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Simp.TCC/ Sem.IC.2017(12);2121-2130 2121 JORNALISMO DISPUTA JUDICIAL ENTRE GAMA E BOTAFOGO POR UMA VAGA NA SÉRIE A DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 2000 GABRIEL CAETANO ROMOALDO DE SOUZA Resumo A disputa judicial pela vaga na Série A do Campeonato Brasileiro de 2000 tomou proporções mundiais, colocando em evidência a Sociedade Esportiva do Gama, clube até então pouco conhecido no futebol. A situação teve início no Campeonato Brasileiro de 1999, quando foi descoberta irregularidade na documentação do atleta Sandro Hiroshi, do São Paulo Futebol Clube. O Botafogo de Futebol e Regatas e o Sport Club Internacional entraram com um recurso no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) para reaver os pontos das respectivas partidas disputadas contra o São Paulo no torneio. Foi usada uma Resolução de Diretoria Interna (RDI) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para dar ao Botafogo e Internacional os três pontos da partida, infringindo o artigo 301 do Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), criado pela Portaria nº 328/87, do Ministério da Educação (MEC), onde estava previsto que nos casos de irregularidade o clube infrator perderia cinco pontos, sem alteração no resultado da partida. Como o Botafogo havia perdido e o Internacional empatado com o São Paulo, o TJD não poderia ter concedido a pontuação aos clubes. Os pontos ganhos pelo Botafogo e Internacional influenciaram diretamente no rebaixamento. Caso fosse seguido o Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), o rebaixado seria o Botafogo, mas com a decisão do TJD, o rebaixado passou a ser o Gama. O clube do Distrito Federal decidiu questionar a legalidade do julgamento na Justiça desportiva, sem sucesso, levando em seguida a Justiça comum, alcançando o objetivo – disputar a primeira divisão do Campeonato Brasileiro – após longos nove meses de batalha. Palavras-chave: Gama; Série A; Campeonato Brasileiro; Botafogo; Sandro Hiroshi Abstract The legal dispute for the vacancy in the Series A of the Brazilian Championship of 2000 has taken on a global scale, highlighting the Sociedade Esportiva do Gama, a club hitherto little known in football. The situation began in the Brazilian Championship of 1999, when it was discovered irregularity in the documentation of the athlete Sandro Hiroshi, of the São Paulo Futebol Clube. Botafogo de Futebol e Regatas and Sport Club Internacional filed an appeal with the Sports Court (TJD) to recover points from their respective matches against São Paulo in the tournament. An Internal Board Resolution (RDI) of the Brazilian Football Confederation (CBF) was used to give Botafogo and Internacional the three points of the match, in violation of article 301 of the Brazilian Disciplinary Soccer Code (CBDF), created by Ordinance No. 328 / 87, of the Ministry of Education (MEC), where it was foreseen that in cases of irregularity the offending club would lose five points without any change in the result of the match. As Botafogo had lost and Internacional tied with Sao Paulo, the TJD could not have awarded the score to the clubs. The points earned by Botafogo and Internacional had a direct influence on the relegation. If the Brazilian Disciplinary Code of Football (CBDF) was followed, the downgrade would be Botafogo, but with the decision of the TJD, the demoted became the Gama. The Federal District club decided to question the legality of the trial at the Sports Court, without success, leading to common justice, reaching the goal - to compete in the first division of the Brazilian Championship - after a long nine-month battle. Keywords: Gama; Série A; Brazilian Championship; Botafogo; Sandro Hiroshi INTRODUÇÃO O livro “Caso Gama – A justiça feita em campo”, produto deste relatorio, só pôde virar realidade porque, em certo momento no ano de 1998, algum dirigente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – não identificado – teve uma ideia diferente quando estava sendo formulado o regulamento para o Campeonato Brasileiro de Futebol de 1999: adotar a média de pontos como fórmula de rebaixamento para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro de 2000. A ideia tinha objetivo claro: facilitar a permanência de equipes de futebol associadas ao Clube dos 13 – grupo dos clubes autointitulados os maiores do futebol brasileiro. Esses ditos clubes grandes, que eram maioria na Série A do Campeonato Brasileiro, não queriam correr riscos como o vexame que passava o Fluminense, membro do Clube dos 13 e que no ano de 1999 estava disputando a Série C do Campeonato Brasileiro, a última divisão do futebol nacional. O objetivo não foi alcançado e dois membros do Clube dos 13 chegaram ao final do Campeonato Brasileiro de 1999 com chances de rebaixamento. Isso porque fizeram campanhas regulares seguidas – 1998 e 1999 – e, aqueles que seriam seus adversários, variaram entre campanhas muito ruins e muito boas – e vice- versa. A Sociedade Esportiva do Gama foi, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, uma referência no futebol do Centro-Oeste. Conquistou títulos no Distrito Federal e foi campeão da segunda divisão do Campeonato Brasileiro em 1998, sendo assim, credenciado a disputar a elite do futebol nacional, o chamado “Brasileirão”. O primeiro clube de Brasília a conseguir esse feito. O Gama surpreendeu e fez um campeonato bem além da média dos clubes oriundos da “periferia” do futebol brasileiro. Espera-se de um clube com pouca tradição, assim que consegue o acesso à primeira divisão, logo retornar à segunda divisão. Em 1996, o União São João de Araras-SP foi campeão da segunda divisão do Brasileiro, mas no ano seguinte foi rebaixado, assim como o América Mineiro, campeão da mesma segunda divisão em 1997 e rebaixado em 1998. Quem acompanha o futebol brasileiro, provavelmente já ouviu falar em “Copa João Havelange”. Isso porque esse foi um dos

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Simp.TCC/ Sem.IC.2017(12);2121-2130 2121

JORNALISMO

DISPUTA JUDICIAL ENTRE GAMA E BOTAFOGO

POR UMA VAGA NA SÉRIE A DO CAMPEONATO

BRASILEIRO DE 2000

GABRIEL CAETANO

ROMOALDO DE SOUZA

Resumo A disputa judicial pela vaga na Série A do Campeonato Brasileiro de 2000 tomou proporções mundiais, colocando em evidência a Sociedade Esportiva do Gama, clube até então pouco conhecido no futebol. A situação teve início no Campeonato Brasileiro de 1999, quando foi descoberta irregularidade na documentação do atleta Sandro Hiroshi, do São Paulo Futebol Clube. O Botafogo de Futebol e Regatas e o Sport Club Internacional entraram com um recurso no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) para reaver os pontos das respectivas partidas disputadas contra o São Paulo no torneio. Foi usada uma Resolução de Diretoria Interna (RDI) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para dar ao Botafogo e Internacional os três pontos da partida, infringindo o artigo 301 do Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), criado pela Portaria nº 328/87, do Ministério da Educação (MEC), onde estava previsto que nos casos de irregularidade o clube infrator perderia cinco pontos, sem alteração no resultado da partida. Como o Botafogo havia perdido e o Internacional empatado com o São Paulo, o TJD não poderia ter concedido a pontuação aos clubes. Os pontos ganhos pelo Botafogo e Internacional influenciaram diretamente no rebaixamento. Caso fosse seguido o Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), o rebaixado seria o Botafogo, mas com a decisão do TJD, o rebaixado passou a ser o Gama. O clube do Distrito Federal decidiu questionar a legalidade do julgamento na Justiça desportiva, sem sucesso, levando em seguida a Justiça comum, alcançando o objetivo – disputar a primeira divisão do Campeonato Brasileiro – após longos nove meses de batalha. Palavras-chave: Gama; Série A; Campeonato Brasileiro; Botafogo; Sandro Hiroshi Abstract The legal dispute for the vacancy in the Series A of the Brazilian Championship of 2000 has taken on a global scale, highlighting the Sociedade Esportiva do Gama, a club hitherto little known in football. The situation began in the Brazilian Championship of 1999, when it was discovered irregularity in the documentation of the athlete Sandro Hiroshi, of the São Paulo Futebol Clube. Botafogo de Futebol e Regatas and Sport Club Internacional filed an appeal with the Sports Court (TJD) to recover points from their respective matches against São Paulo in the tournament. An Internal Board Resolution (RDI) of the Brazilian Football Confederation (CBF) was used to give Botafogo and Internacional the three points of the match, in violation of article 301 of the Brazilian Disciplinary Soccer Code (CBDF), created by Ordinance No. 328 / 87, of the Ministry of Education (MEC), where it was foreseen that in cases of irregularity the offending club would lose five points without any change in the result of the match. As Botafogo had lost and Internacional tied with Sao Paulo, the TJD could not have awarded the score to the clubs. The points earned by Botafogo and Internacional had a direct influence on the relegation. If the Brazilian Disciplinary Code of Football (CBDF) was followed, the downgrade would be Botafogo, but with the decision of the TJD, the demoted became the Gama. The Federal District club decided to question the legality of the trial at the Sports Court, without success, leading to common justice, reaching the goal - to compete in the first division of the Brazilian Championship - after a long nine-month battle. Keywords: Gama; Série A; Brazilian Championship; Botafogo; Sandro Hiroshi INTRODUÇÃO

O livro “Caso Gama – A justiça feita em campo”, produto deste relatorio, só pôde virar realidade porque, em certo momento no ano de 1998, algum dirigente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – não identificado – teve uma ideia diferente quando estava sendo formulado o regulamento para o Campeonato Brasileiro de Futebol de 1999: adotar a média de pontos como fórmula de rebaixamento para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro de 2000.

A ideia tinha objetivo claro: facilitar a permanência de equipes de futebol associadas ao Clube dos 13 – grupo dos clubes autointitulados os maiores do futebol brasileiro.

Esses ditos clubes grandes, que eram maioria na Série A do Campeonato Brasileiro, não queriam correr riscos como o vexame que passava o Fluminense, membro do Clube dos 13 e que no ano de 1999 estava disputando a Série C do Campeonato Brasileiro, a última divisão do futebol nacional.

O objetivo não foi alcançado e dois membros do Clube dos 13 chegaram ao final do Campeonato Brasileiro de 1999 com chances de rebaixamento. Isso porque fizeram campanhas

regulares seguidas – 1998 e 1999 – e, aqueles que seriam seus adversários, variaram entre campanhas muito ruins e muito boas – e vice-versa.

A Sociedade Esportiva do Gama foi, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, uma referência no futebol do Centro-Oeste. Conquistou títulos no Distrito Federal e foi campeão da segunda divisão do Campeonato Brasileiro em 1998, sendo assim, credenciado a disputar a elite do futebol nacional, o chamado “Brasileirão”. O primeiro clube de Brasília a conseguir esse feito. O Gama surpreendeu e fez um campeonato bem além da média dos clubes oriundos da “periferia” do futebol brasileiro. Espera-se de um clube com pouca tradição, assim que consegue o acesso à primeira divisão, logo retornar à segunda divisão. Em 1996, o União São João de Araras-SP foi campeão da segunda divisão do Brasileiro, mas no ano seguinte foi rebaixado, assim como o América Mineiro, campeão da mesma segunda divisão em 1997 e rebaixado em 1998.

Quem acompanha o futebol brasileiro, provavelmente já ouviu falar em “Copa João Havelange”. Isso porque esse foi um dos

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campeonatos mais bizarros e polêmicos da história futebolística nacional. A Copa João Havelange se tornou a principal competição do Brasil em 2000, oriunda do Caso Gama, relatado com riqueza de detalhes no livro “Caso Gama – A justiça feita em campo”.

Na época, a Sociedade Esportiva do Gama tocou no “calcanhar de Aquiles” da grande mídia: o Campeonato Brasileiro de Futebol, uma das principais fontes de renda da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O Gama não era associado ao Clube dos 13, por isso não era considerado um “time grande”, por isso a tamanha coragem do dito “pequeno” clube do Distrito Federal fez com que a CBF ignorasse o contrato assinado com a Rede Globo e passasse a incumbência da realização do torneio mais importante do Brasil – e também da América Latina – para o Clube dos 13. Justificativa O futebol brasileiro passa por uma fase de crescimento, tendo uma organização maior em vários setores, principalmente em relação ao seu principal consumidor: o torcedor. Esse processo muito se deve ao “Caso Gama”. Quando um advogado do Distrito Federal, chamado Paulo Goyaz, decidiu entrar com um recurso alegando violação ao direito do torcedor/consumidor, prejudicado pelo rebaixamento irregular do Gama no Campeonato Brasileiro de 1999, a mudança em vários setores do futebol brasileiro começou a mudar, desencadeando uma melhora significativa. Na época – e ainda hoje, mas um pouco menos – os clubes autointitulados “grandes” concentravam em um grupo chamado ‘Clube dos 13’ – grupo esse que atualmente está extinto – o monopólio do futebol brasileiro. O Clube dos 13 estava diretamente ligado a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), ambos subordinados a FIFA e todas essas entidades se tornaram arquirrivais do Gama. “Era um consenso, todo mundo achava que o Gama tinha razão. Por ser um time do DF e ter razão, todos da cidade apoiavam o clube. Nessa época o Gama angariou vários simpatizantes, pelo fato de expor publicamente as irregularidades da Justiça desportiva e, consequentemente, expor a CBF mundialmente de forma inédita” (NAVES, Roberto, 2017) Os resultados da batalha judicial para o futebol brasileiro foram CPIs instauradas no Congresso Nacional para investigar o futebol brasileiro, a criação do Estatuto do Torcedor e o Código Brasileiro de Justiça Desportiva. O “Caso Gama” atualmente é pouco lembrado no jornalismo esportivo brasileiro. Pior que isso, quando lembrado é geralmente retratado de forma ambígua. Falta informação sobre o caso e, na maioria das vezes, o Gama é retratado como o ‘vilão’ por ter buscado o ‘tapetão’ – ignorando a legitimidade da ação do clube.

Por esses motivos, decidi escrever o livro “Caso Gama – A justiça feita em campo”. Objetivo A ideia principal é explicar detalhadamente como se desenvolveu o caso, desde os eventos que desencadearam o imbróglio judicial, até os resultados no futebol após o seu término, tornando essa obra ainda mais interessante, tra-tando de assuntos com relevância para o futebol mundial. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Esclarecer as ambiguidades do caso. • Enumerar todos os personagens participantes desse caso. • Enumerar casos de disputas judiciais no futebol brasileiro. • Relatar as melhoras na justiça desportiva brasileira desde 1999. • Analisar o sistema pela justiça brasileira entre um clube pequeno e um de grandes proporções. Breve História da Sociedade Esportiva do Gama Em 1975, Tim, dono de um clube amador na cidade do Gama, decidiu criar uma equipe de futebol para representar a cidade no Campeonato Brasiliense. Pegou um empréstimo de Cr$7.500,00, comprou bolas, uniforme e procurou a administração da cidade para pedir apoio na criação do novo time. Walmir Campelo Bezerra, o então administrador da cidade apoiou a criação do clube, que se filiou na Federação Metropolitana de Futebol e disputou o seu primeiro jogo no dia 21 de fevereiro de 1976, válido pelo Torneio Imprensa, com vitória por 2 x 0 diante do Humaitá Esporte Clube.

Em 1977, o estádio da cidade foi inaugurado e levou o nome de Walmir Campelo Bezerra, o Bezerrão. Foi nesse ano também que o Gama conquistou seu primeiro título, o Torneio Incentivo, uma espécie de preliminar do Campeonato Brasiliense de Futebol.

No ano seguinte, o clube passou por várias dificuldades e pediria licença a federação para não disputar o torneio de 1979.

A coisa começou a mudar com o bicampeonato do Torneio Incentivo, após isso a equipe tomou outro rumo, recebeu apoio de empresários e lançou o projeto ‘Gamão Milionário’ no qual os torcedores ajudavam e tinha como objetivo formar a equipe para disputar o Campeonato Brasiliense de 1979.

O ‘Escrete 79’ – como ficou conhecida aquele time– montado pelo então presidente Osvando Lima, eleito em 1978, foi um sucesso. Inicialmente, a equipe do Gama não começou bem, após terminar o primeiro turno na última colocação, o então funcionário da Federação Mineira de Futebol, Martim Francisco, foi convidado para ser o novo treinador. Ele assinou

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contrato com o clube. Depois de sua chegada o Gama foi outro e conquistou o título do segundo turno sem perder um jogo.

No terceiro turno, o Gama entrou como favorito e terminou empatado com o Brasília. Na disputa do turno, vitória alviverde, e na final do campeonato outra vitória: 2 a 1. Gama Campeão Brasiliense de 1979. A Sociedade Esportiva do Gama começava a entrar para a história do futebol no Distrito Federal.

Em 1979 o Gama disputou pela primeira vez o Campeonato Brasileiro, terminando em 48º entre 94 clubes.

No ano de 1980, após ser vice-campeão do DF, o Gama disputou o Campeonato Brasileiro novamente. A equipe terminou apenas na 37ª colocação entre 44 clubes. Em 1981 não fez uma boa campanha no Campeonato Brasiliense mas foi campeão da Copa Centro Oeste, nesse ano Osvando Lima saiu da presidência e tempos difíceis começaram no Periquito.

Após o fracasso da promoção Gamão Milionário a equipe entrou em um mar de dívidas, muitos presidentes desistiram por conta de tantas dificuldades e a equipe chegou bem perto de decretar falência.

Em 1990, depois de 11 anos na fila, o Gama conquistou o Campeonato Brasiliense. O time comandado por Orlando Lelé venceu o Tiradentes na final e, após sete anos, voltou a disputar um torneio nacional: o Brasileiro da Série C, no qual terminou em 6º, lhe dando o direito de jogar a Série B no ano seguinte.

Apesar da boa campanha em 1990, o Gama ainda passava por grandes dificuldades, foi ai que Ademilton Pavão, conselheiro do alviverde, convidou o então presidente da Federação Metropolitana de Futebol, Wagner Marques, para assumir o clube em 1992. Começava ali a era mais vitoriosa e conturbada da história do Periquito.

Wagner Marques, Agrício Braga e Carlos Macedo foram responsáveis pela reestruturação, ajudando o clube a conseguir grandes resultados.

Em 1993 foi vice-campeão Brasiliense perdendo a final para o Taguatinga mesmo após ganhar os dois turnos, mas nos anos seguintes conquistou o bicampeonato (1994/95). Em 1996 o Gama perdeu o título para o Guará e depois alcançou o inédito pentacampeonato (1997/98/99/00/01) tornando-se o maior campeão de Brasília.

No ano de 1998, veio o grande momento. Com uma bela campanha o clube se consagrou Campeão Brasileiro da Série B, algo inédito no futebol do DF, dando o direito de jogar a elite do futebol nacional em 1999.

No ano de estreia na Série A, o Gama conseguiu terminar na 14ª colocação, o que garantiria sua permanência no Brasileiro de 2000, mas após irregularidades no passe de Sandro Hiroshi do São Paulo, Botafogo e Internacional

ganharam os pontos do jogo contra o tricolor paulista, sendo assim o Gama passou a ser um dos rebaixados.

O Gama recorreu e venceu na justiça, conseguindo o direito de disputar o Campeonato Brasileiro da primeira divisão em 2000 – na qual não houve rebaixamento.

No ano de 2001, disputaram o Brasileiro 28 clubes escolhidos pelo Clube dos 13, dentre eles o Gama. O Alviverde chegou a ser ameaçado de rebaixamento e poucos acreditavam na reação, mas com uma virada histórica a equipe se livrou e terminou na 20ª posição, quatro acima da “zona da degola”.

No ano de 2002, após quatro anos na Série A o Gama foi rebaixado para a Série B, começava então uma nova crise.

Em 2003, o clube fez um grande Campeonato Brasiliense, conquistando o título de forma invicta. A torcida esperançosa na volta à primeira divisão viu o Gama ser o penúltimo colocado e voltar à Série C do Campeonato Brasileiro depois de 8 anos. A decepção foi grande.

De volta à Série B em 2005, com o segundo lugar na terceira divisão de 2004 e a boa campanha na Copa do Brasil, eliminando o Botafogo em pleno Maracanã, era a esperança de novos tempos, o que não aconteceu.

Com campanhas pífias no Campeonato Brasiliense a equipe ficou por três anos sem se classificar para a Copa do Brasil, na Série B estava sempre na parte de baixo.

Em 2007, a torcida gamense pode se alegrar novamente, com a vitória em cima do Vasco no Maracanã.

Em 2008, começava um dos piores momentos do clube, após cair para a Série C novamente, o Gama voltou ao Bezerrão e tinha como presidente Paulo Goyaz. Com promessas ousadas, Goyaz foi uma grande decepção e ajudou a levar o clube para uma crise ainda maior.

Em 2010, o Gama enfrentou seu pior momento, o rebaixamento para a recém-criada Série D do Campeonato Brasileiro.

No ano seguinte o Gama foi vice-campeão do DF, mas não passou da primeira fase no Campeonato Brasileiro e então começou vários protestos contra a diretoria que acabou renunciando.

Com a promessa de tempos melhores, Froylan Pinto assumiu como novo investidor do clube mas desapareceu em seguida, a única opção do clu-be, endividado, foi jogar o Campeonato Brasiliense com os juniores e o resultado foi um discreto 5º lugar.

Entre 2013 e 2014, o Gama não obteve desempenho suficiente no Campeonato Brasiliense para se classificar para a Série D do Campeonato Brasileiro.

Em 2015, voltou a ser campeão do Campeonato Brasiliense, depois de 12 anos sem

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conquistas, voltando a disputar uma divisão nacional. Na Série D o Gama não passou da primeira fase.

Em 2016, o Gama ficou fora da final do Campeonato Brasiliense, mas chegou na final da Copa Verde e fez uma boa campanha na Copa do Brasil.

Em 2017, assumiu o novo presidente, Weber Magalhães. A equipe não fez um bom campeonato, sendo eliminado nas quartas de final no Campeonato Brasiliense.

Metodologia Foram analisadas cerca de 20 disputas judiciais envolvendo clubes de futebol, seja na instância desportiva ou Justiça comum. Como referência bibliográfica pesquisei matérias radiofônicas, audiovisuais, impressas, online e livros relacionados ao assunto. Para esclarecimentos específicos sobre o direito desportivo brasileiro, foi entrevistado o auditor do TJD-RJ, Leonardo Antunes, especialista em direito desportivo – além de professor e palestrante sobre o assunto. Para detalhamento da cobertura pela imprensa do Distrito Federal, foi entrevistado o jornalista Roberto Naves, repórter do Correio Braziliense na época da disputa judicial e um dos responsáveis pela cobertura do “Caso Gama”. Dois dos personagens diretos do “Caso Gama” foram entrevistados: Wagner Marques, presidente da Sociedade Esportiva do Gama na época e Weber Magalhães, presidente da Federação Metropolitana de Futebol – hoje presidente do Gama. Curiosamente, ambos estiveram em lados opostos nessa disputa, por questões políticas, apesar de serem amigos. Para esclarecimentos dos resultados dessa briga para o futebol e política brasileira, foi entrevistado Aldo Rebelo, ex-ministro do Esporte, deputado federal na época e presidente da CPI da CBF-Nike na Câmara, responsável por investigar o futebol brasileiro – um dos eventos desencadeados pela briga judicial entre Gama e Botafogo. Processo Produtivo Caso Gama – A justiça feita em campo

O “Caso Gama – A justiça feita” é um livro destinado aos fãs de futebol, com direcionamento aos torcedores da Sociedade Esportiva do Gama e àqueles que gostam do futebol de uma forma alternativa, onde os clubes de menor expressão são o centro das atenções.

Por seus aspectos jurídicos, com exemplos de casos e um profissional de justiça desportiva para explicações detalhadas, o “Caso Gama – A justiça feita em campo” também será de grande relevância para advogados e outros profissionais que mantém ou pretendem seguir uma carreira no direito desportivo.

O objetivo principal do livro é mostrar,

cronologicamente, como se sucedeu a maior briga judicial já ocorrida no futebol brasileiro, mas sua criação vai muito além disso.

Como diria Joseph Goebbels, ex-ministro de Propaganda do Governo nazista de Hitler, uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade (Stille, 2006). Hoje, sempre que questionada, grande parte da mídia esportiva brasileira não sabe informar como realmente se sucedeu esse imbróglio, por isso o “Caso Gama” – que dá nome ao livro – carece de informações e muitas mentiras “se tornaram verdades”.

De cara, o “Caso Gama – A justiça feita em campo” traz seu compromisso com a verdade. As três das principais mentiras relatadas ainda hoje por veículos de comunicação conceituados no meio esportivo são desmistificadas na introdução e durante todo livro.

Foram entrevistados participantes – diretos e indiretos –, torcedores da Sociedade Esportiva do Gama, especialistas em direito desportivo e profissionais da imprensa. Para conclusão, decidi incluir as principais entrevistas, sendo o perfil desse entrevistado selecionado considerando a proposta do livro e sua relevância de acordo com as três partes indicadas na introdução deste relatório – o início da disputa judicial, o desenvolvimento e as consequências dela para o futebol brasileiro. Fundamentação Teórica O futebol brasileiro ficou marcado por grandes escândalos dentro e fora de campo. O famoso termo “tapetão” nasceu em 1969, oriundo de ação do Fluminense – protagonista (ou antagonista, você escolhe) de polêmicas das quais mudaram a história de clubes e campeonatos no Brasil. Mas não só o tricolor carioca “tem um bom advogado”. É uma prerrogativa dos chamados grandes clubes do Brasil – com raras exceções, é claro. Voltando a origem do termo. Naquele ano de 1969, o Campeonato Carioca previa pontos em dois turnos: eram 12 clubes no turno e classificavam 8 para o returno. Na segunda rodada do segundo turno, Vasco e Fluminense se enfrentaram e Flávio, artilheiro da equipe tricolor, foi expulso, tendo que cumprir suspensão automática no jogo seguinte, contra o América. O clube recorreu à Justiça comum e, no dia da partida contra o América, apresentou ao árbitro da partida uma liminar garantindo a escalação de Flávio. O atacante jogou e marcou, aos 40 da etapa final, o gol que deu a vitória ao Fluminense. Naquele ano, o tricolor foi campeão carioca. Os jornais estamparam a foto do tapete vermelho, na entrada do TJD. Passou-se então a comentar que o Fluminense “teria ganho o caso nos tapetes do tribunal”. Nascia o famoso termo “tapetão”. O bagunçado Campeonato Brasileiro de

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1999 e as manobras no tapetão se estenderam a uma batalha judicial além do Tribunal de Justiça Desportiva. O primeiro a buscar a Justiça comum foi o São Paulo. O Sindicato das Associações de Futebol Profissional do Estado de São Paulo (Sindbol) entrou com uma ação na 9ª Vara Cível da Justiça Federal, julgada no dia 12 de novembro – dois dias após a rodada final do campeonato. A ação ordinária ajuizada acabou sendo indeferida pela juíza Elaine Parise de Lima. Para o advogado do São Paulo, Marcílio Krieger, a juíza cometeu um grande equívoco, pois não soube determinar qual seria a justiça competente para apreciar a ação. Paralelo à ação do São Paulo, o advogado Paulo Goyaz, secretário-geral do PFL-DF, decidiu entrar com uma ação cível pública na Justiça do Distrito Federal contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e, por extensão, contra o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD). Paulo Goyaz usou a interpretação de que a legislação utilizada pela Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva para tirar os pontos do Botafogo e repassa-los ao São Paulo foi superada pela Lei Pelé (Lei nº 9.615/98). Alegando ainda violação de direitos dos consumidores do DF. Para que fossem transferidos os pontos ao Botafogo, o tribunal baseou-se em Resolução de Diretoria (RDI) da CBF que, sem poderes para tanto, infringiu o artigo 301 do Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), criado pela Portaria nº 328/87, do Ministério da Educação (MEC). O CBDF estabelecia para os casos de irregularidades comprovadas a punição ao time com a perda de cinco pontos, sendo que esses pontos dele retirados não seriam revertidos para o adversário. A CBF adulterou justamente esse dispositivo, à revelia de uma legislação maior: a portaria do MEC. Ela só poderia ser alterada pelo Conselho de Desenvolvimento do Desporto Brasileiro (CBDB). O advogado Paulo Goyaz, junto ao senador José Roberto Arruda (PSDB-DF), elaborou uma carta, enviada à FIFA, na qual denunciam desmandos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O PFL enviou outra mais detalhada em termos jurídicos. Um dia após o Gama enviar uma carta, a entidade máxima do futebol ameaçou suspender todas as atividades da CBF. Na nota, assinada pelo secretário-geral da FIFA, Michel Zen-Ruffinen, a entidade se diz obrigada a intervir em razão de ação na Justiça comum, ajuizada contra a CBF, “por um clube ou pessoas que lhe são próximas”. Embora não cite nenhum clube, a nota refere-se evidentemente ao Gama e também ao São Paulo – ambos citados em dossiê. De acordo com Ricardo Teixeira, a CBF não corria risco de punição como consequência dos casos de “gatos” na Seleção sub-17.

As explicações de Teixeira não foram o bastante, a FIFA cobrou um novo relatório detalhado “sobre os fatos e seus responsáveis”. De acordo com a entidade internacional, o dossiê apresentado ao Comitê Executivo mostrava a situação criada com os recursos na Justiça comum: “poderia ser dramática para o futebol brasileiro e até repercutir no plano internacional”. Ao final da nota, o secretário-geral da FIFA faz severa advertência “se a situação assim exigir, (a FIFA) não hesitará em pura e simplesmente suspender sua federação (a CBF) de qualquer atividade, inclusive ao nível de clubes, até que a situação seja restabelecida”. Em caso de suspensão da CBF, segundo o estatuto da FIFA, a Seleção Brasileira e os clubes do país ficariam impedidos de disputar competições e jogos envolvendo associações filiadas à entidade máxima do futebol. Com toda a disputa judicial, os torcedores do Gama decidiram se mobilizar e entrar diretamente na briga contra a CBF. Uma comissão, formada por 11 integrantes de torcidas organizadas foi ao Congresso Nacional para se reunir com a bancada parlamentar de Brasília. A conversa teve como intuito pedir o apoio dos políticos em favor da causa do Gama. A primeira tentativa de conversa com a bancada não foi bem-sucedida. Apenas os deputados Pedro Celso (PT) e Agnelo Queiroz (PC do B) e o senador José Roberto Arruda (PSDB) apareceram. Na conversa rápida em um dos corredores do Congresso, ficou acertada outra reunião, tendo como promessa de Arruda juntar a bancada do DF. Formou-se então o movimento “Apelo à razão, Gama na primeira divisão”. O intuito era arrecadar assinaturas a favor da permanência do alviverde na Série A. Inicialmente, foram colocadas equipes recolhendo assinaturas nas rodoviárias do Plano Piloto e do Gama e no Gama Shopping. Posteriormente, a equipe se expandiu e foi coletar assinaturas na Exposição Agropecuária em Sobradinho, Parque da Cidade, centro de Taguatinga, Feira dos Importados e Torre de TV, além dos estádios onde estavam sendo disputadas as partidas do Campeonato Candango. Foi alugado um carro de som passando pelas ruas da cidade com o abaixo assinado. Os organizadores do movimento – torcedores do Gama e a equipe do senador Arruda – deixavam bem claro que o movimento era em favor de Brasília. Outros vários parlamentares também anunciavam publicamente seu apoio a causa – muitas vezes ficando só no discurso. Foram recolhidas cerca de 50 mil assinaturas em uma semana. Torcedor x Jornalista

Para produção desse livro, tive de entrar em conflito com meu lado torcedor. Sou fã da Sociedade Esportiva do Gama desde que me

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entendo por gente e o Caso Gama é uma das principais revoltas que carrego, mesmo o clube para que torço tendo alcançado a vitória nessa disputa. Isso porque a imagem do Gama foi distorcida de tal forma por seus adversários a ponto de, até hoje, tratarem-no como grande vilão, mesmo sendo o “mocinho” da história.

No momento em que me envolvi com o jornalismo esportivo, precisei separar meu lado torcedor e o profissional, o meu trabalho é comunicar fatos: as minhas instruções não permitem qualquer tipo de comentários sobre os fatos, sejam eles quais forem (Read, 1976: 108, in Traquina, 2005: 147-148). O “Apartheid” do futebol brasileiro No futebol, a mass media tem papel determinante para crescimento dos clubes em vários aspectos, seja financeiramente ou politicamente. Hoje, a Rede Globo detém o monopólio das chamadas “cotas de televisão”, sendo dona dos direitos de imagem das três principais competições nacionais: Campeonato Brasileiro Série A e B e Copa do Brasil, além das principais competições estaduais.

Para 2018, Flamengo e Corinthians serão as equipes que terão o maior valor a receber da Rede Globo, sendo R$170 milhões para cada, chamados de “grupo A”. O São Paulo, sozinho no segundo bloco receberá R$ 110 milhões, um abismo de R$ 60 milhões. O pior fica para clubes que não estão no chamado G12 – grupo dos 12 maiores clubes do Brasil –, a Chapecoense, que ficou à frente do São Paulo no Campeonato Brasileiro de 2017 e irá disputar a Copa Libertadores, receberá R$ 32 milhões. Pior ainda para clubes vindos da Série B, o América/MG, campeão do torneio em 2017 receberá R$ 27 milhões no Brasileiro de 2018, já o Internacional, vice-campeão, ganhará mais que o dobro – R$ 60 milhões.

O futebol brasileiro é um “fosso que aumenta entre os clubes e aponta possíveis caminhos para alterar um cenário que compromete a isonomia e o próprio princípio básico de competição do esporte” (Faria, 2015).

Essa explicação serve para exemplificar o que Emanuel Leite Jr. (2015) descreve como o “apartheid” do futebol brasileiro. Em 1999, com o Clube dos 13 controlando a negociação das cotas de televisão, essa distância entre os “pequenos” e “grandes” era ainda pior.

Existia um “reinado” de Rede Globo e Clube dos 13, junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e, para percentuais de lucros maiores, esse abismo era “necessário”. Segundo Wagner Marques (2017), ex-presidente do Gama, era muito desequilíbrio, a cota, por exemplo, era muito desigual e não tinha negociação, se não aceitasse ficava sem.

Tanto que, para efeito de rebaixamento, fora implementada uma fórmula onde seria considerada a média dos pontos conquistados

pelos clubes nos dois últimos campeonatos. Com isso, clubes de menores investimentos teriam de ter duas campanhas no mínimo regulares para se livrar do rebaixamento, com o agravante para os estreantes – clubes oriundos da Série B –, contar com apenas a média de um campeonato, grande prejuízo pois o primeiro clube fora da zona de rebaixamento no anterior começava com média superior. Para se entender o desequilíbrio da média de pontos, vai alguns exemplos daquele campeonato: • O Corinthians, campeão em 1998, já estava livre de qualquer chance de rebaixamento com três partidas disputadas no Campeonato Brasileiro de 1999. • Sport/PE e Portuguesa, último e penúltimos colocados do campeonato de 1999, respectivamente, não foram rebaixados, graças a campanha de 1998. Análise O livro “Caso Gama – A justiça feita em campo” foi resultado de uma série de conflitos éticos, políticos e falhas nas leis da justiça desportiva brasileira. Na época, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) estava em alta, após ter assinado um contrato milionário com a Nike. O Clube dos 13 era quem negociava os direitos de transmissão para os grandes e, com isso, a expectativa era centralizar o Campeonato Brasileiro, para tal, manter os grandes na elite era primordial.

Mesmo com o sistema de rebaixamento por média, Botafogo e Internacional, sócios do Clube dos 13, estavam passando por dificuldades e beirando a zona de rebaixamento.

Uma brecha pôde ajuda-los: ao descobrir a irregularidade no passe do jogador Sandro Hiroshi entraram com um recurso. Isso não os ajudaria, apenas prejudicaria o São Paulo – dono do passe de Sandro Hiroshi, na época.

Por algum motivo, o Tribunal de Justiça Desportiva julgou o caso usando como base uma Resolução de Diretoria (RDI) da CBF, ignorando o artigo 301 do Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), criado pela Portaria nº 328/87, do Ministério da Educação (MEC) e lei máxima da justiça desportiva na época para julgamentos no âmbito do futebol.

As aberrações não param por aí. O Botafogo, que perdeu por 6 a 1, ganhou 3 pontos – referentes a uma vitória – e o Internacional, que empatou com o São Paulo, levou apenas mais um ponto, ou seja, sua pontuação na partida foi de 2 pontos – o que não existia no futebol.

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Figura 1 – Correio Braziliense – 10/11/1999.

Fonte: Acervo Busca CB http://buscacb.correiobraziliense.com.br/

O Gama entra nessa história por ser adversário direto dos dois clubes na disputa contra o rebaixamento. Ao final do campeonato, se Botafogo e Internacional não houvessem ganho os pontos de maneira irregular, o clube do Distrito Federal não seria rebaixado.

Segundo o próprio presidente do Gama na época, Wagner Marques (2017): “Depois do último jogo, voltando para o hotel, uma advogada do Rio Grande do Sul me ligou e disse: “vocês não caíram”. Como assim não caímos? Aí ela foi explicar: “a equipe que entrar com jogador irregular perde cinco pontos, mas o resultado da partida permanece”. Entramos com recurso na justiça desportiva, não fomos ouvidos e então fomos à Justiça comum e assumimos esse risco” (MARQUES, Wagner, 2017)

Figura 2 – Correio Braziliense – 12/11/1999.

Fonte: http://buscacb.correiobraziliense.com.br/

A briga se estendeu por vários meses. O Gama estava irredutível, pagou por bater de frente com os grandes, sofrendo com represálias, mas, no final, fez o que nenhum clube tinha feito no Brasil: nocauteou a CBF.

Figura 3 – Correio Braziliense - /07/2000. Fonte:

http://buscacb.correiobraziliense.com.br/

No dia 20 de julho de 2000, às 11 horas, o senador José Roberto Arruda (PSDB-DF) se reuniu com Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Fábio Koff, presidente do Clube dos 13 e Marcelo Campos Pinto, representante da Rede Globo, para tentar chegar a um acordo e encerrar o embate judicial. Foi entregue um documento com 100 mil assinaturas recolhidas no Distrito Federal na campanha dos torcedores gamenses Apelo à razão, Gama na primeira divisão.

Figura 4 – Correio Braziliense - . Fonte: http://buscacb.correiobraziliense.com.br/

E o resultado, após nove meses

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de briga, foi a vitória. Em reunião que durou uma hora e meia, o senador Arruda entregou a Ricardo Teixeira um documento onde o clube candango prometia abrir mão dos efeitos das ações que corriam na Justiça Federal em seu favor, em troca da vaga na Série A da Copa João Havelange. O documento, assinado por Arruda e pelo presidente de honra do Gama, Wagner Marques, foi enviado pela CBF à Federação Internacional de Futebol (FIFA) com o objetivo de cancelar a suspensão imposta pela entidade ao alviverde. O único detalhe era que o Gama não era responsável por retirar as ações na Justiça comum, porque a ação foi ajuizada pelo PFL-DF e o Sindicato dos Treinadores Profissionais de Futebol do Distrito Federal.

Figura 5 – Correio Braziliense – 07/2000. Fonte:

http://buscacb.correiobraziliense.com.br/ No dia seguinte, em reunião no Hotel Othon, em Copacabana, o Clube dos 13 definiu a Copa João Havelange. Em pronunciamento de Eurico Miranda, foi acordado que a competição teria 109 participantes, divididos em quatro módulos, com o principal sendo o Azul, integrado por 25 clubes. Classificariam os 12 primeiros do Módulo Azul, os três primeiros do Amarelo e o campeão dos módulos Verde e Branco. Na tabela provisória, ficou definido a estreia do Gama no dia 29 de julho, contra o América-MG, em Belo Horizonte. A entidade ainda dispensou ajuda da CBF, assegurando que não usaria a estrutura disponibilizada por Ricardo Teixeira. Nem com a Justiça Desportiva. A arbitragem também ficaria por conta do Clube dos 13.

Figura 6 – Correio Braziliense - /07/2000. Fonte:

http://buscacb.correiobraziliense.com.br/

Considerações Finais Decidi escrever um livro sobre o “Caso

Gama” pois queria fazer algo que nunca ninguém fez: detalhar uma das maiores brigas judiciais do futebol brasileiro, com riqueza de detalhes e, cronologicamente,

O “Caso Gama” desencadeou melhorias na justiça desportiva, principalmente pela criação do Estatuto do Torcedor, consequentemente melhorando também a qualidade do futebol brasileiro.

Fico satisfeito por incluir em um só trabalho, todos os fatores relevantes à Sociedade Esportiva do Gama e o futebol brasileiro em geral, resultado de uma das maiores batalhas do futebol brasileiro e, ainda, comparar e analisar outras disputas judiciais relevantes ao futebol brasileiro e a contribuição do direito desportivo para o esporte.

Curiosamente, no chamado “país do futebol”, disputas nos tribunais entraram para a história tanto quanto aquelas disputadas no campo. Inclusive, a briga mais antiga do futebol brasileiro ainda não acabou. A ‘final’ do Campeonato Brasileiro de 1987 começou há 30 anos e, mesmo com decisão do Supremo Tribunal Federal a favor do Sport-PE, o Flamengo não desistiu e pretende alongar a disputa, recorrendo a FIFA.

Desde o Caso Gama foram sete decisões em que clubes perderam pontos por irregularidades no Campeonato Brasileiro. O STJD definiu rebaixamento, vaga na Libertadores e diria até que teve um peso importante na história do São Caetano a partir de 2004, após a morte em campo do volante Serginho – hoje o Azulão sequer está na Série D.

Os clubes que hoje estão no monopólio do

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futebol brasileiro, o chamado “G12” são os quatro maiores do Rio de Janeiro, quatro de São Paulo, dois de Minas Gerais e os dois do Rio Grande do Sul.

Desde o Caso Gama foram sete decisões em que clubes perderam pontos por irregularidades no Campeonato Brasileiro. O STJD definiu rebaixamento, vaga na Libertadores e diria até que teve um peso importante na história do São Caetano a partir de 2004, após a morte em campo do volante Serginho – hoje o Azulão sequer está na Série D. No total, foram 51 pontos definidos nos tribunais, sendo 47 perdidos por clubes considerados pequenos – fora do “G12”. Apenas um clube grande perdeu pontos – Flamengo, em 2013, quatro pontos por escalação irregular de Nadré Santos, na última rodada do Brasileirão.

Quem mais perdeu pontos foi o São Caetano. Em 2004, o volante Serginho, após um ataque cardíaco durante a partida contra o São Paulo, morreu no hospital. Foi decidido pelo tribunal que o Azulão teria escalado o jogador em seis partidas após a comprovação de problemas de saúde e o clube perdeu 24 pontos.

Por irregularidades na escalação de jogadores, o Paysandu perdeu 8 e a Ponte Preta 4 pontos, em 2003. O Grêmio Prudente foi punido com a perda de 3 pontos em 2010 e a Portuguesa acabou rebaixada em 2013 com a perda de 4 pontos.

O Brasiliense, arquirrival do Gama, em sua meteórica passagem na Série A foi punido com a perda de um ponto por ter vendido ingressos na partida de estreia no Brasileirão de 2005, contra o Vasco, mesmo tendo sido avisado de que o jogo deveria ser de portões fechados. Agradecimentos

Agradeço a Deus, minha mãe e meu pai, que estiveram do meu lado, principalmente em horas difíceis como quando estive sem computador e sem dinheiro para concertar.

Agradeço aos entrevistados, o ex-presidente do Gama, Wagner Marques, parte importante para que escrevesse sobre o caso; O atual presidente do Gama, Weber Magalhães, na época presidente da Federação Metropolitana de Futebol do DF; Roberto Naves, jornalista do Correio Braziliense na época e que me ajudou de várias formas para conseguir informações sobre o caso; o ex-ministro do Esporte e ex-deputado federal, Aldo Rebelo, importante para me dimensionar qual foram os benefícios e malefícios do Caso Gama para o futebol brasileiro e meu amigo Leonardo Antunes, advogado e auditor no Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro, que foi primordial para que entendesse de uma área onde até então era totalmente leigo: direito desportivo.

Além daqueles entrevistados “formalmente”, foram muitos com quem bati papo sobre o caso e a quem também sou muito grato: meus amigos

Marcelo Vaz e Wendel Lopes, também advogados e especialistas em direito desportivo, além de torcedores do Gama; Vicente de Lima, ex-presidente de uma torcida organizada do Gama, que me ajudou muito com a parte fotográfica do meu livro. São ainda vários outros, se for falar um por um escreveria um texto.

Sou grato a meus professores do curso de Jornalismo, meu orientador, Romoaldo, não só por ter me ajudado a escrever esse relatório e a marcar entrevistas, mas por todos seus ensinamentos, determinantes para que chegasse até aqui; Luiz Reis e André Cunha, dois dos que mais me espelhei para escrever e, agora, publicar uma obra na qual sou o ator e claro a professora Marta, uma de minhas inspirações para executar o produto deste relatório, provavelmente ela não lembrará, mas em um belo dia após a aula, comendo bomba e trocando um papo, ela me disse que o TCC deveria ser um desafio e responder a uma pergunta, vi que meu planejamento de TCC não tinha esse viés e me propus esse desafio.

Por fim, dedico ao professor Chico, a quem tem muito carinho e me ajudou muito nessa longa caminhada. Referências TORRES, Silvio. Relatório Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar a regularidade do contrato celebrado entre a CBF e a NIKE, 2001 ALTHOFF, Geraldo. Relatório Comissão Parlamentar de Inquérito Volume IV, 2001 SOARES, Eduardo com Agências Folha e Estado. Tapetão ajuda o Botafogo, Correio Braziliense, 10/11/1999 Ameaça nos bastidores, Agências Folha e Estado, 11/11/1999 OLIVEIRA, Hélio. Futuro Incerto, Correio Braziliense, 12/11/1999 NAVES, Roberto. Torneio de Várzea, Correio Braziliense, 12/11/1999 MAGALHÃES, Luiz Roberto. Chama da revolta, Correio Braziliense, 14/11/1999 NAVES, Roberto. Vitória no Tapetão, Correio Braziliense, 14/11/1999 SOARES, Eduardo e OLIVEIRA, Hélio. Esconde-esconde na CBF, Correio Braziliense, 18/11/1999 REDAÇÃO. Guerra total, Correio Braziliense, 23/11/1999 OLIVEIRA, Hélio. Torcida no tribunal, Correio Braziliense, 24/11/1999 NAVES, Roberto. Gama e São Paulo unidos, Correio Braziliense, 25/11/1999 Juiz federal determina volta do Gama a 1ª divisão, Correio Braziliense, 30/11/1999 BARBOSA, Cida. Vencida a primeira batalha, Correio Braziliense, 01/12/1999 OLIVEIRA, Hélio. Gama vence mais uma, Correio Braziliense, 10/12/1999

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SOARES, Eduardo. FIFA de olho no Gama, Correio Braziliense, 15/12/1999 SOARES, Eduardo. Futebol brasileiro ameaçado, Correio Braziliense, 17/12/1999 OLIVEIRA, Hélio. Resposta à CBF, Correio Braziliense, 18/12/1999 OLIVEIRA, Hélio. Perseguição ao Gama, Correio Braziliense, 28/12/1999 BARBOSA, Cida. Wagner Marques critica a Federação, Correio Braziliense, 12/01/2000 BARBOSA, Cida. Mobilização pelo Gama, Correio Braziliense, 18/05/2000 BARBOSA, Cida. CBF em xeque, Correio Braziliense, 26/05/2000 BARBOSA, Cida. Caça ao Gama, Correio Braziliense, 30/06/2000 SOARES, Eduardo. Só não pode o Gama, Correio Braziliense, 01/07/2000 NAVES, Roberto. Cachimbo da paz, Correio Braziliense, 25/07/2000 NAVES, Roberto. O padroeiro do Gama, Correio Braziliense, 21/07/2000 NAVES, Roberto. Vitória, Correio Braziliense, 21/07/2000 NAVES, Roberto. Na justiça e na bola, Correio Braziliense, 25/07/2000 BRASÍLIA, Sucursal de. Eurico Miranda entra em atrito com jornalista, Folha de São Paulo, 08/11/2000 BRASÍLIA, Sucursal de. Contrato que motivou CPI sai ileso de depoimentos, Folha de São Paulo, 2000 MELLO, Fernando. CPI do Senado quer intervir na Copa JH, Folha de São Paulo, 2000 ASSUMPÇÃO, João Carlos. Liga Nacional com 24 clubes exila o Gama, Folha de São Paulo, 2000 REDAÇÃO. Painel FC, Folha de São Paulo, 2000 BOMBIG, José Alberto. CPI da CBF/Nike termina sem relatório, Folha de São Paulo, 14/06/2001