAspectos farmacoloacutegicos da analgesia e anestesiardquo ldquoAspectos psicoloacutegicos das emoccedilotildeesrdquo ldquoAtendimento odontoloacutegico ao paciente especialrdquo ldquoBullying consequecircncias psicoloacutegicasrdquo ldquoCirurgia bariaacutetrica aspectos cliacutenicos e psicoloacutegicosrdquo ldquoDemecircncias senisrdquo ldquoDependecircncia quiacutemica e compulsatildeordquo ldquoDepressatildeo

26 | Temas em Neurociecircncias

e suiciacutediordquo ldquoDistuacuterbios do processamento auditivo centralrdquo ldquoDoenccedilas neuromuscularesrdquo ldquoDoenccedila de Parkinsonrdquo ldquoDor e analgesia aspectos emocionaisrdquo ldquoDor neuropaacuteticardquo ldquoEsclerose muacuteltiplardquo ldquoEsquizofreniardquo ldquoFalando sobre surdocegueirardquo ldquoNeuroetologia em epilepsiardquo ldquoNeurologia da aprendizagemrdquo ldquoNeuromarketing e a loacutegica do consumordquo ldquoNeuropatia diabeacuteticardquo ldquoNeuroplasticidade modificaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do sistema nervosordquo ldquoNeuro-zoonosesrdquo ldquoParalisia cerebralrdquo ldquoPsiquiatria forenserdquo ldquoPsico-neuro-endocrino-imunologiardquo ldquoReconexatildeo de tratos medulares via sistemas inteligentesrdquo ldquoSiacutendrome de anorexia e bulimiardquo ldquoSiacutendrome de burnoutrdquo ldquoSiacutendromes corticaisrdquo ldquoSiacutendrome de Prader-Willyrdquo ldquoTDAH visatildeo do cliacutenicordquo ldquoTDAH visatildeo do psicoacutelogordquo ldquoTDAH visatildeo do psicopedagogordquo ldquoToxina botuliacutenica uso cliacutenicordquo ldquoTranstorno bipolarrdquo ldquoTranstorno obsessivo-compulsivo e siacutendrome de Touretterdquo ldquoTranstornos do sonordquo e ldquoTrauma raqui-medularrdquo

Destacamos que o trabalho realizado no Programa de Formaccedilatildeo Complementar conta tambeacutem com grupos de estudos que auxiliam no aprofundamento dos temas bem como incorporam outros que se relacionam agrave temaacutetica geral da pesquisa em Neurociecircncias

Desde o iniacutecio ainda na forma de projeto de ensino em 2010 ateacute o presente os grupos de estudos se organizaram em torno do aprofundamento dos seguintes temas ldquoAccedilatildeo de drogas sobre ingestatildeo alimentar e gasto energeacuteticordquo ldquoAcidente vascular encefaacutelicordquo ldquoAdaptaccedilotildees fisioloacutegicas do atleta no paradesporterdquo ldquoAntidepressivos e desenvolvimentordquo ldquoAplicaccedilatildeo de conceitos de neurociecircncias na sauacutede coletiva em UBSrdquo ldquoAspectos bioloacutegicos do comportamento sexual e maternalrdquo ldquoAspectos neurobioloacutegicos da criminalidaderdquo ldquoAspectos neurofisioloacutegicos da obesidaderdquo ldquoAspectos neuropsicoloacutegicos do cacircncerrdquo ldquoAspectos psicoloacutegicos da doenccedila de Alzheimerrdquo ldquoAspectos sociais e neuroquiacutemicos de comportamentos suicidasrdquo ldquoAtletas paraliacutempicos e suas particularidadesrdquo ldquoBulimiardquo ldquoContribuiccedilotildees das neurociecircncias agrave educaccedilatildeo especialrdquo ldquoControle neural da funccedilatildeo cardiacuteaca e disfunccedilotildees associadasrdquo ldquoDepressatildeo fisiopatologia e tratamentordquo ldquoDiferenciaccedilatildeo sexual pelo sistema nervoso centralrdquo ldquoDoenccedilas encefaacutelicas em catildees e gatosrdquo ldquoDoenccedila de Parkinsonrdquo ldquoEmoccedilotildees e hipertensatildeordquo ldquoEmpatia e fobia socialrdquo ldquoEpilepsiardquo ldquoEstresse memoacuteria e aprendizagemrdquo ldquoEtologia psicofarmacologia neuropsicologia psicologia evolucionista e psicobiologia da

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 27

depressatildeordquo ldquoFisiologia do envelhecimentordquo ldquoFunccedilotildees executivas memoacuteria de trabalho velocidade de processamento e atenccedilatildeordquo ldquoLinguagem e cogniccedilatildeo corpoacutereardquo ldquoMecanismos neuroendoacutecrinos relacionados agrave obesidaderdquo ldquoMedo e transtornos de ansiedaderdquo ldquoModelo Psicobioloacutegico e suas relaccedilotildees com o desempenho motorrdquo ldquoNeuroarte e arteterapiardquo ldquoNeurobiologia e farmacologia das drogas de abusordquo ldquoNeurobiologia da linguagemrdquo ldquoNeurociecircncias e espiritualidaderdquo ldquoNeurologia cliacutenica em animais de companhiardquo ldquoNeuropsicologia da empatiardquo ldquoPatologia das disfunccedilotildees linguiacutesticasrdquo ldquoPlantas psicoativasrdquo ldquoProposiccedilatildeo de procedimentos preacute-cliacutenicos com vistas agrave prevenccedilatildeo da recidiva ao consumo de drogasrdquo ldquoSelf mente e comunicaccedilatildeo a reflexividade nas relaccedilotildees interpessoaisrdquo ldquoSentidos e realidade aspectos fiacutesicos e neurocientiacuteficosrdquo ldquoSistema nervoso autocircnomo e metabolismordquo ldquoSubstacircncias psicoativas e comportamentordquo ldquoSuiciacutedio Vocecirc jaacute parou para pensarrdquo ldquoTranstorno bipolarrdquo ldquoTranstorno de deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividaderdquo e ldquoUso de faacutermacos antidepressivos e gravidezrdquo

Expectativas e Impressotildees do Puacuteblico Participante aobre o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo

Objetivando identificar o perfil dos participantes do programa e seus interesses dentro das neurociecircncias no primeiro dia dos trabalhos de uma das ediccedilotildees do programa foram aplicados questionaacuterios com questotildees sobre a formaccedilatildeo acadecircmica ou natildeo dos sujeitos participantes quais os motivos levaram o participante a optar por esse Programa qual a relevacircncia do Programa para seu curso para sua profissatildeo ou sua vida e por uacuteltimo quais as expectativas com relaccedilatildeo ao aprendizado obtido pelo Programa

Houve 123 questionaacuterios respondidos dentre os quais 74 estudantes de graduaccedilatildeo de diversos cursos da UEL sendo 21 estudantes de Psicologia 18 de Medicina 9 de Fisioterapia 7 de Biomedicina 5 de Pedagogia 4 de Ciecircncias Bioloacutegicas 4 de Medicina veterinaacuteria 2 de Enfermagem 2 de Farmaacutecia 1 de Engenharia eleacutetrica e 1 de Fiacutesica Aleacutem desses 49 participantes da comunidade externa agrave UEL sendo 20 estudantes de Psicologia 5 estudantes de Medicina 2

28 | Temas em Neurociecircncias

estudantes de Biomedicina 2 estudantes de Fisioterapia 1 estudante de Medicina veterinaacuteria 1 teacutecnico administrativo 4 psicoacutelogos 1 bacharel em Educaccedilatildeo Fiacutesica 1 fisioterapeuta 1 meacutedico veterinaacuterio 1 pedagogo 1 professor de biologia e 9 estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo (dois em niacutevel de mestrado e dois de doutorado)

Todas as respostas possuem caracteriacutesticas especiacuteficas acerca do lugar e da situaccedilatildeo em que fala o sujeito No entanto neste trabalho elencamos algumas respostas que trouxeram mais elementos justificaacuteveis em cada uma das questotildees apresentadas

A primeira questatildeo pautou-se na necessidade de colher informaccedilotildees sobre qual seria a relevacircncia do conhecimento dentro da aacuterea de neurociecircncias para o curso a profissatildeo ou para a vida do sujeito

De modo geral as respostas confirmam a ubiquidade das neurociecircncias na vida das pessoas fato que tem despertado o interesse dos acadecircmicos por este Programa de Formaccedilatildeo Complementar Cada qual focaliza um dos aspectos das neurociecircncias que diz respeito agrave sua aacuterea potencial de atuaccedilatildeo O estudante de Psicologia destaca a importacircncia da relaccedilatildeo entre processos cerebrais e psicoloacutegicos (neuropsicologia) para sua carreira profissional

ldquoPenso em futuramente ir para a aacuterea de neuropsico-logia sendo assim o programa de formaccedilatildeo complementar tem muito que me acrescentar aleacutem de ser uma aacuterea muito interessante e o conhecimento aqui adquirido teraacute sua importacircncia para minha profissatildeo independente da aacuterea que eu sigardquo (estudante do 3ordm ano de Psicologia da UEL)

De fato as pesquisas neurocientiacuteficas tecircm jogado uma luz sobre o funcionamento da mente humana por exemplo especificamente no tocante agrave mente emocional trabalhos sobre o papel dos neurotransmissores e do uso de faacutermacos na regulaccedilatildeo do humor e comportamentos satildeo fundamentais Assim as palestras do projeto que tecircm versado direta ou indiretamente sobre tal relaccedilatildeo conseguem atender agraves expectativas dos estudantes de Psicologia

Outro aspecto das pesquisas neurocientiacuteficas mencionado no questionaacuterio concerne ao emprego de conhecimentos neuropsicoloacutegicos na educaccedilatildeo formal As palavras abaixo expressam essa relaccedilatildeo

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 29

ldquoAtraveacutes da aacuterea de neurociecircncias posso compreender melhor o comportamento de meus possiacuteveis alunos (as) penso que unindo a aacuterea em questatildeo mais os conhecimentos que tenho em Psicologia posso buscar entender de um jeito mais aprofundado os meus alunosrdquo (estudante do 5ordm ano de Pedagogia da UEL)

Essa eacute uma aacuterea a qual as neurociecircncias tecircm muito a oferecer e dessa maneira ela surge como um novo instrumento diagnoacutestico para problemas de aprendizado E natildeo soacute pois fundamental tem sido tambeacutem compreender os problemas comportamentais apresentados por crianccedilas e adolescentes Muitos deles tecircm a ver natildeo apenas com condiccedilotildees socioculturais mas com o amadurecimento cerebral pois o processo de ldquoadolescerrdquo por exemplo tem sido encarado pelas neurociecircncias como um processo acontecendo no ceacuterebro e refletindo-se nas accedilotildees e condutas dos jovens (Herculano-Houzel 2005)

Nesse sentido palestras e grupos de estudo que direta ou indiretamente abordam questotildees relacionadas agrave formaccedilatildeo cognitiva e emocional conseguem dar conta de problemas comportamentais em geral e de crianccedilas e adolescentes em particular no campo da educaccedilatildeo

Outra resposta faz menccedilatildeo a outra forma de aplicaccedilatildeo dos conhecimentos neurocientiacuteficos Trata-se de um ramo profissional muito especiacutefico e teacutecnico mas significativo quanto a abrangecircncia das neurociecircncias nos dias atuais

ldquoA neurociecircncia forma um par excepcional com a Engenharia Eleacutetrica criando a neuroengenharia uma aacuterea que me cativa pela sua importacircncia na mudanccedila de vida das pessoas seja no desenvolvimento de proacuteteses ou na recuperaccedilatildeo de traumas Acredito que por meio da neuroengenharia um dia natildeo existiratildeo pessoas desabilitadas por conta de traumas fiacutesicosrdquo (estudante do 5ordm ano de Engenharia Eleacutetrica da UEL)

Essa percepccedilatildeo alude a um dos campos mais promissores de emprego das neurociecircncias que eacute o da neuroengenharia Nesse tocante destacam-se por exemplo os trabalhos de Nicolelis e colaboradores (2011) os quais mostram ser possiacutevel conectar a atividade de ceacutelulas nervosas com artefatos roboacuteticos e controla-los usando o ldquopoder da menterdquo Atualmente essas pesquisas tecircm se voltado para a confecccedilatildeo de proacuteteses avanccediladas e outros

30 | Temas em Neurociecircncias

procedimentos para a recuperaccedilatildeo de traumas raquidianos e outros (Pruszynsk amp Diedrichsen 2015 King Wang Mccrimmon et al 2015 Bouton Shaikhouni ampAnnetta et al 2016)

Conquanto o programa ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo natildeo tenha esse objetivo especiacutefico como alvo ele colabora de algum modo para a formaccedilatildeo de alunos que se interessam pelo assunto da neuroengenharia As palestras de maneira geral contribuem nesse sentido pois a primeira condiccedilatildeo para trabalhar com a interface ceacuterebro-maacutequina eacute conhecer os princiacutepios de funcionamento da maacutequina mais complexa e maravilhosa do universo ndash o ceacuterebro humano

Outra percepccedilatildeo lembra a importacircncia das neurociecircncias para uma das aacutereas mais carentes de compreensatildeo e demandantes de intervenccedilotildees produtivas vale dizer a educaccedilatildeo especial Embora lacocircnicas as participantes opinam sobre a utilidade do projeto para o progresso profissional

ldquoMelhorar a compreensatildeo dos processos neurofisioloacute-gicos que permeiam as demandas dos estudantes que atendo propiciando assim intervenccedilotildees mais produtivasrdquo (psicoacuteloga atuante na aacuterea de educaccedilatildeo especial)

ldquoTrabalho na educaccedilatildeo especial com educandos que tecircm deacuteficits neuroloacutegicos Assim compreender o funcionamento neuroloacutegico oportunizaraacute elaborar planos e accedilotildees que forneceratildeo a melhoria da qualidade de vida dos educandosrdquo (pedagoga com especializaccedilatildeo em educaccedilatildeo especial e sauacutede mental)

Os interessados em educaccedilatildeo especial tecircm se beneficiado bastante das palestras e dos grupos de estudo Esse campo educacional lida com uma clientela bastante heterogecircnea do ponto de vista das disfunccedilotildees neuropsicoloacutegicas e requer natildeo apenas novos insights sobre essas disfunccedilotildees como tambeacutem formas de intervenccedilatildeo mais eficientes Nesse sentido a pressatildeo eacute cada vez maior por conta das exigecircncias poliacuteticas pela chamada educaccedilatildeo inclusiva Em contrapartida o projeto tem oferecido uma ampla base de conhecimentos especiacuteficos que podem auxiliar os futuros profissionais dessa aacuterea Como visto acima ele tem abordado temas neuropsicoloacutegicos os mais diversos relacionados agrave miriacuteade de problemas que a educaccedilatildeo especial vem encarando

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 31

Na aacuterea meacutedica o conhecimento neurocientiacutefico eacute absoluta-mente necessaacuterio para o correto diagnoacutestico e tratamento natildeo apenas a profissionais meacutedicos mas a outros profissionais que estejam direta ou indiretamente ligados aos cuidados com o paciente como enfatizam os estudantes abaixo

ldquoNo meu curso e profissatildeo seraacute necessaacuterio o contato direto e constante com pessoas Entender um pouco de neurologia eacute necessaacuterio para poder ajudar bioloacutegica e socialmente os pacientes Aleacutem disso para minha vida isso tambeacutem tem uma importacircncia socialrdquo (estudante do 1ordm ano do curso de Medicina da UEL)

Dentro da enfermagem noacutes trabalhamos com promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Como pacientes neuroloacutegicos estatildeo sempre presentes nos serviccedilos de sauacutede eacute fundamental para a enfermagem ter conhecimento sobre a aacuterea para dar mais qualidade agrave assistecircncia prestadardquo (estudante do 4ordm ano de Enfermagem da UEL)

O esclarecimento da etiopatogenia de transtornos da aacuterea de psiquiatria e neurologia e o desenvolvimento de tratamentos satisfatoriamente eficazes satildeo tarefas multidisciplinares que requerem a colaboraccedilatildeo de pesquisadores tanto da aacuterea de neurociecircncias baacutesicas quanto aplicadas (Busatto Filho Britto amp Leite 2012) Ao propiciar informaccedilotildees de ambas por intermeacutedio de palestras e grupos de estudos o programa ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo colabora mesmo que de forma modesta para tal desenvolvimento

Finalmente mesmo profissionais da aacuterea teacutecnico-administrativa vislumbram benefiacutecios na obtenccedilatildeo de conhecimentos dentro da aacuterea neurocientiacutefica

ldquoA todo momento lidamos com diferentes pessoas tanto na vida profissional como pessoal e percebemos a complexidade de lidar com cada uma Considero muito importante ter conhecimento na aacuterea de neurociecircncias por mais baacutesico que for Como estou me especializando em gerenciamento estrateacutegico de pessoas acredito que ampliaraacute minha visatildeo sobre essa aacutereardquo (teacutecnica administrativa em administraccedilatildeo hospitalar)

As percepccedilotildees expressas em tais respostas confirmam a interferecircncia das neurociecircncias no cotidiano das pessoas e reforccedila a importacircncia do programa ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo oferecido como complemento de ensino Como sugerem as respostas analisadas

32 | Temas em Neurociecircncias

conhecimentos neurocientiacuteficos perpassam diferentes campos do saber ldquoressignificandordquo conhecimentos estabelecidos e criando novas frentes de atuaccedilatildeo profissional

Consideraccedilotildees Finais

Considerando-se o nuacutemero crescente de participantes desde a primeira turma em 2010 ateacute o presente ano apoacutes ano nota-se a carecircncia e ao mesmo tempo a avidez por conhecimentos dentro da aacuterea de neurociecircncias mesmo em se tratando de estudantes e profissionais da aacuterea de sauacutede Neste aspecto o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo vem colaborando para a formaccedilatildeo dos participantes e para a divulgaccedilatildeo cientiacutefica que por vezes poderia ficar restrita apenas a especialistas e pesquisadores da aacuterea diminuindo a disseminaccedilatildeo de conhecimentos equivocados e perpetuaccedilatildeo dos chamados ldquoneuromitosrdquo

A caracteriacutestica ecleacutetica do puacuteblico participante torna ainda mais ricas as discussotildees realizadas seja no decorrer de palestras ou dos grupos de estudos ultrapassando-se eventuais barreiras relacionadas agraves aacutereas de formaccedilatildeo e colaborando de forma mais ou menos aprofundada para o enaltecimento da formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profissionais

Finalmente pode-se concluir que o Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em neurociecircnciasrdquo veio preencher mais uma lacuna em se tratando de divulgaccedilatildeo cientiacutefica junto agrave sociedade cooperando agrave sua maneira para a solidez do trinocircmio Ensino Pesquisa e Extensatildeo papel essencial da universidade puacuteblica

Agradecimentos

Os autores agradecem aos profissionais de diversas aacutereas do conhecimento que desde a primeira ediccedilatildeo do programa contribuiacuteram para a divulgaccedilatildeo cientiacutefica dos inuacutemeros temas apresentados no formato de palestras eou discutidos em grupos de estudos sem os quais o programa natildeo existiria

Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender | 33

Referecircncias

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Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees

Silvia PonzoniUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A evoluccedilatildeo do primeiro sistema nervoso muito provavelmente se deu apoacutes a mudanccedila evolutiva de formas unicelulares para multicelulares A questatildeo que se apresenta eacute a quais desafios os organismos uni e pluricelulares satildeo submetidos para as suas sobrevivecircncias

Os desafios presentes para a sobrevivecircncia de organismos uni e pluricelulares satildeo basicamente os mesmos alimentaccedilatildeo defesa e reproduccedilatildeo As estrateacutegias utilizadas pelos dois organismos diferem As respostas do organismo unicelular dependem da interaccedilatildeo de sua membrana com o meio externo havendo a necessidade de integraccedilatildeo entre o sinal externo e a resposta Uma bacteacuteria eacute capaz de identificar a fonte de alimento como accediluacutecar ou contaminantes como metais em seu ambiente por meio de quimioceptores e eacute capaz de desviar de obstaacuteculos utilizando as informaccedilotildees provenientes de seus mecanoceptores Estas informaccedilotildees satildeo integradas e por meio de uma cadeia complexa de reaccedilotildees quiacutemicas direcionam o movimento de seus flagelos ou ciacutelios Desta forma mesmo o organismo mais primitivo apresenta componentes para o controle adaptativo de seu comportamento (Roth amp Dicke 2013) Um organismo formado por muitas ceacutelulas apresenta a necessidade de divisatildeo de trabalho implicando na diferenciaccedilatildeo de ceacutelulas com funccedilotildees especiacuteficas formando tecidos e oacutergatildeos As respostas do organismo multicelular para a garantia de sua sobrevivecircncia dependem da coordenaccedilatildeo das diferentes ceacutelulas A associaccedilatildeo de ceacutelulas com funccedilotildees diferenciadas estabelece um novo desafio a eficiecircncia na comunicaccedilatildeo entre elas

Autor para correspondecircncia

ponzauelbr

2

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para garantir a sobrevivecircncia do indiviacuteduo e a seguranccedila de que todas as ceacutelulas adequaratildeo as suas funccedilotildees agrave necessidade presente Como exemplo utilizemos a reaccedilatildeo ou resposta diante de uma situaccedilatildeo de estresse agudo na qual existe risco de vida real ou fictiacutecio Quando estamos sob ameaccedila observamos aumento no nuacutemero de batimentos cardiacuteacos normalmente congelamos e apresentamos alerta maacuteximo enquanto avaliamos a situaccedilatildeo para decidir se fugir enfrentar que pode significar lutar ou quem sabe em nosso caso tentamos uma negociaccedilatildeo Eacute importante lembrar que o batimento cardiacuteaco aumentado facilitaraacute o aporte de oxigecircnio ao tecido muscular esqueleacutetico no caso de fuga ou luta e de nada adiantaraacute maior quantidade de oxigecircnio se o tecido muscular esqueleacutetico natildeo estiver com disponibilidade de ATP Para aumentar a oferta de ATP as ceacutelulas musculares esqueleacuteticas devem alterar o seu metabolismo ativando quebra de glicogecircnio e concomitantemente inibir sua siacutentese No exemplo acima temos a participaccedilatildeo do ramo simpaacutetico do sistema nervoso neurovegetativo responsaacutevel pela ativaccedilatildeo cardiacuteaca e estimulaccedilatildeo da medula da suprarrenal para liberaccedilatildeo da adrenalina A adrenalina liberada na corrente sanguiacutenea atuando como hormocircnio seraacute o sinal responsaacutevel pela integraccedilatildeo da resposta da ceacutelula muscular agraves necessidades deste animal diante da ameaccedila real ou fictiacutecia

O sistema nervoso para a nossa espeacutecie eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para a nossa vida e identidade geralmente consideramos o nosso ceacuterebro o sistema nervoso perfeito o aacutepice evolutivo Buscamos o entendimento do funcionamento do nosso ceacuterebro muitas vezes desconhecendo a sua histoacuteria evolutiva

Consideraccedilotildees Sobre Evoluccedilatildeo

Normalmente quando se pensa em evoluccedilatildeo de algum sistema ou em evoluccedilatildeo em sentido geral a tendecircncia eacute acreditar

1 ndash Que evoluir significa sempre sair de uma condiccedilatildeo simples para uma condiccedilatildeo mais complexa ndash nem sempre este eacute o caminho muitas vezes o derivado eacute mais simples que o ancestral

2 ndash Que a evoluccedilatildeo traz sempre acreacutescimo de estrutura e funccedilatildeo - muitas vezes a espeacutecie derivada perde caracteres presentes no seu ancestral e

Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees | 37

3 - Que a evoluccedilatildeo eacute um processo finalista ou seja o ganho de funccedilatildeo decorre da necessidade da mesma frente a um novo desafio ndash a evoluccedilatildeo eacute um processo aleatoacuterio as pressotildees seletivas direcionaram e direcionam a permanecircncia ou perda de caracteres mas natildeo acarretaram o aparecimento destes para a soluccedilatildeo de um desafio a espeacutecie que apresenta este ou aquele caractere que melhor a adapta a determinada condiccedilatildeo apresenta maior chance de sobrevivecircncia (Striedter 2005) Adaptaccedilatildeo eacute a chave para a evoluccedilatildeo

Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso - Breve Consideraccedilatildeo

Qual eacute a origem do sistema nervoso Resposta definitiva a esta pergunta ainda natildeo existe os avanccedilos obtidos nos uacuteltimos anos com os avanccedilos obtidos a partir da deacutecada de 1990 com o desenvolvimento da filogeneacutetica molecular trouxe a formulaccedilatildeo de novas hipoacuteteses e teorias As novas metodologias trazem consigo a possibilidade de novos dados e novas interpretaccedilotildees A dificuldade que existe no estudo da filogecircnese do sistema nervoso decorre da inexistecircncia de foacutesseis deste sistema uma vez que o tecido nervoso se decompotildee Foacutesseis de cracircnios permitem apenas inferir sobre tamanho do ceacuterebro os moldes obtidos do interior destes cracircnios natildeo fornecem informaccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo funcional do sistema nervoso pertencente ao animal extinto Na verdade conhecer a organizaccedilatildeo e funcionamento de qualquer sistema nervoso a partir de moldes de cracircnios eacute impossiacutevel mesmo para os animais existentes em nossa era

A proposta do presente capitulo eacute apresentar alguns dados e sua interpretaccedilatildeo existentes na literatura que permitam levantar mais questotildees do que respostas sobre a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Discorrer sobre toda evoluccedilatildeo de sistema tatildeo complexo e variado considerando a sua estrutura organizaccedilatildeo e funccedilatildeo em invertebrados e vertebrados foge do escopo do presente capiacutetulo

O sistema nervoso encontrado nas espeacutecies existentes invertebrados e vertebrados apresenta uma gama variada de designs como sistema nervoso radial ou rede difusa ou cadeia ganglionar ou ceacuterebro Do ponto de vista bioloacutegico natildeo haacute design vencedor uma vez que cada um atende as demandas da espeacutecie que o possui

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Teria a evoluccedilatildeo dos sistemas nervosos de invertebrados e vertebrados se dado a partir de um ancestral comum ou satildeo independentes em suas origens evolutivas A evoluccedilatildeo a partir de um ancestral comum eacute a hipoacutetese monofileacutetica que pressupotildee que o sistema nervoso evoluiu uma uacutenica vez portanto todos os sistemas nervosos existentes nos animais derivariam de um uacutenico ancestral comum A independecircncia na origem evolutiva constitui a hipoacutetese polifileacutetica a qual pressupotildee que a evoluccedilatildeo do sistema nervoso se deu por convergecircncia ocorrendo independentemente em vaacuterias clades (por clade entende-se um grupo constituiacutedo por uma espeacutecie ancestral e todos os seus descendentes compondo um ramo distinto em uma aacutervore filogeneacutetica Hickman et al 2016) Existe intenso debate com defensores de ambas as hipoacuteteses e o tema foge do escopo do presente capiacutetulo

Qual pressatildeo seletiva direcionou a evoluccedilatildeo e permanecircncia deste sistema complexo e energeticamente dispendioso Seria o sistema nervoso causa ou efeito da relaccedilatildeo presa-predador O sistema nervoso apresenta grande complexidade tanto em sua organizaccedilatildeo quanto em seu funcionamento O ceacuterebro humano constitui 2 do peso corporal e o seu consumo de energia para o funcionamento adequado utiliza 25 do consumo corporal de glicose (Magistretti 1999)

Algumas teorias afirmam que a defesa ou a predaccedilatildeo tenham sido pressotildees que influenciaram o direcionamento da evoluccedilatildeo do sistema nervoso Animais de vida seacutessil ou parasitaacuteria apresentam sistemas nervosos pouco complexos quando comparados a animais com atividade predatoacuteria Eacute interessante observar que alguns antozoaacuterios possuem sistema nervoso na fase larvaacuteria quando apresentam vida livre Este sistema nervoso eacute desmontado apoacutes a metamorfose para a vida adulta quando apresentam vida seacutessil (Monk amp Paulin 2014) Estas constataccedilotildees natildeo garantem que a predaccedilatildeo tenha sido a forccedila direcionadora para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso

O raciociacutenio inverso pode tambeacutem ser levado em consideraccedilatildeo a predaccedilatildeo como produto de um sistema nervoso mais complexo e agora ao inveacutes de direcionar o processo passa a ser consequecircncia do mesmo Eacute provaacutevel que a predaccedilatildeo e defesa tenham sido pressotildees

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que contribuiacuteram para a seleccedilatildeo de determinados caracteres e que ambas tenham sido contemporacircneas

Afinal o que eacute o sistema nervoso Quais vantagens este sistema trouxe consigo O que eacute um neurocircnio Qual a origem do neurocircnio Quando aparece o primeiro neurocircnio

Por sistema nervoso entendemos tecido composto por ceacutelulas que apresentam a propriedade de serem excitaacuteveis os neurocircnios e a glia (glia = cola) A glia eacute composta por diferentes tipos celulares que realizam diferentes funccedilotildees como defesa realizada pela microacuteglia manutenccedilatildeo da composiccedilatildeo do liquido cefalorraquidiano pelas ceacutelulas gliais que constituem a barreira hematoencefaacutelica comunicaccedilatildeo em ganho de velocidade de transmissatildeo do impulso nervoso por meio da mielina constituinte da membrana plasmaacutetica de oligodendroacutecitos no sistema nervoso central e ceacutelulas de Schwann no sistema nervoso perifeacuterico limpeza da regiatildeo sinaacuteptica pelos astroacutecitos participaccedilatildeo na siacutentese de neurotransmissores como glutamato e GABA Anatomicamente entendemos o sistema nervoso como um sistema que possui uma regiatildeo central composta por aglomerado de neurocircnios funcionalmente especializados que formam nuacutecleos que por sua vez satildeo interconectados por tratos axonais A existecircncia de uma central para o sistema nervoso que na verdade representa a cefalizaccedilatildeo deste sistema natildeo eacute criteacuterio universal para a definiccedilatildeo de sistema nervoso Animais com simetria radial apresentam sistema nervoso difuso no qual o processamento da informaccedilatildeo se daacute no local da estimulaccedilatildeo com a propriedade de integrar as informaccedilotildees sensoriais provenientes da periferia permitindo resposta comportamental adequada

As vantagens da existecircncia de sistema nervoso em um organismo poderiam ser descritas como rapidez precisatildeo e adequaccedilatildeo nas respostas dos organismos agraves variaccedilotildees de seu ambiente interno e externo garantindo melhor capacidade adaptativa e portanto maior chance de sobrevivecircncia

Por neurocircnio entendemos a ceacutelula polarizada (porccedilatildeo receptora ndash corpo celular dendritos porccedilatildeo transmissora ndash axocircnio) de origem ectodeacutermica que apresenta longos processos (axocircnio) com a propriedade de gerar potencial de accedilatildeo que recebe (de receptores outros neurocircnios) e envia informaccedilotildees para outras

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ceacutelulas (neurocircnios muacutesculos glacircndulas) por meio das sinapses Lembrando que a comunicaccedilatildeo dentro do sistema nervoso se daacute pela geraccedilatildeo e propagaccedilatildeo do potencial de accedilatildeo de uma ceacutelula a outra com a qual estabelece contato por meio das junccedilotildees frouxas nas sinapses eleacutetricas e nas sinapses quiacutemicas o potencial de accedilatildeo eacute o responsaacutevel pela liberaccedilatildeo de sinal quiacutemico do terminal preacute-sinaacuteptico que atuando no elemento poacutes-sinaacuteptico poderaacute facilitar ou dificultar a geraccedilatildeo de novo potencial de accedilatildeo As regiotildees sinaacutepticas apresentam especializaccedilotildees tanto no terminal axocircnio regiatildeo preacute-sinaacuteptica quanto no corpo celular ou dendrito regiatildeo poacutes-sinaacuteptica As regiotildees preacute e poacutes-sinaacutepticas apresentam proteiacutenas especiacuteficas para o funcionamento da transmissatildeo quiacutemica Na regiatildeo preacute-sinaacuteptica satildeo importantes as proteiacutenas que participam na ancoragem da vesiacutecula contendo o neurotransmissor na membrana do terminal axocircnico proteiacutenas canal iocircnico voltagem dependente para o iacuteon caacutelcio proteiacutenas que funcionam como sensores de caacutelcio auto receptores que modulam enzimas importantes no metabolismo do neurotransmissor liberado pelo terminal sinaacuteptico transportadores e recaptadores Para a regiatildeo poacutes-sinaacuteptica o complexo proteico eacute denominado de densidade poacutes-sinaacuteptica (PSD) composto por complexos multiproteicos organizados por diferentes classes de proteiacutenas como canais iocircnicos receptores proteiacutenas de adesatildeo e de citoesqueleto quinases fosfatases e moleacuteculas de sinalizaccedilatildeo

As propriedades descritas para sistema nervoso resumidamente definidas como a capacidade de responder a estiacutemulos e processar informaccedilotildees natildeo eacute exclusiva do sistema nervoso todas as ceacutelulas apresentam estas propriedades

A definiccedilatildeo dada ao neurocircnio estabelece algumas exclusotildees como por exemplo daqueles neurocircnios que natildeo possuem longos processos assim como daqueles que natildeo geram potenciais de accedilatildeo e sim se comunicam por potencial graduado como as ceacutelulas horizontais amaacutecrinas e bipolares da retina humana

A propriedade de gerar potencial de accedilatildeo natildeo eacute exclusiva de neurocircnios Em algumas aacuteguas-vivas as ceacutelulas epiteliais geram potenciais de accedilatildeo que se propagam por meio de junccedilotildees frouxas (gap junctions sinapses eleacutetricas) as ceacutelulas geradoras do ritmo cardiacuteaco existentes no noacutedulo sinoatrial de mamiacuteferos natildeo satildeo neurocircnios A origem epideacutermica do neurocircnio natildeo eacute universal em

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alguns cnidaacuterios alguns neurocircnios tecircm origem endodeacutermica e satildeo ceacutelulas mioepiteliais especializadas que apresentam propriedades mecanoceptoras e contrateis

O problema eacute que ao tentarmos definir o neurocircnio o fazemos por meio de suas propriedades e estas natildeo sendo exclusivas acabam por natildeo defini-lo Uma alternativa para a definiccedilatildeo deste tipo celular seria a existecircncia de moleacuteculas-neurocircnio exclusivas que poderiam ser aquelas que compotildeem os canais iocircnicos voltagem dependentes ou proteiacutenas especiacuteficas de regiotildees sinaacutepticas tanto no elemento preacute quanto no elemento poacutes Infelizmente a busca por estas moleacuteculas de uso exclusivo dos neurocircnios eacute infrutiacutefera uma vez que satildeo encontradas em ceacutelulas que por definiccedilatildeo natildeo satildeo neurocircnios Moleacuteculas homoacutelogas aos canais iocircnicos voltagem dependentes e regiotildees sinaacutepticas foram encontradas em coanoflagelados e bacteacuterias sugerindo que estes genes estavam presentes no ancestral comum procarionteeucarionte haacute aproximadamente 4 bilhotildees de anos atraacutes

Qual poderia ser a funccedilatildeo de canais voltagem dependentes em organismos unicelulares Uma hipoacutetese provaacutevel reside na manutenccedilatildeo do volume celular apresentada pelo ancestral comum que habitava meio hipotocircnico Considerando que a origem da vida ocorre em ambiente aquaacutetico podemos supor que o primeiro organismo unicelular possuiacutea o seu meio interno com a mesma composiccedilatildeo iocircnica que o meio externo O mar primordial era rico em potaacutessio e os organismos unicelulares possuiacuteam o seu meio interno com a mesma composiccedilatildeo do mar externo O metabolismo deste organismo unicelular poderia ter as suas enzimas dependentes de elevadas concentraccedilotildees de potaacutessio As alteraccedilotildees atmosfeacutericas podem ter acarretado a precipitaccedilatildeo do potaacutessio deste meio externo alterando a sua composiccedilatildeo iocircnica com elevadas concentraccedilotildees de soacutedio em relaccedilatildeo ao potaacutessio Desta forma este organismo agora teria duas possibilidades 1- alterar a sua composiccedilatildeo interna para a mesma do meio externo ou 2 ndash estabelecer mecanismos de manutenccedilatildeo da sua composiccedilatildeo interna diferente do meio externo Considerando que o metabolismo deste animal tem dependecircncia de potaacutessio para o oacutetimo funcionamento de suas enzimas a estrateacutegia com melhor resultado parece ter sido a manutenccedilatildeo do soacutedio no ambiente externo e concentrar potaacutessio no seu ambiente interno O iacuteon soacutedio

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apresenta raio menor que o iacuteon potaacutessio desta forma eacute um iacuteon com grande quantidade de moleacuteculas de aacutegua conhecida como aacutegua de solvataccedilatildeo A entrada do soacutedio para o interior celular traz consigo aumento de moleacuteculas de aacutegua alterando o volume celular A bomba ATP ase soacutedio potaacutessio dependente que expulsa 3 iacuteons soacutedio do meio intracelular para o meio extracelular e coloca 2 iacuteons potaacutessio do meio extracelular para o intracelular pode ter sido o mecanismo adaptativo para a manutenccedilatildeo do volume celular encontrado pelos organismos unicelulares ancestrais O mecanismo de troca iocircnica acima descrito natildeo eacute realizado por canal iocircnico voltagem dependente contudo a assimetria no transporte iocircnico garante o estabelecimento e manutenccedilatildeo de gradiente eletroquiacutemico importante para a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo em ceacutelulas excitaacuteveis Todas as ceacutelulas mantecircm seu volume intracelular constante todas as ceacutelulas apresentam diferenccedila de potencial as ceacutelulas excitaacuteveis utilizam esta diferenccedila para a geraccedilatildeo de corrente iocircnica que eacute o impulso nervoso O fato interessante eacute que canais iocircnicos voltagem dependentes e trocadores iocircnicos de membrana podem ter sido em um primeiro momento soluccedilotildees para o problema de manutenccedilatildeo do volume celular e estas soluccedilotildees podem mais tarde terem se especializado para uma funccedilatildeo totalmente diferente como a comunicaccedilatildeo celular Bacteacuterias que formam biofilme utilizam canais de potaacutessio voltagem dependentes para informar a sua parceira sobre a presenccedila de metaboacutelitos no meio O metaboacutelito ativa a bacteacuteria que como resposta libera potaacutessio O potaacutessio liberado pela bacteacuteria sinalizadora despolariza as ceacutelulas vizinhas por ativaccedilatildeo do canal de potaacutessio voltagem dependente esta ativaccedilatildeo causa a liberaccedilatildeo de potaacutessio que teraacute o mesmo efeito na bacteacuteria vizinha propagando a informaccedilatildeo de metabolito presente atraveacutes do biofilme Eacute possiacutevel que o canal de potaacutessio voltagem dependente tenha sido o uacutenico canal presente nos primeiros organismos e sua funccedilatildeo mais provaacutevel era a regulaccedilatildeo do volume celular permitindo a alteraccedilatildeo do conteuacutedo iocircnico da ceacutelula em resposta ao estiramento da membrana plasmaacutetica causado por aumento na quantidade de aacutegua no seu interior Provavelmente o proacuteximo canal iocircnico voltagem dependente a ter aparecido tenha sido o canal de caacutelcio como mecanismo de controle do estado metaboacutelico deste organismo unicelular e posteriormente em organismos mais tardios estes canais passaram a participar na regulaccedilatildeo do batimento ciliar e contraccedilatildeo muscular A

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combinaccedilatildeo adequada de canais voltagem dependentes de potaacutessio e caacutelcio existentes em alguns organismos unicelulares pode ter permitido a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo expandindo a capacidade deste organismo em diferentes direccedilotildees

Os canais de potaacutessio e caacutelcio eram suficientes para a geraccedilatildeo de potencial de accedilatildeo quais as vantagens adicionadas pelo canal de soacutedio voltagem dependente Uma hipoacutetese sugere que os canais de soacutedio voltagem dependentes poderiam integrar estrateacutegias para reduccedilatildeo das concentraccedilotildees intracelulares de caacutelcio impedindo sua accedilatildeo toacutexica outra hipoacutetese sugere que com a participaccedilatildeo do iacuteon soacutedio na geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo os iacuteons caacutelcio poderiam participar de outras funccedilotildees celulares como a liberaccedilatildeo de transmissores e contraccedilatildeo muscular Uma possibilidade alternativa poderia ser a duraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo que eacute menor e sua conduccedilatildeo mais raacutepida com a participaccedilatildeo dos canais de soacutedio quando comparado agravequeles com a participaccedilatildeo dos canais de caacutelcio Um dado interessante eacute que os canais voltagem dependentes para soacutedio potaacutessio e caacutelcio satildeo compostos por subunidades homoacutelogas os genes responsaacuteveis pela siacutentese das proteiacutenas que formam os canais de soacutedio e caacutelcio satildeo produtos da duplicaccedilatildeo do gene que codifica o canal de potaacutessio (Kristan Jr 2016 Liebeskind et al 2017)

Uma estrateacutegia interessante de controle da musculatura corporal eacute apresentada pelo grupo das medusas (cnidaacuterios) Estes animais possuem simetria radial o sistema nervoso eacute composto por diferentes tipos celulares como neurocircnio sensorial interneurocircnio e neurocircnio motor Os cnidaacuterios possuem conexotildees sinaacutepticas estabelecidas entre neurocircnios e entre neurocircnios e ceacutelulas musculares A medusa do gecircnero Aglantha apresenta dois tipos de nado um lento e fraco que apresenta contraccedilotildees riacutetmicas da umbrela que movimenta o corpo ritmicamente e outro raacutepido no qual contraccedilotildees mais fortes movimentam o animal de maneira mais raacutepida O segundo tipo de nado ocorre em resposta agrave estimulaccedilatildeo mecacircnica intensa em alguma regiatildeo do animal Tanto as contraccedilotildees fracas quanto a forte satildeo resultantes de um uacutenico potencial de accedilatildeo no mesmo neurocircnio motor gigante Estes neurocircnios apresentam a habilidade de gerarem potencial de accedilatildeo usando tanto canais de soacutedio voltagem dependentes quanto canais de caacutelcio voltagem dependentes Quando os neurocircnios motores satildeo ativados pelos interneurocircnios

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geradores de ritmo a despolarizaccedilatildeo eacute baixa e suficiente para ativar os canais de caacutelcio voltagem dependentes que apresentam baixo limiar O potencial de accedilatildeo propaga-se pelo axocircnio e causa a contraccedilatildeo fraca dos muacutesculos da umbrela nado lento Um estiacutemulo sensorial de maior intensidade acarreta despolarizaccedilatildeo de maior amplitude que ativa os canais de soacutedio voltagem dependentes produzindo potenciais de accedilatildeo de maior amplitude mais raacutepidos no mesmo axocircnio A natureza do potencial de accedilatildeo implica na quantidade de neurotransmissor liberado O potencial de accedilatildeo com a participaccedilatildeo dos canais de soacutedio apresenta maior amplitude e causa maior liberaccedilatildeo de neurotransmissores o que gera maior forccedila na contraccedilatildeo muscular nado raacutepido O mesmo neurocircnio motor controla dois comportamentos distintos pela ativaccedilatildeo de dois canais iocircnicos voltagem dependentes (Kristan Jr 2016 Castelfranco amp Hartline 2016)

A seleccedilatildeo dos canais de soacutedio voltagem dependente parece ter ocorrido quando a predaccedilatildeo com movimentos mais raacutepidos se torna extremamente beneacutefica Pode ser que a seleccedilatildeo por potenciais de accedilatildeo com menor duraccedilatildeo tenha contribuiacutedo para a evoluccedilatildeo de canais de potaacutessio voltagem dependentes com cineacuteticas mais raacutepidas Desta forma a raacutepida despolarizaccedilatildeo causada pelos canais de soacutedio voltagem dependentes terminaria de forma mais precoce com canais de potaacutessio mais raacutepidos permitindo a existecircncia de comportamentos mais velozes uma vez que a duraccedilatildeo das fases do potencial de accedilatildeo seria reduzida (Kristan Jr 2016) Neste contexto tanto a predaccedilatildeo quanto a defesa necessitam de comportamentos que possam ser engatilhados e expressos em curtos intervalos de tempo O gatilho para o comportamento predatoacuterio ou defensivo dependeraacute da capacidade de detecccedilatildeo da presa por parte do predador e do predador por parte da presa o que sugere a existecircncia de sistema eficaz na percepccedilatildeo e sinalizaccedilatildeo Os canais iocircnicos voltagem dependentes para o potaacutessio e caacutelcio podem ter sido eficientes para organismos unicelulares e pequenos animais multicelulares eacute provaacutevel que esta eficiecircncia tenha sido colocada agrave prova com o aumento do tamanho dos animais multicelulares Existe correlaccedilatildeo entre o aumento no tamanho corporal dos animais velocidade de reaccedilatildeo e o estabelecimento dos canais de soacutedio voltagem dependentes

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Mielina ndash Breve Consideraccedilatildeo Sobre sua Evoluccedilatildeo

Os neurocircnios existentes nos vertebrados podem ser amieliacutenicos sem a bainha de mielina (na verdade existe mielina contudo em quantidade muito menor quando comparada agravequela existente nos neurocircnios mieliacutenicos) e mieliacutenicos com a presenccedila desta A diferenccedila entre ambos reside na velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso sendo maior no neurocircnio que apresenta a bainha de mielina Maior velocidade de conduccedilatildeo favorece os organismos cuja prioridade seja a raacutepida reaccedilatildeo aos eventos ambientais

A descriccedilatildeo da mielina se deu em 1838 por Remak que atribui uma funccedilatildeo de proteccedilatildeo ao axocircnio a esta membrana A principal funccedilatildeo da mielina eacute aumentar a velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso as funccedilotildees de nutriccedilatildeo e manutenccedilatildeo da integridade neuronal tambeacutem tecircm sido propostas (Zalc 2016) A presenccedila da bainha de mielina confere toleracircncia teacutermica como fator de seguranccedila para a conduccedilatildeo e reduccedilatildeo do custo energeacutetico da atividade neuronal Em muitas espeacutecies de invertebrados e vertebrados o diacircmetro axonal varia de 03 a 30 microm A velocidade de propagaccedilatildeo do potencial de accedilatildeo no axocircnio amieliacutenico de invertebrado de 10 microm de diacircmetro eacute menor do que 1ms Esta velocidade de conduccedilatildeo eacute suficiente para organismos com tamanho entre 01 a 30 cm portanto animais pequenos Esta velocidade de conduccedilatildeo se aplicada para animais maiores oferece risco de comprometimento da integridade e sobrevivecircncia destes (Castelfranco amp Hartline 2016)

Os cefaloacutepodes (polvo lula seacutepia) apresentam axocircnios com diacircmetros iguais ou superiores a 1 mm conhecidos como axocircnios gigantes que apresentam raacutepida velocidade de conduccedilatildeo do impulso nervoso Importante ressaltar que estes neurocircnios com axocircnios gigantes participam de respostas raacutepidas de escape destes cefaloacutepodes Com o aumento da velocidade de conduccedilatildeo os cefaloacutepodes aumentaram o tamanho corporal O recurso de aumento de diacircmetro axonal para aumento de velocidade de conduccedilatildeo encontra nos vertebrados um fator limitante O cracircnio confina o ceacuterebro e as veacutertebras confinam a medula espinhal Para o ser humano manter uma velocidade de conduccedilatildeo de 50ms apenas pelo aumento do diacircmetro de seus axocircnios a medula espinhal precisaria ter 1 metro de diacircmetro A aquisiccedilatildeo da mielina por manter o diacircmetro

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axonal entre 10-15 microm possibilita a espeacutecie humana possuir uma medula espinhal de 6 a 7 cm no maacuteximo (Zalc 2016) A mielinizaccedilatildeo eacute apontada como um dos principais fatores que permitiram o aumento do tamanho corporal por garantir que partes distantes dos organismos pudessem ser integradas em curtos intervalos de tempo juntamente com os canais de soacutedio voltagem dependentes

A mielina natildeo eacute exclusividade dos vertebrados aneliacutedeos da classe oligoqueta (minhocas) crustaacuteceos como camaratildeo e copeacutepodas apresentam mielina embora diferente da existente nos vertebrados desempenha a mesma funccedilatildeo Uma questatildeo importante na mielinizaccedilatildeo axonal seja em neurocircnios do sistema nervoso central ou perifeacuterico eacute a necessidade de interaccedilatildeo entre a ceacutelula glial e o neurocircnio Os neurocircnios mielinizados apresentam maior densidade de canais iocircnicos voltagem dependentes nos noacutedulos de Ranvier e nos segmentos internodulares a densidade eacute baixa Os neurocircnios amieliacutenicos que apresentam densidade de canais iocircnicos constante em toda extensatildeo axonal Esta distribuiccedilatildeo diferenciada de canais iocircnicos indica a existecircncia de sinal do neurocircnio atraindo ou repelindo a ceacutelula glial para a siacutentese de bainha de mielina e envelopamento de segmento axonal como tambeacutem da glia para o neurocircnio sinalizando a inserccedilatildeo de canais iocircnicos em locais corretos da membrana para garantir a conduccedilatildeo do impulso nervoso saltatoacuteria observada nos neurocircnios mieliacutenicos e contiacutenua nos amieliacutenicos

Qual seria o caminho evolutivo para esta interaccedilatildeo entre neurocircnio e as ceacutelulas gliais responsaacuteveis pela mielinizaccedilatildeo do axocircnio

Sinapse Quiacutemica - Breve Consideraccedilatildeo Sobre a sua Evoluccedilatildeo

Seria a sinapse quiacutemica uma invenccedilatildeo de organismos multicelulares

Um dado interessante e ao mesmo tempo surpreendente eacute a presenccedila de genes tanto para moleacuteculas presumidamente sinapse-especiacuteficas em organismos unicelulares quanto de enzimas para a produccedilatildeo e liberaccedilatildeo de transmissores e proteiacutenas estruturais responsaacuteveis pelas respostas poacutes-sinaacutepticas ao transmissor Dados obtidos em estudos eletrofisioloacutegicos e filogeneacuteticos realizados em

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cnidaacuterios e ctenoacuteforos sugerem que a ancestral de uma sinapse quiacutemica tenha sido provavelmente peptideacutergica

Um possiacutevel precursor da transmissatildeo sinaacuteptica eacute observado em coanoflagelados clado com mais de 125 espeacutecies unicelulares Em algumas espeacutecies de coanoflagelados as ceacutelulas se agregam em colocircnias O indiviacuteduo agora passa a ser a colocircnia no sentido de que a sua sobrevivecircncia dependeraacute da accedilatildeo coordenada de cada ceacutelula para a manutenccedilatildeo da colocircnia Como satildeo animais marinhos haacute a necessidade de passagem de aacutegua pela colocircnia que eacute dado pelo movimento flagelar de cada indiviacuteduo Cada ceacutelula eacute capaz de liberar transmissores que atuaratildeo nos receptores dos indiviacuteduos vizinhos produzindo movimento flagelar em toda a colocircnia Esta caracteriacutestica proto-hormonal eacute tambeacutem observada em algumas esponjas As esponjas satildeo animais que natildeo possuem sistema nervoso sendo a maioria marinha de vida seacutessil A alimentaccedilatildeo depende da passagem do ambiente pelo animal que eacute possiacutevel pela existecircncia de muitos poros que compotildee o seu corpo Estes poros satildeo constituiacutedos por ceacutelulas que apresentam flagelos conhecidas como coanoacutecitos dada a sua semelhanccedila com o coanoflagelados O fluxo de aacutegua se daacute pelo batimento flagelar que forccedila a aacutegua para dentro dos poros permitindo que a mesma flua pelo aacutetrio grande cavidade interna sendo eliminada para o meio ambiente pelo oacutesculo (pequena boca) Uma forte estimulaccedilatildeo mecacircnica no corpo da esponja promove a liberaccedilatildeo de glutamato GABA (aacutecido gama-amino-butiacuterico) e oacutexido niacutetrico pelos coanoacutecitos Estes sinalizadores satildeo transportados pela aacutegua causando a coordenaccedilatildeo da contraccedilatildeo da musculatura da parede corporal e oacutesculo As esponjas utilizam os transmissores como hormocircnios e o fluxo de aacutegua se comporta como sistema circulatoacuterio Os receptores para os sinalizadores encontrados em esponjas coanoflagelados e bacteacuterias satildeo metabotroacutepicos ou seja a ligaccedilatildeo da moleacutecula sinalizadora ao seu receptor ativa uma cascata de sinalizaccedilatildeo intracelular na ceacutelula alvo Este tipo de transmissatildeo gera movimentos lentos e prolongados Alguns autores sugerem que a primeira forma de sinalizaccedilatildeo sinaacuteptica tenha sido metabotroacutepica (Kristan Jr 2016)

O placozoa Tricoplax adherens natildeo apresenta ceacutelulas que se assemelhem a neurocircnios ou muacutesculos contudo esta espeacutecie apresenta genes que satildeo responsaacuteveis pela expressatildeo de canais iocircnicos voltagem dependentes estruturas preacute e poacutes-sinaacutepticas e mesmo transmissores

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Proteiacutenas que compotildee a sinapse em espeacutecies que natildeo apresentam neurocircnios sugerem que estas evoluiacuteram antes das ceacutelulas nervosas Genes que codificam proteiacutenas homoacutelogas agraves que compotildee as zonas ativas dos terminais preacute-sinaacutepticos que integram as vesiacuteculas sinaacutepticas que participam do processo de exocitose e da sinalizaccedilatildeo satildeo encontrados em coanoflagelados grupo proacuteximo aos metazoaacuterios Uma vez que estas proteiacutenas nestes grupos natildeo constituem sinapse satildeo denominadas de proto-sinaacutepticas A presenccedila destas proteiacutenas proto-sinaacutepticas em espeacutecies proacuteximas aos metazoaacuterios sugere que o arcabouccedilo molecular criacutetico para a transmissatildeo sinaacuteptica evoluiu antes da origem da sinapse A comunicaccedilatildeo neuronal ocorre pela interaccedilatildeo entre regiotildees preacute-sinaacuteptica e poacutes-sinaacuteptica especializadas que transformam as correntes eleacutetricas da membrana do neurocircnio preacute-sinaacuteptico em sinais quiacutemicos liberados que por sua vez seratildeo transformados em corrente eleacutetrica ou sinal intracelular no neurocircnio poacutes-sinaacuteptico Pouco se conhece sobre as funccedilotildees ancestrais das proteiacutenas sinaacutepticas A primeira sinapse verdadeira pode ter sido a neuromuscular esta poderia ser uma especializaccedilatildeo para curta-distacircncia derivada de interaccedilotildees semelhantes agraves neuroendoacutecrinas utilizadas por coanoflagelados e poriacuteferas (Kristan Jr 2016)

A presenccedila de canais iocircnicos voltagem dependentes e moleacuteculas sinaacutepticas natildeo transforma uma ceacutelula automaticamente em neurocircnio Em linhas gerais estas moleacuteculas devem ser produzidas em nuacutemero adequado terem localizaccedilatildeo e inserccedilatildeo adequada na membrana A capacidade de influenciar ceacutelulas localizadas a grandes distacircncias implica na existecircncia de processos longos e finos e os terminais destes processos devem ser localizados no local adequado do seu parceiro sinaacuteptico Estes dados natildeo podem ser obtidos de foacutesseis Moleacuteculas que participam do desenvolvimento neuronal crescimento axonal e formaccedilatildeo das sinapses tecircm sido investigadas como marcadores para neurocircnios Estas moleacuteculas tecircm evoluccedilatildeo paralela agrave evoluccedilatildeo dos canais iocircnicos voltagem dependentes apresentando significante expansatildeo no Periacuteodo Cambriano Eacute importante ressaltar que os foacutesseis existentes do periacuteodo preacute-cambriano indicam que os primeiros animais fossilizados (560-540 milhotildees de anos atraacutes) foram provavelmente animais sesseis e filtradores apresentando sinais de atividade de cavar o substrato no iniacutecio da explosatildeo cambriana

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(540 milhotildees de anos atraacutes) A escassez de fosseis de animais antes do periacuteodo cambriano pode ser explicada pela condiccedilatildeo ambiental inoacutespita eras glaciais com restriccedilatildeo de oxigecircnio atmosfeacuterico Haacute 525 milhotildees de anos atraacutes os animais filtradores foram substituiacutedos por animais com coberturas externas riacutegidas nas mais variadas formas como espinhos conchas e placas Este rico arranjo de armadura externa e armas de defesa sugere que neste periacuteodo teve iniacutecio a predaccedilatildeo O aumento do tamanho destes animais tornou arriscado deixar sem coordenaccedilatildeo as suas diferentes partes O comportamento predatoacuterio pode ter favorecido animais capazes de movimentos raacutepidos para a obtenccedilatildeo de alimento e claro para escapar de se tornar alimento para outro animal (Kristan Jr 2016) Novamente vale a pena ressaltar que natildeo necessariamente a pressatildeo pela sobrevivecircncia forjou a organizaccedilatildeo do sistema nervoso a existecircncia de sistema nervoso pode ter permitido a emergecircncia de comportamento predatoacuterio e defensivo A pressatildeo por alimento e natildeo virar alimento pode ter favorecido a evoluccedilatildeo e permanecircncia de sistemas de conduccedilatildeo raacutepida como os neurocircnios A primeira indicaccedilatildeo de tecido nervoso eacute o aparecimento de olhos bem definidos e contornos de sistemas nervosos em fosseis de 525 milhotildees de anos (Kristan Jr 2016)

A origem do primeiro sistema nervoso eacute territoacuterio de intensa disputa Das espeacutecies existentes de Radiata (Ctenoacutefora e Cnidaacuteria) e Bilateria todas possuem neurocircnios ao passo que Placozoa e Poriacutefera natildeo A pergunta que se coloca eacute qual eacute o grupo basal Ou seja qual eacute o grupo com menor derivaccedilatildeo que deu origem aos demais grupos Caracteriacutesticas morfoloacutegicas e moleculares sugerem relaccedilotildees entre os quatro grupos Bilateria Cnidaacuteria Placozoa e Poriacutefera a posiccedilatildeo do grupo Ctenophora ainda eacute discutiacutevel Resultados de estudos moleculares mais extensos permitem colocar o grupo Ctenophora como o grupo mais basal dos cinco clados Os Ctenoacuteforos teriam se separado dos metazoaacuterios muito antes do grupo Poriacutefera A definiccedilatildeo do grupo basal eacute importante para a reconstruccedilatildeo dos eventos evolutivos que implicaram nos diferentes desenhos de sistema nervoso Caso o grupo Ctenophora seja o grupo basal para as esponjas a origem do neurocircnio apresenta dois cenaacuterios plausiacuteveis No primeiro cenaacuterio o ancestral comum de todos os maiores clados possuiacutea neurocircnio que foi perdido nos clados Poriacutefera e Placozoa No

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segundo cenaacuterio os neurocircnios teriam duas origens independentes uma no ancestral de Ctenophora e a segunda no ancestral compartilhado pelos ramos Cnidaacuteria e Bilateria (Moroz LL 2009 Budd GE 2016 Castelfranco amp Hartline 2016 Kristan Jr 2016)

A anaacutelise genocircmica permitiraacute o estudo de detalhes destes eventos evolutivos e quem sabe nos traga a resposta de qual o grupo basal a ser considerado para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Outra possibilidade eacute a cooptaccedilatildeo de proteiacutenas com funccedilotildees totalmente distintas das neuronais em grupos basais para esta nova funccedilatildeo em grupos derivados e este evento pode ter ocorrido independentemente em diferentes grupos que convergiram para a evoluccedilatildeo do sistema nervoso (Burkhardt amp Sprecher 2017)

Consideraccedilotildees Sobre a Organizaccedilatildeo do Sistema Nervoso e Repertoacuterio Comportamental

Eacute inegaacutevel que a existecircncia do sistema nervoso permite a emergecircncia de comportamentos complexos Este sistema apresenta a propriedade de armazenar as informaccedilotildees e combinaacute-las nas mais diferentes formas para a soluccedilatildeo de desafios Consideramos inteligentes as espeacutecies que apresentam grandes enceacutefalos a ateacute haacute alguns anos atraacutes a laminaccedilatildeo cortical era sinocircnimo de possibilidade de inteligecircncia para muitos a uacutenica

Noacutes os humanos sempre nos consideramos o topo evolutivo a inteligecircncia suprema relegando as demais espeacutecies a condiccedilatildeo de animais uma vez que temos dificuldade de nos enxergarmos como uma espeacutecie animal

Para a grande maioria das pessoas soacute eacute capaz de sentir dor aquele que possui um ceacuterebro igual ao nosso Para muitos com esta concepccedilatildeo de sistema nervoso resumida a enceacutefalo os invertebrados por natildeo possuiacuterem ceacuterebro igual ao nosso natildeo devem sentir dor e como apresentam poucos neurocircnios em seus sistemas nervosos devem ser incapazes de aprendizado e seus comportamentos devem ser reflexos e natildeo elaborados

As aves por natildeo possuiacuterem neocoacutertex natildeo satildeo inteligentes Por inteligecircncia normalmente entendemos a capacidade de soluccedilatildeo de

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problemas matemaacuteticos falar diversos idiomas interpretar textos e por aiacute afora Muitos indiviacuteduos negam a teoria da evoluccedilatildeo De certa forma eacute muito incomodo um ser tatildeo perfeito como o humano derivar de um ancestral primata natildeo humano A divindade se sente ameaccedilada

Durante muito tempo os paradigmas utilizados para avaliar a inteligecircncia de outros animais foram inadequados por desconsiderar a biologia da espeacutecie em estudo Particularmente considero a inteligecircncia como a capacidade de soluccedilatildeo de problemas biologicamente relevantes As diferentes espeacutecies ocupam diferentes habitats e cada uma enfrenta diferentes problemas para a sua sobrevivecircncia Costumo dizer que se fosse possiacutevel estabelecer diaacutelogo com as outras espeacutecies as visotildees de mundo e vida seriam as mais variadas

Antes de apresentar alguns exemplos de comportamentos elaborados em invertebrados e aves eacute importante esclarecer que a laminaccedilatildeo cortical sempre considerada como o diferencial da nossa espeacutecie natildeo eacute exclusiva desta O peixe dourado a carpa e o peixe paulistinha da famiacutelia dos cipriniacutedeos possuem uma estrutura cerebral laminada o lobo vagal composta por 15 camadas importante para o comportamento alimentar desta famiacutelia permitindo a separaccedilatildeo da boa comida daquela ruim As camadas mais superficiais desta estrutura constituem o componente sensorial (informaccedilotildees gustativas do interior da boca e oacutergatildeo palatal) sendo homoacuteloga ao nuacutecleo do trato solitaacuterio de outros vertebrados as camadas mais profundas constituem o componente motor controla os muacutesculos bucais e eacute homoacuteloga a porccedilotildees do nuacutecleo ambiacuteguo de outros vertebrados Os Gymnotiformes peixes eleacutetricos neotropicais apresentam laminaccedilatildeo no torus semicircularis estrutura mesencefaacutelica importante para a decodificaccedilatildeo dos sinais eleacutetricos emitidos pelo proacuteprio peixe e por outros Esta estrutura apresenta 12 lacircminas e 48 tipos celulares e integra informaccedilotildees nos dois eixos vertical e horizontal O corpo geniculado lateral estrutura integrante da via visual em mamiacuteferos e alguns marsupiais eacute laminado A laminaccedilatildeo traz consigo as seguintes vantagens 1- reduccedilatildeo no comprimento das conexotildees 2 ndash o arranjo retangular das lacircminas reduz o volume da estrutura e 3 ndash facilita a emergecircncia de funccedilatildeo mais complexa uma vez que as lacircminas satildeo passiacuteveis de integraccedilatildeo das informaccedilotildees tanto no eixo vertical quanto horizontal A organizaccedilatildeo laminar promove economia de espaccedilo tempo de conduccedilatildeo e energia sendo portanto uma estrateacutegia

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evolutiva que pode ter ocorrido de maneira independente nas diferentes espeacutecies (Striedter 2005)

Comportamentos Puramente Inatos ou Elaborados

No grupo dos invertebrados os cefaloacutepodes (polvo lula e seacutepia) apresentam sistema nervoso altamente desenvolvido que se caracteriza pela fusatildeo de gacircnglios e o subsequente desenvolvimento destes em loacutebulos formando ceacuterebro complexo proacuteximo ao esocircfago O lobo vertical nos polvos eacute considerado a regiatildeo de maior complexidade Os polvos satildeo considerados os invertebrados mais inteligentes vaacuterios viacutedeos estatildeo disponiacuteveis demonstrando a capacidade de soluccedilatildeo de problemas aprendizado por observaccedilatildeo de outro polvo na soluccedilatildeo do paradigma experimental habilidade de fuga e recentemente o registro de polvos carregando cascas de coco vazias para serem utilizadas como abrigos sugerindo a utilizaccedilatildeo de ferramentas por esta espeacutecie

Outro invertebrado cujo comportamento sugere ser elaborado eacute o caranguejo eremita Pagurus bernhardus Este caranguejo por natildeo possuir carapaccedila habita conchas deixadas por moluscos apresentando predileccedilatildeo pela concha Littorina obtusata a busca por uma nova residecircncia eacute constante havendo competiccedilatildeo entre dois indiviacuteduos da mesma espeacutecie pela posse da concha predileta A escolha pela nova concha implica natildeo soacute na exploraccedilatildeo visual como tambeacutem no abandono da velha concha e entrada na nova para testar se esta preenche os requisitos que satisfaccedilam o novo inquilino O sistema nervoso dos caranguejos eacute constituiacutedo por um gacircnglio denominado de cefaacutelico que desempenha funccedilatildeo na percepccedilatildeo olfativa visual antenal e de equiliacutebrio O gacircnglio cefaacutelico conecta-se ao cordatildeo nervoso ventral por meio do cordatildeo circumesofageano O cordatildeo nervoso ventral nos braquiuacuteros eacute resultante da fusatildeo dos gacircnglios toraacutecicos e abdominais O cordatildeo nervoso ventral integra as informaccedilotildees provenientes do gacircnglio cefaacutelico e adequa o controle motor das pernas ambulatoacuterias e queliacutepodes permitindo resposta comportamental adequada tanto de locomoccedilatildeo quanto de defesa O gacircnglio estomatogaacutestrico situado na regiatildeo dorsal do estomago

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controla os seus movimentos de trituraccedilatildeo e esvaziamento O nuacutemero de neurocircnios que compotildeem o sistema nervoso central de crustaacuteceos eacute pequeno contudo estes animais com poucos neurocircnios e sistema nervoso de organizaccedilatildeo simples satildeo capazes de sentir dor e reagir a ela bem como de blefarem quando o que estaacute em jogo eacute evitar o embate corporal Para muitos de noacutes imaginar que um caranguejo sinta dor soa bastante bizarro talvez se definirmos melhor esta percepccedilatildeo e estabelecermos criteacuterios para constatar esta propriedade de percepccedilatildeo em outras espeacutecies bizarro talvez se torne natildeo termos levado esta possibilidade em conta

A dor pode ser descrita como uma sensaccedilatildeo e sentimento aversivos associados a dano potencial ou real do tecido (Broom2001) A dor conteacutem dois componentes 1 - a capacidade de detectar o estiacutemulo doloroso nocicepccedilatildeo que permitiraacute ao animal a emissatildeo de comportamento adequado e 2- a interpretaccedilatildeo emocional interna que corresponde ao sofrimento desta percepccedilatildeo Os criteacuterios para a demonstraccedilatildeo de dor em outras espeacutecies incluindo vaacuterios invertebrados satildeo

1 ndash Existecircncia de sistema nervoso e receptores

2 ndash Reaccedilatildeo de esquiva

3 ndash Reaccedilotildees motoras protetivas que incluem uso reduzido da aacuterea afetada claudicaccedilatildeo friccionar a aacuterea afetada ou autotomia (em crustaacuteceos a perda das pernas ou queliacutepodes eacute fenocircmeno defensivo de sobrevivecircncia e o processo eacute controlado por dopamina) A autotomia difere da retirada de pernas ou queliacutepodes feitas muitas vezes com a justificativa de pesca de preservaccedilatildeo Na autotomia existe a coagulaccedilatildeo da hemolinfa em concomitacircncia agrave perda do apecircndice na retirada dos apecircndices feitos por exemplo por um humano a hemolinfa leva mais tempo para coagular podendo levar o animal agrave morte por perda do seu suprimento de oxigecircnio

4 ndash Alteraccedilotildees de paracircmetros fisioloacutegicos como glicemia concentraccedilatildeo de lactato

5 ndash Existecircncia de receptores opioides e evidencias de reduccedilatildeo da dor com o uso de anesteacutesicos locais ou analgeacutesicos (Elwood Barr amp Patterson 2009)

Em um artigo publicado por Elwood e Appel em 2009 realizado com o caranguejo eremita estes autores demonstraram nesta espeacutecie a experiencia de nocicepccedilatildeo Os experimentos consistiam em retirar os indiviacuteduos de suas e oferecer a concha predileta para ser ocupada

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O artifiacutecio utilizado pelos autores foi a colocaccedilatildeo de eletrodos no interior das conchas que permitiam a aplicaccedilatildeo de choques eleacutetricos em intensidade inferior agravequela que causa danos teciduais Foram utilizados dois grupos de caranguejos o grupo controle que natildeo recebeu nenhum choque e o grupo experimental que recebeu o choque eleacutetrico Nova concha predileta sem eletrodos era oferecida 20 segundos apoacutes o choque a 5 cm de distacircncia do caranguejo com a sua abertura para baixo Os paracircmetros medidos foram tempo de aproximaccedilatildeo e investigaccedilatildeo da nova concha nuacutemero de vezes que o queliacutepodes era colocada dentro da nova concha Os caranguejos que natildeo receberam choques natildeo abandonaram suas conchas aqueles pertencentes ao grupo experimental demonstraram resistecircncia para abandonar a preferida concha indicando competiccedilatildeo motivacional entre abandonar um recurso precioso e sentir dor O abandono de conchas eacute mais frequente quando o choque eacute realizado em conchas que natildeo satildeo as preferidas Alguns animais do grupo experimental abandonaram as conchas apoacutes o choque limpando o abdocircmen batendo o abdocircmen contra uma concha vazia comportamento usual desta espeacutecie quando deseja expulsar o ocupante de uma concha para fazer uso dela Este comportamento de bater em concha desocupada pode indicar agressatildeo desencadeada por um estiacutemulo nocivo

O comportamento de blefe muito utilizado em jogos de carta como o pocircquer tem o objetivo de enganar o adversaacuterio No caso o jogador sabe o que tem na matildeo desconhece mas suspeita o que contem a matildeo de seu adversaacuterio A fim de evitar ter que mostrar o seu jogo e enganar o adversaacuterio aquele que faraacute uso de blefe assume postura de quem estaacute com o jogo ganho muitas vezes fazendo altas apostas tentando dissuadir o seu oponente a permanecer no jogo O blefe eacute trapaccedila e o caranguejo eremita faz uso desta artimanha para dissuadir o seu oponente do confronto fiacutesico A concha eacute fundamental para a sobrevivecircncia desta espeacutecie As disputas pelas conchas envolvem comportamentos denominados de preacute luta cujo objetivo eacute a mudanccedila do comportamento do oponente Na fase de preacute luta os oponentes exprimem diversos comportamentos que podem resultar na aproximaccedilatildeo ou retirada de seu oponente A preacute luta eacute portanto o momento adequado para a manipulaccedilatildeo do oponente Um dos comportamentos expressos na fase de preacute luta eacute a apresentaccedilatildeo da queliacutepoda A apresentaccedilatildeo honesta eacute aquela que permite ao opositor

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avaliar o seu tamanho estando a queliacutepoda aberta perpendicular ao solo A apresentaccedilatildeo desonesta impede ao oponente a avaliaccedilatildeo do tamanho real uma vez que a queliacutepoda aberta eacute apresentada em posiccedilatildeo frontal acima do opositor Esta eacute a blefe Experimentos onde caranguejos de menor tamanho receberam conchas de tamanho preferido dos caranguejos de maior tamanho e aos caranguejos de maior tamanho foram ofertadas conchas de menor preferecircncia e menores demonstraram que a apresentaccedilatildeo de blefe foi frequentemente utilizada pelos indiviacuteduos de menor tamanho quando confrontados com os maiores A manipulaccedilatildeo utilizada pelos indiviacuteduos menores reduz a probabilidade dos indiviacuteduos de maior tamanho atacarem e se o ataque acontecer haacute reduccedilatildeo das chances de o atacante vencer a disputa (Elwood et al 2005)

Os resultados acima descritos sugerem que apesar de poucos neurocircnios e estrutura pobre em complexidade estes crustaacuteceos parecem conhecer as suas limitaccedilotildees e avaliar as potencialidades de seus adversaacuterios

Durante muito tempo as aves foram consideradas animais sem capacidade de raciociacutenio dada a organizaccedilatildeo de seus ceacuterebros que natildeo apresenta neocoacutertex As novas metodologias permitiram importantes mudanccedilas nestas consideraccedilotildees uma vez que a organizaccedilatildeo nuclear das estruturas cerebrais de aves apresenta homologia com estruturas laminares corticais da nossa espeacutecie

Os corvos possuem sofisticada capacidade mental e utilizam a loacutegica para a soluccedilatildeo de problemas Pedaccedilos de carne pendurados por uma corda amarrada em um poleiro foram oferecidos a corvos situaccedilatildeo pouco provaacutevel na natureza Apoacutes alguns minutos de estudo da situaccedilatildeo corvos adultos resolveram o problema em 30 segundos

A ave com auxiacutelio do bico ergueu a corda utilizando o peacute para segurar o pedaccedilo de corda erguido deixou o pedaccedilo de carne amarrado cair novamente novamente com o bico ergueu a corda soltando a anterior do peacute e segurando o novo segmento as etapas foram repetidas ateacute o comprimento da corda ser o suficiente para permitir agrave ave segurar com o peacute o pedaccedilo de carne e degusta-lo O problema natildeo foi resolvido por tentativa e erro e sim por anaacutelise da situaccedilatildeo e soluccedilatildeo loacutegica uma vez que a tarefa foi realizada na primeira tentativa e em vaacuterias etapas Corvos com um ano de idade necessitaram de seis

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minutos para resolverem o problema utilizando vaacuterias estrateacutegias como voar no alimento tentar cortar ou torcer a corda durante este periacuteodo Vale ressaltar que as aves natildeo foram recompensadas com alimento em nenhuma etapa do processo de erguer-segurar a corda para comer o corvo cumpria a sequecircncia ateacute o fim

Algumas espeacutecies de corvos se alimentam de carne obtida de caccedila abatida por lobos Existe competiccedilatildeo pelo alimento portanto os corvos precisam de adaptaccedilatildeo a um ambiente imprevisiacutevel Quando jovens estas aves praticamente ldquobrincam com o inimigordquo rolando de costas na neve com seus peacutes para o ar proacuteximos aos lobos e agrave caccedila abatida Este comportamento luacutedico prepara o animal a reaccedilotildees raacutepidas e plaacutesticas tornando familiar uma situaccedilatildeo perigosa

Uma caracteriacutestica de o comportamento alimentar dos corvos eacute esconder o pedaccedilo de alimento obtido e o corvo o faz totalmente em privado ou seja longe de seus co- especiacuteficos Este comportamento de esconder o alimento sem dar pistas do esconderijo se justifica uma vez que eacute comum um corvo roubar o alimento escondido por outro Aleacutem da logica estas aves satildeo oportunistas

Em um experimento pesquisadores colocaram dois corvos em uma gaiola um dos corvos podia ser visto pelos corvos soltos em uma aacuterea contendo alimento e locais para esconder o mesmo O outro corvo da gaiola natildeo podia ser visto pelas aves livres pela existecircncia de uma cortina que o escondia Quando os corvos da gaiola foram soltos os autores observaram que o corvo que estava exposto era controlado pelos corvos livres enquanto aquele que ficou atraacutes da cortina era ignorado pelos demais Estes resultados sugerem que os corvos satildeo capazes de identificar e memorizar o indiviacuteduo que oferece risco no caso roubo do alimento escondido (Heinrich amp Bugnyar 2007)

Algumas aves recolhem alimentos na eacutepoca em que estes estatildeo disponiacuteveis como vermes sementes e os escondem para periacuteodos de escassez Experimentos realizados em laboratoacuterio permitiram a verificaccedilatildeo de que estas aves quando lhes eacute dado acesso aos alimentos escondidos ingerem primeiro os vermes que satildeo pereciacuteveis e depois as sementes indicando conhecerem o onde esconderam e quando o fizeram (Clayton et al 2003)

Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees | 57

A vida social pode ter sido o fator que direcionou a evoluccedilatildeo da inteligecircncia uma vez que possuir a habilidade de prever as respostas de outros animais da mesma e de outras espeacutecies torna-se fator extremamente importante A capacidade de resolver problemas biologicamente relevantes permite plasticidade comportamental uma vez que os ambientes habitados pelas diferentes espeacutecies satildeo complexos e imprevisiacuteveis nos quais comportamentos preestabelecidos podem ser inapropriados

Consideraccedilotildees Finais

O sistema nervoso trouxe muitas possibilidades mas natildeo eacute essencial agrave vida uma vez que animais que natildeo o possuem ainda habitam este planeta como as esponjas A simplicidade em sua organizaccedilatildeo ou o nuacutemero reduzido em suas ceacutelulas a sua organizaccedilatildeo ganglionar nuclear ou laminar difuso ou concentrado formando ceacuterebros nada informa sobre a inteligecircncia do animal que possui o sistema Os paradigmas para investigar dor inteligecircncia ndash sempre no sentido de soluccedilatildeo de problemas de relevacircncia bioloacutegica eacute que devem ser adequados agrave espeacutecie em estudo

ldquoA ausecircncia de evidencia natildeo eacute evidencia de ausecircnciardquo (Sherwin 2001) eacute uma frase que tenho sempre em mente e que me auxilia a perguntar sempre que me deparo com afirmaccedilotildees categoacutericas e privadas de dados experimentais confiaacuteveis A evoluccedilatildeo da ciecircncia traz consigo novas metodologias que se adequadamente utilizadas permitiratildeo responder muitas perguntas natildeo soacute sobre a evoluccedilatildeo do sistema nervoso Quem sabe se em um futuro natildeo muito distante a nossa espeacutecie entenda que a sua existecircncia depende do respeito agraves demais espeacutecies existentes em nosso planeta por ser ela mais uma espeacutecie e natildeo a espeacutecie dona do planeta

A trajetoacuteria evolutiva do sistema nervoso eacute longa controversa e ainda em grande parte desconhecida eacute um sistema de alto custo energeacutetico e importante para todas as espeacutecies que o possuem Talvez conhecendo melhor a sua histoacuteria evolutiva entenderemos que eacute imperioso fazer uso do mesmo da melhor maneira possiacutevel afinal desperdiccedilar esta construccedilatildeo da evoluccedilatildeo seria ldquoirracionalrdquo natildeo muito coerente para uma espeacutecie que se julga a mais inteligente do planeta

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Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro

Roberta EkuniUniversidade Estadual do Norte do Paranaacute

Introduccedilatildeo

Feche os olhos e tente lembrar de mateacuterias de divulgaccedilatildeo cientiacutefica que viu recentemente Provavelmente dentre as que pensou alguma envolvia o ceacuterebro1 certo Desde a ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo (anos 1990) a Neurociecircncia se popularizou ao ocupar tanto capas de revistas cientiacuteficas de alto impacto como ldquoSciencerdquo e ldquoNaturerdquo quanto revistas e jornais populares (Ansari Coch amp De Smedt 2011) Esses estudos exercem um fasciacutenio nas pessoas fenocircmeno conhecido como neurofilia (apetite pelo ceacuterebro) (Fuller 2012) que tambeacutem estaacute presente em programas televisivos e filmes Inclusive como cita Fuller (2012) devido ao grande interesse geral nas questotildees que envolvem ldquoneurordquo no seriado Dr House (uma seacuterie que se passa em um hospital com casos meacutedicos interessantes que devem ser diagnosticados para que o paciente seja salvo) quase 30 dos episoacutedios envolvem casos de siacutendromes neuroloacutegicas Entretanto a expertise do personagem principal eacute nefrologia e doenccedilas infecciosas e natildeo neurologia

Em consonacircncia com essa neurofilia na aacuterea meacutedica a maioria dos livros ranqueados no site da Amazon satildeo da Neurociecircncia sendo que 20 estatildeo no top 100 dos livros de medicina mais vendidos (Fuller 2012) Isso se repete em publicaccedilotildees de uma revista meacutedica de alto impacto no qual a maior porcentagem de artigos publicados

1 No Brasil a traduccedilatildeo de brain eacute enceacutefalo (telenceacutefalo ponte e cerebelo) Entretanto o termo popularmente conhecido eacute ceacuterebro (telenceacutefalo) Como popularmente o termo ceacuterebro eacute utilizado em accedilotildees de divulgaccedilatildeo cientiacutefica (por exemplo em accedilotildees como a Semana do Ceacuterebro chancelada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Neurociecircncias e Comportamento - SBNeC) no presente capiacutetulo o termo ceacuterebro seraacute utilizado para se referir agrave traduccedilatildeo popular do termo brain

Autor para correspondecircncia

robertaekuniuenpedubr

Universidade Estadual do Norte do Paranaacute Centro

de Ciecircncias Bioloacutegicas

Rodovia BR-369 Km-54 CP 269Vila Maria CEP

86360-000 Bandeirantes - PR

(43) 3542-8008

Agradecimentos Ao Fundo de Combate aos

Neuromitos por auxiliar o Projeto

ldquoCaccediladores de neuromitosrdquo ao

qual a autora faz parte Aos

queridos Orlando Francisco

Amodeo Bueno (in memorian) e Larissa Zeggio

parceiros do Projeto

Caccediladores de Neuromitos

3

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envolvem neurologia (Fuller 2012) Aleacutem disso haacute muitas informaccedilotildees que antes eram explicadas pelo campo da Psicologia tentando ser substituiacutedas por explicaccedilotildees neurocientiacuteficas (Baron 2018) Talvez isso se deva ao fato de que haacute uma tendecircncia em achar que a Neurociecircncia seja o melhor meacutetodo para explicar fenocircmenos psicoloacutegicos (Weisberg Hopkins amp Taylor 2018)

Frente a esse apetite pelo ceacuterebro temos um fenocircmeno conhecido como neuromitos que de modo geral satildeo informaccedilotildees incorretas sobre o ceacuterebro mais especificamente um ldquoequiacutevoco gerado pelo entendimento incorreto uma maacute interpretaccedilatildeo ou maacute citaccedilatildeo de fatos estabelecidos cientificamente (pela ciecircncia do ceacuterebro)rdquo (OECD 2002 p 111) Um exemplo claacutessico de neuromito eacute que usamos cerca de 10 do ceacuterebro inclusive virou tema de filmes (Lucy filme de Luc Besson e Sem limites filme de Neil Burger) Na Argentina esse foi o neuromito que os professores mais acreditavam ser correto (40) (Hermida Segretin Soni Garciacutea amp Lipina 2016) Em um levantamento 14 dos norte-americanos que diziam ter alto treinamento em Neurociecircncia acreditavam nessa afirmaccedilatildeo (Macdonald Germine Anderson Christodoulou amp McGrath 2017) Outro questionaacuterio realizado com neurocientistas mostrou que uma pequena parcela (6) acreditava nesse mito (Herculano-Houzel 2002) Entretanto em ambos os casos comparado com educadores ou com a populaccedilatildeo em geral a porcentagem de neurocientistas ou pessoas com treinamentos em Neurociecircncia que acreditavam nesse neuromito eacute bem menor De forma breve talvez esse neuromito persista tanto por ser otimista ou seja se o ser humano usasse pouco imagine o que ele poderia fazer se desbloqueasse outras porcentagens Outro fator pode se dar ao fato de que quando as pessoas veem neuroimagem geralmente uma pequena parte estaacute colorida podendo dar uma falsa impressatildeo que o ceacuterebro natildeo estaacute sendo todo utilizado (para desmitificaccedilatildeo completa desse mito ver Abrahatildeo 2017)

Diante disso o objetivo desse capiacutetulo eacute discutir os neuromitos sua origem motivo pelo qual as pessoas tendem a acreditar nessas informaccedilotildees incorretas potenciais prejuiacutezos e como combatecirc-los

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Neuromitos Qual a sua Origem

Os neuromitos podem surgir devido a afirmaccedilotildees duvidosas vindas de interpretaccedilotildees de leigos sobre imagens cerebrais ou dados de experimentos neurocientiacuteficos (Lalancette amp Campbell 2012) Aleacutem disso por ignorarem a interconectividade do ceacuterebro ou seja que este funciona de forma conjunta simplificam os achados cientiacuteficos gerando uma divulgaccedilatildeo incorreta dos mesmos (Geake 2008)

Natildeo eacute novidade que haacute um grande aumento do nuacutemero de publicaccedilotildees envolvendo o ceacuterebro nas miacutedias populares (OrsquoConnor Rees amp Joffe 2012) Uma pesquisa mostrou que a miacutedia eacute a maior responsaacutevel por espalhar informaccedilotildees sobre o ceacuterebro para os professores e estudantes inclusive informaccedilotildees erradas (Tardif Doudin amp Meylan 2015) Natildeo eacute a intenccedilatildeo da mesma mas para se fazer entendida muitas vezes ela generaliza e publica informaccedilotildees parciais sobre as descobertas neurocientiacuteficas produzindo interpretaccedilotildees equivocadas (neuromitos) sobre o funcionamento do ceacuterebro que se espraiaram (Pasquinelli 2012) Outro ponto eacute que a miacutedia tende a ser sensacionalista a oferecer informaccedilotildees relevantes (mesmo quando natildeo satildeo) e a omitir informaccedilotildees relevantes (Pasquinelli 2012 Racine Waldman Rosenberg amp Illes 2010) Contudo natildeo se pode julgar que a miacutedia eacute somente ruim visto que a mesma tem efeito positivo para informar a populaccedilatildeo em geral via jornalismo cientiacutefico de qualidade (Ekuni amp Pompeia 2016 Watts 2014)

Ressalta-se que a miacutedia natildeo eacute a uacutenica responsaacutevel pela criaccedilatildeo e propagaccedilatildeo de mitos A ciecircncia estaacute em constante mudanccedila e muitas vezes uma teoria cientiacutefica que eacute aceita em um determinado momento frente a novas evidecircncias passa a natildeo ser mais aceita (OECD 2007) Eacute preciso acompanhar essas mudanccedilas para natildeo manter informaccedilotildees ultrapassadas como corretas Por exemplo antigamente acreditava-se que no ceacuterebro adulto natildeo havia neurogecircnese (produccedilatildeo de novos neurocircnios) mas hoje sabe-se que haacute (OECD 2007)

Aleacutem disso uma pesquisa com professores do Canadaacute apontou que as maiores fontes de aquisiccedilatildeo dos neuromitos investigados por ela (a saber estilos de aprendizagem inteligecircncias muacuteltiplas dominacircncia hemisfeacuterica exerciacutecios coordenados e uso de 10

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do ceacuterebro) foram em cursos de treinamento para professores e vieses cognitivos (por exemplo pela informaccedilatildeo parecer loacutegica ou pela proacutepria experiecircncia do professor em ensinar) (Sarrasin Riopel amp Masson 2019) Nesse sentido eacute necessaacuterio voltar a atenccedilatildeo para os cursos de formaccedilatildeo de docentes para evitar a propagaccedilatildeo de neuromitos

Por Que as Pessoas Acreditam nos Neuromitos

Haacute uma tendecircncia da miacutedia publicar assuntos que estatildeo em voga (OrsquoConnor et al 2012) Entretanto os estudos que mostram que ainda precisam de maiores evidecircncias para fazer recomendaccedilotildees praacuteticas natildeo viram manchetes de notiacutecia (Ekuni amp Pompeia 2016) o que acaba influenciando o julgamento das pessoas devido ao fato delas terem mais acesso aquelas informaccedilotildees De acordo com a Psicologia Cognitiva pelo vieacutes de disponibilidade algo vem agrave mente com mais facilidade devido a familiaridade (Tversky amp Kahneman 1973) assim as pessoas tendem a lembrar mais das informaccedilotildees familiares e repetidas o que influencia seu julgamento

Haacute uma tendecircncia em julgar uma informaccedilatildeo como verdadeira quando a mesma eacute vista pela segunda vez fenocircmeno conhecido como efeito da verdade (the truth effect) (Dechecircne Stahl Hansen amp Waumlnke 2010) Assim como os autores pontuam uma informaccedilatildeo ambiacutegua ou seja que a pessoa tem duacutevida se eacute fato ou natildeo tem mais chances de se tornar percebida como verdadeira se ela for repetida E isso tambeacutem acontece com os neuromitos jaacute que os mesmos estatildeo espalhados em vaacuterios locais (na miacutedia internet e ateacute em cursos voltado para professores) (Goswami 2006) Com isso o indiviacuteduo acaba ouvindo repetidas vezes a mesma informaccedilatildeo e por ela se tornar familiar ela pode pensar ldquohum jaacute ouvi isso em algum lugar deve ser verdaderdquo

Outro fator que pode explicar a crenccedila das pessoas em neuromitos pode se dar diante do termo conhecido como ldquopoacutes-verdaderdquo (post-truth) definido pelo dicionaacuterio Oxford como um adjetivo ldquoque se relaciona ou denota circunstacircncias nas quais fatos objetivos tecircm menos influecircncia em moldar a opiniatildeo puacuteblica do que

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apelos agrave emoccedilatildeo e a crenccedilas pessoaisrdquo2 Haacute indicaccedilatildeo que as crenccedilas por exemplo as religiosas poderiam influenciar para maior crenccedila em neuromitos (Hermida et al 2016) Assim haacute uma tendecircncia de interpretar os resultados das pesquisas de maneira que confirmem a crenccedila anterior da pessoa um fenocircmeno conhecido como vieacutes de confirmaccedilatildeo (Nickerson 1998) Isso faz com que a crenccedila em alguns mitos se mantenham com mais vigor por exemplo quando buscam informaccedilotildees online as pessoas tendem a ignorar informaccedilotildees conflitantes com as crenccedilas delas (Del Vicario et al 2016) Isso eacute relevante pois aumenta ainda mais as crenccedilas em neuromitos visto que as pessoas costumam a acreditar neles de forma agrupada (van Dijk amp Lane 2018) Ou seja se uma pessoa acredita que ouvir Mozart deixaraacute seus filhos mais inteligentes buscaraacute outras informaccedilotildees sobre como melhorar a inteligecircncia podendo encontrar outros neuromitos e tomaacute-los todos como verdade

Aleacutem desses vieses cognitivos outro ponto que pode explicar o motivo pelo qual as pessoas acreditam em neuromitos se deve ao fato de que as explicaccedilotildees que envolvem Neurociecircncia tendem a ser mais crediacuteveis para as pessoas que a leem para explicar fenocircmenos psicoloacutegicos mesmo que a explicaccedilatildeo seja irrelevante (Weisberg Keil Goodstein Rawson amp Gray 2008) Isso pode ser elucidado pelo ldquoefeito do fasciacutenio sedutorrdquo (seductive allure effect) no qual pessoas leigas preferem explicaccedilotildees que envolvam Neurociecircncia para fenocircmenos psicoloacutegicos (Weisberg et al 2018) Isso pode ser explicado pelo fato das pessoas poderem ter a percepccedilatildeo de que a Neurociecircncia estaacute mais conectada com diversas aacutereas do conhecimento (Weisberg et al 2018) Em suma parafraseando ldquoraio gourmetizadorrdquo meme que ficou conhecido na aacuterea da alimentaccedilatildeo que transforma comidas simples em verdadeiros objetos de desejos com elevado valor financeiro temos o ldquoraio neurotizadorrdquo Basta colocar o prefixo NEURO em qualquer informaccedilatildeo para ela virar uma ldquoNeuroInformaccedilatildeordquo mais atrativa com uma ldquopegadardquo de neurociecircncias e consequentemente com mais pessoas se interessando pelo assunto (Ekuni Zeggio amp Bueno 2017)

2 httpsenoxforddictionariescomword-of-the-yearword-of-the-year-2016

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Em consequecircncia disso produtos que remetem ao ceacuterebro tendem a ser mais avaliados como mais cientiacuteficas interessantes e efetivas do que o mesmo produto sem remeter ao ceacuterebro (Lindell amp Kidd 2013) Essa avaliaccedilatildeo foi realizada por estudantes de aacutereas diferentes do conhecimento por pais e por estudantes de Psicologia sendo que os alunos de Psicologia julgaram melhor comparado com os pais e alunos de outros cursos Isso mostra o efeito sedutor do ceacuterebro mas tambeacutem que uma formaccedilatildeo adequada pode ter um efeito protetor em relaccedilatildeo agrave crenccedila nos neuromitos (Lindell amp Kidd 2013) Contudo achados com professores da Coreacuteia do Sul concluem que saber Psicologia aumenta o conhecimento geral sobre o ceacuterebro mas natildeo diminui a crenccedila em neuromitos (Im Cho Dubinsky amp Varma 2018) Ou seja haacute indicaccedilatildeo de que natildeo basta apenas aumentar o conhecimento geral sobre Neurociecircncia eacute preciso tambeacutem desmitificar os neuromitos

Por Que os Neuromitos satildeo Prejudiciais

Acreditar em informaccedilotildees erradas sobre o ceacuterebro pode ser prejudicial No caso dos neuromitos potencialmente sim (Dekker Lee Howard-Jones amp Jolles 2012) Um dos motivos se deve ao fato de que as pessoas que adotam praacuteticas baseadas neles investem seu tempo e dinheiro em praacuteticas fadadas ao fracasso ao inveacutes de por exemplo focarem em praacuteticas que podem realmente melhorar a aprendizagem (Busso amp Pollack 2015 Macdonald et al 2017 Pasquinelli 2012) Um exemplo ocorreu na Irlanda do Norte onde houve uma tentativa de implementaccedilatildeo de uma reforma do curriacuteculo educacional supostamente baseada na Neurociecircncia mas que continha muitos equiacutevocos (neuromitos) (Purdy amp Morrison 2009) Por exemplo o neuromito de que as pessoas satildeo naturalmente propensas a aprender melhor se as instruccedilotildees dadas pelos professores forem congruentes com seu estilo de aprendizagem (visuais auditivas ou sinesteacutesicas ndash VAK) (Purdy 2008) Assim pessoas que satildeo visuais aprenderiam melhor se as instruccedilotildees fossem dadas por estiacutemulos visuais vendo graacuteficos imagens etc pessoas auditivas por informaccedilotildees auditivas e pessoas cinesteacutesicas (kinaesthetic) por movimentos por fazer na praacutetica Entretanto natildeo haacute evidecircncias cientiacuteficas que comprovem

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esse efeito de congruecircncia entre instruccedilatildeo e estilo de aprendizagem visto que haacute poucas pesquisas que usam meacutetodo cientiacutefico adequado para estudar esse fenocircmeno e os que usam natildeo possuem efeito de congruecircncia (Pashler McDaniel Rohrer amp Bjork 2009 Rohrer amp Pashler 2012)

Essa reforma curricular realizada na Irlanda do Norte foi amplamente criticada por natildeo ser baseada em Neurociecircncia como a mesma afirmava ser o que levou o Conselho Educacional retirar das propostas posteriores que a reforma curricular era baseada em Neurociecircncias (Purdy 2008) No entanto o Conselho que propocircs a reforma manteve seu apoio em cartilhas destinadas a professores com toacutepicos como estilos de aprendizagem conectar o ceacuterebro direito e esquerdo e Brain Gymreg para melhorar a aprendizagem (Purdy 2008) Infelizmente todos esses neuromitos satildeo amplamente difundidos na campo educacional (eg Dekker et al 2012)

Brevemente em relaccedilatildeo a crenccedila de que haacute exerciacutecios para conectar os hemisfeacuterios cerebrais (ceacuterebro direito e o esquerdo) natildeo haacute evidencias que exerciacutecios possam conectar ambos lados (Spaulding Mostert amp Beam 2010) ateacute porque na maioria da populaccedilatildeo haacute um feixe de fibras nervosas o corpo caloso que conecta os hemisfeacuterios cerebrais (Roland et al 2017) Complementarmente a esse neuromito haacute o equiacutevoco de que pessoas que satildeo racionais possuem o lado esquerdo mais dominante e pessoas criativas possuem dominacircncia hemisfeacuterica direita As evidecircncias de neuroimagem com anaacutelise de mais de 1000 pessoas mostram que natildeo haacute uma predominacircncia de ativaccedilatildeo de um hemisfeacuterio especiacutefico (Nielsen Zielinski Ferguson Lainhart amp Anderson 2013)

Jaacute em relaccedilatildeo ao neuromito de que ginaacutestica cerebral mais especificamente o Programa Brain Gymreg supostamente baseado na Neurociecircncia afirma que podem melhorar o aprendizado por meio de exerciacutecios massagens pressotildees em pontos especiacuteficos do corpo As evidecircncias apontam que o programa eacute baseado em suposiccedilotildees teoacutericas invaacutelidas e natildeo haacute pesquisas baseadas no meacutetodo cientiacutefico que comprove a eficaacutecia da mesma (Spaulding et al 2010 Zeggio amp Malloy-Diniz 2015)

Em meio a esse bombardeio de informaccedilotildees que supostamente podem melhorar a educaccedilatildeo somado com uma formaccedilatildeo

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neurocientiacutefica muitas vezes inadequadas com a sede que os educadores tem que inovar o ensino e de conectar o ceacuterebro com a educaccedilatildeo (Geake 2005 Goswami 2006) os educadores podem se apressar em fazer a ponte entre Neurociecircncias e Educaccedilatildeo Ao serem implantadas abordagens no contexto educacional baseadas em neuromitos pode ateacute haver uma percepccedilatildeo positiva dos alunos o que pode aumentar a crenccedila nos mitos entretanto a estrateacutegia natildeo seraacute efetiva (Howard-Jones 2014a) Infelizmente ainda falta conhecimento cientiacutefico para que os educadores possam acessar criticamente as pesquisas (Hook amp Farah 2013) Aleacutem disso as praacuteticas supostamente baseadas na Neurociecircncia ameaccedilam os programas baseados em evidecircncias jaacute que as pessoas podem natildeo acreditar em algo que contradiz o neuromito (Pasquinelli 2012 van Dijk amp Lane 2018)

O Que as Pessoas Sabem Sobre o Ceacuterebro

Muito se fala sobre a ponte entre Neurociecircncia e Educaccedilatildeo e da importacircncia dessa conexatildeo para melhorar a educaccedilatildeo (Sigman Pentildea Goldin amp Ribeiro 2014) Entretanto talvez a Educaccedilatildeo seja a aacuterea que mais sofre com os neuromitos Os educadores mais interessados em neurociecircncias sentem urgecircncia em colocar em praacutetica os conhecimentos das neurociecircncias em salas de aula o que os torna alvos faacuteceis de programas baseados em neuromitos (Dekker et al 2012) E isso se torna um ciclo vicioso pois os educadores acabam difundindo esses conhecimentos inveriacutedicos alguns inclusive em cursos de treinamento para professores (Sarrasin et al 2019)

Diante disso questionaacuterios tecircm sido administrados em vaacuterios paiacuteses para verificar o que os educadores acreditam sobre o ceacuterebro Entretanto devido a diferenccedilas culturais e tamanho da amostra esses dados natildeo satildeo generalizaacuteveis para toda a populaccedilatildeo (van Dijk amp Lane 2018) Mas haacute um ponto em comum as anaacutelises realizadas com educadores no Reino Unido e Holanda (Dekker et al 2012) Portugal (Rato Abreu amp Castro-Caldas 2013) Turquia Greacutecia e China (Howard-Jones 2014b) Brasil (Bartoszeck amp Bartoszeck 2016 Silvia Zeggio amp Ekuni 2014) Turquia (Karakus Howard-Jones amp Jay 2015) Suiacuteccedila (Tardif et al 2015) Ameacuterica Latina (predominantemente da Argentina Chile e Peru alguns participantes do Meacutexico Nicaraacutegua Colocircmbia

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e Uruguai) (Gleichgerrcht Lira Luttges Salvarezza amp Campos 2015) Espanha (Ferrero Garaizar amp Vadillo 2016) na Argentina (Hermida et al 2016) Estados Unidos (Macdonald et al 2017 van Dijk amp Lane 2018) e Coreacuteia do Sul (Im et al 2018) mostram que os educadores tendem a acreditar em vaacuterios neuromitos associados ao aprendizado

Eacute difiacutecil dizer quais os neuromitos que as pessoas mais acreditam pois ateacute mesmo levantamentos realizados no mesmo paiacutes tiveram resultados diferentes Por exemplo em um estudo realizado nos EUA os trecircs neuromitos que os educadores mais acreditavam foram que haacute exerciacutecios para integrar o ceacuterebro direito e esquerdo (89) Brain Gymreg ajuda os estudantes a lerem e usarem melhor a linguagem (80) se os alunos aprenderam de forma congruente com seu estilo de aprendizagem predominante aprenderaacute melhor (76) (Macdonald et al 2017) Enquanto que no estudo de van Dijk e Lane (2018) tambeacutem realizado nos EUA a prevalecircncia maior foi que ambientes enriquecidos estimulam o desenvolvimento cerebral de crianccedilas preacute-escolares (94) haacute exerciacutecios para integrar o ceacuterebro direito e esquerdo (78) e a crenccedila de que consumir comidas e bebidas com muito accediluacutecar deixam as crianccedilas inatentas (68) Ou seja como van Dijk e Lane indicam talvez a prevalecircncia da crenccedila em neuromitos dependa da amostra estudada da cultura formaccedilatildeo e outros fatores

Como Combater os Neuromitos Direccedilotildees da Psicologia Cognitiva

As evidecircncias que contrariam neuromitos satildeo publicadas quase que exclusivamente em perioacutedicos especializados em Neurociecircncia aos quais o grande puacuteblico natildeo tem acesso (Howard-Jones 2014b) Contrariamente ao estudo que mostrou que quem lia mais informaccedilotildees sobre o ceacuterebro acreditavam mais em neuromitos (Dekker et al 2012) saber mais fatos sobre Neurociecircncia pode ser um fator preditivo de menor crenccedila nessas informaccedilotildees incorretas (van Dijk amp Lane 2018) Corroborando com isso um estudo que comparou a crenccedila em neuromitos da populaccedilatildeo em geral educadores e pessoas com treinamento em neurociecircncia apontou para o fato de

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que as pessoas com treinamento em Neurociecircncia acreditavam menos em neuromitos (46) quando comparado com educadores (56) e o puacuteblico em geral (68) (Macdonald et al 2017) O mesmo estudo apontou que os preditores de apontar que uma informaccedilatildeo era um neuromito foi ter graduaccedilatildeo ler perioacutedicos cientiacuteficos revisado por pares e ter frequentado vaacuterios cursos de Neurociecircncia Somente ler jornalismo cientiacutefico natildeo eacute o suficiente para identificar um neuromito (Macdonald et al 2017) Ou seja a formaccedilatildeo cientiacutefica adequada pode auxiliar na melhor identificaccedilatildeo do que eacute um fato ou um mito

Eacute dever dos cientistas popularizar a ciecircncia ou seja transformar as descobertas cientiacuteficas em linguagem adequada para natildeo-cientistas (Bueno 2010) Diante disso primeiramente eacute preciso fortalecer a divulgaccedilatildeo neurocientiacutefica Haacute diversas iniciativas espalhadas no Brasil por meio de accedilotildees da extensatildeo universitaacuteria (eg Carvalho Macacare Rocha amp Ekuni 2020 Macacare et al 2018 Martins amp Mello-Carpes 2014 Rocha Macacare Cesaacuterio Benassi-Werke amp Ekuni 2019 Silva Grandi Castro amp Ekuni 2017 Vieira et al 2018 para uma revisatildeo ver Aranha Chichierchio amp Sholl-Franco 2015) Tambeacutem haacute iniciativas globais como ldquoBrain Awareness Weekrdquo promovido pela Dana Foundation e chancelada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Neurociecircncia e Comportamento (SBNeC) que incentiva instituiccedilotildees a organizarem eventos que visem popularizar a ciecircncia do ceacuterebro No que diz respeito especificamente aos neuromitos tambeacutem haacute iniciativas de divulgaccedilatildeo cientiacutefica no formato de livros (eg Ekuni Zeggio amp Bueno 2015 Zeggio Ekuni amp Bueno 2017) Macdonald et al (2017) apontam que as pessoas que acreditam em um neuromito tendem a acreditar em vaacuterios de forma agrupada assim no momento de desmitificar deve-se explicar sobre vaacuterios neuromitos juntos

Uma vez que as pessoas comeccedilam a acreditar nos neuromitos mesmo que essas informaccedilotildees incorretas sejam corrigidas ainda pode-se prevalecer a crenccedila na informaccedilatildeo anterior fenocircmeno conhecido com o influecircncia do efeito contiacutenuo da desinformaccedilatildeo (Continued Influence Effect of misinformation) (Ecker Hogan amp Lewandowsky 2017) Para evitar que isso aconteccedila deve-se buscar tentar preencher as lacunas do conhecimento via explicaccedilotildees

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alternativas e sempre que possiacutevel repetir essas explicaccedilotildees sem reforccedilar o mito (Lewandowsky Ecker Seifert Schwarz amp Cook 2012)

Pesquisas de memoacuteria que buscam compreender qual a melhor forma que corrigir uma informaccedilatildeo errada mostram que haacute maior probabilidade de correccedilatildeo da informaccedilatildeo se a fonte que corrige eacute dada por uma pessoa de confianccedila que natildeo necessariamente precisa ser expert no assunto (Guillory amp Geraci 2013) Apesar do estudo ser feito no campo de informaccedilotildees poliacuteticas os autores extrapolam esse achado para outras aplicaccedilotildees praacuteticas como desmitificar o fato de que vacina MMR [sarampo (measles) caxumba (mumps) e rubeacuteola (rubella)] natildeo causa autismo Diante disso podemos pensar na importacircncia da divulgaccedilatildeo cientiacutefica se mais pessoas forem alcanccediladas pela divulgaccedilatildeo cientiacutefica de qualidade haacute maior probabilidade de elas poderem corrigir informaccedilotildees erradas para outras pessoas Se a pessoa for de confianccedila possibilidade de corrigir possiacuteveis equiacutevocos eacute ainda maior

Alguns estudos mostram que para evitar o efeito da repeticcedilatildeo natildeo se deve reapresentar o mito antes de desmitificaacute-lo porque ao repeti-lo pode tornaacute-lo mais forte (Dechecircne et al 2010) Por exemplo um estudo em que se apresentava mitos e fatos sobre vacina teve como consequecircncia o efeito de contra-ataque (backfire effect) ou seja fortaleceu a crenccedila no mito da vacinaccedilatildeo (Pluviano Watt Ragazzini amp Della Sala 2019) Contudo outro experimento realizado dando uma informaccedilatildeo incorreta para o participante e depois apontando que a mesma era incorreta mostrou que a correccedilatildeo da informaccedilatildeo foi melhor do que quando natildeo havia essa repeticcedilatildeo da informaccedilatildeo incorreta (Ecker et al 2017) Ou seja ainda haacute controveacutersias na literatura sobre a melhor forma de corrigir uma informaccedilatildeo incorreta

Uma vez que eacute comum no meio jornaliacutestico e na divulgaccedilatildeo cientiacutefica apresentar mitos e fatos na tentativa de desmitificar uma informaccedilatildeo incorreta pode-se usar uma estrateacutegia cognitiva de solicitar que o leitor faccedila um julgamento da informaccedilatildeo enquanto lecirc o que pode evitar o efeito do contra-ataque quando comparado a solicitar um julgamento baseado na memoacuteria tempo depois de lido (Peter amp Koch 2015) Essa diferenccedila temporal de julgamento pode ser crucial para corrigir uma informaccedilatildeo incorreta jaacute que os autores pontuam que haacute uma tendecircncia de esquecer os argumentos lidos

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que explicam porque a informaccedilatildeo eacute falsa Outra forma de evitar o efeito do contra-ataque eacute enfatizar o fato com poucos argumentos repeti-lo e quando for falar do mito avisar explicitamente o leitor que falaraacute uma informaccedilatildeo incorreta (Lewandowsky et al 2012)

Recomenda-se tambeacutem evitar que a manchete seja sobre o mito em si por exemplo ldquoUsamos soacute 10 do ceacuterebrordquo e soacute no texto dizer algo como ldquocientistas comprovam que essa informaccedilatildeo eacute falsa poisrdquo O motivo pelo qual deve-se evitar destacar o mito se deve ao efeito da distintividade ou seja eventos que se sobressaem que satildeo destacados satildeo mais distintivos assim essas informaccedilotildees tendem a ser mais lembradas do que as que natildeo se sobressaem (Tulving amp Rosenbaum 2012)

Depois da miacutedia a segunda fonte pelo qual os educadores dizem que aprendem informaccedilotildees sobre o ceacuterebro sendo que algumas dessas satildeo equivocadas vem de curso de formaccedilatildeo de professores (Tardif et al 2015) Uma pesquisa no Canadaacute apontou essa fonte como uma das fontes principais de informaccedilotildees incorretas (Sarrasin et al 2019) Isso eacute preocupante e chama a atenccedilatildeo da formaccedilatildeo de qualidade para prevenccedilatildeo da crenccedila em neuromitos (Ekuni amp Pompeia 2016) Como exposto anteriormente uma formaccedilatildeo cientiacutefica adequada pode fazer com que as pessoas se protejam do efeito sedutor da Neurociecircncia (Lindell amp Kidd 2013) Assim outras frentes de combate estariam na melhoria da formaccedilatildeo cientiacutefica dos educadores bem como na ampliaccedilatildeo do diaacutelogo entre cientistas e professores (Ansari et al 2011) Tambeacutem sugere-se a necessidade de uma rede de comunicadores de pesquisa neurocientiacutefica para ampliar a ponte entre Neurociecircncias e Educaccedilatildeo e a oferta de conteuacutedo acessiacutevel e de alta qualidade para a sociedade (Goswami 2006) No Brasil a Rede Ciecircncia para Educaccedilatildeo (Rede CpE)3 eacute uma das redes que visam atingir essa meta

Consideraccedilotildees Finais

Neuromitos satildeo informaccedilotildees duvidosas equivocadas que envolvem a ciecircncia do ceacuterebro Haacute uma alta crenccedila nessas

3 httpcienciaparaeducacaoorg

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informaccedilotildees principalmente no campo educacional o que pode levar os educadores a adotarem estrateacutegias potencialmente fadadas ao fracasso Uma das explicaccedilotildees plausiacuteveis pelo qual os neuromitos satildeo espalhados e perpetuados se deve agrave neurofilia e agraves notiacutecias que a miacutedia lanccedila com explicaccedilotildees super simplificadas sobre as pesquisas das Neurociecircncias (Pasquinelli 2012) Como falta formaccedilatildeo (neuro)cientiacutefica adequada haacute pouco senso criacutetico para julgar essas se essas informaccedilotildees satildeo equivocadas ou natildeo Somado a isso haacute fenocircmenos que influenciam o julgamento e haacute variaacuteveis que interferem na correccedilatildeo da informaccedilatildeo incorreta Por exemplo o efeito da repeticcedilatildeo faz com que informaccedilotildees incorretas reapresentadas vaacuterias vezes tendem a ser julgadas como corretas pela familiaridade a poacutes-verdade no qual as crenccedilas individuais satildeo mais fortes do que os fatos e argumentos que contrapotildeem essa crenccedila Aleacutem disso haacute vaacuterios vieses cognitivos que podem fazer com que a crenccedila nessas informaccedilotildees incorretas perpetue como o vieacutes de confirmaccedilatildeo ignorando fatos conflitantes com a crenccedila e focando atenccedilatildeo em fatos que possam confirmar a crenccedila

Outra forma de combater os neuromitos pode se dar por meio de accedilotildees de divulgaccedilatildeo cientiacutefica de qualidade jaacute que por meio dela pode-se aumentar o conhecimento neurocientiacutefico da populaccedilatildeo Haacute diversas accedilotildees voltadas para isso espalhadas no mundo e no Brasil Entretanto para desmitificar as informaccedilotildees incorretas deve-se fazecirc-lo baseadas em evidecircncias cientiacuteficas levando em consideraccedilatildeo os processos dos estudos de memoacuteria para corrigir uma informaccedilatildeo incorreta tais como tomar cuidado com o efeito do contra-ataque Aleacutem disso deve-se ampliar o diaacutelogo entre Neurociecircncia e Educaccedilatildeo bem como melhorar a formaccedilatildeo cientiacutefica dos educadores

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A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas

Jayme Marrone Juacutenior

Introduccedilatildeo

Nos uacuteltimos anos a abordagem neurocientiacutefica se tornou uma referecircncia em pesquisas que buscam entender o ser humano em niacuteveis que vatildeo do fisioloacutegico ao social O caminho para se conseguir uma explicaccedilatildeo razoaacutevel acerca do funcionamento e da capacidade do ceacuterebro bem como sua influecircncia em nosso comportamento exige uma composiccedilatildeo de conteuacutedos que transcendem a especificidade de cada aacuterea do saber e mobilizam uma gama de cientistas que trabalham e pesquisam de forma multirreferencial

Diante deste cenaacuterio acreditamos que a Fiacutesica possa contribuir com algumas discussotildees principalmente com os conceitos da fiacutesica moderna mais especificamente da mecacircnica quacircntica No entanto se algueacutem diz compreender a mecacircnica quacircntica eacute porque verdadeiramente natildeo a conhece (Feynman 1985) Natildeo obstante entendendo nossa limitaccedilatildeo e ainda assim com intenccedilatildeo de favorecer a discussatildeo configuramos uma hipoacutetese que talvez possa acomodar algumas questotildees dentre elas aquela que mais nos incomoda que eacute a percepccedilatildeo da realidade

Os elementos fisioloacutegicos que captam a realidade e formam nossos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo tato olfato paladar) satildeo manipulados e interpretados por uma extensa e complexa rede neural O caminho desta percepccedilatildeo inicia quando o estimulo eacute detectado por um neurocircnio sensitivo que converte (luz som cheiro toque) em potenciais de accedilatildeo que desencadeiam um sinal de origem eletroquiacutemica O sinal

Autor para correspondecircncia jaymemarrone

hotmailcom

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eacute conduzido a uma aacuterea de processamento primaacuterio de acordo com a natureza do estiacutemulo que por sua vez elabora as caracteriacutesticas iniciais da informaccedilatildeo tal como forma textura cor etc A partir daiacute a informaccedilatildeo elaborada por comparaccedilatildeo eacute transmitida aos centros de processamento secundaacuterio da regiatildeo talacircmica onde se incorpora agrave outras informaccedilotildees de origem liacutembica relacionadas com experiecircncias passadas (memoacuterias) Por fim chega ao seu centro cortical especiacutefico (visual olfativo etc) jaacute deveras alterado

Segundo Maturana amp Varela (1995) eacute possiacutevel observar que mesmo neste breve e simplificado resumo do caminho percorrido pelo estiacutemulo a enorme quantidade de variaacuteveis que podem afetar a percepccedilatildeo da realidade e ainda a dependecircncia que a mesma possui de uma lembranccedila anaacuteloga para que a informaccedilatildeo possa ser classificada e compreendida cognitivamente Desta maneira eacute razoaacutevel afirmar que cores sabores cheiros texturas existem apenas em nossa mente de acordo com os modelos que construiacutemos de nossas experiecircncias do mundo Mesmo sensaccedilotildees de objetos inexistentes podem ser experimentados dependendo da aacuterea cortical estimulada (Blanke 2004) Uma experiecircncia realizada com uma jovem epileacutetica de 22 anos pela equipe de Olaf Blanke da Escola Politeacutecnica Federal de Lausanne na Suiacuteccedila mostrou que ao aplicar estimulaccedilatildeo eleacutetrica localizada perto da regiatildeo de origem dos ataques epileacutepticos (junccedilatildeo temporoparietal esquerda) a paciente revelou sentir que algueacutem estava postado exatamente atraacutes dela

Experiecircncias deste tipo revelam que as percepccedilotildees por vezes diferem qualitativamente do estiacutemulo fiacutesico pois o ceacuterebro eacute sensibilizado pelos dados e os interpreta baseado em experiecircncias anteriores que servem de suporte cognitivo para acomodaacute-los e consequentemente atribuir algum significado em sua associaccedilatildeo

A informaccedilatildeo que natildeo se adequa ao modelo construiacutedo ou que natildeo pode ser apropriada com o arcabouccedilo de memoacuterias preacutevias eacute interpretada como uma perturbaccedilatildeo que pode levar agrave sua dispensa e consequente natildeo percepccedilatildeo ou sua incorporaccedilatildeo por meio de uma remodelaccedilatildeo das estruturas sinaacutepticas reorganizando os circuitos neurais de acordo com a conveniecircncia na necessidade de sua percepccedilatildeo essa eacute nossa premissa

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Compreender a relaccedilatildeo entre percepccedilatildeo e realidade foi a inspiraccedilatildeo para nossa pesquisa que tem a priori a pretensatildeo de investigar as causas que permeiam essa relaccedilatildeo articulando as propriedades fiacutesicas da mateacuteria com a dinacircmica das redes neurais

Eacute com o intuito de promover essa discussatildeo que descreveremos brevemente os temas que pautaram o desenvolvimento destes estudos iniciais chamado a priori de Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional (HCF) cujo objetivo eacute acrescentar elementos que permitam uma descriccedilatildeo da realidade vinculada agrave materialidade dos objetos fiacutesicos

A percepccedilatildeo desta materialidade eacute uma experiecircncia da consciecircncia e racionalmente explicada em termos de partiacuteculas subatocircmicas tais como proacutetons necircutrons e eleacutetrons

Tais partiacuteculas satildeo definidas a partir de propriedades fiacutesicas como massa e carga eleacutetrica que diante do paradigma atual satildeo consideradas inerentes agrave mateacuteria ou segundo (Moreira 2009) ditas propriedades fundamentais da mateacuteria Quando usamos o termo inerente sugerimos uma existecircncia taacutecita independente de qualquer outro elemento e isso parece natildeo se adequar aos princiacutepios da mecacircnica quacircntica no que tange agrave relaccedilatildeo entre observador e observado O problema eacute que de forma macroscoacutepica toda realidade construiacuteda pode parecer independente de quem observa o que leva o senso comum a concluir que um preacutedio existe independente de qualquer mente consciente que o observe

Esse eacute um ponto a ser discutido jaacute que entendemos a materialidade como consequecircncia da conveniecircncia funcional de uma rede ou sistema O viacutenculo entre observador e observado eacute funcional a ambos pois permite a manifestaccedilatildeo da materialidade dos dois e de todo o sistema

Os conceitos de materialidade e realidade tem na Fiacutesica um campo frutiacutefero de discussatildeo diante da proposta das interaccedilotildees fundamentais1 cuja evoluccedilatildeo parece que caminha a uma unificaccedilatildeo

1 Haacute quatro tipos de interaccedilotildees fundamentais eletromagneacutetica gravitacional forte e fraca A interaccedilatildeo entre um eleacutetron e um nuacutecleo atocircmico (eletromagneacutetica) a atraccedilatildeo entre quarks eacute do tipo interaccedilatildeo forte o decaimento β exemplifica a interaccedilatildeo fraca a interaccedilatildeo gravitacional atua entre todas as partiacuteculas massivas e eacute a que governa o movimento dos corpos celestes

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destas interaccedilotildees o que explicaria o Universo sob uma perspectiva muito mais simples No entanto na busca por um bloco fundamental de mateacuteria percebemos que quanto mais tentamos isolaacute-los mais elementos aparecem por exemplo ao olhamos para uma moleacutecula e percebemos aacutetomos olhando para o aacutetomo percebemos eleacutetrons e nuacutecleo olhando para o nuacutecleo percebemos proacutetons e necircutrons olhando para estes percebemos os quarks e assim parece ser infinita a busca

Cada vez que aprimorarmos nossas lentes sobre o mundo encontraremos mais elementos natildeo por que eles existem por si soacute mas porque convenientemente atribuiacutemos a eles uma funccedilatildeo um significado justificando nossa percepccedilatildeo dos mesmos Eacute essa a ideia inicial para nossa proposiccedilatildeo

Se conseguimos interagir com as coisas e adjetivaacute-las como realidade eacute porque para noacutes sua existecircncia eacute conveniente A manifestaccedilatildeo dessa realidade ocorre na conveniecircncia do observador onde ele proacuteprio eacute resultado desta conveniecircncia em relaccedilatildeo a um sistema mais complexo e assim indefinidamente

Associamos essa conveniecircncia ao termo funcional pois percebemos a realidade naquilo que para noacutes eacute conveniente aquilo que para noacutes tem alguma funccedilatildeo de existir Se isso natildeo ocorrer natildeo percebemos natildeo eacute real

Esta concepccedilatildeo de realidade pautada em uma relaccedilatildeo entre observadorobservado eacute verificada tambeacutem a partir da hipoacutetese de Copenhagen2 que atribui ao ato de observar uma accedilatildeo que provoca o colapso da funccedilatildeo de onda Significa que embora antes da mediccedilatildeo o estado do sistema permita muitas possibilidades o processo de mediccedilatildeo elege apenas uma delas aleatoriamente e a funccedilatildeo de onda modifica-se para o resultado dessa escolha

A contribuiccedilatildeo da HCF eacute que consideramos que natildeo haacute aleatoriedade no colapso da funccedilatildeo de onda e sim uma funcionalidade pressuposta devido ao contexto em que a partiacutecula

2 Desenvolvida por Niels Bohr e Werner Heisenberg que trabalhavam juntos em Copenhague em 1927 Considera sem sentido perguntas como ldquoonde estava a partiacutecula antes de a sua posiccedilatildeo ter sido medida Ela defende que em Mecacircnica Quacircntica os resultados satildeo indeterminiacutesticos e que o ato de observar provoca o ldquocolapso da funccedilatildeo de onda

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se encontra As relaccedilotildees necessaacuterias agrave subsistecircncia do sistema satildeo que determinam qual ou quais qualidades da partiacutecula seratildeo mais adequadas agrave manifestaccedilatildeo

Acreditamos que os sistemas tendem a se auto organizarem para que sejam funcionais e a explicaccedilatildeo para isso eacute a conveniecircncia de sua proacutepria existecircncia A ideia da reorganizaccedilatildeo dos circuitos neurais para construir nossa percepccedilatildeo da realidade encontra na HCF um respaldo que reforccedila sua pertinecircncia uma vez que o rearranjo sinaacuteptico eacute consequecircncia da necessidade de aprimorar ou substituir funccedilotildees neurais fenocircmeno que remete agrave plasticidade cerebral base da memoacuteria e da aprendizagem

Ao considerarmos realidade como um aspecto da materialidade das coisas e essa por sua vez a consequecircncia da manifestaccedilatildeo das propriedades fundamentais das partiacuteculas entatildeo compreender tais propriedades eacute o caminho escolhido por noacutes para investigar essa relaccedilatildeo

Referenciais Teoacutericos

Em nossa revisatildeo bibliograacutefica encontramos vaacuterias definiccedilotildees e classificaccedilotildees do conceito massa Os mais comuns estatildeo associados ainda agraves concepccedilotildees de Isaac Newton em sua obra Princiacutepios Matemaacuteticos da Filosofia Natural de acordo com Castellani (2001) que incorpora a dificuldade de modificar o estado de repouso ou movimento de um objeto com sua massa a chamada Ineacutercia dos corpos Temos ainda uma associaccedilatildeo com um gradiente de energia mas mesmo na Teoria da Relatividade Geral podemos natildeo encontrar uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria para massa

Quando procuramos uma definiccedilatildeo de carga eleacutetrica encontramos os mesmos obstaacuteculos ou seja a comunidade cientifica parece direcionar a compreensatildeo de carga eleacutetrica a uma propriedade fundamental da partiacutecula ou uma qualidade da partiacutecula observada experimentalmente pelos desvios em suas trajetoacuterias quando em movimento no interior de um campo magneacutetico

Segundo Young e Freedman (2004) natildeo eacute possiacutevel especificar exatamente o que eacute a carga eleacutetrica mas eacute possiacutevel descrever seu comportamento e suas propriedades Os autores afirmam ainda que

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a carga eleacutetrica eacute uma das principais propriedades das partiacuteculas que constituem a mateacuteria tal como a massa Sobre isto (Nussenzveig 2001) afirma que a carga eleacutetrica eacute uma propriedade intriacutenseca de partiacuteculas que constituem a mateacuteria

O mundo fiacutesico como conhecemos estaacute baseado nessas duas propriedades ditas fundamentais e atribuiacutemos a noccedilatildeo de realidade agrave manifestaccedilatildeo delas ou seja eacute real aquilo que eacute sensiacutevel aos nossos sentidos e que de alguma maneira interage conosco (introspecccedilatildeo)

Sobre a realidade do mundo passamos por vaacuterios pensadores de Aristoacuteteles ateacute Heisenberg no entanto o fiacutesico teoacuterico italiano Carlo Rovelli consegue chegar bem proacuteximo de nossa expectativa acerca do mundo como construccedilatildeo mental

Em seu livro A realidade natildeo eacute o que parece (Rovelli 2017) ele discute alguns desdobramentos da mecacircnica quacircntica no sentido de que a mesma natildeo descreve os objetos como satildeo mas como acontecem e como influenciam uns nos outros O mundo real eacute o mundo das interaccedilotildees possiacuteveis onde a realidade eacute reduzida a relaccedilatildeo Segundo o autor ldquonatildeo satildeo as coisas que podem entrar em relaccedilatildeo mas satildeo as relaccedilotildees que datildeo origem agrave noccedilatildeo de coisardquo (Rovelli 2017 p113)

A mecacircnica quacircntica ainda segundo Rovelli amplia essa relatividade dizendo que todas as caracteriacutesticas (para noacutes qualidades) de um objeto soacute existem em relaccedilatildeo a outros objetos Em nosso trabalho esta relaccedilatildeo eacute a questatildeo da funcionalidade entre os integrantes do sistema

A Teoria Quacircntica coloca algumas questotildees fundamentais diante do paradigma mecanicista de Newton dentre elas duas nos chamam atenccedilatildeo O fato de que o ato de observar influencia o fenocircmeno e a outra chamada de princiacutepio da incerteza de Heisenberg diz que jamais saberemos com exatidatildeo a posiccedilatildeo e o movimento de partiacuteculas Heisenberg deixa claro que o determinismo da natureza eacute uma ilusatildeo A natureza natildeo nos fornece certezas mas probabilidades e assim sendo o mundo eacute apenas uma aproximaccedilatildeo da realidade

Foi Albert Einstein quem inicialmente questionou o caraacuteter inerentemente incerto da natureza em sua criacutetica ao indeterminismo da Teoria Quacircntica Segundo a explicaccedilatildeo para natildeo encontramos o bloco fundamental da mateacuteria natildeo eacute porque a natureza eacute probabiliacutestica

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mas porque natildeo criamos ainda um instrumento adequado para medi-la (Einstein 1936) Neste aspecto a HCF confirma o que Einstein diz jaacute que se conseguimos medir algo eacute porque atribuiacutemos a ele uma funccedilatildeo e desta forma as propriedades fiacutesicas da mateacuteria necessaacuterias agrave percepccedilatildeo satildeo manifestas natildeo porque jaacute existem mas porque eacute conveniente ao sistema que sejam medidas ou percebidas o que chamamos de realidade Essa conveniecircncia eacute um aspecto sutil natildeo atribuiacuteda especificamente a um observador mas ao sistema ao qual esteja associado

No que se refere agrave construccedilatildeo da realidade pelo indiviacuteduo consciente escolhemos a Teoria dos Construtos Pessoais do Fiacutesico Matemaacutetico e Psicoacutelogo americano George Kelly jaacute citado anteriormente Embora Kelly sustente um universo alheio ao observador a maneira como o ser se relaciona e constroacutei seu proacuteprio universo a partir da sua conveniecircncia eacute ponto chave do nosso trabalho A conveniecircncia estaacute associada agrave necessidade de previsatildeo e por consequecircncia de controle cujo intuito eacute a proacutepria manutenccedilatildeo da existecircncia O indiviacuteduo participante do sistema e consciente dele constroacutei sua proacutepria interpretaccedilatildeo do mundo a partir de suas experiecircncias e as modula de acordo com sua conveniecircncia na tentativa de preservar essa construccedilatildeo e com isso consegue atribuir a si mesmo uma funccedilatildeo

Na questatildeo da consciecircncia buscamos em David Chalmers3 que coloca a informaccedilatildeo como uma propriedade tatildeo essencial da realidade quanto a mateacuteria e a energia sendo a experiecircncia consciente uma caracteriacutestica fundamental irredutiacutevel a qualquer coisa baacutesica (Chalmers 1995)

Em (Damaacutesio 2000) a consciecircncia estaacute associada agrave capacidade de percepccedilatildeo de si e do ambiente explicando assim que a materialidade de quem observa eacute por ele manifesta de acordo com o padratildeo neural que possui de si mesmo Em outras palavras criamos a realidade e somos por ela criados compondo um sistema que se auto alimenta diante da materializaccedilatildeo do que venha a ser real

3 Professor de Filosofia Diretor do Centro de Consciecircncia na Universidade Nacional da Austraacutelia

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Desta forma podemos apenas descrever o estado do sistema em um dado ponto da linha temporal de seu desenvolvimento ressaltando eacute claro o estado presente mas podendo sim transitar entre as memoacuterias do passado e as projeccedilotildees das previsotildees futuras seguindo a linha dos construtos pessoais (Kelly 1963)

Natildeo podemos deixar de citar o fiacutesico indiano Amit Goswani4 que em seu livro ldquoO Universo Autoconscienterdquo afirma que eacute a consciecircncia que cria a mateacuteria e natildeo o oposto (Goswami 1998) Para ele a consciecircncia pode ser definida como o agente que afeta objetos quacircnticos para lhes tornar o comportamento apreensiacutevel pelos sentidos o que daacute origem ao que denominamos realidade

Para exemplificarmos um eleacutetron eacute considerado um objeto quacircntico pois seu comportamento por vezes eacute descrito como partiacutecula e por outras como onda

Para a Fiacutesica Moderna natildeo eacute possiacutevel afirmar que um objeto quacircntico se manifeste no espaccedilo-tempo ateacute que o observemos como uma partiacutecula e eacute neste ponto que Goswani (1998) afirma ser a consciecircncia o fator responsaacutevel por produzir o colapso da funccedilatildeo de onda ou em outras palavras eacute a consciecircncia que provoca a materializaccedilatildeo do observador e do objeto simultaneamente entrelaccedilados A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional complementa a afirmaccedilatildeo de Goswani ao supor que o fenocircmeno da consciecircncia surge da necessidade de quem a tenha de atribuir a si eou ao meio uma funccedilatildeo que contribui com a existecircnciamanutenccedilatildeo da rede que os conteacutem

Para discutir a questatildeo formaccedilatildeo dos sistemas natildeo apenas do ponto de vista geomeacutetrico em sua estrutura fiacutesica mas tambeacutem sob a perspectiva das organizaccedilotildees buscamos em (Debrun 1996) os conceitos de Organizaccedilatildeo e Auto-organizaccedilatildeo (AO) Para o autor uma organizaccedilatildeo ou ldquoformardquo eacute auto-organizada quando se produz a si proacutepria Debrun distingue dois tipos de Auto-organizaccedilatildeo

a) Primaacuteria ocorre quando um novo sistema se forma a partir do encontro de elementos que pertenciam a outros sistemas Ex origem da vida

4 PhD em fiacutesica quacircntica autor de inuacutemeros artigos cientiacuteficos aleacutem de pro fessor titular de fiacutesica no Instituto de Fiacutesica Teoacuterica da Universidade do Oregon

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b) Secundaacuteria ocorre em um sistema jaacute constituiacutedo quando um novo padratildeo de organizaccedilatildeo se forma a partir das interaccedilotildees entre seus componentes e com o ambiente Ex jogo de basquete

Dado que toda organizaccedilatildeo tem como base elementos discretos conveacutem apreciar que a forma auto-organizada natildeo se produz no vazio mas a partir de tais elementos Consideramos as influecircncias do meio externo como um dos fatores que desencadeiam o rearranjo sistecircmico mas este soacute ocorre mediante as relaccedilotildees entre os integrantes

Em nossa concepccedilatildeo de auto-organizaccedilatildeo natildeo haacute nenhum tipo de controle imposto pelo meio na configuraccedilatildeo do sistema cujo uacutenico intuito eacute a subsistecircncia do todo O proacuteprio sistema reconhece o meio e consequentemente cria a demanda de reestruturaccedilatildeo Isto ocorre porque eacute na necessidade de refletir sobre as relaccedilotildees novas e antigas entre os integrantes do sistema que eacute pautada a existecircncia do mesmo

Se aplicarmos a hipoacutetese em nosso cotidiano podemos dizer que os problemas que surgem no dia a dia servem apenas para atribuir a noacutes mesmos a funcionalidade de sua resoluccedilatildeo ou seja criamos os problemas para que convenientemente o sistema nos confira uma funccedilatildeo e desta forma possamos pertencer a ele

O fenocircmeno da auto-organizaccedilatildeo tambeacutem eacute discutido por (Prigogine amp Glansdorff 1971)5 a partir da segunda lei da termodinacircmica e mostra que ele gera estruturas dissipativas criadas e mantidas atraveacutes de trocas de energia com o meio externo em condiccedilotildees de natildeo-equiliacutebrio Estas estruturas dissipativas satildeo dependentes de uma nova ordem denominada pelos autores de ordem por flutuaccedilotildees Nestes processos auto-organizadores a estrutura eacute mantida por meio de dissipaccedilotildees energeacuteticas na qual a energia se desloca gerando simultaneamente a estrutura atraveacutes de um processo contiacutenuo Se as flutuaccedilotildees satildeo pequenas o sistema as acomoda natildeo modificando a sua estrutura organizacional mas se as flutuaccedilotildees atingem um tamanho criacutetico desencadeiam um desequiliacutebrio no sistema ocasionando novas interaccedilotildees e

5 Ilya Prigogine quiacutemico russo naturalizado belga Recebeu o Nobel de Quiacutemica de 1977 pelos seus estudos em termodinacircmica de processos irreversiacuteveis com a formulaccedilatildeo da teoria das estruturas dissipativas

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reorganizaccedilotildees intra-sistecircmicas Os antigos modelos interagem entre eles de novas maneiras e estabelecem novas conexotildees As partes se reorganizam em um novo todo e o sistema alcanccedila uma ordem mais elevada

Note que os autores envolvem o ambiente a partir da necessi-dade de troca energeacutetica com os constituintes do sistema e natildeo como elemento influenciador do processo de auto-organizaccedilatildeo Para o nosso estudo essa nova ordem sistecircmica eacute que determina a materialidade funcional e consequentemente qual ou quais propriedades da partiacutecula deveratildeo se manifestar de acordo com sua conveniecircncia

Desenvolvimento

A Proposta

Se a materialidade das coisas eacute atribuiacuteda pelo emaranhado composto pelo observador observado e ambiente e que a necessidade de funcionalidade determina a manifestaccedilatildeo das propriedades fundamentais propomos que a realidade seja uma consequecircncia da conveniecircncia funcional deste sistema onde as relaccedilotildees eacute que satildeo determiniacutesticas e natildeo os objetos O proacuteprio sistema cria e eacute criado a todo instante diante de uma uacutenica proposiccedilatildeo associar-se para existir

Essa conveniecircncia eacute ratificada por exemplo quando acreditamos na continuidade dos objetos que percebemos em nosso redor Na verdade as imagens formadas em nossa retina persistem no local em torno de 01s ateacute que se possa receber outro estimulo visual ou seja aquilo que acreditamos ser continuo na verdade eacute fragmentado

Se tiveacutessemos que lidar com a consciecircncia dessa fragmentaccedilatildeo isso levaria todo o sistema a um colapso de energia (Kist amp Garattoni 2012) Para evitar isso eacute conveniente ao organismo que o ceacuterebro atue na complementaccedilatildeo das lacunas visuais na formaccedilatildeo de imagens com uma memoacuteria experiencial similar da situaccedilatildeo Eacute necessaacuteria uma modulaccedilatildeo das estruturas que compotildeem a percepccedilatildeo da realidade para que o sistema continue funcional e que o Todo se torne mais importante que as partes

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Sob a mesma lente na tentativa de compreender o Universo como um sistema funcional criamos as interaccedilotildees fundamentais para que separadamente pudeacutessemos dar conta de uma descriccedilatildeo apropriada a cada contexto observado ou seja criamos a ideia de que estas interaccedilotildees existem por serem inerentes agrave natureza pois esquecemos que elas surgem quando tentamos delimitar um fenocircmeno

A tentativa de isolarmos determinado evento para simplificar sua compreensatildeo tem como consequecircncia o aparecimento de qualidades decorrentes da separaccedilatildeo Precisamos entender que a atitude de delimitaccedilatildeo eacute possiacutevel mas sempre tendo em mente que algumas variaacuteveis surgem natildeo por serem intriacutensecas ao objeto de estudo mas resultado desta delimitaccedilatildeo Eacute como se imaginaacutessemos uma rede sendo rompida e as pontas soltas satildeo anaacutelogas as variaacuteveis que surgem mas que ao retomar suas conexotildees desaparecem reorganizando a formaccedilatildeo do Todo ou seja de uma rede iacutentegra novamente

Natildeo haacute motivo para descrevermos o Universo em versotildees de massa carga cor ou sabor Estas qualidades satildeo suprimidas quando equacionarmos a associaccedilatildeo o que significa que natildeo precisamos entender o que eacute massa para descrever a accedilatildeo gravitacional mas compreender qual a funccedilatildeo da massa dentro do contexto nem do caraacuteter carga eleacutetrica mas da funccedilatildeo carga e assim sucessivamente

De acordo com a HCF a realidade do Universo eacute consequecircncia de sua funcionalidade e a incerteza bem como as propriedades fundamentais da mateacuteria satildeo recursos necessaacuterios para convenientemente expandir os limites de suas funccedilotildees A expansatildeo do Universo eacute a ampliaccedilatildeo de seus atributos funcionais justamente porque tentamos medi-lo e ao fazecirc-lo oferecemos a ele mais uma funccedilatildeo Isso tambeacutem se aplica a existecircncia dos quarks e outras subpartiacuteculas

A natureza pode ser descrita por sua conveniente funccedilatildeo sendo as propriedades fundamentais da mateacuteria apenas traccedilos elegantes decorrentes da criaccedilatildeo de subsistemas (rupturas do todo) e cuja percepccedilatildeo se natildeo considerarmos o contexto revela apenas versotildees aproximadas de sua existecircncia A partir disso a busca por uma

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unificaccedilatildeo se torna inoacutecua ao inveacutes disso temos outro desafio que eacute descobrir o referencial ao qual tal manifestaccedilatildeo eacute funcional

As coisas satildeo o que satildeo e estatildeo onde estatildeo porque para algueacutem ou algo aquela situaccedilatildeo eacute convenientemente funcional que assim sejam e estejam Assim podemos apenas refletir e compreender que podem ser e podem estar e que natildeo haacute essecircncia em ser e estar

Para ajudar na compreensatildeo dessa proposta reunimos algumas informaccedilotildees jaacute aceitas pelo paradigma cientiacutefico atual direta ou por consequecircncia sob forma de postulados

I A existecircnciarealidade eacute funccedilatildeo direta da observaccedilatildeo Efeito Zeno Quacircntico (Patil Chakram amp Vengalattore 2015)

II A observaccedilatildeo nunca eacute isenta de motivaccedilatildeo A utilidade e a funccedilatildeo (Araujo 2006)

III A Forma eacute uma qualidade de partiacuteculas que agrega funcionalidade tal qual a massa e carga eleacutetrica

Assim a propriedade massa ocorre quando a funccedilatildeo de ser mateacuteria (interaccedilotildees gravitacionais e inerciais) eacute mais conveniente Por exemplo uma pessoa que deseja sentar busca ao seu redor uma cadeira Se no ambiente houver alguma probabilidade de partiacuteculas formarem um sistema que tem por funccedilatildeo ser uma cadeira a qualidade massa daquelas partiacuteculas que constituem o sistema se manifesta no campo de probabilidade local

A carga eleacutetrica tambeacutem se manifesta quando as interaccedilotildees eletromagneacuteticas satildeo mais convenientes como exemplo a repulsatildeo eleacutetrica entre as eletrosferas dos aacutetomos da cadeira e da pessoa jaacute que a repulsatildeo eletromagneacutetica eacute cerca de 1040 vezes mais intensa que a atraccedilatildeo gravitacional evita-se desta forma que a pessoa atravesse a cadeira possibilitando exercer a funccedilatildeo de acondicionar algueacutem sentado

Propomos que tal qual a massa e a carga eleacutetrica o arranjo das partiacuteculas mediante sua funccedilatildeo dentro do contexto eacute uma propriedade fundamental da mateacuteria e como tal deve ser considerada como variaacutevel sistecircmica que tem como premissa representar a relaccedilatildeo

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entre observador e observado em sua disposiccedilatildeo espaccedilo-temporal6 ou melhor dizendo em sua predisposiccedilatildeo espaccedilo-temporal

De certa forma enquanto natildeo for funcional para o sistemarede tudo eacute uma questatildeo de potencial (probabilidade) e a partir daiacute a concepccedilatildeo de onda de probabilidade faz sentido pois elimina a necessidade de atribuirmos inerecircncia agraves coisas

Incorporamos assim o fato de que se de alguma forma um elemento for uacutetil (funcional) as propriedades da mateacuteria se manifestam se natildeo fica na forma de potencial criando a partir do observador consciente um campo de possibilidades

No que diz respeito a este observador ele soacute eacute parte integrante de um sistema se sua funccedilatildeo integrativa contribuir para a subsistecircncia do todo Eacute essa funccedilatildeo integrativa ou seja a dependecircncia entre os constituintes da rede que de forma hieraacuterquica elege uma entre tantas possibilidades descritas na funccedilatildeo de onda explicando desta forma porque indiviacuteduos diferentes manifestam a mesma realidade Caso um deles manifeste algo diferente este evento natildeo contribui para a formaccedilatildeo do grupo Aquele que natildeo comunga da mesma manifestaccedilatildeo se exclui

A maior probabilidade no colapso da funccedilatildeo de onda natildeo eacute uma caracteriacutestica intriacutenseca ao ambiente ou especificamente do observador mas uma necessidade do conjunto que os envolve ao qual denominamos rede ou sistema

Participar de um grupo ou arranjo parece ser mais vantajoso em termos de subsistecircncia do que permanecer isolado jaacute que um conjunto do ponto de vista organiacutesmico possui propriedades especificas que isolados seus integrantes natildeo tecircm Como contempladores da realidade que somos fazemos isso a todo instante criando oportunidades sobrepostas a oportunidades e se acercando delas na tentativa de evitar o risco de natildeo ter funccedilatildeo o que estaacute atrelado agrave inexistecircncia

6 Sistema de coordenadas utilizado como base para o estudo da relatividade restrita e relatividade geral O tempo e o espaccedilo tridimensional satildeo concebidos em conjunto como uma uacutenica variedade de quatro dimensotildees a que se daacute o nome de espaccedilo-tempo Um ponto no espaccedilo-tempo pode ser designado como um ldquoacontecimentordquo Cada acontecimento tem quatro coordenadas (t x y z) ou em coordenadas angulares t r θ e φ que dizem o local e a hora em que ele ocorreu ocorre ou ocorreraacute

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Desta maneira este arranjo denominado por noacutes como Forma possui as mesmas atribuiccedilotildees das grandezas fiacutesicas descritas como massa e carga desde suas transmissotildees via campo ateacute sua mediaccedilatildeo como partiacutecula

Forma uma Questatildeo Ontoloacutegica

De acordo com o contexto Forma pode ser empregada em diversas s i tuaccedilotildees Seu uso comum serve para demonstrar uma f igura externa de um material soacutelido Eacute por isso que podemos classificar os diferentes objetos em quadrados esferas ciacuterculos entre outros Neste sentido a classificaccedilatildeo das formas se refere agraves formas geomeacutetricas Por outro lado o conceito de forma estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo das coisas em nossa mente A maneira como algo eacute estabelecido ou entatildeo o modo como eacute feito tambeacutem eacute conhecido como forma

Segundo a metafiacutesica aristoteacutelica mateacuteria e forma satildeo princiacutepios distintos mas absolutamente complementares (Zingano 2003) A mateacuteria se define por aquilo que uma coisa existe ou quando algo for feito e representa a essecircncia da substacircncia Por exemplo se uma mesa foi feita de pedra sendo esta sua principal substacircncia a pedra eacute por natureza o fundamento da essecircncia eacute a mateacuteria Por outro lado a mesa ao ser feita adquiriu um determinado modelo eacute justamente essa determinaccedilatildeo que se entende por forma Entatildeo a forma faz com que uma coisa seja isso ou aquilo e seu aspecto referencial eacute meramente acidental e natildeo substancial

Mas a que serve a natureza da mesa (pedra) Sua funcionalidade (forma) parece ser mais uacutetil pois se pensarmos em apoiar pratos ou panelas efetivamente natildeo importa se a mesa eacute de pedra ou madeira Entendemos claramente que o conjunto de peacutes e tampo juntos eacute mais efetivo do que separados uma vez que se estivessem simplesmente amontoados natildeo teriam a forma de mesa e portanto sem funccedilatildeo No entanto de acordo com nossa premissa se de alguma maneira interagirmos com os mesmos tornam-se potenciais de ser mesa (funccedilatildeo) o que de maneira consciente passam a ser realidade

A forma parece mais sutil do que a essecircncia Tatildeo sutil e imaterial a ponto de natildeo ser sensiacutevel aos sentidos Ela surge em nossa mente

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e natildeo requer nada material exceto uma experiecircncia anterior daquilo que supostamente como no exemplo chamamos de mesa Sendo assim sobre sua propagaccedilatildeo jaacute que natildeo arrasta mateacuteria pode ser transmitida como onda tal qual a luz Mas a luz em sua propagaccedilatildeo eacute uma interaccedilatildeo de campos eleacutetrico e magneacutetico entatildeo talvez a Forma tambeacutem possa se propagar da mesma maneira Um campo que transporta a forma que daacute origem a ela quando as partiacuteculas que satildeo por ele sensibilizadas se encontram em seu interior um campo MORFO (forma) GENETICO (radical indo-europeu gen-gne- nascer gerar) um campo que gera a forma

Como em nossa proposta colocamos a Forma como uma qualidade da partiacutecula tal qual a massa e a carga eleacutetrica e ainda lembrando que essas qualidades satildeo propagadas atraveacutes de seus respectivos campos recorremos ao trabalho do bioacutelogo Rupert Sheldrake7 (1981) sobre campos morfogeneacuteticos Segundo ele

Eles satildeo campos natildeo fiacutesicos que exercem influecircncia sobre sistemas que apresentam algum tipo de organizaccedilatildeo inerente Todas estas coisas satildeo organizadas por si mesmas Um aacutetomo natildeo tem que ser criado por algum agente externo ele se organiza soacuterdquo ldquoEsta teoria trata sistemas naturais auto-organizados e a origem das formas E eu assumo que a causa das formas eacute a influecircncia de campos organizacionais campos formativos que eu chamo de campos moacuterficos A caracteriacutestica principal eacute que a forma das sociedades ideias cristais e moleacuteculas dependem do modo em que tipos semelhantes foram organizados no passado Haacute uma espeacutecie de memoacuteria integrada nos campos moacuterficos de cada coisa organizada Eu concebo as regularidades da natureza como haacutebitos mais que por coisas governadas por leis matemaacuteticas eternas que existem de algum modo fora da natureza (Sheldrake 1981)

Reconhecemos a contribuiccedilatildeo do autor nesta nova perspectiva sobre os Campos Morfogeneacuteticos no entanto em nosso trabalho noacutes os consideramos como campos fiacutesicos e acreditamos que seu tratamento formal deveraacute seguir os mesmos moldes dos campos gravitacional e eleacutetrico Se cada qualidade da partiacutecula (massa e carga) desenvolve seu proacuteprio campo a Forma natildeo deve ser diferente

7 Bioacutelogo bioquiacutemico parapsicoacutelogo escritor e palestrante inglecircs mais conhecido por sua teoria da morfogecircnese Pesquisador em bioquiacutemica e fisiologia vegetal descobriu junto com Philip Rubery o mecanismo de transporte da auxina

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A analogia dos campos morfogeneacuteticos com os campos fiacutesicos estaacute em sua existecircnciacomprovaccedilatildeo uma vez que o campo gravitacional soacute eacute observaacutevel em seus efeitos sobre partiacuteculas dotadas de massa assim como o campo eletromagneacutetico soacute eacute comprovado por seu efeito sobre cargas eleacutetricas propomos que o campo morfogeneacutetico tenha seu efeito observado sobre a Forma das partiacuteculas Se a mudanccedila no comportamento de partiacuteculas dotadas de carga eou massa quando imersas em seus respectivos campos ratifica a existecircncia desses campos a modificaccedilatildeo na Forma ou organizaccedilatildeo das mesmas tambeacutem comprovaria a existecircncia dos campos morfogeneacuteticos

De acordo com nosso terceiro postulado8 o conceito de campo morfogeneacutetico bem como sua comprovaccedilatildeo fica atrelado agrave causa da forma dos sistemas e sua influecircncia tem por si soacute maior ou menor intensidade de acordo com a necessidade eou importacircncia que a organizaccedilatildeo da particulasistema tem em relaccedilatildeo ao contexto

Entendemos tambeacutem que o aspecto final de um agrupamento pode ser representado em funccedilatildeo de sua estabilidade mecacircnica funcional (massa) estabilidade eletromagneacutetica (carga eleacutetrica) ou ainda estabilidade organizacional (forma) dependendo na necessidade de subsistecircncia do sistema em sua conexatildeo com o ambiente

Essa necessidade natural dos sistemas em se acomodar diante das variaccedilotildees do ambiente eacute melhor compreendida se lanccedilarmos matildeo do conceito de auto-organizaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo e Auto-Organizaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo do grego organon eacute uma palavra relacionada a agrupamentos que tendo elementos (composiccedilatildeo) juntos (conectividade) se constroem (estrutura) formando nuacutecleos subsistemas (Integralidade) que permitem desta maneira o surgimento de funccedilotildeespropriedades singulares ao conjunto (Funcionalidade)

8 A Forma eacute uma qualidade dos sistemas que agrega funcionalidade tal qual a massa e carga eleacutetrica

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 95

Graccedilas agrave organizaccedilatildeo um sistema assume propriedades que natildeo podem ser encontradas nas entidades isoladas ou mesmo na simples reuniatildeo delas Quando um elemento externo ao sistema provoca a reuniatildeo das partes entendemos que o evento ocorre a custas de um fornecimento de energia e desta maneira temos uma organizaccedilatildeo forccedilada cuja manutenccedilatildeo remete agrave instabilidade (Figura 1)

A probabilidade das bolas se organizarem em uma pilha eacute muito pequena sugerindo entatildeo que algueacutem (elemento externo) faccedila isso ou seja algueacutem forneceu energia para que o sistema se organizasse daquela maneira Observemos ainda que o conjunto possui uma energia potencial devido agrave sua organizaccedilatildeo No entanto quando um sistema eacute sujeito a um estimulo (ruiacutedo) miacutenimo externo (algueacutem tira uma bola da base) este se acomoda de maneira mais estaacutevel (Figura 2) o que eacute comum estar associado a uma desorganizaccedilatildeo que indica um grau mais alto de entropia

Organizado Instaacutevel

Figura 1 Fonte httpsptdreamstimecomfoto-de-stock-equipamento-de-esporte-das-bolas-de-tC3AAnis-no-fundo-branco-image94280211

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Desorganizado Estaacutevel

Figura 2 Fonte httpsbrdepositphotoscom90881494stock-photo-basket- of-tennis-balls-scatteredhtml

Quando isso ocorre o sistema libera energia ao meio externo (Figura 3) e eacute nesse contexto que o ser humano demonstra sua maior habilidade que eacute reconhecer as transformaccedilotildees de energia e utilizaacute-las em seu benefiacutecio pois compreende que ao observar a tendecircncia dos sistemas agrave desorganizaccedilatildeo pode usufruir da energia liberada a seu favor

Verificamos que a maneira como o sistema se estabiliza parece desorganizado no entanto se prestarmos um pouco mais de atenccedilatildeo perceberemos que de todas as possibilidades de desorganizaccedilatildeo uma em especial foi escolhida Eacute como se os integrantes do sistema produzissem o resultado final de acordo com a necessidade de adaptaccedilatildeo ao ambiente para atingir sua estabilidade

Nesse contexto entendemos que a desorganizaccedilatildeo de um sistema eacute o resultado de um processo de auto-organizaccedilatildeo ou seja um evento espontacircneo natildeo aleatoacuterio e com a caracteriacutestica de que a repeticcedilatildeo aumenta sua recorrecircncia

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 97

Ao se desorganizar o sistema liberaenergia ao meio como uma queda

dacuteaacutegua fornece eletricidade

SISTEMA

O sistema recebe energia do meioexterno para se organizar

DesorganizadoEstaacutevel

OrganizadoInstaacutevel

Figura 3 Fonte Do autor

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Um sistema para ser auto-organizado tem algumas caracteriacutesticas especiacuteficas que definem para noacutes as condiccedilotildees fundamentais para o surgimento das propriedades fiacutesicas da mateacuteria Satildeo elas

bull Redundacircncia Estrutural Eacute a repeticcedilatildeo dos elementos baacutesicos constituintes

bull Redundacircncia Funcional Semelhanccedila entre os processos executados

bull Adaptaccedilatildeo Funcional Capacidade do sistema de deslocar e distribuir funccedilotildees

bull Confiabilidade Sistemaacutetica Quando sistemas altamente complexos possuem as trecircs primeiras caracteriacutesticas eles adquirem a capacidade de aceitar um certo niacutevel de intromissatildeo (ruiacutedodesordem) em sua organizaccedilatildeo sem que a estrutura entre em colapso Na verdade o sistema utiliza esse fator de desequiliacutebrio como elemento de complexificaccedilatildeo para que se auto organize em um niacutevel superior de estabilidade o que chamamos de evoluccedilatildeo

Eacute como se o sistema ao evoluir incorporasse outros subsistemas causadores de tais interferecircncias ampliando sua rede e de certa maneira garantindo sua existecircncia Somente pela auto-organizaccedilatildeo eacute possiacutevel promover essa independecircncia pois a organizaccedilatildeo exige de um elemento externo sempre uma certa quantidade de energia para manter seu status de detentor da ordem

Como dissemos anteriormente uma Forma eacute dita auto-organizada quando se produz a si proacutepria o que significa apresentar a capacidade de criar padrotildees de comportamentos natildeo previsiacuteveis descentralizados e em alguns casos de crescente adaptaccedilatildeo Uma vez auto-organizado sistemas semelhantes teratildeo mais chances de repetir a mesma configuraccedilatildeo o que explicaria a memoacuteria integrada nos campos moacuterficos no trabalho de Sheldrake (1981) quando ele cita a cristalizaccedilatildeo espontacircnea de substacircncias

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 99

A competiccedilatildeo entre as formas pode ser explicada pela estabilidade termodinacircmica no entanto a transmissatildeo dessa informaccedilatildeo fica a criteacuterio da ressonacircncia moacuterfica9

Outros exemplos de comparaccedilatildeo entre sistemas organizados e auto-organizados mais tangiacuteveis agrave nossa experiecircncia cotidiana satildeo os semaacuteforos e rotatoacuterias Um conjunto de semaacuteforos (organizado) regula o tracircnsito em um cruzamento

Jaacute as rotatoacuterias (auto-organizado) a decisatildeo de passar esperar eacute transferida para os proacuteprios motoristas (internos ao sistema) Os mesmos orientar-se-atildeo por algumas regras simples internas que iratildeo determinar quando eacute permitido entrar na rotatoacuteria

Para que ocorra a manutenccedilatildeo do sistema a auto-organizaccedilatildeo acaba por determinar qual ou quais propriedades sistecircmicas seratildeo mais apropriadas agrave manifestaccedilatildeo Em alguns casos natildeo satildeo os estados de menor energia as melhores opccedilotildees por vezes a necessidade da forma supera a estabilidade energeacutetica Um exemplo disso eacute a aacutegua cuja moleacutecula possui geometria angular porque o aacutetomo central (oxigecircnio) tem dois pares de eleacutetrons natildeo ligantes

H H

H HH H

OO

104rsquo5ordm

Foacutermulaeletrocircnica

da aacutegua

4 nuvenseletrocircnicas Geometria

angular

Fonte httpsmundoeducacaoboluolbrquimicadeterminacao-geometria-molecularhtm

9 O conhecimento adquirido por um conjunto de indiviacuteduos agrega-se ao patrimocircnio coletivo provocando um acreacutescimo de consciecircncia que passa a ser compartilhado por toda a espeacutecie E esse processo de coletivizaccedilatildeo da informaccedilatildeo foi denominado por Sheldrake de ldquoressonacircncia moacuterficardquo Eacute atraveacutes dela que as informaccedilotildees se propagam no interior do campo moacuterfico alimentando uma espeacutecie de memoacuteria coletiva

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Supondo que a moleacutecula de aacutegua tivesse o formato linear isso satisfaria a repulsatildeo eleacutetrica e a estabilidade estrutural No entanto a aacutegua na forma linear seria considerada apolar sendo classificada como um gaacutes nas CNTP10 A substacircncia natildeo faria ligaccedilatildeo de hidrogecircnio natildeo se associaria e toda vida que conhecemos hoje natildeo existiria uma vez que a mesma supostamente surgiu na aacutegua em seu estado liacutequido

Entendemos que a Teoria da Repulsatildeo dos pares de eleacutetrons da camada de valecircncia explica de maneira cabal a geometria da moleacutecula dado que a repulsatildeo entre pares natildeo-ligantes eacute maior que entre ligantes mas isso eacute a explicaccedilatildeo partindo da preacute-existecircncia das qualidades massa e carga eleacutetrica de seus constituintes O que estamos propondo eacute que a conveniecircncia funcional desta geometria eacute anterior agrave manifestaccedilatildeo de tais propriedades A Forma (a auto-organizaccedilatildeo) se torna mais importante que a configuraccedilatildeo de miacutenima energia para que toda vida sistecircmica seja materializada

Ressaltamos que a persistecircncia na formaccedilatildeo de moleacuteculas de aacutegua eacute mais um exemplo de repeticcedilatildeo de padrotildees formativos que Sheldrake (1981) chama de ressonacircncia moacuterfica e continua ocorrendo para sustentar a vida funccedilatildeo maior do sistema Se ampliarmos nossa atenccedilatildeo e se pudermos romper com o paradigma que manteacutem a moleacutecula de aacutegua com angular e ainda soacute por um momento considerarmos a possibilidade de uma nova geometria perceberemos que a forma da mesma natildeo eacute inerente a ela mas resultado das infinitas vezes que o evento ocorreu e por isso tem muito mais possibilidade de continuar ocorrendo

Essa recorrecircncia faz com que interpretemos de forma ilusoacuteria que a moleacutecula de aacutegua seja estaacutevel e natural acreditando como consequecircncia que ela existe independente de noacutes Insistimos em dizer que ela soacute eacute assim porque eacute conveniente ao sistema que assim seja e que nossa interaccedilatildeo a faz real

10 As condiccedilotildees normais de temperatura e pressatildeo (cuja sigla eacute CNTP no Brasil) referem-se agrave condiccedilatildeo experimental com temperatura e pressatildeo de 27315 K (0 degC) e 101 325 Pa (101325 kPa = 101325 bar = 1 atm = 760 mmHg) respectivamente Esta condiccedilatildeo eacute comumente empregada para medidas de gases em condiccedilotildees atmosfeacutericas (ou de atmosfera padratildeo)

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A todo momento aacutetomos surgem eleacutetrons preenchem as mesmas oacuterbitas ao redor do nuacutecleo aacutetomos se combinam repetidamente para produzir as mesmas formas moleculares Essa repeticcedilatildeo pode ser explicada natildeo porque existem leis fiacutesicas imutaacuteveis que determinam formas eternas mas por conta de uma influecircncia de causa formativa anterior ou seja o campo morfogeneacutetico de sistemas passados aumenta a possibilidade de formas futuras se manifestarem

Uma das consequecircncias de nossa hipoacutetese seria fato de que se todas as propriedades ditas fundamentais ateacute agora sejam resultado da conveniecircncia funcional o tempo seria a uacutenica medida verdadeiramente inerente agrave realidade

A HCF nas Relaccedilotildees Sociais

No acircmbito da convivecircncia entre indiviacuteduos partimos da premissa de que o ser humano tem a tendecircncia a se agrupar se associar Essa tendecircncia provavelmente tem origem na intuiccedilatildeo de que ao formar grupos teremos maior chance de sobreviver agraves influecircncias externas Desta forma quando compartilhamos de uma mesma realidade temos a possibilidade de nos conectar a partir dela ou seja temos algo em comum que nos motiva a formar um grupo (um sistema) Quanto mais pontos em comum tivermos mais forte nossas conexotildees

Vamos voltar ao exemplo da cadeira onde a conveniecircncia de um observador em encontrar um objeto que tenha a funccedilatildeo de acomodaacute-lo sentado faz com que se manifeste massa e carga eleacutetrica nas partiacuteculas que podem a partir do seu campo produzir a materializaccedilatildeo de uma cadeira Outro indiviacuteduo pode percebecirc-la tambeacutem talvez natildeo para sentar mas para compartilhar da mesma conveniecircncia criando uma experiecircncia em comum e consequentemente a possibilidade de associaccedilatildeo Temos entatildeo uma explicaccedilatildeo bastante simples sobre o motivo de indiviacuteduos diferentes produzirem a mesma realidade Isso ocorre porque o objeto em si natildeo eacute o elemento mais importante e sim o fato de que sua realidade seja compartilhada com outro constituinte do sistema Eacute a associaccedilatildeo gerada pelo compartilhamento desta manifestaccedilatildeo que os mantecircm em conexatildeo garantindo aos integrantes uma funcionalidade que eacute a razatildeo de sua existecircncia

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Entendemos que a materialidade natildeo eacute algo intriacutenseco mas resultado da necessidade de associaccedilatildeo Desta maneira tal qual um arranjo molecular todo sistema social eacute pautado nessa concepccedilatildeo uma vez que criamos grupos porque comungamos de uma mesma conveniecircncia A existecircncia de um evento comum eacute sustentada pela necessidade de manter o grupo A crenccedila compartilhada de que algo exista fornece uma qualidade que sustenta o sistema natildeo pela existecircncia do objeto ou evento propriamente dito mas pelo agrupamento motivado por esta crenccedila

A partir deste momento para manter a associaccedilatildeo cada elemento toma para si uma funccedilatildeo baseada em sua proacutepria conveniecircncia e constroacutei sua proacutepria concepccedilatildeo de universo A manutenccedilatildeo das conexotildees garante sua importacircncia diante do sistema por ele criado Eacute por isso que o indiviacuteduo desenvolve seus valores e prerrogativas sempre na tentativa de sustentar seu mundo Esta atitude eacute uma maneira de garantir o controle das interaccedilotildees que ele manteacutem com o sistema

Estar consciente de sua funccedilatildeo frente a uma determinada organizaccedilatildeo eacute o maior desafio do indiviacuteduo Um mesmo indiviacuteduo pode participar de sistemas diferentes com funccedilotildees diferentes por exemplo no trabalho ele pode ser um teacutecnico em informaacutetica em casa ser pai na escola ser professor ou aluno

Natildeo haacute uma essecircncia uacutenica e sim uma habilidade fantaacutestica de modular funccedilotildees no entanto esta habilidade passa despercebida pela maioria das pessoas que acreditam ter uma soacute face uma base primordial soacute que na verdade temos muacuteltiplas faces Ao assumir que possuiacutemos uma essecircncia rejeitamos o exerciacutecio de modularmos nossas funccedilotildees em prol de uma busca quixotesca de nosso bloco fundamental tal qual a ciecircncia o fez sem sucesso Essa postura de dizer que nossa essecircncia permite ou natildeo tal coisa eacute uma maneira de terceirizar nossa responsabilidade diante das nossas relaccedilotildees

A manutenccedilatildeo destas relaccedilotildees exige adaptaccedilotildees funcionais pois caso um dos integrantes natildeo consiga mais executar dada funccedilatildeo outros poderatildeo exercecirc-la (anaacutelogo agrave plasticidade cerebral) Para responder a um certo niacutevel de interferecircncia o sistema entra em um movimento auto-organizativo onde eacute necessaacuterio por vezes uma

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adaptaccedilatildeo na execuccedilatildeo de tarefas o que chamamos anteriormente de redundacircncia funcional

A partir desta necessidade sistecircmica os integrantes tecircm duas possibilidades promover conscientemente esta modulaccedilatildeo funcional e o conjunto evolui ou insistir em manter a mesma funccedilatildeo o que significa buscar outro sistema para exercecirc-la

A insistecircncia em manter a mesma funccedilatildeo eacute causada pela estabilidade energeacutetica e sendo assim desprovidos desta reflexatildeo indiviacuteduos que natildeo desenvolvem essa habilidade preferem mudar de ambiente a modular suas funccedilotildees As vezes essa falta de percepccedilatildeo eacute tamanha que o indiviacuteduo natildeo se encaixa em nenhum outro sistema perdendo efetivamente sua funccedilatildeo e consequentemente sua importacircncia e razatildeo de existir A hipoacutetese vem mostrar que como qualquer conjunto de elementos noacutes como seres sociais fazemos essas adaptaccedilotildees a todo momento A crenccedila em uma uacutenica funccedilatildeo eacute o que determina o individualismo e atribui ao elemento uma importacircncia intriacutenseca que ele verdadeiramente natildeo tem exatamente da mesma forma que atribuiacutemos qualidades intriacutensecas agrave mateacuteria

Na verdade quando uma ou mais qualidades se manifestam naquele lapso temporal elas satildeo uacutenicas e isto faz com que acreditemos que sejam inerentes mas soacute o satildeo diante da necessidade daquele instante

Consideraccedilotildees Finais

O intuito do trabalho foi sugerir argumentos que permitam uma descriccedilatildeo da realidade vinculada agrave necessidade de associaccedilatildeo e formaccedilatildeo de sistemas fiacutesicos

A percepccedilatildeo da realidade eacute resultado de um processo auto organizativo das redes neurais desencadeada por elementos influenciadores que podem ser captados por nossos sentidos ou estimulados diretamente em vias corticais

A HCF revela que importacircncia da associaccedilatildeo natildeo deve ser considerada apenas como requisito de nossa construccedilatildeo da realidade mas sugere que todas as manifestaccedilotildees daquilo que entendemos

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como propriedades intriacutensecas da mateacuteria satildeo resultados desta necessidade de formaccedilatildeo de sistemas

Tais propriedades dependem do seu estado peculiar de associaccedilatildeo e manifestam-se naquilo que for mais funcional e portanto mais conveniente agrave formaccedilatildeo de sistemas Desta maneira propomos que a funcionalidade seja a causa do arranjo espaccedilo-temporal (Forma) de um conjunto de partiacuteculas e que a predisposiccedilatildeo deste arranjo seja considerada uma propriedade das mesmas tal qual a massa carga eleacutetrica cor sabor

Na verdade intuiacutemos que estas propriedades satildeo recursos que a partiacutecula desenvolve para se associar e assim sendo natildeo satildeo proacuteprias da partiacutecula mas resultado de suas conexotildees Sob esta perspectiva as qualidades da mateacuteria satildeo criadas mediante a necessidade de se auto-organizar em um arranjo funcional no contexto do sistema no qual observador e observado integram o que chamamos de realidade A uacutenica propriedade fundamental do sistema seja ele constituiacutedo por partiacuteculas ou pessoas eacute a associaccedilatildeo o arranjo a auto-organizaccedilatildeo que em nosso trabalho denominamos de Forma

A causaccedilatildeo formativa (campo moacuterfico) parece se antecipar a todas as propriedades da mateacuteria desmistificando a inerecircncia das mesmas e vinculando-as a conveniecircncia funcional Daiacute o nome de Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional A existecircncia estaacute no funcional e a realidade encontra-se na conveniecircncia do sistema

A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria | 105

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As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Uma coleccedilatildeo de anotaccedilotildees e cartas escritas por pessoas prestes a serem executadas apoacutes serem acusadas de ajudar judeus a sobreviver no decorrer da segunda guerra mundial mostra algo interessante Todos os relatos escritos por pessoas com muita feacute ou crianccedilas apresentam uma semelhanccedila entre si (de esperanccedila talvez) exceto pelo relato de um homem ateu de dezenove anos que se envolvera com o movimento de resistecircncia em busca de aventura Suas cartas diferiam de todas as outras pois ele era o uacutenico que tinha medo da morte (Mlodinow 2012)

Aparentemente a maioria dos seres humanos eacute constituiacuteda para acreditar que a morte natildeo eacute o final da existecircncia Isso nos eacute inerente considerando que eacute muito difiacutecil conceber que um dia simplesmente ldquodeixaremos de existirrdquo Provavelmente a maioria tambeacutem haacute de concordar que tudo aquilo que vivenciamos no decorrer da vida (pensamentos sensaccedilotildees lembranccedilas sonhos emoccedilotildees e outros) devemos agrave atividade cerebral

Todavia muita gente acredita que embora relacionada ao ceacuterebro a ldquomenterdquo poderia existir de forma independente de sua atividade possuindo um aspecto ldquoeteacutereordquo ou ldquodivinordquo que lhe possibilitaria sobreviver apoacutes a morte encefaacutelica Ou seja Deus criou

Autor para correspondecircncia jlucianotavares

gmailcom

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o ceacuterebro e a mente que satildeo relacionados entre si mas apenas ateacute certo ponto

Para as neurociecircncias no entanto a coisa natildeo eacute bem assim Natildeo foi Deus quem criou o ceacuterebro mas sim o ceacuterebro quem criou Deus Ou seja a religiosidade e crenccedila na vida apoacutes a morte nada mais eacute que um subterfuacutegio criado pelo ceacuterebro para nos consolar frente ao fim inevitaacutevel

De forma semelhante ao fato de todas as culturas demonstrarem propensatildeo para desenvolver um idioma todas demonstram claramente propensatildeo para desenvolver uma religiatildeo e crenccedila numa realidade espiritual O termo ldquoespiritualrdquo eacute geralmente aplicado a qualquer essecircncia humana que nos conecte a um mundo invisiacutevel que desafia a mediccedilatildeo cientiacutefica mas que no entanto acreditamos e sentimos existir deixando vestiacutegios aqui e ali Pode referir-se ainda a qualquer coisa transcendente ou algo que nos move ou transporta profundamente e nos conecta de uma maneira ou de outra a algo maior que noacutes mesmos (Nelson 2012)

Enquanto a espiritualidade apresenta um contexto individual o aspecto religioso apresenta contexto social como participar de uma organizaccedilatildeo com tradiccedilotildees costumes doutrinas e crenccedilas (Nelson 2012) Os impulsos religiosos e espirituais geralmente trabalham simultaneamente para ajudar a fortalecer a crenccedila em um deus e na igreja pois certos costumes religiosos como contemplaccedilatildeo canto oraccedilatildeo e engajamento em rituais podem evocar experiecircncias espirituais (Alper 2008)

Embora o aspecto espiritual apresente iacutentima relaccedilatildeo com o religioso tal relaccedilatildeo natildeo eacute exclusiva considerando que a espiritualidade pode existir sem a presenccedila obrigatoacuteria das doutrinas religiosas (Niekerk 2018) Assim eacute possiacutevel uma pessoa ser altamente religiosa (devotada agrave doutrina e ao ritual da igreja) embora completamente incapaz de ter uma experiecircncia espiritual Inversamente eacute igualmente possiacutevel que algueacutem seja altamente espiritual embora nem um pouco religioso (Alper 2008)

Historicamente muito do que seria agora experiecircncia espiritual aconteceu dentro de religiotildees estabelecidas (a palavra ldquoespiacuteritordquo por exemplo eacute mencionada em toda a Biacuteblia judaico-cristatilde) mas com a ascensatildeo do secularismo no final do seacuteculo XIX e no iniacutecio do

As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo | 109

seacuteculo XX a palavra ldquoespiritualrdquo adquiriu significados fora da religiatildeo organizada uma podendo existir de forma independente da outra (Nelson 2012)

Todavia muitas tentativas de definir religiatildeo pareciam estar definindo na verdade a espiritualidade jaacute que esta tambeacutem pode pressupor algumas doutrinas (meditaccedilatildeo ou ldquoreza contemplativardquo por exemplo) que sobrepotildeem-se agraves doutrinas religiosas Assim parece que aqueles que se declaram ldquoespirituais mas natildeo religiososrdquo apresentam uma compreensatildeo empobrecida da espiritualidade (Carey 2018)

As religiotildees de forma geral pregam a existecircncia de ldquovida apoacutes a morterdquo de maneira que a morte pode representar um novo comeccedilo uma passagem para uma outra vida onde nos reunimos com os entes queridos e vivemos eternamente em um paraiacuteso fantaacutestico Esta crenccedila eacute comum na maioria das doutrinas teoloacutegicas sendo solidificadas pelos relatos de pessoas que passaram pelas denominadas ldquoexperiecircncias de quase-morterdquo que seratildeo discutidas adiante Apesar dessas experiecircncias deixarem uma marca indeleacutevel na vida do indiviacuteduo muitas vezes reduzindo qualquer medo de morte preacute-existente haacute quem defenda que todos seus aspectos apresentem base neurofisioloacutegica ou psicoloacutegica (Mobbs amp Watt 2011)

Determinados estados de consciecircncia atingidos por motivos neuroloacutegicos ou mesmo induzidos em laboratoacuterio podem promover a experiecircncia de certos aspectos da realidade que natildeo estatildeo disponiacuteveis em outros estados descartando possiacutevel fingimento ou confabulaccedilatildeo de quem passa pela experiecircncia (Beauregard amp OrsquoLeary 2007)

Mesmo neurocientistas renomados e portanto em sua maioria ceacuteticos em relaccedilatildeo agrave existecircncia do mundo espiritual podem em algum momento viver experiecircncias que os fazem mudar de opiniatildeo De fato o neurocirurgiatildeo e neurocientista da Universidade Harvard Eben Alexander III em livro publicado no Brasil com o tiacutetulo ldquoUma prova do ceacuteurdquo relata sua experiecircncia transcendente apoacutes permanecer entre a vida e a morte (Alexander 2013) Tal fato indica que sendo as experiecircncias espirituais ou religiosas natildeo importando o niacutevel de transcendecircncia que esta alcance apenas fenocircmenos criados pela atividade encefaacutelica sem duacutevida alguma podem convencer mesmo

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aqueles que cuja vida profissional resuma-se a estudar o sistema nervoso de que vecircm de ldquoforardquo deste imitando de forma prodigiosa a percepccedilatildeo do mundo real

Para o psicoacutelogo e escritor Michael Shermer famoso por suas criacuteticas ao que ele denomina ldquopseudociecircnciasrdquo os sistemas que nos fazem crer em algo sobrenatural satildeo poderosos Funcionando como uma espeacutecie de ldquomaacutequina de crenccedilardquo o ceacuterebro busca e encontra padrotildees para os quais infunde significado com objetivo de obter explicaccedilotildees sobre o porquecirc das coisas acontecerem Tais padrotildees significativos tornar-se-atildeo as crenccedilas que uma vez constituiacutedas induzem o ceacuterebro a procurar e encontrar evidecircncias que as reforcem e confirmem (Shermer 2012) A capacidade de encontrar padrotildees eacute tatildeo importante para a sobrevivecircncia que o ceacuterebro passa a identificar alguns padrotildees imaginaacuterios sem considerar exemplos genuiacutenos de causa e efeito (Wiseman 2017)

Enquanto o princiacutepio religioso ou espiritual aceita determinados fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo pela crenccedila ou feacute um dos princiacutepios fundamentais da ciecircncia eacute que toda accedilatildeo produz um efeito e todo efeito apresenta uma causa a princiacutepio explicaacutevel do ponto de vista cientiacutefico Natildeo haacute portanto espaccedilo para a possibilidade de determinados fenocircmenos considerados por muitos como ldquoparanormaisrdquo serem outra coisa a natildeo ser ilusotildees criadas pelo ceacuterebro

Contudo nem todos os fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo apresentam soacutelida base neurocientiacutefica tendo em vista existirem algumas evidecircncias cujas causas ainda encontram-se aleacutem da explicaccedilatildeo pelos meacutetodos investigativos utilizados natildeo significando contudo que natildeo poderatildeo ser explicados posteriormente (Greyson Holden amp Lommel 2012)

Objetivo Geral

Estabelecer ateacute que ponto fenocircmenos considerados espirituais sob o ponto de vista religioso ou ldquoparanormaisrdquo podem ser explicados pelas neurociecircncias

As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo | 111

Objetivos Especiacuteficos

bull Enumerar fenocircmenos que podem ser considerados pelo puacuteblico em geral como indicativos de paranormalidade

bull Confrontar tais fenocircmenos a princiacutepio paranormais com estudos publicados e que inferem para estes explicaccedilotildees plausiacuteveis do ponto de vista cientiacutefico

bull Verificar ateacute que ponto tais fenocircmenos podem ou natildeo ser explicados agrave luz das neurociecircncias e o que pode-se concluir a partir de tal verificaccedilatildeo

Desenvolvimento

Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo

O falecido astrofiacutesico Carl Sagan em uma das passagens do livro ldquoO mundo assombrado pelos democircniosrdquo (Sagan 2006) relata a suposiccedilatildeo de algueacutem afirmando o seguinte ldquoum dragatildeo que cospe fogo pelas ventas vive em minha garagemrdquo Na esperanccedila de verificar por si mesmo a existecircncia de um dragatildeo ao vivo e a cores vocecirc pede a quem afirmou que lhe mostre o bicho O problema eacute que o dragatildeo eacute invisiacutevel e vocecirc natildeo pode vecirc-lo Daiacute vocecirc propotildee espalhar farinha no chatildeo da garagem para tornar visiacuteveis as pegadas do dragatildeo O problema eacute que ele flutua pelo ar e natildeo deixa pegadas Em seguida a proposta eacute utilizar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisiacutevel O problema eacute que o fogo que o dragatildeo produz eacute desprovido de calor A proposta entatildeo eacute borrifar tinta no dragatildeo para tornaacute-lo visiacutevel O problema eacute que trata-se de um dragatildeo incorpoacutereo e a tinta natildeo iraacute aderir e assim por diante Qual seria entatildeo a diferenccedila entre o suposto dragatildeo e um dragatildeo inexistente

ldquoTodos os processos mentais mesmo os processos psicoloacutegicos mais complexos adveacutem de operaccedilotildees no ceacuterebrordquo A afirmaccedilatildeo de Erik Kandel (Kandel Schwartz Jessell Siegelbaum amp Siegelbaum 2014) um dos mais renomados neurocientistas da atualidade eacute incisiva no que tange agraves experiecircncias aparentemente ldquosem explicaccedilatildeordquo pelas ciecircncias naturais

Ainda nos primoacuterdios da ciecircncia ocidental no seacuteculo XVII Reneacute Descartes apresentava uma visatildeo dualiacutestica com distinccedilatildeo entre o que

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seria denominado ldquomenterdquo e ldquoceacuterebrordquo Nesta interpretaccedilatildeo o ldquoceacuterebrordquo exerceria funccedilotildees tambeacutem observadas em animais inferiores tais como percepccedilatildeo memoacuteria atividades motoras desejos e paixotildees ao passo que a ldquomenterdquo teria uma conotaccedilatildeo ldquoeteacutereardquo exclusiva do ser humano Tal conotaccedilatildeo representaria a ldquoalmardquo ou ldquoespiacuteritordquo cuja comunicaccedilatildeo com o ldquoceacuterebro animalrdquo ocorreria por intermeacutedio da glacircndula pineal localizada no centro do ceacuterebro No entanto apoacutes casos documentados de pacientes neuroloacutegicos afetados por lesotildees encefaacutelicas e que deixaram claro que a separaccedilatildeo entre ldquomenterdquo e ldquoceacuterebrordquo natildeo fazia o menor sentido tal dualidade caiu por terra (Damaacutesio 2005)

Mesmo assim as propriedades da mente aparentam ser tatildeo radicalmente diferentes das propriedades da mateacuteria viva um fenocircmeno agrave parte quando em comparaccedilatildeo com os encontrados nos tecidos bioloacutegicos que por vezes eacute difiacutecil acreditar que a primeira deriva desta uacuteltima

A mente dotada de subjetividade eacute denominada ldquomente conscienterdquo ou apenas ldquoconsciecircnciardquo (Damaacutesio 2011) cuja construccedilatildeo misteriosa pelo ceacuterebro humano eacute um tema que certamente ainda renderaacute deacutecadas de pesquisa cientiacutefica Sendo a mente derivada do ceacuterebro nossas lembranccedilas e personalidade estatildeo armazenadas em seus padrotildees e coacutedigos neuronais Se este morre obviamente os neurocircnios e tais padrotildees e conexotildees se rompem destruindo irreversivelmente nossas lembranccedilas e personalidade natildeo restando absolutamente nada no que diz respeito agrave consciecircncia a qual simplesmente deixa de existir O problema eacute que ldquodeixar de existirrdquo pode parecer agrave primeira vista simplesmente inconcebiacutevel levando agrave crenccedila de que apoacutes a morte do corpo a mente continuaria existindo de uma forma eteacuterea como alma ou espiacuterito

Assim o ceacuterebro seria apenas o lado ldquofisicordquo ao passo que a ldquomenterdquo seria representada pela ldquoalmardquo A explicaccedilatildeo da mente com base na atividade encefaacutelica eacute a crenccedila dos denominados ldquomonistasrdquo ao passo que os ldquodualistasrdquo defendem a existecircncia de mente e ceacuterebro separadamente Diferente do monismo que eacute contraintuitivo a crenccedila no dualismo eacute intuitivo e por isso atribuia atividade mental a uma fonte independente da funccedilatildeo cerebral (Shermer 2012)

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Pensando na proacutepria finitude e preocupados com o que nos aguarda de maneira inevitaacutevel num futuro mais ou menos proacuteximo talvez tenhamos simplesmente ldquoinventadordquo a ldquovida apoacutes a morterdquo ou ldquovida espiritualrdquo Por outro lado inuacutemeros relatos de pessoas que vivenciaram fenocircmenos ditos ldquoparanormaisrdquo ou natildeo explicaacuteveis pelas ciecircncias naturais (pelo menos para tais pessoas) datildeo a entender que tais fenocircmenos satildeo a prova da existecircncia do ldquooutro ladordquo

A seguir abordaremos alguns fenocircmenos considerados por muitos como paranormais e como a neurociecircncia pode (ou natildeo) explicaacute-los

Familiaridade com o que Ainda natildeo Havia Ocorrido o deacutejagrave vu

O termo deacutejagrave vu trata-se da expressatildeo no idioma francecircs para ldquo jaacute vistordquo ou seja eacute a impressatildeo de que determinado momento jaacute foi vivenciado anteriormente (poreacutem sabendo por intermeacutedio de lembranccedila consciente que tal fato natildeo ocorreu realmente) O fenocircmeno geralmente eacute acompanhado por crenccedilas de prediccedilatildeo ou profecia incluindo lembranccedilas de encarnaccedilotildees passadas sonhos profeacuteticos ou outros fatores sejam estes naturais ou sobrenaturais

Na verdade o deacutejagrave vu eacute uma experiecircncia bastante comum e normal sendo que a maioria das pessoas jaacute o vivenciaram ao menos uma vez na vida (OacuteConnor Barnier amp Cox 2008) mas cujo mecanismo exato ainda eacute desconhecido

Uma das teorias que foram associadas agrave ocorrecircncia de deacutejagrave vu a denominada ldquoteoria da via duplardquo tornou-se popular no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX sendo ainda frequentemente citada como a explicaccedilatildeo do fenocircmeno devido agrave sua plausibilidade intuitiva A teoria propotildee que o deacutejagrave vu eacute experimentado quando sinais sensoriais transmitidos por mais de uma via neuronal natildeo convergem nas aacutereas corticais no mesmo momento preciso fazendo com que o ceacuterebro interprete mal um uacutenico encontro como uma experiecircncia duplicada Como a diferenccedila entre a entrada das duas vias tem apenas milissegundos de duraccedilatildeo a primeira experiecircncia neuronal natildeo eacute codificada como um evento em si e portanto natildeo eacute lembrada desencadeando uma sensaccedilatildeo de familiaridade com um passado

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indefinido quando a segunda experiecircncia neuronal eacute encontrada Foi proposto que a sensaccedilatildeo origina-se nos nervos oacutepticos e portanto o deacutejagrave vu resultaria de um atraso no percurso das vias oacutepticas O problema com esta explicaccedilatildeo eacute que o fenocircmeno tambeacutem ocorre com a participaccedilatildeo de outros sentidos como audiccedilatildeo tato e olfaccedilatildeo aleacutem de ocorrer tambeacutem em pessoas cegas (OacuteConnor amp Moulin 2006)

Embora outras explicaccedilotildees tenham sido sugeridas como processos cognitivos momentaneamente fora de sincronia ou desatenccedilatildeo (Brown 2003) sabe-se atualmente que o deacutejagrave vu estaacute associado a alteraccedilotildees fisioloacutegicas normais e tambeacutem patoloacutegicas em determinadas aacutereas encefaacutelicas Do ponto de vista fisioloacutegico relaciona-se com atividade momentaneamente anormal de aacutereas associadas direta ou indiretamente agrave sensaccedilatildeo de familiaridade e memoacuteria Em condiccedilotildees patoloacutegicas pode estar presente tanto em disfunccedilotildees neuroloacutegicas como a epilepsia do lobo temporal (onde se localizam as estruturas que respondem pela memoacuteria e familiaridade) que seraacute abordada nesta revisatildeo quanto anormalidades de fundo psiquiaacutetrico como a esquizofrenia (Pašić et al 2018)

Em estudo com pacientes epileacuteticos pacientes neuroloacutegicos e pessoas normais Warren-Gash e Zeman (2014) avaliaram a prevalecircncia de deacutejagrave vu em 150 indiviacuteduos sendo 50 pacientes epileacuteticos 50 pacientes neuroloacutegicos sem epilepsia e 50 estudantes saudaacuteveis verificando que 100 dos pacientes epileacuteticos 735 dos pacientes neuroloacutegicos e 88 dos estudantes haviam experimentado o deacutejagrave vu ao menos uma vez na vida Segundo Brown (2003) a frequecircncia tende a diminuir com a idade o que explica a maior frequecircncia em estudantes (mais jovens) quando em comparaccedilatildeo com pacientes neuroloacutegicos

Haacute contudo diferenccedilas entre os sintomas do deacutejagrave vu normal ou fisioloacutegico e o patoloacutegico Diferentemente do deacutejagrave vu fisioloacutegico (onde a sensaccedilatildeo restringe-se agrave familiaridade com determinada situaccedilatildeo ainda natildeo vivenciada) no fenocircmeno associado agrave epilepsia (deacutejagrave vu ictal) os pacientes apresentam maior propensatildeo a relatar sintomas como fadiga preacutevia desrealizaccedilatildeo alucinaccedilotildees olfativas e gustativas dores de cabeccedila sensaccedilotildees abdominais e medo (Warren-Gash amp Zeman 2014)

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O deacutejagrave vu ictal geralmente origina-se em uma rede neural que inclui estruturas do lobo temporal medial notadamente o coacutertex rinal constituiacutedo pelos coacutertices perirrinal e entorrinal responsaacuteveis pela sensaccedilatildeo de ldquofamiliaridaderdquo (Guedj Aubert McGonigal Mundler amp Bartolomei 2010 Takeda et al 2011 Bartolomei et al 2012 Brandt Eysenck Nielsen amp Oertzen 2016) os quais localizam-se adjacentes ao hipocampo estrutura relacionada agrave memoacuteria expliacutecita

Ao estudar aacutereas encefaacutelicas associadas ao reconhecimento de faces e palavras sejam estas familiares ou natildeo Brandt et al (2016) confirmaram que dano ao coacutertex entorrinal esquerdo acarreta prejuiacutezo no processo de familiaridade em relaccedilatildeo a uma lista de palavras deixando contudo o processo de lembranccedila intacto Esses resultados sugerem que o coacutertex entorrinal suporta a memoacuteria de reconhecimento baseada na familiaridade (livre de contexto) e que a familiaridade e a lembranccedila satildeo subservidas por regiotildees distintas dentro dos lobos temporais mediais

Takeda et al (2011) relatam a presenccedila de constante deacutejagrave vu em paciente cujo exame de Cintilografia de Perfusatildeo Cerebral (conhecida pelo acrocircnomo SPECT que vem do inglecircs Single Photon Emission Computed Tomography) indicava hiperperfusatildeo e foco epileacutetico localizado no coacutertex rinal mais especificamente coacutertex entorrinal esquerdo A sensaccedilatildeo de familiaridade era de tal maneira persistente que o paciente descrevia seu estado como se estivesse vivendo a mesma vida que jaacute havia vivido anteriormente (neste caso denominado usualmente como deacutejagrave veacutecu ou ldquo jaacute vividordquo) O paciente relatava que quando via algueacutem pela primeira vez sentia que jaacute conhecia a pessoa antes quando visitava algum lugar pela primeira vez sentia que jaacute estivera laacute e mesmo quando via notiacutecias na TV ou jornal sentia que jaacute sabia de todas elas com antecedecircncia

Estudando o caso de uma paciente com grave foco epileacutetico seletivo para a mesma regiatildeo (coacutertex entorrinal lateral esquerdo) Brandt Conway James e Oertzen (2018) confirmaram a existecircncia de uma relaccedilatildeo direta entre a atividade anormal desta aacuterea e as experiecircncias de deacutejagrave vu e deacutejagrave veacutecu De maneira semelhante Martin et al (2019) estudando casos de epilepsia de lobo temporal medial tambeacutem relacionada ao coacutertex rinal (peririnal e entorrinal) verificaram que a falsa sensaccedilatildeo de familiaridade no decorrer das crises deve-se agrave atividade do coacutertex rinal mas a preservaccedilatildeo da

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lembranccedila (funccedilatildeo do hipocampo) natildeo eacute obrigatoacuteria para a ocorrecircncia do fenocircmeno Corroborando tais achados o estudo de Curot et al (2019) relata o caso de paciente epileacutetico com danos bilaterais exclusivamente no hipocampo mas com a regiatildeo perirrinal estrutural e funcionalmente intacta Apesar de apresentar amneacutesia grave o paciente ainda relatava episoacutedios tanto de deacutejagrave vu quanto de deacutejagrave veacutecu mostrando que os fenocircmenos podem ocorrer mesmo em casos de hipocampos massivamente danificados e confirmando que a regiatildeo do coacutertex perirrinal apresenta papel central em sua ocorrecircncia

Em se tratando do deacutejagrave vu fisioloacutegico o estudo de Braacutezdil et al (2012) realizado em sujeitos saudaacuteveis com ou sem relatos do fenocircmeno mostrou quantidade significativamente menor de substacircncia cinzenta em regiotildees corticais (com predomiacutenio no lobo temporal medial) e subcorticais de indiviacuteduos que relataram passar pela experiecircncia Nessas regiotildees o volume de massa cinzenta foi inversamente correlacionado com a frequecircncia dos episoacutedios apoiando uma explicaccedilatildeo neuroloacutegica para o fenocircmeno

Pešlovaacute et al (2018) tambeacutem encontraram relaccedilotildees entre o deacutejagrave vu fisioloacutegico e a diminuiccedilatildeo no volume de substacircncia cinzenta de determinados subaacutereas do hipocampo Como a funccedilatildeo de memoacuteria parece exigir o envolvimento coordenado do hipocampo com toda a rede localizada no lobo temporal medial eacute possiacutevel que o deacutejagrave vu fisioloacutegico resulte de sinalizaccedilatildeo aberrante dentro desse circuito envolvendo interaccedilotildees neurais que produzem um sentimento errocircneo de familiaridade (Shaw Marecek amp Braacutezdil 2016)

Aparentemente tambeacutem haacute uma relaccedilatildeo entre a incidecircncia de episoacutedios de deacutejagrave vu e niacuteveis elevados de estresse e fadiga conforme demonstrado por Wells OrsquoConnor e Moulin (2018) que observaram maior frequecircncia do fenocircmeno em pessoas com ansiedade cliacutenica notadamente em periacuteodos em que esta ansiedade estaacute mais exacerbada Tais pacientes tambeacutem apresentam maior anguacutestia durante os episoacutedios em comparaccedilatildeo a controles saudaacuteveis

Urquhart Sivakumaran Macfarlane e OrsquoConnor (2018) utilizaram metodologia para gerar familiaridade e novidade dentro de um anaacutelogo deacutejagrave vu em sujeitos neurologicamente saudaacuteveis Por intermeacutedio da combinaccedilatildeo de familiaridade gerada experimentalmente e sugestotildees que indicavam que esta estava incorreta foi gerado um conflito

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cognitivo nos participantes Foram coletados dados de ressonacircncia magneacutetica funcional (fMRI) e comportamentais de 21 participantes 16 dos quais relataram deacutejagrave vu Os autores inferiram que o deacutejagrave vu trata-se de uma experiecircncia impulsionada por conflitos mnemocircnicos com a participaccedilatildeo dos coacutertices cingulado anterior preacute-frontal medial e parietal Assim regiotildees frontais envolvidas no controle cognitivo monitoramento e resoluccedilatildeo de conflitos podem tambeacutem apresentar um papel na fenomenologia da experiecircncia

Eacute possiacutevel portanto inferir que apesar da possiacutevel participaccedilatildeo de outras estruturas corticais e subcorticais no deacutejagrave vu aparentemente alteraccedilotildees funcionais da atividade no lobo temporal medial mais especificamente do coacutertex rinal apresentam importante papel no advento do fenocircmeno em situaccedilotildees fisioloacutegicas normais mas tambeacutem em determinadas condiccedilotildees patoloacutegicas que envolvam tais aacutereas Contudo conforme indicam Pašić et al (2018) apesar de comum o deacutejagrave vu ainda eacute um fenocircmeno que merece maior investigaccedilatildeo principalmente por meio de abordagens multidisciplinares via cooperaccedilatildeo entre neurobioacutelogos neurologistas neurocientistas psiquiatras e psicoacutelogos experimentais que certamente poderatildeo colaborar de maneira mais eficaz para sua melhor elucidaccedilatildeo

Fenocircmenos Relacionados ao Esquema Corporal

Seres humanos satildeo indiviacuteduos autoconscientes cujo pensamento e comportamento satildeo baseados em processos corporais baacutesicos que transcendem os domiacutenios de sensaccedilatildeo corporal (somatosensaccedilatildeo) e accedilatildeo motora Nosso corpo pode ser visto e suas partes podem ser localizadas no espaccedilo mesmo na escuridatildeo total sabemos para onde estamos indo e podemos sentir o coraccedilatildeo batendo O espaccedilo corporal eacute um espaccedilo multissensorial constituiacutedo continuamente por impressotildees exteroceptivas (taacuteteis visuais olfativas auditivas) proprioceptivas (vestibulares muscularesmotoras) e interoceptivas (viscerais) A sensaccedilatildeo de self ou ldquoeurdquo localizado em determinado lugar no espaccedilo eacute constituiacutedo pelas muacuteltiplas interaccedilotildees entre essas impressotildees (Brugger amp Lenggenhager 2014 Dieguez amp Lopes 2017)

Consequentemente a variedade de distuacuterbios que afetam o corpo de uma pessoa eacute consideraacutevel podendo este ser

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experimentado como ldquoperdidordquo ldquosem pertencerrdquo ldquosem controlerdquo ldquovaziordquo ldquofeiordquo ldquodesapegadordquo ou ateacute mesmo ldquoduplicadordquo Tais distuacuterbios do self abrangem todos os niacuteveis de representaccedilatildeo corporal de membros uacutenicos a todo o corpo em um contexto social (Brugger amp Lenggenhager 2014) e satildeo denominados como distuacuterbios do ldquoesquema corporalrdquo

Os distuacuterbios do esquema corporal podem envolver apenas um lado do corpo sendo classificados como unilaterais ou podem se estender ao corpo todo sendo denominados distuacuterbios natildeo-lateralizados Dentre os distuacuterbios unilaterais pode-se citar os denominados ldquomembros fantasmas supranumeraacuteriosrdquo onde o paciente refere a niacutetida sensaccedilatildeo de apresentar membros adicionais embora invisiacuteveis as ldquohemiassomatognosiasrdquo ou apenas ldquoassomatognosiasrdquo inconsciente e consciente onde na primeira o paciente ignora um dos lados do corpo como se este nunca houvesse existido e na segunda apresenta viacutevida sensaccedilatildeo de que uma parte do corpo desapareceu e por uacuteltimo a ldquosomatoparafreniardquo onde o paciente refere partes de seu corpo como pertencentes a outras pessoas (Dieguez amp Lopes 2017)

A sensaccedilatildeo de membros fantasmas supranumeraacuterios pode ser causada por vaacuterios tipos de lesotildees cerebrais que resultem no comprometimento do sistema de feedback sensorial para o esquema corporal interno e para o movimento (Kim et al 2017) ao passo que as assomatognosias podem resultar de grandes lesotildees envolvendo muacuteltiplos setores temporoparietais e fronto-mediais (Feinberg Venneri Simone Fan amp Northoff 2010)

A assomatognosia e a somatoparafrenia satildeo distuacuterbios semelhantes O primeiro compromete o senso de propriedade sendo caracterizado pela falha do paciente em ter uma sensaccedilatildeo sentimento ou julgamento contiacutenuo de que a parte do corpo (normalmente o membro comprometido) lhe pertence A somatoparafrenia estaacute tipicamente associada a deacuteficits motores e somatossensoriais profundos Com lesotildees maiores envolvendo aleacutem da aacuterea temporoparietal tambeacutem a aacuterea orbitofrontal esta disfunccedilatildeo propicia ao paciente forte senso de desapropriaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao membro comprometido (asomatognosia) juntamente com a atribuiccedilatildeo ilusoacuteria desse membro a outra pessoa (Romano amp Maravita 2019 Feinberg et al 2010)

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Sabe-se haacute deacutecadas que disfunccedilotildees numa determinada regiatildeo encefaacutelica no hemisfeacuterio direito denominada ldquo junccedilatildeo temporoparietalrdquo (JTP) associa-se ao fenocircmeno de somatoparafrenia (Bisiach Rusconi amp Vallar 1991) observando-se a presenccedila de lesotildees nesta aacuterea em vaacuterios pacientes sintomaacuteticos (Vallar amp Ronchi 2009)

Considerando a funccedilatildeo da JTP na integraccedilatildeo das diversas informaccedilotildees sensoriais advindas da periferia ou ldquointegraccedilatildeo multissensorialrdquo (Vallar amp Ronchi 2009) aleacutem de ser forte candidata agrave fonte da autoconsciecircncia e o local onde o self eacute representado (Ionta et al 2011 Cheyne amp Girard 2009) o papel da JTP no ldquoesquema corporalrdquo eacute particularmente relevante

Apesar de ainda natildeo haver um consenso em relaccedilatildeo agrave sua anatomia precisa geralmente a JTP eacute considerada uma aacuterea cortical situada na junccedilatildeo do loacutebulo parietal inferior coacutertex occipital lateral e sulco temporal superior posterior (Mars et al 2012 Donaldson Rinehart amp Enticott 2015) Seja a JTP uma regiatildeo cortical precisamente identificaacutevel ou um grupamento de sub-regiotildees com funccedilotildees separadas sabe-se que ela apresenta papel crucial para o processamento e integraccedilatildeo de muacuteltiplas modalidades sensoriais aleacutem de gerar uma percepccedilatildeo coerente das alteraccedilotildees na autolocalizaccedilatildeo e espaccedilo extrapessoal por intermeacutedio dos diversos referenciais sensoriais que a ela convergem (Kheradmand amp Winnick 2017)

Em se tratando das disfunccedilotildees do esquema corporal natildeo-lateralizadas ou que se estendem ao corpo todo podem-se citar a macrosomatognosia onde o paciente refere que alguma parte de seu corpo aumenta de tamanho podendo por exemplo ldquoocupar o espaccedilo de uma salardquo (Dieguez amp Lopez 2017) aleacutem de outras percepccedilotildees bizarras como alteraccedilatildeo de tamanho e formato do corpo e ilusotildees de mudanccedilas nas formas dimensotildees e movimentos de objetos Por conta disso a macrosomatognosia tambeacutem eacute denominda ldquoSiacutendrome de Alice no Paiacutes das Maravilhasrdquo considerando que as ilusotildees e alucinaccedilotildees se assemelham aos fenocircmenos estranhos que a personagem Alice apresentava no famoso conto de Charles Lutwidge Dodgson (cujo pseudocircnimo era Lewis Carroll) experimentando ele mesmo tais sintomas A anomalia pode derivar de crises epileacuteticas parciais complexas enxaqueca infecccedilotildees ou intoxicaccedilotildees (Fine 2013)

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Outras disfunccedilotildees do esquema corporal que envolvem o corpo todo satildeo os denominados ldquofenocircmenos autoscoacutepicosrdquo ou autoscopia (Dieguez amp Lopez 2017) que culturalmente costumam apresentam explicaccedilotildees ldquosobrenaturaisrdquo e seratildeo tratados detalhadamente a seguir

Autoscopia ou ldquoFenocircmenos Autoscoacutepicosrdquo

O termo ldquoautoscopiardquoderiva do grego autos que significa ldquoegordquo e skopeo que significa ldquoolhar parardquo e eacute utilizado para descrever diferentes fenocircmenos de vaacuterias etiologias e mecanismos (Anzellotti et al 2011)

Do ponto de vista cultural o conceito de autoscopia estaacute incorporado a um grupo de crenccedilas relacionadas agrave ldquobilocaccedilatildeordquo ou suposta capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo Considerado por muitos como paranormal e natildeo meacutedico postula que as pessoas podem se dissociar em dois corpos materiais ou em um corpo material e outro com caracteriacutestica ldquoeteacutereardquo Tambeacutem se relaciona agrave noccedilatildeo paranormal de hipoteacuteticos ldquocorpos astraisrdquo que ligam o corpo terrestre a uma representaccedilatildeo astral superior supostamente portadora de energia psiacutequica (Dening amp Berrios 1994)

Na verdade os fenocircmenos autoscoacutepicos tambeacutem fazem parte da gama de disfunccedilotildees relacionadas ao esquema corporal caracterizando-se por experiecircncias visuais ilusoacuterias que consistem na percepccedilatildeo da imagem do proacuteprio corpo no espaccedilo seja de um ponto de vista interno como de um espelho ou de um ponto de vista externo (Anzellotti et al 2011)

A forma mais simples de fenocircmeno autoscoacutepico envolve a sensaccedilatildeo de ldquopresenccedilardquo de algueacutem proacuteximo sem contudo que tal presenccedila seja vista No denominado efeito doppelganger1 o sujeito o percebe como sendo o proacuteprio corpo um ldquoduplordquo tambeacutem visualmente O corpo reduplicado eacute visto ou sua presenccedila eacute ldquosentidardquo a uma distacircncia especiacutefica do proacuteprio corpo uma distacircncia

1 doppelgaumlnger eacute uma palavra advinda da junccedilatildeo em alematildeo de doppel que significa ldquoduplordquo ldquoreacuteplicardquo ou ldquoduplicatardquo e ganger que significa ldquoandanterdquo ldquocaminhanterdquo ou ldquoaquele que vairdquo

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frequentemente estaacutevel dentro de um determinado episoacutedio (Brugger 2002)

A mente literaacuteria geralmente retrata o doppelgaumlnger como um ser que eacute ldquoparte eurdquo ldquoparte outrordquo como um pressaacutegio de morte ou calamidade Agraves vezes este eacute a projeccedilatildeo visiacutevel e tangiacutevel de uma consciecircncia culpada que se torna cada vez mais intoleraacutevel ateacute que por fim a viacutetima ataca violentamente seu duplo e descobre que atacou a si mesma Agraves vezes o duplo eacute invisiacutevel e intangiacutevel mas ainda assim evidencia sua existecircncia (por exemplo bebendo a aacutegua que o sujeito coloca agrave noite na moringa) (Sacks 2013)

As experiecircncias autoscoacutepicas podem ser classificadas principalmente em quatro tipos distintos sensaccedilatildeo de presenccedila alucinaccedilatildeo autoscoacutepica heautoscopia e experiecircncia extracorpoacuterea (Brugger 2002)

Sensaccedilatildeo de ldquoPresenccedilardquo

Nesta sensaccedilatildeo nenhuma impressatildeo visual estaacute envolvida mas frequentemente a presenccedila eacute sentida ldquoagrave margem da visatildeordquo e pode ser relatada por pessoas saudaacuteveis em condiccedilotildees de privaccedilatildeo sensorial ou isolamento social Frequentemente satildeo relatadas sensaccedilotildees referentes a ldquopresenccedilas fantasmagoacutericasrdquo (como se algueacutem ou alguma coisa ldquoinvisiacutevelrdquo estivesse muito proacuteximo) Eacute comumente relatada por pessoas submetidas a niacuteveis intensos de stress como montanhistas exploradores sobreviventes e apoacutes a perda de algueacutem muito proacuteximo como o cocircnjuge por exemplo Tambeacutem podem estar presentes em situaccedilotildees de exaustatildeo e privaccedilatildeo de oxigecircnio e em pessoas acometidas por doenccedilas psiquiaacutetricas ou neuroloacutegicas (Anzellotti et al 2011 Blanke et al 2014)

Pessoas perfeitamente normais por vezes viram-se para surpreender quem a espreita de maneira bem proacutexima mas natildeo veem ningueacutem Embora natildeo experimentem ver a ldquopresenccedilardquo estatildeo convencidos desta podendo inclusive descrever sua localizaccedilatildeo espacial com muita precisatildeo (Blanke Arzy amp Landis 2008)

Apesar de ser comumente associada agrave presenccedila real de algo sobrenatural uma situaccedilatildeo bastante comum que pode acarretar tal sensaccedilatildeo eacute a ldquoparalisia do sonordquo fenocircmeno comum tambeacutem presente

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em pessoas normais e caracterizado por paralisia motora enquanto o sistema sensorial estaacute ativo Tal condiccedilatildeo comumente inclui de maneira simultacircnea a presenccedila de alucinaccedilotildees denominadas hipnagoacutegicas ou hipnopocircmpicas (se no iniacutecio ou final do sono respectivamente) as quais envolvem aleacutem de ver e ouvir tambeacutem sentir uma presenccedila intrusa e ameaccediladora (Jalal amp Ramachandran 2014)

A paralisia do sono vem sendo documentada haacute seacuteculos Em 1664 o meacutedico holandecircs Isbrand Van Diemerbroeck (1609-1674) publicou uma coleccedilatildeo de histoacuterias de casos sendo que uma das quais com o tiacutetulo Of the Night Mare (ldquoDo Pesadelordquo) descreve as experiecircncias noturnas de uma mulher de 50 anos relatando os sintomas claacutessicos da paralisia do sono acompanhados por alucinaccedilotildees hipnagoacutegicas (Kompanje 2008)

durante a noite quando estava se recompondo para dormir agraves vezes acreditava que o diabo estava sobre ela e a segurava agraves vezes que era sufocada por um grande cachorro ou ladratildeo deitado sobre o peito para que mal pudesse falar ou respirar e quando ela se esforccedilou para jogar fora a carga ela natildeo foi capaz de agitar seus membros E enquanto ela estava naquele conflito agraves vezes com grande dificuldade ela acordava Essa afecccedilatildeo eacute denominada iacutencubus ou o night-mare2 que eacute um interceptador do movimento da voz e da respiraccedilatildeo com um sonho falso de algo repousando pesadamente sobre o peito impedindo o livre influxo dos espiacuteritos para os nervos

O medo associa-se a tais alucinaccedilotildees notadamente com a sensaccedilatildeo de presenccedila detectada e contribuem para a elaboraccedilatildeo de outras alucinaccedilotildees em especial as que envolvem experiecircncias visuais (Cheyne Newby-Clark amp Rueffer 1999) Neste ponto a ldquopresenccedila intrusardquo pode assumir formas diversas podendo-se citar os inuacutemeros relatos de pessoas que descrevem de maneira sincera e altamente emotiva a experiecircncia que tiveram ao serem sequestradas por seres extraterrestres Muitos destes relatos aleacutem de absolutamente sinceros apresentam em comum o sentimento aterrorizante de que

2 Mare vem do inglecircs antigo maere que significa gnomo ou iacutencubo (em portuguecircs sonho aflitivo que produz sensaccedilatildeo opressiva pesadelo) Acreditava-se que o tal maere (gnomo) atacava os seres humanos enquanto eles estavam dormindo sentavam-se em seus peitos e produziam uma sensaccedilatildeo de sufocaccedilatildeo dificultando o sono (Barbosa 2010)

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o sujeito encontra-se totalmente paralisado enquanto determinadas criaturas providenciam para que este flutue no ar enquanto ascende em direccedilatildeo a determinada espaccedilonave (Sagan 2006)

No entanto embora sem duacutevida alguma particularmente aterrorizadoras as sensaccedilotildees de presenccedilas intrusivas satildeo explicadas pela neurociecircncia e podem ser recriadas por intermeacutedio de estimulaccedilatildeo eleacutetrica na JTP mesma regiatildeo que pode participar da somatoparafrenia e outras alucinaccedilotildees Ao estudarem o caso de uma jovem que estava sendo avaliada para tratamento de epilepsia com eletrodos colocados sobre a superfiacutecie cortical Arzy Seeck Ortigue Spinelli e Blanke (2006) verificaram que apoacutes estimulaccedilatildeo eleacutetrica na JTP esquerda a paciente relatava tais presenccedilas Estimulaccedilotildees leves com a jovem deitada propiciavam a sensaccedilatildeo de que havia algueacutem deitado atraacutes dela Estiacutemulos mais intensos propiciavam a sensaccedilatildeo mais detalhada de que a presenccedila era de algueacutem jovem poreacutem de sexo inderterminado e tambeacutem deitado na mesma posiccedilatildeo A repeticcedilatildeo do estiacutemulo com ela sentada com os joelhos entre os braccedilos provocava a sensaccedilatildeo de que um ldquohomemrdquo estava sentado atraacutes dela com seus braccedilos ao seu redor Procedendo em seguida a leitura de um texto o ldquohomemrdquo desta vez colocava-se a seu lado direito mas desta vez provocando a sensaccedilatildeo de que a presenccedila tinha intenccedilotildees agressivas Os autores concluiacuteram que a falta de integraccedilatildeo multissensorial eou sensoacuterio-motora na JTP devido agrave estimulaccedilatildeo eleacutetrica pode levar a uma ilusatildeo do proacuteprio corpo como sendo de outra pessoa no espaccedilo extrapessoal proacuteximo Embora a paciente estivesse ciente da semelhanccedila entre seus proacuteprios traccedilos posturais e posicionais e os da pessoa ilusoacuteria ela natildeo reconheceu que essa pessoa era uma ilusatildeo de seu proacuteprio corpo de maneira semelhante ao que ocorre com muitos pacientes esquizofrecircnicos

Aleacutem da JTP aparentemente outras regiotildees encefaacutelicas tambeacutem apresentam funccedilatildeo no processo de integraccedilatildeo multissensorial Tsakiris Hesse Boy Haggard e Fink (2007) verificaram atividade da iacutensula posterior na integraccedilatildeo de informaccedilotildees multissensoriais para decidir sobre a atribuiccedilatildeo de partes do corpo que lhe pertencem mesmo na ausecircncia de informaccedilotildees eferentes (motoras) O estudo de Blanke et al (2014) mostrou que lesotildees no coacutertex insular e especialmente no coacutertex frontoparietal tambeacutem estatildeo associadas agrave maacute-interpretaccedilatildeo da fonte e identidade dos sinais sensoacuterio-

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motores (taacuteteis proprioceptivos e motores) do proacuteprio corpo o que pode gerar a falsa sensaccedilatildeo de presenccedila Neste mesmo estudo os autores tambeacutem induziram tais sensaccedilotildees em pessoas normais por intermeacutedio de um mecanismo roboacutetico que gerou conflitos sensoacuterio-motores nos participantes permitindo induzir nestes a mesma sensaccedilatildeo de presenccedila observada nos pacientes

Outros estudos poreacutem caracterizam a sensaccedilatildeo de presenccedila por motivos diferentes dos observados na autoscopia como o caso descrito por Picard (2010) no qual uma paciente com foco epileacutetico no hemisfeacuterio esquerdo relatou sentir muacuteltiplas presenccedilas inexistentes poreacutem reconhecendo estas como ldquomembros da famiacuteliardquo Como o caso pareceu contradizer a hipoacutetese de fenocircmeno autoscoacutepico que envolve a ldquoreduplicaccedilatildeo neural do proacuteprio corpordquo a autora propocircs que poderia tratar-se de um tipo de alucinaccedilatildeo diferente da autoscopia A parestesia lateralizada no hemicorpo direito juntamente com dados neurorradioloacutegicos indicou provaacutevel origem na iacutensula esquerda que tambeacutem poderia participar do componente emocional relacionado a tais sensaccedilotildees

A sensaccedilatildeo de presenccedila tambeacutem pode ocorrer em doenccedilas neurodegenerativas como a Doenccedila de Parkinson e tambeacutem parece natildeo ir ao encontro do que eacute observado em situaccedilotildees de autoscopia Em muitos casos a sensaccedilatildeo de presenccedila foi identificada como a de um parente preciso iniciando ocasionalmente quando este parente deixa a presenccedila do paciente indicando um gatilho externo Aleacutem disso embora a presenccedila pudesse ser sentida nas proximidades do paciente agraves vezes era localizada em outro cocircmodo ou fora da casa Finalmente em um caso a presenccedila sentida era de um catildeo o que dificilmente eacute consistente com um ldquoeu ilusoacuteriordquo (Fenelon Soulas Langavant Trinkler amp Bachoud-Levi 2011)

Pode-se portanto inferir que atividades anocircmalas de aacutereas neurais que estejam associadas agrave autoconsciecircncia poderiam responder pela falsa sensaccedilatildeo de presenccedila Sabendo-se que a JTP iacutensula e coacutertex frontoparietal integram sinais corporais multissensoriais e satildeo considerados como locais neurais da autoconsciecircncia corporal aparentemente a sensaccedilatildeo de presenccedila de origem autoscoacutepica pode ser consequecircncia de alteraccedilotildees em tais estruturas acarretando uma percepccedilatildeo errocircnea da fonte e identidade dos sinais do proacuteprio corpo (Case Solcagrave Blanke amp Faivre 2020) Contudo em determinadas

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disfunccedilotildees neuropatoloacutegicas eacute possiacutevel que tais sensaccedilotildees possam tambeacutem derivar de fontes diferentes das observadas na autoscopia

Alucinaccedilatildeo Autoscoacutepica

Durante uma alucinaccedilatildeo autoscoacutepica (AH) a pessoa experimenta ver seu ldquooutro corpordquo ou ldquoduplordquo no espaccedilo extracorpoacutereo mas sem a sensaccedilatildeo de ldquosair do proacuteprio corpordquo (ou desencarnaccedilatildeo) Os indiviacuteduos com AH experimentam ver o mundo atraveacutes de sua perspectiva visuo-espacial habitual e experimentam seu self ou ldquocentro de consciecircnciardquo dentro de seus corpos fiacutesicos (Mohr amp Blanke 2005) Este tipo de alucinaccedilatildeo tambeacutem denominada ldquoalucinaccedilatildeo em espelhordquo (do inglecircs mirror-hallucination) geralmente apresenta duraccedilatildeo de apenas alguns minutos e consiste na percepccedilatildeo visual exata de uma imagem de si mesmo como visto num espelho poreacutem natildeo localizando-se como na posiccedilatildeo do outro corpo ilusoacuterio (Anzellotti et al 2011)

A auto-identificaccedilatildeo a auto-localizaccedilatildeo e a perspectiva da primeira pessoa permanecem centradas no corpo fiacutesico com o corpo alucinatoacuterio frequentemente experimentado de maneira invertida como no espelho Considerando a relaccedilatildeo da AH com lesotildees em aacutereas corticais associadas a aspectos visuais a alucinaccedilatildeo eacute vista do lado do campo visual deficiente oposto ao do lado da lesatildeo encefaacutelica (Heydrich amp Blanke 2013)

Brugger (2002) cita o caso de um homem de 41 anos que oito dias depois de ficar cego em consequumlecircncia de um tumor de hipoacutefise repentinamente notou um rosto em sua frente que olhava para ele a uma distacircncia estimada de 60-100 cm A experiecircncia foi inicialmente assustadora mas se acalmou ao reconhecer que o que via era a imagem do proacuteprio rosto Em uma inspeccedilatildeo mais minuciosa notou que sempre via o rosto de frente e que este imitava instantaneamente suas proacuteprias expressotildees faciais O paciente natildeo tinha duacutevidas sobre a ldquoqualidade do espelhordquo da alucinaccedilatildeo enfatizando que quaisquer movimentos faciais produzidos ldquoexperimentalmenterdquo foram copiados em tempo real ldquoexatamente como no espelhordquo

Zamboni Budriesi e Nichelli (2005) descrevem o caso de uma paciente de 30 anos que sofreu hemorragia nos polos occipitais estendendo-se agrave junccedilatildeo parieto-occipital direita por complicaccedilotildees

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cardiovasculares decorrentes de eclampsia Trecircs meses apoacutes a ocorrecircncia a paciente relatou a visatildeo de uma imagem como se estivesse olhando para um espelho que estava constantemente em frente a ela agrave distacircncia de cerca de um metro A imagem era transparente e acompanhava sua visatildeo de tal maneira que aparecia deitada no chatildeo se olhasse para baixo ou no teto se olhasse para cima Usualmente apresentava apenas cabeccedila e ombros mas tambeacutem o restante do corpo se a paciente a explorasse movendo o olhar para baixo aleacutem de vestir-se exatamente como ela Desaparecia quando fechava os olhos e progressivamente desapareceu por completo apoacutes trecircs meses O exame neuroloacutegico durante o periacuteodo de AH mostrou fraqueza do membro inferior direito heminegligecircncia visuo-espacial esquerda3 ataxia oacuteptica4 apraxia ocular5 percepccedilatildeo de profundidade prejudicada agnosia6 grave para objetos prosopagnosia7 e alexia8

Em relato de caso Joshi Thapa e Shakya (2017) verificaram a presenccedila de AH no estado de abstinecircncia de aacutelcool onde o indiviacuteduo enquanto consciente se viu como se olhasse para um espelho por cerca de 3 segundos durante o periacuteodo do amanhecer e do anoitecer O caso indicou possiacutevel associaccedilatildeo entre autoscopia e a siacutendrome de dependecircncia de aacutelcool

Malik Mehra e Jangra (2019) descrevem o caso de uma pessoa jovem do sexo feminino que dentre outros sintomas psiquiaacutetricos como alucinaccedilatildeo auditiva e ilusatildeo de perseguiccedilatildeo eventualmente apresentava medo apontando os dedos em direccedilatildeo agrave parede Ao ser perguntada a razatildeo disso ela dizia ver uma coacutepia sua agrave sua frente a cerca de um metro e meio de distacircncia de seu corpo Ela descreveu a imagem com caracteriacutesticas faciais semelhantes agrave sua como cor e estilo de cabelo dizendo ldquoeacute outro eurdquo Ela dizia que seu duplo aparecia nu para ela e era como sua ldquoimagem no espelhordquo Posteriormente

3 Heminegligecircncia ndash Falta de atenccedilatildeo aos estiacutemulos advindos do lado oposto ao da lesatildeo encefaacutelica com falha em relatar responder ou orientar-se a estiacutemulos significativos A disfunccedilatildeo adveacutem de lesotildees que atingem coacutertex parietal direito e giro supramarginal estendendo-se a aacutereas subcorticais

4 Ataxia Oacuteptica ndash Incapacidade de alcanccedilar corretamente objetos guiados pela visatildeo5 Apraxia Ocular ndash Ausecircncia ou defeito no movimento ocular controlado voluntaacuterio e

intencional6 Agnosia ndash Incapacidade de identificaccedilatildeo7 Prosopagnosia ndash Incapacidade de identificaccedilatildeo de rostos8 Alexia ndash Incapacidade de leitura (Koob Moal amp Thompson 2010)

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foi realizado diagnoacutestico de esquizofrenia e apoacutes alguns meses com tratamento farmacoloacutegico observou-se melhora de 70 a 80

A presenccedila de AH estaacute associada com lesotildees em aacutereas encefaacutelicas mais posteriores nas regiotildees corticais occipito-parietal e occipto-temporal (Blanke amp Mohr 2005) Considerando a normalidade da autoconsciecircncia corporal durante as alucinaccedilotildees os autores especulam se estas satildeo caracterizadas por um distuacuterbio da representaccedilatildeo do proacuteprio corpo causada por danos agraves vias visuais ventrais associadas com a percepccedilatildeo e reconhecimento do corpo humano partes do corpo e faces (Heydrich amp Blanke 2013)

Jonas et al (2014) descrevem os casos de dois pacientes de neurocirurgia por conta de epilepsia o primeiro do sexo masculino e 46 anos e a segunda uma mulher de 24 anos Nenhum dos pacientes relatava AH no decorrer de suas crises e foram submetidos agrave delineaccedilatildeo dos focos epileacuteticos por intermeacutedio de implantaccedilatildeo de eletrodos no lobo temporal medial do paciente 1 e iacutensula posterior do paciente 2 Foram realizadas estimulaccedilotildees intracerebrais visando localizar a zona epileacutetica sem que os pacientes soubessem quando a estimulaccedilatildeo iniciava ou terminava Ao iniciar a estimulaccedilatildeo na parte mais lateral do sulco occiptoparietal direito do primeiro paciente este imediatamente ralatou estar vendo sua proacutepria face e busto no campo visual esquerdo Se a estimulaccedilatildeo ocorresse fora deste local especiacutefico o paciente relatava alucinaccedilotildees com faces desconhecidas A estimulaccedilatildeo tambeacutem no sulco occiptoparietal direito da paciente 2 propiciou alucinaccedilotildees semelhantes em que a paciente relatou estar vendo sua proacutepria imagem como num espelho

Os autores concluiacuteram que a junccedilatildeo occipitoparietal medial regiatildeo que apresenta papel central em vaacuterias operaccedilotildees de autoprocessamento e especialmente no reconhecimento de faces mais particularmente da proacutepria face tambeacutem eacute fundamental na geraccedilatildeo de AH Tal representaccedilatildeo visual do proacuteprio rosto pode ser uacutetil para processos de reconhecimento de face e cogniccedilatildeo social que envolvem julgamento de semelhanccedila facial com outras pessoas

Tambeacutem foram relatadas AHs em desordens neuroloacutegicas (como epilepsia enxaqueca deliacuterio tumor cerebral isquemia e infecccedilatildeo) no contexto de desordens psiquiaacutetricas (como desordens psicoacuteticas desordens do humor distuacuterbios de ansiedade e desordem de

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identidade dissociativa) bem como durante os estados hipnagoacutegicos ou hipnopocircmpicos do sono Aleacutem disso existem alguns relatos de casos de AHs que se manifestam no campo hemianoacutepsico na hemianopsia (perda parcial ou total de metade do campo visual de um ou ambos os olhos) (Blom 2010)

Eacute possivel portanto inferir que AHs tratam-se principalmente de fenocircmenos visuais (com componentes multissensoriais) geralmente de pouca duraccedilatildeo (alguns segundos ou minutos) e podendo ocorrer repetidamente poreacutem sem alteraccedilatildeo no self corporal em que um ldquoeu verdadeirordquo ldquoresiderdquo no ldquomeurdquo corpo e percebe o mundo da perspectiva desse corpo (Case et al 2020)

Heautoscopia

A heautoscopia estaacute localizada em algum ponto entre a autoscopia e a experiecircncia fora do corpo A principal caracteriacutestica desse fenocircmeno eacute alternacircncia entre perceber a proacutepria imagem corporal no espaccedilo extracorpoacutereo da perspectiva do corpo interno e perceber o proacuteprio corpo fiacutesico da perspectiva do duplo extracorpoacutereo (Hoepner et al 2012)

Trata-se de um fenocircmeno autoscoacutepico caracterizado por forte distuacuterbio da auto-consciecircncia corporal incluindo alteraccedilotildees na auto-identificaccedilatildeo alteraccedilotildees emocionais e afinidade com o corpo autoscoacutepico frequentemente associado a alteraccedilotildees na perspectiva da primeira pessoa e na auto-localizaccedilatildeo (Heydrich amp Blanke 2013) Uma alucinaccedilatildeo autoscoacutepica ou ldquoem espelhordquo envolve a reduplicaccedilatildeo puramente visual das proacuteprias caracteriacutesticas enquanto a heautoscopia tambeacutem envolve a projeccedilatildeo de aspectos somesteacutesicos e motores na figura alucinada (Brugger 2005)

A ldquoposse do corpordquo eacute definida como uma experiecircncia imediata e contiacutenua de que nosso corpo pertence a noacutes ao passo que a auto-localizaccedilatildeo eacute definida como a experiecircncia na qual o self (ou personificaccedilatildeo) estaacute localizado em determinada posiccedilatildeo no espaccedilo Neste tipo de alucinaccedilatildeo o paciente observa um ldquoduplordquo de si mesmo no espaccedilo extra pessoal Todavia este ldquoduplordquo natildeo se trata de uma mera imagem ou alucinaccedilatildeo visual pois o self pode ser experimentado como presente na posiccedilatildeo do corpo fiacutesico (quadro

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de referecircncia centrado no corpo) e simultaneamente ou em raacutepida alternacircncia na posiccedilatildeo do corpo duplicado no espaccedilo extra pessoal (Lopez amp Blanke 2007)

Martiacutenez-Horta et al (2020) em estudo de caso com paciente jovem (31 anos) portador de mutaccedilatildeo geneacutetica relacionada agrave doenccedila de Huntington descrevem a presenccedila de sintomas psiquiaacutetricos associados agrave autoscopia (iniciando com a sensaccedilatildeo de presenccedila e daiacute progredindo para experiecircncia extracorpoacuterea e heautoscopia) antes do iniacutecio de sintomas motores O paciente relata que em diversas ocasiotildees quando em relaccedilatildeo sexual com sua parceira foi ldquoexpulso de-repenterdquo de seu corpo por uma terceira pessoa que de fato era ele mesmo mas a quem referiu por ldquooutrordquo Seu self estava localizado em uma perspectiva visuo-espacial elevada da qual foi capaz de olhar para o ldquooutrordquo sendo progressivamente mais agressivo durante a relaccedilatildeo sexual Desta perspectiva extracorporal foi incapaz de retornar a seu corpo fiacutesico sendo preenchido pelo sentimento extremamente frustrante de observar sua parceira tendo relaccedilotildees sexuais com ldquooutro homemrdquo A experiecircncia foi finalizada drasticamente com sua parceira gritando e perguntando porque ele estava sendo tatildeo agressivo

Brugger Agosti Regard Wieser e Landis (1994) descrevem o caso de um sujeito que aos 15 anos comeccedilou a apresentar sinais de epilepsia com crises parciais complexas cujos exames mostraram foco epileptogecircnico no lobo temporal esquerdo Pela manhatilde o paciente sentiu-se tonto e virando-se ele se viu ainda deitado na cama Ele ficou zangado com ldquoesse cara que eu sabia que era eu mesmo e que natildeo acordava e portanto arriscava chegar atrasado no trabalhordquo Ele tentou acordar o corpo na cama primeiro gritando com ele depois tentando sacudi-lo e pulando sobre ele repetidamente O corpo deitado natildeo mostrou reaccedilatildeo Soacute entatildeo o paciente comeccedilou a ficar intrigado com sua dupla existecircncia e a ficar cada vez mais assustado com o fato de natildeo poder mais dizer qual dos dois realmente era Vaacuterias vezes sua consciecircncia corporal passou do que estava de peacute para o que ainda estava deitado na cama quando estava deitado na cama sentia-se bastante acordado mas completamente paralisado e assustado pela figura de si mesmo curvando-se e batendo nele Sua uacutenica intenccedilatildeo era tornar-se uma uacutenica pessoa novamente e olhando pela janela (de onde ainda podia ver seu corpo deitado na cama) ele de repente decidiu pular ldquopara impedir a intoleraacutevel sensaccedilatildeo de

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se dividir em doisrdquo Ao mesmo tempo ele esperava que ldquoessa accedilatildeo realmente desesperada amedrontasse a pessoa na cama e o instasse a se fundir comigo novamenterdquo A proacutexima coisa que ele lembra eacute ldquoacordar com dor no hospitalrdquo

Modelos explicativos para a heautoscopia sugerem um distuacuterbio da integraccedilatildeo de sinais multissensoriais incluindo tambeacutem sinais interoceptivos (viscerais) e motores Eacute importante ressaltar que o ldquooutrordquo eacute frequentemente relatado como ofensivo e agressivo em alguns casos dando a impressatildeo de progressivamente se tornar mais autocircnomo e eventualmente controlar e interferir nas accedilotildees e movimentos do paciente Tambeacutem haacute associaccedilatildeo entre a heautoscopia e episoacutedios dramaacuteticos que tecircm um profundo impacto emocional e em alguns casos tem sido associada a ideacuteias de referecircncia paranoacuteia e suiciacutedio (Anzellotti et al 2011)

Segundo Lopez e Blanke (2007) uma integraccedilatildeo central coerente de informaccedilotildees sensoriais e motoras eacute necessaacuteria para o processamento acurado do proacuteprio corpo self e ldquoautoconsciecircnciardquo No entanto tal integraccedilatildeo estaacute anormal em sujeitos que apresentam os fenocircmenos de heautoscopia e de ldquoexperiecircncia extracorpoacutereardquo sugerindo uma integraccedilatildeo multissensorial deficiente em relaccedilatildeo aos planos de referecircncias de tais pacientes Segundo os autores sinais vestibulares que proveem concomitantemente informaccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do corpo e movimento deste no espaccedilo e que apresentam papel-chave na integraccedilatildeo de sinais da gravidade e referecircncia de localizaccedilatildeo do corpo natildeo estatildeo funcionando de maneira adequada em tais pacientes

A presenccedila de disfunccedilotildees natildeo eacute contudo um preacute-requisito para que algueacutem possa experimentar o fenocircmeno da heautoscopia como demonstrado no estudo de Ionta et al (2011) que utilizando tecnologia roboacutetica em sujeitos saudaacuteveis aliada a determinadas simulaccedilotildees criaram nos participantes o sentimento de ser uma entidade localizada em outra posiccedilatildeo no espaccedilo e de perceber o mundo a partir dessa posiccedilatildeo e perspectiva alterando sua auto-localizaccedilatildeo

Aymerich-Franch Petit Ganesh e Kheddar (2016) foram mais aleacutem ao utilizar realidade virtual juntamente com um robocirc humanoide recriando uma experiecircncia de reduplicaccedilatildeo do proacuteprio corpo percebido simultaneamente no corpo fiacutesico e no corpo do robocirc Os

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voluntaacuterios apresentaram uma ilusatildeo que se assemelha fortemente agrave heautoscopia sugerindo que uma mente humana saudaacutevel tambeacutem eacute capaz de se bilocar em dois corpos diferentes simultaneamente

Aleacutem de propiciar a ilusatildeo de mudanccedila na autolocalizaccedilatildeo e perspectiva em sujeitos saudaacuteveis o estudo de Ionta et al (2011) tambeacutem os comparou com pacientes que apresentavam experiecircncias autoscoacutepicas Por intermeacutedio de Imagens por Ressonacircncia Magneacutetica Funcional (fMRI) verificaram quais aacutereas encefaacutelicas respondiam pelas experiecircncias relatadas em um ou outro caso Assim como observado nos estudos de Arzy et al (2006) e Blanke et al (2014) em relaccedilatildeo agrave ldquosensaccedilatildeo de presenccedilardquo as mudanccedilas subjetivas verificadas sobre a localizaccedilatildeo e perspectiva do self foram refletidas na atividade da JTP bilateralmente Os autores observaram ligaccedilatildeo causal entre o dano desta mesma aacuterea no grupo de pacientes neuroloacutegicos fornecendo evidecircncias de que esta aacuterea tambeacutem codifica a auto-localizaccedilatildeo refletindo um dos sentimentos subjetivos mais fundamentais dos seres humanos o sentimento de ser uma entidade localizada em certa posiccedilatildeo no espaccedilo de onde percebe o mundo

Uma forma simples de se manipular a sensaccedilatildeo de ter um corpo cujas partes lhe pertencem eacute por meio da denominada ldquoilusatildeo da matildeo de borrachardquo na qual participantes experimentam a sensaccedilatildeo de posse de uma matildeo artificial (como se fosse sua proacutepria matildeo) quando a matildeo real eacute escondida de seu campo de visatildeo e substituiacuteda por uma falsa matildeo de borracha O fenocircmeno ocorre quando tanto a matildeo real escondida quanto a matildeo falsa visiacutevel satildeo tocadas da mesma maneira e de forma sincronizada propiciando a ilusatildeo de que a matildeo de borracha eacute na verdade a matildeo verdadeira Quando a ilusatildeo eacute produzida observa-se (dentre outras aacutereas) a ativaccedilatildeo da JTP (Wawrzyniak Klingbeil Zeller Saur amp Classen 2018) Considerando a funccedilatildeo desta aacuterea na integraccedilatildeo multissensorial (Kheradmand amp Winnick 2017) a falha em integrar aspectos mecanorreceptivos e visuais (por exemplo estimular a matildeo real e a matildeo de borracha de maneira natildeo sincronizada) pode causar a inabilidade em incorporar a matildeo de borracha na representaccedilatildeo do corpo tal como eacute observado em pacientes com determinadas lesotildees encefaacutelicas (Wawrzyniak et al 2018)

Para criar uma representaccedilatildeo central do proacuteprio corpo o ceacuterebro deve integrar e pesar as evidecircncias de diferentes fontes sensoriais

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(como informaccedilotildees visuais taacuteteis proprioceptivas e vestibulares) e chegar rapidamente a uma decisatildeo Isso envolve mecanismos para impor coerecircncia agraves informaccedilotildees de diferentes fontes sensoriais e mecanismos para diminuir incoerecircncias para evitar incertezas Assim o ceacuterebro deve criar representaccedilotildees sensoriais-centrais do movimento e posiccedilatildeo do corpo e sua posiccedilatildeo no espaccedilo extrapessoal mesmo que isso exija a inibiccedilatildeo temporaacuteria de entradas discrepantes Por exemplo entradas proprioceptivas discrepantes podem ser descartadas (e consideradas como ruiacutedo) se entradas visuais taacuteteis e vestibulares sobre a posiccedilatildeo e o movimento do proacuteprio corpo concordarem entre si (Melzack 1990)

Aleacutem da JTP o cortex insular posterior tambeacutem trata-se de uma aacuterea multimodal no que diz respeito agrave integraccedilatildeo de diversas informaccedilotildees sensoriais incluindo sinais somatossensoriais visuais auditivos e vestibulares aleacutem de relacionar-se com funccedilotildees motoras e liacutembicas ou emocionais (Flynn Benson amp Ardilas 1999)

De fato Heydrich e Blanke (2013) identificaram que danos no coacutertex insular posterior esquerdo pode relacionar-se ao fenocircmeno da heautoscopia Aparentemente a falta de integraccedilatildeo entre os sinais corporais exteroceptivos somatossensoriais e visuais juntamente com sinais viscerais e emocionais resulta numa auto-identificaccedilatildeo errocircnea dos pacientes com heautoscopia aumentando a afinidade emocional destes com o ldquocorpo autoscoacutepicordquo

A atividade de aacutereas corticais relacionadas agrave integraccedilatildeo multissensorial eacute suficiente para redefinir os limites do corpo e incorporaccedilatildeo de ateacute mesmo um espaccedilo vazio mesmo que a informaccedilatildeo visual contradiga diretamente a presenccedila de um membro fiacutesico (Guterstam Gentile amp Ehrsson 2013) de maneira semelhante com o que ocorre no fenocircmeno do membro fantasma

A sensaccedilatildeo viacutevida de presenccedila de determinado membro apoacutes sua amputaccedilatildeo (podendo tambeacutem ocorrer apoacutes amputaccedilatildeo de outras partes inervadas do corpo tais como mama ou pecircnis) apoacutes a destruiccedilatildeo de suas raiacutezes sensoriais ou mesmo apoacutes secccedilatildeo completa da medula espinhal (que pode levar agrave sensaccedilatildeo de um corpo fantasma abaixo do niacutevel da lesatildeo) eacute relativamente comum As experiecircncias do membro fantasma apresentam-se como sensaccedilotildees reais considerando que satildeo produzidas pelos mesmos processos

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encefaacutelicos (ou redes neurais) que fundamentam a experiecircncia do corpo quando este estaacute intacto (Melzack 1990)

Embora as experiecircncias corporais envolvam um acreacutescimo agrave faixa normal de percepccedilatildeo o ganho perceptivo parece apresentar mais problemas do que sua perda considerando que o primeiro eacute mais propenso a ser envolto no manto do paranormal do que o segundo Em terminologia mais convencional existe uma maior disponibilidade para relacionar a perda de funccedilatildeo agrave perda de estrutura do que interpretar novas funccedilotildees para as quais natildeo haacute equivalente estrutural evidente (Wade 2009)

Ambos os conjuntos de fenocircmenos podem ser interpretados em termos sobrenaturais mas os membros fantasmas provaram ser mais passiacuteveis de incorporaccedilatildeo no corpo da ciecircncia normal Caixas de espelhos tecircm sido empregadas para fornecer estimulaccedilatildeo visual que poderia corresponder agravequela decorrente da falta de uma parte do corpo O deslocamento visual no espelho de todo o corpo apresenta semelhanccedilas com a autoscopia e portanto pode fornecer uma ponte conceitual e experimental entre membros fantasmas e fenocircmenos autoscoacutepicos (Wade 2009)

Experiecircncia Extracorpoacuterea

Uma das crenccedilas metafiacutesicas sobrenaturais mais difundidas eacute a de uma alma que consiste em um self essencial e um self fundamental que transcende o corpo fiacutesico e sua explicaccedilatildeo pelas ciecircncias naturais (Cheyne amp Girard 2009) A maioria das pessoas jaacute ouviu falar do termo ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo (EQM) seja em programas de TV ou reportagens ou porque jaacute vivenciou o fenocircmeno em algum momento da vida Dentre outros sintomas (que seratildeo tratados mais adiante em toacutepico especiacutefico) aquele que eacute relatado com bastante frequecircncia eacute a experiecircncia extracorpoacuterea (EEC) considerada como sendo a sensaccedilatildeo de sair do corpo fiacutesico e em muitos casos vendo a si mesmo de um ponto de vista situado acima deste Assim como outros fenocircmenos autoscoacutepicos a EEC relaciona-se com distuacuterbios da percepccedilatildeo e cogniccedilatildeo do corpo ou imagem corporal que depende de informaccedilotildees proprioceptivas taacuteteis visuais

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e vestibulares bem como em sua integraccedilatildeo com informaccedilotildees sensoriais do espaccedilo extrapessoal (BLANKE et al 2004)

Segundo Sacks (2013) haacute seacuteculos existem histoacuterias sobre pessoas que passaram por EECs mas o termo soacute foi introduzido nos anos 60 pela psicoacuteloga de Oxford Celia Green que examinou sistematicamente relatos feitos por mais de quatrocentas pessoas que as vivenciaram

Embora a EEC possa fazer parte da EQM na maioria das vezes natildeo requer que o sujeito esteja agrave beira da morte para ser experimentada Um dos primeiros registros de EEC ocorreu durante craniotomia acordada9 realizada pelo neurocirurgiatildeo Wilder Penfield Durante o procedimento um paciente com histoacuterico de epilepsia habitual experimentou uma EEC no momento em que o giro temporal superior direito foi estimulado eletricamente Na ocasiatildeo o paciente registrou a sensaccedilatildeo como se estivesse flutuando para longe de si mesmo exclamando ldquoOh meu Deus Estou deixando meu corpordquo (Penfield 1955) A experiecircncia de Penfield em neurocirurgia foi repetida apenas cerca de 70 anos depois quando num procedimento de craniotomia realizada tambeacutem com o paciente acordado este reportou a sensaccedilatildeo de EEC apoacutes estiacutemulo realizado na JTP esquerda (Bos Spoor Smits Schouten amp Vincent 2016)

Contudo o fenocircmeno da EEC tambeacutem pode ser induzido ao se utilizar determinados procedimentos natildeo invasivos que possam alterar as informaccedilotildees sensoriais provocando divergecircncias entre as informaccedilotildees que chegam ao sistema nervoso Sinais multissensoriais sincronizados poreacutem manipulados por espelhos viacutedeos ou realidade virtual de forma a propiciar conflitos localizacionais podem induzir uma mente humana saudaacutevel a perceber sua auto-localizaccedilatildeo fora das fronteiras corporais produzindo uma ilusatildeo que se assemelha a uma EEC (Blanke amp Metzinger 2009 Ionta et al 2011 Bourdin Barberia Oliva amp Slater 2017 Guterstam Bjoumlrnsdotter Gentile amp Ehrsson 2015)

9 Craniotomia trata-se de procedimento ciruacutergico em que um retalho oacutesseo do cracircnio eacute temporariamente removido para acesso ao ceacuterebro A craniotomia acordada eacute usada principalmente para mapeamento e ressecccedilatildeo de lesotildees em aacutereas cerebrais de importacircncia vital (aacutereas motoras e de linguagem) nas quais a imagem natildeo eacute suficientemente sensiacutevel (Zhang amp Gelb 2018)

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Utilizando a hipnose Facco et al (2019) tambeacutem obtiveram um meacutetodo natildeo-invasivo para induccedilatildeo da EEC de maneira controlada Os sujeitos que participaram do experimento relataram que claramente haviam deixado o corpo na cadeira e flutuaram perto do teto da sala com a consciecircncia neste mesmo local mostrando vaacuterias caracteriacutesticas fenomenoloacutegicas das EECs espontacircneas Utilizando anaacutelise de ondas de eletroencefalograma os autores tambeacutem observaram papel-chave na atividade da JTP em sua induccedilatildeo

Considerando que a JTP tambeacutem apresenta importante papel no processamento de sensaccedilotildees vestibulares (Buumlnning amp Blanke 2005 Blanke amp Arzy 2005) alteraccedilotildees no funcionamento dessa aacuterea seja por lesatildeo drogas ou estados neurais espontacircneos como sono REM poderiam gerar experiecircncias corporais vestibulares anocircmalas como alucinaccedilotildees de flutuaccedilatildeo de voo e motoras Se suficientemente intensas tais alteraccedilotildees tambeacutem podem evocar sensaccedilotildees mais elaboradas como de ldquocorpo desencarnadordquo que por sua vez preparam o cenaacuterio para a experiecircncia autoscoacutepica de EEC na qual pode-se ver o corpo fiacutesico de um ponto de vista externo (Cheyne amp Girard 2009)

Conforme indicam Lopez Halje e Blanke (2008) a EEC estaacute fortemente associada a alteraccedilotildees funcionais na regiatildeo central do coacutertex vestibular (ldquocoacutertex vestibular parieto-insularrdquo) Logo estimulaccedilotildees vestibulares em pessoas normais podem ser um meio eficiente de alterar a integraccedilatildeo multissensorial com objetivo de investigar a base neural da sensaccedilatildeo de posse do proacuteprio corpo

Lopez e Elziegravere (2018) mostram o papel de distuacuterbios vestibulares perifeacutericos como fatores desencadeantes da EEC a qual pode surgir a partir de uma combinaccedilatildeo de incoerecircncia perceptiva (devido a sinais vestibulares conflitantes com outros sinais sensoriais sobre orientaccedilatildeo e movimento do corpo) com fatores psicoloacutegicos (despersonalizaccedilatildeo desrealizaccedilatildeo depressatildeo e ansiedade) e neuroloacutegicos (enxaqueca) Outras alteraccedilotildees neuroloacutegicas podem induzir a EEC em certas situaccedilotildees conforme demonstrado por Blanke Landis Spinelli e Seeck (2004) ao estudar pacientes epileacuteticos que relatavam experiecircncias autoscoacutepicas principalmente EEC Durante as crises ou no decorrer de avaliaccedilatildeo por eletroestimulaccedilatildeo os autores verificaram a presenccedila de dano ou disfunccedilatildeo cerebral localizados na JTP Os resultados sugeriram que os processos de percepccedilatildeo e cogniccedilatildeo do corpo e a criaccedilatildeo inconsciente de representaccedilotildees centrais deste satildeo preacute-

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requisitos para uma accedilatildeo raacutepida e eficaz com o meio ambiente Havendo dados ambiacuteguos de diferentes sistemas sensoriais segue-se a experiecircncia intrigante de ver o proacuteprio corpo em uma posiccedilatildeo que natildeo coincide com aquela que eacute sentida

Eacute contudo possiacutevel que outras aacutereas encefaacutelicas tambeacutem apresentem importantes interconexotildees com a JTP e com isso possam tambeacutem participar do fenocircmeno da EEC conforme indica Hiromitsu Shinoura Yamada e Midorikawa (2020) em estudo de caso onde uma paciente acometida por tumor no coacutertex cingulado posterior (PCC) apresentou vaacuterios episoacutedios de EEC Os episoacutedios foram abolidos apoacutes neurocirurgia para extirpaccedilatildeo do tumor sugerindo que o PCC contribui para a auto-localizaccedilatildeo dependendo da perspectiva visual Os resultados vatildeo ao encontro do estudo de Guterstam et al (2015) o qual sugere papel-chave do PCC na integraccedilatildeo de representaccedilotildees neurais da auto-localizaccedilatildeo e propriedade do corpo

Yu et al (2018) estudando o caso de uma adolescente com epilepsia intrataacutevel verificaram a ocorrecircncia de EEC ao se proceder estimulaccedilatildeo do coacutertex insular anterior esquerdo por eletrodos intracranianos Apoacutes a destruiccedilatildeo de vaacuterios locais precisamente localizados nesta aacuterea via termocoagulaccedilatildeo por radiofrequecircncia as crises da paciente desapareceram e a EEC natildeo mais pode ser reproduzida mesmo estimulando esses locais repetidamente Os autores sugerem que o envolvimento do coacutertex insular anterior na EEC deve-se agrave funccedilatildeo desta aacuterea na integraccedilatildeo de sinais multissensoriais e seu importante papel na autoconsciecircncia aleacutem do JTP

O estudo de Ridder Laere Dupont Menovsky e Heyning (2007) mostra o advento de EEC mediado pela estimulaccedilatildeo da parte posterior do giro temporal superior direito em paciente com eletrodos implantados nesta aacuterea para tratamento de zumbido Exames de imagem mostraram ativaccedilatildeo na JTP (mais especificamente nos giros angular e supramarginal que fazem parte desta aacuterea)

O uso abusivo de certas drogas tais como maconha LSD e principalmente a ketamina tambeacutem classicamente relacionam-se com o advento de EEC e outros fenocircmenos relacionados (Wilkins Girard amp Cheyne 2011) Aleacutem disso o uso tanto da maconha quanto da ketamina satildeo considerados como modelos de induccedilatildeo de sintomas

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de esquizofrenia (Fletcher amp Honey 2006) dentre os quais eacute possiacutevel a manifestaccedilatildeo de alucinaccedilotildees autoscoacutepicas (Malik et al 2019)

Finalmente apoacutes o exposto eacute possiacutevel afirmar que de acordo com estudos de vaacuterios grupos de pesquisa a EEC juntamente com os demais fenocircmenos autoscoacutepicos apresentam-se muito bem fundamentados em alteraccedilotildees (patoloacutegicas ou natildeo) da atividade encefaacutelica notadamente em se tratando da atividade da JTP e outras aacutereas adjacentes eou que influenciem sua funccedilatildeo A importacircncia destas regiotildees encefaacutelicas para o processamento e integraccedilatildeo de muacuteltiplas modalidades sensoriais que a ela convergem gerando a partir daiacute uma percepccedilatildeo coerente da autolocalizaccedilatildeo e espaccedilo extrapessoal parece ser indiscutiacutevel

Eacute provaacutevel que algumas aacutereas encefaacutelicas envolvidas nos fenocircmenos autoscoacutepicos tambeacutem sejam ativadas na denominada ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo que seraacute tratada a seguir Contudo apesar desta geralmente apresentar a EEC dentre os fenocircmenos observados sua natureza eacute heterogecircnea e de mais difiacutecil explicaccedilatildeo face agrave complexidade das sensaccedilotildees relatadas por aqueles que a vivenciaram

Experiecircncia de Quase-Morte

O termo ldquoexperiecircncia de quase-morterdquo (EQM) foi introduzido pelo meacutedico e filoacutesofo Raymond A Moody autor do livro Live after life (ldquoA vida depois da vidardquo na ediccedilatildeo em portuguecircs) em 1975 O livro acabou fazendo muito sucesso mostrando o grande desejo pela existecircncia de uma ldquooutra vidardquo que viria apoacutes a vida terrena Considerando a formaccedilatildeo do autor na aacuterea meacutedica e psicoloacutegica o fato da ciecircncia natildeo poder explicar os fenocircmenos relatados seria de certa maneira um aval para a realidade daquilo que eacute descrito (Kasten amp Geier 2014) Assim natildeo apenas este mas muitos livros populares sobre EQM tornaram-se best-sellers provavelmente porque um grande nuacutemero de pessoas quer acreditar que a imortalidade da ldquoalmardquo eacute cientificamente possiacutevel tornando mais toleraacutevel a inevitabilidade da morte (Agrillo 2011)

Certamente a tentativa da civilizaccedilatildeo moderna de explicar tudo em bases cientiacuteficas enfraquece racionalmente a esperanccedila de

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uma existecircncia de vida ou ldquoalmardquo apoacutes a morte Assim de maneira simultacircnea o medo do inevitaacutevel fim da vida cresce conforme avanccedila o progresso tecnoloacutegico (Kasten amp Geier 2014)

As EQMs satildeo caracterizadas por eventos psicoloacutegicos profundos com elementos transcendentais e miacutesticos que de certa maneira transcendem o ego pessoal incluindo inefabilidade e um sentimento de uniatildeo com um princiacutepio divino ou superior Tais eventos ocorreriam tipicamente em indiviacuteduos proacuteximos agrave morte ou em situaccedilotildees de intenso perigo fiacutesico ou emocional (Greyson 2000)

Moody (1975) analisou centenas de casos de EQM desenvolvendo uma ideacuteia da sequecircncia em que ocorrem os fenocircmenos pelos que os experimentaram Assim a EQM iniciaria por determinado sentimento (muito diacuteficil de ser explicado) para em seguida ouvir algueacutem (o meacutedico por exemplo) relatar sua morte Apoacutes o reconhecimento da situaccedilatildeo de morte10 seguiria um sentimento de paz e quietude percepccedilatildeo de um ruiacutedo (por exemplo zumbido sinos ou muacutesica) sensaccedilatildeo de ser puxado para um tuacutenel escuro sensaccedilatildeo de sair do corpo (EEC) encontro com outros (seres espirituais) visatildeo de luz muito brilhante ver as memoacuterias de experiecircncias que teve na vida passar diante de si (em ordem cronoloacutegica ou natildeo) e daiacute alcanccedilar um certo ldquolimiterdquo ou ldquobordardquo para chegar a algum lugar (uma porta neacutevoa linha cerca ou algo assim) e finalmente o ldquoretorno de volta agrave vidardquo

Uma visatildeo mais cientiacutefica e sistemaacutetica do fenocircmeno foi examinada pelo cientista Bruce Greyson da Universidade de Virgiacutenia que passou anos estudando aspectos psiquiaacutetricos da EQM Em uma de suas pesquisas estudando 67 pessoas que estiveram agrave beira da morte e utilizando 80 manifestaccedilotildees caracteriacutesticas de EQM formulou 16 questotildees de muacuteltipla escolha divididas em quatro caracteriacutesticas gerais Cognitiva (pensamentos) Afetiva (sentimentos) Paranormal (ex EEC) e Transcedental (ex encontro com espiacuteritos) A partir destas questotildees com pontuaccedilatildeo variando de zero a dois dependendo da resposta chegando ao maacuteximo de 32 pontos formulou um score miacutenimo de sete pontos para que determinado evento possa ser

10 Apesar do ldquoreconhecimento de que se estaacute mortordquo fazer parte das EQMs tal situaccedilatildeo natildeo eacute limitada a tais experiecircncias pois uma intrigante e rara siacutendrome denominada ldquoSiacutendrome de Cotardrdquo ou ldquoSiacutendrome do Cadaacutever Ambulanterdquo faz com que o sujeito acredite que estaacute morto mesmo que todas as evidecircncias indiquem o contraacuterio (Grover Aneja Mahajan amp Varma 2014)

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considerado uma EQM (Greyson 1983 Nelson 2012) Serralta Cony Cembranel Greyson e Szobot (2010) adaptaram a escala de Greyson para a cultura brasileira mantendo equivalecircncia semacircntica entre a versatildeo original e a nacional podendo segundo os autores ser utilizada para pesquisas dentro desta aacuterea no Brasil

Apesar de comuns as EQM ainda apresentam etiologia desconhecida (Peinkhofer Dreier amp Kondziella 2019) e face agrave complexidade dos relatos com suas implicaccedilotildees cientiacuteficas teoloacutegicas e filosoacuteficas o estudo deste fenocircmeno representa um dos principais desafios da neurociecircncia moderna Para complicar ainda mais mesmo considerando o termo ldquoquase morterdquo as experiecircncias tambeacutem podem ocorrer a pessoas que embora possam estar doentes natildeo estatildeo nem perto da morte considerando os dados em seus registros meacutedicos Muitas dessas pessoas podem temer que estejam prestes a morrer mesmo que natildeo estejam (Stevenson Cook amp McClean-Rice 1989)

Para Lake (2019) natildeo existe dicotomia real entre as chamadas verdadeiras EQMs desencadeadas por situaccedilotildees de real risco agrave vida e as experiecircncias semelhantes agraves EQMs que natildeo estatildeo associadas a uma emergecircncia meacutedica Ambas satildeo provavelmente mediadas pela sobreposiccedilatildeo de aspectos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e culturais podendo propiciar efeitos semelhantes nos valores e comportamentos que influenciam a aptidatildeo do ponto de vista evolutivo

Contudo as EQM podem ser experimentadas de forma diferente dependendo do sujeito estar ou natildeo realmente proacuteximo da morte Um estudo foi realizado em um grupo de 58 pacientes dos quais 28 considerados tatildeo proacuteximos da morte que teriam morrido sem intervenccedilatildeo meacutedica e 30 sem risco de morrer embora muitos pensassem que a morte era iminente Os pacientes de ambos os grupos relataram EQM muito semelhantes mas os pacientes que realmente estavam perto da morte eram mais propensos a relatar uma percepccedilatildeo aprimorada da presenccedila de uma luz e tambeacutem um aprimoramento da capacidade cognitiva (Owens Cook amp Stevenson 1990) Para Lake (2019) o funcionamento cognitivo aprimorado nestes momentos poderia permitir a transmissatildeo de valores emocionais e espirituais positivos entre parentes e entes queridos Tais valores seriam posteriormente conservados na populaccedilatildeo resultando em aumento da aptidatildeo do grupo reduzindo o medo de morrer e da morte

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Apesar de pouco ser conhecido sobre a personalidade das pessoas que experienciaram a EQM segundo Martial Cassol Charland-Verville Merckelbach e Laureys (2018) uma das caracteriacutesticas poderia ser a propensatildeo agrave fantasia Os autores utilizaram a escala de Greyson para selecionar pessoas que passaram pela experiecircncia comparando aqueles que alcanccedilaram escore miacutenimo de 7 pontos com outro instrumento de pesquisa para medir tal propensatildeo o ldquoQuestionaacuterio de Experiecircncias Criativasrdquo (CEQ) Desenvolvido por Merckelbach Horselenberg e Muris (2001) o CEQ apresenta correlaccedilotildees substanciais com medidas de esquizotipia e dissociaccedilatildeo intimamente ligadas agrave propensatildeo agrave fantasia

No entanto segundo Martial et al (2018) as pessoas que relataram EQMs sem risco de morte tiveram uma pontuaccedilatildeo mais alta na propensatildeo agrave fantasia quando em comparaccedilatildeo com pessoas que relataram EQMs claacutessicas (com risco real de morte) indiviacuteduos cujas experiecircncias natildeo atenderam aos criteacuterios de EQM e controles correspondentes Indiviacuteduos que relataram EQMs claacutessicas demonstraram envolvimento na fantasia de forma semelhante a sujeitos controles correspondentes

Embora natildeo seja num preacute-requisito eacute possiacutevel que a crenccedila na transcendecircncia espiritual e vida apoacutes a morte seja importante para que as EQM ocorram conforme indica Chandradasa Wijesinghe Kuruppuarachchi e Perera (2018) que avaliaram a prevalecircncia de EQM em hospital caracterizado pelo atendimento de pacientes seguidores de diversas religiotildees diferentes A maior prevalecircncia de EQM foi em pacientes seguidores das religiotildees teiacutestas (que afirmam a crenccedila da existecircncia de Deus) cristianismo islamismo e hunduismo quando em comparaccedilatildeo com o budismo uma religiatildeo natildeo teiacutesta (que natildeo inclui a ideacuteia de um deus)

Num estudo prospectivo Lommel Wees Meyers e Elfferich (2001) estudaram o advento de EQM em pacientes que foram submetidos a ressuscitaccedilatildeo cardiopulmonar e que passaram pela experiecircncia em comparaccedilatildeo com outros submetidos ao mesmo procedimento sem contudo relatar EQM Concluiacuteram que apenas fatores meacutedicos natildeo poderiam explicar a ocorrecircncia de EQM pois embora todos os pacientes estivessem segundo os autores ldquoclinicamente mortosrdquo a maioria natildeo passou pelo fenocircmeno Verificaram ainda que a gravidade da crise natildeo estava relacionada agrave ocorrecircncia ou profundidade da

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experiecircncia natildeo sendo tambeacutem possiacutevel considerar carecircncia de oxigenaccedilatildeo cerebral medicaccedilatildeo ou fatores psicoloacutegicos como agentes causadores do fenocircmeno Aleacutem disso segundo os autores seria impossiacutevel haver consciecircncia e posterior memoacuteria dos fenocircmenos ocorridos considerando situaccedilotildees em que o registro da atividade eleacutetrica de coacutertex e tronco encefaacutelico por eletroencefalografia (EEG) se mostraria horizontal (sem atividade eleacutetrica)

French (2001) contudo contesta tal impossibilidade afirmando que natildeo haacute como saber se as EQM reportadas pelos pacientes realmente ocorreram quando natildeo havia atividade eleacutetrica encefaacutelica ou se ocorreram rapidamente antes ou quando estes estavam gradualmente se recuperando do evento Considerando que memoacuterias falsas relacionadas por exemplo agrave simples imaginaccedilatildeo podem ser indistinguiacuteveis das verdadeiras (Shaw 2016) tais fenocircmenos poderiam estar relacionados com memoacuterias daquilo que na verdade natildeo ocorreu realmente

Lake (2019) considera a possibilidade do ceacuterebro ainda estar em funcionamento nos momentos que antecedem ou se seguem agrave perda de consciecircncia mesmo que a EEG indique o contraacuterio Aleacutem disso Martens (1994) mostra que alteraccedilotildees da memoacuteria sob a influecircncia de hipoacutexia e hipercarbia (excesso de CO2) ocorrem somente apoacutes vaacuterios minutos de isquemia cerebral Consequentemente a ocorrecircncia e a recuperaccedilatildeo de EQMs satildeo limitadas a uma janela de tempo estreita permitindo um certo grau de hipoacutexia cerebral e hipercarbia necessaacuteria para desencadear a experiecircncia mas com restauraccedilatildeo oportuna do suprimento de oxigecircnio e diminuiccedilatildeo do CO2 para preservar a memoacuteria de curto prazo

Por outro lado eacute comum quem passa por uma EQM referir que natildeo apresenta nenhuma duacutevida sobre a realidade dos fenocircmenos vicenciados descrevendo sua experiecircncia como ldquomais real do que a realidaderdquo ou ldquomais real do que qualquer outra coisa que jaacute experimenteirdquo (Greyson 2014) De fato Thonnard et al (2013) mostram que as memoacuterias de EQM conteacutem mais caracteriacutesticas fenomenoloacutegicas (sensoriais e emocionais) do que as memoacuterias de eventos reais e de coma sugerindo que natildeo podem ser consideradas apenas como lembranccedilas imaginadas de eventos Pelo contraacuterio suas origens fisioloacutegicas poderiam levaacute-las a serem percebidas como absolutamente reais

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Palmieri et al (2014) investigando o fenocircmeno das memoacuterias de EQM serem declaradas como sendo ldquomais reais que a realidaderdquo adotaram uma abordagem integrada O estudo envolveu hipnose para melhorar a recuperaccedilatildeo e diminuir erros de memoacuteria e dados de EEG com objetivo de comparar as caracteriacutesticas das memoacuterias de EQM e seus marcadores neurais com memoacuterias de eventos reais e imaginados Os resultados indicaram que as memoacuterias de EQM satildeo diferentes das memoacuterias autobiograacuteficas imaginadas e muito semelhantes agraves memoacuterias de eventos reais em termos de riqueza de detalhes informaccedilotildees autorreferenciais e emoccedilotildees

No entanto nada pode garantir que as memoacuterias de EQM natildeo possam ser de certa forma ldquoexageradasrdquo ou ldquofloreadasrdquo com o passar dos anos de tal maneira que os relatos dos sujeitos que passaram pela experiecircncia natildeo apresente um vieacutes voltado para o que a miacutedia coloca em relaccedilatildeo a tais experiecircncias Com o objetivo de investigar este aspecto Greyson (2007) comparou memoacuterias de EQM quando estas aconteceram e vinte anos apoacutes o evento concluindo que ao contraacuterio do esperado relatos de EQM e particularmente relatos de seus efeitos positivos mantiveram suas caracteriacutesticas mostrando que aparentemente tais memoacuterias parecem ser mais estaacuteveis do que lembranccedilas de outros eventos traumaacuteticos

Em relaccedilatildeo aos seus efeitos positivos na vida de quem a experimentou a EQM parece ter efeitos protetores no bem-estar psicoloacutegico dos pacientes (Cant Cooper Chung amp OrsquoConnor 2012) Tais efeitos satildeo geralmente associados a transformaccedilotildees positivas com maior senso de significado e interesse em alguns aspectos da vida dentre os quais menos medo da morte (geralmente perda completa do medo da morte) maior sensaccedilatildeo de altruiacutesmo como amor empatia e responsabilidade em relaccedilatildeo aos outros e tambeacutem de estar mais conectado com outras pessoas maior feacute e interesse no significado da vida e menor materialidade (Klemenc-Ketis 2013 Greyson 2014) aleacutem de conversatildeo religiosa e impacto positivo na sauacutede mental inclusive por ex-detentos (Braghetta Santana Cordeiro Rigonatti amp Lucchetti 2013) Algumas pessoas podem lutar por anos para tentar entender e integrar suas experiecircncias mas essas satildeo raras exceccedilotildees (Greyson 2014)

Greyson e Khanna (2014) utilizaram a ldquoescala de transformaccedilatildeo espiritualrdquo desenvolvida originalmente para testar mudanccedilas

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espirituais em pacientes apoacutes diagnoacutestico de cacircncer (Cole Hopkins Tisak Steel amp Carr 2008) para comparar a transformaccedilatildeo espiritual entre experimentadores de EQM e controles Quem experimentou a EQM apresentou pontuaccedilatildeo significativamente maior indicando maior transformaccedilatildeo espiritual ao se comparar com os que natildeo passaram pela experiecircncia Assim o crescimento espiritual apoacutes trauma estaacute associado natildeo apenas agrave sobrevivecircncia apoacutes o evento traumaacutetico mas tambeacutem agrave ocorrecircncia e profundidade de EQMs durante o evento desencadeante A relevacircncia da transformaccedilatildeo espiritual para a vida cotidiana dos indiviacuteduos e as associaccedilotildees com o bem-estar sugerem que mais pesquisas nesse sentido satildeo justificadas e que estrateacutegias para melhorar o crescimento espiritual podem acarretar benefiacutecios ao paciente se incorporadas agrave praacutetica terapecircutica

Mas ateacute que ponto pode-se conjeturar que todos os fenocircmenos observados na EQM podem ou poderatildeo um dia ser totalmente explicados pela ciecircncia Como poderia ser criado um traccedilo tatildeo niacutetido de memoacuteria da EQM em situaccedilotildees em que os processos cerebrais funcionariam com capacidades diminuiacutedas Como as teorias atuais da memoacuteria podem explicar essas experiecircncias Seriam necessaacuterios fatores adicionais para explicar totalmente a memoacuteria criada em situaccedilotildees criacuteticas (Martial Cassol Laureys amp Gosseries 2020)

Uma ampla gama de teorias orgacircnicas da EQM eacute apresentada incluindo aquelas baseadas em hipoacutexia cerebral anoacutexia e hipercarbia endorfinas e outros neurotransmissores e atividade anormal nos lobos temporais (French 2005) Haacute contudo que se ponderar que apesar de determinadas pesquisas relacionadas agraves EQMs especularem sobre as possiacuteveis causas do fenocircmeno este ainda apresenta-se como uma incoacutegnita face agrave ausecircncia de dados neuroloacutegicos As condiccedilotildees meacutedicas e neuroloacutegicas associadas agraves EQMs e relacionadas agrave interferecircncia cerebral ou dano cerebral satildeo parada cardiacuteaca anestesia geral epilepsia do lobo temporal estimulaccedilatildeo eleacutetrica do ceacuterebro e anormalidades do sono como por exemplo intrusotildees REM (Blanke Faivre amp Diegues 2016)

Mesmo adotando uma rigorosa metodologia cientiacutefica o debate teoacuterico eacute amplamente aberto e natildeo eacute possiacutevel tirar conclusotildees firmes sobre a origem de tais experiecircncias (Agrillo 2011) As teorias espirituais assumem que a consciecircncia pode se separar do substrato neural do ceacuterebro e que a EQM pode fornecer um vislumbre de uma vida

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apoacutes a morte As teorias psicoloacutegicas incluem a proposta de que a EQM eacute um mecanismo de defesa dissociativo que ocorre em tempos de extremo perigo ou menos plausivelmente que a EQM reflete memoacuterias de nascer (French 2005)

Haacute grande nuacutemero de relatos que associam previamente a EQM agrave sensaccedilatildeo de calma e euforia Assim dado que muitas EQM ocorrem como o nome sugere quando haacute perigo real de morte faria sentido que o corpo liberasse substacircncias quiacutemicas que induzissem um estado de calma e serenidade Por exemplo se algueacutem apresenta uma hemorragia com risco de morte entrar em pacircnico acelerando a atividade cardiacuteaca apenas aceleraria a perda de sangue Seria portanto uma vantagem o corpo induzir um estado de calma e euforia desacelerando desta maneira a frequecircncia cardiacuteaca e consequentemente a perda de sangue Esta seria provavelmente uma funccedilatildeo adaptativa de uma EQM levando em consideraccedilatildeo que a calma em meio a eventos ameaccediladores da vida reforccedila as chances de sobrevivecircncia (Alper 2008)

De fato o vieacutes positivo para a vida apoacutes uma EQM relaciona-se com os aspectos positivos e agradaacuteveis experimentados no decorrer do fenocircmeno tais como tranquilidade paz e senso de harmonia com o universo (Charland-Verville et al 2014)

Poreacutem nem sempre as experiecircncias satildeo agradaacuteveis e por assim dizer ldquoharmoniosasrdquo pois embora mais raras experiecircncias verdadeiramente aterradoras ou ldquoinfernaisrdquo tambeacutem foram relatadas sendo possiacutevel que tais experiecircncias estejam na verdade sub-documentadas por motivos diversos tais como memoacuterias ldquodolorosasrdquo ou risco de estigmatizaccedilatildeo (Cassol et al 2019)

Quem passa por EQMs angustiantes natildeo diferem em termos de gecircnero e idade em comparccedilatildeo com as EQMs claacutessicas As experiecircncias angustiantes contudo incluem mais sobreviventes de suiciacutedio ao passo as claacutessicas parecem incluir pessoas mais velhas (Cassol et al 2019) As narrativas relacionadas a experiecircncias angustiantes tambeacutem podem conter recursos pertencentes ao tipo positivo (visatildeo de luz e tuacutenel EEC e revisatildeo da vida) todavia interpretadas pelos que a vivenciaram como ldquoterriacuteveisrdquo ao inveacutes de confortantes Tambeacutem ocorrem situaccedilotildees em que a experiecircncia eacute de ldquonatildeo-existecircnciardquo ou de ser condenado a um ldquovazio inexpressivo

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para a eternidaderdquo com o desespero de sentir natildeo apenas que a vida como a conhecia natildeo mais existe mas tambeacutem que nunca existiu A experiecircncia tambeacutem inclui imagens e sons terriacuteveis tais como avistar uma paisagem feia ou agourenta eou a presenccedila de seres demoniacuteacos ouvir ruiacutedos altos eou irritantes ver animais assustadores eou encontrar outros seres em extrema anguacutestia (Greyson amp Bush 1992)

Natildeo obstante a crenccedila popular acerca das caracteriacutesticas aparentemente paranormais das EQMs sejam estas positivas ou negativas Mobbs e Watt (2011) em revisatildeo sobre o tema apresentam explicaccedilotildees cientiacuteficas para (segundo eles) ldquotodosrdquo os fenocircmenos relatados por quem vivenciou a EQM sugerindo que natildeo haacute nada paranormal nessas experiecircncias Considerando que seriam apenas manifestaccedilatildeo de funccedilatildeo cerebral anocircmala durante um evento traumaacutetico e agraves vezes inofensivo os autores defendem ainda que todos os aspectos da experiecircncia tecircm uma base neurofisioloacutegica ou psicoloacutegica A experiecircncia extra-corpoacuterea revisatildeo da vida e visatildeo de pessoas falecidas estariam por exemplo relacionadas a intrusotildees do sono REM (tambeacutem defendido por Nelson Mattingly Lee e Schmitt em 2006) ao passo que o prazer viacutevido e a euforia poderiam ser o resultado da liberaccedilatildeo de opioides provocada pelo medo

Quanto agraves alucinaccedilotildees visuais ou outras tambeacutem frequentemente presentes nas experiecircncias Mobbs e Watt (2011) explicam que estas tambeacutem ocorrem em pessoas acometidas por doenccedilas neurodegenerativas do sistema nervoso tais como Alzheimer e Parkinson Assim as visotildees de entidades e pessoas falecidas poderiam indicar uma anormalidade pontual nas mesmas aacutereas acometidas nestas doenccedilas Em se tratando da visatildeo de luzes brilhantes e de tuacutenel especulam que estas poderiam ser o resultado de um colapso perifeacuterico agrave foacutevea do sistema visual por meio da privaccedilatildeo de oxigecircnio

Esse estudo foi contudo criticado pelo grupo do Dr Bruce Greyson (Greyson Holden amp Lommel 2012) pois ao afirmarem que ldquotodosrdquo os aspectos das EQM poderiam ser explicados os autores ignoraram muitos aspectos que natildeo poderiam explicar negligenciando um corpo substancial de pesquisa empiacuterica sobre o Assunto Natildeo considerando indiacutecios de possiacuteveis caracteriacutesticas natildeo explicaacuteveis pelas ciecircncias naturais nas EQMs a alegaccedilatildeo de que natildeo

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haacute nada paranormal nestes fenocircmenos natildeo pode ser considerada como baseada em evidecircncias

Em relaccedilatildeo agrave intrusatildeo do sono REM natildeo haveria condiccedilotildees para tal pois nas condiccedilotildees onde as experiecircncias satildeo geralmente vivenciadas este estaria na verdade totalmente inibido Aleacutem disso a oferta de oxigecircnio ao enceacutefalo estaacute igual ou ateacute maior e as alucinaccedilotildees associadas a doenccedilas degenerativas do enceacutefalo geralmente satildeo associadas a sentimentos de medo sem apresentar a riqueza de sensaccedilotildees e interatividade das observadas nas EQM que aleacutem de vistas podem tambeacutem ser ouvidas cheiradas e tocadas sendo na maior parte dos casos muito bem-vindas

Haacute tambeacutem que se ponderar a existecircncia de relatos de EQMs nos quais pacientes relataram visotildees de pessoas falecidas mas cuja morte natildeo tinham conhecimento que faleceram momentos antes ou no exato momento em que ocorria a EQM ou mesmo pessoas falecidas que nunca conheceram desafiando portanto a interpretaccedilatildeo dessas visotildees como meras alucinaccedilotildees (Greyson 2010)

Parece portanto indiscutiacutevel que as EQMs natildeo podem ser simplesmente reduzidas agrave imaginaccedilatildeo medo da morte alucinaccedilatildeo psicose uso de drogas ou deficiecircncia de oxigecircnio (Lommel 2011) Na tentativa de explicar o que ao menos aparentemente natildeo apresenta explicaccedilatildeo Blanke Faivre e Diegues (2016) propotildeem que os estudos futuros sobre EQMs possam ser concentrados mais nos mecanismos funcionais e neurais dos fenocircmenos tanto em populaccedilotildees de pacientes quanto indiviacuteduos saudaacuteveis Agindo desta maneira a ciecircncia poderia ajudar a desvendar ao menos parcialmente os mecanismos neurofisioloacutegicos de aspectos ainda natildeo compreendidos das EQMs que tanto intrigam cientistas estudiosos e leigos

Sem duacutevida eacute um desafio cientiacutefico consideraacutevel discutir novas hipoacuteteses que possam explicar a possibilidade de uma consciecircncia clara e aprimorada abrangendo memoacuterias identidade proacutepria cogniccedilatildeo e emoccedilotildees durante um periacuteodo de aparente coma Talvez a mera visatildeo materialista da relaccedilatildeo entre consciecircncia e ceacuterebro como defendida pela maioria dos meacutedicos filoacutesofos e psicoacutelogos seja muito restrita para uma compreensatildeo adequada desse fenocircmeno que apesar de poder durar apenas alguns minutos pode acarretar mudanccedilas profundas em quem o vivenciou (Lommel 2011)

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Para finalmente ratificar as mudanccedilas no modus vivendi extensivamente relatadas conveacutem citar o estudo em formato de testemunho de Woollacott e Peyton (2020) baseado em um estudo de caso detalhado extensivamente verificado e documentado de uma meacutedica (e autora do estudo) que sofreu uma EQM durante o nascimento de seu terceiro filho aos 32 anos de idade Com os olhos fechados com uma fita ela referiu seis percepccedilotildees durante a parada cardiacuteaca que foram verificadas pelos funcionaacuterios do hospital Sem possibilidade de explicaccedilatildeo pela perspectiva fisioloacutegica o caso obteve uma pontuaccedilatildeo pela escala de Greyson igual a 23 caracterizando uma EQM profunda

As autoras sugerem que tais experiecircncias abrem uma porta para uma consciecircncia mais alta ou expandida associada agrave tranquilizaccedilatildeo da atividade cerebral Os dados mostram que essa experiecircncia inicial tem um efeito imediato eacute ldquoplantada uma sementerdquo que transforma a compreensatildeo do indiviacuteduo sobre a natureza da consciecircncia Aleacutem disso serve como um gatilho para um processo de transformaccedilatildeo espiritual de longo prazo incluindo a busca para encontrar um caminho de volta para essa experiecircncia que no caso citado levou a um estudo aprofundado da meditaccedilatildeo e espiritualidade e uma transformaccedilatildeo na sua abordagem como meacutedica aos cuidados paliativos voltados ao paciente no final da vida

De fato experiecircncias espiritualmente transformadoras espontacircneas ou procuradas de maneira intencional levam as pessoas a perceber a si mesmas e ao mundo de maneiras profundamente diferentes expandindo sua identidade aumentando suas sensibilidades e alterando seus valores prioridades senso de significado e propoacutesito na vida (Greison 2014)

Consideraccedilotildees Finais

Embora a plena compreensatildeo de como o ceacuterebro cria a consciecircncia e a experiecircncia do self ainda esteja muito longe de ser alcanccedilada a evoluccedilatildeo das neurociecircncias nas uacuteltimas deacutecadas permitiu um aumento exponencial do conhecimento sobre suas funccedilotildees e conexotildees Tal evoluccedilatildeo propiciou melhora substancial no tratamento prognoacutestico e qualidade de vida de milhotildees de pessoas

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que sofrem de distuacuterbios neuroloacutegicos e psiquiaacutetricos Poreacutem mesmo com tudo o que jaacute se pesquisou e descobriu desde a denominada ldquodeacutecada do ceacuterebrordquo nos anos 90 ateacute os dias atuais o ceacuterebro ainda eacute capaz de surpreender e maravilhar quem dedica a vida a estudaacute-lo

Sabe-se por exemplo que determinados fenocircmenos considerados por muitos como ldquoparanormaisrdquo e aparentemente inexplicaacuteveis pelas ciecircncias naturais como o deacutejagrave vu e os fenocircmenos autoscoacutepicos (experiecircncia extra-corpoacuterea e outros) apresentam explicaccedilatildeo cientiacutefica convincente podendo inclusive serem reproduzidos de maneira experimental Natildeo existe contudo um uacutenico ldquomoacutedulo especializadordquo no ceacuterebro que tenha como funccedilatildeo a criaccedilatildeo de crenccedilas e experiecircncias sobrenaturais embora algumas aacutereas parecem ter uma importacircncia especial na criaccedilatildeo de alguns desses fenocircmenos como a junccedilatildeo temporoparietal em experiecircncias autoscoacutepicas e o coacutertex rinal na experiecircncia do deacuteja vuacute

Outros fenocircmenos relativamente comuns na populaccedilatildeo como certos aspectos das ldquoexperiecircncias de quase morterdquo (EQM) tambeacutem apresentam teorias que podem explicar parcialmente sua origem seja por anomalias momentacircneas ou disfunccedilotildees de determinadas aacutereas encefaacutelicas Entretanto muitos destes aspectos apresentam lacunas do ponto de vista cientiacutefico ao passo que outros ainda satildeo uma completa incoacutegnita Isso natildeo significa obviamente que natildeo poderatildeo ser explicados no futuro por mais estranhas e ldquoreaisrdquo que sejam as sensaccedilotildees referidas por quem jaacute passou pela experiecircncia

Poreacutem mesmo que num futuro mais ou menos distante possamos compreender todos os aspectos da consciecircncia e comprovar que todos os fenocircmenos vivenciados por quem passou pela EQM podem ser inequivocamente atribuiacutedos agrave atividade encefaacutelica ainda natildeo seraacute possiacutevel nem haveraacute motivo para simplesmente descartar a possibilidade de existecircncia de algo que transcenda o aspecto fiacutesico e que sobreviva agrave morte do corpo

Embora desde o iniacutecio da histoacuteria da humanidade ateacute o momento em que este texto eacute escrito a alma ou espiacuterito de quem quer que seja que tenha passado pela morte definitiva jamais tenha comprovadamente retornado para relatar a respeito natildeo eacute possiacutevel descartar tal possibilidade simplesmente porque natildeo haacute prova cabal de que apoacutes a morte natildeo haacute nada aleacutem da ldquonatildeo-existecircnciardquo

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Muitos pacientes em estado grave sem possibilidade de cura e pouco tempo de vida ainda apresentam a esperanccedila de que espiritualmente continuaratildeo a existir simplesmente considerando que a ldquonatildeo-existecircnciardquo natildeo lhes eacute mentalmente concebiacutevel Se apenas a crenccedila sem prova alguma de que a morte natildeo eacute o final de tudo de que haacute possibilidade de reencontrar pessoas amadas que faleceram e de que em breve natildeo mais existiraacute dor ou tristeza num paraiacuteso perfeito puder elevar a qualidade do tempo de vida que resta ao paciente jaacute seria motivo mais do que suficiente para incentivaacute-la

Sem duacutevida alguma meacutedicos e outros profissionais da sauacutede devem ter um comprometimento eacutetico com a ciecircncia e com a divulgaccedilatildeo cientiacutefica procurando evitar arqueacutetipos relacionados a crendices infundadas Mas destruir em nome da ciecircncia a feacute que pode ser a uacutenica coisa que resta aquele que sofre natildeo parece ser muito eacutetico ou profissional

Concordando com Kyriacou (2018) noacutes seres humanos fomos abenccediloados com um corpo e uma mente e natildeo honrariacuteamos a feacute negligenciando a ciecircncia Pelo contraacuterio entendemos que a feacute comeccedila onde a ciecircncia termina sem perder de vista os limites do que nos eacute possiacutevel saber Mas tambeacutem se faz necessaacuteria suficiente humildade para natildeo refutar em nome da ciecircncia o que para muitos pode ser tudo o que resta a realidade da feacute

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SECcedilAtildeO II

PROCESSOS BAacuteSICOS EM NEUROCIEcircNCIAS

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica

Andreacute Demambre Bacchi

Introduccedilatildeo

O uso de substancias psicoativas tem feito parte da vida do ser humano haacute milecircnios (Austin 1978) Enquanto aproximadamente metade da populaccedilatildeo mundial utiliza ao menos uma substacircncia psicoativa o consumo de aacutelcool tabaco e outras drogas figuram entre as principais causas de morte evitaacuteveis no planeta (World Health Organization 2004)

Segundo a quinta ediccedilatildeo do Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais - DSM-V os transtornos relacionados ao uso de substacircncias abrangem classes distintas de drogas como aacutelcool cafeiacutena cannabis alucinoacutegenos inalantes opioacuteides hipnosedativos ansioliacuteticos estimulantes tabaco entre outras substacircncias De modo geral eacute possiacutevel afirmar que a maioria das drogas que provocam dependecircncia possuem em comum a ativaccedilatildeo do sistema de recompensa cerebral que estaacute envolvido no reforccedilo de comportamentos e na produccedilatildeo de memoacuterias (American Psychiatric Association 2013) A ativaccedilatildeo desse sistema pelo uso de determinadas substacircncias pode ser intensa a ponto de ldquosequestrarrdquo os circuitos cerebrais envolvidos na aquisiccedilatildeo de recompensas naturais relevantes agrave sobrevivecircncia enquanto indiviacuteduo (como a busca por alimentos) ou enquanto espeacutecie (oportunidades de acasalamento) (Hyman 2005)

Os mecanismos de accedilatildeo farmacoloacutegicos pelos quais cada droga produz recompensa diferem entre si mas geralmente acabam levando agrave ativaccedilatildeo desse sistema produzindo sensaccedilatildeo de prazer frequentemente denominada de ldquobaratordquo (do inglecircs hight) ou ldquoviagemrdquo (do inglecircs trip) Aleacutem disso deficiecircncias em mecanismos cerebrais inibitoacuterios e determinados contextos sociais podem fazer com

Autor para correspondecircncia bacchiufredubr

Professor de Farmacologia do

Curso de Medicina da Universidade

Federal de Rondonoacutepolis

Instituto de Ciecircncias Exatas e Naturais Avenida

dos Estudantes 5055 - Cidade

Universitaacuteria Rondonoacutepolis - MT

CEP 78735-901

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164 | Temas em Neurociecircncias

que certos indiviacuteduos sejam particularmente mais vulneraacuteveis ao desenvolvimento de transtornos por uso de substacircncias (American Psychiatric Association 2013)

Contudo mesmo constituindo um problema de sauacutede puacuteblica haacute escassez de tratamentos para esses transtornos se comparados a outros como depressatildeo e ansiedade Essa falta de tratamentos psicofarmacoloacutegicos efetivos pode ter provocado certo grau de omissatildeo terapecircutica quanto agrave abordagem medicamentosa para o manejo da dependecircncia Infelizmente parece haver certo ceticismo quando se fala em desenvolvimento de faacutermacos para o tratamento do abuso de substacircncias Esse raciociacutenio pode ter diversas origens entre elas o fato de que haacute um grande nuacutemero de usuaacuterios que natildeo conseguem atingir a abstinecircncia total eou que sofrem frequentes recaiacutedas Aleacutem disso haacute tambeacutem o estigma com consequente preconceito por parte de cientistas e profissionais de sauacutede que leva agrave crenccedila equivocada de que ao contraacuterio de outras doenccedilas ou transtornos ldquoo dependente quiacutemico se coloca voluntariamente nessa situaccedilatildeordquo e por esse motivo deve ter menor prioridade em relaccedilatildeo aos demais pacientes (Stahl 2013)

Nesse contexto um dos pontos de partida para se discutir a eficaacutecia e o desenvolvimento de tratamentos efetivos para os transtornos por uso de substacircncia eacute o conhecimento da base neurocientiacutefica dos circuitos de recompensa Assim o objetivo deste capiacutetulo eacute municiar o leitor com a base bioloacutegica que possibilitaraacute a compreensatildeo de como o abuso de drogas eacute capaz de promover neuroadaptaccedilotildees disfuncionais no dependente quiacutemico tornando-o ldquorefeacutem de si mesmordquo

A Dependecircncia Quiacutemica como Fenocircmeno Multidimensional

Sem uma droga de abuso ou sem um circuito cerebral de recompensa natildeo haveria dependecircncia quiacutemica Contudo embora esses sejam os elementos-chave desse transtorno esse fenocircmeno sofre influecircncia de muitos outros fatores Afinal nem todas as pessoas que fazem uso de uma droga tornam-se dependentes dela

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica | 165

A Figura 1 mostra que aleacutem dos aspectos neurobioloacutegicos os aspectos comportamentais geneacuteticos e ambientais satildeo cruciais para o desenvolvimento da dependecircncia quiacutemica

Neurobiologia

Comportamento

Ambiente

Geneacutetica

Figura 1 Dependecircncia quiacutemica como fenocircmeno multidimensional Embora as caracteriacutesticas farmacoloacutegicas de cada droga de abuso e as neuroadaptaccedilotildees dos neurocircuitos sejam aspectos fundamentais envolvidos na dependecircncia quiacutemica os fatores geneacuteticos ambientais e comportamentais satildeo capazes de modificar e interferir significativamente nesse processo

Por um lado algumas substacircncias parecem ser intrinsecamente mais aditivas do que outras Por outro algumas pessoas podem ser mais impulsivas ou podem apresentar um sistema de recompensa geneticamente disfuncional Em outras palavras traccedilos impulsivos e disfunccedilotildees no sistema de recompensa podem facilitar o uso abusivo de substacircncias e alguns indiviacuteduos podem ser naturalmente mais vulneraacuteveis a se tornarem compulsivos com o uso frequente (Ersche Turton Pradhan Bullmore amp Robbins 2010)

Impulsividade e Compulsividade na Dependecircncia Quiacutemica

A dependecircncia pode ser descrita neuroquimicamente como uma transiccedilatildeo de accedilotildees compulsivas para accedilotildees compulsivas

166 | Temas em Neurociecircncias

(Volkow Wang Fowler Tomasi amp Telang 2011) No transtorno por uso de substacircncias estaacute presente um conjunto de sintomas cognitivos comportamentais e fisioloacutegicos caracterizados pela incapacidade em adiar recompensas (impulsividade) e pelo uso contiacutenuo da droga apesar das consequecircncias significativamente negativas (compulsividade) De maneira simplificada podemos afirmar que impulsividade e compulsividade satildeo sintomas que derivam da dificuldade do ceacuterebro em ldquodizer natildeordquo (Everitt et al 2008 Moeller Barratt Dougherty Schmitz amp Swann 2017)

De modo mais preciso impulsividade pode ser definida como uma accedilatildeo sem reflexatildeo preacutevia ou ausecircncia de reflexatildeo sobre as consequecircncias de determinado comportamento Haacute portanto grande dificuldade em se adiar recompensas com predileccedilatildeo a uma recompensa imediata em detrimento agrave outra potencialmente mais beneacutefica poreacutem tardia Seria o que na linguagem coloquial chamariacuteamos de ldquofalta de forccedila de vontade para resistir a tentaccedilotildeesrdquo (Moeller et al 2017) Por outro lado a compulsividade eacute caracterizada por presenccedila de accedilotildees inapropriadas a certa situaccedilatildeo mas que persistem mesmo produzindo consequecircncias nocivas (Everitt et al 2008)

Embora relacionadas com aacutereas ligeiramente distintas no ceacuterebro tanto impulsividade como compulsividade podem ser consideradas como impulsos neurobioloacutegicos ldquode baixo para cimardquo (por exemplo da aacuterea tegmental ventral para o nuacutecleo accumbens) que podem sofrer supressatildeo por estiacutemulos ldquode cima para baixordquo (oriundos do coacutertex preacute-frontal) Nesse contexto impulsividade e compulsividade seriam resultado da falha na resposta dos sistemas de inibiccedilatildeo ldquode cima pra baixordquo ou da ativaccedilatildeo excessiva ldquode baixo pra cimardquo (Goldstein amp Volkow 2002) Diversos estudos de neuroimagem tecircm dado suporte a esse modelo (Limbrick-Oldfield Van Holst amp Clark 2013) e essas alteraccedilotildees parecem ser a fonte das constantes recaiacutedas do usuaacuterio de drogas que caracterizam a dependecircncia quiacutemica (Koob 2013)

Podemos considerar que o uso inicial de uma droga eacute em geral voluntaacuterio e estaacute ligado ao traccedilo de impulsividade Esse contato inicial com a substacircncia provoca uma sensaccedilatildeo de prazer e satisfaccedilatildeo Se isso ocorre com pouca frequecircncia e intensidade a busca e o consumo podem permanecer sob controle caracterizando

Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica | 167

um usuaacuterio ldquoocasionalrdquo Contudo as primeiras doses costumam ser as mais reforccediladoras pois satildeo praticamente isentas de penalidades Isso pode facilitar que o uso se torne frequente evoluindo para o uso compulsivo caracterizado pela necessidade de maiores doses para a obtenccedilatildeo do efeito desejado (toleracircncia) e a necessidade de utilizaccedilatildeo para reduzir os sintomas incocircmodos de abstinecircncia na ausecircncia da droga (Clark Robbins Ersche amp Sahakian 2006)

O fenocircmeno de toleracircncia ocorre com frequecircncia para drogas de abuso e diversas formas de toleracircncia podem ocorrer durante o consumo crocircnico de uma droga A toleracircncia varia de acordo com a geneacutetica individual bem como com o grau de exposiccedilatildeo agrave substacircncia Um dos tipos de toleracircncia que pode ocorrer eacute a toleracircncia farmacocineacutetica Nesse caso a toleracircncia resulta de maior eliminaccedilatildeo da substacircncia pelo organismo Esse tipo de toleracircncia estaacute associada ao fenocircmeno de induccedilatildeo de enzimas hepaacuteticas apoacutes o uso repetitivo da droga Quanto maior atividade biotransformadora enzimaacutetica maior eacute a eliminaccedilatildeo da substacircncia e maior dose eacute necessaacuteria para obter o mesmo efeito de antes

Outros tipos de toleracircncia como a toleracircncia farmacodinacircmica (relacionada aos receptores nos quais a substacircncia atua) e toleracircncia funcional (quando o organismo compensa certos efeitos por meio de uma desregulaccedilatildeo endoacutegena) podem tambeacutem participar dos mecanismos de toleracircncia agraves drogas

Poreacutem independentemente do tipo o fenocircmeno de toleracircncia eacute um processo reversiacutevel Ou seja apoacutes um periacuteodo de abstinecircncia a toleracircncia pode ser revertida podendo levar a overdoses acidentais (Golan Tashjian Jr Armstrong amp Armstrong 2012)

Para ilustrar esse processo podemos utilizar como exemplo o caso da cantora Amy Winehouse Amy utilizou grandes quantidades de etanol de forma crocircnica durante sua vida desenvolvendo toleracircncia agrave bebida Por esse motivo conseguia (e sentia necessidade de) consumir uma grande quantia de aacutelcool diariamente Contudo apoacutes cessar o uso da droga por algumas semanas em uma tentativa de se manter ldquolivre do viacuteciordquo seu organismo foi capaz de retornar ao estado basal Assim sua toleracircncia ao aacutelcool diminuiu drasticamente Poreacutem em um episoacutedio de recaiacuteda consumiu a mesma quantidade que estava habituada anteriormente Sem estar tolerante ao etanol

168 | Temas em Neurociecircncias

Amy acabou sofrendo uma superdosagem alcooacutelica que culminou em seu oacutebito (Bacchi 2020)

James Olds Peter Milner e a Descoberta do ldquoCentro de Recompensa Cerebralrdquo

As bases neurobioloacutegicas da dependecircncia quiacutemica tecircm sido alvo de crescente interesse uma vez que o melhor entendimento dos mecanismos cerebrais ligados ao comportamento de dependecircncia tecircm permitido a busca de tratamentos medicamentosos mais eficazes para o comportamento repetitivo da busca pelas substacircncias assim como para a siacutendrome de abstinecircncia (Figlie Bordin amp Laranjeira 2014)

Na metade do seacuteculo XIX algumas teorias sobre motivaccedilatildeo afirmavam que o ldquocomportamento dependenterdquo resultava de instintos subconscientes Essas teorias eram pouco claras e natildeo demonstravam de maneira satisfatoacuteria quais elementos materiais estariam envolvidos na dependecircncia quiacutemica No iniacutecio da deacutecada de 40 contudo uma nova explicaccedilatildeo surgiu abrangendo conceitos de psicologia e psiquiatria Essa teoria chamada de teoria do reforccedilo teve como pioneiro o trabalho realizado por Spragg (1940) no qual apoacutes receberem repetidamente drogas opioides chimpanzeacutes trabalhavam voluntariamente para ter acesso a estas substacircncias contrariando o esperado de seus comportamentos inatos

Essas pesquisas despertaram o interesse da comunidade cientiacutefica pelo tema e em 1954 os pesquisadores James Olds e Peter Milner observaram que ratos com eletrodos introduzidos em regiotildees especiacuteficas do ceacuterebro pressionavam uma barra para receber estiacutemulos eleacutetricos nessas regiotildees Esse comportamento de autoestimulaccedilatildeo chegava a ser tatildeo intenso a ponto de os animais deixarem de se alimentar ou dormir para continuar pressionando a barra Essas e outras observaccedilotildees levaram agrave descoberta de que as regiotildees cerebrais relacionadas ao comportamento de autoestimulaccedilatildeo eram as mesmas regiotildees responsaacuteveis pelo consumo de aacutegua e comida e estariam portanto relacionadas com recompensa e motivaccedilatildeo (Olds amp Milner 1954) Portanto as vias dopamineacutergicas mesoliacutembica e mesocortical estariam envolvidas com a recompensa e seriam provavelmente estimuladas pelas

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drogas de abuso Assim acredita-se que o sistema dopamineacutergico mesocorticoliacutembico desempenhe um papel central nas siacutendromes de dependecircncia (Volkow amp Fowler 2000 Volkow Fowler amp Wang 2003)

Dopamina e a Neurobiologia da Recompensa

Cada droga de abuso possui seu proacuteprio mecanismo de accedilatildeo mas geralmente atuam direta ou indiretamente ativando um mesmo circuito cerebral o sistema dopamineacutergico de recompensa a via final comum de reforccedilo e recompensa no ceacuterebro A via dopamineacutergica mesoliacutembica parte da aacuterea tegmental ventral e projeta-se ao nuacutecleo accumbens um dos principais componentes do estriado que tem sido considerado estrutura fundamental na mediaccedilatildeo de processos motivacionais emocionais e nos efeitos de certas drogas psicoativas Alguns autores consideram portanto que este seja o ldquocentro do prazerrdquo do ceacuterebro (Nestler 2005) Por conta disso a dopamina frequentemente eacute descrita popularmente como sendo ldquoo neurotransmissor do prazerrdquo uma definiccedilatildeo reducionista e imprecisa Eacute mais adequado conforme visto ateacute aqui considerar que a dopamina possui um papel de destaque na recompensa e na motivaccedilatildeo

Haacute diversas maneiras de desencadear ldquonaturalmenterdquo a liberaccedilatildeo de dopamina na via mesoliacutembica Realizar com sucesso tarefas intelectuais ou atleacuteticas degustar uma boa refeiccedilatildeo atingir o orgasmo apaixonar-se ou ateacute mesmo ouvir suas muacutesicas favoritas podem ser alguns desses exemplos As substacircncias que provocam dependecircncia tambeacutem seguem essa loacutegica neurobioloacutegica Contudo elas produzem um grau de disparo dopamineacutergico muito mais intenso do que aquele gerado por substacircncias ou comportamentos mais elementares relativos agrave sobrevivecircncia Esse estiacutemulo mais acentuado provocado por algumas drogas pode levar a alteraccedilotildees no circuito de recompensa conduzindo a um ciclo de busca pela substacircncia fissura dependecircncia e abstinecircncia na retirada da droga (Hyman Malenka amp Nestler 2006)

Ademais a gratificaccedilatildeo experimentada inicialmente quando a droga eacute consumida tende a diminuir com o decorrer do tempo (por mecanismos de toleracircncias farmacocineacutetica e farmacodinacircmica) podendo exigir aumento da dose para obtenccedilatildeo do mesmo efeito e

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intensificando o processo de dependecircncia quiacutemica (Kalivas amp Volkow 2005)

Coloquialmente poderiacuteamos dizer que o ceacuterebro ldquoperceberdquo que natildeo eacute necessaacuterio ganhar essa recompensa naturalmente uma vez que eacute possiacutevel consegui-la de maneira mais intensa e com menor esforccedilo pelo uso de uma substacircncia quiacutemica Natildeo apenas drogas mas comportamentos potencialmente desadaptativos como jogo patoloacutegico uso intenso de internet compras compulsivas entre outros podem tambeacutem levar agrave liberaccedilatildeo de dopamina na via mesoliacutembica de maneira semelhante (Balodis et al 2012)

Com o passar do tempo natildeo apenas a recompensa mas tambeacutem a antecipaccedilatildeo da recompensa associa-se agrave busca da droga ou de situaccedilotildees envolvidas nos transtornos impulsivos-compulsivos Ou seja os neurocircnios dopamineacutergicos deixam de responder apenas ao reforccedilador inicial (como a droga de abuso) e passam a responder ao estiacutemulo condicionado (ver a droga ou as pessoas ou locais que se relacionam ao seu consumo) Isso corresponde neurobiologicamente agrave migraccedilatildeo do aumento de dopamina do nuacutecleo accumbens para o estriado dorsal caracterizando a transiccedilatildeo da impulsividade para a compulsividade (Dalley Everitt amp Robbins 2011 Everitt amp Robbins 2013)

A dopamina estaacute portanto associada agrave motivaccedilatildeo para a busca e consumo de drogas caracteriacutesticas centrais do dependente quiacutemico Assim o indiviacuteduo apresenta foco e motivaccedilatildeo quando busca obter a droga poreacutem demonstra apatia quando envolvido em atividades que natildeo se relacionam com ela A dissonacircncia entre expectativa dos efeitos da droga e os efeitos cada vez mais atenuados da dopamina manteacutem o uso compulsivo da substacircncia como uma tentativa de conquista da recompensa esperada (Melis Spiga amp Diana 2005)

A Forma de Utilizaccedilatildeo e o Risco de Dependecircncia

A velocidade com a qual uma droga atinge seu siacutetio de accedilatildeo pode determinar a intensidade dos efeitos e o grau da experiecircncia subjetiva do indiviacuteduo e portanto tambeacutem contribui para aumentar ou reduzir as chances de uma pessoa se tornar dependente Eacute por isso que muitas das drogas de abuso satildeo injetadas ou inaladas

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sendo consideravelmente mais reforccediladoras assim do que se fossem utilizadas por outras vias como a via oral Sendo assim a maneira mais raacutepida e potente de fazer com que uma substacircncia alcance o sistema nervoso central de maneira simples e natildeo invasiva eacute fumando aquelas que satildeo compatiacuteveis com essa via Por isso o cigarro de tabaco maconha crack metanfetamina entre outras costumam ser utilizadas por essa via levando a descargas faacutesicas (e em grande quantidade) de dopamina (Ferris et al 2012)

Desse modo os efeitos reforccediladores da droga dependem natildeo apenas da presenccedila de dopamina no circuito de recompensa cerebral mas tambeacutem da intensidade da sua liberaccedilatildeo Essa intensidade por sua vez depende intrinsecamente do mecanismo de accedilatildeo de cada droga e tambeacutem eacute determinada pela via de administraccedilatildeo adotada Um aumento abrupto e pronunciado de dopamina mimetiza a liberaccedilatildeo dopamineacutergica faacutesica associada agrave recompensa e motivaccedilatildeo favorecendo a dependecircncia (Lodge amp Grace 2006)

Por outro lado alguns faacutermacos que tambeacutem provocam essa liberaccedilatildeo de dopamina quando administradas por via oral e em baixas doses atuam pouco como reforccediladores e podem ser utilizados no tratamento de alguns transtornos Esse eacute o exemplo do uso da Ritalinareg (metilfenidato) para o tratamento do transtorno do deacuteficit de atenccedilatildeo e hiperatividade (TDAH) Isso natildeo extingue a possibilidade de o metilfenidato provocar dependecircncia mas certamente confere a esse faacutermaco um efeito menos reforccedilador que a cocaiacutena ou metanfetamina por exemplo (Volkow 2006 Volkow Fowler Wang Ding amp Gatley 2002)

Nem soacute de Dopamina Vive um Ceacuterebro ldquoDependenterdquo

Ateacute aqui af irmamos que a dopamina eacute o principal neurotransmissor envolvido na motivaccedilatildeo e recompensa Entretanto se diferentes classes de drogas de abuso possuem mecanismos de accedilatildeo distintos podendo provocar diversos tipos de efeitos como todas elas de alguma forma aumentam dopamina

Ainda que o sistema dopamineacutergico mesocorticoliacutembico represente o sistema de recompensa cerebral neurotransmissores

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como serotonina noradrenalina acetilcolina glutamato e o aacutecido gama-aminobutiacuterico (GABA) satildeo tambeacutem responsaacuteveis pela modulaccedilatildeo dos neurocircnios dopamineacutergicos da via mesoliacutembica e estatildeo envolvidos nesse sistema Endorfinas e opioides endoacutegenos bem como endocanabinoacuteides (como anandamida) tambeacutem influenciam esse circuito favorecendo atividade dopamineacutergica (Koob amp Volkow 2010)

Sendo assim diversas substacircncias psicotroacutepicas de uso abusivo possuem a capacidade de mimetizar esses sinalizadores endoacutegenos atuando como agonistas de receptores cerebrais no sistema de recompensa tendo como efeito final a liberaccedilatildeo ldquoartificialrdquo de dopamina Assim o aacutelcool (que reforccedila os efeitos do GABA e opioides) os proacuteprios opioides exoacutegenos (como a morfina) os estimulantes (que aumentam a liberaccedilatildeo e inibem recaptaccedilatildeo da proacutepria dopamina) a maconha (que estimula receptores canabinoacuteides) os benzodiazepiacutenicos (que reforccedilam accedilatildeo do GABA) os alucinoacutegenos (que estimulam receptores serotonineacutergicos) e a nicotina (que mimetiza a accedilatildeo da acetilcolina) satildeo capazes de afetar e desregular o sistema dopamineacutergico mesoliacutembico favorecendo a dependecircncia (Stahl 2013)

A Figura 2 resume essa complexa relaccedilatildeo Neurocircnios dopamineacutergicos projetam-se da aacuterea tegmental ventral para o nuacutecleo accumbens Conforme mencionamos anteriormente o aumento da liberaccedilatildeo de dopamina nessa aacuterea estaacute associado agrave recompensa e motivaccedilatildeo Esses neurocircnios dopamineacutergicos sofrem regulaccedilotildees negativas e positivas por diversos outros neurocircnios (natildeo mostrados na figura) e seus neurotransmissores Faacutermacos estimulantes cocaiacutena metanfetamina aumentam diretamente a disponibilidade sinaacuteptica de dopamina Opioides e drogas sedativas inibem interneurocircnios inibitoacuterios o que leva a uma desinibiccedilatildeo dos neurocircnios dopamineacutergicos enquanto o cigarro e drogas alucinoacutegenas estimulam esses neurocircnios Poreacutem independente do mecanismo de accedilatildeo o resultado final eacute o aumento de dopamina no nuacutecleo accumbens

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Nucleo Accumbens

Aacuterea Tegmental Ventral

Interneurocircnio gabaeacutergico

ndash Opioides endoacutegenos e exoacutegenosndash GABA (e Hipnosedativos)ndash Aacutelcool

ndash Acetilcolina (e Nicotina)ndash Serotonina (e Alucinoacutegenos)

DOPAMINA(recompensa) ndash Faacutermacos Estimulantes

ndash Cocaiacutena

Figura 2 A ldquofarmaacuteciardquo cerebral no circuito da recompensa A via dopamineacutergica mesoliacutembica eacute regulada por diversos neurotransmissores As drogas de abuso mimetizam e potencializam a accedilatildeo dessas moleacuteculas favorecendo direta ou indiretamente o aumento de dopamina no nuacutecleo accumbens

Aspectos Comportamentais e Ambientais da Dependecircncia

Resumidamente um comportamento ou resposta tem maior probabilidade de voltar a ocorrer por meio de um processo comportamental chamado reforccedilo Isso acontece tanto quando haacute a inserccedilatildeo de uma estimulaccedilatildeo apetitiva para o sujeito (reforccedilo positivo) que pode vir acompanhada de uma sensaccedilatildeo de prazer ou quando haacute a retirada de uma estimulaccedilatildeo aversiva (reforccedilo negativo) que gera uma sensaccedilatildeo de aliacutevio (Baron amp Galizio 2005)

Um jeito simples de entender esses conceitos eacute imaginar um alimento Por exemplo para uma pessoa que goste muito de chocolate buscar sempre esse alimento que traz para ela uma sensaccedilatildeo prazerosa ateacute mesmo quando ela natildeo estaacute com fome mostra que o doce estaacute atuando como reforccedilo positivo Por outro lado podemos comer uma comida que nem gostamos porque estamos com muita

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fome e este eacute o uacutenico recurso disponiacutevel Nesse caso a comida estaacute aliviando um desconforto (fome) e atuando como reforccedilo negativo

De modo semelhante sabemos que as drogas de abuso aumentam a liberaccedilatildeo de dopamina no nuacutecleo accumbens Dessa forma as pessoas podem utilizar as drogas em busca de uma sensaccedilatildeo de bem-estar e euforia (reforccedilo positivo) ou podem usar drogas para aliviar sensaccedilotildees ruins como ansiedade depressatildeo estados de tristeza ou mesmo para aliviar a siacutendrome de abstinecircncia (reforccedilo negativo) Isso certamente aumenta a chance de a droga ser utilizada novamente

Nos estados de abstinecircncia em geral a pessoa apresenta sintomas opostos aos observados quando estaacute sob o efeito agudo da droga abusada Por exemplo na ausecircncia de benzodiazepiacutenicos - drogas que induzem o sono - o indiviacuteduo pode experienciar um quadro de insocircnia intensa Esses sintomas satildeo acompanhados pela depleccedilatildeo dos niacuteveis de dopamina no nuacutecleo accumbens que estaacute relacionada com o forte desejo de utilizar a droga novamente (fissura) (Schulteis Stinus Risbrough amp Koob 1998)

Fissura - ou craving - eacute definida como um sentimento de desejo urgente e ldquoincontrolaacutevelrdquo de usar a substacircncia com pensamentos intrusivos que alteram o humor do usuaacuterio e provocam sensaccedilotildees fiacutesicas e alteraccedilotildees de seu comportamento Estudos apontam que a fissura estaacute relacionada tanto a desencadeadores externos (por exemplo a proacutepria droga) quanto internos (como ansiedade) (Tiffany Carter amp Singleton 2000)

Quando falamos em abuso e dependecircncia haacute vaacuterios indiacutecios que estiacutemulos ambientais possam influenciar no risco de utilizar droga (condicionamento ao ambiente) Um animal de estimaccedilatildeo que ouccedila ou veja seu dono pegando a vasilha da raccedilatildeo costuma se agitar e correr em direccedilatildeo ao local antecipando a recompensa Podemos considerar que com as drogas de abuso algo semelhante aconteccedila a visatildeo do local no qual o usuaacuterio costumava utilizar a droga por exemplo pode ser suficiente para desencadear a vontade de usaacute-la novamente uma vez que ocorre a associaccedilatildeo entre o ambiente e o efeito da droga (Rehman Mahabadi amp Rehman 2019)

Haacute relatos por exemplo de que a cantora e compositora Janis Joplin estava haacute algum tempo sem consumir heroiacutena buscando a

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abstinecircncia completa quando reencontrou uma amiga com a qual utilizava a droga no passado juntamente com seu antigo fornecedor Isso foi suficiente para que ela tivesse uma recaiacuteda que a levou a uma overdose fatal (Bacchi 2020)

O papel do estresse na dependecircncia tambeacutem demonstra a importacircncia do ambiente para o abuso de drogas Natildeo eacute raro observarmos o comportamento de pessoas abusando de bebidas alcooacutelicas para relaxar e aliviar o estresse Certamente parte desse comportamento eacute socialmente aprendido enquanto outra parte se relaciona com as propriedades ansioliacuteticas do aacutelcool

Contudo eacute necessaacuterio frisar que nem sempre as condiccedilotildees ambientais favorecem o consumo de drogas Viver em um ambiente rico em estiacutemulos positivos com maior interaccedilatildeo social com acesso a mais recursos eou com estresse diminuiacutedo pode na verdade reduzir a autoadministraccedilatildeo de drogas (Alexander Beyerstein Hadaway amp Coambs 1981)

Geneacutetica e Dependecircncia Quiacutemica

Eacute certo que fatores geneacuteticos desempenham importante papel na dependecircncia quiacutemica Estudos epidemioloacutegicos mostram que a dependecircncia ao aacutelcool por exemplo possui um forte componente familiar com parte dessa influecircncia relacionada a caracteriacutesticas herdadas por meio de genes Essa maior vulnerabilidade geneacutetica natildeo implica necessariamente em uma dependecircncia futura mas sim no aumento do risco para dependecircncia somado aos outros fatores abordados neste capiacutetulo Nesse contexto estima-se que fatores geneacuteticos possam contribuir com em meacutedia 40 dos transtornos por abuso de substacircncias variando valores de acordo com o sexo e com a substacircncia utilizada (Swendsen amp Le Moal 2011)

Existem genes identificados que potencializam alteraccedilotildees metaboacutelicas em resposta a substacircncias especiacuteficas (facilitando ou dificultando sua toleracircncia por exemplo) e genes que influenciam diretamente a funccedilatildeo do sistema de recompensa cerebral (Agrawal et al 2012) Sobre estes uacuteltimos indiviacuteduos podem apresentar predisposiccedilotildees geneacuteticas que aumentem a chance de provocar um mau funcionamento da via mesoliacutembica de recompensa - por

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reduccedilatildeo na expressatildeo de receptores de dopamina - resultando em um estado ldquohipodopamineacutergicordquo que facilita a dependecircncia compulsatildeo e impulsividade Assim pesquisadores cunharam o termo ldquoSiacutendrome da deficiecircncia de recompensardquo para representar esse desbalanccedilo neuroquiacutemico geneacutetico (Blum et al 1990 Blum et al 2012) Contudo esse tipo de influecircncia geneacutetica provavelmente natildeo se restringe apenas a genes especiacuteficos do circuito de recompensa mas tambeacutem se estende interaccedilotildees entre muacuteltiplos genes e em diferentes vias bioloacutegicas (Lobo amp Kennedy 2006)

Sendo assim a personalizaccedilatildeo de intervenccedilotildees terapecircuticas com base na geneacutetica individual tem deixado de ser algo ldquofuturistardquo para se tornar realidade em diversas especialidades meacutedicas e isso natildeo exclui os tratamentos na aacuterea de sauacutede mental (Malhotra Zhang amp Lencz 2012)

Bases do Tratamento da Dependecircncia Quiacutemica

O tratamento da dependecircncia eacute algo ainda muito incipiente considerando que foi soacute a partir do seacuteculo XXI que comeccedilamos a ter um entendimento mais soacutelido sobre a neurobiologia da dependecircncia (Oliveira Schwartz amp Stahl 2015)

Tendo em vista o que foi exposto neste capiacutetulo seria razoaacutevel imaginar que pacientes que sofram de dependecircncia quiacutemica possam se beneficiar de intervenccedilotildees farmacoloacutegicas e psicoteraacutepicas Contudo tratamentos baseados em evidecircncias com esse objetivo ainda estatildeo comeccedilando a surgir

O tratamento da dependecircncia quiacutemica se divide atualmente entre as abordagens farmacoloacutegicas e as psicossociais A maior parte dos autores e dos estudos sugere que a administraccedilatildeo isolada de faacutermacos natildeo deve ser o tratamento definitivo nos casos de dependecircncia sendo geralmente recomendada em conjunto com as abordagens psicossociais (Oliveira et al 2015)

Dentre as abordagens farmacoloacutegicas temos a divisatildeo entre terapias de substituiccedilatildeo e as terapias de natildeo substituiccedilatildeo A terapia de substituiccedilatildeo envolve o uso de um medicamento da mesma classemecanismo da droga que era utilizada em sua substituiccedilatildeo Por exemplo eacute possiacutevel substituir a heroiacutena (uma droga opioide injetaacutevel

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de meia-vida curta) pela metadona (um medicamento opioide via oral com longa meia-vida) Essa troca auxilia a aliviar os sintomas de abstinecircncia e promove reduccedilatildeo de danos pois o paciente natildeo utilizaraacute a via injetaacutevel (com o risco de contaminaccedilatildeo por compartilhamento de seringas) nem estaraacute exposto a picos plasmaacuteticos muito intensos e de curta duraccedilatildeo que favorecem o consumo compulsivo da heroiacutena Posteriormente trabalha-se a substituiccedilatildeo da metadona por um opioide de accedilatildeo parcial como buprenorfina e por fim a abstinecircncia O uso de adesivos ou gomas de nicotina no tratamento do tabagismo segue uma loacutegica semelhante

Jaacute as terapias de natildeo substituiccedilatildeo envolvem o tratamento dos sintomas de abstinecircncia No mesmo exemplo da dependecircncia por heroiacutena pode-se usar clonidina para controlar o aumento da pressatildeo arterial benzodiazepiacutenicos para reduzir ansiedade e insocircnia analgeacutesicos para dor etc (Golan et al 2012)

A dependecircncia por cada droga especiacutefica teraacute um conjunto de ferramentas farmacoloacutegicas mais indicado para ser utilizado Contudo aleacutem da dependecircncia por heroiacutena citada anteriormente os tratamentos farmacoloacutegicos mais bem estabelecidos e com base em evidecircncia se restringem agrave dependecircncia por etanol e nicotina

Na dependecircncia por aacutelcool utiliza-se aleacutem do tratamento sintomaacutetico principalmente

bull Dissulfiram um faacutermaco que impede que um produto toacutexico da biotransformaccedilatildeo do etanol (o acetaldeiacutedo) seja corretamente eliminado fazendo com o que o paciente sinta naacuteusea e outros sintomas desconfortaacuteveis durante o consumo de aacutelcool

bull Naltrexona antagonista opioide utilizado para evitar recaiacuteda por dependentes de heroiacutena ou aacutelcool jaacute desintoxicados

bull Acamprosato um faacutermaco com accedilatildeo semelhante ao aacutelcool nos receptores de GABA e glutamato Funciona como um ldquoaacutelcool falsordquo que visa aliviar os sintomas de abstinecircncia

Assim como nas demais dependecircncias os tratamentos farmacoloacutegicos na dependecircncia do etanol satildeo mais efetivos quando integrados com a psicoterapia (Anton et al 2006 De Witte Littleton Parot amp Koob 2005 Roozen et al 2006)

O tratamento da dependecircncia por nicotina tambeacutem eacute complexo em especial pelo seu alto poder de adicccedilatildeo Mesmo interrompido o uso do cigarro a duraccedilatildeo da ldquonecessidadevontade de fumarrdquo

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pode ser muito longa chegando a durar anos Os tratamentos farmacoloacutegicos especiacuteficos aprovados no contexto da dependecircncia agrave nicotina envolvem

bull Nicotina na forma de adesivos gomas ou pastilhas substituiccedilatildeo da nicotina fumada pelo cigarro de maneira mais controlada de modo a tentar reduzir a fissura e abstinecircncia (Stahl 2013)

bull Bupropiona faacutermaco antidepressivo que aumenta levemente a biodisponibilidade de dopamina ldquosuprindordquo parcialmente a necessidade dopamineacutergica do circuito de recompensa que estaacute hipoativo apoacutes a cessaccedilatildeo do tabagismo (Culbertson et al 2011)

bull Vareniclina substitui parcialmente a accedilatildeo da nicotina ao mesmo tempo estimulando de modo mais brando o circuito de recompensa (aliviando a fissura) e impedindo a accedilatildeo da nicotina fumada (reduzindo o reforccedilo associado ao uso da droga) (Crunelle Miller Booij amp van den Brink 2010)

Para drogas estimulantes como cocaiacutena crack e metanfetamina natildeo haacute tratamento farmacoloacutegico especiacutefico aprovado Por um raciociacutenio bioloacutegico e anaacutelogo ao dos tratamentos citados anteriormente substituiccedilatildeo por bupropiona d-anfetamina e modafinil foram cogitadas sem conclusotildees significativas (Castells et al 2010) Antidepressivos tambeacutem foram estudados com melhor resposta para os antidepressivos triciacuteclicos (Pani Trogu Vecchi amp Amato 2011) Uma vez que os estudos conduzidos ateacute agora natildeo satildeo suficientes para apoiar o uso desses faacutermacos enquanto protocolo oficial o tratamento farmacoloacutegico das dependecircncias por drogas estimulantes se restringe ao controle dos sintomas de abstinecircncia

Os tratamentos psicossociais constituem parte importantiacutessima no manejo dos transtornos por uso de substacircncias psicoativas Haacute diversas abordagens possiacuteveis que podem ter melhor desempenho dependendo da substacircncia e das necessidades particulares do paciente e podem ser aplicadas tanto no contexto individual quanto em grupo A Terapia Cognitivo-Comportamental e a Anaacutelise do Comportamento parecem ser abordagens funcionais para a grande maioria dos transtornos por abuso de substacircncia enquanto a Entrevista Motivacional tem demonstrado eficaacutecia para dependecircncia ao aacutelcool nicotina e THC (Cannabis) O programa de 12 passos tem sido tradicionalmente utilizado com maior sucesso nas dependecircncias de aacutelcool opioides e drogas estimulantes enquanto a terapia familiar parece exercer um impacto significativo na adesatildeo ao tratamento farmacoloacutegico nas dependecircncias por aacutelcool e opioides (Stahl amp Grady 2016)

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Em linhas nota-se que frequentemente o melhor tratamento psicoteraacutepico para as dependecircncias depende mais do psicoterapeuta em si do que da abordagem ou teacutecnica especiacutefica adotada Talvez isso ajude a explicar o motivo de os ldquoProgramas de 12 passosrdquo serem tatildeo populares enquanto modalidade de tratamento das dependecircncias uma vez que satildeo administrados muitas vezes por pessoas que se recuperaram e que de fato se importam com essa experiecircncia em contraste com o julgamento e preconceito que ainda podem permear a praacutetica de alguns profissionais

Consideraccedilotildees Finais

O conhecimento soacutelido sobre as bases neurobioloacutegicas envolvidas na dependecircncia bem como sua integraccedilatildeo com aspectos psicoloacutegicos comportamentais e geneacuteticos eacute de fundamental importacircncia para o desenvolvimento e adoccedilatildeo de estrateacutegias preventivas e terapecircuticas para os transtornos relacionados ao uso de substacircncias

A maioria dos aspectos neurobioloacutegicos das dependecircncias podem resultar da desregulaccedilatildeo de mecanismos moleculares relacionados agrave recompensa motivaccedilatildeo e memoacuteria e nesse contexto alguns faacutermacos tecircm sido utilizados para auxiliar a ldquocorrigirrdquo esse desbalanccedilo e aliviar crises de abstinecircncia Jaacute os comportamentos relacionados a essa desregulaccedilatildeo podem ser suprimidos por mecanismos de controle que requerem a accedilatildeo do coacutertex preacute-frontal e que podem ser exercitados treinados e desenvolvidos por meio de teacutecnicas de tratamento psicoteraacutepico (Anton et al 2006)

Todavia mesmo com o uso dessas ferramentas recaiacutedas ocorrem Portanto aleacutem dos avanccedilos na aacuterea psicofarmacoloacutegica e psicoteraacutepica eacute provaacutevel que o maior esclarecimento do papel da expressatildeo gecircnica na dependecircncia quiacutemica possa trazer novas abordagens como avanccedilos na farmacogeneacutetica para o tratamento e prevenccedilatildeo desse complexo fenocircmeno (Maze amp Nestler 2011)

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Dor Aguda e Dor Crocircnica

Mauro LeonelliUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A dor eacute uma das queixas mais comuns entre os pacientes que buscam atendimento meacutedico O sofrimento que a dor causa ao paciente pode levar a alteraccedilotildees do comportamento do humor e da regulaccedilatildeo de funccedilotildees dos sistemas cardiacuteaco circulatoacuterio e endoacutecrino entre outros A dor tambeacutem tem potencial de gerar alteraccedilotildees na maneira que o indiviacuteduo cuida de si proacuteprio como ele se relaciona com outras pessoas e tambeacutem na sua capacidade de trabalho Nesse sentido a dor eacute uma das principais causas de afastamento do trabalho aleacutem de gerar gastos consideraacuteveis para o seu controle

Neste capiacutetulo nossos objetivos incluembull A compreensatildeo da dor e dos processos que podem levar a sua

cronificaccedilatildeo

bull Os mecanismos baacutesicos para o desenvolvimento das dores agudas e crocircnicas

bull As aacutereas do enceacutefalo que satildeo importantes para a percepccedilatildeo da dor

bull A importacircncia que a dor pode ter quando ocorre em concordacircncia com algum estiacutemulo lesivo ou potencialmente lesivo

Desenvolvimento

O que eacute a Dor e Por Que a Sentimos

A dor eacute um dos toacutepicos da fisiologia do sistema nervoso que mais desperta interesse das pessoas ao longo dos seacuteculos uma vez que eacute a modalidade sensorial que tem inerentemente grande capacidade de direcionar a atenccedilatildeo do indiviacuteduo para ela proacutepria

Autor para correspondecircncia

mauroleonelliuelbr

Departamento de Ciecircncias Fisioloacutegicas

Rodovia Celso Garcia CidPr 445

Km 380 Caixa Postal 10011 -

CEP 86057-970 - Londrina-PR

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Uma busca simples pelo termo ldquopainrdquo em uma ferramenta online como o pubmedgov identifica quase oitocentos mil artigos cientiacuteficos catalogados naquela base de dados (acesso em 12 agosto de 2019) o que indica o enorme esforccedilo cientiacutefico despendido para seu estudo Resumidamente a dor surge como expressatildeo da atividade neuronal que informa ao nosso ceacuterebro que algo estaacute errado em nosso corpo seja uma lesatildeo verdadeira ou mesmo alguma alteraccedilatildeo da atividade neuronal que interfere na sinalizaccedilatildeo das vias sensoriais da dor A dor eacute portanto muito mais do que apenas um sinal sensorial que gera uma percepccedilatildeo definida e analisaacutevel de forma objetiva Ao se expressar como percepccedilatildeo gera tambeacutem alteraccedilotildees emocionais e neurovegetativas (Craig 2003) de forma que nosso sistema nervoso seja capaz de identificar o possiacutevel local de origem do estiacutemulo doloroso e paralelamente iniciar a atividade de outras regiotildees do enceacutefalo que permitem o alerta por ativar circuitos que aumentam a atividade neuronal basal de aacutereas essenciais do sistema nervoso de forma que nossos outros sentidos tambeacutem fiquem mais sensiacuteveis a estiacutemulos e nossas respostas motoras mais raacutepidas e vigorosas a programaccedilatildeo motora para proteger a aacuterea supostamente lesionada a aversatildeo um estado emocional subjetivo que nos informa de que algo estaacute errado com o nosso organismo as respostas neurovegetativas que incluem a modulaccedilatildeo do sistema nervoso simpaacutetico e liberaccedilatildeo de hormocircnios ligados a situaccedilotildees de estresse como aqueles estimulados pelo eixo hipotalacircmico-hipofisaacuterio-adrenal e o aprendizado seja para evitar no futuro o que causou a dor ou para amplificar ou controlar as outras respostas geradas pela dor

Definiccedilotildees de Dor

Definir a dor natildeo eacute algo trivial Sabemos que se perguntarmos a uma pessoa sobre um som puro ela daraacute informaccedilotildees como a intensidade se eacute agudo ou grave e talvez sobre o timbre Se o som for muito grave provavelmente vai dizer que o som eacute soturno ou triste e se for muito agudo sentiraacute incocircmodo e se queixaraacute que o som eacute irritante Se perguntarmos sobre a cor azul talvez usaraacute o frio como referecircncia para expor a emoccedilatildeo que a lembranccedila da percepccedilatildeo daquela cor gera Assim os diversos sentidos podem gerar

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percepccedilotildees bem definidas e de relativa facilidade de se reproduzir em outros indiviacuteduos (um objeto com temperatura a zero grau Celsius seraacute sentido como frio pela grande maioria das pessoas se natildeo por todas) mas podem gerar tambeacutem respostas mais complexas que dependem do momento em que o estiacutemulo estaacute sendo realizado do grau de alerta do indiviacuteduo do seu estado emocional e das memoacuterias e associaccedilotildees que obteve com suas experiecircncias de vida

A dor tambeacutem envolve desde respostas relativamente simples como reflexos motores a outras muito elaboradas como identificaccedilatildeo do local do estiacutemulo intensidade duraccedilatildeo e grau de sofrimento que gera aleacutem de alteraccedilotildees comportamentais e neurovegetativas que podem ser severas dentre outras caracteriacutesticas e assim carece de definiccedilatildeo ampla Segundo a Associaccedilatildeo Internacional para o Estudo da Dor (IASP - International association for the study of pain) a dor pode ser definida como ldquouma experiecircncia sensorial e emocional desagradaacutevel associada a lesatildeo tecidual verdadeira ou potencial ou descrita com os mesmos termos de tal lesatildeordquoa (Bonica 1979) Por essa definiccedilatildeo nota-se que eacute esperado que a dor por si inclua a alteraccedilatildeo emocional do paciente e como tal tem alto potencial de gerar alteraccedilotildees neurovegetativas mesmo que o paciente as negue ou mesmo que mascare as alteraccedilotildees comportamentais que seriam esperadas pelo quadro Assim mesmo que o paciente natildeo se queixe da dor que sente eacute de se esperar que seu estado emocional e consequentemente suas funccedilotildees neurovegetativas sejam condizentes com uma situaccedilatildeo de estresse seja ele agudo ou crocircnico (exemplos em Nordin amp Fagius 1995 Hannibal amp Bishop 2014) Pela mesma definiccedilatildeo o estabelecimento da dor e de suas respostas precede em importacircncia a sua causa por um aspecto a necessidade primordial de se reconhecer a dor

A dor pode estar associada a lesatildeo de tecidos do organismo ou mesmo a situaccedilotildees de lesatildeo potencial como por exemplo quando comprimimos a matildeo com forccedila e temos dor enquanto a compressatildeo permanece mas cessa assim que a compressatildeo tambeacutem eacute reduzida Adicionalmente um paciente pode ter dor mesmo na ausecircncia de

a Traduccedilatildeo livre da definiccedilatildeo da IASP para dor ldquoan unpleasant sensory and emotional experience associated with actual or potential tissue damage or described in terms of such damagerdquo Disponiacutevel em httpswwwiasp-painorg Acesso em 1 ago 2019

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causas mais comuns que causariam a dor como eacute observado nas dores neuropaacuteticas Nesse caso a dor eacute gerada por mecanismos que afetam o funcionamento das vias de transmissatildeo e processamento da dor como regiotildees de nervos ou locais de transmissatildeo entre neurocircnios de nuacutecleos cerebrais de controle da dor e dessa forma o paciente se queixa da dor mesmo que uma lesatildeo natildeo exista ou seja o paciente descreve a dor e tem a sensaccedilatildeo de que uma lesatildeo existe mas aparentemente eacute o sistema nervoso do paciente que interpreta de forma atiacutepica os sinais que recebe De qualquer forma a pessoa sente a dor e sofre com ela devendo ter acesso a tratamento adequado assim como a pessoa que tem uma lesatildeo verdadeira e a dor resultante dela

Dessa forma fica claro que a definiccedilatildeo da dor inclui fatores objetivos e outros subjetivos e ambos satildeo essenciais para que natildeo haja exclusatildeo de casos em que a expressatildeo dor seja encontrada em um paciente que a expresse de forma atiacutepica Outros autores tentam estabelecer definiccedilotildees mais abrangentes para a dor Por exemplo segundo Cohen et al (2018) ldquoa dor eacute uma experiecircncia somaacutetica mutuamente reconheciacutevel que reflete a apreensatildeo de uma pessoa de ameaccedila agrave sua integridade fiacutesica ou existencialrdquob Por essa definiccedilatildeo o caraacuteter emocional da dor eacute ainda mais valorizado bem como a capacidade que a dor tem de funcionar como linguagem Pelos sinais que gera em um indiviacuteduo a dor pode ser reconhecida entre membros da mesma espeacutecie ou mesmo de espeacutecies diferentes e assim pode ser capaz de alterar o comportamento natildeo soacute daquele indiviacuteduo que a sofre como de algum observador gerando respostas sociais adaptativas

Essas respostas sociais causadas pela dor incluem aquilo que chamamos de empatia que eacute a resposta que um indiviacuteduo pode ter ao observar nesse caso o sofrimento do outro Essas respostas satildeo comuns em humanos mesmo naqueles que nascem sem a capacidade para sentir dor Aparentemente a incapacidade de sentir dor natildeo impede que a pessoa entenda o sofrimento (Danziger et al 2009) que faz parte das alteraccedilotildees causadas pela dor mas natildeo eacute exclusiva a ela (Chen 2018) Jaacute foi demonstrado inclusive que animais expressam empatia pelo sofrimento de outros da mesma

b Traduccedilatildeo livre de ldquoPain is a mutually recognizable somatic experience that reflects a personrsquos apprehension of threat to their bodily or existential integrityrdquo (Cohen et al 2018)

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espeacutecie dessa forma reagindo ao perceber que um semelhante estaacute em sofrimento e mesmo libertando-o de situaccedilotildees estressantes (Ben-Ami Bartal et al 2011)

Quando comparamos a dor com outras modalidades sensoriais percebemos enormes diferenccedilas com relaccedilatildeo agraves respostas que os estiacutemulos de dor podem gerar nas pessoas Possivelmente se um colega tocar na palma da sua matildeo com uma bola de algodatildeo vocecirc perceberaacute o estiacutemulo localizado sua textura e forccedila de compressatildeo sobre a matildeo Caso quem te faccedila o estiacutemulo seja uma pessoa que vocecirc natildeo tem ligaccedilatildeo afetiva possivelmente nenhuma emoccedilatildeo te ocorreraacute durante o estiacutemulo Se esse estiacutemulo ocorrer de forma constante provavelmente vocecirc natildeo o perceberaacute apoacutes alguns segundos pois por vaacuterios mecanismos moleculares locais ou mesmo por outros mais complexos processados pelo seu sistema nervoso central ele perde sua relevacircncia ao natildeo variar com o tempo Jaacute um estiacutemulo doloroso pode ativar maior nuacutemero de aacutereas do seu sistema nervoso central e assim geralmente eacute um estiacutemulo de maior relevacircncia funcional para seu enceacutefalo A dor pelos circuitos que ativa em uma resposta padratildeo a uma lesatildeo tem maior capacidade de gerar respostas mais abrangentes intensas e de difiacutecil adaptaccedilatildeo

Parte dos circuitos neuronais envolvidos na percepccedilatildeo da dor satildeo organizados de forma que sua atividade tambeacutem eacute capaz de gerar as respostas a dor ou de recrutar outras aacutereas do enceacutefalo para tanto sendo que grande parte dessas respostas satildeo essenciais para a proteccedilatildeo do organismo exatamente contra as possiacuteveis causas da dor Por exemplo as estruturas encefaacutelicas responsaacuteveis pela cogniccedilatildeo ou seja pela aquisiccedilatildeo processamento estoque e geraccedilatildeo de respostas pelo sistema nervoso central em parte tambeacutem satildeo utilizadas pelos sistemas que permitem a percepccedilatildeo e resposta agrave dor (Lawlor 2002) A dor em si eacute um processo cognitivo uma vez que eacute utilizada como forma de avaliaccedilatildeo das condiccedilotildees do organismo Diversas regiotildees encefaacutelicas que sabidamente satildeo importantes para a percepccedilatildeo possuem outras funccedilotildees em outros processos cognitivos assim tanto a dor eacute capaz de alterar as funccedilotildees cognitivas do indiviacuteduo como tambeacutem o proacuteprio indiviacuteduo e seu estado mental em determinado momento tem a possibilidade de modular a percepccedilatildeo da dor conscientemente (Moriarty et al 2011) Esses conceitos satildeo coerentes com a visatildeo atual de que a dor assim como outros sistemas natildeo

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depende exclusivamente de uma aacuterea encefaacutelica para sua expressatildeo embora vaacuterias sejam essenciais para que a dor se expresse de forma completa em um indiviacuteduo Assim o funcionamento coordenado de diversas regiotildees encefaacutelicas inicialmente codificados geneticamente e posteriormente adaptados pelas experiecircncias do indiviacuteduo (Melzack 1990) parece ser o substrato de toda a plecirciade de respostas observadas pela dor ao contraacuterio da visatildeo mais claacutessica de circuitos bem isolados para cada sistema

A memoacuteria da Dor natildeo eacute Apenas Dor

Com as deacutecadas e o avanccedilo dos estudos sobre dor fica cada vez mais difiacutecil de ela ser comparada diretamente com outros sistemas sensoriais Para exemplificar a evocaccedilatildeo da memoacuteria da dor vamos utilizar como exemplos estiacutemulos no sistema auditivo e nos sistemas da olfaccedilatildeo e paladar Se lembrarmos de uma muacutesica que nos cause emoccedilatildeo podemos lembrar-nos dos acordes da letra e podemos nos emocionar inclusive como se a estiveacutessemos ouvindo no momento Podemos lembrar-nos da casa da nossa matildee que possuiacutea um cheiro caracteriacutestico do ambiente daquele prato preferido que vocecirc devorava haacute anos o que poderaacute despertar inclusive alteraccedilotildees emocionais incluindo as parassimpaacuteticas se for o caso Mas vocecirc natildeo se lembraraacute do sabor de forma exata e teraacute de provar novamente para ter a mesma sensaccedilatildeo o que provavelmente seraacute muito mais intenso que a simples evocaccedilatildeo da memoacuteria

As respostas emocionais e neurovegetativas da recordaccedilatildeo da dor natildeo necessariamente teratildeo valecircncia negativa apenas por estarem associadas agrave dor Em trageacutedias acidentes tratamentos meacutedicos natildeo-eletivos e outras situaccedilotildees claramente negativas a memoacuteria da dor resultaraacute em uma recordaccedilatildeo negativa pelo paciente (Williams e Baird 2016) Por outro lado eacute sugerido que a experiecircncia da dor em mulheres durante o parto por exemplo uma situaccedilatildeo associada agrave maternidade e a todos os valores positivos que esse momento pode ser capaz de gerar pode alterar o modo como a experiecircncia da dor eacute memorizada de forma que parece haver reduccedilatildeo da valecircncia negativa da experiecircncia da dor nesse processo (Babel et al 2015)

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A pessoa ao recordar a dor natildeo se lembra apenas dos seus aspectos fiacutesicos mas dos psicoloacutegicos e daqueles referentes ao local condiccedilatildeo e fatores que a levaram a sentir dor de forma que esses fatores em conjunto e natildeo a percepccedilatildeo dolorosa isolada eacute que levam agrave recriaccedilatildeo do contexto e da recordaccedilatildeo do sofrimento Isso ocorre pois o que uma pessoa sente quando estaacute com alguma dor natildeo eacute reflexo da ativaccedilatildeo de uma regiatildeo do ceacuterebro apenas mas da ativaccedilatildeo de uma sequecircncia coordenada de regiotildees do enceacutefalo que acabam por gerar a percepccedilatildeo da dor e de seus contextos cognitivos emocionais e neurovegetativos ao mesmo tempo e grande parte da interpretaccedilatildeo ocorre de forma paralela e interdependente (Becker et al 2019)

Em consequecircncia para as situaccedilotildees mais amenas a que estamos expostos na vida e mesmo para as mais graves poreacutem evitaacuteveis pela voliccedilatildeo a memoacuteria associada a um evento doloroso pode ser fisiologicamente didaacutetica na medida em que pode gerar mudanccedilas de comportamentos por meio do aprendizado a fim de que o indiviacuteduo natildeo se exponha a situaccedilotildees que causem dor no futuro Adicionalmente esses fatores aumentam o leque de possibilidades para a terapecircutica aplicada agrave analgesia uma vez que se mais regiotildees estatildeo envolvidas na geraccedilatildeo dos aspectos negativos da dor maior nuacutemero de mecanismos moleculares pode se tornar alvos farmacoloacutegicos para seu tratamento direto e de suas consequecircncias sobre o comportamento do indiviacuteduo com dor (Alvarado et al 2015)

O Processamento da Dor se Inicia como a Detecccedilatildeo de Padrotildees Potencialmente Associados a Lesotildees

Como todo sistema sensorial a dor eacute organizada de forma que o estiacutemulo inicial eacute inicialmente detectado por ceacutelulas especializadas e haacute a propagaccedilatildeo da informaccedilatildeo sensorial detectada por neurocircnios que projetam para outros neurocircnios de regiotildees especiacuteficas do sistema nervoso central que vatildeo gerar a percepccedilatildeo e respostas associadas ao estiacutemulo Os receptores que detectam a dor satildeo chamados de nociceptores Satildeo neurocircnios especializados em detectar estiacutemulos potencialmente nocivos As fibras dessas ceacutelulas natildeo formam oacutergatildeos especializados e assim as terminaccedilotildees nervosas livres desses

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neurocircnios se localizam na pele e em tecidos profundos do organismo Interessantemente o sistema nervoso central eacute desprovido de nociceptores Qualquer dor associada aos processos inflamatoacuterios infecciosos traumaacuteticos ou de tumores no sistema nervoso central se daacute pela ativaccedilatildeo de nociceptores nas membranas que revestem esse tecido nos vasos sanguiacuteneos ou por lesotildees causadas em nuacutecleos de processamento da dor

Nociceptores satildeo associados a dois tipos de fibras nervosas Os nociceptores que possuem mielina satildeo ceacutelulas mais raacutepidas chamadas de fibras A-delta enquanto as fibras mais lentas que natildeo possuem mielina satildeo as fibras do tipo C Essas fibras respondem a diferentes estiacutemulos e satildeo classificadas de acordo com os estiacutemulos que as ativam Os nociceptores do tipo A-delta ativados por temperatura acima de 43ordmC e abaixo de 5ordmC satildeo os nociceptores teacutermicos enquanto os nociceptores mecacircnicos satildeo aqueles ativados por estiacutemulos mecacircnicos como a pressatildeo intensa Os receptores polimodais satildeo fibras do tipo C ativadas por fortes estiacutemulos mecacircnicos pelo frio e calor intensos ou por estiacutemulos quiacutemicos como a queda do pH extracelular O quarto tipo satildeo os nociceptores silenciosos que satildeo encontrados em viacutesceras e natildeo satildeo normalmente ativados Sua ativaccedilatildeo eacute mais proeminente quando haacute um processo inflamatoacuterio ou liberaccedilatildeo de agentes quiacutemicos (Bell 2018)

A dor que temos quando um nociceptor eacute ativado por um estiacutemulo como os citados anteriormente eacute chamada de dor nociceptiva pois necessariamente haacute a ativaccedilatildeo de fibras nervosas perifeacutericas para a sua deflagraccedilatildeo Esse tipo de dor geralmente perdura enquanto o estiacutemulo inicial continua ativando o nociceptor e cessa assim que o estiacutemulo for removido Quando um nociceptor teacutermico eacute exposto a uma temperatura acima de 43ordmC por exemplo quando vocecirc aquece demais a aacutegua do chuveiro e verifica com a matildeo se estaacute quente demais uma classe de moleacuteculas da superfiacutecie dessa fibra eacute ativada Satildeo proteiacutenas que formam canais que permitem a passagem de caacutetions pela membrana celular os canais do tipo TRPV1 Essas proteiacutenas satildeo ativadas por temperatura alta (gt43ordm) e sua ativaccedilatildeo excita os nociceptores que disparam potenciais eleacutetricos que percorrem toda a fibra sensorial em direccedilatildeo ao sistema nervoso central Os canais TRPV1 tambeacutem podem ser ativados pelo pH aacutecido tiacutepico de tecidos inflamados (Caterina et al 1997) Assim cada moleacutecula desencadeadora de estiacutemulos nos nociceptores

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funciona como batedores que satildeo capazes de gerar a ativaccedilatildeo dos nociceptores a diversos estiacutemulos associados a lesatildeo celular real ou potencial A importacircncia dessas proteiacutenas eacute tatildeo grande que mutaccedilotildees em uma delas um canal para soacutedio chamado Nav17 pode fazer com que os nociceptores simplesmente natildeo respondam a estiacutemulos e que o indiviacuteduo natildeo sinta dor (Cox et al 2006) O potaacutessio extracelular elevado pode levar a ativaccedilatildeo dos dois tipos de nociceptores A loacutegica por traacutes desse processo eacute que o aumento de potaacutessio extracelular ocasionado por exemplo pela lesatildeo e morte de ceacutelulas altera a dinacircmica do fluxo de iacuteons atraveacutes da membrana dos nociceptores reduzindo o escape natural de potaacutessio que ocorreria nos nociceptores dessa forma ativando essa ceacutelula mais facilmente

O processo inflamatoacuterio tambeacutem produz substacircncias que podem ativar e amplificar a resposta dos nociceptores o que chamamos de dor inflamatoacuteria ou dor com componente inflamatoacuterio Nesse caso a intensidade de ativaccedilatildeo do nociceptor seraacute maior mesmo para um estiacutemulo que anteriormente era inoacutecuo Por exemplo se sairmos pela manhatilde com um sapato novo provavelmente ele natildeo incomodaraacute muito mas se com o passar do dia for gerada uma inflamaccedilatildeo no calcanhar o mesmo toque do sapato que antes natildeo causara nenhuma sensaccedilatildeo ruim agora causaraacute dor pois o tecido estaacute inflamado Essa condiccedilatildeo eacute chamada de hiperalgesia O processo inflamatoacuterio recruta ceacutelulas que produzem localmente substacircncias como prostaglandinas leucotrienos ATP bradicinina serotonina histamina entre outras que aumentam a sensibilidade dos nociceptores ao atuar direta ou indiretamente em canais iocircnicos como o TRPV1 e outras moleacuteculas de sinalizaccedilatildeo celular Vaacuterias dessas moleacuteculas satildeo derivadas do aacutecido araquidocircnico e tem a sua produccedilatildeo reduzida por anti-inflamatoacuterios o que justifica sua utilizaccedilatildeo no tratamento desse tipo de dor A ativaccedilatildeo repetida dos nociceptores tambeacutem acarreta uma maior eficiecircncia na sinapse entre nociceptores e neurocircnios de segunda ordem de forma que esse evento plaacutestico tambeacutem resulta em aumento da sensibilidade das vias de transmissatildeo da dor (Costigan et al 2009)

Circuitos Neuronais para a Dor

As vias de transmissatildeo de dor em direccedilatildeo ao enceacutefalo satildeo rotas formadas por neurocircnios que levam informaccedilatildeo da medula espinhal

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em direccedilatildeo a centros de processamento da informaccedilatildeo Uma dessas vias eacute o trato espinotalacircmico cujas fibras de neurocircnios de segunda ordem chegam ao taacutelamo fazendo nova sinapse com neurocircnios que iratildeo projetar para regiotildees do coacutertex cerebral A ativaccedilatildeo desse trato naturalmente ou experimentalmente pode levar o paciente a sentir dor Ainda em alguns casos de dor crocircnica esse trato pode ser excisado cirurgicamente na tentativa de reduccedilatildeo do quadro algeacutesico (Romanelli et al 2004) Outras vias levam informaccedilatildeo para outras aacutereas essenciais para as respostas fisioloacutegicas da dor O trato espinoreticular atinge a formaccedilatildeo reticular do bulbo e algumas de suas fibras fazem sinapse com neurocircnios de terceira ordem que atingem o taacutelamo onde nova sinapse com neurocircnios de quarta ordem vatildeo atingir regiotildees do coacutertex cerebral O trato espinomesencefaacutelico eacute composto por fibras que projetam para a formaccedilatildeo reticular do mesenceacutefalo substacircncia cinzenta periaqueductal e nuacutecleo parabraquial onde fazem sinapse com neurocircnios que projetam para as amiacutegdalas de forma que participam nas respostas afetivas e emocionais da dor O trato espino-hipotalacircmico possui axocircnios que projetam para o hipotaacutelamo uma regiatildeo diencefaacutelica essencial para a regulaccedilatildeo neurovegetativa do organismo regulando a funccedilatildeo autonocircmica hormonal e alguns comportamentos baacutesicos e essenciais ligados agrave sobrevivecircncia do indiviacuteduo e da espeacutecie

Quais Regiotildees do Enceacutefalo satildeo Ativadas pelos Estiacutemulos Dolorosos

O processo de detecccedilatildeo da dor de forma consciente eacute muito complexo e envolve a ativaccedilatildeo de diversas regiotildees em niacuteveis diferentes do SNC O processo inicial de ativaccedilatildeo dos nociceptores e ativaccedilatildeo inicial das vias de projeccedilatildeo a aacutereas mais superioras do SNC eacute chamada de nocicepccedilatildeo que eacute a detecccedilatildeo e processamento inicial do estiacutemulo doloroso Embora essencial para vaacuterios mecanismos de controle comportamental e neurovegetativo essa fase inicial ainda natildeo implica que a pessoa percebe conscientemente o estiacutemulo Para que haja percepccedilatildeo consciente de um estiacutemulo doloroso eacute necessaacuteria que haja a ativaccedilatildeo de vias que levam a informaccedilatildeo para taacutelamo e regiotildees especiacuteficas do coacutertex cerebral Somente com a

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ativaccedilatildeo dessas regiotildees eacute que o indiviacuteduo eacute capaz de reportar que sente dor e assim pode reagir a ela

As regiotildees talacircmicas que processam a informaccedilatildeo de dor satildeo essenciais para a percepccedilatildeo consciente da dor Um tipo de dor que pode ser desenvolvida eacute a dor central causada por lesotildees talacircmicas ou de suas projeccedilotildees para o coacutertex As projeccedilotildees talacircmicas atingem vaacuterias regiotildees corticais direta e indiretamente (Garcia-Larrea amp Bastuji 2018) As regiotildees de coacutertex somatossensorial primaacuterio e secundaacuterio satildeo aquelas mais envolvidas com as funccedilotildees de localizaccedilatildeo do estiacutemulo da dor Aacutereas corticais motoras tambeacutem satildeo ativadas e refletem a complexidade que a percepccedilatildeo dolorosa pode gerar uma vez que essas regiotildees quando ativadas estatildeo potencialmente relacionadas com a programaccedilatildeo motora que pode fazer com que o indiviacuteduo se proteja da dor O coacutertex cingulado anterior participa da adequaccedilatildeo das respostas emocionais agrave dor A remoccedilatildeo ciruacutergica dessa regiatildeo liacutembica reduz a percepccedilatildeo dolorosa (Sharim amp Pouratian 2016) Outra regiatildeo ativada por estiacutemulos dolorosos eacute o coacutertex insular Essa regiatildeo eacute essencial para a percepccedilatildeo consciente da dor Pacientes com lesotildees nessa regiatildeo satildeo capazes de perceber e de relatar a dor mas apresentam severo deacuteficit na geraccedilatildeo de respostas emocionais agrave dor estado conhecido como assimbolia para a dor (Berthier et al 1988)

Por Que a Intensidade de uma Dor Varia no Dia

A percepccedilatildeo da dor varia muito entre pessoas e tambeacutem para a mesma pessoa na dependecircncia do contexto na qual ela estaacute exposta como a hora do dia se ela estaacute em uma situaccedilatildeo de estresse se ela estaacute motivada se estaacute com alguma outra doenccedila sistecircmica dentre vaacuterias outras situaccedilotildees Os mecanismos que podem estar por traacutes disso satildeo vaacuterios Um deles eacute um sistema neuronal que parte do tronco encefaacutelico em direccedilatildeo a diversos niacuteveis medulares onde modula a capacidade de transmissatildeo de informaccedilatildeo na primeira sinapse das aferecircncias sensoriais relacionadas agrave dor O sistema de controle endoacutegeno da dor inclui a substacircncia cinzenta periaqueductal (PAG) uma regiatildeo mesencefaacutelica que quando estimulada pode gerar intensa analgesia A PAG se conecta com outros nuacutecleos do tronco

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encefaacutelico incluindo vias noradreneacutergicas que partem do locus ceruleus e serotonineacutergicas que partem dos nuacutecleos da rafe Esses nuacutecleos participam de grande nuacutemero de funccedilotildees no sistema nervoso central aleacutem do controle da dor Fibras descendentes partindo desses nuacutecleos se encaminham ao corno dorsal da medula espinhal onde agem direta e indiretamente nas sinapses entre os nociceptores e os neurocircnios de segunda ordem das vias nociceptivas A accedilatildeo pode ser predominantemente inibitoacuteria no caso da noradrenalina ou no caso da serotonina na dependecircncia do tipo de receptor onde age pode ser de accedilatildeo inibitoacuteria ou excitatoacuteria (Bannister amp Dickenson 2017)

As fibras descendentes tambeacutem fazem sinapses com interneurocircnios inibitoacuterios localizados no corno dorsal da medula Esses interneurocircnios produzem opioides endoacutegenos principalmente encefalinas e dinorfinas Usadas como neurotransmissores essas moleacuteculas ativam receptores acoplados a proteiacutenas G do tipo inibitoacuterias (proteiacutenas Gi) cuja ativaccedilatildeo acaba por inibir a liberaccedilatildeo do neurotransmissor excitatoacuterio glutamato utilizado na sinapse entre os nociceptores e os neurocircnios de segunda ordem das vias de dor A ativaccedilatildeo de receptores para opioides na preacute-sinapse ativa canais para potaacutessio o que faz com que o terminal preacute-sinaacuteptico tenda a natildeo despolarizar e ainda bloqueia canais para caacutelcio dependentes de voltagem o que reduz a liberaccedilatildeo de glutamato A ativaccedilatildeo desse receptor na poacutes-sinapse leva a eventos similares mas culmina na geraccedilatildeo de potenciais inibitoacuterios poacutes-sinaacutepticos o que pode reduzir a excitabilidade dos neurocircnios de segunda ordem A ativaccedilatildeo desse mesmo sistema por opioides exoacutegenos eacute muito potente no controle da dor e ateacute mesmo soldados do exeacutercito de alguns paiacuteses satildeo treinados para se auto aplicar medicamentos opioides o mais comum sendo a morfina no caso de lesotildees em campo de batalha para o controle da dor (Williams amp Baird 2016)

Situaccedilotildees relacionadas ao aumento da motivaccedilatildeo podem fazer com que os nuacutecleos onde se situam os neurocircnios noradreneacutergicos e serotonineacutergicos tenham sua atividade modulada assim resultando em alteraccedilatildeo da excitabilidade da primeira sinapse das vias nociceptivas como por exemplo durante o exerciacutecio (Lima et al 2017) A ativaccedilatildeo das vias descendentes do controle de dor tambeacutem pode ser ocasionada por situaccedilotildees de estresse muito intenso Lesotildees extensas normalmente causariam dor muito intensa em qualquer

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indiviacuteduo mas o estresse e a motivaccedilatildeo podem levar agrave ativaccedilatildeo dos mesmos nuacutecleos fazendo com que a percepccedilatildeo da dor seja em muito atenuada (Butler amp Finn 2009) Em proporccedilotildees menores o mesmo sistema de controle endoacutegeno da dor nos permite suportar a dor mesmo conscientemente por exemplo quando seguramos algum objeto que nos eacute precioso e ele estaacute muito quente Nosso movimento estereotipado seria o de largar o objeto para reduzir a percepccedilatildeo de dor mas podemos conscientemente garantir a atividade de nuacutecleos motores que determinam que continuemos a segurar o objeto e outros os sistemas descendentes que atenuam em parte a sensaccedilatildeo dolorosa enquanto segurarmos o objeto que estaacute causando dor Isso ocorre pois as vias que geram a percepccedilatildeo da dor bem como os mecanismos inerentes de controle da dor satildeo muito conectados a outras aacutereas funcionais do sistema nervoso que podem assim influenciar na percepccedilatildeo dolorosa

A Dor Referida

Ao nos chocarmos contra um peacute de mesa por exemplo a primeira resposta que temos eacute um reflexo natural o reflexo de retirada que faz com que nossa perna que sofreu o choque flexione enquanto que a perna contralateral iraacute estender mantendo nossa postura ao mesmo tempo em que afasta o peacute da fonte de lesatildeo Paralelamente satildeo ativadas vias que levam a informaccedilatildeo ao nosso coacutertex somatossensorial de forma que possamos localizar a dor com maior precisatildeo Na superfiacutecie do corpo em locais muito especiacuteficos como na cavidade oral possuiacutemos um nuacutemero grande de nociceptores Ocorre que tambeacutem possuiacutemos nociceptores profundos em viacutesceras e eles tambeacutem projetam para neurocircnios de segunda ordem Poreacutem grande parte dos nociceptores que projetam a partir de viacutesceras e cavidades do nosso corpo compartilham os neurocircnios secundaacuterios dos nociceptores da superfiacutecie do corpo de forma que se temos uma lesatildeo interna os nociceptores ativados iratildeo recrutar na medula espinhal os neurocircnios de segunda ordem que informaratildeo sobre a superfiacutecie do corpo Assim uma lesatildeo no coraccedilatildeo causada por exemplo for um infarto do miocaacuterdio ativaraacute neurocircnios de segunda ordem que mapeiam a superfiacutecie cutacircnea da

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regiatildeo da claviacutecula e braccedilo esquerdo gerando o que eacute chamado de dor referida Uma lesatildeo em ureter causada pela passagem de um caacutelculo provavelmente geraraacute dor que pode se estender desde o final do gradil costal da regiatildeo lombar do paciente se encaminhando para a regiatildeo anterior e descendo ateacute a regiatildeo genital dependendo da localizaccedilatildeo do caacutelculo

Dor Adaptativa e Dor natildeo Adaptativa

A dor sendo um possiacutevel sinal de lesatildeo ao organismo organiza respostas comportamentais e neurovegetativas que tendem a proteger o indiviacuteduo contra a suposta agressatildeo Se pisamos em um caco de vidro a dor gerada nos faraacute proteger o peacute lesionado nos proacuteximos passos Quando a resposta agrave dor eacute coerente com a lesatildeo temos um exemplo do que eacute chamado de dor adaptativa A dor adaptativa eacute aquela que tem iniacutecio com um estiacutemulo nociceptivo verdadeiro podendo ou natildeo ser potencializada por algum processo inflamatoacuterio mas que cessa assim que o estiacutemulo ou a inflamaccedilatildeo tecidual tiver a sua resoluccedilatildeo Dessa forma ela funciona como um aviso real ao organismo natildeo apenas informando que algo natildeo estaacute bem mas principalmente podendo organizar respostas do organismo que tendem agrave proteccedilatildeo ao reparo do dano e agraves mudanccedilas comportamentais e neurovegetativas necessaacuterias para essas respostas serem possiacuteveis As dores do tipo adaptativas estatildeo geralmente associadas mecanisticamente agrave dor nociceptiva e dor inflamatoacuteria ambas jaacute discutidas

Em outras situaccedilotildees um paciente pode se queixar que sente dor mas essa natildeo informa adequadamente sobre a origem da suposta lesatildeo e muito menos eacute capaz de servir como substrato para a organizaccedilatildeo de uma resposta que possibilite a resoluccedilatildeo dessa dor Esse eacute o caso da dor natildeo-adaptativa Esse tipo de dor estaacute geralmente associado ao aumento da atividade neuronal das vias nociceptivas e que por muitas vezes natildeo apresentam correlaccedilatildeo direta com a atividade dos nociceptores em si Satildeo ocasionadas por mecanismos plaacutesticos das vias de dor que aumentam a excitabilidade neuronal dessas vias o que pode ocorrer em diversos niacuteveis do sistema nervoso Assim mesmo na ausecircncia de um estiacutemulo que

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possa causar dor as vias nociceptivas podem ser ativadas levando agrave percepccedilatildeo de dor pelo indiviacuteduo Mais do que isso a percepccedilatildeo de dor nesse caso tambeacutem geraraacute alteraccedilatildeo comportamental e neurovegetativa no paciente mas que natildeo resultaraacute em benefiacutecio para a resoluccedilatildeo da dor Um exemplo claacutessico eacute a lesatildeo de nervos perifeacutericos que pode ocasionar dor intensa mesmo depois de a lesatildeo ter sua resoluccedilatildeo A dor desenvolvida nesse caso eacute percebida pelo paciente e sua origem se daacute pelo aumento da excitabilidade de neurocircnios das vias nociceptivas Por mais que o paciente proteja o membro e que haja alteraccedilatildeo neurovegetativa condizente com o grau da dor nenhuma dessas respostas seraacute capaz de reduzir a percepccedilatildeo da dor ou de reduzir a excitabilidade dessas vias O gasto energeacutetico ocasionado com as mudanccedilas comportamentais e neurovegetativas ocasionados pelas respostas geradas pela dor nesse caso seraacute muito alto comparado com algum possiacutevel benefiacutecio que o paciente poderia ter dessa situaccedilatildeo Aleacutem disso essas alteraccedilotildees podem gerar tambeacutem reduccedilatildeo da qualidade de vida do paciente como padratildeo de sono capacidade de concentraccedilatildeo entre outras respostas que afetam de forma direta o seu desempenho no trabalho seu prazer nas atividades diaacuterias e sua capacidade de se relacionar com outros indiviacuteduos afetando negativamente a qualidade de vida As dores natildeo-adaptativas podem estar associadas a mecanismos plaacutesticos que ocorrem por toda a via nociceptiva como por exemplo na dor neuropaacutetica ou ainda por ativaccedilatildeo de mesma via por mecanismos desconhecidos como na dor disfuncional (Costigan et al 2009)

Classificaccedilatildeo da Dor Segundo os Mecanismos que a Causam

Qualquer dos tipos de dor mencionados anteriormente podem ou natildeo gerar dor crocircnica Eacute faacutecil imaginar que os tipos de dor nociceptiva e dor inflamatoacuteria satildeo os que possuem menor probabilidade de se cronificarem uma vez que a resoluccedilatildeo do processo que iniciou a dor ou a inflamaccedilatildeo iraacute cessar o estiacutemulo dos nociceptores Por outro lado em alguns casos como na artrite reumatoide o processo inflamatoacuterio pode perdurar e dessa forma o paciente iraacute continuar com dor havendo sua cronificaccedilatildeo

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As dores do tipo neuropaacutetica e as dores disfuncionais possuem como caracteriacutestica a cronificaccedilatildeo Os mecanismos associados agrave ativaccedilatildeo das vias sensoriais da dor parecem nesse caso serem intensos e de mais difiacutecil resoluccedilatildeo natural A dor neuropaacutetica eacute definida como sendo a dor que resulta inicialmente da lesatildeo de vias nociceptivas perifeacutericas e centrais e de consequentes mecanismos plaacutesticos subjacentes de forma que essas vias ficam ativas ou podem ser ativadas por estiacutemulos muito mais fracos ou mesmo na ausecircncia de estiacutemulos ou seja espontacircnea Nesse caso a doenccedila de base eacute a proacutepria alteraccedilatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do sistema nociceptivo (Colloca et al 2017) Algumas doenccedilas ou situaccedilotildees que podem levar agrave dor neuropaacutetica satildeo aquelas que causam por conseguinte lesotildees no sistema nociceptivo como a neuropatia diabeacutetica a infecccedilatildeo pelo HIV hanseniacutease a neuralgia poacutes-herpeacutetica as radiculopatias amputaccedilotildees e lesotildees nervosas perifeacutericas entre outras Aleacutem disso os mecanismos plaacutesticos que ocorrem podem levar a alodinia uma situaccedilatildeo em que estiacutemulos inofensivos como toque leve temperaturas amenas e outros podem levar a ativaccedilatildeo de vias nociceptivas e percepccedilatildeo de dor pelo paciente (Jensen amp Finnerup 2014)

Ainda uma quarta classificaccedilatildeo inclui a dor natildeo adaptativa chamada dor disfuncional Nela natildeo satildeo observados sinais de inflamaccedilatildeo perifeacutericos ou alguma modificaccedilatildeo plaacutestica molecular ou estrutural dos circuitos centrais que controlam a dor Exemplos de dores disfuncionais incluem a cistite intersticial e a fibromialgia Nesses casos as teorias mais aceitas indicam que a dor surge devido agrave amplificaccedilatildeo de sinais nociceptivos em circuitos centrais e alteraccedilatildeo do padratildeo natural de processamento sensorial (Costigan et al 2009) Tanto as dores neuropaacuteticas quanto as dores disfuncionais possuem em comum algumas caracteriacutesticas como o aumento da intensidade agrave dor para estiacutemulos repetidos a reduccedilatildeo dos limiares para a dor e o espalhamento da dor para aacutereas mais abrangentes (Von Hehn et al 2012)

Em diversas situaccedilotildees a dor pode apresentar um padratildeo misto Por exemplo no decorrer da instalaccedilatildeo de tumores malignos o tecido em crescimento pode acarretar lesatildeo em nervos perifeacutericos ao mesmo tempo em que ativa nociceptores dessa forma apresentando tanto o componente neuropaacutetico quanto o nociceptivo

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Cronificaccedilatildeo da Dor

Por muito tempo se imaginou que a dor deveria ser considerada como crocircnica caso ela perdurasse aleacutem do tempo esperado para a resoluccedilatildeo do quadro primaacuterio que a causou ou ainda seria considerada crocircnica no caso de uma dor que natildeo tem a funccedilatildeo de alertar para uma possiacutevel lesatildeo Esse conceito foi aos poucos sendo substituiacutedo por definiccedilotildees mais abrangentes por causa de diversos fatores Por exemplo o tempo para que haja a resoluccedilatildeo de um quadro de dor em um paciente que realizou uma cirurgia simples pode ser razoavelmente predito muito embora ele varie dadas as respostas inerentes do indiviacuteduo como a capacidade de cicatrizaccedilatildeo do seu organismo e por fatores ambientais outros como a volta ao trabalho Em outras situaccedilotildees como em um paciente que sofreu fratura oacutessea e lesotildees de nervos em acidente automobiliacutestico o tempo de recuperaccedilatildeo e a cessaccedilatildeo da dor natildeo pode ser predito e o desenvolvimento de processos complicadores para a dor como a dor neuropaacutetica podem ser causas de permanecircncia da dor por periacuteodos longos ou mesmo por toda a vida Por essas razotildees os criteacuterios usados para que a dor seja considerada crocircnica independem da causa da dor de forma que se a dor eacute recorrente ou permanece por mais de 90 dias jaacute eacute considerada crocircnica inclusive dentro das definiccedilotildees da classificaccedilatildeo estatiacutestica internacional de doenccedilas e problemas relacionados agrave sauacutede (CID-11 Treede et al 2019) O protocolo cliacutenico e diretrizes terapecircuticas para dor crocircnica (PCDT) publicado pelo Ministeacuterio da Sauacutede de 2012 indica que a dor passa a ser considerada crocircnica quando prevalece por mais de 30 dias (Portaria SASMS nordm 1083 de 02 de outubro de 2012 retificada em 27 de novembro de 2015)

Como visto anteriormente as causas de cronificaccedilatildeo da dor satildeo vaacuterias e podem se sobrepor Por essas razotildees muitos foram os esforccedilos dos uacuteltimos anos para a adequaccedilatildeo de criteacuterios para a classificaccedilatildeo da dor crocircnica (Treede et al 2019) A versatildeo atualizada da classificaccedilatildeo estatiacutestica internacional de doenccedilas e problemas relacionados agrave sauacutede o CID-11 que seraacute colocada em praacutetica a partir de janeiro de 2022 pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede dispotildee de um coacutedigo apenas para a dor crocircnica (MG30) e para as doenccedilas mais comuns desse grupo dessa forma incluindo a dor crocircnica primaacuteria e

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as siacutendromes de dor crocircnica secundaacuteria ou seja aquelas associadas a outras doenccedilas como sua causa primaacuteria sendo elas a dor crocircnica relacionada ao cacircncer a dor crocircnica poacutes-ciruacutergica ou poacutes-traumaacutetica a dor crocircnica neuropaacutetica a dor crocircnica secundaacuteria agrave enxaqueca ou orofacial a dor crocircnica visceral secundaacuteria e a dor crocircnica secundaacuteria musculoesqueleacutetica

A dor crocircnica tem consequecircncias mais amplas e severas para o paciente Aleacutem das respostas comportamentais incluindo as respostas emocionais e neurovegetativas discutidas anteriormente os quadros de dor crocircnica frequentemente causam interferecircncia na vida diaacuteria e na sauacutede geral do paciente ocasionando incapacidades e distresse O distresse eacute por definiccedilatildeo a resposta de estresse que tem reflexos negativos para o paciente Uma vez que a causa inicial do distresse permanece essas respostas podem adicionar ao quadro inicial do paciente outras comorbidades que agravam ainda mais a sua sauacutede geral e reduzem a capacidade de melhora do quadro (Carstens amp Moberg 2000)

Nem sempre as alteraccedilotildees que a dor crocircnica traz agrave vida de uma pessoa satildeo notadas por seus proacuteximos ou mesmo pela proacutepria pessoa A cronificaccedilatildeo da dor e a necessidade que a pessoa tem de continuar vivendo tendo sua rotina e trabalho propiciam que o paciente crie mecanismos para poder lidar com a sua condiccedilatildeo e enquanto esses mecanismos se desenvolvem paralelamente aos processos normais da vida do indiviacuteduo os sintomas da dor crocircnica podem passar despercebidos por quem observa o paciente em algumas situaccedilotildees Mesmo se o paciente natildeo se queixe mais da dor ela ainda o pode influenciar psicologicamente alterando seus processos cognitivos levando a preocupaccedilotildees e catastrofizaccedilatildeo a alteraccedilotildees comportamentais e emocionais como medo e raiva com seus reflexos sociais como mudanccedilas nos padrotildees de relacionamento com outras pessoas (Turk et al 2016)

As formas que o paciente encontra para aprender a lidar com a dor crocircnica e a alteraccedilatildeo decorrente no comportamento do paciente podem fazer com que a dor natildeo seja notada pelas pessoas mais proacuteximas do paciente como causa dessas proacuteprias alteraccedilotildees comportamentais Principalmente em idosos com perda cognitiva mesmo as pessoas mais proacuteximas podem ter dificuldade em acessar se o paciente estaacute com dor (Cravello et al 2019) Essa

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mesma dificuldade de associaccedilatildeo da dor crocircnica com alteraccedilatildeo de comportamento tambeacutem jaacute foi reportada para animais de companhia e parece que sua causa eacute o desconhecimento do repertoacuterio de respostas naturais a dor que outras espeacutecies tecircm em comparaccedilatildeo aos humanos o que dificulta a interpretaccedilatildeo dos sinais da dor pelo cuidador (Merola amp Mills 2015)

Seria Bom Entatildeo natildeo Sentir Dor ( ou )

Se a dor gera respostas aparentemente negativas eacute um tanto quanto justo se perguntar se natildeo seria mais interessante entatildeo natildeo a sentir E a resposta eacute direta natildeo Uma vez que a dor avisa o sistema nervoso que algo estaacute possivelmente ocorrendo de forma errada no organismo ou que ele estaacute sendo lesionado por um agente externo a dor eacute essencial para que possamos nos afastar de estiacutemulos nocivos para nossa proteccedilatildeo fiacutesica e por informar inclusive que algo estaacute errado com um oacutergatildeo interno Pessoas que nascem sem poder sentir dor natildeo possuem uma vantagem sobre a maioria dos indiviacuteduos que sentem dor quando por exemplo acertamos a ponta de um dedo de um peacute contra uma parede Indiviacuteduos que natildeo sentem dor podem se desenvolver desde o nascimento com seacuterios prejuiacutezos exatamente pela falta das correccedilotildees de comportamento incluindo as correccedilotildees posturais que a dor nos exige Se vocecirc ficar com a coluna vertebral inclinada para um lado provavelmente sentiraacute dor jaacute nos primeiros minutos A pessoa que natildeo sente dor natildeo corrigiraacute sua postura e isso traz seacuterias consequecircncias com os anos e ainda mais seacuterias por ocorrer desde a infacircncia Quando mastigamos o alimento evitamos certos movimentos pois sabemos que morder a liacutengua causa dor intensa e que perdura por dias Isso natildeo ocorre em quem natildeo sente dor Uma coacutelica uma lesatildeo maior interna um incocircmodo esofaacutegico causado por refluxo uma simples lsquoassadurarsquo de pele em um bebecirc natildeo gera reclamaccedilotildees na crianccedila que nasce sem sentir dor Todas essas situaccedilotildees obrigam os pais dessas crianccedilas a desenvolver meacutetodos de vigilacircncia muito mais intensos pois o sistema de dor o alarme natural que a crianccedila teria natildeo cumpre a sua funccedilatildeo (Cox et al 2006 Mannes amp Iadarola 2007)

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Consideraccedilotildees Finais

Alguns dos principais pontos hoje que permeiam os estudos sobre a dor abordam mecanismos moleculares envolvidos na dor e estudo de alvos potenciais farmacoloacutegicos mecanismos neuroplaacutesticos responsaacuteveis pelo desenvolvimento da cronificaccedilatildeo da dor e possiacuteveis manobras moleculares para reverter ou atenuar seu processo de desenvolvimento expressatildeo de genes nas mais diversas condiccedilotildees de desenvolvimento da dor nos diversos niacuteveis do sistema nervoso perifeacuterico e central envolvimento de regiotildees especiacuteficas do sistema nervoso central na geraccedilatildeo dos padrotildees de comportamento associados agrave dor e a influecircncia de comorbidades no desenvolvimento e manutenccedilatildeo da dor como distuacuterbios metaboacutelicos sepse depressatildeo entre outros Por parte da cliacutenica muito eacute estudado tambeacutem a respeito da prevenccedilatildeo da dor e dos processos plaacutesticos que podem levar a alteraccedilotildees moleculares e morfoloacutegicas de difiacutecil reparo o que pode reduzir as chances de cronificaccedilatildeo em algumas situaccedilotildees Inuacutemeras outras frentes de estudo sobre os mecanismos envolvidos na dor e sobre o seu tratamento satildeo realizadas diariamente Esses estudos satildeo realizados em culturas celulares em animais de laboratoacuterios em animais silvestres e domesticados em humanos e mesmo em modelos computacionais

Enquanto natildeo forem exauridas as possibilidades de estudo e de descobertas na aacuterea eacute justificado por nossa capacidade de empatia que grandes esforccedilos sejam realizados no sentido de amenizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e consequentemente de seus mais proacuteximos tambeacutem reduzindo seus gastos pessoais com tratamentos meacutedicos e o custo social que essa demanda gera

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A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso

Decircnis Augusto Santana Reis

Criminologia

A palavra criminologia remonta da palavra latina crimino (crime) e da palavra grega logos (estudo tratado) significando o ldquoestudo do crimerdquo

O termo ldquocriminologiardquo foi usado por Garoacutefalo para designar ldquociecircncia do crimerdquo apoacutes vieram outros estudiosos que aprimoraram o significado do termo criminologia1

No ponto de vista de Shecaira (2012) a criminologia pode ser conceituada como

Estudo e a explicaccedilatildeo da infraccedilatildeo legal os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com os atos desviantes a natureza das posturas com que as viacutetimas desses crimes satildeo atendidas pela sociedade e por derradeiro o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes (Shecaira 2012 p 35)

Desse modo a criminologia pode ser conceituada como uma ciecircncia empiacuterica e interdisciplinar que tem por objeto o estudo do delito em todas as suas circunstacircncias tais como a anaacutelise do delito da personalidade do ofensor do comportamento delitivo da viacutetima e o controle social das condutas tidas como criminosas

A interdisciplinaridade da criminologia decorre da sua proacutepria consolidaccedilatildeo histoacuterica uma vez que recebeu influecircncia de outras ciecircncias tais como a sociologia a psicologia o direito a medicina legal dentre outras

1 GAROFALO R Criminologia estudo sobre o direito e a repressatildeo penal seguido de apecircndice sobre os termos do problema penal Ed Peacutetrias Campinas 1997

Autor para correspondecircncia denisaugustosr

gmailcom

8

210 | Temas em Neurociecircncias

Feitos tais esclarecimentos eacute importante salientar que a criminologia possui os seguintes objetos de estudo o delito delinquente a viacutetima e o controle social

Por outro lado enquanto o direito penal eacute uma ciecircncia normativa que tem por objeto o delito como regra anormal de conduta que deve ser sancionada A criminologia eacute uma ciecircncia causal-explicativa que tem por objeto estudar o delito o delinquente e montar esquemas de combate da criminalidade desenvolver meios preventivos e meacutetodos que impeccedilam a reincidecircncia do delinquente2 bem como desenvolvendo pesquisas teoacutericas acerca da etiologia do delito

No que tange o conceito legal de crime o art 1ordm da Lei de Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal3 dispotildee que o crime eacute a infraccedilatildeo penal punida com pena de reclusatildeo ou detenccedilatildeo contrapondo-se agrave contravenccedilatildeo penal que por sua vez eacute a infraccedilatildeo penal para a qual a lei comina pena de prisatildeo simples

Ressalte-se que o conceito de crime para a criminologia natildeo eacute o mesmo do direito penal enquanto para segundo o crime em sentido analiacutetico seria uma accedilatildeo ou omissatildeo tiacutepica iliacutecita e culpaacutevel merecedora de puniccedilatildeo para a primeira o crime seria um fenocircmeno comunitaacuterio e um problema social

Em relaccedilatildeo ao delinquente Schecaria (2012) ensina que eacute um ser histoacuterico real e complexo um ser normal e que estaacute sujeito agraves influecircncias do meio descartando qualquer determinismo4 seja ele social ou bioloacutegico

Cesare Lombroso ndash O Nascimento da Teoria Bioloacutegica da Criminalidade

O fundador da criminologia moderna foi Cesare Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro ldquoO homem delinquenterdquo

2 Fernandes Valter Criminologia Integrada 4ordf Ediccedilatildeo Satildeo Paulo Revistas dos Tribunais 2012 p 30

3 Art 1ordm Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de reclusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infraccedilatildeo penal a que a lei comina isoladamente pena de prisatildeo simples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

4 Schecaria Seacutergio Salomatildeo Criminologia 4ordf ed rev e atual Ed Revista dos tribunais Satildeo Paulo 2012 p 46

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 211

Nessa obra e em outras que a sucederam Lombroso (2010)atraveacutes do meacutetodo empiacuterico indutivo sistematizou e reuniu de forma articulada uma seacuterie de conhecimentos que estavam esparsos e por isso eacute considerado o pai e maior expoente da Antropologia Criminal conforme assevera Antocircnio Garcia Pablo Molina

A contribuiccedilatildeo principal de Lombroso para a Criminologia natildeo reside tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do ldquodelinquente natordquo) ou em sua teoria criminoloacutegica senatildeo no meacutetodo que utilizou em suas investigaccedilotildees o meacutetodo empiacuterico Sua teoria do ldquodelinquente natordquo foi formulada com base nos resultados de mais de quatrocentas autoacutepsias de delinquentes e seis mil anaacutelises de delinquentes vivos e o atavismo que conforme seu ponto de vista caracteriza o tipo criminoso ndash ao que parece ndash contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisotildees europeias (Molina 2002 p 191)

De acordo com Viana (2018) o sistema lombrosiano possui trecircs pontos centrais

bull O criminoso diferencia-se dos natildeo criminosos por meio de inuacutemeros sinais fiacutesicos e psiacutequicos

bull O criminoso eacute uma variante da espeacutecie humana um ser ataacutevico

bull O atavismo pode ser transmitido ao longo das geraccedilotildees (Viana 2018 p 57)

Em suma Lombroso (2010) natildeo refutava os fatores exoacutegenos da gecircnese criminal ambientais e sociais (o clima o abuso de aacutelcool a educaccedilatildeo o trabalho e etc) mas defendia enfaticamente que eram os fatores endoacutegenos os bioloacutegicos que levavam os indiviacuteduos a cometerem delitos ao passo que os exoacutegenos apenas desencadeariam a propulsatildeo interna para o delito pois o criminoso jaacute nasce criminoso (determinismo bioloacutegico)

A Criminologia Moderna

Segundo Molina (2002) a evoluccedilatildeo da criminologia culminou no surgimento de trecircs orientaccedilotildees teoacutericas as psicoloacutegicas as socioloacutegicas e as bioloacutegicas

A teoacuterica psicoloacutegica busca a explicaccedilatildeo para o comportamento delitivo na mente do indiviacuteduo nos processos psiacutequicos anormais

212 | Temas em Neurociecircncias

(psicopatologia) ou nas vivecircncias subconscientes que tecircm origem no passado remoto do indiviacuteduo

A teoria socioloacutegica entende o delito como um fenocircmeno social aplicando em sua anaacutelise diversos marcos teoacutericos como o ecoloacutegico estrutural funcionalista subcultural conflitual internacionalista e etc

A teoria bioloacutegica5 busca localizar e identificar em alguma parte do corpo ou no funcionamento do sistema nervoso a existecircncia de algum fator diferencial que explique a conduta delitiva supondo sempre que o delito seja resultado de alguma patologia disfunccedilatildeo ou transtorno orgacircnico

Frisa-se que o presente ater-se-aacute a uacuteltima orientaccedilatildeo uma vez que tem como norte a investigaccedilatildeo dos aspectos neurobioloacutegicos da criminalidade com ecircnfase nos estudos de neurociecircncias mas antes eacute importante demonstrar de forma sucinta como as teorias bioloacutegicas da criminalidade se desenvolveram

Os primeiros estudos criminoloacutegicos de cunho bioloacutegico foram desenvolvidos pelo frenologista Franz Joseph Gall seguido por Cesare Lombroso a partir da anaacutelise morfoloacutegica de delinquentes Frisa-se que esses estudos serviram de base para a antropometria que estudava a criminalidade analisando as medidas e proporccedilotildees do corpo humano para fins de estatiacutestica e comparaccedilatildeo

Esses estudos serviram de substrato para o desenvolvimento da fase poacutes-lombrosiana da criminologia materializada pelos estudos biotipoloacutegicos endocrinoloacutegicos e psicopatoloacutegicos relacionados com a criminologia cliacutenica

Entretanto apesar de todo esforccedilo e rigor cientiacutefico desses estudos os mesmos mostraram-se insuficientes para explicar a causalidade criminal sobretudo porque tinham forte tendecircncia discriminatoacuteria haja vista que esses estudos relacionavam a existecircncia

5 As causas bioloacutegicas sempre seratildeo referidas como neurobioloacutegicas ou neurocientiacuteficas ao longo desse trabalho por uma questatildeo de singularidade do toma que versa o estudo da influecircncia do substrato cerebral com a criminologia

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 213

de certas caracteriacutesticas corporais com a propensatildeo em cometer crimes6

Em siacutentese essas teorias bioloacutegicas da criminalidade defendiam que existem indiviacuteduos predispostos para o crime cuja propensatildeo depende de sua formaccedilatildeo orgacircnica e que o criminoso eacute diferente de um cidadatildeo normal natildeo criminoso bem como desconsiderava os demais fatores que comprovadamente estatildeo relacionados com a criminalidade como os sociais7

As teorias acima citadas culminaram nos modernos estudos criminoloacutegicos desenvolvidos pela neurociecircncia envolvendo aspectos geneacuteticos neurofisioloacutegicos bioquiacutemicos moleculares visando entender o funcionamento do ceacuterebro dos criminosos e os motivos que os levam a cometer crimes

Neurociecircncia e Criminologia

Por muito tempo a pobreza a desigualdade social a baixa escolaridade e as maacutes companhias foram considerados os principais fatores criminoacutegenos

Atualmente sabe-se que esses fatores desempenhem um papel relevante nada obstante tem-se reconhecido que fatores neurobioloacutegicos tambeacutem satildeo importantes na modelagem do comportamento criminoso por conseguinte no cometimento de crimes

De acordo com Vold (1998) a variaacutevel bioloacutegica da criminalidade pode ser definida como

6 Kretschmer (2015) diferenciou quatro tipos de constituiccedilatildeo corporal1 Leptossocircmicos alta estatura toacuterax largo peito fundo cabeccedila pequena peacutes e matildeos

curtos cabelos crespos (propensatildeo ao furto e estelionato)2 Atleacuteticos estatura meacutedia toacuterax largo musculoso forte estrutura oacutessea rosto uniforme

peacutes e matildeos grandes cabelos fortes (crimes violentos)3 Piacutecnicos toacuterax pequeno fundo curvado formas arredondadas e femininas pescoccedilo

curto cabeccedila grande e redonda rosto largo e peacutes matildeos e cabelos curtos (menor propensatildeo ao crime)

4 Displaacutesicos pessoas com corpo desproporcional com crescimento anormal (crimes sexuais) (Penteado Filho Nestor Sampaio Manual de Criminologia 3ordfed Saraiva Satildeo Paulo 2013 p 102)

7 Farias Juacutenior Joatildeo Manual de criminologia 3 ed Juruaacute Curitiba 2006 p 58

214 | Temas em Neurociecircncias

Algumas dessas caracteriacutesticas bioloacutegicas satildeo geneacuteticas e herdadas () Outras resultam de mutaccedilotildees geneacuteticas que ocorrem no momento da concepccedilatildeo ou se desenvolvem enquanto o feto estaacute no uacutetero Essas caracteriacutesticas bioloacutegicas satildeo geneacuteticas mas natildeo herdadas Finalmente outras podem se desenvolver como resultado do ambiente das pessoas que vai desde lesotildees a uma dieta inadequada Essas caracteriacutesticas bioloacutegicas natildeo satildeo geneacuteticas nem herdadasrdquo (Vold 1998 p 68)

Apesar dos estudos dos caracteres bioloacutegicos da criminalidade terem entrado em crise Serrano Maiacutello assegura que haacute uns anos ndash dez ou quinze aproximadamente ndash vem sendo levado agrave seacuterio as variaacuteveis de caraacuteter bioloacutegico em criminalidade (Serrano 2016)

Serrano (2016) tambeacutem aponta que uma das razotildees para o renascimento das variaacuteveis bioloacutegicas da criminalidade pode ser o fato de que ateacute o momento houve o predomiacutenio das teorias de orientaccedilatildeo socioloacutegica8 poreacutem as explicaccedilotildees do fenocircmeno delitivo dada por elas natildeo satildeo consideradas integralmente satisfatoacuterias ou seja essas teorias natildeo tecircm sido capazes de explicar satisfatoriamente importantes diferenccedilas individuais no acircmbito da criminalidade

As teorias de orientaccedilatildeo socioloacutegica natildeo conseguem explicar como indiviacuteduos exposto a ambientes semelhantes se comportem de maneira tatildeo diferente e que sujeitos que crescemdesenvolvem-se em ambientes criminoacutegenos natildeo delinquam ao passo que outros que vivem em ambientes com riscos ambientais miacutenimos cometam delitos

8 Teoria da Desorganizaccedilatildeo Social entende que o crime eacute fruto da ruptura e maacute estruturaccedilatildeo das unidades familiares que controlariam o crime A desorganizaccedilatildeo social causa uma perturbaccedilatildeo da cultura existente por mudanccedila social evidenciada por falha dos controlos sociais tradicionais morais conflitantes e no decliacutenio da confianccedila dessas instituiccedilotildees

Teoria da Subcultura Delinquente prega a existecircncia de uma subcultura da violecircncia o que leva algumas sociedades a aceitar a violecircncia como uma maneira normal de resolver conflitos sociais e tambeacutem sustenta que alguns grupos ateacute valorizam a violecircncia

Teoria da Anomia sustenta que o crime eacute um fenocircmeno normal e intriacutenseco da estrutura social considerando que ateacute um certo ponto o crime eacute tido como necessaacuterio e uacutetil para o equiliacutebrio social A anomia eacute caracterizada por uma situaccedilatildeo social onde falta coesatildeo e ordem especialmente no tocante a normas e valores

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 215

Nesse liame foi natural o ressurgimento de pesquisas envolvendo neurociecircncias e criminologia merecendo destaque os estudos desenvolvidos por Adrian Raine9

Tal ressurgimento pode ser constatado pelo levantamento realizado pela MacArthur Foundation Research Network on Law and Neuroscience da Vanderbilt University que mostra o aumento no nuacutemero de publicaccedilotildees envolvendo direito e neurociecircncias entre os anos de 1984-201710

Segundo Ventura (2010) a neurociecircncia compreende o estudo do sistema nervoso e suas ligaccedilotildees com toda a fisiologia do organismo incluindo a relaccedilatildeo entre ceacuterebro e comportamento O controle neural das funccedilotildees vegetativas11 das funccedilotildees sensoriais e motoras da locomoccedilatildeo reproduccedilatildeo alimentaccedilatildeo e ingestatildeo de aacutegua os mecanismos da atenccedilatildeo e memoacuteria aprendizagem emoccedilatildeo linguagem e comunicaccedilatildeo satildeo temas de estudo da neurociecircncia

Robert Lent (2010) assevera que ldquoo que chamamos simplificadamente como neurociecircncia eacute na verdade neurociecircnciasrdquo em virtude da interdisciplinaridade que envolve o estudo do ceacuterebro e de modo esquemaacutetico essa aacuterea do conhecimento pode ser dividida em cinco grandes disciplinas neurocientiacuteficas a saber neurociecircncia molecular neurociecircncia celular neurociecircncia sistecircmica neurociecircncia comportamental e neurociecircncia cognitiva12

Apesar do termo mais adequado ser neurociecircncias doravante apenas nomearemos essa ciecircncia no singular ou seja como neurociecircncia

9 Disponiacutevel em lthttpspsychologysasupennedupeopleadrian-rainegt Acesso em 21 jan 2019

10 Evoluccedilatildeo das publicaccedilotildees envolvendo direito e neurociecircncias entre os anos de 1984 a 2017 Disponiacutevel em httpwwwlawneuroorgbibliographyphp Acesso em 22 jan 2019

11 Digestatildeo circulaccedilatildeo respiraccedilatildeo homeostase temperatura12 Grossi (2014) explica que a neurociecircncia pode ser compreendida por meio de cinco

abordagens 1 Neurociecircncia Molecular investiga a quiacutemica e a fiacutesica envolvidas na funccedilatildeo neural Estuda as diversas moleacuteculas de importacircncia funcional no sistema nervoso 2 Neurociecircncia Celular investiga os tipos celulares sistema nervoso e o funcionamento de cada um 3 Neurociecircncia Sistecircmica estuda as regiotildees do sistema nervoso dos processos como a percepccedilatildeo o discernimento a atenccedilatildeo e o pensamento 4 Neurociecircncia Comportamental estuda a interaccedilatildeo entre os sistemas que influenciam o comportamento explica as capacidades mentais que produzem comportamentos como o sono emoccedilotildees sensaccedilotildees visuais dentre outros 5 Neurociecircncia Cognitiva estuda as capacidades mentais mais complexas como aprendizagem linguagem memoacuteria e planejamento

216 | Temas em Neurociecircncias

Sobre esse tema Fernandes (2010) ensina que a aplicaccedilatildeo da neurociecircncia ao direito possibilitaraacute o entendimento da conduta humana de maneira iacutempar

Neurociecircncias e Direito constituem sem duacutevida um tema novo Um tema com implicaccedilotildees sociais ontoloacutegicas e metodoloacutegicas de uma dimensatildeo natildeo comparaacutevel com nenhum outro pois se refere especificamente agrave relaccedilatildeo entre os mecanismos que geram a conduta humana o ceacuterebro e as consequecircncias em sociedade dessa conduta () E ainda quando a Neurociecircncias e o Direito parecem ter distintos objetivos e interesses no sentido de que a primeira busca entender a conduta humana (pensamento emoccedilatildeo etc) e o segundo julgaacute-la (intencionalidade culpabilidade responsabilidade etc) resulta evidente que ambas as disciplinas tambeacutem podem ajudar-se mutuamente Apesar de que entender e julgar satildeo atividades diferentes os esforccedilos por entender o comportamento humano suas causas motivaccedilotildees limites e fatores condicionantes podem ser de grande apoio natildeo somente nos juiacutezos sobre culpabilidade ou inocecircncia senatildeo tambeacutem no proacuteprio processo de realizaccedilatildeo praacutetico-concreta (interpretaccedilatildeo justificaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo) do Direito (Fernandes 2010)13

Atualmente com o advento das tecnologias de imagens cerebrais aliada a todo conhecimento acerca do funcionamento cerebral da neurociecircncia e aacutereas correlatas tem-se um instrumento muito sensiacutevel para investigar a anatomia cerebral da violecircncia

Segundo Daile Valančienė (2013) os meacutetodos e teacutecnicas de imageamento cerebral podem ser divididos em teacutecnicas de imagens funcionais que determinam funccedilotildees fisioloacutegicas e que utilizam de tomografia computadorizada por emissatildeo de foacuteton uacutenico (SCPECT) tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (PET scan) ressonacircncia magneacutetica funcional (fMRI) eletroencefalografia (EEG) magnetoencefalografia (MEG) e tomografia por impedacircncia eleacutetrica (EIT) e teacutecnicas de imagens estruturais que procuram identificar informaccedilotildees anatocircmicas feitas por

13 Fernandes Atahualpa Os labirintos neuronais do Direito livre-arbiacutetrio responsabilidade racionalidade Disponiacutevel em httpswwwresearchgatenetprofileAtahualpa_Fernandez2publication237065374_os_labirintos_neuronais_do_direito_livrearbitrio_responsabilidade_racionalidadelinks00b7d51b1f54f5ff6b000000os-labirintos-neuronais-do-direito-livre-arbitrio-responsabilidade-racionalidadeorigin=publication_detail Acesso em 23 mar 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 217

radiografia tomografia computadorizada (CT) ressonacircncia magneacutetica (MRI) e ultrassonografia (US)

A tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (PET scan) destaca-se uma vez que permite medir simultaneamente a atividade metaboacutelica de diversas regiotildees do ceacuterebro14 sendo possiacutevel investigar se haacute alteraccedilotildees no funcionamento cerebral especialmente em regiotildees envolvidas com inibiccedilatildeo modulaccedilatildeo comportamental como o coacutertex preacute-frontal e a amigdala

Com efeito a utilizaccedilatildeo de utilizaccedilatildeo de teacutecnicas de imageamento cerebral tem permitido compreensatildeo delinquente bem como tem possibilitado a aplicaccedilatildeo adequada da sanccedilatildeo pois conforme veremos a seguir o indiviacuteduo pode cometer crimes baacuterbaros influenciados por alguma disfunccedilatildeo cerebral e natildeo muitas vezes sequer consegue se controlar ou entende o caraacuteter iliacutecito da sua contduta

Nessa perspectiva Adrian Raine (2015) sugere ldquo() devemos ser cautelosos A violecircncia eacute extremamente complexa ()rdquo de modo que disfunccedilotildees de uma determinada regiatildeo cerebral pode ajudar a

14 PET scan eacute a sigla em inglecircs para a tomografia por emissatildeo de poacutesitrons (Positron Emission Tomography) e eacute uma modalidade de diagnoacutestico por imagem que permite o mapeamento de diferentes substacircncias quiacutemicas radioativas no organismo

Esse exame foi desenvolvido na Universidade de Washington em 1973 pelos meacutedicos Edward Hoffman e Michael E Phelps

A PET Scan eacute um exame que une os recursos da medicina nuclear e da radiologia uma vez que sobrepotildee imagens metaboacutelicas agraves imagens anatocircmicas produzindo assim um terceiro tipo de imagem

A PET Scan mede a atividade metaboacutelica celular de qualquer regiatildeo do corpo demonstrando assim o de atividade delas podendo mostrar a presenccedila de alteraccedilotildees funcionais antes mesmo das morfoloacutegicas permitindo um diagnoacutestico ainda mais precoce de doenccedilas ou disfunccedilotildees

Na preparaccedilatildeo para o exame eacute necessaacuterio jejum de quatro a seis horas bem como uma alimentaccedilatildeo pobre em carboidratos na noite que o antecede Antecedendo o exame o paciente deve receber uma injeccedilatildeo de glicose ligada a um elemento radioativo (quase sempre fluacuteor radioativo) e cerca de sessenta minutos depois deve submeter-se a uma tomografia computadorizada

A PET Scan capta os sinais de radiaccedilatildeo emitidos pelo elemento radioativo transformando-os em imagens e determinando assim os locais onde haacute presenccedila deste accediluacutecar demonstrando que neste local haacute um metabolismo acentuado

Entatildeo as regiotildees que metabolizam essa glicose em excesso regiotildees do ceacuterebro em intensa atividade e o coraccedilatildeo apareceratildeo em vermelho numa imagem criada por computador Ao passo que regiotildees pouco ativas apresentaratildeo coloraccedilotildees frias azul verde

(Adaptado de ABC MED Disponiacutevel em lthttpswwwabcmedbrpexames-e-procedimentos740267pet+scan+o+que+e+por+que+fazer+como+e+feita+quem+deve+e+quem+ nao+deve+fazer+quais+sao+as+possiveis+complicacoeshtmgt Acesso em 20 jan 2019

218 | Temas em Neurociecircncias

entender um tipo de crime mas a mesma explicaccedilatildeo natildeo pode ser estendida aos demais

Conforme tambeacutem veremos a seguir os estudos em que ceacuterebros de criminosos foram submetidos a exames com PET scan em sua maioria natildeo demonstram causalidade apenas associaccedilotildees entre a disfunccedilatildeo de determinada aacuterea cerebral e o cometimento de algum delito

Plea Bargain ndash Resultados de Exames de Imagens Cerebrais Possibilitaram a Realizaccedilatildeo de um Acordo na Fase de Preacute-Julgamento

De acordo com a mateacuteria publicada no jornal New York Times (200715) e com a anaacutelise do caso People v Weinstein (Supreme Court New York County 1992)16 Herbert Weinstein 65 anos era um executivo de sucesso na aacuterea de publicidade

Em 07011991 envolveu-se em uma discussatildeo com sua esposa mas no meio da discussatildeo decidiu parar de discutir e afastar-se poreacutem a cocircnjuge foi atraacutes do mesmo e arranhando a sua face O mencionado golpe foi decisivo para que Weinstein estrangulasse a esposa e a jogasse pela janela do apartamento que ficava no 12ordm andar

Ao analisarem o caso os advogados de defesa ficaram intrigados pelo fato de Weinstein natildeo possuir qualquer histoacuterico de violecircncia o que foi motivo suficiente para submetecirc-lo a um exame de ressonacircncia magneacutetica cerebral e PET scan

15 Disponiacutevel em httpswwwnytimescom20070311magazine11Neurolawthtml Acesso em 23 mar 2019

16 156 Misc2d 34 People v Weinstein Supreme Court New York County1992 Disponiacutevel em lthttpswwwleaglecomdecision1992190156misc2d341186gt Acesso em 10 jan 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 219

O resultado foi estarrecedor o executivo ora criminoso possuiacutea um cisto aracnoide17 no lobo frontal esquerdo e que comprimia o coacutertex frontal e temporal

Os resultados foram apresentados numa audiecircncia preacutevia e analisados pelo neurologista Antonio Damaacutesio que foi contundente ao defender que o Reacuteu tinha uma reduccedilatildeo na capacidade de regular suas emoccedilotildees e tomar decisotildees racionais

Apoacutes o parecer do expert e acusaccedilatildeo que pleiteava nada menos do que 25 anos de prisatildeo concordou com a tese da defesa de homiciacutedio culposo impondo-lhe uma pena de 7 anos de prisatildeo

Essa foi a primeira vez acusaccedilatildeo e defesa por meio do plea bargain negociaram a reduccedilatildeo da pena e a reclassificaccedilatildeo do crime cometido diante das provas obtidas atraveacutes de exames de imagens cerebrais e analisadas a luz da neurociecircncia

Esclarece Adrian Raine (2015) que

O caso de Herbert Weinstein destaca mais uma vez a importacircncia do ceacuterebro na predisposiccedilatildeo agrave violecircncia Mais especificamente o caso sugere que deacuteficit estrutural do coacutertex preacute-frontal esquerdo resulta em uma anormalidade do oacutergatildeo que por sua vez resulta em violecircncia A causa dos cistos como o de Weinstein eacute desconhecida e eles podem crescer durante um longo periacuteodo de tempo Tambeacutem podem benignos mas especialistas no caso testemunharam que o cisto resultou em uma disfunccedilatildeo cerebral que afetou de modo substancial a capacidade de Weinstein de pensar racionalmente Isso reforccedilou a credibilidade de sua defesa que alegava insanidade (Raine 2015 p 133)

Analisando o caso e as caracteriacutesticas bioloacutegicas de Weinstein fica evidente que o episoacutedio de violecircncia que culminou na morte de sua esposa deu-se pela falta do controle do coacutertex preacute-frontal sobre as regiotildees liacutembicas do ceacuterebro as quais satildeo sabidamente envolvidas

17 Os cistos aracnoacuteides satildeo coleccedilotildees intraracnoacuteides de liacutequido ceacutefalo raquiano (LCR) Satildeo de natureza congecircnita e se formam graccedilas a defeito valvular das membranas aracnoacuteides que facilita a passagem do LCR para o interior do cisto e dificulta a saiacuteda1 Embora muitos podem constituir achados incidentais outros podem causar sintomas por compressatildeo do parecircnquima cerebral ou aumento da pressatildeo intracraniana (Castro Samuel Caputo de Cistos aracnoacuteides intracranianos tratamento pela neuroendoscopia Arq Neuro-Psiquiatr Satildeo Paulo v 57 n 1 p 63-67 mar 1999)

220 | Temas em Neurociecircncias

com o processamento das emoccedilotildees que por sua vez satildeo moduladas e processadas pelo coacutertex preacute-frontal

Logo a anormalidade estrutural e funcional do ceacuterebro de Weinstein natildeo permitiria que ele esboccedilasse respostas natildeo violentas a anormalidade foi determinante para o cometimento do crime

A Classificaccedilatildeo de Criminosos sob Prisma da Atividade do Coacutertex Preacute-Frontal ndash Criminosos Reativos e Proativos

Atualmente os criminosos podem ser classificados em proativos ou reativos a depender do modo como cometem crimes e do perfil de funcionamento do coacutertex preacute-frontal (Raine 2006 Dodge 1991 Meloy 1988)

Criminosos proativamente agressivos conseguem planejar suas accedilotildees satildeo equilibrados controlados movidos por recompensas externas (materiais) ou internas (psicoloacutegicas) tem sangue frio e natildeo possuem compaixatildeo alguma sendo essas caracteriacutesticas encontradas em assassinos em seacuterie18 Os agressivos reativos possuem sangue quente natildeo conseguem apresentar respostas controladas e racionais quando se deparam a ocasiotildees estressantes ou ateacute mesmo quando satildeo repreendidos

Com base nessa classificaccedilatildeo Raine et al (1998 2006)conseguiram classificar criminosos reativos e proativos de acordo com a atividade do coacutertex preacute-frontal em um estudo intitulado Reduced prefrontal and increased subcortical brain functioning assessed using positron emission tomography in predatory and affective murderers

Nesse trabalho a pesquisa foi iniciada com 41 criminosos e para classificaacute-los em reativosproativos foram analisadas as fichas criminais registros advocatiacutecios depoimentos perante as autoridades policiais e nos tribunais reportagens relatos de psicoacutelogos psiquiatras e assistentes sociais Ao final dos 41 24 foram classificados como

18 ldquoUm monte de assassinos em seacuterie se ajusta a isso ndash como Harold Shipman na Inglaterra que matou um nuacutemero de 284 pessoas a maior parte delas mulheres idosas Ted Kaczynski o Unabomber cuja campanha de terror foi realizada por meio de bombas enviadas pelo correio Peter Sutcliffe que eliminou 13 mulheres no norte da Inglaterra e Ted Bundy que cuidadosamente matou cerca de 35 mulheres jovens muitas delas estudantes universitaacuteriasrdquo (Raine 2015 p 75)

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 221

criminosos reativos e 15 como criminosos proativos alguns possuiacuteam ambas as caracteriacutesticas e foram excluiacutedos do estudo

Tambeacutem foi constatado que o criminoso reativo possui baixo funcionamento da regiatildeo ventral do coacutertex preacute-frontal em contraste com o proativo que possui uma ativaccedilatildeo expressiva na referida regiatildeo o que explicaria porque apenas os uacuteltimos conseguem planejar o crime e ainda obteacutem certa satisfaccedilatildeo psicoloacutegica ao obterem ecircxito

Adrian Raine sugere que as caracteriacutesticas dos criminosos proativos podem ter relaccedilatildeo com as condutas dos terroristas que reagem a um insulto sociopoliacutetico ideoloacutegico planejando cuidadosamente um contra-ataque (Raine 2015)

Eacute importante esclarecer que o coacutertex preacute-frontal estaacute envolvido nas funccedilotildees executivas as quais estatildeo relacionadas com as habilidades para diferenciar pensamentos conflitantes tomada de decisotildees previsatildeo de fatos expectativas baseadas em accedilotildees e controle social de modo que deacuteficits no coacutertex preacute-frontal conduzem a uma maior impulsividade agressividade e inadequaccedilatildeo social em outras palavras eacute responsaacutevel pelo surgimento de um fator criminoloacutegico de muita relevacircncia e ateacute entatildeo desconhecido (Rolls 2004 Holbrook et al 2015)

Aleacutem disso esses achados tambeacutem sugerem que o coacutertex preacute-frontal age controlando as emoccedilotildees desenfreadas geradas por estruturas liacutembicas no caso dos criminosos reativos bem como tambeacutem eacute responsaacutevel pela sofisticaccedilatildeo e planejamento dos crimes cometidos pelos proativos os quais satildeo guiados por uma satisfaccedilatildeo abstrata

Assim as descobertas dos estudos de neuroimagem satildeo corroboradas pelos resultados em neurociecircncias demonstram a existecircncia de uma base neurobioloacutegica para criminalidade e o coacutertex preacute-frontal estaacute envolvido

Pedofilia o Elo entre o Desenvolvimento de um Tumor no Ceacuterebro e o Cometimento de Crimes

Burns amp Swerdlow (2003) relatam a histoacuteria de Michael professor infantil casado tinha uma enteada de 12 anos sem antecedentes psiquiaacutetricos ou de qualquer comportamento desviante era um tiacutepico cidadatildeo estadunidense

222 | Temas em Neurociecircncias

Por volta dos 40 anos de idade o comportamento de Michael comeccedilou a mudar interessando-se por pornografia infantil e culminando no abuso sexual da enteada

Apoacutes foi diagnosticado como pedoacutefilo e condenado pela agressatildeo sexual podendo optar por submeter-se a um tratamento para pedoacutefilos ou cumprir uma pena em regime fechado

Michael optou pelo tratamento mas natildeo demorou para ser expulso do programa uma vez que as tentativas de satisfazer os seus desejos sexuais eram constantes

Um dia antes de iniciar o cumprimento da pena procurou um hospital queixando-se de dor de cabeccedila Apoacutes ser atendido e quando estava prestes a ser liberado alegou que acaso fosse liberado estupraria a dona do local onde estava morando O que forccedilou a equipe meacutedica a internaacute-lo na ala psiquiaacutetrica

O neurologista Russell Swerdlow percebeu problemas na marcha e que Michael urinava sobre si mesmo sem qualquer preocupaccedilatildeo sintomas que o levaram a fazer um exame de Ressonacircncia Magneacutetica do ceacuterebro do paciente

O exame mostrou que Michael tinha um tumor crescendo na base do coacutertex orbitofrontal (sub-regiatildeo do coacutertex preacute-frontal) e comprimindo a regiatildeo preacute-frontal direita conforme observa-se a seguir

Figura 1 ndash Imagem de ressonacircncia magneacutetica do ceacuterebro do Sr Oft Presenccedila de um tumor na regiatildeo do coacutertex orbitofrontal (dentro do ciacuterculo vermelho) A B e C referem-se aos diversos planos do exame Fonte Adaptado - Disponiacutevel em httpsdxdoiorg101001archneur603437 Acesso em 26 jan 2019

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 223

Apoacutes a retirada do tumor pelos neurocirurgiotildees a emoccedilatildeo a cogniccedilatildeo e a atividade sexual de Michael voltaram ao normal e a culpa pelo que havia feito com a enteada vieram agrave tona19

Michael recebeu alta meacutedica concluiu o programa de tratamento de pedoacutefilos e apoacutes alguns meses voltou a residir com a esposa e a enteada

Entretanto apoacutes certo tempo o comportamento de Michael retornou a mesma situaccedilatildeo de antes da retirada do tumor apoacutes exames a mesma equipe meacutedica constatou a recidiva do tumor

Apoacutes a nova cirurgia para retirada o tumor o comportamento voltou a melhorar dessa vez a recuperaccedilatildeo foi completa

O coacutertex orbitofrontal eacute uma sub-regiatildeo do coacutertex preacute-frontal envolvida com a regulaccedilatildeo do controle social Lesotildees nessa regiatildeo comprometem o desenvolvimento do sensojulgamento social e moral resultando no empobrecimento nas tomadas de decisotildees impulsividade e sociopatia Tambeacutem eacute de conhecimento que o coacutertex orbitofrontal eacute uma das estruturas responsaacuteveis pela inibiccedilatildeo dos impulsos sexuais (Eslinger e Damasio 1985 Beauregard et al 2001)

Nesse liame assevera Priscilla Placha Saacute que a pedofilia enseja um julgamento bastante severo em face de quem o pratica no caso em comento para que o juiacutezo de reprovabilidade eacute menor pelo fato de que haacute uma ldquoexplicaccedilatildeordquo neurobioloacutegica bastante razoaacutevel e que natildeo estaacute no domiacutenio do sujeito o tumor eacute o responsaacutevel pela libido pervertida do sujeito e a doenccedila eacute o mal ou seja o conhecimento do fator criminoacutegeno neurobioloacutegico o tumor torna desnecessaacuteria a imposiccedilatildeo de qualquer pena mas impotildee o tratamento adequado caso exista

Assim tem-se que o surgimento de diferentes paradigmas cliacutenicos da neurociecircncia estaacute convergindo para a mesma conclusatildeo de que haacute uma significativa base neurobioloacutegica para a criminalidade

19 O caso descrito foi publicado no artigo cientiacutefico intitulado ldquoRight Orbitofrontal Tumor With Pedophilia Symptom and Constructional Apraxia Signrdquo publicado na revista Archives of Neurology em 2003

224 | Temas em Neurociecircncias

Relaccedilatildeo Temporal entre Lesotildees Cerebrais e o Cometimento de Crimes

Com o intuito de demonstrar que disfunccedilotildees no funcionamento cerebral podem ter um papel relevante para o cometimento de crimes pode-se observar na Tabela 1 alguns casos de correlaccedilatildeo entre a ocorrecircncia de lesotildees cerebrais e o aparecimento do comportamento desviantecometimento de crimes

Tabela 1 - Relaccedilatildeo entre cometimento de crimes apoacutes a lesatildeo de determinadas regiotildees cerebrais (continua)

Caso Comportamento EtiologiaLesatildeo

(idade)Crime

(idade)Referecircncia

1Raiva agressatildeo e incecircndio criminoso

Ressecccedilatildeo de abscesso cerebral

16 48Tonkonogy 1991

2Raiva agressatildeo e destruiccedilatildeo de propriedade

Trauma 23 42Tonkonogy 1991

3Raiva agressatildeo e destruiccedilatildeo de propriedade

Desconhecido 21 42Tonkonogy 1991

4

Agressatildeo verbalfiacutesica mentira roubo falta de empatia culpa remorso e comportamento sexual de risco

Trauma 15 3Anderson et al 1999

5

Agressatildeo verbalfiacutesica mentira roubo falta de empatia culpa remorso e comportamento sexual de risco

Tumor 1 9Anderson et al 1999

6Mentira roubo fraude e crimes financeiros

Tumor 33 33Meyers et al 1992

7Mentira decisotildees financeiras ilegais

Tumor 35 35Eslinger e Damasio 1985

8Roubo agressatildeo e violecircncia

Tumor 56 56Blair e Cipolotti 2000

Fonte Adaptado de Darby 2018 p 601-606

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 225

Tabela 1 - Relaccedilatildeo entre cometimento de crimes apoacutes a lesatildeo de determinadas regiotildees cerebrais (conclusatildeo)

Caso Comportamento EtiologiaLesatildeo

(idade)Crime

(idade)Referecircncia

9Decisotildees financeiras ilegais e desonestidade

Trauma 54 54Tranel et al 2002

10Decisotildees financeiras ilegais e desonestidade

Acidente vascular encefaacutelico

32 32Tranel et al 2002

11Agressatildeo violecircncia roubo e suiciacutedio

Hemorragia sub-aracnoacuteide

5 14Nakaji et al 2003

12 Violecircncia e agressatildeo Tumor 4 6Nakaji et al 2004

13 Estupro (3 vezes) Tumor 26 naMitchell et al 2006

14 Homiciacutedio e estupro Trauma 32 32Mitchell et al 2006

15Homiciacutedio e estupro (2 vezes)

Tumor 14 18Mitchell 2006

16Homiciacutedio da matildee apoacutes tentar o mesmo crime 2 anos antes

Lesatildeo ciruacutergica

40 62Orellana et al 2013

17 Homiciacutedio Trauma 7 34Sener et al 2015

Fonte Adaptado de Darby 2018 p 601-606

Analisando-se a tabela acima eacute possiacutevel constatar a existecircncia do nexo de causalidade entre o aparecimento de tumores traumas lesotildees ciruacutergicas acidentes vasculares encefaacutelicos hemorragias sub-aracnoacuteide ressecccedilatildeo de abscesso cerebral com significativas mudanccedilas comportamentais e com o cometimento de crimes

A Influecircncia da Neurociecircncia nas Decisotildees da Suprema Corte dos EUA ndash Decisotildees Acerca da Culpabilidade Criminal de Adolescentes

A Suprema Corte dos EUA ao longo dos uacuteltimos anos ao julgar casos envolvendo a culpabilidade criminal de jovens fundamentou

226 | Temas em Neurociecircncias

suas decisotildees em estudos de neurociecircncias20 Thompson vOklahoma 487 US 815 (1988)21 Roper v Simmons 543 US 551 (2005)22 Graham v Florida 560 US 48 (2010)23

No caso mais recente (2010) a Corte decidiu que as decisotildees condenavam adolescentes a prisatildeo sem a possibilidade de liberdade condicional satildeo inconstitucionais Neste caso a decisatildeo da Suprema Corte foi baseada em estudos cientiacuteficos que demonstram que os ceacuterebros de adolescentes ainda natildeo estatildeo totalmente desenvolvidos satildeo imaturos no aspecto psicoloacutegico e neurobioloacutegico natildeo sendo portanto plenamente responsaacuteveis pelo seu comportamento como os adultos

Frisa-se que os crimes cometidos por adolescentes normalmente decorrem de decisotildees impulsivas seja porque seus coacutertex preacute-frontais ainda natildeo estatildeo totalmente desenvolvidos seja porque o corpo estriado ventral eacute mais responsivo a recompensas ou estiacutemulos emocionais os levando a assumirem mais riscos24

Jaacute foi constatado que o estriado ventral e o coacutertex ventromedial estatildeo mais ativados durante a adolescecircncia em relaccedilatildeo a infacircncia ou a vida adulta Considerando que essas regiotildees satildeo relevantes no processamento das emoccedilotildees avaliaccedilatildeo das recompensas e puniccedilotildees tudo indica que natildeo eacute plausiacutevel impor uma pena tatildeo severa para um agente que ainda natildeo possui o desenvolvimento mental completo (Hare et al 2008)

Desse modo a neurociecircncia natildeo apenas auxilia a compreender os motivos que levaram o indiviacuteduo a cometer determinado crime podendo tambeacutem ser uma ferramenta de grande valia para aplicar adequadamente as puniccedilotildees agravequeles que violam as leis

20 Steinberg L The influence of neuroscience on US Supreme Court decisions about adolescentsamp39 criminal culpability Nature Reviews Neuroscience v 14 p 513 0612online 2013

21 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus487815gt Acesso em 7 abr 2019

22 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus543551gt Acesso em 7 abr 2019

23 Disponiacutevel em lt httpssupremejustiacomcasesfederalus56048gt Acesso em 7 abr 2019

24 Steinberg L Should the science of adolescent brain development inform public policy American Psychologist US v 64 n 8 p 739-750 2009 ISSN 1935-990X

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 227

A influecircncia da Neurociecircncia no Direito Penal

Primeiramente eacute importante que nas palavras do professor Luiz Regis Prado (2013) ldquoo delito analiticamente eacute a accedilatildeo ou omissatildeo tiacutepica iliacutecita e culpaacutevelrdquo ou seja possuem trecircs elementos essenciais e necessaacuterios

Tais elementos podem ser melhor compreendidos com a liccedilatildeo de Rogeacuterio Greco que discorre o seguinte

A tipicidade a antijuridicidade e a culpabilidade satildeo trecircs elementos que convertem uma accedilatildeo em um delito A culpabilidade ndash a responsabilidade pessoal por um fato antijuriacutedico ndash pressupotildee a antijuridicidade do fato do mesmo modo que a antijuridicidade por sua vez tem de estar concretizada em tipos legais A tipicidade a antijuridicidade por sua vez tem de estarem concretizadas em tipos legais A tipicidade a antijuridicidade e a culpabilidade estatildeo relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupotildee o anterior (Greco apud Hans Welzel 2012 p 29)

Nesse liame ressalta-se que esse toacutepico ater-se-aacute ao uacuteltimo elemento acima mencionado a culpabilidade

Ao longo dos anos a doutrina tem estudado e formulado diversas teorias sobre acerca da culpabilidade culminando na criaccedilatildeo a teoria limitada da culpabilidade que considera que a culpabilidade eacute composta pelos elementos imputabilidade potencial consciecircncia da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa25 (Masson 2016)

Masson (2016) esclarece a partir da anaacutelise do tratamento do erro (arts 19 e 21 do CP) e do item 19 da Exposiccedilatildeo de motivos da Nova Parte Geral do Coacutedigo Penal eacute possiacutevel constatar que a legislaccedilatildeo Paacutetria acolheu a teoria limitada da culpabilidade

Repete o Projeto as normas do Coacutedigo de 1940 pertinentes agraves denominadas ldquodescriminantes putativasrdquo Ajusta-se assim o Projeto agrave teoria limitada pela culpabilidade que distingue o erro incidente sobre os pressupostos faacuteticos de uma causa de justificaccedilatildeo do que incide sobre a norma permissiva Tal como no

25 Analisando as circunstacircncias judiciais do art 59 caput do Coacutedigo Penal conclui-se que a culpabilidade que ldquose determina pela imputabilidade exigibilidade de conduta diversa e possibilidade do conhecimento do injustordquo (STF - HC 73097 MS)

228 | Temas em Neurociecircncias

Coacutedigo vigente admite-se nesta aacuterea a figura culposa (artigo 17 sect 1ordm)26

De acordo com a doutrina de Miguel Reale Juacutenior (2000) que ldquoculpabilidade eacute a reprovaccedilatildeo por ter o agente agido antijuridicamente optando assim por um desvalor quando podia abster -se de fazecirc-lo jaacute que lhe era facultado motivar-se pelo valor imposto pela norma e pelo valor da norma como deverrdquo

Assim pode-se conceituar a culpabilidade como sendo o juiacutezo de censura o juiacutezo de reprovabilidade que incide sobre a formaccedilatildeo e exteriorizaccedilatildeo da vontade do responsaacutevel por um fato tiacutepico e iliacutecito com o propoacutesito de aferir a necessidade de pena de modo a culpabilidade tambeacutem eacute o fundamento e limite da pena

Quanto ao elemento imputabilidade conforme assevera Nucci (2016) corresponde ao conjunto de condiccedilotildees pessoais envolvendo a inteligecircncia e vontade que permite ao agente ter entendimento do caraacuteter iliacutecito do fato comportando-se de acordo com esse conhecimento possuindo como binocircmio necessaacuterio para a formaccedilatildeo das condiccedilotildees pessoais do imputaacutevel a sanidade mental e maturidade

Nucci (2016) tambeacutem ensina que o inimputaacutevel (doente mental ou imaturo que o menor) natildeo comete crime mas pode ser sancionado penalmente aplicando secirc-lhe medida de seguranccedila27 que se baseia no juiacutezo de periculosidade diverso portanto da culpabilidade nos termos do arts 96 e seguintes do Coacutedigo Penal

Caso o agente natildeo tenha as condiccedilotildees acima mencionadas seraacute considerado inimputaacutevel por faltar-lhe a culpabilidade

Por outro lado se o agente em virtude de perturbaccedilatildeo de sauacutede mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado natildeo era inteiramente capaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento seraacute considerado

26 Disponiacutevel em lthttpswww2camaralegbrleginfeddeclei1940-1949decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-exposicaodemotivos-148972-pehtmlgt Acesso em 1 maio 2019

27 Medida de seguranccedila eacute uma espeacutecie de sanccedilatildeo penal destinada aos inimputaacuteveis e excepcionalmente aos semi-imputaacuteveis autores de fato tiacutepico e antijuriacutedico embora natildeo possam ser considerados criminosos por natildeo sofrerem o juiacutezo de culpabilidade mas sim de periculosidade devendo ser submetidos a internaccedilatildeo ou a tratamento ambulatorial pelo miacutenimo de um a trecircs anos sem prazo maacuteximo definido

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 229

semi-imputaacutevel podendo a pena ser reduzida de um a dois terccedilos (art 26 paraacutegrafo uacutenico CP)28

Como demonstrado anteriormente muitos indiviacuteduos natildeo conseguem entender ou se controlar em situaccedilotildees estressantes natildeo conseguindo exprimir resposta que natildeo seja violenta explosiva e sem qualquer valoraccedilatildeo entre certoerrado ou melhor natildeo conseguem pautar-se por tal compreensatildeo ou sendo ela incompletaparcial e muitas vezes acabam praticando fato tiacutepico e antijuriacutedico mas natildeo culpaacutevel sendo o agente considerado inimputaacutevel ou semi-imputaacutevel a depender da analise concreta

Desse modo um indiviacuteduo que comete um fato tiacutepico e antijuriacutedico sem a plena compreensatildeo do que fazia natildeo merece ser considerado criminoso mas deve ser submetido a medida de seguranccedila

Nesse liame Nucci (2016) esclarece que a medida de seguranccedila natildeo eacute pena mas natildeo deixa de ser uma espeacutecie de sanccedilatildeo penal aplicaacutevel aos inimputaacuteveis ou semi-imputaacuteveis que praticam fatos tiacutepicos e iliacutecitos (injustos) e precisam ser internados ou submetidos a tratamento tratando-se pois de medida de defesa social

Eacute de suma importacircncia a anaacutelise das condiccedilotildees pessoais do agente maturidade (18 anos ou mais) e higidez biopsiacutequica compreendida pela sauacutede mental e capacidade de apreciar a criminalidade do fato para compreender-se adequadamente a culpabilidade

No caso em comento para se averiguar a imputabilidade ou melhor a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade de algum acusado face alguma evidecircncia neurocientiacutefica faz-se necessaacuterio compreender melhor a higidez mental que pode ser avaliada com o auxiacutelio dos seguintes criteacuterios

28 Art 26 - Eacute isento de pena o agente que por doenccedila mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era ao tempo da accedilatildeo ou da omissatildeo inteiramente incapaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

Reduccedilatildeo de pena Paraacutegrafo uacutenico - A pena pode ser reduzida de um a dois terccedilos se o agente em

virtude de perturbaccedilatildeo de sauacutede mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado natildeo era inteiramente capaz de entender o caraacuteter iliacutecito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

230 | Temas em Neurociecircncias

bull Bioloacutegico leva-se em conta exclusivamente a sauacutede mental do agente isto eacute se o agente eacute ou natildeo doente mental ou possui ou natildeo um desenvolvimento mental incompleto ou retardado A adoccedilatildeo restrita desse criteacuterio faz com que o juiz fique absolutamente dependente do laudo pericial

bull Psicoloacutegico leva-se me consideraccedilatildeo unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caraacuteter iliacutecito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento Acolhido esse criteacuterio de maneira exclusiva torna-se o juiz a figura de destaque nesse contexto podendo apreciar a imputabilidade com imenso arbiacutetrio

bull Biopsicoloacutegico leva-se em conta os dois criteacuterios anteriores ou seja verifica-se se o agente eacute mentalmente satildeo e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento Eacute o princiacutepio adotado pelo Coacutedigo Penal como se pode vislumbrar no art 26 () Logo natildeo eacute suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental mas que exista prova de que esse transtorno afetou realmente a capacidade de compreensatildeo do iliacutecito ou de determinaccedilatildeo segundo esse conhecimento (Nucci 2016 p 269)

No Brasil os juristas ainda satildeo muito resilientes diante da possibilidade de levar situaccedilotildees baseadas na neurociecircncia aos tribunais possivelmente por desconhecimento da infinidade de oportunidades dessa ciecircncia especialmente por permitir o melhor entendimento do crime e do criminoso

A oportunidade de utilizar a neurociecircncia na praacutetica forense pauta-se no criteacuterio biopsicoloacutegico da inimputabilidade (art 26 do CP) e do instrumento processual para dirimir tal controversa corresponde ao incidente da insanidade mental (art 149 e seguintes do CPP) mas acredito que o uacuteltimo ainda natildeo eacute utilizado em sua plenitude pois as modernas teacutecnicas de neuroimagens ainda natildeo satildeo utilizadas

Como demonstramos e defendemos que os crimes podem ter uma origem neurobioloacutegica que decorre de algum defeito congecircnito geneacutetico ou traumaacutetico que altera o funcionamento cerebral

Eacute fato que essas sutis alteraccedilotildees no padratildeo de funcionamento do ceacuterebro soacute podem ser identificadas ao utilizar-se a metodologia adequada como exames de imagens cerebrais de modo que questionamentos ou testes realizados por meacutedicos forenses satildeo incapazes de identificar tais alteraccedilotildees

Eacute importante ressaltar que nesse liame objetivo dos advogados deve ser o de diminuir a responsabilidade legal dos criminosos

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alegando e provando que as anormalidades neurobioloacutegicas afetam o comportamento e a tomada de decisotildees ou seja demonstrando que eacute inimputaacutevel ou semi-imputaacutevel sendo vedada a arguiccedilatildeo geneacuterica sob pena de banalizar-se esse instituto e cair em descreacutedito perante os operadores do direito

Por outro lado promotores de justiccedila podem utilizar a neurociecircncia para demonstrar a periculosidade futura dos criminosos uma vez que a causa bioloacutegica que contribuiu para o cometimento do crime sempre estaraacute presente no indiviacuteduo natildeo restaurando-se com o cumprimento de pena restritiva de liberdade ou tampouco com apoacutes a aplicaccedilatildeo de uma pena alternativamedida de seguranccedila

Assim caberaacute ao juiz ou ao corpo de jurados dependendo do tipo de crime avaliar todas peculiaridades do crime do criminoso e as informaccedilotildees obtidas atraveacutes de exames de imagens em outras palavras o sucesso da defesa estaraacute pautada na escolha do exame de imagem adequado desafiando a aacuterea afetada com o intuito de mostrar a contribuiccedilatildeo da sua disfunccedilatildeo com o cometimento do delito bem como toda a fundamentaccedilatildeoargumentaccedilatildeo neurobioloacutegica a convencer o juiz ou os jurados

No que tange a prova no processo penal assevera Lima (2015) que a confiabilidade eacute o ponto crucial para as provas periciais nos tribunais Em casos que envolvem transtornos mentais os juiacutezes geralmente apoiam as decisotildees em opiniotildees e depoimentos de testemunhas ou de profissionais especializados no cruzamento da sauacutede mental com a lei

Aleacutem disso Nucci (2016) ensina que lei penal adotou o criteacuterio misto (biopsicoloacutegico) sendo indispensaacutevel a existecircncia de laudo meacutedico para comprovar a doenccedila mental ou mesmo o desenvolvimento mental incompleto ou retardado (eacute a parte bioloacutegica) situaccedilatildeo natildeo passiacutevel de verificaccedilatildeo direta pelo juiz

Nada obstante ainda remanesce o lado psicoloacutegico que consiste na capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento compreendendo o caraacuteter iliacutecito do fato Cabendo a anaacutelise desse criteacuterio ao magistrado analisando as provas colhidas ao longo da instruccedilatildeo natildeo ficando adstrito ao laudo podendo aceitaacute-lo ou rejeitaacute-lo no todo ou em parte (art 182 do CPP) ou ateacute mesmo substituir o expert

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A relevacircncia dos exames de imagens e da neurociecircncia na praacutetica forense estaacute justamente em se observar a criminalidade isto eacute observar o substrato neural responsaacutevel pelo delinquente cometer determinado delito observar o que haacute de errado se haacute soluccedilotildees natildeo havendo aplicar-lhe a medida de seguranccedila adequada

Ainda de acordo com Lima (2013) os indiviacuteduos que estudados ateacute o momento podem ser tratados como biodelinquentes que satildeo distinguidos do demais por cometerem a praacutetica delituosa alheios agrave proacutepria voliccedilatildeo e que agem pressionados por transtornos neuroloacutegicos originaacuterios de doenccedilas preacute-existentes adquiridas ou traumatizantes da caixa craniana natildeo alcanccedilaacuteveis ou natildeo pelas teacutecnicas de neuroimagem atuais

Esses biodelinquentes ou apenas criminosos natildeo possuem desenvolvimento mental incompleto ou retardado muitas vezes natildeo sendo abobalhados ou expressando qualquer exteriorizaccedilatildeo dessa disfunccedilatildeo mas conforme ensina Nucci (2016) esses criminosos possuem uma diminuta capacidade de compreensatildeo do iliacutecito ou falta de condiccedilotildees de se autodeterminar conforme o precaacuterio entendimento tendo em vista ainda natildeo ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e fiacutesica seja por conta da idade seja porque apresenta alguma caracteriacutestica particular como o silviacutecola natildeo civilizado ou o surdo-mudo sem capacidade de comunicaccedilatildeo

Ainda sobre a oacutetica da imputabilidade Eagleman (2012) defende que os criminosos que possuem alguma disfunccedilatildeo cerebral deveriam sempre serrem tratados como incapazes de ter atuado de outra maneira de modo que a atividade criminosa deve ser compreendida como produto de uma anormalidade cerebral

Eduardo Demetrio Crespo e Manuel Moroto Calatayud fazem o seguinte alerta

No caso em que novos conhecimentos empiacutericos obtidos por exemplo atraveacutes das modernas teacutecnicas de neuroimagem demonstrem que se vinha imponde penas a suspeitos cuja conduta delitiva agora sabemos se devia a deacuteficits cerebrais isso deve ser levado em conta a favor do autor Em particular eacute muito provaacutevel que os novos conhecimentos deem lugar a uma ampliaccedilatildeo dos casos de inimputabilidade e semi-imputabilidade (Crespo amp Calatayud 2013 p 39)

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Arremata Placha Saacute dizendo que muitos sujeitos foram tratados como crueacuteis e malvados sem na verdade o serem pois natildeo se conhecianatildeo se aplicava a neurociecircncia na praacutetica forense como no caso do homem que comeccedilou a se comportar como um pedoacutefilo quando na verdade era um tumor cerebral que pressionava uma aacuterea responsaacutevel pela libido ou seja o criminoso era o tumor e natildeo o agente

Nessa linha de raciociacutenio eacute que a neurociecircncia por ser tida como uma veia libertadora ao se constatar que a causa do (f)ato eacute uma doenccedila que pode ser extirpada e que pode ser tratada libera-se o sujeito de sua responsabilidade por que natildeo haveria necessidade de imposiccedilatildeo de qualquer imposiccedilatildeo de qualquer consequecircncia juriacutedico-penal por algo que eacute eventual e fora do domiacutenio e do controle de sua vontade Parece que essa possibilidade poderia ser compreendida a parir de uma leitura ampliada do que descrito nos art 26 caput e 28 sect1ordm do Coacutedigo Penal em que a questatildeo do fortuito e da forccedila maior que toma o livre-arbiacutetrio do sujeito excluem sua responsabilidade penal Eacute possiacutevel notar que para alguns haacute certo pesar pelo fato de esse conhecimento neurocientiacuteficos ter sido descoberto soacute mais recentemente o que faria pensar que muitos sujeitos foram tratados como crueacuteis e malvados sem na verdade o serem (Placha Saacute 2014 p 221)

Em decisatildeo que limitou o prazo maacuteximo de cumprimento de medida de seguranccedila tambeacutem eacute importante ressaltar que pelo fato das disfunccedilotildees neurobioloacutegicas em via de regra serem permanentes mesmo apoacutes o cumprimento integral da medida de seguranccedila imposta o agente continuaraacute a ter a disfunccedilatildeo neurobioloacutegica que foi responsaacutevel pelo crime anteriormente cometido

Apesar do agente submetido a excepcional medida de seguranccedila natildeo ter cura ou natildeo se regenerar com os passar os anos veda-se a sua internaccedilatildeo ou enclausuramento por tempo indeterminado nos termos do art 5ordm XLVII da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica garantia constitucional abolidora das prisotildees perpeacutetuas

Nesse diapasatildeo o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a medida de seguranccedila tem natureza punitiva razatildeo pela qual a ela se aplicam o instituto da prescriccedilatildeo e o tempo maacuteximo de duraccedilatildeo de 30 anos esse uacuteltimo decorrente da vedaccedilatildeo constitucional agraves penas perpeacutetuas (HC 98360 Rel Min Ricardo Lewandowski Primeira Turma Dje 23102009)

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Feitos tais esclarecimentos pode-se concluir que a neurociecircncia precisa ser inserida na praacutetica forense brasileira a exemplo dos Estados Unidos

Natildeo obstante eacute fato que a utilizaccedilatildeo da neurociecircncia na praacutetica forense depende da participaccedilatildeo e interesse dos seus principais operadores (peritos assistentes teacutecnicos advogados promotores e juiacutezes) possibilitara a evoluccedilatildeo da justiccedila criminal brasileira elevando-a para um novo patamar permitindo a melhor compreensatildeo dos crimes e dos criminosos e por conseguinte lhes seraacute imposta a sanccedilatildeo correta seja ela uma pena seja ela uma medida de seguranccedila Portanto propiciaraacute o alcance da justiccedila criminal

Consideraccedilotildees Finais

A utilizaccedilatildeo da neurociecircncia na praacutetica forense tem o potencial de melhorar a precisatildeo das decisotildees judiciais diminuindo os erros e permitindo a aplicaccedilatildeo sanccedilatildeo adequada e justa aos criminosos bem como possibilita entender as possiacuteveis causas neurobioloacutegicas que levaram criminosos a delinquir

Nada obstante eacute importante ressaltar que que a neurociecircncia seraacute uma relevante ferramenta a serviccedilo da justiccedila ao passo que advogados poderatildeo utilizaacute-la para diminuir a pena e atenuar a responsabilidade dos reacuteus alegando e provando que as anormalidades neurobioloacutegicas afetaram o comportamento e a tomada de decisotildees dos acusados Os promotores poderatildeo demonstrar a periculosidade futura dos acusados uma vez que a causa neurobioloacutegica que contribuiu para o cometimento do crime sempre estaraacute presente no indiviacuteduo natildeo restaurando-se com o cumprimento de qualquer tipo de sanccedilatildeo

Portanto a aplicaccedilatildeo da neurociecircncia a praacutetica forense brasileira seraacute de grnde valia pois aumentaraacute a profundidade das decisotildees judiciais cabendo ao julgador avaliar todas as suas peculiaridades analisar robustos exames de imagens cerebrais e as possiacuteveis influecircncias neurobioloacutegicas bem como sopesar os argumentos e provas produzidas por advogados e promotores ao longo dos processos criminais tudo a fim de se atingir a justiccedila criminal

A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso | 235

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Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos1

Celio Roberto EstanislauUniversidade Estadual de Londrina

Thiago Soares CampoliUniversidade Estadual de Londrina

Rodrigo Moreno KleinUniversidade Estadual de Londrina

Acauatilde Galdino Vieira SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Isis Amanda Andrade AmadeuUniversidade Estadual de Londrina

Guilherme Machado BorgesUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) eacute caracterizado por obsessotildees e compulsotildees As obsessotildees satildeo compostas por conteuacutedos intrusivos tais como pensamentos imagens etc As compulsotildees assumem a forma de atos que podem ser repetitivos estereotipados e perseverantes As compulsotildees constituem tentativas de aliacutevio ainda que temporaacuterio da ansiedade induzida pelas obsessotildees A conexatildeo entre elas eacute no entanto muitas vezes pobre e pouco razoaacutevel (American Psychiatric Association 2013)

A visatildeo tradicional apresenta o TOC como uma doenccedila mental Essa concepccedilatildeo deriva da observaccedilatildeo de que pessoas que preenchem os criteacuterios diagnoacutesticos para o transtorno apresentam disfunccedilatildeo psicoloacutegica sofrimento e resposta culturalmente atiacutepica (Barlow amp Durand 2008)

Autor para correspondecircncia celioestanislau

gmailcom

1 Durante a elaboraccedilatildeo do capiacutetulo nosso grupo contou

com apoio de Fundaccedilatildeo

Araucaacuteria (prot 38134) e Conselho

Nacional de Desenvolvimento

Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

(CNPq) (proc 4712142014-0)

CE recebeu bolsa de pesquisa

do CNPq (proc 3073882015-8) IAAA recebeu

bolsa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica da

Fundaccedilatildeo Araucaacuteria

9

240 | Temas em Neurociecircncias

Com prevalecircncia ao longo da vida de 12 (Kessler et al 2005) e taxas crescentes entre parentes de primeiro grau gecircmeos dizigoacuteticos e monozigoacuteticos respectivamente o TOC seguramente sofre importantes influecircncias de fatores geneacuteticos (American Psychiatric Association 2013) De forma geral caracteres que satildeo transmitidos geneticamente estatildeo por certo sujeitos aos efeitos da seleccedilatildeo com o passar das geraccedilotildees Ou seja o TOC pode evidenciar algum mecanismo que eacute produto da seleccedilatildeo natural Pode o TOC ter raiacutezes em mecanismos originalmente beneacuteficos A resposta a essa pergunta passa por algumas pistas Uma delas eacute a de que eacute notaacutevel a quantidade de pessoas que sem preencher plenamente os criteacuterios para o diagnoacutestico de TOC ainda assim apresentam alguns sintomas ldquosubcliacutenicosrdquo do transtorno (Ruscio Stein Chiu amp Kessler 2010) Outra pista decorre de observaccedilotildees de que na infacircncia eacute comum se observar algumas manifestaccedilotildees que se assemelham a sintomas de TOC Essas manifestaccedilotildees aleacutem de envolverem temaacuteticas como seguranccedila limpeza e acumulaccedilatildeo podem tambeacutem envolver algo que eacute na literatura em inglecircs referenciado como um senso de ldquo just rightrdquo ou seja uma aparente necessidade que a crianccedila pode apresentar de que determinados objetos sejam posicionados de formas especiacuteficas do contraacuterio haacute manifestaccedilotildees de desconforto (Evans amp Leckman 2006) Essas informaccedilotildees oriundas de populaccedilotildees natildeo-cliacutenicas de adultos e de crianccedilas sugerem que o TOC pode consistir de um mau funcionamento de algum mecanismo que estaacute presente nas pessoas em geral

Objetivo

Tendo em conta suas caracteriacutesticas e o papel de fatores geneacuteticos no TOC o objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar uma leitura evolucionista do transtorno baseada num modelo em que convergem modelos funcionais dados neurobioloacutegicos e explicaccedilotildees evolucionistas

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Um Olhar Evolucionista sobre o TOC

Eacute possiacutevel que os comportamentos presentes no TOC tenham efetivamente sido conservados durante a evoluccedilatildeo (Stein 2000) De modo geral pode-se ter como hipoacutetese de trabalho que a forma que caracteriacutesticas psicoloacutegicas assumem atualmente decorre de as mesmas terem sido boas soluccedilotildees para problemas de sobrevivecircncia ou reproduccedilatildeo no passado (Goldfinch 2015) Assim comportamento de limpeza e acumulaccedilatildeo por exemplo teriam trazido algumas vantagens de sobrevivecircncia e portanto foram selecionados No TOC poreacutem satildeo observadas manifestaccedilotildees disfuncionais dos mesmos

Eacute muito conhecida a frase segundo a qual ldquonada na Biologia faz sentido exceto agrave luz da evoluccedilatildeordquo (Dobzhansky 1973) A perspectiva evolucionista aleacutem de como veremos originar teorias e concepccedilotildees sobre os transtornos cumpre um importante papel de princiacutepio integrador Ou seja mesmo teorias que natildeo se originam diretamente dessa perspectiva se tornam mais soacutelidas se sobrevivem ao crivo do olhar evolucionista

Os defensores de um olhar evolucionista apresentam um leque de possiacuteveis explicaccedilotildees para os transtornos (Glass 2012) Um transtorno pode por exemplo representar uma combinaccedilatildeo desastrosa de caracteriacutesticas que individualmente satildeo cada uma adaptativa ou pode constituir um extremo populacional de uma caracteriacutestica que na maior parte da populaccedilatildeo eacute vantajosa ou ainda o que aparece como transtorno em ambiente urbano no seacuteculo XXI eacute constituiacutedo por respostas que seriam adaptativas em ambiente ancestral Isso satildeo apenas exemplos de explicaccedilotildees evolucionistas possiacuteveis

As pressotildees seletivas podem assumir diferentes formas Os seres vivos encaram diversos desafios que podem acarretar danos para sua vida e de seus coespeciacuteficos Predadores contaminaccedilotildees quedas hierarquia social e outras situaccedilotildees podem diminuir a chance de sucesso reprodutivo Alguns desses riscos podem ser ao mesmo tempo extremamente danosos e improvaacuteveis de forma que podem nem mesmo ocorrer no periacuteodo de vida da maioria dos indiviacuteduos Por outro lado a capacidade de antecipar e evitar riscos mesmo que pouco provaacuteveis tem oacutebvia vantagem evolutiva Considerando que o

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TOC eacute uma patologia que envolve obsessotildees e compulsotildees muitas vezes relacionadas agrave seguranccedila do indiviacuteduo e de pessoas proacuteximas a ele pode ser produtivo examinaacute-lo enquanto funcionamento anormal de um sistema psicoloacutegico selecionado para evitar riscos futuros em potencial Tal mecanismo estaria presente nas pessoas em geral

O fenocircmeno cliacutenico das obsessotildees apresenta grande semelhanccedila com algo experimentado por grande parte da populaccedilatildeo os pensamentos intrusivos No estudo de Rachman amp De Silva (1978) aproximadamente 80 da amostra de indiviacuteduos natildeo-psiquiaacutetricos reportaram em um questionaacuterio ter experimentado pensamentos intrusivos O achado foi replicado (Salkovskis amp Harrison 1984) e teve importante impacto na aacuterea (Rassin amp Muris 2007)

Na esteira dos achados de Rachman e De Silva (1978) Muris (1997) estudou se tambeacutem alguns comportamentos ritualiacutesticos semelhantes agraves compulsotildees de pacientes com TOC estariam presentes em indiviacuteduos natildeo-psiquiaacutetricos O autor encontrou que 547 dos entrevistados relataram ter comportamentos ritualiacutesticos como checagem limpeza repetida ou ainda comportamentos de proteccedilatildeo ldquomaacutegicardquo (tocar um objeto de sorte dizer algum nuacutemero em particular ou contar nuacutemeros) Adicionalmente Freeston Ladouceur Thibodeau e Gagnon (1991) relataram que 92 dos estudantes universitaacuterios entrevistados em seu estudo disseram ter desenvolvido alguma atividade sistemaacutetica em resposta a pensamentos intrusivos experimentados Comportamentos ritualiacutesticos como os descritos nesses estudos apresentam semelhanccedilas com as compulsotildees apresentadas por indiviacuteduos com TOC

Conjuntamente essas observaccedilotildees apontam para um continuum entre a populaccedilatildeo cliacutenica e indiviacuteduos sem qualquer transtorno psiquiaacutetrico no que se refere agraves obsessotildees e compulsotildees Aleacutem disso tais observaccedilotildees se alinham agrave noccedilatildeo de que essas caracteriacutesticas foram favorecidas ao longo da evoluccedilatildeo humana

Um curioso aspecto do TOC que merece apreciaccedilatildeo a partir da perspectiva evolucionista satildeo as diferenccedilas de gecircnero Nesse sentido diferenccedilas entre homens e mulheres quanto ao conteuacutedo e forma de obsessotildees e compulsotildees podem estar relacionados com diferenccedilas quanto ao que cada sexo teria enquanto desafios para a promoccedilatildeo de aptidatildeo inclusiva (ou seja a promoccedilatildeo da

Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista | 243

multiplicaccedilatildeo e sobrevivecircncia de coacutepias de seus genes) Dessa forma desafios relacionados agrave formaccedilatildeo de casal e ao cuidado da cria poderiam explicar pelo menos parte das diferenccedilas sexuais A perspectiva evolucionista pode ser aplicada ainda a variaccedilotildees em um dos gecircneros por exemplo ao abordar alteraccedilotildees na intensidade das obsessotildees de contaminaccedilatildeo ao longo do ciclo menstrual de uma mulher Assim a perspectiva evolucionista eacute capaz de gerar hipoacuteteses sobre diferenccedilas de gecircnero que talvez jamais se originariam a partir apenas de investigaccedilatildeo de mecanismos proximais (Saad 2006)

O TOC eacute bastante heterogecircneo de forma que haacute diversas manifestaccedilotildees de obsessotildees e compulsotildees Assim curiosamente duas pessoas diagnosticadas com TOC podem apresentar sintomas que natildeo coincidem Em um estudo epidemioloacutegico dos sintomas obsessivo-compulsivos realizado na National Comorbidity Survey Replication foram entrevistados face a face 9282 indiviacuteduos com idade de 18 anos ou mais sendo que 22 responderam jaacute terem apresentado algum sintoma obsessivo-compulsivo em algum momento da vida e reportaram a seguinte incidecircncia checagem (793) acumulaccedilatildeo (623) ordenaccedilatildeo (57) questotildees morais (43) questotildees sexuaisreligiosas (302) contaminaccedilatildeo (257) preocupaccedilotildees com doenccedilas (143) e outros (19) com 81 dos participantes apresentando sintomas de muacuteltiplos tipos (Ruscio et al 2010)

Os Sintomas de TOC se Agrupam em Torno de Determinados temas

A Yale-Brown Obsessive Compulsive Disorder Symptom Checklist (Y-BOCS) eacute uma lista que abrange 50 tipos de obsessotildees e compulsotildees que representam a maior parte dos sintomas obsessivos-compulsivos observados clinicamente (Goodman et al 1989) Apoacutes seu desenvolvimento houve algumas tentativas de classificar empiricamente os sintomas listados A primeira tentativa ocorreu com Baer (1994) que por meio de anaacutelise fatorial identificou trecircs fatores simetriaacumulaccedilatildeo contaminaccedilatildeochecagem e obsessotildees puras A categoria de obsessotildees puras incluiu obsessotildees relacionadas agrave

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religiatildeo sexualidade eou agressividade em contextos onde suas compulsotildees natildeo fossem prontamente identificaacuteveis

Leckman amp cols (1997) fizeram outra anaacutelise das categorias listadas na Y-BOCS e descrevem um modelo de quatro fatores que envolvem agrupamentos de sintomas obsessivo-compulsivos Esses fatores constituem o que eacute conhecido como as dimensotildees de sintomas do TOC O primeiro agrupamento de sintomas indica associaccedilatildeo entre obsessotildees relacionadas a comportamentos agressivos dirigidos a si e aos outros bem como obsessotildees sexuais e morais ou religiosas Essas obsessotildees satildeo acompanhadas por compulsotildees de checagem O segundo grupo inclui obsessotildees relacionadas agrave simetria exatidatildeo repeticcedilatildeo e compulsotildees de contagem e de ordem O terceiro grupo envolve obsessotildees de contaminaccedilatildeo e compulsotildees de lavagem ou de limpeza O quarto grupo eacute composto pelas obsessotildees e compulsotildees de acumulaccedilatildeo

Se satildeo produto da seleccedilatildeo natural seraacute que esses temas das dimensotildees de sintomas correspondem a possiacuteveis ameaccedilas que poderiam ser prevenidas antecipadamente Glass (2012) faz algumas intrigantes especulaccedilotildees a respeito Em alguns casos eacute mais faacutecil aplicar esse raciociacutenio Por exemplo eacute plausiacutevel conceber que pressotildees seletivas relacionadas agrave contaminaccedilatildeo possam ter favorecido traccedilos que levam a compulsotildees de limpeza Da mesma forma a sazonalidade de determinados recursos ou seja o fato de que em determinadas eacutepocas se tornavam escassos pode ter representado uma pressatildeo para um traccedilo que no extremo leva a compulsotildees de acumulaccedilatildeo Talvez o raciociacutenio de que dimensotildees de sintomas refletem o efeito de uma pressatildeo seletiva deva ir um pouco aleacutem Nesse sentido obsessotildees relacionadas com pensamentos lsquoproibidosrsquo de conteuacutedo moral sexual ou religioso e compulsotildees de checagem que muitas vezes as acompanham talvez reflitam o funcionamento de um mecanismo que resultou de pressotildees por um ceacuterebro que escrutina relaccedilotildees causais e que antecipa possiacuteveis ameaccedilas De forma aproximadamente similar obsessotildees e compulsotildees de repeticcedilatildeo contagem ordem e simetria podem refletir pressotildees seletivas que favoreceram ceacuterebros que buscavam padrotildees regularidades etc

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Aspectos Neurobioloacutegicos do TOC

Se eacute verdade que no TOC ocorre hiper ou mau funcionamento de alguns mecanismos que em sua essecircncia satildeo adaptativos informaccedilotildees provenientes da neurobiologia e da neuropsicologia satildeo pertinentes para a compreensatildeo desses mecanismos em seu funcionamento normal e patoloacutegico Com efeito diversos circuitos e estruturas estatildeo envolvidos no TOC

Uma infinidade de estudos implicam o coacutertex orbitofrontal no TOC Essa aacuterea estaacute associada agrave funccedilatildeo de planejamento e raciociacutenio aleacutem de comportamentos socialmente aceitaacuteveis de forma que sua hipoatividade estaacute relacionada a condutas inapropriadas falhas no planejamento rigidez e inflexibilidade do aprendizado A hiperatividade do coacutertex orbitofrontal por sua vez teria a capacidade de propiciar sintomas como preocupaccedilatildeo social excessiva meticulosidade evitaccedilatildeo e haacutebitos escrupulosos caracteriacutesticas muitas vezes associadas ao TOC (Bruno Basabilbaso amp Cursack 2013) Aleacutem disso a hiperatividade dessa regiatildeo foi vinculada a alguns sintomas caracteriacutesticos do TOC como a apariccedilatildeo de sequecircncias repetitivas observaacuteveis nos rituais compulsivos a rigidez cognitiva o aumento da preocupaccedilatildeo e os sentimentos de culpa que acompanham as obsessotildees (Bruno et al 2013)

O circuito orbitofrontal-estriatal-talacircmico-orbitofrontal eacute relacionado a funccedilotildees executivas as quais satildeo responsaacuteveis por modular processos mentais de alto niacutevel sendo eles sensoriais motores cognitivos mnemocircnicos e afetivos Por meio das funccedilotildees executivas eacute possiacutevel o indiviacuteduo executar tarefas de planejamento monitorar o proacuteprio comportamento e alterar respostas frente a mudanccedilas ambientais A tomada de decisotildees vantajosas exige que essas funccedilotildees trabalhem adequadamente em articulaccedilatildeo com a memoacuteria e a atenccedilatildeo (Cavedini Gorini amp Bellodi 2006)

Os nuacutecleos da base cumprem papel chave nos sintomas de TOC pois participam de um repertoacuterio de padrotildees fixos relacionando-se com funccedilotildees especificamente adaptativas Aleacutem disso organizam-se em um sistema que integra aferecircncias sensoriais (Bruno et al 2013)

A amiacutegdala atua na expressatildeo de respostas de medo de forma que a hiperativaccedilatildeo da amiacutegdala pode causar manifestaccedilotildees

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excessivas dessa emoccedilatildeo mantendo relaccedilatildeo com os transtornos de ansiedade e com o TOC Entretanto enquanto em transtornos de ansiedade os pacientes apresentam conectividade reduzida entre amiacutegdala e coacutertex preacute-frontal pacientes com TOC possuem esta conectividade aumentada O hipocampo por sua vez participa da modulaccedilatildeo das respostas da amiacutegdala proporcionando informaccedilotildees contextuais acerca da situaccedilatildeo de medo (Diniz et al 2012)

Investigaccedilotildees neuropsicoloacutegicas indicam que pacientes com TOC podem apresentar deacuteficits cognitivos em funccedilotildees executivas especialmente quanto ao controle inibitoacuterio e agrave flexibilidade cognitiva (Diniz et al 2012) Em um teste cujo objetivo era avaliar as estrateacutegias utilizadas na tomada de decisatildeo pessoas com TOC tiveram tendecircncia por tomar decisotildees desvantajosas encorajados por possiacuteveis ganhos imediatos enquanto o grupo controle foi haacutebil em selecionar decisotildees vantajosas e evitar as desvantajosas (Cavedini et al 2006) Em comparaccedilatildeo com pacientes portadores de transtorno do pacircnico os pacientes com TOC tambeacutem apresentaram deacuteficits significativos quanto agraves funccedilotildees executivas aleacutem de deacuteficits quanto a habilidades motoras (Diniz et al 2012) Outros estudos apontam que a ativaccedilatildeo dos nuacutecleos da base estaria comprometida devido a alteraccedilotildees no fluxo sanguiacuteneo cerebral de pacientes com TOC Aleacutem disso foi reportado um decreacutescimo na resposta fronto-estriatal de pacientes com TOC durante atividades de planejamento (Cavedini et al 2006)

Como se pode ver a partir desses exemplos de aacutereas cerebrais e funccedilotildees que podem estar alteradas no TOC esse eacute um transtorno complexo resultante de diferentes tipos de disfunccedilotildees A fim de buscar explicar os principais elementos do mau funcionamento observado no TOC modelos explicativos satildeo desenvolvidos A seguir trataremos de um modelo que tem ganhado destaque

Modelos Explicativos do TOC o Sistema Motivacional de Seguranccedila

Vimos que o TOC pode ser expressatildeo de algo moldado pela seleccedilatildeo que crianccedilas e a populaccedilatildeo em geral apresentam por vezes comportamentos semelhantes a sintomas de TOC que esses sintomas podem ser vistos a partir de quatro agrupamentos principais

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(as dimensotildees de sintomas) e vimos que determinadas estruturas encefaacutelicas estatildeo diretamente relacionadas com o transtorno Agora nos direcionaremos para o sistema que teria um mau funcionamento no TOC

Se os sintomas do transtorno estatildeo relacionados com prevenccedilatildeo de alguma adversidade haacute de haver um sistema responsaacutevel pela identificaccedilatildeo desse tipo de cenaacuterio Ao executar essa tarefa o sistema poderia cometer o erro de deixar de identificar uma ameaccedila que de fato iraacute se concretizar ou o erro de identificar como perigoso algo que na verdade eacute inofensivo Dado que o prejuiacutezo no primeiro tipo de erro eacute bem maior que o desperdiacutecio de energia no segundo tipo eacute razoaacutevel que a seleccedilatildeo tenha favorecido um sistema inclinado a apresentar alarmes falsos

Existem diferentes sistemas relacionados agrave defesa e autopreservaccedilatildeo Um cuidado importante ao se descrever a relevacircncia de aspectos emocionais relacionados ao TOC eacute o de diferenciaacute-lo dos transtornos de ansiedade e do proacuteprio medo Por mais que os sintomas se entrelacem o TOC pode ser apresentado como um subproduto do medo tal como a ansiedade Pois sob o ponto de vista das teorias das emoccedilotildees o medo pode ser considerado uma emoccedilatildeo simples e discreta mesmo que seja fundamental e pode aparecer em qualquer sujeito a qualquer fase da vida Jaacute a ansiedade se trata de uma mistura de emoccedilotildees na qual o medo se torna algo predominante (Baptista Carvalho amp Lory 2005 Plutchik 2003)

A hipoacutetese de que a evoluccedilatildeo selecionou um sistema psicoloacutegico dedicado a detecccedilatildeo e prevenccedilatildeo de riscos natildeo eacute nova Abed Pauw e Karel (1999) chamaram de Sistema Involuntaacuterio Gerador de Cenaacuterios de Risco o mecanismo que produziria aprendizagem de esquiva de situaccedilotildees potencialmente danosas ou fatais a partir de cenaacuterios imaginados gerados involuntariamente Esse sistema permitiria que uma pessoa aprendesse a evitar situaccedilotildees de risco potencial sem nunca estar efetivamente na presenccedila de tal perigo De acordo com os autores a excessiva ativaccedilatildeo desse sistema seria o responsaacutevel pelas obsessotildees e compulsotildees no TOC

De forma semelhante Szechtman e Woody (2004) propuseram o sistema motivacional de seguranccedila (SMS) o qual seria dedicado agrave detecccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de perigos potenciais aleacutem da geraccedilatildeo de

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respostas a esses De acordo com essa proposta o sistema possui trecircs moacutedulos o de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais o de motivaccedilatildeo de seguranccedila e o de programaccedilatildeo relacionada a seguranccedila atividade dos quais pode culminar na execuccedilatildeo de respostas viscerais e motoras (Figura 1) Assim inicialmente pistas ambientais mesmo que extremamente sutis satildeo detectadas e avaliadas Se detectadas ameaccedilas para si ou para outros o moacutedulo de motivaccedilatildeo de seguranccedila eacute ativado Ele eacute prontamente ativado e muito lentamente desativado produzindo um sustentado estado emocional de ansiedade e alerta Esse estado emocional estimula a alccedila de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais a continuar buscando pistas ambientais que sinalizam perigo Por fim o subsistema de motivaccedilatildeo de seguranccedila ativa o de programaccedilatildeo relacionada a seguranccedila que conteacutem a programaccedilatildeo espeacutecie-especiacutefica para proteccedilatildeo do indiviacuteduo e de outros Respostas de precauccedilatildeo adequadas aos perigos potenciais satildeo apresentadas A desativaccedilatildeo do sistema ocorreria de duas formas por meio de sinais de seguranccedila produzidos pelas respostas de precauccedilatildeo ou por meio de algo equivalente a um senso de ldquoobjetivo cumpridordquo provocado pela proacutepria emissatildeo dessas respostas

Senso de ldquoobjetivo cumpridordquo

Avaliaccedilatildeo de riscos potenciais

Sinais doambiente

Motivaccedilatildeo de seguranccedila

Programaccedilatildeorelacionadaagrave seguranccedila

Respostasviscerais

e motoras

Figura 1 Visatildeo esquemaacutetica do sistema motivacional de seguranccedila Baseado em Szechtman e Woody (2004)

Para Szechtman e Woody (2004) problemas no SMS poderiam explicar tanto a sintomatologia do TOC quanto a de transtornos de ansiedade em especial a do de ansiedade generalizada Em relaccedilatildeo ao TOC os autores salientam que as compulsotildees seriam consequecircncia de uma inefetiva desativaccedilatildeo do sistema devido agrave ausecircncia do senso de ldquoobjetivo cumpridordquo acima mencionado

Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista | 249

Sem a desativaccedilatildeo produzida por esse sinal comportamentos de prevenccedilatildeo de possiacuteveis riscos seriam continuamente apresentados Jaacute o transtorno de ansiedade generalizada ocorreria pela excessiva ativaccedilatildeo do primeiro moacutedulo o de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais mas com efetiva desativaccedilatildeo por emissatildeo de comportamentos de proteccedilatildeo

O SMS portanto participaria da avaliaccedilatildeo e gerenciamento de risco potencial sendo uacutetil para a compreensatildeo dos sintomas do TOC os quais muitas vezes estatildeo relacionados com proteccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de risco como quando assumem a forma de pensamentos recorrentes e persistentes ou comportamentos repetitivos e rituais Com isso o TOC aparenta decorrer de disfunccedilatildeo nesse sistema Essa disfunccedilatildeo pode decorrer de problemas de iniciaccedilatildeo dos comportamentos relacionados agrave seguranccedila (haveria excitaccedilatildeo do sistema em intensidade patoloacutegica) ou de problemas de interrupccedilatildeo dos mesmos (por falha no processo normal de finalizaccedilatildeo) (Szechtman amp Woody 2004) O TOC seria assim produto da falha de um mecanismo de ldquosaciedaderdquo para comportamentos relacionados agrave prevenccedilatildeo de ameaccedilas

A esse sistema correspondem circuitos neurobioloacutegicos (Woody amp Szechtman 2011) que se baseiam em alccedilas envolvendo conexotildees coacutertico-estriado-paacutelido-taacutelamo-corticais em interaccedilatildeo com o tronco encefaacutelico Dessa forma existe a alccedila de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais que processa diversos inputs sensoriais e emocionais e por isso deve receber inputs de regiotildees corticais e liacutembicas Comporiam essa alccedila o hipocampo a amiacutegdala e o nuacutecleo leito da estria terminal Passando para a segunda a alccedila de afeto e motivaccedilatildeo de seguranccedila a qual seria composta por um circuito nuacutecleos da base-taacutelamo-cortical Esse circuito envolveria uma parte liacutembica do estriado Essa alccedila teria a capacidade de prolongar e sustentar a ativaccedilatildeo uma propriedade fundamental da motivaccedilatildeo A reverberaccedilatildeo dessa alccedila ativaria a terceira alccedila A alccedila de programaccedilatildeo relacionada agrave seguranccedila implementaria seus programas por meio de outro circuito nuacutecleos da base-taacutelamo-cortical Esse circuito envolveria uma parte motora do estriado Por fim haacute a rede de outputs do tronco Nuacutecleos do tronco encefaacutelico servem de mediadores entre programas motores relacionados agrave seguranccedila e respostas comportamentais Aleacutem disso outputs do tronco atingem a parte liacutembica do estriado bem como as

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regiotildees medial e orbital do coacutertex preacute-frontal Dessa forma o tronco teria um papel importante na produccedilatildeo de retroalimentaccedilatildeo negativa para a motivaccedilatildeo de seguranccedila o que eacute experimentado como o senso de objetivo cumprido

O funcionamento do SMS se desdobraria ainda em respostas fisioloacutegicas em termos de atividade endoacutecrina e autonocircmica Pelo fato do sistema ser ativado por ameaccedilas potenciais e estar voltado para a accedilatildeo satildeo necessaacuterios recursos energeacuteticos para o trabalho fiacutesico e que potencializem os mecanismos psicoloacutegicos de detecccedilatildeo de ameaccedilas (Woody amp Szechtman 2011)

Portanto de acordo com essa perspectiva o TOC seria uma disfunccedilatildeo do SMS a qual resultaria de uma accedilatildeo insuficiente da rede de outputs do tronco a qual eacute responsaacutevel por um mecanismo especiacutefico equivalente ao de saciedade poreacutem relacionado agrave seguranccedila O hipofuncionamento desse mecanismo faria com que natildeo ocorresse a inibiccedilatildeo normal das alccedilas de avaliaccedilatildeo de riscos potenciais e de motivaccedilatildeo de seguranccedila

Implicaccedilotildees para a Compreensatildeo do Transtorno

Um conceito que pode contribuir para a reflexatildeo sobre o caraacuteter patoloacutegico do TOC eacute o de disfunccedilatildeo prejudicial (Wakefield 1992) Esse conceito estabelece dois criteacuterios para que uma alteraccedilatildeo possa verdadeiramente ser considerada um transtorno A alteraccedilatildeo deveria consistir de uma disfunccedilatildeo ou seja de um mau funcionamento de algum sistema e em acreacutescimo a isso a alteraccedilatildeo deveria tambeacutem causar algum tipo de prejuiacutezo para o indiviacuteduo ou para a sociedade Dessa forma por exemplo a tendecircncia que as pessoas tecircm por preferirem alimentos doces e gordurosos embora certamente seja prejudicial natildeo constituiria disfunccedilatildeo psicoloacutegica pois eacute uma manifestaccedilatildeo de comportamento adaptativo (ie funcional) em ambiente ancestral Assim essa tendecircncia natildeo deveria ser considerada um transtorno De forma reversa alguma alteraccedilatildeo que representasse uma alteraccedilatildeo no funcionamento (disfunccedilatildeo) mas que natildeo resultasse em prejuiacutezos tambeacutem natildeo deveria ser considerada um transtorno

Ainda que se possa conceber uma origem adaptativa para o TOC ao se aplicar a noccedilatildeo de disfunccedilatildeo prejudicial chega-se a

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conclusatildeo de que o TOC constitui verdadeiramente um transtorno pois gera sofrimento (prejuiacutezo) e consiste de um exagero ou mau funcionamento de um mecanismo que originalmente pode ter sido beneacutefico Nesse sentido pode ser uacutetil o conceito de SMS (Szechtman amp Woody 2004) abordado anteriormente o qual acionaria comportamentos que garantiriam a prevenccedilatildeo de ameaccedilas Um sistema motivacional como esse aumentaria a aptidatildeo de seu portador por tratar antecipadamente de ameaccedilas que possam vir a se materializar Natildeo obstante seu valor de sobrevivecircncia um mecanismo como esse ao apresentar um mau funcionamento poderia constituir a base para a manifestaccedilatildeo de diversos sintomas de TOC

As dimensotildees de sintomas tambeacutem podem ter implicaccedilotildees para a compreensatildeo do TOC Conforme apresentado em outra parte desse texto os sintomas de TOC formam quatro agrupamentos principais Esses agrupamentos podem ter sido selecionados de forma paralela posto que se relacionam com problemas de sobrevivecircncia especiacuteficos Essas dimensotildees de sintomas levantam inclusive a possibilidade de que estejam sendo tratados de forma unitaacuteria fenocircmenos de categorias diferentes Algo que poderaacute ser determinado por estudos futuros eacute se cada uma das dimensotildees de sintomas constituiria um transtorno a parte com bases geneacuteticas e neurobioloacutegicas distintas

Atualmente o tratamento do TOC eacute feito por meio de terapias farmacoloacutegicas e psicoloacutegicas Dentre os tratamentos mais efetivos estatildeo a farmacoterapia com inibidores seletivos de recaptaccedilatildeo de serotonina (Soomro Altman Rajagopal amp Oakley Browne 2008) e terapias cognitivas e comportamentais (Gava et al 2007) Em alguns casos recorre-se ainda a faacutermacos antipsicoacuteticos e ateacute mesmo agrave neurocirurgia (Dougherty et al 2002 Stahl 2000) O fato de que eacute difiacutecil prever qual desses eacute o tratamento mais recomendaacutevel para determinada pessoa combinado agrave heterogeneidade que o transtorno apresenta a qual eacute ilustrada pelas diferentes dimensotildees de sintomas previamente abordadas eacute algo que fortalece a suspeita de que possa haver subtipos de TOC cada um talvez com resposta diferente para cada tratamento

Isso ilustra que as implicaccedilotildees da visatildeo evolucionaacuteria sobre o TOC podem atingir o niacutevel da prevenccedilatildeo e do tratamento Com efeito em um artigo que aborda a lsquoPsicologia cliacutenica evolucionaacuteriardquo Glass

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(2012) faz uma seacuterie de apontamentos nesse terreno A seguir alguns deles satildeo brevemente apresentados

Em primeiro lugar a leitura evolucionista do transtorno aponta e dados empiacutericos suportam (Ruscio et al 2010) que caracteriacutesticas de TOC estatildeo presentes na populaccedilatildeo em geral em niacuteveis abaixo do lsquolimiarrsquo patoloacutegico Essa noccedilatildeo pode contribuir para que os profissionais de sauacutede sejam mais empaacuteticos com pessoas diagnosticadas com o transtorno

Havendo o entendimento de que os sintomas de TOC consistem de disfunccedilatildeo de mecanismos que em sua essecircncia satildeo adaptativos uma possiacutevel abordagem ao problema seria no lugar de se tentar erradicar os sintomas se buscar a sua reduccedilatildeo para niacuteveis aceitaacuteveis Programas de tratamento poderiam ser consideravelmente diferentes ao se adotar esse ponto de vista

No plano da prevenccedilatildeo na infacircncia o autor faz alguma recomendaccedilatildeo tambeacutem Essa se daacute com base na observaccedilatildeo de que as compulsotildees na infacircncia estatildeo muitas vezes relacionadas ao tema da seguranccedila como por exemplo com relaccedilatildeo agrave proximidade da figura de apego Assim a prevenccedilatildeo passaria por garantir por meio de diferentes estrateacutegias que a crianccedila natildeo se sentisse ameaccedilada de forma que sentimentos de seguranccedila pudessem se perpetuar tanto quanto possiacutevel

Consideraccedilotildees Finais

O TOC eacute um transtorno com componentes cognitivos e comportamentais que se por um lado pode envolver consideraacutevel grau de sofrimento e comprometer o funcionamento individual por outro lado aparenta ter elementos presentes de forma branda na populaccedilatildeo natildeo-cliacutenica Os sintomas de TOC se agrupam em torno de determinados temas os quais podem ter relaccedilatildeo com prevenccedilatildeo de ameaccedilas potenciais Essas observaccedilotildees combinadas agrave participaccedilatildeo do fator geneacutetico no TOC fazem da perspectiva evolucionista um prisma importante para a compreensatildeo desse transtorno Com efeito essa perspectiva tem contribuiacutedo para a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e o desenvolvimento da pesquisa desde os aspectos de caracterizaccedilatildeo do transtorno ateacute agrave sua prevenccedilatildeo e tratamento

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SECcedilAtildeO III

ASPECTOS CLIacuteNICOS E NEUROCIEcircNCIAS

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem

Clay Brites

Introduccedilatildeo

Desde o final do seacuteculo XIX surgiram vaacuterias evidecircncias de que indiviacuteduos com lesotildees cerebrais em determinadas aacutereas poderiam apresentar perda da fluecircncia da fala e na capacidade de entender a linguagem falada lida ou escrita (Shaywitz 2006) Broca (1861) e Wernicke (1874) foram os primeiros a estudar e concluir que lesotildees nas regiotildees correspondentes ldquo`a base da leiturardquo que eacute a fala e a linguagem (Figura 1) poderiam resultar em deficiecircncias motoras e de compreensatildeo ou expressatildeo de linguagem e observaram que estes pacientes - antes leitores fluentes - perdiam a capacidade de ler e de entender textos pela leitura (Shaywitz 2006) Esta associaccedilatildeo de causa e efeito adquirida foi o primeiro passo dado na neurologia para se entender como o ceacuterebro lecirc e a relaccedilatildeo entre o processamento cerebral da leitura e habilidades correlacionadas

Com o tempo as pesquisas comeccedilaram a mostrar que algumas pessoas - provenientes de algumas famiacutelias - natildeo conseguiam aprender a ler e escrever mesmo sem qualquer motivo aparente nem sinais quaisquer de comprometimento neuroloacutegico Este cenaacuterio de ldquoproblema congecircnito e geneacuteticordquo uma condiccedilatildeo inata passou a ser amplamente avaliada a fim de se buscar causas e explicaccedilotildees desde o iniacutecio do seacuteculo passado Esta condiccedilatildeo passou a ser denominada de dislexia do desenvolvimento onde a leitura por motivos ainda desconhecidos natildeo se desenvolve normalmente mesmo na ausecircncia de lesotildees cerebrais visiacuteveis Sem lesotildees ou cicatrizes a rede neuronal na dislexia natildeo apresenta bom funcionamento estando associado a problemas de conexatildeo nas aacutereas essenciais para o processamento da

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leitura (Finn et al 2014 Xu Yang Siok amp Tan 2015 Paz-Alonso et al 2018)

Loacutebulo parietalAacuterea Wernicke

Loacutebulo occipital

Loacutebulo temporal

Aacuterea Broca

Loacutebulo frontal

Figura 1 Ilustraccedilatildeo mostrando as referidas aacutereas descritas por Broca e Wernicke que lesadas levam a comprometimento da fala e da linguagem e portanto a problemas na habilidade de ler

Neste sentido a busca pela rede disfuncional levaram os pesquisadores meacutedicos e natildeo meacutedicos a um longo caminho ateacute o final dos anos 1970 quando o banco de ceacuterebros post-mortem criado pelo neurologista Drake Duane para pesquisar e comparar ceacuterebros de disleacutexicos com os de indiviacuteduos normais permitiu concluir que existia diferenccedilas nas estruturas ligadas `a linguagem no hemisfeacuterio esquerdo (Galaburda et al 1985)

Esta constataccedilatildeo deu iniacutecio a sucessivas pesquisas acerca das bases neurobioloacutegicas da dislexia desencadeando vaacuterias abordagens de investigaccedilatildeo nas mais diversas aacutereas do conhecimento meacutedico e interdisciplinar nestes pacientes estudos prospectivos e retrospectivos do desenvolvimento neuropsicomotor e da linguagem estudos cliacutenicos comparativos com grupos controle resposta evolutiva a determinados tipos especiacuteficos de intervenccedilatildeo estudos randomizados avaliaccedilotildees geneacuteticas de genes-candidatos estudos

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 261

de interaccedilatildeo gene-ambiente resposta evolutiva a faacutermacos etc (Rotta Riesgo amp Ohlweiler 2006 Hoeft et al 2006 Hoeft et al 2011 Hosseini et al 2013 Finn et al 2014 Norton et al 2014 Ma et al 2015 Peterson amp Penningtton 2015) Dentre tantos tipos de estudos mais recentemente somado aos avanccedilos tecnoloacutegicos para visualizaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento cerebrais destacam-se os estudos que envolvem a utilizaccedilatildeo da neuroimagem

A neuroimagem eacute uma modalidade de investigaccedilatildeo meacutedica que tem a finalidade de permitir por meio de teacutecnicas radioloacutegicas mais avanccediladas uma compreensatildeo mais detalhada do processamento de informaccedilotildees nas redes neuronais durante determinadas accedilotildees sequenciais comportamentos especiacuteficos e reaccedilotildees emocionais ou cognitivas de maior ou menor resposta A magnitude e a frequecircncia das ativaccedilotildees podem revelar se houver significacircncia estatiacutestica se o cruzamento e a comparaccedilatildeo dos padrotildees de ativaccedilatildeo satildeo normais patoloacutegicos eou disfuncionais (Galaburda amp Kemper 1979) Os avanccedilos tecnoloacutegicos e neurocientiacuteficos das uacuteltimas deacutecadas aliados ao desenvolvimento cada vez maior e mais amplo do campo da neuropsiquiatria neurodesenvolvimento infantil e da neuropsicologia tem transformado a neuroimagem num instrumento fortuito e eficaz para o estudo mais estruturado e objetivo de condiccedilotildees meacutedicas que ainda natildeo apresentam marcadores bioloacutegicos especiacuteficos eou onde o distuacuterbio estudado tem caraacuteter cliacutenico dimensional e disfuncional e que assim necessitam de descriccedilotildees endofenotiacutepicas como referecircncia para um diagnoacutestico mais seguro como os transtornos neuropsiquiaacutetricos e os transtornos de aprendizagem (Eckert et al 2003)

Meacutetodos de Investigaccedilatildeo em Neuroimagem na Dislexia

Desde a introduccedilatildeo da Tomografia Computadorizada em 1971 (Kingsley 2001) as teacutecnicas de neuroimagem tem avanccedilado rapidamente passando da avaliaccedilatildeo anatocircmica macroscoacutepica para uma anaacutelise microscoacutepica e funcional Este desenvolvimento - que envolveu tecnologia estatiacutestica e biologia molecular - permitiu aprofundar os estudos de distuacuterbios funcionais ou conectivos do

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sistema nervoso central (SNC) aleacutem de condiccedilotildees patoloacutegicas do comportamento e da aprendizagem A tomografia de emissatildeo de poacutesitrons (PET) foi a primeira tecnologia desenvolvida para estudar o ceacuterebro em funcionamento (Tuchman 1999) ela envolve a mensuraccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo para regiotildees do ceacuterebro por meio do uso de um composto radioativo inoacutecuo injetado na corrente sanguiacutenea (Figura 2) Devido a dificuldades teacutecnicas e por ser invasiva aos poucos ela foi sendo suplantada pela ressonacircncia magneacutetica funcional (RMf) a qual permite que se visualize o funcionamento interno do ceacuterebro de forma completamente natildeo-invasiva (Figura 3)

Figura 2 PET (Tomografia por Emissatildeo de Proacutetons)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 263

Figura 3 RMf (Ressonacircncia Magneacutetica Funcional)

Figura 4 SPECT (Single Photon Emission CT)

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Figura 5 Tractografia

Atualmente a RMf eacute o meacutetodo mais utilizado para estudar o SNC em funcionamento (Shaywitz 2006) e detecta alteraccedilotildees regionais de fluxo sanguiacuteneo eou do niacutevel de oxigenaccedilatildeo do sangue sinalizando o niacutevel de atividade neuronal Ele proporciona maior resoluccedilatildeo espacial e permite maior acuraacutecia na elucidaccedilatildeo de alteraccedilotildees dinacircmicas e de redes conectivas do SNC onde a base neurobioloacutegica ainda eacute incerta A imagem resultante auxilia muito no cruzamento de dados com testes neuropsicoloacutegicos tratamentos farmacoloacutegicos e intervenccedilotildees comportamentais assim como tem tambeacutem sido utilizado em cruzamento com testes geneacuteticos nos distuacuterbios do desenvolvimento ou nos ldquofenoacutetipos cognitivosrdquo (Seyffert amp Silva 2005)

Aleacutem dos meacutetodos anteriores haacute tambeacutem a tractografia (Figura 4) o qual eacute oriundo da tecnologia da ressonacircncia magneacutetica onde o princiacutepio se baseia em detectar a movimentaccedilatildeo das moleacuteculas de aacutegua intracelulares dos tecidos da substacircncia branca cerebral Como estas moleacuteculas se deslocam mais raacutepido no sentido das fibras neuronais do que lateralmente a estas fibras eacute possiacutevel que a imagem impressa evidencie as vias neuronais e suas conexotildees e estas aparecem em 3D com seus prolongamentos (Ribas amp Teixeira 2011) Esta portanto tem o intuito de analisar a integridade das redes e possiacuteveis anormalidades estruturais das vias anatocircmicas envolvidas nas mais diversas funccedilotildees cerebrais siacutendromes conectivas ou geneacuteticas como a Dislexia (Hosseini et al 2013)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 265

Enfim haacute tambeacutem o SPECT (em inglecircs ldquoSingle Photon Emission Computer Tomographyrdquo na Figura 5) o qual consiste na injeccedilatildeo endovenosa de radiofaacutermacos lipossoluacuteveis os quais atravessam a barreira hemato-encefaacutelica e se concentram dentro das ceacutelulas cerebrais (Tuchman 1999) Sua concentraccedilatildeo local aumenta com a intensidade do metabolismo cerebral que significa proporcionalmente maior atividade ou vice-versa

Os recursos de neuroimagem ainda natildeo podem ser utilizados como meio de confirmaccedilatildeo diagnoacutestica mas satildeo ferramentas fundamentais para pesquisa cientiacutefica cujo papel eacute auxiliar na localizaccedilatildeo da anormalidade funcional quando se compara imagens de indiviacuteduos afetados com indiviacuteduos normais ou em estado distinto de desenvolvimento Permitem observar modificaccedilotildees amplificaccedilotildees ou reduccedilotildees de aacutereas funcionais e vias neuronais em vaacuterias situaccedilotildees como 1) descriccedilatildeo de um processo relacionado ao desenvolvimento cerebral 2) indicar uma lesatildeo congecircnita ou adquirida (aguda ou crocircnica) 3) recurso para avaliarexplicar mecanismos de accedilatildeo de medicaccedilotildees psicofarmacoloacutegicas 4) auxiliar na observaccedilatildeo evolutiva de teacutecnicas de reabilitaccedilatildeo apoacutes o indiviacuteduo ser submetido a um longo processo de intervenccedilatildeo nos transtornos neuropsiquiaacutetricos ou de remediaccedilatildeo nos transtornos de desenvolvimento

Na Dislexia a neuroimagem tem tido um papel cada vez mais proeminente e decisivo na pesquisa cientiacutefica pois desponta como meacutetodo objetivo e comparativo de identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo das heterogecircneas disfunccedilotildees cerebrais que fazem parte de sua fisiopatologia e como recurso para testar a eficaacutecia de meacutetodos de intervenccedilatildeo psicoeducacionais metacognitivas e de remediaccedilatildeo fonoloacutegica Os tipos de neuroimagem mais utilizados para este fim satildeo os de perfil de anaacutelise funcional os quais foram descritos sumariamente acima

Pesquisas em Dislexia e Neuroimagem

A Dislexia sob o ponto de vista etioloacutegico desenvolvimental e neuropsicoloacutegico eacute considerada uma disfunccedilatildeo do SNC com comprometimento nas conexotildees e vias neuronais responsaacuteveis pelo desenvolvimento da habilidade de leitura as quais agem em

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dupla-via simultaneamente e sincronizada uma eacute de nomeaccedilatildeo raacutepida (visuoespacial) a outra de habilidade fonoloacutegica (auditivo-linguiacutestica) (Hosseini et al 2013 Paz-Alonso et al 2018) Deve-se excluir os transtornos do espectro autista (TEA) deficiecircncia intelectual deacuteficits sensoriais (visual e auditivo) eou condiccedilotildees supostamente inadequadas de alfabetizaccedilatildeo e de processos insuficientes de ensino-aprendizagem da leitura eou acrescido de problemas psicossociais segundo o DSM-V (2013) Diante deste panorama e de diversas condiccedilotildees que podem se sobrepor no contexto escolar e cliacutenico eacute relevante considerar no meio cientiacutefico a dificuldade que se tem quanto ao diagnoacutestico da mesma pois acresce-se ainda que a Dislexia natildeo tem um marcador bioloacutegico (Peterson amp Penningtton 2015)

Na literatura nacional e internacional nota-se que a Dislexia eacute acompanhada por alteraccedilotildees em funccedilotildees cognitivas como na organizaccedilatildeo percepto-motora processamento visual e auditivo e no complexo sistema fonoloacutegico da informaccedilatildeo (tanto linguiacutestico como executivo) indicando disfunccedilotildees na regiatildeo associativa tecircmporo-parieto-occipital Simos et al 2005 Maisog Einbinder Flowers Turkeltalb amp Eden 2008 Hosseini et al 2013 Norton et al 2014 Ma et al 2015 Xu et al 2015 Paz-Alonso et al 2018) caracterizando maior comprometimento em acesso ao leacutexico mental e levando assim a uma significativa dificuldade em produzir e aprender por meio dos processos que envolvem leitura

Em seu trabalho pioneiro Galaburda e cols (1979 e 1985) descreveram anormalidades em regiotildees perisylvianas e taacutelamo e a ausecircncia da assimetria direita-esquerda do plano temporal (Figura 6) ao examinar um pequeno nuacutemero de ceacuterebros post-mortem de pacientes disleacutexicos (Xu et al 2015) Desde entatildeo vaacuterios estudos com tomografia computadorizada e ressonacircncia magneacutetica cerebrais surgiram no sentido de pesquisar as correlaccedilotildees neuroanatocircmicas (Galaburda amp Kempe 1979) A despeito das inconsistecircncias trecircs regiotildees foram descritas como anormais e associadas ao distuacuterbio (Eckert et al 2003) o giro frontal inferior o giro temporal superior giro frontotemporal esquerdo (Hoeft 2011) o coacutertex temporo-parietal (Eckert et al 2003 Dufor Serniclaes Sprenger-Charolles amp Deacutemonet 2007) e o cerebelo (Eckert et al 2003) Mais tarde Rumsey et al (1997) acharam por estudos de imagem neurofuncional o envolvimento de regiotildees temporais e temporoparietais na dislexia (Carter et al 2009)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 267

A

Sulco lateral

Planum temporaleB

Figura 6 Ilustraccedilatildeo mostra a sequecircncia de cortes realizados no ceacuterebro mostrando os hemisfeacuterios e depois novo corte expondo os planos temporais direito e esquerdo (B) Este esquema reproduz a pesquisa de Galaburda e cols Aqui observa-se a assimetria normal

Assim desde entatildeo progressivamente os meacutetodos de neuroima-gem estrutural microestrutual e de novas teacutecnicas comparativas tem sido combinados para proporcionar uma anaacutelise simultacircnea tanto da estrutura quanto da funccedilatildeo de forma a ampliar a identificaccedilatildeo de regiotildees cerebrais anatomicamente intactas (Frederickson Goodwin Savage Smith amp Tuersley 2005) A anaacutelise por estes meacutetodos permitem que se avalie a estrutura cerebral observando quais aacutereas cerebrais se ativam ou natildeo durante uma determinada tarefa Durante a tarefa de leitura por exemplo eacute possiacutevel ativar as regiotildees cerebrais esperadas para esta atividade simultaneamente ou em sequecircncia (Norton et al 2014) Num ceacuterebro normal eacute exatamente isto que se

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espera mas no ceacuterebro de um disleacutexico estas ativaccedilotildees podem natildeo acontecer ou o recrutamento das vias neuronais pode ser diferente (Figura 7) (Xu et al 2015)

Leitor habitual

Leitor dislexo

Maacutexima

Moderada

Miacutenima

Nenhuma

Figura 7 Nesta ilustraccedilatildeo observa-se a diferenccedila de ativaccedilatildeo de regiotildees cerebrais durante a atividade de leitura entre um leitor normal (acima) e um leitor disleacutexico (abaixo) Ela reproduz esquematicamente um exame de imagem funcional (Rotta 2006)

Quando se avalia indiviacuteduos com dislexia em exames funcionais como a RMf ou o PET estas diferenccedilas ocorrem nitidamente Nestes pacientes as regiotildees temporo-occiptais e temporo-parietais natildeo se ativam durante a leitura e observa-se uma maior ativaccedilatildeo frontal compensatoacuteria quando comparados com indiviacuteduos

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 269

normais (Norton et al 2014 Stern amp Shalev 2013) (Figura 8) Outras investigaccedilotildees mostraram diferenccedilas comparado aos controles no cerebelo (Vaughn et al 2006) e estudos com SPECT tem mostrado que crianccedilas com distuacuterbios de decodificaccedilatildeo tem menor ativaccedilatildeo da regiatildeo perisilviana (Lou Henriksen amp Bruhn 1990)

Desta forma estudos mais pormenorizados na dislexia (Wang Yang Ying Chen Liu amp Luo 2013 McCarthy Skokauskas amp Frodl 2013) trazem novos conhecimentos a respeito da natureza e localizaccedilatildeo de anormalidades estruturais como observado pelo menor volume de substacircncia cinzenta no giro fusiforme bilateral em indiviacuteduos com dislexia em liacutenguas alfabeacuteticas e funcionais contribuindo para a compreensatildeo da neuropatologia de alteraccedilotildees neuropsicoloacutegicas e possiacuteveis formas de intervenccedilatildeo nestes quadros (Galaburda amp Kempe 1979 Eckert et al 2003 Ma et al 2015)

Estudos nacionais (Heim amp Keil 2004 Arduini Capellini amp Ciasca 2006) e internacionais (Cao Bitan amp Booth 2008 Gabrieli 2009) utilizam diversos paradigmas relacionando as alteraccedilotildees neuropsicoloacutegicas e diferentes anaacutelises por imagem como por exemplo o processamento auditivo e SPECT onde haacute diferenccedilas significativas quanto ao funcionamento na regiatildeo temporal esquerda entre indiviacuteduos com dislexia e controles (Frederickson Goodwin Savage Smith amp Tuersley 2005) hipoperfusatildeo de lobo temporal e alteraccedilotildees em leitura escrita e memoacuteria (Arduini Capellini amp Ciasca 2006) bem como diminuiccedilatildeo na conexatildeo entre o giro fusiforme esquerdo e o lobo parietal inferior sendo este uacuteltimo relacionado a integraccedilatildeo da ortografia e fonologia (Cao Bitan amp Booth 2008) No entanto o funcionamento de aacutereas cerebrais na dislexia tambeacutem deve ser relacionado agrave liacutengua na qual o indiviacuteduo foi exposto jaacute que haacute diferenccedilas no funcionamento de aacutereas relacionadas agrave estrutura alfabeacutetica ou logograacutefica (Siok Niu Jin Perfetti amp Tan 2008 Xu et al 2015)

As atividades cognitivas realizadas com diferentes tipos de exames de neuroimagem evidenciam as aacutereas relacionadas no coacutertex cerebral nos pacientes com dislexia como em tarefas de discriminaccedilatildeo de fonemas onde eacute possiacutevel observar menor ativaccedilatildeo de regiotildees frontal e parietal quando comparados a controles leitura de palavras e textos nomeaccedilatildeo automaacutetica raacutepida e rima em exames de ressonacircncia magneacutetica funcional PET e tensatildeo de difusor (Sauer Pereira Ciasca Pestun amp Guerreiro 2006 Schulz et al 2008 Desroches Cone Bolger

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Bitan Burman amp Booth JR 2010 Dimitriadis et al 2013 Norton et al 2014 Xu et al 2015 7 Paz-Alonso et al 2018)

Num amplo de estudo de metanaacutelise realizado por Maisog et al (2008) por meio de meacutetodo de probabilidade estimada de ativaccedilatildeo (ou ldquoactivation likelihood estimaterdquo (ALE) foram reunidas as principais regiotildees hiperativadas e hipoativadas quando comparados leitores normais com disleacutexicos ao se analisarem 15 publicaccedilotildees Aleacutem das teacutecnicas jaacute citadas neste trabalho foram tambeacutem verificados os dados em magnetoencefalografia e potencial evocado (ldquoevent-related potencialsrdquo) meacutetodos tambeacutem empregados na avaliaccedilatildeo qualitativa de disleacutexicos Os resultados mostraram que o coacutertex do hemisfeacuterio esquerdo eacute a aacuterea predominantemente afetada nos disleacutexicos especialmente o giro fusiforme coacutertex poacutes-central e giro temporal superior ipsilaterais Surpreendentemente nem o cerebelo nem o coacutertex frontal esquerdo tiveram alteraccedilotildees comparativas significativas (Dufor et al 2007 Maisog et al 2008)

Outro foco de estudos de neuroimagem situa-se na orientaccedilatildeo da terapecircutica e na observaccedilatildeo de seus efeitos (ver Figura 8) Nesta perspectiva em casos de dislexia meacutetodos de neuroimagem permitem analisar os resultados de intervenccedilotildees cognitivas baseadas na velocidade do processamento de estiacutemulos linguiacutesticos resultados estes que se revelaram em termos de mudanccedilas dinacircmicas do padratildeo de ativaccedilatildeo em regiotildees criacuteticas para a linguagem expressiva (Simos et al 2002 Gabrieli et al 2009)

(A) Crianccedilasnormais

(B) Crianccedilasdisleacutexicas (preacute)

(C) Crianccedilasdisleacutexicas (poacutes)

Figura 8 Ilustra a diferenccedila entre padrotildees de ativaccedilatildeo cerebral entre crianccedilas normais (A) e disleacutexicas antes da intervenccedilatildeo (B) e depois da intervenccedilatildeo (C) Observe a hipoativaccedilatildeo posterior em (B) comparado aos normais (A) e o aumento da ativaccedilatildeo frontal e parieto-occiptal apoacutes intervenccedilatildeo em (C)

Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem | 271

Ainda no que se refere ao processo de intervenccedilatildeo na leitura estudos apontam que o uso de identificaccedilatildeo de fonemas por meio da representaccedilatildeo fonoloacutegica em sujeitos com dislexia pode se mostrar eficaz no periacuteodo de oito semanas de atividades diretivas evidenciando a eficaacutecia atraveacutes da preacute e poacutes-testagem sob diferentes aspectos da linguagem e plasticidade cerebral (Galaburda amp Kemper 1979 Krafnick Flowers Napoliello Eden amp Gray 2011) bem como estudos de respostas agrave intervenccedilatildeo (RTI) que proporcionam em um periacuteodo especiacutefico as camadas a serem adquiridas no desenvolvimento da habilidade fonoloacutegica proporcionando a qualidade no diagnoacutestico e principalmente na intervenccedilatildeo (Rumsey Horwitz Donohue Nace Maisog amp Anderson 1997a Galaburda amp Kemper 1979 Koeda Seki Uchiyama amp Sadato 2011) Outros estudos mostraram que pode haver um atraso na maturaccedilatildeo de aacutereas essenciais para o advento e consolidaccedilatildeo da aquisiccedilatildeo da leitura nos indiviacuteduos com histoacuteria familiar de Dislexia nas fases de preacute-alfabetizaccedilatildeo e leitura inicial (Hoeft et al 2006 Hoeft et al 2011)

Enfim as pesquisas em neuroimagem tem proporcionado um melhor entendimento da Dislexia e sua utilizaccedilatildeo tem direcionado o aparecimento de cada vez mais evidecircncias de sua patogenia dimensatildeo de sua influecircncia no desenvolvimento da aprendizagem da leitura na prevenccedilatildeo e na remediaccedilatildeo e na abordagem terapecircutica multidisciplinar A perspectiva em longo prazo eacute extremamente otimista jaacute que a tecnologia empregada a objetividade dos meacutetodos e os recursos estatiacutesticos estatildeo cada vez mais sofisticados e afinados

Este contexto estaacute permitindo que os especialistas na aacuterea tenham a oportunidade real junto aos professores alfabetizadores e gestores puacuteblicos de decidir sob diretrizes mais seguras e estruturadas para o manejo de uma condiccedilatildeo crocircnica de alta morbidade e que leva a impacto significativo na evoluccedilatildeo acadecircmica e na carreira profissional de quem a apresenta

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Siacutendrome de Burnout

Denise Albieri Jodas SalvagioniInstituto Federal do Paranaacute

Selma Maffei de AndradeUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Nesse capiacutetulo vamos discutir a siacutendrome de burnout alguns aspectos histoacuterico-conceituais fatores relacionados e medidas preventivas

Ao final da leitura espera-se que o leitorbull Compreenda o conceito de burnout

bull Reflita sobre os principais modelos teoacuterico-explicativos de burnout

bull Discuta fatores individuais e ocupacionais associados agrave siacutendrome

bull Conheccedila as principais medidas preventivas relacionadas ao burnout

Desenvolvimento

Aspectos Histoacuterico-Conceituais e Instrumentos Avaliativos da Siacutendrome de Burnout

A siacutendrome de burnout eacute um distuacuterbio psiacutequico provocado por estressores crocircnicos do trabalho que leva as pessoas a se sentirem tensas exaustas e frustradas (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008) De acordo com Schaufeli e Buunk (1996) o trabalhador em burnout pode manifestar humor depressivo desesperanccedila ansiedade impotecircncia baixa autoestima irritabilidade hostilidade dificuldade de concentraccedilatildeo perda de memoacuteria presenccedila de tiques nervosos e agitaccedilatildeo

Autor para correspondecircncia

denisesalvagioniifpredubr

11

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Apesar de apresentarem sintomas semelhantes burnout natildeo pode ser confundido com estresse O burnout ocorre de uma experiecircncia constante ou prolongada de estresse com origem no trabalho que gera atitudes negativas do indiviacuteduo apenas no ambiente laboral (Maslach amp Jackson 1981) Por sua vez o estresse natildeo envolve tais atitudes e condutas caracterizando-se como uma reaccedilatildeo do organismo diante de situaccedilotildees que exigem esforccedilo emocional que provoca esgotamento pessoal e gera atitudes negativas do indiviacuteduo em qualquer ambiente (Schaufeli 1999)

No conceito psicossocial atualmente o mais aceito por estudiosos burnout se caracteriza por trecircs dimensotildees sintomatoloacutegicas a) a exaustatildeo emocional b) a despersonalizaccedilatildeo ou cinismo e c) a reduzida realizaccedilatildeo profissional ou falta de envolvimento no trabalho ou ineficaacutecia profissional (Schaufeli Leiter amp Maslach 2009 Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A exaustatildeo emocional representa o esgotamento fiacutesico e psicoloacutegico do trabalhador captura a experiecircncia do estresse laboral e tambeacutem pode ser descrita como desgaste perda de energia debilitaccedilatildeo ou fadiga O trabalhador em despersonalizaccedilatildeo apresenta-se insensiacutevel e emocionalmente duro com outras pessoas em seu trabalho Indiviacuteduos com sensaccedilatildeo reduzida de realizaccedilatildeo profissional apresentam discursos de incompetecircncia baixa produtividade e fracasso profissional demonstrando prejuiacutezos na relaccedilatildeo afeto-trabalho ndash Figura 1 (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008 Maslach amp Leiter 2016)

EXAUSTAtildeO EMOCIONAL

fadiga desgaste

Estresse laboral

insensibilidade cinismo

Problemas nos relacionamentos

interpessoaisno trabalho

BAIXA REALIZACcedilAtildeOPROFISSIONAL

sentimento deincompetecircncia

Relaccedilatildeo afeto-trabalhoprejudicada

DESPERSONALIZACcedilAtildeO

Figura 1 Dimensotildees da siacutendrome de burnout Fonte Maslach Leiter amp Schaufeli 2008 Maslach amp Leiter 2016

Siacutendrome de burnout | 277

Estudiosos atribuem ao psiquiatra Herbert Freudenberger o termo ldquostaff burnoutrdquo utilizado na deacutecada de 1970 em uma perspectiva cliacutenica para definir um fenocircmeno negativo que acometia trabalhadores voluntaacuterios de uma cliacutenica para dependentes de substacircncias quiacutemicas Apoacutes um tempo esses trabalhadores natildeo se sentiam mais motivados e comprometidos com a atividade inicialmente adotada por livre escolha Este estado de desgaste gradativo do trabalhador com perda de energia e forccedila de trabalho foi denominado por ele como burnout1 (Ahola 2007 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Nessa eacutepoca a psicologia cliacutenica estudava os aspectos individuais dos trabalhadores natildeo levando em consideraccedilatildeo o contexto ocupacionalorganizacional

Poucos anos depois em 1976 a psicoacuteloga social Christina Maslach realizou um estudo exploratoacuterio sobre estresse emocional no trabalho com meacutedicos e enfermeiros (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) Identificou nos discursos dos sujeitos que aqueles profissionais que tinham contato direto e frequente com pacientes eram mais propensos a desenvolver a siacutendrome Aleacutem disso a autora percebeu que o fenocircmeno burnout tinha algumas caracteriacutesticas repetitivas a exaustatildeo emocional e o cinismo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

No contexto estudado por Maslach a exaustatildeo emocional foi uma resposta comum agraves experiecircncias negativas no relacionamento com pacientes familiares colegas de trabalho ou superiores assim como lidar com a morte (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A despersonalizaccedilatildeo ou cinismo emergiu das falas em que o trabalhador explicava como lidava com os problemas no trabalho Ao longo do tempo o trabalhador se distanciava emocionalmente de outras pessoas como maneira de se proteger das tensotildees emocionais do trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001 Schaufeli Maslach amp Marek 1993)

Com o intuito de validar essas ideias um novo estudo exploratoacuterio e qualitativo foi realizado com guardas prisionais professores enfermeiros e advogados (trabalhadores de diversos segmentos) Apesar das diferenccedilas ocupacionais as falas apresentaram aspectos semelhantes A exaustatildeo emocional apareceu em situaccedilotildees de sobrecarga de trabalho e a despersonalizaccedilatildeo foi relatada como forma

1 O termo ldquoburnoutrdquo origina-se da liacutengua inglesa e metaforicamente traduz uma situaccedilatildeo de ldquoqueima completardquo ldquoexplosatildeordquo ldquoesgotamentordquo do trabalhador

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de autoproteccedilatildeo emocional (Schaufeli Maslach amp Marek 1993) Maslach e colaboradores demonstraram com seus estudos que aleacutem dos aspectos individuais o contexto de trabalho tem importante influecircncia no desenvolvimento do burnout (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 diversos instrumentos foram desenvolvidos a fim de realizar pesquisas com teacutecnicas padronizadas e atingir um maior nuacutemero de indiviacuteduos (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) O Maslach Burnout Inventory (MBI) foi a primeira escala a ser desenvolvida e eacute considerada como padratildeo-ouro nas pesquisas que envolvem burnout (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008) Atualmente o MBI eacute de propriedade da Mind Gardenreg sendo necessaacuterio comprar a licenccedila para aplicaccedilatildeo de cada questionaacuterio

A linha do tempo do burnout pode ser acompanhada no Quadro 1 em que se descreve a fase pioneira nas deacutecadas de 1950 a 1970 e a fase empiacuterica nas deacutecadas de 1980 e 1990

Quadro 1 Linha do tempo do burnout

1953 ndash Publicaccedilatildeo do primeiro estudo de caso descrevendo sintomas que se assemelhavam com burnout

1969 ndash Brandley utilizou o termo ldquofenocircmeno psicoloacutegicordquo para descrever um problema com trabalhadores

1970 ndash Primeiro uso do termo ldquostaff burnoutrdquo pelo psiquiatra H Freudenberger

1976 ndash Iniacutecio dos estudos qualitativos de C Maslach Surgem a exaustatildeo emocional e despersonalizaccedilatildeo como principais dimensotildees de burnout

Deacutecada de 1980 ndash Desenvolvimento do Maslach Burnout Inventory (MBI) instrumento quantitativo com inclusatildeo da categoria sobre realizaccedilatildeo profissional entre as dimensotildees de burnout

Deacutecada de 1990 ndash Propostas teoacuterico-explicativas sobre burnout

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A partir da deacutecada de 1990 em consonacircncia com o crescimento de pesquisas quantitativas sobre o tema foram propostos alguns modelos teoacuterico-explicativos do processo de burnout

Modelo Trabalho Demanda-Controle

O Modelo Trabalho Demanda-Controle (Job Demand-control Model) foi proposto por Robert Karasek e Toumlres Theorell para avaliar as relaccedilotildees sociais do ambiente de trabalho e fontes geradoras de estresse (Karasek amp Theorell 1990) Baseia-se em dois aspectos demanda e controle As demandas satildeo pressotildees de natureza psicoloacutegica referente a tempo disponiacutevel e velocidade para realizaccedilatildeo do trabalho O controle eacute a possibilidade de o trabalhador utilizar suas habilidades intelectuais e autoridade na tomada de decisatildeo sobre o processo de trabalho (Karasek amp Theorell 1990) Bakker e Demeroutti (2007) sugerem que as demandas psicoloacutegicas do trabalho podem ser toleradas se o controle sobre o processo de trabalho se mantiver alto No entanto indiviacuteduos expostos a altas demandas com baixo controle de trabalho em um contexto de insuficiecircncia de recursos pessoais e organizacionais podem estar mais vulneraacuteveis ao desenvolvimento de burnout

Teoria de Conservaccedilatildeo de Recursos

A Teoria de Conservaccedilatildeo de Recursos (Conservation of Resources Theory) tem como base a motivaccedilatildeo humana De acordo com essa teoria os indiviacuteduos se esforccedilam para manter ou obter coisas que eles valorizam os chamados recursos (por exemplo seguranccedila no trabalho dinheiro apoio social suporte sucesso na carreira) (Hobfoll amp Freedy 1993) O estresse ocorre quando os recursos satildeo ameaccedilados ou perdidos A perda de recursos eacute mais estressante que a falta de ganhos Aplicado ao burnout a teoria defende que a sobrecarga de trabalho ameaccedila os recursos individuais causa estresse e eventualmente leva a exaustatildeo emocional e fiacutesica (Hobfoll amp Freedy 1993) Essa teoria deu origem ao instrumento Shirom-Melamed Burnout Measure (SMBM) composto de 14 itens distribuiacutedos em trecircs dimensotildees sendo exaustatildeo emocional (trecircs itens) fadiga fiacutesica (seis itens) e cansaccedilo cognitivo (cinco itens) em que o trabalhador assinala

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a frequecircncia de seus sentimentos por meio de uma escala likert (Shirom amp Melamed 2006)

Modelo do Processo de Burnout

O Modelo do Processo de burnout defende que a siacutendrome inicia-se com a exaustatildeo emocional desencadeada pela sobrecarga de trabalho e pelos conflitos interpessoais ao passo que os recursos estatildeo mais associados agrave despersonalizaccedilatildeo e agrave realizaccedilatildeo profissional (Leiter 1993) Autores admitem relaccedilatildeo sequencial entre exaustatildeo e despersonalizaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) ou seja inicialmente o trabalhador se sente exausto emocionalmente e posteriormente instala-se o processo de despersonalizaccedilatildeo No entanto a reduzida realizaccedilatildeo profissional eacute uma dimensatildeo paralela influenciada pela falta de recursos pessoais eou organizacionais que interferem no comprometimento com o trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) O MBI foi desenvolvido com base neste modelo teoacuterico-explicativo por Maslach e colaboradores

Em sua primeira versatildeo a escala contava com 47 itens Apoacutes anaacutelises fatoriais o MBI foi reduzido para 22 itens distribuiacutedos nas trecircs dimensotildees do burnout exaustatildeo emocional despersonalizaccedilatildeo e reduzida realizaccedilatildeo profissional (Leiter 1993 Schaufeli Maslach amp Marek 1993) A consistecircncia interna da escala foi satisfatoacuteria com coeficientes de Cronbach de 090 para exaustatildeo emocional 079 para despersonalizaccedilatildeo e 071 para realizaccedilatildeo profissional (Maslach amp Jackson 1981)

No MBI o entrevistado tambeacutem declara a frequecircncia de seus sentimentos e atitudes por meio de uma escala likert Satildeo nove itens correspondentes agrave exaustatildeo emocional cinco itens relacionados agrave despersonalizaccedilatildeo e oito itens que questionam sentimentos de competecircncia e realizaccedilatildeo profissional do indiviacuteduo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Assim os itens das duas primeiras dimensotildees possuem afirmaccedilotildees negativas em que maiores escores traduzem piores situaccedilotildees enquanto que na realizaccedilatildeo profissional os itens possuem afirmaccedilotildees positivas ou seja quanto menor o escore pior a situaccedilatildeo (escore inverso) (Maslach Leiter amp Schaufeli 2008)

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Autores afirmam que altos escores de exaustatildeo emocional ou despersonalizaccedilatildeo correspondem ao risco aumentado de experimentar burnout pois essas duas dimensotildees se correlacionam moderadamente (Maslach amp Jackson 1981) Posteriores estudos longitudinais tambeacutem mostraram evidecircncias de que exaustatildeo emocional e despersonalizaccedilatildeo possuem forte relaccedilatildeo entre si sendo partes importantes na explicaccedilatildeo do constructo de Maslach (Schaufeli amp Taris 2005 Taris Le Blanc Schaufeli amp Schreurs 2005)

De acordo com os propositores do MBI os escores de burnout devem ser calculados em cada dimensatildeo e natildeo combinados em escore total (unidimensional) possibilitando em estudos epidemioloacutegicos a classificaccedilatildeo do trabalhador em cada dimensatildeo de burnout quanto ao niacutevel baixo meacutedio ou alto a partir do ponto de corte matemaacutetico estabelecido pelo pesquisador (Maslach Jackson amp Leiter 1997 Maslach amp Jackson 1986)

Modelo Trabalho-Demanda-Recurso

O Modelo Trabalho-Demanda-Recurso (Job Demands-Resources model) enfatiza que o burnout surge quando os indiviacuteduos estatildeo expostos a altas demandas de trabalho e inadequados recursos organizacionais O pressuposto dessa teoria eacute que cada ocupaccedilatildeo tem fatores de risco proacuteprios associados ao estresse no trabalho ou seja demandas e recursos especiacuteficos (Bakker amp Demeroutti 2007) A definiccedilatildeo de demandas de trabalho eacute a mesma do Modelo Trabalho Demanda-Controle (Karasek amp Theorell 1990) Os recursos correspondem aos aspectos fiacutesicos psicoloacutegicos sociais ou organizacionais do trabalho (metas de trabalho atingiacuteveis demanda de trabalho que natildeo gere prejuiacutezos psicoloacutegicos e fisioloacutegicos estiacutemulo ao crescimento pessoal e profissional) (Bakker amp Demeroutti 2007) A escala Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) foi desenvolvida com base nesse fundamento teoacuterico e compotildee-se de 16 itens com duas dimensotildees exaustatildeo que corresponde ao esgotamento fiacutesico e sobrecarga de trabalho (8 itens) e cinismo que avalia comportamentos e atitudes no ambiente laboral (8 itens) (Demerouti amp Bakker 2008)

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Fatores Individuais Ocupacionais e Organizacionais Relacionados ao Burnout

Apesar de burnout ser uma experiecircncia particular nota-se que eacute um fenocircmeno complexo multidimensional resultante da interaccedilatildeo entre aspectos individuais e do ambiente de trabalho (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Muitas caracteriacutesticas individuais abordadas nesse capiacutetulo podem se confundir com caracteriacutesticas ocupacionais como por exemplo a predominacircncia de determinado sexo em um tipo de ocupaccedilatildeo

Os fatores individuais satildeo entendidos como facilitadores ou inibidores da accedilatildeo de agentes estressores natildeo podendo atribuir apenas a eles o surgimento de burnout (Pereira 2002) No entanto fatores ocupacionais e organizacionais tais como ocupaccedilatildeo carga de trabalho controle do processo de trabalho apoio social conflito de papeacuteis conflito com valores pessoais remuneraccedilatildeo e clima organizacional foram amplamente estudados e apresentam evidecircncias mais consistentes na literatura no que diz respeito agrave sua relaccedilatildeo com burnout Alguns desses fatores satildeo apresentados a seguir

Idade

Observa-se em estudos desenvolvidos por Maslach Schaufeli amp Leiter (2001) uma maior incidecircncia de burnout em profissionais jovens principalmente entre os menores de 30 anos A idade e os anos de experiecircncia de trabalho parecem ser convergentes Nos primeiros anos de trabalho as pessoas apresentam maior inseguranccedila e pouca experiecircncia na profissatildeo fazendo com que elas tenham maior dificuldade de enfrentar os problemas podendo ateacute abandonar a profissatildeo (Cherniss 1980 Maslach amp Jackson 1981)

Sexo

Na deacutecada de 1980 acreditava-se que a mulher era mais propensa ao burnout do que o homem pelo fato de elas mais frequentemente se envolverem com os problemas de seus pacientesclientes trabalharem com maior frequecircncia em ocupaccedilotildees que demandam contato intenso com outras pessoas (por exemplo

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enfermagem e docecircncia) e ainda administrarem as necessidades de sua famiacutelia (Maslach amp Jackson 1985) Embora os argumentos pareccedilam plausiacuteveis natildeo haacute consenso sobre essa relaccedilatildeo De modo geral mulheres tecircm apresentado maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional (Innstrand Langballe Falkum amp Aasland 2011 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001 Pu et al 2017) enquanto homens de despersonalizaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) A dupla jornada de atividades (trabalho e lar) predominante entre mulheres pode justificar maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional O fato de os homens por questotildees culturais expressarem menos frequentemente os sentimentos de raiva hostilidade e indignaccedilatildeo pode explicar maiores niacuteveis de despersonalizaccedilatildeo (Pereira 2002) A predominacircncia de um determinado sexo nas diferentes ocupaccedilotildees pode ter papel confundidor nessa relaccedilatildeo (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Niacutevel Educacional

Normalmente as pessoas com maior niacutevel educacional possuem maiores responsabilidades que combinadas aos altos niacuteveis de estresse podem desencadear burnout Em adiccedilatildeo tais profissionais podem se frustrar ao construir expectativas laborais que natildeo se tornam realidade (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Eacute importante salientar que a relaccedilatildeo entre niacutevel educacional e burnout natildeo eacute consistente na literatura e pode ser confundida com a posiccedilatildeo que o trabalhador ocupa na instituiccedilatildeo (Maslach amp Jackson 1981)

Situaccedilatildeo Conjugal

Geralmente aqueles que tem um companheiro estaacutevel parecem ser menos propensos ao burnout (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Os solteiros parecem experimentar niacuteveis maiores de burnout do que os divorciados (Maslach 2009) A relaccedilatildeo entre situaccedilatildeo conjugal e burnout no entanto ainda natildeo eacute comprovada por estudiosos (Lindblom Linton Fedeli amp Bryngelsson 2006 Llorent amp Ruiz-Calzado 2016 Maslach amp Jackson 1985 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

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Caracteriacutesticas da Personalidade

Estudos evidenciam que indiviacuteduos introvertidos com dificuldade de se posicionar diante da vida com alto neuroticismo (com traccedilos de ansiedade hostilidade depressatildeo baixa autoconsciecircncia alta vulnerabilidade) baixa amabilidade e baixa consciensiosidade (dificuldade em planejamento e gestatildeo do tempo no trabalho) satildeo mais propensos a desenvolver a siacutendrome (Alarcon Eschleman amp Bowling 2009 Armon Shirom amp Melamed 2012 Swider amp Zimmerman 2010) Especificamente estudo com professores iranianos de escolas puacuteblicas encontrou que neuroticismo relacionou-se agrave exaustatildeo emocional baixa amabilidade se associou agrave despersonalizaccedilatildeo e baixa consciensiosidade agrave reduzida realizaccedilatildeo profissional (Pishghadam amp Sahebjam 2012)

Estrateacutegias de Enfrentamento (Coping)

Eacute consistente na literatura que a forma como o indiviacuteduo lida com situaccedilotildees estressantes pode ser protetora ou desencadeante de burnout (Carlotto amp Cacircmara 2008) Em suma estrateacutegias de controle mostram-se importantes na prevenccedilatildeo de burnout enquanto que as de evitaccedilatildeo e fuga facilitam seu surgimento (Leiter 1991)

Normalmente profissionais que evitam ou fogem dos estressores laborais apresentam maiores niacuteveis de exaustatildeo emocional enquanto indiviacuteduos que se utilizam de estrateacutegias de afastamento frente agraves dificuldades demonstram maiores niacuteveis de despersonalizaccedilatildeo quando comparados agravequeles centrados na resoluccedilatildeo do problema (Carlotto amp Cacircmara 2008 Hernaacutendez-Zamora Olmedo-Castejoacuten amp Ibaacutentildeez-Fernaacutendez 2004)

Crenccedila de Autoeficaacutecia

A duacutevida sobre a capacidade de fazer o que lhe eacute exigido ou a expectativa negativa sobre os resultados de seus esforccedilos para resoluccedilatildeo dos problemas aumentam o risco de burnout (Costa 2003) Os indiviacuteduos com percepccedilatildeo de alta autoeficaacutecia resolvem problemas empregando estrateacutegias que melhoram seu trabalho Em contrapartida aqueles com baixa autoeficaacutecia ocupacional

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(considerada mediador do burnout) natildeo buscam alternativas para mudanccedila do problema (Ferreira amp Azzi 2010)

Ocupaccedilatildeo

Segundo Pereira (2002) a siacutendrome de burnout eacute um fenocircmeno disseminado e pode acometer qualquer profissatildeo As profissotildees mais apontadas satildeo aquelas em que os profissionais lidam com outras pessoas em seu cotidiano ou em sua atividade laboral (por exemplo meacutedicos professores profissionais da aacuterea de enfermagem policiais e psicoacutelogos) Em 2005 foi publicado um estudo que comparou a experiecircncia de estresse laboral em 26 ocupaccedilotildees Seis segmentos ocupacionais (trabalhadores de ambulacircncia professores profissionais do serviccedilo social atendentes de call centers guardas prisionais e policiais) apresentaram piores niacuteveis de sauacutede fiacutesica psicoloacutegica e satisfaccedilatildeo no trabalho (Johnson Cooper Cartwright Taylor amp Millet 2005)

Carga de Trabalho (Alta Demanda de Trabalho)

O fato do indiviacuteduo ter muito trabalho para pouco tempo de execuccedilatildeo associa-se fortemente ao burnout em especial com a exaustatildeo emocional (Demerouti Le Blanc Bakker Schaufeli amp Hox 2009 Janssen Schaufeli amp Houkes 1999 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001) Demandas qualitativas do trabalho (por exemplo gravidade dos problemas dos clientespacientes) tambeacutem apresentam correlaccedilotildees na mesma direccedilatildeo (Demerouti Le Blanc Bakker Schaufeli amp Hox 2009 Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

Controle Sobre o Processo de Trabalho

A associaccedilatildeo entre perda de controle no processo de trabalho e burnout eacute consistente Isso ocorre quando os trabalhadores natildeo se percebem participativos nas decisotildees do trabalho e com dificuldades em exercer sua autonomia profissional (Maslach amp Leiter 2016) A falta de controle estaacute normalmente relacionada com a reduzida realizaccedilatildeo profissional (Maslach Schaufeli amp Leiter 2001)

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Apoio Social

O apoio social no trabalho pode ser definido como uma funccedilatildeo de auxiacutelio exercido por pessoas significativas em relaccedilatildeo agrave provisatildeo material de informaccedilotildees ou de assistecircncia emocional em situaccedilotildees de estresse (Birolim et al 2019) Niacuteveis maiores de apoio social estatildeo associados a um menor sofrimento profissional (Birolim et al 2019) Assim quando as relaccedilotildees interpessoais no trabalho satildeo caracterizadas pela falta de apoio desconfianccedila e conflitos natildeo resolvidos haacute um risco maior de desenvolver burnout (Janssen Schaufeli amp Houkes 1999 Maslach amp Leiter 2016)

Conflito de Papeacuteis

As funccedilotildees expectativas e condutas que uma pessoa deve desempenhar em seu trabalho constitui-se seu papel profissional (Pereira 2002) O conflito ocorre quando o desempenho do trabalhador em determinado cargo natildeo corresponde agraves expectativas da organizaccedilatildeo Quanto maior o conflito de papeacuteis maior o risco de desenvolver burnout (Maslach amp Leiter 2016)

Conflito com Valores Pessoais

Valores satildeo ideais e motivaccedilotildees que atraem as pessoas para o trabalho O conflito ocorre quando o trabalhador se sente constrangido ao ser solicitado para fazer alguma accedilatildeo que considera antieacutetica ou em natildeo conformidade com seus valores individuais podendo levar ao desgaste emocional (Maslach amp Leiter 2016)

Recompensa (Remuneraccedilatildeo)

A recompensa recebida pelo exerciacutecio da profissatildeo pode ser insuficiente ou incompatiacutevel com as necessidades do trabalhador Em alguns casos pode ser visto como falta de reconhecimento social Normalmente estaacute associada a sentimentos de reduzida realizaccedilatildeo profissional (Maslach amp Leiter 2016)

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Clima Organizacional

O clima de trabalho influencia na relaccedilatildeo de respeito confianccedila e bem-estar entre as pessoas (Koponen et al 2010) Se a organizaccedilatildeo natildeo se mostra favoraacutevel a desenvolver uma poliacutetica de adaptabilidade flexibilidade agraves demandas internas e externas e satisfatoacuteria integraccedilatildeo entre os empregados tem-se um risco aumentado para burnout (Pereira 2002)

Medidas Preventivas Relacionadas ao Burnout

Sugere-se que o enfrentamento da siacutendrome de burnout seja multissetorial com intervenccedilotildees centradas em trecircs niacuteveis a) na resposta do indiviacuteduo frente aos estressores laborais b) na melhoria do contexto organizacional e c) na interaccedilatildeo do indiviacuteduo com seu trabalho As intervenccedilotildees no contexto organizacional ou agravequelas combinadas com aspectos individuais satildeo as mais adequadas para ambientes com grande variabilidade de estressores laborais (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Resposta do Indiviacuteduo Frente aos Estressores Laborais

No niacutevel individual o primeiro passo eacute a compreensatildeo de conceitos e consequecircncias de burnout julgados imprescindiacuteveis para reconhecer o problema futuro (autodiagnoacutestico) e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento (coping) (Carlotto 2014 Hernaacutendez et al 2002)

De modo geral a resposta de um indiviacuteduo frente a um problema pode ser movida pela emoccedilatildeo ou focada em sua resoluccedilatildeo Quando influenciada pela emoccedilatildeo as estrateacutegias normalmente adotadas pelos sujeitos englobam evitaccedilatildeo minimizaccedilatildeo distanciamento atenccedilatildeo seletiva e atribuiccedilatildeo de valores positivos aos acontecimentos negativos (Hernaacutendez et al 2002) Essas estrateacutegias satildeo eficazes quando os estressores natildeo podem ser modificados e haacute necessidade de se conviver com eles (Hernaacutendez et al 2002) Para atuar diretamente na resoluccedilatildeo de problemas o indiviacuteduo pode desenvolver habilidades comportamentais e cognitivas de enfrentamento com ou sem apoio de

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psicoterapia utilizando a valorizaccedilatildeo da autoeficaacutecia e autoconfianccedila a capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos e o controle efetivo de tarefas e funccedilotildees (Hernaacutendez et al 2002 Maslach amp Leiter 2016)

Aleacutem disso mudanccedilas na rotina de vida ou adoccedilatildeo de terapias complementares satildeo beneacuteficas na prevenccedilatildeo do burnout tais como meditaccedilatildeo teacutecnicas de relaxamento terapia cognitivo-comportamental educaccedilatildeo em sauacutede realizaccedilatildeo de exerciacutecios fiacutesicos dieta equilibrada boa qualidade de sono e aproveitamento do tempo livre (Hernaacutendez et al 2002 Maslach amp Leiter 2016 Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Na Melhoria do Contexto Organizacional

A siacutendrome de burnout tem origem no trabalho de modo que a inflexibilidade do processo institucional e as riacutegidas exigecircncias comprometem a versatilidade psiacutequica do trabalhador (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011) Os programas centrados na melhoria do contexto ocupacional compreendem accedilotildees modificadoras no processo e relaccedilotildees de trabalho com foco nos ajustes das condiccedilotildees fiacutesicas e psicossociais (Hernaacutendez et al 2002)

Dentre os fatores fiacutesicos os principais aspectos a serem revistos satildeo ruiacutedos odores iluminaccedilatildeo sinalizaccedilatildeo temperatura umidade e infraestrutura do ambiente de trabalho No acircmbito psicossocial melhorias na autonomia e participaccedilatildeo nas decisotildees na comunicaccedilatildeo no processo de trabalho na carga de atividades e na organizaccedilatildeo do tempo satildeo importantes para a integraccedilatildeo interpessoal e satisfaccedilatildeo do profissional (Hernaacutendez et al 2002)

Dessa forma um paracircmetro ideal consiste em intervenccedilotildees com accedilotildees diretas na cultura institucional e nas condiccedilotildees de trabalho a fim de proporcionar ambiente de trabalho salubre recursos humanos suficientes disponibilidade de materiais autonomia e participaccedilatildeo na tomada de decisatildeo liacutederes com escuta ativa agraves reivindicaccedilotildees dos trabalhadores avaliaccedilotildees perioacutedicas do processo de trabalho planejamento estrateacutegico que norteiem metas institucionais lotaccedilatildeo do funcionaacuterio em local que melhor se adapte ao seu perfil resoluccedilatildeo de conflitos de forma imparcial e justa e investimento em educaccedilatildeo permanente (Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

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Interaccedilatildeo do Indiviacuteduo com seu Trabalho

Os programas centrados na interaccedilatildeo do indiviacuteduo com seu trabalho tecircm como objetivo promover intervenccedilotildees combinadas para a modificaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e no modo de enfrentamento do indiviacuteduo diante das situaccedilotildees de estresse tais como accedilotildees para melhoria na comunicaccedilatildeo e trabalho em equipe reuniotildees para discussotildees reflexotildees dos problemas e grupos de apoio psicoloacutegico (Carlotto 2014 Hernaacutendez et al 2002 Moreno Gil Haddad amp Vannuchi 2011)

Consideraccedilotildees Finais

Apesar do conhecimento construiacutedo sobre burnout ateacute o momento a siacutendrome tem se apresentado crescente no mundo e gera inuacutemeras preocupaccedilotildees Sabe-se que o burnout impacta na vida do trabalhador podendo ocasionar consequecircncias fiacutesicas psicoloacutegicas e ocupacionais Estudos epidemioloacutegicos longitudinais comprovam que doenccedilas cardiovasculares dores musculoesqueleacuteticas sintomas depressivos insatisfaccedilatildeo no trabalho e absenteiacutesmo satildeo implicaccedilotildees consistentes entre trabalhadores com burnout (Salvagioni et al 2017)

Por este motivo o conhecimento sobre os aspectos contextuais da siacutendrome eacute essencial para que o indiviacuteduo possa identificar que algo estaacute errado na relaccedilatildeo com seu trabalho e buscar o enfrentamento Ainda eacute urgente que as organizaccedilotildees tenham poliacuteticas de sauacutede do trabalhador com implantaccedilatildeo de medidas que visem melhores condiccedilotildees de trabalho e administraccedilatildeo de estressores Ampliar o conhecimento sobre fatores relacionados ao contexto socioeconocircmico e laboral que favorecem o desenvolvimento da siacutendrome de burnout tambeacutem eacute fundamental haja vista a escassez de estudos com essa perspectiva

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Referecircncias

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Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva

Andressa de Freitas Mendes DionisioUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

A dor crocircnica eacute uma condiccedilatildeo debilitante que acomete 20-50 da populaccedilatildeo mundial e representa um dos maiores problemas de sauacutede puacuteblica com grande repercussatildeo na produtividade (de Souza et al 2017) Dados demonstram que apenas nos Estados Unidos a dor crocircnica acomete 31 da populaccedilatildeo sendo que 75 desses indiviacuteduos apresentam incapacidade total ou parcial (Kreling da Cruz amp Pimenta 2006) Embora no Brasil os estudos epidemioloacutegicos sobre dor sejam escassos o estudo realizado por Souza e colaboradores mostrou incidecircncia de dor crocircnica em 39 da populaccedilatildeo estudada sendo a meacutedia de idade acometida de 41 anos com predomiacutenio no sexo feminino (56) Dos entrevistados que relataram dor crocircnica 49 relataram insatisfaccedilatildeo com o tratamento da dor (Souza et al 2017)

A dor de origem crocircnica persiste por meses ou anos e estaacute relacionada a presenccedila de doenca crocircnica ou de uma dor aguda natildeo tratada de modo adequado como a que frequentemente ocorre apoacutes um procedimento ciruacutergico ou trauma Neste contexto dados demonstram que a dor aguda apoacutes cirurgia ou trauma pode evoluir para um quadro de dor crocircnica em 10 dos pacientes (Roe amp Sehgal 2016 Glare Aubrey amp Myles 2019)

A dor pode ser classificada em nociceptiva ou neuropaacutetica A dor nociceptiva estaacute relacionada a dano tecidual e estaacute presente por exemplo na osteoartrite artrite reumatoide lombalgia e dor poacutes- ciruacutergica Este tipo de dor possui resposta satisfatoacuteria aos anti-inflamatoacuterios natildeo esteroidais (AINEs) paracetamol dipirona e opioides

Autor para correspondecircncia andressauelbr

Laboratoacuterio de Farmacologia

da Inflamaccedilatildeo - Departamento

de Ciecircncias Fisioloacutegicas

Centro de Ciecircncias Bioloacutegicas -

CCB Campus Universitaacuterio

Rodovia Celso Garcia CidPR

445 Km 380 Caixa Postal 10011 -

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Fone 55 43 3371- 4650

12

294 | Temas em Neurociecircncias

A dor neuropaacutetica tem origem na lesatildeo ou disfunccedilatildeo de nervos e ocorre na neuropatia perifeacuterica diabeacutetica na neuralgia poacutes herpeacutetica e natildeo responde de forma satisfatoacuteria aos analgeacutesicos utilizados no tratamento da dor nociceptiva no entanto apresenta melhor resposta terapecircutica com o uso de antidepressivos e anticonvulsivantes (Golan Tashjian JR Armstrong Armstrong 2014 Rang Dale Ritter Flower amp Henderson 2016)

Uma vez que a dor crocircnica tem um curso de longo prazo pode ter origem nociceptiva ou neuropaacutetica estando frequentemente associada a alteraccedilotildees fiacutesicas emocionais sociais e todos esses fatores contribuem com a persistecircncia da dor o paciente necessita de um tratamento adequado que melhore suas funccedilotildees e com isso permita uma melhor qualidade de vida Desta forma o tratamento deve possuir caraacuteter multidisciplinar abordando o impacto psicoloacutegico social e fiacutesico patoloacutegico (Roe amp Sehgal 2016) Neste capiacutetulo seratildeo abordados os aspectos farmacoloacutegicos do tratamento da dor crocircnica Atualmente estatildeo disponiacuteveis diversas classes de faacutermacos que satildeo utilizados para esta finalidade os quais incluem os AINEs paracetamol dipirona opioides antidepressivos anticonvulsivantes toxina botuliacutenica canabinoides A abordagem deste capiacutetulo teraacute como foco o estudo dos AINEs e dos opioides

Objetivos

Este capiacutetulo abordaraacute o tratamento farmacoloacutegico da dor crocircnica de origem nociceptiva com ecircnfase nos AINEs e nos opioides

Desenvolvimento

Anti-inflamatoacuterios natildeo Esteroidais (AINEs)

Papel dos Prostanoides na Hiperalgesia

Entre os anti-inflamatoacuterios mais prescritos em todo o mundo estatildeo os AINEs os quais possuem accedilatildeo analgeacutesica anti-inflamatoacuteria e antipireacutetica atuam na dor leve a moderada Essa classe de faacutermacos eacute a mais prescrita na Reumatologia e eacute utilizada no tratamento da dor

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 295

de origem nociceptiva tanto aguda quanto crocircnica sendo eficazes por exemplo no tratamento da lombalgia crocircnica na dor crocircnica causada pela osteoartrite artrite reumatoide dor poacutes-operatoacuteria crocircnica (van Tulder Scholten Koes amp Deyo 2000 Myers et al 2014)

A prostaglandina eacute um dos mediadores envolvidos na sensibilizaccedilatildeo perifeacuterica do neurocircnio aferente primaacuterios ou nociceptores promovendo reduccedilatildeo do limiar das respostas dolorosas e surgimento da hiperalgesia primaacuteria que eacute a sensaccedilatildeo aumentada de dor a um estiacutemulo que jaacute eacute doloroso Quando a lesatildeo tecidual eacute curada ou o paciente eacute submetido a tratamento farmacoloacutegico para a dor o limiar de resposta retorna ao normal No entanto a dor pode permanecer mesmo tendo passado o periacuteodo da resoluccedilatildeo da lesatildeo tecidual e tornar-se crocircnica As prostaglandinas tambeacutem estatildeo envolvidas na sensibilizaccedilatildeo central e no surgimento de hiperalgesia secundaacuteria ou seja dor fora da aacuterea da lesatildeo inicial (Woolf amp Salter 2000 Woolf amp Ma 2007) O mecanismo de accedilatildeo dos AINEs baseia-se na inibiccedilatildeo da enzima ciclo-oxigenase (COX) e consequente reduccedilatildeo da siacutentese de prostanoides os quais englobam as prostaglandinas prostaciclinas (PGI2) e tromboxanos (TXA2) As prostaglandinas satildeo consideradas mediadores finais da dor inflamatoacuteria e atuam sensibilizando os nociceptores agrave estimulaccedilatildeo posterior (Ferreira 1972) Assim as prostaglandinas atuam nos nociceptores reduzindo o limiar necessaacuterio para desencadear a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo gerando a hiperalgesia que eacute o aumento da resposta dolorosa a um estiacutemulo nociceptivo o qual normalmente causa dor (Ferreira 1972)

Siacutentese de Prostanoides

Para que ocorra a siacutentese de prostanoides o aacutecido araquidocircnico deve ser inicialmente hidrolisado dos fosfolipiacutedeos de membrana atraveacutes da enzima fosfolipase A2 (PLA2) Existem diversas isoformas da enzima PLA2 sendo a isoforma citosoacutelica a mais importante durante o processo inflamatoacuterio Eacute importante mencionar que o aacutecido araquidocircnico livre eacute substrato para duas vias enzimaacuteticas distintas a via da COX que daraacute origem aos prostanoides e a via da lipoxigenase que daraacute origem aos leucotrienos Neste capiacutetulo o nosso foco seraacute o estudo da via da COX Assim uma vez hidrolisado o aacutecido

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araquidocircnico tem acesso ao siacutetio cataliacutetico da COX onde inicialmente eacute convertido em prostaglandina G2 (PGG2) atraveacutes da oxigenaccedilatildeo e ciclizaccedilatildeo do aacutecido araquidocircnico Subsequentemente a PGG2 eacute convertida tambeacutem por accedilatildeo da COX em prostaglandina H2 (PGH2) Tanto a PGG2 quanto a PGH2 satildeo altamente instaacuteveis e uma vez a PGH2 formada esta eacute rapidamente convertida por accedilatildeo enzimaacutetica em PGI2 TXA2 e diferentes subtipos de prostaglandinas dependendo o tecido onde a PGH2 tenha sido originada O TXA2 eacute formado nas plaquetas e atua como agregante plaquetaacuterio e vasoconstritor jaacute a PGI2 eacute produzida principalmente no endoteacutelio vascular a partir da PGH2 e possui accedilatildeo antiagregante plaquetaacuteria e vasodilatadora Desta forma o TXA2 e a PGI2 atuam como antagonistas fisioloacutegicos Com relaccedilatildeo aos subtipos de prostaglandinas a prostaglandina E2 (PGE2) possui um papel chave tanto no processo inflamatoacuterio quanto na dor e eacute formada em diversos tipos celulares como por exemplo nos macroacutefagos (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Como jaacute mencionado a PGE2 atua como mediador final da dor inflamatoacuteria uma vez que os nociceptores expressam receptores para prostaglandinas os quais quando ativados promovem a sensibilizaccedilatildeo direta Os receptores de prostaglandinas estatildeo expressos em fibras nociceptoras do tipo C (Teixeira Alves-Neto Costa amp Siqueira 2009) Dessa forma impedir que a prostaglandina atue sensibilizando os nociceptores possui um papel crucial no tratamento farmacoloacutegico da dor Um dos mecanismos para impedir esse processo eacute atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos AINEs os quais atuam atraveacutes da inibiccedilatildeo da COX e consequentemente impedem a formaccedilatildeo de prostanoides entre estes a PGE2 (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Para entendermos melhor o mecanismo de accedilatildeo dos AINEs bem como os efeitos adversos desencadeados por esses faacutermacos precisamos compreender a enzima COX Haacute duas isoformas da COX bem caracterizadas COX-1 e COX-2 que embora sejam produtos de genes distintos compartilham entre si 60 de homologia A COX-1 e COX-2 satildeo estruturalmente semelhantes Ambas isoformas estatildeo anexadas a membrana interna celular e apresentam um canal hidrofoacutebico interno por onde o aacutecido araquidocircnico hidrolisado

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 297

tem acesso ao siacutetio ativo da enzima para ser metabolizado em prostanoides (Fonseca Brunton Hilal-Dandan Knollmann 2018)

A COX-1 cujo gene localiza-se no cromossomo 9 eacute uma isoforma expressa de forma constitutiva ou fisioloacutegica na maioria das ceacutelulas e eacute responsaacutevel em originar prostanoides com funccedilatildeo da manutenccedilatildeo da homeostasia Por exemplo a COX-1 presente nas ceacutelulas do trato gastrointestinal eacute responsaacutevel pela proteccedilatildeo da mucosa gaacutestrica e duodenal A PGE2 e PGI2 formadas a partir da COX-1contribuem com a reduccedilatildeo da secreccedilatildeo de aacutecido cloriacutedrico promove secreccedilatildeo de muco e bicarbonato e aumenta o fluxo sanguiacuteneo para o estocircmago A niacutevel renal a PGE2 e a PGI2 derivadas da COX-1 promovem manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal enquanto a niacutevel plaquetaacuterio o TXA2 eacute responsaacutevel pelo processo de agregaccedilatildeo plaquetaacuteria (Oates et al 1988 Johnson Nguyen amp Day 1994 Warner Mitchell amp Vane 2002 Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Por outro lado a COX-2 produto gecircnico do cromossomo 1 eacute praticamente indetectaacutevel na maioria dos tecidos tendo sua expressatildeo induzida na inflamaccedilatildeo Mediadores inflamatoacuterios podem atuar em diversos tipos celulares como macroacutefagos ceacutelulas endoteliais e induzirem a transcriccedilatildeo e posterior siacutentese proteiacuteca da COX-2 nessas ceacutelulas Desta forma a COX-2 estaacute fortemente implicada no processo inflamatoacuterio (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017)

Recentemente foi descrito a existecircncia da terceira isoforma da COX a COX-3 A COX-3 eacute produto gecircnico do cromossomo 9 e estaria expressa em altos niacuteveis no sistema nervoso central sendo alvo de faacutermacos analgeacutesicos e antipireacuteticos como paracetamol e dipirona No momento mais estudos estatildeo sendo conduzidos para caracterizar a expressatildeo e funccedilotildees dessa isoforma 3 da COX (Chandrasekharan et al 2002)

Os AINEs satildeo classificados em inibidores natildeo seletivos da COX e inibidores seletivos para a COX-2 ou coxibes Os inibidores natildeo seletivos da COX tambeacutem conhecidos como AINEs tradicionais inibem tanto a COX-1 quanto a COX-2 em diferentes graus Por outro lado os inibidores seletivos da COX-2 ou coxibes atuam na inibiccedilatildeo da isoforma 2 da COX (Golan et al 2014)

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Mecanismo de Accedilatildeo dos AINEs Natildeo Seletivos

Embora os AINEs natildeo seletivos representem um grupo heterogecircneo de faacutermacos e por isso satildeo agrupados de acordo com caracteriacutesticas quiacutemicas comuns como por exemplo classe do aacutecido aceacutetico (indometacina diclofenaco) classe do aacutecido propiocircnico (ibuprofeno cetoprofeno) classe do oxicam (piroxicam meloxicam) todos atuam atraveacutes do mesmo mecanismo de accedilatildeo Tanto a COX-1 quanto a COX-2 apresentam um resiacuteduo de arginina na posiccedilatildeo 120 Para que a COX seja bloqueada o AINE precisa penetrar o canal hidrofoacutebico da COX para ter acesso a este resiacuteduo de arginina da enzima onde faraacute uma ligaccedilatildeo reversiacutevel Essa ligaccedilatildeo reversiacutevel do AINE tanto na COX-1 quanto na COX-2 impede o acesso do aacutecido araquidocircnico livre ao siacutetio cataliacutetico da enzima e consequentemente o aacutecido araquidocircnico natildeo eacute metabolizado em prostanoides como a PGE2 Assim o tratamento com AINEs reduziraacute a sensibilizaccedilatildeo da terminaccedilatildeo nervosa nociceptiva promovida pelo PGE2 (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung amp Trevor 2017 Fonseca et al 2018)

A aspirina eacute o representante mais antigo dos AINEs no entanto ao inveacutes de formar uma ligaccedilatildeo reversiacutevel com o resiacuteduo de arginina na posiccedilatildeo 120 da COX-1 e COX-2 como os outros AINEs natildeo seletivos a aspirina acetila uma serina na posiccedilatildeo 530 tanto da COX-1 quanto da COX-2 A acetilaccedilatildeo eacute uma ligaccedilatildeo covalente forte irreversiacutevel Desta forma a aspirina atua tambeacutem como inibidor natildeo seletivo da COX-1 e COX-2 mas como a ligaccedilatildeo eacute irreversiacutevel seu efeito permanece ateacute que novas enzimas da COX sejam sintetizadas (Fonseca et al 2018)

Caracteriacutesticas Farmacocineacuteticas

Embora os AINEs tradicionais pertenccedilam a diferentes classes quiacutemicas todos compartilham os mesmos efeitos adversos bem como as mesmas accedilotildees terapecircuticas as quais incluem reduccedilatildeo do processo inflamatoacuterio analgesia e diminuiccedilatildeo da febre Os AINEs satildeo aacutecidos fracos cujo pH do estocircmago favorece o processo de absorccedilatildeo (chegada do faacutermaco ateacute a corrente sanguiacutenea) no entanto a maior parte do faacutermaco ingerido por via oral eacute absorvida no intestino delgado o qual possui maior superfiacutecie de contato para a absorccedilatildeo

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 299

Uma vez o AINE na corrente sanguiacutenea este apresenta alto grau de ligaccedilatildeo a albumina proteiacutena plasmaacutetica aproximadamente 98 de ligaccedilatildeo Devido ao alto grau de ligaccedilatildeo a proteiacutenas plasmaacuteticas a fraccedilatildeo livre do faacutermaco (fraccedilatildeo natildeo ligada a proteiacutenas) eacute pequena tornado o volume de distribuiccedilatildeo do AINE no organismo baixo uma vez que apenas a fraccedilatildeo livre do faacutermaco eacute capaz de distribuir-se dos vasos sanguiacuteneos para os tecidos Em virtude do caraacuteter aacutecido desses faacutermacos estes concentram-se no tecido inflamado Como essa classe de faacutermacos liga-se muito agraves proteiacutenas plasmaacuteticas fatores que desloquem o AINE da ligaccedilatildeo agraves proteiacutenas plasmaacuteticas como por exemplo a hipoalbuminemia ou interaccedilotildees entre faacutermacos podem levar ao aumento da fraccedilatildeo livre e assim gerar a efeitos adversos (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

Uma vez exercido o efeito farmacoloacutegico os AINEs precisam ser eliminados do organismo e para que isso ocorra eacute necessaacuterio a metabolizaccedilatildeo e excreccedilatildeo do faacutermaco O metabolismo dos AINEs ocorre principalmente no fiacutegado atraveacutes de enzimas que promovem alteraccedilotildees quiacutemicas na estrutura do faacutermaco que permite que este seja excretado sendo a principal forma de excreccedilatildeo pela via renal (Golan et al 2014) Como os AINEs satildeo aacutecidos fracos a alcalinizaccedilatildeo da urina permite uma maior taxa de excreccedilatildeo Com relaccedilatildeo ao tempo de meia vida de eliminaccedilatildeo dos faacutermacos do organismo os AINEs satildeo classificados em curta e longa Como exemplo de compostos que apresentam meia vida de eliminaccedilatildeo curta ou seja menor que 6 horas temos ibuprofeno diclofenaco cetoprofeno indometacina jaacute o naproxeno e o piroxicam satildeo exemplos de AINEs que apresentam longa meia vida de eliminaccedilatildeo maior que 10 horas Algumas situaccedilotildees podem afetar o tempo de meia vida dos faacutermacos como disfunccedilatildeo hepaacutetica e renal essas alteraccedilotildees prolongam a meia vida (Rang et al 2016)

Principais Efeitos Adversos Associados ao Uso Crocircnico dos AINES Natildeo Seletivos

O uso crocircnico de AINEs principalmente para o tratamento de afecccedilotildees crocircnicas relaciona-se com inuacutemeros efeitos adversos uma vez que os prostanoides participam de inuacutemeros processos fisioloacutegicos Os principais efeitos indesejaacuteveis com o uso crocircnico

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satildeo observados a niacutevel do trato gastrointestinal renal e plaquetaacuterio (Fonseca et al 2018)

Distuacuterbios Gastrointestinais

O efeito adverso mais comum dos AINEs ocorre no trato gastrointestinal o que dificulta a adesatildeo do paciente com enfermidades reumaacuteticas crocircnicas ao tratamento A inibiccedilatildeo da COX-1 nas ceacutelulas gaacutestricas pelos AINEs natildeo seletivos reduz a produccedilatildeo de prostaglandinas citoprotetoras consequentemente ocorre inibiccedilatildeo da secreccedilatildeo de muco e bicarbonato aumento da secreccedilatildeo aacutecida e reduccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo da mucosa (Brenol Xavier amp Marasca 2000) Como os AINEs natildeo seletivos inibem tambeacutem a COX-1 presente nas plaquetas isso favorece o risco de sangramentos O paciente pode apresentar dispepsia vocircmitos e naacuteuseas diarreia ulceraccedilotildees risco de hemorragia eou perfuraccedilatildeo gaacutestrica Dados demonstram que 34-46 dos usuaacuterios de AINEs satildeo acometidos por algum comprometimento do trato digestoacuterio Neste contexto eacute importante entendermos que o efeito do AINE natildeo seletivo no trato gastrointestinal ocorre independente da via de administraccedilatildeo ou seja a inibiccedilatildeo da COX-1 iraacute ocorrer se esta classe de faacutermacos for administrada por via oral intramuscular ou endovenosa Desta forma pacientes com alto risco de complicaccedilotildees gastrointestinais ou que necessitem fazer uso por longos periacuteodos podem necessitar a prescriccedilatildeo de agentes gastroprotetores (Estes Fuhs Heaton amp Butwinick 1993 Wolfe Polhamus Kubik Robinson amp Clement 1994 Rang et al 2016)

Efeito Renal

Tanto a PGE2 quanto a PGI2 satildeo prostanoides importantes para a manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal Essa importacircncia torna-se mais evidente em pacientes que apresentam doenccedilas renais preacutevias insuficiecircncia cardiacuteaca hipertensatildeo diabetes cirrose pois esses indiviacuteduos apresentam uma maior dependecircncia dos prostanoides produzidos a niacutevel renal com accedilatildeo vasodilatadora para que tenham um adequado funcionamento dos rins Nesses pacientes o uso de AINEs a meacutedio e longo prazo estaacute associado com maior incidecircncia de

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 301

efeitos colaterais renais como retenccedilatildeo de soacutedio e aacutegua reduccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal e da taxa de filtraccedilatildeo glomerular No entanto essas complicaccedilotildees renais satildeo reversiacuteveis com a suspensatildeo do uso dos AINEs Em situaccedilotildees mais graves o uso dos AINEs pode desencadear insuficiecircncia renal aguda siacutendrome nefroacutetica nefrite intersticial ou necrose papilar renal complicaccedilotildees conhecidas no passado como nefropatia analgeacutesica (Maher 1984 Clive amp Stoff 1984 Oates et al 1998 Whelton 1999)

O uso crocircnico de AINEs tambeacutem pode promover elevaccedilatildeo de 5 mmHg da pressatildeo arterial meacutedia Este aumento da pressatildeo arterial ocorre principalmente em indiviacuteduos que satildeo hipertensos e indiviacuteduos hipertensos que fazem uso de anti-hipertensivos como diureacuteticos inibidores da enzima conversora de angiotensina e betabloqueadores Estudos mostraram que o aumento da pressatildeo arterial desencadeado pelo uso crocircnico de AINEs estaacute associado a reduccedilatildeo dos niacuteveis de prostanoides vasodilatadores a niacutevel renal (Johnson et al 1994 Batlouni 2010)

Accedilatildeo nas Plaquetas

Uma vez que as plaquetas expressam apenas a COX-1 pois essas ceacutelulas natildeo possuem nuacutecleo natildeo sendo possiacutevel a induccedilatildeo da COX-2 o uso de AINEs natildeo seletivos pode promover prolongamento do tempo de sangramento pela inibiccedilatildeo da COX-1 e consequente inibiccedilatildeo da formaccedilatildeo de TXA2 pelas plaquetas Eacute importante ressaltar que o efeito da aspirina sobre as plaquetas eacute mais evidente quando comparado ao uso dos outros representantes dos AINEs tradicionais uma vez que a inibiccedilatildeo da COX-1 pela aspirina permaneceraacute pelo tempo de meia vida das plaquetas aproximadamente 10 dias A plaqueta natildeo possuindo nuacutecleo mesmo cessado o uso da aspirina a COX-1 continuaraacute inibida pela ligaccedilatildeo irreversiacutevel promovida pela aspirina e a plaqueta natildeo teraacute como sintetizar novas COX-1 (Golan et al 2014)

Inibidores Seletivos para a COX-2 ou Coxibes

Os efeitos adversos principalmente a niacutevel de trato gastrointestinal decorrentes do uso dos AINEs natildeo seletivos

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limitavam a utilizaccedilatildeo a meacutedio e longo prazo em pacientes com dores crocircnicas como os pacientes com artrite reumatoide e osteoartrite Neste contexto a demonstraccedilatildeo da existecircncia da COX-2 a qual teria a expressatildeo induzida durante o processo inflamatoacuterio e parecia natildeo estar expressa de forma constitutiva nas ceacutelulas levou a busca do desenvolvimento de faacutermacos seletivos para esta isoforma O desenvolvimento de um inibidor seletivo para a COX-2 representaria um faacutermaco com accedilotildees anti-inflamatoacuterias analgeacutesicas e antipireacuteticas mas com a ausecircncia das complicaccedilotildees gastrointestinais dos AINEs natildeo seletivos e tambeacutem natildeo afetariam o tempo de sangramento (Abraham El-Serag Hartman Richardson amp Deswal 2007)

Os pesquisadores perceberam uma diferenccedila estrutural entre a COX-1 e COX-2 que poderia permitir o desenvolvimento dos inibidores seletivos para a COX-2 A COX-1 apresenta em seu canal hidrofoacutebico o aminoaacutecido isoleucina na posiccedilatildeo 523 enquanto a COX-2 apresenta na mesma posiccedilatildeo 523 o aminoaacutecido valina A presenccedila da valina na posiccedilatildeo 523 da COX-2 gera a presenccedila de uma bolsa lateral dentro do canal hidrofoacutebico que torna uma porccedilatildeo do canal hidrofoacutebico da COX-2 mais larga do que a da COX-1 Essa bolsa lateral permitiu o desenvolvimento de faacutermacos com a estrutura quiacutemica volumosa os coxibes que penetram no canal hidrofoacutebico e se encaixam na bolsa lateral da COX-2 impedindo que o aacutecido araquidocircnico tenha acesso ao siacutetio cataliacutetico desta isoforma No entanto o grupamento volumoso dos coxibes natildeo permite a entrada no canal hidrofoacutebico da COX-1 pois estaacute natildeo possui a bolsa lateral e consequentemente essa isoforma natildeo eacute inibida por esta classe de faacutermacos Em 1999 menos de uma deacutecada apoacutes a descoberta da COX-2 os coxibes comeccedilaram a ser comercializados (Rang et al 2016 Fonseca et al 2018)

Coxibes e Seguranccedila Gastrointestinal

Para demonstrar que os coxibes eram mais seguros a niacutevel do trato gastrointestinal foi conduzido um amplo estudo que envolveu aproximadamente 8000 pacientes com artrite reumatoide Os pacientes foram tratados com celecoxibe (coxibe) ou AINEs natildeo seletivos por 01 ano e foram acompanhados durante este periacuteodo para determinar o surgimento de uacutelceras Os dados demonstraram que os coxibes satildeo mais seguros quanto a incidecircncia de uacutelceras quando

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comparados aos AINEs natildeo seletivos No entanto embora reduzidos os efeitos gastrointestinais natildeo desapareceram por completo com a inibiccedilatildeo seletiva da COX-2 isso porque a COX-2 estaacute envolvida com a cicatrizaccedilatildeo de uacutelceras preexistente isso provavelmente ocorreu em pacientes que jaacute possuiacuteam uacutelceras antes de iniciar o tratamento com o coxibe e a utilizaccedilatildeo desta classe retardou a cicatrizaccedilatildeo das lesotildees jaacute existentes (Bombardier et al 2000)

Coxibes e Efeitos Cardiovasculares

Embora os inibidores seletivos da COX-2 sejam mais seguros a niacutevel gastrointestinal estudos cliacutenicos conduzidos em pacientes usuaacuterios crocircnicos desses faacutermacos demonstraram graves efeitos cardiovasculares e tromboemboacutelicos (Bombardier et al 2000 Saraiva 2007) Esses efeitos no sistema cardiovascular levaram a proibiccedilatildeo da venda do Rofecoxibe em 2004 do Valdecoxibe em 2005 e do Lumiracoxibe em 2008

Assim como os AINEs natildeo seletivos os coxibes tambeacutem inibem a produccedilatildeo da PGE2 e PGI2 a niacutevel renal em pacientes que apresentam doenccedilas renais preacutevias insuficiecircncia cardiacuteaca hipertensatildeo diabetes cirrose Acredita-se que o papel beneacutefico da PGE2 e PGI2 nesses pacientes deve-se a induccedilatildeo da COX-2 com a finalidade de contrapor os efeitos vasoconstritores preexistentes nesses indiviacuteduos e obter uma vasodilataccedilatildeo compensatoacuteria para manutenccedilatildeo do fluxo sanguiacuteneo renal e da taxa de filtraccedilatildeo glomerular (Fonseca et al 2018) Neste momento verificamos que a COX-2 natildeo eacute induzida apenas durante o processo inflamatoacuterio

No entanto com o avanccedilo dos estudos dos efeitos cardiovasculares dos coxibes verificou-se que no endoteacutelio dos vasos a fonte de PGI2 eacute a COX-2 e natildeo a COX-1 O fluxo sanguiacuteneo normal dentro dos vasos sanguiacuteneos promove um fenocircmeno chamado estresse de cisalhamento que ocorre devido o contato do fluxo de sangue com as ceacutelulas endoteliais esse estresse mecacircnico gerado nas ceacutelulas endoteliais induz a expressatildeo da COX-2 no endoteacutelio com consequente produccedilatildeo de PGI2 que promove vasodilataccedilatildeo e inibe a agregaccedilatildeo plaquetaacuteria nos vasos A prostaciclna formada dentro do vaso possui um papel fundamental para manter um ambiente vasodilatador e antitrombogecircnico (Mendes 2012 Fonseca et al 2018)

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Assim o uso de coxibe iraacute inibir natildeo apenas a COX-2 induzida durante o processo inflamatoacuterio mas tambeacutem a COX-2 produzida em decorrecircncia do estresse de cisalhamento no endoteacutelio dos vasos reduzindo a produccedilatildeo de PGI2 o que reduz a vasodilataccedilatildeo e a inibiccedilatildeo da agregaccedilatildeo plaquetaacuteria Um ponto importante eacute que com o uso dos inibidores seletivos da COX-2 a isoforma da COX-1 natildeo eacute inibida diferente do que ocorre com os AINEs natildeo seletivos e com o uso de coxibes o TXA2 que possui papel agregante plaquetaacuterio e vasoconstritor continua a ser produzido pelas plaquetas Desta forma com o uso de inibidores seletivos da COX-2 haacute o favorecimento de um ambiente trombogecircnico e vasoconstritor devido a inibiccedilatildeo da PGI2 e natildeo bloqueio do TXA2 (Golan et al 2014)

Atualmente o uso de coxibes eacute restrito a pacientes nos quais os AINEs natildeo seletivos promoveriam efeitos gastrointestinais graves e soacute satildeo prescritos apoacutes rigorosa avaliaccedilatildeo de risco cardiovascular O celecoxib eacute indicado para pacientes com osteoartrite artrite reumatoide espondilite anquilosaste dor poacutes-operatoacuteria desde que natildeo apresentem risco cardiovascular O parecoxibe eacute utilizado em ambiente hospitalar para tratamento em curto prazo da dor poacutes-operatoacuteria A dispensaccedilatildeo de coxibes em farmaacutecias eacute realizada com retenccedilatildeo da receita meacutedica e recomenda-se a menor dose possiacutevel e o uso em curto periacuteodo de tempo (Golan et al 2014 Fonseca et al 2018)

Opioides

Opioides Consideraccedilotildees Gerais

Historicamente os opioides satildeo indicados nos casos de dor aguda moderada a intensa dor poacutes-operatoacuteria controle da dor causada pelo cacircncer bem como nos casos de dores presentes em doenccedilas em estaacutegios terminais sendo considerado parte essencial do plano global de tratamento em pacientes com dor intensa No entanto ainda natildeo haacute amplo suporte para a prescriccedilatildeo de opioides para dor crocircnica pois o uso a longo prazo de opioides possui inuacutemeras implicaccedilotildees como potencial risco de abuso overdose acidental depressatildeo respiratoacuteria constipaccedilatildeo sedaccedilatildeo toleracircncia e em alguns casos o desenvolvimento de hiperalgesia induzida por opioides como

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veremos ao longo do capiacutetulo (Chou et al 2015 Dowell Haegerich amp Chou 2016a Dowell Zhang Noonan amp Hockenberry 2016b Katzung amp Trevor 2017) Estudos demonstram que uma pequena proporccedilatildeo de pacientes portadores de dor crocircnica se beneficiam com o uso de opioides Uma das recomendaccedilotildees eacute que o tratamento com opioides para a dor crocircnica seja utilizado como o uacuteltimo recurso ou seja quando outras terapias medicamentosas como o uso de AINEs falharam no aliacutevio da dor No entanto nas uacuteltimas deacutecadas o uso de opioides como ferramenta para o manejo da dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica tem aumentado a niacutevel mundial (Roe amp Sehgal 2016)

O acesso ao tratamento com opioides para o aliacutevio da dor eacute utilizado como um dos fatores que entra no caacutelculo do iacutendice de desenvolvimento humano (IDH) pois significa que o indiviacuteduo tem uma melhor qualidade de vida quando recebe um tratamento adequado para a dor (httpwwwpaliativoorgbr recuperado em 12 agosto 2019) Entre os paiacuteses que apresentam maiores taxas de prescriccedilatildeo de opioides no mundo estatildeo os Estados Unidos da America e o Canadaacute enquanto o Brasil em 2011 possuiacutea uma das menores taxas mundiais de prescriccedilatildeo desta classe de faacutermacos (Seya et al 2011) No entanto essas informaccedilotildees merecem cautela uma vez que os Estados Unidos e o Canadaacute registraram nas uacuteltimas duas deacutecadas um crescente nuacutemero de overdose por opioides Entre 2000 e 2015 aproximadamente meio milhatildeo de pessoas morreram nos Estados Unidos da Ameacuterica em decorrecircncia de overdose por opioides sendo esta situaccedilatildeo classificada como uma epidemia decorrente do uso de opioides ocasionada pelo aumento das prescriccedilotildees usos inadequados e dependecircncia (Dowell et al 2016a Dowell et al 2016b Krawczyk Greene Zorzanelli amp Bastos 2018)

Nos uacuteltimos anos o consumo dos opioides estaacute passando por alteraccedilotildees tanto na America Latina quanto no Brasil um dos fatores responsaacuteveis por esse aumento eacute a defesa crescente de melhorar a qualidade de vida do paciente tanto com dor oncoloacutegica quanto com dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica (Garcia 2014) Dados publicados em 2018 na revista American Journal of Public Health mostraram que a venda de opioides atraveacutes de prescriccedilotildees meacutedicas em farmaacutecias no Brasil aumentou de 1601043 em 2009 para 9045945 em 2015 o que representa um aumento de 465 nas prescriccedilotildees no periacuteodo de 06 anos (Krawczyk et al 2018)

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Para prescriccedilatildeo de opioides eacute necessaacuterio considerar as caracteriacutesticas do paciente como comorbidades mentais e o risco potencial de abuso por opioides como por exemplo consumo de drogas histoacuterico familiar e histoacuteria de abuso sexual (Kahan Wilson Mailis-Gagnon Srivastava amp Group 2011) Quando os opioides satildeo prescritos os objetivos funcionais do tratamento devem ser estabelecidos antes do iniacutecio da terapia esse planejamento deve envolver natildeo apenas o paciente mas tambeacutem seus familiares e inclui um programa de monitoramento de prescriccedilatildeo de faacutermacos que compreende prescriccedilatildeo com data na receita fornecimento de quantidade para 01 mecircs ou o que baste ateacute a proacutexima consulta contagem dos comprimidos exames na urina para determinar a adesatildeo do paciente e presenccedila de outras substacircncias inesperadas e acompanhamento da reduccedilatildeo da dor e melhora da funccedilatildeo Desta forma os pacientes que necessitem fazer uso de opioides a longo prazo para tratamento de dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica devem ser cuidadosamente e rigorosamente monitorados para reavaliar continuamente o benefiacutecio-risco do tratamento (Centers for Disease Control and Prevention 2017 Schuchat Houry amp Guy 2017)

Origem dos Faacutermacos Opioides

O uso de opioides para o aliacutevio da dor possui mais de 5000 anos e teve iniacutecio com o uso do oacutepio O oacutepio eacute obtido da semente da papoula Papaver somniferum Mas apenas em 1803 o farmacecircutico Freidrich Wilhelm Adam Serturner conseguiu isolar e identificar um dos componentes do oacutepio responsaacutevel pelas propriedades analgeacutesicas O composto isolado por Frederick Sertuumlrner promovia natildeo somente analgesia mas tambeacutem promovia bastante sonolecircncia e por isso foi batizado de morfina em homenagem ao Deus grego dos sonhos Morpheu Aleacutem da morfina no oacutepio estatildeo presentes inuacutemeros outros alcaloides como a codeiacutena Um tempo apoacutes o isolamento da morfina o quiacutemico inglecircs Alder Wright sintetizou a partir da morfina a diacetilmorfina a qual foi posteriormente testada e desenvolvida por Heinrich Dreser da Bayer para ser utilizada como um potente analgeacutesico Em 1898 a Bayer comeccedilou a comercializar diacetilmorfina como heroiacutena nome dado pela ldquoheroacuteicardquo capacidade de promover o aliacutevio da dor No entanto apoacutes alguns anos do iniacutecio da

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comercializaccedilatildeo da heroiacutena para a analgesia foi verificado a grande capacidade de gerar dependecircncia sendo retirada do mercado em 1913 (Guitart 2014) O primeiro dos compostos endoacutegenos com accedilatildeo opioide conhecido coletivamente como endorfinas foi isolado em 1975 por Hughes e Kosterlitz (Rang et al 2018)

Classificaccedilatildeo dos Opioides

No decorrer da histoacuteria os opioides jaacute possuiacuteram inuacutemeras denominaccedilotildees como narcoacuteticos hipnoanalgeacutesicos narcoanalgeacutesicos Atualmente esses termos natildeo satildeo mais utilizados pois tambeacutem abrangeriam outras substacircncias com capacidade de gerar narcose sono (Gozzani 1994)

A terminologia opiaacuteceo eacute designada apenas para os compostos que possuem origem natural ou seja que satildeo extraiacutedos da papoula como a morfina e codeiacutena Uma vez que existem compostos de origem natural (opiaacuteceo) semissinteacuteticos (heroiacutena hidromorfona) e sinteacuteticos (fentanil buprenorfina metadona sulfentanil) criou-se a terminologia oipioides Os opioides abrangem as substacircncias encontradas naturalmente na papoula (opiaacuteceos) os compostos semissinteacutetico sinteacuteticos e os compostos produzidos endogenamente (endorfinas) Assim para serem classificados como opioides esses compostos devem interagir com receptores para opioides produzir efeitos semelhantes aos da morfina e esses efeitos serem bloqueados por um faacutermaco antagonista para o receptor opioide (Martin 1983 Rang et al 2016)

Principais Opioides

A morfina eacute o opioide de referecircncia ainda amplamente utilizado no entanto existem outros faacutermacos pertencentes a essa classe como fentanil sulfentanil remifentanil metadona oxicodona codeiacutena tramadol buprenorfina Esses faacutermacos compartilham accedilotildees analgeacutesicas e efeitos adversos No entanto existem diferenccedilas relacionados a potecircncia eficaacutecia afinidade por receptor opioide latecircncia metabolismo e duraccedilatildeo de accedilatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

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O fentanil eacute 80 a 100 vezes mais potente que a morfina ou seja para desencadear o mesmo efeito analgeacutesico eacute necessaacuterio uma dose 100 vezes menor do fentanil quando comparado a dose da morfina O fentanil eacute extremamente lipossoluacutevel por isso possui o iniacutecio de accedilatildeo raacutepido apoacutes a administraccedilatildeo no entanto possui uma curta duraccedilatildeo de accedilatildeo A lipossolubilidade permite que o fentanil seja administrado atraveacutes da mucosa bucal na forma de pastilha ou pirulitos para pacientes pediaacutetricos e na forma de adesivos transdeacutermicos que permitem a liberaccedilatildeo prolongada em pacientes com dores crocircnicas (Fonseca et al 2018 Manica 2018)

A morfina possui extenso metabolismo de primeira passsagem dessa forma apoacutes a administraccedilatildeo por via oral a morfina eacute metabolizada no fiacutegado e tem sua estrutura quiacutemica alterada antes de chegar a corrente sanguiacutenea e ser distribuiacuteda pelo organismo esse fenocircmeno reduz a biodisponibilidade ou seja diminui a quantidade do faacutermaco original sem alteraccedilotildees metaboacutelicas que chega ateacute a corrente sanguiacutenea Por isso a administraccedilatildeo de morfina eacute preferiacutevel atraveacutes das vias parenterais injetaacuteveis (Rang et al 2016)

A metadona eacute um opioide que possui a maior meia vida plasmaacutetica entre 25 a 35 horas sendo utilizada para o tratamento de pacientes com dor crocircnica de origem oncoloacutegica e no tratamento de dependentes de opioides (Golan et al 2014)

O opioide codeiacutena eacute 20 menos potente que a morfina sendo indicado para dores moderadas como cefaleia e lombalgia e para suprimir a tosse A codeiacutena eacute um proacute-faacutermaco da morfina ou seja uma fraccedilatildeo da moleacutecula da codeiacutena eacute transformada no organismo em morfina atraveacutes de enzimas presentes no fiacutegado (Rang et al 2016)

Receptores Opioides e Distribuiccedilatildeo no Organismo

Existem 04 tipos de receptores opioides denominados de acordo com a terminologia claacutessica de mu kappa delta e nociceptinaorfanina FQ (NOP) cuja descoberta teve iniacutecio em 1973 (Finck 1979) Os opioides como morfina fentanil sulfentanil oxicodona entre outros opioides possuem maior afinidade pelo receptor mu do que pelos outros receptores opioides Assim tanto o efeito analgeacutesico quanto os efeitos adversos destes agonistas satildeo consequentes da

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interaccedilatildeo desses compostos principalmente com o receptor mu por isso esse receptor eacute conhecido como o receptor claacutessico da morfina (Rang et al 2016 Fonseca et al 2018) Desta forma no decorrer do capiacutetulo o foco principal seraacute nas accedilotildees mediadas pelo receptor mu

O receptor mu encontra-se amplamente distribuiacutedo no ceacuterebro (substacircncia cinzenta periaquedutal no mesenceacutefalo) medula espinal (terminaccedilatildeo nervosa central de neurocircnio de primeira ordem e em neurocircnio de segunda ordem presentes no corno dorsal da medula) terminaccedilatildeo nervosa perifeacuterica livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor (apoacutes lesatildeo ou inflamaccedilatildeo) trato gastrointestinal nervo oculomotor (Golan et al 2014)

Mecanismo de Accedilatildeo Analgeacutesico dos Opioides

Todos os opiodes apresentam efeitos cliacutenicos semelhantes Os opioides promovem analgesia a niacutevel supraespinal (ceacuterebro) a niacutevel espinal (corno dorsal) e perifeacuterico (terminaccedilatildeo nervosa livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor) (Golan et al 2014 Katzung 2018)

Em niacutevel supraespinal os opioides promovem a ativaccedilatildeo da via descendente inibitoacuteria da dor Esta via que inibe a dor tem iniacutecio na substacircncia cinzenta periaquedutal (PAG) no mesenceacutefalo e sua ativaccedilatildeo exerce o papel inibindo a dor a niacutevel da medula espinal Fisiologicamente a via descendente inibitoacuteria da dor estaacute inibida pois a dor eacute um mecanismo de defesa sendo importante a sua manifestaccedilatildeo O neurotransmissor que eacute liberado fisiologicamente e inibe a via inibitoacuteria da dor ou seja que permite que conseguimos sentir dor por inibir essa via eacute o aacutecido gama-aminobutiacuterico (GABA) um neurotransmissor inibitoacuterio Na PAG haacute alta expressatildeo dos receptores opioides do tipo mu A ativaccedilatildeo dos receptores mu da PAG por agonistas como a morfina ou opioides endoacutegenos impede a liberaccedilatildeo do GABA Desta forma com a ativaccedilatildeo dos receptores mu na PAG ocorre inibiccedilatildeo da liberaccedilatildeo do GABA e consequentemente a via descendente que inibe a dor a niacutevel espinal eacute liberada promovendo analgesia Contribuindo tambeacutem com a analgesia a niacutevel cerebral a ativaccedilatildeo dos receptores mu pelos opioides reduz o componente afetivo vinculado a dor bem como o modo pelo qual a dor eacute percebida pelo indiviacuteduo (Katzung 2018)

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Na medula espinal atuam a niacutevel do corno dorsal A terminaccedilatildeo nervosa central do neurocircnio aferente primaacuterio (nociceptor) encontra-se no corno dorsal e expressa receptores opioides do tipo mu A ativaccedilatildeo dos receptores mu na terminaccedilatildeo nervosa central inibe a liberaccedilatildeo de vesiacuteculas sinaacutepticas que conteacutem mediadores excitatoacuterios (glutamato substacircncia P) que estatildeo envolvidos na via ascendente da dor No corno dorsal os receptores mu tambeacutem estatildeo expressos em neurocircnios de segunda ordem A ativaccedilatildeo dos receptores mu no neurocircnio de segunda ordem leva a hiperpolarizaccedilatildeo desse neurocircnio ou seja seu interior fica mais negativo dificultando a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo consequentemente a informaccedilatildeo dolorosa (geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo) natildeo seraacute gerada e natildeo seraacute transmitida ao ceacuterebro (Golan et al 2014 Rang et al 2016 Katzung 2018)

Em termos perifeacutericos na ausecircncia de lesatildeo ou processo inflamatoacuterio a terminaccedilatildeo nervosa livre do neurocircnio aferente primaacuterio ou nociceptor natildeo expressa receptores opioides No entanto apoacutes injuacuteria ou inflamaccedilatildeo haacute induccedilatildeo da expressatildeo de receptores do tipo mu A ativaccedilatildeo desses receptores a niacutevel perifeacuterico leva a hiperpolarizaccedilatildeo do nociceptor dificultando a geraccedilatildeo do potencial de accedilatildeo e consequentemente a informaccedilatildeo dolorosa (potencial de accedilatildeo) natildeo eacute transmitida da periferia para o corno dorsal da medula espinal (Oaklander 2011)

Principais Efeitos Adversos Opioides

Tanto o efeito analgeacutesico quanto os efeitos adversos dos diferentes opioides satildeo semelhantes o que pode ocorrer satildeo variaccedilotildees em relaccedilatildeo a intensidade desses efeitos (Golan et al 2014) O surgimento de efeitos adversos reduz a adesatildeo do paciente ao tratamento da mesma forma que a reduccedilatildeo da dose para tentar minimizar os efeitos adversos compromete a analgesia satisfatoacuteria (Benyamin et al 2008)

No sistema nervoso central os opioides promovem sedaccedilatildeo que pode reduzir a capacidade de concentraccedilatildeo e gerar acidentes e em pacientes ambulatoriais e idosos a sedaccedilatildeo pode levar a queda Os agonistas dos receptores mu tambeacutem podem promover euforia que gera bem-estar e contentamento e este efeito estaacute associado a procura pelo opioide por alguns pacientes O principal e mais

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preocupante efeito adverso eacute a depressatildeo respiratoacuteria Os opioides atuam atraveacutes da ativaccedilatildeo dos receptores mu no centro do controle respiratoacuterio no bulbo reduzindo a resposta respiratoacuteria ao dioacutexido de carbono levando a depressatildeo respiratoacuteria O risco de depressatildeo respiratoacuteria aumenta com doses maiores quando combinados a outros faacutermacos depressores do sistema nervoso central como benzodiazepiacutenicos e tambeacutem na presenccedila de doenccedilas respiratoacuterias Os opioides atuam no centro da tosse deprimindo o reflexo da tosse (Fonseca et al 2018 Manica 2018)

Essa classe de faacutermacos tambeacutem promovem miose atuam na zona quimiorreceptora bulbar promovendo naacuteuseas e vocircmitos no trato gastrointestinal gerando constipaccedilatildeo diminuem o esvaziamento gaacutestrico promovem retenccedilatildeo urinaacuteria induzem liberaccedilatildeo de prolactina somatotropina hormocircnio luteizante diminuem tocircnus simpaacutetico o que pode resultar em hipotensatildeo ortostaacutetica e geram bradicardia Principalmente a morfina quando administrada por via endovenosa pode promover a degranulaccedilatildeo de mastoacutecitos e liberaccedilatildeo de histamina que pode gerar hipotensatildeo prurido e broncoconstriccedilatildeo (Golan et al 2014) Estudos demonstram que a administraccedilatildeo crocircnica de opioides pode reduzir a resposta imune inata e a adaptativa predispondo a infecccedilotildees (Peterson Molitor amp Chao 1998 Dimitrijević et al 2000 Sehgal Colson amp Smith 2013)

Toleracircncia

Em termos gerais a toleracircncia para a analgesia clinicamente manifesta-se 2 a 3 semanas apoacutes o iniacutecio da terapia com doses terapecircuticas habituais de opioides (Katzung et al 2018) Com o surgimento da toleracircncia observa-se a perda da eficaacutecia sendo necessaacuterio o aumento da dose do opioide para a obtenccedilatildeo da analgesia inicial e frente a esse cenaacuterio muitas vezes a toleracircncia acaba sendo confundida com dependecircncia jaacute que o paciente solicita doses maiores para a obtenccedilatildeo da analgesia (Benyamin et al 2008 Golan et al 2014 Angst 2015) A toleracircncia pode ocorrer mais raacutepido com o uso de doses elevadas em intervalos curtos de administraccedilatildeo (Katzung et al 2018)

O receptor mu opioide eacute um receptor acoplado a proteina G do tipo inibitoacuteria A ativaccedilatildeo frequente desse receptor pelos agonistas

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opioides promove dessensibilizaccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo do receptor ou seja ocorreraacute a diminuiccedilatildeo da expressatildeo do receptor na superfiacutecie celular em decorrecircncia do uso dos opioides com essa reduccedilatildeo de receptores haacute a reduccedilatildeo do efeito analgeacutesico (Williams et al 2013 Varrassi et al 2018) Com o surgimento da toleracircncia eacute necessaacuterio aumentar a dose ou realizar a rotaccedilatildeo que eacute a troca de um opioide por outro na praacutetica a realizaccedilatildeo da rotaccedilatildeo de opioides varia entre 15 a 40 (Nalamachu 2012) A toleracircncia acontece para analgesia depressatildeo respiratoacuteria euforia Contudo natildeo haacute toleracircncia para miose e constipaccedilatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

Dependecircncia Fiacutesica

Frequentemente junto com a toleracircncia eacute observado a dependecircncia fiacutesica A dependecircncia fiacutesica por opioides ocorre quando haacute a interrupccedilatildeo abrupta do uso ou quando eacute administrado um antagonista dos receptores opioides resultando na siacutendrome de abstinecircncia A siacutendrome de abstinecircncia eacute caracterizada por agitaccedilatildeo ansiedade insocircnia anorexia bocejo transpiraccedilatildeo febre vocircmito diarreia coacutelica rinorreia respiraccedilatildeo ofegante hipertensatildeo dilataccedilatildeo pupilar tremor dor muscular e convulsatildeo (Golan et al 2014 Rang et al 2016)

A dependecircncia fiacutesica eacute comum entre pacientes que fazem uso de opioides possuir dependecircncia fiacutesica natildeo eacute sinocircnimo de adicccedilatildeo pois um paciente tratado com opioide pode ser dependente fiacutesico sem ser dependente psicoloacutegico (Rang et al 2016)

Tendo como exemplo a morfina a siacutendrome de abstinecircncia comeccedila a se manifestar entre 6 a 10 horas apoacutes a uacuteltima dose administrada sendo os efeitos maacuteximos da siacutendrome de abstinecircncia observados em 36 a 48 horas e pode perdurar por alguns dias (Rang et al 2016)

Quando o tratamento com opioides pode ser finalizado eacute importante realizar uma descontinuaccedilatildeo do faacutermaco de forma gradual reduzindo as doses administradas para que a siacutendrome de abstinecircncia seja minimizada (Benyamin et al 2008)

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Adicccedilatildeo ou Dependecircncia Psicoloacutegica

O risco de adicccedilatildeo eacute uma das principais preocupaccedilotildees para a prescriccedilatildeo de opioides Na adicccedilatildeo por opioides ocorre alteraccedilotildees nas vias de recompensa cerebrais que culmina com o uso abusivo e o comportamento compulsivo de busca pela substacircncia independente dos danos gerados pelo uso abusivo ou dos riscos decorrentes da busca por opioides (Golan 2014) A adiccedilatildeo constitui um efeito adverso potencial da administraccedilatildeo de opioides e o desejo compulsivo por esta classe de faacutermacos pode persistir por meses ou ateacute anos apoacutes a uacuteltima administraccedilatildeo (Rang et a 2016)

Hiperalgesia Induzida por Uso Crocircnico de Opioides

Na hiperalgesia induzida por opioides ocorre aumento da dor em pacientes em terapia crocircnica com essa classe de faacutermacos A hiperalgesia induzida por opioides eacute diferente da toleracircncia para a analgesia Na hiperalgesia por opioides a dor permanece mesmo com o aumento de doses haacute dor com uso de opioide na ausecircncia da progressatildeo da doenccedila e presenccedila de dor natildeo associada agrave dor original Um dos mecanismos envolvidos na hiperalgesia por opioides envolve a ativaccedilatildeo do sistema glumateacutergico e os receptores NMDA Um dos tratamentos para evitar ou reduzir a hiperalgesia consiste no uso de antagonistas do receptor NMDA como a cetamina (Silverman 2009 Angst 2015)

Tratamento da Intoxicaccedilatildeo Aguda por Opioides

Para o tratamento de overdose e reversatildeo da depressatildeo respiratoacuteria por intoxicaccedilatildeo aguda de opioides eacute necessaacuterio o uso de antagonistas do receptor mu como a naloxona por via endovenosa O antagonista possui alta afinidade pelos receptores mu e com isso impede que o opioide interaja e ative o receptor (Golan et al 2014 Fonseca et al 2018 Manica 2018)

A naloxona possui a meia vida menor do que dos opioides assim o paciente precisa ser monitorado para que natildeo ocorra retorno da depressatildeo respiratoacuteria ateacute que o opioide tenha sido eliminado do organismo (Golan et al 2014)

314 | Temas em Neurociecircncias

A naltrexona eacute um antagonista que possui uma meia vida de eliminaccedilatildeo maior eacute administrado por via oral em pacientes dependentes de opioides para o tratamento de desintoxicaccedilatildeo (Fonseca et al 2018)

Consideraccedilotildees Finais

A dor crocircnica eacute uma condiccedilatildeo debilitante afeta a produtividade e a qualidade de vida do paciente Entre os faacutermacos mais utilizados no tratamento da dor crocircnica estatildeo os AINEs que atuam atraveacutes da inibiccedilatildeo da siacutentese de prostanoides diminuindo os sinais e sintomas da inflamaccedilatildeo e reduzindo a dor Essa classe de faacutermacos natildeo gera dependecircncia fiacutesica nem psicoloacutegica no entanto estaacute relacionada com alta incidecircncia de efeitos adversos particularmente distuacuterbios no trato gastrointestinal de pacientes que fazem uso crocircnico o que dificulta a adesatildeo ao tratamento Em diversos paiacuteses como Estados Unidos e Canadaacute os opioides satildeo usados para o tratamento da dor crocircnica de origem natildeo oncoloacutegica no entanto o benefiacutecio do uso de opioides para o tratamento da dor crocircnica ainda necessita cautela Os opiodes promovem inuacutemeros efeitos adversos como naacuteusea vocircmitos constipaccedilatildeo sedaccedilatildeo depressatildeo respiratoacuteria o que propicia ao paciente a interrupccedilatildeo do tratamento Aleacutem disso o uso de opioides estaacute relacionado ao desenvolvimento de toleracircncia dependecircncia fiacutesica possiacutevel dependecircncia psicoloacutegica hiperalgesia e alteraccedilotildees no sistema imune Desta forma o tratamento para a dor crocircnica deve possuir uma abordagem multidisciplinar que considere as caracteriacutesticas individuais do paciente para que o tratamento mais adequado para a reduccedilatildeo da dor seja empregado

Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva | 315

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Epilepsia em Catildees

Lucas Aleacutecio GomesUniversidade Estadual de Londrina

Introduccedilatildeo

Neste capiacutetulo os termos crise epileacutetica e convulsatildeo epileacutetica seratildeo utilizados como sinocircnimos surgindo ao longo do texto de forma mesclada Essa escolha se deve a orientaccedilotildees presentes na literatura consultada a exemplo do ldquoInternational veterinary task force consensus report on epilepsy definition classification and terminology in companion animalsrdquo (publicado em 2015) do ldquo2015 ACVIM small animal consensus statement on seizure management in dogs rdquo (publicado em 2016) e tambeacutem em consideraccedilatildeo ao senso comum cujo termo convulsatildeo ainda permanece amplamente utilizado tanto por meacutedicos veterinaacuterios quanto pelos tutores dos animais

A crise epileacutetica ou convulsatildeo epileacutetica ocorre devido a um distuacuterbio eleacutetrico transitoacuterio excessivo ou sincrocircnico envolvendo neurocircnios cerebrais Quando um animal apresenta crise epileacutetica a localizaccedilatildeo neuroanatocircmica corresponde ao prosenceacutefalo (ceacuterebro) (Heller 2018 Prada 2014) A causa de base poderaacute ser estrutural ou quiacutemica e poderaacute ocasionar desequiliacutebrio entre os mecanismos de excitaccedilatildeo e inibiccedilatildeo cerebral que por vezes iraacute culminar com uma disfunccedilatildeo do prosenceacutefalo Quando as crises epileacuteticas se tornam recorrentes entatildeo elas passam a ser denominadas de epilepsia cuja causa pode ser idiopaacutetica ou primaacuteria geneacutetica (na qual genes especiacuteficos para doenccedila satildeo detectados ou quando haacute fortes evidencias do problema dentro de uma linhagem familiar) estrutural (alteraccedilotildees estruturais no ceacuterebro por exemplo inflamaccedilatildeo infecccedilatildeo neoplasia) ou reativa (denominada anteriormente de secundaacuteria) Assim sendo destaca-se que a epilepsia idiopaacutetica eacute considerada quando exames de sangue imagens de ressonacircncia magneacutetica

Autor para correspondecircncia

lucasaleciogmailcom

Departamento de Cliacutenicas

Veterinaacuterias Rod Celso Garcia Cid

PR 445 Km 380 CEP 86051-980

Londrina - Paranaacute ndash Brasil fone 55+

(43) 3371-4559

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do enceacutefalo e anaacutelise de liacutequido cerebrospinal satildeo normais poreacutem o diagnoacutestico cliacutenico eacute aceitaacutevel se nenhuma doenccedila de base for identificada a idade for entre 6 meses e 6 anos e natildeo houver alteraccedilotildees neuroloacutegicas entre os periacuteodos de criseconvulsatildeo epileacutetica (Berendt et al 2015 Coates amp Orsquobrien 2017 Kaczmarska et al 2020 Fisher et al 2005 2014 Lavely 2014 Platt 2012 Podell et al 2016 Thomas amp Dewey 2016) Entretanto a causa etioloacutegica em muitos casos permanece natildeo esclarecida (Seppaumlllauml et al 2012)

O termo idiopaacutetico significa uma doenccedila de causa desconhecida mas para ser mais didaacutetico o termo deve claramente definir uma entidade Em pessoas algumas epilepsias previamente classificadas como ldquoidiopaacuteticasrdquo passaram a ser associadas a aspectos geneacuteticos Seguindo esta linha de raciociacutenio sugere-se que o sistema preacutevio de classificaccedilatildeo da epilepsia elaborado pela International League Against Epilepsy (ILAE) no qual a epilepsia era denominada idiopaacutetica sintomaacutetica e criptogecircnica seja reconsiderado e tais nomeaccedilotildees redefinidas para geneacutetica estruturalmetaboacutelica e as de causa desconhecida Para que haja uniformidade na nomenclatura utilizada a respeito de epilepsia a Medicina Veterinaacuteria tem seguido alguns modelos propostos pela ILAE a qual se refere a seres humanos entretanto ainda permanece em parte a ausecircncia de um consenso uma vez que nem todos os termos utilizados pela ILAE se adequam ao que ocorre na Medicina Veterinaacuteria (Berendt et al 2015 Charalambous et al 2017 Coates amp Orsquobrien 2017 Thomas amp Dewey 2016)

Estima-se que a ocorrecircncia de epilepsia na populaccedilatildeo de catildees em geral corresponda a 06 a 075 embora natildeo exista ainda uma quantificaccedilatildeo exata confirmada (Berendt et al 2015 Coates amp Orsquobrien 2017) A maioria dos catildees com epilepsia tem causa idiopaacutetica enquanto que apenas 0-22 dos gatos apresentam a doenccedila na sua forma idiopaacutetica Em relaccedilatildeo ao sexo os catildees machos satildeo ligeiramente mais acometidos que as fecircmeas poreacutem em se tratando de gatos ateacute o momento natildeo foi identificada qualquer influecircncia quanto ao sexo Eacute importante destacar que em cadelas no periacuteodo do estro parece haver diminuiccedilatildeo do limiar para convulsatildeo tornando-se assim um fator de risco importante a ser considerado condiccedilatildeo essa bem documentada em seres humanos com epilepsia catamenial (De Lahunta amp Glass 2009 Herzog et al 1997 Van Meervenne et al

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2015) A idade de manifestaccedilatildeo das crises epileacuteticas idiopaacuteticas nos catildees ocorre usualmente entre 6 meses a 6 anos de idade sendo que em um estudo a meacutedia foi de 26 anos enquanto que em outro grande estudo envolvendo 407 catildees a meacutedia de ocorrecircncia da primeira crise epileacutetica foi aos 39 anos de idade (Coates amp Orsquobrien 2017 Jaggy amp Bernardini 1998 Wahle et al 2014) Entretanto haacute casos em que a doenccedila se manifesta aos 3 meses ou aos 10 anos de idade demonstrando assim que ela pode ter uma amplitude grande no que diz respeito a idade Algumas raccedilas satildeo predispostas a epilepsia idiopaacutetica como o Pastor belga Poodle Beagle Retriever Bernese Boxer Dachshund Setter irlandecircs Schnauzer miniatura Satildeo Bernardo Cocker Spaniel Pastor alematildeo Keeshond Vizla Husky siberiano Lagotto Romagnolo Wolfhound irlandecircs etc (Berendt amp Gram 1999 Berendt et al 2015 Heske et al 2014 Platt (2012) Jaggy amp Bernardini 1998 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

A epilepsia eacute um processo enfermo heterogecircneo complicado pela incapacidade de obter um diagnoacutestico definitivo para todos os pacientes como consequecircncia dos desafios proporcionados pela limitaccedilatildeo dos testes diagnoacutesticos devido a restriccedilotildees financeiras imprevisibilidade da progressatildeo da doenccedila e lacunas no conhecimento da sua fisiopatologia (Armaşu et al 2014 Berendt et al 2015)

Estaacutegios da CriseConvulsatildeo Epileacutetica

As crisesconvulsotildees epileacuteticas apresentam estaacutegios ou fases diferentes que satildeo

Proacutedromo ndash essa fase precede a criseconvulsatildeo e pode durar de horas ou dias Ela se caracteriza por alteraccedilotildees comportamentais como se esconder agitaccedilatildeo ansiedade medo etc

Aura - eacute uma sensaccedilatildeo subjetiva que caracteriza o iniacutecio da criseconvulsatildeo Atualmente a International Veterinary Epilepsy Task Force recomenda que o termo ldquoaurardquo natildeo seja utilizado supondo que as alteraccedilotildees observadas pelo tutor do animal antes da convulsatildeo ocorrer na realidade jaacute eacute o iniacutecio da crise epileacutetica

Ictus ndash eacute a criseconvulsatildeo per se

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Poacutes-ictus ndash essa fase eacute caracterizada por comportamento atiacutepico logo apoacutes a crise epileacutetica como andar compulsivo cegueira salivaccedilatildeo ingestatildeo compulsiva de aacutegua eou comida desorientaccedilatildeo letargia agressatildeo deliacuterio e eventualmente ato de micccedilatildeo inapropriado (Berendt amp Gram 1999 Berendt et al 2015 De Lahunta amp Glass 2009 Heller 2018 Platt 2012 Podell et al 1995 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

Quanto agrave forma de manifestaccedilatildeo ou seja os sinais observados nos catildees em crise epileacuteticas elas podem ser generalizadas focais ou focais complexas As generalizadas satildeo caracterizadas pela perda de consciecircncia e por envolver o corpo todo (figura 1 e 2) As focais causam alteraccedilotildees de movimento em uma parte do corpo e pode ou natildeo haver alteraccedilatildeo de consciecircncia As crises focais complexas satildeo descritas com alteraccedilatildeo de consciecircncia andar ou correr de forma anormal ptialismo movimentos faciais e mudanccedilas repentinas no estado mental (Berendt amp Gram 1999 Heller 2018 Platt 2012 Podell 2013 Thomas amp Dewey 2016)

Figura 1 Imagem obtida a partir de viacutedeo ndash crise epileacutetica generalizada Evidencia-se sialorreia

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Figura 2 Imagem obtida a partir de viacutedeo Crise epileacutetica generalizada

Um outro tipo de convulsatildeo epileacutetica chamada de convulsotildees reflexas nos seres humanos pode ser desencadeada por uma variedade de funccedilotildees sensoriais motoras e cognitivas Estiacutemulos visuais auditivos somaacutetico sensoriais associados com crises incluem luzes ldquopiscantesrdquo muacutesica aacutegua quente e sustos Essas convulsotildees tambeacutem podem ser induzidas por pensamento excessivo ou pela realizaccedilatildeo de tarefas complexas ligadas agrave cogniccedilatildeo A exemplo do que ocorre em seres humanos os animais tambeacutem podem apresentar criseconvulsatildeo epileacutetica reflexa que pode ser desencadeada por estiacutemulo sonoro (ex muacutesica) visual (ex foacutetico) ou taacutetil (ex durante o banho) Essas convulsotildees epileacuteticas podem ser focais (o mais comum) ou generalizadas Recentemente foi descrita em catildees um tipo de convulsatildeo reflexa desencadeada pelo ato de se alimentar e o no referido estudo os autores observaram que a causa pode ser idiopaacutetica ou estrutural (Brocal et al 2020) Convulsotildees reflexas satildeo incomuns em catildees poreacutem existem alguns relatos demonstrando que luz som e movimentos nos campos visuais satildeo bem conhecidos como gatilhos para a ocorrecircncia de epilepsia mioclocircnica em catildees com doenccedila de Lafora (Berendt et al 2015 Engel 2001 Lowrie et al 2016 Lowrie et al 2017 Potschka at al 2013 Okudan amp Oumlzkara 2018 Wolf 2017)

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Diagnoacutestico

A International Veterinary Epilepsy Task Force realizou um consenso em 2015 e elaborou alguns passos fundamentais na abordagem diagnoacutestica para um paciente com crisesconvulsotildees epileacuteticas O iniacutecio dessa abordagem depende de se estabelecer se a convulsatildeo eacute realmente uma crise epileacutetica excluindo portanto a presenccedila de possiacuteveis alteraccedilotildees episoacutedicas paroxiacutesticas (siacutencope distuacuterbios do movimento narcolepsia cataplexia etc) Outro aspecto considerado elementar eacute identificar a causa de base das crises epileacuteticas e assim classificaacute-las em crises reativas (metaboacutelicas ndash ex hipoglicemia encefalopatia hepaacutetica alteraccedilotildees de eletroacutelitos uremia hipertensatildeo ou toacutexicas ndash ex organofosforadocarbamato estricnina intoxicaccedilatildeo por chumbo etc) estrutural (infecccedilatildeo inflamaccedilatildeo anomalia degeneraccedilatildeo neoplasia trauma acidente vascular) e idiopaacutetica cujo diagnoacutestico se daacute por exclusatildeo levando em consideraccedilatildeo a idade exame fiacutesico e neuroloacutegico normais entre os episoacutedios de crise epileacutetica e exames complementares sem alteraccedilotildees (Brauer et al 2011 De Risio et al 2015 Paacutekozdy et al 2008)

O histoacuterico do paciente deve ser obtido de forma detalhada e a descriccedilatildeo de como as convulsotildees ocorrem eacute de suma importacircncia para que o meacutedico veterinaacuterio possa avaliar se a condiccedilatildeo descrita eacute realmente uma crise epileacutetica Atualmente eacute comum e sensato solicitar que o responsaacutevel pelo animal registre o episoacutedio por meio de viacutedeo o que facilita a interpretaccedilatildeo do problema O histoacuterico familiar de crises epileacuteticas eacute um forte indicativo de base geneacutetica associada ao problema e testes geneacuteticos podem confirmar o diagnoacutestico quando disponiacuteveis Por outro lado informaccedilotildees sobre a ingestatildeo de plantas uso de pesticidas ou dedetizaccedilatildeo do ambiente banhos com produtos ectoparasiticidas fornecimento de medicaccedilotildees recentemente acesso agrave rua traumatismos viagens situaccedilotildees estressantes aumento na ingestatildeo de aacutegua eou do apetite maior produccedilatildeo de urina cansaccedilo faacutecil espirros tosse secreccedilatildeo nasal eou ocular claudicaccedilatildeo entre outras alteraccedilotildees a priori deveratildeo ser tratados como indiacutecios de relaccedilatildeo com a crise epileacutetica ateacute que contraacuterio seja estabelecido (Berendt et al 2009 De Risio et al 2015 Thomas Dewey 2016)

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A idade do animal bem como a raccedila podem dar indiacutecios de possiacuteveis doenccedilas o que otimiza a lista de diagnoacutesticos diferenciais a ser elaborada Por exemplo filhotes satildeo mais acometidos por doenccedilas infecciosas e traumatismo adultos podem ser mais propensos a doenccedilas metaboacutelicas ou epilepsia idiopaacutetica se as crises ocorrem entre 6 meses e 6 anos de idade Por outro lado catildees e gatos acima de 8 anos que apresentem convulsotildees epileacuteticas possuem grande chance de neoplasia intracraniana Entretanto eacute necessaacuterio destacar que essas satildeo diretrizes que auxiliam na abordagem do paciente epileacuteptico a fim de organizar o raciociacutenio cliacutenico na abordagem de pacientes com crisesconvulsotildees epileacuteticas com o objetivo de extrair o melhor das informaccedilotildees oriundas do histoacuterico e da resenha do animal (Heller 2018 Lavely 2014 Platt 2012 Paacutekozdy et al 2008 Thomas amp Dewey 2016)

O proacuteximo passo eacute a realizaccedilatildeo de exame fiacutesico minucioso para confirmar ou excluir alteraccedilotildees na coloraccedilatildeo de mucosas sangramento superficial espontacircneo aumento de volume abdominal dispneia crepitaccedilotildees pulmonares e assim por diante as quais possam sugerir doenccedilas sistecircmicasmetaboacutelicas A identificaccedilatildeo de problemas eacute fundamental para otimizar o raciociacutenio cliacutenico a lista de diagnoacutesticos diferenciais e o plano diagnoacutestico a ser elaborado poupando tempo e custos desnecessaacuterios para o responsaacutevel pelo animal Aleacutem disso auxiliaraacute a definir se haacute algum sistema acometido e confirmar ou excluir uma possiacutevel relaccedilatildeo com as crises epileacuteticas (De Lahunta amp Glass 2009 Heller 2018 Lavely 2014 Paacutekozdy et al 2008 Thomas amp Dewey 2016)

A etapa seguinte compreende o exame neuroloacutegico a fim de identificar ou excluir alteraccedilotildees neuroloacutegicas evidentes ou sutis e a partir disso localizar a lesatildeo essa etapa eacute denominada de diagnoacutestico neuroanatocircmico e as causas do problema ou seja diagnoacutestico etioloacutegico podem ser variadas O diagnoacutestico neuroanatocircmico eacute de suma importacircncia uma vez que representa a base da neurologia cliacutenica e portanto forneceraacute informaccedilotildees para que o meacutedico veterinaacuterio priorize a sua lista de diagnoacutesticos diferentes perante o paciente Por exemplo se o animal estaacute com crises epileacuteticas e outras alteraccedilotildees neuroloacutegicas como sinais vestibulares ou cerebelares a siacutendrome eacute classificada como multifocal por outro lado se a uacutenica manifestaccedilatildeo satildeo as crises epileacuteticas considera-se que o problema

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acomete apenas o ceacuterebro Esses elementos e informaccedilotildees ajudaratildeo nas decisotildees seguintes e quanto aos exames a serem solicitados com o objetivo de se estabelecer diagnoacutestico definitivo ou se aproximar dele por meio de exclusotildees Quando entre as crises epileacuteticas natildeo haacute qualquer alteraccedilatildeo neuroloacutegica apoacutes a recuperaccedilatildeo da consciecircncia haacute grande chance de se estar diante de um caso de epilepsia idiopaacutetica poreacutem faz-se novamente necessaacuterio destacar a importacircncia da resenha e histoacuterico como pilares na fundamentaccedilatildeo desse raciociacutenio (De Lahunta amp Glass 2009 Schatzberg 2017)

Diagnoacutesticos Diferenciais

Apoacutes as todas as informaccedilotildees tenham sido colhidas estabelecer uma lista de diagnoacutesticos diferenciais iraacute otimizar a abordagem cliacutenica e minimizaraacute as chances de erros uma vez que um plano diagnoacutestico sequencial deve ser estabelecido com base nas possiacuteveis causas listadas O diagnoacutestico diferencial deve se basear no algoritmo mnemocircnico chamado de DINAMITE o qual seraacute explicado a seguir ldquoDrdquo estaacute para doenccedilas degenerativas ldquoIrdquo para infecciosas e inflamatoacuterias ldquoNrdquo para neoplaacutesicas e nutricionais ldquoArdquo para anomalias ldquoMrdquo metaboacutelicas ldquoIrdquo idiopaacuteticas ldquoTrdquo para traumaacuteticas e toacutexicas e ldquoErdquo para endoteliais como acidente vascular cerebral trombos hipoacutexia vasculite

Exames Complementares

Os exames laboratoriais de rotina como hemograma urinaacutelise e bioquiacutemicos seacutericos devem ser realizados com o objetivo de identificar causas intracranianas ou extracranianas

Quando a suspeita eacute de causa intracraniana aleacutem dos exames citados podem ser solicitados Ressonacircncia Magneacutetica ou Tomografia do ceacuterebro bem como anaacutelise de liacutequido cerebrospinal (LCE) Caso haja sinais de inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo no LCE eou na imagem exames de PCRsorologiascitologias poderatildeo ser solicitados No processo de investigaccedilatildeo para confirmar ou excluir neoplasias primaacuterias ou metastaacuteticas a imagens de toacuterax e abdome deveratildeo ser consideradas

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Por outro lado se a suspeita for de causa extracraniana alteraccedilotildees bioquiacutemicas e na urinaacutelise podem ser mais comuns e testes especiacuteficos como dosagem de aacutecidos biliares podem ajudar a direcionar o caso quanto a possiacutevel desvio portossistecircmico entretanto causas infecciosas podem estar presentes assim sendo exames de PCRsorologiascitologias devem ser considerados tambeacutem (Schatzberg 2017 Coates amp OrsquoBrien 2017)

Nos casos de epilepsia idiopaacutetica os resultados dos exames seratildeo normais e natildeo haveraacute alteraccedilotildees no exame fiacutesico e no exame neuroloacutegico no periacuteodo entre as convulsotildees epileacuteticas Embora a realizaccedilatildeo de exames de RM ou TC e anaacutelise de LCE sejam preconizados para pacientes com suspeita de epilepsia idiopaacutetica quando da impossibilidade de realizaccedilatildeo deles eacute aceitaacutevel que o diagnoacutestico seja sustentado com base nas seguintes caracteriacutesticas idade adequada hemograma normal bioquiacutemicos normais e crises epileacuteticas usualmente generalizadas ou seja essas condiccedilotildees podem servir de elementos para que o cliacutenico se baseie na elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico presuntivo de epilepsia idiopaacutetica Poreacutem alguns catildees podem apresentar alteraccedilotildees nas imagens de RM ou TC do ceacuterebro bem como no LCE devido as proacuteprias crises epileacuteticas ocasionarem danos neuronais sendo que este fenocircmeno eacute transitoacuterio (De Lahunta 2014 Dewey amp Da Costa 2016 Mellema et al 1999 Platt 2012 Paacutekozdy et al 2008 Podell 2013 Podel et al 2016)

Tratamento

O objetivo do tratamento para um catildeo com epilepsia deve ser baseado no equiliacutebrio entre a habilidade de eliminar as crises epileacuteticas e a qualidade de vida do paciente Frequentemente a eliminaccedilatildeo total das crises epileacuteticas eacute algo pouco provaacutevel Por outro lado realisticamente se objetiva a reduccedilatildeo na quantidade duraccedilatildeo e gravidade das crises epileacuteticas com o menor toleraacutevel ou nenhum efeito colateral das medicaccedilotildees preservando ao maacuteximo a qualidade de vida dos animais Eacute muito importante que seja esclarecido para o responsaacutevel pelo animal que mesmo com o tratamento provavelmente as crises ainda ocorreratildeo e esta condiccedilatildeo estaraacute frequentemente presente perante a casos suspeitos ou confirmados

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de epilepsia idiopaacutetica ou doenccedila estrutural sem perspectiva de cura (por exemplo alguns tipos de neoplasias intracranianas Bhattiet al 2015 Changet al 2006 Dewey amp Da Costa 2016 Thomas 2010)

A decisatildeo em iniciar o tratamento com medicaccedilotildees anticonvulsivantes deve ser guiada pelas seguintes diretrizes

bull A presenccedila de lesatildeo estrutural identificaacutevel ou histoacuteria preacutevia de doenccedilatrauma cerebral crises recorrentes agudas ou status epilepticus (duraccedilatildeo de uma crise por 5 minutos ou mais ou 3 ou mais crises epileacuteticas generalizadas num periacuteodo de 24 horas)

bull Duas ou mais crises convulsivas estatildeo ocorrendo dentro de um periacuteodo de 6 meses

bull Estado poacutes-ictal eacute grave incompatiacutevel (por exemplo agressividade cegueira) ou dura por mais de 24 horas

bull A frequecircncia das crises estaacute aumentando eou a gravidade se torna maior durante longo de 3 periacuteodos interictais (Bhatti et al 2015 Platt 2012 Podell et al 2016)

Pacientes com apenas uma convulsatildeo epileacutetica com convulsotildees induzidas ou com convulsotildees intercaladas por um periacuteodo prolongado (mais que 6 meses) usualmente natildeo necessitam de tratamento de manutenccedilatildeo (Thomas 2010)

A escolha da medicaccedilatildeo antiepileacutetica para iniciar o tratamento deve ser pautada em fatores tanto relacionados ao paciente quanto ao responsaacutevel pelo animal Assim sendo aspectos como tolerabilidade efeitos colaterais seguranccedila frequecircncia de administraccedilatildeo interaccedilotildees medicamentosas o tipo de crise epileacutetica a frequecircncia e etiologia bem como doenccedilas de base renais hepaacuteticas gastrintestinais e outras satildeo levadas em consideraccedilatildeo para que a escolha do medicamento seja adequada Quanto ao responsaacutevel pelo animal os aspectos a serem considerados incluem disponibilidade de horaacuterios para administrar a (s) medicaccedilatildeo (otildees) e a condiccedilatildeo financeira (Bhatti et al 2015 Brauer et al 2011 Coates amp OrsquoBrien 2017 Platt 2012 Podell et al 2016)

O tratamento para um catildeo com epilepsia obviamente seraacute dependente do diagnoacutestico confirmado ou presuntivo por exemplo doenccedilas inflamatoacuterias satildeo tratadas com anti-inflamatoacuteriosimunossupressores doenccedilas infecciosas com medicaccedilotildees especiacuteficas como antibioacuteticos antifuacutengicos protozoaricidas entre outros e a epilepsia idiopaacutetica com antiepileacutepticos e assim

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sucessivamente Independente da causa de base abolir as crises ou pelo menos diminuir a intensidade de suas manifestaccedilotildees eacute um consenso na abordagem desses pacientes e para tanto se faz necessaacuterio a administraccedilatildeo de faacutermacos com accedilatildeo antiepileacutetica Apoacutes os controles das crises se a doenccedila de base for resolvida chance de o animal natildeo apresentar novos episoacutedios eacute consideraacutevel e portanto teraacute uma vida normal (Brauer et al 2011 Brodie 2010 Thomas 2010 Wessmann et al 2016)

Medicaccedilotildees Antiepileacuteticas

Nesse toacutepico seratildeo apresentadas apenas as medicaccedilotildees mais utilizadas no tratamento de manutenccedilatildeo para catildees com epilepsia ou seja natildeo seratildeo abordados protocolos para situaccedilotildees de emergecircncia como nos casos de ldquostatus epilepticusrdquo tatildeo pouco no referente aos medicamentos utilizados com menor frequecircncia

Fernobarbital

O faacutermaco mais amplamente utilizado no controle das crises epileacuteticas eacute o fenobarbital o qual pertence agrave classe dos barbituacutericos e foi descrito como medicaccedilatildeo anticonvulsivante em 1912 A dosagem da medicaccedilatildeo eacute padronizada poreacutem em alguns casos ela poderaacute ser individualizada ou seja alguns animais poderatildeo necessitar de dose menor (infrequente) e outros de dose maior sendo que este medicamento usualmente eacute bem tolerado Alteraccedilotildees como sedaccedilatildeo fraqueza generalizada ataxia sonolecircncia podem ocorrer logo no iniacutecio do tratamento e usualmente desaparecem entre 7 a 14 dias e destaca-se que estes problemas parecem natildeo ter relaccedilatildeo com a dose utilizada Eacute necessaacuterio destacar que a qualidade de vida de catildees recebendo tratamento antiepileacutetico pode em alguns casos permanecer de leve a moderadamente prejudicada por situaccedilotildees como maior periacuteodo de sono e eventualmente fraqueza muscularperda discreta de equiliacutebrio Alteraccedilotildees mais crocircnicas como poliuacuteria polidipsia e polifagia tambeacutem satildeo registradas Problemas hematoloacutegicos como trombocitopenia anemia imunomediada e

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neutropenia tambeacutem foram documentados e ocorrem com baixa frequecircncia Quanto a possiacuteveis alteraccedilotildees bioquiacutemicas o mais comum eacute o aumento da fosfatase alcalina o qual se torna evidente jaacute nas primeiras semanas apoacutes iniciar o tratamento Na literatura estaacute bem documentado embora seja mais raro de ocorrer a presenccedila de hepatotoxicidade a qual usualmente se manifesta quando as concentraccedilotildees seacutericas do fenobarbital ultrapassem o limite superior recomentado (35 a 45 microgmL) (Cochrane et al 1990a Cochrane et al 1990b Charalambous et al 2016 Finnerty et al 2014 Hauptmann 1912 Heller 2018 Podell 2013 Bunch et al 1984 Thomas amp Dewey 2016 Wessmann et al 2016)

Apoacutes iniciar a terapia concentraccedilotildees seacutericas de fenobarbital devem ser obtidas com o objetivo de avaliar se os valores terapecircuticos estatildeo adequados prevenir hepatotoxidade e estabelecer esquema terapecircutico individualizado caso seja necessaacuterio Esse procedimento deve ser realizado 15 dias apoacutes o iniacutecio do tratamento com o animal em jejum a antes de fornecer a primeira dose do dia embora esteja documentado que animais com concentraccedilatildeo seacuterica estaacutevel e adequada usualmente natildeo apresentam alteraccedilotildees seacutericas importantes ao longo do dia Depois devem ser realizadas dosagens seacutericas aos 45 dias e a cada 180 dias para fins de acompanhamento (Podell et al 2016 Ravis et al 1989 Thurman et al 1990)

Quando um animal em tratamento apresenta crises novamente eacute muito importante em primeiro lugar verificar se houve alteraccedilatildeofalha no manejo de fornecimento da medicaccedilatildeo e a dosagem seacuterica deve ser verificada A dosagem seacuterica tambeacutem estaacute indicada quando se pretende realizar ajustes na dose fornecida (Bhatti et al 2015 Dewey amp Da Costa 2016 Podell 2013 Podell et al 2016 Thomas 2010)

Brometo de Potaacutessio

Outra medicaccedilatildeo antiepileacutetica utilizada eacute o brometo de potaacutessio poreacutem com frequecircncia menor quando comparado ao fenobarbital Esta substacircncia foi usada para tratar pessoas com crises epileacuteticas em 1857 e na Medicina Veterinaacuteria a sua utilizaccedilatildeo somente se iniciou na deacutecada de 80 Ele tambeacutem demonstra bons resultados quando associado ao fenobarbital nos casos em que o controle das crises

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epileacuteticas natildeo foi satisfatoacuterio apenas com o uso do fenobarbital O brometo possui meia vida longa (25 a 46 dias) e para atingir o seu niacutevel plasmaacutetico adequado em curto prazo haacute necessidade de uma dose de ataque A estrateacutegia em utilizar a dose de ataque por 5 dias eacute recomendada quando o produto eacute utilizado por via oral a fim de minimizar problemas gastrintestinais principalmente vocircmitos Nos casos de utilizaccedilatildeo injetaacutevel do brometo de potaacutessio natildeo haacute necessidade de fracionamento da dose de ataque em 5 dias poreacutem essa apresentaccedilatildeo do produto ateacute o momento estaacute disponiacutevel no Brasil Apoacutes esse periacuteodo a dose de manutenccedilatildeo usualmente eacute administrada via oral a cada 24 horas Este faacutermaco pode ser utilizado como monoterapia entretanto usualmente recomenda-se a associaccedilatildeo com o fenobarbital Em um estudo os autores comparam a eficaacutecia e seguranccedila como medicamentos de primeira linha em catildees com epilepsia e verificaram que tanto o fenobarbital quanto o brometo de potaacutessio satildeo escolhas razoaacuteveis poreacutem o fenobarbital foi mais eficaz e melhor tolerado (Bhatti et al 2015 Boothe 2012 Brodie 2010 Maguire et al 2000 Podell et al 2016 Podell amp Fenner 1993 Sieveking 1857 Trepanier et al 1998 Trepanier amp Babish 1995)O brometo de potaacutessio pode sofrer flutuaccedilotildees em seus niacuteveis sanguiacuteneos devido a influecircncia de dietas ricas em cloretos o que iraacute acarretar maior excreccedilatildeo desta medicaccedilatildeo via renal e consequentemente ocasionaraacute diminuiccedilatildeo das concentraccedilotildees seacutericas do brometo Portanto o responsaacutevel pelo animal deveraacute ser informado sobre esta caracteriacutestica do brometo de potaacutessio e orientado a comunicar previamente qualquer necessidade de alteraccedilatildeo na dieta de seu catildeo (Chang et al 2006 Dewey amp Da Costa 2016 Podell et al 2016 Podell amp Fenner 1993)

Uma das vantagens no uso do brometo de potaacutessio eacute que sua metabolizaccedilatildeo natildeo eacute hepaacutetica e desta maneira eacute uma boa opccedilatildeo de medicaccedilatildeo antiepileacutetica para animais portadores de doenccedilas hepaacuteticas (Bhatti et al 2015 Boothe 2012 Trepanier amp Babish 1995)

Levotiracetam

O levotiracetam eacute um derivado da pirrolidona e foi apresentado como medicamento anticonvulsivante para humanos em 1999

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Sugere-se que esse faacutermaco atue como um modulador nas vesiacuteculas sinaacutepticas poreacutem o mecanismo de accedilatildeo exato ainda natildeo eacute completamente conhecido Apresenta raacutepida absorccedilatildeo via oral natildeo eacute metabolizado pelo fiacutegado o que representa uma oacutetima indicaccedilatildeo para catildees com hepatopatias e grande parte do produto eacute eliminado via renal A medicaccedilatildeo usualmente eacute administrada via oral a cada 8 horas Os sinais colaterais mais comuns satildeo ataxia sedaccedilatildeo e sonolecircncia portanto o responsaacutevel pelo animal deve ser alertado para que possa identificar prontamente essas alteraccedilotildees se elas ocorrerem (Dewey et al 2008 Dewey amp Da Costa 2016 Halley amp Platt 2012 Moore et al 2010 Moore et al 2011 Patterson et al 2008 Peters et al 2014 Podell et al 2016 Volk et al 2008) Em um estudo envolvendo catildees com epilepsia os autores compararam o uso do levotiracetam e do fenobarbital ambos como monoterapia concluiacuteram que o levotiracetam natildeo foi eficaz no controle das crises epileacuteticas Portanto ateacute o momento o levotiracetam natildeo deve ser utilizado como monoterapia para catildees e sim apenas com associaccedilotildees (Fredsoslash et al 2016)

Em um estudo no qual comparou-se a eficaacutecia e toleracircncia do levotiracetam com o fenobarbital no tratamento de gatos com suspeita de crise epileacutetica reflexa mioclocircnica e observou-se uma reduccedilatildeo igual ou maior que 50 no nuacutemero de dias de crises em 100 dos pacientes que foram tratados com levetiracetam poreacutem no grupo que recebeu fenobarbital a reduccedilatildeo foi de apenas 3 Os efeitos colaterais mais frequentes foram letargia inapetecircncia e ataxia sem diferenccedila entre o levetiracetam versus o fenobarbital Aleacutem disso os efeitos colaterais foram mais brandos e transitoacuterios com o levetiracetam poreacutem persistentes com fenobarbital (Lowrie et al 2017)

Haacute evidecircncias de que a eficaacutecia do levotiracetam pode se tornar menor nos casos em que catildees epileacutepticos satildeo tratados com fenobarbital ou seja foi demonstrado que a associaccedilatildeo entre ambos culminou com alteraccedilotildees farmacocineacuteticas resultando em menor concentraccedilatildeo plasmaacutetica do levotiracetam ao longo do tempo em catildees (Muntildeana et al 2015 Moore et al 2011)

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Outros Medicamentos Anticonvulsivantes

Diazepam eacute contraindicado para terapia de manutenccedilatildeo para catildees sendo recomendado apenas na emergecircncia poreacutem pode ser utilizado para gatos como terapia de manutenccedilatildeo ndash cuidado especial para espeacutecie uma vez que haacute relatos de falecircncia hepaacutetica fulminante quando o produto eacute administrado via oral (Center et al 1996 Hughes et al 1996) Natildeo haacute relatos de necrose hepaacutetica fulminante em felinos tratados com diazepam por outras vias de administraccedilatildeo tornando o produto seguro para intravenoso em situaccedilotildees emergenciais Primidona imepitoina (aprovada para uso na Europa e Austraacutelia ateacute o momento) zonizamida clorazepato felbamato e topiramato Todas essas medicaccedilotildees podem ser utilizadas como adjuvantes na terapia poreacutem o protocolo a ser adotado deve sempre se basear em evidecircncias por meio de estudos controlados

Tratamento Antiepileacutetico e Nutriccedilatildeo

A associaccedilatildeo entre dieta cetogecircnica rica em trigliceriacutedeos de cadeia meacutedia e tratamento para epilepsia idiopaacutetica em crianccedilas foi descrita por Peterman em 1925 Na Medicina Veterinaacuteria estudos tem sido conduzidos com o objetivo de demonstrar que uma dieta rica em trigliceriacutedeos de cadeia meacutedia potencialmente podem diminuir a frequecircncia de crises epileacuteticas em catildees diagnosticados com epilepsia idiopaacutetica (Berk et al 2020 Law et al 2015 Martleacute et al 2014) No estudo de Law et al (2015) os autores encontraram resultados significantes do ponto de vista estatiacutestico e cliacutenico de catildees com epilepsia idiopaacutetica tratados com a referida dieta por um periacuteodo de 6 meses Por outro lado no estudo de Berk et al (2020) embora a confirmaccedilatildeo estatiacutestica tenha sido fraca alguns catildees demonstraram evidente melhora (diminuiccedilatildeo das convulsotildees) no controle das crises epileacuteticas e devem ser analisados como casos de sucesso quando analisados de forma descritiva e isolada Esses resultados futuramente poderatildeo contribuir para a melhoria da qualidade de vida de catildees com epilepsia idiopaacutetica

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Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso

Josiane Ceciacutelia LuziaUniversidade Estadual de Londrina

Edneacuteia Aparecida PeresUniversidade Estadual de Londrina

Joseacute Luciano Tavares da SilvaUniversidade Estadual de Londrina

Consideraccedilotildees Preliminares

Este capiacutetulo descreve um relato de caso cliacutenico apresentado em forma de palestra no Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo cujo objetivo eacute possibilitar a estudantes e profissionais de diversas aacutereas o acesso ao conhecimento de aspectos baacutesicos e cliacutenicos do Sistema Nervoso O caso relatado refere-se a um atendimento realizado em um projeto de extensatildeo que visa atender adolescentes no contexto escolar com Transtorno de Ansiedade Social (TAS)

Medo e Ansiedade Aspectos Fisiopatoloacutegicos

O medo e a ansiedade satildeo respostas normais que ocorrem nos organismos de animais humanos e animais natildeo humanos em situaccedilotildees de perigoameaccedila real ou potencial agrave integridade fiacutesica ou ao bem-estar emocional Uma ameaccedila eacute caracterizada como real se a situaccedilatildeo puder trazer prejuiacutezo agrave sobrevivecircncia do organismo por exemplo encontrar-se diante de um assaltante armado Na ameaccedila potencial haacute componentes de incerteza sobre o risco a que estaacute submetido um exemplo seria um indiviacuteduo escutar um ruiacutedo diferente ao caminhar durante a noite em uma rua sem iluminaccedilatildeo

Autor para correspondecircncia

josicecilia3gmailcom

Departamento de Psicologia

Geral e Anaacutelise do Comportamento

Universidade Estadual de

Londrina Rod Celso Garcia Cid Km 380 Campus

Universitaacuterio Caixa Postal 10011

CEP86057-970 Londrina PR

Brasil

14

342 | Temas em Neurociecircncias

que natildeo lhe eacute familiar e minutos depois averiguar que era um gambaacute a procura de alimentos (Graeff amp Brandatildeo 1996 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

As respostas agraves ameaccedilas reais satildeo tidas como medo e agraves ameaccedilas potenciais ansiedade embora em ambas as situaccedilotildees ocorram a ativaccedilatildeo do sistema nervoso central e perifeacuterico (Gonzaacutelez Gonzaleacutez amp Fadoacuten Martiacuten 2019) Tanto no medo quanto na ansiedade observa-se o envolvimento de diferentes circuitos no sistema nervoso bem como a retroalimentaccedilatildeo da periferia a qual contribuiria na intensidade emocional (LeDoux 1996 Davidson Jackson amp Kalin 2000)

Os transtornos de ansiedade satildeo definidos pelas caracteriacutesticas em comum de medo e ansiedade exagerados e intensos Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) esse transtorno eacute observado em todo o mundo e no Brasil esse iacutendice eacute elevado sendo que em 2017 93 da populaccedilatildeo foi diagnosticada com esse transtorno

O que ocorre na atualidade para que esses iacutendices que se referem aos transtornos de ansiedade sejam tatildeo elevados Natildeo eacute objetivo desse capiacutetulo discutir as variaacuteveis envolvidas mas cabe ressaltar que Skinner (1981) se referiu a trecircs niacuteveis de seleccedilatildeo e variaccedilatildeo para compreender o comportamento humano seja ele esperado socialmente ou os com prejuiacutezos e excessos Para esse cientista os niacuteveis se referem agrave histoacuteria filogeneacutetica da espeacutecie agrave histoacuteria ontogeneacutetica e agrave cultura1 pois satildeo nas interaccedilotildees do organismo com o ambiente considerando inclusive as variaacuteveis histoacutericas e atuais que a compreensatildeo da aquisiccedilatildeo do comportamento denominado ansioso em excesso e que traz prejuiacutezos ao indiviacuteduo foi sendo construiacutedo e eacute mantido Portanto cabe assinalar que um estiacutemulo natildeo eacute ansiogecircnico por si mesmo o que induz a quadros ansiosos em uma pessoa natildeo necessariamente iraacute induzir em outra

Assim aqueles que com suas histoacuterias em interaccedilatildeo com o ambiente em que foram expostos a situaccedilotildees que podem gerar

1 O niacutevel filogeneacutetico refere-se agraves variaacuteveis de sobrevivecircncia da espeacutecie animal humana o niacutevel ontogeneacutetico envolve a histoacuteria de vida de cada pessoa e como estaacute vai se relacionando com a autopercepccedilatildeo percepccedilatildeo do mundo dentre outros processos e assim influenciando suas accedilotildees pensamentos sentimentos enfim comportamentos e o niacutevel cultural que se refere aacutes praacuteticas como o nome diz daquela cultura que o individuo estaacute inserido em geral atraveacutes de modelo de comportamentos e de comportamentos verbais por exemplo (Skinner 1981)

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ansiedade (falar em puacuteblico por exemplo) podem apresentar maior atividade em aacutereas encefaacutelicas subcorticais (amiacutegdala e coacutertex periamigdaloacuteide estendendo-se ao hipocampo) e diminuiccedilatildeo na atividade em aacutereas encefaacutelicas corticais (coacutertex orbitofrontal e outras) quando em comparaccedilatildeo com pessoas natildeo-foacutebicas (Tillfors et al 2001) Investigaccedilotildees com animais mostram que o substrato neural que participa do medo e do comportamento defensivo (ldquofreezingrdquo ou reaccedilatildeo de congelamentoficar paralisado) estaacute relacionado agrave amiacutegdala em interaccedilatildeo com a substacircncia cinzenta periquedutal (PAG) do mesenceacutefalo ao passo que ao interagir com o sistema septo-hipocampal a amiacutegdala induz ao comportamento de avaliaccedilatildeo de riscos ou ansiedade (Gorman Kent Sullivan amp Coplan 2000 Brandatildeo amp Graeff 2014 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

Composta por grupos distintos de ceacutelulas formando aproximadamente 12 nuacutecleos (LeDoux amp Damasio 2013) certamente a amiacutegdala exerce papel-chave na patofisiologia de distuacuterbios de ansiedade Os nuacutecleos lateral basal e acessoacuterio constituem a ldquoamiacutegdala basolateralrdquo ao passo que diversas estruturas ao redor como os nuacutecleos central medial e cortical satildeo tradicionalmente incluiacutedos no ldquocomplexo amigdaloacuteiderdquo Tais estruturas juntamente com a amiacutegdala basolateral satildeo denominadas simplesmente como ldquoa amiacutegdalardquo (Davies amp Whalen 2001)

As aacutereas e sistemas neuromodulatoacuterios da amiacutegdala que contribuem para o medo e a ansiedade exibem grande sobreposiccedilatildeo e os circuitos de saiacuteda finais podem ser amplamente compartilhados entre ambos (Tovote Fadok amp Luumlthi 2015) A neurocircuitaria implicada nas respostas de medo e ansiedade eacute prontamente ativada por estiacutemulos que natildeo sejam necessariamente ameaccediladores mas que transmitem informaccedilotildees relacionadas agrave presenccedila de ameaccedilas no ambiente ou relacionadas aos estados emocionais de outras pessoas (Shin amp Liberzon 2010)

Estudos em humanos e em animais sugerem que a disfunccedilatildeo da amiacutegdala pode surgir em parte devido ao controle inadequado de cima para baixo por regiotildees como o coacutertex preacute-frontal medial (Forster et al 2012) A conectividade intriacutenseca entre os subnuacutecleos da amiacutegdala juntamente com a rede neural de regiotildees corticais e subcorticais que supostamente exercem influecircncia modulatoacuteria em sua atividade estatildeo relacionadas agrave inibiccedilatildeo social (Blackford

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et al 2014) Aleacutem da amiacutegdala cenas relacionadas ao transtorno de ansiedade versus cenas neutras estatildeo relacionadas agraves hiperativaccedilotildees em outras regiotildees subcorticais como iacutensula globo paacutelido e taacutelamo e corticais como coacutertex preacute-frontal ventro-medial precuacuteneo e coacutertex cingulado posterior em pacientes com TAS (Heitmann et al 2016)

Aparentemente a falta de conectividade entre as regiotildees modulatoacuterias propicia uma situaccedilatildeo de hiperatividade da amiacutegdala em resposta aos estiacutemulos sociais Tal suposiccedilatildeo eacute corroborada pela observaccedilatildeo de que indiviacuteduos com niacuteveis menores de inibiccedilatildeo social apresentam maior conectividade entre tais regiotildees quando em comparaccedilatildeo com indiviacuteduos com niacuteveis de inibiccedilatildeo social mais elevados (Blackford et al 2014)

No geral a amiacutegdala desempenha um papel criacutetico nos transtornos de ansiedade e a compreensatildeo de como a disfunccedilatildeo nesta estrutura resulta em transtornos de ansiedade eacute fundamental para melhorar os resultados de intervenccedilotildees a longo prazo (Forster et al 2012) Ao projetar-se a sistemas inespeciacuteficos envolvidos na regulaccedilatildeo da excitaccedilatildeo cortical a amiacutegdala influencia respostas corporais comportamentais autonocircmicas e endoacutecrinas (LeDoux 2003) Projetando-se a determinados nuacutecleos hipotalacircmicos e PAG influencia as respostas do organismo ao medo e ansiedade (LeDoux amp Damasio 2013) exemplificadas na Tabela 1

Tabela 1 Exemplos dos diferentes sintomas do medo e da ansiedade

Sintomas cardiovascularesSintomas respiratoacuterios

Taquicardia hipertensatildeo e sensaccedilatildeo de pressatildeo no toacuteraxHiperventilaccedilatildeo e falta de ar

Sintomas gastrointestinais Dificuldade para deglutir vocircmitos e diarreiaSintomas neurovegetativos Sudorese excessiva e ressecamento de mucosas

Sintomas neuroloacutegicosParestesia (formigamento) em membros calafrios cefaleias tensionais contraturas e vertigens

Sintomas psicofiacutesicos

Medo intenso terror ou pacircnico sensaccedilatildeo de inseguranccedila preocupaccedilatildeo excessiva incapacidade de resoluccedilatildeo de problemas indecisatildeo dificuldade ou falta de concentraccedilatildeo evitaccedilatildeo de contato visual gagueira tristeza inquietude ou hiperatividade e comportamentos relacionados agrave fugaesquiva

modificado a partir de Gonzaacutelez Gonzaleacutez amp Fadoacuten Martiacuten (2019)

Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso | 345

Transtorno de Ansiedade Social Definiccedilatildeo e Prevalecircncia

No DSM V (APA 2014) o conceito de TAS baseia-se na noccedilatildeo de medo persistente irracional e acentuado A classificaccedilatildeo de TAS eacute aplicaacutevel quando esse medo estaacute relacionado agraves situaccedilotildees sociais ou ao desempenho em puacuteblico sendo marcado por temor de que a situaccedilatildeo seja humilhante eou embaraccedilosa E que essas situaccedilotildees causem prejuiacutezos para a pessoa sejam eles em relacionamentos interpessoais acadecircmicos laborais etc (Nardi 2000 Tillfors Furmark Marteinsdottir amp Fredrikson 2002 Beidel amp Turner 2007 Gauer et al 2010 Hyman amp Cohen 2013 Luzia 2015)

Diferindo de estiacutemulos aversivos de forma geral os estiacutemulos socialmente relevantes apresentam importacircncia particular nos sintomas relacionados ao TAS conforme indica Kraus et al (2018) Os autores observaram reatividade aumentada da amiacutegdala de maneira especiacutefica aos estiacutemulos com estas caracteriacutesticas tais como cenas de faces expressando emoccedilotildees negativas conforme tambeacutem verificado em estudos semelhantes (Stein et al 2002 Frick et al 2013 Prater et al 2013)

Frick et al (2013) verificaram maior reatividade do giro fusiforme direito em sujeitos submetidos agrave visualizaccedilatildeo de imagens de faces exibindo medo em relaccedilatildeo a faces neutras O estudo indica que o TAS estaacute relacionado agrave conectividade entre o giro fusiforme e a amiacutegdala de forma proporcional agrave sua severidade aleacutem de menor conectividade entre amiacutegdala e o coacutertex preacute-frontal ventro-medial

Dentre os vaacuterios transtornos de ansiedade o TAS mostra alta prevalecircncia ao longo da vida Segundo Kessler et al (2005) nos Estados Unidos 121 da populaccedilatildeo foi ou seraacute diagnosticada com esse transtorno comportamental Em um estudo com pacientes com transtornos de ansiedade tratados ambulatoriamente 10 a 20 apresentavam TAS (APA 2013) Em outra pesquisa Luzia (2015) mostrou que na amostra de 975 adolescentes entre 12 e 17 anos de ambos os sexos provenientes das regiotildees Sul e Sudeste do Brasil 10 2 apresentaram TAS Esses dados podem contudo sofrer variaccedilotildees dependendo dos instrumentos utilizados para avaliar ansiedade e medo

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A definiccedilatildeo de fobia social eacute a mesma utilizada para o TAS no entanto Bobes Garciacutea Gonzaacuteles G-Portilla Saiacutez Martiacutenez Bascaraacuten Fernaacutendez e Bousontildeo Garciacutea (2001) recomendaram a troca para TAS pois esse uacuteltimo descreve melhor a natureza do fenocircmeno e rompe com a ideia de banalidade que a fobia pode trazer em seu bojo e o diagnoacutestico diferencial com a fobia simples

Esse transtorno pode ter iniacutecio precoce jaacute na infacircncia (Nardi 2000 Beidel amp Turner 2007) no entanto estudos mostram que a idade de iniacutecio mais frequente eacute na faixa dos 15 anos (Nardi 2000 Beidel Ferrell Alfano amp Yeganeh 2001 Luzia 2015) O TAS como jaacute citado pode acarretar prejuiacutezos nos relacionamentos interpessoais e interaccedilotildees sociais no contexto escolaracadecircmico e profissional por exemplo e estaacute relacionado a muito sofrimento (Luzia 2006 Fernandes amp Terra 2008 Luzia 2015 Luzia Estanislau amp Martin 2015)

Observam-se ainda situaccedilotildees em que o sofrimento se torna tatildeo intenso que a pessoa pode recusar-se a executar novas tarefas e pedir demissatildeo de um emprego por ter sido promovida pois o novo cargo exigiraacute algumas exposiccedilotildees verbais de relatoacuterios para a equipe (para mais detalhes ver Beidel amp Turner 2007)

Perspectiva da Anaacutelise do Comportamento para os Transtornos Psiquiaacutetricos

Segundo os princiacutepios comportamentais provenientes da ciecircncia do comportamento com base na filosofia do Behaviorismo Radical (Skinner 1982) o comportamento eacute produto de seleccedilatildeo por consequecircncias ou seja quando um indiviacuteduo age sobre o ambiente sofre accedilatildeo deste de forma contiacutenua (Skinner 19531998) Dessa maneira a denominada ldquodoenccedila mentalrdquo eacute entendida como o resultado de interaccedilotildees entre variaacuteveis filogeneacuteticas ontogeneacuteticas e culturais Assim o comportamento dito patoloacutegico deve ser considerado como qualquer outro comportamento que acontece em um determinado contexto (Gongora 2003) Assim o terapeuta com base na Anaacutelise do Comportamento deve considerar na avaliaccedilatildeo comportamental aspectos relacionados ao repertoacuterio de comportamentos geral do cliente para realizar e propor intervenccedilotildees que aumentem a probabilidade de desenvolvimento e

Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso | 347

ou aperfeiccediloamento de repertoacuterio comportamental alternativo mais adequado e reforccedilador para ele Outro aspecto a ser considerado nessa praacutetica se refere ao fato de o cliente ser sujeito de sua proacutepria accedilatildeo quando entra em contato com as contingecircncias e se tornar responsaacutevel pelo seu processo de melhora (Gongora 2003)

Na sequecircncia apresenta-se a descriccedilatildeo resumida do caso em que o cliente foi diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Social A intervenccedilatildeo foi conduzida com base na Anaacutelise do Comportamento com contribuiccedilatildeo de um docente da aacuterea de fisiologia humana nas sessotildees de psicoeducaccedilatildeo para os temas relacionados agrave ansiedade e ao medo

Descriccedilatildeo do caso

Identificaccedilatildeo

Andreacute (nome fictiacutecio) tinha 17 anos no iniacutecio do atendimento cursava o segundo ano do Ensino Meacutedio em uma escola puacuteblica da cidade de Londrina estado do Paranaacute Morava com a avoacute (Laura - nome fictiacutecio) de 72 anos e o irmatildeo (Alexandre - nome fictiacutecio) de 20 anos

Diagnoacutestico e Queixa Principal

Foi encaminhado para o atendimento psicoloacutegico pela coordenadora pedagoacutegica da escola que estudava porque segundo ela ele apresentava comportamentos ldquoapaacuteticosrdquo e baixo rendimento escolar A terapeuta que realizou a triagem solicitou a realizaccedilatildeo de exames meacutedicos para descartar hipoacuteteses de ordem orgacircnica O meacutedico um cliacutenico geral que o assistiu depois da solicitaccedilatildeo da psicoacuteloga a Andreacute o encaminhou para um psiquiatra uma vez que os resultados das anaacutelises cliacutenicas natildeo estavam alteradas de acordo com o cliacutenico Segundo o cliacutenico geral o paciente parecia ter comportamentos relacionados agrave ansiedade e agrave depressatildeo O diagnoacutestico foi realizado em conjunto entre a psicoacuteloga e o psiquiatra como Transtorno de Ansiedade Social apoacutes as avaliaccedilotildees psiquiaacutetricas e comportamentais entrevistas com familiares e professoras

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Histoacuteria de Vida Pessoal e Familiar

Na eacutepoca do atendimento segundo relato do cliente ele natildeo conheceu seu pai pois esse se suicidou quando o paciente era um bebecirc com aproximadamente oito meses O contato com sua matildee foi ldquoesporaacutedicordquo que a cada dois ou trecircs meses o visitava chegando a casa onde ele morava com o irmatildeo e os avoacutes no saacutebado e indo embora domingo de manhatilde Ela o deixou aos dois anos juntamente com o irmatildeo na eacutepoca com cinco anos aos cuidados dos avoacutes maternos que viviam em uma fazenda na regiatildeo de Londrina Ateacute os sete anos Andreacute viveu na fazenda com os avoacutes e seu irmatildeo sem muito contato com pessoas diferentes e poucas idas agrave cidade de Londrina ou agraves cidades proacuteximas A famiacutelia dos avoacutes era do interior do estado de Minas Gerais e segundo o cliente a viagem era cara tanto para eles irem a Minas como para os familiares virem para a fazenda

A matildee natildeo tinha o haacutebito de visitaacute-los regularmente mas mandava dinheiro para os avoacutes para que natildeo faltasse o baacutesico por exemplo comida roupa e remeacutedio caso necessaacuterio Segundo Andreacute o viacutenculo com os avocircs era muito bom Ele gostava muito de ajudar o avocirc no cultivo de soja basicamente fazendo companhia e em outras ocasiotildees ajudar a avoacute a fazer bolo auxiliando-a a pegar os ingredientes no armaacuterio Tambeacutem brincava agraves vezes com o irmatildeo apoacutes seus afazeres como a tarefa da escola Relatou que brigavam tambeacutem pois ldquotoda famiacutelia tem suas brigasrdquo (sic - segundo informaccedilatildeo do cliente) mas nada que ele julgasse anormal

Quando completou seis anos ingressou na escola e seu irmatildeo o acompanhava no ocircnibus ateacute a chegada agrave escola Andreacute relatou que tinha vergonha de ficar perto dos colegas de falar com eles e que tinha medo da professora embora ela nunca o tivesse tratado mal No entanto suas dificuldades se intensificaram no primeiro ano do Ensino Fundamental quando se mudou para a cidade de Londrina em uma escola que tinha poucas crianccedilas que moravam na zona rural

Ele relatou que os colegas falavam de coisas que ele natildeo conhecia e tiravam ldquoondardquo (sic) com ele Outros diziam que ele era caipira mesmo fato que o deixava ruborizado e retroalimentava o comportamento dos colegas que riam de sua reaccedilatildeo Na eacutepoca

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disse que chorava muito e natildeo queria ir para a escola Todavia seus avocircs natildeo diziam nada apenas davam biscoito de chocolate e ligavam a TV com desenhos animados Contou que sua avoacute sempre dizia ldquotem que deixar tudo limpo os tecircnis a mochila a roupa porque o povo da cidade natildeo pode pensar mal de vocecirc porque veio da fazendardquo (sic)

Andreacute comeccedilou a ter dificuldades para fazer amizades e interagir com os colegas de classe pois sentia vergonha de ter morado na fazenda de natildeo saber ldquoas coisasrdquo (sic) e se sentir inferior Tal dificuldade parece ter se estabelecido e se fortalecido durante toda a vida escolar na qual ele sempre apresentou comportamentos tidos como caracteriacutesticos de timidez excessiva e isolamento Segundo o relato de Andreacute desde os sete anos ateacute os dias dos primeiros atendimentos disse sentir-se diferente das outras pessoas porque fica vermelho quando falam qualquer coisa que ele se sinta envergonhado e pensa que as pessoas sabem o que ele pensa e sente ldquoai piora tudo tenho vontade de sair correndo e natildeo voltar nunca maisrdquo (sic) Essa situaccedilatildeo desencadeava uma sensaccedilatildeo de taquicardia e medo aleacutem de sentimento de inferioridade intelectual (pois suas notas estavam sempre na meacutedia) Tambeacutem detestava morar na fazenda porque ldquotiravam sarrordquo (sic) dele Assinalou que quando comeccedilou o primeiro ano do Ensino Meacutedio passou a ter sensaccedilatildeo de ansiedade medo e que agraves vezes sentia vontade de vomitar com fortes dores de estocircmago aleacutem da visatildeo ficar ldquopretardquo necessitando sentar-se Desde entatildeo os sintomas e sentimentos soacute pioraram pois agora tinha medo de se relacionar com as garotas evitando ir a qualquer lugar que tenha muita gente sentindo-se ldquoburrordquo (sic) e acreditando ser uma pessoa ldquosem graccedilardquo (sic)

Andre tambeacutem contou que o irmatildeo quando era menor de idade natildeo conversava muito com ele e ao completar dezoito anos comeccedilou a trabalhar de pacoteiro em um supermercado Quando fica em casa o irmatildeo estaacute sempre na companhia da namorada e quando era mais jovem apoacutes a mudanccedila para a cidade natildeo se relacionava com o cliente segundo ele porque Andreacute era muito calado e o irritava A avoacute muito preocupada com limpeza natildeo conversava muito pois tambeacutem pareceu ser muito introvertida durante as sessotildees e vaacuterias vezes relatou que preferia ldquorespeitar o jeito de Andreacuterdquo natildeo se intrometendo nas suas coisas porque brigas lhe causavam muita ldquobatedeirardquo e medo assim preferia ficar quieta A matildee era provedora

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e mudou-se para o estado de Satildeo Paulo e raramente o visitava ou ligava para falar com os filhos e mesmo com a avoacute O avocirc faleceu quando ele tinha oito anos e tambeacutem era bem calado segundo a avoacute o irmatildeo e o proacuteprio cliente

Pode-se hipotetizar que a histoacuteria de condicionamento do cliente o conduziu a um padratildeo de comportamentos de isolamento aleacutem de fugaesquiva passando a ter outros sintomas fisioloacutegicos intensos por volta dos 14 anos e evitando locais com aglomeraccedilatildeo de pessoas por exemplo cinema Relatou ainda que natildeo gosta de ir agrave igreja pois cantam muito alto

Hipoacuteteses Funcionais a Partir da Histoacuteria de Vida do Cliente

Apoacutes a coleta de dados que totalizou 20 sessotildees aleacutem de ser realizada com alguns professores que o conheciam desde o Ensino Fundamental com a avoacute com o irmatildeo com o psiquiatra e o proacuteprio relato do cliente levantaram-se hipoacuteteses

Andreacute natildeo tinha relaccedilotildees que estimulassem o desenvolvimento de repertoacuterios comportamentais como o autoconhecimento a resoluccedilatildeo de problemas e o enfrentamento de contextos em que era submetido a interaccedilotildees sociais distintas das relaccedilotildees familiares

A avoacute era muito dedicada em relaccedilatildeo aos cuidados relacionados agrave alimentaccedilatildeo limpeza da casa enfim mantenedora do lar mas parece que possui um padratildeo de comportamento que denominamos Inibiccedilatildeo Comportamental pois nas entrevistas ficou claro que emitia comportamentos de fugaesquiva nas interaccedilotildees inclusive familiares e apresentava reaccedilotildees fisioloacutegicas de ansiedade como ficar vermelha na frente da terapeuta em vaacuterias situaccedilotildees em que algumas perguntas foram feitas como por exemplo como era o relacionamento dela com Andreacute e os outros membros da famiacutelia com a filha sobre a rotina etc Ainda nas sessotildees quando se investigou a histoacuteria de vida de Andreacute a avoacute natildeo demonstrou repertoacuterio para solucionar conflitos pois de acordo com seu relato quando tinha algum problema ldquoela preferia ficar quieta e deixar o tempo ir resolvendordquo Dessa maneira parece que Andreacute desde crianccedila emitia comportamento inibido e natildeo aprendeu a enfrentar seus medos e desmistificar suas regras

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(regras podem ser definidas como estiacutemulo discriminativo Skinner 1966) e autorregeras (autorregras podem ser consideradas como descriccedilotildees de contingecircncias formuladas pela proacutepria pessoa Skinner 1982)

Outras hipoacuteteses se referem ao fato de que provavelmente Andreacute natildeo teve modelo para solucionar conflitos e natildeo havia espaccedilo para escuta de suas anguacutestias e conflitos que podem ocorrer em qualquer fase da vida em especial na adolescecircncia fase de muitas mudanccedilas estruturais em niacutevel cerebral hormonal etc E na escola Andreacute emite em menor frequecircncia comportamentos da classe das habilidades sociais (as habilidades sociais podem ser entendidas como classe de respostas sociais que satildeo aprendidas que o possibilita manejar as exigecircncias do cotidiano em diferentes situaccedilotildees por exemplo habilidades sociais de comunicaccedilatildeo que se refere a fazer e responder perguntas pedir feedback etc Del Prette amp Del Prete 2005) dificultando o acesso a possiacuteveis reforccediladores como estar na presenccedila de amigos e ter um conviacutevio social amistoso

Hipotetiza-se ainda que repertoacuterios de comportamentos sociais de Andreacute natildeo foram modelados (reforccedilados diferencialmente) possivelmente porque as pessoas ao redor dele estavam pouco sensiacuteveis agraves necessidades e demandas do cliente ou porque para elas atitudes como timidez pouca tomada de iniciativa e quietude de Andreacute natildeo eram vistas como comportamentos problemaacuteticos dentro do ambiente familiar Apenas quando ele vai para um novo ambiente (escola) eacute que outras classes de comportamentos satildeo requisitadas (como interagir com pessoas de fora da famiacutelia fazer e responder perguntas iniciar manter e encerrar conversaccedilatildeo) e entatildeo Andreacute entra em uma condiccedilatildeo de sofrimento devido aos significativos deacuteficits de comportamentos (tomada de decisatildeo iniciativa pedido de ajuda identificaccedilatildeo se sentimentos habilidades sociais)

Parece que o repertoacuterio atual de autoconhecimento o impossibilita de se comportar de forma a modificar as contingecircncias nos contextos cotidianos e assim ldquosonharrdquo (sic) conforme relatou na nona sessatildeo Parece portanto que a probabilidade de seus comportamentos serem reforccedilados positivamente diminui jaacute que na comunidade verbal a que estaacute exposto natildeo se comporta de maneira ldquoadequadardquo e se empenha em comportamentos de fugaesquiva o que parece amplificar seus sentimentos negativos e assim natildeo

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enfrenta as situaccedilotildees aversivas que vivencia e apesar do custo das respostas serem altas se comportar desse modo demonstra ser muito reforccedilador para ele Aleacutem disso parece que quando suas notas despencaram ele recebeu atenccedilatildeo e seu sofrimento comeccedilou a ser validado

Intervenccedilatildeo Psicoloacutegica

O atendimento psicoloacutegico foi realizado apoacutes um mecircs e meio que o cliente iniciou o tratamento medicamentoso com o psiquiatra em que a Sertralina foi utilizada Os atendimentos psicoloacutegicos ocorreram a princiacutepio duas vezes por semana em sessotildees com duraccedilatildeo de 60 minutos por uma terapeuta em uma sala preparada para atendimento na proacutepria escola O objetivo terapecircutico inicial foi o estabelecimento de viacutenculo Foram realizadas no total 20 sessotildees de atendimento psicoloacutegico dentre elas 15 realizadas com Andreacute e cinco sessotildees foram realizadas com os informantes externos ou seja com a avoacute com a coordenadora e com duas professoras cujo objetivo era levantamento de dados

A primeira sessatildeo foi realizada com o cliente para averiguar sua motivaccedilatildeo para o atendimento esclarecer o que era o trabalho do profissional da psicologia o contrato e o sigilo regras de atendimento na escola o estabelecimento de viacutenculo Aleacutem disso foi solicitado ao cliente o seu consentimento para realizaccedilatildeo de sessotildees com a avoacute com seu irmatildeo com a coordenadora e com duas professoras as quais ministravam aulas para ele Dessa maneira aleacutem de avaliar contingecircncias relacionadas agrave queixa da coordenadora pedagoacutegica outras dimensotildees do comportamento de Andreacute poderiam ser averiguadas como por exemplo comportamentos assertivos em sala de aula em casa etc

As professoras de portuguecircs e inglecircs que foram entrevistadas separadamente relataram que Andreacute sempre foi muito quieto e apesar de natildeo fazer perguntas em sala de aula e natildeo participar das atividades em grupo fato que chamava a atenccedilatildeo delas tinha o rendimento na meacutedia Nunca se preocuparam ao ponto de fazer algum tipo de encaminhamento como psiquiaacutetrico ou psicoloacutegico entretanto quando suas notas passaram a ser abaixo da meacutedia a

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coordenadora se preocupou porque ele estaacute na fase da adolescecircncia e deveria ser assistido por profissionais uma vez que ele natildeo fala sobre seus sentimentos ou alguma situaccedilatildeo problemaacutetica que podia estar passando

Na sessatildeo com a coordenadora os relatos acima foram corroborados entretanto ela disse que se preocupa com estudantes que satildeo muito quietos pois podem ter dificuldades e ldquonatildeo serem vistos uma vez que natildeo incomodamrdquo e que as notas abaixo da meacutedia a fez buscar ajuda pois agora ldquotinha um motivo concreto aos olhos de todos inclusive familiaresrdquo (sic)

Na sessatildeo com a avoacute ela relatou que e Andreacute ldquosempre foi muito bonzinho e quietordquo (sic) e que ldquoo avocirc tambeacutem era assim bem quieto e natildeo gostava de sair e ficar de ldquoconverseiro com os vizinhos de fazendardquo (sic) e que ela ldquotambeacutem gostava de ter uma vida mais mansardquo e natildeo sabia o motivo de Andreacute precisar de psicoacutelogo ldquopois ele soacute estava com notas baixasrdquo (sic)

Laura disse que talvez por ter sido deixado pela matildee muito cedo agora estivesse tendo problemas mas que ele nunca havia reclamado disso e perguntou a terapeuta o que ela achava

Ela natildeo se lembrava de nada que tivesse podido causar ldquotraumardquo em Andreacute (sic)

O irmatildeo de Andreacute natildeo pode comparecer nas sessotildees que foram agendadas pois natildeo foi dispensado do trabalho

Na segunda sessatildeo com Andreacute o cliente respondeu os seguintes instrumentos Inventaacuterio de Ansiedade e de depressatildeo de Beck (BAIBDI) Inventaacuterio de Habilidades Sociais (IHS ndash Del-Prette) Inventaacuterio de Fobia Social (SPIN) o objetivo dessa sessatildeo foi o de avaliar o repertoacuterio de Habilidades Sociais de Andreacute e sua pontuaccedilatildeo nos testes de ansiedade depressatildeo e fobia social

Os resultados mostraram que os iacutendices no Inventaacuterio de Ansiedade de Beck (BAI) foram moderados no de Depressatildeo (BDI) as respostas descartaram essa hipoacutetese No de Fobia Social a pontuaccedilatildeo foi bem alta e na escala de Habilidades Sociais muitos prejuiacutezos foram observados em relaccedilatildeo agraves classes de comportamentos

As outras quatro sessotildees com Andreacute foram realizadas utilizando-se recursos terapecircuticos como a ldquoLocomotivardquo e ldquoPorta-Retratosrdquo pois esses recursos permitem trabalhar o viacutenculo terapeuta-cliente facilita

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a autoexposiccedilatildeo como falar o que sente pensa etc permite investigar um pouco mais sobre a histoacuteria de vida do cliente e a relaccedilatildeo com o comportamentordquoproblemardquo em linhas gerais permite explorar o comportamento verbal do cliente Outro recurso aplicado foi o ldquoGostar x Fazerrdquo o qual permite exploraridentificar comportamentos de fuga-esquiva comportamentos que em determinadas condiccedilotildees se tornam mais reforccediladores ou aversivos fornece dicas sobre autoconhecimento etc

Nestas sessotildees o cliente ficou ruborizado quando relatou sobre o que natildeo gosta e natildeo faz disse ldquonatildeo gosto de ser viso pelas pessoasrdquo (sic) a terapeuta pediu para explicar melhor e ele acrescentou ldquopor exemplo que me olhem quando estou fazendo qualquer coisa como escrever no meu caderno ou quando ando no paacutetio ateacute o refeitoacuterio me entenderdquo e apoacutes explicar fez longas pausas quando a terapeuta perguntava sobre outros aspectos da atividade como o que gosta e faz Gradualmente com a ajuda da terapeuta como demonstrar que ela natildeo havia passado por situaccedilotildees como a dele mas imaginava o quanto era difiacutecil falar sobre ele mesmo etc Andreacute relatou fatos importantes sobre suas relaccedilotildees na escola na famiacutelia e do seu cotidiano A partir dos dados obtidos por observaccedilatildeo direta durante a sessatildeo hipotetizou-se que o cliente possuiacutea prejuiacutezos no repertoacuterio comportamental de autoconhecimento jaacute que natildeo conseguiu descrever as contingecircncias operantes e definir metas para sua vida Conforme foi observado o cliente natildeo teve a oportunidade de aprender a partir de modelos procedimentos que modelassem seu comportamento de autoconhecimento jaacute que a comunidade verbal a qual foi exposto tambeacutem parece ter prejuiacutezos nessa aacuterea

Na seacutetima e oitava sessotildees o objetivo principal foi desenvolver comportamentos de autoconhecimento no cliente por meio da teacutecnica da ldquoRoseirardquo e tambeacutem continuar com a atividade ldquoGosto e Natildeo Gostordquo com a qual se pode observar que sentimentos como medo ansiedade e comportamentos de esquiva Andreacute disse que quando tem algum passeio na escola como ida ao cinema ldquoele passa mal e ldquotem diarreiardquo (sic) e aiacute a avoacute deixa ficar em casa e outras vezes ele mente ldquodiz que estaacute passando mal com muita dor no estocircmagordquo (sic) Outros sentimentos foram relatados como baixa autoestima falta de esperanccedila no futuro vergonha sentir-se mal na frente de pessoas estranhas na frente dos colegas gostar de ficar sozinho sentimentos

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de inferioridade falta de metas Aleacutem disso durante a oitava sessatildeo Andreacute se sentiu mal disse que ldquoprecisava parar um pouco pois sua visatildeo estava ficando escura seu coraccedilatildeo disparando e sua pressatildeo parecia ter baixadordquo (sic) Comportamentos respondentes parecem ter concomitantemente ao relato sobre episoacutedios de como se sentia em relaccedilatildeo aos colegas de sala A terapeuta interrompeu a sessatildeo ofereceu aacutegua e aguardou alguns minutos Andreacute disse que estava bem e talvez tivesse passado mal porque natildeo tinha comido nada no almoccedilo pois estava chateado com sua nota abaixo da meacutedia na avaliaccedilatildeo de histoacuteria A terapeuta tambeacutem perguntou se ele queria que avisasse algueacutem para ir buscaacute-lo na escola ou quisesse ajuda para ir para sua casa Andreacute disse que estava bem e quis continuar a sessatildeo Ele relatou que tem vergonha de responder perguntas que os professores fazem na frente dos colegas pois natildeo os conhecem prefere ldquoficar na delerdquo (sic)

Na nona sessatildeo o objetivo foi fornecer informaccedilotildeesconhecimento por meio da psicoeducaccedilatildeo Utilizou-se de slides teoacutericos e ilustrativos sobre os aspectos bioloacutegicos e comportamentais relacionados agrave ansiedademedo e agrave fobia social Para a montagem desse toacutepico um docente da aacuterea de fisiologia humana auxiliou na apresentaccedilatildeo e descriccedilatildeo da definiccedilatildeo dos mecanismos de accedilatildeo caracteriacutesticas etiologia da ansiedademedo as partes cerebrais envolvidas na fobia social e a reatividade emocional envolvida por exemplo Muitos sintomas relatados por Andreacute na sessatildeo anterior foram explorados inclusive sua possiacutevel queda de pressatildeo durante a sessatildeo Andreacute participou muito da sessatildeo com perguntas sobre ansiedade sentir-se envergonhado Dentre os vaacuterios relatos do cliente vale a pena ressaltar que ao final da explicaccedilatildeo do mecanismo de accedilatildeo da ansiedade ele disse ldquoolha eu achava que isso soacute acontecia comigo natildeo sabia que o corpo ateacute de outros bichos funciona assimrdquo (sic) ldquoentatildeo isso tudo que sinto natildeo eacute frescura minha que aliacuteviordquo (sic)

Na deacutecima sessatildeo Andreacute quis retomar aspectos relacionados agrave ansiedade medo reaccedilotildees fisioloacutegicas normais e exageradas do medo e da ansiedade da psicoeducaccedilatildeo e do autoconhecimento Nessa sessatildeo pode-se perceber que o repertoacuterio relacionado agrave autoconfianccedila tambeacutem apresentou prejuiacutezos O cliente relatou em vaacuterios momentos que natildeo se sentia capaz de enfrentar suas dificuldades por exemplo ldquoacho que nunca vou conseguir perguntar

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alguma coisa para a donardquo (sic) se referindo agrave professora e completou ldquotodo mundo ia rir da minha pergunta pois nasci na fazenda vocecirc saberdquo (sic) se dirigindo agrave terapeuta Parece funcional emitir esse tipo de comportamento no contexto escolar assim ele se esquiva de enfrentar a situaccedilatildeo e suas consequecircncias se mantendo provavelmente pelo reforccedilo negativo

Nas quatro sessotildees seguintes o objetivo foi o de as teacutecnicas de modelagem para o desenvolvimento de repertoacuterio de auto-observaccedilatildeo autoconhecimento e autoconfianccedila jaacute que parece ficar mais evidente que esses comportamentos foram pouco desenvolvidos Abordaram-se tambeacutem as tarefas para casa por exemplo a atividade ldquoQuem sou eurdquo e ldquoDiaacuterio de rotinardquo com o objetivo de que o cliente pudesse se auto-observar e observar como se comportava em algumas situaccedilotildees o que sentia (eventos privados que eram evocados) o que pensava e as consequecircncias de seus atos

A deacutecima quarta sessatildeo foi realizada em um saacutebado de manhatilde em um shopping apoacutes a autorizaccedilatildeo da avoacute de Andreacute Nesse contexto a terapeuta pode observar se haveria generalizaccedilatildeo de alguns comportamentos que foram trabalhados em sessotildees anteriores como tomada de decisatildeo iniciativa escolher o que gosta do cardaacutepio de uma lanchonete e fazer o pedido para o atendente Apesar de o cliente ter hesitado bastante na escolha do seu lanche pois natildeo sabia o que escolher porque segundo ele e se o lanche tivesse muito molho e escorresse pelo seu rosto o que iam pensar dele (sic) e ter se ruborizado ao chamar a atendente Andreacute descreveu que sabia que estava vermelho de vergonha pois seu rosto ldquoardiardquo e tinha medo que a ldquomoccedilardquo percebesse o seu medo e vergonha Ele conseguiu realizar a tarefa de escolher o que queria e chamar a atendente Antes do pedido de Andreacute e da terapeuta chegar foi possiacutevel realizar a anaacutelise funcional do que ocorreu descrevendo juntamente com o cliente seus comportamentos puacuteblicos e privados de ansiedade seus pensamentos e consequecircncias desses No final do encontro o cliente relatou ldquoHoje eu fiquei vermelho senti meu rosto ferver mas a garccedilonete nem viu me senti um pouco melhorrdquo (sic) Andreacute compreendeu que ficar ldquovermelhordquo eacute uma reaccedilatildeo normal e que iraacute diminuindo a frequecircncia conforme ele for se expondo e pode produzir consequecircncias reforccediladoras como pedir o que quer natildeo ter medo do que vatildeo pensar se ele ficar ruborizado etc

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Nas sessotildees quinze a dezoito o objetivo foi o de modelar comportamentos de observaccedilatildeo e descriccedilatildeo de classes de dificuldades interpessoais como falar e ouvir dentro e fora da sessatildeo terapecircutica A terapeuta contou uma histoacuteria ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo e depois fez uma seacuterie de perguntas por exemplo qual o nome da histoacuteria que foi contada agora Qual o nome do menino da estoacuteria O que a matildee do menino queria vender para conseguir dinheiro etc

Foram realizadas vaacuterias atividades em forma de Roleplay com feedback imediatos seguidos de anaacutelises funcionais dos comportamentos de falar e ouvir como solicitar um lanche sem cebola em uma padaria lotada Reivindicar o direito ao troco correto uma vez que foi cobrado mais etc

Na vigeacutesima sessatildeo Andreacute relatou que estava se sentindo ldquobem e tranquilo depois de muitos anosrdquo (sic) contudo demonstrou dificuldades em descrever seus sentimentos apenas relatou que se sentia ldquobem e tranquilordquo (sic) colocando a matildeo no peito e assinalou ldquoaqui natildeo doacuteirdquo (sic) Disse tambeacutem que estava se sentindo diferente porque sabia que ateacute o catildeo da famiacutelia pode sentir ansiedade e natildeo se sente mais esquisito Nota-se que o cliente comeccedilou a apresentar melhoras em relaccedilatildeo ao seu sofrimento apesar de ainda demonstrar dificuldades para descrever seus sentimentos Questotildees relacionadas agrave medicaccedilatildeo tambeacutem foram trabalhadas e Andreacute afirmou que ldquoremeacutedio me deixa calmo e sei que preciso mudar tipo fazer pergunta sem ter vergonha mais eacute difiacutecil pra mimrdquo (sic) Apesar de se observar melhora na expressatildeo de sentimentos do cliente muito trabalho ainda deveraacute ser conduzido uma vez que diante de sentimentos aversivos haacute dificuldade no manejo conforme se observa na fala de Andreacute

Nessas 15 sessotildees com Andreacute pode-se realizar a avaliaccedilatildeo comportamental por meio das teacutecnicas aplicadas vivecircncias instrumentos formalizados entrevistas com os familiares e professores aleacutem de conversas sobre o caso com o psiquiatra Durante o processo foi descartada a hipoacutetese de depressatildeo uma vez que a supressatildeo de comportamentos mau desempenho e ldquoapatiardquo se devem agrave vergonha ao medo e agrave ansiedade de fazer perguntas aos professores e se colocar diante dos colegas Hipotetizando-se assim que os criteacuterios do DSM 5 os testes padronizados e as avaliaccedilotildees psicoloacutegicas apontam para o transtorno de ansiedade social

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Devido ao periacuteodo de feacuterias da escola natildeo foi possiacutevel dar continuidade ao atendimento ateacute o iniacutecio do ano letivo seguinte Foram dadas algumas tarefas para casa nesse periacuteodo como confeccionar um RG gigante em uma folha A4 em que deveriam constar seus dados pessoais em outro espaccedilo da folha o cliente deveria se desenhar outro espaccedilo pequeno deveria ter sua assinatura e do lado de traacutes da folha Andreacute deveria colocar aspectos relacionados a suas dificuldades por exemplo uma coisa que quero mudar em mim e se eu tivesse amigos eue assim sucessivamente Os objetivos dessa tarefa satildeo os de facilitar o autoconhecimento a autoexposiccedilatildeo averiguar como ele se percebe e se representa Outra tarefa se refere agrave Tabela de Registro Comportamental Especiacutefico a qual atividade permite ao cliente observar um dado comportamento no caso de Andreacute o seu comportamento de esquiva atentando-se agrave frequecircncia agrave intensidade e agrave duraccedilatildeo antecedentes e consequentes Andreacute concordou em realizar as tarefas e se precisasse ligar para a terapeuta relatou que o faria mesmo com vergonha jaacute que disse estar ldquogostando de saber que natildeo eacute um ETrdquo (sic) pois aprendeu que tem muita gente que enfrenta as mesmas dificuldades que ele

No ano seguinte Andreacute mudou-se com a famiacutelia para outra cidade perto de alguns parentes da avoacute pois ela estava doente e o atendimento foi encerrado

Consideraccedilotildees Finais

O atendimento realizado de forma geral pode ser considerado como importante para a melhora do cliente ainda que muitas classes de comportamentos como falar ouvir pedir elogiar resolver problemas tomar decisotildees fazer amizades lidar com criacuteticas por exemplo devam ser desenvolvimentos eou aperfeiccediloados

Outra consideraccedilatildeo a ser feita consiste no trabalho em parceria com o profissional da aacuterea da fisiologia que auxiliou na montagem do material didaacutetico da sessatildeo psicopedagoacutegica e assessorou nas respostas para as perguntas teacutecnicas que o cliente fez durante a sessatildeo Portanto pode-se considerar que a parceria foi importante para a compreensatildeo do cliente do que era normal ou exagerado em suas reaccedilotildees fisioloacutegicasrespondentes

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Apesar de o caso ter sido atendido por uma terapeuta considerando sua urgecircncia as discussotildees foram realizadas em grupo jaacute que o atendimento fez parte de um projeto de extensatildeo que atende adolescentes com TAS Tal dinacircmica de trabalho possibilitou o ensino aos estudantes de graduaccedilatildeo envolvidos no projeto dos princiacutepios baacutesicos da Anaacutelise do Comportamento aplicado ao contexto cliacutenico e o aprendizado do uso do procedimento de anaacutelises funcionais bem como a importacircncia da coleta de dados com diferentes fontes de informaccedilotildees como familiares professores e o meacutedico psiquiatra pois como se sabe o comportamento eacute multideterminado e dinacircmico

Andreacute foi atendido em 15 sessotildees pela Psicologia durante cerca de quatro meses Durante esse periacuteodo foram realizadas trecircs consultas psiquiaacutetricas inclusive para ajuste da medicaccedilatildeo Apesar da complexidade do caso e do nuacutemero reduzido de sessotildees a avaliaccedilatildeo foi de que houve engajamento aos tratamentos psicoteraacutepico e medicamentoso por parte do cliente que sempre chegou no horaacuterio aderiu agraves tarefas dentro e fora da sessatildeo e tomava adequadamente a medicaccedilatildeo

Em siacutentese pode-se dizer que a psicoterapia com base na Anaacutelise do Comportamento considera o repertoacuterio do cliente e pode contribuir para o desenvolvimento de repertoacuterio mais adequado para os comportamentos classificados como excessivos eou que causam prejuiacutezos sendo considerados e diagnosticados como transtornos psiquiaacutetricos Relatos como o apresentado no presente capiacutetulo podem contribuir para a compreensatildeo de como diferentes aacutereas de conhecimento auxiliam e ajudam inclusive na adesatildeo ao tratamento desses casos

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Temas em Neurociecircncias

Joseacute Luciano Tavares da SilvaJosiane Ceciacutelia Luzia

(Organizadores)

9 786556 680156

ISBN 978-655668015-6

  • Programa de Formaccedilatildeo Complementar ldquoTemas em Neurociecircnciasrdquo Ajudando a Compreender o Sistema Nervoso
    • Joseacute Luciano Tavares da Silva
    • Silvia Alves Santos
    • Wagner Ferreira Lima
    • Josiane Ceciacutelia Luzia
      • Evoluccedilatildeo do Sistema Nervoso ndash Consideraccedilotildees e Provocaccedilotildees
        • Silvia Ponzoni
          • Neuromitos no Alvo Desmitificando o Ceacuterebro
            • Roberta Ekuni
              • A Hipoacutetese da Conveniecircncia Funcional Um Estudo sobre as Qualidades da Mateacuteria e a Auto-Organizaccedilatildeo dos Sistemas
                • Jayme Marrone Juacutenior
                  • As Neurociecircncias a Experiecircncia Espiritual Religiosa e os Fenocircmenos ldquoParanormaisrdquo Existe Correlaccedilatildeo e em ateacute que Ponto
                    • Joseacute Luciano Tavares da Silva
                    • Josiane Ceciacutelia Luzia
                      • Bases Neurobioloacutegicas da Dependecircncia Quiacutemica
                        • Andreacute Demambre Bacchi
                          • Dor Aguda e Dor Crocircnica
                            • Mauro Leonelli
                              • A Influecircncia da Neurociecircncia na Criminologia Uma Nova Perspectiva de Anaacutelise do Criminoso
                                • Decircnis Augusto Santana Reis
                                  • Transtorno Obsessivo-Compulsivo Integraccedilatildeo entre Perspectiva Evolucionista e Dados Neurobioloacutegicos1
                                    • Celio Roberto Estanislau
                                    • Thiago Soares Campoli
                                    • Rodrigo Moreno Klein
                                    • Acauatilde Galdino Vieira Silva
                                    • Isis Amanda Andrade Amadeu
                                    • Guilherme Machado Borges
                                      • Aspectos Neurobioloacutegicos da Dislexia Contribuiccedilotildees da Neuroimagem
                                        • Clay Brites
                                          • Siacutendrome de Burnout
                                            • Denise Albieri Jodas Salvagioni
                                            • Selma Maffei de Andrade
                                              • Aspectos Farmacoloacutegicos dos AINEs e Opiodes no Tratamento da Dor Crocircnica Nociceptiva
                                                • Andressa de Freitas Mendes Dionisio
                                                  • Epilepsia em Catildees
                                                    • Lucas Aleacutecio Gomes
                                                      • Transtorno de Ansiedade Social Relato de Caso
                                                        • Josiane Ceciacutelia Luzia
                                                        • Edneacuteia Aparecida Peres
                                                        • Joseacute Luciano Tavares da Silva
                                                          • _Hlk518570981
                                                          • _Hlk491869373
                                                          • _Hlk15812080
                                                          • _Hlk15382527
                                                          • _Hlk15383486
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                                                          • Paacutegina em branco
                                                          • Paacutegina em branco
                                                              1. Botatildeo 4
                                                              2. Botatildeo 6
                                                              3. Botatildeo 9
                                                              4. Botatildeo 11
                                                              5. Botatildeo 8
                                                              6. Botatildeo 10
                                                              7. Botatildeo 13
                                                              8. Botatildeo 15
                                                              9. Botatildeo 12
                                                              10. Botatildeo 14
                                                              11. Botatildeo 17
                                                              12. Botatildeo 19
                                                              13. Botatildeo 16
                                                              14. Botatildeo 18
                                                              15. Botatildeo 21
                                                              16. Botatildeo 23
                                                              17. Botatildeo 20
                                                              18. Botatildeo 22
                                                              19. Botatildeo 25
                                                              20. Botatildeo 27
                                                              21. Botatildeo 24
                                                              22. Botatildeo 26
                                                              23. Botatildeo 29
                                                              24. Botatildeo 31
                                                              25. Botatildeo 28
                                                              26. Botatildeo 30
                                                              27. Botatildeo 33
                                                              28. Botatildeo 35
                                                              29. Botatildeo 32
                                                              30. Botatildeo 34
                                                              31. Botatildeo 37
                                                              32. Botatildeo 39
                                                              33. Botatildeo 36
                                                              34. Botatildeo 38
                                                              35. Botatildeo 41
                                                              36. Botatildeo 43
                                                              37. Botatildeo 40
                                                              38. Botatildeo 42
                                                              39. Botatildeo 45
                                                              40. Botatildeo 47
                                                              41. Botatildeo 44
                                                              42. Botatildeo 46
                                                              43. Botatildeo 49
                                                              44. Botatildeo 51
                                                              45. Botatildeo 48
                                                              46. Botatildeo 50
                                                              47. Botatildeo 53
                                                              48. Botatildeo 55
                                                              49. Botatildeo 52
                                                              50. Botatildeo 54
                                                              51. Botatildeo 57
                                                              52. Botatildeo 59
                                                              53. Botatildeo 56
                                                              54. Botatildeo 58
                                                              55. Botatildeo 61
                                                              56. Botatildeo 63
                                                              57. Botatildeo 64
                                                              58. Botatildeo 66
                                                              59. Botatildeo 69
                                                              60. Botatildeo 71
                                                              61. Botatildeo 68
                                                              62. Botatildeo 70
                                                              63. Botatildeo 73
                                                              64. Botatildeo 75
                                                              65. Botatildeo 72
                                                              66. Botatildeo 74
                                                              67. Botatildeo 77
                                                              68. Botatildeo 79
                                                              69. Botatildeo 76
                                                              70. Botatildeo 78
                                                              71. Botatildeo 81
                                                              72. Botatildeo 83
                                                              73. Botatildeo 80
                                                              74. Botatildeo 82
                                                              75. Botatildeo 85
                                                              76. Botatildeo 87
                                                              77. Botatildeo 84
                                                              78. Botatildeo 86
                                                              79. Botatildeo 89
                                                              80. Botatildeo 91
                                                              81. Botatildeo 88
                                                              82. Botatildeo 90
                                                              83. Botatildeo 93
                                                              84. Botatildeo 95
                                                              85. Botatildeo 92
                                                              86. Botatildeo 94
                                                              87. Botatildeo 97
                                                              88. Botatildeo 99
                                                              89. Botatildeo 96
                                                              90. Botatildeo 98
                                                              91. Botatildeo 101
                                                              92. Botatildeo 103
                                                              93. Botatildeo 100
                                                              94. Botatildeo 102
                                                              95. Botatildeo 105
                                                              96. Botatildeo 107
                                                              97. Botatildeo 104
                                                              98. Botatildeo 106
                                                              99. Botatildeo 109
                                                              100. Botatildeo 111
                                                              101. Botatildeo 108
                                                              102. Botatildeo 110
                                                              103. Botatildeo 113
                                                              104. Botatildeo 115
                                                              105. Botatildeo 60
                                                              106. Botatildeo 62
                                                              107. Botatildeo 65
                                                              108. Botatildeo 67
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